Espaçonave Orion - 01 - MZ 4 Não Responde
Espaçonave Orion - 01 - MZ 4 Não Responde
Espaçonave Orion - 01 - MZ 4 Não Responde
Tradução de A. F. IMMERGUT
EDIÇÕES DE OURO
Todos os personagens deste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas ou
acontecimentos da vida real é mera coincidência.
COLEÇÃO INFINITUS
ESPAÇONAVE ORION
1
***
Por muitas razões, as bases das espaçonaves eram todas
subterrâneas.
Aqui, no norte do continente australiano, no golfo de Carpentaria,
encontrava-se a Base 104. Entre Groote Eylandt e Duifken Point
tinham sido construídos os estaleiros dos cruzadores, as vias de
suprimento de energia, as instalações técnicas e os alojamentos do
pessoal de serviço. Uma vasta rede de galerias e corredores
secundários superpostos erguia-se do fundo do mar até a terra firme,
interligados por vias de transporte e escadas rolantes. Uma escotilha
abriu-se.
O corredor levava, em linha reta, às antecâmaras do campo de
decolagem; tinha uns três metros de diâmetro, e sua iluminação
provinha de luminárias embutidas, de trecho em trecho, no piso de
plástico corrugado. McLane e sua equipe atravessavam esse corredor
— com exceção de Mario, que já se encontrava a bordo da nave.
Entraram numa cabine de pressurização, que separava o campo de
decolagem das demais instalações. Suas paredes e comportas eram
capazes de resistir à tremenda pressão hidrostática que atuava sobre a
base submarina. Silenciosamente, a espessa placa de aço se fechou
atrás dos homens.
— Cadete McLane e equipe estão a caminho! — murmurou Cliff.
Hasso torceu os lábios num sorriso furtivo.
A comporta externa da cabine abriu-se, liberando o acesso ao
campo de decolagem. O gigantesco cilindro de aço possuía um
diâmetro de quase um quilômetro; no centro, pousara a Órion VII. Os
holofotes, dispostos ao longo da periferia, lançavam seus possantes
feixes de luz verticalmente para cima, mergulhando a cena numa
luminosidade azulada e carregada de tensão. O chão da base, escavado
na rocha submarina, por fusão, há um século, era revestido com
enormes placas que evitavam a infiltração de água e resistiam às
forças liberadas durante os pousos e decolagens. Uns trinta homens do
serviço de solo estavam trabalhando.
Removiam máquinas e aparelhos de teste utilizados durante a
revisão a que a Órion tinha sido submetida durante as últimas quarenta
e oito horas.
McLane e seus companheiros dirigiram-se à nave.
Dez metros acima do solo, a Órion mantinha-se sobre um anel de
raios antigravitacionais. Os círculos no chão designavam os pontos
onde os raios incidiam. McLane foi o primeiro a entrar no elevador,
um esbelto tubo telescópico que descia da parte inferior da nave até o
solo; os outros o seguiram.
Uma luva cilíndrica cobriu a entrada, fechando o elevador; as
largas faixas de vedação aderiram firmemente ao tubo e o dispositivo
hidráulico alçou o elevador para o interior da nave.
A Órion VII era um disco achatado e de formato excepcional, com
um diâmetro de cinqüenta metros. A altura, entre o piso corrugado do
elevador e a ponta da antena do radar, era de uns doze metros. Duas
escoras de aço, que se projetavam além da borda externa, suportavam
os canhões da nave, abrigados em duas ogivas revestidas. Os ruídos
familiares das máquinas receberam a tripulação, que se dirigiu às suas
cabines para trocar a farda pelo traje de bordo.
Três minutos depois, Cliff entrou na sala de comando, um recinto
circular de dez metros de diâmetro e repleto de instrumentos,
aparelhos, poltronas e escoras metálicas.
— Tudo pronto, Mario? — perguntou Cliff, ocupando sua poltrona
diante do painel de controle.
Cliff calcou uma série de teclas; sucessivamente, uma infinidade
de luzes foi se acendendo: as luminárias no alto, os pequenos
monitores entre as vigas cromadas do teto, as escalas e mostra-dores
dos instrumentos e a gigantesca tela de imagem em frente ao assento
do comandante.
Helga Legrelle, também trajando o macacão de bordo, entrou na
cabine e sentou-se.
— Mario — a voz de McLane era calma — verificou a
programação?
Os dedos do subcomandante estavam sobre o teclado da unidade
de entrada do computador.
— Nosso gênio eletrônico está perfeito — respondeu — mas não
me pergunte quantas garotas encantadoras do corpo de cadetes tiveram
que levar o bolo por causa dele!
Com bem treinados movimentos, Helga girou uma série de botões;
silenciosamente, uma vida misteriosa despertava nos aparelhos.
— Computador perfeito; curso e coordenadas de vôo?
— Tudo em ordem, Cliff! — respondeu De Monti.
— Controle de bordo!
Mario sentou-se ao lado de Cliff e, juntos, testaram as principais
operações de comando.
— Controle completado — disse Mario ao fim de alguns minutos.
Hasso, o engenheiro de bordo, e Atan Shubashi, o astronavegador,
entraram na cabine e ocuparam seus lugares; o teste de rotina
prosseguiu.
Tamara Jagellovsk, tenente de l.a classe, desceu a estreita escada e
entrou na sala de comando; ninguém deu-lhe atenção. Indecisa, parou,
recostando-se finalmente numa das escoras recurvadas, em atitude de
expectativa. Trajava o "pequeno uniforme de bordo", uma peça única
cinza-escura.
O livro de bordo eletrônico já estava ligado.
Hasso puxou um microfone e comunicou:
— Máquina para comandante: campo de gravitação artificial em
ação à hora zero menos seis segundos.
— Tamara Jagellovsk, do Serviço de Segurança Galático,
apresenta-se a bordo — disse Tamara, a meia voz. Continuava a ser
ignorada pela tripulação, mas o livro de bordo tinha registrado os
impulsos.
— Comandante para astronavegador — disse Cliff no seu
microfone — aprontar computador para controle automático !
— Computador assume à hora zero menos dez segundos, chefe!
Atan Shubashi manipulava os controles.
Observando uma série de sinais eletrônicos e faixas luminosas que
tinham aparecido nos seus instrumentos, Helga anunciou:
— Vigilância Espacial entrou no circuito. Raio-piloto firme. Órion
e Base 104 em comunicação radiofônica com Estação Avançada IV.
Helga transferiu uma mensagem para o intercomunicador de
bordo. O controle de vôo da base estava instalado numa compacta
cabine, à prova de pressões, situada na borda superior do poço
metálico, com ampla visão do campo de decolagem. A voz do
encarregado ressoava nos alto-falantes:
— Aqui fala a Base 104. Controle de vôo para cruzador espacial
rápido Órion VII... autorizado a decolar.
— Obrigado, base! — disse Cliff e cortou a ligação. A voz nos
alto-falantes prosseguia:
— Base 104 transfere controle para Estação Avançada IV.
— Preparar para decolagem — ordenou Cliff. — Primeiro estágio
de aceleração. Ligar equilibrador de pressão. Ativar campo de força
gravitacional artificial!
Hasso e Atan manejavam seus comutadores e manetes. Com
propositada indiferença, Cliff virou-se e olhou para Tamara. Com voz
alta — que o livro de bordo registrou — disse, fingindo-se surpreso:
— Ora veja! A senhora também está aqui?
Tamara acenou e devolveu-lhe um sorriso sarcástico.
— Para decolar — prosseguiu McLane, com ironia — eu dispenso
tanto o seu auxílio quanto a sua vigilância. Queira ter a bondade de
voltar à sua cabine; ligue a comunicação de bordo... para isto, aperte
um pequeno botão com as letras SCB: sistema de comunicação de
bordo.
Sua falsa afabilidade tornou-se cáustica.
— Se preferir um contato visual recorra ao videofone. No armário
embutido vai encontrar sua bagagem de bordo, rações compactas
suficientes para doze meses e uma pistola paralisadora, caso queira
imobilizar-se!, e se, porventura, a senhora se sentir muito mal mesmo,
recorra aos nossos leitos frigoríficos, que estão dia e noite à sua
disposição!
McLane virou-se e começou a observar a grande tela circular.
— Bem que gostaria de me congelar, não é mesmo, major
McLane? — perguntou Tamara.
— Infelizmente, as minhas predileções não podem ser discutidas
— resmungou McLane. — Agora, vá se deitar; mas antes ligue o
campo gravitacional na sua cabine. Se lhe acontecer alguma coisa,
ainda vão me acusar de tentativa de homicídio.
Tamara engoliu em seco, virou-se e dirigiu-se ao pequeno elevador
que a levaria ao convés II. Enquanto a porta se fechava, ouviu as
ordens seguintes do major.
— Hasso! Agregados de fótons a meia força.
O engenheiro pressionou três botões no painel de controle.
Um fino e cavernoso zumbido atravessou a nave, sacudindo as
escoras; a uma determinada velocidade de rotação das máquinas, os
diversos compartimentos entravam em ressonância; ultrapassado o
valor crítico, as vibrações voltavam à sua amplitude normal.
— O computador assumiu o controle automático — informou
Hasso.
— Ótimo! Então, vamos decolar! As equipes de serviço tinham-se
retirado, e o campo estava vazio e escuro. A voz mecânica terminou a
contagem regressiva e a Órion começou a erguer-se lentamente. Ao
mesmo tempo, com gradual aumento de força, os projetores fizeram
recuar as massas d'água.
Um redemoinho apareceu na superfície da enorme baía, ampliando
constantemente seu diâmetro, até que a parede de água tumultuada
atingiu o fundo do mar. Como uma fênix, a Órion elevou-se através do
vazio desse poço líquido, atingiu a superfície e o turbilhonamento
tornou-se cada vez mais lento; a calma retornava ao mar revolto; um
pouco mais tarde, gigantescos vagalhões iriam fustigar as margens da
baía. O ronco dos motores tornou-se mais uivante.
A enorme pressão exercida pela nave, que agora partia a plena
potência rumo ao espaço, era neutralizada pelos retardadores.
Ganhando velocidade, a Órion atravessou a troposfera e irrompeu
através de uma formação de nuvens.
Vinte mil metros... a nave penetrava na estratosfera; a exaustão dos
seus reatores pulverizou as últimas nuvens cirro-cúmulos...
Camada de Heaviside... camada inferior de Appleton... termosfera.
A envoltória gasosa tornava-se cada vez menos densa... exosfera e
cinturão de Van Allen. E a Órion projetava-se no espaço livre em
direção ao Sol.
O gigantesco computador digital estava em pleno funcionamento,
emitindo seu débil matraquear.
O ruído dos propulsores tornava-se paulatinamente mais baixo e,
quando os motores passaram a operar nas freqüências ultrassônicas,
cessou por completo.
Hasso levantou a mão, chamando a atenção de Cliff.
— Você pretende manter Tamara confinada na cabine durante toda
a viagem? Sem dúvida ela vai considerar isto como cerceamento de
liberdade... e você está se arriscando a uma nova punição!
Mario observou, com raiva:
— Não precisa muito, e a empáfia dela acaba; no fim, vai comer
mansinha nas nossas mãos!
— ...ou nós nas mãos dela! — retrucou Shubashi, descrente.
— Não me faça rir! — disse Hasso.
— Até agora conseguimos remover todos os obstáculos que nos
colocaram no caminho!
Atan Shubashi balançou a cabeça numa demonstração de profunda
dúvida.
— Não sei, não — disse, pensativo
— mas há alguma coisa no nosso tenente Jagellovsk que
decididamente não me agrada!
— Pois eu já descobri uma porção de coisas nela que me agradam
bastante! — respondeu De Monti, exibindo um largo e vaidoso
sorriso.
— Seu velho presunçoso! — disse Helga, com ênfase. — Se você
pensa ter a menor chance...
— Mas, Helga, minha querida... — interrompeu De Monti,
simulando surpresa — será que você já está ficando com ciúmes?
— Vá tomar banho! — limitou-se Helga a responder.
Hasso tentou acalmar os ânimos. Em tom professoral, declarou:
— Estamos discutindo o sexo dos anjos; para mim, Tamara não
passa de um robô fantasiado de mulher; tenho dito.
Mario mexeu num botão e disse:
— Isso nós podemos verificar já, já! Vamos ver o que ela está
fazendo.
Uma tela aclarou-se por cima do painel de instrumentos; a cabine
de Tamara apareceu no videofone.
Com as pernas encolhidas, a agente do S.S.G. estava sentada no
seu leito, lendo. Manejando o controle remoto, Mario obteve a
ampliação máxima da lente, e conseguiu ler o título do livro:
Hammersmith: Psicologia dos Astronautas. Com um gesto rápido, o
subcomandante desligou o monitor.
— Acabamos de assistir — anunciou McLane — a uma
intervenção na esfera íntima. Se você quiser falar com ela, sirva-se do
SCB, como manda o figurino.
— Ora, bolas! — respondeu Mario, rindo. — Será que não se pode
participar de uma leitura tão instrutiva?
Em seguida, calcou o botão do SCB na sua mesa e disse, no
microfone:
— Tenente De Monti para oficial de segurança Jagellovsk: está me
ouvindo? Então ligue o seu videofone, por favor.
Imediatamente, a imagem de Tamara reapareceu; sua resposta
resumiu-se num breve "sim?"
Mario mobilizou todo o seu charme e dirigiu um sorriso amável à
tela.
— Uma pergunta extra-oficial, tenente Jagellovsk. Após a partida,
aceitaria um uísque no meu camarote?
Sem retribuir o sorriso, Tamara respondeu imediatamente:
— Uma pergunta oficial: o senhor realmente tem uísque?
— Se tenho uísque? — disse De Monti, quase ofendido. — tenho
uma caixa inteirinha!
O rosto de Tamara cresceu na tela do monitor.
— Muito interessante. Agradeço-lhe imensamente pela
informação. Vou ter que incluí-la no meu relatório.
A tela extingiu-se; Tamara tinha desligado o videofone.
McLane, Hasso, Helga e Shubashi caíram na risada; Mario
permaneceu sentado diante do seu painel, com expressão abobalhada,
e cocou a nuca.
O riso geral foi interrompido pelo aviso de Shubashi:
— Astronavegador para comandante!
— Sim, o que há? — perguntou Cliff, atento, e virou-se
rapidamente.
— Estou recebendo um informe da estação meteorológica solar
Dragon em Mercúrio. Transfiro para amplificadores.
Os chiados e crepitações das interferências inundaram a cabine; a
voz automática de uma fita magnética -sem fim mal se fazia ouvir.
— De Dragon para todos... para todos... uma tempestade
provocada por erupções solares desloca-se em direção Norte. Há
perigo de fortes chuvas radiativas no Cubo 1. Dragon para todos...
Tamara retornou à sala de comando e recostou-se novamente na
escora metálica. As interferências continuavam a emanar dos
alto-falantes, mescladas de silvos.
— De Dragon para todos... Chuvas radiativas no Cubo Norte 1...
Chuvas radiativas...
McLane desligou o piloto automático e efetuou uma rápida
correção do curso. A Órion inclinou-se ligeiramente e desviou-se da
reta imaginária que a levaria ao seu destino. O grande disco ainda
estava se deslocando com velocidade inferior à da luz, e constituía-se
num enorme alvo no espaço normal.
— ...para todos os cubos espaciais na vizinhança de Terra: as
ondas de radiação têm um período de vinte e sete minutos,e
deslocam-se...
As interferênciais tornaram ininteligível uma parte do aviso.
— ...intensidade de radiação atingiu valor cento e cinqüenta vezes
maior que limites normais... Dragon para todos...
McLane ordenou:
— Basta. Desligue, Atan! Vamos abandonar o curso e seguir a rota
de desvio. Verifique as respectivas coordenadas! Ocupem os seus
postos! Ligar o computador!
Tamara aproximou-se da mesa de Cliff.
— Ouvi direito? — perguntou — outras coordenadas?
— Ouviu, sim! — rosnou McLane. — Outras coordenadas! Ou
está, por acaso, cansada da vida?
— Não é nada disso — respondeu Tamara — mas eu exijo que a
Estação Avançada IV seja informada da nossa mudança de curso,
major McLane!
Hasso lançou um longo olhar para McLane, outro para a agente do
S.S.G. e saiu calmamente da sala de comando, para ocupar seu lugar
entre as máquinas no convés inferior. Shubashi dirigiu-se a Tamara.
— É totalmente indiferente para a estação avançada se alteramos a
rota; acredita que eles poderiam nos ajudar?
E prosseguiu:
— Erupções na cromosfera do Sol desenvolvem velocidades de até
setecentos quilômetros por hora. Causam perturbações na ionosfera e
acabam com qualquer comunicação radiofônica. Essas radiações
compõem-se de prótons e elétrons e, afastadas do Sol, podem atingir
até dois mil quilômetros horários. Nossa nave correria um grave risco
se mantivéssemos o curso atual.
Em voz mais alta, Tamara insistiu que sua exigência fosse
cumprida. McLane, furioso, disse:
— No mínimo, em cubo espacial as comunicações entram em
colapso por ocasião de uma erupção solar; quer que eu envie um
mensageiro ao satélite?
Voltou-se para seus instrumentos e continuou a controlar a
mudança de curso. Shubashi operava o computador, reprogramando
linhas inteiras de dados. Helga manipulava os filtros do rádio,
tentando entender um texto no meio daquela balbúrdia de
interferências. Mas era em vão; as perturbações tornavam-se cada vez
mais intensas. Em voz baixa, a jovem de cabelos negros e nariz
pequeno, disse:
— E nós tínhamos receio de que este vôo ia ser a coisa mais chata
deste mundo!
As primeiras partículas se chocaram contra o anteparo que
envolvia a nave. Um ruído crepitante percorreu o disco; era como se
uma força invisível estivesse esmagando o seu casco metálico.
— Atenção! — gritou Helga. — Aviso de emergência! Peguei os
impulsos de uma ramificação; manobra de desvio; rápido, Cliff!
A Órion tombou ligeiramente e afastou-se da zona periférica da
tempestade radiativa. A nave deslocava-se a uma velocidade que as
partículas jamais poderiam atingir; por isso, o disco só era atingido,
vez por outra, por uma dessas ramificações; e, exatamente por estes
pontos de tangência, passava o novo curso que McLane tinha adotado.
Como uma pedra pulando de onda em onda, a Órion VII percorria
a periferia da nuvem radiativa que se alastrava do Sol. Só mais alguns
minutos separavam a nave do primeiro salto no hiperespaço, mas isto
já seria novamente tarefa para o piloto automático.
Helga e Tamara tinham se postado ao lado de Shubashi, sentado
em sua espumosa poltrona. Na enorme tela à sua frente, observavam o
incomparável espetáculo das cascatas incandescentes e multicores, que
se formavam quando o anteparo era atingido pelos fótons. Tamara não
conseguia disfarçar seu nervosismo, já notado por todos.
— Conseguimos? — perguntou, com voz insegura.
— Sempre conseguimos, tenente! — disse Helga Legrelle. —
Sabe, nossa equipe e o comandante McLane...
Neste preciso momento, a nave estremeceu sob o impacto de uma
violenta explosão.
4
***
***
Os três círculos luminosos do dispositivo de mira deslizavam
lentamente sobre a tela; em dado momento, tornaram-se concêntricos.
o centro comum apontando diretamente para a abóbada que abrigava
as instalações e os alojamentos de MZ-4. Mario largou as alças do
mecanismo de ajustagem como se estivessem em brasa. Levantou-se
de um só pulo e disse, por entre os dentes cerrados:
— Faça-o você mesmo!
McLane, que se aproximava, parou abruptamente entre a borda da
poltrona e a tela do dispositivo de mira. Olhou, de lado, para o rosto
de Mario que, com uma expressão de profundo desprezo, lhe voltou as
costas. O comandante aspirou profundamente e apertou o gatilho. Dois
eletródios começaram a aproximar-se um do outro, por trás de uma
espessa blindagem de quartzo. Bastava que se tocassem e o
curto-circuito resultante libertaria a torrente energética que, através
dos projetores, se lançaria devastadoramente sobre o alvo.
O disparador automático emitia um fino zumbido.
A distância entre os veios metálicos era cada vez menor; poucos
centímetros separavam as duas pontas. O suor escorria da testa de
Mario, mas o subcomandante tremia de frio. De repente, com um
golpe curto e rápido, McLane bateu com a quina da mão na trave de
segurança do disparador. Instantaneamente, os dois eletródios
cessaram seu movimento de aproximação.
O rosto de Tamara apareceu na tela do videofone; sua voz era
ríspida:
— Comandante McLane, prossiga! Obedeça às ordens! O senhor
tem que destruir MZ-4!
Cliff ergueu a cabeça e lançou um olhar selvagem em direção à
imagem na tela. Só ele sabia o quanto lhe havia custado apertar aquele
gatilho. Agora, era incapaz de fazê-lo novamente.
— Sei, que tenho que destruí-lo! — berrou, com a voz rouca de
emoção — mas eu não quero, entendeu? Eu não posso!
Em rápida sucessão, uma série de mostradores retangulares
apagou-se. Alarmado, De Monti agarrou seu chefe pelo braço e
apontou para os instrumentos cegos:
— Cliff, estão drenando toda a nossa energia operacional!
— Que quer dizer isso? — perguntou Tamara.
— Isto quer dizer, para todos os efeitos, que não podemos mais
destruir MZ-4, mesmo se quiséssemos.
Apertou a tecla fatídica. Imediatamente, os dois eletródios
voltaram a se deslocar, aproximando-se perigosamente. Mais um
breve instante, e o arco voltaico saltaria de uma ponta à outra. Mas
nada aconteceu.
— Comandante — anunciou Helga pelo intercomunicador —
reduziram a distância para cinqüenta segundos-luz; estão se
aproximando rapidamente!
— Cliff — suplicou Mario — não há nada que podemos fazer no
momento; vamos dar o fora; só nos resta a partida rápida!
— Muito bem; então vamos ver se funciona!
McLane saiu na disparada do posto de combate e jogou-se na
poltrona em frente ao seu painel de controle. A eletrônica já tinha
recanalizado o fluxo-energético, capacitando os propulsores a
desenvolver a potência necessária, e a Órion partiu como um raio; na
sua esteira, uma névoa de íons pairava no espaço. O inimigo estava se
aproximando implacavelmente.
McLane torturava seu cérebro à procura de um desfecho para a
missão, que não envolvesse luta, destruição e morte. Meia hora mais
tarde, a trinta minutos-luz do asteróide, a Órion parou no espaço,
ocupando uma posição de vigilante expectativa.
***
A sala era ampla e escura. No meio de incontáveis aparelhos
inoperantes e painéis de instrumentos apagados, havia uma tela de
radar que, misteriosamente, estava em funcionamento. Hasso e Atan
passaram a observá-la. as armas destravadas nas mãos; até agora,
nenhum dos extraterranos tinha se aproximado deles. Hasso apontou
para a tela, cujo ponteiro girava com incrível rapidez. Sete pontos
luminosos destacavam-se do fundo escuro.
— Lá vêm eles — disse Hasso — e não falta um sequer!
Lançou um olhar significativo para Atan, e acrescentou:
— Portanto, se realmente houve um combate, Cliff não conseguiu
destruir uma única. Será que a Órion ainda existe?
— Creio que não; agora mesmo tentei estabelecer contato com
ela... nenhuma resposta!
— O que significa: a Órion foi aniquilada e McLane está morto.
— Morto como nós.
Hasso raciocinava. Na sua longa vida de astronauta, tinha
conhecido alguns planetas cujos habitantes ainda rastejavam no
crepúsculo de uma pré-cultura. Mas esta era a primeira vez que se
defrontava com seres inteligentes, e estava firmemente convencido de
que escaparia à ameaça mortal que representavam. No íntimo, não
acreditava na morte de McLane. Virou-se para Atan e disse:
— Mas, até lá, vamos aplicar alguns dos nossos truques.
Conhecemos essa estação e suas instalações como a palma da mão. Se
formos para o além, alguns daqueles transparentes vão ter que nos
acompanhar.
Shubashi soltou um riso curto e irritado.
— E como é que você pretende fazer isso, Hasso? São imunes às
nossas armas; a energia atravessa o corpo deles sem causar a menor
lesão. Não têm necessidade de oxigênio ou de outro gás qualquer para
viver e...
Uma expressão pensativa apareceu nos olhos do engenheiro.
— Oxigênio... — murmurou.
Atan virou-se rapidamente e cravou os olhos espantados no rosto
de Hasso.
— Se eles... — começou a frase, sem terminá-la. Hasso acenou
levemente com a cabeça e esboçou um sorriso; o primeiro que deu em
MZ-4...
— Nós somos idiotas — constatou. — Se eles não precisam de
oxigênio, muito bem; é problema deles. Mas, por que então desligaram
ou destruíram toda a instalação? Só há uma explicação: para eles,
oxigênio é tóxico, é veneno! Provavelmente seu metabolismo
baseia-se numa espécie de catalise.
— E já sei no que você está pensando! — exclamou Atan. —
Portanto... vamos procurar o comando da instalação de reserva!
— Adivinhou! — respondeu Hasso. — E olhe que a unidade
renovadora ainda está funcionando!
Afastaram-se da tela de radar, acima da qual uma série de sinais
luminosos estava se acendendo; eram as luzes de aviso que acusavam
a aproximação final das sete naves.
Dentro de segundos, os dois homens encontraram o que estavam
procurando: a mesa de controle dos sistemas de suprimento da estação.
Havia três jogos completos de todos os instrumentos, o que
garantia o perfeito funcionamento dos inúmeros comandos que
podiam ser operados nesta mesa: pressão atmosférica, composição
volumétrica de gases, campo gravitacional, geradores e calefação,
fluxo energético... a instalação de controle era completa. Hasso
sentou-se na poltrona e começou a estudar os letreiros e as setas que
interligavam chaves e mostradores.
— Aqui está, é esse — disse, após alguns instantes, apontando
para uma pequena chave, destacada pelo cone de luz da sua lanterna.
— Então, mãos à obra! — disse Atan, eufórico. Hasso não se
mexeu. Surpreso, Atan perguntou:
— Mas o que você ainda está esperando?
Com voz calma e objetiva, Hasso explicou:
— Se abrimos os tanques agora, inundamos o sistema de cavernas
do asteróide, matando talvez os poucos estranhos que aqui se
encontram. Mas não se esqueça das sete naves que ainda vão pousar. E
o que vai acontecer então?
Atan agora já acompanhava o raciocínio do companheiro e
concluiu:
— Eles desembarcam, constatam que o asteróide está cheio de
oxigênio e compreendem a situação em que se encontram. Aí nos
matam. Além disso, nem vão pensar em penetrar nas galerias se
descobrirem que existe oxigênio do outro lado da eclusa.
— Provavelmente usam trajes espaciais — disse Hasso. — Mas
não vejo mal algum em realizar um teste nesse sentido. Por outro lado,
se conseguíssemos reunir todos aqui embaixo, aquela nossa idéia
quanto ao oxigênio poderia funcionar.
O risco era considerável. Os dedos de Hasso não tinham largado
um instante sequer o pequeno botão, que ainda estava ajustado ao zero
da escala. Se Hasso o girasse até a marcação abastecer, a estação seria
inundada de oxigênio. Acionando uma outra chave, adicionaria
bióxido de carbono e traços de outros gases. Essa mistura mataria os
intrusos. A esta altura, só uns poucos minutos separavam os invasores
do pouso em MZ-4. Não restava dúvida que estes recintos constituíam
o seu objetivo. O que fazer?
— Eles vão entrar aqui e nos matar, como mataram Clarence e os
seus homens, Hasso — disse Atan, resignado, sem ver outra
alternativa.
Hasso continuava a raciocinar.
— E por que será que esses que já estão aqui ainda não nos
mataram?
— Talvez por razões práticas; pode ser que pretendam usar-nos
como cobaias. Afinal, devem estar preparando um ataque de surpresa
a Terra e seus domínios; nesse caso, precisam de nós vivos para
estudar nossos hábitos e nos interrogar.
— É! — disse Shubashi. — Caímos direitinho na armadilha deles;
tudo que têm a fazer é nos apanhar e carregar para onde quiserem!
Hasso procurava raciocinar febrilmente; agora não havia mais
tempo a perder. A primeira nave já tinha iniciado as manobras para o
pouso.
— De alguma maneira — disse ele — destruíram a instalação de
oxigênio; como e onde, nós vamos descobrir agora mesmo. Vou tentar
inundar esta sala.
Sucessivamente, fechou os registros magnéticos das tubulações
que abasteciam os recintos adjacentes. Agora, só restava a central de
comando... Com um gesto brusco, Hasso girou o botão até o batente.
Os segundos passavam com exasperante lentidão... três, quatro...
Hasso e Atan calibraram os microfones externos para a
sensibilidade máxima. O sibilar do ar injetado e o zumbido das
turbinas deviam ressoar nos alto-falantes como uma cascata. Mas nada
ouviram. Nem uma única lâmpada-piloto estava acesa.
— Nada! — gritou Shubashi. — Está tudo pifado!
— Vou ver se descubro o defeito! — respondeu Hasso.
Conseguiu desaparafusar a tampa dianteira do painel. Examinou a
fiação e as conexões; pareciam intactas. Apesar disso, a instalação não
funcionava. Hasso ligou os circuitos num dos painéis de reserva. A
lâmpada-piloto da segunda instalação acendeu-se.
Hasso procedeu como da primeira vez: isolou as salas vizinhas e
girou o botão.
Clique! Nada. Não se ouvia nem o deslocamento da massa gasosa
nem o ruído das turbinas.
— É um caso perdido! — disse Shubashi, desolado.
Somente cinco pontos luminosos eram ainda visíveis na tela do
radar. Um sinal indicou que uma das naves havia pousado nas
proximidades da abóbada da estação; uma outra estava pairando a tão
pouca altura do asteróide que não podia mais ser detectada pelos
impulsos do radar.
— Agora é tarde! — sussurrou Shubashi. — Estão pousando!
— Maldita instalação! — disse Hasso, cerrando os dentes. —
Oxigênio... onde é que eu vou arranjar oxigênio?
— Na Lancet — gritou Atan e se pôs a correr — o tanque de
oxigênio!
Aos pulos, atravessaram a sala de controle e abriram a porta de
aço. Em desabalada carreira, percorreram a galeria até o cruzamento.
Mudaram bruscamente de direção, penetrando no corredor que levava
até a eclusa do poço de pouso. E lá se encontrava a Lancet...
Corriam sem parar, ofegantes, as armas nos punhos cerrados.
Pouco importava que fossem inoperantes diante daqueles intrusos;
mais importante era a sensação de segurança que transmitiam aos dois
homens em disparada.
Subitamente, as paredes do corredor começaram a irradiar uma
intensa luminosidade.
Atan e Hasso cambalearam mais alguns metros e pararam... mas
nada aconteceu. Obviamente, um dos estranhos tinha acionado um
interruptor.
— Vamos adiante! — cochichou Atan.
Passaram pela eclusa; segundos após, estavam no interior da
Lancet.
Em condições normais, o suprimento do tanque de oxigênio era
suficiente para dois homens durante vinte dias. Febrilmente, Hasso
arrancou o recipiente retangular dos suportes e olhou para o
manômetro... zero! Virou o tanque e olhou, estarrecido, para o rombo
no fundo, pelo qual o gás havia escapado. Examinando o piso do
depósito da Lancet, descobriu que um feixe de raios tinha perfurado a
nave em toda a largura, arrebentando-lhe o casco e atingindo a bateria
de oxigênio. Com profundo abatimento, Hasso largou o tanque vazio
no chão e disse:
— Pensaram mesmo em tudo!
A vibração de uma possante máquina começou a se propagar pela
parede metálica da nave.
— A plataforma do elevador! — disse Hasso. — Significa que já
iniciaram o desembarque!
— Vamos voltar imediatamente para a sala de comando! — disse
Shubashi de repente. A expressão nos olhos de Hasso era de pura
estupefação.
Atan abriu um dos estojos que trazia ao cinto, e retirou uma
pequena caixa metálica, retangular. Em uma das faces menores havia
duas válvulas, providas de minúsculos registros eletrônicos. Cabia
perfeitamente na palma da mão, e Atan a exibiu aos olhos espantados
de Hasso.
— E isto aqui... — disse, em tom triunfante — por acaso não é
oxigênio?
— Nossos tanquezinhos de emergência! — suspirou Hasso,
tirando o seu do estojo. — Agora são as nossas armas! Se bem que
insuficientes para cobrir toda a estação.
— Não se preocupe com isso agora. Vamos indo!
Desceram apressadamente da Lancet, transpuseram a eclusa e,
mais uma vez, penetraram no longo corredor. Numa emergência, os
pequenos tanques podiam suprir os astronautas com oxigênio
suficiente para mais cento e vinte horas de vida. Agora, estavam
transformados em armas, que os dois homens empunhavam com
convicção muito maior que as pistolas energéticas que traziam na
outra mão.
Correndo sem parar; enveredaram pelo segundo corredor, que
levava à central de comando. Ofegantes, pararam na frente da porta
fechada. Durante alguns instantes, entreolharam-se em silêncio.
Finalmente, Atan perguntou:
— Como você acha que devemos agir?
— Temos que liberar toda a carga instantaneamente — respondeu
Hasso — como, ainda não sei... Além disso, precisamos ter certeza de
que todos eles estarão naquela sala quando explodirmos os tanques.
— Você está pensando na sala de controle?
— Isso mesmo! — confirmou Hasso. Ouviram passos;
aparentemente, os estranhos estavam começando a se reunir na sala de
controle. O plano deles parecia perfeito: matariam a guarnição de uma
das bases mais avançadas de Terra e tomariam posse de tudo que lhes
pudesse oferecer algum interesse. Neste instante, os vitoriosos
invasores estavam aguardando a chegada dos ocupantes das sete
naves.
Hasso e Atan sentiam as vibrações incessantes do sobe-desce dos
elevadores; os passos atrás da porta multiplicavam-se.
Um fino zumbido enchia-lhes os ouvidos. Era impossível que
viesse de fora; não havia ar que permitisse a propagação de ondas
sonoras. Era como se o ruído se originasse no próprio tímpano. Hasso
abriu a porta e espiou pela fresta milimétrica.
— A sala já está cheia deles — sussurrou no ouvido de Atan. —
Eu acho que está na hora!
— Aguarde mais um pouco — respondeu Atan — ainda não
chegaram todos!
Ao fim de trinta segundos angustiantes, notaram que o elevador
tinha parado. A intensidade das vibrações indicou que a plataforma
repousava sobre o piso inferior da estação; o desembarque havia
terminado.
— Pelo que consigo enxergar — comentou Atan — nenhum deles
usa capacete!
O estranho zumbido nos ouvidos dos dois terranos tornava-se cada
vez mais intenso. Eram vibrações que pareciam emanar das suas
próprias células. Seria esta a forma pela qual os intrusos se
comunicavam? Subitamente, as vibrações cessaram.
— Estão todos aí! disse Atan. -É agora!
Abriram a porta mais alguns centímetros e viram que ela dava
acesso a uma pequena ante-sala, separada da sala de controle por uma
extensa parede divisória. Atrás dela, os dois homens vislumbravam as
silhuetas dos estranhos, que circulavam entre as máquinas, se
agrupavam em torno dos painéis de controle e se reuniam em frente ao
grande mapa astronômico. Seu aspecto era impressionante. O corpo,
de formas humanas, parecia ser feito de vidro leitoso; o sistema
nervoso — ou algum misterioso aparelho circulatório — era
constituído de veias negras, que pulsavam incessantemente. Eram
esbeltos com altura um pouco inferior a dois metros.
Todos, sem uma única exceção, tinham as costas voltadas, para os
dois homens. Cuidadosamente, Hasso avaliou a distância.
Os dois pequenos tanques tinham sido atados por um pedaço de
fita adesiva, com a qual os astronautas conseguiam vedar pequenos
furos nos seus trajes espaciais. Arremessados por
Hasso, resvalaram pelo piso até o mapa astronômico. Ninguém
tinha ouvido o menor ruído — também para os estranhos, a
propagação do som devia depender da existência de um meio gasoso.
— Mire com cuidado! — implorou Hasso, sentindo o suor frio lhe
escorrer pelo corpo.
Atan Shubashi apontou a arma para os dois tanques. No mesmo
instante, um dos seres estranhos se virou.
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