O Fenomeno Da Improvisação No Teatro e No Circo PDF
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Resumo
Este trabalho tem como objetivo discutir o fenômeno da improvisação tão corrente no teatro não
tradicional,como no circo. Para entender como a improvisação se dá nas artes cênicas
recorremos a um suporte teórico oriundo das pesquisas nas áreas da arte e do teatro. Além disso,
recorremos a exemplos próprios da arte do palhaço, isto é, procuramos entrevistas que tratam
justamente dos momentos do improviso e sua importância para a interpretação dos palhaços. Por
ser uma arte cujo poder estético transita no espaço e no tempo, marcando sua singularidade por
meio de sua linguagem adversa diante das outras formas de arte (como a literatura, por exemplo,
que desperta mais a imaginação e a capacidade criadora do leitor), o teatro (assim como o circo),
por sua vez, a cada encenação passa por uma metamorfose, revelando que o que está
representando jamais será encenado do mesmo jeito. Isto é, cada encenação é um momento
único, tanto para o ator como para o público.
Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
O Fenômeno da improvisação no Teatro não tradicional e no Circo
Este texto trata do fenômeno da improvisação, tão corrente no teatro não tradicional
e no circo.
Mas o que entendemos por improvisação? Qual a sua definição? Em seu livro
Natureza e sentido da improvisação, Sandra Chacra define o que é improvisação:
Neste sentido, podemos pensar que se em seu início, o ato de improvisar ocorra a
partir de uma desordem, isto não significa que este ato irá se perpetuar, isto é, em um dado
momento este processo irá se cristalizar, constituindo uma forma. No entanto, se entendermos o
fenômeno da improvisação como algo completamente ocasional estaríamos sendo reducionista.
Assim, procuramos entender a arte do improviso como sendo um elemento fundamental para o
ator, porém ao estudarmos tal fenômeno devemos ter o cuidado para não sermos simplistas
como bem lembra Chacra.
Percebemos que embora o teatro não tradicional utilize deste recurso, é no circo que
a improvisação ocorre com maior freqüência.
Durante a nossa participação, a partir de 1998, no projeto de pesquisa Clowns:
Dramaturgia, Interpretação e Encenação,1 analisamos cerca de 24 entrevista realizadas com
palhaços. Nestas entrevistas estão registradas todo um fazer artístico até então pertencente à
memória oral.
Nas análises das entrevistas percebemos o quanto a improvisação é um recurso
1 Pesquisa desenvolvida desde 1997 na Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, Campus de Marília,
coordenada pelo professor Mário Fernando Bolognesi, com financiamento da Fapesp e do CNPq.
Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
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explorado pelos artistas circenses, com algumas ressalvas é claro.
Os espetáculos de circo , tal como o teatro, são formas de arte que têm um caráter
libertador e renovador: utilizam-se do corpo do ator para readaptá-lo, tirando-o, assim, da vida
cotidiana e do mecanicismo da vida moderna. Por determinado tempo o ator é livre, isto é,
mostra o seu ser quando está representando2.
No teatro, o processo de criação e interpretação dos atores, de certa forma, trabalha
com elementos e informações dados anteriormente, uma vez que sua personagem participa do
texto dramatúrgico, construído por outro. Mas, mesmo assim, isto não exclui o ato de criação e
às vezes de improvisação do intérprete, na medida em que este partirá de si mesmo para
construir e viver a personagem em cena.
A dualidade sujeito (ator) e personagem possibilita ao ator uma re-criação do papel
que lhe foi dado, sendo possível então construir sua personagem com uma certa liberdade
criativa.
No circo ou no teatro não tradicional o ato de improvisar é algo corrente, porém é
nas encenações do palhaço que a improvisação torna-se um fenômeno mais comum e – talvez
até possamos dizer – natural, uma vez que esta arte propicia a participação do público. No
entanto, não é somente a platéia ruidosa o único motivo que leva esses atores a improvisarem,
mas também a sua própria experiência cênica em adaptar-se às novas circunstâncias, pois o
acaso pode ocorrer a qualquer momento nas cenas. Nem sempre há ensaios (estamos nos
referindo aqui às entradas representadas pelos palhaços). Portanto, o acaso se faz presente.
Sendo assim, é necessário improvisar, usar a imaginação para não “perder a bolinha”.3
Os palhaços estão acostumados com o inesperado, pois a qualquer momento algo
inusitado pode acontecer, como por exemplo, um acessório da cena que é esquecido, ou até
mesmo a perda da voz ao entrar no picadeiro. Nesses momentos o que conta e salva é a
versatilidade do ator, pois é necessário improvisar no aqui e agora para segurar o público e tirar
o melhor proveito desta situação que é o riso.
A entrevista do palhaço Chevrolet, citada abaixo, é um exemplo claro de como a
improvisação faz parte do universo circense,
(...) eu estava com um amigo meu trabalhando aqui nesse circo mesmo, em
2
“ A indústria cultural conserva o vestígio de algo melhor nos traços que aproximam do circo, na habilidade
obstinada e insensata dos cavaleiros, acrobatas e palhaços, na ‘defesa e justificação da arte corporal em face da arte
espiritual’. Mas os últimos refúgios da arte circense que perdeu a alma, mas que representa o humano contra o
mecanicismo social, são inexoravelmente descobertos por uma razão planejadora, que obriga todas as coisas a
provarem sua significação e eficácia. Ela faz com que o sem-sentido na base da escala desapareça tão rapidamente
quanto, no topo, o sentido das obras de arte”. In: (HORKHEIMER; ADORNO, 1986, p.134).
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Expressão utilizada pelos palhaços para designar a concentração necessária à interpretação.
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Goiânia. Nós dois estávamos trabalhando e nós fazíamos a cena de uma vela.
Uns dos palhaços irá dar um tiro na vela, a vela cai, a vela desmonta, e o
palhaço assusta com aquela vela... e fazia uma cena que estava fazendo
“saravá”, e que a vela vai ficar em pé. Então, naquele momento, a vela
quebrou, que a vela é feita de papel, pra ela dar o jogo todinho. Você estando aí
(na platéia) não distingue se é uma vela normal ou se é uma vela de papel,
porque ela tem que ser muito bem feita. E a vela na hora quebrou. O que você
tem que fazer? Você tem que procurar improvisar no momento exato, você tem
que improvisar... Aí eu improvisei uma banana no lugar da vela. Eu saí de cena
e lembrei que na minha casa sempre tinha um negócio com frutas. Eu lembrei
que tinha uma banana e eu no palco falei pra ele: ‘Você segura um segundinho
só que eu já resolvo já.’ Aí eu vim em casa correndo peguei a banana e entrei
com aquela banana, quer dizer eu improvisei a banana, e você sabe que deu
certo. Ninguém no circo notou. Todo mundo do circo achou que a gente estava
criando um negócio diferente, que não era: foi por causa que a vela tinha
quebrado mesmo. 4
Por ser despojada, na arte do palhaço o espaço para a improvisação é bem maior que
no teatro.
A criação da personagem palhaço é concebida pelo próprio ator. Assim sendo, a
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Entrevista realizada em Agosto de 1997, na cidade de Marília (SP).
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liberdade de criar em cena e o descompromisso em seguir um texto fechado acaba dando
margem maior para o improviso. Entretanto, mesmo que o teatro tenha um texto definido com
as devidas falas, gestos e ações de suas personagens, isto não é tão categórico que não
possibilite o improviso. O ator é livre para criar e melhor conduzir sua personagem, ao contrário
do teatro tradicional que não dá espaço para improvisar.5 O uso da intuição e da imaginação são
oportunidades raras para o ator neste tipo de teatro, pois todas as atitudes são devidamente
calculadas e de uma certa forma controladas e a improvisação é um recurso pouquíssimo
utilizado.
De acordo com Sandra Chacra,
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“Deveria-se revelar-se tanto mais obliquamente os estilos pré-ordenados produzem por si mesmos a aparência da
logicidade e aliviam a obra particular da sua execução. Enquanto que, nas obras clássicas, segundo a expressão
corrente, a logicidade reina imperturbavelmente, elas toleram sempre algumas e, por vezes, numerosas
possibilidades: assim, por exemplo, no seio de uma típica dada, como a da música com baixo contínuo ou da
Commedia del’ arte , improvisa-se com mais segurança do que, ulteriormente, em obras individualmente de todo
organizadas. Estas são superficialmente mais alógicas, menos transparentes a esquemas e fórmulas geralmente pré-
estabelecidas e com afinidade conceptual; contudo, na profundidade, são mais lógicas, subordinam-se mais
rigorosamente à consistência lógica.Mas, ao aumentar a logicidade das obras de arte, as suas pretensões são cada
vez mais tomadas à letra até à paródia das obras totalmente determinadas, deduzidas a partir de um material
mínimo, desnuda-se o ‘como se’da logicidade. O que hoje parece absurdo é função negativa da logicidade integral.
Retribui-se à arte a não existência de quaisquer raciocínios sem conceito e sem juízo”. In (Adorno, 1970, p.158).
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muitas vezes é visto como irrelevante. Saber improvisar é algo por demais difícil e é neste
instante que o ator se revela, colocando-se em evidência, além de mostrar o quanto é experiente.
Poderíamos dizer que no instante em que improvisa o ator se mostra por inteiro.
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mais. Então, ele falhou!6
Como bem lembra o palhaço Gira-Gira se o imprevisto ocorrer nesta arte, como no caso
do trapézio este não será engraçado, pelo contrário, pois aqui o improviso pode acabar
acarretando um desgraça ao artista. Neste tipo de arte o acaso não tem vez.
Ao contrário do teatro, em que o texto é fundamental, no circo essa preocupação não
existe, uma vez que os atores circenses só recorrem a este quando esquecem o roteiro das cenas.
O roteiro será utilizado apenas como um apoio. Em sua entrevista Adriano descreve como é este
processo.
Vale ressaltar que se por um lado a improvisação quebra em algumas vezes o ritmo da
cena, por outro lado, ela acaba proporcionando ao ator a possibilidade de uma reconstrução de
sua personagem. Assim, na busca da personagem tanto o fenômeno da improvisação e o público
participam simultaneamente deste processo, pois quando a improvisação acontece por
intermédio do público, a personagem se desfaz por alguns instantes, mas é reconstruída
imediatamente. È claro que embora seja a mesma personagem, ela surge agora de forma um
tanto quanto diferente, mais engraçada talvez.
Os tipos cômicos são os mesmos, o palhaço é o mesmo, mas ainda que se conserve as
características da sua personagem, algo de novo aconteceu na constituição dessa personagem,
difícil de dizer o que, visto que este momento é único para cada ator.
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Entrevista realizada com Wilson (Palhaço Gira-Gira), na cidade de Bauru, nos dias 1-2 de agosto de 1997.
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Entrevista realizada com Adriano (Palhaço Biriba), na cidade de Santa Rosa/RS, em 4 de fevereiro de 1999.
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Charlequito em O atirador de facas, Circo Beto Carrero, Marília (SP),
em abril de 1998. Foto de Kiko Roselli
Referências
ADORNO, T. et al.Teoria da cultura de massa. Rio de Janeiro: Saga, 1969.
BOLOGNESI, M.F. Palhaços. São Paulo:UNESP, 2003.
CHACRA,S. Natureza e sentido da improvisação teatral. São Paulo: Perspectiva, 1991.
OJLÓPKOV, N. Audácia y fantasia in: LITVOSKI, A (Comp.) El circo soviético. Moscú:
Editorial Progresso, 1975.
PANTANO, A. A. A personagem palhaço: a construção do sujeito. Marília, 2001, 109 p.
(Dissertação de Mestrado em Filosofia).
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