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BRUCE LEE:
SÃO PAULO
2010
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BRUCE LEE:
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________ ___/___
Prof. _______________________________________________________________
____________________________________________________________ ___/___
Prof. _______________________________________________________________
____________________________________________________________ ___/___
Prof. _______________________________________________________________
Por fim, agradeço a todo o corpo docente da Unip e, em especial, à Prof.ª Dr.ª Anna
Maria Balogh, por toda a paciência com que orientou este trabalho.
6
São as atrizes de cinema autênticas "estrelas", como Vênus e Marte, são "divas",
como Juno. Não podemos julgar os novos mitos a partir da nossa alienação, mas
somente a partir do empenho autêntico que provocam.
Vilém Flusser
7
RESUMO
Bruce Lee, estrela de filmes de kung fu na década de 70, ainda hoje é reconhecido
como o melhor em sua arte. Referência para diretores contemporâneos, mantém
viva a milenar arte chinesa. Curioso é que Lee morreu há 40 anos. Suas estórias de
enredo simples cativavam pela plasticidade das coreografias dos combates; mas
apenas chutes e socos seriam capazes de gerar tanta identificação com o público?
Neste trabalho, a obra de Lee é submetida às teorias de Vladimir Propp, Algirdas
Julien Greimas, José Luiz Fiorin e Joseph Campbell, no nível da narrativa, e de
Marcel Martin, Ismail Xavier, Jacques Aumont no nível fílmico, casando ambos com
os ensinamentos da professora Anna Maria Balogh, a fim de conhecer como a arte
de Lee se desenvolve e gera tamanha identificação com o público.
ABSTRACT
Bruce Lee, kung fu star in the 70s, is still recognized as the best in his art. Reference
to contemporary directors, keeps alive the ancient chinese art. It is curious that Lee
died 40 years ago. His stories captivated by the simple plot of the plasticity of
choreography of the fighting, but just kicks and punches would be able to generate
so much identification with the public? In this work, Lee’s art is submitted to the
theories of Vladimir Propp, Algirdas Julien Greimas, José Luiz Fiorin and Joseph
Campbell, the narrative level, and Marcel Martin, Ismail Xavier, Jacques Aumont
level film, both associated with the teachings of the teacher Anna Maria Balogh, to
know how the art of Lee develops and produces such identification with the public.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................... 11
A PARTIDA ......................................................................................... 81
A INICIAÇÃO ...................................................................................... 81
O RETORNO ....................................................................................... 82
MANIPULAÇÃO ....................................................................... 89
COMPETÊNCIA ....................................................................... 89
TEMA ........................................................................................ 90
TEMPORALIZAÇÃO ................................................................ 91
ESPACIALIZAÇÃO ................................................................... 92
ACTORALIZAÇÃO ................................................................... 92
INTRODUÇÃO
Li Jun Fan, artisticamente conhecido como Bruce Lee, foi filósofo, professor
de artes marciais e ator de filmes de kung fu. Estrela nas décadas de 60 e 70, ainda
hoje é reconhecido como o melhor em suas artes: a de lutar e a de encenar as lutas.
Referência para renomados diretores contemporâneos, como Quentin
Tarantino, Ang Lee e os irmãos Wachowski, em filmes aclamados pelo público e
pela crítica, Bruce faz manter viva a milenar tradição de seu país de origem, a China,
num ocidente tão distante geográfica e culturalmente. Curioso, no entanto, é o fato
de que “o dragão chinês”, como Lee é chamado, morreu há cerca de 40 anos.
Suas histórias de enredo simples cativavam, em princípio, pela plasticidade
das encenações e coreografias dos combates, mistura enérgica das diversas
modalidades praticadas pelo ator, que também dirigia, roteirizava e editava as
películas. Além do kung fu, ensinado às crianças chinesas na própria escola como
educação física, Bruce lutava com maestria boxe, judô, karatê e jiu-jitsu. Tanto
conhecimento em artes marciais deu a ele embasamento para iniciar sua própria
arte, o jet kune do.
Mas apenas chutes, voadoras, socos e pontapés seriam capazes de gerar
tanta identificação com o público, característica do cinema, para fazer um nome
permanecer tão longo tempo como modelo a ser seguido? Existe fórmula para
alcançar tal sucesso?
Fórmula talvez não seja a palavra adequada, mas padronização pode ser. Na
obra Morfologia do Conto Maravilhoso, o russo Vladimir Propp (1984) identificou um
sistema formal em contos de fadas e folclóricos. Em sua teoria, estabelece que os
personagens do conto maravilhoso, por mais diferentes que sejam, realizam
frequentemente as mesmas ações. O meio em si, pelo qual se realiza a função,
varia: trata-se de grandeza variável.
Assim, tratando-se os filmes de Lee de histórias de heróis e monstros,
mocinhos e vilões, vencer ou morrer, dualidades recorrentes aos contos analisados
por Propp, sob a perspectiva do teórico russo a obra do ator será submetida e
analisada. O estudo foi aprofundado com as metodologias que surgiram
posteriormente a Propp, como de Algirdas Julien Greimas, traduzidas por José Luiz
Fiorin (2002).
Antes, no entanto, foi realizada a decupagem clássica do filme-guia para a
dissertação, Operação dragão, conforme ensina a professora Anna Maria Balogh
12
(2005). Analisados os recursos fílmicos, de acordo com Marcel Martin (2003), Ismail
Xavier (2008) e Jacques Aumont (1995). Outros autores, como Gilles Deleuze
(1985), Ralph Stephenson e Jean Debrix (1969) também foram consultados como
fonte de referência.
Por fim, complementando os estudos, a obra de Lee foi submetida ao que o
mitólogo Joseph Campbell (1992) chamou de “jornada do herói”. Como Propp,
Campbell também encontrou similaridades em um corpus de contos, mas sob a
perspectiva mítica. Nada mais apropriado quando o objeto de estudos trata de uma
China misteriosa, que envolve histórias dragões e imperadores, bem como de um
personagem-herói que se confunde com o próprio ator, criando espécie de mito
moderno, do qual falam Harry Pross, na tradução de Norval Baitello Jr. (2010) e
Vilém Flusser (2009), que encerram este trabalho.
Assim, encantado com tudo com o que se deparava, Marco Polo escreveu
suas crônicas e histórias, que povoaram intensamente a imaginação de vários
povos, chamando a atenção pela riqueza de detalhes e emoção gerada em suas
narrativas sobre o que seria aquela terra até então desconhecida.
Desde a morte do primeiro Khan até o momento em que lhes narro
minhas viagens, seis khans sucederam a Gengis no trono. O sexto, Kublai
Khan, é o mais poderoso: mesmo somadas todas as conquistas dos
imperadores anteriores, elas nunca perfariam a extensão de seus domínios
e riquezas. E mesmo que todos os senhores do mundo, cristãos e
muçulmanos, se reunissem, não teriam tanto poder quanto Kublai, o Khan
que reina atualmente.
Quando os khans e os grandes senhores de linguagem morrem, são
enterrados perto de uma montanha chamada Altai. Durante o cortejo
fúnebre, todos os homens encontrados no caminho são mortos, para
servirem ao senhor no outro mundo. Quando o antecessor de Kublai
morreu, foram sacrificadas mais de 20 mil pessoas.
Como estamos falando mais particularmente dos tártaros, vou
contar-lhes outras coisas sobre eles. Durante o inverno, permanecem nas
planícies, onde há muito pasto para os animais. No verão, buscam lugares
mais frios, nas montanhas e nos vales, onde não há insetos, e a água e as
pastagens são abundantes. Moram em pequenas casas em forma de tenda,
erguidas sobre armações de varas recobertas de couro. Essas tendas são
montadas e desmontadas com grande facilidade, podendo assim ser
carregadas para onde o clima for melhor. Mas uma vez montadas, as portas
ficam sempre voltadas para o sul.
Os tártaros usam carroças cobertas de couro preto, que as protege
das chuvas. São puxadas por bois ou camelos e nelas viajam mulheres e
crianças. As mulheres, aliás, é quem compram, vendem e fazem inúmeras
outras tarefas, porque os homens só se ocupam da caça e dos combates.
Alimentam-se de carne, leite e frutas. Por nada no mundo um tártaro tocaria
a mulher do outro; seria uma ofensa gravíssima. As mulheres são fiéis e
zelam pela honra dos maridos, que podem ter tantas esposas quanto
puderem sustentar; mas a primeira é sempre considerada a melhor. Ao
casar-se, o homem dá um dote à mãe da esposa, mas esta nada oferece ao
marido. Como os tártaros possuem muitas mulheres, eles têm mais filhos do
que os outros povos. (Idem, p. 50-51).
como ele vivia, em qual espaço estava inserido, é creditada a Polo a introdução no
Ocidente da pólvora, que ele trouxe dessa viagem.
Dessa forma, o oriente, em especial a China, tornou-se um lugar fantástico,
com histórias maravilhosas; uma nação avançada, capaz de inventar algo que
mudaria o destino de todo o mundo.
John King Fairbank e Merle Goldman (2006, p. 19), por sua vez, explicam que
“o fato de a história chinesa ser mais conhecida na China, da mesma forma que a
história do Ocidente é mais conhecida na América e na Europa, gera pontos de vista
discordantes entre a China e o resto do mundo”. Em um resumo comparativo sobre
a história política dos dois hemisférios os autores relatam:
(...) os chineses sabem que os líderes tribais manchus batizaram
seu novo país de Qing (“Puro”) em 1636, justamente o ano que os norte-
americanos (pelo menos aqueles residentes na região de Boston) lembram
como o da fundação de Harvard, a primeira universidade do Novo Mundo.
Após cerca de dois milhões de manchus dominarem mais de 120 milhões
de chineses, a dinastia Qing governou o povo chinês por 267 anos, período
durante o qual houve aumento populacional de cerca de quatrocentos
milhões de pessoas. Na metade da década de 1770, o império de Qing,
com sede em Beijing, consumou a conquista da Mongólia, da Ásia Central e
do Tibete, enquanto alguns milhões de rebeldes nas treze colônias
americanas declararam sua independência do Império Britânico.
Agora que os Estados Unidos são a nação líder do mundo,
sucedendo a França do século XVIII e a Grã-Bretanha do século XIX, a
perspectiva histórica faz-se ainda mais importante. A economia de mercado
dos Estados Unidos enfrenta na China o último regime ditatorial comunista,
embora por trás do comunismo chinês haja uma tradição de autocracia
bem-sucedida que é a mais longa do mundo.
(...) o presidente Mao matava milhões de chineses em nome de uma
luta de classes em prol da revolução. Em 1989, seu sucessor estava de tal
forma arraigado à tradição autocrática da China que, ao ser confrontado
com protestos de pessoas desarmadas que reivindicavam a democracia,
cometeu o erro de ordenar o envio de tanques para massacrar centenas
delas em pleno horário nobre de televisão. (Idem, p. 19-20)
Como esses dois trechos extraídos da obra de Polo, livremente traduzida por
Machado, há muitos outros que comentam o mesmo fato: “Na capital de Fuchu, o
Grande Khan costuma manter um exército bem equipado, porque seus habitantes
são muito rebeldes.” (Ibid., p. 90). Ou ainda:
Quero agora falar dos muitos feitos de Kublai, Khan, cujo nome
significa “rei dos reis”. (...) Descendente direto de Gengis Kam, tem
portanto, o direito de ser senhor de todos os tártaros. (...) Antes de ser rei
participou de diversas batalhas, com grande bravura. Mas, depois de ocupar
o trono, Kublai só foi à guerra uma vez, em 1286.
Nessa época, um jovem chamado Naian, bisneto de um irmão de
Gengis Khan, tinha recebido muitas terras do Grande Khan. Aos 30 anos,
achando-se poderoso, decidiu não mais ser súdito do imperador, e quis
arrebatar de Kublai seu poder e seus domínios. Propôs então a Kaidu, um
ambicioso sobrinho de Khan, um ataque conjunto, para que o derrotassem
mais facilmente. Reuniram assim muitos cavaleiros e soldados para
combater o Grande Khan.
Quando Kublai soube da cilada que lhe preparavam, teve uma
surpreendente reação: declarou que não mais reinaria se não conseguisse
matar os dois traidores. Em segredo, sem que ninguém soubesse, a não ser
seus conselheiros, equipou um exército em apenas 22 dias, com 360 mil
cavaleiros e 100 mil soldados. Eram poucos, se comparados a todo o seu
exército. Porém, pretendendo que tudo ficasse em sigilo, Khan reuniu
apenas os homens de sua confiança. Chamou então os astrólogos, os quais
lhe disseram que venceria a batalha, e partiu com seus homens por
estradas secretas, para que ninguém os visse. Em 20 dias chegou à
planície onde estava Naian com seus 460 mil cavaleiros, sem saber que
estava prestes a ser atacado. Por isso mesmo, seu acampamento não tinha
guardas.
Antes de o dia amanhecer, enquanto Naian ainda dormia, o Grande
Khan começou a avançar com uma torre fortificada, sustentada por quatro
elefantes. No alto da torre tremulavam suas bandeiras, que podiam ser
vistas de longe. Kublai Khan distribuiu seus homens em volta do
acampamento e foi se aproximando. Quando Naian o avistou, pressentiu
que estava perdido; mas, para não desapontar seus soldados, ordenou que
se pusessem em posição de combate, empunhando sua bandeira com a
cruz de Cristo, pois era cristão batizado. Os exércitos esperavam apenas
que soassem os grandes tambores, os quais, segundo o costume tártaro,
marcariam o início da batalha. Enquanto aguardavam, cantavam e tocavam
vários instrumentos. Quando os tambores rufaram, iniciou-se a luta com
espadas e lanças. Foi uma batalha cruel, na qual morreu muita gente.
Venceu-a o Grande Khan. Naian foi preso e seus barões renderam-se.
(Ibid., p. 58-59).
Resta saber, no entanto, de onde vem essa origem bélica, como ela se
formou, qual o contexto dessa nação que, além de tudo, precisa representar-se de
forma tão magnífica.
Ao estudar as histórias que alimentam o imaginário dos povos do mundo todo,
o mitólogo norte-americano Joseph Campbell (1994) lançou os três volumes de As
máscaras de Deus. No volume Mitologia oriental, ele conta que, na época de
Confúcio (551 a 478 a.C), havia nada menos que 770 Estados monárquicos em luta.
Bem antes disso, no período dos 10 Grandes (sec. XXVI a.C. a 1.730 a.C.),
aparecem histórias que podem ter deixado arraigado no povo chinês o espírito
guerreiro. O mitólogo apresenta Yen Ti. Destronado por seu irmão, Huang Ti, era
conhecido como Imperador Amarelo. Teve 25 filhos, e a ele eram comuns os
sacrifícios. É creditada a Yen Ti a invenção do fogo que, com ele, queimou florestas
e montanhas, limpou as matas, incendiou os pântanos e expulsou os animais
selvagens para a criação de gado.
Posteriormente, na época feudal (1.500 a 500 a.C.), aparece a história do
imperador Yü, morto por um de seus vassalos ocidentais. P’ing, seu sucessor,
transferiu a capital para Loyang, no leste. O único poder no oeste era o Estado
bárbaro de Ch’in, que no período subsequente a Confúcio dominaria toda a China,
estabeleceria o primeiro império militar chinês, construiria a Grande Muralha,
queimaria os livros dos filósofos e iniciaria em grande estilo a política de despotismo.
Apesar disso, na Dinastia T’ang, de 618 a 906 d.C., aconteceu o maior
massacre chinês. O período foi amplamente cosmopolita, com o florescimento da
ordem budista achinesada, demolição de mosteiros e santuários, confisco de terras
e alforria de escravos dos templos.
Posterior a T’ang, Wu-tsung assumiu o trono, e mais de quatro mil favorecidos
pelo imperador anterior foram mortos. No ano seguinte apoiou o clero taoísta contra
o budista e, em 842, começou a acabar com a doutrina estrangeira no país.
17
Para iniciar o capítulo seguinte, a revisão do que foi dito até agora é
indispensável. Falou-se que, depois que a Europa percebeu que não estava sozinha
18
Outro fato curioso sobre o wushu é que, até meados da década de 70, era
ensinado apenas para chineses. Considerava-se heresia o fato de popularizar a arte
para ocidentais e europeus. No entanto, o ator e praticante de artes marciais Li Jun
Fan, artisticamente conhecido como Bruce Lee, rompeu paradigmas ao fundar, nos
Estados Unidos, uma rede de escolas que ensinava a luta e, depois, mostrá-la em
filmes e seriados de televisão para todo o mundo conhecer.
Há quase 40 anos fora de cena, Bruce Lee ainda é lenda. Encontrar pôsteres
seus nas academias dos mais diferentes estilos, não é tarefa difícil. Isso porque sua
presença ainda hoje é extremamente lembrada pelos amantes das lutas e das
películas, outrora consideradas “lado b”, mas hoje fonte de inspiração para
produções impecáveis aos olhos da crítica e do público.
Sino-americano (filho de chineses, mas nascido em São Francisco), seus
olhos puxados e seu 1,60m, em tela pouco se assemelhavam com o que o público
estava acostumado a ver quando se diz respeito aos filmes de ação em que um
herói precisa salvar a mocinha indefesa ou a cidade em perigo.
Naquela época (fim da década de 60 e início da década de 70), o gênero
“filmes de kung fu” estava relegado a segundo plano. Foram lançados clássicos
como A primeira noite de um homem, de Mike Nichols, A bela da tarde, de Luis
Buñel, Rebeldia indomável, de Stuart Rosenberg, À queima-roupa, de John
Boorman, Bonnie e Clyde, de Arthur Penn, Era uma vez no Oeste, de Sergio Leone,
O planeta dos macacos, de Franklin Schaffner, O bebê de Rosemary, de Roman
Polanksi, 2001, uma odisséia no espaço e Laranja mecânica, de Stanley Kubrick,
Solaris, de Andrei Tarkovsky e O poderoso chefão, de Francis Ford Coppola.
A relação está na obra 1001 filmes para ver antes de morrer, de Steven Jay
Schbeider, lançada em 2008. O livro compila crônicas, numa espécie de catálogo,
daquilo considerado relevante em produções audiovisuais, desde Viagem à lua, de
George Méliès, a Desejo e reparação, lançado em 2007 na Inglaterra, por Joe
Wright.
2.1 O princípio
A biografia mais recente de Lee foi lançada em 2006 pela editora Conrad.
Bruce Lee Definitivo é uma compilação de tudo já publicado sobre esse que ficou
conhecido como “o rei do kung fu”. A obra mostra uma personalidade à frente de seu
20
Aos 13 anos resolveu deixar as ruas para levar a luta mais a sério. Bruce se
interessou pelo estilo wing chun, modalidade que exige movimentos mais rígidos e
econômicos, mas ao mesmo tempo contundentes. Aprendeu a desferir golpes
potentes, dados a curta distância. As aulas envolviam filosofia oriental, autocontrole
e métodos de defesa.
O professor e os outros alunos ficaram impressionados com a rápida
evolução de Bruce nas aulas; mais ainda com sua elasticidade, reflexos e
habilidades para socos e chutes. Para aprimorar equilíbrio e movimentos do corpo,
aos 14 anos foi aprender a dançar chácháchá, e ficou em primeiro lugar no
campeonato da Coroa da Colônia. Ele também lutava karatê e decidiu treinar boxe.
As coisas não iam bem para Bruce e sua família nos Estados Unidos. Eles
eram vítima de preconceito. Por sugestão do amigo e ator James Coburn, Bruce
decidiu investir na Ásia. Acertou com uma promissora produtora de Hong Kong, a
Golden Harvest. Reuniu-se com o produtor Raymond Chow, que se tornaria seu
grande parceiro e incentivador, e acertou três produções. A empresa era pequena e,
com isso, Bruce teria liberdade para, além de atuar, participar ativamente das
filmagens, dando palpites nas câmeras, produtores e técnicos, para os filmes
apresentarem lutas de grande apelo plástico, autenticidade e emoção.
A participação de Lee atrás das câmeras nas produções foi definitiva para o
sucesso das películas. Segundo Marcel Martin (2003, p. 24) explica que: “quando o
diretor pretende fazer uma obra de arte, sua influência sobre a coisa filmada é
determinante.” E foi isso que aconteceu com os filmes de Lee.
À medida que ele sobe as escadas, ficando, portanto, no alto e mais próximo
metaforicamente de um possível Deus, para alcançar esse Deus é necessário
vencer um desafiante cada vez mais poderoso. E Bruce Lee conquista, de fato, a
vitória.
As referências a esse filme são tão recorrentes que o costume que o ator
usava foi vestido também por Uma Thurman em Kill Bill I (anexo 5), singela
homenagem do cineasta Quentin Tarantino à sua fonte inspiradora. A coreografia
das lutas, os cenários e os diálogos do volume II de Kill Bill também remetem ao
trabalho de Lee.
As filmagens de O jogo da morte se estenderam por meses, e a fita só foi
concluída em 1978, anos após a morte de Bruce Lee. Dois atores foram chamados
para dublês, e Robert Clouse terminou a edição do longa.
Durante as gravações, os executivos da Warner, Fred Weitraub e Paul Heller
convidaram Bruce para um projeto em Hollywood: Operação dragão. Ansioso, pois
finalmente havia conquistado o que desejara, chegou a faltar aos primeiros dias de
gravações. Quando finalmente decidiu seguir adiante com o filme, mostrou a Clouse
alguns de seus desenhos de lutas para as sequências. O diretor não tinha dúvidas
de que aquele seria um grande filme.
A história era corriqueira dos filmes de artes marciais: para vingar o
assassinato da irmã, um lutador vai a uma fortaleza repleta de bandidos. É desse
filme a cena na sala com mais de 8 mil espelhos, muito imitada em produções
posteriores. “Esse filme tornou Bruce Lee ainda mais popular e definitivamente uma
lenda como ator e lutador nos EUA” (LOPES, 2006, p. 57).
Em abril de 1973, agora com apoio da Warner, Bruce voou para Hong Kong
para finalizar as filmagens de O jogo da morte. No dia 10 de maio entrou em coma e
se recuperou dias depois, mas em 20 de julho tomou um analgésico para dor de
cabeça, foi se deitar e não acordou mais. A causa da morte foi edema cerebral,
provocado por reação alérgica a um componente químico do remédio.
O jogo da morte, filme concluído e lançado após a morte de Bruce Lee, foi
seu maior sucesso de bilheteria. Ficou meses em cartaz. “Bruce virou lenda, mito, e
sua influência é forte até hoje” (Idem, p. 66-67).
26
O roteiro incluía cenas ousadas, como a da sala com os oito mil espelhos,
que exigiam alguém que soubesse como coreografar e filmar uma luta, deixando-a
plástica e eletrizante. “Bruce contribuiu com seus palpites e foi decisivo para que a
ideia desse certo” (Ibid., p. 57).
Sobre o filme, Schineider (2008, p. 563) resenha:
Tendo estabelecido suas credenciais de superestrela de filmes de
ação com produções precárias de Hong Kong, como A fúria do dragão e O
dragão chinês, Bruce Lee, campeão de chácháchá (e também de karatê e
kung fu), só teve a oportunidade de completar um filme com os padrões de
produção de Hollywood.
(...)
O diretor Robert Clouse possui o estilo esperado de alguém que
esteja dirigindo uma aventura de Brock Landers (uso intenso de zoom e
reflexos de luz batendo nas lentes), e Lee, cujo inglês de Hong Kong da
vida real possuía um forte sotaque, mas era fluido e característico, fica
preso aos “diálogos de Charlie Chan”, que consistem de sábios
pronunciamentos enigmáticos. A ação continua sendo formidável, contudo,
já que, sem a ajuda de fios ou dos efeitos usados em filmes recentes, como
O tigre e o dragão, Lee executa magnificamente seus movimentos, usando
seus nunchakos característicos e movimentando o seu tórax oleado.
Influente sobre todo um gênero de filmes de artes marciais que veio depois,
1
Apesar de Game of death (Jogo da morte) ter sido lançado em 1978, o filme começou a ser gravado
em 1972. As filmagens foram interrompidas justamente para Bruce rodar Operação dragão e
concluídas após sua morte com auxílio de dublês.
30
Rosto de Bruce
aparenta que
ele está
fazendo força.
Seu oponente
Plano de não aguenta
conjunto segurar o golpe
e desiste da
luta sob os
olhos dos
alunos e do
mestre.
Lutadores
levantam,
cumprimentam-
se e
cumprimentam
quem está fora
de campo.
Com um gesto,
o mestre indica
que todos
podem se
levantar e
deixar o local.
7 1º plano FRENTE Câmera fixa Bruce sorri. Sons de luta
e música
Os estudantes tradicional
que outrora o chinesa, com
observavam cítaras e
agora o percussão,
cumprimentam criam clima
pelo feito de suspense
Câmera lenta ao fundo
Eles formam
uma fila e
Bruce dá um
salto, em
câmera lenta,
passando por
cima de todos
eles.
8 Plano de Travelling Mestre em um Passos e
33
Um ocidental
aparece no
quadro. Os três
caminham.
9 Plano de FRENTE Câmera fixa Conversa entre Bruce: Mestre.
conjunto mestre e
Bruce. Ms.: Vejo que seu talento
Mestre explica ultrapassou os limites
a Bruce que ele físicos. Suas habilidades já
deve honrar o têm intuição espiritual.
Templo Shaolin Tenho algumas perguntas:
em que treina, qual a técnica que deseja
vingando-se, alcançar?
em um torneio
de artes Bruce: Não ter técnica.
marciais, de
um ex-aluno Ms.: Ótimo. O que pensa ao
que usou os enfrentar seu adversário?
ensinamentos
do Templo para Bruce: Não existe
conseguir adversário.
dinheiro, poder
e mulheres Ms.: E por quê?
ilegalmente.
Bruce: Porque a palavra
“eu” não existe.
Ms: Envergonho-me em
dizer que, dentre todos que
ensinei, um distorceu o
conhecimento adquirido
para fins pessoais. Ele
perverteu tudo o que
consideramos sagrado.
Chama-se Han. Ele desafia
todas as nossas crenças.
Trouxe desgraça ao Templo
Shaolin. Por isso você deve
recuperar a nossa honra
perdida.
americano Templo
aparece para
que Bruce dê
nova lição de
arte marcial,
dessa vez
envolvendo
concentração e
sentimento.
Plano de
conjunto O ocidental
observa
sorrindo a
atuação de
Bruce.
12 Panorâmi Travelling Há um corte Sons de luta
ca brusco de e música
realidades tradicional
nesse chinesa, com
momento do clima de ação
filme. e aventura ao
Aparece Hong fundo
Kong, uma
grande cidade.
Entram os
créditos em
letra vermelha.
13 Plano TRÁS Câmera fixa Grande feira Música
geral livre, com tradicional
crianças chinesa, com
brincando e clima de ação
carros e aventura ao
passando. fundo
campo pelo
lado esquerdo,
de costas para
o espectador.
Ele se vira
observando os
letreiros com
estranheza, faz
um sinal com a
mão e
caminha.
16 Close FRENTE Travelling Malas no chão Música
carregadas por tradicional
um chinês no chinesa, com
aeroporto. clima de ação
e aventura ao
Plano de Um homem fundo
conjunto bem vestido
aponta outras
malas que o
carregador
deve levar. Ele
surge em uma
charrete
humana, típica
dos grandes
centros
urbanos
chineses. Há
outra charrete
apenas para
carregar suas
malas. O
pedaço da
cidade é
diferente do
mostrado nas
cenas
Câmera anteriores.
subjetiva Entre os
letreiros,
alguns já
aparecem em
TRÁS inglês.
Viagem na
charrete
17 Plano de FRENTE Câmera fixa A locação é Mr. Br.: Ali, esse é Han. É a
conjunto interna, uma única imagem que temos
sala escura. dele. Sabemos que foi
Bruce e o membro do seu Templo.
ocidental que o Um monge Shaolin. Hoje,
abordou no um renegado.
início do filme Esse é O’Hara, atrás dele.
assistem a uma Seu guarda-costas. Duro,
projeção. O impiedoso. O que se espera
espectador vê do guarda-costas de Han.
imagens em (...)
preto e branco
na parede. O Aqui é para onde irá. É uma
37
Pés da faxineira,
Close FRENTE com a vassoura
e as folhas
sendo varridas.
22 Plano FRENTE Câmera fixa Bruce sai do Som
geral cemitério ambiente com
pisando em trilha sonora
outros túmulos. chinesa que
Ele carrega uma incita um
mala. pouco de
suspense no
background
23 Plano de FRENTE Fusão Bruce está Som
conjunto novamente no ambiente com
pequeno barco. trilha sonora
Dessa vez há chinesa que
outros barcos, incita um
como o que ele pouco de
está, em suspense no
movimento. background
ensolarado. background
28 Plano de FRENTE Shot- A conversa trata Roper: Soldado, sempre
conjunto reaction-shot do tempo em que alerta!
ambos foram
companheiros de Willians: Roper! Ei, como
guerra no Vietnã. está, cara?
O barco em que
se encontram irá Roper: Como estou, cara?
levar todos os Estou feliz em te ver!
competidores Quanto tempo faz? Cinco?
para a ilha onde
vai acontecer o Willians: Seis anos, não
torneio. parece tanto tempo assim.
O que fez depois do
Vietnã?
(...)
duelam alguns
homens
conversando,
mas não se
identifica
exatamente o
que falam.
O áudio
precede a
cena seguinte
33 Plano de CIMA Travelling Homens Burburinhos e
conjunto sentados no risos
convés com as
ondas fortes
jogando água
sobre eles e
prestando
atenção no duelo
dos louva-deus.
A câmera se
afasta mais um
pouco e Roper e
Willians integram
o campo.
34 Close FRENTE Câmera fixa Os homens Burburinhos,
estão apostando risos e
para ver qual aplausos
deles vence a
disputa. Bruce
chega e aposta
no menor dos
louva-deus,
surpreendendo
Roper. Seu
escolhido vence
a luta e Roper,
inconformado,
paga a Bruce o
que lhe deve.
35 Plano de FRENTE Câmera fixa Um homem, Sons de luta
conjunto Parsons, arruma
confusão com a
tripulação. Um
dos homens com
quem ele mexe
cai no convés.
provoca Bruce.
Parsons: Qual seu estilo?
Eles conversam.
Bruce se mostra Bruce: Meu estilo?
desinteressado Podemos chamar de lutar
em confusão, sem lutar.
mas o homem
não o deixa sair Parsons: Lutar sem lutar?
em paz. Mostre-me isso.
Bruce aponta
para fora do Bruce: Depois. Não acha
campo. que aqui é muito pequeno?
com o travelling
para frente.
43 Plano FRENTE Câmera fixa Embarcação Som
geral aportando no ambiente com
local. trilha sonora
chinesa que
incita um
pouco de
suspense no
background
44 1º plano FRENTE Câmera fixa Mulher loira com Trilha de
trajes chineses suspense
azul e branco.
45 Close LADO Câmera fixa Roper e Bruce Trilha de
de perfil suspense
46 Plano de FRENTE Câmera fixa Criados chineses Som
conjunto descarregam ambiente com
muitas malas da trilha sonora
embarcação chinesa que
incita um
pouco de
suspense no
background
47 Plano FRENTE Câmera Os tripulantes Som
geral aberta descem em fila, ambiente com
um a um. Eles trilha sonora
observam o chinesa que
local, que está incita um
fora de campo. A pouco de
Travelling câmera vai se suspense no
afastado até background
chegar numa
panorâmica da
ilha: um local
rochoso, com
diversos campos
para a prática de
artes marciais.
48 Plano CIMA Travelling Há lutadores. A Os gritos dos
geral ilha é decorada lutadores
com flores durante o
vermelhas e treino são
leões dourados. muito fortes.
49 Plano de FRENTE Câmera fixa Por uma aresta Som
conjunto na formação ambiente com
rochosa da ilha trilha sonora
observam-se os chinesa que
tripulantes das incita um
embarcações pouco de
chegando para o suspense no
torneio. Ao background
fundo,
praticantes
continuam o
treinamento.
50 Plano CIMA Travelling Mansão da ilha: Som
geral arquitetura ambiente com
tipicamente trilha sonora
chinesa em meio chinesa que
à mata verde. incita um
44
rústicos, porém
luxuosos, com
objetos
tipicamente
orientais, como
lamparinas e
cortinas de
bambu, os
lutadores
recebem oferta
de prostitutas. A
cafetina é a loira
que recepcionou
os lutadores ao
chegarem à ilha.
Ela veste preto.
Ao entrar no
quarto de Bruce,
ele está
escrevendo.
62 Close FRENTE Câmera fixa Willians, que
ouve música com
grandes fones de
ouvido, escolhe
três prostitutas
para a noite.
63 Plano de FRENTE Câmera fixa Ao manusear um Cafetina: Se não gostou de
conjunto dardo que uma nenhuma...
das mulheres
atirou na Bruce: Gostei de uma que
recepção dos estava no banquete. A dona
lutadores, Bruce deste dardo.
pede para ver a
dona do dardo. Cafetina: Ah, sim, sei quem
é. Vou trazê-la até você.
64 Plano de TRAS Câmera fixa Roper conversa
conjunto consigo mesmo
em frente ao
espelho.
65 Plano de FRENTE Câmera fixa Dentro do quarto
conjunto de Bruce
aparece uma
gaiola com um
passarinho.
66 Plano de FRENTE Câmera fixa Abre-se a porta Bruce: Quero falar com
conjunto do quarto e você... Mei Ling.
aparece a mulher
que Bruce pediu Mei Ling: de onde você
para ver. É veio?
Mei Ling, e ela e
Bruce Bruce: Braithwate.
conversam.
Mei Ling: Vamos falar
Rosto do herói. baixo.
de recepção. O trilha de
plano dá suspense.
profundidade,
com leões
dourados
enfileirados. Um
guarda portando
2
nunchako
aparece em cena
e se posta ao
centro do
quadro.
87 Close FRENTE Câmera fixa Olhos de Lee Som
espreitam atrás ambiente com
de uma cadeira trilha de
vermelha. suspense.
98 Plano de FRENTE Câmera fixa Gaiolas cobertas Som
conjunto com panos ambiente com
trilha de
suspense.
89 Plano de FRENTE Câmera fixa Bruce consegue Som
conjunto sair da mansão. ambiente,
No com passos
enquadramento na noite, com
apenas uma clima de
árvore à direita. suspense.
A noite é bem
escura. Um
cachorro tenta
atacá-lo. O
barulho chama a
atenção dos
guardas. Entre Sons de luta
luz do luar e
sombras, Bruce
ataca um vigia.
90 Plano de FRENTE Travelling Vitorioso, Bruce Som
conjunto corre no escuro. ambiente,
Ele encontra com passos
uma passagem na noite, com
subterrânea, pela clima de
qual desce com suspense.
auxílio de sua
corda. A câmera
acompanha seus
movimentos,
incluindo o vai e
vem para
despistar os Sons de luta
guardas. Do alto
ele vê dois
homens
carregarem num
carrinho um
barril.
91 Plano de FRENTE Câmera fixa Bruce ataca o Som
conjunto guarda e outros ambiente,
três que chegam. com passos
2
Arma originalmente japonesa, com duas hastes de madeira ligadas por uma corrente.
50
demais
competidores,
Han e as
mulheres,
apenas assistem.
103 Plano de FRENTE Câmera fixa O homem finaliza Sons de luta
conjunto a luta em poucos
segundos e
segue em
direção aos
outros guardas,
que começam a
ser atacados
104 Plano de FRENTE Câmera fixa Lee é convocado Trilha tensa
conjunto para lutar, mas
por conta do
torneio de artes
marciais. Os
enquadramentos
privilegiam seu
rosto
105 Plano FRENTE Câmera fixa Mostra o Trilha tensa
americano adversário de
Bruce: o homem
com a cicatriz
106 Close FRENTE Câmera fixa Han Trilha tensa
cumprimenta os
lutadores
107 1º plano FRENTE Câmera fixa Lutadores Trilha tensa
cumprimentam
alguém que está
fora do campo
108 Plano de FRENTE Câmera Sequência de Sons de luta,
conjunto subjetiva luta com aplausos e
Shot- alternância entre trilha tensa ao
reaction-shot público e fundo
lutadores
109 Flash Lee tem um flash back da morte da irmã e acerta de primeira um soco na
back cara do adversário.
110 Plano de FRENTE Câmera fixa O homem cai e Sons de luta,
conjunto se levanta aplausos e
espantado. trilha tensa ao
fundo
111 Close FRENTE Câmera fixa Han tem o Sons de luta,
mesmo olhar de aplausos e
espanto do trilha tensa ao
adversário de fundo
Bruce
112 Plano de FRENTE Câmera fixa Lee continua a Sons de luta,
conjunto desferir golpes aplausos e
certeiros. trilha tensa ao
fundo
113 Plano de FRENTE Câmera fixa O adversário de Sons de luta,
conjunto Bruce tenta aplausos e
golpe baixo. trilha tensa ao
fundo
114 Plano de FRENTE Câmera fixa Han repreende Sons de luta,
conjunto com um gesto a aplausos e
atitude do lutador trilha tensa ao
fundo
52
quadrinhos!
118 Plano de FRENTE Câmera fixa Após a Sons de luta,
conjunto discussão, trilha de ação.
guardas de Han
aparecem para
atacar Willians.
119 Plano de FRENTE Câmera fixa Novamente
conjunto Roper aparece
refletido no
espelho, dessa
vez ao lado de
uma das gaiolas.
120 Plano de FRENTE Câmera fixa Willians e Han
conjunto discutem.
Guardas para Trilha de
atacar Willians ação
121 Plano de FRENTE Câmera fixa Há uma dinâmica Sons de luta
conjunto sequência de
luta e, quando
todos os guardas
são derrotados,
Han passa a
lutar contra
Willians
122 Plano de FRENTE Câmera Campo de visão
conjunto subjetiva dos lutadores
123 Plano de FRENTE Câmera fixa Eles destroem Risos das
conjunto uma das paredes mulheres
e eles continuam
a luta no quarto
vermelho das
prostitutas.
124 Plano de FRENTE Câmera fixa Plano das O som das
conjunto prostitutas da mãos de Han
ilha que, batendo em
aparentemente Willians é
drogadas, riem e metálico.
parecem não se
importar com o
que está
acontecendo.
Seus rostos têm
pinturas
coloridas.
125 Plano de FRENTE Travelling Em meio a Roper: Meu amigo Willians
conjunto objetos que me espera.
parecem ser de
tortura medieval, Han: Quero falar com você.
Roper conversa Verá seu amigo mais tarde.
com Han, que
tem um gato (...)
branco nas
mãos. A câmera Han: Aqui, por favor.
se aproxima e
coloca Roper em Roper: Quer que eu ponha
primeiro plano. A minha cabeça na
conversa se guilhotina?
segue em frente
ao museu de Han: Um ato de fé.
Han. A câmera
54
morto,
sangrando, Han: Fui obrigado a fazer
pendurado em algumas perguntas para
correntes no teto. ele.
Ainda em close
ele olha com Roper: E quer que eu
raiva para Han. participe disso?
adversários.
140 Plano de BAIXO Câmera fixa Bruce vê Han, Han: A luta com os guardas
conjunto que sugere ao foi magnífica. Sua
lutador se unir a habilidade é extraordinária.
ele e ao seu Eu ia convidá-lo a se juntar
bando. a nós.
Plano de FRENTE Câmera fixa Sr. Braithwate Som
conjunto recebe a ligação ambiente
de Bruce e passa
para o recado
para o coronel da
polícia.
141 Plano de FRENTE Câmera fixa Roper caminha Som de
conjunto pelo campo das pássaros
competições. Ele
e Han se
estranham.
142 Plano de FRENTE Câmera fixa No torneio, Han Trilha tensa.
conjunto coloca Roper
para lutar contra
seu amigo Bruce.
143 Plano de FRENTE Câmera fixa Roper se nega a Som
conjunto lutar com Bruce. ambiente,
trilha tensa.
144 Plano de FRENTE Câmera fixa Han manda outro Som
conjunto lutador para ambiente,
disputar com trilha tensa.
Roper. Todos
estão assistindo.
145 Plano de BAIXO Câmera fixa Roper e Lee Som
conjunto observam ambiente,
trilha tensa.
146 Plano de FRENTE Câmera A luta de Roper Som
conjunto subjetiva começa ambiente,
trilha tensa.
147 Close FRENTE Câmera fixa Mãos da agente Som
Mei Ling, que ambiente,
Sequênci liberta outros trilha tensa.
a paralela prisioneiros da
ilha
148 Plano de FRENTE Câmera fixa Os prisioneiros Som
conjunto saem correndo ambiente,
trilha tensa.
Sequênci
a paralela
149 Plano de FRENTE Câmera fixa Luta de Roper Sons de luta,
conjunto ainda em trilha tensa.
andamento
150 Plano de FRENTE Câmera fixa Han, ao ver seu Sons de luta,
conjunto capanga trilha tensa.
perdendo a
disputa, manda
que o restante
dos alunos
ataque Roper.
151 Plano FRENTE Câmera fixa No continente, Som
geral polícia corre para ambiente e
helicópteros. dos
Eles receberam helicópteros
mensagem de
57
Bruce sobre o
que estava
acontecendo na
ilha.
152 Plano de FRENTE Câmera fixa A luta na ilha Sons de luta,
conjunto continua. Os trilha tensa,
prisioneiros muito barulho
brigam com os pela
guardas. Todos quantidade
se enfrentam. de pessoas
envolvidas.
153 Plano de BAIXO Câmera fixa Han troca a Sons de luta,
conjunto prótese de sua trilha tensa.
mão por uma
garra e chama
Bruce para uma
luta, mas foge.
Bruce vai atrás
154 Na sala de espelhos (foram Bruce:
usados 8 mil para essa Ofendeu
sequência) uma tomada que minha
ficou imortalizada nos filmes de família e
artes marciais. Bruce era levado ofendeu o
a lutar com seu próprio reflexo Templo
até localizar Han e finalmente Shaolin.
vingar sua família e o Templo
Shaolin, cumprindo a missão. Sons de luta
Além dos espelhos, na sala e os gritos de
ficava o material de tortura de Lee.
Han. Quando eles se encontram,
o vilão usa tudo o que tem em Trilha tensa
mãos para atacar Bruce. O clima em alguns
é de perseguição e suspense, momentos
mas com o jogo de reflexos
Bruce consegue atacar Han, que
morre
155 Plano CIMA Câmera fixa Tudo está Trilha down,
geral destruído e fúnebre
acabado e os
helicópteros
começam a
chegar à ilha.
156 Plano de FRENTE Câmera fixa Bruce olha para A trilha se
conjunto cima. Começam acelera,
a subir os ouvem-se os
créditos. helicópteros.
dar ritmo e sentido à história, elas foram postas lado a lado, como de fato se dá no
trabalho da montagem.
Existe ainda a montagem paralela, recorrente em filmes de suspense e ação,
como os de Lee. A situação solicita uma montagem que estabeleça uma sucessão
temporal de planos correspondentes a duas ações simultâneas que ocorrem em
espaços diferentes; no final será sempre produzida a convergência entre as ações.
Xavier (2008) afirma que o recurso foi um dos elementos de desenvolvimento da
narração cinematográfica, sendo responsável pela popularidade de muitos filmes.
Para o espectador, o adiamento da ação leva a um desfecho fulminante, aliviando o
efeito de suspense e expectativa, sempre na base da corrida contra o tempo.
Tal recurso pode ser percebido em uma das sequências finais de Operação
dragão: Entre os planos 142 e 153, vários acontecimentos aparecem
simultaneamente, a começar pela luta do torneio que ocorre no pátio da mansão do
vilão Han, enquanto a agente Mei Ling liberta os prisioneiros da ilha. Ao mesmo
tempo, no continente, o policial que solicitou ao herói sua participação para tentar
solucionar os crimes de Han, recebe a mensagem que Lee havia lhe mandado via
rádio. Os acontecimentos culminam no duelo entre Lee e Han na sala espelhada,
enquanto os prisioneiros outrora libertos por Me Ling iniciam uma luta generalizada
com os capangas do dono da mansão.
Além da montagem, os realizadores têm em mãos uma série de recursos que,
com o passar dos anos e avanço da tecnologia, auxiliam a geração dos sentidos
pretendidos. O primeiro desses recursos é o próprio quadro da tela. “Para entender
o espaço cinemático, pode revelar-se útil considerá-lo como de fato constituído por
dois tipos diferentes de espaço: aquele inscrito no interior do enquadramento e
aquele exterior ao enquadramento” (BURCH apud. XAVIER, 2008, p. 19).
Segundo o autor,
O retângulo da imagem é visto como uma espécie de janela que
abre para um universo que existe em si e por si, embora separado do nosso
mundo pela superfície da tela. Esta noção de janela (ou às vezes de
espelho), aplicada ao retângulo cinematográfico, vai marcar a incidência de
princípios tradicionais à cultura ocidental, que definem a relação entre o
mundo da representação artística e o mundo dito real (XAVIER, 2008, p.
22).
embarca em uma charrete assim que chega a Hong Kong. A câmera é como se
fossem seus olhos, balançando dentro do carro puxado por um homem. O
espectador embarca na viagem, como se ele estivesse no veículo.
Percebe-se ainda, nos filmes de Lee, que os closes são predominantemente
do herói. O restante dos personagens aparece composto nos planos gerais ou de
conjunto. Tal saída também é forma de enaltecer o protagonista em produções de
estética sem muitos recursos visuais, como as noir da década de 40, mas que usam
tudo o que tem em mãos para garantir perfeita identificação público-personagem.
Também porque o close é imagem-afeição e cria vínculo com o espectador.
Para Xavier (2008), o movimento de câmera é dispositivo reforçador da
tendência à expansão. Segundo ele, as mudanças de direção, avanços e recuos
permitem as associações entre o comportamento do aparelho e os diferentes
momentos de um olhar intencionado, fator importante para a construção de
referenciais para o espectador. Nesse esquema fazem parte os recursos de
shot/reaction-shot e câmera subjetiva.
O primeiro (shot/reaction-shot) acontece quando o novo plano explicita o
efeito no comportamento de alguma personagem causado pelos acontecimentos
mostrados anteriormente. Já a câmera subjetiva assume o ponto de vista de uma
das personagens, observando os acontecimentos de sua posição, e, diga-se, com
seus olhos.
Em boa parte das situações em que ela (a câmera subjetiva) é
utilizada, o fato de que o espectador observa as ações através do ponto de
vista de uma personagem permanece fora do alcance de sua consciência. É
neste momento que o mecanismo de identificação torna-se mais eficiente
(XAVIER, 2008, p. 35).
Som e fúria
Os críticos mais conservadores dos primórdios do cinema questionaram, na
época, a introdução do áudio no, até então, cinema mudo. “Ao mesmo tempo em
que os cineastas viam com certo receio essa nova realidade, eles demonstravam
63
Outros recursos
As elipses, principalmente em filmes de ação e suspense, como são os de
Bruce Lee, objetivam dar ao espectador a noção de que algo está sendo omitido. É
a arte de explicar sem mostrar, de deixar subentendido. Elas, assim como as
ligações e transições, asseguram a fluidez da narrativa e evitam os encadeamentos
errôneos.
No caso de Operação dragão as fusões e transições indicam mais do que
isso; elas situam o espectador de hoje à época em que o filme foi produzido. Isso
porque recursos datados e praticamente fora de uso, com o fade, por exemplo, são
recorrentes em algumas cenas, tornando a produção, por vezes, obsoleta.
64
Templo Shaolin
Por não ser local de ostentação e não depender de muitos objetos para
compor o quadro, necessitando apenas da natureza capaz de transmitir paz e a
força interior dos praticantes das artes marciais, o Templo Shaolin talvez seja o mais
autêntico representado no filme. É fácil, ainda hoje, encontrar essas instalações não
somente na China. Um exemplo está em Ubatuba, município do litoral Norte de São
Paulo. Lá, o mestre de kung fu Tsao Apo mantém seu espaço de treinos e
ensinamentos, muito parecido com o apresentado no filme; ou seja: amplo espaço
para a prática dos movimentos de luta ao ar livre, com muito verde, pedras, quedas
d’água e contato com a terra; além de um espaço interno para meditação e lições de
taoísmo ou budismo, dependendo da doutrina seguida pelo mestre.
Hong Kong
3
Sobre o tema, a designer e professora do Centro Universitário Belas Artes, em São Paulo, Sueli
Garcia, discorre no livro O feitiço do cinema, organizado por Juan Guilhermo D. Droguett e Flavio F.
A. Andrade. Ela apresenta um estudo sobre o pós-moderno de temática futurista Aeon Flux, de Karyn
Kusama (2005). O filme se passa em 2415, com uma cidade, portanto, construída artificialmente.
66
Mansão de Han
Por último, a mansão de Han é um palácio dourado remetendo à Cidade
Proibida (anexo 9). No entanto, sua representação é tão caricata que, no próprio
filme, tal fato é comentado quando, no plano 117, Willians diz ao vilão: “Cara, você
saiu direto de uma história em quadrinhos!”. A afirmação leva a outro recurso dos
cineastas: a caracterização dos personagens.
Parte desta caracterização se dá com o vestuário que, no cinema, de acordo
com Debrix e Stephenson (1969, p. 147), tem funções predominantemente estéticas
ou dramáticas. “Um exemplo supremo é Charlie Chaplin. Basta desenhar uma
bengala, um chapéu-coco e um par de sapatões para que todos saibam a quem o
desenho se refere”.
67
Bruce, por sua vez, está sempre de preto, numa referência clara à sua
seriedade como praticante de arte marcial, ao seu luto familiar e à sua inadequação
àquele universo ostentoso que é o de Han (anexo 15), ou sem camisa, deixando seu
tórax malhado à mostra (anexo 16). De acordo com os ensinamentos taoístas
seguidos por Lee, inclusive, o abdome é, inclusive, o ponto central de energia do
corpo, onde Yin e Yang se encontram, fazendo o chi kung (força interior)
amadurecer e florescer. Exibi-lo é forma de enaltecer o herói à maneira oriental.
A mensagem que Lee transmite com seu corpo, ademais, pode ser melhor
compreendida se forem considerados os estudos do alemão Harry Pross, que
desenvolveu uma teoria da mídia que a divide em mídia primária, secundária e
terciária.
O corpo, então, é dado como mídia primária. Relegada a segundo plano pelos
estudiosos de comunicação, nele os indivíduos se encontram cara a cara.
“Corporalmente e imediatamente, toda comunicação retorna para lá” (PROSS, apud.
BAITELLO, 2010, p. 12).
Apesar de extremamente complexa, a mensagem na mídia primária dura
muito pouco e, como o homem tem a necessidade de se perpetuar no tempo e no
espaço, de vencer a morte nas sucessivas gerações, complexificou seu sistema de
comunicação.
O uso de ferramentas comunicativas com a finalidade de amplificar
suas mensagens no tempo, no espaço ou na intensidade. Em princípio,
cores e pinturas corporais, máscaras e vestimentas festivas, adornos e
69
Como visto, Bruce era um homem “do corpo”. Ao usar sua intensa
mídia primária, potencializada pela secundária (figurinos e cenários) e
terciária, com o fascínio exercido pelo cinema, seus socos, chutes e
acrobacias, além da sua própria figura, com olhos puxados, pele amarela,
cabelo liso e preto, que já traz milênios de história sem dizer uma palavra, o
ator, campeão de kung fu e de chácháchá Li Jun Fan, mais conhecido como
Bruce Lee, sincronizou, usando o termo cunhado por Pross, uma geração,
ou seja, povoou o imaginário dessas pessoas com suas histórias. (ARRUDA
e BONITO, 2009, p. 10).
ele, como visto, ter sido forçado a fazê-lo, o público o quer bem, gosta
dele, gerando a identificação da qual Edgard Morin (1973) tanto fala.
Estas trocas têm suas próprias causas, por vezes muito complexas.
A vida real cria sempre figuras novas, brilhantes, coloridas, que se
sobrepõem aos personagens imaginários; o conto sofre influência da
realidade histórica contemporânea, do epos dos povos vizinhos, e também
da literatura e da religião, tanto dos dogmas cristãos, como das crenças
populares locais. O conto guarda em seu seio traços do paisagismo mais
antigo, dos costumes e ritos da antiguidade. Pouco a pouco, o conto vai
sofrendo uma metamorfose e suas transformações também estão sujeitas a
determinadas leis (Ibid., p. 81)
Bruce, em tela, era vivo, ávido, sagaz. Fruto de uma cultura pop, como dito,
as histórias geradas e difundidas a seu respeito se confundem ainda hoje com as da
ficção, ficando difícil separar o real da fantasia; do mito que representa Bruce Lee
para milhares de pessoas. Para tentar entender esse aspecto de sua obra, outra
aproximação teórica será feita sobre o filme Operação dragão. Desta vez, utilizando-
se dos estudos do mitólogo Joseph Campbell, conforme apresentado a seguir.
A partida
a) O chamado da aventura: Após ser apresentado ao público já
qualificado como exímio e sábio lutador de artes marciais, um oficial da
polícia procura por Lee para que ele se infiltre em um torneio de lutas
que, na verdade, serve como fachada para o tráfico de drogas e de
mulheres.
b) Recusa do chamado: Mesmo com o vilão Han tendo desonrado o
nome do templo Shaolin do qual Lee faz parte, ele parece não
totalmente intencionado a aceitar a missão e procura seu tio, uma
espécie de guru, para aconselhá-lo.
c) O auxílio sobrenatural: Esse papel é ocupado pelo tio de Lee, que ao
explicar-lhe que Han, indiretamente, foi o causador da morte de sua
irmã, o dá forças para embarcar na aventura.
d) A passagem pelo primeiro limiar: Aqui, Lee embarca com demais
competidores do torneio em direção à ilha/mansão de Han, onde
acontecerá o torneio. Durante a viagem, ele enfrenta seu primeiro
desafio com sabedoria, ao evitar uma briga com outro lutador
encrenqueiro.
e) O ventre da baleia: Esse é o momento em que Lee chega à mansão
de Han e, ao invés de se esbaldar com comida, bebida e mulheres,
como os outros fazem, ele procura observar o novo ambiente, traçando
sua estratégia de ações.
A iniciação
a) O caminho das provas: Aqui podem ser elencadas uma série de
provas cujo Lee é submetido. Já na mansão, treinando em seu
quarto, o herói se depara com O’Hara, responsável direto pela morte
de sua irmã, e precisa se controlar para não atacá-lo ali mesmo,
burlando não só as regras do torneio, quanto éticas e morais. Além
disso, todas as lutas do torneio representam tais provas.
81
O retorno
a) A recusa do retorno.
b) A fuga mágica.
c) O resgate com auxílio externo.
O herói pode ser resgatado por meio da assistência externa, o que leva à
crise final do percurso.
Trata-se da paradoxal e supremamente difícil passagem do herói
pelo limiar do retorno, que o leva do reino místico à terra cotidiana. Seja
resgatado com ajuda externa, orientado por forças internas ou
carinhosamente conduzido pelas divindades orientadoras, o herói tem de
penetrar outra vez, trazendo a benção obtida, na atmosfera há muito
esquecida. (...) Ele tem de enfrentar a sociedade com seu elixir e receber o
choque do retorno. (CAMPBELL, 1992, p. 213)
Dessa forma, pode-se dizer que, enquanto Propp (1984) oferece visão técnica
sobre o trabalho, Campbell (1992) envereda pelo mundo mítico. Com corpus
semelhantes, os contos de fadas, histórias maravilhosas, fábulas que tratam de
heróis para toda uma comunidade, ambos mostraram-se extremamente úteis para o
entendimento da obra de Lee.
Ao coordenar, em um trabalho acadêmico, uma visão narrativa e outra com
perspectiva mítica, ganha-se em repertório de análise, possibilitando que a
compreensão seja, de certa forma, mais completa, mais complexa. No entanto,
ainda é preciso compreender por que os filmes de Lee, e não só Operação dragão,
terminam de forma tão repentina. Para tal, será feita a aproximação a partir do que
José Luiz Fiorin apresentou em seu Elementos de análise do discurso, conforme
segue.
Nível fundamental
O autor explica que a semântica do nível fundamental abriga as categorias
que estão na base da construção do texto. Ela se baseia em uma diferença, uma
oposição. Fiorin explica que, para que dois termos sejam apreendidos
conjuntamente, é preciso que tenham algo em comum, “e é sobre esse traço comum
que se estabelece uma diferença” (FIORIN, 2002, p. 19).
Típico dos filmes de luta, em Operação dragão o nível fundamental está na
contradição bem versus mal (vida e morte). Nesse caso, ambos se situam no
domínio dos juízos de valor.
Além disso, no filme-guia, Lee busca não só prender um criminoso envolvido
com tráfico de drogas e prostituição, mas também vingar a morte de sua irmã e
honrar o nome da família. Na categoria semântica esses elementos recebem a
qualificação /euforia/ versus /disforia/, em que /euforia/ é considerado o valor positivo
85
e /disforia/ o valor negativo. Fiorin explica ainda que a sintaxe do nível fundamental
abrange as opções negação e asserção, aparecendo das seguintes maneiras:
a) Afirmação de a, negação de a, afirmação de b;
b) Afirmação de b, negação de b, afirmação de a.
Em Operação dragão há o seguinte quadro:
Nível narrativo
Nesse ponto, é analisada a narratividade, ou seja, a transformação situada
entre dois estados sucessivos e diferentes. Na sintaxe narrativa há, de acordo com
Fiorin, dois tipos de enunciados elementares:
a) Enunciados de estado: são os que estabelecem relação de junção
(disjunção ou conjunção) entre um sujeito e um objeto;
b) Enunciados de fazer: são os que os mostram as transformações, os que
correspondem à passagem de um enunciado de estado a outro.
pessoa. Um sujeito pode ser o ódio que leva a matar, o amor que leva a fazer
loucuras e daí por diante. Há inúmeros tipos de manipulação. Os mais comuns são
tentação, intimidação, sedução e provocação.
É imperativo que o caminho percorrido por um personagem discorra
em função de uma necessidade ou de um querer, pois é através dessa
necessidade que ele será impulsionado a agir, determinando
consequentemente o seu percurso narrativo. Quanto mais complexo for o
desejo, maiores serão as complicações em atingir o objeto valor, mais
difíceis serão os caminhos a serem percorridos, maior será a riqueza do
personagem. (FRUGOLI, 2010, p. 94)
Competência
Segundo Balogh (2002, p. 63), não basta que o sujeito tenha um querer ou
um dever de executar, “é necessário também que ele tenha aptidões, a competência
para levar adiante o que quer”.
Conforme explica Frugoli (2010, p. 97-98):
Performance e sanção
Fase em que se dá a transformação central da narrativa. Na performance, o
sujeito, que já passou pela manipulação, ou automanipulação, no caso de Lee, e já
provou ter competência, executa a ação que o colocará em conjunção ou disjunção
com o objeto de valor.
Em Operação dragão, a performance começa no momento em que, pela
segunda noite consecutiva, Lee escapa de seu quarto para investigar o que
acontece na ilha (plano 131), e se estende até o momento da batalha entre o herói e
o vilão Han, na sala espelhada (plano 154). O vilão morre e Bruce é posto em
disjunção com seu sentimento de ódio, pois aniquila o bandido.
Feito isso, Lee está pronto para a última fase da narrativa, a sanção. Aqui
“ocorre a constatação de que a performance se realizou e, por conseguinte, o
reconhecimento do sujeito que operou a transformação. Eventualmente, nessa fase,
distribuem-se prêmios e castigos. Nas narrativas conservadoras, o bem é sempre
premiado e o mal, punido” (FIORIN, 2002, p. 23).
O autor explica ainda que, na fase da sanção, a narrativa pode pôr em ação
um jogo de máscaras: segredos a serem desvelados, mentiras reveladas etc. Nesse
ponto os falsos heróis são desmascarados e os verdadeiros reconhecidos.
É importante ressaltar, no entanto, “que as fases da sequência canônica não
aparecem sempre bem arranjadas (...) muitas fases ficam ocultas e devem ser
recuperadas a partir das relações de pressuposição” (Idem, p. 24). Como muitas
narrativas que não se realizam completamente4, a de Operação dragão não é
diferente. Os créditos começam a subir, em caracteres na cor vermelha, no
4
Fiorin (2002) dá o exemplo das três tentações de Cristo: nas três vezes em que o demônio lhe
aparece, Ele não aceita a manipulação “e a história não prossegue, para nessa fase” (FIORIN, p. 25,
2002).
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momento em que o herói, tendo derrotado o vilão Han na sala espelhada, vai para o
pátio e contempla a liberdade dos prisioneiros da ilha.
No entanto, isso não significa que não houve a sanção. Retomando que a
narrativa possuiu seus enunciados de estado que, conforme visto, estabelecem
relação de junção (disjunção ou conjunção) entre um sujeito e um objeto, neste
momento da análise pode-se dizer que:
Se o ódio serviu de manipulador para que Lee (sujeito) enfrentasse o vilão
Han (anti-sujeito) realizasse sua vingança, fizesse justiça, aqui ele entrou em
conjunção com seu objeto de valor, pois alcançou o objetivo que tinha ao embarcar
na jornada.
Nível discursivo
Aqui, as formas abstratas do nível narrativo são revestidas de termos que dão
concretude ao texto. O nível discursivo retoma aspectos que na análise narrativa
“foram deixados de lado, tais como a cobertura figurativa dos conteúdos narrativos,
os temas, mecanismos de delegação do saber, modos de organização dos atores,
da espacialidade e da temporalidade etc.” (BALOGH, 2002, p. 80). Dele fazem parte
o Tema, a Temporalização, a Espacialização e a Actoralização, conforme segue:
No nível discursivo são produzidas variações de conteúdos narrativos
invariantes, ou seja: em filmes de ação, por exemplo, o herói é levado a salvar sua
comunidade, enfrentando desafios e vilões, para chegar ao êxito. Nas palavras de
Fiorin (2002, p. 29): “Uma fotonovela, por exemplo, tem uma estrutura narrativa fixa:
X quer entrar em conjunção com o amor de Y, X não pode fazê-lo (há um obstáculo),
X passa a poder fazê-lo (o obstáculo é removido), o amor realiza-se”.
O autor explica que a estrutura invariante é revestida de personagens
distintas, colocadas em tempos e espaços diferentes, bem como a natureza do
obstáculo pode mudar. É aqui que a história se diferencia e, unidos aos demais
recursos já analisados, talvez nesse momento seja possível explicar tamanho
magnetismo gerado por Lee em seu público, fiel até os dias de hoje.
Tema
Como visto, a oposição característica no nível fundamental de Operação
dragão é uma das mais corriqueiras para filmes do gênero: o bem versus o mal. A
partir dessa oposição ocorre todo o desenvolvimento da obra. Nela, Lee é
90
manipulado pelo ódio, pelo desejo de vingar a morte de sua irmã, embarcar na
aventura e ir ao torneio de artes marciais, considerado mortal, na ilha do vilão Han.
Frugoli (2010), citando Greimas, explica que essa é uma das principais forças
temáticas de enredo, dividindo espaço com, por exemplo:
- Amor;
- Desejo de riquezas;
- Inveja e
- Curiosidade.
Temporalização
Em 1973, a relação do homem com o tempo não era a mesma ressaltada por
Paul Virilio (1996) a partir de suas constatações sobre as mudanças sociais,
econômicas e tecnológicas; o encolhimento do mundo, com todos os lugares
aparentemente tão próximos, fez surgir a ‘lógica da corrida’.
Especificamente no âmbito do audiovisual, a afirmação de Virilio é constatada
no fato de que, conforme comenta a professora Balogh (2009, p 28):
Um longo caminho foi trilhado desde o tempo em que os ingênuos
espectadores dos filmes dos Lumière saltaram apavorados diante da
imagem de um trem que vinha em sua direção na tela, e os espectadores
de hoje (não sendo mais) necessário introduzir o espectador pela mão
através da suave passagem do plano geral em lentas aproximações
progressivas até o plano próximo: as lições de clássicos como Shane – Os
brutos também amam já foram há muito internalizadas pelo público.
Sobre esse aspecto, em particular, talvez seja interessante resgatar uma das
histórias que Marco Antônio Lopes (2006) afirma circula a respeito da figura de
Bruce Lee: Diz-se que, com movimentos de artes marciais muito rápidos, as
gravações deveriam ser, então em câmera lenta, para que o espectador pudesse
assimilá-los da melhor forma.
Verdade ou não, em Operação dragão, o desenrolar dos acontecimentos
segue uma sequencia cronológica similar à real, exceto pelos flash backs que alguns
personagens têm. No caso, servem para inserir o espectador no universo fílmico; ou
seja, dar detalhes sobre os personagens (ou sobre os acontecimentos, como é o
caso do retrospecto sobre a morte da irmã de Lee) que, se acontecessem
cronologicamente, certamente entediariam o espectador.
Espacialização
Como a relação do homem com o tempo não é mais a mesma desde 1973,
sua forma de ver o espaço também mudou. É também Virilio (1996) quem fala dessa
alteração. A ligação entre tempo e espaço é muito íntima. Segundo o autor, a
virtualização do corpo (os avatares na internet, as redes sociais) estimula as
92
Actoralização
Se a análise no nível narrativo trata os personagens como sujeitos,
antissujeitos, oponentes, ajudantes e objetos valor, no nível discursivo esses
personagens recebem investimentos semânticos, ou seja, nomes, figurinos, perfil e
características figurativas para a composição dos personagens.
Como afirmado por Fiorin, o nível discursivo apresenta variantes de uma
invariável, tornando comum a sensação de déjà vu quando se assiste a uma
comédia romântica, por exemplo. As ações e transformações dos filmes são
praticamente as mesmas; o que as diferencia a é exatamente actorialização dos
personagens. “o gênero delimita o percurso e estilo narrativo pelo qual discorrerá a
trama narrativa, e as ações, transformações e actorializações das obras é que
diferenciam um título antigo de uma produção inovadora” (FRUGOLI, 2010, p. 112).
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Personagem Características
Lee A personagem leva o mesmo nome do ator, reforçando
a linha tênue entre realidade e ficção que, como visto,
está relacionada a Bruce Lee e as histórias sobre ele.
vilão Han.
Para o autor, “são (os mitos) meros símbolos destinados a despertar e a pôr a
mente em movimento, bem como chamá-la a ir ao seu encontro” (Idem, p. 255).
Durante todo o desenvolvimento deste trabalho, foi discutido como a obra de
Lee segue modelos canônicos de construção de narrativa e geração de sentido,
reiterando as teses apresentadas e confirmando que o sucesso de seus filmes muito
se deve a esses elementos e recursos fílmicos e de textos, com os quais os
espectadores já estão acostumados.
No entanto, enquanto Campbell fala dos mitos da antiguidade, dos grandes
heróis e sua influência nas pessoas hoje, é Vilém Flusser que explica que
manifestações como as de Bruce Lee podem sem enquadradas em uma nova
categoria mítica.
Segundo o autor, os mitos novos são variações dos mitos antigos, que
surgem como uma reinvenção da história, fazendo esses modelos permanecerem
presentes até os dias atuais. A afirmação está no texto Peleologia, publicado no O
Estado de São Paulo de 4 de julho de 1964, acerca da adoração popular ao jogador
de futebol Pelé.
(...) a figura de Pelé seria apenas a reencarnação de um arquétipo
mítico, por exemplo, de Hermes; como a figura de Brigitte Bardot, que seria
a reencarnação de Afrodite, aquela nascida da espuma. Não se trataria,
"sensu strictum", de mitos novos, mas do aparecimento cíclico de mitos
primordiais e antigos.
(...)
Para nós intelectuais o novo mito não desvenda um aspecto sacro
do Ser, mas, pelo contrário, obstruiu a visão da sacralidade por sua
vulgaridade. A glorificação e o endeusamento de Pelé é, para nós
intelectuais soberbos, uma inautenticidade. Mas a vivência de milhares de
pessoas desaprova o nosso ponto de vista. Para estas milhares de pessoas
são as atrizes de cinema autênticas "estrelas", como Vênus e Marte, são
"divas", como Juno. Não podemos julgar os novos mitos a partir da nossa
alienação, mas somente a partir do empenho autêntico que provocam.
(FLUSSER, 2010)
habitat natural. Essa batalha pode ser em um outro país, em um novo trabalho ou na
própria escola, já que o ser humano sempre se encaixar para viver em sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao iniciar esta jornada, separar o Bruce Lee fílmico do real foi uma das
principais tarefas difíceis apresentadas. Fruto de uma cultura pop, a bibliografia
apresentada sobre o ator segue a mesma linha, isentando-se da responsabilidade
de apresentar apenas fatos para uma posterior interpretação. Não há, sobre Lee,
livros de história, documentários que relatam uma realidade próxima ou registros
fiéis aos fatos. A verdade é que, quando o assunto é Bruce Lee, todos são unânimes
ao enaltecê-lo, colocá-lo num pedestal e, sem pestanejar, considerá-lo, de fato, o rei
do kung fu.
Praticante da arte marcial há alguns anos, campeã paulista de 2008 na
modalidade sanshou (combate) e carregando o título de tsu tiau (monitora) ingressei
na aventura tendo esse Bruce Lee como referência: realizador de feitos mágicos
com o corpo, com a luta, com a arte, cujos poucos questionaram. Assim, tentar
entender de quem realmente estávamos falando e chegar a um desmembramento e
análise de sua obra, tomou grande parte do tempo e do esforço neste trabalho.
Entendeu-se, no final, que o Bruce Lee fílmico tinha muito do Bruce Lee real e
vice-versa e que, em suas obras, as manifestações dessa intrinsecidade estão ora
no nome da personagem de Lee em um dos filmes, ora na história de vida do jovem
briguento que é mandado para a casa dos tios como forma de punição em outro, ora
na exímia habilidade nas artes marciais.
Além disso, outra tarefa importante foi encontrar, na milenar e, por isso
mesmo, gigantesca história chinesa, extratos que abordassem a atividade praticada
por Lee e a relação e interação entre oriente e ocidente, complementando o estudo
e deixando-o, de certa forma, contextualizado para a análise que viria adiante.
Entendeu-se, então, a China como uma nação guerreira, que deixou claro aos olhos
do mundo seu processo de auto-defesa, ao edificar uma muralha gigante ou ao
enterrar, junto ao seu imperador, um exército em terracota completo, com soldados,
cavalaria e armamentos.
Com receio de se abrir ao mundo estrangeiro, a China era então uma
incógnita aos olhos ocidentais, até o momento em que as navegações da Idade
Média passaram a fornecer um panorama do que vinha a ser aquele país de
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No que diz respeito à análise dos recursos fílmicos, procurou-se olhar para a
obra levando em consideração a época em que foi lançada, mas sem deixar de
atualizar os conceitos para os dias atuais. Exemplo disso é quando se estuda a trilha
musical e os efeitos sonoros, muito escasso nos meados da década de 70, o que,
para o espectador de hoje, acaba ficando claro que se trata de um filme antigo. O
mesmo acontece com os fades e fusões de cena.
Com a decupagem clássica, Operação dragão revelou-se um filme de poucos
recursos, quase zero efeitos especiais, diálogos mínimos e uma linearidade temporal
simples, exceto pela quebra com a inserção de três flash backs explicativos no início
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