A Historia Da Filosofia - Resumo
A Historia Da Filosofia - Resumo
A Historia Da Filosofia - Resumo
2018, 16h38 -
Criado em uma época na qual a religião explicava todas as coisas, das guerras
aos casamentos infelizes, Tales de Mileto rompeu com o pensamento
mitológico e deu o pontapé inicial da filosofia. Foi o primeiro a usar o raciocínio
puro para explicar as questões do homem e da natureza.
ANAXIMANDRO
ANAXÍMENES
Nem água, nem infinito. Para o último dos filósofos de Mileto, o ar era o item
fundamental. Ele observou que os lábios franzidos produzem ar frio e, quando
relaxados, ar quente — concluindo que a condensação esfria e a expansão
aquece.Para ele, a condensação do ar teria dado origem a névoas, chuvas e
rochas, ou seja, ao planeta todo. Afinal, nada sobreviveria sem o ar.
PARMÊNIDES
HERÁCLITO
Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio. Quando imergimos, águas novas
substituem aquelas que nos banharam antes. O exemplo serviu para ilustrar a
Teoria do Devir de Heráclito de Éfeso, sua tese mais famosa. Para ele, o
Universo anda num eterno fluir, com cada coisa sendo e não sendo ao mesmo
tempo.
Para Heráclito, era o logos — algo como razão ou inteligência — que governa o
mundo. Ele reconhecia que todos os homens possuem o logos, mas acreditava
que a maioria (que chamou de “adormecidos”) não desenvolvia essa
inteligência. Apenas os “despertos” utilizavam o logos de modo consciente.
Suas teorias só foram reveladas após seu bizarro suicídio: cobriu o corpo de
esterco e foi para a praça, onde foi devorado por cães. Heráclito deixou frases
gravadas em lâminas de ouro que ficaram secretamente guardadas com
sacerdotes. Eram curtíssimas e com duplo sentido, como no trecho “a rota para
cima e para baixo é uma e a mesma”.
PITÁGORAS
Ele se achava. Dizia que ficara 200 anos no inferno antes de chegar aos
homens, em uma longa preparação para chegar ao reino dos mortais. Suas
teses tinham valor de dogmas — poucos tinham permissão para questioná-lo.
Sua principal teoria era baseada nos números. Enquanto os filósofos de Mileto
acreditavam que a causa de tudo era um elemento físico ou o infinito de
Anaximandro, o pensador defendia que os números eram o motivo e o princípio
de tudo. Até o cosmos poderia ser quantificado de acordo com a teoria
pitagórica. Mas os números de Pitágoras eram diferentes dos nossos
algarismos. Não eram abstratos e ocupavam uma dimensão espacial, em
formas de quadrados e triângulos. Outra ideia badalada do pensador
foi a da”música cósmica”. Para Pitágoras, os astros tocavam uma melodia
perfeita e divina durante seu movimento. Mortais não seriam capazes de
ouvir a tal canção porque os sons contínuos passam despercebidos pelos
nossos sentidos.
PROTÁGORAS
GÓRGIAS
ERA CLÁSSICA
Entre os séculos 6 e 5 a.C., o mundo grego sofreu uma reviravolta
socioeconômica decisiva para o surgimento de pensadores da estatura de
Sócrates, Platão e Aristóteles. A cultura agrária e aristócrática da Grécia, que
na época reunia cidades-Estados e não formava um país como hoje, deu lugar
à vida urbana e democrática. Uma nascente indústria artesanal e o comércio
levaram hordas de gregos do campo para as cidades. A nova classe
trabalhadora passou a questionar o poder político da monarquia e, por volta de
507 a.C, o reformador Clístenes introduziu um princípio crucial que alterou a
ordem social na região: a igualdade dos homens perante a lei e o direito de
todos participarem das decisões políticas da comunidade. A Grécia virou uma
democracia direta. Nascia a figura do cidadão. Boa parte dos habitantes podia
dar pitaco nas reformas da cidade e expressar opiniões em público (exceto
mulheres e escravos, mas paciência…).
Mas era preciso saber falar para ser ouvido. O ideal de educação no novo
mundo grego valorizava a formação do cidadão e não mais exaltava as virtudes
aristocráticas, típicas dos poemas de Homero e Hesíodo, para quem o homem
ideal era o herói de guerra atlético e corajoso. Os novos professores da classe
cidadã eram os sofistas, pensadores que se apresentavam como mestres da
oratória e da retórica e contestavam tudo e todos. Para os sofistas, o bom
cidadão era persuasivo. Quem dominava a oratória ganhava qualquer
discussão em uma assembleia na pólis. Certo? Sim, mas não para Sócrates, o
pai da filosofia ocidental.
SÓCRATES
Se lhe faltavam atributos estéticos, sobrava lábia. Sócrates falava dia e noite
sem parar, inquerindo quem quer que cruzasse o seu caminho. A sede
insaciável de diálogo ficou conhecida como método socrático, ou dialética.
Passava os dias formulando questões e perguntando insistentemente, sem
desenvolver uma teoria sequer. Dos diálogos, tentava estimular pensamentos
sobre o que é o bem, o justo, o bom e o belo. A vida e a moral eram as grandes
preocupações do pai da filosofia ocidental. Ele definiu o que acreditava ser uma
vida virtuosa, onde a paz de espírito era atingida fazendo o certo, o que não
era a mesma coisa que seguir o código moral da época. Fazer a coisa certa era
uma questão de consciência — Sócrates acreditava que ninguém deseja fazer
o mal. Esse princípio levaria à famosa máxima “Conhece-te a ti mesmo”,
inspirada na inscrição do Oráculo de Delfos, centro de consulta aos deuses
gregos. Certa vez, perguntou se ser enganador correspondia a ser imoral. “É
claro que sim”, respondeu o interlocutor. Sócrates, então, indagou: “Mas e se
um amigo estivesse muito triste e quisesse se matar e você roubasse a faca
dele? Não seria um ato imoral?” Sim, ouviu como resposta. Sócrates concluiu:
“Mas seria moral em vez de imoral, já que seria uma coisa boa e não ruim”. A
essa altura, enquanto os neurônios do cidadão se debatiam, Sócrates dava-se
por satisfeito. Ele próprio comparou esse método com a profissão de parteira
da sua mãe. Sua mãe usava a habilidade para trazer à luz a vida. Ele paria a
verdade. Um dia, um amigo de Sócrates consultou o Oráculo de Delfos.
Desejava saber se existia alguém mais sábio que o filósofo. A resposta foi
direta: “Não, ninguém é mais sábio que Sócrates”. Quando soube da resposta,
Sócrates ficou pasmo com a afirmação e foi procurar políticos e poetas para
provar o erro do Oráculo. Foi em vão.
Conta-se que, ao conversar com outros sábios, Sócrates concluiu que todos
acreditavam que tinham um conhecimento profundo sobre algum assunto,
quando, na verdade, não era bem assim. A sabedoria do pensador estava em
não alimentar ilusões sobre o próprio saber. Foi dessa lógica que Sócrates
extraiu a histórica frase “só sei que nada sei”, pensamento que lhe rendeu
vários inimigos em Atenas, que o acusaram de ser, na verdade, um sofista
interessado em se aproveitar da retórica para mentir. O filósofo foi levado ao
tribunal, acusado de colocar em risco a moralidade ateniense e dissuadir a
crença nos deuses. Recusando-se a abrir mão de suas ideias, o sábio tomou
um cálice de cicuta — veneno extraído de uma planta que paralisa
gradualmente o corpo. Morreu aos 70 anos. Durante o julgamento, disse uma
de suas frases mais marcantes: “A vida irrefletida não vale a pena ser vivida”.
Segundo relatos de Platão, seu maior discípulo, Sócrates preferia a morte do
que viver sem questionamentos, na completa ignorância. Teria declarado ainda
que, se corromper a juventude significava ensinar a cuidar menos do corpo e
mais da alma, então era culpado. Sócrates não escreveu nada, mas disse
muito. Poucos minutos antes de cumprir seu destino, se despediu dos
discípulos: “Já é hora de irmos. Eu para a morte, vocês para a vida. Quem de
nós segue o melhor rumo? Isso é segredo. Exceto para Deus”.
EPICURO
Durante escavações em sítios arqueológicos gregos e romanos, foram
encontradas várias estatuetas de Epicuro. Era normal que os intelectuais da
época guardassem estátuas de filósofos, mas o que chamou a atenção é que
as de Epicuro estavam presentes até nas casas simples. Os seguidores do
filósofo, nascido na ilha de Samos, acreditavam que contemplar seu rosto
aquietava o espírito. Epicuro adorava comparar seu pensamento à medicina.
Proclamava-se um terapeuta do espírito, médico das almas e cirurgião das
paixões. Na sua escola, chamada de O Jardim, acolhia mulheres, escravos e
até mesmo prostitutas para suas “consultas”.
Como Aristóteles, acreditava que o maior objetivo da vida era a felicidade. Mas
ia além. Achava que a dificuldade em atingi-la estava no medo que sentimos da
morte. Epicuro se propôs a resolver o impasse: se a morte é o fim das
sensações, ela não pode ser fisicamente dolorosa, e, se é o fim da consciência,
não pode causar dor emocional. Ou seja, não há nada a temer. Superado esse
medo, podemos ser felizes. Epicuro morreu aos 72 anos. Não sabemos se ele
estava completamente destemido em relação ao juízo final, mas, em uma de
suas últimas cartas, comemorou a vida doce, feliz e sempre digna de ser
vivida.
PLATÃO
Principal discípulo de Sócrates, Platão se encarregou de registrar as ideias do
mestre na forma de diálogos. Seu texto é uma mistura de teorias complexas
com fragmentos teatrais que traziam o mestre como protagonista, dialogando
sobre a vida, a razão e a verdade. Platão escreveu ao longo da vida cerca de
40 diálogos, verdadeiras obras-primas filosóficas e literárias. Temos a sorte de
contar hoje com tudo o que o filósofo escreveu.
Mas, antes de virar Platão, o filósofo, ele era Aristócles, seu nome de batismo,
um estudante das letras e da pintura com excepcional dom para a ginástica. O
apelido, Platão (Pláton, em grego), que significa amplo, teria sido uma criação
do treinador Áriston de Argos por causa do porte musculoso do aprendiz. A
transição do esporte para o pensamento veio aos 20 anos, quando foi
apresentado a Sócrates. A parceria durou cerca de uma década, até os últimos
minutos da vida do mestre. Depois da morte do professor, Platão fundou a
própria escola em Atenas. Considerada por alguns como a primeira
universidade e inspirada nas comunidades criadas por Pitágoras, a Academia
ensinava matemática e geografia. O grande avanço era o ingresso de mulheres
que, pela primeira vez, podiam estudar. O aluno mais ilustre foi Aristóteles.
Platão morreu aos 70 anos. Em sua lápide ficaram gravadas as seguintes
palavras: “Aqui jaz o divino Aristócles, que em prudência e justiça soube
exceder a todos os mortais. Se a sabedoria eleva alguém às alturas, este as
conseguiu. A inveja em nada lhe empanou a glória”.
ARISTÓTELES
Os jardins do palácio de Pela, capital da Macedônia, hoje parte da Grécia, foi
um local que despertou a genialidade de um dos maiores pensadores da
história. Nascido em Estagira, no nordeste grego, Aristóteles foi ainda criança
para Pela quando seu pai, Nicômaco, foi chamado para ser o médico do avô de
Alexandre, o Grande. Conta-se que Aristóteles brincava nos jardins do palácio
e se interessava por quase tudo a sua volta: insetos, plantas, ervas daninhas.
Por volta dos 18 anos, ficou órfão e gastou o que herdara do pai em vinho e
festa. Em 367 a.C., ele partiu para Atenas e ingressou na Academia de Platão
— e de bon vivant se tornou um dos maiores gênios da filosofia.
Aristóteles entrou na escola apenas como ouvinte, mas Platão logo percebeu
que ele não era um aluno qualquer e lhe deu a missão de lecionar retórica. Ele
permaneceu na Academia por 20 anos até a morte do mestre, quando,
insatisfeito com os rumos que a escola tomava, seguiu para a Macedônia para
dar lições a Alexandre, o Grande. Antes disso, casou-se duas vezes e teve
Nicômaco, seu único filho. Aristóteles aprendeu muito com o mestre Platão,
mas foi também seu maior crítico. O filósofo não acreditava na teoria do mundo
das ideias apresentada no Mito da Caverna. Para ele, o mundo real, a
natureza, não tem nada de ilusório. Aristóteles acreditava que a verdade está
neste mundo e não em um universo paralelo, como acreditava Platão.
Aristóteles dizia que eram os homens que formulavam os conceitos a respeito
das coisas para poder reconhecê-las. Veja o exemplo de uma cadeira. Depois
de observar centenas de cadeiras, nós mesmos poderíamos definir o que era o
conceito de cadeira e, desta forma, reconheceríamos um exemplar quando nos
deparássemos com uma. E a cadeira na qual estamos sentados agora não é
apenas um simulacro de uma cadeira verdadeira existente no mundo das
ideias, como Platão diria. O pupilo também não acreditava na dialética como
um método seguro de conhecimento. Para Aristóteles, debater ideias é bom
para a política e a retórica, mas não é indicada para a filosofia ou para a
ciência. Assim, ele fundou a lógica, que definiu como um instrumento seguro
para conhecer o mundo.
SÊNECA
Em 323 a.C., Alexandre morreu aos 32 anos, e sua despedida marcou o fim do
domínio cultural, político e filosófico da Grécia no mundo antigo. Sem o líder
unificador, as cidades-Estado gregas, que antes cooperavam, voltaram a ser
inimigas. A morte do general, que levou o domínio grego e os ensinamentos do
tutor até onde se situa o Paquistão, enterrou também o legado de Platão e
Aristóteles. Nos dois séculos seguintes, o Império Romano ascendeu, e os
romanos não tinham tanto apreço pela filosofia grega. O que de fato cultivaram
dos helênicos foi o estoicismo, que pregava uma conduta virtuosa e obediente
às leis.
SANTO AGOSTINHO
AL-FARABI
Pouco se sabe sobre a vida de Al-Farabi que, embora tenha escrito muito,
abusou da modéstia ao fugir do registro da própria biografia. Um dos
fundadores do movimento filosófico muçulmano na Idade Média, ele seria
chamado por seus contemporâneos de o Segundo Professor – uma espécie de
herdeiro de Aristóteles, que seria o primeiro. Al-Farabi marcou um novo passo
na filosofia de seu tempo precisamente por ter recuperado as obras dos gregos
clássicos, discutindo tanto os textos aristotélicos quanto os de Platão, que
haviam caído no esquecimento na Europa medieval. Os numerosos escritos de
Al-Farabi também deixaram um legado semântico que curiosamente resistiu na
língua portuguesa: de seu nome deriva o termo “alfarrábio”, usado para
designar um livro antigo.
AVICENA
AVERRÓIS
Como Avicena, buscou formas de conciliar o Islã com a obra de Aristóteles,
cujos pensamentos eram considerados hereges no mundo muçulmano. Natural
do califado Almóada, onde hoje está a Espanha, Averróis tinha entre seus
leitores o próprio califa, Abu Ya’qub Yusuf. Com as costas quentes, o filósofo
conseguiu relativa proteção para formular suas ideias. Para ele, o Alcorão só
deveria ser lido de maneira literal pelos homens incultos — a elite esclarecida
precisava entender que o livro sagrado não passava de uma versão poética da
realidade. As ideias de Averróis levavam à conclusão de que as indagações
filosóficas e a religião podiam caminhar juntas: se a leitura mais óbvia de um
trecho do Alcorão entrasse em conflito com a leitura culta (feita em geral pelos
filósofos), aquele preceito não deveria ser seguido ao pé da letra, mas
interpretado como uma mera parábola.
SANTO ANSELMO
PEDRO ABELARDO
Tomás de Aquino já havia investido nove anos de sua vida escrevendo a Suma
Teológica, um total de 512 questionamentos filosóficos, quando algo estranho
aconteceu. Ele foi visto levitando diante de um crucifixo em seu convento de
Nápoles. Em meio a uma oração, o próprio Cristo teria começado a falar com
ele. Tomás nunca chegou a escrever sobre a experiência mística — nem
escreveu mais coisa alguma. A suposta aparição fez o religioso considerar
“uma ninharia” tudo o que fizera até ali, desistindo de formular novas
perguntas. Ele viria a falecer apenas três meses depois, aos 49 anos. O futuro
santo havia tentado conciliar sua fé com o raciocínio de Aristóteles para
entender a origem do Universo – enquanto o grego afirmava que o Universo
sempre existiu, a Bíblia dizia que Deus o havia criado. Para Aquino, a ideia
aristotélica de o Universo não ter um início definido não impedia o Cosmos de
ter sido feito por Deus. Em Seu infinito poder, Ele teria condições de criar um
Universo eterno. O pensamento tomista sofreu altos e baixos até ser
recuperado em 1879 pelo papa Leão 13, que o considerou uma das bases da
filosofia cristã.
DUNS SCOTUS
PENSADOR OU SANTO?
Na Idade Média, filosofar com qualidade elevou muitos pensadores à categoria
de santo. Mas os devotos de Duns Scotus ainda lutam para comprovar
supostos milagres e vê-lo ao lado dos seus pares filósofos no topo da fé cristã.
Seu processo de canonização atravessa sete séculos e é um dos mais longos
da história: a beatificação, o terceiro dos quatro passos para ascender à
condição de santo, veio somente em 1993, por obra de João Paulo 2º.
RENASCIMENTO
O Renascimento não é precisamente um período histórico, mas a síntese de
um espírito novo que surgiu na Itália. Na filosofia, o movimento foi inaugurado
por Dante, com a sua Divina Comédia, no início do século 14, mas foi a partir
dos séculos 15 e 16 que os pensadores ampliaram a faxina para varrer a
poeira medieval. Os renascentistas eram bons marqueteiros: usavam os
termos “renovar”, “restituir a uma nova vida”, “fazer reviver” para marcar uma
oposição clara à cultura da Idade Média, que julgavam um período de barbárie
e escuridão. A história fez questão de acabar com essa propaganda enganosa
— a Idade Média não foi só horror. O nome Renascimento, enfim, colou, mas o
período marcou, na verdade, o parto de uma outra cultura, que colocou o
homem e suas inquietações — e não mais o Deus dos medievais — de volta
ao centro do mundo. Não por acaso, a fase também é chamada de
humanismo. Nascia uma filosofia inteiramente secular, separada da Igreja.
Os renascentistas beberam na mesma fonte dos medievais, na filosofia grega.
Platão e Aristóteles — sempre eles — foram a inspiração dos ideais
antropocentristas. Platão foi amplamente recuperado na Itália renascentista
que dominou o mundo cultural da época — a imprensa de Gutenberg se
encarregou de espalhar as ideias renascentistas para o resto da Europa. Os
humanistas colocaram em prática o uso da razão e da evidência empírica na
investigação do mundo. Mas a coisa não era tão pé-no-chão assim. Uma das
correntes do pensamento da época, o neoplatonismo, explorava a ideia de que
o homem era parte da natureza e podia agir sobre ela por meio da magia e da
astrologia. Outra corrente, mais realista, iniciou a defesa dos ideais
republicanos contra o poderoso Império Germânico e contra os papas. O
florentino Nicolau Maquiavel é seu primeiro representante. A liberdade política
da antiga Grécia era exaltada como exemplo de participação social. A
indignação contra o status quo levou a mudanças profundas e marcou a
Reforma Protestante, que teve como resposta a Contra-Reforma e a
Inquisição.
Os pensadores renascentistas escreviam bem à beça. As obras mais famosas
da época são hoje mais conhecidas como peças literárias do que como
tratados filosóficos. O Elogio à Loucura, de Erasmo de Roterdã, por exemplo, é
considerado uma das sátiras mais brilhantes da literatura mundial. Montaigne,
autor de Ensaios, é tido como o inventor do gênero. Apesar do entusiasmo
marcado pelas grandes aventuras marítimas da época e pelo pulsante
comércio que entupia a Europa de novidades vindas do Oriente e da América,
sem esquecer da efervescência das artes, com Da Vinci, Botticelli e
Michelângelo botando para quebrar, as obras mais famosas do campo
filosófico são céticas e pessimistas. Para Maquiavel e Montaigne, por exemplo,
não havia muita saída para a corrupção na política — uma interpretação
tremendamente atual, diga-se.
DANTE ALIGHIERI
Dante é mais conhecido por sua obra poética do que por suas teorias
filosóficas — um traço comum entre os pensadores renascentistas. O poeta-
filósofo viveu entre a transição da Idade Média e do Renascimento, ou seja, um
limbo entre a religiosidade extrema e o início do humanismo secular. Sua obra
principal, A Divina Comédia, marca o início do movimento renascentista, que
reuniu na Itália uma concentração inédita de artistas, intelectuais, filósofos e
cientistas. A repercussão da Divina Comédia foi tão acachapante que ajudou a
consolidar o dialeto de Florença como a base da língua italiana.
A obra narra uma viagem imaginária e póstuma de Dante. Do começo, quando
se encontra em uma “selva negra”, Dante é guiado pelo pagão Virgílio e depois
por Beatriz, sua musa, que o leva ao paraíso. No livro, o autor visita o céu, o
inferno e o purgatório, encontrando personagens históricos pelo caminho.
Apesar da temática religiosa, A Divina Comédia faz uma crítica à Igreja. O
autor condena pontífices às trevas por considerar sua conduta imoral, uma das
críticas que geraram revolta nos altos escalões eclesiásticos. Depois da morte
de Dante, seus restos mortais foram procurados para que pudessem queimá-lo
como herege — ainda que depois de morto. Mas a importância do livro resistiu
aos ataques e até hoje é usada por padres como referência teórica. A obra se
chamava originalmente apenas Comédia. O adjetivo foi incorporado por
Giovanni Boccaccio, um poeta e crítico literário italiano do século 14,
especializado na obra do filósofo.
Dante também ocupou cargos importantes no governo florentino, o que lhe
rendeu inimizades políticas. Exilou-se em Ravena, após a vitória dos seus
inimigos, apoiados pelo papa Bonifácio 7º. Escreveu Monarquia, obra menos
conhecida, em que defendia a separação entre funções do Império e da Igreja.
Para Dante, o imperador teria poder executivo, e o papa atuaria como mestre
espiritual. E os dois precisam se respeitar.
Nas horas vagas, era um romântico incurável. Era membro do grupo secreto
“Os fiéis do amor”: trovadores líricos que idealizavam a figura feminina.
THOMAS MORE
Formado em Direito por Oxford, Thomas More teve uma carreira de sucesso
como braço direito de Henrique 8º. Mas, apesar de viver entre a nobreza,
escreveu uma obra-prima protossocialista. Seu livro mais famoso, Utopia, narra
a vida em uma ilha imaginária onde as pessoas trabalhavam pouco e tudo era
compartilhado. Fez ataques à monarquia, que garantia seu ganha-pão.
Inspirou-se na República, de Platão, e tornou a palavra “utopia” (um lugar ou
situação ideal, mas de difícil realização) parte da linguagem comum.
Curiosamente, as críticas contra o patrão em Utopia não lhe causaram
problemas.
Ele só se indispôs com o chefe monarca quando Henrique 8º se voltou contra a
Igreja Católica e fundou sua própria doutrina, o Anglicanismo. Sua recusa em
aceitar a manobra do rei lhe rendeu uma condenação à morte, na Torre de
Londres, em 1535. Quatrocentos anos depois, em 1935, ele foi canonizado por
ter pago com a própria vida pela fidelidade ao catolicismo. O pensador era
muito amigo de Erasmo de Roterdã, que dedicou ao camarada a sua obra mais
conhecida, o Elogio da Loucura. More foi uma espécie de discípulo de Erasmo,
apesar do amigo ter sido um duro crítico do cristianismo.
ERASMO DE ROTERDÃ
Talvez. Mas ele próprio dizia que a loucura era uma das virtudes que
garantiram a felicidade. Erasmo via na loucura uma parte essencial do homem,
o atributo que pode nos trazer as alegrias mais sinceras. Como bom discípulo
do desvario, ele criou em sete dias sua obra mais célebre, Elogio da Loucura,
onde a própria insanidade é a narradora da história.
No livro, dirigiu críticas mordazes a doutrinas e valores hipócritas da Igreja, que
já não se mostrava tão santa assim. Foi um dos primeiros autores a enfrentar
os dogmas que guiavam o poder medieval, propondo uma educação livre do
controle religioso. Fora da Itália, o teólogo era considerado um dos grandes
líderes do pensamento humanista, movimento que pregava o homem como
dono de sua própria vida. As ideias renascentistas de Erasmo inspiraram
Lutero na Reforma Protestante. Porém, o monge holandês não se juntou ao
movimento. Guiado por um espírito independente, preferia não se filiar a
nenhum extremo. Para externar sua posição, criou o sermão Sobre o Livre
Arbítrio, indo contra uma das ideias centrais de Lutero. Para Erasmo, apesar do
homem ter o poder de fazer suas escolhas livremente, ele nunca encontraria a
salvação sem a graça divina. Ele defendia um retorno às crenças sinceras, um
contato com Deus sem intermédio de missas, padres ou confessionários.
MAQUIAVEL
GIORDANO BRUNO
Abriu um novo horizonte de liberdade e evolução científica, mas foi perseguido
pela Inquisição e acabou na fogueira. O pensador acreditava que o mundo era
um grande animal, onde todas as coisas (todas mesmo) possuem alma.
Teólogo, filósofo e escritor, Bruno também era astrônomo. Inspirado por
Copérnico, defendeu a infinitude do Universo e lançou a possibilidade de que
todas as estrelas poderiam ter seu próprio sistema solar — hipótese que só
seria comprovada no século 21. A ideia batia de frente com a crença cristã de
que os humanos são criações únicas, feitas à imagem do Criador. Para
sublinhar seu nome na lista negra da Igreja, Bruno retomou conceitos pagãos,
afirmando que Deus faz parte do Universo, presente em todos os cantos, e não
uma entidade com cadeira cativa num único lugar. Para ele, a energia presente
em todas as coisas não se perde após a morte, mas se transforma.
CAMPANELLA
Foi o filósofo que encerrou o período renascentista. Em sua obra mais
famosa, A Cidade do Sol, escreveu sobre uma sociedade comunitária, onde
todo o conhecimento era compartilhado e não existia nem propriedade privada
nem família. Campanella acreditava que as novas gerações poderiam ser
melhoradas por cruzamentos. Por isso, a procriação era planejada. Gordos
deveriam procriar com mulheres magras em busca de um equilíbrio.
Campanella fundamentou sua obra aliando as leis naturais e a fé cristã. Para
ele, o mundo é um grande organismo, onde tudo é vivo e sensível.
ERA MODERNA
Depois do Renascimento ter abalado o monopólio da Igreja sobre o
pensamento, cultura e política europeia, o século 17 marca a vitória definitiva
da razão e da ciência sobre a religião — um movimento batizado de
Iluminismo. A Europa, que antes era um continente unificado pelo poder
eclesiástico, divide-se em nações poderosas. Grã-Bretanha, França, Espanha,
Portugal e Holanda consolidam seu poderio econômico com colônias ao redor
do mundo e, em cada país, surge uma próspera classe média urbana.
DESCARTES
Deu certo. Descartes chegou à idade adulta e pôde até virar soldado, mas não
tinha jeito para a trincheira. Introspectivo e com gosto pela leitura, logo
conseguiu ser dispensado para se dedicar em tempo integral àquilo que já
vinha fazendo nas horas vagas — desenvolver ideias revolucionárias, que
reuniria mais tarde no Discurso do Método, sua obra-prima que trata da prática
científica, do pensamento humano e até mesmo de Deus, entre outras
questões. Descartes ganhou fama por criar e emprestar o nome ao sistema de
coordenadas cartesiano, que abriu caminho para o surgimento da geometria
analítica — e dos pesadelos de muitos estudantes do ensino médio pelo
mundo afora. Longe dos números, fundou o pensamento racionalista,
influenciando gerações de estudiosos e ganhando a alcunha de pai da filosofia
moderna.
Conforme a doutrina cartesiana, é a razão, e não a experiência empírica, que
deve ser a fonte do conhecimento — assim, nós entendemos o que é real e o
que não é por meio da dedução, e não dos cinco sentidos. Com a conhecida
frase “penso, logo existo”, Descartes resumiu o conceito de que nossa própria
existência seria comprovada pelo fato de que podemos duvidar e pensar a
respeito dela. Por extensão, ele concluía que a existência de Deus podia ser
comprovada pelo método racionalista: o simples fato de podermos ter a ideia
de perfeição e de infinito, sendo imperfeitos e finitos, garantiria a verdade
dessa ideia. E, se Deus existe, também existe o mundo sustentado por Ele.
Por ironia, os dias do filósofo francês foram abreviados justamente por conta de
seus pulmões — quando ele acreditava já estar a salvo do problema. Em
setembro de 1649, Descartes foi convidado a lecionar para a rainha Cristina, da
Suécia, numa maratona de aulas que começavam às cinco da manhã. Abatido
pelo congelante inverno escandinavo, o pensador contraiu uma pneumonia e
faleceu apenas seis meses depois.
ESPINOSA
“Maldito ele seja de dia e maldito seja de noite. Maldito seja quando se deita e
maldito seja ele quando se levantar. Maldito seja quando sair, e maldito seja
quando regressa”. Com essas palavras iradas e algumas outras a mais, a
Sinagoga de Amsterdã anunciou para quem quisesse ler a condenação do
“herege” Baruch de Espinosa, em 27 de julho de 1656.
Ser expulso da religião não foi sequer o maior problema de Espinosa por
aqueles dias. Envergonhados com a situação, seus parentes o deserdaram e o
impediram de tomar parte nos negócios da família. O filósofo havia questionado
a forma como víamos Deus e subitamente se viu sem o amparo da
comunidade judaica e de seu lar. Para se sustentar, teve de arranjar emprego
como lustrador de lentes, um trabalho que garantiu a renda, mas acabou
debilitando sua saúde: Espinosa morreria aos 44 anos, provavelmente de uma
silicose causada pelo pó de vidro que respirou em duas décadas de serviço.
Não que tenham faltado oportunidades para tentar outra carreira. A Holanda
vivia uma efervescência econômica, e Espinosa sempre esteve cercado por
contatos influentes. Recebeu até mesmo um convite para lecionar na
prestigiada Universidade de Heidelberg, mas se viu forçado a recusá-lo por
conta da orientação para que não ensinasse teorias contrárias à religião.
THOMAS HOBBES
Hobbes viveu em tempos conturbados para a coroa de seu país, e suas ideias
tinham muito a ver com o clima de incertezas que marcou aquela época.
Nascido prematuramente após sua mãe se assustar com a notícia de que a
Armada Espanhola estava a ponto de invadir a Grã-Bretanha, o pensador
seguiu tendo a vida influenciada pelos acontecimentos políticos. Ferrenho
defensor do rei e com contatos na nobreza, chegaria a se exilar em Paris
quando uma guerra civil balançou as ilhas britânicas entre 1642 e 1651.
JOHN LOCKE
FRANCIS BACON
MONTESQUIEU
LEIBNIZ
Assim como Descartes, Leibniz ficou famoso por seus estudos matemáticos,
mas também contribuiu para o pensamento filosófico. Seu brilhantismo foi tão
precoce que Leibniz chegou a ter um pedido de doutorado recusado, em 1666.
Aos 20 anos, o pensador foi considerado “jovem demais” pela Universidade de
Leipzig, mas não pela de Altdorf, para onde se mudou e conseguiu o título
ainda naquele ano. O pensador costuma ser lembrado como um otimista.
Segundo seus escritos, nosso mundo é o melhor entre os mundos possíveis,
pois foi criado à semelhança de um organismo perfeito, Deus, que segue uma
lógica racional. Em busca de uma “matemática divina” capaz de explicar tudo,
Leibniz disse que Deus escolhe sempre os caminhos que permitam haver o
máximo de bem no mundo. Seguindo a teleologia de Aristóteles, que procura
analisar os propósitos de tudo o que acontece, Leibniz defendeu que Deus
permite a existência do mal e do sofrimento como estágios para um bem
superior – como a sensação de alívio após aquela fase particularmente difícil
do viciante Candy Crush.
Explica o porquê?
O racionalista Leibniz formulou um princípio fundamental para o
desenvolvimento da ciência que explica por que nunca paramos de buscar
respostas para as questões existenciais. É chamado de o Princípio da Razão
Suficiente, formulado pelo filósofo-matemático no século 17:
2. Em Por que o Mundo Existe?, o filósofo e jornalista Jim Holt usa o Princípio
da Razão Suficiente para mostrar que, se a premissa está certa, então deve
haver uma explicação de por que o mundo existe — quer saibamos ou não.
3. Mesmo contestado, o Princípio de Leibniz é usado por nós o tempo todo, o
que pode significar que buscar uma explicação para a origem das coisas e dos
acontecimentos seja inerente à racionalidade humana.
BERKELEY
DAVID HUME
THOMAS REID
VOLTAIRE
JEAN-JACQUES ROUSSEAU
O que poderia ter sido um revés definitivo acabou abrindo outra oportunidade:
Rousseau impressionou Denis Diderot, um dos idealizadores da primeira
Enciclopédia, que lhe encomendou alguns artigos sobre música para incluir na
coleção. A amizade com os enciclopedistas despertaria em Rousseau o
interesse pela filosofia, além de colocá-lo em contato com livros que moldaram
seu pensamento, sobretudo de autores ingleses. Rousseau concorda com
Hobbes e Locke quanto à existência de um “estado natural” para a
humanidade, que teria evoluído para um estágio de civilização a partir do
chamado “contrato social”. Mas, enquanto Hobbes escrevia que o homem é
egoísta e selvagem, Rousseau defende o inverso: o homem é bom e livre por
natureza, com virtudes inatas que são corrompidas pelas necessidades da vida
em sociedade.
Essa ideia está explícita nas primeiras linhas de sua obra mais famosa, Do
Contrato Social: “O homem nasceu livre, e por toda a parte está acorrentado.
Aquele que julga ser senhor dos demais é, de todos, o maior escravo”. O
afastamento do estado natural teria começado quando um homem decidiu
tomar um pedaço de terra, criando a noção de propriedade privada. A partir
daí, a única maneira de manter o controle era por meio de leis, que restringiam
a liberdade natural. Com ideais de uma república democrática, ele propôs a
substituição do Estado mantido nas mãos de reis e da Igreja por um governo
formado por cidadãos. Esse grupo de eleitos também seria responsável por
elaborar as leis de acordo com a “vontade geral”.
Os conceitos de Rousseau não entusiasmaram apenas os revolucionários
franceses — no século seguinte, seus textos sobre injustiça, desigualdade e
opressão seriam uma das principais influências do pensamento político de Karl
Marx.
IMMANUEL KANT
Diferentemente dos grandes pensadores da sua época, forjados nas agitadas
capitais europeias, Immanuel Kant jamais saiu de sua cidade natal. Sem nunca
se casar ou ter filhos, ele cresceu, estudou e lecionou na próspera cidade
portuária de Königsberg, então parte do reino germânico da Prússia (atual
Kaliningrado, na Rússia). O ar cosmopolita conferido pelo porto ajudou Kant a
não ficar isolado e, mesmo sem ter realizado viagens ao estrangeiro, suas
ideias venceram mares e fronteiras, tornando-o famoso ainda em vida.
KARL MARX
Karl Marx morreu pobre, esquecido e sem pátria: exilado em Londres, foi
velado por apenas 11 pessoas, incluindo o coveiro. Suas ideias, porém, se
refletiriam na vida de bilhões durante o século 20. Poucos pensadores
exerceram influência política tão clara quanto Marx. Certamente, nenhum foi
discutido com tanta paixão — mesmo por leigos. Um pouco disso se deve à
missão que Marx julgava ter, hoje estampada em sua lápide: “Os filósofos
apenas interpretaram o mundo de várias formas. A questão, no entanto, é
mudar o mundo”. Foi com espírito revolucionário que o alemão, junto de seu
amigo e financiador Friedrich Engels, lançou o Manifesto do Partido Comunista,
em 1848 — texto curto que ainda hoje ofusca sua obra máxima, o muito mais
complexo O Capital.
O panfleto conclamava os trabalhadores a se levantar contra a classe
dominante, e se afinou com o sentimento da época. Após o Manifesto, no
mesmo ano, várias revoluções sociais eclodiriam pela Europa. Quase todas
foram esmagadas, mas ajudaram a pavimentar o caminho para reformas
sociais. Marx diagnosticou que as mudanças históricas resultam do conflito
entre a classe dominante e a dominada. Em sua época, tal antagonismo seria
entre a “burguesia” (dona dos meios de produção) e o “proletariado” (que, sem
os equipamentos e o dinheiro para produzir, precisa vender sua mão de obra
para sobreviver). No pensamento marxista, o capitalismo geraria crises cíclicas
que elevariam a pobreza, pois dela se alimentava. Marx acreditava que
precisamente isso seria a ruína do sistema: o desenvolvimento aumentava o
número de explorados, que por fim se uniriam pela revolução. A consequência
seria uma sociedade sem classes, na qual os meios de produção se tornariam
propriedade comum.
Para seus críticos, não há dúvidas de que Marx fracassou. A maioria dos
países que tentou seguir a doutrina viu seus governos derrubados, como a
União Soviética e as nações vizinhas, ou teve de mudar sua economia, como a
China. Em nenhum lugar foi possível concluir a transição prevista por Marx,
quando o “socialismo” orientado por um grupo de líderes revolucionários daria
lugar ao “comunismo”, em que a própria ideia de Estado seria obsoleta. Os
admiradores de Marx sustentam que, apesar dos muitos equívocos, algumas
de suas análises foram precisas e seguem atuais. No Manifesto, por exemplo,
ele havia apontado que a sociedade capitalista mudaria o formato familiar
vigente até o século 19. Em 1998, o historiador inglês Eric Hobsbawm (um
marxista convicto) escreveu: “Nos países ocidentais avançados, hoje quase
metade das crianças é gerada ou educada por mães solteiras”.
FRIEDRICH NIETZSCHE
Aos 24 anos, Friedrich Nietzsche foi nomeado para lecionar Filosofia Clássica
na Universidade da Basileia. O que podia ser o começo de uma promissora
carreira acadêmica na verdade foi uma curta incursão, que durou apenas dez
anos. Apesar da inclinação à rotina professoral, Nietzsche sofria com
enxaquecas, problemas digestivos e respiratórios crônicos, que o fizeram
abandonar o cargo na universidade. Na década seguinte, com ajuda de amigos
e vivendo de uma minguada pensão, o filósofo realizou diversas viagens para
outros países, atrás de climas mais amenos. Enquanto viajava, escrevia. Seus
textos fizeram pouco sucesso na época. Assim Falou Zaratustra, por exemplo,
só saiu porque o autor pagou parte da publicação do próprio bolso. Até que, em
1889, Nietzsche sofreu um colapso mental do qual nunca se recuperou.
O filósofo passou os últimos anos de sua vida entre manicômios e os cuidados
de sua família. Faleceu 11 anos mais tarde, sem ter escrito mais nada. O que
ele havia dito até ali? Valendo-se de textos romanceados e de personagens por
meio dos quais manifestava algumas de suas ideias, ele se propôs a discutir o
futuro de nossos valores morais. Quando escreveu “Deus está morto”, o
filósofo não queria dizer que a entidade divina tinha deixado de existir — e sim
questionar se ainda era razoável ter fé em Deus e basear nossas atitudes
nisso. Nietzsche propunha que, recusando Deus, podemos também nos livrar
de valores que nos são impostos. A maneira de fazer isso seria questionando a
origem dessas ideias. Ele se definia como um “imoralista”, não porque
pregasse o mal, mas por entender que o correto seria superar a moral nascida
da religião.
HEGEL
Não foram poucos os que tropeçaram nas palavras de Georg Hegel, tentando
decifrar o real sentido por trás de seus termos difíceis, sua linguagem abstrata
e seu gosto por neologismos. Quando se recuperavam, seus leitores se
dividiam em dois grupos: alguns consideravam as ideias geniais, outros não
tinham dúvida de que ele escondia com a linguagem rebuscada sua
incapacidade de compreender o que analisava. Mas nenhum filósofo vindo
após o século 19 ficou imune a Hegel, nem que fosse para criticá-lo.
KIERKEGAARD
SCHOPENHAUER
WITTGENSTEIN
Herdeiro de um dos homens mais ricos da Europa, Ludwig Wittgenstein nasceu
em Viena e viajou a Cambridge para concluir sua graduação em Engenharia.
Mas se encantou pela lógica e resolveu ir a Manchester para estudar com
Bertrand Russell. Seu único livro, Tratado Lógico-Filosófico, de 1921, se tornou
um dos principais textos da história da filosofia e impactou todas as ciências ao
impulsionar o movimento conhecido como positivismo lógico. O austríaco
escreveu o livro enquanto era soldado, durante a 1ª Guerra. Nas 70 páginas de
sua obra, empenha-se em definir os limites da linguagem e,
consequentemente, de todo o pensamento. Ao concluí-lo, julgou ter resolvido
todos os problemas da filosofia. Por considerar que não tinha nada mais a
aportar à disciplina, resolveu se dedicar a outras atividades. Passados alguns
anos, porém, começou a rever seu próprio pensamento, tornando-se um de
seus principais críticos. Foi então que voltou a Cambridge, onde lecionou de
1929 a 1939.
BERTRAND RUSSELL
WILLIAM JAMES
EDMUND HUSSERL
O filósofo, astrônomo e matemático Edmund Husserl queria encontrar a
certeza. Inspirado em Descartes, buscava libertar a filosofia da dúvida. Então,
fundou a fenomenologia, abordagem que propunha olhar para as nossas
experiências com uma postura científica. Segundo esse método, tudo o que é
real é fenômeno — e aí está a essência das coisas. Diferentemente de Kant,
que aceitava a existência de uma verdade incompreensível, Husserl não
acreditava em uma realidade inacessível. Há somente o fenômeno ou a
essência, que é a maneira como compreendemos as coisas materiais ou
imateriais. A abordagem marcou a história da filosofia porque ofereceu um
modo de pensar todos os tipos de realidade.
JEAN-PAUL SARTRE
Estamos condenados a ser livres. Essa é a sentença de Sartre para a
humanidade. O filósofo e escritor francês, ao lado do argelino Albert Camus, foi
um dos maiores representantes do existencialismo, corrente filosófica que
nasceu com Kierkegaard e reflete sobre o sentido que o homem dá à própria
vida. Para Sartre, a existência do ser humano vem antes da sua essência. Ou
seja, não nascemos com uma função pré-definida, como uma tesoura, que foi
feita para cortar, por exemplo.
Segundo o filósofo, antes de tomar qualquer decisão, não somos nada. Vamos
nos moldando a partir das nossas escolhas. Toda essa liberdade resulta em
muita angústia. Essa angústia é ainda maior quando percebemos que nossas
ações são um espelho para a sociedade. Estamos constantemente pintando
um quadro de como deveria ser a sociedade a partir das nossas ações — o
curioso é que o próprio Sartre era viciado em anfetaminas, ou seja, não foi
exatamente um exemplo de conduta. Defendia que temos inteira liberdade para
decidir o que queremos nos tornar ou fazer com nossa vida. A má-fé seria
mentir para si mesmo, tentando nos convencer de que não somos livres. O
problema é que nossos projetos pessoais entram em conflito com o projeto de
vida dos outros. Eles, os outros, tiram parte de nossa autonomia. Por isso,
temos de refletir sobre nossas escolhas para não sair por aí agindo sem rumo,
deixando de realizar as coisas que vão definir a existência de cada um. Ao
mesmo tempo, é pelo olhar do outro que reconhecemos a nós mesmos, com
erros e acertos. Já que a convivência expõe nossas fraquezas, os outros são o
“inferno” — daí a origem da célebre frase do pensador francês.
THEODORE ADORNO
Em meados do século 20, meios de comunicação como rádio, jornais e revistas
começavam a atingir grandes plateias, mas o fenômeno demorou para
despertar atenção da filosofia — até que Adorno resolveu se debruçar sobre o
assunto em um dos capítulos do clássico Dialética do Esclarecimento, escrito
junto com o amigo Max Horkheimer. Na obra, a dupla mostra como o saber
está ligado a processos de dominação na história da civilização. As críticas se
tornaram fundamentais para compreender não só o impacto das novas
tecnologias de comunicação na sociedade, mas como o poder está mascarado
pelo saber na atualidade. Filósofo, sociólogo, compositor musical e crítico de
arte, Theodor Adorno foi um dos fundadores da Escola de Frankfurt, grupo
informal de pensadores de orientação marxista. Quando se formou em filosofia,
em 1924, já era amigo de Walter Benjamin e de Horkheimer, que também se
firmariam como grandes expoentes da Escola.
Sua fama intelectual surgiria quase uma década mais tarde, com a publicação
de uma tese sobre Kierkegaard, em 1933. Era o ano em que Hitler assumia o
poder na Alemanha, obrigando Adorno e vários intelectuais a abandonar o
país. A primeira parada foi Londres, onde lecionou três anos em Oxford. Em
1938, um convite de Horkheimer para dirigir o projeto de investigação
radiofônica da Universidade de Princeton o levou aos EUA. O filósofo não
gostou do que viu na América, mas o contato com o ambiente no qual os meios
de comunicação estavam em frenética expansão foi fundamental para o
desenvolvimento de sua obra. A observação de um universo regido por
interesses, lucro e conveniências o motivou a refletir atentamente sobre a
massificação da cultura. Para ele, os meios de comunicação de massa eram
parte fundamental da indústria cultural, uma criação do capitalismo que molda
a mentalidade das pessoas que aderem a ela inconscientemente. Adorno
considerava que o rádio, por exemplo, semeava o conformismo e a resignação,
tornando a população inerte frente a um sistema que desfigura a essência do
ser. E a televisão sequer havia chegado.
HANNAH ARENDT
HEIDEGGER
KARL POPPER
Se o nazismo não tivesse desviado a história de seu curso natural, Popper
provavelmente teria sido apenas um obscuro professor de filosofia da ciência
em Viena. Mas Hitler motivou o filósofo a escrever A Sociedade Aberta e Seus
Inimigos, livro-chave para o pensamento liberal moderno. Nessa defesa da
democracia, Popper cita o historicismo como um dos maiores advsersários da
sociedade, pois isenta os homens do ônus de suas responsabilidades ao
considerar que o futuro já está definido independentemente de suas ações.
Depois da ocupação nazista, fixou residência na Inglaterra, onde foi professor
da London School of Economics e da Universidade de Londres. Interessado no
método pelo qual a ciência decifra o mundo, criou o conceito de falseabilidade.
Para ele, o que torna uma teoria realmente científica é a possibilidade de
provar que ela é falsa pela experiência. Por exemplo: por anos, os cientistas
acreditavam que só existiam cisnes brancos, pois nunca haviam visto um cisne
negro. A aparição de um cisne negro desmonta a tese. A única maneira de
provar que todos os cisnes são brancos é vendo todos os cisnes. A ideia é
usada para diferenciar alegações científicas e não científicas. Popper se tornou
um dos filósofos da ciência mais destacados do século 20.
FOUCAULT
Inquieto e curioso em relação à existência, Michel Foucault frustrou uma família
de médicos ao enveredar pelo caminho da filosofia e da psicologia. Nenhum
desses títulos, porém, o satisfazia. Preferia ser definido como arqueólogo, por
sua dedicação a reconstituir o que de mais profundo existe em uma cultura.
RAWLS
Tem lugar no hall da fama dos filósofos políticos. Abalado pela injustiça das
bombas atômicas da 2ª Guerra, onde lutou pelo exército americano, encontrou
na filosofia sua maneira de mudar a sociedade. Ao longo de 20 anos, maturou
as reflexões que resultariam no best-seller Uma Teoria da Justiça. No livro, o
professor de Harvard defende que as instituições políticas devem ser justas e
propõe experimentos mentais inovadores para definir o que é justo ou não.
Sua teoria parte de uma situação hipotética: um grupo de pessoas na “posição
original”, ou seja, sem saber seu lugar na sociedade, definiria as novas regras.
Esses indivíduos estariam encobertos pelo “véu da ignorância” e assim
decidiriam o que é mais justo para todo mundo. E como ninguém queria sair
prejudicado, escolheriam as regras mais imparciais. A tese baseava-se em dois
princípios caros: liberdade e igualdade. Casos de jogadores de futebol que
ganham milhões eram considerados absurdos pelo pensador. Essa situação só
era aceitável se o fato do jogador ser muito rico tornasse os miseráveis menos
pobres. Para Rawls, não havia ligação direta entre ser bom em algo e merecer
ganhar mais. Esse talento seria uma espécie de “loteria natural”, ou seja, seria
injusto premiar o craque duas vezes.
DAWKINS
Dawkins não é e nem pretende ser filósofo. Mas, em 1976, quando era um
biólogo ainda pouco conhecido, publicou O Gene Egoísta, e ajudou a redefinir
a percepção sobre quem somos — uma tarefa que sempre coube aos filósofos.
No livro, defende que não somos muito mais do que robôs comandados pelos
genes para sobreviver a qualquer custo. E o que faz um gene prosperar em um
ambiente altamente competitivo é seu egoísmo implacável. Apesar da visão
desencantada, a obra se tornou um dos maiores best-sellers da ciência, e
Dawkins, uma notoriedade. Mesmo sem querer, se colocou ao lado dos
pensadores que ajudaram o homem a compreender melhor seu papel no
planeta. Sua sacada foi perceber que o processo de evolução das espécies
ocorre no nível genético (o gene é sua unidade fundamental ou multiplicador) e
que a visão darwinista também pode ser útil para compreender o progresso
cultural. Dawkins cunhou o termo meme, que seria um equivalente
comportamental do gene, para levar a visão evolucionista para fora da biologia.
O conceito deu origem à memética, que inspirou filosófos como Daniel Dennett.
O cientista também é ateu declarado, autor de Deus, um Delírio.
BAUMAN
Zygmunt Bauman era sociólogo por formação, mas sua obra mais contundente
faz uma crítica filosófica profunda da modernidade. Cunhou o conceito
“modernidade líquida” para explicar como nada hoje em dia é feito para durar,
do amor à profissão, tudo é líquido, muda de forma muito rapidamente e sob
pouca pressão. Dessa instabilidade permanente, nasce uma angústia do
homem diante do futuro e do progresso — e isso explica o boom do consumo
de antidepressivos, anabolizantes e toda a ordem de entretenimento que ajude
a afastar essa sensação. Modernidade Líquida é apenas uma das 40 obras
(sendo 16 delas traduzidas para o português) do pensador, que foi professor
emérito da Universidade de Leeds, na Inglaterra.
O PAI DO PÓS
Em 1979, o pensador francês Jean-François Lyotard lançou o livro A Condição
Pós-Moderna, cujo principal mérito foi colocar a expressão pós-modernidade
no vocabulário intelectual e popular. O conceito tem zilhões de definições, mas
pode ser resumido como essa nova fase da humanidade em que a busca pelo
progresso terminou, e os indivíduos estão livres para criar tudo novo (tudo
mesmo), sem as amarras das forças do passado, como o capitalismo.
E HOJE?
O físico Stephen Hawking anunciou em 2011, na badalada conferência
Zeitgeist, do Google, que a filosofia está morta. “A maioria de nós em algum
momento se pergunta: por que estamos aqui? De onde viemos?
Tradicionalmente, essas são questões para a filosofia, mas a filosofia está
morta”, vaticinou um dos mais brilhantes cientistas da atualidade. “Filósofos
não conseguem estar a par do desenvolvimento moderno da ciência,
particularmente da física”, disse, sem piedade. Para Hawking, a filosofia do
século 21 é aquele garoto que chegou à festa depois que os convidados
haviam ido embora.
Sem tentar ser a solução para tudo, a filosofia moderna se mostra útil na
formulação de novas interpretações dos fenômenos sociais. Ela se volta para
discutir eventos históricos e avanços tecnológicos e científicos, um campo fértil
para questionamentos desconcertantes sobre o nosso papel na sociedade, os
sistemas de governo, a relação do homem com as máquinas e o próprio livre-
arbítrio. Como sempre fez, a filosofia ainda encontra espaço para apontar
incoerências e aprofundar questões como o respeito aos animais, a ética do
dinheiro, nossa responsabilidade diante da miséria no mundo e o direito de
decidir a hora de morrer — como traz à tona um dos mais proeminentes
pensadores da atualidade, Peter Singer.