Reflexões Acerca Da Legitimidade Das Clausulas Pétreas
Reflexões Acerca Da Legitimidade Das Clausulas Pétreas
Reflexões Acerca Da Legitimidade Das Clausulas Pétreas
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. Intróito
1
Designadas por Pinto Ferreira de “limitações materiais ao poder de reforma”, por Edvaldo Brito
de “cerne imodificável”, por Karl Löwestein de “disposições inatingíveis” e por Jorge Miranda de
“limites materiais de revisão constitucional”. Cf. PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Cláusulas pétreas
tributárias. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 92, mai. 2003, p. 41, e TERRA, Eugênio Couto.
A idade penal mínima como cláusula pétrea. Jurisprudência Brasileira Criminal, n. 46, p. 65.
2
Ainda sobre a expressão ‘cláusulas pétreas’, Ronaldo Poletti assevera que “a denominação não po-
deria ser pior, porque ela enseja, pelo menos, um sentido pejorativo: a petrificação. Petrificar uma
Constituição jurídica ou parte dela representa o absurdo do imobilismo. Além disso, uma geração
não tem o direito de comprometer as gerações futuras com a imutabilidade”. POLETTI, Ronaldo
Rebello de Britto. As cláusulas pétreas: as falsas e as verdadeiras. Revista Jurídica Consulex, Brasília-
DF, ano VII, n. 146, fev. 2003, p. 7.
3
BULOS, Uadi Lammêgo. Cláusulas pétreas e direito adquirido. Disponível em: <http://www.advo-
gado.adv.br/artigos/2000/ulbulos/petreasdiradq.htm>. Acesso em: 30 nov. 2006. P. 7.
132
4
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 6. ed.
São Paulo: Atlas, 2006, p. 1152.
5
Cf. NOGUEIRA, Cláudia de Góes. A impossibilidade de as cláusulas pétreas vincularem as gera-
ções futuras. Revista de Informação Legislativa, Brasília-DF, a. 42, n. 166, abr./jun. 2005, p. 84.
133
6
No original: “Artikel 79. [Änderung des Grundgesetzes]. (3) Eine Änderung dieses Grundgeset-
zes, durch welche die Gliederung des Bundes in Länder, die grundsätzliche Mitwirkung der Län-
der bei der Gesetzgebung oder die in den Artikeln 1 und 20 niedergelegten Grundsätze berührt
werden, ist unzulässig. Artikel 1. [Menschenwürde; Grundrechtsbindung der staatlichen Gewalt].
(1) Die Würde des Menschen ist unantastbar. Sie zu achten und zu schützen ist Verpflichtung aller
staatlichen Gewalt. (2) Das Deutsche Volk bekennt sich darum zu unverletzlichen und unveräußer-
lichen Menschenrechten als Grundlage jeder menschlichen Gemeinschaft, des Friedens und der
Gerechtigkeit in der Welt. (3) Die nachfolgenden Grundrechte binden Gesetzgebung, vollziehen-
de Gewalt und Rechtsprechung als unmittelbar geltendes Recht.“ DATENSCHUTZ UND RECHT.
Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland. Disponível em: <http://www.datenschutz-berlin.
de/recht/de/gg/>. Acesso em: 10 dez. 2006.
7
ARANHA, Márcio Iorio. Conteúdo essencial das cláusulas pétreas. Revista Notícia do Direito
Brasileiro, Brasília-DF, n. 7, p. 389-390.
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Por outro lado, sabe-se que nem todos os países possuem cláusulas inatin-
gíveis em suas Constituições. A Inglaterra, por exemplo, não tem nem sequer
Constituição escrita (e muito menos cláusulas pétreas) e a sociedade britâni-
ca vive há séculos sem qualquer problema atribuível a essa ausência. Porém, é
fato assente que das democracias mais antigas hoje existentes, apenas Inglaterra,
Nova Zelândia, Israel e Islândia dispensam uma Constituição rígida, que esta-
beleça limites às decisões tomadas pela maioria parlamentar. Percebe-se, contu-
do, que se trata de uma parcela minoritária na presente quadra histórica.
Nessas democracias referidas, o tecido social é firme e homogêneo, e o
consenso sobre as regras de sociabilidade é estável, o que torna dispensáveis
impedimentos constitucionais visando a restringir a vontade da maioria.
O Poder Legislativo aí tudo pode, não havendo normas constitucionais
imutáveis que bloqueiem as resoluções da maioria dos representantes do
povo. Entretanto, nos países onde os embates legiferantes entre maiorias e
minorias são muito intensos ou ainda onde existam resquícios de tradições
autoritárias, como é o caso do Brasil, a rigidez constitucional parece essencial
para preservar direitos e garantir a observância das regras da democracia.
8
Apud COSTA E SILVA, Gustavo Just da. Permanência e transformação no direito constitucional
brasileiro: algumas bases do problema. Revista de Informação Legislativa, Brasília-DF, a. 38, n. 150,
abr./jun. 2001, p. 278.
135
9
Para o histórico completo das cláusulas pétreas nas Constituições do Brasil, vide: CUNHA FI-
LHO, Francisco Humberto. Cláusulas pétreas como garantias dos direitos fundamentais. Revista da
Ordem dos Advogados do Brasil, Brasília-DF, a. XXXII, n. 74, jan./jun. 2002, p. 27-31.
136
da forma republicana, que deixou de ser prevista como cláusula pétrea e foi
submetida a um plebiscito, tendo o povo decidido pela sua manutenção.
Atribui-se tal extensão a fatores históricos, ideológicos e também à influência
decisiva de três grandes constitucionalistas portugueses, que visitaram o
país durante os trabalhos constituintes, trazendo a experiência do processo
constituinte português, a saber: José Joaquim Gomes Canotilho, Jorge Miranda
e Marcelo Rebelo de Souza10.
10
Cf. NOGUEIRA, Cláudia de Góes. Op. cit., p. 84.
11
NOGUEIRA, Cláudia de Góes. Op. cit., p. 83.
137
12
SANTOS, Gustavo Ferreira. Constituição e Democracia: reflexões sobre permanência e mudança
da decisão constitucional. Revista da ESMAPE, v. 10, n. 22, jul./dez. 2005, p. 132.
13
QUEIROZ, José Guilherme Carneiro. A interpretação constitucional como adaptação histórica
do conteúdo normativo da Constituição frente às cláusulas pétreas. Revista de Direito Constitucio-
nal e Internacional, a. 13, n. 52, jul./set. 2005, p. 194.
14
SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais como “cláusulas pétreas”. Revista Inte-
resse Público, n. 17, 2003, p. 60.
138
15
KIRSTE, Stephan. Constituição como início do direito positivo: a estrutura temporal das consti-
tuições. Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito, Recife-PE, n. 13, 2003, p. 116.
16
KIRSTE, Stephan. Op. cit., p. 117.
17
KIRSTE, Stephan. Op. cit., p. 117-118.
139
18
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Significação e alcance das “cláusulas pétreas”. Cadernos
de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 3, n. 13, out./dez.
1995, p. 8.
140
Mas essa teoria é rechaçada pela maioria da doutrina, sob pena de cair no
vazio o próprio instituto das cláusulas pétreas. Exemplo lapidar da corrente
majoritária, à qual nos filiamos, é o professor Canotilho, segundo o qual20:
19
Apud CERQUEIRA, Marcello. Controle do Judiciário: doutrina e controvérsia. A Constituição
– Controles e controle externo do Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Revan, 1995, p. 137-138.
20
Apud CERQUEIRA, Marcello. Op. cit., p. 138-139.
141
21
ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira. O controle de constitucionalidade e o exercício do
poder reformador no Brasil. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, Belo Horizon-
te-MG, n. 3, Del Rey, jan./jun. 2004, p. 356-357.
22
MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. São
Paulo: Saraiva, 1990, p. 95.
142
23
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7. ed., São Paulo: Malheiros Editores,
1998, p. 173.
24
MENDES, Gilmar. Moreira Alves e o Controle de Constitucionalidade no Brasil. São Paulo: Celso
143
144
“E é fácil ver que neste ponto se liga uma das mais problemáticas das
questões que o princípio democrático coloca ao constitucionalismo,
nomeadamente a saber em que medida é que o poder constituinte
pode constranger ad eternum a vontade democrática para o
futuro.”
26
MOREIRA, Vital. Constituição e Democracia na experiência portuguesa. In MAUÉS, Antonio
G. Moreira (Org). Constituição e Democracia. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 266.
27
FERREYRA, Raúl Gustavo. Poder, Democracia y Configuración Constitucional. Disponível em:
<http://www.juridicas.unam.mx/publica/rev/cconst/cont/11/ard/ard3.htm#N*>. Acesso em: 15
dez. 2006.
145
28
SANTOS, Gustavo Ferreira. Constituição e Democracia: reflexões sobre permanência e mudança
da decisão constitucional. Revista da ESMAPE, v. 10, n. 22, jul./dez. 2005, p. 132-133.
29
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A Reforma Constitucional e as Cláusulas Pétreas. Revis-
ta Think, a. II, n. 6, jan. 1999, p. 8.
146
30
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Al-
medina, 2000, p. 1164.
31
MATTA, José Eduardo Nobre. Emenda do Judiciário – “Quem garantirá as garantias?”. Revista da
EMERJ, Rio de Janeiro-RJ, v. 3, n. 10, 2000, p. 201.
147
32
CONTINENTINO, Marcelo Casseb. Revisitando os fundamentos do controle de constituciona-
lidade: uma crítica à prática judicial brasileira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008, p.
59-60.
33
MOREIRA, Vital. Op. cit., p. 273.
148
“Assim entendidos, ao fixar o art. 60, §4º, inciso IV, os direitos e garantias
individuais como cláusulas pétreas, deverão estes ser interpretados não
apenas como aqueles enumerados no art. 5º, mas, igualmente, todos os
constantes do Título II da Constituição Federal.
Mas não é só.
Decorrência do §2º do art. 5º e do caput do art. 7º, fica reconhecida
a existência de outros direitos individuais espalhados pela Consti-
tuição Federal, dentre os quais se poderá fazer referência a alguns
incisos do art. 37, aos arts. 38, 39, 42.
Finalmente, citem-se direitos consagrados no Título VIII e que repre-
sentam o desdobramento do que está dito no art. 6º, ao determinar
que ‘são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a se-
gurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância,
a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição’.
34
Cf. TERRA, Eugênio Couto. Op. cit., p. 79, que afirma o seguinte: “O Supremo Tribunal Federal,
quando do julgamento da ADIn 939, que versava sobre a inconstitucionalidade da Emenda Cons-
titucional que instituiu o IPMF, delineou o seu entendimento sobre a possibilidade de existência
de direito fundamental fora do catálogo previsto na Constituição. Foi reconhecido o caráter mate-
rialmente aberto dos direitos fundamentais, posto que podem ser localizados em qualquer local do
texto constitucional (e até fora dele), sempre que presente uma posição de fundamentabilidade no
conteúdo do direito”.
35
DANTAS, Ivo. O Valor da Constituição: do controle de constitucionalidade como garantia da
supralegalidade constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 209-210.
149
Por esse motivo, surgem dúvidas as mais diversas sobre a sua aplicação
cotidiana. Por exemplo: a pena de morte e a redução da idade mínima para
imputabilidade penal (art. 228 da CF) são cláusulas pétreas?
O Pleno do STF já teve a oportunidade de decidir que a proibição da pena
de morte é cláusula pétrea, no julgamento do MS 21.311-6/DF (Rel. Min. Néri
da Silveira, Diário da Justiça, Seção I, 25 mai. 1999, p. 3).
Quanto à inimputabilidade penal, prevista no art. 228 da CF, é uma questão
muito polêmica. Há um verdadeiro clamor de parte da sociedade para que a
imputabilidade penal seja estendida aos menores de dezoito anos37. Sobre essa
matéria, há que citar-se a lição de Eugênio Terra38:
36
NOGUEIRA, Cláudia de Góes. Op. cit., p. 80.
37
No site da Câmara dos Deputados (http://www2.camara.gov.br/proposicoes), é possível consul-
tar a tramitação da PEC nº 171/93, que visa à diminuição da idade penal para 16 (dezesseis) anos.
Várias Propostas de Emenda à Constituição com o mesmo teor foram apensadas à PEC referida,
nomeadamente: PEC nº 150/1999, 167/1999, 169/1999, 633/1999, 260/2000, 321/2001, 37/1995,
91/1995, 301/1996, 531/1997, 68/1999, 133/1999, 377/2001, 582/2002, 64/2003, 179/2003, 272/2004,
302/2004, 345/2004 e 489/2005. Isso demonstra claramente um movimento pela diminuição da ida-
de penal por parte do povo, através de seus representantes, que cedo ou tarde será submetido à
apreciação da Excelsa Corte.
38
TERRA, Eugênio Couto. A idade penal mínima como cláusula pétrea. Jurisprudência Brasileira
Criminal, n. 46, p. 59.
150
39
GOMES NETO, Gercino Gerson. A inimputabilidade penal como cláusula pétrea. Disponível em:
<http://www.mj.gov.br/sedh/ct/conanda/inimputabilidade.doc>. Acesso em: 10 dez. 2006.
40
Segundo se lê na lição de Murillo Giordan Santos, o próprio Supremo Tribunal Federal já consi-
derou inconstitucional dispositivos das Constituições dos Estados da Paraíba, Pará, Bahia e Mato
Grosso, exatamente por terem tentado criar órgãos de controle externo das magistraturas estaduais
por meio do poder constituinte decorrente. SANTOS, Murillo Giordan. Interpretações implícitas
aos limites constitucionais expressos. Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 13, n. 50,
jan./mar. 2005, p. 150.
151
41
Ata da Primeira Sessão Administrativa do Supremo Tribunal Federal do ano de 2004, realizada
em 5 de fevereiro de 2004. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.
asp?idConteudo=62183>. Acesso em: 15 dez. 2006.
42
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.367-DF. Pleno.
Relator: Min. Cezar Peluso. Brasília, 13 de abril de 2005. Informativo do STF nº 383. Disponível em:
<http://www.stf.gov.br/noticias/informativos/anteriores/info383.asp>. Acesso em: 09 dez. 2006.
152
153
43
KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos
de um direito constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 73-
74.
154
Nacional é dado, por exemplo, editar uma emenda à Constituição para afastar
uma interpretação atribuída à norma constitucional pelo Excelso Pretório.
Nesse sentido, o autor afirma44:
. Conclusão
44
COSTA E SILVA, Gustavo Just da. Op. cit., p. 284.
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