Souza Walter. Piolin e As Comedias... 1933 e 1961
Souza Walter. Piolin e As Comedias... 1933 e 1961
Souza Walter. Piolin e As Comedias... 1933 e 1961
contemporâeo
e o grotesco:
Piolin e as
comédias
de picadeiro
encenadas
entre
1933 e 1961
Introdução
1. Quem é Piolin?
1.1 A entrevista
1.2 Morte e vida piolinas
1.3 A escola circense de Piolin
1.4 Artista para vários públicos
1.5 A mímica do palhaço
1.6 A voz do palhaço
1.7 A invenção do palhaço
1.8 Os últimos anos
2. O riso e o humor
3. A dramaturgia do palhaço
3.1 Palhaçaria
3.1.1 A porta aberta
3.1.2 O palhaço
3.1.3 O que é entrada? O que é reprise?
3.1.4 Roteiro e improviso
3.1.5 Palhaço: comum de dois gêneros?
3.2 Comédia de picadeiro
3.2.1 O combinado
3.2.2 A comédia
3.2.3 A alta comédia
4. Piolin em cena
4.1 Antecedentes: A fase áurea (Circos Queirolo e Alcebíades)
4.2 A fase do Teatro Boa Vista
2
5.2 Guerra, cinema e caipiras (1941-1949)
5.3 Piolin desvairado, rei da Pauliceia (1950-1961)
6. O público
6.1 O circo e seu entorno
6.2 A modernidade e o homem simples
6.3 O campo da memória
6.4 Piolin: o corpo e a alma do circo
7. Os últimos anos
9. Bibliografia
3
Introdução
1
Resposta do escritor a Caio Prado Junior num debate sobre a entrada de capital estrangeiro no país. Ante
o exacerbado nacionalismo de Caio Prado, Oswald disse ser “contra e a favor, dialeticamente”. O
intelectual atirou: “É uma dialética muito engraçada”, recebendo em troca a afirmação usada na epígrafe.
SCHWARTZ, Gilson. Caio Prado Júnior, um mestre na dialética do tempo brasileiro, in PRADO
JÚNIOR, CAIO. Formação do Brasil contemporâneo. Folha de S. Paulo, Coleção Grandes Nomes do
Pensamento Brasileiro, São Paulo, 2000, p. 405.
2
A dupla de palhaços que consagrou o circo tradicional brasileiro inclui o palhaço excêntrico, aquele que
age movido por uma lógica própria, quase sempre incongruente com a ordem; e o clown de rosto branco,
entidade máxima da ordem.
3
Forma como os circenses falam a palavra inglesa “clown”.
4
Apesar de poucos pesquisadores considerarem tal fato, o apelido e nome artístico Piolin foi incorporado
ao nome de batismo em 1929, conforme indica Carteira de Identidade que se encontra no acervo do
Centro de Memória do Circo, em São Paulo.
4
primeira vista tinha ele uma obra enorme que, aparentemente, devia ter uma importância
não reconhecida dentro do contexto da dramaturgia popular paulista.
Elaborado o projeto de pesquisa tendo essa evidência como justificativa, parti,
então para a investigação, após a concessão de bolsa pela Fapesp. Qual não foi minha
surpresa quando, em poucos meses o meu objeto de pesquisa sofreu um devastador
abalo sísmico cujo epicentro – ou epicentros, se for possível desafiar um fenômeno
natural dessa magnitude –, eram três argumentos de peso.
O primeiro vinha de Miroel Silveira, patrono do arquivo que guarda as peças 5.
Na sua tese de doutorado, ao apontar a importância de Piolin na temporada que cumpriu
no Teatro Boa Vista em 1931 ao lado do cômico italiano Tom Bill, ressalva que “o
popular palhaço não nos parece que tenha sido o que os jovens arrojados da Semana [de
22] tentaram atribuir-lhe (...)”.6 Com relação à dramaturgia encenada posteriormente por
Piolin em seu circo, aponta: “Levantamos em nossa pesquisa a quase totalidade do
repertório teatral de Piolin, encenado durante as várias décadas de sua constante
atividade, e em verdade a pobreza do material, extremamente repetitivo, não permitiria
a nenhum intérprete alcançar páramos de criatividade”7.
Particularmente já havia tomado conhecimento dessa análise quando conduzi
pesquisas referentes à tese de doutorado “Mixórdia no picadeiro – Circo, circo-teatro e
circularidade cultural na São Paulo das décadas de 1930 a 1970”, defendida em 2009 na
ECA/USP. Nela, aliás, havia interpretado que a análise de Miroel se referia à
contribuição do palhaço ao tema central da sua pesquisa, a construção do tipo italiano
no teatro encenado em São Paulo. Quanto à repetitividade da temática das peças, é
preciso pensar que todas elas eram estreladas pelo próprio Piolin. Aliás, serviam de
pretexto para uma performance prolongada, que ia além das entradas e reprises – os
famosos esquetes cômicos de palhaços – que geralmente ocupam esse importante
protagonista do espetáculo circense brasileiro. Assim, da mesma forma que encara a
entrada e a reprise, o palhaço vê a comédia de picadeiro, o entremez, a farsa, o
5
Miroel Silveira pesquisou o arquivo do Departamento de Diversões Públicas (DDP) para elaborar sua
tese de doutoramento “A contribuição italiana ao teatro brasileiro”. Com o fim da censura em 1988, a
partir da nova Constituição, os processo do DDP seriam incinerados quando o professor do Departamento
de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da USP resolveu levá-los para a sua sala. Com a
morte de Miroel naquele mesmo ano (1988), o arquivo permaneceu guardado até 2000, quando então foi
transformado em Projeto Temático com o apoio da Fapesp, sob a coordenação da Profa. Dra. Maria
Cristina Castilho Costa.
6
SILVEIRA, Miroel. A contribuição italiana ao teatro brasileiro. Edições Quíron, São Paulo, 1976, p.
235.
7
Idem, p. 236.
5
combinado, como um texto a ser interpretado sob o imperativo do seu tipo excêntrico,
ou seja, a partir de uma estrutura cênica fixa recheada por interferências improvisadas.
Mas um novo personagem de peso veio destoar na ambição da minha pesquisa: o
crítico Paulo Emílio Salles Gomes. Participante da geração de intelectuais que concebeu
a revista Clima nos anos 1940, Paulo Emílio, a exemplo da geração anterior de
intelectuais, os modernistas, também se regalou com as comédias circenses e, em
especial, com Piolin. Tanto que escreveu importante artigo – garante quem teve a
oportunidade de lê-lo – sobre o excêntrico para ser publicado justamente na revista
Clima. Entretanto, o mesmo teria sido rejeitado pelo editor, na época Décio de Almeida
Prado. E – pior – os originais teriam se perdido no tempo. Na tentativa, ou na ansiedade
de resgatar o que havia sido escrito anteriormente – quem perdeu algum texto escrito no
computador e quer reescrevê-lo sabe o que é esse sentimento –, Paulo Emílio redige
“Vontade de crônica sobre o Circo Piolim solidamente armado à praça Marechal
Deodoro”, texto publicado no livro Um intelectual na linha de frente, organizado por
Maria Teresa Machado e Carlos Augusto Calil em 1986. Primorosa como era de se
esperar do crítico, a crônica faz um desanimador aviso – pelo menos para mim – já em
seu terceiro parágrafo: o de que não é possível conversar Piolin com quem não viu
Piolin. “O conjunto de homens, mulheres e crianças que viram e ouviram Piolim8
formam uma maçonaria. Há uma cumplicidade misteriosa entre as pessoas que viram
Piolim, e os não iniciados são inflexivelmente afastados”.9
Afora o recurso retórico usado pelo autor, e afora o fato de eu não ter visto
Piolin, o efeito da frase se amplia quando se buscam referências sobre o período em que
Piolin manteve seu circo, entre 1933 e 1960. Há pouquíssimas, a não ser as indicações
de encenações publicadas diariamente nos classificados de programação cultural dos
jornais paulistanos. Há raras entrevistas, poucas análises, alguma aparição do palhaço
nos meios de comunicação, em especial no cinema – foram somente duas: no filme
Tico-tico no Fubá, de Adolfo Celi (1952) e no documentário Sua Majestade, Piolin, de
Suzana Amaral (1971). O que resta é a tarefa desafiadora de tentar perfurar os muros da
maçonaria apontada por Paulo Emílio para conseguir olhar Piolin de frente.
8
A grafia Piolim muitas vezes é preferida pelos intelectuais que escreveram sobre ele por aportuguesar o
Piolin originário do espanhol.
9
GOMES, Paulo Emílio Salles. Vontade de crônica sobre o Circo Piolim solidamente armado à Praça
Marechal Deodoro in MACHADO, Maria Tereza e CALIL, Carlos Augusto. Paulo Emílio – Um
intelectual na linha de frente. Brasiliense, São Paulo, 1986, pp. 47-51.
6
Mas o golpe final viria da boca do próprio Abelardo Pinto Piolin, numa
entrevista concedida em 1971, em sua casa-camarim, na Freguesia do Ó, a um grupo de
intelectuais, incluindo o mesmo Paulo Emílio Salles Gomes, a diretora Suzana Amaral,
o pesquisador de circo Júlio Amaral de Oliveira, e Oswald de Andrade Filho, para
registro no acervo do Museu da Imagem e do Som (MIS-SP). A entrevista, a certa
altura, é conduzida por Suzana Amaral, que pergunta a Piolin se era ele quem escrevia
as peças que representava. Ao que o palhaço responde: “Algumas. Muitas eu
aproveitava, eu fazia arranjos, diminuía ou aumentava, o que era preciso fazer. Fazer
adaptação para o circo eu fazia”.
A pergunta imediata ante essa afirmação é: então porque Abelardo Pinto Piolin
aparece como autor de tantas peças no Arquivo Miroel Silveira? Alguns aspectos
tornam plausíveis essas assinaturas. Primeiro há o fato de o repertório de comédias
circenses ser muito antigo e passar de mão em mão, inclusive entre companhias, além
de enfrentar viagens e intempéries. Ao mesmo tempo, são adaptadas, cortadas, ajustadas
a novos personagens. Muitas acabam, com o passar dos anos, perdendo a autoria. No
entanto, ao submeter um texto teatral ao exame do DDP havia a condição essencial de
apontar o nome da peça e a autoria. Em muitas ocasiões era exigida a liberação da
Sociedade Brasileira dos Autores Teatrais (SBAT), que controla o pagamento dos
direitos autorais. Na falta de um autor, a opção mais inteligente é colocar o nome
daquele que arrasta o público para o circo: o palhaço. Assim foi com Arrelia em
diversas ocasiões, embora este gostasse de se gabar aos jornalistas da sua condição de
autor das “comedinhas”, como chamava. Além de satisfazer a exigência do DDP,
também servia de artifício para atrair público para o circo. “Ao final da função, uma
comédia piolinesca”, costumava ser divulgado na programação dos jornais Folha da
Manhã e Folha da Noite.
Assim, com o objeto de minha pesquisa completamente desconstruído, restou-
me a tentativa de encontrar pontas que me permitissem amarrar algo a partir dessas três
negativas. Se a obra dramática de Piolin era repetitiva, e se a fama do palhaço, como
apontou Miroel, deveria advir do fato de “dispor de uma agilidade física que, fundada
na sua experiência inicial de funâmbulo, lhe teria permitido realizar números curiosos
de mímica e pantomima, independentes do texto”10, era essa a deixa para iniciar um
10
SILVEIRA, Miroel. Op. cit., p. 236. Não há registro de que o jovem Abelardo tenha praticado o
funambulismo, a arte de andar no arame em alturas bem distantes do chão. Ele praticou com mais
frequência o contorcionismo, o malabarismo e o ciclismo.
7
levantamento sobre quem, de fato, foi Piolin. Pois, até onde se sabe, o Piolin conhecido
foi aquele descrito pelos intelectuais modernistas, que exaltaram sua performance física,
sua voz, sua máscara, enfim, sua comicidade. Não foi o humano nem o artista, mas o
performer. Seria preciso conhecer os aspectos que escaparam aos intelectuais, seja por
não interessá-los seja por realmente não os terem conhecido.
Se, por outro lado, o seu repertório repisava a mesma estrutura de comédia, era
preciso compreender aquele tipo de dramaturgia. E também de onde advinha o público
que lotou as arquibancadas de seu circo por quase trinta anos consecutivos, ou seja,
quando o palhaço não era mais objeto das resenhas e artigos dos modernistas, quando a
antropofagia de Oswald já havia sucumbido à sua militância política, ou mesmo quando
Oswald já havia deixado sua herança intelectual para as gerações futuras interpretá-la.
Era preciso, portanto, perscrutar o passado dramatúrgico de Piolin, suas experiências e
as circunstâncias em que se desenvolveram para compreender de que modo o mesmo
Piolin permaneceu encenando suas comédias no período em que manteve circo próprio.
Além disso, era preciso compreender um pouco melhor a “palhaçaria” – a dramaturgia
do palhaço – para que se pudesse analisar o modus da comicidade circense, e perceber o
quanto ele avança sobre um gênero que não é o circense – a comédia – mas teatral,
embora a leitura feita pelos palhaços o distancie bastante do gênero concebido na
Antiguidade. Até mesmo a questão autoral se esvanece ante uma análise mais profunda
dessa comicidade, pois o protagonista acaba se tornando, de fato, coautor ao elaborar
improvisos e promover uma triangulação cênica com a plateia.
Mas resta ainda mais um aspecto para se decifrar Piolin e este parece ser o mais
desafiador: romper as paredes da maçonaria erigida por aqueles que viram Piolin
buscando aqueles que dele decidam falar. Assim como o próprio Paulo Emílio, há
memorialistas que não hesitam em arrolá-lo entre suas melhores lembranças,
desvendando detalhes, vasculhando na infância a mola que acionava a gargalhada
explosiva. Sim, o público do circo, aquele “que é, de todos os públicos de todas as artes,
o mais solidário com seus artistas”11. Para resgatar essa memória e transformá-la em
matéria-prima de pesquisa, é preciso, portanto, recorrer a uma metodologia. E foi aí que
se buscou a memória oral.
Memória e oralidade
11
GOMES, Paulo Emílio Salles. Op. cit..
8
O fazer circense, inegavelmente, está ligado ao corpo, à habilidade física que
pode levar ao exercício do sublime. Mesmo o palhaço, que encontra matéria do riso no
grotesco, precisa dispor da condição do sublime corporal. “O circense é sempre aquele
que foi mais além de alguma de nossas impossibilidades físicas, na elevação, no salto,
na coragem, na força, no equilíbrio, na manipulação da magia, no domínio da natureza
animal”12, define Miroel Silveira. Como a condição do sublime está diretamente ligada
ao risco (de vida, no caso do circense), o mesmo autor adverte: “O risco permanente que
é inarredável da profissão exige não apenas aperfeiçoamento corporal, mas
principalmente a higidez da mente”13.
Todo o conhecimento circense está guardado na memória coletiva dos artistas,
em geral familiares com anos de experiência, enquanto a sua forma específica de
perpetuação é a oralidade. É interessante presenciar uma reunião de antigos artistas
circenses: do nada, entre um diálogo e outro, eles passam a elevar a voz e a declamar,
em tom de alegre desafio, trechos inteiros das peças clássicas de circo-teatro. Estas
podem ter diálogos rimados, como os de O mártir do Calvário, do português Eduardo
Garrido, ou ser emocionalmente pomposos, como os de Sílvio, o cigano, do também
lusitano Velloso da Costa, ou ainda ganhar um tom épico, como no caso de Os dois
sargentos, de Theodóre D'Aubigny. O palhaço Picolino II (Roger Avanzi), em
entrevista concedida a este pesquisador, não se furtou a recitar trecho de um dos grandes
clássicos encenados na maior parte dos grandes circos brasileiros durante o século XX,
Honrarás tua mãe, driblando as falhas de memória e fazendo valer os anos de atuação
nos palcos e picadeiros:
12
SILVEIRA, Miroel. O circo - Espaço arquetipal convergente. In: O circo. Secretaria da Cultura,
Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1978.
13
Ibidem.
9
triunfares na vida, honrarei as vossas mães!” Aí o circo vinha abaixo!
Era um sucesso! Eu gostava muito.14
14
Depoimento dado durante pesquisa de doutoramento deste pesquisador.
15
COSTA, Cristina. Censura em cena – Teatro e censura no Brasil. Imprensa Oficial/Edusp, São Paulo,
2006, p.80.
10
se confundem num jogo de memória em que as cartas e suas posições são conhecidas de
antemão, o que não tira a graça do exercício. É a relação entre memória e oralidade.
Camadas de memória se sobrepõem quando, por exemplo, Benedito Sbano, o
palhaço Picoly e ator do Pavilhão Teatro Popular Volante, rememora uma ocasião em
que saber os textos de cor e salteado foi elemento de identificação e solucionador de um
impasse para a instalação do seu circo:
16
Depoimento colhido durante o projeto “Entre risos e lágrimas – O teatro no circo (da pantomima aos
dramas)”, realizado em outubro de 2010.
11
mesmo tempo, interfere no processo ‘atual’ das representações.”17 Há, portanto, uma
interferência transtemporal. Ecléa Bosi destaca, ao analisar Bergson, que a memória não
ocorre de forma homogênea. Existe uma memória-hábito, feita de esquemas de
comportamento que o corpo emprega para agir conforme o ambiente. “Ela é (...) um
processo que se dá pelas exigências da socialização. Trata-se de um exercício que,
retomado até a fixação, transforma-se em um hábito, em um serviço para a vida
cotidiana”18. Por exemplo, ter o texto teatral decorado para uma ação de representação.
E há a memória que independe de qualquer hábito, evocativa, que promove “autênticas
ressurreições do passado”.19 Por exemplo, recitar um texto já encenado diversas vezes
no passado, de modo que cada palavra evoque situações e imagens daquele tempo.
Considerando esse esquema bergsoniano, é possível separar as camadas de
memória presentes na narrativa de Sbano: ao lembrar o caso como uma experiência
pessoal em que há um processo de identificação – elevado pelo narrador ao nível
anedótico – este se dá, evocativamente, por meio da recitação do texto teatral. Ao
mesmo tempo, o próprio ato da recitação se refere a um processo social: ele tem o texto
na ponta da língua por ser uma exigência do seu exercício laborativo. No entender de
Bergson, a memória-hábito se apropria da memória contemplativa. No caso de Sbano,
por sua vez, há um efeito liberador: a memória-hábito desencadeia a memória
contemplativa. Socialização e identidade decorrem dessa sobreposição.
A oralidade faz parte de todo o aprendizado circense, pois a nova geração de
artistas se faz a partir dos mestres da geração anterior, aqueles que guardam a tradição.
Ermínia Silva explica que a transmissão dos saberes circenses se dá de maneira formal e
oral.
17
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade – Lembranças de velhos, Companhia das Letras, São Paulo, 2009,
p. 46-47.
18
Idem, p. 49.
19
Ibidem, p. 48.
20
SILVA, Ermínia. O circo: sua arte e seus saberes – O circo no Brasil do século XIX a meados do XX.
Dissertação (Mestrado). Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Estadual de Campinas, 1996, p. 77.
12
Aqui, mais uma vez, confunde-se socialização e identidade, pois:
É importante salientar que a transmissão oral dos saberes circenses faz uma
passagem instantânea da memória oral para a memória corporal, pois estes saberes estão
conectados às habilidades físicas do aprendiz: é por meio delas que se estabelece um
vínculo identitário com a tradição circense, pois é a aprendizagem que “identifica o
circense como artista, é o procedimento que conduz ao domínio da técnica envolvida
nas artes circenses, um dos fundamentos do circo-família”.22
No entanto, não há como compreender essa transmissão como um processo de
alimentação da memória-hábito, pois ela agrega a interação social que gera um efeito
corporal, físico. Ou seja, a experiência acumulada das gerações circenses, expressa pelo
mestre na formação do aprendiz está carregada do componente cultural – a tradição – e
é a partir dele que se absorve a aprendizagem e se desenvolve a habilidade física.
Finalmente, estabelece-se o vínculo entre memória, oralidade e cultura.
Essa relação, embora característica do meio circense, parece escapulir do
picadeiro e infestar a experiência memorialística daqueles que estão sentados na
arquibancada, especialmente porque lá estão para rir, um riso social, coletivo, de certo
modo mais domesticado do que o riso medieval, mas tão liberto quanto aquele, pois está
inconscientemente alinhado ao presente, àquele presente. Por isso quem ri e é criança, e
é jovem, e é adulto ou velho, ri por haver ali, no centro do picadeiro, nas situações mais
banais, nas relações mais absurdas, na lógica mais ilógica do palhaço, um elemento
agregador de certo tipo de sociabilidade. No filme Tico-tico no fubá há uma cena em
que Piolin protagoniza sua mais antológica entrada, o Idílio dos sabiás23, travestido e
sendo assediado pelo galanteador e elegante Pinati. Dois personagens, amigos do
compositor Zequinha de Abreu, desempenhado por Anselmo Duarte, estão na
arquibancada: um se arrebenta de tanto rir, o outro mantém o rosto impassível, como se
procurasse a lógica na interação entre os palhaços. Ao perceber essa incompreensão, o
que ri olha para o que não ri, o cutuca, não consegue reação e encontra nisso novo
motivo para rir. Não mais o palhaço, pois o motivo do riso pulou do picadeiro para a
21
Idem, p. 76.
22
Ibidem, p. 91-92.
23
Também chamada por ele de Namoro dos passarinhos.
13
arquibancada, contagiando a assistência. O riso social: mesmo quando a piada não
funciona, encontra motivos de identificação, mesmo quando se desvia, encontra atalhos
para acontecer.
Hibridismo cultural
As relações entre memória e oralidade como mecanismo ontológico do fazer
circense e como o mecanismo metodológico para o pesquisador compreender a prática
circense, assim como as relações entre o riso e a sociabilidade, imbricações necessárias
para analisar o papel do circo na sociedade urbana e metropolitana, só poderão ser o
ponto de partida desta pesquisa se for considerado o processo de construção do discurso
cultural dos artistas de circo e, em especial dos palhaços. Desprezarmos o cenário no
conjunto da cena – especialmente o cenário prismado no chão do picadeiro, espaço
permanente de negociação simbólica – não fará sentido refazer a trajetória de Piolin na
cena paulista.
Para adentrar no fenômeno cultural/comunicacional do século XX, no entanto, é
preciso se acercar de pelo menos três conceitos de cultura. O primeiro – não que tenha
surgido anteriormente ao segundo –, é o de cultura erudita, a que se contrapõe ao de
cultura popular. Essa dicotomia, que remonta à Idade Média, ganha contorno de divisão
– e portanto, pressupõe um limite – a partir do século XIX, quando, na França, alguns
intelectuais passam a colecionar elementos da chamada cultura do povo. Foi o início de
um movimento que logo levaria a novas leituras. “Para alguns intelectuais,
principalmente no final do século XVIII, o povo era interessante de uma certa forma
exótica; no início do século XIX, em contraposição, havia um culto ao povo, no sentido
de que os intelectuais se identificavam com ele e tentavam imitá-lo.”
A mudança se dá por meio do Romantismo. No entanto, os três pontos
definidores da cultura popular apontados pelos românticos são questionáveis : 1. Essa
cultura tem origem num “período primitivo”, e atravessa incólume os séculos, sem
transformações notáveis (sabe-se hoje que entre 1500 e 1800 as tradições estiveram
muito expostas a transformações, inclusive com a participação direta das elites
culturais); 2. A cultura popular é uma criação coletiva, a tradição se sobrepõe ao
indivíduo (constata-se atualmente que a tradição não inibe o desenvolvimento de um
estilo individual); 3. O povo é formado por pessoas incultas, que vivem perto da
natureza e, por isso, desenvolvem uma cultura particular, própria. Mas, teria realmente
existido em algum momento histórico um purismo cultural? Ou tais argumentos deixam
14
evidentes somente a separação mais evidente que envolve dominação, entre cultura
dominante e culturas subalternas?
Antes de aprofundar o “terceiro problema”, como define Edgar Morin – a cultura
de massa –, um fenômeno, transversal às três culturas, já se apresenta. É o hibridimo
cultural. Canclini dá a pista: “A dificuldade de definir o que é o culto e o que é o
popular deriva da contradição de que ambas as modalidades são organizações do
simbólico geradas pela modernidade, mas ao mesmo tempo a modernidade – por seu
relativismo e anti-substancialismo – as desgasta o tempo todo.” Esse hibridismo
esfumaça, portanto, os limites entre o erudito e o popular.
Quando, no século XX, a cultura de massa se consolida, envolvendo a produção
industrial simbólica para difusão a uma massa social, esta traz um dinamismo interno
que envolve a elaboração de discursos que se apropriam de elementos culturais os mais
diversos. Ela se utiliza dos meios de comunicação massivos que constroem discursos
não só compreensíveis pela massa, mas que são capazes de agregá-la socialmente a
partir de um claro processo de hegemonia. “Uma cultura que, em vez de ser o lugar
onde as diferenças são definidas, passa a ser o lugar onde tais diferenças são encobertas
e negadas. E isso não ocorre por um estratagema dos dominadores, e sim como
elemento constitutivo do novo modo de funcionamento da hegemonia burguesa, ‘como
parte da ideologia dominante e da consciência popular’”.
A cultura de massa, uma vez elaborada a partir do processo de apropriação, por
construir discursos hegemônicos, não deixa de influenciar as próprias matrizes culturais,
conduzindo um complexo processo que dissolve as fronteiras do que é popular, erudito
e massivo. O mecanismo de alimentação e retroalimentação simbólica é chamado por
Carlo Ginzburg, a partir de um conceito de Bakhtin, de “circularidade cultural”. Estão,
pois, na arena metodológica, os quatro conceitos que aqui serão empregados para
compreender o circo na construção do seu discurso cultural: as matrizes culturais
erudita, popular e massiva, e a liga do hibridismo, que desencadeia o fenômeno da
circularidade cultural.
Enfim, Piolin
Abelardo Pinto Piolin foi personagem ambíguo, de intensa personalidade
artística e de inacreditável timidez pessoal, indiscreto e eloquente sob a pintura, mas
recolhido e silencioso na vida pessoal, amigos de intelectuais e de circenses, comparado
a Chaplin e a Chicharrão, com uma comicidade tanto grotesca quanto contemporânea. O
15
objetivo desta pesquisa é revelar o quanto essa ambiguidade foi essencial na construção
do seu tipo, desvelar o quanto a sua dramaturgia, de alguma forma autoral, atingiu seu
público, que não só ratificou a opinião dos intelectuais do Modernismo, ou nunca tomou
conhecimento dela, mas lotou seus espetáculos por quase trinta anos, enquanto o Circo
Piolin se manteve em plena atividade.
Importante ressaltar o mergulho no universo circense e da “palhaçaria”
possibilitado pela parceria mantida pelo Núcleo de Pesquisa em Comunicação e
Censura (NPCC) com o Centro de Memória do Circo, ligado ao Departamento de
Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura de São Paulo, que rendeu a programação
de eventos do projeto “Entre risos e lágrimas – O teatro no circo (das pantomimas aos
dramas)” nos segundos semestres de 2010 e 2011, reunindo palhaços, circenses e
pesquisadores. A parceria se prolongou em 2012, em outras iniciativas, como a
organização do acervo e dos saberes circenses para compor sua exposição permanente.
Foram, enfim, oportunidades para conhecer a fundo o universo do qual Piolin fez parte,
assim como aqueles que, com ele, partilharam da tradição e do improviso. Tudo ao
mesmo tempo...! Mas que dialética engraçada!
16
1. Quem é Piolin?
1.1 A entrevista
A edição de 7 de dezembro de 1928 da Folha da Manhã traz, no caderno
“Ribaltas e Projeções”, na página 6, a reportagem “Piolin, o palhaço mais célebre do
Brasil, fala sobre o teatro brasileiro”, título que surge em letras maiúsculas sob a linha
fina que informa: “Entre paredes de madeira tosca, num camarim de circo”. De
imediato, a chamada de uma seção dedicada ao mundo do entretenimento, em especial
os palcos e as salas de cinema, contrapõe duas representações cênicas que, naquela
altura encontrava sua grande expressão naquele personagem: o circo e o teatro. No
camarim tosco, o palhaço estava falando do teatro – não de circo-teatro. Sob a chamada
surge a máscara de Piolin, emoldurada por recorte oval, no formato camafeu, de modo
que uma diminuta foto de Abelardo Pinto (ele só incorporaria o nome artístico ao
próprio nome no ano seguinte), o homem por detrás da máscara, foi encaixada sob o
largo colarinho do palhaço e a borda inferior do oval. Enquanto o ângulo frontal de
Piolin olha nos olhos o leitor da Folha da Manhã, a foto de Abelardo, com ele de
gravata borboleta e terno, rosto levemente de lado, remete às fotos dos cartões postais
dos artistas populares. A legenda avisa: “Piolin e Abelardo Pinto, duas fisionomias
distintas num só corpo verdadeiro”. Abre o texto da reportagem sem assinatura25:
24
GOMES, Paulo Emílio Salles. Op. cit..
25
Foi mantida a grafia original.
17
Hora da funcção. Piolin estava no picadeiro.
18
levaria muitos à bancarrota no ano seguinte, em 1929.26 Evidencia-se, ainda, o grande
patrimônio do circense: o público, que traz consigo o grande desafio diário de quem
atua sob a lona: fazer a féria do dia (ou da noite). Menos de uma quinzena antes
comemorava o terceiro ano de apresentações no Largo do Paissandu, o que somava
1.225 espetáculos da “Empreza Piolin e directores Alcebíades Pereira e Vicente
Seyssel”.27
Sabedor da provisoriedade da vida circense, Piolin parece não se iludir em
possuir tanto dinheiro quanto o mais influente ator daquele tempo, Leopoldo Fróes.
Avisa logo que embora instado a falar de teatro é um homem de circo. O repórter avalia:
“Por isso mesmo. Falará desapaixonado, sem interesse pessoal”. Antes de responder
trata de retirar a maquiagem. Piolin desaparece ante os olhos do visitante. Então surge
Abelardo Pinto. “Todas as noites a esta hora o Sr. Abelardo Pinto engole o Piolin
palhaço. Pouca gente me conhece nesta apparencia humana. É preferível. Sou dois.
Vivo duas vidas. Quando me aborreço na qualidade de Abelardo Pinto, metto-me na
pelle do palhaço Piolin... e se eu fosse uma creatura de dívidas, os ‘cadaveres’ sempre
haviam de encontrar ‘o outro’ que não era o devedor...” Logo em seguida faz um
exercício de discurso nonsense para, enfim, entrar no tema pretendido pela reportagem.
Começa didático: “O theatro, no Brasil, divide-se em três tempos: o tempo que
há de vir, o tempo perdido com o intervallo dos actos e o ‘tempo quente’, - o de hoje”.
Mas em seguida passa a encadear um discurso em que a seriedade se equilibra na
expectativa de, a qualquer hora, descambar para o chiste novamente.
A análise, que pode parecer a princípio crítica, especialmente em sua frase final,
na verdade revela o âmago de uma ideia que se reproduz desde o final do século XIX e
26
A frase lapidar dita na abertura do filme Sua Majestade Piolin revela outra face: “Rico três vezes e
pobre três mil”.
27
Boletim Unidos Seremos Fortes no. 43, de 23 de novembro de 1928, publicado pela Federação
Circense. Recuperação coordenada por Verônica Tamaoki.
19
que pode ser resumida, grosso modo, na frase “o público é quem faz o artista” 28. Isso
pela falta do profissionalismo apontada por Piolin – não se sabe até que ponto o repórter
conduziu a fala ou direcionou-a na sua edição – que poderia ser sanada por uma
entidade congregadora, a exemplo da Federação Circense que, naquela altura, tinha
atuação nacional e eficiente.
“A escola de theatro no Brasil tem sido a revista. Na revista principiaram todos.
Os mais talentosos venceram. Os incapazes de um governo próprio fracassaram. Será
injusto e cruel negar que possuímos actrizes e actores aptos para inaugurar um theatro
sério. O que falta é um responsável official: a lei creando a ordem e a ordem creando a
arte.” Avançando em seu raciocínio, Piolin parece apostar na distinção entre teatro e
circo-teatro, defendendo uma arte apoiada na ordem. Certo que o improviso circense
carece dessa ordem, embora os saberes que constroem o fazer circense exijam um
método de transferência que descarte o caos.
O parágrafo seguinte volta a enaltecer as posses do palhaço, apontando que se
antes ele andava a cavalo agora tinha seu automóvel, algo para alguém com patrimônio.
Conclui rapidamente que o palhaço brasileiro evoluiu. E devolve a palavra a Piolin:
28
A subserviência à plateia, à qual o ator Francisco Correa Vasques dizia ser signatário em 1867. Para
saber mais, MARZANO, Andrea. Cidade em cena – O ator Vasques, o teatro e o Rio de Janeiro (1839-
1892). Folha Seca/Faperj, Rio de Janeiro, 2008.
29
Em especial Piolin, campeão de futebol, em que encarna um meninão fanático por futebol, o que enseja
ao tio casá-lo para que se livre do vício.
20
Honório Rodrigues, que comandava o projeto “O maravilhoso mundo de Piolin”, no
Anhembi, em 1973, colocava os artistas de seu circo em primeiro lugar. Mesmo
convalescendo, expressava sua preocupação com a trupe.
Esse seu espírito do Association era expresso por meio de uma impecável
disciplina de trabalho, testemunhada por outro circense, Antonio Luís de Moraes, o
Chumbinho, que o conheceu no seu Palácio de Alumínio, circo “solidamente” montado
na Praça Marechal Deodoro, como era chamado nos anúncios de jornal:
Sabe o que ele fazia atrás da cortina? Isso eu vendo, não foi alguém que
me falou não. Ele passava a mão no rosto do ator e se tivesse um pouco
grande ele mandava fazer a barba. Sabe o que é isso? Disciplina. Ele
gostava das coisas tudo certinhas. (...) Ele fazia a lista dos personagens,
o guarda-roupa, tudo, o que vai calçar, o que vai vestir, que jeito que é a
maquiagem (...) No caso, se você fosse fazer algum papel, se você fosse
contratado lá, aí ele deixava na prancheta, pendurada, e todo artista era
obrigado a ir lá ver. O drama de hoje... Aí vinha a camareira, as roupas
já estavam todas penduradas, toda engomada, passadinha, bem
arrumadinha, lá tinha uma pessoa pra tomar conta disso, as botas, os
sapatos, o que fosse usar, estava tudo limpinho. (...) Era uma disciplina
fora de série aquele circo.31
Enfim, era essa a ordem de que carecia o teatro e que fazia parte do fazer
circense, muito por uma característica intrínseca, por ser o circo fruto de um
aprendizado familiar, transmitido oralmente a partir da memória guardada pelos
antepassados e que, a partir dela, se definiam papéis distintos para cada membro32. Essa
relação socioeconômica, que bem pode ter o sentido de Association, levada ao seu
extremo, é a contribuição que Piolin ousou dar naquela entrevista. Justo ele, acusado de
expressar uma versão rebaixada do gênero teatral – por ser comédia e, ainda por cima,
por ser circo-teatro. Ou, como ironizou, uma década e meia depois, num artigo
30
Depoimento colhido para a pesquisa em 14 de julho de 2011.
31
Depoimento colhido para a pesquisa em 4 de novembro de 2011.
32
Para saber mais sobre o “circo-família”, ver SILVA, Ermínia. “O circo: sua arte e seus saberes – O
circo no Brasil do final do Século XIX a meados do XX”. Dissertação de mestrado apresentada ao
Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de
Campinas em 14 de março de 1996.
21
publicado na mesma Folha da Manhã o escritor e político Carlos Lacerda, logo ele,
“Piolin, o inefável” 33, que lucrava artisticamente com a falta de um teatro nacional.
Com sua inefabilidade, Piolin prosseguiu encenando suas comédias no picadeiro
do Circo Piolin, lona que iria inaugurar cinco anos após a entrevista, e cuja carreira se
prolongaria até 1961, quando então o poder público achou por bem requisitar o terreno
em que a solidez do Palácio de Alumínio reluzia há quase três décadas. Naquele mesmo
ano da publicação do ácido comentário de Lacerda, fortuitamente o teatro brasileiro
floresceu com a encenação, pela companhia Os Comediantes, da peça Vestido de noiva,
de Nelson Rodrigues, com direção de Ziembinski e temporada exitosa no Teatro
Municipal do Rio de Janeiro. E, em 1948 o teatro “organizado” ganhou, enfim, sua
expressão melhor acabada com a inauguração do Teatro Brasileiro de Comédia, em São
Paulo, iniciativa do empresário Franco Zampari com o financiamento do conde Cicillo
Matarazzo. Em sua inefabilidade, Piolin prosseguiria mais 13 anos encenando suas
comédias, e, como testemunham os que fizeram parte das arquibancadas, com a casa
sempre cheia.
Na sequência da reportagem de 1927, após o entrevistado se auto-ironizar
dizendo que falou sério sem lançar mão de “citações”, seguia-se impressa a
programação dos teatros paulistas: no Apollo, Procópio Ferreira na comédia Guerra às
mulheres, de Paulo Magalhães; no Boa Vista, estreava Mimosa, com Leopoldo Fróes34;
e o anúncio da volta, em poucas semanas, de Jayme Costa ao mesmo teatro. O trio,
enfim, resumia o teatro vitorioso apontado pelo “curioso” palhaço.
Quanto à sua expressão, as comédias de picadeiro, chamadas também entre os
circenses de chanchada, farsa ou combinado, Piolin se encontrava em posição
confortável. Podia conduzi-las não só na condição de ator cômico que, à semelhança de
Procópio, Fróes e Costa, atraía o público aos espetáculos com seu próprio nome; da
mesma forma administrava a persona que havia expressado uma arte de cunho popular
cujo reconhecimento por parte dos intelectuais do Modernismo – destaque para Mário
de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia e Ian de Almeida Prado – a
tornara, de fato, inefável. Aliando a arte circense e revelando um particular talento para
despertar fisicamente o riso de todas as classes sociais, Piolin conseguiu, ainda no Circo
Alcebíades, onde atuou de novembro de 1925 a dezembro de 1929, ser reconhecido
33
Folha da Manhã, 24 de janeiro de 1943.
34
Em 3 de dezembro a Folha da Manhã anunciava, para a mesma noite, O morto que não morreu, no
Circo Alcebíades, com Piolin, e O simpático Jeremias, no Teatro Boa Vista, com Leopoldo Fróes.
22
popularmente como o maior palhaço em atividade no país, conquistando um lugar
dentro de uma “tradição cômica ligeira pautada no diálogo com as plateias e, portanto,
caracterizada pela capacidade de agradar a públicos amplos e diversificados”35, como
aponta Andrea Marzano com relação ao ator Vasques, no final do século XIX. Piolin se
enquadra nessa tradição, que no Brasil alinha os entremezes portugueses, a Commedia
dell’arte, que aporta na Corte nas encenações de feira, as comédias de Martins Pena, as
cenas cômicas de Vasques e, enfim, as comédias de picadeiro de Piolin.
35
MARZANO, Andrea. Op. cit., p.125.
36
PICCHIA, Menotti del. Elogio publicado no Correio Paulistano, in FONSECA, Maria Augusta. Op.
cit., p. 201.
23
sua valentia, almoçaram Piolin para promover a “absorção do inimigo sacro”, como diz
o Manifesto Antropófago, que Oswald de Andrade lançou um ano antes. Reunidos no
salão de chá do Mappin Stores, no dia 27 de março, os modernistas decidiram celebrar
Piolin, que completava 32 anos, devorando-o ritualmente e criando um dos eventos
mais simbólicos do período, que coroou a influência do humor e da teatralidade popular
no discurso erudito da vanguarda literária paulista.
Assim como o ano de 1929 foi emblemático ao coroar essas “mortes” de Piolin,
ele também marcou novos “nascimentos”. Por exemplo, naquele ano Piolin nasceu
legalmente. Dessa época, resta no Centro de Memória do Circo, doado pelo neto
Ayelson Garcia (filho de Ayola Pinto e Nelson Garcia, o palhaço Figurinha), uma
carteira de identidade em que aparece, pela primeira vez, o nome artístico registrado
juntamente com o nome de batismo: Abelardo Pinto Piolin. Piolin com “n” no final e
não com “m”, apesar de vários autores se referirem a ele com a forma mais próxima do
português, quando o apelido tem origem no termo espanhol para “barbante”: seriam as
pernas do palhaço, finas como tal. A fase prenuncia um longo período na vida do
palhaço excêntrico em que, após a consagração – o que muitos avaliam ter sido o auge
da sua popularidade – ele vai instalar, a partir de 1933, um circo próprio, também com
seu nome, e a partir daí se dedicar exclusivamente ao espetáculo circense pelas
próximas quase três décadas, atraindo admiradores anônimos com suas comédias de
picadeiro.
Mas voltando a 1929, Piolin vivia o auge do seu sucesso, ao mesmo tempo
popular e erudito. Ao findar a temporada no Circo Alcebíades, apreciado tanto pelo
grupo modernista quanto por Washington Luís, de um lado, e pelas enchentes populares
de outro, segue em temporadas até que, em 1931, deixa temporariamente o picadeiro e
se arrisca, a convite de Oduvaldo Vianna, a encarar o palco do Teatro Boa Vista, ao
lado do cômico Tom Bill, que havia montado, alguns anos antes, a Companhia
Disparates Cômicos com Genésio Arruda. Era a primeira vez que o filho do empresário
circense Galdino Pinto e da amazona e atiradora Clotilde Farnezi, arriscava uma carreira
solo, se bem que, de solo, não havia nada, pois Tom Bill fazia bem seu “clom”. Mas,
como seu nome aparecia nos letreiros das placas e dos cavaletes, bem que poderia ser
comparado aos grandes cômicos da época, como o próprio Genésio ou Sebastião
Arruda, embora o palhaço não exercesse propriamente a comicidade caipira37. Naquele
37
Tom Bill, apesar de italiano, chegou a fazer caipiras em dupla com Genésio Arruda, especialmente na
série de filmes que fez na Sincrocinex, de Lulu de Barros (além de Acabaram-se os otários, primeiro
24
mesmo ano de 1929, gravou um registro fonográfico pela Victor com dois relatos
cômicos, marcando presença no meio que foi popularizado no início do século
justamente por palhaços38. Mas a experiência parece ter se restringido a esse 78 rpm,
que registra duas narrativas com conteúdo nonsense, no estilo humorístico do
“bestialógico” ou “pantagruélico”, que parece ser a marca registrada deste palhaço cuja
voz e performance física encantou os modernistas que o exaltaram naquele final da
década de 1920.
Registros da época o apontam também como homem abastado, assim como a
reportagem da Folha da Manhã analisada no início do capítulo, se referia a alguém de
posses, que andava de automóvel. De fato, as temporadas no Circo Queirolo, que o
lançou, e no Circo Alcebíades, que o consagrou, lhe garantiram muitas posses. Um
avião, para o qual tirou brevê com um professor alemão, Fritz Hoiller, todo em madeira
compensada, fabricado pela Mercedes-Benz39. O automóvel no qual fez a primeira
descida da história do quatro rodas no país até o litoral, seguindo pela Calçada do
Lorena, a Estrada Velha de Santos. Teve também seus filhos, cinco no total. Mas o que
se nota nessa virada de década é a postura que assume, tão logo se torna reconhecido
artista.
São Paulo mal começava a abandonar seus ares de vila, mas cujos ruídos
misturavam o velho e o novo, como registra Antonio de Alcântara Machado40: entre as
engrenagens dos bondes e os cascos dos cavalos sobre as calçadas de pedras, entre os
apitos e as matracas dos vendedores e a sonoridade roufenha das buzinas Klaxon. Os
bondes elétricos circulavam desde o 1900, quando na cidade se instalou a Light. Mas a
iluminação pública só começaria em 1918, atendendo o Vale do Anhangabaú, o Largo
da Concórdia, a avenida Paulista e o bairro do Bixiga. Juntos, eletricidade e transporte
urbano, deram sobrevida à agitação diurna, garantindo público para espetáculos
noturnos, fossem de circo ou dos teatro paulistanos, entre eles o Politeama, na avenida
São João, criado em 1892; o Santana, inaugurado em 1900 já com a luz elétrica; o São
filme sonoro brasileiro, Lua-de-mel, Minha mulher me deixou, Sobe o armário e Tom Bill brigou com a
namorada). In AUGUSTO, Sérgio. Este mundo é um pandeiro, Companhia das Letras, São Paulo, 2005,
p. 82.
38
Constam do casting inicial da Casa Edson, do Rio de Janeiro, os palhaços Benjamim de Oliveira,
Eduardo (Dudu das Neves) e Bahiano, vozes registradas nos primeiros fonogramas gravados no país.
39
A aventura constitucionalista de 1932 tomou-lhe o aeroplano.
40
MACHADO, Antonio de Alcantara. Brás, Bexiga e Barra Funda, Biblioteca Virtual de Literatura, in <
http://www.biblio.com.br/>.
25
José, na rua Xavier de Toledo, que abriu as portas em 1909; e, enfim, o Teatro
Municipal, cuja construção se iniciou em 1903 e findou em 191141.
Ali próximo dos grandes teatros, no Largo do Paissandu, havia espaço também
para o entretenimento popular. Relembra Francisco Rodrigues, o Chiquinho, empresário
e circense:
41
AMARAL, Antonio Barreto do. História dos velhos teatros de São Paulo. Governo do Estado de São
Paulo, São Paulo, 1979.
42
Depoimento colhido para a pesquisa em 8 de junho de 2011.
43
Unidos Seremos Fortes, no. 2, 20 de junho de 1925.
26
A resposta daquele que, oficialmente empunhava a pena da Federação, é enfática
em lamentar a falta do termo “circo” na comunicação daquela associação e rechaça a
afirmação de que foi a entidade que pioneiramente levou o PALHAÇO a um teatro
aristocrático para representar para uma plateia de escol:
(...) todo o mundo sabe que mesmo quando ninguém sonhava ainda com
a existência d’ “A Tarde da Criança” muitos dos artistas lisonjeiramente
citados na referida circular, e outros, alguns dos quaes já desapparecidos
da arena da vida, foram repetidas vezes applaudidos pelas plateas mais
distinctas dos melhores theatros do Brasil e mesmo do estrangeiro.
Quanto ao mais, podemos garantir áquella benemérita associação, que,
há ainda muita gente de escol que não se envergonha de vir ao circo,
para applaudir os clowns e tonys no próprio picadeiro.44
44
Idem.
45
Sobre a hibridização e a circularidade cultural no circo, ver SOUSA JUNIOR, Walter. Mixórdia no
picadeiro – Circo-teatro em São Paulo (1930-1970). Terceira Margem, São Paulo, 2011.
46
Conceito filosófico surgido em Hegel (Zeitgeist) para definir o clima intelectual e cultural de um
período.
47
Conforme pesquisa realizada pelo Centro de Memória do Circo.
48
“Aqueles metros quadrados onde hoje se ergue imenso bloco de concreto, foram, um dia, umedecidos
com suores e lágrimas de humildes artistas. O ferro e o cimento sepultam risos que ecoavam pelo largo
provinciano. Uma placa de bronze deveria evocar esse passado e advertir, para sempre, o que ele
significou para a crônica da cidade”, escreveu Júlio Amaral de Oliveira num folheto em homenagem feita
pela Prefeitura de São Paulo em 29 de janeiro de 1975.
27
Pois foi no Largo do Paissandu que Piolin nasceu artista popular. Se o acaso o
fez nascer em Ribeirão Preto, em 27 de março de 1897, quando o circo descia lona para
partir para Uberaba, em Minas Gerais, o que, de fato ocorreu no dia seguinte ao parto; e
novamente foi acaso nascer o palhaço Careca em 1917, quando o Circo Americano, do
pai Galdino Pinto, estava em Manhuaçu, em Minas Gerais, pela deserção de Espiga, o
palhaço da companhia. Já estrear no Paissandu foi resultado de anos de preparação,
fosse de forma consciente ou não.
49
Conta-se que também a melhor atiradora ao alvo da América do Sul, a ponto de acertar na mosca
mesmo atirando deitada sobre uma mesa, com a cabeça pendida para baixo, uma carabina apoiada no
ombro e a 12 metros de distância do alvo.
50
O autor não tinha ligação alguma com o circo. Tanto que os títulos de suas outras obras eram Foi Mapa
Gramatical Léxico-Sintático e Elementos da Psicologia Experimental Aplicada.
51
NORONHA, Paulo de. O circo. Academia de Letras de São Paulo, São Paulo, 1948, pp. 59 e 60.
28
Henrique Seyssel é irmão de Ferdinando, o palhaço Pingapulha, e tio de
Waldemar Seyssel, o Arrelia. Atuava como clown junto com o irmão Vicente, o
excêntrico Puxa-Puxa, que depois atuaria com Alcebíades, de quem era concunhado52.
Com ele ganharia o prêmio d’A Tarde da Criança e se tornaria sócio no circo que
abrigou Piolin, no Largo do Paissandu. A família Seyssel chegou ao Brasil em 1886, no
Circo Fernández. Julio Seyssel, pai de Ferdinando, com 34 anos, logo se torna diretor
do Circo Chileno, onde crescem seus filhos, Henrique, Vicente e Ferdinando. Mas em
1906 o patriarca morre, de modo que o Circo Chileno é mantido por Ferdinando, que se
torna a atração principal, como o excêntrico Pingapulha.
As relações entre a família Pinto, comandada pelo pai de Piolin, e os Seyssel
começam em 1905, quando Galdino funda sua primeira companhia, o Circo Americano,
juntamente com a esposa, Clotilde Farnezi e os irmãos Henrique e Vicente Seyssel. Na
estreia encenam a pantomima Guerra de Canudos, com a participação de todos, sócios e
familiares, inclusive do menino Piolin, como relembra René de Castro, na Folha da
Manhã de 25 de abril de 1931: “A primeira vez que vi Piolin representar, lá numa
cidade do interior do Estado do Rio, teria o querido artista cinco anos de idade e a maior
gargalhada do espetáculo era arrancada por ele, numa cena da famosa pantomima ‘A
guerra de Canudos’, na qual Antonio Conselheiro era o Lampeão daqueles tempos”.53
Afora o mal cálculo da idade, Piolin, naquela altura, tinha sete anos, a lembrança
confirma a precocidade natural dos artistas circenses, em especial nas encenações. Foi
também, naquele período que o menino se entalou no espaldar de uma cadeira ao fazer
um número de contorção, como ele próprio relatou ao Museu da Imagem e do Som em
depoimento dado em 1971.
Se a influência de Henrique Seyssel seria rápida, pois ele morre muito jovem,
aos 26 anos, em 1908, a convivência com Vicente foi maior. Aliás, a proximidade
familiar entre Vicente e Alcebíades levou Piolin ao convívio com esta outra importante
família circense, os Pereira. Nascido na região de Coimbra (Poiares), em Portugal, em
1839, Albano Pereira chega com a trupe dos Chiarini em 1871, se fixando em Porto
Alegre onde, quatro anos depois, irá inaugurar um pavilhão que marcou época, tamanha
a sua grandiosidade. Especializado no espetáculo de acrobacias equestres, herança do
circo europeu, o Circo Zoológico Universal se notabilizou até na Corte, onde foi
prestigiado pelo Imperador. Foi também o primeiro circo a usar um palco junto ao
52
Alcebíades era casado com Esther Ozon, irmã de Clementina, casada com Vicente Seyssel.
53
Folha da Manhã, 25 de abril de 1931.
29
picadeiro para apresentar encenações (pantomimas). A carreira de sucesso de Albano
Pereira foi, no entanto, interrompida por uma bala perdida, que o atingiu enquanto
saudava o público que chegava para ver o espetáculo em seu circo em 1903, na cidade
de Rio Novo-MG. Foi casado com Juanita Pereira (1849-1892), espanhola de Logronho,
que fez fama na Europa atuando no trapézio. Ao criar o movimento dos três trapézios
voadores, ganhou um cinturão de prata, mandado confeccionar pela Coroa inglesa.
Possuía, segundo alguns contemporâneos circenses, a menor cintura do mundo54, além
de ser bailarina clássica. Dois dos filhos do casal se tornaram palhaços: Carlito, o João
Minhoca, que no intervalo de uma entrada foi vitimado por morte súbita no camarim; e
Alcebíades, clown e exímio pistonista, cuja elegância surpreendeu o jornalista Afonso
Schmidt, que a descreve em crônica:
54
O cinturão faz parte do acervo do Centro de Memória do Circo e, se fato ela o vestiu, tinha mesmo uma
cintura diminuta.
55
SCHMIDT, Afonso. São Paulo de meus amores. Clube do Livro, São Paulo, 1954, pp. 47 e 48.
30
de braços, o Duo Musical, O bombeiro, O saco de batatas, Pimpinela, O box, O
elefante, A tourada. Defende também que foi Alcebíades quem criou a dupla cômica
clown/excêntrico, na configuração que se tornou clássica no decorrer da primeira
metade do século XX, pois antes o clown de rosto branco se apresentava acompanhado
do Mestre de Pista, centralizando as entradas cômicas e, muitas vezes, contando piadas
solitariamente ou acompanhado do instrumento.56 Até aquela altura o palhaço
excêntrico, de nariz vermelho, era o Toni de Soirèe, mero figurante que entretém a
plateia no intervalo entre números para que os equipamentos sejam montados ou
desmontados, muitas vezes substituindo os artistas impedidos de atuar por qualquer
motivo.
Ferdinando e Vicente Seyssel fundam, em 1922, o Circo Irmãos Seyssel. Mas o
segundo irmão acabou rompendo a sociedade dois anos depois, indo trabalhar com
Alcebíades. Com a idade avançada, o velho Pingapulha decide repassar a companhia
aos três filhos: Henrique (clown), Paulo (clown Aleluia) e Waldemar (Arrelia).
Transfere a firma e o nome é mantido, afinal continuavam sendo os Irmãos Seyssel.
Após estrear como Careca, em 1917, ao lado de Leopoldo Martinelli (Quero-
Quero), Abelardo passou a atuar em dupla com seu irmão Anchises Pinto, o palhaço
Faísca. Além disso, executa números de ciclismo, malabarismo e acrobacia, além de
tocar violino. Foi no ano seguinte que, na mesma Rio Novo-MG, onde morreu Albano
Pereira, o circo de Galdino Pinto se transformou em verdadeiro hospital de campanha
para atender as vítimas da Gripe Espanhola, que assolava não só a cidade mas o país, e
que em 1919 vitimaria até o presidente reeleito, Rodrigues Alves. Esse processo de
auxílio à comunidade rendeu à Galdino Pinto uma rua com seu nome na cidade, e ao
filho Anchises, uma esposa, Thomazina, filha de uma das senhoras afetadas pela doença
atendida pela trupe do circo. “Galdino Pinto ia às próprias casas acudir pessoalmente
aos doentes; sua mulher ‘criou’ um xarope, que administrava ao povo; transformaram o
circo em enfermaria, para a qual, Galdino Pinto adquiriu camas. Providenciou, também,
a ida de socorros de São Paulo, onde possuía muitos conhecimentos. Além disso,
enterravam os mortos.”57 Ainda nessa temporada, em Juiz de Fora, o Americano se
junta à família que exerceria a terceira grande influência na formação de Piolin: os
Queirolo, trupe de acrobatas. Um ano antes, no Rio de Janeiro, os irmãos Ricardo
56
Na segunda metade do século XIX marcaram época os palhaços-menestréis, que tinham essa
característica, inspirados no branco Polydoro (José Manoel Ferreira da Silva), do Circo Elias de Castro.
Destacam-se nesse estilo os dois palhaços negros Benjamim de Oliveira e Eduardo das Neves.
57
DANTAS, Arruda. Piolin. Editora Pannartz, São Paulo, 1980, p. 110.
31
(Negrito), Alcides (Gato Félix), José Carlos (Chicharrão), Julian (Harris), Otelo (Chic
Chic) e Francisco (Pancho) haviam comprado a lona do Circo Spinelli por quinze
contos de réis, valor que “poderia bancar a construção de um prédio de médio porte”58.
As duas trupes chegaram juntas a São Paulo em 1922. Estreiam na Praça
Marechal Deodoro, espaço que, uma década mais tarde, terá Piolin com seu próprio
circo. Piolin atua ao lado de Harris e logo de saída agrada o público. Instalam-se no
Largo do Paissandu para fazer uma curta temporada que se prolonga por três meses. De
lá, seguem para a avenida São João, local onde depois se instalaria o Cine Broadway.
O pesquisador Júlio Amaral de Oliveira, em manuscrito que se encontra no
Arquivo Multimeios, do Centro Cultural São Paulo (Secretaria Municipal de Cultura de
São Paulo), anota que o apelido Piolin teria surgido em 1918, portanto no ano do
contato com os Queirolo. A família, embora tivesse origem italiana (o avô migrou para
a Argentina), tinham o espanhol como língua falada entre os oito irmãos e de onde
poderia provir o termo “piolin”. Mas há várias versões para a origem do apelido: uma
participação num festival circense em 1920 no Rio de Janeiro, quando teve contato com
uma trupe de artistas espanhóis; um “casaca-de-ferro” (o faz-tudo que monta e
desmonta os aparelhos, levanta a lona, etc.) do próprio circo; e outra versão mais
romântica, de um violinista espanhol que, no picadeiro teve uma das cordas
arrebentadas e foi socorrido pelo palhaço, que trouxe correndo nova corda e, ao voltar,
com suas pernas finas saltitando, ouviu o comentário: “Esse rapaz parece um ‘piolin’!
Um rapaz que, naquela altura, já tinha um filho, Aylor, de seu casamento com Benedita
França, nascido em 1919.
A relação com os Queirolo é que transformou de fato Abelardo em palhaço. Se o
dom o encaminhara à função depois da estreia para substituir Espiga, faltava-lhe ainda
uma perfeita caracterização, uma “máscara”. A grande síntese do palhaço excêntrico, de
nariz vermelho, naquela altura, era Chicharrão (José Carlos Queirolo).
José Queirolo migrou para a Argentina com o pai, que era açougueiro, e lá
começou a cantar óperas. Em 1881 se casa, em Bueno Aires com Petrona Salas, com
quem tem os seis irmãos acrobatas, além de Maria Esther e Irma. Cantam juntos, ele
barítono e ela contralto. Mas acabam se engajando no circo. Chicharrão nasce em 1887,
em Santana do Livramento-RS, embora o circo estivesse do lado de lá da fronteira, em
Rivera, no Uruguai. Cresceu no circo, onde estreou aos quatro anos. No final do século
58
ANDRIOLI, Luiz. O circo e a cidade – Histórias do grupo circense Queirolo em Curitiba. Edição do
autor, 2007, p. 13.
32
XIX a família retorna à Europa para cumprir uma turnê que se estende por uma década,
a maior parte no Circo Schumann. Passam dois anos na Alemanha, se apresentam a
Guilherme II, atuam na Rússia, para Afonso III de Portugal e para Carlos I, da
Inglaterra. Trabalham no Folies Bergère, em Paris. A temporada só não foi perfeita
porque, na Alemanha o patriarca é diagnosticado com um câncer na garganta, vindo a
falecer. O retorno da família ao Brasil se dá em 1910, com fama internacional. O
palhaço Chicharrão surge em 1915, em Bagé-RS, também por obrigação de substituir o
titular. Escolhe o nome a partir de um personagem de história em quadrinhos da revista
argentina Caras y Caretas e, conta-se, foi o inventor do colarinho largo, depois
amplamente usado pela maioria dos excêntricos que o sucederam, incluindo Piolin,
aliando a peça ao chapéu coco, à bengala grossa e aos sapatos enormes.
No ano seguinte os Irmãos Queirolo vêm para São Paulo, onde se apresentam no
Teatro Politeama. E, em 1918, se juntam à família de Galdino Pinto, para retornarem à
capital paulista em 1922, com Chicharrão vivendo o apogeu de sua carreira no
picadeiro, arrastando multidões para os seus espetáculos, apresentando números muito
originais, entre eles a Barata sorumbática (um carro de madeira puxado por um
cachorro que, por sua vez, corre atrás de um osso pendurado numa vara conduzida pelo
palhaço, que está sentado no carro) e o Idílio dos sabiás (o número do namoro entre
passarinhos em que a dupla de palhaços “conversa” por meio de assobios, consagrada
por Piolin e Pinati nas décadas seguintes). Ao atuarem juntos no Largo do Paissandu –
os Pinto e os Queirolo – acontece uma cisão na segunda família, que será decisiva para
a carreira de Piolin. Chicharrão decide deixar o circo e seguir para o Rio de Janeiro,
onde irá cumprir temporada no Teatro República. A solução foi recorrer a Piolin, como
conta Yan de Almeida Prado, ou Terêncio Martins, como assinava as crônicas Circo de
cavalinhos publicadas na Folha da Noite:
59
PRADO, Yan de Almeida (Terêncio Martins). Circo de cavalinhos. In DANTAS, Arruda. Op. Cit., p.
116.
33
Por conta disso Chicharrão jamais perdoou Piolin, taxando-o de imitador pelo
resto da vida, mesmo após uma reaproximação promovida em 5 de abril de 1972 pelo
jornal Última Hora, em São Paulo, quase meio século depois da contenda. Mesmo com
o encontro, mantinham-se distantes, como conta Francisco Honório Rodrigues, que
empresariou os dois palhaços no início dos anos 1970:
34
artística necessária para conquistar o público. O resultado dessa construção artística será
analisado mais adiante, pois antes há um novo período de sucesso e reconhecimento.
Por ora basta atentar ao fato de que laços antigos lhe garantiriam um novo espaço para
demonstrar sua habilidade cômica. Embora no mesmo endereço.
35
listadas nas divulgações feitas nos jornais, como o de 30 de junho de 1929, na Folha da
Manhã:
61
Folha da Manhã, 30 de junho de 1926.
62
Também conhecida por Casa mal-assombrada.
36
Em “Do Brasil ao Far-West” Piolin tem uma das suas criações mais
perfeitas. Atinge uma comicidade exterior maravilhosa e dentro da
uniformidade do seu tipo varia sempre com invencível poder criador.
Bastam pra celebrizar um artista de circo as cenas da herança, do medo,
e, sobretudo a genialíssima em que ele descobre que pode se utilizar da
rasteira para brigar. Nesta última, a expressão da alegria vitoriosa
mimada por Piolin é tão dinâmica, tão dominante e intensa que duvido
qualquer expectador sincero, mesmo culto, não sinta as tendências
heroicas violentadas, ativadas, elevadas ao clímax e uma comoção
profunda com raízes no mais mesquinho, no mais fisiológico
nacionalismo. É genial.63
É por demais disseminada a história de que foi Blaise Cendrars, quando de sua
primeira viagem ao Brasil, que descobriu Piolin no Circo Alcebíades em 1926 e cantou
a pedra aos intelectuais que o recepcionavam: o que eles procuravam estava lá no
Paissandu. Todos, sem exceção, se encantaram, a começar por Mário de Andrade e
Oswald de Andrade, à época casado com Tarsila do Amaral, Antônio de Alcântara
Machado, Guilherme de Almeida, Di Cavalcanti, Menotti del Picchia, Paulo Prado,
Sérgio Milliet e Yan de Almeida Prado. Quase todos eles deixaram escritas suas
impressões sobre Piolin. Aliás, repositório do qual todos aqueles que se atiraram na
tarefa de reconstruir a validação deste artista de circo acabaram recorrendo. Tanto que o
pouco que se conhece hoje de Piolin advém desses artigos, das contendas intelectuais
envolvendo o nome do palhaço que incorporava a arte “primitivista” para uns; que para
outros era a salvação do teatro nacional, ou, ao contrário, que deveria fazer do picadeiro
o verdadeiro púlpito de uma arte genuinamente nacional. Claro, muitos destoaram
dessas interpretações e acabaram gerando trocas de argumentos literários. Tanto que, ao
fim do período, mal a euforia dos anos 1920 se afogou em dívidas com o crack da Bolsa
de Nova York em 1929, restou apenas a única lembrança discernível de uma distância
temporal já considerável: a de que Piolin era artista para agradar tanto o público popular
quanto os intelectuais, o que lhe confere uma linguagem cômica universal. Não me
deterei a tratar desse aspecto por demais estudado, inclusive por mim64, que trata da
apropriação do referencial cultural popular por um grupo dedicado à cultura erudita,
intelectual, fundadora de uma nova ordem baseada na ideia de vanguarda e que
legitimou o desenvolvimento das artes e das linguagens culturais nas décadas seguintes.
63
ANDRADE, Mário de. (Pau d´Alho) Do Brasil ao Far-Est – Piolin. Terra Roxa e outras terras. Ano 1,
no. 3, 1926.
64
Na pesquisa de doutorado Mixórdia no picadeiro – Circo, circo-teatro e circularidade cultural na São
Paulo de 1930 a 1970, defendida em maio de 2008 na ECA/USP, emprego Piolin como uma das fuguras-
chaves do processo de negociação simbólica que marca a construção cultural da metrópole emergente.
37
O que interessa aqui é precisar a contribuição de Piolin e de sua dramaturgia também
nesse processo, especialmente junto ao público urbano e aos meios derivados que, por
sua vez, também se apropriariam de sua contribuição artística.
A grande contribuição da comédia Do Brasil ao Far-West, que será mais
detalhadamente analisada adiante, é se utilizar de referenciais outros que não os das
tradicionais chanchadas circenses, que especialmente guardam elementos claros da
Commédia Dell’Arte. Esse gênero popular teatral, originário da Itália da Idade Média,
empresta a matéria-prima usada por aqueles que introduziram a dramaturgia no
espetáculo circense, logo no início da concepção do circo moderno. O encontro do
sargento da cavalaria britânica Philip Astley, que em 1766 cria um anfiteatro para
oferecer espetáculos equestres, com seu sócio em Paris, Antonio Franconi, levou à
incorporação da pantomima e da referência do teatro popular italiano.
Piolin buscou, então, naquele momento, escapar à estrutura da relação entre
patrão e empregado da Commedia Dell’Art, da disputa social entre a autoridade patronal
do ator sem máscara e o criado de rosto pintado – tentativa, aliás, que se revelará inútil,
como se verá na análise do repertório de peças do Circo Piolin. Mas não é prudente se
antecipar antes de compreender que outra grande característica do circo-teatro passava a
se evidenciar a partir daquela peça: a sua condutibilidade cultural, ou seja, a facilidade
em retrabalhar temas e referências outras, externas ao universo circense, inclusive dos
meios de comunicação de massa ascendentes, entre eles o cinema americano. O próprio
Mário de Andrade percebe isso no artigo mencionado acima ao apontar a “a mistura
saborosa do elemento nacional e do estrangeiro”65, e que a referência do cinema não
resulta em imitação, mas na utilização “deformativa sempre e que leva o absurdo a uma
tal intensidade de cômico que raramente se poderá superar”66. É essa a “lógica do
absurdo”, como o modernista pontua inicialmente, que caracteriza a farsa circense e que
leva à originalidade criativa. Mário de Andrade esbarra certeiramente na estrutura da
dramaturgia circense, como será possível constatar no desenrolar das análises a serem
realizadas nos próximos capítulos desta pesquisa.
O que vale ainda pontuar aqui é a relação que tanto Mário quanto Oswald, este
que se aproximou mais ainda do universo circense, usando-o como referência em seus
romances e peças, foi diversa daquela que os futuristas russos, por exemplo,
mantiveram com o circo e, especialmente com o palhaço Lazárienko. Maiakóvski
65
Idem.
66
Ibidem.
38
chegou ao Circo Nikítin, na Moscou de 1914, com a intenção de recitar seus poemas no
lombo de um elefante67, e apressou-se em eliminar todo traço de metafísica do
espetáculo circense para lhe atribuir uma essência terrestre. Para ele, os palhaços
deveriam primar por suas “máscaras sociais”. No pós-revolução, o circo se torna estatal
e o espetáculo se politiza. E a principal preocupação dos intelectuais é a influência de
Chaplin na performance dos palhaços – a mesma que atingiu Piolin, notam os
intelectuais daqui – e o ambiente político da época propiciava a tônica na sátira política.
A dominação intrínseca do clown sobre o excêntrico, originária da Commedia dell’Arte,
foi com o tempo sendo abandonada: buscou-se o naturalismo para substituir o
caricatural. Oswald, por sua vez, mesmo entrando para o Partido Comunista em 1930,
jamais arriscou sugerir algum direcionamento à arte de Piolin. Ao contrário,
reconheceu-a como revolucionária antes do Partido e antes do Comunismo.
Reconheceu-a, antes de tudo, brasileira, a despeito da tradição circense europeia que
amparava a formação artística do palhaço. Mas também viu no seu tipo algo que varava
o caricato das relações sociais: a contradição como elemento natural.
Depois dessa longa digressão, retorna-se à temporada no Alcebíades. Na edição
no. 43 do Boletim Unidos Seremos Fortes, da Federação Circense, de 23 de novembro
de 1928, há o seguinte registro:
67
RIPELINO, Angelo Maria. Maiakóvski e o Teatro de Vanguarda, Perspectiva, São Paulo, XXX, p. 212.
68
Unidos seremos fortes, boletim da Federação Circense, no. 43, 23 de novembro de 1928.
39
No último ano o circo passou a se chamar Piolin-Alcebíades, o que demonstra a
evolução da popularidade do excêntrico, a ponto de dividir não só a cena, mas o gosto
do público, embora a divulgação dada pelos modernistas tenha contribuído muito para
isso. “Fiz sucesso rápido devido a eles. Se interessavam por mim e constantemente
escreviam crônicas sobre meu trabalho”69, deixou Piolin gravado em seu depoimento ao
MIS. Tal reconhecimento, no entanto, não desfazia alguns arroubos pessoais do
palhaço, muito ligados à prática diária circense e que aqui servem para pontuar a sua
personalidade. Conta seu último empresário, Francisco Honório Rodrigues que,
acompanhando-o em diversas entrevistas e convivendo muito proximamente com ele
nos últimos anos de sua vida, acabou ouvindo do palhaço algumas confissões: “Ele
falava: eles vinham, me pediam o circo pra fazer reuniões e eu cedia. Outro dia de
manhã eram milhões de bitucas espalhadas pelo circo, poltrona queimada – a poltrona
dele era de cinema –, cacos de copos, uma sujeirada. Ele não conseguia dormir, ficavam
até três, quatro horas da manhã numa gritaria lá. Era uma turma jovem”.
Pouco se conhece do repertório encenado no Circo Alcebíades por Piolin, a não
ser as peças mencionadas pelos artigos dos modernistas: Tenente Galinha, Piolin sócio
do diabo, mencionados por Alcântara Machado, e o divisor de água Do Brasil ao Far-
West. A se basear no depoimento dado por Waldemar Seyssel a Maria Augusta Fonseca,
a associação entre os dois palhaços se desfez por conta de uma doença que afastou
Alcebíades do picadeiro:
Fomos amigos. Fui trabalhar com ele na avenida São João, ali onde
depois o circo pegou fogo. Ele havia deixado o Paissandu, foi obrigado
a sair por uma questão da Prefeitura, não sei bem o motivo, mas sei que
saiu dali. Então armou o circo num terreno baldio, que depois veio a ser
o cine Broadway na avenida São João, posteriormente a farmácia
Moisés, uma coisa assim. (...) Vim do Rio, estava estreando, era no
princípio de minha carreira já como Arrelia. Vim com meu mano, já
estava despontando; tanto que meu tipo não é nada parecido com o do
Piolin (...) Trabalhamos juntos, trabalhamos em trio quando o clown
dele, que era o Alcebíades, ficou doente, Alcebíades Albano Pereira.
Piolin era um tipo de moleque danado para fazer pega para a gente em
cena. Era tremendo, tremendo. Muito versátil, muito engraçado.
Interessante que fora do picadeiro era um homem inibido, inibido.70
69
DANTAS, Arruda. Op. cit., pp. 131 e 132.
70
FONSECA, Maria Augusta. Palhaço da burguesia, Polis, São Paulo, 1979, pp. 134-136.
40
A separação provocou grande impacto no público frequentador da lona do
Paissandu, além de comoção popular, conforme descreve Paulo de Noronha 71. Para
substituir Piolin no “duo incomparável”, como definiu o escritor da Academia de Letras
de São Paulo, foi escalado Anselmo Lopes (Tico-Tico). Depois, ainda atuaram ao lado
do clown, Matos (Rabanete), Moacyr Lopes (Pão Duro) e, enfim, seu filho, Albano
Pereira Neto (Fuzarca). Transferido para a avenida São João, no mesmo local onde
havia estado o Queirolo, como conta Arrelia, o circo se incendeia em 1931. “O fogo,
segundo parece, foi originado por uma ponta de cigarro aceso, que alguma pessoa ou
vizinhança atirou sobre o pano. O circo não estava no seguro, não se sabendo por
enquanto em quanto montam os prejuízos causados pelo fogo”, relata a crônica
jornalística72. O incidente leva os Pereira para o interior do Estado, onde atua em
Bragança Paulista, Jundiaí e outras cidades não relatadas pela imprensa. O retorno a São
Paulo só acontece em 1938, quando o velho circo anuncia a impagável dupla Alcebíades
e Fuzarca.
Mas a localização temporal dessa reflexão retorna a 1929, ano emblemático para
Piolin, como apontado no início deste capítulo. Ainda haveria, em 1931, a aventura no
Teatro Boa Vista, ao lado de Tom Bill, antes que retornasse ao picadeiro e fosse
saudado novamente pelos atentos modernistas. Mas antes de prosseguir em direção à
análise de sua dramaturgia, e não perdendo a pergunta inicial sobre quem é essa figura
artística, o foco se aproximará fisicamente do palhaço, revelando aquilo que, na maior
parte das vezes é apontado como a distinção entre seus pares e mestres: a sua
performance física. Para tanto, o ponto de partida serão os elementos de sua completude
artística, apontados por Sérgio Milliet:
71
NORONHA, Paulo de. Op. Cit., p. 55.
72
Folha da Manhã, 29 de setembro de 1931.
73
MILLIET, Sérgio. “Saudades do circo”, O Estado de S.Paulo, 6 de maio de 1961, in ÁVILA, Affonso.
O Modernismo. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1975, p. 143.
41
1.5 A mímica do palhaço
O raro registro de imagem em movimento de Piolin não consegue mostrar meia
fração do que aqueles que o viram atuando afirmam ser a sua expressão corporal, o
grande elemento de sua graça. Tanto os intelectuais quanto os anônimos que cercaram o
picadeiro do seu circo para rir de suas estripulias, são enfáticos ao se referirem à sua
habilidade física. Francisco Honório Rodrigues, empresário do palhaço, corrobora que
essa característica se manteve até o final:
Eu acho que talvez a mímica era o forte dele. Nesse quadro do Piolin
que nós revivemos no espetáculo de 7274, ele fazia essa entrada, ele
conseguia muita risada da plateia com a mímica. Ele não falava, era o
passarinho, pipipi... só assobiava. O clown queria cantar o passarinho,
ele saia fora, era uma coisa nesse estilo de passarinha. Mas acho
realmente que a mímica dele.
O empresário se refere à entrada Namoro dos passarinhos (ou Idílio dos sabiás,
como batizou Chicharrão), que ganhou registro em película por duas vezes: no filme de
Adolfo Celi, Tico-tico no Fubá (1952), produção da Vera Cruz; e em Sua Majestade
Piolin (1971), documentário de Suzana Amaral. Se no primeiro ele aparece em toda a
sua forma, contracenando com o clown Pinati, travestido, movimentando os braços,
juntando-os ao rosto, enxugando as lágrimas com a barra da saia e conduzindo a ação,
no segundo, já avançado em idade e acometido pela doença cardíaca, parece tentar
resgatar o esplendor da entrada que acabou se tornando a sua marca. Suzana Amaral, em
debate realizado na Sala Olido em abril de 2010, após a exibição do filme, contou que
durante as filmagens teve de parar as cenas diversas vezes para que o palhaço pudesse
se recompor, pois demonstrava cansaço rapidamente. Nos dois exemplos, o registro é
rápido e executado com propósito cinematográfico. Ou seja, sujeito à linguagem do
meio. Além disso, Piolin, quando executava as entradas no picadeiro, não contava
somente com a sua atuação, ele sabia que para o riso desatar era preciso mais do que
isso. O ex-circense Francisco Rodrigues, o Chiquinho, por exemplo, aos 92 anos,
responde sem titubear o que diferenciava Piolin de outros palhaços: “Era a mímica. Ele
é um palhaço de mímica. Nasceu para aquilo. Tanto que até hoje não apareceu coisa
igual. Teve o Arrelia, mas era outro tipo de palhaço. Não era o Piolin. O Piolin jogava
74
Em 1972 o Museu de Arte de São Paulo, sob o comando do casal Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi,
decide fazer uma homenagem ao cinquentenário da Semana de Arte Moderna e decide montar o Circo
Piolin debaixo do vão livre do museu, na avenida Paulista. Francisco Honório Rodrigues é contratado
para montar o espetáculo, que traz Piolin no centro das atrações e faz temporada de três meses.
42
uma cartola no chão e ali ele tirava partido, ficava fazendo com a cartola tudo o que ele
queria e o povo morrendo de rir.”
Bolognesi destaca que a mímica do palhaço atua com a cumplicidade do público
para fazer despertar o riso, ou seja, é o ato de “tirar partido da situação”, apontado por
Chiquinho. Explica Bolognesi:
75
BOLOGNESI, Mário. Palhaços, Editora Unesp, São Paulo, 2003, pp. 13 e 14.
76
Seu irmão, Raul Pinto.
77
GOMES, Paulo Emílio Salles. Op. Cit..
78
Idem.
79
Ibidem.
43
deglute em sua voracidade constante, em sua ansiedade inata. Já o nariz, que na Idade
Média era fálico (Arrelia resgatou essa conformação), no excêntrico é achatado e
vermelho, resquício da história do Augusto, personagem teutônico rude e indelicado que
ganhou o apelido – no dialeto berlinense “pessoas em situação ridícula” – após cair de
cara no chão. Desajeitado, é a figura que monta o cavalo ao contrário, olhando para seu
rabo, imagem que carrega a ancestralidade dos antigos “charivaris”, costume rural de
punição de indivíduos que desrespeitam as normas da comunidade e que eram
submetidas a cortejos públicos de execração montadas desse jeito nos cavalos. Enfim,
os olhos expressam a subjetividade do olhar e são a única coisa sublime na máscara
grotesca.
80
BOLOGNESI, Mário. Op. cit., pp. 197 e 198.
44
contratou. Aí fiz um time do Piolin e um time do Torresmo. Levei
quarenta palhaços. (...) Então você via aquele monte de palhaços e
dizia: que diferença! Que coisa... por que será? A magia do negócio.
Você olhava... (...) Acho que o contraste dos olhos azuis dele. Sei lá,
não sei.
45
Os últimos elementos foram os que permaneceram em Piolin: chapéu, peruca,
além do colarinho. A personalidade de Chicharrão é um tanto malandra, esperta, embora
empreste ainda um ar de trapalhão, essencial ao Augusto. São as características
subjetivas que constroem o personagem e se expressam na sua máscara.
81
Folha da Noite, 1957, in DANTAS, Arruda. Piolin, Editora Pannartz, São Paulo, 1980, p. 123.
46
Para verificar as descrições da “voz gozada”82 feitas por Yan de Almeida Prado
nas crônicas de seu Circo de cavalinhos, é preciso recorrer aos também raros registros
de voz de Piolin. O mais antigo deles está nas duas faces de um disco 78 rpm gravado
em dezembro de 1929, com duas interessantes narrativas.83 O registro seguinte foi feito
mais de duas décadas depois, em 1952, quando participa do filme Tico-tico no fubá, que
conta a biografia romanceada de Zequinha de Abreu, autor do chorinho que dá nome ao
filme, sucesso internacional da voz de Carmen Miranda nos anos 1930. O último
registro foi feito mais duas décadas depois, em maio de 1971, na casa-camarim de
madeira do excêntrico, localizada na Freguesia do Ó, em São Paulo. Lá se reuniu a
Chicharrão e a Arrelia para dar um depoimento ao MIS.84 As análises propostas aqui
envolvem o tipo de humor empregado pelo palhaço e o uso da voz nesse processo,
considerando referências e influências. Por serem de três momentos distintos de sua
vida – 1929, 1952 e 1971 – o principal objetivo será identificar nesses registros
elementos que sejam reconhecíveis dentro de um discurso humorístico peculiar ao tipo
por ele criado.
As duas gravações registradas em 1929 pela Victor coincidem com o período em
que a indústria fonográfica tornou comum o registro de grandes cômicos brasileiros nos
discos 78 rpm. A principal concorrente da Victor, a Columbia, conquistaria sucesso de
vendas, apesar de seu descrédito inicial, com as gravações dos causos e chistes de
Cornélio Pires, no estilo caipira. A Parlophon, no mesmo ano, registrou o humor
italiano de Tom Bill, da mesma forma que a Columbia. Em dueto com Armando
Bertoni, produziram um humor que beira o radiofônico, apesar deste ainda estar em fase
de construção, pois o rádio se tornaria comercial em 1932, o que possibilitaria sua
rápida evolução. Nesses dois exemplos se têm as duas principais vertentes humorísticas
de São Paulo, a regional e a italiana, como aponta Elias Thomé Saliba85. O registro
deixado por Piolin não concorre com nenhum dos dois tipos característicos de humor.
Muito embora haja uma tradição de registro de palhaços em disco, especialmente as
primeiras gravações da Casa Edson, o registro de Piolin é bem singular.
82
Definição de Patrícia Galvão (Pagu) no jornal O Homem do Povo, de Oswald de Andrade, 7 de abril de
1931 in ANDRADE, Oswald de e GALVÃO, Patrícia, O Homem do Povo, Edição completa e fac-similar,
Imprensa Oficial do Estado S. A. Imesp/Divisão de Arquivo do Estado de São Paulo, São Paulo, 1984.
83
78 rpm, Victor, no. 33.242, dezembro de 1929. Acervo do Centro de Memória do Circo, São Paulo-SP.
84
Há ainda o documentário de Suzana Amaral, do mesmo ano, não considerado nesta análise por não
acrescentar novidade em relação à entrevista feita no mesmo ano.
85
SALIBA, Elias Thomé. Raízes do riso - A representação humorística na história brasileira: da Belle
Époque aos primeiros tempos do rádio, Companhia das Letras, São Paulo, 2002.
47
Similar aos monólogos gravados por Procópio Ferreira em 1928 e 1929 pela
Odeon (muitos deles de autoria de Olegário Mariano), embora este usasse a entonação
do ator teatral ou o da oratória romanesca ou a interpretação de diálogos, Piolin se
propõe a discorrer calmamente, usando o mesmo tom de voz, sobre acontecimentos
corriqueiros, embora a partir de uma lógica própria de palhaço. Em Um dia infeliz,
antecipa que irá narrar os acontecimentos que tornaram aquele “um dia desgraçadíssimo
desgraçado”. Mas mantém o tom durante toda a narrativa. Enumera alguns pequenos
absurdos, como presentear o sobrinho com “carabinas, espadinhas e um bonde”. Cria
expectativa ao revelar que o garoto engoliu uma moeda. Agrava-se o caso com os
quatro médicos que o socorrem. Mas mantém sempre o mesmo tom. Até o desfecho,
prolongado com uma nova história, rápida e brevemente encerrada, ele o faz sem alterar
os ânimos.
Nós todos temos um dia infeliz na vida. E hoje foi o meu dia. Imagina
que infelicidade tristíssima aconteceu comigo... Um homem quando é
desgraçado, anda mesmo sempre na desgraça. E hoje foi um dia
desgraçadíssimo desgraçado para mim. Imagine só que hoje foi o dia do
aniversário do meu sobrinho. Tão bonitinho, tão engraçadinho que ele é,
chama-se Cazuza. Fui eu que escolhi o nome. E como eu sou o padrinho
do garoto, fui convidado para um almoço colossal. Então eu comprei
uma porção de presentinhos para o pequeno. Comprei carabinas para
ele, comprei espingardinhas, comprei espadinhas, comprei até um
bonde pro pequeno. Ele ficou satisfeito e não queria saber de outra
coisa. E só brincando com aquilo tudo. Mas, de repente, deu na ideia do
garoto de querer chupar balas. No meio de tantos doces que ele tinha na
mesa, não faltava nada. Mas criança é sempre assim mesmo. O que que
havia de fazer? Eu fui, pra contentar o garotinho, peguei uma moeda de
um mil réis e dei para ele. Ih, ele ficou satisfeito! Me deu tantos abraços
e beijos... Ficou satisfeitíssimo! E saiu correndo para o meio da rua para
comprar balas e... sabe, criança, tudo que apanha, põe na boca! E não é
que o garoto pôs a moeda na boca, quando vai pular da calçada... au!
Engoliu a moeda! Que susto, meu Deus! Quando eu vi o garoto
engasgado, todo roxo, eu gritei por socorro! Mas gritei mesmo! Fiz um
barulho desgraçado, dei tiro, gritei, até que veio socorro por todas as
esquinas. Apareceu o Corpo de Bombeiro, apareceu a Polícia, apareceu
a Assistência, olha até carroça de lixo veio à minha porta. Então, os
médicos foram entrando pela casa adentro e viram o garoto naquele
estado e pegaram ele, puseram em cima da mesa e com uma porção de
ferramentas enfiaram aquilo tudo na garganta do pequeno. E nada de
poderem extrair a moeda de mil réis! Eu já estava meio maluco! Veja
que infelicidade! Eu saí correndo e fui até à Santa Casa. Peguei dois
médicos dos melhores que tinha lá e trouxe para a minha casa. E os dois
médicos que chegaram em casa ajudaram também os outros dois que já
estavam lá. E eram quatro médicos. Trabalharam, trabalharam, de toda
maneira. Pois não houve meio de extraírem a moeda da barriga do
pequeno! Veja a criança quantas artes não faz! O quanto são arteiros!
Com muito favor, só tiraram setecentos réis! E veja qual é a minha
48
infelicidade: quando foi à noite, outra desgraça! Eu estava com a minha
avó muito doente, muito doentinha... Foi quando recebi um telegrama às
nove horas da noite. E a minha família, coitada, para não me
assustarem, passaram o telegrama dessa maneira: “Piolin, a vovó está
passando muito mal. O enterro sai amanhã às dez horas.” Ora, só dei um
grito e desmaiei.
No outro lado do 78 rpm, ele se propõe a fazer uma reflexão sobre a anatomia
humana seguida de uma rápida avaliação sobre o Gênese bíblico. Nesta face do disco a
sua narrativa monocórdia é pontuada por algumas onomatopéias, como o assoar do
nariz, por exemplo. O humor chega a tender ao malicioso – ao grotesco – quando
assinala, sem dar sinal de malícia na voz, que, apesar de ter dois olhos na frente, “nós
não temos nem um olho atrás que enxergue!” Suas sugestões para “melhorar” a
anatomia, ditas com seriedade e sem o recurso de efeitos sonoros – prática que só
adviria com o rádio – beiram ao absurdo contrastante com a maneira como reflete sobre
o tema. Há pequenas nuanças na entonação, que somente varrem a vaga do texto, sem
alterar a corrente com que segue até o final da gravação.
Sim senhor! Pensando bem o que é esse mundo, é uma coisa esquisita.
Outro dia eu fiquei pensando como está feito o mundo. Eu fiquei dando
risada sozinho. Porque pensando bem é uma coisa engraçada que o
mundo ao mesmo tempo está muito malfeito. Ah! Imagina que nós os
homens... a começar por nós. Mas que coisa malfeita! Tantos
inconvenientes nós temos! Imagine nós, com dois olhos na frente! Pra
quê tantos olhos na frente? Pois que nós não temos nem um olho atrás
que enxergue! E só com dois olhos na frente estamos muito sujeitos a
traições tremendas! Mesmo um bonde, um automóvel trepa em cima da
gente sem a gente enxergar nada. Um tiro, uma paulada... É uma coisa
medonha! Se nós tivéssemos um olho atrás que enxergasse bem, podia
muito bem evitar todos esses inconvenientes. Olha, nós temos também o
nariz na altura da boca. Olha mas.. ih! Que coisa engraçada! Mas que
coisa bem feia! É bem feio, pensando bem, o nariz. Olha, veja só: a
gente está numa sala cheia de moças, numa visita de cerimônia, a gente
tem que tirar o lenço do bolso e levar ao nariz e... rrrrrrrrr! Que coisa
mais feia, meu Deus! Ás vezes uma senhorita qualquer dá uma risada e
nós ficamos tão encabulados! Ora, pois nós não podíamos ter o nariz
num outro lugar? Mais ou menos, assim, na altura dos...bolsos das
calças! Ora, seria uma coisa mais cômoda. Porque a gente pegava o
lenço, enfiava nos bolsos das calças sorrateiramente, assuava o nariz
sem ser visto. Seria muito mais bonito e mais agradável. A boca. Tem
coisa mais bonita numa moça do que seja a boca? Ah, quando a gente
vê uma senhorita com uma boca bonitinha... ah, nós ficamos malucos!
E, pensando bem, a boca tem certo inconveniente. Porque nós gostamos
de uma moça por causa da boca, as palavras que saem... tão maviosas,
tão amorosas, tão gostosas... e outros denguinhos... coisas mais... E
quando a gente, então, tem que falar com o pai dela para o negócio do
casamento... Quanta coisa feia a gente não ouve da boca do pai! Nossa
49
Senhora! E então? Ora... o mundo! Já no princípio já foi malfeito. Pois
dizem que Adão foi feito de barro. E chama-se Adão! É um erro. Se
Adão foi feito de barro, devia chamar Barroso e não Adão! De maneiras
que... a Eva foi feita da costela de Adão. Olha que perigo nós passamos
sem ter a mulher no mundo! Porque naquele momento que Deus
arrancou a costela de Adão e jogou no chão, ai... se na hora passa um
cachorro... pegava a costela, engolia, ficávamos nós sem mulher no
mundo!
50
Também fruto dos poetas românticos, a poesia macarrônica, que tanto sucesso
faria na imprensa da Belle Epoque paulistana88, já no século seguinte, quando os jornais
se apropriaram do sotaque das ruas em suas seções de cartas e, depois, em artigos e
crônicas, foi largamente empregada no humor circense, estendendo o recurso satírico
por quase um século. Piolin também foi propagador desse tipo de humor.
O recurso do discurso pantagruélico também é usado pelo palhaço em sua
participação no filme Tico-tico no fubá. A história se situa na interiorana Santa Rita do
Passa Quatro (SP), onde o músico Zequinha de Abreu passou a maior parte de sua vida,
mas vê a possibilidade de mudar o seu destino ao se apaixonar por Branca (nome de
uma de suas valsas), a amazona do circo que visita a cidade. O circo é o de Piolin, que
aparece no primeiro terço da película. Desde a aparição repentina do palhaço, ocupando
toda a tela com sua máscara, até o final do número que apresenta a música-tema –
Anselmo Duarte ao piano – Piolin ocupa pouco mais de seis minutos da película. Para
compreender o humor e o uso do recurso da sua voz, que ocupa menos tempo ainda do
filme – não chega a um minuto –, sua participação foi decupada e esquematizada:
Minutagem Ação
5’15’’ – 5’23’’ Surge Piolin, correndo, em direção à lente da câmera, e seu rosto preenche
a tela. Faz uma careta e solta uma gargalhada.
15’27’’ – 16’48’’ Encena a entrada “Idílio dos sabiás” juntamente com o clown Pinati
24’35’’ – 25’29’’ Após o espetáculo do circo ser interrompido pela chuva, Zequinha vai para
os bastidores agradecer Branca por ela ter feito seu número no cavalo com
a banda tocando música de sua autoria. Aparece Piolin apanhando um
pedaço de pão, logo após o mágico vaticinar: “Vai chover oito dias, oito
noites sem parar!” Sério, desdenhando o pão, afirma, num tom dramático:
“Pão e água. Comida de preso!” Apanha em seguida uma garrafa e brinca
com a trupe, batendo na cabeça de um ou outro. Sobe sobre uma cadeira e
inicia um discurso nonsense: “Meu amigos, saudemos a chuva. A chuva
que nos suja a roupa de lama, a chuva que inventou o guarda-chuva, o
defluxo, a tosse e as farmácias... A chuva, a única amiga dos artistas
porque interrompe o espetáculo! Que venha da grossa, porque da fina, o
patrão não gosta! A chuva parou...” Entra o mestre de pista e repete:
“Graças a Deus, a chuva parou!” Piolin abre o sorriso e pergunta:
“Amanhã tem espetáculo?” E todos respondem: “Tem, sim senhor!” Os
artistas apanham garrafas de cerveja para iniciar uma festa espontânea.
88
Ver JANOVITCH, Paula Ester. Preso por trocadilho – A imprensa da narrativa irreverente paulistana
(1900-1911). Alameda, São Paulo, 2006.
51
26’18’’ – 30’40’’ Piolin reaparece entre os artistas quando o mestre de pista começa a fazer
um discurso para saudar o compositor Zequinha de Abreu. Em seguida, O
mestre pede ao compositor que toque. Ao que ele responde: “Aqui não tem
piano...” Piolin intercede: “Como é que não tem piano? Nós somos as aves
canoras... Vem que eu vou te mostrar o meu pianinho.” Vai até o piano.
“Ele é de sete meses, mas soluça como um danadinho. Venha! Venha
tocar.” Enquanto Zequinha toca, Piolin dança com os artistas, até vestir um
boneco gigante para continuar dançando e avançando sobre os amigos ao
som de “Tico-tico no fubá”.
No rápido discurso que faz sobre a chuva o recurso é o mesmo utilizado nas duas
gravações: o humor nonsense, desta vez falado com a voz mais caracterizada – a
verdadeira voz de Piolin, não a do cômico Abelardo que fizera o registo em disco,
embora na entrevista que tenha concedido ao MIS ele pareça ter, enfim, incorporado a
voz do personagem – interpretando de forma solta e menos retórica. O discurso toma a
chuva por personagem, como se lhe atribuísse personalidade, em tom paródico. Atribui-
lhe, inclusive, responsabilidade pelos efeitos que causa no organismo humano (o
defluxo e a tosse), assim como os efeitos sociais (“da grossa, porque da fina o patrão
não gosta”). Faz o mesmo em relação ao piano, que “soluça como um danadinho”.
Trata-se de um humor mais burlesco, que promove um rebaixamento do tema: a chuva
que suja a roupa de lama. O que reforça o humor da cena é o vaticínio do mágico antes
do discurso, de que vai chover oito dias e oito noites, e o fim da fala com a confirmação
de que a “chuva parou”, o que torna toda a cena uma perfeita farsa circense.
Na entrevista mencionada no início deste capítulo para o jornal Folha da Manhã
de dezembro de 1928, os repórteres aguardam no camarim o término da função. Chega
Piolin maquiado, mas é retirando a máscara que ele concede a maior parte da entrevista.
A partir daí o depoimento enseja aos repórteres que esteja sendo dado por Abelardo
Pinto, pois o próprio entrevistado, apontando para as roupas jogadas no camarim,
garante que Piolin ali descansa também. A pergunta imediata é: “Vai falar sério?” Ao
que Piolin responde:
Uma seriedade à altura do caso. Antes, devo dizer-lhe que nesta minha
outra individualidade possuo inteligência clara, raciocínio, visão
analítica. Quando o palhaço sai de mim, recordo que li autores célebres
da filosofia, da sociologia, do materialismo, do reumatismo e até
mesmo os que escreveram ensinamentos domésticos para a cura da
hidrofobia e do reumatismo. Mais tarde eu procurei Beethoven, o gênio
da música; fiz orações ante a estatutária imortal dos gregos; fui italiano
no fascínio da pintura; beijei a creação do teatro no túmulo de
Shakespeare; mas ainda não tive ensejo de ver uma revista carioca. Li
em todos os idiomas, vesti os costumes de todos os países, senti com
52
todas as almas, tendo o sonho de Virgílio, o senso de Tácito, a justiça de
Salomão, a revolta de Cervantes... mas ainda não tive tempo de ler o
último número da ‘Maçã’, do Conselheiro XX...89
Mesmo quando ensaia uma certa “seriedade”, aqui travestida de eruditismo, pois
se trata de entrevista concedida a um repórter, portanto ocasião que exige tal recurso,
Piolin descamba para o discurso nonsense e grandiloquente, marca registrada do humor
“piolinesco”, adjetivo empregado na maioria dos anúncios circenses para divulgar as
suas comédias e farsas. Mais uma vez o tipo de humor é ancestral, remontando aos
festivais e carnavais da Idade Média e do Renascimento, dissecados por Mikhail
Bakhtin, ecoam o “pregão do charlatão de feira” a recitar “receitas paródicas”, abusando
de superlativos elogiosos e passando, num átimo, para a injúria. “A cultura da língua
vulgar era, em grande medida, a da palavra clamada em alta voz ao ar livre, na praça
pública e na rua”90, ressalta. É essa a linguagem empregada pelo bufão que se assume
rei durante os festivais de inversão dos papéis sociais. Da mesma forma, é essa
linguagem pantagruélica que constrói a imagem do agente da inversão, ou seja, o bufão
que se torna rei para ser destronado pelo povo, ritual de renovação que sintetiza o riso
dos períodos analisados por Bakhtin. Assim, por mais que esse “charlatão” se eleve às
raias do saber, haverá sempre um elemento do grotesco para trazê-lo de volta ao
corporal: ele lê autores célebres da filosofia, da sociologia, do materialismo e... do
reumatismo!
Os discursos mencionados acima revelam, portanto, uma gramática do grotesco,
que remonta há quatro séculos mas que, a partir da habilidade de construção da
personalidade humorística do palhaço, é alinhada aos recursos da contemporaneidade,
como o último número da “Maçã”, por exemplo, com a intenção exclusiva de criar
identificação por parte do espectador. Se forem considerados os tipos humorísticos do
mesmo período, como o caipira e o italiano, percebe-se de imediato que o elemento de
identificação é a própria linguagem, a prosódia do falar e do errar ao falar (recursos que,
abundantemente, são também empregados nas peças de circo-teatro). No caso de Piolin,
o elemento é menos espacial e mais temporal: alia o subjetivo a-histórico ao referencial
contemporâneo. De qualquer forma, funcionou tanto no disco quanto no cinema, na
narrativa ficcional quanto na reportagem testemunhal.
89
Folha da Manhã, 7 de dezembro de 1928.
90
BAKHTIN, Mikhail. A cultura na Idade Média e no Renascimento – O contexto de François Rabelais.
Hucitec, São Paulo, 2010, pp. 157 e 158.
53
Uma das marcas registradas vocais do palhaço, elevada por Paulo Emílio Salles
Gomes à epígrafe do artigo “Vontade de crônica sobre o Circo Piolim solidamente
armado à Praça Marechal Deodoro”, e que foi registrada em gravação, a pedido de
Oswald de Andrade Filho, no depoimento que Piolin deu ao MIS, é uma interjeição que
fazia a arquibancada de seu circo vir abaixo, qualquer que fosse a confusão que se
metesse nas suas encenações. Seu “iiiiiiiiii!!!”, quando grafado, pode não emprestar o
tom verdadeiro que o excêntrico dava em situações embaraçosas, pois, como exprimem
os entrevistadores e o próprio Piolin na gravação, ele mescla embaraço e desconfiança
com o desdobramento do problema encenado, uma expressão plenamente compatível
com a essência do grotesco, pois ao mesmo tempo que revela não um entrave que
racionalize a ação, mas que a torne menos coerente ainda, prepara o público para o
próximo chiste, a próxima gag. Certamente que, reproduzida a pedido, a interjeição não
guarda a espontaneidade da cena, nem é expressão que deriva de ação construída, como
é a do palhaço, mas ela sai em tom baixo. Mesmo assim, revela a intenção de quem
rodeia a cena e observa de soslaio, dando a senha para o riso da plateia.
54
debaixo da lona de Piolin. Depois conheceu outros circos, outros palhaços, e até se
tornou cômico, tendo atuado ao lado do comediante José Vasconcelos, na década de
1970. Ao tentar vocalizar a distinção de Piolin entre os demais palhaços que conheceu,
se atrapalha, levado pela emoção e pela nostalgia:
É isso. Aí é que tá... É difícil traduzir isso, né? Porque... acho que é a
alma. Sabe, eu até me emociono. Desculpa. Esse tipo de palhaço que
nem o Piolin, ele não era simplesmente um artista que... acho que ele
tinha a alma do circo. Quando ele via aquelas crianças, aquele público,
ele saía de si. Parece quase que uma... uma mudança interior assim da
pessoa, uma transformação. Ele realmente se transformava. Eu acho
que, como criança... Eu vi como criança, eu não vi o Piolin depois dos
meus 17, 18 anos. Eu vi o Piolin na idade de criança. Dos 8, 9 anos até
os 15, 16. Ou talvez menos que isso. Foi nesse período. Não sei se era
eu como criança que tinha uma visão diferente (...).91
91
Entrevista concedida para a pesquisa em 4 de maio de 2011.
92
ANDRADE, Mário de. Diário Nacional, 2 de agosto de 1931.
55
Por sintetizar essa contradição, parte de sua humanidade expandida pelo
exercício artístico, é que talvez tenha conseguido desatar o riso com tanta facilidade, e
que tenha sido entendido, seja intectualmente seja emocionalmente, por sua completude.
Uma completude forjada nas contradições. Como todo ser humano, toda sociedade, em
todo o seu contexto.
Após esmiuçar um pouco mais o sentido do riso e do humor, matéria do capítulo
seguinte, será analisado o período conformado pelo corpus da pesquisa, entre 1933 e
1960, quanto durou o Circo Piolin e a intensa encenação de circo-teatro. Por fim,
caminharemos por entre as poltronas do circo, identificando os rostos da plateia e
entendendo de que forma rir em sociedade afetou a rotina daquele cidadão simples.
56
2. O riso e o humor
Tendo rido Deus, nasceram os sete deuses que governam o mundo...
Quando ele gargalhou, fez-se a luz... Ele gargalhou pela segunda vez:
tudo era água. Na terceira gargalhada, apareceu Hermes;
na quarta a geração; na quinta, o destino; na sexta, o tempo.
Tratado alquímico de Leyde, século III93
Que sabemos das festas do antigo mundo grego? (...) Ora, nelas sempre
encontramos quatro elementos: uma reatualização dos mitos, que são
representados e imitados, dando-lhes eficácia; uma mascarada, que dá
lugar, sob diversos disfarces, a rituais mais ou menos codificados; uma
prática da inversão, na qual é necessário brincar de mundo ao contrário,
invertendo as hierarquias e as convenções sociais; e uma fase
exorbitada, em que o excesso, o transbordamento, a transgressão das
normas são a regra, terminando em caçoada e orgia, presididas por um
efêmero soberano que é castigado no fim da festa.94
O riso festivo tem sentido ritual, é um contato com o mundo divino, não se trata
de representação. Esta se dá a partir do riso da comédia. Na festa, o riso tem a função de
reforçar a regra, de recriar o mundo. Para isso utiliza-se da inversão: estabelece-se o
caos para que se recrie a ordem. Já a mascarada parece ter a função de propiciar um
exercício de alteridade: ser o outro. A festa dionisíaca faz surgir o cômico rude e
agressivo. É a primeira representação que, com o tempo, adquire leveza, sendo
93
Citado por MINOIS, George. História do riso e do escárnio. Editora Unesp, São Paulo, 2003, p. 21.
94
Idem, p. 30.
57
sintetizado a partir de Aristófanes, que mantém ainda os traços de rudeza da tradição
dionisíaca.
95
Idem, p.42.
96
Idem, p. 94.
97
Idem, p. 95.
98
Idem, p. 100.
58
escancarado não contamine o riso harmonioso. João Crisóstomo não titubeia em definir
o riso como a desforra do diabo, que usa do subterfúgio para dissipar o espírito divino.
Mesmo assim, os bufões atravessaram a Idade Média e alcançaram seu salvo-
conduto com as festas populares, entre elas o Carnaval, e na oralidade ficcional dos
camponeses, compositores de paródias, inclusive das obras religiosas. As festas dos
loucos e do asno nascem nos meios eclesiásticos e usam a inversão para reforçar o
aspecto grotesco do seu contrário. No caso da festa do asno, a paródia da liturgia
católica é minuciosa, ao passo que o bispo é substituído pelo animal para que puxe um
longo cortejo que sai às ruas, arrastando bufões. O riso é franqueado nos dias de
festividades, e o humor, geralmente grotesco. Bahktin o define como “riso coletivo”,
que gera um “realismo grotesco” em que os aspectos refinados da vida espiritual são
“rebaixados” ao seu substrato material e corporal.
99
Idem, p. 158.
100
BAKHTIN, Mikhail. Op. cit., p. 10.
59
Esta, enfim, é a festa da loucura, da paródia, do burlesco – que se refere à sátira
e à farsa – onde o riso promove a coesão social a partir da encenação do inverso, do
mundo às avessas. Ao mesmo tempo, seria o riso que dissipa o mal, este que estava em
toda parte em todo o decorrer da Idade Média. “O riso carnavalesco medieval
contempla, ao mesmo tempo, a ordem social e as exigências morais pela paródia e pela
derrisão, que demonstram, a um só tempo, o grotesco do mundo insensato e a
impotência do mal.”101
Além do riso, a linguagem popular, revestida de grosserias, insultos, juramentos,
discursos de charlatões, pregões públicos, vai impregnar as festas populares. Afinal, a
cultura popular do período tem sua sede na praça pública, expressando-se livremente
nos dias festivos, para se recolher no resto do ano litúrgico.
A praça pública era o ponto de convergência de tudo que não era oficial,
de certa forma gozava de um direito de ‘extraterritorialidade’ no mundo
da ordem e da ideologia oficiais, e o povo aí tinha sempre a última
palavra. Claro, esses aspectos só se revelavam inteiramente nos dias de
festa. Os períodos de feira, que coincidiam com esses últimos e
duravam habitualmente muito tempo, tinham uma importância
especial.102
101
MINOIS, Georges. Op. cit., p. 169.
102
BAKHTIN, Mikhail. Op. cit., p. 32.
103
Idem, p. 89.
60
que seria o bárbaro e o selvagem. Voltaire despreza-o, qualificando-o de filósofo
bêbado; o riso é pulverizado em gêneros contidos (ironia e sarcasmo) e seu sentido
transformador se aproxima da extinção. Enfim, o século XIX, o grotesco, sob o filtro do
Romantismo, adquire sentido moral e filosófico. Especialmente a partir de Victor Hugo,
que alinha Rabelais a Shakespeare, diferenciando a genialidade do primeiro, por ser
grotesca, daquela do bardo inglês, que prima pelo sublime, distinção feita no seu crucial
Prefácio à Cromwell. Para Hugo, o homem traz a serpente no ventre – centro da
topografia rabelaisiana – é seu intestino, que “tenta, trai e pune”. Na concepção do
realismo grotesco, como define Bahktin, o intestino é a síntese do alto e do baixo, pois
ao mesmo tempo que é o regato da vida, está ligado à morte, ao abate de animais; ao
mesmo tempo que guarda os alimentos, é onde eles são transformados em excrementos.
Bakhtin vê na interpretação de Hugo uma tradução filosófica para a força destruidora do
baixo corporal, desagregando-a.
A perda do sentido do grotesco por meio da leitura romântica é enfatizada por
Bhaktin:
104
Ibidem, p. 107.
61
há um estudo do mesmo fôlego dedicado à influência da cultura cômica popular
europeia na construção dos mecanismos de aculturação empregados nos processos
coloniais. Mas algumas pistas se sobressaem nos estudos dedicados ao carnaval, festa
marcante e popular do século XVI que encontra ressonância no processo de
colonização, em especial no caso brasileiro.
Importado de Portugal, o folguedo do Entrudo passou a ser “brincado” na
Colônia por colonizadores e escravos sempre no início da Quaresma. Sua filiação direta
das festas populares relatadas por Rabelais se evidencia nas descrições das batalhas de
líquidos e farinhados, no caso do entrudo popular, e até de urina e excrementos,
ingredientes do grotesco da Idade Média. Na versão familiar do entrudo, tais elementos
foram substituídos por comportados “limões de cheiro”, esferas de cera recheadas com
água perfumada, depois levadas para a rua.
Introduzido nos 1600105, rareou nas vilas até se tornar hábito a partir dos 1800.
Jean-Baptiste Debret (1768-1848) registrou, na aquarela Entrudo (1834), a guerra com
seringas d’água e farinhas, os limões de cheiro sendo servidos em bandejas, e animados
mascarados. O grupo retratado é de negros fantasiados de portugueses. Mas não só
negros participavam do Entrudo de rua. Também os senhores dividiam as brincadeiras,
embora em papéis diferentes aos dos negros: “O senhor atirando limões e laranjas-de-
cheiro, e o escravo carregando bandejas repletas de projéteis ou bilhas d’água”.106
105
O relato mais antigo é de 1593, que se refere a um evento ocorrido em 1553. Trata-se das
“Denunciações do Santo Ofício em Pernambuco”, em que consta a denúncia de Diogo Gonçalves do casal
Diogo Fernandes e Branca Dias, que moravam perto de Olinda e que teriam dado de comer a seus
trabalhadores “numa terça-feira de entrudo”, o que configurava transgressão às restrições alimentares da
Quaresma. A história do processo que condenou Branca Dias é a base da peça O santo inquérito, de Dias
Gomes (1966). In: FERREIRA, Felipe. O livro de ouro do carnaval brasileiro. Ediouro, Rio de Janeiro,
2004, p. 79.
106
SIMSON, Olga Rodrigues de Morais von. Carnaval em branco e negro – Carnaval popular
paulistano (1914-1988). Editora Unicamp/Edusp/Imprensa Oficial. São Paulo, 2007, p. 20.
62
A versão familiar, menos violenta, também incluía a molhação e a guerra de
laranjas, e se dava nas casas senhoriais dos centros urbanos dos 1800, o que revela uma
apropriação mais comportada do costume popular, como registrou em 1822, Augusto
Earle, também em aquarela, intitulada Folguedos durante o carnaval no Rio de Janeiro.
107
FERREIRA, Felipe. Op. cit., p. 114.
108
TINHORÃO, José Ramos. A imprensa carnavalesca no Brasil – Um panorama da linguagem cômica.
Hedra, São Paulo, 2000.
64
Os clubes carnavalescos surgidos na segunda metade do século XIX, dos quais
as Sumidades Carnavalescas foram os precursores, passariam, a partir de 1871 109, a
cultivar uma prática original: a publicação de jornais carnavalescos, onde exerciam um
tipo de linguagem cômica originária da Idade Média e do Renascimento, incluindo o
gênero do bestialógico ou pantagruélico, tão caro a Rabelais e que, naquela altura,
encontrava ressonância entre os autores românticos brasileiros, embora sem que sua
produção cômica tivesse sido publicada. O caso mais notório é o de Bernardo
Guimarães, autor do romance A escrava Isaura (1875). No período em que cursou a
Faculdade São Francisco, em São Paulo, participou da Sociedade Epicureia, que
funcionava na Chácara dos Ingleses, uma república estudantil situada na Rua da Glória,
onde moravam, além de Guimarães, Alvares Azevedo e Aureliano Lessa. A sociedade
passou a funcionar a partir de 1849 na também conhecida por “Casa de Satã”, sob forte
inspiração do poeta inglês Lord Byron, conforme registra José Armelin Guimarães, neto
de Bernardo em site dedicado ao autor.110 No mesmo ano em que publicou seu principal
romance, 1875, o autor editou também, clandestinamente, os poemas O elixir do Pajé e
A origem do mênstruo, obras hoje classificadas como “pornográficas”, mas que
guardam intensa ligação com a linguagem cômica grotesca, na acepção de Rabelais –
apontada por Bakhtin – e que inserem-se na prática romântica brasileira do bestialógico.
Em sua análise, Tinhorão aponta que o humor literário emerge também na Idade
Média, mais especificamente no século IX, quando um clérigo incluiu nos seus
comentários à Bíblia uma descrição paródica de uma ceia comungada por diversos
personagens bíblicos. O precedente foi levando outros clérigos a recorrerem ao mesmo
artifício, usando um humor bem próximo daquele empregado nas festas populares, o
que ensejava que estivesse ocorrendo um processo de contaminação: a linguagem da
praça pública havia varado as grossas paredes dos mosteiros. “É, pois, esse humor
contaminado pela chulice das graçolas populares que vai predominar nas paródias
surgidas a partir de então, aproveitando orações como o Padre-Nosso, o Credo e a Ave
Maria, e ainda temas sacros e litúrgicos (...) para, afinal, vir a configurar toda uma linha
literária de criações cômico-religiosas (...).”111 A prática se intensificou a partir do
século XI, quando encontrou entusiasmo nos padres goliardos, que introduzem a língua
109
Há um precursor, o jornal O limão de cheiro, de 1833. Tinhorão tem por registro o de Hélio Vianna,
feito em 1943, julgando que o pesquisador foi o último a terá acesso ao único número publicado, depois
dele não mais encontrada pelas gerações seguintes de pesquisadores.
110
Disponível em: <http://sites.google.com/site/sitedobg/Home/curiosidades/sociedade-epicureia-ou-a-
casa-de-sata->, consultado em 9 de junho de 2011.
111
TINHORÃO, José Ramos. Op. cit., pp. 24 e 25.
65
popular nos manuscritos em latim, inaugurando a escrita macarrônica, a que Rabelais
também recorre para inovar sua escrita. Ela alcançaria ainda o teatro de Gil Vicente, no
século XVI, num processo crescente de laicização, até despertar a curiosidade dos
autores românticos do século XIX. Ou seja, enquanto a herança das festas populares
chega sob o comando de Momo, a da linguagem popular apropriada pelos sacerdotes,
vem se expressar em poemas românticos que tratam da virilidade do pajé a ser resgatada
por elixires miraculosos e sobre uma orgia de entidades fantásticas, ambas criações de
Bernardo Guimarães.
Pois a retórica do palhaço não foge às duas vertentes: é pantagruélica assim
como as brincadeiras literárias dos estudantes da “Casa de Satã”, como é carnavalesca
na tradição trazida da Europa. Além disso, a tradição circense, embora importada do
continente europeu e aqui aculturada, sempre viu próximas as funções humorísticas do
palhaço e de Momo, tanto que muitas vezes ambos eram encarnados por um só
personagem. Como exemplo, Arrelia encarna o Momo em 1935, quando o circo estava
em Campinas-SP:
66
entre o tipo excêntrico e a sua herança cultural, que remonta há quatrocentos anos,
período que o separa da consagração da inversão pelas populações urbanas dos centros
europeus da Idade Média e do Renascimento.
Assim como o palhaço promove o encontro entre a linguagem popular tornada
literária – como foi visto no uso recorrente do discurso nonsense por Piolin – e o humor
grotesco, do qual é herdeiro; o carnaval, demonstra Tinhorão, encontrará uma peculiar
forma de promover semelhante imbricação: a imprensa carnavalesca, periódicos
publicados em nome das agremiações e clubes nos quais surgem os cordões de rua, que
se utilizam dos diversos gêneros literários para promover o humor grotesco originário
das festas populares.
No repertório de peças encenadas no Circo Piolin analisado para esta pesquisa,
uma comédia se destaca por lidar diretamente com a matéria-prima do humor grotesco.
Trata-se de Que rei sou eu?, cuja autoria é atribuída a Olindo Dias Corleto, ator circense
que atuou na trupe de Piolin, liberada sem restrições pelo DDP em agosto de 1946 para
encenação no Circo Piolin. O texto gerou muito sucesso de público, de modo que outros
palhaços a incluíram em seus repertórios, entre eles Picolino II (Roger Avanzi), que a
recebeu diretamente de Piolin, e Chororó (Humberto Militello), pai da atriz Vic
Militello. As indicações de elenco contidas na versão original são bem precisas:
112
A dramaturgia do palhaço será analisada no capítulo seguinte.
67
Alves, que se transformou num clássico carnavalesco. O coautor Valdemar, contam Jair
Severiano e Zuza Homem de Mello113, participava de grupos vocais, além de fazer
locução radiofônica, quando foi apresentado a Herivelto Martins, já consagrado pelo
sucesso do Trio de Ouro, onde cantava com a mulher, Dalva de Oliveira, e com
Francisco Sena. Ele acabou gostando de um samba que trazia os versos “que rei sou eu”
e “sem reinado e sem coroa”, e acabou usando-os num outro samba, composto
originalmente, dando parceria a Valdemar por ter sido dele a ideia do tema. A letra
ficou com os seguintes versos: “Que rei sou eu/Sem reinado e sem coroa/Sem castelo e
sem rainha/Afinal que rei sou eu?/O meu reinado/É pequeno e é restrito/Só mando no
meu distrito/Por que o rei de lá morreu”. Na segunda parte, desenvolve: “Não tenho
criado de libré/Carruagem nem mordomo/E ninguém beija meus pés!/Meu sangue
azul/Nada tem de realeza/O samba é minha nobreza/Afinal que rei sou eu?” Enfim, um
tema desenvolvido sob medida para o dilema do Rei Momo carnavalesco.
A comédia se desenrola num país e num tempo indefinidos e usa os principais
elementos da construção grotesca do palhaço na Idade Média e do Renascimento, isso a
partir do senso comum e da intuição criativa do seu autor (ou autores, se consideramos
o tipo de construção dramática circense, que envolve o livre improviso por parte do
palhaço). A ação se inicia com a preparação de um casamento de interesses entre a filha
do rei e o príncipe do Egito. O ministro surge como iminência parda e, ao mesmo
tempo, como indica o estereótipo, como aquele que decide à revelia do rei. Mas antes
deste se juntar à sua Corte – formada até ali pela princesa, o secretário, que mantém um
romance escondido com a mesma, um casal de marqueses e as damas – irrompe em
cena Piolin, aliás, no exato instante em que a dama recita um poema à princesa:
“Acabou-se a marmelada!”, é sua senha de entrada. A partir daí começa um gradual
processo de inversão que redundará, claro, na sua ocupação do trono do rei. “Sois
estranho para nós”, adverte o Marquês, sintetizando o elemento cênico que caracteriza o
palhaço, ou seja, a estranheza. Esta se estabelece imediatamente por meio de sua
linguagem, pois Piolin abusa da gíria ao insultar os subordinados imediatos do rei. “Eu
quero é falar com o dono dessa espelunca...”; ao olhar os guardas com armaduras:
“Alfaiate nessa terra, nerusca de agulha, hein? É só no martelo!”, sobre o alerta de que
os guardas não deveriam deixa-lo entrar no castelo: “Que culpa tenho eu que eles
comeram mosca?”; ou quando percebe que agrada alguns membros da Corte: “Será que
113
SEVERIANO, Jair e MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo – 85 anos de músicas brasileiras
– Vol. 1: 1901-1957. Editora 34, São Paulo, 1997, pp. 233 e 234.
68
a macacada me conhece?” Ele emprega, assim, a linguagem da praça pública, além de
agregar o fator contemporâneo, gerador do riso.
No confronto com o Ministro, que chega a chamar os carrascos para executar o
intruso, Piolin angaria a simpatia do secretário, que lhe conta do casamento da princesa
naquele dia. O ministro pede seus documentos. Do bolso Piolin tira os papéis: uma cota
de racionamento de açúcar (a peça é encenada em 1946); um talonário de jogo do bicho
(“Centena e milhar invertida do 1º. ao 5º. Prêmio a 20 centavos”). O ministro não gosta
e volta a ameaçar o estranho. Piolin não deixa para menos: “Vocês são muito atrasados!
Tão atrasados, que numa época como esta, em pleno século do progresso, ainda andam
fantasiados à moda carnavalesca.” Se por um lado ele causa estranheza, por outro,
adapta a realidade que não é sua a partir de sua perspectiva: se estão fantasiados, então
se vive no carnaval. A partir dessa sua lógica, tudo se torna facilmente ajustável.
Novos confrontos com o ministro aumentam a ameaça de execução, mesmo com
a interseção a favor do secretário. É quando surge o rei. Pergunta como o estranho
entrou no castelo e o próprio Piolin explica que os guardas não estavam em seus postos.
“Com certeza eles estavam ferrados num joguinho de pif-paf aí numa toca.” “Pif paf?!
Que é isso?”, pergunta o rei. “É um joguinho gozado. Não tem truque, só ladroeira.
Depois eu ensino pro senhor.”
Assim, Piolin vai ganhando a simpatia do “dono da espelunca”. Nessa
aproximação, o secretário e a princesa veem no visitante a possibilidade de cancelar o
casamento arranjado. Logo, o pretendente da filha do rei vai direto ao assunto e pede a
ajuda do palhaço. Em seguida, o rei pergunta o nome do estranho e, ante a resposta,
quer saber se em sua terra há “grandes feitos heroicos” atrelados ao nome. “Ah, sim! Lá
existem dois com esse nome que foram verdadeiros heróis! (...) Um jogador de futebol e
outro palhaço de circo...”114 Feita a apresentação oficial, Piolin fala em nome do povo
do reino:
114
Laurindo Furlani, jogador do São Paulo F. C., ajudou o time a ganhar os Campeonatos Paulista de
1943, 1945 e 1946, e era conhecido pelo apelido de Piolin.
69
O discurso de Piolin o coloca numa posição limítrofe: entre a
contemporaneidade da linguagem e o humor da inversão e da estranheza, fala em nome
do povo, uma entidade atemporal que, segundo sua defesa, parece ter a mesma condição
seja no tempo do rei, seja na atualidade. O rei discute com o ministro e acaba
demonstrando angústia pela responsabilidade do cargo. É a deixa para que Piolin
proponha a troca de papéis. “É só o senhor me dar carta branca por algumas horas. Eu
aposto a minha cabeça como resolvo o caso, sem aumento de imposto, sem casamento e
sem nada. Tá valendo?” O rei, claro, aceita, assumindo seu papel na inversão.
Ao sentar no trono, o palhaço se coloca imediatamente no dilema: “Que rei sou
eu?” O secretário, sob o novo comando, entra e lê um memorando, editado pelo novo –
e temporário – rei: “Devido ao grande miserê, ou seja, falta de gaita neste país, ficam
suspensos de suas funções, aqui no palácio, todos os que possuem cargos elevados,
cujos ordenados exorbitantes, muito prejudicam os cofres deste reino.” Com isso, o
ministro se vê desempregado.
O recém-chegado príncipe do Egito, ao perguntar à princesa sobre o casamento,
ouve dela que deve ter com o novo rei: “Não sei! Se ele for com a tua cara... muito
bem... Se não, o príncipe dá o piruncha e acabou-se a mamata”, diz, aderindo à inversão.
O rei surge vestido de Piolin. A inversão se generaliza. Até os soldados do rei entram
em cena brigando por causa do jogo de pif-paf. O clima carnavalesco vai contagiando a
todos em cena, inclusive o próprio príncipe do Egito que, conformando-se, agarra a
dama: “...vou misturar os trapos aqui mesmo”. O final do ato tem Piolin no comando do
apito e a banda executando o samba Que rei sou eu?, com o elenco rasgando a fantasia.
O que mais impressiona na construção da situação e sua súbita resolução, o que
é natural nas comédias de picadeiro, é como, de alguma forma, os elementos
estruturantes do discurso do humor grotesco se mantêm quatro séculos após terem sido
elaborados num cenário cultural completamente diverso. Mais ainda, como a autoria,
sem educação formal das regras estéticas, o que demandaria um conhecimento mais
complexo e elaborado, consegue engendrar esses elementos com a concisão requerida
pela comédia de picadeiro. E o palhaço, por sua vez, que fará sua leitura particular do
texto dramático, pois a ele é dada a opção do improviso que, na maior parte das vezes
interferirá não só na situação, mas na expectativa do público, tornará sua atuação
metalinguística, o que também é algo bastante peculiar no circo-teatro.
70
Encenação de Que rei sou eu?, em 1946, com Piolin ao trono e sua filha Ana Ariel,
como a princesa (à esquerda).
71
processos biológicos fundamentais do ser humano. É sua forma de promover o humor
universal, a um público que se propõe a rir coletivamente (o riso coletivo de Bakhtin).
Não deixando Saliba apenas como depositário de Pirandello, afinal ele se dedica
a compreender o humor da Belle Époque, período em que o circo também se torna um
gênero popular de entretenimento; ele conclui sua reflexão sobre o humor como forma
de representação histórica salientando que este se apoia também nas mediações sociais
e, especialmente, nos diálogos entre os vários circuitos culturais. O circo-teatro se
defronta com desafios similares. Gênero de representação que tem o hibridismo cultural
como método, se é que se pode assim definir algo que se constrói de forma orgânica e
irregular, ele promove diálogos constantes, negociações recorrentes. Piolin, que inicia
sua trajetória nesse período, e leva sua atuação para depois da metade do século, alia a
herança do humor grotesco com um afinado senso de contemporaneidade. Mas, para
que se compreenda esse processo na análise de suas peças de circo-teatro, será preciso
antes compreender a estrutura da dramaturgia do palhaço.
72
3. A dramaturgia do palhaço
3.1 Palhaçaria
115
BOLOGNESI, Mário. Op. cit., pp. 52 e 53.
73
3.1.1 A porta aberta
- Vou começar. Primeira pergunta, Picolino: por que o cachorro entra na igreja?
- Cachorro entra na igreja... Pra procurar comida dentro da igreja!
- Não. Tá errado. Comida na igreja?
- Ô Fusca! Por que o cachorro entra na igreja?
- Porque ele encontra a porta aberta. Bom, mas por que o cachorro sai da igreja?
- É outra pergunta? O cachorro sai da igreja porque ele entrou.
- Não. Tá errado. Não é isso. Porque ele encontrou a porta aberta.
- Outra vez? Tá me embrulhando, né? Porta aberta? Mas só dá porta aberta?
- Outra pergunta. Por que meu pai casou-se com a minha mãe?
- Porque encontrou a porta aberta!
Picolino (Roger Avanzi) e Fusca-Fusca (Williams Aris)
“Que entrada vamos levar hoje?” Assim começa a rotina do palhaço, minutos
antes de adentrar o picadeiro. Experiente, seu repertório de entradas cômicas – ou
reprises – é extenso, o que lhe permite decidir o que irá oferecer ao público ainda na
cortina de acesso ao picadeiro. Mais um passo e ele entra não só à cena, mas também no
mais profundo da alma do cômico. Ele entra incorporado do espírito cômico. Seu andar
muda, sua voz se distorce, sua máscara brilha. Ao deparar com seu clown ou seu escada,
tem início o diálogo que, à primeira vista, é tão despretensioso que a plateia demora
alguns segundos para entender que tudo já está acontecendo, pois por mais paradoxal
que possa parecer, palhaço não joga conversa fora, tudo faz parte da tessitura de uma
rede que, logo logo, irá apanhar a plateia para que, alguns segundos depois, ela possa
explodir em gargalhadas.
Assim como não joga conversa fora, palhaço não perde tempo, pois a entrada é
rápida e certeira. Não dura muito, mas o suficiente para fazer rir e para conquistar a
simpatia do espectador. E o mais importante: ele usa um tipo de humor que mexe
diretamente com aquilo que é mais humano no ser humano: as suas funções corporais,
aquilo que, a despeito da vergonha, desperta riso e reconhecimento imediato.
Trata-se de um tipo de humor que deleita o público desde os festivais populares
da Idade Média: o humor grotesco, que lida com os baixos corporais para fazer rir, mas
que guarda um sentido filosófico profundo: o de transformar e fazer renascer. Quando o
clown, mostrando o dedo indicador e o polegar na simulação de uma arma, diz ao
palhaço: “Você conta até três, vira e pum! Mata o inimigo”, ele responde com um chiste
74
do tipo: “Ah! Pum não mata! Quando muito deixa tonto!”. Ele está usando a
humanidade corporal para lembrar a todos que é possível rir da realidade e transformá-
la.
Ante essa prática quase sem estrutura cênica – isso se for analisada a partir do
que se conhece de séculos do teatro ocidental, desde a Grécia até as vanguardas do
século XX – percebe-se que a graça do palhaço se faz num processo quase que intuitivo:
escolha de repertório na boca de cena, diálogo e rapidez, desfecho e fim da piada. Algo
até pueril aos olhos do crítico ou do pesquisador teatral. Mas, definitivamente, não é o
que pensam os próprios palhaços.
Ouvi-los falar sobre seu próprio ofício foi um dos propósitos do Projeto “Entre
risos e lágrimas – O teatro no circo (da pantomima aos dramas) – Parte 1: Palhaçaria”.
Foram dois anos consecutivos – 2010 e 2011 – de encontros com os “mestres palhaços”
(nome usado durante as apresentações e ensaios, mas, na maior parte das vezes,
rejeitado pelos próprios palhaços) com alunos e palhaços aprendizes, tiveram por
objetivo não só resgatar as entradas cômicas mas garantir que elas fossem absorvidas
pela nova geração de palhaços. A iniciativa do Centro de Memória do Circo, vinculado
ao Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura da cidade
de São Paulo, em parceria com o Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Censura –
Arquivo Miroel Silveira, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo (ECA/USP) teve três objetivos principais: 1. Resgatar as entradas e reprises para
a formação de um Banco de Dados para atender as gerações futuras; 2. Promover o
debate acerca da dramaturgia circense; 3. Registrar a experiência passada para que crie
uma base referencial sobre a importância que o circo teve e tem na construção da
cultura regional e nacional. Não fosse a tradição oral, este conhecimento talvez estivesse
pulverizado em fragmentos esparsos, uma vez que perdura como prática dramática
graças à memória de gerações e gerações de circenses. A estrutura familiar que sustenta
as lonas de circo foi responsável por resguardar o repertório das entradas cômicas por
mais de um século. Como boa parte dessas famílias chegou ao Brasil entre as últimas
décadas do século XIX e as primeiras do século XX, muito dessas entradas sobreviveu
graças à experiência dos palhaços dessas companhias.
À medida que as cidades foram crescendo e o espaço dedicado aos circos foi
minguando a partir da ocupação demográfica e das novas prioridades dos
administradores, as companhias foram se desarticulando, buscando locais mais distantes
nas manchas urbanas para garantir público e conseguir levantar lona na praça seguinte.
75
Noutras vezes, obrigou circos a se fixarem nas áreas periféricas e suburbanas até que o
público se desinteressasse de vez e as condições de sobrevivência da companhia, que já
apresentava um espetáculo reduzido, se tornassem nulas. Com isso, o saber se perdeu,
descontinuou, pois as novas gerações buscaram novas profissões, muitas vezes por
orientação da própria família circense, que pressentia dias difíceis para o circo.
Restaram os palhaços que souberam conduzir sua atividade profissional com
habilidade e que guardaram oralmente os saberes da dramaturgia circense: Picolino II
(Roger Avanzi), Picoly (Benedito Sbano), Xuxu (Franco Alves Monteiro), Pururuca
(Brasil João Carlos Queirolo), Pepin (Raul Hernando Robayo) e Florcita (Maria Isidora
Duran Gutierrez), Romiseta (Agostinho Blask), Bacalhau (José Odair Casarin),
Condorito (Fernando Pontigo Silva) e Corchito (Sonia Fátima Beltrán Diaz), e Reco-
Reco (Francisco Paulivan Ferreira dos Santos). Enfim, foi do seu conjunto de vozes e
experiências que se fez, maior do que se pensava inicialmente, o projeto de
resgate/debate/registro das entradas cômicas e da palhaçaria. Foram eles que abriram as
portas para poder observar o cachorro que entra no templo da memória e volta, como
quem nada quer, para mostrar, da maneira mais simples possível, que rir é
profundamente humano.
3.1.2 O palhaço
Dentre outras coisas o palhaço é aquele que pode ter saído da mesa em que jantou,
se aparecer um prato de macarronada ele vai comer de novo, ainda que vomite.
Ele é um personagem que exprime, do ponto de vista cômico, a repressão.
Essa repressão se estende à sexualidade. Ele está sempre no cio.
76
Diferente do animal que tem sempre o seu período.
Mário Bolognesi
Figura central nos picadeiros brasileiros, o palhaço, nome genérico para pelo
menos dois personagens distintos – o clown, ou branco, luxuosamente vestido e sempre
arauto da ordem, em contraposição ao excêntrico, ou augusto, na maior parte com o
nariz vermelho e vestes exageradas – faz parte do espetáculo circense desde que o circo
moderno foi concebido na Inglaterra, em 1773. No Anfiteatro de Philip Astley, em
Londres, a atração cômica intercalava os números equestres, que preenchiam a maior
parte do tempo do espetáculo. Boa parte dos pesquisadores aponta o dançarino de corda
Fortunelly como um dos pioneiros na atividade cômica nas apresentações montadas da
arena de Astley. Já em Paris, quando Antonio Franconi se associa ao militar inglês, as
pantomimas são introduzidas nos espetáculos. “Esses primeiros cômicos restringiam-se
a reproduzir, às avessas, um determinado número circense, principalmente os de
montaria. Haveria necessidade de outras ingerências para a formação do clown. Dentre
essas, destacaram-se a pantomima inglesa e a Commedia dell’art”116.
O clown inglês tem origem numa espécie de fusão entre os personagens Pierrô e
Arlequim promovida pelo ator de teatro de variedades Joseph Grimaldi . Grotesto, cruel
e desumano, o clown de Grimaldi, que aparece na peça Mother Goose, de 1806, logo foi
copiado por outros artistas, indo parar no picadeiro dos circos, na figura do cavaleiro
desajeitado. Com o tempo as características dúbias acabaram dividindo os clowns em
duas classes: os de cena, que passariam a atuar nos hipodramas adotados por Astley
(melodramas montados), e os excêntricos, que distraíam o público nos intervalos dos
números de habilidade.
No início do século XX o clown foi aperfeiçoado pelo francês George Foottit,
que criou o tipo “enfarinhado”, com o rosto branco do Pierrô, enquanto passou a ter
“boa educação, refletida na fineza dos gestos, e elegância nos trajes e nos movimentos”.
A sua contrapartida cênica foi personificada pelo cubano Chocolat. A partir daí a dupla
firmou a formação clássica dos palhaços circenses: o clown e o excêntrico, sendo que a
tensão dramática na interação dos dois reside no embate entre a correção insistente do
primeiro e a atitude divergente do segundo. O excêntrico é sempre o cômico, o que
fecha a piada a partir dos argumentos do seu “escada”. “É o bobo da dupla, o que
116
Depoimento prestado durante o evento Diálogos, ocorrido dentro da programação do projeto “Entre
risos e lágrimas: o teatro no circo (da pantomima aos dramas) - Palhaçaria”, em outubro de 2010,
coordenado por este pesquisador.
77
apanha sempre, o eterno perdedor, o ingênuo de boa-fé com que o público se identifica
e que acaba superando o clown, fazendo triunfar a pureza sobre a malícia, o bem sobre o
mal, a justiça sobre a opressão”, destaca Bolognesi.
O cavalheiro desengonçado do circo de Astley passou, em 1869, a ser conhecido
pelo nome de “augusto”, termo do dialeto de Berlim (Alemanha) usado para designar
pessoas que se encontram em situação ridícula. A principal característica do augusto é o
nariz vermelho, e ele se apresenta sempre de modo desajeitado e rude.
Assim perfaz-se a dupla. O clown, sempre elegante, na maior parte das vezes
hábil músico, seja portando violão, como Benjamim de Oliveira e Dudu das Neves,
conhecidos palhaços-menestréis brasileiros, que cantavam paródias e canções de duplo
sentido, seja empunhando o pistom, como Alcebíades Pereira, o mais luxuoso dos
clowns nacionais. E o excêntrico, maltrapilho e desengonçado, vestido sempre com
roupas e sapatos maiores que seu número.
Com o tempo, afirma Bolognesi, o branco foi desaparecendo do picadeiro. Sua
contraparte, muitas vezes sem qualquer caracterização, foi mantida para garantir o
diálogo cômico, de modo que ele fosse sempre o “escada” do primeiro. Como nos
outros subgêneros da comédia, o escada desempenha o papel de apoio para a construção
das piadas, o que não reduz em nada a sua performance, pois esta requer técnica e
talento tanto quanto a situação cômica exige do excêntrico. Como afirma Pururuca
(Brasil João Carlos Queirolo), que por 35 anos atuou, de cara limpa, como escada do
pai, Torresmo: “Para você ser um bom palhaço, o escada tem que ser melhor que o
palhaço. Porque se o escada não souber dar a deixa certinha para o palhaço, o palhaço se
perde todinho. Se ele não der as palavras certas, corretas, na hora certa, perde a graça,
pois o palhaço não tem o que repetir”117. Aroldo Casali, o palhaço Charles, usa da
própria metáfora da escada para definir: “O palhaço precisa sempre do escada. Por que?
Se o escada é ruim, ele desce. Se o escada é bom, o palhaço sobe”.118
O processo do diálogo entre clown e excêntrico é a essência de uma entrada
cômica, mesmo que esta precise de outros personagens para ser encenada. É a partir
desse diálogo que a situação se desenrolará e a piada será desencadeada, sempre
lançando mão de um humor próprio, muitas vezes ingênuo para esconder um toque de
picardia, outras vezes intencional para ocultar um propósito pueril. Na maior parte das
117
Depoimento dado durante os encontros entre palhaços mestres e palhaços aprendizes do Projeto “Entre
risos e lágrimas: o teatro no circo (da pantomima aos dramas) - Palhaçaria”, realizados em outubro de
2010 e coordenado por este pesquisador.
118
Idem.
78
vezes o humor do palhaço é essencialmente físico, o que exige preparo daquele que
executa as entradas. Mas não é tudo. Há uma característica própria que diferencia a
dramaturgia do palhaço das outras dramaturgias, e esta vem desde antes da concepção
do circo moderno, por Astley , que é a interação com o público. Não há como envolver
esse público na situação cômica, se não se conquistar a sua cumplicidade. Para isso
exige-se que o palhaço busque trazer a assistência para a situação encenada. Aponta o
ator e palhaço Domingos Montagner, do grupo teatral La Mínima:
(...) uma coisa muito importante é essa cumplicidade que você tem que
ter com a plateia, de combinar o jogo que você vai fazer. Todo mundo
tem que entender como é o jogo (...). Acho muito semelhante com uma
coisa de criança. Porque a criança brinca com muita verdade. Acho que
o palhaço tem muita semelhança com isso. Ele conta a verdade, mas
deixa claro para a plateia que é brincadeira.119
119
Ibidem.
79
com a operação, lá surgiam os chamados tonys. O Tony de soirée é “aquele palhaço do
nariz vermelho que entra em três, quatro situações do espetáculo”, explica Bolognesi.
Ele não tem o seu número montado. Esse tipo de palhaço se apropria o
máximo possível de todo o repertório e a cada momento, a cada dia, ele
apresenta algo diferenciado. (...) ele nem sempre tem um outro palhaço
para entrar no picadeiro. Às vezes é ele e o apresentador, ele e uma
outra pessoa que não está caracterizada de palhaço. Às vezes é ele
sozinho. Se o circo pegar fogo, põe o palhaço no picadeiro. (...) em
geral, ele deve saber fazer um pouco de tudo. Ele deve saber saltar (...)
deve saber coisas de magia, deve minimamente equilibra-se num arame,
subir num trapézio...
120
Ibidem.
80
Historicamente houve um período, entre o final do século XVIII e além da
primeira metade do século XIX, em que o uso da palavra pelos artistas foi vedado
oficialmente na França e na Inglaterra, onde o teatro moderno se desenvolveu. No circo,
os palhaços foram os alvos preferenciais. Para que a atração fosse mantida entre os
números de habilidade e destreza, os palhaços passaram a atuar usando a pantomima –
teatro gestual – representando temas ligados ao universo circense, mas sempre fazendo
o número às avessas. Essa modalidade, muito parecida com a entrada, recebe o nome de
“reprise”: exatamente por reprisar o número que acabou de ser mostrado, mas sob uma
lógica transversa, comum ao modo de ver do palhaço.
A estrutura humorística da reprise está diretamente ligada às performances de
palhaços e bufões da Idade Média e do Renascimento durante as festas populares
urbanas, em especial o Carnaval. O período carnavalesco envolve o império do
contrário. Herdeiro das festas dionisíacas, no carnaval se rompem as convenções sociais
e as hierarquias. É quando se estabelece o caos a partir de rompimentos
comportamentais e o riso se torna grotesco, pois os aspectos refinados da vida espiritual
são rebaixados. Georges Minois, em sua História do riso e do escárnio, aponta: “(...) o
cômico popular vai espojar-se no ‘baixo’: a absorção do alimento, a excreção, o
acasalamento, o parto na sujeira, os odores e os ruídos ligados ao ventre e ao baixo-
ventre, todas as funções que rebaixam mas, por outro lado, regeneram”.121 Ele se apoia
em Mikhail Bahktin, que estudou a fundo as festas populares daquele período e que
defende o riso carnavalesco como “patrimônio do povo”, pois se trata de um riso geral e
universal. É esse humor de que se valeu o palhaço nos últimos séculos – e se vale até
hoje. A reprise, portanto, é uma espécie de leitura do universo do circo a partir da lente
do contrário.
Tanto a entrada quanto a reprise – esta última denominação acabou
prevalecendo no Brasil para designar toda encenação de palhaço, inclusive a entrada –
são criadas para serem encenadas, não há veleidade literária em quem as concebeu.
Tanto que a descrição da cena e dos diálogos, para efeito de registro, não despertam
riso, pois a leitura dissociada da encenação, ao contrário do que ocorre com uma obra
teatral – em essência também uma obra literária, seja trágica, cômica ou dramática –,
resulta numa experiência insossa. Afinal, a entrada escrita é um roteiro enxuto, um
“mapa de situações”, como define Bolognesi. O palhaço, ao tomar contato com esses
121
MINOIS, George. Op. cit., p. 158.
81
roteiros, em geral transmitidos oralmente, irá, na sua trajetória circense, experimentá-
los. Tanto que quem não pertence ao universo circense, acaba tendo dificuldades em
compreender a dramaticidade de uma entrada. “A primeira resposta a essa dificuldade é
dizer que a dramaturgia não presta. É o contrário. Essa dramaturgia está aí há mais de
200 anos. Testada, experimentada em tudo quanto é lugar desse mundo. (...) Será que
essa dramaturgia não funciona? Geralmente é o inverso. Sem muitas papas na língua, eu
falo: ‘me desculpe, é você que não está conseguindo fazer’”, analisa Bolognesi.
82
aberta, ela é uma obra aberta, cuja construção depende dessa personagem chamada
palhaço, que é interpretada por um ator”, defende Bolognesi. E, nesse ponto, ele
introduz um elemento essencial para que o palhaço seja um bom palhaço. “Ou seja, a
sua eficácia está justamente na interpretação e que prevê, necessariamente, uma coisa
difícil de monte, que se chama triangulação, que é representar com o público e para o
público.” O palhaço deve estabelecer o jogo com a plateia, de modo que ela,
intuitivamente, compreenda que aquilo é uma brincadeira da qual ele quer que todos
participem. Nesse sentido, ele consegue liberar a sua capacidade de improvisação para
criar situações dentro da situação estabelecida pela entrada. Aí ele passa a criar
conexões entre o roteiro, o improviso e a plateia que, no exato instante em que a
situação se desenrola, podem servir de apoio para a introdução de criações de momento.
Claro que isso exige do palhaço/ator um campo de visão bem amplo, do qual o teatro
convencional praticamente prescinde. Valendo-se disso, ele pode criar pequenos chistes
que irão ampliar a cumplicidade da plateia com aquela situação encenada.
“Ele conta a verdade, mas deixa claro para a plateia que é brincadeira. Então é
uma coisa meio paradoxal, que é um pouco difícil de entender, mas que, com o tempo,
você fazendo, acaba entendendo o que significa”, explica Montagner, do La Mínima,
que, em 2008, criou o espetáculo Reprise, elaborado após pesquisa no universo da
palhaçaria. O grande desafio nesse processo é escapar ao tom farsesco, comum na
comicidade de palco. Ao contrário, o palhaço não pode deixar a plateia entender que
ele, dentro da situação da entrada, vê aquilo como uma mentira. Como testemunha Raul
Hernando Robayo, o palhaço Pepin, “o palhaço não pode inventar, mas evoluir, inventar
em cima da reprise. Mas tem que saber onde coloca essa evolução, essa mudança. Saber
o momento certo. Senão o espectador pode não entender”122.
Uma metáfora que se aproxima muito desse processo vem da música. Aroldo
Casali define: “Entrada é como jazz. O tema central é esse, cada um improvisa dentro
do acorde do momento. É a mesma coisa. Ele pode improvisar o que quiser. O palhaço é
um ser imprevisível”.
Dentro do processo de interpretação da entrada, o palhaço/ator deverá ter ainda a
habilidade de se apropriar de uma dramaturgia tradicional, muitas vezes reconhecida
pela própria plateia – e muitas vezes ela já teve a oportunidade de ver uma entrada
122
Depoimento dado durante os encontros entre palhaços mestres e palhaços aprendizes do Projeto “Entre
risos e lágrimas: o teatro no circo (da pantomima aos dramas) - Palhaçaria”, realizados em outubro de
2010 e coordenado por este pesquisador.
83
clássica na interpretação de outros palhaços e está disposta a rir novamente com uma
nova leitura da mesma situação –, ao mesmo tempo em que imprime na sua
interpretação a sua marca pessoal, sem descaracterizar o seu tipo de palhaço. É como
conta o palhaço Xuxu: “Eu uso o meu estilo. O outro palhaço vai usar o estilo dele. Eu
conheço vários palhaços que não fazem da minha maneira. Eu acho que da minha
maneira eu agrado. Mas isso quem fala não sou eu, é o público”.
Muitas vezes a entrada não se adéqua ao tipo desenvolvido pelo palhaço. Não se
trata de inabilidade, mas de incompatibilidade cômica com a entrada. Recorrendo
também à metáfora musical, Montagner afirma:
Ela está lá. Agora, como ela serve pra mim? É como a música. Como o
intérprete dá a sua cara para a música? Às vezes uma música não serve
pra você. Tem entrada que não serve pra você. Aquilo não tem a ver
com a sua comicidade, com o teu tipo físico. A comunicação do palhaço
é muito visual. Tem que ter a ver aquele personagem que você escolheu.
O pessoal tem que acreditar.
84
ensina assim: ‘Você vai, conta até dois e olha pra cá; mas não olha no um ou no três,
porque aí não tem graça, tem que ser no dois’”, lembra Montagner. É esse o ritmo da
entrada: há tempo para falar e responder, que não é o normal, mas mais acelerado, e há,
nesse processo, o domínio do elemento surpresa para que a piada seja desfechada na
hora certa. “Você nunca pode deixar de lado o fator surpresa. A partir do momento que
você deu uma pequena dica para a plateia de qual vai ser a piada, aí você tem grande
possibilidade de perder a piada. Você pode até rir, mas não vai funcionar mais”, afirma
o ator do La Mínima.
Outro elemento da dramaticidade do palhaço é a sua relação com os objetos
cenográficos. No picadeiro não há cenografia e a situação a ser desenrolada numa
entrada é tão trivial que ela dispensa tal requinte cênico. No entanto, muitas delas
acabam requerendo “aparelhos”, ou seja, objetos para, em geral, corroborar a
inabilidade do excêntrico com o problema que se apresenta na cena. Bolognesi destaca:
123
COSTA, Eliene Benício Amâncio. Saltimbancos Urbanos: a influência do circo na renovação cênica
do teatro brasileiro nas décadas de 1980 e 1990, tese de doutorado apresentada à Escola de Comunicações
e Artes da Universidade de São Paulo em 1999.
124
Movimento surgido no final do milênio que junta as técnicas tradicionais circenses e outras linguagens
artísticas, como a dança e as artes cênicas. É importante salientar que essa distinção tem força maior no
circo europeu e norte-americano, onde a mistura de linguagens no decorrer do século XX não se deu com
a mesma disposição e intensidade como ocorreu no circo brasileiro. O circo-teatro talvez tenha sido o
resultado mais bem acabado dessa mistura, que envolve não só os dois gêneros expressos no termo, mas
também a música. A referência mais direta do chamado “novo circo” é a experiência bem-sucedida do
canadense Cirque du Soleil, também um circo globalizado, com artistas de várias nacionalidades atuando
sob um tema definido.
85
alunos das escolas de teatro e de circo: o palhaço é um artista masculino ou sua
performance comporta uma leitura comum de dois gêneros?
Palhaças e clownesses sempre existiram, embora não tão fartamente a ponto de
ganharem reconhecimento não só dos circenses como das artes cênicas em geral. Mas a
memória dos velhos circos guarda nomes importantes, como recorda a atriz Vic
Militello: “A dona Arethuzza Neves foi a primeira palhaça no Brasil. Ela tinha a pele
morena e desenhava um palhaço lindo... Foi palhaça, como qualquer palhaço. Só que
ninguém apresentava ela como uma palhaça mulher. Ela era palhaço, só. O que
importava era se tinha talento pra fazer aquilo”. A se basear nesse depoimento, supõem-
se que, apesar de existirem palhaças, elas desempenhavam sempre o papel masculino.
Mas isso era sinal de preconceito com o exercício cênico da mulher? Ao que parece não.
“O circo é menos preconceituoso nesse sentido, de mulher fazer papel do homem,
porque as donas de circo eram mais mulheres do que homens”, defende Vic. Ela própria
atuou como palhaça no Pavilhão Chororó, de seu pai, Humberto Militello. Da mesma
forma, Maria Isidora Duran Gutiérrez, a Florcita, parceira de Pepin (na vida e no
picadeiro), é enfática ao afirmar: “Nunca senti preconceito. Me sentia normal. Nunca
me discriminaram”.
A questão parece ser mais complexa e não envolve o preconceito, mas a moral.
Sinaliza Bolognesi:
125
Idem nota 117.
86
mulher. Isso é muito legal na história do palhaço. Por isso as crianças
dão tanta risada com o palhaço. Porque na verdade ela está vendo ali o
pai, o professor, a professora, do ponto de vista que ela vê, ela é
pequena e vê aquilo grande, aquela pessoa grande, exagerada, porque
pra ela é aquilo. Por isso agrada tanto a criança. Ele faz uma sátira que a
criança também faz na sua inocência.
A proliferação de palhaças nos cursos de teatro e de circo, por sua vez, está
provendo um repertório novo de entradas e de performances que têm os tipos do
excêntrico e do clown (ou escada) como base. A própria dinâmica do circo não impede
que os tipos, que há mais de duzentos anos são senhores do picadeiro, se petrifique e
permaneça o mesmo. Como aponta Bolognesi:
Os próprios palhaços acham difícil abrir mão desse recurso tão característico do
seu tipo. Xuxu, por exemplo, acredita que “tem que ter um pouquinho de pimenta senão
não vai...”; assim como Pepin: “O palhaço tem de maliciar aqui, lá. Ter alguma
picardia”. O humor grotesco, lembra Bolognesi, teve origem num mito grego que atribui
a uma deusa a missão de restaurar o riso para que o mundo voltasse a ser fértil e a vida
pudesse prosseguir. Perséfone, deusa da fertilidade, cai em tristeza profunda e cabe à
serva Baubo, uma ex-deusa, restaurar a ordem a partir do riso. A solução para o
problema, similar às encontradas pelos palhaços para concluir suas entradas, não só
envolve a habilidade de fazer rir, como também a grande metáfora da fertilidade, que é
o poder feminino de conceber a vida: Baubo, grávida, levanta a saia e suas formas
exageradas exibem um rosto gigantesco em que “a vagina é uma boca, o umbigo o
nariz, e os seios os olhos”, conta Bolognesi.
87
seu humor grotesco. Entretanto o gênero comédia no circo-teatro pode ser distinguido,
apresentando ao menos três subgêneros:
Combinado – Peça sem texto escrito, sem autor, encenada por quase todos os palhaços,
em que a situação é dada e a cena se desenvolve com um pouco de improviso, mas
obedecendo a um roteiro convencionado entre os atores.
Embora a comédia de costumes tenha se tornado, aos olhos das trupes de circo-
teatro, na “alta comédia”, que na definição do teatro clássico se trata de gênero que tem
no desmascaramento de personagens representativos de ameaças sociais – como em
Molière, por exemplo – ela desponta como uma expressão que surge tardiamente no
circo-teatro.
Antes de tratar especificamente da comédia de picadeiro é interessante notar o
papel de proto-comédia exercido pelo combinado. Sua estrutura é bem peculiar e em
geral difere da mais comumente reconhecida comédia de picadeiro. Assim,
analisaremos primeiro sua estrutura e depois a comédia assumirá como objeto de fato
dessa fase da pesquisa.
3.2.1 O combinado
A dedução que leva à conclusão de que o combinado é uma entrada estendida se
dá porque muitas vezes a situação remete ao repertório de entradas ou faz referências
bem claras a elas. O nome combinado é dado pelos próprios circenses por ser uma
encenação que não é baseada em texto, mas na tradição oral. Muitas vezes são
88
chamadas também de chanchadas, termo amplo, que também é usado para se referir às
comédias propriamente ditas. Essas peças curtas não têm autoria e são encenadas
mediante livres adaptações, muitas vezes com o nome do palhaço no título. São peças
antigas, muitas ainda do período em que as pantomimas dominavam os picadeiros,126 e
que trazem temáticas ligadas ao período entre séculos. Conta o palhaço Biribinha
(Teófanes Antônio Leite da Silveira)127:
126
As encenações sem o uso da fala foram trazidas pelas companhias europeias e predominaram nos
circos até a década de 1910, quando o circo-teatro se firmou como principal expressão cênica circense.
127
Testemunho dado durante o evento “Diálogo: O palhaço no circo-teatro”, ocorrido no Centro de
Memória do Circo em parceria com a ECA/USP em 28 de novembro de 2011, que contou também com a
presença dos palhaços Picoly (Benedito Sbano) e Picolino (Roger Avanzi).
89
que não é mais o amigo quem ouve suas histórias. Disfarça, se retira, vira de costas e vai
saindo de fininho da cena, como se acreditasse ser somente uma visão. Ao dar meia
volta não vê mais o caveirão, que o seguiu em todo o trajeto e, portanto, se encontra às
suas costas. Vendo-se sozinho, volta a contar vantagens até que, virando-se mais uma
vez, dá de cara com o monstro. Grita e sai correndo. Ou seja, o grande recurso da
entrada é o adiamento do susto, mesmo ante os apelos da assistência que grita e aponta
o caveirão.
No combinado, também chamado O esqueleto, esse recurso é levado ao extremo.
O velho decide contratar um guarda-livros e a filha indica o namorado oculto. Este é
admitido mas o criado (o excêntrico) percebe a situação e conta ao velho, que expulsa o
namorado da casa. Nesse instante, este roga uma maldição, dizendo que dali por diante
aquela casa será mal-assombrada. É a senha que usa para a plateia saber que é ele quem
apronta truques diversos para que coisas estranhas aconteçam na casa: velas apagam,
objetos se movem, o tampo da mesa desaparece. O velho acaba matando o rapaz
acidentalmente e este retorna, desta vez como assombração de fato, ou seja, como o
caveirão (ou o esqueleto). Daí por diante a situação do susto adiado é estendida ao
máximo, terminando com a costumeira correria de todo o elenco.
O ritmo da encenação dos combinados, assim como das entradas, é ligeiramente
acelerado, o que empresta um sentido de urgência que contribui para prolongar o efeito
do susto retardado. O esqueleto geralmente é apresentada nas matinês, para um público
eminentemente infantil.
Outra peça clássica no estilo de combinado é O morto que não morreu. A versão
que se encontra no Arquivo Miroel Silveira é creditada a Anchyses Pinto, o Faísca,
irmão de Piolin. A história começa com um morto na sala e, à sua volta, a mulher, que
acaba de se tornar viúva, seu amante e um médico, que atesta a morte do defunto. Está
armada a situação, pois os amantes tramam ficar com o dinheiro do morto. Mas eis que
surge o criado, o próprio Faísca, que faz a intermediação com a funerária para que se
enterre o morto. E não é que o morto se levanta com uma baita ressaca? Acorda e
percebe o golpe. Decide continuar morto, assumindo a farsa. Ouve a trama dos amantes,
revela-se a Faísca e, ao fim, desmascara a trama, expulsando todos de casa.
Uma estrutura dramática tão simples e previsível, com a característica de que usa
de um dos temas recorrentes dos combinados: a morte. É comum o recurso de se criar
graça a partir de temas temidos, ou seja, fazer rir com aquilo que se teme. Como se o
riso fosse um antídoto para as angústias humanas naquela virada de século. Georges
90
Bataille escreve: “só o humor responde todas as vezes à questão suprema sobre a vida
humana”.128 Assim, ele se torna uma espécie de defesa coletiva.
Outro combinado clássico aparece com diversos nomes: Doutor Franz, Doutor
Redondo, Doutor Mão Santa ou, ainda Morres ou não? Mais uma vez a cena se abre
com dois carregadores trazendo um morto para as pesquisas de um médico. O assistente
recebe-o e, em poucos minutos este desperta, revelando-se um antigo amigo.
Conversando com o assistente se entusiasma com a profissão de médico e decide
atender os pacientes que vão chegando. O primeiro é um moço com dores de estômago.
Depois entra uma senhora enfastiada. Por fim entra um louco que reconhece nos dois
em cena seu pai e sua mãe. Por estar armado, submete a dupla às suas ameaças, mas os
dois conseguem desarmá-lo e fazê-lo desmaiar. Só que chega o verdadeiro médico, que
assume seu posto, tendo dois defuntos à sua disposição: o louco e o palhaço. A peça se
encerra com novo confronto com o louco e o médico descobrindo que não tem mais
defuntos para suas pesquisas. Com um enredo um pouco menos simplista, tem estrutura
similar à entrada por encadear personagens que a princípio caem na farsa até que o
farsante é desmascarado por levar a sério demais a sua farsa. Nos dois exemplos a morte
é o tema da situação, o enredo é econômico, lembra muito a estrutura da entrada e,
principalmente, há clara contaminação do gênero teatral, especialmente pela farsa e pela
presença dos tipos fixos. Por isso o combinado tem o caráter de proto-comédia, ou seja,
começa a formalizar o que será mais tarde a comédia de picadeiro. Esta, por sua vez,
fixa a presença dos tipos e o recurso da farsa.
3.2.2 A comédia
A tradição cômica popular teria sido inaugurada, segundo Vilma Arêas, por
Martins Pena, que formaliza a comédia de costumes numa época em que prevaleciam os
entremezes importados de Portugal.
Estes eram pequenas peças como um ato variado, com piadas, músicas,
dança e uma linha de ação, com todos esses desvios, meio descosida. Os
enredos se baseavam na comédia nova: dificuldades de amantes para se
casarem, opondo-se aos velhos e ajudados por criados espertos. Mas
também utilizavam-se do teatro popular de improvisação, com suas
máscaras ou tipos fixos.129
128
MINOIS, George. Op. cit., p. 558.
129
ARÊAS, Vilma. Iniciação à comédia. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1990, p. 83.
91
São essas as características dramáticas da comédia de picadeiro que, juntamente
com o melodrama e o drama sacro, formam os três gêneros fundadores dessa expressão
cênica popular, o circo-teatro. Obviamente que ele, com seu hibridismo característico,
promove a mistura desses gêneros de modo a serem identificados elementos de um e
outro na expressão de cada um deles. Mesmo um drama com temática grave, com cenas
de violência e movido por vinganças e ódios, terá seu momento de comédia, o que pode
ocorrer até no drama sacro.
Há um entrecho comum às comédias de picadeiro: pai e mãe preparam o
casamento da filha. Em geral há irmãos ou irmãs, além de um personagem externo à
família, que está prestes a chegar e que geralmente é um pretendente a quem a filha
ama, embora se prepare para casar com outro. Não há vilões ou cínicos, como nos
melodramas circenses. No máximo pode haver um parente aproveitador. Há sempre a
criada, pronta para fazer graça com os patrões (personagem, aliás, emblemático na
dramaturgia brasileira, merecedora de um estudo mais aprofundado). No circo-teatro é o
papel da baixa cômica. Ao seu lado poder atuar o excêntrico (alto cômico), que também
pode ser o pretendente, um parente que chega sem avisar, ou alguém de fora que vem
para revolucionar a rotina da casa. Se o pretendente da mocinha tem um amigo, ele pode
acabar com a criada ou com uma irmã mais nova da ingênua. Há, na maior parte das
vezes, troca de papéis, de identidades. Há também sempre simulações para se tirar
proveito da situação. Aquele que quer se aproveitar é sempre desmascarado no final. No
caso do personagem do excêntrico, este pode sair na melhor ou ter tudo perdido ao final,
pois ele é o coringa e o que vale é subverter a ordem com sua lógica atravessada.
O papel de criado desempenhado pelo excêntrico traz ainda traços da
personalidade do bobo, tão caro ao melodrama clássico. Ao analisar esse personagem
secundário, Ivete Huppes destaca: “(...) o falar tosco, os modos frequentemente
atrapalhados, os ardis canhestros etc., fazem dele um aliado simpático, mas não raro
inconveniente pelos desastres que é capaz de protagonizar”.130 Enfim, sua persona é,
nesse ponto, bem similar à do excêntrico: “Ela [a personagem] está longe de
compreender ou talvez de concordar com a necessidade de repressão dos impulsos por
que o comportamento cortesão é pautado.”131 Assim, sua ação impulsiva não mede os
efeitos: pode tanto contribuir para o bom desenlace como apenas desatar situações cujas
consequências serão as mais desastrosas.
130
HUPPES, Ivete. Melodrama. O gênero e sua permanência. Ateliê Editorial, Cotia, 2000, p.87.
131
Idem, p. 90.
92
Se no melodrama a sua graça é para desfazer a tensão da perseguição do cínico
aos ingênuos (galã e mocinha), na comédia este personagem assume a direção da ação,
pois depende de seu estranhamento a chave da trama, acabando ele bem ou mal, pois
não existe a necessidade de a virtude triunfar, como ocorre no melodrama. Aliás, na
comédia, o palhaço, ao entrar em cena, rouba o fio da história de modo a colocar os
demais personagens gravitando ao seu redor.
O papel de desatar ações desastrosas acaba, assim, ficando a cargo do baixo
cômico, enquanto o alto cômico age para construir, a partir de sua lógica própria, a
solução da ação, por mais absurda que seja. Como aponta Chumbinho:
O alto cômico usa sempre a pintura, pois tem que ser identificado como o
elemento principal da comédia. Em geral o baixo cômico é desempenhado pelo dupla do
excêntrico (clown ou não). E, muitas vezes, há confronto direto entre os dois, assim
como ocorre na entrada.
A estrutura fixa de tipos e o desempenho do palhaço, muito similar à forma com
que atua na entrada – improvisação sem sair do tema, aqui empregando mais uma vez a
metáfora musical – é que dá a sensação de um repertório repetitivo, como assinalou
Miroel Silveira em sua análise. De fato, a mera leitura – deslocada da encenação –
esvazia a qualidade da comédia de picadeiro, que depende muito da performance do
palhaço, que dela extrai o exercício do humor grotesco e contemporâneo.
A tirar pelo depoimento do ator e diretor José Miziara, dado à Revista Zingu,
publicação virtual, o fazer da comédia de Piolin se apoiava mais fortemente nessa
estrutura de tipos fixos do que no texto propriamente dito:
93
Pinto. Dá um pulo no Circo Piolin”. (...) Aí eu fui trabalhar no circo, era
uma peça por semana. “Me dá o script”, pedi. “Não tem script”. “Como
não tem script?! Não dão a peça para a gente decorar?”. “Não, quer ver
como é?” O ponto sentava aqui, só ele tinha a peça. Dizia: “Entra pela
2”. É aquela marcação antiga de teatro, a 1, a 2, a 3, o proscênio, vai
para o fundo… Aí comecei a fazer uma peça por semana. Ela começava
com 40 minutos, quando estreava na terça, e quando chegava no sábado,
já estava com 1h15 – de tanto que as pessoas colocavam caco em cima.
Tem uma passagem muita engraçada com o Piolin. Era uma peça em
que tinha que roubar algumas cartas de uma atriz portuguesa, que
trabalhava lá junto com a gente. Eu tinha que fingir ser noivo dela e o
Piolin em cena colocou um caco lá: “Você sabe quantos anos ela tem?”
Eu tinha que dizer “Não, não sei”, e ele dizia “30”. Aí eu, babaca, sem
experiência, disse “Em cada perna?”. Ao que ele respondeu: “Quem é o
palhaço aqui, eu ou você?”132
É importante ponderar que essa postura de Piolin não o alinha com os grandes
atores de seu período, como Leopoldo Fróes, por exemplo, cuja companhia era montada
para apoiá-lo como estrela de suas encenações, de modo que muitas vezes ele nem se
atinha ao texto, função reservada somente aos demais atores, enquanto ele usava sua
atuação para desenvolver improvisos que caracterizassem sua atuação. Ao contrário, a
disciplina de Piolin ao dirigir os atores era diametralmente oposta à sua capacidade de
improvisar no picadeiro. Conta Chumbinho:
132
Disponível em <http://www.revistazingu.net/2011/01/entrevista-jose-miziara>, consultado em 15 de
novembro de 2011.
94
conforme aponta Vilma Arêas, foi o tipo de comicidade que manteve a vitalidade dada
inicialmente por Martins Pena. A história teatral anterior ao século XX mostra uma
alternância de surtos criativos que não conseguem inaugurar uma tradição dramática.
Entre um e outro arroubo, “voltamos ao início, à comediazinha de costumes, a exemplo
de Martins Pena”.133 Este promoveu a evolução dos entremezes a partir da leitura de
Molière, de modo que essa tradição da comédia irá avançar em França Júnior e Artur
Azevedo. Muito embora Décio de Almeida Prado acredite que “nem [Joaquim Manuel
de] Macedo nem França Junior foram muito além do que traçara Martins Pena, com
maior carga de inventividade”.134 Mesmo com a enxurrada do teatro musicado no Rio
de Janeiro no final do século XIX e início do XX, a comédia foi resgatada pelo Teatro
Trianon como resposta para desenvolver um espetáculo “de família”. Iniciado por
Leopoldo Fróes em 1915, o Trianon tomou outros rumos no ano seguinte, recebendo
diversas companhias com seus repertórios próprios de comédias, com características
similares: leveza, rapidez, e enredo envolvendo amores proibidos, ascensão social,
acertos escusos, diálogos carregados de ironia. Daí para o picadeiro foi um pulo. Mas
antes passava por certo ajuste, como descreve o palhaço Picolino II (Roger Avanzi):
133
ARÊAS, Vilma. Op. cit., p. 84.
134
PRADO, Décio de Almeida. História concisa do teatro brasileiro, Edusp, São Paulo, 1999, p. 138.
95
Portanto, como testemunha o excêntrico, o texto é mais elaborado, pois provém
de um repertório autoral e consagrado, mas o trato do texto segue a tradição circense, ou
seja, adapta-se, improvisa-se, recria-se.
A temporada cumprida por Piolin no Teatro Boa Vista em 1931, na companhia
de Tom Bill, algumas dessas comédias de costumes foram incluídas no repertório, com
muito sucesso de público, conforme indica a cobertura jornalística da época: O
simpático Jeremias e O café do Felisberto (ambas de Gastão Tojeiro) e Aventuras de
um rapaz feio (Paulo Magalhães).
Muitas dessas peças acabaram se tornando clássicas no repertório de circo-
teatro, a ponto de, muitas vezes, serem confundidas com a comédia de picadeiro –
devido às apropriações e improvisações – e serem listadas pelos circenses como
inevitáveis numa temporada: Feia, de Paulo Magalhães; Maria Cachucha, de Joracy
Camargo, e Feitiço, de Oduvaldo Vianna, além das já mencionadas por Picolino.
Definido o gênero, os capítulos seguinte se dedicarão a analisar o repertório de
Abelardo Pinto Piolin nas fases de sua carreira: no Circo Alcebíades, especialmente
quando propõe, apoiado pelos intelectuais modernistas, um texto renovado, Do Brasil
ao Far-West; na temporada no Teatro Boa Vista em 1931; e, enfim, num estudo mais
aprofundado, as comédias encenadas entre 1933 e 1960 no Circo Piolin.
96
4. Piolin em cena
135
BOSI, Ecléa. Op. cit., p. 374. Uma das fontes da pesquisadora se lembrava bem do tempo em que o
circo foi referência no largo do Paissandu, mas confundiu Piolin como sendo da família Queirolo. Os seis
irmãos Queirolo eram: Ricardo, Alcides, José Carlos (Chicharrão), Julian (Harris), Otelo (Chic Chic) e
Francisco. Adquiriram a lona do Circo Spinelli em 1917 e, em 1923, estrearam em São Paulo.
97
reunir. Ao se instalar na avenida São João, em janeiro de 1925 o anúncio indica: circo
“ao qual voltou o apreciado cômico Chicharrão”.136 A trupe de palhaços da companhia,
além dos três irmãos Chic Chic, Harris e Chicharrão, é reforçada com Tampinha,
Pololito, Lapena e Perrys. A farsa final que caracterizou o espetáculo na fase com Piolin
também é mantida, estreando na ocasião a peça Instituto Electrotherapico.
O repertório de peças encenadas por Piolin no Queirolo naqueles dois anos de
sucesso de público incluiu diversas farsas clássicas. Muitas delas permanecerão por
anos em suas apresentações, entre elas O morto que não morreu e O casamento de um
cadáver, ambas testemunhadas e mencionadas por Yan de Almeida Prado em seus
artigos reunidos no livro Circo de Cavalinhos. Aliás, o intelectual, que também fala da
farsa O pugilista, ressalta que naqueles anos 1920 dois barracões faziam a alegria do
povo paulistano: o dos Queirolo e o de Alcebíades. Curiosamente, a certa altura, eram
quase vizinhos. A princípio o Queirolo ocupava o Largo do Paissandu; quando deixou o
local foi para a Avenida São João. Em seu lugar, instalou-se, em 16 de novembro de
1925, o Circo Alcebíades.
Naquele ano a fama do trio de palhaços Chicharrão, Harris e Piolin (então entre
o Queirolo e o Alcebíades) era tanta que, para ajudar a arrecadar fundos para a
Federação Circense mandaram imprimir cartões postais com fotos impressas – tanto
caracterizados como sem a máscara – para serem vendidos aos fãs. O interessante é que
as fotos de Piolin apareceram sob a inscrição: “O cômico preferido da elite paulista”.
A inovação de Piolin na sua passagem pelo Circo Queirolo foi a fixação do seu
tipo, fazendo frente ao grande palhaço do período, que era Chicharrão. Mário de
Andrade nota que o palhaço faz grande inovação na dramaturgia circense ao estrear a
farsa Do Brasil ao Far-West. Registra uma complexa análise na revista modernista
Terra Roxa e Outras Terras sob o pseudônimo Pau d´Alho em fevereiro de 1926 – a
temporada de Piolin no Queirolo se encerra em novembro de 1925. Portanto, a análise
do intelectual modernista se refere a uma encenação feita já no Circo Alcebíades. No
texto Mário diz: “A última peça representada por Piolin, mestre do Cômico, é sem
dúvida uma das mais interessantes obras dramáticas dos últimos tempos brasileiros”137.
Embora não haja controvérsia com relação ao fato de ter sido apresentada no
Alcebíades, há reminiscências registradas por Ankito, sobrinho de Piolin, filho de
136
Folha da Noite, 29 de janeiro de 1924.
137
ANDRADE, Mário. Do Brasil ao Far-West, Mário de Andrade (Pau d´alho), Terra Roxa e outras
terras, 27 de fevereiro de 1926, Ano I, no. 3.
98
Anchyses Pinto, o palhaço Faísca, que datam a estreia no Circo Queirolo: “Era a estreia
do drama Do Brasil ao Faroeste. Anchizes representava o mocinho e Zina, a mocinha.
Chicharrão, um dos Queirolos, vestiu o menino, agora com 4 anos, de caubói e o
colocou em cena. Imaginem a surpresa e a emoção dos pais ao verem o menino em
cena, todo imponente. A surpresa foi geral.”138
Há várias incongruências nessa informação. Ankito nasceu em 26 de novembro
de 1924. Se o fato se deu quando tinha quatro anos, ele ocorreu entre 1928 e 1929,
portanto quando Piolin não fazia mais parte da trupe dos Queirolo. Se a peça estreou em
1926, o que parece mais provável, então foi antes das lembranças do adorável Ankito.
Desmontada a lona dos Queirolo, no mesmo mês e no mesmo local se ergue o
Circo Alcebíades, que estreia em 16 de novembro de 1925. Pouco mais de um mês
depois, a companhia programa uma função dedicada à imprensa, sob o pretexto de que
se estaria inaugurando a lona impermeável do circo. Em 23 de dezembro, publica a
Folha da Noite:
No artigo de Mário, ele defende um primitivismo genuíno que, a seu ver, está
presente na pantomima e na revista, cujos autores “criam por isso sem leis nem
tradições importadas, criam movidos pelas necessidades artísticas do momento e do
gênero, pelo interesse de agradar e pelas determinações inconscientes da própria
personalidade.”140 Assim, nascem da “lógica do absurdo”, guarda-chuva que abriga
tanto Piolin quanto os Nibelungos ou Dom Quixote. Essa lógica é exercida pelo cômico
“antirealista e agradável”, tal e qual Piolin. A partir daí Mário começa a desenhar uma
teoria da sub-literatura:
138
PINTO, Denise Casais Lima. Ankito, minha vida... meus humores. Funarte, Rio de Janeiro, 2008, p.
24.
139
Folha da Noite, 23 de dezembro de 1925.
140
ANDRADE, Mário. Op. cit..
99
Porém a substância sub-literária da pantomima de Piolin tem um
condimento principal inda mais importante que ela e que a sublima e
estetiza. No fundo obras tais como a Divina Comédia, as peças de
Moliére ou o primeiro Fausto são sub-literatura, pois que os caracteres
psicológicos têm unidade moral absoluta e se pratica a justiça
premiando os bons e castigando os maus. Porém a concepção elevada, a
simbologia universal, a validade artística e a realização sublime
destroem, ou melhor subtilizam o fundo sub-literário dessas obras
primas. Fundo em última análise inexistente, pois que despercebido ou
esquecido.141
141
Idem.
142
Ibidem.
100
comédia de situação. A grande inovação é a apropriação que Piolin faz do gênero
cinematográfico no segundo ato, “a mistura saborosa do elemento nacional e do
estrangeiro”, como pontua Mário.
A cena irrompe o segundo ato num saloon repleto de tipos durões, como os
bandidos Jack e Carter, que discutem que destino darão a Cleonice. Sabem da herança e
forjam papéis para que Carter se case com ela e tenha o dinheiro. Mais bandidos entram:
Crigton, Jim e William. Até que chega Piolin maldizendo o cavalo e topando com os
durões, que treinam a pontaria estilhaçando garrafas. No confronto final, abandonam-se
as armas (“Aqui briga-se a mão limpa”) e a situação é resolvida na briga aberta em
pleno picadeiro, onde sobra tempo até para que, entre socos, Piolin e Cleonice se casem.
A interferência de um elemento menos nacional e mais grotesco, no internacional
contemporâneo – e há aí uma temporalidade estranha, pois não se trata do tempo do far-
west, mas o tempo do faroeste de cinema, que é o presente – é que faz a graça da peça.
Sua “invenção estupenda”, como define Mário, se dá, pela primeira vez e pelas
condições que a matriz cultural circense proporciona, na hibridização de um gênero
teatral predominantemente circense, que é a farsa, com o discurso do cinema naquilo
que ele tem de mais específico em seu estrangeirismo, que é a saga dos homens sem lei
no Oeste americano. É nisso que Piolin, usando a pantomima que lhe é peculiar e que o
torna reconhecível, atravessa a cena estranha, usando seu próprio estranhamento para
interpretá-la. Há sim o elemento nacional, mas o que o caracteriza é o grotesco de seu
humor de palhaço.
Essa mise-en-scène não envolvia somente Piolin, mas todo o elenco, que se via
na missão de encarnar os tipos de cinema com verossimilhança suficiente para garantir
o riso da plateia. Continuando a descrição biográfica de Ankito sobre sua participação
na peça aos quatro anos, ainda com o apelido de Tito:
143
PINTO, Denise Casais Lima. Op. cit., p. 24.
101
Mário de Andrade escreve sobre Piolin em 1926, ano em que os modernistas o
descobrem no Circo Alcebíades por indicação do poeta franco-suíço Blaise Cendrars.
Não é o primeiro a escrever sobre o palhaço, “rei do passo do urubu malandro e príncipe
da pagodeira”, na definição de Alcântara Machado, que teria se antecipado e levado a
sério a indicação de Cendrars, inclusive escrevendo sobre o excêntrico na mesma Terra
Roxa e Outras Terras. A consagração de Piolin parece atingir seu ápice – entre os
intelectuais modernistas talvez este ocorra somente em 27 de março de 1929, quando
promovem o Banquete Antropofágico em homenagem ao palhaço no salão de chá do
Mappin Stores – com circenses e, principalmente, o público enaltecendo suas
performances e reconhecendo suas criações cênicas. O Boletim Mensal da Federação
Circense, em seu número 24, de 30 de abril de 1927, na seção “O que dizem de nós”,
reproduz um artigo assinado por Brasil Gerson e publicado no Diário da Noite (14 de
abril de 1927). Ele contesta um jornal de imigrantes italianos por empregar, de forma
pejorativa, o nome “Piolin” para se referir ao diretor Arthur Trippa, de outro jornal
concorrente, o Piccolo. Na defesa do excêntrico, Brasil Gerson salienta:
144
Boletim Mensal da Federação Circense, no. 24, 30 de abril de 1927.
102
do Calvário.145 Um repertório clássico de combinados e comédias consagrado por
diversos circos e que Piolin continuaria encenado nos anos seguintes em pelo menos
duas ocasiões: na temporada que cumpriu no Teatro Boa Vista, em 1931, confirmando
boatos que já circulavam naquele 1929, e no Circo Piolin, que fundaria em 1933 com o
apoio do pai, Galdino Pinto.
O ano de 1928 parece fazer ecoar o nome de Piolin pela cidade, especialmente
na imprensa. Três exemplos de referência. Logo no início do ano, a Folha da Noite
publica artigo que critica a atuação da Câmara com a frase: “Está triunfante o estilo
esculhambativo!” O autor acusa o colegiado de perder a compostura, de modo que
passará a promover espetáculos humorísticos: “...impor-se à consideração pública pelo
processo Chicharrão, Tony, Piolin e outros ilustres representantes das massas
populares”.
Em junho, Antonio P. Nunes escreve no mesmo jornal sobre os anistiados do
levante de 1924 e afirma que os defensores da anistia se vestem com figurinos que “não
se ajustam a eles, usando às vezes um colarinho que mais parece o do Piolin”. E, em
dezembro, publica uma crônica sobre um suicida que deixou bilhete mas desapareceu
em vez de se matar. Um desfecho que, segundo o cronista compara-se a uma cena
protagonizada por Charles Chaplin, ou “uma pachuchada do Piolin”.
Logo em seguida, em dezembro, é que se publica a reportagem na seção Ribaltas
e Projecções, já mencionada e analisada. Nela, os repórteres se referem ao palhaço
como um “homem rico”, condição atribuída ao seu sucesso no picadeiro.
O fim da temporada do Circo Alcebíades no Paissandu, em dezembro de 1929,
leva Piolin ao novo endereço, na avenida São João, nº. 102, que já abrigara o Circo
Irmãos Queirolo146.
Um incêndio consome a lona em 1931, quando já não tinha mais Piolin no cartaz
e se dedicava a sediar lutas de boxes, jiu-jitsu, luta livre, etc., além das comédias da
Companhia de Revista e Burletas Teatro Popular, que tem como atração os atores Otília
Amorim e Juvenal Fontes e estreia com a revista São Paulo Futuro, de Danton Vampré.
A edição de 29 de setembro de 1931 da Folha da Noite noticia:
145
Assinala o anúncio publicado em 26 de março de 1929 no jornal O Estado de S. Paulo: “É a primazia
inarrebatável do elenco alcibiano: guarda-roupa a rigor, música própria, tudo de acordo com a época.
Personagens: Jesus Cristo, Julio Ozon; Virgem, D. Esther Pereira; Judas, Rubens Mira; Pilatos,
Alcebíades; Caifás, Nicolau; Anaz, Julio Ribeiro; (...) Madelena, Ondina Pereira; (...) São João, C.
Seyssel (...)” Toda a trupe participava da montagem, à exceção de Piolin.
146
Lá permaneceu de novembro de 1925 a setembro de 1926, quando então se transfere à avenida Duque
de Caxias.
103
Incendiou-se o pavilhão do Circo Alcebíades
Cerca de 14 horas de hoje, foi dado o alarme para o Quartel Central do
Bombeiro, de um incêndio na avenida São João.
Imediatamente correu ao local a guarnição de prontidão, com o
respectivo material.
Ali chegando, foi verificado que o Circo Alcebíades, antigo Queirolo,
estava sendo devorado pelo fogo. (...)
O fogo, segundo parece, foi originado por uma ponta de cigarro aceso,
que alguma pessoa ou vizinhança atirou sobre o pano.
O circo não estava no seguro, não se sabendo por enquanto em quanto
montam os prejuízos causados pelo fogo.
104
- Não há entendimento algum. Nem o meu prezado amigo Oduvaldo,
sobre tal assumpto me fez selente. O que há de positivo, é uma antiga
conversa que eu e elle tivemos antes da formação da companhia de
Sainetes Abigail-Roulien. Depois, nada mais. Entretanto, não pode ser
absurdo que um dia eu me decida ir para a comédia, uma vez que meus
interesses não soffram arranhão.
Você compreende: esta é minha profissão. Portanto tenho que viver
disto, que me garantir nisto, quer esteja a garantia na modéstia de um
picadeiro, ou no velludo-bocca d’opera de um palco.147
147
Folha da Manhã, Ribaltas e Projecções, 24 de fevereiro de 1929.
148
O Estado de S. Paulo, 15 de abril de 1931.
149
Arruda Dantas conta em seu livro (op. cit., p. 134) que o palhaço já havia sido convidado a atuar num
palco, em 1926, quando conheceu Marinetti em São Paulo, tendo declinado do convite. A tumultuada
passagem por São Paulo do autor do Manifesto Futurista (1909), com as vaias preenchendo as sessões de
palestras deixa pouca margem para a veracidade do convite. Apresentou-se por duas vezes no Cassino
Antarctica, próximo do Lardo do Paissandu e foi recebido pelos modernistas. Mas já havia um ranço de
passadismo nas propostas de Marinetti. Em vez de estender sua estadia, abreviou-a, antecipando sua ida a
Buenos Aires.
105
em São Paulo. Em 1912, com a construção do Viaduto Boa Vista, o Teatro Santana150
foi demolido. Para ocupar essa lacuna, foi erigido o Boa Vista, com projeto de Giulio
Micheli. O teatro contava com 350 lugares na plateia, 22 frisas, 24 camarotes e 4 filas
de balcão, com 70 lugares.151 Inaugurado com o vaudeville Mulheres nervosas, de Blum
e Toche, encenado por Leopoldo Fróes e Apolônia Pinto, o teatro se tornou o templo da
comédia popular. Por lá passou a Companhia Arruda, de Abílio Menezes e Sebastião
Arruda, que estreou temporada em agosto de 1917 e que se estendeu até março de 1919.
Atribui-se a Sebastião Arruda, com seu tipo caipira, o grande formador de público de
um teatro nacional-regionalista, na acepção dada por Miroel Silveira, que qualifica seu
personagem como “epígono caboclo”152. A grande marca da temporada foi conseguir
emplacar peças – todas revistas musicadas – com mais de sete encenações, um marco
para a época. São Paulo Futuro, de Danton Vampré, por exemplo, teve 38
representações; Uma festa na Freguesia do Ó, do mesmo Vampré com João Felizardo,
somou 77; e o emblemático A Divina Increnca, de Juó Bananére, com 36. Miroel
Silveira atribui a essa temporada não só a consolidação do gênero nacional-regionalista,
uma reação ao teatro filodramático, encenado por italianos, como a gênese de um teatro
ítalo-brasileiro, especialmente com o surgimento do tipo italiano cômico.
“Sebastião Arruda foi a coqueluche de São Paulo. Na porta do Teatro Boa Vista
havia uma grande caricatura do ator com a legenda: ‘É aqui mêmo que eu trabáio. Pode
comprá biête!”153 A temporada de Arruda terminou em 1919, quando a companhia
decidiu se arriscar na cena carioca. Muitos anos se passaram até o retorno da companhia
ao palco do Boa Vista, que ocorre somente em 1927, um ano após este ser reformado e
reaberto pela Companhia Brasileira de Comédia Brandão Sobrinho-Palmeirim, com A
cigarra e a formiga, de Batista Júnior e Agenor Chaves. Arruda, novamente sob direção
de Abílio de Menezes, faz nova temporada de sucesso, com as revistas Céu aberto, de
Gastão Barroso; Clevelandia, de Euclides de Andrade, e Todas as mulheres, de A.
Viviani. Por fim, volta ao Boa Vista em 1931, antes da temporada de Piolin-Bill, entre
janeiro e fevereiro, com A cabana do Bastião. Mas o tipo caipira dava sinais de
esgotamento pelo excesso de imitações, que recobriu o tipo até torná-lo um “clichê sem
150
Este, construído em 1900 por Antônio Álvares Leite Penteado, abrigou espetáculos de companhias
européias, em temoradas comuns em São Paulo antes da guerra de 1914, assim como exibições de
cinematógrafos. Em 25 de abril de 1921 o novo Teatro Santana é construído na rua 24 de Maio.
151
MAGALDI, Sábato e VARGAS, Maria Thereza. Cem anos de teatro em São Paulo. São Paulo: Senac,
2000, p. 82.
152
SILVEIRA, Miroel. Op. cit., p. 211.
153
VENEZIANO, Neyde. De pernas para o ar – Teatro de Revista em São Paulo. Coleção Aplauso,
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 2006, p. 159.
106
nenhuma autenticidade”.154 Miroel Silveira nota que há uma mudança em curso no tipo
de comédia encenada e procurada pelo público: “(...) o que se observa é a tendência de
negligenciar o registro de costumes (fase nacional-regionalista já superada) em favor da
comédia de situações, na qual as personagens, esvaziadas de conteúdos humanos
hauridos na realidade, se tornam puramente mecânicas, agindo somente em função dos
resultados cômicos a serem obtidos”.155 Historicamente, a realidade social havia
avançado bastante, especialmente na relação campo-cidade, de modo que o tipo caipira,
ingênuo, não condizia mais com o que se via na “metrópole em sinfonia”, que vivia
intenso crescimento demográfico a partir da chegada de contingentes oriundos do
interior do Estado – especialmente a partir de 1929, quando o café sofre seu maior
baque econômico, por causa da quebra da Bolsa de Nova York. Havia, sim, a
emergência de um tipo urbano, multilíngüe, multicultural, polissêmico. E é nesse
contexto que surge na cena paulista o palhaço Piolin, sempre com a máscara pintada,
encenando peças que geralmente levam seu nome, além de textos assinados por Tom
Bill.
Grande expectativa envolveu o repertório que seria encenado pela dupla.
Publicou a imprensa sobre a iniciativa, desvanecendo a curiosidade dos críticos e
simpáticos à ideia de ter Piolin num palco:
154
SILVEIRA, Miroel. Op. cit., p. 211.
155
Idem, pp. 217 e 218.
156
O Estado de S. Paulo, 15 de abril de 1931.
107
Piolin, em visita que fez às redações dos jornais, acentuou que a sua
renúncia ao picadeiro não importará na desistência ou transformação do
tipo que ele criou e popularizou: no palco, Piolin pretende ser o mesmo
Piolin do circo. Para isso encontrou um companheiro em Tom Bill para
explorar o mesmo gênero de representações que lhe valeu tantos
aplausos e elogios no picadeiro.
157
SILVEIRA, Miroel. Op. cit., p. 236.
158
Idem.
108
que correspondiam ao clown Branco”.159 Talvez esta fosse a senha para compreender a
associação entre Tom Bill e Piolin em 1931.
Tom Bill havia, um ano antes, transformado um velho casarão na Rua Rangel
Pestana, no bairro do Brás, no Kurscal, ou Coliseu do Brás. Logo, cedeu o espaço para
Lyson Gaster. Teve, então, a ideia da temporada com Piolin, pois queria aproveitar o
prestígio que o palhaço adquirira pela amizade com Oswald de Andrade – os frutos do
almoço antropofágico de 1929 ainda se mantinham maduros – e com a inesquecível
temporada ao lado de Alcebíades.
As opiniões com relação à escolha de Piolin pelo palco suscitaram expectativa
quanto ao repertório que apresentaria ao lado de Tom Bill. A estreia, em 24 de abril,
uma sexta-feira, em duas sessões, às 20h e às 22h, traz, de cara, uma farsa “piolinesca”,
como o palhaço usava para anunciar suas encenações: Piolin farmacêutico (farsa em
três quadros), com venda de ingressos a partir das 10h na bilheteria do teatro a quatro
réis. O jornal O Estado de S. Paulo, que deu cobertura ampla da temporada pelo fato de
ser o Teatro Boa Vista de sua propriedade, havia apontado um dia antes que o fato da
estreia “está sendo aguardado com viva curiosidade”160. O elenco que acompanhou a
dupla pela Companhia incluía Mario Barreto, Aldo Zapparoli, Eurico Mesquita, Mário
de Souza, Ceo da Camara, Valery Oeger (somente no ato variado), Walkyria dos
Santos, Carmen de Oliveira e Adele Negri, além dos cantores líricos Tosca e Fiorini e
do cançonetista Mário Levi.
O crítico René de Castro, da Folha da Manhã, também publicou a repercussão
da primeira noite, na edição de 25 de abril:
(...) Não foi sem um certo temor que me dirigi ontem para o Boa Vista,
onde o antigo pelotiqueiro, filho de pelotiqueiros, iria enfrentar as
traiçoeiras luzes da rampa; temor aumentados pelos comentários
pessimistas de muitos outros admiradores de Piolin.
Agora, de volta à redação, voltou-me o animo, depois que Piolin venceu
a tremenda batalha em que se meteu.
Inteligentemente, o palhaço começou a trabalhar no palco um gênero
que muito se aproxima daquele em que se notabilizara no picadeiro;
fez-se actor-bufo, conservando a mesma caracterização, em traços
exagerados, do circo e procurou manter a mesma linha de
espontaneidade da sua maneira de trabalhar, embora dentro do texto que
interpretou.161
159
LUZ, Nilva Costa. Genésio Arruda: um caipira na cena cultural paulista. Dissertação de mestrado
apresentada à Universidade Estadual Paulista (Unesp). Instituto de Artes, Programa de pós-graduação em
Artes Visuais, 2005.
160
O Estado de S. Paulo, 23 de abril de 1931.
161
Folha da Manhã, 25 de abril de 1931.
109
Dias antes, em 9 de abril, havia noticiado a entrada do palhaço em cartaz no
teatro interpretando o fato como uma reação à ofensiva das superproduções
cinematográficas com seus milhões de dólares. O magro teatro nacional, sem dinheiro,
armava uma ofensiva à altura:
162
Tico-tico no fubá e Sua Majestade Piolin, como visto anteriormente.
110
Piolin, afinador de pianos. Assim, o repertório não diferiu em nada do tipo de farsas
encenadas no picadeiro de Alcebíades. Somente no final da temporada, em julho e
início de agosto, que a dupla passou a arriscar leituras farsescas de clássicos do teatro
cômico ligeiro, como as das peças O simpático Jeremias (Gastão Tojeiro), Aventuras de
um rapaz feio (Paulo Magalhães), Eu sou de circo! (Franz Arnold e Ernest Bach;
tradução de Matheus da Fontoura), Santinha (paródia da opereta Santarellina) e O café
do Felisberto (Tristan Bernard, adaptação de Tom Bill).
A maior parte das comédias são assinadas por Tom Bill, entre elas as já
mencionadas, que levam o nome de Piolin, além do grande sucesso de público O
príncipe do Brás (reapresentada durante a temporada), e as farsas De marquês a criado,
O sobretudo fatal, e Meu cunhado, marido de minha mulher.
163
Levantamento feito pela aluna de Iniciação Científica Audrea Santana.
111
fidalgo. Da mesma forma, o que liga uma cena à outra é Piolin, que transita nos dois
universos classistas – o cortiço e o palácio – acompanhado de Tom Bill e Adele Negri,
que formam o “trio de mal afortunados” que, escondendo a sua condição de pobre, dão
“ratas sobre ratas”.164 Além do trio, o elenco conta com Céo da Camara, Mario Barreto,
Aldo Zaperoli, Carmen de Oliveira, Walkiria dos Santos e outros. “O segundo programa
apresentado pela Companhia do Teatro Cômico, no Boa Vista, tem alcançado sucesso
superior ao da estreia desse conjunto. (...) todo o elenco tem uma impecável atuação,
sendo digno de destaque o trabalho de Piolin que dia a dia confirma os prognósticos de
que no palco seria o mesmo artista notável do picadeiro.”165 A Folha da Manhã de dias
antes, 29 de abril, já havia ratificado o bom desempenho do palhaço, garantindo ao
público leitor que o “temperamento” de Piolin se adaptou bem ao palco, muito por estar
bem à vontade num gênero em que ele se adapta bem: a farsa. Da mesma forma, o
concorrente O Estado de S. Paulo aplaudiu a atuação de Piolin: “Agradou e fez rir a
valer a assistência tanto nas cortinas em que tomou parte ao lado de Tom Bill, como na
farsa”.166
O confronto social está presente na peça O príncipe do Brás, farsa assinada por
Tom Bill que desfia os apuros de uma família pobre que se passa pelos parentes de um
Conde para que este consiga a aceitação de outro nobre para que se case com sua filha.
O arranjo parece ir bem até que os dois criados da casa mantém ligações com os
farsantes: o criado havia sido expulso da casa da primeira família e a criada é a ex-
mulher daquele que se passa pelo Príncipe de Caxambu (na verdade, Príncipe do Brás,
bairro onde mora num cortiço). A atual mulher do príncipe farsante – Piolin, claro –
aparece em meio à ação para desmascarar a família que comia, enquanto ela ficou no
cortiço sem ter o que comer. Assim como em O afinador de pianos, o grande mote da
ação é a fome dos pobres comandando a farsa em casa de ricos.
Miroel Silveira, ao assinalar a temporada como “bastante importante para o
início da caracterização do tipo italiano no teatro paulista”167 aponta outras peças e não
O príncipe do Brás, que guarda boa parte da temática que irá definir não só o tipo, mas
a comédia. Sem sotaques e com a referência do Brás, o desfile de farsantes vestidos de
príncipe, conde e condessa marca o universo de confronto social típico das peças dessa
fase de hibridização do teatro popular.
164
Folha da Manhã, 1 de maio de 1931.
165
Folha da Noite, 4 de maio de 1931.
166
O Estado de S. Paulo, 24 de abril de 1931.
167
SILVEIRA, Miroel. Op.cit., p. 235.
112
A imprensa também publicou repetidas vezes a ressalva de que o sucesso da
temporada se dava “...através de uma série de cenas em que a comicidade mais do que a
dialogação surge do absurdo das situações e do papel mais ou menos ridículo das
personagens”.168 Uma farsa pura e simples, em que não falta a graça de um palhaço da
‘verve’ de Piolin para emprestar-lhe a necessária dose de comicidade.”
A discussão sobre a legitimidade de sua opção pelo palco acompanhou todo o
decorrer da temporada, o que não afetou a escolha das peças encenadas nem a temática,
pois várias delas se valeram de um humor mais social, até de confronto, como, por
exemplo, a peça Piolin, afinador de pianos. O título já revela a questão social envolvida
na comédia: o afinador (Achilles) é o popular que tem acesso à residência dos que
representam a elite. Ao entrar no palácio, há o choque social: ele chega minutos antes de
um banquete e tem a barriga roncando. Entra de gaiato nos costumes da família, que
pede para que ele se passe por Marquês não só para evitar que treze pessoas se sentem à
mesa, mas para exibir influência aos visitantes. No entanto, com a chegada de alguns
convidados e a ausência de outros, com a ameaça de treze sentarem-se à mesa indo e
vindo, o afinador é, a todo momento, descartado ou requisitado. Mesmo assim,
consegue tirar partido da situação, ganhando dinheiro e, no final, conquistando uma
pretendente.
Toda a força da cena está na figura de Piolin, o afinador que se faz passar por
Marquês, é destituído da condição de farsante e sai de cena como revolucionário! É
168
O Estado de S. Paulo, 9 de maio de 1931. Em 16 de maio publica: “...mantêm o público bem-
humorado, mais pelo absurdo das situações do que pelo espírito da dialogação”.
113
importante lembrar que o personagem é protagonizado por um Piolin de rosto pintado,
de modo que o público vê o personagem (Achilles), o farsante (Marquês) e o palhaço
(Piolin) numa só pessoa. O revolucionário, que surge como expressão cômica, desponta
do contexto sociopolítico do período. O ano em que a peça é encenada é também o que
marca a aproximação entre Oswald de Andrade e Luís Carlos Prestes, a entrada do
escritor no Partido Comunista, e a publicação do jornal O Homem do Povo, no qual
Piolin figura como “Director de Scena” da coluna Palco, tela e picadeiro. Nesse
contexto também reside a graça do excêntrico que, ademais, aproveita-se da situação e
chega ao final com o dinheiro pago por seu contratador (Paschoal) para se passar pelo
Marquês e ainda desposa sua filha. Ou seja, de revolucionário comunista ele nada tem.
Duas outras farsas, tipicamente circenses, que se destacam desse repertório são
Piolin bombeiro e Piolin farmacêutico, ambas com diálogos ágeis e reviravoltas. Na
primeira ele é o criado desastrado de um Barão de origem humilde, causando um
princípio de incêndio no final do primeiro ato e se tornando rico no final da peça,
quando se dirige ao público: “Para todos, sou rico. Para todos sou um senhor. Mas, para
este público, sou e serei sempre o humilde e sincero servidor.” Na segunda ele é
funcionário da farmácia e acaba engendrado numa trama ao fazer a entrega de uma água
de cheiro na casa a uma bela moça da qual se enamora. Se na primeira é seu jeito
atabalhoado que faz a graça, na segunda é sua decisão de se matar por não ter o amor
correspondido é que dá o tom da peça.
Alternando, então, o viés da farsa e o viés político, a temporada transcorre em
meio aos fatos intensos que marcaram aquele 1931, enquanto a tensão política reverbera
nas manchetes dos mesmos jornais que noticiavam o sucesso de público no Boa Vista.
Eram, como dizia a reportagem de O Estado de S. Paulo, “dias bicudos”. O panorama
econômico e político do Estado sofria ainda os reflexos de dois eventos aterradores,
especialmente para a agricultura cafeeira, base econômica de São Paulo: o crack da
Bolsa de Nova York em 1929 e a Revolução Tenentista de 1930. Ambas impactaram
frontalmente na venda e na produção, tanto no sentido econômico quanto no político. A
consequência foi a ocupação militar do Estado, com o poder sendo entregue ao
interventor João Alberto. Por sua vez, o tradicional Partido Republicano Paulista (PRP),
mantido pela elite cafeeira, reorganiza suas lideranças, em especial os cafeicultores que
lhe davam sustentação antes da chegada de Getúlio Vargas ao poder. Mas o tema
principal era a retomada do regime institucional, solapado pela revolução no ano
anterior. Por isso grande parte dos mais de cem signatários do manifesto publicado pela
114
Liga Paulista Pela Constituição e Pela Ordem pedindo a convocação da Constituinte
tinha sobrenomes das mais tradicionais famílias paulistas.
As pressões políticas e o rompimento do Partido Democrático levam João
Alberto a renunciar em julho de 1931. Plínio Barreto é indicado para seu lugar, e as
forças políticas de São Paulo se esfacelam. Laudo Ferreira de Camargo assume com o
apoio do Ministro Oswaldo Aranha, o que abre uma crise no governo federal. Ainda
naquele ano o Estado terá seu quarto interventor – Manuel Rabelo, outro militar – o que
desencadeia a reação de uma comissão de políticos paulistas que exige do governo a
nomeação de um civil paulista. A falta de consenso desata o movimento que, em 1932,
enfrentaria militarmente o governo federal, sob a bandeira constitucionalista, sendo
derrotado após campanha desastrosa.
Portanto a temporada transcorre em meio à tensão política, num período
marcado pela carestia e pelo controle censório da imprensa. O Estado de S. Paulo
publica em 25 de julho de 1931:
169
O Estado de S. Paulo, 25 de julho de 1931.
115
francês envolvia um atropelamento invisível: o automóvel passava sobre o palhaço
trabalhando mas ele permanecia intacto.170
Embora nenhuma das duas iniciativas tenham se concretizado, a referência
cinematográfica de Piolin continuava forte, conforme revelaria anos depois o palhaço
em depoimento dado à Aracy A. Amaral171: “Inspirávamo-nos antes em comédias
cinematográficas da época, em Carlitos sobretudo, além de outros pastelões que
adaptávamos. Fazíamos um roteiro mas sempre com uma margem para a
improvisação”172 Para encerrar a temporada no Boa Vista a paródia recaiu sobre
Maurice Chevalier, que estourava nas produções da Paramount ao revelar sua voz em
canções que marcaram a época. Le petit café, de 1929 virou, na versão brasileira, O café
do Felisberto, peça que já havia sido encenada durante a temporada. A última
apresentação trazia uma inovação: Piolin de rosto limpo. A peça sucede a Eu sou de
circo!, de Franz Arnold e Ernest Bach, encenada para celebrar o passado recente de seu
protagonista. “...como o próprio título está indicando, trata-se de uma farsa em que
Piolin se sentirá perfeitamente à vontade, pois ele não somente foi de circo como ainda
se considera como tal.”173
Na peça, Piolin é Chico Patusco, o filho que Mário descobre no dia em que
completa um ano de casamento. Para ocultá-lo da esposa, inventa que ele é escritor,
autor de um livro que vê na mesa da casa. Acontece que, na verdade, o autor é
pseudônimo de uma amiga da esposa, fato que dissemina a desconfiança na mulher.
Entre trapalhadas outras, ao descobrir que o autor é mulher, Patusco, que é artista de
circo, surge travestido em cena, recurso clássico de entrada circense. Ao ser revelado o
filho bastardo, Piolin surge vestido de menino, com roupa de marinheiro. Ao se desfazer
a trama, há muita troca de papéis e pouca atividade circense que justifique o título da
peça.
A dupla ainda se apresenta no Teatro Royal, com O casamento de Piolin, em 13
de agosto. O anúncio diz ser a despedida de Piolin de São Paulo. É também seu adeus à
Companhia de Teatro Cômico e ao parceiro Tom Bill. No Boa Vista assume o cartaz o
Conjunto Artístico Paulistano, de Marcelo Tupinambá, interpretando operetas, em
curtíssima temporada, encerrada em 9 de agosto.
170
DANTAS, Arruda. Op. cit., p.137.
171
Para o livro Tarsila do Amaral: sua obra e sua vida, Perspectiva, São Paulo, 1975.
172
Idem, p. 135.
173
O Estado de S. Paulo, 29 de julho de 1931.
116
As movimentações revolucionárias se intensificariam e chegariam a fechar os
teatros da capital entre julho e setembro de 1932. Somente no final daquele ano o Boa
Vista renovaria sua vocação para inovações teatrais com o início da temporada de
Procópio Ferreira, apontado como principal nome para substituir Leopoldo Fróes, que
falecera de tuberculose em 2 de março na Suíça. Estreou, em novembro, a peça Deus lhe
pague, de Joracy Camargo, texto que acompanharia Procópio por toda a sua carreira
artística, seu mais estrondoso sucesso e que percorreu todo o país. Naquela altura, Piolin
já havia desistido da empreitada no palco e procurava picadeiro para voltar a encenar
suas comédias.
Menotti del Picchia, que escrevia para as revistas A Cigarra e O Cruzeiro,
ambas pertencentes aos Diários Associados de Assis Chateaubriand, publicou em 1933
crítica sobre a “aventura piolinesca” no teatro, intitulada “Um rei que voltou ao trono”.
É implacável: “Piolin deu um pulo errado. Cometeu uma ‘gafe’ de observação e de
autocrítica. Rei do picadeiro, sonhou ser imperador da ribalta. Fracassou...” E
aprofunda:
Restava, então, retomar seu lugar de origem para nunca mais abandoná-lo.
Iniciava-se, então, nova fase de sua carreira, prolongada pelo sucesso de público, pois a
partir dali os modernistas dele se afastariam, ocupados que estavam com suas batalhas
intelectuais que não envolveriam mais personagem tão contemporâneo e tão grotesco.
Enfim, tão brasileiro.
174
PICCHIA, Menotti del. O Cruzeiro. Cópia da reportagem encontrada no acervo do Centro Cultural
São Paulo, Arquivo Multimeios. A data, 1933, foi identificada porque o autor se refere à peça de reestreia
de Piolin no circo, Reservista Ventura.
117
5. Comédias no Circo Piolin
175
DANTAS, Arruda. Op.cit., p. 147. O testemunho da curta temporada no terreno da av. Pompeia é da
Chefe da Seção de Registro e Cadastro de Obras Sociais, Edna Furtado Lima.
118
Jaboticabal, onde participou da inauguração da piscina do Clube Balneário da cidade.
Na primeira quinzena de novembro atuava em Campinas e somente no início de
dezembro retornou à capital, onde fez estrondosa estreia na rua da Móoca, temporada
muito propagandeada na imprensa.
176
O Estado de S. Paulo, 3 de dezembro de 1933.
177
O levantamento completo das peças encenadas no Circo Piolin entre 1933 e 1961, período em que o
circo funcionou, consta dos anexos desta pesquisa, assim como levantamento dos anúncios publicados
nos jornais O Estado de S. Paulo, Folha da Manhã, Folha da Noite e Folha de S. Paulo com as peças em
cartaz no mesmo período.
119
Na mesma crônica em que analisa o “fracasso” de Piolin no teatro, Menotti del
Picchia se regozija com as interpretações do circense nas suas farsas, em especial no
Reservista Ventura:
178
PICCHIA, Menotti del. Op. cit.
179
Op. Cit..
120
há uma mulher no regimento e, ao passar o batalhão em revista, descobre o verdadeiro
Ventura. Mas surge novamente Clarinha, que confessa o quiproquó.180 O número de
personagens não dá margem para imaginar o elenco numeroso informado por Piolin, a
não ser na figuração do batalhão. No entanto, o papel do palhaço é coadjuvante, pois a
ação se concentra no sargento e em suas duas mulheres.
O tema da caserna se repete na farsa As duas Angélicas, assinada por Piolin, que
envolve as confusões provocadas pelo soldado raso na casa do Tenente Fabiano – vivia-
se no país e no tempo dos tenentes, que conduziram o levante de 1930 – confundindo a
empregada e a amante do patrão, ambas Angélicas. O texto também se tornou clássico
no repertório de Piolin , nele permanecendo até o final da década.181
Já na comédia O assassino do rei do petróleo a temática do faroeste de cinema é
retomada em texto assinado por Raul Olimecha, com arranjo para circo de Julio
Ozon.182 É quase uma continuação da farsa Do Brasil ao Far-West: a trama envolve
bandidos que assumiram os negócios e as minas do senhor Franklin, o rei do petróleo,
após este ter sido assassinado. O capataz Edwardo é o típico bandido de western de
cinema, mandando e desmandando na cidade, o que inclui o covarde xerife,
interpretado, segundo indicação do texto, por um “cômico velho”. Logo surge um
forasteiro que enfrenta o bandido, o desafia e descobre quem foi o assassino de
Franklin. No final, com a ajuda de dois “secretas”, prende Edwardo e se revela o filho
do rei do petróleo.183 A ação se dá num saloon e o personagem de Piolin é um bêbado
que vive sendo preso – durante a peça são quatro vezes – sendo uma espécie de coringa
do xerife que, sem conseguir prender os verdadeiros bandidos, usa o cômico como álibi
para sua atividade policial.
Outro tema oriundo do cinema é o do detetive inglês Sherlock Holmes,
personagem de diversos livros de Arthur Conan Doyle, que em 1933 era vivido por
Reginald Owen na fita Um estudo em vermelho, dirigida por Edwin Marin. Mas, como
se trata de farsa circense, na comédia Piolin toma o lugar do famoso detetive usando
técnicas impagáveis para desvendar o roubo de um cofre: pede café com leite e pão com
manteiga para um inovador processo para descobrir roubos. “...o leite é um fator
180
O texto da peça se encontra na íntegra no capítulo 7.
181
Idem.
182
A adaptação de textos para o picadeiro era chamado de “arranjo”. O que é de se estranhar aqui é que
Raul Olimecha também é circense, o que, em princípio, não requereria arranjo do texto. A mesma peça
aparece no Arquivo Miroel Silveira com o nome de O bamba do Arizona, com autoria atribuída a
Olimecha e Waldemar Seyssel, o Arrelia.
183
O texto da peça se encontra na íntegra no capítulo 7.
121
extraordinário para a descoberta de ladrões, pela cor do leite eu sei se foi ela ou não. Se
ela não confessar no café com leite, fatalmente confessará com um bife e batatas”.184
Descobre o ladrão, negocia e tira-lhe o dinheiro para devolver ao cofre. É descoberto
pelo verdadeiro Sherlock Holmes e acaba virando seu ajudante!
Dois combinados de muito sucesso são Um duelo à morte e O campeão de
futebol. No primeiro, o palhaço é convidado para ser padrinho de um duelo, de seu
amigo Julio que se desentendeu com outro amigo, Joãozinho. A gag da peça é o relógio
que arrumam a Piolin, junto com a casaca de um morto, para se apresentar como
padrinho do duelo. A todo momento alguém pergunta as horas, ao qual ele responde:
“uma e um quarto!” Seu papel, enfim, é tumultuar o duelo que nem acontece, pois os
amigos se reconciliam. O segundo trata da história do tio que quer casar o sobrinho que
só pensa em futebol. Decide casá-lo com uma prima do interior e, ao comunicar o fato
ao rapaz, este pensa que vai ganhar uma bola nova. Até que se desfaça o mal-entendido,
os trocadilhos entre a noiva e a bola vão preenchendo a cena.185
Outras três chanchadas fazem sucesso no repertório do período. Em O
embaixador, da autoria de Piolin, Prudêncio é atormentado pelo criado, quase o mesmo
personagem de O campeão de futebol, e pelo filho no dia em que receberá a visita de
um amigo senador. Na verdade ele quer entrar na política e desbancar um coronel que
manda na região. Mas o senador é um farsante, pronto a aplicar o golpe em Prudêncio,
sendo ao final salvo pelo criado. Já em Os apertos de um ciúme186, Piolin interpreta o
tipo do “velho”, ocorrência rara quando na maior parte das vezes ele interpreta o
“criado”. Está insatisfeito com a tristeza da sobrinha e descobre que ela estranha o
marido não lhe ter ciúmes. Então combinam uma cena para que o marido os surpreenda
e revele seus ciúmes. Ao mesmo tempo, Piolin avisa ao marido para que ele represente
também o seu papel. O sete nomes, por sua vez, é o arranjo feito por Júlio Ozon da
burleta do poeta mineiro Belmiro Braga, originalmente Na cidade. Trata do criado
Tomé que, ao convencer o patriarca de uma família a emprega-lo, passa a se apresentar
a cada membro da casa com um apelido diferente: Sobretudo, Colete, Coração,
Incêndio, Periquito. Cada qual gera desentendimentos nas conversas de família,
enquanto o criado vai apalpando as mulheres da casa e provocando os homens.
184
Sherlock Holmes, Aberlardo Pinto Piolin. Cópia encontrada no acervo da Sociedade Brasileira de
Autores Teatrais (SBAT). A peça não se encontra no Arquivo Miroel Silveira, da mesma forma que Do
Brasil ao Far-West.
185
O texto da peça se encontra na íntegra no Capítulo 7.
186
O texto assinala “arranjo” de Piolin.
122
Em janeiro de 1934 o circo se transfere para a rua do Glicério, esquina da rua
São Paulo, estreando no dia 11, às 21h.
123
temporada no Rio de Janeiro, Av. Celso Garcia, esquina com Tuiuti (6/2/38 até
7/8/1938); e Praça Marechal Deodoro (10/38).187 Todos bairros periféricos ao velho
centro, que desde o final da década de 1920 foi deixando de abrigar os circos – a última
lona a ser montada no Paissandu, por exemplo, foi o Circo de Danilo de Oliveira, em
1934 –; de modo que as companhias saem em busca de regiões populosas das classes
com menor poder aquisitivo onde, aliás, está o público certo dos seus espetáculos. São
em geral terrenos públicos mantidos pela administração municipal e alocados às
companhias que vão rareando a medida que a metrópole se expande.
Nos dois anos seguintes os anúncios desaparecem dos jornais pesquisados, sendo
impossível localizar a lona de Piolin. No início de 1941 está novamente “solidamente
armado à Praça Marechal Deodoro”. Reaparece em dezembro daquele ano, na Rua
Domingos de Morais, Vila Mariana, após temporada cumprida em Curitiba.
187
Levantamento realizado nos jornais Folha da Manhã, Folha da Noite e O Estado de S. Paulo a partir
dos anúncios publicitários publicados pela companhia no período.
188
DANTAS, Arruda. Op.cit., p. 149. Conta o autor que esse último endereço envolveu a assinatura de
um contrato de cessão para três meses e a temporada se estendeu por doze anos.
124
suas criações e interjeições, entre elas o famoso “Xiiiiii!!!”, imortalizado pelo artigo
engavetado de Paulo Emílio Salles Gomes. No entanto, a década de 1940 seria a de
transformação do teatro nacional, especialmente pela iniciativa considerada marco da
consolidação de um teatro sério genuinamente brasileiro, a montagem, em 1943, de
Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, pela companhia Os Comediantes, dirigida pelo
diretor de origem polonesa Ziembinski, no Rio de Janeiro. O grupo vem a São Paulo no
ano seguinte, quando apresenta seu repertório no Teatro Municipal. O período, aliás, é
de florescimento de um criativo teatro amador, o que inclui o Grupo de Teatro
Experimental, sob o comando de Alfredo Mesquita, e o Grupo Universitário de Teatro,
dirigido por Décio de Almeida Prado. Ambos são precursores de uma geração de teatro
que atravessará as décadas seguintes. Mas tal importância ainda não era perceptível nem
ao mais visionário dos jornalistas. O que não era o caso de Carlos Lacerda. Já egresso
da militância comunista e aderido ao conservadorismo, opção que culminaria em 1945
com sua filiação à UDN (União Democrática Nacional, partido conservador fundado
para fazer oposição a Getúlio Vargas), o jornalista escreve em 24 de janeiro de 1943 um
artigo para o jornal Folha da Manhã. Sob o título “Encontros com o teatro nacional”,
Lacerda lamenta a falta de “uma tentativa de verdadeiro teatro no Brasil” e ironiza as
iniciativas do Serviço Nacional de Teatro de subsidiar as produções nacionais. Seu
desencanto com o teatro nacional é crescente ao longo do artigo, que é concluído com o
parágrafo:
Sua inefabilidade, bem maior que seus ganhos com a falta de um teatro
“verdadeiro”, continuava levando-o a experiências impensáveis como, por exemplo, a
transmissão de seus espetáculos diretamente do circo pela Rádio São Paulo. As sessões
eram as matinês de domingo e a novidade preenchia o horário do programa Picadeiro.
Como apreender o inefável Piolin somente ouvindo-o? Coisas de um tempo em que o
189
Folha da Manhã, 24 de janeiro de 1943.
125
rádio já havia conquistado sua hegemonia como meio de comunicação de massa,
especialmente impulsionado pela cobertura do conflito mundial, ainda em curso.
126
Com a intensificação do volume de peças encenadas no Circo Piolin, o
excêntrico ampliou a frequência de suas visitas ao Departamento de Diversões Públicas
(DDP), responsável pela censura teatral, como revela levantamento feito no Arquivo
Miroel Silveira, que guarda o acervo dos processos do órgão:
190
Guerra aos tubarões (1946), Pão sem fila (1946), Meu marido é você (1948), Saudosa maloca (1955),
Eu sou Francisco e você? (1956), Festa junina no Arraial do Piolin (1956), Madalena, a virgem
apedrejada (1956), A canção de Bernadete (1956), A Silvana papa-tudo (1956), A sorte de São Pedro
127
década de 1950. Neste período ele também assinava a autoria de diversas revistas em
cartaz em vários teatros populares de São Paulo. Corleto é anunciado também no papel
principal de O mártir do Calvário na Semana Santa de 1946, quando a Folha da Manhã
anuncia: “A interpretação dessa peça estará a cargo dos atores Olindo Dias, Antonio
Mesa, Manoel Mesa, Dalva Dias e Aidé Leite, que farão, respectivamente, os papéis de
Jesus Cristo, Pilatos, Judas, Maria Madalena e Virgem Maria.”191 A partir do anúncio
deduz-se ser um conhecido ator de circo-teatro, uma vez que eram sempre escolhidos os
mais populares para encenar o texto clássico naquela data religiosa. Em muitos casos,
inclusive, a escolha recaía sobre o palhaço da companhia.
No mesmo ano é anunciada, a 6 de junho, Pão sem fila, com distinção do nome
do autor, o que não era comum nos anúncios de programação. A peça interessa por
lançar mão de fenômeno rotineiro durante os anos de guerra: enfrentar filas para
comprar pão. Mas no caso do estabelecimento de Patrício e Fidélis, é possível furar a
fila se o cidadão estiver mancomunado com uma ardilosa prática de câmbio negro.
Basta chegar e dizer que esqueceu um pacote no dia anterior, dar a senha “no escuro” e
evitar a fila de duas horas com Piolin e Pinatti nela. Aliás, não tarda a perceberem que
há algo errado. Logo são atualizados pelos padeiros sobre o esquema de câmbio negro,
mas os dois palhaços, espertos, dizem ser da polícia, botando os enganadores a fugir.
Assumem, então, a padaria. É o mote para vender pão sem fila! Mas, ao experimentar o
pão, Piolin descobre que eles explodem! Começa então a confusão na fila e a farsa
termina com um festival de pães sendo atirados e explodindo... Enfim, pura pantomima!
A temática da guerra, influenciada pelo noticiário do confronto global entre as
Forças Aliadas e as do Eixo, vem impregnada dos entrechos dos filmes de espionagem,
repletos de vilões tecnológicos, donos de fórmulas secretas e armas em
desenvolvimento, voltados a objetivos obscuros e escusos. Eles vêm substituir a
referência dos filmes de faroeste, que haviam influenciado parte da produção teatral de
Piolin. Certamente que os detetives e espiões dedicados a erradicar o “mal” eram
desempenhados pelo Piolin de sempre, com sua lógica transversa, sempre levando
vantagem e usando de uma comicidade física impagável.
Em 1943, ainda período em que transcorria a Segunda Guerra Mundial, o
ensaiador do Circo-Teatro Oito Irmãos Mello atendia pelo apelido de Paraguaté e
(1956), No país do papa fila (1956), O crediário abre às vinte (1956), Quando morre uma ilusão (1956),
Vai graxa, doutor?(1956).
191
Folha da Manhã, 17 de abril de 1946.
128
decidiu escrever seu primeiro texto teatral, batizado Defesa passiva, o mesmo nome do
serviço oficial militar que atuava no país para gerir situações emergenciais, como um
ataque iminente das forças inimigas. Agenor Gomes, o nome de batismo de Paraguaté,
apresentou a peça ao Departamento de Diversões Públicas em 15 de maio de 1943, com
indicação de que seria encenada no Circo Piolin. O certificado de censura foi expedido
quatro dias depois com diversos cortes e autorização para ser encenada até 19 de maio
de 1948. As intervenções haviam sido intensas, e isso mesmo o autor tendo o cuidado
de assinalar no texto apresentado ao DDP: “Esta peça tem a finalidade apenas de fazer
rir, e foi com esse pensamento que esbocei os personagens que ligeiramente passaram
pelo meu cérebro, pois são apenas pura ficção; longe de mim o intuito de ofender quem
quer que seja. Pois qualquer semelhança que houver terá sido mera coincidência”. O
mesmo artifício ele usara em outras peças com temática política e que, prevendo,
encontraria alguma restrição na censura (entre elas A queda da Gestapo, de 1942, para o
Circo Oito Irmãos Mello e Deus acima de tudo, de 1943, para o Pavilhão Teatro Soares,
dedicada “a todos os operários”).
O autor decidiu revisar a peça e o empresário do Circo Piolin, Galdino Pinto,
reapresentou-a, solicitando novas vistas. Nessa segunda versão, apresentada em 25 de
junho, o autor escreve, de próprio punho, a dedicatória: “A Piolim; o cômico de maior
público no Brasil, ofereço este meu trabalho, como prova de simpatia e coleguismo,
convicto de que só ele saberá dar desempenho impecável”. O recurso funcionou em
parte. A peça foi novamente liberada, mas também com cortes, e com a mesma validade
da versão anterior. O tema da peça era de fato espinhoso, e a época da solicitação
propiciava a reação da censura. Por isso o autor procurou valer-se do prestígio de
Abelardo Pinto Piolin.
Assim, ela foi anunciada na programação do circo publicada nas páginas do
jornal O Estado de S. Paulo, de modo que a estreia seria em 27 de junho. Ao ver o
anúncio, o diretor regional do Serviço de Defesa Passiva solicitou ao DDP – então
dirigida pelo Dr. Cândido Motta Filho – que o espetáculo fosse suspenso e o processo
encaminhado para a sua apreciação. A conclusão foi que as menções feitas ao serviço
eram “altamente prejudiciais ao elevado conceito e respeito que deve existir por parte da
população para com os Serviços instituídos pelas nossas autoridades para a proteção de
vidas e bens (...)”.
A comédia não era, de modo algum, ofensiva ao serviço. Ela se passa sob a
Segunda Guerra Mundial, quando um casal que vive às turras recebe a visita da filha e
129
do genro, este um antigo amigo de farras do pai. Os dois decidem, então, se alistar na
Defesa Passiva, um recurso de fachada que servirá de álibi para encontrarem suas
antigas amantes. Quando as mulheres os surpreendem, dão a desculpa de que estão em
sigilo, dando instruções da Defesa Passiva. Assim, os diálogos da peça são repletos de
jargões militares, o que a torna mais atual e cômica.
Para substituir o texto vetado, Paraguaté apresentou Futebol versus guerra, que
troca a Defesa Passiva pelo São Paulo F. C., e a Legião das mulheres pelo S. C.
Corinthians. A peça foi liberada, mas com vetos em 12 de suas 14 páginas. O mesmo
texto aparece no Circo Piolin com o nome Espionagem, encenado em 1945, retomando
o tom da guerra, mas com sotaque de filme americano e com novos cortes de palavras.
A substituição dos velhos vaqueiros e bandidos pistoleiros por espiões e
cientistas, e da briga por terras pelo roubo de documentos secretos e sigilosos,
obviamente não dispensou as trapalhadas cômicas do protagonista – Piolin, claro.
Nessas peças a conspiração quase sempre é internacional e os cientistas podem tanto
jogar para o bem quanto para o mal, pois há uma guerra declarada em que os lados estão
bem definidos. O estranho dr. Mawell (Luiz Macêdo), por exemplo, cria um soro
rejuvenescedor, e o testa no auxiliar Miguel, que acaba com a razão afetada. O mesmo
autor também criou o personagem-título Titan, um detetive mascarado que cai nas
armadilhas do Caveira, o bandido invisível, numa trama mais próxima das fitas
aventurescas do que das de guerra. Mas Piolin tem desafios maiores. Como, por
exemplo, enfrenta a Super Atômica (Iracy Viana), bomba concebida pelo dr. Pacífico
Pacato que, em vez de matar, leva a pessoa a outros tempos. Assim, por conta de um
acidente, todos vão parar na Roma antiga. Piolin age como se estivesse entrando num
baile de carnaval. Ensina os romanos a beber, fumar e jogar pif-paf, a exemplo do que já
havia ocorrido em Que rei sou eu?. Monta um time de futebol e enlouquece o
imperador. Mas ao final acorda de um pesadelo.
Também enfrenta inimigos na trama internacional Piolin contra a espionagem
japonesa. Decalcado das sessões corridas das matinês, geralmente em episódios, a peça
com cinco quadros promete um total de quinze, que somariam três peças, continuação
que não consta do arquivo do DDP, o que dá a entender que o projeto não prosseguiu. O
cientista aqui se chama Johnson e passou anos estudando o uso da eletricidade
atmosférica como combustível de submarinos e aviões. Piolin é repórter e quer uma
entrevista do cientista, mas, na hora H, são atacados por espiões vestidos de capetas, que
levam os planos do invento. A trama aí vai e volta em loopings à moda dos seriados. A
130
peça, aliás, está permeada pelo discurso democrático, enaltecendo os Estados Unidos
em seu empenho pela liberdade e com fundo patriótico. O mais interessante é que os
personagens principais, Piolin incluso, são americanos!
O mesmo ocorre em O Detetive Piolin e o Torpedo contra a quadrilha do
Fantasma (Iracy Viana), que se passa numa “cidade da América do Norte”, novamente
com direito a cientista que descobre um raio fulminante, roubado pela tal quadrilha do
título em intensas movimentações cênicas e história rocambolesca.
Em Espionagem à bordo, assinada por Piolin e Rogério de Lima Câmara, a
trama mescla espionagem e as peripécias de detetive já exploradas anteriormente pelo
circo-teatro. O capitão de um navio é encarregado de levar importantes documentos do
Brasil para os EUA e para garantir a segurança da missão, o delegado faz uma inspeção
geral dos passageiros a bordo. Contudo, pouco antes da partida, o próprio delegado
desaparece dentro da embarcação e o comandante, imaginando que ele havia
desembarcado, ordena a partida do navio. Durante a viagem surgem diversos tipos: uma
nordestina, um americano, uma famosa atriz de teatro e uma professora. Até que o
capitão é assassinado misteriosamente. A partir daí seu imediato passa a investigar o
crime e consegue descobrir, com a surpreendente ajuda do delegado, que estava no
navio disfarçado de paralítico, que a assassina é a professora, na verdade uma espiã
interessada em roubar os documentos. Piolin, claro, faz o imediato, repetindo papel
similar ao do detetive farsante, representada nas suas peças mais antigas.
Outras peças seguem o mesmo ritmo de fitas de guerra: A arma secreta (Ado
Benatti e Umberto Pelegrini), Detetive X69 no xadrez (Aldo Junior), O aranha negra
contra o escorpião (Oliveira Filho).
Outra temática que se sobressai no período é a caipira, que dá continuidade à
tradição das revistas de Sebastião Arruda e de Genésio Arruda, naquela altura reforçada
pela ascensão do gênero musical inaugurado em 1929 com a gravação do selo vermelho
da Columbia, por obra de Cornélio Pires e sua Turma Caipira. O formato das duplas
caipiras, introduzido já nas primeiras gravações, se torna o modelo adotado pelo rádio
para caracterizar a sonoridade rural, que naquela altura já começava a agregar
influências musicais estrangeiras, especialmente do Paraguai (rasqueado e guarânia) e
do México (corrido e rancheira), sonoridade que se torna frequente a partir da política
de Boa Vizinhança propagandeada pelos Estados Unidos durante e após a Segunda
Guerra Mundial.
131
A título de exemplo, três peças com temática caipira encenadas no picadeiro
vêm diretamente do rádio: Cabocla Tereza (João Pacífico e Pedro João Spina), de 1946,
encenação da trágica história gravada em 1940 pela dupla Raul Torres e Serrinha;
Passando a brocha (Ariovaldo Pires), de 1947, comédia assinada pelo radialista Capitão
Furtado com a turma do seu Arraial da Curva Torta, programa da Rádio Difusora; e
Porteira véia (Paraguassu), de 1945, drama do seresteiro que popularizou a toada
Tristezas do Jeca (Angelino de Oliveira) em 1937.
Contam familiares e amigos que o próprio Abelardo Pinto Piolin era amante da
música caipira e próximo de grande parte dos artistas que defendiam o gênero e
começavam a usar o picadeiro para shows e apresentações, processo que iria se
intensificar a partir da década de 1950. Mas o repertório não se restringiu aos textos dos
cantores. Piolin recorreu a outros autores, como Luiz Iglesias, que escreveu Rancho da
serra, melodrama que envolve a dupla traição da mulher, que além de abandonar aquele
que a ama, vai-se embora para a cidade; e Eurico Mesquita, de Sonhos de São João,
com Piolin às voltas com milagres e casamentos. Embora fossem mais dramáticas e
menos cômicas, as peças tratam essencialmente da divisão campo/cidade, e tocam numa
questão ainda bem delicada para aqueles que abandonaram sua origem rural atraídos
pela possibilidade de “fazer a vida” no colosso industrial urbano: a identidade cindida.
Nesse sentido, prevalecem, no embate das realidades arcaica e moderna, os valores que
reforçam o caráter individual, como a honra, por exemplo. Uma vez despojado
materialmente e sempre à margem da terra dos latifúndios, cultivando áreas que não lhe
pertencem, levaram o caipira, na condição de despossuído, a valorizar mais seu capital
subjetivo.
Ainda nessa temática estão os autores Gil Miranda e Álvaro Perez Filho, que se
tornariam nomes frequentes nos processos de peças a serem encenadas no Circo Piolin,
especialmente na década seguinte, que escrevem para o circo em 1945 o drama Honra
de caboclo.
Com o fim da guerra e retomada econômica e política – fechava-se o período de
exceção de Getúlio Vargas, espécie de ponto de honra pela participação do Brasil no
conflito com tropas expedicionárias na Itália em apoio às Forças Aliadas – a comédia
circense iniciou período de variedade temática, valendo-se particularmente da
habilidade autoral, desta vez de autores originados dentro do próprio universo circense.
É preciso, antes de prosseguira na análise do repertório do Circo Piolin, compreender de
132
que forma se desenvolveu esse campo artístico autoral no seio da arte circense, feita de
saberes transmitidos oralmente e que não incluíam a escrita teatral.
Os primeiros textos dialogados encenados, em geral combinados cômicos, não
tinham registro escrito, mas eram guardados pelos atores e palhaços pela repetição
contínua dos espetáculos. Decoravam-se as falas por gerações e aprendiam-se as peças
encenando-as com os mais velhos. A necessidade da escrita se impôs a partir da
instalação do aparato censório sistematizado a partir da criação do Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP), pouco antes da instalação do Estado Novo (1937) e de
seus braços estaduais, os DEIPs. A obrigatoriedade de apresentação do texto para
apreciação da censura obrigou o circense a escrever o que era saber oral e a atribuir um
autor a um texto que, de tanto passar de família a família, se tornara criação coletiva.
Essa passagem obrigou os circenses a experimentarem um incipiente domínio da
escrita, o que é perceptível na leitura dramática de alguns textos da década de 1930, de
Piolin inclusive, de modo que é possível identificar a preocupação gramatical daquele
que redige os diálogos das cenas.192 Uma década depois e o campo autoral já se
demonstrava praticamente construído pelo exercício da escrita e pela fatura de arranjos
para circo-teatro – adaptações de peças populares consagradas publicadas pela Livraria
Teixeira na coleção Biblioteca Dramática Popular em edições de baixo custo. A
contracapa dos finos volumes listavam as peças disponíveis na coleção, separadas pelo
número de personagens, o que facilitava a escolha por parte das companhias circenses.
Se o texto entrava para o repertório mas o elenco não supria o número de papéis, lá ia o
arranjador ajustar os diálogos e redistribuir as falas. Com isso, aprendeu-se a estrutura
dramática e a dominar a prática autoral. Assim, o processo de passagem do circo-teatro
oral para o escrito e deste para a formação de um campo autoral seguiu basicamente as
seguintes etapas:
192
No mês de outubro e novembro de 2011 foram lidas por atores iniciantes 12 comédias, a maior parte
atribuída a Abelardo Pinto Piolin, no Centro de Memória do Circo, dentro do projeto “Entre risos e
lágrimas – O teatro no circo (das pantomimas aos dramas)”, parceria mantida pela Secretaria Municipal
de Cultura de São Paulo com o Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Censura (NPCC), da ECA/USP.
133
A censura obriga Ao escreverem as
os circenses a peças, os circenses
escreverem aquilo procuraram cumprir
que era tradição oral os preceitos da
correção da escrita
Ao passar a fazer
Ao assinar textos
“arranjos”, ou seja,
originais, adentram
adaptações das peças de
ao campo da autoria
outros autores, começam
a ajustar a autoria
Retomando a encenação das peças no circo de Abelardo Pinto Piolin, três peças
desses novos autores demonstram desenvoltura dramatúrgica capaz de atender às
necessidades de textos cômicos renovados para serem apresentados a um público cada
vez menos rural e mais afetado por outras linguagens culturais, entre elas as do rádio e
do cinema.
Entre os autores originários do circo e que produziram um considerável
repertório de comédias estão: Gil Miranda, Júlio Moreno, Álvaro Peres Filho, Oliveira
Filho, Umberto Pellegrini, Ado Benatti (também compositor de música caipira), Olindo
Dias Corleto, Agenor Gomes, Henrique Marques Fernandes, Miguel Santos, José
Ângelo, Oscar Cardona (pai de Oscarito), etc.
134
A dupla Gil Miranda e Álvaro Perez Filho contribuiu muito com o Circo Piolin,
sempre costurando situações cômicas bem ao estilo do humor grotesco, sem perder o
refinamento das tramas. Uma delas estreou com sucesso no Circo Piolin em 1945. O
bamba da Barra Funda é o apelido de Zeferino (Piolin), que se apresenta para a vaga de
criado da casa de dona Genoveva, que vive querendo se mudar para o interior para
afastar as duas filhas do assédio dos namorados. Ao dizer ao marido que gostaria de se
mudar para Tremembé, este conta que ladrões haviam fugido do presídio daquela cidade
e que agiam na região. Tal aviso não os demove da ideia e, já instalados na cidade, as
histórias de assaltos e bandidos passam a amedrontar a família. Zeferino diz que irá
proteger a todos. Mas os dois namorados, inconformados com a mudança das filhas de
Genoveva, decidem ir atrás das amadas. Entram escondidos na casa de Tremembé e os
ruídos gerados pela invasão colocam a família em pânico. Descobertos pelas filhas, os
namorados contam que foram à casa protege-los dos ladrões, enquanto o valentão
Zeferino desaparece na noite. Com a atitude, acabam sendo admitidos pelos pais e
prometidos em casamento às filhas. No final, quando tudo se acerta, Zeferino irrompe
na casa portando um vistoso terno que diz ser de um dos ladrões. Pegou-o para si como
troféu enquanto punha-os a correr!
O já mencionado Olindo Dias Corleto assina Guerra aos tubarões, peça “crítica
atual musicada” em dois atos, como diz a capa do texto datilografado, encenada em
1946. Trata-se de uma alegoria cômica contra a prática de exploração por parte de
fornecedores de pequenas lojas de comércio. Logo de início o delegado manda um
agente verificar a situação das lojas da Bela Vista. Piolin é o cabo Pitangueira,
insubordinado do delegado, que protagoniza uma série de trapalhadas na caça aos
tubarões, achacadores dos comerciantes. O desfecho, com o grupo de bandidos sendo
desbaratado, conta com um discurso patriótico do cômico, como o pós-guerra exigia:
“Conosco ninguém podosco! E assim unidos, num só ideal, num apoio total,
defendendo o nosso caráter, o brio do cidadão brasileiro, seremos o exemplo vivo do
homem de amanhã, impedindo sempre com galhardia, que maus brasileiros, elementos
nocivos à nossa pátria, nos envergonhe aos cantos do universo, dando vazão aos apontes
da discórdia, exploração, extorsão, desigualdade, e falta de dignidade no seio da família
brasileira! E todos num só grito em prol da campanha aos tubarões, aniquilaremos o
135
monstro, o abutre que com suas garras sanguinárias pretende manchar o nosso pavilhão,
a nossa bandeira límpida e altaneira!”193 A peça foi liberada sem nenhum corte.
Mas, em termos de originalidade autoral, o jornalista Tito Neto sai na frente com
o texto Um antropófago em sociedade, que Piolin insistiu em chamar Peri comeu Ceci.
Como a peça havia agradado muito, Piolin pediu-me uma cópia, a fim
de apresentá-la em seu circo de alumínio, na Av. São João, e solicitou
também autorização para mudar o nome para “Peri comeu Ceci”, que
foi o título escolhido pelo famoso excêntrico. Chi! Que mão de obra deu
este título com a censura! Exibe, não exibe, no final o título teve que ser
simplificado para “Peri e Ceci”. Piolin alegava em sua defesa que Peri
era antropófago e o título estava de acordo, porque não havia mal algum
o índio devorar a sua companheira. Ele era canibal mesmo, que mal
havia nisto? Pois bem! Mesmo com o título modificado, a comédia
ficou em cartaz durante 15 dias seguidos.194
193
O contraste deste discurso com aqueles nonsense da primeira fase de Piolin é muito grande, o que
evidencia um certo “enquadramento” feito especialmente pelos órgãos de controle da produção artística,
como o DDP.
194
NETO, Tito. Minha vida no circo. Editora Autores Novos, São Paulo, 1986, p. 101.
136
Lilico – Escuto, oh duvidoso! Você conhece a anedota do papagaio do
Bocage?
Ferdinando – Não. Conte-me maninho, eu gosto tanto de piadas de
papagaio...!!!
Lilico – Não, se eu te contar agora, a censura me multa. E outra, essa
anedota, só homens é que podem conhecer.
195
Tal apelido se refere à sua estrutura física e será explicado no próximo capítulo.
196
Entrevista concedida em 4 de novembro de 2011.
137
Mas essa é só uma das suas atividades matinais. O jornalista Audálio Dantas, em
reportagem publicada na Folha da Tarde em 5 de maio de 1958, na ocasião em que o
palhaço completou 50 anos de picadeiro e 61 de vida, reconstituiu um dia na rotina de
Piolin:
Seu dia é intenso: levanta-se às 8 horas, faz ginástica e depois vai dar
uma olhadela no circo; revê toda a instalação elétrica e depois vai pintar
cartazes para expor na porta. Almoça por volta do meio-dia, descansa e
lê um pouco. A tarde é para negócios: contratos com artistas,
pagamento de impostos, etc. Volta para casa (o próprio circo) às 17
horas. Janta e vai ensaiar os artistas durante uma hora. Depois disso, lê
mais um pouco, até que chegue a hora do espetáculo e, então, o cidadão
Abelardo Pinto é o rei do picadeiro (...) 197
197
DANTAS, Audálio. Piolim completa 50 anos de picadewiro e anuncia: “Vencia a batalha do riso”.
Folha da Tarde, 5 de maio de 1958.
138
há registros sobre o programa pioneiro – tempos bem anteriores ao videoteipe, que
apareceria somente uma década depois – não há nada que reporte ao programa de
Piolin. Mesmo o esforço de memória empreendido por Vida Alves no livro TV Tupi –
Uma linda história de amor198, arrisca ao menos um registro. Quem socorre, mais uma
vez, é Arruda Dantas, que assinala a estreia e a rápida extinção do programa. Aliás, que
coincidiu com o período em que Piolin atuou no filme Tico-tico no fubá, produção da
Vera Cruz dirigida por Adolfo Celi, na época marido de Tônia Carrero, atriz principal
da fita, ao lado de Anselmo Duarte.
Parte das cenas da primeira metade do filme, quando o circo chega à Santa Rita
do Passa Quatro, cidade do interior paulista reconstruída nos estúdios Vera Cruz para
contar a vida de Zequinha de Abreu, foram feitas no Circo Piolin. Toda a trupe de
artistas aparece, entre malabaristas, ginastas, trapezistas, e os palhaços Pinati e
Figurinha, seu genro.
No início da década seguinte, Piolin retornaria à televisão, na recém-inaugurada
TV Excelsior, Canal 9. Uma nota na coluna “Rádio e TV” do jornal Folha de S. Paulo
de 14 de agosto de 1960, anuncia a contratação de Piolin pela emissora, informando que
ele atuaria no programa O Grande Circo, televisionado do Teatro Cultura Artística aos
domingos, às 18h30. Na programação do dia 28 de agosto do jornal aparece o programa,
mas com o nome de Circo Piolin. A aventura durou pouco, pois em outubro do mesmo
ano a Folha de S. Paulo anunciava a substituição do palhaço no programa dominical.
No seu lugar entraria o tio-avô de Bibi Ferreira, esta a grande atração da TV Excelsior
no comando do programa Brasil 60, líder de audiência nas noites de domingo. Era
Chicharrão que, aos 72 anos, voltava à cena, em sua primeira aparição na televisão,
anunciado como pai de Torresmo, grande atração do Cirquinho Bombril da TV Tupi.
Em nenhuma das ocasiões em que atuou na televisão ou no cinema, Piolin foi
novamente acusado de abandonar o picadeiro, como quando da ocasião em que tentou o
teatro. Talvez, o maior acusador fosse o próprio Piolin. Averso às linguagem
audiovisuais, não se admirava no vídeo. Por isso sempre retornava ao seu espaço
“natural”, o picadeiro.
1954, o ano em que se celebrou o quarto centenário de São Paulo, foi uma época
em que homenagens, romances, reportagens, etc. rememoraram personagens que
haviam feito a metrópole. Nesse acervo imaginário de tipos, Afonso Schmidt, jornalista
198
ALVES, Vida. TV Tupi: uma linda história de amor. São Paulo: Imprensa Oficial, 2008.
139
e escritor, relaciona o sr. Abelardo Pinto, como se refere na crônica “Piolin”, publicada
no livro São Paulo de meus amores. “Não me lembro se o vi, ou se sonhei com ele;
estava como sempre: chapéu de coco, redondo, com a copa enterrada até às orelhas,
colarinho que daria para o pescoço da família inteira, jaquetão de um defunto que
pesava pelo menos dez arrobas, sapatos 84, bico largo, e a sua famosa bengala que mais
parece anzol de pescar submarinos.”199 Após a detalhada apresentação, o texto começa a
montar a cena: Piolin está num bar e tenta tomar o café, com dificuldades de encaixar a
bolota vermelha do nariz dentro da xícara. Nisso, a cena adquire uma lentidão que
contrasta com o ritmo metropolitano, tudo porque irrompeu no rádio do bar “uma valsa
daquelas que bolem com a alma da gente”.200 Ao final da música, Piolin pede outro
café, pois não poderia mais beber daquele que havia acolhido suas lágrimas. “Depois o
palhaço saiu, pisando mole com os sapatos imensos. Fazia parar os bondes. Trepava de
um lado e descia do outro. Dali a pouco, subiu pela torre de São Bento e montou a
cavalo no ponteiro grande. Tirou um estilingue do bolso e começou a caçar as estrelas
do céu...”201 Ao final da crônica Schmidt admite que fazia anos não “tinha a felicidade
de ver o Sr. Abelardo Pinto”202. Mas era daquele jeito que via o “palhaço da cidade”.
Foi ainda sob a lona de Piolin que aconteceu em 19 de fevereiro de 1954 o Baile
das 4 Artes, organizado pelo Clube dos Artistas, fundado em 1932 com o adjetivo
“Modernos” no final do nome, pelo controverso artista plástico Flávio de Carvalho. Era
chamado carinhosamente de “clubinho” por seus frequentadores, entre eles Di
Cavalcanti e Carlos Prado. Da mesma forma que havia feito em 1952 no restaurante
Prato de Ouro e no ano seguinte no Instituto dos Arquitetos do Brasil, assinou a
decoração do baile empregando figuras míticas e de animais. Era um reencontro com as
referências intelectuais modernistas, já tão distantes no tempo da época em que Oswald
de Andrade vivia a importuná-lo, pedindo que explicasse melhor essa ou aquela gag
usada no picadeiro, como se fosse fácil explicar algo que vinha da habilidade aplicada e
não de algum manual de palhaços. Naquele mesmo ano, Flávio de Carvalho também
criou cenário e figurinos para o bailado A cangaceira, do repertório do Bailado do IV
Centenário.
A desenvoltura cênica de Piolin não esmorece e seu repertório se torna mais
eclético, reunindo subgêneros cômicos como a alta comédia (comédia de costumes,
199
SCHMIDT, Afonso. São Paulo de meus amores. Clube do Livro, São Paulo, 1954, p. 69.
200
Idem.
201
Idem, p. 70.
202
Ibidem.
140
como Compra-se um marido, de José Wanderley, e Feia e Chica Boa, de Paulo
Magalhães, entre outras), as revistas circenses (A caixinha de Piolin, de Nair Bevedê) e
carnavalescas (como O carnaval está na rua, de Gil Miranda) ambas derivadas do
Teatro de Revista, além das tradicionais chanchadas (entre elas É muita cocada e O
fantasma gostosão, do próprio Piolin).
Entre os anos de 1954 e 1956 há o registro de um surto de peças assinadas por
Piolin encaminhadas ao Departamento de Diversões Públicas para censura. Não é
possível que sejam todas da lavra do palhaço, a maior parte delas no estilo da comédia
de costumes, quase todas em três atos. Os textos que constam dos processos são bem
similares, datilografados sempre pelo mesmo secretário, alguns deles com título
assinalado em letra cursiva. Há ainda títulos mudados, com novo nome datilografado e
colado sobre o escrito anteriormente. A noiva de papai, por exemplo, encenada em
1955, tem o nome original de Almas em conflito, título mais ajustado a um
melodrama.203 E Punhos de aço é o nome colado sobre O pugilista. Todas a peças do
período trazem a indicação no pé da página de rosto: “Repertório do Circo Piolin”.
É bem provável que o palhaço, naquela altura também empresário do próprio
circo – seu pai falecera em 1945 –, tenha tido acesso a algum acervo de peças que,
ajustadas ao elenco da companhia, foram encaminhadas para censura com Piolin
assinando a autoria. Em uma dessas peças, a autoria é contestada pela Sociedade
Brasileira de Autores Teatrais (SBAT). Trata-se de Saudosa maloca, baseada no samba
de Adoniran Barbosa e encenada em 1955, mesmo ano em que a gravação é lançada e
ganha a programação do rádio e a simpatia do público. Reapresentada em 1962, a SBAT
corrige a autoria, atribuindo-a a Olindo Dias Corleto. De fato, esse autor já havia criado
texto para o samba Que rei sou eu?, o que faz crer que seria uma de suas características
autorais.
Títulos como Aventura perigosa, A falsa ilusão, Agulha no palheiro, Caçado
como fera, O castigo vem de cima, por exemplo, remetem mais a dramalhões do que a
comédias. O interessante é que o tipo de comédia dessa meia centena de peças destoa
das velhas e tradicionais chanchadas. São, de fato, comédias no sentido teatral, não de
circo-teatro, o que representa uma larga distanciada do repertório que o consagrou até
ali. A adoção de peças com estrutura dramatúrgica mais elaborada, com enredo baseado
em intrigas e urdiduras que vão sendo desatadas antes do encerramento, e não de uma só
203
O título aparece no Arquivo Miroel Silveira com autoria atribuída a Florêncio Sanchez, com tradução
e adaptação de Aparecida Pimenta, encenada em 1942.
141
vez e de forma súbita, como nas chanchadas, com duração maior, etc., confirma o temor
de Mário de Andrade, expressado no mesmo artigo publicado na década de 1920 que
enaltece a concepção do texto Do Brasil ao Far-west:
Muito embora o arranjo dramático de Piolin para essas peças continue sendo o
da chanchada circense, encenando em arremedo e usando o texto como base para os
improvisos e os diálogos tipicamente de palhaços, como revelou em depoimento já
citado José Miziara, trata-se de uma clara mudança no repertório e que reflete também o
quanto o público que lotava suas sessões também tinha mudado.
Mas, analisando as peças que constam nos processos de censura do DDP, é
possível identificar vestígios daquela desatenção original de suas comédias de picadeiro,
embora a maior parte das peças tenham os três atos, até mesmo aquelas com o nome do
palhaço: O vaqueiro Piolin (trama de roubo de gado, que retoma o estilo do faroeste
mais uma vez), Piolin Tarzan (a referência ao cinema, com o palhaço como um cientista
perdido e desmemoriado na selava, que age como Tarzan) e Coroné Piolin (o
tradicional entrecho do casamento arrumado, com Piolin fazendo o pai do pretendente e
exigindo respeito apesar da sua bronquidão).
A última peça que aparece no Arquivo Miroel Silveira é Piolin no planeta
Marte, arranjo de Que rei sou eu? adaptado aos moldes dos filmes de ficção científica
que abundaram na cada vez mais acirrada Guerra Fria. Filmes como O dia em que a
terra parou (1951), O enigma de outro mundo (1951), A guerra dos mundos (1953), O
204
ANDRADE, Mário de. Op. Cit..
142
mundo em perigo (1954), A invasão dos discos voadores (1956) e Planeta proibido
(1956), dão sua contribuição ao imaginário popular da época. Um ano antes da peça de
Piolin ser encenada, em 1957, a União Soviética lançava a cadela Laika ao espaço
depois da experiência bem-sucedida do satélite Sputnik. Na comédia, logo de início, a
dupla de cientistas busca um voluntário para enviar a Marte em troca de 500 mil
cruzeiros, depois de ter enviado ao planeta um macaco, uma cesta de gatos e duas
dúzias de frangos. Fugindo da sogra, Piolin (ou Zé), bêbado, aceita seguir em viagem
interplanetária. Ao chegar a Marte, é confundido com o rei do planeta pelo “lunático”
(habitante da Lua) que vai desposar a filha do marciano e acaba roubando-a no final.
Mas é desmascarado pela sogra, que chega num outro foguete somente para colocá-lo
em seu devido lugar.
Novamente nesta versão a condição inicial do protagonista excêntrico é a
estranheza. É por isso audacioso, pois não receia quebrar as regras, enfrentando o
mundo que julga não pertencer com ironia, humor e excentricidade. Sua resposta a
qualquer situação estabelecida é sempre o grotesco, comprometido que está em arrancar
o riso da plateia. Mesmo em Marte, descrê da tecnologia e, assim, mantêm um traço de
Romantismo ao resgatar uma ingenuidade atávica contra o avassalador avanço técnico.
É essa oscilação entre o contemporâneo (efêmero e atual, de onde extrai o humor) e o
grotesco (condição do tipo excêntrico, que vive no limite entre o bom-senso e o
absurdo). Enfim, uma chanchada para coroar a tradição e, ao mesmo tempo, confrontar
os novos tempos que impõem, de vez, a modernidade. Não o modernismo retórico dos
amigos intelectuais, nem a simplicidade do público que aprendia a viver na metrópole às
custas de um doloroso processo de rompimento com um passado ainda recente. A
modernidade que, em seu atropelo sem remissão, levaria de roldão o próprio circo.
Era, enfim, a véspera de um novo tempo. Logo o terreno da avenida General
Olímpio da Silveira seria retomado pela prefeitura e o palhaço iria se retirar com sua
casa-camarim para a Freguesia do Ó, sem apoio para reaver o circo inaugurado quase
trinta anos antes. Naquele novo tempo, o tempo de Piolin iria se encapsular no camarim
de madeira onde viveu seus últimos anos, como afirma em seu depoimento ao MIS:
143
também... fui muito feliz, muito visitado por gente importante e nunca
notaram isso.
Antes de seguir a última década de vida de Piolin, há ainda uma dívida a ser
paga: ouvir a voz dos que frequentaram seu circo. Entender de que modo sua lona, além
de contribuiu na construção da cultura paulista e brasileira, marcou certa sociabilidade,
uma vez que, como opção de entretenimento popular, interferiu na vida e no sonho do
homem simples.
144
6. O público
Era lotado. E era um circo bem montado. Era uma beleza! Pra época...
Acho que não tinha nenhum outro circo assim. Hoje é comum ter um
circo assim, mas na época era... era todo assoalhado, era maravilhoso!
Parecia um teatrão. Já era na Olímpio da Silveira. A peça era o final.
Então havia atrações, de cantores, de números circenses mesmo, mas a
peça, no final, aí entrava a família toda, a esposa, acho que... ah! Tinha
uma entrada que era antes da comedinha final. Havia a entrada dele,
Piolin e Pinatti ou o Tony, quando o Pinatti não se apresentava entrava
sempre esse Tony que inclusive é amigo meu e eu não sei onde ele
anda... Tinha muita coisa que ele fazia com apito, era muito bom, os
passarinhos. Aquilo era muito engraçado e todo mundo queria. Mesmo
quando as pessoas, como eu, por exemplo, assistiam aquilo várias
vezes. Mas sempre tinha coisa diferente. Era gostoso ver aquilo, era
muito bom. O Piolin tinha uma comunicação em cena impressionante.
Com o público. Ele tinha assim, vamos dizer, um encanto cênico.
Fez a cobertura por cima e depois tirou a lona por baixo. Aí ficou
Palácio de Alumínio, que era a cobertura de folha. Aí ficou lindo, ficou
145
bonito. (...) Primeiro não era assoalhado. Depois que foi feito o Palácio
de Alumínio que ele, além de fazer o palco, aí ele assoalhou o tablado
até na beirada da entrada do pano de volta. Tinha um palco e a pista. Ali
na pista que levava número de cachorrinho, levava malabares; o mágico
já trabalhava lá em cima, às vezes aqui embaixo, porque tinha aparelho
que precisava... Ele levava vários números lá. Foi um esquema que ele
fez aí. O palco lá no fundo e um tabladinho ali na frente. Um palquinho
mais baixo assim.
Mesmo antes dessa nova estrutura, o circo de Abelardo Pinto, por ser mais fixo e
menos mambembe, sempre primou pelo bordão que deu ao crítico Paulo Emílio Salles
Gomes o título de sua crônica, repetido nas páginas de programação de entretenimento
dos jornais paulistanos: “solidamente armado”. Mas o Circo Piolin não era popular
especificamente por isso, por oferecer um conforto maior ao público, pois as salas de
cinema rivalizavam nesse quesito à altura e, na maioria das vezes, com larga vantagem.
Vivia-se ainda a época de ouro dos grandes palácios exibidores, com ambiente faustoso
e entretenimento garantido a preços acessíveis ao grande público, embora os ingressos
dessas salas fossem mais caros que os dos circos.
Portanto, “conforto” era um atributo encontrável em outras opções de diversão
da São Paulo das décadas de 1930 a 1960. Algo, aliás, que os meios de comunicação de
massa tirariam partido ao oferecer efeito similar sem remover o ouvinte/espectador do
seu principal local de conforto: seu próprio lar. Havia, antes, um atributo mais
elementar, possível de desfrutar no panóptico205 do picadeiro, e este é a sociabilidade.
Ou, mais ainda, a possibilidade de rir junto.
205
A comparação é de Jean-Pierre Angrémy, no prefácio do livro O circo no risco da arte, de Emmanuel
Wallon (Autêntica, Belo Horizonte, 2009). Empregando a metáfora usada por Michel Foucault para tratar
da sociedade disciplinar, se refere ao picadeiro como aquele que todos veem mas a maioria não tem a
certeza de que também são observados pelos artistas.
146
Antes de se fixar na zona Oeste da capital, no bairro da Barra Funda, o circo
perambulou por uma década pelos bairros então periféricos do velho centro da cidade.
Da tradição do Largo do Paissandu em abrigar lonas circenses desde o século XIX,
restou o Café dos Artistas, que seria ainda por muitas décadas o ponto de encontro da
classe circense, onde a maioria iria fechar contratos em temporadas, também local de
reunião, todas as segundas-feiras, dia de folga no circo, de empresários, secretários e
artistas. Lá também permaneceram os escritórios de empresários não só do circo, mas
dos cantores populares, duplas caipiras, galãs e até atores. Logo as companhias foram
atrás de espaços urbanos próximos às concentrações populares, em geral bairros
operários, como Brás, Moóca, Belenzinho, Cambuci e Pari, na zona Leste; Vila Mariana
e Ipiranga, na zona Sul; Lapa, Vila Romana, Água Branca e Barra Funda, na zona
Oeste.
Fixar lona na Barra Funda e poder torná-la uma casa luxuosa, um “palácio”,
mesmo que de alumínio, significava ter um espaço diferenciado para um público já
acostumado à dureza das arquibancadas de tábua, mas disposto a rir a partir daquele
chamado “poleiro”. Chumbinho dá outras pistas para começar uma investigação sobre o
sucesso de público do circo:
Olha, era sempre lotado. Das vezes que fui lá não peguei uma casa
vazia. Não peguei nenhuma. Nem dia de semana. Quando era vendido
espetáculo escolar, escolar entre aspas, porque grupo escolar tinha só os
estaduais, não tinha esse negócio de municipal, era estadual, aí vinham
os colegiais, faculdade eram poucas, não tinha muita faculdade na
época, então era tudo vendido. Quem comprava eram as firmas,
inclusive uma que ele... se recebeu não sei... que, patrocinou ali foi uma
que inclusive o meu pai trabalhava, que era essa... da família Matarazzo.
Era patrocinador forte dele. E depois mais outro patrocinador que ele
teve fortíssimo, da Grapete, que fazia aquele refrigerante 7UP, que
patrocinava as matinês. Se a matinê desse vazia, tava garantido. Mas
não ficava, porque naquela época as famílias iam ao circo. Levava as
crianças.
147
na região, entre elas as dedicadas à produção de tinta de escrever, de massas e de óleo,
além da Fábrica de Vapor de Tecido e Fiação de Corda e de Barbante 206, fundada em
1892. O próprio Antonio Prado fundou, em 1897, na Água Branca, a vidraria Santa
Marina.
Em 1900, quando se inaugurou a primeira linha de bonde em São Paulo, o
terminal bairro foi instalado na Chácara do Carvalho, pois era onde ficava a residência
de Antonio Prado, o primeiro prefeito de São Paulo (1899-1911). Construída uma
década antes com projeto do italiano Luigi Pucci, que também desenhara o Museu do
Ipiranga, a sede passou a abrigar ruidosos saraus com grande presença de intelectuais.
Tal construção acabou motivando o desenvolvimento do vizinho bairro Campos Elíseos,
onde se instalaram casarões da nata endinheirada com a cultura do café. A região foi,
pois, o primeiro bairro traçado para abrigar moradias de ricos, por obra dos alemães
Frederico Glette e Victor Nothman entre os anos de 1882 e 1890.
Símbolo do período de fausto pré-crise de 1929 é o Teatro São Pedro, construído
no bairro em 1917, somente seis anos após o Teatro Municipal. Inaugurado com uma
montagem do romance A moreninha, de Joaquim Manuel de Macêdo, a casa com 900
cadeiras se destinava à encenação de operetas, dramas, comédias e concertos. Mal a
elite cafeeira entrou em decadência, o teatro também sucumbiu. Logo se tornou exibidor
de produções cinematográficas, sendo incluído no Circuito Serrador.
A várzea do Tietê passou a abrigar indústrias têxteis, metalúrgicas e químicas,
processo que avançaria as décadas de 1920 e 1930, com ocupação demográfica por
moradores de origem italiana, especialmente vênetos. A população negra também
cresceu rapidamente, formada por ex-escravos e ex-colonos vindos do interior nos
vagões da Estada de Ferro Sorocabana, cujo terminal era na Barra Funda, que se
alojaram no bairro, inicialmente para trabalhar na estiva e depois nas casas luxuosas dos
Campos Elíseos.
A concentração de indústrias gerou a construção de inúmeras vilas operárias,
especialmente após a instalação das Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM),
num complexo de 100 mil metros quadrados na Água Branca, empreendimento que, em
1925 contava com ramificações em 17 áreas de produção fabril. Mesmo apanhado pelo
crack da Bolsa de Nova York, Matarazzo não fraquejou como os barões do café: ao
contrário, reforçou a sua produção sem se apoiar em nenhum dos grupos políticos que
206
BRUNELLI, Aideli S. Urbani e outros. Barra Funda. Série História dos Bairros de São Paulo, volume
29, Departamento do Patrimônio Histórico, São Paulo, 2006, p. 20.
148
disputavam o Palácio do Catête, incluindo aquele cujo séquito iria amarrar seus cavalos
no obelisco carioca, Getúlio Vargas. O parque fabril da Água Branca se consolidou
como o maior polo industrial do país, abrigando grande contingente de operários que se
agruparam nas redondezas, seja na barra do rio ou nos bairros contíguos à Lapa e à
Barra Funda. Muitos deles tinham no Circo Piolin a opção de lazer de fim de semana,
tão raro em tempos que antecediam a organização das leis trabalhistas, obra de Getúlio
Vargas no final dos anos 1930.
Nas décadas seguintes, os contingentes que ocuparam as redondezas da Barra
Funda foram outros. Com a decadência dos Campos Elíseos, o bairro de Higienópolis
ascendeu como área privilegiada, especialmente por estar mais distante do ramal
ferroviário, onde se agrupou a população mais pobre.
Surgido também de uma fazenda da família Prado, de D. Veridiana, mãe do
Conselheiro, que para lá se mudou em 1884, o futuro bairro de Higienópolis abrigou
igualmente casarões dos barões do café. O palacete em estilo francês de D. Veridiana
foi concebido após sua visita a Paris em 1882. Instalada no casarão dois anos depois, a
filha depositária dos negócios do Barão de Iguape hospedou no mesmo ano a Princesa
Isabel e, em 1887, o próprio Imperador D. Pedro II. Costumava abrir os portões dos
jardins aos domingos para as crianças da região brincarem com seus netos e os salões do
palacete, à noite, para abrigar intensos debates intelectuais e literários, dos quais
participavam o engenheiro Teodoro Sampaio, o abolicionista José do Patrocínio, o
escritor Capistrano de Abreu e o médico Pereira Barreto, entre outros.
Os comerciantes alemães Martinho Buchard e o mesmo Victor Nothmann
adquiriram, na virada do século XX, as terras das fazendas do advogado Barão de
Ramalho e de Joaquim Wanderley, próximos à Consolação, loteando-as e vendendo-as
a compradores com alto poder aquisitivo. Por ser o primeiro bairro planejado com rede
de esgotos e encanamento para fornecimento de água, ficou conhecido como a “cidade
da higiene”. Mas o nome Higienópolis teria se originado da companhia homônima que
administrava um hotel instalado na região para abrigar doentes tuberculosos.
Com o fim do dinheiro do café, o perfil do bairro foi mudando, especialmente
nas décadas de 1940 e 1950, quando passou a abrigar os primeiros edifícios residenciais
com projetos modernistas dos arquitetos Rino Levi e J. Artaxo Jurado. A verticalização
só foi possível após mudança na lei de zoneamento municipal, que até ali permitia a
construção de edifícios apenas na região central da cidade. A classe média alta
endinheirada foi ocupando esses edifícios de alto padrão, dividindo espaço com os
149
casarões das famílias remanescentes da aristocracia rural paulista que ainda mantinham
propriedades no interior. Tanto uma quanto a outra dependia de mão-de-obra doméstica
para manter sua vida de fausto.
Janete Souza Oliveira, filha de dona Gersira e do seu Joaquim Adão, ouviu as
histórias de família de um tempo em que as relações sociais dificilmente eram
independentes das relações de trabalho. O tempo livre para a sociabilidade, geralmente,
era eximido do convívio familiar, o que exigia que grupos se organizassem para buscar
formas de preencher o tempo dedicado ao lazer.
Nas décadas de 30, 40... 40, 50, ela era babá aqui em São Paulo e me
contava que as empregadas domésticas nos finais de semana se reuniam
na praça Vilaboim e na praça Buenos Aires para marcarem para onde
elas iriam fazer o seu final de semana, o seu lazer. E geralmente era ou
assistir filmes... Mazzaropi, Oscarito, Grande Otelo... ou ir aos circos.
(...) Para elas o circo era uma opção assim mais corriqueira. Porque era
barato e elas podiam expressar... o circo tem essa magia, você pode
expressar o seu sentimento, você grita, você chora, você ri, você
participa junto com a cena. Então isso para elas seria uma válvula de
escape. Minha mãe falava que era um mundo mágico e de sonhos. (...)
Bom, elas saíam, geralmente elas moravam no trabalho. Então elas não
tinham uma casa onde elas podiam ir aos finais de semana, os familiares
moravam no interior... (...) E o divertido, minha mãe contava, eram os
grupos que iam para o circo para assistir aquela magia toda acontecer. E
ela falava muito do Piolin. E o Piolin era, pra ela, o maior humorista!
Ela falava já rindo. Quando ela começava a falar dele ela já começava a
rir. Eu perguntava: “Porque a senhora está rindo?” “Ah, é porque estou
lembrando das palhaçadas dele!”
207
Depoimento de Janete Souza Oliveira, dado ao autor em 24 de julho de 2012.
150
O circo adquire, assim, um papel de promotor de interação social, um campo de
construção de uma identidade do cidadão cindido – vem do campo e precisa se adequar
ao ritmo da sociedade industrial –, um espaço dedicado ao exercício da sociabilidade
externa à realidade laboral, esta marcada por jornadas contínuas, onde se mora onde se
trabalha e onde se dedica continuamente aos patrões. É a “válvula de escape”, na
definição de Janete, para se sonhar acordado, para o reconhecimento do palhaço como o
detentor da mecânica dessa válvula, que consegue vestir a contradição e dela construir
sua forma de “se dar bem”. Afinal, o excêntrico é, na maioria das vezes, também o
criado que desafia o patrão, que lhe ensina outra lógica, ou pouco se importa se ele
compreende ou não a sua própria ilogicidade.
Mas essa memória específica do circo, do riso em Piolin, emerge do tempo do
divertimento, “(...) um espaço regido em parte por outra lógica, e aberto ao exercício de
uma certa criatividade: a vida familiar, o bairro, as diferentes formas de entretenimento
e cultura popular que preenchem o tempo do lazer.”208 Embora seu tempo seja menor
comparativamente ao do trabalho, ele tem uma função social implícita, segundo
Magnani. “Atividade marginal, instante de esquecimento das dificuldades cotidianas,
lugar enfim de algum prazer – mas talvez por isso mesmo possa oferecer um ângulo
inesperado para a compreensão de sua visão de mundo: é lá que os trabalhadores podem
falar e ouvir sua própria língua”.209
No caso específico do Circo Piolin, se trata do “mundo mágico e de sonhos” de
uma assistência que perdeu sua identidade original e familiar, e que se ajusta ao tempo
das relações de trabalho, buscando novas formas de sociabilidade.
208
MAGNANI, José Guilherme Cantos. Festa no pedaço – Cultura popular e lazer na cidade. Hucitec,
São Paulo, 2003, p. 29.
209
Idem, p. 30.
151
Demarcada a sociabilidade no espaço público do circo, onde se podia, em
contraste, construir uma privacidade não permitida no espaço de trabalho, o homem
simples210 podia experimentar a fuga da realidade cindida imposta pela modernidade,
gerando um complexo processo de construção de identidade, ponteado por uma vasta e
constante variedade de oscilações dialéticas entre público e privado, consciente e
inconsciente, arcaico e moderno, trabalho e lazer, lógico e ilógico, passado e futuro,
corpo e alma.
152
relações desencontradas, culturas justapostas e desfiguradas pela justaposição”. 214 Se o
processo se dá no âmbito da subjetividade, desatado por um processo inconsciente –
tanto que se materializa no riso, antes que no pensamento – ao considerar o circo como
espaço de justaposição de culturas – de hibridização cultural, onde erudito, popular e
massivo dançam num processo de intensa troca simbólica – a construção cênica cômica,
ao valer-se da colagem temporal, espacial ou social, promove de certa forma esse
processo crítico em que o homem comum confronta sua condição social e existencial.
Martins aponta o gênero musical caipira como exemplo do humor crítico aos
elementos da modernidade, por combinar “as possibilidades discrepantes do antigo
circo itinerante e as novas possibilidades modernas do disco e do rádio”. 215 A
ambiguidade que mantém preso o homem simples a uma “travessia inconclusa e sem
destino”216, por revelar o inautêntico, parece se exacerbar na expressão do circo-teatro.
O riso advindo do deboche, essa instituição nacional, que se destaca sem se tornar
crítica social, é o lastro popular que atravessa as incertezas originadas pelo confronto
entre o tradicionalismo e a modernidade, especialmente quando se trata do confronto
entre fé e festa (tradição) e as relações de trabalho (moderno).
Esse confronto se expressa no cotidiano, do qual o homem simples é o “novo
herói da vida”.217 Ela é o campo em que se joga a peleja entre a tradição e o moderno,
entre o cotidiano e o imaginário, entre o trabalho e o lazer. Novamente, Martins socorre:
“A vida cotidiana começa a nascer quando as ações e relações sociais já não se
relacionam com a necessidade e a possibilidade de compreendê-las e de explicá-las,
ainda que por meios místicos ou religiosos; quando o resultado do que se faz não é
necessariamente o produto do que se quer ou do que se pensa ter feito.”218 Portanto o
que se vive na vida cotidiana é um viver alienado.
Num outro texto, em que analisa o universo onírico do homem simples, o
sociólogo recolhe narrativas de sonhos e percebe que há um conceito “popular” de
sonho em que o imaginado se afasta da experiência cotidiana e, em geral, assume
características ligadas ao absurdo e ao ilógico.219
A forma do homem comum conhecer sua própria alienação é por meio dos seus
sonhos, segundo Martins. “Nos sonhos, de fato, elas sonham com as contradições que
214
Ibidem.
215
Idem, p. 27.
216
Idem, p. 30.
217
Idem, p. 52.
218
Idem, p. 71.
219
Idem, p. 61.
153
definem um modo (histórico) de ser e de situar-se no mundo.”220 O universo onírico, ao
se organizar a partir do estilo cognitivo da vida cotidiana, acaba gerando imagens que
evidenciam situações indesejáveis geradoras de temor e terror. A abordagem
sociológica, aliás, se apoia na relação entre o sonho e a vida cotidiana, que balança na
incerteza da alienação do homem comum. Em contraste, o sonho vivido na
subjetividade abre uma larga brecha na constatação de que o real está alinhado com o
racional. Ao ser ameaçado em sonho, ele gera temor. Por sua vez, a realidade alienada
pode ser subjetivada pelo riso ante a representação do irracional. Piolin sentando no
trono, assumindo o reinado após acordo com um rei cansado de sua condição, ao se
perguntando “Que rei sou eu?” está expressando a alienação, suscitando o riso crítico
que não gera mudança social, mas que alimenta uma sociabilidade calcada no riso
coletivo, na partilha da angústia pelo próprio riso.
154
patrões serem maravilhosos, a vida era dura porque não estavam junto
com os parentes... Então acho que ela se desligava e sonhava. E esse
sonho ela passou pra nós.
222
BOLOGNESI, Mário. Palhaços. São Paulo: Editora Unesp, 2003, p.194.
155
Lipovetsky afirma que com a Idade Moderna o cômico grotesco perde a festa –
faz isso citando Bhaktin – e se dissocializa, tornando-se dono de um humor privado,
tornando-se crítico, “civilizado e aleatório”.223 O palhaço, ao manter a comicidade
grotesca se torna a cápsula do tempo do riso criador. O riso que abre a válvula de escape
para que a “verdade” flua, como aponta Patrícia Galvão, a Pagu, assinando K. B. Luda,
no jornal O Homem do Povo224, em 7 de abril de 1931: “Aqui até Piolin fala a verdade.
E nós estamos vendo toda a mentira embaixo de nós. Aqui se respira e se desabafa. A
inteligência e o desabafo são ouvidos. Aqui até Piolin fala a verdade” 225. A crônica
poema se refere a uma visita do excêntrico à redação para rever amigos e onde eles
veem sua “figura sem máscara, sem tinta, a mesma inteligência do clown”226.
Se a sociedade industrial irá reduzir a espessura do humor, como afirma
Lipovetsky: “(...) o humor aqui já nada tem a ver com o espírito, como se tudo o que
tivesse uma certa profundidade pusesse em perigo o ambiente de proximidade e de
comunhão”227; Piolin cumpriu a função de, no âmbito do seu tempo, alinhar a catarse
criadora da comicidade grotesca com a contemporaneidade. Aqueles que puderam rir
junto com suas comédias, puderam reconhecer o estranhamento do palhaço ante as
situações tão similares à realidade de ruptura da sociedade industrial, que legaram esse
mesmo riso às gerações que os sucederam, cumpriram a missão de uma plateia que hoje
não existe mais, mas cujo riso ecoa entre as amuradas da metrópole em busca de, como
definiu Elias Thomé Saliba228, uma epifania que pode virar libertação.
223
LIPOVETSKY, Giles. A era do vazio. Lisboa: Relógio d’Água, 1989, p. 130.
224
Nos oito números publicado do jornal, Piolin aparece como “Director de scena” da seçãoPalco, tela e
picadeiro.
225
ANDRADE, Oswald de e GALVÃO, Patrícia. O Homem do Povo, Edição completa e fac-similar. São
Paulo: Imprensa Oficial, 1984.
226
Idem.
227
LIPOVETSKY, Giles. Op. Cit., p. 131.
228
SALIBA. Elias Thomé. Op. Cit., p. 306.
156
6. Os últimos anos
Os vinte anos que o Circo Piolin esteve armado na zona Oeste da capital
paulista, primeiro na Praça Marechal Deodoro, quando monta seu Palácio de Alumínio,
depois na av. General Olímpio da Silveira, o beneficiaram pela localização e pelo
potencial de público da região. No início da década de 1960 esse potencial já estava se
exaurindo. As indústrias se transferiam para locais mais distantes, Higienópolis se
verticalizou e, especialmente, o centro se expandiu. Não havia mais espaço para um
circo num período em que a expansão urbana exigia espaço para novos
empreendimentos. Lembra Franco Alves Monteiro, o palhaço Xuxu, último parceiro de
Piolin (1972):
Aquele terreno era do antigo INPS, como é que chamava? IAPC? Ele
pagava aluguel daquele terreno. No começo eles deram o terreno.
Depois começou... os olhos cresceram, eles viram que o Piolin tinha
bom espetáculo, toda semana ele renovava, tinha muito público. Na
época era uma febre o Circo Piolin ali. O povo ficava todo doido pra
chegar o final de semana e assistir. Ele pegou o nome, era jornal,
revista, televisão, o pessoal da televisão ia alugar o circo dele durante a
semana, pra ir apresentar uma peça... 229
Piolin, fique certo que todo São Paulo está com você. A batalha não é
sua, porém de todos nós que gostamos das suas comedinhas, das suas
chanchadas, dos seus números de aramismo, de equilibrismo, da sua
bandinha emocionante. Não podemos perder o nosso refúgio de sonho e
encantamento que você nos dá tão prodigamente.230
229
Depoimento prestado durante pesquisa de doutorado deste pesquisador.
230
Folha de S. Paulo, 12 de janeiro de 1962.
157
e nem quero saber”. No mesmo dia, 27 de maio de 1971, numa reportagem publicada na
Folha de S. Paulo ele se queixava: “Hoje o terreno é reduto de malandros”231. Sim,
porque o local permaneceu vazio, sem ocupação por parte de quem o requereu de volta.
A mesma amargura serviu para construir a frase que abre a reportagem e dá título a ela:
“O circo não tem futuro, mas nós temos de batalhar muito para que ele não pereça”.
Francisco Honório Rodrigues, seu último empresário, conta que havia outros
motivos para essa falta de disposição:
(...) ele tinha uma mágoa muito grande de nunca reconhecerem ele por
nada. Ele teve muitos anos aqui na general Olímpio da Silveira, o circo,
neste terreno que tem hoje lá uma casa de jogo, de bilhar, já foi bingo,
tal, ele ficou muitos anos lá e era um circo montado com poltronas de
cinema, estofadas, tudo de alvenaria dentro. Depois, no final, ele
alugava aquele circo para programa de televisão, era feito ali um
programa de circo, as noitadas de box, ele passou a alugar aquilo
também. Mas aí tiraram dele assim: tinha um mês, trinta dias pra sair.
(...) disseram que iam construir urgentemente, não sei o quê, tiraram ele
de lá e ficou mais de dez anos vazio o terreno. Ele ficou... por que me
tiraram dali? Depois também apareceu um deputado que queria arrumar
uma aposentadoria pra ele. Fez um processo... Alguém pedia por ele
porque ele não era de pedir nada. Fez todo o processo e quando chegou
lá em Brasília negaram. Porque ele não conseguiu comprovar, olha que
absurdo, comprovar que ele trabalhou.
Ainda em 1964, outro jornalista, Regis Vita, publica nota em sua coluna
intitulada “O palhaço Piolin continua na rua da amargura”, com o seguinte texto:
231
Folha de S. Paulo, 27 de maio de 1971.
232
Folha de S. Paulo, 13 de janeiro de 1964.
158
Liberdade, foi consumido sob o viaduto Sta. Ifigênia, no Anhangabaú, em 1953. Arrelia
havia se transferido para a televisão desde os primórdios desta, iniciando um programa
na TV Record, de Paulo Machado de Carvalho, naquele mesmo ano. Sucedeu outros
palhaços, como Torresmo e Fuzarca, que inauguraram o Circo Bombril da TV Tupi, em
1950, dirigido por Walter Stuart. Este, da família Canales, ganhou programa na extinta
TV Excelsior em 1963, O maior espetáculo da terra, para o qual convidou Piolin para
participar. No entanto, a própria Excelsior sucumbiu ao Golpe de 64. Pressionada pelos
militares, perdeu renda e iniciou um penoso período de sobrevida que se prolongou até
1970, quando decretou falência. Piolin sobreviveu a esse período se apresentando em
festas infantis ou como convidado em espetáculos de amigos.
Seu nome só retorna aos jornais em 1971, quando o pesquisador Julio Amaral de
Oliveira retorna da viagem à Europa, onde estuda os temas circenses e volta para, junto
com o grupo do Museu da Imagem e do Som, recolher os depoimentos dos palhaços que
representaram o período áureo do circo brasileiro: Chicharrão, Piolin e Arrelia. Outra
iniciativa de apoio ao palhaço partiu do escritor Pascoal Lourenço, que organizou o
movimento “Colarinho de ouro” em homenagem a Piolin. Suzana Amaral,
impulsionada por esse movimento de intelectuais e jornalistas, decide documentar
Piolin, após concluir um curta-metragem sobre a Semana de 1922. Com 75 anos e saúde
precária, Piolin aceita fazer o filme.
Naquele mesmo ano, se sentiria impulsionado a promover uma mudança
profissional, mesmo com a idade avançada e com os problemas cardíacos. Francisco
Honório Rodrigues relembra:
159
governador de São Paulo, Laudo Natel. Aliás, somente este dia seria patrocinado pela
Secretaria de Estado da Cultura. Como a montagem do circo demandaria um grande
esforço operacional, o diretor Pietro Maria Bardi acabou oferecendo ao empresário uma
temporada em plena avenida Paulista, o que era, até ali, um fato historicamente inédito.
Tudo acertado, mas ainda havia alguns entraves que tentaram tirar o brilho da iniciativa.
O primeiro problema veio justamente da mulher de Bardi, a arquiteta Lina Bo, que
imaginava montado, ali no vão que projetou, um circo “caindo aos pedaços”. “Ela se
encantou com o circo de uma vila, bem caído, o picadeiro no chão, marcado com
pauzinhos enfiados em volta, uma coisa bem... E ela ficou louca. É isso! Aquelas
tabuletas pintadas a mão, ela queria aquilo lá na Paulista. E eu não podia por uma coisa
assim na Paulista”, relembra o empresário. Com o apoio de Bardi dissuadiram-na da
ideia e montaram um circo com picadeiro alto, pois havia a intenção de levar, além das
variedades, a segunda parte de circo-teatro. Aí surgiu novo problema. Foram
contratados atores de televisão comandados por Olindo Dias Corleto, antigo ator e autor
de peças que atuou no Circo Piolin, mas o resultado não foi satisfatório e a ideia acabou
abandonada. Foi montado então o espetáculo com doze números de variedades e, ao
final, Piolin dominando o picadeiro.
Enfim, um terceiro entrave aconteceu após a estreia, durante a temporada,
motivada por uma briga política entre o governador Laudo Natel e o prefeito Figueiredo
Ferraz. Francisco Honório conta que a prefeitura decidiu retirar o circo do vão do
MASP com o argumento de que, se pegasse fogo, o calor do incêndio poderia fazer a
estrutura do museu ceder e desabar233. Há pouco mais de uma década, em dezembro de
1961, um trágico incêndio no Gran Circo Norte-Americano, instalado em Niterói (RJ)
havia levado 500 espectadores à morte. Por conta dessa preocupação, a prefeitura
enviou uma equipe de fiscais, num domingo, com a intenção de desarmá-lo. O
empresário, que não encontrou Bardi para interceder a favor do circo, buscou ajuda com
o maestro Walter Lourenção, que era diretor do MASP, e ambos localizaram o prefeito
por telefone. Estava no Clube Pinheiros, onde foi jogar tênis. Chamaram-no ao telefone
e, para evitar o impasse, este autorizou o circo a permanecer no local durante o final de
semana, prometendo nova negociação em breve. “Aí, na segunda-feira cedo, eu parei
em casa e toca o telefone. Nove horas da manhã, na minha casa, era o doutor Paulo
233
Na década de 1950, quando Lina Bo Bardi concebeu o projeto do MASP obedecendo a cláusula da
doação do terreno feita por Joaquim Eugênio de Lima de que a vista do antigo Belvedere do Trianon seria
mantida, o que a motivou a desenhar o vão livre, a arquiteta buscou apoio do então Secretário de Obras do
município, que era Figueiredo Ferraz e que endossou a inovação.
160
Bonfim, que era o Secretário de Cultura na época. Ele falou: ‘Ô Francisco’, eu conhecia
ele, ‘escuta, você tá disponível agora? Eu precisava com você pegar o Piolin que
precisamos ir lá no Palácio’”, lembra. Foi o trio encontrar o governador, que não chegou
a atende-los por conta de outro compromisso. Mas seu Chefe de Gabinete recebeu
Piolin e afirmou, conforme a lembrança de Francisco Honório: “O governador mandou
dizer o seguinte pra você: fique lá onde você está, porque quem manda em São Paulo é
o governador”. A contenda política, que parecia superada, ainda não havia findado. Na
terça-feira, antes do espetáculo das 15h, a sirene do Corpo de Bombeiros irrompeu pela
avenida Paulista. Era a resposta do prefeito ao governador, segundo o empresário.
234
Em 1973 Laudo Natel poria fim à briga demitindo por carta o prefeito, usando como pretexto uma
frase dita por Figueiredo Ferraz, que soou como uma afronta ao ufanismo da época: “São Paulo precisa
parar”.
161
pegar o genro, o Figurinha. Aí ficou aquele esquema, né? Vai, não vai.
Aí o Chiquinho falou: “Um cara bom pra você, versátil, é o Xuxu!”
“Ah, o Xuxu! Mas ele tem circo!” “Ué, tem circo, mas pode trabalhar
com você.” Na época eu tinha uma companhia muito boa e o palhaço do
meu circo era eu. Mas aí botei uma equipe pra trabalhar e fui trabalhar
com o Piolin.235
Eram três espetáculos diários, às 15h, às 17h e às 21h, sendo que no domingo se
aumentava uma sessão, às 10h. As vesperais eram lotadas, mas nas sessões noturnas o
público rareava, por conta do Parque Trianon, do outro lado da avenida, na época
considerado perigoso pela frequência de marginais e prostitutas. Francisco Honório
lembra, no entanto, que num final de semana, na sessão das 15h, um emissário comprou
um lote de entradas para a sessão noturna, causando espanto até mesmo à bilheteira.
Eram vinte cadeiras. No momento do espetáculo da noite, assim que Piolin entrou no
picadeiro, as vinte pessoas se levantaram e jogam flores para o palhaço. Era a
apresentadora Hebe Camargo com um grupo de amigos.
A temporada acabou despertando a classe artística e circense para a importância
de Piolin. Num período em que a produção artística era controlada pela censura federal,
que parte dos atores, músicos e encenadores viviam no exílio em busca de
oportunidades de trabalho, a busca por um referencial do passado não parecia afrontar o
controle da criatividade exercida pelo governo militar. Um ritual inaugurado no MASP
influenciou também uma nova abordagem da figura de Piolin. Como a presença de
crianças nas sessões vesperais era constante, por força das excursões promovidas por
professoras do então Ensino Primário, no final de cada espetáculo era comum o palhaço
se sentar numa cadeira à beira do picadeiro e as crianças fazerem fila para abraçá-lo e
beijá-lo. Piolin tornou-se, então, o palhaço das crianças – até então sua própria persona
indicava um hábil manejador do duplo sentido e da gag verbal, sempre voltada ao
humor adulto. Para um repórter da Folha de S. Paulo, ele diz: “Não posso é parar. Aos
235
Depoimento de Franco Alves Monteiro (Xuxu) dado durante pesquisa de doutorado deste pesquisador.
236
Depoimento de Francisco Honório Rodrigues.
162
75 anos começo a rodar com o meu circo novamente. Para mim não existe fracasso.
Apenas fico triste quando não estou fazendo a garotada se divertir”.237
Cumpre a apresentação em Ribeirão Preto, no Colégio Espetacular e no Clube
Palmeiras. Foi nessa época que aconteceu um fato que revela um pouco mais do
enigmático personagem. No Café dos Artistas, no Largo do Paissandu, onde ficava
também o escritório de Francisco Honório, apareceu um despachante querendo
apresentar a Piolin uma moça que dizia ser sua filha. Ao saber disso o palhaço quis
saber quem era a mãe, e soube que era uma ex-artista.
Ele falou: “[Ela] nunca falou nada pra mim, nunca soube que ela tava
grávida, se eu tive uma relação com ela talvez foi uma vez, uma coisa
assim”. (...) Aí me contou uma história. Me falou: “Ó, tem uma moça
aí que tá dizendo que é minha filha. E eu não sei se é verdade ou não
porque não lembro da mãe dela. Mas vou dizer o que é. Eu não vou
desamparar nem amparar porque vou te contar uma história.” Aí me
contou uma história de muitos anos atrás, quando ele estava no auge da
carreira dele, perto de 22, anos 30, por aí. Ele disse que apareceu uma
moça na leiteria Mappin, tinha uma leiteria que ele frequentava, dizendo
que era filha dele na época. E ele pulou fora. Por que era isso, ele era
muito famoso, tava muito bem, tinha um nome grande, ele não quis,
achou que... E o que aconteceu? Falou pro dono da leiteria, ele que
tinha falado isso, que a moça ia lá, fala pra ela não vir com isso não, não
tenho nada com isso. E um dia depois essa moça se suicidou. E ele
ficou muito, muito chateado com isso. “Puxa, eu podia ter conversado
com ela, saber melhor, sei lá.” Mas... um fato que aconteceu. Volta-se
depois de trinta anos, aparece uma outra...
237
Folha de S. Paulo, 9 de julho de 1972.
238
Ana Ariel fez longa carreira em novelas da Rede Globo nas décadas de 1960 a 1980, entre elas Sangue
e Areia (1968), Irmãos Coragem (1970), Selva de Pedra (1972), O Bem-Amado (1973), Gabriela (1975)
Saramandaia (1976), Duas Vidas (1976), Cabocla (1979), Elas por Elas (1982), Amor com Amor se
Paga (1984), Hipertensão (1987) e Sassaricando (1987), entre outras.
163
Aí aparece lá um pessoal da Prefeitura, Câmara Municipal, que queria
entregar um título pra ele de Cidadão Benemérito. Tá bom. Não, é que
ele é daqui, não sei o que. Falei: Seu Abelardo, tem um negócio aí, o
pessoal quer entregar um título pro senhor e disseram que iam dar um
cachê. Tipo hoje dois mil reais, três mil reais. Estava na luta, qualquer
coisa que... tava bom. E ele tava lá. Vamos lá, seu Abelardo? O senhor
vai lá pegar o título. Ah, tá bom. Aí fui lá no circo, peguei ele cedo, pôs
o terninho, fomos lá pra Câmara Municipal. Era sessão extraordinária,
domingo de manhã. Aí, nós estávamos sentados lá, estavam todos os
vereadores, o prefeito, na Câmara Municipal, lugar pequeno. Um lugar
para duzentas pessoas, devia ter umas cento e cinquenta. O vereador
que bolou isso aí, começou. Vai ser o orador. “Abelardo Pinto Piolin,
você meu amigo de infância. Parece que eu ainda estou vendo sua mãe e
minha mãe a nos chamar para dentro de casa. Lembro que nós
corríamos na rua...” (risos) (...) E o cara contou toda a história da
infância, que ele corria, que ele jogava bola na rua, que correu atrás de
pipa e que a dona Clotilde e a mãe dele, dona Fulana, preocupadas com
ele atravessar a rua, e que era o orgulho da cidade, e que agora estava lá
se apresentando... Muito engraçado isso!
164
O Xuxu, o filho, que é o Luís Ricardo, (...) e a mulher, a Marli. Eles
cuidavam dele. Faziam o almoço, levavam lá pra ele, iam toda hora lá, e
eu mesmo, durante o dia, toda hora ia lá no trailer dele, ver se ele tava
bem. Ele ficou doente mas não queria saber, ele queria trabalhar. Às
vezes eu falava: “Seu Abelardo hoje não vai trabalhar não...” Aí ia lá
ver e ele tava se pintando. (...) Aí ele ficou ruim, ele piorou, tava
morando lá, ele tinha uma senhora, ele tinha um caso com ela há muito
tempo, uma enfermeira, morava aqui na Lapa, na D. João VI. Ele nunca
pôde morar com ela porque o filho dela não queria. (...) A casa era dela.
Foi onde ele morreu. Eu já tinha parado o circo e ele me perguntou:
“Como é que tá indo?” Eu dizia pra ele que tava tocando. Ele não queria
saber que parasse. A preocupação dele era pagar todos os artistas. Eu
falava: “Seu Abelardo, tá tudo pago... tá tudo em ordem...” E ele vivia
preocupado com o circo. Ele morreu sem saber que o circo tinha parado.
(...) estávamos com um circo aqui no viaduto da Casa Verde, era um
circo de três picadeiros, fazia muito tempo que não vinha no Brasil.
Tinha estreado no sábado, um sucesso muito grande, eu tava na porta do
circo, um pipoqueiro com um radinho pendurado, falou: “Deram notícia
de que o Piolin morreu!” Eu soube assim. Aí eu peguei o carro, fui pra
Lapa. Aí ele ainda tava na cama. Essa senhora falou pra mim: “Ah,
Francisco, ele morreu falando em você!”
239
Folha de S. Paulo, 6 de setembro de 1973. Chicharrão morreria em 25 de fevereiro de 1982 aos 93
anos.
165
circo-escola nos seus últimos anos, Piolin ressuscitou em 1978, como se nada tivesse
acontecido, levantando-se da serragem da Academia Piolin de Artes Circenses240, a
primeira escola no país a se dedicar aos saberes que, até ali, eram exclusivamente orais.
Apesar de funcionar por apenas cinco anos, até 1983, formou uma nova geração de
circenses. Enfim, não seria ainda daquela vez que Piolin morreria definitivamente.
240
Subvencionada pelo governo do Estado, sua criação foi apoiada por Miroel Silveira, que na época
respondia pela Comissão de Circos da Secretaria de Cultura de São Paulo, funcionou inicialmente sob a
arquibancada do Estádio do Pacaembu e depois se mudou para o Anhembi. Nele atuaram grandes mestres
circenses: Franscisco Colman, Abelardo Pinto Sobrinho, Amercy Fabri de Paula, Dossel Fernandes,
Esthercita Fernandes, Gilberto Fernandes (Gibe), Julio Alberto Tapia Jr., Julio Temperani, Juscelino
Savala, Ubirajara Henrique (Índio Jota), Roberto Santiago, Roger Avanzi, Vitor Santiago e Zoraide
Savala Baxter.
166
8. Sete peças “piolinescas”241
241
Foram selecionadas peças consideradas, no âmbito da pesquisa, comédias de picadeiro. A única
exceção, mantida por sua importância histórica, é Piolin, afinados de pianos, que fez parte do repertório
apresentado no Teatro Boa Vista em 1931.
242
No original que se encontra no AMS, o personagem se chama Faísca. Mudou-se para Piolin, uma vez
que a peça fez parte do seu repertório por tantos anos. Na SBAT a peça aparece com a autoria de
Abelardo Pinto Piolin.
167
Izabel – É isso mesmo! Escuta: o quarto onde está o defunto é um pouco pequeno. Não
achas melhor trazê-lo para aqui?
João – Dizes bem. Ele aqui fica melhor. (chama para dentro) Piolin! Piolin!
Piolin – (de fora da cena) Pronto, senhor João!
João – Que estás fazendo? (sai)
Piolin – Estou tomando conta do defunto, senhor João!
João – Muito bem, Piolin. Agora vamos leva-lo para a sala de visitas que é melhor.
Piolin – (entra com João trazendo o defunto, colocando-o na cama)
Cena 2
Piolin – (chorando) Ai, ai, ai, coitado do patrão! Morreu, ai, ai, ai.
João – Que isso, Piolin! Você gostava tanto do seu patrão para chorar dessa maneira?
Piolin – Não é por causa dele que eu estou chorando!
João – Então por quem é?
Piolin – É que a cama está em cima do meu pé!
João – (tirando a cama do pé de Piolin) Ora, Piolin! Agora vai buscar as velas!
Piolin – Já vou senhor. (sai)
João – Coitado do Piolin. Ele continua chorando... Parece que machucou um pouco o
pé...
Cena 3
Piolin – (entrando) Pronto, senhor João. Aqui estão as velas. Só tem essas, o defunto
gastou as outras.
João – Compra-se mais. Escuta, o caixão do defunto já veio?
Piolin – Não senhor! Mas lá na cozinha tem um caixão de gasolina... Quem sabe serve?
João – Esse não serve, Piolin. Você agora telefona para a empresa funerária e diga que
venha tomar a medida. Eu vou sair e já volto.
Piolin – Sim senhor.
João – Izabel, eu vou até a casa do seu primo Armando e já volto. Até logo.
Piolin – Mas, senhor João, e o telefone da empresa funerária?
João – É quatro, quatro, quatro, quatro. (sai)
Piolin – Chi, patroa, quantos quatros! (telefona) Alô, patroa! Olha, é uma senhorita que
está falando!
Izabel – É a telefonista, Piolin!
168
Piolin – Alô, patroa, ela está pedindo o número!
Izabel – Pois fala o número, Piolin!
Piolin – Sim senhora! Alô, é 44444444!
Izabel – Não é assim, Piolin.
Piolin – Então, como é?
Izabel – É 4-4-4-4-4. Ouviste?
Piolin – Sim senhora. Pronto. Senhorita, é 4-4-4-4-4... Isso mesmo... Alô, quem fala? É
da empresa funerária? Pois venha já tomar a medida de um defunto na rua da Boa
Morte, 54. Até logo. Pronto, patrôa.
Isabel – Muito bem. Agora você fica aí com o defunto que eu vou sair.
Piolin – Isso não! Patroa, eu ficar sozinho com esse defunto? Não!
Izabel – Mas eu tenho medo de ficar com ele, Piolin!
Piolin – O que? A senhora tem medo agora que ele está morto! Mas quando ele estava
vivo, a senhora não queria que eu viesse aqui! Dizia: Piolin, vai lá para a cozinha! E eu
tinha de olhar pelo buraco da fechadura...
Izabel – (impaciente) Fica aqui, Piolin!
Piolin – Eu não! A senhora é a dona do defunto, agora aguente! (sai)
Izabel – Eu sozinha não fico aqui! (sai)
Rodolpho – (mexe-se na cama e depois se senta) Safa! Estou com uma dor de cabeça
que não posso ficar em pé! (pausa) O que é isso? Eu dormindo na sala de visitas!? Ah!
Já sei! Isso é arranjo da minha esposa! Ela dessa vez se vingou! Mas eu também não
tenho juízo! Ontem estive numa fuzarca com dois amigos e bebi um pouco demais...
Nem sei como vim parar aqui! (levanta-se) Não! Isso não pode continuar... Algum dia
morrerei de tanto beber... (reparando em cima da mesa) O que!? Convite de enterro...
Quem será que morreu? (lendo) Faleceu ontem na sua residência Rodolfo Vieira (alto)
Coitado, é meu xará. (lê) A viúva convida seus parentes e amigos para acompanhar o
funeral que sairá hoje às quatro horas da tarde da rua da Boa Morte, 54. O que!? Rua da
Boa Morte, 54 é aqui e Rodolfo Vieira sou eu! Será que eu morri? Não pode ser! (repara
nas velas) O que?! Duas velas? Estou morto mesmo! Piolin está chorando. Ah! Já sei!
Naturalmente tive algum ataque e eles pensam que morri! Não faz mal. Agora vou
fingir-me de morto para caçoar com eles. (deita-se na cama)
169
Empresa – Posso tomar a medida?
Piolin – Pode tomar à vontade.
Empresa – Um metro e meio de cumprimento, sessenta centímetros de largura.
Piolin – E fundura não precisa?
Empresa – Não. Isso é lá com o coveiro. (à Izabel) Pronto, minha senhora. Quer enterro
de primeira, segunda ou terceira classe?
Izabel – Quanto é o de primeira classe?
Empresa – De primeira tem fechadura de ouro, é todo de veludo de seda, alças de ouro
e custa três contos de réis.
Isabel – (chora) Ai, ai, ai, ai...
Piolin – (chora) Ai, ai, ai, ai...
Izabel – E quanto é o de segunda classe?
Empresa – O de segunda tem fechaduras de prata, alças de prata e veludo simples. Fica
um conto de réis.
Isabel – (chora) Ai, ai, ai, ai...
Piolin – (chora) Ai, ai, ai, ai...
Izabel – E de terceira classe?
Empresa – O de terceira é bem simples. O caixão sem enfeites, sem fechadura, alças de
corda. Fica trezentos réis.
Izabel – Esse serve.
Empresa – Então até logo, minha senhora.
Izabel – Até logo.
Piolin – Até logo (acompanha-o até a porta do picadeiro) Ai, ai, ai, ai.
Empresa – Meu rapaz, se precisar de alguma coisa, já sabe: Assembleia, 55, Empresa
Funerária.
Piolin – Meu senhor, muito obrigado, eu não quero morrer.
Empresa – Até logo. (sai)
Piolin – Ouviu, patroa? Quando precisar de alguma coisa, Assembleia, 55, Empresa
Funerária. (sai)
Cena 5
João – (entrando) Então, Izabel? Demorei muito?
Izabel – Demorou! Onde foi?
170
João – Fui até a casa do Armando. Ele e a família já vêm para aqui. Izabel, preciso
falar-te. Naturalmente deves estar lembrada que antes de teu marido falecer, convidei-a
para fugirmos.
Izabel – Ora se estou!
Rodolfo – (irônico) Que bela viúva!
Izabel – (com medo) Ouviste, João? Alguém falou aqui perto.
João – Não ouvi nada!
Izabel – Deve ser o Piolin.
João – Pois bem, amanhã, depois do funeral, embarcamos para...
Rodolfo – Por essa eu não esperava!
João – (com medo) Izabel, agora sim alguém falou aqui!
Izabel – Cala-te! Aí vem os convidados.
171
Cena 7 (João e Piolin entram)
João – Piolin, agora você vai ficar tomando conta do defunto.
Piolin – Eu não! Senhor João, eu tenho medo!
João – Medo? Escuta, Piolin, você deve ter medo dos vivos e não dos mortos.
Piolin – Então vamos fazer um negócio.
João – Qual é?
Piolin – O senhor fica aqui com os mortos que eu fico lá dentro com os vivos.
João – Isso não, Piolin. Olha, você fica aqui só cinco minutos que eu volto já.
Piolin – Bem, só cinco minutos eu fico.
João – Está bem. Até logo. (vai saindo)
Piolin – Senhor João?
João – O que há?
Piolin – Não demore!
João – Não.
Piolin – Seu João?
João – O que foi?
Piolin – Já passou cinco minutos.
João – Não passou, Piolin.
Piolin – Seu João, eu não...
João – Não amola! (sai)
Piolin – Agora não amola... Estou com um sono que não aguento mais e logo hoje que o
patrão decide morrer! E nem me avisou. Eu não sinto a morte dele! O que eu sinto é que
ele morreu e não me pagou. Eu estava economizando dinheiro para casar no fim do mês
e lá se foi dois anos de economia! Pelas minhas contas eu tinha na mão do patrão quase
uns dezessete mil e quinhentos, e agora eu não posso casar mais! Ele morreu! Oh! O
defunto está me olhando! Vira essa cara pra lá. Seu João, o defunto está me olhando...
Seu João... Vira essa cara, já disse! O que? O defunto está de pernas abertas. (fecha as
pernas do defunto) Fica assim. Eu agora vou dormir. (senta-se na cadeira e dorme)
Rodolfo – Coitado do Piolin, está com sono. Vou brincar um pouco com ele. (faz
cócegas)
Piolin – (dormindo) Sai mosca... Sai barata...
Rodolfo – Estou com sede. Se eu acordar o Piolin para me trazer água ele me vê aqui
em pé e é capaz de morrer de susto. (encontra um copo de água) O que! Um copo de
água! (bebe) Xi! (joga a água em Piolin e corre para a cama)
172
Piolin – (acorda assustado) Seu João, o defunto me cuspiu! Se você me cuspir outra vez
eu te dou uma vassourada! (dorme novamente. O telefone toca e ele acorda assustado)
Seu João... Ah, é o telefone... Alô... a empresa? Que quer? Para mandar o caixão, sim...
O que? Ele morreu! Como não?
Rodolfo – Morreu nada, seu trouxa!
Piolin – Trouxa é você. Ele morreu sim.
Rodolfo – Não morreu, Piolin, seu bobo.
Piolin – Bobo é você. Quer ver se ele morreu ou não? (põe o telefone na direção da
cama) Viu, seu cara de... Até logo. (coloca o telefone no gancho; depois de uma pausa
ele toca de novo) Alô... o criado recolheu-se aos seus aposentos particular. (desliga e
dorme de novo).
173
Izabel – (assustada) Rodolfo? Vivo?
João - (idem) Hein? O que é isso? (levantam-se)
Rodolfo – Então, João, és amante da minha esposa!
João – (assustado) Isso é uma calúnia.
Rodolfo – Calúnia! Eu daquela cama vi e ouvi tudo!
João – E agora, o que vai ser de mim?
Rodolfo – Saiam da minha casa! Quem vai fazer a viagem para a Europa sou eu! Saiam,
já disse!
João – Imediatamente! Vamos embora, Izabel, antes que ele se arrependa...
Rodolfo – Eu hei de vingar-me! Ai daquele que aparecer agora! Mato como a um cão
danado.
Piolin – (entra cantando) Eu queria ser a rola, pois é/A rolinha do sertão, pois é/para
fazer o meu ninho, pois é/numa lata de querosene... Pronto, seu João, aqui está o café.
Rodolfo – Para quem é o café?
Piolin – (joga a bandeja para o ar) Ahi!
Rodolfo – Toma este café! (corre atrás de Piolin dando tiros)
243
Esta versão foi apresentada a pedido do Circo Irmãos Orlandino em 4 de maio de 1942, sendo liberada
com dois cortes (duas vezes a palavra “amante”). O personagem aqui destacado como Piolin, aparece
como Rapa-Rapa, o excêntrico daquela companhia. Os nomes foram trocados para facilitar a leitura deste
texto essencial ao repertório de Piolin. Há versões que atribuem a autoria a Abelardo Pinto Piolin. Na
SBAT aparece a peça O reservista ventura ou A fuga da melindrosa (Casamento encrencado), com
autoria de João Grillo.
174
Piolin – Porco é você! Porque o que eu uso no pé você usa na boca! Anda, gente, já
estamos atrasados... Que tempo já deu o toque de rancho.
Visconde – O que ouviste foi o toque de alvorada, seu burro.
Tenente – (entrando) Acabemos com o lavatório e tratemos da obrigação.
Todos – Pronto! (ouve-se o toque de sentido)
Tenente – Aí vem o capitão. Em forma.
Capitão – (entrando) À vontade. Tenente, que novidade há?
Tenente – O 306 baixou hospital e há uns quinze camaradas com dispensa da chamada.
Piolin – Saiba, meu capitão, que o 34 machucou um pé.
Capitão – Entra em forma, seu estúpido!
Visconde – Meu capitão, papai mandou pedir a Vossa Senhoria que me conceda licença
para ir ao dentista “abeturar” um dente que está com a clavícula um tanto abalada.
Capitão – Entra em forma, seu clavícula de uma figa!
Piolin – Aí... levou um carão!
Capitão – Silêncio! Tenente, recolha essa gente ao alojamento e venha ao meu
gabinete. (fazendo chamada) Número 1!
1º. Soldado – Pronto, meu capitão.
Capitão – Em forma. Número 2.
2º. Soldado – Pronto, meu capitão.
Capitão – Em forma. Número 3. (Piolin) Número 3! Seu estúpido, é com você que eu
falo!
Piolin – Isso de estúpido é com você.
Capitão – Piolin!
Piolin – Ah! É comigo? Desculpe, Capitão.
Capitão – Um passo à frente.
Piolin – Como vai o senhor? Está bem?
Capitão – Em forma, seu animal.
Piolin – O animal é você.
Capitão – Silêncio! Tenente, recolha essa gente. (sai)
Tenente – Sentido! À direita, volver!
Piolin – Aí, pessoal! Vocês estão todos errados...
Tenente – Vire para lá, seu camelo! Em frente, ordinário, marche! (saem marchando;
entram Alberto e Jorge)
Alberto – Olá, Jorge! Então tiveste três dias de descanso...
175
Jorge – É verdade, e durante a minha viagem fiz uma conquista de mão cheia... Que
mulher, meu amigo, um anjo de candura.
Alberto – Bonita, hein? Conta-me as tuas aventuras. Sempre te conheci como um
conquistador do belo sexo.
Jorge – Durante a viagem trocamos olhares. E numa estação sentei-me ao pé dela, e
consegui dar-lhe um beliscão no cotovelo.
Alberto – E ela correspondeu-te?
Jorge – Ora, tu sabes como são as mulheres...
Alberto – Então pegou?
Jorge – Ainda perguntas! Ao saltar, ela deu-me a perceber que morava por estes lados.
Alberto – Bem, deixemos a sua conquista e vamos tratar da obrigação.
Beatriz – (entrando) Até que afinal te encontro, Alberto!
Alberto – Beatriz! Tu aqui?
Beatriz – Sim, sou eu. Então isso são coisas que se façam? Há três dias que não me
apareces em casa!
Alberto – Sim, é... Que diabo hei de dizer-lhe?
Jorge – Quem é essa senhorita?
Alberto – Esta é... é... a minha esposa. Beatriz, apresento-te o meu amigo e colega
Jorge.
Beatriz – Muito prazer em conhece-lo.
Jorge – Outro tanto, minha senhora. (Capitão fala fora de cena)
Alberto – Ô diabo, agora o Capitão.
Capitão – (entrando) Que é isto? Uma mulher no quartel?
Jorge – Meu capitão, apresento-lhe a esposa do Sargento Alberto.
Alberto – (à parte) Agora é que vai tudo raso!
Capitão – Sim, senhor, tenho a dizer-lhe, meu sargento, que tem uma esposa bastante
elegante. Mês parabéns! Veio, naturalmente, visitar o quartel. Minha senhora já conhece
o quartel?
Beatriz – Ainda não, Capitão.
Capitão – Sargento Alberto, dá-me licença para que mostre à sua esposa o quartel?
Alberto – Sim, Capitão. Mas...
Capitão – O seu braço, minha senhora.
Alberto – Mas, Capitão, essa senhora...
176
Capitão – Não se aflija, eu terei o cuidado de dizer a todos que é sua esposa. Vou lhe
mostrar os cavalos.
Beatriz – Até já, Alberto. (atira-lhe beijos)
Capitão – À vontade, eu não reparo. (saem)
Alberto – Bonito. Atira-me beijos e vai com o Capitão ver cavalos...
Jorge – Não tens confiança em tua esposa?
Alberto – Ora, não me aborreças com essa história de esposa.
Jorge – Tu com a tua esposa,e eu com a minha companheira de viagem, hein? Com essa
história de esposa e companheira de viagem esquecemos do serviço. Vamos trabalhar.
(saem)
Clarinha – (entrando) Como é triste um quartel, parece até um convento. Três dias
depois de casada, ser obrigada a vir procurar meu esposo aqui. Ele está fazendo 28 dias
de serviço. Passarei aqui também os 28 dias.
Jorge – (entrando) Ela! A minha companheira de viagem!
Clarinha – Oh, Sargento Jorge, queira me dizer onde está o Sargento Alberto.
Jorge – A senhora conhece-o?
Clarinha – Sim, e desejo falar-lhe.
Jorge – Eu o chamarei. Ah, é verdade, ele agora não lhe pode atender.
Clarinha – E qual a razão?
Jorge – Ele está lá dentro com a esposa, que veio lhe procurar.
Clarinha – Com a esposa!
Jorge – Sim. Admira-se? A esta hora anda ela vendo os cavalos.
Clarinha – Mas, não compreendo.
Jorge – Vai já compreender. Ei-lo aí.
Alberto – Clarinha, tu aqui? Minha querida...
Clarinha – Não se aproxime! Eu sei tudo. Com que então o senhor anda mostrando os
cavalos à sua esposa?
Alberto – Hein?
Clarinha – Sim, e devo tudo que sei à gentileza deste cavalheiro.
Alberto – O que? Então foste dizer a ela que aquela é minha esposa? Sim senhor...
estou bem arranjado! Esta é que é a minha esposa!
Jorge – O que? Duas? Meu caro, esta é a minha companheira de viagem.
Alberto – Então esta foi a tal do beliscão? Pois fique sabendo que esta é minha esposa
legítima.
177
Jorge – Não, meu caro, pra cá não pega. Sendo esta a sua amante, não queres que as
duas se encontrem.
Alberto – Mas eu te afirmo que é esta a minha esposa. Queres ouvir da sua própria
boca?
Jorge – Se ela disser, acreditarei.
Alberto – Então ouve. Clarinha, pelo amor que me tens, dizes que és minha esposa para
que esse idiota se convença. Vamos, fala...
Clarinha – Eu não sou a sua esposa! A sua esposa está lá dentro!
Jorge – Ah! Ah! Ah! Ah!
Alberto – Isto é demais! (Capitão fala for a de cena) Bonito, aí vem o Capitão.
Clarinha, não me comprometas, esconde-te.
Clarinha – Daqui não sairei.
Jorge – Minha senhora, agora sou eu que lhe peço: esconda-se!
Clarinha – Pois bem, esconder-me-hei. Mas vou vingar-me. (sai com Jorge)
Capitão – Sargento Alberto, sua esposa espera-o no seu gabinete. Vá.
Alberto – Obrigado, Capitão. (à parte) Que trapalhada! (sai e entra Jorge)
Capitão – Sargento Jorge, alguma novidade?
Jorge – Nenhuma, Capitão.
Piolin – Há sim, meu Capitão.
Capitão – Fale.
Piolin – Seu cavalo teve um filho.
Capitão – Ô burro! Qual cavalo?
Piolin – O cavalo do Capitão.
Capitão – Estúpido! Cala-te, imbecil! Queres dizer a égua que eu monto.
Piolin – Eu não sei se era égua ou cavalo, o que sei é que teve um filho.
Capitão – Cala-te! (a Jorge) Apresentou-se o reservista Ventura?
Jorge – Ainda não, Capitão. (entra o Tenente e entrega ofício ao Capitão)
Capitão – Vejamos o que é. (e sai com o tenente)
Alberto – (entrando) Piolin, vá buscar o fardamento destinado ao reservista Ventura.
Piolin – Cá vou. (sai)
Alberto – Puseste tudo a perder.
Jorge – Qual nada, o que tu queres é que tua mulher não se encontre com a tua amante.
Alberto – E tu a dar-lhe. Esta que daqui saiu é que é a minha esposa.
Piolin – Aqui está o fardamento do tal Ventura.
178
Alberto – Ponha aqui sobre a mesa.
Piolin – Sim senhor.
Ventura – (entrando) Cá estou às vossas ordens!
Jorge – Piolin, leve o fardamento lá para dentro e deixe essa cesta.
Piolin – Bem, já se sabe. (sai)
Alberto – Quem é você?
Ventura – Eu sou o reservista Ventura pasteleiro.
Alberto – E por que não se apresentou ontem como devia?
Ventura – Porque estive doente.
Alberto – E agora, como vai ser?
Jorge – Sei lá!
Alberto – Ah! Eu tenho uma ideia. Você faltou com o cumprimento do seu dever. Por
isso está preso!
Ventura – Meus Deus, eu não faço outra coisa senão ser preso...
Jorge – Bravos! Boa ideia. Isso mesmo, está preso! Siga! (o levam e voltam)
Piolin – (volta acompanhado de Clarinha vestida em farda) Meu sargento, este soldado
quer lhe falar. (sai)
Alberto – Clarinha, você nesses trajes?
Clarinha – Sim, tomei o lugar do reservista Ventura. Até logo, estou bem instruída,
hein Alberto... Até loguinho! (sai)
Alberto – Meu Deus, que trapalhada! Quando o Capitão souber...
Capitão – (entrando) Sargento, chame o Tenente.
Jorge – Sim, meu Capitão. (sai)
Capitão – Muito bem, partiremos amanhã e daremos o primeiro combate daqui a três
dias.
Jorge – (voltando com o Tenente) Pronto, meu Capitão.
Capitão – Reúna a tropa.
Tenente – (indo ao fundo) Sentido! Em forma! (entram todos)
Capitão – Partiremos amanhã para bem longe daqui e em breve daremos combate.
Tenente – Meu Capitão, apresentou-se hoje o reservista Ventura.
Capitão – Qual deles é ele?
Tenente – Eu o chamarei. Reservista Ventura!
Clarinha – Pronto, meu Capitão.
Alberto – Clarinha... meu Deus!
179
Capitão – Sabes montar?
Clarinha – Sim, meu Capitão.
Visconde – Meu Capitão, eu fui ontem ao dentista e tratei do meu maxilar. E o dentista
me disse que eu não podia montar.
Capitão – Entre em forma. Tu tens cara de seres montado.
Piolin – Xiii... outro carão!
Capitão – Silêncio! Em forma. E agora, ao combate! (todos cantam e saem marchando)
180
Rosa – É moça ainda. Só tem 60 anos.
Capitão – Não serve. Arranja-me outro. Vamos, aqui fica o Piolin e o Ventura. (saem)
Rosa – Podem ficar à vontade que aqui ninguém os incomodará.
Piolin – Se quiser ficar também não incomoda nada. (Rosa sai) Toca preparar para
dormir. Estou bem casado. (tira a roupa)
Clarinha – O que vais fazer?
Piolin – Hom’essa, vou tirar a roupa para dormir. Queres que eu durma vestido?
Clarinha – Na minha presença?
Piolin – O que tem isso? Entre nós não há cerimônias.
Clarinha – Proibo-te que tires as calças.
Piolin – Deixe de luxo. Olha, tira a roupa e vem deitar aqui comigo. Está fazendo um
frio de rachar.
Clarinha – Não quero confianças comigo. Eu durmo aqui mesmo vestido.
Piolin – Eu sei porque você não tira a roupa. Você está sem cueca.
Clarinha – Não me aborreça.
Piolin – Deixe de luxo, bobo. Vem deitar. Nós dois cabemos nessa cama.
Clarinha – Já te disse. Dorme tu aí que eu fico aqui.
Piolin – Bem uma vez que não queres, durmo eu. Boa noite.
Clarinha – Boa noite. Ah, senhor meu marido... tudo isso por sua causa...Mas que frio!
Piolin – Bem, eu tenho pena de você. Vem você para cama que eu durmo aí.
Clarinha – Ah! Assim sim...
Piolin – Este Ventura é burro mesmo. Com um frio desse podíamos dormir juntos, mas
não quer agora. Um lá e outro cá. Ele dorme na cama e eu aqui no duro. Nada, ele já
está dormindo e eu vou me deitar com ele. Ventura... Ventura... está dormindo. (deita)
Clarinha – Quem está aí? Oh, seu cachorro! Olha que eu grito por socorro...
Piolin – Você não é nada delicado. O que tem nós dois dormir juntos?
Clarinha – Já te disse que não!
Piolin – Não grita, diabo, que eu não te fiz nada.
Clarinha – Sabe que mais? Eu vou dormir lá dentro. Fica aí sozinho. (sai com as roupas
de cama)
Alberto – Que diabo de barulho é este aqui? Ela, Clarinha.
Piolin – Que grande coisa... levou a roupa de cama. Soldado velho não se aperta. (deita)
Alberto – Lá está a minha querida Clarinha. Vou lhe pedir perdão. Como dorme,
coitadinha. Perdoa-me, querida Clarinha (beija-lhe a mão)
181
Piolin – Que diabo! Passa fora, cachorro! Lambendo a minha mão! Oh, diabo, o
sargento...
Alberto – Bico. Nem uma palavra.
Piolin – Então, senhor, vem alta hora da noite lamber a minha mão? Não, comigo não,
seu sargento...
Alberto – Cala-te! Foi um engano.
Piolin – Mesmo porque eu não sou disso.
Alberto – Quem esteve aqui contigo?
Piolin – Era o Ventura.
Clarinha – Era eu, meu sargento.
Alberto – Piolin, vai dormir no outro quarto e cede este ao Ventura.
Piolin – Mas eu fui escalado para dormir com ele.
Alberto – Nem mais uma palavra. Faz o que te mando.
Pioilin – Obedeço. Oh, Ventura! Cuidado com ele, gosta de lamber a mão da gente.
Clarinha – Não me aborreça.
Piolin – Sim, fia-te na virgem e não corras. Lambão. (sai)
Alberto – Clarinha, acabemos com isso.
Clarinha – Recolha-se ao seu aposento e evitemos um escândalo. Eu não sou Clarinha,
agora sou o reservista Ventura.
Alberto – Pelo amor de Deus...
Jorge – Que diabo de barulho... Lá está o Alberto com a Clarinha.
Clarinha – O senhor é um importuno.
Piolin – Meu sargento, deixa o rapaz sossegado.
Alberto – Cala-te e retira-te.
Piolin – Mas o rapaz não pregou o olho toda a noite...
Alberto – Retira-te.
Piolin – Bem, já se sabe. Lambão. (sai)
Alberto – Clarinha, ou tu me obedeces ou eu faço...
Jorge – Não sejas importuno. Vai cuidar da sua esposa e deixa em paz esta senhora.
Alberto – Isto é demais! Clarinha, confessa que és minha esposa...
Clarinha – Tua esposa é a outra, que o senhor apresentou a este senhor e ao Capitão.
Alberto – Não me posso conter...
Clarinha – Nem eu. (dá-lhe uma bofetada)
182
Piolin – Hein? Uma bofetada no sargento! Que escândalo! Ás armas! Capitão e
soldados! (entram todos)
Todos – O que aconteceu?
Piolin – Foi o soldado Ventura que deu uma bofetada no sargento Alberto.
Capitão – Soldado Ventura, o que fizeste?
Clarinha – Meu Capitão, tive o grande prazer de dar uma bofetada no sargento Alberto.
Piolin – Com certeza o sargento lambeu a mão dele.
Capitão – Camaradas, prendam o soldado Ventura.
Clarinha – Preso, eu? Veremos! (saem correndo)
3º. Quadro
Piolin – (de sentinela) Afinal, o culpado fui eu do Ventura estar preso. Mas que valente
bofetada deu ele no sargento! Quem merecia a bofetada era eu, que bradei às armas.
Agora lá está o pobre rapaz preso. Eu mereço levar umas bofetadas. Eu vou dar em mim
mesmo. Toma, toma! Para não seres mau! Tenho uma ideia. O Ventura.
Clarinha – O que queres?
Piolin – Tu queres sair daí?
Clarinha – Sair? Pra quê?
Piolin – Ô burro! Sair pra ir embora. Queres fugir?
Clarinha – Quero sim. Arranja lá isso.
Piolin – Eu sei que vou gramar com uma solitária, mas salvo um amigo. Ô Ventura,
espera um pouco que eu vou dar um jeito.
Rosa – Bom dia, meu senhor.
Piolin – Ô menina, você aqui? Que sorte!
Rosa – É verdade. Agora procuro sempre os militares, ai, ai...
Piolin – Gosta tanto assim dos militares?
Rosa – Para quê negar... Tenho tanta simpatia pelo militares, ai, ai, ai...
Piolin – Geme, minha negra... Já que gosta tanto dos militares, a menina me podia fazer
um grande favor.
Rosa – Cruzes? Para que?
Piolin – Eu preciso da tua roupa. É para salvar um homem. É o Ventura que está preso e
eu preciso da tua roupa para ele fugir vestido de mulher.
Rosa – Ah, muito bem. Eu vou para casa buscar uma roupa a toda a pressa.
Piolin – Venha cá! Quero te dar uma gorjeta.
183
Rosa – Dinheiro de militares eu não aceito.
Piolin – Não quer dinheiro? Então o que quer?
Rosa – Se quiser, pode me dar um beijo.
Piolin – Um beijo? Meu Deus, há quanto tempo não beijo ninguém... Então lá vai!
Rosa – Ai... Ai... Ai...
Piolin – Menina, acorda, acorda!
Rosa – Já passou... Já passou...
Piolin – Já passou, é?
Rosa – É que não estou acostumada.
Piolin – Quando quiser se acostumar é só me procurar.
Rosa – Bem agora vou buscar a roupa.
Piolin – Vai e volta depressa!
Rosa – Sim. Ai... Ai... Ai... Como são gentis os militares...
Piolin – Essa pequena caiu do céu!
Clarinha – Piolin, que demora é essa?
Piolin – Agora estás com pressa.
Clarinha – Claro. Quero sair daqui.
Piolin – Tu és uma besta! Tudo por causa do teu luxo em não querer dormir comigo. O
resultado é esse.
Rosa – Pronto, o vestido.
Piolin – Muito obrigado. Agora quero te pagar o favor. Não, vai que ela desmaia e
aparece o sargento e olha a encrenca!
Rosa – Bem, uma vez que já lhe servi, eu me retiro. Adeus. Ai, ai, ai...
Piolin – Ô menina suspirosa... Bem, agora tratemos de levar a roupa ao Ventura. Ô
Ventura! Toma lá e veste-se depressa.
Clarinha – Obrigado. Deus te pague. (Alberto e Jorge entram)
Alberto – O que fazes aqui?
Piolin – Estou de guarda ao preso Ventura.
Alberto – Vai-te embora.
Piolin – Qual! O Ventura é mesmo um caipora. (sai)
Alberto – Agora é preciso salvar a Clarinha. Clarinha!
Jorge – O que vais fazer?
Alberto – Vou dar-lhe liberdade. Aconteça o que acontecer. Clarinha, saia.
Clarinha – Aqui estou.
184
Alberto – Com esse traje?
Clarinha – Foi o Piolin que me deu. Agora volto para casa de meu pai. Chame a tua
esposa para te salvar. (sai)
Alberto – Clarinha, ouve-me. Qual, está tudo perdido...
Ventura – Pronto, cá estou às vossas ordens!
Jorge – O pasteleiro? Que queres?
Ventura – É que eu sai da prisão e me deram esse fardamento. Aí vim me apresentar.
Alberto – Este é que vai salvar a situação. Você está preso.
Ventura – Meu Deus! Quando é que eu acabo de ser preso?
Jorge – Não quero conversa.
Alberto – É isso mesmo, marche para a prisão. Ah, ah, ah, está salva a minha situação.
Jorge – Ainda não. Olhe quem vem aí.
Beatriz – (entrando) Alberto, apesar do pouco ou nenhum conforto, tenho passado
muito bem.
Alberto – E eu muito mal.
Beatriz – Sim, é verdade. Eu tenho notado uma certa preocupação no espírito.
Alberto – Ouve-me, Beatriz. Tu não podes permanecer aqui por mais tempo.
Beatriz – Não sei porque. Todos os teus colegas tratam-me com distinção. Então o
Capitão! Esse me trata de uma maneira tão cativante...
Alberto – Mas isto aqui é lugar para homens e não para senhoras. (Capitão fala fora de
cena)
Jorge – Aí vem o Capitão. (entra o Capitão, o Tenentes e os soldados)
Capitão – Meus senhores, acabo de saber de um fato que muito me aborrece. Acabo de
saber que aqui no regimento existe uma mulher.
Alberto – Sim, meu Capitão. Aqui está ela.
Capitão – Sim, mas esta é a sua esposa. A mulher a que me refiro é um soldado.
Jorge – Um soldado.
Capitão – Sim, uma mulher que aqui assentou praça.
Todos – É extraordinário!
Capitão – Senhor Tenente, manda proceder uma revista no regimento a fim de ver se
descobre a mulher soldado.
Tenente – Sim, meu Capitão.
Piolin – Meu Capitão, este soldado quer lhe falar.
Capitão – Fale.
185
1º. Soldado – Venho lhe dizer que o reservista Ventura não é homem, é uma mulher.
Capitão – Eu não disse? Sargento Jorge, traga à minha presença o reservista Ventura.
Jorge – Reservista Ventura, queira sair!
Ventura – Ora, graças a Deus.
Jorge – Pronto, meu Capitão. Este é o reservista Ventura.
Piolin – Perdão, mas este não é o Ventura.
Alberto – Cala-te, burro!
Capitão – Então você é mulher?
Ventura – É mentira, meu Capitão. Eu sou homem.
Capitão – Você não é homem, é mulher.
Ventura – Meu Deus, eu sou homem.
Capitão – Ou tu confessa que é mulher ou mando te meter no calabouço.
Ventura – Então eu devo confessar uma coisa que não sou? O Capitão pode mandar me
examinar.
Capitão – Confessa que é mulher.
Piolin – Confessa, meu bem.
Ventura – Eu não sou mulher.
Capitão – Está provado que o soldado Ventura é mulher.
Ventura – Qual provado nada. Eu já disse e repito que não sou mulher.
Piolin – Diz logo que é mulher. Aqui no quartel tanto faz a gente ser mulher ou homem.
Capitão – Basta olhar para ele para ver que é mulher vestida de homem. Querem ver?
Ande para ali. Veem? É mulher ou não?
Ventura – Mas que mania...
Capitão – Vamos, confessa de uma vez que és mulher ou tu irá para o calabouço.
Todos – Confessa!
Ventura – Pois bem. Como não quero ir para o calabouço, eu confesso. Sou mulher.
Capitão – Ora, até que afinal confessou.
Todos – Confessou!
Piolin – O pasteleiro é mulher. (entram Clarinha e o Tenente)
Tenente – Meu Capitão, aqui está esta senhora que ia fugindo do acampamento.
Piolin – Olha, este que é o Ventura.
Alberto – Cala-te, animal.
Capitão – Como se explica isso, minha senhora?
186
Clarinha – Eu me explico, senhor Capitão. Eu sou a esposa do sargento Alberto, casada
apenas há três dias quando partiu para o regimento. E como quisesse acompanhar meu
marido, tive a fraqueza de me disfarçar em soldado Ventura. Se fiz mal, dê-me o castigo
que merecer.
Piolin – Xiii! Por isso que ele não queria tirar a roupa. O que vale é que eu sou um
soldado honrado.
Capitão – Então foi a senhora que deu a bofetada no Sargento Alberto?
Clarinha – Sim senhor, tive esta satisfação.
Capitão – Vamos a saber. E aquela senhora, quem é então?
Clarinha – Essa senhora que aqui passava por esposa de meu marido eu não conheço.
Capitão – Sargento Alberto, como se explica isso?
Alberto – É que... é que eu queria lhe explicar que não era minha esposa, mas o senhor
não me deixou explicar e daí a confusão.
Beatriz – Minha senhora, se seu marido houvesse dito que era casado eu não o
procuraria.
Piolin – Que escândalo!
Capitão – Sim senhor. E tudo isto dentro do quartel.
Alberto – Meu Capitão, sou culpado, castigue-me. Lavre a sentença que a cumprirei.
Capitão – Muito bem, vou lavrar a sentença. Ouçam: Alberto e sua esposa estão
perdoados.
Alberto – Obrigfado, meu Capitão.
Capitão – O soldado Ventura, o pasteleiro, está reconhecido que é homem.
Ventura – Viu, eu sempre disse que eu era homem. Logo que eu nasci a parteira disse
que eu era homem.
Piolin – Mas desta vez a parteira se enganou...
Beatriz – Uma vez que o Alberto é casado, vou atirar-me no rio.
Piolin – Não faça isso, a água está gelada.
Jorge – Minha senhora, se quiser aceitar a companhia deste seu humilde criado,
ofereço-lhe o meu braço.
Beatriz – Aceito. Afinal, tudo é Sargento.
Visconde – Meu Capitão, dá-me licença para eu ir ao dentista “abturar” este dente que
está abalado?
Capitão – Entre em forma, seu bestalhão! (Rosa entra com enfermeiras)
187
Rosa – Senhor Capitão, eu gosto tanto dos militares que venho pedir-lhe para seguir
como enfermeira.
Capitão – O seu pedido será atendido. Uma vez que está tudo harmonizado, toca a
marchar. Senhor Tenente, tome conta do mpelotão. Eu baixo enfermaria.
Todos – Ao combate! (saem todos cantando).
244
O pedido de censura é da Companhia de Teatro Cômico e foi feito em 19 de maio de 1931, sendo
liberada a peça sem cortes. Nela, Piolin interpreta Aquiles (no original, Achilles), que teve seu nome
mantido por ser parte da trama.
188
Marieta – Porque sim! São uns miseráveis que enriqueceram vendendo feijão bichado,
batata podre e banha rançosa! O patrão foi carroceiro na Estação da Luz; a patroa é filha
de um açougueiro. Verdadeiros tubarões! Com a guerra ganharam o que quiseram.
José – É isso! A guerra limpor muito sujeitinho!
Marieta – Agora com criados, vestidos de seda e de veludo, meias de baguette,
automóveis. E pensar que andavam descalços há poucos anos!
José – Viva a guerra!
Marieta – E como se isso não bastava, morre o pai da patroa e deixa-lhe quinhentos
contos líquidos!
José – Que lindo! Se eu tivesse quinhentos contos, daria quinhentas cambalhotas!
(abraça-a)
Marieta – Ché! Ché! As mãos no seu lugar! Já te disse: antes do jantar, nada!
José – Sim, meu amor, e te garanto que se encontro quem me dê quinhentos contos me
caso logo! (abraça-a forte e sai)
Marieta – Fique quieto, malcriado! Me fez arrebentar a liga! (descobre a perna e sai)
189
Aquiles – Basta, basta, por favor... não vê que estou em jejum...
Marieta – Coitado, quem tudo quem nada!
Aquiles – É isso mesmo! A um tudo! A outro nada! E eu que sou socialista! E há tantos
como eu por aí! E viva o bolchevismo! Você é socialista? Muito bem! Então o que é teu
é meu e o que é meu é teu. Está bem assim?
Marieta – Não senhor, não está bem! Eu consigo não quero nada. (à porta) Senhores,
chegou o afinador!
Aquiles – Então me deixa aqui?
Marieta – Escuta, seu morto de fome, porque você não pensa em trabalhar, em vez de
pensar em socialismo, bolchevismo e o diabo que o carregue? Ideias não enchem
barriga e com essa fome que tens não vais longe! (sai rindo)
Aquiles – Oh! Nunca! A minha fome é só na barriga! Oh! Mas que cheiro delicioso que
vem da cozinha!
190
Silvia – Troxeram este bilhete para o senhor.
Pascoal – Deixa eu ver. (lê) ca... ca... carro...
Aquiles – Nem sabe ler e tem automóvel! Oh! Tubarão! (bate no piano)
Pascoal – Oh! Seu Aquiles, não estrague o piano!
Aquiles – Desencalhou-se as cordas que estavam encalhadas!
Pascoal – Encalhou, desemcalhou, mas o que é afinal?
Aquiles – O navio da carteira
Pascoal – Ângela, essa não... que destines a leitura. Lê você.
Ângela – É do Barão Mostarda, que não pode vir porque está com a senhora doente.
Pascoal – Logo o Barão! E não temos nenhum nobre sem mostarda? Assim Gabriel dirá
que não conhecemos mesmo nenhum nobre!
Ângela – Que azar! Então quantos somos à mesa?
Pascoal – Digo logo! Três nós, quatro os Gabriel e o advogado e são oito, dois
Scarponi, o cavalheiro Pomi, e são onze, seu Bartolo e senhora, treze e mais nada!
Ângela – Treze? Uma mesa com treze pessoas? Você está louco! Aí não sento! Esse é
um número azarento, eu não me sento. Vê como te arranja senão vou me despir.
Pascoal – Que azar, que caso sério! Precisamos convidar outra pessoa!
Ângela – Sim. A esta hora?
Silvia – E se convidarmos seu Aquiles?
Ângela – Boa ideia.
Pascoal – Vocês perderam o juízo. Fazer sentar à nossa mesa um miserável afinador!
Ângela – Ora, nós diremos que é um conhecido recente. Um nobre que conhecemos na
estação de banhos! Tanto ninguém o viu por aqui.
Pascoal – Está bem! Mas precisamos dar-lhe um título. (chamando) Seu Aquiles! Oh,
seu Aquiles!
Aquiles – O que há?
Pascoal – O que tem a fazer hoje?
Aquiles – Pouco. Afinar o piano e berço!
Pascoal – E se lhe pedisse de ficar conosco?
Aquiles – Fazer o que?
Pascoal – Ora, fazer o que! Comer bem e passar a noite aqui.
Aquiles – O senhor está brincando... Eu? Sentar na mesa consigo? Em sua companhia?
Pascoal – Senhor Aquiles, preciso que faça o número 14.
Aquiles – Pode procura-lo na estação!
191
Pascoal – Não é de carregador que eu preciso. É que nós somos treze à mesa, e como
esse número é de azar, é preciso, compreenda, é preciso que o senhor perfaça o número
14.
Aquiles – Ah, é por isso que me convida, só por interesse. (à parte) Não me convém.
Pascoal – Venha, não se faça de rogado! Olhe, lhe dou também vinte contos.
Aquiles – Vinte contos!? (à parte) Eu teria aceitado até de graça. Mas meu caro senhor
Pascoal, como é que vou me apresentar com estas roupas?
Pascoal – Mas esta calça não está mal.
Aquiles – E o paletó? Não tens por acaso um paletó, um smoking, um fraque?
Sílvia – Papai, porque não lhe empresta o fraque do titio?
Pascoal – Ótimo! Vai busca-lo no guarda-roupa. E o senhor, seu Aquiles, arranje-se do
melhor modo possível. Faça lhe emprestar umas luvas, um chapéu, enfim, ponha-se na
moda!
Ângela – Decerto. Vamos apresenta-lo a todos como o Marquês Aquiles Casca.
Aquiles – Ah, isso não! Eu sou contra a nobreza! Por vinte contos miseráveis eu não
vou trair os meus ideiais!
Pascoal – Venha cá, oh ideal! Então te dou vinte contos, um jantar de príncipe, te faço
nobre e ainda achas pouco? Dou-te um fraque por cima!
Aquiles – Ah, com o fraque eu aceito!
Ângela – Então, depressa, volte logo. Sílvia, dá-lhe o fraque. Eu vou fazer um pouco de
toilette e ver se tudo está em ordem. (sai)
Sílvia – Seu Aquiles, vou mandar entregar-lhe o fraque. Adeus, oh! Casca! (sai rindo)
Pascoal – Eu vou ver como vai a cozinha. Ah! Recomendo muito cuidado à mesa. Não
comeces a soltar besteiras como de costume. (sai)
Aquiles – E dizem que eu sou trouxa! Oh! Minha barriga! Chegou o dia da tua
felicidade! (sai dançando)
Cena 4 – Marieta, depois Ângela, Pascoal, Sílvia, Julieta e Gabriel, Conceição e Ida.
Marieta – Patroa, chegou a família Gabriel.
Pascoal – Oh! Meu caro Gabriel!
Gabriel – Oh! Pascoal, cada vez mais forte... Senhora...
Ângela – Boa noite. (Todos. Boa noite, como vão, beijos, apertos de mão) Sentem-se.
Conceição – Ao que parece somos os primeiros.
Ângela – É verdade. Mas chegarão os outros!
192
Julieta – Chegar os primeiros! Que vulgaridade!
Sílvia – E por quê? Alguém deve chegar antes?
Julieta – Mas cale a boca, tu não entendes nada de chique, de moda e de sociedade. Não
é verdade Ida?
Ida – Bien te bien.
Sílvia – (à parte) Oh! Francês bravo, meu Deus!
Conceição – Muito obrigado pelo convite.
Ângela – Oh! Por favor! Mas deve adaptar-se, sabe. Comida de família, modesta de
pobre como nós!
Julieta – (à parte) Que palavras de vulgaridade, que gente.
Conceição – A nossa casa, Ângela.
Julieta – Ah! (surpresa)
Ângela – Por que suspiras?
Julieta – Porque estou triste, penso no meu ideal!
Conceição – Desdq eu saiu do colégio é só suspiro.
Ângela – Na sua idade só deve rir e brincar.
Julieta – Quando se tem um pensamento fixo, não se tem vontade de brincar. (faz cena)
Gabriel – E quem são os convidados?
Pascoal – Braz Acaccio e senhora.
Gabriel – Oh! Conheço-os muito. Bravo, bravo.
Pascoal – O comendador Pomi
Gabriel – Aquele simpático do Pomi, somos amigos de há muito.
Pascoal – O cavalheiro Scarpini e senhora.
Gabriel – Somos como irmãos.
Pascoal – (à parte) Mas este conhece todo mundo. Vamos ver se conhece também o
afinador. E depois um conhecido novo, o ilustre Marquês Aquiles Casca!
Gabriel – Casca, o marquês Casca? Mas nos conhecemos no Rio. Não é verdade,
Conceição?
Conceição – Decerto. Somos íntimos do Marquês Casca.
Ângela – (à parte) Mas que cara dura, meu Deus.
Pascoal – (à parte) Este é amigo até do imperador do Japão!
Sílvia – E pensas sempre nele?
193
Julieta – Sempre, sempre. Ele veio diversas vezes como afinador... e me olhava de um
modo... Mas eu estou certa que ele fingiu ser um simples operário, só para me ver. E se
não me engano um dia eu o vi fardado de militar, montado num belo cavalo.
Sílvia – Deveras?
Julieta – Sim, deveras, e eu não posso esquecê-lo. Não posso.
194
Bartolo – Doutor, eu sou um infeliz.
Adolfo – O senhor quer brincar...
Bartolo – Infeliz, sim, infeliz!
Adolfo – Mas o que diz? A senhora Adele e com quem?
Bartolo – Isso eu ainda não sei, mas não tardará para descobrir tudo! Leia isto em
segredo. (dá o bilhete)
Adolfo – (à parte) O meu bilhete.
Bartolo – Está convencido agora? E nem tem coragem de assinar, o velhaco! Pôs
somente um A. Mas eu o descobrirei, sim, e quando o tenha descoberto, o farei em
pedaços, compreende, em pedaços. (maltrata Adolfo)
Adolfo – Calma, que culpa tenho eu?
Bartolo – Desculpe! È o nervoso que não me deixa. Mas quero desafogar consigo. O
doutor é meu único amigo, em quem tenho mais confiança.
Adolfo – Então deixe por minha conta.
Ângela – Enquanto esperamos os outros convidados, vamos tomar um aperitivo!
Todos – Com prazer! Vamos! (saem)
Ângela – Pascoal, tenho certeza que o comendador não vem mais e então com o
afinador seremos 13 à mesa.
Pascoal – Mas quem disse que o comendador não vem?
Ângela – A senhora Adele.
Pascoal – Então torna-se inútil a presença do afinador. E ele que já vem aí.
Ângela – Manda-o embora, porque sendo 13 pessoas à mesa eu não sento! (sai)
Pascoal – Ufa! Já está me aborrecendo este negócio!
195
Aquiles – Então me manda embora de jejum, depois de fazer toda esta toilette, e depois
que até tomei purgante. E agora, para onde vou? Mas sabe que se não me fazem jantar
eu faço sair pelo nariz tudo o que vocês comem? Essas são tratantadas, próprias de
gente sem caráter. Oh! Mas eu sou um revolucionário, eu faço uma revolução, eu vou
embora mas quebro tudo, escangalho tudo, faço vir o fim do mundo. (sai gritando e
ouve-se um forte barulho)
Todos – Mas o que é isso?
Pascoal – Nada! Foi o vento!
Bartolo – Doutor, tenho uma ideia. O sedutor não seria Scarponi?
Adolfo – Não, ele chama-se José.
Bartolo – É verdade. E a carta está assinada com um A. Oh! Mas eu não entendo mais
nada. A dor de cabeça não me deixa um instante.
196
Ângela – Arranja-te como quiseres, mas lembra-te que com 13 pessoas à mesa eu não
sento.
Pascoal – Estou até com vontade de ir passear. Oh! Que inferno!
197
Ângela – Bem, Pascoal, o que arranjou?
Pascoal – Tudo. O Aquiles será anunciado agora.
Ângela – Antes assim. (entram todos)
Gabriel – Vou fazer um pouco de música.
Ângela – Não, não! A mesa já está posta.
Pascoal – Um pouco para esperar o Marquês Casca. E não sei explicar como um
homem tão pontual ainda não tenha chegado.
Bartolo – Mas quem é esse marquês?
Ângela – Um conhecido do ano passado, uma pessoa distintíssima. Estivemos em sua
residência. Uma vida realmente principesca.
Bartolo – Doutor, minha mulher mudou de cor. Que seja esse marquês o velhaco?
Adolfo – Mas, eu não sei.
Marieta – Chegou o afina... o Marquês Casca!
Pascoal – Finalmente! Adentre senhor Marquês!
Aquiles – Oh! Meu caro Pascoal, perdoa-me se tardei um pouco, mas estive em
conferência com três deputados e um ministro... (Bartolo olha-o mal) ...e dois senadores
para estudar uma nova lei que talvez... (à parte) Mas o que este freguês quer comigo?
Julieta – (à parte) Oh! Meu Deus! É ele! É o afiunador que vinha ao colégio. Eu bem
que adivinhava que ele era um nobre disfarçado.
Pascoal – O Marquês Casca, os senhores Pernichelle (apresentando) e a senhorita
Julieta Pernichelle.
Aquiles – Muito simpática a senhorita.
Julieta – (à parte) Imprudente? Por que veio aqui?
Aquiles – Hom’essa, eu sou convidado.
Julieta – (baixo) Eu sei que o amor o torna audacioso, mas afaste-se que nos estão
olhando.
Aquiles – (baixo) Esta se não é louca pouco falta. (percebendo que Bartolo o segue com
olhares de ódio) Mas que diabo quer esse homem? Será que eu caí num hospício?
Bartolo – (a Julieta) Senhorita, conheces este Marquês?
Julieta – Sim.
Bartolo – Mas é a primeira vez que vem aqui.
Julieta – Sim, veio ver a mulher que ama.
Bartolo – Ah! É ele. Esta vez não me escapa. (pausa) Doutor, este é o velhaco, estou
certo.
198
Adolfo – Mas não faça escândalo. Acalme-se.
Aquiles – Mas o que quer este freguês? Ah! Entendi. De certo tem algum piano
desafinado. Vou amanhã.
Bartolo – Não se faça de engraçado! Dá-me a sua carta.
Aquiles – Eu não preciso de carta, sou conhecidíssimo aqui. Sou o Marquês Aquiles
Casca.
Bartolo – Aquiles? O senhor disse Aquiles. Então não há mais dúvidas. O senhor é o A
e ponto.
Aquiles – Mas que ponto, que vírgula. (à parte) Mas que diabo tem esse homem
comigo?
Bartolo – O senhor tem uma linda máquina de escrever. Doutor, diga-me uma coisa: se
sua senhora o enganasse, o senhor mataria o sedutor?
Aquiles – Eu não!
Bartolo – (segura-o pelo pescoço) Como não?
Aquiles – Sim, sim! (à parte) Mas que cobra o picou?
Adolfo – Oh! Mas acalme-se.
Bartolo – Tem razão. Estou calmo. Mas nos encontraremos senhor Marquês. E breve.
Aquiles – Breve, logo, já.
Pascoal – Senhor Marquês Casca.
Aquiles – A casca aqui deixo. O que quer?
Pascoal – As senhoras me disseram que o senhor toca admiravelmente e antes do jantar
queria deliciar as senhoras com umpouco de boa música.
Aquiles – (baixo) Para tocar quero mais 50.
Pascoal – (baixo) Você está louco.
Adele – Marquês, seja bonzinho!
Conceição – Marquês, não se faça de rogado, um noturno de Chopin.
Ida – O que mais lhe agradar!
Julieta – Aquiles, faça-o por mim!
Aquiles – (à parte) Mas quem conhece esta moça? (alto) Mas é bonitinha mesmo. Estou
às ordens! (as senhoras sentam e Aquiles toca)
199
Pascoal – (à Adele) A senhora não vem?
Adele – Desculpe, estou sem apetite.
Ângela – (baixo) Mas se ela não vier seremos outra vez 13. Está visto que eu não devo
jantar hoje.
Pascoal – Eu sabia. Agora faço o senhor Aquiles. (corre)
Ângela – Mas venha ao menos para nos fazer companhia.
Adele – Não, é-me impossível suportar o olhar de meu marido.
200
Aquiles – Nunca vi mais gorda.
Bartolo – O senhor a conhece!
Aquiles – Sim, há muitos nãos!
Bartolo – O senhor ama a minha mulher.
Aquiles – Nem por sombra.
Bartolo – Minha mulher o ama?
Aquiles – Oh raite! Anda caidinha por mim!
Bartolo – Então confessa?
Aquiles – Por força, com esse 32 na frente...
Bartolo – Então o senhor me está atravessando o caminho.
Aquiles – Vá pela calçada.
Bartolo – O senhor vai acabar com isso.
Aquiles – Acabaremos!
Bartolo – Afogue esse sentimento... destrua as melidicências. E por isso deve...
Aquiles – Mas como?
Bartolo – Deve casar-se. E logo.
Aquiles – Sim senhor. Chame o juiz, o padre, o sacristão.
Bartolo – Muito bem, tenho aqui a senhorita que lhe serve.
Aquiles – Mas não tenho um níquel. Eu sou um pobre afinador.
Bartolo – Eu lhe darei dez contos.
Aquiles – Dez contos! Mas isso é um roubo.
Bartolo – Sílvia, venha aqui por favor.
201
Aquiles – Eu?
Conceição – Sim, o senhor morreu.
Aquiles – Eu disse que ia me acontecer alguma coisa. Morri sem perceber.
Conceição – O senhor quer bancar o vivo, às ordens! Mas eu sei que a minha filha o
ama e se não casar com ela vai ser o diabo!
Aquiles – Outro casamento?
Conceição – Então estamos entendidos! O senhor, sob disfarce, roubou o coração da
minha filha e agora deve casar-se, caso contrário faço-lhe um presente terrível.
Aquiles – A senhora também tem um 32.
Conceição – Um 32 não. Seria um prazer para si. Tic-tac, dois tiros e pronto. Não, não.
É muita honra.
Aquiles – É engraçado! Muita honra morrer com dois tiros!
Conceição – (mostra um garfo) Sabe o que é isto?
Aquiles – Pipermint.
Conceição – Não, é vitríolo.
Aquiles – Vitríolo?
Conceição – O vestido queima lentamente, febrilmente e faz sofrer horrivelmente.
Aquiles – Obrigado, miseravelmente, desgraçadamente.
Conceição – Por isso, desposará minha filha ou lhe atirarei com todo este líquido e lhe
queimará o nariz, os olhos, a boca e o resto. Até logo, nenê. (sai)
Aquiles – Adeus, peste. Mas quanta novidade... Mas quem conhece esta gente...
202
Julieta – Qual adolescência. Verás o tesouro que eu sou.
Aquiles – Olhe, queres um conselho? Vá até o quilômetro 111 e pede hospedagem.
203
Adele – Conheço eu. É um bom moço e desfruta de uma discreta posição.
Bartolo – E como estou certo agora da fidelidade de minha mulher, dou-lhe o lugar de
caixa no meu escritório.
Aquiles – Seu Gabriel, combinamos ou não este casamento?
Gabriel – Pois se se amam, faça-se a vontade de Deus.
Aquiles – O céu m’a deu. Esta é minha.
Mariana – (entrando) E o meu namorado que há mais de dois dias que eu não vejo?
Será que aconteceu alguma coisa entre ele e papai?
Marietta – O Piolin também anda sumido, assim que eu lhe ponha os olhos em cima há
de me pagar! Vou lhe dar um puxão de orelhas, que se lembrará por toda a vida.
Mariana – Eu vou telefonar a José para saber o que há. (ao telefone) Alô, quem fala?
José? O que é que houve que você desapareceu? O papai? Não, ele é muito míope e não
tem perigo. Venha até aqui e combinaremos melhor o que temos a fazer. Traga também
o Piolin. Até logo.
Marietta – Eu desconfio que o papai deu uma boia corrida no Piolin.
Libório – (entrando) O que estão vocês fazendo aí ao telefone? Estão namorando, com
certeza.
Mariana – Não papai, estamos dando trote nas amiguinhas.
Libório – Trote coisa nenhuma, isso é desculpa, mas a mim ninguém engana e eu vou
acabar com tudo isso aqui em casa, afim de ensiná-las a serem perfeitas donas de casa.
Vou também arranjar um professor de música, porque só assim vocês terão o que fazer
durante o dia e não perderão o tempo com esses almofadinhas sem eira nem beira.
Marietta – Mas nós já sabemos música, papai.
245
Esta versão foi apresentada ao Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda em 20 de outubro de
1942, com solicitação assinada por Galdino Pinto, pai de Piolin. A peça já havia sido encenada antes
dessa data e não há indícios que corroborem a versão de que contou com a colaboração de Oswald de
Andrade na sua redação.
204
Libório – Mas não tocam coisa alguma, só sabem tocar o telefone para os namorados.
Mariana – Mas que instrumento eu irei aprender?
Libório – Você irá aprender a tocar a flauta, e a Maietta irá aprender a tocar o clarinete.
É um instrumento que eu sempre tive paixão, desde moço.
Marietta – Papai, logo falaremos nisso. O que eu tenho a lhe dizer é que hoje é o dia do
meu aniversário e eu queria que o senhor fizesse uma festinha para que eu pudesse
convidar as minhas amiguinhas.
Libório – Eu já sei, e não tenhas cuidado porque eu já encomendei os doces e já
convidei todos os nosso parentes.
Mariana – Ah, o nosso rico paizinho é muito bonzinho.
Libório – É, mas não é com essas adulações que vocês me embrulham. Bem, eu agora
vou até a agência encomendar para que ponham uma nota nos jornais pedindo uma
governanta e um professor de clarinete. (sai)
Marietta – Mas que ideia de papai querer que eu aprenda a tocar clarinete.
José – (entrando) Pode-se entrar sem perigo de sair corrido?
Mariana – Pode sim, papai saiu. Venha, não tenhas medo.
Piolin – (entrando) Pode-se entrar sem ser batido?
Marietta – Entra meu coração de batata doce. Quantas saudades de você. Por que
desapareceu?
Piolin – O seu pai ontem me pegou no portão e me deu um safanão que me jogou
dentro do açougue, tanto que eu comprei um quilo de linguiça sem precisar...
Mariana – O papai não anda certo da bola, agora cismou que nós temos que ser
guardadas por uma governanta e quer também um professor de música para mim tocar
flauta e a Marietta clarineta.
Marieta – E eu tenho uma ótima ideia para que vocês possam ficar sempre ao nosso
lado.
José – Qual é a sua grande ideia?
Piolin – Lá vem besteira!
Marietta – Muito simples. O papai foi ao jornal por um anúncio pedindo uma
governanta e um professor de clarineta. Ora, o Piolin pode arranjar uma roupa de
mulher e apresentar-se aqui como uma candidata ao emprego e o José pode se
apresentar como o professor de clarineta. Que tal?
Mariana – Ótima ideia! Só assim estaremos sempre juntinhos. José, tu não sabes
música?
205
José – Ah, musica aqui comigo é como manga de colete.
Piolin – Mas eu acho que o José é que devia fazer a governanta, porque a cara dele é
mais jeitosa... Eu fico uma governanta tipo espeto.
José – E você, Piolin, sabe música?
Piolin – Música aqui comigo é joelho de minhoca.
Mariana – Então nada arranjado.
Piolin – Eu vou arranjar a coisa a jeito. Eu tenho um primo que toca clarineta. Eu trago
ele aqui e escondo-o atrás daquele biombo. A um sinal combinado ele tocará a clarineta
fazendo que toco, mas quem tocará é ele. E como o velho é míope, não perceberá a
marosca. Que tal?
Marietta – Não pode haver coisa melhor. Vão já se prepararem e se apresentarem aqui
para falar com o velho antes que apareçam outros.
José – Bem, então vamos. Adeus, meu bom bocado.
Piolin – Adeus, meu bocado bom. (saem)
Libório – Vão se preparar e arranjar a casa porque os nossos parentes não devem tardar
por aí. Os doces já chegaram e as bebidas já encomendei que não demorassem.
Mariana – É num abrir e fechar de olhos que nós aprontaremos tudo. Vai ver só, papai.
(saem)
Libório – Diabo! Queira ser chefe de família... por qualquer coisa é logo uma festinha e
lá se vai um dinheirão sem conta. Ah! Mas eu vou acabar com isso. De agora em diante
terão que se preocupar com a música. Uma será flautista e a outra clarinetista, o meu
sonho dourado. Sempre tive loucura por esse instrumento. (sai) (entra Piolin disfarçado
em professor e José de governanta, trazendo o músico já embriagado)
Piolin – Esse desgraçado é bem capaz de me estragar o pesqueiro, pois o bandido já
vem bêbado.
José – Essa sua ideia vai é nos arranjar uma surra de pau!
Músico – Hacendo o que beber eu fico firme e toco até amanhecer.
Piolin – Tu faça o serviço bem feito que eu darei metade do ordenado que eu combinar.
Músico – Está feito, pode contar comigo.
Piolin – Bem, tu ficarás escondido ali atrás do biombo e o sinal será assim: quando eu
tossir você tocará, quando eu bater o pé você brecará. Compreendeu?
Músico – Combinado. É preciso não esquecer que quando começar a festa você deve
ajeitar uma garrafa de qualquer coisa para mim lubrificar a garganta.
José – Anda ligeiro que aí vem gente.
206
Libório – (entrando) O que deseja o cavalheiro?
Piolin – Eu li um anúncio no jornal pedindo um professor de clarinete, então vim m
apresentar.
Libório – Ótimo! Ótimo! Chegou na hora que eu mais preciso. E a senhora veio em sua
companhia?
Piolin – Sim senhor, é minha prima irmão por parte de um compadre meu.
José – Li também que o senhor precisa quem faça as vezes de governanta. Por isso
venho oferecer os meus préstimos. Eu sou uma moça muito sossegada e tenho muita
paciência para lidar com outras moças.
Libório – Pois muito bem, estou satisfeito em que se apresentassem com preteza e estou
encantado com a sua pessoa. E pode desde já considerar-se como minha governanta.
Quanto ao senhor, desejo que faça de minha filha uma exímia claninetista.
Piolin – Pode contar que sua filha tocará clarinete por informação.
Libório – Como foi que o senhor disse?
Piolin – Que sua filha tocará clarinete na primeira lição.
Libório – Muito bem, vou chama-las para fazer as apresentações. Marietta! Mariana!
Marietta e Mariana – (entrando) Pronto, papaizinho!
Libório – Mariama, apresento-te a nossa governanta.
Mariana – É com o maior prazer que lhe cumprimento.
José – E eu mais ainda.
Libório – Marietta, esse é o teu professor de clarineta.
Marietta – Imenso prazer.
Piolin – Com a mesma data.
Libório – Professor! A minha filha levará muito tempo para tocar clarineta?
Piolin – Depende da embocadura. Não quebrando a palheta e não entortando as chaves,
a música sai sozinha, depende de soprar com fé.
Libório – Eu sou louco pela música, poderá tocar o senhor qualquer coisa neste
momento só para que eu possa aprecias suas habilidades?
José – É agora que vai começar a encrenca.
Mariana – Toque, professor.
Piolin – Eu tenho que tocar senão ele me toca daqui para fora. Pois bem, eu vou tocar
uma lição em si bemol. (Piolin tosse, o músico que está escondido atrás do biombo toca
e Piolin na frente com outra clarineta faz gestos como se estivesse tocando. Ao bater o
pé o músico para.)
207
Libório – Muito bem! Estou encantado, não esperava que o senhor tocasse tão bem.
(Libório tosse e o músico que está atento ao sinal, dispara a tocar. Piolin corre para o
biombo fazendo como se tocasse. Bate o pé, para a música.)
Piolin – O instrumento é novo, de modos que ficaram umas notas encravadas e saíram-
se sem esperar.
Marietta – Papai, já estão aí os convidados. (entram os convidados, homens e
mulheres, comparsaria, cumprimentos, saudações, etc.)
Libório – Meus senhores, tenho a honra de apresentar-lhes o professor de clarineta!
Piolin – Parece que esqueceram a porta do necrotério aberta.
Libório – O senhor Timótheo, professor de flautim. O senhor Archanjo, professor de
violoncelo. O senhor Fileto, professor de trombone e o senhor Serapião, professor de
pandeiro. Agora, o senhor professor fará um discurso de saudação aos presentes.
Piolin – Meus senhores e senhoras, neste momento solene em que eu tenho a honra de
saudar o museu a quem fui apresentado, eu não deixaria de usar da palavra... Sim, meus
senhores... (neste momento Libório tem um acesso de tosse e o músico desanda a tocar.
Piolin sai correndo, pega a clarineta que está sobre a mesa e repete a mesma cena)
Libório – Muito bem! Agora vamos para dentro que vai ser servida a mesa de doces. A
senhora quer dar-me o braço?
José – Obrigada, eu ficarei por uns instantes, pois tenho que combinar com o maestro as
nossas horas de aulas.
Libório – Então não deve demorar-se, senão eu virei busca-la. (sai)
Piolin – O velho parece que está gostando de você.
José – E sabes o que mais? Antes que o negócio se complique eu vou dar o fora.
Piolin – E eu vou ficar sozinho?
José – Aqui só há um remédio. O velho está enamorado de mim de modos que vamos
trocar os papéis, ficando você como governanta. Quando ele te falar em casamento,
você dirá que só se casará com ele se consentir o meu casamento com Mariana.
Piolin – E aí você se casa com ela e eu fico aguentando esse velho? Não, nessa eu não
caio.
José – Qual o quê, depois eu te garanto a zona.
Piolin – Se é assim, vamos experimentar. (trocam a roupa. José sai. Piolin fica sobre o
sofá. Entra Libório)
Libório – Então a minha encantadora governanta ficou sozinha? Não quer tomar um
licorzinho?
208
Piolin – Agradeço a sua bondade mas eu não bebo, só como.
Libório – Diga-me uma coisa: é solteira?
Piolin – Solteirinha da Silva.
Libório – Nunca pensou em casamento?
Piolin – Ah! Os homens são tão maus... E depois quem poderia me fazer a felicidade?
Libório – Pois saiba que eu sou um homem viúvo. Portanto se encontrasse uma criatura
assim como a senhora que quisesse cuidar não só das minhas filhas como de mim, eu
seria capaz de lhe pedir que fosse a minha esposa.
Piolin – Compreendo, quer casar-se comigo. Pois bem, eu só casarei consigo se o
senhor consentir no casamento do professor com sua filha Mariana...
Libório – Se é que se amam, eu consinto.
Piolin – Pois bem. Então vá lá dentro e anuncie o casamento de ambos aos convidados.
Libório – Assim o farei. E depois posso também anunciar o nosso?
Piolin – Agora é que é o aperto...
Libório – Então, o que diz?
Piolin – Está bem, o senhor anunciará o nosso aqui na sala depois do champanhe.
Assim serão duas surpresas.
Libório – Está bem, é para já! (sai e lá dentro ouve-se a voz de Libório que anuncia o
casamento)
José – Graças a Deus que eu consegui o que eu queria!
Piolin – Agora você tem que arranjar o meu.
José – Eu não! Você que se arranje! (sai)
Piolin – Ah! Bandido! Fui enganado! Mas eu é que não me caso com o velho! Espera
lá! (tira o bêbado detrás do biombo e veste-o de mulher; depois, Piolin se esconde no
biombo)
Libório – Meus senhores, tenho mais uma surpresa! Agora vou apresentar-lhes a
minha... ô diabo, este aqui é homem! Que embrulhada é essa?
Piolin – Sim, é homem. Eu quero que consinta no meu casamento com Marietta senão
eu conto que o senhor me pediu em casamente e vai ser outra vergonha...
Libório – Aposto que foi Marietta a autora disso tudo. Está bem, vá lá, eu consinto. E
eu vou ficar só a ver navios?
Piolin – Não, se quer casar aó o tem! Casa-se com o pau d´água!
Mariana – Vamos que o champanhe está na mesa!
Todos – Viva os noivos! Viva!
209
8.5 Piolin, o campeão de futebol246
Comédia em um ato e dois quadros
Abelardo Pinto Piolin
Personagens: José Faria (capitalista), Maricota (sua esposa), João Lasca Faria (irmão
de José), Dulcinéia (sua esposa), Margarida (filha deles), Piolin, Juiz de Paz e escrivão.
Quadro 1
José – Noto com grande desgosto, minha cara Maricota, que de uns tempos para cá,
qualquer coisa te aborrece e que você não é mãos o que era. Tinhas um gênio alegre,
frequentava bailes, cinemas, teatros e circos, e hoje vives num apego a esta casa, que
ninguém consegue tirar-te daqui, nem a mão de Deus padre!
Maricota – O que queres? São coisas...
José – De acordo que sejam coisas, mas estas coisas é preciso que tu mas revele, a fim
de eu por um termo a estas coisas.
Maricota – Não adianta nada eu dizer o que há, porque eu sei perfeitamente que tu não
dás a isto a menor arrumação.
José – Quem sabe? Quem sabe? Vivemos sempre na melhor harmonia. Sempre te fiz
todas as vontades e não será agora, depois de vinte anos de casados que eu irei procurar-
te para implantar a discórdia dentro de casa. Quem sabe se até por uma futilidade
qualquer!
Maricota – Futilidade? É porque não adivinhas do que se trata.
José – Adivinhar, já se vê que não posso, mas você me fazendo ciente, talvez que
empregando os meus esforços, possa conseguir que...
Maricota – Qual! Os teus esforços serão baldados!
José – (à parte) Mas que diabo terá ela que eu não posso atinar? (alto) Ora, quam sabe
se o que te apoquenta é a chegada do mano João?
Maricota – Não.
246
Galdino Pinto, pai de Piolin e seu empresário, solicitou em 5 de janeiro de 1943 as vistas do DDP
dessa peça, presente no repertório desde muito antes. A peça foi liberada com três cortes: o censor achou
malicioso demais o tio caipira ouvir “chutar” e entender “chupá”; baniu a frase dita por Piolin, que achava
que iria ganhar uma bola quando iria se casar (“Eu tenho uma bomba batuta pra encher, ainda mais sendo
nova”), mesma metáfora usada quando afirma “quero ver depois dela cheia”.
210
José – Sim, porque ele é fazendeiro, meio caipirão, talvez te aborreça recebe-lo e
hospedá-lo, ainda mais que vem com a família.
Maricota – Isso me dá grande prazer porque irei conhecer a minha sobrinha, que ainda
não conheço.
José – Então põe o teu coração à larga e deixa-te de tolices, porque, confesso-te, não te
posso ver com essa cara, tão enfarruscada que até me causa horror.
Maricota – Sim, mas...
José – Deixa-te de reticências e abre o teu coração ao teu velho companheiro, de muitos
anos. (lembrando) Ora! Quem sabe se é a falta de um bebê que te faz assim amuada?
Maricota – Não.
José – Se é isso, fale com franqueza que eu saio aí afora, de porta em porta, pedindo um
bebê, como quem pede um cachorrinho.
Maricota – Não temos o Piolin?
José – Sim, mas o Piolin é um rapaz de 18 anos e não pode andar mais no colo, não
satisfazendo assim os teus desejos.
Maricota – Pois, não é ele o nosso enlevo? (à parte) É justamente a ele que eu detesto!
José – É o nosso enlevo, mas não é uma criança. E, além disso, não é nosso filho. É
simplesmente o sobrinho, a quem nós acolhemos por morte de seus pais.
Maricota – Está bem. Mais tarde eu te explicarei tudo. (sai)
José – Aí está o que são as mulheres. Enfumou-se de uns dias e esta parte não explica o
que há e que eu fomente com os meus amuos.
Piolin – (entrando, alegre) Ah! Titio, estou contente! Fiz um treino de primeira ordem!
Havemos de dar uma derrota de mestre!
José – (à parte) Quem sabe se o Piolin sabe do que se trata? (alto) Piolin, senta-te aqui e
vamos conversar um pouco.
Piolin – Pois sim. (senta-se)
José – Diga-me uma coisa: por acaso não sabe o que tem a tua tia que anda de uns dia
pra cá amuada?
Piolin – De certo é porque o pessoal do Rio ganhou de nós, aqui em São Paulo. Mas,
bem feito, formaram um escrete canja!
José – Não é isso. Ela não gosta de futebol. A coisa deve ser muito diverso do que tu
pensas.
Piolin – Então ela está “off-side”. Dá um chute nela que ela entra logo na linha.
211
José – É isto que ando procurando, um meio de pô-la novamente na linha, mas não
posso atinar o motivo porque ela vive amuada.
Piolin – É que o chute que o titio deu não foi em gol, com toda a certeza, apanhou-a de
mau jeito, pegou efeito e bateu na trave.
Piolin – Se ela apertar a defesa, o titio entra com o seu jogo forte e passa um salame
nela.
José – Enfim, vou procurar todos os meios de ver se consigo pô-la nos eixos.
Piolin – É. Faça de conta que o titio representa São Paulo e ela o Rio. Aperta que o jogo
que o senhor faz é gol na certa.
Maricota – (entrando, à parte) Lá está o malvado. (alto) Já voltaste, Piolin?
Piolin – Já. E estou satisfeito porque o nosso treino foi batuta.
Maricota – (à parte) Sempre com a maldita mania de futebol! (alto) Não vais almoçar?
Piolin – Ah, eu estou louco para dar um chute num bife. Com a fome que eu tenho, é
quatro a zero na certa.
José – Então, vamos ao almoço que já está fazendo tarde. E tu, Maricota, trata de
preparar um bom jantarzinho para hoje que o mano não deve tardar a chegar por aí.
Vamos.
Piolin – O titio João vem hoje?
José – Vem.
Piolin – Eu vou me divertir à custa do caipira velho!
Maricota – Não vás fazer asneiras que ele vem com a senhora e a filha.
Piolin – Eu passo o salame na família inteira! Comigo é nove!
José – Vamos ao almoço.
Piolin – É melhor, porque estou com as traves uma encostando na outra! (saem) (Piolin
vai fazendo passes de bola até dar uma marretada na velha)
Maricota – (gritando) Ai, bruto, não vês que me machuca?
Piolin – Eu não fiz gol e a titia já está gritando? (saem todos) (entram João, Dulcinéia e
Margarida, vestidos decentemente mas um tanto exagerados)
João – É aqui mesmo. Eu não podia me enganar. Eu sou traquejado daqui da capital. Já
é três vezes que eu venho aqui, então haveria de errar?
Dulcinéia – Não é haverá que se diz, nhô João, vancê nem fala sabe?
João – Então como é?
Dulcinéia – É uvéra, não é Margarida?
Margarida – Ah! Ah! Não sei, se arranjem lá!
212
João – Vocês também só vivem emendando a gente em qualquer parte. Pensa que eu
sou tão burro assim? Então a troco de que que eles lá no Quebra-Pedra haveriam de
nomear eu para chefe político?
Dulcinéia – Grande coisa é chefe político. Só serve pra arrebanhar eleitor e nada mais.
Margarida – Já pegam meceis com a lenga-lenga.
João – A sua mãe é teimosa que nem potranca impacadera.
Dulcinéia – É capaz de alguém escutar, o que há de falar?
Piolin – (entra, dando um chute na bola) Eh! Bicho...
Margarida – (esconde-se atrás de Dulcinéia) Nossa mãe, vem gente aí...
Piolin – (continua fazendo passes até dar com a bola em Margarida, que cai numa
cadeira gritando)
Margarida – Acudampme que este homem é louco.
Piolin – (reparando) O diabo, desculpe, eu não sabia que os senhores estavam aí.
Desejam alguma coisa?
João – Nós somos irmão do nhô José.
Piolin – Mas que irmandade é essa que eu não conheço? Isso é fal!
João – Nhor não, o irmão sou só eu, esta é a minha mulher e aquela é minha filha. Mas
eu não chamo Wenceslau, o meu nome é João Lasca Faria.
Piolin – Eu pensei que elas também eram irmã do titio. Então, eu é que estou “off-
side”!
Dulcinéia – Nhor não, não me chamo Delaide, me chamo Dulcinéia.
Piolin – (à parte) Ô caipirada chucra. (alto) Então, eu fiz um fiasco, foi mesmo qu dar
uma marreta.
João – Não, não é Marieta que ela chama, é Margarida. (a Dulcinéia) Tem jeito de ser
distinto.
Dulcinéia – Parece.
João – Decerto tem bom emprego aqui na capital. (a Piolin) Que posição é a de mecê?
Piolin – Eu sou “center-foward”.
João – (a Dulcinéia) Viu? É acende fogo, decerto é cozinheiro.
Piolin – (à parte) Ô tio toupeira! (alto) E agora, meu tio, o senhor veio para São Paulo
de uma vez ou veio só a passeio?
João – Não, eu vim só para visitar meceis e volto logo porque eu não acostumo aqui.
Dulcinéia – Deus me livre morar aqui neste inferno, é um barulho do inferno. A gente
para andar na rua tem que andar correndo.
213
Piolin – É, isso aqui é um buraco, o sujeito escreveu não leu, está levando marreta.
Bom, titio, me dá licença que o pessoal está me esperando para o treino.
João – Então hoje que eu cheguei o senhor vai embarcar?
Piolin – Quem é que disse que vai embarcar?
João – Pois você não falou que vai esperar o trem?
Piolin – Não, é outra coisa. Depois eu explico. Até logo. (sai)
João – Que gente atrapalhada essa da cidade.
José – (entra) Ora, viva, o meu mano João. Como vai? (abraça-o)
João – Ora veja como está o mano... está mais moço!
José – Minha cunhada, como vai? Está uma velhota forte!
Dulcinéia – Ora, largue mão de encafuar a gente. (Maricota os cumprimenta)
José – E a minha sobrinha, como está crescida! Que moça bonita!
Margarida – Ora lá, quem perdeu boniteza para eu achar?
Maricota – Isso é modéstia, menina. Geralmente as moças da roça são mais protegidas
pela natureza que as da cidade.
José – Lá isso é. É questão de clima. O ar puro que se respira no campo é muito mais
salubre que esta nossa atmosfera asfixiante e viciada pelos vapores da gasolina.
João – É mesmo. Lá na roça só o que aperrea um pouco a gente é o tar lampeão de
querosene. Quando a gente dorme com a candeia acesa, no outro dia tá com o nariz
barreado de preto que é um inferno.
Maricota – ( que estava conversando baixo com as outras) Pois, menina, descanse que
há de conhecer São Paulo a palmo, mostrar-lhe-ei tudo o que houver de bonito e
interessante para que quando voltarem para sua terra levem uma boa impressão da nossa
linda capital.
João – Pois é, mano, trouxe um dilúvio de dinheiro pra nóis muê aqui em São Pólo. É
verdade. Cumu está crescido o nosso sobrinho. Está um rapaz às direita.
José – É o novo enlevo aqui da casa, peralta como ele só. Faz anos amanhã e eu não sei
que presente lhe irei dar. Quero-o tanto bem, como se fosse meu filho. Enfoim, até
amanhã teremos tempo de pensar no que lhe havemos de dar.
Maricota – Vamos para dentro para descansarem um pouco que devem estar fatigados
da viagem.
João – É, eu tava é querendo toma um banho de assento que eu tô que não aguento
mais.
214
José – Vamos, que tudo se há de arranjar. (vão sair, entra Piolin fazendo escarcéu com a
bola)
Piolin – Eta ferro! Quem ver como é que se dribla os trouxas? Aperta, titio, entra, titia,
aperta a defesa, titio, quer ver eu passar um salame na titia, entra, aperta a linha.
Maricota – Chegou o louco! (para os outros) Vamos embora, senão ele machuca
alguém. (Piolin dá uma marreta em João, que cambaleia)
Piolin – Aguenta firme, velho! (todos fogem e Piolin vai atrás, sempre fazendo barulho)
Quadro 2
João – Pois é, mano, tô satisfeito co tar de São Pólo. Ôta que eu nunca penseu que
houvesse coisas tão bunitas!
José – A nossa capital representa o grão máximo do progresso do Brasil, é o centro
cosmopolita onde se tem a impressão exata de se estar no estrangeiro.
João – E o minino? Cumo é esperto.
José – É verdade. Por falar no menino, eu lembrei-me de uma coisa que estive
pensando.
João – O que é?
José – Ele faz anos amanhã e eu pensei que o presente melhor que eu poderia dar é uma
noiva.
João – É, ela sendo moça e bunita, é um presente de arrancá o couro do cabelo.
José – Descanse que eu não irei arranjar ao meu sobrinho uma noiva que não lhe
agrade.
João – Então o mano já tá di olho narguma?
José – Se já? É uma rapariguinha nova e bonita, que só tem um defeito, mas muito
desculpável.
João – O domado sendo bão o defeito sai à toa.
José – Por essa lado, não há dúvida, porque eu também ajudo-o a domar a esposa.
João – Si é assim, o negócio é bão.
José – Bom em todos os sentidos, porque o rapaz é inteligente, mas é meio estróina. E
quem sabe se casando toma um pouco de juízo?
João – Não ai coisa mió prá quebra castanha de home sem juízo cumo uma muiézinha.
Ainda mais se ela é do cabelo na venta.
José – Pois então, já que o mano está de acordo com a minha ideia, resta agora saber
quem é a mulher de quem eu falo para podermos fazer o negócio sem rodeios.
215
João – Bamo vê quem é a tar.
José – É a Margarida.
João – (admirado) A minha fia?
José – Essa mesma.
João – Uai, então a moda aqui é assim?
José – Assim como?
João – Casá aqui é o memo que escoiê animar no campo? Justô o preço e pronto?
José – Não, é segundo as convenções.
João – Mas nóis num convencionô nada e ocê já tá falando em casá.
José – Por isso mesmo estamos conversando a ver se chegamos a um acordo.
João – I si ela num quizé?
José – Você, com jeito, procurará convencê-la que é um casamento mais ou menos
conveniente, que o rapaz é bem educado e que além de tudo é inteligente, e que ainda
mais, é o único herdeiro de uma fortuna mais ou menos avultada. Só resta saber se a
minha cunhada está de acordo também.
João – Ché! Isso tem que está. Pulero qui tem galo, galinha não canta.
José – Então, estamos de acordo?
João – Qui leve o diabo! Tamo. (Maricota e Margarida entram)
José – Aí vem elas. Tanto melhor, que decidimos esse negócio já.
João – É memo.
José – (a Maricota) Decidi fazer casar o Piolin, o que dizes a isso?
Maricota – Acho bom, só assim nos veremos livres dessa maldita mania de futebol.
José – Ainda bem que és a minha aliada!
Maricota – Mas... e a noiva?
José – Será a Margarida.
João – E se ela quizé o negócio já tá fechado. (a Dulcinéia) E mecê, não tá de acordo
cum nóis?
Dulcinéia – Ué! Não sei. Mecê é quem manda nas suas obrigação.
João – E ocê, Margarida, o que é o que parece de mecê?
Margarida – (envergonhada) Ah! Ah!
Dulcinéia – Largue mão de vergonha e fale logo.
Margarida – Eu não sei, mecê é que sabe.
Dulcinéia – Eu não, qui desrespeito é esse? O marido é pra mecê memo, não é prá mim.
Margarida – Puis então eu caso. U qui tem?
216
José – (contente) Bravos! Então já está tudo decidido. Amanhã é dia do aniversário
dele, e o mano oferece-lhe a mão de Margarida como presente de aniversário.
João – Então, só eu qui tenho de oferecê?
José – É para que ele fique mais satisfeito.
João – Intão quando ele vié eu falo cum ele.
José – É melhor. E falarás a sós, eu não quero assistir a oferta porque eu quero saber se
tens jeito para essas coisas. Ele não deve tardar por aí.
Piolin – (fora) Aleguá, guá, guá...
João – Vamu ver se tenho jeito para tar coisa.
Piolin – (vendo-o) Ah! Titio, foi uma surra. Três na cabeça!
João – Piolin, senta-te aqui, bem pertido, que eu preciso fala com mecê de um negócio
importante. (à parte) Será que ele qué casá?
Piolin – (à parte) O que quererá de mim este tabaréu? (alto) Pois não, titio, sou todo
ouvidos.
João – (à parte) Lá vai truta! (alto) Eu sube que mecê fais anos amanhã.
Piolin – É verdade, nem me lembrava.
João – Pois é, cumo mecê faiz anos amanhã, eu arresolvi dá um presente pra mecê qui
mecê vai gosta muito.
Piolin – O senhor sabe se eu gosto?
João – Ara, quem é que não gosto do que eu vou dá pra mecê?
Piolin – (à parte) Já sei, é uma bola! (alto) Pois, meu tio, eu só tenho a lhe agradecer.
João – Eu e o mano combinemo bem e achemo que o mió presente que nóis podia dá
pra mecê é ela.
Piolin – Eu fico todo orgulhoso.
João – Ela é nova.
Piolin – Isso. Eu sempre gostei de coisas novas.
João – Bunita.
Piolin – É o essencial.
João – Não tem defeito.
Piolin – E se tiver algum defeito, não faz mal. Com a continuação de chutar, ela fica
boa.
João – (à parte) Chupá? Qui negócio é esse?
Piolin – O senhor traz ela cheia?
João – (admirado) Não!
217
Piolin – Não faz mal. Eu encho ela em três tempos.
João – Isso é lá com mecê.
Piolin – Eu tenho uma bomba batuta pra encher, ainda mais sendo nova.
João - É novinha de tudo!
Piolin – Eu sento a cabeça nela qui é um gosto! Eu sou bom na cabeça.
João – O mano já falou qui mecê é bão de cabeça.
Piolin – O titio sabe da minha fama.
João – Eu acho que é um presente bão.
Piolin – Não podia ser melhor. Ela é bem centrada?
João – (confuso) Eu... eu... eu não sei...
Piolin – (à parte) Este tabaréu está querendo me fazer um corner, mas eu passo um
salame nele já. (alto) Se ela for boa é uma delícia para a gente fazer um passe.
João – (à parte) Ele ainda não casô e já tá querendo passa?
Piolin – É, aqui em São Paulo tem cabra é bicho para pegar uma passada. Aquilo é só
fazer a passada, o cabra aguenta com ela e vai embora.
João – (à parte) Mau vai o negóço. Parece que tô vendo minha fia andá passando de um
im um pra cá e pra lá. (alto) Intão aqui mecêis vão fazendo passe sem conta prosa?
Piolin – É. Estamos bem combinados.
João – I si ela num quizé passa?
Piolin – Não lhe dê cuidado que ela passa à força.
João – (à parte) Qui moda feia! (alto) Mais sendo assim eu não dô ela pra mecê.
Piolin – Então, se o senhor tem ciúmes dela, para que vai me dar? Pode ficar com ela.
João – (zangado) Ciúme não! Isso inté era falta de pouca vergonha.
Piolin – (à parte) Com os diabos! Essa agora bateu na trave! (alto) Pois se o senhor não
tem ciúme uma vez que me dá ela para mim, não se incomode com o que acontecer,
porque se eu estraga-la, eu procuro outra.
João – Isso não. Enquanto mecê tiver ela, mecê não pode ter outra.
Piolin – Por que não? Eu posso ter dez ou vinte, e o senhor nada tem com isso.
João – (mais zangado) Se é assim, eu não dou ela pra mecê. Onde é que se viu isso?
Piolin – (à parte) Lá se vai a minha bola! Eu vou passar um salame nesse velho. (alto)
Está bem. Não é preciso zangar. Eu fico com ela só o tempo que o senhor quiser. Mas,
depois o senhor não se zangue se ela estragar logo. Eu levo ela todos os dias no campo,
senão ela mofa.
João – Pode levar onde quizé, ela é sua.
218
Piolin – Está bem, aceito.
João – Então posso arranjá tudo?
Piolin – Mas veja que não vão lhe dar um cobertão usado.
João – Não tem perigo. Os cobertão há de ser tudo novo.
Piolin – Então arrume tudo bem em ordem que amanhã eu quero entrar na posse.
João – Vou falar com o juiz hoje mesmo.
Piolin – (à parte) Até juiz eles vão arranjar? (alto) Deve ser uma entrega cerimoniosa?
João – É negócio feito im regra.
Piolin – Está bem, meu tio, eu vou ver se janto que o treino me deu fome.
João – Pode ir porque eu sei o que é isso. Eu também, quando ando de trem, os
solavancos me dão fome.
Piolin – Até logo, meu tio.
João – Inté logo. (Piolin sai) Esse tar pensava qui eu ia dá minha fia pra ele i ele haverá
de andá aí cum bandão de muié na vista do zóio da cara da gente. Aui, isso não é
galinheiro, não é nada.
José – (entra com Maricota, Dulcinéia e Margarida) Entção, que tal?
João – O negócio teve mar parado.
José – Por quê?
João – Porque ele quiria ela mais quiria também tudas quanta ele arranjasse.
Maricota – Isso é coisa de rapaz, talvez brincadeira.
João – Não, ele tava falando sério e diz que uma só não chega.
José – Isso é pilhéria dele, tomara ele poder com uma só.
Maricota – Minha menina, uma coisa vou te pedir. Quando te casares, vê se tiras a
mania de Piolin de jogar futebol, senão o dia que ele amanhecer de mau humor, é chute
em tudo o que tiver dentro de casa.
José – Essa mania ele tem que deixar.
Maricota – Largar o quê. Ele é muito capaz de nem fazer caso da mulher só mpor causa
do malfado jogo.
José – Ah! Não creio. Com uma mulherzinha nova e bonita como a Margarida, eu acho
difícil. Não é, Margarida?
Margarida – Ah! Tio! Largue mão de aborrecer a gente.
José – (rindo) Então chamar-te de bonita é aborrecê-te?
Margarida – Mecê garra de história, daqui a pouco eu não caso mais.
João – Mecê não infeze ela que senão ela entorna tudo.
219
Dulcinéia – Eu quando era moça, gostava que me dissessem que eu era bonita.
José – Não, que a minha cunhada até agora ainda está um pancadão.
Dulcinéia – Enjoado!
Piolin – (entra com a bola) Eta, ferro! Vou ver se treino um pouco senão domingo eu
estou canja para jogar.
José – Piolin, tu hoje não podes sair.
Piolin – Por quê?
José – Porque é preciso por tudo em ordem para amanhã.
Piolin – Ponham vocês em ordem que eu preciso treinar.
Maricota – Mas Piolin, seja razoável, olha que os teus tios ficam zangados contigo.
Piolin – Se ficarem eu passo um salame neles e eles ficam bons logo.
Maricota – E a tua tia Dulcinéia? E a tua prima?
Piolin – Eu passo salame nelas também!
Maricota – Ô mania.
José – Mas Piolin, fica porque assim ficarás a conhecendo melhor.
Piolin – Não posso. Amanhã, quando ela for comigo para o campo, eu vejo bem a ela.
Eta, ferro! A rapaziada não espera uma surpresa! Ah! O senhor vai ver a todos. Logo
vão querer experimentar para ver se ela é boa.
João – Mas mecê não deixa!
Piolin – Conforme! Sendo meu amigo, não faz diferença.
João – Mas intão aqui é assim?
Piolin – É. Então o senhor pensa que aqui na cidade é como lá na roça? Aqui não há
cerimônia. Cada um experimenta um pouco e depois eu trago ela para a casa e pronto.
José, Maricota e João – Mas...
Piolin – Que mais o quê... eu vou embora que já é tarde.
José – E não convidas ninguém?
Piiolin – Pra que?
José – Para assistirem a cerimônia.
Piolin – (à parte) Quanta formalidade... (alto) Está bem, eu vou convidar.
José – Não te esqueças de avisar que é aqui em casa às quatro da tarde. E você vê lá o
que faz.
Piolin – Não tem perigo. Até logo. (sai imitando passes de bola)
João – Ota rapaz levado da breca!
Maricota – Este tal de futebol deixa este rapaz meio louco.
220
José – Talvez que casado ele indireita.
Maricota – Deus queira que sim, senão é um desastre.
João – Nóis faiz ele toma jeito.
Maricota – Com essa mania de futebol, eu não tenho guarda-louças, espelho, toilettes,
enfim, nada que esteja em condições. Quando menos se espera, lá vem uma bola que
escangalha tudo!
Piolin – (entra zangado) Estão vendo? Por culpa de vocês perdi a hora.
José – Mas isso não quer dizer nada.
Piolin – Não quer dizer nada o que? Vocês, por causa de uma porcaria de entrega à toa,
fazem tanto rodeio que faz a gente perder a hora.
Dulcinéia – Porcaria à toa não. Mecê veja lá como é que fala.
Piolin – Que como é que fala o quê? Vai ver que é uma droga que até já foi de outro e
agora vocês estão aí contando história.
José – (zangado) Piolin, contenha-se!
Piolin – Contenho nada, eu quero ver depois dela cheia, se ela não prestar, eu dou pra
qualquer um aí da rua. Eu não quero saber de drogas comigo. E sabem o que mais? Até
logo. (sai zangado)
João – O negoço não tá cherando bem.
Dulcinéia – Chamá a nossa fia de droga.
José – Não façam conta. Ele é assim violento mas é bom de coração.
Dulcinéia – Mas eu vou tomar satisfação com ele. Isso é demais. Vamo, minha fia.
(saem)
José – Venha cá. Não façam isso.
João – Ô muié do diabo! Tu estraga tudo.
Dulcinéia – Isso mesmo! Pão, pão, queijo, queijo. Vocês vão ver.
Todos – Venha cá, não faça asneira! (saem todos)
Quadro 3
João – Arre! Que custo para acomodar a muié e o rapaz!
José – Isso são coisas que logo passam. O rapaz é meio violento e estroina, mas tem
bom coração e, sobretudo, compreensão. Logo que, com bons modos, se lhe faça chegar
a razão e ele fica que é uma seda.
João – Ele chegô logo, mais a minha véia tava aqui qui parecia um surucucu pintado. Ô
véia danada! Isso quando dá de arranjá é um inferno.
221
José – Faz uma rifa dela.
João – É capaz de ninguém vende os bilhete.
José – Quieto que vem a cunhada aí.
Piolin – (entra com Maricota e vem vestido para o casamento) Titia, que porção de
doce! Pra que tudo aquilo?
Maricota – É pra depois da cerimônia.
Piolin – Eu hoje tomo indigestão.
Maricota – É preciso que se portes com seriedade.
Piolin – Não há perigo. Hoje o escrete é de luxo!
Maricota – Deixa-te dessa mania de tudo meter o futebol. És muito capaz de, na hora
da cerimônia, tu saíres com alguma das tuas.
Piolin – Não há perigo. Eu a recebo com toda a atenção de um homem sério. (à parte)
Mas eu a experimentarei aqui mesmo na sala.
João – Até que enfim, chegou o dia, meu sobrinho.
Piolin – É verdade. E eu estou louco para meter a cabeça nela.
Maricota – O que é isso, sobrinho?
Piolin – O que é isso o que? Não tem nada demais. Eu meto mesmo a cabeça, ela é
minha, eu posso fazer o que quiser.
João – É, mais isso só faiz com poco de jeito.
Piolin – Decerto, que eu não vou a esfolando assim à toa.
Juiz – (entrando com o escrivão) Dá-nos licença?
João – É o juiz e o escrivão. Podem entrar.
Juiz – Chegamos com dez minutos de adianto mas não quer dizer nada. Os nubentes
podem se aprontar com vagar que nós esperamos. Não é verdade, senhor escrivão?
Escrivão – (gaguejando) É... é... ver... verdade.
Juiz – Já vê que não há pressa.
Escrivão – O o no... nosso ju... juiz é... é... con... con.. corda...to.
Piolin – E agora é que endireitou tudo com esse negócio de con... con...
Dulcinéia – (de braço com Margarida, que vem vestida de noiva) É preciso ter juízo,
porque agora vai começar vida nova.
Piolin – (repara, à parte) Ué... a prima vai casá? Quem será o trouxa que vai aguentar
com aquele trambolho?
Maricota – É quase chegado o momento decisivo.
Piolin – (à parte) Eu quero ver a decisão da minha bola.
222
José – Piolin, diz qualquer coisa à tua prima. Ao menos no dia do casamento, mostra-te
um pouco amável.
Piolin – (à parte) Que raio vou eu dizer? (alto) É, prima, meus parabéns. (entram
convidados) Esse time é batuta! Palavra que eu estou com vontade de treinar.
Escrivão – São as... as... pri... primeiras tes... tes...temu...nhas.
Piolin – (à parte) Eu impliquei com aquele sujeito. (entram mais convidados) Esse time
é mais forte.
Escrivão – (ao juis) Senhor ju... juiz... es... tá na... na... hora.
Juiz – Vamos proceder à cerimônia.
José – Vamos, Piolin.
Piolin – Vamos onde?
José – À cerimônia.
Piolin – Tragam-na aqui.
José e João – (trazendo Margarida) Aí tem o seu presente!
Piolin – (à parte) Ué, que presente é esse?
João – Acho que mecê sai bem servido.
Piolin – Mas...
João – E se mecê num quizé é porque é muito trouxa.
Piolin – O presente, então é esse?
José – E te parece pouco?
Piolin – (à parte) Agora quem está “off-side” sou eu. (alto) Mas então não era uma bola
que iam me dar?
João – Não, era a minha fia.
Piolin – Mas, titio, isso é falta!
Juiz – Vamos, que eu tenho mais o que fazer.
Escrivão – É... é... isso mesmo.
Piolin – Mas eu não quero entrar nesse jogo.
Juiz – Agora já está quase tudo feito. Creio que...
Escrivão – É... é... está qua... quase...
Piolin – Mas, titia...
Maricota – Ou você se casa ou nós te deserdamos e ficarás na rua sem ter onde cair
morto.
Piolin – Mas isso é o mesmo que um corner.
João – Isso agora é que não.
223
Piolin – Então era essa a cerimônia de que falavam tanto?
José – Nem mais nem menos.
Maricota – E com a condição de que hás de largar o futebol.
Piolin – Mas...
José – Ou uma coisa ou outra.
Piolin – Então, se eu não caso...
Maricota – Perdes a herança.
Piolin – E se eu caso...
José – És o nosso herdeiro universal.
Piolin – (à parte) Eu acho melhor entrar nesse combinado. (alto) Está bem, seja.
Escrivão – Posso co... co... começar?
Todos – Pode.
Escrivão – É do go... gosto do... do... senhor Pi... Piolin, re... receber por por sua le...
legítima es... esposa a se... senhorita Margarida?
Piolin – É. Acaba logo com isso.
Escrivão – É do seu... seu... go... gosto, se... senhorita Ma... Margarida, re... receber por
por seu le... legítimo es... esposo o se... senhor Pi... Piolin? (apito antes)
Piolin – Espera aí. Deixa eu acabar de casar que já vou lá.
José – Piolin, lembre-se... que...
Piolin – Ó, com os diabos...
Juiz – Em vista de ser do gosto de ambos, eu, em nome da lei, vos considero casados, e
estimo que sejam felizes.
Piolin – E eu não abandono o esporte. O esporte que é o júbilo da mocidade paulistana,
o esporte que é a regalia de toda a juventude brasileira, e que já nos consagrou como
heróis nas capitais europeias e que há de ter sempre a simpatia no seio do povo
brasileiro, e ainda mais dos paulistanos!
247
Esta versão foi solicitada ao DDP pela empresa Fonseca & Cardoso Ltda. Em 11 de janeiro de 1942 e
pelo circense Otelo Queirolo, do Circo Irmãos Queirolo em 7 de maio do mesmo ano, ambas com autoria
de Abelardo Pinto Piolin. Foi autorizada a encenação com inúmeros cortes, a maioria deles da palavra
“amante”. No original, o personagem de Piolin aparece como interpretado por Simplício (Francisco
Flaviano de Almeida), do Circo Liendo e Simplício.
224
Comédia em um ato
Abelardo Pinto Piolin
Personagens: Tenente Fabiano (oficial), Rosinha (sua mulher), Piolin (ordenança),
Rabanete (ordenança)
Cenário: A cena representa uma sala ricamente mobiliada.
225
Fabiano – (tomando a carta) Oh, pateta! Como foi que deixaste a minha mulher ler esta
carta?
Piolin – Eu não deixei... Ela leu sem o meu consentimento.
Fabiano – Imbecil! Não sabes quanto me comprometeste com isso!
Piolin – Mas patrão...
Fabiano – Aqui não há mas nem meio mas! A tua cama está preparada! Vais voltar
hoje mesmo para o quartel! Prepare tudo quanto é teu e rua!
Piolin – Patrão! Patrãozinho...
Fabiano – Rua! Rua! Já disse!
Piolin – (saindo, à parte) Está bem, patrão. Vou juntar meus cacos e já me retiro. (sai)
Fabiano – (indo ao telefone) Maroto! Pôs-me tudo a perder! (ligando) De onde fala?
Do quartel? Quem está no aparelho? É o Carlos? Bom dia, Carlos. Aqui é o Fabiano.
Carlos, acabo de despedir o ordenança que me mandaste. Sim. Mande-me um outro que
este não me serve. É... Sim. Quanto a este, quero que ponhas no cubículo, trinta dias a
pão e água. Sim. É. Mas que não seja bronco como este. Está bel. Obrigado. Até logo,
Carlos.
Rosinha – (entrando) Eu vou-me embora, ouviu, seu ordinário. Vou-me embora e
voltarei mais tarde com papai para ajustarmos nossas contas.
Fabiano – Mas minha mulherzinha... Estuta... Ouve-me...
Rosinha – Nada tenho a ouvir! A minha resolução já está tomada!
Fabiano – Mas quero me explicar... Ouve-me...
Rosinha – Não necessito de mais explicações! Aquela carta explicou-me tudo! Vou-me
embora para sempre! E faça-me o favor de mandar tudo quanto é meu! (sai indignada)
226
Angélica – Mas patrão... Eu preciso...
Fabiano – Não pode. O quartel hoje está impedido.
Angélica – Mas eu preciso ir buscar umas fotografias que tirei. O fotógrafo mandou-me
as provas ontem e disse-me que ficavam prontas hoje.
Fabiano – Deixa eu ver as provas.
Angélica – Pois não, senhor tenente. (entregando-lhe) Aqui as tem.
Fabiano – (examinando) O que! Não é que saiste bonita nestas fotografias!
Angélica – Bondade sua, senhor tenente, bondade sua...
Fabiano – Quantas tiraste?
Angélica – Meia dúzia de cada.
Fabiano – Faz-me presente de uma delas?
Angélica – Como não? Até duas!
Fabiano – Pois bem. Podes sair.
Angélica – Posso, patrão?
Fabiano – Pode. Está desimpedido o quartel.
Angélica – Muito obrigada. Voltarei logo, patrãozinho. (saindo) Até já.
227
Fabiano – Meu sogro!
Rosinha – Deixa-lo, papai. A minha resolução já está tomada.
Anacleto – Descanse, minha filha. Eu ensino esse “barba azul”! (a Fabiano) O senhor
fique sabendo que essa história de amante vai lhe custar muito caro! (confidencial)
Onde ela mora?
Fabiano – Ah! O senhor quer o endereço?
Anacleto – Fale baixo, cachorro! (a Rosa) Eu me encarrego dele, minha filha! Eo sou
homem!
Rosa – Vamos para casa, meu pai. Deixa esse ingrato!
Anacleto – Vamos, minha filha. Já lhe dei uma boa lição! (vai sair e volta a ele)
Infame! Perverso! (confidencial) Onde ela mora, bandido!
Fabiano – Rua Florinda, 988. Mas ela não vai com a sua cara, velho.
Anacleto – (à Rosa) Vamos, minha filha. Lá em minha casa nada te faltará.
(confidencial a Fabiano) Eu vou levar minha filha, mas só por três dias, hein? Depois tu
vais buscá-la porque eu não tenho dinheiro para sustenta-la. (à Rosa) Vamos, minha
filha! (saem)
Anacleto – (a Piolin) Está vendo, grande animal, o que fizeste? Eu vou sair e quando
voltar não quero encontrar-te aqui! (sai)
228
Faísca – Perfeitamente. Se é que você é o antigo ordenança.
Piolin – Pois olha lá: o fumo aqui é forte. O tenente é uma fera e a mulher uma jararaca.
Faísca – Eu amanso os dois.
Piolin – O tenente Fabiano costuma bater nos ordenanças.
Faísca – Ele pode bater num soldado trouxa como você. Em mim ele não bate. E o
serviço aqui, é muito?
Piolin – Se é! Ordenança aqui precisa fazer de tudo! Lavar, cozinhar, arrumar a casa,
dar a mamar a criança...
Faísca – O que? Dar de mamar à criança! Por isso que você está amarelo!
Piolin – É com a mamadeira, homem. Com a mamadeira.
Faísca – Comigo a coisa vai ser diferente. Você vai ver a bagunça que eu vou fazer
nesta casa. Ele está pensando que eu sou soldado vagabundo como você? Diga-me uma
coisa: que jeito tem esse tal tenente?
Piolin – (à parte) Vou fazer a cabeira desse diabo. (alto) O tenete é um velho
barrigudinho, careca, cavanhaque, baixo...
Faísca – Basta. Não preciso dizer mais nada. É velho?
Piolin – É velho.
Faísca – Pode deixa-lo por minha conta. Pro velho eu sou homem.
Piolin – Bom, vou-me embora. Até logo e felicidade... (sai)
Faísca – Até logo. Fale para o tenente lá no quartel preparar um cubículo pra mim, que
aqui vai sair sururu.
229
Fabiano – Perfile-se!
Faísca – (perfilando-se) Pronto, seu tenente!
Fabiano – Três passos à frente!
Faísca – (dando quatro passos) Pronto, seu tenente!
Fabiano – Eu pedi três passos e não quatro!
Faísca – Um é de gorjeta!
Fabiano – Aqui não se aceita gorjeta! Mas, afinal, quem és e o que queres aqui?
Faísca – (entregando um bilhete) Eu sou o novo ordenança, senhor tenente!
Fabiano – Ah, já sei do que se trata. Com que então você é valentão, hein?
Faísca – Às vezes...
Fabiano – Eu devia castigar-te pelos desaforos que me fizeste, mandar-te de volta para
o quartel com uma boa recomendação, mas no momento estou precisando de um
homem como tu.
Faísca – Estou às suas ordens, senhor tenente.
Fabiano – Pois bem. Eu vou sair. Deve vir aqui uma mulher de nome Angélica, uma
amante que eu tive quando era solteiro. Como és valente e decidido, não a deixe entrar
aqui nem por nada. Ela vem disposta a fazer um barulho aqui em casa. Diga-lhe que eu
mandei dizer que entre nós está tudo terminado e que mulher como ela tenho às dúzias.
Faísca – Pode ficar descansado, patrão, que pra mulher sou homem.
Fabiano – Outra coisa: deve vir também aqui um alfaiate que ficou de trazer-me uma
capa que mandei consertar. Diga-lhe o seguinte: se ele quiser deixar a capa, sem
receber, pode deixar. Mas se fizer questão do dinheiro, pode levar. O tempo de frio já
passou e a capa já está furada.
Faísca – Está muito bem, senhor tenente.
Fabiano – Então não te esqueças: Angélica, rua; alfaiate, se quiser deixar pode deixar,
se não, pode levar, porque o tempo de frio já passou e a capa já está furada. (sai)
230
Angélica – A tal? Veja lá como fala, ouviu seu soldadinho ordinário!
Faísca – Pois saiba que eu tenho ordem do tenente para pô-la na rua imediatamente.
Angélica – Por-me na rua? Mas por que?
Faísca – Porque o patrão disse que mulher como você ele tem às dúzias!
Angélica – O patrão disse isso de mim? Mas não há motivo para isso! Onde está o
tenente? Preciso de uma explicação!
Faísca – Nada de explicação. O tenente saiu e deixou-me essa ordem. Portanto, rua!
Angélica – Mas eu preciso...
Faísca – Precisa coisa alguma! Rua! Rua! Rua! (empurra-a)
Angélica – (saindo) Isso não fica assim! Eu saio mas eu voltarei quando o tenente
estiver aqui!
Faísca – (sempre empurrando-a) Rua! Rua! Rua! Imediatamente!
231
Faísca – Sim senhor. Logo em seguida veio o alfaiate. Dei-lhe o seu recado e ele saiu
daqui furioso!
Angélica – (entra chorando) Patrão... patrão...
Faísca – Olha a Angélica novamente aqui! (empurrando-a) Fora! Fora daqui! Rua!
Fabiano – (defendendo-a) Alto! Essa é a minha criada!
Faísca – Sua criada? Mas disse chamar-se Angélica.
Angélica – Patrão, esse soldado ordinário escorraçou-me de sua casa dizendo que o
senhor deixou essa ordem.
Fabiano – Já compreendo tudo. O culpado fui eu que esqueci-me de dizer que tu
também te chamavas Angélica.
Angélica – O senhor disse que mulher como eu há às dúzias...
Fabiano – Não era a ti que eu me referia. Era a uma amante que eu tive com o mesmo
nome. Vamos lá para dentro. Você não está despedida. (saindo, a Faísca) É a outra,
estúpido! É a outra! (sai com a criada)
232
Rosinha – Quem é esse soldadinho? Não admito que me expulses! Vou buscar as
minhas coisas e já me retiro. (sai)
Fabiano – (a Faísca) Você é uma toupeira!
Angélica – (entrando com uma carta) Senhor tenente, um portador deixou esta carta
para o senhor.
Fabiano – (tomando a carta e lendo) Oh! Provada a minha inocência! Angélica, chamo-
me Rosinha, depressa! (Angélica sai)
Fabiano – (a Rosinha, que entra) Rosinha! Minha querida! Leia esta carta. Leia! Esta
carta prova a minha inocência!
Rosinha – (lendo) Oh! Meu maridinho! Quanto fui injusta para contigo! Vamos çlá
dentro tomar um chazinho e festejar a harmonia que torna a entrar em nossa casa!
Fabiano – Sim, vamos! Vamos festejar juntos a nossa felicidade!
Anacleto – Viva a harmonia!
Todos – Viva! (saem todos)
248
A peça, um combinado com estrutura bem similar a de uma entrada cômica, teve várias versões
encenadas com vários nome, entre eles Piolin padrinho de um duelo.
233
Ernesto – Com o Joãozinho? Conta-me o que aconteceu.
Julio – Nós ontem fomos a um piquenique. Estava lá a loira e a Izabel. O Joãozinho
bebeu um pouco demais e disse um gracejo à loira, e eu em brincadeira lhe disse:
“Deixa disso, Joãozinho, não faça papel de trouxa!” Ele zangou-se e me desafiou para
um duelo. Amanhã vamos bater-nos.
Ernesto – Mas não puderam evitar?
Julio – Não.
Ernesto – Nesse caso, estou às suas ordens. Quem vai ser o outro padrinho?
Julio – É verdade. Nem me lembrei disso, mas eu conheço um rapaz que foi criado
junto comigo. Ele serve para padrinho. Vou mandar chama-lo. (chamando) Ó Maria! Ó
Maria!
Cena 2
Maria – (entrando) Pronto, patrão.
Julio – Vai até a casa do Piolin e diga-lhe que venha aqui.
Maria – Sim senhor. (sai)
Ernesto – Julio, vou até a casa do Joãozinho, quero ver o que ele diz. Posso tratar das
condições?
Julio – Perfeitamente. Qualquer condição que ele queira eu aceito.
Ernesto – Bravos! Até logo, Julio. (sai)
Julio – Até logo, Ernesto. (só) Bem, vou tratar de passear um pouco. (sai)
Cena 4
Julio – (entrando) Piolin! Ó Piolin! Onde vai?
Piolin – Eu ia tomar um café e voltava logo.
234
Julio – Piolin, eu te mandei chamar e você não é capaz de adivinhar para que?
Piolin – Eu já sei, Julio!
Julio – Para que te mandei chamar?
Piolin – É por causa daquela continha...
Julio – Que continha?
Piolin – Aquela dos dez mil réis que te pedi emprestado no ano passado!
Julio – É verdade! Nem me lembrava mais!
Piolin – Não? Que burro que eu sou em te lembrar! Mas, Julio, tem paciência, não te
lembres dos dez mil réis porque eu não os tenho agora.
Julio – Não, eu não preciso deles. Escuta. Você vai me servir de padrinho.
Piolin – Padrinho? Vais te casar?
Julio – Não, vou trocar um par de balas com o Joãozinho.
Piolin – Balas? Eu gosto muito de balas!
Julio – Que balas você gosta?
Piolin – Balas de mel, chocolate, coco...
Julio – Não são essas balas, não, Piolin. As que eu falo são de aço.
Piolin – Ah, dessas não gosto!
Julio – Você vai servir de padrinho para um duelo.
Piolin – Para um duelo? Safa!
Julio – É isso mesmo. Você não tem uma outra roupa melhor que essa?
Piolin – Tenho. Tenho três ternos. Um é este, o outro é igual a este, e o outro é este
mesmo.
Julio – Este não serve. Vamos lá para o meu quarto, eu tenho uma casaca, quem sabe se
te serve?
Piolin – Isso mesmo. Estou precisando de uma roupa preta, pois tenho que acompanhar
o enterro de meu vizinho que está muito doente.
Julio – Então vamos ver se tens sorte. (saem)
Cena 5
Mensageiro – (entrando) Ó de casa! Ó de casa!
Julio – (interior) Ó Maria, vai ver quem está batendo.
Maria – Sim senhor.
Cena 6
235
Maria – Que deseja?
Mensageiro – Uma carta para o senhor Julio.
Maria – (gritando) Senhor Julio, uma carta para o senhor.
Julio – (do interior) Maria, dê dez tostões ao portador e traz-me a carta.
Maria – Escuta, de quem é essa carta?
Mensageiro – Esta carta é de uma moça alta, loira, baixa, morena. Ah, quando me
lembro dela! (abraça Maria)
Maria – Sai pra lá! (dá um empurrão no mensageiro e este sai)
236
Julio – Até logo, Piolin. (sai)
Piolin – Até logo, Julio. (outro tom) Eu assim, estou parecendo cocheiro de empresa
funerária.
237
Izabel – Não, já é tarde. Até logo.
Piolin – É pena! Até logo, pancadão!
Laura – Até logo, senhor.
Piolin – Até logo, paixão! (segura a mão da loira)
Izabel – Fique sabendo que esta senhora é casada!
Piolin – Não tem importância! (saem) Eu, por causa daquela loira, batia... dez duelos.
Cena 9
Ernesto – Caramba que andei muito!
Piolin – Quem é o senhor?
Ernesto – Eu sou Ernesto Vieira.
Piolin – Ernesto Vieira? Chegou mesmo na beira. (entrega-lhe a carta)
Ernesto – Muito agradecido. Com licença. (lê a carta)
Piolin – Tem toda.
Ernesto – (terminando de ler) Então o senhor é o outro padrinho do Julio?
Piolin – Sim senhor.
Ernesto – Como é sua graça?
Piolin – Piolin.
Ernesto – Piolin? Esse nome é engraçado para padrinho. Não tem outro?
Piolin – Não senhor. Se tivesse não dava esse.
Ernesto – O que? Estou conhecendo essa casaca! Foi de um grande homem!
Piolin – Eu vi pelo tamanho!
Ernesto – Muito bem. (à parte) O Julio não podia arranjar outro padrinho! Em todo
caso, vamos ver se este serve. (batem palmas) Maria, vai ver quem está batendo.
Cena 10
Maria – (entrando) Sim senhor. (sai)
Ernesto – O senhor é parente do Julio?
Piolin – Não senhor.
238
Piolin – Eu trato de acordo.
Gonçalves – Olá, meu amigo Ernesto. Como vai?
Ernesto – Eu bem e o senhor?
Gonçalves – Assim, assim. Tenho o imenso prazer de apresentar o coronel João Gomes.
(o coronel aperta a mão de Ernesto) Ernesto Vieira, coronel.
Ernesto – Às suas ordens, senhor Gonçalves. Apresento-lhe o senhor Pi... Pi... o outro
padrinho do Julio, Senhor Gonçalves. (Gonçalves aperta a mão de Piolin)
Gonçalves – Muito bem. (entrega-khe o cartão de visitas)
Piolin – Eu aceito rifas. Esmolas é só aos sábados.
Ernesto – Aceita, Piolin!
Piolin – Ele está me passando rifas.
Ernesto – Isto não é rifa. É um cartão de visitas. Estes senhores são os padrinhos do
Joãozinho!
Piolin – Neste caso, eu aceito. (pega o cartão)
Ernesto – Bem, agora entrega o teu cartão.
Piolin – Mas eu não tenho.
Ernesto – Procura na casaca. Talvez o Julio tenha posto algum aí. Procura.
Piolin – (achando) Aqui tem um. Toma lá. (dá ao Gonçalves)
Gonçalves – (lendo) Dr. João Rodrigues. Não pode ser. Veja, senhor coronel.
Coronel – Não pode ser! Então o senhor deve ser filho único do falecido senhor
Rodrigues?
Piolin – É verdade. Filho único e único herdeiro.
Coronel – Muito bem. Muito bem.
Ernesto – Senhores, queiram ter a bondade de sentar-se.
Coronel – (de pé, a Piolin) Sente-se, doutor.
Piolin – Ora, sente-se doutor.
Coronel – (exaltado) Doutor não! Coronel João Gomes!
Ernesto – Toma atenção, Piolin! É coronel!
Piolin – Eu sei é que ele é couro n’água!
Ernesto – (ao coronel) Sente-se.
Coronel – Sente-se doutor.
Piolin – Sente-se coronel.
Coronel – Sente-se doutor.
Piolin – (fazendo gestos com a mão) Cinco. Sete. Oito!
239
Ernesto – O que é isso, Piolin?
Piolin – Ele está jogando “la murra” comigo!
Ernesto – Não, Piolin. Ele está pedindo para você sentar!
Piolin – Ernesto, faz esse desgraçado sentar.
Ernesto – Queira ter a bondade de sentar-se, coronel.
Coronel – Pois não. Muito agradecido.
Ernesto – Sim senhor. Então, por uma simples brincadeira vão bater-se em duelo dois
grandes amigos.
Gonçalves – É verdade. Por causa da loira.
Coronel – Doutor, fale alguma coisa.
Gonçalves – Fale, doutor.
Ernesto – Com licença. (a Piolin) Doutor! (ao coronel) Ele é meio surdo. (a Piolin)
Doutor... Doutor... (dá-lhe um beliscão)
Piolin – (grita) Ai!... Quem é doutor?
Ernesto – É você. Não leu o cartão? Fala alguma coisa!
Piolin – Eu não sei falar. (pausa) Mas tenho que falar?
Ernesto – Tens que falar sim. Mas presta atenção.
Piolin – (decidindo-se) Pois, senhores, conhecem o Direito Civil?
Coronel e Gonçalves – Sim senhor.
Piolin – Conhecem o Direito romano?
Gonçalves – Conhecemos a fundo.
Piolin – (à parte) Eu sei que vocês são fundos mesmo. (alto) Pois bem, quero saber por
que razão o Julio vai bater-se em duelo.
Coronel – Então o senhor não sabe? Ele chamou o nosso amigo de trouxa!
Piolin – Ora, só por isso? Um trouxa a mais um trouxa a menos não tem importância. A
mim me chamaram de trouxa e eu não me incomodei.
Coronel – (admirado) Ao senhor? Chamaram-lhe de trouxa?
Ernesto – Não pode ser!
Piolin – A mim sim!
Ernesto – Explique-se doutor!
Piolin – Sim senhor... quem me chamou de trouxa foi um irmãozinho deste tamanho.
Coronel – Ora, ora. Um irmão menor. Isso não tem importância.
Piolin – Então o senhor julga que vou deixar me chamar de trouxa por outro? Não seja
trouxa você!
240
Coronel – (zangado) O que? Me chamou de trouxa! Me chamou de trouxa!
Ernesto – Não. O senhor entendeu mal.
Piolin – Sai da frente, Ernesto, que vou mostrar a esse coronel...
Ernesto – Fica quieto, Piolin!
Piolin – Sabe que eu jogo ele no chão...
Ernesto – Não, coronel, o senhor entendeu mal. Quer ver? Piolin, é verdade que o
coronel entendeu mal?
Piolin – Não. Ele entendeu muito bem.
Ernesto – Viu, coronel! Entendeu mal.
Coronel – Nesse caso está desculpado.
Gonçalves – Doutor, que horas são?
Piolin – Uma e um quarto.
Gonçalves – Está na hora, amigo Ernesto. Amanhã às seis horas da manhã realiza-se o
duelo.
Ernesto – Muito bem. Às seis da manhã.
Piolin – Às seis horas não.
Ernesto – Por que não?
Piolin – Eu quero às seis e cinco.
Ernesto – Ora, Piolin, cinco minutos não faz diferença.
Piolin – Faz, sim senhor. Seis e cinco quanto são?
Ernesto – São onze.
Piolin – Então às onze que é hora de barriga cheia.
Gonçalves – Então está combinado. Até amanhã, doutor.
Piolin – Até amanhã. Me espera lá na esquina que vamos tomar um mata-bicho.
Gonçalves – Muito obrigado. (dá-lhe a mão e espera o coronel se despedir)
Coronel – Até amanhã, doutor patife!
Piolin – Ó cavanhaque de bode, venha cá. Que negócio é esse de doutor patife?
Coronel – É um título de honra.
Piolin – Ah, então até amanhã, coronel patife! É um título de honra!
Gonçalves – Senhor Ernesto, até amanhã.
Ernesto – Até amanhã. (ao coronel) Até amanhã, coronel. (saem o coronel e Gonçalves)
Ernesto – Ora, sim senhor, Piolin. Chamar o coronel de trouxa!
Piolin – Ele é trouxa mesmo! Você me atrapalhou, senão ele ia ver a poeira de perto!
Ernesto – Bem, que horas tens?
241
Piolin – Uma e um quarto.
Ernesto – O teu relógio está louco!
Piolin – Ele está mas eu não.
Ernesto – Vamos jantar e amanhã às seis horas da manhã, no campo. Ouviste?
Piolin – Sim. Mas você me manda um automóvel.
Ernesto – Automóvel? Ora, você vai a pé!
Piolin – A pé não vou, tenho que ir montado em alguém! (saem discutindo)
Cena 2
Julio – Como vai, Ernesto? Como passou?
Ernesto – Muito mal, Julio.
Julio – Mal? Por que?
Ernesto – O Piolin chamou o coronel de trouxa!
Julio – Mas você não estava lá?
Ernesto – Estava, mas ele não quis me atender. Olha, agora tirou as botinas.
Julio – Por que não o fizeste calçar?
Ernesto – Não quer.
Julio – Não quer? Ele vai ver! Piolin, como foi que você chamou o coronel de trouxa?
Piolin – Olha, Julio, quis bancar o valente e eu jogava-o na poeira se o Ernesto não me
atrapalhasse!
242
Julio – E por que tiraste as botinas?
Piolin – É os calos, Julio!
Julio – Calça as botinas, Piolin!
Piolin – Não calço. Não posso.
Julio – Não calça? Então toma! (pisa-lhe no pé)
Piolin – Ai, Julio! Você pisou no calo que mais estimava! (senta no chão)
Julio – Levanta-te, Piolin! Aí vem eles. Vem para o teu lugar, Ligeiro!
Ernesto – Atenção! Aí vem eles!
Piolin – Onde é o meu lugar?
Julio – Aqui, Piolin. (fica entre Julio e Ernesto)
Cena 3 – Entram coronel, Gonçalves e Joãozinho. Postam-se diante dos três e fazem
uma reverência. Os três imitam-nos.
Gonçalves – Aqui estão as armas, senhor Ernesto. (entrega-lhe)
Ernesto – Com licença. (examina se estão carregadas)
Piolin – Eu impliquei com aquele cavanhaque!
Gonçalves – Bem, agora vou fazer as eleições dos postos. Senhor Piolin quer cara ou
coroa? (mostra uma moeda)
Piolin – Eu quero cara e o outro.
Gonçalves – E para mim, o que é que fica?
Piolin – Fica cara de louco!
Gonçalves – Como é que diz?
Piolin – Se cair na quina o senhor ganha.
Gonçalves – Isso é impossível!
Piolin – Bom, eu quero cara.
Gonçalves – Está bem. (joga a moeda)
Piolin – Cara... cara... cara! O cobre é meu! (guarda a moeda)
Gonçalves – O senhor ganhou.
Ernesto – (reparando o gesto de Piolin) Piolin, o dinheiro é do senhor Gonçalves!
Piolin – Não senhor! Ele me convidou a jogar e perdeu!
Coronel – Pronto, doutor. Examine as armas. (aponta os dois revólveres em Piolin)
Piolin – Ai, ai! Ó Ernesto, desarma este desgraçado! Me pegou desprevenido!
Ernesto – Não tenha medo, Piolin. É para examiná-las.
Gonçalves – Agora vamos contar os passos, doutor.
243
Piolin – Vamos. (colocam-se no meio da cena; Gonçalves sai para um lado e Piolin não
se mexe no lugar)
Gonçalves – (contando) Um, dois, três, quatro, cinco. (vira-se) Que é isto, doutor? São
cinco passos para cada lado.
Coronel – (furibundo) É isso mesmo! Doutor, são cinco passos para cada lado! Cinco
para lá e cinco para cá. São dez!
Piolin – E cinco são quinze! (dá-lhe uma bofetada)
Gonçalves – Mas o que é isso, doutor? O senhor não compreende?
Piolin – Compreendo muito bem. Mas é que o senhor escolheu o mesmo lado que eu!
(eles saem do meio da cena para fazer a contagem dos passos)
Gonçalves – Bem, que lado prefere o senhor?
Piolin – Para mim qualquer lado serve, não faço questão de lado.
Gonçalves – Então o senhor vai para o lado direito e eu vou para o lado esquerdo.
(colocam-se novamente no meio da cena e saem um para cada lado)
Piolin e Gonçalves – Um, dois, três, quatro, cinco.
Piolin – E um de gorjeta para o Julio.
Ernesto – Pronto, Piolin. Escolhe as armas!
Piolin – Agora sim, aquele cavanhaque me paga! Vem pra cá, cavanhaque! Sai detrás
do outro! Vem que te arranco esse cavanhaque com a bala!
Ernesto – Que isso, Piolin!
Gonçalves – (ao coronel, que se esconde atrás dele) Coronel! O senhor parece que está
com medo?!
Coronel – Parece não, estou mesmo!
Piolin – Eu arranco o cavanhaque dele! Sai daí!
Ernesto – Que está fazendo, Piolin? É para você escolher as armas!
Piolin – Ah! Pensei que era para matar aquele cavanhaque! (escolhe uma arma) Esta é
para o Julio.
Ernesto – Coronel, aqui está a arma do Joãozinho.
Piolin – Ó Julio, eu te peço um favor. Olha se arranca o cavanhaque do coronel.
Gonçalves – Atenção! Antes de tudo peço uma reconciliação.
Joãozinho – Que retire a palavra de trouxa!
Julio – Não retiro nada!
Piolin – Isso mesmo! Não retira nada! Meta bala, Julio! Arranca o cavanhaque dele!
(fica no meio dos dois combatentes)
244
Gonçalves – Sai daí, doutor! Cuidado!
Ernesto – Sai, Piolin! As balas vão se cruzar aí!
Piolin – É aqui que se cruzam as balas? Pensei que era pra lá! (sai do meio)
Gonçalves – Atenção! Um... dois...
245
9. Bibliografia
ALVES, Vida. TV Tupi: uma linda história de amor. São Paulo: Imprensa Oficial,
2008.
AMARAL, Antonio Barreto do. História dos velhos teatros de São Paulo. Governo do
Estado de São Paulo, São Paulo, 1979.
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ARÊAS, Vilma. Iniciação à comédia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.
AUGUSTO, Sérgio. Este mundo é um pandeiro. São Paulo: Companhia das Letras,
2005.
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246
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Federação Circense. Recuperação coordenada por Verônica Tamaoki.
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade – Lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das
Letras, 2009.
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Oficial/Edusp, 2006.
247
GOMES, Paulo Emílio Salles. Vontade de crônica sobre o Circo Piolim solidamente
armado à Praça Marechal Deodoro in MACHADO, Maria Tereza e CALIL, Carlos
Augusto. Paulo Emílio – Um intelectual na linha de frente. São Paulo: Brasiliense,
1986.
HUPPES, Ivete. Melodrama. O gênero e sua permanência. Cotia: Ateliê Editorial, 2000.
LUZ, Nilva Costa. Genésio Arruda: um caipira na cena cultural paulista. Dissertação de
mestrado apresentada à Universidade Estadual Paulista (Unesp). Instituto de Artes,
Programa de pós-graduação em Artes Visuais, 2005.
MAGALDI, Sábato e VARGAS, Maria Thereza. Cem anos de teatro em São Paulo.
São Paulo: Senac, 2000.
248
MARZANO, Andrea. Cidade em cena – O ator Vasques, o teatro e o Rio de Janeiro
(1839-1892). Rio de Janeiro: Folha Seca/Faperj, 2008.
MINOIS, George. História do riso e do escárnio. São Paulo: Editora Unesp, 2003.
NETO, Tito. Minha vida no circo. São Paulo: Editora Autores Novos, 1986.
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PINTO, Denise Casais Lima. Ankito, minha vida... meus humores. Rio de Janeiro:
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PRADO, Décio de Almeida. História concisa do teatro brasileiro. São Paulo: Edusp,
1999.
SCHMIDT, Afonso. São Paulo de meus amores. São Paulo: Clube do Livro,1954.
SILVA, Ermínia. O circo: sua arte e seus saberes – O circo no Brasil do século XIX a
meados do XX. Dissertação (Mestrado). Departamento de História do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, 1996.
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SILVEIRA, Miroel. A contribuição italiana ao teatro brasileiro. São Paulo: Edições
Quíron, 1976.
________________ O circo - Espaço arquetipal convergente. In: O circo. Secretaria da
Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1978.
TOLEDO, Roberto Pompeu de. A capital da solidão – Uma história de São Paulo das
origens a 1900. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
VENTURA, Mauro. O espetáculo mais triste da terra. São Paulo: Companhia das
Letras, 2011.
250
DEPOIMENTOS
Agostinho Blask (Romiseta)
Antônio Luís de Moraes (Chumbinho)
Aroldo Casali
Arthur Miranda
Benedito Sbano (Picoly)
Brasil João Carlos Queirolo (Pururuca)
Domingos Montagner
Edy Star
Fernando Pontigo Silva (Condorito)
Francisco Honório Rodrigues
Francisco Paulivan Ferreira dos Santos (Reco-Reco)
Francisco Rodrigues (Chiquinho)
Franco Alves Monteiro (Xuxu)
Janete Souza Oliveira
José Odair Casarin (Bacalhau)
Maria Isidora Duran Gutierrez (Florcita)
Mário Bolognesi
Raul Barreto
Raul Hernando Robayo (Pepin)
Roger Avanzi (Picolino II)
Sonia Fátima Beltrán Diaz (Corchito)
Teófanes Antônio Leite da Silveira (Biribinha)
Vic Militello
SITES
Bernardo Guimarães <http://reocities.com/Athens/olympus/3583/besta.htm>
Revista Zingu <http://www.revistazingu.net/2011/01/entrevista-jose-miziara>
Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Cultura <http://npcc.vitis.uspnet.usp.br>
FILMES
DISCO
78 rpm, Victor, no. 33.242, dezembro de 1929. Acervo do Centro de Memória do Circo,
São Paulo-SP.
252
Anexo 1
253
10/4 – O príncipe do Braz (Tom Bill)
12/4 – Os 7 nomes (Belmiro Braga)
13/4 – Um duelo de morte (Abelardo Pinto
Piolin)
14/4 – Apertos de um ciúme (Abelardo Pinto
Piolin)
15/4 – Os 7 nomes (Belmiro Braga)
19/4 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest
Bach)
24/4 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo
Pinto Piolin)
25/4 – As farras do tenente (Abelardo Pinto
Piolin)
26/4 – Príncipe do Braz (Tom Bill)
28/4 – Morreu o Lulu (José Grilo)
29/4 – O príncipe do Braz (Tom Bill)
1/5 – Piolin, Sherlock Holmes (Abelardo Pinto
Piolin)
3/5 – Delícias da vida conjugal (Abelardo Pinto
Piolin)
5/5 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)
6/5 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto Piolin)
8/5 – Apertos de um ciúme (Abelardo Pinto
Piolin)
9/5 – O morto que não morreu (Anchyses Pinto)
10/5 – Piolin no tribunal (Tom Bill)
13/5 – Piolin, padrinho de um duelo (Abelardo
Pinto Piolin)
15/5 – A filha do ministro (Abelardo Pinto
Piolin)
16/5 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest
Bach)
22/5 – As farras do tenente (Abelardo Pinto
Piolin)
23/5 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo
Pinto Piolin)
27/5 – O lobo da aldeia (Raul Olimecha)
29/5 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest
Bach)
30/5 – Piolin no tribunal (Tom Bill)
19/8 – Apertos de um ciúme (Abelardo Pinto
Piolin)
21/8 – Piolin com a vida no seguro (Abelardo
Pinto Piolin)
22/8 – O reservista Ventura (Laura Corina)
26/8 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo
Pinto Piolin)
28/8 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest
Bach)
11/9 – O príncipe do Braz (Tom Bill)
15/9 –Apertos de um ciúme (Abelardo Pinto
Piolin)
27/9 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo
Pinto Piolin)
28/9 – Piolin no tribunal (Tom Bill)
29/9 – O casamento de um cadáver (Abelardo
Pinto Piolin)
30/9 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)
6/10 – Piolin, Sherlock Holmes (Abelardo Pinto
Piolin)
254
7/10 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto
Piolin)
18/10 – Piolin, padrinho de um duelo (Abelardo
Pinto Piolin)
26/10 – O assassinato da rua das Palmeiras
(Abelardo Pinto Piolin)
9/11 – Do Brasil ao Far-West (Abelardo Pinto
Piolin)
16/11 – O louco da Vila Mariana (Abelardo
Pinto Piolin)
23/11 – Mentiras de um caçador (Abelardo Pinto
Piolin)
30/11 – Dr. Franz Fritz (Abelardo Pinto Piolin)
29/12 – Piolin, caçador de feras (Abelardo Pinto
Piolin)
1935 1/1 – O reservista Ventura (Laura Corina)
22/1 – A gata, o pai e o filho (Abelardo Pinto
Piolin)
31/1 – Os apertos de um ciúme (Abelardo Pinto
Piolin)
2/2 – Quem beijou minha mulher? (Gastão
Tojeiro)
5/2 – Piolin, Sherlock Holmes (Abelardo Pinto
Piolin)
13/2 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest
Bach)
22/2 – Do Brasil ao Far-West (Abelardo Pinto
Piolin)
26/2 – O caçador de feras (Abelardo Pinto
Piolin)
1/3 – O interventor (Paulo de Magalhães)
3/3 – Piolin, padrinho de um duelo (Abelardo
Pinto Piolin)
10/3 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto
Piolin)
16/3 – O azar de Piolin (Abelardo Pinto Piolin)
3/4 – Quem beijou minha mulher? (Gastão
Tojeiro)
7/4 – Casar para morrer (ou O casamento de um
cadáver) (Abelardo Pinto Piolin)
14/4 – Afinador de pianos (Tom Bill)
21/4 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo
Pinto Piolin)
25/5 – O pai, a gata e o filho (Abelardo Pinto
Piolin)
10/6 – Aguenta Cecílio (Abelardo Pinto Piolin)
18/7 – Piolin no tribunal (Tom Bill)
21/8 – O crime da rua das Palmeiras (Abelardo
Pinto Piolin)
29/8 – Do Brasil ao Far-West (Abelardo Pinto
Piolin)
1/11 – O reservista Ventura (Laura Corina)
5/11 – O príncipe do Braz (Tom Bill)
12/11 – Eu sou de circo! (Franz Arnold e Ernest
Bach)
17/11 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo
Pinto Piolin)
20/11 – Delícias da vida conjugal (Abelardo
Pinto Piolin)
22/11 – A gata, o pai e o filho (Abelardo Pinto
255
Piolin)
6/12 – Piolin sentô praça (Abelardo Pinto
Piolin)
10/12 – Piolin Sherif (Abelardo Pinto Piolin)
13/12 – Delícias da vida conjugal (Abelardo
Pinto Piolin)
17/12 – O príncipe do Braz (Tom Bill)
20/12 – O crime da rua das palmeiras (Abelardo
Pinto Piolin)
24/12 – Eu sou de circo! (Franz Arnold e Ernest
Bach)
1936 1/1 – Minha mulher enlouqueceu (Gil Miranda)
3/1 – O louco de Vila Mariana (Abelardo Pinto
Piolin)
7/1 – O azar do Piolin (Abelardo Pinto Piolin)
10/1/1936 – Piolin, caçador de feras (Abelardo
Pinto Piolin)
21/1 – O meu bebê (Oscar Cardona)
26/1 – Piolin com 7 nomes (Belmiro Braga)
18/2 –Piolin, caçador de feras (Abelardo Pinto
Piolin)
19/2 – Delícias da vida conjugal (Abelardo Pinto
Piolin)
18/8 – Piolin no tribunal (Tom Bill)
22/8 – O crime da rua das Palmeiras (Abelardo
Pinto Piolin)
1937 DDP 2275 – O canário (Muñoz Secca) 24/1 – Delícias da vida conjugal (Abelardo Pinto
Piolin)
1938 19/3 – Piolin, padrinho de um duelo (Abelardo
Pinto Piolin)
3/5 – O crime da rua das Palmeiras (Abelardo
Pinto Piolin)
18/5 – Apertos de um ciúme (Abelardo Pinto
Piolin)
24/5 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest
Bach)
31/5 – Padrinho de um duelo (Abelardo Pinto
Piolin)
1939
1940
1941 22/1 – Guerra às mulheres (Paulo Magalhães)
24/1 – Sonhos de São João (Eurico Mesquita)
30/1 – O crime da rua das Palmeiras (Abelardo
Pinto Piolin)
13/2 – O gaiato de Lisboa (Aristides Abranches)
15/3 – Eu sou de circo! (Franz Arnold e Ernest
Bach)
15/7 – Uma festa na Freguesia do Ó (?)
1942 DDP 0141 – Piolin, afinador de pianos (Tom 23/1 – O reservista Ventura (Laura Corina)
Bill) 13/2 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto
DDP 0147 – Piolin, professor de clarinete Piolin)
(Abelardo Pinto Piolin) 14/5 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto
DDP 0155 – O simpático Jeremias (Gastão Piolin)
Tojeiro) 17/5 – As farras de um tenente (?)
DDP 0157 – O crime da rua das Palmeiras 4/6 – O crime da rua das Palmeiras (Abelardo
(Abelardo Pinto Piolin) Pinto Piolin)
DDP 0158 – As Amélias da Praça Onze 27/9 – As farras de um tenente (?)
(Abelardo Pinto Piolin) 9/9 – Do Brasil ao Far-West (Abelardo Pinto
DDP 0160 – A mulher do Zebedeu (J. Corrêa Piolin)
256
Leite) 6/11 – Piolin com 7 nomes (?)
DDP 0173 – Na cidade (Belmiro Braga) 13/11 – A cabana do pai Tomás (Harriet Beecher
Stowe)
1943 DDP 0031 – O outro André (Corrêa Varela) 6/1 – O crime da rua das Palmeiras (Abelardo
DDP 0036 – A cabana do pai Tomás (Harriet Pinto Piolin)
Beecher Stowe) 9/1 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo Pinto
DDP 0045 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Piolin)
Ernest Bach) 16/3 – Sonhos de São João (Eurico Mesquita)
DDP 0193 – Piolin, campeão de futebol 2/4 – Se o Anacleto soubesse... (Paulo Orlando)
(Abelardo Pinto Piolin) 16/4 – Rosas de Nossa Senhora (Celestino Silva)
DDP 0196 – Marquês a força (José Grillo) 28/5 – A mulher do Adolfito (?)
DDP 0197 – Apuros de um Conde (Corrêa Leite) 3/9 – Rosas de Nossa Senhora (Celestino Silva)
DDP 0199 – O maluco n.º 4 (Armando Gonzaga) 9/9 – Maridos modernos (Álvaro Peres Filho)
DDP 0204 – Não me contes esse pedaço (Miguel 14/9 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest
Santo) Bach)
DDP 0205 – O diabo atrás da porta (Pedro Maria 22/9 – Quem beijou minha noiva? (Gastão
da Silva Costa) Tojeiro)
DDP 0212 – Procópio não é homem (M.
Paradella e J. Cunha)
DDP 0214 – Se o Anacleto soubesse (Paulo
Orlando)
DDP 0217 – Rancho da serra (Luiz Iglesias)
DDP 0224 – O marido n.º 5 (Paulo Magalhães)
DDP 0226 – O adorável Barcelos (Ernest Bach e
Franz Arnold)
DDP 0230 – Mudança à meia noite (F. Napoleão
de Vitória)
DDP 0245 – Era uma vez um vagabundo (José
Wanderley e Daniel Rocha)
DDP 0266 – O amigo terremoto: eu vou pra
China (Renato Alvim e Nelson de Abreu)
DDP 0269 – Rosas de Nossa Senhora (Celestino
Silva)
DDP 0272 – Vida e morte de Santa Teresinha do
Menino Jesus (Antônio Guimarães)
DDP 0298 – Piolin com a vida no seguro
(Abelardo Pinto Piolin)
DDP 0299 – Nhá Moça (Olival Costa)
DDP 0307 – A mulher do Seu Adolfo (Irineu de
Freitas)
DDP 0309 – Sai quinta coluna (Paulo Magalhães)
DDP 0316 – Luar de Paquetá (Freire Junior)
DDP 0321 – Até nisso sou pesado (Otílio Alves
de Lima)
DDP 0327 – A felicidade chegou (Felipe
Messina)
DDP 0329 – A flor do Ipê (Luiz Macedo)
DDP 0335 – Sonhos de São João (Eurico
Mesquita)
DDP 0366 – Quem beijou minha mulher (Gastão
Tojeiro)
DDP 0401 – Três velhotes do barulho (Jean
Cocquelin)
DDP 0403 – Eh!...São Paulo (Luiz Macedo)
DDP 0418 – Casei com minha mãe (Agenor
Gomes)
1944 DDP 0421 – O tio de seu Oscar (Luiz Macedo) 5/8 – Guerra aos celibatários (Zaide Nacaratti)
DDP 0425 – Dar corda para se enforcar (José 12/9 – Ela e a outra (Correio Leite)
Joaquim da Silva) 19/9 – Piolin, o homem errado (Luiz Macedo)
DDP 0426 – Noivo aqui é mato (Octílio Alves de 25/10 – O simpático Isidoro (Miguel de Souza
257
Lima) Filho e Manoel Matos)
DDP 0436 – A festa do meu filho (Gil Miranda) 25/11 – Piolin com a vida no seguro (Abelardo
DDP 0440 – Titan (Luiz Macedo) Pinto Piolin)
DDP 0444 – Os enxertos do professor Piolin
(Ado Benatti e Umberto Pellegrini)
DDP 0446 – Onde canta o sabiá (Gastão Tojeiro)
DDP 0448 – Macumba (José Pires da Costa)
DDP 0449 – A arma secreta (Ado Benatti e
Umberto Pellegrini)
DDP 0466 – O estranho Dr. Mawel: o segredo do
cientista (Luiz Macedo)
DDP 0475 – Guerra aos celibatários (Zaide
Nacaratti)
DDP 0483 – O sindicato dos malucos (Ado
Benatti)
DDP 0486 – Senhorita século XX (Jean
Cocquelin)
DDP 0487 – Uma pensão na rua Caetano Pinto
(Umberto Pellegrini)
DDP 0489 – Aventuras de Titan (Luiz Macedo)
DDP 0496 – O sorriso do Bandeira (Oliveira
Filho)
DDP 0723 – Os milagres de um sabidão (Jean
Cocquelin)
DDP 0728 – O simpático Genésio (Carlos Thiago
Pereira)
DDP 0904 – Simpático Izidoro (Miguel de Souza
Filho e Manoel Matos)
DDP 0918 – Pensão da Manuelita (Irineu de
Freitas)
DDP 1012 – Mulher dos cinco maridos (Carlos
Thiago Pereira e Augusto Martins)
DDP 1021 – Ela e a outra (Correia Leite)
DDP 1026 – Piolin, um homem errado (Luiz
Macedo)
DDP 1042 – As mulheres do seu André (Gil
Miranda)
DDP 1051 – O fantasma voador
DDP 1059 – Entra... não demora! (H. C. Beltran)
DDP 1069 – Minha mulher não é nervosa (Alvaro
Perez Filho, Gil Miranda e Júlio Moreno)
DDP 1145 – Tarzan, o filho do sapateiro (Ado
Benatti)
DDP 1182 – Aves sem ninho (Jean Cocquelin)
DDP 1274 – Telefone particular (Oliveira Filho)
DDP 1280 – Baratinha verde (Gil Miranda a
Álvaro Peres Filho)
DDP 1283 – Titan... amigo da liberdade número 1
(Luiz Macedo)
DDP 1286 – Honrarás tua mãe (Romano
Coutinho)
DDP 1590 – O Praxedes vai dar baixa (Armando
Braga)
1945 DDP 0254 – Maria Cachucha (Joracy Camargo) 13/1 – Peso pesado (Fernandez Del Vilar)
DDP 0917 – Faustino corre aqui depressa
(Oliveira Lima e Tom Bill)
DDP 1073 – Uma noite em apuros (Álvaro Peres
Filho e Júlio Moreno)
DDP 1268 – Meu marido é meu irmão (Henrique
M. Fernandes)
258
DDP 1297 – O bamba da Barra Funda (Gil
Miranda e Álvaro Peres Filho)
DDP 1298 – Não te conto nada (Ariovaldo Pires)
DDP 1300 – Titan, o amigo da liberdade nº 2
(Luiz Macedo)
DDP 1355 – Coitadinho do Benito (Francisco
Gomes e Júlio Moreno)
DDP 1359 – Esposas solteiras (Julio Moreno e
Álvaro Peres Filho)
DDP 1365 – Arrelia mãe de família (Álvaro Peres
Filho e Gil Miranda)
DDP 1366 – Homem que fazia milagres (Oliveira
Lima)
DDP 1371 – Na fila do amor (Jean Cocquelin)
DDP 1374 – Indústrias P. Zada (Abelardo Pinto
Piiolin)
DDP 1381 – Honra de caboclo (Gil Miranda e
Álvaro Peres Filho)
DDP 1385 – O engenho de cana do papai
(Abelardo Pinto Piolin)
DDP 1387 – Cabocla Tereza (João Pacífico e
Pedro João Spina)
DDP 1390 – A sogra não é nada disso (Juliano
Moreno e Francisco Gomes)
DDP 1307 – Espionagem (Agenor Gomes)
DDP 1393 – Mulher do auto-ônibus (Gil Miranda
e Álvaro Peres Filho)
DDP 1399 – A marqueza do Pif-paf (Rubens
Carvalho e Souza)
DDP 1413 – E ele voltou da Bahia (Gil Miranda)
DDP 1447 – Porteira velha (Paraguassu)
DDP 1460 – Piolin contra a espionagem japonesa
(Abelardo Pinto Piolin)
DDP 1461 – O cruzeiros da madame (Rubens de
Carvalho e Souza)
DDP 1541 – O fantasma da opera (Luiz Iglezias)
DDP 1553 – Piolin e a super atômica (Iracy
Viana)
DDP 1621 – Vamos matar o homem (José Braga)
DDP 1655 – Minha mulher enlouqueceu (Gil
Miranda)
1946 DDP 1070 – O Aparicio apareceu (Henrique 17/4 – O mártir do Calvário (Eduardo Garrido)
Marques Fernandes) 19/5 – O Aparício apareceu (Henrique Marques
DDP 0408 – Amo todas as mulheres (José Fernandes)
Wanderley e José Rocha) 6/6 – Pão sem fila (Olindo Dias Corleto)
DDP 1662 – O homem de vidro (Oliveira Lima) 14/6 – Rato na ratoeira (Júlio Moreno e Álvaro
DDP 1678 – Detetive Piolin e o torpedo contra a Peres Filho)
quadrilha do Fantasma (Iracy Viana) 12/7 – A canção de Bernadette (Olindo Dias
DDP 1755 – A mulher do padeiro (Renato Alvim Corleto)
e Nelson Abreu) 17/7 – A cigana me enganou (Paulo Magalhães)
DDP 1844 – Quando os filhos absolvem (Luiz 22/6 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)
Medici) 10/7 – A canção de Bernadete (Olindo Dias
DDP 2004 – Paz armada (Oliveira Lima) Corleto)
DDP 2140 – Pão sem fila (Olindo Dias Corleto) 25/7 – A cigana me enganou (Paulo Magalhães)
DDP 2141 – Ratos na ratoeira (Júlio Moreno e 30/7 – Show da marquesa (Abelardo Pinto
Álvaro Peres Filho) Piolin)
DDP 2176 – A fuga da garota (L. Dawis) 13/8 – O show da marquesa (Abelardo Pinto
DDP 2242 – Santo Antônio casamenteiro Piolin)
(Ribeiro Escobar) 1/9 – Os sinos da minha terra (Oliveira Lima)
DDP 2307 – Os sinos da minha terra (Oliveira 4/9 – Que rei sou eu? (Olindo Dias Corleto)
259
Lima) 16/10 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo
DDP 2310 – O show da marquesa (Abelardo Pinto Piolin)
Pinto Piolin) 13/11 – O comendador Ventura (Abelardo Pinto
DDP 2320 – Salve-se quem puder (Oswaldo Piolin)
Rosas) 19/11 – Amo todas as mulheres (José Wanderley
DDP 2322 – Que rei sou eu?! (Olindo Dias e Daniel Rocha)
Corleto) 27/11 – Guerra aos tubarões (Olindo Dias
DDP 2323 – São Judas Tadeu (Ribeiro Escobar) Corleto)
DDP 2366 – Comendador Ventura (Abelardo 24/12 – Lágrimas de mãe em noite de Natal
Pinto Piolin) (Luiz Macedo)
DDP 2386 – Guerra aos tubarões (Olindo Dias
Corleto)
1947 DDP 0022 – Ladrão de Bagdá (Luiz Macedo e 1/1 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)
Ableardoi Pinto Piolin) 23/1 – O diabo enlouqueceu (Abelardo Pinto
DDP 0161 – Passando a brocha (Ariovaldo Pires) Piolin)
DDP 0262 – Crise de habitações (Ferreira Neto) 2/2 – Peri comeu Ceci (Tito Netto)
DDP 0264 – Que é que há com o seu peru 12/2 – Priminho do coração (Luiz Iglesias)
(Abelardo Pinto Piolin) 26/2 – Flor de Manacá (Luiz Iglezias)
DDP 0265 – Espionagem a bordo (Abelardo 7/3 – Acontece que sou baiano (J. Rui e Eurico
Pinto Piolin e Rogério de Lima Câmara) Silva)
DDP 0270 – Tiradentes (Moreira de 3/7 – Beijos para todas (Marques Fernandes)
Vasconcellos) 24/7 – O trovador (?)
DDP 1161 – Hás de ser minha (Louis Verneill)
DDP 1284 – A mulher que veio de Londres
(Suares de Deza)
DDP 1395 – A canção de Bernadete (Olindo Dias
Corleto)
DDP 1729 – Pensão da dona Stela (João do Sul)
DDP 1961 – Beijos para todas
DDP 2054 – Marmiteiros (Ferreira Neto e Jarbas
Rohewedder)
DDP 2423 – O diabo enlouqueceu (Paulo
Magalhães)
DDP 2435 – Um antropófago na sociedade (Tito
Netto)
DDP 2441 – Acontece que eu sou baiano (J. Rui e
Eurico Silva)
DDP 2453 – Anastácio chegou de viagem
(Oswaldo Teixeira de Almeida)
DDP 2461 – Meu sertão abandonado (Agenor
Gomes)
DDP 2464 – Sururú em família (Rogério de Lima
Câmara)
DDP 2483 – Nem tudo que balança cai (Abelardo
Pinto Piolin e Rogério de Lima Câmara)
DDP 2486 – O trovador do far-west (J. Fernandes
e Rogério de Lima Câmara)
DDP 2489 – O maníaco (Moliére)
DDP 2513 – Piolin, o manda chuva (Sper Júnior)
DDP 2520 – Piolin, o candidato! (Abelardo Pinto
Piolin)
1948 DDP 0091 – Cala a boca, Etelvina (Armando 23/5 – O mártir do Calvário (Eduardo Garrido)
Gonzaga) 10/4 – Chuvas de verão (Luiz Iglesias)
DDP 0167 – Meu marido é você (Olindo Dias 23/4 – Guerra às mulheres (Paulo Magalhães)
Corleto) 5/5 – Sai ou não sai (?)
DDP 0271 – Noite de São João (Francisco Fabre) 25/5 – O hóspede do quarto número 2 (?)
DDP 0314 – Pertinho do céu (José Wanderley e 1/6 – Rosas de Nossa Senhora (Celestino Silva)
Mário Lago) 11/6 – O Biriba chegou de viagem (Abelardo
DDP 1023 – Chuvas de verão (Luiz Iglezias) Pinto Piolin e Aylor Pinto)
DDP 1036 – Hotel dos amores (Miguel Santos) 22/6 – A mulher do prefeito (Corrêa de Mattos)
260
DDP 1306 – Aluga-se esta casa (Miguel Santos) 29/6 – Uma noite em apuros (Álvaro Peres Filho
DDP 2434 – Joaninha Buscapé (Luiz Iglezias) e Julio Moreno)
DDP 2457 – Diana de Rione (Eugênio Scribe) 6/7 – O Biriba esteve aqui (Abelardo Pinto Piolin
DDP 2540 – É com esse que eu vou! (Abelardo e Aylos Pinto)
Pinto Piolin) 28/7 – Cala a boca, Etelvina (Armando Gonzaga)
DDP 2553 – Farrapo humano (Almeidinha) 4/8 – Estação de águias (Geysa Boscoli e Miguel
DDP 2597 – A morte foge de mim (Carlos Santos)
Arniches) 10/8 – Ali Baba do Bom Retiro (Umberto
DDP 2609 – O Biriga chegou de viagem Pellegrini)
(Oliveira Filho e J. Spina) 24/8 – O homem da mandioca (Armando Braga)
DDP 2613 – A morena de Caxambu (Teixeira 21/9 – Saias compridas (Abelardo Pinto Piolin e
Pinto) Nair Pinto)
DDP 2615 – O Biriba esteve aqui (Abelardo 28/9 – A morte foge de mim (Oliveira Lima e
Pinto Piolin e Aylor Pinto) Oliveira Filho)
DDP 2622 – A mulher do prefeito (Henrique 5/10 – O que eles querem (Antonio Guimarães)
Marques Fernandes) 19/10 – A casa do seu Pestana (Henrique
DDP 2631 – A medalha reveladora (Gil Miranda Marques Fernandes)
e Oliveira Filho) 27/10 – O carneiro do batalhão (Viriato Corrêa)
DDP 2633 – Carneiro do batalhão (Viriato 11/11 – Cabocla Teresa (João Pacífico e Pedro
Corrêa) João Spina)
DDP 2641 – O homem da mandioca (Armando 26/11 – Um fantasma rosetando (Aldo Junior)
Braga) 3/12 – Rancho da serra (Luiz Iglesias)
DDP 2642 – Estação de águias (Geysa Bôscoli e 7/12 – Salve-se quem puder (Oswaldo Rosas)
Miguel Santos) 15/12 – O marido no. 5 (Paulo Magalhães)
DDP 2652 – O Ali Babá do Bom Retiro 23/12 – O recruta (Alberto Silva)
(Umberto Pellegrini)
DDP 2661 – Saias compridas (Abelardo Pinto
Piolin e Nair Pinto)
DDP 2663 – Cem gramas de homem (Anselmo
Domingos)
DDP 2673 – A casa do Pestana (Henrique
Marques Fernandes)
DDP 2682 – O que eles querem? (Antônio
Guimarães)
DDP 2687 – O assalto da madrugada (Aldo
Junior)
DDP 2691 – Os maridos atacam de madrugada
(Paulo Orlando)
DDP 2696 – Tudo por você (José Wanderley e
Mário Lago)
DDP 2707 – Um fantasma rosetando (Aldo
Junior)
DDP 2709 – O casca grossa (José Wanderley e
Daniel Rocha)
DDP 2723 – O recruta (Alberto Silva)
DDP 2735 – O poder das massas (Armando
Gonzaga)
DDP 2737 – Detetive X 69 no xadrez (Aldo
Junior)
1949 DDP 0165 – O sinal da cruz (Francisco Colman) 1/1 – Priminho do coração (Miguel Santos e Luiz
DDP 1391 – Mulher do trem (Miguel Santos) Iglesias)
DDP 2456 – O aranha negra contra o escorpião 4/1 – Tudo por você (José Wanderley e Mário
(Oliveira Filho) Lago)
DDP 2487 – O tigre (Armando Prazeres) 11/1 – Amo todas as mulheres (José Wanderley e
DDP 2756 – Vai a olho (Nair Bevedê) Daniel Rocha)
DDP 2758 – Branca de Neve e os sete pilantras 19/1 – Detetive x-9 no xadrez (Aldo Junior)
(Aldo Junior) 25/01 – Hotel dos amores (Miguel Santos)
DDP 2768 – A repudiada (Pereira Junior e 1/2 – Cem gramas de homem (Anselmo
Oliveira Filho) Domingos)
DDP 2773 – Um casamento singular (Gil 8/2 – Vai a olho (Nair Bevedê)
261
Miranda e Álvaro Peres Filho) 1/3 – Pertinho do céu (José Wanderley e Mário
DDP 2775 – Boneca da princesinha (Ferreira Lago)
Neto) 8/3 – Diana de Rione (Eugênio Scribe)
DDP 2778 – As casadas solteiras (Martins Pena) 15/3 – A mulher do trem (Miguel Santos)
DDP 2780 – Mãe é sempre mãe (Rogério de 22/1 – La cumparsita (Armando Louzada)
Lima Câmara) 29/3 – Os maridos atacam de madrugada (Paulo
DDP 2786 – Eu sou de briga (Nair Bevedê) Orlando)
DDP 2797 – Junho em festa (Pires Pae) 5/4 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 2798 – O pivete (Luiz Iglezias e Miguel 13/4 – O sinal da cruz (Francisco Colman)
Santos) 17/4 – Branca de neve e os sete pilantras (Aldo
DDP 2799 – Uma esposa alugada (Pires Pae) Junior)
DDP 2823 – O expedicionário chegou (Álvaro 23/4 – O campeão de futebol (Abelardo Pinto
Peres Filho e Mariana Peres) Piolin)
DDP 2827 – Eu fui o anjo da guarda do biriba 26/4 – A medalha reveladora (Gil Miranda e
(Aldo Junior) Oliveira Filho)
DDP 2829 – Quem paga o pato (Nair Bevedê) 11/5 – O casca grossa (José Wanderley e Daniel
DDP 2833 – Becos da cidade (Vytautatas Victor Rocha)
Celka) 17/5 – A ditadora (Paulo de Magalhães)
DDP 2844 – Jazz-band e violão (Álvaro Peres 24/5 – Hás de ser minha (Lygia Sarmento)
Filho e Júlio Moreno) 31/5 – O diabo enlouqueceu (Abelardo Pinto
DDP 2863 – Os piores dias de minha vida (Nair Piolin)
Bevedê) 7/6 – Eu sou de briga (Nair Bevedê)
DDP 2869 – Gilda é da fuzarca (João da Mota 16/6 – Uma esposa alugada (Pires Pae)
Mercier e Oliveira Filho) 22/6 – Junho em festa (Pires Pae)
DDP 2875 – Aventuras da família Lero-lero (R. 28/6 – O adorável Barcellos (Franz Arnold e
Magalhães Junior) Ernest Bach)
DDP 2876 – Se Jesus voltasse (Carlos Cavaco) 8/8 – Quem paga o pato? (Nair Bevedè)
DDP 2888 – Três salames num saco (Domingos 1/9 – A mulher que veio de Londres (Joaquim
Bocute e Arlindo Alves) Almada)
DDP 2896 – Para mim chega (Nair Bevedê) 6/9 – Jazz-Band e violão (A. Peres Filho e Julio
DDP 2899 – Sonhos (José Pires da Costa) Moreno)
DDP 2908 – Um caso de polícia (Henrique 13/9 – A marca do Zorro (Rafael Sabattini)
Marques Fernandes) 20/9 – O pivete (Luiz Iglesias e Miguel Santos)
DDP 2911 – Presente do céu (Domingos Bocute e 30/9 – A boneca da princesinha (Ferreira Netto)
Horácio Mello) 6/10 – Os piores dias da minha vida (Nair
DDP 2914 – Maria Maluca (Djalma Bittencourt e Bevedê)
Milton Bittencourt) 11/10 – Se Jesus voltasse (Carlos Cavaco)
DDP 2918 – A felicidade pode esperar (Eurico 18/10 – A mulher do seu Adolfo (Irineu de
Silva) Freitas)
DDP 2901 – Joazeiro (Domingos Bocute) 27/9 – A pecadora (Anthony Vasconcelos)
6/11 – Rosas de Nossa Senhora (Celestino Silva)
9/11 – Ele voltará (?)
22/11 – O joazeiro (Domingos Bocute)
9/12 – Aventuras da família Lero-Lero (R.
Magalhães Junior)
15/12 – Meu Tobias (?)
22/12 – Becos da cidade (Vytautas Victor Célka)
1950 DDP 0113 – Feia (Paulo Magalhães) 2/1 – Três salames num saco (Domingos Bocute
DDP 0236 – Os transviados (Francisco Inácio de e Arlindo Alves)
Amaral Gurgel) 13/1 – Maria maluca (Djalma Bittencourt e
DDP 0242 – A vida tem três andares (Humberto Milton Bittencourt)
Cunha) 20/1 – A felicidade pode esperar (Eurico Silva)
DDP 0387 – Deus e a natureza (Arthur Rocha)
DDP 2481 – Jesus, o cego e a leprosa
DDP 2604 – A mulher sem destino (Agenor
Gomes)
DDP 2867 – A princesa de pedra (João da Mota
Mercier e Oliveira Filho)
DDP 2922 – Não tem nada e está prosa! (Nair
Bevedê)
262
DDP 2928 – Espelho da vida (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 2933 – Parabéns à Piolin (Nair Bevedê)
DDP 2935 – O sindicato dos maridos (A. Ramos
Junior e O. Bastos)
DDP 2954 – O governador das louças (José Pires
da Costa)
DDP 2974 – Um diabo camarada (Vicente
Cassano e César Boureal)
DDP 2978 – Filhos de ninguém (Eurico Silva)
DDP 2988 – O homem sou eu!: os brotinhos da
lua direita (Tito Neto)
DDP 2990 – Malaquias malucou: ele é minha
mãe! (Oscar Cardona)
DDP 2991 – Eu quero é... casar!: banquei o
palhaço (Oscar Cardona)
DDP 2997 – Bodas de prata (Ferreira Neto)
DDP 3006 – A caixinha do Piolin (Nair Bevedê)
DDP 3016 – E o diabo perdeu o rabo (Oscar
Cardona)
DDP 3019 – Pensão das viúvas (Bob Junior)
DDP 3027 – Farrapos humanos (Oswaldo
Teixeira de Almeida)
DDP 3040 – Isto é São Paulo (Oswaldo de
Almeida)
DDP 3042 – Amor de malandro: língua de sogra
(Oscar Cardona)
DDP 3047 – Paixão sertaneja (Bob Junior)
DDP 3061 – No mundo do baião (Oswaldo de
Almeida)
1951 DDP 0373 – Saudade (Paulo Magalhães)
DDP 1950 – O filho do rei do prego (Gastão
Tojeiro)
DDP 2439 – O símbolo da lealdade (Albano
Pereira)
DDP 2477 – O monstro de Londres (Victor
Hugo)
DDP 0229 – Compra-se um marido (José
Wanderley)
DDP 3072 – Uma mulher e duas vidas (José Pires
da Costa)
DDP 3074 – O Pandeiro da italiana (Oswaldo
Teixeira de Almeida)
DDP 3075 – Depois da farra... errei, sim
(Oswaldo Teixeira de Almeida e Vicente
Marchelli)
DDP 3083 – Aviso aos farsantes (Almeidinha)
DDP 3084 – A sinuca do seu piruca (Alberto de
Carvalho)
DDP 3091 – O filho de Deus (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3093 – A bruxa da montanha (Rubens Mira
e Oliveira Filho)
DDP 3096 – O circo vem aí!!! (Almeidinha)
DDP 3101 – Enquanto a cidade dorme
(Almeidinha)
DDP 3104 – Pecado dos pais (Ferreira Neto)
DDP 3113 – Tico-tico no fubá (Luiz Schiliró e
Raymundo Parente Filho)
DDP 3121 – O segredo do mordomo (Osmar
263
Pereira)
DDP 3141 – Um casal da pontinha (Silvio
Urbano Fon-Fon)
DDP 3143 – O bandido Juliano (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3149 – Um fantasma em minha vida (Osmar
Pereira e Júlio Moreno)
DDP 3169 – Lírios da ilusão (Vytautas Victor
Célka)
DDP 3183 – O chá do sabugueiro (Raul
Pederneiras)
DDP 3184 – Tudo azul (Ferreira Neto)
DDP 3191 – Meu bebê (Oscar Cardona)
DDP 3202 – Uma vez na vida (José Wanderley)
DDP 3204 – Um Romeo das arábias (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 3215 – Romeu sem Julieta (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3230 – Antonica fura filas (Gastão Tojeiro)
DDP 3235 – Está bom, deixa (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3240 – A mulher das padarias (Oliveira
Lima)
DDP 3242 – Uma empregada do barulho
(Oliveira Filho e Alberto Carvalho)
DDP 3250 – Flores do lodo (Ferreira Neto)
DDP 3255 – Pobre diabo (Viriato Corrêa)
DDP 3264 – Piolin Papai Noel (Henrique
Marques Fernandes)
1952 DDP 0054 – Feitiço: método moderno de 30/1 – A italianinha (José Pires da Costa)
felicidade conjugal em três volumes e oito 5/2 – Uma empregada do barulho (Oliveira Filho
gravuras (Oduvaldo Vianna) e Alberto Carvalho)
DDP 3265 – Italianinha (José Pires da Costa) 14/2 – O rabo de peixe (Henrique Marques
DDP 3270 – Os amores de sete dedos (Henrique Fernandes)
Marques Fernandes) 4/3 – Que mãe que arranjei! (Carlo Bettencourt)
DDP 2494 – O divino perfume (Renato Vianna) 11/3 – Um caso de polícia (Eurico Silva)
DDP 3272 – Meu chamego é você (Henrique 19/3 – Maria Candelária (Henrique Marques
Marques Fernandes) Fernandes)
DDP 3281 – Rabo de peixe (Henrique Marques 27/3 – No bico da cegonha (Alberto Penzkofer e
Fernandes) Genaro de Castro)
DDP 3301 – Maria Candelária (Henrique 18/4 – O pai, o gato e o filho (Abelardo Pinto
Marques Fernandes) Piolin)
DDP 3307 – Piolin no bico da cegonha (Alberto 22/4 – Está bom, deixa! (Abelardo Pinto Piolin)
Penzkofer e Genaro de Castro) 6/5 – A mulher das padarias (Oliveira Lima)
DDP 3308 – O yó yó de yá yá 14/5 – O bobalhão (Ferreira Rodrigues)
DDP 3316 – O tio de Corumbá (Humberto 21/5 – Alma de caboclo (?)
Cunha) 27/5 – Chuva de verão (Luiz Iglesias)
DDP 3317 – O bobalhão 7/6 – Minha mulher não é nervosa (A. Peres
DDP 3337 – Casamento no Uruguay (R. Filho, Julio Moreno e Gil Miranda)
Magalhães Junior) 11/6 – O bamba da Barra Funda (Gil Miranda e
DDP 3344 – A doce ilusão (Abelardo Pinto A. Peres Filho)
Piolin) 1/7 – Banquei o palhaço (?)
DDP 3361 – Piolin criado fiel (Abelardo Pinto 8/7 – O divino perfume (Renato Vianna)
Piolin) 13/7 – Ele voltou da Bahia (Gil Miranda)
DDP 3362 – Há maldade nisso (Abelardo Pinto 15/7 – O Marquês de Tereré (?)
Piolin) 22/7 – O rato na ratoeira (A. Peres Filho e Julio
DDP 3370 – Primo, a situação não está boa Moreno)
(Alberto Penkoffer e Genaro de Castro) 31/7 – O gato atrás do rato (?)
DDP 3378 – As botas do Bonifácio (Joracy 5/8 – Romeu sem Julieta (Abelardo Pinto Piolin)
Camargo) 13/8 – Um casamento no Uruguai (Raimundo
264
DDP 3379 – Doutor Voronoff (José Carlos Magalhães Junior)
Queirolo) 20/8 – Primo, a situação não está boa (Alberto
DDP 3380 – Barnabé, tu és meu (Gil Miranda a Penkoffer e Genaro de Castro)
Álvaro Peres Filho) 5/9 – Barnabé, tu és meu (A. Peres Filho e Gil
DDP 3402 – Trágica decisão (Urbano Cordeiro e Miranda)
Júlio Moreno) 19/9 – Há maldade nisso? (Abelardo Pinto
DDP 3412 – É muita cocada (Abelardo Pinto Piolin)
Piolin) 20/9 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 3419 – A casa das três Marias (Gil Miranda 23/9 – Doce ilusão (Abelardo Pinto Piolin)
e Álvaro Peres Filho) 4/11 – Um casal da pontinha (Silvio Urbano
DDP 3420 – Nada além (Abelardo Pinto Piolin) Fon-Fon)
DDP 3434 – Primo, você é que é feliz (Júlio 11/11 – O marido da viúva (?)
Moreno e Adail Vianna) 18/11 – Piolin apaixonado (Abelardo Pinto
DDP 3437 – Ao bater da Ave Maria (Álvaro Piolin)
Peres Filho e Gil Miranda) 26/11 – Está bom, deixa e O casamento de Piolin
DDP 3933 – Viúva, porém honesta (Nelson de (Abelardo Pinto Piolin)
Abreu, Modesto Abreu e Renato Alvim) 3/12 – A voz fantasma (?)
9/12 – Nada além (Nada além)
18/12 – Praxedes vai dar baixa (Armando Braga)
24/12 – O expedicionário chegou (A. Peres Filho
e Mariana Peres)
30/12 – Primo, você que é feliz (Julio Moreno e
Adail Vianna)
1953 DDP 1708 – Amor e ódio (Dias Guimarães) 6/1 – Ao bater da Ave Maria (A. Peres Filho e
DDP 3443 – O carnaval está na rua (Gil Miranda) Gil Miranda)
DDP 3449 – A pensão dos tarados (Ferreira 13/1 – A casa das três Marias (A. Peres Filho e
Neto) Gil Miranda)
DDP 3452 – Eva, me leva (Gil Miranda e 20/1 – O feitiço (Oduvaldo Vianna)
Abelardo Pinto Piolin) 27/1 – O Carnaval está na rua (Gil Miranda)
DDP 3465 – A viúva da sanfona (Pedro J. Spina e 3/2 – É muita cocada (Abelardo Pinto Piolin)
José Sotelo) 20/2 – Com a vida no seguro (Abelardo Pinto
DDP 3471 – Eu não sabia (Adail Vianna e Júlio Piolin)
Moreno) 1/3 – A pensão dos tarados (Ferreira Netto)
DDP 3475 – Golpe errado (Walter Junior) 3/3 – A mulher do auto-ônibus (A. Peres Filho e
DDP 3476 – A vitória do Baltazar (Júlio Moreno Gil Miranda)
e Oliveira Filho) 10/3 – O casca grossa (José Wanderley e Daniel
DDP 3480 – O direito de viver (Adail Vianna e Rocha)
Júlio Moreno) 16/3 – O testamento de um louco (?)
DDP 3481 – Os cadáveres do Barnabé (Augusto 24/3 – Sururu em família (Rogério de Lima
Maria D’Alpolim) Câmara)
DDP 3482 – Isto me faz um bem (Proença Filho) 31/3 – Duelo e morte (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 3491 – O fantasma (Oscar Cardona) 1/4 – A paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo
DDP 3500 – Vida de cachorro (Oscar Cardona) (Eduardo Garrido)
DDP 3508 – Nhô Berto banca o doutor (Roberto 7/4 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo Pinto
Tangel) Piolin)
DDP 3510 – O ateu (Roberto Tangel) 14/4 – A viúva da sanfona (Pedro J. Spina e José
DDP 3511 – O amigo da onça (Adail Vianna) Sotelo)
DDP 3513 – Pula a fogueira 21/4 – A vitória do Baltazar (Julio Moreno e
DDP 3539 – Santo... só no nome (Isaias Carlos e Oliveira Filho)
Oliveira Filho) 28/4 – O golpe errado (Walter Junior)
DDP 3544 – Rancho vazio (Rafael Genovez) 5/5 – O direito de viver (Adail Vianna e Julio
DDP 3550 – E a vida continua (Adail Vianna) Moreno)
DDP 3553 – Praia dos amores (Álvaro Peres 13/5 – A volta de Maringá (José Barreto
Filho e Júlio Moreno) Machado)
DDP 3572 – Simplicio assentou praça (Armando 19/5 – O sorriso do bandeira (Oliveira Filho)
Braga) 9/6 – A baratinha verde (A. Peres Filho e Gil
DDP 3578 – O espectro (Rafael Genovez) Miranda)
DDP 3582 – Entre dois corações (Richard Ney e 26/6 – Pula a fogueira (Walter Junior)
Maria Estela Oliveira) 30/6 – O pivete (Luiz Iglesias e Miguel Santos)
DDP 3612 – A velha foi na onda (José Braga) 8/7 – Espionagem (Agenor Gomes)
265
DDP 3628 – Mulher é espeto... (Oscar Cardona) 9/7 – O pivete (Luiz Iglesias e Miguel Santos)
DDP 3631 – O valente treme-treme (Oscar 14/7 – Chica Boa (Paulo Magalhães)
Cardona) 21/7 – Estação de águias (Geysa Boscoli e
DDP 3635 – Primeiro marido da França (A. Miguel Santos)
Valabregue) 28/7 – Santo só no nome (Isaias Carlos e
DDP 3641 – Essas mulheres (Nelson de Abreu, Oliveira filho)
Renato Alvim e Modesto de Abreu) 25/8 – Nhô Berto banca o doutor (Roberto
DDP 3647 – Granfinos em apuros (Heloisa Tangel)
Helena Magalhães) 5/9 – Telefone particular (Oliveira Filho)
DDP 3648 – É peia seu doutor (Canelinha) 8/9 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 3658 – O príncipe encantado (Luiz 17/9 – Piolin, professor de clarinete (Abelardo
Leandro) Pinto Piolin)
22/9 – E a vida continua (Adail Vianna)
1/11 – A velha foi na onda (José Braga)
5/11 – Trágica decisão (Urbano Cordeiro e Julio
Moreno)
19/11 – O diabo enlouqueceu (Abelardo Pinto
Piolin)
27/11 – O valente Treme-Treme (Oscar
Cardona)
1/12 – Maior o ódio (Amor e ódio) (Dias
Guimarães)
11/12/1953 – O primeiro marido da França
(Gervásio Lobato)
15/12 – É peta seu dotô (?)
30/12 – Mulher é espeto (Oscar Cardona)
1954 DDP 1064 – Um casal do barulho (Gil Miranda) 6/1 – Granfinos em apuros (Heloísa Helena
DDP 3431 – Os bruxos do castelo (Odilon Magalhães)
Pinheiro de Faria) 19/1 – Queridinho de todas (Oswaldo Rosas e
DDP 3432 – Os pastores de Fátima (Odilon Humberto Cunha)
Pinheiro de Faria) 26/1 – Campeão de futebol (Abelardo Pinto
DDP 3660 – O queridinho de todas (Oswaldo Piolin)
Rosas e Humberto Cunha) 30/1 – Piolin apaixonado (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 3680 – A grande mentira (Francisco M. 19/2 – Ele voltou da Bahia (Gil Miranda)
Colazo) 27/2 – O marido da minha sogra (Ildefonso
DDP 3681 – Marido de minha sogra (Ildefonso Norat e Cunha Filho)
Norat e Cunha Filho) 2/3 – Minha casa é paraíso (Luiz Iglesias)
DDP 3682 – Luciola (Oscar Cardona) 11/3 – Uma noite em apuros (A. Peres Filho e
DDP 3687 – Ódio que mata (Abelardo Pinto Julio Moreno)
Piolin) 23/3 – Macumba (José Pires da Costa)
DDP 3691 – Mãe querida (Abelardo Pinto Piolin) 8/6 – O homem de vidro (Oliveira Lima)
DDP 3714 – Noite deliciosa (Lucília Amaral) 2/12 – Índio Totó (José Ângelo)
DDP 3719 – Onça sem o amigo (Adail Vianna e
Júlio Moreno)
DDP 3721 – Viva São Paulo (Ferreira Neto)
DDP 3727 – É só pra chatear (Adail Vianna e
Júlio Moreno)
DDP 3769 – Tristeza de caboclo (Walter
Casamayor e Oliveira Filho)
DDP 3770 – Vou-me casar outra vez (Adail
Vianna)
DDP 3780 – A cabana do Chico Mulato (Hélio
Laurato)
DDP 3795 – O noivo de minha filha (Adail
Vianna e Gil Miranda)
DDP 3799 – Guerra por amor (Abelardo Pinto
Piolin e José Ângelo)
DDP 3805 – Sabidões (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 3808 – O noivo rico (Abelardo Pinto Piolin
e José Ângelo)
266
DDP 3814 – O bandoleiro (José Ângelo)
DDP 3819 – O candidato número um (José
Ângelo)
DDP 3825 – Qual será o homem? (Umberto
Pellegrini)
DDP 3830 – São Paulo quarto centenário (José
Ângelo)
DDP 3831 – O neurastênico (José Ângelo)
DDP 3839 – A mulher do meu sócio (Armando
Braga)
DDP 3841 – O caixinha (José Ângelo)
DDP 3845 – A fidalga e o plebeu (José Ângelo)
DDP 3850 – O índio Totó (José Ângelo)
DDP 3862 – É o maior!... (Abelardo Pinto Piolin
e José Ângelo)
DDP 3867 – De cartola e tamanco! (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 3868 – Noite feliz (Ferreira Neto)
DDP 3874 – A família confusão (Abelardo Pinto
Piolin e José ângleo)
DDP 3889 – O matador (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 3890 – A carta do judeu (Francisco M.
Colazo)
DDP 3891 – O roubo do colar (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3894 – Eu sou do circoscope (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 3895 – O vaqueiro Piolin (Abelardo Pinto
Piolin)
1955 DDP 2565 – Oba, homem não (J. Spina e Rubens 12/1 – O vaqueiro Piolin (Abelardo Pinto Piolin)
Mira) 16/3 – O mexicano (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 3643 – Cabocla (Tonico e Nina Galhardo) 3/4 – 15 anos depois (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 3897 – Última chance (Abelardo Pinto 12/4 – As encrencas do Tenório (Adail Vianna e
Piolin) Julio Moreno)
DDP 3909 – Doutor por acaso (Abelardo Pinto 22/4 – A noiva do papai (Abelardo Pinto Piolin)
Piolin) 27/4 – Agarre o Jacinto (O Jacinto agarrado)
DDP 3918 – O amigo do alheio (Abelardo Pinto (Abelardo Pinto Piolin)
Piolin) 8/5 – Mãe querida (?)
DDP 3926 – Aventura perigosa (Abelardo Pinto 10/5 – Quem beijou minha mulher? (Gastão
Piolin) Tojeiro)
DDP 3927 – A vingança (Abelardo Pinto Piolin) 17/5 – Esperança do amor (Vingança por amor)
DDP 3937 – A falsa ilusão (Abelardo Pinto (Abelardo Pinto Piolin)
Piolin) 25/5 – O fantasma gostosão (Abelardo Pinto
DDP 3938 – Quinze anos depois (Abelardo Pinto Piolin)
Piolin) 16/10 – Macumbeira (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 3939 – O mexicano (Abelardo Pinto Piolin) 21/10 –A mansão das almas (Abelardo Pinto
DDP 3954 – A noiva de papai (Abelardo Pinto Piolin)
Piolin) 15/11 – A noiva eterna (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 3955 – As encrencas do Tenório (Adail
Vianna e Júlio Moreno)
DDP 3957 – Madresilva (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 3959 – Vingança por amor (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3967 – O fantasma gostosão (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 3970 – A pensão Pindura (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3971 – O Jacinto agarrado (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3972 – Piolin Tarzan (Abelardo Pinto
267
Piolin)
DDP 3985 – Piolin, o mata-mata (Abelardo Pinto
Piiolin)
DDP 3986 – A tocaia (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 3988 – A fonte dos desejos (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4001 – Prece a São João (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4022 – A mulher de verdade (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 4023 – Agulha no palheiro (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4026 – A sinuca do Maneco (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 4043 – Saudosa maloca (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4044 – O poder da fé em Tambaú (João da
Mota Mercier e Oliveira Filho)
DDP 4045 – Três noivos para três irmãs
(Abelardo Pinto Piolin)
DDP 4046 – Pancho Vila (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 4057 – Punhos de aço (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4061 – O petróleo é dele (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4069 – O castigo vem de cima (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 4070 – Caçado como fera (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4077 – Piolin, o poliglota (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4103 – O neto de Lampeão (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4104 – A macumbeira (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4105 – A mansão das almas (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 4114 – Dois caipiras sabidos (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 4116 – Flor de maio
DDP 4117 – A noiva eterna (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4131 – Bandido galante (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4132 – O covarde (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 4144 – Carnaval na Barra Funda (Oliveira
Filho, Ocirema Barosa e Iracema Oliveira)
DDP 4150 – O golpe (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 4152 – Peguei um Ita no norte (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 4153 – Uma noite de pavor (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 4157 – Piolin e o Bruto (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4158 – Coroné Piolin (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4159 – O monstro da casa velha (Abelardo
Pinto Piolin)
1956 DDP 4163 – Um homem irresistível (Abelardo 12/1 – Pertinho do céu (José Wanderley e Mário
Pinto Piolin) Lago)
268
DDP 4168 – A lei da bala (Abelardo Pinto Piolin) 7/2 – Pra mim chega (Nair Bevedê)
DDP 4176 – Meu marido é da polícia (Júlio 8/3 – Compra-se um marido (José Wanderley)
Moreno e A. D’Ângelo) 28/3 – Mulher de verdade (Abelardo Pinto
DDP 4190 – O grande rodeio Piolin)
DDP 4209 – Terra de amor (Oliveira Filho e 13/4 – O coronel Piolin (Abelardo Pinto Piolin)
Ocirema Barbosa) 21/4 – O grande rodeio (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 4222 – Madalena, a virgem apedrejada 29/5 – Silvana Papa Tudo (Olindo Dias Corleto)
(Olindo Dias Corleto) 6/7 – De cartola e tamanco (Abelardo Pinto
DDP 4224 – Esta noite te matarei (Olindo Dias Piolin)
Corleto) 12/7 – Canção de Bernadete (Olindo Dias
DDP 4227 – A Silvana papa-tudo (Olindo Dias Corleto)
Corleto) 20/7 – A carta do judeu (Francisco M. Colazo)
DDP 4229 – O crediário abre as vinte (Olindo 27/7 – O comendador Ventura (Abelardo Pinto
Dias Corleto) Piolin)
DDP 4234 – Eu sou Francisco e você? (Olindo 31/7 – O crediário abre às 20h (Olindo Dias
Dias Corleto) Corleto)
DDP 4240 – Festa junina no arraial do Piolin 15/8 – Filhos de ninguém (Eurico Silva)
(Olindo Dias Corleto) 22/8 – Vai graxa doutor (Olindo Dias Corleto)
DDP 4247 – A sorte de São Pedro (Olindo Dias 31/8 – Se o Anacleto soubesse (Paulo Orlando)
Corleto) 13/9 – Enquanto a cidade dorme (Abelardo Pinto
DDP 4256 – Quando morre uma ilusão (Olindo Piolin e Oswaldo de Almeida)
Dias Corleto e Oliveira Filho) 20/9 – A pensão da dona Estela (João do Sul)
DDP 4283 – Vai graxa doutor (Olindo Dias 2/10 – No país dos Papafilas (Olindo Dias
Corleto) Corleto)
DDP 4309 – A casa das viúvas (Olindo Dias 12/10 – A mulher do Zebedeu (J. Corrêa Leite)
Corleto) 16/10 – Chica Boa (Paulo Magalhães)
DDP 4310 – No país do papa fila (Olindo Dias 23/10 – O amigo terremoto (Renato Alvim e
Corleto) Nelson de Abreu)
DDP 4319 – Tudo pela moral (Júlio Moreno e 30/10 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)
Adail Vianna) 10/11 – Hotel dos amores (Miguel Santos)
DDP 4326 – Descobriram tudo (Oscar Cardona) 22/11 – Coco, melancia e abacaxi (Abelardo
DDP 4339 – Côco, melancia e abacaxi (Abelardo Pinto Piolin)
Pinto Piolin) 4/12/1956 – Tudo pela moral (Julio Moreno e
DDP 4356 – Picles sortidos (João de Sá) Adail Vianna)
DDP 4371 – A cegonha se atrasou (Franz Arnold 11/12 – Os maridos atacam de madrugada (Paulo
e Ernest Bach) Orlando)
21/12 – A pensão de Manuelita (Irineu de
Freitas)
25/12 – O casca grossa (José Wanderley e Daniel
Rocha)
29/12 – A mulher do meu sócio (Armando
Braga)
1957 DDP 4345 – Perdoa-me... (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 4517 – Jabuca essa não (Claudio Miranda e
Oscar Zocoler)
1958 DDP 4547 – É ocê Tereza?
DDP 4571 – Piolin no planeta Marte (Umberto
Pellegrini)
1959
1960 DDP 0098 – A escrava Isaura (Bernardo
Guimarães)
1961
*A lista se refere aos processos de censura protocolados no Departamento de Diversões Públicas do
Estado de São Paulo (DDP) seguindo a ordem por data de pedido de censura. Uma vez liberada a
encenação, com cortes ou não, a peça obtinha certificado com quatro anos de validade, o que explica a
ocorrência de encenação da peça bem depois de sua aprovação.
**Relação feita a partir das seções de programação dos circos publicadas nos jornais O Estado de S.
Paulo, Folha da Manhã, Folha da Noite e Folha de S. Paulo. Como faltam números dos jornais nas
coleções consultadas, o roteiro de peças encenadas é parcial. A partir de 1957 as peças não pareciam mais
nominalmente nesses roteiros, por isso os anos estão sem os registros.
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