GEARY, Patrick J. O Mito Das Nações
GEARY, Patrick J. O Mito Das Nações
GEARY, Patrick J. O Mito Das Nações
CONSELHO EDITORIAL
Cristiane Monti
Rogério de Campos
GERENTE DE PRODUTO
Cláudia Maria do Nascimento
CONRAD LIVROS
DIRETOR EDITORIAL
Rogério de Campos
cooRDENADoR EDTToRIAL E DE coMUNrcAçÁo
Alexandre Linares
cooRDEN.aDoR oE nnoouçÁo
Rita de Cássia Sam
DIREITOS INTERNÂCIONAIS
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ÁSSISTENTES EDITORIAIS
Alexandre Boide, Jae Hrü7 e Mateus Potumati
REVISORES DE TEXTO
Lucas Carrasco e Marcelo Yamashita Salles
EDITOR DE ARTE
Marcelo Ramos Rodrigues
ASSISTENTES DE ARTE
Ana Solt, Jonathan Yamakami,
Marcos R. Sacchi, Nei Oliveira e Vitor Novais
O Mrro DAS NnçÕrs
A invençáo do nacionalismo
sQ=çQz
Patrick J. Geary
o
GOilttD
lIYlor
Copyright @ 2002 Fischer Taschenbuch Verlag
in der S. Fischer Verlag GmbH, Frankfurt am Main
Copyright desta ediçáo O 2005 by Conrad Editora do Brasil Ltda.
Ricardo A. Nascimento
CTI Alexandre Cardoso da Silva e Ednilson Moraes
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ACnnoECIMENToS ....09
lntrodução
A CRIsI DA IDENTIDADE EURoPÉIA .. 11
Capítulo 1
Capítulo 3
Ca pítu lo 4
NOVoS BÁRBARoS, NoVoS RoMANoS ......113
Capítulo 5
Capítulo 6
A RrsprlTo DoS NoVoS PoVoS EURoPEUS 177
Patrich J. Geary
Los Angeles
lntrod ução
sHz
'1.
Milagre econômico. (N. T.)
l6 --e O Mito das NaçÕes
3. Sobre a discutida tradição daidentidade cívica versus identidade étnica nos Estados Unidos, ver
Gary Gerstle, The American Crucible: Race and Nation in theTwentieth Century, Princeton, 2001.
4. Charles F. Adams (Ed.), Fomiliar Letters of John Adams and HisWife, Abigoil Adoms, during the
Revol ution, Nova York, 1876, p. 211.
'lB --e O Mito das Naçoes
7. Antes da era comum. O autor opta pelo uso do termo não cristão B.C.E. - Before the common era,
em detrimento do tradicional 8C - before Christ (a.C. - antes de Cristo) e C.E. - common ero (e.c.
- era comum), em detrimento do tradicional AD - anno domini (d.C. - depois de Cristo). (N. T.)
8. Antes da França e da Alemanha. (N. T)
22 --s O Mito das NaçÕes
1. Benedict Anderson, lmogined Communities: Reflections on the Orìgin and Spread of Nationalism,
Londres,1983.
2. Tipo de manta quadriculada típica da Escócia. (N. T.)
Capítulo '1 : Uma paisagem envenenada e- 29
3. Miroslav Hroch, Die Vorktimpfer der nationalen Bewegung bei den kleinen Viilkern Europas:
Eine vergleichende Anolyse zur gesellschoftlichen Schichtung der patriotischen Gruppen. Acta
Universitatis Carolinae Philosophica et Historica Monographica XXIV Praga, 1968.
30 --s O Mito das Naçoes
10. E. J. Hobsbawm, Nations and Nationalism since 1.780, Cambridge, Reino Unido, 1990; ver p. 20-21 e
a nota 19 para outras referências.
CapÍtulo I:Uma paisagem envenenada s.- 35
11. Este breve resumo se baseia amplamente em otto w. Johnston, The Myth of a Nation:
Literature and Politics in Prussia IJnder Napoleon, Columbia, 5C, 1989, e Johnston, Der deutsche
Notionalmythos. Ursprung eines politischen Programms, Stuttgart, 1990.
36 --s O Mito das NaçÕes
15. Johann Gottlieb Fichte, Addresses to the German Nation, tradução de R. F. Jones e G. H. Turnbull,
Westport, CT,1g7g. Reimpressão da edição de 1922, publicada pela Open Court Pub Co., Londres
e Chicago, lV p.52-53.
16. Ver Maurice Olender, The Languages of Paradise: Race, Religion and Philology in the Nineteenth
Century, Cambridge, MA, 1992, esp. cap. l, "Archives of Paradise", p' 1-20.
17.8.8. de Condillac, Essai sur I'origine des connaissances humoines,1746,ll,l, G. Le Roy (Ed.), Paris,
1947, p.103; citado por Olender, The Longuages of Poradise, p. 5. Ver também H. Aarsleff, 'iThe
Tradition of Condillac: ïhe Problem of the Origin of Language in the Eighteenth Century and the
Debate in the Berlin Academy before Herder", em H. Aarsleff, From Locke to Soussure: Essays on the
Study of Languoge and lntellectuol History, Londres, 1982, p.146-209.
18. Fichte, Áddresses to the German Nation, Vll, 313-314.
Capítulo 'l : Uma paisagem envenenada s- 39
tinas e gregas, que por sua vez haviam sido formadas em regióes
distantes -, o alemâo era composto inteiramente por elementos ger-
mânicos, originalmente cunhados para descrever o mundo habitado
pelos alemáes. Essa língua portanto seria perfeitamente translúcida
e compreensível para todos os falantes do alemáo, colocando-os em
contato direto uns com os outros e com seu ambiente.
Os Discursos de Fichte devem cerramenre ser entendidos em seu
contexto imediato: eles podem ser considerados "texros de sobre-
vivência", escritos com o objetivo de dar esperanças e fornecer es-
tratégias de resistência no contexro da ocupaçáo francesa, que, de
acordo com as expectativas, perduraria por muitos anos. A rápida
destruiçáo do Império Francês pôs fim à necessidade específica de
tais sentimentos, mas sua sobrevida teve conseqüências efetivas.
O envolvimento de intelectuais como Fichte na causa política
pode náo ter tido grande infuência no resultado das guerras na-
poleônicas, mas os ligou ao mundo da açáo política de um modo
diferente. Além de introduzi-los na esfera do embate político, deu-
lhes nova proeminência e propiciou recompensas e financiamento
oficial. Essa poderosa combinaçáo náo acabou após o Congresso de
Viena, organizado em 1815 para restabelecer a Europa após Napo-
leáo. Stein, que havia assumido o papel principal no recrutamento
de intelectuais durante a guerra, fortaleceu os vínculos entre acadê-
micos e políticos em busca de uma Alemanha unificada. Em 1819,
fundou a Sociedade para o Conhecimento da HistóriaAlemáAntiga
(Geselkchú fu, cihere deutsche Geschichxkunde), cujo lema, Sanctus
amor patriae dat animum (O sagrado amor pátrio alimenta a alma),
resumia mais um progÍama do que um truísmo. A Gesellschafr era
uma organizaçáo privada, fundada em concordância com intelec-
tuais renomados como Goethe, \Tilhelm von Humboldt, os irmáos
Grimm, Friedrich Carl von Savigny e Karl Friedrich Eichhorn . Vâ-
rios estados germanos e a Confederaçío Germânica financiavam a
Gesellschaft, que se dedicava a editar e publicar a Monumenta Ger-
40 --e O Mito das NaçÕes
Filologia e nacionalismo
O critério adotado para a inclusáo desses "povos" no cnrpus da Mo-
numentos Históricos da Alemanha foi o da língua: as línguas que eles
falavam eram "germânicas", ou seja, da mesma subfamília lingüís-
tica que a dos alemáes do século XIX. Se os rexros publicados pela
Monumenta crïaram o objero, a filologia criou o método. E isso se
22. Meuse: rio que nasce na França, corta a Bélgica e a Holanda e deságua no Mar do Norte.
Klaipeda: cidade portuária da Lituânia. Ádige: rio que nasce nos Alpes, corta o nordeste da ltália e
deságua no Adriático. Belt: parte do mar Báltico entre a Alemanha e a Suécia. (N. T.)
Capítulo 1: Uma paisagem envenenada q' 43
23. Citado por R. Howard Bloch, "New Philology and Old French", Speculum 65, 1990:40. Ver
também o seu "'Mieux vaut jamais que tard': Romance, Philology, and Old French Letters", 36
Re p rese ntati o n s, 1991 : 64-86.
44 --s O Mito das Naçoes
da língua nativa no século passado, isso significa que "x por cenro da
populaçáo deueria falar uma dada língua porque seus ancestrais a
falavam".
A história científica baseada na filologia, posta a serviço do na-
cionalismo, referia-se basicamenre ao período enrre os séculos III e
Etnoarqueologia
O lixo tóxico
A confusão do passado
29. Chris Wickham, Early Medieval ltaly: Centrol Power ond Local Society 400-11)2,Totowa, NJ, 1981,
p.68.
Capítulo 1: Uma paisagem envenenada s"- 53
1. Nome dado às guerras entre gregos e persas. O termo provém dos medos, um dos principais
povos do lmpério Persa. (N. T')
2. Heródoto, Histórios, ll, 17.
3.\bid.,v,48.
60 -o O M ito das NaçÕes
4. tbid.,1,144.
CapÍtulo 2: Povos imaginados na AntigÜidade s- 6'l
6.tbid., tv 7-10.
7.tbid., tv 1r0{16.
62 --s O Mito das NaçÕes
Herdeiros de Heródoto
8. Arnaldo Momigliano, The Classical Foundotions of Modern Historiography, Berkeley, 1990, esp. p.
5-10.
9. Heródoto, Histórias,l, 135.
10. tbid.,lll,38.
64 '-s O Mito das NaçÕes
Gentes e o populus
19. rbid.,33.
Capítulo 2: Povos imaginados na Antigüidade e.- 69
20. Para uma abordagem geral da postura dos romanos em relação aos não romanos, ver J. P. V. D.
Balsdon, Romans and A/iens, Chapel Hill, NC, 1979.
70 --s O Mito das Naçoes
dos hebreus. Nos livros Esdras e Neemia.ç, os filhos dos israelitas que
i
se haviam casado com estrangeiras foram excluídos do grupo que re-
tornava do cativeiro. Nesse caso, pode-se verificar a origem de uma
definiçáo excludente e biológica do povo escolhido. Ainda assim,
pelo menos para os profetas posteriores, a condiçáo de pertencer
ao am náo se limita aos que descendem biologicamente de Abraáo,
Isaac e Jac6. Todos os que aceitam a aliança podem ser filhos de
Abraáo, assim como o populus romanus pode ser acessível a todos.
21. Jeremy DuQuesnay Adams, Ihe Populus of Augustine and Jerome: A study in the Patristic Sense of
Community, New Heaven, 1971, p. 110.
22. Agostinho, De Genesi contra Manichii,l, 23. Ver também Adams, Ihe Populus of Augustine and
Jerome,p.48-49.
23. Agostinho, A Cidade de Deus, XlX, 24. "Populus est coetus multitudinis rationalis rerum quas diligit
concordi communione sociafus". Ver também Adams, Ihe Populus of Augustine and Jerome, p.19.
Capítulo 2: Povos imaginados na Antigüidade o. 73
25. Amiano Marcelino, XVl, 12, 26. Sobre os alamanos, ver Dieter Geuenich, Geschichte der
Alemannen, Stuttgart,'1997,e Hans Hummer,"The Fluidityof Barbarian ldentity:The Ethnogenesis
of Alemanni and Suebi, AD 200-500", Early Medieval Europe 7,1998:1-27.
26. Procópio de Cesaréia, HistóriadasGuerraslll, ii, 1-6. Sobre os godos, ver Herwig Wolfram, History
of theGoths, Berkeley, 1987,e, para uma história mais tradicional, que não aceita o senso de
fluidez relativo aos godos proposto por Wolfram, ver Peter Heather, The Goths, Oxford, 1996.
27. Em Constantine Prophyrogenitus, Excerpta de Legationibus Romonorum ad Gentes, Carolus de
Boor (Ed.), Berlim, 1093, l, p. '135. Sobre os hunos, ver Otto Maenchen-Helfen, Ihe World of the
Huns, Berkeley,1973; E. A. Thompson,The Huns,2 ed. rev., Oxford, '1996; e Herwig Wolfram,
"The Huns and the Germanic Peoples", em Franz H. Baüml e Marianna D. Birnbaum (Eds.),
Attila:The Man and his lmage, Budapeste,1993, p.16-25.
Capítulo 2: Povos imaginados na Antigüidade e,- 75
t
Capítulo 2: Povos imaginados na Antigüidade o- 77
i
Capítulo 2: Povos imaginados na Antigüidade s" 79
Capítulo 3
sHz
'1.
Apuleio, 11,5.
i
O centro romano
século II, elas geralmente eram italianas. Mesmo que não fossem de
origem italiana, identificavam-se com sua cultura e estabeleciam re-
sidência na península. Embora muitas vezes a renda dessas famílias
fosse proveniente de regióes longínquas do Império, ela era, como
em épocas passadas, enviada a Roma.
A única forma de adquirir tal srarus, ou a forma mais segura de
mantê-lo por geraçóes, era o serviço imperial. Até o final do século
III, a carreira pública dos jovens aristocraras que esperavam ascender
às mais altas posiçóes de riqueza e poder incluía a prestaçáo de servi-
ços militares e civis. TrabalhaÍ paÍao sistema imperial, assim como
trabalhar paÍ^ uma corporaçáo multinacional moderna, implicava
um deslocamento constante. Um jovem que desejava ascender aos
mais honrosos cargos imperiais tinha que se deslocar por todo o
Império em sua escalada rumo ao ropo. A Itália e a cidade de Roma
continuavam atraindo os ricos e ambiciosos. O berço da civilizaçáo
romana continuava sendo o epicentro da criaçáo e distribuiçáo dos
recursos aparentemente inexauríveis oferecidos a todos que desejas-
sem e fossem capazes de se tornar inteiramente romanos.
Mas os jovens provincianos que se davam bem na península
náo eram esquecidos em suas cidades de origem. As centenas de
inscriçóes na base das estátuas erguidas em homenagem a eles, em
sua cidade de origem e/ou na comunidade em que se aposenravam,
comprovam a continuidade dos vínculos entre eles, incluindo os que
ascendiam às mais altas posiçóes, e sua província. Até mesmo um
imperador-deus como Diocleciano podia se recolher à sua llíria,z
após se aposentar, ê claro, em seu esplendor imperial.
Se as grandes famílias senatoriais formavam um dos centros da
romanidade, os militares formavam o outro. Em certo sentido, os
militares represenravam um tipo de identidade menos ligada às par-
ticularidades das regióes. As legióes romanas eram formadas por
laçóes que viviam nas regióes fronteiriças como para as tropas auxi-
liares deslocadas para longe de suas famílias, o exército era o veículo
fundamental da romanizaçâo, a única instituiçáo verdadeiramente
romana no Império.
Essa identidade específica começou a se transformar no século
III. A ampliaçáo da cidadania fez com que praticamente toda a po-
pulaçáo tivesse acesso às legióes, e estas começaram a recrutar indi-
víduos nos distritos onde se estabeleciam, uma prática que perdurou
por décadas, ou até mesmo séculos. Além disso, iâno final do século
II, passou a ser permitido que os soldados em atividade se casas-
sem (embora eles já fizessem isso antes, informalmente). As esposas,
oriundas das populaçóes locais, aceleraram o processo de formaçáo de
vínculos entre as legióes e as comunidades regionais, de modo que os
deslocamentos das tropas Para regióes ameaçadas de invasáo come-
çaram a gerar revoltas. As tropas auxiliares também começaram a
3. Até então, Juliano o Apóstata ostentava o título de césar, ou imperador subordinado, que
lhe havia sido concedido para que representasse o lmpério no Ocidente, já que o imperador
constantino, com seu título de Augusto, guerreava na fronteira oriental. (N. T.)
92 --v^ O Mito das Naçóes
5. Walter Pohl, "Telling the Difference: Signs of Ethnic ldentity", em Walter pohl, Helmut Reimetz,
Strategiesof Distinction:TheConstructionof EthnicCommunities,3OO-80O,Leiden, 199g,p.17-69.
Capítulo 3: Bárbaros e outros romanos e'- 95
Crise e restauração
Restauração e transformação
A série de imperadores enérgicos que pôs fim à crise o fez por me-
didas que transformaram tanto o mundo romano como o bárbaro.
A primeira meta era conter a ameaça bárbara. O imperador Ga-
lieno (253-268) e seus sucessores derrotaram os francos e alamanos
de forma decisiva, e Aureliano (270-275) aniquilou os godos em
uma série de campanhas que subdividiram a confederaçáo gótica.
Os ataques bárbaros continuaram de forma esporádica, mas as fron-
teiras ficaram suficientemente seguras durante um século. Embora
o Império náo tivesse recuperado totalmente a Dâcia e a Agri Decu-
mates, as medidas imperiais estabeleceram uma segurança relativa
durante a maior parte do século IV.
Para alguns exércitos bárbaros, a derrota significava o fim de sua
identidade como unidades sociais coesas. A destruiçáo causada pe-
los ataques bárbaros no Império náo se comparava à devastaçáo e à
carnificina levadas a cabo pelas tropas romanas em expediçóes pelo
Reno ou pelo Danúbio. Um panegírico do ano de 310 descreve o
tratamento dado aos brúcteros após uma expediçáo punitiva con-
duzida por Constantino: os bárbaros foram encurralados em uma
área pantanosa em meio a uma foresta impenetrável. Muitos foram
mortos, seu gado foi confiscado e suas aldeias, incendiadas. Todos
os adultos foram lançados às feras na arena. As crianças provavel-
mente foram vendidas como escravas.
Portanto, nos casos mais extremos, a derrota significava a ani-
quilação de um povo, a dissolução total de seus vínculos sociais e
políticos, e sua incorporaçáo ao mundo romano. Em outros casos'
12. Citado em Joachim Werner, "Zur Entstehung der Reihengrãberzivilization: Ein Beitrag zur
Methode der frühgeschichtlichen Archãologie", Archaeologio Geographica 1,1950:23-32,
reimpresso em Franz Petri, Siedlung, Sprache und Bevõlkerungs-struktur im Frankenreich,
Darmstadt, 1973, p. 294.
106 --s O Mito das Naçoes
13. Região situada a oeste do mar Negro, correspondente à atual Bulgária. (N. T.)
Capítulo 3: Bárbaros e outros romanos e' l09
Transformação interna
i
quais lutavam para defender as fronteiras.
I
1. Khagan, ou khan, era o título conferido aos líderes de alguns povos turcomanos e mongóis. (N. T.)
2. ïariat Tekin , AGrammor of OrkhonTurkic,Bloomington, .l968, p. 265.
Capítulo 4: Novos bárbaros, novos romanos e*- 'l l5
A confederação huna
d
1.l6 --e O Mito das Naçoes
3. Prisco, Carolus Muller (Ed.), Fragmenta historicorum Graecorum lV Paris, 1851, fr. 8.
Capítulo 4: Novos bárbaros, novos romanos e- 117
para que servissem em seu exército como para que fizessem traba-
lhos que eles náo se queriam fazer.
Porém essa prática nem sempre funcionava como os hunos que-
riam. Prisco relata um motim no contingente huno do exército ro-
mano durante um ataque promovido por Dengizich, filho de Átila,
na década de 460, eue teria ocorrido por causa dessa prática. Um
comandante huno lembrou aos líderes góticos do exército que os
hunos "náo se preocupam com a agricultura, mas, como lobos, ata-
cam e roubam o estoque de comida dos godos, de modo que estes
continuam na posiçáo de servos enquanto eles sofrem com a escas-
sez de comida".a Feridos pela lembrança desse tipo de tratamento,
os godos partiram para cima dos hunos que estavam entre eles e os
mataram.
Assim, embora com o tempo alguns grupos conquistados perdes-
sem completamente sua identidade, os romanos notaram que mui-
tos indivíduos, bandos e grupos mais amplos tentavam se libertar e
4. Prisco, Muller (Ed.), fr. 39. Para uma análise das implicaçÕes étnicas desse texto, ver Peter Heather,
"Disappearing and Reappearing Tribes", em Pohl (Ed.), Strategies of Distinction, p. 100.
'l
1B --e O Mito das Naçôes
a maior parte das riquezas dos hunos. Mas os espólios dessas pilha-
gens eram apenas o começo, já que os imperadores começaram a
pagaÍ cotas anuais aos comandantes hunos a fim de evitar futuras
incursóes. Sendo assim, o sucesso das operaçóes militares era funda-
mental para a continuidade de seus líderes.
Durante as primeiras décadas da confederaçáo, a liderança era
dividida entre os membros de uma família real, mas, no ano de
444,Átila eliminou seu irmáo Bleda quando as operaçóes militares
começaram a falhar e unificou os hunos sob seu comando. Com
Átila, os subsídios anuais do imperador Teodósio II aumenraram
de 350 para 700 libras de ouro e, posteriormente, para 2.100 li-
bras, uma quantia enorme para os bárbaros, mas que não era uma
despesa astronômica para a economia imperial. Aparenremenre Teo-
dósio achava mais barato pagaï Átila do que monrar um exército
para defender o Império dos ataques hunos. Além disso, os hunos
provaram sua utilidade como aliados, ranro dentro como fora do
território imperial.
Após a morte de Teodósio II, em 450, Marciano, seu sucessor,
recusou-se a dar continuidade ao rraramento especial dispensado
aos hunos. Sem sua principal fonte de renda, Átila, considerando
seu exército fraco demais para prosseguir com as pilhagens no Im-
pério Romano do Orienre, volrou-se para o Império do Ocidente,
de Valentiniano III. Ele conduziu suas rropas em direçáo ao oesre
e promoveu dois grandes araques. No primeiro deles, em 451, os
hunos penetraram bastanre na Gália, até serem parados na batalha
de Châlons, entre Troyes e Châlons-sur-Marne. O exército de Átila
- provavelmente formado, em sua maioria, por indivíduos dos po-
vos germânicos conquistados da Europa Ocidental, como suevos,
francos e burgúndios, e também por gépidas, godos e descenden-
tes dos hunos centro-asiáticos - foi parado por um exército igual-
mente heterogêneo, formado por godos, francos, bretóes, sármatas,
burgúndios, saxóes, alanos e romanos, sob o comando do patrício
I
I
Capítulo 4: Novos bárbaros, novos romanos o- l'l 9
6. David Frye, Gallia, Patrio, Francia: Ethnic Tradition and Transformation in Gaul, tese de doutorado
não publicada, Duke university, 1991, p.89-passim. Embora a interpretação,,étnica,'desse
material seja controversa, sou grato ao professor Frye por ter permitido que eu lesse trechos de
sua tese.
CapÍtulo 4: Novos bárbaros, novos romanos e''- 125
7. Ausônio, Ordourbium nobilium 20, traduzido por Hugh G. Wvelyn White, Cambridge' MA, 1985,
39-41. Ver também Frye, Gollia, Potria, Francia, p' 1Q4.
8. Ausônio, Praefatiunculae 1.5. Ver Frye, Gallia' Patria, Francia, p. 90-91.
126 --<t O Mito das Naçóes
14. Zosimus, Hrstorio nova,Yl,5, creditado por A. H. M. Jones, The Loter Roman Empire284-6O2,vol.l,
Baltimore, '1986, p. 187. Vertambém Herwig Wolfram, TheRoman Empireond ltsGermanicPeoples,
Berkeley, 1997, p.240, que contesta o relato, pelo menos no que diz respeito aos bretões.
128 --s O Mito das Naçóes
mo, exigiam uma ou duas igrejas para.o culto. Náo perseguiam nem
proscreviam o cristianismo ortodoxo, com exceçáo talvez do reino
vândalo do norte da África. Porém, mesmo nesse caso, as persegui-
çóes e o confisco de terras, ao que parece, eram mais uma questáo
de rixa política do que de diferenças doutrinárias.
A tradiçáo legal também era usada nessa elaboraçáo de novas
identidades. Nada se sabe a respeito dos primórdios das leis bárba-
ras: o conjunto de leis mais antigo de que se tem notícia, o Códi-
go Visigótico de Eurico, data da segunda metade do século V (..
470-480). Embora geralmente os códigos bárbaros contrastassem
bastante com a lei romana - com seu sistema de compensaçóes por
ofensas (wergeld), práticas de juramento e procedimentos formais
orais -, essas tradiçóes não deviam ser muito diferentes das práticas
legais comuns em muitas regióes da Europa Ocidental por volta do
século V. Essas leis buscavam delinear os direitos e responsabilida-
des de bárbaros e romanos. Eram leis territoriais, e deveriam ser
aplicadas tanto aos bárbaros como aos romanos, embora as outras
tradiçóes legais romanas - vivas nos territórios concedidos aos exér-
citos bárbaros - náo fossem excluídas.
As tentativas bárbaras de forjar novas identidades étnicas e po-
líticas para os povos tiveram diferentes resultados. As divergências
entre a minoria política e o exército bárbaro, assim como entre esse
e a popu\açâo romana, continuavam dividindo a Aftica vândala.
Os vândalos, ao contrário da maioria dos outros povos bárbaros
do Império, tinham conseguido estabelecer um reino em território
imperial sem os benefícios de um tratado e confiscado propriedades
a torto e a direito. A prática do confisco lhes rendeu o ódio da aristo-
cracia proprietária de terras, assim como o da Igreja ortodoxaafrïca-
na, que tinha uma longa tradiçáo de ativismo político, desenvolvida
durante as décadas de oposiçáo aos donatistas.lT Muitos aristocratas
17. Seguidores do donatismo, doutrina religiosa fundada por Donato, bispo de Cartago, tida como
herética pela lgreja. (N. T.)
Capítulo 4: Novos bárbaros, novos romanos e- 131
18. Sobre essa questão, de modo geral, ver Patrick Amory, People and ldentity in Ostrogothic ltaly 489-
554, Cambridge, 1997, esp. cap. 2, "The Ravenna Government and Ethnographic ldeology: From
Civilitas to Bellicositas", p. 43-85.
Capítulo 4: Novos bárbaros, novos romanos o- 133
;
dos godos. Alguns chegavam até a se casar com mulheres góticas
I
19. Amory, People and ldentity, p.63-64, citando, por exemplo, Cassiodoro, Voriae 4.1 e 4.2.
20. Amory, Peo p le an d I d e ntity, p. 7 3; V ar. 8.21 .6 -7.
21. Amory, People and ldentity, p. 72.
134 --e O Mito das Naçoes
22.Procópio,V XXV-VI.
23. Procópio, Vlll, xxxiv.
Capítulo 4: Novos bárbaros, novos romanos s.. 135
OS ULTIMOS BARBAROS?
A ltália lombarda
1. Marius Aventicus, a. 573 MGH (Monumenta Germaniae Historica, N. T.) AA 11, 23g.
2. Historia Langobardorum 2.,31.
5. Rothari 362 MGH LL 4. Ver Brigitte Pohl-Resl, "Legal Practice and Ethnic
ldentity in Lombard ltaly",
em Pohl, Strategiesof Distinction:TheConstructionof EthnicCommunities,300-800,Leiden, ,l998,
p.209.
6. Historia Langobardorum 2,32.
Capítulo 5: Os últimos bárbaros? o- 145
13. Wickham, Early Medieval ltoly, p.72-73.Wickham se baseia nos dados e na análise de Giovanni
Tabacco, "Dai possessori dell'età carolingia agli esceritali dell'età longobarda" Studi medievali
x.1,1969:221-268. Porém Tabacco não acredita que a assimilação já estivesse tão avançada. Mais
recentemente, em seu Struggle for Power in Medieval ltaly: Structures of PoliticalRulq Cambridge,
1989, ele admite que "talvez seja possível que, pelo fim do século Vll, quando a conversão
dos lombardos ao catolicismo já estava praticamente concluída, a convivência entre eles e os
romanos remanescentes da classe dos proprietários de terras em um mesmo meio social tenha
levado alguns romanos a aceitar a tradição jurídica do povo dominante...". Entretanto Tabacco
continua duvidando de que tenha ocorrido uma "assimilação substancial legal e militar da
população romana livre pelos lombardos". (96-97)
14. Edictus Langobardorum, Aistulfr Leges,2,3.Para uma tradução, ver Katherine Fischer Drew, trad.
The Lombord Laws, p. 228.
Capítulo 5:Os últimos bárbaros? s- 149
A Espanha visigótica
15. Edictus Langobardorum, Aistulfr Leges,4. Ver Drew,The Lombard Lows, p.228-229.
'16. Codice Diplomatico Longobardo, Luigi Schiaparelli (Ed.), l, Roma, 1929, 17, p. 48 e 20, p. 81.
150 --p O Mito das NaçÕes
17. Wolf Liebeschuetz, "Citzen Status and Law", em Pohl (Ed.), Strategiesof Distinction, p. 141-143.
Capítulo 5: Os últimos bárbaros? o.- 151
18. Liebeschuetz, "Citizen Status and Law", p. 139-140; para detalhes, ver Hagith Sivan, "The
Appropriation of Roman Law in Barbarian Hands: Roman-Barbarian Marriage in Visigothic Gaul
and Spain", em Pohl (Ed.), Strategies of Distinction, p. 189-203.
19. Sivan, "The Appropriation of Roman Law", p. .l95-199.
lapítulo 5:Os últimos bárbaros? q._ 153
22. Roger Collins, Early Medieval Europe, Nova York, 1991, p. 145.
23. P. D. King, Law and Society in the Visigothic Kingdom, Cambridge, 1972, p.132.
24. Dietrich Claude, "Remarks about Visigoths and Hispano-Romans in the Seventh Century", citando a
obra de Volker Bierbrauer e outras, em Pohl (Ed.),Strategiesof Distinction, p.119, nota 23.
25. King, Law and Society, p.'18.
156 --s O Mito das Naçoes
26. Concilium toletanum 6, 17, p.244-245. Ver Claude, "Remarks about Visigoths and Hispano-
Romans in the Seventh Century", p.127-129.
Capítulo 5:Os últimos bárbaros? s- i57
29. la n Wood, The Merovi ngia n Kì ngdoms 450-Z 51, Harlow, 1994, p. I 0g-1 1 4.
30. Patrick Wormald, "Lex Scripta and Verbum Regis: Legislation and Germanic Kingship from Euroic
to Cnut", em P. H. Sawyer e l. N. Wood (eds.), Early Medieval Kingshrp, Leeds, 1977, p.10g.
CapÍtulo 5:Os últimos bárbaros? s-- 161
31. Patrick Amory, "Meaning and Purpose of Ethnic Terminology in Burgundian Laws', Early Medieval
Europe,2, 1993:1-28.
32. lan Wood, "Ethnicity and the Ethnogenesis of the Burgundians", em Herwig Wolfram e Walter
Pohl (Eds.), Typen der Ethnogenese unter besonderer Berücksichtigung der Bayern, vol. l, Viena, 1990,
p.55-69.
33. Gregório de Tours, Libri HistoriarumX, 10; Wood, "Ethnicity", p. 55.
162 --o O Mito das Naçoes
35. Walter Goffart, "Foreigners inthe History of Gregory of Tours", em Walter GofÍart, Rome's Fall
and After, Londres, 1989, p. 275-291; e Patrick J. Geary, "Ethnic ldentity As a Situational Construct
intheEarlyMiddle Ages",MitteilungenderonthropologischenGesellschaftinWien,vol.ll3, lg83:
't5-26.
42.Pohl, "The Role of the Steppe Peoples in Eastern and Central Europe in the First Millennium A.D.",
em Origins of Central Europe, Przemyslaw Urbanczyk (Ed.) (Warsaw, 1997), p.65-78.
Capítulo 5: Os últimos bárbaros? e-- 167
44. Sobre as origens dos eslavos, ver especialmente Pohl, Die Awaren, p.94-128, e Florin Curta,
The Making of the Slavs: History and Archeology of the Lower Danube Region, ca.500-700 AD,
Cambridge,2001.
45. Procópio, História das GuerrasYll, xiv,22.
170 --'o O Mito das NaçÕes
fatos é incerta, e não poderia ser diferente: o processo foi táo des-
centralízado e fuido que dificilmente poderia ser cronologicamente
determinado ou documentado. As contra-ofensivas bizantinas náo
puderam interromper o processo, que já estava em um estágio bas-
tante avançado. As conquistas eslavas, ao contrário das germânicas
de dois séculos antes, náo significavam apenas a transferência da
renda tributária: alguns soldados capturados conseguiam fugir, ou
entáo eram incorporados à classe camponesa, mas os eslavos geral-
mente os matavam ou cobravam resgate. Nessa sociedade de solda-
dos-fazendeiros, náo havia opçóes.
A organizaçâo hierárquica em largaescala dos grupos eslavos foi
estabelecida por estruturas de comando externas. Os líderes podiam
ser germânicos ou centro-asiáticos, e seu modelo de etnogênese pos-
sibilitava uma maior concentraçío de poder e uma subordinaçâo
mais efetiva de indivíduos e grupos. Os ávaros foram fundamentais
nesse processo.
A eslavização de um amplo grupo que habitava entre o Elba e
J
mente a história antiga dos croatas, que é quase inteiramente basea-
da na crônica do imperador bizantino Constantino Porfirogêneto
(905-959).47 Constantino escreveu um tratado destinado aos seus
sucessores sobre como administrar o Império, dando especial aten-
çáo aos seus vizinhos eslavos. Para isso, baseou-se no conhecimento
de sua época e em documentos seculares (atualmente desaparecidos)
dos arquivos imperiais, mas não podemos saber até que ponto sua
crônica corresponde aos fatos. Constantino se refere a dois grupos
de croatas, o dos croatas "brancos", estabelecido próximo aos fran-
cos, e o dos croatas da Dalmácia. Ele elabora uma genealogia mí-
Capítulo 6
sHz
2. Sobre a lei bávara, ver Wilfried Hartmann, "Das Recht", em Die Bajuwaren von Severin bisTassilo,
488-788, H. Dannheimer e H. Dopsch (Eds.), Munique, 1988, esp. p.266; e Joachim Jahn, Ducatus
Baiuvariorum.DasbairischeHerzogtumderAgilolfrnger,Stuttgart, 1991,p.344.
*
'lB0 --p O Mito das NaçÕes
Reflexões finais
4. Ver, por exemplo, as concessÕes da "lei germânica" na Polônia referidas por Robert Bartlett, fhe
MakingofEurope:Conquest,Colonization andCulturolChange950-1j50, Princeton, 1993, p. 118 e
130-131.
182 --p O Mito das NaçÕes
Essa tentativa de
familiarizar o exótico consistia basicamenre na
elaboraçáo de inúmeras analogias entre as tradiçóes culturais afri-
canas e as européias. Dingiswayo, por exemplo, torna-se um "nobre
fidalgo", e Bryant compara favoravelmenre o estabelecimento de seu
império aos feitos dos líderes dos antigos egípcios, persas, gregos e
romanos:
Shaka, por outro lado, é visto como o Júlio César dos zulus. O tí-
rulo do capítulo do assassinato de Shaka é "César cai, e a tirania está
morta". Portanto Bryant não registra nem Preserva a Perspectiva in-
terna dos zulus em sua narrativa das migraçóes e da centtalïzaçáo do
poder, nem no sentido cultural que elabora a partir de suas evidências.
Em vez disso, ele a cria por meio da adaptaçáo de fragmentos das
tradiçóes zulus, transformando-os em uma "história real", ou seia'
em uma narrativa baseada na história por excelência- a do mundo
judaico-cristáo-romano.
Bryant náo foi o primeiro etnógrafo a descrever as origens de um
"povo" com base nos protótipos bíblicos e clássicos, nem o primeiro
a estruturar um relato histórico em consonância com as suposiçóes
e preconceitosculturais de seus leitores. Os autores do final da Anti-
güidade e os do início da Idade Média frzenm exatamente a mesma
coisa quando escreveram sobre as origens dos godos, dos lombar-
dos, dos francos, dos anglo-saxóes e posteriormente dos sérvios, dos
croatas e dos húngaros. Como vimos nos caPítulos anteriores, auto-
res como Jornandes, historiador dos godos, Gregório de Tours, dos
francos, e Constantino Porfirogêneto, dos eslavos' enquanto afirma-
vam, explícita ou implicitamente, que estavam difundindo antigas
tradiçóes orais, descreviam esses povos de acordo com as categorias
romanas e cristás. Os nomes dos líderes, as divisóes dos PoYos em
unidades tribais ou familiares, as batalhas célebres' as peregrina-
çóes lendárias, todos esses fatos e elementos possuíam importantes
valores simbólicos e eram freqüentemente vinculados à história dos
17. Sobre os contextos culturais e políticos de quatro desses historiadores da Alta ldade Média, ver
Walter GoffarÌ, Norrators of Earbarian History, que sustenta que os interesses políticos e religiosos
desses autores determinaram o conteúdo e a forma de suas obras.
18. Sobre as fontes do século XlX, africanas e européias, a respeito do líder zulu Shaka, ver William
Worger, "Clothing Dry Bones: The Myth of Shaka", Jou rnal of African Studies, vol. 6, número 3,
'1979:144-158; e Carolyn Anne Hamilton,Terrifrc Majesty, especialmente o cap. 2, "The
Origins of
the lmage of Shaka", p.36-71.
Capítulo 6: A respeito dos novos povos europeus s.- 193
butho -
eram compreendidos como etnicamente distinros e inferio-
res aos ntangwa.
As conquistas e a consolidaçáo do reino de Shaka foram levadas
a cabo de modo extremamente violento. Os grupos que conseguiam
fugir migravam para longe da regiáo de Phongolo-Mzimkhulu,
criando um efeito de instabilidade na região. A consolidaçáo promo-
vida por Shaka também enconrrou forte resistência, que culminou
em seu assassinato, em 1828. Porém as instituições que havia criado
permaneceram fortes e sobreviveram à sua morte. O trono passou a
ser ocupado, sem grandes incidentes, por Dingane, seu meio-irmão,
que havia participado de seu assassinato. A criaçáo de um mito de
origem para a sociedade zulu foi táo efetivo que, em meados do sé-
culo, os europeus reclamavam que até mesmo os descendentes dos
grupos reinantes subjugados por Shaka se reconheciam como des-
cendentes diretos dos zulus, que haviam subjugado seus avôs.
Zulus e europeus
As duas versóes da história dos zulus devem ser familiares aos eu-
ropeus. Lendas de uma grande migraçáo, cisóes graduais de clás
etnicamente homogêneos, transformaçóes políticas súbitas sob as
pressóes do crescimenro demográfico e o surgimento de um Estado
militar poderoso devem ser bastante familiares a qualquer um que
tenha um mínimo de conhecimento sobre o grande período das mi-
graçóes da história européia. Essa nâo é apenas a história dos zulus,
mas também dos povos germânicos e eslavos. Náo é necessária uma
grande imaginaç áo para que se reconheça, em Malandela ou em
Shaka, o rei Teodorico, dos ostrogodos, Alboino, dos lombardos,
Clóvis, dos francos, Chrobatos, dos croatas, ou o búlgaro Isperikh.
Isso se dá, em parte, porque os autores antigos e medievais, em cujos
textos os historiadores contemporâneos têm se fiado, mantinham
exatamente a mesma postura em relaçáo aos seus objetos de estudo
CapÍtulo 6: A respeito dos novos povos europeus o.- 199
Alemanha
armas e táticas das tribos na regiáo
correspondente à atual, 95-96
A Cidade de Deus,7lJ4 etnocentris mo, 13-14
Acordos de Helsinque, 12 filologia e desenvolvimento do
Aécio (comandante romano), 161 nacionalismo na,40-49
Áfti.", reino vândalo na. Ver também identidade coletiva na, 3l-32
"zulus", l2l-122, 130-131 minorias étnicas na, 14-16
Agostinho (santo) nacionalismo político na era
pós-napoleônica, 35-43
teorias etnográfica s de, 7 l-7 3
precursores do nacionalismo na,
Agricola,6T-69
34-35
Alamanos
raízes históricas do nacionalismo
armas e táticas dos, 95-96
na,28-30
classificaçáo romana dos, 100- violência racista na, 15-16
r02 Alianças matrimoniais
descriçáo de Amiano dos,74- com fins políticos, 122-123
75 na Espanha, proibiçáo dos
na Lombardia, 180 casamentos entre godos e
no norte da Gália, 138, 161-166 romanos, 152-155
vitória dos romanos sobre e trans- no Império Romano, 87-90
formaSo dos, l0l-1 10, 168-169 no reino zulu,197
Allègre, Claude,21
Alanos, 106-107, ll9 -124
Amabatho
Alarico, 50, l2l-124, 137-138
tradiçáo zulu dos, 196-198
Alarico ll, L37, 150-152
Amalasunta,l33
Alboino, 50-51, L4l-142, 146-148, Amali, família dos, 129, l3l-133,
198 r40
Aldeias Amiano Marcelino, 65-67, 7316, 106,
estruturas sociais bárbaras nas, 203
92-99 Amory, Patrick, 206
208 --e O M ito das NaçÕes
ffi
Japâo
Kuvrat (líder dos onoguri),173
KwaZulu-Natal, província de, 185,
200-20r
políti-
confederaçáo e estrurura Nêustria, reino franco da, 159-160,
114
ca dos, 177-180
Monoteísmo radical Ngúnis, povos, 185-187, 188-190,
no Império Romano,86-87 193-194
Monumentos Históricos da Notitia dignitatum, g5
Alemanha (Monumenta Germaniae Nrungwa,povos, 186-187,194
Historica),39-43 "Núcleos de tradiçáo"
Movimentos pela independência identidade étnica bárbara e os,
nacionalismo e os, 28-31 92-94,97-99
Movimentos separâtistas
Comunidade Européia e os, 12
W
Mthethwa, povos, 187,195-197
Muçulmanos
ffiffi
na Bósnia, 14 Odoacro, L31-132,164
ga Espanha,177-178 Oguri,173
na França, 15-I7 Olden Times in Zulu and Natal,188
Onoguri,lT3
Orestes, 116
Origines gentium
teorias das, 79-80
Nacionalismo Ornamentaçáo
Comunidade Européia e, LI-12 identidade étnica bárbara e a,
identidade coletiva como prelú- 95-97
dio do, 3I-34 Ostrogodos
movimentos pela independência elite social dos,128-129
e,29-31 etnogênese dos, I 19-120,
no século XIX,27-55 r22-r24
ressurgimento do, 13-I4 guerra contra os bizantinos, 141
Nacionalismo cultural identidade étnica formada
a língua como instrumento do, pelos, 130-135
46_49
I . 1. ,. t
história lingüística e o, 57-55
nacionalismo alemáo como,
34-37
Nacionalismo político Pacto de Varsóvia, naçóes do
alemáo
nacionalismo cultural excluídas da Comunidade
t)ersus,34-37, 40-43 Européia, 1l-13
na Europa pós-romana, nacionalismo e etnocentrismo
174-175 nas,l3-14
Ndwandwe, sociedade, 187-188, Pagi
196-197 classificaçáo romana dos, 105
220 --r". O Mito das NaçÕes
na Baviera, 179
na Espanha gótica, 152-158
na Lombardia, fusáo das,
Tabacco, Giovanni, 148 n.1,3 r44- r49
Tácito, Cornélio nos reinos francos, 178-181
descriçáo dos suevos por, 101 surgimento da identidade legal,
o mito do nacionalismo e, 32 180-181
o nacionalismo alemáo e,24,37 Tradiçóes orais
teorias etnográfica s de, 67 -7 0, usos pela história das,192-202
203 Transformaçáo do mundo romano,
Taifalos, 158-159 205
Táticas militares. Ver também arme- Transilvânia
mento: disputa étnica pela, 19
confederaçáo huna, 1 15-1 l6 Tribalismo
identidade étnica bárbara com identidade regional e, 125 -127
base nas, 94 Turcos
Teja (rei), 134 "trabalhadores-hóspedes", suspei-
Teodato, 133 ta alemá em relaçáo aos, 15
Teodorico o Grande, 50, 131-136, Turíngios, 132, 137-138, 161-162
138-t39,168,198
Teodósio II (imperador), 118, 122
Tervíngios, 107-109, Il5, ll9-Lzl
Teutatis, 84-87
Teutomeres, 106 Úlfil"s (bispo), 41, 108-109
Tito Lívio Uniáo Soviética
teorias etnográfica s de, 66 -67, fim da, 13
69,203 Uiguri,167
Trácia
bárbaros estabelecidos na, 120
Tradiçóes legais
Breuiárío de Alarico, l5t-152,
162 Valente (imperador), 107-109,
Código Ripuário,160 120-tzt
Código Teodosiano, 150- 151, Valentiniano III, ll8, 123
r62 Valóes
dos galo-romanos, 150-I53 antagonismos entre flamengos e,
dos ostrogodos, 130-133 t2
identidade étnica bárbara e as, Vândalos, I04, I2l-123, 129 -131,
95,130-136 133-t34, t35 -t36, t39 -140
Lei Sálica,16O Varo (general romano), 35, 37, 97
Líber Constitutionum, 16l Vênedos, 165
índice remíssivo e-- 223
Vestuário
identidade étnica bárbara e o,95
Virgílio
teorias relativas à etnogênese de,
66-68,79-80
Visigodos
a Espanha ocupada pelos,
r49-r58
comunidades dualistas mantidas
pelos, 129,135-L36
conquista do reino visigótico
pelos francos, 137-138
desaparecimento dos, 134-136
etnogênese dos, 120-1 24, 132,
r33
supressáo dos bagaudae pelos,
r27-t28
Vitensis, Yictor,42
Vitiges, 134
\lenskus, Reinhard, g3
\Vergeld,I30
\7'ickham, Chris, 52,I48 n.13
\üimpleling,Jacob,34
lVirtschaftswunder (milagre econômi-
co), 15
\ìí'olfram, Herwig, 20 5
\ì7'ood, Ian,205
\lright, 199