A Boa-Fé Como Modelo
A Boa-Fé Como Modelo
A Boa-Fé Como Modelo
Judith Martins-Costa
Umacoisa,pertencenteaumaardemdeespritos,aarganiz14odavida jurdicadasociedade,e
outra muito diversa, pertencente a outra ordem, a anlise ou a sntese dos elementos componentes do
direito. Entre a crtica ea encarnao do direito haver sempre graruie distncia. Assim conw nem a
histria, nem a teoria da arte, foi nunca obra dos grandes artistas, no so wmbm os legisladores que
fazem a sistematizao dos fatos e das relaes jurdicas. Qoaquim Nabuco, "Um Estadista do
Imprio").
1
Texto originalmente apresentado, com o ttulo "A Boa f- como Modelo (notas para a compreenso
da boa-f obrigacional como modelo doutrinrio e jurisprudencial no Direito Brasileiro") ao Convegno
La f'orma>:'.ionc de! Sistema Giuridico Lninoamericano: Codici e Giuristi, Amalfi, abril de 2001, tendo
sido atualizada apenas a referncia ao novo Cdigo Civil Brasleuo.
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Judith Martins-Costa
A boa-f obrigacional, tambm dita boa-f objetiva, chegou tarde ao Direito Brasileiro.
S muito recentemente, a partir de 1990, o direito legislado passou a contempl-la como
regra especfica, e ainda assim no domnio prprio das relaes de consumo 2 O vigente
Cdigo Civil Brasileiro, de 1916, no contm regra acerca da boa-f obrigacional, diversamente
do que ocorre com o novo Cdigo, ora em aguardo da sano presidencial, no qual so
expressivas as referncias ao princpio3 bem verdade que o vetusto Cdigo Comercial, de
1850, alude, no art. 130, boa-f como cnone hermenutica dos contratos4 , mas este texto
jamais desempenhou funes de clusula geral, pouco passando de letra morta 5 Mesmo
assim, nos ltimos quinze anos, o princpio, em sua feio objetiva, impositiva de standard
de conduta aos que entram em relao obrigacional, vem sendo aplicado pela jurisprudncia
nacional como fonte de especficos deveres de conduta e como limite ao exerccio de direitos,
conquanto nem sempre seja usada idntica gramtica, havendo mesmo expressivas diferenas
quanto ao modo e s hipteses de sua incidncia.
Cdigo de Defesa do Consumidor (Lei n 8.078, de 11.9.90) a prev no art. 4, inciso IH, como um dos
princpios da Poltica Nacional das Relacs de Consumo, visando i "harmonizao dos interesses dos
participantes das reLaes de consumo" e no art. 51, inciso IV, como critrio de aferio de abusividadc de
clusula contratual, cujo efeito a nulidade.
> Para as referncias ao novo Cdigo Civil, vide o texto O novo Cdigo Civil Brasileiro: em busca da
'tica da situao", ora nesta obra e ainda MOREIRA ALVES, Jos Carlos, "A Boa-F Objetiva no Sistema
Contratual Brasileiro", Revista Roma e Amrica Roma, vo. 7,1999.
4
Art. 130, caput e inciso l, in verbis: "Sendo necessrio interpretar as clusuLas do contrato, a interpretao,
alm das regras sobreditas, ser regulada sobre as seguintes bases: I. a inteligncia simples e adequada, que for
mais conforme boa-f, e ao verdadeiro esprito e natureza do contrato, dever sempre prevalecer rigorosa
e restrita significao das palavras".
5
Acentua, a propsito, Jos Carlos lvfORE1RA ALVES: " de notar-se, porm, que esse dispositivo, que se
apresenta com a natureza de clusula geral, at poca relativamente recente foi tido como simples princpio
de hermenutica que se baseia na boaf subjetiva". (in "A Boa-F Objetiva no Sistema Contratual Brasileiro",
cit., p. 194).
349
Pesquisa realizada nos meses de maro a junho de 2001, pela Internet, tendo em conta os seguintes
critrios: Tribunais Superiores (STF e STJ) e Tribunais de Justia dos Estados do Rio Grande do Sul (304
acnhlos), Rio Grande do Norte (9 acrdos) Par (9 acrdos) Bahia (2 acrdos), Gois (6 acrdos),
Paran (1 acr&io), Paraba (1 acrdo), Rondnia(l acrdo), Pernambuco (9 acrdos) c Distrito Federal
(24 acrdos). Os demais Tribunais estaduais ou no tm nenhuma referncia em seus ementrios, ou
no tm a jurisprudncia acessvel em suas home pages. Foram feitas consultas por e-mail junto aos
Tribunais de Justia de So Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Mato Grosso e Esprito Santo, as quais
no tiveram resposta, salvo a procedida junto ao Tribunal de Justia de Pernambuco. A Justia estadual de
So Paulo, atravs do Juizados Especiais Cveis, conquanto no tenha jurisprudncia disponibilizada pela
Internet, est comeando a utilizar o princpio como "mandamento de recproca confiana incumbente
s partes" notadamente em tema de Direito do Consumidor, como exempliflcativamente, os acrdos
proferidos pelo seu Primeiro Colgio Recursal dos Juizados Especiais Cveis da Capital nos Recursos
nos 7.959 G- em 14.12.2000); 7.766 (j. em 13.11.2000); 7747 G- em 1. 11.2000 c 7.767(j. em 13.11.2000), em
todos eles sendo Relator o Juiz Laerte MARRONE. Para a realizao dest'l pesquisa os verbetes procurados
foram: "boa f objetiva"; "boa, f e obrigao"; "boa-f contratual" , "boa-f c contrato" e "boa-f c
princpio". Poram desconsiderados os acrdos relacionados s palavras-chave 'boa-f c contratos'"
relativos proteo Ja boa-f de terceiros que di:>:iam respeito a situaes subjetivadas da boa-f.
Assinab-se que, segundo os sistemas de indexao usuais, as expresses buscadas deveriam constar da
ementa. Para esta pesguisa devo registrar o meu agradecimento ao valioso auxlio prestado pelo acadmico
de Direito Alexandre PEREIRA DUTRA, da Faculdade de Direito da UPRGS, que desenvolve projeto de
iniciao cientfica sob minha orientao, com bolsa de estudos patrocinada pelo CNPq-BIPIC.]
7
Constituio Federal, art. 105, inciso Jll, ao conferir a competncia para julgar, em recurso especial
(Resp), 'as causas decididas, em nica ou ltima instncia, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos
Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territrios", quando a deciso recorrida: a) contrariar tratado ou
lei federal, ou negar-lhes vigncia; b) julgar vlida lei ou ato de governo local contestado em face de lei
federal; c) der lei federal interpretao divergente da que lhe haja atribudo outro tribunal.
8
Nomeadamente: Agr. Reg. no AI n" 47. 901 - 3 - SP;;\GA 47901;EDRESP 167691;RESP 256274;RESP
107211;RESP 80036; RESP 32890;RESP 3714/RS;RESP 7187/SP; RESP 85521/PR; RESP 101061/PB;
RESP 157841/SP; RESP 5932/RS; RESP 158728/RJ; RESP 18.4573/SP, RESP 95535/SP;RElVfS n 6183MG;.ROMS 6183; ROMS 1694/RS.
q STF, 2' T, RE 158448/MG, Relator Ministro Marco Aurlio de i\IELLO, j. em 29.06.1998, sendo a boa-f
invocada articuladamente aos princpios da continuidade da prestao Jc servios e da realidade.
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numaqualifo:afo tipolgimdecomportamentosjturos,aqueseligamdeterminadasconseqnciaS'".
Correspondentes, no plano jurdico, s estruturas normativas verificadas nas
estruturas sociais, os modelos so constantemente construdos pela experincia
jurdica, clistinguindo-se entre modelos jurdicos - assim os provenientes das quatro
fontes de produo jurdica, dotados que so de fora prescritiva - e os modelos
dogmticos, ou hermenuticas, cuja elaborao doutrinria e cuja fora indicativa,
argumentativa ou persuasiva.
10
Para este cmputo a autora considerou as invocaes a boa-f no repetitivas e as decises nas quais as
funes da boa-f objetiva so efetivamente desenvolvidas, desconsiderando aquelas em que o princpio
meramente alegado, sem a correspondente motivao e o estabelecimento dos nexos com a concreta
situao ftica e ainda os acrdos fundados em similar situao de fato e idntica argumentao.
11
Veja~se, de Miguel REALE, "Fontes c Modelos no Direito- para um novo paradigma hermenutico",
So Paulo, Saraiva, 1994, e, "l)ara uma teoria dos modelos jurdicos", in "Estudos de Filosofia c de
Cincia do Direito", So Paulo, Saraiva, 1978.
12
REALE, Miguel, "Para uma teoria dos modelos jurdicos", in "Estudos de Filosofia e de Cincia do
Direito", cit., p. !7.
351
13
Veja,se ALMEIDA COSTA, Mario Jlio, "Romanismo e Bartolismo no Direito Portugus", Boletim da
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra vol. XXXVI, 1960, p. 16.
14
BRAUDEL, Fernand, "Histria e Cincias Sociais", traduo portuguesa de Rui Nazar, Lisboa,
Editorial Presena, 4' edio, 1982, notadamente o ensaio "A Longa Durao", p. 7 a 39. Para a apreenso
das categorias braudelianas na Histria do Direito, PARADISI, Bruno, "Questioni Fondamentali per una
Moderna Storia de! Diritto", in Quaderni Fiorentini per la Storia de! Pensiero Giuridico Moderno, vol.
1, Firem:e, 1972, em especial pp. 31 e ss., e VARELA, Laura Beck, 'Algumas Contribuies da Cincia
Histrica Tarefa do Historiador do Direito", in Revista da Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, vo!. 18, Porto Alegre, 2000.
1
-' BRAUDEL, Fernand, "Histria e Cincias Sociais, dt., p. 14.
u, Ordcnaes Afonsinas cuja concluso ocorreu no segundo semestre de 1446 ou no primeiro de 1447.
O seu sistema de fontes estabeleceu (Livro li, ttulo IX) a hierarquia entre as !eis do reino que, se
insuficientes seri:lm supridas "pelas Lr:ys lmperiaies, e pelos Santos Canones,, e sucessivamente "se o caso
de que se trauta em partica, nom fosse determinado per Ley do Regno, ou estilo, ou custume suso dito ou Leyx
lmperiaaes, ou Santos Canones, entom mandamos que se guardem as grosas d"Acursio encorporadas nas ditas
Leys. E quando pelas ditas grosas o caso non for determinado, mandamos, que se guarde a opiniom de
Bartholo, n6 embargante, que os outros Doutores diguam o contrario. O sistema foi mantido, com
pequenas variantes, nas Ordenaes J\hnue]jnas (redao definitiva em 1521) e nas Ordenaes Filipinas
(1603, que vigoraram no Brasil at 1916).
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Judith Martins-Costa
''Afirma HESPANHA que em Portugal "apesar de as Ordenaes conferirem ao direito romano um lugar
apenas subsidirio no quadro das fontes do Direito (Ordenaes Filipinas, l!l, 64} na prtica ele era o direito
principal, sendo mesmo aplicado contra o preceito expresso do direiro local" (HESPANHA, Antonio Manuel,
"Panorama da Cultura Jurdica Europia" Lisboa, Publicaes Europa-America, 1997, p. 67, nota 79, por
"direito romano" devendo entender-se fundamentalmente a obra de Acursio e Bartolo).
18
O paradoxo diminuir se considerarmos que a doutrina brasileira vem recoberta, em larga medida, pela
tradio praxista, a qual pouco criativa, pois cingida aos comentrios da prtica forense, caracterizandose, por vezes, por uma vocao de retrospectividade mais do (1ue de prospectividade.
19
REAL!\ Miguel, "Fontes e Modelos no Direito- para um novo paradigma hermenutica", cit., p. 107.
zn Idem, ibidem.
21
REALE, Mit,>ucl, "Fontes c Modelos do Direito -para um novo paradigma hermenutico", cit., pp. 29
e 30.
353
dinamicidade que lhes inerente e totalidade dos fatores que atuam em sua aplicao ou
eficcia, ao longo de todo o tempo de sua vigncia ''23
Bem por isto, no so os modelos estruturas estticas ou fixas, presas ao passado:
sendo elaborados continuamente tm, a par da vocao retrospectiva (por decorrerem
das fontes, que so estticas) a vocao prospectiva, pois se projetam no presente e
para o futuro, assim agregando a experincia do passado, mas estando abertos para o
que est por vir, nesta perspectiva possibilitando a soluo de novos problemas ou a
adequao das solues tradicionais s novas escalas axiolgicas vigentes 24
Ora, no Direito Brasileiro a boa-f objetiva apresentou-se, inicialmente, como
um modelo hermenutico, ou doutrinrio, na acepo que lhe d Miguel Reale,
podendo ser atribuda obra de Clvis do Couto e Silva25 , eminente jurista falecido
em 1992, Professor Titular da Faculdade de Direito do Rio Grande do Sul, a sua
'"" REALE, Miguel, "Jurisprudncia e Doutrina", in "Questes de Direito", So Paulo, Sugestes Literrias,
1981.
v REALE, Miguel, Fontes e Modelos ,cit., p, 30, grifos do autor.
2
' Creio que a percepo de Rea!c acerca da prospectividade dos modelos plasma a antecipao, em
dcadas, do pensamento CJUC, na Europa, viria a ser desenvolvido por adeptos mais recentes da Teoria
Hermenutica, como Guseppe ZACCARIA acerca da positivao das normas como um processo
dinmico - e no por acaso estruturado numa trade - , ou por Friederich MLLER sobre a
normatividade como "processo estruturado", conseqente distino que procede entre o texto da
norma e o seu "programa" como "pauta ordenadora" obtida no processo de interpretao, o sentido e
o alcance da norma sendo alcanados apenas na concreti~,ao (para estas referncias vide ZACCARIA,
Giuseppe, "Sul concetto di positivit ne! diritto",in Diritto Positivo e Positivit dei Diritto, Turim,
Giappichelli, 1991, e L'Arte de!!'interpn.:tazione, Pdua, Ccdrtm,1990 e MLLER, Friedrich, "Discours
de la Mthode Juridique", P;uis, PUF, 1996, em especial pp. 18G t ss.)
zs Notadamente em "A Obrigao como Processo", Tese de Ctedra, Porto Alegre, 1964, posteriormente
publicada (So Paulo, Jos Bushatsy Editor, 1976) e em"(_) Princpio da Boa-F no Direito Brasileiro c
Portugus", in "Estudos de Direito Civil Brasileiro e Portugus", So Paulo, Revista dos Tribunais, 1986,
p. 43-72.
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Judith Martins-Costa
efetiva conformao como prinpio ativo, capaz de operar "verdadeira transformao jurdica
atravs da doutrina e do Poder ]udicirio26 ". Conquanto referncia boa-f contratual j
constasse das obras de 11iguel Maria de Serpa Lopes 27 , Orlando Gomes18 e de Alpio
Silveira29 , as decises que iniciaram a trajetria de seu acolhimento como modelo
jurisprudencial fazem expressas referncias obra de Couto e Silva e a de autores que divulgou,
26
COUTO E SILVA, Clvis, "O Princpio da BoaF no Direito Brasileiro e Portugus", cit., p. 43.
z7 SERPA LOPES, Miguel Maria. "Curso de Direito Civil", Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1' edio, 1957.
28
GOMES, Orlando, "Transformaes Gerais do Direito das Obrigaes", So Paulo, Revista dos Tribunais,
1' edio de 1967.
29
SILVEIRA, A!pio, "A BoaF no Cdigo Civil", Tomos I e II, So Paulo, Editora Universitria de
Direito, 1973. Este, autor de um amplo estudo gue procura distinguir entre a "boa-f crena" e a 'boa-f
lealdade", mesmo assim atribui, segunda, o carter de um estado subjetivado, como se observa pelos
grupos de casos que analisa no 2" volume de sua obra.
J ALMEIDA COSTA, Mario Jlio, "Direito das Obrigaes", Almendina, Coimbra, ora na 8" edio
(2000), e cuja primeira edio de 1968.
31
COUTO E SILVA, Clvis, "O Princpio da Boa-F no Direito Brasileiro e Portugus", cit., p. 58.
12
COUTO E SILVA, Clvis, "O Princpio da Boa-F no Direito Brasileiro e Portugus", cit., p. 43, nota 1.
355
fundamental, como sefez com oprincpio da boa f, para que seja enunciado com a extensW que se
pretende" afirmou, "ororre ainda assim a suaaplim{iJpor ser o multado de nemsidades ticas essenciais,
que se impem ainda quando falte disposio legislativa expressa", reconhecendo, porm, que,
neste caso, percepo ou captao de sua apliro torna-se muito dif:il, por no existir uma lei de
referncia a quepossam os juzes relacionar a sua deciso''_
Estas dificuldades foram e continuam a ser sentidas. No entanto,
progressivamente, a partir da dcada de 80, parte da jurisprudncia passa a
acolher esta doutrina, concretizando o princpio e formando, em pequenos
passos, a sua dogmtica.
A jurisdio, acentua Reale, antes de mais nada, um poder
constitucional de explicitar normas jurdicas, e, entre elas, modelos jurdicos "36
Este poder, embora desenvolvido normalmente na "realizao das normas legais
adequadamente aos casos concretos"37 tambm se apresenta, excepcionalmente,
como "poder de editar criadoramente regras de direito, em havendo lacuna no
ordenamento "38
A inexistncia de expressa previso no Cdigo Civil ao princpio da boaf passou a exprimir lacuna, angustiosamente sentida quando os tradicionais
princpios de Direito das Obrigaes - o da autonomia privada, expresso na
auto-vinculao, e o da responsabilidade por culpa comearam a se mostrar
mais que nunca insuficientes para uma justa soluo de casos resultantes, por exemplo,
COUTO E SILVA, Clvis, "O Princpio da Boa-F no Direito Brasileiro e Portugus", cit., p. 47 .
As expresses grifadas esto em COUTO E SILVA, Clvis, "O Princpio da Boa-F no Direito
Brasileiro e Portugus", cit., p. 61.
1
' COUTO E SILVA, Clvis, "O Princpio da Boa-F no Direito Brasileiro e Portugus", cit., p"p. 61 e 62.
36
REALE, Miguel," Fontes e Modelos do Direito" , dt., p. 69.
37
Idem, p. 70.
- ~ Idem, ibidem.
33
.1
356
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39
411
41
42
43
44
COUTO E SILVA, Clvis. "O Princpio da Boa-F no Direito Brasileiro e Portugus", cit., p.53.
Cdigo Civil, art. 956, pargrafo nico.
Cdigo Civil, art. 924.
Cdigo Civil, art. 1092, caput.
Cdigo Civil, art. 160, inciso I, a contrario.
Assim o meu "A Boa-F no Direito Privado", So Pauto, Revista dos 'I'ribunais, 1999, p. 438.
357
45
Para a explicitao deste tema, ver o meu ''A Boa~ F no Direito Privado", cit., em especial pp. 437 e ss.
:. natural a formao tpica ou casustica quando se trata de dar concreo aos modelos jurdicos
semanticamente abertos, como o de boa-f, ocorrendo a ressistematizao das decises mediante a
formao de "grupos de casos tpicos" conforme o interesse concretamente lesado e consoante a
identidade ou a similitude da ratio decidendi, em torno destes construindo a jurisprudncia certos
tpicos ou parmetros que possam atuar, pela pesquisa do precedente, como amarras excessiva flutuao
do entendimento jurisprudenciaL Facilitada, assim, estar a pesquisa do precedente e a elaborao,
progressiva e aberta de tpicos, nos sentido viehweguiano, obtendo-se, pouco a pouco, a ressistematizao
das fattispecies j previstas e permitindo"se a incorporao de novas hipteses sem que fosse necessrio
recorrer punctua! interveno do legislador. (Para o exame das funes e modos de operar as d~usulas
gerais, o meu "r\ Boa F no Direito Privado", cit., 330 a 377).
4
., Sobre os deveres instrumentais vide o meu "A Boa-F no Direito Privado", cit., p. 440.
46
358
Judith Martins-Costa
J decicu a jurisprudncia48
A atuao contratual dos profissionais liberais, como a dos mdicos e dos advogados,
caracteriza relao fiduciria, na qual os deveres de agir segundo a boa-f no so "anexos",
mas absolutamente nucleares, a fidcia integrando o contedo do prprio dever principal.
Por isto, j decicu o Judicirio que "o advogado que recomenda providncia judicial onerosa
para o cliente e benfica a ele, estipulando-a no contrato de honorrios, age com deslealdade,
violando o princpio da boaf contratual", o que, na espcie, conduziu nulidade do
ajuste 50
A lealdade marca tambm as relaes de Direito Administrativo. Em
paradigmtica deciso, o Superior Tribunal de Justia assentou que "o
48
1JRGS, Ap. Ci\( n 598225720- 17' C. Civ., j. 06.4.99, Rei. Demtrio Xavier LOPES NETO
Ap. Cv. n" 597019439- 6' C. Civ., j. 12.11.97, Antonio Janyr DALL'AGNOLJUNIOR.
50
1JRGS, Ap. Civ.194.045.472- 9' C. Civ., j.26.4.94, Rel. Des. Antnio Guilherme Tanger JARDIM, in
Revista Direito do Consumidor, vol. 14, p, 173.
11
REMS n" 6183-MG, STJ, 4'T. Rei. Min. Ruy ROSADO DE AGUIAR, unnime, j. 14.12.1995, p. DJ 8.12.95.
Tratava-se de hiptese em Banco do Brasil, que entidade bancria oficial, vinculada Administrao
Pblica, havia ajuizado processos de execuo de dvida contra clientes inadimplentes. O Ministro da
Fazenda, autoridade qual, em ltima instncia est a autarquia bancria vinculada, havia firmado "Memorando
de Entendimento" no curso de tratativas visando solucionar a questo, <JUe atingia um grande nmero de
devedores, comprometendo-se a suspender temporariamente a execuo se os devedores se apresentassem
para renegociar o dbito. Embora o compromisso, o Banco do Brasil prosseguiu, mesmo assim, a
execuo judicial, negando o carter obrigacional do mencionado "Memorando de Entendimento".
4
~TJRGS,
359
e para a direo das empresas cujo capital predominantemente pblico, nas suas relaes
com os cidados~ sendo "inconcebvel que um Estado democrco, que aspire a realizar a
Justia, esteja fundado no prindpio de que o compromisso pblico assumido pelos seus
governantes no tem valor, no tem significado, no tem eficcia. Especialmente quando
a Constituio da Repblica consagra o princpio da moralidade administrativa "52
Reforando o dever de lealdade nas relaes de direito administrativo~ mas j agora
o dever de lealdade de servidor para com a Administrao Pblica- est o caso em que
mdica, servidora municipal, foi licenciada para tratamento de sade. No perodo da licena,
porm, passou a atender pacientes em clnica particular, o gue motivou a sua punio
(suspenso disciplinar). Inconformada, a mdica ajuizou ao indenizatria contra a
Administrao, decidindo o Judicirio pela improcedncia da demanda, face ao dever,
descumprido pela mdica, de no atender paciente particular, ou trabalhar em instituio
hospitalar particular, no perodo da licena, comprometendo a plena recuperao de sua
sade, objetivo precpuo da licena que lhe havia sido concedida53
Como mandamento de cooperao intersubjectiva e de considerao aos interesses
do parceiro contratual a boa-f provoca um aumento dos deveres, isto , a sua "otimizao",
como demonstra deciso gue imps companhia seguradora o dever de, previamente
suspenso dos efeitos de contrato de seguro, por inadimplemento do devedor, notificar o
segurado, especificando os efeitos do no-atendimento 5 4 Este acrdo aponta,
exemplarmente, concreo que deve presidir a aplicao da boa-f como mandamento de
considerao, pois o relativo "peso" dos deveres ata-se, de modo incindivel, natureza do
contrato e s concretas circunstncias no qual concludo e desenvolvido. Dada a natureza
essencial do seguro-sade, a sua intrnseca importncia relativamente a um bem fundamental,
como o a sade, extremada massificao destas prestaes e a gravidade das conseqncias,
para o segurado, penalizado com a perda da indeni2ao, foi acrescido o dever de informao
que, em outras circunstncias, eventualmente no se manifestaria, assim demonstrando o
acrdo o trao essencial da "circunstancialidade" que preside a incidncia da boa-f objetiva.
No mesmo sentido de otimizao do contedo contratual pela imposio de deveres
de considerao para com o parceiro contratual est acrdo que examinou hiptese de
inadimplemento contratual, caracterizado pela violao do dever de absteno de condutas
que pudessem prejudicar o co-contratante, afrontados que foram, pelo contratado, os
let.,rtimos interesses daquele. Na hiptese, valendo-se da licena para uso de marca comercial,
a empresa contratada, a par de no executar corretamente as obrigaes principais decorrentes
do contrato, passou a veicular, na Internet, propaganda comercial na qual utilizava, no mundo
virtual, o "nome de domnio" da empresa contratante, assim prejudicando, no mundo real,
52
-l
54
360
Judith Martins-Costa
bancrio que pe disposio dos seus clientes uma rea para estacionamento de 'veculos
assume o dever, derivado da boaf objetiva, de proteger os bens e a pessoa do usurio"16
Ao apreciar a lide, no teve em conta o julgador apenas os deveres principais, decorrentes
do contrato bancrio, mas a totalidade dos interesses envolvidos. A proteo dos bens e da
pessoa do usurio (consumidor) dos servios bancrios encontra-se finalisticamente vinculada
relao de consumo dos servios bancrios que liga o Banco e os usurios dos seus servios.
No estando orientados diretamente ao cumprimento da prestao principal, estes deveres
esto referidos otimizao da relao obrigacional visualizada complessivamente, isto ,
satisfao dos interesses globais envolvidos.
Do mesmo modo, em ao na qual litigava-se acerca de contrato de participao
financeira em sociedade por aes, decidiu o Judicirio caber sociedade o dever de
promover subscrio, no prazo de doze (12) meses, do montante das aes,
correspondenternentc ao valor patrimonial de cada ao na data do pagamento do
preo pelo aderente, a ser obtido no balano do perodo anterior integralizao,
tudo fundado no prncpo da boa-f objetiva57 O mesmo dever de proteo conduziu,
TJRGS, Ap. Civ. n 70001059641, 6' C. Civ., Rd. Dcs. Carlos Alberto Alvaro de OLIVEIRA, j. em
25.04.2001. Na fundamentao do voto do Relator l-se a seguinte passagem: "0 imperativo da boaj
exigia da demandada conduta que respeitasse a parceira, no tentando se apropriar, em lance de esperteza, do
patrimnio desta, iludindo sua confiana e assim tornando invivel a continuao do contrato".
16
STJ, 4' T, ;\gr. Reg. no Al n" 17. 901 - 3- SP, j. 12/09/04, Rei. Min. Ruy Rosado de AGUIARJNIOR.
"TJRGS, Ap. Civ. n 70000457093, lO' C. Cv., j. 25.5.00, ReL Luiz 1\ry VESSINI DE LIMA, a exemplo de
outras dezenas de acrdos similares.
.\O
361
rompida pela requerida sem justificativa, e sem a observncia de deveres anexos, decorrentes do
princfpio da boa f objetiva", consignou-se no aresto, "cabe indenizao" 61
Em outra hiptese a boa-f foi utilizada para determinar a responsabilidade pscontratual62, imputada ao fornecedor de servios, que no sustara a cobrana de ttulo extrajudicial j pago pelo devedor/ consumidor, embora com retardo. Entendeu-se que o
50
TJRGS, Ap. Civ. na 70000094433- 14' C. Civ., j. 25.11.99, Rei. Aymor Roque POTIES DE MELLO.
59
Como aponta MOREIRA ALVI.':S, muito embora no haja no Cdigo Civil regra expressa acerca da
responsabilidade pr>contratual, a doutrina a aceita, sendo "dominante o entendimento de que a
denominada culpa in contrahendo se funda na inobservncia da boaf. ("A Boa" F Objetiva no
Sistema Contratual Brasileiro", dt., p. 197).
MJ Para o exame de anteriores acrdos que romperam com a tradio dt: conectar a responsabilidade
pr-contratual prova do comportamento culposo veja-se o meu "A Boa-F no Direito Privado", cit.,
pgs. 472 a 514.
61
J.
12
'
Tambm aqui h a prvia modelagem pela doutrina. Assim aponta MOREIRA ALVES ("A Boa-F
Objetiva no Sistema Contratual Brasileiro", cit., p. 200,) segundo o gual "a doutrina brasileira,
362
Judith Martins-Costa
optaram pelo cargo de especialista aps longos anos de exerccio em sala de aula, poca em
que vigorava o entendimento administrativo no sentido de o benefcio da aposentao
_~ TJRGS, 1\p. Civ. n" 70001037597- 9' C. Cv., j. 14.6.00, Rel. Paulo de Tarso Vieira SANSEVERINO, em
cuja ementa se l:"( .. .) Descumprimento do dever de diligncia pela fornecedora apelam-e, decorrente da boa-
f objetiva, no perodo ps-contratual, em face da no comprovao das medidas necessrias para o recolhimento
do ttulo posto em cobrana bancria".
64TJRGS, Ap. Cv. n" 589078542, sa c Civ. j. 13.02.90, Rel. Des. Ruy Rosado de I\ GUIAR JNIOR, in
RJTJRGS 148/282.
65
Constituio Federal, art. 37, caput.
363
abranger quem exercia dito cargo", fundando-se a deciso nos princpios da boa-f objetiva
e da segurana jurdica66
A proteo da justa expectativa conduz adoo de medidas positivas, razo pela
qual acrdo do S1J entendeu que, ((nas circunstncias do negcio, o credor tinha o dever,
decorrente da boaj objetiva, de adotar medidas oportunas para, protegendo o seu crdito,
impedir a alienao dos apartamentos a terceiros adquirentes de boaj'67 Na espcie, v-se
a conjugao entre, de um lado, o dever de agir segundo a boa-f objetiva, imposto
incorporadora- esta deveria agir para impedir a alienao dos imveis, no apenas propondo
a ao de execuo, mas averbando-a no Registro de Imveis e informando a empresa
financiadora- e, de outro, a boa-f subjetiva, ou boa-f crena, dos terceiros adquirentes. Fica
a evidente a distino que h entre agir segundo a boa-f e agir de boa-f.
Importante grupo de deveres positivos diz com a prestao de informaes, de
aconselhamento, de aviso, assim compondo os deveres de informao, em sentido amplo e
de veracidade. Atuando, como todos os deveres que decorrem do princpio da boa-f, em
relao a ambos os participes do vnculo contratual, o dever de informao imposto, por
exemplo, aos segurados que, no contrato de seguro sade, no podem omitir circunstncia
relevante. Neste sentido, j decidiu o Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul, fundado no
princpio da boa-f objetiva, faltar "direito a segurado que omite circunstncia relevante,
66
Comarca de Porto Alegre, 2' Vara da Fazenda Pblica, Ac. Civ. Pub. n" 01195487226, Rel. Juiz Clademir
MISSAGIA, j. 07.08.98.
67 STJ, RESp. n" 32890/SP, 4' T. j. 12/12/94, Rei. Min. Ruy Rosado de AGUIAR JNIOR, in RSTJ 73/
227.
{>!i 1JRGS, Ap. Cv. n"59719439, 6' C. Civ., j. 12.11.97, Rel. Des. Antnio Janyr DALL'AGNOLL JNIOR.
19
' 1JRGS, Em. Dcc. no 196722656- 6' C. Civ., j. 17.4.97, Rel. Roque Miguel FANK.
7
nTJRGS, Em. lnf. n 598007607- 3" Grupo de C. Civ., j. 03.4.98, Rei. Antonio Janyr DALL'AGNOL
JUNIOR.
71
TJRGS, Ap. Civ. n 59907596 - 6' C. Civ., j. 05.4.00, ReL Joo Pedro FREIRE.
364
Judith Martins-Costa
Por vezes a boa-f mostra-se a via adequada para a recepo de doutrinas que se
formam no Direito Comparado, o que mais uma vez confirma o nosso "bartolismo".
Assim ocorreu com a Teoria da Violao Positiva do Contrato (Positive Vertrageverletzung}
cuja origem, nos direitos da "famlia" romano-germnica radica-se nas idias do alemo H.
Staub, em 1902, constituindo tambm conceito versado no direito do common law sob a
denominao de anticipated breach of contract.
Afirma Couto c Silva que esta recepo "haveria de contribuir decisivamente para
uma nova concepo da relao obrigaciona/"12 O incumprimcnto antecipado ocorre
quando o devedor, em contrato cujo adimplemento sujeito a prazo mais ou menos longo,
pratica, no transcorrer desse prazo, atos que, por fora da natureza da prestao ou da lei,
tornam impossvel o futuro cumprimento. Alguns doutrinadores, notadamente os discpulos
de Couto e Silva73 , passaram a examinar a aplicabilidade desta concepo ao direito brasileiro
utilizando, para tal fim, regras legisladas acerca da impossibilidade e da mora, interpretadas
segundo o princpio da boa-f, para entender que "alm da impossibilidade, o incumprimento
COUTO E SILVA, Clvis,"() Princpio da Bo:d~ no Direito Brasileiro c Portugus", citado, p. 47.
Assim FRADERA, Vera Maria , "A Quebra Positiva do Contrato", Revista Ajuris, v. 44, Porto Alegre,
1988, p. 144-152, AGUIAR JR, Ruy Rosado, "Extino dos Contratos por Incumprmcnto do Devedor
(Resoluo)", Rio de Janeiro, Aide, 1991, p. 126 esse FERREIRA DA Sll~VA,Jorge Cesa, ''A Boa-F e a
Violao Positiva do Contrato", Porto Alegre, 1999, no prelo.
-,AGUIAR JR., Ruy Rosado, "Extino dos Contratos por Incumprimento do Devedor", cit., p. 127.
70
TJRGS, Ap. Civ. n 596251181
l' C. Civ., j. 18.3.98, Rei. Armnio Jos ABREU LIMA DA ROSA. Em
sentido similar, TJRGS, Ap. Civ. n 59671530- s C. Civ., j. 23.5.96, Rd. Paulo Augusto MONTE LOPES.
72
73
365
padronizados e de adeso".
No "ir e vir' entre o texto e o contexto, no esqueceu o julgador da funo econmica
do contrato. Afirmando constituir este "nada mais que o revestimento juddico de uma
operao econmica" entendeu de "sopesar, na anlise de contrato, a satisfao da necessidade,
a obteno do bem que levou as partes a contratarem, e a funo econmica que o pacto
exerce na vida de relao". Realizada a ponderao entre todos os elementos, de fato e de
direito, enfim decidiu: "E a escolha dever ser feita de modo a assegurar prevalea o interesse
que se apresenta mais vantajoso em termos de custo social': o qual, no contexto do programa
contratual considerado, apontava diviso dos prejuzos.
Tambm considerando a "prpria consecuo da finalidade do contrato", o que
djzcr, a sua objetiva causa, h deciso em matria de contrato de seguro-sade cuja clusula de
"vigncia temporria" foi tida como abusiva, por impeditiva do alcance daquela concreta
finalidade77 A interpretao do contrato, com o consegente afastamento da clusula abusiva,
ocorreu complessivamente, fazendo o relator apelo doutrina de Cludia Lima Marques 78
que examinou a boa-f no mbito das relaes de consumo.
"'GTJRGS, EI n 1%032114,4 Grupo de C. Cveis, Re!. Des. Roberto I:.xpedito da CUNH;\ MADRID, j. em
17. 3. 97.
"'TJRGS, Ap. Civ. n 596230888, 5" C. Cv., ReL Deo. Luiz Felipe BRASIL SANTOS, j. em 5.6.97.
366
Judith Martins,Costa
78
MARQUES, Cludia Lima, "Contratos no Cdigo de Defesa do Consumidor", So Paulo, Revista dos
Tribunais, 3" edio, 1999.
~TJRGS, Ap. Ch.~ n 196105167, 6' C. Cv. j. em 8.8.96, Rei. Des. Armnio Jos ABREU LIMA DA ROSA,
e assim ementada: "Contrato de financiamento. Excessiva Onerosidade. Embora no se aplique, diretamente,
7
aos contratos bancrios, o CDC pode ser objeto de utilizao analgica quando manifesta a excessividade de
interesses remuneratrios do capital. Caso em que, de resto, caberia recorrer a princpios gerais de Direito e
evitar Locupletamento indevido de uma das partes. Mantena da TR, juros moratrios de 1% ao ms e multa.
Apelo provido em partr!'.
80
No tocante reviso por quebra Ja base negociai objetiva o leading case foi a Ap. Civ. n 5880591113,
TJRG~
367
83
Assim pronunciou-se MOREIRA ALVES ao dar parecer sobre a emenda supressva do Senador
Gabriel Hermes: "A leso ocorre quando h a usura real. No h, na leso, ao contrrio do que ocorre com
o estado de perigo, que vicie a simples oferta. Ademais, na leso no preciso que a outra parte saiba da
necessidade ou da inexperincia: a leso objetiva. j no estado de perigo preciso que a parte beneficiada saiba
que a obrigao foi assumida pela parte contrria para que esta se salve de grave dano {levando-se em conta,
pois, elemento subjetivo"}.In "O Projeto de Cdigo Civil no Senado", Tomo Il, Braslia, Senado Federal,
1998, p. 015.
CDC( Lei n 8.078/90, art. 6, inciso V, primeira parte.
8
;; HATTENHAUl::R, Hans, "Conceptos Fundamentaks dd Derecho Civil", trad. espanhola, Ed. Ariel,
Barcelona, 1987, p. 90.
8
" RGZ, 107, 78, 87 e ss, apud HATIENHAUER, op., e p., acima referidas. Por esta deciso precisou-se que
no era somente o devedor, mas ambos os partcipes da relao contratual gue deveriam suportar,
conjuntamente, os prejuzos da inflao, fundando-se o decidido justamente na clusula geral da boa-f
objetiva inscrita no pargrafo 242 do Cdigo Civil. Estabelecido que a adstrio ao pactuado (pacta sunt
servanda) devia amoldar-se boa~f e aos costumes do trfego juridico, reformulou-se, no direito
alemiio, a teoria da base do negcio e o antigo princpio da equivalncia, com o gue, afirma
HATTENHAUER, "a teoria das relaes obrigacionais abriu-se para novos caminhos".
~4
368
Judith Martins-Costa
"diante das peculiaridades da situao econmica vigente aps a edio do Plano Real, em
que os ndices inflacionrios tem sido insignificantes(. ..) a anlise de cada caso a fim de se
verificar a possibilidade ou no de reviso dos contratos pretendidos revisar". Na espcie,
considerando a indexao dos encargos contratados pela variao do dlar americano e a
elevao sbita deste, pareceu ao Judicirio perfeitamente possvel a reviso do contrato
"~
369
92
370
Judith Martins-Costa
pretenso de quem reclama algo em aberta contradio com o que havia anteriormente
aceitado, corno explica o tambm argentino Moisset de Espans 97
Este breve delineamento conceitual explica a razo pelo qual o venire tem tido
progressiva aceitao nos Tribunais. Em matria de contrato de seguro, j decidiu o Superior
Tribunal de Justia que a boa~ f veda o comportamento contraditrio inclusive na fase
processual, por forma a incidir na fixao do dies a quo para o clculo da prescrio extintiva,
pois se a recusa da seguradora a aceitar os dados de que dispunha em seu departamento
mclico como suficientes para caracterizar a incapacidade coberta pelo seguro, e a no-aceitao
do laudo apresentado pelo segurado ao propor a ao conduziu realizao de perida em
juzo, no poderia ensejar a invocao daquelas datas dos laudos no-aceitos para a fluncia
do prazo prescricional, estatuindo a deciso: "a boa f objetiva, que tambm est presente no
processo, no permite que uma parte alegue contra a outra um fato que ela no aceita epara
o qual exige prova judicializada ''lil.
Tambm pela invocao ao venire a Administrao Pblica viu limitada a pretenso
de exigir a devoluo de vencimentos pagos a servidor durante o perodo de concesso de
licena remunerada, a qual, constatou-se posteriormente, havia sido equivocadamente
concedida99 , em outra hiptese sendo a boa-f foi o limite que impediu a reviso de contrato
que j fora alvo de transao, em anterior oportundade11w.
Pela mesma via da boa-f objetiva tm a jurisprudncia brasileira acolhido tambm o
conceito de Adimplemento Substancial, oriundo do direito do common law, pelo qual
limita-se ou se impede o exerccio do poder formativo (potestativo) de resoluo contratual
nos casos em que a prestao contratual, embora no totalmente cumprida, foi
"substancialmente adimplida".
O adimplemento substancial significa, segundo o magistrio de Clvis do Couto e
Silva, o cumprimento prximo do resultado final, que exclui o direito de resoluo, facultando
apenas o pedido de adimplemento e de perdas e danosw 1 Fazendo expressa remisso a esta
97
MOISSET DE ESPANS, Luh, ''La Teoria de los Propios Actos y la Doctrina y la Jurisprudencia
Nacionales", apud BORDA, op. cit., p. 26.
98 STJ, REsp n" 18.4573/SP, ST.J, 4' T., Rei. Min. Ruy Rosado de AGUIAR .JNIOR, DJ. 15.03.99. p. 241.
Tambm no STJ, e fundado na mxima do venire o RESP 95535/SP, DJ 1 4.10.96, p. 39015.
wTJRGS, Ap. Civ. n 597200237 ~ 3> C. Civ., j.04.6.98, Rel. Percano CASTILHO$ BERTOLUCI.
100
TJRGS, Ap. Cv. n 598474237 ~ 20 C. Civ., j.15.2.00, Rel.Jos Aquino FLORES DE CAMARGO.
101
COUTO E SILV1\, Clvis, "O Princpio da Boa-F no Dirtito Brasileiro e Portugus", cit.,
pp. 56 e 57.
371
doutrina102 , j decidiu o Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul que o comprador que
o decurso de prazo sem exerccio do direito com indcios objetivos de que o direito no mais
seria exercido e (II) desequilbrio, pela ao do tempo, entre o benefcio do credor e o prejuzo
do devedor".
Diferentemente dasupressio, que indica o encobrimento de uma pretenso, coibindose o exerccio do direito em razo do seu no exerccio, por determinado perodo de tempo,
com a conseqente criao da legtima expectativa, contraparte, de que o mesmo no seria
102
Tambm explicitada por BECKER, Anelise, "A doutrina do adimplemento substancial no Direito
Brasileiro e em perspectiva comparativista", Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, voi. 9, Porto Alegre, 1993, pp. 60~ 77.
103TJRGS, Ap. Civ. n" 588012666, j. 12. 04.88, Rei. Des, Ruy Rosado de AGUIAR JNIOR.
(}lTJRGS, Ag. I. n" 70000027623 ~ 1' C. de Frias Cv;, j. 18.11.99, Rei. Des. Paulo de Tarso VIEIRA
SANSEVERINO. Em sentido similar, os Agravos de Instrumento ns 70000539908- 14' C. Cv., j. 16.12.99,
e 7001005586- 14' C. Civ., j. 29.6.00, ambos tendo como Rei. oDes. Aymor Roque POTTES DE
lvlELLO.
00
106
TJRGS, Ap. Civ. n 588016147, 5" C. Civ; Rei. Des. Ruy Rosado de AGUIARJR., j. em 3. 4. 1988.
TJRGS, Ap. Civ. n" 70001123561, 2" C. Civ., j. 28.06.2000, Rei. Des Maria Isabel de AZEVEDO SOUSA.
372
J udith
Martins~Costa
373
o complexo das atividades juridicamente relevantes dos sujeitos, a compreendidas as prnegociais"1w, constituindo a boa-f "um aspecto do princpio geral (que) exprime a
necessidade de um esprito de colaborao recproco entre os contraentes e em condies de
paridade, em Juno da realizao da pessoa humana e de seu pleno e igual
desenvolvimento"111
Com efeito, constituindo "norma-princpio" 112 , mais propriamente um modelo, a
boa-f objetiva em sua concreta atuao opera articuladamente com outros princpios e com
outras regras. No substrato desta tcnica combinatria est a considerao das transformaes
que sofre a ordem econmica em razo da chamada "globalizao" e que utiliza as normas
vagas, em combinao com normas imperativas, juntamente com outros procedimentos,
tais como novas formas de articulao negociai, para minimizar os riscos das fissuras
econmico-sociais, tendendo a assegurar, como assinala Jos Eduardo Faria, "um equilbrio
substantivo" entre os partcipes das relaes econmico-sociais e criando, na medida do
possvel, "as condies para a consecuo de padres bsicos de solidariedade e cooperao "113
O segundo trao a assinalar diz com a responsabilidade da doutrina ao apontar os
modelos hermenuticas que auxiliaro o juiz, e mesmo ao legislador, na elaborao dos
modelos jurdicos. Vivemos em um tempo que tem pressa, mas a atividade doutrinria no
pode prescindir da reflexo, do tempo de maturao das idias e das novas concepes,
equilibrando-se na tenso entre o apontar de novos caminhos, constitutivo da sua misso
antecipante de novas solues, e a necessidade de ponderao, a cada dia mais dificultosa e
IO'J Neste sentido PIGNATARO, Giseh, "Buona fede oggettiva e rapporto precontrattuale: gli ordinamenti
italiano e franccse, Salemo, l_~",dizioni Scicmifiche Italiane, 1999, p. 47, e MONATERI, Pier Giuseppe, La
Rcsponsabilit Contrattualc e Prccontrattualc, Turim, UTET, 1998, p. 377 e ss, com indicao da
jurisprudncia.,
1
w PIGNATARO, Gisela, "Buona Fede oggettiva c rapporto precontrattuale, cit, p. 48, traduzi.
111
PlGNAT1\RO, Gisela, "Buona fede oggettiva e rapporto precontrattuale, cit, p. 48, traduzi.
112
Utilho aqui as lies de ALEXY, Robert, "Teoria de Los Derechos Fundamenta!es", Madri, Ed.
Centro de Estudios Constitucionales, 1993, em especial pp. 81 a 93.
113
L\RIA, Jos Eduardo, "O Direito na Economia Globalizada", Tese apresentada ao concurso para
Professor Titular de Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade de So Paulo,
1999, p. 304.
374
Judith Martins-Costa
necessria porque, como disse Hannah Arendt 114 , a irreflexo, ''a imprudncia temerria ou
a irremedivel confuso ou a repetio complacente de 'verdades" que se tornaram triviais
e vazias parece ser uma das principais caractersticas do nosso tempo".
O terceiro trao, por fim, diz com a misso da jurisprudncia. Se o Direito no um
'dado" que o jurista recebe, " uma tarefa que o concita a um ingente esforo e a uma
profunda responsabilidadel 15 ", devemos considerar que o princpio da boa-f objetiva,
justamente por configurar norma vaga, semanticamente aberta, carreia, para o juiz,
um extraordinrio acrscimo de sua responsabilidade. No pode nem recair no crasso
decisionismo, nem no voluntarismo, tanto primrio quanto perigoso aos valores da
Democracia.
Se bem verdade que o princpio enseja uma tarefa de reconstruo dogmtica do
Direito obrigacional, tambm verdadeiro que esta no absolutamente uma tarefa arbitrria.
A invocao da boa-f contratual est "contida nos limites da realidade do contrato, sua
11
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11
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STF:
RE 158448/MG.
STJ:
Agr. Reg. no Aln 47. 901 - 3- SP;
AGA47901;
EDRESP 167691;
RESP 256274; RESP 107211; RESP 80036; RESP 32890; RESP 3714/RS; RESP
7187 /SP; RESP 85521/PR; RESP 101061/PB; RESP 157841/SP; RESP 5932/RS; RESP
158728/RJ; RESP 18.4573/SP; RESP 95535/SP.
REMS no 6183-MG.
ROMS 6183; ROMS 1694/RS;
Judith Martins-Costa
378
TJRGS
Ap. Civ. n' 598225720; Ap. Civ. n' 597019439; Ap. Civ.194.045.472; Ap. Civ. n"
596131060;Ap. Civ. n' 598037257; Ap. Civ. n 70001059641;Ap. Civ. n 70000457093, Ap.
Civ. n 70000094433 ;Ap. Civ. n.' 598209179,Ap. Civ. n 70001037597;Ap. Civ. n' 589078542;
Ap. Civ. n'597019439;Ap. Civ. n' 59907596; Ap. Civ. n' 596251181; Ap. Civ. n' 59671530;
Ap. Civ. n 596230888;Ap. Civ. n 5880591113;Ap. Civ. n 196105167;Ap. Civ. n' 588059113;
Ap. Civ. n 70000078626;Ap. Civ. n' 599443694;Ap. Civ. n' 597200237;Ap. Civ. n 598474237;
Ap. Civ. n' 588012666; Ap. Civ. n 588016147,Ap. Civ. n' 70001123561;
Agr.l. n 70000027623;Agr.l. n 70000539908; Agr.l7001005586
za Vara da Fazenda Pblica, Comarca de Porto Alegre, Ac. Civ. Pub. no 01195487226 ..
Justia de So Paulo- Primeiro Colgio Recursal dos Juizados Especiais Cveis da
Capital- Recursos ns 7.959; 7.766; 7747 e 7.767.
GLOSSRIO
Des.- Desembargador.
Em. Dec.- Embargos de Declarao.
Em. Infr. - Embargos Infringentes.
EDRESp. Embargos de Declarao em Recurso Especial.
I
-julgado.
Rel- Relator.
RESP- Recurso Especial
REMS- Recurso Especial em Mandado de Segurana.
ROMS- Recurso Ordinrio em Mandado de Segurana.
RT- Revista dos Tribunais.
STF- Superior Tribunal Federal.
STJ -Superior Tribunal de Justia.
RSTJ- Revista do Superior Tribunal de Justia.
TJRGS -Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul
UFRGS- Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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