Catecismo AULA 38 A 70

Fazer download em doc, pdf ou txt
Fazer download em doc, pdf ou txt
Você está na página 1de 95

AULA 38

A queda dos anjos


As explicações contidas no Catecismo são verdades da fé, portanto, não é
possível tergiversar sobre elas. Para todos os outros assuntos existem as
chamadas explicações teológicas, ou seja, esforços humanos empreendidos
por grandes santos e doutores da Igreja, a fim de se compreender melhor a
revelação ou a ação divina.

Na aula de hoje, além das verdades de fé, serão oferecidas explicações


teológicas acerca da Queda dos Anjos, que é um assunto que desperta muito
interesse desde sempre. A base para as explicações teológicas serão os
escritos de Santo Tomás de Aquino.

O Catecismo diz que o homem não pecou por iniciativa própria. A narração da
Criação corrobora essa ideia. O homem pecou porque se deixou seduzir por
Satanás. Mas, quem é Satanás?

Mais uma vez é o Catecismo quem oferece a resposta dizendo que se trata de
"… uma voz sedutora que se opõe a Deus e que, por inveja", seduziu os
primeiros pais. Trata-se de um "anjo destronado". Ora, se é um anjo foi criado
por Deus e, se foi criado por Deus, foi criado naturalmente bom. Trata-se,
portanto, de uma criatura, não de um deus mau – um demiurgo -, ou de um ser
que se encontra em igual paridade com Deus. Não. Esta é a primeira verdade
que precisa ser absorvida: Lúcifer é um anjo, portanto, uma criatura inferior a
Deus.

A pergunta que deve ser formulada em seguida é o que teria acontecido para
que Lúcifer, um anjo bom, tenha decidido virar as costas para Deus e se tornar
Satanás/Diabo. O Catecismo fala de uma desobediência angélica, de um
pecado cometido por ele, que originou a Queda propriamente dita. Ele e os
demais anjos que pecaram não foram poupados por Deus: "Com efeito, Deus
não poupou os anjos que pecaram, mas lançou-os nos abismos tenebrosos do
Tártaro, onde estão guardados à espera do Julgamento"(2 Pe 2, 4).
A Sagrada Escritura fala sobre uma batalha no céu, assim, com o auxílio da
teologia de Santo Tomás de Aquino e da Summa Daemoniaca, do Padre José
Antonio Fortea, é possível traçar algumas considerações. Em primeiro lugar, a
narração da batalha contida no capítulo 12, do Apocalipse:

Houve então uma batalha no céu: Miguel e seus anjos guerrearam contra o
Dragão. O Dragão batalhou, juntamente com seus Anjos, mas foi derrotado, e
não se encontrou mais um lugar para eles no céu. Foi expulso o grande
dragão, a antiga serpente, o chamado Diabo ou Satanás, sedutor de toda a
terra habitada – foi expulso para a terra, e seus anjos foram expulsos com ele.

Se houve um tempo em que os anjos não haviam pecado e um tempo após o


pecado, é possível dizer que os anjos viveram num espaço de tempo. Esse
tempo é um tempo angélico, diferente do tempo como concebido pelo homem.

Nesse espaço de tempo anterior ao pecado, estima-se que Deus não havia se
mostrado completamente aos anjos. O pecado só pode ocorrer quando não se
vê a Deus, que é a verdade fulgurante, o sumo bem e cuja face é tão atraente
e irresistível que o conceito de pecado não pode se aproximar. Assim, os anjos
não tinham visto a Deus antes de pecarem. Apesar disso, os anjos são puro
espírito e foram dotados com dons superiores aos concedidos aos homens,
conforme já estudado. Eles tinham pleno conhecimento e entendimento. O que
teria motivado, então, a desobediência deles? Santo Tomás sugere que Deus
lhes revelou o plano de salvação dos homens, ou seja, que Jesus haveria de
encarnar-se no seio de uma virgem, viver de forma humana e morrer na cruz.
Tal plano teria sido encarado como absurdo, dado a majestade divina frente à
pequenez humana. Lúcifer teria se recusado a servir o Deus Encarnado e
convencido, por meio de mentiras, outros anjos. Isso teria motivado o "não
servirei" proferido por ele e que precipitou a batalha narrada em Apocalipse.

Pelo fato de serem espíritos puros, a desobediência revestiu-se de radicalidade


e de irrevogabilidade, ou seja, não há retorno para Satanás e seus demônios.
Além disso, eles foram tomados por um ódio extremo contra Deus e contra os
homens. O plano, então, é destruir a criação, não só instigando a morte física,
mas, principalmente, a morte espiritual, a perdição da alma.
Se os anjos não possuem corpos, são puro espírito, como se deu a batalha
descrita no Livro do Apocalipse? Santo Tomás diz que a espada flamejante de
São Miguel Arcanjo é a Palavra de Deus e que a batalha se deu no campo das
ideias. A luta foi espiritual, mas, nem por isso, menos sangrenta. A teologia diz
que ambos os lados tiveram perdas. Pela Palavra, muitos anjos que estavam
no caminho para a desobediência foram salvos e, pela mentira de Satanás,
cujo apelido é "o pai da mentira", muitos anjos desobedeceram a Deus,
perdendo-se para sempre. Há um certo sentido na afirmação de que a batalha
deu-se no campo das ideias, pois é só o que Satanás pode oferecer: ideias.
Com elas, ele tenta e consegue levar os homens ao pecado.

Deus não desejava que os seus anjos se perdessem. Por isso, durante um
certo tempo, mandou-lhes a sua graça. Porém, sistematicamente eles a
recusaram. E, como Deus respeita a liberdade de suas criaturas, em dado
momento, cessou de mandar a graça. Deus virou as costas a Lúcifer e seus
anjos. A partir daí, irrevogavelmente, eles se transformaram em Satanás e os
seus demônios. Não havia mais o que se fazer, pois, a vontade deles estava de
tal forma empedernida que somente existia um ódio profundo contra Deus e a
criação.

Mas, todos os demônios odeiam a Deus com a mesma intensidade? É preciso


pensar que, da mesma forma que os anjos pertenciam a uma hierarquia
angélica, agora também, transformados em demônios obedecem a uma
hierarquia. Pode-se pensar numa pirâmide invertida, na qual o posto mais
fundo é ocupado pelo próprio Satanás, assim, quanto maior o grau de ódio que
se tem a Deus, mais importante se é no Inferno.

A irrevogabilidade da decisão de Satanás foi coroada com a admissão dos


anjos na presença divina, ou seja, Deus mostrou-se aos anjos bons,
encerrando assim, para todos, o tempo angélico. Os anjos que permaneceram
ao lado de Deus, assim estarão por toda eternidade, da mesma forma, os anjos
que acompanharam Satanás na desobediência permanecerão por todos os
séculos assim.

A lição mais importante dessa batalha para o ser humano é que Deus envia a
cada um a sua graça, desejando ardentemente que, livremente, o homem
escolha amá-lo. Porém, essa chance encerra-se com a morte, quando então o
destino do homem é selado para toda a eternidade. Cada homem é livre para
escolher de que lado ficará.

AULA 39

O pecado original
A doutrina do pecado original é uma verdade de fé, portanto, deve ser crida.
Infelizmente, a teologia liberal moderna, representada principalmente pela
Teologia da Libertação, insiste em negar a existência do pecado original. Isso
acontece porque esta teologia deseja implantar o reino do céu neste tempo.
Porém, isso somente seria possível se o pecado original não existisse, caso
contrário, o homem continuaria pecando e não poderia ser implantado o
“paraíso” aqui na terra. Isso é óbvio, mas a ideia de que o pecado original é
uma invenção de Santo Agostinho tomou corpo e vem seduzindo a muitos na
Igreja Católica. Dizer que Santo Agostinho criou a doutrina do pecado original é
outra afirmação sem lógica, pois, como se explicam as diversas referências a
ele nas cartas paulinas?

A existência do pecado original e de suas nefastas consequências para a


humanidade pode ser constatada por cada pessoa, num olhar sincero para
dentro de si mesmo. Esta abordagem chama-se fenomenológica [01] e é
adotada pela Constituição Pastoral Gaudium et Spes. Cada homem, num
exame acurado de si mesmo, usando de absoluta sinceridade, perceberá que
existe dentro de si uma inclinação para o mal, uma vez que é atormentado por
muitos males que não provêm de Deus,o Sumo Bem.
Ocorre que o homem não foi criado assim por Deus, com essa inclinação. Ele
foi criado em amizade e à imagem de Deus. Diante de Deus o homem é
apenas uma criatura, portanto, a amizade entre eles só pode ser feita na
medida da submissão: o homem deve ser obediente ao seu criador. A
obediência, nesse caso, não torna o homem escravo, pelo contrário, obedecer
a Deus torna o homem livre.
Infelizmente, o homem quer ser livre sem Deus. É justamente nessa afirmação
que ocorreu a sedução de Satanás. Ele sugeriu ao homem que se comesse o
fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal seria como Deus. O homem,
por sua vez, deixou-se seduzir pela possibilidade de ser deus sem Deus.

A árvore do conhecimento do bem e do mal evoca simbolicamente o limite


intransponível que o homem, como criatura, deve livremente reconhecer e
respeitar com confiança. O homem depende do Criador, está submetido às leis
da criação e às normas morais que regem o uso da liberdade. (CIC 396)

No seu plano original, Deus queria dar ao homem a divinização. Isso seria feito
por meio da graça, pois desejava que o homem fosse filho, como o filho Jesus.
Porem, o homem quis ser Deus, mas sem Deus. Bastava ao homem submeter-
se com confiança a Deus, para seu próprio bem, para permanecer em
harmonia com Ele e com a criação, entretanto, deixou-se seduzir pela mentira
de Satanás.

Deus tem ciúme do homem, isso é fato comprovado até mesmo nas Sagradas
Escrituras, mas não é o tipo de ciúme doentio que se vê pelo mundo. O ciúme
de Deus não é por causa da usurpação de suas prerrogativas, por medo de
que algo ou alguém lhe tome o lugar. Essa ideia é absurda, até mesmo cômica,
pois Deus é Deus, infinitamente maior e mais poderoso que qualquer outra
realidade.

O ciúme de Deus é por receio de que sua criação se perca. Deus não quer que
nenhum homem deixe de salvar-se. A todos destinou o céu. Para isso deu seu
filho Jesus, para a salvação dos homens. Ora, Ele sabe que o homem só
poderá salvar-se se O obedecer, se trilhar o caminho da obediência, do “sim”
ao seu projeto. Amar a Deus é bom para o homem. Obedecer a Deus garante
ao homem o caminho da salvação. O contrário é a morte, a perdição certa.
Este é o ciúme de Deus.

Uma pergunta recorrente é se todos os homens cometeram o pecado original.


Não. O pecado de Adão, chamado em teologia de “pecado original originante”
foi aquele primeiro ato de desobediência ao comer o fruto da árvore do
conhecimento do bem e do mal. Ocorre que, por herança, todos os homens
recebem a marca e as consequências desse pecado.

O pecado de Adão possui dois aspectos: o da desobediência e o da falta de


confiança em Deus. Apesar disso, não foi Adão quem inventou o pecado.
Como visto anteriormente, o pecado é uma invenção angélica. Astuto como é,
Satanás incutiu no homem uma desconfiança para com Deus, fez com que ele
acreditasse que Deus não queria que fosse como Ele. Por isso, disse que se
comessem do fruto proibido seriam como deuses. A mentira de Satanás fez
com que o homem passasse a olhar para Deus com desconfiança (segundo
aspecto), levando-o a desobedecer a Deus.

O pecado original trouxe consigo diversas consequências que foram


enumeradas pelo Catecismo:

A harmonia na qual estavam, estabelecida graças à justiça original, está


destruída: o domínio das faculdades espirituais da alma sobre o corpo é
rompido; a união entre o homem e a mulher é submetida a tensões; suas
relações serão marcadas pela cupidez e pela dominação. A harmonia com a
criação está rompida: a criação visível tornou-se para o homem estranha e
hostil. Por causa do homem, a criação está submetida à servidão da corrupção.
Finalmente, vai realizar-se a consequência explicitamente anunciada para o
caso de desobediência: o homem voltará ao pó do qual é formado. A morte
entra na história da humanidade. (400)

Antes da desobediência, o homem vivia em harmonia consigo mesmo, com


Deus e com a criação. O relacionamento dele com sua companheira era
marcado pelo respeito, pelo louvor a Deus pela vida dela. De súbito, pelo
pecado, tudo isso se perdeu e a morte entrou na humanidade.

O pecado original trouxe a morte para a humanidade. Segundo o Catecismo, o


homem não morreria caso não tivesse pecado. Como isso se daria é um
mistério, mas é a verdade da fé: não haveria a morte para o homem.
Cientificamente o homem deveria morrer, mas a fé nos diz que Deus faria algo
que impediria a morte do homem, entretanto, houve o pecado e a morte entrou
na humanidade como conseqüência dele.
A partir do pecado original houve uma verdadeira invasão do Mal no mundo. É
o que será estudado na próxima aula.

Referências

1. fenomenologia: fe.no.me.no.lo.gi.a: sf (fenômeno+logo2+ia1) 1 p us
Ramo de uma ciência, o qual trata da descrição e classificação de seus
fenômenos. 2 Med O mesmo que sintomatologia. 3 Filos Em Hegel,
espécie de autobiografia do espírito, que transita do conhecimento sensível
ao verdadeiro saber; em Husserl, método filosófico que visa a apreender as
essências absolutas das coisas.

AULA 40

Consequências do pecado de
Adão para a humanidade
Nesta aula, falaremos sobre o pecado original "originado", ou seja, de como é
que o pecado original age em cada ser humano. A doutrina do pecado original
originado, ou seja, aquele primeiro pecado cometido por Adão, encontra seu
fundamento bíblico básico na Carta de São Paulo aos Romanos: "de modo
que, como pela desobediência de um só homem todos se tornaram pecadores,
assim, pela obediência de um só, todos se tornarão justos. (5,19)"

Assim, todo ser humano, de alguma forma, recebe a herança negativa dos
primeiros pais e a retransmite para todas as gerações. Como essa herança é
transmitida o próprio Catecismo adianta que é um mistério, porém, é possível
adiantar que isso não se dá por imitação, nem por contágio social, mas pela
natureza humana. Ou seja, juntamente com outras características humanas, de
alguma forma a mancha do pecado original e suas consequências são
transmitidas ao homem.
Dessa forma, todos os seres humanos são influenciados pela situação de
decadência representada pelo pecado original originado, todos, sem exceção,
recebem essa herança negativa. O modo pelo qual essa herança é transmitida
é um mistério, porém, é possível refletir sobre isso.

A primeira desobediência cometida por Adão e Eva trouxe diversas


conseqüências para toda a humanidade. A primeira e mais visível, que pode
ser observada facilmente em cada homem, mulher, criança, velho, enfim, em
todos, é a inclinação para o mal. Esta inclinação está bem descrita por São
Paulo, quando ele diz:

Realmente não consigo entender o que faço; pois não pratico o que quero, mas
faço o que detesto. Ora, se faço o que não quero, eu reconheço que a Lei é
boa. Na realidade, não mais eu que pratico a ação, mas o pecado que habita
em mim. Eu sei que o bem não mora em mim, isto é, na minha carne. Pois o
querer o bem está ao meu alcance, não porém o praticá-lo. Com efeito, não
faço o bem que eu quero, mas pratico o mal que eu não quero. (Rm 7, 15-19)

Esta tendência para praticar o mal é pouco ou mal explicada por outras
religiões que não têm a doutrina do pecado original. A Igreja Católica explica a
miséria que oprime os homens e a inclinação para o mal que toda a
humanidade possui por meio dela. Inclusive é a doutrina do pecado original
uma verdade de fé. É por causa dela que a Igreja batiza as crianças ainda
bebês, porque todos os homens "nascem" com a mancha do pecado original
originado pelo primeiro ato de desobediência a Deus cometido por Adão.

Esse primeiro ato foi um pecado pessoal de Adão e de Eva e não cometido por
cada ser humano nascido após eles. Isso é óbvio. Assim, esse pecado causou
uma desordem na natureza humana, tornando-a decaída. Portanto, a natureza
humana decaída é transmitida como característica, como herança. É possível
afirmar, então, que o pecado original é um "estado" e não um ato.

Satanás seduziu Adão e Eva pela possibilidade de eles se tornarem como


Deus. E essa é a marca do pecado original, por causa dela, os homens
nascem com o desejo de serem Deus, a ocuparem o lugar de Deus, com esta
condição idolátrica. Ser deus sem Deus traz também outras consequências
para a humanidade. O Catecismo as cita:

Embora próprio de cada um, o pecado original não tem, em nenhum


descendente de Adão, o caráter de falta pessoal. É a privação da santidade e
da justiça originais, mas a natureza humana não é totalmente corrompida: ela é
lesada em suas próprias forças naturais, submetida à ignorância, ao sofrimento
e ao império da morte, e inclinada ao pecado (esta propensão ao mal é
chamada de concupiscência). (405)

Diante disso, percebe-se que o homem nasceu em desvantagem diante do


inimigo e que é preciso a ajuda de Deus nesse combate, pois não é possível ao
homem vencer o pecado sozinho. Inclusive houve uma heresia que acreditava
ser o ele capaz de vencer o pecado original sem a ajuda de Deus. O
Pelagianismo foi combatido fortemente por Santo Agostinho. Aquele que tem
como projeto de vida o pecado é facilmente identificado por uma certa cegueira
intelectual, parece que não quer enxergar nada além do pecado. Conforme
estudado na aula passada, a morte não estava no projeto original de Deus. Ela
entrou no mundo como consequência do primeiro pecado. A concupiscência é
uma inclinação para o pecado, além disso, ela conduz o homem para o pecado
e provém do pecado original. Trata-se de uma doença espiritual. O batismo
apaga o pecado original, mas restam as consequências.

Durante muito tempo debateu-se as consequências do pecado original sobre o


homem. Os cristãos protestantes acreditavam que o "homem estava
radicalmente pervertido e a sua liberdade anulada pelo pecado original" (406).
Para eles, não é possível ao homem superar a inclinação para o mal. Por outro
lado, havia os pelagianos que acreditam ser o homem capaz de vencer sozinho
as consequências do pecado original.

Já a Santa Igreja Católica crê que nem o otimismo radical do pelagianismo nem
o pessimismo radical dos protestantes estão corretos. Ela crê que embora a
natureza humana esteja decaída, ainda é humana e pode, por meio da graça,
da virtude e de uma vida reta chegar à santidade.
AULA 41

Um duro combate
O pecado original é um tema bastante complexo e, atualmente, é um dos
dogmas da fé que estão sendo atacados, principalmente no Brasil. Algumas
correntes teológicas deixaram de acreditar no pecado original. Contudo, o
pecado original é uma verdade de fé, assim, não pode ser negada. Mais que
isso, o pecado original, segundo Chesterton "constitui a única parte da teologia
cristã que pode realmente ser provada". Basta olhar para dentro de si mesmo
para perceber que existe uma espécie de escravidão relacionada com o
pecado de Adão, com o próprio pecado de cada um e também relacionada com
o Demônio. É isso que será estudado hoje.

A redenção de Cristo não é compreensível se se nega a doutrina do pecado


original, pois, caso ele não existisse, do que então Jesus redimiu a
humanidade? Deus criou o homem ontologicamente bom, mas ele está numa
situação de natureza decaída e não só isso, escravizada pelo demônio.
Quando ocorreu o pecado original originante, Satanás "adquiriu certa
dominação sobre o homem, embora este último permaneça livre" (407). É um
paradoxo, mas o ser humano, apesar dessa certa dominação satânica,
continua absolutamente livre para pecar ou não. O intento de Satanás é perder
as almas no inferno e, portanto, tem todo o interesse que o ser humano
continue livre, pois somente pela liberdade é que o homem pode pecar e virar
as costas para Deus.

Não é possível negar a doutrina do pecado original e nem que ele permitiu a
entrada do Maligno no mundo. A Tradição já ensina essa verdade há bastante
tempo:

Se alguém não admite que o primeiro homem Adão tendo transgredido no


paraíso a ordem de Deus, perdeu imediatamente a santidade e a justiça nas
quais tinha sido constituído e que nesse pecado de prevaricação incorreu na ira
e na indignação de Deus e por isso na morte, com que Deus o havia ameaçado
anteriormente e com a morte na escravidão sob o poder daquele que depois
teve o domínio da morte, isto é o Diabo, e que Adão inteiro por aquele pecado
de prevaricação mudou para pior tanto no corpo quanto na alma seja anátema.
(DS 1511)

O poder do Diabo é o domínio sobre a morte, porque ele quer matar o ser
humano, mas não com a morte fisicamente somente. Acima de tudo, ele quer a
morte eterna, pois, é homicida desde o princípio. Para conseguir seu intento, o
Demônio se utiliza da tentação, ou seja, de incutir ideias nas mentes humanas,
sugerindo situações que levem direta ou indiretamente à prática do pecado,
com o fim único de tirar aquela alma de Deus. Assim, é possível dizer que o
fenômeno mais terrível da ação demoníaca é a tentação e não, como muitos
pensam a possessão. É da tentação que as pessoas têm que se prevenir, pois
é aí, quando o homem é livre é que é seduzido e diz livremente "eu quero"
pecar.

A liberdade do homem traz em si um ar de tragédia porque indiscutivelmente


ele tem uma natureza lesada, inclinada ao mal. Não levar isso em
consideração "… dá lugar a graves erros no campo da educação, da política,
da ação social e dos costumes. (407)" Ou seja, os pedagogos, educadores não
devem ver a criança como um anjo de candura, mas lembrar-se que ela tem
uma natureza inclinada ao mal, portanto, precisa ser disciplinada, ensinada,
com firmeza. Da mesma forma, no campo da política não é possível achar que
aqueles que assumem cargos serão movidos pela bondade, não, a natureza
deles é inclinada para o mal; da mesma forma, as pessoas que serão
governadas não são boas naturalmente.

O teólogo Padre José Antonio Sayez, em seu livro "O demônio: realidade ou
mito", diz que o pecado original que entrou no mundo tem a ver com a entrada
do demônio no mundo, afirmando isso a partir de um texto da Carta de São
Paulo aos Romanos, no capítulo 5. Embora seja uma explicação teológica e,
por isso, não se tratar de uma verdade de fé, é importante para esclarecer a
compreensão do tema. O Padre pergunta como é que se dá a transmissão do
pecado original. O Catecismo diz que é um mistério, porém, na referida Carta,
São Paulo diz que foi pela transgressão de Adão entrou no mundo o pecado.
Ou seja, o pecado era uma realidade que já existia fora do mundo, portanto, o
pecado não é o pecado, mas sim, o Diabo, o Pecador.
Adão abriu uma porta com sua liberdade e por ela o pecado entrou no mundo.
Deus criou o mundo sem a presença do Diabo e foi através da liberdade do
primeiro homem que o Diabo entrou. Por isso ele é chamado de Príncipe,
Dominador. Foi o homem quem conferiu a ele o domínio, o poder de agir. O
mundo passa a ser o local de ação do Diabo. Assim, segundo José Antônio
Sayez, o pecado original em sua natureza mais íntima, aquele originado, seria
uma presença demoníaca.

Para amparar sua afirmação, o Padre cita a Tradição, em sua realidade


litúrgica. Por exemplo: o batismo livra o homem do pecado original, mas a
inclinação para o mal permanece nele, então, em que consiste o pecado
original? O batismo liberta o homem da escravidão demoníaca (pecado
original), por meio do óleo dos catecúmenos, momento em que se faz um
exorcismo, pois o Espírito Santo vem quando o demônio é expulso. A
inclinação para o mal é a consequência do pecado original, chamada também
de concupiscência. Assim, a expressão "o pecado do mundo" seria a presença
do demônio no mundo, segundo a explicação teológica fornecida pelo Pe. José
Antonio Sayez.

A constituição pastoral Gaudium et Spes acaba com toda a ilusão de que é


possível viver o paraíso aqui na Terra:

Uma luta árdua contra o poder das trevas perpassa a história universal da
humanidade. Iniciada desde a origem do mundo vai durar até o último dia,
segundo as palavras do Senhor. Inserido nesta batalha, o homem deve lutar
sempre para aderir ao bem; não consegue alcançar a unidade interior senão
com grandes labutas e o auxílio da graça de Deus. (409)

A tragédia da luta espiritual é que ela se dá dentro de cada ser humano,


portanto, não existem pessoas, mas tão somente, campos de batalha.
Enquanto viver o homem terá que lutar contra a inclinação para o mal que
existe dentro dele.

AULA 42
Vós não o abandonastes ao
poder da morte
Hoje se encerra o Capítulo 7, que trata da Queda, da transgressão de Adão. O
que aconteceu após os primeiros pais terem comido do fruto proibido? O Livro
do Gênesis, ainda no capítulo 3 diz que após terem pecado, Adão e Eva
esconderam-se Deus, que passeava na brisa da tarde. Deus sabia que tinham
desobedecido, por isso mandou que saíssem do paraíso e postou na entrada
os querubins, impedindo-lhes a volta.

Após deparar-se com o pecado de Adão, Deus não vira as costas a ele, pelo
contrário, anuncia "de modo misterioso a vitória sobre o mal e o soerguimento
da queda. (410)" Assim, depois da má notícia, percebe-se a primeira Boa
Nova. Os teólogos chamam a esse trecho de "proto-evangelho".

Da mesma forma, a mãe de Jesus, Maria, é tida como a nova Eva, pois: "ela foi
preservada de toda mancha do pecado original e durante toda a vida terrestre,
por uma graça especial de Deus, não cometeu nenhuma espécie de pecado.
(411)"

A condição atual do homem é chamada pós-lapsária, ou seja, após a Queda, a


natureza humana foi lesada, trazendo em si uma inclinação para o mal. Após o
ato cometido por Adão, instalou-se entre ele e, consequentemente, todos os
homens e Deus uma espécie de inimizade. Com isso, o homem tem uma
enorme dificuldade em entregar a vida para Deus, em dizer: "Senhor, faça-se
em mim a sua vontade". O homem tem medo de Deus e isso pode ser
comprovado pelo método fenomenológico, ou seja, observando com
sinceridade o que acontece dentro de si mesmo. O medo de entregar a vida em
branco para Deus escrevê-la do jeito que melhor lhe aprouver é consequência
direta do pecado original. Jesus, que não tinha o pecado original, viveu essa
batalha no Horto das Oliveira para livrar a Humanidade inteira, tomando sobre
ele o pecado dos homens e conseguiu dizer: Deus, se queres afasta de mim
este cálice, mas não a minha, a tua vontade". Jesus suou sangue para fazer a
vontade de Deus.
Jesus sabia que a batalha contra a inclinação para o mal seria por demais
árdua para o homem, por isso, no alto da Cruz deu-nos sua Mãe. Aquela que
Deus preparou para ser a mãe de seu Filho, também se torna a Mãe de todos
os homens. Por ela, toda a Humanidade se aproxima de seu Filho. Deus
quando "separa" um dos seus filhos o faz em benefício de todos os outros,
assim, quando o homem ouve o que Maria diz: "fazei tudo o que Ele vos disser"
está diminuindo a distância imposta pelo pecado original entre o homem e
Deus.

Outro questionamento que tem sido formulado ao longo dos tempos e que o
Catecismo tentará responder é "por que Deus não impediu o primeiro homem
de pecar?". Adão e Eva tinham acabado de ser criados, eram inocentes,
ingênuos, como crianças espirituais, mas não tinham "experiência", é claro que
tinham a graça e a revelação de Deus com todas as armas para não pecarem.
Mas o Tentador os seduziu e por que Deus não impediu? Por que Deus não
resolveu passear antes e impediu a sedução? A resposta vem dos Santos,
conforme cita o Catecismo. Então, é preciso que o homem se entregue
totalmente à bondade e à Divina Misericórdia de Deus, pois Ele permite que
dos males saia um bem maior.

Essa característica divina é uma boa notícia para os homens, pois, a cada cruz,
a cada decepção sofrida na vida é preciso pensar que é sempre possível tirar
um bem maior desse mal. Para isso, São Tomas Moore nos diz que as coisas
de Deus, embora pareçam más, na verdade, são ótimas. É por isso que Deus
permite certas situações na vida do homem. É porque sabe que pode tirar
disso um bem superabundante. Afinal, "onde abundou o pecado superabundou
a graça". Por esse motivo Deus não impediu que Eva pecasse, por isso não
impediu a serpente de aproximar-se, porque sabia que um bem maior seria
extraído. Sem contar a liberdade plena e, de certa forma trágica, com que
dotou os homens.

Deus, portanto, não abandonou o homem à própria sorte. Poderia tê-lo feito, já
que houve a desobediência de fato, mas não o fez. Pelo contrário, do mal
cometido extraiu um bem maior, uma vitória completa sobre o Inimigo. Quanto
ao homem, permite que situações negativas aconteçam, mas dá também a
graça de suportá-las.
AULA 43

Creio em Jesus Cristo, Filho


Único de Deus
A plenitude dos tempos chegou com o nascimento de Jesus Cristo. Tudo que
veio antes, desde a criação do mundo, tinha por finalidade este momento: a
vinda de Deus. Isso significa que toda a Revelação ocorrida foi preparação
para a vinda de Jesus e tudo o que virá depois brota Dele. O fato de a História
ter como divisão o ano O e de ele representar um tempo Antes de Cristo e um
tempo Depois de Cristo já demonstra a importância desse acontecimento para
o mundo.

Apesar de existir uma discussão acerca do ano zero, o que esse


acontecimento representa é muito maior que qualquer discussão. Tudo o que
aconteceu histórica e teologicamente antes de Jesus foi somente um ensaio,
pois, o acontecimento mais importante da História é, de fato, o nascimento de
Jesus e tudo o mais decorre disso. Esta é a grande pretensão do Cristianismo:
afirmar que a razão de ser do Universo, o Logos, o sentido de tudo, nasceu em
Belém e que tudo foi criado para aquele momento.

O Catecismo faz questão de marcar esse acontecimento, esse tempo:

Cremos e confessamos que Jesus de Nazaré, nascido judeu de uma filha de


Israel, em Belém, no tempo do rei Herodes Magno e do imperador César
Augusto, carpinteiro de profissão, morto e crucificado em Jerusalém, sob o
procurador Pôncio Pilatos, durante o reinado do imperador Tibério, é o Filho
eterno de Deus feito homem; que ele "veio de Deus", "desceu do céu", "veio na
carne", pois o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e nós vimos a sua glória,
glória que ele tem junto ao Pai, como Filho único, cheio de graça e de
verdade… Pois de sua plenitude nós recebemos graça por graça. (423)

O Eterno veio na História da humanidade e isso pode ser constatado


cronologicamente conforme a citação acima. Jesus é a razão de ser do
Universo, portanto, tudo que existe, as galáxias distantes, a flora, a fauna, os
seres marítimos, o homem, tudo que existiu, que existe e que existirá é para
Ele. Jesus veio ao mundo por todos e para cada um dos homens. A
Humanidade toda pertence àquele homem que nasceu em Belém e morreu em
Jerusalém. O sentido da vida de cada homem é Jesus. Tudo se explica à luz
da vida de Jesus. Para cada ser humano saber qual o sentido de sua vida é
preciso conhecer Jesus.

Conforme diz o Papa Bento XVI, no início da carta encíclica Deus Caritas Est:
"ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o
encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo
horizonte e, dessa forma, o rumo decisivo". Portanto, Jesus é um
acontecimento histórico, é Deus que se fez carne e habitou entre os homens.
Essa é a razão pela qual o Cristianismo tem algo que nenhuma outra religião
possui: um Deus que se fez homem. É por isso também que não é possível
dizer que todas as religiões são iguais, pois nenhuma outra tem um Deus que
se fez carne. Em todas as outras religiões do mundo Deus está fora da
História, está longe, porém no Cristianismo, Deus é real, viveu, morreu e
ressuscitou. Ele é referência histórica real.

Diante da enormidade da constatação de que tudo existe por e para Jesus, o


filho de Deus vivo, o momento decisivo da vida de cada ser humano deveria
ser responder à questão: "quem é Jesus?". Quem é Jesus realmente,
verdadeiramente, ontologicamente "para mim"? O próprio Cristo, ao fazer essa
pergunta a Pedro, obteve como resposta: "tu és o Cristo, filho do Deus vivo"
(Mt 16, 16). Essa resposta muda completamente a vida de cada ser humano,
pois ela adquire um novo sentido, uma nova finalidade. O senhorio de Jesus
Cristo empresta a cada ser humano uma dignidade única: a de ter sido feito
para Ele.

Mas, o que significa dizer que "Jesus se fez carne"? É São João quem
responde, por meio de uma profissão de fé "empírica" em sua primeira Carta:

O Verbo encarnado e a comunhão com o Pai e o Filho – O que era desde o


princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos,
e o que nossas mãos apalparam do Verbo da vida – porque a Vida manifestou-
se: nós a vimos e lhes damos testemunho e vos anunciamos a Vida eterna,
que estava voltada para o Pai e o que nos apareceu – o que vimos e ouvimos
vo-lo anunciamos para que estejais também em comunhão conosco. E a nossa
comunhão é com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo. E isto vos escrevemos
para que a nossa alegria seja completa.

São João enfatiza os aspectos físicos de Jesus para livrar os primeiros cristãos
da heresia docetista, que dizia que Jesus não havia sido homem, mas tão
somente Deus. Afirmavam que a morte e a ressurreição de Jesus havia sido
uma ilusão. Portanto, esta era a grande dificuldade dos primeiros cristãos:
acreditar que Jesus havia sido homem.

Assim, todo o ensinamento católico deve ocorrer tendo como centro a Pessoa
de Jesus Cristo. A finalidade da catequese não pode ser outra que não "levar à
comunhão com Jesus Cristo: só ele pode conduzir ao amor do Pai no Espírito e
fazer-nos participar da vida da Santíssima Trindade" (426)

Dado que no batismo o cristão é chamado a evangelizar, catequizar e ensinar,


as palavras do Catecismo devem servir para todos: "aquele que é chamado a
ensinar o Cristo deve, portanto, procurar primeiro este ganho supereminente
que é o conhecimento de Cristo."(427). O encontro pessoal de cada cristão
com este acontecimento que é Jesus Cristo, o conformar-se a Ele em todos os
sentidos é o que possibilitará adentrar na Vida Eterna.

AULA 44

O nome de Jesus
O centro da fé católica é Jesus Cristo. O que quer dizer "Jesus Cristo"? Em
primeiro lugar, é preciso saber que Jesus é o nome que ele recebeu quando
nasceu. Cristo é um título que lhe foi atribuído. A partir da profissão de fé de
Pedro, os discípulos tomaram consciência de Jesus é o Ungido, o Messias,
aquele previsto por Deus para salvar a humanidade. Assim, Jesus não é um
nome qualquer, pelo contrário, é programático e designa a sua verdadeira
identidade: "Deus salva". Foi o próprio Deus Pai, por meio do anjo Gabriel
quem deu o nome a Jesus.
Logo no início desse estudo, tem-se a identidade de Jesus como o "salvador",
aquele veio ao mundo para salvar a humanidade dos pecados e das misérias.
A realidade da Redenção que Jesus traz está imbuída também na pronúncia
que o nome traz. Quando se diz que o "nome de Jesus tem poder", não é uma
espécie de fetichismo, de magia. Para formular uma "imagem" de Deus,
atribuindo-lhe características, é preciso recorrer ao imaginário pessoal, já que
"ninguém nunca viu a Deus", portanto, não existe nada com que se possa
compará-lo. Os nomes a Ele atribuídos (bom, justo, fiel, misericordioso etc.)
são retirados de realidades concretas, mas nessas mesmas realidades podem
ser inseridas as experiências de cada pessoa. É importante lembrar que os
conceitos que cada um traz consigo podem ter sido, de certa forma, deturpados
por causa da natureza humana lesada. Nesse caso, atribuir a Deus um
conceito puramente humano, implica em atribuir-lhe um conceito lesado, que
não condiz com o que Ele realmente é.

Já o nome de Jesus não. Como Ele é um acontecimento, ou seja, viveu como


homem, existiu realmente, todos os nomes a ele atribuídos podem ser
comprovados de forma real, não é algo que depende da experiência pessoal. É
preciso, então, saber cada vez mais como foi a vida de Jesus nesse mundo, na
História da Humanidade, portanto, o nome de Jesus não é idolatrável, pois ele
é uma Pessoa que viveu na História e não algo que pode ser construído na
mente de cada um.

Na cultura hebraica o próprio nome significa uma presença, ao se pronunciar o


nome, de alguma forma, se está invocando a presença daquela pessoa. Por
isso o segundo mandamento: "não tomar o nome de Deus em vão", porque a
pronúncia é a invocação do nome de Deus. O nome de Jesus contém a
presença de Deus. No Antigo Testamento, Deus revelou seu nome a Moisés e,
por causa disso, até hoje os judeus não pronunciam as quatro letras sagradas
que muito provavelmente seria Iahweh. O próprio nome Iahweh quer dizer
presença: "eu sou aquele que sou", mas pode significar também: "eu sou
aquele que está aí".

Ainda no Antigo Testamento, o sacerdote pronunciava somente uma vez por


ano o nome de Deus para a remissão dos pecados. No aposento reservado ao
Santo dos Santos havia a Arca da Aliança, que acomodava as pedras da Lei.
Sobre ela, em sua tampa, havia dois querubins, um defronte ao outro. No meio
desses dois anjos, no espaço vazio entre eles estava o chamado propiciatório,
ou seja, o local da presença de Deus. Deus estava naquele vazio e então o
sacerdote, portando o sangue do animal sacrificado adentrava a esse aposento
e aspergia o sangue naquele espaço vazio e pronunciava uma só vez o nome
de Deus.

No Novo Testamento, recorda o Catecismo que São Paulo diz referindo-se a


Jesus, que "Deus o destinou como instrumento de propiciação, por seu próprio
sangue" (Rm 3,25). Atualmente, o sacrário é lugar da presença de Deus, pois é
ele quem abriga o corpo de Cristo.

O nome de Jesus é poderoso por diversos motivos, nesse momento, é preciso


lembrar o hino contido na Carta de São Paulo aos Filipenses, que narra a glória
de Jesus por causa de sua obediência:

Tende em vós o mesmo sentido de Cristo Jesus: Ele tinha a condição divina, e
não considerou ser igual a Deus como algo a se apegar ciosamente, mas
esvaziou-se de si mesmo, e assumiu a condição de servo, tomando a
semelhança humana. E, achado em figura de homem, humilhou-se e foi
obediente até a morte, e morte de cruz! Por isso Deus o sobreexaltou
grandemente e o agraciou com o Nome que é sobre todo o nome, para que, ao
nome de Jesus, se dobre todo joelho dos seres celestes, dos terrestres e dos
que vivem sob a terra, e, para a gloria de Deus, o Pai, toda língua confesse:
Jesus é o Senhor. (Fl 2, 5-11)

A imagem de São Miguel Arcanjo derrotando Satanás por meio de uma


espada, infere-se que essa espada seja a palavra, o "nome" de Jesus. Os
relatos dos exorcistas dão contam de que realmente Satanás recua diante da
simples pronúncia do nome de Jesus. Obviamente não se trata de uma
"simples" pronúncia porque, conforme visto, ao ser pronunciado o nome se
traduz na presença da pessoa. O combate com Satanás é feito por meio de
ideias, uma vez que ele é um ser incorpóreo, portanto, as armas são as
palavras, daí o efeito que o nome produz.
Em nome de Jesus, os discípulos expulsaram demônios e fizeram milagres,
conforme amplamente atestado nos Atos dos Apóstolos. Mas, o que quer dizer
esse "em nome" do Pai, "em nome" de Jesus? Significa a presença viva de
Jesus Cristo, ou seja, a partir da Ressurreição, "… é o nome de Jesus que
manifesta em plenitude o poder supremo do nome acima de todo nome". E é
também por meio desse nome que Deus Pai concede os pedidos feitos pelos
discípulos e por todos os cristãos hoje.

A centralidade do nome de Jesus nas orações é também facilmente


comprovada, pois, todas elas o invocam. A importância desse nome é tanta
que a Santa Sé concede indulgência plenária, ou seja, o perdão de todos os
pecados e de todas as penas, abrindo assim as portas do Paraíso ao fiel que,
na hora da morte invocar o nome de Jesus.

É importante, então, que todo cristão tenha sempre nos lábios o nome de
Jesus. O exercício oriental da oração monológica, ou seja, da invocação do
nome de Jesus é um meio eficaz para obedecer ao mandamento do próprio
Jesus: "orai sem cessar".

AULA 45

Os títulos de Jesus
Jesus também é chamado de "ungido". Essa palavra nem sempre é bem
compreendida no mundo ocidental, mas, no oriental, ela é usada de forma
reverente. Ungir significa passar óleo, untar. Na cultura ocidental, onde vivia o
povo de Deus, moravam no deserto e lá, não costumavam tomar banho, mas
apenas fazer abluções, que consistia em lavar o rosto e as mãos. O clima do
deserto ressecava a pele e o óleo servia como hidratante. O óleo servia
também como perfume. Após ser ungida com esse óleo hidratante e
perfumado, a pessoa sentia-se revigorar, sentia a recuperação de suas forças.
Assim, o óleo sempre foi considerado como uma força, uma unção. Também
consolação, por causa do perfume.
O óleo era ainda utilizado como sinal de consagração. Inúmeras passagens
bíblicas dão conta da importância da unção. Reis, sacerdotes e profetas eram
ungidos. Justamente essas três realidades fazem parte das características de
Jesus Cristo. Os três múnera de Jesus são esses: ele é sacerdote, porque é
separado do meio dos homens, para salvar os homens; Ele é profeta, porque é
chamado a ouvir a Palavra de Deus e repassá-la aos demais homens e é Rei
porque é chamado a lutar contra o Mal, ele tem a força para combater o mal.
Assim, "Jesus realizou a esperança messiânica em sua tríplice função de
sacerdote, profeta e rei." (436)

A Sagrada Escritura traz diversas citações acerca da importância da unção:

Amanhã, a esta hora, enviar-te-ei um homem da terra de Benjamim. Unge-o


como chefe do meu povo Israel, e ele o libertará da mão dos filisteus, porque vi
a miséria do meu povo, e o seu clamor chegou até mim. (1 Sm 9,16)

Então Samuel pegou o frasco de azeite e o derramou sobre a cabeça de Saul,


beijou-o e disse-lhe: "Não foi Iahweh que te ungiu como chefe do seu povo,
Israel? Tu és quem julgará o povo de Iahweh e o livrarás das mãos dos seus
inimigos ao redor. E este é o sinal de que Iahweh te ungiu como chefe de sua
herança. (1 Sm 10, 1)

Iahweh disse a Samuel: "até quando continuarás lamentando Saul, quando eu


próprio o rejeitei, para que não reine mais sobre Israel? Enche de azeite o teu
vaso e vai! Eu te enviou à casa de Jessé, o belamita, porque escolhi um rei
entre os seus filhos. (1 Sm 16, 1)

O sacerdote apanhou na Tenda o chifre de óleo e ungiu Salomão; soaram a


trombeta e todo o povo gritou: "Viva o rei Salomão" (1Rs 1, 39)

Dos títulos de Jesus, o de "Filho de Deus" é aquele que ele tem desde a
eternidade, pois desde sempre foi ungido pelo Pai. O título Cristo se aplica
mais ao Filho encarnado, pois o Espírito Santo que é derramado de forma
especial nos reis, profetas e sacerdotes, em Jesus não só foi derramado, mas
permaneceu Nele.
No nome de Cristo está impressa também a Santíssima Trindade. É Santo
Irineu de Lyon quem explica que "… está subentendido Aquele que ungiu,
Aquele que foi Ungido e a própria Unção com que ele foi ungido." Jesus é
Messias desde o ventre de Maria, no batismo de João houve uma confirmação
dessa Unção que já estava lá desde o início. Os vários acontecimentos na vida
terrena de Jesus podem ser lidos como um crescimento na unção, sendo que a
ressurreição seria o momento da unção máxima da humanidade de Cristo. Em
alguns sermões dos Atos dos Apóstolos é possível perceber como, na
ressurreição, o Senhorio de Jesus foi realizado plenamente na natureza
humana de Jesus, que se torna régia, majestosa, divinizada.

No início de seu ministério, Jesus faz todos os esforços para que as pessoas o
reconheçam como o Messias, título este a que tinha direito. Porém, a partir da
profissão de fé de Pedro, quando ele afirma: "tu és o Cristo, o Filho do Deus
vivo", Jesus passa a pedir para que os apóstolos não mais se referissem a ele
dessa forma. Isso aconteceu porque a vinda do Messias, para os judeus, tinha
uma forte conotação política. Desse momento em diante, Jesus passou a falar
de sua morte, de sua morte na cruz. Para os discípulos o tipo de morte
anunciada por Jesus era algo inconcebível. Eles esperavam um Messias
triunfante, nada de messias crucificado. Tanto é que os judeus até hoje não
acreditam em Jesus Messias justamente pela morte que sofreu e também
porque o mundo continua igual.

Jesus não é o Messias esperado, mas o Messias inesperado. Os judeus


pensavam o Messias como um general que viria para libertar o povo e instaurar
um novo tempo. Jamais pensaram que Ele também cumpriria a profecia do
Servo Sofredor. É precisamente isso que aconteceu. Jesus se fez rei na Cruz.

Nos Atos dos Apóstolos está escrito que os cristãos foram chamados assim
pela primeira vez em Antioquia. Cristão quer dizer alguém que partilha da
unção de Jesus Cristo. Essa unção, porém, não é um "sentimento", "um
arrepio", "uma emoção". A unção, porém, não é necessariamente algo de
caráter positivo. Ela pode acontecer numa denúncia clara, como é o caso de
João Batista.
Cada cristão, ao receber a unção de Jesus, torna-se sacerdote, profeta e rei.
Sacerdote quando oferece no dia a dia os seus sofrimentos; profeta porque
com seu exemplo de vida, colocando em prática a Palavra de Deus, leva outros
para Cristo; e, finalmente, rei porque todos são chamados a derrotar o
Demônio, rei é aquele que luta contra a iniquidade e a injustiça. Assim, todos
os cristãos recebem as três funções de Cristo.

AULA 46

Filho único de Deus


Continuando no estudo dos títulos que Jesus recebeu, hoje será estudado o
“Filho Único de Deus”. Jesus unigênito é diferente de primogênito. No antigo
testamento o título de Filho de Deus aparecia para designar o messias que
viria, porém, não tinha o sentido ontológico que adquiriu no Novo Testamento,
quando o sentido ontológico se avoluma com a profissão de fé de Pedro, que
diz: “tu és o Filho de Deus”.

Alguns teólogos dizem que essa profissão de fé de Pedro na verdade foi uma
constatação ocorrida após a Páscoa de Jesus, anacronicamente colocado
antes do tempo. Historicamente, em Cesaréia, a profissão teria sido aquela que
consta no Evangelho de são Marcos. Embora pareça lógico, o então Cardeal
Joseph Ratzinger diz que a razão pela qual Jesus foi condenado foi justamente
porque ele se fez Deus. Os Evangelhos noticiam esse fato:

Ora, os chefes dos sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam um falso


testemunho contra Jesus, a fim de matá-lo, mas nada encontravam, embora se
apresentassem muitas falsas testemunhas. Por fim, se apresaram duas
afirmaram: “Este homem declarou: Posso destruir o Templo de Deus e edificá-
lo depois de três dias.” Levantando-se então o Sumo Sacerdote, disse-lhe:
“Nada respondes? O que testemunharam estes contra ti?” Jesus, porém, ficou
calado: E o Sumo Sacerdote lhe disse: “Eu te conjuro pelo Deus Vivo que nos
declares se tu és o Cristo, o Filho de Deus.” Jesus respondeu: “Tu o disseste.
Aliás, eu vos digo que, de ora em diante, vereis o Filho do Homem sentado à
direita do Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu”. O Sumo Sacerdote então
rasgou suas vestes, dizendo: “Blasfemou! Que necessidade temos ainda de
testemunhas? Vede: vós ouvistes neste instante a blasfêmia. Que pensais?”
Eles responderam: “É réu de morte.” (Mt 26, 59-66)

Ora, os chefes dos sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam um testemunho


contra Jesus para matá-lo, mas nada encontravam. Pois muitos davam falso
testemunho contra ele, mas os testemunhos não eram congruentes. Alguns,
levantando-se, davam falso testemunho contra ele: “Nós mesmos o ouvimos
dizer: Eu destruirei este Templo feito por mãos humanas e, depois de três dias,
edificarei outro, não feito por mãos humanas.” Mas nem quanto a essa
acusação o testemunho deles era congruente. Levantando-se então o Sumo
Sacerdote no meio deles, interrogou a Jesus, dizendo: “Nada respondes? O
que testemunham estes contra ti?” Ele, porém, ficou calado e nada respondeu.
O Sumo Sacerdote o interrogou de novo: “És tu o Messias, o Filho do Deus
Bendito?” Jesus respondeu: “Eu sou. E vereis o Filho do Homem sentado à
direita do Poderoso e vindo com as nuvens do céu.” O Sumo Sacerdote, então,
rasgando as suas túnicas, disse: “Que necessidade temos ainda de
testemunhas? Ouvistes a blasfêmia. Que vos parece?” E todos julgaram-no réu
de morte. (Mc 14, 55-64)

Quando se fez dia, reuniu-se o conselho dos anciãos do povo e chefes dos
sacerdotes e escribas, e levaram-no para o Sinédrio, dizendo: “Se tu és o
Cristo, dize-nos!” Ele respondeu: “Se eu vos disser, não acreditareis, e se eu
vos interrogar, não respondereis. Mas, desde agora, o Filho do Homem estará
sentado à direita do Poder de Deus!” Todos então disseram: “És, portanto, o
Filho de Deus?” Ele lhes declarou: “Vós dizeis que eu sou” Replicaram: “Que
necessidade temos ainda de testemunho? Ouvimo-lo de sua própria boca.” (Lc
22, 66-71)

São Pedro e também São Paulo foram iluminados por Deus para reconhecer
em Jesus, o Cristo. Essa assistência divina continua na iluminação dos Papas
ao longo do tempo. Todos os católicos devem pedir a Deus a iluminação de
Deus sobre esse fato crucial de toda a fé: que Jesus Cristo é verdadeiramente,
realmente o Filho Único de Deus. Os homens são filhos de Deus por graça,
mas Jesus é filho de Deus por natureza. O batismo faz o homem corpo de
Cristo, por isso torna-se filho de Deus. Por adoção.

Os apóstolos sabiam que Jesus era o filho de Deus, não somente pela
profissão de fé de Pedro, feita antes da Páscoa, mas também porque ele sobre
com Jesus ao monte Tabor e presencia quando Deus Pai apresentou a Jesus
como seu filho. Portanto, Jesus sempre foi, desde toda a eternidade, filho de
Deus. Ele não se tornou filho de Deus após o batismo. Esta é uma heresia
denominada adopcionismo 01. Ela tem sido utilizada atualmente pela teologia
da libertação que quer transformar a filiação de Jesus e o seu batismo num
“símbolo”, desprovido da ação divina.

Os Evangelhos caminham todos para a profissão de fé do centurião, logo após


a morte de Jesus. A filiação de Jesus já havia antes, desde sempre, mas ela se
manifesta plenamente na Ressurreição.

Assim, Jesus é filho de Deus de um jeito que o homem não é. Ele é filho por
natureza, enquanto o homem é por graça. Uma característica do inferno é
justamente essa: a orfandade, o não ser filho de ninguém, o pensar com a
própria cabeça, não querer ninguém a indicar o caminho, não querer ter um pai
que disciplina e ensina. Então, quando o homem se sabe “filho”, ele se deixa
modelar, cada vez mais se conforma com Deus, adentrando ao corpo de Cristo
e se tornando filho de Deus por graça.

Referência

Adopcionismo: doutrina segundo a qual Cristo, em sua natureza humana, é


considerado Filho de Deus só por adoção. Essa doutrina implicava a
independência da natureza humana em relação a Deus e, daí, o dualismo entre
natureza humana e natureza divina: dualismo inadmissível do ponto de vista da
dogmática cristã.
AULA 47

Senhor
Continuando a investigação acerca dos títulos atribuídos a Jesus, tem-se agora
o de "Senhor". Os judeus evitam a todo custo pronunciar o nome Iahweh, que é
o tetragrama sagrado revelado por Deus a Moisés no deserto. Esse nome era
pronunciado somente uma vez por anos pelos sacerdotes, conforme já visto
em aulas anteriores. Assim, quando um judeu se põe a ler as Sagradas
Escrituras, ele não pronuncia as quatro letras sagradas e em seu lugar,
pronuncia "Adonai", que quer dizer "meu senhor", portanto, este é o título mais
utilizado pelos judeus para referir-se a Deus. Às vezes utilizam "O NOME" ou
"rachém", em hebraico, porém, sempre no sentido de contornar a questão e
não pronunciar as quatro letras sagradas.

Quando os cristãos começaram a pregar o Evangelho, referiam-se a Jesus


como "Adonai", ou seja, o mesmo nome atribuído a Deus Pai. Inicialmente o
Evangelho foi pregado em aramaico, mas como se sabe, o Cristianismo
ultrapassou os limites geográficos e, assim, passou a ser pregado também em
grego. Nesse momento, os cristãos passaram a usar a tradução do Antigo
Testamento para o grego, denominada "Septuaginta". Quando essa tradução
encontrava a palavra "Adonai", imediatamente a substituía por "Kyrios". Dessa
forma, a palavra Senhor pode ser traduzida como "Adonai", em hebraico,
"Kyrios", em grego, "Dominus", em latim e em português, "Senhor". Por isso,
Jesus agora é o nome sagrado de Deus revelado.

Nos Evangelhos, os demônios chamam Jesus de "Santo de Deus, Filho de


Deus, Messias, etc.", mas jamais se referem a Jesus como "Senhor". Eles não
são capazes disso, pois afirmar o senhorio de Jesus é uma profissão de fé,
justamente contrária à vontade deles.

O senhorio de Cristo sobre o mundo e a história "(…) significa também o


reconhecimento de que o homem não deve submeter sua liberdade pessoal, de
maneira absoluta, a nenhum poder terrestre, mas somente a Deus Pai e ao
senhor Jesus Cristo…" (450). Dessa forma, chamar Jesus de Senhor é o
mesmo que chamar Maria de Senhora? A palavra "senhora" dirigida à Virgem
Maria não a coloca no mesmo nível de Jesus, que é Senhor por conta de sua
divindade. Maria é escrava (serva) do Senhor, ou seja, é submissa até o fim à
vontade do Pai. É humilde, deixando que Deus seja Deus completamente em
sua vida. Essa submissão e humildade extremas de Maria, de alguma forma,
lhe confere o poder, a autoridade de Deus. Quando mais servo se é de Deus,
maior é a exaltação.

Todo cristão sendo servo, escravo de Deus se tornará senhor do mundo. É por
isso que os três múnero (múneras) que Jesus oferece a todo cristão quando
este consegue reagir de forma soberana à tentação do Inimigo. Maria tornou-se
escrava de Deus de forma perfeita. O próprio Jesus submeteu-se a ela durante
trinta anos e isso mostra claramente o quanto Maria foi submissa a Deus, pois
ele, sendo Deus não seria submisso e obediente a qualquer pecador ou
alguém que não fizesse a vontade do Pai. Assim, Jesus é Senhor pela sua
divindade, Maria é Senhora por sua humildade e submissão.

Todo cristão é chamado a aceitar o senhorio de Jesus em sua vida, pois, "o
nome Senhor designa a soberania divina. Confessar ou invocar Jesus como
Senhor é crer em sua divindade. Ninguém pode dizer: ‘Jesus é o Senhor’ a não
ser no Espírito Santo" (455).

AULA 48

O Filho de Deus fez-se homem


Por que o Verbo se fez carne? É em busca dessa resposta que a aula de hoje
se dirige. O Catecismo apresenta quatro razões para a Encarnação de Cristo:
a) para salvar-nos, reconciliando-nos com Deus; b) para que, assim,
conhecêssemos o amor de Deus; c) para ser nosso modelo de santidade; d)
para tornar-nos participantes da natureza divina.

Quando Deus encarnou-se, derramou sobre todos os homens a Graça de


Deus. Essa graça é sempre sanante e elevante. Sanante porque cura os
pecados e elevante porque eleva cada homem acima de sua própria natureza.
Assim, a salvação não se deu apenas pelo livramento do homem do pecado, é
muito mais que isso. A salvação não colocou o homem de volta ao estado em
que Adão estava antes do pecado. Ela coloca o homem numa condição
superior, pois o livra da mácula do pecado, permitindo que ele adentre a
presença de Deus. Não nessa vida terrena, claro, mas no céu, onde todos
serão imaculados. Assim, o homem já está salvo, mas ainda não, pois,
segundo o Cânon 14, do Concílio de Trento:

Se alguém disser que o homem é absolvido dos pecados e justificado pelo fato
mesmo de se crer com certeza absolvido e justificado, ou que ninguém é
realmente justificado, senão quem crê que está justificado, e que por esta fé
sozinha se opera a absolvição e a justificação: seja anátema.

Assim, o Verbo fez-se carne para livrar o homem do pecado e elevá-lo à


presença de Deus. Ora, só poderá entrar no céu aquele que estiver limpo,
totalmente livre das manchas dos pecados. Nesta vida, vive-se no “já e no
ainda não”, ao mesmo tempo, pois o homem já foi salvo por Deus, mas sua
alma ainda não está fora de perigo, somente quando deixar essa vida terrena é
que cada alma tem o seu destino selado, de acordo com as escolhas feitas em
vida.

Jesus é filho de Deus por natureza, mas Ele também quer todos os homens
sejam filhos de Deus, assim, ao fazer-se homem, adotando a natureza
humana, Ele faz de todos os homens filhos de Deus por graça. Rebaixando-se
à criatura, Ele eleva todos os homens a Deus.

O homem foi criado para participar da natureza divina e isso se daria pela
graça. Contudo, Adão e Eva quiseram ser deuses, sem Deus. É por isso que o
pecado original atinge de forma tão profunda, pois está arraigado na própria
natureza humana. Quando assumiu a natureza humana Jesus possibilitou que
o homem cumprisse o projeto inicial de Deus, o de participar da natureza
divina, mas, desta vez, com Deus, por meio da graça. O homem passa a ser,
de alguma forma, Deus também, participante da glória divina. Santo Atanásio é
que resume bem essa condição: “O Filho de Deus se fez homem para que nos
fazer Deus”. O homem será Deus não por seu próprio mérito, mas por pura
graça divina, propiciada pela encarnação de Jesus.

O Verbo se fez carne também para que o homem pudesse conhecer o amor de
Deus. Este amor é algo já suspeitado pelas narrativas do Antigo Testamento,
mas jamais poderá ser compreendido em sua plenitude. É o que São Paulo
chama de “o mistério escondido” ao longo dos séculos. A revelação do amor de
Deus tem um caráter salvífico porque quando o homem conhece o amor de
Deus é imediatamente atraído para Deus. São Bernardo de Claraval diz que
todo ser humano tem o dever de amar a Deus e que o cristão tem essa missão
facilitada, pois, ao olhar o quanto Deus amou o homem na cruz, percebe-se
amado por Ele. O conhecimento do amor de Deus propicia amar de volta.

Por fim, é preciso perceber que o amor é uma espécie de morte vivificante, ou
seja, morrendo é possível adquirir vida. Olhar para o mistério pascal e aplicá-lo
no dia a dia é uma experiência de santificação. A vida humana do homem se
torna muito mais realizada quando ele se esquece de si mesmo e passa a se
doar ao outro. É por isso que Deus diz que quem se perder, irá se salvar. É o
mistério da sarça ardente, uma chama que arde, mas não se consome. O
mistério pascal: morte e ressurreição.

AULA 49

A Encarnação
A encarnação do Filho de Deus é um dos dogmas centrais da fé católica. Mas,
o que vem a ser a "encarnação"? Entende-se por encarnação "a unidade da
natureza divina e da natureza humana na pessoa de Cristo" 01. Ou seja, Jesus
Cristo, filho de José e de Maria, nascido em Belém, é, ao mesmo tempo,
homem e Deus. Como isso acontece? Trata-se da chamada união hipostática
que consiste no fato de que "em Deus, a essência ou natureza divina é idêntica
ao ser; logo, Cristo, que tem natureza divina subsiste como Deus, como pessoa
divina, e é uma só pessoa, a divina. Por outro lado, a possibilidade de separar
a natureza humana da existência faz que Cristo possa assumir a natureza
humana (que é alma racional e corpo), sem ser pessoa humana", ensina Santo
Tomás de Aquino, na Suma contra os Gentios.
Jesus Cristo é total e verdadeiramente homem e Deus ao mesmo tempo. Isso
não quer dizer que Ele tinha conhecimento de tudo o que lhe aconteceria ao
longo de sua vida entre os homens. Ele viveu plenamente sua condição
humana, inclusive nas fases de crescimento. Teve que ser amamentado,
cuidado, educado pelos seus pais. Durante sua vida foi preparado para a
missão a que se propôs enquanto Segunda Pessoa da Trindade Santa. É por
isso que não procedem as informações constantes em alguns evangelhos
apócrifos de que o Menino Jesus teria feito milagres durante a infância. Os
Evangelhos Canônicos são unânimes em narrar a passagem em que informa
que foi justamente em Nazaré que Ele fez menos milagres:

Quando Jesus acabou de proferir essas parábolas, partiu dali e, dirigindo-se


para a sua pátria, pôs-se a ensinar as pessoas que estavam na sinagoga, de
tal sorte que elas se maravilhavam e diziam: "De onde lhe vêm essa sabedoria
e esses milagres? Não é ele o filho do carpinteiro? Não se chama a mãe dele
Maria e os seus irmãos, Tiago, José, Simão e Judas? E as suas irmãs não
vivem todas entre nós? Donde então lhe vêm todas essas coisas?" E se
escandalizavam dele. Mas Jesus lhes disse: "Não há profeta sem honra, exceto
em sua pátria e em sua casa". E não fez ali muitos milagres, por causa da
incredulidade deles. (Mt 13, 53-57)

Ora, se Jesus tivesse sido um garoto com "poderes", sua fama teria se
espalhado, ele seria conhecido e não causaria esse escândalo narrado na
Escritura. O fato de Jesus ser Deus não teve influência psicológica no "homem"
Jesus a não ser naquilo que era importante para a sua missão. Assim diz o
Catecismo:

O acontecimento único e totalmente singular da Encarnação do Filho de Deus


não significa que Jesus Cristo seja em parte Deus e em parte homem, nem que
seja ele o resultado da mescla confusa entre o divino e o humano.

O entendimento da natureza peculiar de Jesus Cristo – homem e Deus – além


de ter sido demorado (pois foi somente em Santo Tomás de Aquino que a
formulação da união hipostática ganhou status de definitiva), ainda permitiu
diversas interpretações, muitas delas heréticas.
A primeira heresia citada pelo Catecismo foi a do Docetismo Gnóstico, que
consistia em afirmar que Jesus Cristo tinha apenas uma "aparência humana" e
que a alma era o próprio Deus. Esta heresia foi repudiada no Concílio de
Calcedônia:

Seguindo, pois, os Santos Padres, com unanimidade ensinamos que se


confesse que um só e o mesmo Filho, o Senhor nosso Jesus Cristo, perfeito
em sua divindade e perfeito em sua humanidade, verdadeiro Deus e verdadeiro
homem composto de alma racional e de corpo, consubstancial ao Pai segundo
a divindade e consubstancial a nós segundo a humanidade, semelhante em
tudo a nós, menos no pecado, gerado do Pai antes de todos os séculos
segundo a divindade e, nestes últimos dias, em prol de nós e de nossa
salvação, gerado de Maria, a virgem, a Deípara, segundo a humanidade; um só
e o mesmo Cristo, Filho, Senhor, unigênito, reconhecido em duas naturezas,
sem confusão, sem mudança, sem divisão, sem separação, não sendo de
modo algum anulada a diferença das naturezas por causa de sua união, mas
pelo contrário, salvaguardada a propriedade de cada uma das naturezas e
concorrendo numa só pessoa e numa só hipóstase; não dividido ou separado
em duas pessoas, mas um único e o mesmo Filho, unigênito, Deus Verbo, o
Senhor Jesus Cristo, como anteriormente ensinaram dele os Profetas, e
também o mesmo Jesus Cristo, e como nos transmitiu o Símbolo dos Padres.
(DS 301, 302)

A segunda heresia que a Igreja teve que combater foi a chamada "adoci
onista", que professava que Jesus nasceu e cresceu somente com a natureza
humana e, por ocasião do batismo é que a natureza divina teria sido nele
impregnada.

Este Filho é também Filho por natureza, não por adoção, ele que Deus Pai,
como se deve crer, gerou não por vontade, nem por necessidade, já que em
Deus não cabe qualquer necessidade, nem a vontade precede a sabedoria.
(DS 526)

A terceira heresia é a Ariana que consistia em afirmar que houve um tempo


que Deus não era Pai e somente depois é que criou o Filho Jesus. Ou seja,
que Jesus não é totalmente Deus, apenas um Filho divinizado por Deus.
Antes de tudo, pois, foi examinado o que diz a respeito à impiedade e ao delito
de Ário e de seus seguidores, … e unanimemente decidimos anatematizar a
sua ímpia doutrina e as expressões blasfemas que empregava em suas
blasfêmias, ao dizer que o Filho de Deus veio do nada e que havia um tempo
em que não era; e ao dizer que o Filho de Deus por sua livre vontade era capas
do mal e da virtude, e ao chamá-lo de criatura e produto; tudo isso, o Santo
Sínodo anatematizou, não suportando sequer ouvir a ímpia doutrina ou
desvario, nem as palavras blasfemas. (DS 130)

Assim, com a vitória sobre essas primeiras heresias a doutrina católica foi se
firmando ao longo do tempo crendo que a "fé na Encarnação verdadeira do
Filho de Deus é o sinal distintivo da fé cristã". (CIC 463)

Referências

1. Dicionário de Filosofia, Nicola Abbagnano, Martins Fontes, 1999

AULA 50

A heresia nestoriana e a heresia


monofisita
Durante o século IV, as grandes controvérsias eram trinitárias, ou seja, se a fé
era na Santíssima Trindade ou se Deus era único, composto de duas criaturas,
dignas, mas ainda sim criaturas: O Verbo Eterno e o Divino Espírito Santo. O
Credo Niceno-constantinopolitano deixou claro para todos que a fé católica
professa desde sempre a fé na Santíssima Trindade, ou seja, que Deus é um
só em três pessoas realmente distintas: Pai, Filho e Espírito Santo.

Surgiu, então, a problemática cristológica: como é que se explica a


humanidade de Jesus diante da realidade da Santíssima trindade? Nestório,
patricarca de Constantinopla, indignou-se com o fato de as pessoas se
referirem à Maria como "Mãe de Deus" – Theotokos, em grego e Deípara, em
latim. Nestório acreditava que esse título não era adequado porque a Virgem
Santíssima seria apenas a mãe de Cristo e não de Deus. Com isso, ocorria
uma separação inaceitável entre a natureza humana e a natureza divina de
Jesus Cristo.

Para os católicos ambas as naturezas de Cristo estão unidas numa só pessoa:


a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. É por isso que não é adequado
dizer que Jesus é uma pessoa humana. É um ser humano pleno, mas a sua
"pessoa" é divina. Recordando o que já foi dito sobre a diferença entre pessoa
e natureza: pessoa, responde a pergunta "quem é?"; natureza, responde a
pergunta "o que é?". Assim, quem é Jesus? Jesus é a Segunda Pessoa da
Santíssima Trindade. E, o que Ele é? É Deus e é homem. Assim, é possível
dizer que é uma pessoa e tem duas naturezas (humana e divina), ao mesmo
tempo. Porém, estas duas realidades (pessoa humana e divina) não podem
estar simplesmente justapostas, não podem ser duas. Nesse caso, poderia
resvalar na esquizofrenia. O que, então, une as duas naturezas de Jesus? É o
Filho de Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade que une as duas
naturezas de Jesus, a humana e a divina. É a chamada união hipostática.
Assim, em Jesus não existe "pessoa humana". O que existe é a Pessoa Divina,
que assumiu a natureza humana de forma perfeita (corpo e alma).

A unidade da natureza divina e da natureza humana na pessoa de Cristo. (…)


Em Deus, a essência ou natureza divina é idêntica ao ser; logo, Cristo, que tem
natureza divina, subsiste como Deus, como pessoa divina, e é uma só pessoa,
a divina. Por outro lado, a possibilidade de separar a natureza humana da
existência faz que Cristo possa assumir a natureza humana (que é alma
racional e corpo), sem ser pessoa humana (Contra Gentios, IV, 49; S. Th., III.
2.II.a.6). Essa interpretação tomista constitui a doutrina oficial da Igreja católica.
(ABBAGNANO, 1999)

A heresia nestoriana diz que Jesus tem duas pessoas e manifestou-se com a
oposição ao título de Maria, Mãe de Deus, ou seja, Maria é mãe do quê? É
mãe da natureza humana. Mas quando se pergunta: "é mãe de quem?", só há
uma pessoa divina, portanto, só uma resposta: Maria é Mãe de Deus porque
Jesus é a segunda pessoa da Santíssima Trindade.
Assim, é interessante frisar que, para afirmar uma verdade a respeito de Jesus
tenha sido preciso utilizar um título de Maria. Pelo Concílio de Éfeso foi
confirmada a substância cristológica que "Maria é a Mãe de Deus" –
Theotokos, Deípara:

Não dizemos, de fato, que a natureza do Verbo foi transformada e se fez carne,
mas também não que foi transformada em um homem completo, composto de
alma e de corpo; antes, porém, que o Verbo uniu segundo a hipóstase a si
mesmo uma carne animada por alma racional e veio a ser homem, de modo
inefável e incompreensível, e foi chamado filho do homem, não só segundo a
vontade ou o beneplácito, nem tampouco como assumindo somente a pessoa;
e que são diversas as naturezas que se unem numa verdadeira unidade, mas
um só o Cristo e Filho que resulta de ambas; não porque a diferença das
naturezas tivesse sido cancelada pela união, mas, ao contrário, porque a
divindade e a humanidade, mediante seu inefável e arcano encontro na
unidade, formaram para nós um só Senhor e Cristo e Filho…

Com efeito, não nasceu antes, da santa Virgem, um homem qualquer, sobre o
qual depois desceria o Verbo, mas se diz que este, unido desde útero materno,
assumiu o nascimento carnal, apropriando-se o nascimento de sua própria
carne… Por isso, os santos Padres não duvidaram chamar a Santa Virgem de
Deípara, não no sentido de que a natureza do Verbo ou sua divindade tenham
tido origem da santa Virgem, mas no sentido de que, por ter recebido dela o
santo corpo dotado de alma racional ao qual também estava unido segundo a
hipóstase, o Verbo se diz nascido segundo a carne. (DS 250, 251)

No sentido contrário, surgiu uma outra heresia: a monofisita, ou seja, aquela


que diz que Jesus só possuía uma natureza, a divina, ignorando, portanto, a
natureza humana Dele. Para eles, as duas naturezas de Jesus (humana e
divina) fundiram-se. Isso não é um mero jogo de palavras. Afirmar que a
natureza humana de Jesus foi "fagocitada" pela natureza divina, implica em
diminuir ou mesmo negar a redenção, pois, para ela ocorrer é preciso que a
natureza humana se una à natureza divina de Jesus, mas tem que permanecer
humana.
A controvérsia surgida com o monofisismo foi dirimida no IV Concílio
Ecumênico, em Calcedônia, vinte anos depois:

Na linha dos santos Padres, ensinamos unanimemente a confessar um só e


mesmo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, o mesmo perfeito em divindade e
perfeito em humanidade, o mesmo verdadeiramente Deus e verdadeiramente
homem, composto de uma alma racional e de um corpo, consubstancial ao Pai
segundo a humanidade, "semelhante a nós em tudo, com exceção do pecado",
gerado do Pai antes de todos os séculos segundo a divindade, e nesses
últimos dias, para nós e para a nossa salvação, nascido da Virgem Maria, Mãe
de Deus, segundo a humanidade.

Um só e mesmo Cristo, Senhor, Filho Único, que devemos reconhecer em


duas naturezas, sem confusão, sem mudanças, sem divisão, sem separação. A
diferença das naturezas não é de modo algum suprimida por sua união, mas
antes as propriedades de cada uma são salvaguardadas e reunidas em uma só
pessoa em uma só hipóstase. (DS 301-302)

Assim, da mesma forma que o Concílio de Nicéia afirmou que Jesus é


consubstancial ao Pai, o Concílio de Calcedônia confessou Jesus
consubstancial aos homens, exceto no pecado. Ou seja, em Jesus existe uma
só pessoa: a divina; e duas naturezas: a divina e a humana. Essas duas
naturezas estão unidas, mas não confundidas, uma não se dissolve na outra.
São distintas, mas sem separação.

Na próxima aula ainda serão estudados os reflexos dessas duas heresias na fé


católica e como os Santos Padres fizeram para combatê-las.

AULA 51

A heresia nestoriana e a heresia


monofisita - Parte II
Continuando os estudos sobre as heresias de natureza cristológicas: o
nestorianismo e o monofisismo. Ambas as heresias dizem respeito ao estudo
da salvação, ou seja, são problemas de ordem soteriológica (soter: salvação,
em grego). Como Deus salva o homem, então?

Conforme já foi estudado antes, Deus criou o homem para que este participe
de sua vida bem-aventurada. Apesar disso, o homem não tem o direito de
participar dessa vida, pois é uma criatura e, como tal, está muitíssimo distante
do Criador. Mesmo antes de Adão pecar, o ser humano já estava distante de
Deus, porém, por causa da desobediência primeira o abismo entre Deus e o
homem se tornou maior ainda. O homem, por si só, não é capaz de transpor
esse abismo, mas ele precisa da salvação, pois sua natureza é, de certa forma,
indigente.

Para romper esse abismo, Deus enviou Jesus Cristo. Nele, o abismo deixa de
existir. A graça de Deus trazida por Jesus Cristo é sanante e elevante. Sanante
porque lava o homem do pecado, o redime. E elevante porque eleva o homem
ao céu, ao encontro de Deus, apaga o abismo existente entre Criador e
criatura.

Deus, no mesmo ato em que o criou [Adão], colocou-o acima do simples nível
natural, elevou-o a um destino sobrenatural conferindo-lhe a graça santificante.
Pelo pecado original, Adão perdeu essa graça para si e para nós. Jesus Cristo,
pela sua morte na cruz, transpôs o abismo que separava o homem de Deus. O
destino sobrenatural do homem foi restaurado. A graça santificante é
comunicada a cada homem individualmente no sacramento do Batismo.
(TRESE, Leo J., A Fé Explicada, pg. 94, Ed. Quadrante, 1985)

Jesus Cristo, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, assumiu a natureza


humana quando se encarnou no seio da Virgem Maria. Isso quer dizer que, em
Jesus, acontece a salvação, pois na pessoa dele, na união hipostática
acontece o casamento entre a natureza divina e a humana (Deus e a
humanidade). Assim, o que une a natureza humana e a natureza divina é a
Pessoa de Jesus cristo. Portanto, aceitar a afirmação de Nestório é rejeitar a
salvação, pois, por ele, as duas pessoas de Jesus não são unidas. O
nestorianismo aniquila a salvação.
Após a condenação da heresia nestoriana e também da monofisita, aconteceu
um retorno ao pensamento nestoriano, mais moderado, é verdade, mas ainda
assim insidioso, pois se afirmou que somente a natureza humana de Jesus
sofreu no Calvário e morreu na Cruz. Ora, o que morreu na cruz foi a natureza
humana de uma pessoa divina. Essa tendência foi prontamente rejeitada pelo II
Concílio de Constantinopla:

Se alguém não confessa que nosso Senhor Jesus cristo, crucificado em sua
carne, é verdadeiro Deus, Senhor da glória e um da santa Trindade: seja
anátema. (DS 432)

Assim, qualquer separação entre a natureza divina e a natureza humana de


Jesus Cristo não procede. Ele é verdadeiramente Deus e verdadeiramente
homem, somente assim é possível acontecer a Salvação. O casamento entre a
natureza humana e a divina concretizado por meio da Pessoa de Jesus faz
com que o abismo existe entre o Criador e a sua criatura seja apagado. Porém,
esse casamento só pode ocorrer quando ambas as naturezas são unidas, mas
não perdem a sua identidade. Ou seja, Jesus é homem E é Deus, ao mesmo
tempo.

Com isso, cai por terra também a heresia monofisita que propunha que a
natureza humana de Jesus misturou-se com a divina, tornando-se uma só
coisa. Ela também não procede.

No final dos tempos, quando Jesus cristo voltar haverá a união entre a
natureza humana e a divina de forma plena. Essa união está descrita no Livro
do Apocalipse – as núpcias do Cordeiro – , porém, ela já aconteceu na pessoa
de Jesus Cristo, é por isso que Ele também é chamado de "Esposo".

Assim, quando a natureza divina de Jesus uniu-se à natureza humana, ela


continuou divina, mas, quando a natureza humana de Jesus uniu-se à natureza
divina, ela foi liberta da sua deformidade, foi plenificada, glorificada, realizada
dentro de suas potencialidades naturais e agraciada de forma extraordinária,
participando na natureza de Deus.
AULA 52

Como é que o Filho de Deus é


homem
"O Verbo feito carne quis humanamente na obediência a seu
Pai tudo o que decidiu divinamente com o Pai e o Espírito
santo por nossa salvação."

Como já foi dito em aulas anteriores, Jesus é uma Pessoa, com duas
naturezas, ou seja, é a segunda pessoa da Trindade e possui em si mesmo a
natureza divina e a humana. Então, para se saber como age uma pessoa
divina é preciso olhar para Jesus Cristo, pois, tanto "… em sua alma como em
seu corpo, Cristo exprime humanamente os modos divinos de agir da
Trindade." (470)

Uma das heresias cristológicas, o Apolinarismo, consistia em dizer que Jesus


não tinha alma e que a pessoa divina de Jesus é que manipulava o corpo
físico, como se fosse ele uma marionete. Em profundidade, esta heresia nega
para os homens, a salvação de suas almas, pois, "o que não foi assumido pelo
Verbo não foi redimido". É um erro gravíssimo que foi condenado pela Igreja,
em 378:

Saibam, portanto, que há muito tempo condenamos o trivial Timóteo, o


discípulo do herético Apolinário, juntamente com sua ímpia doutrina, e não
cremos de modo algum que quanto resta dele receba algum crédito no futuro…
Pois Cristo, o Filho de Deus e nosso Senhor, trouxe ao gênero humano,
mediante sua própria paixão, a salvação totalmente plena, para livrar de todo
pecado o homem inteiro, preso nos pecados. Se alguém disser que ele teve
parte menor, quer da humanidade, quer da divindade, mostra-se cheio do
espírito do demônio, filho da Geena. Por que, então, voltais a me pedir a
condenação de Timóteo? Ele foi também aqui, pelo juízo da Sé Apostólica…
condenado juntamente com seu mestre Apolinário… (DS 149)
Jesus Cristo, enquanto segunda pessoa da Santíssima Trindade era
onisciente, porém, sua alma humana possuía conhecimento limitado. É por
causa disso que São Lucas diz que Ele "crescia em sabedoria, em estatura e
em graça" (Lc 2,52). Ele tinha experiências diárias, aprendia coisas, como
qualquer ser humano, em tudo Ele se fez igual aos homens, até mesmo na
maneira de adquirir conhecimentos. Ato contínuo, por causa da união
hipostática que havia entre as duas naturezas de Jesus, por sua natureza
humana estar unida à natureza divina é que Ele tinha certos conhecimentos da
vontade divina.

Daí se diz também que só o Pai o conhece, já que o Filho, consubstancial a ele
por sua natureza, pela qual está acima dos anjos, tem como saber o que os
anjos ignoram. Daí se pode compreender também de maneira mais precisa que
o Unigênito, encarnado e feito homem perfeito em prol de nós, conhecia o dia e
a hora do juízo na natureza da humanidade, todavia não o conhecia a partir da
natureza da humanidade. Assim, o que em esta conhecia, não o conhecia por
esta, pois o Deus feito homem conhecia o dia e hora do juízo mediante o poder
de sua divindade… (DS 475)

Por causa dessa união é que Jesus "… mostrava também em seu
conhecimento humano a penetração divina que tinha dos pensamentos
secretos do coração dos homens" (473). Jesus é Deus que se fez homem,
sabia das coisas e o que era necessário acontecer para o cumprimento de sua
missão. O que não exclui o fato de que ele, enquanto ser humano, não saber,
por exemplo, o dia e a hora de seu juízo, pois isso só o Pai sabia e não era
necessário saber para cumprir a missão.

Por sua união à Sabedoria divina na pessoa do Verbo encarnado, o


conhecimento humano de cristo gozava em plenitude da ciência dos desígnios
eternos que viera revelar. O que ele reconhece desconhecer neste campo
declara alhures não ser sua missão revelá-lo. (474)

Durante o século VII algumas heresias ganharam força. Uma delas foi o
monotelismo, que pode ser definida como uma interpretação errônea do dogma
da Encarnação, pois diz que "… existe em Cristo uma única vontade, a divina,
que constitui o traço de união das duas naturezas que há nele, a divina e a
humana". E também a heresia do monoenergismo, que dizia que somente uma
energia movia a vontade de Jesus Cristo. Para combater essas duas heresias
a Igreja manifestou-se no VI Concílio de Constantinopla dizendo:

Do mesmo modo, proclamamos nele, segundo o ensinamento dos santos


Padres, duas vontades ou quereres naturais e duas operações naturais, sem
divisão, sem mudanças, sem separação ou confusão. E as duas vontades
naturais não estão – longe disso! – em contraste entre si, como afirmam os
ímpios hereges, mas a sua vontade humana é obediente, sem oposição ou
relutância, ou melhor, submissa à sua vontade divina e onipotente. Era
necessário, de fato, que a vontade da carne fosse guiada e submissa à
vontade divina, segundo o sapientíssimo Atanásio.

Como, de fato, a sua carne é chamada a carne do Verbo de Deus e realmente


o é, assim a vontade natural da sua carne é chamada, e é, vontade própria do
Verbo de Deus, segundo o que ele mesmo afirma: "Desci do céu não para
fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou" chamando sua
a vontade da sua carne, já que a carne se tornara sua. De fato, como a sua
carne animada, toda santa, imaculada, pelo fato de ser deificada não foi
cancelada, mas permaneceu no próprio estado e no próprio modo de ser,
assim também a sua vontade humana, ainda que deificada, não foi cancelada,
mas antes salvaguardada, segundo o que diz Gregório, o Teólogo: "Com efeito,
o seu querer, por ser ele reconhecido como o Salvador, não contrário a Deus,
pois é totalmente divinizado." (DS 556)

O Catecismo da Igreja Católica resume com propriedade o significado dessa


afirmação: "o Verbo feito carne quis humanamente na obediência a seu Pai
tudo o que decidiu divinamente com o Pai e o Espírito santo por nossa
salvação." (475)

Na próxima aula, outros aspectos da humanidade de Jesus Cristo serão


apreciados.

AULA 53

O verdadeiro corpo de Cristo


Dando continuidade ao estudo da maneira pela qual o Filho
de Deus é homem (cristologia), nesta aula serão esmiuçadas
as questões dos ícones e da devoção ao Sagrado Coração
de Jesus.

Por volta do ano de 787, a influência muçulmana finalmente atingiu a Igreja


Católica. Como se sabe, eles radicalizaram a proibição do Antigo Testamento
acerca das imagens, proibindo a reprodução de qualquer ser vivo, tanto que
uma das características da arquitetura árabe são os "arabescos", cuja definição
pode ser "rabiscos". Por causa disso, iniciou-se a iconoclastia, ou seja, um
movimento herético que promovia a quebra dos ícones sagrados. Assim, foi
convocado o VII Concílio Ecumênico de Nicéia, que afirmou:

"(...) como que andando pela via régia e seguindo a doutrina teológica de
nossos santos Padres e a tradição da Igreja católica – pois reconhecemos que
ela é do Espírito Santo que a habita -, definimos com todo o rigor e cuidado
que, à semelhança da figura preciosa e vivificante, assim os venerandos e
santos ícones, quer pintados, quer em mosaico ou em qualquer outro material
adequado, devem ser expostos nas santas igrejas de Deus, sobre os sagrados
utensílios e paramentos, sobre as paredes e painéis, nas casas e nas ruas;
tanto o ícone do Senhor Deus e Salvador nosso Senhor Jesus Cristo como da
Imaculada nossa, a santa Deípara, dos venerandos anjos e de todos os varões
santos e justos." (DH 600)

Este Concílio não somente aprovou a exposição, mas também a veneração


dos santos ícones:

"De fato, quanto mais os santos são contemplados no ícone que o reproduz,
tanto mais os que os contemplam são levados à recordação e ao desejo dos
modelos originais e a tributar-lhes, beijando-os, respeito e veneração; não, é
claro, a verdadeira adoção própria de nossa fé, reservada só à natureza divina,
mas como se faz para a representação da cruz preciosa e vivificante, para os
santos evangelhos e os outros objetos sagrados, honrando-os com a oferta de
incenso e de luzes segundo o piedoso uso dos antigos. Pois "a honra prestada
ao ícone passa para o modelo original", e quem venera o ícone venera a
pessoa de quem nele é produzido." (DH 601)

Assim, a veneração prestada ao ícone é, na verdade, adoração a Deus, pois "a


honra prestada ao ícone passa para o modelo original", como diz São Basílio
Magno. Da mesma forma, a veneração ao coração de Jesus é a adoração ao
próprio Deus. Historicamente falando, o Coração de Jesus foi usado como
forma devocional (tal qual Cristo Rei) foi utilizado pela Igreja Católica, como um
recurso combativo contra o regime comunista e os regimes socialistas.

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus foi aprovada pela Igreja na Encíclica


"Haurietis Aquas", de 15 de maio de 1955:

[Consta que] o motivo pelo qual a Igreja tributa ao coração do divino Redentor
o culto de latria ... é duplo: o primeiro, que é comum também aos demais
sacrossantos membros do corpo de Jesus Cristo, funda-se no fato de que o
seu coração, sendo parte nobilíssima da natureza humana, está unido
hipostaticamente à pessoa do Verbo de Deus, e, portanto, é mister tributar-lhe
o mesmo culto de adoração com que a Igreja honra a pessoa do próprio Filho
de Deus encarnado...

O outro motivo concerne de maneira especial ao coração do divino Redentor,


e, pela mesma razão, confere-lhe um título inteiramente próprio para receber o
culto de latria. Provém ele de que, mais do qualquer outro membro do seu
corpo, o seu coração é o índice natural ou o símbolo da sua imensa caridade
para com o gênero humano. "No Sagrado Coração... está o símbolo e a
imagem expressa da infinita caridade de Cristo, que nos move ao amor
recíproco"... (DH 3922, 3923)

Assim, Jesus Cristo é plenamente homem porque tem a vontade humana, a


inteligência humana e o corpo humano, essas três realidades são "amarradas"
no mistério do Sagrado Coração de Jesus. O músculo cardíaco, portanto, é o
símbolo de que não somente Deus se fez carne, mas de uma vontade que
ama, do Cristo que conhece a Deus como ninguém o conhece, ama a Deus
com sua vontade como ninguém foi capaz de amar e ama o ser humano com
toda a sua inteligência. Este é o simbolismo da devoção ao Sagrado Coração
de Jesus.
AULA 54

Concebido pelo poder do


Espírito Santo
O Espírito Santo é enviado para santificar o seio da Virgem
Maria e fecundá-la divinamente, ele que é o Senhor que dá a
vida, fazendo com que ela conceba o Filho Eterno do Pai em
uma humanidade proveniente da sua.

A aula de hoje introduzirá o capítulo destinado à Mariologia. Falar sobre a


Virgem Santíssima e falar do próprio Cristo é uma necessidade, por isso, o
Concílio Vaticano II lançou a tendência de inserir a Mariologia dentro da
Cristologia, o que se percebe pela ausência de um documento exclusivo sobre
Maria neste concílio.

O Concílio Vaticano II inseriu as decisões acerca de Maria na Constituição


Dogmática Lumen Gentium, e isso se deu porque o CVII é um documento
eclesiológico e não cristológico. Essa tendência ganhou corpo e até hoje se vê
nos curso de Teologia a mariologia sendo tratada dentro do contexto da
eclesiologia. O problema imediato é que a mariologia fica incompleta, pois a
Virgem Santíssima deve ser estudada e tratada nos dois âmbitos: cristológico e
eclesiológico, os quais estão também intimamente ligados.

A realidade acerca de Maria Santíssima é sempre paradoxal, por exemplo, ela


é filha de Deus, mas é Mãe de Deus, ela é serva de Deus, mas é Senhora, é
membro da Igreja, mas é Mãe da Igreja, e assim por diante. É preciso recordar
sempre que à ela foi concedido um privilégio único, jamais concedido a
nenhuma criatura: ela gerou o Filho de Deus. Então, além de ser criatura como
todas as outras, teve a graça de gerar na terra aquele que foi gerado antes por
Deus no céu.
O Catecismo fez a opção de tratar a Virgem Maria no âmbito da cristologia,
afirmação esta corroborada pelo próprio Credo: ‘concebido pelo Poder do
Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria...”.

Jesus Cristo é filho de Deus na eternidade e, na eternidade, foi gerado


eternamente, de uma forma que não cabe ao homem compreender. O Pai gera
o Filho no amor do Espírito Santo, esta é a definição mais sucinta da
santíssima Trindade. Aqui neste mundo houve a Encarnação que é a
manifestação histórica que aponta para aquela realidade que está no céu,
como um espelho, por meio da ação do Espírito Santo na Virgem Maria. A
Bíblia nos dá a conhecer exatamente isso: Jesus nasce recebendo de Maria a
sua humanidade:

O Espírito Santo é enviado para santificar o seio da Virgem Maria e fecundá-la


divinamente, ele que é o Senhor que dá a vida, fazendo com que ela conceba o
Filho Eterno do Pai em uma humanidade proveniente da sua. (485)

Maria não é somente o receptáculo da ação do Espírito Santo. Não, ela é ativa,
pois, a humanidade de Jesus é proveniente dela. Portanto, Ele é totalmente
filho do Pai, ao mesmo tempo em que é filho de Maria, não na mesma
proporção ou da mesma maneira, é evidente, uma vez que não é possível dizer
que Maria e Deus estão no mesmo nível. Porém, é possível afirmar sim, que
ela é a verdadeira Mãe de Jesus.

Sobre Maria, é comum a utilização de três afirmações: Maria, Filha de Deus


Pai, Maria, Mãe de Deus Filho e Maria, Esposa do Espírito Santo. Estas três
afirmações são corretas? Sim. Todavia, não é possível aplicá-las todas, ao
mesmo tempo, ao momento em que o Filho está sendo gerado na História, pois
daria margem a interpretações erradas. Estas afirmações não podem ser
tomadas ao pé da letra, pois são metáforas.

Maria é mãe de Jesus, isto faz parte da Revelação. Mas, como se isso
ocorreu? É um mistério. O que é sabido é que Maria, aqui na Terra, participou
de algo que Deus faz no céu. Assim, no mistério da Encarnação, Maria se
torna, de alguma forma, um ícone, uma imagem de Deus Pai. Ela é a
expressão histórica da fecundidade de Deus na eternidade. Maria é a única
fonte biológica do Filho de Deus. Toda a humanidade de Cristo vem da
humanidade de Maria, de uma maneira que não nos foi dado conhecer. Da
mesma maneira que no céu é Deus Pai a única fonte geradora de Jesus Cristo,
aqui na Terra é Maria a única fonte biológica Dele, submetida, evidentemente,
à ação extraordinária de Deus Pai pelo Espírito Santo.

Maria é filha de Deus, da mesma maneira que todo o restante da humanidade,


ou seja, sendo membro do corpo de Cristo, da Igreja.

Maria é esposa do Espírito Santo, este título surgiu no Ocidente, no II milênio,


mas precisamente junto aos franciscanos. Na literatura este título é encontrado
em São Luis Maria Grignion de Montfort, em São Francisco e no Papa João
Paulo II, e sempre se referem à intimidade e docilidade de Maria com o Espírito
Santo.

Dentro da história salvífica percebe-se uma identificação entre o papel Maria e


do Espírito Santo, por exemplo, assim como o Espírito Santo é pai dos pobres,
Maria é mãe dos pobres; assim como o Espírito Santo é o consolador,
paráclito, Maria é a consoladora dos aflitos; assim como o Espírito Santo é
auxiliador, ela é o auxílio dos cristãos.

Existe uma tal docilidade de Maria à ação do Espírito Santo que ela pode ser
também chamada de ‘a esposa do Espírito Santo’. Entretanto, nenhum desses
dois títulos pode ser reconduzido ao momento da Encarnação, são coisas
diferentes que ocorrem em diferentes momentos da história da salvação.

AULA 55

...nascido da Virgem Maria


Para compreender a posição salvífica, eclesial, espiritual da
Virgem Maria é preciso vinculá-la a Cristo. Maria, portanto,
pertence muito mais a um capítulo da cristologia do que a um
capítulo da eclesiologia.

Dando continuidade ao estudo sobre Maria, logo no início percebe-se a


afirmação enfática da Igreja acerca do lugar que ela ocupa:

O que a fé católica crê acerca de Maria funda-se no que ela crê acerca de
Cristo, mas o que a fé ensina sobre Maria ilumina, por sua vez, sua fé em
Cristo. (487)

Para compreender a posição salvífica, eclesial, espiritual da Virgem Maria é


preciso vinculá-la a Cristo. Maria, portanto, pertence muito mais a um capítulo
da cristologia do que a um capítulo da eclesiologia.

Ela é a mãe de Cristo, que tem um papel único na salvação da humanidade e


ela se torna mãe da Igreja na exata medida em que se torna mãe de Cristo. Ou
seja, se a Igreja é uma continuação do mistério da Encarnação, se é o corpo de
Cristo ao longo da História, é o Cristo total, Maria, sendo mãe de Nosso Senhor
jesus Cristo é mãe da Igreja. O ponto de partida é o relacionamento único dela
com Cristo, que faz com que seja único também o relacionamento dela com a
igreja. Não é possível, portanto, estudar Maria na eclesiologia, sem a chave de
leitura de que ela tem uma relação especial com a igreja porque tem uma
relação especial com Jesus Cristo.

Portanto, o fundamento cristológico e cristocêntrico da mariologia está


confirmado logo no início dos estudos sobre Maria. E é possível afirmar, então,
que não existe nenhuma contradição entre uma espiritualidade cristocêntrica e
uma verdadeira devoção à Virgem Maria, porque Maria encontra o seu lugar
em Cristo. Quando se volta para Maria, consequentemente se volta para o seu
filho Jesus.

"Quis o Pai das misericórdias que a Encarnação fosse precedida pela


aceitação daquela que era predestinada a ser Mãe de seu Filho, para que,
assim como uma mulher contribuiu para a morte, uma mulher também
contribuísse para a vida." (Lumen Gentium, 56)
O Catecismo fala em predestinação de Maria. Esta palavra pode dar margem à
interpretações erradas, por isso é preciso esclarecer o sentido dela, antes de
mais nada. Quando Deus dá um encargo a alguém, ele também capacita a
pessoa com dons para bem desempenhar o encargo. Este é o significado de
predestinação: Deus escolheu Maria para o encargo único de ser a mãe de
Seu Filho e deu a ela todos os dons necessários para que ela executasse com
perfeição o encargo. Porém, Maria teve que aceitar esse encargo, em latim
munus, pois, com Deus não há coação, pelo contrário, é preciso que haja a
manifestação da livre vontade da pessoa, o que em Maria se aconteceu,
conforme as Escrituras.

"Ao longo de toda a Antiga Aliança, a missão de Maria foi preparada pela
missão de santas mulheres. No princípio está Eva: a despeito sua
desobediência, ela recebe a promessa de uma descendência que será vitoriosa
sobre o Maligno e a de ser mãe de todos os seres viventes. Em virtude dessa
promessa, Sara concebe um filho, apesar de sua idade avançada. Contra toda
expectativa humana, Deus escolheu o que era tido como impotente e fraco
para mostrar sua fidelidade à sua promessa: Ana, a mãe de Samuel, Débora,
Rute, Judite e Ester, e muitas outras mulheres. Maria sobressai entre esses
humildes e pobres do Senhor, que dele esperam e recebem com confiança a
Salvação. Com ela, Filha de Sião por excelência, depois de uma demorada
espera da promessa, completam-se os tempos e se instaura a nova economia."
(489)

Assim, Maria foi longamente preparada porque a sua missão era grande e
importante. É o que será estudado nas próximas aulas.

AULA 56

Introdução ao Catecismo da
Igreja Católica e ao Ano da Fé
A Igreja Católica, portanto, crê que Maria Santíssima foi
preservada do pecado original e suas consequências, como,
de fato, aconteceu não é possível precisar. Contudo, é
preciso recordar que Deus é onipotente e tudo pode fazer,
inclusive preservar Maria da mancha do pecado primeiro.
Aliás, Maria não foi a primeira. Da mesma forma, Adão e Eva
foram também imaculados.

O dogma da Imaculada Conceição de Maria foi proclamado em 1854, pelo


Bem-aventurado Pio IX, após uma consulta aos 603 Bispos do mundo todo.
Desses, 546 responderam favoravelmente à proclamação do dogma. Assim,
por meio da bula Ineffabilis Deus, de 08 de dezembro de 1854, o dogma foi
instituído.

Inicialmente é preciso esclarecer o que quer dizer a palavra conceição. Trata-


se de uma palavra de pouco uso no vocabulário português e quer dizer
concepção. Assim, Imaculada Conceição de Maria quer dizer que Maria foi
concebida sem o pecado original, porém, proveniente de uma relação sexual
de seus pais, São Joaquim e Santa Ana. Como compreender tal afirmação se é
sabido que toda a humanidade traz em si a mancha do pecado original? A bula
Ineffabilis Deus, diz que:

"O Deus inefável... desde o princípio e antes dos séculos, escolheu e


predestinou para seu Filho unigênito uma mãe da qual nascesse, feito carne,
na bem-aventurada plenitude dos tempos; e a acompanhou com tão grande
amor, de preferência a todas as criaturas, que unicamente nela se comprouve
com a mais propensa vontade. Por isso, adminiravelmente a cumulou, mas que
a todos os espíritos angélicos e todos os santos, com a abundância de todos
os carismas celestes, haurida do tesouro da divindade. Assim ela, sempre
absolutamente livre de toda mancha do pecado, toda bela e perfeita, possui
uma tal plenitude de inocência e de santidade que de modo nenhum se pode
conceber maior, depois de Deus, e que, foram de Deus, ninguém pode
apreender por mero pensamento." (DS 2800)
A Igreja Católica, portanto, crê que Maria Santíssima foi preservada do pecado
original e suas consequências, como, de fato, aconteceu não é possível
precisar. Contudo, é preciso recordar que Deus é onipotente e tudo pode fazer,
inclusive preservar Maria da mancha do pecado primeiro. Aliás, Maria não foi a
primeira. Da mesma forma, Adão e Eva foram também imaculados. A bula
Ineffabilis Deus continua explicando:

"E certamente era de todo conveniente que uma mãe tão venerável refulgisse
sempre adornada dos esplendores da santidade mais perfeita e, inteiramente
imune da mancha da culpa original, alcançasse o mais completo triunfo sobre a
antiga serpente. A ela, Deus Pai decidiu dar seu Filho único, ao qual, gerado do
seu coração, igual a ele mesmo, ama como a si mesmo, e decidiu dar de modo
tal que ele fosse, por natureza, um só e o mesmo Filho comum de Deus Pai e
da Virgem; a ela, o mesmo Filho a escolheu para fazê-la sua mãe de modo
substancial, e o Espírito Santo quis e atuou para que por ela fosse concebido e
nascesse aquele do qual ele mesmo procede." (DS 2801)

Maria foi redimida desde o momento de sua concepção. Ela foi salva por
Jesus, quando este morreu na cruz. Isso só é possível porque Deus olha as
coisas fora do tempo. Assim, o olhar do Pai sobre os méritos do Filho, preserva
Maria de todo o pecado ainda no ventre de sua mãe. Trata-se de uma
dificuldade intelectual, pois é muito difícil entender como isso se dá, mas,
nesse caso, a fé busca a intelecção.

"De fato, a Igreja de Cristo, diligente guardiã e vindicadora das doutrinas a ela
confiadas, nelas nada jamais altera, nada omite, nada acrescenta, mas, com
todo o zelo, tratanto fiel e sabiamente os velhos dados que desde tempos
remotos tomaram forma e que a fé do Padres semeou, procura limá-los e poli-
los de tal mdo que aqueles antigos dogmas da doutrina celeste recebam
evidência, luz e precisão, mas conservem sua plenitude, integridade e
característica e se desenvolvem somente segundo seu próprio gênero, ou seja,
no mesmo dogma, no mesmo sentido, na mesma sentença." (DS 2802)

Isso quer dizer que a Igreja sempre creu na Imaculada Conceição de Maria,
contudo, antes do pronunciamento oficial era permitido que houvesse debate,
que as pessoas não acreditassem, porém, a partir do momento em que a Igreja
afirmou sempre ter crido na concepção sem pecado de Maria cessaram-se as
discussões.

"... Para a honra da santa e indivisa Trindade, para adorno e ornamento da


Virgem Deíprara, para exaltação da fé católica e incremento da religião cristã,
com a autoridade do nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados
apóstolos Pedro e Paulo e nossa, declaramos, proclamamos e definimos: a
doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante de
sua conceição, por singular graça e privilégio do Deus onipotente, em vista dos
méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de
toda mancha da culpa original, é revelada por Deus e por isso deve ser crda
firme e constantemente por todos os fiéis." (DS 2803)

A partir da proclamação do dogma, em dezembro de 1854, a concepção sem


pecado de Maria Santíssima passou a ser uma verdade da fé católica:

"Portanto, se houver quem presuma - o que Deus não permita - pensar no


coração diferente do que foi por Nós definido, tais tomem conhecimento e
saibam que, condenados por seu próprio juízo, naufragaram na fé e estão
separados da unidade da Igreja, e ainda incorreram automaticamente nas
penas estabelecidas pela lei, se se atreverem a manifestar por palavra, por
escrito ou de qualquer outro modo externo, o que pensam no coração." (DS
2804)

Portanto, que cada um esteja pronto a aceitar e a defender essa verdade de fé,
proclamando a Imaculada Conceição de Maria Santíssima. Que cada um traga
nos lábios e no coração este belo Hino do oficio das leituras:

Cantando teus louvores, ó pura Mãe de Deus! 


Os hinos que entoamos se elevam até os céus. 
Do Adão terrestre filhos, nascemos para o mal; 
Só tu cremos isenta da culpa original. 
Teus níveos pés esmagaram as fauces do dragão, 
Ó Virgem concebida em pura conceição. 
Florão do estirpe humana, que amparas todo réu: 
Ajuda-nos na terra, conduze-nos ao céu. 
Esmaga a vil serpente, repele o tentador; 
Contigo cantaremos as glórias do Senhor. 
Louvor e honra ao Deus trino, que tanto te amou, 
Pois já antes do pecado da culpa te livrou! 
A vossa proteção recorremos Santa Mãe de Deus. 
Não desprezais as nossas súplicas em nossas necessidades, 
mas livrai-nos de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita. 
Amém.

AULA 57

Maternidade Divina de Maria


"Denominada nos Evangelhos ‘a mãe de Jesus’ ; Maria é
aclamada, sob o impulso do Espírito, desde antes do
nascimento do seu Filho, como a ‘Mãe do meu Senhor’. Com
efeito, Aquele que ela concebeu do Espírito Santo como
homem e que se tornou verdadeiramente seu Filho segundo
a carne não é outro que o Filho Eterno do Pai, a segunda
Pessoa da Santíssima Trindade. A Igreja confessa que Maria
é verdadeiramente Mãe de Deus (Theotókos)"

Sempre que a Igreja Católica refere-se à Maria dois adjetivos são utilizados:
Virgem e Mãe. Os filósofos modernos tendem a resolver a tensão gerada por
essa aparente contradição simplesmente eliminando um dos dogmas. A
realidade é que existem os dois dogmas: o dogma da Maternidade Divina e o
dogma da Virgindade Perpétua de Maria, e que, aparentemente, ambos
constituem um paradoxo que gera uma espécie de tensão intelectual. Antes de
tentar resolver essa tensão é preciso crer.
O Concílio de Éfeso, em 431, proclamou que Maria é a geradora de Deus
(Theotókos, em grego ou Deípara, em latim):

"Com efeito, não nasceu antes, da Santa Virgem, um homem qualquer, sobre o
qual depois desceria o Verbo, mas se diz que este, unido desde o útero
materno, assumiu o nascimento carnal, apropriando-se o nascimento de sua
própria carne... Por isso, os santos Padres não duvidaram chaamr a santa
Virgem de Deípara, não no sentido de que a natureza do Verbo ou sua
divindade tenham tido origem da Santa Virgem, mas no sentido de que, por ter
recebido dela o santo corpo dotado de alma racional ao qual também estava
unido segundo a hipóstase, o Verbo se diz nascido segundo a carne." (DH 251)

Sabendo que em Jesus Cristo existe a pessoa divina e duas naturezas: a


humana e a divina, ao se perguntar de quem Maria é mãe obtém-se a seguinte
resposta: ela a mãe do próprio Deus, segunda pessoa da Santíssima Trindade.
Ela não gerou a divindade de Jesus, mas um homem, cuja natureza é divina. O
que foi que Maria deu à luz? A um corpo humano. Quem foi que nasceu? O
próprio Deus feito homem.

Deus Eterno enquanto natureza divina não tem mãe, mas Deus Encarnado
quis tê-la. Essa é a grande dificuldade de entendimento dos protestantes, o
pensamento deles assemelha-se e muito ao pensamento da heresia nestoriana
(separação do humano e do divino), cujo fim foi justamente a resolução
oferecida pelo Concílio de Éfeso, acima citado.

O referido Concílio, ao pronunciar-se, nada mais fez do que repetir o que Santa
Isabel disse no Evangelho de Lucas. O Catecismo da Igreja Católica diz que:

"Denominada nos Evangelhos ‘a mãe de Jesus’ ; Maria é aclamada, sob o


impulso do Espírito, desde antes do nascimento do seu Filho, como a ‘Mãe do
meu Senhor’. Com efeito, Aquele que ela concebeu do Espírito Santo como
homem e que se tornou verdadeiramente seu Filho segundo a carne não é
outro que o Filho Eterno do Pai, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade. A
Igreja confessa que Maria é verdadeiramente Mãe de Deus (Theotókos)" (495)

A primeira tensão - Maria, Mãe de Deus - está resolvida. Vejamos quanto à


segunda: a Virgindade de Maria.
A Igreja, desde o seu início, sempre considerou a virgindade de Maria, ou seja,
que ‘Jesus foi concebido exclusivamente pelo poder do Espírito Santo no seio
da Virgem Maria (...), sem sêmem’. Tanto é verdade que já nas primeiras
fórmulas ocidentais percebe-se a presença dessa verdade de fé, a saber:

1. Hipólito de Roma: Traditio Apostolica (versão latina): "Crês em jesus Cristo,


Filho de Deus, que nasceu do Espírito Santo, do seio da Virgem Maria, …"
2. Saltério do rei Etelstano: "Creio em Deus Pai onipotente, e em Cristo
Jesus, seu Filho unigênito, nosso Senhor, que nasceu do Espírito Santo e
Maria virgem, … "
3. Codex Laudianus: "Creio em Deus pai onipotente, e em Cristo Jesus (Jesus
Cristo), seu unico Filho, nosso Senhor, que nasceu do Espírito Santo e Maria
virgem, … "
4. Ambrósio, bispo de Milão: Explanatio Symboli: "Creio em Deus Pai
onipotente, e em Jesus cristo, seu único Filho, nosso Senhor, que nasceu do
Espírito Santo, do seio de Maria virgem, …"
5. Agostinho: Sermão 213 (= Sermo Gueferbytanus 1), na entrega do
Símbolo: "Creio em Deus Pai onipotente, e em Jesus Cristo seu único filho,
nosso Senhor, que nasceu do Espírito Santo e da Virgem Maria, …"
6. Pedro Crisólogo: Sermões 57-62: "Creio em Deus Pai onipotente, e em
Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, que nasceu do Espírito Santo, do
seio de Maria virgem, …"
7. Tirânio Rufino: Expositio (ou Comentarius) in symbolum: "Creio em Deus
Pai onipotente, invisível e impassível, e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso
Senhor, que nasceu do Espírito Santo, do seio de Maria virgem, …"
8. Missal e sacramentário florentino: "Creio em Deus Pai onipotente, e em
Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, nascido do Espírito Santo e de
Maria Virgem, …"
9. Nicetas, bispo de Remesiana: Explicação do Símbolo: "Creio em Deus
Pai, Criador do céu e da terra, e no seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor,
nascido do Espírito Santo e do seio da Virgem Maria, …"
10. Agostinho: Sermão 215, na devolução do Símbolo: "Cremos em Deus Pai
onipotente, criador de tudo, rei dos séculos, imortal e invisível. Cremos também
em seu Filho, nosso senhor Jesus Cristo, nascido do Espírito Santo, do seio da
virgem Maria, …"
11. Pseudo-Agostinho [Quodvuldeus de Cartago]: Sermões sobre o
Símbolo: "Creio em Deus Pai onipotente, criador de tudo, rei dos séculos,
imortal e invisível. Creio também em seu Filho, Jesus Cristo, seu Filho único,
nosso senhor, que nasceu do Espírito Santo, do seio da Virgem Maria;..."
12. Ildefonso de Toledo: De cognitione baptismi: "Creio em Deus Pai
onipotente, e em Jesus Cristo, seu único Filho, Deus e Senhor nosso, que
nasceu do Espírito Santo e do seio de Maria Virgem, …"
13. Fragmentos de um Símbolo gálico antigo: "Creio em Deus Pai
onipotente. Creio também em Jesus Cristo, seu Filho unigênito, nosso Senhor,
que foi concebido do Espírito Santo, nasceu do seio de Maria Virgem, …"
14. Missale Gallicanum Vetus: Sermão [9 de Cesário de Arles] sobre o
Símbolo: "Creio em Deus Pai onipotente, criador do céu e da terra. creio
também em Jesus Cristo, seu Filho unigênito sempiterno, que foi concebido do
Espírito Santo, nasceu de Maria Virgem, …"
15. Pirmínio: Compilação de textos canônicos: "Crês em Deus Pai onipotente,
criador do céu e da terra? Crês também em Jesus Cristo, seu único Filho,
nosso Senhor, que foi concebido do Espírito Santo, nasceu de Maria Virgem,
…"
16. Antifonário de Bangor: "Creio em Deus Pai onipotente, inivísvel, criador
de todas as criaturas visíveis e invisíveis. Creio também em Jesus Cristo, seu
único Filho, nosso Senhor, Deus onipotente, concebido do Espírito Santo,
nascido de Maria Virgem, …"
17. Ritual batismal romano (Ordo Romanus XI ed. Andrieu = VII ed.
Mabillon): "Creio em Deus Pai onipotente, criador do céu e da terra, e em
Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, o qual foi concebido do Espírito
Santo, nasceu do seio de Maria Virgem, …"
As citações acima são das fórmulas ocidentais tão somente, prosseguindo na
verificação junto ao Denzinger, encontram-se as fórmulas orientais, portanto, é
possível afirmar que sempre houve uma unanimidade na crença na virgindade
de Maria. O Sínodo de Latrão, no ano 649, afirmou que:

"Cânon 3: Se alguém não professa, de acordo com os santos Padres, em


sentido próprio e segundo a verdade, genitora de Deus a santa sempre virgem
e imaculada Maria, já que ela, em sentido específico e verdadeiro, no fim dos
séculos, sem sêmem, concebeu do Espírito Santo e sem corrupção gerou o
próprio Deus Verbo, que antes de todos os séculos nasceu de Deus Pai, e que
depois do parto permaneceu inviolada a sua virgindade, seja condenado." (DH
503)
Portanto, a realidade concreta e atestada é a de que Jesus foi concebido pelo
Espírito Santo no seio de Maria, sem sêmem. A virgindade de Maria é um sinal
específico de que o pai é o próprio Deus. Evidente que Deus, sendo
onipotente, poderia ter feito tudo diferente, porém, Ele quis mostrar pela
virgindade de Maria que não houve teogamia (cópula entre deus e um humano,
como se vê na mitologia grega). Mais que isso, além de não ter havido relação
sexual, Maria permaneceu virgem mesmo após o parto, ou seja, o hímem de
Maria não se recompeu.

"Os relatos evangélicos entendem a conceição virginal como uma obra divina
que ultrapassa toda compreensão e toda possibilidade humanas. O que foi
gerado nela vem do Espírito, diz o anjo a José acerca de Maria, sua noiva. A
Igreja vê aí o cumprimento da promessa divina dada pelo profeta Isaías: ‘Eis
que a virgem conceberá e dará à luz um filho’." (497)

Na aula seguinte prosseguir-se-ão os estudos acerca da Virgindade de Maria e


de sua Maternidade.

AULA 58

A virgindade de Maria
Foi, de fato, concebido do Espírito Santo no útero da virgem
mãe, que o deu à luz, permanecendo intacta a sua
virgindade, assim como com intacta virgindade o concebeu..."
(DH 291)

Dando continuidade ao estudo acerca das duas características de Maria:


Virgem e Mãe, tem-se que, para os Santos Padres, o fato de Jesus Cristo ter
sido concebido do Espírito Santo, isto é, sem semêm, "[é um] sinal de que foi
verdadeiramente o Filho de Deus que veio numa humanidade como a nossa"
(496).
Para a Igreja, Maria permanece real e perpetuamente virgem, mesmo durante
o parto de Jesus. Virgem antes, durante e depois do parto. Esta é a fé da
Igreja. A Carta "Lectis dilectionis tuae", de São Leão Magno ao bispo Flaviano
de Constantinopla, em 13 de junho de 449, diz que:

"O mesmo sempiterno unigênito do Genitor sempiterno ‘nasceu do Espírito


Santo e de Maria virgem’. Este nascimento temporal em nada diminuiu-lhe o
nascimento divino e sempiterno, nem nada lhe acrescentou; mas ee se dedicou
todo a recuperar o homem, que tinha sido enganado, com o fim de vencer a
morte e de destruir com a sua força o diabo, que tinha o domínio da morte. De
fato, não poderíamos vencer o autor do pecado e da morte, se não
assumíssemos a nossa natureza e a fizesse sua aquele que nem o pecado
pôde contaminar, nem a morte deter.

Foi, de fato, concebido do Espírito Santo no útero da virgem mãe, que o deu à
luz, permanecendo intacta a sua virgindade, assim como com intacta
virgindade o concebeu..." (DH 291)

"Gerado, mas num novo nascimento: porque a virgindade inviolada ignorou a


concupiscência e subministrou a matéria da carne. Da mãe do Senhor foi
assumida a natureza, mas não a culpa; e no Senhor Jesus Cristo nascido do
seio da Virgem a natureza não é diferente da nossa por ser admirável o seu
nascimento." (DH 294)

Acerca do mesmo tema, em 03 de fevereiro de 557, tem-se a Carta "Humani


generis", ao rei Hildeberto I, que diz:

"Creio e professo, pois, que, desta Trindade santa e beatíssima e


consubstancial, uma pessoa, isto é, o Filho de Deus, desceu dos céus para a
salvação do gênero humano nos últimos tempos, sem deixar a sede do Pai e o
governo do mundo; e logo que o Espírito Santo veio do céu na bem-aventurada
virgem Maria e a força do Altíssimo a cobriu com sua sombra, este mesmo
Verbo e Filho de Deus entrou suavemente no útero da mesma santa virgem
Maria e, da carne dela, uniu a si uma carne animada por alma racional e
intelectiva; não que antes tivesse sido criada a carne e depois o Filho de Deus
tivesse sobrevindo, mas, como está escrito ‘construindo a Sabedoria para si
uma casa’, imediatamente a carne do útero da Virgem se fez a carne do Verbo
de Deus e, portanto, o Verbo e o Filho de Deus se fez homem sem nenhuma
mudança ou tranformação da natureza do Verbo e da carne, um só em ambas
as naturezas, isto é, na e divina e na humana; e assim, Jesus Cristo procedeu,
isto é, nasceu verdadeiro Deus e, o mesmo, verdadeiro homem, conservada a
integridade da virgindade materna, pois ela o gerou permanecendo virgem
assim como virgem o havia concebido. Pelo que professamos de maneira
veracíssima a mesma bem-aventurada virgem Maria genitora de Deus, pois ela
gerou o Verbo de Deus encarnado." (DH 442)

O Sínodo de Toledo, iniciado em 02 de maio de 693, afirmou que:

"Daí, mesmo sendo inseoaráveis as obras da Trindade, todavia segundo a fé


proclamamos... que não a inteira Trindade assumiu a carne, mas só o Filho de
Deus, que antes dos tempos foi gerado da substância de Deus Pai e ao fim dos
tempos nasceu da Virgem Maria, segundo o testemunho do Evangelho que diz:
‘O Verbo se fez carne e habitou entre nós’... O oráculo do anjo, dizendo que o
Espírito Santo virá sobre ela e anunciando que o poder do Altíssimo, que é o
Filho de Deus Pai, a cobriria com sua sombra, mostrou que a trindade inteira
coopera com a carne do Filho. De fato, como a virgem antes da concepção
conservou o pudor da virgindade, assim depois do nascimento a sua
integridade não sofreu corrupção; pois como virgem concebeu, como virgem
deu à luz e depois do nascimento conservou, sem que nada se subtraísse o
pudor da incorrupção..." (DH 571)

Sendo assim, como explicar que os Evangelhos falam de ‘irmãos de Jesus’? O


Catecismo esclarece que: "a Igreja sempre entendeu que essas passagens
não designam outros filhos da Virgem Maria: com efeito, Tiago e José, ‘irmãos
de Jesus", são os filhos de uma Maria discípula de Cristo que
significativamente é designada como ‘a outra Maria’. Trata-se de parentes
próximos de Jesus, consoante uma expressão conhecida do Antigo
Testamento." (500)

A propósito da maternidade virginal de Maria no desígnío de Deus, o


Catecismo apresenta o verdadeiro método de se fazer teologia, ou seja,
primeiro se deve crer e somente depois é que se deve buscar as razões. Nesse
viés, primeiro é preciso acreditar que Maria foi Virgem e Mãe, para somente
depois tentar raciocinar nas razões de Deus teve para querer assim. O
Catecismo elencou quatro razões - não para provar a virgindade de Maria, mas
apenas para mostrar a racionalidade dessa:

1. Maria e Jesus são a Nova Eva e o Novo Adão, ou seja, a virgindade e a


maternidade significam um novo início;

2. O nascimento de Jesus significa o novo nascimento que todos devem


ter, todos são chamados a nascer do alto;

3. Maria concebeu Jesus mais por causa de sua fé do que por causa da
sua cooperação carnal;

4. Maria, Virgem e Mãe, é a figura perfeita da Igreja.

É por tudo isso que a Igreja Católica com muita veneração e amor, em
uníssono, diz:

Ave Maria, gratia plena, dominus tecum,


benedicta tu in mulieribus 
et benedictus fructus ventris tui, Jesu.
Sancta Maria, mater Dei,
ora pro nobis peccatoribus,
nunc et in hora mortis nostrae.
Amen.

AULA 59

Os mistérios da vida de Cristo


Iniciando o terceiro parágrafo que fala sobre os mistérios da
vida de Cristo, estudaremos os mistérios da vida oculta de
Nosso Senhor Jesus Cristo que, de forma geral, causam
muita curiosidade, até mesmo pelo fato de os Evangelhos
não falarem sobre esse período da vida de Jesus.
O fato é que existe o grande escândalo de Nazaré. O que vem a ser isto? Nada
mais que o fato real de que Deus se fez homem, Jesus Cristo e permaneceu
durante trinta anos ‘escondido’ numa carpintaria. Muitas pessoas não vêem
sentido no fato de o mundo necessitar ser salvo e de o Salvador ter esperado
tanto tempo. Esse parágrafo tentará iluminar, de alguma forma, esses anos da
vida de Jesus.

O ano litúrgico é centrado em duas épocas distintas da vida de Jesus: os


mistérios da Encarnação (Conceição e Nascimento) e Páscoa (Paixão,
Crucifixão, Morte, Sepultamento, Descida aos Infernos, Ressurreição,
Ascensão). São os dois grandes momentos da vida e da fé cristã. Porém, não é
possível esquecer que entre um e outro existe o chamado Tempo Comum,
tempo ordinário, que reflete justamente a vida oculta de Jesus que, muitas
vezes, causa escândalo, conforme mencionado. Contudo, viver esse tempo
ordinário, meditando a vida oculta de Jesus é muitíssimo importante, pois:

"Os Evangelhos foram escritos por homens que estiveram entre os primeiros a
ter fé e que queriam compartilhá-la com outros. Depois de term conhecido na fé
quem é Jesus, puderam ver e fazer ver os traços de seu mistério em toda a sua
vida terrestre. Desde os paninhos de sua natividade até o vinagre de sua
Paixão e o sudário de sua Ressurreição, tudo na vida de Jesus é sinal de seu
Mistério. Por meio de seus gestos, de seus milagres, de suas palavras, foi
revelado que nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade. Sua
humanidade aparece, assim, como "sacramento", isto é, o sinal e o instrumento
de sua divindade e da salvação que ele traz: o que havia de visível em sua vida
terrestre apontava para o mistério invisível de sua filiação divina e de sua
missão redentora." (515)

Interessante notar que na humanidade de Cristo encontra-se toda a


fundamentação da economia sacramental, pois, é o dinamismo encarnatório de
Jesus que torna possível a realidade dos sacramentos - lembrando que
sacramento quer dizer uma realidade visível de uma ação divina invisível.

A vida toda de Jesus Cristo constitui-se um mistério, como já foi dito. É possível
perceber alguns traços comuns neles. O Catecismo aponta os três principais:
 a. Toda a vida de Cristo é Revelação do Pai;

 b. Toda a vida de Cristo é mistério de Redenção;

 c. Toda a vida de Cristo é mistério de Recapitulação;

Jesus é a revelação de Deus. A Revelação de Deus é salvífica, assim, Jesus,


ao se revelar ao homem o salva e, salvando o homem, revela-se.Tendo nosso
Senhor se feito homem para cumprir a vontade do Pai, os mínimos traços de
seus mistérios nos manifestam o amor de Deus por nós. (516) O Cristianismo
não é uma ideologia. O Cristianismo é uma Pessoa, um acontecimento, por
isso que ele consegue vencer todas as ideologias.

Toda a vida de Jesus é salvadora. A Cruz condensa toda a redenção, mas


essa realidade salvífica está presente em toda a vida de Jesus:

"... já em sua Encarnação, pela qual, fazendo-se pobre, nos enriqueceu por sua
pobreza, em sua vida oculta, que, por sua submissão, serve de reparação para
a nossa insubmissão; em sua palavra, que purifica seus ouvintes, em suas
curas e em seus exorcismos, pelos quais ‘levou nossas fraquezas e carregou
nossas doenças’; em sua Ressurreição, pela qual nos justifica." (517)

Por fim, todos os atos, palavras, silêncios, sofrimentos, alegrias de Jesus


tinham como fim fazer o homem voltar à sua vocação primeira. Santo Irineu de
Lyon foi muito feliz ao dizer que:

"Quando ele se encarnou e se fez homem, recapitulou em si mesmo a longa


história dos homens e, em resumo, nos proporcionou a salvação, de sorte que
aquilo que havíamos perdido em Adão, isto é, sermos à imragem e à
semelhança de Deus, o recuperamos em Cristo Jesus. É, aliás, por isso que
Cristo passou por todas as idades da vida, restituindo com isto a todos os
homens a comunhão com Deus." (518)

Portanto, toda a história da Humanidade está condensada na vida de Jesus


Cristo. Da mesma forma, toda a história da Igreja está recapitulada na vida de
Jesus Cristo. Mais ainda, a vida de cada homem, de cada mulher está
condensada na vida de Jesus Cristo, pois, de uma maneira ou de outra, todos
viverão aquilo que Jesus viveu e do modo como ele viveu.
É impossível meditar a vida de Cristo e não encontrar a chave de leitura de sua
própria vida. É muito difícil não enxergar Maria, os discípulos, Pedro, os
milagres, as angústias, a traição em sua própria vida. Tudo o que se vive sobre
esta terra pode ser recapitulado na meditação da vida de Jesus. Daí a
importância do Santo Rosário, pois, meditando os mistérios da vida de Jesus
iluminaremos o caminho que devemos seguir rumo à vida eterna.

AULA 60

Nossa comunhão com os


mistérios de Cristo
Portanto, se o homem encontra seu sentido meditando a vida
de Jesus, a vida de Jesus aqui na Terra tem sentido por
causa do homem.

Continuando a investigação acerca da nossa comunhão com os mistérios de


Jesus, o Catecismo da Igreja Católica, no número 519, faz um resumo do que
foi dito anteriormente. A saber:

"Toda a riqueza de Cristo 'é destinada a cada homem e constitui o bem de


cada um'. Cristo não viveu sua vida para si mesmo, mas para nós, desde sua
Encarnação 'por nós, homens e por nossa salvação' até sua Morte 'por nossos
pecados' e sua Ressurreição 'para nossa justificação'. Ainda agora, Ele é
'nosso advogado junto do Pai', 'estando sempre vivo para interceder a nosso
favor'. Com tudo o que viveu e sofreu por nós uma vez por todas, Ele
permanece presente para sempre 'diante da face de Deus a nosso favor'."

Portanto, se o homem encontra seu sentido meditando a vida de Jesus, a vida


de Jesus aqui na Terra tem sentido por causa do homem. É como consta do
Dies Irae:
"Recordare, Jesu pie, quod sum causa tuae via: ne me perdas illa die.
(recordai-vos, piedoso Jesus, de que sou a causa de vossa via; não me percais
nesse dia.) Quaerens me, sedisti lassus: redemisti Crucem passus: tantus labor
non sit cassus. (resgatando-me, sentistes lassidão, me redimistes sofrendo a
Cruz; que tanto trabalho nã tenha sido em vão)."

Jesus veio ao mundo por e para o homem. Para servir de modelo ao homem,
pois é o "homem perfeito". Aceitá-lo dessa maneira implica em uma mudança
de vida, pois, configurando os fatos cotidianos à vida, aos sofrimentos que
Jesus viveu, sem dúvida, ocorrá uma mudança de perspectiva. Todos os
sofrimentos físicos ou morais que o homem possa sofrer em sua vida não se
comparam com o que Jesus sofreu. Todas as situações da vida podem ser
respondidas pela pergunta: o que Jesus faria nesse caso? E isso muda tudo.
Todas as intercorrências da vida ganham nova dimensão e importância.

A Constituição "Gaudium et Spes" traz uma belíssima explanação de como se


dá a atividade humana no mistério pascal que é, de certa forma, o resumo do
que aqui está sendo exposto. A saber:
"O Verbo de Deus, pelo qual todas as coisas foram feitas, fazendo-se carne e
habitando na terra dos homens, entrou como homem perfeito na história do
mundo, assumindo-a em si e recapitulando-a. Ele revela-nos que Deus é Amor
e ensina-nos ao mesmo tempo que a lei fundamental da perfeição humana e,
portanto, da transformação do mundo, é o novo mandamento do amor.

Dá, assim, aos que acreditam no amor de Des, a certeza de que o caminho do
amor está aberto para todos e que o esforço por estabelecer a fraternidade
universal não é vão. Adverte, ao mesmo tempo, que este amor não se deve
exercitar apenas nas coisas grandes, mas antes de mais, nas circunstâncias
ordinárias da vida.

Suportanto a morte por todos nós pecadores, ensina-nos com o seu exemplo
que também devemos levar a cruz que a carne e mundo fazem pesar sobre os
ombros daqueles que buscam a paz e a justiça. Constituído Senhor pela sua
ressurreição, Cristo, a quem foi dado todo o poder no céu e na terra, atua já
pela força do seu Espírito nos corações dos homens; não suscita neles apenas
o desejo de vida futura, mas, por isso mesmo, anima, purifica e fortalece
também aquelas generosas aspirações que levam a humanidade a tentar
tornar a vida mais humana e a submeter a esse fim toda a terra." (DS 4338)

Portanto, é possível reler a vida de Jesus (e imitá-la) na vida pessoal, em


família, em comunidade; na vida do bairro, da cidade, do país e do mundo; na
pastoral, na paróquia, na arquidiocese, na Igreja de todos os tempos. Do micro
para o macrocosmo. Tudo pode ser lido, relido e imitado sob à luz do mistério
de Cristo.

A Encarnação de Jesus Cristo é um acontecimento de tal imensidão que Deus


quis prepará-lo durante séculos. (522) Todo o Antigo Testamento foi uma
preparação para o que aconteceria na plenitude dos tempos, ou seja, a vinda
do Filho de Deus à terra. Imediatamente antes desse acontecimento, aparece a
figura de João Batista, que é chamado de precursor, ou seja, aquele que tinha
como missão preparar o caminho do Senhor.

Atualmente, São João Batista é tido como um grande santo, intercessor de


muitos milagres. Sem dúvida alguma. Contudo, a figura de João Batista não é
muito simpática, por assim dizer. Ele expressa a vinda do Senhor que vem ao
mundo por meio da austeridade, da penitência, da extrema e voluntária
pobreza. É um homem severo, radical, por isso, pouco compreendido, até
mesmo rude. Porém, ele encarna a figura dos grande penitentes da vida
monástica da Igreja. E é sabido que a vida monástica só é possível por meio da
austeridade da penitência. A Igreja tem inúmeros exemplos: São João Maria
Vianney, São Pio de Pietrelcina e muitos outros, todos severos, austeros e que
não tinham medo de chamar as pessoas à conversão, verdadeiros profetas que
instam o povo à mudança de vida.

São João Batista, juntamente com a Virgem Maria são os grandes precursores
da vinda de Jesus Cristo ao mundo. A exemplo dos grandes Padres do Deserto
e, mais atualmente, dos cartuxos, sabidamente homens da estirpe de São João
Batista são exteriormente duros, mas interiormente são homens de grande
sensibilidade da alma, sensíveis às realidades divinas. Dela, não há o que
dizer, é pura doçura, obediência e mansidão que, com seu sim, deu sua carne
para Aquele que É e sempre Será o Sumo Bem.
AULA 61

O mistério do Natal
O mistério do Natal deve ser saboreado e, para isso, o
Catecismo começa esse tópico apresentando dois textos
litúrgicos, um da Igreja Oriental e outro da Ocidental. O
objetivo dessa apresentação é mostrar justamente que Deus
inefável, Criador do universo, fez-se pequeno, um menino na
gruta em Belém.

Trata-se de um ‘escândalo’ difícil de ser compreendido. Mesmo quem está


acostumado com o Cristianismo, para perceber a profundidade desse mistério,
é necessário, antes de tudo, que se escandalize intelectualmente diante dele.

Existe uma tendência, desde o início do Cristianismo, em se amenizar esse


escândalo. Ela consiste na tentativa de se colocar em termos racionais,
aceitáveis, aquilo que agride a intelectualidade. A razão humana diz que Deus,
infinito e inefável, não pode se fazer homem. Porém, se o homem levar a
racionalidade até o fim chegará na pergunta: “mas, como é que o Onipotente
não pode?” Ora, a onipotência de Deus se manifesta na sua capacidade de
fazer-se impotente.

Os antigos filósofos não aceitavam a possibilidade de que Deus pudesse ‘amar’


o homem. Que o homem amasse a Deus, tudo bem, mas, o contrário jamais.
Porém, o grande mistério do Cristianismo se manifesta justamente nisso: Deus
é o filantropo, aquele que ama o homem.

Existe uma corrente atual que tem dificuldade em crer que Deus Criador tenha
se feito homem. Negando este fato, esta corrente - bastante numerosa - nega
também tudo o que é decorrente dessa verdade, por exemplo, a virgindade de
Maria, a concepção, a encarnação, os milagres etc. Eles querem reduzir tudo
ao padrão empírico e tudo o mais é metáfora.

Por trás da metáfora está a ideia de que no homem subsistem as duas


realidades: a divina e a humana. O filósofo moderno crê que a metáfora de
Deus que se fez homem é apenas o simbolismo da ideia final de que a
divindade está no homem. Alguns mais ousados dizem: o homem é deus.

O Cristianismo seria apenas uma metodologia para fazer o homem enxergar


que ele é divino, é deus. Jesus seria o mito, o simbolismo que diz que o
homem nasce da divindade.

O batismo, portanto, seria apenas um ritual para que o homem tome


consciência de sua natureza divina, de sua filiação divina. Assim, o que
acontece é o esvaziamento do conteúdo do Cristianismo, transformando-o
numa mixórdia empirista, simbólica, metafória. Um faz-de-conta, uma
pedagogia que serve para ensinar ao homem que ele é divino. É isso que os
teólogos modernos radicais estão ensinando.

Os tais teólogos têm dificuldade em aceitar que Deus intervém na História.


Para eles, tudo deve seguir a racionalidade típica do homem moderno. Falar
em milagres, na ação de Deus mundo pode fazer com o que o homem
moderno não aceite o Cristianismo. Assim, como o homem moderno não está
disposto a aceitar o cristianismo como ele realmente é, o que se deve fazer,
então, é mudar o Cristianismo.

Ocorre que esvaziando o Cristianismo de seu conteúdo esbarra-se novamente


na questão inicial, que é a de que não é possível Deus se rebaixar e amar a
sua criatura. Isso só pode significar que ou Deus não ama o mundo ou Deus é
muito pouco divino. É um pensamento hegeliano, de quem não acredita no
transcedente, somente no imanente. Assim, para que a racionalidade fosse
salva, foi preciso destruir a Boa Nova.

Com a destruição da Boa Notícia, o homem está novamente abandonado à


própria sorte, em sua miséria. Se assim é, não existe realmente o divino,
apenas o homem divino, que está sozinho em sua miséria. Olhando com
realismo para a triste realidade pregada pelos filósofos/teólogos modernos, não
há outra alternativa para o ser humano que não o desespero, o paganismo, o
auto salvamento.

O Catecismo coloca o ser humano diante do escândalo de Deus, rico,


infinitamente soberano que se faz pobre. Esse escândalo deve ser aceito na fé,
primeiro, para somente depois começar a raciocinar e perceber que existe sim
uma racionalidade nesse escândalo. E que, justamente isso, é que dá
racionalidade à vida dos homens. Esta é a dinâmica da teologia. Partir da
revelação para somente depois chegar-se à racionalidade.

Portanto, o mistério do Natal é o fato de que “Jesus nasceu na humildade de


um estábulo, em uma família pobre; as primeiras testemunhas do evento são
simples pastores. É nesta pobreza que se manifesta a glória do Céu. A Igreja
não se cansa de cantar a glória dessa noite.”(CIC 525) O grande escândalo:
Deus Onipotente fez-se homem na pobreza e na humildade. A graça de Deus
não ‘quebra’ a natureza, mas é um outro mundo que visita este mundo. Deus
vem neste mundo, não o quebra, mas o eleva.

São Leão Magno, no famoso Tomo a Flaviano, diz que “Deus sem perder o que
tinha, assumiu o que não tinha”, ou seja, Deus não perdeu a sua divindade,
mas assumiu a nossa humanidade. Não perdeu nada, a raça humana é que
ganhou, foi elevada.

A palavra que a Igreja usa para designar o nascimento de Jesus é mistério,


pois é mais do um milagre. É um mistério de amor, pois ultrapassa a
capacidade humana de entendimento.

O mistério do Natal é o maior e o mais importante. Mas existem outros que


serão contemplados rapidamente. O primeiro é o da circuncisão de Jesus.

Sabendo que circuncisão é uma intervenção cirúrgica realizada no oitavo dia


de vida do bebê do sexo masculino, no qual era cortada a pele que recobre a
glande no pênis, cientificamente chamada de prepúcio. Este ato simbolizava a
introdução daquela criança na “descendência de Abraão, no povo da Aliança,
de sua submissão à Leo e de sua capacitação para o culto de Israel, do qual
participará durante toda a vida. Este sinal prefigura a circunsição de Cristo, que
é o Batismo”. (527)

Além disso, o derramento do sangue representava a celebração da aliança de


Deus com o povo de Israel. Jesus submete-se a esse ritual também.

Outro mistério é a epifania, ou seja, a manifestação da glória de Deus que,


originalmente, na liturgia, se identifica com a adoração dos magos, as bodas de
Caná e o batismo de João. A adoração dos magos significa que os povos
pagãos, com suas religiões pagãs, convertem-se e vem para Deus.

O seguinte é a apresentação de Jesus no Templo, onde se observa novamente


o cumprimento das leis judaicas. Por fim, a fuga para o Egito. O que se
percebe, nesses mistérios, é como a vida de Jesus já está marcada desde o
começo pelo sofrimento pascal, pela fuga, pela dramaticidade.

A chamada vida oculta de Jesus também está envolta em mistério. A


submissão de Jesus à Maria e a José é bastante significativa, pois remete ao
quarto mandamento da lei de Deus. É a semente da obediência que culminará
com a cena no Monte das Oliveiras.

Finalmente, a perda e o encontro de Jesus no Templo que representa a


obediência maior de Jesus à vontade divina.

AULA 62

Os mistérios da vida pública de


Jesus
O primeiro mistério da vida pública de Jesus é o seu Batismo no rio Jordão por
João Batista, pois ele marca justamente o início da vida pública de Nosso
Senhor.
No início do Cristianismo enfatizava-se bastante o fato de Jesus ter recebido o
Espírito Santo no momento do seu batismo. Até o surgimento da heresia
conhecida como adopcionismo, cuja definição é a seguinte:

"Doutrina sobre a qual Cristo, em sua natureza humana, é considerado o Filho


de Deus só por adoção. Essa doutrina compareceu várias vezes na história da
Igreja. Foi ensinada por Teodoro, bispo de Mopsuéstia, por volta de 400; foi
retomada no séc. VIII por alguns bispos espanhóis, combatida por Alcuíno e
condenada pelo Concílio de Frankfurt de 794. Essa doutrina implicava a
independência da natureza humana em relação a Deus e, daí, o dualismo entre
natureza humana e natureza divina: dualismo inadmissível do ponto de vista da
dogmática cristã." [01]

Assim, a heresia pregava a existência de um homem - Jesus - que foi adotado


por Deus no dia de seu batismo. Deus teria tomado esse homem e passado a
usá-lo. Este pensamento não é da fé católica e foi rechaçado primeiramente no
Sínodo de Toledo, iniciado 7 de novembro de 675, na afirmação acerca do
Filho na divina Trindade:

"Professamos também que o Filho é nascido da substância do Pai, sem início,


antes dos séculos, porém não criado; pois nem o Pai existiu jamais sem o
Filho, nem o Filho sem o Pai. E contudo, o Pai não é do Filho como o Filho do
Pai, pois o Pai não recebeu a geração do Filho, mas o Filho do Pai, o Pai ao
invés é Deus, mas não pelo Filho; ele é de fato Pai do Filho, não Deus pelo
Filho; este, ao contrário, é Filho do Pai e Deus pelo Pai. Todavia, o Filho é igual
em tudo a Deus Pai, já que o seu nascimento nem teve início e nem cessou
num determinado momento." (DH 526)

O Papa Adriano I publicou a carta "Institutio universalis", aos bispos espanhóis,


entre 785 e 791, na qual falou sobre o ‘erro dos adocionistas’:

"... Chegou até nós de vossa região a triste notícia de que alguns bispos que
por lá vivem, a saber, Elipanto e Ascarico com os seus companheiros, não se
envergonham de professar o Filho de Deus como adotivo, se bem que nenhum
heresiarca tenha ainda ousado ladrar tal blasfêmia, exceto aquele pérfido
Nestório, que professava o Filho de Deus como mero homem..." (DH 595)
Por fim, no Sínodo de Frankfurt, em junho de 794, houve a refutação formal da
heresia adocionista:

"Encontramos escrito no início de vossa carta a vossa afirmação: ‘Professamos


e cremos que Deus, Filho de Deus, foi gerado antes de todo o tempo, sem
princípio, pelo Pai coeterno e consubstancial, não por adoção, mas por
geração’. Igualmente se lê no mesmo escrito, um pouco adiante: ‘Professamos
e cremos que ele, feito da mulher, feito sob a lei, não é Filho de Deus segundo
a geração, mas por adoção, não por natureza mas por graça’. Eis a serpente
que se esconde entre as árvores frutíferas do paraíso para enganar todos os
incautos...

Também não encontramos dito na profissão de fé de Nicéia o que mais adiante


acrescentastes, a saber, ‘em Cristo duas naturezas e três substâncias’,
‘homem deífico’ e ‘Deus humana’. O que é a natureza do homem, senão alma
e corpo? Ou então, que diferença há entre ‘natureza’ e ‘substância’, de modo
que devamos falar de três substâncias e não antes, simplesmente, como já
disseram os Santos Padres, professar nosso Senhor Jesus Cristo como
verdadeiro Deus e verdadeiro homem em uma só pessoa?

Mas a pessoa do Filho permaneceu na santa Trindade; a esta pessoa se


ajuntou a natureza humana, de modo que é uma só pessoa, Deus e homem,
não homem deífico e Deus humanado, mas Deus homem e homem Deus, por
causa da unidade da pessoa um só Filho de Deus, e o mesmo, Filho do
homem, perfeito Deus, perfeito homem.

O homem é perfeito só com a alma e o corpo...; também nós não negamos que
em Cristo haja verdadeiramente estes três, a saber, a divindade, a alma e o
corpo. Mas já que verdadeiramente é chamado Deus e homem, no nome
‘Deus’ é designado tudo o que é de Deus, no nome ‘homem’ ao invés é
entendido tudo que é do homem. Portanto, é suficiente pensar nele uma, a
perfeita substância da divindade, e outra, a perfeita substância da
humanidade... O costume eclesiástico sói nomear em Cristo duas substâncias,
isto é a, de Deus e a do homem. …
Se, portanto, é verdadeiro Deus aquele nasceu da Virgem, como pode ser
adotivo ou servo? Com efeito, não ousais absolutamente designar Deus como
servo ou adotivo; e mesmo se o profeta o chamou servo, não foi todavia por
causa da condição de servidão, mas por causa da obediência da humildade,
pela qual ele se fez ‘obediente’ ao Pai ‘até à morte’." (DH 612-614)

Jesus é o Cristo desde sempre, mas é possível considerar que existem


diferentes unções de Cristo que, por sua vez, são diferentes das unções
derramadas sobre os homens. O Espírito Santo é derramado sobre o homem,
contudo, em Jesus ele permanece. Trata-se do mistério da união hipostática,
ou seja, a humanidade de Jesus está unida à pessoa do Filho Eterno que, por
sua vez, é eternamente ungido pelo Espírito do Pai.

Ao mesmo tempo, é preciso levar a sério o dado bíblico. O Evangelho de São


Lucas narra a anunciação do anjo à Maria e a concepção de Jesus pelo poder
do Espírito Santo, isto é uma atestação da unção de Jesus desde o princípio.
Os mesmos Evangelhos falam que Jesus crescia em sabedoria e graça, e no
seu relacionamento com Deus. Quando Jesus assume a pequenez humana,
assume também a realidade de receber de Deus a unção, da mesma forma
que os humanos fazem. Trata-se de uma realidade bastante difícil de
compreender, pois são os mistérios de Deus. A unção de Jesus guarda uma
analogia com a unção dos homens.

No batismo, Jesus inaugura a sua missão, com o Pai que manifestando o seu
amor por ele. Esta manifestação e unção de Cristo é mais para os homens do
que para ele próprio. E esse fato mostra ainda que Jesus é o Filho amado, mas
também é o servo sofredor. Não é somente o Messias, mas também a figura
misteriosa do servo sofredor presente no Antigo Testamento.

Os Santos Padres interpretam o batismo de Jesus como sendo mais para os


homens do que para Jesus. É como se a abundância da unção que estava na
cabeça (Jesus) descesse para todo os membros do corpo (cada homem).

O segundo mistério da vida pública pública de Jesus é a sua tentação. Todos


os anos, no início da Quaresma esse mistério é meditado. Jesus foi tentado por
causa dos homens e venceu.
O homem, por mais próximo que esteja da santidade, não é capaz de evitar a
tentação. Nem Jesus evitou a tentação. Maria Santíssima também foi tentada.
A tentação é inerente à condição humana por uma permissão misteriosa de
Deus.

A tentação não acontece somente pela concupiscência humana. Jesus e Maria


foram tentados e não possuíam o pecado original, portanto, não tinham
concupiscência. A tentação acontece também por causa do Tentador.

Diz o Catecismo que Jesus "rechaça esses ataques que recapitulam as


tentações de Adão no Paraíso, e de Israel no deserto, e o Diabo afasta-se dele
até o tempo oportuno" (590). E mais, que "Cristo se revela como Servo de
Deus totalmente obediente à vontade divina. Nisso Jesus é vencedor do Diabo:
ele ‘amarrou o homem forte’ para retomar-lhe a presa. A vitória de Jesus sobre
o tentados no deserto antecipa a vitória da Paixão, obediência suprema de seu
amor filial ao Pai". (539)

Na tentação, Jesus quebra a lógica humana daquilo que se esperava de um


Messias, ou seja, que seria um Messias político, que viria para instaurar o reino
de Deus aqui na Terra. E quebra também tantas ideologias ainda hoje
existentes que pregam o messianismo, podendo citar especificamente a
Teologia da Libertação. Jesus não veio trazer um mundo melhor, veio trazer
Deus.

O terceiro mistério da vida pública de Jesus é a pregação do Evangelho. O


Catecismo diz de forma clara que o Reino de Deus em germe é a Igreja. No
entanto, Jesus é o próprio reino, assim, a Igreja - enquanto Corpo de Cristo - é
o reino de Deus. A Igreja militante aqui na Terra é o germe do reino. A Igreja
triunfante que está no céu é o próprio reino de Deus.

Em seguida, o quarto mistério fala sobre o anúncio do Reino de Deus, dizendo


que Jesus fala a todos os homens, contudo, existem algumas classes de
homens nas quais esse anúncio é mais explícito. Jesus ama preferencialmente
os pequenos e os pobres. Ele se compadece da miséria física, material dos
homens, contudo, ele se compadece muito mais pela miséria espiritual da
humanidade. Outra classe que Jesus se empenha em atingir é a dos
pecadores, desejando tanto tirá-los dessa condição que se sacrificará na cruz e
dará a sua vida por eles.

Na sequência, o quinto mistério reflete sobre os sinais do reino de Deus, cujo


maior exemplo pode ser a ‘derrota do reino de Satanás: [...]. Os exorcismos de
Jesus libertam homens do domínio dos demônios. Antecipam a grande vitória
de Jesus sobre o príncipe deste mundo. É pela Cruz de Cristo que o Reino de
Deus será definitivamente estabelecido: regnavit a ligno Deus - Deus reinou do
alto do madeiro." (550)

As chaves do Reino, é o próximo mistério. Jesus dá à sua Igreja o poder de


ligar e desligar. O poder é dado à Igreja, mas de forma especial a São Pedro, o
Papa. Diz o CIC: "Cristo, pedra viva, garante a sua Igreja construída sobre
Pedro a vitória sobre as potências da morte. Pedro, em razão da fé por ele
confessada, permanecerá como a rocha inabalável da Igreja. Terá por missão
defender esta fé de todo desfalecimento e confirmar nela seus irmãos." (552)

O sétimo mistério é o da Transfiguração. Os três Evangelhos sinóticos falam


sobre esse evento, portanto, embora seja realmente um mistério, deve ser
levado muito a sério, não dando ouvidos aos teólogos modernos que ensinam
que não tudo não passou de uma mistificação, uma invenção da primeira
comunidade católica e que não houve, de fato, a transfiguração. Não, fiquemos
com os Evangelhos.

Quando Jesus manifesta a sua glória na montanha o que está por trás é a
manifestação da liberdade de Deus. Jesus livremente assumiu a forma de
servo e se fez humilde, contudo, a qualquer momento Ele poderia deixar de ser
vulnerável. O Catecismo ensina:

"No limiar da vida pública, o Batismo; no liminar da Páscoa, a Transfiguração.


Pelo Batismo de Jesus ‘declaratum fruit mysterium primae regenerationis - foi
manifestado o mistério da primeira regeneração’: o nosso Batismo; a
Transfiguração ‘est sacramentum secundae regenerationis - é o sacramento da
segunda regeneração’: a nossa própria ressurreição. Desde já participamos da
Ressurreição do Senhor pelo Espírito Santo que age nos sacramentos do
Corpo de Cristo, que transfigurará nosso corpo humilhado, conformando-o ao
seu corpo glorioso. Mas ela nos lembra também que é preciso passar por
muitas tribulações para entrarmos no Reino de Deus." (556)

O oitavo mistério é a subida de Jesus a Jerusalém, indicando que está pronto


para morrer. "Por três vezes tinha anunciado a sua Paixão e sua Ressurreição.
[...] Jesus lembra o martírio dos profetas que tinham sido mortos em Jerusalém.
Todavia, persiste em convidar Jerusalém a congregar-se em torno dele: [...].
Quando Jerusalém está à vista, chora sobre ela e exprime uma vez mais o
desejo de seu coração: ‘Ah! Se neste dia também tu conhecesses a mensagem
de paz! Agora, porém, isto está escondido a teus olhos". (557, 558)

Finalmente, o último mistério fala da entrada messiânica de Jesus em


Jerusalém. Ela "manifesta a vinda do Reino que o Rei-Messias vai realizar pela
Páscoa de sua Morte e de sua Ressurreição. É com celebração, no Domingo
de Ramos, que a liturgia da Igreja abre a grande Semana Santa" (560).

Na próxima aula, iniciar-se-á o estudo sobre o mistério central da vida de


Jesus, sua Paixão, Morte e Ressurreição.

AULA 63

Jesus Cristo padeceu sob


Pôncio Pilatos
Inicia-se hoje o Artigo 4, do Catecismo da Igreja Católica, que diz: "Jesus Cristo
padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado". Este Artigo é
dividido em duas partes: a primeira, que pretende esclarecer o relacionamento
de Jesus com o povo de Israel, com o Antigo Testamento; a segunda, que
pretende mostrar como Jesus foi processado e condenado à morte injusta na
Cruz.

O mistério pascal (Paixão, Morte e Ressurreição) foi muito mais que uma
injustiça processual, foi algo que estava nos desígnios de Deus. Os homens
pecaram, mas Deus soube utilizar-se desse pecado para salvar estes mesmos
homens.

A acusação dos judeus contra Jesus foram de cunho religioso: "por causa de
certos atos por ele praticados (expulsão de demônios, perdão dos pecados,
curas em dia de sábado, interpretação original do preceitos de pureza da Lei,
familiaridade com os publicanos e com os pecadores públicos), Jesus pareceu
a alguns mal-intencionado, suspeito de possessão demôníaca. Ele é acusado
de blasfêmia e de falso profetismo, crimes religiosos que a Lei punia com a
pena de morte sob forma de apedrejamento." (574)

Assim, é bem claro que Jesus não foi condenado à morte por razões políticas
ou porque pregava contra o sistema opressor do Império Romano, pelo
contrário, estes motivos foram apenas subterfúgios usados pelos fariseus para
que Pôncio Pilatos o condenasse.

O relacionamento de Jesus com os fariseus não foi sempre polêmico. "São os


fariseis que o previnem do perigo que corre. Jesus elogia alguns deles, como
escriba de Mc 12, 34, e repetidas vezes como com fariseus. Jesus confirma
doutrinas compartilhadas por essa elite religiosa do povo de Deus: a
ressurreição dos mortos, as formas de piedade (esmola, jejum e oração) e o
hábito de dirigir-se a Deus como Pai, a centralidade do mandamento do amor a
Deus e ao próximo." (575).

Todavia, embora tivesse havido essa afinidade entre Jesus e o povo de Israel,
prevaleceu a impressão de que ele estava agindo contra as instituições
basilares dos judeus:

"- a submissão à Lei na integralidade de seus preceitos escritos e, para os


fariseus, na interpretação da tradição oral;

- a centralidade do Templo de Jerusalém como lugar santo, em que Deus


habita de forma privilegiada;

- a fé no Deus único, cuja glória nenhum homem pode compartilhar." (576)


Jesus é o próprio legislador, contudo, afirmou com toda clareza que não veio
para abolir a lei, mas para dar cumprimento e aperfeiçoa-la. Jesus é o novo
Templo, apesar disso, ele venerou o Templo de Jerusalém. Por fim, para os
judeus, Jesus era um homem que se fez Deus - portanto, um ímpio - mas, para
os católicos, ele é o próprio Deus que se fez homem.

Jesus veio para realizar a Lei. Isso significa que Ele é a realização total da lei,
pois é o único homem que viveu o que estava previsto na Aliança com Deus.
Ele se fez homem justamente para cumprir e levar às últimas consequências
tudo aquilo que havia sido previsto no Antigo Testamento. Não veio para abolir,
mas para realizar. Contudo, os judeus o viam como um rabino, um simples
mestre da Lei, mas a pregação Dele em todos os evangelhos tinha autoridade,
não era apenas uma explicação.

"O cumprimento perfeito da Lei só podia ser obra do Legislador divino nascido
sujeito à Lei na pessoa do Filho. Em Jesus, a Lei não aparece mais gravada
nas tábuas de pedra, mas no fundo do coração do Servo, o qual, pelo fato de
trazer fielmente o direito, se tornou a Aliança do povo. Jesus cumpriu a Lei até
o ponto de tomar sobre si a maldição da Lei, na qual incorreram aqueles que
não praticam todos os preceitos da mesma, pois a morte de Cristo aconteceu
para resgatar as transgressões cometidas no Regime da Primeira Aliança."
(580)

Jesus venerou o Templo de Jerusalém. "Longe de ter sido hostil ao Templo,


local em que aliás, ministrou o essencial de seu ensinamento, Jesus fez
questão de pagar o importo do Tempo, associando a este ato Pedro, que
acabara de estabelecer como fundamento para sua Igreja futura. Mais ainda:
identificou-se com o Templo ao apresentar-se como a morada definitiva de
Deus entre os homens. Eis porque sua morte corporal decretada anuncia a
destruição do Tempo, (destruição) que manifestará a entrada em uma nova era
da História da Salvação..." (586) A humanidade de Cristo é o local onde a
presença de Deus se realiza. Ele é o propiciatório, ou seja, a tampa da Arca da
Aliança onde se dava a presença de Deus.

Jesus é Deus. E isso não significa que existam vários deuses. Deus é um só,
porém não é sozinho. A unidade de Deus por conta da Trindade é ainda maior,
muito mais completa e dinâmica. Jesus esclarece com muita precisão: "Eu e o
Pai somos um" (Jo 10,30). "Mas foi particularmente ao perdoar os pecados que
Jesus deixou as autoridades religiosas de Israel diante de um dilema. Foi isto
que disseram com razão, cheios de espanto: "Só Deus pode perdoar os
pecados". Ao perdoar os pecados, ou Jesus blasfema - pois é um homem que
se iguala a Deus -, ou diz a verdade, e sua pessoa tona presente e revela o
nome de Deus." (589) "Somente a identidade divina da pessoa de Jesus pode
identificar uma exigência tão absoluta quanto esta: [...]." (590) "Jesus pediu às
autoridades religiosas de Jerusalém que cressem nele por causa das obras de
seu Pai que ele realiza. (...) Essa exigência de conversão ante um
compromisso tão surpreendente das promessas permite compreender o trágico
desprezo do sinédrio ao estimar que Jesus merecia a morte como blasfemo."
(591)

As autoridades judaicas fizeram um complô contra Jesus, isso é inegável,


contudo a Igreja diz que os judeus não são coletivamente responsáveis
pela morte de Jesus. Alguns judeus sim, mas o povo não.
"Levando em conta a complexidade histórica do processo de Jesus
manifestada nos relatos evangélicos, e qualquer que possa ser o pecado
pessoal dos atores do processo (Judas, Sinédrio, Pilatos), conhecido só de
Deus, não se pode atribuir a responsabilidade ao conjunto dos judeus de
Jerusalém, a despeito dos gritos de uma multidão manipulada e das censuras
globais contidas nos apelos à conversão depois de Pentecostes." (597)

O Catecismo é bem claro ao dizer que todos os pecadores foram autores da


Paixão de Cristo, pois, "levando em conta que nossos pecados atingem o
próprio Cristo, a Igreja não hesita em imputar aos cristãos a responsabilidade
mais grave no suplício de Jesus, responsabilidade que com excessiva
frequência estes debitaram quase exclusivamente aos judeus." (598)

Mas, como é que o pecado de cada um contribui para a morte de Jesus?


Mediante um esforço teológico é possível dizer que cada homem é um templo
do Espírito Santo, imagem e semelhança de Deus e que, com o batismo, a vida
de cada um está escondida com Cristo de modo que não é mais o homem que
vive, mas é Cristo que vive nele. Pelo batismo, Deus tornou a humanidade
membro do corpo de Cristo, porém, com o pecado o homem destrói o Cristo
dentro de si. Jesus no céu já não padece, mas enquanto o homem estiver aqui
na terra pecando, não é possível dizer que Ele deixou de padecer, porque
ainda existe o corpo Dele (Igreja) padecente aqui na Terra. O pecado destrói o
homem e destrói a imagem de Cristo dentro si. Trata-se de algo real e atual. É
um mistério, mas, tudo que se diz da Paixão de Cristo pode ser aplicado a cada
homem.

A fé da Igreja diz que os pecados de cada homem são os responsáveis pela


morte de Jesus na cruz e esta fé foi atestada ao longo dos séculos por tantos
santos e santas, místicos e místicas que, por meio de revelações privadas,
viram o sofrimento de Jesus na Cruz.

É preciso, portanto, que cada um faça um exame de consciência e arrependa-


se verdadeiramente de seus pecados, compreendendo que cada pecado
cometido crucifica Jesus e causa uma enorme dor ao seu coração
misericordioso.

AULA 64

A morte redentora de Cristo no


desígnio divino de salvação
Dando sequência ao estudo do Artigo 4, do Catecismo da Igreja Católica que
diz "Jesus Cristo padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e
sepultado", tendo passado pelo primeiro parágrafo que trata de "Jesus e Israel"
e dado início, na aula passada, ao segundo parágrafo que diz "Jesus morreu
crucificado", entendendo que Ele morreu por culpa de todos os homens, pelos
pecados cometidos pela humanidade e não de uma ou duas pessoas ou
mesmo de um povo, a aula de hoje terá como tema um grande problema
teológico: a morte redentora de Cristo no desígnio divino de salvação.

Trata-se de mais do que um problema teológico, é um grande mistério, porque


suscita uma pergunta de difícil resposta: "Jesus Cristo morreu por causa do
pecado da humanidade, as pessoas envolvidas no evento agiram livremente.
Ao mesmo tempo, as Sagradas Escrituras atestam em diversos momentos que
Jesus devia morrer, ou seja, sua morte estava no desígnio de Deus. Como
conciliar essas duas realidades?"

O Catecismo começa o número 559 afirmando com bastante clareza que os


eventos que culminaram na morte violenta de Jesus não foram circunstanciais,
ou seja, quando Jesus anuncia a sua própria morte nos Evangelhos, o faz
como sendo um dever.

Nesse sentido, é interessante perceber a evolução de Pedro, pois, quando


indagado por Jesus, respondeu: "Tu és o Messias" (Mc 8). Diante dessa
resposta, Jesus o proíbe e aos demais apóstolos de revelar ao povo sua
identidade de Filho de Deus. Ora, é justamente o contrário do mandato
missionário universal que ocorrerá depois. A proibição só se justifica porque
Pedro ainda não havia compreendido que era necessário que Jesus morresse.
Em Pentecostes, após o recebimento do Espírito Santo é que Pedro entendeu
que Jesus devia morrer e, portanto, poderia dizer: "Ele foi entregue segundo o
desígnio determinado e a presciência de Deus" (At 2,23).

Apesar de haver o desígnio de Deus, as pessoas que participaram daqueles


fatos eram absolutamente livres e suas ações também. Isso significa que eles
não foram "executores passivos de um roteiro escrito de antemão por Deus"
(599). O desígnio e a liberdade existentes ao mesmo tempo constituem o
mistério dessa realidade.

O Catecismo tenta solucionar o problema afirmando que: "Para Deus, todos os


momentos do tempo estão presentes em sua atualidade. Ele estabelece,
portanto, seu projeto eterno de predestinação incluindo nele a resposta livre de
cada homem à sua graça (...)" .(600) Isso quer dizer que, para Deus, tudo é
presente. A criação, o hoje, o juízo final, tudo é vivido por Deus ao mesmo
tempo.

O homem não é capaz de compreender isso, pois tem a mente discursiva, que
funciona dentro da temporalidade. Não é dado ao homem enxergar uma
realidade eterna a partir de uma mente temporal. Isso é impossível.
Sabe-se, portanto, Jesus devia morrer na cruz porque isso foi revelado como
desígnio de Deus, ao mesmo tempo, é sabido também que Deus não queria o
pecado, não queria a morte. Essas duas realidades são, de fato, paradoxais,
por causa disso é necessário um esforço teológico para explicar a tensão
criada.

Deus é a Sabedoria e a Bondade supremas, Ele tudo vê, tudo sabe,


contemporaneamente, deste modo, tudo faz de uma forma tal que acaba se
encaixando para a vitória final de Deus, ao mesmo tempo que o homem
preserva a sua liberdade e esta é respeitada por Deus. Ele vê no seu hoje, no
seu agora eterno a oração de cada homem, de cada justo ao longo do tempo.
Para ele não há tempo.

É essa capacidade de Deus que está por trás da frase de São Paulo: "tudo
concorre para o bem daqueles que amam a Deus".

AULA 65Morto
pelos nossos
pecados segundo as Escrituras
Jesus morreu segundo as Escrituras, o que isso significa? Em primeiro lugar é
preciso recordar que os cristãos não rejeitam o Antigo Testamento, mas que o
que está anunciado nele se realizou plenamente na pessoa de Jesus Cristo e
que Jesus é a sua verdadeira chave de leitura. É o que claramente se percebe
no relato da caminhada de Jesus com os discípulos para Emaús.

O que Jesus devia passar estava previsto nas páginas do Antigo Testamento.
Ele tentou, por diversas vezes, alertar os discípulos, mas eles não entenderam.
E não entenderam porque estava tudo previsto, mas previsto sem a clareza
devida, pois JESUS é a luz que ilumina e dá clareza aos textos. Por isso, até
hoje a forma que os judeus lêem o Antigo Testamento não é a mesma que um
cristão, pois é como disse São Paulo na carta aos Romanos, eles o lêem como
se tivessem um véu diante dos olhos. Assim, olhando para tudo o que a
aconteceu, na Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus e olhando para o Antigo
Testamento é possível perceber que já estava tudo previsto. Contudo, nem
mesmo os profetas tinham a visão clara do que aconteceria.

É o caso da figura do servo sofredor anunciado pelo profeta Isaías. Jesus joga
luz sobre essa figura enigmática mostrando que era o Messias esperado.
Nessa passagem se esclarece o desígnio de Deus para a morte redentora de
Cristo. É o cumprimento da profecia de Isaías.

Apesar de Jesus ter descortinado o véu do Antigo Testamento, ainda hoje os


cristãos estranham a ideia de que existe uma redenção no sofrimento. Esta é a
grande novidade no Cristianismo, ou seja, o reconhecimento de que a dor é
algo não desejado por Deus, mas que foi o instrumento escolhido por Ele para
a redenção da humanidade.

Trata-se do chamado pecado providencial, ou seja, a ideia de que existem


pecados através dos quais Deus manifesta a salvação. Essa ideia já estava no
Antigo Testamento, mais precisamente quando no Egito, José se apresenta
aos seus irmãos e diz com clareza que eles não devem ficar preocupados, não
seriam punidos por tê-lo vendido, uma vez que tudo havia ocorrido conforme
desígnio de Deus. Jesus é o José do Egito por antonomásia. Deus é o divino
aproveitador. Uma outra ideia de difícil compreensão, mas que está presente
tanto nas Sagradas Escrituras quanto na mística é a de que Jesus foi feito
‘pecado’. Segundo o Catecismo, ele é "um cordeiro sem defeito, sem mácula,
conhecido antes da fundação do mundo", ou seja, ele é realmente sem pecado,
porém, Deus o fez pecado por causa da humanidade. Trata-se de um
paradoxo. O Catecismo explica:

"§603 Jesus não conheceu a reprovação, como se Ele mesmo tivesse pecado.
Mas, no amor redentor que sempre o unia ao Pai, nos assumiu na perdição de
nosso pecado em relação a Deus a ponto de poder dizer em nosso nome, na
cruz: "Meu Deus, meu Deus por que me abandonaste?" (Mc 15,34). Tendo-o
tornado solidário de nós, pecadores, "Deus não poupou seu próprio Filho, mas
o entregou por todos nós" (Rm 8,32), a fim de que fôssemos "reconciliados
com Ele pela morte de seu Filho" (Rm 5,10)."
É a mesma ideia contida na passagem do filho pródigo, quando o pai o
encontra ele está totalmente maltratado pela privação, pela fome, pela doença
vivida. E o pai apenas o abraça, joga-se em seu pescoço e o cobre de beijos.
Essa é a imagem de Cristo crucificado, Jesus que se faz igual aos pecadores
por amor. Os místicos afirmam que Jesus na cruz, sofreu as penas do inferno.
É como se ele tivesse ido ao inferno para que o homem não tivesse que ir.

Dando sequência ao estudo, o Catecismo diz nos números seguintes que


Jesus Cristo morreu por todos os homens. Apesar disso, na fórmula da
consagração instituída por Jesus na última ceia está escrito: "Este é cálice do
meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança que será derramado por vós e
por muitos para a remissão dos pecados." Ora, ‘muitos’ não é ‘todos’. O então
Cardeal Joseph Ratzinger para dirimir essa controvérsia determinou que a
substituição dos termos, pois nos missais em uso a expressão que se vê é
todos. Deve-se uniformizar o uso do original latino.

Mas, e a redenção é por todos ou por muitos? O Catecismo diz que:

"604. Entregando o seu Filho pelos nossos pecados, Deus manifesta que o seu
plano sobre nós é um desígnio de amor benevolente, independente de
qualquer mérito da nossa parte: «Nisto consiste o amor: não fomos nós que
amámos a Deus, foi Deus que nos amou a nós e enviou o seu Filho como
vítima de propiciação pelos nossos pecados» (1 Jo 4, 10) (458). «Deus prova
assim o seu amor para conosco: Cristo morreu por nós quando ainda éramos
pecadores» (Rm 5, 8)."

Na dinâmica do amor, o amor de Deus é o número um e o amor do homem é o


número dois. Deus ama primeiro e não está esperando os homens
abandonarem o pecado, converterem-se, nem mudarem de vida. Ele amou
primeiro. Antes. O que o homem deve fazer é responder a esse amor.

O amor de Deus é universal, não exclui ninguém. Não é da vontade de Dele


que alguém se perca, aliás, Ele não quer que nem mesmo um se perca. Deus
não criou ninguém para ir para o inferno e nem mesmo criou o inferno. Deus
criou a liberdade. O inferno é criação de Satanás.
Cristo amou a todos e morreu por todos. Porém, é preciso admitir que nem
todos colhem o fruto dessa redenção. O Concílio de Trento afirma que nem
todos serão salvos, ou seja, Jesus salvou todos os homens, mas nem todos
serão salvos justamente por causa da liberdade do homem.

O homem é livre para não querer amar Deus de volta. E o inferno é a


consequência dessa liberdade.

AULA 66

Cristo ofereceu-Se a Si mesmo


ao Pai pelos nossos pecados
A vida de Jesus foi uma completa e irrestrita entrega ao Pai. A Teologia
reconhece que essa atitude de Jesus é um espelho do que ocorre lá no céu. A
entrega do Filho ao Pai no céu já é um ato extraordinário, perfeito, de glória,
aqui na terra foi marcado pela presença do pecado. Desta forma, torna-se
dramática, um conflito de liberdade. Existe a liberdade humana que precisa
amar a Deus, mas como está marcada pelo pecado, resiste, não quer se
entregar. E Jesus Cristo assumiu essa condição humana. Não é um filho que
se entrega ao pai sem nenhum problema, mas sim na agonia, suando sangue.
Ao fazer isso, Jesus redime também a própria vontade humana.

São Máximo o Confessor sofreu duras penas ao defender que em Jesus havia
duas vontades - a humana e a divina - caso não fosse assim, a vontade
humana não teria sido redimida por ele, pois o que 'não foi assumido não foi
redimido', dizia o Santo. E a remissão é necessária porque é com ela que o
homem ama a Deus. E a vontade humana de Jesus que se entregou a Deus
suou sangue. Portanto, não basta saber o que deve ser feito. É preciso curvar
a vontade humana ao que deve ser feito.
Continuando o mesmo parágrafo, o Catecismo fala sobre o sacrifício de Jesus.
Normalmente, a ideia de sacrifício é negativa, como se fosse uma tragédia,
mas, na verdade, é o melhor que pode ocorrer, pois sacrifício nada mais é do
que entregar algo a Deus. Quando se descobre um tesouro, diz a Sagrada
Escritura, o homem é capaz de vender tudo e entregar-se alegremente.

Deus não é somente o Deus de amor e de misericórdia, mas é igualmente o


Deus da Justiça é por isso que foi necessária a expiação dos pecados. E para
que os homens não tivessem que 'pagar', Ele mesmo assumiu e quitou a
dívida.

Numa outra análise, se Deus quisesse, poderia exigir a Justiça dos homens,
nesse caso, o lugar da humanidade seria no inferno. Mas, ele não se revelou
somente como Justiça, mas também como misericórdia. Por ser Deus quer e
precisa fazer justiça, pois é Deus, mas, para fazê-la (a Justiça) ele mesmo se
faz homem. E com esse tipo de Justiça, Ele demonstra sua infinita misericórdia.

Na sequência, O Catecismo diz que é o amor de Jesus que confere poder à


cruz.

"616. É o «amor até ao fim» (497) que confere ao sacrifício de Cristo o valor de
redenção e reparação, de expiação e satisfação. Ele conheceu-nos e amou-
nos a todos no oferecimento da sua vida (498). «O amor de Cristo nos
pressiona, ao pensarmos que um só morreu por todos e que todos, portanto,
morreram» (2Cor 5, 14). Nenhum homem, ainda que fosse o mais santo,
estava em condições de tornar sobre si os pecados de todos os homens e de
se oferecer em sacrifício por todos. A existência, em Cristo, da pessoa divina
do Filho, que ultrapassa e ao mesmo tempo abrange todas as pessoas
humanas e O constitui cabeça de toda a humanidade, é que torna possível o
seu sacrifício redentor por todos.

617. «Sua sanctissima passione in ligno crucis nobis justificationem meruit –


Pela sua santíssima paixão no madeiro da cruz, Ele mereceu-nos a
justificação» – ensina o Concílio de Trento (499), sublinhando o carácter único
do sacrifício de Cristo como fonte de salvação eterna (500). E a Igreja venera a
Cruz cantando: «O crux, ave, spes unica! – Avé, ó cruz, esperança única!» ."
A salvação de todos só foi possível porque Jesus é Deus. O sacrifício foi feito
por Deus e o homem precisa participar desse sacrifício abraçando cada um a
sua própria cruz.

AULA 67

Jesus Cristo foi sepultado


A sepultura de Jesus atesta a sua verdadeira morte. Ele realmente morreu.
Não foi um faz-de-conta. Assim diz o Catecismo:

624. «Pela graça de Deus, ele experimentou a morte, para proveito de todos»
(Heb 2, 9). No seu plano de salvação, Deus dispôs que o seu Filho, não só
«morresse pelos nossos pecados» (1 Cor 15, 3), mas também «saboreasse a
morte», isto é, conhecesse o estado de morte, o estado de separação entre a
sua alma e o seu corpo, durante o tempo compreendido entre o momento em
que expirou na cruz e o momento em que ressuscitou. Este estado de Cristo
morto é o mistério do sepulcro e da descida à mansão dos mortos. É o mistério
do Sábado Santo, em que Cristo, depositado no túmulo, manifesta o repouso
sabático de Deus depois da realização da salvação dos homens, que pacifica
todo o universo."

É por isso que a ideia propagada atualmente por diversos pregadores de que
ao morrer, a pessoa já está ressuscitada em outro plano não é, de forma
alguma, adequada. Isto é muito diferente do que Cristo viveu e, portanto,
improvável que seja assim. Jesus permaneceu por três dias no sepulcro, num
estado de morte, assim também o homem morre, sua alma fica separada do
corpo e a ressurreição se dará apenas no último dia. Aquilo que para jesus
levou três dias, para o homem durará até o fim dos tempos. Qualquer coisa
fora dessa linha não é católica, não pertence à fé da Igreja.

Jesus foi para o sepulcro, mas o seu corpo não conheceu a corrupção. Embora
a alma tenha se separado do corpo, a pessoa divina de Jesus não se separou
de seu corpo. Jesus é uma pessoa (a Segunda da Ssma. Trindade), com duas
naturezas, a humana e a divina. Trata-se do mistério da união hipostática.

A morte é uma quebra na natureza humana, pois a separação do corpo e da


alma produz a morte dela. São as almas das pessoas, dos santos que estão no
purgatório, no céu. Não o homem completo. A alma é imortal, incorruptível,
mas o corpo sim e, desprovido da alma por causa da morte, o corpo se
corrompe. A alma e o corpo de Jesus pertencem a uma pessoa divina, por isto,
embora a alma de Jesus tenha se separado do corpo de Jesus, este não se
corrompeu, posto que unido à Pessoa Divina. Isto está bem claro no
Catecismo, que diz:

627. A morte de Cristo foi uma verdadeira morte, na medida em que pôs fim à
sua existência humana terrena. Mas por causa da união que a Pessoa do Filho
manteve com o seu corpo, este não se tornou um despojo mortal como os
outros, porque «não era possível que Ele ficasse sob o domínio» da morte (Act
2, 24) e, por isso, «o poder divino preservou o corpo de Cristo da corrupção»
(521). De Cristo pode dizer-se ao mesmo tempo: «Foi cortado da terra dos
vivos» (Is 53, 8) e: «A minha carne repousará na esperança, porque Tu não
abandonarás a minha alma na mansão dos mortos, nem deixarás que o teu
santo conheça a corrupção» (Act 2, 26-27) (522). A ressurreição de Jesus «ao
terceiro dia» (1 Cor 15, 4;Lc 24, 46) (523) era disso sinal, até porque se julgava
que a corrupção começava a manifestar-se a partir do quarto dia (524)."

Em sua morte, Jesus desceu aos infernos. No texto do Credo em português vê-
se: 'desceu à mansão dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia', porém, no texto
em latim o que se vê é passus sub Pontio Pilato, crucifixus, mortuus, et
sepultus,descendit ad ínferos, tertia die resurrexit a mortuis".

A ideia contida na palavra inferno", nesse contexto, é a de um lugar inferior, o


contrário de superior. Não está se referindo ao Inferno", de Satanás, o lugar
definitivo. Assim, para não confundir os termos e, principalmente, as ideias
diferentes nele contidas, em português o termo foi substituído por 'mansão dos
mortos', que é um lugar de espera, no qual as almas dos justos permaneciam
até a vinda de Jesus.
Aliás, esse lugar mencionado já não existe mais, pois as almas que ali estavam
esperavam por Jesus, o qual os visitou, anunciou o Evangelho e os salvou. O
Catecismo traz uma belíssima meditação sobre a realidade da mansão dos
mortos, que não oferece dificuldades específicas e testemunhos de grandes
santos da Igreja. A leitura é bastante recomendada.

Para concluir, um texto de um autor grego desconhecido, que é lido no sábado


santo, no Ofício das Leituras:

Um grande silêncio reina hoje sobre a terra; um grande silêncio e uma grande
solidão. Um grande silêncio, porque o rei dorme. A terra estremeceu e ficou
silenciosa, porque Deus adormeceu segundo a carne e despertou os que
dormiam há séculos [...]. Vai à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha
perdida. Quer visitar os que jazem nas trevas e nas sombras da morte. Vai
libertar Adão do cativeiro da morte. Ele que é ao mesmo tempo seu Deus e seu
filho [...] "Eu sou o teu Deus, que por ti me fiz teu filho [...] Desperta tu que
dormes, porque Eu não te criei para que permaneças cativo no reino dos
mortos: levanta-te de entre os mortos; Eu sou a vida dos mortos"»."

AULA 68

Ao terceiro dia, ressuscitou dos


mortos
A Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo como um
acontecimento histórico e transcendente, comprovada tanto
pelo sepulcro vazio quanto pelas suas inúmeras aparições.
Um combate à moderna teologia que desmitologiza as ações
de Jesus Cristo.
A aula de hoje tratará do acontecimento central da fé cristã: a ressurreição de
Nosso Senhor Jesus Cristo. O Catecismo deixa claro desde o início que:

"A ressurreição de Jesus é a verdade culminante de nossa fé em Cristo, crida e


vivida como verdade central pela primeira comunidade cristã, transmitida como
fundamental pela Tradição, estabelecida pelos documentos do Novo
testamento, pregada juntamente com a Cruz, como parte essencial do Mistério
Pascal." (638)

O Catecismo da Igreja Católica chama a Ressurreição de 'evento histórico e


transcendente', como se vê no número 639. Essa definição da ressurreição não
se encontra nos Catecismos anteriores, porém, a Igreja inseriu-a nesta versão
para dirimir uma polêmica moderna: a de que é impossível ao homem
moderno, que convive (e não sobrevive sem) os aparatos tecnológicos, utilizá-
los e, ao mesmo tempo, crer nos milagres e na ressurreição de Jesus. O autor
desse nefasto pensamento foi o teólogo protestante Rudolf Karl Bultmann.
Infelizmente, alguns teólogos católicos modernos também pensam da mesma
forma.

Bultmann iniciou o processo de desmitologização do Novo Testamento, ou


seja, analisar a Bíblia e perceber que o que está escrito não é a verdade
histórica dos fatos, mas somente a visão de mundo daquelas pessoas que se
encontraram com Jesus. E como eles tinham uma mundivisão mágica, pois
criam em anjos, visões, milagres etc., reinterpretaram Jesus de acordo com
ela. O homem moderno, porém, não tem essa visão do mundo, portanto, não
pode crer naquilo que foi escrito. Desta forma, segundo Bultmann, é preciso
reelaborar o NT a partir da visão de mundo moderna, no caso desse teólogo,
com uma visão existencialista.

Embora tenha morrido em 1974, seu modo de pensar influenciou a teologia


liberal atual, a teologia da libertação e as teologias modernas. Para eles, não
houve quebra das leis da natureza, portanto, a ressurreição aconteceu fora da
história, na chamada meta-história, na prática, isso equivale dizer que Jesus
ressuscitou somente de forma simbólica. É este pensamento que permite a um
teólogo católico dizer que 'continuaria a crer na ressurreição mesmo se
encontrasse o cadáver de Jesus', como, de fato, disse o padre espanhol
Andrés Torres Queiruga. Este padre católico foi duramente repreendido pela
Conferência Episcopal espanhola [1].
A Conferência notificou o padre Torres Queiruga de que o que ele estava
ensinando não era a fé católica. Esta é bem clara ao dizer que a ressurreição
foi um evento transcendente, meta-histórico, mas foi igualmente histórico.
Houve, de fato, um túmulo vazio, o qual, por si só, não prova nada, mas
prepara o coração do fiel para esta verdade. De qualquer forma, o túmulo vazio
é um evento que ocorreu na história.

"No quadro dos acontecimentos da Páscoa, o primeiro elemento com que se


depara é o sepulcro vazio. Ele não constitui em si uma prova direta. A ausência
do corpo de Cristo no túmulo poderia explicar-se de outra forma. Apesar disso,
o sepulcro vazio constitui para todos um sinal essencial. Sua descoberta pelos
discípulos foi o primeiro passo para o reconhecimento do próprio fato da
Ressurreição." (CIC 640)

Tanto o sepulcro vazio quanto as aparições do Ressuscitado confirmam que a


ressurreição deu-se historicamente. Assim, diante das afirmações de Andrés
Torres Queiruga, bem fez a Conferência Episcopal espanhola em repreendê-lo,
pois o que ele está ensinando está em desacordo com a doutrina católica. A
notificação afirma, dentre outros pontos que: "as afirmações do Professor
Torres Queiruga modificam substancialmente a compreensão que a fé da Igreja
mantém a propósito da Ressurreição. (...) O Catecismo da Igreja Católica, que
deve ser considerado como 'regra segura para o ensinamento da fé', ensina de
uma maneira muito precisa como se deve entender a Ressurreição, as
aparições e o sepulcro vazio" (21). E o Catecismo diz que:

"Diante desses testemunhos é impossível interpretar a Ressurreição de Cristo


fora da ordem física e não reconhecê-la como um fato histórico. Os fatos
mostram que a fé dos discípulos foi submetida à prova radical da paixão e
morte na cruz de seu Mestre, anunciada antecipadamente por Ele. O abalo
provocado pela Paixão foi tão grande que os discípulos (pelo menos alguns
deles) não creram de imediato na notícia da ressurreição. Longe de nos falar
de uma comunidade tomada de exaltação mística, os Evangelhos nos
apresentam os discípulos abatidos, 'com o rosto sombrio' e assustados. Por
isso não acreditaram nas santas mulheres que voltavam do sepulcro, e 'as
palavras delas pareceram-lhe desvario'. Quando Jesus se manifesta aos onze
na tarde da Páscoa, 'censura-lhes a incredulidade e a dureza de coração,
porque não haviam dado crédito aos que tinham visto o Ressuscitado.'

Mesmo confrontados com a realidade de Jesus ressuscitado, os discípulos


ainda duvidam, a tal ponto que o fato lhes parece impossível: pensam estar
vendo um espírito. "Por causa da alegria, Tomé conhecerá a mesma provação
da dúvida, e quando da última aparição na Galileia, contada por Mateus,
'alguns, porém, duvidaram'. Por isso, a hipótese segundo a qual a ressurreição
teria sido um produto da fé (ou da credulidade) dos apóstolos carece de
consistência. Muito pelo contrário, a fé que tinham na Ressurreição nasceu -
sob a ação da graça divina - da experiência direta da realidade de Jesus
ressuscitado." (643-644)

Os apóstolos foram obrigados pelos próprios acontecimentos a narrá-los tal


qual se deram. Não havia outros a serem narrados e, ao narrarem a
ressurreição como ela se deu, os discípulos confessam seu próprio fracasso
como crentes.

Portanto, para combater a polêmica moderna iniciada com Bultmann e


reproduzida por Torres Queiruga é preciso conhecer qual é a verdadeira fé da
Igreja sobre o tema, que pode ser encontrada no Catecismo da Igreja Católica.

Na próxima aula do Curso sobre o Catecismo da Igreja Católica, daremos


continuidade ao estudo dos diversos aspectos da ressurreição de Jesus Cristo,
princípio basilar da fé cristã.

Referência

1. http://www.conferenciaepiscopal.es/index.php/actividades-noticias-
doctrina/2682-notificaciones-sobre-algunas-obras-del-prof-andres-torres-
queiruga.html
AULA 69

O estado da humanidade
ressuscitada de Cristo
Continuando a falar sobre a ressurreição de Jesus, o Catecismo traz as
considerações sobre o estado da humanidade ressuscitada de Cristo. Para
melhor entender sobre esse tema delicado nada melhor que as palavras do
próprio Catecismo:

“645. Jesus Ressuscitado estabeleceu com os seus discípulos relações diretas,


através do contato físico e da participação na refeição. Desse modo, convida-
os a reconhecer que não é um espírito, e sobretudo a verificar que o corpo
ressuscitado, com o qual se lhes apresenta, é o mesmo que foi torturado e
crucificado, pois traz ainda os vestígios da paixão. No entanto, este corpo
autêntico e real possui, ao mesmo tempo, as propriedades novas dum corpo
glorioso: não está situado no espaço e no tempo, mas pode, livremente, tornar-
se presente onde e quando quer, porque a sua humanidade já não pode ser
retida sobre a terra e já pertence exclusivamente ao domínio divino do Pai.
Também por este motivo, Jesus Ressuscitado é soberanamente livre de
aparecer como quer: sob a aparência dum jardineiro (570) ou «com um aspecto
diferente» (Mc 16, 12) daquele que era familiar aos discípulos; e isso,
precisamente, para lhes despertar a fé.

Sendo Jesus Ressucitado ‘soberanamente livre de aparecer como quer’ pode


aparecer também como Menino. Embora seu corpo seja real, físico, material, é
um corpo pneumatizado, ou seja, espiritualizado pois que recebeu a vida
divina.

A vida que Jesus perdeu foi a biológica - a biós - e o que ele ganhou foi a vida
eterna - a zoé - ou seja, passou de um estado de morte para uma outra vida,
para além do tempo e do espaço.

A Ressurreição de Jesus foi algo deixou marcas na História, mas que é


substancialmente de outro mundo. Ela foi muito mais um mero milagre: trata-se
de um mistério. E de um outro mundo que visita esse mundo. Uma porta se
abre e um raio de luz adentra essa realidade. Uma força, uma presença divina
que não está disponível ao ser humano. Deus, em sua liberdade, não se sente
constrangido ou amarrado pela sua criação. Ele respeita a criação, mas as lei
da criação não leis a que ele precise se submeter. Ele está acima e fora delas.

Na sequência o Catecismo fala sobre as testemunhas da ressurreição:

647. «Oh noite bendita! – canta o «Exultet» pascal – única a ter conhecimento
do tempo e da hora em que Cristo ressuscitou do sepulcro». Com efeito,
ninguém foi testemunha ocular do acontecimento da ressurreição propriamente
dita e nenhum evangelista o descreve. Ninguém pôde dizer como ela se deu,
fisicamente. Ainda menos a sua essência mais íntima, a passagem a uma outra
vida, foi perceptível aos sentidos. Acontecimento histórico comprovado pelo
sinal do túmulo vazio e pela realidade dos encontros dos Apóstolos com Cristo
Ressuscitado, nem por isso a ressurreição deixa de estar, naquilo em que
transcende e ultrapassa a história, no próprio centro do mistério da fé. Foi por
isso que Cristo Ressuscitado não Se manifestou ao mundo, mas aos
discípulos, «aos que com Ele tinham subido da Galileia a Jerusalém» e que
«são agora testemunhas de Jesus junto do povo» (At 13, 31).

A parte histórica da Ressurreição é acessível para quem não tem fé, vide o
sepulcro vazio. Mas, o Ressuscitado apareceu somente para aqueles que
tinham fé. O verdadeiro significado dela requer a fé.

A Ressurreição é obra da Trindade, ou seja, Pai, Filho e Espírito Santo agiram


nela. É isso que diz o Catecismo:

648. A ressurreição de Cristo é objeto de fé, na medida em que é uma


intervenção transcendente do próprio Deus na criação e na história. Nela, as
três pessoas divinas agem em conjunto e manifestam a sua originalidade
própria: realizou-se pelo poder do Pai, que «ressuscitou» (At 2, 24) Cristo seu
Filho, e assim introduziu de modo perfeito a sua humanidade – com o seu
corpo – na Trindade. Jesus foi divinamente revelado «Filho de Deus em todo o
seu poder, pela sua ressurreição de entre os mortos» (Rm 1, 4). São Paulo
insiste na manifestação do poder de Deus por obra do Espírito, que vivificou a
humanidade morta de Jesus e a chamou ao estado glorioso de Senhor.

É possível traçar um paralelo entre a Ressurreição e a Encarnação: o Pai envia


o seu Espírito e o Filho é ‘gerado’ outra vez - Ressuscitado.

O Catecismo continua elencando alguns aspectos do sentido e do alcance


salvífico da Ressurreição: Jesus Ressuscitou, essa é a centralidade da fé
católica, é o cumprimento das promessas divinas, mostra a divindade de Jesus,
por meio da Ressurreição aparece pela primeira vez a figura do homem
justificado, salvo por Deus. Isso significa que pela Ressurreição de Cristo todos
os homens podem esperar pela própria Ressurreição futura. Nele todos
ressuscitarão.

AULA 70

Jesus subiu aos céus e está


sentado à direita de Deus, Pai
Todo-Poderoso
No mistério da ascensão, a linguagem utilizada por Deus é a linguagem
simbólica do Cosmos. "Jesus sobe aos Céus e é encoberto por uma nuvem",
trata-se de um problema real, uma vez que o 'Céu" não fica lá em cima, ou
seja, o lugar onde Deus habita não é um lugar. Sendo assim, para onde foi
Jesus?

Jesus morreu, ressuscitou ao terceiro dia, apareceu durante quarenta dias e


subiu aos céus. Mas, o que os Apóstolos viram? Eles viram o corpo de Jesus
subindo e sendo encoberto por uma nuvem. Ao mesmo tempo, tudo isso é
simbolismo, pois o que aconteceu realmente com Jesus enquanto pessoa
divina, perfeitamente Deus, perfeitamente humano é que a humanidade Dele
que já estava glorificada foi elevada para junto de Deus. Assim, a partir da
ascensão de Jesus a Humanidade tem um lugar em Deus.

Porém, restam ainda estas dificuldades: Deus não está em lugar algum e ao
mesmo tempo está em todos os lugares. Ele não é limitado pelo espaço. A
humanidade de Cristo, embora seja uma humanidade espiritualizada,
representada pelo corpo divinizado de Jesus, este corpo promove uma relação
com o espaço. Ele pode entrar e sair de lugares, por comer e beber, pode
aparecer da forma que quiser (um jardineiro, um viajante, um menino etc.). É
um corpo que ocupa um lugar e ao mesmo tempo Deus que não se limita ao
espaço. Trata-se de um problema teológico que deve ser analisado, porém,
antes de resolvê-lo é preciso esclarecer qual é a fé católica e o que não se
deve discutir.

Jesus, quando ressuscita tem um corpo glorioso e real. Esse corpo tem a ver
com aquele corpo que foi crucificado e sepultado, porque o sepulcro estava
vazio. Quando Ele aparece está com a chagas, o que significa que é a
continuidade daquele corpo crucificado e sepultado, porém o corpo está
transformado, de forma que Jesus é livre para aparecer onde e quando quiser.
E quarenta dias após a Páscoa, Jesus encerra o ciclo das aparições como o
Ressuscitado e inaugura uma nova forma de presença no mundo. Após subir
aos céus, nenhuma aparição de Jesus será como aquelas aparições da
Páscoa, de tal forma que mesmo quando aparece a São Paulo, é descrita
como 'abortiva', ou seja, fora do tempo. Esta é a fé da Igreja.

"'E o Senhor Jesus, depois de ter-lhes falado, foi arrebatado ao Céu e sentou-
se à direita de Deus'. O corpo de Cristo foi glorificado desde o instante de sua
Ressurreição, como provam as propriedades novas e sobrenaturais de que
desfruta a partir de agora seu corpo em caráter permanente. Mas, durante os
quarenta dias em que vai comer e beber familiarmente com seus discípulos e
instruí-los sobre o Reino, sua glória permanece ainda velada sob os traços de
uma humanidade comum. A última aparição de Jesus termina com a entrada
irreversível de sua humanidade na glória divina, simbolizada pela nuvem e pelo
céu, onde já desde agora está sentado à direita de Deus. Só de modo
totalmente excepcional e único Ele se mostrará a Paulo 'como a um abortivo'
em uma última aparição que o constitui apóstolo." (659)
Na sequência, o Catecismo fala sobre as diferenças entre as manifestações de
Jesus durante os quarenta dias e as posteriores à ascensão. "Isso indica uma
diferença de manifestação entre a glória de Cristo ressuscitado e a de Cristo
exaltado à direita do Pai." (660) O mistério da ascensão inaugura uma nova
fase de Jesus no meio dos homens.

Inicia-se uma nova etapa na história da salvação e é esta atual. O mistério do


Credo que se vive atualmente é o mistério de Cristo "sentado à direita de Deus
Pai todo poderoso". Percebe-se que o Credo está tentando expressar o
mistério de que a humanidade de Jesus Cristo tem um lugar em Deus. A
linguagem simbólica ajuda a compreender o fato de que Jesus está
entronizado, de que ocupa um lugar régio junto de Deus Pai.

Existe um lugar em Deus para a humanidade. Jesus tem um corpo e isso


requer um espaço. O fato de Maria e do próprio Jesus terem ressuscitado
denota que, de alguma forma, o céu precisa ter um espaço, um lugar para
receber esses dois corpos glorificados.

No Último Dia será necessário um lugar para os corpos daqueles que forem
glorificados e, da mesma forma, um lugar para aqueles corpos condenados ao
Inferno. Assim, ainda que Céu e Inferno sejam um estado precisam ser
também um lugar.

O problema teológico que se apresenta é o seguinte: os Apóstolos viram ou


não Jesus subir aos Céus? Deus quis manifestar o seu mistério numa
linguagem que as pessoas entendessem. Isso ocorreu várias vezes ao longo
da história, por diversas vezes Deus manifestou sua presença por meio do
simbolismo da nuvem. Por exemplo: na Transfiguração de Jesus, na saída do
povo de Israel do Egito e assim por diante. Então, o que se tem na verdade é
uma epifania, ou seja, uma manifestação de Deus, na qual Ele se dá a
conhecer numa linguagem visual, inteligível, para que as pessoas entendam.
Assim, deve ser tomado no sentido místico, misterioso. Aconteceu realmente,
mas não enquanto realidade material, física, geográficas, mas sim, uma
realidade misteriosa. Jesus entra como homem no mundo de Deus.
Jesus sai da criaturalidade e vai para o lado de Deus Criador. Esse é o retorno
para a casa do Pai e não se aplica somente a Jesus, mas ao universo todo. A
dinâmica da saída e do retorno de Deus - esquema neo-platônico - pode ser
relida dentro da realidade judaico-cristã como sendo um processo histórico. O
mundo que 'sai de Deus' não sai por emanação, o mundo é criado do nada, é
chamado a existir por um ato gratuito de Deus. E Ele quer celebrar com a
criação uma aliança eterna.

"A ascensão de Cristo assinala a entrada definitiva da humanidade de Jesus no


domínio celeste de Deus, donde voltará, mas que até lá o esconde aos olhos
dos homens. Jesus Cristo, Cabeça da Igreja, nos precede no Reino glorioso do
Pai para que nós, membros de seu Corpo, vivamos na esperança de estarmos
um dia eternamente com Ele. Tendo entrado uma vez por todas no santuário
do céu, Jesus Cristo intercede sem cessar por nós como mediador que nos
garante permanentemente a efusão do Espírito Santo." (665, 666, 667)

O Espírito Santo derramado no coração dos homens é o reinado de Deus em


cada um. Cristo reina sobre os homens mandando seu Espírito para que ele
seja tudo em todos. Assim, no processo pascal de morte e ressurreição Cristo
vai sendo gerado no coração dos homens até se chegar ao Cristo Total no final
dos tempos. Isso ocorre não sem drama por causa do pecado e da infidelidade
humana.

O mistério do Credo no tempo presente é que Cristo reina no Céu e quer reinar
na vida de todos, para isso envia o seu Espírito. Na próxima aula iniciaremos o
mistério futuro "de onde virá para julgar os vivos e os mortos".

Você também pode gostar