Cheio de Dedos de Guinga Analise Formal PDF
Cheio de Dedos de Guinga Analise Formal PDF
Cheio de Dedos de Guinga Analise Formal PDF
1. Introdução
2. Análise formal
3. Análise harmônica
Para a presente análise, vamos tomar como referência o arranjo para violão
elaborado por Guinga. Neste primeiro fragmento, cabe ressaltar a interação existente entre
as cordas presas e soltas na digitação utilizada por Guinga em diversos momentos, como
por exemplo para o acorde Db7M(11+) existente no final da introdução, como será visto na
sequência. Este utiliza a terceira corda (Sol) solta, procedimento bastante característico do
compositor e amplamente utilizado em diversas peças de sua autoria, tais como Perfume de
Radamés, Dichavado, Pra quem quiser me visitar, Di Menor, entre tantas outras, e que se
trata de um recurso bem específico do violão. Assim, a introdução desta peça é composta
por duas frases. No exemplo 1, transcrevemos a primeiro fragmento da introdução:
O Db6 precede o Ebm/Gb, que pode ser interpretado como subII/V, já que logo
na sequência, no segmento seguinte, irá se conectar ao V. Assim, do mesmo jeito que é
possível um acorde dominante ser substituído por outro um trítono acima, em um movimento
análogo é possível acontecer o mesmo com o II. No contexto da tonalidade de Dó menor, a
cadência II/V - V/V - V poderia tanto se dirigir para um Gm7, que seria o V de Dó menor
natural, como também para G7, que comumente seria o V de Dó menor harmônica, mas
poderia ser também o V de Dó menor melódica. Desta forma, é perfeitamente justificável
que a escala que serve como referência para este acorde seja o dórico. De qualquer forma,
aqui caberia também perfeitamente a máxima de que “tudo que serve ao menor serve ao
maior”, já que apesar de que o V posterior é um acorde maior, encontramos aqui um IIm7
em vez de um acorde meio diminuto. Vale lembrar também que Guinga utiliza duas
aberturas diferentes na sequência para este acorde. No início do compasso temos um
Ebm7(4)/Gb, enquanto que no final dele, de forma antecipada ritmicamente, temos um
Ebm7(4) que na verdade é uma sobreposição de quartas, recurso muito utilizado no
vocabulário harmônico do jazz, principalmente modal, e também algo bastante idiomático do
instrumento, já que a afinação tradicional do violão, que é praticamente toda em quartas, de
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Embora em ambos os casos, obviamente, os arpejos desta seção de Capricho sejam, de maneira
geral, iguais ascendente e descendentemente, em oposição ao que faz Guinga ao subir e descer com
arpejos diferentes dentro do mesmo modo. Entretanto, existe a similaridade do contorno da melodia e
o fato de ambas serem elaboradas a partir de arpejos.
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Aqui também é possível observar a similaridade no contorno melódico elaborado a partir de arpejos.
Neste caso, foram utilizados arpejos diferentes ascendente e descendentemente, o que é bastante
próximo ao procedimento utilizado por Guinga no referido trecho de Cheio de Dedos, embora neste
último parece mais razoável pensar em arpejos diferentes dentro no mesmo modo, enquanto que em
ode-se verificar arpejos em sentido oposto mas de acordes com funções diferentes.
Desiludido p
forma geral se mostra bastante adequada para a execução de acordes deste tipo. Neste
fragmento, o que se pode observar é o uso das tensões adicionadas de forma bastante
similar nos dois primeiros acordes, provavelmente mais por aspectos idiomáticos do violão
do que por outros critérios harmônicos ou melódicos. Deve-se ressaltar também a utilização
de um cromatismo no baixo entre estes dois acordes no final do primeiro compasso deste
fragmento, assim como o processo de preparação da nota Lá bemol, que aparece no final
do segundo compasso e é a 5J do acorde Db6, mas que é suspensa e se torna a 4J do
acorde Ebm7(4), sendo resolvida logo depois no Sol bemol, 3m deste mesmo acorde. No
sexto fragmento, que compõe o primeiro final para a parte A, temos no início o acorde G6,
analisado aqui como V, e que neste contexto exerce o papel de dominante, apesar da
sétima estar omitida, o que pode também ser interpretado como uma forma de ambiguidade.
Observe a utilização da 6M na primeira corda solta do violão, assim como a 9M na segunda
casa da corda Sol.
Estes intervalos caracterizam a escala que serve como referência para este
acorde como Mixolídio. Este acorde será utilizado para a digressão para o tom homônimo,
Dó maior, pois a propriedade de ambos os tons terem o mesmo acorde como dominante
viabiliza esta transição. O acorde B7(9+) será analisado como subV/VII, se considerarmos
ainda a tonalidade de Dó menor. Entretanto, ele também poderia ser considerado como um
V/III se a tonalidade de Dó Maior já for assumida neste momento. No compasso seguinte,
temos uma frase, que neste contexto, pode ser considerada como fazendo parte do I de Dó
maior. Logo depois, temos uma cadência subV/V-V, realizada pelos acordes Ab7(9) e G7(9),
e que prepara a volta para o começo da parte A, com a utilização mais uma vez de uma
assimetria na estrutura rítmica da peça. Na sequência, O Ab7(9), analisado como subV/V
precede o G7(9). Se considerarmos apenas a figura rítmica que imita o que aconteceu nos
dois acordes, o G7(9) pode ter como escala de acorde o Mixolídio. Entretanto, se
considerarmos a nota Mi bemol presente no anacruse do retorno da parte A, a escala para
este acorde poderia ser Mixo 13b. Ou seja, neste ponto existe uma ambiguidade na
estrutura da peça que não deixa claro se é uma preparação para Dó maior ou Dó menor.
Algumas outras interpretações alternativas para os fenômenos harmônicos aqui descritos
são cabíveis. O acorde Db6, por exemplo, foi considerado nesta análise como um acorde
napolitano. Entretanto, neste acorde, Guinga não utiliza o intervalo de sétima, o que pode
ser interpretado como uma ambiguidade, pois a sétima seria essencial para diferenciar a
função deste acorde entre subV ou bII. Por outro lado, também é possível observar uma
cadência napolitana entre os acordes Db6 - G7 - C6, respectivamente bII - V - I, apesar das
interpolações existentes feitas pelos acordes Ebm7(4) e B7(9+). Neste sexto fragmento, que
contém o primeiro final da seção A da peça, podemos novamente observar o uso de
recursos idiomáticos, tanto pela construção melódica a partir das digitações dos acordes
indicados na cifragem como também pelo amplo uso das cordas soltas e ligaduras. Neste
trecho também podemos encontrar um compasso de três tempos, mas que está em
consonância com o que foi verificado no terceiro fragmento. O sétimo fragmento traz a
segunda finalização da parte A.
Exemplo 7: Cheio de dedos: Quinto fragmento da parte A (Segundo final)
Entretanto, provavelmente não foi este o critério utilizado por Guinga para
elaborar esta passagem. Este trecho parece ter sido elaborado muito mais a partir de
elementos idiomáticos no violão, e dos paralelismos gerados por estes acordes, já que,
independente da tipologia destes acordes e da sua análise, os três conservam a mesma
digitação no braço do instrumento mas com uma distância de um tom e meio de um para
outro. Uma hipótese também é a de que Guinga pode ter pensado no movimento dos
baixos, que fazem um arpejo triádico diminuto em sentido descendente, mas preencheu as
vozes além do baixo de forma mais livre. Podemos verificar ecos deste tipo de procedimento
em composições de Hermeto Pascoal, Leo Brouwer, Villa-Lobos e em outras composições
do próprio Guinga.
No décimo segundo fragmento, que se inicia no III, a exemplo do fragmento
anterior, temos uma sequência de acordes que faz uma progressão que não exatamente
prioriza os movimentos cadenciais, mas que se mostra extremamente idiomática.
É evidente que na peça Cheio de Dedos, assim como em grande parte de sua
obra, as escolhas das aberturas dos acordes utilizados por Guinga estão muito mais
relacionadas com a facilidade e conforto de suas respectivas digitações no braço do
instrumento, caracterizando assim os chamados violonismos, do que com aspectos
melódicos e harmônicos mais usuais. Guinga não parece fazer estas escolhas pelo fato
destes materiais pertencerem a um determinado sistema de inversões e aberturas, e sim
porque proporcionam movimentos característicos, portanto idiomáticos, do violão. Nesta
peça, portanto, fica evidente a característica de Guinga de compor muito mais a partir de
elementos idiomáticos do violão do que de relações motívicas, melódicas ou harmônicas,
embora estas obviamente estejam presentes no resultado final. Entretanto, como pôde ser
verificado, além dos elementos idiomáticos Guinga possui um vocabulário harmônico
bastante sofisticado, trazendo em sua linguagem tanto elementos oriundos do jazz como
também da música clássica. Para evidenciar este aspecto, as relações harmônicas de cada
um dos trechos da peça foram destacadas nesta análise como uma maneira de evidenciar
as formas de utilização destes materiais pelo compositor.
5. Referências Bibliográficas
MALTA, Carlos. Entrevista a Ivan Daniel Barasnevicius em 27/03/2017. São Paulo - SP.
Áudio por Skype.
MARQUES, Mario. Guinga: os mais belos acordes do subúrbio. Rio de Janeiro, RJ: Editora
Gryphus, 2002.
CABRAL, Sérgio. A Música de Guinga. Col. Songbook. Rio de Janeiro, RJ: Editora Gryphus,
2003.