Lingua Brasileira de Sinais - LIBRAS - Web - 20181128-1707

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LÍNGUA

BRASILEIRA DE
SINAIS - LIBRAS

Clélia Maria Ignatius Nogueira


Marilia Ignatius Nogueira Carneiro
Beatriz Ignatius Nogueira
Organizadores:
João Luiz Simplício Porto
LÍNGUA
BRASILEIRA DE
SINAIS - LIBRAS

Clélia Maria Ignatius Nogueira


Marilia Ignatius Nogueira Carneiro
Beatriz Ignatius Nogueira
Organizadores:
João Luiz Simplício Porto
NEAD - Núcleo de Educação a Distância

Coordenador de EAD: Patrícia Gonçalves Oliveira

Direção Geral: Carlos Fernando Barbosa

Direção Acadêmica: Eber da Cunha Mendes

Diretor Financeiro: Renato Gonçalves Oliveira

Coordenação de Curso: Aline Carneiro Silveirol

Capa e Editoração: Renata Sguissardi; Andresa G. Zam; Diego R. Pinaffo; André Morais

Ficha catalográfica - Serviço de Biblioteca e Documentação – FABRA

N778l NOGUEIRA, Clélia Maria Ignatius

Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS / Clélia Maria Ignatius


Nogueira, Marilia Ignatius Nogueira Carneiro, Beatriz Ignatius
Nogueira; organização João Luiz Simplício Porto. – Serra, ES:
Centro de Ensino Superior Fabra, 2017.

280 p. : il..

ISBN: 978-85-92808-15-0

1. LIBRAS – Lingua Brasileira de Sinais. I. Título. II.


CARNEIRO, Marilia Ignatius Nogueira. III. NOGUEIRA, Beatriz
Ignatius. IV. PORTO, João Luiz Simplicio.

CDD 419

Ficha catalográfica realizada pela bibliotecária


Este livro é publicado pelo Programa de Publicações Digitais do Centro de Ensino Superior FABRA
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LIBRAS
Clélia Maria Ignatius Nogueira; Marilia Ignatius Nogueira Carneiro;
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Beatriz Ignatius Nogueira

Você certamente deve estar se perguntando por que estudar a Língua


Brasileira de Sinais, a Libras. Afinal, esta é a língua dos surdos brasileiros e
provavelmente você nem conhece ninguém surdo!
Outra coisa que você provavelmente não sabe é que atualmente existem no
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Brasil cerca de 5.7000.000 pessoas surdas e que, segundo dados do MEC -
Ministério da Educação, em 2001, existiam 50 mil estudantes surdos matriculados
no Ensino Fundamental, a maioria deles em classes comuns, em escolas
inclusivas. Apesar dessa grande quantidade de alunos surdos matriculados no
ensino regular, poucos conseguem sucesso, principalmente por que a principal
maneira de ensinar ainda é a explicação oral e daí o surdo não entende nada, por
causa da dificuldade de comunicação entre professores e alunos.
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Este dado de 2001 é importante porque foi esta constatação que deu origem
a diversas ações do Ministério da Educação do Brasil, mudando, radicalmente e
para melhor, a educação do surdo brasileiro. Assim, tentando mudar essa realidade
de fracasso educacional que os alunos surdos viviam, o Governo Federal adotou
diversas medidas, dentre elas o Decreto Federal nº 5626 de 22 de dezembro
de 2005, que tornou obrigatório o ensino de Libras - Língua Brasileira de Sinais
- em todos os cursos de formação de professores e também de fonoaudiologia
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do Brasil, além de se constituir em disciplina optativa dos demais cursos.


É por isso que você está tendo esta disciplina, que tem como objetivo
proporcionar o estudo sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, bem como
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refletir sobre a surdez, a cultura, as identidades surdas e a Educação de Surdos
na realidade brasileira, pensando na inclusão social e educacional do surdo.
A surdez pode ser caracterizada de duas maneiras distintas: seguindo o
modelo médico, em que ela é vista como uma deficiência, uma limitação de
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natureza patológica, com a criança sendo rotulada por aquilo que não é capaz de
fazer. Ao adotarmos a concepção socioantropológica da surdez, entendida agora
não mais como uma patologia, mas como uma diferença linguística, a criança
surda passa a ser encarada a partir de suas possibilidades, que poderão ser mais
ou menos aproveitadas em função da educação que lhe for ofertada.
Assim, compreender os surdos e a surdez nesse viés educacional é
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fundamental para o futuro professor, pois este é o profissional que estará mais
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próximo da família no momento dela lidar com a educação da criança surda e,
orientar esta família.
Além disso, agora já pensando no surdo adulto, que pode e deve exercer sua
cidadania, é importante que qualquer profissional esteja minimamente capacitado
para atendê-lo.
Desta forma, procuramos atender prioritariamente a três grandes objetivos:
proporcionar a constituição de uma imagem positiva da surdez e dos surdos;
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favorecer a inclusão educacional e social do surdo e promover a difusão da Libras.
Para atingir estes objetivos, este livro se organiza em três unidades. Na Unidade
I, apresentaremos a Libras – Língua Brasileira de Sinais, em seus aspectos geral e
sintático. A Unidade II será destinada, basicamente, à apresentação de vocabulário
específico que lhe permita uma comunicação funcional com o surdo, em sua
área de atuação profissional. Apresentaremos também nesta segunda unidade,
os profissionais da Libras, a saber, o tradutor intérprete de Língua de Sinais
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(TILS) e o professor de Libras, que, de acordo com o Decreto 5626 deve ser,
prioritariamente surdo. Na Unidade III trataremos de sensibilizar e conscientizar
você dos aspectos sociais e antropológicos da surdez, ao discutirmos as
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concepções de surdez; as diferentes filosofias educacionais, a cultura e as
identidades surdas, a história da educação de surdos e ainda apresentaremos
algumas leis e políticas públicas relacionadas à educação de surdos, finalizando
com uma desconstrução de alguns mitos e crenças sobre a surdez e os surdos.
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Nas conclusões, além de fazermos uma retomada dos assuntos abordados nas
unidades I, II e III, faremos uma discussão a respeito da inclusão educacional e
social do surdo.
Faremos estas discussões sustentadas não apenas em nossa formação
acadêmica, mas particularmente, em nossa experiência de vida. Pelo nosso
sobrenome, você já deve ter percebido que nós três somos parentes! É verdade.
Somos mãe (Clélia) e filhas (Marília e Beatriz). A mãe é ouvinte e as filhas são
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surdas e nós vivenciamos um período muito difícil na vida do surdo brasileiro. Um
período em que os professores não aprendiam a se comunicar com seus alunos
e mais, os próprios surdos eram proibidos de usar a Libras!
Esse período foi muito difícil e isso acontecia porque as pessoas, incluídas aí
os professores e a família, acreditavam que aprender falar oralmente era a única
forma do surdo - que naquela época era designado por deficiente auditivo – se
integrar à sociedade. Atualmente, muita coisa mudou. Até a maneira de se referir
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aos surdos e esta experiência que nos credencia a discutir esses temas tão
delicados com você.
Finalizamos esta apresentação com uma frase atribuída ao surdo francês
Ferdinand Berthier, que viveu no século XIX e é considerado um dos mais
brilhantes exemplos de sucesso de um surdo, um dos fundadores da primeira
associação de surdos, a “Societété Centrale des Sourds Muets de Paris”, que
extraímos do livro de Gesser (2009): “O que importa a surdez da orelha,
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quando a mente ouve? A verdadeira surdez, a incurável surdez é a da mente”


(FERDINAND BERTHIER, surdo francês, 1854).
Abram suas mentes e bons estudos!
UNIDADE 1 Linguagem, línguas orais,
de sinais e Libras 13

Introdução............................................................................................15

LINGUAGEM E PENSAMENTO............................................................17

HISTÓRIA DAS LÍNGUAS DE SINAIS E DA LIBRAS............................21

PARALELOS ENTRE LIBRAS E A LÍNGUA PORTUGUESA.................31

LÍNGUAS DE SINAIS E LIBRAS...........................................................41


Os sinais são gestos?................................................................................. 41

A língua de sinais é icônica?...................................................................... 42

A língua de sinais tem gramática?.............................................................. 42

A língua de sinais é mímica?...................................................................... 43

A língua de sinais é o alfabeto digital?....................................................... 44

A língua de sinais é artificial?..................................................................... 44

SUMÁRIO
A língua de sinais é universal?.................................................................... 45

As línguas de sinais são dependentes das línguas orais?......................... 47

As línguas de sinais são exclusividade dos surdos?................................. 48

O que é um tradutor intérprete de Libras e Língua Portuguesa?............... 49

ASPECTOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS.............................................50


Expressão Facial........................................................................................ 59

EXPRESSÃO FACIAL OU MODULAÇÃO NÃO MANUAIS EM LIBRAS......60

ASPECTOS MORFOLÓGICOS............................................................64

TIPOS DE FRASES EM LIBRAS...........................................................69

TIPOS DE NEGAÇÃO...........................................................................72

FLEXÃO DE GÊNERO..........................................................................74

TIPO DE VERBOS................................................................................77

CLASSIFICADORES OU DESCRIÇÃO IMAGINÁRIA...........................83


Classificador de Sintaxe.......................................................................... 88

SUMÁRIO
MARCAÇÃO DE TEMPO VERBAL.....................................................91

ASPECTOS SINTÁTICOS.....................................................................95

UNIDADE 2 Construindo Vocabulário 105

Introdução............................................................................................107

Léxico de Unidades Semânticas: alfabeto, números e pronomes......109


O alfabeto manual...................................................................................... 109

Números...............................................................................................112
Algarismos e Numerais............................................................................... 112

Números quantitativos................................................................................ 113

Números ordinais....................................................................................... 113

PRONOMES............................................................................................... 114

Pronomes Pessoais.................................................................................... 114

Pronomes Possessivos.............................................................................. 116

Pronomes Demonstrativos......................................................................... 117

Léxico de Unidades Semânticas: saudações cotidianas; cores;


calendário, tempo................................................................................117
IDENTIFICAÇÃO PESSOAL........................................................................ 117

CALENDÁRIO.......................................................................................123
Aprendendo os sinais de Calendário.......................................................... 123

Meses......................................................................................................... 128

LÉXICO DE UNIDADES SEMÂNTICAS: DEFICIÊNCIAS, PROFISSÕES,


ESCOLA, EDUCAÇÃO E ECONOMIA..................................................138
DEFICIÊNCIAS............................................................................................ 138

PROFISSÕES............................................................................................. 140
ECONOMIA................................................................................................. 145

Nossa moeda, o Real................................................................................. 146

Mil............................................................................................................... 147

EDUCAÇÃO: ESCOLA – NÍVEIS DE ENSINO - ESPAÇO FÍSICO –


DISCIPLINAS – MATERIAL ECOLAR...................................................148
ESPAÇO FÍSICO DA ESCOLA.................................................................... 151

DISCIPLINAS.............................................................................................. 152

MATERIAL ESCOLAR................................................................................. 154

PROFISSÕES............................................................................................. 156

TRADUTOR INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS – TILS...................157

O MERCADO DE TRABALHO PARA AS PESSOAS SURDAS.............166


Algumas ideias sobre o capitalismo........................................................... 168

Contextualizando a surdez......................................................................... 170

Professor de Libras: reserva de mercado para surdos?............................ 173

SUMÁRIO
UNIDADE 3 A cultura do Surdo e as
Políticas Públicas 197

INTRODUÇÃO......................................................................................199

CONCEPÇÕES DE SURDEZ................................................................203

CULTURAS E IDENTIDADES SURDAS................................................213

LEGISLAÇÃO BRASILEIRA REFERENTE À EDUCAÇÃO DE SURDOS


226
Lei nº 7.853 de 1989................................................................................... 230

Declaração de Salamanca de 1994............................................................ 231

Lei 9.394 de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira...... 232

Portaria MEC – nº 1.678/99........................................................................ 235


SUMÁRIO Lei Federal nº 10 436, de 24 de abril de 2002............................................ 240

Decreto Federal nº 5.626 de 2005.............................................................. 241

Decreto 7.611, de 2011.............................................................................. 245

AS POLÍTICAS PÚBLICAS REFERENTES À EDUCAÇÃO


DE SURDOS.........................................................................................246
Decreto 914 de 1993.................................................................................. 248

Política Nacional de Educação Especial de 1994...................................... 248

Lei nº 10.172/01 – Plano Nacional de Educação....................................... 249

Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos - 2001.................... 250

Política Nacional de Educação Especial de 2008...................................... 252

DESCONSTRUINDO CRENÇAS SOBRE O SURDO


E A SURDEZ.........................................................................................254

CONCLUSão 271

REFERÊNCIAS 275
UNIDADE 1

Linguagem, línguas orais, de


sinais e Libras
Clélia Maria Ignatius Nogueira; Marilia Ignatius Nogueira Carneiro;
Beatriz Ignatius Nogueira.

Objetivos de Aprendizagem

• Possibilitar a constituição de uma imagem positiva da surdez e do


surdo;
• Estabelecer a diferença entre linguagem, língua e fala;
• Discutir a relação “Pensamento e Linguagem”;
• Compreender a Libras em seus aspectos gerais;
• Compreender a Libras em seus aspectos linguísticos;
• Favorecer o processo de inclusão da pessoa surda;
• Expandir o uso da Libras legitimando-a como língua oficial do Brasil.

Plano de Estudo

Serão abordados os seguintes tópicos:

• Linguagem e Pensamento
• História das Línguas de Sinais e da Libras
• Paralelos entre Libras e a Língua Portuguesa
• Línguas de Sinais e Libras
• Aspectos linguísticos da Libras
UNIDADE I - LIBRAS

Introdução
Os fortes preconceitos relacionados à surdez se sustentam na crença, praticamen-

te inabalável, desde os tempos de Aristóteles e reforçada por diversos estudos ao

longo dos tempos, de que a linguagem falada era essencial para o desenvolvimen-

to do pensamento humano.

Entretanto, estudos sobre cognição e linguagem, como os efetivados nas teorias

de aprendizagem mais conhecidas, como o behaviorismo, que tem em Frederic

Skinner um de seus mais importantes representantes; o construtivismo genético de

Jean Piaget e o sociointeracionismo, representado por Lev Vygotsky, entre outras,

além da neurociência, e de teorias marcadamente linguísticas como a abordagem

gerativista, que tem em Noam Chomsky seu principal representante, mostraram

que o importante para o desenvolvimento do pensamento é a comunicação e não

a língua que se usa.

Além disso, outros estudos indicavam que crianças surdas, filhas de pais surdos,

teriam um desempenho escolar superior aos das crianças surdas, filhas de pais

ouvintes, o que reforçava a premissa anterior de que para o desenvolvimento cog-

nitivo o que importa é a comunicação e não o estilo que se usa.

15
UNIDADE I - LIBRAS

Com esse novo direcionamento nas pesquisas sobre a relação entre o pensamento e a

linguagem, além da realização de diversos estudos referentes às línguas de sinais que

demonstravam que estas desempenham no desenvolvimento cognitivo e afetivo dos

surdos, o mesmo papel das línguas orais para os ouvintes, além de pressões resultan-

tes de movimentos de surdos, respaldados em pressupostos de direitos humanos, re-

colocaram as línguas de sinais na posição de destaque na educação e inclusão social

de surdos. Atualmente, as leis “da Acessibilidade” e “da Libras” garantem ao surdo o

direito de ser educado em sua primeira língua, de ter atendimento jurídico, de saúde,

enfim, de todos os serviços prestados pelo governo, em Libras, além das traduções de

programas televisivos, de serviços bancários etc. Enfim, como a Libras é língua oficial

brasileira, ela tem o mesmo status da Língua Portuguesa.

Assim, nesta Unidade I, pretendemos apresentar-lhe as línguas de sinais em geral

e a Libras em particular. Para isto, organizamos cinco seções. A primeira, intitulada

Pensamento e Linguagem, destacará que as línguas de sinais são fundamentais

para o desenvolvimento cognitivo dos surdos. Na segunda seção, abordaremos

a História das Línguas de Sinais, além da história dessas línguas, anunciada no

título, também apresentará uma discussão sobre as diferenças conceituais entre

linguagem, língua e fala. Na terceira seção, como o título indica, estabeleceremos

Paralelos entre Libras e a Língua Portuguesa, a título de facilitar a compreensão

16
UNIDADE I - LIBRAS

da primeira. Na quarta seção, Línguas de sinais e Libras, procuraremos descons-

truir mitos e crenças sobre as línguas de sinais e da Libras. Finalizaremos, com a

seção mais extensa e complexa desta Unidade I, que é o estudo dos Aspectos

linguísticos da Libras. Lembre-se, os surdos “escutam com os olhos e falam com

as mãos!” Vamos entender esta fascinante forma de comunicação!

Bons estudos!

LINGUAGEM E PENSAMENTO
A relação entre pensamento e linguagem é discutida desde os tempos mais remo-

tos e, desde então, existe uma forte crença de que a linguagem falada é essencial

para o desenvolvimento do pensamento humano.

Esse fato é reforçado por pesquisas mais recentes. No século XX, Piaget estabe-

lece que a linguagem é responsável pela qualidade de nosso pensamento, pois

permite sairmos do estádio das operações concretas e alcançarmos o estádio lógi-

co-formal. Entretanto, antes mesmo da linguagem, para este estudioso, existe uma

inteligência prática, característica do sensório-motor. Para Vygotsky, a linguagem

ocupa um papel essencial na organização das funções superiores, pois exerce pa-

pel fundamental no desenvolvimento cognitivo dos seres humanos.

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UNIDADE I - LIBRAS

No processo interacional verbal, o sujeito também utiliza o processo cognitivo, pois,

segundo Vygotsky, a palavra por ser carregada de sentido exige que o sujeito realize

operações mentais para compreendê-la, assim como para compreender as motiva-

ções de uso dela [...] Por intermédio dessa forma de pensar, pode-se compreender a

afirmação de que a comunicação verbal exerce papel central no processo interacio-

nal (FARIA; ALVES; BATISTA; MONTEIRO, 2011, p.174).

Mas por comunicação verbal devemos entender apenas a língua oral? A resposta

é não. Verbal vem de verbo, que significa palavra, que, pode ser reproduzida tanto

na língua oral, como na de sinais.

Esta constatação de que a comunicação espaço-visual se constitui em comunicação

verbal tanto quanto a oroauditiva é recente. Durante muito tempo se acreditou que

a linguagem oral era a única responsável pelo funcionamento cognitivo humano e a

dificuldade encontrada pelos surdos para falar foi considerada como quase impeditiva

do desenvolvimento do pensamento. Além disso, como a língua de sinais por muitas

décadas foi confundida com mímica, era entendida como dependente do mundo con-

creto, não permitindo a compreensão de conceitos abstratos e, por conseguinte, não

se acreditava em suas potencialidades para o desenvolvimento cognitivo dos surdos.

Entretanto, a presença de surdos nas instituições escolares inclusivas ou espe-

ciais, sendo educados em sua língua natural, tem contribuído muito para des-

construir a imagem de que a surdez compromete o desenvolvimento cognitivo e

linguístico do indivíduo.

18
UNIDADE I - LIBRAS

O surdo pode e desenvolve suas habilidades cognitivas e linguísticas (se não tiver

outro impedimento) ao lhe ser assegurado o uso da língua de sinais, em todos os

âmbitos sociais em que transita. Não é a surdez que compromete o desenvolvimento

do surdo, e sim a falta de acesso a uma língua (GESSER, 2009, p.76).

Com o reconhecimento de que a língua de sinais desempenha para o desenvol-

vimento cognitivo dos surdos o mesmo papel que a língua oral representa no dos

ouvintes compreendeu-se que a surdez não torna a criança um ser que tem possi-

bilidades a menos, mas com possibilidades diferentes, e não menores.

O estudo dos surdos mostra que as capacidades do homem de linguagem, pensamen-

to, comunicação e cultura não se desenvolvem de maneira automática, não se com-

põem apenas de funções biológicas, mas também têm origem social e histórica; essas

capacidades são, como assevera Sacks (1998), um presente – o mais maravilhoso dos

presentes – de uma geração para outra, o que reforça a importância do grupo, da cultura

surda para a construção da identidade e desenvolvimento cognitivo do surdo.

Assim, possuir dificuldades em ouvir não impede o ser humano de adquirir uma língua

e nem de desenvolver sua capacidade de representação, porém, faz o surdo criar uma

maneira própria de se comunicar, utilizando uma língua de natureza viso-motora.

As línguas de sinais, portanto, comprovam que o fato de esta não impede o surdo

de adquirir uma língua e nem de desenvolver sua capacidade de representação.

19
UNIDADE I - LIBRAS

Isso provavelmente envolve mecanismos mentais, diferentes dos mecanismos

mentais da pessoa ouvinte.


As ações negativas quanto ao uso da língua de sinais estiveram e estão, em grande

medida, atreladas aos seguidores da filosofia oralista. Muitos pesquisadores têm

abolido a visão exposta, ao afirmarem justamente o inverso: é o não uso da língua

de sinais que atrapalha o desenvolvimento e a aprendizagem de outras línguas pelo

surdo. Considerando-se que a relação do indivíduo surdo profundo com a língua oral

é de outra ordem (dado que não ouvem!), a incorporação da língua de sinais é im-

prescindível para assegurar condições mais propicias nas relações intra e interpes-

soais que, por sua vez, constituem o funcionamento das esferas cognitivas, afetivas

e sociais dos seres humanos (GESSER, 2009, p.59).

Sendo a língua de sinais imprescindível para o desenvolvimento cognitivo e social

do surdo, “[...] é fundamental que a criança aprenda a língua de sinais bem cedo,

pois ‘pesquisas’ têm mostrado que, quando a criança surda adquire linguagem

desde bem pequena, o seu desempenho escolar será equivalente ao de crianças

ouvintes” (REILY, 2004, p.123). Portanto, é indispensável que a família esteja com-

pletamente envolvida neste processo, que seus elementos se disponham a fazer

parte da comunidade surda.

Ora, mas as pesquisas apontam que cerca de 90% das crianças surdas são filhas

de pais ouvintes que pouco ou nenhum conhecimento possuem acerca da surdez

e da língua de sinais e que muitas vezes não resgataram a serenidade emocional

20
UNIDADE I - LIBRAS

certamente abalada pelo imprevisto da chegada de uma criança surda. Disto de-

corre o papel fundamental desempenhado pelo professor, que, além de ser o pro-

fissional mais próximo da família neste momento, está de posse da serenidade

emocional que os pais, em especial, irão demorar em adquirir.

Mas, enquanto a família se dá conta das dificuldades de adaptação ao novo filho que

lhes foi imposto, algo deve ser feito e rapidamente. A criança cresce e necessita da

linguagem para poder se colocar no mundo, entender e se fazer entendida. Entre aí

o papel da escola (MOURA, 2013, p.18).

Reforçando, como o professor é, na maioria dos casos, o único profissional ao qual

a família tem acesso, ele passa a ser o responsável pela orientação sobre a atuação

da família em toda a vida do filho surdo, daí a necessidade de conhecer muito bem

as implicações sociais da adoção do modelo bilíngue de educação dos surdos.

HISTÓRIA DAS LÍNGUAS DE SINAIS E DA LIBRAS


“LIBRAS É LÍNGUA”. Foi este o título escolhido para a palestra apresentada por uma

linguista em um evento cujo público alvo era o estudante do curso de letras. Uma pro-

fessora que trabalha na área da surdez, mencionando o título, fez o seguinte comen-

tário: “De novo? Achei que essa questão já estivesse resolvida!” (GESSER, 2009, p.9).

Embora mais de cinquenta anos tenham passado desde que a língua de sinais é

mundialmente reconhecida, do ponto de vista linguístico, como uma verdadeira

21
UNIDADE I - LIBRAS

língua, no Brasil, mesmo após a promulgação da Lei Federal nº 10 436, de 24 de

abril de 2002, que reconhece a Libras como língua oficial brasileira, ainda é neces-

sário afirmar e reafirmar esta legitimidade.

Mas por que insistir tanto nesta questão, ou seja, a de que a Libras é uma língua?

Afinal, o que isto significa? Língua e linguagem é a mesma coisa? O surdo “fala” em

Libras?

Por linguagem, designamos o sistema abstrato, articulado, fenômeno universal, in-

dependente da situação cultural, que diferencia o ser humano das demais espécies.

Chamamos de língua, ao sistema abstrato, articulado utilizado por um grupo ou uma

comunidade específica, por exemplo, a Língua Portuguesa. O modo particular e

individualizado de exercitar a língua é o que denominamos de fala. “A fala é o exercí-

cio material da língua levado a cabo por este ou aquele indivíduo pertencente a uma

comunidade linguística específica” (BASTOS; CANDIOTTO, 2007, p.15).

De acordo com Bastos e Candiotto (2007, p.15), a linguagem é a capacidade do ser

humano de comunicar-se com os semelhantes por meio de signos. É ao mesmo

tempo física, psicológica e social e é realizada sempre dentro do âmbito de uma

língua, “inseparável de um contexto cultural específico, particular, de uma comu-

nidade linguística”.

22
UNIDADE I - LIBRAS

Considerando então só o que estabelecemos anteriormente, é possível admitir que

a Libras é uma língua, porque permite que uma comunidade linguística particular,

a comunidade surda, exerça sua capacidade de comunicação, e ainda mais, se a

fala é o modo de um elemento de uma comunidade linguística exercitar sua língua,

o surdo fala em Libras.

Mas não foram considerações simplistas como as que fizemos aqui que permitiram

afirmar, em bases científicas, que a Libras é uma língua sendo que este reconhe-

cimento linguístico tem início com os estudos descritivos do linguista americano

William Stokoe em 1960. Antes disso, as línguas de sinais não eram vistas como

uma língua verdadeira, com gramática própria.

No Brasil, conforme afirmamos anteriormente, os primeiros estudos sobre a Libras

foram realizados na década de 1980, por Lucinda Ferreira Brito da Universidade

Federal do Rio de Janeiro e Tanya Mara Felipe, da Universidade Federal de

Pernambuco e da FENEIS – Federação Nacional de Escolas e Instituições de

Surdos, entidade representativa máxima dos surdos brasileiros.

Atualmente, conta-se no Brasil com estudos sobre os aspectos gramaticais e discur-

sivos da Língua Brasileira de Sinais, produzidos principalmente pela Universidade

Federal de Santa Catarina, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pelo

23
UNIDADE I - LIBRAS

Instituto Nacional de Educação e Integração dos Surdos (INES).

Todavia, a comunicação com as mãos não teve início com os surdos e nem é

exclusividade deles, pois, de acordo com Vygotsky os homens pré-históricos se

comunicavam por meio de gestos e apenas quando começaram a utilizar ferramen-

tas, ocupando as mãos é que começaram a utilizar a comunicação oral e, portanto,

antes de utilizarem a palavra, os seres humanos utilizavam as mãos para interagir,

demonstrando a naturalidade da comunicação por sinais. Podemos então dizer

que o processo inverso, isto é, a passagem da língua oral para a manual foi rein-

ventado pelo homem, sempre que necessário e não apenas no caso dos surdos.

Você sabia que existem várias linguagens manuais criadas em diversos momentos

da história da humanidade, para uso em contextos variados, tendo em vista possi-

bilitar a comunicação e a interação em situações em que a fala era inviável, proibida

ou impossível?

Mergulhadores, por exemplo, criaram um sistema de códigos gestuais para se co-

municar debaixo d água, onde a fala não é possível. Considerando os riscos de uma

comunicação equivocada em circunstâncias perigosas, fica evidente o quanto essa

comunicação deve ser bem assimilada durante os cursos de mergulho para garantir

a segurança no meio líquido (REILY, 2004, p.113).

No Brasil, Lucinda Ferreira Brito iniciou seus estudos linguísticos em 1982 sobre a

Língua de Sinais dos índios Urubu-Kaapor da floresta amazônica brasileira, após

um mês de convivência com os mesmos, documentando em filme sua experiência.

24
UNIDADE I - LIBRAS

Lucinda Brito constatou que a mesma se tratava de uma legítima língua de sinais.

O interessante de se observar, no caso dos Urubu-Kaapor, é que os ouvintes da

aldeia “falam” a língua de sinais e a língua oral, evidentemente, enquanto que os

surdos se restringem à língua de sinais. Assim, os ouvintes da aldeia se tornam

bilíngues, enquanto os surdos se mantêm monolíngues.

De acordo com Reily (2004), os indígenas do planalto americano também desen-

volveram uma língua de sinais para estabelecer uma comunicação entre tribos dis-

tintas, que não falavam a mesma língua, e precisavam de uma forma convencional

de comunicação. Assim, desenvolveram, ao longo do tempo, um conjunto de sinais

bastante eficiente, com o qual conseguiam realizar alianças e comércios.

Um sistema de sinais também foi desenvolvido no período medieval por monges

nos mosteiros europeus, que faziam o voto do silêncio, sendo que mesmo atu-

almente, algumas comunidades de monges comunicam-se por gestos em suas

atividades cotidianas no mosteiro.

Veja como se concebia a função do silêncio no período monástico, segundo regras

registradas por São Basílio Magno e que a palavra só poderia ser utilizada em caso

de necessidade e estando as mãos ocupadas com algum trabalho, o que permite

inferir que a comunicação gestual por eles utilizada era bastante eficiente.

25
UNIDADE I - LIBRAS

É bom para os noviços também a prática do silêncio. Se dominam a língua, darão

simultaneamente boa prova de temperança. Com o silêncio aprenderão junto dos

que sabem usar da palavra, com concisão e firmeza, como convém perguntar e res-

ponder a cada um. Há um tom de voz, uma palavra comedida, um tempo oportuno,

uma propriedade no falar, peculiares e adequados aos que praticam a piedade. Não

os aprende quem não tiver abandonado aquilo a que estiver acostumado. O silêncio

traz consigo o esquecimento da vida anterior, em consequência da interrupção, e

proporciona lazer para o aprendizado do bem. Assim, a não ser por questão especial

atinente ao bem da própria alma, ou por inevitável necessidade de um trabalho em

mãos, ou por negócio urgente, guarde-se o silêncio, excetuada, é claro, a salmodia

(BASÍLIO MAGNO apud REILY, 2004, p.114).

No século XVI, o médico e filósofo italiano Girolamo Cardano, utilizou a língua de sinais

e escrita para ensinar seu filho, que era surdo. No mesmo século, Pedro Ponce de

Leon estabeleceu um método para a educação de surdos em que combinava datilolo-

gia, escrita e oralização, entretanto como na época era comum se guardar segredo dos

métodos, após a morte de Ponce de Leon, seu método caiu no esquecimento.

Na interface dos séculos XVI e XVII, na Espanha, Juan Pablo Bonet educava nobres

surdos por intermédio de sinais, treinamento da fala e alfabeto datilológico, alcan-

çando enorme sucesso, tendo sido, em razão disto, nomeado Marquês pelo Rei

Henrique IV. Bonet publicou o primeiro livro que se tem notícia sobre a educação

de surdos no qual expunha seu método, que, apesar de ser oralista, defendia o

ensino do alfabeto manual aos surdos, o mais precocemente possível.

26
UNIDADE I - LIBRAS

A língua de sinais que conhecemos hoje no Brasil, utilizada pelos surdos, teve ori-

gem na sistematização realizada por religiosos franceses, desenvolvida a partir de

1760, particularmente pelo abade L´Épée, que foi o primeiro a reconhecer a neces-

sidade de usar sinais como ponto de partida para o ensino.

L’Épée se interessou pelos surdos quando teve de dar prosseguimento à educação

religiosa de duas irmãs gêmeas surdas, que estavam sendo educadas utilizando

gravuras. Decidiu mudar a metodologia utilizada anteriormente, porque achava que

desta forma a compreensão das meninas ficaria restrita ao significado físico da

imagem, sendo impossível transmitir por figuras o sentido mais profundo da fé.

Resolveu ensinar linguagem pelos olhos, em vez de pelos ouvidos, apontando os ob-

jetos com uma mão e escrevendo o nome correspondente numa lousa, com a outra.

[...] logo as meninas estavam lendo e escrevendo os nomes das coisas. No entanto,

esse sistema não permitia maiores avanços, porque não contemplava nenhuma gra-

mática, nem sentidos abstratos, essenciais para o ensino religioso, restringindo-se

à nomeação de objetos presentes, visíveis, perceptíveis pelos sentidos. [...] porém,

deu-se conta de que as meninas já deveriam possuir um sistema gramatical, pois

elas se comunicavam entre si com muita fluência (REILY, 2004, p.115).

L´Épée aprendeu os sinais com suas alunas surdas. Também observou que os sur-

dos das ruas de Paris desenvolviam uma comunicação gestual bastante satisfató-

ria, levou-os para residir no convento e, com este conjunto de sinais estabelecido,

27
UNIDADE I - LIBRAS

adaptou-os e acrescentou outros, desenvolvendo um método para aproximar os

sinais à língua francesa, que ficou conhecido como Sinais Metódicos. Em 1775,

L’Epée fundou uma escola para surdos, a primeira em seu gênero, com aulas co-

letivas, na qual professores e alunos usavam os chamados sinais metódicos. A

proposta educativa da escola era que os professores deveriam aprender tais sinais

para se comunicarem com os surdos; eles aprendiam com os surdos e, com essa

forma de comunicação, ensinavam o francês falado e escrito.

Diferente de outros professores que escondiam seus métodos, L’Epée divulgava seus

trabalhos em reuniões periódicas e propunha-se a discutir seus resultados. Em 1776,

publicou um livro no qual divulgava suas técnicas. Neste livro, intitulado A verdadei-

ra maneira de instruir surdos-mudos, em que divulgava seus sinais metódicos, as

regras sintáticas e o alfabeto manual criado por Bonet. Quando faleceu, em 1789, De

L’Epée havia fundado 21 escolas para surdos na Europa. O Abade Roch-Ambroise

Sicard continua o trabalho de De L’Epée, inclusive complementando seu livro.

Seus alunos usavam bem a escrita, e muitos deles ocuparam mais tarde o lugar de

professores de outros surdos. Nesse período, alguns surdos puderam destacar-

se e ocupar posições importantes na sociedade de seu tempo, além de haverem

escrito vários livros falando de suas dificuldades de comunicação e dos problemas

causados pela surdez.

28
UNIDADE I - LIBRAS

No século XIX, o americano Thomas Hopkins Gallaudet tomou conhecimento do

método de Sicard e levou um professor surdo para os Estados Unidos, começando

um trabalho educacional seguindo esta metodologia. Em 1864, seu filho Edward

Gallaudet funda a primeira universidade para surdos, importante instituição, que

resistiu ao banimento das línguas de sinais pelo Congresso de Milão.

A escolarização do surdo brasileiro teve seu início ainda no período imperial, em

1855, com a chegada do professor surdo francês E. Huet. Em 26 de setembro

de 1857, foi fundado o Instituto Nacional de Surdos-Mudos, atual Instituto

Nacional de Educação do Surdo (INES), que adotava a língua de sinais. Esta lín-

gua de sinais que deu origem à Libras, constitui-se, naturalmente, pela interação da

língua de sinais francesa (LSF), já constituída em seus aspectos gramaticais, com

conjunto de sinais utilizados pelos surdos brasileiros.

Assim, tanto a língua de sinais americana (ASL), quanto a Língua de sinais brasileira

(Libras) foram influenciadas pela Língua de Sinais Francesa, entretanto, com o pas-

sar dos tempos, cada língua adquiriu características culturais próprias de seu país

e acabaram se diferenciando.

Em 1870, Alexander Graham Bell inicia uma “verdadeira cruzada” contra as lín-

guas de sinais, argumentando que elas não proporcionavam o desenvolvimento

29
UNIDADE I - LIBRAS

intelectual dos surdos. Além disso, criticava as escolas especializadas, sob a ale-

gação de que promoviam o isolamento dos surdos. Ele publicou vários artigos,

defendendo suas ideias e foi fundamental para que a decisão de se proibir o uso

das línguas de sinais fosse tomada no Congresso de Milão, em 1880.

Em 1957, o INES proibiu oficialmente o uso das línguas de sinais nas salas de aula,

entretanto, os alunos continuaram utilizando essa forma de comunicação, escon-

dido dos professores e funcionários.

Conta a história que a língua de sinais no Brasil sobreviveu principalmente graças

a esses surdos que estudavam no INES em regime de internato. As conversas em

Libras só eram possíveis longe dos olhos de professores e vigilantes, à noite, à luz

de velas, embaixo das camas e das mesas, nos refeitórios, banheiros ou corredores

(FENEIS, 2011, p.13).

Encerramos esta breve apresentação histórica, com um resumo da história da

Libras realizado por Góes e Campos (2013, p.71):

Percebe-se que a história sofreu mudanças e foi muitas vezes influenciada por di-

ferentes grupos em diversos momentos e contextos. Partiu-se da descoberta da

comunicação natural de pessoas surdas, para tentativas de oralização com o intuito

de “normalizar” os surdos, até o reconhecimento da Libras como língua de comu-

nicação de pessoas surdas em nosso país. Houve a proibição da língua de sinais, o

que prejudicou a evolução da educação de surdos e também o progresso de pesqui-

sas e produções científicas em relação aos estudos linguísticos da língua de sinais.

30
UNIDADE I - LIBRAS

Mas com o reconhecimento da Libras pela lei 10.436, emergiram possibilidades para

o livre uso da língua de sinais e a criação de novos cursos e de novos e diferentes

espaços de estudos linguísticos envolvendo a língua de sinais.

Desses estudos, concluiu-se que a língua de sinais é uma língua com condições de

proporcionar não apenas a comunicação efetiva entre os surdos como, também, a

expressão de sentimentos; a composição de poesias; a discussão filosófica, enfim,

um idioma completo. Porém, talvez, principalmente devido às suas características

icônicas (uma representação da realidade, por ícones), e pela forte influência da lín-

gua oral tanto na estrutura gramatical, quanto lexical são muitas as interpretações

equivocadas sobre as línguas de sinais em geral, e sobre a Libras em particular.

PARALELOS ENTRE LIBRAS E A LÍNGUA


PORTUGUESA
Os estudos que seguiram o trabalho pioneiro de Stokoe revelaram que as línguas

de sinais eram verdadeiras línguas, preenchendo em grande parte os requisitos

que a linguística de então colocava para as línguas orais, por exemplo, os níveis de

articulação da linguagem: fonológico, semântico, morfológico e sintático.

Dito de outra forma: para poderem chegar à conclusão de que as línguas de si-

nais constituem-se em um idioma, foram feitos muitos estudos, sustentados quase

31
UNIDADE I - LIBRAS

sempre na parte da linguística que faz a comparação entre duas ou mais línguas,

que é denominada de linguística contrastiva. A linguística contrastiva é uma parte

da linguística geral, que estuda as similaridades e diferenças estruturais entre duas

línguas. Essa comparação é feita nos níveis fonológico, morfológico, sintático e

semântico.

• Fonológico: estuda os fonemas que são a menor unidade distintiva da pa-

lavra – por exemplo, na palavra fala a letra f representa o fonema /f/ (fê), se

refere aos sons em uma língua oral.

• Morfológico: estudo da forma das palavras, como elas são construídas.

Sua unidade mínima é o morfema que é a unidade mínima significativa. Por

exemplo: estud/ei; estud/amos e estud/ante. A identidade de significado

das três formas é devido ao morfema estud, que é igual nas três palavras.

• Sintático: estuda como as palavras são organizadas em uma frase. Isto é,

sabemos que as palavras são combinadas, segundo regras determinadas,

para formar frases e orações. Por exemplo: eu estudei muito ontem.

• Semântico: estuda o significado ou sentido das palavras dentro de uma

organização textual (e contextual).

32
UNIDADE I - LIBRAS

A Libras também possui suas unidades mínimas distintivas, os quiremas, que combina-

dos, produzem unidades significativas, os sinais, que obedecem a regras para constitu-

írem frases, que combinadas produzem contextos. Utilizamos aqui, propositadamente,

a palavra contextos, porque a Libras é uma língua falada (cuja escrita se faz por meio do

sistema Singwrittig – Escrita de Sinais) e a palavra texto remete à produção escrita.

Ao se estabelecer comparações entre a Língua Portuguesa e Libras percebem-se

uma série de diferenças, das quais destacamos:

1. A língua de sinais é visual-espacial e a Língua Portuguesa é oral-auditiva.

2. A língua de sinais é baseada nas experiências visuais das comunidades sur-

das mediante as interações culturais surdas, enquanto a Língua Portuguesa

constitui-se baseada nos sons.

3. A língua de sinais apresenta uma sintaxe espacial incluindo os chamados

classificadores. A Língua Portuguesa usa uma sintaxe linear utilizando a des-

crição para captar o uso de classificadores.

4. A língua de sinais utiliza a estrutura tópico-comentário, em que o objeto di-

reto é posicionado à frente do sujeito. Por exemplo: Você vai ao cinema?

Em Libras fica: CINEMA VOCÊ IR? Ou ainda GATO VOCÊ TEM? O mesmo é

observado em sentenças afirmativas e negativas: CARRO EU TENHO.

33
UNIDADE I - LIBRAS

5. A língua de sinais utiliza a estrutura de foco, que significa destacar a parte

mais importante da conversa, por meio de repetições sistemáticas. Este pro-

cesso não é comum na Língua Portuguesa.

6. A língua de sinais utiliza as referências anafóricas, isto é, sobre quem se está

falando, mostrando ou indicando pontos específicos no espaço, o que exclui

ambiguidades que são possíveis na Língua Portuguesa. A língua de sinais

usa apontamentos para indicar um referente e isso não cria ambiguidades

como na Língua Portuguesa.

7. A língua de sinais não tem marcação de gênero, isto é, não tem sinais di-

ferentes para feminino e masculino, enquanto que na Língua Portuguesa

o gênero é marcado a ponto de ser redundante Por exemplo, na frase “A

MULHER é professorA”, o feminino é utilizado diversas vezes, o que não era

necessário para se entender. Por esta razão, na transcrição de um sinal para

a língua portuguesa, adotamos o símbolo @. Por exemplo, por bonit@ esta-

mos indicando tanto bonitO quanto bonitA, e, também o plural.

8. A língua de sinais atribui um valor gramatical às expressões faciais. As ex-

pressões faciais não são essenciais na Língua Portuguesa, apesar de po-

derem ser substituídas pela prosódia, que significa a pronúncia correta das

palavras com acentuação ou intensidade.

34
UNIDADE I - LIBRAS

9. Coisas que são ditas na língua de sinais não são ditas usando o mesmo tipo

de construção gramatical na Língua Portuguesa. Assim, às vezes uma gran-

de frase em Língua Portuguesa é necessária para dizer poucas palavras em

Libras e vice-versa.

10. A escrita da língua de sinais, denominada Signwriting, não é alfabética.

Existem, também, muitas semelhanças entre as línguas orais e as línguas de sinais.

Ao se observar as produções em línguas orais e de sinais, no nosso caso particular,

entre a Língua Portuguesa e a Libras percebem-se uma série de semelhanças, das

quais destacamos:

• Arbitrariedade: as línguas orais são maioritariamente arbitrárias, não se de-

preende a palavra simplesmente pelo sua representatividade, mas é neces-

sário conhecer o seu significado. A iconicidade encontra-se presente nas

línguas de sinais, mais do que nas orais, mas a sua arbitrariedade continua a

ser dominante. Embora, nas línguas de sinais, alguns sinais sejam totalmente

icônicos, é impossível, como nas línguas orais, depreender o significado da

grande maioria dos sinais, apenas pela sua representação.

• Comunidade: as línguas orais têm uma comunidade que as adquirem, como

língua materna, cujo desenvolvimento se faz mediante uma comunidade de

35
UNIDADE I - LIBRAS

origem, passando pela família, a escola e as associações. Todas as línguas

orais têm variações linguísticas. Todas as línguas de sinais possuem estas

mesmas características.

• Sistema linguístico: as línguas orais são sistemas regidos por regras. O

mesmo acontece com as línguas de sinais.

• Produtividade: as línguas orais possuem as características da produtivida-

de e da recursividade, sendo possível aos seus falantes nativos produzirem e

compreenderem um número infinito de enunciados, mesmo que estes nunca

tenham sido produzidos antes. Acontece o mesmo com as línguas de sinais,

sendo encontradas a criatividade e produtividade nas produções, por exemplo,

da Libras, pelos seus sinalizadores nativos, parecendo não haver limite criativo.

• Aspectos contrastivos: as línguas orais possuem aspectos contrastivos,

isto é, as unidades fonológicas do sistema de determinada língua estabe-

lecem-se por oposições contrastivas, ou seja, em pares de palavras, em

que a substituição de uma unidade fonológica (uma letra) por outra altera o

significado da palavra (por exemplo: parra e barra). Acontece o mesmo nas

línguas de sinais, sendo que em vez de unidade fonológica, muda um peque-

no aspecto do sinal.

36
UNIDADE I - LIBRAS

• Evolução e renovação: as línguas orais modificam-se, como no caso das

palavras que caem em desuso, outras que são adquiridas, a fim de aumentar

o vocabulário e ainda no caso da mudança de significado das palavras. O

mesmo acontece nas línguas de sinais, a fim de responder às necessidades

que a evolução sociocultural impõe.

• Aquisição: a aquisição de qualquer língua oral é natural, desde que haja um

ambiente propício desde nascença. Na língua de sinais acontece da mesma

forma, não tendo o surdo que exercer esforço para aprender uma língua de

sinais, ou necessidade de qualquer preparação especial.

• Funções da linguagem: as línguas orais podem ser analisadas de acordo

com as suas funções. O mesmo acontece com as línguas de sinais. As fun-

ções são: a função referencial, emotiva, conotativa, fática, metalinguística e

poética.

• Processamento: embora usando modalidades de produção e percepção,

as línguas orais e de sinais são processadas na mesma zona do cérebro.

Os estudos de Stokoe (1968) mostraram que os sinais não eram apenas imagens,

mas símbolos abstratos complexos, com uma complexa estrutura interior.

37
UNIDADE I - LIBRAS

Stokoe (1968) estabeleceu que cada sinal era composto por três parâmetros bá-

sicos: a configuração das mãos (CM); o movimento das mãos (M) e o ponto de

articulação (PA) ou Locação (L), que é o lugar do espaço onde as mãos se movem.

A partir da década de 1970, foram aprofundados os estudos fonológicos sobre a

Língua de Sinais Americana (American Sign Language – ASL) dos quais resultou a

descrição de um quarto parâmetro: a orientação (O). Um parâmetro básico ou pri-

mário são componentes de uma palavra (no caso das línguas orais) ou de um sinal,

que, se for alterado, altera o significado da palavra ou sinal.

Esse contraste de dois itens lexicais com base em um único componente recebe, em

linguística, o nome de “par mínimo”. Nas línguas orais, por exemplo, pata e rata se

diferenciam significativamente pela alteração de um único fonema: a substituição do

/p/ por /r/. No nível lexical, temos em LIBRAS pares mínimos como os sinais grátis

e amarelo (que se opõem quanto à CM), churrascaria e provocar (diferenciados pelo

M), ter e Alemanha (quanto à L) (GESSER, 2009, p.15).

As unidades mínimas podem ser produzidas simultaneamente, e a variação de uma

delas pode alterar o significado do sinal. Elas não têm significado isoladamente.

Um sinal é constituído por mais de uma unidade mínima, por exemplo, o sinal de

“televisão” envolve, simultaneamente, configuração de mão, ponto de articulação,

movimento e a orientação de mão.

38
UNIDADE I - LIBRAS

TELEVISÃO

A orientação das mãos (O) é importantíssima e diferencia o significado em pares

mínimos que possuem CM, M e PA iguais, como ajudar e ser ajudado; eu per-

guntar e me perguntar, eu responder e responder para mim etc. O parâmetro

O, não apenas é utilizado na flexão de verbos, como também para a marcação de

negativas como querer e não querer; gostar e não gostar etc.

Alguns estudiosos consideram ainda, como parâmetros da Língua de Sinais, as-

pectos não manuais, as expressões faciais e corporais que são muito utilizadas pe-

los surdos para produzir informações linguísticas. No caso das línguas de sinais, as

expressões faciais (movimento de cabeça, olhos, boca, sobrancelhas, bochechas)

não servem apenas para complementar informações, são elementos gramaticais

que compõem a estrutura da língua.

39
UNIDADE I - LIBRAS

Quadros e Karnopp (2004) apresentam uma análise linguística da Língua Brasileira

de Sinais. De acordo com esse estudo, alguns dos aspectos fonológicos da Língua

Brasileira de Sinais são:

• As línguas de sinais são visual-espaciais (ou espaço-visual), pois a informa-

ção linguística é recebida pelos olhos e produzida pelas mãos.

• Os elementos mínimos constituintes da língua de sinais são processados

simultaneamente e não linearmente como ocorre na língua oral.

• Os articuladores primários das línguas de sinais são as mãos, que se movi-

mentam no espaço em frente ao corpo e articulam sinais em determinadas

locações nesse espaço. Entretanto, os movimentos do corpo e da face tam-

bém desempenham funções.

• Um sinal pode ser articulado com uma ou duas mãos. No caso de uma mão,

a articulação ocorre pela mão dominante.

• Um mesmo sinal pode ser produzido pela mão esquerda ou direita.

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UNIDADE I - LIBRAS

LÍNGUAS DE SINAIS E LIBRAS


Na seção 2 desta Unidade, ao citarmos Gesser (2009), quando retoma a discus-

são sobre a Libras ser uma língua, nossa intenção foi salientar o desconhecimen-

to generalizado acerca dessa realidade linguística, tanto daqueles que convivem

de perto com a surdez, quanto da sociedade ouvinte em geral. Esse desconhe-

cimento está expresso em textos de Gesser (2009), Reily (2004) e Pereira et al.

(2011), quando esses autores abordam mitos e crenças sobre as línguas de sinais.

Acrescentamos aqui nossas reflexões, sustentadas nesses autores, e discutimos

tais crenças, mitos ou simplesmente as dúvidas que ainda pairam sobre a Libras.

Os sinais são gestos?


Em função de suas características, os sinais podem parecer movimentos aleatórios

de mãos e corpo, acompanhados por expressões faciais variadas, ou seja, seriam

apenas “gestos”. De acordo com Pereira et al. (2001, p.18), essa descrição para si-

nais seria equivalente a descrever uma língua oral como “ruídos” feitos com a boca.

Além disso, os gestos são traços das línguas orais, acompanham as línguas orais e

favorecem a comunicação. Os sinais são produzidos combinando-se, simultanea-

mente, a configuração de mãos, o ponto de articulação ou localização, o movimento,

a orientação das palmas das mãos e componentes não manuais, que são os parâ-

metros constituintes da língua de sinais, conforme veremos na próxima unidade.

41
UNIDADE I - LIBRAS

A língua de sinais é icônica?


Apesar de grande parte dos sinais serem icônicos, isto é, serem parecidos com o

que estão representando (o que poderia significar que a língua de sinais não seria

arbitrária e resultante de convenção, como as línguas orais, em que não existe uma

relação de semelhança entre a palavra e o conceito que representa), não se pode

afirmar que a língua de sinais seja icônica, pois embora a relação direta, quase

transparente entre um sinal e o conceito que esse representa, as modificações por

eles sofridas ao longo do tempo e na combinação com outros sinais resultam em

perda de iconicidade, se tornando, portanto, arbitrários.

A língua de sinais tem gramática?


Essa questão tem origem no fato de que, antes das pesquisas pioneiras de Stokoe

na década de 1960, corroborando Sacks (1990), a língua de sinais não era vista,

nem mesmo por seus usuários, como uma língua verdadeira, com gramática pró-

pria. Com o reconhecimento linguístico efetivado por Stokoe, ficou comprovado

que a língua de sinais possui sua gramática própria, um conjunto de regras par-

tilhado por todos os seus usuários e que permite a expressão de qualquer ideia.

Porém, como a língua de sinais faz uso do espaço e do corpo, destacando as

42
UNIDADE I - LIBRAS

expressões faciais e, muitas vezes, adotando sinais icônicos, muitos a consideram

como mímica.

Ademais, como a língua de sinais não apresenta preposições, artigos, flexões e

possui poucas conjunções, também é considerada uma língua limitada, empobre-

cida se comparada à língua oral. Isto revela um total desconhecimento, porque

pelo uso do espaço é possível expressar as mesmas relações que, por exemplo,

as preposições na língua oral, ou seja, a língua de sinais utiliza recursos diferentes

para expressar as mesmas ideias. Também a língua de sinais não tem limites para

expressar quaisquer conceitos. A Libras tem gramática própria e se apresenta

estruturada nos mesmos níveis das línguas orais, a saber: fonológico, morfológico,

sintático e semântico.

A língua de sinais é mímica?


Para demonstrar que a língua de sinais não é mímica, foram realizadas diversas

pesquisas em que as pessoas usavam gestos para demonstrar algumas palavras,

sem que tivessem conhecimento da língua de sinais. A principal constatação foi

a utilização de mímicas muito mais detalhadas (porque pretendiam representar o

objeto) do que os sinais que as representavam. “A pantomima quer fazer com que

43
UNIDADE I - LIBRAS

você veja ‘o objeto’, enquanto o sinal quer fazer com que você veja o símbolo con-

vencionado para esse objeto” (GESSER, 2009, p.21).

A língua de sinais é o alfabeto digital?


Chegamos à outra constatação importante, a de que a língua de sinais não é o alfa-

beto digital. O alfabeto digital é um recurso utilizado pelos surdos sinalizadores para

soletrar manualmente as palavras (soletração e datilologia). Assim, apesar de possuir

uma importante função na interação entre sinalizadores, o alfabeto digital não é uma

língua, e sim apenas um código para a representação manual das letras alfabéticas.

Detalhe importante: a soletração só é possível entre interlocutores alfabetizados.

O alfabeto digital da Libras não é o mesmo utilizado pelos surdos-cegos, que pre-

cisam pegar na mão do interlocutor para nela produzir o sinal.

A língua de sinais é artificial?


Outro aspecto que abordamos, e para isso recorremos a Vygotsky, foi o de que a

comunicação manual é algo inerente ao ser humano e já existia entre os hominí-

deos pré-históricos, sendo, portanto, natural. Dizemos que uma língua é artificial

44
UNIDADE I - LIBRAS

quando é construída por um grupo de indivíduos com um objetivo específico, como

o caso do Esperanto, língua criada pelo russo Ludwik Zamenhof em 1887 com o

objetivo de estabelecer uma comunicação internacional fácil. De maneira seme-

lhante, foi criado o Gestuno, com a intenção de ser uma língua de sinais univer-

sal e que foi apresentado pela primeira vez em 1951, no Congresso Mundial da

Federação Mundial dos Surdos, mas que não conseguiu aceitação plena entre os

surdos por ser inventada. Logo, a língua de sinais não é artificial!

A língua de sinais é universal?


Com o histórico apresentado na seção 2, já mostramos que a língua de sinais não

é universal, isto é, existe diferença entre as línguas de sinais utilizadas em países

diferentes. No caso do Brasil, a língua brasileira de sinais é denominada Libras e

é, portanto, brasileira, não podendo ser considerada como uma língua estrangeira.

A Libras é considerada uma língua nativa, de falantes nativos e brasileiros, que é utili-

zada em todo território nacional ao lado da língua oficial – o português – e ao lado de

outras línguas também praticadas no país, como as diferentes línguas das comuni-

dades indígenas. Assim, a Libras é a língua materna e constitutiva do falante surdo,

estruturante do seu inconsciente e de fundamental importância para a construção da

sua subjetividade e identidade. Estudos linguísticos desenvolvidos por pesquisadores

brasileiros confirmam que a Libras é uma língua que, como qualquer outra, possui uma

45
UNIDADE I - LIBRAS

sintaxe, uma semântica, uma morfologia e uma gramática próprias, não se tratando,

absolutamente, de um conjunto de gestos, mímica ou de português sinalizado.

Já comentamos, mas é importante frisar que as línguas de sinais, por comprovação

científica, cumprem todas as funções de uma língua natural, mesmo assim ainda

sofrem preconceito e são desvalorizadas diante das línguas orais, sendo consi-

deradas como uma derivação da gestualidade espontânea, como uma mescla de

pantomima e sinais icônicos.

Além das características icônicas, alguns preconceitos a respeito das línguas de si-

nais fortalecem a ideia de uma língua de sinais única, por exemplo, considerar que

a comunicação por gestos é intuitiva e espontânea e, por conseguinte, a língua de

sinais deveria ser a mesma para todos os surdos. Ora, primeiro, já mostramos que

gestos e sinais são coisas diferentes. Os gestos podem ser associados à mímica

e, portanto, uma comunicação intuitiva. Já os sinais são símbolos e, sendo assim,

arbitrários, porém convencionados pelos seus usuários.

Todavia, existe uma diferença importante entre as línguas de sinais e as orais.

Quando surdos de diferentes nacionalidades se encontram, mesmo um não conhe-

cendo a língua de sinais do outro, acabam se comunicando com mais facilidade

que os ouvintes.

46
UNIDADE I - LIBRAS

Isso se deve, de acordo com Felipe (2009, p.20), “à capacidade que as pessoas

surdas têm em desenvolver e aproveitar gestos e pantomimas para a comunicação

e estarem atentos às expressões faciais e corporais das pessoas”. Outra coisa

que facilita essa comunicação é o fato de essas línguas terem muitos sinais que se

assemelham às coisas representadas.

As línguas de sinais são dependentes das línguas orais?


Os linguistas que estudaram as línguas de sinais de diferentes países concluíram que

embora haja semelhanças entre as línguas de sinais e as orais – os chamados “univer-

sais linguísticos” –, que permitem identificá-las como línguas e não linguagens como

as utilizadas pelos animais em suas comunicações, elas apresentam diferenças con-

sideráveis entre si, e que essas diferenças não dependem das línguas orais utilizadas

nesses países. Por exemplo: Brasil e Portugal possuem a mesma língua oral oficial,

o português, mas as línguas de sinais desses países são muito diferentes. A mesma

coisa acontece com os Estados Unidos e a Inglaterra. Isto significa que a língua de

sinais não é subordinada à língua oral majoritária do país. As línguas de sinais são

completamente independentes das línguas orais dos países em que são produzi-

das. Também acontece que países diferentes usem a mesma língua de sinais, como é

o caso da língua de sinais americana que é utilizada pelos Estados Unidos e Canadá.

47
UNIDADE I - LIBRAS

Da mesma forma que acontece com as línguas faladas oralmente quando algumas

possuem as mesmas raízes, por exemplo, o português, o espanhol e o italiano, exis-

tem correspondências entre as línguas de sinais de diferentes países. A Libras e a

Língua Americana de Sinais (ASL) possuem as mesmas raízes, pois são derivadas da

LSF – Língua de Sinais Francesa. Além disso, nelas igualmente existem variações,

assim como há regionalismos e dialetos em línguas orais. Essas variações se devem

a culturas diferentes e influências diversas no sistema de ensino, por exemplo.

Dessa forma, é fundamental que você se conscientize de que não é possível falar

em Libras e em português ao mesmo tempo. A Libras é falada de boca fecha-

da! As pessoas ouvintes, que não são fluentes em Libras, costumam misturar as

duas línguas na comunicação com surdos e acabam por utilizar os sinais da língua

de sinais, mas com a estrutura da Língua Portuguesa. Normalmente, o surdo não

compreende essa mistura de línguas, pois a construção de sentido depende da

estrutura e, portanto, da fidelidade à gramática da língua de sinais.

As línguas de sinais são exclusividade dos surdos?


Outro aspecto anteriormente que já nos referimos é o de que as línguas de sinais

não são exclusividade dos surdos. Reily (2004) argumenta que os ouvintes que

apresentam distúrbios de fala deveriam se apropriar da língua de sinais. Afinal, em

48
UNIDADE I - LIBRAS

diferentes situações, sempre que existe necessidade, como no caso dos monges,

dos mergulhadores ou dos índios americanos, o homem cria saídas para permitir a

interação com o seu semelhante.

O que é um tradutor intérprete de Libras e Língua Portuguesa?


É a pessoa que, sendo fluente em Língua Brasileira de Sinais e em Língua

Portuguesa, tem a capacidade de verter em tempo real (interpretação simultânea)

ou com pequeno espaço de tempo (interpretação consecutiva) da Libras para o

Português ou deste para a Libras. A tradução envolve a modalidade escrita de pelo

menos uma das línguas envolvidas no processo.

A função de traduzir/interpretar é singular, haja vista que a atuação desse profissio-

nal leva-o a interagir com outros sujeitos, a manter relações interpessoais e profis-

sionais que envolvem pessoas com surdez e ouvintes, sem que esteja efetivamente

implicado nelas, pois sua função é unicamente a de mediador da comunicação.

Assim, o tradutor e intérprete, ao mediar a comunicação entre usuários e não usu-

ários da Libras, deve observar preceitos éticos no desempenho de suas funções,

entendendo que não poderá interferir na relação estabelecida entre a pessoa com

surdez e a outra parte, a menos que seja solicitado.

49
UNIDADE I - LIBRAS

ASPECTOS LINGUÍSTICOS DA LIBRAS


A Libras tem sua estrutura gramatical organizada a partir de cinco parâmetros que

estruturam sua formação nos diferentes níveis linguísticos: a Configuração da(s)

mão(s) - (CM), o Movimento - (M), o Ponto de Articulação - (PA); a Orientação das

mãos (O) e as componentes não manuais, que são as expressões faciais e corporais.

Configuração de mão (CM): as configurações de mãos têm sido coletadas pelos

pesquisadores nas comunidades de surdos das principais capitais brasileiras. A

configuração de mão é o ponto de partida da articulação do sinal. Uma mesma

configuração de mão possibilita a produção de vários sinais. Por exemplo, a con-

figuração mão em “L” está presente nos sinais de “televisão”, “trabalho”, “pa-

pel”, “educação”, entre outros. Ferreira-Brito (1995) propõe 46 configurações de

mão. Atualmente, o dicionário digital de Língua Brasileira de Sinais organizado pela

Acessibilidade Brasil (disponível em: <www.acessobrasil.org.br/libras>) apresenta

73 configurações. Exemplificamos aqui, as configurações de mão mediante as cin-

co primeiras que compõem o Alfabeto Digital.

A B C D E

50
UNIDADE I - LIBRAS

A Libras não se resume a escrever as palavras utilizando o alfabeto digital. A escrita

datilológica, que é como é denominado esse tipo de escrita, só é utilizada para no-

mes próprios ou para palavras que ainda não possuem um sinal ou que não pode ser

facilmente representada por um classificador icônico. Outro aspecto a se destacar

é que a escrita datilológica não é a escrita de sinais, isto é, se utiliza a escrita datilo-

lógica na fala, em conversas. A datilologia é uma forma de comunicação em Libras

fundamentada essencialmente no alfabeto datilológico e é diferente da soletração.

A soletração é feita em Libras, letra por letra, da mesma forma que na Língua

Portuguesa, por exemplo, soletrando com a mão, o nome Maria (escrita ou fala) –

M-a-r-i-a (soletração).

M A R i A

É muito aconselhável soletrar devagar, formando as palavras com nitidez. Entre as

palavras soletradas, é melhor fazer uma pausa curta ou mover a mão direita para o

lado esquerdo, como se estivesse empurrando a palavra já soletrada para o lado.

51
UNIDADE I - LIBRAS

A datilologia difere da soletração porque não reproduz todas as letras da palavra,

mas dito de maneira simplificada, soletra um resumo da palavra para agilizar a co-

municação. Por exemplo, PAI, em fica datilologia P-I, sem o A. Observe os exem-

plos a seguir:

Soletração: PAI Datilologia: PI

Soletração: VAI Datilologia: VI

Nesse exemplo, o que distingue a datilologia da palavra VAI (VI) da soletração da

palavra VI é o contexto em que ocorre a conversação.

52
UNIDADE I - LIBRAS

Os nomes podem ser transmitidos por datilologia, quando o surdo está alfabetizado,

mas a comunidade surda prefere a prática de atribuir um sinal que identifica cada

pessoa. Esse sinal adjetiva características físicas da pessoa. Por isso, dois meninos

chamados Jonatas, por exemplo, podem ter sinais diferentes um do outro, porque um

tem uma covinha no queixo e o outro tem o cabelo encaracolado, também pode acon-

tecer de dois alunos de nomes diferentes terem o sinal parecido (REILY, 2004, p.132).

Movimento (M): o movimento é uma importante unidade mínima. Além de parti-

cipar ativamente na produção do sinal, ele dá graça, beleza e dinamismo a essa

língua.

As pessoas ouvintes ao usarem a língua de sinais o fazem, normalmente, de manei-

ra mais estática. Isso ocorre porque o movimento, embora seja uma parte integran-

te da língua, é realizado com mais propriedade pelos surdos, que são visuais, mais

fluentes em relação aos ouvintes e conhecem a língua profundamente.

Sabe-se que associar à produção do sinal aspectos como o movimento e as ex-

pressões não manuais não é algo simples para os ouvintes. Essa habilidade exige

muita competência e fluência na língua, além de uma boa coordenação motora,

domínio do movimento e orientação no espaço.

Para os ouvintes, usuários de língua oral-auditiva, o domínio dessas habilida-

des é algo bem complexo. Os surdos, por serem seres visuais, adquirem essas

53
UNIDADE I - LIBRAS

habilidades com muito mais naturalidade e facilidade do que os ouvintes.

Cabe destacar, então, que para que haja movimento é preciso haver espaço.

Portanto, o movimento é indissociável do espaço. As variações do movimento

servem para diferenciar itens lexicais, por exemplo, nome e verbo, para indicar a

direcionalidade do verbo, por exemplo, o verbo “olhar” (e olhar para) é para indi-

car variação em relação ao tempo dos verbos, por exemplo, olhe para, olhe fixo,

observe, olhe por um longo tempo, olhe várias vezes. Os movimentos se diferen-

ciam pela direcionalidade, tipo, maneira (tensão e velocidade) e frequência do sinal

(movimentos simples ou repetidos).

Quanto à direcionalidade o movimento pode ser: unidirecional (proibir e mandar);

bidirecional (discutir, julgamento) e multidirecional (incomodar, pesquisar). Em re-

lação ao tipo, os movimentos podem ser retilíneos (encontrar, estudar); helicoidal

(macarrão, azeite); circular (brincar, preocupar), semicircular (surdo, coragem); si-

nuoso (Brasil, navio) e angular (raio, difícil). Em relação à maneira, sua maneira

(tensão e velocidade), por exemplo, o verbo olhar, pode ser sinalizado rapidamente

para dizer que a pessoa apenas avistou ou longamente, significando que a pes-

soa olhou com atenção. No caso da frequência do sinal (movimentos simples ou

repetidos), isto pode ser verificado na diferença entre o substantivo e o verbo, por

exemplo, cadeira e sentar. Um sinal também pode ser realizado sem movimento,

54
UNIDADE I - LIBRAS

exemplos:

Ajoelhar Em pé Pensar

Circular

Brincar Bicicleta Nadar

55
UNIDADE I - LIBRAS

Semicircular

Saúde Surda Coragem

Helicoidal

Alta Importante

Unidirecional

Ver Mandar Dever

56
UNIDADE I - LIBRAS

Bidirecional

Trabalhar Dirigir (carro) Discutir


Orientação das Mãos (OM): é a direção para a qual a palma da mão aponta na

produção do sinal. É possível identificar seis tipos de orientações da palma da mão

em Libras: para cima, para baixo, para o corpo, para frente, para a direita e para a

esquerda. Também pode ocorrer a mudança de orientação durante a execução de

um sinal, por exemplo, no sinal para montanha.

A orientação das mãos (O) é importantíssima e diferencia o significado em pares

mínimos que possuem CM, M e PA iguais, como ajudar e ser ajudado; eu per-

guntar e me perguntar, eu responder e responder para mim etc. O parâmetro

57
UNIDADE I - LIBRAS

OM, não apenas é utilizado na flexão de verbos, como também para a marcação de

negativas como querer e não querer; gostar e não gostar etc.

Gostar:

Aprender

Comer

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UNIDADE I - LIBRAS

Expressão Facial
A Libras conta com uma série de componentes não manuais, como a expressão

facial e o movimento do corpo, que muitas vezes podem definir ou diferenciar sig-

nificados entre sinais. As componentes não manuais envolvem movimento da face,

dos olhos, da cabeça e do tronco. A expressão facial e a corporal podem traduzir

alegria, tristeza, raiva, amor, encantamento etc., dando mais sentido à Libras e, em

alguns casos, determinando o significado de um sinal.

Exemplos:

CALA A BOCA SILÊNCIO

Os sinais são executados em Libras dentro de um espaço bem definido, denomina-

do espaço de sinalização, que abrange a área delimitada pelos quadris e o topo

da cabeça. É a manipulação dos sinais no espaço que estabelecem as relações

gramaticais na Libras. A informação gramatical se apresenta simultaneamente com

o sinal e é produzida por mecanismos espaciais que envolvem dois aspectos: a

59
UNIDADE I - LIBRAS

incorporação, usada, por exemplo, para expressar localização, número, pessoa

e o uso de sinais não manuais, como movimentos do corpo e expressões faciais.

EXPRESSÃO FACIAL OU MODULAÇÃO NÃO MANUAIS


EM LIBRAS

São as componentes não manuais, particularmente as expressões faciais que esta-

belecem a modulação em Libras, que seria o equivalente à entonação nas línguas

orais. A Libras usa também modulações de olhar e expressões faciais e corporais

para transmitir a intensidade do verbo apresentado e sua significação no contexto.

Também temos as modulações de grau e de intensidade, pelas expressões fa-

ciais, que podem ser consideradas gramaticais. Essas marcações são chamadas

de marcações não manuais. A sinalização é sempre acompanhada pela posição da

cabeça, por movimentos da cabeça, pela postura do corpo e, principalmente, pela

60
UNIDADE I - LIBRAS

expressão facial, que podem indicar alegria, tristeza, raiva, amor, encantamento,

entre outros sentimentos, dando mais sentido à Libras e, até mesmo determinando

o significado de um sinal.

Exemplos:

Nervosa Brava Triste Feliz

Brava Que coisa feia Que saco

61
UNIDADE I - LIBRAS

Chorona Triste Mágoa

Feliz Alegre Zangada


O olhar também faz parte das expressões faciais, particularmente na apontação,

por exemplo, aponta para o lado e o olho segue o dedo; se a apontação é para

cima, os olhos também se direcionam para cima.

62
UNIDADE I - LIBRAS

Orientação das mãos (O): é a direção para a qual a palma da mão aponta na pro-

dução do sinal. É possível identificar seis tipos de orientações da palma da mão

em Libras: para cima, para baixo, para o corpo, para frente, para a direita e para a

esquerda. Também pode ocorrer a mudança de orientação durante a execução de

um sinal, como por exemplo, no sinal para montanha.

Ponto de Articulação (PA): o ponto de articulação é a segunda principal unidade

mínima. É o lugar do corpo onde será realizado o sinal. Os sinais podem ser pro-

duzidos envolvendo quatro pontos de articulação: tronco, cabeça, mão e espaço

neutro e subespaços (nariz, boca, olho etc.). Muitos sinais envolvem um movimento

indo de um ponto de articulação para outro. Mesmo assim, cada sinal tem apenas

um ponto de articulação, mesmo que ocorra um movimento de direção. Se dois si-

nais possuem a mesma configuração de mão e mesmo movimento, mas pontos de

articulação diferentes, eles são diferentes, por exemplo, os sinais para amar, ouvir,

aprender e laranja, diferem entre si apenas pelo ponto de articulação.

63
UNIDADE I - LIBRAS

CABEÇA / 2- CORPO / 3 E 4 – BRAÇOS E MÃOS / 5 – ESPAÇO NEUTRO

Além desses parâmetros, a Libras conta com uma série de componentes não ma-

nuais, como a expressão facial e o movimento do corpo, que muitas vezes podem

definir ou diferenciar significados entre sinais. As expressões não manuais envol-

vem movimento da face, dos olhos, da cabeça e do tronco. A expressão facial e

a corporal podem traduzir alegria, tristeza, raiva, amor, encantamento etc., dando

mais sentido à Libras e, em alguns casos, determinando o significado de um sinal.

ASPECTOS MORFOLÓGICOS
Morfologia se refere à maneira como as palavras são formadas em uma língua. A

Libras conta com um léxico e com recursos que permitem a criação de novos si-

nais. Estes recursos são: derivação, composição e incorporação.

64
UNIDADE I - LIBRAS

Na derivação um novo sinal é obtido pelo enriquecimento do radical (raiz) com

vários movimentos e contornos no espaço. A maneira mais comum de criação de

novos sinais em Libras é realizar mudanças no movimento para derivar verbos de

substantivos e vice-versa.

Cadeira Sentar

Avião VOAR Aeroporto

Outra forma bastante usual para a criação de novos sinais em Libras é a composi-

ção, em que, como o próprio nome indica, dois ou mais sinais se combinam para

criar um novo sinal. Exemplos:

65
UNIDADE I - LIBRAS

Dermatologia= Médico - Pele Oftalmologia =Médico - Olho

Cardiologia = Médico - Coração Escola = Casa -Estudar

Vendedor de roupa = Trabalha - Vender - Roupa Coragem

Carteiro = Bicicleta -Carta - Entrega

66
UNIDADE I - LIBRAS

Zebra = Cavalo - Listrado

Mecanico para automóvel = trabalha - Conserta - Carro

Açougue = Casa - Carne Igreja = Casa - Cruz

Da mesma forma que nas línguas orais, em que uma palavra é polissêmica, isto

é, admite diferentes significados. Existem sinais em Libras que também admitem

diferentes significados e é o contexto em que são usados que estabelece as dife-

renças. Exemplos:

67
UNIDADE I - LIBRAS

SÁBADO LARANJA – ALARANJADO

Apesar da Libras ser independente da Língua Portuguesa, alguns sinais são origi-

nários das iniciais da representação escrita de seus significado, demonstrando que,

da mesma forma que nas línguas orais em que uma língua influencia a criação de

novas palavras (exemplo: deletar) a Libras é influenciada pela Língua Portuguesa.

“F” FERRO FLOR FUTURO

68
UNIDADE I - LIBRAS

“P” Presidente Professor Pedagogia

TIPOS DE FRASES EM LIBRAS


Afirmativa:

As sobrancelhas e o rosto são neutros.

69
UNIDADE I - LIBRAS

Negativa:

1 2

Pode ser feita de duas maneiras: as sobrancelhas franzidas como na figura 1 e a

cabeça balançada (lado a lado) ou como na figura 2, a cabeça parada com as so-

brancelhas franzidas e dedo balançando “não”.

Exclamativa:

As sobrancelhas levantadas e a boca um pouco aberta.

70
UNIDADE I - LIBRAS

Interrogativa:

1 2

Também pode ser de duas formas: as sobrancelhas franzidas e a cabeça balan-

çando (para cima e para baixo levemente), como na figura 1 e a mesma coisa

acrescentando a boca em (U) como na figura 2.

Imperativa:

As sobrancelhas franzidas e o rosto representando como “brava”.

71
UNIDADE I - LIBRAS

TIPOS DE NEGAÇÃO
São três tipos: somente acrescentando um sinal para NÃO; incorporando a nega-

ção, e utilizando sinais diferentes, por exemplo:

CONHECER - NÃO + CONHECER: precisa sinalizar “conhecer” com a cabeça ba-

lançando “não”.

Nas fotos a seguir, observe que o sinal para a negação é diferente do sinal afir-

mativo, pois já está incorporando a negação. Mas são poucos os sinais em que a

negação está incorporada.

Quer Não quer

Gostar Não gostar Poder Não poder

72
UNIDADE I - LIBRAS

Caber Não caber Ver Não ver

Possibilitar Impossibilitar

Ter Não ter

Saber Não saber Conseguir Não conseguir

73
UNIDADE I - LIBRAS

Lembrar Não lembrar

FLEXÃO DE GÊNERO
A flexão de gênero, quando necessária, é marcada pelo sinal de masculino ou

feminino antecedendo o substantivo. Já explicamos sobre morfologia e sinais com-

postos ou composição de sinais, então, quando se faz a transcrição da Libras para

a Língua Portuguesa, o símbolo @ significa não tem gênero por isso precisamos

acrescentar primeiro gênero (masculino ou feminino, depois o sinal, por exemplo

TIO = HOMEM^”C” na testa). Para os animais também precisa acrescentar, por

exemplo, égua = mulher^cavalo.

Por exemplo:

74
UNIDADE I - LIBRAS

HOMEM (MASCULINO) MULHER (FEMININO)

FILHO = Homem + Filho

FILHA = Mulher + Filha

75
UNIDADE I - LIBRAS

Chato Meio chato Muito chato

Legal Mais legal Demais legal

Pequeno Meio pequeno Muito pequeno

76
UNIDADE I - LIBRAS

Magro Pouco magro Muito magro

Rico Riquinho Muito rico

TIPO DE VERBOS
Os verbos em Libras classificam-se em Simples ou Sem Concordância, Direcional

ou Com Concordância e Espacial.

Verbo Simples ou Sem Concordância:

São verbos que não se flexionam em pessoa e número e não incorporam afixos

locativos. Alguns desses verbos apresentam flexão de aspecto. Todos os verbos

77
UNIDADE I - LIBRAS

ancorados no corpo são verbos simples. Há também alguns que são feitos no

espaço neutro. Exemplos dessa categoria são CONHECER, AMAR, APRENDER,

SABER, INVENTAR, GOSTAR.

Pensar Comer

Conhecer Amar

Verbo Com Concordância ou Direcional


Verbos com concordância: são verbos que se flexionam em pessoa, número e as-

pecto, mas não incorporam afixos locativos. Exemplos dessa categoria são DAR,

ENVIAR, RESPONDER, PERGUNTAR, DIZER, PROVOCAR, que são subdividi-

dos em concordância pura e reversa (backwards). Os verbos com concordância

apresentam a direcionalidade e a orientação. A direcionalidade está associada às

78
UNIDADE I - LIBRAS

relações semânticas (source/goal). A orientação da mão voltada para o objeto da

sentença está associada à sintaxe. (Fonte: <http://www.libras.ufsc.br/colecaoLe-

trasLibras/eixoFormacaoEspecifica/linguaBrasileiraDeSinaisI/scos/cap18943/1.

html>. Acesso em: 04 abr. 2015).

Ser abandonado Eu abandono

Me responder Eu respondo Me perguntar Eu pergunto

Você me explica

79
UNIDADE I - LIBRAS

Eu explico

Me aconselha Eu aconselho

Eu vejo Me vê

80
UNIDADE I - LIBRAS

Me busca Eu busco

Verbo espacial: têm as mesmas características que os verbos com concordância,

são sinais de movimentos direcionais, flexionam-se em pessoa e, além dos objetos,

incorporam advérbios de lugar como afixos (afixos locativos). Veja os exemplos:

O dinheiro Dentro no bolso

81
UNIDADE I - LIBRAS

Mãe vai

Pai vir

Chave Guardada na gaveta

Copo Guardado no armário

82
UNIDADE I - LIBRAS

Pratos empilhados

CLASSIFICADORES OU DESCRIÇÃO IMAGINÁRIA


Ainda no que se refere às categorias ou estruturas gramaticais da Libras, temos os

classificadores. O classificador é um auxiliar da língua de sinais, para determinar as

especificidades e “dar vida” a uma ideia ou a um conceito ou signos visuais. Isto sig-

nifica que o Classificador representa forma e tamanho dos referentes, assim como

características dos movimentos dos seres em um evento, tendo, pois a função de

descrever o referente dos nomes, adjetivos, advérbios de modo, verbos e locativos.

A nomeação de Classificadores (CLs) para esses “auxiliares” importantíssimos para

as línguas de sinais foi atribuída pela comunidade de linguistas para comparar com

as funções da língua falada ou oral e suas estruturas gramaticais. Para os pesquisa-

dores surdos, essa estrutura gramatical da Libras ainda está à procura de uma defi-

nição adequada para nomeá-la de acordo com as perspectivas viso-espaciais. Para

as línguas de sinais a descrição, a reprodução da forma, do movimento e da relação

espacial do que se quer enunciar são fundamentais, pois torna mais claros e com-

preensíveis seu significado. Essa é a principal função dos classificadores em Libras.

83
UNIDADE I - LIBRAS

Na Libras, os classificadores são formas representadas por configurações de mão

que podem vir junto de verbos de movimento e de localização para classificar o

sujeito ou o objeto que está ligado à ação do verbo. Os classificadores permitem

tornar mais compreensível o significado do que se quer enunciar e desempenham

uma função descritiva podendo detalhar som, tamanho, textura, paladar, tato,

cheiro, formas em geral de objetos inanimados e seres animados etc.

Muitos classificadores são icônicos em seu significado pela semelhança entre a sua

forma ou o tamanho do objeto a ser referido. Como os classificadores obedecem a

regras de construção e são representados sempre por configurações de mãos espe-

cíficas associadas a expressões faciais, corporais e à localização, isto é, aos parâme-

tros da Libras, apesar de serem icônicos, não podem ser considerados como mímica.

- Logomarca

McDonald’s Volks Caixa

84
UNIDADE I - LIBRAS

- Corpo

Mestiça Japonesa Cabelo liso

Cabelo enrolado Forte Corpo violão

- Plural

Fila Carros Casas

85
UNIDADE I - LIBRAS

- Instrumental

Mala Violão Furadeira

- Elemento

Vento Chuva (gotas de água)

- Específico

Carro Motor barulheto Telefone Tocando

86
UNIDADE I - LIBRAS

Campainha Barulho

- Descritivo

Televisão clássica

Televisão plana

Bola (sorvete) Cascão

87
UNIDADE I - LIBRAS

Classificador de Sintaxe
O classificador descreve uma ação, o verbo “incorpora” o sujeito ou o objeto.

Exemplo:

Leão X Cachorro, morder. Temos o mesmo sinal para o verbo, porém, precisamos

sinalizar qual animal que está mordendo. O mesmo acontece com os verbos andar

e correr, por exemplo:

Leão morder

Leão andar

88
UNIDADE I - LIBRAS

Cachorro andando Cachorro morder

Elefante andando X Cachorro andando – Dá para perceber que tem diferença entre

dois animais que estão andando.

Elefante andando X Cachorro andando

Beber: também tem que incorporar o objeto que você está usando, por exemplo:

Beber “cachaça” Beber “garrafa” Beber “copo”

89
UNIDADE I - LIBRAS

Andar: incorporar a quantidade de pessoas que estão andando, por exemplo:

Multidão andando Duas pessoas andando Uma pessoa andando

Escovar: pente, escova para roupa, escova para dentes, é diferente o que sinaliza-

mos, veja as figuras:

Escovar roupa Escovar dentes Escovar cabelos

Esses sinais são muito parecidos com as coisas que estão representando, mas não é

mímica porque usa configuração de mãos, movimento, orientação, ponto de articula-

ção e expressões não manuais. Assim, o classificador é uma representação da Libras

que mostra claramente detalhes específicos, permitindo a descrição de pessoas,

90
UNIDADE I - LIBRAS

animais e objetos, bem como sua movimentação ou localização. Os classificadores

são muito importantes, pois ajudam a construir a estrutura sintática da Libras.

MARCAÇÃO DE TEMPO VERBAL


Os tempos verbais em Libras se resumem a presente, passado e futuro, podendo

ser enfatizados, caso seja presente, os sinais de agora ou já e, em seguida, o sinal

do verbo que se deseja anunciar; caso seja passado, utiliza-se os sinais de ontem

ou muito tempo atrás, seguido do sinal do verbo e, caso seja futuro, sinaliza-se

amanhã ou um futuro mais distante, seguido do sinal do verbo. A ordem pode ser

invertida em qualquer dos casos, sinalizando-se primeiro o verbo e depois o ad-

vérbio de tempo.

A Língua Portuguesa possui derivações e a própria morfologia para deixar claro o

tempo verbal e o pronome pessoal que está sendo usado. Em Libras precisamos

de um sinal específico para o tempo verbal, outro para o pronome pessoal e outro

ainda para o verbo. Por exemplo:

91
UNIDADE I - LIBRAS

ENTENDER =

1. Eu

• Entendi = passado

• Entendo = presente

• Entenderei = futuro

2. Nós

• Entendíamos = passado

• Entendemos = presente

• Entenderemos = Futuro

Em Libras fica assim:

1. Nós

• Nós entender já

• Nós entender sim

• Nós ir entender

2. Eu

• Eu entender antes

• Eu ainda entender

• Eu futuro entender

92
UNIDADE I - LIBRAS

Então, precisamos sinalizar duas palavras ou mais, impossível apenas verbo com

derivação como a língua portuguesa, outro exemplo:

MAMÃE COMPRAR MERCADO JÁ ONTEM.

MAMÃE COMPRAR MERCADO AMANHÃ.

MAMÃE COMPRAR VIVO MERCADO (o sinal para “VIVO” ou “VIDA” acompa-

nhando o sinal de um verbo indica o gerúndio – assim: MAMÃE COMPRAR VIVO

MERCADO = MAMÃE ESTÁ COMPRANDO NO MERCADO).

Sinais para Passado:

Ontem Faz tempo / Antigo

Passado

93
UNIDADE I - LIBRAS

Sinais para Presente

Vivo Ainda Hoje Agora

Sinais para Futuro

Vai Futuro

Amanhã

94
UNIDADE I - LIBRAS

Um Dia

ASPECTOS SINTÁTICOS
A sintaxe da Libras não pode ser estudada tendo como base a da Língua Portuguesa,

porque ela tem gramática diferenciada, independente da língua oral. A ordem dos

sinais na construção de um enunciado obedece regras próprias que refletem a for-

ma de o surdo processar suas ideias, com base em sua percepção visual-espacial

da realidade. Vejamos alguns exemplos que demonstram exatamente essa inde-

pendência sintática do português, isto é, veja como se “diz em libras e como se diz

em português algumas frases”.

Em relação à ordem da frase na Língua Brasileira de Sinais, embora de acordo

com Quadros e Karnopp (2004), a construção SVO (sujeito – verbo – objeto) é a

predominante, a ordem tópico comentário ou OSV parece ser a mais comum,

principalmente entre os surdos menos oralizados e também possam ser encontra-

das construções SOV e OSV.

95
UNIDADE I - LIBRAS

Os advérbios temporais e de frequência não podem interromper uma relação entre

o verbo e o objeto. Os advérbios temporais podem estar antes ou depois da oração

(por exemplo: João comprar carro amanhã ou Amanhã João comprar carro). Os ad-

vérbios de frequência podem estar antes ou depois do complemento (por exemplo:

Eu bebo leite alguns vezes ou Eu algumas vezes bebo leite).

Encerramos assim, nosso estudo sobre a Libras, em seus aspectos linguísticos.

SAIBA MAIS
Segundo o Censo do IBGE de 2010, são 45 milhões de brasileiros com algum

tipo de deficiência, dos quais 9.772.163 possuem dificuldade permanente de ou-

vir, mesmo utilizando aparelho auditivo. Dentre essas pessoas, 347.481 pessoas

são incapazes de ouvir; 1.799.885 pessoas possuem grande dificuldade de ouvir e

7.574.079 possuem alguma dificuldade para ouvir. Em todos os casos, considerou-

se o uso de aparelhos auditivos.

Fonte: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/carac-

teristicas_religiao_deficiencia/default_caracteristicas_religiao_deficiencia.shtm>.

Acesso em: 07 out. 2014.

96
UNIDADE I - LIBRAS

Além disso, de acordo com o Relatório do Grupo de Trabalho, designado pelas

Portarias nº 1.060/2013 e nº 91/2013, contendo subsídios para a Política Linguística

de Educação Bilíngue – Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa, no Brasil,

4,6 milhões possuem deficiência auditiva e 1,1 milhão são surdas, totalizando

aproximadamente 5,7 milhões de pessoas. No Censo do IBGE foram utilizadas

3 categorias para este levantamento populacional: “não consegue de modo al-

gum” (supostamente, ouvir e escutar); “grande dificuldade” ou “alguma dificulda-

de”. Segundo o Censo Escolar (INEP, 2012) o total de alunos surdos na Educação

Básica é de 74.547, os dados indicam a fragilidade da oferta e, consequentemente,

da matrícula na educação infantil (4.485); a dificuldade de acesso à educação pro-

fissional (370), a predominância de matrículas no ensino fundamental (51.330); a

queda das matrículas no ensino médio (8.751); a crescente evolução de matrícula

na EJA (9.611). De acordo com o Censo da Educação Superior (INEP,2011), há um

total de 5.660 estudantes matriculados em cursos superiores, sendo 1.582 surdos,

4.078 com deficiência auditiva e 148 com surdocegueira.

Fonte: Relatório do Grupo de Trabalho, designado pelas Portarias nº 1.060/2013

e nº 91/2013, contendo subsídios para a Política Linguística de Educação Bilíngue

– Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa. Disponível em: < www.bibliote-

cadigital.unicamp.br/document>. Acesso em: 07 out. 2014

97
UNIDADE I - LIBRAS

INDICAÇÃO DE LEITURAS
Para complementar seus estudos sobre o tema, indicamos os seguintes livros:

O primeiro deles é o livro: Que palavra que te falta?:

Linguística, educação e surdez, de autoria de Regina

Maria de Souza e publicado em 1998, pela editora Martins

Fontes, de São Paulo.

Embora não seja um livro sobre a História da Educação de

Surdos, ele é imprescindível para a compreensão do papel

da língua de sinais na sua constituição como sujeito, permitindo mais bem avaliar

a “tragédia” que significou para os surdos a proibição da utilização de sua língua

e o que significa este resgate que vivenciamos neste momento. O livro apresenta,

ainda, em seu capítulo 5, um resgate histórico a respeito das pesquisas sobre lín-

guas de sinais.

O segundo livro é intitulado: Libras: conhecimento além dos sinais, de autoria

de Maria Cristina da Cunha Pereira; Daniel Choi, Maria Inês da S. Vieira; Priscilla

Roberta Gaspar e Ricardo Nakasato, foi publicado pela editora Pearson, de São

Paulo, em 2011.

98
UNIDADE I - LIBRAS

Desses autores, duas são ouvintes: Maria Cristina é profes-

sora titular da PUC/SP, doutora em linguística e Maria Inês

é mestre em educação, na área de distúrbios da comunica-

ção e tradutora-intérprete de nível superior em libras, certi-

ficada pelo PROLIBRAS; os demais são surdos, professo-

res de Libras, com graduação em Letras/Libras pela UFSC.

O livro, com poucas páginas e de texto fluente e agradável

deveria se constituir em leitura obrigatória para todos aqueles que pretendem se

aproximar do mundo dos surdos. Com ênfase nos aspectos fonológicos, morfoló-

gicos e sintáticos da Libras, o texto apresenta ainda, síntese histórica da educação

de surdos; discussões sobre cultura e identidades surdas, além de tecer comentá-

rios sobre legislação e proposta inclusiva.

REFLITA
“Ainda hoje, muitos ouvintes tentam diminuir os Surdos para que vivam iso-
lados e tendo de assumir a cultura ouvinte, como se esta fosse uma cultura
única; ser “normal” para a sociedade significa ouvir e falar oralmente. Os
ouvintes não prestam atenção aos surdos que se comunicam por meio da
Libras. Consequentemente, não acreditam que os surdos sejam capazes
de estudar em faculdade ou realizar mestrado e doutorado, por exemplo.
Os sujeitos ouvintes veem os sujeitos surdos com curiosidade e, às vezes,
zombam por eles serem diferentes” (STROBEL, 2008, p.22). E VOCÊ, O
QUE PENSA A RESPEITO DOS SURDOS?

99
UNIDADE I - LIBRAS

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caminho que trilhamos nesta unidade começou com a contextualização do

tema. Para isso, discutimos as relações entre Pensamento e Linguagem, encer-

rando por ressaltar que o importante para o ser humano é ter uma língua, e não

a língua que se usa.

Esperamos, com esta unidade, termos demonstrado a importância da língua de

sinais, no nosso caso da Libras, para o desenvolvimento cognitivo e social dos

surdos, além da desconstrução de crenças e preconceitos a respeito dos surdos

e da surdez.

E mais, que a utilização da Libras não apenas favorece o desenvolvimento cognitivo

e social do aluno, como sua produção escrita, sendo também falsa a ideia de que

fazer uso de sinais seria um fator complicador para a aprendizagem da língua oral.

Concordamos com Gesser (2009, p.59) quando afirma que muitas das barreiras

erguidas contra as línguas de sinais são decorrentes da ainda forte influência da

filosofia oralista na educação de surdos. Entretanto, muitos pesquisadores “[...]

têm abolido a visão exposta, ao afirmarem justamente o inverso: é o não uso da

língua de sinais que atrapalha o desenvolvimento e a aprendizagem de outras

línguas pelo surdo”.

100
UNIDADE I - LIBRAS

Esta visão dos pesquisadores preconiza o uso da Libras não apenas como apoio

no aprendizado da Língua Portuguesa, afinal, é mais fácil se aprender uma se-

gunda língua apoiando-se em uma língua já adquirida, mas e, no nosso entender,

principalmente, em função de que a língua de sinais, ao ser incorporada pelo surdo,

favorece o desenvolvimento cognitivo deste sujeito.

Gesser (2009, p. 59) vai mais além, ao considerar que “[...] a relação do indivíduo

surdo profundo com a língua oral é de outra ordem (dado que não ouvem!), a in-

corporação da língua de sinais é imprescindível para assegurar condições mais

propícias nas relações intra e interpessoais” e, ainda segundo a autora, na mesma

página, seriam essas relações intra e interpessoais que “[...] constituem o funciona-

mento das esferas cognitivas, afetivas e sociais dos seres humanos”.

Esperamos, portanto, com esta Unidade termos convencido você da importância

da Libras não apenas para a educação, mas para a vida do surdo.

Finalizando esta primeira Unidade, destacamos alguns aspectos das línguas de

sinais de maneira geral e da Libras em particular:

• A língua de sinais é tão natural e tão complexa quanto as línguas orais, dis-

pondo de recursos expressivos suficientes para permitir aos seus usuários

expressar-se sobre qualquer assunto, em qualquer situação, domínio do co-

nhecimento e esfera de atividade.

101
UNIDADE I - LIBRAS

• A Libras é uma língua adaptada à capacidade de expressão dos surdos bra-

sileiros, devendo, portanto, ser conhecida pelo menos em seus aspectos

fundamentais pelos professores.

• A Libras é uma língua com gramática própria e com condições de propor-

cionar não apenas a comunicação efetiva entre os surdos, como também a

expressão de sentimentos, a composição de poesias, a discussão filosófica,

enfim, um idoma completo.

• As línguas de sinais não são iguais em todo o mundo.

• As línguas de sinais, por comprovação científica, cumprem todas as funções

de uma língua natural, mesmo assim ainda sofrem preconceito e são desvalo-

rizadas diante das línguas orais, sendo consideradas como uma derivação da

gestualidade espontânea, como uma mescla de pantomima e sinais icônicos.

• A língua de sinais não é subordinada à língua oral majoritária do país. As

línguas de sinais são completamente independentes das línguas orais dos

países onde são produzidas.

• Não é possível falar em Libras e em português ao mesmo tempo. A Libras é

falada de boca fechada!

Sempre que possível tente falar em Libras com seus colegas e estude em casa.

102
UNIDADE I - LIBRAS

ATIVIDADES
1) Estude o alfabeto manual. Faça cada configuração de mãos em frente ao es-

pelho. Lembre-se: o sinal deve ser feito “virado” para o seu interlocutor, e não

para você. Assim, olhando no espelho você deve enxergar o sinal tal como se

apresenta no texto. Soletre cada uma das seguintes palavras: CASA, PAULO,

ÁRVORE, CARRO, LIQUIDIFICADOR, SÃO PAULO, MARIA, ANA MARIA,

COMPORTAMENTO.

2) Em sua opinião, existem mais semelhanças ou diferenças entre a Libras e a

Língua Portuguesa? Justifique.

3) Escreva com suas próprias palavras o que você entendeu acerca dos parâme-

tros (CM, M, PA, OM e CNM).

4) Tente “criar” alguns classificadores. Imagine a situação como realmente acon-

teceria e faça sinais icônicos. Mostre para alguém e veja se a pessoa consegue

entender o que você está tentando comunicar. Alguns exemplos de situações

são apresentados a seguir, mas você pode imaginar outras.

a. FERIMENTO (REVÓLVER) X FERIMENTO (FACA).

b. OPEREI OLHO X OPEREI JOELHO.

103
UNIDADE I - LIBRAS

c. CAIU DA ESCADA X ESCORREGOU NO MOLHADO.

d. CARRO BATEU NO POSTE X CARRO CAPOTOU.

e. OSSO (OMBRO) FRATUROU X FRATUROU O BRAÇO.

5) Organize um resumo da história das línguas de sinais e da Libras, salientando

os aspectos que você considera mais importantes.

6) Em sua opinião, as línguas de sinais só expressam conceitos concretos?

Justifique sua resposta.

7) A Libras é uma versão sinalizada da Língua Portuguesa? Justifique sua

resposta.

8) Explique e exemplifique o que você entendeu sobre os tipos de verbos e as

marcações de tempo verbais em Libras.

9) Como são criados novos sinais em Libras?

10) Quais as formas de se estabelecer a negação em Libras?

104
UNIDADE 2

Construindo Vocabulário
Clélia Maria Ignatius Nogueira; Marilia Ignatius Nogueira Carneiro;
Beatriz Ignatius Nogueira

Objetivos de Aprendizagem

• Possibilitar a constituição de uma imagem positiva da surdez e do surdo;


• Estabelecer um vocabulário suficiente para a comunicação funcional com o
surdo em sua futura atuação profissional;
• Favorecer a comunicação, a interação e o atendimento ao surdo;
• Favorecer o processo de inclusão da pessoa surda;
• Compreender a atuação do tradutor intérprete de língua de sinais (TILS);
• Discutir o mercado de trabalho do TILS e dos surdos.

Plano de Estudo

Serão abordados os seguintes tópicos:

• Léxico de Unidades Semânticas: alfabeto, números e pronomes


• Léxico de Unidades Semânticas: saudações cotidianas; cores;
calendário e tempo
• Léxico de Unidades Semânticas: deficiências, profissões,
educação, escola e economia
• Intérpretes tradutores de línguas de sinais
• O mercado de trabalho para as pessoas surdas
UNIDADE II - LIBRAS

Introdução
Nesta segunda unidade, conforme anunciamos na apresentação deste livro, é

destinada à construção de vocabulário específico para sua área de atuação. Nas

conclusões, faremos uma discussão a respeito de como entendemos sua atuação

como professor, parceiro da família e como é possível favorecer a inclusão do ci-

dadão surdo, qualquer que seja seu campo de atuação profissional. Reafirmamos

que fazemos estas discussões sustentadas não apenas em nossa formação aca-

dêmica, mas particularmente, em nossa experiência de vida.

Também apresentaremos nesta Unidade o papel do tradutor intérprete de sinais,

particularmente na educação e também discutiremos sua relação com o surdo,

particularmente no que se refere ao mercado de trabalho.

Para a construção do vocabulário, apresentaremos aqui, fotos com setas indican-

do os movimentos, todavia, você pode encontrar esses sinais (pelo menos a maio-

ria deles) em qualquer dos dicionários virtuais disponíveis. Essa consulta é impor-

tante, porque nesses dicionários virtuais os sinais apresentam-se com movimento.

Recomendamos o endereço <www.acessobrasil.org/libras>.

As unidades semânticas abordadas nesta Unidade II: Alfabeto, Números, Cores,

Saudações Cotidianas, Calendário e Tempo, Deficiências, Profissões, Escola,

Educação e Economia.

107
UNIDADE II - LIBRAS

No que se refere aos aspectos gramaticais, apresentaremos os Pronomes pesso-

ais, possessivos e demonstrativos.

Assim, a exemplo da Unidade I, esta segunda unidade também se organiza em

cinco seções, a saber:

Seção 1: Léxico de Unidades Semânticas: alfabeto, números e pronomes.

Seção 2: Léxico de Unidades Semânticas: saudações cotidianas; cores; calendá-

rio, tempo.

Seção 3: Léxico de Unidades Semânticas: deficiências, profissões, educação, es-

cola e economia.

Seção 4: Intérpretes tradutores de línguas de sinais.

Seção 5: O mercado de trabalho para as pessoas surdas.

É muito importante que o(a) futuro(a) professor(a) aprenda a língua de sinais para

aprimorar a comunicação com seus alunos, assim como, os demais profissionais,

para facilitar a inclusão e o atendimento do cidadão surdo. Destaca-se que a Libras

é a língua oficial do Brasil e assim, utilizá-la não significa nenhum tipo de conces-

são, ao contrário, o surdo tem esse direito. É fato que isto pode ser viabilizado por

108
UNIDADE II - LIBRAS

intermédio da atuação do intérprete de Libras, entretanto, ainda há escassez de

profissionais que atuem como intérpretes e, assim, nos diferentes segmentos pro-

fissionais os surdos não recebem um atendimento digno, evidenciando a falta de

ética e o desrespeito à pessoa com deficiência. O seu comprometimento com esta

disciplina reflete o tipo de profissional que você pretende ser!

Léxico de Unidades Semânticas: alfabeto,


números e pronomes
Na Unidade I, quando abordamos os parâmetros da Libras, especificamente ao

tratarmos da Configuração de Mãos (CM), apresentamos alguns sinais do al-

fabeto manual ou digital e discutimos a questão da soletração e da datilologia.

Apresentamos o alfabeto completo agora.

O alfabeto manual

A B Ç C

109
UNIDADE II - LIBRAS

D E F G

H I

J K L

M N O P

Q R S T

110
UNIDADE II - LIBRAS

U V X W

Pontuações

^`´~
.:;?
! ...

111
UNIDADE II - LIBRAS

Números
Algarismos e Numerais

0 1 2 3

4 5 6 7

8 9

10

112
UNIDADE II - LIBRAS

Números quantitativos
Existe uma diferença na maneira de representar os números até 4. Os sinais para

quantidade; algarismos e números ordinais são diferentes. De 5 para cima são os

mesmos sinais.

Quantidade / Quanto

1 2 3 4

Números ordinais
Faça o sinal do algarismo com movimento, por exemplo, “1” balançando para cima

e para baixo.

113
UNIDADE II - LIBRAS

Primeiro Segundo Terceiro Quarto

Quinto Sexto

PRONOMES
Pronomes Pessoais
Os pronomes pessoais são sinalizados apontando com o dedo indicador. Quando

a pessoa que fala aponta para si olhando para quem fala, esse sinal significa eu. Se

a apontação e o olhar são dirigidos ao interlocutor o sinal indica tu ou você. Se, por

outro lado, a apontação é dirigida para outra pessoa que não está na conversa ou

para um lugar qualquer do espaço próximo ao emissor, o que se está sinalizando

é ele ou ela.

114
UNIDADE II - LIBRAS

Vocês quatro Vocês três Vocês dois

Só você Nós dois Nós três Nós quatro

Del@ Seu

Del@ Seu

115
UNIDADE II - LIBRAS

Pronomes Possessivos
Os pronomes possessivos são sinalizados com a configuração de mão em P e

obedecem aos mesmos princípios da expressão dos pronomes pessoais na Libras,

devendo sempre, o emissor dirigir seu olhar para o seu interlocutor.

Meu Tudo / Todos ou Tudo / todos

Nosso (dois dedos “SS”) Nós (um dedo) El@s

Você Eu El@

116
UNIDADE II - LIBRAS

Pronomes Demonstrativos

Lá Essa Esta Aqui

Léxico de Unidades Semânticas: saudações


cotidianas; cores; calendário, tempo

IDENTIFICAÇÃO PESSOAL

Sinal Nome Idade

117
UNIDADE II - LIBRAS

Exemplo – SINAL, Idade e NOME

Sinal: M na bochecha 30 Idade

Nome – Soletre M-A-R-I-L-I-A

SAUDAÇÕES – Exemplo: primeiro dia na sala de aula

Encontrar Saudades

118
UNIDADE II - LIBRAS

Por favor / Dá Licença Lembrar Eu

Tudo Bem Oi

Desculpe Banheiro Beber água

Tchau Prazer (Conhecer + Gostar)

119
UNIDADE II - LIBRAS

Bom Dia Ou

Bom Dia

Boa tarde

Boa Noite

Boa Madrugada

120
UNIDADE II - LIBRAS

Conhecer Obrigado De nada

CORES

Cores = Cor - Vários Escuro

Verde Claro

Verde Prata Cinza Roxo

121
UNIDADE II - LIBRAS

Dourado/Ouro Vermelho Amarelo

Marrom Bege Azul

Rosa Bordô/ Vinho Azul

Branco ou Branco

Preto Laranja

122
UNIDADE II - LIBRAS

CALENDÁRIO
Aprendendo os sinais de Calendário

Calendário

Segunda-feira Terça-feira Quarta-feira Quinta-feira

123
UNIDADE II - LIBRAS

Sexta-feira Sábado Domingo

Um dia Dois dias

Três dia Quatro dias

Anteontem Todos os dias

124
UNIDADE II - LIBRAS

Todos os dias Amanhã

Hoje Ontem

Semana que vem Semana passada

Semana Duas semanas Três semanas Quatro semanas

125
UNIDADE II - LIBRAS

Para mais de cinco semanas, deve-se usar o sinal do número mais o sinal de “se-

mana”, por exemplo, 5 + semana, observe o exemplo.

Cinco semanas

40 semanas

Mês que vem Mês passado

Um mês Dois meses Três meses Quatro meses

126
UNIDADE II - LIBRAS

ou

Cinco Meses Cinco + meses

A partir de 6 meses, deve sinalizar dois sinais, 6 + mês

Ano Ano que vem

Ano que vem

127
UNIDADE II - LIBRAS

Meses

ou

Janeiro Fevereiro

Março – MRÇ ou Março

Abril Maio Junho

Junho Julho

128
UNIDADE II - LIBRAS

Agosto Setembro Outubro

ou

Novembro Dezembro

Datas comemorativas

Aniversário

129
UNIDADE II - LIBRAS

JANEIRO

Ano Novo

Champanhe (ano novo)

FEVEREIRO

Carnaval

130
UNIDADE II - LIBRAS

MARÇO

Dia da Mulher

ABRIL

Páscoa (Ovo + Coelho)

Dia de Tiradentes Dia do Índio

131
UNIDADE II - LIBRAS

MAIO

Dia das Mães

Dia do Trabalho

JUNHO

Dia dos Namorados

132
UNIDADE II - LIBRAS

JULHO

Férias

AGOSTO

Dia dos Pais

SETEMBRO

Dia da Independência

133
UNIDADE II - LIBRAS

Dia dos Surdos

Dia da árvore

OUTUBRO

Dia das Crianças

134
UNIDADE II - LIBRAS

Dia do Professor

NOVEMBRO

Dia de Finados

DEZEMBRO

Natal

135
UNIDADE II - LIBRAS

Horas

Utilizamos sinais diferentes para horas, quando significa horas determinadas, ou

seja, o horário, por exemplo, duas horas da tarde e horas no sentido de duração,

por exemplo, a operação durou duas horas.

Horário / Que horas são Duração de horas

Exemplos de duração de horas:

Uma hora Duas horas Três horas Quatros horas

136
UNIDADE II - LIBRAS

Exemplo de hora marcada (relógio)

9:00 “Nove em ponto” 9:30 (Nove e Meia)

3 : 45

3:19

5: 35

137
UNIDADE II - LIBRAS

LÉXICO DE UNIDADES SEMÂNTICAS: DEFICIÊNCIAS,


PROFISSÕES, ESCOLA, EDUCAÇÃO E ECONOMIA
Nesta seção 3, nosso objetivo é exclusivamente fornecer vocabulário para uma

comunicação funcional com o surdo em suas futuras atividades profissionais. Foi

pensando na sua formação que selecionamos as unidades semânticas aqui apre-

sentadas. Não se esqueça da nossa recomendação: procure sites em que você

possa visualizar esses sinais, com movimento!

DEFICIÊNCIAS

Lei Deficiência Cadeira de rodas

Amputado Autista Cego

138
UNIDADE II - LIBRAS

Síndrome de Down Deficiência Intelectual Deficiência Visual

Surdo (surdez)

139
UNIDADE II - LIBRAS

PROFISSÕES

Profissional Profissão Trabalho

Faxineira Gerente Repórter

ou

Bailarina Intérprete

Auxiliar de Produção Vigia Guarda

140
UNIDADE II - LIBRAS

Fotógrafo Empresário Operário Ajudante

Contabilidade Monitor Instrutor

Motorista de Ambulância = Carro + sirene

Padeiro

141
UNIDADE II - LIBRAS

Piloto de avião Táxi

Motorista de ônibus

Fonoaudiologia Pintor

Administrador Artista plástica Diretor

142
UNIDADE II - LIBRAS

Comprador Educador

Ano que vem Ano que vem Ano que vem

Auxiliar de Enfermagem Professor Telefonista

Coordenador Secretária

143
UNIDADE II - LIBRAS

Empregador Funcionário

Policial Médico Fisioterapeuta Chefe

Engenharia Civil Arquitetura Dentista Pedreiro

Enfermeira Advogado Faxineir@

144
UNIDADE II - LIBRAS

ECONOMIA

Dinheiro Administrar Imposto

Poupança Juros

ou

Porcentagem Crédito Divida Fiador

Parcelar À vista Mil Empréstimo

145
UNIDADE II - LIBRAS

Cartão Magnético Cheque Reais Centavos

Nossa moeda, o Real

Um real Dois reais Três reais Quatro reais

Cinco reais Seis reais Sete reais Oito reais

Nove reais Dez reais

146
UNIDADE II - LIBRAS

Mil

Um mil Dois mil Três mil Quatro mil

Nove mil Dez mil

147
UNIDADE II - LIBRAS

EDUCAÇÃO: ESCOLA – NÍVEIS DE ENSINO - ESPAÇO


FÍSICO –DISCIPLINAS – MATERIAL ECOLAR

ESCOLA ALUNO ESTUDAR

ESTUDANTE FACULDADE UNIVERSIDADE

DOUTORADO MESTRADO PÓS-GRADUAÇÃO

1º GRAU 2º GRAU 3º GRAU

148
UNIDADE II - LIBRAS

1º GRAU 2º GRAU 3º GRAU

SÉRIE

1ª SÉRIE 2ª SÉRIE 3ª SÉRIE

4ª SÉRIE 5ª SÉRIE 6ª SÉRIE

149
UNIDADE II - LIBRAS

7ª SÉRIE 8ª SÉRIE 9ª SÉRIE REUNIÃO

APROVAÇÃO REPROVAÇÃO

CERTIFICADO PROVA

FORMATURA CURSO NOTA

150
UNIDADE II - LIBRAS

VESTIBULAR REDAÇÃO

ESPAÇO FÍSICO DA ESCOLA

LABORATÓRIO COMPUTAÇÃO

SALA DE AULA

BIBLIOTECA

151
UNIDADE II - LIBRAS

DISCIPLINAS

DISCIPLINA INGLÊS FRANCÊS

FILOSOFIA ESPANHOL

ESTUDOS RELIGIOSOS PORTUGUÊS

QUÍMICA EDUCAÇÃO ARTIÍTICA

152
UNIDADE II - LIBRAS

ou

EDUCAÇÃO FÍSICA HISTÓRIA

SOCIOLOGIA

GEOGRAFIA CIÊNCIAS

BIOLOGIA MATEMÁTICA

ADIÇÃO MULTIPLICAÇÃO DIVISÃO SUBTRAÇÃO

153
UNIDADE II - LIBRAS

DESCONTO SOMA (CALCULAR)

MATERIAL ESCOLAR

UNIFORME MOCHILA

APONTADOR TESOURA

COLA RÉGUA

154
UNIDADE II - LIBRAS

LÁPIS DE COR LÁPIS

LIVRO / REVISTA

CADERNO CANETA

155
UNIDADE II - LIBRAS

PROFISSÕES

MONITOR INSTRUTOR DE LIBRAS DIRETORIA

CHEFE INTÉRPRETE PROFESSORA

FAXINEIRA SECRETÁRIA FONOAUDIÓLOGA

ASSISTENTE SOCIAL PSICÓLOGA

156
UNIDADE II - LIBRAS

TRADUTOR INTÉRPRETE DE LÍNGUA DE SINAIS


– TILS
Como consequência de muita luta da comunidade surda, a Libras foi reconhecida

como língua oficial em nosso país (BRASIL, 2002). Esse reconhecimento legal veio

acompanhado da garantia de outros direitos, dentre eles o de que os surdos te-

nham o acompanhamento de um tradutor intérprete de Língua de Sinais (TILS) em

diferentes situações, dentre elas, na educação.

Com a presença desse profissional, o TILS, no interior das salas de aula, novas

relações são estabelecidas, sendo algumas delas até mesmo reconstruídas. Dentre

elas, destacamos: TILS e alunos surdos, TILS e professores, TILS e alunos ouvintes

e TILS e saberes. Não podemos deixar de considerar também as relações que,

com o TILS, possivelmente são repensadas, reconstruídas: alunos surdos e profes-

sores ouvintes, alunos surdos e alunos ouvintes. Nesses últimos casos, qual seria a

influência desse profissional no relacionamento com os demais sujeitos ouvintes?

Trata-se, portanto, de um vasto campo ainda insuficientemente investigado.

Desta forma, para completar a descrição do modelo atual de inclusão dos surdos bra-

sileiros, resta comentar a presença do TILS nas escolas e na sociedade em geral, que

é fundamental para a inserção das pessoas com surdez usuárias da Língua de Sinais.

157
UNIDADE II - LIBRAS

O intérprete deve conhecer com profundidade, cientificidade e criticidade sua pro-

fissão, a área em que atua, as implicações da surdez, as pessoas com surdez,

a Libras, os diversos ambientes de sua atuação a fim de que, de posse desses

conhecimentos, seja capaz de atuar de maneira adequada em cada uma das situa-

ções que envolvem a tradução, a interpretação e a ética profissional.

O ideal é que o professor conheça a Libras, mesmo com a presença de intérpretes.

Não sendo viável que toda aula seja realizada em Libras, deve-se procurar uma

comunicação, mesmo que funcional, entre o professor e o aluno. Além disso, o

TILS geralmente não domina todo o conteúdo de todas as disciplinas e é preciso

ter certeza de que o que está sendo interpretado e repassado aos surdos é o que

está de fato sendo dito pelo professor.

A presença do TILS em uma sala de aula possui inúmeros aspectos positivos, den-

tre os quais destacamos:

• O aluno sente-se mais seguro e com chances de compreender e ser

compreendido;

• A aula e demais procedimentos educativos ficam menos exaustivos e mais

produtivos quando a comunicação entre professor e aluno é facilitada;

158
UNIDADE II - LIBRAS

• O professor conta com mais informações para estabelecer seu contato com

o aluno, de maneira a adaptar sua prática pedagógica para atender o surdo;

• A Libras passa a ser mais divulgada e utilizada de maneira mais adequada;

• O aluno surdo tem melhores condições de seguir as orientações educacio-

nais, favorecendo, inclusive, seu relacionamento com seus familiares, quan-

do, por exemplo, nas tarefas domiciliares.

Entretanto, também podemos mencionar alguns aspectos desfavoráveis à presen-

ça do TILS na sala de aula e na escola em geral:

• O intérprete pode não conseguir explicar os conteúdos disciplinares da

mesma maneira que o professor;

• O aluno não interage com o professor porque está atento ao TILS e, desta

forma, não estabelece uma relação de confiança com seu professor, indis-

pensável para o sucesso de qualquer ação educativa;

• A interação do aluno surdo com seus colegas fica prejudicada;

• Os demais alunos podem se distrair olhando para o intérprete;

• O professor pode sentir-se constrangido em estar sendo interpretado;

• O professor não interage diretamente com o aluno.

159
UNIDADE II - LIBRAS

Assim, os professores precisam conhecer e usar a Língua de Sinais, entretanto,

deve-se considerar que a simples adoção dessa língua não é suficiente para uma

educação adequada. Os professores precisam se conscientizar de que mais do

que a utilização de uma língua, os alunos com surdez precisam ser compreendidos

em sua totalidade, o que inclui sua identidade e cultura.

Afinal, apenas garantir a presença de TILS (que é o que a maioria das pessoas

reivindica) não significa, absolutamente, que os surdos estão recebendo uma edu-

cação com qualidade equivalente à recebida por seus pares ouvintes. Assim, como

o professor deve proceder no atendimento a um aluno surdo?

No que se refere especificamente à conduta em sala de aula, o professor deve

cuidar para que o seu aluno surdo:

• Sinta-se aceito e tenha a segurança necessária para participar de todas as

atividades da aula;

• Tenha as condições mínimas necessárias para garantir sua autonomia;

• Possa desenvolver suas aptidões e adquirir os conhecimentos inerentes à

sua disciplina.

160
UNIDADE II - LIBRAS

Ao atuar em sala de aula lembrar-se sempre de não ficar de costas e nem de lado

quando estiver falando; de preparar os coleguinhas para receber o aluno surdo

naturalmente, estimulando-os para que sempre falem com ele. Outra atitude que

deve ser destacada é que, mesmo havendo a presença de intérpretes na sala,

o professor, ao falar, deve dirigir-se diretamente ao aluno surdo, usando frases

curtas, porém com estrutura completa e com o apoio da escrita; falar com o aluno

mais pausadamente, porém sem excesso e sem destacar as sílabas. O falar deve

ser claro, em um tom de voz normal, com boa pronúncia; verificar se o Aparelho

de Amplificação Sonora Individual está ligado, o AASI reforça pistas e referências.

Outros cuidados essenciais que o professor precisa ter são: verificar se o surdo

está atento, pois este precisa “ler” os lábios para entender, no contexto da situa-

ção, todas as informações veiculadas; chamar sempre sua atenção por meio de um

gesto convencional ou de um sinal; colocar o aluno surdo nas primeiras carteiras

das fileiras laterais ou colocar a turma toda em semicírculo e, procurar sempre uti-

lizar todos os recursos que facilitem sua compreensão. Quanto à posição do intér-

prete, o ideal seria que este pudesse se colocar sempre de frente ao aluno surdo,

atrás do professor. Como isto nem sempre é possível, o intérprete deve ficar de

frente para o aluno, mas de tal forma que possa enxergar o professor e o quadro.

Só como última opção o intérprete deve se sentar ao lado do aluno surdo.

161
UNIDADE II - LIBRAS

Ainda quanto à comunicação, o professor deve sempre utilizar a língua escrita e, se

possível, a Libras; estimulando o aluno surdo a se expressar oralmente, por meio

da escrita ou de sinais, cumprimentando-o pelos sucessos alcançados ou pelo

esforço; procurar colocar o surdo a par de tudo o que acontece na comunidade es-

colar e interrogar e pedir sua ajuda, para que ele possa sentir-se um membro ativo

e participante; dar-lhes oportunidades para ler, escrever no quadro e levar recado

a outros professores como os demais colegas; ficar atento para que participem das

atividades extraclasse.

Na ação pedagógica cotidiana, o professor deve utilizar vocabulário e comandos

simples e claros nos exercícios; não modificar vocabulário, comandos, instruções e

questões na hora da avaliação; avaliar o aluno surdo pela mensagem-comunicação

que passa e não somente pela linguagem que expressa ou pela perfeição estru-

tural de suas frases; solicitar ajuda dos professores que atuam no Atendimento

Educacional Especializado – AEE (detalhamos melhor este atendimento na próxi-

ma unidade) sempre que necessário e, principalmente, procurar obter informações

atualizadas sobre a educação de surdos.

No que se refere a ações pedagógicas de caráter geral, deve ser dado destaque ao fato

de que a escola precisa da participação da família se quiser ter êxito na educação de

sujeitos surdos, portanto, é fundamental incluir a família em todo processo educativo.

162
UNIDADE II - LIBRAS

No que se refere especificamente ao trabalho com a Língua Portuguesa, os profes-

sores precisam ter a clareza de que apesar de ler (ver o significante, a letra), os sur-

dos muitas vezes não sabem o significado daquilo que leram e assim, é importante

estar atento para utilizar vocabulário alternativo quando eles não entenderem o que

estão lendo, traduzir, trocar, simplificar a forma da mensagem; resumir sempre, o

assunto (conteúdo dado) no quadro de giz, com os dados essenciais, em frases

curtas. Uma boa atitude é sentar-se ao lado deles, decodificando com eles a men-

sagem de uma frase, de um texto, utilizando recursos visuais e dicionário ou, ainda,

ler a frase ou a redação dos alunos junto com eles, para que possam complementar

com sinais, dramatizações, mímica e desenhos o pensamento mal expresso. Outro

cuidado necessário é com a utilização de sinônimos (explicá-los aos alunos) e des-

tacar o verbo das frases, ensinando-lhes o significado para que possam entender

instruções e executá-las.

Quanto à própria maneira de se comunicar, o professor deve prestar muita atenção

ao utilizar linguagem figurada e gírias, porque precisará explicar o significado; lem-

brando-se sempre que a língua portuguesa é uma língua estrangeira para o surdo.

Enfim, o professor deve utilizar sempre que possível, os serviços de intérpretes,

não se esquecendo, todavia, que a responsabilidade pela aprendizagem do edu-

cando surdo é dele, professor e nunca do intérprete.

163
UNIDADE II - LIBRAS

Entende-se que sendo o tradutor e intérprete uma pessoa com capacidade e opi-

niões próprias, não é coerente exigir que este adote uma postura absolutamente

neutra, como se sua atividade fosse apenas uma atividade mecânica. Mas o fato

de ter uma opinião própria sobre um assunto não dá a esse profissional o direito de

interferir em uma situação concreta em que está atuando quando não for chamado

a intervir.

Segundo o código de ética da atuação do profissional tradutor e intérprete – que é

parte integrante do Regimento Interno do Departamento Nacional de Intérpretes da

Feneis –, cabe a esse profissional agir com sigilo, discrição, distância e fidelidade

à mensagem interpretada, à intenção e ao espírito do locutor da mensagem. Essa

postura profissional exige ética, disciplina e uma clara consciência de seu papel.

Assim sendo, o TILS deve ter uma estabilidade emocional muito grande e todo

aquele que almeja assumir essa função precisa ter consciência dessas condições

e buscar formas de desenvolvê-la.

Entende-se como postura ética uma atitude solidária, pela qual os intérpretes/tra-

dutores lutam pelo respeito às pessoas com surdez, assim como por qualquer

outra pessoa. Existem várias áreas de atuação desses profissionais de Libras e

Língua Portuguesa que merecem ser objeto de reflexão de todos os que atuam

com pessoas com surdez usuárias da Libras.

164
UNIDADE II - LIBRAS

A atuação do tradutor/intérprete envolve ações que vão além da mera interpre-

tação. Ele medeia a comunicação entre professores e alunos; entre profissionais

da saúde e seus pacientes; entre pacientes e seus familiares, entre surdos e ad-

vogados; entre os surdos e demais pessoas da comunidade em todo o âmbito da

convivência social e, até mesmo, atua como confidente e conselheiro deste surdo.

Assim, o professor precisa, também, procurar se informar como é a atuação deste

profissional em situações que saem do ambiente escolar, pois o aspecto emocio-

nal do aluno pode afetar sua aprendizagem.

Outra atitude importantíssima que o professor deve adotar e por isso a destacamos

é colaborar o máximo possível com os intérpretes e com os professores que atuam

no AEE. O trabalho conjunto de todos os envolvidos na educação do aluno surdo.

O mais importante para um trabalho efetivo é aceitar o aluno surdo como su-

jeito surdo; ajudá-lo a pensar e a raciocinar, não lhe dar soluções prontas; não

superproteger; procurar tratar o aluno como qualquer outro, sem discriminação ou

distinção. Acreditar, de fato, na potencialidade do aluno.

165
UNIDADE II - LIBRAS

O MERCADO DE TRABALHO PARA AS PESSOAS


SURDAS
Esta seção é uma adaptação do artigo intitulado “As pessoas surdas e o merca-

do de trabalho” de autoria de Marília Ignatius Nogueira Carneiro e apresentado

para a disciplina “Trabalho, Educação e Práticas Pedagógicas” do Programa de

Pós-Graduação em Educação, PPE, da Universidade Estadual de Maringá, UEM e

ministrada pela prof.ª Dra. Maria Terezinha Bellanda Galuch e destaca o relaciona-

mento entre a sociedade e a educação, no que se refere à preparação para o tra-

balho e também procura mostrar como a economia capitalista reforça a diferença

entre as classes alta, média e baixa, o preconceito em relação às etnias, gênero e,

principalmente, em relação às deficiências.

Iniciamos com uma fundamentação teórica, trazendo o pensamento de filósofos e

pensadores que ressaltavam e criticavam a manufatura, a desigualdade e o precon-

ceito. Comparando as pessoas com deficiências, com pessoas com baixa renda,

discutimos o mercado de trabalho para os surdos e intérprete de Libras, susten-

tados em estudos teóricos da área dos Estudos Surdos1, mas principalmente nas

1 Os Estudos Surdos constituem um campo investigativo que têm suas raízes nos Estudos
Culturais, pois enfatizam as questões das culturas, das políticas, das identidades, dos proces-
sos de formação dos povos surdos, das práticas pedagógicas, das diferenças e das relações
de poderes e saberes surdos.

166
UNIDADE II - LIBRAS

experiências pessoais como pessoa surda de uma das autoras deste livro. O que

relatamos aqui não são hipóteses, são histórias reais que ocorreram, e continuam

ocorrendo, muita concorrência e discussões por causa da vaga de professor de

Libras, disputada por ouvintes e surdos, do mercado para o Tradutor e Intérprete

de Libras - TIL e também para atuação em empresas.

Skilar (1998), um dos principais representantes dos Estudos Surdos no Brasil, des-

taca que há um forte preconceito em relação aos surdos sinalizadores pelos ou-

vintes, pois entendem que se os surdos não falam, todas as imagens negativas

em relação a um sujeito ficam também grudadas no surdo, inclusive a de que é

impossível de desenvolver uma profissão: “Ser falante é também ser branco, ho-

mem, profissional, letrado, civilizado, etc. Ser surdo, portanto significa não falar,

não ser profissional, não ser letrado ser surdo-mudo e não ser humano” (SKLIAR,

1998, p.21).

Por outro lado, a educação atual, a legislação e mesmo a Constituição de nosso

país, se fundamentam no princípio de igualdade entre todos os homens, igualdade

esta, ainda distante de ser alcançada pelos surdos, no que se refere à educação,

igualdade de oportunidades de trabalho e, principalmente, de confiança em suas

possibilidades frente a essas áreas de atuação.

167
UNIDADE II - LIBRAS

Algumas ideias sobre o capitalismo


De maneira geral, podemos resumir a economia de sobrevivência assim: trocamos

nosso trabalho pelas coisas que precisamos diariamente para viver. Isto é feito pelo

salário que recebemos pelo nosso trabalho na produção de algum bem para a vida

social, seja este bem o produto final de uma fábrica, um atendimento médico, uma

orientação econômica, uma atuação como jogador profissional, ou aulas.

Na economia capitalista, a mercadoria, os bens, aquilo que a gente “troca” é o pon-

to principal e as condições de produção da mercadoria se transformaram ao longo

da história, conforme exemplifica Marx (1998):

Decompondo o ofício manual, especializando as ferramentas, formando os traba-

lhadores parciais, grupando-os e combinando-os num mecanismo único, a divisão

manufatureira do trabalho cria a subdivisão qualitativa e a proporcionalidade quan-

titativa dos processos sociais e, com isso, desenvolve ao mesmo tempo nova força

produtiva social do trabalho. A divisão manufatureira do trabalho, nas bases históri-

cas dadas, só poderia surgir sob forma especificamente capitalista. Como forma ca-

pitalista do processo social de produção, é apenas um método especial de produzir

mais valia relativa ou de expandir o valor do capital, o que se chama de riqueza social

(MARX, 1998, p.417).

Com o aperfeiçoamento das condições de produção, do estabelecimento do co-

mércio entre países, com a descoberta de novos produtos para serem produzidos,

168
UNIDADE II - LIBRAS

criando novas necessidades aos consumidores, começou-se a se pensar em redu-

zir custos, aumentar os lucros, para que a sociedade capitalista ficasse cada vez

mais forte. Isto foi conseguido com ajuda da tecnologia e ficou bem claro com a

Revolução Industrial.

A ciência e a tecnologia colocada à serviço da economia desde a Revolução

Industrial fortaleceu a sociedade capitalista, não apenas no que se refere às formas

de produção, mas também, na vida social, contribuindo para o estabelecimento

de classes entre os cidadãos: Classe Alta, Classe Média e Classe Baixa e, tam-

bém, entre os países, em subdesenvolvido e desenvolvido, ou países do Primeiro

Mundo, Segundo Mundo e Terceiro Mundo.

Isto porque, agora, não basta querer trabalhar, é preciso também, estar preparado

para este trabalho, estar “instrumentalizado”, ou seja, a divisão já se estabelece an-

tes mesmo de se iniciar o trabalho, mas na oferta de vagas. Segundo Marx (1998,

p.424), “na manufatura, o ponto de partida para revolucionar o modo de produção

é a força de trabalho, na indústria moderna, o instrumental de trabalho”.

Trazendo esta discussão para as pessoas surdas, por ainda não termos uma edu-

cação que prepare essas pessoas para atuação em diferentes profissões e, mes-

mo quando o surdo, por mérito próprio, depois de muito esforço, e com grande

169
UNIDADE II - LIBRAS

apoio de sua família consegue se formar como engenheiro, dentista, psicólogo,

por causa do preconceito existente na sociedade eles não conseguem trabalho.

Assim, durante muito tempo, os surdos só conseguiam - e ainda hoje isto continua

-, trabalhar em “linhas de produção”, em trabalhos repetitivos e mecânicos. Só

atualmente, surgiu a possibilidade de instrumentalizar o surdo para uma profissão

mais bem remunerada em uma sociedade capitalista, a de professor de Libras.

Entretanto, mesmo com o amparo legal para que esta função seja destinada prefe-

rencialmente aos surdos, os ouvintes disputam essas vagas e, novamente, em fun-

ção do preconceito, acabam ganhando, pois se entende que um professor ouvinte

pode desempenhar melhor suas funções.

Contextualizando a surdez
Na década de 1980, as discussões sobre qual seria a melhor abordagem para a

educação de surdos percorria todo o Brasil, evidenciando que, além das questões

didático-pedagógicas, o grande embate estava nas concepções acerca da surdez.

Para os defensores do Oralismo, a surdez era vista como uma deficiência, quase

que uma patologia que necessitava ser “normalizada”. A concepção de surdez,

subjacente à Comunicação Total, era de uma marca, com significações sociais.

Para o Bilinguismo, a surdez é muito mais uma diferença do que deficiência. É,

170
UNIDADE II - LIBRAS

no entender de Skliar (1998), uma “experiência visual”. Proliferavam, nesta épo-

ca, eventos acadêmicos, trabalhos acadêmicos, monografias, dissertações e teses

apresentavam propostas e experiências.

Também somente a partir da década de 1980 é que foi entendida a necessidade

de reconhecer o verdadeiro valor da cultura e da linguagem surda para o desen-

volvimento cognitivo e da identidade dos surdos, isto porque nesta década foram

iniciadas as discussões sobre bilinguismo no Brasil, o que foi caracterizado por Sá

(1998), como uma “Virada linguística”. Foram os linguistas, professores e estudan-

tes de Letras (graduandos e pós-graduandos), isto é, os membros da academia,

que introduziram novos paradigmas para a Educação de Surdos, por meio da rea-

lização de eventos com apresentação de pesquisas de acadêmicos, monografias,

dissertações e teses contendo propostas e relatando experiências.

Os surdos, que tanto padeceram no oralismo, seja por identidade, luta, rebeldia, re-

denção ou libertação, rapidamente levantaram a bandeira pela Educação Bilíngue,

proposta pela academia, tornando-se seus defensores, exigindo mudanças educa-

cionais e a oficialização da sua língua, o que aconteceu em 2002.

Atualmente, a surdez não é mais entendida como uma doença ou como uma de-

ficiência que torna o surdo alguém inferior ao ouvinte. Hoje, o surdo é entendido

171
UNIDADE II - LIBRAS

como diferente do ouvinte, porque todos os seus mecanismos de processamento

da informação e todas as formas de compreender o mundo se constroem como

experiência visual. Isso tem como consequência uma maneira especial de proces-

samento cognitivo (como os surdos pensam, aprendem etc.). Os surdos se orien-

tam a partir da visão, mesmo quando possuem restos auditivos ou usam aparelhos.

Assim, a definição mais atual para a surdez é a de “experiência visual”, isto é, as

experiências vivenciadas pelos surdos são muito mais experiências de visão do

que de não audição. O surdo é então a pessoa que compreende e interage com

o mundo por meio de experiências visuais manifestando sua cultura pelo uso da

língua de sinais. Como as representações simbólicas do mundo dependem dos

canais sensoriais, a experiência visual está presente em todos os tipos de repre-

sentações e produções dos surdos.

O bilinguismo entende a surdez como diferença linguística, e não como uma de-

ficiência a ser normalizada mediante a reabilitação como o oralismo. E assim, os

surdos constituiriam uma comunidade particular, com cultura e língua próprias.

Para os bilinguistas a “problemática global do surdo” é “intimamente dependente de

seu desenvolvimento linguístico” e “só mesmo o respeito à língua de sinais conduzirá

a um maior sucesso educacional e social do surdo” (FERREIRA-BRITO, 1995, p.16).

172
UNIDADE II - LIBRAS

A educação dos surdos no Brasil mudou muito depois da adoção do bilinguismo

como abordagem educacional, mas principalmente porque mudou a concepção

das pessoas sobre a surdez. As mudanças ficam claras tanto na Lei 10.436, de

2002, conhecida como a Lei da Libras, porque reconhece esta língua como língua

oficial do Brasil e estabelece as condições para uma escola ser bilíngue (garan-

tindo o TIL em sala de aula e, consequentemente, abrindo mercado para ouvintes

fluentes em Libras) e no Decreto 5626 de 2005 que, entre outras coisas, diz que

o estudo da língua brasileira de sinais é obrigatório para os cursos de pedagogia,

fonoaudiologia e todas as licenciaturas. Com esta obrigatoriedade, é aberto um

novo mercado de trabalho: o de professor de Libras, que no Decreto consta como

sendo de atuação preferencial para surdos. Este cargo, porém, passou a ser alvo

de disputa entre ouvintes e surdos.

Professor de Libras: reserva de mercado para surdos?


Para os surdos, as opções de trabalho disponíveis são, em geral, de auxiliares para

várias funções, professor de Libras, instrutor, promotor de vendas, entregador,

linha de produção, pedreiros, marceneiros, serventes, zeladores e outras vagas

que não utilize telefone ou tenha atendimento ao público. Pode-se ver que, dentre

as opções possíveis, a carreira universitária, como professor de Libras é a mais

173
UNIDADE II - LIBRAS

atraente, mais bem remunerada e a que oferece melhor status social. A maioria das

pessoas surdas que concluem cursos superiores forma-se em Pedagogia ou em

outras licenciaturas e só conseguiam trabalho nas escolas especializadas que, na

maioria, estão sendo fechadas em função da proposta inclusiva.

Consideramos que pode até haver uma parceria entre professores surdos e ouvin-

tes, por exemplo, os ouvintes podem trabalhar a parte teórica, sobre os aspectos

sintáticos e morfológicos da Libras, os professores ouvintes que devem ministrar

aulas sobre interpretação e mesmo tradução em Libras, mas a prática desta língua,

esta pertence aos professores surdos.

Dizer que pode haver parceria entre surdos e ouvintes no ensino de Libras não

significa dizer que os surdos não são capazes de ministrar a parte referente aos as-

pectos linguísticos da Libras. Ao contrário, se o surdo tem o curso de Licenciatura

Letras/Libras, não apenas ele conhece os aspectos teóricos em igualdade de con-

dições com o ouvinte, como é capaz de apresentar exemplos, mais ricos, em fun-

ção de sua experiência visual. Por exemplo, existe uma parte muito importante da

Libras, que são os classificadores, que dependem basicamente da “experiência

visual” e, assim, os surdos, agora pela própria condição, possuem melhores con-

dições de ensinar e exemplificar.

174
UNIDADE II - LIBRAS

De acordo com Nogueira, Carneiro e Nogueira (2012), o classificador é um podero-

so auxiliar da língua de sinais para determinar as especificidades e “dar vida” a uma

ideia ou a um conceito ou signos visuais. Dito de outra forma, os classificadores

representam a forma e o tamanho dos referentes, características dos movimentos

dos seres em um evento, função de um objeto, com a função de descrever o refe-

rente dos nomes, adjetivos, advérbios de modo, verbos e locativos. Para as línguas

de sinais, a descrição, a reprodução da forma, do movimento e da relação espacial

do que se quer enunciar são fundamentais, porque tornam mais claros e compre-

ensíveis seu significado. Essa é a principal função dos classificadores em Libras e

é por isso que eles são tão importantes em Libras.

Os classificadores são icônicos pela semelhança entre a sua forma ou o tamanho

do objeto a ser referido, e, muitos podem ser criados no decorrer de uma conver-

sa, como se tratasse de um “neologismo”. Entretanto, como para essa “criação”

devem ser obedecidos não apenas os parâmetros da Libras, mas as regras morfo-

lógicas para a criação de novos sinais, os classificadores apesar de serem icônicos

não podem ser considerados como mímica.

Ainda segundo Nogueira, Carneiro e Nogueira (2012), a denominação de classifica-

dores (CLs) para essa categoria gramatical da Libras foi atribuída pela comunidade

de linguistas por comparar suas funções com as dos classificadores da língua oral.

175
UNIDADE II - LIBRAS

Entretanto, os pesquisadores surdos, entendem que essa estrutura gramatical da

Libras ainda está à procura de uma definição mais adequada, para nomeá-la de

acordo com as perspectivas viso-espaciais.

Além disso, mesmo conhecendo muito sobre a Libras, a maioria dos ouvintes pos-

sui uma “autocensura” quanto ao uso do corpo e das expressões faciais. Nossa

experiência e observação de professores ouvintes, bem como de intérpretes em

atuação, com poucas exceções, é “inativo”, utilizando pouco os classificadores e

as expressões faciais/corporais.

Se um surdo, e mesmo um ouvinte que conhece profundamente os surdos, vivencia

a comunidade surda, observa, à distância algumas pessoas falando em Libras, é

possível identificar quem é surdo e quem é ouvinte, pela falta de dinamicidade dos

movimentos e pobreza das expressões faciais. Se as aulas de Libras forem ministra-

das por ouvintes, esta dificuldade pode ser acentuada, já que, conviver com surdos

(no caso, o professor de Libras) é uma das principais ações que podem favorecer a

libertação da “autocensura” em relação ao uso das componentes não manuais. Este

fato tem as mesmas significações na comunicação em sinais que se o professor

surdo não fala muito bem oralmente e não utiliza bem a prosódia e as entonações

da Língua Portuguesa. Mesmo oralizado, o surdo apresenta “sotaques”, como se

fosse estrangeiro. Assim também é o professor ouvinte. Ele não é um “nativo” da

língua, ele é como estrangeiro, que tem a Libras como sua segunda língua.

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UNIDADE II - LIBRAS

Não defendemos que todos os surdos fluentes em Libras, apenas por serem “na-

tivos” são considerados aptos ao cargo de “professor”. Para isto, o surdo precisa

ter conhecimento profundo da língua de sinais como L1, comprovada mediante a

graduação em Letras/Libras. Precisa ser avaliado em provas de conhecimentos

sobre a Libras, em prova didática em que demonstre conhecimentos de metodolo-

gias adaptadas para o ensino aos alunos ouvintes.

Além disso, nem todo surdo possui vocação para professor, e muitos, optam por

outras profissões. Entretanto, as Licenciaturas em Letras/Libras ofertadas atual-

mente nas instituições públicas brasileiras (16 cursos distribuídos por todas as

regiões brasileiras, na modalidade semipresencial) são totalmente ofertados em

Libras, fato que, por si só, se constitui em grande atrativo para os surdos, que

até este momento de sua escolarização padeceram com a dificuldade de comu-

nicação. Poderem cursar uma universidade, em um curso em que a maioria dos

professores é fluente em libras, conviver com professores surdos que cursaram

mestrado e doutorado, além de ter todo o material de estudo, as avaliações, os

avisos, as mensagens, tudo em sua língua é um sonho realizado. Portanto, o cur-

so de Letras/Libras é realmente atraente para os surdos e assim, quase todos se

encaminham para esta profissão, o que é uma razão a mais para se pensar no

mercado de trabalho.

177
UNIDADE II - LIBRAS

Durante a realização do 1º Encontro Nacional de Professores de Libras no Ensino

Superior, ocorrido em Fortaleza, de 16 a 18 de outubro de 2013, houve uma discus-

são entre professores surdos e ouvintes dos estados das regiões Norte e Nordeste

do Brasil, com acusações de que as universidades públicas desses estados abri-

ram concursos, mas não consideraram a recomendação do Decreto Federal 5626

de 2005, de que seria dada preferência aos professores surdos e assim, mesmo

tendo candidatos surdos habilitados prestando concurso, a maior parte dos pro-

fessores efetivados são ouvintes. Os surdos recorreram ao Ministério Público, que

até agora ainda não se pronunciou.

Já aconteceu, também, de instituições que estabeleceram em seu edital de aber-

tura de concurso, a preferência para candidatos surdos, mas não apareceram con-

correntes e a vaga ter ficado com um ouvinte. Aí, nada há a ser feito e está correto.

Então, de novo, nossa defesa é que a vaga seja preferencialmente para os profes-

sores surdos e não exclusivamente.

Outro ponto que é fundamental destacar é que a contribuição dos ouvintes fluen-

tes em Libras é fundamental para o desenvolvimento, a educação, a vida social do

surdo, na condição de intérpretes.

178
UNIDADE II - LIBRAS

O intérprete tem tido uma importância valiosa nas interações entre surdos e ouvintes. Na maioria dos

casos, os intérpretes têm contato com a língua de sinais a partir dos laços familiares da convivência so-

cial com vizinhos e amigos surdos (ocorrendo geralmente em espaços escolares e religiosos). No Brasil

ainda não há tradição na profissão ou formação específica para esses profissionais, da mesma forma

que há para intérpretes de língua orais de prestígio como, por exemplo, intérprete de língua inglesa e

francesa (GESSER, 2009, p.47).

Todavia, sabemos que as universidades, empresas, instituições de saúde, de edu-

cação, órgãos de atendimento à população ainda não têm efetivado a contratação

de intérpretes, o que diminui a oferta de vagar para os ouvintes. São poucas ins-

tituições públicas que abriram concursos para Intérpretes de Libras. Reis (2006)

ressalta a importância dos intérpretes:

Em relação ao surdo, é importante ressaltar suas conquistas, como garantias individu-

ais e o pleno exercício da cidadania, mediante o respaldo legal na Lei nº 10.436, de 24

de abril de 2002, nesta é reconhecida o Estatuto da Língua de Sinais como língua oficial

da comunidade surda. Considerando os preceitos legais, constatamos que o emprega-

dor deva favorecer o profissional surdo com um (uma) intérprete, a fim de favorecer sua

comunicação, como também o respeito a sua diferença lingüística. Portanto, as empre-

sas ou locais de trabalho que tenham surdos como funcionários precisam propiciar as

reais condições de inclusão social. Situação de luta, visto que cada vez mais sofremos

com um sistema produtivo que aumenta as desigualdades sociais, eleva a concentra-

ção do poder econômico, como também a exclusão social, que além de gerar desem-
prego, dissemina a idéia do individualismo, ou seja, “cada um por si” (REIS, 2006, p.73).

179
UNIDADE II - LIBRAS

Também temos muitos pesquisadores, principalmente da área da Linguística que rea-

lizaram estudos e publicaram os livros sobre a Libras. Estes livros permitem a difusão

da Libras, permitem o aprofundamento dos estudos sobre a sintaxe e a morfologia

da Libras, conceituam profundamente sobre metodologia de educação aos surdos,

favorecem os direitos dos surdos, enfim, são fundamentais para que nós, os surdos,

possamos também nos aprofundar. Enfim, as parcerias, as contribuições dos ouvin-

tes são muito importantes para nós, não estamos decretando “guerra” aos ouvintes.

Estamos apenas querendo defender nosso ponto de vista sobre o respeito ao que

está estabelecido nos documentos legais acerca da preferência ao professor surdo.

Vejamos, é impossível aos surdos pegarem os lugares de ouvintes para adquirir

o cargo de intérprete de Libras/Português falado, portanto, no mesmo campo de

conhecimento, o domínio da Libras, estamos em desvantagem. Pensamos que os

ouvintes deveriam ser intérpretes, tradutores, pesquisadores de Libras, e nós, os

surdos, atuaríamos como professores. Seria mais justo, pois o ouvinte tem acesso

às duas profissões e nós não. Outra coisa que também precisa ser estabelecida

é que os ouvintes estão recorrendo à vaga de professor de Libras para ingressar

como docente no ensino superior, porque este concurso é mais fácil para eles, do

que concorrer à área de Linguística, por exemplo, porque para ser professor de

Libras, ainda não se está exigindo os títulos de mestrado e de doutorado que são

exigidos para as demais áreas.

180
UNIDADE II - LIBRAS

Uma professora ouvinte de Libras justificava sua inscrição no concurso assim: “Amo

os surdos e quero ajudar, conheço Libras, mas não tenho dom para ser intérprete e

sim professor universitário para dar aula de Libras aos alunos ouvintes, sei que os sur-

dos precisam deste cargo de professor porque é boa oportunidade para o futuro, mas

não briguem comigo porque o dom é meu destino”. Fiquei surpresa com essas frases

“de efeito”. É o dom que destina o seu trabalho? E o profissionalismo? E a ética?

A maioria das Instituições de Ensino Superior que são obrigadas a contratar pro-

fessores de Libras em função do Decreto 5626, preferem professores ouvintes,

por entenderem que é mais fácil, tanto para “dar aulas” a outros ouvintes, quanto

para a convivência no ambiente de trabalho. O desconhecimento da capacidade

do professor surdo em ministrar aulas faz com que as pessoas pensem que seria

necessário ter um intérprete presente na sala de aula. Isto aumentaria os custos e,

assim, as instituições particulares preferem contratar o professor ouvinte. Muitos

intérpretes até reclamam quando o professor surdo não quer a presença de intér-

pretes, dizendo que o surdo está cerceando seu acesso ao trabalho. Mas o pro-

fessor surdo sabe que é capaz e, além disso, na sala de aula ele é a pessoa com a

qual seus alunos devem se relacionar.

Mas na aula de Libras não é o único local de estudo em que se fala outra língua

e não existe a presença de intérpretes. Por exemplo, um centro de idiomas tem

181
UNIDADE II - LIBRAS

professor de inglês ou outro idioma, fala e escreve puramente na língua estrangeira,

dificilmente utiliza português escrito ou oral, principalmente para facilitar a imersão

do aluno em um ambiente linguístico que favorece a aprendizagem do novo idioma

e também, para não misturarem a gramática das duas línguas. No caso da Libras,

o professor surdo utiliza a leitura labial ou a escrita para compreender a dúvida dos

alunos e, se não for oralizado, escreve no quadro a resposta que não for possível

ser compreendida em Libras. O fato é que o professor surdo consegue administrar

e gerenciar sua ação pedagógica com os alunos ouvintes.

A pesquisadora surda, Karin Strobel, uma das sete doutoras surdas brasileiras re-

gistra muito bem esta situação, quando pede que os espaços conquistados pelos

surdos sejam respeitados:

Respeitar os espaços conquistados pelos sujeitos surdos enquanto estão em pro-

dução cultural, por exemplo: tem muitos sujeitos ouvintes que querem “competir”

com os surdos e assim fazem com que o povo surdo suspeite dos mesmos, devido

à longa história de opressão de lutas de relações de poderes para conquistarem

seus espaços. Tem muitos ouvintes que aproveitam dos espaços conquistados pe-

los surdos para ensinar a língua de sinais e outras coisas, alegando que têm direitos

iguais... Mas onde estão os direitos de igualdade enquanto na sociedade os sujeitos

ouvintes geralmente são mais preferidos que os surdos? Isto acontece nas maio-

rias de empresas, nas universidades, nas instituições ou até mesmo em igrejas, que

preferem profissionais ouvintes para não ter de contratar intérpretes de libras para
os professores surdos. Também pela barreira de comunicação é difícil conseguir

182
UNIDADE II - LIBRAS

contatos via telefone, por exemplo. No futuro, quando a sociedade tiver uma re-

presentação sem estereótipos e mais positiva em nível de igualdade entre surdos e

ouvintes, se olharem o povo surdo como diferença cultural, e não como deficientes,

daí não teriam esta “guerra cultural” entre eles (STROBEL, 2008, p.111).

O embate entre professores de Libras ouvintes e surdos, que discutimos nesta

seção, infelizmente, não é o único em que os surdos enfrentam a “supremacia”

dos ouvintes. O não respeito aos espaços conquistados, ou mesmo ao sujeito

surdo é uma constante. Por exemplo, alguns ouvintes assumem o cargo de ser

representante de um ministério ou pastoral, dependendo da Igreja, destinados

aos surdos. Até bem recentemente, até mesmo as associações de surdos eram

presididas por ouvintes.

Não queremos excluir os ouvintes. Eles são importantes e precisamos deles não

apenas como intérpretes, mas também como parceiros, conselheiros, companhei-

ros de luta. Mas é preciso entender que nós, surdos, também podemos assumir

responsabilidades, podemos ser “senhores” de nossos destinos, podemos dirigir

nossas vidas, seja de maneira individual, seja coletivamente. O representante dos

índios junto ao governo deveria ser negro? O presidente de uma associação ve-

getariana poderia ser uma pessoa carnívora? O presidente da OAB, Ordem dos

Advogados do Brasil, deve ser um engenheiro civil? E, a associação dos intérpretes

de Libras, deve ter como presidente um surdo?

183
UNIDADE II - LIBRAS

O que estamos defendendo é que existem espaços definidos. Não são espaços

excludentes, ao contrário, muito se espera da parceria entre as pessoas diferentes,

desde que as diferenças sejam respeitadas, conforme salienta Perlin (1998, p.72),

“importa salientar as diferenças das pessoas. Respeitá-las como surdas, índias, nô-

mades, negras, brancas... Importa deixar os surdos construírem sua identidade,

assinalarem suas fronteiras em posição mais solidária do que crítica”.

Os surdos não querem mais continuar sofrendo a opressão da maioria ouvinte.

Entendemos que esse polêmico “domínio dos ouvintes” é agravado pela economia

capitalista, pela ideia do livre mercado, com todos correndo em busca de melhores

salários e de facilidades. Esta mesma filosofia capitalista também restringe as pos-

sibilidades do mercado de trabalho para os surdos.

Klein (1998, p.77) analisa que o mercado tem ideia preconceituosa sobre as possi-

bilidades de trabalho dos surdos, e nesta busca pela eficiência e lucratividade, do

capitalismo, restringem as ofertas de vagas aos surdos aos cargos de corte e cos-

tura, marcenaria, informática, auxiliar de serviços gerais. Isto, quando ele consegue

emprego e não é impelido a uma marginalidade indesejada, vendendo adesivos e

chaveiros nos sinaleiros e terminais de ônibus.

Além da dificuldade de se conseguir boas carreiras profissionais, os surdos enfren-

tam muita discriminação em seus trabalhos nas empresas. Conheço uma surda

que sofre “gozações” do gerente, até com a oferta de “prêmios desagradáveis”,

184
UNIDADE II - LIBRAS

por exemplo, o de funcionária “mais quietinha” porque ela não conversa com nin-

guém. Ora, não existe nenhum intérprete na empresa, nem uma proposta de en-

sino de Libras para os funcionários ouvintes. Como ela vai se comunicar? Essa

surda se sente como um “animalzinho” por ganhar o prêmio. Assim, entendo que

as empresas precisam receber informações sobre surdez, cultura, língua, também

devem realizar os cursos de Libras para os funcionários, pois somente desta forma

estaremos enfrentando as barreiras e aprimorando a inclusão social.

Porém, mais importante de tudo, é acreditar no potencial do surdo e respeitar os

espaços tão duramente conquistados. É esta a principal mensagem que este ar-

tigo traz para a reflexão de todos, em particular dos ouvintes que pretendem ser

professores de Libras.

SAIBA MAIS
VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS

Os estudos linguísticos salientaram a variação linguística em Libras. É “multicultu-

ralismo”, isto é, são várias culturas familiares e sociais diferentes, o local, o tempo,

a educação, tudo isto influencia e pode alterar um sinal ou uma palavra. Isto é cha-

mado de variação linguística.

185
UNIDADE II - LIBRAS

Precisamos entender que, da mesma forma que acontece com as línguas orais, as

diferenças regionais influenciam também nos sinais da Libras. O Brasil é um país

grande, com diferentes dialetos, de maneira que os diálogos, as maneiras de se ex-

pressar, são diferentes. Assim, a comunidade surda de determinada região recebe

influências que refletem nos sinais utilizados, sendo comum a variação linguística.

Também não podemos esquecer da história da Libras, que por ter sido proibida

durante muitos anos, teve dificuldades em estabelecer uma unidade nacional, o

que só após o reconhecimento desta língua como um idioma nacional vem sendo

construída. O mais importante: faça o sinal como você aprendeu. Se não existe

ainda um sinal para o que você quer representar, um surdo pode criar (batizar) um

sinal ou criar um provisório, utilizando os classificadores. Exemplos:

Morango

Sinal em SP Sinal em MS

186
UNIDADE II - LIBRAS

Sinal no PR

Caneta

Sinal no RJ Sinal no PR e em SP

Verde

Sinal em SP Sinal no PR e outros Sinal em alguns locais do PR

Mãe

Sinal no PR e outros Sinal em MS 187


UNIDADE II - LIBRAS

INDICAÇÃO DE LEITURA
A nossa Dica de Leitura é o livro: Tenho um aluno surdo,

e agora?, organizado por Cristina Broglia Feitosa de

Lacerda e Lara ferreira dos Santos. Publicado pela Editora

da Universidade Federal de São Carlos, com primeira reim-

pressão em 2013, este livro foi vencedor do Prêmio Jabuti

de 2014, na categoria educação. O objetivo principal do

livro é oferecer um conhecimento inicial sobre a educação

de surdos e a Libras, buscando subsidiar a atuação do

professor da educação básica junto a alunos surdos. Todavia, as discussões e o

conhecimento partilhado atendem às demandas de qualquer profissional que atue

com sujeitos surdos. Certamente este é um texto que vai colaborar com sua forma-

ção profissional, porém, mais do que conhecimentos e técnicas, ele vai causar uma

mudança, para melhor, em seus valores éticos e sociais.

188
UNIDADE II - LIBRAS

REFLITA!
Com relação à educação, devemos sempre considerar que esse espaço
pertence ao professor e ao aluno e que a liderança neste processo é exer-
cida pelo professor, sendo o aluno de sua inteira responsabilidade. Assim,
é absolutamente necessário entender que o TILS é apenas um mediador da
comunicação e não o responsável pelos processos de ensino e de apren-
dizagem do aluno surdo. Os papéis do professor e do TILS são absoluta-
mente diferentes e precisam ser devidamente distinguidos e respeitados.
Considerando este fato, como você encara a presença da disciplina de
Libras em sua grade curricular? Reflita a respeito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta Unidade II, você teve a oportunidade de conhecer um vocabulário mínimo

para sua futura atuação profissional. Você também teve orientações sobre a impor-

tância de consultar dicionários virtuais que complementem este material, apresen-

tando o sinal com movimento.

Abordamos, também, nesta Unidade II, quais as atribuições do tradutor intérprete

de Libras – TILS, no atendimento educacional aos surdos.

Todavia, se o professor é fluente em Libras, ele é a pessoa mais habilitada para

interagir com seus alunos usuários da Língua de Sinais. Uma vez que o professor

189
UNIDADE II - LIBRAS

possua uma comunicação efetiva nessa língua não existe a barreira da comuni-

cação, mas mesmo assim, o TILS será necessário, pois não é viável, em função

da maioria dos alunos serem ouvintes, que a aula seja inteiramente ministrada em

Libras.

No caso dos demais profissionais, se a comunicação com o surdo não se efetivar,

a atuação do TILS pode favorecer, seja ele um profissional ou um familiar, entretan-

to, esta possibilidade nem sempre está ao alcance de todos e assim, um conheci-

mento mínimo da Libras seria de muita utilidade. Mesmo que isso não se efetive,

o profissional deve se valer de todos os recursos disponíveis, como a mímica, a

escrita ou o desenho, de maneira a se comunicar com o surdo, respeitando este

cidadão e promovendo a inclusão social.

No que se refere à educação, deve ficar claro que não cabe ao TILS a responsa-

bilidade pelo ensino do aluno surdo, nem o acompanhamento de seu processo

educativo, sendo de fundamental importância que professor e alunos desenvolvam

entre si interações sociais e habilidades comunicativas de forma direta e evitando-

se sempre que o surdo dependa totalmente do intérprete.

Conforme já comentamos anteriormente, você decide a qualidade do profissional e

do ser humano que pretende ser!

190
UNIDADE II - LIBRAS

ATIVIDADES
1) Identifique os sinais, crie frases e sinalize em Libras, de preferência, defronte

a um espelho.

1.

2.

3.

4.

191
UNIDADE II - LIBRAS

5.

6.

7.

8.

9.

192
UNIDADE II - LIBRAS

10.

11.

12.

Por exemplo – na sequência 3: Dia das mães – Sempre compro presente para

mamãe.

193
UNIDADE II - LIBRAS

2) Identifique os sinais, crie frases e pratique em Libras.

1 2 3

4 5 6

7 8

194
UNIDADE II - LIBRAS

3) Considerando o que você estudou nesta Unidade II, estabeleça os limites de

atuação do professor e do TILS.

4) Considerando o que você estudou nas seções 4 e 5 desta Unidade, estabeleça

os limites de atuação entre o professor de Libras surdo e o TILS.

5) Analise os sinais que foram apresentados nas diferentes unidades semânticas

desta unidade e destaque quais são os mais icônicos e quais são os mais

arbitrários (por unidade semântica). Apresente alguns exemplos para ilustrar

sua resposta.

195
UNIDADE 3

A cultura do Surdo e as
Políticas Públicas
Clélia Maria Ignatius Nogueira; Marilia Ignatius Nogueira
Carneiro; Beatriz Ignatius Nogueira
Objetivos de Aprendizagem

• Refletir sobre a importância de se utilizar os termos corretos;


• Compreender a surdez em seus aspectos socioantropológicos; a
• Compreender a Libras como a língua dos surdos brasileiros;
• Conhecer as principais abordagens educacionais para surdos;
• Compreender o momento atual da educação dos surdos brasileiros;
• Discutir crenças e preconceitos em relação à surdez e aos surdos.

Plano de Estudo

Serão abordados os seguintes tópicos:

• Concepções de surdez
• Culturas e identidades surdas
• Legislação brasileira referente à educação de surdos
• As políticas públicas referentes à educação de surdos
• Desconstruindo crenças sobre o surdo e a surdez
UNIDADE III - LIBRAS

INTRODUÇÃO
Para podermos abordar com segurança os temas dessa disciplina, apresentare-

mos alguns termos que utilizaremos em seu decorrer. Você deve estar pensando

que não deve fazer muita diferença a maneira como nos referimos a alguma coisa,

pessoa ou um grupo de pessoas. Isto não é verdade. A palavra que escolhemos

para designar algo ou alguém mostra nossa concepção a respeito, isto é, o que

pensamos a respeito de algo ou de alguém.

Assim, usar corretamente os termos técnicos não é uma questão sem importância

se desejamos falar ou escrever construtivamente, em uma perspectiva inclusiva,

sobre seres humanos, principalmente se você é ou será um professor. Afinal, a

maioria das pessoas acredita que um professor sabe o quê e do que fala e procura

imitá-lo. Quando falamos sobre pessoas com deficiência, que tradicionalmente so-

frem preconceitos, a terminologia correta é especialmente importante.

Primeiro, vamos caracterizar a Inclusão como princípio da Educação Especial.

Para isso, apresentaremos, primeiramente, os princípios de Normalização e de

Integração, por serem os princípios dos quais teve origem a Inclusão.

O princípio de Normalização surgiu na Dinamarca, com uma Lei de 1959 que es-

tabelecia: “É necessário criar condições de vida para a pessoa retardada mental

199
UNIDADE III - LIBRAS

e semelhantes, tanto quanto possível, às condições normais da sociedade em

que vive”. No enunciado dessa lei, podemos observar como os termos evoluem.

Atualmente, não utilizamos mais a palavra retardada para nos referirmos aos indi-

víduos com déficit ou deficiência intelectual. A mudança dos termos acompanha o

aprofundamento científico. Quanto mais conhecemos sobre um assunto, fenôme-

no ou indivíduo, mais bem procuramos conceituá-los.

O espírito da lei se referia a criar condições normais da sociedade e não do

indivíduo. Porém, a partir de diferentes interpretações, a maioria equivocadas, pas-

sou-se a considerar que o princípio da normalização se aplicava à pessoa com

deficiência e, assim, a Educação Especial buscava tornar a criança especial o mais

normal possível. No caso específico da surdez, isso significava que o surdo deve-

ria aprender a falar e o oralismo passou a ser a principal metodologia de trabalho

para com os surdos.

Mesmo com interpretações equivocadas, o Princípio da Normalização foi muito

importante para o desenvolvimento da Educação Especial. Novos estudos foram

surgindo, fazendo com que a pessoa com deficiência, naquela época chamada de

excepcional, fosse enxergada com direitos e deveres iguais e a quem deveriam ser

ofertadas as mesmas condições de vida dos demais seres humanos.

200
UNIDADE III - LIBRAS

Na década de 1970, passou-se a falar em Integração como um novo princípio, o

que foi questionado pelos estudiosos. Para eles, Normalização era o objetivo e a

Integração era o processo, ou seja, era como se poderia alcançar a Normalização.

As crianças especiais passaram, a partir da proposta de Integração, a frequentar, se-

não classes comuns, pelo menos as classes especiais em escolas comuns, embora, na

maioria das vezes, com horários de entrada e de saída diferentes dos demais alunos.

As classes especiais não ofereciam escolarização regular e era comum que es-

tudantes, particularmente os surdos, passassem anos em uma classe especial e

quando deixavam a escola, depois de mais de dez anos de estudo, não recebiam

nenhum certificado, pois não se sabia qual “série” haviam concluído.

Para se determinar o nível de escolaridade alcançado por um estudante surdo de

classe especial, este precisava se submeter a um exame classificatório realizado

pelas Secretarias Estaduais de Educação, o que nem sempre acontecia.

Entretanto, a prática da Integração, mesmo com todas as suas dificuldades e pro-

blemas, proporcionou novos estudos e pesquisas no campo da Educação Especial,

tanto nos aspectos administrativos quanto nos didático-pedagógicos. Foram es-

ses estudos e pesquisas que fundamentaram o Princípio da Inclusão ou a Proposta

da Escola Inclusiva que estamos vivenciando tão intensamente na atualidade.

201
UNIDADE III - LIBRAS

De fato, em qualquer congresso, palestra, atividades de formação continuada ou

grupo de estudos destinados a professores da Educação Básica, de maneira direta

ou indireta, atualmente se fala de escola inclusiva. Assim, esta Unidade III, se or-

ganiza a partir de cinco seções. A primeira, intitulada Concepções de Surdez, re-

toma uma discussão feita na seção 5 da Unidade II, sobre as diferentes formas de

se entender a surdez, com destaque para a concepção atual que entende a surdez

como uma “experiência visual” da qual decorre uma “diferença linguística”. A se-

gunda seção, intitulada Culturas e Identidades Surdas apresenta uma discussão

mais aprofundada do que também foi enunciado na seção 5 da Unidade II, ou seja,

o fato de se aceitar que os surdos possuem uma diferença linguística implica em

compreender também, que existe uma diferença também cultural, cuja principal

consequência é a construção de identidades surdas, ou seja, os surdos não preci-

sam mais se entender e ser entendido como um “não ouvinte”, mas como um sujei-

to “surdo”. Como decorrência desta visão socioantropológica do surdo e da surdez

emergiram leis e políticas públicas para a educação do surdo brasileiro e este é

o tema da seção 3, intitulada, como era de ser esperar: Legislação Brasileira

Referente à Educação de Surdos e que é complementada pela seção 4, denomi-

nada As Políticas Públicas Referentes à Educação de Surdos. Finalizando essa

Unidade, apresentaremos a seção Desconstruindo crenças sobre o Surdo e a

Surdez em que discutiremos algumas questões que são recorrentes às pessoas

que enveredam, em uma primeira caminhada, no mundo dos surdos.

202
UNIDADE III - LIBRAS

CONCEPÇÕES DE SURDEZ
A educação dos surdos no Brasil mudou muito depois da adoção do bilinguis-

mo como abordagem educacional. As mudanças ficam claras no Decreto 5626 de

2005 que, entre outras coisas, diz que o estudo da língua brasileira de sinais é obri-

gatório para os cursos de pedagogia, fonoaudiologia e todas as licenciaturas. Tudo

isso está acontecendo porque mudou a concepção das pessoas sobre a surdez.

Atualmente, a surdez não é mais entendida como uma doença ou como uma de-

ficiência que torna o surdo alguém inferior ao ouvinte. Hoje, o surdo é entendido

como diferente do ouvinte, porque todos os seus mecanismos de processamento

da informação e todas as formas de compreender o mundo se constroem como

experiência visual. Isso tem como consequência uma maneira especial de proces-

samento cognitivo (como os surdos pensam, aprendem etc.). Os surdos se orien-

tam a partir da visão, mesmo quando possuem restos auditivos ou usam aparelhos.

Assim, a definição mais atual para a surdez é a de “experiência visual”, isto é, as

experiências vivenciadas pelos surdos são muito mais experiências de visão do

que de não audição. O surdo é então a pessoa que compreende e interage com

o mundo por meio de experiências visuais manifestando sua cultura pelo uso da

língua de sinais. Como as representações simbólicas do mundo dependem dos

203
UNIDADE III - LIBRAS

canais sensoriais, a experiência visual está presente em todos os tipos de repre-

sentações e produções dos surdos.

Essa mudança de concepção, realizada em tão curto espaço de tempo, quando

se pensa em educação, encontrou e ainda encontra fortes resistências entre pro-

fissionais, familiares e sociedade, resistências que se sustentam quase que exclu-

sivamente no desconhecimento sobre o assunto que acaba gerando equívocos e

preconceitos.

Situar a surdez e os surdos de maneira cientificamente adequada e assim contri-

buir para a desconstrução de crenças e mitos é o principal objetivo desta primeira

seção, mediante a apresentação do contexto atual em que vive o surdo brasilei-

ro, traduzido pelas concepções de surdez; legislação e políticas públicas brasilei-

ras referentes à educação de surdos; abordagens educacionais e pelas culturas e

identidades surdas.

Na década de 1980, as discussões sobre qual seria a melhor abordagem para a

educação de surdos percorria todo o Brasil, evidenciando que, além das questões

didático-pedagógicas, o grande embate estava nas concepções acerca da surdez.

Para os defensores do Oralismo, a surdez era vista como uma deficiência, quase

que uma patologia que necessitava ser “normalizada”. A concepção de surdez,

204
UNIDADE III - LIBRAS

subjacente à Comunicação Total, era de uma marca, como significações sociais.

Para o Bilinguismo, a surdez é muito mais uma diferença do que deficiência. É,

no entender de Skliar (1998), uma “experiência visual”. Proliferavam, nessa épo-

ca, eventos acadêmicos, trabalhos acadêmicos, monografias, dissertações e teses

apresentavam propostas e experiências.

Aconteceram, também, nesta década de 1980, motivados pela promulgação pela

ONU do Ano Internacional da Pessoa Deficiente (1981), diversos eventos que con-

taram com a participação dos surdos. Os surdos começaram a se interessar em

pesquisar sua língua, ensiná-la de maneira mais pedagógica, a fazer teatro e poesia

em libras, a assumirem a sala de aula como Instrutores, monitores e professores,

começaram a exigir mudanças, intérpretes, legenda para noticiários e outros pro-

gramas de televisão, por meio do Closed Caption, Telefonia para Surdos (TDD),

começaram a apresentar trabalhos e debater, em eventos, novas alternativas para

a Educação de Surdos.

Foi também nesta época que os então chamados “deficientes auditivos” passaram

a ser denominados surdos. A palavra “surdo” é a mais adequada porque permite

compreender melhor a surdez, tanto no que se refere à sua condição orgânica

como social. Além disso, é a autodenominação escolhida pelos próprios surdos,

que desejam ser aceitos não como pessoas deficientes, como “não ouvintes”

205
UNIDADE III - LIBRAS

incompletos, que têm ausência da audição, mas como pessoas igualmente capa-

zes e que se diferenciam dos ouvintes por desenvolverem sua linguagem utilizando

recursos de natureza viso-motora.

Todas essas conquistas, certamente aconteceram em decorrência de muita luta

de todos os envolvidos com a causa da surdez, mas o que as sustentou foram as

mudanças de concepção sobre a surdez.

A mudança registrada nos últimos anos não é, e nem deve ser, compreendida como

uma mudança metodológica dentro de um mesmo paradigma de escolarização. O

que está mudando são as concepções sobre o sujeito surdo, as descrições em torno

de sua língua, as definições sobre as políticas educacionais, a análise das relações de

saberes e poderes entre adultos surdos e adultos ouvintes, etc. (SKLIAR, 1998, p.7).

Assim, atualmente, a surdez não é mais entendida como uma doença ou como

uma deficiência que torna o surdo alguém inferior ao ouvinte. Hoje, o surdo é en-

tendido como diferente do ouvinte, porque todos os seus mecanismos de proces-

samento da informação e todas as formas de compreender o mundo se constroem

como experiência visual.

Assumir a surdez como uma “experiência visual” é compreender que as experiências

vivenciadas pelos surdos são muito mais experiências de visão do que de não audi-

ção. O surdo é então a pessoa que compreende e interage com o mundo por meio

206
UNIDADE III - LIBRAS

de experiências visuais manifestando sua cultura pelo uso da Libras. Como as re-

presentações simbólicas do mundo dependem dos canais sensoriais, a experiência

visual está presente em todos os tipos de representações e produções dos surdos.

No que se refere à educação, a principal questão da educação dos surdos, desde

seu início, sempre foi se os surdos deveriam desenvolver a aprendizagem utilizan-

do a língua de sinais ou a língua oral. E essa decisão, durante muito tempo, foi to-

mada pelos ouvintes. Só recentemente, os surdos estão podendo dizer como pre-

ferem ser educados e a maioria decidiu que o melhor para eles é a língua de sinais.

Como não é possível viver no mundo dos ouvintes sem o conhecimento da língua

pátria, os surdos defendem que a língua de sinais (no caso do Brasil, a Libras) deve

ser considerada sua primeira língua e depois devem aprender o português, de pre-

ferência na modalidade escrita. Esta é a forma como a educação de surdos vem

acontecendo atualmente no Brasil e na maior parte dos países do mundo, sendo

conhecida como bilinguismo ou abordagem bilíngue.

A abordagem bilíngue tem como ponto de partida a capacidade das pessoas sur-

das desenvolverem uma língua que permita uma comunicação eficiente. Essa lín-

gua, apoiada na visão e utilizando as mãos - a Língua de Sinais - é, para os bilin-

guistas, a primeira língua dos surdos, a qual aprendem com naturalidade e rapidez.

207
UNIDADE III - LIBRAS

O bilinguismo começou a ganhar força a partir da década de 1980 e, no Brasil, a

partir de 1990. Na Suécia, essa filosofia já é adotada há bastante tempo. No Uruguai

e na Venezuela, o bilinguismo é adotado de maneira oficial, ou seja, nas instituições

públicas, a exemplo do que está ocorrendo atualmente no Brasil. Todavia, assim

como a inclusão, a adoção do bilinguismo nas escolas públicas brasileiras ainda é

incipiente, apesar dos esforços governamentais.

De acordo com essa filosofia, a criança surda deve adquirir, o mais cedo possível

e inicialmente, a língua de sinais, considerada a sua língua natural. Essa aquisição

deve ser feita com a comunidade surda. Somente como segunda língua deveria

ser ensinada, na escola, a língua oficial do país, de preferência em sua forma es-

crita. Apenas quando as condições forem favoráveis deve ser ensinada a Língua

Portuguesa na modalidade oral.

Para alguns estudiosos do bilinguismo, a criança surda deve adquirir a língua de

sinais e aprender a língua falada, de maneira separada (com pessoas e em locais

diferentes), o mais cedo possível e, só depois, deve aprender a língua escrita. Para

outros, o que importa é o desenvolvimento cognitivo, social e emocional do surdo,

o que só seria possível mediante a consolidação da língua de sinais. Assim, nesse

último caso, a criança deve adquirir inicialmente a língua de sinais e depois, no

momento adequado, ser alfabetizada, não se ensinando a língua falada.

208
UNIDADE III - LIBRAS

O bilinguismo entende a surdez como diferença linguística, e não como uma defi-

ciência a ser normalizada pela reabilitação como no oralismo. E assim, os surdos

constituiriam uma comunidade particular, com cultura e língua próprias, como ve-

remos no próximo texto.

Para os bilinguistas, a “problemática global do surdo” é “intimamente dependente de

seu desenvolvimento linguístico” e “só mesmo o respeito à língua de sinais conduzirá

a um maior sucesso educacional e social do surdo” (FERREIRA-BRITO, 1995, p.16).

O bilinguismo tem como pressuposto básico que o surdo deve ser Bilíngue, ou seja,

deve adquirir como língua materna a língua de sinais, que é considerada a língua

natural dos surdos e, como segunda língua, a língua oficial de seu país (GOLDFELD,

1997, p.39).

Tornar-se letrado numa abordagem bilíngue pressupõe a utilização de língua de si-

nais para o ensino de todas as disciplinas. [...]. Faz também parte do projeto bilíngue

que todo o corpo de funcionários da escola, surdos e ouvintes, e os pais, aprendam

e utilizem a língua de sinais (BOTELHO, 2002, p.112).

O bilinguismo é uma proposta de ensino usada por escolas que se propõem a tornar

acessível à criança duas línguas no contexto escolar. Os estudos têm apontado para

essa proposta como sendo a mais adequada para o ensino das crianças surdas,

tendo em vista que considera a língua de sinais como língua natural e parte desse

pressuposto para o ensino da língua escrita (QUADROS, 1997, p.27).

209
UNIDADE III - LIBRAS

Ainda segundo Quadros (1997), a preocupação do bilinguismo é respeitar a auto-

nomia das línguas de sinais organizando-se um plano educacional que respeite a

experiência psicossocial e linguística da criança com surdez.

Os surdos, por mais que não dominem uma língua oralizada, convivem com uma

comunidade que a usa e, assim, têm, necessariamente, que desenvolver certas

habilidades ligadas à percepção da leitura e da escrita e, por isso, os documentos

legais que garantem ao surdo o apoio, o uso e a difusão da Libras também são

categóricos ao afirmarem que ela não poderá substituir a modalidade escrita da

língua portuguesa.

Muitas das conquistas dos surdos, por exemplo, a legenda em programas televi-

sivos, não se configura como efetivamente um benefício, pela pouca competência

em leitura que eles possuem. Uma vez que a legendagem apresenta texto frag-

mentado, condicionado pela velocidade e ritmo do texto audiovisual, este exige um

grande esforço de leitura seletiva e de memória, exigindo da pessoa com surdez

uma boa capacidade de leitura.

Assim, a leitura de textos em português é de importância fundamental não apenas

para a escolarização do surdo, mas e talvez principalmente, para a sua inserção

na comunidade ouvinte. Por outro lado, embora existam diversas pesquisas que

210
UNIDADE III - LIBRAS

demonstrem que os surdos não apresentam dificuldades para decodificar os sím-

bolos gráficos e estudos que enfatizem a importância da língua de sinais para o

desenvolvimento cognitivo e acadêmico do surdo, são poucas as investigações

que analisam a leitura interpretativa de indivíduos surdos que fazem uso da Libras.

Os poucos estudos indicam que os surdos possuem entendimento sobre o meca-

nismo da leitura, mas não a compreensão do que leem.

Como evidenciam diferentes pesquisas com ouvintes, o desenvolvimento na apren-

dizagem de uma segunda língua está intimamente ligado ao nível de proficiência

que o aprendiz possui na sua primeira língua.

É por essas razões que, atualmente, dá-se tanta importância ao fato de o professor

ouvinte conhecer e usar a Língua de Sinais, no caso do Brasil, a Libras. A comuni-

cação adequada entre professores ouvintes e alunos surdos é a condição primeira

para uma escola realmente inclusiva.

A presença de surdos nas instituições escolares inclusivas ou especiais, sendo

educados em sua língua natural, tem contribuído muito para desconstruir a ima-

gem de que a surdez compromete o desenvolvimento cognitivo e linguístico do

indivíduo. Essa crença, segundo Gesser (2009), está fortemente ligada ao discurso

médico.

211
UNIDADE III - LIBRAS

O surdo pode e desenvolve suas habilidades cognitivas e linguísticas (se não tiver

outro impedimento) ao lhe ser assegurado o uso da língua de sinais, em todos os

âmbitos sociais em que transita. Não é a surdez que compromete o desenvolvimento

do surdo, e sim a falta de acesso a uma língua (GESSER, 2009, p.76).

As consequências do impedimento ao acesso à língua de sinais sofridas pelos

surdos educados no oralismo foram (e são) muito graves; muitos se tornaram so-

litários, outros tiveram comprometidas suas capacidades mentais, a ponto de es-

tudiosos como o piagetiano Hans Furth afirmarem que os surdos eram “concret

minded”, ou seja, só eram capazes do pensamento concreto, afinal, é por meio

da língua que evoluímos cognitivamente. Para Piaget, é a linguagem que é res-

ponsável pela qualidade de nosso pensamento, que permite sairmos do estádio

das operações concretas e alcançarmos o estádio lógico-formal. Para Vigotsky, a

linguagem ocupa um papel essencial na organização das funções superiores.

Porém, a mudança de concepção sobre a surdez; o estabelecimento da legitimida-

de da Libras como língua oficial do Brasil e da sua importância no desenvolvimento

cognitivo do surdo, não produziram avanços benéficos apenas no que se refere

aos aspectos educacionais. As principais e, no nosso entender, melhores consequ-

ências desses fatos são as socioantropológicas, decorrentes do reconhecimento

da existência da cultura surda e das identidades surdas.

212
UNIDADE III - LIBRAS

CULTURAS E IDENTIDADES SURDAS


Para podermos compreender o que é “cultura surda”, é preciso estabelecer o que

estamos considerando como “cultura”. De acordo com o senso comum, existiria

“A” cultura, no singular e esta cultura se refere às manifestações artísticas e às

tradições de um povo, representadas (e contadas) em lendas, festas, trajes típicos,

ritos, comida e língua.

Atualmente, os estudiosos admitem a existência de múltiplas culturas interagindo

entre si, sendo possível a multiplicidade de manifestações e grupos culturais de

naturezas diferentes, ampliando o conceito de cultura e permitindo falar de cultura

no plural.

De acordo com Strobel (2008, p.17):

A humanidade, ao longo do tempo, adquire conhecimento através da língua, cren-

ças, hábitos, costumes, normas de comportamento dentre outras manifestações.

Partindo do suposto que cultura é a herança que o grupo cultural transmite a seus

membros através de aprendizagem e de convivência, percebe-se que cada geração

e sujeito também contribuem para ampliá-la e modificá-la.

Outro uso da palavra cultura está relacionado à agricultura, ao cultivo da terra.

Falamos em “cultura da cana-de-açúcar”; “cultura de milho” etc. O termo cultura

está tão relacionado à lavoura, que compõe literalmente o termo agriCULTURA.

213
UNIDADE III - LIBRAS

Considerando este outro uso para a palavra cultura, Strobel (2008, p.18) afirma

que “o cultivo da linguagem e da identidade são, então, elementos fundamentais

de uma cultura”.

Atualmente, em ambientes acadêmicos ou sociais em que a surdez é o principal

tema, é naturalmente admitido por ouvintes e surdos que estes últimos possuem

uma identidade e uma cultura própria. Para Gesser (2009, p.53), o adjetivo “pró-

pria” sugere a ideia de um “grupo que precisa se distinguir da maioria ouvinte para

marcar sua visibilidade”, garantindo a valorização, a afirmação e o reconhecimento

do grupo.

Mas não é fácil definir o que é cultura surda. Para entender a cultura surda é neces-

sário enxergar o surdo como diferente e não deficiente.

Segundo a pesquisadora surda Gladis Perlin (2004), ser surdo é pertencer a um

mundo de experiência visual e não auditiva. E viver uma experiência visual é ter

como primeira língua a Língua de Sinais, uma língua visual, pertencente a outra

cultura que é também visual. A identidade surda se constrói dentro de uma cultura

visual. Essa é também, a visão de Quadros (2002, p.10), para quem a cultura do

povo surdo “é visual, ela traduz-se de forma visual”.

Se não é fácil definir o que é a cultura surda, podemos mostrar que ela existe e a

214
UNIDADE III - LIBRAS

sua presença pode ser confirmada pelas transformações culturais e cotidianas dos

surdos. Percebe-se que o sujeito surdo está descentrado da cultura dominante e

possui outra cultura.

Ainda de acordo com Perlin (2004), cultura surda é a diferença que contém a prá-

tica social dos surdos e que comunica um significado. É o caso de ser surdo ho-

mem, de ser surda mulher, deixando evidências de identidade, o predomínio da

ordem, por exemplo, o jeito de usar sinais, o jeito de ensinar e de transmitir cultura,

a nostalgia por algo que é dos surdos, o carinho para com os achados surdos do

passado, o jeito de discutir a política, a pedagogia etc.

Para Karin Strobel, outra pesquisadora surda, “cultura surda é o jeito de o sujeito

surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável,

ajustando-o com suas percepções visuais, que contribuem para a definição das

identidades surdas e das ‘almas’ das comunidades surdas” (STROBEL, 2008, p.24).

Mas a existência da cultura surda depende da língua de sinais. A aquisição da

Libras pelo surdo é de extrema importância para o desenvolvimento de uma iden-

tidade pessoal surda. Para acontecer a construção de nossa identidade, como so-

mos seres sociais, precisamos identificar-nos com uma comunidade social espe-

cífica e, com ela, interagir de modo pleno, ou seja, precisamos de uma identidade

215
UNIDADE III - LIBRAS

cultural e, para isso, não basta uma língua e uma forma de alfabetização, mas sim

um conjunto de crenças, conhecimentos comuns a todos.

Durante quase todo o século XX, a Educação dos Surdos teve o oralismo como

ideologia dominante, pensando no surdo pelo modelo médico, no qual ele é tratado

como deficiente, não se pensando na sua diferença linguística.

A educação oferecida aos surdos dava muita importância à oralização, e os edu-

cadores ficavam tão ocupados ensinando os surdos a falarem que não percebiam

a importância da formação da Identidade e Cultura Surda para o Surdo. Assim, a

educação não formava os surdos como cidadãos críticos e muito pouco se discutia

sobre a importância de se buscar a igualdade sem, entretanto, eliminar a diferença.

Os surdos educados no oralismo não se reconheciam como surdos, mas como não

ouvinte, não normal. Eram vistos e obrigados a se verem a partir da perspectiva

do que não podiam fazer, e toda tentativa de formação de identidade cultural era

considerada como uma tentativa de formação de guetos e segregação, sendo,

portanto, desprezada e mesmo proibida.

Isso acontecia porque, para o ouvinte, a surdez significa a perda de comunicação

e, assim, o surdo seria alguém que não poderia fazer parte do mundo ouvinte. Seria

alguém que é menos do que aquele que ouve e precisa ser sempre ajudado. Dessa

216
UNIDADE III - LIBRAS

forma, as escolas e entidades DE ouvintes PARA os surdos sempre basearam suas

ações na filantropia e no assistencialismo.

Quando se fala em identidade e em cultura surda, estamos pensando na surdez

como uma diferença. Primeiro, é preciso entender que diferença não é o contrário

de igualdade. O contrário de igualdade é desigualdade. A diferença não deve ser

entendida como uma coisa que é contrária à normalidade. Entender a surdez como

diferença significa que uma minoria linguística faz uso de outra língua – Língua de

Sinais – e constituem uma comunidade específica.

Entender o surdo como deficiente auditivo é considerar que ele tem uma patologia

e necessita de especialista para aprender a falar e ficar o mais parecido possível

com o ouvinte. Assim, o que se faz é não reconhecer o direito do surdo de ser dife-

rente, é não aceitar a Língua de Sinais, a Cultura e a identidade surdas.

Durante muito tempo se acreditou que a linguagem oral era a única responsável pelo

funcionamento cognitivo humano e a dificuldade encontrada pelos surdos para fa-

lar foi considerada como quase impeditiva do desenvolvimento do pensamento. A

língua de sinais, durante muito tempo, foi confundida com mímica e, assim, estaria

presa ao mundo concreto, não permitindo a compreensão de conceitos abstratos.

Porém, a partir do reconhecimento de que a língua de sinais desempenha para o

217
UNIDADE III - LIBRAS

desenvolvimento cognitivo dos surdos o mesmo papel que a língua oral representa

no dos ouvintes, veio também a compreensão de que a surdez não torna a criança

um ser que tem possibilidades a menos, ou seja, ela tem possibilidades diferentes

e não menores.

É daí que entra em questão um novo fator, pois, junto com uma língua distinta para

os surdos, surge também uma nova cultura, ou seja, junto ao bilinguismo, veio o

biculturalismo, revelando um processo antes ignorado, que é o processo de cons-

trução da identidade cultural surda, uma vez que o surdo tem contato com dois

grupos culturais distintos, o ouvinte e o surdo.

Somente a partir da década de 1980, é que foi entendida a necessidade de reco-

nhecer o verdadeiro valor da cultura e da linguagem surda para o desenvolvimento

cognitivo e da identidade dos surdos.

Existem muitas formas de definir identidade, mas o melhor significado para o caso

dos surdos é o da busca pelo direito de ser surdo. Para Perlin (2004), a influência

do poder ouvintista prejudica a construção da identidade surda. Ela também fala

que a oralização foi imposta aos surdos pelos ouvintes.

Na educação oralista, as crianças surdas eram proibidas de ter contato com sur-

dos adultos que sinalizavam e, como a maioria das crianças surdas são filhas de

218
UNIDADE III - LIBRAS

pais ouvintes, por vontade da família ou mesmo por vontade própria, os surdos

tentavam oralizar e mesmo surdos profundos falavam que ouviam. Não existia uma

identidade definida.

Com o bilinguismo e com o reconhecimento da Libras como uma língua oficial do

Brasil, há contato com os surdos adultos, sinalizadores e todos começam a se

identificar como surdos. Ao sinalizarem e conviverem em um grupo no qual todos

sinalizam, ou seja, na comunidade surda, os surdos não mais querem se parecer

com os ouvintes, agora querem a interpretação das falas dos ouvintes em Libras.

No oralismo, é desenvolvido no surdo o desejo de ouvir e, como tanto o processo

de aquisição da fala, quanto o de treinamento auditivo são complexos, o surdo

sofre muito e fica sempre se sentindo deficiente e incapaz. Na educação oralista,

também se praticava a integração escolar, com os surdos estudando em salas

comuns, sem apoio algum, gerando uma situação de não aprendizagem. O surdo,

então, não apenas se sentia um fracassado, mas também tinha a construção da

sua identidade prejudicada, pois o modelo ideal a ser seguido era o do ouvinte.

Assim, o surdo construía sua identidade em um mundo no qual se via como dife-

rente das outras pessoas, com o estigma de incapacidade e de deficiência. O sur-

do ficava transitando em dois mundos e não se sentia parte de nenhum. Não fazia

219
UNIDADE III - LIBRAS

parte do mundo ouvinte, porque não sabia se comunicar bem e também não par-

ticipava de um mundo surdo porque eram proibidos de usar a língua de sinais. O

estudioso de surdos, Carlos Skliar, chama esse processo de identidade flutuante.

Felizmente, alguns surdos conseguiram sobreviver a toda essa relação de poder, e,

lutaram muito para estabelecer e defender a cultura surda que é fundamental para

a construção da identidade surda. Para isso, no mundo todo, o Movimento Surdo

criou Associações de Surdos como uma resistência contra a cultura dominante,

contra a ideologia ouvintista. Existe uma história de lutas na qual se procura mar-

car, entre os próprios surdos e na sociedade em geral, discussões sobre a língua

de sinais, a cultura e as identidades surdas. Essa luta e as conquistas alcançadas

têm permitido que a cultura surda se fortaleça e, por causa disso, identidades sur-

das são construídas.

Para Perlin (1998, p.52), “[...] a identidade é algo em questão, em construção, uma

construção móvel que pode frequentemente ser transformada ou estar em movi-

mento, e que empurra o sujeito em diferentes posições”. A construção da identi-

dade depende de modelos e da forma como o outro enxerga o sujeito. Assim, é

de fundamental importância defender a cultura surda porque é dentro dela que se

constrói a identidade surda.

220
UNIDADE III - LIBRAS

Não podemos separar a noção de cultura da de grupo e classes sociais, pois cul-

tura é o espaço no qual se dá a luta pela manutenção ou superação das divisões

sociais. Talvez seja por isso, por exemplo, que podemos falar de uma cultura sur-

da. É dentro desse espaço que os sujeitos surdos passam a se identificar como

sujeitos culturais.

O estudo acerca dos surdos mostra que as capacidades do homem de linguagem,

pensamento, comunicação e cultura não se desenvolvem de maneira automática,

não se compõem apenas de funções biológicas, mas também têm origem social

e histórica; essas capacidades são, como diz Sacks (1998), um presente - o mais

maravilhoso dos presentes - de uma geração para outra, o que reforça a importân-

cia do grupo, da cultura surda para a construção da identidade e desenvolvimento

cognitivo do surdo.

A cultura surda começou a expandir-se não somente no âmbito educacional e não

mais apenas como uma língua diferente, mas também por conhecimentos e cren-

ças comuns que auxiliaram na constituição de uma cultura própria. Então, para que

a constituição da identidade dos surdos aconteça de maneira natural, precisamos

mudar nosso entendimento de surdez, de deficiência para o de minoria linguística

e cultural.

221
UNIDADE III - LIBRAS

Apesar da luta constante da comunidade surda pelo respeito e aceitação como

grupo cultural distinto, ainda há uma dificuldade muito grande de desenvolvimento

da inclusão dos surdos com base no respeito a suas diferenças. Há que se consi-

derar, por exemplo, que a maioria das crianças surdas (mais de 90%) possui pais

ouvintes, o que causa maiores dificuldades na construção das identidades, pois

os modelos não estão dentro de casa. Além disso, a dificuldade de comunicação

entre pais e filho surdo causa, às vezes, problemas de ordem social e cognitiva.

Esses problemas poderiam ser minimizados se houvesse, por parte dos familiares

ouvintes, disposição em assumir formas de comunicação e intervenção que con-

siderassem mais as particularidades da surdez do que as dificuldades inerentes à

ausência de audição. Partindo disso, é fundamental que instituições escolares, os

pais, enfim, todos que estão perto da criança surda preocupem-se em entender o

modo pelo qual ela se comunica para que as trocas possam existir de forma satis-

fatória para ambas as partes.

Assim, em função da existência de barreiras na comunicação entre o mundo surdo

e o mundo ouvinte, existem dificuldades para o desenvolvimento cultural; por isso,

é necessário que, para que se construam meios especiais para a sua realização, os

ouvintes conheçam a Libras, por exemplo.

Para entender um pouco sobre como uma cultura domina a outra, um bom exemplo

222
UNIDADE III - LIBRAS

é do Brasil, que foi colonizado por Portugal. Durante a colonização, o Brasil foi

submetido às mais duras pressões políticas e ideológicas no que se refere à ex-

ploração econômica, cultural e, inclusive, linguística, uma vez que, anteriormente

à Língua Portuguesa, a língua tupi-guarani era falada pelos primeiros brasileiros,

os índios. Dentro desse contexto, com a colonização portuguesa no Brasil, foi ne-

cessária a batalha pela Independência em busca do direito a ser uma Nação livre e

dona do seu próprio destino.

O mesmo aconteceu com os surdos. Existe ainda a colonização do ouvinte sobre

o sujeito surdo e, para que tenha sua independência, os ouvintes precisam deixar

de pensar em termos de deficiência auditiva e parar com a imposição da Língua

Portuguesa para o sujeito surdo, entendendo que é possível ser normal mesmo

sem ouvir. Ouvir é uma necessidade de quem ouve.

Atualmente, podemos perceber o fortalecimento da cultura surda pelas transfor-

mações que estão acontecendo na sociedade, como a pedagogia de surdos, o

atual ensino de língua de sinais, a existência do professor de língua de sinais e do

professor surdo, as pesquisas de surdos, os pesquisadores surdos, o modo de

vida das famílias surdas, o estilo de vida surda, o aumento de mulheres surdas que

residem sozinhas etc.

223
UNIDADE III - LIBRAS

Há, ainda, as novas tecnologias, como centrais telefônicas, celular digital, porteiros

luminosos, facilidades para a vida dos surdos. Em algumas cidades, raros lugares

estão fora do alcance da cultura surda e inclusive o preconceito está diminuindo.

Os surdos não mais estão escondidos, estão surgindo novas maneiras de ser sur-

do, com seu modo de comprar, olhar, comunicar, escolher, socializar.

É preciso e necessário, para um adequado desenvolvimento tanto físico quanto

psíquico dos surdos, que os ouvintes deixem de se considerar modelo de normali-

dade e percebam que diferença não significa inferioridade.

Atualmente, buscamos relacionar o processo educacional às experiências culturais

dos surdos, para que seu desenvolvimento alcance maior êxito. Como consequên-

cia, a discussão sobre as formas de atenção às pessoas e aos grupos surdos tem

sido deslocada do campo da educação especial para o campo antropológico, pois

a educação deveria dar acesso aos bens culturais de acordo com as característi-

cas singulares decorrentes da surdez.

Por isso, a inclusão escolar dos surdos precisa ser bem discutida, pois a relação

da surdez com as sociedades culturalmente ouvintes é constituída pelas barreiras

de comunicação e participação. Assim, o campo da surdez pode ser comparado a

uma situação de pobreza, havendo falta de acesso a uma educação de qualidade,

224
UNIDADE III - LIBRAS

a condições dignas de vida, informações adequadas e ao respeito por sua língua,

cultura e identidade.

Importa salientar a diferença das pessoas. Respeitá-las como surdas, índias, nôma-

des, negras, brancas... Importa deixar os surdos construírem sua identidade, assina-

larem suas fronteiras em posição mais solidária do que crítica.

A educação, ainda que já esteja saindo do domínio do oralismo, tem que desapren-

der um grande número de preconceitos, entre eles o de querer fazer do surdo um

ouvinte.

Novas hipóteses podem ser levantadas, novos achados são necessários. Entre eles

sobressai a urgência de dizer que o surdo é sujeito surdo (PERLIN, 1998, p.72).

Além disso, embora seja compreensível que os surdos afirmem a existência de

“uma” cultura, como forma de afirmação coletiva, e é mesmo comum ouvirmos

discursos de oposição à dominação ouvintista defendendo a existência de uma ho-

mogeneidade cultural surda, autores como Skliar (1998) e Gesser (2009) defendem

que existem identidades e culturas surdas.

Pensar o surdo no singular, com uma identidade e uma cultura surda, é apagar a

diversidade e o multiculturalismo que distingue o surdo negro da surda mulher, do

surdo cego, do surdo índio, do surdo cadeirante, do surdo homossexual, do surdo

oralizado, do surdo de lares surdos, do surdo gaucho, do surdo paulista, do surdo

de zonas rurais... (GESSER, 2009, p.55).

225
UNIDADE III - LIBRAS

Ao se considerar então o surdo como alguém que possui uma diferença linguística,

que compartilha com a comunidade surda comportamentos, valores e crenças, se

passa a respeitar as identidades surdas, sendo necessário o estabelecimento de

legislação e a proposta de políticas públicas para a educação do surdo brasileiro,

definidas a partir desta visão socioantropológica do surdo e da surdez.

LEGISLAÇÃO BRASILEIRA REFERENTE À EDUCAÇÃO


DE SURDOS
A palavra lei, de acordo com Reale (2006, p.2), etimologicamente refere-se a liga-

ção, laço, relação, o que se completa com o sentido nuclear de jus, invocando a

ideia de unir, ordenar, coordenar. Mas as leis se destinam às sociedades, donde

se pode concluir que a lei “ordena relações sociais”. Portanto, as leis refletem a

sociedade, e desta forma, são formuladas e reformuladas acompanhando as trans-

formações sociais. Legislação designa o conjunto de leis. Assim, por legislação

brasileira referente à educação de surdos, entendemos o conjunto de leis, de-

cretos, normas, portarias, enfim, qualquer documento jurídico que se destina à

educação dos surdos brasileiros.

Ainda segundo o jurista Reale (2006, p.65), onde quer que haja um fenômeno jurí-

dico, há sempre um fato subjacente; um valor, que confere significado ao fato e

finalmente uma norma, que representa a relação entre o fato e o valor. Isto significa

226
UNIDADE III - LIBRAS

que uma lei pode ser, de maneira bem ampla, entendida como consequência à

valoração conferida pela sociedade a determinado fato.

A evolução da terminologia utilizada para designar o fenômeno surdez na legisla-

ção educacional brasileira ilustra este encadeamento fatovalornorma.

Este é um dos objetivos de se estudar a Legislação: estabelecer relações entre

as concepções de surdez que subjazem abordagens educacionais de determi-

nada época com a terminologia utilizada na legislação educacional que lhes são

contemporâneas.

A legislação além de determinar os direitos e os deveres dos cidadãos, também

pode ser considerada como norteadora das Políticas Públicas.

Só recentemente passamos a ter legislação e políticas públicas destinadas espe-

cificamente aos surdos. A maioria da legislação brasileira referente às garantias

de direitos à educação, saúde, trabalho, acessibilidade etc., não contemplam di-

retamente os surdos, mas sim a totalidade das pessoas com deficiência, inde-

pendentemente de suas particularidades, muitas vezes gerando tensão entre os

diferentes segmentos que constituem esse conjunto de pessoas. O mesmo pode

ser dito em relação às políticas públicas. Atualmente, a legislação sobre surdos no

Brasil é presente e de forma abundante, garantindo a obrigatoriedade da educação

227
UNIDADE III - LIBRAS

especial e da educação inclusiva, por exemplo, e é resultado de uma longa e árdua

caminhada com suas possibilidades enunciativas se transformando à medida que

o fenômeno surdez se tornava mais bem compreendido.

Apresentamos, a seguir, trechos ou comentários acerca da legislação educacional

brasileira que contempla os direitos dos surdos, particularmente as referentes à

Educação, começando pela Constituição Federal de 1988, que é considerada um

marco no que se refere aos direitos humanos no Brasil, até o Decreto 7.611, de

2011, o mais recente, passando pelo Decreto 5626, de 2005, responsável pela in-

clusão da disciplina de Libras nos currículos dos cursos de licenciatura.

Como já afirmamos anteriormente, só recentemente passamos a ter uma legislação

específica para os surdos, embora, a legislação referente à Educação Especial seja

anterior à Constituição Federal de 1988.

Constituição Federal de 1988

A Constituição Brasileira de 1988 é considerada uma das mais avançadas do mun-

do no que se refere aos Direitos Humanos, pois busca contemplar as especifici-

dades referentes a gênero, raça, cor, idade e deficiência mediante a garantia de

direitos específicos e diferenciados.

228
UNIDADE III - LIBRAS

Art. 208: III – Atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,

preferencialmente na rede regular de ensino;

IV – 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público e subjetivo.

V – Acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação artística,

segundo a capacidade de cada um.

Além desses artigos, de caráter geral sobre a educação, a Constituição de 1988,

assegura os direitos dos surdos a uma educação diferenciada uma vez ao garantir

o direito à diferença cultural dos brasileiros, conforme estabelecido no artigo 215:

“Art. 215: o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e

acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difu-

são das manifestações culturais”.

Para Perlin e Strobel (2006) é este artigo 215 que fundamenta a proposta de edu-

cação bilíngue que preserve a cultura surda.

O fato de que o surdo é um sujeito que produz cultura baseada na experiência vi-

sual requer uma educação fundamentada nesta sua diferença cultural. Com isto a

Constituição que assegura o direito a diferentes expressões culturais no povo brasi-

leiro, faz antever a necessidade de serem respeitados os direitos culturais dos sur-

dos. Para tanto já há uma série de legislações em relação à educação do surdo, bem

como em outros espaços sociais onde o surdo interage adquirindo o conhecimento,

garantindo sua fundamentação cultural (PERLIN; STROBEL, 2006, p.42).

229
UNIDADE III - LIBRAS

Lei nº 7.853 de 1989


Nesta lei há previsão de matrícula compulsória (obrigatória) em cursos regulares de

estabelecimentos públicos e particulares de pessoa portadora de deficiência capaz

de se integrar no sistema regular de ensino, constituindo crime recusar, suspender,

adiar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabe-

lecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos

derivados da deficiência que este porta.

A terminologia adotada aqui, não especifica as diferenças entre as deficiências,

porque, até então, a abordagem educacional que predominava na educação de

surdos era o oralismo, que entende a surdez como deficiência. Assim, ao não se

considerar surdez como diferença, os surdos eram considerados no conjunto das

demais deficiências.

Na década de 1990 alguns eventos marcaram o Brasil e o mundo no que se re-

fere a legislação e políticas públicas educacionais para pessoas com deficiência.

Estes eventos foram a Conferência Mundial de Educação para Todos em Jontien,

na Tailândia em 1990 e a Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas

Especiais, realizada em 1994, na cidade de Salamanca na Espanha.

Na década de 1990 ganha força o discurso de “educação para todos”, de igualdade

230
UNIDADE III - LIBRAS

de oportunidades e de universalização do ensino que acaba por incluir as pessoas

com deficiência, de onde surge a proposta de educação na diversidade e, final-

mente, a educação inclusiva.

Este movimento foi desencadeado pela Conferência Mundial de Educação para

Todos, ocorrida em 1990, em Jontien, na Tailândia, organizada pelos organis-

mos internacionais UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação,

Ciência e Cultura, UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância, PNUD –

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e Banco Mundial.

Declaração de Salamanca de 1994


Em junho de 1994 foi realizada na cidade de Salamanca uma Conferência Mundial

sobre Necessidades Educativas Especiais, na qual estiveram representados no-

venta e dois países e vinte e cinco Organizações Internacionais (o Brasil não partici-

pou) e, ao final foi elaborado um documento que ficou conhecido como Declaração

de Salamanca, em que se reafirmava o compromisso em prol da Educação para

Todos, reconhecendo a necessidade e a urgência de garantir a educação para as

crianças, jovens e adultos com necessidades educativas especiais no quadro do

sistema regular de educação. O Brasil, não assinou essa Declaração, mas segue

231
UNIDADE III - LIBRAS

muitos dos princípios, política e práticas na área das necessidades educativas es-

peciais nela estabelecidos.

Destacamos:

Nº 15: A educação integrada e a reabilitação apoiada pela comunidade representam

dois métodos complementares de ministrar o ensino a pessoas com necessidades

educativas especiais. Ambas se baseiam no princípio da integração e participação e

representam modelos bem comprovados e muito eficazes em termos de custo para

fomentar a igualdade de acesso das pessoas com necessidades educativas espe-

ciais, que faz parte de uma estratégia nacional cujo objetivo é conseguir a educação

para todos.

Lei 9.394 de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Brasileira2
Essa lei define as diretrizes para educação nacional brasileira e, no que se refere

aos educandos com necessidades especiais estabelece que:

Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a

garantia de:

III – atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiên-

cia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação,

2 Com as alterações realizadas pela Lei nº 12.796, de 04-04-2013.

232
UNIDADE III - LIBRAS

transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede re-

gular de ensino;

Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade

de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para

educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habili-

dades ou superdotação.

§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular,

para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.

§ 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços espe-

cializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for

possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.

§ 3º A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na

faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil.

Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência, trans-

tornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação:

I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos,

para atender às suas necessidades;

II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido

para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e ace-

leração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados:

233
UNIDADE III - LIBRAS

III – professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para

atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados

para a integração desses educandos nas classes comuns;

IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em

sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade

de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais

afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas

artística, intelectual ou psicomotora;

V – acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponí-

veis para o respectivo nível do ensino regular.

Art. 60: Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de

caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com

atuação exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro

pelo Poder Público.

Parágrafo Único: O poder público adotará, como alternativa preferencial, a amplia-

ção do atendimento aos educandos com deficiência, transtornos globais do desen-

volvimento e altas habilidades ou superdotação na própria rede pública regular de

ensino, independentemente do apoio às instituições previstas neste artigo.

Se observa aqui uma variação de terminologia: na Constituição de 1988 e na Lei nº

7.853 de 1989, a denominação utilizada é pessoa portadora de deficiência, en-

quanto que na LDB de 1996, embora se considere os sujeitos a partir de suas de-

ficiências, a denominação utilizada é educandos com necessidades especiais,

234
UNIDADE III - LIBRAS

conforme estabelecido na Declaração de Salamanca. Entretanto, com as altera-

ções promovidas pela Lei nº 12.796, de 04-04-2013, temos a especificação para

“educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habi-

lidades ou superdotação”.

O que fica claro é que, apesar desta Lei de Diretrizes e Bases ser posterior à

Declaração de Salamanca, ela não se organiza pelo princípio da inclusão, do res-

peito à diferença, que no caso dos surdos é linguística e sim, em termos de inte-

gração, de ofertar educação às pessoas com necessidades educativas especiais,

preferencialmente nas escolas comuns, no sistema regular de ensino, sem previsão

de intérpretes, o que só vai acontecer, pela primeira vez em 1999, com a Portaria

1.678/99 do MEC.

Portaria MEC – nº 1.678/99


Considerando a necessidade de assegurar aos portadores de deficiência física e

sensorial condições básicas de acesso ao ensino superior, de mobilidade e de

utilização de equipamentos e instalações das instituições de ensino, o MEC dispõe

sobre os requisitos de acessibilidade a pessoas portadoras de deficiência para ins-

truir processos de autorização e de reconhecimento de cursos e credenciamento

235
UNIDADE III - LIBRAS

de instituições de ensino superior. A partir dessa portaria, para que uma Instituição

de Ensino Superior pudesse ter autorização de funcionamento para qualquer cur-

so de graduação e mesmo o reconhecimento de cursos já autorizados, uma das

condições a ser cumprida são as condições de acesso (concurso vestibular) e de

permanência de pessoas com deficiência nos cursos superiores. Em seu artigo 2º

estabelece quais seriam tais condições e na alínea c) trata dos deficientes auditivos

(denominação ainda referente ao modelo médico e ao predomínio do oralismo).

Art. 2º. A Secretaria de Educação Superior deste Ministério, com o apoio técnico da

Secretaria de Educação Especial, estabelecerá os requisitos tendo como referên-

cia à Norma Brasil 9050, da Associação Brasileira de Normas Técnicas, que trata

da Acessibilidade de Pessoas Portadoras de Deficiências e Edificações, Espaço,

Mobiliário e Equipamentos Urbanos.

Parágrafo único. Os requisitos estabelecidos na forma do caput, deverão contem-

plar, no mínimo: c) para alunos com deficiência auditiva

- Compromisso formal da instituição de proporcionar, caso seja solicitada, desde o

acesso até a conclusão do curso, sala de apoio contendo:

- quando necessário, intérpretes de língua de sinais/língua portuguesa, especialmen-

te quando da realização de provas ou sua revisão, complementando a avaliação ex-

pressa em texto escrito ou quando este não tenha expressado o real conhecimento

do aluno;

- flexibilidade na correção de provas escritas, valorizando o conteúdo semântico;

236
UNIDADE III - LIBRAS

- aprendizado da língua portuguesa, principalmente na modalidade escrita (para

uso de vocabulário pertinente às matérias do curso em que o estudante estiver

matriculado);

- materiais de informações aos professores para que se esclareça a especificidade

linguística dos surdos.

Percebe-se nesta Portaria que, apesar de as expressões deficiente auditivo e

surdo serem tratadas como sinônimos, já são possíveis de serem observados dois

grandes avanços: o reconhecimento da especificidade linguística e a dificuldade

com a Língua Portuguesa dos surdos, particularmente na modalidade escrita.

Lei Federal nº 10.098, de 2000

Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade

das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante a

supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliá-

rio urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de

comunicação.

Entende-se por acessibilidade, a possibilidade e condição de alcance para uti-

lização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos

237
UNIDADE III - LIBRAS

urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação,

por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida. A Constituição

Federal assegura o direito de integração social da pessoa portadora de deficiência

e isso, significa também, o acesso às informações, a possibilidade de locomoção

e a eliminação de barreiras arquitetônicas.

Portanto, para esta Lei, acessibilidade não se refere apenas ao direito de ir e vir,

mas também, ao direito à informação e comunicação. Ela é que garante as trans-

crições em Braille e o direito ao intérprete de libras.

O Artigo 17 desta lei explica que o Poder Público deverá promover a eliminação de

barreiras na comunicação e estabelecer mecanismos e alternativas técnicas que

tornem acessíveis os sistemas de comunicação para garantir o direito de acesso à

informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao

esporte e ao lazer.

É importante destacar o capítulo VII, artigos 17, 18 e 19, que trata especificamente

da acessibilidade nos sistemas de comunicação e sinalização, e aborda o direito

à informação das pessoas surdas, que nesta lei são denominadas de deficien-

tes auditivos. Além disso, a lei 10 098, apesar de desde 1960, com os estudos

de Stokoe, já estar devidamente comprovado o status linguístico das línguas de

238
UNIDADE III - LIBRAS

sinais, ou seja, de que elas são “língua”, verdadeiros idiomas e não “linguagem”,

nesta lei ainda se menciona “linguagem de sinais”. Há portanto, um avanço ao se

reconhecer que acessibilidade não se refere apenas ao direito de ir e vir, mas tam-

bém acesso à informação, se reconhece que existem pessoas no Brasil que não

têm acesso à informação mediante à Língua Portuguesa, mas ainda o documento

legal utiliza terminologias que a Ciência já havia superado.

Art. 18. O Poder Público implementará a formação de profissionais intérpretes de

escrita em braile, linguagem de sinais e de guias-intérpretes, para facilitar qualquer

tipo de comunicação direta à pessoa portadora de deficiência sensorial e com difi-

culdade de comunicação.

Art. 19. Os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens adotarão plano de

medidas técnicas com o objetivo de permitir o uso da linguagem de sinais ou outra

subtitulação, para garantir o direito de acesso à informação às pessoas portadoras

de deficiência auditiva, na forma e no prazo previstos em regulamento.

Em 2002, a primeira legislação educacional com características realmente

inclusivas!

239
UNIDADE III - LIBRAS

Lei Federal nº 10 436, de 24 de abril de 2002


Esta lei oficializou a Língua Brasileira de Sinais – Libras. A partir dessa lei, não mais

se escreve a palavra libras com todas as letras maiúsculas como se fazia anterior-

mente, quando ela representava uma sigla: LIngua BRAsileira de Sinais – LIBRAS.

Nessa lei também estão estabelecidas as condições que caracterizam uma escola

inclusiva para surdos.

A essência das disposições federais contidas nessa lei está distribuída em quatro

artigos:

Art. 1º: É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua

Brasileira de Sinais – Libras e outros recursos de expressão a ela associados.

Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais Libras a forma de

comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora,

com estrutura gramatical própria, constitui um sistema lingüístico de transmissão de

idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.

Art. 2º Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas, conces-

sionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão

da Língua brasileira de Sinais -- Libras como meio de comunicação objetiva e de

utilização corrente das comunidades surdas do Brasil.

Art. 3º As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos

de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos

240
UNIDADE III - LIBRAS

portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor.

Art. 4º O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, muni-

cipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de

educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e su-

perior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais -- Libras, como parte integrante dos

Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, conforme legislação vigente.

Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais (Libras) não poderá substituir a moda-

lidade escrita da língua portuguesa.

A Lei nº 10.436/2002 marca o início de uma nova e promissora era no que diz res-

peito à pessoa surda, sua capacidade, identidade e formação. Esta lei reconhece

não somente que a LIBRAS é uma Língua e que como tal deve ser respeitada,

mas que a comunidade surda, sua cultura e sua identidade também devem ser

respeitadas.

As leis da acessibilidade, de 2000 e a da libras, de 2002 foram regulamentadas pelo

Decreto nº 5.626 de 2005.

Decreto Federal nº 5.626 de 2005


Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda

auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais,

241
UNIDADE III - LIBRAS

manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais

- Libras.

O Decreto 5.626 estabelece o que é preciso fazer para que a abordagem bilíngue

seja adotada nas escolas públicas e particulares do país. O Decreto define que

escola ou classe bilíngue são aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da

Língua Portuguesa sejam as línguas utilizadas no ensino. Também é este Decreto

que torna obrigatório o ensino de libras para os futuros professores e para os fono-

audiólogos. Destacamos, a seguir, de forma resumida, a essência das disposições

contidas no Decreto 5.626.

A Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de for-

mação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior,

e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas,

do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios.

Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso

normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de

Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profis-

sionais da educação para o exercício do magistério.

242
UNIDADE III - LIBRAS

A Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais cursos de

educação superior e na educação profissional, a partir de um ano da publicação

deste Decreto.

Para dar condições de cumprir as exigências contidas no Decreto nº 5626, o

MEC criou os cursos de Licenciatura em Libras, na modalidade a Distância em

Universidades Públicas. Foram criados, inicialmente em 2006, nove polos, que

em 2008 foram ampliados, totalizando hoje, 16 cursos de Licenciatura em Libras

em todo Brasil. Nesses cursos, ministrados totalmente em libras, os estudantes

surdos têm prioridade nos concursos vestibulares, ou seja, só são abertas vagas

para ouvintes, quando não existirem candidatos surdos aprovados nos concursos

vestibulares.

O Decreto nº 5.262 estabelece ainda que as instituições federais de ensino devem

garantir, obrigatoriamente, às pessoas surdas acesso à comunicação, à informa-

ção e à educação nos processos seletivos, nas atividades e nos conteúdos curricu-

lares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidades de educação, desde

a educação infantil até à superior.

Devem ainda garantir o atendimento às necessidades educacionais especiais de

alunos surdos, desde a educação infantil, nas salas de aula e, também, em salas

243
UNIDADE III - LIBRAS

de recursos, em turno contrário ao da escolarização; apoiar, na comunidade esco-

lar, o uso e a difusão de Libras entre professores, alunos, funcionários, direção da

escola e familiares, inclusive por meio da oferta de cursos; adotar mecanismos de

avaliação coerentes com aprendizado de segunda língua, na correção das provas

escritas, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade linguís-

tica manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa; desenvolver e adotar

mecanismos alternativos para a avaliação de conhecimentos expressos em Libras,

desde que devidamente registrados em vídeo ou em outros meios eletrônicos e

tecnológicos; disponibilizar equipamentos, acesso às novas tecnologias de infor-

mação e comunicação, bem como recursos didáticos para apoiar a educação de

alunos surdos ou com deficiência auditiva.

As instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica devem ga-

rantir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva, por meio da orga-

nização de:

escolas e classes de educação bilíngue, abertas a alunos surdos e ouvintes,

com professores bilíngues, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino

fundamental;

escolas bilíngues ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos

244
UNIDADE III - LIBRAS

surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou

educação profissional, com docentes das diferentes áreas do conhecimento, cien-

tes da singularidade linguística dos alunos surdos, bem como com a presença de

tradutores e intérpretes de Libras - Língua Portuguesa.

Os alunos surdos têm o direito à escolarização em um turno diferenciado ao do

atendimento educacional especializado para o desenvolvimento de complementa-

ção curricular, com a utilização de equipamentos e tecnologias de informação. Isto

deve ser garantido também para os alunos não usuários da Libras.

Decreto 7.611, de 2011


A promulgação deste decreto contou com intensa participação da comunidade

surda, mediante a FENEIS, seu órgão representativo. Este decreto estabelece

as diretrizes que normatizam o dever do Estado para com a população-alvo da

educação especial, garantindo a manutenção de apoio técnico e financeiro pelo

Poder Público às escolas especializadas, que estavam sob a iminência de extinção

em função da proposta inclusiva. O Decreto, no parágrafo 2º do artigo 1º garante

todas as diretrizes e princípios dispostos no decreto 5626 de 2005.

245
UNIDADE III - LIBRAS

AS POLÍTICAS PÚBLICAS REFERENTES À EDUCAÇÃO


DE SURDOS3
Política pública é a forma de concretizar a ação do Estado. Ela revela as intenções

de mudança social dos governantes, estabelece diretrizes para investimento de

recursos e determina quais setores serão privilegiados pelo governo. Por políticas

públicas destinadas à educação do surdo brasileiro, entendemos quais são as me-

tas, o planejamento, as ações que o governo (entendido aqui como Poder Público

Federal, Estadual e Municipal) pretende desenvolver para concretizar a educação

de surdos.

Da mesma forma do que acontece com a legislação, muitas dessas políticas não

se referem diretamente aos surdos, mas sim respondem ao conjunto dos denomi-

nados Portadores de Deficiência.

A primeira política pública para a educação dos surdos em nosso país pode ser

considerada a Decisão Imperial de 26 de setembro de 1857, quando o governo

de D. Pedro II cria o Instituto Nacional de Surdos-Mudos no Rio de Janeiro, atual

Instituto Nacional de Educação do Surdo (INES), que adotava a língua de sinais.

Essa escola foi fundada por Ernest Huet – professor surdo francês que chegou ao

3 Esta parte do texto está baseada em Nogueira, Nogueira e Carneiro (2010).

246
UNIDADE III - LIBRAS

Brasil com o objetivo de aqui iniciar a educação dos surdos. Porém, seguindo a

tendência determinada pelo Congresso de Milão (1880), em 1911, o INES estabe-

leceu o oralismo como método de educação dos surdos. Atualmente a filosofia

educacional adotada pelo INES é o bilinguismo.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 na qual, em diferentes ar-

tigos, são garantidos os direitos das pessoas com deficiência foram propostas

políticas para que a atuação dos diferentes órgãos governamentais pudesse estar

em conformidade com os dispositivos constitucionais.

As Constituições Federal e Estaduais garantem à criança e ao adolescente com

deficiência atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede re-

gular de ensino. Vamos destacar aqui, a exemplo do que fizemos no texto anterior,

em relação à legislação, apenas o que de mais relevante foi formulado a partir da

Constituição Federal de 1988.

247
UNIDADE III - LIBRAS

Decreto 914 de 1993


Este Decreto estabelece as diretrizes da Política Nacional para a Integração da

Pessoa Portadora de Deficiência, a saber:

Art. 5º - III incluir a pessoa portadora de deficiência, respeitadas as suas peculiari-

dades, em todas as iniciativas governamentais relacionadas à educação, à saúde,

ao trabalho, à edificação pública, à previdência social, à assistência social, ao trans-

porte, à habitação, à cultura, ao esporte e ao lazer.

Política Nacional de Educação Especial de 1994


Nesse documento, aparecem, pela primeira vez de forma explícita, propostas de

apoio à “utilização da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), na educação de alunos

surdos” e “incentivo à oficialização da Libras”.

Atualmente, mediante a Política Nacional de Educação, como orientação para o

encaminhamento do trabalho educacional no país, é definido como importante o

ensino da Libras para crianças surdas, e o início da construção de uma proposta

bilíngue.

248
UNIDADE III - LIBRAS

Lei nº 10.172/01 – Plano Nacional de Educação


O Plano Nacional de Educação estabelece vinte e sete objetivos e metas para a

educação das pessoas com necessidades educativas especiais. Sinteticamente,

essas metas tratam:

Do desenvolvimento de programas educacionais em todos os municípios – inclu-

sive em parceria com as áreas de saúde e assistência – visando à ampliação da

oferta de atendimento desde a educação infantil até a qualificação profissional dos

alunos;

Das ações preventivas na área visual e auditiva, até a generalização do atendimen-

to aos alunos na educação infantil e no ensino fundamental;

Do atendimento extraordinário em classes e escolas especiais ao atendimento pre-

ferencial na rede regular de ensino; e

Da educação continuada dos professores que estão em exercício à formação em

instituições de ensino superior.

O Plano Nacional de Educação de 2001 indica, ainda, como meta capacitar pesso-

as para dar atendimento aos educandos especiais e como meta nº 11: Implantar,

em cinco anos, e generalizar, em dez, o ensino da Língua Brasileira de Sinais para

249
UNIDADE III - LIBRAS

alunos surdos e, sempre que possível, para seus familiares e para o pessoal da

unidade escola, mediante um programa de formação de monitores, em parcerias

com organizações não governamentais.

Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos - 2001


No cenário de reformas e propostas educacionais temos o Programa Nacional de

Apoio à Educação de Surdos que foi o resultado de uma proposição da SEESP/

MEC e Secretarias de Estado da Educação e Secretarias Municipais de Educação

(das capitais) visando à melhoria da educação de alunos surdos matriculados no

Ensino Fundamental. Um de seus focos de trabalho foi a formação de professores

ouvintes para o uso da Libras.

O Programa Nacional de Apoio à Educação dos Surdos buscava atender aos 50 mil

estudantes surdos matriculados no Ensino Fundamental naquele momento, com-

posto de 3 metas:

Organizar cursos de capacitação para profissionais da educação – subdividida em

3 etapas; a primeira, a ser realizada em Brasília, consistia no curso de instrutores

surdos); a segunda, a ser realizada nos estados, consistia no curso de língua de

sinais para professores da rede pública e no curso de língua de sinais para novos

250
UNIDADE III - LIBRAS

instrutores e a terceira, a ser realizada no INES, em curso de intérprete de línguas

de sinais para professores da rede pública (a curto prazo).

Implantar o centro de apoio à capacitação dos profissionais e à educação de sur-

dos CAP a ser cumprida a médio prazo.

Modernizar as salas de recursos para atendimento dos surdos (a médio prazo).

Como resultado material deste Programa, foi produzido pelo MEC, em conjunto

com pesquisadores e com a FENEIS – Federação Nacional de Escolas e Instituições

de Surdos, o material didático “LIBRAS em Contexto”, composto de livro do aluno,

livro do professor e fitas de vídeo, que foi o primeiro material de características

oficiais para o ensino de libras do Brasil.

Junto com o Programa de Apoio o MEC enviou um documento denominado

Diretrizes para a Educação de Surdos, datado de 20/03/2001, contendo alguns

conceitos como os de surdo, surdez e educação de surdos, como subsídios para

a adoção do bilinguismo.

A lei de Acessibilidade (Lei Federal nº 10.098) também acompanhava o Programa

Nacional de Apoio à Educação de Surdos.

251
UNIDADE III - LIBRAS

Política Nacional de Educação Especial de 2008


Na Política Nacional de Educação Especial, na perspectiva inclusivista, de 2008 o

MEC reconhece que as dificuldades enfrentadas nos sistemas de ensino evidenciam

a necessidade de confrontar as práticas discriminatórias e criar alternativas para su-

perá-las e, assim, a educação inclusiva assume espaço central no debate acerca da

sociedade contemporânea e do papel da escola na superação da lógica da exclusão.

De acordo com a PNEE (2008), a educação especial se organizou tradicionalmente

como atendimento educacional especializado substitutivo ao ensino comum, evi-

denciando diferentes compreensões, terminologias e modalidades que levaram a

criação de instituições especializadas, escolas especiais e classes especiais. Essa

organização, fundamentada no conceito de normalidade/anormalidade, determina

formas de atendimento clínico terapêuticos fortemente ancorados nos testes psi-

cométricos que definem, por meio de diagnósticos, as práticas escolares para os

alunos com deficiência.

Assim, considerando os referenciais para a construção de sistemas educacionais

inclusivos, a organização de escolas e classes especiais passa a ser repensada,

implicando uma mudança estrutural e cultural da escola para que todos os alunos

tenham suas especificidades atendidas.

252
UNIDADE III - LIBRAS

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva

tem como objetivo assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, trans-

tornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando

os sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular, com participação,

aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino; transversalidade

da modalidade de educação especial desde a educação infantil até a educação su-

perior; oferta do atendimento educacional especializado; formação de professores

para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação

para a inclusão; participação da família e da comunidade; acessibilidade arquitetô-

nica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e informação; e articula-

ção intersetorial na implementação das políticas públicas.

De maneira geral, o que esta PNEE preconiza é o fim das escolas especializadas,

ao propor que todos os alunos devem ter sua escolaridade efetivada nas escolas

regulares comuns, na perspectiva inclusiva. Esta “determinação” provocou uma

reação dos surdos, expressa em uma carta aberta ao Ministro da Educação, em

que defendem a manutenção das escolas especializadas.

O resumo da legislação e das políticas públicas aqui apresentado teve a intenção

de informar o(a) futuro(a) professor(a) e de destacar que, atualmente, são muitas

as ações governamentais que buscam melhorar a educação dos surdos e por isso

253
UNIDADE III - LIBRAS

já podemos imaginar em um futuro, não muito longe, um mundo onde a diferença

linguística, não seja mais considerada uma deficiência, mas como uma coisa parti-

cular que não diminui a pessoa surda.

DESCONSTRUINDO CRENÇAS SOBRE O SURDO


E A SURDEZ
Com a promulgação da Lei Federal nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que oficiali-

zou a Língua Brasileira de Sinais – Libras – e do Decreto Federal nº 5.626 de 2005,

os licenciandos, que se sentem coagidos a aprender tão exótica língua, os demais

universitários, as crianças ouvintes e seus familiares, que passam a conviver com

a presença do surdo e seu intérprete em sala de aula, os professores da escola

inclusiva, enfim, toda a comunidade foi tomada de surpresa, em função da rapidez

com que as mudanças aconteceram.

Como o desconhecimento sobre o assunto ainda é grande, surgem especulações

a respeito dessa diferente comunidade que, associadas ao longo período de he-

gemonia do oralismo, estabeleceram o que Reily (2004) denominou de “mitos” e

Gesser (2009) identificou como crenças e preconceitos acerca da surdez, do surdo

e da Libras.

254
UNIDADE III - LIBRAS

Muitas dessas dúvidas existem também entre professores e demais profissionais

que atuam com surdos, afinal, depois de mais de um século de oralismo, é natural

indagar se o surdo precisa ser oralizado para se integrar ao mundo ouvinte ou se a

língua de sinais atrapalha a oralização, por exemplo.

Se quando pensamos, falamos com a gente mesmo, como pensa o surdo?

De fato, o pensamento da pessoa ouvinte tem som! Basta pensarmos no nosso

nome, por exemplo, e este nome se apresenta em nossa mente, de maneira so-

nora. No caso do surdo, como ele organiza visualmente seu pensamento, este se

efetiva por imagens, como em uma projeção de slides. No entanto, para estudar,

raciocinar ou meditar, é comum que eles “falem com as mãos”, em uma espécie de

tricô invisível. Algumas vezes, ao realizarem uma caminhada solitária, o surdo fica

“sinalizando”, falando sozinho, da mesma forma que os ouvintes falam sozinhos e

muitas vezes, falando alto!

Surdo, surdo-mudo ou deficiente auditivo?

Apesar de aparentemente não ter importância a denominação ou a palavra escolhi-

da para designar um único ou um grupo de indivíduos, o modo como designamos

255
UNIDADE III - LIBRAS

um indivíduo revela nossa concepção da pessoa, grupo ou fenômeno a que nos re-

ferimos. Usar corretamente os termos técnicos não é uma questão sem importân-

cia, se desejamos falar ou escrever construtivamente em uma perspectiva inclusiva

sobre seres humanos. A terminologia correta é especialmente importante quando

falamos de assuntos que envolvem pessoas com deficiência, as quais, tradicional-

mente, sofrem preconceitos.

As palavras utilizadas para designar as pessoas ou as deficiências acompanham

os valores de cada sociedade e época, passando a ser incorretas quando esses

valores e conceitos vão sendo substituídos por outros, exigindo o uso de outras

terminologias. Na maioria das vezes, as “novas” palavras já existem na língua fala-

da e escrita, mas passam a significar uma coisa nova.

O maior problema decorrente do uso de termos incorretos é que podemos, mes-

mo sem intenção, reforçar ou mesmo perpetuar conceitos ultrapassados, ideias

equivocadas e informações inexatas. É comum entre as pessoas, por exemplo, a

utilização da expressão surda-muda para designar a pessoa surda.

Quando se refere ao surdo, a palavra muda não corresponde à realidade desse

sujeito, pois ele não é mudo, no sentido de possuir comprometimentos no sistema

fonoarticulatório, mas a maioria das vezes, a pessoa surda ou com deficiência au-

ditiva não fala porque não consegue aprender, pois não possui o feedback auditivo.

256
UNIDADE III - LIBRAS

A palavra “surdo” é a mais adequada porque permite compreender melhor a sur-

dez, tanto no que se refere à sua condição orgânica como social. Além disso, é a

autodenominação escolhida pelos próprios surdos, que desejam ser aceitos não

como pessoas deficientes, ou seja, como “ouvintes” que têm ausência da audição,

mas como pessoas que têm muito mais de igual do que de diferente, pessoas

igualmente capazes e que se diferenciam dos ouvintes por desenvolverem sua

linguagem utilizando recursos de natureza viso-motora.

Da mesma forma que um ambiente físico não adaptado, sem rampas ou elevado-

res, pode aumentar a deficiência de um cadeirante, não é, em geral, a limitação

biológica e sim as relações sociais e culturais que determinam a limitação de uma

pessoa com deficiência, ou, de acordo com Laborrit (1994), é a sociedade que tor-

na os indivíduos deficientes.

Dessa forma, olhada pelo viés cultural, a surdez definitivamente não é uma defici-

ência. “A surdez como deficiência pertence a uma narrativa assimétrica de poder

e saber: uma “invenção/produção” do grupo hegemônico que, em termos sociais,

históricos e políticos, nada tem a ver com a forma como o grupo se vê ou se repre-

senta” (GESSER, 2009, p.67).

257
UNIDADE III - LIBRAS

O surdo pode aprender a falar?

Alguns sim, mas este é um longo e complexo processo para aqueles com uma

perda auditiva severa. Vamos estabelecer aqui a definição e classificação de sur-

dez segundo o modelo médico, para que possamos compreender as dificuldades

inerentes ao processo.

Surdez ou deficiência auditiva: é a perda total ou parcial, congênita ou adquirida da

capacidade de compreender a fala por meio do ouvido. Manifesta-se como:

Surdez leve/moderada: perda auditiva de até 70 decibéis que dificulta, mas não

impede a pessoa de se expressar oralmente, bem como de perceber a voz huma-

na como ou sem a utilização de um aparelho auditivo. Se a perda for de até 40

decibéis, a pessoa já não percebe os fonemas da mesma forma, isto altera a com-

preensão das palavras; voz fraca e distante não é ouvida. A criança é considerada

desatenta, e vai apresentar dificuldade na aquisição da linguagem, na leitura e na

escrita. Precisa de acompanhamento, e sua tarefa pode ser facilitada com o uso de

aparelhos de amplificação sonora individual, os AASI. Se a perda se situar entre 40

e 70 decibéis o surdo percebe a voz humana com certa intensidade, pode ocorrer

atraso na linguagem e alteração articulatória. Discriminação difícil em lugares rui-

dosos e necessita de AASI.

258
UNIDADE III - LIBRAS

Surdez severa/profunda: perda auditiva acima de 70 decibéis, o que impede a

pessoa de entender, com ou sem aparelho auditivo, a voz humana, bem como

de adquirir, naturalmente, o código da língua oral, pois não há feedback auditivo.

Precisa de pistas visuais e de métodos, recursos didáticos e equipamentos espe-

ciais para correção e desenvolvimento da fala e da linguagem.

Assim, o trabalho para a aquisição da fala deve ser iniciado assim que se descobre

a surdez da criança. Atualmente, com o “teste da orelhinha”, seria desde o seu

nascimento. A educação oral deve começar no lar, exigindo a dedicação de todas

as pessoas que convivem com a criança, especialmente a mãe, durante todas as

horas de cada dia do ano. O trabalho de aquisição da fala ou educação oral neces-

sita de fonoaudiólogos e pedagogos especializados para atender ao aluno, orientar

e acompanhar a ação da família. A educação oral requer equipamentos especiali-

zados como o aparelho de amplificação sonora individual.

Entretanto, as pesquisas apontam que crianças com perda auditiva profunda, mes-

mo atendendo à risca as orientações para aprender a falar, realizando incansavel-

mente exercícios de voz e de articulação, em sua grande maioria, não conseguem

desenvolver a fala com fluência.

Enfim, a aquisição da Língua Portuguesa oral depende do grau e natureza da perda

auditiva, do bom uso dos resíduos auditivos proporcionados pelo AASI e do apoio

259
UNIDADE III - LIBRAS

de profissionais e da família. No entanto, também os AASI não são “mágicos”, isto é,

não basta protetizar a criança (colocar o aparelho). É necessário ensiná-la a ouvir. E

de novo se precisa de recursos, métodos e profissionais especializados para realizar

o treinamento auditivo. Um aparelho auditivo que é colocado sem o devido treinamen-

to, mesmo que esteja dentro das especificidades das necessidades da criança, pode

inclusive prejudicar a criança, que vai passar a receber uma intensidade de estímulos

sonoros simultâneos que precisam ser inicialmente identificados para que, em segui-

da, ela selecione aqueles aos quais vai direcionar sua atenção auditiva. Portanto, nem

sempre o uso do aparelho auditivo permite que a criança escute a voz humana, mesmo

que a escute e que faça o uso correto desta informação, pois “os aparelhos não atuam

na decodificação instantânea da linguagem apenas ao serem agregados ao ouvido,

do mesmo modo que uma pessoa completamente cega, por exemplo, não passa a

enxergar utilizando óculos ou lentes de grau” (GESSER, 2009, p.75).

O implante coclear, muitas vezes apresentados pela mídia em matérias carrega-

das de emoção, ainda é visto com muita desconfiança pelos surdos, familiares e

profissionais, pois a recuperação da surdez não depende apenas do sucesso da

intervenção cirúrgica, mas de inúmeras variáveis, como a idade do surdo, tempo

de surdez, condições do nervo auditivo, época de instalação da surdez, adaptação

anterior ao AASI, trabalho com fonoaudiólogo etc.

260
UNIDADE III - LIBRAS

Mas o que é preciso ficar claro é que os surdos, mesmo com surdez profunda,

podem apresentar uma comunicação oral funcional, desde que se submetam aos

procedimentos adequados e, principalmente, se assim o desejarem.

Todos os surdos fazem leitura labial?

Engana-se quem pensa que a leitura labial é uma capacidade inerente ao surdo.

Pelo contrário, da mesma forma que para desenvolver a fala são necessários trei-

nos exaustivos e árduos, adquirir a leitura labial também depende de treinos seme-

lhantes. Por não ser uma técnica adquirida naturalmente, ela é aprendida mediante

o auxílio de profissionais especializados, como o fonoaudiólogo, e é uma habilida-

de que leva anos para ser adquirida e aprimorada.

Esta crença de que todo surdo faz leitura labial é muito forte entre os professores

da escola inclusiva. A maioria deles, pelo desconhecimento do assunto, acredita

que todo aluno surdo faz leitura labial e então, ministra normalmente suas aulas,

deixando ao aluno surdo a responsabilidade de acompanhar o seu discurso. No

entanto, apenas uma minoria dos surdos é constituída de hábeis leitores labiais.

Mesmo surdos que são habilidosos para a leitura labial (aqui também, podemos ter

surdos que apresentam mais dificuldades que outros, independentemente de sua

261
UNIDADE III - LIBRAS

dedicação aos treinos), podem ter dificuldade quando se deparam com pessoas

desconhecidas, com sotaque ou dialetos; homens de bigode, ou que estejam dis-

tantes, ou, ainda, o surdo sentado e o ouvinte em pé, enfim, são inúmeros fatores

que dificultam a leitura labial, sem contar no caráter quase caricato da postura de

ouvintes que dependem da leitura labial para se comunicar com os surdos.

Finalmente, devemos mencionar ainda, o desgaste físico de um aluno surdo ao ten-

tar acompanhar, com o recurso da leitura labial uma aula. O aluno ouvinte se está

cansado ou entediado, pode se espreguiçar, fechar os olhos, se sentar em diferen-

tes posições, que ainda permanece conectado ao professor e à aula pela via da

audição. Esses pequenos momentos de alívio ou descanso podem fazer com que o

surdo perca o que o professor está dizendo e não consiga mais acompanhar a aula.

Todos os surdos sabem língua de sinais?

Entre os alunos com necessidades educativas especiais que encontram maiores

dificuldades no processo de inclusão estão os surdos, pois o processo de ensinar

e aprender ainda se sustenta quase que exclusivamente na comunicação oral.

Como a comunicação oral é sensivelmente prejudicada, a educação de surdos

apresenta dificuldades e limitações, exigindo práticas pedagógicas diferenciadas

262
UNIDADE III - LIBRAS

que mudaram radicalmente ao longo dos anos. Atualmente, as discussões sobre

a inclusão de surdos parecem apontar para a presença de intérpretes em sala de

aula como resposta senão para todas, pelo menos para a maioria das dificuldades

encontradas por esses sujeitos em uma escola inclusiva. Embora existam dife-

rentes pesquisas que destacam que a educação de surdos exige muito mais do

que a simples “tradução” para a Libras de currículos, estratégias e metodologias

pensadas para os ouvintes, existe uma questão que antecede a todas elas quando

se trata da inclusão de surdos com a presença de intérpretes, que é a que discuti-

remos agora: todos os surdos conhecem a língua de sinais?

Não. A língua de sinais não é inata no surdo, da mesma forma que a língua oral não

o é para o ouvinte. A criança ouvinte aprende a falar pela interação com o meio em

que vive. O ideal seria que o mesmo acontecesse com a criança surda, isto é, que

ela adquirisse a sua primeira língua na interação com usuários dessa língua, inse-

rida no meio familiar e não mediante situações artificiais promovidas pela escola.

Assim, a criança surda deve ser exposta o mais cedo possível a contatos com

surdos sinalizadores, para que ela adquira a língua de sinais, que é a sua primeira

língua (L1) de forma espontânea. Além disso, como os surdos vivem em um país

que tem outra língua dominante, que no caso do Brasil é a Língua Portuguesa, “os

documentos legais que garantem ao surdo o apoio, o uso e a difusão da Libras

263
UNIDADE III - LIBRAS

também são categóricos ao afirmarem que a mesma não poderá substituir a mo-

dalidade escrita da Língua Portuguesa” (CHAIBUE, 2010, p.79).

Como o desenvolvimento da primeira língua influencia na aprendizagem de uma

segunda língua (L2) cujo aprendizado não acontece de forma natural, necessitando

de um trabalho sistemático, é fundamental que o surdo adquira a Libras o mais

cedo possível, para então poder aprender o português escrito, devendo este ensi-

no ser ministrado em uma perspectiva dialógica, funcional e instrumental.

Entretanto, segundo Quadros (2005), o contexto dos surdos no Brasil é totalmente

atípico, pois eles aprendem a língua de sinais tardiamente, sendo essa língua a sua

primeira língua (L1) ou língua natural e vivem em um país em que a língua oficial é

a sua segunda língua (L2). Esse fato faz com que muitos surdos aprendam quase

que simultaneamente a Libras e a Língua Portuguesa escrita, dificultando ambas

as aprendizagens.

264
UNIDADE III - LIBRAS

SAIBA MAIS
Segundo o Censo do IBGE de 2010, são 45 milhões de brasileiros com
algum tipo de deficiência, dos quais 9.772.163 possuem dificuldade per-
manente de ouvir, mesmo utilizando aparelho auditivo. Dentre essas pesso-
as, 347.481 pessoas são incapazes de ouvir; 1.799.885 pessoas possuem
grande dificuldade de ouvir e 7.574.079 possuem alguma dificuldade para
ouvir. Em todos os casos, considerou-se o uso de aparelhos auditivos.
Fonte: Censo do IBGE X Pessoas com deficiência, 45 milhões de brasilei-
ros com deficiência: Censo 2010 reforça desafio do Brasil em dar uma vida
digna aos deficientes.
MATERIAL COMPLEMENTAR WEB: Vídeo HISTÓRIA DO MOVIMENTO
POLÍTICO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA:
<http://www.inclusaoediversidade.com/2011/01/filme-historia-do-movi-
mento-politico_17.html>.

265
UNIDADE III - LIBRAS

INDICAÇÃO DE LEITURA
O livro As imagens do outro sobre a cultura surda
de autoria de Karin Strobel proporciona ao leitor uma
jornada pelo mundo dos surdos. Karin é surda, peda-
goga, doutora em Educação e professora da
Universidade Federal de Santa Catarina, protagoni-
zou muitas batalhas em defesa dos direitos das pes-
soas surdas. Neste livro, Karin resgata os discursos
dos sujeitos surdos e, com propriedade mostra ao
leitor as vivências dos surdos em um mundo de ou-
vintes, de suas dificuldades em se submeter à nor-
malização imposta pela sociedade, sobretudo, no que se refere à língua. Ao
chegar ao final do livro, você terá construído um outro olhar sobre os
surdos.
STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis:
EdUFSC, 2008.

REFLITA!
Apresentamos, para sua reflexão, uma frase atribuída a um surdo francês
que viveu no século XIX, que extraímos do livro de Gesser (2009): “O que
importa a surdez da orelha, quando a mente ouve? A verdadeira surdez, a
incurável surdez é a da mente” (Ferdinand Berthier, surdo francês, 1854).

266
UNIDADE III - LIBRAS

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caminho que trilhamos nesta última unidade começou com a contextualização

do tema. Para isso, discutimos as transformações ocorridas na Educação dos

Surdos, particularmente depois da década de 1980, decorrentes da mudança de

concepção acerca da surdez, que, de patologia, como era entendida na época da

hegemonia oralista, passou a ser concebida como uma “diferença linguística”, uma

“experiência visual”.

Essa mudança de concepção fica evidente não apenas nos documentos legais,

mas principalmente na alteração da própria denominação de “deficiente auditivo”

para surdo, com todos os conceitos correlatos: povo surdo, comunidade surda,

cultura(s) e identidade(s) surdas.

Esperamos, com esta unidade, termos demonstrado a importância da língua de

sinais, no nosso caso da Libras, para o desenvolvimento cognitivo e social dos

surdos, além da desconstrução de crenças e preconceitos a respeito dos surdos

e da surdez.

E mais, que a utilização da Libras não apenas favorece o desenvolvimento cognitivo

e social do aluno, como sua produção escrita, sendo também falsa a ideia de que

fazer uso de sinais seria um fator complicador para a aprendizagem da língua oral.

267
UNIDADE III - LIBRAS

As ações negativas quanto ao uso da língua de sinais estiveram e estão, em grande

medida, atreladas aos seguidores da filosofia oralista. Muitos pesquisadores têm

abolido a visão exposta, ao afirmarem justamente o inverso: é o não uso da língua

de sinais que atrapalha o desenvolvimento e a aprendizagem de outras línguas pelo

surdo. Considerando-se que a relação do indivíduo surdo profundo com a língua oral

é de outra ordem (dado que não ouvem!), a incorporação da língua de sinais é im-

prescindível para assegurar condições mais propícias nas relações intra e interpes-

soais que, por sua vez, constituem o funcionamento das esferas cognitivas, afetivas

e sociais dos seres humanos (GESSER, 2009, p.59).

Quando discutimos a respeito das identidades surdas, destacamos que, para os

surdos, ouvir é uma necessidade dos ouvintes e não dos surdos, particularmen-

te dos que nasceram surdos, assim, a surdez não é considerada um castigo ou

um grande tormento, principalmente quando os problemas de comunicação são

resolvidos e a possibilidade de viver uma vida independente e plena é real. Não

se intimidam com sua surdez e nem evitam o contato com os ouvintes, apesar da

dificuldade de comunicação.

Na verdade, os surdos que são bem resolvidos, que aceitam a surdez, possuem

orgulho de sua língua, cultura e de constituir uma comunidade na qual podem

comunicar-se sem problemas. Formam seu próprio mundo e consideram-se uma

minoria linguística e cultural em uma sociedade majoritária de ouvintes.

Diferentemente de quando nos referimos aos moradores de um bairro, de uma

268
UNIDADE III - LIBRAS

favela, de um distrito de uma grande cidade como “pessoal da comunidade”,

quando falamos em comunidade de surdos essa comunidade não ocupa um lugar

determinado. Os surdos estão espalhados por toda a cidade, mas encontram for-

mas criativas de se encontrar.

Se pretendemos atuar profissionalmente em uma perspectiva inclusiva, ou mesmo

adotarmos uma atitude social includente, compreender os surdos e o seu mundo

é fundamental.

269
UNIDADE III - LIBRAS

ATIVIDADES
1) Pesquise acerca das principais abordagens educacionais para surdos da atu-

alidade: Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo. Estabeleça a concepção

de surdez subjacente a cada uma delas.

2) A partir do conteúdo estudado, argumente sua opinião sobre qual abordagem

é mais indicada para a educação de surdos e estabeleça as diferenças entre

as concepções de surdez dos defensores do oralismo, da comunicação total

e do bilinguismo.

3) Em sua opinião, é importante para o professor de uma escola inclusiva conhe-

cer Libras? Por quê?

4) Por que é importante para o professor conhecer a legislação e as políticas

públicas referentes à educação de surdos?

5) O que você entendeu por “cultura surda”?

270
UNIDADE III - LIBRAS

CONCLUSão
Queremos destacar nestas conclusões o fato de que dentre os alunos com neces-

sidades educativas especiais que participam do processo inclusivo, os que encon-

tram maiores dificuldades são os surdos, pois o processo de ensinar e aprender

ainda se sustenta quase que exclusivamente na comunicação oral, que é sensivel-

mente prejudicada nesses educandos.

Você talvez pensasse que são poucos os surdos no Brasil, talvez até você não

conheça nenhum, por isso, no SAIBA MAIS da Unidade III, apresentamos os dados

do IBGE a respeito da surdez no Brasil. Queremos também lembras que segundo

dados do MEC - Ministério da Educação - em 2001, existiam 50 mil estudantes

surdos matriculados no Ensino Fundamental, a maioria deles em classes comuns,

em escolas inclusivas. Como esses surdos não conseguiam quase nenhum suces-

so em sua escolarização, foram muitas as ações governamentais na tentativa de

mudar essa realidade de fracasso educacional e destacamos para você algumas

delas, como o Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos, que foi o re-

sultado de uma proposição da Secretaria de Educação Especial do MEC (SEESP/

MEC) e Secretarias de Estado da Educação e Secretarias Municipais de Educação

das capitais dos estados brasileiros, visando à melhoria da educação de alunos

surdos matriculados no Ensino Fundamental. Um de seus focos de trabalho foi

271
UNIDADE III - LIBRAS

a formação de professores ouvintes para o uso da Libras. Também comentamos

com você sobre as leis de acessibilidade e de reconhecimento da Libras, além do

importante Decreto 5626.

Em função da complexidade da Libras, certamente, não será apenas com esta

disciplina que você estará apto(a) a ser um sinalizador(a). Afinal, este não é um

curso de Licenciatura em Libras, mas um curso de graduação, razão pela qual, o

objetivo principal desta disciplina, é apresentar a você, a Libras, razão pela qual

começamos nossa jornada já apresentando a Libras em seus aspectos linguísticos,

na Unidade I e avançamos, construindo seu vocabulário na Unidade II, unidade em

que também aproveitamos para discutir as profissões de Tradutor intérprete de

Libras e as relações entre este profissional e o professor de Libras surdo, para só

então apresentar-lhe, na Unidade III, o mundo dos surdos, destacando as principais

abordagens na educação de surdos, a cultura, as suas identidades, a legislação e

as políticas públicas educacionais brasileiras referentes à surdez. Finalizamos pro-

curando desconstruir mitos e crenças que ainda existem em relação aos surdos.

Considerando esse importante momento que é vivenciado pelo surdo, em função

das mudanças que estão sendo empreendidas, consideramos que o principal ob-

jetivo desta disciplina seria apresentar o mundo surdo a você para convencê-lo(a)

da importância de todo professor conhecer a Libras, apresentar a Libras em seus

272
UNIDADE III - LIBRAS

aspectos gerais, para que você consiga estabelecer uma comunicação funcional

em sala de aula com um eventual aluno surdo e, quem sabe, despertar seu interes-

se em se aprofundar no estudo dessa fascinante língua. Da mesma forma, pensa-

mos nos demais profissionais, enfatizando uma atitude social inclusiva, proporcio-

nando subsídios para sua formação enquanto um cidadão livre de preconceitos,

um dos piores males sociais da humanidade.

A Língua Brasileira de Sinais é uma língua que tem ganhado espaço na socieda-

de em função da contínua luta dos movimentos surdos em prol de seus direitos.

Liderado pela FENEIS, há muitos anos o povo surdo luta pelo reconhecimento de

sua língua e cultura próprias.

Enfim, esperamos ter convencido você de que a língua de sinais é imprescindível

para o desenvolvimento cognitivo e social do surdo, sendo importantíssimo que a

criança aprenda a língua de sinais bem cedo, para que seu desempenho escolar

seja equivalente ao de crianças ouvintes. Portanto, é indispensável que a família

esteja completamente envolvida neste processo.

Como cerca de 90% das crianças surdas são filhas de pais ouvintes, que pouco ou

nenhum conhecimento possuem acerca da surdez e da língua de sinais, a família

precisa ser atraída para esta tarefa, precisa estar convencida da necessidade e da

273
UNIDADE III - LIBRAS

importância de que eles aprendam esta língua tão estranha para ela. Conforme já

afirmamos anteriormente, é o professor, o profissional ao qual a família tem acesso

mais facilitado, o responsável por essa orientação.

Dessa forma, nosso objetivo fundamental foi fornecer subsídios para que você pos-

sa convencer aqueles que ainda tenham restrições ao uso da Libras, sejam familia-

res, profissionais ou mesmo surdos, da importância da adoção desta língua para o

desenvolvimento cognitivo, psicológico e social do surdo.

Afinal, atualmente, o povo surdo conquistou o direito de usar sua língua, o que

possibilita não só a comunicação, mas também sua efetiva participação na socie-

dade, entretanto, muito ainda necessita ser feito para que essa mudança se efetive.

Seja um(a) professor(a) que faz a diferença na vida de seus alunos surdos! Seja um

cidadão/uma cidadã que contribui para a igualdade dos seres humanos. Faça a

sua parte!

274
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