Amadurecimento e As 12 Camadas Da Personalidade

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Introdução

Vou começar falando o seguinte: existem assuntos e temas que


dispensam justificativa.

Dispensam o professor de dar explicações sobre sua importância.


Por que estudar e explicar tal ou qual assunto? Muitos dispensam
justificativa. Já outros, preciso fazer o aluno entender o porquê da
necessidade de estudá-los.

O tema deste caderno dispensa quaisquer justificativas.

Acredito que, quem quer que tenha se inscrito ou se interessado


no aulão — independente da idade — reconhece que o assunto da
personalidade e da maturidade se justifica.

Eles são importantes em si mesmos.

A vida cobra que respondamos a ela de forma madura, é uma cobrança


interna e externa. Nasce dentro de nós e é reforçada do lado de fora.
Ou seja, quem lhe conhece espera atitudes consistentes ao longo da
vida; que cumpra as tarefas; saiba seu lugar; responda a certos deveres
e, assim, como em uma parede de tijolos, você se integra na vida, na
sociedade.

Por outro lado, a maturidade apresenta-se interiormente, antes da


sociedade cobrar-lhe algo. É você quem propõe a si mesmo deveres,
delimita fronteiras, cobra valores.

Eu e você, como qualquer ser humano da história, esperamos de


nós mesmos atitudes melhores. Há em cada um de nós o apetite de
perfeição. A ação justificada de uma vida plena e adulta que valha a pena
de ser vivida. Isso nasce junto do homem, caso não fosse verdade não
haveria qualquer tipo de cobrança e pessoas deprimidas, melancólicas
e perdidas não existiriam. E observe, em nosso tempo há muitas
pessoas adoecidas nesse sentido. Há multidões preocupadas com
frivolidades — o Instagram e o interesse em certos assuntos mostram
que é verdade —, o que seria entretenimento torna-se objetivo de uma
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vida.

E isso não significa que elas não sintam mais o chamado à perfeição
dentro delas, à vida plena e consistente; escutam mas já não têm forças
ou recursos interiores para dar resposta à altura.

O que acontece?

A pessoa abafa a voz interior, leva a vida no famoso “empurrando com


a barriga”.

E nesse ritmo surgem os buracos, vidas mal costuradas e remendadas


com tecido velho na esperança de compor uma biografia inteira. Há
uma multidão desses adultos ocupando cargos importantes, liderando
um país. Veja, o que entendo por adulto? Qualquer pessoa maior
de dezoito anos que responda pelos próprios atos, assumindo suas
consequências.

Pode ter vinte, trinta, quarenta anos e ainda não ser um adulto; não
estamos falando da questão biológica, mas de uma outra.

Assim, inicio o caderno afirmando: o tema está justificado pois nunca


vimos tantas pessoas sem consistência; carentes de uma vida que fale
por si e de forma autoral; respondendo pelo que faz, agindo com a
consciência de ser causa da própria vida.

Causa e consequência, você consegue entender?

As pessoas que têm personalidade são causa da própria vida.

Elas dão nascimento à própria existência, empreendem uma história,


decidem o que vão fazer, como, quando e até que ponto estão dispostas
a chegar. E, como eu dizia, vivemos num tempo em que pessoas
assim são raras. Portanto, tratar da maturidade e da personalidade é
urgente. Chegamos ao ponto em que mulheres com cinquenta anos se
emocionam com novelas da Globo. E as jovens choram os tubos nos
filmes de comédia romântica. Entenda bem, não é elitismo de minha
parte, muito pelo contrário. Isso é sinal de superficialidade pueril,
coisa indigna de ocupar certos espaços e lugares da vida humana.

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Esse sentimentalismo demonstra imaturidade emocional e afetiva.
Se você passa por isso, pare e leia com atenção: você ainda não
está maduro. Está desencaixado, precisa de calibragem emocional.
Veja só, semana passada publiquei um texto no Instagram no
qual comentava sobre política, citava a opacidade e a feiúra
de Brasília. O tema do texto era político, não arquitetônico.
Uma moça deixou de me seguir e pediu reembolso do aulão.

Teve a pachorra de dizer: “você não é professor”.

Que belo exemplo para um começo de aula, não?

Nem por um segundo fiquei bravo com ela; primeiro, porque não é do
meu feitio e, segundo: ganhei um belo exemplo para este preâmbulo.
Uma pessoa assim não quer mais saber da verdade, nem ouvir palavras
que lhe farão bem. E eu apenas afirmei algo que todos sabem: Brasília
é feia.

Outro exemplo.

Quando morei em Portugal, algumas situações me chamaram bastante


a atenção. Durante as aulas do mestrado, alguns dos meus colegas
— a maioria mais novos de idade do que eu — faziam perguntas ao
professor. E recebiam a seguinte resposta, frequentemente: “a sua
colocação é irrelevante, absurdamente estúpida”.

Eram assim as respostas dos professores.

E eu pensava: “caramba, esse pessoal não fica chateado com isso?”

Passaram-se algumas semanas e percebi que aquela era a maneira dos


professores responderem a todos os alunos quando estes eram, de fato,
ingênuos ou estúpidos. Percebi que esse era o jeito dos portugueses
lidarem uns com os outros.

Ninguém ficava ofendido, tampouco saía da sala chamando o professor


de idiota, prometendo nunca mais frequentar as aulas.

Que coisa mais curiosa, não?

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Imagine fazer algo similar no Brasil. O professor seria morto, se não
pelo aluno, pelos pais dele. Relembre, só para comparação: uma dona
deixou de me seguir pois falei que Brasília é feia.

Essa comparação revela o seguinte: acima das preferências pessoais,


daquilo que agrada nossos gostos, está uma coisa chamada verdade,
e ela é bem objetiva. É ela que nos interessa. Não importa se o sujeito
está sendo ridículo na perseguição da verdade, vale mais ver-se como
ignorante do que desejar falar abobrinhas sem ser corrigido.

Uma postura humilde frente à verdade revela uma sociedade madura,


em que pessoas emocionalmente ordenadas são capazes de estabelecer
diálogos, deixando de lados questões sentimentais; pois a discussão
é objetiva. Então, essa comparação é necessária para demonstrar
quão complicado pode ser falar de maturidade no Brasil. Aliás: somos
marcados desde a época da colonização pelo personalismo.

Quem fala sobre esse assunto é Sérgio Buarque de Holanda, em “Raízes


do Brasil”.

O que é o personalismo, em poucas palavras?

É o famoso “quem foi que disse?”

Veja como funciona: uma pessoa que você não gosta — e da qual
geralmente discorda das opiniões — escreve algo sobre o Bolsonaro,
a epidemia etc. Como você reage? Deixa-se levar pela antipatia a tal
ponto de ignorar a possibilidade de algo verdadeiro estar presente no
texto?

Isso, no Brasil, é o que chamamos de personalismo.

A impossibilidade de interpretar algo sem conseguir deixar de lado as


preferências, gostos e desgostos sobre a pessoa que emitiu a mensagem.
Apreciar o conteúdo torna-se impossível. Não será automático, na
maioria de nós, confirmarmos aqueles por quem temos simpatias
e rechaçamos a quem somos antipáticos, independente do que está
sendo dito por eles? O que o fulano diz pode ser muito importante,
mas não importa, pois a informação é invalidada (afinal, é ele quem

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está dizendo, e não alguém por quem tenho apreço, por exemplo).

E é assim que a jiripoca pia e vaca vai para o brejo.

Damos importância demais para o mensageiro, não nos apegamos


à mensagem. Isso tudo revela uma capacidade muito adoecida em
separar nossos gostos e sentimentos da objetividade do que está sendo
dito.

Veja que isso penetra o Brasil inteiro e está em tudo. Você vai procurar
emprego, quantos setores da nossa sociedade realmente avaliam
objetivamente um currículo? Você nunca ouviu falar do famoso Q.I no
Brasil? “Quem Indica”?

Esse é o Q.I.

Mesmo com uma pilha de currículos no RH, é a pessoa indicada por


alguém de dentro quem terá mais chances de ser contratada. São raros
os casos em que se avalia objetivamente a contratação. E isso se estende
por várias esferas da vida social brasileira — confirmando a tese de
Sérgio Buarque de Holanda —, fazendo com que nossa experiência do
mundo fique diminuída.

Chega mesmo a ferir nossa religiosidade.

— Não vou mais àquela missa porque detesto o padre.

Minha criança… por um acaso é preciso gostar do padre para ir à


missa? Por um segundo você parou para pensar se simpatizaria com
os grandes homens da fé cristã? Essa sua visão da vida não é um pouco
romântica? Querendo achar todo mundo super legal o tempo todo?
Acha mesmo que Santa Catarina era divertidíssima, São Francisco
também?

Talvez eles pudessem ter uma personalidade, digamos, que não bateria
muito com a sua? Literalmente, o santo poderia não bater. Você acha
que isso é impossível?
Não há algo objetivo para buscar na missa ou no culto, independente
de quem esteja lá?

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Essa postura de adolescente está arraigada dentro de nós. E assim,
muitas são as situações e decisões aquelas das quais nos arrependemos,
quase todas movidas pelo sentimento de não querer ser o chato da
turma, ou não ser reprovado socialmente etc. E novamente: isso
atravessa toda a vida social, passando por todas as idades, trajetórias
e circunstâncias de uma vida individual.

Então, aí está a razão deste preâmbulo.

É mais que necessário falar de maturidade no nosso tempo: é grave


e urgente. Por aqui, no Brasil, se o aluno for mal respondido na
primeira aula, criará antipatia e nunca mais prestará atenção naquela
aula. Você pode avaliar sua maturidade pelo seguinte exemplo:

“Não suporto esse professor, no entanto, a aula dele é importante.


Contra o ódio que sinto desde as vísceras, mesmo achando que ele
está errado, durante a aula vou conceder a hipótese de que ele possa
ter alguma razão; pois é assim que se aprende.”

Há pessoas que inscrevem-se em cursos e precisam de certos avisos:


“ei, aqui você pode encontrar coisas que desconhece.” E se for o caso?
Se a informação que lhe contraria for verdadeira? A aula não valeu?
Vai fechar a cara e selecionar apenas os meios e informações que
confirmem o que você já sabe?

Há um exército de pessoas agindo exatamente assim. Bem, é isso!


Vamos, finalmente, às 12 Camadas da Personalidade.

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Continuando.

Feito todo esse preâmbulo em que demonstramos a gravidade da


situação brasileira, vamos guardar na memória o que foi dito e,
assim, poderemos falar das 12 Camadas da Personalidade. Também
de pequenas confusões que, talvez, estejam sendo feitas em relação a
elas, especialmente no que tange à quarta camada da personalidade.

O responsável pela popularização da teoria das 12 Camadas foi o


psiquiatra Ítalo Marsili.

E quem formulou a teoria das 12 Camadas da Personalidade? O


Professor Olavo de Carvalho.

Foi ele quem olhou para o desenvolvimento humano e delineou o


processo cíclico e contínuo do amadurecimento da personalidade
em 12 camadas. A teoria é dele, as explicações primárias também o
são. Procurando na internet ou entre os escritos do professor, você
encontrará as explicações feitas por ele.

Não vou simplesmente repeti-lo, pois assim acho que não estarei
contribuindo de maneira alguma, fazendo chover no molhado. Darei a
explicação à minha maneira, acreditando que estarei homenageando-o
dessa forma, ao tornar pessoal, íntimo, algo que aprendi com ele.
Então, nas próximas páginas, você encontrará minha interpretação
da Teoria das 12 Camadas da Personalidade.

Repare no seguinte: eu falei que as 12 camadas da personalidade


constituem um “processo cíclico e contínuo”. Podemos imaginar cada
camada como um degrau, mas ao observar a dinâmica de toda vida
humana individual, a teoria se apresenta de forma mais complexa.
Interpretar as camadas como degraus nos faz imaginar que subiremos
a primeira, segunda, terceira, quarta…
sem nunca descer de volta, como se não pudéssemos retornar aos
temas de cada camada.

Em um sentido, sim, é assim: você avança pelas camadas porque está


amadurecendo. A relação óbvia entre as 12 camadas da personalidade
é esta. Quando você nasce, está na primeira camada. Todos partimos

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da primeira.

Quando alcança certa idade — e isso pode variar, nada aqui é exato —
você percorreu um número “x” de camadas. Mas o interessante das
12 camadas vai além do pensá-la em degraus, que só sobem - como se
pudéssemos chegar à décima segunda e, pronto, acabou.

A teoria assume um outro lado quando a observamos como um processo


contínuo, revisional e cíclico, de uma vida humana. E sim, cada etapa
da vida corresponde a uma ou mais camadas, em termos de instalação
provisória. Mas não dá para dizer que as outras camadas não sejam
temas da vida presente. Muitas vezes o sujeito encontra-se na sexta
camada e pode, perfeitamente bem, estar lidando com problemas da
terceira, segunda e até mesmo da primeira.

Isso é perfeitamente possível.

E note: ele lidará com os problemas dispondo dos recursos disponíveis


na sexta camada. Porém, os temas, as 12 camadas, são presentes e
elementos constitutivos da vida humana. Não é possível excluir
qualquer um dos temas correspondentes, representados por cada
camada — uso o termo “tema” da maneira mais genérica possível —;
excluir um, ou vários desses temas, é impossível e, se não fosse, já não
falaríamos mais de vida humana.

Vamos recapitular aqui: a teoria das 12 camadas da Personalidade


é um meio de explicar o processo de amadurecimento da pessoa
humana. Naquilo que ela tem de natural. O professor Olavo tomou o
desenvolvimento psicológico, interior, espiritual, pessoal — no melhor
sentido de realidade inteira do ser humano — e dividiu-o, estendendo-o
ao longo de uma vida, em 12 camadas. E, diz ele, até a oitava camada
todo mundo deve chegar. Com “deve” entenda o seguinte: chegar ao
fim da vida sem ter alcançado a oitava camada é ter vivido abaixo do
que se espera de um ser humano.

A oitava camada é o ponto de maturidade.

Quando chegamos nela, permanecemos ali por bastante tempo,


provavelmente até a morte. As camadas 9, 10, 11 e 12 são para aquele

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tipo de pessoa específica. Apenas uma parcela muito pequena da
sociedade pode alcançá-las. São aqueles da vocação intelectual para
cima. Até tornar-se um personagem histórico, um santo etc.

Dessas camadas, falarei apenas em resumo pois, você há de convir


comigo, não nos dizem muito respeito. Quer exemplos de pessoas que
as alcançaram? Napoleão Bonaparte, Churchill, Aristóteles, Olavo de
Carvalho, Mário Ferreira dos Santos, Cecília Meireles, Machado de
Assis. É essa gente, muito especial e madura, muito acima de nós, que
assume os terrenos da camada nove a doze.

A décima segunda é a mais perfeita de todas, lá você encontrará os


santos.

Então nós, pobres e mortais, ficaremos entre a primeira e a oitava.


Como não há crianças por aqui, espero eu, todos habitamos entre a
quarta e a oitava camada. E esta última será nosso ponto de referência,
nos deteremos nela por mais tempo. Então, percorreremos camada
por camada, e além de enxergar a escada em ascensão à maturidade,
você perceberá também que, conforme o sujeito cresce e absorve mais
da vida —e esta para mim é a perspectiva mais interessante da teoria
— a visão do processo cíclico e revisional das 12 camadas fará sentido
aos poucos.

Isso porque todos os temas, de todas as camadas, dizem respeito a


todos os seres humanos.

Ele pode nunca ser um santo, um Padre Pio, São Francisco, mas
os temas da santidade fazem parte da vida dele. Uma preocupação
mínima com isso faz parte de qualquer vida.

Tanto é verdade que mesmo consciente de nunca alcançar as camadas


11 e 12 eu posso tomá-las como exemplo, modelos de vida e, assim,
um homem de camada oito poderá preocupar-se com aquilo que está
acima dele.

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Primeira Camada
da Personalidade.

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Agora, vamos percorrer o caminho que vai da primeira à nona camada.
Observe o seguinte: toda vida humana passa para a existência ao
assumir uma forma material: o corpo. Ele é o primeiro sinal a partir
do qual percebemos uma vida, e já no primeiro ultrassom — e as
máquinas de hoje são tão potentes que enxergamos esta realidade
quando ela ainda mede milímetros.

Claro que é um desenho de corpo humano muito diferente do qual


estamos acostumados. Mas todos aqui devem concordar: aquele
pontinho já é uma pessoa. Aliás, é assim que se explica o aborto
espontâneo: a criança foi criada, Deus gerou aquela alma, mas ela não
terminou de assumir sua forma material. Foi criada, tem alma, mas
acabou impossibilitada de assumir um corpo em sua plenitude. Se
ela não se apresenta ao mundo em sua forma corporal, não podemos
percebê-la, correto? Louis Lavelle, filósofo francês, explica de maneira
muito simples a razão de enxergarmos o corpo e não a alma.

Ele diz: o corpo absorve luz, a alma reflete. Podemos enxergar apenas
aquilo que absorve luz. O que reflete cega os olhos. Assim a alma não
é percebida, apenas o corpo. Esta é a primeira camada.

Assumir a forma corporal é a primeira camada da personalidade.

Todos começamos por ela. Tornamo-nos humanos de corpo e alma. E


essa primeira camada que revela, portanto, a nossa chegada ao mundo
e a nossa manifestação sensível, dura um certo tempo. Não apenas
até o bebê nascer; ela dura meses ou nos após o nascimento. Vai até
aquela fase em que educadores e psicólogos da infância explicam para
nós que a criança “começa a se preocupar com o mundo que não é
ela”.

O bebê, a criança de um ano, ano e meio, enxerga tudo como


continuação de si mesmo. Ele não distingue os limites entre o corpo e
o mundo. Imagine um bebê de colo, mamando no seio da mãe. Ele não
tem a menor condição de compreender que o seio não é continuação
de seu corpo, para ele é a mesma coisa. Não possui os recursos para
tomar consciência das diferenças e limites entre ele e sua mãe. Assim,
até o final da primeira infância — um, dois anos, exatidão aqui não é
possível —, toda a experiência da pessoa resume-se na seguinte frase:

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“meu corpo é o meu mundo”.

O bebê passa os primeiros anos cumprindo a tarefa de apreender


seu próprio corpo - é consequência, assim, fundir o mundo consigo
mesmo. As manifestações do bebê são todas físicas e corporais. E
veja, como é lindo —pais, mães e avós sabem bem disso — quando a
criança descobre o próprio pezinho. Ao fazer isso, o que acontece? Os
contornos do corpo começam a tomar forma para ele.

Bem, agora, vejo-me obrigado a dizer o seguinte — sem isto não seria
o Tiago dando aula: quantos de nós não passam boa parte do tempo
com preocupações de primeira camada?

Quantos não ficam presos às sensações corporais?

Quantos de nós não encaramos o mundo como extensão do nosso


corpo? E não confundimos a realidade objetiva com o que está sendo
sentido pelo corpo?

Um exemplo: o orgasmo sexual.

Já faz bastante tempo que você deixou de ser bebê, porém, no orgasmo,
naqueles instantes que duram pouquíssimos segundos, você confunde
a sensação corporal com toda a experiência. O que se passa no corpo
toma você por inteiro. Não conheci — espero também não conhecer
— pessoas que durante o orgasmo lembrassem dos boletos atrasados.

Compreenda que naquele momento o mundo inteiro se resume à


sensação.

É óbvio que orgasmo extrapola o corpo, mas a sensação é sentida nele.


Então, veja que interessante, como podemos percorrer as 12 camadas
das duas formas. Logo na primeira camada, no primeiro degrau, já
vemos a possibilidade de ascender e ao mesmo tempo retornar aos
termos que definem a camada. Isto porque temos experiências ao
longo da vida, do dia, que nos fazem lidar com questões referentes às
outras camadas.

Vamos à próxima.

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SEGUNDA CAMADA DA PERSONALIDADE

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Na segunda camada começa o extravasamento do mundo corporal.
A criança passa a perceber que a experiência vai para além do corpo,
começa a ter sinais e consequências no mundo. Passa a dirigir o que ela
sente. No mercado, já pode apontar para a prateleira, fazendo os pais
entenderem que algo ali é do interesse dela. Ela ganhou a habilidade
de referir-se a objetos e expressar certos desejos que extrapolam o seu
pequeno corpo.

É um tipo de prolongamento do desejo, a experiência extravasa o


corpo. Use esta imagem: sai pelos dedos e vai em direção ao mundo.
Passa a se abrir dentro dela uma nova experiência sensorial que não é
propriamente dela, mas do mundo. E o que vai fazê-la ir para a terceira
camada é descobrir que outras pessoas também fazem isso.

Na segunda camada os instintos corporais passam a se dirigir para


outras coisas do mundo, nasce no corpo, mas vai para fora dele. A
criança vai tomando posse daquilo que se prolonga para além do corpo.
Então temos duas camadas de desenvolvimento natural, qualquer
pessoa saudável passa tranquilamente pelas camadas de satisfação
física.

Como revivemos a segunda camada ao longo da vida?

Bem, você vai ao mercado, restaurante, come algo gostoso e, enfim,


quer comer de novo depois. Reconhece um tipo de sensação prazerosa
e deseja satisfazê-la repetidas vezes. Sempre que você é pautado por
um tipo de experiência vivida no mundo, que provoca sensações, que
você reconhece querer revivê-la de novo, está respondendo aos temas
da segunda cama.

Então, volto a dizer: aqui a experiência se prolonga e extravasa os


contornos físicos da criança. Porque ela se torna capaz de reconhecer
objetos do mundo e desejá-los para si. Isso é a camada 2.

Uma coisa no mundo que eu quero experimentar.

E quantas vezes você faz isso ao longo da vida adulta?

Próxima camada! (Agora a coisa começa a ficar mais interessante).

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TERCEIRA CAMADA DA PERSONALIDADE

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Seguindo o desenvolvimento da nossa criança hipotética, nesse ponto
ela foi para a escola.

Está lá no ensino fundamental. Começando a perceber o seguinte:


outras pessoas, que não são ela ou seus pais, também têm vontades,
desejam provar coisas do mundo, ter sensações iguais às dela.
Perceberá então que na escola é impossível todo mundo querer a
mesma coisa ao mesmo tempo. Ela não poderá satisfazer-se sempre,
deverá compartilhar brinquedos, disputar a atenção dos professores.
Passa a perceber que no seio da coletividade existe um conjunto de
regras de convivência cujo objetivo é ordenar a experiência do mundo.
Ela precisará adquirir os códigos de expressão do querer.

Percebe que o mundo não se dobra às suas vontades. O “quero, tenho”,


muito comum em casa, já não funciona tão bem. Entre o “querer”
e “ter” surge uma série de obstáculos e regras a serem respeitadas,
pois há outras pessoas querendo também. Então, basicamente, esses
códigos de convivência que se abrem para a criança — uso a escola
por ser o exemplo mais genérico —, a descolam do ambiente onde só
existia pai e mãe, onde era sempre atendida integralmente. Por isso, a
camada três demora um pouco para chegar.

Nesse ponto, a criança percebe: “opa, essa moça não é igual à minha
mãe”.

Começa pelo fato de precisar levantar a mão para fazer uma solicitação,
pois há outra pessoas querendo falar. Veja, se quiséssemos resumir a
camada três em poucas palavras, seria assim: é a camada da linguagem.

Passa na cabeça da criança mais ou menos o seguinte: “para eu não


fazer xixi nas calças, preciso levantar a mão e pedir autorização para
ir ao banheiro.” Toda professora ensina isso logo no primeiro dia de
aula. Então, veja só que maravilha: ela não está mais focada no mundo
que deseja acessar, no desejo sobre o mundo, a experiência que ela
quer repetir; a criança na camada 3 está focada em como dizer ao
outro o que ela quer.

Como faz para codificar e decodificar, de um jeito compreensível e


que a permita ir ao banheiro, por exemplo. É mesmo a camada da

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linguagem, dos códigos e da compreensão das regras do jogo. E não
haverá regra compreendida sem que antes ela domine um pouco da
linguagem.

Agora responda: quantas vezes você tem problemas de camada três,


por dia?

Quem não sofre para dizer a outrem o que está sentindo ou desejando?
Isso é camada 3… E você realmente pode, com toda certeza, afirmar
ter superado completamente a camada três? Não.

E vou dizer o seguinte: há pessoas na caixinha de perguntas do


Instagram que estão na camada três. Não é que elas estejam revisitando
a camada; ela está mesmo no degrau 3, estagnada, não dominou os
meios de expressão mais básicos. Podemos, é claro, revisitar esse tema
milhares de vezes mas, na expressão de uma pergunta ao professor, em
poucos caracteres, surge uma dificuldade intransponível. Dificuldade
gramatical e de expressão.
Se uma pessoa — vou me deter um pouco mais nessa camada,
pois é meu objeto de trabalho (como professor e escritor assumo a
responsabilidade de lançar luz sobre esses assuntos) —. Enfim, se a
pessoa não tem as mínimas condições de expressar um desejo, um
querer, um sofrimento ou parte da sua experiência concreta, ela está
trancada na camada três.

Está sofrendo o drama da 3.

O desenvolvimento normal, civil, cultural, deveria tê-la levado


adiante. Uma sociedade bem formada, com regras bem feitas e
sistema educacional decente, onde uma cultura penetra de verdade
no indivíduo, ajuda 99% das pessoas a passarem dessa camada. Trata-
se de dominar minimamente a gramática, os meios de expressão; ter
poder de falar, compreender, ser ouvido e — agora o preâmbulo do
caderno lhe pegará pela orelha — OUVIR.

Vemos quão terrível está o estado de coisas em nossa cultura quando


pessoas com título, pessoas que dão conselhos de vida e ensinam
português em escolas, escrevem conselho com “c”; lidar com “lh” etc.
É uma multidão sem o domínio mínimo da expressão.

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Entende a gravidade? E sem os recursos mínimos para expressar sua
própria experiência, ela fica no escuro, os dias não são inteligíveis; a
vida não pode ser traduzida em palavras, nem essa pessoa pode dizer-
se autora da própria vida (nessas condições, é quase impossível).

É como a criança na escola que não consegue dizer à professora como


foi o passeio no sítio durante o fim de semana. O fato extrapola os
meios que a criança tem para contar sua experiência. E isso é normal,
a criança está na escola para aprender.

O que faz a criança ao tentar falar do passeio?

Usa expressões já conhecidas. Porém, as palavras não darão conta


da experiência. Como explico no curso Moradas do Castelo Interior:
a criança não consegue descompactar a experiência. Que seja uma
criança nessa situação, tudo bem. Para isso aprenderá o alfabeto, a
fazer continhas etc.

Parece exagero?

De um adulto se espera boa interpretação de texto, que capte nuances


da linguagem. E veja, na mesma publicação sobre política em que falo
de Brasília, algumas pessoas não entenderam que o tema do texto era
político, e não a cidade de Brasília. Percebe a gravidade? Leram o texto,
mas não viram o que estava escrito. Não reconhecem o objeto que
está explícito nas palavras. E, olha, sou chato com a escrita, sei bem
que escrevi sobre política, não sobre a cidade de Brasília. Ela entrava
como um componente alegórico.

Falando sobre política, citando Brasília, pessoas se apegaram ao fato


de eu ter chamado Brasília de feia ou não. Isto é o quê? Problema de
camada 3.

Vi pessoas na casa dos trinta anos, professoras de arquitetura


comentando e demonstrando claramente que são analfabetas. Isso é
muito, muito grave.

É o que me faz investir um pouco mais de tempo e dar mais importância


à camada três. Quando você está lá, brigando com o namorado, e

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não consegue fazê-lo entender o que está lhe deixando brava, falta
o quê? Consciência da realidade, meios de expressar essa realidade.
Provavelmente, problema de camada três.

Então, na vida adulta são revividos os dramas das camadas infantis.


As três primeiras camadas são extremamente infantis. É aquela coisa:
estamos lhe colocando no mundo, veja do que o mundo é feito. Coisa
básica. Mas, na vida adulta, são cometidos desvios e erros, marcados
pela falta de consciência, fruto de uma cultura empobrecida, uma
religiosidade diminuída etc. etc. etc.

Com isso ficamos sem horizonte, não conseguimos nos expressar


adequadamente.

Agora pare e pense no seguinte: se a fulana tem dificuldade para


entender um texto de rede social, sobre política, bem escrito e
bastante claro, como pode ter gente na mesma situação e que sai a
pregar e fazer interpretações de palavras bíblicas? Pensamentos de
santos, carta apostólicas? Aí que entra o negócio da neurose religiosa.
A pessoa usa como argumento um dogma da Igreja.

Filho, venha cá, você sabe mesmo o que isso significa?

Esse dogmas, essas palavras, você enxerga o peso por trás delas?
Algumas levaram milhares de anos para serem escritas. É preciso
cuidado, no mínimo.

Portanto, me detive na camada três um pouco mais por levar em conta


o estado de coisas - a camada 3 é um ponto nevrálgico. Reflita um
pouquinho e pense o que você faz com sua experiência de mundo,
você sabe dizê-la? Esforça-se em obter novos meios de expressão? Por
essas razões que as redes sociais viraram uma Torre de Babel.

Ninguém se entende.

Ninguém sabe direito o que está falando, é tudo autoexpressão. A


pessoa avalia a situação como se ela fosse um componente pessoal, tal
como o bebê apreciando o próprio pé. É triste. A conversação torna-se
impossível. Para existir um diálogo é preciso que cada um saia de si

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mesmo e se encontrem no meio. E para não se perderem no caminho,
devem seguir as mesmas regras; as regras da linguagem. Se um fala a
palavra “indolência”, é preciso que o outro saiba seu significado, caso
contrário, eles não se encontrarão.

Bem, vamos para a famosa camada 4!

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QUARTA CAMADA DA PERSONALIDADE

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— Isso é coisa de camada 4.

O que há nessa camada que possa ser motivo de xingamento?

Se for para ser bem criterioso, como fomos até agora, todas as camadas
são fontes de xingamentos. Posso passar a vida xingando alguém por
causa da camada 3. E, olha, são ofensas que não acabam mais. “Você
não sabe se expressar. É impossível compreender o que sai dessa
boca de camada 3, sua burra”. O mesmo vale para a camada 2, e assim
sucessivamente.

Entretanto, nenhuma delas deve servir para esse fim.

Que a camada quatro tenha se tornado uma referência ruim, tornando-


se lugar-comum, é compreensível. Mas é um tanto injusto com o drama
da 4. É uma camada maravilhosa, e pela seguinte razão: nossa criança
hipotética, agora na adolescência, percebeu que tem uma história de
vida. Não é lá grande coisa, mas sabe que não chegou ontem no mundo.
Quem tem treze, quatorze anos, já sabe contar algumas historinhas.

A pessoa já é capaz, inclusive, de dizer aos amigos: “meus pais e eu


morávamos em Londrina e nos mudamos para Curitiba”. “Eu era mais
feliz em São Paulo”. Já pode exprimir preferências, gosta mais disso
do que daquilo. Tem capacidade de fazer referências a si mesma,
reconhece seus sentimentos como únicos. Ou seja, é na camada quatro
que a pessoa personaliza sua vida emocional.

Como um negócio desse pode ser ruim? Não tem como. É uma
maravilha.

O mundo ganha as cores da vida emocional. Por exemplo: aos quinze


anos você escuta uma música e lembra do Pedrinho, uma paixão sua.
Olha que delícia. Você começa a fazer esses tipos de conexões, passa
no mundo o verniz da experiência afetiva. Vai preenchendo-o com
histórias pessoais.

— Ah, lembro desse filme no cinema, quando dei um beijo na fulana.

Não apenas o mundo sentimental se revela, mas como se pensaria

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em vida humana sem levar em conta os sentimentos? Bateram demais
na vida sentimental das pessoas com esse negócios de “camada 4”
pejorativa. Eu acho um horror esse tipo de coisa. A vida sentimental
é uma das maravilhas e, inclusive, nos distingue dos animais (dada a
qualidade emocional que podemos ter sobre o mundo).

Claro que é verdade, as pessoas podem ficar e morrer na camada quatro,


afinal, ela é gostosa. Aí, sim, enseja xingamentos. Mas, entenda: de
alguma maneira todo santo dia a camada quatro é revisitada. Isto se
dá porque diariamente a pessoa percebe a si mesma, contando uma
história para si, escrevendo sua autobiografia. Isso só é possível a partir
da quarta camada. Não que ela seja a da autobiografia no sentido mais
rigoroso, não é isso, pois para tanto é preciso consciência e isso não é
o forte da adolescência.

Adolescente sente, percebe, mas não tem consciência de trajetória. É


coisa para as camadas vindouras. Mas sem sentar na camada quatro
por algum tempo não se percebe o sentimento. Sem isso a vida torna-
se sistemática.

“Faça isso, faça aquilo, pouco importa o que você sente!”

Oi?

Como é que é?

Como não importa o que a pessoa está sentindo? Vamos virar o quê?
Os sentimentos são importantes e você sabe o porquê? Eles são a
baliza da vida, são sintomas. Preste atenção aos sentimentos, dê valor
a eles, o que não quer dizer deixar-se pautar por eles. Ser determinado
pelos sentimentos, isto sim é ruim. Um sentimento faz vibrar a alma.
Veja como o sentimento é importante, quando olha para algo feio,
repugnante, o que você faz? Sente-se mal em relação ao objeto. Você se
afasta, não volta mais ao lugar, ou foge da pessoa. Não prestar atenção
neles pode ser sintoma de uma alma adoecida, empedernida.

25
Sem dar a devida atenção a eles você não capta o tamanho do problema.
Se durante a leitura da biografia de algum Santo da igreja, você não
sente aquela alegria cristã, há algo de errado. Atenção, pois sua vida
sentimental pode estar desordenada e você insensível às coisas belas
e importantes. Só prestando atenção aos sentimentos você poderá
perceber isso.

Então, a camada quatro é onde ficamos durante a transição da infância


para a vida adulta; ela dura vários anos. Eu, sinceramente, não acho
que isso seja por acaso. De fato, dentro do ser humano, os sentimentos
ocupam lugar de primazia, importância inquestionável. Até em relação
a certas leituras isso se aplica. Começou a ler um livro, sentiu que não
é bom, que não agrada ou está lhe fazendo mal? Pare de ler. Quando
afinados e bem ordenados, os sentimentos são fonte de conhecimento.

Batemos é no sentimentaloide: este erra porque resume a vida nos


sentimentos. Confunde vida objetiva com o que ele está sentindo no
momento. É sensível demais. Os sentimentos são componentes da
alma e acredito tanto na intenção de verdade no interior do homem,
que percebo os sentimentos como expressões do desejo de verdade.
Quantas vezes não fui salvo por coisas que senti. O mundo de hoje
está cartesiano demais, matematizado demais; as pessoas agem feito
robôs, ignoram, fogem e lutam para se esquecer dos sentimentos.
Acham que eles são sempre ruins.

Bem, em primeiro lugar, não tem como ser nem bom, nem ruim, eles
são movimentos evanescentes da sua alma. Segundo, são matéria de
autoconhecimento. É conteúdo anímico. Como não prestar atenção
nisso? Como não sentar um pouco para fazer a história disso, por
exemplo, por que você gosta de Fábio Jr? Entende?

Existe uma história afetiva, um componente sentimental nessa relação.


Por que ignoraria simplesmente por achar ruim?

A camada quatro é a da personalização do mundo emocional. Você


percebe que já tem uma história, passa a ter inspirações, começa
a sonhar e, inclusive, percebe o hiato entre suas intenções e a
possibilidade de realizá-las. É na camada quatro em que você percebe

26
tudo isso. Então, pelo que falei, você deve ter entendido que durante a
vida passamos milhares de horas em temas de camada quatro, certo?

Próxima!

Nosso adolescente está no meio do caminho para tornar-se gente.

27
QUINTA CAMADA DA PERSONALIDADE

28
Nosso personagem fictício entrou na faculdade.

Vendo pela perspectiva dos degraus, ele ainda está na camada quatro,
ok?

Então ele percebe o seguinte: “olha, acho que para eu poder vir à
faculdade todo dia, comprar um lanche e ir às festas, vou precisar
arrumar algum tipo de emprego. Mas, será que vou conseguir? Sou
capaz de ficar a semana inteira dentro de um escritório? Eu nunca
trabalhei fora...”

Perguntas assim surgem, orientadas pela dúvida de ter capacidade ou


não. Ele questiona suas próprias potências, o que de fato pode fazer
ou não. Eis o drama da camada cinco.

E perceba como ela deve ser longa. Está lá o sujeito, por exemplo, com
27 anos. E ele gosta de escrever, mas nunca mostrou seus escritos a
alguém, tem dúvidas se realmente é capacitado para as letras, se tem
vocação etc. Dilema de camada cinco.

Se a sua vida hoje pode ser resumida em questões como essa, você está
na quinta camada. Não tendo certeza das suas potências interiores,
acaba não sabendo no fundo do que você é feito. Fica sem critério
para perceber se é capaz de enfrentar o mundo. A pessoa de camada
cinco já percebeu que o mundo é um jogo, e para vencer precisará de
certas armas. Já não é mais possível ficar trancado no quarto ouvindo
música, sentindo as coisas, é preciso partir para o jogo, superar os
sentimentos e enfrentar a vida.

Se é assim que você estabelece os critérios pessoais de validade, do


que consegue e não consegue fazer, camada 5. Não tem certeza do que
é capaz? Camada 5.

Caso não tenha sido experimentado, ter tomado qualquer decisão


radical no sentido de provar-se em alguma atividade adulta, feito
escolha decisivas, e está na casa dos vinte anos, é hora de arrumar um
emprego e mudar de camada.

Para a pessoa nessa camada todas as situações são encaradas como

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um grande desafio. Por que? Porque não há certeza do que pode ou
não fazer. É a fase da experimentação, das tentativas e mudanças
de trabalho. É nas idas e vindas que o sujeito começa a observar sua
primeiras derrotas e vitórias. Ao longo da vida, sempre revisitamos
esses dramas.

Por exemplo: dou um livrão de mil páginas para aluna ler. Ela pensa:
“vixi, será que dou conta? Parece complicado de ler.” Então, é um tema
revisitado com bastante frequência, mas não quer dizer que você está
na camada 5. Pode ser aos cinquenta anos, a pessoa já sabe do que é
capaz, já se provou útil ao mundo e compra um novo livro, propõe a si
mesma uma nova atividade. “Será que dou conta? Nunca fiz isso”. Ela
está revisitando os dilemas que orientam toda a vida da pessoa que se
encontra na quinta camada da personalidade.

Camada 6!

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SEXTA CAMADA DA PERSONALIDADE

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A sexta camada é bastante objetiva. Pode ser descrita como a “camada
contábil”, como diria o professor Olavo de Carvalho. Já não importa
mais sentir, mostrar-se capaz. Ao final de contas, o que é importa é ver
o saldo positivo.

Ganhei dinheiro suficiente? Sim ou não?

Li o número de páginas que deveria? Sim ou não?

Comprei o carro que estava pretendendo? Sim ou não?

Mantive o emprego por mais de três meses? Sim ou não?

Apesar de cada camada superior absorver as camadas de baixo,


quando você está em determinada camada, o que importa são os
assuntos particulares dela, o que dói, o que pega - os assuntos das
outras camadas ficam um pouco em stand-by.

Então, o seu sentimento, desejos, o corpo, tudo fica de lado. A pessoa


perde horas de sono para estudar; chegar cedo no trabalho. A pessoa
percebe o seguinte: “o mundo é uma engrenagem, faço parte dela e
preciso ser útil. Se não, estarei fora da convivência humana.”

O camada seis não pode ser um peso, esta é a dor da camada. Ele
imaginar-se um inútil, isto pesa para ele. O nosso personagem está
nos seus 28 anos, ainda mora com os pais, entendeu? Ele está beirando
a próxima camada, mas ainda não fez-se útil à sociedade, anda com
as muletas fornecidas pelos pais. Não quer dizer que se resuma à
questão financeira, mas é nela em que o drama costuma acontecer
hoje. Entende? É o drama da organização pessoal.

A intenção do sujeito de camada seis é ver-se como engrenagem


de uma máquina. E em nossa sociedade esse drama desenrola-
se na questão do dar conta de si mesmo: pagar as próprias contas,
resolver as pendência pessoais. Por esta razão parece resumir-
se apenas ao dinheiro, mas não é. Quantas pessoas já atendi
e que estavam quase beirando os trinta anos. Qual era o meu
conselho? Sempre o mesmo: saia da casa da mãe. Elas respondiam:

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— Mas hoje não, eu não posso me manter.

Pois bem, criatura, é exatamente esse o ponto. Você deve se virar


para pagar. Se não, ficará presa na camada seis. Depois de um ano no
mesmo emprego, de ter engolido um monte de sapo do chefe sem tê-
lo mandado à merda, surge a chance de passar para a camada sete. E
nessa visão cíclica das camadas, toda semana temos problemas da 6.

Isso é a vida.

O lugar na engrenagem, quanto você está sendo produtivo e o quanto


não está sendo, são questões que lhe ferem ao longo de uma vida toda.
Mas se essas questões são a maioria, o centro de toda atenção, você está
na 6. É natural, preste atenção, é natural que um jovem, adulto, esteja
nessas camadas, entre a 5 e a 6, é natural. O cara está lá, terminando
a faculdade, ainda não sabe como ganhar dinheiro, é muito comum.

A não ser que algo tenha dado errado no desenvolvimento pessoal


e ele tenha ficado preso na camada 4, e confunda o mundo com os
sentimentos dele. Daí é a famosa camada 4.

Próxima!

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SÉTIMA CAMADA DA PERSONALIDADE

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Bem, agora já temos terra à vista, a maturidade começa a se aproximar.
Estamos no barco, a camada sete se aproxima. Se a maioria das pessoas
chegassem até aqui… seria maravilhoso, o negócio ficaria muito mais
interessante.

O que é a camada 7, basicamente?

Trata-se não apenas de ter ocupado seu lugar na sociedade, mas de


ser reconhecido por aquilo e, caso não cumpra com a expectativa, o
equilíbrio é perdido. Veja, não é mais um dever para consigo mesmo
apenas. Aqui, a pessoa já é parte da engrenagem há bastante tempo;
as pessoas ao seu redor têm expectativas. Então, os pais do nosso
personagem já não pensam mais: “será que ele vai conseguir?”

Agora é assim: “Nossa, filho, encontrei a Marcinha e ela me disse que


você é um médico maravilhoso.” Entende? Camada 7. Você já tem um
personagem social e é reconhecido por ele. Pode acontecer desse
personagem sobrepor-se à sua identidade. Por exemplo, nos últimos
anos já não sou mais o Tiago, mas o professor Tiago. Não sou apenas o
papel que exerço, mas a sociedade me reconhece por ele.

E se você está sofrendo por isso, pela manutenção do equilíbrio,


das expectativas a seu respeito, está na camada sete. Se fôssemos
temporizá-la, seria entre os trinta e quarenta anos. Já deu tempo para
se formar, estudar.

Qual a vantagem de ter investido em você?

Esta é a pergunta da sociedade.

É diferente da seis, em que a coisa era mais ou menos assim: “filho, faça
alguma coisa, qualquer coisa, mas faça”. Na camada 7, perceberão a
sua presença. Aí surge aquela tensão entre as expectativas sociais e as
que você tem de si mesmo; muitas vezes elas não convergem.

Aqui mora o problema da 7.

Quando me divorciei, já não era essa minha preocupação. Muita gente


deve ter pensado, “nossa, ele também?” Porque as pessoas criam

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expectativas. Eu tinha um papel social, falava sobre a vida humana,
ensinava sobre amor; e consequentemente as pessoas esperavam que
minha vida corresse de certa maneira, mas não correu. Se tivesse ficado
deprimido por não ter atendido expectativas, eu estaria na camada
sete. Sofrer por causa da falta desse equilíbrio corresponde ao drama
da sétima camada: quando expectativas podem não ser atendidas.

Por sorte, já havia feito a transição para a camada que acredito estar,
a 8.

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OITAVA CAMADA DA PERSONALIDADE

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Tudo bem até aqui?

Então, vamos para a oitava camada.

Terra à vista! Maturidade chegando.

Antes de tratar da oitava camada, farei um parênteses para encaixar


nossa aula na questão da maturidade. Então, pergunto: o que é ser
maduro?

Em poucas palavras, posso responder da seguinte maneira: ser maduro


é ter uma personalidade. Basicamente, é isso. A pessoa madura tem
personalidade.

— Ok, Tiago. O que é personalidade?

É a manifestação única e irrepetível de uma pessoa. Há alguém único


ali, que não responde aos padrões de personalidade que circulam
pela cultura. É assim que se caracteriza um homem maduro. Sem
personalidade, não há maturidade.

Aquele que é todo esburacado por dentro, que toma para si a forma
das multidões, das imitações e cópias biográficas, ainda não atingiu a
oitava camada. René Girard definiu o conceito do “mimetismo” como
a falsificação dos desejos. Pessoas que querem algo não pela coisa ou
vontade pessoal, mas sim porque um terceiro deseja o mesmo.

O ser humano é incrível, não?

Ele é capaz de querer um tipo de roupa ou ser aluno de alguém apenas


pelo fato de outras pessoas também o quererem. Então, quem não
tem personalidade não é coeso por dentro; deixa de manifestar as
características de uma substância única e irrepetível no mundo.

Deixa-se ser abafado e violentado pelas multidões.

Entenda “multidões” por mídia, propaganda, família, sociedade


etc. Falsificando a si mesmo você não terá personalidade e acabará
criando alguma outra coisa que no fundo não é você. Deus não faz

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criações genéricas, Deus cria coisas únicas. Aquilo que aprendemos
na catequese. O meu catequista falava assim: “Deus fez uma forma
para lhe criar, criou e jogou a forma fora”. Então, não vai ter outro.
Não vai. Esquece, não tem outro. Que você olhe para o mundo de hoje
e veja pessoas tão semelhantes, tão parecidas, é uma das desgraças do
nosso tempo. Essa é a desgraça sintomática da falta de personalidade.
Da falta de manifestação radical de um eu que é irrepetível na história.
Só uma pessoa com personalidade é capaz de falar em nome próprio,
é capaz ser autora da própria vida. É capaz de não confundir-se com os
outros, de ver todos os colegas, os amigos etc. afirmando algo e se ela
não enxerga aquilo, não afirma. Isto é ter personalidade.

Ou seja: é você testemunhar a vida desde um lugar que só você ocupa


no mundo.

E no momento em que você conquista essa personalidade, que você


consegue realizar esse amálgama da sua vida, das sua camadas, do
seu desenvolvimento, da sua história, das suas heranças genéticas,
espirituais e culturais; no momento em que você consegue dar uma
forma para isso, e essa forma, necessariamente, tal como pretendida
por Deus (será única e, não haverá outra igual), aí você terá conquistado
uma personalidade.

E nessa hora, uma voz vai sair de você e será a prova material da sua
personalidade. Como saber se uma pessoa é madura? Não se trata de
pagar as contas, sustentar os filhos, entender de política etc., não é isso.
Uma pessoa pode realizar todas essas atividades e ainda ser imatura.
Pode fazê-las por automatismo; não é madura, pois está repetindo
padrões esperados. Pode simplesmente estar respondendo de forma
homogênea a um chamado de vida que tanto outros respondem
igualmente.

Quem quer que trabalhe com a alma humana, psicólogos, professores,


sabe do que estou falando. O fato de pessoas ocuparem certas posições
sociais não garante maturidade.

Maturidade é a consequência material e pessoal da personalidade. De


uma amálgama de resoluções de conflitos que você dá para si mesmo,
e dá de uma maneira tão bem afirmada, tão alinhada, que se aproxima

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da forma como Deus pretendeu você, da sua forma na mente divina
(e a sua presença no mundo passa a ser um testemunho perfeito da
vida.)

Compare isso com o que vemos na mídia e circulando pela cultura.


Todos os sonhos e desejos são iguais, projetos pessoais, tudo. Ter
uma personalidade é resolver tensões da pessoa. A pessoa chega nas
camadas 6 e 7, percebe que não dará conta das tensões, e desiste. O que
sobra? Tomar caminhos já trilhados e conhecidos por outras pessoas.

Quando Ortega y Gasset diz “o gênio inventa a própria profissão”, é


disso que ele está falando. Não quer dizer que você não possa fazer
medicina porque já existem médicos; quer dizer que o modo de fazer
medicina é único porque tem que ser você fazendo.

Ou você quer o resto da vida ser reconhecido pelo “médico”, por um


tipo de papel apenas, um personagem que é camada 7. Se você quiser
passar da 7 para 8, amigo, você terá que ser alguém. Esta é a frase da
camada 8: “eu sou alguém”.

Eu sou alguém.

Alguém capaz de avaliar a própria vida, a própria história; contá-la


com consciência e revisitar cada uma das camadas passadas. Sempre
respondendo pelo seu lugar no mundo de maneira personalíssima.
Isso é ser camada oito. Todo mundo pode chegar aqui, do jardineiro
ao astronauta. Profissão não é nem garantia nem desculpa, ocupação
não interessa, é a parte mais superficial e material do que você está
fazendo.

Temporizando, a camada oito aparece aos quarenta anos, metade da


vida.

A pessoa madura chegará nessa etapa da vida, olhará para sua história
e poderá dizer: “estão aqui os vestígios deixados ao longo do tempo, de
alguém, uma substância. Eu sou alguém. Não sou a projeção da minha
sociedade, tampouco as expectativas que ela tem de mim. Não sou a

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continuação dos meus pais”. Entende?

Tudo isso está somado, equacionado, pessoalmente resolvido.

O indivíduo é uma soma que nunca se repetirá na história do mundo,


a começar pelo próprio corpo. Nele já está o chamado, a promessa: “ó,
amigo, faça da sua vida algo sem precedentes na história”.

Mesmo que você seja mãe de família, a coisa mais antiga da face da terra,
mesmo que você seja professor, engenheiro, padre; não interessa. O
sujeito de camada oito é a resolução dessas forças, dessas tensões que
compõem cada um de nós e que ficam mais claras ao longo das sete
camadas anteriores.

A resolução na oitava deve ser única, intransferível, irrepetível, e deve


lhe tornar alguém no mundo, deve lhe distinguir dos outros.

A pessoa na camada oito encara-se como autora dos próprios atos.

— Por que você fez tal coisa?

Responde a pessoa de camada oito:

— Porque eu quis. E sabia quais eram as consequência e quis mesmo


assim. E esse negócio que deu errado, é meu também. Tá aqui ó,
deixa com o pai, eu assumo. Aquilo lá? Eu também, estou na merda
na epidemia e sem dinheiro, de quem é a culpa? Minha. Eu sou o
responsável.

Então, mais ou menos aos quarenta anos, ela volta-se para a trajetória
trilhada; percebe e revisita camada por camada. Deixa de ser
personagem para tornar-se autora.

Essa é a diferença entre camada 4 e 8. Na quarta você é personagem,


está lá sentindo, sofrendo, aprendendo a lidar com seus sentimentos.
Não sabe o que acontecerá em 10 minutos. Na camada oito surge a
autoria. Você olha para si mesmo. Há as circunstâncias impostas pela
vida, dificuldades, tais como a epidemia. O que o camada oito faz?

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Absorve a circunstância.

Não existe vida verdadeiramente adulta para quem está fora da camada
oito, diz o professor Olavo. Toda espécie humana, verdadeiramente
falando, é chamada à oitavada camada.

A 9, 10, 11 e 12 ficam para aqueles caras que têm lá a sua especialidade.

A camada 9 é a da vida intelectual. O que difere?

O sujeito de camada nove deseja pegar os dramas, as complexidades


e dores da vida humana, entendê-las como símbolos e traduzi-los
para toda a espécie. Este é o papel do intelectual. Não é a pessoa que
apenas absorve a cultura para viver melhor. Pois é para isso que serve
a boa cultura, para viver dignamente. Certo? A vida não é só comida,
bebida, festa. Mas o intelectual não se serve da cultura apenas para
compreensão pessoal, para resolução de um conflito. Ele também
contribui para a cultura à medida em que insere novos conteúdos
nela, e vai iluminando a existência de todas as outras pessoas.

Não é muito fácil isso. E de cada 10, no máximo 1 nasceu pra ser
intelectual. Para os outros 9, a pretensão é a camada oito. A nove já é
um negócio muito especializado. O intelectual carrega nas costas os
dilemas universais.

Camada 10? Napoleão Bonaparte. Tornou-se um sujeito tão grande


que é impossível contar a história da Europa sem falar dele. Alterou o
rumo dos fatos, isso é camada dez.

Você já parou para pensar que um homem, uma vida, definiu o rumo
de uma nação? Como vai contar a história da França e da Europa sem
falar de Napoleão? É a pessoa de camada 10 que altera o rumo dos
acontecimentos. Como é que pode alguém ouvir sobre a 10 e pensar:
“ah, eu acho que estou na camada 10”.

Amigo, vamos encontrar um pouco de humildade nesse coração?

Para 99% é camada oito o grande objetivo.

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Lembre-se do esforço para chegar na oitava.

Chegar aos quarenta anos, metade da vida, e de um jeito perceber que


deve algo para si, que está fora da cama oito, faz surgir a acusação
interior. “O que fiz com a minha vida? Porque não estou gozando dela?”
Na camada oito não é que a vida fique fácil, mas você aprende a gozar
dela.

Você responde por si, assume seu dever, torna-se alguém. Entende
como é que o jogo funciona, e encontra uma maneira pessoal de jogar.

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Conclusão
Bem, imagino que você tenha percebido como é grande essa trajetória.
Não apenas subindo degrau por degrau, mas revisitando os temas
que orientam a vida do sujeito em cada camada. Agora você pode me
perguntar: “como saber em que camada estou?”

Citarei o Olavo de Carvalho respondendo a essa mesma pergunta:


onde é que dói?

O que ocupa os seus pensamentos, de verdade? O que define os temas


da sua vida interior? Respondendo a essa pergunta, você perceberá em
qual camada se encontra. Lembrando sempre que nunca será 100%
isso ou aquilo, sem impurezas.

Então, entenda o processo de amadurecimento de uma pessoa como


algo bem complexo. Não é simplesmente cumprir com o seu dever.
Quando o Ítalo Marsili diz “sirva, seja forte e não encha o saco”, ele
consegue instigar as pessoas a saírem daquelas camadas mais baixas.
Este conselho pode fazer a pessoa sair da quarta para a quinta camada,
ou sexta.

Mas cumprir o dever não salva a vida de ninguém; cumprir dever é a


lauda um, o primeiro capítulo. Entende? A coisa é mais séria do que
isso. Trata-se de você responder à vida de maneira única; isso é muito
mais difícil. Amadurecer é aproximar-se dessa imagem, da forma
perfeita que você tem na mente divina. Isto, precisamente, é o tema
que estudamos no curso Moradas do Castelo Interior: como é que se
faz para eu me aproximar da imagem que Deus tem de mim?

Aproximar-se de Deus, daquilo que Ele pensa de mim, é a única coisa


que interessa. Todo o resto é palha, há de ser queimado pelo fogo. Em
todos os momentos da vida, reflexões e orações, apenas uma pergunta
deve nortear sua vida: o que é que Deus pensa de mim?

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