Manual de Construção de Violões

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HISTÓRIA DO VIOLÃO

O termo violão é utilizado apenas na língua portuguesa, mais precisamente no Brasil,


visto que, mesmo em Portugal, o violão é conhecido e chamado de guitarra clássica. Doravante,
nesta breve resenha, subentenda-se sempre “violão”, quando se ler guitarra e não “guitarra
elétrica”, como comumente conhecemos.
Observando-se gravuras em que aparecem antigos instrumentos de cordas, se deduz que
estes não adotavam formas e tamanhos determinados e sim, respondiam à estruturas pessoais e
cada artista concebia seu próprio instrumento com grande subjetividade. Excetue-se a vihuela,
instrumento que é ascendente direto do violão e tem uma forma e tamanho determinados. Pode-
se definir a vihuela como sendo um instrumento em forma de oito, no qual as duas partes que
determinam sua silhueta são do mesmo tamanho.
Na evolução da construção dos instrumentos antigos, a partir do alaúde (levado à Europa
no século VIII pelos árabes), não se percebe nenhuma modificação importante até a segunda
metade do século XVI, época em que aparece a guitarra de cinco ordens (ou cursos) de cordas. A
quinta corda se deve ao poeta e músico andaluz Vicente Martínez Espinel, nascido em Ronda
(Málaga) na Espanha no ano de 1550, ao qual se deve também o sistema de afinação da guitarra
por equísonos, que não somente é o atual, como é o mais perfeito, pela resolução que o ouvido
humano tem para comparar sons. Os músicos mais importantes do século XVII começaram a
prestar atenção à guitarra de cinco cordas, com a qual podiam efetuar acordes perfeitos e
introduziram-na nos ambientes musicais mais representativos, fazendo-a ser o instrumento
favorito em todas as cortes européias. A guitarra adquiriu grande importância graças a pessoas
como: Gaspar Sanz, que publicou seu método em Zaragoza, no ano de 1674; a Amat, que
ensinou a formar todos os tons maiores e menores na guitarra de cinco cordas; ao português
Nicola Doici de Velasco, que publicou no ano de 1630, seu Novo método por cifra para tanger
guitarra de cinco cordas, o mais antigo dos quais se conhece e no qual faz uma interessante
observação: “Na França, Itália e demais países, a guitarra se chama española desde que Espinel
acrescentou a quinta corda, tornando-a tão perfeita como o alaúde, a arpa ou o clavicórdio e até
mais abundante que estes”.
O século XVIII trouxe consigo grande evolução à guitarra. Talvez a modificação mais
tenha sido a aparição da sexta corda. No ano de 1760, Frei Miguel Garcia, conhecido como o
Padre Basilio, apresentou pela primeira vez uma guitarra de seis cordas. Este grande músico
organista adotou a guitarra como seu instrumento favorito e foi o primeiro a escrever músicas
para guitarra em notação musical moderna.
Como conseqüência do enriquecimento musical que a guitarra de seis cordas adquiriu, no final
do século XVIII apareceram instrumentos com concepções muito distintas: guitarras de sete,
oito, doze e vinte cordas, com braços e formatos muito variados. Todos estes instrumentos
ficaram relegados ao relicário porque, certamente, nenhum deles tinha mais possibilidades
musicais que a guitarra de seis cordas. No que concerne à arte de tocar guitarra, o século XVIII
foi prolífero, pois houve grandes concertistas como Fernando Carulli (1770-1841), grande
clássico da guitarra que compôs mais de trezentas obras e escreveu um tratado de harmonia,
publicado no ano de 1825; Dionísio Aguado (1784-1849), grande estudioso da digitação, nascido
em Madri e que foi discípulo do Padre Basílio, estando seu método ainda em vigor e; Fernando
Sor (1778-1839), catalão,
que chamavam de o “Beethoven” deste instrumento.

No final do século XVIII surgiram várias escolas de construção, mas a guitarra granadina
teve maior relevância e tudo leva a crer que seu iniciador tenha sido Rafael Vallejo, no ano de
1792. A cargo do rei da Espanha, Carlos IV, Vallejo construiu uma guitarra singular, com seis
cordas dobradas (seis cursos) e outras vinte cordas mais, de afinação fixa, com uma escala de
cinco trastes, que levou três anos para ser construída e agora é conservada no Victoria and Albert
Museum de Londres.
Durante a primeira metade do século XIX, apareceram construtores artesãos como José Ortega,
Benito Ferrer, Agustín Caro Riaño, José Pernas, Antonio Llorente e os irmãos Nicolás e Antonio
Valle.
Apesar da evolução que experimentou a guitarra a respeito de sua construção, seu aspecto
musical ficou afetado pela aparição do piano, instrumento que se tornou o dono das salas de
música e então, raras vezes, via-se a guitarra aonde havia música séria e tocá-la se tornou uma
atividade de passatempo.
Nestas condições, “la guitarra pasó a la taberna, com el principal objeto de acompañar a voces
aguardentosas”, como diz Emilio Pujol em sua Escuela Razonada de Guitarra e, “com mil
golpes em la tapa y mil manchas de vino o caldo de caracoles”, como indica Manuel Cano em
sua obra: Um siglo de la guitarra granadina.
A segunda metade do século XIX viu um ressurgimento da guitarra que haveria de ser
irreversível e isto é devido a um homem: Antonio de Torres Jurado, talvez o mais ilustre
homem que a música conheceu. Torres redesenhou a guitarra dando-lhe, dentre outras
modificações, uma nova silhueta, o que lhe garantiu um grande aumento da potência sonora,
fazendo-a muito similar às guitarras que conhecemos hoje.
Francisco de Tárrega (1854-1909) demonstrou pela primeira vez todas as possibilidades musicais
do instrumento; suas composições são de uma harmonização muito rica e acabou influenciando
os mais importantes músicos a compor para guitarra.
Os conhecimentos de Tárrega foram recolhidos e ampliados pelo mais ilustre maestro de nossos
tempos, Andrés Segovia. Com um talento e amor à guitarra extraordinários, Segovia levou a
guitarra a todos os conservatórios e salas que interpretam música do mundo, fazendo deste
instrumento um dos mais importantes e respeitados por todos aqueles que apreciam música.

ANTÔNIO DE TORRES
O PAI DO VIOLÃO MODERNO
Na história do violão clássico, nenhum indivíduo é mais importante que Antônio de
Torres Jurado (1817-1892), conhecido como Torres, um luthier que alcançou algum renome
local na vida, mas que, contudo, nunca esteve livre da pobreza.
É possível que as inovações que hoje nós associamos a Torres fossem inevitáveis na
evolução do violão e que este pudesse ter evoluído para uma forma tão harmoniosa quanto o que
Torres criou, sem a intervenção de uma pessoa qualquer. Mas por sua inteligência e habilidade,
Torres acelerou o processo evolutivo do violão e escolheu as melhores opções disponíveis para
isto. Torres restabeleceu a viabilidade do violão, quando este não estava competindo com
instrumentos de maior projeção, mais altos e mais dramáticos. Em 1869, quando ele vendeu um
violão a Francisco Tarrega, o violão tinha sido varrido das salas de concerto pelo piano e detinha
algum espaço apenas pelos corredores destas mesmas salas. Na Espanha, que tinha resistido ao
piano, o violão era, todavia, associado aos camponeses, ciganos e todos aqueles que tocavam
apenas popularmente.
Tarrega entendeu as inclinações românticas da época e a necessidade que a música tinha
de expressar fortemente drama e emoções pessoais. No violão de Torres, ele teve um instrumento
com o alcance dinâmico e tonal necessários para isto. Os sons muito delicados e corteses dos
violões de concerto anteriores ao de Torres - e os sons metálicos e apressados dos violões
populares espanhóis (flamencos) - tinham sido suplantados por um verdadeiro instrumento
musical, capaz de executar a maioria dos estilos e expressar a maioria das emoções. Um homem
que traz mudanças ao mundo, e então morre na pobreza, provavelmente atrairá para si muita
mitologia. Qualquer um que se interesse pela história do violão, tem uma dívida enorme para
com Jose L. Romanillos pela biografia; Antônio de Torres – luthier, sua vida e seu trabalho. Os
estudos de Romanillos nos informaram sobre muitos dos fatos da vida de Torres.
Antônio de Torres Jurado, nascido na aldeia de La Cañada, próximo da Almeria, no
distante sul da Espanha em junho de1817, era filho de um coletor de impostos. Aos 12 anos ele
trabalhava como aprendiz de carpinteiro. Sua família mudou-se para Vera, uma aldeia maior
ligeiramente ao norte, e foi lá que ele terminou seu aprendizado e continuou trabalhando junto
dos carpinteiros locais. Em 1833 começou a guerra dinástica na Espanha e dentro de um ano o
jovem Antônio de Torres foi chamado para o serviço militar. Por duas vezes seu pai tentou
isentá-lo do serviço militar, argumentando que ele sofria de habituais dores estomacais, mas nas
duas vezes seu pedido foi rejeitado. Entretanto, mediante algum pagamento, ele foi considerado
impróprio para o serviço militar e dizia-se que ele sofria de problemas de tórax nessa época. Para
impedir qualquer mudança oficial que o levasse à guerra, Antônio foi lançado a um casamento
precipitado: pois somente homens solteiros e viúvos sem dependentes eram considerados aptos
para alistamento. Em fevereiro 1835 ele casou-se com Juana Maria Lopez, 13 anos, filha de um
lojista local. O jovem casal logo ficou em dificuldades financeiras. Eles tiveram uma filha em
maio de1836 e ficaram subjugados a despesas que incluíam impostos especiais para ajudar a
pagar a guerra que Torres tinha evitado. Eles endividaram-se e tiveram a casa hipotecada e,
inclusive, durante algum tempo a serra com que Torres trabalhava também foi empenhada. Esta
poderia ter sido uma catástrofe para um carpinteiro, mas ele recuperou a máquina oferecendo às
autoridades uma parte de sua mobília, que foi devidamente leiloada. Uma segunda filha nasceu
em 1839, fazendo-os perderem mais alguns bens, inclusive um jogo de 10 tábuas de pinho.
Entretanto ele achou uma nova linha de trabalho, comercializando quotas das minas de prata
locais recentemente abertas. Com isto Torres conseguiu capital extra, até mesmo para fazer
alguns modestos investimentos em seu negócio.
Mas se ele achou alguma estabilidade financeira, sua vida familiar estava um tumulto. Uma
terceira filha nasceu em 1842 morrendo alguns meses depois. A segunda menina já tinha morrido
nesta fase e, em 1845, sua esposa sucumbiu à tuberculose aos 23 anos de idade. Deixando a
primeira filha com os sogros, ele se mudou para Sevilha a procura de trabalho.
Em algum momento entre, aproximadamente, 1836 e 1842, Torres parece ter gasto algum
tempo em Granada aprendendo a fazer violões, possivelmente com o fabricante local Jose
Pernas, que é descrito freqüentemente como seu professor. Ao que parece, Torres foi um bom
músico. Juan Martinez Sirvent, um padre que conheceu Torres em idade avançada, o descreveu
em uma carta citada por Romanillos como “bom músico e compositor cujas composições foram
reveladas a nós com sua Citara, o favorito dos instrumentos que ele havia construído
Ele pode ter feito alguns instrumentos enquanto ainda estava vivendo em Vera, mas só
levou a arte profissionalmente por volta de 1850, a conselho de Arcas Juliano (1832-1882),
músico jovem e o primeiro de seus clientes famosos. Nos seus vários ateliês em Sevilha, Torres
produziu uma série de excelentes violões, incluindo “La Leona” em 1856, tendo depois disto,
seus instrumentos sido utilizados por Tarrega e Llobet. Ele ganhou uma medalha de bronze na
Exibição de Sevilha para um instrumento extraordinariamente decorado em bird's eye maple
(ácero olhos de pássaro) em 1858. O seu estatus como um
dos principais luthiers estava assegurado. Neste período ele foi intitulado “Don”, comum entre
os fabricantes de violões e outros artesãos, como também os membros das classes médias
locais, como o padre e comerciantes. Em 1868, casou-se novamente, vindo a viver com sua
nova esposa, Josefa Martin Rosada, durante vários anos.

No ano seguinte ao seu casamento, Tarrega chegou a Sevilha junto de seu protetor, um
rico comerciante chamado Canesa Mendayas. Eles tinham viajado de Barcelona a procura de um
instrumento semelhante ao utilizado por Arcas, aparentemente “La Leona”. Tarrega, então, tinha
apenas 17 anos. De acordo com o que conta Emilio Pujol, biógrafo de Tarrega, Torres ofereceu
inicialmente ao menino um instrumento modesto, mas ao ouvi-lo tocar, deu-lhe um instrumento
que havia feito para uso próprio vários anos atrás. Tarrega tocou com este instrumento durante
20 anos, até que seu tampo ficou escavado, sendo consertado, subseqüentemente, por Enrique
Garcia. Tarrega era um músico tremendamente influente e detentor de um poderoso e exclusivo
grupo de seguidores. Mas mesmo o suporte dado por Tarrega, não deu a Torres estabilidade
financeira. Aproximadamente em 1870, ele abandonou a construção de violões, retornando a
Almeria e abrindo uma loja de porcelanas. Neste período Arcas deixou de tocar
profissionalmente.
Em nenhum dos casos a aposentadoria foi permanente. Arcas retornou à performance em
1876, neste tempo Torres utilizava etiquetas com a inscrição de “segunda época”. Porém, a
construção de violões passou a ser uma atividade de meio período. Havia a loja de porcelanas
para atender e a dificuldade financeira obrigava a família, até mesmo, a hospedar inquilinos.
Depois da morte da segunda esposa, em 1883, Torres dobrou sua produtividade, construindo
aproximadamente 12 violões por ano, até sua morte em 1892. Estes instrumentos, entretanto,
eram violões mais básicos, para músicos locais, bem diferentes daqueles de grande virtuosismo,
que ele tinha provido anteriormente. Neste período suas mãos tremiam tanto, que ele necessitou
pedir a um novo amigo, o padre local Juan Martinez Sirvent, para ajudá-lo com o trabalho mais
complicado. Ele não teve nenhuma escolha, a não ser trabalhar, pois com duas filhas para
sustentar (uma com apenas 16 anos e solteiras) e significativos empréstimos à pagar, não podia
se dar ao luxo da aposentadoria. Ele morreu em novembro de 1892. Embora tivesse adquirido
três casas em parte de sua vida, a venda destas casas sequer cobriu suas dívidas. Porém, ele
recebeu um generoso obituário no jornal local.
Foram atribuídas a Torres numerosas inovações durante anos, da estrutura do leque
harmônico ao uso de tarraxas mecânicas, mas o mais importante dos feitos de Torres foi
aumentar o tamanho do corpo do violão. Os violões de concerto de Torres, construídos no início
da década de 1850, têm tampo harmônico aproximadamente 20 por cento maior que os violões
utilizados por Fernando Sor e Dionisio Aguado alguns anos atrás. A área extra deu à sua
“plantilla” a figura de oito, forma que nós estamos habituados atualmente. Alguns dizem que
Torres chegou a esta forma geometricamente. Os descendentes dele, de acordo com Romanillos,
dizem que a forma estava baseada na figura de uma jovem mulher, que ele conhecera nas pontes
de Sevilha. Adiante Torres deu outro passo, por volta de 1857, ele usou o rastilho do violão
separado, em partes, o que permitiu um ajuste minucioso na altura das cordas.
Torres soube que a leveza era essencial na superfície vibrante de um instrumento musical. Mas
um tampo harmônico grande é, inevitavelmente, mais pesado que um pequeno. Apenas fazê-lo
menos espesso, mais fraco e flexível para reduzir sua pressão, tinha efeitos desastrosos no som.
A solução para a construção de seu tampo harmônico foi “curvá-lo”, arqueando-o em ambas as
direções, sobre um arranjo estrutural chamado “leque harmônico”. Estes famosos leques
harmônicos assegurariam a força estática do tampo harmônico, enquanto o deixariam responder
com liberdade às vibrações das cordas.
A eficácia do sistema foi demonstrada por Torres num violão experimental, construído
em 1862, com lados e fundo feitos de papel-maché. Este violão não pode ser tocado por muito
tempo, mas aqueles que ouviram o instrumento aceitaram a concepção de seu fabricante -
confirmada por físicos modernos – de que só o tampo de um violão é de real importância para
determinar o caráter de seu som.
As tarraxas mecânicas não eram novidade quando Torres as utilizou, em 1856, mas elas
não eram comuns na tradição espanhola. Uma escolha mais importante, porém, foi a estética.
Torres insistiu que violões pretendidos pela música séria deveriam ter decoração sutil.
Anteriormente o violão era, além de um instrumento musical, um artigo de mobília e docoração.
Até mesmo os tampos harmônicos dos violões do século XVIII e XIX, eram carregados com
trabalhos embutidos de marquetaria. Com exceção do instrumento com elaboradas incrustações
com que ele ganhou a medalha de bronze em 1858, a maioria dos violões construídos por Torres
eram de decoração austera
Torres não parece ter inventado muito de fato, excluindo-se, possivelmente, o tornavoz. O
tornavoz era um cilindro de aço do mesmo diâmetro da boca que se estendia dentro do corpo do
violão, pretendendo dar-lhe maior projeção de som. Certamente, “La Leona”, dos violões
sobreviventes, é o mais antigo a usar este dispositivo. Ele usou freqüentemente o tornavoz
durante seus primeiros períodos de construção, vindo depois a abandoná-lo. Os seus seguidores
também se utilizaram do tornavoz, mas ao final de Segunda Guerra Mundial este dispositivo foi
esquecido.
Os efeitos de trabalho de Torres eram imediatos e óbvios. A nova postura recomendada
por Tarrega, com a perna esquerda elevada para apoiar o violão, proveniente de um violão
mais largo feito por Torres, deu aos músicos a estabilidade que eles almejavam desde os dias do
tripé de Dionisio Aguado, facilitando a música mais complexa nas posições mais altas. O som
mais potente do violão de Torres permitiu um maior alcance dinâmico e maior expressão
musical. Tarrega não escreveu nenhum método, mas os ensinos dele foram passados fielmente ao
século seguinte por seu aluno Emilio Pujol (1886-1980). Na introdução da Escuela Razonada de
la Guitarra (Método Racional para o Violão), de Emílio Pujol, o compositor Manuel de Falla
escreveu: “É um instrumento maravilhoso, tão austero quanto rico em som, ora poderosamente,
ora com suavidade, que leva à possessão da alma. Concentra dentro de si os mesmos valores
essenciais de muitos instrumentos nobres do passado, e adquiriu estes valores como uma grande
herança, sem perder as qualidades nativas, pela sua origem, que deve às pessoas". É difícil de se
imaginar qualquer um escrevendo estas palavras, não sendo para Antônio de Torres
Jurado.<O:P</O:P

COMO O SOM É GERADO EM UM VIOLÃO?

Os componentes necessários para a geração do som em um instrumento musical são,


basicamente, três: um vibrador, um excitador e um ressonador. No violão, as cordas são os
excitadores do tampo, que é, por sua vez, o vibrador. O fundo e os lados compõem a caixa
acústica, que tem a função de dar sustentação ao tampo harmônico e amplificar e propagar a
níveis audíveis as suas vibrações. Assim, as cordas são distendidas e, quando pulsadas,
transferem para o tampo um determinado número de vibrações por segundo (Hz). O tampo vibra
nesta mesma freqüência, fazendo c com que o ar se movimente dentro da caixa acústica. A boca
tem como objetivo permitir a circulação de ar ali contido. Se não existisse nenhum orifício que
permitisse esta circulação, o ar tenderia a comprimir-se, originando-se uma amortização, que
impossibilitaria a vibração e não se produziria nenhum som.
A situação considerada ideal, mas praticamente impossível, seria a de que todas as vibrações das
cordas fossem transferidas diretamente para o tampo harmônico, o que na prática não acontece,
pois todos os componentes existentes no instrumento acabam absorvendo parte destas vibrações.

IMPORTÂNCIA DA ANTIGÜIDADE DAS MADEIRAS

Em princípio, pode-se dizer que quanto mais antigo for um instrumento, melhor ficará,
mas, de maneira alguma, podemos admitir que um mau instrumento se converta em bom, com o
passar do tempo.
Esta crença deve-se ao seguinte: a madeira é muito higroscópica, isto é, tem grande facilidade
para tomar o mesmo grau de umidade que exista no ambiente; da mesma forma, comporta-se
com igual facilidade para devolver ao ambiente a umidade adquirida. Quando se corta uma
árvore, inicia um processo de devolver ao ambiente toda a umidade que o tronco serrado tinha
em vida. Todavia, quando chega a certo grau de secagem, já não devolve mais umidade ao
ambiente, por mais que passe o tempo.
A madeira compõe-se de dois estados da celulose: um, amorfo (adj. 1. Sem forma
definida; informe. 2. Quím. Aplica-se às substâncias não cristalizadas. 3. Miner. Sem estrutura
cristalina.), que absorve ou devolve água; e outro cristalino, que não admite umidade alguma.
Quando o tronco é cortado, quase toda sua massa é celulose amorfa e com o decorrer do tempo,
esta massa vai-se convertendo em estado cristalino. Logicamente, uma madeira antiga deve ter
grande parte de sua massa em estado cristalino, que é refratária à umidade ambiente, pois
dimunui sua elasticidade, aumenta a rigidez e vibra com maior amplitude.

CÁLCULO DA CONSTANTE PARA DETERMINAR UMA ESCALA TEMPERADA:

Pitágoras foi o primeiro a determinar os intervalos na escala o que, no século 16, Vicenzo
Gallelei chamou de “regra dos 18”, que por séculos foi utilizada por fabricantes de instrumentos
musicais. Apenas em meados do século passado esta regra foi corrigida para 17,817.
· Em 1859 (acordo internacional de Viena) definiu-se como sendo a freqüência de 435 Hz para a
nota lá, o que trazia alguns problemas de afinação para certos instrumentos.

· Apenas em 1955, por meio de um convênio internacional, a nota lá foi definida como sendo a
freqüência de 440 Hz.

Para determinar uma constante (K) e com ela calcularmos qualquer escala temperada,
basta-nos seguir o seguinte raciocínio:
se Lá = 440 ;
então Lá# será 440 vezes K, que é igual a 440K;
Si será 440K vezes K, que é igual a 440K2;
Dó será 440K2 vezes K, que é igual a 440K;
Dó# será 440K3 vezes K, que é igual a 440K4;
e assim sucessivamente, até que:
Lá (oitava acima ou 880Hz) será 440K11 vezes K, que é igual a 440 K12 .
Assim teremos que: 880 = 440 K12;
isolando a constante K obteremos:
TAMPO HARMÔNICO

A meu ver, o abeto é a madeira mais indicada para a construção do tampo harmônico,
devido à sua alta relação de rigidez e densidade, situação muito vinculada com a maior
velocidade de condução do som; assim, na direção longitudinal dos veios (fibras) obtém-se uma
velocidade do som de 3.600 m/s e na direção transversal, 800 m/s. Disso, deduz-se que o veio
oferece uma resistência à condução do som, por isto é desejável utilizar tampos cujos veios
sejam muito estreitos.
A parte interna do tampo harmônico é formada por um conjunto da varinhas de madeira
(em geral a mesma madeira do tampo) que podem ser diferenciadas em duas classes, quanto às
funções. As colocadas transversalmente à fibra são estruturais e proporcionarão resistência à
caixa de ressonância; as colocadas, aproximadamente, no sentido da fibra chamam-se leque
harmônico e têm o objetivo de aumentar a massa do tampo, para conseguir, dentro do possível,
que ele entre em ressonância com todas as freqüências que as cordas emitirão, ao vibrar.
Cada construtor usa uma estrutura peculiar, mas se observa que, em geral, o leque não aumenta a
rigidez do tampo, pois esta não é sua função
Seria desejável que o tampo harmônico tivesse uma freqüência de ressonância centrada
entre a gama de freqüências que o violão emite, que vai de cerca de 80 a 1000 Hz, pois desta
forma o tampo sintonizaria com toda a gama de freqüências, ordenadamente.
Eleger um tampo que corresponda às melhores condições é uma tarefa muito difícel, visto que
não é um corpo que se adapte a formas geométricas puras e sua constituição não obedece a um
produto fabricado com formulação matemática; por isto, é necessário apelar ao campo da
experimentação.
É sabido que um corpo obrigado a vibrar, com a mesma amplitude, não o faz em todas as suas
zonas; inclusive, em algumas, não vibra, e sua amplitude é zero.
Se conseguíssemos, em ensaios, determinar a localização destes pontos de vibração zero, que se
chamam nódulos, aproveitaríamos para colocar varetas que dariam maior resistência ao violão,
justamente nestes pontos, sem afetar o som, reforçando-o, sem medo de prejudicar as vibrações
do tampo. Poderíamos, também, ligar por meio de varetas, pontos de vibração nula com pontos
vibrantes, tentando fazer com que o tampo vibrasse em todas as regiões.

PRINCIPAIS MADEIRAS PARA A CONSTRUÇÃO DE TAMPOS HARMÔNICOS

Como Antônio de Torres já demonstrara no século passado, o tampo harmônico,


estimulado pelas cordas, é o principal gerador de som no violão. Durante muitos anos foram
fabricados tampos de abeto e cedro de uma grande variedade de espécies, a procura do material
definitivo para a construção do tampo harmônico. Há muitas escolas de pensamento sobre qual
variedade de abeto é a melhor. Muitos construtores (nos quais eu me incluo) acreditam na
variedade européia, conhecida como abeto alemão ou abeto da Bavária (Picea excelsa) e (Picea
abies).
Devido aos vários séculos de colheita destas espécies, a disponibilidade dos melhores
exemplares de abetos europeus foi severamente reduzida. Em vista disto, hoje é bastante raro
encontrar tampos com boa qualidade, ao contrário dos abetos nativos da Colúmbia Britânica, que
apresentam grande qualidade e alguma fartura.
Eu acredito que o construtor bem informado selecionará o tampo harmônico por suas
características individuais, baseado mais nas qualidades inerentes da seleção individual, do que
escolhendo um tampo harmônico somente por sua reputação. Afinal de contas, um tampo de
abeto engelmann que exibe características excelentes vai, obviamente, ser superior a uma
variedade européia com qualidades medíocres. De acordo com material utilizado, um bom
construtor modificará densidades do tampo e a colocação da estrutura interna, para atingir o
melhor resultado sonoro possível de cada instrumento.
Abaixo eu listo algumas variedades de abetos, bem como de cedros, que tenho utilizado com
bons resultados.
Engelmann Spruce (Picea engelmanni)

Esta espécie de abeto foi catalogada pelo botânico George Engelmann. É uma árvore de grande
porte e se desenvolve a alturas de 35 a 45 metros, tendo uma espectativa de vida de 300 anos.
Suas folhas verde-azuladas são aromáticas quando esmagadas e, normalmente, se desenvolve em
encostas das montanhas na Columbia Britânica, como também ao longo de rios, a mais baixas
altitudes.
O abeto Engelmann tem melhor crescimento em locais com grande umidade, e não tolera longos
períodos quentes e secos, preferindo solos argilosos ou calcários. Como o abeto vermelho, o
abeto de Engelmann pode desenvolver espécies híbridas com outros abetos, quando suas
sementes cruzam no mesmo território.
Abeto Sitka (Picea sitchensis)<O:P</O:P Também conhecida como Abeto de Costa, Abeto de
Tideland, Abeto Amarelo, esta variedade de abeto foi introduzida e agora é cultivada
amplamente na Inglaterra e no norte da Europa. Normalmente encontrado ao longo da costa
ocidenteal da Columbia Britânica, desde o nível do mar a altitudes de 700 metros, tem em média
70 metros de altura por 2 metros de diâmetros, podendo atingir até 93 metros de altura e 5 metros
em diâmetro. Algumas tribos nativas consideraram que a árvore tem poderes mágicos.
Abeto Branco (Picea glauca)<O:P</O:P Também conhecido como Abeto canadense, Abeto do
Leste, Abeto das Colinas Negras, Abeto Gato e Abeto Engelmann, é uma árvore grande com
uma coroa estreita, freqüentemente confundida com o abeto Engelmann. Encontrado pelo
interior de Columbia Britânica, cresce elevações médias, podendo crescer em uma grande
variedade de ambientes e freqüentemente encontrado com abeto subalpino, álamo, vidoeiro e
salgueiro, podendo atingir 40 metros de altura e 1 metro de diâmetro.
Western Red Cedar (Thuja plicata O cedro vermelho é a árvore oficial da Columbia Britânica,
sendo chamada "arbor-vitae"' ou " árvore da vida ". Localiza-se a baixas elevações e meias
encostas, locais frescos, temperados e úmidos, crescendo em áreas sombreadas com muitos
nutrientes podendo atingir 60 metros de altura. Resistente à deterioração e aos danos causados
por insetos, esta madeira pode permanecer sã durante mais de 100 anos e é muito utilizada para a
fabricação de telhas de madeira.
Cedro do Oregon (Chamaecyparis lawsoniana) Esta é uma variedade menos familiar, da costa do
Oregon e também conhecida como Port Orford cedar, afamada e muito utilizada para construir
tampos de alaúdes e reproduções de instrumentos antigos.

TIMBRE

Muitos construtores atribuem às madeiras, alterações tímbricas no violão. O estudo do


timbre é por demais complexo para ser abordado aqui e apenas me restringirei a mencionar dois
ensaios feitos por José Villar Rodriguéz no livro La Guitarra Española.<O:P</O:P
No primeiro ensaio, foram reunidas cinco pessoas: dois concertistas clássicos, dois
concertistas flamencos e um construtor de violões de ambos os tipos, por tanto, grande
conhecedor do instrumento. Todos os participantes, alternadamente, executaram temas livres em
violões flamenc0os e clássicos de mesmo nível e afinados no mesmo tom, evidentemente
encobertos, a fim de que os ouvintes não pudessem ser influenciados pela visão do violão.
Foram, ao todo, 100 audições e o índice de acerto, que teria a probabilidade mínima de 50%
(estatisticamente), foi de 56%, contra 44% de erros. Assim estas percentagens indicarão que a
fiabilidade da equipe participante para reconhecer um violão pelo timbre foi somente de 6%, o
que é insignificante.
Um segundo ensaio foi feito com o mesmo construtor que anteriormente havia
colaborado, mas com novos concertistas, aonde todos serviram apenas como ouvintes, visto que
os organizadores apresentaram todos os temas. Foram apresentados dois violões, um clássico e
outro flamenco, de mesma qualidade e afinação aos ouvintes antes da audição. Ao término de
cada audição os ouvintes deveriam apontar se ouviram um violão clássico ou um flamenco,
interpretando o mesmo. A grande curiosidade deste ensaio é que, apesar de terem sido
apresentados dois violões, apenas o violão clássico foi utilizado em todas as audições. Foram 20
temas apresentados e o resultado foi 60% de erros contra 40% de acertos, menor ainda que a
probabilidade natural, que é 50%.

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