Sonata Andina Jaime Zenamon

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3º Simpósio de Violão da Embap, Outubro de 2009

LUCIANA ELISA LOZADA TENÓRIO

SONATA ANDINA DE JAIME M. ZENAMON:

ANÁLISE DO PRIMEIRO MOVIMENTO

TEMA: PRÁTICAS INTERPRETATIVAS


3º Simpósio de Violão da Embap, Outubro de 2009

SONATA ANDINA DE JAIME M. ZENAMON:

ANÁLISE DO PRIMEIRO MOVIMENTO

LUCIANA ELISA LOZADA TENÓRIO1

RESUMO:
Este trabalho é uma análise musical do primeiro movimento da Sonata Andina,
obra para duo de violões, composta por Jaime Mirtenbaum Zenamon. A análise
pretende servir como um material de apoio ao intérprete, visto que não há bibliografia
disponível sobre a peça, buscando destacar o contexto em que esta foi composta,
suas principais características rítmicas, melódicas e harmônicas, demonstrando como
esses elementos se relacionam e ao mesmo tempo sugerindo algumas idéias de
interpretação da música baseadas em informações do próprio compositor.

Palavras-chave: Jaime Zenamon – Análise – Interpretação – Sonata Andina.

INTRODUÇÃO

Este trabalho apresenta uma análise musical voltada ao reconhecimento das


características principais do primeiro movimento desta obra e a observação do
desenvolvimento dessas características musicais. Seu objetivo principal é auxiliar o
intérprete na compreensão da organização e do desenvolvimento do discurso musical
nesta obra, para que assim ele possa criar uma interpretação coerente e embasada
teoricamente.

JAIME ZENAMON

Jaime Zenamon é um compositor, violonista e regente que nasceu em La Paz,


Bolívia, no dia 20 de fevereiro de 1953; Se mudou para Curitiba com sua família no
ano de 1972, onde se naturalizou. Em 1978 fundou o curso de Bacharelado em Violão

1
Aluna do 3º ano do Curso de Superior de Instrumento (Violão), da Escola de Música e Belas Artes do
Paraná.
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da Escola de Música e Belas Artes do Paraná. De 1980 até 1992, radicou-se em


Berlim onde atuou como professor de violão a convite da Escola Superior de Artes
(Hochschule der Kunste. Atualmente reside em Curitiba e trabalha como compositor,
regente e ministra masterclasses, seminários e palestras em diversos países.

Quanto à sua formação, teve aulas de violão erudito com Abel Carlevaro
(Uruguai), Almosnino (Hungria) e Avber Brender (discípulo de Andrés Segovia –
Israel); aulas de composição com Guido Santórsola (Itália), Alceu Bocchino (Brasil),
Nicola Flagello (Itália/E.U.A), Wladimir Nokolovsky (discípulo de Shostakovich –
Calendônia/Rússia); aulas de regência com Carlos Prates (Brasil), Guido Santórsola
(Itália/Uruguai) e frequentou como ouvinte, as aulas do maestro Hebert Von Karajan
(Alemanha).

SONATA ANDINA

A Sonata Andina é uma obra para duo de violões, composta em 1982. Foi
publicada pela Editora Margaux, em 1988. É constituída de três movimentos: I.Vivo,
II.Lento e III.Bien animado. Segundo Jaime Zenamon, esta peça foi composta quando
ele residia na Alemanha, para um duo de violões que o compositor mantinha com a
violonista norte-americana Laurie Randolph. Zenamon avalia esta obra como sendo
descritiva, pois foi feita com intenção de “remeter o ouvinte à paisagem e
características Andinas, tais como montanhas, pampas, cavalos, churrascos, etc.”
Portanto, é de grande valia que o intérprete tenha em mente este tipo de imagem e
reconheça os elementos musicais que criam essa atmosfera andina. Para ilustrar o
depoimento do compositor, a figura 1 mostra a foto de uma paisagem tipicamente
andina:
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2
Fig. 1

ANÁLISE DO PRIMEIRO MOVIMENTO

Andamento: Vivo

Sugestão de tempo: = 100

Forma: A – B – A’

Segundo o próprio compositor, o ponto de partida para a composição de


Sonata Andina foi o primeiro acorde da peça, executado pelo violão 2, representado
na figura 2, que surgiu de forma intuitiva. Jaime Zenamon gostava do som desse
acorde e improvisava utilizando-se do ligado entre a nota la e sol, cujo efeito lhe
agradava:

Fig.2

2
Foto disponível em <http://www.visitingargentina.com/blog/wp-
content/uploads/andes,_patagonia,_argentina.jpg>
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Logo depois teria surgido a idéia do ritmo 6/8, cuja base está nos ritmos
folclóricos sul-americanos como o malambo3 e a chacarera4, que apresentam como
forte característica a sobreposição e justaposição dos ritmos 6/8 e 3/4. Como se vê
nos compassos 5 e 6 da figura 3, essa característica polirritmia é explorada no
movimento I da Sonata Andina.
No que se refere à melodia, encontramos duas visões diferentes a respeito da
primeira frase:
A primeira visão esta notada na partitura por meio da ligadura de frase, que
sugere que a frase a inicia-se no compasso 5 e termina no compasso 14, refletindo a
opinião do compositor Jaime Zenamon sobre o trecho.
De acordo com a segunda visão, a frase a inicia-se no primeiro compasso,
com um intervalo de quinta que atua como um eco e, ao mesmo tempo, um gesto
melódico, numa seqüência de quatro compassos e após desenvolver-se é finalizada
no compasso 14. Esta visão é sugerida pela observação das funções harmônicas e
melódicas do trecho, dessa forma, a frase a apresenta um sentido coerente pois inicia
com o primeiro grau da tonalidade de Sol Maior, tanto harmonicamente quanto
melodicamente, e após se desenvolver tendo como base o acorde vizinho de La Maior
(uma espécie de “bordadura harmônica”) a melodia e harmonia retornam à tônica.

3
O Malambo é uma dança folclórica tradicional argentina. Nasceu na região dos pampas por volta do ano
1600. Dentro das danças folclóricas argentinas, sua música é uma exceção já que carece de letra,
apenas os violões acompanham esta dança executada exclusivamente por homens. (disponível em
<http://es.wikipedia.org/wiki/Malambo>)
4
Chacarera é uma dança e música populares originárias do sul da Bolívia e noroeste da Argentina
dançada desde o século XIX. A música toca-se geralmente com violão, violino, sanfona e bumbo
"legüero". A chacarera pertence ao grupo de danças picarescas, de ritmo ágil e caráter muito alegre e
festivo. (disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Chacarera>)
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Fig. 3

Nesse período podemos identificar um motivo que será importante no decorrer


da peça, apresentado na figura 4. O motivo 1 esta implícito em outros motivos que na
verdade são derivados dele, como o exemplo no compasso 6, mostrado na figura 3.

Fig.4 Motivo 1
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Na figura 5, observamos que do compasso 15 ao compasso 18 ocorre uma seqüência


e uma escala que se caracterizam como uma ponte para a frase b. Observa-se que
uma imitação à quinta inferior do motivo 1 é utilizada como uma linkagem entre a frase
b e a frase c, que vem a seguir:

Fig. 5

Observe na figura 6, os compassos 28 a 31 onde ocorre a frase c no violão 1.


A nova frase é formada pelo motivo 1, que por sua vez é imitado mais adiante pelo
violão 2. Nesse trecho há uma inversão de papéis entre os violões, o que segundo
Jaime Zenamon não teria ocorrido, não fosse por uma sugestão de Laurie Randolph,
uma vez que o compositor tinha a idéia de que em um duo de violões, um violão
deveria executar a melodia e o outro a harmonia, delimitando-se bem os papéis de
cada um, em um mesmo trecho.

Fig. 6
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Logo após uma seção rítmica, surge uma ponte constituída de arpejos em que
se observa uma imitação literal e duas inversões retrógradas, destacadas na figura 7.
A ponte leva à frase a’, iniciada no compasso 44, chamada assim por retomar
elementos da seção A, presentes no motivo rítmico-melódico do acorde inicial
circulado no compasso 44, figura 8.

Fig. 7

Fig.8
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Na figura 9 observamos a frase c’, que utiliza os mesmos motivos melódicos dos
compassos 28 a 31 transpostos e imitados de forma não literal. A escala que antecede
a frase funciona como um levare5, novamente o motivo 1 é imitado e ocorre a inversão
de papéis entre os violões.

Fig. 9

A partir do compasso 62, como mostra a figura 10, o compositor insere um


novo material melódico e harmônico, que funciona como uma transição para a seção
B, pois nela aparecem notas alteradas que criam uma tensão modulatória que conduz
à próxima seção.

5
“Levare é o gesto do regente que antecede e serve para preparar o tempo forte a seguir” (DOURADO,
Henrique A. Dicionário de termos e expressões da música. São Paulo: Ed. 34, 2004). Nesta análise,
adaptaremos este termo para definir um trecho musical que antecede e serve para preparar ou atingir, a
frase musical principal.
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Fig.10

A seção B apresenta dois momentos distintos separados por uma fermata. As


principais características do primeiro momento, que abrange os compassos 73 a 96,
são a utilização de padrões de arpejo mostrados na figura 11, e a finalização com uma
melodia que surge no compasso 86 e é executada pelo violão 2 (figura 10). É
interessante notar que o compositor inverte os papéis melódico-harmônico dos violões
no meio da frase melódica como se vê no compasso 93, figura 12.
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Fig.11

Fig. 12

O segundo momento da seção B inicia-se no compasso 97, com um pequeno


contraponto a duas vozes realizado pelo violão 1, que segue como uma breve melodia
para encerrar a seção B. O violão 2 por sua vez realiza um acompanhamento que
revela uma estrutura ritmica-intervalar semelhante ao acompanhamento feito pelo
acorde inicial da peça, já apresentado nas frases a e a’, um fator que reforça a
semelhança entre os trechos é a articulação das tercinas, que é a mesma nos três
momentos (frase a, frase a’ e compassos 101 a 105 da seção B), como se pode
observar na figura 13, na comparação entre o acompanhamento destacado da seção
B e o acompanhamento da frase a’, que todavia possuem semelhança entre a
alternância da acentuação rítmica em 6/8 e 3/4.
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Fig. 13

Agora, analisaremos a seção A’, assim chamada por retomar elementos do


início da obra, como a armadura de clave que volta à sua forma inicial mas desta vez
atuando em Mi Menor, em princípio, e retornando em seguida à tonalidade de Sol
Maior. Outro elemento que retorna é a imitação motívica apresentada na figura 14:

Fig. 14

A figura 15 mostra que a partir do compasso 114 há uma sequência que entra
em destaque, o que, segundo Zenamon, deve ser feito preferencialmente por meio do
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timbre e não por intensidade, como podem sugerir os acentos que aparecem na
partitura. Novamente encontramos uma referência ao motivo ritmico-melódico do
acompanhamento feito pelo acorde que inicia a peça, uma referência já feita
anteriormente, mostrada na figura 13, acima:

Fig. 15

A seguir, na figura 16 podemos ver a frase c”, transposta e com algumas


pequenas modificações intervalares em relação à frase c. Ao invés da esperada
imitação do motivo 1 que se seguiu nas frases c e c’, é apresentada uma nova frase
que completa o período, a chamaremos de frase d:

Fig. 16

Após o trecho considerado como um levare, há um retorno à frase a,


ligeiramente modificada, mas ainda assim com a presença do motivo 1 e suas
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variações, circulados na figura 17, A fórmula de compasso volta a ser 6/8, como no
início da peça. Nos compassos 146 e 147 ocorre uma liquidação6 que causa a
impressão de finalização da peça.

Fig. 17

Apesar da liquidação dar a impressão de constituir o final da peça, este se dá


por meio do sufixo que surge em seguida, como mostra a figura 18. O sufixo, em
forma de um motivo já apresentado na frase d, tem a função de causar surpresa e
contraste em relação ao “falso fim” que o precede, isso se comprova tanto pela
respiração que ocorre antes do sufixo, quanto pelo contraste entre as dinâmicas mp e
f, e as indicações de andamento rallentando e a tempo

6
Liquidação é privar gradualmente as formas-motivo de seus elementos característicos, dissolvendo-as
em forma amorfas, tal como as escalas e acordes arpejados. Segundo Schoenberg, um dos propósitos
da liquidação é neutralizar a extensão ilimitada. (SCHOENBERG, A. Fundamentos da composição
musical. São Paulo: EDUSP, 1993, p. 186)
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Fig. 18

CONCLUSÃO

A cada vez que analisamos uma obra percebemos características novas, isso
nos permite descobrir relações que anteriormente não tínhamos consciência, o que
por sua vez nos auxilia na compreensão do discurso musical em questão e modifica a
visão sobre a interpretação da obra. A conclusão deste trabalho se dá a partir do
momento em que ele sirva como um material que proporcione essas descobertas e
esclarecimentos ao intérprete e o auxilie na construção de uma interpretação mais
clara e elaborada.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DUDEQUE, Norton. Historia do Violão. 1. ed., Curitiba: Editora da UFPR, 1994.

___________Entrevista com Jaime M. Zenamon, realizada no dia 29 de setembro de


2009, por Luciana E. L. Tenório.

FRAGA, Orlando. Curso de Especialização 2009 – Análise II: Guia de Classe. Curitiba:
EMBAP, 2006.

MANTELLI, Ricardo. Jaime Zenamon: catálogo temático – violão solo (1974-1998).


Monografia (Curso de Especialização em Estética e Interpretação da Música do
Século XX).EMBAP, 2001.

PEROTTO, Leonardo Luigi. Violonistas-compositores: Aspectos da Índole Criativa e da


Conjunção Interpretativa nas Obras para Violão. Artigo publicado nos anais do XVII
Congresso da ANPPOM. São Paulo, 2007. Disponível em
<http://www.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_2007/praticas_interpretati
vas/pratint_LLPerotto.pdf> Acesso em 10 de julho de 2009.

RANDOLPH, Laurie; ZENAMON, Jaime. Gitarrenmusik des 20 Jahrhunderts. Encarte


de LP. Berlin, 1988.

SCLIAR, Esther. Fraseologia Musical. Porto Alegre: Editora Movimento, 1982.

SILVA JUNIOR, Mário da. O Violão no Paraná : uma abordagem histórico-estilística.


Dissertação. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2002.

WILCZEK, Leonardo Allen. Jaime Mirtenbaum Zenamon. Trabalho acadêmico.


(Graduação) Curitiba: EMBAP, 2002.

ZANON, Fábio. Estrangeiros III: Jaime Zenamon e Conrado Paulino. Programa n.123
da série “O Violão Brasileiro” transmitido no dia 06/08/08 pela Rádio Cultura FM de
São Paulo. Disponível em <http://vcfz.blogspot.com/2009/05/depois-de-tanto-tempo-
sem-atualizacoes.html> Acesso em 10/07/09.

ZENAMON, Jaime M. Sonata Andina. Berlin: Edition Margaux, 1988.

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