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RIBAS AORIGINAL

ARTIGO ET AL.

AVALIAÇÃODO PROCESSAMENTO AUDITIVO EM


CRIANÇAS COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

Angela Ribas; Marine Raquel Diniz da Rosa; Karlin Klagenberg

RESUMO – A presente pesquisa teve por objetivo estudar a relação entre


o processamento auditivo e a dificuldade de aprendizagem. Foram
selecionadas 50 crianças, em faixa etária de 8 a 15 anos, portadoras de
dificuldade de aprendizagem e que, na avaliação audiológica periférica,
apresentaram limiares auditivos dentro da normalidade. Estas crianças foram
submetidas a anamnese específica e à avaliação central da audição. Observou-
se que 88% da amostra apresentaram alteração do processamento auditivo, e
a classificação dos resultados revelou: quanto ao grau, 40% da amostra tiveram
alteração leve, 32%, alteração moderada e 16%, alteração severa do
processamento; quanto ao tipo, 16% tiveram dificuldade em organização,
12%, em codificação, 20%, em decodificação e 40%, dificuldades em uma ou
mais categorias. Estes dados sugerem grande relação entre audição e
aprendizagem.

UNITERMOS: Aprendizagem. Percepção auditiva. Audição. Transtornos


da audição.

Angela Ribas – Fonoaudióloga; Docente do Curso de Correspondência


Fonoaudiologia da UTP; Mestre em Distúrbios da Angela Ribas
Comunicação. Rua Martin Afonso, 2942, ap 601 – Curitiba – PR
Marine Raquel Diniz da Rosa - Fonoaudióloga; 80730-030
Aluna do Programa de Mestrado em Distúrbios da E-mail: [email protected]
Comunicação da UTP.
Karlin Klagenberg - Fonoaudióloga; Mestre em
Distúrbios da Comunicação.

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(73): 2-8


PROCESSAMENTO AUDITIVO E APRENDIZAGEM

INTRODUÇÃO comunicação verbal interpessoal e para a


É comum muitas crianças e jovens com aquisição da linguagem, daí sua relevância para
dificuldades de aprendizagem fazerem inúmeras a aprendizagem. Além de ser um sistema de alerta
incursões a pediatras, neurologistas, psicólogos, e de atenção pluridirecional, é contínua, ininter-
pedagogos, fonoaudiólogos, buscando definições rupta e sua dimensão perceptiva é, ao mesmo
sobre o seu quadro, e procurando definir também tempo, primitiva e superior. O homem capta
a terapêutica mais adequada. Alguns saem sem informações de fundo, distingue um entre vários
respostas, outros são qualificados erroneamente, ruídos, localiza e, ao mesmo tempo, integra,
ou ainda, quando o diagnóstico é acertado, o processa e compreende mensagens auditivas. A
trabalho não se mostra adequado. isto chamamos processamento auditivo, que
Mas afinal, o que é uma criança ou jovem com também pode ser definido como:
dificuldade de aprendizagem? Teria a audição, • “É aquilo que fazemos com o que escutamos”5;
ou melhor, o processamento auditivo um papel • “É como nosso cérebro conversa com nossa
importante neste contexto? orelha”6;
A criança com dificuldade de aprendizagem • “É a capacidade de introspecção de eventos
revela-se inteligente, porém não vai bem na sonoros”7;
escola. Inverte ou espelha letras e números. • “São mecanismos e processos responsáveis
Esquece das coisas com freqüência. Tem dificul- por localização e lateralização sonora,
dades para memorizar seqüências. Está em discriminação auditiva, reconhecimento de
permanente atividade. É distraída e, por vezes, padrões sonoros, desempenho auditivo com
teimosa. Esta criança, apesar de ter acuidade sinais degradados ou competitivos”8.
auditiva e visual normal, lida mal com as O processamento auditivo envolve a detecção,
informações sensitivas que recebe. Ela pode ter a atenção, a localização, a discriminação e o
problemas de atenção, discriminação, análise e reconhecimento da mensagem acústica, e tudo
síntese, figura-fundo e memória, tanto visual acontece em nível de sistema auditivo periférico
quanto auditiva, fatos que podem interferir e central9. Se existe uma disfunção neste processo
sobremaneira no processo de aquisição da leitura, de escuta, se há um impedimento na habilidade
onde há a associação de um duplo processo de analisar e/ou interpretar padrões sonoros, tem-
simbólico que integra a percepção visual e a se o que a literatura denomina de distúrbio do
auditiva1. processamento auditivo10.
Pesquisas demonstram que, freqüentemente, Indivíduos portadores de distúrbio do
distúrbios do processamento auditivo são processamento auditivo podem apresentar uma
encontrados em indivíduos com dificuldade de ou mais das seguintes manifestações: problemas
aprendizagem2-4. Se esta desordem interfere em psicolingüísticos; problemas de leitura e escrita;
algum aspecto importante do processo de mau desempenho escolar; desordens do compor-
aprendizagem, então ela deve ser considerada tamento social; problemas clínicos específicos da
como um problema significativo e o diagnóstico audição, no que se refere à localização da fonte
de alterações no processamento auditivo é sonora, discriminação de sons, identificação e
elementar, pois somente tendo em mãos um memória. Muitos indivíduos com alteração do
quadro claro e definido é que se pode traçar um processamento auditivo têm problemas de
plano terapêutico que complemente as reais aprendizagem, e podem ser beneficiados quando
necessidades da criança. estratégias de intervenção e estratégias
compensatórias são combinadas em prol de seu
O papel da audição e do processamento desenvolvimento3.
auditivo na aprendizagem É possível melhorar a percepção auditiva de
A audição é a modalidade essencial para essa uma criança com os problemas supracitados,

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alterando-se o ambiente de escuta e melhorando b) Otoscopia: para verificação de condições


as condições de recebimento de mensagens sono- favoráveis ou não à realização dos exames
ras, porém o correto diagnóstico é fundamental audiológicos;
para o bom encaminhamento terapêutico dos c) Audiometria tonal liminar: para determinação
casos5. da acuidade auditiva;
Sabendo da importante relação existente entre d) Exame de processamento auditivo: localização
o processamento auditivo e a dificuldade de da fonte sonora; memória seqüencial para
aprendizagem, o presente artigo teve como obje- sílabas; fala com ruído; palavras espondaicas
tivo descrever os achados audiológicos de um sobrepostas (mais conhecido por SSW), para
grupo de crianças com a dificuldade de apren- avaliação da percepção auditiva.
dizagem, atendidas na Clínica de Fonoaudiologia
da Universidade Tuiuti do Paraná. Critérios para análise dos dados
A audiometria tonal liminar foi analisada
MÉTODO de acordo com o critério descrito por Russo e
Amostra Santos11, em função do tipo, grau e configuração
Foram escolhidos como sujeitos desta pesquisa da curva audiométrica.
50 crianças com queixa de dificuldade de apren- Os resultados do exame de processamento
dizagem, atendidas na Clínica de Fonoaudiologia auditivo foram analisados sob dois aspectos,
da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). ambos propostos por Pereira e Schochat10:
Utilizou-se como critério de inclusão crianças com a) Grau da alteração: normal, leve, moderada e
idade entre oito e quinze anos, que possuíam severa;
queixa de “irem mal na escola”. b) Tipo da alteração: codificação, decodificação
e organização.
Material
As crianças foram avaliadas audiologicamente RESULTADOS
por meio do audiômetro clínico AC 40, em cabine A caracterização da amostra está relatada na
acústica. Para aplicação dos testes de proces- Tabela 1.
samento auditivo, utilizou-se o CD elaborado por A anamnese permitiu verificar que 100% da
Pereira e Schochat10 e um CD player devidamente amostra apresentam queixa de dificuldades de
acoplado ao audiômetro. Os equipamentos aprendizagem, referindo problemas no processo
audiológicos e a cabine foram avaliados de acordo de alfabetização (100%), problemas ortográficos
com as resoluções do Conselho Federal de (90%), dificuldades com cálculo (50%), dificul-
Fonoaudiologia. dades de interpretação e/ou produção de textos
O protocolo de avaliação constou de: (94%), dificuldades de memória (90%), dificul-
a) Anamnese: para levantamento de dados dades de concentração e/ou atenção (100%) e
referentes à saúde auditiva e escolaridade; repetência escolar (66%).

Tabela 1 - Número de crianças de acordo com sexo e idade

Idade Masculino Feminino Total


8-9 18 (36%) 6 (12%) 24 (48%)
10-11 16 (32%) 3 (6%) 19 (38%)
12-13 5 (10%) 1 (2%) 6 (12%)
14-15 1 (2%) 0 1 (2%)
Total 40 (80%) 10 (20%) 50 (100%)

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PROCESSAMENTO AUDITIVO E APRENDIZAGEM

Tanto na otoscopia quanto na audiometria, Em relação à caracterização da amostra, a


encontraram-se resultados compatíveis com a maioria (80%) dos sujeitos com queixa de dificul-
normalidade, apesar de, na anamnese, 42% terem dades de aprendizagem é do gênero masculino.
referido histórico de otites de repetição. Estudos referem que a desordem do processa-
Quanto ao resultado do exame de processa- mento auditivo é mais comum em meninos4.
mento auditivo, observou-se que somente 12% da Quanto à faixa etária, observou-se que a maioria
amostra não apresentaram alteração da percepção (86%) da amostra concentra-se entre os oito e 11
auditiva, e a classificação quanto ao grau e ao anos, época em que a criança dedica-se ao ensino
tipo de desordem encontra-se nas Tabelas 2 e 3. fundamental e ao processo de alfabetização.
A Tabela 4 revela as habilidades auditivas Na audiometria tonal liminar e otoscopia, não
mais prejudicadas, onde o número de respostas foram observadas alterações. Tal achado concorda
é maior, pois as questões permitiram múltipla com a literatura, pois não existe nexo causal entre
escolha. alteração do processamento auditivo e perdas
auditivas. Tanto a dificuldade de aprendizagem
DISCUSSÃO quanto a alteração do processamento auditivo
Esta pesquisa revelou grande relação entre o podem ser caracterizadas por uma acuidade
fator audição e a dificuldade de aprendizagem, auditiva normal1,3,4,13. Isto justifica-se pelo fato da
visto que 88% da amostra estudada apresentaram alteração do processamento auditivo caracte-
algum tipo de alteração do processamento auditivo rizar-se por uma deficiência em lidar com as
no exame realizado. Tal fato concorda com a informações sonoras recebidas, podendo ou não
literatura consultada2-4,12, onde há evidências de haver comprometimento do sistema auditivo
que problemas de leitura e escrita podem ocorrer periférico5,6,10.
em função dos processos psicológicos serem Os resultados do exame de processamento
diferentes em pessoas com diferentes capacidades auditivo foram classificados quanto ao grau e ao
de integração auditiva. tipo de alteração. Este tipo de categorização é
importante, pois permite o direcionamento
terapêutico para a dificuldade auditiva estudada,
e possibilita que um trabalho de estimulação mais
Tabela 2 - Número de crianças de acordo com o
grau da alteração do processamento auditivo adequado seja realizado em relação às queixas
do indivíduo avaliado.
Grau da alteração Número de sujeitos
De acordo com o relatado na Tabela 2, 40%
Normal 6 (12%) dos sujeitos desta pesquisa apresentaram uma
Leve 20 (40%) desordem leve do processamento, 32%, mode-
Moderada 16 (32%) rada e 16%, severa. Quanto mais significativo
Severa 8 (16%) for o grau da desordem, maior será a dificuldade
para lidar com informações auditivas. Segundo
Pereira e Schochat10, alterações leves conduzem
Tabela 3 - Número de crianças de acordo com o a ligeira dificuldade para acompanhar conver-
tipo de alteração do processamento auditivo sações, principalmente em ambientes ruidosos.
Já as alterações severas podem determinar até
Tipo da alteração Número de sujeitos
uma inabilidade para acompanhar a conver-
Normal 6 (12%) sação em ambientes favoráveis. Se a audição é
Codificação 6 (12%) base para o aprendizado escolar e cada sinal
Decodificação 10 (20%) acústico é essencial neste processo, crianças
Organização 8 (16%) com dificuldades de figura-fundo e atenção
Mais de uma categoria 20 (40%) seletiva tendem a organizar mal a informação

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Tabela 4 - Número de crianças de acordo com as habilidades auditivas prejudicadas

Categorização
Habilidade auditiva
Codificação Organização Decodificação
Atenção seletiva 16 (32%) 2 (4%) 4 (8%)
Memória 3 (6%) 10 (20%) 3 (6%)
Análise e síntese 5 (10%) 4 (8%) 18 (36%)

auditiva, o que prejudicaria o processo de Os dados referentes à categorização dos resul-


ensino-aprendizagem. Pesquisas na área tados e às habilidades auditivas alteradas foram
ambiental14,15 têm indicado que a sala de aula comparados, e estão descritos na Tabela 4. Os
normalmente é ruidosa. Se crianças com dificul- dados revelam que, dos 22 sujeitos que apre-
dades em atenção seletiva estão inseridas num sentaram dificuldades de atenção seletiva nos
ambiente escolar onde os sons competem entre testes aplicados, 16 enquadram-se na categoria
si, certamente, ela terá mais dificuldades para “codificação”. Na anamnese, estes indivíduos
concentrar-se na professora. referiram problemas com a escuta em ambientes
A Tabela 3 indica que 12% da amostra tiveram degradados acusticamente.
problemas de codificação, 20%, de decodificação, Dos 16 sujeitos que apresentaram problemas
16%, de organização e 40%, enquadraram-se em de memorização nos testes aplicados, 10 enqua-
mais de uma das categorias citadas. draram-se na categoria “organização”, e, na
anamnese, levantou-se história de desorganiza-
A literatura consultada4,10,16 refere que: ção na escola e no lar e inversões na escrita.
a) Problemas de codificação indicam que o Dos 27 sujeitos que apresentaram problemas
indivíduo possui, basicamente, dificuldades de discriminação auditiva, 19 enquadraram-se na
de localização da fonte sonora e atenção categoria “decodificação”, e, na anamnese,
seletiva, e a disfunção acometeria o tronco revelaram dificuldades para entender o que as
encefálico; pessoas falam e apresentam trocas na escrita.
b) Problemas de decodificação permitem inferir
inabilidade para reconhecer as características CONCLUSÃO
fonêmicas dos sons, o que pode caracterizar Esta pesquisa revelou que existe relação
dificuldades de discriminação, e a disfunção importante entre o processamento auditivo e as
acometeria o córtex auditivo primário; dificuldades de aprendizagem, visto que 88% da
c) Problemas de organização remetem às amostra estudada apresentaram algum tipo de
dificuldades de organizar eventos sonoros no alteração do processamento auditivo no exame
tempo, ou melhor, memorizar seqüências, e realizado.
acometeria o córtex auditivo secundário. Sobre o grupo estudado pode-se concluir
Observou-se que a maioria da amostra, ou ainda que:
seja, 40% dos sujeitos avaliados enquadram- a) A desordem do processamento auditivo
se em duas ou mais categorias. Este fato concor- acometeu um número maior de meninos, 80%
da com outros autores4 e permite inferir que da amostra;
as desordens do processamento auditivo são, b) A faixa etária mais afetada é a que
muitas vezes, difusas, não permitindo loca- compreende dos oito aos 11 anos;
lização exata da disfunção em nível do sistema c) O grau de alteração leve foi o mais relevante,
nervoso central. com 40% de ocorrência;

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PROCESSAMENTO AUDITIVO E APRENDIZAGEM

d) O tipo de alteração mais relevante foi o misto, A neurociência nos apresenta um sistema nervoso
tendo em vista que 40% da amostra não central que é plástico, e pesquisas16,17 têm demons-
puderam ser classificados em apenas uma trado que tanto a plasticidade quanto a maturação
categoria. são dependentes da estimulação. Desta forma, é
Há necessidade de implementação de importante que assim que o diagnóstico do distúrbio
programas dirigidos à criança e aos jovens com do processamento auditivo seja confirmado, se
dificuldades de aprendizagem, que contem- inicie o trabalho de estimulação auditiva, trabalho
plem o trabalho de estimulação auditiva, já que este que tem por objetivo ensinar a criança a ouvir
o distúrbio do processamento auditivo é e desenvolver as habilidades auditivas envolvidas
recorrente nesta população. no processamento da aprendizagem escolar.

SUMMARY
Evaluation of auditory processing in children with learning difficulties

This paper has as its objective to study the relationship between auditory
processing and learning difficulties. Fifty children were selected in the age
group from 8 to 15, all suffering from learning difficulties and in the peripheral
audiologic evaluation presented auditory thresholds within conventionality.
The children were submitted to the specific anamneses and central auditory
evaluations. It was observed that 88% of the sample presented alterations in
auditory processing and the classification of the results revealed that as
regards the degree of processing, 40% of the sample had light alterations,
32% had moderate alterations and 16% had severe alterations. As regards
the type, 16% had difficulty in organization, 12% in codification, 20% in
de-codification and 40% had difficulties in one or more categories. This data
suggests a significant relationship between hearing and learning.

KEY WORDS: Learning. Auditory perception. Hearing. Hearing


disorders.

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(73): 2-8

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RIBAS A ET AL.

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Association. Processamento auditivo: dos distúrbios da comunicação. Rio de
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Trabalho realizado na Clínica de Fonoaudiologia da Artigo recebido: 06/11/2006


Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, PR. Aprovado: 10/02/2007

Rev. Psicopedagogia 2007; 24(73): 2-8

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