Em Busca de Jesus Debaixo Das Pedras
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EM BUSCA DE JESUS
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EM BUSCA DE JESUS
Debaixo das pedras, atrás dos textos
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do livro, SP, Brasil)
Crossan, John Dominic
Em busca de Jesu s: debaixo das pedras, atrás dos textos / John Dominic Crossan
& Jonathan L. Reed ; [tradução Jaci M araschin], — São Paulo ■. Paulinas, 2007.
— (Coleção Bíblia e arqueologia)
. Título original: Excavating Jesus: Beneath the stones, behind the texts.
© 2001 by John Dominic Crossan e Jonathan L. Reed.
Pufclicado por acordo com Harper San Franscisco, uma divisão da HarperCollins Publishers,
^ s versões coloridas e em branco e preto das ilustrações são cortesia de Balage Belogh.
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R u a Pedro de Toledo, 164
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1. M apa da Palestina
SUMARIO
P r e f á c io ......................................................................................................................................................................... 11
P ró lo g o
Pedras e textos................................................................................................................................. 15
In t r o d u ç ã o
As dez principais descobertas das escavações sobre Jesu s................................................... 19
C a pítulo 1
Jesus gravado em pedra................................................................................................................. 33
C a pítulo 2
Camadas sobre camadas sobre camadas................................................................................... 61
C apítulo 3
Como se constrói um reino.......................................................................................................... 95
C a pítulo 4
Jesus em seu lugar.......................................................................................................................... 137
C a pítulo 5
Resistência judaica ao domínio romano.................................................................................... 171
C a pítulo 6
Beleza e ambigüidade em Jerusalém .......................................................................................... 211
C a pítulo 7
Como enterrar um rei..................................................................................................................... 253
E pílogo
Solo e evangelho.............................................................................................................................. 291
Agradecimentos............................................................................................................................... 299
Fontes arqueológicas...................................................................................................................... 301
ín d ic e d a s i l u s t r a ç õ e s ........................ ................................................................................................................... 307
A primeira edição em inglês deste livro partiu da dialética entre pedra e texto,
mostrando a interação entre o solo e o evangelho e a integração da arqueologia com a
exegese, respeitando a validade plena de cada uma dessas disciplinas. A metodologia
empregada não tentou reduzi-las a notas de rodapé nem fazer de uma pré-requisito
da outra. Esta edição revisada não mudou o procedimento. Mas o ossuário desco
berto recentemente contendo talvez a mais antiga evidência tangível de Jesus exigiu
esta segunda edição para utilizá-la como exemplo ou símbolo concentrado desse
processo de integração, muito embora com aspectos ao mesmo tempo positivos e
negativos.
Depois da descoberta e até mesmo antes das conclusões sobre sua autenticidade,
identidade e integridade, não tínhamos dúvida alguma de que ocuparia o primeiro
lugar na lista das principais descobertas arqueológicas das escavações sobre Jesus. C om o
não queríamos deixar de lado nenhuma das dez descobertas anteriores, reunimos
duas delas numa só. Poderíamos ter combinado Caifás e Pilatos porque haviam
trabalhado juntos durante dez anos e acabaram sendo demitidos ao mesmo tempo
por seus superiores romanos. Mas preferimos outra justaposição. Escolhemos a
romanização, urbanização e comercialização da Baixa Galiléia, concentrando-nos no
Mar da Galiléia dos anos 20 d.C. Relacionamos, então, a casa de Pedro e o barco da
Galiléia e denominamos o número 5 de nossa lista de “Mar de Tiberíades” (segundo
0 relato de João 6,1 e 2 1,1). Tanto a casa como o barco refletem, de diversas ma
neiras, 0 comércio de pesca no lago. Achamos que esse fato justifica a combinação.
Decidimos situar o ossuário em primeiro lugar na lista das dez descobertas por
causa da sua importância para traçar o perfil de Tiago e por este refletir sobre Jesus
não apenas fraternalmente mas também teologicamente. Também, porque acentua
0 lugar da arqueologia como disciplina científica e não como caça a tesouros. Além
disso, por causa das questões que levanta.
A ética da descoberta. 0 ossuário de Tiago chegou até nós graças ao comércio dos
antiquários e não peias escavações arqueológicas. Não sabemos, pois, se a descoberta
original se deu por acaso, ou se fez parte de pilhagem planejada. Por isso sempre
paira sobre ela a possibilidade de falsificação. Quando surgem artefatos desse tipo
que chamam a atenção do público, especialistas, sociedades científicas e autoridades
de museus enfrentam sério dilema. Discuti-los e aceitá-los poderia incentivar buscas
paralelas, pilhagens ilegais e destruição imoral de heranças. Mas, por outro lado,
ignorá-las é impossível, pois até a recusa de discuti-los já suscitaria inevitavelmente
comentários a respeito. Usamos o ossuário, neste livro, deliberadamente para res
saltar a diferença entre estudos arqueológicos e pilhagens culturais.
Mas nada disso aconteceu. O que temos agora é o ossuário de Tiago sem nenhum
contexto, indicação de proveniência ou história. E quase uma advertência sobre os
efeitos destruidores da prática paralegal de certos colecionadores, sobre potenciais
sanções criminais aplicadas a quem se envolve com o mercado ilegal de compra e
venda de antiguidades, e a respeito da diferença moral entre trabalhos arqueológicos
científicos e falsificações culturais. O ossuário de Tiago carrega no seu invólucro
de pedra mais sinais de pilhagem cultural do que a pátina da pesquisa científica.
A caixa sofreu rachaduras no transporte de Israel para o Canadá. Mas já havia sido
danificada durante o trânsito do passado para o presente. A descoberta já estava
rachada desde o começo.
2. Ossuário de Tiago rachado no transporte
P ró lo g o
PEDRAS E TEXTOS
Por que Jesus aconteceu? Quando e onde? Por que naquela ocasião? Naquele
lugar? Afinemos mais a pergunta. Por que esses dois movimentos populares, o do
batismo, de João, e o do reino, de Jesus, ocorreram em territórios governados por
Herodes Antipas nos anos 20 do primeiro século de nossa era? Por que não em outra
época? Em outra região?
^ Por que chamar este livro de Em busca de jesus? Como justificar tal ousadia?
É comum falar-se a respeito de escavações de vilarejos, vilas e cidades; casas são
cavoucadas, abrem-se túmulos e se exploram até mesmo barcos. Mas como escavar
a respeito de Jesus? Até que ponto qualquer escavação conseguiria chegar perto de
sua pessoa? Será que o ossuário com a inscrição Tiago-José-Jesus representaria o
objeto mais próximo possível desse objetivo?
O engenheiro eletrônico Oded Golan de Tel Aviv, agora com cinqüenta e poucos
anos, vem reunindo antiguidades judaicas desde a idade de oito anos, possuindo
neste momento a maior coleção particular desses objetos em Israel e, talvez, no
mundo. Entre mais ou menos três mil itens encontram-se trinta ossuários incluindo
0 que, segundo Golan, custou apenas 200 dólares, comprado há cerca de 25 anos de
um antiquário. A transação teria acontecido em 1977, um ano antes do governo de
Israel ter aprovado a lei que transformava todos esses artefatos em propriedade do
Estado. Oded, que fez essa transação, conta que a urna fora adquirida de Silwan, ao
sudeste do Monte do Templo, onde residências modernas foram construídas sobre
rochas salpicadas de orifícios para abrigar sepulturas antigas. Mesmo que essa his
tória seja verdadeira, o ossuário de Tiago está na mostra sem nenhuma menção do
lugar onde teria sido achado, sem indicação de fontes nem de história.
Por outro lado, de que maneira poderemos falar sobre esse tema? Considerando
que a função da arqueologia consiste em escavar e que, portanto, pode exercer essa
atividade em relação a Jesus, não apenas procurando achar algum possível ou até
mesmo definitivo ossuário fraternal mas recuperando tanto quanto possível o mundo
social no qual viveu, por que o termo “escavação” seria corretamente empregado
tanto a pedras como a textos? Sabemos que os Rolos do Mar Morto de 1947 e os
Códices de Nag Hammadi de 1945 foram encontrados por pastores e camponeses
debaixo do solo por acaso e não pelo esforço planejado de cientistas. Mas quando
este livro fala de “escavações a respeito de Jesus” não apenas de caráter arqueológico
mas também no campo da exegese não se refere a essas escavações em busca de
textos. Os evangelhos possuem algo próprio que nos leva a pensar na possibilidade
de buscar o que está por trás deles. E por isso que o termo se aplica neste livro tanto
à exegese como à arqueologia. Vem daí o método e a maneira que escolhemos para
alcançar o propósito principal da obra.
Coube a seu filho, Herodes Antipas, no tempo de Jesus, promover intenso projeto
de romanização, urbanização e comercialização da Galiléia, com a reconstrução de sua
primeira capital, Séforis, em 4 a.C. e com a nova construção de Tiberíades em outro
local, em 19 d.C. Sob Antipas, que imitava o pai, guardadas as devidas proporções,
0 reino de Roma atingiu pela primeira vez efetivamente a Baixa Galiléia nos anos
20. Embora as feições da arquitetura greco-romana cobrissem as terras judaicas,
e o comércio e a urbanização do império redistribuíssem riquezas, os arqueólogos
descobriram tanto na Judéia como na Galiléia sinais de que o povo judeu vivia de
maneira distinta dos outros ao redor.
AS DEZ PRINCIPAIS
DESCOBERTAS DAS
ESCAVAÇÕES SOBRE JESUS
Descobertas arqueológicas
As dez principais descobertas arqueológicas abrangem objetos particulares e
lugares gerais. As primeiras quatro referem-se a objetos específicos — com ligações
diretas ou indiretas com textos dos evangelhos —, embora contenham importantes
aspectos de seus mundos contemporâneos. Seguem-se cinco pares. Não se trata de
malabarismo para evitar que a lista aumente para dezesseis itens, muito embora
talvez isso pudesse ser decorrência deste estudo. Em cada caso percebe-se um fe
nômeno específico mais visível nos pares do que em cada um de seus elementos:
comércio no lago de Tiberíades, reino romano-herodiano na terra judaica, urbani
zação da Galiléia, resistência judaica a Roma e vida urbana judaica. O último item é
um conjunto de objetos cuja importância para a religião judaica do primeiro século
é interna e externamente cumulativa. O valor dessas coisas vem não de exemplos
ou de categorias isoladas mas sim do número de casos na mesma categoria e da
combinação entre eles.
7. Séforis e Tiberiades. Como seu pai, Herodes Antipas agia como cliente de Roma
(4 a.C.-39 d.C.), não como rei, mas na qualidade de tetrarca inferior, apenas sobre a
Galiléia e Peréia, sem nenhuma autoridade sobre o resto do território judaico. Como
0 pai, construiu cidades, mas nunca com o mesmo esplendor alcançado pelo pai.
Herodes Antipas não era rico nem poderoso como Herodes, o Grande. Mas urbani
zou a Galiléia com a edificação de Séforis e Tiberíades. Esta última, naturalmente,
em homenagem a Tibério. Embora Tiberíades seja hoje belo lugar de lazer ao longo
do mar, oferece poucas chances de escavações. As ruínas de Séforis continuam ina
bitadas e têm sido escavadas até agora por quatro grupos nas últimas décadas. As
descobertas espetaculares incluem um teatro em estilo romano, um grande aqueduto
subterrâneo e mosaicos dionisíacos, do período romano. Fazem-nos perguntar até
que ponto Antipas impôs o estilo arquitetônico greco-romano à população judaica
e qual teria sido seu impacto na construção de seu reino na Galiléia. Séforis, afmal,
distava apenas 4 milhas de Nazaré, a cidade onde Jesus morava.
9. Jodefá e Gamla. Duas cidades, uma sobre uma colina na Baixa Galiléia e a outra
no alto de uma cordilheira no Golan ao leste, foram destruídas pelas legiões romanas
em 67 d.C., permanecendo sepultadas e esquecidas até as escavações do século pas
sado por arqueólogos de Israel. Além de confirmarem seu fim catastrófico conforme
relatou Josefo, Moti Aviam em Jodefá e Shmarya Gutmann em Gamla mostraram
as frágeis defesas e a vida diária dessas duas cidades judaicas. Nenhuma delas foi
mencionada nos evangelhos nem, tampouco, construíram-se igrejas, mosteiros ou
santuários em seus espaços. Mas preservaram até nossos dias, ironicamente, frag
mentos arqueológicos da vida judaica no tempo de Jesus.
10. Vasos de pedra e piscinas rituais. Nos lugares onde viviam os judeus na Galiléia
e ao redor de Jerusalém na Judéia, existiam vasos de diferentes formas e tamanhos,
esculpidos ou torneados em pedra-sabão, e piscinas com degraus revestidas de ges
so, embutidas na rocha, chamadas miqwaoth (singular, miqweh) referidas neste livro
como balneários rituais. Esses itens particulares sinalizavam o caráter judaico para
os contemporâneos pertencentes a um povo diferente. Tanto os vasos de pedra como
os balneários rituais relacionavam-se com práticas de pureza. Esses elementos não
são mencionados nos evangelhos a não ser, de passagem, quando se fala de jarros
na história das bodas de Caná Qoão 2,6). Mas a freqüência com que aparecem nas
camadas arqueológicas da época dá a entender que todos conheciam e que não pre
cisavam, por isso, ser mencionados nos evangelhos, pois faziam parte da religião
judaica e das características desse povo no tempo de Jesus.
Essas dez descobertas e todas as outras que virão precisam ser postas em seu
ambiente arqueológico. Lembremos o seguinte: às vezes a descoberta torna-se im
portante por causa de objetos ao seu redor tais como uma pequena moeda de bronze
ao lado ou alguns cacos de louça debaixo dela. Objetos aparentemente sem valor,
quando comparados com a totalidade da descoberta, podem servir para estabelecer
datas e esclarecer contextos, tornando o achado não apenas uma novidade a mais
mas também um dos dez mais importantes até agora.
Descobertas exegéticas
Ao passar das dez mais importantes descobertas arqueológicas para as dez
igualmente mais importantes descobertas exegéticas sobre Jesus, entramos em
outro mundo. Mesmo os que discordam de nossas escolhas arqueológicas podem
ainda conferi-las em sítios ou museus e ver que existem. Ninguém pode negar, por
exemplo, a existência das construções de Herodes, não importando como entenda
seu sentido ou as interprete. Mesmo os que negam que certa estrutura em Cafarnaum
tenha sido de fato a casa de Pedro no primeiro século, ainda assim estará falando a
respeito de um lugar concreto, de um sítio específico e de um edifício em ruínas. O
mesmo não se aplica aos itens desta nova lista.
Com exceção dos Rolos do Mar Morto, todos os demais itens referem-se a textos
bastante posteriores a Jesus. Mas o que descobrimos e decidimos a respeito deles
importa muito para qualquer reconstrução do Jesus histórico. 0 item fmal da lista
envolve a ampla questão a respeito dos desenvolvimentos teológicos no cristianismo
primitivo, a saber, o choque severo entre Tiago e Paulo como intérpretes de Jesus.
Embora hoje em dia a maioria dos cristãos tenda a pensar que Paulo é o intérprete
normativo de Jesus, no primeiro século até mesmo ele se dava conta de que Pedro,
Barnabé e outros preferiam a interpretação de Tiago à sua. Tenhamos em mente,
pois, que vamos examinar Jesus não apenas pelos olhos de Paulo nem mesmo de
Tiago, mas por meio do debate entre eles e alguns outros.
3. Marcos, Mateus eLucas. Desde que se tornou óbvio aos especialistas que Mateus,
Marcos e Lucas mostravam muita semelhança quanto à seqüência e ao conteúdo
e que, portanto, se poderia presumir certa conexão genética entre eles (primeira
descoberta), o próximo passo foi a busca de como se deu esse relacionamento (se
gunda descoberta). Em 1789-1790 JohannJakob Griesbach sugeria que Mateus teria
vindo em primeiro lugar. Marcos copiara Mateus e Lucas reproduzira os dois. Mas
em 1835 Karl Lachmann propôs outra gênese: Marcos seria o primeiro e Mateus e
Lucas copiaram-no independentemente. Essa alternativa é a mais aceita agora. As
camadas de Marcos em Mateus e Lucas justificam o uso do termo “escavação” na
exegese. Mas onde mais tal escavação textual seria requerida nas pesquisas sobre
os evangelhos?
10. Tiago contra Paulo. Qual era a questão central nesse debate? Tiago e Paulo
concordavam que a circuncisão não devia ser exigida dos pagãos convertidos, porque
a justificação divina fmal do mundo já começara e era processo contínuo em vez de
instante momentâneo. Concordavam também que o cristianismo judaico e o pagão
deveriam permanecer juntos na mesma comunidade. Mas que dizer a respeito de
kosher nas refeições comunitárias e das preocupações sobre pureza nos contatos
comuns? Perguntava-se se quando judeo-cristãos e pagãos comiam juntos se de
veria ou não observar as tradições kosher. Tiago dizia que sim. Paulo era contra. Os
principais apóstolos concordavam com Tiago. Essas questões eram ainda debatidas
no ano 50, porque Jesus nada dissera a respeito delas por volta do ano 30.
Camadas paralelas
Voltamos agora ao tema das camadas paralelas em relação às escavações relacio
nadas com Jesus. A importância das camadas arqueológicas é reconhecida univer
salmente. Quando se viaja pela Mesopotâmia vêem-se inúmeros sítios que indicam
a superposição de camadas testemunhando habitações humanas. São amontoados
em oposição à monotonia achatada do cenário. Quando se cavouca ou se escava sem
0 cuidado de examinar cientificamente essas camadas, nada mais se faz além de
pilhagem cultural. Se o item achado não for identificado cuidadosa e acuradamente
com a sua camada histórica própria, dificilmente será mais do que mero objeto.
Examinemos, por exemplo, dois exemplos clássicos de análise incorreta de camadas
e, conseqüentemente, das conclusões históricas equivocadas.
As nove cidades datam de entre 3000 a.C. e 600 d.C. Tróia VII, de 1250 a 1000
a.C., é a candidata mais plausível para ocupar o cenário da guerra de Tróia. Schliemann
identificou até a quinta cidade relativa a 1300 anos. A cidade governada por Príamo
e Hecuba, cercada por Agamêmnon e Aquiles, destruída por uma bela mulher entre
dois esposos reais (ficção?) ou, melhor, num estreito estratégico entre dois mares
comerciais (fato?), não era, infelizmente, Tróia II, mas Tróia VII. Embora prosaico,
era preciso admitir que “o ouro de Príamo” tinha que se submeter à análise das
camadas arqueológicas, com sua sujeira e detritos, para precisar a localização no
espaço antes de datá-la.
Os muros de Jericó. Entre 1907 e 1909 uma expedição arqueológica alemã dirigida
por Ernst Sellin e Cari Watzinger escavou um oásis num deserto de Jericó, esperando
encontrar a cidade e os muros que Josué e os israelitas conquistadores teriam destru
ído. O trabalho chegou à conclusão insatisfatória: os muros destruídos encontrados
eram do fim da Idade Média do Bronze (2000-1500 a.C.), pelo menos dois séculos
antes e, portanto, inadequados para confirmar a narrativa do livro de Josué. De
1929 a 1936 John Garstang empenhou-se em corrigir os problemas que, segundo
ele, os alemães haviam criado e cavou novamente muitos dos fossos deixados pelos
arqueólogos anteriores. Cortando outras porções do sítio, identificou cerca de doze
diferentes camadas do Período Neolítico (8000-4500 a.C.). Na extremidade norte do
sítio arqueológico encontrou o que procurava num nível que chamou de Cidade IV:
um grande muro destruído, segundo ele, num cataclismo no final da Idade Tardia do
Bronze (1500-1250 a.C.), que fora a data da conquista bíblica. Na década de 1950,
a arqueóloga britânica Kathleen Kenyon, ajudada por um método mais cuidadoso
de identificar camadas e por mais acurada tipologia de classificação de cerâmicas,
reescavou o lugar. Os muros de Garstang haviam sido, de fato, destruídos por terre
moto e incêndio, segundo Kenyon, mas pertenciam a fortificações da Idade Antiga
do Bronze (3200-2000 a.C.). Com precisão meticulosa, Kenyon demonstrou como
esse muro da Idade Antiga do Bronze havia sido coberto por aterros que sofreram o
efeito da erosão quando o lugar fora abandonado. Fragmentos de material da Idade
Tardia do Bronze foram acrescentados ao complexo por meio de fendas produzidas
pela chuva. Esses elementos teriam enganado Garstang, levando-o a datar o muro
como 0 de Jericó destruído pelos israelitas. Mas Kenyon teve a palavra fmal: os
muros de Jericó do tempo de Josué ainda não haviam sido achados. Como o ouro
de Príamo, os muros de Jericó precisam se submeter à organização das camadas,
aos fragmentos encontrados entre sujeira e detritos, para que se possa estabelecer
com precisão o lugar antes de estipular qualquer data.
A s cam adas do evangelho. Esses procedimentos são claros e servem para acentuar
a importância do correto estabelecimento das camadas arqueológicas para chegar a
conclusões históricas válidas. Assim como a Ilíada não garante que tesouros acha
dos sejam de Príamo, também a Bíblia não é suficiente para afirmar que alguém,
afinal, encontrou os muros de Jericó. Trata-se da aplicação correta da metodologia
para estabelecer camadas nas escavações arqueológicas. Mas que dizer a respeito
do estabelecimento de camadas nas escavações exegéticas? Nesse caso as coisas são
bem mais controvertidas.
Neste livro não afirmamos que todos, especialmente os dois autores deste livro,
precisam concordar com todas essas camadas dos evangelhos. O que dizemos é que
sempre é necessário tomar decisões a respeito delas tanto em arqueologia como na
exegese, e que as discordâncias não negam sua importância (antes, a afirmam), posto
que são de extrema importância para as escavações a respeito de Jesus.
JESUS GRAVADO
EM PEDRA
Depois de permanecer numa galeria durante a noite para climatização, a caixa foi
aberta na manhã da sexta-feira e a coletiva para a imprensa adiada para as 3 horas da
tarde. A rachadura de um dos lados maiores agora arqueava-se a partir de pequena
área danificada até outra, em cima, que se insinuava também, pela inscrição que
era, afinal, o ponto focal de toda a excitação ao redor de mais esse ossuário do pe
ríodo herodiano. 0 proprietário da caixa, identificado depois como Oded Golan de
Tel Aviv, fizera os arranjos para o empacotamento e transporte pela empresa Brinks
Ltda. (de Israel), posto que o artefato fora avaliado em 2 milhões de dólares. Mas,
segundo o diretor administrativo do Museu Real de Ontário, Daniel Rahimi, não
foram observadas as normas de transporte entre museus. Essas exigem gradeados
duplos recheados de material resistente; nesses casos os danos durante o transporte
são extremamente raros.
Autenticidade
Inúmeros estudiosos receberam a notícia com ceticismo. Seu cinismo nada tinha
a ver com o costume de certos acadêmicos de negar a historicidade da Bíblia, mas
com os anúncios de demasiadas descobertas arqueológicas “novas” e “muito impor
tantes” que acabavam não sendo, na verdade, nada disso. Em face da lista das novas
descobertas que a mídia sensacionalista considerava autênticas, e os especialistas
negavam, relembremos o destino desses ossuários anteriores antes de decidirmos
a respeito dessa importante descoberta recente.
Grafites e inscrições nos ossuários 113 e 114 inspiraram o título do artigo e des
pertaram o interesse de muitos cristãos. Segundo Sukenik, a frente do ossuário 113
mostrava um grafite escrito em grego com carvão: “Ai, Jesus” (!) e no lado do ossuário
114, também em grego, algo semelhante entre desenhos de cruzes também riscadas
com carvão. Essas inscrições, segundo o autor do artigo e outros estudiosos cristãos
afoitos, representariam apelos ajesus em favor dos mortos cristãos ou, então, feitiçaria
mágica e até mesmo proclamação triunfal. Essa prática poderia ser interpretada como
expressão da esperança na ressurreição. A importância que então se lhes atribuía, na
turalmente, vinha das datas de sua origem, antes do ano 70 d.C., mas possivelmente
entre 42 e 43 d.C. — apenas uma década depois da morte de Jesus — , fazendo desses
ossuários a mais antiga evidência arqueológica do cristianismo.
Numa das caixas de ossos, listada por Rahmani como Ossuário 701, liam-se as
palavras gregas: “de Mariamene que é (também chamada de) Mara”. Mariamene é
outra forma de Mariam ou Mariame, nossa Maria. Na outra caixa, de número 704,
alguém rabiscara com letras pequenas e espichadas o nome Yeshua bar Yehosef,
ou Jesus, filho de José. No ossuário 705, o nome de Yehosef, ou José, aparece num
aramaico mais formal, na forma abreviada, Yoseh. A semelhança das inscrições e da
maneira de gravá-las sugerem que Maria e José eram os pais de Jesus.
Mas seria esse oJesus que estamos tentando escavar neste livro? Como o próprio
jornal citado acima ponderava, concluiu-se que ninguém na comunidade arqueológica
desde Simeão pensava dessa maneira, pois o nome mais comum nos ossuários era o
dejosé (19 de 147 nomes, masculinos e femininos em ossuários conhecidos) seguido
do nome de Jesus (10 dos 147). 0 nome feminino mais comum depois de Salomé é
Maria, grafado de diversas maneiras (20). É provável que os leitores conservadores
daquela manhã pascal tivessem se sentido aliviados com essa conclusão.
Ponto e contraponto
Mas. Qualquer tipo de pátina pode ser falsificada: há muitos exemplos disso.
Chama-se de pátina o resultado do processo químico por meio do qual se forma
uma fina camada na superfície de determinado objeto quando seus componentes
reagem com os do ambiente. Esse processo pode ser falsificado de duas maneiras.
O método mais simples consiste na aplicação de nova pátina no objeto antigo. O
outro, mais sofisticado, acelera o processo, que normalmente leva muito tempo
para se desenvolver, por meio de diversos banhos e sepultamentos em terrenos
Ya‘aqov bar Yosef akhui díTeshua
Tiago, filho de José, irmão de Jesus (coleção particular, origem desconhecida)
•íiDnniJ-in~í^ _3 D im
Yehosef bar Chananya haSepher
José, filho de Hananya, o escriba (Rahmani 893, Monte Scopus, Jerusalém)
O relatório da pesquisa dos geólogos não tem sentido algum. Apenas nos diz que
a inscrição não é uma falsificação mal feita. Confirma, além disso, o que qualquer
arqueólogo aceita, isto é, que a urna veio de Jerusalém. Mas não autentica a inscrição
nem afirma sua falsidade. Para chegar a uma conclusão aceitável faz-se necessária
análise mais rigorosa e científica. Até que se chegue lá, quem carregará o peso da
prova; os que dizem que o ossuário é autêntico ou os que o consideram falso?
A fam ília . Apenas para argumentar, consideremos autêntica a inscrição inteira,
bem como a antiguidade da pátina, e perguntemos: teria sido esse Tiago o filho do
no5so José, irmão do mesmo Jesus que estamos buscando? E claro que a combinação
dos nomes e as relações familiares entre eles nos deixam perplexos. Mas qual será
a probabilidade de que essa caixa contenha realmente os ossos de Tiago, o Justo, e
que a inscrição seja a mais antiga gravação do nome de Jesus?
Mas. É bastante remota a chance de que um entre esses vinte Tiagos seja o que
estamos procurando. Entretanto, nesses ossuários, a indicação do relacionamento
fraterno “irmão de” era extremamente rara, em contraposição à citação mais comum,
“filho de”. Lemaire sugere que a expressão “signifique provavelmente que o irmão
representava importante papel, responsabilizando-se pelo funeral ou, mais geral
mente [...], porque era pessoa muito conhecida”. E, neste caso, se fosse realmente
o nosso Jesus, também “famoso e muito reverenciado”. Mas, por outro lado, posto
que o propósito dessas inscrições era identificar o morto, o nome do irmão poderia
ter sido incluído apenas para distingui-lo de outros membros de uma família grande
como, por exemplo, o avô Tiago do neto do mesmo nome, ou o tio Tiago de outro
tio também Tiago. Se tivéssemos conhecimento do contexto original desse caso a
inscrição seria mais facilmente compreendida. Para decidir se o ossuário pertencia
realmente a Tiago, o Justo, precisamos não só de estatísticas e probabilidades mas
também de intuição e inclinação.
Leis. Por todas essas razões, a maioria dos países do Mediterrâneo e do Oriente
Médio estabeleceu leis estritas contra a compra e a venda de artefatos antigos e
especialmente contra sua exportação. Felizmente passaram os tempos em que se
considerava normal a prática de pilhagem colonial que aprovava o desmonte da
porta de Mileto na Turquia para reconstruí-la depois em Berlim, ou a remoção dos
mármores de Elgin da Acrópole de Atenas e da pedra da Roseta do Delta do Nilo para
exibi-los até hoje no Museu Britânico de Londres. A convenção da Unesco procurou
proibir e prevenir importações, exportações e vendas ilícitas de artefatos antigos
que fazem parte da herança cultural de diferentes povos. Essa lei foi ratificada pelos
Estados Unidos em 1982. Hoje em dia, através do mundo, arqueólogos profissionais
e membros de sociedades acadêmicas denunciam participações diretas ou indiretas
na compra ou venda de artefatos escavados ou importados ilegalmente. As Escolas
Americanas de Pesquisa Oriental e a sociedade acadêmica de arqueólogos sírio-pa-
lestinos e bíblicos dão as razões de sua política: “O comércio ilícito de antiguidades
incentiva a pilhagem de sítios arqueológicos, ocasionando sua destruição e a perda
das informações que contêm”.
A rqueólogos. Eis a seguir alguns exemplos do que se pode fazer para proteger
sítios e lidar com ladrões de túmulos, comerciantes e seus intermediários. Tratemos
em primeiro lugar, dos arqueólogos. Em 1987, achou-se num chão de mosaico em
Séforis, na Galiléia, um belíssimo retrato de mulher. Os escavadores, sabendo que
um medalhão fora recortado de outro mosaico de um parque nacional das redondezas
e roubado, cobriram a figura com folhas e areia para dificultar a ação dos ladrões.
Na temporada seguinte, estudantes voluntários passaram uma semana reescavando
0 local. Em 2000 um jarro foi encontrado entre camadas da Idade do Ferro em Ein
Zippori no norte de Israel. Um dos estudantes e um dos diretores da expedição
montaram guarda durante o dia e dormiram de noite perto do lugar. O diretor não
estava preocupado em proteger o vaso por causa de seu valor, mas em conservá-lo
in situ, mantendo-o na camada onde fora achado para examinar seu conteúdo e o
contexto original. No dia seguinte, a meticulosa escavação mostrou para que servira
0 jarro e a qual camada pertencia, determinando se fora usado para guardar grãos ou
água, ou para o sepultamento de uma criança. Esse jarro nos lembra da importância
do contexto para fornecer ao arqueólogo informações sobre o mundo antigo, coisa
que não seria possível apenas com o manuseio de peças isoladas.
Ciência. Nossas reservas sobre coleções de antiguidades não são apenas de ordem
legal ou moral, mas também intelectual. Colecionar sempre depende do desejo pes
soal de possuir coisas de valor artístico ou histórico vindas da antiguidade. Da mesma
forma, nossas dúvidas a respeito da cobertura da mídia tem a ver com a ênfase que
ela dá aos aspectos esteticamente agradáveis dos achados ou a descobertas que lhes
parecem responder a questões complexas com simples sim ou não. Será que esta
escavação prova que a Bíblia é falsa? Ou, pelo contrário, o artefato mostra que ela
é verdadeira? Será que o ossuário Tiago-José-Jesus está de acordo com a narrativa
bíblica? Trata-se de pontos de vista conceitualmente imaturos e sensacionalmente
anunciados pertencentes à primeira metade do século vinte que não fazem mais
sentido nos diálogos arqueológicos sérios.
O irmão de Jesus
Se tivéssemos apenas os escritos do historiador judeu do primeiro século Josefo,
saberíamos a respeito de João Batista, Jesus, o Cristo, e Tiago, seu irmão, mas nada,
por exemplo, sobre Pedro ou Paulo. Se calcularmos a quantidade de espaço dado a
cada um deles, o resultado será este: Tiago ocupa 27 linhas escritas em grego na obra
Antiguidades judaicas 20.199-203; João Batista, 24 em 18.116-119 e, finalmente, Jesus,
apenas 13 em 18.63-64. Em outras palavras, Tiago ocupa duas vezes o espaço de seu
irmão, Jesus (mesmo com acréscimos posteriores sobre este último). Se, portanto,
imaginássemos a descoberta de um túmulo com a tríade que estamos considerando,
Tiago ocuparia o primeiro lugar. Agora que se encontrou um ossuário que talvez
tenha contido os ossos de Tiago, o irmão, que sabemos a respeito dele? Além disso,
de que maneira avaliamos os vários e competitivos textos cristãos primitivos a seu
respeito? O arqueólogo distingue as camadas no chão e procura indicações na for
ma dos artefatos. Semelhantemente, o exegeta deve distinguir as diversas camadas
presentes no texto e procurar pistas a respeito dos propósitos das tradições.
Identidade
Por outro lado, nenhuma das cartas dePaulo no Novo Testamento datadas dos
anos 40 e 50 menciona Tiago, filho de Zebedeu, irmão de João. Mas em 1Coríntios
15,5-7, Paulo relata aparições do ressuscitado “a Cefas [nome semítico para Pedro],
e, depois, aos Doze [...]; posteriormente [...] a Tiago, e, depois, a todos os apósto
los”. Observemos, de passagem, que os Doze representavam um grupo menor no
círculo mais amplo dos apóstolos — Paulo não delimita o número dos apóstolos.
Em Gálatas 1,19, Paulo descreve sua primeira visita a Cefas em Jerusalém e escreve:
“Não vi nenhum outro apóstolo, mas somente Tiago, o irmão do Senhor”. Daí para
a frente, em Gálatas 2,9, cita “Tiago, Cefas e João, tidos como colunas” da comu
nidade de Jerusalém e, finalmente, em 2,12 menciona “alguns vindos da parte de
Tiago” para Antioquia. Concluímos que o Tiago de Atos dos Apóstolos, de Lucas,
é 0 mesmo das primeiras cartas de Paulo, a saber, o irmão de Jesus. Esses textos
estabelecem, de fato, a identidade e a autoridade. A seção seguinte confirma o que
estamos dizendo.
Autoridade
Sem nenhuma rejeição desse tão alto louvor, o dito seguinte, de número 13,
estabelece a autoridade de Tomé e a ressalta acima da de Pedro e de Mateus. É pro
vável que a autoridade de Tiago não tenha sido rejeitada mas substituída pela de
Tomé (depois da morte de Tiago?).
Esses textos estão de acordo com o testemunho de Atos dos Apóstolos e com a
carta de Paulo aos Gálatas a respeito da autoridade de Tiago. De fato, sua importância
foi atestada nas primeiras camadas da tradição cristã, desde a primeira, de Paulo,
passando pelo livro canônico de Atos e pelos evangelhos não canônicos de Tomé e
dos hebreus, até os últimos escritos atribuídos a ele nos Códices de Nag Hammadi
como 0 Apocryphon de Tiago ou o Primeiro e Segundo Apocalipse de Tiago. Tais textos não
refletem a teologia do Tiago histórico mas, certamente, confirmam a autoridade que
ele possuía tanto geográfica como cronologicamente na teologia cristã primitiva.
Martírio
Oposição
o mais importante sobre Tiago não é, contudo, a autoridade que tinha no cristia
nismo primitivo. Nem mesmo seu martírio, que, como o de seu irmão, resultou da
oposição aos sumos sacerdotes. É sua oposição a Paulo. Já se nota o fato na epístola
aos Gálatas. O livro de Atos nada fala a respeito, coisa que nos impede de harmoni
zar e combinar Paulo com Lucas nem fundir essas duas camadas distintas numa só,
distinguindo o primeiro Paulo do segundo Lucas. Por outro lado, o romance cristão
conhecido como Reconhecimentos clementinos, do segundo século, aumenta a ficção
e a eleva fantasticamente, constituindo-se em outra camada exegética. Levanta-se,
assim, importante questão a respeito das escavações textuais a respeito de Jesus.
Que acontece quando consideramos Jesus a partir de seu irmão Tiago e não de Paulo,
ou, pelos menos, dos dois?
Paulo e Lucas. Lucas e Paulo concordavam que por volta do ano 50 d.C. de
batia-se em Jerusalém a respeito da circuncisão. Tratava-se de assunto crucial e
importante. Estava em jogo se pagãos convertidos ao cristianismo deveriam ser
circuncidados como os judeus, que já haviam passado pelo ritual antes de aceitar
a fé cristã. Valiam-se das fontes: a exigência da circuncisão dos pagãos convertidos
vinha de “alguns da Judéia”, segundo Lucas em Atos 15,1, ou de “falsos irmãos”,
como escreve Paulo em Gálatas 2,4. A diferença indica, certamente, tonalidades
discordantes: para Lucas tudo é pacífico e faz parte do consenso; para Paulo, trata-
se de tensão polêmica. Concluem, mais tarde, pela posição negativa, isto é, que
os pagãos convertidos não precisam se circuncidar. Finalmente, também afirmam
que Tiago ocupava importante lugar no debte. Lucas registra que Pedro, Barnabé e
Paulo falaram em primeiro lugar e Tiago, depois. Mas foi Tiago que concluiu: “Eis
por que eu julgo que não se devem molestar os pagãos que se convertem a Deus”,
obrigando-os à circuncisão (At 15,19). Paulo afirma em Gálatas 2,9: “E conhecendo
a graça a mim concedida, Tiago, Cefas e João, tidos como colunas, estenderam-nos
a mão, a mim e a Barnabé, em sinal de comunhão: nós pregaríamos aos gentios e
eles para a circuncisão”. Mas, não obstante acordos gerais e valiosos, persistiam
discordâncias específicas e igualmente importantes.
Essa paz cósmica será celebrada num banquete universal hospedado por Deus
em Jerusalém, segundo Isaías 25,6-8:
(diversos, muitos, todos?). Mas agora concordavam com a exigência de Tiago para
a solução em favor da refeição kosher. Paulo condenou duas vezes, como hipocrisia,
a mudança de não-kosher para kosher para todos. Não foi registrada a resposta da
assembléia mas, certamente, teria sido esta: “Não, Paulo, não se trata de hipocrisia
mas apenas de cortesia”. Em quarto lugar, a questão era meramente pragmática,
tornando a argumentação irrelevante. Se Pedro e os outros acreditassem que kosher
fosse prática necessária para a salvação, não a teriam omitido tão facilmente.
A questão em Antioquia não difere fundamentalmente do que fazem Iioje
cristãos que observam todos os costumes judaicos quando comem com famílias
judaicas ou vão ao templo judaico para orar. Não se trata de Iiipocrisia mas de cor
tesia ecumênica além de ser esforço em prol da unidade comunitária. Finalmente,
Paulo acrescenta três vezes à questão pragmática as “obras da lei” opondo-as à
“fé em Cristo”, também três vezes. A antítese paulina entre fé e obras poderia ser
justificada teologicamente em termos abstratos, mas perante a questão pragmática
em Antioquia tornava-se irrelevante no caso concreto. Alguém acreditaria que Tia
go, Pedro e Barnabé, com todos os outros (com exceção de Paulo), teriam optado
pela justificação “pelas obras” em vez da “fé em Cristo”? A posição de Paulo (pelo
menos como consta em Gálatas) assemelhava-se a dar golpes no ar. Tiago, Pedro,
Barnabé e os outros que concordavam com eles estavam certos em Antioquia. Era
Paulo quem estava errado.
R om anos 15 e A tos 2 1 . 0 Novo Testamento nada indica a respeito da autoridade
de Tiago em Jerusalém . Nesse ponto, Paulo e Lucas diferem profundamente,
mas de maneira indireta. A unidade do grupo, antes da decisão sobre a circunci
são, mas principalmente depois, tornara-se problema óbvio e fundamental. Paulo
bem o sabia. Foi por isso que se entusiasmou com a decisão de levantar fundos
entre os convertidos pagãos para os judeo-cristãos conhecidos como “os pobres”
em Jerusalém (comunidade como em Qumrã?). Depois que Tiago e as “colunas”
de Jerusalém aceitaram a dispensa da circuncisão para os pagãos convertidos, Paulo
confessa: “Nós, só nós devíamos lembrar dos pobres, o que, aliás, tenho procura
do fazer com solicitude” (G1 2 ,1 0 ). Enquanto Paulo anunciou diversas vezes essa
coleta em suas cartas, Lucas nunca a mencionou em Atos. Há, porém, trechos nesse
livro que só fazem sentido se o autor (ou pelo menos suas fontes) soubesse disso
e subentendesse sua existência e operação.
Paulo discute os planos para a entrega da coleta aos fiéis de Jerusalém em Ro
manos 15,25-27 e 30,31. Reconhece dois perigos que poderiam atrapalhar a função
desse dinheiro enquanto processo unificador de judeo-cristãos e gentios:
A oposição dos judeus não cristãos representava perigo externo; mas a dos ju-
deo-cristãos, igual perigo, porém interno. As duas coisas aconteceram. Sabendo que
aconteceriam, Paulo acompanhou a coleta em vez de mandá-la por representantes da
comunidade. Para ele, a unidade das duas alas da comunidade era suficientemente
importante para arriscar o próprio martírio. Mas em Atos 21,17-25, embora Lucas
não mencione a coleta, conta como os dois temores de Paulo acabaram se realizan
do em Jerusalém. Tiago e a comunidade judaica cristã impuseram condições para
a aceitação da coleta e, quando Paulo as aceitou, foi atacado no Templo por judeus
não cristãos. Vejamos quais foram as condições;
Esse texto é citado para indicar mais uma vez a autoridade de Tiago emjerusalém
e as constantes tensões entre Tiago e Paulo, cuidadosamente omitidas por Lucas em
Atos 21 como anteriormente em Atos 15. Paulo enfrentava terrível dilema. Uma das
alternativas consistia em não aceitar a condição de Tiago, aceitar a recusa da coleta
e reconhecer que o cristianismo estava dividido. A outra era aceitar a condição de
Tiago, entregar o dinheiro da coleta e dar ênfase na unidade, arriscando-se a ser
acusado da mesma hipocrisia que anteriormente atribuíra a Pedro.
Epístola de Tiago. O “Tiago” desta epístola do Novo Testamento não foi clara
mente identificado, mas é quase certo que seja o mesmo do ossuário, Tiago, o Justo,
filho dejosé, irmão de Jesus. A “Epístola de” pode ser tanto de sua autoria, represen
tando desenvolvimento de seu ensino como até mesmo atribuição fictícia. Cada uma
dessas posições é defensável, embora pouco provável. Por enquanto, ressaltamos o
seguinte; se imaginarmos a teologia de Tiago a partir de cuidadoso exame das camadas
componentes de Atos de Lucas, Gálatas de Paulo e das Antiguidades judaicas de Josefo,
chegaremos facilmente à conclusão de que o conteúdo da epístola lhe pertence.
Meus irmãos, se alguém disser que tem fé, mas não tem obras,
que lhe aproveitará isso? Acaso a fé poderá salvá-lo? Se um irmão
ou irmã não tiverem o que vestir e lhes faltar o necessário para a
subsistência de cada dia, e alguém dentre vós lhes disser; “Ide em
paz, aquecei-vos e saciai-vos”, e não lhes der o necessário para a
sua manutenção, que proveito haverá nisso? Assim também a fé,
se não tiver obras, será morta em seu isolamento. De fato, alguém
poderá objetar-lhe; “Tu tens fé e eu tenho obras”. Mostra-me a tua
fé sem as obras e eu te mostrarei a fé pelas minhas obras. Tu crês
que há um só Deus? Ótimo! Lembra-te, porém, que também os
demônios crêem, mas estremecem.
A fé e as obras são como dois lados da mesma moeda, distinguíveis mas insepa
ráveis; dialética, não dicotomia. Pode-se imaginar que Tiago e Paulo queriam dizer
coisas diferentes com os mesmos termos, fé e obras, por causa do uso comum que
faziam do modelo abraâmico e pela citação que faziam de Gênesis 15,6 (“Abrão creu
em lahweh, e lhe foi tido em conta de justiça”), Tiago 2,23, Gálatas 3,6 e Romanos
4,3. Pode-se dizer, portanto, que Tiago 2,14-19 refere-se à posição anterior de Pau
lo, mas nesse caso também Tiago e todos os citados em Gálatas 2,11-17 também
se situavam nesse passado. Precisamos, novamente, imaginar quão diferente teria
sido a situação em Antioquia se em lugar de Paulo (e de todos os demais) Tiago
estivesse lá.
O texto elabora três acusações sérias contra Paulo. A primeira é que, não obstante
sua intervenção, o povo e os sacerdotes estavam prestes a se converter ao cristia
nismo. A outra é que ele mesmo havia matado e incitado outros a matar cristãos
no Templo. A última refere-se a Tiago. Esse escrito extremamente tendencioso e
totalmente difamatório, além de fictício, tinha conhecimento do martírio de Tiago
e consegue dizer e ao mesmo tempo não dizer que Paulo o matara. Nada mais
acrescenta a respeito de Tiago, de maneira que podemos facilmente presumir que
as afirrnações de Paulo eram corretas e que Tiago havia morrido, assassinado por
Paulo. E isso que o texto quer nos levar a crer.
Aparecem e se desenvolvem três temas principais sobre Tiago, o Justo de Jerusa
lém, filho dejosé, irmão de Jesus. Transitam entre as diferentes camadas existentes
no Novo Testamento e fora dele. Nos dois casos, movimentam-se entre fato e ficção,
e história e teologia em trilhas de aceitação ou rejeição ideológicas. O primeiro tema,
sobre a autoridade de Tiago, aparece em 1 Coríntios 15,7, no Evangelho de Tomé 12
e no Evangelho dos hebreus 7. O segundo tema, a respeito do martírio de Tiago, vem
de Josefo a Hegesipo. O terceiro tema, que é a oposição entre Tiago e Paulo, está
ausente no livro de Atos, de Lucas, onde todos concordam com Tiago, mas aparece
na epístola aos Gálatas de Paulo, onde também todos concordam com Tiago, menos
Paulo. A oposição continua a respeito de fé e obras, e Abraão e Gênesis, na Epístola
de Tiago, e chega ao clímax em forma de ficção difamatória em Reconhecimentos
clementinos.
Em terceiro lugar, sobre exegese, se a ênfase recai em Jesus, a descoberta não nos
diz nada que já não sabíamos nem pode mudar a interpretação do que já pensamos.
Se fosse absolutamente autêntica e identificável, poderia ser considerada prova ar
queológica ao lado de evidências textuais pagãs, judaicas e cristãs primitivas de que
Jesus existira. Mas que outra coisa além disso? 0 Novo Testamento já havia afirmado
que Jesus era filho de José e irmão de Tiago. A inscrição repete essa informação.
Todos os que leram o texto que menciona José como pai de Jesus e Tiago, seu irmão,
lerão também a inscrição na pedra da mesma maneira. Por outro lado, os que lêem
que José era apenas pai adotivo de Jesus e que Tiago era primo de Jesus, sendo José
seu tio e ele seu sobrinho, lerão a pedra desse mesmo jeito. Nada mudará.
A cidade moderna de Nazaré é um lugar especial que deve ser visto, cheirado e
experimentado. Seus sons e vistas são em parte do Oriente Médio, com convocações
à oração em árabe e cabeças masculinas cobertas por kefilas; em parte israelita, com
ônibus de turismo de forma ovóide, telefones celulares e solidéus; em parte européia
e japonesa, com táxis Mercedes e pickups Isuzu, franciscanos com hábitos marrons
e Fuji filmes; e em parte americana, com restaurantes Kentucky Fried Chicken e
rapazes com uniformes dos Lakers.
Período rom ano m édio e p osterior (do segundo século à m etade do quarto século
d.C.). As camadas destes períodos são caracterizadas pela incorporação da Galiléia
à província romana da Palestina. Depois de duas guerras judaicas contra Roma em
66-74 e 132-135, inúmeros refugiados da Judéia e de Jerusalém migraram para a
Galiléia enquanto Roma mantinha nos arredores suas legiões para prevenir revoltas.
Duas forças agiam nessas camadas: em primeiro lugar, o crescimento considerável
da população e o desenvolvimento das sinagogas em substituição do Templo em
segundo lugar, a política romana acelerou a urbanização para facilitar o controle e a
cobrança de impostos. Como resultado disso, surgiram edifícios públicos em áreas
muito grandes e se desenvolveu o comércio internacional.
Prim eiro período rom ano (da m etade do prim eiro século a.C. até o prim eiro século
d.C .). Este período foi dominado na terra judaica por Herodes, o Grande, respon
sável pela construção do reino (37-4 a.C.), também chamado às vezes de “período
herodiano”. Seu filho, Herodes Antipas, urbanizou a Galiléia (4 a.C.-39 d.C.) e
introduziu a arquitetura greco-romana na construção de Séforis e Tiberíades. Mas
tanto aí como em outros lugares espalhava-se a cultura judaica da vida doméstica.
As cidades e as vilas tinham em comum a mesma arquitetura simples, mas se pro
duzia cerâmica de boa qualidade em diversos fornos. Existem certas evidências de
itens de comércio e luxo nas cidades e algumas casas ricas em cidades pequenas.
No fmal do período, muitos sítios foram destruídos por ocasião da primeira revolta
judaica contra Roma.
Período helenístico tardio (do segundo século à m etade do prim eiro século a.C .). O
período helenístico tardio na Galiléia caracterizou-se por importante assentamento
judaico sob o poder dos governadores asmonianos (os chamados macabeus, com
0 restabelecimento de um reino judaico independente, governado de Jerusalém).
A maioria dos sítios romano-bizantinos da Galiléia se origina nessa época. Além
de pequenas vilas, diversos fortes militares asmonianos ajudaram a estabelecer e a
proteger o território judaico cercado de populações de gentios e de grandes cidades
pagãs e helenizadas. Nesse período, a população da Galiléia era muito espalhada e
de certa forma isolada. Havia muita terra para ser cultivada.
Vida p astoril. Os camponeses, por sua vez, quase não tinham tempo para
aprender a ler e a escrever e menos interesse ainda para ler os escritos das classes
altas. Preocupavam-se com o cultivo da terra para ganhar o suficiente para pagar
os impostos e sobreviver com o que sobrava. Buscavam auto-suficiência e seguiam
0 método da policultura. As famílias camponesas tinham vantagens com a diver
sificação do plantio e a distribuição das terras. Um só tipo de cultura era perigoso
num mundo onde a fome relacionava-se sempre com enchentes ou colheitas pre
cárias. A diversificação servia também para equilibrar a demanda de mão-de-obra
nas diferentes estações do ano. Os que conseguiam cultivar o próprio alimento não
precisavam depender dos outros, especialmente do patrocínio da elite urbana e dos
ricos proprietários, que costumavam invadir terras alheias. Também lhes livrava de
ter que barganhar com astutos vendedores nos mercados.
A dieta pastoril era simples: comiam-se pão, azeitonas e óleo de oliva, e bebia-se
vinho. Quando havia hóspedes, acrescentavam-se um cozido de feijão e lentilhas com
vegetais da época e pão de fibra, nozes, frutas, queijo e iogurte. Às vezes comia-se
peixe salgado; a carne vermelha era rara, reservada apenas para celebrações espe
ciais. Inúmeros restos de esqueletos mostram deficiência de proteínas e de ferro, e
a maioria deles indica que muitas pessoas sofriam de artrite. Morria-se facilmente
por causa de resfriados, gripes e abscessos dentários. A média da expectativa de
vida dos que tinham sorte de sobreviver à infância andava por volta dos trinta anos
e eram raros os que viviam até cinqüenta ou sessenta.
Nazaré aparecerá um século depois num texto de 570 d.C., contendo as palavras
de um peregrino cristão de Piacenza que prenunciava o surgimento de intolerância
religiosa. Relata, depois de uma visita à cidade natal de Jesus, que a sinagoga “ain
da pertencia aos judeus”. Meio século depois, em 629 d.C., o imperador Heráclio
expulsou todos os judeus dos lugares sagrados, incluindo os que viviam na Nazaré
judaica. A cidade era, na verdade, judaica, não obstante a existência de literatura que a
descreve cristã, em grego ou latim, da lavra de pessoas que não viviam na Galiléia.
Em lugares como Nazaré haveria, sem dúvida, sinagogas significando lugares para
reuniões e assembléias. Mas a única evidência de um edifício construído para esse
fim em Nazaré vem de dois séculos depois de Jesus. Não existe nenhuma evidên
cia arqueológica da existência da sinagoga que Jesus teria visitado. Trata-se de algo
impossível de ser discutido com credibilidade e provas. Por outro lado, a conclusão
dos arqueólogos levanta curiosos problemas a respeito das camadas exegéticas.
Na sinagoga em Nazaré?
A história da rejeição de Jesus em Nazaré em Lucas 4,16-30 desenrola-se em cinco
passos consecutivos: situação da sinagoga, cumprimento das Escrituras, aceitação
inicial, eventual rejeição e, finalmente, ataque mortal.
No primeiro momento, Lucas parece pressupor a existência de um edifício
chamado sinagoga e não apenas determinado lugar para reuniões. No momento do
cumprimento das Escrituras, o Jesus de Lucas entra na sinagoga, lê um trecho do
profeta Isaías (61,1-2) e anuncia que ele é o cumprimento da profecia, o prometido
ungido pelo Espírito de Deus para trazer boas-novas aos pobres, proclamar liberta
ção aos cativos, dar visão aos cegos e libertar os oprimidos. Essas frases ecoam os
mandamentos da Torá e os imperativos da lei divina como em Deuteronômio 15,
Êxodo 21 e Levítico 25. No ano sabático que acontecia a cada sete anos, prescreviam-
se a remissão das dívidas e a libertação dos devedores cativos. No ano do jubileu,
em cada cinqüenta anos, ordenava-se o retorno dos camponeses às terras e às casas
rurais que haviam sido expropriadas.
No passo da aceitação inicial, depois que Jesus anuncia que essa visão magnífica
cumpria-se “hoje”, a reação imediata não se demorou: “Todos testemunhavam a seu
respeito, e espantavam-se das palavras cheias de graça que saíam de sua boca. E di
ziam: ‘Não é 0 filho de José?’” (4,22). A primeira metade desse versículo é positiva
e, no contexto, a segunda parte parece retratar maravilhamento mais do que rejeição.
Mas a situação se modifica em 4,23-29, parecendo ser deliberadamente provocada
pelo próprio Jesus como se ele se voltasse dos judeus presentes aos gentios distan
tes. Em primeiro lugar ele mesmo sugere: “Certamente ireis citar-me o provérbio:
Médico, cura-te a ti mesmo. Tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum,
faze-o também aqui em tua pátria”. Sugere ainda um desafio que os ouvintes não
estavam fazendo. A provocação torna-se mais grave. Jesus cita dois exemplos anti
gos segundo os quais Deus se volta dos israelitas para os pagãos, dos judeus para
os gentios. Na primeira metade do século nono. Deus manda o profeta Elias matar
a fome não de um israelita, mas de uma mulher pagã, segundo 1 Réis 17,8-16. Na
segunda metade do mesmo século. Deus ordena que o profeta Eliseu cure a lepra
não de um israelita, mas de um general pagão, segundo 2 Reis 5,1-14.
Aí está uma questão crucial sobre camadas exegéticas. Será essa história criação
posterior inserida no evangelho de Lucas ou incidente anterior na vida de Jesus?
Em outras palavras, teria Lucas inventado esse incidente em Nazaré? Observemos,
de passagem, que a narrativa só se encontra em Lucas, embora seja sem dúvida sua
expansão particular e criativa da história do general em Marcos 6,2-4.
Novamente;
Tratava-se de ciúme, mas ciúme de quê? Por que judeus na diáspora teriam inveja
de pagãos que se convertiam a alguma forma ou a qualquer forma de judaísmo? Tudo
indica que “ciúme” não explica o que acontecia. Não havia, naturalmente, nenhum
problema com a presença de sinagogas judaicas nas cidades da diáspora, mas Lucas
rejeitava sua própria experiência posterior de tê-las de volta na Palestina, que fora
a terra de Jesus de Nazaré, seu lugar mais humilde.
Lucas também presume que o pequeno lugarejo de Nazaré possuía não só uma
sinagoga mas também rolos das Escrituras. A primeira suposição não parece se
manter, pois, como observamos acima, não existe evidência alguma da existência
de algum edifício como esse em Nazaré naquela época. A segunda é questionável.
Os rolos das Escrituras eram principalmente privilégios urbanos e é provável que os
lecionários só apareceram mais tarde. A terceira suposição de que havia uma colina
de onde se poderia jogar alguém para morrer é simplesmente falsa.
Mas, mais importante do que isso, Lucas supõe que Jesus não era apenas letrado,
mas erudito. Ele não apenas começa “a ensinar” (Mc 6,2) mas também “levantou-
se para ler” (Lc 4 ,16). Lucas, que era um erudito, pressupõe naturalmente, como
fazem alguns estudiosos modernos, que Jesus era alfabetizado e erudito. Mas é mais
provável que não fosse. As melhores pesquisas sobre índices de alfabetização na
bacia do Mediterrâneo na época conclui que apenas 5 por cento da população sabia
ler. A mesma pesquisa feita no território judaico chegou à conclusão de que somente
3 por cento do povo dessa região era alfabetizado. Nesse mundo antigo, como já
vimos, a leitura era prerrogativa das elites aristocráticas, dos advogados treinados
e dos escribas. Mas mesmo se Jesus tivesse sido mero camponês analfabeto, como
seria normal entre os residentes de Nazaré, isso não significa que não pensasse,
que não conhecesse sua tradição nem que não pudesse ensinar. Apenas quer dizer
que não sabia 1er. E, também, que provavelmente se concentrava no cerne de sua
tradição mais do que nas notas de rodapé.
De qualquer forma, as histórias posteriores de Lucas a respeito de Paulo nos
ajudam a entender sua história sobre Jesus. Esta não apenas faz parte de uma camada
tardia sobre a tradição de Jesus. Em outras palavras, trata-se de um incidente criado
pelo próprio evangelista Lucas. Apresenta-se não como história sobre o passado de
Jesus no território judaico da última parte da década de 20 mas sim como parábola
a respeito do futuro de Paulo na diáspora judaica dos anos 50.
A Nazaré do primeiro século era um povoado judaico com entre duzentos e qua
trocentos habitantes. Como o resto da Galiléia, que permaneceu quase desabitada
até 0 período helenístico posterior, os judeus foram morar aí por causa das políticas
expansionistas asmonianas. Há certas evidências, principalmente em cerâmicas mas
não na arquitetura, de sua ocupação na Idade Média do Bronze e na Idade de Ferro,
mas sem continuidade no tempo de Jesus. O império assírio sob Tegiatefaiasar III
invadiu o Reino do Norte de Israel em 732 a.C. e não só o devastou como ainda fez
diminuir a população da Galiléia, incluindo Nazaré. A não ser em pequenos lugares
ao longo de estradas, a Galiléia permaneceu desabitada do oitavo ao segundo século
a.C. quando, então, os judeus começaram a chegar.
A localização de Nazaré nas colinas ao sul de Séforis era ideal para o cultivo de
produtos apreciados no Mediterrâneo — grãos, olivas e uvas — e que constituíam o
objetivo sempre buscado para auto-suficiência entre antigos agricultores. As encostas
de frente para o sul onde se espalhavam as casas do lugarejo eram apropriadas para
a vinicultura; as uvas de azul profundo brotavam em parreirais crescidas em treliças
ou até mesmo no chão. Os cachos, cortados e pisoteados em grandes recipientes
de pedra, espalhavam-se pelas colinas. Os desfiladeiros entre as elevações e o chão
pedregoso serviam para o plantio e cultivo de oliveiras. Os frutos, depois de colhidos
e esmagados em grandes recipientes de pedra, transformavam-se em azeite. Cresciam,
também, nos campos, diversos tipos de grãos — trigo, cevada e milho miúdo — ,
que depois da colheita passavam por processos de seleção. Os aproveitáveis eram
armazenados nos pátios das casas de família. Usava-se o sedimento aluviano ao sul,
suficientemente fértil, para o plantio de vegetais e legumes. Terraços construídos e
irrigados nos lugares mais altos aumentavam as colheitas de grãos e também eram
aproveitados para o plantio de figueiras e pés de romãs. Havia também no setor
oeste do vilarejo uma fonte de água corrente, o Poço de Maria, que, embora não
perene, levava água até os confins da pequena cidade, permitindo que os habitantes
a utilizassem nas plantações caseiras.
Não sabemos muito a respeito das casas de Nazaré do primeiro século, ausência
essa que indica sua pobreza. Se tivessem sido cobertas com telhas sustentadas por
paredes de calcáreo revestido sobre pisos de mosaico ou de pedras polidas, com
afrescos nas paredes, os franciscanos que escavaram o sítio teriam encontrado seus
rastros. Em vez disso, pressupomos que, como em outras pequenas cidades da Ga
liléia e de Golan, as construções simples de pedras brutas empilhadas umas sobre as
outras equilibravam-se com a ajuda de pedregulhos entre os interstícios, revestidas
de argila ou lama e até mesmo de esterco misturado com palha para isolamento
térmico. O assoalho de terra batida utilizava também resíduos prensados. A ausência
de arcos, vigas mestras e telhas nos leva a imaginar tetos cobertos de sapé sobre
travessões de madeira finalizados com juncos e diversos tipos de palha, destinados
a proteger a madeira da umidade, coberta de barro para isolamento térmico. As
casas tinham, em geral, cavidades subterrâneas. Havia cisternas bem construídas
para suprimento de água em épocas de seca ao lado de outras para armazenar grãos.
Ao redor dessas construções cavernas serviam para habitação. E o caso da Gruta da
Anunciação, usada originalmente para fins domésticos.
Não há como afirmar que Maria tivesse residido aí. As inúmeras edificações
ao redor da gruta e as invocações gravadas em tábuas de gesso demonstram que
o lugar começara a ser reverenciado pelos cristãos a partir do terceiro ou quarto
séculos, 0 resto não passa de especulação. Mas o local é importante, ainda que não
pelas razões que os peregrinos supõem. Essas moradias semitrogloditas acentuam o
status humilde do lugarejo do primeiro século. Inúmeras casas de Nazaré possuíam
cavernas que serviam para amenizar os efeitos da temperatura: secas e quentes nos
invernos chuvosos e frescas e agradáveis nos verões quentes.
Terceira cam ada. A terceira camada é crucial, porque contém três níveis. (Num
sítio arqueológico seriam indicados como stratum Illa, Illb e IIIc.) O primeiro nível
da terceira camada contém o Evangelho Q e Marcos, indo do final dos anos 50 ao
começo dos 70. O segundo nível, provavelmente dependente desses dois evan
gelhos, contém Mateus e Lucas, dos anos 80. O terceiro nível, quase certamente
dependente de Marcos, Mateus e Lucas, é o evangelho de João. Esse processo
canônico é, digamos, nossa mais segura evidência da existência de camadas como
fenômeno do evangelho. Por fim, naturalmente, qualquer outro texto, como o
Evangelho de Pedro, deve ser estudado do mesmo jeito. Quais camadas internas
são discernidas nele e em que ponto elas se encontram com as três principais que
acabamos de mencionar?
Sob essas três distintas camadas situa-se uma outra mais fundamental. Talvez
devêssemos dizer que se trata mais de matriz do que camada propriamente dita,
espécie de ambiente e de tradição interagindo com determinada situação. Pensemos
neste paralelo. Debaixo dos strata arqueológicos de algum sítio antigo chegamos à
rocha, ou fundamento, o chão. Não se trata de algo dado passivamente, mas muito
mais de presença sempre ativa. A topografia de Jerusalém, por exemplo, não se limita
a mero chão, mas é destino seja para defesa militar seja para edifícios sagrados. O
mesmo se dá com as três camadas exegéticas. Debaixo delas, como fundamento
sempre interagindo com elas como presença, situa-se a experiência judaica de uma
tradição antiga e veneranda lutando contra o orgulho do internacionalismo cultural
grego e a enorme arrogância do imperialismo militar romano. Preocupamo-nos neste
livro com a dialética entre o fundamento e a camada original da tradição textual, com
a compreensão do Jesus histórico considerando sua vida na falsa quietude imedia
tamente depois do prelúdio de horror do ano 4 a.C. e décadas antes da consumação
do horror nos anos 66-74 d.C.
A tarefa de separar essas camadas é muitas vezes mais do que mero exercício
curioso. Pode estabelecer precisão mais do que importância. No caso de Lucas
4,16-30, que já examinamos, a conclusão não foi apenas de que não havia sinagoga
em Nazaré no primeiro século nem rolos da Lei e dos Profetas, nem camponeses
letrados e cultos, nem montanhas por perto, mas também, e mais importante, que
não havia habitantes assassinos. O povo do vilarejo nunca tentou matar Jesus. A
história em pauta não veio do nível original do stratum I, mas do nível lucano do
stratum Illb. Valeu a pena chegar a essa conclusão não apenas em nome da exatidão
histórica mas também em nome da afirmação da honra e da dignidade de um pe
queno vilarejo judaico num pequeno país há muitos anos. Jesus não cresceu numa
vila de assassinos.
Depois dessa história em Lucas, temos dois outros casos envolvendo a Nazaré
de Jesus. O primeiro relaciona-se com sua família e especialmente com Tiago, em
Marcos. O outro, com seus pais, especialmente com Maria, em Mateus. No se
gundo caso, mais envolvente, observaremos como as histórias, outras histórias, e
contra-histórias interagem para produzir narrativas ligadas a interações textuais. O
resultado será uma narrativa intertextualmente densa e diversa como em qualquer
estratigrafia arqueológica. "
Um irmão em descrença?
Trabalho contra sabedoria. A história em Marcos 6,1-6 conta que os que haviam
ouvido Jesus na “sua pátria”, isto é, Nazaré, não acreditavam nele e o dispensavam
com desdém:
Dizendo: “De onde lhe vem tudo isto? E que sabedoria é esta que
lhe foi dada? E como se fazem tais milagres por suas mãos? Não é
este 0 carpinteiro, o filho de Maria, irmão de Tiago, Joset, Judas e
Simão? E as suas irmãs não estão aqui entre nós?”.
Esse texto, naturalmente, nomeia os irmãos de Jesus, mas não dá nome para as
irmãs. Tiago é mencionado em primeiro lugar entre os outros. O verbo “dizendo”
refere-se aos “numerosos ouvintes” na sinagoga. “Escandalizavam-se dele” porque
a ocupação tanto de Jesus como de sua família era insignificante. Nada nos diz
nesse texto que seus familiares não acreditavam nele, muito menos Tiago. Os cam
poneses, habitantes do lugar, e não a família, é que são citados como descrentes.
Mas, naturalmente, o texto posterior de Marcos 6 deve ser lido juntamente com o
anterior. Marcos 3.
Que quer dizer isso? A seção interna de 3,22-27 é agressiva ao máximo. Nela,
“os escribas que haviam descido de Jerusalém” declaram que Jesus está possuído por
Belzebu e que pelos príncipes dos demônios expulsa os demônios. Jesus ridiculari
za-os argumentando que Satanás deve estar dividido e que, portanto, não poderia
subsistir, mas também os acusa do pecado imperdoável contra o Espírito Santo
“porque eles diziam: ‘Um espírito imundo está nele’”. Agora, em dialética contra
esse ataque, leiamos os textos que se referem à sua família.
Os agressivos escribas agora enfrentam também uma família agressiva, e o pro
pósito da intercalação de Marcos busca precisamente criar esse efeito. A abertura
dessa seção em 3,19-21 diz:
Eis como, por contraste, outro evangelho conta a mesma história da chegada
da família de Jesus e da reação dele. Vem do Evangelho de Tomé 99, texto que não
faz parte do Novo Testamento e que foi encontrado em 1945 em Nag Hammadi,
no Alto Egito:
Concluímos que a acusação por parte da família de Jesus de descrença (ou pior,
de suspeita de loucura) não procede do nível I sobre Jesus do fmal dos anos 20,
mas do nível Illa de Marcos do começo dos anos 70. Na verdade, encaixa-se bem
na principal ênfase teológica da teologia de Marcos, a saber, que seus mais íntimos
não o reconheceram: os conterrâneos do vilarejo, a família, os discípulos, mesmo os
Doze e especialmente Pedro, que o negou no julgamento. O fato principal não é que,
na família de Jesus, Tiago, por exemplo, fosse descrente, ou se tivesse convertido
depois, mas que o evangelho de Marcos relata parte da oposição a Tiago que já vimos
se estendendo desde a epístola de Paulo aos Gálatas até os Reconhecimentos clementinos
no capítulo anterior. Longe de ser um descrente em Jesus, Tiago foi um crente de
tal maneira importante que gerou a oposição intracristã à sua fé, à sua autoridade,
e até mesmo, provavelmente, ao seu relacionamento fraternal com Jesus.
Mãe adúltera?
Pouco antes d o in o 180 d.C., o filósofo grego Celso escreveu uma crítica polê
mica contra o cristianismo, Sobre a verdadeira doutrina, na qual defende a verdade do
paganismo. A obra original foi perdida, mas se tornou conhecida por causa da porme
norizada réplica cristã, Contra Celso, de Orígenes de Alexandria na metade do século
seguinte. A seguir, o comentário mordaz de Celso sobre a concepção de Jesus:
De Moisés a Jesus
A acusação de Celso choca muitos cristãos por ser profundamente ofensiva. Mas
devemos lembrar que Josefo foi o primeiro a imaginar que a concepção de Jesus
havia sido fruto de aduhério e que Mateus foi o primeiro a mencionar essa suspeita
em seu próprio evangelho. A história da infância de Jesus em Mateus foi contada
principalmente do ponto de vista de José, assim como em Lucas, do ponto de vista
de Maria. Por exemplo, em Mateus, é José que recebe a anunciação e não Maria,
como em Lucas. Mas, embora o José de Mateus levante a questão do adultério,
nada existe a respeito dessa possibilidade na história do nascimento em Lucas
1,26-38. Lucas, como Mateus, sabia que Maria estava comprometida com José. Mas,
em Lucas e somente aí, o anjo anuncia-lhe que ela conceberá o Filho de Deus por
obra do Espírito Santo. Em Lucas, o leitor pode pressupor, e assim o deve fazer, que
ela foi a José e lhe contou o que tinha acontecido e que ele acreditou nela da mesma
maneira como ela acreditara no anjo. Mas a narrativa de Mateus é diferente. Eis, a
seguir, como ele conta o incidente em 1,18-25:
Pelo que sabemos, o costume galileu era mais rígido do que o da Judéia no que se
refere às relações sexuais para o casal entre o compromisso inicial, que já estabelecia
direitos legais, e a cerimônia final, que estabelecia um lar comum. Mas mesmo na
Galiléia os camponeses teriam presumido que a gravidez de Maria não resultara de
adultério nem de fornicação, mas de consumação matrimonial um pouco antes do
tempo. Com exceção de Maria, somente José poderia saber a explicação para o fato.
Observemos, de passagem, que o adultério afetava apenas os direitos do marido e
que Maria não teria cometido adultério a não ser que os direitos matrimoniais de
José já tivessem sido selados.
A concepção de Jesu s em M ateus. Mas eis aqui uma questão simples. Por que,
afinal, teria Mateus contado a história desse jeito? Por que teria levantado o es
pectro do adultério mesmo se de passagem? Uma vez que os noivos já haviam se
comprometido oficialmente, a gravidez, mesmo se não legal antes de Maria se ter
mudado da casa do pai para a do marido, não levantaria suspeitas de adultério a não
ser para José. As pessoas poderiam ficar desconfiadas e tagarelar a respeito, mas
não passaria disso. Ninguém consideraria a concepção de Jesus adúltera. Mesmo
se José tivesse se divorciado de Maria e nada dissesse, os vizinhos certamente não
teriam necessariamente pensado em adultério. E, até mesmo se José se queixasse
disso, não teria efeito legal. Por volta do ano 200 d.C., por exemplo, o código legal
judaico na Mixná relata o seguinte debate: “Se um homem disser: ‘Este meu filho
é bastardo’, poderá não se acreditar no que afirma. Mesmo se ambos disserem que
a criança ainda no ventre é bastarda, poderão não ser acreditados. R. Judah afirma:
Poderão ser cridos” (Qiddushin 4,8).
Então, por que fazer a pergunta? Conheceria Mateus pormenores ignorados por
Lucas? Teria informação sobre o que se passava na mente de José, mesmo por pouco
tempo? Ou os propósitos da narrativa de Mateus não eram os mesmos de Lucas?
Precisamos considerar cuidadosamente a narrativa da concepção de Jesus em Mateus.
Se não o fizermos, teremos que concluir que Mateus levantou desnecessariamente
uma possibilidade que acabou sobrevivendo desde a tradição antiga até a erudição
moderna. Mas será que a camada original admite que Maria fora adúltera e Jesus,
bastardo, do ponto de vista estritamente histórico? Se não, repetimos, que estava
querendo Mateus com sua história da infância e por que teria levantado, mesmo
se por engano ou de passagem, a possibilidade de divórcio por causa de suposto
adultério?
Poderíamos dizer, como se tem dito desde o quarto século para preservar o
conceito teológico particular sobre a virgindade de Maria, que Tiago é o irmão de
sangue mais novo ou, talvez, meio-irmão ou até mesmo primo de Jesus. Nesse caso,
diríamos que José era apenas padrasto ou guardião de Jesus. Essa idéia reconciliaria
a expressão em Lucas 4,22, “filho de José”, com o texto anterior de Lucas 1,35: “O
anjo respondeu [a Maria]: ‘O Espírito Santo virá sobre ti, e o poder do Altíssimo
vai te cobrir com a sua sombra; por isso, o Santo que nascer será chamado Filho de
Deus”. Mas surge esta questão mais fiandamental, tanto para os antigos como para
OS modernos: Poderia uma criança ser ao mesmo tempo fillia biológica de José e
teologicamente, de Deüs? Em outras palavras, será a expressão “Filho de Deus” mais
ou menos metafórica que “Palavra de Deus” ou “Cordeiro de Deus” quando apli
cadas a Jesus? Cada uma dessas expressões significa uma relação particular e única
entre Jesus, Deus e os cristãos, mas embora sendo expressões reais, não precisam
ser interpretadas literalmente. E se o título não é literal mas metafórico, então a
narrativa da concepção de Jesus não é literal mas parabólica. Não existe, pois, con
tradição alguma entre o fato de Jesus ter sido filho de José, biologicamente, e filho
de Deus, teologicamente. As duas afirmações são, na verdade, igualmente reais. Pelo
menos, explica-se, assim, por que somente Mateus e Lucas contam essa história da
concepção e Paulo, Marcos e João a desconhecem no Novo Testamento. Mas todos
eles consideram Jesus Filho de Deus. Porém, por que Mateus e Lucas não apenas
aceitam o título Filho de Deus mas o transformam numa parábola da concepção? E,
especialmente, por que essa parábola foi contada a respeito de uma virgem?
Por outro lado, poderia parecer que a concepção virginal de uma jovem seria
milagre ainda maior, sinal mais extraordinário da intervenção divina, do que entre
idosos e estéreis. É assim, também, que Lucas 1-2 contrasta e exalta a concepção
e nascimento virginais de Jesus com o de João Batista, concebido por pais idosos e
estéreis. Em 1,7, os pais deste último não tinham tido filhos “porque Isabel era estéril
e os dois eram de idade avançada”, e em 1,18 “Zacarias perguntou ao anjo: ‘De que
modo saberei disto? pois eu sou velho e minha esposa é de idade avançada’”. Pareceria
que a concepção virginal era mais poderosa do que na velhice, mesmo considerando
que ambas implicam intervenção divina. Jesus é, de longe, muito maior do que João,
mesmo ou especialmente quando se comparam suas concepções.
COMO SE CONSTROI
UM REINO
Antes de começarmos a construir um reino, precisamos saber que tipo de reino
queremos fazer. Poder-se-ia pressupor, por outro lado, que só existe um tipo, modelo
ou cenário possível? Serão os reinos sempre relacionados com poder, glória, força
e violência? São baseados nos poucos que controlam a maioria? Serão os reinos
agrários dependentes da proteção que dão aos camponeses em troca do que produ
zem? Seria mera troca de favores? Na melhor das hipóteses seria como dar o tapa
com luva de pelica? Ou, na pior, nem mesmo com luva de pelica? Serão todos os
reinos assim, fundados na violência e no poder? Existirá em algum lugar um reino
de justiça e de não-violência?
Pobreza e ju stiça. Não era só o caso de que todos eram pobres e de que a pobreza
era ruim. 0 problema também era que o luxo crescia, num dos extremos da socie
dade, à custa do aumento da pobreza, no outro. Os ricos se tornavam mais ricos à
medida que os pobres ficavam mais pobres: “Porque vendem o justo por prata e o
indigente por um par de sandálias. Eles esmagam sobre o pó da terra a cabeça dos
fracos e tornam torto o caminho dos pobres” (2,6-7). “Oprimis o fraco e tomais
dele um imposto de trigo [...]. Eles hostilizam o justo, aceitam suborno e repelem
os indigentes à porta” (5,11-12). “Transformastes o direito em veneno e o fruto
da justiça em absinto” (6,12). A justiça é igual à retidão; praticar o que é justo é a
mesma coisa que fazer o certo. A justiça reta é não apenas individual mas também
estrutural, não só pessoal mas igualmente sistêmica, não apenas recompensadora
mas da mesma forma distributiva.
[...] este Tiberium, Pôncio Pilatos, prefeito da Judéia, fez (ou er
gueu) [...]
Mas antes desses acontecimentos, quando ainda tudo parecia possível, Antipas
construiu uma cidade totalmente nova na costa ocidental do Mar da Galiléia, num
lugar que nunca fora habitado, onde havia apenas um antigo cemitério, segundo
Josefo. Poder-se-ia pensar, em vista da produção de moedas de Antipas sem imagens,
que 0 procedimento fazia parte do respeito que tinha pelas tradições judaicas, ou
refletia oposição à nova fundação. De qualquer forma, para tomar seu pai como mo
delo, Herodes Antipas construiu uma nova cidade em estilo romano com um porto,
e deu-lhe o nome do novo imperador, procurando urbanizar o reino, ligando-se ao
mundo lá fora, por causa do desejo de receber o título de rei. Fora assim, afinal, que
seu pai havia construído o próprio reino.
Desde a metade dos anos 1980 quatro diferentes grupos de escavadores têm
trabalhado em Séforis e, embora Tiberíades seja hoje próspero reduto turístico, peda
ços da antiga cidade vão sendo encontrados aos poucos. Entre esses, foram achados
mà^
restos da cidade em estilo tipicamente romano cheia de iconografia pagã como, por
exemplo, uma vila com temas dionisíacos, pisos de mosaico com temas pagãos do
Nilo e até mesmo uma casa judaica de estudo com os signos do zodíaco. Mas o es
tudo cuidadoso das diversas camadas mostra que esses temas pagãos e mitológicos
pertenciam ao período romano posterior e ao bizantino, bem depois da chegada das
tropas romanas à vizinha cidade de Maximianópolis no segundo século, quando
um pouco depois os judeus começaram a se adaptar à cultura helênica e às idéias e
motivos romanos, para seu próprio benefício. Nas camadas anteriores, contudo, em
particular dos tempos de Antipas, as evidências indicam a existência de população
judaica ainda anicônica e do cauteloso Antipas que respeitava as sensibilidades re
ligiosas de seus súditos judeus. As primeiras moedas que Herodes Antipas cunhou
em Séforis e Tiberíades mostram o difícil caminho que tinha de tomar entre, de um
lado, construir um reino judaico e, do outro, permanecer fiel ao mundo romano: as
moedas não exibiam sua imagem e, em lugar disso, representavam juncos, ramos
de palmas e palmeiras, símbolos comuns no judaísmo, embora não necessariamente
estranhos ao mundo greco-romano.
Mas sem muros ou com eles, a imponente fachada do portão de Tiberíades abria-
se para uma avenida (cardo) que atravessava a cidade. O pavimento cinza-escuro
de basalto, arranjado em forma diagonal, em ziguezague, tinha a largura de 40 pés,
flanqueado por colunatas de 16 pés de largura, apoiadas em colunas de granito, diri
gidas para pequenas lojas que não passavam de cubículos. Trata-se da pavimentação
mais bem preservada dos tempos antigos. Semelhantemente, em Séforis, um cardo
com 44 pés de largura chamava a atenção por suas formas grandiosas. O pavimento
de pedras locais, também em estilo ziguezague, cobria um sistema de esgoto, tão
bem feito que chegou a resistir por quinhentos anos às rodas de carros sobre sua
superfície. A avenida era ladeada por colunas que sustentavam a cobertura das
calçadas, pavimentadas originalmente com mosaicos brancos e simples e, como em
Tiberíades, com muitas lojas. As colunas eram de pedra calcárea ou granito em vez
do mármore importado muito caro, e as pedras das fachadas das lojas não mostram
sinais de revestimentos de mármore. Eram rebocadas e pintadas de branco e moldadas
com estuque, situando-se no nível mais baixo da elegância urbana.
O que se descobriu em Séforis foi uma basílica do primeiro século. Embora esse
termo refira-se hoje a certo tipo de igreja, na Antiguidade era a forma arquitetônica
usada para propósitos administrativos e oficiais. A palavra basiléia em grego significa
“reino”, de modo que a basílica representava o reino de Roma em miniatura como
presença simbólica. Era concebida com uma nave central e duas alas separadas por
colunas cruzadas para sustentar o grande teto. Debaixo dele reuniam-se os súditos
em frente aopodium e à abside semicircular, cuja acústica tornava audível pronuncia
mentos ou julgamentos imperiais. Em Séforis, a basílica ocupava uma área de 115
por 130 pés e os pórticos mais 80 por 130 com piso de mosaico, paredes revestidas
de afrescos e piscinas de mármore. 0 edifício tinha fms administrativos, como um
fórum, e talvez até mesmo um mercado especial, destinado à elite governante.
Em Tiberíades, descobriram-se restos de um teatro que até agora não fora esca
vado. A mais debatida descoberta em Séforis foi também um teatro numa elevação
ao norte, voltado para o Vale Beit Netofah. Alguns estudiosos entendem que esse
teatro ilustrava as políticas romanizantes de Antipas e o caráter helênico da cidade
no tempo de Jesus; alguns até mesmo sugerem que Jesus poderia tê-lo visitado e
adotado a partir daí o termo hipócrita, que designava atores com máscaras nas re
presentações das peças. A evidência cerâmica usada para datar o teatro, contudo,
não é conclusiva, porque o edifício poderia ser situado no fmal do primeiro século
d.C, décadas depois de Jesus e de Antipas.
20m
Reino e terra
Dois curtos versículos das Escrituras, o primeiro na Lei e o outro nos Profetas,
que manifestam a voz de Deus, são básicos para a compreensão do reino da alian
ça no qual Deus governa numa terra especial. Em Levítico 25,23 Deus ordena que
“a terra não será vendida perpetuamente, pois que a terra me pertence e vós sois
para mim estrangeiros e residentes temporários”. E em Isaías 5,8 anuncia-se esta
maldição: “Ai dos que juntam casa a casa, dos que acrescentam campo a campo até
que não haja mais espaço disponível, até serem eles os únicos moradores da terra”.
Por trás desses aforismos ressaltam quatro pressupostos, não importando se os
chamamos de mitológicos, teológicos ou filosóficos.
Em primeiro lugar. Deus é justo. Depois, a terra de Israel pertence a esse Deus
justo. Em terceiro lugar, a terra fora distribuída no começo de maneira justa e igual
entre as tribos, clãs e famílias de Israel. Em quarto lugar, os decretos da Lei e as
investidas dos Profetas manifestam-se contra a inevitável tendência humana para
que cada vez fosse menor o número de pessoas possuidoras de mais e mais terras,
e maior os que cada vez tivessem menos. Nem a Lei nem os Profetas proclamaram
manifestos brilhantes e belos a respeito da igualdade, mas se esforçaram para contro
lar e diminuir o constante crescimento da desigualdade. A terra representava a base
material da própria vida e não podia ser tratada como mercadoria. Envolvia Deus de
modo muito especial em duas frentes distintas mas relacionadas entre si.
A reação de Acab demonstra que era um monarca moderado, mas sua esposa
era Jezabel, filha do rei de Tiro. Pertencia a uma religião diferente que professava
uma teologia econômica também diferente. Porque acreditava no livre comércio,
mandou matar Nabot e deu a cobiçada vinha ao marido. Nabot não tinha intenção
de ofender o rei, mas queria permanecer fiel à antiga e conservadora teologia da
aliança, que considerava a terra propriedade de Deus e se recusava a tratá-la como
qualquer outra mercadoria, capaz de ser vendida ou comprada.
Terras hipotecadas ou perdidas. Se não se podia vender a terra, era ainda possível
perdê-la de um jeito ou de outro. Em caso de dívida, dava-se a terra como garantia,
e se não se saldasse a dívida, perdia-se a terra com a execução da hipoteca. Não se
podia comprar ou vender, nem roubar ou assaltar; apenas endividar-se e perder por
hipoteca. A Lei tinha muito a dizer sobre dívidas. Não as proibia, mas procurava
controlar ou diminuir suas piores conseqüências, de cinco modos principais.
Por proibição de lucro. O lucro era proibido entre os israelitas, tanto antes como
depois do empréstimo, tanto na forma de dinheiro como de bens:
Por controle do penhor. 0 uso de garantia ou penhor não deveria envolver ações
ou exigências opressoras:
Por remissão das dívidas. As dívidas podem aumentar devagar, mas certamente a
quantias impossíveis de serem pagas. Mas nunca para sempre. Na pior das hipóte
ses, por sete anos:
A cada sete anos farás remissão. Eis o que significa esta remissão:
todo credor que tenha emprestado alguma coisa a seu próximo
remitirá o que havia emprestado; não explorará seu próximo, nem
seu irmão, porque terá sido proclamada a remissão em honra de
lahweh (Dt 15,1-2).
Por libertação dos escravos. Da mesma forma, indivíduos e famílias que haviam
sido vendidos como escravos para o pagamento de dívidas deveriam ser libertados
depois de sete anos:
Reino e eschaton
Reino e apocalipse
Em primeiro lugar, na metade dos anos 170 a.C., Aemilius Sura descreveu
a seguinte seqüência de cinco impérios: “Os assírios foram os primeiros entre
todas as raças a exercer poder mundial, depois os medas, seguidos pelos persas e,
finalmente, os macedônios. Então por causa da derrota dos reis Felipe e Antíoco,
de origem macedônia, logo depois da capitulação de Cartago, o poder mundial
passou para o povo romano”. A seqüência de quatro impérios do passado e mais
um quinto, superior, já era conhecida no mundo antigo, mas a afirmação de que
Roma era esse quinto reino veio de Roma, coisa historicamente defensável mas
não aceita universalmente.
Em seguida, na metade dos anos 160 a.C. o apocalipse no livro bíblico de Daniel
também menciona quatro reinos e um outro, mais forte. Os quatro são, neste caso,
os neobabilônios, os medas, os persas e os gregos. No livro de Daniel, os quatro
grandes impérios surgiram das revoltas das águas do caos primordial como bestas
selvagens e ferozes: um leão, um urso, um leopardo e “um quarto animal, terrível,
espantoso, e extremamente forte: com enormes dentes de ferro, comia, triturava e
calcava aos pés o que restava. Muito diferente dos animais que o haviam precedido,
tinha este dez chifres” (7,7). O quinto reino aparece quando “um como Filho de
Homem” põe-se diante de Deus, o Ancião ou Senhor do Tempo (7,13). (A frase
chauvinista semítica “filho de homem” corresponde à nossa “membro da humani
dade”. Refere-se ao ser humano, à pessoa.)
Ruas. Tão importante como a falta de edifícios públicos para a avaliação de Cafar
naum do tempo de Jesus é a ausência no local de planejamento centralizado. A área
urbana não era ortogonal e não tinha avenidas perpendiculares. Os arqueólogos não
encontraram traço algum do que se chamava então cardo maximus e decumanus, ruas
com cruzamentos que eram marcas do planejamento urbano no período romano. As
ruas não eram pavimentadas com pedras nem adornadas com colunas ou pórticos.
Não passavam da largura de 6 a 10 pés, e a maioria das vias era não ruas, mas sim
estreitas alamedas ou passagens. Não havia canais para água corrente. 0 esgoto era
jogado em passagens estreitas revestidas de terra e lixo, cheias de poeira nas estações
quentes e de lama nas chuvosas, sempre exalando mau cheiro. Os visitantes não
eram saudados por materiais de construção comuns nos projetos urbanos nem por
obras de luxo. As paredes externas não eram rebocadas, não ostentavam afrescos nem
granito vermelho de Assuã ou mármore branco da Turquia, nem nenhum outro tipo
de mármore, nem canteiros ou mesmo pedras de mosaico. Tampouco havia telhas
vermelhas de cerâmica comuns nos contextos do período romano.
Casas. Tenhamos na memória esta descrição das casas de Cafarnaum para con
trastá-las com os palácios e vilas urbanas herodianas no capítulo 4. Veremos que essas
descrições mostram o oposto do reino comercial herodiano. As casas de Cafarnaum
assemelham-se a outras encontradas em vilarejos judaicos ao leste da Galiléia e ao sul
do Golan, construídas com basalto escuro local e alguns pedaços de madeira torta,
palha ou junco, e barro. Eram construídas sem nenhuma assistência de técnicas e
instrumentos especializados, embora provavelmente anciãos experientes ajudassem
no desenho e emprestassem instrumentos rudimentares e se encarregassem das
tarefas mais difíceis. Familiares, amigos e vizinhos ajudavam na construção.
Os escavadores encontraram, por sua vez, inúmeros vasos de pedra como xícaras,
taças e bacias feitos a mão ou em pequenos tornos nada parecidos com os fabrica
dos em grandes tornos mecânicos. As lamparinas do primeiro século eram quase
sempre simples, longe dos tipos decorados herodianos; era raro encontrar as do tipo
importado, finamente decoradas. As poucas mais sofisticadas e de melhor qualidade
não ostentavam motivos mitológicos, pagãos ou eróticos, comuns nas lamparinas
encontradas na costa e nas cidades grandes, contentando-se com simples desenhos
florais. Utensílios de cerâmicas vinham de produção local e, pelo que parece, de
Kefar Hahanya na Alta Galiléia; panelas, pratos e caçarolas, potes para água e jarras.
Tigelas, copos e vasos para servir alimentos eram raros, e quase não existia aparelhos
de jantar importados nos contextos romanos primitivos. Os únicos utensílios desse
tipo encontrados haviam sido produzidos localmente imitando cerâmicas importadas
de centros especializados e famosos.
Barcos. Os habitantes de Cafarnaum aproveitavam o lago para pescar. Em perío
dos posteriores, construiu-se um cais mais adequado. Antes disso, a água respingava
sobre a terra irregular com alguma proteção formada por pequenas pedras polidas
depois jogadas no lago. Dificilmente se poderia chamar esse lugar de “baía” no
sentido do porto monumental de Cesaréia.
B alneário rom ano. O pequeno balneário escavado nos fms dos anos 1980 nas
ruínas de Cafarnaum, nos domínios do patriarcado greco-ortodoxo, sugere certas
conexões com uma história do evangelho. Construído no estilo típico legionário
romano, o balneário situava-se nos confins da cidade, ao leste. 0 edifício de 26 por
56 pés foi construído fora dos padrões encontrados em outros sítios: sistema de
tijolos e telhas com encanamentos subterrâneos cobertos por pisos de argamassa e
concreto; paredes de pedras uniformemente talhadas, bem niveladas, revestidas de
cimento. A casa dividia-se em quatro câmaras — o frigidarium, com água fria, o tepi
darium, com água morna, o caldarium, com água quente, e o apodyterium, ou vestiário
— e assemelhava-se a qualquer outro balneário básico usado pelas legiões romanas
nas fronteiras ocidentais da Bretanha e da Gália no segundo século d.C.
A existência dessa casa não significa que a prática de banhos públicos de estilo
romano fosse praticada pelos habitantes do vilarejo de Cafarnaum. Indicava, isso
sim, a presença das forças de ocupação desejosas de se banhar aí em estilo romano.
Não há conexão alguma com a história do centurião de Cafarnaum no Evangelho
Q em Mateus 8,5-13 = Lucas 7,1-10 e João 4,46-54. Cacos de cerâmica retirados
da estrutura pelo escavador Vassilios Tzaferis, do Departamento de Antiguidades
de Israel, confirmam que pertenciam ao período romano médio. O balneário data,
então, do segundo século, quando os legionários romanos estavam aquartelados
permanentemente na Galiléia depois da revolta de 132-135 d.C. O oficial, chamado
de “centurião” em Lucas (do grego hekatontarchos, “governante sobre cem subor
dinados”), não deve ser confundido com o centurião romano que presidia sobre o
contingente de uma legião. A história de João chama-o simplesmente de basilikos
(“oficial real”). As inscrições que já examinamos encontradas em Séforis e Tibe
ríades mostram que Antipas adotara realmente a terminologia grega e romana para
designar seus oficiais. A maioria deles era judaica, embora Lucas e talvez até mesmo
João sugiram a existência de mercenários gentios de países estrangeiros em serviço
nessa cidade fronteiriça. Durante o governo de Antipas não havia oficiais romanos
permanentes na Galiléia.
M arco rom ano. Por volta desse período encontrou-se perto de Cafarnaum evi
dência da presença de legionários na forma de um marco miliário. Os legionários
romanos que também serviam como engenheiros mantinham-se ocupados cons
truindo na Galiléia e em outros lugares no Oriente o sistema rodoviário romano
por ordem do imperador Adriano. Ele queria facilitar o acesso ao Oriente para que
as forças legionárias lutassem contra os partos e também pudessem abafar levantes
da parte dos judeus. O marco miliário romano, em latim, leva o nome do imperador
Adriano:
IMP(erator)
C[A]E[S]AR DIVI
[TRAL\]NI PAR[thici]
F(ilius) [DIVI NERVAE][N]EP(os)TRAI
[ANUS][HA]DRIANUS AUG(ustus)
Dois séculos depois da segunda guerra judaica contra Roma (132-135 d.C.), sua
supremacia voltava sobre a Galiléia e Cafarnaum, mas agora com a proclamação da
vitória cristã. Em Cafarnaum, contudo, como no resto da Galiléia, o processo de
cristianização dos espaços públicos enfrentou oposição. Embora tenha sido cenário
de boa parte da vida de Jesus, de seus ensinos e milagres, durante os três séculos
seguintes, poucos cristãos viveram na Galiléia, que se manteve predominantemente
judaica. Inúmeros peregrinos cristãos passavam pela cidade, porque era mencionada
nos itinerários para a Terra Santa. As escavações arqueológicas na Galiléia atestam
a existência de uma rede de estruturas patrocinadas pelos cristãos do período bizan
tino, como, por exemplo, a Gruta da Anunciação na cidade natal de Jesus, Nazaré, o
santuário em Caná comemorando a transformação da água em vinho e o complexo
monástico de Kursi, onde a legião de demônios foi exorcizada. Mas, igualmente,
outros achados arqueológicos indicam a presença de florescente auto-expressão
judaica e até mesmo de desafiadora resistência ao imperialismo cristão, na forma
de sinagogas, mosaicos e arte.
Mas teria essa sinagoga alguma relação com as histórias do evangelho? É pos
sível, mas pouco provável. Os escavadores franciscanos sugeriram que algumas
paredes do antigo período romano antes do quinto século d.C. da sinagoga de
pedra calcária já existiam na Cafarnaum do primeiro século e representariam os
fundamentos de uma sinagoga anterior. Mas esses restos de parede daquela época
não são suficientes para atestar a existência de uma sinagoga em Cafarnaum no
primeiro século, posto que são do mesmo tipo das usadas em outras edificações de
natureza doméstica. Tampouco podem as referências do evangelho à sinagoga onde
Jesus exorcizou os demônios (Marcos 1,21) e ensinou (João 6,59) servir de prova
de que aquela sinagoga era esta. Como mencionamos no primeiro capítulo, o termo
sinagoga referia-se principalmente à reunião, e apenas, em segundo lugar, à estrutura
no primeiro período romano. Somente a história de Lucas a respeito do “centurião”
de Cafarnaum presume uma estrutura de sinagoga no vilarejo, construída graças à
sua benevolência (Lucas 7,5).
Mas Lucas narra eventos a partir do ponto de vista da Palestina, onde as comuni
dades da diáspora judaica usavam claramente o termo para designar a estrutura, num
período posterior, quando já se havia desenvolvido o conceito clássico de sinagoga.
Recordemos que Lucas também errou ao se referir aos telhados de Cafarnaum, à
sinagoga de Nazaré e aos rolos lidos por Jesus. Nada disso, porém, desautoriza a
validade da mensagem de Lucas —■para quem a existência de um edifício chamado
sinagoga mostrava apenas sua visão de eventos ocorrendo em ambientes seme
lhantes aos de sua audiência. Acentua também a idéia de que qualquer gentio justo
poderia levar a sério as responsabilidades patronais e construir sinagogas, como
o caso do outro centurião, Cornélio, temente a Deus e doador de ofertas, descrito
em Atos 10. Mas os judeus das pequenas cidades da Galiléia no tempo de Jesus
encontravam-se às vezes em praças ou em pátios grandes de residências de pessoas
idosas, e chamavam essas reuniões de sinagogas. Nas cidades maiores, reuniam-se
em estruturas modestas jamais identificadas pelos escavadores por esse nome no
sentido clássico. O caso da construção de um edifício em Cafarnaum foi, certamen
te, incidental em Lucas. Falar de uma “sinagoga de Jesus” em Cafarnaum não tem
credibilidade alguma.
E provável que Mateus tenha tomado de Marcos a idéia de que a casa de Jesus em
Cafarnaum era sua sede, aumentando a ambigüidade mais do que a eliminando. De
um lado. Marcos 2,1 descreve Jesus "em casa” referindo-se, certamente, à residência
(da esposa) de Pedro em Cafarnaum. Mas estaria Jesus apenas fazendo uma visita
ou morava lá? A questão surge por causa da descrição de Marcos do começo do dia
em Cafarnaum (1,16-38). A fama de Jesus espalhava-se pela Galiléia por causa de
seu convincente ensino e das curas que realizava e atraía depois do Sábado multi
dões à casa. Os leitores mediterrâneos esperariam que Jesus permanecesse naquela
casa e deixasse que Pedro, sua família e os aldeãos se encarregassem de levá-lo aos
povoados vizinhos. Mas, em vez disso, segundo 1,35-38, "de madrugada, estando
ainda escuro, ele se levantou e retirou-se para um lugar deserto. E ali orava. Simão
e os seus companheiros o procuraram ansiosos, e, quando o acharam, disseram-lhe:
Todos te procuram’. Disse-lhes: ‘Vamos a outros lugares, às aldeias da vizinhança,
a fim de pregar também ali, pois foi para isso que eu vim’”.
Nem Mateus nem Lucas souberam o que fazer com a frase de Marcos sobre "a
retirada” de Jesus. Cada qual tentou resolver o problema a seu modo. Mateus copia
de Marcos todos os outros incidentes desse primeiro dia em Cafarnaum, mas omite
completamente a oração “ao entardecer” e a “saída” da casa de Pedro. Lucas aceita
a unidade textual de Marcos, mas substitui a frase “pois foi para isso que eu vim”,
por esta: “Pois é para isto que flii enviado” (4,43).
Essa casa do primeiro século em Cafarnaum bem poderia ter sido o lugar que
Jesus visitava e era recebido como hóspede. Mas não era o “quartel general” do Reino
de Deus. Não era aí nem na residência de sua família em Nazaré, porque, diferindo
dos reinos comerciais a que se opunha, seu reino da aliança não poderia se situar
num centro fixo para o qual todos viriam, mas sim em ponto móvel, dirigindo-se
a todos igualmente.
Ironia da casa de Pedro. A ironia é que a casa onde Jesus talvez tivesse estado para
participar de refeições privadas com a família de Pedro transformou-se em lugar
público de peregrinação sob a proteção e patrocínio do Império Romano. A ironia
continua. Nos primeiros dias, o Reino da Aliança de Deus pregado por Jesus colidia
com 0 Reino comercial romano de Herodes, mas, depois, o desenvolvimento de
Cafarnaum deixou-a mais parecida com este último do que com o primeiro.
No santuário de um deus
Era comum na Antiguidade sacrifícios e oferendas de comidas aos deuses, comer
com eles, e até mesmo comê-los. Os arqueólogos descobriram traços de refeições
sagradas e de ceias rituais em inscrições, altares, restos de animais sacrificados,
panelas e vasos em santuários ao longo do Mediterrâneo.
Banias era um dos recantos mais agradáveis com deslumbrantes cenários para esses
rituais, situada num platô ao sul do sopé do Monte Hermon, ao redor de uma caverna
próxima às fontes do Rio Jordão, distante cerca de 30 milhas de Cafarnaum e do Mar
da Galiléia. A área luxuriante e verde ao redor dessa gruta e da fonte relacionava-se na
Antiguidade com o deus Pã, metade homem e metade bode, companheiro de ninfas da
floresta, divindades dos bosques, das montanhas e dos rios, brincalhonas mas líricas.
Ao lado de um pequeno terraço, dividido entre penhascos em cima e lagoas e um riacho
embaixo, situa-se um lugar que tem atraído visitantes locais e de fora. A sombra dos
penhascos íngremes e da vegetação, e refrescada pelos jorros de água das fontes, servia
como santuário do deus da natureza, Pã, nos períodos helênico e romano; a gruta cha
mava-se Paneion em grego, e a área ao redor, Panias, rebatizada agora com o nome árabe
de Banias. Inicialmente, era um santuário natural nesse ambiente bucólico e rural até a
construção do templo Augusteion na frente da gruta, por Herodes, o Grande, dedicado a
César. Mais tarde, Felipe, filho de Herodes, elaborou o complexo do santuário e fundou
sua capital ao sul das fontes com o nome de Cesaréia de Filipos.
O santuário de Pã
Templo de Herodes
Herodes, o Grande, adquiriu as terras ao redor das fontes no meio de seu reino como
recompensa pela lealdade demonstrada a César Augusto. Como recompensa, segundo
Josefo, ergueu um templo ao redor da caverna, dedicando-o a Augusto e chamando-o
de Augusteion. Até pouco tempo, pedras e rochas caídas do penhasco cobriam o sítio,
mas os arqueólogos chegaram com suas escavações até o templo. Acharam três paredes,
duas delas perpendiculares em relação ao penhasco e a fachada construída no topo de
uma plataforma de 30 por 60 pés, ao lado da caverna. Foram construídas com pedras
talhadas segundo a técnica chamada opus quadratum, talvez pelo mesmo arquiteto ita
liano que Herodes contratara para fazer seu palácio em Jericó. No interior das paredes,
encaixes sustentavam no passado placas de mármore. Inúmeros nichos semicirculares
e retangulares devem ter abrigado miniaturas de estátuas. O templo não tinha parede
nos fundos, abrindo-se para a gruta; essencialmente, a porção construída servia como
vestíbulo, enquanto a caverna era o sanctum interior. O Augusteion conservava certo
caráter natural apropriado a Pã, mas acrescentava-lhe a fachada e o estilo arquitetônico
adequados ao culto do imperador romano.
Cidade de Felipe
Depois que o filho de Herodes, Felipe, herdou esta área, tornou-a sua capital e
construiu aí uma cidade administrativa no estilo greco-romano, logo abaixo do Paneion
no ano 2 a.C. Como era costume entre os herodianos, batizou-a em honra do imperador
romano mas a chamou de Cesaréia de Filipos para distingui-la da Cesaréia de seu pai,
na costa. A área se transformou de isolado santuário em lugar urbano. O complexo
dedicado a Pã expandiu-se durante o reino de Felipe e depois, num outro santuário
ao ar livre construído no promontório ao redor de nova caverna, desta vez artificial,
denominada “Caverna de K e das Ninfas”, segundo uma inscrição tardia da metade do
segundo século de nossa era. Diversos elementos foram acrescentados ao complexo; o
Templo de Zeus e Pã, outro santuário ao ar livre chamado “Corte de Nêmesis”, o edifício
estreito com três vestíbulos, contíguo ao penhasco, e a estrutura parecida com um palco
chamada pelos escavadores de “Templo de Pã e dos Bodes”.
Nos três séculos depois do reinado de Felipe, inúmeras inscrições em grego foram
gravadas nas pedras do penhasco e nos edifícios. Vejamos alguns exemplos. Da base do
nicho até acima da caverna artificial; “O sacerdote Victor, filho de Lysimachos, dedicou
esta deusa ao deus Pã, amante de Eco”. Perto do espaço aberto; “Pela preservação de
nossos senhores e imperadores, Valerios [Titijanos, sacerdote do deus Pã, dedicado à Senhora
Nêmesis e a seu santuário, que foi construído mediante cortes na rocha embaixo [...]
com cerca de ferro, no mês de Apellaios”. Sobre a face do penhasco acima do santuário
de Nêmesis perto de um nicho sem decoração; ‘Agripa, sua esposa, e Agripino e Marcos
e Agripa, membros do conselho cívico, e Agripina e Domne, suas filhas”.
No palácio de um rei
Enquanto, de um lado, sírio-fenícios e itureus de pequenas cidades e vilarejos
ao redor das cabeceiras do Jordão procuravam a natureza para fazer suas refeições,
de outro, os cidadãos ricos e as famílias governantes do mundo romano traziam
elementos da natureza para suas salas de jantar. Estas chamavam-se triclinia (no
singular, triclinium). 0 termo refere-se a dois pormenores específicos. Em primeiro
lugar, havia três (daí tri) divãs principais: o do meio para o anfitrião, e os outros dois
para os hóspedes de honra. Em segundo lugar, o hospedeiro e seus mais importantes
hóspedes reclinavam-se (daí clinia) — não se sentavam em cadeiras como nós — e,
conseqüentemente, exigiam servos e auxiliares para as refeições. Reclinar-se, em
outras palavras, significava pertença à classe social mais alta.
Nas vilas campestres, as janelas e portas da sala de jantar abriam-se para vistas
espetaculares da natureza, tais como a costa do mar, florestas ou oásis. Nas residên
cias urbanas dos mais abastados, a natureza reproduzia-se nos jardins e piscinas e
no interior dos triclinia com pinturas de cenas bucólicas, temas florais, da fauna e da
mitologia nas paredes e nos mosaicos. Enquanto Herodes, o Grande, e seus suces
sores reduziam as oportunidades do povo comum em Banias de realizar refeições
junto à natureza, ironicamente empenhavam-se em recriar o ambiente campestre
em seus salões de banquete. Ao mesmo tempo que construíam templos em Banias e
em outros lugares, traziam para o interior dos palácios diversos aspectos do espaço
público como 0 uso harmonioso de colunas, mosaicos e mármore. Os cidadãos mais
ricos do Mediterrâneo privatizavam conscientemente as feições arquitetônicas da
vida pública da polis helênica, elevando suas residências ao nível desse domínio e
acentuando o triclinium como espaço de prestígio. Apropriando-se de características
reservadas até então à arquitetura pública, davam a suas casas estatura monumental
e com 0 uso inteligente do espaço e da decoração ressaltavam o status situado no
topo da pirâmide social, ao lado de ostentosa demonstração de riqueza.
As escavações arqueológicas mostraram que alguns desses hábitos comensais
haviam penetrado nos strata sociais mais altos do território judaico sob os herodia
nos. O estilo dos jantares dessas classes no mundo romano caracterizava-se por três
elementos. Em primeiro lugar, criando a ilusão da natureza nos triclinia. Em seguida,
adotando elementos da arquitetura pública. Finalmente, acentuando a posição do
hospedeiro no topo da hierarquia social. Esses elementos eram claramente visíveis
nos palácios de Herodes, o Grande, como o palácio-oásis em Jericó, o do penhasco
em Masada, ao norte, com vista para o Mar Morto, o palácio-fortaleza herodiano no
deserto da Judéia, e o palácio à beira-mar em Cesaréia Marítima.
Masada na montanha
Nos anos 1960, o famoso arqueólogo e estadista israelense Yigael Yadin escavou o
palácio de Herodes, o Grande, na extremidade norte de Masada, contendo um triclinium
no terraço inferior, com espetacular vista para o Mar Morto e o deserto da Judéia. A
descoberta de pedaços de colunas com fendas para postigos, bem como de peitoris de
janelas, mostra que o triclinium abria-se para a face norte, de onde se podia apreciar a
deslumbrante vista panorâmica das escarpas. Os hóspedes, protegidos dos raios solares
do sul, usufruíam não apenas da sombra mas também do esplêndido cenário onde as
colinas da Judéia encontravam-se com o platô da Transjordânia no Vale Rift. Mesmo
nesse lugar remoto, o hospedeiro tratava os convidados com todas as regalias. Embora
0 palácio se situasse longe da costa e fosse quase inacessível, impossibilitando a im
portação de pesadas colunas e revestimentos de mármore, os hóspedes cercavam-se de
fachadas que imitavam os mais nobres materiais: colunas de pedra local arrematadas
com estuque e terminadas por capitéis de estilo coríntio e paredes finamente rebocadas,
com pinturas imitando mármore. Os convivas reclinavam-se em divãs dispostos sobre
pisos de mosaico à prova de água, coisa que facilitava a limpeza depois dos jantares. Era
comum, na época, jogar restos de comida no chão.
0 desenho do espaço incluía dois quadrados concêntricos, com colunas, e um pórtico
para circulação, que relembrava a arquitetura cívica dos corredores cobertos da stoa ou,
mesmo, do recinto dos templos. No quadrado interior, pilastras, colunas embutidas
nas paredes, entre afrescos destinados a criar a ilusão de que se sobressaíam do fundo,
davam aos visitantes a sensação de jantar em ambiente monumental que recriava a
aura das refeições rituais ou das oferendas nos templos. Comia-se de maneira divina
em pratos de alta qualidade e refeições exóticas. A maioria da cerâmica desenterrada
nas escavações desse palácio consiste em pratos e tigelas entre os melhores existentes.
Caracteres pintados em utensílios para armazenar alimento e nas alças de ânforas indi
cavam datas, locais de origem e conteúdo de carregamentos para Masada. Entre os mais
surpreendentes produtos importados destacavam-se compras de luxo da Itália, raras na
Palestina, como, por exemplo, compota de maçã de Cumae, tempero de peixe, garum, de
Pompéia, muito vinho, transportado em 19 a.C. de vinhas da região de Brindisi, no sul
da Itália, e uma garrafa com a inscrição “Vinho Massic excelente” da Campânia. Esses
achados dão evidências tangíveis do gosto de Herodes por comidas e bebidas da mais
alta qualidade e seus pendores para jantares de estilo.
Cesaréia na costa
Em cenário igualmente estonteante mas menos remoto, Herodes, o Grande, cons
truiu um palácio no extremo sul da cidade de Cesaréia Marítima. No único ponto onde
0 litoral da cidade projeta-se no mar, o edifício de 200 por 300 pés no promontório
rochoso era visível tanto pelos marinheiros e visitantes que chegavam de barco como
pelos habitantes do local. No pátio cercado de colunas sobressaía uma piscina de 60
por 120 pés, recortada na rocha. Revestida de cimento hidráulico, recebia água fi^esca
de longe, puxada manualmente, em lugar da água salgada do Mediterrâneo. Mesmo
depois dos efeitos da corrosão provocada pelas ondas ao longo dos séculos, o fiindo da
piscina ainda se mantém preservado acima de 3 pés. Além da função estética, funcionava
provavelmente para folguedos atléticos. Herodes, o Grande, na tradição dos primeiros
reis judaicos asmonianos, gostava de construir piscinas e balneários em seus palácios.
Cavidades retangulares para plantar árvores, cercas vivas e flores formavam um jardim
ao redor da piscina. O corredor em volta, cheio de colunas, havia sido pavimentado com
mosaico ou mármore com motivos geométricos de diferentes tamanhos. O triclinium,
aposento principal do palácio, situava-se ao oeste do edifício entre a piscina e o mar.
Como em Masada, Herodes ligava seu salão de jantar com a natureza, com a bonita
vista do Mar Mediterrâneo lá fora matizada pelo pôr-do-sol no oeste e, internamente,
com o luxuriante jardim e a piscina ao leste.
Na vila de um aristocrata
Os luxuosos salões de banquete de Herodes, o Grande, seus audaciosos palá
cios, e a clara delineãção da hierarquia social que promovia estão contemplados nos
registros arqueológicos. Embora possamos pressupor que o filho Antipas imitasse
seu modelo, os restos que deixou não são tão grandiosos. O primeiro encontro com
Antipas no evangelho de Marcos situa-o com seus amigos da elite num banquete,
e é precisamente depois da refeição que a cabeça de João Batista foi servida numa
bandeja (6,14-29). Mas as camadas arqueológicas do primeiro século em Séforis e
Tiberíades não mostram nenhuma evidência de que Antipas tivesse palácios nesses
lugares, e muito menos triclinia. É o que tentaremos examinar a seguir.
A Vila de Dionísio, no alto da acrópoie, podia ser vista por todos com seu telhado
vermelho e paredes finamente revestidas, exibindo a riqueza e o status do proprietá
rio. Como no palácio de Herodes em Cesaréia, erguia-se o teatro ao lado da mansão
em Séforis. E provável que o dono da vila patrocinasse os espetáculos. Dionísio era,
afmal, não apenas o deus do vinho mas também o patrono do teatro e dos atores. A
planta da mansão deixava transparecer o interesse do proprietário em tornar pública
a sua opulência. Os transeuntes podiam facilmente ver o peristilo pela entrada do
jardim e até mesmo o triclinium. 0 desenho do peristilo reforçava a hierarquia social
ao cercar os convivas com colunas, pisos de mosaico e belos murais. Traçava-se assim
2 0 . Reconstrução da Vila de Dionísio em Séforis, do período romano posterior
Nomeada a partir de um mosaico que retrata o deus do vinho e celebra as alegrias dessa
bebida, a vila era a residência de um dos principais cidadãos de Séforis, que fora capital da
Galiléia, construída por Herodes Antipas. Em bora a \'ila date de um século depois de Jesus,
ilustra a elegância dos jantares no mundo romano, com hóspedes sentados no triclinium arranjado
hierarquicamente ao redor em três divãs, indicados pela letra grega “gama” ao lado (1). Trata-se
do mesmo arranjo mencionado por Jesus em Lucas 14. O desenho axial fazia distinção entre o
setor privado e o público: quem estava do lado de fora (2) podia ver o que se passava, por meio
do átrio em forma de peristilo (3), tomando consciência de que eram excluídos. Esse arranjo
também exibia a riqueza do proprietário, ilustrada aqui pelos utensílios de servir, importados
(4), e pelas peças de vidro, garrafas e jarras, muito caras (5). Os afrescos nas paredes (6) e o teto
trabalhado eram semelhantes aos de outras residências elegantes no mundo romano.
clara linha divisória entre os que freqüentavam a vila e os que passavam pela rua.
Poucos privilegiados reclinavam-se lá dentro nos divãs e eram servidos com comidas
e bebidas; a maioria, no entanto, passava e dava uma olhada para dentro, mas não
podia entrar nem participar, a não ser como empregados, artistas contratados para
divertir os hóspedes, ou secretários,
A hierarquia social era reforçada ainda de outras maneiras entre as elites con
vidadas para o triclinium. O piso de mosaico medindo 18 por 23 pés, de excepcional
qualidade artística, compunha-se de mais de vinte diferentes tesselas coloridas,
dividindo o salão em duas partes, A seção em forma de U, pavimentada com tes
selas brancas, era marcada pela letra grega gama para indicar a localização dos três
principais divãs. O hospedeiro sentava-se no divã do centro com os dois hóspedes
principais nos assentos da direita e da esquerda. A localização dos assentos era cla
ramente demarcada e ocupava mais espaço do que os outros móveis. Posto que os
hóspedes permaneciam reclinados, precisavam ser servidos por diversos atendentes.
Os demais convidados reuniam-se em volta dessa área em ordem descendente. É
por isso, por exemplo, que em Lucas 14,7-11, quando o hóspede senta-se no fundo,
vai ser chamado para ir à frente e sentar-se junto ao dono da mansão em sinal de
honra especial.
o primeiro exemplo, escavado no começo dos anos 1990 por Eric e Carol Meyers,
do Projeto Regional de Séforis em convênio com a Duke University, registrado como
Unidade II, é de uma casa com pátio interno construída nos quarteirões residenciais da
parte ocidental da cidade. As atividades diárias da família eram, de certa forma, protegi
das pela distribuição das peças ao redor do pátio, o qual não tinha a forma de peristilo.
Mas, no interior, os proprietários assinalavam sua importância na escala social adotando
elementos decorativos como afrescos, mosaico, estuque e telhas vermelhas.
Ainda em Séforis, do outro lado da rua, ao norte, outra casa igualmente con
temporânea e rica demonstrava que algumas famílias judaicas no primeiro século
adotavam não só elementos decorativos arquitetônicos, mas também a ostentação de
riqueza como faziam os romanos. Esta casa, construída com um peristilo que dava
visibilidade ao átrio, foi escavada primeiramente em 1931 por Leroy Watermann,
da Universidade de-Michigan. Achava que havia sido uma basílica por causa das
colunas, dos pisos de mosaico, das paredes revestidas e dos afrescos. Supunha ainda
que as cavidades encontradas na rocha pareciam-se com catacumbas do tempo em
que o ritos cristãos “eram praticados em segredo”. Recentemente, contudo, James E.
Strange, do Departamento de Escavações da Universidade do Sul da Flórida, retomou
os trabalhos no complexo e determinou que, de fato, tratava-se de uma vila e que as
cavidades encontradas eram miqwaoth, isto é, banheiras rituais judaicas.
O engano de Watermann nada teve a ver com buscas religiosas sensacionais de tipo
romântico e aventureiro. É que o desenho original da casa e o gosto do proprietário
favoreceram o uso de elementos usados em espaços públicos; pilares, arranjos axiais,
pedras bem polidas e bem talhadas, gesso branco, alguns afrescos e pisos de mosaico
com figuras geométricas em preto e branco e bordas. Por outro lado, o que levou à
identificação do edificio como residência foi a descoberta de Strange de uma cozinha
e dos miqwaoth, encontrados também em outras casas de Séforis. Além disso, os dois
escavadores acharam inúmeros artefatos domésticos; panelas de cozinha, pentes de
osso, aplicadores de maquiagem, pesos de teares e moedores de basalto.
A introdução e difusão de riqueza na Galiléia era não apenas questão pessoal mas
também processo social, uma vez que a ostentação de objetos de luxo marcava o lugar
das pessoas na hierarquia social. O valor desses bens era proporcional à impossibilidade
de sua aquisição pelos strata mais baixos da sociedade. Sua exibição criava o valor e não
tanto a posse. Também, naturalmente, o aumento do luxo e de seu consumo baseava-se
no aumento da produtividade e dos lucros procedentes das áreas rurais.
No Reino de Deus
Parece-nos óbvio, que, de acordo com o primeiro capítulo, os antigos ataques
injuriosos eram tão grosseiros como seus equivalentes modernos. A capacidade que
as pessoas tinham para insultar e inventar histórias era tão maldosa como a nossa.
As vezes, contudo, lá como aqui, podem-se conservar certos aspectos das descrições
sem levar em conta os motivos das acusações. Podemos aceitar a descrição da ação
(por exemplo, “pregação”) e ignorar a motivação perversa alegada (por exemplo,
“lucro pessoal”) . Nas críticas levantadas contra João Batista ou Jesus é preciso separar
a descrição (que se fazia) da acusação (por que se agia assim). Além disso, quando
os opositores avaliavam o movimento de João Batista e do Reino de Jesus, achavam
que eles eram protagonistas muito esquisitos, malucos ou desviados, não apenas
diferentes deles mas também opostos a eles. E, por mais estranho que nos pareça,
os elementos que escolheram para acentuar as divergências que mostravam em face
da normalidade corrente foram a comida e a bebida, almoçar e jantar
Josefo não menciona o deserto nem o Jordão nem mesmo o perdão dos pecados
quando discorre a respeito de João em sua ohra. Antiguidades judaicas (18.116-119).
O batismo de João, diz ele, era mera purificação secundária do corpo depois da
purificação da alma. Significava “a consagração do corpo implicando que a alma já
havia sido purificada por meio de comportamento correto”. Esse comportamento
queria dizer “prática da justiça para com o próximo e piedade em relação a Deus”.
Mas apesar desse tão inocente programa e sem maiores explicações, Josefo explica a
decapitação de João por Antipas como medida preventiva, “antes que sua pregação
provoque um levante”. Mas por que Antipas suspeitaria de tal subversão a partir de
um encontro de santos? Parece que falta uma peça entre a descrição sumária de sua
vida e sua morte. Algo não foi contado. Teria sido deliberadamente? Que seria?
Quando as duas fontes são combinadas e suas tendências divergentes são entendidas,
João aparece claramente como profeta da consumação apocalíptica iminente que agia e
falava na perigosa fronteira entre a expectativa passiva e a ativa. Marcos 1,6 menciona
sua maneira de vestir-se e comer; “João se vestia de couro de camelo e se alimentava
de gafanhotos e mel silvestre”. Parece-se com a descrição que Josefo faz de seu mentor,
Bannus, “que habitava no deserto, usando roupas feitas de folhas de árvores e se ali
mentava das coisas que cresciam espontaneamente” (Vida 11). Não importa qual seja
a nossa interpretação, se ascetismo aceito ou/e rejeição da civilização, e até mesmo se
intensificação de pureza; o fato é que João “não comia pão nem bebia vinho”. Localização
e ação, vestuário e dieta formam um todo coerente. Essas coisas, porém, aumentam
0 problema da compreensão da correspondente descrição de Jesus. Não comer nem
beber eram coisas suficientemente extraordinárias para suscitar críticas e comentários.
Podemos observar, mesmo sem concordar, como os oponentes passavam de descrições
acuradas para acusações individuais. João era, obviamente, um profeta ascético que
anunciava o iminente apocalipse. Os insultos funcionam melhor quando se baseiam
em alguma coisa. Mas que dizer a respeito de Jesus?
Aí está 0 problema. Assumindo que Jesus não comesse livremente com pessoas
irremediavelmente más e que não fosse glutão nem beberrão, e que João não fosse
um possesso, que outra alegação física poderiam ter suscitado as acusações contra
ele? Que envolvia seu estilo de comer e beber? Que sentido poderiam ter essas
acusações? Jesus comia e bebia. E daí? E se levássemos a sério essas acusações e as
tomássemos ao pé da letra, como explicar que tal jeito de comer e beber o levaria a
morrer numa cruz romana?
Se tivéssemos apenas a com paração de João com Jesus nas acusações registradas no
Evangelho Q, poderíamos imaginar que ele estava sendo criticado porque era diferente de
João. Era acusado de não ser asceta, ao contrário do martirizado João Batista. Em Marcos
2,19-20, por exemplo, logo depois da defesa de Jesus por ter comido com “publicanos
e pecadores” para que se arrependessem, os discípulos são criticados por não jejuarem
como os discípulos de João e os fariseus. Mas seria só isso: que Jesus não era um jeju-
ador asceta? Que ele comia normalmente? Bem como seus companheiros? Se Marcos
e 0 Evangelho Q pertencem ao primeiro nível da terceira camada, haveria alguma outra
coisa nas camadas anteriores a respeito desse assunto? Será que essas outras camadas
nos ajudam a entender a descrição de Jesus como glutão e beberrão? Retornamos, então,
às complexidades das camadas exegéticas.
Será que essas ofertas só eram aceitas quando partiam de uma comunidade para
outra? Pode ser, mas tudo indica que existiam problemas especiais com a aceitação de
ajuda dos coríntios. Em vez do igualitarismo radical adotado por Paulo para judeus
e gentios, escravos e livres, homens e mulheres (G1 3,28), havia na comunidade
de Corinto pessoas abastadas, provavelmente escravos alforriados, que operavam
segundo os padrões hierárquicos patronais da tradição greco-romana comum. Essa
sedutora subversão da igualdade cristã causava problemas na celebração da Ceia do
Senhor (ICor 12) e forçava Paulo a recusar qualquer tipo de hospitalidade que não
fosse igualitária, por envolver mais controle do que assistência.
De qualquer forma, e seja pela razão que for, Paulo recusava a ajuda financeira e
a hospitalidade das famílias de Corinto, mas admitia que o criticavam corretamente
por não seguir o costume geral apostólico adotado por Jesus. Não apelava a nenhuma
revelação pessoal, embora admitisse que se tratava de tradição comum. Em outras
palavras, se a tradição de Paulo pertencer à segunda camada, o mandamento de Jesus
seria da primeira, do próprio Jesus histórico. Mas que realmente significa? Teria Jesus
promovido hospitalidade? Quem não faria isso? Teria ele aprovado o pagamento de
salários? Quem seria contra? Jesus comia e bebia. Mas todos comem e bebem, não
é? Mas realmente o que estaria em jogo nisso tudo e por que tanta confusão sobre
comida na tradição de Jesus?
Além das referências a alimento nesses textos e das relações que têm entre si,
há ainda quatro razões que nos levaram a selecioná-los entre a Tradição dos Ditos
Comuns. Em primeiro lugar, visto que derivam de Jesus, e acentuam comida e bebida,
hospitalidade e reciprocidade, ligam-se diretamente com o mandamento do Senhor
que Paulo não seguiu em 1 Coríntios 9. Talvez isso nos leve, em outras palavras, a
entender o conteúdo e o propósito de tal mandamento.
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mas mais especialmente contra Cafarnaum no Evangelho Q em Mateus 11,20-24 =
Lucas 10,13-15. É provável que os primeiros companheiros de Jesus tivessem tido
mais êxito nas casas individuais de lugarejos pequenos do que nas arenas públicas
das aldeias maiores ou dos vilarejos (chamados “cidades”).
Em primeiro lugar, a maneira mais rápida para acabar com a família consiste
em advogar o divórcio, com a separação dos cônjuges e o abandono dos filhos. Mas
foi precisamente o que Jesus condenou nos ditos a respeito do divórcio, segundo
Paulo em 1 Coríntios 7,10-11, no Evangelho Q em Lucas 16,18 = Mateus 5,32 e em
Marcos 10,11-12 = Mateus 19,9. As citações de Paulo, do Evangelho Q e de Marcos
quase certamente indicam que se originaram no próprio Jesus histórico pertencente
à primeira camada da tradição.
Originalmente, então, a itinerância de Jesus nada tinha a ver com ascese ou com o
abandono voluntário das posses, da família normal e do lar. Não obstante, muito cedo
na tradição de Jesus o asceticismo voluntário começou a substituir o forçado. Essa
tendência aparece tanto no Evangelho de Tomé como no Evangelho Q. Inúmeros desses
ditos que todos conhecem sobre abandonar riquezas e odiar os pais acabaram sendo
interpretados como exigências de uma vida de negação ascética. Os que seguiam e
repetiam esses ditos e deixavam voluntariamente as famílias criavam sérias tensões
com os proprietários, como aqueles da comunidade da Didaqué que não queriam
julgá-los nem imitá-los (11,11). Estamos convencidos, porém, de que as primeiras
camadas sobre a itinerância de Jesus não procuravam difundir esse asceticismo novo
e individual, mas representavam o clamor por justiça comunitária.
É quase impossível distinguir e muito menos separar nesses textos justiça distri
butiva de observância ritual. Trata-se não apenas de descanso para prestar culto mas
também de descanso como culto. Todos precisam de um dia de descanso, animais e
humanos, escravos e livres, pais e filhos. A instância simbólica de descanso igual é
ordenada para todos, não importando suas diferenças. Era possível, pois, praticar
os rituais da justiça divina.
Em terceiro lugar, havia elementos comuns entre as leis sobre justiça e códigos a
respeito de pureza: ambos concentravam-se no corpo. Justiça não se reduz a conceitos
mentais nem a intenções espirituais; tem a ver com a maneira como os corpos têm
acesso eqüitativo e justo à base material da vida, a esse inevitável fundamento sem
o qual a vida humana plena não é possível. Em outras palavras, o sentido da justiça
divina na Torá, da justiça distributiva de Deus, não se reduz à terra nem ao alimento,
mas abrange a vida toda. A ênfase na pureza do corpo nos lembra permanentemente
que a exigência de justiça envolve também a vida do corpo.
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Marcos 7,15 repete o mesmo dito a respeito de os de casa e os de fora como apên
dice à unidade anterior sobre missão e mensagem no Evangelho de Tomé 14. Mas para
explicar o que dizia acrescentou três comentários contextuais. Tinha que explicá-lo
privativamente aos discípulos em 7,17-23. E temos a explícita explicação em Marcos;
“Ele declarava puros todos os alimentos”. O fato precede a ida de Jesus a territórios
pagãos, tipo de missão gentílica proléptica. Essas coisas são suficientemente claras,
mas estariam na primeira ou na terceira camada da tradição dos evangelhos ? Viriam
diretamente de Jesus ou de Marcos?
A frase de Marcos sobre a declaração de Jesus de que são “puros todos os alimen
tos” é omitida nos versículos paralelos de Mateus 15,17-18. Essa frase só poderia ser
esperada depois do que Jesus dissera em Mateus 5,17-18; “Não penseis que vim revogar
a Lei e os Profetas. Não vim revogá-los, mas dar-lhes pleno cumprimento, porque em
verdade vos digo que, até que passem o céu e a terra, não será omitido nenhum só í, uma
só vírgula da Lei, sem que tudo seja realizado”. Marcos e Mateus, em outras palavras,
jogam 0 Jesus histórico para o lado contrário no que concerne à pureza ou impureza da
alimentação, coisa que ainda se podia fazer até mesmo nos anos 70 e 80.
A conclusão óbvia desses três itens é que a camada mais antiga não apóia nenhu
ma atitude clara a/avor ou contra as regras sobre pureza alimentar a partir do Jesus
histórico. Em outras palavras, Jesus observava exatamente as mesmas regras sobre
pureza alimentar como qualquer outro camponês da Galiléia daquele tempo e lugar.
Mas, se sua ênfase sobre alimentos não recaía na pureza, com que se preocupava?
Segundo o Evangelho de Tomé 12, citado no primeiro capítulo, Jesus deixara o irmão
no seu lugar; “Independentemente do lugar para onde vocês forem, terão que ir a Tiago,
o Justo, por quem os céus e a terra vieram a ser”. Tiago não era itinerante, pois vivia em
lugar conhecido, alcançável, embora sem nome. Tanto Lucas, em Atos 12,17 e 15,13 até
21,18, como Paulo em Gálatas 1,19 até 2,12 afirmam a autoridade de Tiago e deixam claro
que ele residia em Jerusalém. Provavelmente concordavam em outros aspectos a respeito
dele, embora cada qual nos tenha deixado apenas metade do retrato completo.
Pois não haverá mais pobres nem ricos nem tiranos nem escravos.
Além disso, ninguém será maior nem menor. Não haverá reis nem
líderes. Todos viverão juntos e iguais.
Depois de considerarmos tudo isso, achamos que a narrativa de Lucas mostra-se
basicamente acurada. A comunidade judaico-cristã de Jerusalém praticava voluntaria
mente 0 estilo comunal de vida repartindo entre todos o que tinha. Resistia, assim, à
ganância normal das outras comunidades que como a dos saduceus colaborava com
0 imperialismo romano. Relembremos Hegesipo, do primeiro capítulo. Seu relato da
santidade e do martítio de Tiago continha detalhes acurados e inacreditáveis ou, melhor,
essa história basicamente correta vinha permeada por muitas camadas polêmicas, apo
logéticas e teológicas. Mas, como vimos, mesmo a narrativa religiosamente motivada do
“assassinato” de Tiago por Paulo refletia o conhecimento que tinha do martírio de Tiago.
A mesma coisa, com a santidade do mártir. Embora os pormenores sejam claramente
exagerados, para dizer pouco, e os exemplos extremamente imaginosos, ainda assim se
percebe debaixo deles o reconhecimento da santidade de Tiago. Eusébio em sua História
da Igreja 23, sobre esse tema, cita a afirmação de Hegesipo de que Tiago “estava sempre
ajoelhado pedindo perdão para seu povo, de tal maneira que seus joelhos se tornaram
calosos como os dos camelos: estava sempre em atitude de adoração e suplicando o
perdão de Deus para seu povo”. Não importando os joelhos de Tiago, aceitamos que sua
santidade era coisa histórica. Finalmente, isso explica por que os judeus não cristãos, tão
zelosos quanto à Lei, opuseram-se à sua execução e levaram o sumo sacerdote Ananus
II à deposição por causa disso.
Em resumo, portanto, Tiago era urbano enquanto Jesus, rural. Não era itineran
te ao contrário de Jesus. Mas a atitude comunitária de Tiago e sua comensalidade
representaram válida continuação da visão de seu irmão e do programa do Reino
de Deus. Divergentes como o grupo Qumrã com sua Regra da Comunidade e o outro,
essênio, retratado no Documento de Damasco. Mas, ao observarem a justiça divina,
resistiam à injustiça imperial romana.
A seguir, duas notas de rodapé sobre a expansão da terra para o mundo. Eis a primei
ra. Quando nós, cristãos, lemos a respeito de “justiça e retidão” no Antigo Testamento,
parece-nos que fala sobre retribuição e castigo. Mas no salmo que acabamos de ler, por
exemplo, a ênfase recai não em justiça pessoal ou compensadora, mas sim na estrutural
e distributiva. As divindades fracassadas não são, afinal, punidas pelo Deus Supremo.
0 único resultado e “castigo” de sua falha em manter justiça no mundo é este. “Eu
declarei: Vós sois deuses, todos vós sois filhos do Altíssimo; contudo, morrereis como
um homem qualquer, caireis como qualquer um dos príncipes” (SI 82,6-7). As divinda
des do poder costumam cair quando os poderes que as apóiam falham e desabam. As
falanges da Grécia se foram e também Zeus. As legiões de Roma pertencem ao passado
assim como Júpiter. Mas poderá o Deus da justiça morrer?
Quando o salmista exclama no último verso do Salmo 82, “Levanta-te, ó Deus, julga
a terra, pois as nações todas pertencem a tü”, não se trata de mero desejo de punir o
poeta, ou de destruir os opressores, o que seria mais aceitável. Ao contrário. Deus quer
sacudir o mundo onde a retidão tornou-se quase impossível para estabelecer a justiça.
Relembremos a admoestação de Jesus em Mateus 5,25-26: ‘Assume logo uma atitude
conciliadora com o teu adversário, enquanto estás com ele no caminho, para não aconte
cer que 0 adversário te entregue ao juiz e o juiz ao oficial de justiça e, assim, sejas lançado
na prisão. Em verdade te digo: dali não sairás, enquanto não pagares o último centavo”.
Era assim que os camponeses do mundo antigo pensavam a respeito da justiça humana:
fique longe dos tribunais para não ficar enredado até perder o último centavo exposto a
intermináveis subornos. Se não encontramos justiça distributiva na terra, começamos
a desejar um Deus que venha administrá-la com justiça e eqüidade.
Terra e alimento
Mas, na verdade, a base material da vida é não a terra mas sim o alimento que
ela produz. A distribuição justa da terra relaciona-se, pois, com a distribuição justa
do alimento. E por isso que as visões escatológicas e apocalípticas do Reino de Deus
buscam não mais terra, mas sim mais fertilidade. Essa incrível fertilidade futura é
retratada em textos separados por trezentos anos: de um texto produzido antes da
perseguição síria e da revolta dos macabeus a outro surgido depois da guerra romana
e da destruição do Templo. Em 0 livro dos vigilantes em 1 Enoc 10,19: “De cada uma
de todas as sementes lançadas em sua [nova terra justa], nascerão mil outras, e de
cada unidade de oliveiras sairão dez prensas de azeite”. E em 2 Baruc 29,5-6: “A terra
produzirá frutos dez mil vezes. Numa só parreira brotarão mil ramos, e um ramo
produzirá mil cachos, e um cacho dará mil uvas e uma só uva produzirá incontáveis
galões de vinho”. Esse mundo escatológico ou Eutopia divina na terra seria uma
espécie de Mediterrâneo perfeito agraciado com superplenitude de cereais, azeite
e vinho. De nada valeria a terra sem alimentos. Por outro lado, era possível pensar
em alimentos sem terra.
RESISTENCIA JUDAICA
AO DOMÍNIO ROMANO
Roma, somente Roma, havia construído o reino e apenas ela poderia aprovar a
existência de reinos menores e governos a ela subordinados. Como seria possível
separar a religião da política na construção de qualquer reino, a favor de Roma ou
contra ela? De quem era o reino, o poder e a glória na difícil situação do primeiro
século? .
Nessa época, o território judaico havia sido dominado pelo imperialismo cultural
grego por mais de trezentos anos, e agora, pelo imperialismo militar romano, por
menos de cem anos. Este capítulo trata das reações a esses dois imperialismos. Não
imaginamos que todos os judeus estivessem empenhados apenas em resistir e que os
resistentes pensassem da mesma forma. Sempre existiu entre eles grande variedade
de opinião sobre controle imperial, dominação pagã e opressão social como, aliás,
a respeito de qualquer outro assunto. Na verdade, somente essa grande variedade
faria justiça ao judaísmo do primeiro século, nada monolítico nem unívoco, embora
antigo e tradicional, em face da atitude condescendente da invasão cultural e do
tremendo poder militar. Mas vamos nos concentrar na reação ao imperialismo e na
resistência à opressão por um motivo principal.
0 território judaico esteve sob controle imperial desde cerca de quinhentos anos
antes da chegada dos romanos. Depois que os babilônios destruíram o Primeiro
Templo e deportaram a liderança judaica, sua terra foi sucessivamente controlada
pelos persas, pelos gregos, pelos ptolomeus greco-egípcios e pelos selêucidas greco-
sírios. Durante todo esse tempo houve apenas uma revolta, causada pela suprema
provocação de uma perseguição religiosa estrangeira que resultou no governo judaico
dos macabeus asmonianos por um século. Mas nos primeiros duzentos anos do
domínio romano houve quatro grandes revoltas: no ano 4 a.C., em 66-74 d.C., em
115-117 d.C. e em 132-135 d.C. Depois desses levantes, estabeleceu-se o governo
romano direto e se construiu o Segundo Templo, o judaísmo egípcio desapareceu e
Jerusalém tornou-se oficialmente uma cidade pagã proibida para os judeus. A reação
ao imperialismo é, pelo menos, importante ponto de referência para considerar o
primeiro século no território judaico e, nesse continuum de reação, as opções principais
e mais intransigentes situavam-se entre resistência e não-resistência.
Traidores
Mas até esse comentário nos parece moderado: Alexander não seguia as tradições
de seu povo. Trata-se, porém, de importante advertência no início deste capítulo.
Talvez fosse possível manter as antigas tradições de Israel sem se opor ao domínio
romano ou, mesmo, manter as práticas religiosas judaicas e colaborar com o poder
romano, achando que assim se fazia a vontade de Deus. Mas, por outro lado, sem
as tradições da aliança, como poderiam os judeus se opor, de certa forma, à incul-
turação greco-romana? Sem essas práticas religiosas, a identidade judaica poderia
eventualmente desaparecer no caldeirão do império. Era possível ignorar as prin
cipais exigências da justiça e retidão da Torá com os rituais de purificação, mas sem
eles valeria a pena lhes dar atenção? Os que observavam essas práticas poderiam
curvar-se à urbanização romana, mas sem elas animar-se-iam a afirmar a aliança
contra o comércio?
Colaboradores
Em primeiro lugar, achava que Deus desejava que a terra de Israel fosse, interna
mente, uma teocracia dirigida por sacerdotes e, externamente, colônia do império:
“Deus, que andou ao redor das nações, concedeu sucessivamente a cada uma o
cetro do império, mas agora entregou-o à Itália” (5.367). Em segundo lugar, Deus
havia escolhido Vespasiano para ser o esperado messias judaico: “Certo oráculo
ambíguo [...] encontrado em suas Escrituras sagradas anunciava que naquele tempo
0 governador do mundo sairia de sua pátria. Entenderam, então, que haveria de ser
alguém de sua raça. Muitos dentre seus sábios acabaram elaborando interpretações
erradas. O oráculo, no entanto, referia-se na realidade à soberania de Vespasiano,
que foi proclamado imperador em solo judaico” (6.312-313). Em terceiro lugar, re
belar-se contra Roma eqüivalia a rebelar-se contra Deus e seu messias: “Vocês estão
guerreando não apenas contra Roma mas também contra Deus” (5.378). Tibério
Júlio Alexander e Flávio Josefo pertenciam à equipe de Tito na época da queda de
Jerusalém e do incêndio do Templo. Suas intenções declaradas, no mínimo, tinham
outro caráter.
Opções de resistência
Seria simples optar por não-resistência ou colaboração. 0 oposto de resistência
era bem mais complexo. Podemos isolar três subopções distintas de resistência.
Relembremos, porém, que se trata de tipos ideais e que, na prática, poderia haver
mais mistura do que distinção ou separação entre eles.
Bandidos
Apocaliptistas
Sim bolism o dos arquétipos. Esta é a segunda subopção. Como exemplo, relem
bremos João Batista, examinado no capítulo anterior. Ou então o chamado profeta
egípcio e outros como ele nos anos 50 e 60 de nossa era. 0 Batista reuniu multi
dões de adeptos nas margens do Rio Jordão e as conduziu aos muros de Jerusalém,
esperando que ruiriam com a sua chegada, como os de Jericó, com a de Josué um
milênio antes. Esperava a repetição da cena apocalíptica. Assim como Deus agira
no passado, também faria agora. 0 começo e o fim se encontrariam. As multidões
não precisavam de armas, porque Deus se encarregaria da consumação desejada.
Como isso não aconteceu, foram esmagados.
Protestadores
Fílon conta o mesmo incidente com pequenas diferenças; por exemplo, a greve
dos plantadores, da narrativa dejosefo, corria o risco de provocar incêndios consi
derados criminosos nos campos em plena época de colheita. Mas Fílon, por sua vez,
ressalta mais do que Josefo a resistência não violenta e a disposição para o martírio.
Eis, a seguir, as frases principais dessa parte do relato:
Líderes. Ao citar esses casos de resistência não violenta contra Pilatos e Petrônio,
apoiados pela disposição de deixar que o protesto acabasse em martírio, insistimos
num elemento particular. Tais demonstrações públicas de grande escala envolviam
planos teóricos, controles práticos, líderes permanentes e administradores consis
tentes. Não aconteciam espontaneamente. Observemos, por exemplo, a frase, “como
se tivessem sido chamados por um sinal”, que escrevemos em itálico. Quem teria
organizado esses protestos? Quem conseguia controlar a multidão dos resistentes?
Nossa melhor hipótese é a seguinte, sabendo que, se não puder ser aceita, a questão
continuará em aberto. Quem inventava, organizava e controlava as demonstrações
públicas de resistência não violenta e os protestos martiriais na primeira metade
do primeiro século?
Objeções. Qual teria sido, exatamente, a base religiosa ou teológica desses peri
gosos atos martiriais de protesto? Não há respostas nos textos, mas arriscamos três
sugestões. Os protestadores não violentos esperavam que seu martírio motivaria
a retribuição violenta ou até apocalíptica de Deus. Talvez quisessem evitar atos de
violência para não manchar de sangue a terra de Deus, mesmo se o paganismo greco-
romano já o tivesse feito. Competia aos pagãos agir como tais, mas eles se absteriam
de derramar sangue. Ou, finalmente, gostariam de imitar a divindade não violenta,
e agir de acordo com seu Deus. Relembremos, no entanto, que os dois extremos, o
dejosefo (não-resistência não violenta) e o de Judas, o galileu (resistência violenta),
fundamentavam seus programas absolutamente opostos no mesmo Deus judaico.
O fundamento divino do protesto martirial não violento, seja qual for a explicação,
sempre esteve presente.
Sicários em Masada
H istórias. Josefo conta que um bando de sicários cometeu suicídio com suas
famílias na noite anterior à tomada de Masada pelas legiões romanas. A história
contada pelo escritor é dramática. Os defensores da fortaleza sobreviviam à custa
de enormes suprimentos de trigo, água, vinho e armas, mas decidiram acabar com
a própria vida em vez de morrer nas mãos dos romanos. Cada chefe de família en
carregou-se de matar pela espada a esposa e os filhos; em seguida, escolheram dez
homens para tirar a vida dos outros. Dentre os restantes dez sobreviventes, sorteou-
se um para matar o resto. 0 único que sobrou incendiou o edifício e, finalmente,
acabou com a própria vida. Josefo atribuiu ao líder Eleazar ben Yair a dramática
frase “escolheram morrer para não ser escravos”, levando a cabo seu intento a fim
de “não servir aos romanos nem a nenhum outro poder a não ser Deus”. Na manhã
seguinte, os gritos de batalha dos soldados de Flávio Silva perderam-se no silêncio.
A revolta judaica terminava.
Depois das escavações de Yigael Yadin, em Masada, entre 1963 e 1965, o local
tornou-se metáfora do Estado de Israel embalado pelo refrão nacional: “Nunca
mais Masada será tomada outra vez”. Assim como alguns arqueólogos cristãos, de
tendência teológica conservadora, empenham-se em confirmar certas histórias bí
blicas por meio de materiais remanescentes, assim também arqueólogos israelenses,
comprometidos com atitudes políticas defensivas, procuram fíindamentar sua saga
nacionalista na história de Josefo que acabamos de apreciar.
Fasos de pedra. Entre o primeiro século a.C. e o primeiro de nossa era, faziam-se
copos, xícaras e tigelas de pedra considerados especialmente impróprios para rituais
de pureza segundo a literatura rabínica. Também havia em Masada vasos de pedra
fabricados de calcário especial até mesmo com alças e alguns com bicos, chamados
geralmente de “vasos de medida” rudemente burilados. Outros, torneados, já eram
bem polidos e decorados, embora com simplicidade.
Banheiras rituais. Também foram encontrados dois balneários rituais, miqwaoth, nas
extremidades do complexo. Tais instalações com degraus e revestidas não faziam parte
da construção original herodiana, mas provinham de salas previamente existentes
e fechadas com cimento gris escuro. Podem ser datadas claramente pelas moedas
judaicas presentes nas camadas associadas com a revolta, cujas legendas marcam os
anos desse evento, “Ano I ”, “Ano 2 ”, “Ano 3 ” e “Ano 4 ” incluindo a frase “pela liber
tação de Sião” ou “pela redenção de Sião” em paleo-hebraico. Cada balneário tinha
três piscinas. Tudo indica que uma delas, separada das outras, era usada para lavar
os pés e retirar a poeira antes do ritual de purificação. Das outras duas, na primeira
os banhistas desciam os degraus para a imersão, e a outra era apenas reservatório
ligado às demais por canos ou canais. A terceira banheira recolhia água da chuva,
“água viva” segundo Levítico, e os canos e canais supriam as demais piscinas.
Sinagoga. A sinagoga num dos abrigos da murallia é o quarto e último artefato
que atesta o judaísmo dos defensores, construída em espaço já existente a partir da
derrubada de paredes, novo arranjo de pilares e acréscimo de bancos em diferentes
níveis. No canto ao noroeste um depósito (guenizá) abrigava rolos demasiadamente
antigos para uso mas bastante sagrados para não serem jogados no lixo. Sob o solo,
sobreviveram dois fragmentos de rolos escriturísticos, preservados pelo clima árido
até sua descoberta dois mil anos depois. Confirma-se, assim, que o edifício servia
para reuniões e, entre outras atividades, para ler e consultar as tradições de Israel.
Herodes, o Grande, impôs seu reino sobre o cenário natural, mas anos depois os
judeus defensores deram sua resposta em Masada. Renovaram-na. Diferentemente
das famílias que viviam nos palácios elegantes do norte e do ocidente, transforma
ram-nos em centros administrativos e em postos de defesa, derrubando colunas e
capitéis para fortalecer as posições. Ocuparam também outros edifícios mais simples.
instalando divisórias baratas para criar espaços habitáveis do mesmo tamanho, e
ao longo do platô instalaram o que lembrava um acampamento de colonizadores
feito de pedras rústicas e barro, cobertas de lona, vime ou palha. Transformaram os
armazéns sofisticados de Herodes num sistema de redistribuição de alimentos com
ostraca. Itens especiais se destinavam não mais aos reis mas sim aos sacerdotes. Em
lugar da estrutura romana da basílica, que centralizava oradores e juizes na abside,
construíram uma sinagoga com assentos circulares com diferentes níveis, para que
todos se pudessem ver. A água que era usada para banhos e prazer em estilo romano
foi dirigida aos miqwaoth para a pureza. Lembremos que a palavra pureza significava
relacionamento físico para lembrar a presença de Deus em todas as áreas da vida
corpórea numa terra, segundo a Torá, pertencente a Deus, sem a conotação pejorativa
de sistemas esotéricos de abluções.
Passamos agora a examinar esta nota fmal a respeito dos fragmentos de rolos
encontrados na sinagoga. Pertenciam a Deuteronômio e Ezequiel. Talvez seja mera
coincidência — fragmentos de outros livros bíblicos foram achados em outras
salas — , mas esses dois livros representam de certa forma o programa da revolta.
Deuteronômio, que contém a segunda dádiva da lei das mãos de Moisés, reitera as
estipulações da aliança sobre a maneira como vivê-la na terra. Incluía, entre outras
coisas, um sistema de verificação e medidas para assegurar ajusta distribuição da
terra e de seus produtos, posto que a terra pertencia a Deus, de modo que os habi
tantes, como diria Levítico, são arrendatários e residentes temporários. Herodes, o
Grande, importava vinho da Itália para Masada, e o provava para se certificar de sua
qualidade para oferecê-lo à aristocracia luxuosa, mas os defensores judeus testavam
o vinho para saber se servia para os sacerdotes, e distribuíam trigo com inscrições
em tabletes de cerâmica.
Essênios em Qumrã
Rolos. A última peça liga os habitantes do sítio aos rolos aí encontrados. Entre
escombros do segundo andar que ruiu quando o local foi destruído no final da Fase
II, foram encontrados diversos objetos que identificaram o espaço como scriptorium:
fragmentos de longas mesas estreitas, bronzes e recipientes de terracota para tinta
de escrever. As mesas provavelmente teriam sido usadas para abrir os longos rolos
de couro e para marcar as colunas e linhas com utensílios pontiagudos. Um dos
tinteiros ainda conservava sobras da mesma tinta feita da mistura de resina, fuligem
e óleo, usada nos rolos. Ali por perto, apareceram diversos fragmentos de perga
minho e pedaços de cerâmica com inscrições de letras embaralhadas, semelhantes
aos rabiscos dos escribas quando se preparavam para o trabalho e testavam a pena
ou exercitavam a mão.
Cerâm ica. E óbvio que os essênios fabricavam seus utensílios. Além do forno e
da oficina de cerâmica descobriram-se mais de mil peças de vasos numa despensa,
perto do refeitório. A uniformidade dos pratos, tigelas e taças feitas de material
simples, rude e cor laranja avermelhada chama a nossa atenção. Não foram achados
restos de utensílios importados. A maioria dos rolos foi descoberta dentro de um
jarro chamado de "jarro dos rolos”, diferente dos de outros lugares, mas freqüentes
em Qumrã. Ao contrário de outros vasos em forma de sacos utilizados em geral
para água, vinho ou óleo, estes eram cilíndricos e perfeitamente adequados para
conter os rolos.
Finanças. Dois achados nos dão alguma idéia dos recursos financeiros da co
munidade. Em primeiro lugar. De Vaux desenterrou um tesouro de 561 moedas de
prata, escondidas em três potes na estrutura administrativa central. Havia dinheiro
disponível. As moedas de prata eram quase todas tetradracmas de Tiro, as mais usadas
em território judaico, e as únicas aceitas para o pagamento de taxas no Templo. Talvez
a comunidade recolhesse esse dinheiro para os pagamentos que tinham de fazer ou
— quem sabe? — os iniciados em Qumrã pagavam o equivalente à comunidade em
vez de dar ao Templo porque consideravam corrupta a administração do santuário.
De qualquer maneira, tratava-se de importante soma de dinheiro.
Vidas. O complexo possuía quartos para todos os fins, menos para dormir.
Nenhum dos edifícios tinha cubículos para esse fim, mas há evidência de que os
moradores passavam a noite em covas pelos penhascos. Deixaram muitos pregos
de metal ou tachas pelos caminhos, e restos de sandálias relembrando suas idas e
vindas de manhã e de tarde. Pentes, lamparinas e louças de uso doméstico semelhan
tes às do complexo, uma escora de barraca e até mesmo o que se chamava mezuzot,
pequenas molduras com textos do Deuteronômio fixados nas portas, indicavam que
os membros da comunidade dormiam nesse espaço, mas não no complexo.
A vida dos essênios de Qumrã era austera e comunitária, e, mesmo que tenham
tido acesso a certa riqueza, eles haviam renunciado à ostentação porque a conside
ravam má. Os registros arqueológicos revelam que sua vida era simples e que todos
comiam juntos, diferindo dos ricos de Roma, dos herodianos no território judaico
e mesmo de alguns sacerdotes ricos de Jerusalém.
Inimigos. Alguns versos de seus rolos mostram certa insatisfação com o Templo
ou, melhor, com os que o administravam, e registram estarem sê preparando para a
vitória fmal contra os atuais usurpadores. Muito antes da chegada dos romanos, a
comunidade de Qumrã já deixara de participar no Templo e de observar o calendário
da liderança sacerdotal em Jerusalém. Não achavam legítima a combinação asmo-
niana de rei e sacerdote numa só pessoa, e nada melhorou quando os herodianos e
os romanos contrataram ou dispensaram sumos sacerdotes como se fossem meros
serviçais de nível inferior. Mas, para a comunidade de Qumrã, os mais odiados e
antigos inimigos eram as autoridades sumo-sacerdotais de Jerusalém, e não tanto
os colonizadores romanos.
Na verdade, esses documentos não se referem muito aos romanos, muito em
bora estivessem se preparando para lutar contra eles na batalha fmal apocalíptica,
segundo o Rolo da guerra. Essa luta dar-se-ia no fmal dos tempos, quando os Filhos
da Luz, que eram os membros do grupo, enfrentariam os Filhos das Trevas, os roma
nos, chamados pelo codinome Kittim. A batalha contra Roma realmente aconteceu
quando o general romano Vespasiano, que logo se tornaria rei, marchou sobre a
área no caminho de Jerusalém no começo do verão de 68 d.C. Mas a guerra fmal
dos essênios de Qumrã não terminou como o Rolo da guerra imaginara. O que De
Vaux classificou de Fase II do sítio, chamada ainda assim pelos arqueólogos, acabou
em belicosa destruição, com flechas romanas espalhadas por todos os lugares. No
momento fmal de desespero, os membros da comunidade esconderam seus rolos
em jarros com tampas e os enterraram nas covas ao redor, e assim permaneceram
até a descoberta por um pastor beduíno em 1947.
No final desse período, a maioria dos judeus na Galiléia e no Golan juntou-se aos
descontentes e reagiu à dominação romana. Ou, pelo menos, depois do surgimento
das hostilidades e dos ataques violentos e indiscriminados dos romanos, os galileus
fugiram para lugares fortificados em busca de segurança temporária. Além disso,
foram os primeiros a sofrer os efeitos da fúria romana depois que Vespasiano e seu
filho Tito organizaram forças legionárias e auxiliares no porto de Ptolomais em 67
d.C. e marcharam avante. Duas das cidades destruídas pelos romanos em 67 d.C.,
Jodefá, em julho, e Gamla, em outubro, nunca foram reconstruídas. Recentes esca-
vações mostraram até que ponto a revolta foi suicida. A topografia fora sua melhor
defesa. A cidade de Jodefá da Baixa Galiléia situava-se numa colina recortada com
três lados por íngremes declives, mais facilmente alcançável pelo norte. Gamla, no
Golan, era como a corcova de um camelo, de onde tirou seu nome, com desfiladeiros
íngremes de cada lado que dificultavam o acesso a não ser pela extremidade leste
da cordilheira.
Josefo narra as batalhas aí travadas. Em Jodefá ele ofereceu, de fato, sua última
assistência à causa judaica antes de se render aos romanos e de ajudá-los como
guia e tradutor. Seus relatos contêm inúmeros discursos inflamados, atos heróicos
e finais trágicos (suicídios). As escavações arqueológicas retratam vivamente o sítio
e a destruição de Jodefá e dão testemunho dramático da fraqueza das defesas e da
inutilidade da revolta. Nas duas cidades, os habitantes com reàigiados dos arredores
tentaram em vão fortalecer os muros onde pareciam mais vulneráveis.
Manutenção da identidade
e resistência silenciosa
Ao norte, Jodefá na Galiléia e Gamla no Golan acabaram igualmente destruídas,
como no sul, os sicários em Masada e os essênios em Qumrã. Os eventos em Ma
sada foram espetaculares e dramáticos. Juntemos agora arqueologia e Josefo para
imaginar a batalha final contra Roma em solo judaico: discursos heróicos de Eleazar,
os sicários, temidos terroristas urbanos, a impenetrável fortaleza de Masada e os
extraordinários feitos da engenharia romana. Lembremos ainda as preocupações
com pureza. Como em Qumrã, a vida era ascética e piedosa. Misturemos também
aí arqueologia e os Rolos do Mar Morto, e imaginemos sua recusa do mundo, a
vida comunitária, a rejeição de influências estrangeiras e a batalha entre os Filhos
da Luz e os Filhos das Trevas. Também havia preocupação com a pureza. As únicas
alternativas precisam ser os extremos de violência ou aceitação?
A vida, na Antiguidade como hoje, era complicada, mais para o lado do cinza do
que do branco e preto. No sul, Masada e Qumrã chamam nossa atenção por causa de
seu fmal catastrófico — a destruição violenta e o abandono deixou-as relativamente
intocáveis para os arqueólogos. Graças ao clima árido e à localização geográfica
remota, o que restou foi preservado até nossos dias. Essas sobras teriam se desinte
grado se estivessem em ambiente úmido. Ao norte, contudo, Jodefá e Gamla nunca
haviam sido perturbadas desde que foram abandonadas no primeiro século. Chove
mais na Galiléia e o solo é úmido. Muitas localidades foram refeitas e os materiais
antigos reutilizados. Há, portanto, menos preservação, e o que sobrou não passa
de fragmentos. As camadas, em geral, misturam-se tornando a arqueologia muito
complexa. Eram também assim as vidas de seus habitantes sob Herodes, o Grande,
e Herodes Antipas, apoiados por Roma e, depois, diretamente sob o poder romano.
Entre as alternativas extremas de confronto violento e aceitação, no primeiro século,
a maioria dos galileus escolhia entre aquiescência inteligente e rebeldia silenciosa.
Duas ilustrações de escavações na Galiléia, uma específica e singular, a outra geral
e abrangente, revelam o meio termo entre os dois pólos: a cidade de Séforis nos
anos anteriores à revolta e o uso de vasos de pedra e de miqwaoth. No primeiro caso,
olhamos como de cima para baixo; no segundo, de baixo para cima.
0 que se encontrou dentro dos muros era o que se esperava de uma guarnição
militar: cisterna para suprimento de água, fogão, pequenas moedas perdidas dos
salários dos soldados, pontas de flechas pelos cantos e duas pedras balísticas junto
ao muro. A estrutura nada tem de notável. O que mais chamou a atenção dos esca
vadores, no princípio, foi a maneira como a fortaleza fora abandonada. Não havia
evidência alguma de incêndio, destruição ou desmoronamento. Em vez disso, espaços
dando a impressão de bem cuidados e paredes meticulosamente demolidas até certa
altura, além de cuidadosa terraplanagem na área toda. Sujeira, pedras demasiadamen
te pequenas para construção e milhares de cacos de louça foram carregados numa
operação de remoção de terra, formando montes de até 6 pés de altura.
Quando e por que foi desmontada a fortaleza? A mais antiga moeda encontra
da no terreno aplainado era de Herodes Agripa II do ano 53 d.C., indicando que o
terreno não deveria ter sido mexido antes disso. Os fragmentos de louça remontam
provavelmente aos anos 70 d.C. por causa da ausência de panelas e tigelas que só
começaram a aparecer no sítio (bem como em toda a Galiléia) depois da revolta dos
anos 70 d.C. Por que teriam os cidadãos de Séforis acabado com a fortaleza entre
os anos 53 e 70 d.C.? Provavelmente, porque no início dos sinais das hostilidades
queriam mostrar com certa antecedência que não queriam se rebelar contra Roma
OU, talvez, tenham sido instruídos por Herodes Agripa II ou por algum outro oficial
romano a agir dessa maneira. Não importando se o ato tenha sido oferecido como
gesto de boa vontade ou em sinal de obediência a determinado comando, a cidade
de Séforis não participou na revolta com os compatriotas galileus, coisa que Josefo
conta com certa consistência em seu livro sobre a guerra. Na sua autobiografia
afirma que a cidade “proibiu os cidadãos de se alistarem com os judeus” que se
preparavam para se opor a Roma e, “voluntariamente, admitiram uma guarnição
providenciada por Cesto Galo, comandante-em-chefe das legiões romanas na Síria”
(Vida 347). Embora outras narrativas a respeito de Séforis durante a guerra sejam
deturpadas e até mesmo, às vezes, contraditórias, acentua-se sempre a recusa da
cidade em participar das hostilidades contra Roma.
Vasos de pedra. Um dos achados mais característicos dos sítios judaicos são os
vasos de pedra muito mole conhecida pelos geólogos como algo parecido com giz.
2 8 . Vaso de pedra do primeiro século, chamado de medidor
(Coleção do Departamento de Antiguidades de Israel; © Museu de Israel em Jerusalém)
Chamam-se vasos de pedra ou, às vezes, utensílios herodianos de pedra porque co
meçaram a aparecer no território judaico a partir do governo de Herodes. O que, na
verdade, é um fato curioso. Perguntamos novamente se as preocupações judaicas com
a pureza não redundam sempre em velada declaração antierodiana e anti-romana?
Seja como for, esses utensílios eram usados sempre com água, como, por exemplo,
tigelas, taças, xícaras, bacias, tampas e grandes jarras. Em Jerusalém e nos arredores
no período posterior do Segundo Templo, surgiu uma verdadeira indústria para a
produção desses objetos, que também incluía ossuários (caixas para ossos huma
nos), bem como bancos e tampos de mesas. Foram descobertas e escavadas diversas
oficinas especiahzadas nesse ramo, dando-nos idéia de como eram trabalhadas as
pedras, seus cortes, polimento em tornos ou moldadas a mão. Mais recentemente,
em junho de 1999, um trator, usado numa construção, acidentalmente abriu uma
brecha numa caverna ao leste de Jerusalém, descobrindo enorme complexo, com
restos de pedra, vasos ainda não acabados e sobras de utensílios, acrescentando à
lista mais uma pedreira do primeiro século e uma fábrica de vasos de pedra.
Sítios dedicados à produção não se limitavam ao sul, posto que um deles foi
encontrado na Galiléia em Reina, perto de Nazaré e Séforis, onde formações geo
lógicas criaram pedras calcárias nos terrenos em declive. Foram achados, também,
inúmeros miolos extraídos por tornos do interior de xícaras e muitas sobras de vasos
que se quebravam durante a manufatura. Como havia muita pedra calcária na Gali
léia, esses vasos eram produzidos em diversos sítios. A pedra mole esbranquiçada,
facilmente moldável depois de molhada, podia ser trabalhada com instrumentos
simples de metal ou martelo. As formas mais comuns na Galiléia incluíam xícaras
com alça e copos de vários tamanhos feitos a mão que têm sido, às vezes, erro
neamente chamados “medidores”. A cavidade era obtida com o uso de pequenos
instrumentos cortantes, incluindo até mesmo pequenos tornos. 0 cinzel esculpia a
face externa com diversas facetas verticais que lhes davam aspecto rude e sensação
de aspereza. Tinham uma ou duas alças quadradas e, às vezes, um bico, o que lhes
fazia parecer com vasos feitos de madeira. Entre as demais formas comuns produ
zidas na Galiléia, feitas a mão, foram encontradas bacias retangulares e banheiras,
algumas tigelas, taças e tampas de boa qualidade, torneadas, decoradas com linhas
simples nos lados e bordas.
Como esse tipo de vasos só se desintegra em solos úmidos e ácidos, têm sido
achados em grande número principalmente nas camadas do primeiro século escavadas
na Galiléia. Por exemplo, no vilarejo de Nabratein na Alta Galiléia foram encontrados
mais de cinqüenta fragmentos em camadas do primeiro período romano. Numa
só área de uma casa com pátio foram descobertos diversos fragmentos ao lado de
lascas e pedaços de pedra calcária, talvez deixados pelo oleiro local que as fabricava
para a família e para o vilarejo. Em Cafarnaum, acharam-se resíduos desse material
em todas as casas escavadas; centenas deles. Semelhante quantidade também foi
encontrada em contextos do primeiro século em Jodefá, na Baixa Galiléia e ao sul
de Gamla, no Golan. Também nas casas do primeiro século de Séforis.
Por quê? Talvez porque se pensasse que as pedras não eram fabricadas como o
vidro, 0 metal ou a cerâmica. Eram cortadas diretamente da natureza. Eram menos,
portanto, produto humano e mais dádiva divina. A literatura rabínica argumentava
que os vasos de pedra eram puros porque não passavam pelo fogo e, por isso, os de
barro e de esterco secados ao sol também eram considerados puros (verMixná, Kelim
10,1; 4,4). Mas há outra razão: a maioria dos vasos de pedra parecia-se com os de
vidro, metal e cerâmica, que eram importados e mais caros. Atribuía-se facilmente
impureza a esses vasos trazidos das “terras dos gentios,” ou, em outras palavras,
porque eram artigos de luxo. A pedra era considerada pura e, além disso, mais barata
e produzida no local. Vasos de pedra podiam ser fabricados com facilidade.
Josefo conta como a cidade de Gush Halav na Alta Galiléia despachava azeite
kosher para judeus que viviam nas grandes cidades pagãs da costa, e, uma vez que os
líquidos podiam transmitir impureza, tomavam-se todos os cuidados com a sua pro
dução. A literatura rabínica relaciona os miqwaoth com pureza, da mesma forma como
os vasos de pedra, e dedica um tratado inteiro da Mixná ao seu uso adequado.
A segunda razão, também relativamente certa, vem da morte de Jesus, ao ser con
siderado pelo poder romano um subversivo da classe baixa, uma vez que a crucifixão
servia de advertência oficial e pública contra atividades criminosas desse tipo. Antes de
Jesus, Herodes, o Grande, fora oficialmente instalado por Roma como “rei dos judeus”.
Depois de Jesus, o mesmo se deu com Herodes Agripa I. Entre os dois reinados, Jesus
de Nazaré morreu sob a escarnecedora acusação romana, aliás muito séria, de que era
ilegalmente o “rei dos judeus”. Mas Roma, e apenas ela, decidia quem era ou não o
rei dos judeus. O título e o destino, no pleno sentido religioso e político, indicava que
Jesus fora executado por ter resistido à lei, à ordem e à autoridade romanas. Em que
grau, portanto, o classificamos na escala da resistência de que já falamos?
Ao incluir Jesus entre estes não queremos dizer que advocasse violência militante.
Mesmo aceitando Jesus como profeta apocalíptico, teríamos que interpretar os ditos
atribuídos a ele contra tudo mais em sua vida e morte. A violência militante teria
que se basear nas expectativas apocalípticas, como foi o caso, provavelmente, com
a chamada quarta filosofia de Josefo, em geral, ou com Judas, o galileu, em parti
cular. Mas se Pilatos tivesse considerado Jesus esse tipo de ameaça, muitos de seus
companheiros teriam estado com ele e morrido a seu lado. Jesus não representou
esse simbolismo arquetipico, como o profeta egípcio que marchou com seus seguidores
ao redor dos muros de Jerusalém. Se o tivesse feito, muitos teriam morrido com ele.
E se 0 tivesse feito individualmente, como João Batista no Jordão, esse ritual não
teria vindo até nós. Devemos, pois, colocá-lo na escolha entre comunidade da aliança
e protesto martirial.
Usamos o termo Grupo dos Ditos Comuns para designar o conjunto de seis
ditos que apareceram primeiramente no Evangelho Q e na Didaqué, o primeiro um
evangelho de uma comunidade sobre Jesus e o segundo, uma regra de vida comu
nitária posterior.
1. Regra áurea: Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam,
fazei-o vós a eles.
2. Amai os vossos inimigos: Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos
odeiam, bendizei aos que vos amaldiçoam, orai por aqueles que vos difamam.
3. Superar os pecadores: Se amais aos que vos amam, que recompensa tendes? Não
fazem também os publicanos a mesma coisa?
4. A outra face: Àquele que te fere na face direita oferece-lhe também a esquerda;
e aquele que quer pleitear contigo, para tomar-te a túnica, deixa-lhe também a veste;
e, se alguém te obriga a andar uma milha, caminha com ele duas.
5. Dar sem retribuição: Dá ao que te pede e não voltes as costas ao que te pede
emprestado.
6. Como vosso Pai: Deste modo vos tomareis filhos do vosso Pai que está nos
céus, porque ele faz nascer o seu sol igualmente sobre maus e bons e cair a chuva
sobre justos e injustos. Portanto, deveis ser perfeitos como o vosso Pai celeste é
perfeito.
Nota técnica de rodapé. No capítulo anterior, a razão para concluirmos que a
Tradição dos Ditos Comuns com trinta e sete itens derivava-se da tradição oral e não
da escrita era porque não havia ordem alguma na edição do Evangelho Q e do Evangelho
de Tomé (que, por ser apenas uma lista de ditos, não precisava ser reordenada). Por
outro lado, neste capítulo, o Grupo dos Ditos Comuns com seis itens procede de
um documento escrito e não da tradição oral. Essa afirmação torna-se evidente no
original grego. O grego faz distinção entre a segunda pessoa do singular e a segunda
do plural. 0 Evangelho Q e a. Didaqué misturam o uso de “tu” e “vós”. Por exemplo,
A outra face e Dar sem retribuição usam o singular, enquanto Amai os vossos inimigos e
Superar pecadores empregam o plural. Essas coincidências nos convencem de que se
tratava de um Grupo de ditos escritos e não memorizados. Parece-nos difícil imaginar
que a memória oral reteria essas diferenças e as repetiriam sem problemas.
Examinemos agora a Regra áurea. No Evangelho Q ela é positiva (“Fazei aos outros
0 que quereis que vos façam”) , mas é negativa na Didaqué (“0 que não quereis que
vos façam não façais aos outros”) . As duas formas querem dizer a mesma coisa e
são bem conhecidas na tradição geral. Mas surge esta questão crucial especialmen
te quando se combina a Regra áurea com outros ditos do grupo. A regra deverá ser
tomada apenas ofensivamente ou também de maneira defensiva? Estará dizendo
(apenas ofensivamente): “Se você não quer ser atacado, então não ataque”? Ou
(defensivamente); “Se você não quiser ser atacado, não revide quando for atacado”?
Estará nos admoestando a nunca atacar ou a não atacar em revide? Estará proibindo
apenas a violência inicial ou qualquer tipo de violência? *
Nota final. Jesus começou como seguidor de João, por quem foi batizado no
Jordão. Daquele momento em diante, pelo menos, Jesus estava aceitando a visão
do Batista da iminente chegada do Deus vindicativo para erradicar o pecado e os
pecadores. Mas, como vimos no início do terceiro capítulo, mesmo seus inimigos
comuns concordavam que, embora sendo tipos estranhos, não eram semelhantes.
Assim, Jesus deixou de ser discípulo, seguidor e herdeiro da posição de João. Parece-
nos que houve uma razão principal para essa mudança de atitude. Deus não veio tão
depressa assim, nem se vingou, em tempo para salvar o próprio João. Jesus, então,
entendeu que não era assim que Deus agia, porque Deus não era violento e tinha ou
tros caminhos para a terra, principalmente por meio da consumação apocalíptica.
César e Deus. Que dizer daquela conhecida frase de Jesus: “Dai a César o que
é de César e a Deus o que é de Deus”? Não estará separando política (César) de
religião (Deus)? Não nos impede de resistir contra César?
BELEZA E AMBIGUIDADE
EM JERUSALÉM
A situação não melhorou sob os herodianos nem sob os romanos. Havia agora,
novamente, clara distinção entre a autoridade dos sumos sacerdotes e o governo
herodiano ou romano. Herodes, o Grande, era da Iduméia, grupo étnico convertido ao
judaísmo sob os asmonianos. Mas nunca quis ser sumo sacerdote. Tanto os herodia
nos como, mais tarde, os governantes romanos tratavam os sumos sacerdotes como
servidores civis subordinados, estimulando desavenças entre as famílias sacerdotais,
arbitrariamente demitindo uns e contratando outros. Tratava-se, naturalmente, de
péssima política para os dois lados. Qualquer aristocracia imperial sempre precisa
da cooperação dos colonizados. No melhor dos casos, estes abrandavam as depre-
dações imperiais. No pior dos casos, a aristocracia aliava-se à exploração colonial.
Em qualquer das situações, a classe subjugada era, em geral, a primeira a morrer
nas revoltas populares.
Esses temas nos dão o contexto para entender o título deste capítulo. Havia no
primeiro século fundamental choque entre beleza e ambigüidade, e entre a beleza
da antiguidade e a ambigüidade da legitimidade, em relação com o sumo sacerdócio,
0 culto e o Templo. Era possível, por exemplo, do ponto de vista da mais restrita
pureza judaica, rejeitar o sumo sacerdócio contemporâneo e até mesmo as ativi
dades em voga no Templo. Seriam legítimos os sumos sacerdotes? Seria o Templo
um santuário a ser protegido ou mera fortaleza a ser destruída? Não seria apenas a
acrópole de Jerusalém? Tanto Josefo como Tácito hesitaram em descrever sua des
truição, embora mais por causa de piedade retórica do que por motivação política.
Na verdade, beleza e ambigüidade.
Destruição de Jerusalém
Não obstante, sua grandeza foi abaixo. Exploradores do século dezenove e esca
vadores mais recentes descobriram grandes pedras e restos das paredes do Templo
herodiano derrubado pelos romanos. Devastaram à toa os maciços fiindamentos e
acabaram com as colunas, arcos e paredes. Os fragmentos ainda se espalham pelas
ruas pavimentadas e degraus debaixo do Monte do Templo. Os romanos pilharam
0 que sobrou da cidade e a aplainaram; estabeleceram também acampamentos da
Décima Legião na colina ao oeste do Vale Tyropoeon para vigiar de perto os habi
tantes remanescentes.
Jerusalém, sem recursos naturais e longe das principais rotas, havia prosperado
como cidade judaica de peregrinação e atraído visitantes pagãos, mas agora não mais
recebia judeus nem tinha habitantes. Mesmo sua elevação à categoria de colônia por
Adriano não fazia aumentar a população. Permaneceu assim, sem muita importância,
até a conversão do império ao cristianismo por Constantino, o Grande. Tornou-se,
novamente, lugar de peregrinação, desta vez, cristã em vez de judaica. A cidade re
tomou as versões grega e latina de seu nome judaico, Jerusalém, mas se transformou
na Cidade Santa Cristã, centrada não mais no Templo, deixado intencionalmente
em ruínas para relembrar a vitória cristã sobre os judaísmo, mas na Igreja do Santo
Sepulcro, suposto lugar da ressurreição de Jesus. Mais tarde veio a ser cenário de
batalhas de exércitos bizantinos e persas. 0 islamismo transformou-a, depois, na
terceira mais santa cidade, construindo a Cúpula do Rochedo em cima do Monte
do Templo para comemorar a ascensão de Maomé para visitar o céu. Nos séculos
seguintes sucederam-se conquistas dos cruzados, governos otomanos e turcos,
colonização européia e mais recentemente a Guerra dos Seis Dias em 1967, todos
deixando suas marcas em Jerusalém.
Depois da Guerra dos Seis Dias os escavadores tiveram permissão para realizar
seu trabalho ao sul e ao oeste do Monte do Templo, ainda sob custódia muçulmana,
bem como na cidade alta no local chamado hoje quarteirão judaico ou herodiano. Os
principais especialistas de arqueologia em Israel trabalharam nessas áreas; Nahman
Avigad escavou os quarteirões residenciais da cidade alta; Benjamin Mazar e Meir
Ben-Dov encarregaram-se de sítios fora do Monte do Templo, onde hoje Ronny Reich
ainda está escavando. Além disso construiu-se um túnel de cerca de 900 pés ao lado
do Muro Ocidental sob a supervisão do arqueólogo Dan Bahat para o Ministério dos
Assuntos Religiosos de Israel.
A resistência profética podia não ser violenta, como no caso do profeta Amós
do oitavo século, ou violenta, como no caso dos profetas anteriores, do século nono,
Elias e Eliseu. Estes conseguiram derrubar a dinastia de Omri e substituí-la pela de
Jehu. Mas não valeu a pena destruir Acab de Omri para ter em seu lugar Jeroboão de
Jehu. Seja como for, mesmo antes da resistência colonial violenta ou não à injustiça
imperial externa, sempre se manifestava a resistência profética, violenta ou não, à
injustiça real interna. A mais profunda tradição israelita levava em consideração
não apenas a resistência colonial ao domínio estrangeiro, mas também a que se
inspirava na aliança contra a opressão injusta estrangeira ou local. Como já vimos,
estava sempre fundamentada, de certa forma, na transição ideal do Reino de Deus
da aliança, para o escatológico e ao apocalíptico. Imaginemos, então, Jerusalém e,
especialmente, o Templo no primeiro século de nossa era. Beleza e ambigüidade ao
mesmo tempo.
Defesa da Galiléia
Josefo jamais teria derrotado os romanos nas frentes de batalha nem resistiria
por muito tempo entrincheirado. Mas realizara alguma coisa na Galiléia. Conseguira
impedir eclosões de luta de classe no contexto anárquico da rebelião colonial. Impediu
que cidades e vilas, camponeses e nobres, bandidos rurais e aristocratas urbanos se
confrontassem em lutas sangrentas antes da chegada das legiões que vieram para
matá-los. Já vimos como as forças locais se misturaram quando os romanos chega
ram. Mas se esses “galileus” (era assim que Josefo se referia aos camponeses) não
estavam muito interessados em lutar contra as legiões romanas, o mesmo não se
dava em relação às cidades de Séforis e Tiberíades. Eles queriam mesmo era destruir
essas e outras capitais regionais, como vimos no capítulo 3. Era nelas que as cortes
de justiça se reuniam, onde se guardavam os arquivos dos impostos e onde viviam
os grandes proprietários de terras. Era assim que esses camponeses da Baixa Galiléia
viam 0 controle romano. 0 General Josefo não conseguiu ganhar a guerra colonial
externa, mas impediu com êxito a luta de classe interna. Mas em Jerusalém, mais
tarde, ninguém conseguiu vencer nem interna nem externamente.
Zelotes e aristocratas
Dentro dessa tradição, então, os zelotes, diz Josefo, “chamaram um homem das
famílias sumo-sacerdotais chamado Eniaquim e lançaram sorte para escolher um
sumo sacerdote. Por acaso a sorte caiu sobre um indivíduo chamado Fanni, filho
de Samuel, do vilarejo de Aphthia, que se tornou sinal da depravação dos zelotes”.
Como a convocação desse clã reivindicasse que a escolha humana era legítima,
contra qualquer outra, os “sorteios” representavam para os camponeses a opção
divina contra a aristocracia. Josefo quase perde a fala ao descrever um camponês
substituindo um aristocrata na função do sumo sacerdócio. Esse incidente é apenas
a parte mais simbolicamente óbvia do programa dos zelotes.
Chegamos a certas importantes conclusões tiradas das relações entre revolta co
lonial e luta de classes. Em primeiro lugar, podemos encontrar resistência à injustiça
da dominação romana e/ou da discriminação social em qualquer dos graus da escala
que vai do Reino de Deus da aliança, passando pelo escatológico e terminando no
apocalíptico. Em segundo lugar, poderia haver resistência colonial sem luta de clas
ses. A guerra de 66-74, por exemplo, começou com a contenda no interior do sumo
sacerdócio aristocrata porque os sacrifícios diários oferecidos ao imperador romano
haviam cessado no Templo de Jerusalém. Em terceiro lugar, e mais importante, não
teria havido conflito entre classes sociais na situação colonial (talvez até mesmo
em qualquer outra) sem o conflito imperial. Oposição à aristocracia colonial judaica
confimdia-se com a recusa dos patrocinadores e padrinhos imperiais romanos.
A glória do Templo
Por toda a Antiguidade e muito tempo depois da destruição do Templo, os sá
bios de Israel continuavam dizendo que “quem não tinha visto o edifício de Herodes
não sabia o que era uma estrutura bela”. Josefo, Fílon, Tácito e outros escritores
antigos louvam igualmente a beleza do Templo. Graças a escavações e descobertas
arqueológicas chegamos a vislumbrar o feito de Herodes, o desenho grandioso do
complexo, os pormenores da construção e as técnicas arquitetônicas empregadas.
Podemos agora imaginar o Templo como Jesus o teria visto.
Herodes, o Grande, não poderia ter alterado muito o santuário interno, recons
truído depois do exílio babilónico, a partir das prescrições bíblicas de Salomão.
As fachadas foram renovadas e as colunas, revestidas com placas de ouro, mas a
estrutura continuava a mesma. Herodes, então, duplicou os contornos do Monte do
Templo. O projeto teve início em 19 a.C. e só foi completado muito tempo depois
de sua morte.
Herodes mandou construir fortes muros nos quatro lados do Monte do Templo.
Não mexeu no lado oriental da antiga plataforma, mas a estendeu ao norte e ao
sul. Criou a partir daí uma gigantesca plataforma debaixo do santuário. Com forma
levemente trapezoidal, media cerca de 1.000 pés de largura no eixo leste-oeste e
1.550 de comprimento no norte-sul. Para assegurar a estabilidade da praça, cerca de
100 pés acima do nível da rua, os muros fortificados, particularmente nos lados sul
e oeste, precisaram de alicerces absolutamente seguros, feitos de enormes pedras.
Os arquitetos de Herodes prepararam a área e cavaram mais 60 pés na rocha, que
foi cortada e nivelada embaixo com uma base de 16 pés. Economizaram horas de
trabalho preparando as pedras no alto da colina ao lado, trazendo-as para baixo
em carretas puxadas por bois ou em caixas providas de grandes rodas. Quando os
diversos elementos iam sendo colocados no lugar, o espaço interior entre as paredes
antigas e as novas ia sendo preenchido e compactado com restos de material, sobre
0 qual se construía a nova camada. 0 processo eliminava a necessidade de içar as
gigantescas pedras.
Algumas delas, nas camadas inferiores, eram colossais. 0 túnel cavado ao longo
do Muro Ocidental pelo Ministério dos Assuntos Religiosos de Israel deixou à mostra
a base principal onde uma única pedra media 40 pés de largura e 10 de altura com
a grossura de 14 pés, pesando mais do que 500 toneladas. As pedras de Stonehen
ge da Bretanha reduzem-se a quase nada em comparação com esta. A outra pedra
principal media 40 pés de comprimento, a seguinte, 25 e a última, 6, de maneira
que as quatro ocupavam mais de 100 pés. A maioria das pedras nas camadas mais
baixas não era tão grande como aquelas, medindo em geral 4 pés de altura, mas
mesmo assim pesavam entre 3 e 5 toneladas. Eram bem esquadrilhadas e polidas,
de tal maneira que o muro não precisou de argamassa para ser erguido. Cada pedra
encaixava-se tão perfeitamente às outras que, até hoje, vinte séculos depois, nem
uma lâmina ou folha de papel pode ser introduzida entre elas.
A arqueologia nos leva até aí. Para o resto do Templo precisamos da ajuda de
Josefo e da literatura rabínica, que concordam entre si nas questões básicas. Os
sacerdotes e os leigos judeus, homens e mulheres, podiam atravessar o soreg para o
perímetro à frente, que era dividido em três partes: no sentido leste-oeste a Corte
das Mulheres, a dos Israelitas e a dos Sacerdotes. As mulheres não tinham permis
são de entrar na Corte dos Israelitas, onde os homens judeus traziam oferendas; e
estes, por sua vez, não podiam entrar na Corte dos Sacerdotes, onde os sacrifícios
eram oferecidos no altar.
Onde se situava o “grande portão” sobre o qual fora colocada a águia dourada?
Josefo não nos informa a respeito porque talvez nem ele mesmo o soubesse. O
que aconteceu depois só podemos imaginar a partir do que sabemos. A passagem
elevada ligava os quarteirões ricos da cidade alta, passando sobre o Vale Tyropoeon,
aos muros do Monte do Templo, atrás do santuário. As elites judaicas entravam no
Templo atravessando essa ponte. Era também por ela que Herodes conduzia, dos
palácios fortificados ao Templo, dignitários pagãos que lhe visitavam. É provável
que Herodes tenha colocado a águia de ouro em cima do portão dessa ponte, no
muro ocidental do Templo. Nesse lugar, não podia ser vista do lado de dentro nem
das outras entradas usadas pelo povo. Seria vista, então, apenas pelos poderosos
pagãos que passavam por aí.
Mas por que colocar a figura de uma águia nesse complexo? Por que, afinal?
Certamente, não para provocar alguém. Tudo indica que tivesse permanecido no
Templo durante muito tempo até que alguém se deu conta de que Deus exigia a
3 1 . Reconstrução do M onte do Templo voltado para o M onte das Oliveiras
A beleza do Templo dominava a cidade baixa de Jerusalém (1), erguido sobre um monte artificial
construído por Herodes, o Grande, visto aqui da cidade alta (2). No centro do maior recinto
sagrado da Antiguidade sobressaía o santuário dourado (3), na frente do qual os sacerdotes
ofereciam sacrifícios. O M onte do Templo era acessível aos sacerdotes aristocratas que viviam
na cidade alta por meio de uma via sobre o Vale Tyropoeon (4); a maioria dos peregrinos entrava
pela porta sul na praça que também abrigava banheiras rituais (5), ou pela Porta Dupla (6) que
se dirigia à esplanada em cima, ou por uma escadaria (7) que acabava na Stoa Real (8), pórtico
semelhante a uma basílica, onde provavelmente Jesus expulsou os cambistas. A esquerda, na
época de Jesus a Fortaleza Antônia (9) abrigava as tropas romanas, que vigiavam cuidadosamente
as multidões durante a Páscoa e outras festas.
sua remoção. Esqueçamos por enquanto a beleza das brilhantes cores brancas e as
decorações com intrincados desenhos geométricos. Pensemos, em vez disso, na
ambigüidade das imensas pedras e dos monumentais alicerces. Os romanos po
deriam indagar se Herodes construíra um magnífico santuário ou uma fortaleza
impenetrável. Por isso era absolutamente necessário colocar no topo do edifício o
símbolo claro da submissão a Roma, entre o santuário e a cidade. A águia dourada
representava a dominação romana e a submissão judaica. Assim como a Cesaréia de
Herodes curvava-se diante de Roma por meio do Templo de Augusto, assim também
0 Templo judaico de Herodes reconhecia o governo romano. Esta, pelo menos, é uma
provável interpretação da localização da águia e da intenção de Herodes.
Quarteirões do sumo sacerdócio
Falamos sobre a beleza e a ambigüidade do Templo de Jerusalém situado entre
a colônia judaica e o Império Romano. Era ao mesmo tempo casa de Deus e sede
da colaboração. Conjugava o magnífico santuário com a impressionante fortaleza.
Era controlado pela aristocracia sacerdotal que cooperava, por causa das circunstân
cias, com a ocupação imperial. A revolta colonial, por fim, destruiu o Templo e acabou
com 0 sacerdócio para sempre. Mas pensemos agora a respeito não só da revolta
mas também da luta de classes, e sobre o que aconteceu quando os camponeses
zelotes tomaram Jerusalém na época da revolta em 66-74 d.C. Não encontramos
muita coisa a respeito disso nos registros arqueológicos em contraste com o muito
que foi descoberto sobre os sicários de Masada. Podemos, no entanto, ouvir o que
os arqueólogos nos têm para dizer sobre os quarteirões onde moravam os sumos
sacerdotes de Jerusalém. Não estamos pressupondo que os moradores fossem mais
venais ou piores do que qualquer outra aristocracia colonial obrigada a colaborar com
0 poder imperial. Como só podemos conhecer os zelotes pela exegese dos textos de
Josefo, talvez nos seja possível utilizar outros meios para retratar aqueles contra os
quais se opunham de maneira tão virulenta e rejeitavam com violência.
Mansão Palaciana
A fresco. A casa fora solidamente construída sobre a rocha com pedras regulares.
Quase todas as paredes da primeira fase, na primeira metade do primeiro século,
haviam sido cobertas com coloridos afrescos semelhantes aos do segundo estilo
de Pompéia; algumas exibiam motivos da flora, grinaldas, romãs e maçãs; outras
imitavam painéis de mármore ou ostentavam desenhos geométricos em vermelho
vivo, ocre e verde; também foram achados restos pintados de uma coluna jônica. Os
afrescos da Mansão Palaciana e, na verdade, de todas as residências da cidade alta
eram sempre anicônicos — a única exceção foi a figura de um pássaro na parede
perto do Monte Sião. Essas paredes eram pintadas quando o estuque ainda estava
úmido, bem diferente da técnica mais cara e tecnicamente mais exigente do al secco,
utilizada na ínsula II de Séforis, que, por sua vez, facilmente se deteriora.
Cerâm ica. A Mansão Palaciana contribuiu com panelas de cozinha e jarros para
armazenar alimentos, alguns encontrados inteiros no fundo de cisternas. Mas o que
distingue as casas da cidade alta, digamos, das moradias dos vilarejos da Galiléia é
a grande quantidade de finos aparelhos de servir como louças importadas e tigelas
locais da mais alta qualidade. Entre os artigos importados sobressaíam-se garrafas
vermelhas para servir vinho e tigelas do oeste, uma muito rara de Mégara feita a
partir de um molde com decorações em relevo, bem como tigelas rasas feitas no
local, finas e delicadas, pintadas em vermelho com motivos florais em vermelho,
marrom e preto.
Utensílios de vidro. Entre estes foram achados inúmeras tigelas com alças, frascos
de perfume ou óleo e fragmentos de um tipo raro de jarra. Este último item, embora
deformado pelo incêndio que destruiu a casa em 70 d.C., foi quase completamente
restaurado. No seu braço lê-se a inscrição em grego “Feita por Ênio”, referente ao
conhecido fenício de Sídon, fabricante de vidro, cujos objetos ainda hoje enfeitam
lugares como o Museu Metropolitano de Arte de Nova York.
Lam parinas. As lamparinas, em geral, eram herodianas, feitas de uma roda, com
a saída para o pavio. Mas diversos exemplos mais raros e ricos foram também acha
dos, como as "lamparinas de Éfeso,” retocadas com uma borda brilhante, preta ou
vermelha, com o pavio (às vezes duplo) cercado por espirais e um cabo de tamanho
quase sempre exagerado.
Vasos de pedra. Dos muitos encontrados, alguns haviam sido feitos a mão, pare
cidos com canecas, ou “vasos para medir”, tão comuns na Galiléia. Outros procediam
de pequenos tornos, principalmente os esféricos caprichosamente polidos, com de
corações gravadas. Notáveis, no entanto, eram os maiores, com um pé de diâmetro
e 3 de altura. Podiam conter muitos galões de água e deviam ser semelhantes aos
da história das bodas de Caná, quando Jesus transformou água em vinho, segundo
João 2. Feitos a partir de grandes pedaços de pedra e modelados com perfeição em
grandes tornos operados por pelo menos três homens, ostentavam bela forma circu
lar. 0 polimento interno e externo era perfeito. Alguns ostentavam linhas na borda
e no pé, enquanto outros apresentavam desenhos com motivos ovais e de dardos
ou formas verticais caneladas. Esses grandes vasos torneados dificilmente seriam
achados na Galiléia. Nenhum deles, por exemplo, foi encontrado em Nabratein,
alguns em Gamla, Jodefá e Cafarnaum, embora poucos tivessem sido achados em
casas aristocráticas dos bairros residenciais de Séforis. Podem ter sido modelados a
partir de matrizes de bronze ou mesmo de cerâmica, comuns nas casas aristocráticas
do mundo greco-romano. Mostram, sem dúvida, a preocupação dos donos dessas
casas com purezas, mas também que a mantinham dentro do estilo cosmopolita.
Num dos exemplos que temos, o vestíbulo pavimentado com mosaico branco
conduzia a três salas de banho distintas. Entrava-se aí, onde as pessoas trocavam de
roupa, e à esquerda abria-se uma sala com uma banheira — por acaso, exatamente
igual à usada em Masada — , provavelmente para cuidados de higiene. A frente,
descendo cinco degraus, chegava-se a um miqweh medindo 6 pés de largura e 9 de
comprimento, bem acima das exigências formais da Mixná, que estipulava pelo
menos 40 seahs, ou cerca de 200 galões. A terceira piscina, menor, ligada por um
canal a anterior, servia como depósito de água, mas imagina-se que, por causa dos
degraus, também fosse usada eventualmente para purificações.
Vê-se bem que os impostos e os dízimos não seriam suficientes para manter o
opulento nível de vida dos sacerdotes ricos de Jerusalém. Mesmo os mais rigorosos
e generosos observadores da lei não costumavam dar mais do que 15 por cento de
sua renda para o Templo, e muitos deles, provavelmente, só doavam suas ofertas
nominalmente e de vez em quando. Alguns galileus, vivendo longe de Jerusalém,
não tinham condições de viajar até lá nem de pagar regularmente os dízimos, coisa
que incomodava os rabinos. Mas preocupavam-se mais com os impostos cobrados
por Herodes Antipas, destinados a Roma, do que com os de Jerusalém. Os impostos
romanos eram cuidadosamente monitorados e cobrados sob ameaças de prisão,
extrema violência ou confisco de terras. Os índices desses impostos variavam entre
25 e 40 por cento de tudo o que se ganhava.
Eram casos de abuso, mas, de fato, ninguém era contra o dízimo para manter
os que serviam a Deus. Os judeo-cristãos do primeiro século, segundo a regra co
munitária, Didaqué, incentivavam a comunidade a dar o dízimo aos profetas, “tanto
das suculentas vinhas e do dinheiro, dos bois e ovelhas [...], pois eles são os vossos
sacerdotes principais” (13,3).
Havia, por outro lado, claro ressentimento contra o roubo das riquezas do Templo
pelos romanos. O general Crasso pilhou o tesouro do Templo em 54 a.C. surrupiando
cerca de dez mil talentos em moedas e objetos de valor (um talento eqüivalia a 88
libras). Pôncio Pilatos provocou a revolta do povo quando se apossou de fundos do
Templo para construir um aqueduto. 0 procurador romano Gessius Florus roubou
dezessete talentos do tesouro do santuário alegando que César precisava deles. Em
conseqüência disso, as massas revoltaram-se contra seu governo envolvido com
extorsão e ladroeiras.
Além disso, o exemplo dos zelotes mostrava até que ponto os camponeses mili
tantes eram capazes de reagir na primeira oportunidade e dar um banho de sangue,
pelo menos em parte da aristocracia sacerdotal. Em tal massacre misturavam luta de
classe com revolta popular; os zelotes criaram, assim, um reinado de terror contra
as classes altas, provocados pela riqueza e pelo poder da aristocracia sacerdotal, por
sua colaboração passada com os romanos e potencial traição no futuro. Parte dos
camponeses demonstrava, assim, que a consciência que tinha dos problemas era
de ordem não apenas pessoal e individual mas também sistêmica e estrutural. As
famílias da aristocracia e especialmente dos sumos sacerdotes eram, na verdade, as
responsáveis por esse estado de coisas. Tratava-se não apenas da riqueza advinda
da participação no Templo, mas também do lucro obtido por meio da colaboração
com 0 império. Estavam em jogo a beleza do sacerdócio antigo e a ambigüidade da
aristocracia colonial.
A casa incendiada
Peregrinação ao Templo
Josefo, testemunha ocular que também estivera em Cesaréia e Roma, descreve
a fachada do Monte do Templo com deslumbramento. E o faz no momento trágico
em que também testemunha a sua destruição:
Se fôssemos mulheres judias, teríamos que nos limitar à Corte das Mulheres.
Mas, sendo homens, teríamos permissão de levar os sacrifícios até os sacerdotes
e levitas. Esses devotados e competentes trabalhadores, suados e manchados de
sangue, estariam ocupados cortando gargantas, pendurando carcaças, cortando e
fatiando pedaços de carne para jogá-los no altar. Alguns encarregar-se-iam de manter
0 fogo aceso, enquanto outros abanariam as brasas ou ofereceriam incenso. Nossas
oferendas seriam consumidas no fogo enquanto a fumaça sobe até Deus.
Não obstante, essa perigosa ambigüidade estava sempre ali. Transpirava nos
festivais, que reuniam muita gente em lugares superlotados. Fazia-se presente es
pecialmente na Páscoa, quando as pessoas celebravam a liberdade em face de um
império do passado na colônia do presente. Tomemos este exemplo de Josefo a
respeito de dois casos acontecidos ao longo de cinqüenta anos no primeiro século.
A arqueologia não tem como relatar incidentes desse tipo. A única fonte exis
tente são as obras de Josefo. Referindo-se a uma data entre esses dois incidentes de
Páscoa, Lucas 13,1 menciona: “Os galileus, cujo sangue Pilatos havia misturado com
0 de suas vítimas”. Lucas gostava muito de fazer alusões históricas e, às vezes, seu
entusiasmo sobrepujava a exatidão. Se a citação de Lucas não se refere a incidentes
envolvendo Arquelau e/ou Cumanus com Pilatos, relaciona-se talvez com algum
outro incidente da Páscoa ou de algum outro festival, quando o sangue dos protes
tadores misturava-se com o dos animais sacrificados no Templo de Jerusalém. Beleza
e ambigüidade, mais uma vez, mas agora no nível do simples camponês judaico.
Duas ações perigosas
Jesus foi executado não pelo tetrarca Antipas na Galiléia mas sim pelo prefeito
romano Pilatos, na Judéia. Por que não por Antipas? Por quê? Jesus opunha-se à
romanização e urbanização de Antipas na Baixa Galiléia, desafiava a construção de
um reino comercial por palavras e ações, na visão e no programa. Fundamentava
sua atitude no Reino de Deus da aliança. Encarnava esse Reino no estilo de vida
participativa das comunidades. O movimento do Reino de Jesus era, pelo menos,
tão subversivo como o Batista de João. Mas Antipas governou por mais de quarenta
anos, devendo ter agido, se não corretamente, pelo menos com muito cuidado para
permanecer no poder por tanto tempo. Mas havia executado João. Não lhe parecia
prudente executar mais de um profeta numa década. É provável que Jesus tenha
sido salvo pelo martírio de João. Mas era o que se passava na Galiléia. A Galiléia
tinha apenas o herodiano Antipas. A Judéia, no entanto, tinha ao mesmo tempo o
saduceu Caifás e o romano Pilatos. Duplo perigo.
É provável que Jesus tivesse ido apenas uma vez a Jerusalém, como se vê no
cenário parabólico de Lucas. Poderia ter ido mais de uma vez, segundo o cenário
igualmente parabólico de João mas diferente do de Lucas. De qualquer maneira,
podemos ter certeza de que esteve em Jerusalém pelo menos uma vez. E nunca re
tornou. O historiador romano Tácito conta que Jesus “sofreu pena de morte no
reinado de Tibério, sentenciado pelo procurador Pôncio Pilatos”. Josefo escreveu
que “Pilatos, depois de ouvir acusações de homens do mais alto gabarito entre nós,
0 condenou à crucifixão”. Os dois escritores situam a condenação na seqüência
de movimento-execução-continuação-expansão. A execução tinha a finalidade de
acabar com o movimento, mas este não só continuou apesar disso, como também
se expandiu. Nenhum dos autores menciona causas específicas e imediatas dessa
suprema penalidade.
Entrada em Jerusalém
Na Entrada, Marcos evita alusões a Zacarias 9,9-10: “Exulta muito, filha de Sião!
Grita de alegria, filha de Jerusalém! Eis que o teu rei vem a ti: ele é justo e vitorio
so, humilde, montado sobre um jumento, sobre um jumentinho, filho da jumenta.
Ele eliminará os carros de Efraim e os cavalos de Jerusalém; o arco de guerra será
eliminado. Ele anunciará a paz às nações. 0 seu domínio irá de mar a mar e do Rio
às extremidades da terra”. Em vez disso, Marcos usa a história como mera negação
de Jesus como Filho de Davi. Em primeiro lugar, na passagem anterior à Entrada,
10,46-52, Marcos descreve um cego que saúda Jesus como “Filho de Davi” dizendo
que precisava ser curado antes de segui-lo “pelo caminho”. Em seguida, na passa
gem posterior, 12,35-37, Marcos argumenta que o Senhor de Davi não pode ser, ao
mesmo tempo, filho de Davi. Finalmente, Marcos sempre relacionava com Jesus o
Reino de Deus e não o de Davi. A partir daí julgamos que a proclamação em Marcos
11,10, “Bendito o Reino que vem, o Reino do nosso pai Davi!”, tem a intenção, no
contexto, de ser totalmente errada. A multidão erroneamente prefere a vinda do
Reino de Davi (messianismo triunfante e/ou militante?) do que o presente Reino
de Deus. Nesse uso negativo, qualquer alusão explícita ou não a Zacarias 9,9-10
tinha que ser completamente omitida.
É possível, em outras palavras, localizar a Entrada numa camada anterior a Mar
cos, bem antes da terceira camada do primeiro nível, também chamada “evangélica”.
Mas seria a primeira e original camada do Jesus histórico? Se, por um lado, fosse um
incidente histórico comandado por Jesus, teria sido suficiente para suscitar sérias
conseqüências. Aquela entrada em Jerusalém parecia-se mais com uma sátira an-
titriunfal e até mesmo caricatural. Os generais entravam nas cidades conquistadas
num carro de guerra ou montados em corcéis cerimoniais, ostentando símbolos
de poder violento. Mas Jesus entrava montado num jumento. As autoridades, no
contexto do severo sistema de segurança acionado durante as celebrações da Pás
coa, não teriam achado graça nessa atitude. Esse ato público já seria suficiente para
provocar a crucifixão. De outro lado, se se tratasse não de incidente histórico mas
sim de história parabólica, embora não explicando o que teria acontecido, como as
narrativas, teria servido para nos mostrar a maneira como o reinado de Jesus era
entendido por seus primeiros discípulos ou seguidores posteriores. Era, para eles,
um anti-reinado não violento.
“Purificação” do Templo ^
Nesse contexto profético e com a citação das escrituras, o ato de Jesus consuma
a advertência de Deus sobre a destruição do Templo em Jeremias 7,14. Se continuar
des a separar o culto divino sacrificial do Templo da justiça divina distributiva, “vou
tratar a casa, onde meu Nome é invocado, e em que colocais a vossa confiança, o
lugar que dei a vós e a vossos pais, como tratei [o antigo santuário de] Silo”.
Desses dois incidentes perigosos, a Entrada e a Purificação, o último parece ser
mais histórico do que parabólico. Por quê? Em primeiro lugar, porque há mais pos
sibilidade de que João 2,13-17 tenha se baseado numa versão independente e não
seja fruto de mero arranjo literário criativo, reinterpretação ou deslocamento. Em
segundo lugar, por causa da versão independente do Evangelho de Tomé 71: “Jesus
disse: ‘Vou destruir [esta] casa, e ninguém será capaz de a reconstruir’ [...]”. Se,
portanto, houve realmente um evento específico que justificasse a crucifixão de Jesus,
este seria o mais recuperável. Em resumo, se as duas narrativas fossem históricas,
teriam levado Jesus à execução pública para servir de advertência pascal. Se, pelo
contrário, não passassem de parábolas, não teríamos como determinar o evento
específico emjerusalém responsável pela execução de Jesus. Mas, então, como no
tamos acima, sua visão e programa, a vida sempre representando o Reino de Deus,
colocavam-no em deliberado choque contra o Reino de Roma, fosse na Galiléia sob
Antipas ou em Jerusalém sob Caifás e Pilatos. Mas esta discussão, não importando
0 que decidirmos, introduz a questão muito maior a respeito da historicidade do
julgamento de Jesus.
Resta a questão sobre a multidão pedindo, aos gritos, a execução de Jesus. Por
enquanto, concedamos que havia anistia aberta na Páscoa e que o governador era
decente. Mas por que a multidão pedia, aos brados, a crucifixão? Que tinha ela contra
Jesus? Que teria feito Jesus contra ela? Observemos, a seguir, o desenrolar dessa
história de uma fonte para outra no período de sua transmissão.
Ao longo desses textos, por meio desses níveis da terceira camada desde Marcos
até João, vai havendo uma espécie de escalada. Vai, primeiramente, da “multidão”
para “as multidões”, “todo o povo” para terminar nos “judeus”. A cena move-se de
uma situação compreensível, quando a multidão vem para libertar Barrabás, contra
riando qualquer propósito que Pilatos tivesse para soltar Jesus, e chega à situação
incompreensível, em que o povo se manifesta contra Jesus e em favor de Barrabás.
A compreensão desse processo duplo é vital para decidirmos qual história teria
vindo da primeira camada do primeiro nível do tempo do Jesus histórico ou se fora
criada pelo histórico Marcos para o primeiro nível da terceira camada. Relembre
mos que os evangelistas escreveram evangelhos e não história nem biografia ou
jornalismo. Evangelho quer dizer boa-nova, e boa-nova, para continuar sendo boa
para novos ouvintes ou leitores, precisa ser atualizada e tornada sempre relevante
a novos lugares, tempos, experiências e comunidades. Essa é a lógica, por exemplo,
que determina como escritores posteriores modificam e adaptam deliberadamen
te a fonte de Marcos, mudando e adaptando as próprias palavras e feitos de Jesus
registrados por ele. Assim, à medida que os judeo-cristãos iam sendo cada vez
mais marginalizados no meio de seu próprio povo na experiência dos autores do
evangelho, assim também crescia a animosidade contra Jesus, expressa, então, na
maneira como representavam sua execução no passado. Daí a escalada que acabamos
de mencionar. Resulta de atualização da narrativa, com o objetivo de encaixar a his
tória do passado na presente realidade. Quem são, neste momento, nossos amigos
e inimigos? Aqueles, pois, eram os amigos e os inimigos de Jesus na época de sua
execução. Se o autor do evangelho de João e sua comunidade experimentavam “os
judeus” (os “outros” judeus com exceção de nós, os bons) como inimigos, nada mais
natural do que projetá-los no passado como inimigos de Jesus. Mas, finalmente, se
0 método da atualização é o princípio básico da narrativa evangélica, teria sido a de
Marcos adaptação ou criação? De novo a pergunta; Seria história da primeira camada
ou parábola da terceira camada do primeiro nível?
Fílon 0 descreve como “um homem de disposição muito inflexível, sem miseri
córdia e obstinado”, reprova “sua corrupção e seus atos insolentes, seus roubos, os
hábitos de insultar o povo, a crueldade e os constantes assassinatos do povo sem
julgamento e sem sentenças de condenação, bem como sua terrível desumanidade
incessante e gratuita”, para resumir dizendo que era “sempre um homem de paixões
ferozes” (Embaixada a Caio 301-303). Mesmo se tudo isso não passe de retórica, foi
Pilatos que ele escolheu como alvo, retratando-o como a personificação do mau
governo.
Como ainda nos lembramos do capítulo 4, Josefo contou que levando os estan
dartes imperiais para dentro dos muros de Jerusalém, Pilatos retrocedeu em face da
multidão desarmada, que protestava esperando o martírio. Mas em ocasião posterior,
quando o povo tentou a mesma estratégia, Pilatos infiltrou soldados sem uniforme
em seu meio e começou a luta de tal maneira que “grande número de judeus pereceu,
alguns em conseqüência dos golpes recebidos e outros na batalha que se seguiu. Ame
drontada pelo destino das vítimas, a multidão reduziu-se ao silêncio” (Guerrajudaica
2.177; Antiguidades judaicas 18.62). Pilatos, naturalmente, acabou sendo demitido
de seu ofício por seu superior imediato, o governador da Síria, Vitélio, e chamado
para explicar o “assassinato das vítimas” de outra multidão, desta vez samaritana
(Antiguidades judaicas 18.88). Pilatos não foi santo nem monstro. Tudo o que sabemos
a seu respeito torna a história dos evangelhos implausível como fato.
Dois temas, neste capítulo, interagem entre si. 0 primeiro refere-se aos sepulcros
aristocráticos. Túmulos e tumbas, sepulcros e mausoléus, rituais e práticas fúnebres
traduzem o que se crê a respeito da morte e depois dela. Mas, como nos relembram
os antropólogos, os monumentos para os mortos são também criptogramas da vida
social presente. Os arqueólogos têm descoberto grande variedade de túmulos ju
daicos do primeiro século que não só indicam atitudes sobre a vida depois da morte,
mas também acentuam como esses mortos se situavam na sociedade. Na morte,
talvez mais do que na vida, a arquitetura funerária e as demonstrações de luxo
marcam o status do morto na sociedade, estabelecendo distinções entre abastados
e pobres, governadores e súditos. Mas como se enterram o imperador, o rei e o
sumo sacerdote? Como se preparam as pessoas para seus funerais? Examinaremos
não só o que dizem a respeito de suas crenças no mundo vindouro, mas também
no que esses monumentos revelam a respeito de seus reinos e domínios. Como se
preparavam para a morte e de que maneira gostariam de ser lembrados? Se fôssemos
governadores e tivéssemos que preparar nossos próprios funerais, que gostaríamos
de anunciar sobre nosso reino?
De que maneira queria Augusto que seu reino e governo fossem lembrados?
Devemos ler o que ele mesmo escreveu sobre o que fizera. Exaltava as vitórias mili
tares, 0 estabelecimento da lei e da ordem, e sua benevolência. As muitas guerras e
batalhas, violentas e sangrentas, são justificadas pela pacificação dos mares, estabi
lidade no império e estabelecimento da paz em todos os lugares: “Na qualidade de
vencedor, concedi perdão aos cidadãos que o pediram. As nações estrangeiras — as
que com segurança pude perdoar preferi preservar do que matar”. Seu senso de
lei incluía três recenseamentos: o primeiro contava 4.063.000 cidadãos romanos,
seguido por 4.233.000 e 4.937.000 no terceiro. Manteve a ordem e praticou a justiça
reprimindo a revolta dos escravos, dizendo que dos “fugitivos de seus senhores [...]
que haviam pegado em armas, eu capturei 30.000 devolvendo-os a seus proprietá
rios para punição”. Mas não conta que os recenseamentos facilitavam a cobrança
de impostos e que os escravos foram crucificados como inimigos da ordem romana.
As tábuas de bronze também louvam sua benevolência e patrocínio: distribuía aos
pobres de Roma presentes em dinheiro. Em cerca ocasião chegou a “dar 240 sestér-
cios [quantia equivalente a dois meses de trabalho] para cada homem, chegando a
320.000 membros das plebes urbanas”. Além disso patrocinou jogos de gladiadores
e a construção de inumeráveis templos em Roma e outros lugares. Mas não dizia,
naturalmente, que os subsídios do governo significavam controle da multidão nem
que os presentes vinham das pilhagens em outras terras ou que suas estátuas eram
introduzidas em templos imperiais nos territórios subjugados.
Como vimos antes, Herodes, o Grande, dava nomes aos projetos de construção,
desde Cesaréia à baía de Sebastos, da cidade de Sebaste à fortaleza Antônia de Jerusa
lém, para honrar o poder de Roma e sua força protetora. Também designava lugares
com nomes de membros de sua família — cidade de Antipatris, relembrando o pai,
fortaleza Cypros, homenageando a mãe, e a torre Fasaelis, emjerusalém, dedicada ao
irmão. Mas dedicou a si mesmo o Herodiano. Josefo conta que construiu-o como sua
sepultura no mesmo local onde no deserto dajudéia, 8 milhas ao sul de Jerusalém,
lutara contra os partos e os soldados asmonianos, seus rivais, quando fugiam para
a Arábia em 40 a.C. Ao escapar com sua família de Masada, buscando ajuda dos
nabateus, foi atacado por seu adversário Antígono e, ainda segundo Josefo, “esma
gou-o como se não estivesse encontrando dificuldades e estivesse excelentemente
preparado para a guerra com vantagem. Mais tarde, quando se tornou rei, construiu
nesse local um palácio maravilhoso” (Antiguidades judaicas 14.359-360).
A visibilidade era também acentuada pela forma e pela fachada da fortaleza. Era
redonda, com duas paredes circulares, a interna medindo 175 pés de diâmetro e a
de fora, com 2 00 pés. Possuía quatro torres, distribuídas nos pontos cardeais. A do
leste, cilíndrica, salientava-se das demais. A forma redonda do Herodiano elevava-
se sobre as colinas da Judéia e chamava a atenção principalmente pela fachada, que
deveria ter sido polida como a do Monte do Templo ou, talvez, rebocada e lavada
de branco. Embora Josefo descreva as escadarias “de mármore branco” subindo até
a fortaleza, nenhum resquício delas foi encontrado pelo persistente e experiente
arqueólogo Ehud Netzer, de Israel. Mesmo se Herodes não tivesse trazido mármore
para o deserto e se Josefo não tivesse usado o termo técnico correto, o rei concluiu
seu monumento com luminosa fachada.
0 mausoléu de Herodes copiava o de Augusto de diversas maneiras. Era redondo
e muito visível com muitas plantas ao redor Mas não copiou Augusto exuberante
mente. Em vez disso, construiu o Herodiano em estilo próprio, adequado ao seu
reino singular. Tipificava a carreira de Herodes. Não comemorava nenhuma grande
vitória militar, mas a luta sangrenta por sobrevivência pessoal e política quando
pedia ajuda romana em face da guerra civil. Embora o mausoléu fosse uma rotun
da, precisava ser também uma fortaleza para protegê-lo de levantes populares e,
talvez, por isso, tenha escolhido construí-lo, por motivos de segurança, longe das
multidões de Jerusalém. Na verdade, o túmulo propriamente dito nunca foi achado;
talvez nunca tivesse ocupado a parte superior da fortaleza, mas o complexo inferior,
num edifício parecido com um mausoléu no final de longo corredor semelhante às
câmaras mortuárias judaicas no Vale Kidron emjerusalém, com telhados piramidais e
cônicos. Mas ao redor, Herodes construiu piscinas e jardins com a vida deste mundo
em sua mente. Finalmente, diferindo de Augusto, não foi enterrado com a família.
Na verdade, muitos de seus parentes foram mortos por ele por ciúmes ou paranóia.
Seus filhos não se uniram a ele na morte; Arquelau foi deposto de sua etnarquia e
exilado na Gália, Antipas perdeu a tetrarquia e se exilou na Espanha enquanto Felipe
acabou sepultado em seu próprio território ao norte.
Josefo registra que em seu leito de morte Herodes ordenou que, quando mor
resse, sua irmã mandasse matar muitos judeus eminentes que estavam presos, para
que, pelo menos, fosse lamentado na morte deles. E disse; “Toda a Judéia e todas as
famílias chorarão por mim, pois não poderão fazer outra coisa”. A irmã não cumpriu
a ordem, e seu filho Arquelau deu-lhe um funeral magnífico. O corpo de Herodes,
0 Grande, Rei dos Judeus, foi transportado num ataúde dourado ornamentado
com pedras preciosas e coberto com um manto de púrpura real, acompanhado
por parentes e mercenários da Trácia, Gália e Germânia até o Herodiano para as
cerimônias fúnebres. Quinhentos servos encarregaram-se de levar perfumes. Estes,
naturalmente, para abafar o cheiro da decomposição do cadáver Era assim que se
enterrava um rei.
Nos dias de Jesus, os corpos na primeira fase do enterro passavam por um destes
dois processos. Em geral, eram depositados em nichos fundos, chamados kokhim,
medindo cerca de 6 pés cavados nas paredes com 1 Vi de largura sob um arco em
cima. O segundo método consistia em colocar os corpos em grandes prateleiras
talhadas nas paredes da câmara, chamadas arcosolia, medindo também 6 pés de
comprimento por 2 de largura. Na segunda fase do sepultamento, ainda no primeiro
século, os ossos passavam, em geral, para ossuários, que eram caixas com tampas
quase sempre decoradas, de tamanho suficiente para conter o fêmur e outros ossos
longos. Dos mil ossuários encontrados dessa época cerca de um quarto deles exibiam
os nomes dos ocupantes. Muitos deles foram descobertos nos fundos dos kokhim ou
em cima de camadas de arcosolia.
Por que a prática de ossuários desenvolveu-se nessa época e lugar, isto é, no
primeiro século e ao redor de Jerusalém? É possível que o costume reflita a crença
geral teológica na ressurreição do corpo entre alguns judeus, principalmente entre
os fariseus. É também provável que o depósito de esqueletos em caixas discretas
refletisse o alto sentido psicológico de individualismo da era helénica. Além disso,
as pressões sociais e políticas sentidas pelos judeus vivendo sob o jugo romano
poderiam ter afetado suas práticas funerárias. Assim como os vasos de pedra e os
miqwaoth descritos no capítulo 5 podiam ser considerados marcas de identidade, e
os ritos de purificação, formas de resistência, assim, também, conservar os ossos
em ossuários poderia reforçar os limites sociais dos judeus depois da morte. Os
ossuários não apenas distinguem claramente os sepultamentos judeus dos romanos,
como também assinalam de maneira concreta a diferença e protegem os indivíduos
mesmo depois de mortos das desordens do mundo lá fora. Mas é difícil forçar as
evidências arqueológicas nessas direções. Por isso, ofereceremos, mais adiante,
objeções a essas interpretações.
Concluímos que o fenômeno dos ossuários só pode ser explicado por meio da
crença ou da teologia. Podem refletir a crença comum na ressurreição, alto senso de
individualismo, ou o desejo subconsciente de manutenção da identidade e de pro
teção na morte, mas seu uso tornou-se possível pela economia de Jerusalém, que
imitava o Templo em construção, e pela existência de bem treinados pedreiros e
escultores. Na verdade, eram mais usados pelas classes altas. Mas os mais simples
não seriam caros — sabe-se por meio de inscrições da época que custariam, cada
um, cerca de uma dracma e quatro óbolos, equivalente a um dia de trabalho de um
operário especializado. O ossuário de Tiago não sugere gastos extraordinários em
sua confecção. O que custava mais era o pedaço de terra para a câmara mortuária.
Nem todos tinham recursos para construir uma câmara mortuária com cavidades
para o primeiro sepultamento e ossuários para o segundo.
por figuras de palmas, dos lados e em cima, com dois círculos no painel principal,
formando seis rosetas cada um. Muito delicadas, combinavam pétalas e rodas gira
tórias, pintadas, às vezes, de laranja. A tampa abobadada e decorada na frente com
molduras desenhadas em ziguezague havia também sido pintada com cor alaranjada
clara.
Mesmo tumbas de pessoas ainda mais pobres foram encontradas ao redor de Jeru
salém, entre campos com covas rasas em diversos sítios na parte ocidental da cidade
antiga, algumas cavadas na rocha e cobertas de terra, outras apenas aproveitando
depressões naturais nas rochas. Em Mamilla, havia quinze cavidades recortadas na
rocha cobertas com tampas de pedra contendo ao lado dos corpos pequenas moedas
asmonianas e frascos de vidro do primeiro século d.C. No Vale Hinnon também foram
achados buracos no solo, ao lado das rochas, cobertos com lajes. Nestes, também,
não havia nenhum sinal de identificação dos mortos nem objetos de valor.
Como não havia evidência de trauma violento nos antebraços nem nos metacar
pos das mãos, presume-se que a vítima fora amarrada nos braços da cruz, ao contrário
do que em geral se imagina. As pernas também não foram quebradas para acelerar a
morte. Sem esse procedimento, a vítima morre mais lentamente por asfixia dolorosa,
42. Tornozelo de um crucificado
(Coleção do Departamento de Antiguidades de Israel; i ) Museu de Israel em Jerusalém)
porque os músculos do diafragma vão parando de funcionar até que a vítima deixe
de respirar. No lado do ossuário alguém rabiscou o nome do morto, Yehochanan,
agora conhecido como o Homem Crucificado de Givat Hamivtar.
Por volta do quarto século de nossa era, a basílica relacionava-se mais intima
mente com 0 significado de seu nome, isto é, edifício real. Deixemos o território
judaico e atravessemos os Alpes romanos a Trier na região do Mosela na Alemanha,
sé de Constantino na qualidade de César do Império Romano dividido antes de sua
vitória em 312 e da proclamação do Edito de Milão em 313, quando o cristianismo
tornou-se religião aceita pelo Estado. Entre 305 e 312 Constantino havia construído
nessa região uma enorme basílica ao lado de seu palácio, que ainda permanece até
hoje com seus 100 pés de altura. A largura do saguão media 100 pés, cortado por
duas fileiras de colunas. O comprimento era de 200 pés terminando numa abside. As
janelas, em cima, iluminavam o ambiente ressaltando as aplicações de mármore nas
paredes e os mosaicos com ornamentos de vidro sobre o piso de mármore branco e
preto. Aí Constantino sentava-se na sedes iustitiae, “cadeira da justiça”, onde, como di
vina majestade, recebia homenagem e, como encarnação da lei, dispensava justiça.
Dos tempos de Augusto aos de Constantino, a basílica desenvolveu-se de simples
estrutura para reuniões públicas a poderoso instrumento de propaganda político-ar-
quitetônica de Roma. Abrigava o esplendor de Roma e a divindade do César. Dentro
de suas paredes decoradas fazia-se justiça, desenvolviam-se atividades comerciais e
proclamavam-se editos públicos, sob o olhar vigilante do imperador na abside, em
pessoa, por meio de representantes ou mesmo de sua efígie. No pináculo da socie
dade, os imperadores precisavam de edifícios oficiais de acordo com a grandeza e
esplendor de sua posição.
Nesse lugar não se separava César e Deus, Estado e religião, e como santuário
de Deus na terra a basílica efetivamente obliterava as diferenças entre o sagrado e o
profano, o cívico e o pessoal, e o jurídico e o comercial. Depois de séculos de culto ao
imperador e agora, no tempo de Constantino, a presença dele em pessoa, por meio
de um representante ou por uma imagem, tornara-se o aspecto mais característico
da basílica. Constantino escolheu esse modelo para a igreja quando tornou o cris
tianismo uma religião aceitável e a patrocinou. Pelo ano 320 ele havia completado a
Basílica Laterana em Roma, hoje com o nome de San Giovanni, onde sob Constantino
tornou-se a sala do trono de Cristo basileus, Cristo Rei. Nos anos 325 e 326 começou
a construção de nova basílica como parte do Santo Sepulcro de Jerusalém.
Essa basílica, que Eusébio chamou de martyrium, media 200 pés de comprimento
por 130 de largura, com colunas de cada lado da nave. Galerias em cima aumentavam
0 espaço de onde as multidões podiam contemplar a abside, além de melhorar a
acústica amplificando as orações e os hinos. A abside era cercada por doze colunas
de mármore nas quais havia vasos de prata doados pelo imperador. As janelas altas
coavam a luz tanto para os arcos dourados do teto, quanto para os mosaicos coloridos
das paredes, para os revestimentos de mármore, para os tecidos de seda bordados
a ouro, dando a impressão de uma antecipação do céu para alguns peregrinos, mas
talvez demasiadamente brilhante, vulgar e kitsch para as sensibilidades de hoje.
abside com a altura de 35 pés mostra sinais deixados por placas de mármore. Leiamos
Eusébio sobre a rotunda; “A generosidade real tornou-a radiante com todo o tipo de
adorno, como se fosse a parte principal do todo. Ele embelezou a santa cova com
colunas de bom gosto e profusa decoração” {Yxda de Constantino 3.34-39).
A rotunda parecia-se com o mausoléu de Augusto e mais ainda com o que Cons
tantino construiu mais tarde para si mesmo em Constantinopla. Mas observemos
estas importantes diferenças entre os sepulcros de Augusto e de Jesus: o teto da
rotunda da anástase era coberto de madeira e telhas, como as basílicas da época,
que podia ser sustentado por paredes finas. Não eram necessárias paredes grossas
nem grandes arcos. Não se trata apenas de minúcia arquitetônica, pois paredes
finas davam mais espaço e permitiam que o pórtico fosse maior ao redor da cripta.
Assim, acomodava-se número maior de peregrinos ao redor do sanctum, dando-lhes
mobilidade para entrar e sair quando quisessem.
O problema do significado
Paulo escreveu de Efeso aos Coríntios no início dos anos 50 d.C. Mas disse em 1
Coríntios 15,3a que “transmiti-vos, em primeiro lugar, aquilo que eu mesmo recebi”.
A fonte e a época mais prováveis dessa recepção da tradição teria sido Jerusalém
nos anos 30, quando, segundo Gálatas 1,18, ele fora “a Jerusalém para avistar-me
com Cefas [Pedro] e fiquei com ele quinze dias”. Essa tradição recebida, portanto,
é exemplo da segunda camada sobre a ressurreição de Jesus. E o que se lê em 1
Coríntios 15,3b-7: “Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi
sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Apareceu a Cefas, e
depois aos Doze. Em seguida, apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma vez,
a maioria dos quais ainda vive, enquanto alguns já adormeceram. Posteriormente,
apareceu a Tiago e, depois, a todos os apóstolos”.
Então, temos agora duas questões históricas fundamentais que nos levam à pri
meira ou original camada da tradição de Jesus. Em primeiro lugar, que queriam dizer
os judeus do primeiro século quando usavam o termo “ressurreição”? Por exemplo,
antes da existência de Jesus e do cristianismo, que queriam dizer os fariseus e os
saduceus quando discutiam a favor ou contra a “ressurreição”? Em segundo lugar,
naquele contexto, que queriam dizer os judeo-cristãos do primeiro século quando
proclamavam que Deus ressuscitara Jesus dentre os mortos? Em outras palavras,
deixamos o debate sobre a historicidade das narrativas bíblicas e da localização dos
eventos para examinar os significados do primeiro século. E, antes de crer ou des
crer na ressurreição de Jesus, afirmando-a ou negando-a, precisamos saber o que a
afirmação significava e significa ainda. É por isso que o adjetivo “judaico” aparece
no título desta seção. Estamos querendo saber o que queriam dizer os judeus com
0 termo “ressurreição”.
Mártires macabeus
Mais ou menos durante o primeiro milênio de sua história, Israel não acreditava
na vida depois da morte, na imortalidade da alma nem na ressurreição do corpo. Os
mortos iam diretamente para o Sheol, lugar considerado simplesmente submundo,
como se todos os túmulos estivessem ligados de alguma forma a uma imensa terra do
nunca. A grandeza da Lei, o desafio dos Profetas e a beleza dos Salmos derivavam da
fé baseada na vida entre o povo de Deus e a esperança de que a família e sua memória
sobreviveriam nos que ficavam. Essa fé não ignorava as possibilidades da vida além,
uma vez que o Egito estava ali ao lado. Mas é provável que considerassem a vida
humana depois da morte simples usurpação das exclusivas prerrogativas divinas.
Uma vida além, em outras palavras, não merecia uma discussão séria.
0 bem e o mal, portanto, tinham que ser julgados necessariamente neste mun
do, posto que eram praticados aqui e não depois. Quando Deuteronômio 28,2, por
exemplo, promete que as bênçãos “virão sobre ti e te atingirão, se obedeceres à voz
de lahweh teu Deus” e 28,15 acrescenta que “se não obedeceres à voz de lahweh
teu Deus, cuidando de pôr em prática todos os seus mandamentos e estatutos que
hoje te ordeno, todas estas maldições virão sobre ti e te atingirão”. A longa lista de
benefícios e maldições inclui fertilidade interna ou infertilidade e vitória externa ou
derrota. Mas tudo aqui embaixo, aqui na terra, aqui e agora.
Então veio a crise. No ano 160 a. C. o monarca Sírio Antíoco IV Epífanes, oprimido
pela antiga pressão vinda do norte, do Egito, e da nova ameaça de Roma, procurou
consolidar Israel em seu enfraquecido império política, social e economicamente.
Embora tenha recebido apoio de alguns judeus para transformar Jerusalém numa
cidade comercial de estilo grego, outros resistiram por causa das tradições religiosas
antigas. Inventou, então, algo radicalmente novo — perseguição religiosa. Se você
renegar sua religião, será salvo; afirme-a e morrerá. De que outra maneira a teologia
do Deuteronômio poderia explicar o destino dos mártires? Onde estava a justiça de
Deus quando obediência a ele significava morte e desobediência, vida?
Esse problema religioso ou teológico não desapareceu com a revolta dos maca
beus, pela sua vitória sobre os sírios, e por cem anos de independência judaica sob
a dinastia autóctone asmoniana. De que maneira a regra da justiça de Deus poderia
reconciliar-se com as torturas sofridas pelos que morriam pelo mesmo Deus? Como
falar a respeito dessa justiça em face dos corpos dos mártires brutalizados e golpea
dos? Havia diversas opções; quatro delas são citadas em 2 Macabeus, do fim do
segundo século a.C., e em 4 Macabeus, da metade do primeiro século a.C.
Poderíamos, por exemplo, explicar o heroísmo do ancião Eleazar na tradição
greco-romana da morte nobre: “Preferindo a morte gloriosa”, segundo 2 Macabeus,
para deixar aos jovens “o nobre exemplo, entusiasta e generosamente, pelas venerá
veis e santas leis” (6,19.28). O modelo clássico de aceitação da execução em vez da
derrota foi, naturalmente, a morte de Sócrates. Vindicava-se a integridade da vida
por meio da morte; justificava-se tudo o que se havia dito e feito recusando qualquer
retratação sob a ameaça da execução.
O mesmo livro explica o martírio da mãe e seus sete filhos como triunfo da razão
divina em face da emoção humana, pois, “como alguém poderá deixar de confessar
a soberania da razão correta acima da emoção dos que não retrocederam em face
das terríveis agonias?” (4 Macabeus 13,5). E poderia haver também uma alusão à
imortalidade de suas almas em 4 Macabeus 9,8: “Pois nós, por meio deste severo
sofrimento e perseverança, receberemos o prêmio da virtude e estaremos com Deus,
por quem sofiremos”.
Em primeiro lugar, “tu, celerado, nos tiras desta vida presente. Mas o rei do
mundo nos fará ressurgir para uma vida eterna, a nós que morremos por suas leis!”
(7,9). Depois: “Intimado a pôr fora a língua, ele a apresentou sem demora e estendeu
suas mãos com intrepidez, dizendo nobremente: 'Do céu recebi estes membros, e
é por causa de suas leis que os desprezo, pois espero dele recebê-los novamente'”
(7,10-11). Em seguida: “E desejável passar para a outra vida às mãos dos homens,
tendo da parte de Deus as esperanças de ser um dia ressuscitado por ele. Mas para
ti, ao contrário, não haverá ressurreição para a vida!” (7,14). Em quarto lugar: “É o
criador do mundo que formou o homem em seu nascimento e deu origem a todas as
coisas, quem vos retribuirá, na sua misericórdia, o espírito e a vida, uma vez que agora
fazeis pouco caso de vós mesmos, por amor às suas leis” (7,23). Em quinto lugar:
“Não temas este carrasco. Ao contrário, tornando-te digno dos teus irmãos, aceita
a morte, a fim de que eu torne a receber-te com eles na Misericórdia” (7,29).
A parição. Ressurreição não é a mesma coisa que aparição. Não se trata de dis
cutir se aparições e visões ocorrem ou como poderiam ser explicadas. O mundo
antigo pressupunha sua possibilidade; por exemplo, Heitor assassinado aparece a
Anquises no final da Guerra de Tróia e no começo da Eneida de Virgílio. O mundo
moderno age do mesmo modo; por exemplo, The Diagnostic and Statistical Manual o f
Mental Disorders— IV [Manual estatístico e diagnóstico de desordens mentais — IV]
não as considera desordens mentais, mas características comuns de sofrimento sem
maiores complicações. É o que pode acontecer, no passado como agora, depois do
desaparecimento ou da morte repentina, trágica ou terrível de pessoas queridas.
Portanto, mesmo se os textos cristãos nunca tivessem mencionado aparições ou
visões de Jesus depois da crucifixão, poderíamos ter certeza de que teriam ocorrido.
Mas 0 que importa é que aparições não são a mesma coisa que ressurreição nem
nenhuma experiência que ateste sua presença.
Era possível, por exemplo, concordar com Paulo que os gentios deveriam ser
incluídos na comunidade apocalíptica judaica sem precisar seguir os rituais da antiga
tradição (por exemplo, a circuncisão masculina). Mas também se poderia discordar de
seu programa missionário geral e especialmente de sua vocação pessoal de anunciar
0 Evangelho não apenas aos judeo-cristãos mas também aos pagãos. Tratava-se de ir
mais adiante, e muitos dos que se opunham a Paulo, pertencentes ao cristianismo
judaico, achavam que a missão aos pagãos não fazia parte do plano apocalíptico de
Deus. De qualquer forma, a participação humana na solução divina criava situação
absoluta e radicalmente nova com nova interpretação da ressurreição geral, consi
derada não mais instantânea mas sim processo ao longo do tempo.
Mas como na terra (literalmente!) alguém poderia fazer tal afirmação? Onde
estavam as evidências? Tratava-se de um desafio presente, não de profecia a respeito
do futuro. Onde, então, as evidências, as provas, as indicações dessa Eutopia divina
numa terra normalmente cheia de maldade, violenta e sempre injusta? Como, por
exemplo, Paulo de Tarso poderia afirmar a ressurreição a um pagão do primeiro
século, e Tiago de Jerusalém, a um fariseu da mesma época? Mas não eram provas
ou evidências irrefutáveis que estavam em jogo. O que importava era o que Paulo e
Tiago indicavam aos ouvintes de mente aberta em defesa da afirmação de que Deus
já começara a vindicação dos mártires e a justificação do mundo.
“Então, Paulo, a ressurreição de Jesus foi assim como aconteceu com Júlio César
depois que morreu? Olha esta moeda. Ela retrata o espírito de César subindo como
um cometa para tomar seu lugar entre as divindades celestes. Se você não acredita
nessa história, Paulo, como poderá explicar o fantástico sucesso da dinastia impe
rial júlio-claudiana? Nós vemos o que César fez para nossos negócios, mas que fez
Jesus para nós?”
“Temos um pequeno grupo que se encontra para orar numa loja perto daqui
antes do início do trabalho. Reunimo-nos, também, semanalmente, para compartilhar
a metade do que ganhamos no trabalho da semana anterior. Comemos juntos, e a
refeição se chama Ceia do Senhor, porque acreditamos que a criação inteira pertence
a ele e que, por isso, compartilhamos o alimento que ele nos dá. Consideramo-nos
iguais perante o Senhor, judeus e gregos, escravos e livres, homens e mulheres, pobres
e ricos. 0 alimento é a base material da vida que pertence a Deus. Participamos no
que não é nosso, nessa Ceia típica do Senhor, no seu estilo. Quero convidá-lo, então.
Venha e veja se Deus já não está instaurando esse novo mundo justo bem aqui a
seu lado e contra os planos de Roma. Se não enxergar nada disso, vá embora, mas
se perceber essas coisas, permaneça conosco. E, por falar nisso, temos pequenos
grupos como este em todas as cidades do Império Romano. Não importa quantos
somos, mas como somos. E sempre que algum de vocês deixa César em favor do
Jesus crucificado, do Deus que o ressuscitou, começa já a participar na justificação do
mundo. Trata-se de escolher entre o divino César e o divino Jesus. Entre a divindade
encarnada em poder violento e a que se mostra por meio de justiça distributiva (que
chamamos de agape). Venha, pois, ao mercadinho que vende sardinhas, depois de
amanhã, para ver e decidir por você mesmo”.
Mas podemos apreciar mais claramente o ensino no belo hino do final do primeiro
século de nossa era, na fala de Jesus em Odes de Salomão 42,10-20:
Mas 0 Santo Sepulcro cristão tornou-se possível tanto pela destruição de Jeru
salém por Adriano como pelas finanças imperiais de Constantino. Essa é a grande
ironia e tragédia ao mesmo tempo. Jesus que tanto se rebelara contra o reino comer
cial romano na Galiléia, o camponês judeu, transformava-se agora no rei imperial,
0 Cristo. Constantino construiu na rocha os lugares {kokhim ou arcosolia) para o
sepultamento régio do Jesus judeu além de qualquer expectativa. Com o passar do
tempo, 0 cristianismo também se esqueceu de suas raízes judaicas e do Reino da
aliança. Leiamos mais uma vez a descrição de Eusébio do edifício do Novo Reino:
Em primeiro lugar, foram os homens, não as mulheres, que fugiram, pois sen
tiram-se ameaçados de ser presos com Jesus. Mas perder a coragem não significa
perder a fé. Até a narrativa de Marcos da negação tríplice de Pedro mostra que o
apóstolo perdera não a fé mas sim a memória. Talvez tivesse sido mais forte se ti
vesse permanecido firme em sua confissão, mas foi levado à negação pela covardia,
não pela falta de fé.
SOLO E EVANGELHO
Uma vez que o presente só conhece o futuro do passado longínquo, é difícil
não considerar a inevitabilidade do futuro, dizendo que, afmal, teria de acontecer
como aconteceu, sem possibilidade alguma de ter sido diferente. Para admitir que
pudesse ter sido diferente, precisaríamos de explicações terapêuticas, pensamen
tos medicinais a respeito de momentos cruciais, escolhas alternativas e resultados
divergentes. Seria também preciso que reconhecêssemos nossa total ignorância
sobre o futuro para apreciar devidamente como essa cegueira nos liga a tudo isso no
contexto de nossa humanidade comum. Temos, então, duas questões. A primeira;
a que conclusão chegamos sobre a época, lugar, visão e programa do Jesus histórico
no âmbito da dialética deste livro entre arqueologia e exegese? A segunda; teria sido
possível prever, por exemplo, a existência de duas religiões mundiais separadas e
até mesmo antagônicas?
Roma e judaísmo
Pedras e textos, sobras materiais e restos de textos, solo e evangelho, arqueo
logia e exegese. Mas, posto que os segundos termos dessa dialética quase sempre
dominaram o processo de integração, precisamos reagir por meio de imaginação
contestatória. Que aconteceria se não tivéssemos tido textos a respeito do primeiro
século de nossa era no território judaico? Apesar do caráter imaginário da questão,
ela esconde o fato de que a arqueologia busca não apenas inscrições mas também
documentos. Mas deixemo-nos levar, por enquanto, pela fantasia.
Imaginemos, por exemplo, que nunca tivemos acesso aos seguintes documentos.
Em primeiro lugar, às narrações do historiador romano Tácito sobre as inúmeras
incursões das legiões romanas no sul, a partir de suas bases na Síria, para castigar os
levantes coloniais no território judaico, com fogo e espada. Não saberíamos que sob
0 imperador Tibério havia ainda tranqüilidade, e as tropas permaneciam acampadas.
Sem o historiador judeu Josefo não teríamos seus comentários sobre João Batista,
Jesus e Tiago de Jerusalém. Nem a interpretação de que sob o Pilatos de Tibério a
situação não era tranqüila, embora as legiões não estivessem ainda lutando. Nem
teríamos os escritores dos evangelhos judeo-cristãos contando as mesmas coisas,
mas de ângulo diferente. Que veríamos, deveríamos perceber, se tivéssemos apenas
0 solo?
Reconheceríamos, imediatamente, a presença de artefatos na Galiléia e na
Judéia deixados por povos diferentes dos que viviam a seu redor. Acharíamos em
suas cidades e vilarejos muitas piscinas revestidas, não necessariamente funcionais
como banheiras e cisternas. Examinaríamos vasos de pedra desde muito pequenos
até excepcionalmente grandes. Também encontraríamos câmaras mortuárias cavadas
na rocha para a primeira fase dos sepultamentos, e covas no chão ou ossuários para
0 repouso fmal dos ossos. Não acharíamos resíduos de ossos de porco nos restos
de comida ou nas ruínas de cozinhas. Perceberíamos, guiados por paralelos do Me
diterrâneo, que 0 poder imperial romano andou por aí no passado para dominar o
povo. No lapso de uma geração, saberíamos que estiveram ao sul do país tanto na
terra como na costa marítima. Na costa, por exemplo, reconheceríamos não apenas
uma cidade de estilo romano, mas um magnífico porto, com sua baía em atividade
durante todas as estações do ano, construído com muita dificuldade. Saberíamos,
também, de comparações com outros lugares, que o Império Romano não fazia co
mércio nesses territórios enviando mercadores montados em cavalos ou em carros.
Como 0 império anterior de Alexandre, o Grande, criou cidades onde os aristocratas
construíam residências de luxo e reorganizavam a zona rural para extrair dela o má
ximo de produtividade. Na geração seguinte, encontraríamos o mesmo processo em
ação ao norte onde, distantes uma da outra por 20 milhas, surgia uma nova cidade e,
vinte anos depois, outra era reconstruída e aumentada, com as marcas da urbanização
e comercialização romanas. Finalmente, mais ou menos na geração seguinte, uma
terrível camada de destruição cobriu essa terra com entulhos e flechas, fragmentos
carbonizados e cinza — sinais da revolta local contra o controle romano que deixou
cidades em ruínas, muros destruídos e, provavelmente, o povo assassinado.
O que fizemos foi ato muito artificial de imaginação, mas útil em certas cir
cunstâncias. Que saberíamos se tivéssemos apenas o solo, restos materiais e dados
arqueológicos? Que veríamos? Mas, na verdade, temos não apenas o solo mas tam
bém inúmeros restos de textos e para as finalidades deste livro utilizamos as duas
coisas, arqueologia e exegese. Que resultados alcançamos depois disso?
Assim, a justiça era não apenas pessoal ou individual mas também estrutural e
sistêmica, não exclusivamente compensadora mas também distributiva. A Torá, ou
lei divina, excelente texto dessa aliança, exigia a distribuição justa e eqüitativa da
terra como base material da vida, porque, como disse Deus em Levítico 25,23, “a terra
não será vendida perpetuamente, pois que a terra me pertence e vós sois para mim
estrangeiros e residentes temporários”. Visto que a terra era vida, não podia ser
comprada nem vendida, hipotecada ou reclamada em juízo, como qualquer outra
propriedade. Por isso, a lei da aliança concentrava-se quase sempre em terra e dívida
na constante tentativa de impedir o crescimento da desigualdade quando poucos
adquiriam mais terra e a maioria saía sempre perdendo. Como a terra não podia ser
comprada nem vendida, tampouco podia ser hipotecada ou confiscada. Vêm daí as
leis sobre proibição de lucro e de penhora e da libertação de escravos a cada sete
anos (no ano sabático) e da reversão do uso da terra a cada cinqüenta anos, ano do
jubileu. Mas tais leis da aliança pareceriam piadas de mau gosto para os conquista
dores romanos, para quem a terra lhes pertencia ou, se alguém preferisse linguagem
teológica, agora a Júpiter e não mais a lahweh. Seria administrada nos termos não
da justiça distributiva de lahweh mas sim do poder imperial de Júpiter, não como
equidade teórica máxima mas sim da maior produtividade prática possível. Tratava-se
do antagonismo entre “a terra me pertence” e “a terra nos pertence,” que explica a
terrível falha da política romana no território judaico. Temos notícia de três rebeliões
ocorridas aí, em 4 a.C., 66-74 d.C. e 132-135 d.C. (sem falar no levante que destruiu
0 judaísmo egípcio em 115-117 d.C.), para acentuar a falha de que falamos (mesmo
admitida pelos romanos). Havia, sem dúvida, outros fatores como a jurisdição ro
mana dividida entre Jerusalém e Antioquia ou a jurisdição judaica disputada entre
a realeza herodiana e a aristocracia sacerdotal. Embora fossem problemas solúveis,
não se chegava a acordo nenhum quando se tratava de terra (isto é, vida) governada
pela justiça ou pelo poder. Não se podia ter as duas coisas.
Em segundo lugar, a continuidade da Torá judaica para o Jesus judeu pode ser
vista claramente em duas conexões. A primeira é que no primeiro século “o Reino”
significava simplesmente o Império Romano. A ele pertencia o reino, o poder e a
glória. Quando, então, Jesus começou a falar do Reino de Deus, escolhera o termo
que mais chamava a atenção de Roma para o que estava fazendo. Não dizia “povo”
nem “comunidade” de Deus, mas Reino de Deus. Essa frase estabelecia imediato
confronto com o Reino de Roma, que chegara com Herodes, o Grande, na Judéia, em
Jerusalém e Cesaréia Marítima na geração anterior a Jesus, e com Herodes Antipas,
na Baixa Galiléia em Séforis por volta do ano 4 de nossa era, e em Tiberíades nos
anos 19-20 d.C., nos tempos de Jesus. E por isso, respondendo a questão proposta
no prólogo deste livro, que os dois movimentos de resistência, do Batismo, de João,
e do Reino, de Jesus, começaram nos territórios de Herodes Antipas nos anos 20
de nossa era. O poder do Reino de Roma, miniaturizado na tetrarquia de Antipas
na Galiléia, confrontava-se com o Reino que exigia apenas isto: como governar este
mundo se nosso Deus senta-se no trono de César ou vive no palácio de Antipas?
Não se tratava de confronto militar, pois, se fosse assim, muitos dos protagonistas
teriam morrido com João sob Antipas ou com Jesus sob Pilatos. Em vez disso, o
movimento de resistência era programaticamente não violento, muito embora de
nunciasse as realidades econômicas, sociais e políticas da época. Pilatos entendia
bem a situação, do ponto de vista de suas responsabilidades imperiais: Jesus e seu
Reino representavam ameaça à lei e à ordem romanas. Seu Deus judaico desafiava
0 Deus romano.
A outra conexão é a linha que vai da terra e dívida na Torá à do alimento e dívida
como rezamos na oração de Jesus. Quando dizemos “venha o teu reino”, logo JVIateus
acrescenta, “seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu”. Perfeitamente
correto. O Reino de Deus é sobre a sua vontade para a terra. O céu está em grande
e boa forma; é a terra que é problemática. A oração continua com a petição para
que tenhamos alimento hoje e fiquemos livres das dívidas amanhã. Terra e dívida
transformam-se em comida e dívida, embora a base seja a mesma. De que maneira
se poderia entender a vida com justiça entre todos os povos da terra, quando se crê
que tudo pertence ao Deus justo? A teologia da criação fundamenta tudo isso e não
só pergunta quem fez a terra (quase nunca pensamos que fomos nós), mas espe
cialmente quem é o proprietário (quase sempre achamos que a terra nos pertence).
A nova criação significa a aceitação de que Deus é o dono da terra com todas as
implicações radicais que vêm juntas.
Judaísmo e cristianismo
Esses seguidores de Jesus, como Tiago, seu irmão, ou Pedro, líder dos Doze,
já viviam em Jerusalém quando Paulo esteve lá seis ou sete anos depois da crucifi
xão. Três anos depois de sua conversão, como escreveu em Gálatas 1,18-19, “subi
a Jerusalém para avistar-me com Cefas [Pedro] e fiquei com ele quinze dias. Não
vi nenhum outro apóstolo, mas somente Tiago, o irmão do Senhor”. Além disso,
Jerusalém era cidade de peregrinação facilitando o contato com outros locais. Assim,
depois de três ou quatro anos, já havia discípulos de Jesus em Antioquia e Damasco.
Nesta última cidade, por exemplo, lembravam-se que Paulo os perseguira. Se todos
tivessem permanecido no norte, o movimento do Reino não teria durado mais do
que duas gerações entre as colinas e lugarejos da Galiléia. Quem teria insistido
para que eles fossem a Jerusalém? Pedro, talvez? Mas este deixou a cidade no ano
41 d.C. Poderia ter sido Tiago, que nunca saiu de lá e acabou martirizado em 62 de
nossa era?
Pagãos. Os judeus falavam sobre as nações, ou gentios, que nós traduzimos por
pagãos. Mas não é bem assim. Os judeus não perdiam muito tempo pensando nos pagãos
como classificação abstrata dos diferentes deles como os israelenses poderiam pensar
em si mesmos como diferentes, por exemplo, dos irlandeses ou dos chineses. As
nações, ou os gentios, significavam grandes impérios que sucessivamente haviam
lhes conquistado, oprimido e perseguido por mais de quinhentos anos.
Quando, então, os judeus esperavam pelo grande ato fiituro em que Deus final
mente acabaria com a confusão injusta em que se afiandava a terra, e estabeleceria
aqui embaixo o perfeito mundo de justiça, paz e santidade, a questão era esta: Que
faria Deus com esses impérios maus? Como vimos no primeiro capítulo, havia duas
respostas contraditórias à pergunta. Havia duas alternativas: extermínio ou conversão,
a Grande Batalha ou o Grande Banquete, o Monte Megido (Armagedom) ou o Monte
Sião. E, ainda mais importante, pensava-se em conversão não ao judaísmo mas a
Deus; não, por exemplo, à circuncisão e ao kosher mas sim à justiça e à paz.
Guerras. Houve um tempo em que era fácil explicar por que o “cristianismo”
se afastou do judaísmo ou foi rejeitado por ele. Os cristãos acreditavam que Jesus
era o Messias, Senhor, Filho de Deus, ao contrário dos judeus. Essa era a razão da
ruptura. Mas havia mais elementos: os cristãos recusavam o Sábado, a circuncisão
e 0 kosher. Os judeus mantinham essas observâncias. Essas também eram razões
para a separação. E soavam como explicações plausíveis, posto que as duas religiões
se separaram acentuando essas diferenças. Mas tudo isso parece agora anacrônico.
Havia diversas tendências no judaísmo do primeiro século disputando a liderança
no cadinho do internacionalismo cultural grego e do imperialismo militar romano.
Os judeo-cristãos competiam com os fariseus, saduceus, essênios, seguidores da
quarta-filosofia, sicários, zelotes entre outros tipos, modos de ver e programas.
Nada mais eram do que um grupo disputando espaço com outros grupos, na mesma
comunidade político-religiosa, isto é, no interior do judaísmo e não contra ele. Esse
fato aguça esta questão: por que todos os outros grupos rejeitaram a opção cristã daí
para a frente? Parece-nos que a razão principal vinha não de teorias teológicas nem
de práticas rituais, nem mesmo de observâncias legais, mas sim de guerras.
Foi pena que Tiago e Paulo tanto desejaram a unidade a ponto de concordarem
com a coleta de dinheiro das comunidades pagãs cristãs para a comunidade-mãe
em Jerusalém, comunitária e participativa. Mais triste ainda é saber que Paulo
“ocasionou” o martírio de Tiago. Poderia ter sido o contrário. Mas foi Tiago, como
vimos no primeiro capítulo, que pediu a Paulo a vindicação da observação da lei,
pagando por certos ritos no Templo. Foi, então, acusado de levar pagãos ao Templo
atravessando a barreira até a Corte dos Judeus. Foi, por isso, atacado, capturado e
enviado para Roma, onde morreu. Em outras palavras, as cenas de Atos 21 e Reco
nhecimentos clementinos 1 são quase inversões uma da outra. Mas mais triste ainda é
que nem Tiago nem Paulo tinham a chave do futuro. A unidaüe de judeo-cristãos
e pagãos cristãos numa só comunidade não duraria nem com a comensalidade não
kosher de Paulo nem com a pró-kosher de Tiago. As duas esperanças estavam fadadas
ao fracasso, não pela teologia, mas pela história. Acho que vale a pena repensar esse
fato. Melhor ainda, será lamentá-lo. 0 Jesus histórico que viveu, morreu e ressuscitou
como judeu certamente procederia assim.
AGRADECIMENTOS
Somos profundamente agradecidos às equipes e voluntários encarregados das
muitas escavações no passado e no presente sem cujo trabalho este livro não poderia
ter sido escrito. Somos especialmente gratos aos arqueólogos que nos explicaram
seus sítios em junho de 1999: Vassilios Tzaferis e John Wilson em Banias, Rami
Arav e Elizabeth McNamer em Betsaida, e Moti Aviam em Jodefá. Expressamos,
também, nossa gratidão aos outros com quem mantivemos contato na preparação
deste livro naquele mesmo mês, especialmente Eric e Carol Meyers do Projeto Re
gional Séforis, e o arqueólogo forense Joe Zias. Somos igualmente gratos a Doug
Brooks pelos desenhos arquitetônicos e a Kevin Holland pelo material escaneado. Em
particular, estendemos estes agradecimentos a Balage Balogh pelas ilustrações que
reconstruíram a vida na Antiguidade. Ele juntou publicações arqueológicas, plantas e
artefatos às nossas descrições e imaginações, contribuindo com cuidadosa pesquisa
e olhar atento para criar valiosos retratos do mundo judaico do primeiro século.
FONTES
ARQUEOLÓGICAS
P r ó lo g o
Introdução
C a p ít u l o 1
A reportagem sobre o ossuário de Tiago, com exclusividade mundial, foi de André Le-
maire, “Burial Box of James the Brother of Jesus: Earliest Archaeological Evidence of Jesus
Found in Jerusalém” [Ossuário de Tiago, irmão de Jesus: a mais antiga evidência arqueológica
de Jesus encontrada em Jerusalém], Biblical Archaeological Review [Revista bíblica arqueológi
ca], vol. 28, n. 6 (novembro/dezembro 2002), pp. 24-33, 70. A mais abrangente coleção de
ossuários, com excelente introdução, encontra-se em Levi Y. Rahmani, A Catalogue o f Jewish
Ossuaries in the Collections o f the State o f Israel [Catálogo de ossuários judaicos nas coleções
do Estado de Israel] (Jerusalem; Israel Exploration Society, 1994); sobre sepultamentos
judaicos em geral, ver Byron McCane, Roll Back the Stone: Death and Burial in the World o f Jesus
[Remova a pedra: morte e sepultamento no mundo de Jesus] (Harrisburg, PA; Trinity Press
International, 2003). Sobre Eusébio, ver G. A. Williamson (éd.), Eusebius: The History o f the
Church [Eusébio; História da igreja] (New York; Penguin Books, 1965). Nossas citações são
das pp. 99-102. Sobre a fonte em Reconhecimentos clementinos 1, ver Robert E. Van Voorst, The
Ascents o f James: History and Theology o f a Jewish-Christian Community [As ascensões de Tiago;
história e teologia de uma comunidade judeo-cristã], SBLDS 112 (Atlanta, GA; Scholar
Press, 1989) ; e F. Stanley Jones, A n Ancient Jewish Christian Source on the History o f Christianity:
Pseudo-Clementine Recognitions [Uma antiga fonte judeo-cristã sobre a história do cristianismo;
pseudo-Reconhecimentos clementinos], 1.27-71, SBL Texts and Translations, 37; Christian
Apocrypha Series 2 (Atlanta, GA; School Press, 1995). Nossas citações são da versão latina
traduzidas para o inglês por Van Voorst, pp. 73-75. 0 Evangelho de Tomé e o Evangelho dos
hebreus são de Wilhelm Schneemelcher (ed.) e R. McL. Wilson (trad, e éd.), New Testament
Apocrypha [Apócrifos do Novo Testamento], 2 vs., rev. ed. da coleção iniciada por Edgar
Hennecke (Louisville, KY; Westminster/John Knox Press, 1991-1992). Nossas citações são
do vol. 1, pp. 119 (Tomé) e 178 (hebreus).
C a p ít u l o 2
C a p ít u l o 3
No livro de Peter Richardson, Herod: King o f the Jews and Friend o f the Romans [Herodes; Rei
dos Judeus e amigo dos romanos] (Minneapolis: Fortress Press, 1996), encontra-se fascinante
e acessível caracterização de Herodes, o Grande, e de seu governo. Nossas desaições da cidade
antiga de Roma e de sua arquitetura urbana baseiam-se nas obras de John Stambaugh, The
Ancient Roman City [A antiga cidade romana] (Baltimore; Johns Hopkins University Press,
1988) e de Paul Zanker, The Power o f Images inthe Age o f Augustus [Opoder das imagens naera
de Augusto] (Ann Arbor; University of Michigan Press, 1990). Um sumário bem ilustrado
(embora já ultrapassado) das escavações em Cesaréia encontra-se em Kenneth Holum, King
Herod’s Dream: Caesarea by the Sea [ 0 sonho do Rei Herodes; Cesaréia à beira-mar] (New York;
Norton, 1988), mas análises mais atualizadas e acadêmicas podem ser achadas em Caesarea
Maritima: A Retrospective After Two Millennia [Cesaréia Marítima: retrospectiva depois de dois
milênios] eds. Avner Raban e Kenneth Holum (Leiden: E. J. Brill, 1996). Importantes evidên
cias das inúmeras escavações em Séforis estão resumidas e reunidas em Sepphoris in Galilee:
Crosscurrents o f Culture [Séforis na Galiléia: cruzamentos de cultura], eds. Rebecca Nagy et al.
(Raleigh; North Carolina Museum of Art, 1996). Os achados arqueológicos em Cafarnaum
e sua relação com a pesquisa do Jesus histórico encontram-se em Reed, Archaeology and the
Galilean Jesus [Arqueologia e o Jesus galileu], e no relatório pormenorizado sobre “o barco da
Galiléia”, sua escavação e conteúdo, de autoria de Shelly Wachsmann em The Excavations of
an Ancient Boat in the Sea o f Galilee, Atiqot [Escavações de um antigo barco no Mar da Galiléia,
Atiqot] (English Series) 19 Oerusalem; Israel Antiquities Authority, 1990).
C a p ít u l o 4
A cerâmica encontrada ao redor da gruta em Banias foi analisada por Andréa Berlin em
“The Archaeology of Ritual: The Sanctuary of Pan at Banias/Caesarea Philippi” [A arqueo
logia do ritual; o santuário de Fã em Banias/Cesaréia de Filipos], Bulletin o f The American
Schools o f Oriental Research 315 (1999); 27-45. A obra de Ehud Netzer é de especial interesse
a respeito dos palácios de Herodes, o Grande, como o Falácio do Promontório, Caesarea Ma
ritima: A Retrospective [Cesaréia Marítima; uma retrospectiva]. O palácio de Herodes no topo
de Masada está bem documentado e reconstruído com bastante autenticidade por Gideon
Poerster em Masada V; The Yigael Yadin Excavations 1 9 6 5 Final Reports [Masada V: relatório
final das escavações de Yigael Yadin em 1965] 0erusalem: Israel Exploration Society 1995).
As escavações da Vila de Dionísio por Eric e Carol Meyers e Ehud Netzer em Séforis foram
relatadas em Nagy et al., Sepphoris in Galilee [Séforis na Galiléia]. As escavações de Leroy
Waterman foram publicadas como Preliminary Report o f the University o f Michigan Excavations at
Sepphoris, Palestine, in 1931 [Relatório preliminar das escavações da Universidade de Michigan
em Séforis, Palestina, em 1931] (Ann Arbor: University of Michigan Press, 1937), e como
re-escavações de James E Strange do mesmo lugar como “Six Campaigns at Sepphoris: The
University of South Florida Excavations, 1983-1989” [Seis campanhas em Séforis: escavações
da Universidade do Sul da Flórida, 1983-1989] em The Galilee in Late Antiquity [Galiléia na
Antiguidade tardia], ed. Lee Levine (New York; Jewish Theological Seminary, 1992), 339-355.
A descrição da arquitetura doméstica e das salas de jantar no mundo romano baseiam-se
bastante na obra de Andrew Wallace-Hadrill, Houses and Society in Pompeii and Herculaneum
[Casas e sociedade em Fompéia e Herculano], (Princeton: Princeton University Press, 1994);
sobre casas no território judaico na Antiguidade ver Yizhar Hirschfeld, The Palestinian Dwelling
in the Roman-Byzantine Period [Habitação palestina no período romano-bizantino], Oerusalem:
Franciscan Printing, 1995).
C a p ít u l o 5
Yigael Yadin publicou um livro popular sobre escavações intitulado Masada: Herod’s
Fortress and the Zealots’ Last Stand [Masada; fortaleza de Herodes e último lugar dos zelotes],
New York; Random House, 1966). Publicações mais completas apareceram recentemente
numa obra em diversos volumes editada por Joseph Aviram, Gideon Foerster e Ehud Netzer,
Masada 1-lV, The Yigael Yadin Excavations 1 9 6 3 -1 9 6 5 Final Reports [Masada I-IV, Relatório final
das escavações de Yigael Yadin 1963-1965], [Jerusalem: Israel Exploration Society, 1989
1995). Muito se escreveu sobre os Rolos do Mar Morto e as escavações em Khirbet Qumrã
à espera de publicações finais, mas o sumário mais confiável da evidência arqueológica é de
Jodi Magness, “Qumrã Archaeology; Past Perspectives and Future Projects" [Arqueologia de
Qumrã; perspectivas do passado e projetos futuros] em The Dead Sea Saolls After Fifty Years: A
Comprehensive Assessment [Os rolos do mar Morto depois de cinqüenta anos; avaliação abran
gente], vol. 1, ed. Peter W. Flint e James C. VanderKam (Leiden; E. J. Brill, 1998), 47-77. As
escavações em Jodefá e a medida segundo a qual a evidência arqueológica combina com a
descrição de Josefo do cerco da cidade aparecem minuciosamente em David Adan-Bayewitz
e Mordechai Aviam, “lotapata, Josephus and the Siege of 67; Preliminary Report on the
1992-94 Seasons" [lotapata, Josefo e o cerco de 67; relatório preliminar das temporadas de
1 9 9 2 -1 9 9 4 ], e m Journal o f Roman Archaeology 10 (1997); 131-165. Muito se tem discutido se
de fato as piscinas com degraus e revestimento eram miqwaoth, mas um texto conciso sobre
a evidência arqueológica do seu uso ritual no contexto da helenização e da romanização
do território judaico é Ronny Reich, “The Hot Bath-House (balneum), the Mikweh, and the
Jewish Community in the Second Temple Period" [Balneário (balneum) com água quente, o
Mikweh e a comunidade judaica no período do Segundo Templo], Journal o f Jewish Studies 39
(1988); 102-107. Jane C. Cahill compilou um catálogo completo da evidência arqueológica
dos vasos de pedra em “The Chalk Assemblages of the Persian/Hellenistic and Early Roman
Periods" [Montagens de estuque dos períodos persa-helênico e romano antigo], em Exca
vations at the City o f David 1 9 7 8 -1 9 8 5 Directed by Yigal Shiloh III: Stratigraphical, Environmental
and Other Reports [Escavações na cidade de Davi 1978-1985 dirigidas por Yigal Shiloh III;
Relatórios estratigráficos, ambientais e outros], ed. Alon de Groot e DonaldT. Ariel, Qedem
33 Oerusalem; Hebrew University Press, 1992), 190-274.
C a p ít u l o 6
C a p ít u l o 7
A mais recente descrição do Santo Sepulcro é de Shimon Gibson e Joan Taylor, Beneath
the Church o f the Holy Sepulchre, Jerusalem [Debaixo da Igreja do Santo Sepulcro, Jerusalém],
Palestine Exploration Fund Monograph Series Maior 1 (London: Palestine Exploration
Fund, 1994). Relatos do sepultamento de Caifás foram publicados por Zvi Greenhut, “The
'Caiaphas’ Tomb in the North of Jerusalem” [ 0 túmulo de “Caifás" ao norte de Jerusalém],
Ronny Reich, “Ossuary Inscriptions from the ‘Caiaphas’ Tomb” [Inscrições no ossuário do
túmulo de “Caifás”], e Joseph Zias, “Human Skeletal Remains from the ‘Caiaphas Tomb'”
[Restos de esqueleto humano da “tumba de Caifás”], e m Atiqot [English Series] 21 (1992):
63-80; resumos e relatórios de outros sepultamentos nos arredores de Jerusalém também
se encontram em Ancient Jerusalem Revealed [A antiga Jerusalém revelada], ed. Hillel Geva
Oerusalem: Israel Exploration Society, 1994). A tumba e o ossuário do homem crucificado
foram relatados pela primeira vez por Vassilios Tzaferis, “Jewish Tombs At and Near Giv’at
ha-Mivtar, Jerusalem” [Túmulos judeus em Giv’at ha-Mivtar, e ao redor, em Jerusalém], Israel
Exploration Journal 20 (1970): 18-32, e os restos por Nico Haas, “Anthropological Observa
tions on the Skeletal Remains from Giv’at ha-Mivtar” [Observações antropológicas sobre
restos de esqueletos em Giv’at ha-Mivtar], Israel Exploration Journal 20 (1970): 38-59, todos
reavaliados por Joseph Zias e Eliezer Sekeles em “The Crucified Man from Giv’at ha-Mivtar:
A Reappraisal” [O homem crucificado de Giv’at ha-Mivtar: reavaliação], Israel Exploration
Journal 35 (1985): 22-27.
ín d ic e d a s il u s t r a ç õ e s
1. Mapa da Palestina................................................................................................................ 7
22. Reconstrução de uma casa com pátio em Cafarnaum no primeiro século... 160
15, 155; 12, 156; 15, 280; 15,3a, 275; Didaqué (“ensino”), 26; dízimo, 235; exege
15,3b-7, 276; 15,1 2 -1 3 , 280; 15 ,1 4 , 289; se da segunda camada e, 81; Grupo de
1 5 ,1 6 , 280 Ditos Comuns, 204-210; Regra áurea.
205-206; l,l- 2 c , 2 0 5 ; l,2c-5a, 204-205; 236; Cesaréia de Filipos, santuário de
2 ,1 -4 ,1 4 , 204-205; 5 ,1 -6 ,2 , 205; 11,11, Pã, 137-138; Cesaréia Marítima, 100
162; 1 3 ,3 , 236 105, 120-121, 303; Gamla, 191-194,
200; Igreja de São José, 68; inscrição de
Dieta, evidência arqueológica de, 65,75,134;
Pilatos, Cesaréia Marítima, 20,103-104;
palácio de Masada, 142-143, 148
Jerusalém e o Templo, 214, 215-216,
Dinheiro (moedas, cunhagem), 100; em 222-225, 228-229, 304; Jodefá, 191
Qumrã, 188-189; em Séforis, 194-195; 193, 304; Mansão Palaciana, Jerusalém,
informação disseminada sobre, 171, 228-233; Masada, 181-187, 303-304;
294-295; Jesus e “dai a César...”, 209 Nabratein, 198; Nazaré, 61-80, 302;
210; moedas cunhadas por Herodes palácio de Herodes em Masada, 141-143,
Antipas, 105, 107; salários de um dia 148, 185-186; propósito de, 131-132;
de trabalho, 171 Qumrã, 186-181; Samaria, 96; Séforis,
Discovering Jerusalem (Aviam), 304 107-114, 121, 194-196, 303; sinagogas
escavadas, 67, 70, 71, 302; Tiberíades,
Dívida, 167-168; Ano do Jubileu, reversão
107-114, 121; túmulo de Herodes (He
da posse, 115; controle de garantia,
rodiano), 257-259; os dez mais, 19-24.
114-115; libertação de escravos, 115;
Ver também Cesaréia Marítima; Caifás;
movimento do Reino e, 295; proibição de
homem crucificado; Barco da Galiléia;
lucro, 114; remissão de dívida, 115
Gamla, Jerusalém ; Jodefá; Masada;
Documento de Damasco, 176 Pedro, apóstolo; Pôncio Pilatos; pisci
nas; Qumrã; Séforis; vasos de pedra;
Tiberíades; túmulos, primeiro século,
povo comum, 267-268; vasos de pedra,
Éfeso, lamparinas de, 231 196-199, 202; vilã com pário interno,
147-148; Vila de Dionísio, 145-148
Egito: destruição do judaísmo, 115-17 d.C.,
293; dinastia ptolemaica, 76; marfim Essênios, 24 ,152,247-248; em Qumrã, 186
do, na Samaria, 96-97; narrativa do 192, 211, 220-221; sacerdócio, rejeição
nascimento de Moisés, 89-92 do, 219-221
Galilee and Gospels: Collected Essays (Freyne), Gamla, 2 0 0 , casa em, 149; resistência e
302 destruição, 191-194; sinagoga escavada
em, 69-71
Galilee in Late Antiquity (Levine), 303
Garstang, John, 28
Galiléia: agricultura, 75-78,11-114; Alexan
dre, 0 Grande, e, 76; ausência de carne Gênesis: 1 7 ,1 7 , 93; 18,1 1 -1 2 , 93
de porco na dieta do povo, 76; colabo Gentios: conversão cristã e, 281-283; como
radores dos romanos, 154, 194-196, opressores dos judeus, 117; comunidade
237; costumes sexuais, 87; crescimento de gentios e descrição de eventos em
da população judaica, do oitavo ao se Lucas, 130; concordância de Paulo de
gundo séculos a.C., 75; descoberta de liderar a missão aos gentios, 73; deba
moedas asmonianas, 76; diminuição da tes sobre circuncisão de, 164; Didaqué
população, pelos assírios, 76; do perío (“ensino") e, 26; narrativa de Lucas da
do médio ao período romano posterior rejeição de Jesus pelos judeus e substi
(do segundo século à metade do quarto tuição de Jerusalém por Roma, 71-75;
d.C.), 63; fortalezas e postos avançados promessas escatológicas e, 117
asmonianos (macabeus), 63,75; governo
Geva, Hillel, 305
romano direto e presença das legiões,
63, 127, 240-242; Herodes Antipas e, Gibson, Shimon, 304
17,63, 77,105-114; Herodes, o Grande, Givat Hamivtar, 21, 269
e, 17, 63, 77; incorporação à Palestina,
Gnosticismo, 25
62-63; manutenção da identidade como
resistên cia, 1 9 3 -2 0 3 ; mapa, 7; Pax Golan, 76; sinagoga em Gamla, 70
Romana e, 148-150, 161, 172; período Greenhut, Zvi, 262, 305
bizantino (da metade do quarto século
Griesbach, JohannJakob, 8
ao sétimo d.C.), 63-64; período helenista
tardio (do segundo século à metade do Grupo dos Ditos Comuns, 204-210; fonte
primeiro a.C.), 62-63; período romano escrita, 206; seis desses ditos como
aparecem em Mateus, Lucas e Didaqué, Herodes Felipe, 121; Betsaida/Julias, cidade
205 de André e Pedro, 131-134, Cesaréia de
Guerra judaica 0osefo), 173; três crenças de
Filipos, 137-139; Templo de Pã e dos
Josefo sobre Roma em, 173-175; 1 .6 5 0 Bodes, 139-140
6 5 5 , 226; 2 .1 2 9 , 217; 2 .1 6 9 -1 7 4 , 177; Herodes, o Grande, 302; Augusteion, templo
2 .1 7 7 , 2 4 9 ; 2 .1 8 5 -2 0 3 , 178; 2 .2 2 0 , 173; a César, 136, 138; Cesaréia Marítima,
2 .2 2 4 -2 2 7 , 2 4 1 ; 2 .5 8 1 , 218; 2 .5 8 3 ,5 7 7 , 21, 99-101; construído por, 17, 98-101,
217; 2 .6 8 -6 9 , 108; 2 .9 1 , 175; 3 .6 9 , 217; 121; execução de mestres fariseus, 179;
4 .1 3 9 -1 4 6 ,2 1 9 ; 4 .1 4 7 - 1 4 8 ,1 5 3 - 1 5 7 , 218; herança iduméia de, 211; Jerusalém, 22;
4 .3 1 7 , 2 1 9 ; 4 .3 3 5 ,3 3 6 ,3 4 3 , 2 1 9 ; 4 .3 6 5 , Monte do Templo, Jerusalém, 100, 220
219; 5 .2 2 2 -2 2 3 , 239; 5 .3 6 7 , 174; 5 .3 7 8 , 227; morte de, 77; palácio em Cesaréia
174; 6 .3 1 2 -3 1 3 , 152, 174 Marítima, 100,103,142-145, 303; palá
Gush Halav, 201 cio em Jericó, 100, 138, 142-144, 246;
palácio em Masada, 141-143, 148, 230,
303; paralelo do evangelho com Faraó,
H 90; piscinas e banheiras, 142-144; Rei
Haas, Nico, 305 dos Judeus, 99, 203, 213; reino patroci
nado por Roma (37-34 a.C.), 62; salas
Haggádico, Midrashim, 89 de jantar formais (triclinia) e, 141-142;
Halakhak, 198 segundo sepultamento em ossuários e
economia do templo, 260-262; templo
Herod: King o f the Jews and Friend o f the Romans
de Augusto e Roma, 22, 100, 103, 144;
(Richardson), 302
terras de, 99; túmulo de (Herodiano),
Herodes Agripa I, 107, 203, 250, 271 257-259
Herodes Agripa II, 196 Hipócrita, termo, 110
Herodes Antipas, 17, 121; a cabeça de João Hirschfeld, Yizhar, 303
Batista e, 145, 151, 242; concessão
História eclesiástica (Eusébio), 3.20, 66
de tetrarquia (governo de um quarto
do reino), 105; exílio de, 107; Jesus e, Historical Jesus, The (Crossan), 301
213, 241-243, 293-295; moedas cunha
Holtzmann, Julius, 25
das, 106-107; movimento do Batismo
e, 150; movimento do Reino e, 150, Holum, Kenneth, 302
169-170, 293-295; novo casamento de, Hot House Bath, The, the Miqweh, and the Jew
106; oficiais judeus com terminologia ish Community in the Second Temple Period
grega e romana, 127-128; refeições de, (Reich), 304
145; resíduos e relatos arqueológicos
Houses and Society in Pompeii and Herculaneum
não muito claros, 120-121, 144; restos
(Wallace-Hadrill), 303
arquitetônicos de segunda classe, 120;
romanização, urbanização e comercia Human Skeletal Remains from the ‘Caiaphas
lização da Galiléia, 17, 19-20, 21-22, Tomb’ (Zias), 305
63, 105-114, 115, 120-121, 148-151,
293-295; salário de um dia sob, 171;
Séforis, 17, 22, 63, 76, 105, 108-109,
I
121; Tiberíades, 17, 22, 63, 106-107, Idumeus, 211, 217, 219
109, 121
lotapata, Josephus and the Siege o f 6 7 (Adan-
Herodes Arquelau, 176, 242, 258 Bayewitz & Aviam), 304
Isaías: 2 , 2 - 4 , 116-117; 5,8 , 112; 7,14, 94-95; de Jesus de entrar em, 213; entrada de
56 ,7 , 244; 6 1 ,1 -2 , 72 Jesus, 242-244; escavações em, 215-216;
expulsão de judeus, 135 d.C., 67, 215;
Ismael, Casa de, 237
Guerra dos Seis Dias e, 215; Igreja do
Israel, Reino de, 96; protesto da aliança em, Santo Sepulcro, 215, 253-254, 271-275,
216-217 286-287, 289, 304; Islã e, 215; Jesus,
Itureus, 76, 137 purificação do templo, 244-246; luta de
classes, zelotes, 218-221,228-229,236;
Mansão Palaciana, 228-233, 2 2 9 , 2 3 8 ;
J quarteirão judaico ou herodiano, 215,
Janeu, Alexandre, 195 228; refundação de Adriano como Aelia
Capitolina, 215; romanização da cidade,
Jerem ias: 7 ,6 .1 0 - 1 1 , 245; 7 ,1 1 , 244-245; 215; transformação em Cidade Santa
7,14, 245
Cristã, 215; túmulos, primeiro século,
Jericó: escavação de, 28; palácio de Herodes povo comum, 267-268
em, 99, 138, 142-144, 220 Jesus: acusado por comer, 153-155; alimento
Jeroboão II, 96-97, 115-116,216 em, 162-164, 170; analfabetismo de,
74-75; arqueologia e compreensão do
Jerusalém, Templo, 304; águia de ouro e,
contexto social de, 131-133; ascensão
226-227; beleza de, 220-222; colabo
do status social de, 30; ataques contra o
ração dos sacerdotes com os romanos,
sacerdócio, não contra o judaísmo, 213;
212-214,218, 228-229,237; construção
Cafarnaum e, 120-135; Caifás, papel na
de templo pagão sobre ruínas por Adria
execução, 242; caráter judaico de, 30;
no, 215; crítica do sacerdócio, fonte da,
casa de Pedro e, 130-135, 1 40; César e
211-213; destruição no ano 70 d.C., 152,
Deus (Dai a César...), 209; comensali
173, 213-214, 236, 238-239; destruição
dade, 160-161,164-168; como apocalíp
pelos babilônios, 211; domínio geográ
tico, debate a respeito, 204-208; como
fico, 221-223; elementos decorativos e
camponês judeu, 63, 66, 67-68, 78-80;
inscrições, 222-224; Fortaleza Antônia,
crítica por ser amigo de publicanos e
225-226; Herodes, o Grande, e o Monte
pecadores, 154-155; crítica por ser be-
do Templo, 17, 22, 220-227; hierarquia
berrão e glutão (por não ser asceta), 151,
arquitetônica, 2 2 4 -2 2 6 ; im postos e
154-155; crucifixão, 203, 242, 269-270;
dízimos, sacerdotes e sacrifícios, 233
curar e comer, 159, 170, 247-248; dimi
237; Jesus e a purificação do, 242-244;
nuição da identidade judaica, 30; dito
judaísmo saduceu e colaboração com os
“contra o divórcio”, 161; ditos radicais,
romanos, 213, 237; matanças durante a
na Didaqué e no Evangelho Q, 26; Grupo
Páscoa, 226, 240-241; miqwaoth, 2 3 9 ;
dos Ditos Comuns e, 204, 205-208;
Páscoa em, 240-241; peregrinação ao,
Herodes Antipas como adversário, 213,
238-242; quarteirões dos sacerdotes,
242, 293-295; itinerância de, 160-162,
228-233, 229, 238; roubo de riquezas 213; Jerusalém, entrada em, 243-244;
pelos romanos, 236 Jerusalém, perigos de, 213, 242-243;
Jerusalém; invasão babilônica, 211; casa João Batista e, 207, 242-243; José e, 72,
incendiada, 236-238; cerco de, 66-74 85-86; lugar do sepultamento, 270-272;
d.C., 214, 217, 228; cidade alta, 215, Missão e Mensagem em três fontes, 156
231, 236. Ver também Jerusalém, Tem 165; Moisés e narrativas paralelas de
plo; como cidade de peregrinação, 215; nascimento, 88-92; Moisés e o Sermão
Cúpula do Rochedo, 215; determinação da Montanha, 88; movimento do Reino
e, 16-17, 72, 85-86,115, 120, 134, 150, José de Nazaré, 72, 85-87
158-164, 207-210, 212-214, 242-243,
José de Tiberíades, 67
2 93-295; narrativa de Lucas sobre a
rejeição em Nazaré, 71-75; narrativas Josefo, Fiávio, 64, 208; apologista de Roma,
do nascimento, 81, 85-87; Nazaré de, 173-175; batalhas em Jodefá e Gamia,
62, 75-80; oração e, 213; Pilatos, papei 191-193; como colaborador, 174-175;
na execução, 242; primeira camada de história do nascimento de Moisés, 88
exegese e, 81; programa de partiilia 89; não menciona Nazaré, 64-65; revolta
recíproca, 156-158, 212-213; pureza de 66-74 d.C. e, 174-175, 217 -2 2 0 ;
(observâncias religiosas) e, 162-164 sobre a crucifixão, 279-280; sobre a fa
purificação do Templo, 244-246; recusa mília herodiana, 99,102-103, 108, 121;
de Paulo de seguir a ordem de, 155-156 sobre João Batista, 151; sohre miqwaoth,
regra áurea, 204-208; Rei dos Judeus 200-201; sobre o Templo, 220,223-225,
203; resistência radical não-vioienta 238-239; sobre o túmulo de Herodes,
203-210, 243-246; ressurreição, 275 258-259; sobre os essênios, 186; sobre
279-286; roupa e interdependência, 159 Pilatos, 249; sobre Séforis, 150, 195;
208; sepulcro de, 253, ver também Igreja sobre Tibério Júlio Alexander, 173-174
do Santo Sepulcro; teatro em Tiberíades
e, 110-112; julgamentos, liistoricidade Josué, 19,10-15, 64
dos, 246-252; nascimento virginal, 91 Judá, reino de, 96; revolta de 66-74 d.C., 217;
95; mundo de, 66,67-68; sepultamento, Samaria, 7, 96, 116
253,269-271; sobre iguaiitarismo, ensi
Judaism: Practice and Belief 63 B.C .E-66 C.E.
no de, 111, 159; terra e, 112-115, 168
(Sanders), 304
170; visita à sinagoga de Nazaré, 71
Jewish Tombs A t and Near Giv’at ha-Mivtar,
Judas, galileu, 176, 204 -
Jerusalem (Tzaferis), 305 Judas, irmão de Jesus, 66
Jezabel, 114 Julgamentos de Jesus, historicidade dos, 246
João Batista, 18, 93, 120, 151-154; acusa 252; multidão e escolha de Barrabás,
do por causa de alimentação, 151-154; 246-249; Pilatos e, 246-252; questões
batismo por, 151-153; como líder da levantadas, 246
resistência, 176; execução por Antipas,
Justino, 287
151,241-243; fonte Q.e, 151,152; Jesus
como seguidor, 207-208; mensagem
apocalíptica de, 152-153; movimento K
centrado em João, 158; oposição a He
rodes Antipas, 106, 145; representação Kathros, casa de, 237
de Êxodo, 152-153 Kefar Hananya, 125
João, evangelho de; oficial em Cafarnaum, Kenyon, Kathleen, 28
127; fontes de, 25, 8 1 ,1 2 7 ,2 4 8 ; Nazaré
Kibutz Ginnosar, 21, 125
em, 64; sinagoga, referências a, 129;
1,44, 133; 1,45-46, 64; 2 ,6 , 23; 2,1 3 -1 7 , King Herod’s Dream (Holum), 302
2 4 5 ; 4 ,46-54, 127; 6 , 5 9 , 130; 11,17,280;
Kursi, complexo monástico em, 129
1 8 ,2 0 ; 1 8 ,3 8 - 4 0 , 248; 1 9 ,1 3 ,2 2 5 ; 19,39,
2 7 0 ; 1 9 ,4 1 , 2 7 0
Jocabed, 90-92
Jodefá, 149, 192-193, 304 Lachmann, Karl, 25
Lago Kinneret (Mar da Galiléia): resgate de Manipulação de histórias, 86-87
um barco do primeiro século, 21-22,
Mansão Palaciana, Jerusalém , 2 2 8 -2 3 3 ;
125-127, 303
afrescos, 229; banheiras rituais, 231
Levine, Lee, 302 233; cerâmica, 230; estuque, 229-230;
Levítico: 2 5 ,1 0 , 115; 2 5 ,2 3 , 112, 168, 293; lâmpadas, 231; mosaico, 230; vasos de
25, 72-, 2 5 ,3 5 -3 7 , 114 pedra, 231; vidros, 230
P rólogo
Pedras e te x to s ................................................................................................................................................... 15
Introdução
As DEZ PRINCIPAIS DESCOBERTAS DAS ESCAVAÇÕES SOBRE J e SUS................................................................. 19
D esco bertas arq u e o ló g icas................................................................................................................. 19
D esco bertas ex e g éticas......................................................................................................................... 23
Cam adas p arale las.................................................................................................................................. 27
Capítulo 1
J esus GRAVADO EM PEDRA................................................................................................................................... 33
A utenticidade e in te g rid a d e .............................................................................................................. 34
A u te n ticid ad e .................................................................................................................................. 34
Ponto e c o n tra p o n to ..................................................................................................................... 37
In te g rid a d e ....................................................................................................................................... 43
O irm âo de J e s u s ..................................................................................................................................... 47
Id entid ade.......................................................................................................................................... 48
A utoridad e......................................................................................................................................... 49
M a rtírio .............................................................................................................................................. 50
O p o sição ............................................................................................................................................ 51
Pedra e texto, arqueologia e e x e g e s e ............................................................................................. 58
Capíiulo 2
C amadas SOBRE CAMADAS SOBRE CAMADAS.................................................................................................... 61
D e N azaré pode sair algo de b o m ? ................................................................................................. 64
Cam adas arqueológicas de N a z a ré ................................................................................................. 68
N a sinagoga em N a z a ré ? ..................................................................................................................... 71
N azaré n o tem po de J e s u s .................................................................................................................. 75
Cam adas exegéticas da h istó ria de N azaré................................................................................. 80
U m irm ão em d escre n ça ?.......................................................................................................... 82
M ãe a d ú lte ra ?.................................................................................................................................. 85
D e M oisés a Je s u s .......................................................................................................................... 86
Filho de M aria, filho de Jo sé , filho de D e u s .............................................................................. 92
Capítulo 3
C omo se constrói um reino ........................................................................................................................... 95
U m choque entre tipos de re in o ...................................................................................................... 95
P rim eiro tipo: reino com ercial.......................................................................................................... 97
H erodes, o Grande, rei e m estre c o n stru to r..................................................................... 98
H erodes A ntipas com o filho de seu p a i.............................................................................. 103
Segundo tipo; reino da a lia n ç a ......................................................................................................... 111
R eino e te r r a .................................................................................................................................... 112
R ein o e eschaton.................................................................................................................... 115
Reino e apocalipse............................................................................................................... 118
O Reino de Deus em Cafarnaum ?........................................................................................... 120
A pequena cidade judaica de Cafarnaum no primeiro século................................ 121
Construções tardias do Reino em Cafarnaum............................................................ 126
C apítulo 4
J esus em seu lugar.................................................................................................................................. 137
No santuário de um d eu s........................................................................................................... 137
O santuário de P ã ................................................................................................................. 138
Templo de Herodes.............................................................................................................. 139
Cidade de Felipe................................................................................................................... 139
No palácio de um r e i................................................................................................................... 141
Masada na m ontanha......................................................................................................... 142
Cesaréia na co sta .................................................................................................................. 144
Na vila de um aristocrata........................................................................................................... 145
Nas casas das e lite s ..................................................................................................................... 148
Uma casa com pátio interno............................................................................................. 148
Uma casa com p eristilo...................................................................................................... 149
A Pax Romana na G aliléia................................................................................................. 149
No Reino de D e u s........................................................................................................................ 151
Acusações contra João por causa de comida................................................................ 151
Acusações contra Jesus por causa de com ida............................................................. 154
Paulo não aceita o mandamento de Jesu s..................................................................... 155
Programa de reciprocidade de recursos........................................................................ 157
Desafios da itinerância e da com ensalidade................................................................ 161
Da terra ao mundo e à alimentação........................................................................................ 168
Terra e m u nd o....................................................................................................................... 169
Terra e alim ento.................................................................................................................... 170
Capítulo 5
R esistência judaica ao domínio romano........................................................................................... 171
Religião e política, colônia e im p ério.................................................................................... 171
Opções pela não-resistência...................................................................................................... 173
Traidores.................................................................................................................................. 173
Colaboradores....................................................................................................................... 174
Opções de resistência.................................................................................................................. 175
Bandidos.................................................................................................................................. 175
Apocaliptistas........................................................................................................................ 175
Protestadores......................................................................................................................... 177
Masada e Qumrã ao su l.............................................................................................................. 181
Sicários em M asada............................................................................................................. 181
Essênios em Q iam rã............................................................................................................ 186
Jodefá e Gamla ao n o r te ............................................................................................................. 191
Manutenção da identidade e resistência silenciosa........................................................... 193
Séforis, cidade da p a z ........................................................................................................... 194
Vasos de pedra e banheiras ritu a is................................................................................. 196
Resistência radical não violen ta.............................................................................................. 203
Radicalização da Regra á u rea........................................................................................... 204
Jesus, cristãos e C é sa r........................................................................................................ 207
Capítulo 6
B eleza e ambigüidade em J erusalém................................................................................................... 211
Revolta colonial e luta de classe.............................................................................................. 214
Destruição de Jerusalém .................................................................................................... 214
Revolta demro da revolta.................................................................................................. 216
Defesa da Galiléia................................................................................................................. 217
Zelotes e aristocratas........................................................................................................... 218
A glória do Tem plo....................................................................................................................... 220
Imponência geográfica do Tem plo.................................................................................. 221
A fachada magnífica do Templo....................................................................................... 222
Hierarquia arquitetônica do Templo............................................................................... 224
A águia dourada do Templo.............................................................................................. 226
Quarteirões do sumo sacerdócio............................................................................................. 228
Mansão Palaciana................................................................................................................. 228
Impostos e dízimos, sacerdotes e sacrifícios............................................................... 233
A casa incendiada................................................................................................................. 236
Peregrinação ao Templo.............................................................................................................. 238
Duas ações perigosas................................................................................................................... 242
Entrada em Jeru sa lém ........................................................................................................ 243
“Purificação” do Templo..................................................................................................... 244
A historicidade do julgam ento de Je s u s ................................................................................ 246
Rumor da multidão e escolha de Barrabás.................................................................. 246
Relutância de Pilatos e inocência de J e s u s .................................................................. 249
Capítulo 7 ■
C omo enterrar um r e i ........................................................................................................................... 253
O magnífico mausoléu de A ugusto........................................................................................ 254
A tumba de Herodes no deserto.............................................................................................. 257
O esplêndido ossuário de C aifás............................................................................................. 259
O Santo Sepulcro de Je su s......................................................................................................... 267
Enterros de pessoas com u ns............................................................................................ 267
Funerais de criminosos crucificados.............................................................................. 268
Teve Jesus mausoléu adequado?...................................................................................... 270
A ressurreição judaica de Je s u s ................................................................................................ 275
O problema do significado................................................................................................ 275
Mártires m acabeu s.............................................................................................................. 277
Deus ressuscitou Jesus dentre os m ortos............................................................................. 279
Conteúdo da afirmação da ressurreição....................................................................... 279
Evidência da afirmação da ressurreição........................................................................ 283
Monumento de mármore ou ju s tiça ? ..................................................................................... 286
Epílogo
Solo e evangelho.................................................................................................................................... 291
Roma e judaísm o........................................................................................................................... 291
Judaísmo e cristian ism o..................................................................................................... 295
Agradecimentos..................................................................................................................................... 299
Fontes arqueológicas............................................................................................................................ 301
índice das ilu strações........................................................................................................................... 307
índice de nomes e tem a s.................................................................................................................... 309