Renascimento Italiano - Ensaios e Traduções
Renascimento Italiano - Ensaios e Traduções
Renascimento Italiano - Ensaios e Traduções
•
Ensaios E Traduções
Organização:
Maria Berbara
Editoras:
Angela Moss e Simone Rodrigues
Projeto Gráfico:
Gabriela Werneck
Design Capa:
Paulo Mariotti e Elisabeth de Gail
Revisão de texto:
Leidiane Carvalho, Raphael Fonseca e Fernanda Marinho
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
R327
Renascimento italiano : ensaios e traduções / organização: Maria Berbara;
com a colaboração de: Leidiane Carvalho, Raphael Fonseca, Fernanda
Marinho. - Rio de Janeiro : Trarepa, 2010.
il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-85936-86-0
1. Arte renascentista. 2. Renascença - Itália. 3. Arte - Itália - História.
I. Berbara, Maria, 1968 - II. Carvalho, Leidiane. III. Fonseca, Raphael. IV.
Marinho, Fernanda.
10-4541. CDD: 709.45 CDU: 7.034(450)
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou
transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação)
ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita das Editoras.
1ª edição - 2010
E
ste livro reúne ensaios e traduções sobre o Renascimento
escritos por pesquisadores ativos em universidades brasilei-
ras. Os ensaios não são primordialmente dirigidos a investi-
gadores altamente especializados, mas a estudantes e leitores inte-
ressados em história da arte. Ulteriores pesquisas sobre cada um
dos temas abordados pelos ensaios podem ser iniciadas a partir da
consulta aos livros e artigos citados nas notas. As traduções, realiza-
das por especialistas, apresentam textos fundamentais da literatura
artística relativa ao Renascimento acompanhadas de uma introdu-
ção e amplas notas de apoio ao texto. Os ensaios e traduções são
apresentados por ordem alfabética de autor (sobrenome).
O livro é acrescido de um glossário, no qual são reunidos e expli-
cados 85 termos citados ao longo do mesmo; uma tabela cronoló-
gica contendo datas relativas a importantes acontecimentos artísti-
cos, históricos e culturais; e uma bibliografia com textos fundamen-
tais sobre o Renascimento, traduzidos ao português e facilmente
encontrados em livrarias e bibliotecas nacionais. O texto introdu-
tório aborda questões centrais no âmbito da história e história da
arte relativas ao Renascimento, incluindo questionamentos recen-
tes quanto ao alcance e utilização do termo. Embora a maioria dos
artigos aborde, primordialmente, temas relativos à arte italiana, o
livro não exclui comparações ou cruzamentos com artistas e teorias
artísticas de outras regiões europeias.
A produção deste livro foi, desde o início, um trabalho de equipe,
o qual envolveu alunos e ex-alunos da UERJ. Clarissa Campello pre-
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Maria Berbara
Mapas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
Cronologia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
Ensaios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
ӱӱGiulio Romano, o herdeiro de Rafael,
e as premissas de uma nova arte . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
Letícia Martins de Andrade
Traduções. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 295
ӱӱVida de Giulio Romano,
pintor, de Giorgio Vasari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 296
Tradução e notas: Letícia Martins de Andrade
Glossário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 435
Leidiane Carvalho
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 449
Imagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 453
Índice Onomástico e Topográfico. . . . . . . . 485
Biografia dos Autores. . . . . . . . . . . . . . 491
N
os escritos de Francesco Petrarca (1304–1374) floresce a
ideia do Renascimento. Enquanto a historiografia medie-
val dividia a história em antes e depois do nascimento de
Cristo, Petrarca considera os séculos que sucederam a derrocada
do império romano ocidental e o momento contemporâneo a ele
como um período de retrocesso, obscurantismo, barbárie e deca-
dência. Para Petrarca, o esplendor romano de grandes homens,
sábias letras e belas obras entrara em profunda e irreversível
decadência a partir da conversão do Império ao cristianismo, no
século IV; por período “antigo”, assim, ele entendia aquele ante-
rior à decadência romana causada pela adoção do cristianismo;
por “moderno”, o posterior. Em suas cartas e poemas, Petrarca
preconizava o nascimento de uma nova era, na qual a neblina
dos séculos passados se dissiparia graças ao retorno à claridade
meridional da antiguidade clássica. Anos depois, o humanista
Flavio Biondo (1392–1463) cunharia o termo Medium Aevum,
ou Idade Média, para referir-se ao período transcorrido entre o
saque de Roma pelos Godos, em 410 (por ele equivocadamente
datado em 412), e 1412. O esquema segundo o qual entre a gran-
deza dos antigos e o seu renascimento, no século XV, transcorre
um período intermédio de mil anos, influenciou profundamente
humanistas, historiadores, filósofos e artistas da época, e segue
vivo, de certa forma, até os dias atuais. Naquele contexto, o termo
rinascita, renascimento, tornou-se corrente, na medida em que
pensadores contemporâneos passavam a considerar a era em
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43
c. 1240
Nasce Cimabue (m. c. 1302)
1241
Papado de Celestino IV
1243‑1254
Papado de Inocêncio IV
1254‑1261
Cimabue, Maestà Papado de Alexandre IV
c. 1255
Nasce Duccio di Buoninsegna
(m. 1319) 1261‑1264
Papado de Urbano IV
1265‑1268
1267 Papado de Clemente IV
Nasce Giotto di Bondone (m. 1337)
1271‑1276
Papado de Beato Gregório X
1276
Giotto, O cortejo nupcial da Virgem Papado de Beato Inocêncio V,
(Capela Scrovegni) Adriano V e João XXI
46
1277‑1280
c. 1280/85 Papado de Nicolau III
Nasce Simone Martini (m. 1344)
1281‑1285
Papado de Martinho IV
1285‑1287
Papado de Honório IV
Simone Martini e Lippo Memmi,
Anunciação com os SS. Ansano e
Margarete e quatro Profetas
1288‑1292
Papado de Nicolau IV
1290‑1349
Andrea Pisano (ativo em)
1294
Papado de São Celestino V
1299‑1301 Bonifácio VIII (até 1303)
Construção do Palazzo
Vecchio, de Florença
1303‑1304
1304 Papado de Beato Bento XI
Nasce Francesco Petrarca (m. 1374)
c. 1305-1306
Giotto, Afrescos na Capela
Scrovegni (ou Arena), Pádua
47
1353
Giovanni Boccaccio, Decameron
1362‑1370
Papado de beato Urbano V
1370‑1378
Papado de Gregório XI
1377
Nasce Filippo Brunelleschi (m. 1446)
1378
Início do Grande Cisma
Papado de Urbano VI (até 1389)
1386
Nasce Donatello (m. 1466)
1389‑1404
Papado de Bonifácio IX
c. 1395
Nasce Jan van Eyck (m. 1441)
c. 1400
Nasce Fra Angelico (m. 1455)
48
1401
Nasce Masaccio (m. 1428)
1404‑1406
Papado de Inocêncio VII
1406‑1415
Papado de Gregório XII
1415
Início da expansão ultramarina de
Portugal (Conquista de Ceuta)
1417-1431
Papado de Martinho V
Masaccio, Trindade
1419
Redescobrimento da Ilha da Madeira
c. 1420-1430
Brunelleschi, cúpula da
catedral de Florença
1425
Masaccio, Trindade (Florença,
Santa Maria Novella)
Jan e Hubert van Eyck,
Políptico de Gantes (Gantes,
Saint Bavon – até c. 1432) Catedral de Florença
49
c. 1426
Nasce Giovanni Bellini (m. 1516)
c. 1430-40
Donatello, Davi (Florença,
Museo del Bargello)
Donatello, São Jorge
1431 1431
Nasce Andrea Mantegna (m. 1506) Joana d’Arc é executada em Rouen.
Papado de Eugênio IV (até 1447)
1435 1434
Leon Battista Alberti, Da Pintura Cosimo de Medici torna-se
governador de Florença
1445
Nasce Sandro Botticelli (m. 1510)
1444
Cosimo de Medici funda a Biblioteca
Medicea Laurenziana, em Florença
50
1452
Nasce Leonardo da Vinci (m. 1519)
1453
Fim do Império Bizantino
com a conquista otomana
de Constantinopla
Leonardo da
Vinci, Homem
Vitruviano
1455-1458
Papado de Calisto III
c. 1456-1457
Botticelli, Primavera
1458-1464
Papado de Pio II
1464-1471
Papado de Paulo II
1465
Nasce Erasmo de Roterdã
(m. 1536)
1469
Leonardo da Vinci (1452-1519)
entra no ateliê de Andrea del
Verrochio (1435-1488), em Florença
51
1469
Marsilio Ficino traduz os
diálogos platônicos.
Giovanni União de Castela e Aragão
Bellini, (casamento de Fernando II e Isabel).
Pietà.
1471 1471-1484
Nasce Albrecht Dürer (m. 1528) Papado de Sisto IV
1473
Papa Sisto IV dá início à construção
da Capela Sistina, finalizada em 1481.
1474
Camera degli sposi (Mantegna)
1475
Nasce Michelangelo
Buonarroti (m. 1564) Mantegna, teto da Camera degli sposi.
1478
Conjuração dos Pazzi.
O papa Sisto IV, com o apoio
de Ferdinando de Aragão,
Jacopino del declara guerra a Florença.
Conte, retrato de
Michelangelo. Inquisição espanhola (até 1843)
1483 1483
Nasce Rafael de Urbino (m. 1520) Nasce Martinho Lutero (m. 1546)
52
1484-1492
1485 Papado de Inocêncio VIII
Leon Battista Alberti,
De Architettura
Ghirlandaio, Adoração dos pastores
(Florença, Santa Trinità,
Capela Sassetti)
1490
Nasce Tiziano Veccelio (m. 1576)
1492
Cristóvão Colombo
descobre a América
Tomada de Granada
pelos reis católicos
Tiziano, Três Idades do Homem Papado de Alexandre VI (até 1503)
1494
1495-1497 Expedição de Nápoles – Início
Leonardo da Vinci, Última Ceia das guerras da Itália
Tratado de Tordesilhas
53
1495
D. Manuel I assume o reinado de
Portugal, até 1521
1498
Vasco da Gama descobre o
caminho marítimo para a Índia
Savonarola é executado em Florença
1499
Aliança de Luiz XII com
Veneza e Florença
Vasco Fernandes, Adoração dos Magos Tomada de Milão e Gênova
1500 1500
Bramante edifica o claustro de Pedro Álvares Cabral
Santa Maria della Pace, em Roma desembarca no Brasil
Hieronymus Bosch, O Jardim das
delícias (Madri, Museo del Prado)
Retrato de
Hieronymus
Bosch em
Pictorum Aliquot
Celebrium
Germaniae
Inferioris
Effigies, de
Domenicus
Lampsonius
54
1501-1504
Michelangelo, Davi (Florença, 1503
Galleria dell’Accademia) Albuquerque funda o Império
Português das Índias Orientais
Início do domínio
espanhol em Nápoles
Papado de Pio III
Papado de Julio II (até 1513)
1504 1504
Rafael, Os Esponsais da Virgem Os franceses perdem Nápoles
(Pinacoteca di Brera, Milão)
c. 1505
Giorgione, Tempestade
(Veneza, Galleria dell’Accademia)
Leonardo da Vinci, Mona Lisa
55
1506
Bramante começa os trabalhos 1507
na Basílica de São Pedro Revolta de Gênova
Descoberta do Laocoonte contra os franceses
1508-1512
Michelangelo, teto da Capela 1509
Sistina (Vaticano) Nascimento de Calvino (m.1564).
Henrique VIII torna-
se rei da Inglaterra
Michelangelo, afrescos no
teto da Capela Sistina
56
1510
Leonardo da Vinci descobre os Michelangelo, desenho preparatório
princípios das turbinas de água para a sibila líbica (Capela Sistina)
1511 1511
Erasmo de Rotterdam, Abertura do Concílio de Pisa,
O Elogio da Loucura que é transferido para Milão
1512
Dispersão do Concílio de Milão
Balboa chega ao Pacífico.
Os franceses abandonam
a região milanesa
1513 1513-1521
Maquiavel, O Príncipe Papado de Leão X
1514 1514
Rafael sucede Bramante Os portugueses chegam à China.
como arquiteto da Igreja de Copérnico anuncia a
São Pedro em Roma teoria heliocêntrica
57
1519
Carlos V torna-se imperador.
Hernan Cortés chega a Tenoctchti-
tlán, a atual Cidade do México
1521
Excomunhão de Lutero.
D. João III assume o reinado
Dürer, retrato de Erasmo de Roterdã de Portugal, até 1557
1522-1523
Papado de Adriano VI
1523-1534
Papado de Clemente VII
1525
Organização da igreja luterana
Reforma em Zurique
1527
1528 Saque de Roma
Baldassare Castiglione, O Cortesão
58
1528-1535
Inácio de Loyola,
Exercícios Espirituais
Reforma em Berna
1529
O Luteranismo torna-se
religião oficial na Suécia
Parmigianino, 1533
Madona do
pescoço longo Nasce Elisabeth I, da
Inglaterra (m. 1603)
1534 1534
Rabelais, Gargantua Henrique VIII, rei da Inglaterra,
rompe definitivamente com a
Igreja Católica. Cisma anglicano
1538
Tiziano, Vênus de Urbino
(Florença, Museo degli Uffizi)
59
1542
Restabelecimento da
inquisição em Roma
1543 1543
Gravura em De humanis corporis Fundação da Sociedade de Jesus
fabrica, de
Andreas
Vesalius
1545-1549
Primeiro período do
Concílio de Trento
1548
Francisco de Holanda,
Da Pintura Antiga
1550-1555
Papado de Julio III
1551-1552
Francisco de Holanda, Criação
do Sol e da Lua, em De Aetatibus Segundo período do
Mundi Imagines Concílio de Trento
60
1555
Papado de Marcelo II
Papado de Paulo IV (até 1559)
1557 1557-1578
Lodovico Dolce, Aretino Reinado de Dom Sebastião
em Portugal
1558
Morte de Carlos V.
Elisabeth torna-se rainha
da Inglaterra
1559-1565
Papado de Pio IV
1562-1563
Terceiro período do
Concílio de Trento
Fundação da Accademia del
Disegno em Florença (1563)
1566-1572
Papado de São Pio V
1568
Giorgio Vasari, Le Vite (2ª edição)
61
1572 1572-1585
Luís de Camões, Os Lusíadas Papado de Gregório XIII
1573
Veronese, Cristo na casa de Levi 1578
(Veneza, Galleria dell’Academia) Catacumbas descobertas em Roma
1580
1581 Anexação de Portugal à Espanha
Tasso, Gerusalemme liberata
1585-1590
Papado de Sisto V
1590
Papado de Urbano VII
Papado de Gregório XIV
1591
Annibale Carracci, Polifemo Papado de Inocêncio IX
(galeria Farnese)
1592-1605
1597-1600 Papado de Clemente VIII
Annibale Carracci, teto
da galeria Farnese
1600
William Shakespeare, Hamlet
62
A
historiografia da arte costuma encerrar o grandioso capítulo
do Renascimento com a sequência das mortes de Leonardo
da Vinci, em 1519, e de Rafael, no ano seguinte. Michelangelo,
a porção final da tríade dos extraordinários talentos, vive até 1564,
mas sua obra considerada mais representativa fora realizada nas duas
primeiras décadas daquele século. Depois, estrelas de magnitudes
aproximadas — como Caravaggio e Bernini — só voltarão a apare-
cer no século XVII, destacando-se como marcos de um novo tempo,
inaugurando a era barroca.
O Barroco, porém, não surge ex-novo. As condições para a afir-
mação desse estilo, cuja definição primeira nasce do contraste com o
classicismo que caracterizou o Renascimento, se anunciam no inter-
valo entre as mortes de Rafael e Leonardo e a última década do século
XVI. A arte produzida nesse interstício moldou-se justamente a partir
da grande influência trazida pela obra de Michelangelo, ainda ativo
até metade do século, e do próprio Rafael, por meio do trabalho de
seus numerosos discípulos. Entre os artistas dessa época formados na
prolífica escola de Rafael em Roma estava o arquiteto e pintor Giulio
Romano, considerado seu melhor discípulo e aquele que, tendo
aprendido o estilo do mestre, o levaria adiante.
Giulio Romano nasceu Giulio Pippi, e para o menino que nasceu
e cresceu entre as ruínas da Roma antiga o adjetivo pátrio Romano é
64
65
66
5 Cfr. o glossário.
67
6 HARTT, F. Giulio Romano. 2 vol. (New Haven, 1958) Nova York: Hacker Art
Books, 1981, p. 140.
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69
70
71
Ainda a esse respeito, note-se que a crítica até pouco tempo atrás
tendia a atribuir a Giulio Romano as pinturas menos prestigiosas
de Rafael, aquelas em que esse aspecto, considerado muito ama-
neirado, prevalecia. A crítica vasariana foi assim recriada indefi-
nidamente. É interessante ver como, por exemplo, Quatremère de
Quincy enxerga a interferência de Giulio nas obras de Rafael preci-
samente no emprego da tinta preta. Para esse autor, o “abuso” dos
tons escuros de Giulio apareceriam já como que “contaminando” as
últimas pinturas do mestre, tornando-se um testemunho evidente,
inclusive, de sua participação em determinadas obras dessa fase
e “roubando-lhes a harmonia”.13 Na realidade, Giulio incorporou
e levou adiante a última maneira do mestre: o tratamento minu-
cioso da luz, com um vigoroso claro-escuro e forte aplicação do
pigmento negro denominado nerofumo.14 Esse julgamento nega-
tivo sobre o uso dos tons escuros nas obras de Giulio parece ter
sido unânime entre os historiadores.
Nesse ponto de seu aprendizado, Giulio mostra-se inclinado
a pesquisas luministas complexas também sob outros aspectos,
demonstrando uma predisposição em representar as horas de
transição da luz: aurora ou crepúsculo, em céus feitos de nuvens
coloridas e esgarçadas que frequentemente acrescentam um tom
elegíaco às imagens. Quanto à paleta, pintura tonal em cores fortes:
azuis esverdeados ao fundo, vermelhos e laranjas saturados e quei-
mados, castanhos escuros muito enegrecidos, brancos perolados
nos tecidos, dourados das luzes.
Podemos dizer que Giulio Romano demonstrou esse interesse
pela pesquisa da luz tanto em seus anos romanos quanto no iní-
cio do período de Mântua. O contraste extremado de luz e sombra
que Giulio incorpora ao seu vocabulário pictórico desde a segunda
década do século XVI será reelaborado posteriormente, tornando-
72
15 Duas exceções são Descanso durante a fuga para o Egito, da Galleria Doria-
Pamphili em Roma e O sacrifício de Isaac, da Galleria degli Uffizi em Florença.
16 DACOS, N. Le Logge di Raffaello. Maestro e bottega di fronte all’antico.
Roma: Istituto Poligrafico dello Stato, 1977, p. 171; DAVIDSON, B. Raphael’s
73
Bible. A Study of the Vatican Logge. University Park /Londres: The College Art
Association of America,1985, p. 70; FERINO-PAGDEN, S. “Giulio Romano
pittore e disegnatore a Roma”. In: Giulio Romano. Milão: Electa, 1989, p. 81;
TAFURI, M. “Giulio Romano: linguagio, mentalità, commitenti”. In: Giulio
Romano. Milão: Electa, 1989, p. 17.
17 JOANNIDES, P., op. cit., p. 28.
18 CAVALCASELLE, G. B. / CROWE, J. A. Raphael, Life and Works. Londres,
1882–1883, vol. II, p. 181.
74
75
76
77
78
79
80
30 FÉLIBIEN, A. Entretiens sur les vies et sur les ouvrages des plus excellens pein-
tres. Londres, 1705, II, pp. 192–193 [Paris, 1685].
31 HARTT, F., op. cit.
81
82
83
84
85
tos vistos no Te, assim como o friso que parece curvar-se ao peso,
num artifício típico de Giulio.36
O arrojo de Giulio se mostrou ainda no projeto da residência
Gian Matteo Giberti, no Vaticano, destruída no século XVII para
dar lugar à Scala Reggia de Bernini. Giulio foi corajoso ao ostentar
seus caprichos bem diante da monumental fachada de ingresso do
palácio papal: um térreo discreto, com uma pequena entrada numa
parede cega; um primeiro pavimento de fachada assimétrica, com
um dos lados mais longo e leve, aberto em arcos que criavam uma
galeria reentrante em círculo, e outro formado por apenas duas
arcadas cegas, portanto visualmente mais pesadas.
Palácios romanos como o Branconio dell’Aquila e o Alberini tra-
zem os mesmos problemas atributivos que se veem na obra pictórica
de Rafael e Giulio. O palácio Maccarani é a obra mais significativa
para a compreensão do desenvolvimento do posterior estilo arqui-
tetônico de Giulio em Mântua. A fachada principal é dividida tem
três pavimentos, os dois primeiros com a mesma altura e o terceiro
com dois terços da altura dos anteriores. Giulio elabora um jogo de
contrastes entre o térreo, maciço, e os pavimentos superiores, muito
mais leves e delicados. O térreo é feito em obra rústica, com blocos
pesados, formas que tendem ao chão. No piano nobile37 e no supe-
rior, as formas se refinam: quanto mais sobem, mais se tornam frá-
geis e mais tendem à abstração; e quanto mais são abstraídas, mais
acentuam a verticalidade.
Pouca coisa aqui não deriva diretamente de Bramante ou de Rafael,
mesmo os blocos rústicos dentro do frontão do portal. O que muda
é o jogo de projeções dos blocos, criando campos distintos que
avançam mais ou menos, quebrando a estaticidade e a homogenei-
dade. A rústica de Giulio não é um elemento decorativo com o qual
ele preenche uma parede; ele a explora em suas possibilidades plás-
ticas, buscando um efeito dinâmico. Para ele, a arquitetura é feita
86
87
88
39 GENGARO, M. L. “Il tema del rapporto tra le arti nella critica di Giorgio
Vasari”. In Studi Vasariani. Florença: Sansoni, 1950, p. 60.
89
90
L
eonardo da Vinci nasceu em 15 de abril de 1452, na (ou
perto da) pequena cidade de Vinci, na Toscana, filho ile-
gítimo de um notário (notaio) florentino e de uma campo-
nesa local. Quase nada se sabe sobre os seus primeiros anos, mas
seu talento para o desenho deve ter sido evidente e, talvez, tam-
bém a sua versatilidade, pois seu pai conseguiu torná-lo aprendiz
na oficina mais versátil de Florença, na época: a de Andrea del
Verrocchio (1435–1488), que tanto pintava quanto esculpia em
pedra, terracota e bronze.
Leonardo ainda vivia na casa de Verrocchio em 1476, mas naquela
época já deixara de ser seu aprendiz: em 1472, ele fora admitido na
Companhia de São Lucas, uma fraternidade de pintores. Entretanto,
em algum momento entre os anos de 1481–83, quando procu-
rava emprego em Milão na corte de Lodovico Sforza (1452–1508,
Duque de Milão entre 1481 e 1499) — chamado Lodovico Il Moro
(O Mouro) por sua pele escura — Leonardo decidiu destacar não
sua habilidade como pintor, mas como engenheiro, capaz de cons-
truir máquinas úteis na guerra e na vida civil.2 Não está claro quanto
tempo ele esteve empregado nesta capacidade, mas desenhos rema-
91
92
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94
95
96
9 Veja Codex Urbinas, cap. 3. O original foi perdido, mas pode ser datado
c. 1500–5; veja Pedretti , C. e Vecce, C. (ed.) Leonardo da Vinci. Libro di
pittura, 2 vols, Florença: Giunti Gruppo Editoriale, 1995, vol. 1, pp. 132–133.
97
98
99
12 Codex Urbinas, cap. 36. O original foi perdido, mas pode ser datado c. 1490–
92. A tradução segue aquela em Barone, J. O Paragone do Tratado da Pintura
de Leonardo da Vinci: introdução à comparação entre as artes e tradução anotada,
dissertação de mestrado, Unicamp, 1996, cap. 31, p. 163.
100
Gallerani. O animal que ela segura fornece a chave para a sua iden-
tidade: o termo grego para os membros da família das doninhas,
ao qual pertence o arminho, é galëe, que alude ao seu sobrenome
“Gallerani”.13 O arminho também indica as qualidades de Cecilia:
ele representa a moderação e a pureza. Não é somente ao utilizar
símbolos que o pintor desafia o poeta; a pintura também expressa
um vívido sentido de comunicação. Cecilia não é representada
numa postura frontal, estática, mas, ao contrário, virando-se, possi-
velmente interagindo com alguém fora da moldura, e parece pronta
a sorrir. A pintura também é notável pelos efeitos sutis de cor e
sombra na face, pescoço e mão de Cecilia, e no corpo do arminho.
As gradações de luz levam em conta como diferentes ângulos de
incidência proporcionam várias intensidades.
A arguição central de Leonardo para atribuir à pintura um status
mais elevado que as artes rivais tem como objetivo caracterizar a
pintura como uma forma de ciência visual. Para Leonardo, o pin-
tor retrata a forma natural fazendo recurso à natureza mesma. Ao
estudar a natureza, através da experiência, o pintor descobre como
a natureza opera e utiliza o seu conhecimento das leis naturais para
recriá-la numa representação visual.
Devemos observar aqui que a palavra “experiência” tal qual a usa-
mos não tem a mesma variedade de significados atribuídos ao termo
utilizado por Leonardo (experientia ou esperientia), que poderia sig-
nificar tanto o que hoje entendemos por “experiência” quanto o que
chamamos de “experimento”. Além disso, entre os nossos conceitos
de experiência e experimento, se encontra, claro, o de observação,
no qual aparatos especiais podem ser utilizados, como, muitas vezes,
na astronomia. A observação também foi, algumas vezes, chamada
de “experiência”. No caso de Leonardo, por exemplo, a fim de testar
princípios que ele havia deduzido da observação da natureza contra
a experiência real, ele estabeleceu arranjos que emulavam as condi-
13 Veja Kemp, M. Leonardo da Vinci: The Marvellous Works of Nature and Man,
Londres: Everyman, 1981.
101
14 Codex Urbinas, cap. 33. O original foi perdido, mas pode ser datado c. 1500;
veja Pedretti, C. e Vecce, C., vol. 1, pp. 156–157. A tradução segue aquela
em Barone, J. O Paragone do Tratado da Pintura de Leonardo da Vinci: intro-
dução à comparação entre as artes e tradução anotada, dissertação de mestrado,
Unicamp, 1996, cap. 29, pp. 159–160.
102
O sentido da visão
103
15 Veja Kemp, M. J. “‘Il concetto dell’anima’ in Leonardo’s early skull studies”,
Journal of the Warburg and Courtauld Institutes, 34, 1971, pp. 115–134; e Kemp,
M. J., “Dissection and divinity in Leonardo’s late anatomies”, Journal of the
Warburg and Courtauld Institutes, 35, 1972, pp. 200–225.
16 Ver o desenho no canto direito inferior (Fig. 22, p. 466).
104
Perspectiva artificial
105
18 Codex Urbinas, cap. 90. O original, no MS A, fol. 104r, é datado c. 1492; veja
Pedretti, C. e Vecce, C., vol. 1, pp. 187–188. Passagens semelhantes são
encontradas no Codex Urbinas, cap. 152 e no MS A, fol. 10v.
106
107
19 Veja Kemp, M. The Science of Art: Optical themes in western art from
Brunelleschi to Seurat, New Haven e Londres: Yale University Press, 1990.
108
20 Codex Urbinas, cap. 6. O original foi perdido, mas pode ser datado em
c. 1500–5; veja Pedretti, C. e Vecce, C., vol. 1, pp. 133–134. Uma passagem
semelhante encontra-se no MS A, fol. 98r.
109
21 Veja Kemp, M. J. Leonardo da Vinci: The Marvellous Works of Nature and
Man, Londres: Everyman, 1981, pp. 93–99.
22 Codex Urbinas, cap. 210. O original está no MS A, fol. 112r e é datado c. 1492;
veja Pedretti, C. e Vecce, C., vol. 1, p. 231.
110
23 Codex Urbinas, cap. 262. O original está no MS A, fol. 105v e é datado c. 1492;
veja Pedretti, C. e Vecce, C., vol. 1, pp. 149–150.
24 Codex Urbinas, cap. 226. O original foi perdido, mas pode ser datado
c. 1505–10; veja Pedretti, C. e Vecce, C., vol. 1, pp. 236–237.
25 Codex Urbinas, cap. 149. O original está no MS A, fol. 98r e pode ser datado
c. 1492; veja Pedretti, C. e Vecce, C., vol. 1, pp. 208–209.
26 Aristotle, Physics 3.i, 200, b.12 ff.
111
27 Codex Urbinas, cap. 317. O original foi perdido, mas pode ser datado
c. 1505–10; veja C. Pedretti e C. Vecce, vol. 2, p. 270.
28 Codex Urbinas, cap. 297. O original foi perdido, mas pode ser datado
c. 1505–10; veja C. Pedretti e C. Vecce, vol. 2, pp. 263–264.
112
29 Veja, por exemplo, Codex Urbinas, cap. 274. O original foi perdido, mas
pode ser datado c. 1508–10; veja Pedretti, C. e Vecce, C., vol. 2, p. 255.
30 Codex Urbinas 340. O original está no MS L, fol. 79 e pode ser datado de
c. 1502; veja Pedretti, C. e Vecce, C., vol. 2, p. 278.
113
31 Ver Kemp, M. “‘Il concetto dell’anima’ in Leonardo’s early skull studies”,
Journal of the Warburg and Courtauld Institutes, 34, 1971, pp. 115–134; e Kemp,
M. J., “Dissection and divinity in Leonardo’s late anatomies”, Journal of the
Warburg and Courtauld Institutes, 35, 1972, pp. 200–225.
32 Veja Windsor, RL 19005v.
33 Codex Urbinas, cap. 402. O original foi perdido, mas pode ser datado
c. 1508–10; veja Pedretti, C. e Vecce, C., vol. 2, p. 299.
34 Windsor, RL 19061r.
114
Conhecimento visual
115
36 Codex Urbinas, cap. 64. O original encontra-se no MS A, fol. 88v e pode ser
datado c. 1492; veja Pedretti, C. e Vecce, C., vol. 1, p. 175.
37 Veja, por exemplo, Codex Urbinas, cap. 76. O original encontrado-se no MS
A, fol. 106r e pode ser datado c. 1492; veja Pedretti, C. e Vecce, C., vol.
1, p. 182. Para comentários sobre este procedimento adotado por Leonardo,
veja Gombrich, E. H. “Leonardo’s method of working out compositions”. In:
Norm and Form, Londres: Phaidon Press, 1993 (1st ed. 1966), pp. 58–63.
38 Codex Urbinas, cap. 189. O original foi perdido, mas pode ser datado
c. 1490–92 ou c. 1500–05; veja Pedretti, C. e Vecce, C., vol. 1, pp. 221–222.
39 Vasari, G. Le Vite de’ più eccellenti pittori, scultori e architettori nelle redazioni
del 1550 e 1568, ed. R. Bettarini e P. Barocchi, 6 vol., Florença, 1976, vol. 4, p. 8.
116
40 da Vinci, L. Trattato della pittura, Paris: ed. R. du Fresne, 1651(em ita-
liano); e Traitté de la peinture, ed. R. Fréart de Chambray, Paris, 1651 (em
francês).
117
118
E
m 2 de Maio de 1548, o pintor, escultor, arquiteto e poeta
Michelangelo Buonarroti (1475–1564) envia de Roma, onde
residia, a seguinte carta a seu sobrinho Leonardo, em Florença:
Leonardo,
Tenho estado muito mal estes dias por não poder urinar, o
que é uma minha grande debilidade; agora, porém, estou
melhor.1 Escrevo-te isso para evitar que algum fofoqueiro
119
Não diz nada ao Padre sobre estas linhas que escrevi sobre
ele, pois quero dar a impressão de não ter recebido sua carta.
120
121
122
zes aceitar qualquer trabalho que aparecesse, “de modo que nin-
guém partisse insatisfeito de seu ateliê”.8
Vasari conta-nos que Lodovico, o pai de Michelangelo, inicial-
mente se opusera à vocação artística do filho, matriculando-o ainda
criança na escola de gramática de Francesco da Urbino; quando o
surpreendia desenhando às escondidas, repreendia-o, e, por vezes,
até mesmo batia-lhe, acreditando que “fosse talvez coisa baixa e
indigna de sua antiga estirpe dar vasão a um talento para eles
ainda desconhecido”.9 Como a vocação artística de Michelangelo
permanecesse imperiosa, Lodovico “decidiu, aconselhado por
amigos, para tirar algum proveito e para habilitá‑lo àquela arte,
confiá‑lo aos cuidados de Domenico Ghirlandaio. Quando se ini-
ciou na arte com Domenico, Michelangelo tinha quatorze anos”.10
Nas últimas décadas do século XV, apesar das enormes conquistas
precedentes, a posição social do artista era, ainda, relativamente
baixa, o que explicaria a relutância de Lodovico em permitir que
o filho se dedicasse a uma profissão de natureza ainda límbica.
Também Condivi,11 em sua biografia de 1553, relata que o pai e
tios de Michelangelo envergonhavam-se, a princípio, da sua incli-
nação artística.
Condivi, no entanto, omite quaisquer menções à formação buo-
narrotiana no ateliê florentino, chegando, em outras passagens, a
123
12 “(…) il qual [Ghirlandaio], per far l’opera [a cópia de Schongauer] meno mara-
vigliosa, solea dire essere uscita dalla sua bottega, come s’egli ce n’avesse parte”.
13 Referindo-se, evidentemente, a Condivi.
14 BAROCCHI, p. 6.
124
com o juízo recebido do céu, tinha tal jovem em idade tão tenra”.15
Embora esse topos seja frequente nas Vite, ao mencionar a relação
entre Perugino e Rafael, arquirrival de Michelangelo, Vasari enfatiza
não a capacidade de superação do pintor de Urbino, mas de perfeita
emulação: “É coisa notabilíssima que, estudando Rafael a maniera
de Pietro [Perugino], imitou-a tão perfeitamente e com tantos deta-
lhes que era impossível distinguir seus retratos dos originais de seu
mestre, e não se podia discernir suas coisas das de Pietro”.16 Essa
excelência na imitação era algo desejável no âmbito das práticas dos
ateliês artesanais, garantindo a produção de produtos “homogenei-
zados” que podiam claramente ser reconhecidos como originários
do ateliê em questão. Michelangelo, ainda tão jovem, não parece,
no entanto, ter-se adaptado a essa prática: seu contrato, originaria-
mente trienal, foi rompido ao cabo de um ano.
Se na biografia condiviana — publicada poucos anos depois da
redação desta carta — minimiza-se a função didática do ateliê a
favor da individualidade e espontaneidade do gênio michelangiano,
na carta, analogamente, é o próprio artista que, diretamente, parece
desdenhar a inclinação comercial de “chi fa boctega”: Michelangelo
não está à venda. A terribilità do mestre florentino, tão especial-
mente sublinhada por Vasari, associa-se não exclusivamente ao
poder irresistível das suas criações ou ao seu famoso mau gênio,
mas também à sua preferência pela solidão tanto no âmbito pessoal
quanto profissional. Michelangelo insistiu em trabalhar sozinho
diversas vezes, como insistiu em jamais liderar um grande ateliê
comercial. É possível que, nos dias atuais, uma posição como essa
pareça comum e até mesmo lógica; o romantismo e movimentos
posteriores certamente contribuíram para a cristalização da ima-
gem do artista como um solitário, assim como para a ideia de que
a reclusão é uma condição indispensável para a realização de obras
125
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127
128
26 Cfr. KEMP, M. “The ‘Super-Artist’ as genius”. In: Genius: The History of an
Idea, org. por Murray, P.; Nova York: Basil Blackwell, 1989, pp. 32–53.
27 Id., p. 49.
129
N
os tratados arquitetônicos do primeiro Renascimento o
espaço possuía importância central ligada ao significado
simbólico de que era investido. A ideia de beleza do edi-
fício dependia da simetria e da proporção dos números que uniam
as partes ao todo. A geometria, na qual se inscreviam tais relações
numéricas, espelhava as proporções do corpo humano que, sendo
à imagem e semelhança de Deus, garantia a correspondência entre
macrocosmo e microcosmo, homem e número. A abstrata questão
das proporções refletia as relações entre natureza, matemática e
arquitetura, segundo princípios universais e absolutos. O raciona-
lismo humanista que caracterizou o Quatrocentos sofre fraturas no
início do Quinhentos, ocasião em que a rigorosa construção geo-
métrica do espaço, significativa em si, cede terreno à “imagem espe-
tacular do espaço” nos projetos de Bramante e Rafael — para usar a
feliz formulação de Giulio Carlo Argan.2
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133
8 Cfr. memorial dirigido a Paulo III por Giovan Battista da Sangallo em mérito
à cornija do Palazzo Farnese feita por Michelangelo depois da morte do seu
irmão Antonio il Giovane (29 de setembro de 1546) julgando-a de proporções
“bastardas”; feita “ao modo bárbaro” cit. Pagliara, “Vitrúvio da testo a Canone”.
In: Memoria dell’antico nell’arte italiana, vol. III. Dalla tradizione alla archeolo-
gia, Torino,1986.
9 Esta será a tentativa de Vincenzo Danti em seu Trattato delle perfette propor-
zioni de 1567 que se interromperá depois do primeiro livro.
10 Vasari, G. Vita di Leon Battista Alberti. In: Le Vite de’ più eccellenti architetti,
pittori e scultori, nelle redazioni del 1550 e 1568, ed. R. Bettarini e P. Barocchi,
Florença, 1966 (tradução da autora).
134
Arquitetura e Paragone
135
136
que impede a visão exata das cores durante sua realização: “é como
trabalhar no escuro” — define orgulhoso.
Como mencionamos, o significado simbólico do espaço no
século XV era diretamente vinculado à importância da geome-
tria aplicada às técnicas artísticas e ao lugar de preeminência
atribuído à matemática como ciência singular. Esta era capaz de
conduzir ao conhecimento abstrato das relações e das medidas,
fazendo com que as mesmas assumissem significados além do
nível racional. Vale recordar que antes das edições impressas, os
livros de arquitetura não traziam imagens e sim regras, relações
proporcionais, definição de estruturas, que deixavam ao leitor ou
ouvinte a possibilidade de imaginá-las, caso não as conhecesse
já.13 Por meio da matemática, o espaço prestava-se a analogias
universais, astrológicas e teológicas a que estavam sujeitos as for-
mas e os números.
O início do Renascimento havia sido marcado por uma certa
dissolução das divisões rígidas da vida intelectual, fazendo com
que arte e ciência compartilhassem de um mesmo terreno. Leon
Battista Alberti descreveu as regras da projeção geométrica volta-
das à definição do espaço pictórico; Piero della Francesca escre-
veu De Perspectiva Pingendi, tratado de perspectiva aplicada à
pintura; Leonardo teorizou o uso da geometria na análise da natu-
reza e reconstrução das figuras tendo como finalidade a represen-
tação pictórica das mesmas (Fig. 29, p. 468). Ilustrou também o livro
De Divina Proportione do matemático Luca Pacioli, seu grande
amigo. A rigorosa observação das leis da perspectiva na constru-
ção da imagem pictórica, ou a proporção geométrica dos corpos,
não era por nenhum deles considerada interferência na liberdade
da criação artística.
Vasari, no entanto, move-se em outro terreno. Em meados do
século XVI, o uso da matemática pelos artistas possui significado
137
14 Movimento ligado à obra do tradutor e filósofo Marsilio Ficino que entre os
1460 e 1490 animou a Academia Platônica de Florença. Sobre a influência de tal
doutrina na obra de Michelangelo ver Panofksky, E. Estudos de Iconologia,
ed. Perspectiva, São Paulo.
15 “Non ha l’ottimo artista alcun concetto /C’un marmo solo in sè non cir-
coscriva/Col suo soverchio, e solo a quello arriva /La man che ubbidisce
all’inteletto” Nao possui o ótimo artista conceito algum /que o mármore por
si só já não contenha/ Com sua abundância, e somente aquela alcança / a mão
que obedece ao intelecto”. Michelangelo Buonarotti, Rime e lettere, Roma: ed.
UTET, 2006.
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Imagem e Palavra
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142
20 Varchi, B., Lezione della maggioranza delle arti (Firenze, 1949). In:
Barocchi, P. (org.), Pittura e Scultura nel Cinquecento, Florença, 1988.
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Ordem e “licença”
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149
O
entrelaçamento de diversas influências, procedentes tanto
das novas proposições pictóricas elaboradas em âmbito
nórdico quanto do repensamento dos grandes modelos
clássicos (Michelangelo, Rafael), torna-se um momento-chave para
entender o último Renascimento italiano, durante o qual artistas
como os Carracci e, em seguida, Caravaggio, reagem aos exageros
formais do maneirismo para reencontrar um naturalismo culto,
antes que soluções barrocas viessem a impor-se no século seguinte.
O último Quinhentos não é, portanto, apenas um período de transi-
ção entre grandes tendências, mas de experimentação e de reformu-
lação de temas e motivos de acordo com os novos ditames religiosos
e, igualmente, do patronato burguês. Elevando à pintura elementos
iconológicos destinados até então à ilustração popular, a arte fla-
menga enriquece o próprio repertório da criação artística, intro-
duzindo a pintura de gênero e, quase simultaneamente, a natureza
morta. Uma análise das derivações desses temas e motivos na arte
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Moxey, Pieter Aertsen, Joachim Beuckelaer…, op. cit., p.27. Quase todos os quadros
de Aertsen e Beuckelaer aqui citados são reproduzidos neste último livro.
11 Veja-se dois quadros, sem datação, de Beuckelaer com o mesmo tema: Cena
de cozinha com o caminho para Emmaus, de 60 x 82 cm, Museu Castelvecchio,
Verona, e de 169 x 110 cm, Mauritshuis, Haia.
12 Veja-se as suas quatro obras intituladas Mercado com Ecce homo, respectiva-
mente: de 1561, 123 x 165 cm, Museu Nacional, Estocolmo; de 1565, 100 x 120
cm, Coleção Schottenstiftes, Viena; de 1566, Uffizi, Florença, e de 1570, 151 x
202 cm, Museu Nacional, Estocolmo. Veem-se também Fuga para o Egito, 1563,
112,5 x 153,5 cm, Museu de Belas Artes, Bruxelas; Cena de cozinha com Última
Cena e caminho para Emmaus, 111–1/2 x 144 cm, Museu Nacional, Praga, e os
dois quadros de Cena de cozinha com Cristo na casa de Marta e Maria, respecti-
vamente de 1565, 130 x 201 cm, Museu Nacional, Estocolmo, e de 1566, 171 x
250 cm, Rijksmuseum, Amsterdam.
13 Muito mais numerosas que em Aertsen são as obras de Beuckelaer desvin-
culadas de qualquer referência religiosa, como: Mercado, 1564, 114,8 x 170,5
cm, Wilhelmshohe, Kassel; Mulher no mercado, 1565, 110 x 81 cm, Museu van
den Bergh, Antuérpia; Vendedores de animais exóticos, não datado (último perí-
odo) 136 x 202 cm, Museu Capodimonte, Nápoles; Açougue, 1568, 146 x 205
cm, Museu Capodimonte, Nápoles; Companhia camponesa, 1563, 131 x 175 cm,
Museu Real das Belas Artes, Antuérpia, e Feira camponesa, 1563, 113 x 162 cm,
Hermitage, San Petersburgo.
14 Beuckelaer, Porco esquartejado, 1563, 114 x 83 cm, Museu Walraf-Richartz,
Colônia. Este quadro, do qual Maarten van Cleve realizou uma variante em
1566, parece ser a base de duas pinturas de Harmenszoom Van Rijn Rembrandt,
uma provavelmente dos anos de 1630, conservada na Art Gallery de Glasgow,
e a outra de 1655, no Louvre de Paris; cfr. Moxey, Pieter Aertsen, Joachim
Beuckelaer…, op. cit., p.101–102, espec. nota 2 p.101.
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15 Ver o seu Mercado de peixe com a pesca milagrosa, 1565, 110 x 203 cm,
Coleção Macdonald, Ilha de Skie.
16 Ver o seu Mercado de peixe com a pesca milagrosa, 1570, 156 x 213 cm, Museu
Capodimonte, Nápoles.
17 Veja-se os seus diversos quadros de Mercado de peixe, por exemplo: aquele
de 1569, 147 x 200 cm, Museu Capodimonte, Nápoles; de 1574, 150 x 211 cm,
Museu Real das Belas Artes, Antuérpia; de 1574, 135 x 210 cm, coleção privada
Rhode Saint-Genèse, e aquele não datado (talvez não completado), 140 x 206
cm, Ferens Art Gallery, Hull — os últimos três são reproduzidos em Gilbert,
Joachim Beuckelaer (1533–1575), op. cit., o autor conta tout court seis realizações
de Beuckeler deste tema.
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24 O pai (Vincenzo) de Ludovico Carracci, sendo este último primo dos
irmãos Agostino e Annibale, era efetivamente um açougueiro. Reportando esta
interpretação anedótica, Donald Posner demonstra que não aparece mais nem
oportuna nem relevante, na medida em que seria árduo reconhecer os retratos
nos personagens representados; cfr. Posner, D. Annibale Carracci. A Study in
the Reform of Italian Painting around 1590, 2 vol., catálogo, National Gallery of
Art-Kress Foundation, Londres, Phaidon, 1971, p.9.
25 De 1582 a 1584, o irmão de Annibale, Agostino Carracci, havia mantido
contato com a família de Vincenzo Campi, com o objetivo de realizar uma
longa série de retratos gravados de homens ilustres para o livro de Antonio
Campi Cremona fedelissima città et nobilissima colonia dei Romani rappresentata
in disegno…; cfr. Boschloo, A. W. A. Annibale Carracci in Bologna. Visible
Reality in Art after the Council of Trent, 2 vol., Haia, Government Publishing
Office, 1974, p.46.
26 Estes quadros provavelmente foram comprados e importados por Alessandro
Farnese depois de terem sido realizados intercâmbios comerciais e financeiros;
cfr. Posner, Annibale Carracci, op. cit., p.10.
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33 Nesta data Annibale ainda não tinha ido a Roma. Cfr. ib., p.14–15 e
Goldstein, C. Visual Fact over Verbal Fiction. A Study of Carracci and the
Criticism, Theory, and Practice of Art in Renaissance and Baroque Italy, Cambridge,
New York, Port Chester, Melbourne e Sydney, Cambridge University Press
(Estados Unidos), 1988, pp.185–186. (Ambos reproduzem a gravura realizada
por Marco Dente do Sacrifício de Noé de Rafael).
34 Jost Amman, Soldados, Graphische Sammlung Albertina, Viena (reprodu-
zida no ensaio de Goldstein, ib., p.190).
35 Annibale Carracci, Estudo para o Açougue, desenho, Royal Library, Windsor
(reproduzido em Posner, Annibale Carracci, op. cit.). Os Carracci foram por
outro lado os fundadores da Accademia degli Incamminati, onde o estúdio de
modelos era particularmente encorajado; cfr. Goldstein, Visual Fact over
Verbal Fiction, op. cit., p.165.
162
36 Como o mestre Aertsen e até 1570, Beuckelaer elabora com frequência arqui-
teturas renascentistas retomadas dos livros de Sebastiano Serlio; cfr. Moxey,
Pieter Aertsen, Joachim Beuckelaer…, op. cit., p.41–42 et 77. Neste quadro, os ele-
mentos das construções (dos edifícios) são, contudo, de tal maneira deslocados
que não conduzem a uma definição global do lugar.
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164
165
E
ste ensaio visa lançar luz sobre a fortuna crítica de Tiziano
Vecellio1 (Cadore, c. 1490 — Veneza, 27 de agosto de 1576),
durante o século XVI, como retratista. Para tal, utilizar-me-ei
de textos que lhe são contemporâneos e que possuem como carac-
terística a interpretação crítica de seu corpus de retratos. Faz-se
importante também refletir sobre a fortuna crítica do pintor pelo
viés das imagens, ou seja, pensar diálogos entre outros artistas e
suas proposições de modelos visuais.
Gostaria, portanto, de iniciar esta argumentação citando uma fonte
pouco comentada dentro da historiografia contemporânea da arte:
166
2 Citação extraída de edição crítica pelo autor deste ensaio e incluída na disser-
tação de mestrado “Francisco de Holanda: ‘Do tirar pelo natural’ e a retratística”,
defendida na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em 2010. Tal edi-
ção foi baseada em cópia manuscrita de Monsenhor Gordo, realizada em 1790 e
atualmente conservada na biblioteca da Academia Real de Ciências de Lisboa.
3 DESWARTE-ROSA, Sylvie. Verbete “Francisco de Holanda”. In: SERRÃO,
Vitor. A pintura maneirista em Portugal. A arte no tempo de Camões. Catálogo da
exposição. Lisboa: Comissão nacional para comemorações dos descobrimentos
portugueses, 1995, págs. 480–486.
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16 FALOMIR, Miguel. “111. Jacob Seisenegger. ‘Carlos V con un perro’” &
“112. Tiziano. ‘Carlos V con un perro’”. In: FALOMIR, Miguel. El retrato del
Renacimiento. Madri: Museo Nacional del Prado, págs. 378–380.
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178
17 “No ano de 1541 [Tiziano] fez o retrato de Dom Diego de Mendoza, naquele
momento embaixador de Carlos V em Veneza, todo inteiro e em pé, que era
uma belíssima figura: e a partir desta começou Tiziano aquilo que depois viu
em uso, isto é, fazer alguns retratos inteiros. No mesmo modo fez aquele do car-
deal de Trento, na época jovem; e para Francesco Marcolini retratou o senhor
Pietro Aretino…”. In: VASARI, Giorgio. Opere di Giorgio Vasari. Florença: S.
Audin, 1822–23, volume V, pág. 204. Tradução livre.
179
18 “(…) se quest’uomo fusse punto aiutato dall’arte e dal disegno, come è dalla
natura, e massimamente nel contraffare Il vivo, non si potrebbe far piu nè meglio,
avendo egli bellisimo spirito ed una molto vaga e vivace maniera”. In: Ibidem, p.
206. Tradução livre: “(…) se Tiziano tivesse sido assistido pela arte e pelo dese-
nho assim como o foi pela natureza, especialmente quanto à reprodução de
objetos vivos, nenhum outro poderia realizar obras melhores, pois ele teria um
belíssimo espírito e uma muito vaga e vivaz maneira”.
180
181
guesa, Alonso Sánchez Coello, para Flandres. Com quem este artista
entrou em contato? Com Anthonis Mor, que, naquele momento,
estava em vias de passar a servir Maria da Hungria, regente dos
Países Baixos21. Importante ter em mente que Mor já possuía uma
fortuna crítica positiva no que diz respeito ao campo do retrato,
tendo servido ao Cardeal Granvelle, que em correspondência de
1583, afirmava que “(…) Sánchez Coello se crió alguns años en mi
casa con el pintor Antonii Mor”22.
Coincidência ou não, Coello foi enviado a terras nórdicas justa-
mente no ano em que Holanda terminou seu texto sobre a retra-
tística. Além disso, no ano seguinte, é bem provável que ele tenha
viajado à Itália junto a seu então mestre Anthonis Mor, que por
sua vez deve ter estudado de forma bem próxima os retratos pin-
tados por Tiziano Vecellio. Para além dessa viagem, é preciso ter
em mente que, por ter sido elevado ao status de artista da corte
de Maria da Hungria, uma Habsburgo, é bem provável que ele já
tivesse entrado em contato com os retratos feitos por Tiziano que
circulavam por Bruxelas e Flandres.
Deste modo detectamos uma cadeia de relações artísticas possí-
veis que envolve a Itália, vista pelos próprios contemporâneos, como
o centro da produção artística, os ditos “Países Baixos” ou “norte da
Europa”, representado por Anthonis Mor, já famoso retratista, mas
ainda mais celebrado após sua viagem à Itália, e, por fim, Alonso
Sánchez Coello, aquele que pode ser visto como o representante da
Península Ibérica e que conseguia beber tanto de fontes italianas
quanto nórdicas, realizando peças que muito agradavam tanto à
corte portuguesa, quanto à espanhola.
Detendo-nos sobre algum exemplo de retrato criado por Anthonis
Mor, entendemos de forma mais clara a ponte entre a sua retratís-
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N
a Itália, a diversidade e a vitalidade das tradições
locais durante o século XV permitem que se pense em
Renascimentos. A ideia de um único Renascimento diri-
gido por Florença é devida principalmente a Giorgio Vasari (1511–
74), autor do texto fundador da historiografia da arte e principal
fonte da história do Renascimento artístico italiano, As Vidas dos
mais excelentes pintores, escultores e arquitetos1. Para Vasari, a his-
tória da arte é essencialmente florentina: tem início com Cimabue
(c. 1240–1302?) e termina com Michelangelo (1475–1564). Vasari
frisa a superioridade da maneira toscana, que pode e deve ser
imitada, mas não igualada. No entanto, durante o Quattrocento,
é preciso pensar em uma Itália de cortes que se aristocratiza. Não
se trata de um caso de centro e periferia, com toda a carga nega-
tiva que este termo acarreta. No Norte da Itália, além de grandes
cidades como Milão e Veneza, a corte de Ferrara, entre outras,
apresenta características particulares.
Em 753, o nome de Ferrara surgiu pela primeira vez em um docu-
mento do rei longobardo Desiderio. A cidade junto a um afluente
do Pó na região da Emília-Romanha pertenceu ao grande feudo dos
1 VASARI, Giorgio. Le vite dei più eccellenti pittori, scultori e architetti. ed.
Barocchi, Paola. Florença: Sansoni, 1966–69.
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3 NATALE, Mauro (org.). Cosmè Tura e Francesco del Cossa. L´arte a Ferrara
nell´età di Borso d´Este. Ferrara: Ferrara Arte, 2007.
4 Humanista e pedagogo, Guarino da Verona foi professor em Florença, Veneza
e Verona. De 1403 a 1408, estudou grego em Constantinopla. Em 1429, foi para
Ferrara a convite de Niccolò III d’Este. Até a sua morte em 1460, exerceu pro-
funda influência na cultura da cidade e da Europa, já que havia muitos alunos
estrangeiros. O filho, Battista Guarini, descreveu o seu método de ensino em De
ordine docendi et discendi, que teve grande repercussão.
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7 SAXL, Fritz, “The revival of late antique astrology”. In: A Heritage of images.
Harmondsworth: Penguin Books Ltd, 1970, p. 32.
8 De acordo com Molajoli, o responsável pelo programa iconográfico pode
ter sido Pietro Bono Avogario, que os documentos de Ferrara recordam como
excelente astrônomo (MALAJOLI, Rosemarie. L’opera completa di Cosmè Tura e
i grandi pittori ferraresi del suo tempo. Francesco Cosse e Ercole de´Roberti. Classici
dell’arte. Milão: Rizzoli, 1974, p. 100).
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10 VARESE, Ranieri. “Un altro ritratto di Leon Battista Alberti”. In: Mitteilungen
des Kunsthistorischen Institutes in Florenz, XXIX, 1985, pp.183–189, citado por
CHELES, Luciano. “Tipologia dei ritratti nella fascia inferiore del ciclo dei Mesi
di Palazzo Schifanoia”. In: Il Ritratto e la memoria (Convenho, Roma, 11–15 dez.
1989), Roma: Bulzoni, 1993, vol.2, p.109.
11 CHELES, Luciano. “Tipologia dei ritratti nella fascia inferiore del ciclo
dei Mesi di Palazzo Schifanoia”. In: Il Ritratto e la memoria (Convenho, Roma,
11–15 dez. 1989), Roma: Bulzoni, 1993, vol.2, p. 76.
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T
endo Leonardo da Vinci deixado uma vasta produção de
diversas ordens — artísticas, literárias, matemáticas — para
melhor aprofundar o estudo a seu respeito cabe determinar
um recorte espaço-temporal de seu legado. Neste ensaio tratare-
mos de suas estadias na Lombardia procurando enfatizar como esta
época repercutiu no desencadear das produções pictóricas do iní-
cio do século, no que diz respeito tanto à assimilação de uma nova
pesquisa estética anunciada no cenário do Cinquecento italiano e
até mesmo europeu, quanto à possibilidade de uma ampliação dos
diálogos artísticos experimentada pelo próprio Leonardo.
Milão foi o primeiro destino do artista depois de ter estabele-
cido sua vida ativa em Florença no início da segunda metade do
Quattrocento. Ao chegar à capital lombarda, já havia trabalhado para
a corte florentina, especificamente para Lorenzo di Medici, tendo
usufruído, portanto, de fama e estabilidade profissional no meio
artístico. Desta maneira, a razão que o deslocou para Milão não
poderia ser menosprezada. A convite de Ludovico Sforza, conhecido
também por Ludovico il Moro, o quarto sucessor Sforza, Leonardo
em 1482 se muda para esta cidade onde se dedica como engenheiro
e arquiteto às organizações militares do duque. Paralelamente a estas
atividades, lecionou a jovens alunos — para quem mais tarde teria
escrito o Tratado da Pintura — atualmente conhecidos como leo-
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5 Em qual oficina os jovens devem estar: a oficina dos jovens, os quais desejam
se profissionalizar nas ciências da imitação de todas as figuras das obras da
natureza deve ser próximo ao desenho acompanhado de sombras e luminárias
de acordo com o lugar onde tais figuras estão localizadas.
6 Quais regras devem ser dadas aos pintores iniciantes: sabemos claramente que
a vista é a operação mais veloz que possuímos, e em um ponto vemos infinitas
formas; nada se entende se não uma coisa de cada vez. Tomemos um caso, você
leitor, olhe de relance toda a escrita dessa carta, e rapidamente notará que está
cheia de letras variadas, mas não conhecerá logo que letras são, nem o que que-
rem dizer, e que será necessário ler palavra por palavra, verso por verso, para
poder compreender a mensagem desta carta. Da mesma forma, se quiseres subir
até o topo de um edifício, te conviria ir degrau por degrau, de outra forma, será
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impossível alcançar o seu topo. E assim lhe digo que a natureza se dirige a esta
arte: se quiser ter a verdadeira ideia das formas das coisas, começará pela partí-
cula das mesmas e não passará para uma segunda fase se antes não guardar bem
na memória e na prática a primeira. E se não o fizer, perderá seu tempo, ou real-
mente desperdiçará trabalho em seu estúdio. E recordo que mais vale estudar com
atenção do que com pressa.
7 Um dos artistas destacados por Paul Hills no artigo “Leonardo and the Flemish
Paintings” (In: The Burlington Magazine, Vol. 122, n° 930; setembro 1980) como
um dos principais contatos entre Leonardo e a estética flamenga.
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Dell’imitare pittori.
8 Sobre imitar pintores: digo aos pintores que nunca devem imitar a maneira
do outro, porque este será dito neto e não filho da natureza; porque justamente
sendo as coisas naturais tão abundantes, deve-se antes recorrer mais à natureza
do que aos mestres, que já a estudaram. E digo isso não para aqueles que pre-
tendem através dela alcançar a riqueza, mas para os que desta arte objetivam
fama e honra.
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9 FIORIO, Maria Teresa. “The Many Faces of Leonardismo”. In: The Legacy of
Leonardo – painters in Lombardy 1490 – 1530. Milão: Skira Editore: 1998.
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captura por parte dos franceses, como forma de controle das rebe-
liões milanesas), mas sim ao cenário artístico que enveredava por
uma fase de acúmulos de novas experiências estéticas. Os ditos leo-
nardescos se inseriam em diferentes meios que os permitiam expe-
rimentar uma revitalização de suas habilidades expressivas, tran-
sitando por um clima não mais pautado entre as determinações
do mestre e as escolhas tradicionais lombardas, mas sim de maior
liberdade de assimilação e concepção da forma, possibilitando uma
reconstrução de seus próprios horizontes culturais. Alguns artis-
tas do ciclo de Leonardo se mudaram para outras cidades. Marco
d’Oggiono, por exemplo, inicialmente foi trabalhar na sua cidade
natal Lecco e em Savona, onde assinou contrato com Giuliano della
Rovere. Boltraffio foi para Bologna, mas possivelmente deve ter
passado por Veneza, devido a uma proximidade entre algumas de
suas obras e o ciclo de Giorgione denunciada principalmente pela
aplicação cromática e pelo investimento da volumetria dos drape-
jamentos. O primeiro trabalho de Andrea Solário é documentado
de 1496 para uma igreja na ilha de Murano. E Giovani Agostino
da Lodi deve ter permanecido na capital vêneta entre 1495 e 1504,
onde elaborou um estudo para novas formas de naturalismo
expressivo, baseado nos exemplos de Leonardo da Vinci, contando
também com o apoio de Marco d’Oggiono que também passou por
esta cidade. Como percebido, Veneza já vinha recebendo muitos
dos leonardescos, mesmo antes da queda do poder dos Sforza. Um
documento12 de 1498 tratando do pedido de membros da Scuola
de Sant’Ambrogio pelo pagamento de uma série de telas executadas
por D’Oggiono, já aponta a presença desta escola na cidade. Cabe
perguntar, portanto, o porquê desta preferência. Para Leonardo, o
principal motivo de sua viagem a Veneza pode ter sido a sua ami-
zade com Luca Pacioli. A única visita documentada à cidade é esta,
12 Ver referência em: FIORIO, Maria Tereza. “The many Faces of Leonardismo”,
p. 48. In: The Legacy of Leonardo” – painters in Lombardy 1490 – 1530. Milão:
Skira Editore: 1998.
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13 Vasari, em Le Vite se refere a esta destruição: “E nel vero quelli che veddono il
modelo che Lionardo fecce di terra grandi, giudicano non ver mai visto più bella cosa
né più superba; il quale durò fino che i Francesi venono a Milano con Lodovico re
di Francia che lo spezzarono tutto”. / “É verdade que aqueles que viram o modelo
que Leonardo fez de argila julgam não ter visto nunca coisa mais bela nem
magnífica, o que durou até que os franceses chegassem a Milão com Ludovico
rei de França destruindo tudo”. In: VASARI, Giorgio. Le Vite. Organização: G.
Edoardo Mottini. Milaõ: A. Mondadori, 1929.
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N
ão se deve pensar que o Renascimento é assim chamado
“apenas” porque recuperou na medida do possível os
modelos poéticos, retóricos, filosóficos e visuais da civili-
zação greco-romana. Ele é certamente, e antes de tudo, isso mesmo,
e essa operação, de per se, basta para lhe garantir uma posição
excepcional na história da cultura ocidental. Mas como toda ten-
tativa de reapropriação do passado é, inevitavelmente, uma recria-
ção do passado segundo a perspectiva do presente, ao tentar recon-
quistar para si o mundo antigo, o Renascimento criou uma ideia
do mundo antigo que, por sua vez, gerou as coordenadas mentais
do mundo moderno. A ideia em história é mais importante que o
fato, que a pedra. Se não fosse assim, por que Florença, obviamente
muito menos rica que Roma em vestígios do mundo romano, seria
a pioneira desse processo? Aliás, a relativa escassez florentina de
vestígios do passado pôde ser mais estimulante que a abundância
romana desses vestígios, pois a escassez permite mais liberdade de
“invenção” da memória. Não esqueçamos que em história, a memó-
ria de um fato é, em si, insignificante. O que é relevante, o que faz
o mundo dos homens mover-se, é o conteúdo emocional de que o
fato pode ser suporte. Em física, o significado da repetição de um
evento é ínfimo, para não dizer nulo. Quando uma pedra cai de
novo, esse evento apenas confirma pela enésima vez a lei da gravi-
dade. Em história, na experiência humana constituída pela dimen-
são afetiva da memória, toda recorrência, toda repetição de um fato,
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1 Tais matrizes são elaboradas prevalentemente, como se sabe, por uma plê-
iade de historiadores de cultura alemã, dentre os quais quatro ao menos devem
ser lembrados: Jacob Burckhardt (1818–1897), Die Kultur der Renaissance
in Italien (1860), com mais de uma tradução em português; Ferdinand
Gregorovius (1821–1891), Geschichte der Stadt Rom im Mittelalter von V. bis
XVI. Jahrhundert, 1859–1872 (tradução italiana, Turim, Einaudi, 3 volumes,
1973); Georg Voigt (1827–1891), Die Wiederbelebung des classischen Alterthums
oder das erste Jahrhundert des Humanismus, Berlim, 1859, 2ª edição muito
ampliada em dois volumes, Berlim, 1880–1881, 3ª ed., Berlim 1893 (tradu-
ção italiana, Florença, Sansoni, 1968); e Henry Thode (1857–1920), Franz
von Assisi und die Anfänge der Kunst der Renaissance in Italien, Berlim, 1885,
segunda edição ampliada, 1904 (tradução italiana aos cuidados de L. Bellosi,
Roma, Ed. Donzelli, 1993). Cf. W.K. Ferguson, The Renaissance in Historical
Thought, Cambridge (Mass.), 1948.
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bra uma matrona romana, uma Dea Roma investida do mais sereno
senso de solenidade.
Já nas duas últimas cenas, a Crucificação e o Juízo Universal
(mal conservado), a maior dramaticidade do claro-escuro foi por
vezes considerada um indício da colaboração com outros esculto-
res. É possível, mas tal intensificação expressiva pode exprimir ape-
nas uma evolução do próprio estilo de Nicola ao longo dos anos c.
1257–1260 e é sobretudo apropriada à maior violência desses dois
temas. Aqui, o paralelismo das primeiras cenas dá lugar a um jogo
mais sutil de simetrias, de equilíbrio mais complexo. Este gosto pelo
movimento anuncia as obras sucessivas de Nicola Pisano, tais como
o púlpito da catedral de Siena, de 1265–1268, onde se vislumbra já a
poética que seu filho, Giovanni Pisano (1245/50–c. 1317), levará às
últimas consequências no púlpito de 1301 na igreja de Sant’Andrea,
em Pistóia, talvez sua obra-prima (Fig. 45, p. 474). Mais à frente, vere-
mos como Giovanni recolhe essa herança do pai, nela infundindo de
fato uma dramaticidade que só encontra rival em Donatello, Jacopo
della Quercia e Michelangelo, que o apreciava particularmente.
De Nicola Pisano a Donatello, Vasari observa o salto da incorpo-
ração dos exemplos da escultura antiga em direção a uma assimila-
ção sempre mais íntima da lição essencial dos escultores antigos. Já
no capítulo de Introdução às Vidas, intitulado De la Scultura, Vasari
observa que Donatello mostrava compreender que a “bella forma”
nasce, não da habilidade das mãos (evidente alusão aos artistas fla-
mengos), mas sim do “juízo” (giudizio), isto é, do senso de síntese for-
mal, pois “na simplicidade do pouco mostra-se a agudez do engenho”.
É esse senso de síntese formal do mundo antigo que renasce em Nicola
Pisano e em seus descendentes artísticos. Pois assim como o destino
da poesia italiana joga-se na encruzilhada entre Dante e Petrarca, o da
escultura renascentista, até Michelangelo inclusive, jogar-se-á entre o
equilíbrio clássico de Nicola e a dramaticidade de Giovanni.
Quando se observa a desenvoltura com que os escultores nasci-
dos na Itália meridional de Frederico II apropriam-se da retratística
romana e dos relevos antigos, fica-se surpreso com o descompasso
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“Creio como certo que assim como Deus quis ter um amigo
especial que fez similar a si, ou seja, o beato Francisco, assim
[fez] o diabo em Ezzelino”.
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que se gesta nessa pintura uma ética construída na ação e não mais
na contemplação das Virtudes, instância prévia e superior a ela, o
que é essencialmente distintivo da ética moderna.
Deve-se sublinhar ainda, enfim, uma outra implicação do caráter
teatral da pintura de Giotto. Na segunda metade do século XIII, a
pintura medieval tinha a seu ativo um milênio de experiências de
representações de cenas do Antigo e do Novo Testamento. Nesses
anos, além disso, o teatro popular fixara um repertório de gestos
codificados e de imediata compreensão, decerto úteis para a repre-
sentação pictórica. De outro lado, os tropos e as sacras represen-
tações de algumas passagens do Evangelho e de alguns martírios,
tinha já então uma considerável tradição, igualmente proveitosa
para a pintura. Mas esse variado patrimônio de representações visu-
ais era insuficiente diante da nova tarefa que a devoção hagiográfica
requeria da pintura: comunicar visualmente conteúdos, significa-
dos e, sobretudo, eventos não ainda conhecidos de todos (como
eram os da Bíblia): as mil peripécias dos santos “velhos”, narradas
por Jacopo da Varazze na Legenda aurea (1270c.) e, problema ainda
maior, as vidas dos santos “novos”, como Francisco, Domingos,
Antônio, Pietro Mártir, etc. Um exemplo bem mais próximo de nós
— o desenvolvimento da narração cinematográfica, desde os “pri-
mitivos” como Lumière e Méliès até os grandes mestres do cinema
mudo, como Griffith, Eisenstein, Eric von Stroheim, Chaplin, etc.
— pode ser útil para entender algo do que estava em jogo na tarefa
de Giotto de criar 28 grandes cenas de 270 x 230 cm, destinadas a
um público não necessariamente letrado, que deviam contar, cada
uma delas, um fato preciso e facilmente inteligível, transmitindo
ao mesmo tempo, na série, uma síntese abrangente da vida e obra
do santo. Isto só seria possível se o texto fosse encenado a partir de
ingredientes da vida cotidiana e do imaginário comum a um público
imenso e heterogêneo de peregrinos que acorriam de toda a parte
para venerar as relíquias e a gesta de Francisco. Da forja de Giotto
deviam sair personagens com as quais esse público podia se iden-
tificar de modo ainda mais imediato e profundo, se possível fosse,
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que com as personagens forjadas por Dante. Para fazê-lo era neces-
sário fundir em uma unidade indissociável a figura e seu espaço, de
tal modo que nada aqui fosse “abstrato” e que tudo fosse “educativo”
no sentido homérico do termo. Ao fazê-lo, Giotto criou o mito da
Itália moderna. Mais que isso, fez da pintura do Renascimento o
elemento por excelência no qual a sociedade italiana tematizou a si
própria, encenou seu “psicodrama”. A pintura de Giotto e de seus
“discípulos”, até Michelangelo, foi o teatro da Itália. Ela desempe-
nhou uma função equivalente à do teatro na Atenas de Péricles, na
Londres elizabetana, na Espanha de Calderón de la Barca, na Paris
de Corneille, Racine e Molière, na Weimar de Goethe e Schiller,
na Escandinávia de Ibsen e Strindberg, nos Estados Unidos, enfim,
de Hollywood. Não por acaso faltou na Itália do Renascimento e
mesmo do século XVII um dramaturgo à altura de sua incrível gale-
ria de gênios. Sua função de espelho e educador da sociedade fora
ocupada por Giotto.
Aos olhos do observador distante, os séculos adquirem, por uma
curiosa ilusão de ótica, certa fisionomia. É que desde Hesíodo, nos
primórdios do pensamento mítico, acostumamo-nos à ideia de
que há idades de ouro, de bronze e de ferro. Assim, ora os sécu-
los banham em auras de esplendor, como o “século de Péricles”,
o “século de Augusto”, o “século de Luís XIV”, ora suscitam ima-
gens sombrias, como o século III, que um historiador inglês, Eric
R. Dodds, considerava “Uma idade da angústia”, ou o século XIV:
“O Calamitoso Século XIV”, como o chamava em 1978 um livro de
Barbara W. Tuchman. Naturalmente, essas imagens lançam menos
luz sobre o passado, que sobre o modo como o historiador reage
ao seu próprio século: Voltaire cunhou a expressão “Século de Luís
XIV” para sublinhar a falta de grandeza que deplorava no seu, esse
século XVIII que, graças em parte a ele, chamamos o “século das
luzes”; Dodds aplicava ao século III uma expressão cunhada pelo
poeta W. H. Auden para se referir ao século XX, e o título do livro
de Tuchman era “Um espelho distante”, já que encontrava no “cala-
mitoso” século XIV uma imagem reflexa de nosso tempo.
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9 M. Meiss, Painting in Florence and Siena after the Black Death, Princeton
University Press, 1951; L. Bellosi, Buffalmacco e il Trionfo della Morte. Turim:
Einaudi, 1974.
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E
m sua biografia de Aby Warburg (1864–1929), Ernst Gombrich
começa com uma viva descrição da inquietude intelectual de
seu mestre: “Era uma característica da mente e do método de
Warburg trabalhar com um número restrito de motivos e elemen-
tos, mas testando-os eternamente em novas permutações e combi-
nações. Um pequeno movimento do caleidoscópio leva a um novo
padrão. De fato, se o leitor persistir em sua leitura, ele descobrirá
que não há nada mais impressionante na obra de Warburg do que
essa busca incessante, nascida de uma profunda insatisfação com as
interpretações tradicionais do Renascimento que ele havia herdado
e absorvido parcialmente durante seus anos de estudo. Por vezes, tal
insatisfação, tal necessidade de re-embaralhar e rearranjar os ele-
mentos da imagem obtida, tem um efeito quase paralisante sobre
Warburg. A imagem se recusa a estabilizar-se.”1
Hoje, com maior distância histórica, podemos dizer que essa
resistência à organização dos fatos em um sistema teórico está-
vel é um dos elementos que garante a atualidade dos escritos de
Warburg. O presente artigo procurará acompanhar alguns aspectos
desses movimentos inerentes ao pensamento warburguiano, atra-
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4 Gombrich, op.cit.
5 Tal visão deriva de sua teoria do símbolo. Em seu texto sobre “Arte Italiana
e Astrologia Internacional no Palazzo Schifanoia em Ferrara” (1912), Warburg
demonstra como a necessidade de orientação e controle da natureza configura-
se como força motriz no processo de construção do símbolo. Em um primeiro
momento, animais e figuras humanas são projetados no céu como forma de aju-
dar na orientação e “domesticação” do desconhecido, porém, com o tempo, tais
figuras tendem a se tornar, elas mesmas, reais, passando a exercer efeito sobre
os homens. Para Warburg, tal era a estrutura básica do pensamento mágico,
que deu origem, por exemplo, à astrologia. Nesse sistema, os deuses antigos
eram imbuídos de determinados poderes sobre os homens, exercendo sua influ-
ência através dos astros. Quando, no Renascimento, os deuses voltam à sua
morada no Olimpo, sendo admirados por sua beleza (e não mais temidos por
seu poder), ocorreu um processo libertador de racionalização. Este processo
para Warburg, no entanto, não é marcado por um evolucionismo. A possibi-
lidade de emergência da forma de pensamento mágico ameaça até mesmo o
homem contemporâneo, como é discutido pelo autor nos parágrafos finais de
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16 Warburg, “L’ingresso dello stile anticheggiante nella pittura del primo
Rinascimento”, op.cit., p.306.
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18 Warburg, notas para o texto “Weltliche Kunst aus Flandern in Mediceischen
Florenz” (1904). In: Gombrich, op.cit., p.161–62.
19 Warburg, “Italienische Kunst und internationale Astrologie im Palazzo
Schifanoja zu Ferrara”. In: Wuttke (org.), op.cit. Uma das passagens do texto
deixa clara a herança clássica no norte: “Um estudo detalhado da ilustração
de temas pagãos nos livros impressos no Norte mostrou, através de uma com-
paração entre texto e imagem, que a aparência anti-clássica exterior, que nos
incomoda tanto, não deveria desviar nossa atenção do ponto principal, ou
seja, a séria intenção de tornar a antiguidade clássica visível com uma fideli-
dade quase literal.” p.173.
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A
primeira metade do século XVI foi marcada pela escassez
de textos impressos dedicados à pintura ou à escultura.
Entretanto, em 1547 Lodovico Domenichi editou em ita-
liano o De pictura, de Leon Battista Alberti, e a publicação de
um texto que então já contava com mais de cem anos era sinal
de que um grande interesse por esse gênero literário havia res-
surgido. A partir daquele momento diversos tratados artísticos
começaram a ser publicados e, de modo geral, pode-se dizer que
neles havia um elemento comum, que os interligava ao mesmo
tempo em que justificava uma tão repentina fecundidade. Com
efeito, ambicionava-se essencialmente nobilitar a atividade artís-
tica. A intenção de distinguir nitidamente artistas de artesãos, a
necessidade de evidenciar que esses ofícios não mais podiam ser
agrupados em uma mesma agremiação e de demonstrar que o
artista era, na verdade, um homem de corte são todos elementos
que estruturam os discursos artísticos que se desenvolveram na
Itália durante a segunda metade do Quinhentos. Nesse contexto,
foi retomado um tema que já havia algum tempo era alvo das
atenções, e tal emergência acabou por se tornar o centro de uma
série de intensas polêmicas.
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2 É certo que Filippo Villani nomeia apenas pintores entre os homens ilustres
de Florença, mas essa situação não se sustenta século XV adentro. Não seria
por outra razão que mais tarde Vasari, na introdução à segunda parte das suas
biografias, afirmaria que Donatello, apesar de inserido no segundo período de
evolução artística, alcançara um tal patamar de excelência que sua obra legiti-
mamente poderia integrar o terceiro período (VASARI*, Giorgio, Le vite de’ più
eccellenti pittori, scultori e architettori: con i ritratti loro et con l’aggiunta delle vite
de’ vivi e de’ morti dall’anno 1550 insino al 1567, Firenze: Giunti, 1568, III, p. 18).
* Tanto a edição Giunti quanto a Torrentino foram consultadas através do pro-
jeto Signum do Centro di ricerche informatiche per le discipline umanistiche da
Scuola Normale Superiore di Pisa – endereço eletrônico http://biblio.signum.
sns.it/vasari/consultazione/Vasari/indice.html (consultado em 22/07/2010) –,
o qual está alinhado com os volumes e a paginação de VASARI, Giorgio, Le
vite de’ più eccellenti... nelle redazioni del 1550 e 1568, testo a cura di Rosanna
Bettarini, commento secolare a cura di Paola Barocchi, 6v., Firenze: Sansoni /
S.P.E.S., 1966-1987.
270
3 Cf. VINCI, Leonardo da. Libro di pittura. Edizione in facsimile del Codice
Urbinate Lat. 1270 nella Biblioteca Apostolica Vaticana. A cura di Carlo Pedretti,
trascrizione critica di Carlo Vecce. Firenze: Giunti, 1995, pp. 158-168.
4 Cf. PINO, Paolo. Dialogo di pittura. Nuovamente dato in luce. Vinegia: P.
Gherardo, 1548, ff. 24v-28r. O texto de Pino também está disponível em por-
tuguês (PINO, Paolo, Diálogo sobre a pintura – Tradução, apresentação e notas
de Rejane Bernal Ventura, Cadernos de Tradução, n. 8, São Paulo: Humanitas,
FFLCH/USP, 2002 [sobre o paragone, cf. pp. 72-78 e notas correspondentes]).
5 Cf. VASARI, 1568, IV, p. 46 e I, p. 23. Todavia, vale notar que essa passagem
não está presente na edição torrentiniana de 1550. Enfim, relato semelhante
apresenta-se também em LOMAZZO, Giovan Paolo, Idea del tempio della pit-
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Por hora, apenas vamos notar que Doni não diferencia entre
escultura em mármore, pedra, bronze, gesso, argila ou cera. Para ele,
qualquer que seja o material, o relevo é sempre relativo ao escultor
— embora nesse caso específico, devido à diversidade da utilização,
possa-se presumir que se trate de modelos maleáveis.
No momento em que essas discussões sobre o paragone eram
mantidas em ambiente veneziano, o florentino Benedetto Varchi
fazia publicar o seu parecer sobre a questão13. Varchi, que não
era artista e sim filósofo e historiador, recorreu a uma consulta
entre os próprios pintores e escultores a respeito do assunto. Com
base nas respostas, que lhe foram enviadas no início de 154714,
Varchi então estruturou uma obra na qual ele próprio assumia a
função de árbitro aristotélico da disputa15, e durante a Quaresma
daquele mesmo ano a lezzione foi apresentada na academia flo-
rentina. Efetivamente, muitos conceitos presentes em Doni pare-
cem derivar de Varchi ou das respostas dos artistas consultados, o
que nos faz ter uma noção da repercussão imediata alcançada pela
obra, cujo conteúdo possivelmente já era bastante difundido antes
mesmo da publicação em 1550.
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23 Cf. BARZMAN, Karen-edis. The Florentine Academy and the early modern state:
the discipline of disegno. Cambridge: Cambridge University Press, 2000, p. 148.
24 CASTIGLIONE, 1854, p. 65.
25 VARCHI, 1549, pp. 124–125, 132 – embora Pontormo não integre aí a
arquitetura.
26 VARCHI, 1549, pp. 154–155. Para uma interpretação mais detalhada dessa
carta, veja-se BERBARA, Maria, “A carta de Michelangelo a Benedetto Varchi:
considerações sobre o vínculo entre o epistolário e as concepções artísticas buo-
narrotianas”. In: Concinnitas, n. 8, 2005, pp. 103–109.
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Mas o fato que aqui mais destaque merece diz respeito a uma
famosíssima afirmação também presente nessa carta, na qual
Michelangelo diz: compreendo por escultura aquilo que se faz por
força do subtrair; aquilo que se faz por meio do adicionar é seme-
lhante à pintura. Com isso, o artista definia como objeto essencial
do escultor apenas o trabalho com o bloco de pedra, excluindo a
modelagem e a atividade da fundição daí decorrente e, portanto,
evidenciando um contraste radical com a corrente de pensamento
apresentada por Doni — segundo a qual todos os ofícios que envol-
vem o relevo estão harmoniosamente subordinados à escultura.
De fato, esse não é um argumento elaborado por Michelangelo,
pelo que, antes de seguirmos adiante, será preciso ainda recordar
que tal conceito, apresentado na carta com o peso da autoridade
de Michelangelo, fora também expresso por Leonardo. Verdade
que os elementos estão desconexos no Libro di pittura e Leonardo,
assim como Doni, considera a escultura em pedra e a modelagem
como atividades do escultor. Mas Leonardo mostra-se igualmente
ciente de que um dos aspectos do trabalho do escultor é o eliminar
o mármore que excede a figura que dentro da pedra se esconde27 —
tema que, de resto, seria caríssimo a Michelangelo, como demons-
tra seu célebre soneto28. Além disso, ele afirma que o escultor ape-
nas retira, ao passo que o pintor sempre adiciona29. E não bastasse
essa notável equiparação com o pensamento expresso na resposta
de Michelangelo, as semelhanças revelam-se ainda maiores quando
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36 Cf., a esse respeito, a explicação oferecida por Giovan Battista Armenini (De’
veri precetti della pittura, Ravena: Francesco Tebaldini, 1587, pp. 97-98).
37 Cf. ARMENINI (1587, pp. 98-99) sobre o uso que Michelangelo teria feito de
tal procedimento para o Juízo Final da capela Sistina. Cf. ainda o “Parecer sobre
a pintura de Bernardino Campi”. In: LAMO, Alessandro, Discorso intorno alla
scoltura et pittura, dove ragiona della vita e opere in molti luoghi e a diverse pren-
cipi e personaggi fatte dall’eccell. e nobile M. Bernardino Campo, pittore cremonese,
Cremona: Christoforo Draconi, 1584, p. 124 (também disponível em português,
In: RAGAZZI, Alexandre, “Um episódio na história dos modelos plásticos auxi-
liares – o ‘Parecer sobre a pintura’ de Bernardino Campi”. In: Revista de História
da Arte e Arqueologia, n. 8, 2007, pp. 39-49).
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38 Sob o título de Sopra la differenza nata tra gli scultori e pittori circa il luogo
destro stato dato alla pittura nelle essequie del gran Michelagnolo Buonarroti,
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com o modelo vivo fosse efetuado; segundo Vasari, essa seria a causa
da maneira fraca, dura e seca desses pintores45.
Vinte anos mais tarde, o sobrinho de Vincenzio Borghini publicou
um extenso diálogo dedicado à pintura e à escultura46. Em Il riposo,
Raffaello Borghini ambienta em uma villa o colóquio mantido entre
quatro interlocutores: Bernardo Vecchietti — proprietário da villa
e mecenas de Giambologna —, Baccio Valori, Girolamo Michelozzi
e o escultor Ridolfo Sirigatti. Em tempos dominados pela Contra-
Reforma, Raffaello voltava a tratar do tema do paragone, mas limi-
tando-se a compendiar os tópicos abordados por seus antecessores47.
Logo na sequência desse trecho dedicado à nossa questão, quando
Raffaello se propõe a definir a pintura e a escultura, ele retoma o
enunciado leonardiano e michelangiano segundo o qual a pintura
é associada a procedimentos aditivos e a escultura a subtrativos48, o
que é notável tanto por evidenciar a sobrevivência desses conceitos
quanto por sutilmente indicar as instáveis e, de certo modo, incô-
modas funções a que fatalmente acabavam sendo atrelados a mode-
lagem e os modelos plásticos. Essa categoria demonstrava toda a sua
inconstância quando ora era reivindicada pela escultura — como
tradicionalmente o fora — e quando ora era relacionada à pintura
— caso que ainda se percebe em Raffaello.
Também é digna de nota em Raffaello Borghini a passagem em
que é explicado o motivo pelo qual, no monumento funerário de
Michelangelo em Santa Croce, a representação da pintura ostenta
na mão direita um modelo — o qual, por sua vez, remete ao Escravo
agonizante do Louvre —, enquanto os apetrechos mais diretamente
45 Para Niccolò Soggi, cf. VASARI, 1568, V, pp. 189–192; para Battista Franco,
cf. VASARI, 1568, V, pp. 460–461.
46 BORGHINI, Raffaello. Il riposo di Raffaello Borghini, in cui della pittura e
della scultura si favella, de’ più illustri pittori e scultori e delle più famose opere loro
si fa mentione; e le cose principali appartenenti à dette arti s’insegnano. Firenze:
Giorgio Marescotti, 1584.
47 Cf. BORGHINI, 1584, pp. 25–46.
48 BORGHINI, 1584, p. 51.
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59 Sobre o uso de modelos plásticos auxiliares por parte de Leonardo, cf.
KWAKKELSTEIN, 1999, pp. 181–198; sobre um modelo anatômico feito e utili-
zado por Leonardo, cf. KWAKKELSTEIN, Michael W., “New copies by Leonardo
after Pollaiuolo and Verrocchio and his use of an ‘écorché’ model — Some notes
on his working method as an anatomist”. In: Apollo, January, 2004, pp. 21–29.
60 LOMAZZO, 1584, p. 127. Pedretti tentou identificar esse modelo com a ter-
racota da antiga coleção Gallaudt (PEDRETTI, 1957, pp. 62–67).
61 VASARI, 1568, IV, p. 28.
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62 A autobiografia de Lomazzo foi anexada às suas Rime (1587, pp. 528–542) e
pode ser consultada in: LOMAZZO, 1974, II, p. 444 quanto à viagem a Roma.
63 Gaetano Milanesi, na edição de 1906 das Vidas de Vasari (IV, p. 37, n. 1),
sugeriu Aurelio Luini como hipótese sem, no entanto, apresentar argumentos
que pudessem comprovar tal suposição.
64 Argumento proposto por Robert Klein (cf. publicação póstuma in:
LOMAZZO, 1974, II, sobretudo pp. 473, 503 e ss.) e retomado em 1964 por
Gerald M. Ackerman em sua tese de doutorado (cf. ACKERMAN, Gerald M.,
“Lomazzo’s treatise on painting”. In: The Art Bulletin, v. 49, n. 4, Dec. 1967, pp.
317–326).
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C
inco anos antes de falecer, Giulio Romano conhecera pes-
soalmente Giorgio Vasari, que então passava por Mântua a
recolher dados e histórias para a finalização de seu livro de
biografias. Da Vida de Giulio, entendemos o impacto que esse con-
tato produziu em Vasari. O aretino encantou-se com o artista e com
o homem de bons costumes. Dedicou uma biografia compacta a um
“Giulio Romano, pintor e arquiteto”, com um preâmbulo emprestado
a um elogio que dedicara Pietro Aretino ao artista. Giulio é apre-
sentado num nível que poderíamos dizer semelhante àquele em
que figurava também seu mestre, ou até — há quem veja — mais
elevado, como se a linha contínua e ascendente da história da arte
tivesse colocado Giulio Romano na superação de seu mestre.
Dezoito anos mais tarde, Vasari apresentou ao público a segunda
edição de seu livro, revista e ampliada, onde Giulio Romano é ape-
nas “pintor”. Desaparece o arquiteto. E não é sem surpresa que nos
deparamos com mudanças significativas: cortes violentos — como
a supressão do preâmbulo —, a alteração da epígrafe, inserção de
longos trechos descritivos. Compreende-se que Vasari, ao ampliar
296
2 De acordo com o texto vasariano, Giulio teria morrido aos 54 anos, no dia
1o de novembro de 1546, o que leva a uma data de nascimento no ano de 1492.
No entanto, o necrológio do Uffizio della Sanità di Mantova, afirma que Giulio
morreu naquela mesma data, porém “na idade de 47 anos”, remetendo seu nas-
cimento ao ano de 1499.
3 As logge do Vaticano.
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giada, que muitos creem que tenha feito Rafael o primeiro esboço22
e que depois a obra tenha sido continuada e concluída por Giulio.
Este fez ali muitas pinturas, nos quartos e em outros lugares e, parti-
cularmente, passado o primeiro vestíbulo da entrada, em uma gale-
ria belíssima23, ornada de nichos grandes e pequenos ao seu redor,
nos quais há grande quantidade de estátuas antigas: entre outras,
havia um Júpiter24, coisa rara, que depois foi enviado pelos Farneses
ao rei Francisco da França junto com muitas outras estátuas belís-
simas. Além desses nichos, é a dita galeria trabalhada em estuque e
inteiramente pintada, paredes e abóbadas, com muitas grotescas da
mão de Giovanni da Udine25.
Na extremidade dessa galeria, Giulio fez um Polifemo grandís-
simo, com infinito número de crianças e satirozinhos que brincam
ao seu redor26, o que lhe trouxe muito louvor, assim como trouxe-
ram ainda todas as obras e desenhos que fez para aquele lugar, o
qual adornou de viveiros de peixes, pavimentos, fontes rústicas27,
bosques e outras coisas similares, todas belíssimas, feitas com bela
22 O texto vasariano dá a entender que houve um projeto para a fachada tal e
qual ela se apresenta, nessa forma semicircular quando, na realidade, a fachada
em semicírculo é resultante da interrupção das obras do pátio circular presente
no projeto U 314 A (Uffizi), interrupção que fez com que o que deveria ser um
círculo permanecesse como metade dele.
23 É a chamada “galeria do jardim”, na fachada Norte.
24 A referida estátua de Júpiter é a que hoje integra o acervo do Museu do
Louvre, conhecida como Júpiter de Versalhes, descoberta em Roma em 1525 e
considerada uma das maiores e mais belas já encontradas ali. Vasari está enga-
nado quanto ao destino da escultura, que foi enviada por Margherita Farnese a
Perrenot de Granvelle, em Besançon, e não a Francisco I.
25 Giovanni Francesco de’ Ricamatori (1487–1561).
26 O Polifemo, seguramente obra de Giulio Romano, ainda existe, mas muito
deteriorado, pintado em afresco numa luneta da galeria do jardim.
27 Vasari refere-se aqui à chamada fonte do Elefante, que Giovanni da Udine
executa em 1526, preservada ainda hoje no jardim da villa ao lado da galeria.
Uma cabeça de elefante domina o centro da fonte, e o animal é cercado por
plantas aquáticas.
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34 São oito os papas representados na sala, criando um ciclo paralelo ao das
histórias de Constantino.
35 Essa figura, realizada a óleo juntamente com a representação da Comitas,
que Vasari diz “figura similar”, foram certamente as primeiras a serem pintadas
no conjunto da sala. A Justiça está à direita da Batalha. Ambas datam do perí-
odo posterior à morte de Rafael, mas seriam remanescentes da primeira fase do
programa executivo.
36 Trata-se possivelmente da personificação da Comitas – a Bondade – pin-
tada a óleo.
37 Vasari engana-se duas vezes. Trata-se da personificação da Igreja (Ecclesia),
em vez da Religião. Depois, nem Caridade, nem Piedade, mas sim uma represen-
tação da Eternidade (Aeternitas).
38 Os papas são: o já mencionado Pedro Apóstolo, com Igreja (Ecclesia) e
Eternidade (Aeternitas); Clemente I, com Moderatio (Moderação) e Comitas
(Bondade) e Urbano I, com Caritas e Iustitia.
303
bem arranjados e pintados por Giulio, que nesta obra em afresco fez
os melhores, porque se sabe que ali se esforçou e colocou diligência,
como se pode ver em um desenho de um São Silvestre39 que foi
por ele mesmo muito bem concebido e tem talvez muito mais graça
do que a pintura, embora se possa afirmar que Giulio exprimisse
sempre melhor seus conceitos nos desenhos do que ao trabalhar as
pinturas, vendo-se neles mais vivacidade, vigor e intensidade. E isso
podia talvez acontecer porque um desenho ele fazia em uma hora,
totalmente vigoroso e entusiasmado no trabalho, enquanto nas pin-
turas consumia meses e anos, de modo que, chegando-lhe o fastio e
faltando aquele vivo e ardente amor que se tem quando se começa
alguma coisa, não é surpresa se não lhes dava a completa perfeição
que se vê em seus desenhos.
Mas, voltando às cenas, em uma das paredes Giulio pintou um
discurso que Constantino faz aos soldados40, onde no ar aparece
o símbolo da cruz em um resplendor com alguns putti e letras que
dizem: in hoc signo vinces; e um anão41, colocando um elmo na
cabeça, aos pés de Constantino, é feito com muita arte.
Depois, na parede maior, há uma batalha de cavalos42, feita ao
lado da Ponte Molle, onde Constantino derrotou Maxêncio. Essa
obra, pelos feridos e mortos que nela se veem e pelas diversas e
insólitas posturas dos peões e cavaleiros que combatem agrupa-
dos, feitos vigorosamente, é elogiadíssima, além de que existem
ali muitos retratos do natural43. E se essa cena não fosse excessiva-
mente pintada e tomada por tons negros, dos quais Giulio sempre
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Senhora com uma gata53, tão natural que parecia vivíssima; donde
foi aquele quadro chamado o quadro da gata. Em outro quadro
grande, fez um Cristo espancado na coluna, que foi colocado sobre
o altar da igreja de Santa Prassede, em Roma54.
Após não muito tempo, o senhor Giovanmatteo Giberti55, que
depois foi bispo de Verona e então era datário56 do papa Clemente,
incumbiu Giulio, seu amigo muito próximo, do projeto de algumas
salas que foram construídas com tijolos perto da porta do palácio
do papa, fronteando a praça de São Pedro, onde soam as trombe-
tas57 quando os cardeais vão ao consistório, e com uma subida de
degraus tão cômodos que se podem galgar a cavalo e a pé.
Para o mesmo senhor Giovanmatteo, fez em um painel um
Apedrejamento de Santo Estevão que enviou para um benefício seu
em Gênova, dedicado ao santo58. Em tal painel, que é, pela invenção,
graça e composição, belíssimo, vê-se, enquanto os judeus apedrejam
Santo Estevão, o jovem Saulo sentar-se sobre as vestes daquele.
Enfim, Giulio nunca fez obra mais bela do que essa, pelas vigo-
rosas posturas dos apedrejadores e pela bem expressa paciência de
Estevão, que parece verdadeiramente ver sentar-se Jesus Cristo à
direita do Pai em um céu pintado divinamente. Essa obra foi dada
53 Madonna della Gatta. Óleo sobre madeira; 172 x 144cm. c. 1523. Museo
Nazionale di Capodimonte, Nápoles, inv. Q.140.
54 Cristo na coluna ou A Flagelação de Santa Prassede, obra realizada antes de
1520. Roma, Santa Prassede.
55 Gian (Giovan) Matteo Giberti, importante figura eclesiástica do século XVI,
um dos preparadores da Contrarreforma, nascido em Palermo, em 1495.
56 “Datário” é o membro da dataria, a repartição da Santa Sé, de onde são expe-
didos os negócios regulados pelo papa fora do consistório.
57 Essa obra realizada por Giberti no Vaticano, conhecida como “Loggia dei
Trombetti”, foi demolida para dar lugar à Scala Regia de Bernini. No entanto, há
vários testemunhos gráficos diferentes.
58 O apedrejamento de Santo Estevão. Óleo sobre madeira; 4,02 x 2, 87m.
Gênova, igreja de Santo Stefano. A data exata da execução da pintura não é
clara, entre 1521 e 1523.
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63 Muito pouco se sabe a respeito da suposta “escola” de Giulio Romano em Roma.
64 Alguns autores citam um certo Bartolomeo Merlino da Bologna como dis-
cípulo de Giulio no período Romano. Trata-se provavelmente da mesma pessoa,
uma vez que esse artista é citado no testamento de Giulio datado de 1524, ao
lado de Raffaellino del Colle.
65 Trata-se de Tommaso Bernabei (c. 1500–1559), conhecido pelo apelido de
“Papacello”, e não “Paparello”, como escreve Vasari. Foi aluno de Luca Signorelli,
ajudante de Giulio Romano em Roma.
66 Benedetto Pagni da Pescia (c. 1504–1578). É considerado ativo de c. de 1520
em diante. Teria sido treinado no ateliê de Rafael. Assiste Giulio Romano em
Roma e vai com ele, em 1524, para Mântua, onde trabalha na decoração do
Palazzo Te, sobretudo na Sala dos Cavalos, na Loggia di David e na sala de Psiquê.
67 Giovanni del Leone/Lione: é aluno de Rafael e colaborador de Giulio
Romano. É possível que tenha se formado em San Sepolcro, onde nasceu, na
escola de Giovanni di Pietro, lo Spagna, um colaborador de Perugino. Depois
estava entre os auxiliares de Rafael nos trabalhos das stanze.
68 Raffaello di Michelangelo di Luca dal Colle (nasc. c. 1494/1497) proveniente
da localidade de Colle, vizinha a San Sepolcro. Forma-se na tradição umbra,
provavelmente no âmbito de alunos de Perugino. É mencionado nos trabalhos
das logge do Vaticano. É provável que se encontrasse sob a orientação de Giulio
Romano antes de 1520.
69 Trata-se de uma obra desaparecida, realizada num edifício não precisado,
próximo à casa da moeda.
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Valle, uma Nossa Senhora que cobre com um pano o Menino ador-
mecido, e de um lado está Santo André apóstolo e, do outro, São
Nicolau; obra que foi considerada, com verdade, pintura excelente70.
Giulio, entrementes, sendo muito próximo do senhor Baldassare
Turini da Pescia71, tendo feito o desenho e modelo, construiu para
ele, sobre o Monte Janículo, onde há vinhas de belíssima vista, um
palácio com tanta graça e conforto, por todas as comodidades dese-
jáveis em semelhante lugar, que mais não se pode dizer. E, além
disso, foram os aposentos não somente adornados de estuque, mas
também de pintura, tendo ele próprio pintado ali algumas histórias
de Numa Pompílio72, que teve naquele lugar o seu sepulcro. Na sala
de banhos desse palácio, Giulio pintou, com a ajuda de seus jovens
colaboradores, algumas histórias de Vênus e Amor, e de Apolo e
Jacinto73, todas colocadas em gravura74.
E, tendo se separado completamente de Giovanfrancesco, fez
em Roma diversas obras de arquitetura, como o projeto da casa
70 Esse afresco não sobreviveu, mas pode bem ser imaginado, pela descrição
de Vasari, em composição similar ao tipo da Madona do Diadema, da escola de
Rafael, no Louvre.
71 Baldassare Turini (1486–1543). Clérigo na corte de Leão X, de Clemente VII
e Paulo III. Figura destacada como comitente de pintura e arquitetura, protetor
de artistas, amigo pessoal de Rafael e de Giulio Romano, de quem se torna exe-
cutor testamentário.
72 As histórias de Numa Pompílio originalmente foram pintadas a fresco
na abóbada da sala. As cenas são extraídas de Tito Lívio (História de Roma),
Plutarco e Virgílio ( Éclogas e Eneida). As cenas principais representam: O
encontro de Jano e Saturno; A fuga de Clélia; A libertação de Clélia e A descoberta
do túmulo de Numa Pompílio e os livros sibilinos. As oito cenas secundárias são:
Numa Pompílio sacrifica à Vesta, A construção do templo de Jano, Jano implora à
Paz para destruir as armas; A castração de Urano; Orazio Coclite sobre a ponte;
Muzio Scevola; Fama; e A estátua equestre de Clélia. Essas obras foram transpor-
tadas em 1837.
73 Não há sinais dos afrescos mencionados por Vasari como sendo da mão
de Giulio e seus ajudantes. Entre esses ajudantes deveriam estar Polidoro da
Caravaggio, Maturino Fiorentino e Vincenzo Tamagni.
74 De acordo com o próprio Vasari (Milanesi,1906, vol. V, p. 417), essas gravu-
ras teriam sido feitas por Marcantonio Raimondi.
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75 O palácio Alberini é o atual Cicciaporci, na via del Banco di Santo Spirito,
n. 12. A obra é realizada para o senhor Giulio degli Alberini, canônico de São
Pedro. Posteriormente, a residência passa aos Cicciaporci.
76 Hoje Piazza Sant’Eustachio.
77 Provavelmente realizada por Antonio Lafréry (1512–1577) para seu
Speculum Romane Magnificentiae, de 1549.
78 A casa paterna de Giulio encontrava-se na imediata vizinhança do Foro
Romano e do Campidoglio e ocupava a esquina da via Macel de’Corvi com via
di Loreto, no Rione Monti. A casa, a rua e o quarteirão onde esta ficava desapa-
receram para dar lugar ao monumento de Vittorio Emmanuel.
79 A data para a reforma da propriedade é sugerida, comumente, entre 1523
e 1524.
80 Federico II Gonzaga (1500–1540) é o quinto marquês e primeiro duque de
Mântua (nomeado em 1530).
81 Numa carta, de 4 de outubro de 1524, Castiglione escreve a Federico que
eles estavam prontos para partir. Outra carta, de 7 de outubro, de Angelo
Germanello a Federico II, indica a partida de ambos no dia 6.
311
para ele, para Benedetto Pagni, seu criado, e para um outro jovem
que o servia. E, o que é mais, enviou-lhe o marquês muitas varas
de veludo e cetim, tecidos refinados e encorpados para vestir-se. E
depois, sabendo que não tinha cavalgadura, fez vir um cavalo favo-
rito seu, chamado Luggieri, e lho deu. E com Giulio montado sobre
ele, foram para fora da porta de San Sebastiano, distante um tiro
de seteira, onde Sua Excelência tinha um terreno e alguns estábu-
los, chamado o T 82, em meio a uma pradaria, onde mantinha sua
criação de cavalos e éguas. E ao chegar ali, disse o marquês que teria
desejado, sem desmanchar a muralha antiga, adaptar um pouco do
terreno, de modo que pudesse ir para lá de vez em quando descan-
sar e ficar para almoçar ou para a ceia.
Giulio, uma vez ouvida a vontade do marquês e levantada a planta
do local, colocou mãos à obra. E servindo-se das paredes velhas, fez
em uma parte maior a primeira sala, que se vê hoje ao entrar, no
centro da sequência de cômodos. E porque o lugar não tem pedras
naturais nem pedreiras que permitam fazer blocos de cantaria e
pedras cinzeladas, como se usa nas muralhas por quem pode fazê-lo,
serviu-se de tijolos e de cerâmica, trabalhando-os depois com estu-
que. E com essa matéria fez colunas, bases, capitéis, cornijas, portas,
janelas e outros trabalhos83 com belíssimas proporções. E com novo
e extravagante estilo fez os ornamentos das abóbadas, com divisões
internas belíssimas e com nichos ricamente ornamentados, o que
foi razão para que, de um princípio humilde, se resolvesse o mar-
quês a fazer depois aquele edifício inteiro como um grande palácio.
Porque Giulio, tendo feito um belíssimo modelo de obra rústica por
312
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89 A sala – dos cavalos – “que é introduzida pela primeira entrada”, diz Vasari,
confirmando seu engano em relação à disposição das entradas e galerias no
trecho acima. É o maior aposento do palácio, comumente chamada de “salotto”
nos documentos. Sua função era a de abrigar as festas e banquetes de Federico.
90 Diferentemente do que nos conta Vasari, a sala dos Cavalos não tem cober-
tura abobadada, mas um pesado teto plano trabalhado em madeira a lacunário
e inteiramente decorado.
91 Aqui não há cães representados junto com os cavalos, nem em qualquer
outra parte dessa sala.
92 Rinaldo Mantovano foi o mais destacado colaborador de Giulio. Não se
conhece a data de seu nascimento, mas seu período de atividade está entre
c. 1527 e 1539, sempre em Mântua. É correta a afirmação sobre o trabalho de
Pagni e Rinaldo nessa sala: os documentos permitem dizer que cada um traba-
lhou ali 263 dias. Porém, outros auxiliares de Giulio operaram na sala, o que é
atestado pelos mesmos documentos. São citados: um certo Bozino, que traba-
lha 240 dias; Fermo, 62 dias; e Girolamo (da Pontremoli), somente 6. Fermo
trabalha 240 dias a 12 soldi por dia e pode ser o pintor das arquiteturas.
93 Ou seja, a Sala de Psiquê. O canto referido é o que se volta para o Nordeste.
94 Vasari chama “octógonos” aos semi-octógonos. Em número de quatro são
apenas os semi-octógonos que emolduram o quadrado central no ponto mais
elevado da abóbada. Os octógonos são em número de oito.
314
315
e tão bem imitados com uma simples tinta amarela, que mostram
o engenho, o talento e a arte de Giulio, que aqui mostrou-se vário,
rico e copioso de invenção e de artifício.
Pouco adiante, vê-se Psiquê, que, rodeada por muitas mulheres
que a servem e presenteiam98, vê, na distância, entre as colinas,
despontar Febo com seu carro solar guiado por quatro cavalos99.
Sobre as nuvens, Zéfiro, deitado e totalmente nu, sopra, por um
chifre que tem na boca, suavíssimas aragens, que tornam aprazível
e sereno o ar que envolve Psiquê.
Essas histórias foram recentemente gravadas com desenho do
veneziano Battista Franco, que as copiou exatamente100 como
foram pintadas, a partir dos cartões grandes de Giulio, por
Benedetto da Pescia e por Rinaldo Mantovano, os quais realizaram
todas essas cenas101, exceto o Baco, o Sileno e os dois meninos que
mamam na cabra. É verdade que a obra foi depois quase inteira-
mente retocada por Giulio, donde é como se tivesse sido toda feita
por ele. Tal método, que ele aprendeu com Rafael, seu preceptor, é
muito útil para os jovens que nele se exercitam, porque se tornam,
geralmente, excelentes mestres. E apesar de alguns se convence-
rem de ser mais do que quem os dirige, logo percebem que, por ter
abandonado o guia antes de chegar ao fim ou por ter trabalhado
98 A imagem mencionada não existe no afresco. Psiquê aparece deitada sobre
um triclínio juntamente com Cupido e a pequena Volúpia, sua filha. Um putto
coloca em suas cabeças uma grinalda, duas servas versam a água numa bacia;
nenhuma, contudo, serve especificamente a Psiquê, nem ela se encontra distante.
99 Tal representação não existe na sala de Psiquê. Vasari parece ter empre-
gado como fonte imagens gravadas, provavelmente as de Battista Franco, que
somente traduzem os afrescos (nas paredes). Possivelmente, ele não conse-
guiu visitar o Te em sua segunda estadia em Mântua em 1566 para refrescar
sua memória.
100 São duas as gravuras de Battista Franco relativas às cenas das paredes,
ambas denominadas “O concílio dos deuses”. Há divergências observadas no
confronto com a pintura, sobretudo no agrupamento numa mesma composição
das cenas da preparação do banquete e do banho de Marte e Vênus.
101 Ali trabalharam: Rinaldo Mantovano, Benedetto Pagni, Fermo da Cara
vaggio e Luca da Faenza, na decoração das paredes.
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102 Da sala de Psiquê, passa-se à “camera dei Venti”. Os frisos aos quais Vasari
se refere nesta passagem estão na sala dos Estuques. Logo a seguir, ele dirá que
pinturas pertencentes à “sala do Ventos” estão na “camera delle aquile” (ou de
Faetonte).
103 Francesco Primaticcio (1504–1570). Artista bolonhês de importante papel
na escola de Fontainebleau. Entre 1526 e 1531 trabalha sob a direção de Giulio
Romano em Mântua, formando-se ali. Francisco I escrevera a Federico II solici-
tando um artista que pudesse realizar para ele trabalhos de arquitetura, pintura
e estuque similares aos do Te, e Primaticcio é enviado.
104 Giovan Battista Scultori (1503–1575), artista mantuano estucador e grava-
dor. Um dos melhores estucadores de Giulio, chega a Mântua aos 21 anos e o
acompanha em suas principais empreitadas.
105 A imagem pintada no teto da sala não representa a queda de Ícaro, mas a
de Faetonte (Ovídio. Metamorfoses, livro II), e o erro vasariano foi repetido
por vários séculos.
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106 As pinturas a que se refere não estão no mesmo local que as anteriores, mas
pertencem, à chamada “Sala dos Ventos”, ou “do Zodíaco”.
107 A grande galeria mencionada é a de Davi, o maior ambiente do palácio,
passagem obrigatória entre os dois apartamentos principais – o de Psiquê e
o dos Gigantes – e, ao mesmo tempo, com dupla saída: ao pátio interno e ao
jardim.
108 Trata-se da Sala do Gigantes, no ângulo Sudeste do palácio
109 O resultado das escavações arqueológicas no local desmente a afirmação
de Vasari sobre o emprego de fundações mais profundas e duplas, além de
esclarecer que as paredes externas desse lado do edifício têm a mesma espes-
sura das do restante.
110 A sala dos Gigantes possui planta quadrada.
111 Depois de afirmar que a sala era de planta circular, Vasari diz que a sala
possui cantos, o que significa o encontro de dois planos comumente em 90º,
expondo a contradição.
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112 Não há problemas de datação nessa sala. Sabe-se que a execução dos afres-
cos é iniciada em primeiro de março de 1532. De março de 1532 a julho de 1534,
a cúpula é concluída e as paredes Leste e Sul da sala estão sendo afrescadas.
113 O pequeno templo é pintura realizada por Fermo da Caravaggio, de acordo
com documento datado de 11 de outubro de 1532. Esse tempietto pintado evoca
Bramante em San Pietro in Montorio.
114 Ops (ou Ope) é a deusa romana da Abundância.
115 Momo é a personificação do Sarcasmo e, comumente, uma figura feminina.
116 As Horas estão junto de Apolo e seus cavalos, no lado oposto.
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117 O gigante que Vasari identifica com Briareu pode ser Tifeu, que, punido
por Júpiter por desejar subir ao Olimpo, é aprisionado na Sicília, fazendo tre-
mer a terra e assim surgir o vulcão Etna (Livro V das Metamorfoses de Ovídio).
118 A lareira mencionada não existe mais; foi retirada em 1781 porque teria
coberto de fuligem as pinturas acima. A parede foi então fechada e pintada,
imitando o estilo da pintura da sala na representação de pedras.
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120 Nas plantas do apartamento de Troia traçadas por Paolo Pozzo em 1786,
pode-se ver uma escada em caracol – e não duas, como diz Vasari – ligando o
pavimento térreo do apartamento ao pavimento superior, e próxima da abside
da igreja de Santa Bárbara.
121 Vasari provavelmente se refere ao apartamento de Troia, realizado por
Giulio 1536 e 1539, aproveitando partes da estrutura já existente. Trata-se não
de “apartamentos”, mas de um único, que abriga a sala homônima, a mais notá-
vel do conjunto.
122 É o chamado Camerino dei Cesari, que deveria abrigar os doze retratos de
imperadores encomendados por Federico II Gonzaga a Tiziano. O pequeno
gabinetto precede a Sala delle Teste, que, por sua vez, introduz a Sala di Troia.
123 Essas cenas, que se localizavam imediatamente abaixo dos retratos, são
concebidas por Giulio. Vêm de Ippolito Andreasi os desenhos que testemu-
nham a colocação das obras junto dos retratos de Tiziano. Algumas foram
identificadas: A infância de Augusto, A modéstia de Tibério; Presságio do poder
imperial de Cláudio, O incêndio de Roma, O triunfo de Tito e Vespasiano, O sacri-
fício de uma cabra a Júpiter.
124 A encomenda a Tiziano data de 1536, mas somente em 1538 o conjunto
estará completo e em seu lugar.
125 O grande complexo arquitetônico gonzaguesco localizado em Marmirolo,
ao norte de Mântua, era a morada original dos Gonzagas na Idade Média e foi
completamente demolido em 1798.
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Cupido139. Essa é uma das mais belas obras que Giulio já fez. E
pouca outra coisa de sua mão se vê em afresco.
Em San Domenico, fez para o senhor Ludovico da Fermo, um pai-
nel com um Cristo morto, que José e Nicodemos preparam-se para
colocar no sepulcro. Perto, estão a Mãe, as outras Marias e São João
Evangelista140. Um quadrinho, no qual Giulio fez também um Cristo
morto141, está em Veneza, na casa de Tommaso da Empoli, florentino.
Enquanto trabalhava esta e outras pinturas, aconteceu que o
senhor Giovanni de’ Medici, tendo sido ferido por um mosquete,
foi levado a Mântua, onde morreu142. O senhor Pietro Aretino,
afeiçoadíssimo servidor daquele senhor e amicíssimo de Giulio,
quis que Giulio, de sua mão, lhe fizesse a máscara mortuária. E,
depois de fazer um molde sobre o morto143, fez-lhe o retrato144,
que permaneceu por muitos anos junto ao dito Aretino.
139 Não se conhece, em Mântua, afresco desse tema. O Museu do Louvre pos-
sui um quadro a óleo, atribuído ao ateliê de Giulio Romano, e dois desenhos
atribuídos ao mestre. Um dos desenhos é pontilhado para a transposição em
outro suporte, o que pode indicar ser o original do afresco perdido. Uma gra-
vura de Agostino Veneziano, datada de 1530, traz exatamente o mesmo tema
descrito por Vasari e que se vê na pintura do Louvre e uma inscrição que iden-
tifica Rafael como o criador da composição.
140 Trata-se de uma pintura não localizada.
141 Como a pintura anterior, de mesmo tema, esta não foi localizada. Dois esbo-
ços a pena de Giulio Romano – Sepultamento de Cristo, dos Uffizi, e Sepultamento
de Cristo; New Haven, Yale University Art Gallery, Ascher M. Huntigton, B.A.
Fund in Exchange, 1973.1. – podem estar vinculados à obra perdida.
142 Desse retrato não se sabe nada. Giovanni delle Bande Nere, comandante
das forças papais, morreu em Mântua, em 30 de novembro de 1526, depois da
amputação de uma das pernas.
143 Vasari volta a falar desse molde do rosto de Giovanni feito por Giulio na Vida
de Tiziano, quando afirma que o mesmo foi doado ao duque Cosimo de’ Medici.
Dois documentos confirmam a execução dessa máscara. O primeiro é a carta
escrita pelo próprio Aretino à Maria Salviati, esposa de Giovanni, após sua morte;
o segundo, uma carta de Federico II a Giovanni Borromeo, embaixador mantuano.
144 Do suposto retrato que Giulio Romano teria feito a partir do molde do
rosto de Giovanni, nada se sabe.
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149 Giulio Romano teria sido nomeado superintendente geral das obras do
estado muito antes disso, com um decreto datado de 20 de novembro de 1526,
através do qual o então marquês entregava a seus cuidados a tarefa de cuidar da
pavimentação de todas as ruas da cidade.
150 A casa de Giulio, concluída em 1544, sofreu ampliação realizada por Paolo
Pozzo em 1800, perdendo as proporções originalmente concebidas pelo artista.
O imóvel, situado na Via Poma, n. 18, ficava na antiga contrada do Unicórnio.
Conserva os afrescos do salão e alguns relevos em estuque.
151 Giulio possuía em Roma uma notável coleção de obras de arte, tendo
adquirido em 1520, junto com Penni, a coleção de Giovanni Ciampollini,
uma das maiores da cidade. Ao partir para Mântua, desfaz-se de muitas
peças e acaba doando parte da coleção a Federico, como atesta uma carta de
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157 Mulher doente com ventosas: cena concebida para integrar o conjunto de
afrescos da galeria da Grotta, ambiente inteiramente omitido por Vasari em sua
narrativa sobre o palácio do Te. A imagem foi gravada.
158 Loba aleitando Rômulo e Remo: imagem gravada por Battista del Moro
em c. 1540–1550 Vasari atribui a gravura a Giovan Battista Scultori. O
modelo é reconhecido num desenho de Giulio Romano hoje perdido, mas
inspirado na Loba capitolina.
159 Plutão, Júpiter e Netuno dividindo o céu, a terra e o mar: imagem gravada
por Giulio Bonasone em c. 1546–1550. Faz parte de uma série que ilustra a
divisão do universo entre as divindades. Teriam sido tiradas diretamente de
desenhos de Giulio Romano.
160 Júpiter alimentado por Amalteia: Trata-se de “Amalteia”, em vez de “Alfea”. A
obra foi gravada por Pietro Santi Bartoli. Descrições de inventários, desenhos
e pinturas indicam que Giulio deve ter executado um ciclo de doze pinturas
ilustrando a infância de Júpiter e sua família. Seis dessas pinturas ainda existem,
todas em coleções inglesas, todas mencionadas no inventário Gonzaga de 1627.
161 Homens na prisão: gravura realizada por Giovan Battista Scultori a partir
da pintura de uma cena da sala dos Ventos, para a qual existe um desenho ori-
ginal de Giulio Romano em Windsor.
162 Cipião: esse desenho foi gravado por Giorgio Ghisi. As tapeçarias desse
tema, criadas para o rei Francisco I da França, são obras nas quais Giulio teria
querido competir com os Triunfi de Andrea Mantegna.
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168 A edição Milanesi (1906. vol. V, pp. 553–554, n. 2) diz que o original desse
cartão encontrava-se no Museu do Louvre desde 1797, acrescentando que, no
“Duomo di Mantova”, onde então teria estado, foi colocada, em seu lugar, uma
cópia feita por Felice Campi.
169 A estadia bolonhesa de Giulio é mais comumente datada no ano de 1546.
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P
ietro Perugino, o artista que, por meio do seu trabalho e do
de seus alunos, deu corpo e fama à escola umbra renascen-
tista de pintura, recebeu de Vasari, lado a lado, o elogio à obra
e a reprovação ao homem. Seu retrato vasariano não é dos mais
generosos: ultrapassa em muito o tom elogioso feito à obra, aquele
reprovador dedicado ao sujeito ambicioso, sem religião, blasfema-
dor, mesquinho, medroso, cabeça-dura… É o artista que venceu a
extrema miséria e morreu rico e famoso mais pelo trabalho contí-
nuo e incansável a que se entregou do que por seu talento.
A leitura desse retrato do artista, contudo, não parece se encai-
xar na leitura do seu trabalho pictórico. A biografia vasariana
de Perugino nos faz esperar o encontro com uma obra correta e
nada medíocre, mas árida e insípida. Mestre da composição que
bem maneja a profundidade espacial — a perspectiva —, soube
povoar suas paisagens de sonho de belas e elegantes arquiteturas
e de belas e elegantes figuras, às quais tolheu o movimento e todo
drama. Contraditoriamente, surgiram das mãos do ateu sovina
imagens capazes de despertar no observador um elevado senso
1 Tradução da “Vita di Pietro Perugino, pittore”. In: Vasari, G. Le vite de’ piú
eccellenti pittori, scultori, e architettori, scritte da M. Giorgio Vasari pittore et
architetto aretino, di nuovo dal medesimo riviste et ampliate con i ritratti loro et
com l’aggiunta delle Vite de’ vivi e de’ morti dall’anno 1550 insino al 1567. Veneza:
Giacopo Giunti, 1568, a partir da edição de Gaetano Milanesi. Florença: Sansoni
Editore (1878–1885) 1906.
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7 O Cristo morto mencionado por Vasari como tendo sido feito para as freiras
de Santa Chiara está hoje em Florença, na Galeria do Palácio Pitti. A obra (óleo
sobre madeira, 214 x 195cm), é assinada datada de 1495 pelo próprio Perugino:
PETRVS PERVSINVS / PINXIT A. D. M. CCCC / LXXXXV. É uma referência
segura para a Deposição Borghese, de Rafael (1507), pelo colorido, disposição
das figuras e pelo ritmo que o aluno irá depurar.
8 Em italiano, “gesuati”, ou na grafia variante “ingesuati”, sem correspondente
preciso em português.
9 Trata-se da igreja de San Giusto alle Mura, que foi abandonada e demolida
em 1529, quando o príncipe Filiberto de Orange ameaçava sitiar Florença. O
convento foi demolido em 1668.
10 A respeito da igreja de San Giusto, Vasari faz aqui uma longa digressão,
ausente na edição de 1550.
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12 Trata-se do convento de San Giovanni Battista della Calza, para onde os frades
de São Jerônimo se transferiram em 1531.
13 Essa obra, intitulada A oração no horto (176 x 166cm, 1495), passou do con-
vento de São Giusto ao de San Giovannino e depois, no início do século XIX, à
Galleria dell’ Accademia de Florença. Hoje se encontra na Galleria degli Uffizi.
14 A Pietà (168 x 176cm, 1494–1495) esteve no convento de San Giovannino
até 1609–1621, quando passou à villa Imperiale. Depois passou ao Pitti, foi con-
fiscada pelos franceses e devolvida em 1815. Encontra-se atualmente na Galleria
degli Uffizi, em Florença, constando de seus inventários desde 1819 (n. 8365). A
obra sofreu muitos danos e restauros inábeis.
15 Hoje na Galleria degli Uffizi (n. 3254), a pintura mostra um estilo diverso das
outras duas mencionadas por Vasari no mesmo convento. Por isso, há variações
consideráveis na datação da obra pela crítica, tendo sido já considerada como
obra dos anos 1480 ou posterior, por volta de 1500. O beato Giovanni Colombini
fundou a ordem dos frades de São Jerônimo por volta de 1360.
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16 O painel de San Francesco era uma Nossa Senhora com santos, pintado em
torno de 1506–1508, destruído por um incêndio em 1655.
17 Trata-se da Crucificação com Nossa Senhora, sete santos e anjos (400 x 289cm),
também chamada de Pala Chigi, pela encomenda feita por Mariano Chigi. Esta
obra ainda se encontra na igreja de Santo Agostino em Siena, tendo sofrido
numerosos e infelizes restauros. Foi encomendada a Pietro em 4 de agosto de
1502 e concluída em junho de 1506. O primeiro pagamento é documentado em
agosto de 1503.
18 Em 1785, a pintura foi transferida ao palácio Albizi. Em 1880 foi passada à
tela e vendida para fora do país, perdendo-se em seguida. Existe, contudo, uma
gravura que a representa, realizada em 1787 por Johannes Ottaviani.
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19 Esse painel encontra-se hoje na Galleria degli Uffizi (n. 8366). Trata-se de
uma Ascensão da Virgem com os santos Giovanni Gualberto, Bernardo degli Uberti,
Benedito e Miguel (415 x 246cm). Foi pintado em 1500, assinado e datado:
“PETRVS PERVSINVS PINXIT AD MCCCCC”. Encontra-se em bom estado
de conservação, depois dos modernos restauros.
20 Esse painel foi encomendado a Perugino, em 1496, sob o conselho de
Ludovico, il Moro. Do políptico, existe ainda na cartuxa o Eterno em Glória,
enquanto que a parte central, com a Madona e o Menino, São Rafael, Tobias e
São Miguel, está agora na National Gallery, em Londres (n. 288). Perderam-se
dois painéis com as figuras da Anunciação durante o espólio napoleônico.
21 A Assunção da Virgem (500 x 300cm) encontra-se ainda hoje na catedral
de Nápoles, datada de cerca de 1506. A obra sofreu muitas restaurações, mas
aquela realizada em 1960 trouxe à luz o colorido original, confirmando a auto-
ria da obra a Perugino.
22 A Ascensão (400 x 250cm) também se encontra atualmente em seu lugar
original, na Catedral de Borgo San Sepolcro. A obra vem datada de cerca de 1510.
A mão de Perugino seria mais reconhecível nas cabeças das figuras principais. A
predela traz uma Anunciação e uma Adoração do Menino.
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23 Trata-se da Nossa Senhora com o Menino em glória e os santos Miguel Arcanjo,
Catarina de Alexandria, Apolônia e João Evangelista (152 x 124cm), que, enviada a
San Giovanni in Monte, em Bolonha, permaneceu na capela Vizzani até o confisco
napoleônico, tendo sido restituída em 1815. Hoje é conservada na Pinacoteca
Nazionale di Bologna. A obra é assinada PETRVS PERVSINVS PINXIT, mas a
datação é discutível, variando de 1493 a 1500.
24 Na capela Sistina, Vaticano.
25 Pietro trabalhou na capela Sistina por um ano. Sua estadia é lembrada também
pelo Anonimo Magliabechiano e vem colocada entre 27 de outubro de 1481 e 5
de outubro de 1482. Vasari fala mais a respeito dos afrescos quatrocentistas da
Sistina na Vida de Cosimo Rosselli. Trabalharam então nessas pinturas, além de
Perugino e Cosimo Rosselli, Botticelli e Ghirlandaio, e, num segundo momento,
Signorelli, Pinturicchio, Piero di Cosimo e Rocco Zoppo.
26 O afresco representando A Entrega das chaves a São Pedro (335 x 550cm) é
uma das pinturas remanescentes de Perugino na capela Sistina e a melhor con-
servada entre as deste artista no local. A organização espacial, o ritmo compo-
sitivo e a interpretação da luz atmosférica fazem desta pintura um dos pontos
altos da carreira do artista.
27 A mão de Bartolommeo della Gatta neste afresco é vista nas figuras dos dois
apóstolos que vêm logo atrás de Cristo.
28 Destas três últimas composições mencionadas por Vasari, apenas uma ainda
existe: O batismo de Cristo (no início da parede direita; 335 x 540cm). Vasari,
contudo, deixa de mencionar, no mesmo ciclo, a Viagem de Moisés ao Egito
(fronteando O Batismo de Cristo, na parede esquerda; 335 x 540cm). A Natividade
de Cristo e o Moisés salvo das águas estavam representados na parede do altar.
29 Vasari escreve: “fece la tavola in muro”, instaurando a dúvida quanto à
natureza da técnica empregada pelo pintor, se afresco ou óleo sobre madeira.
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outras de Pietro, tem-se por certo que sejam de suas primeiras obras
na cidade. Em San Lorenzo, a catedral da mesma cidade, é de mão
de Pietro, na capela do Crucifixo, a Nossa Senhora, São João e outras
Marias, São Lourenço, São Tiago e outros santos42. Pintou ainda, no
altar da sacristia, onde está colocado o anel com que a Virgem Maria
foi desposada, as bodas dessa Virgem43.
Depois, fez em afresco toda sala de audiência do Cambio44, isto
é, no compartimento da abóbada fez os sete planetas sobre carros
puxados por diversos animais45, segundo o costume antigo, e na
parede diante da porta de entrada fez a natividade46 e a ressurrei-
ção de Cristo47. Em um painel fez um São João Batista em meio a
outros santos. Depois, nas paredes laterais, pintou, à sua maneira,
Fabio Massimo, Sócrates, Numa Pompílio, F. Camilo, Pitágoras,
Trajano, L. Sicinio, Leônidas espartano, Horácio Cocle, Fábio
Simprônio, Péricles ateniense e Cincinato48. Na outra parede fez
os profetas Isaías, Moisés, Daniel, Davi, Jeremias, Salomão, as sibi-
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49 A composição é O Eterno com sibilas e profetas (229 x 370cm), datada de 1500.
50 O pequeno autorretrato de Perugino (40 x 30,5cm) é acompanhado da
inscrição ditada a seguir por Vasari, na qual o pintor é elogiado pelo colorido de
sua obra.
51 Trata-se do chamado Políptico de Santo Agostino: um conjunto pictórico
complexo, composto por 24 cenas independentes, hoje disperso. A estrutura
de madeira foi encomendada a Mattia di Tommaso da Reggio em 1495 e estava
pronta em 1500. Perugino foi encarregado da pintura em 1502, e o trabalho
pictórico deve ter sido realizado entre os anos de 1503 e 1512, com interrupções.
52 O Batismo de Cristo (261 x 146cm) conserva-se na Galleria Nazionale
dell’Umbria, em Perúgia.
53 A Natividade (óleo sobre madeira; 263 x 147cm), é datada entre 1506–1510 e
é conservada igualmente na Galleria Nazionale dell’Umbria.
54 Isto é, Santa Maria Maddalena de’ Pazzi.
55 Esta obra em afresco é conhecida como a Crucificação dei Pazzi (480 x
812cm). Foi encomendada em novembro de 1493 e concluída até abril de 1496.
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A
pós quase cinco séculos de sua projetação e parcial constru-
ção, e depois de vários outros séculos de contribuições de
estudiosos ao seu entendimento, a villa que se estende nas
encostas do Monte Mario e dali parece contemplar Roma em silên-
cio permanece uma imagem fugidia, cujos contornos mais se des-
vanecem e confundem na imprecisão do inacabado que confronta
os testemunhos de sua idealização. A villa Madama é, portanto, um
sonho; um sonho criado nas letras de Rafael de Urbino.
Dois projetos arquitetônicos e o texto de uma carta são os três tes-
temunhos essenciais dessa idealização. Os dois projetos são conser-
vados em Florença, nos Uffizi, e constituem o testemunho gráfico de
ideias que Rafael estava desenvolvendo para a construção da villa.
Os dois projetos arquitetônicos são tratados aqui pela designação
oficialmente adotada: U 273 A e U 314 A; a letra U referindo-se a
“Uffizi”; a letra A a “Architettura”, sendo mais antigo o projeto 273.
De um projeto a outro, como se dirá, várias mudanças são intro-
duzidas. O terceiro testemunho é uma carta, datada da primavera
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et partes, unde flatus certi ventorum spirent. Quod cum ita exploratum habeatur, ut
inveniantur regiones et ortus eorum, sic erit ratiocinandum.” Outra lembrança do
antigo é entrevista aqui por RAY [1974, p. 152], ao sugerir que um dos pontos
de referência seguidos por Rafael na disposição da villa sobre o monte talvez
possa ser encontrado em Varrão, a partir do cotejo do trecho inicial da carta
de Rafael – “ La villa esposta a mezo la costa di Monte Mario che guarda per linea
recta a greco…” – com um trecho do De re rustica [I, 12]: “Danda opera ut potis-
simum sub radicibus montis silvestris villam ponat, ubi pastiones sint laxae, item ut
contra ventos, qui saluberrimi in agro flabunt. Quae posita est ad exortos aequinoc-
tiales, aptissima, quod aestate habet umbram, hieme solem” [“Tu deve fare in modo
che la villa si trovi specialmente sulle falde di un monte selvaggio ove i pascoli siano
estesi e che sia esposta ai venti più sani. La villa migliore è quella esposta all’oriente
equinoziale, perché nell’estate gode l’ombra e nell’inverno il sole.”].
10 Rafael chama de “mezodj” (ou “mezo dì”) o vento austro, ou seja, o sul. A
nomenclatura “ostro” é empregada apenas uma vez em toda a carta, neste mesmo
parágrafo, quando são enumerados os ventos que tocam a vila. Prevalece em
todo o texto original a palavra mezodj para indicar a orientação sul. Por questões
de eufonia, ora mantivemos o termo mezodj em sua forma original, ora o
traduzimos por “sul”.
11 Os outros dois ventos são líbico (SO) e poente (L).
12 Nessa descrição do projeto para a villa Madama, Rafael tem seu modo de
projetar, entre outras razões, aproximado do dos antigos por sua preocupação
com a disposição de cada ambiente em particular, sempre considerando sua
função, suas vistas, etc. Tal preocupação aparece também na carta redigida por B.
Castiglione ao papa Leão X. Veja-se Di TEODORO, 1994. Essa preocupação com
a impostação dos ambientes em relação aos ventos é uma constante nas cartas de
Plínio, o Jovem, em especial naquela dedicada à descrição do Laurentinum.
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A villa tem duas entradas principais, uma por uma rua que vem
do Palácio13, pelos prados14, e outra, nova, que vai em linha reta até
a Ponte Molle15, ambas com a largura de 5 varas16; e diríeis verda-
deiramente Ponte Molle ser feita para essa villa, porque a rua chega
justo na ponte17. E na extremidade dessa rua há uma grande porta
colocada no meio do edifício.
Mas para não confundir V. S., ao narrar-vos suas partes, come-
çarei pela entrada da rua que vem do Palácio e dos prados, que é
a entrada principal — e não na costa do monte —, mais alta que
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22 As medidas indicadas neste passo por Rafael coincidem com aquelas da
planta U 273 A [DEWEZ, 1993, p. 22, nota 4, 2].
23 A planta U 273 A mostra, em vez disso, apenas quatro colunas. De acordo
com FROMMEL [1984, p. 324], o vestibulum de três naves tinha sido reconstitu-
ído pelos Sangallos a partir da descrição vitruviana do átrio de quatro colunas.
24 A ordem jônica domina o edifício e foi bastante elogiada por Vasari na Vida
de Giulio Romano. Mas, no edifício, é feito uso da ordem jônica em uma dis-
posição ambígua, segundo FROMMEL [1984], porque a definição do primeiro
pavimento é dada pelas pilastras de ordem dórica, e a galeria, em si, define-se,
no conjunto, como segundo pavimento: de acordo com a regra tratadística da
sobreposição das ordens, a jônica destina-se ao segundo nível, mas aqui essa
resolução será entendida como ‘licença’, uma vez que a ordem jônica alcança o
segundo pavimento nos pilares da galeria e as pilastras trazem a ordem dórica,
mas pilares e pilastras possuem uma mesma base dórica. Quanto aos capitéis
jônicos da galeria, estes não derivariam do antigo, mas daqueles bramantescos
do cortile do Belvedere.
25 Tanto este átrio quanto o vestíbulo supracitado são tidos por FROMMEL
[1984, p.324] como inspirados nos Tusci de Plínio.
26 DEWEZ [1993, p. 23, nota 5, 1] afirma que a referência a um átrio em estilo
grego derivaria de uma interpretação errônea de Vitrúvio, no Livro VI, cap. IX.
27 O androne-andrione, aqui traduzido por “adro”, é um ambiente de passagem
que conduz da entrada de um edifício, ou de sua parte externa, a um pátio interno.
A palavra é de origem grega e significa literalmente “ambiente dos homens
(destinados aos homens)”.
28 FROMMEL [1984, p.324] lembra que Rafael, ao fazer uso da palavra
“horaculo”, “emprega uma expressão em uso, sobretudo na linguagem medieval,
para “cella, capela ou sacrário” e acrescenta que, desta forma, Rafael “quer nomear
evidentemente o centro mais íntimo do edifício…” Diferente é a interpretação
de DEWEZ [1993, p. 23, nota 5, 2]: este autor acredita que a palavra, em sua
acepção de “parte mais interna de um santuário”, fica desprovida de sentido
neste texto. Para Dewez, o horaculo de Rafael derivaria do orbiculus latino,
que significa “disco”, o que seria “obviamente um discurso sobre o significado
esotérico da forma circular”.
367
29 Esses cômodos vêm citados por Rafael em conformidade com a planta U 273 A.
30 “Melangholi”, no original. Melangolo – Citrus Bigaradia – é um tipo de laranja
ácida muito empregada no feitio de doces. Essas árvores crescem entre 3,0 e 3,5
m de altura, o que é de se considerar em relação à sua disposição num jardim
murado como este. A planta U 273 A mostra com clareza esse jardim de laranjas
com a fonte central.
31 Ou seja, a água dessa fonte chegaria até ali através de vários condutores,
mas impelida por sua própria pressão. Dewez [1994, p. 23, nota 6, 2] acredita
que essa entrada de água possa ser a mesma representada por H. J. E Bénard
em sua reprodução do plano principal de villa Madama (de 1871) conservada na
biblioteca da École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, em Paris. O desenho de
Bénard é reproduzido, entre outros, por DEWEZ, 1993, p. 37.
32 A dieta é um ambiente reservado a reuniões e conversações; uma espé-
cie de assembleia. LEFEVRE [1973–1984, p. 48] a define pela palavra italiana
“soggiorno”, ou seja, uma espécie de sala de estar. FROMMEL [1984, p.324]
lembra que a dieta situada numa torre redonda remete a Plínio, o Jovem, pre-
cisamente ao seu Laurentinum [II, XVII, 12–13]: “Hinc turris erigitur, sub qua
diaetae duae (…) Est et alia turris. In hac cubiculum, in quo sol nascitur conditur-
que…” . Também Coffin [1967, p.120] recorda Plínio e repete que a palavra
latina diaeta, que significa “um pequeno aposento separado ou um pavilhão de
jardim”, aparece nas duas cartas de Plínio que já citamos aqui. DEWEZ [1993,
p. 23, nota 7, 1] igualmente menciona a provável origem do termo em Plínio, o
Jovem, com o significado de uma estrutura destacada ou semi-destacada, que
ocuparia uma posição privilegiada dentro do complexo de uma villa e abrange-
ria um quarto ou uma série de quartos. Segundo o mesmo autor, esta definição
seria bastante pertinente para a passagem da carta em questão, mas não tão
368
adequada a outras que se seguirão, uma vez que Rafael, nestas, pareceria estar
descrevendo “comodidades” do bloco principal do edifício.
33 De acordo com DEWEZ [1993, p. 23, nota 7, 2], esse diâmetro mencio-
nado por Rafael não corresponde ao indicado pelas plantas U 273 A e U 314
A, que é menor.
34 Esse corredor fechado de acesso à dieta do torreão é indicado tanto na planta
U 273 A quanto na U 314 A.
35 A ideia de um cômodo tocado continuamente pelo sol, chamado
“heliocaminus”, é comum nas ville romanas. A palavra é rara, equiparada a
“solarium” em Ulpiano. A lei romana proibia que construções ou plantações de
terceiros se elevassem e tolhessem o sol desses ambientes. Encontramos uma
dieta iluminada continuamente pelo sol novamente em Plínio [Laurentinum, II,
XVII, 20], que, ademais, a menciona como seu ambiente predileto: “In capite xysti,
deinceps cryptoporticus horti, diaeta est amores mei, re vera amores: ipse posui. In
hac heliocaminus quidem alia xystum, alia mare, utraque solem, cubiculum autem
valvis cryptoporticum, fenestra prospicit mare”.
36 O vidro plano era então uma novidade.
37 “habitatione” – Traduzimos por “habitação”, mas ressaltamos o sentido
particular que a palavra, em português, toma no texto: não o de “casa” como um
todo, mas aquele que evoca os aposentos, ou o conjunto de ambientes de moradia
efetiva, como os apartamentos.
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370
Frommel [1984, p. 319], esse fragmento do pátio circular que Vasari chama
de “fachada” teria sido realizado após a morte de Rafael, recebendo seu aspecto
definitivo tanto por Giulio Romano quanto por Antonio da Sangallo.
40 Rafael aqui descreve um par de escadas triangulares. No entanto, enquanto o
projeto U 273 A apresenta essas escadas em formato retangular, o projeto U 314
A mostra uma escada em caracol e apenas uma triangular, como pensado pelo
artista. A modificação do formato das escadas deve-se, evidentemente, a uma
adaptação à mudança de formato do pátio central. Para Burns [1984, p. 388] as
escadas circulares seriam uma citação de elementos do Panteão.
41 Dewez [1993, p. 25, nota 11, 1] acredita ser mais adequada a tradução de
“nichio” por “recesso absidal”.
42 Essa projeção é bastante evidenciada na planta U 273 A. Já na planta U 314
A, a projeção é praticamente abolida, limitando-se ao avanço das semi-colunas
embebidas à pilastra.
43 Ou “balaustrada”.
44 No texto original, esta frase é inserida mais adiante, distanciando-se da
referência primeira ao vão central da galeria, que lhe explicita o sentido. Rafael
retoma a expressão pleonástica “colonne tonde”, que já empregara acima, como
que mostrando ter necessidade de diferenciar o uso de colunas e o de pilastras.
45 “Hipódromo” (hypodromo) é um termo que não se refere necessariamente a
pista para corridas de cavalo, mas a um local para sua guarda, cuidado e exercícios,
eventualmente relacionado a torneios. O hipódromo é bem marcado na planta U
314 A (não aparecendo na planta U 273 A), em sua porção inferior.
371
46 Esta sala coberta por cúpula – assim como o teatro que será descrito – pode
ter sido inspirada na villa Adriana e na chamada villa di Bruto. Tanto o teatro
quanto a sala coberta por cúpula são elementos ausentes das ville plinianas. Cf.
Frommel [1984, p. 324]. A cúpula aparece marcada na planta U 273 A.
47 A sequência dos cinco quartos narrados por Rafael corresponde precisa-
mente à distribuição dos ambientes da planta U 273 A.
48 Como observa Dewez [1993, p. 25, nota 13, 1], essa escada, que desaparece
no projeto U 314 A, seria o único meio de comunicação direta entre os três
níveis da villa.
49 Ou seja, cujo comprimento equivale à diagonal do quadrado formado por
sua largura.
50 Pode-se acompanhar essa descrição na planta U 314 A.
372
51 ZUCCARI [1986, p. 26] fala de dois salões que apresentam decorações exe-
cutadas ainda no tempo do cardinalato de Giulio de’ Medici. São dois salões
com teto a lacunário e com frisos pintados na parte mais alta das paredes. A
decoração ali utiliza as insígnias heráldicas do cardeal e de sua família. Hartt
[1958, I, p. 59], baseado na decoração, acredita que certamente estavam prontas
antes da eleição de Giulio ao papado, em dezembro de 1523, “pois os brasões
dos Medicis aparecem, por tudo, coroados pelo chapéu de cardeal”. Frommel
[1984, p.319–320] remete-se à correspondência de Sperulo, o capelão do papa,
homem “bem informado sobre os planos da villa”, que, em 1519, a menciona
numa descrição de fausto. Segundo Frommel, a decoração prevalentemente
ornamental do apartamento de verão não corresponde à visão de Sperulo em
1519. De sua escrita, entende-se que Rafael devia ter projetado ciclos mais
amplos de pintura parietal e que o programa decorativo devia compreender
também ciclos de afrescos representando as façanhas dos Medicis. Uma des-
sas salas é chamada “sala de Giulio Romano”, porque de Giulio seria a criação
dos afrescos que a ornamentam. A decoração aqui é bem mais simplificada
se comparada àquela da galeria. Domina a pintura numa decoração dedicada
a exaltar Giulio de’ Medici. Um friso de fundo azul vibrante corre sob toda a
abóbada, formando uma barra que parece ser “a edição pictórica da arquitrave
escultória de um templo romano: com um andamento quase dançante, desen-
rolam-se festões carregados, sustentados por candelabros e por figuras aladas,
como vitórias clássicas libertas de sua rígida pose. Ao redor, movem-se puttini
brincalhões, que se divertem entre si ou com animais e com flores.”[Zuccari,
1986, p. 26]. A abóbada, emoldurada por uma cornija saliente, é dividida em
duas faixas separadas por gregas e por desenhos geométricos: a externa é divi-
dida perpendicularmente em diversos requadros onde estão pintadas quatorze
cenas com dançarinas e outros motivos extraídos da pintura parietal romana.
A faixa interna é dedicada à impresa pessoal de Giulio de’ Medici: a esfera de
cristal que repele os raios do sol e faz queimar uma árvore: oito vezes a impresa
é repetida, duplicada em cada um dos cantos dessa partição da abóbada e
seguida do moto “Candor illesus”. O chapéu vermelho do cardeal é suspenso
por ramos de oliveira, e falcões trazem nas garras o anel com o diamante dos
Medicis. No centro da abóbada, um retângulo mostra o brasão da família, com
as seis esferas, coroado pelo chapéu cardinalício, emoldurado por um festão
de flores e frutos que remete, sem dúvida, à decoração da galeria de Psiquê na
Farnesina, nos festões elaborados por Giovanni da Udine. Ladeando o brasão,
representa-se Apolo e Diana, o Sol e a Lua, num motivo que Giulio retomará no
palácio Te, na chamada sala do Sol e da Lua [cf. Zuccari, 1986, pp. 26–27].
Em diversos outros aspectos, sobretudo pelo friso decorado com os motivos
373
antigos e de putti, e pelo uso de imprese, pode-se aproximar essa sala da camera
dell’Imprese, também no Te.
52 Trata-se da chamada “galeria do jardim”, o ambiente mais conhecido de toda
a villa Madama, tanto pela arquitetura quanto pela exuberante decoração. Pela
planta e por suas proporções, essa galeria pode ser aproximada das termas; já a
sequência pátio redondo-galeria é similar àquela formada pelo calidário e pelos
grandes nichos da natatio das termas de Caracala [cf. Burns, 1984, p. 388].
Essa galeria está presente nas plantas U 273 A e U 314 A, com medidas que cor-
respondem àquelas executadas e à narração de Rafael. Sobre o destaque desse
ambiente, escreve Henry James em 1873: “The “feature” [de todo o edifcío] is
the contents of the loggia: a vaulted roof decorated by Giulio Romano; exquisite
stucco-work and still brilliant frescoes; arabesques and figurini, nymphs and fauns,
animals and flowers – gracefully lavish designs of every sort. Much of the colour
– especially the blues – still almost vivid, and all the work wonderfully ingenious,
elegant and charming. Apartments so decorated can have been meant only for the
recreation of people greater than any we know, people for whom life was impudent
ease and success”. Serlio, no Terceiro Livro, atribui sua concepção a Rafael. Essa
ampla área, que se abre para o “xisto” em três grandes arcadas, possui uma
cobertura abobadada e êxedras repletas de nichos previstos para abrigar escul-
tura antiga: tudo inteiramente recoberto por pinturas e estuques. Vasari destaca
da galeria do jardim sobretudo a decoração a grotesca “da mão de Giovanni da
Udine” [1568-Milanesi, V, p. 526], outro aluno dileto de Rafael. Trata-se, sem
dúvida, do ponto alto da decoração da villa Madama, uma decoração tornada
complexa em função da própria complexidade arquitetônica, como se pode
melhor entender a partir da observação da planta. A galeria é tripartida, e ao
espaço que desemboca no arco central corresponde uma cobertura em cúpula;
já os espaços correspondentes aos arcos laterais recebem cobertura em abóbada
de aresta, e cada um deles termina em uma êxedra interna – que avança para
o corpo do edifício – disposta de frente para o arco de saída, com cobertura
em meia cúpula. A partição localizada a oeste é a mais complexa: ao lado da
êxedra interna é criada, apontando para o monte, uma segunda êxedra, que
serve de arremate para toda a galeria, ampliando suas dimensões, como des-
taca Rafael, e se fazendo de abside. A cúpula da galeria mostra, na parte mais
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fica no vão central. Os outros dois vãos têm à frente, cada um, um
semicírculo53, de modo que a galeria é ampliada a 5 varas de vão. Na
376
tua de Júpiter (que talvez seja o Júpiter Ciampolini), um Sileno. Uma carta de
Giulio de’ Medici a Maffei, de 1520, fala da decisão de deixar as estátuas tem-
porariamente no depósito. Ainda sob o pontificado de Leão X, acrescentam-se
as Musas da villa Adriana e, em 1525, o Júpiter de Versalhes. Alguns desenhos
de Heemskerck, que estava em Roma entre 1532 e 1535, representam está-
tuas que se encontravam na villa naquele momento. Um dos desenhos mostra
parte da êxedra voltada ao monte, e ali se pode ver duas esculturas dentro dos
nichos: Euterpe e Diana. A escultura de Euterpe encontra-se hoje em Nápoles
[Coffin, 1979, p. 253] e a de Diana acredita-se perdida. De um segundo dese-
nho de Heemskerck, representando quatro das Musas provenientes de villa
Adriana, em Tivoli, identifica-se a figura sentada de Erato, hoje no Museu do
Prado, em Madri. De Pirro Ligorio sabe-se que estas esculturas foram encontra-
das em Tivoli na época de Alexandre VI (1492–1503) e enviadas, mais tarde, a
Clemente VII. Passaram à rainha Cristina da Suécia no século XVII, ao Palazzo
Riario, em Roma, a Livio Odescalchi, em 1704, também em Roma, e a Felipe V
da Espanha, em c. 1724 (em La Granja até 1840), e depois passaram ao Prado.
Outra escultura proveniente da villa Madama é o chamado Genius ou Lare, do
Museo Archeologico Nazionale, em Nápoles. Trata-se de uma estátua colossal,
de quase quatro metros de altura, que já se encontrava em Roma antes de inte-
grar a coleção de villa Madama, proveniente talvez de algum grande complexo
público urbano romano. Estava instalada num dos nichos do jardim da villa
Madama, conforme se observa no supracitado desenho de Heemskerck, no pri-
meiro nicho, mais próximo do Júpiter. Esta peça foi para Nápoles, no século
XVIII, junto com a coleção Farnese. Um desenho atribuído a Rafael a retoma.
Uma escultura representando Júpiter entronado igualmente encontrava-se na
coleção da villa Madama. Esta escultura foi adquirida por Giulio Romano da
família Ciampolini. Depois da morte de Giovanni Ciampolini (antes de 1518) e
da de seu herdeiro Michele. O Júpiter entronado é representado em alguns dese-
nhos do século XVI, a partir dos quais é possível verificar que a figura dividia-se
em duas metades, reunidas mais tarde. Entretanto, hoje resta apenas a metade
inferior, que se encontra no Museu Archeologico Nazionale, em Nápoles.
377
55 A planta U 273 A mostra a fonte mencionada por Rafael, mas exclui os bancos.
Já a planta U 314 A não apresenta nem os bancos nem a fonte.
56 O xisto é um dos espaços da villa Madama que remete diretamente aos anti-
gos, uma vez que é um elemento que não aparece nas ville renascentistas ante-
riores. Nesta frase, pode-se pensar na correspondência com o passo de Plínio,
in Tusci [V, VI, 16]: “Ante porticum xystus”, ressaltando o posicionamento dos
dois ambientes. A palavra “xystus” é de origem grega, como explicita o próprio
Vitrúvio [Livro V, cap. XI]. Na Grécia antiga, indicava uma espécie de pór-
tico coberto onde os atletas se exercitavam. Já em Roma, na época de Plínio,
o Jovem, designava um jardim plantado comumente associado a um pórtico.
Este é o caso a que se remete Rafael. Assim, o “xisto” da villa Madama seria
um terraço arborizado que faz as vezes de jardim, tanto que Rafael refere-se
à galeria que o precede como a “galeria do jardim”. Lefevre [1973–1984,
p. 48] define o xisto simplesmente como um “terraço arborizado”. Em todos os
casos, desde Vitrúvio, há a conexão do xisto propriamente com uma galeria ou
pórtico. Vitrúvio ainda menciona a inclusão de um espaço aberto, com árvores
e plantas, caminho para passeio e bancos para repouso: “Haec autem porticus
xystos apud Graecos vocitatur, quod athletae per hiberna tempora in tectis stadiis
exercentur. Proxime autem xystum et duplicem porticum designentur hypaethroe
ambulationes, quas Graeci paradromidas, nostri xysta appellant, in quas per hie-
mem ex xysto sereno caelo athletae prodeuntes exercentur. Faciunda autem xysta
sic videntur, ut sint inter duas porticus silvae aut platanones, et in his perficiantur
inter arbores ambulationes ibique ex opere signino stationes.”
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63 Segundo Dewez [1993, p. 28, nota 19, 1], trata-se de um sistema “clara-
mente concebido como um circuito de subida e de descida para cavalos e mulas,
de extensão de aproximadamente 123m”. Para o mesmo autor, uma das rampas
curvas deveria ser necessariamente murada e de subida não tão confortável,
além de que a duplicação das rampas atrás do palco exigiria um considerável
aumento na profundidade da área exigida pelo nível da orquestra, sendo neces-
sário soerguer toda a estrutura na encosta.
64 A estrada que vai a Viterbo – chamada Via Cassia – bifurca-se por volta de
7 km antes de alcançar a via Flaminia. Esse braço da bifurcação sobe o Monte
Mario pelo lado norte, passando atrás da villa Madama e depois desce serpen-
teando em direção ao Vaticano. Esse atual caminho, portanto, não cruza exa-
tamente o centro da villa, como sugere a escrita de Rafael [cf. Dewez, 1993,
p. 29, nota 19, 2]. Revela-se aqui a preocupação de Rafael com o eixo que corta
a villa, integrando-a à paisagem (mesmo que de forma diversa e menos precisa
daquela que ele pretendia). É esse tipo de preocupação, mais que os aspectos de
simetria que dominaram a construção das ville quatrocentistas, que caracteriza
este projeto arquitetônico “à antiga”.
65 O teatro é um dos elementos que não aparecem nas descrições das ville pli-
nianas, sugerindo que Rafael tenha-se inspirado em monumentos remanescen-
tes como os que pode ter visto em villa Adriana, em Tivoli, ou na villa de Bruto
[Frommel, 1984, p. 324]. A descrição do teatro aqui feita por Rafael apro-
xima-se apenas ligeiramente do projeto U 273 A, onde este se apresenta mais
simplificado. Já na planta U 314 A, a disposição do teatro é mais próxima àquela
narrada. A estrutura, porém, será sensivelmente afastada do corpo do edifício.
Ao planejar o teatro no declive do monte, e isolando-o por meio da parede de
fundo do pátio, Rafael o excluía da perspectiva cênica total. Esse teatro seria o
cenário adequado e arqueologicamente correto do estilo romano para as apre-
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74 No original “dove anchora ve se può vedere [sic] per la schala secreta per le
parti de sopra”. A transcrição de Dewez [1993, p. 31] traz “andare” em vez de
“vedere”; o mesmo para a de Lefevre [1973–1984, p. 59].
75 Essa distribuição mencionada por Rafael coincide exatamente com o pro-
jeto executado [cf. Dewez, 1993, p. 31].
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F
rancesco Petrarca nasceu em Arezzo em 1304 e morreu
em 1374 em Arquà (atualmente Arquà Petrarca). Em 1312
mudou-se, juntamente com seus pais e irmão, a Carpentras,
pequena cidade próxima a Avignon2. Em 1316 seu pai enviou-lhe a
Montepellier a fim de que iniciasse seus estudos em direito, os quais
o jovem decidiria finalizar em Bolonha quatro anos mais tarde.
Em 1326, Francesco regressa a Avignon, e, em 6 de abril de 1327 —
como ele próprio relata em um poema3 — na igreja de Santa Clara,
pela primeira vez vê e se apaixona pela mulher que chamaria Laura,
musa e tema recorrente de seu vasto canzoniere. Em 1330 o bispo de
Lombez, Giacomo Colonna, recomenda-lhe a seu irmão, o cardeal
Giovanni Colonna; a seu serviço Petrarca pôde viajar a Paris, Liège,
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Túlia, infamando para sempre a rua por causa do seu crime19. Ali,
porém, está a Via Sacra e as colinas do Esquilino, Viminal, Quirinal
e Célio20; ali o Campo Márcio e as papoulas cortadas pela mão do
Soberbo21. Aqui se pode ver ainda a infeliz Lucrécia caída sobre
sua espada e o adúltero escapando à morte, assim como Brutus, o
vingador da castidade violada22. Ali ameaça Porsena, e o exército
etrusco, e Múcio ferindo agressivo sua própria mão direita, e o filho
do tirano competindo com a liberdade, e o cônsul perseguindo até o
próprio inferno o inimigo expulso da cidade23, e a ponte sublícia que
se rompe atrás dos valentes, e Horácio nadando, e Clélia retornando
19 Túlia Menor, filha mais jovem de Sérvio Túlio, teria tramado juntamente
com seu marido, Tarquínio, o assassinato do próprio pai; segundo Tito Lívio
(op.cit., 1:48), ela teria passado com sua carruagem sobre o cadáver de Sérvio
em uma rua que, desde então, teria ficado conhecida como Vicus Sceleratus, i.e.
“rua da infâmia”.
20 Essas são quatro das assim chamadas sete colinas de Roma. As outras três são
o Palatino, Capitolino e Aventino.
21 Referência a Lúcio Tarquínio, chamado Soberbo, que, segundo Tito Lívio (op.
cit., 1: 53), teria cortado as papoulas mais altas de seu jardim para dar a entender a
seu filho que, para fortalecer o poder sobre uma cidade recentemente conquistada,
é preciso executar seus cidadãos mais destacados.
22 Segundo Tito Lívio (op.cit. 1: 56), Lucrécia, uma jovem nobre romana,
suicidara-se após ter sido violada por Sexto Tarquínio; Lucius Junius Brutus,
irmão de Lucrécia, exibe publicamente seu corpo, o que acaba por fazer eclodir a
rebelião popular que exila Tarquínio e estabelece a república romana.
23 O cônsul Marcus Valerius morre durante sua perseguição a Titus Tarquinius
(Dionísio, Das Antiguidades Romanas, 6:12, e Tito Lívio, op. cit., 2:20).
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26 De acordo com Tito Lívio (op. cit., III, 26), Lucius Quinctius Cincinnatus foi
avisado por um grupo de senadores que havia sido nomeado dictactor enquanto
arava a terra, em sua fazenda situada ao outro lado do Tibre em um local
conhecido como pradeira de Quinctius.
27 Atílio Serrano, cônsul em 170 a.C.
28 Os primeiros anos da república foram marcados por disputas acirradas
entre plebeus e patrícios relativas aos direitos e deveres dos primeiros. Segundo
a tradição, em 494 a.C. os plebeus recusaram-se a servir no exército e estabele-
ceram um assentamento no assim chamado mons sacrum, por alguns identifi-
cado com o próprio Aventino. No local, ergueram um santuário próprio, oposto
ao Capitólio, dedicado a Ceres, Liber e Libera.
29 Decemviri significa, literalmente, dez homens, designando uma comissão
oficial de dez (o termo é análogo, por exemplo, a triumviri, comissão de 3, de
onde triumvirato). Petrarca faz referência aqui aos decemviri legibus scribundis,
isso é, uma comissão legislativa temporária nomeada em 451 a.C. com a missão
de reelaborar o código de leis de forma a solucionar as tensões entre patrícios
e plebeus. Ápio Cláudio pertencia ao segundo decenvirato, instituído em 450
a.C., mais violento e autoritário que o anterior. Quando o seu mandato expirou,
os decemviri recusaram-se a permitir que fossem designados sucessores. Ápio
teria tomado uma decisão injusta e arbitrária ao condenar uma jovem, Virgínia,
à prostituição, o que levou seu pai a matá-la; essa injustiça teria precipitado a
revolta contra os decemviri e a sua renúncia, em 449 a.C.
30 A história de Coriolano, herói que seria da tragédia shakesperiana, é con-
tada por Tito Lívio (op.cit., 2:33 e seg.) e Plutarco (Alcebíades e Coriolano).
Pertencente a uma família abastada, o general Coriolano comandou a vitória
romana contra os volcianos (século V a.C.), tribo itálica inimiga. De volta à
urbe, no entanto, Coriolano envolveu-se em disputas políticas com podero-
sos inimigos, os quais, por sua vez, conseguiram decretar seu exílio de Roma.
Inconformado, Coriolano alia-se com Tulo Aufídio, nobre pertencente à mesma
tribo volciana que o general conseguira derrotar, propondo-lhe juntar forças e
atacar Roma. Quando Coriolano e as tropas volcianas estavam prestes a atacar
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de Júpiter Stator e Feretrio; ali teve Júpiter sua morada, lar de todos
os triunfos. Aqui Perseu36 foi trazido, ali foi expulso Aníbal37, aqui
foi destruído Jugurta, como creem alguns (segundo outros, faleceu
no cárcere)38. Aqui triunfou César; aqui pereceu39. Neste templo
Augusto viu prostrados reis e todo o mundo aos seus pés; aqui o
arco de Pompeu, ali o pórtico, mais além o arco címbrio de Mário.
Ali a coluna de Trajano, onde ele — o único entre os imperadores,
segundo Eusébio40 — foi enterrado dentro das muralhas da cidade,
aqui a ponte que, mais tarde, chamar-se-ia São Pedro, e a fortaleza
de Adriano, na qual ele próprio foi sepultado, e que agora chamam
Castel Sant’Angelo. Esta é a rocha de admirável magnitude sobre a
qual há dois leões brônzeos que eram sagrados para os divos impe-
radores, em cujo topo, diz-se, descansam os ossos de Júlio César.
Aqui o santuário de Telos41, ali o templo da Fortuna, o templo da
Paz, justamente destruído quando da vinda do rei da paz42. Ali está a
defender o Capitólio, teria sido alertado pelo alarido dos gansos da aproxima-
ção sorrateira dos gauleses.
36 Filho de Felipe da Macedônia. Ao final da terceira guerra macedônia, foi
localizado, foragido, na Samotrácia, e levado a Roma em triunfo.
37 General cartaginês célebre por ter atravessado os Pirineus e os Alpes liderando
seu impressionante exército, o qual incluía elefantes de guerra, com o objetivo de
conquistar Roma (segunda guerra púnica). Apesar de ter permanecido 16 anos
em solo italiano, Aníbal jamais tomou Roma.
38 Referência ao rei numídio que, capturado pelos romanos, provavelmente
morreu encarcerado em 104 a.C.
39 No original: Hic triumphavit Cesar, hic periit. Essa frase corresponde talvez
ao zênite da enumeração petrarqueana de monumentos e feitos romanos, expri-
mindo, com extraordinário poder sintético, a grandeza e ao mesmo tempo a
fragilidade do passado clássico.
40 Chronikon, s.a. 2132.
41 O Aedes Telluris, templo de Telos Mater, foi erigido no Esquilino, provavel-
mente, em 268 a.C.
42 O episódio é relatado na Legenda Aurea de Jacopo da Voragine: em Roma
havia sido construído um templo da Paz, em cujo interior colocara-se uma
estátua de Rômulo. O oráculo de Apolo, consultado, declarara que essa está-
tua e o templo permaneceriam de pé até o dia em que uma virgem desse à
luz. Como os romanos consideravam que isso seria impossível, inscreveram no
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58 Petrarca retoma o antigo topos do nosce te, conhece-te a ti mesmo, aqui apli-
cado a Roma e concebido como condição do seu renascimento. Sylvie Deswarte
observou a ressonância dessas palavras na gravura de Francisco de Holanda
reproduzida nesse volume, na qual a inscrição Nosce Te aparece na lousa de um
sepulcro portada por dois gênios alados (Ideias e Imagens em Portugal na época dos
Descobrimentos. Francisco de Holanda e a teoria da arte. Lisboa: Difel, 1992, p. 73).
397
dava. Assegurei-te, contudo, que não diria nada novo, nada que fosse
realmente meu, e no entanto nada que me fosse alheio: tudo o que
dizemos é sempre nosso, desde que o olvido não nos lho arrebate
talvez. Pedes-me agora que eu repita o que disse naquele dia, e que o
escreva em uma carta. Confesso-te que disse muitas coisas que posso
somente repetir com diferentes palavras. Devolve-me aquele lugar,
aquela tranquilidade, aquele dia, aquela atenção tua, aquela veia do
meu engenho, e poderia fazer o que fiz então. Mas tudo mudou; o
lugar não está aqui, o dia passou, a tranquilidade perdeu-se, e ao
invés da tua face vejo uma carta muda. Meu espírito está perturbado
pelo rumor dos negócios que deixei atrás, negócios que até pouco
atrás bramiam em meus ouvidos, apesar de que eu tenha escapado
assim que pude para responder-te mais livremente59. Obedecer-te-ei,
contudo, como melhor puder. Poderia enviar-te alguns textos de
antigos e de modernos nos quais encontrarias o que buscas, mas me
pediste expressamente para não fazê-lo quando me rogaste que dis-
sesse o que quer que tenha a dizer sobre o assunto com minhas pró-
prias palavras, já que, como observaste, tudo o que eu digo parece-te
agradável e claro. Agradeço-te por essa opinião, seja ela verdadeira,
ou seja um modo de estimular-me o espírito. Eis aqui o que te disse
então, talvez com outras palavras, mas certamente com o mesmo
sentido. Mas, realmente, o que fazemos? Esse tema certamente não
é pequeno, essa carta está já muito longa, e nem sequer começamos,
apesar de que o fim deste dia esteja já próximo. Não deveríamos dar
um pouco de repouso aos meus dedos e aos teus olhos? Retomemos
o restante amanhã; dividamos o labor e a carta, e não tratemos em
um mesmo papel de assuntos diversíssimos. Mas, o que tenho eu em
mente? O que te prometo, quando te falo de outra carta amanhã?
Este não é nem um assunto para um único dia, nem um labor epis-
tolar, mas exige um livro, o qual iniciarei — se, entretanto, cuidados
maiores não me impedirem e perturbarem — quando a fortuna me
restituir minha solidão. Somente ali, e não em outro lugar, sou meu;
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30 de novembro, em trânsito
399
P
aolo Giovio (Como, 1483 – Florença, 1552) envolveu-se com
as ciências literárias incentivado pelo seu irmão Benedetto
Giovio. Este, por sua vez, era historiador e participou de pro-
jetos como a tradução e anotação do De architectura, de Vitrúvio,
em 1521, com Cesare Cesariano. Paolo estudou física nas cidades
de Pavia e Pádua, quando conheceu Leonardo da Vinci que traba-
lhava nas ilustrações do livro de Marco Antônio della Torre, com
quem estudara na universidade. Trabalhou em Roma para os papas
Júlio II, Leão X, Clemente VII e Paulo III.
No mundo das artes exerceu uma importância não relacionada à
produção artística, mas sim ao distinto interesse em salvaguardá-las,
fazendo-o exercitar a prática do colecionismo, especificamente de
retratos, e a preocupação em registrar os artistas de destaque histó-
rico. Entende-se este registro como uma forma de manutenção da
memória, legitimando artistas selecionados através de curtas bio-
grafias que ilustrassem seus processos criativos.
1 Tradução realizada a partir da versão italiana. In: Scritti d’arte del Cinquecento
– Volume I (org. Barocchi, Paola). Turim: Giulio Einaudi Editore, 1977;
pp. 7-18. (1ª edição: Milão: Riccardo Ricciardini editore, 1971 – Tradução de
Paola Barocchi a partir do original em latim).
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Vida de Michelangelo
7 A escultura equestre foi destruída com a invasão francesa, mas conhece-se seu
estudo, datado entre 1488 e 1499 e conservado hoje na Royal Library, em Windsor.
8 A pintura do teto da Capela Sistina, no Vaticano, foi executada entre 1508 e
1512 sob a encomenda do papa Júlio II, enquanto que o Juízo Final foi realizado
entre 1535 e 1541, encomendado pelo papa Paulo III.
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as nove Musas aplaudem Apolo que canta com sua lira13; no outro
os soldados em guarda no sepulcro de Cristo, reluzem com pouca
luz na sombra da noite14. Em um quarto mais interno, o refeitó-
rio de Leão X, representava a ferocidade de Totila, as desventuras
e perigos de Roma incendiada15; e com igual elegância, mas com o
pincel caprichado, preenche a loggia de Leão com uma maravilhosa
variedade de flores e animais. Sua última obra foi a Batalha e der-
rota de Massenzio16, a qual foi iniciada em um refeitório bastante
grande e finalizada mais tarde pelos discípulos. Mas feliz foi a sua
tela que o papa Clemente dedicou a Gianicolo no altar de São Pedro
em Montorio: nesta vê-se uma criança corrompida pelo espírito
maligno, cujos olhos fixos e inquietos denunciam o ânimo agitado17.
Em todos os gêneros da pintura, de resto, suas obras nunca mos-
traram pouco daquela beleza particular que chamamos graça; apesar
de, às vezes, ter sido excessivo no revelar dos músculos das pernas,
mostrando muito ambiciosamente antepor a força da arte à natu-
reza. Nem parece ter observado exatamente as regras da perspectiva,
mas na representação das linhas de contorno junto com o preenchi-
mento entre as diversas zonas cromáticas, atenuando e solidificando
a aspereza das cores mais vivas era o que o fazia ser admirado, des-
prezado apenas por Buonarroti, unindo a pintura sabiamente dese-
nhada ao ornamento luminoso e resistente das cores a óleo.
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V
asari abre a terceira parte de sua série de biografias (a “ter-
ceira idade”) com a vida de Leonardo da Vinci (1452–1519).
Relata sua trajetória produtiva iniciada com o apoio forne-
cido pelo seu pai até a calorosa morte nos braços do rei da França.
Analisa obras que hoje em dia são muito conhecidas e outras de que
não temos mais notícias. A partir desta biografia, Vasari contribui
para a grande fama de Leonardo da Vinci como um dos maiores
artistas e inventores do Renascimento.
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cios, e foi o primeiro, ainda que jovem, a estudar o rio Arno para
transcorrê-lo de Pisa à Florença2.
Fez desenhos de moinhos, pisões, dispositivos que pudessem
mover-se pela força da água. E, escolhendo como profissão a pin-
tura, estudou muito como copiar do natural. Fez modelos de figu-
ras em argila e por cima deles colocava panos molhados e depois
com paciência os desenhava em tela de linho ou de pano usado, e
os trabalhava em preto e branco com a ponta do pincel, o que era
maravilhoso, como ainda pode-se ver em algumas que tenho de sua
autoria em nosso livro de desenho. Além destas, desenhou em papel
com tanta exatidão, que ninguém nunca se igualou a ele em tal refi-
namento, como na divina cabeça que executou com delicado estilo
o efeito do claro escuro. E naquela capacidade infusa de tanta graça
divina e de demonstração assim extraordinária, conciliada com seu
intelecto e memória e com a habilidade de desenhar, sabia assim tão
bem exprimir seu conceito que com a reflexão vencia e com a razão
perturbava cada mente vigorosa.
E todo dia fazia modelos e desenhos para poder desmoronar mon-
tanhas com facilidade, perfurando-as de um plano a outro através
de cabrestantes e roscas que levantavam e moviam grandes pesos,
assim como meios de turbinar a água para lugares necessitados, coi-
sas que este gênio nunca deixava de fantasiar. Estes planejamentos
e trabalhos estão em demasia entre nossa arte, mas eu não vi mui-
tos. Dedicou-se extensamente a um grupo de cordas executadas em
ordem, de uma ponta à outra, até que se enchesse um círculo, onde
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3 Tal pintura foi executada entre 1472 e 1475 e hoje encontra-se na Galleria
degli Uffizi, em Florença.
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deuses marinhos. Este desenho foi doado pelo seu filho Fabio ao
mestre Giovanni Gaddi, com o seguinte epigrama:
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terem visto coisa mais bela e mais soberba8. Tal obra durou até os
franceses chegarem em Milão com o rei da França Ludovico; estes
a destruíram por inteiro. Havia também um modelo pequeno de
cera, considerado perfeito, que, junto com um livro de anatomia de
cavalos feito para seu ateliê, foi perdido.
Posteriormente dedicou-se com afinco à anatomia humana, aju-
dando e sendo ajudado por Marco Antônio della Torre, um exce-
lente filósofo que ensinava em Pádua e escreveu sobre tal assunto.
E ouvi dizer que foi também, através da doutrina de Galeno, o pri-
meiro a ilustrar as coisas médicas e a dar verdadeira importância à
anatomia, até então mergulhada em obscura ignorância. E, neste
aspecto, estava muito bem servido com o trabalho e as mãos de
Leonardo, que fez um livro sobre anatomia em lápis vermelho e
delineado à pluma, gravado com suas mãos com grande maestria,
retratando todo o esqueleto, pondo em ordem os seus respectivos
nervos e músculos, o primeiro estruturado com ossos, os segun-
dos bem firmes e os terceiros em movimento. E, em diversas partes,
escreveu notas em estranhas letras, usando sua mão esquerda e da
direita para a esquerda, assim não poderia ser lido sem prática e
espelho.
Grande parte destes desenhos anatômicos são de autoria de
Francesco Melzi, nobre homem milanês, que era ainda uma criança
na época de Leonardo e que gostava muito dele. Sendo hoje um
homem belo e cortês, deixou como relíquia tais desenhos junto a
um retrato de Leonardo9. E a quem lê aqueles escritos parece impos-
sível que tal espírito divino fosse capaz de representar tão bem a arte,
músculos, nervos e veias, sempre de maneira tão exata.
8 O legado atual desta obra está reduzido a alguns estudos e manuscritos dei-
xados por Leonardo, como aquele hoje conservado na Royal Library, da coleção
Windsor, datado de 1488–1489, e uma miniatura em bronze datada de 1516–
1519 encontrada no Museu de Belas Artes de Budapeste.
9 Royal Library, Windsor. Data posterior a 1510.
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11 Não se sabe ao certo a que obra Vasari se refere nesta passagem. Deste tema
e autoria restaram-nos duas obras, uma inacabada, ainda com tratamento grá-
fico (National Gallery, Londres, datada entre 1507 e 1508) e outra já mais fina-
lizada e colorida (Museu do Louvre, datada de 1510). Vasari menciona quatro
personagens, a Madona, sua mãe, o Menino e São João Batista, o que elimina-
ria a possibilidade de estar se referindo àquela do Louvre que retrata apenas
uma criança. No entanto, é justamente nesta que aparece o carneiro com o
qual São João Batista brinca, atributo extensamente relacionado a este santo.
Poderíamos considerar uma terceira obra, hoje talvez perdida, que aglomerasse
tais elementos descritos.
12 Conservada na National Gallery of Art de Washington e datada entre
1474 e 1476.
13 Datada entre 1503 e 1505 e conhecida também como La Gioconda, está
hoje no Museu do Louvre.
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14 Tais descrições dizem respeito à Batalha de Anghiari pintada na Sala del
Consiglio do Palazzo Vecchio de Florença, retratando o combate entre floren-
tinos e pisanos. Michelangelo também havia iniciado, por volta de 1505, no
mesmo palácio, os estudos para a Batalha de Cascina (também inacabado). Da
obra de Leonardo não restaram muitos indícios, apenas alguns estudos gráfi-
cos hoje espalhados entre a Galleria degli Uffizi, em Florença; Royal Library,
Windsor; Museum of Fine Arts, de Budapeste; Galleria dell’Accademia, Veneza;
além de diversas cópias, sendo a mais conhecida aquela atribuída a Peter Paul
Rubens, conservada no Museu do Louvre e datada de c. 1603.
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15 Jean Dominique Ingres se inspira nas anedotas vasarianas para retratar a
morte deste gênio, como podemos observar na pintura A Morte de Leonardo,
datada de 1818 e conservada no Museu Petit Palais, em Paris.
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N
ascido em 1866 como filho primogênito de um rico ban-
queiro judeu alemão de Hamburgo, Warburg é agora prin-
cipalmente lembrado como o idealizador e fundador da
importante Biblioteca Warburg, hoje sediada em Londres, e como
mentor da assim chamada “Escola de Warburg”, vinculada às ativi-
dades daquela biblioteca, que inclui importantes nomes da história
da arte, como Erwin Panofsky, Fritz Saxl, Edgard Wind, Gombrich,
Frances Yates, entre outros. Dedicou a maior parte de sua carreira
a investigações sobre o Renascimento europeu, dando contribui-
ções de grande importância para o campo. Contrapondo-se a abor-
dagens estritamente formalistas nascidas do círculo da “Escola de
Viena”, Warburg insistia na importância de compreender a obra de
arte como um testemunho da cultura, analisando-a em conjunto
com outros documentos de época. Nesse sentido, Warburg é tam-
bém considerado o pai do método iconológico.
Warburg considerava-se um historiador da cultura e não um
historiador da arte. Concentrou seus esforços na compreensão
do destino cultural das imagens e não apenas na investigação da
“alta arte”. Nesse contexto, seu foco principal foram as formas de
sobrevivência e circulação das imagens entre diferentes épocas e
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com Il. I, fig. 1, 2, 33, cf. Roscher, M.L. Orpheus fig. 10 e 11). A
linguagem facial tipicamente patética da arte antiga, característica
das mesmas cenas trágicas na Grécia, intervém aqui construindo o
estilo de forma não mediada.
O mesmo processo pode ser observado em um desenho do cír-
culo de Pollaiuolo em Turim, para o qual o Prof. Robert me chamou
a atenção: um homem que coloca seu pé sobre o ombro de seu ini-
migo rendido, segurando-o pelo braço, foi claramente modelado no
agave, tal como ele aparece em sua loucura dionisíaca, dilacerando
seu filho Pentheus, em um sarcófago em Pisa. Também outras obras
totalmente diferentes, contendo o tema da morte de Orfeu, como,
por exemplo, o caderno de esboços do norte da Itália (pertencente ao
Lorde Roseberry), o prato de Orfeu, na coleção Correr, uma meda-
lha no Museu de Berlin e um desenho (Giulio Romano?) no Louvre
mostram de forma quase uníssona, com que força vital essa fórmula
do pathos (Pathosformel), arqueologicamente fiel às representações
de Orfeu ou Pentheus, se naturalizou em círculos artísticos. Isso é
acima de tudo comprovado pela xilogravura que integra a edição
veneziana de Ovídio, datada de 1497, que acompanha a narrativa
dramática de Ovídio sobre o fim trágico do cantor, uma vez que essa
ilustração, talvez em uma referência direta à gravura norte-italiana,
remonta ao mesmo original antigo que parece até mesmo ter sido
conhecido em sua versão completa — ver aquele com a Mênade
vista de frente. Aqui ressoa na imagem a voz do verdadeiro Antigo,
familiar ao Renascimento, pois o fato de que a morte de Orfeu não
era simplesmente um motivo de ateliê interessante e puramente for-
mal, mas sim uma experiência apaixonada e compreensiva, sentida
de acordo com o espírito e as palavras pagãs de tempos remotos,
vindos dos obscuros jogos de mistério das profecias dionisíacas,
pode ser comprovado pelos primeiros dramas italianos de Poliziano,
como seu Orfeu, expresso em forma ovidiana, que teve estreia em
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compreensível do que deve ter sido para Dürer, que não só tinha
precisamente construído esta figura usando medidas vitruvianas,
mas também — um fato assombroso descoberto por Giehlow4 —
tinha ilustrado, através da figura de Nêmesis, um poema latino de
Poliziano em todos os seus detalhes.
Porém, aquilo que fazia falta aos italianos, o pathos decorativo,
isso Dürer não queria mais, de forma consciente. Assim escla-
rece-se também aquela passagem na mesma carta de Dürer acima
citada: “e a coisa que me agradava tanto há onze anos, não me
agrada mais agora. E se eu mesmo não a tivesse visto, não teria
acreditado em ninguém”. Em minha opinião, que fundamentarei
de forma mais completa adiante, a coisa há onze anos tinha sido
aquela série de gravuras italianas de pathos, que ele tinha copiado
em 1494/95, acreditando que fosse a verdadeira maneira antiga
da grande arte pagã.
Dürer pertencia, certamente, aos combatentes daquela linguagem
gestual barroca à qual a arte italiana se impelia desde meados do
século XV, pois se vê falsamente na escavação do Laocoonte em 1506
uma causa para o início do estilo barroco romano do grande gesto.
A descoberta do Laocoonte é na verdade apenas o sintoma externo
de um processo internamente condicionado da história dos estilos,
encontrando-se no ápice e não no início da “degeneração barroca”.
Achou-se apenas o que há muito se procurava no Antigo e por esse
motivo se encontrou: a forma trágica, sublimemente estilizada, para
expressões miméticas e fisionômicas extremas. Assim, por exemplo,
— para lançar mão de apenas um exemplo desconhecido e surpre-
endente — Antonio Pollaiuoilo usou como modelo para a expres-
são agitada da figura de um David (no escudo de couro pintado
em Locko Park), até nos mínimos detalhes movimentados de suas
formas acessórias, uma obra autenticamente antiga: o pedagogo dos
filhos de Niobe. E em 1488, quando uma pequena cópia do grupo
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Academia Afresco
Instituição ou associação destinada Técnica de pintura utilizada em pare-
à formação do artista em seu ofício. des e tetos, em geral para formar pai-
Embora o termo tenha sido empre- néis. Consiste na aplicação de tinta
gado já no Quatrocentos para descre- sobre a superfície do emboço ainda
ver encontros literários, a partir do úmido, possibilitando sua penetra-
século XVI passa a designar corpo- ção na base.
rações que incluem o ensino intelec-
tual, e não exclusivamente manual, Água-forte
do artista (a Academia de Desenho Termo utilizado para designar o
de Florença, capitaneada por Giorgio ácido (atualmente chamado nítrico)
Vasari e formalmente constituída em diluído em água utilizado para gra-
1563, é considerada a primeira delas). var chapas de metal (ferro, cobre,
A partir do século XVII, o conceito latão ou zinco) que geram matrizes
acadêmico chega à França, Espanha e de gravura. Com o tempo, passou a
Países Baixos; na França de Luís XIV, designar a própria gravura feita com
torna-se parte integral do aparato do esta matriz.
estado. No século XX, o termo conti-
nuaria sendo utilizado para denomi- Água-tinta
nar escolas de arte; sobretudo a partir Técnica de gravura que consiste em
do modernismo, contudo, passa a refe- produzir a matriz a partir de pro-
rir-se à arte conservadora que se pro- cessos químicos que criam uma tex-
duzia neste tipo de instituição – por tura, a qual gera, ao invés de linhas,
oposição às vanguardas – assumindo regiões tonais para criar áreas de
então uma conotação pejorativa. sombreamento.
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sar de nunca ter chegado a tornar-se pela primeira vez empregado pelo
pintura efetivamente, foi inspiração e jurista alemão Johann Stephan
base de estudo para diversos pintores Pütter nos anos 1760 para definir
de seu tempo e após. tanto a reação católica militar, polí-
tica e ideológica ao luteranismo
Claro-escuro quanto o arco temporal compre-
Estratégia inovadora cuja invenção endido entre a paz de Augsburgo
é atribuída ao artista Leonardo da (1555) e o fim da guerra dos trinta
Vinci, o claro-escuro ou chiaros- anos (1648). Em 1946, Hubert
curo é uma técnica pictórica que faz Jedin redefiniu o termo – dife-
uso do contraste entre luz e sombra renciando-o de Reforma Católica
na representação de uma imagem, – como a série de medidas toma-
produzindo um efeito de volume das pela igreja católica a partir dos
gerado, em objetos reais, pela inci- anos 1550, notadamente com os
dência da luz sobre eles. O efeito decretos doutrinais contra o pro-
também pode ser obtido em escul- testantismo formulados durante o
tura (e em baixo ou alto-relevo) pela Concílio de Trento. A sessão final
incidência de luzes e sombras nas do Concílio enfatizou o caráter
reentrâncias da figura. didático e decoroso da arte: o artista
deveria preferir estabelecer parale-
Coluna salomônica los mais entre o Antigo e o Novo
Coluna torsa ou espiralada que pode Testamento do que com a tradição
estar relacionada tanto a um fitomor- clássica, e suas obras devem repre-
fismo que imita os movimentos orgâ- sentar cenas de forte apelo emocio-
nicos dos elementos naturais quanto nal. As pinturas deveriam ater-se
à alusão aos diversos simbolismos às histórias bíblicas tradicionais
da serpente enroscada. Geralmente evitando ornamentos demasiados
possui motivos decorativos atrelados e detalhes muito imaginativos. Por
às videiras, como as uvas, as folhas outro lado, a fim de evitar confu-
e seus colhedores, que no Antigo são, era preciso ater-se aos atribu-
Testamento simbolizam a fertilidade tos convencionais: anjos deviam
da terra prometida. ter sempre asas; santos, suas auréo-
las e respectivos atributos; e Cristo
Condottiero (ou condottiere) deveria aparecer sempre com seus
Comandante militar, frequentemente estigmas. O termo Contrarreforma
de tropas mercenárias. é empregado com extrema cautela
atualmente; seus diversos detra-
Contrarreforma tores questionam a existência de
A Contrarreforma é o nome dado à um movimento geral organizado
reação da Igreja Católica à Reforma pela igreja como reação à reforma
Protestante, cujo início costuma-se protestante; aponta-se, ainda, que
identificar com a publicação das propostas de reforma no âmbito do
Noventa e Cinco Teses de Lutero em catolicismo precedem a publicação
1517. O termo Gegenreformation é das Noventa e Cinco Teses.
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Cúpula Disegno
Teto abobadado em forma de semi- O termo italiano disegno abrange um
círculo sustentado por arcos, o qual significado mais amplo e diversifi-
recobre prédios cuja planta é circular cado do que a sua tradução desenho,
ou poligonal plana. em português, ou mesmo drawing,
em inglês. Subentende não apenas
Dionisíaco o ato de desenhar, a prática grá-
Ver Apolíneo/Dionisíaco. fica como técnica artística ou como
esboço de um trabalho a ser desen-
Díptico volvido, mas se relaciona também
pintura em dois painéis com imagens à prática intelectual de concepção
relacionadas que, por convenção, criadora do artista. Vasari, em suas
devem ser expostas em dupla para Vidas, define-o como o pai das três
que seu sentido seja completo. Pode artes (arquitetura, escultura e pin-
fechar-se como um livro. Ver tam- tura), uma vez que seria a construção
bém Políptico e Tríptico. cognitiva de um conceito, um juízo
extraído da natureza às artes.
Decoro
Princípio de adequação segundo o Di sotto in su
qual, nas artes visuais, a composição, Literalmente, de baixo para cima.
a localização e os atributos dos per- Refere-se à pintura em que o obser-
sonagens representados devem ser vador tem a ilusão de estar posicio-
estritamente controlados. Alberti, nado abaixo da cena representada.
nos anos 1430, enfatiza a relação
estreita entre retórica e teoria da arte Écfrase
propondo que cada figura represen- Do grego ekphraseis (latim: descrip-
tada em uma pintura narrativa pos- tio). Dispositivo retórico através do
sua características concordes com qual se busca que uma descrição
sua forma e comportamento na lite- vívida de um determinado objeto
ratura. No caso de personagens espe- ou tema seja capaz de colocá-lo
cíficos, o pintor renascentista deveria diante do “olho mental” do ouvinte.
compreender a necessidade de cor- Em relação a obras de arte, a écfrase
respondência entre a figura pintada busca recriar tanto a impressão visual
com o retratado – sua posição social, quanto a resposta emocional evo-
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a lado, tendo entre si uma temática que quando mais da metade do volume
os une. Ver também: Díptico e Tríptico. da peça se salienta do fundo, ou
seja, algumas partes ainda se unem
Proporção ao suporte, mas há uma tridimen-
Relação entre partes que busca fixar sionalidade evidente, tem-se de um
medidas ideais; a harmonia que deve alto-relevo.
existir entre as diversas partes de um
todo, e entre cada parte e o todo. Ricordo (ou ricordanza)
Literalmente “recordação”, durante
Putti o Renascimento – especialmente
Meninos, pequenos anjos ou gênios. florentino – o termo podia signifi-
car tanto uma anotação geralmente
Quadratura concisa destinada a registrar eventos
Gênero de pintura difundido princi- como o nascimento de um filho, casa-
palmente durante o Renascimento, o mentos, um empréstimo pecuniário,
Barroco e o Rococó, em que o trompe a venda de um imóvel, etc., como o
l’oeil (ver trompe l’oeil), a perspectiva livro utilizado para esta espécie de
e outros efeitos espaciais são usa- anotações.
dos para criar a ilusão de um espaço
tridimensional sobre uma superfí- Signoria
cie plana, semicurva ou curva. Está Equivalente ao poder executivo de
fortemente associada às pinturas Florença. A extensão precisa de seu
de perspectiva do século XVIII e às poder variava consideravelmente ao
representações da arquitetura. Esta longo das sucessivas etapas de poder
técnica também incluía esculturas e republicano e mediceo.
pinturas de estuque como decoração
ilusória. Sfumato
técnica pictórica desenvolvida por
Relevo Leonardo da Vinci voltada à aplica-
Entalhe ou escultura que se pro- ção da tinta no suporte, produzindo
jeta de uma superfície plana e não o efeito do esmaecimento cromá-
se sustenta independentemente, tico. Através dessa técnica Leonardo
produzindo visibilidade pelo con- empregava a perspectiva em suas
traste de luz e sombra em relação composições, determinando os
ao fundo. O relevo pode ser encon- diferentes planos cênicos, do pri-
trado em três modalidades: baixo- meiro e mais definido ao último e
relevo, meio-relevo ou alto-relevo. mais esfumaçado.
A diferença entre eles não reside
na profundidade do entalhe, mas Simetria
no volume que se destaca: quando Equilíbrio da imagem; relação de
menos da metade do volume se tamanho ou de disposição que, entre
destaca do fundo, além de manter- si, devem ter as coisas ou as partes
se no nível do plano que ocupa, de um todo em relação a um ponto,
trata-se de um baixo-relevo; já eixo ou plano.
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Stanze Tríptico
Quarto ou aposento; por stanze Pintura ou painel que se apresenta
entende-se universalmente os quatro em três partes unidas entre si. Ver
aposentos do palácio vaticano onde também: díptico, políptico.
Rafael pintou seus célebres afrescos
entre 1508 e 1517. Trompe l’oeil
Do francês, “engana o olho”: pintura
Studia Humanitatis ilusionista que deseja recriar um
ver Humanismo espaço que se confunda com o real,
utilizando-se de artifícios como a
Tipologia perspectiva.
Características fixas na arte que for-
mam esquemas ou tipos. Por exem- Velatura
plo, o conjunto de características que, Camada semitransparente de pin-
juntas, representam a virgem Maria tura aplicada sobre outra pintura já
(seu manto azul, o halo, o semblante existente que pode lhe conferir novas
sereno, o menino no colo, etc.). Esta tonalidades de cor ou, somente, pro-
esquematização também é válida tegê-la como um verniz.
para a arquitetura, em que o esquema
nos faz reconhecer, por exemplo, a Xilogravura
ordem arquitetônica à qual um deter- Gravura cuja matriz se faz em madeira.
minado edifício pertence pelo tipo de
capitel que tem suas colunas ou pelas
formas da fachada. §
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Fig. 5 – Piero della Francesca, Flagelação de Cristo. Urbino, Galleria Nazionale delle Marche.
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Fig. 13 – Francisco de
Fig. 12 – Tiziano, Três Idades do Homem. Holanda, Roma destruída.
Edimburgo, National Gallery of Scotland. Escorial, Álbum dos
Desenhos das Antigualhas.
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Fig. 17 – Giulio Romano e ajudantes, pinturas da Sala dos Gigantes. Mântua, Palácio Te.
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Fig. 20 – Leonardo da Vinci, Mulher com Arminho (Cecilia Gallerani). Cracóvia, Czartoryski Museum.
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Fig. 34 – Tiziano Vecellio, Retrato de Francesco Maria della Rovere. Florença, Galleria degli Uffizi.
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Fig. 50 – Giotto, Crucifixo. Florença, Fig. 51 – Giotto, Sonho de Inocêncio III. Assis, Basílica
Santa Maria Novella. Superior de Assis.
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Fig. 67 – Piero della Francesca, Vitória de Constantino sobre Massenzio. Arezzo, Basílica de São Francisco.
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483
Alberti, Leon Battista: 23, 29, 50, Botticelli, Sandro: 50-51, 254,
53, 79, 93, 97, 132-135, 137, 146, 257-258, 266, 340, 348, 431, 440-
190, 195-196, 268-269, 275, 278, 441, 481
439, 445 Bramante: 16, 29, 31, 54, 56-57,
Anselmi, Michelangelo: 82 83-84, 86, 107, 130, 205, 305, 319,
Argan, Giulio Carlo: 130, 205 376, 384
Aristóteles: 13, 31, 97, 111, 236, Bronzino, Agnolo: 33, 275
275, 387, 440, 444 Brunelleschi, Filippo: 22-23, 48-
Armenini, Giovan Battista: 281, 49, 108, 149, 249
292, 294 Burckhardt, Jakob: 34, 217-218,
Avignon: 18, 217, 230, 385-386, 229
398 Campi, Bernardino: 281, 294
Bandinelli, Baccio: 133, 272, 389 Caravaggio, Michelangelo da: 64,
Barocchi, Paola: 36, 116, 123-128, 70, 73, 77-79, 150-151,
134, 143-144, 146, 148, 269-270, Carlos V: 38, 58, 61, 167-168,
274-275, 283, 286, 400, 409 173-181, 183-187, 220, 308, 326, 471
Bellori, Giovanni: 79, 443 Carpaccio, Vittore: 23, 177, 457
Berenson, Bernard: 35, 199 Carracci, Annibale: 62, 150-151,
Bernini, Gianlorenzo: 64, 86, 307, 158-160, 162, 164, 469
437 Casa, Giovanni della: 280, 284
Beuckelaer, Joachim: 150-164, Cassirer, Ernst: 35, 153
469 Castiglione, Baldassare: 30, 58,
Biondo, Flavio: 11, 14, 18 275-276, 306, 311, 323, 360-362,
Borghini, Raffaello: 285, 443 364
Borghini, Vincenzo: 33, 140-145, Cellini, Benvenuto: 33, 96, 133,
149, 274, 282-287, 445, 469 272, 275, 282-283, 292, 299, 445
485
Cennini, Cennino: 21, 110, 122, 225 Ficino, Marsílio: 13-14, 31, 52,
Chastel, André: 24 138, 444
Cimabue: 19-22, 46, 141, 188, 216- Filarete, Antonio: 273
217, 231-238, 244, 278, 401, 454, Florença: 12-13, 18-19, 21-22,
474-475 24-26, 29, 32-33, 47, 49-55, 59, 61,
Clark, Kenneth: 26, 93 73, 81, 91, 113, 119, 121-122, 127,
Clemente VII: 58, 128, 300, 302, 131-134, 136, 138, 140-144, 147,
305-307, 309-311, 377, 400, 405- 149, 170, 175, 179, 188, 190, 198-
406, 414 199, 207-208, 211-212, 215-216,
Condivi, Ascanio: 29, 33, 123-124, 218, 221, 231, 238, 242, 246, 248-
126, 128 250, 258-259, 261-262, 264, 270,
Constantinopla: 12-13, 51, 190, 274, 289, 302, 335, 338-341, 343-
225-227, 396 344, 346-347, 352-354, 356-357,
Correggio, Antonio Allegri da: 360, 389, 405, 411-414, 420, 423-
17, 82 425, 431, 434-435, 441, 444, 447,
Cortona, Pietro da: 81 454, 456, 461, 469-471, 481
Cosini, Silvio: 272 Francesca, Piero Della: 23, 25, 29,
Dante Alighieri: 14, 21, 216, 218, 94, 105-106, 137, 191, 263-266, 273,
219, 224, 231, 237, 241, 242, 243, 339-340, 457, 482
363, 406 Franco, Battista: 284-285, 316
Dolce, Ludovico: 61, 445 Galilei, Galileu: 286
Donatello: 20, 22-23, 48, 50, 92, Ghiberti, Lorenzo: 23, 249, 273
224, 250, 270, 431 Ghirlandaio, Domenico: 17, 19,
Doni, Anton Francesco: 272-274, 32, 50, 53, 122-124, 128-129, 258,
277, 445 261, 263-264, 340, 342, 348, 441, 481
Duccio (di Buoninsegna): 22, 46, Giordano, Luca: 81
244-245, 248, 476-477 Giorgione: 38, 55, 173-174, 209,
Dürer, Albrecht: 38, 52, 58, 94, 271
105, 213, 251-252, 254, 261-264, Giotto (di Bondone): 14, 20-22,
266, 330, 427-429, 431-434, 436, 481 46-47, 216, 218, 234, 237-241, 244-
Edimburgo: 74, 461 249, 269, 454-455, 473, 475-476,
Félibien, André: 81 478
Ferrara: 18, 188-193, 196, 218, Giovio, Paolo: 24, 400-402
253, 260, 328
486
Giulio Romano: 64-90, 264, 296- Mantegna, Andrea: 17, 50, 52, 79,
318, 320-336, 361, 367, 370-371, 261-262, 329, 384, 428, 431
374-377, 379, 407, 430, 462-464 Mântua: 17-18, 66, 72, 75, 77-79,
Gombrich, Ernst: 37, 88, 116, 251, 81, 86-88, 90, 169, 199, 218, 262,
253, 257, 259-261, 402, 427 296, 309, 311, 314, 316-317, 322-
Goya, Francisco Lucientes de: 174 328, 330-335, 361-362, 376, 384,
Holanda, Francisco de: 14, 22, 38, 431, 434, 462-464
60, 167-170, 172-175, 178, 180-182, Masaccio: 20, 22-23, 49, 235, 250,
185, 187, 397, 436, 445, 461 456, 480
Isabella d’Este: 17, 208, 210, 323 Melzi, Francesco: 95-97, 103, 117,
João III (Dom): 58, 167-168, 181, 200, 289, 419
183, 185, 187 Michelangelo (Buonarroti): 15-
Júlio II: 15-16, 29-30, 32, 55, 128, 17, 19-20, 24, 27-30, 32-34, 36-38,
400, 403-404 52, 55-57, 59, 64, 71, 82, 89-90, 100,
Leão X: 29, 57, 84, 128, 297, 299- 112, 117, 119-130, 133-136, 138,
300, 302-303, 310, 361, 364, 377, 141-144, 146-150, 161-162, 175,
400, 406, 423-424 180, 188, 212-213, 221, 224, 235,
Leonardo (da Vinci): 17, 20, 23- 241, 249, 272, 275-283, 285-286,
29, 31, 51, 53, 55, 57, 64, 91-121, 291-293, 332, 349, 353, 358, 400,
137, 198-201, 203-213, 253, 269- 403-404, 422-424, 432, 437, 443,
273, 277-280, 284, 287-290, 293, 445, 460-461
299, 339, 400-402, 409-426, 432, Michelozzi, Girolamo: 285
438, 445, 447, 458, 464-468, 472 Milão: 17-18, 24-25, 50, 54-55, 57,
Lisboa: 167, 186, 206, 471 91-92, 94, 96, 100, 103, 105-106,
Lomazzo, Giovanni Paolo: 94, 96, 188-189, 198-199, 204-205, 208,
145, 206, 271, 279, 287-294 210-213, 218, 248, 328, 333, 402,
Londres: 74, 173, 177, 109, 207, 405, 414, 416, 418-420, 422, 426,
213, 241, 328, 347, 402, 414, 421, 467, 472
427, 467-468, 481 Nápoles: 17, 53, 55, 71, 155-156,
Lorenzi, Battista: 286 163, 218, 220, 230, 248, 299, 307,
Lourenço (Lorenzo), o Magnífico: 331, 347, 377
13, 24, 32, 133, 198, 444 Pádua: 21, 47, 114, 189-190, 194,
Madri: 54, 71, 169, 177, 183-184, 218, 239, 248, 400, 419, 455, 473,
186, 377 478
487
488
489
Juliana Barone
Graduada em Arquitetura e Urbanismo (PUCCAMP) e em História
(UNICAMP), escreveu sua tese de mestrado sobre Leonardo da
Vinci e a comparação entre as artes, paragone (UNICAMP). Seu
doutorado concentrou-se no estudo da recepção do Tratado da
Pintura de Leonardo no século XVII (Oxford, Trinity College).
Recentemente concluiu a redação de um livro, com Martin Kemp,
sobre os desenhos de Leonardo e de artistas de seu círculo em cole-
ções britânicas (exceto Windsor). Suas publicações incluem estudos
sobre Leonardo, Rafael, Dürer, Rubens, Poussin, Stefano della Bella,
Raphael Trichet Du Fresne, o Codex Urbinas Latinus 1270 (Roma,
Biblioteca Vaticana), o Codex Arundel (Londres, British Library)
e o Codex sobre o vôo dos pássaros (Turim, Biblioteca Reale). No
momento prepara seu livro Leonardo, Poussin e Rubens: estudos
sobre a teoria e representação do movimento humano.
491
Maria Berbara
Mestre em História da Arte pela UNICAMP e doutora em História
da Arte pela Universidade de Hamburgo (Alemanha), leciona atual-
mente junto ao departamento de História e Teoria da Arte da UERJ.
É autora de diversos artigos e livros no âmbito do Renascimento ita-
liano e ibérico e dos intercâmbios artístico-culturais europeus nos
séculos XV, XVI e XVII.
Elisa Byington
Formou-se em sociologia na PUC-Rio e em história da arte na
Universidade de Roma – La Sapienza, onde se dedicou ao estudo
da obra de Giorgio Vasari, primeiro historiador do Renascimento
italiano. Autora dos livros Galleria Borghese – Os tesouros do car-
deal (2000) e Palazzo Pamphilj (2001), colabora periodicamente
com ensaios e artigos sobre arte clássica e contemporânea em
revistas especializadas.
Stefania Caliandro
Ensina e pesquisa na área de teoria da arte. Graduada na Universidade
de Bolonha, obteve um DEA francês (equivalente ao mestrado) e um
doutorado pela École des Hautes Études en Sciences Sociales em Paris.
Ensinou na Universidade Marc Bloch de Estrasburgo e foi convidada a
ministrar um seminário intensivo na UAM-A, México. Obteve várias
bolsas, realizando pesquisas doutorais nas universidades canaden-
ses Laval e UQAM e, em seguida, três pós-doutorados: em semiótica
visual pela Universidade de Aarhus (Dinamarca); em estética pela
Universidade de Leuven (Bélgica flamenga); e em Teoria e História da
Arte pela Universidade de Freiburg (Suíça). Além de artigos e ensaios,
é autora do livro Images d’images. Le metavisuel dans l’art visuel (Paris,
L’Harmattan, 2008) e curadora de publicações de várias autorias. Foi
professora visitante no Instituto de Artes da UERJ e está desenvol-
vendo, entre outros projetos, uma reflexão sobre a espacialidade na
arte em diversas culturas e épocas.
492
Leidiane Carvalho
Bacharel em História da Arte pela UERJ. Mestranda em História e
Teoria da Arte também na UERJ. Professora assistente da EBA-UFRJ.
Pesquisa atualmente a recepção da tradição clássica dentro da arte
contemporânea. Exerce atividades junto à montagem de exposições
e assistência de artistas contemporâneos no Rio de Janeiro.
Raphael Fonseca
Bacharel e licenciado em História da Arte pela UERJ. Mestre em
História da Arte pela UNICAMP, em que pesquisou “Do tirar polo
natural”, texto de autoria de Francisco de Holanda, pensando sua
possível relação com outras teorias do retrato e a produção destes
no território português durante a segunda metade do século XVI.
Atualmente é professor do Colégio Pedro II e professor substituto
de História da Arte na UERJ.
Fernanda Marinho
Doutoranda em História da Arte pelo IFCH - UNICAMP, con-
cluiu seu mestrado junto ao mesmo departamento e a graduação
em História da Arte pelo Instituto de Artes da UERJ. Desenvolveu
pesquisas relacionadas às pinturas do Quattrocento e Cinquecento
italiano conservadas em acervos nacionais (Rio de Janeiro e São
Paulo) e atualmente seus estudos voltam-se para o léxico icono-
493
Luiz Marques
Graduação em Ciências Sociais pela UNICAMP (1977), DEA em
Sociologia da Arte pela École des Hautes études en Sciences Sociales,
Paris (1979) e doutorado em História da Arte, pela Université de
Paris IV (Paris-Sorbonne) (1983). Foi Curador-Chefe do Museu de
Arte de São Paulo – MASP (1995-1997). É professor assistente dou-
tor do Depto. de História, IFCH, da UNICAMP. Especializou-se na
história da arte italiana dos séculos XV e XVI e suas relações com a
Tradição Clássica.
Alexandre Ragazzi
Especialista em História da Arte do Século XX pela Escola de
Música e Belas Artes do Paraná e mestre em História da Arte pela
UNICAMP. Doutor em História da Arte na UNICAMP – bolsista
Fapesp. Pesquisa fundamentalmente a literatura artística italiana
do século XVI – de Vasari a Lomazzo, com especial consideração
por Bernardino Campi e Armenini –, sendo que tem a atenção
voltada sobretudo para o uso de modelos plásticos auxiliares por
pintores.
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