Dislipidemia Sanar

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SUMÁRIO

1. Introdução ..................................................................... 3
2. Epidemiologia............................................................... 3
3. Metabolismo lipídico.................................................. 4
4. Classificação................................................................. 8
5. Quadro clínico.............................................................16
6. Diagnóstico.................................................................17
7. Tratamento..................................................................21
Referências Bibliográficas .........................................27
DISLIPIDEMIAS 3

1. INTRODUÇÃO 2. EPIDEMIOLOGIA
Apesar do considerável progresso, a A incidência mundial de doença car-
morbidade e a mortalidade decorren- diovascular (DCV) apresentou gran-
tes de doenças vasculares são subs- de progressão nas últimas décadas,
tanciais e provavelmente aumentarão, como observado em 1990, com cer-
em razão de doenças epidêmicas as- ca de 14 milhões de casos, e a pers-
sociadas a lipídios, como a obesidade pectiva de 25 milhões para 2020 no
e o diabetes, assim como dos hábitos oriente e ocidente.
exportados do Ocidente para o mun- Estudo brasileiro investigando a pre-
do em desenvolvimento. Mediadores sença de dislipidemia em 22.542 in-
recém descobertos do metabolismo divíduos com mais de 20 anos de ida-
dos lipídios continuam a oferecer uma de, atendidos no Hospital das Clínicas
nova percepção sobre os mecanis- da Universidade Estadual de Campi-
mos causadores de níveis alterados nas, demonstrou em adultos (até 60
de colesterol e triglicerídeos, que es- anos) alterações nos níveis de coles-
tão entre os problemas mais comuns terol total, LDL-C e triglicerídeos em
encontrados pelos médicos em sua 44%, 38% e 37%, respectivamente,
prática profissional. e em 55%, 48% e 41%, respectiva-
Classificam-se os principais fatores mente, em idosos (acima de 60 anos).
de risco (FR) em maiores e menores, Os resultados desse estudo mostra-
e em mutáveis e imutáveis. Diabetes ram, ainda, que 35% dos adultos e
mellitus (DM), hipertensão arterial, 32% dos idosos apresentavam níveis
tabagismo e dislipidemias são consi- reduzidos de HDL-C. A dislipidemia
derados FR maiores e mutáveis, en- combinada (hipercolesterolemia e hi-
quanto a idade, o gênero masculino e pertrigliceridemia) foi também muito
a existência de doença cardiovascu- prevalente. Em outro estudo nacional,
lar prévia ou na família são maiores e com 81.262 indivíduos, demonstrou-
imutáveis. Os FR menores e mutáveis -se um valor médio de colesterol den-
incluem obesidade, sedentarismo, fa- tro dos limites recomendados pela
tores psicossociais, hiper-homocistei- National Cholesterol Education Pro-
nemia, hiperfibrinogenemia, aumento gram (NCEP). Entretanto, analisando
de Lipoproteína (a) e de proteína C indivíduos com um fator de risco para
reativa. O estudo prospectivo de Fra- doença coronariana, demonstrou-se
mingham, nos EUA, demonstrou efei- que 40% tinham níveis de colesterol
to aditivo dos FR sobre a incidência acima de 200 mg/dL e 14% apre-
de eventos cardiovasculares fatais. sentavam colesterol maior que 240
mg/dL. Em indivíduos sem fatores de
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risco, essas porcentagens caíam para 3. METABOLISMO LIPÍDICO


30% e 8%, respectivamente.
Aspectos gerais

CONCEITO! Dislipidemia é elevação de


Lípides são substâncias insolúveis no
colesterol e triglicerídeos no plasma ou a meio aquoso, sendo representadas,
diminuição dos níveis de HDL que con- principalmente, por triglicérides (TG),
tribuem para a aterosclerose. fosfolípides (FL) e colesterol. Seu trans-
porte na circulação linfática e sanguí-
Em conjunto, esses dados indicam nea é realizado pelas lipoproteínas (LP).
que a dislipidemia é um importante Estes agregados macromoleculares
problema de saúde pública no Bra- são formadas por um núcleo hidrofó-
sil. Estudos procurando caracterizar bico que abriga lípides neutros, como
as mutações responsáveis pela hi- colesterol esterificado (CE) e TG, além
percolesterolemia familiar no Brasil de vitaminas lipossolúveis. Em sua su-
demonstram mutações conhecidas perfície hidrofílica inserem-se coleste-
no receptor de LDL, mas novas mu- rol livre ou não esterificado (CL), fosfo-
tações no gene desse receptor tam- lípides (FL) e diversas apolipoproteínas
bém foram descritas em pacientes (apo) as quais garantem solubilidade,
brasileiros. arcabouço estrutural e direcionamento
metabólico, visto atuarem como ligan-
tes de receptores celulares e cofatores
para diversas proteínas e enzimas.

Apoliproteína
Colesterol
Fosfolípides

Colesterol éster

Triglicérides

Apolipoproteína

Figura 1. Estrutura da lipoproteína. Fonte: Clínica médica da USP, vol.5, cáp 34, pág 376
DISLIPIDEMIAS 5

Cinco tipos principais de LP são clas- uma das formas de armazenamento


sificados por sua densidade e tama- energético mais importantes no or-
nho, determinados pela composição ganismo, sendo depositados nos te-
em lípides e apolipoproteínas. Os qui- cidos adiposo e muscular. Os ácidos
lomícrons (QM) são as maiores partí- graxos podem ser classificados como
culas, caracterizados pelo mais eleva- saturados (sem duplas ligações en-
do conteúdo de TG advindo da dieta. tre seus átomos de carbono), mono
As VLDL (very low density lipopro- ou poli-insaturados, de acordo com
tein), ou LP de muito baixa densida- o número de ligações duplas em sua
de, são partículas também grandes, cadeia. Os ácidos graxos saturados
porém um pouco menores do que os mais frequentemente presentes em
QM, de modo que a separação entre nossa alimentação são: láurico, mirís-
elas depende do tempo de ultracen- tico, palmítico e esteárico (que variam
trifugação. Há, ainda, as LP de den- de 12 a 18 átomos de carbono). Entre
sidade intermediária ou IDL (interme- os monoinsaturados, o mais frequen-
diate density lipoprotein) e as LP de te é o ácido oleico, que contém 18
baixa densidade ou LDL (low density átomos de carbono. Quanto aos poli-
lipoprotein). As LP de alta densida- -insaturados, podem ser classificados
de ou HDL (high density lipoprotein), como ômega 3 (Eicosapentaenoico
são mais ricas em proteínas com me- − EPA, Docosahexaenoico − DHA e
nor conteúdo de colesterol e TG, o linolênico), ou ômega 6 (linoleico), de
que determina seu menor tamanho e acordo com presença da primeira du-
maior densidade. pla ligação entre os carbonos, a partir
Dos pontos de vista fisiológico e clí- do grupo hidroxila.
nico, os lípides biologicamente mais
relevantes são os fosfolípides, o co-
lesterol, os triglicérides (TG) e os
ácidos graxos. Os fosfolípides for-
mam a estrutura básica das membra-
nas celulares. O colesterol é precursor
dos hormônios esteroides, dos ácidos
biliares e da vitamina D. Além disso,
como constituinte das membranas
celulares, o colesterol atua na fluidez
destas e na ativação de enzimas aí si-
tuadas. Os TG são formados a partir
de três ácidos graxos ligados a uma
molécula de glicerol e constituem
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Metabolismo das lipoproteínas

Figura 2. Ciclos de transporte de lípides no plasma.


Fonte: Atualização da diretriz brasileira de dislipidemias
e prevenção da aterosclerose, 2017.

Nesta figura, mostra de forma esque- tecidos periféricos; a lipoproteína


matizada que as lipoproteínas parti- de densidade muito baixa (VLDL)
cipam de três ciclos básicos de trans- é secretada pelo fígado e, por ação
porte de lípides no plasma: da LPL, transforma-se em lipo-
proteína de densidade intermedi-
• Ciclo exógeno, no qual as gordu-
ária e, posteriormente, em LDL, a
ras são absorvidas no intestino e
qual carrega os lípides, principal-
chegam ao plasma, sob a forma de
mente o colesterol, para os tecidos
quilomícrons, e, após degradação
periféricos;
pela lipase lipoproteica (LPL), ao fí-
gado ou a tecidos periféricos; • Transporte reverso do colesterol,
em que as gorduras, principalmen-
• Ciclo endógeno, em que as gor-
te o colesterol dos tecidos, retorna
duras do fígado se direcionam aos
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para o fígado; as HDL nascentes


captam colesterol não esterificado SE LIGA! Os ácidos graxos livres libe-
dos tecidos periféricos pela ação da rados pela lipoproteína lipase, como
também pelo tecido adiposo graças à
lecitina-colesterol aciltransferase
ação de lipases hormônio-sensíveis, são
(LCAT), formando as HDL maduras; transportados quase exclusivamente
por meio da proteína de transferên- pela albumina e constituem o principal
cia de CE (CETP), ocorre também a substrato energético do plasma, além
de fonte de formação de triglicérides no
transferência de ésteres de coles- fígado.
terol da HDL para outras lipopro-
teínas, como as VLDL. AGL: ácidos
graxos livres; HPL: lipase hepática. Dislipidemia e aterosclerose

CÁPSULA FIBROSA
(células musculares lisas, macrófagos, células
espumosas, linfócitos, colágeno, elastina,
proteoglicanos e neovascularização)
CENTRO NECRÓTICO
(restos celulares, cristais de colesterol,
células espumosas e cálcio)

MÉDIA

Figura 3. Estrutura básica da placa ateromatosa. Fonte: KUMMAR, Vina, et. Al. Robbins & Cotran. Bases patológicas
das doenças. 8ª ed. Rio de Janeiro. Elsevier, 2010.

A aterosclerose é caracterizada por subjacente e levam à formação de


lesões na íntima chamadas ateromas aneurisma.
(ou placas ateromatosas ou ateros- Os mecanismos pelos quais a dislipi-
cleróticas). As placas ateromatosas demia contribui para a aterogênese
são lesões elevadas compostas por incluem:
centro mole e grumoso de lipídios
(principalmente colesterol e ésteres • Hiperlipidemia crônica, em espe-
de colesterol, com restos necróticos), cial hipercolesterolemia, que pode
recobertas por uma cápsula fibrosa. comprometer diretamente a fun-
As placas ateroscleróticas podem ção endotelial por provocar au-
obstruir mecanicamente o lúmen mento da produção local de radi-
vascular e se romper, evoluindo para cais livres derivados do oxigênio,
trombose catastrófica dos vasos. Es- dentre outras funções; esses pro-
sas também enfraquecem a média dutos aceleram a redução do óxido
DISLIPIDEMIAS 8

nítrico, diminuindo a sua atividade Tanto as hiper quanto as hipolipide-


vasodilatadora. mias podem ter causas primárias ou
secundárias. Causas primárias são
• Com a hiperlipidemia crônica, as
aquelas nas quais o distúrbio lipídi-
lipoproteínas acumulam-se den-
co é de origem genética. Nas causas
tro da íntima, local onde suposta-
secundárias, a dislipidemia é decor-
mente produzem dois derivados
rente de estilo de vida inadequado,
patogênicos: LDL oxidada e cris-
de certas condições mórbidas, ou de
tais de colesterol. A LDL é oxidada
medicamentos.
através da ação de radicais livres
de oxigênio produzidos localmente Na classificação laboratorial, as dis-
por macrófagos e células endote- lipidemias podem ser divididas de
liais, e ingeridos pelos macrófagos acordo com a fração lipídica alterada
através do receptor depurador, re- em:
sultando na formação de células • Hipercolesterolemia isolada: au-
espumosas. Ademais, a LDL oxi- mento isolado do LDL-c (LDL-c ≥
dada estimula a secreção de fato- 160 mg/dL).
res de crescimento local, citocinas
e quimiocinas, aumentando o re- • Hipertrigliceridemia isolada: au-
crutamento de monócitos, e tam- mento isolado dos triglicérides (TG
bém possui ação citotóxica para as ≥ 150 mg/dL ou ≥ 175 mg/dL, se a
células endoteliais e musculares amostra for obtida sem jejum).
lisas. Recentemente, tem-se mos- • Hiperlipidemia mista: aumento
trado que diminutos cristais de co- do LDL-c (LDL-c ≥ 160 mg/dL) e
lesterol extracelulares encontrados dos TG (TG ≥ 150 mg/dL ou ≥ 175
em lesões ateroscleróticas iniciais mg/ dL, se a amostra for obtida
funcionam como sinais de “perigo”, sem jejum). Se TG ≥ 400 mg/dL, o
já que ativam células imunes ina- cálculo do LDL-c pela fórmula de
tas, como monócitos e macrófagos. Friedewald é inadequado, deven-
do-se considerar a hiperlipidemia
4. CLASSIFICAÇÃO mista quando o não HDL-c ≥ 190
mg/dL.
As dislipidemias podem ser classifica-
das em hiperlipidemias (níveis eleva- • HDL-c baixo: redução do HDL-c
dos de lipoproteínas) e hipolipidemias (homens < 40 mg/dL e mulheres
(níveis plasmáticos de lipoproteínas < 50 mg/dL) isolada ou em asso-
baixos). ciação ao aumento de LDL-c ou de
TG.
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Dislipidemias primárias

PRINCIPAIS CAUSAS DAS DISLIPIDEMIAS PRIMÁRIAS

Hipercolesterolemia familiar

Defeito familiar da apo B-100

Hiperlipidemia familiar
Hipercolesterolemia
combinada

Hipercolesterolemia
autossômica recessiva

Mutação do gene PCSK9

Hiperlipidemia familiar
combinada

Hipertrigliceridemia Hipertrigliceridemia familiar

DISLIPIDEMIA
Hiperquilomicronemia
PRIMÁRIA

Hiperlipidemia familiar
combinada
Hiperlipidemia mista
Disbetalipoproteinemia
ou tipo III

Hipoalfalipoproteinemia
familiar
HDL reduzida

Deficiência de apo A1

HDL elevada Deficiência de CETP

Clínica médica da USP, vol.5, cáp 34, pág 379


DISLIPIDEMIAS 10

A forma mais severa de hipercoles- ou perda de função. No primeiro caso,


terolemia é a hipercolesterolemia observa-se maior degradação do re-
familiar (HF), doença autossômica ceptor B/E, o que condiciona elevação
dominante. Elevação plasmática da plasmática no LDL-C. Em casos de
concentração de colesterol em 2 ve- perda de função da proteína valores
zes acima do limite de normalidade é séricos de LDL-C abaixo de 70 mg/dL
observada na forma heterozigótica, e podem ser encontrados.
de 3 a 6 vezes na homozigótica, sem A forma mais frequente de hiperlipi-
aumento de TG. Defeitos na síntese, demia primária é a hiperlipidemia fa-
transporte pelo retículo endoplas- miliar combinada (HFC), caracteriza-
mático e Golgi, ligação à partícula de da pelo aumento na produção de apo
LDL, internalização e dissociação da B e manifestada pela elevação de LDL
partícula de LDL foram descritos em e VLDL. A variabilidade de apresen-
consequência de cerca de 900 muta- tação dos lípides plasmáticos dificulta
ções no gene do receptor de LDL (re- a sua identificação clínica, podendo
ceptor B/E). ocorrer hipercolesterolemia e/ou hi-
Hipercolesterolemia decorrente da pertrigliceridemia, redução de HDL e
diminuição da ligação de LDL ao re- aumento de apo B. A herança é au-
ceptor B/E, acarretando redução em tossômica dominante, com incidência
50% no clearance desta LP, advém de 1 a 2% na população geral e 10 a
do defeito familiar de apo B-100, com 20% nos portadores de doença coro-
incidência de 1:1000 na Europa Cen- nariana, o que determina aumento de
tral, e menor frequência nas demais 2 a 5 vezes no risco de DCV. As alte-
populações. rações séricas da HFC não são mani-
Hipercolesterolemia autossômica festadas antes da terceira década de
recessiva, representada por muta- vida, também não são encontradas
ções na proteína ARH, uma proteína dislipidemias em crianças portadoras
adaptadora necessária para a inter- desta herança genética.
nalização do complexo LDL-receptor Aumento dos TG plasmáticos entre
é de menor incidência, acarretando 200-500 mg/dL e redução de HDL-C,
elevação plasmática de LDL-C é em porém com LDL-C e apo B normais,
torno de 2 vezes o valor normal à se- pode decorrer da hipertrigliceridemia
melhança do defeito familiar de apo familiar (HTGF), caracterizada por au-
B-100. mento de VLDL ricas em TG. O defeito
Mutações no gene da proteína PCSK9 genético não é conhecido e pode es-
(Proprotein convertase subtilisin-like tar associado com a mesma alteração
kexin type 9) podem conferir ganho da HFC.A HTGF possui herança au-
tossômica dominante e o diagnóstico
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é feito somente após a puberdade e, apresenta herança autossômica re-


na maioria das vezes, difícil de distin- cessiva. Além da reduzida concentra-
guir da HFC. ção plasmática de HDL, as manifes-
Hipertrigliceridemias severas (> tações incluem a maior predisposição
1.000 mg/dL) ocorrendo desde a in- para doença cardiovascular, xanto-
fância, cujas complicações mais fre- mas e opacidade da córnea.
quentes são pancreatite aguda e dor
abdominal recorrentes caracterizam a SE LIGA! Os xantomas cutâneos con-
hiperquilomicronemia. As causas pri- sistem em máculas, pápulas, placas, nó-
dulos de coloração castanho-amarelada,
márias são a deficiência da lipoproteí-
rosada ou alaranjada ou em infiltrações
na lipase ou da apo CII, que é co-fator dos tendões. Histologicamente há acú-
da LPL. Pela falta da LPL, os TG dos mulos de células xantomatosas - ma-
quilomícrons e das VLDL não são hi- crófagos contendo gotículas de lipídeos.
drolisados, dificultando a ligação das O xantelasma, é o tipo mais comum de
todos os xantomas. Na maioria dos ca-
partículas aos receptores específicos,
sos, trata-se de um achado isolado, não
reduzindo o seu catabolismo. relacionado com hiperlipidemia.
Disbetalipoproteinemia familiar, tam-
bém denominada hiperlipemia do tipo
Sempre que o paciente apresentar
III de Fredrickson, é de frequência rara
uma dislipidemia, deve-se considerar
na população. Manifesta-se por hi-
as causas primárias (genéticas) e as
pertrigliceridemia e hipercolesterole-
secundárias. A distinção entre ambas
mia moderada a severa, cujos valores
não é tão fácil, uma vez que a maioria
variam entre 300-400 mg/dL, deter-
das dislipidemias é poligênica, resul-
minados pelo acúmulo de partículas
tante da combinação de fatores gené-
remanescentes com maior conteúdo
ticos e não genéticos. Na presença de
de colesterol.
alterações moderadas do perfil lipídi-
A hipoalfalipoproteinemia familiar, co e descartadas as causas secundá-
doença autossômica dominante, é ca- rias, considerar as dislipidemias pri-
racterizada pela redução da concen- márias poligênicas ou monogênicas.
tração plasmática de HDL-C e pelo
maior risco de doença cardiovascular.
CONCEITO! As dislipidemias poligê-
Os defeitos genéticos e metabólicos
nicas, grande maioria dos casos, são
que causam a diminuição de HDL-C causadas pelo efeito cumulativo de va-
não são conhecidos. riantes genéticas denominadas poli-
morfismos de um único nucleotídeo. Já
A deficiência de apo AI pode ser a monogênica corresponde a um gene
causada por mutações no gene da específico com transmissão clássica.
apo AI ou no lócus apo A1/CIII/AIV e
DISLIPIDEMIAS 12

Dislipidemias secundárias

PRINCIPAIS CAUSAS DE DISLIPIDEMIAS SECUNDÁRIAS

Hipotireoidismo

Síndrome nefrótica

Hepatopatias obstrutivas –
colestase

Anorexia nervosa

Diabetes Mellitus
Dislipidemia
secundária a doenças
Insuficiência renal

Acromegalia

Síndrome de Cushing

Obesidade

Síndrome metabólica

Estrógenos
DISLIPIDEMIAS
SECUNDÁRIAS Betabloqueadores

Retinoides
Dislipidemia secundária
a medicamentos
Antiretrovirais

Ciclosporina

Glicocorticoides

Tabagismo

Dislipidemia secundária
Etilismo
a hábitos de vida
Dieta com alto teor de
gordura
DISLIPIDEMIAS 13

A identificação de uma possível cau- periférica, predispondo ao aumen-


sa secundária da dislipidemia vem to da concentração plasmática de
se tornando mais comum pela maior triglicérides.
experiência acumulada na investiga- O Diabetes mellitus é uma causa
ção etiológica das alterações lipídicas. secundária especialmente significati-
Também o crescimento da população va porque os pacientes tendem a ter
idosa vem se associando à maior fre- combinação aterogênica de triglicerí-
quência de dislipidemias secundá- dios elevados, concentração elevada
rias, devido à elevada incidência de de LDL pequenas e densas e HDL
comorbidades presentes nas faixas baixo (dislipidemia diabética, hipera-
etárias mais avançadas. Basicamen- po B hipertrigliceridêmica).
te encontramos três grupos de etio-
logias secundárias: dislipidemias se- A resistência à insulina está relacio-
cundárias a doenças, secundárias a nada com aumento na concentração
medicamentos e secundárias a hábi- de triglicérides, redução de HDL-C e
tos de vida inadequados. maior formação de LDL pequenas. A
hipertrigliceridemia, principal carac-
terística da dislipidemia da síndrome
Dislipidemias secundárias a metabólica e do diabetes mellitus, é
doenças causada primariamente pelo aumen-
to da produção de triglicérides e apo
A alteração mais frequente na sín-
B-100 pelo fígado, levando à maior
drome nefrótica é a elevação na
formação VLDL. A secreção de apo
concentração plasmática de LDL-C,
B-100 é regulada pela disponibili-
às vezes acompanhada por aumento
dade de lípides nos hepatócitos. Se
na concentração de VLDL. As causas
o conteúdo de lípides for escasso, a
mais prováveis são aumento da pro-
apo B-100 será degradada com me-
dução hepática de VLDL e maior con-
nor quantidade de VLDL formada.
versão em LDL.
A resistência à insulina está associa-
O hipotireoidismo é uma causa co-
da com o aumento da produção de lí-
mum de hiperlipidemia. A manifesta-
pides pelas três vias principais: fluxo
ção clássica é a elevação na concen-
de ácidos graxos para o fígado pro-
tração de LDL-C, mas também pode
veniente do tecido adiposo, captação
haver hipertrigliceridemia. A elevação
hepática de VLDL, IDL e remanescen-
de LDL-C está associada à diminui-
tes de quilomícrons, e síntese hepá-
ção da remoção de LDL por causa da
tica de ácidos graxos. Consequente-
menor síntese de receptor de LDL.O
mente, há elevação da formação das
hipotireoidismo também pode redu-
partículas ricas em triglicérides, maior
zir a atividade da lipoproteína lipase
DISLIPIDEMIAS 14

aporte destas ao fígado e estímulo à As concentrações de HDL-colesterol


produção de lipase lipoprotéica he- e apo AI estão caracteristicamente
pática. Dessa forma, o aumento da reduzidas nos indivíduos portadores
enzima lipase lipoprotéica hepática de resistência à insulina. Essa altera-
contribui ainda mais para a formação ção é decorrente da ação da proteína
de LDL e HDL pequenas. Além disso, de transferência de colesterol éster,
a elevação da concentração de áci- mediando a troca de colesterol éster
dos graxos livres no plasma restringe da HDL por triglicérides das lipopro-
a ação da lipoproteína lipase perifé- teínas VLDL e quilomícrons. O cata-
rica, pelo fato de sua maior concen- bolismo da apo AI está aumentado no
tração na interface partícula-enzima DM tipo 2. Um estudo demonstra que
bloquear a interação da lipoproteína a apo AI dissocia-se da HDL enrique-
lipase periférica com quilomícrons e cida de triglicérides e é catabolizada
VLDL. pelos rins.
Os SREBP (sterolr egulatory e le- A resistência à insulina e a diabetes
ment binding protein) – proteínas de melito tipo 2 com frequência são ca-
ligação ao elemento responsivo ao racterizadas por dislipidemia, espe-
esterol – são importantes ativadores cialmente em associação de obesi-
da síntese lipídica no fígado e atuam dade central (visceral), hipertensão e
como mediadores da ação da insulina doença cardiovascular. Este conjun-
nesse órgão. A ativação de SREBP- to de transtornos metabólicos é co-
-1c, por via insulino-sensível e IRS-2 letivamente denominado síndrome
independente, favorece a síntese de metabólica.
ácidos graxos.
Outra característica da dislipidemia CONCEITO! A síndrome metabólica é
diabética é a maior concentração de uma entidade clínica caracterizada por
resistência à insulina, hipertensão, disli-
LDL pequenas e mais densas. Essas
pidemia (LDL elevada e HDL reduzida),
partículas estão associadas à atero- hipercoagulabilidade, e estado inflama-
genicidade. A formação de LDL pe- tório, que pode ser desencadeada por
quenas e densas é dependente da liberação de citocinas dos adipócitos. A
dislipidemia, a hiperglicemia e a hiper-
proteína de transferência de colesterol tensão são fatores de risco para doen-
éster, que promove a troca de coles- ças cardíacas; por outro lado, a hiper-
terol éster da LDL por triglicérides de coagulabilidade sistêmica e o estado
VLDL e quilomícrons. O maior conte- pró-inflamatório podem contribuir para
a disfunção endotelial e/ou trombose.
údo de triglicérides nas LDL favorece
a atividade das enzimas lipoproteína
lipase periférica e lipase hepática, ge-
rando as LDL menores e mais densas.
DISLIPIDEMIAS 15

Dislipidemias secundária a grave, com freqüência causa dislipi-


medicamentos demia mista, geralmente associada à
redução do HDL-C. Os medicamen-
As dislipidemias geralmente ocorrem
tos que afetam desfavoravelmente
em associação com outros fatores de
os lípides séricos, têm seu efeito mais
risco que requerem tratamento, como
acentuado naqueles pacientes com
a hipertensão. Alguns agentes anti-
distúrbios lipídicos de base e outras
-hipertensivos comuns podem causar
causas secundárias como a obesi-
efeitos adversos nos níveis séricos li-
dade, ingestão alcoólica excessiva e
pídicos. Outras drogas, como os cor-
diabetes. Os inibidores de protease
ticosteróides, podem aumentar tan-
também se associam a dislipidemias
to o colesterol como os triglicérides.
(aumento dos triglicérides e diminui-
A isotretinoína, utilizada para a acne
ção do HDL-C).

SAIBA MAIS!
Os agentes bloqueadores ẞ-adrenérgicos são frequentes contribuintes para os perfis lipídi-
cos alterados, têm efeitos benéficos após um infarto do miocárdio, mas também tendem a
promover ganho de peso, elevar os triglicerídeos e diminuir a HDL.

Os estrógenos estimulam a produção Dislipidemia secundárias a hábitos


de triglicérides, de maneira dose-de- de vida inadequados
pendente. O uso de contraceptivos e
O fumo causa reduções em graus va-
a terapia de reposição hormonal po-
riáveis no HDL-C e pode induzir re-
dem provocar a hipertrigliceridemia.
sistência à insulina.
Os estrógenos atuam elevando a pro-
dução de VLDL, porém aumentam a A ingestão excessiva de gordura sa-
remoção de LDL da circulação por turada, colesterol e ácidos graxos
maior síntese de receptores de LDL, trans podem aumentar a concentra-
podendo diminuir as concentrações ção plasmática de LDL-c e induzirem
plasmáticas de LDL-C. intensa lesão aterosclerótica, condi-
ções que culminam em maior risco
Entre os outros grupos de medicamen-
cardiovascular.
tos que podem desencadear dislipi-
demias secundárias estão fármacos, A ingestão regular de bebidas alco-
como tiazidas, antirretrovirais, ciclos- ólicas pode alterar significativamente
porina, tacrolimus e glicocorticoides. o metabolismo dos triglicérides. O ál-
cool é metabolizado basicamente por
meio de três vias: catalase, oxidação
DISLIPIDEMIAS 16

microssomal e álcool desidrogenase, a formação de xantomas. Diversos ti-


sendo esta última a via preponderan- pos de xantomas podem ser obser-
te. A álcool desidrogenase converte o vados e caracterizam as diferentes
álcool em acetaldeído, que sob ação dislipidemias. O desenvolvimento de
da acetaldeído desidrogenase é con- xantomas tendinosos e tuberosos,
vertido em CO2, H2O e acetil CoA. xantelasmas e arco córneo são sinais
O acetil CoA é o precursor da síntese clínicos característicos das hiperco-
de ácidos graxos. Por sua vez, o ál- lesterolemias primárias, os quais re-
cool provoca aumento na concentra- fletem acúmulo de colesterol em ma-
ção de NADH, que inibe a oxidação crófagos infiltrados nos tendões e na
de ácidos graxos no fígado, elevando pele.
a produção de triglicérides e VLDL. A A hipertrigliceridemia acima de 1.000
hipertrigliceridemia é a alteração mais mg/dL indica presença de quilomí-
frequente, mas geralmente associada crons, que podem ser detectados
ao aumento de HDL-C, decorrente da pela observação do plasma leitoso.
menor atividade da lipase hepática. Xantomas eruptivos nas regiões dor-
sal e glútea, nos braços, nas mãos e
5. QUADRO CLÍNICO nas coxas, além de hepatoespleno-
megalia, pancreatite ou dores abdo-
As hiperlipidemias, em geral, não minais recorrentes são observados
apresentam manifestações clínicas. com frequência.
Nos casos mais severos, pode ocorrer

SAIBA MAIS!
A apresentação clínica da pancreatite aguda secundária à hipertrigliceridemia não difere da
pancreatite por outras etiologias, sendo caracterizada por dor aguda e constante na região
epigástrica e/ou quadrante superior direito abdominal, irradiando para o dorso. A dor pode
durar dias e estar associada a náuseas e vômitos. Nas formas leves de pancreatite, os prin-
cípios do tratamento são os mesmos nas diferentes etiologias. A terapia é suportiva e inclui
reposição hídrica, analgésicos, oxigenoterapia, antieméticos e suspensão da dieta oral.

A presença de xantomas é frequente mãos, como sinal patognomônico da


em quase 50% dos indivíduos por- doença. Xantomas tuberosos ou tu-
tadores da disbetalipoproteinemia beroeruptivos também são comuns,
familiar, caracterizada pela formação além da ocorrência de doença ateros-
de xantoma palmar, presente de for- clerótica prematura.
ma plana nas linhas das palmas das
DISLIPIDEMIAS 17

Em decorrência da elevação plasmá- que, na forma homozigótica da hiper-


tica do LDL colesterol, ocorrem maior colesterolemia familiar, a ocorrência
captação de LDL, desenvolvimento de manifestação clínica de doenças
acelerado de aterosclerose e, con- arteriais isquêmicas dá-se antes dos
sequentemente, maior incidência de 20 anos de idade.
doença cardiovascular. Salienta-se

Figura 4. Xantelasma e xantoma. UOL. Disponível em: <https://drauziovarella.uol.com.br/doencas-e-sintomas/xante-


lasma-e-xantoma/>. Acesso em: 18 de Abril de 2020.

6. DIAGNÓSTICO Os valores referenciais e de alvo te-


rapêutico do perfil lipídico (adultos >
A avaliação inicial deve incluir históri-
20 anos) devem ser apresentados de
co completo e exame físico com cui-
acordo com o estado metabólico que
dadosa atenção às causas potenciais
antecede a coleta da amostra, sem
secundárias dos distúrbios lipídicos.
jejum e com jejum de 12 horas.
As diretrizes recomendam que todos
os indivíduos adultos avaliem o perfil
lipídico. Em caso de não haver altera-
ção, os exames devem ser repetidos
após cinco anos.
DISLIPIDEMIAS 18

CATEGORIA
LÍPIDES COM JEJUM (MG/DL) SEM JEJUM (MG/DL)
REFERENCIAL
Colesterol total < 190 < 190 Desejável
HDL-c > 40 > 40 Desejável
Triglicérides < 150 < 175 Desejável
CATEGORIA DE RISCO
< 130 < 130 Baixo
< 100 < 100 Intermediário
LDL-c
< 70 < 70 Alto
< 50 < 50 Muito alto
< 160 < 160 Baixo
< 130 < 130 Intermediário
Não HDL-c
< 100 < 100 Alto
< 80 < 80 Muito alto
Tabela 1. Valores referenciais e de alvo terapêutico do perfil lipídico (adultos > 20 anos).. FALUDI, André Arpad et al.
Atualização da diretriz brasileira de dislipidemias e prevenção da aterosclerose–2017. Arquivos brasileiros de cardiolo-
gia, v. 109, n. 2, p. 1-76, 2017.

É importante ressaltar que valores de Determinação das concentrações


CT ≥ 310 mg/dL (para adultos) ou CT de lípides e lipoproteínas séricas
≥ 230 mg/dL (crianças e adolescen-
Colesterol total e TG são determina-
tes) podem ser indicativos de hiper-
dos na rotina laboratorial por méto-
colesterolemia familiar, se excluídas
dos enzimáticos colorimétrico, com
as dislipidemias secundárias.
uso de plasma ou soro colhido após
Como para o LDL-c e o não HDL- jejum ou no pós-alimentar. Por meio
-c, os valores referenciais variam de da fórmula de Friedewald pode-se
acordo com o risco cardiovascular es- determinar, de maneira simplifica-
timado, são sugeridos valores de alvo da, a concentração de LDL colesterol
terapêutico para estas variáveis, de (LDL-C). Para tanto, mede-se o CT e
acordo com a categoria de risco. Os o HDL colesterol (HDL-C), este último
parâmetros CT, HDL-c, LDL-c e não após precipitação em conjunto das
HDL-c não sofrem influência do esta- LP que contêm apo B (LDL e VLDL).
do alimentar. Para os TG sem jejum o
Para se obter a medida do LDL co-
valor desejável é considerado < 175
lesterol (LDL-C) calcula-se, aproxi-
mg/dL.
madamente, o valor do VLDL co-
lesterol (VLDL-C), representado por
DISLIPIDEMIAS 19

triglicérides/5. Assim, LDL-C = CT - obstrução ≥ 50% em qualquer ter-


HDL-C - TG/5. O valor máximo tolerá- ritório arterial.
vel para avaliar o VLDL-C, é, aqui,400
• Alto risco: São considerados de
mg/dL de trigliceridemia. Existem,
alto risco os indivíduos em preven-
ainda, as determinações diretas de
ção primária:
HDL-C e LDL-C plasmáticos. Embora
o jejum não seja pré-requisito para as ◊ Portadores de aterosclerose
determinações de colesterol total, a na forma subclínica documen-
coleta no estado pós-alimentar pode tada por metodologia diag-
subestimar os valores de HDL-C. nóstica: ultrassonografia de
carótidas com presença de
placa; Índice Tornozelo-Bra-
Avaliação de risco cardiovascular quial (ITB) < 0,9; escore de
A identificação dos indivíduos com Cálcio Arterial Coronariano
risco de um evento coronariano agu- (CAC) > 100 ou a presença de
do é essencial para prevenção. A es- placas ateroscleróticas na an-
timativa do risco de doença ateros- giotomografia (angio-CT) de
clerótica é feita a partir de diversos coronárias.
algoritmos, como o Escore de Risco ◊ Aneurisma de aorta abdominal.
global (ERG), que estima o risco de in- ◊ Doença renal crônica defini-
farto do miocárdio, AVC, insuficiência da por Taxa de Filtração Glo-
cardíaca e insuficiência vascular peri- merular (TFG) < 60 mL/min, e
férica em 10 anos. Esse escore deve em fase não dialítica.
ser utilizado na avaliação inicial.
◊ Aqueles com concentrações
de LDL-c ≥ 190 mg/dL.
Estratificação de risco em ◊ Presença de diabetes melito
pacientes sem tratamento tipos 1 ou 2, e com LDL-c en-
hipoglicemiante: tre 70 e 189 mg/dL e presen-
• Risco muito alto: Indivíduos que ça de Estratificadores de Risco
apresentem doença ateroscleró- (ER) ou Doença Ateroscleróti-
tica significativa (coronária, cere- ca Subclínica (DASC).
brovascular, vascular periférica),
com ou sem eventos clínicos, ou
DISLIPIDEMIAS 20

• Risco intermediário: Indivíduos


SE LIGA! Definem-se ER e DASC no com ERG entre 5 e 20% no sexo
diabetes como: masculino e entre 5 e 10% no sexo
ER: idade ≥ 48 anos no homem e ≥ 54 feminino ou ainda os diabéticos
anos na mulher; tempo de diagnóstico sem os critérios de DASC ou ER.
do diabetes > 10 anos; história familiar
de parente de primeiro grau com DCV • Baixo risco: Pacientes do sexo
prematura (< 55 anos para homem e <
masculino e feminino com risco em
65 anos para mulher); tabagismo (pelo
menos um cigarro no último mês); hiper- 10 anos < 5%, calculado pelo ERG.
tensão arterial sistêmica; síndrome me-
tabólica, de acordo com a International
Diabetes Federation; presença de albu- Estratificação de risco em
minúria > 30 mg/g de creatinina e/ou re- pacientes em uso de estatinas:
tinopatia; TFG < 60 mL/min.
DASC: ultrassonografia de carótidas A diretriz de dislipidemias propõe que
com presença de placa > 1,5 mm; ITB seja utilizado um fator de correção
< 0,9; escore de CAC > 10; presença de para o colesterol total (CT) para o cál-
placas ateroscleróticas na angio-CT de
coronárias. • Pacientes com LDL-c entre culo do ERG nesses pacientes, multi-
70 e 189 mg/dL, do sexo masculino com plicando-se o CT por 1,43.
risco calculado pelo ERG > 20% e nas
mulheres > 10%.

SEM ESTATINAS COM ESTATINAS


META DE NÃO HDL
RISCO REDUÇÃO (%) META DE LDL (MG/DL)
(MG/DL)
Muito Alto >50 <50 <80
Alto >50 <70 <100
Intermediário 30-50 <100 <130
Baixo >30 <130 <160
Tabela 2. Metas terapêuticas absolutas e redução porcentual do colesterol da lipoproteína de baixa densidade e do
colesterol não-HDL para pacientes com ou sem uso de estatinas. Fonte: Atualização da diretriz brasileira de dislipide-
mias e prevenção da aterosclerose, 2017.
DISLIPIDEMIAS 21

7. TRATAMENTO e LDL-c e a diminuição de eventos e


morte cardiovasculares.
Tratamento não medicamentoso
A prática de exercícios físicos é con-
O aspecto fundamental no tratamen- siderado um coadjuvante da die-
to da dislipidemia inclui medidas não ta no tratamento não farmacológico
farmacológicas direcionadas não so- da hipertrigliceridemia associada à
mente à redução dos níveis de lipídios obesidade, pois exerce influência na
séricos, mas também a outros fatores melhora do perfil lipídico, condutân-
de risco cardiovascular. A conduta cia vascular, complacência arterial,
não medicamentosa deve ser reco- redução dos níveis de gordura corpo-
mendada a todos os pacientes com ral, entre outras respostas benéficas.
dislipidemia, incluindo, terapia nutri- Com base na V Diretriz Brasileira so-
cional, exercícios físicos e cessação bre dislipidemias e prevenção da ate-
do tabagismo. rosclerose é recomendado que exer-
Estudos demonstram que o aumento cícios aeróbicos como caminhadas,
do consumo de gorduras totais tem corridas leves, ciclismo e natação de-
associação com elevação da con- vam ser realizados de três a seis vezes
centração plasmática de colesterol na semana, em sessões com duração
e, dessa forma, a maior incidência de de 30 a 60 minutos, totalizando em
aterosclerose. O alto consumo de co- média 150 minutos/semana de exer-
lesterol e gorduras saturadas na dieta cícios leves a moderados. Pacientes
(presentes na gema do ovo, gordu- assintomáticos dispensam avaliação
ra animal e manteiga, por exemplo) médica prévia, devendo ser mantidos
eleva os níveis plasmáticos de co- os medicamentos de uso regular.
lesterol. Os ácidos graxos ômega-3
(abundantes em óleos de peixe) são
Tratamento medicamentoso
benéficos, enquanto as gorduras in-
saturadas (trans) produzidas por hi- A decisão para o início da terapia me-
drogenação artificial de óleos poli-in- dicamentosa das dislipidemias de-
saturados (utilizados em produtos de pende do:
panificação e na margarina) afetam
• Risco cardiovascular do pacien-
adversamente os perfis de coleste-
te: em pacientes de muito alto ou
rol. Assim, o consumo de gorduras
alto risco cardiovascular, o trata-
saturadas deve ser limitado na dieta,
mento da dislipidemia deve incluir
porém o mais importante é sua subs-
medicamentos já em associação
tituição parcial por insaturadas, prin-
com as modificações do estilo de
cipalmente por poli-insaturadas, que
vida a serem propostas. Para os
estão associadas a diminuição de CT
DISLIPIDEMIAS 22

pacientes de risco moderado ou No tratamento da hipertrigliceridemia


baixo, o tratamento será iniciado isolada são prioritariamente indica-
apenas com as medidas do estilo dos os fibratos e, em segundo lugar,
de vida, com a associação, em uma o ácido nicotínico ou a associação de
segunda etapa, de medicamentos, ambos. Pode-se ainda utilizar, nesta
se necessário, para obtenção das dislipidemia, os ácidos graxos ôme-
metas definidas do LDL-c. O tem- ga 3, isoladamente ou em associação
po de reavaliação após a implanta- com outros fármacos.
ção das medidas de modificações Na hiperlipidemia mista, a taxa sérica
do estilo de vida pode ser de 3 a 6 de TG deve orientar como o tratamen-
meses. to farmacológico será iniciado. Caso
• Tipo de dislipidemia presen- estas taxas estejam acima de 500 mg/
te: define a escolha da classe dL, deve-se iniciar o tratamento com
terapêutica. um fibrato, adicionando-se, se neces-
sário, ácido nicotínico e/ou ômega 3.
Nesta situação, a meta prioritária é a
Na hipercolesterolemia isolada, os redução do risco de pancreatite.
medicamentos recomendados são
Não são propostas metas para o HDL-
as estatinas, que podem ser adminis-
-c e não se recomenda tratamento
tradas em associação à ezetimiba, à
medicamentoso visando à elevação
colestiramina e, eventualmente, aos
dos níveis HDL-c.
fibratos ou ao ácido nicotínico.

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DE ACORDO COM A DISLIPIDEMIA

• Estatinas
HIPERCOLESTROLEMIA • Ezetimiba
• Colestiramina

• Fibratos
HIPERTRIGLICERIDEMIA • Ácido nicotínico
• Ácidos graxos ômega 3
DISLIPIDEMIAS 23

Estatinas da CPK (creatino fosfoquinase) e tran-


saminases hepáticas no início do tra-
As estatinas são potentes inibido-
tamento e a cada mudança de dose
res da HMG CoA redutase, enzima
da estatina. O risco de rabdomiólise
que controla a etapa limitante da
é baixo e dose-dependente, mas não
biossíntese do colesterol. Essa inibi-
deve ser desprezado, principalmente
ção regula a produção dos recepto-
quando houver associação de outros
res de LDL, aumentando a remoção
medicamentos como fibratos, em es-
de LDL do plasma. São os melhores
pecial o genfibrozil, além de medica-
agentes para a redução do colesterol
mentos que são metabolizados pela
plasmático.
mesma via como imunossupresso-
Os inibidores da HMG CoA redutase res(ciclosporina), antibióticos macro-
são bem tolerados. Os efeitos cola- lídeos (claritromicina), antifúngicos
terais mais frequentes são mialgia e imidazólicos (itraconazol), bloquea-
intolerância gástrica. Os pacientes dores de canal de cálcio e inibidores
devem ser monitorados com medidas das proteases, entre outros.

PRAVASTATINA SINVASTATINA ATORVASTATINA FLUVASTATINA ROSUVASTATINA


Dose máxima
40 80 80 40 40
(mg/dia)
LDL-C (redução
34 47 60 24 65
máxima) %
TG (redução
24 18 29 10 23
máxima) %
HDL-C (aumen-
12 12 6 8 13
to máximo) %
Metabolização
Não definida P450-3A4 P450-3A4 P450-2C9 P450-2C9
(via CYP)
Tabela 3. Característica das diversas estatinas. Fonte: Clínica médica da USP, vol.5, cáp 34, pág 386

Ezetimibe 1 Protein (NCPL1). O uso isolado do


ezetimibe (10 mg/dia) no tratamento
O ezetimibe é um medicamento que
da hipercolesterolemia reduz o LDL-C
reduz o colesterol plasmático, pois
em aproximadamente 18%, porém a
inibe a absorção intestinal de coleste-
administração associada à estatina
rol alimentar e biliar, sem alterar a ab-
potencializa em 15-20% a redução
sorção de sais biliares. Essa inibição
do colesterol. A co-administração de
ocorre no transportador específico
ezetimibe 10 mg/dia com estatina
de colesterol Niemann-Pick C1 Like
DISLIPIDEMIAS 24

em sua menor dose provoca redu- Fibratos


ção da colesterolemia semelhante à
Os fibratos reduzem os triglicérides
dose máxima desta. Apresenta pou-
plasmáticos em até 50%, aumentam
cos efeitos colaterais, como mialgias
HDL-C em cerca de 20% e têm efei-
e artralgias.
to variável no LDL-C. Atuam ativando
PPAR-alfa (peroxisome proliferator-
Quelantes de sais biliares -activated receptor), receptor nuclear
que provoca maior oxidação de ácidos
A colestiramina é a resina quelante de graxos, síntese de lipoproteína lipase
sais biliares comercialmente disponí- periférica e redução da produção de
vel no país. Essa resina troca ânions apo C-III, o que contribui para a re-
cloreto por sal biliar e é excretada nas dução da trigliceridemia. Além disso,
fezes. A maior excreção fecal de sais os fibratos aumentam a síntese de
biliares provoca aumento na conver- apos A-I e A-II, elevando a produção
são de colesterol em ácidos biliares de HDL43. Os efeitos colaterais mais
no fígado. A maior utilização de coles- frequentes são desconfortos gas-
terol no hepatócito aumenta a sínte- trintestinais e mialgias. Os fibratos
se de receptores de LDL, provocando devem ser utilizados com cautela na
maior captação das LDL plasmáticas. insuficiência renal. Os mesmos cuida-
Na dose terapêutica, a redução do dos tomados com o uso das estatinas
colesterol plasmático é de 15-25%, devem ser mantidos com os fibratos,
porém pode elevar a trigliceridemia. principalmente na co-administração
O efeito colateral mais frequente é a de medicamentos. O genfibrozil apre-
obstipação intestinal, e, em razão de senta maior risco nessas associações.
sua forma de apresentação (pó solú-
vel), ocorre baixa tolerabilidade. Além
disso, a colestiramina, por ligar-se às Derivados do ácido nicotínico
moléculas carregadas negativamen-
O ácido nicotínico é o agente hipoli-
te na luz intestinal, pode interferir na
pemiante mais antigo. É derivado da
absorção de outras medicações, in-
vitamina B. Em razão da intolerância
cluindo levotiroxina, digoxina, warfa-
e dos efeitos colaterais, é pouco uti-
rina e tiazídicos. Recomenda-se ad-
lizado na prática clínica. Atualmente,
ministrar a colestiramina pelo menos
utiliza-se o derivado de ácido nicotí-
4 horas antes ou 1 hora após outras
nico de liberação programada (nias-
medicações.
pan) que apresenta menor efeito
colateral. O ácido nicotínico reduz a
trigliceridemia em até 50%, LDL-C
em até 30%,e é o melhor agente para
DISLIPIDEMIAS 25

elevação do HDL-C (15-35%). Age a inibição da CETP aumenta a con-


inibindo a atividade da lipase hormô- centração de colesterol na HDL e di-
nio sensível no tecidoadiposo, reduz minui nas lipoproteínas que contêm
a hidrólise dos triglicérides e libera ApoB, incluindo VLDL e LDL.
ácidos graxos livres para a circula-
• Inibidores da PCSK-9 atuam ini-
ção sanguínea. Por causa do menor
bindo a inibição da reciclagem do
aporte de ácidos graxos para o fíga-
LDRL: Sabe-se que a funciona-
do, diminui a síntese de triglicérides e
lidade e o número de LDLR ex-
a secreção de VLDL. A elevação na
pressos na superfície dos hepató-
concentração de HDL-C é decorrente
citos constitui fator determinante
da menor atividade da CETP e do ca-
dos níveis plasmáticos de LDL. A
tabolismo de apo A-I. Os efeitos cola-
LDL circulante se liga aos LDLR
terais mais frequentes como rubor fa-
na superfície do hepatócito, libe-
cial, prurido e cefaleia são provocados
ra seu conteúdo para o endosso-
por aumento de formação de prosta-
ma e, posteriormente, o receptor é
glandinas. Esses efeitos podem ser
reciclado de volta à superfície do
minimizados pela administração de
hepatócito, para captar mais par-
ácido acetilsalicílico 30-60 minutos
tículas de LDL do plasma. Em con-
antes do ácido nicotínico.
dições normais, o LDLR refaz este
O uso de ácido nicotínico é contrain- ciclo aproximadamente 150 vezes,
dicado em pacientes portadores de até que seja degradado. A PCSK9
úlcera péptica e hepatopatias. Outro é uma enzima que desempenha
cuidado refere-se ao controle da glice- um papel importante no metabo-
mia e do ácido úrico, pois com frequ- lismo lipídico, modulando a den-
ência observa-se elevação de ambos. sidade de LDLR.270 Sintetizada
No entanto, o benefício do tratamento no núcleo celular e secretada pe-
com derivados do ácido nicotínico so- los hepatócitos, liga-se aos LDLR
bre a proteção cardiovascular ocorre na circulação, favorecendo sua
independentemente da glicemia. degradação.

Novos fármacos
Inibidores da proteína de transferên-
cia de ésteres de colesterol: A CETP é
responsável pela transferência de és-
teres de colesterol da HDL para lipo-
proteínas que contêm ApoB, em troca
equimolar por TG. Como é previsível,
DISLIPIDEMIAS 26

CARACTERÍSTICAS GERAIS DA DISLIPIDEMIA

Consumo
Idade Terapia nutricional Redução de peso
moderado de álcool
Ezetimiba

Tabagismo Tratamento não


medicamentoso Resinas
Medicações para
Dislipidemia colesterolemia

Estatinas
Fatores de risco Tratamento
Diabetes DISLIPIDEMIA
cardiovascular medicamentoso
Ácido nicotínico

Sexo Medicações para


trigliceridemia
Fibratos
Classificação
Hipertensão

Ácidos graxos ômega 3


Classificação Classificação etiológica Classificação fenotípica
laboratorial (Fredrickson)

Hipercolesterolemia
Primária
isolada

Hipertrigliceridemia
Secundária
isolada

Hiperlipidemia mista

HDL baixo
DISLIPIDEMIAS 27

REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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KUMMAR, Vina, et. Al. Robbins & Cotran. Bases patológicas das doenças. 8ª ed. Rio de Ja-
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DISLIPIDEMIAS 28

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