Audição Do Bebê, Zaeyen E, 2003

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12 - A audição do bebê

Eduardo Zaeyen

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ZAEYEN, E. A audição do bebê. In: MOREIRA, MEL., BRAGA, NA., and MORSCH, DS., orgs.
Quando a vida começa diferente: o bebê e sua família na UTI neonatal [online]. Rio de Janeiro:
Editora FIOCRUZ, 2003. Criança, Mulher e Saúde collection, pp. 131-140. ISBN 978-85-7541-357-9.
Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.

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A audição do bebê

A Audição do Bebê

12 Eduardo Zaeyen

Muitas vezes, os pais têm medo de saber o do resultado de exames,


e com toda razão, pois estes podem sugerir que há algo errado com o bebê.
Pode-se, contudo, tentar ver o exame como uma importante ferramenta
na detecção de possíveis alterações, possibilitando que estas sejam
acompanhadas e tratadas, minimizando os prejuízos que poderiam causar.

Quando Devemos Saber


como o Bebê Escuta?
Sabe-se que o recém-nascido já escuta. De fato, o feto de mais ou
menos 25 semanas de gestação já pode escutar. Seu ambiente acústico é
constituído por ruídos externos e internos (a respiração, os batimentos
cardíacos, os movimentos musculares e intestinais maternos). Como esse
feto já está recebendo informações, e muito provavelmente registrando-as,
é importante saber se ele escuta para que as janelas de oportunidade de
aprendizado não se percam.
O ser humano é capaz de se adaptar às situações mais adversas.
Além de se comunicar por meio da palavra, o faz também pelos gestos e
pelo olhar. Também por isso, tanto os bebês que escutam quanto os que
têm dificuldades agem de forma semelhante até os seis meses de idade.
A dificuldade auditiva muitas vezes passa despercebida.

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QUANDO A VIDA COMEÇA DIFERENTE

No mundo em que vivemos, há uma relação direta entre o limiar de


audição (Quadro 1), o desempenho da fala e o desenvolvimento da
linguagem, que é a capacidade de receber informações, formar conceitos
sobre os objetos, explorá-los através do pensamento e utilizá-los com nossos
familiares e amigos (Quadro 2).
Apesar de a evolução da linguagem não começar com a palavra, seu
desenvolvimento depende da aquisição de uma língua, seja ela oral-auditiva
(língua oral) ou espaço-visual (língua manual). Como temos uma linguagem
interior – gestos corporais, expressão facial, olhar etc –, tentamos fazer o
melhor possível para estabelecer uma comunicação com o outro.
Se algo nos impede de receber as informações de forma clara, nosso
aprendizado ficará prejudicado, nossas reações não vão condizer com as
situações, e, por isso, seremos muitas vezes taxados de distraídos, mal-
educados ou pior ainda, de lentos. Essa privação de informações impede a
criança de alcançar seu potencial cognitivo e vocacional, podendo inclusive
gerar problemas emocionais e/ou comportamentais.

Quadro 1 – Significado clínico dos níveis de audição

Limiar de audição Grau de perda auditiva


(dB NA, deciBell Nível de Audição)

até 20 dB NA Audição normal

de 21 e 40 dB NA Perda auditiva leve

de 41 e 55 dB NA Perda auditiva moderada

de 56 e 70 dB NA Perda auditiva acentuada

de 71 e 90 dB NA Perda auditiva severa

a partir de 91 dB NA Perda auditiva profunda

Fonte: Zaeyen, 2002.


Obs: O bebê de 0 a 4 meses de vida tem audição normal, entre 30 e 40 dB NA.
A partir do quinto mês, audição normal menor ou igual a 20 dB NA.

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A audição do bebê

Quadro 2 – Desempenho da fala e o desenvolvimento da linguagem nas


perdas auditivas

Perdas auditivas Características


Perda auditiva leve A criança apresenta fala e linguagem normais ou
levemente prejudicadas. Neste último caso,
recomenda-se terapia fonoaudiológica. Como a
criança está desenvolvendo suas habilidades
lingüísticas, indica-se o uso de um aparelho de
amplificação sonora individual (AASI). Sua utilização
facilita a recepção do som e de certos comentários,
ditos em voz baixa, de grande importância para
a compreensão do que há nas entrelinhas.
Perda auditiva moderada A criança que não utiliza o AASI pode compreender o
que é dito, desde que o assunto lhe seja familiar e o
falante estiver perto. Como essa criança pode perder
de 50 a 100% do que é dito, muitas vezes apresenta
uma fala com problemas,, predominantemente nas
consoantes. Neste caso, a criança deve utilizar o AASI
associado a uma terapia fonoaudiológica para fala e
linguagem, e treinamento auditivo.
Perda auditiva acentuada A criança que não utiliza o AASI pode perder até 100%
das informações da fala. Neste caso, para ser entendido,
o falante tem de estar perto da criança e falar alto.
Dependendo do tipo de perda e de outros fatores –
presença ou não de outras deficiências, estrutura
familiar etc –, uma outra forma de comunicação é
necessária para acelerar o desenvolvimento da
linguagem.
Perda auditiva severa A criança precisa usar o AASI para compreender uma
conversação oral. Para desenvolver a fala e a
linguagem, é necessário aprender uma outra forma
de comunicação por meio de terapia especializada.
Perda auditiva profunda É preciso aprender outra forma de comunicação,
independente da utilização do AASI. Neste caso, apesar
de geralmente a criança não conseguir escutar a fala
e os ruídos típicos do dia-a-dia sem o aparelho, ela
depende de vários fatores para determinar se o uso
do mesmo lhe trará algum benefício..
Fonte: Zaeyen, 2002.

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QUANDO A VIDA COMEÇA DIFERENTE

Há várias formas de saber se o bebê escuta. Algumas triagens


auditivas são subjetivas e outras objetivas, sendo umas capazes de sugerir
limiares auditivos na melhor orelha e outras em ambas as orelhas.
Atualmente, os seguintes exames – que podem se complementar – estão
disponíveis, auxiliando na investigação de uma possível perda auditiva:

 Potencial evocado e audiometria de tronco-cerebral


(Brainstem Evoked Response Audiometry – BERA)

Exame neurofisiológico que avalia como a mensagem sonora é


transmitida ao longo do nervo auditivo. Este exame pode informar o limiar
auditivo nas freqüências testadas, além de sugerir alterações de condução.
É um procedimento não invasivo, e não necessita diretamente da cooperação
do bebê, que deverá estar muito quieto, de preferência dormindo. É demorado
e necessita de instalações apropriadas. Indicado na triagem auditiva em
recém-nascidos de alto risco para perda auditiva (Quadro 3), isto é, nos
quais há um percentual maior de perda auditiva.

 Emissões otoacústicas (eoa)

Exame fisiológico que avalia a orelha interna, mais especificamente


as células ciliadas externas da cóclea, mas não tem como objetivo
quantificar a perda auditiva. A cóclea é capaz de emitir sons ou ecos
espontaneamente em cerca de 30% da população com audição normal. No
restante, essas emissões podem ser evocadas por meio de um estímulo
sonoro. Para realizar este exame, são necessários de cinco a dez minutos e
qualquer local, desde que não tenha muito barulho. Coloca-se uma sonda
com um alto-falante e um microfone na orelha externa do bebê, que deverá
estar dormindo ou muito quieto. Através da sonda, sons são emitidos e o
eco captado é analisado por um computador com representação visual. É
um dos exames mais utilizados para avaliar o recém-nascido que não é
considerado de alto risco para perda auditiva ou, em associação ao BERA,
para a localização da perda auditiva, coclear ou neural (Quadro 4).

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A audição do bebê

Quadro 3 – Indicadores de alto risco para perda auditiva

0 - 28 dias de vida • todos os recém-nascidos admitidos em UTI Neonatal


por 48h ou mais;
• estigmas ou outros achados sugestivos de síndromes
associadas à perda auditiva;
• história familiar positiva;

• TORCHS (Toxoplasmose, Rubéola, Citomegalovírus,


Herpes, Sífilis);
• anomalias craniofaciais, incluindo anomalias da
orelha externa.

29 dias a 2 anos de vida • preocupação familiar em relação à audição, fala ou


linguagem;
• estigmas ou outros achados sugestivos de síndromes
associadas à perda auditiva;
• história familiar positiva;

• TORCHS (Toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus,


herpes, sífilis);
• hiperbilirrubinemia em nível de exsangüíneo-
transfusão;
• uso de drogas ototóxicas (aminoglicosídeos e agentes
quimioterápicos);
• infecções associadas a perdas auditivas neurosensorias
(ex: meningite bacteriana);
• otite média com efusão recorrente ou persistente
por pelo menos três meses;
• traumatismo cranioencefálico (TCE).

Fonte: Joint Committees on Infant Hearing (JCIH), 2002.

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QUANDO A VIDA COMEÇA DIFERENTE

Quadro 4 – Tipos de perda auditiva de acordo com a localização

Local do problema Tipos de perdas auditivas

Orelha Externa e/ou Média Condutiva


Orelha Interna e Nervo Auditivo Neurosensorial
Nervo Auditivo Neural
Orelha Externa e/ou Média e Orelha Interna Mista
e/ou Nervo Auditivo

Fonte: Zaeyen, 1999.

 Audiometria comportamental

Método que dá uma idéia de como o bebê – de 0 a 6 meses de vida –


responde ao som na melhor orelha, sem, contudo, indicar o limiar de
audição. O bebê deverá estar em estado de vigília e confortável. Deve-se
levar em conta que o recém-nascido sem alteração auditiva pode não estar
atento ao som em certos momentos.

 Audiometria comportamental com reforço visual

Teste utilizado em crianças entre 6 e 24 meses de idade, pois se faz


necessário condicioná-la a participar. Se forem utilizados fones de orelha,
informações específicas de cada uma delas poderão ser obtidas.
Nos dois testes comportamentais, o audiologista e seu assistente
deverão estar acostumados a observar bebês e crianças, pois suas respostas
são diferentes das de adultos e podem não ser imediatas. Bebês e crianças
com algum outro tipo de deficiência – visual, motor etc – podem não
responder de forma adequada. Logo, a possibilidade de se adaptar estes
testes deverá ser discutida.

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A audição do bebê

Por que é Importante Saber


como o Bebê Escuta?
Mesmo o adulto que já sabe falar, que conhece as palavras e que
teve a oportunidade de associá-las a significados fica confuso quando não
escuta direito. Entretanto, é capaz de adivinhar a palavra dependendo do
contexto. Em contrapartida, um bebê ou uma criança com dificuldade para
escutar desconhece o significado daquele grupo de sons que muitas vezes
não consegue ouvir ou que lhe chega de forma distorcida.
Não são apenas as perdas auditivas severa ou profunda – que
acometem cerca de 1 para cada 1.000 crianças nascidas – que têm a
capacidade de prejudicar o desenvolvimento da fala e da linguagem da
criança. A perda auditiva leve e a unilateral, suficientes para distorcer ou
dificultar a localização do som, impedem a correta discriminação e a
habilidade de compreensão da fala e linguagem. Em função disso, todos os
que apresentam algum grau de perda auditiva necessitam de ajuda.
Como vimos anteriormente, a aquisição de uma língua é importante
para que não haja atraso no desenvolvimento da fala e linguagem da criança.
Contudo, a aquisição de uma língua oral traz a oportunidade de integração
à sociedade. Há vários métodos de oralização independentemente das
filosofias (Quadro 5).
Das perdas auditivas na infância, 80% podem ser detectadas no
período neonatal. Sabendo que o bloqueio da comunicação gera
habitualmente diversas conseqüências indesejáveis, quanto mais precoce
for o diagnóstico da perda auditiva, com mais antecedência pode-se iniciar
um tratamento específico.
Como os outros 20% das perdas auditivas na infância podem ser
adquiridos ao longo dos primeiros anos de vida, recomenda-se fazer outro
teste auditivo entre 3 e 6 anos (antes de entrar no ensino fundamental) e
um exame oftalmológico, uma vez que a audição e a visão são os canais
preferenciais para a aquisição da linguagem.

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QUANDO A VIDA COMEÇA DIFERENTE

Quadro 5 – Filosofias educacionais

Filosofias Características
educacionais

Bilingüismo Tem como pressuposto básico a necessidade da


criança, a partir de uma perda auditiva severa,
ser bilíngüe. Utiliza a Língua Brasileira de Sinais
(LIBRAS) como língua materna para evitar o
atraso de linguagem e suas conseqüências e a
língua oral do país como segunda língua para
permitir a integração à comunidade ouvinte.

Comunicação total Utiliza concomitantemente a língua oral do país


e um código manual para facilitar e acelerar a
compreensão e aquisição da língua oral.Vale
ressaltar que não se pode utilizar a LIBRAS como
código manual porque esta é uma língua, e
acredita-se que o ser humano não consegue
processar duas línguas simultaneamente.

Oralismo Solicita o aprendizado da língua oral do país para


integrar-se à comunidade. O contato com uma
língua de sinais ou qualquer outro código
manual é considerado prejudicial para a aquisição
de uma língua oral.

Assim sendo, o comportamento auditivo e o desenvolvimento da


fala e da linguagem de toda criança (Quadro 6) – principalmente a que
teve de passar por uma UTI – devem ser atentamente observados, desde o
nascimento até o final do ensino fundamental.

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A audição do bebê

Quadro 6 – Comportamento auditivo e desenvolvimento da fala e da


linguagem

0-3 meses O bebê se assusta, chora ou acorda com sons intensos e repentinos.
Acalma-se ao ouvir a voz materna.

3-6 meses O bebê olha ou mexe a cabeça para os lados procurando a origem
do som. Emite sons sem significado (balbucio).

6-12 meses O bebê localiza prontamente sons de seu interesse, virando a cabeça
na direção de sua origem. Reage aos sons suaves. Intensifica o
balbucio: brinca com a voz, faz repetições de fonemas, por exemplo,
‘da-da-da’, ‘gu-gu-gu’ etc.

12 meses O bebê aponta e procura objetos e pessoas familiares quando


solicitado. Emite as primeiras palavras, como ‘mamãe’, ‘papai’,
‘tchau’ etc.

18 meses O bebê entende ordens verbais simples, como ‘dê tchau’, ‘pegue a
bola’ e usa palavras simples.

24 meses O vocabulário da criança aumenta consideravelmente. Usa sentenças


simples.

Fonte: adaptado de Gleason, 2000.

Referências Bibliográficas
GLEASON, J.B. The Development of Language. Boston: Pearson-Allym-Bacon, 2000.
JOINT COMMITTEE ON INFANT HEARING (JCIH). JCIH position statement
2000. Disponível em: <http://www.jcih.org>. Acesso em: 12 jul. 2002.
ZAEYEN, E.J.B.; INFANTOSI, A.F.C. & SOUZA, M.N. Avaliação da audição
em recém-nascidos: estado atual e perspectiva. Clínica de Perinatologia,
2(3): 501-530, dez. 2002.

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QUANDO A VIDA COMEÇA DIFERENTE

Bibliografia
BRAZELTON, T. B. O Desenvolvimento do Apego: uma família em formação.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1981.
DOLTO, F. As Etapas Decisivas da Infância. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
FANAROFF, A. & KLAUS, M. Alto Risco em Neonatologia. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 1995.
LOPES, S. M. B. & LOPES, J. M. A. Follow-up do Recém-Nascido de Alto Risco.
Rio de Janeiro: Medsi, 1999.
NORTHERN, J. L. & DOWNS, M.P. Hearing in Children. Baltimore: Williams
& Wilkins, 1984.
STERN, D. O Mundo Interpessoal do Bebê. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.
WINNICOTT, D. W. Da Pediatria à Psicanálise. Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1978.

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