MÓDULOS 01 e 02 TROVADORISMO E HUMANISMO

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OFICINA LITERÁRIA 2010: “AO PÉ DA LETRA”

Prof. Luci Rocha


(19) 3462 1391

MÓDULO 01: NOÇÕES GERAIS DE LITERATURA PORTUGUESA E BRASILEIRA

DIVISÃO CRONOLÓGICA

1) TROVADORISMO (1189-1434)
 Contexto e Marco Inicial: Idade Média, Teocentrismo, Feudalismo, Cantigas (amor, amigo, escárnio e maldizer), Cancioneiros,
Novelas de Cavalaria, Hagiografias, Cronicões, Língua galaico-português (galego ou arcaico) “Cantiga da Ribeirinha”.
 Trovadores: Paio Soares de Taveirós, que lançou a pedra fundamental da Literatura em Língua Portuguesa, Martim Codax, João
Garcia de Guilhade, Airas Nunes, Rei D. Dinis, etc.
2) HUMANISMO OU PRÉ-RENASCIMENTO (1434-1527)
 Contexto e Marco Inicial: Absolutismo, Mercantilismo, Surgimento da burguesia, Teocentrismo e Antropocentrismo, Mecenatismo,
Grandes Navegações, Historiografia de Fernão Lopes , Cancioneiro Geral de Garcia de Resende (poesia palaciana com versos
redondilhos maiores e menores), Teatro de Gil Vicente (teatro popular, moralista cristão, autos e farsas, personagens típicas e
alegóricas, registro de linguagem variado, rimas e métricas – redondilhos maiores e menores) .
 Autores: Francisco Sá de Miranda, Garcia de Resende, Gil Vicente.
3) CLASSICISMO OU RENASCIMENTO)/ Quinhentismo no Brasil (1527-1580)
 Contexto e Marco Inicial: Apogeu do Reino Português, “A medida nova” (versos decassílabos) , o soneto, a epopéia, etc.
 Palavras-chaves: Retomada dos valores greco-latinos, Crença na capacidade máxima do homem, Universalismo, Racionalismo, O
Belo, O Bem, A Verdade, Mitologia, etc. Literatura Informativa e Catequética no Brasil Colônia.
 Autores: Francisco Sá de Miranda e Luís Vaz de Camões (Os Lusíadas e Sonetos). Pero Vaz de Caminha, Pe. Anchieta.
4) BARROCO (1580-1756/ 1601- 1768
)
 Contexto e Marco Inicial: Contra-Reforma Religiosa, Morte de Camões e Domínio Espanhol (Portugal); publicação da obra
Prosopopéia, de Bento Teixeira (Brasil).
 Palavras-chaves: Contradição, Conflito, medo, dúvida, idéias metafóricas, antitéticas e paradoxais; religiosidade, temas sobre a
efemeridade da vida.
 Autores: Pe. Antônio Vieira, e Gregório de Matos Guerra.
5) ARCADISMO OU NEOCLASSICISMO (1756-1825/ 1768-1836)
Contexto e Marco Inicial: Iluminismo, Enciclopedismo, Fundação da Arcádia Lusitana (Portugal) e publicação de Obras Poéticas,
de Claúdio Manuel da Costa (Brasil).
 Palavras-chaves: Retomada dos valores clássicos e antigo-clássicos, mitologia, equilíbrio e simplicidade; natureza campestre
(bucolismo ou pastoralismo);
 Temas latinos: carpe diem, fugere urbem, inutilia truncat, locus amoenus, tempus fugit, aurea mediocritas, etc.
 Autores: Bocage, Cláudio Manuel da Costa , Tomás Antônio Gonzaga, Basílio da Gama e Frei José de Santa Rita Durão.
 Obras: Sonetos, Obras Poéticas, Liras de Marília de Dirceu, O Uraguai, Caramuru, etc.
6) ROMANTISMO (1825-1865/ 1836-1881)
 Contexto e Marco Inicial: Ascensão da burguesia, Troca do Absolutismo pelo Liberalismo, Consequências das Revoluções:
Industrial e Francesa. Publicação da obra “Camões”, de Garrett (Portugal) e Suspiros Poéticos e Saudades, de G. de Magalhães
(Brasil).
 Palavras-chaves: Individualismo, Subjetividade, Emotividade, Idealização, Evasão, Exaltação da Natureza da Pátria, Pessimismo,
Poesia Social na Terceira Geração.
 Autores Portugueses: Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco e Júlio Dinis.
 Autores Brasileiros: Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Castro Alves (poesia); Joaquim M. de Macedo,
Manuel Antônio de Almeida e José de Alencar (prosa).
 Obras: Amor de Perdição, Lira dos Vinte Anos, Espumas Flutuantes, Senhora, etc.
7) REALISMO/NATURALISMO (1865-1890/ 1881-1893)
 Contexto e Marco Inicial: Descobertas Cientíco-Filosóficas: Determinismo, Positivismo, Darwinismo, Socialismo. Questão Coimbrã
(Portugal) e Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis (Brasil);
 Palavras-chaves: Crítica Social, Senso de Contemporaneidade, Anticlericalismo, Antirromantismo, Descritivismo, Romance-tese;
Temas polêmicos no Naturalismo, Zoomorfismo, Expressionismo, Patologias, etc.
 Autores Portugueses: Antero de Quental, Cesário Verde e Eça de Queirós.
 Autores Brasileiros: Machado de Assis, Aluísio Azevedo, Raul Pompéia e Adolfo Caminha.
 Obras: O Primo Basílio, D.Casmurro, O Cortiço, O Ateneu, O Mulato.
8) PARNASIANISMO (Poesia Realista no Brasil 1882-1893)
 Contexto e Marco Inicial: Insere-se no contexto do Realismo/Naturalismo. Surge na França (Revista Le Parnasse Contemporain).
A obra “Fanfarras”, de Teófilo Dias, inaugura esse período literário no Brasil.
 Palavras-chaves: Formalismo (sonetos, rimas raras, encadeamentos), Descritivismo, Arte-pela-arte, Mitologia, Impessoalidade,
Racionalismo, Metalinguagem.
 Autores: Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira.

9) SIMBOLISMO (1890-1915 / 1893-1902)


 Publicação da obra “Oaristos”, de Eugênio de Castro, em Portugal, e “Missal” de Broquéis, de Cruz e Sousa, no Brasil.
 Palavras-Chaves: Musicalidade, Palavras Vagas, Misticismo, Sinestesia, Aliterações, Cor branca, Pessimismo, etc
 Autores Portugueses: Eugênio de Castro, Antônio Nobre e Camilo Pessanha.
 Autores Brasileiros: João da Cruz e Sousa, Alphonsus de Guimarães.
 Obras: Clepsidra, Só, Missal e Broquéis, Dona Mística.

10) PRÉ-MODERNISMO Brasil (1902-1922)


 Contexto e Marco Inicial: Corresponde à "belle époque" brasileira, marcada pela concomitância de diversas correntes, às vezes
opostas. Primeira Guerra Mundial, Revolução de Canudos.
 Autores: Euclides da Cunha, Graça Aranha, Lima Barreto, Monteiro Lobato e Augusto dos Anjos.
 Obras: Os Sertões, Canaã, Triste fim de Policarpo Quaresma, Cidades Mortas, Eu, respectivamente.
11) MODERNISMO BRASIL E PORTUGAL (1922 – 1960)
 Vanguardas Europeias: Futurismo, Cubismo, Dadaísmo, Surrealismo, Expressionismo.
 Início: Revista Orpheu (Portugal, 1915), A Semana de Arte Moderna (Brasil, 1922).
 Características Gerais (Brasil): Resgate da identidade nacional, valorização da linguagem popular e do folclore brasileiro, temas
voltados para o cotidiano, nacionalismo crítico, novas formas de expressão (versos livres e brancos), crítica á burguesia passadista
paulistana;
poema-piada, poema-pílula, paródia, ausência de pontuação.
Nos anos posteriores à SEMANA, a poesia retoma sua forma menos radical e a prosa torna-se mais crítica, intimista e regionalista.
 Autores do Primeiro Momento (1922-1930): Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Fernando Pessoa
(Portugal). (Macunaíma, Serafim Ponte Grande, Libertinagem, Mensagem são as respectivas obras desses autores).
 Autores do Segundo Momento (1930-1945): Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Morais, Cecília Meireles, Graciliano
Ramos, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, José Lins do Rego. (A rosa do povo, Antologia Poética, Viagem, Vidas Secas, O Quinze,
Capitães da Areia, Fogo Morto, respectivamente).
 Autores do Terceiro Momento (1945-1956): João Guimarães Rosa, Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto.
(Sagarana, Perto do Coração Selvagem, Morte e Vida Severina, respectivamente.

12) POESIA CONCRETA E PROSA MODERNA (depois de 1950)


 Ausência do verso discursivo;
 Aproveitamento do espaço em branco do papel;
 Poema-objeto, crítica social; antipropaganda;
 Exploração verbo-voco-visual do poema: “a poesia é música (melopeia), é imagem (fenopeia) e é pensamento (logopeia)”.
 Contos urbanos, expressão do cotidiano e da violência.
 Autores: Décio Pignatari, Augusto de Campos, Aroldo de Campos, Rubem Fonseca, Lygia Fagundes Teles, Afonso Romano de
Santana, Ferreira Gullar.

MÓDULO 02: LITERATURA NA IDADE MÉDIA

TROVADORISMO E HUMANISMO: INFLUÊNCIAS NA LITERATURA DE LÍNGUA PORTUGUESA DA ATUALIDADE

Segundo o crítico de Literatura Massaud Moisés, o termo Trovadorismo surgiu do francês troubadour, que era o poeta que devia
compor, achar (trouver) sua canção, cantiga ou cantar.
No período trovadoresco destacaram-se duas categorias de cantigas: Líricas (sentimentais) e Satíricas (críticas).
As cantigas de natureza lírica podiam ser um “cantar de amor” ou um “cantar de amigo” e a língua utilizada era o galego-
português, falado entre Portugal e Galiza.
As cantigas de amor resumiam em si uma situação pré-estabelecida: o trovador, um fidalgo decaído ou um vassalo infeliz,
apaixona-se por uma dama da corte ( amor-cortês). Esta quase sempre comprometida e muito rica não corresponde ao seu amor
que se torna platônico e angustiado. A vassalagem amorosa era uma espécie de confissão na qual o trovador deixava evidente a
sua condição social inferior diante da mulher amada. Dessa certeza, surgia a “coita de amor”, um sofrimento desmedido que
assolava o eu-lírico.
Era um tipo de cantiga executada dentro dos palácios, diante dos nobres e até mesmo de membros do clero, por isso devia seguir-
se a mesura, uma espécie de regra que garantia preservar a integridade moral da mulher e não desagradá-la ( sanha). Assim, a
dama passa a ser idealizada, não tendo seu nome verdadeiro revelado pelo trovador, que se dirige a ela por meio do senhal,
espécie de pseudônimo. Diante disso, ele deixa claro que apenas o contato pelo olhar teria sido o suficiente para querer o ben
(amor) daquela senhor (senhora).
A cantiga de amor, por ser de origem mais nobre (Provença), apresenta recursos mais originais, dispensando muitas vezes o
recurso do refrão e do paralelismo, sendo chamada de Cantiga de Mestria.
A Ribeirinha (Cantiga da Guarvaia) Senhor fremosa, pois me non queredes
No mundo non me sei parelha, Senhor fremosa, pois me non queredes
Mentre me for como me vai, creer a coita'n que me ten Amor,
Cá já moiro por vós, e - ai! por meu mal é que tan ben parecedes
Mia senhor branca e vermelha. e por meu mal vos filhei por senhor,
Queredes que vos retraia e por meu mal tan muito ben oí
Quando vos eu vi em saia! dizer de vós, e por meu mal vos vi:
Mau dia me levantei, pois meu mal é quanto ben vós havedes.
Que vos enton non vi fea! (Martim Soares)
E, mia senhor, desd'aquel'di, ai!
Me foi a mi mui mal, Meu bem querer
E vós, filha de don Paai é segredo, é sagrado
Moniz, e bem vos semelha está sacramentado
D'haver eu por vós guarvaia, em meu coração
Pois eu, mia senhor, d'alfaia meu bem querer
Nunca de vós houve nem hei tem um quê de pecado
Valia d'ua correa. acariciado pela emoção
(Paio Soares de Taveirós) Meu bem querer
meu encanto, estou sofrendo tanto
amor, e o que é o sofrer
para mim que estou
jurado pra morrer de amor.
(Djavan)

De origem popular ibérica (Espanha e Portugal), a cantiga de amigo teria surgido entre soldados e marinheiros. “O drama é o da
mulher, mas quem ainda compõe a cantiga é o trovador” (M. Moisés). Apresenta sempre eu-lírico feminino e é ambientada entre
camponeses: supostamente, uma moça do campo dialoga com a mãe, com as amigas, irmãs ou a com elementos da natureza
(árvores, mar, cachoeiras, etc.), desabafando as saudades do “amigo”, um namorado íntimo que teria partido para a guerra ou
para cumprir o serviço militar (fossado). É mais sensual do que a cantiga de amor e possui caráter mais narrativo. Quanto à
estrutura, é formada de refrão e paralelismos constantes e, de acordo com o cenário, podem ser chamadas de: Pastorelas,
Barcarolas, Serranilhas, Bailias, Romarias, Albas, Serenas, etc.

Quantas sabedes amar amigo


Quantas sabedes amar amigo
treydes comig’ a lo mar de Vigo
e banhar-nos-emos nas ondas.

Quantas sabedes amar amado


treydes comig’ a lo mar levado:
e banhar-nos-emos nas ondas Teresinha
O primeiro me chegou como quem vem do florista
Treydes comig’ a lo mar de Vigo Trouxe um bicho de pelúcia, trouxe um broche de ametista
e veeremo’ lo meu amigo: Me contou suas viagens e as vantagens que ele tinha
e banhar-nos-emos nas ondas. Me mostrou o seu relógio, me chamava de rainha
Me encontrou tão desarmada que tocou meu coração
Treydes comig’ a lo mar levado Mas não me negava nada, e, assustada, eu disse não
e veeremo’ lo meu amado:
e banhar-nos-emos nas ondas. O segundo me chegou como quem chega do bar
(Martim Codax) Trouxe um litro de aguardente tão amarga de tragar
Indagou o meu passado e cheirou minha comida
Vasculhou minha gaveta me chamava de perdida
Me encontrou tão desarmada que arranhou meu coração
Mas não me entregava nada, e, assustada, eu disse não

O terceiro me chegou como quem chega do nada


Ele não me trouxe nada também nada perguntou
Mal sei como ele se chama mas entendo o que ele quer
Se deitou na minha cama e me chama de mulher
Foi chegando sorrateiro e antes que eu dissesse não
Se instalou feito posseiro, dentro do meu coração
(Chico Buarque/Maria Bethânia)
Cantiga de escárnio: crítica indireta, ausência de houve sig'un corv'a carón,
xingamentos, omissão do nome da pessoa criticada, ironias,      e non quis da casa sair.
jogo de ambiguidades (uma história aparente e outra oculta). A dona disse: “Que será?”
E i o clerigu'está ja
Ũa dona, non digu'eu qual, revestid'e maldizer-mi-á,
non aguirou hogano mal: se me na igreja non vir.
polas oitavas de Natal E diss'o corvo: quá, aca,
ía por sa missa oír,      e non quis da casa saír.
e houv'un corvo carnaçal, Nunca taes agoiros vi,
     e non quis da casa saír. des aquel día que nací;
A dona, mui de coraçón, com'aquest'ano houv'aquí;
oíra sa missa, entón, e ela quis provar de s'ir,
e foi por oír o sarmón, e houv'un corvo sobre si,
e vedes que lho foi partir:      e non quis da casa saír
(Joan Airas)

Cantiga de Maldizer: Crítica direta, podendo revelar o nome do criticado, presença de xingamentos leves ou palavras de baixo calão.

Cantiga de maldizer
Maria Mateu, daqui vou desertar.
De cona não achar o mal me vem.
Aquela que a tem não ma quer dar
e alguém que ma daria não a tem.
Maria Mateu, Maria Mateu,
tão desejosa sois de cona como eu!
Quantas conas foi Deus desperdiçar
quando aqui abundou quem as não quer!
E a outros, fê-las muito desejar:
a mim e a ti, ainda que mulher.
Maria Mateu, Maria Mateu
tão desejosa sois de cona como eu!
(Afonso Eanes de Coton )

Humanismo ou Pré-Renascimento

O Humanismo corresponde a um período de transição entre a Idade Média e o Renascimento. Daí o seu caráter bifrontal: por um lado
apresenta postura moralista-cristã, por outro, um espírito crítico, questionador.
Quanto ao contexto histórico, é uma época de grande efervescência social, cultural e política: Grandes navegações, surgimento da
burguesia, Absolutismo, Mercantilismo, Mecenatismo Oficial, Dinastia de Avis, etc
O marco inicial do Humanismo em Portugal tem sido apontado por duas datas: 1418, quando D. Duarte nomeia Fernão Lopes a
guarda-mor da Torre do Tombo e 1434, quando este é nomeado cronista-mor do Reino de Portugal.
Três fatos importantes contribuíram para a Literatura do período humanista em Portugal:

1) Historiografia de Fernão Lopes


Baseado em um estudo sério e responsável, Fernão Lopes apresentou uma versão moderna da História de Portugal por meio de suas
crônicas narrativas.
Destacam-se como recursos literários: narrador em 3ª.pessoa onisciente, diálogos, caracterização realista de cenário e personagem,
dinamismo, psicologismo, inclusão de fatos populares e não apenas regiocêntricos, etc
Obras: Crônica de El-rei D. Fernando, Crônica de El-rei D.Pedro, Crônica de El-rei D. João.

“A Portugal foram trazidos Álvaro Gonçalves e Pero Coelho. Chegaram a Santarém onde estava El-rei D.Pedro, e este com prazer de
sua vinda, embora irritado porque Diego Lopes fugira, saiu fora a recebê-los. E ódio cruel sem piedade lhes fez pela sua mão meter a
tormento, querendo que lhe confessassem quem participara na morte de D.Inês, e que é que o seu pai, D.Afonso IV, tratava contra
ele quando andavam desavindos por causa da morte dela. Nenhum deles respondeu a tais perguntas cousas que agradasse a el-rei, e
dizem que ele ressentido deu um açoite no rosto a Pero Coelho. Este soltou-se então em desonestas e feias palavras contra el-rei,
chamando-o traidor, perjuro, algoz e carniceiro dos homens. El-rei, dizendo que lhe trouxessem cebola e vinagre para o coelho,
enfadou-se (enjôou-se) deles e mandou-os matar.
A maneira da morte deles, contada com detalhes, seria muito estranha e crua de contar, porque a Pero Coelho mandou arrancar o
coração pelo peito, e a Álvaro Gonçalves, pelas espáduas (costas). Finalmente el-rei mandou-os queimar. E tudo feito diante dos paços
em que ele estava, de maneira que, enquanto banqueteava, olhava o que mandava fazer. (Crônica de D.Pedro, de Fernão Lopes)”

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2) Cancioneiro Geral de Garcia de Resende (A Poesia palaciana)
“Colectânea de poesia palaciana portuguesa publicada em 1516 por iniciativa de Garcia de Resende, que assim pretendia conservar
para a posteridade um registo das grandezas dos portugueses.
O cancioneiro geral inclui composições de vários gêneros, em português e castelhano, de cerca de trezentos autores, datadas da
segunda metade do século XV e de inícios do século XVI, produzidas nas cortes dos reis D. Afonso V, D. João II e D. Manuel. Os
poemas reflectem o ambiente palaciano e aristocrático em que foram criados e, a par de manterem algumas características do lirismo
peninsular, denotam já influências de Dante e Petrarca. O Cancioneiro Geral inclui poesia amorosa, satírica, religiosa, histórico-épica e
dramática. Alguns poetas nele incluídos merecem ser destacados, são os casos de Diogo Brandão, Duarte de Brito, Jorge d'Aguiar, o
conde de Vimioso, João Roiz de Castel-Branco, Bernardim Ribeiro, Sá de Miranda, e o próprio Garcia de Resende.” (Iniciação à
Literatura Portuguesa, de Antônio José Saraiva).

Algumas novidades:
- a poesia separa-se da música;
- consolidam-se os versos redondilhos maiores e menores;
- a rimas tornam-se mais organizadas;
- surgem novos temas para a poesia.

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Comigo me desavim Para Todos
“Comigo me desavim, O meu pai era paulista
Sou posto em todo perigo; Meu avô, pernambucano
Não posso viver comigo O meu bisavô, mineiro
Nem posso fugir de mim. Meu tataravô, baiano
Com dor da gente fugia, Meu maestro soberano
Antes que esta assi crecesse: Foi Antonio Brasileiro
Agora já fugiria Foi Antonio Brasileiro
De mim , se de mim pudesse. Quem soprou esta toada
Que meo espero ou que fim Que cobri de redondilhas
Do vão trabalho que sigo, Pra seguir minha jornada
Pois que trago a mim comigo E com a vista enevoada
Tamanho imigo de mim?” Ver o inferno e maravilhas
(Sá de Miranda) (Chico Buarque de Holanda)
3) Teatro de Gil Vicente
Como afirma o professor Segismundo Spina "Gil Vicente, como outros grandes gênios da literatura ocidental - desde Homero a Camões
e Shakespeare - não tem uma biografia segura, ignora-se o lugar de seu nascimento (...) como se ignoram as datas de sua existência".
O mais provável é que ele tenha vivido entre os anos de 1465 e 1537.
Gil Vicente foi ourives oficial da corte, como afirmam seus biógrafos, até por volta do ano de 1502, quando encenou a sua primeira
peça o Auto da Visitação ou Monólogo do Vaqueiro, em homenagem ao nascimento do filho de D. Manuel com D. Maria. A peça
fez tanto sucesso que o levou a elaborar outras, igualmente cheias de êxito.
Gil Vicente, além de ser colaborador na obra O Cancioneiro Geral, de Garcia Resende desempenhou na corte a importante função de
organizar as festas palacianas. Ele alcançou tanto prestígio na corte que ousou em 1531, pôr ocasião de um terremoto, num discurso
feito perante os frades em Santarém, censurar energeticamente os sermões nos quais os frades explicavam a catástrofe como
resultado da ira divina. Na sua carreira de dramaturgo, foi protegido pela rainha D. Leonor.

Perfil literário
Gil Vicente foi sem dúvida um homem que viveu um conflito interno, por conta da transição da idade Média para a Idade Moderna. Isso
quer dizer que foi um homem ligado ao medievalismo e ao mesmo tempo ao humanismo, ou seja, um homem que pensa em Deus
mais exalta o homem livre.
O Autor critica em sua obra, de forma impiedosa, toda a sociedade de seu tempo, desde os membros das mais altas classes sociais até
os das mais baixas. Contudo as personagens por ele criadas não se sobressaem como indivíduos. São sobretudo tipos que ilustram a
sociedade da época, com suas aspirações, seus vícios e seus dramas (tipo é o nome dado aos personagens que apresentam
características gerais de uma determinada classe social). Esses tipos utilizados por Gil Vicente raramente aparecem identificados pelo
nome. Quase sempre, são designados pela ocupação que exercem ou por algum outro traço social (sapateiro, onzeneiro, ama, clérico,
frade, bispo, alcoviteira etc.). Ainda com relação aos personagens pode-se dizer que eles são simbólicos, ou seja, simbolizam vários
comportamentos humanos.
Os membros da Igreja são alvo constante da crítica vicentina. É importante observar, no entanto, que o espírito religioso presente na
formação do autor, jamais critica as instituições, os dogmas ou hierarquias da religião, e sim os indivíduos que as corrompem.
Acreditando na função moralizadora do teatro, colocou em cenas fatos e situações que revelam a degradação dos costumes, a
imoralidade dos frades, a corrupção no seio da família, a imperícia dos médicos, as práticas de feitiçaria, o abandono do campo para se
entregar às aventuras do mar.
A linguagem é o veículo que Gil melhor explora para conseguir efeitos cômicos ou poéticos. Escritas sempre em versos, as peças
incorporam trocadilhos, ditos populares e expressões típicas de cada classe social.
A estrutura cênica do teatro vicentino apresenta enredos muito simples. Provavelmente as peças do teatrólogo eram encenadas no
salão de festas do castelo real.
O teatro de Gil Vicente não segue a lei das três unidades básicas do teatro clássico (Grego e Romano) ação, tempo, espaço.
A ideologia das obras vicentinas apresentam sempre o confronto entre a idade Média e o Renascimento ou Medievalismo
(Teocentrismo versus antropocentrismo).

As obras de Gil Vicente podem ser divididas em três fases distintas:

1ª fase (1502/1508)
- Influência de Juan del Encima
- Temas Religiosos

2ª fase (1508/1515) - Problemas sociais Decorrentes da expansão marítima Destacando:


- "O Velho da Horta" (crítica ao amor serôdio)
- "Auto da Índia" (adultério decorrente da longa ausência do marido, que dado como morto, um dia retorna)

3ª fase (1516/1536) - Maturidade artística


- "Farsa de Inês Pereira", que tem como tema é a educação feminina;
- "Trilogia das Barcas", uma critica social e religiosa.

A obra teatral de Gil Vicente pode ser didaticamente dividida em dois blocos:
Autos: peças teatrais de assunto religioso ou profano; sério ou cômico.
Os autos tinham a finalidade de divertir, de moralizar ou de difundir a fé cristã.
Os principais autos vicentinos são: Monólogo do Vaqueiro; Auto da Alma; Trilogia das Barcas (compreendendo: Auto da Barca do
Inferno; Auto da Barca da Glória, Auto da Barca do purgatório); Auto da Feira, Auto da Índia e Auto da Mofina Mendes.
Farsas: são peças cômicas de um só ato, com enredo curto e poucas personagens, extraídas do cotidiano.
Destacam-se Farsa do Velho da Horta, Farsa de Inês Pereira e Quem tem Farelos?A obra vicentina completa contém aproximadamente
44 peças (17 escritas em português, 11 em castelhano e 16 bilíngues).

Todo-o-mundo e Ninguém
Entra Todo-o-Mundo, vestido como rico mercador, e faz que anda buscando alguma coisa que se lhe perdeu; e logo após ele um
homem, vestido como pobre.  Este se chama Ninguém.
Ninguém  -   Que andas tu aí buscando? Dinato -   Quê?
Todo-o-Mundo -  Mil coisas ando a buscar: Berzebu -   Que Todo-o-Mundo é mentiroso
 delas não posso achar,    e Ninguém diz a verdade.
porém ando porfiando, Ninguém -   Eu sou todo desengano.
 por quão bom é porfiar. Berzebu -   Escreve, ande lá mano!
Ninguém -   Como hás nome, cavaleiro? Dinato -    Que me mandas assentar?
Todo-o-Mundo -  Eu hei nome Todo-o-Mundo, Berzebu -   Põe aí mui declarado,
   e meu tempo todo inteiro    não te fique no tinteiro:
   sempre é buscar dinheiro,  Todo-o-Mundo é lisonjeiro,
   e sempre nisto me fundo.    e Ninguém desenganado.
Ninguém -   E eu hei nome Ninguém,        Auto da Lusitânia (1532)
   e busco a consciência.
Berzebu -   Esta é boa experiência! Carlos Drummond de Andrade
   Dinato, escreve isto bem. (Auto da Lusitânia, de Gil Vicente)
Dinato -   Que escreverei, companheiro?
Berzebu -   Que Ninguém busca consciência, Ninguém: Tu estás a fim de quê ?
   e Todo-o-Mundo dinheiro. Todo Mundo: A fim de coisas buscar
Ninguém -   E agora que buscas lá? que não consigo topar.
Todo-o-Mundo -  Busco honra muito grande. Mas não desisto, porque
Ninguém -   E eu virtude, que Deus mande O cara tem de teimar.
   que tope co'ela já. Ninguém: Me diz teu nome primeiro.
Berzebu -   Outra adição nos acude: Todo Mundo: Eu me chamo Todo Mundo e passo
   escreve logo aí a fundo o dia e o ano inteiro correndo atrás de dinheiro,
   que busca honra Todo-o-Mundo seja limpo ou seja imundo.
   e Ninguém busca virtude. Belzebu: Vale a pena dar ciência
Ninguém -   Buscas outro mor bem que esse? e anotar isto bem, por ser fato verdadeiro: Que
Todo-o-Mundo -  Busco mais quem me louvasse Ninguém tem consciência
   tudo quanto eu fizesse. e Todo Mundo, dinheiro.
Ninguém -   E eu quem me repreendesse Ninguém: E o que mais procuras, hem?
   em cada coisa que errasse. Todo Mundo: Procuro poder e glória.
Berzebu -   Escreve mais. Ninguém: Eu cá não vou nessa história.
Dinato -   Que tens sabido? Só quero virtude...Amém.
Berzebu -   Que quer em extremo grado Belzebu: Mas o pai não se ilude
   Todo-o-Mundo ser louvado, e traça: Livro Segundo.
   e Ninguém ser repreendido. Busca o poder Todo Mundo
Ninguém -   Buscas mais, amigo meu? e Ninguém busca virtude.
Todo-o-Mundo -  Busco a vida e quem ma dê. Ninguém: Que desejas mais, sabido?
Ninguém -   A vida não sei que é, Todo Mundo: Minha ação elogiada
   a morte conheço eu. Em todo e qualquer sentido.
Berzebu -   Escreve lá outra sorte. Ninguém: Prefiro ser repreendido
Dinato -   Que sorte? quando der uma mancada.
Berzebu -   Muito garrida:
   Todo-o-Mundo busca a vida,
   e Ninguém conhece a morte.
Todo-o-Mundo -  E mais queria o paraíso,
   sem mo ninguém estorvar.
Ninguém -   E eu ponho-me a pagar
   quanto devo para isso.
Berzebu -   Escreve com muito aviso.
Dinato -    Que escreverei?
Berzebu -   Escreve Belzebu: Aqui deixo por escrito
   que Todo-o-Mundo quer paraíso, o que querem, lado a lado:
   e Ninguém paga o que deve. Todo Mundo ser louvado
Todo-o-Mundo -  Folgo muito de enganar, e Ninguém levar um pito.
   e mentir nasceu comigo. Ninguém: E que mais, amigo meu?
Ninguém -   Eu sempre verdade digo, Todo Mundo: Mais a vida. A vida, olé!
   sem nunca me desviar. Ninguém: A vida? Não sei o que é.
Berzebu -   Ora escreve lá, compadre, A morte, conheço eu.
   não sejas tu preguiçoso! Belzebu: Esta agora é muito forte
e guardo para ser lida: sem nunca chantagear.
Todo Mundo busca a vida Belzebu: Boto anúncio na cidade,
e Ninguém conhece a morte. deste troço curioso:
Todo Mundo: Também quero o Paraíso, Todo Mundo é mentiroso
mas sem ter que me chatear. e Ninguém fala a verdade.
Ninguém: E eu, suando pra pagar Ninguém: Que mais, bicho?
minhas faltas de juízo! Todo Mundo: Bajular
Belzebu: Para que sirva de aviso, Ninguém: Eu cá não jogo confete.
mais uma transa se escreve: Belzebu: Três mais quatro igual a sete.
Todo Mundo quer Paraíso O programa sai do ar.
e Ninguém paga o que deve. Lero lero lero lero,
Todo Mundo: Eu sou vidrado em tapear, curro paco paco paco.
e mentir nasceu comigo. Todo Mundo é puxa-saco
Ninguém: A verdade eu sempre digo e Ninguém quer ser sincero.

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