História Da Israel

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JOHN BRIGHT

FIISTORIA
DE,
ISRAEL
7^ edição, revista e ampliada
a partir da 4 edição original.

Introdução e apêndice
\ürr-lIev P. Bnov¡l

NovA coLEÇÃo nÍ¡lrct BtR!.r0TECA


o As.partíbolas de
esus,J..feremics
. Htstor¡a de Israel,J Bright
J.
lntrodução aos liuros ató,ifes e
.' I,ntrodução ao Nouo.iestamento, ¡tseu.depígmþs do AT e aos manuscritos de eumrã, L. Rost
. Jerusalétn.,:o.ter!þo !fl. G. Kürnmel
de Jesus,J. Jeremias
o_A com.unidade discípulo o*ido, R. Bro*r,
.^A ¡usti,ça social.do
nos profetas,José
. lrltrodução ao Antiso Tcsta,nento L. Sicre
_ þersþectiua feminista,Alice L. Laffey
. História do tempo ão
Nouo Testameíti, ãà-ä;;i" ""
o Desuelamento
iiriro _ u*o irtro,duçiål
"iïàiOr¡r" ¡udaica,D.S. Russell PAULUS
'l I

1,: I

1 Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIp)


(Câmara Brasileira do Livro, Si Brasil)'

8864h História de tsrael (,åä3lj;{"#, Alexandre solano Rossi e


Eliane Cavalhere Solano Rossi).
São Paulo, paulus,2003. (Nova Coleção Bíblica)
7" edição, revisra e ampliadä

ISBN 85_349_2088_5

Bibliografia 1. Judaísmo História 2. Judeus _ História _


3. Palestina - História _ A¡ê 701. Título.
Atê 70
-
77-1325
CDD.933 À memória de
-296.09
NíILLIAM FOXIøELL ALBRIGHT
Índices para catálogo sistemático:
1. Judaísmo: Histôria 29 6.09
em reconbecimento
2. Judeus: História anriga 93J
3. Palestina: História antiea 933 de uma díuida
de gratidão que iamais
poderá ser Paga

Título original
A History of Israel
@ Westminster John Knox lress, 2000
rsBN 0-6(4-22068-1

Direção editorial
Paulo Bazaglia

Tradução
Luiz Alexandre Solano Rossi
Eliane Cøualhere Solano Rossi

Editoração
PAULUS

Impressão e acabamento
PAULUS

O PAULUS - 2OO3
.
Rua Francisco Cruz,229 04117-091. São paulo (Brasil)
Fax (11) 5579-3627. Tel (11) 50g4_3066
www.paulus.com.br . [email protected]

ISBN 85-349-2088_.'
=-

614 REFERÊNCIAS BíBLICAS

5,5-10: 501 93,7-1,4: 532 Testamento de Benjqmim íruorcr


5,1,5-2L:507
Liuro dos Jubileøs 3,3ss: 523
5,22ss:502
10,10:531
5,23-26: 502
2,15-33:525
6,1-11:503 Testamento de Gad
3,8-74:525
6,2: 503,504
3,10: 525
6,3-7:503 4:536
3,31: 500
6,10: 504 6:523
4,5:525
6,11: 504
4,30:521 Testamento de Jud,í
6,18-31:503
5,13: 521
6,1,8 a7,42:504
6,1,7ss: 525 202 536
4 Macabeus 8,19: 529 7 PREFÁCIO À rnncsnA EDIÇÃO
1,2,25ss; 529
Testamento de Leui
'9 PREFÁ,CrO À pRrNrErRA EDIÇÃO
5,1,9-2t: 523 75,26:525 4,4:530
76,20-31,: 525 5,2: 519 T2 ABREVIATURAS
PSEUDEPÍGRAFOS 21,1-24:5'25 8: 519
E OUTROS ESCRITOS 21,3-52 537 13,Sss: 526 15 INTRODUÇEO À HISTÓRIA DE ISR,AEL DEJOHN BRIGHT
22,76:529 1.9:536
JUDEUS Villiarn F- ßr.own
23,23-3'L:540
7 Enoc 30,7-ltz 529 Testamento de Neftali' 41, PRÓLOGO
32:51,9
6:536 33,15ss: 521
8,3:53,0 ANTIGO ORIENTE ANTES DO ANO 2000 a.C.,
6 a 36: 575 8',6:53O. APR,OXIMADAMENTE
50,6-1,3t 521
9,1:534 42 A. ANTES DA HISTÓRIA: FUNDAMENTOS DA CIVILIZAÇÃO
10,21s: 530 Carta de Josefo
'4ristéias NO ANTIGO ORTENTE
12 a 3& 532 YllI, 13,2:,299
14,20: 533 vs. 4.'1,2t 494 X,lX,.7:.42\. 42 1.. Os mais antigos aldeamentos da ldade da Pedra
2ù 534 vs. 128s:529 XI, I,. 1ss: 433
26:529, Xl,l,3:434. 4V 2- Desenuoluimento cuhural na Mesopotâmia
Pirþe Aboth
37 a71:544 XI, lI, 1ìss: 436, 51 3. O Egito e a Palestina no quarto milênio
42,1ss: 533
1,,L 521 Xl,Y,4-6: 471
48,9ss: 544 XI, V,5:465 54 B. O ORIENTts, ANTIGO NO TERCEIRO MILÊNIO A.C.
1,1ss:516
5lz 544 7,32 497, 537 XI, V,7:455 54 1..A Mesopotâmia no mais antigo período histórico
60,1,: 534 XI, V, 8: 456,457
60,2:533 XI, VIIss: 48.9 59 2. O Egito e a ,4.sia Ocidental no terceiro milênio
60,6:533 TESTAMENTO DOS XI, VII, 'J,: 477,484. 63 3. O Antigo Oriente pouco antes da ldade Patriarcal
69,26-29:544 DOZE PATRIARCAS Xl,YIII:492
83 a 90: 515 XnI, ilI, 3ss: 495 70 PRIMEIRA PARTE
Testamento de Aser
91,72-1,72 515,532 XII, V,5:504 ANTECEDENTES E PRIMÓRDIOS
93,1-10: 515 l:536 XII, VI, 1:.5.07 A idade dos Patriarcas
71 CAPÍTULO 1
O MUNDO DAS ORIGENS DE ISRAEL
72 A. O AN,TIGO ORIENTE NOS ANOS 2000-1'750 a.C.
APR.iOXIMADAMENTE
72 1. A Mesopatâmia nos anos 2000-1750 a.C., aproximadamente
76 2. O Egito e a Palestina em 2000-1.7 50 a.C., aproximadamente
--

616 INDICE INDICE 617

81 B. O ANTIGO ORIENTE DE 1750 A 1550 a.C


CAPÍTULO 4
APROXIMADAMENTE
1,82 A CONSTITUIÇÃO E A RELIGIEO IE,ISRAEL PRIMITIVO
81 1.. A luta pelo Poder no décimo oitauo século na Mesopotâmia 1,82 A liga tribal
B5 2. Período de confusão no Oriente Antigo A. O PROBLEMA
183 E O MÉTODO DE PROCEDIMENTO
94 CAPÍTULO 2 183 '1..
Como a Religião do Israel primitiuo poderia ser descrita?
OS PATRIARCAS TB4 2. Fontes primárias de conbecimento
95 A. NARRATIVAS PATRIARCAIS: O PROBLEMA 1,86 B. A RELIGIÃO DO ISRAEL PRIMITIVO
E O MÉTODO SEGUIDO 1,86 1. Israel, o pouo de lahweh: A Sociedade da Aliança
95 1.. A natureza do material 1,97 2. O Deus da Aliança
1.02 2. Aualiação das tradições como fontes históricas 203 C. A CONSTITUIÇÂ,O DO ISRAEL PRIMITIVO: A LIGA TRIBAL
106 B. O AMBIENTE HISTÓRICO DAS NARRATIVAS PATRIARCAIS E SUAS INSTITUIÇÕES
1,06 1. Os Patriarcas no contexto da primeira metade 203 1. A Liga Tribal lsraelita
do segundo milênio 21,0 2. As instituições da liga tribal
1,1,2 2. A Data dos Patriarcas 21,6 D. A HISTÓRIA DA LIGA TRIBAL: O PERÍODO DOS ]UIZES
118 C. OS ANTEPASSADOS HEBREUS E A HISTÓRIA 21,6 1. A situação mundial em L200-1050 a.C., aproximadamente
118 1. A migração dos Patriarcas 219 2. Israel em Canaã: os dois primeiros sécwlos
1,24 2. Os patriarcas como figuras históricas
228 TERCEIRA PARTE
127 3. A religião dos Patriarcas
A MONARQUIA DE ISRAEL
138 SEGUNDA PARTE 229 Período da autodeterminação nacional
PERÍODO DE FORMAÇÃO
229 CAPÍTULO 5
1,39 CAPÍTULO 3 DA CONFEDERAÇÃO TRIBAL AO ESTADO DINÁSTICO
Êxooo E coNeursrA O início e o desenvolvimento da monarquia
139 A formação do povo de Israel
140 A. A ÁSIA OCIDENTAL NA ÚITIMA IDADE Do BRONZE: 230 A. PRIMEIROS PASSOS PARA A MONARQUIA: SAUL
O IMPÉRIO EGÍPCIO
230 \. A crise dos filisteus e o fracasso da organização tribal
233 2. O primeiro rei: Saul
140 1. A D'écima Oitaua Dinastia e o Nascimento do Império
237 3. A ruína de Saul e a ascensão de Daui
1,42 2. O Período de Amarna e o fim da Décima Oitaua Dinastia
1,45 3. A ,4sia Ocidental no décimo terceiro século: A Décima Nona 242 B. A MONARQUIA UNIDA DE ISRAEL: REI DAVI
Dinastia (Aproximadamente 1000 -9 61,1
1,49 4. Canaã no século treze a.C. 242 1.. Ascensão de Daui ao poder
155 B. AS TRADIÇÕES BÍBLICAS À,TUZ DA EVIDÊNCIA 245 2. A segurança e ø consolidação do Estado
155 1. Escrauidão do Egito e Ê,xodo à luz da euidência 249 3. A construção do Império
159 2. A peregrinação através do deserro à luz da evidência 252 4. O Estado de Daui
1.64 3. A conquista da Palestina à luz da euidência 255 5. Os úhimos anos de Daui
r69 c. A FORMAÇÃO DO POVO DE TSRAEL
260 C. A UNIDADE MONÁRQUICA DE ISRAEL: SALOMÃO
1.69 1. A complexidade das origens de Israel
(aproximadamente 9 61, -922)
1,73 2. A ocupação israelita de Canaã: sumário e reconstrução
260 1,. Salomão como homem de Estado: a política nacional
_Y

ítrtolcE íruorce 619


618

264 2. A atiuidade comercial de Salomão 338 B. A LUTA PELA TNDEPENDÊNCrA: EZEQUT AS (71.s-68716)
267 3. A ldade de Ouro de Israel 338 1,. A política de Ezequias e seu significado

271, 4, A sobrecarga da Monarquia 345 2. Ezequias e Senaquerib


275 5. O problema teológico da Monarquia 349 c. os PROFETAS DO FrM DO SÉCULO OTTAVO EMJUDÁ.
349 1. A emergência nacional e a mensagem profética
281. CAPÍTULO 6
OS REINOS INDEPENDENTES DE ISRAEL EJUD,Á. 356 2. Os efeitos dø pregação profética
Da morte de Salomão até a metade do século oitavo 360 I
RpÊNorce

282 A. A MONARQUIA DIVIDIDA: OS PRIMEIROS CINQÜENTA O PROBLEMA DAS CAMPANHAS DE SENAQUERIB


ANOS (922-876) NA PALESTINA
282 1,. O Cisma e suas conseqüências
374 CAPÍTULO B
285 2. Os Estados ¡iya:is:. guerra regional
o RErNO DEJUD.Á,
289 3. Os Estados riuais: negóaios internos
O último século
294 B. TSRAEL EJUD^Á. DA ASCENSÃO DE AMRI ATÉ O EXPURGO
374 A. O FIM DO DOMÍNIO ASSÍRIO: JUDÁ READQUIRE
DE JEÚ ß76-84312',)
A INDEPENDÊNCIA
294 1.. A Casa de Amri: recuperação de lsrael
374 1,.ludá em meados do século sétimo
297 2. A Casa de Amri: a situação interna
377 2. Os úhimos dias do Império Assírio
302 3. A destruição da Casa de Amri
3. O reinado de Josias (640-609)
306 4. Negócios internos de ludá - aproximadømente 873-837 t81
390 B. O IMpÉRrO NEOBABTLONTCO E OS ÚLTTMOS DrAS DEJUDÁ.
308 C. TSRAEL EJUDÁ DOS MEADOS DO SÉCULO NONO 390 7. Da morte de losias à primeira deportação (609-597)
AOS MEADOS DO SÉCULO OITAVO
394 2. O fim do reino de ludá
308 1..Meio século de fraqueza
31,7 2. O ressurgimento de Israel e Judá no século oitøuo 398 C. OS PROFETAS DOS ÚTTUT,TOS DIAS DE JUD,Á,
31,6 3. A enfermidade interna de Israel: o primeiro dos profetas 398 '1.
Desenuoluimento da Emergência Teológica
clássicos 401. 2. Os profetas e a sobreuiuência da religião de Israel

326 QUARTA PARTE 409 QUINTA PARTE


A MONARQUIA (cont.) A TRAGÉDIA E DEPOIS DA TRAGÉDIA
Crise e decadência Os períodos exílico e pós-exílico

327 CAPÍTULO 7 411. CAPÍTULO 9


O PERÍODO DA CONQUISTA ASSÍRIA EXÍLIO E RESTAURAÇÃO
De meados do século oitavo à morte de Ezequias
41.2 A. O PERÍODO DO EXÍLrO (s87-53e)
328 A. AVANÇO ASSÍNTO: A QUEDA DE ISRAEL E A SUBJUGAÇÃO 41,2 1. A situação dos iudeus depois de 587
DEJUDÁ, 41,6 2. O exílio e a religião de lsrael
328 1..O começo da queda de lsrael 421, 3. Os últimos dias do império babilônico
332 2. Os írhimos dias do Reino de Israel (737-721) 424 4. Na uéspera da libertação: reinterpretação profética da religião
335 3. Judá como sat,álite da Assíria: Acaz (735-71.5) de Israel
-
620 íruorce íruorcr 621

430 B. A RESTAURAÇÃO DA COMUNIDADEJUDAICA 510 1. A comunidade iudaica no período pós-exílico: um resutno


NA PALESTINA 51.6 2. A religiã,o da lei
430 1.. O começo do nouo dia
526 B cARACqÉRÍSrrCeS DA TEOLOGTA DO JUDAÍSMO
435 2. Os primeiros anos da comunidade da restauração
PRrMrrlvo
441. 3. O acabamento do templo
526 1. A cothunidade iudaica e o mundo
446 CAPÍTULO 10 531 2. Reflexão teológica sobre o iudaísmo primitiuo
A COMUNIDADEJUDAICA NO SÉCULO QUINTO 538 3. A futura esperançø do iudaísmo primitiuo
As reformas de Neemias e Esdras
545 EPÍLOGO
446 A. DA CONCLUSÃ,O DO TEMPLO À VPTROT EM DIREÇÃO À PLENITUDE DOS TEMPOS
DO SÉCULO QUTNTO
446 1. O Império Persa até aproximadamente 450 553 Apêndice
449 2. A sorte dos judeus em aproximadamente 5L5-450 UMA ATUALIZAçÃO NA PESQUISA DA HISTÓRIA DE ISRAEL
'!Øilliam
P. Brown
453 B. A REORGANIZAÇÃO DA COMUNIDADE JUDAICA
SOB NEEMIAS E ESDRAS 577 QUADROS CRONOLÓGTCOS
4s3 1,. Neemias e sua obra 586 ÍNorcE ANALÍTrco
460 2. Esdras, "o escriba"
s98 REFERÊNCIAS BÍBLICAS
467 ¡pÊNorcr II
625 MAPAS HISTÓRICOS
A DATA DA MISSÃO DE ESDRAS EMJERUSALÉM

481, SEXTA PARTE


PERÍODO DE FORMAÇÃO DO JUDAÍSMO

483 CAPÍTULO 11
O FIM DO PERÍODO DO ANTIGO TESTAMENTO
Da reforma de Esdras ao início da revolta dos Macabeus

483 A. OS JUDEUS ATRAVÉS DOS SÉCULOS QUARTO E TERCEIRO


483 1,. A úbimo século do domínio persa
491, 2. O começo do período helenístico

498 B. OS JUDEUS SOB OS SELÊUCTDAS: REVOLUÇÃO


E CRISE RELIGIOSA
498 1,. As perseguições de Antíoco Eptífanes
503 2. A rebelião dos macabeus

510 CAPÍTULO 12
o JUDAÍSMO NO FrM DO PERÍODO DO ANTTGO TESTAMENTO
510 A. A NATUREZA E O DESENVOLVIMENTO DO JUDAÍSMO
PRIMITIVO
O JUDAíSMO NO FIM DO PERíODO DO ANTIGO TESTAMENTO 521
520 PERíODO DE FORMAçÃO JUDAICA

não havia uma recensão padronizada do Pentateuco, com o resultado de que


pressão espontânea da vida nacional, o culto era um cumprimento das exi-
nem sempre era possível estar certo do que era a lei.zz Além disso, uma lei
gências da lei. Além disso, à medida que a lei ganhava importância' o sacer-
nem sempre concordava com outra, e tampouco a sua aplicação a casos par-
dote, embora honrado no seu ministério, perdia algo da sua posição proemi-
ticulares era sempre clara. Tudo isso tornava necessário o desenvolvimento
nente. A antiga função levítica de dar a lei (isto é, ensinar à base da lei da
de princípios hermenêuticos para posterior definição e interpretação da lei, a
aliança) cedeu lugar à função agora mais importante de ensinar a própria
fim de que ela pudesse ser aplicada a toda a vida. Para satisfazer a esta neces-
lei.1e Mas, como podia ser desempenhada por qualquer pessoa versada na lei,
sidade, surgiu uma classe de escribas, que se dedicavam ao estudo da lei e
esta função não era mais um monopólio sacerdotal. O sacerdote, como tal,
transmitiam os seus ensinamentos aos discípulos. A origem dessa classe é
tornou-se cada vez mais um funcionário sacerdotal, e sua importância, ape-
obscura23, mas provavelmente nasceu e desenvolveu-se pari passu com a
sar de grande, foi eclipsada pela importância do doutor da lei.
canonização das escrituras. Pelo fim do nosso período, os escribas já apare-
cem muito. Ben Sirac era escriba, com uma escola de discípulos (Eclo 38,24-
c. Sinagoga, escriba e mestre da sabedoria. Se a exaltação da lei restrin-
gia certas instituições e funções antigas, também ampliava outras e criava 34;51,23). Embora a lei maciça oral dos fariseus tenha vindo depois, já tinha
começado o processo de "cercar" a lei (Pirke Aboth L,1.) para que ela não fosse
novas. Essa instituição nova era a sinagoga, um meio de adoração pública ao
transgredida inadvertidamente. As Escrituras estâvâm sendo explicadas à luz
lado do templo e seu culto e destinada a sobreviver a ele. Embora a sinagoga
das Escrituras (por exemplo, Jub 4,30; 33,15s), dando-se aos seus manda-
seia atestada claramente pela primeira vez no final do nosso período' suas
mentos definições detalhadas (por exemplo, a definição da lei do Sábado em
origens são certamente mâis antigas; mas são totalmente obscuras e não po-
dem ser traçadas.2O Mas o próprio fato de que a milhares de judeus, em razão Jub 50,6-13) e acomodando-se a situações peculiares (por exemplo, a sus-
pensão da lei do Sábado quando se tratava da autodefesa em 1Mc 2,29-41).
da distância, era negado o acesso ao culto do templo, sendo-ihes proibido
por lei estabelecer cultos locais, tornou o desenvolvimento de tal instituição Juntamente com o zelo pela lei, havia uma intensa preocupação prática
de levar uma vida honesta, como se observa muito bem na literatura da Sabe-
inevitável. Mesmo nos tempos pré-exílicos reuniam-se grupos para ouvir os
levitas ministrar instrução, enquanto os profetas affaíam círculos de discípu- doria. Devemos nos convencer de que a Sabedoria foi uma manifestação pós-
los. No exílio, os judeus naturalmente se reuniam onde pudessem para orar e exílica ou de que houve um tempo no período pós-exílico em que a vida de
ouvir seus mestres e profetas (F;28,1.; L4,1;33,30s). Podemos supor que tais Israel foi dominada por uma classe de mestres de sabedoria. A tradição de
sabedoria em Israel é muitíssimo antiga, remontando pelo menos ao século
assembléias continuaram,umavezque é inconcebível que os judeus da Diáspora
pudessem ter permanecido judeus sem certa forma de adoração pública'21 décimo.2a Depois do exílio, contudo, ela ganhou grande popularidade, e no
período do judaísmo emergente apareceu em considerável parte da literatura
Mesmo na Palestina havia adeptos da comunidade judaica, muito afastados
que mostrava a natureza da vida honesta. A Bíblia oferece o livro dos Provér-
de Jerusalém para participar regularmente do seu culto, cujas necessidades
teriam sido semelhantes. E também podemos supor que quando a lei ganhou bios (compilado nesse período, embora grande parte de seu material seja
status canônico, os grupos começaram a reunir-se em assembléias locais para
muito mais antiga),25 o Eclesiastes interrogativo e delicadamente cético e
ouvir a sua exposição. Sinagogas organizadas surgiram gradualmente com muitos dos últimos Salmos (por exemplo, Sl 1; 49;1.L2;119 etc.). Além dis-
so, há livros como o de Tobias, o do Eclesiástico (Sabedoria de Ben Sirac) e,
adoração regular no Sábado, cuja parte principal era a leitura e a exposição
depois do fim do nosso período, Sabedoria de Salomão.
da lei. Nos últimos séculos pré-cristãos, havia sinagogas em todas as cidades.
À medida que a lei ganhava em importância, crescia também a impor-
tância de sua correta interpretação e de sua perfeita aplicação. No começo, 22As
descobertas de Qumran evidenciaram que as recensões divergentes do texto hebreu doAntigolestamento existiam até o
começo da era cristã; cf Cross, op. clt, cap. lV
235em dúvida está na realidade histórica, conespondendo à tradição judaica da "Grande Sinagoga", entre Esdras e o século
lerceiro.
24Cl
acima, p. 270. Note-se também que Jeremias (i8,18) agrupa os sábios com os profeta5 sacerdotes e lideres espirituais do povo.
reCf.
Noth, op. c/Í. (nota 2), pp.89-91; Ne 8,5-8 é um passo nesta direçã0. 2sPara um
fabalho excelente sobre a Sabedoria no antigo Or¡ente e em lsrael, bem como sobre o lugar dos Provérbios no
20Cf H. H. Rowley, Worship ia Ancient lsrael,SPCK, Londres, 1967, cap.7, para discussão e referências. Existiam sinagogas no movimento da Sabedoria, cl R. B. Y Scott, 'Proverbs-Eclesiastes", ÁB (1965), pp. xv-liii, 3-30 (existe mais I¡teratura citada).
Egito na última parte do século terceiro.As evidências diretas da Palestina são posterÌoret embora o Bet Ha-Midrash seja atestado Recentes discussões incluem: R. N.Whybray, Wßdom Proverbs, SCM Prest Londrel 1965; G. von Rad, Sabedo¡ia em lsrael(trad.
por volta de 180 (Edo 51,23). ingl., Londres:5CM Press; Nasville:Abingdon Press, 1972);W McKane, "Proverbs", OTL,(1910).
rfCf Rowley, ibid.pp.224-227,onde eståo relacionados outros que têm a mesma opinião.
522 PERíODO DE FORMAçÃO JUDATCA O JUDAÍSMO NO FIM DO PERíODO DO ANTIGO TESTAMENTO 523

foi internacional, como sempre tinha sido.


Essa tradição de Sabedoria riam perder-se em ninharias e dar o mesmo valor a coisas de valores diferen-
Uma excelente ilustração disso é o livro de Tobias, que tem relações com a tes, mas insistir em que qualquer ofensa contra a lei, por menor que fosse,
história de Aquicar, uma coleção de sabedoria aramaica, talvez do século seria grave (cf. 4 Mc 5,19-21). Em todas as coisas em assuntos rnorais, de
sexto (era conhecida em Elefantina no século quinto), com antecedentes negócios, no comportamento individual
-
devemo-nos lembrar de Deus e de
ainda mais antigos na literatura gnômica acádia. Não é surpreendenre, por- sua aliança (Eclo 41,17-23)
-
isto é, da lei.
tanto, em vista de sua origem cosmopolita, que grande parte da sabedoria
-
A lei era profundamente ética, conservando e preservando aquela nota
judaica pareça quase secular, oferecendo prudentes sugestões para alcançar moral central na religião de Israel desde o começo. Isso poderia ser documen-
o sucesso e a felicidade, mas sem uma motivação religiosa clara. Mas isso tado indefinidamente. Os mestres judeus continuamente exaltavam o com-
não é verdade. Com efeito, é claro que os mestres judeus adaptaram a tra- portamento reto (per exemplo, Sl34,1,1,-1,6;37,28;Pr 1.6,11;20,\O;Tb 4,14),
dição de sabedoria de modo a torná-la veículo para descrever uma vida ho- a honra aos pais (por exemplo Tb 4,3; Eclo 3,1-16), a castidade, a sobrieda-
nesta soå a lei, pois, para eles, o sumo da sabedoria era temer a Deus e guar- de e a moderação (per exemplo, Tb 4,12.14ss); Eclo 31.,25-31"), a misericór-
dar sua lei. Realmente, a sabedoria, em última análise, era sinônimo da lei. dia e a caridade (por exemplo,Pr 1.9,'1,7;22,22s;Tb 4,1Oss.16; 12,8-10; Eclo
Essa identificação, explícita no rescrito outorgado a Esdras (Esd 7,25), 4,1-10;2911.8ss). Eles estimulavam os homens a amar a Deus e ao próximo
está expressa tão freqüentemente e tão consistentemente que documentá- e a perdoar aqueles que os ofendiam (T. Gad cap.6; T. Benj 3,3ss); "Não
la seria enfadonho. Encontramo-la nos Salmos (1;37,30ss; 1.L1,10; 1.1.2,1; faças a outros aquilo que não te agrada" (Tb 4,15). Longe de encorajar o
1"1.9,97-1.04; et passim), nos Provérbios (por exemplo, L,7; 30,2ss etc.), externalismo na religião, declaravam que os sacrifícios dos maus eram abo-
em outras partes da Bíblia (por exemplo,Jô28,28; Ecl 12,13s), e igualmen- minação diante de Deus (S150,7-23; Pr 15,8; 21.,3.27; Eclo 7,Bss; 34,18-26),
te em Ben Sirac (Eclo 1,14.18.20.26 etpassim)e em ourros escriros judai- afirmando que ele exige antes de tudo um espírito obediente e penitente (Sl
cos. Na verdade, o escriba e o mestre de sabedoria eram provavelmente da 40,6-8;51,16ss etc.). Deve-se acrescentar que estes judeus tradicionais e pie-
mesmâ classe: Ben Sirac era certamente escriba e mestre de sabedoria (Eclo dosos não consideravam a observância da lei como uma opressão. Pelo con-
38,24.33ss; 39,1.-1.1.).26 O sábio escriba seguia uma profissão honrada, da qual trârio, sentiam grande alegria na lei e um grande amor por ela (Sl 1.,2;19,7-
ele se orgulhava (Eclo 38,24-34). O seu mais alto privilégio e a sua excelsa 14; 119,14-16.47ss, et passim; Eclo 1,11ss). A lei fornece luz e guia para a
virtude era estudar a lei, meditar nela e aplicá-la à vida (Sl 1; 19 ,7 -14; 119) . vida (Sl 119,L05 etc.); aquele que se coloca sob sua égide encontra proteção,
descanso e alegria (Eclo 6,23-31). De fato, os judeus tinham um imenso or-
d. A piedade, a retidão e a lei.Para o judeu, a soma de toda a retidão era gulho na lei como a marca peculiar da sua identidade (por exemplo, Sl
cumprir a lei. Isso não significa que a religião fosse mero legalismo, porque se 1,47,1,9ss). Esse orgulho, se não era sinal de amor, era sinal de uma intensa
observa em toda parte profunda piedade devocional, profundo senso ético e fidelidade, pois os judeus religiosos preferiam antes morrer que frair. Era a lei
tocante confiança em Deus e diante de Deus. A lei, devemos lembrar-nos, deu que lhes dava coragem para se manterem firmes sob os açoites de Antíoco.
expressão ao ideal que Israel fazia de si mesmo como povo santo de Deus; Ninguém pode contemplar a piedade devocional do antigo judaísmo e
para realizar esse ideal e viver sua vocação, ele deve cumprir a lei em todos os imaginar que a religião da lei erâ apenas uma coisa externâ. Os últimos Sal-
seus detalhes. Não se deve negar que essa ênfase nos detalhes levava ao peri- mos (por exemplo, 1.9,7-1.4;25;51,;1,06) estão cheios de confissões humildes
go de se perder a perspectiva, dar o mesmo valor ao trivial e ao importante, de pecados, com súplicas ardentes pela misericórdia e o perdão de Deus e um
de se tornar a religião mera conformidade com regras, de o sermão religioso
desejo ardente de pureza de coração diante de seus olhos, juntamente com
se transformar em monótona casuística. O judaísmo não escapou totalmente
(por exemplo, Sl 25; 37; 40; 1,23;1,24) repetidas expressões de paciência na
a este perigo, mas a conformidade mecânica nunca foi a finalidade dos seus
atribulação, de confiança inabalável na libertação por parte de Deus, de gra-
melhores mestres da lei. Ao insistir na obediência minuciosa, eles não que- tidão por suas misericórdias. Outra literatura do período revela as mesmas
características: o senso da opressão do pecado (por exemplo, Esd 9,6-15; Ne
268en Sirac
chama-se a si mesmo escriba (Eclo 38,24;51,23), mas nos deu uma vasta obra de sabedoria. Ninguém identifica a
9,6-37; Tb 3,1-6), o desejo de se libertar dele (por exemplo, Eclo22,27 a
sabedoria com a lei mais consistentemente do que ele (por exemplq Eclo 6,37; 15,1; 19,20;2'1,1 1;39,1-1 l). 23,61, a piedade pessoal e a confiança na eficácia da oração (Tb 8; Eclo
524 PERíODO DE FORMAçÃO JUDATCA O JUDAÍSMO NO FIM DO PERÍODO DO ANTIGO TESTAMENTO 525

38,1-15 e Or. Azar), juntamente com o louvor de Deus pelas suas obras de (Ml 2, 4ss.
lei.30 A literatura posterior conhece igualmente as alianças com Levi
criação e providência (Eclo 39,12-35). Característico da piedade pós-exílica 8), com Aarão (Eclo 45,6ss), com Finéias (1,Mc2,54) e, naturalmente, com
era o ideal de mansidão e humildade. O homem piedoso é aquele que, com Abraão e Noé (Eclo 44,1,7-21.).É, pois, evidente uma atenuação do conceito de
submissão e confiança perfeita, aceita a provação que Deus lhe impõe. Tal- aliança.
vez o conceito do "Servo Sofredor" tenha contribuído em muito para for- A própria lei, embora se acreditasse que tinha sido dada por meio de
mar esse ideal.27 Ele é muito forte nos últimos salmos, onde o adorador Moisés, era considerada como algo absoluto e que existia eternamente. Po-
piedoso é "pobre", "necessitado", "humilde", "manso" (Sl 911B; 10r17;2519; dem-se ver alusões a esse modo de pensar na literatura bíblica tardia (por exem-
34,2e 6;37,11;40,1,7;69,32ss etc.), e também na literatura não canônica do plo, Sl 1,1,9,89.1,60) e em Ben Sirac (Eclo 16,26 a17,24); mas o clímax é em
período (Eclo 1,22-30;2,1-11; 3,17-20). Enrreranro, apesar de tudo isso, a Jubileus, onde muitas instituições ordenadas pela lei são colocadas nos tempos
piedade judaica não consistia em última análise em atitudes inrernas, em primitivos. Assim, o Sábado era celebrado pelos anjos e a eleição de Israel
obras de caridade ou no rigoroso cumprimento de deveres religiosos, mas na anunciada na Criação (Jub 2,15-33); a lei levítica da purificação era aplicada
observância da lei; a piedade, as boas obras e o dever religioso se baseavam no caso de Eva (3,8-14); a Festa das Semanas foi celebrada por Noé (6,17ss) e
na lei. A essência da religião era amar a lei e prestar-lhe obediência (Sl 1; a dos Tabernáculos por Abraão (1,6,20-31,), enquanto o ritual sacrifical foi
19,7-14;119; Eclo 2,1,6;39,1-11); a pessoa que assim procedia era chamada ensinado a Isaac por este último (21,1-20) e assim por diante. A lei, assim,
" religiosa ".28
-
aparece como uma coisa eterna, absoluta em autoridade, existindo ântes do
Sinai e antes de Israel. Toda ela escrita em placas celestes (3,1,0;4,5;5,13 etc.).
e. A absolutização da lei.
A elevação da lei que acabamos de descrever
Tudo isso, como aludimos, indica um desligamento da religião do con-
não representavâ, como tentamos esclarecer, nenhurn rompimento com a
texto da história. Não que Israel tenha-se esquecido dos acontecimentos his-
antiga religião de Israel, mas um reagrupamento em torno de uma das suas
tóricos que lhe tinham dado origem! Pelo contrário, ele se lembrava deles e
principais características. À medida que esta característica recebia maior ên-
reafirmava-os ritualmente, como o faz atê. hoje. Mas a lei, separada do seu
fase, dava-se uma diminuição na ênfase às outras e certa mudança na estrutura
contexto original e tornada supra-histórica e absolutamente válida, tornou-
do conjunto. Nota-se, particulârmente, a tendência a libertar a lei do contex-
se menos a definição da obrigação da comunidade com base na aliança histó-
to da forma da aliança na qual ela foi originalmente exarada, e encará-la
rica e mais a base da obrigação e da definição de seu conteúdo. A lei virtual-
como algo que existe eternamente, imutável. Isso representava certo enfraque-
mente usurpou o lugar da aliança histórica como base de fé, ou, antes,
cimento daquele senso vivo de história, tão característico do antigo Israel.2e
tornou-se quase sinônimo dela (2Cr 6,1.1.;F,clo 28,7;1.Mc 2,27.50). Trans-
Na literatura tardia, percebe-se acentuada atenuação da noção de alian-
gredir a lei era quebrar a aliança (por exemplo, 1Mc 1,14ss; Jub 1.5,26);
ça e uma tendência a separá-la da ligação específica com os acontecimentos
conservar a aliança era guardar a lei. Encontra-se até passagens em que a lei
do Êxodo e do Sinai. Já no fundamento sacerdotal do Pentateuco, o rermo
precede à aliança; por exemplo, em Eclo 44,19-21, em que Abraão recebe a
"aliança" não mais se limita a esse acontecimento constitutivo da história de
aliança porque cumpriu a leie lhe foi fiel (cf. 1Mc 2,51,-60). Aqui, a lei dei-
Israel, em cuja base foi dada a lei, sendo usado também com referência a
xou de ser a definição da resposta exigida aos atos misericordiosos de Deus,
vários modos de Deus trâtar com os homens. Para muitos, a aliança é vir-
i tornando-se o meio pelo qual o homem pode conseguir o favor divino e tor-
I tualmente sinônimo das eternas e imutáveis promessas de Deus. Assim,
l
nar-se digno de suas promessas.
I
lemos sobre as alianças eternas com Noé (Gn9,1-17),com Abraão (Gn 17)e
ì Desse fato, resultavam uma profunda seriedade moral e um profundo
com Finéias (Nm 25,11-13). Na narração sacerdotal dos aconrecimentos
I
senso de responsabilidade individual, que ilustram muito bem a fftmeza e o
i do Sinai, a ênfase não está absolutamente na aliança, mas no ato de dar a
I
heroísmo com que os judeus fiéis enfrentaraÌn Antíoco. Cada judeu sentia-se
lr
na obrigação de manter a aliança por sua fidelidade pessoal à lei. Mas daí
I 27Cf
I AIbright, F5ÁÇ pp. 332s. O ideal de humildade não é peculiar a lsrael nem de origem posterior. Mas o seu impacto sobre
I
lsrael parece ser do período pós-exílico.
28Por
exemplq Judite (l '1,'l 7) é "religiosa " claramente porque ela guarda as festaq os jejuns e as regras sobre a alimentaçãq
como a lei exige.
- 30Em
B a aliança deAbraão recebe ênfase; os acontecimentos do sinai representam a renovação e a extensão dela; veja, por
2eCfNoth,op.cl¿,(nora2),pp.85-107;vejatambémG.E.tVtendenhail,
lDB,t,pp.721ss. exemplq W Eichrodt, "lheology of 0ld Testament", Vol. l, 0Il (1961), pp. 56-58.
526 PERíODO DE FORMAçAO JUDATCA O JUDAÍSMO NO FIM DO PERfODO DO ANTIGO TESTAMENTO 527

também resultava grande ênfase na obrigação do homem, com o inevitável a. Fontes de tensão. Tal tensão estava emaizada na estrutura da religião
desvio de atenção da graça divina. Embora jamais tivessem esquecido a glaça de Israel e não era, em essência, nova. De fato, ela se dava entre a fé monoteísta
de Deus e recorressem continuamente à sua misericórdia, na prâtica a reli- e a noção de eleição. Israel sempre acreditou que era um povo peculiar, esco-
gião consistia no cumprimento das exigências da lei. Isso significou que o lhido por lahweh. Ao mesmo tempo, ele tinha concedido a seu Deus por
judaísmo ficou peculiarmente sujeito ao perigo do legalismo: isto é, ao pe- menos sistematicamente que isso se tenha dado um domínio supranacional,
-
rigo de tornar-se uma religião em que a condição do homem diante de Deus -
realmente universal. Além disso, acreditava que essa finalidade era, em últi-
é determinada inteiramente por suas obras. Apesar de ser improvável que ma análise, o estabelecimento triunfal de seu domínio sobre a terra. O fato de
um judeu cordato se vangloriasse de cumprir a lei perfeitamente (cf. Eclo ser esse triunfo concebido como envolvendo a submissão de outras nações
8,5), a retidão por meio da lei (acreditava-se) era uma finalidade atingível (por exemplo, Sl 2,1,0ss; 72,8-1,9) significava que a questão da relação de
e, para conquistá-la, o homem tinha de se empenhar. Também era senti- Israel com o mundo na economia divina teria sido levantada mesmo que a
mento geral que Deus premiaria com seus favores os que eram fiéis nesse religião monoteísta não a tivesse tornado inevitável. Entretanto, apesar de
ponto (crença essa que deveria levantar muitas dúvidas, mais tarde, como ser muito antiga a noção de que a vocação de Israel afetava os povos do
veremos). Acreditava-se até que as boas ações aumentavam o crédito do mundo (Gn 1,2,1,-3 etc.) e embora alguns entendessem que Iahweh guiasse os
homem diante de Deus e constituíam um tesouro de méritos. Embora tam- destinos das outras nações, além de Israel (por exemplo, Am 9,7), e muitos
bém possamos ver alusões a essa crença na literatura bíblica tardia (por até esperassem ainda a conversão dos estrangeiros para a sua religião (1Rs
exemplo, Ne 13,L4. 22.31,), elas são especialmente freqüentes nos escritos 8,41-43),3r na verdade, eles pouco se ocupavam do problema na idade pré-
não canônicos (por exemplo, Tb 4,9; Eclo 3,3ss.14;29,11-1,3;T. Levi 13,5ss). exílica. Israel era uma nação com culto nacional; embora os estrangeiros
Não nos cabe discutir aqui se isso indica uma visão muito otimista das residentes em sua pátria pudessem ser absorvidos (e o foram), não havia ne-
capacidades do homem ou uma compreensão insuficiente da natureza do nhum impulso ativo para fazer proselitismo.
pecado e das exigências da própria lei. Mas certamente indica uma tendên- O exílio, como já dissemos, forçou uma reinterpretação da religião de
cia a externâr a retidão, que o judaísmo, apesar da espiritualidade de seus Israel e uma explicação de sua situação diante das nações do mundo e de seus
grandes mestres, nunca examinou eficientemente. Foi precisamente nesse deuses. Já descrevemos como o Segundo Isaías aclamava o triunfo iminente do
ponto, incidentalmente, que Paulo rompeu radicalmente com a religião de domínio divino, conyidava as nações a aceitá-lo e incitava Israel a ser o teste-
seus pais. munho diante do mundo de que Iahweh era Deus. Embora de rnodo algum ele
tivesse imaginado que Israel fosse perder sua posição eleita, sua mensagem
propagou-se entre os gentios que se encontravam entre o povo de Iahweh, e
B. CARACTERíSTICAS DA TEOLOGIA DO JUDAíSMO PRIMITIVO
assumiu um caráter decisivamente missionário. Esse ideal nobre e sublime,
1. A comunidade judaica e o mundo apesar de ter recebido a aceitação universal, não morreu, mas foi perpetuado
pelos discípulos do grande profeta, como veremos. Mas a restauração não for-
A situação em que os judeus encontraram-se causou inevitavelmente neceu o clima próprio para que ele florescesse. A situação era demasiado de-
problemas que eles nunca tinham sentido antes tão agudamente. E o que salentadora e demasiado terrível para admitir tais larguezas de visão. A comu-
dizia respeito à relação da comunidade com o mundo gentio não era o nidade tinha de lutar por sua identidade como "Israel", contra os povos da
menor deles. Por outro lado, o judaísmo tendia a separar-se do mundo e Samaria e outros residentes na terra cuja pureza religiosa era duvidosa. Um mar
ensimesmar-se, mostrando muitas vezes uma atitude estreita e até intole- de povos pagãos ou semipagãos a circundava, de todos os lados. Tinha-se de se
rante. Contudo, observam-se provas de interesse sincero e profundo pela traçar uma nítida linha divisória para que a pequenina comunidade simplesmen-
salvação das nações, algo parecido com o espírito verdadeiramente missio- te não se dissolvesse no seu ambiente, perdendo seu caráter distintivo, como já
nário tal como o procuraremos em vão no Israel pré-exílico, em que estas
noções estavam, quando muito, latentes. Essa tensão nunca se resolveu sa-
sfEstes
versículos podem pertencer à edição do exílio da obra do Deuteronômio, embora não seja certo. C[ também |s2,2-4 ll
tisfatoriamente. Mq 4,1-4, que não precisam, na minha opiniãq ser considerados como pós-exilicos.
548 PERíODO DE FORMAçÃO JUDATCA EM DrREçÃO À plerurruoe Dos TEMPoS 549

muito agradável a muitos dos melhores judeus, e para muitos positivamente Opostos a estes, estavam sobretudo os fariseus.2 Eles continu aram a tra-
repugnante. Além disso, ela não durou. Loego depois, vieram as legiões ro- dição dos Hasidim dos dias dos macabeus, aquele grupo cujo zelo pela lei não
manas e, com elas, o fim da independência dos judeus. A história conrinuou, admitia compromisso com o helenismo. Embora não fossem de modo algum
mas não para o seu esperado /e/os. nacionalistas militantes, os Hasidim foram levados pelas perseguições selêucidas
a se juntarem na luta pela liberdade religiosa; e quando esta foi alcançada, e a

2. Para onde vai lsrael? Seitas e partidos no judaísmo lutâ tornou-se também uma luta pela independência política, eles perderam o
interesse. Os fariseus, que surgiram como um partido durante o século segun-
Com a luta dos macabeus servindo de catalisador, o judaísmo começou do, foram, como os Hasidim, minuciosos na sua observância da lei. Suas rela-
a firmar-se no século dois e a assumir a forma que teria nos tempos do Novo ções com os reis asmoneus seculares, cuja política eles não podiam aprovar,
Testamento. Contudo, a situação era tal, que levantava com nova intensida- foram quase sempre tensas. Nem grupo aristocrático nem sacerdotal, sua seve-
de a questão sobre qual seria o futuro do judaísmo. Embora essa quesrão ridade moral lhes conquistou respeito geral entre o povo. Com efeito, eles tor-
tivesse sido apenas proposta e discutida de modo abstrato, foi, porém, um naram-se os verdadeiros mentores espirituais do judaísmo, e eram eles que
assunto vital sobre o qual não houve acordo absoluto. O judaísmo não su- davam o seu tom. Embora religiosamente mais severos que os saduceus, eles
portaria ser transformado em outro culto helênico isso era claro. Os ju- eram, em outro sentido, menos conservadores. Não somente aceitavam outras
-
deus permaneceriam um povo à parte, vivendo de acordo com sua lei, confi- partes da Escritura como oficiais, juntamente com a Torá, como também con-
ando em que Deus o vingaria. E como essa vingança viria a concretizar-se e sideravam a lei oral totalmente obrigatória para interpretar a escrita. Foi por
que atitude o judaísmo tomaria nesse intervalo foram questões sobre as quais meio deles que a lei oral foi transmitida e ampliada, até ser finalmente codifica-
as opiniões divergiam. As seitas e os partidos que se estabeleceram nos últi- da no Mishnah (aproximadamente 200 d.C.), e em seguida completada no
mos séculos antes do cristianismo são sintomas desse desacordo. Talmude. Os fariseus aceitaram prontamente a ressurreição e outras novas
Havia, naturalmente, os saduceus. Eles tiravam sua força da aristo- doutrinas semelhantes. Eles acreditavam que o futuro do judaísmo era ser o
cracia sacerdotal e da nobreza secular a eles associadas povo santo de Deus, por meio da observância da lei, escrita e orâ1, até os
- exatamente as
classes que, nos dias selêucidas, foram mais atingidas pelo helenismo. Em mínimos detalhes; os judeus podiam, assim, esperar o cumprimento das pro-
certo sentido, podiam afirmar que eram conservadores, porque só conce- messas, que viria no tempo de Deus. Embora sofressem sob o domínio roma-
diam autoridade à Torá, e nenhuma ao corpo da lei oral explicada pelos no, os fariseus eram em geral contrários a atividades revolucionárias, como
escribas. Eles também rejeitavam noções novas, como a crença na ressur- eram as fantasias excêntricas dos apocalípticos.
reição, as recompensas e castigos depois da morte, a demonologia e a an- Havia, naturalmente, aqueles que achavam que o futuro do judaísmo
geologia e as especulações apocalípticâs em geral. É provável que sua maior estava num nacionalismo agressivo. As pessoas desta opinião foram a espi-
preocupação fosse que o culto do templo e a lei continuassem, especialmen- nha dorsal da revolta dos Macabeus, aqueles que levaram mais longe uma
te que seus rituais e características sacrificais fossem observados sob a su- mera luta pela liberdade religiosa, transformando-a em uma guerra em gran-
pervisão do sacerdócio constituído. Como quer que eles pensassem que fos- de escala pela independência nacional. O estabelecimento e a ampliação do
sem os desígnios de Deus sobre Israel, a sua finalidade no presente era que Estado asmoneu sob João Hircano e seus sucessores, sem dúvida, satisfize-
este status quo fosse mantido. Sendo homens práticos do mundo, eles não ram suas ambições e fizeram com que se acalmasse no momento o naciona-
recuavam diante de compromissos para consegui-lo, prontos a cooperar lismo militante. Mas a chegada da ocupação romanâ, que foi uma coisa ter-
com soberanos seculares, fossem eles os reis-sacerdotes asmoneus, a divi- rível e humilhante para os judeus patriotas, transformou'as centelhas, uma
são mundana, fossem os procuradores romanos, temendo acima de todas vez mais, em chamas. Na época do Novo Testamento, surgiu um partido de
as coisas qualquer distúrbio que pudesse alterar o equilíbrio por isso é zelotas, fanaticamente zelosos e cruéis, que estavam preparados para comba-
-
que julgaram Jesus perigoso. Com efeito, para eles, o futuro do judaísmo
era continuar como uma comunidade de culto hierocrático, sob a lei do
2Cf especialmente L. Finkelstein, The Pharisees,Ihe Jewish Publication Society of America, 2 vols., 2." ed. 1 940; veja também as
Pentateuco. obras citadas no cap, 1 2, nota l.
550 PERÍODO DE FORMAçÃO JUDATCA ptrrulruor Dos TEMPOS
EM DrREçÃO À
551

ter pela independência contra tudo e contra todos, esperando que Deus vies-
sões dentro da estrutura de uma religião seguida em comum, e as linhas divisó-
se em seu socorro.3 Flomens como estes precipitaram as revoltas de 66-70 e
rias entre elas não eram sempre nítidas e firmes. Tirando os negligentes e os
132-135 d.C., que puseram fim à comunidade judaica. Em sua atirude para
apóstâtas, todos os judeus prestavam obediência à lei. E, à exceção dos saduceus,
com a lei, os zelotâs provavelmente pouco diferiam dos fariseus; mas não
que eram mais mundanos, todos tinham esperanças escatológicas e aspirações
estavam dispostos a ver o futuro de sua nação como um futuro de mera
nacionalistas. As diferenças estavam na interpretação da lei, no grau de ênfase
obediência à lei e de esperança.
dada à escatologia e na maneira em que se pensava que a esperança futura da
Finalmente, havia grupos sectários, como os essênios, que viviam em ten-
nação viria a se concretizar.Por exemplo, os essênios, embora entendendo a lei
são escatológica, esperando uma consumação iminente. A seita de Qumran, da
diferentemente, eram tão severos na sua observância quanto os fariseus. E es-
qual vieram os manuscritos do mar Morto, era quase certamente essênia. Não é
tavam sempre preparados, como os zelotas, para combater pelo Deus de Israel
nossa intenção discutir esse assunto aqui.a Como os fariseus, os essênios prova-
quando soasse a hora e realmente combateram em 66-70 d.C. Embora ge-
velmente continuaram a tradição hassídica. A sua oposição aos reis-sacerdotes -
râlmente fossem cautelosos em fantasias apocalípticas e entusiasmos messiânicos,
asmoneus, contudo, era irreconciliável. Parece que eles tiraram sua força dos
os fariseus também esperavam a restauração nacional; alguns deles estavam
membros do sacerdócio saduceu, e atraíram os elementos das tendências
preparados para combater por essa restaurâção como o grande Akiba, quando
apocalípticas a eles associadas, que consideravam o sacerdócio asmoneu como
(em 132-135) aclamou Bar-Cochba como Messias. Entretanto, as divisões aci-
ilegítimo e apóstata. Provavelmente no último terço do século segundo, eles se
ma, embora não devam ser exageradas' uma vez que se davam dentro da estru-
retiram da oposição a Jerusalém e da participação no culto do templo, refugian-
tura de uma comunidade religiosa bem definida, são um indício de que os
do-se no deserto da Judéia, onde levaram uma existência quase monástica, em
judeus não estavam de acordo com respeito ao que Israel deveria ser e qual
preparação para o fim iminente. Foi naturalmente entre os essênios que a tradi-
seria a direção que tomaria o seu futuro.
ção apocalÍptica judaica foi levada adianre, sendo produzida grande parre de sua
literatura. Eles se consideravam como o povo da Nova Aliança. Tinham a sua
própria interpretação da lei, seu calendário próprio e se comprometiam a uma 3. O destin o da história de lsrael: a resposta do iudaísmo
disciplina rigorosa, que prâticavam com toda severidade. Esperavam o fim imi- e a af¡rmação crístã
nente do drama da história, o começo da luta final entre a luz e as trevas, Deus e
Para onde então se encaminha a história de Israel? Finalmente, o juda-
o mal que envolveria
- participar. também uma guerrâ santa sobre a terra, da qual eles ísmo deu a única resposta possível a esta pergunta, e as outras respostas
esperavam Convencidos de que todas as profecias estavam sendo cum-
mostraram-se insustentáveis. Quanto à resposta dos saduceus, não era real-
pridas nos seus dias, eles começaram a mostrar que isso era verdade com alguns
mente uma resposta, porque não dava ao judaísmo nenhum futuro. Era uma
livros da Bíblia. A importância da crença essênia para a compreensão do pensa-
tentativa de preservar um status quo; com o firn daquele status quo, os
mento do Novo Testamento é assunto que tem valor em si mesmo.s
saduceus deixaram de existir, e sua resposta de ter qualquer importância.
Não se deve imaginar naturalmente,que o judaísmo estava em processo
Tampouco o nacionalismo militante trouxe uma resposta. Pelo contrário' ele
de divisão em grupos de apocalípticos, nacionalistas e legalistas. Havia divi-
produziu a destruição nacional e foi forçosamente desprezado, pâssando a
existir somente como um sonho. E o apocalipticismo também não abriu ca-
rsobre os zelotas
como perpetuadores do espírito dos macabeul cf W R. Farme¡ Maccabees, Zealots and losephus, Columbia minho para o futuro. A esperança apocalíptica simplesmente não chegou a se
realizar;um drama tão estranho nunca seria representado no palco da histó-
University Prest 1956.
4A
lileratura importante é vaslíssima; cf C. Burchard, Bibliographie zu den Handschriften vom f oten Meer (Yol.l, 1957; Vol. ll,
I 965 IBZAW 76, 891) para uma lisla até a data da publicação desta obra. Especialmente útil é J. A. F¡tzmyer, fhe Dead Sea Scrolls: ria do mundo. O judaísmo não encontrou o seu futuro como uma comunida-
Maior Publications and fools for Study(Missoula, [/ont.: Scholars Prest 1975). Sobre a arqueologia de Qumran, cf R. de Vaux,
Archaeology and the Dead iea Scrolls (trad. ingl. Londres: Oxford University Prest 1 973). Talvez a melhor fonte para o leitor seja F. de escatológica. O único caminho realmente tomado foi o único que sobrou:
o apontado pelos fariseus, o único que leva ao judaísmo normativo, a Mishnah
M. Cross, The Ancient Library of Qunran (ed. ver., Doubleda¡ I 96 1 ). Para uma breve história dos essênio1 cf. L. Murphy-0'Connor,
"The Essenes in Palestine' (8,4, XL, 1 977, pp. 1 00- i 24). Dos muitos manua is disponíveis, G. Vermel The Dead Sea Scròlls
Qumran
in Perspective(Londres: Collint 1977), é altamente recomendável.
s(l inter alia Cross, op. c/t, cap. V; K. Ste ndahl, e ao Talmude. A história de Israel continuaria na história do povo judeu, um
ed., The Scrolls and the New Testanen¿ Harper & Erotherl New York, I 957; SCM
Press, Londrel 1958; M. Black, lhe Scrolls and Ch¡istian Orþins, Nelson, 1961; iden, ed.,lhe Scrolls and Christianrty, SPCK, Londreg povo escolhido pelo Deus de Israel para viver sob sua lei até a última geração
da humanidade. Para os judeus, portanto, a teologia do Antigo Testamento
1969.

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