A Censura Ao Teatro No Brasil Pós Golpe de 2016
A Censura Ao Teatro No Brasil Pós Golpe de 2016
A Censura Ao Teatro No Brasil Pós Golpe de 2016
São Paulo
2020
Albervan Reginaldo Sena
São Paulo
2020
Dedicamos este trabalho àquelas e aqueles
que foram, são ou serão artistas de teatro no Brasil.
Que este trabalho possa contribuir com o registro
e a memória (de parte) da nossa história.
Você na rua, de novo. Que interessante. Fazia tempo que não aparecia
com toda a sua família. Se me lembro bem, a última vez foi em 1964,
naquela "Marcha da família, com Deus, pela liberdade". É engraçado, mas
não sabia que você tinha guardado até mesmo os cartazes daquela época:
"Vai para Cuba", "Pela intervenção militar", "Pelo fim do comunismo". Acho
que você deveria ao menos ter tentado modernizar um pouco e inventar
algumas frases novas. Sei lá, algo do tipo: "Pela privatização do ar", "Menos
leis trabalhistas para a empresa do meu pai".
Vi que seus amigos falaram que sua manifestação foi uma grande "festa
da democracia", muito ordeira e sem polícia jogando bomba de gás
lacrimogêneo. E eu que achava que festas da democracia normalmente não
tinham cartazes pedindo golpe militar, ou seja, regimes que torturam,
assassinam opositores, censuram e praticam terrorismo de Estado. Houve
um tempo em que as pessoas acreditavam que lugar de gente que sai
pedindo golpe militar não é na rua recebendo confete da imprensa, mas na
cadeia por incitação ao crime. Mas é verdade que os tempos são outros.
Por sinal, eu queria aproveitar e parabenizar o pessoal que cuida da sua
assessoria de imprensa. Realmente, trabalho profissional. Nunca vi uma
manifestação tão anunciada com antecedência, um acontecimento tão
preparado. Uma verdadeira notícia antes do fato. Depois de todo este
trabalho, não tinha como dar errado.
Agora, se não se importar, tenho uma pequena sugestão. Você diz que
sua manifestação é apartidária e contra a corrupção. Daí os pedidos de
impeachment contra Dilma. Mas em uma manifestação com tanta gente
contra a corrupção, fiquei procurando um cartazete sobre, por exemplo, a
corrupção no metrô de São Paulo, com seus processos milionários correndo
em tribunais europeus, ou uma mera citação aos partidos de oposição, todos
eles envolvidos até a medula nos escândalos atuais, do mensalão à
Petrobras, um "Fora, Alckmin", grande timoneiro de nosso "estresse hídrico",
um "Fora, Eduardo Cunha" ou "Fora, Renan", pessoas da mais alta
reputação. Nada.
Se você não colocar ao menos um cartaz, vai dar na cara que seu
"apartidarismo" é muito farsesco, que esta história de impeachment é o
velho golpe de tirar o sujeito que está na frente para deixar os operadores
que estão nos bastidores intactos fazendo os negócios de sempre.
Impeachment é pouco, é cortina de fumaça para um país que precisa da
refundação radical de sua República. Mas isto eu sei que você nunca quis.
Vai que o povo resolve governar por conta própria.
Ao nosso orientador, Eder Martins, nossa eterna gratidão por sua sensibilidade
e disponibilidade, por reconhecer a urgência desta proposta e por tornar este processo
– tão intenso – mais leve. Sem ele não seria possível.
Este trabalho se propõe à uma análise histórica, política e social que envolve
casos de censura ao teatro no Brasil especialmente após o ano de 2016, em que o
impeachment da presidenta Dilma Rousseff marcou o início de um intenso processo
de polarização política no país, que culminou também nas eleições de 2018 e na
ascensão do Governo Bolsonaro, marcado pelo conservadorismo e pela
institucionalização de mecanismos de cerceamento da liberdade de expressões
artísticas e do pensamento, além da perseguição moral e política aos artistas do país.
This paper proposes a historical, political and social analysis involving cases of
censorship of theater in Brazil especially after the year 2016, when the impeachment
of President Dilma Rousseff marked the beginning of an intense process of political
polarization in the country, which also culminated in the 2018 elections, with the rise
of the Bolsonaro government, marked by conservatism and the institutionalization of
mechanisms to restrict freedom of artistic expression, speech and thought, in addition
to the moral and political persecution of artists in the country.
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
PARTE I – CONTEXTOS E HISTÓRICO DA CENSURA NO BRASIL........................ 11
1.1 A Igreja Católica e a Intendência Geral de Polícia da Corte e do Estado ............ 11
1.2 O Conservatório Dramático Brasileiro (CDB) ............................................................ 13
1.3 Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) ..................................................... 16
1.4 Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP) ................................................ 17
1.5 Divisão de Censura e Diversões Públicas (DCDP) .................................................. 18
PARTE II - O GOLPE E O PENSAMENTO CONSERVADOR NO BRASIL ............... 26
2.1 O Golpe de 2016 no Brasil............................................................................................ 26
2.2 As Eleições de 2018 e a Polarização Política/Social ............................................... 33
2.3 O Conservadorismo no Brasil ...................................................................................... 35
PARTE III – LIBERDADE DE EXPRESSÃO E CENSURA............................................ 38
3.1 Direito à Liberdade de Expressão Artística ................................................................ 38
3.2 Limitação à Liberdade de Expressão .......................................................................... 42
3.3 Censura............................................................................................................................ 45
3.4 Formas de Censura ....................................................................................................... 47
PARTE IV – A CENSURA AO TEATRO NO BRASIL PÓS GOLPE DE 2016 ........... 50
4.1 O Evangelho Segundo Jesus Rainha do Céu (Núcleo Corpo Rastreado) ........... 51
4.2 Abrazo (Grupo Clowns de Shakespeare)................................................................... 56
4.3 Res Pvblica 2023 (Grupo A Motosserra Perfumada) ............................................... 60
4.4 Caranguejo Overdrive (Aquela Cia. De Teatro) ........................................................ 63
4.5 Lembro Todo Dia De Você (Núcleo Experimental)................................................... 66
4.6 Gritos (Companhia Dos à Deux).................................................................................. 68
4.7 A Mulher Monstro (S.E.M Cia. De Teatro) ................................................................. 71
PARTE V – CONEXÕES E DESDOBRAMENTOS......................................................... 75
5.1 Das Dramaturgias e Abordagens Temáticas dos Trabalhos Analisados.............. 75
5.2 A Institucionalização da Arte Enquanto Mecanismo de Censura........................... 78
5.3 Censura Moral [ou] [e] Censura Política..................................................................... 83
5.4 Reações e Relações...................................................................................................... 86
5.5 As Influências dos Casos nas Trajetórias Posteriores dos Espetáculos .............. 93
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 97
REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIA .................................................................................. 100
ANEXO I – DOSSIÊ DOS ESPETÁCULOS ANALISADOS ........................................ 109
ANEXO II – QUESTIONÁRIO ENVIADO AOS GRUPOS ............................................ 121
ANEXO III – TRANSCRIÇÕES DE RESPOSTAS RECEBIDAS POR ÁUDIO......... 122
ANEXO IV – RESPOSTAS RECEBIDAS VIA EMAIL................................................... 148
10
INTRODUÇÃO
Por fim, se estabeleceu uma reflexão sobre os impactos dos atos de censura
no panorama cultural brasileiro, evidenciando similaridades entre os sete espetáculos
analisados e os dias atuais, além de outros períodos históricos em que a censura ao
teatro se fez presente de maneira bastante evidente.
11
1COSTA, Iná Camargo. Teatro político no Brasil. Trans/Form/Ação. v. 24, n. 1, Marília, 2001. p. 113-
120, 2001. Disponível em <https://doi.org/10.1590/S0101-31732001000100008>. Acesso em
08/05/2020.
12
4 SCANDAROLLI, Denise. A Censura teatral no Brasil Império. Caf é com História [online], 2017.
ISSN 2674-5917. Disponível em <https://www.caf ehistoria.com.br/a-censura-teatral-no-brasil-
imperio/>. Acesso em 08/05/2020
5 Os Diamantes da Coroa, escrito por Eugène Scribe, com música de Daniel-François-Esprit Auber.
15
Com atuação nacional, o DIP possuía cinco divisões para atender a toda a
demanda do departamento. Dentre essas, três exerciam a censura prévia, conforme
Durante o declínio do Estado Novo e sob forte pressão popular, o DIP foi
extinto, e a fiscalização das expressões e manifestações passou a ser de
responsabilidade do Departamento Nacional de Informações – DNI.
Devido a autonomia dada aos estados, mais uma vez as peças proibidas
poderiam ganhar espaço em outras praças, isto é, a mesma peça poderia ser, por
exemplo, censurada em São Paulo e liberada em Minas Gerais.
O processo para liberação de peças era similar aos dos órgãos censores
anteriores. Os produtores e companhias teatrais deveriam submeter dados das peças,
autorização dos autores e dois exemplares do texto. O SCDP daria um parecer
proibindo, liberando ou ordenando a realização de cortes/adaptações, além disso, a
obra deveria ser apresentada ao censor antes da estreia.
9 Idem. p. 11
19
10 MORAES, A. P. Quartim De. Anos de Chumbo: O Teatro Brasileiro na Cena de 1968. Edições
Sesc, São Paulo, 2018. p.15.
11 GARCIA, Mliandre. A Censura de Costumes No Brasil: da institucionalização da censura teatral
12 MORAES, A. P. Quartim De. Anos de Chumbo: O Teatro Brasileiro na Cena de 1968. Edições
14 O espetáculo f oi remontado pelo Teatro Of icina, com nova f ormação d e elenco, em 2018.
22
‘Foi um gesto cultural. Antecipou o AI-5 e cortou a via subversiva que o teatro
estava seguindo’, disse João Marcos à Folha de S. Paulo, em 1993, ano em
que saiu do armário e identificou-se como líder do grupo responsável pelo
ataque. ‘O objetivo era realizar uma ação de propaganda para chamar a
atenção das autoridades sobre a iminência da luta armada, que visava à
instauração de uma ditadura marxista no Brasil’, contou o advogado [...].16
15 HERDY, Thiago. Roda viva estreia em São Paulo; líder do CCC está morto. Época [online], 2018.
Disponível em< https://epoca.globo.com/thiago-herdy/roda-viva-estreia-em-sao-paulo-lider-do-ccc-
esta-morto-23296897/>Acesso em 08/05/2020.
16 MARTINO, Rodolf o Stipp. Atores de 'Roda Viva' são agredidos e veem teatro ser depredado
em SP. Folha de São Paulo [online] 2018. Disponível em <https://www1.f olha.uol.com.br/banco -de-
dados/2018/07/1968-atores-de-roda-viva-sao-agredidos-e-veem-teatro-ser-depredado-em-sp.shtm/>.
Acesso em 08/05/2020.
23
lado, este movimento também mostra que, a essa altura, o teatro não se caracterizava
mais como uma grande ameaça à ordem vigente, do ponto de vista da moralidade,
pois as peças com conteúdo político seguiram na mira dos censores centrais.
por Ibrahim Abi-Ackel, que por sua vez, apresenta um retrocesso ao que Petrônio
estava construindo.
Ainda nos anos 1980, devido a movimentos sociais e campanhas para o fim
da ditadura - como o Diretas Já - o ministro da Justiça, Fernando Lyra, promete
substituir a censura política por classificação etária, e pede para que os autores de
teatro tenham como base os valores éticos.
18 Estes e outros nomes f oram dados a Solange Hernandez, censora que se tornou personagem
símbolo da censura militar no país. Artistas como Rita Lee (em Arrombou o Cof re) e Leo Jaime (em
Solange) citaram a censora publicamente em suas criações.
19 RIBEIRO, Belissa. A dona da censura. Isto é, São Paulo, 1984, p. 17-24.
25
20OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. O Golpe de 2016: Breve Ensaio de História Imediata Sobre
Democracia e Autoritarismo. Historiæ, Rio Grande, 2016. p. 191-231.
27
21 Idem. p.198-199.
22 Ibidem. p. 195.
28
A associação que a mídia fazia era direta entre corrupção e governos do PT,
respaldado no recorte das investigações da Operação Lava Jato, que
retroage somente até 2003, primeiro ano do primeiro mandato de Lula.
Questionado em uma palestra nos Estados Unidos sobre o porquê das
investigações não indiciarem políticos dos partidos de oposição,
notadamente a maior dessas legendas, o PSDB, o juiz Sérgio Moro, da 13ª
Vara Federal de Curitiba, responsável pelo caso, se explicou assim: “O juiz
Sergio Moro disse que não julgou casos relacionados ao PSDB porque
investigações sobre o partido não chegaram a ele. De acordo com o titular
da Operação Lava-Jato, em Curitiba, não houve evidência de que os
diretores da Petrobrás deram dinheiro para a legenda. “Esse partido estava
na oposição. Então, não faria sentido”, afirmou, durante palestra no Wilson
Center, em Washington.”24
23 Ibidem. p.199.
24 Ibidem. p.200.
29
25 Mecanismo de operação f inanceira f eita pelo Poder Executivo para cumprir as metas f iscais, em que
recursos de bancos públicos são utilizados para cumprir responsabilidades governamentais, com o
posterior reembolso pelos cof res públicos.
26 BRASIL. [Constituição Federal de 1988]. Constituição da República Federativa do Brasil:
27 GÓIS, Fabio. Temer admite que Cunha só autorizou impeachment porque petistas não o
apoiaram na Câmara. Congresso em Foco [online], 2017. Disponível em <
https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/temer-admite-que-cunha-so-autorizou-
impeachment-porque-petistas-nao-o-apoiaram-na-camara/>. Acesso em 27/04/2020.
28 PARTIDO DOS TRABALHADORES. Da Redação da Agência PT de Notícias. Jamais aceitari a
Quando [...] a opinião pública está muito contra alguma coisa a tendência do
parlamentar é acompanhá-la. [...] O ponto é este. Eu jamais apoiei ou fiz
empenho pelo golpe. Aliás, muito recentemente, o jornal Folha [De São
Paulo] detectou um telefonema que o presidente Lula me deu, onde ele
pleiteava - e depois esteve comigo - para trazer o PMDB para impedir o
impedimento. Mas a essa altura, eu confesso, que a movimentação popular
era tão grande e tão intensa que os partidos já estavam mais ou menos
vocacionados, digamos assim, para a ideia do impedimento. Mas veja que
29OLIVEIRA, Tiago Bernardon de. O Golpe de 2016: Breve Ensaio de História Imediata Sobre
Democracia e Autoritarismo. Historiæ, Rio Grande, 2016. p. 200.
32
30 CONGRESSO em f oco. Veja o vídeo que Temer admite ‘golpe’ e entenda o contexto. Uol
Manif estações no Brasil: As Ruas em Disputa. Of icina Raquel, Rio de Janeiro, 2019. p. 7.
33
Após consumado o Golpe de 2016 – em que o Brasil viu cair sua primeira
presidenta legitimamente eleita – e antes mesmo de concluído o mandato do
presidente interino Michel Temer, as prévias do resultado das campanhas eleitorais
de 2018, já eram capazes de evidenciar o reflexo de algo que identificamos como a
intensificação do pensamento conservador no Brasil.
Neste sentido, este trabalho não pretende analisar suas bases teóricas e
políticas, mas sim o modo como estes movimentos e os agentes públicos nele
envolvidos se manifestam/manifestaram em relação à coletividade e à diversidade,
assuntos que influenciam diretamente a criação artística.
32 REVISTA FÓRUM. Jair Bolsonaro: “Erro da ditadura foi torturar e não matar” . Revista Fórum
[online], 2016. Disponível em <https://revistaf orum.com.br/noticias/jair-bolsonaro-erro-da-ditadura-f oi-
torturar-e-nao-matar/> Acesso em 15/05/2020.
33 Idem.
34 MARCELLO, Maria Carolina. Bolsonaro discursa para manifestação com faixa “Fora Maia” e
em<https://www.metrojornal.com.br/entretenimento/2018/12/27/bolsonarocritica-recursos-da-lei-
rouanet.html> Acesso em 15/05/2020.
35
opunham a ele, “mamavam na lei”. Deixava claro, desde então que, após sua eleição,
acabaria com a fictícia “mamata”36.
36 CHAVES, Thais. Lei Rouanet: da ascensão à queda provocada pelas fake news. Carta Capital
[online], 2019. Disponível em < https://www.cartacapital.com.br/cultura/lei-rouanet-da-ascensao-a-
queda-provocada-pelas-f ake-news/> Acesso em 15/05/2020.
37 Idem.
36
40MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 7. ed. rev. e atual. Saraiva, São Paulo,
2012. p. 84.
39
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença.42
41 São direitos e garantias individuais propriamente ditos, verdadeira def esa do indivíduo contra
atividades arbitrárias do Estado.
42 BRASIL. [Constituição Federal de 1988]. Constituição da República Federativa do Brasil:
estabeleceu a cultura como direito no art. 215, com a garantia de exercício dos direitos
culturais, protegendo e apoiando as manifestações culturais, e também o patrimônio
cultural, a produção e a difusão de bens culturais, investindo na formação de pessoal
para gestão da cultura e democratizando o acesso à bens culturais.
43 SARLET, Ingo. Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 2016. p. 492.
41
44Idem.
45 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental
nº187/DF. Rel. Celso de Mello. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdão de 16/06/2011.
42
Por fim, vale ressaltar que a liberdade de expressão artística vai além da
simples ação de manifestação artística, ela envolve a criação, a produção e a
divulgação da produção. Essa distinção é importante na medida em que a liberdade
de criação é uma liberdade de imaginação ou pensamen to sobre o objeto a ser criado,
enquanto a liberdade de expressão abrange a escolha da forma, momento e métodos
para a realização da criação.
46
Também chamado de Espinosa ou Espinoza.
47
ESPINOSA, Baruch de. Tratado Teológico-Político. Tradução de Diogo Pires Aurélio. São Paulo:
Martins Fontes, 2008. p. 308.
43
48Direitos considerados essenciais à pessoa humana, dizem respeito à existência e dignidade, tais
como: vida, intimidade, honra, paternidade, entre outros.
44
49 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.815/DF. Rel. Min.
Carmen Lúcia. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdão de 10/06/2015.
50 Em 2003, Gerald Thomas f oi denunciado criminalmente por ato obsceno após, ao f inal de uma
apresentação no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, ter simulado masturbar-se e em seguida abaixado
as calças e mostrado as nádegas ao público.
45
3.3 Censura
Do ponto de vista jurídico, a censura pode ser definida como todo procedimento
do Poder Público objetivando a limitação da livre circulação de ideias, especialmente
aquelas contrárias aos interesses dos detentores de poder. Conforme explica o
pesquisador Rômulo Moreira Conrado:
51BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 83.996/RJ. Rel. Min. Carlos Velloso. Rel.
para o acórdão: Min. Gilmar Mendes. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdão de 17/08/2004.
46
52 CONRADO, Rômulo Moreira. A Função Social das Liberdades de Expressão: Limi tes
Constitucionais. Universidade Federal do Ceará. Fortaleza: 2014. p. 249. Disponível em <
http://www.repositorio.uf c.br/bitstream/riuf c/12812/1/2014_dis_rmconrado.pdf . Acesso em: 27/04/20.
53 BRASIL. [Constituição Federal de 1988]. Constituição da República Federativa do Brasil:
por meio de mecanismos que limitam acesso aos recursos que viabilizam estas
expressões.
Note-se que os tipos de censura elencados podem ocorrer sob mais de uma
forma, sendo que em geral ocorrem de forma velada, dificultando a sua percepção,
impacto e enfrentamento na sociedade.
54QUINALHA, Renan. Censura moral na ditadura brasileira: entre o direito e a política. Revista
Direito e Práxis. Rio de Janeiro, 2019. p. 4.
49
Toda censura, sem dúvida, tem uma dimensão política inegável. Afinal, é da
própria definição do processo censório impedir a produção de determinadas
informações, restringir a liberdade de pensamento e de expressão, colocar
obstáculos para que opiniões circulem no espaço público e acabar, com
essa vocação autoritária, impondo uma visão única sobre assuntos
complexos e que deveriam comportar uma pluralidade de perspectivas.
Trata-se, portanto, de um ato essencialmente político. Além do mais,
qualquer censura moral e dos costumes de uma sociedade também possui
um aspecto intrinsecamente político de policiamento de condutas, de
limitação das liberdades, de sujeição de corpos, de controle de sexualidades
dissidentes, de domesticação dos desejos e mesmo de restrição às
subjetividades de modo mais amplo.55
Esta distinção entre censura política e moral, na prática, reflete uma visão
binária que em verdade não possui efeitos práticos, já que toda ação é política. No
presente trabalho, esta distinção tem o condão de identificar, nas expressões
censuradas, quais os conteúdos ou valores existentes na obra que ofenderam a
institucionalidade.
55 Idem. p.5-6.
50
Até o ano de 2019, O Evangelho Segundo Jesus Rainha do Céu (que foi
mencionado anteriormente e no qual nos aprofundaremos agora) era o caso mais
notável de espetáculo censurado.
56A descrição do espetáculo e dos f atos ocorridos se baseiam na entrevista realizada com a diretora e
idealizadora do espetáculo, Natalia Mallo, em abril de 2020.
52
Após este episódio, em que a peça teve o local de realização alterado para
que apresentação pudesse acontecer, a trajetória do espetáculo foi marcada por
recorrentes cancelamentos e boicotes.
57 FOLHA. Peça com transexual em papel de Jesus é cancelada após decisão judicial . Folha de
São Paulo [online], 2017. Disponível em <https://www1.f olha.uol.com.br/ilustrada/2017/09/1919033-
peca-com-transexual-em-papel-de-jesus-e-cancelada-apos-decisao-judicial.shtml>. Acesso em
30/01/2020.
58 KER, João. Atriz Trans que interpreta Jesus: ‘Os seguranças que contrataram para nos
2020. Arquivo digital (15 min). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Anexo III, desta
monograf ia.
60 SOUZA, Dom Paulo Jackson Nóbrega. Nota sobre a peça teatral “O Evangelho Segundo Jesus,
Em cada lugar onde se apresentava a peça era movida uma ação judicial.
Isso aconteceu em Porto Alegre (no Porto Alegre em Cena, o festival foi
notificado). Mas teve um parecer positivo pra gente, pela juíza que decidiu
pela continuidade da peça e fez uma sentença histórica, onde ela nomeou
a transfobia e foi muito importante. Teve em Belo Horizonte na Funarte, e
teve em Salvador uma ação que realmente cancelou o espetáculo onde ele
aconteceria, na Fundação Gregório de Matos, mas como a liminar proibia o
acontecimento ali a gente foi pra outro espaço, pro Goethe Institut, lá em
Salvador, que nos acolheu.63 (Relato verbal)
[...] muito embora o Brasil seja um Estado Laico, não é menos verdadeiro o
fato de se obstar que figuras religiosas e até mesmo sagradas sejam
expostas ao ridículo, além de ser uma peça de indiscutível mau gosto e
desrespeitosa ao extremo, inclusive.
2020. Arquivo digital (15 min). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Anexo III, desta
monograf ia.
54
De fato, não se olvide da crença religiosa em nosso Estado, que tem JESUS
CRISTO como o filho de DEUS, e em se permitindo uma peça em que este
HOMEM SAGRADO seja encenado como um travesti, a toda evidência,
caracteriza-se ofensa a um sem número de pessoas.
Não se trata aqui de imposição a uma crença e nem tampouco a uma
religiosidade. Cuida-se na verdade de impedir um ato desrespeitoso e de
extremo mau gosto, que certamente maculará o sentimento do cidadão
comum, avesso a esse estado de coisa. Não se olvida a liberdade de
expressão, em referência no caso específico, a arte, mas o que não pode
ser tolerado é o desrespeito a uma crença, a uma religião, enfim, a uma
figura venerada no mundo inteiro.
Nessa esteira, levando-se em conta que a liberdade de expressão não se
confunde com agressão e falta de respeito e, malgrado a inexistência da
censura prévia, não se pode admitir a exibição de uma peça com um
baixíssimo nível intelectual que chega até mesmo a invadir a existência do
senso comum, que deve sempre permear por toda a sociedade.64 (Grifos do
original)
Mallo relata, ainda, que, por parte do grupo teatral, sempre existiram
tentativas de diálogo com todos aqueles que se colocaram contra a peça. O retorno a
estas tentativas, entretanto, nunca foi bem-sucedida:
2020. Arquivo digital (15 min). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Anexo III, desta
monograf ia.
55
66Idem.
67 BRASIL. 2ª Vara de Fazenda Pública d e Porto Alegre – TJRS. Processo nº 9038978-
35.2017.8.21.0001. Juiz José Antônio Coitinho. Decisão Liminar de 19/07/2017.
56
Ressalte-se que na decisão o juiz faz clara referência à censura, dizendo que
limitar a apresentação do espetáculo seria uma censura judicial, o que não se pode
admitir a luz da legislação brasileira.
68Com trechos de entrevista realizada pelos autores com o diretor geral do grupo, Fernando Yamamoto,
em abril de 2020.
57
A exemplo d’O Evangelho Segundo Jesus Rainha do Céu, mais uma vez a
censura a um trabalho de artes cênicas teve seus desdobramentos jurídicos, como
vemos:
É também interessante notar que Abrazo não faz o uso de texto ou falas, mas
constrói a sua dramaturgia a partir do corpo, da ação e da fisicalidade. Neste sentido,
a hipótese de que a temporada tenha sido cancelada em função de alguma
manifestação do grupo durante o bate papo pode, sim, sustentar-se. Essa acepção,
exposta pela própria Caixa Cultural, revela, entretanto, a perseguição direta aos
artistas – e não mais as obras – uma vez que se constrói a partir de exposições
particulares dos intérpretes ao término de uma apresentação, e não sobre a própria
dramaturgia ou conteúdo dos trabalhos.
Como poderemos aferir futuramente (na Parte V), há desde o início, uma
preocupação em relação ao posicionamento político pessoal dos artistas (não apenas
do coletivo artístico, mas dos intérpretes individualmente, também, especialmente por
parte da Caixa Cultural).
Acho que talvez o nosso episódio ele abriu uma... Ele inaugurou um novo
formato de censura - porque a gente já tinha visto outros acontecendo - que
foi uma censura com uma maquiagem jurídica. Eles criaram uma justificativa
jurídica para isso, por mais que seja muito evidente que não é isso que
aconteceu.75 (Relato verbal)
Pela primeira vez, então, esta ‘curadoria das estatais’ torna-se um mecanismo
efetivo de censura dentro da história recente do país, estando desde o princípio
fortemente associada à Secom.
74 Ao longo das Partes IV e V, f aremos ref erência a ‘cancelamentos’ (enf atizados entre as aspas, exceto
quando em ref erência a alguma das entrevistas produzidas para a pesquisa), uma terminologia utilizada
comumente nos casos citados, ao invés de ‘censura’, em especial quando relacionad os a instituições
públicas. Os ‘cancelamentos’ são mencionados pelos próprios criadores, não isoladamente, mas como
uma ‘leva de cancelamentos’, acontecidos em sequência, que só ressaltou todas as suspeitas de
censura e perseguição direta à determinadas temáticas e aspectos da produção artística brasileira.
75 Entrevista concedida por. YAMAMOTO, Fernando. Entrevista I (10/04/2020).
Entrevistadora Elaine Aguiar, 2020. Arquivo digital (22 min). A entrevista na íntegra encontra -se
transcrita no Anexo III, desta monograf ia.
60
76 Com trechos de entrevista realizada pelos autores com o diretor do grupo e autor/diretor do
espetáculo, Biagio Picorelli, em abril de 2020.
77 POMBO CORREIO. RES PÚBLICA 2023, do grupo A Motosserra Perfumada, estreia dia 11 de
outubro no porão do Centro Cultural São Paulo. Pombo Correio [online], 2019. Disponível em
<http://pombocorreio.art.br/?p=2691> Acesso em 13/05/2020.
78 O GLOBO. Coordenadora da Funarte SP diz que foi exonerada após se opor a veto a
espetáculo. O globo [online], 2019. Disponível em <https://oglobo.globo.com/cultura/coordenadora-da-
f unarte-sp-diz-que-f oi-exonerada-apos-se-opor-veto-espetaculo-23899756>. Acesso em 30/01/2020.
61
No nosso caso, foi uma censura à sinopse da peça (conforme relata a carta).
Essa sinopse apresenta o argumento de um Brasil futuro, do ano de 2023,
dominado por um braço civil do Governo, chamado "Anaconda Brazil". Se
você pensar no que hoje é nomeado "gabinete do ódio", nota-se que a peça,
escrita em 2016/2017, acabou se tornando um raio-x do nosso presente. O
que acreditamos é que a carapuça caiu quando leram a sinopse. Mas,
tratando-se do Alvim, é possível especular que a censura tenha tido razões
bem mais particulares: na ficha técnica há pelo menos umas 3 personas non
gratas para ele, dentre elas, nosso sound designer, Dugg Mont, que
trabalhou no Club Noir por uns 2 anos e rompeu com Alvim quando da sua
guinada bolsonarista.79 (Arquivo digital)
Picorelli faz, em sua análise, uma analogia que, por si só, dialoga com a
conjuntura política atual. Roberto Alvim foi, em algum sentido, um trunfo para o
contou com trilha original de Vladimir Staf atle. Buarque e Staf atle posicionam -se politicamente junto a
esquerda no Brasil, abertamente.
62
governo Bolsonaro, que recebeu dele – um nome até então relevante na produção
artística nacional – apoio público em favor do então candidato.
Augustho Mattos Kijak 2020. Arquivo digital. Entrevista concedida por e-mail, íntegra encontra-se
transcrita no Anexo III, desta monograf ia.
63
A montagem escrita por Pedro Kosovski, dirigida por Marco André Nunes e
realizada pela Aquela Cia. De Teatro, conta a história de Cosme, ex-catador de
caranguejos no mangue carioca da metade do Século XIX. Convocado para integrar
as forças brasileiras na Guerra do Paraguai, ele enlouquece no campo de batalha,
volta ao Rio de Janeiro e encontra uma cidade em grande transformação. 85
84 Com trechos de entrevista realizada pelos autores com o diretor do grupo e autor/diretor do
espetáculo, Marco André Nunes, em abril de 2020.
85 MITSP. Caranguejo Overdrive. mitsp [online], 2018. Disponível em
<https://mitsp.org/2018/caranguejo-overdrive/>. Acesso em 30/01/2020.
86 KOSOVSKI, Pedro. Caranguejo Overdrive. 1ª Edição. Rio de Janeiro. Editora Cobogó, 2016.
87 GOBBI, Nelson. Grupo teatral questiona CCBB após cancelamento de 'Caranguejo overdrive'
E aí perguntei, é claro, qual era a explicação, qual era o motivo, né, pra este
cancelamento. E não havia motivo nenhum. E nós por várias vezes
insistimos, no período de alguns dias, acho que durou quase uma semana,
eu insistindo, pedindo qual é a justificativa, qual é a justificativa, foram uns
quatro ou cinco dias perguntando a justificativa pro cancelamento. Porque é
uma peça simples de ser feita, então não havia nenhuma justificativa, a mais
complicada que é Guanabara Canibal estava mantida. Inclusive, havia uma
sugestão de que só se fizesse o Guanabara Canibal, mas, enfim, eu queria
saber o porquê de Caranguejo ter sido cancelado - já que Caranguejo
inclusive estava em cartaz na cidade, no Teatro Sérgio Porto. Então, por que
uma peça que estava em cartaz em um teatro estava sendo cancelada em
outro? Qual motivo? Não veio nenhuma resposta.88 (Arquivo digital)
88 Entrevista concedida por. NUNES, Marco André. Entrevista I (03/05/2020). Entrevistador Igor
Augustho Mattos Kijak 2020. Arquivo digital (15 min.) A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no
Anexo III, desta monograf ia.
89 ARAGÃO, Helena e GOBBI, Nelson. Cancelamento de 'Caranguejo overdrive' é tema de
protesto, e CCBB se manifesta sobre o caso. O Globo [online], 2019. Disponível em
<https://oglobo.globo.com/cultura/cancelamento -de-caranguejo-overdrive-tema-de-protesto-ccbb-se-
manif esta-sobre-caso-24012698>. Acesso em 27/04/2020.
65
90 Entrevista concedida por. NUNES, Marco André. Entrevista I (03/05/2020). Entrevistador Igor
Augustho Mattos Kijak 2020. Arquivo digital (15 min.) A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no
Anexo III, desta monograf ia.
91 Idem.
66
92 Com trechos de entrevista realizada pelos autores com o diretor do grupo e autor/diretor do
espetáculo, Zé Henrique de Paula, em abril de 2020.
93 FOLHA. Caixa Cultural cancela peça sobre gay soropositivo. Folha de São Paulo [online], 2019.
Thiago é um jovem de 20 anos que tem sua vida transformada por um fato:
ele descobre-se portador do vírus HIV. Isso o leva a um processo de
autoconhecimento e a reavaliar a própria vida95
Como já vimos, isso é bastante relevante, uma vez que a instituição já havia
cancelado apresentações de espetáculos em decorrência de suas ações formativas
(caso de Abrazo, no bate-papo).
Apenas alguns meses depois do episódio, Jair Bolsonaro declararia que uma
pessoa com HIV é ‘uma despesa para todos’ 97.
95 NÚCLEO EXPERIMENTAL. Lembro todo dia de você. Núcleo Experimental [online], 2017.
Disponível em <http://nucleoexperimental.com.br/portfolio -item/lembro-todo-dia-de-voce/ >. Acesso em
02/02/2020.
96 Entrevista concedida por. PAULA, Zé Henrique De. Entrevista I (24. 04.2020). Entrevistadora Elaine
Aguiar, 2020. Arquivo digital (11 min). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Anexo III, desta
monograf ia.
97 O GLOBO. Pessoa com HIV 'é uma despesa para todos', diz Bolsonaro. O globo [online], 2020.
Apesar de ter concluído o projeto que fora interrompido, Lembro Todo Dia de
Você já figurava – por sua própria construção e temática dramatúrgica – entre os
trabalhos com alguns dos temas mais provocados, embora não de modo inteligente,
pelo presidente da república. Isso porque, a essa altura, contudo, já era discernível,
entre tantos espetáculos em cartaz no país, quais pautas eram ofensivas ao governo
vigente.
Lembro Todo Dia De Você é, ainda, o exemplo claro e notável do modo como
a produção teatral – a partir de sua institucionalização – tornou-se refém do controle
público, que não apenas cancela espetáculos como também retoma a eles sob seu
próprio entendimento e vontade.
98 Entrevista concedida por. PAULA, Zé Henrique De. Entrevista I (24.04.2020). Entrevistadora Elaine
Aguiar, 2020. Arquivo digital (11 min). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Anexo III, desta
monograf ia.
99 Com trechos de entrevista realizada pelos autores com Artur Ribeiro, um dos atores/diretores do
Eu acho que somos adultos e sabemos muito bem que o que foi censurado
não foi Gritos na totalidade, e sim a Louise, que é o primeiro quadro de
Gritos, que é um grito transfóbico. Então a gente sabia muito bem que a
gente estava ali, tocando em uma coisa muito sensível e que por conta
100 LANNES, Paulo. “Gritos”, da companhia Dos à Deux, une poesia, dança e artes plásticas.
Metropoles [online], 2017. Disponível em <https://www.metropoles.com/entretenimento/teatro/gritos-
da-companhia-dos-a-deux-une-poesia-danca-e-artes-plasticas/amp>. Acesso em 12/02/2020.
101 COMPANHIA DOS À DEUX. Primeira nota oficial do grupo. Disponível em
<https://www.f acebook.com/photo.phpfbid=3189854274389374&s et=a.195711857136979&type=3>,
Acesso em 12/02/2020.
102 COMPANHIA DOS À DEUX. Segunda nota oficial do grupo. Disponível em
<https://www.f acebook.com/photo.phpfbid=3195028830538585&set=a.195711857136979&type=3&th
eater>. Acesso em 12/02/2020.
70
desse governo, totalmente moralista, isso foi uma das causas. 103 (Relato
verbal)
A Dos à Deux figurará, mais a frente, entre alguns dos grupos responsáveis
pela projeção internacional dos casos de censura ao teatro no Brasil, principalmente
após 2019. Isto ocorre também em decorrência da própria natureza do grupo,
binacional, característica bastante particular dentro do cenário de produção teatral
brasileira, chamando atenção da mídia internacional.
103 Entrevista concedida por. RIBEIRO, Artur Luanda. Entrevista I (02/04/2020). Entrevistadora Tamara
Borges, 2020. Arquivo digital (15 min). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Anexo III, desta
monograf ia.
104 Idem
71
O novo projeto, que vai ter um…enfim, como todos os nossos projetos, têm
sempre um… não que a gente faça política, mas são espetáculos
humanistas, a gente fala do Homem, o Homem nesse contexto
contemporâneo. Acho que a gente vai enfiar o dedo na ferida, e que isso vai
incomodar, isso é certo.105 (Relato verbal)
105Ibidem.
106Com trechos de entrevista realizada pelos autores com José Neto Barbosa, ator e co-criador do
espetáculo, em abril de 2020.
72
Em 2019, o festival citado contava mais uma vez com o espetáculo Mulher
Monstro em sua programação, com apresentações agendadas para o começo de
abril, no Memorial de Curitiba, equipamento municipal que recebia parte da
programação do festival.
Após a divulgação da peça revelar que a obra fazia críticas diretas ao governo
bolsonarista e seus apoiadores, foi-se comunicado a proibição e o uso do espaço pelo
Festival, determinada pelo prefeito Rafael Greca (DEM).
A justificativa oficial foi de que o espaço seria usado pela prefeitura na mesma
data das apresentações, e que, portanto, não estaria mais disponível para o festival.107
Conforme nos conta José Neto Barbosa, idealizador e ator do trabalho:
Eram muitas ameaças de morte. Curitiba é uma cidade onde paira muito
amor, mas também muito ódio. Além de ser o local onde o ex-presidente
Lula está preso. Onde surge o juiz fajuto, e atual Ministro da Justiça de
Bolsonaro, Sergio Moro. Nas datas de minha apresentação também fazia
um ano da prisão de Lula. Então, o Sindicato dos Bancários de Curitiba e
Região, vendo o perigo eminente e tantas ameaças, colocou segurança
particulares para cuidar de mim na cidade. Andava escoltado, parece surreal
um artista de teatro ter que ser escoltado. Apresentei com seguranças na
frente do palco. A polícia militar ficava rondando o local de apresentação
com sirenes altas, era proposital para me atrapalhar, me intimidar. A polícia
militarizada no Brasil é treinada para colocar terror nas minorias, e
principalmente nos periféricos. A polícia brasileira mata, um horror. E eu
seguia firme, mesmo assim. Foram três dias de apresentações com mais de
três mil e duzentas pessoas, um dos maiores públicos da história do Festival
em rua. Foi um ato político.108 (Arquivo digital)
107 GALINDO, Rogério. Greca veta Memorial e trupe prejudicada fala em censura e retaliação.
Plural [online], 2019. Disponível em <https://www.plural.jor.br/noticias/cultura/greca-veta-memorial-e-
trupe-prejudicada-f ala-em-censura-e-retaliacao/>. Acesso em 14/02/2020.
108 Entrevista concedida por. BARBOSA, José Neto. Entrevista I (10/04/2020). Entrevistadora Elaine
Aguiar, 2020. Arquivo digital. Entrevista concedida por e-mail, íntegra encontra-se no Anexo IV, desta
monograf ia.
73
109 DUARTE, Raf ael. Abrazo e A mulher Monstro representam RN em festival de obras
censuradas pelo governo Bolsonaro. Saiba Mais [online], 2020. Disponível em
<https://www.saibamais.jor.br/abrazo -e-a-mulher-monstro-representam-rn-em-f estival-de-obras-
censuradas-pelo-governo-bolsonaro/>. Acesso em 14/02/2020.
110 DIARIO DE PERNAMBUCO. 'Tentativa de censurar a minha arte', diz ator vítima de pedrada
espetáculo, fiz completo. Foi difícil, mas o público que ficou até o final amou
nosso trabalho.111 (Arquivo digital)
A Mulher Monstro também torna mais evidente a ofensiva não somente aos
espetáculos e às artes em si, mas aos próprios artistas e intérpretes, englobando –
inclusive – atentados contra as suas integridades físicas.
Além disso, é mais um dos trabalhos com conteúdo explicitamente político.
Contudo, enquanto Res Pvblica e Abrazo exercem este discurso em espaços
fantasiosos, Mulher Monstro figura ao lado de Caranguejo Overdrive, ambas com
abordagens políticas explicitamente direcionadas à conjuntura política atual do país.
111
Entrevista concedida por. BARBOSA, José Neto. Entrevista I (10/04/2020). Entrevistadora Elaine
Aguiar, 2020. Arquivo digital. Entrevista concedida p or e-mail, íntegra encontra-se no Anexo IV, desta
monograf ia.
75
Após breve relato dos casos de censura dos sete espetáculos analisados e,
para que se possa nortear as próximas considerações, contudo, é preciso que se tome
como base um histórico amplo de ofensivas do Governo Bolsonaro, não apenas em
relação à classe e produções artísticas brasileiras, mas às diversas pautas políticas,
sociais e coletivas ligadas à diversidade em seus mais amplos sentidos.
112Diz-se ‘minorias’ às minorias políticas, sem qualquer relação quantitativa. Leve-se em conta a
posição da mulher na contemporaneidade enquanto grupo politicamente minorizado, mas
quantitativamente expressivo.
76
Transexualidade X X X
Homoafetividade X
Política X X
(Autoritarismo)
Política X X
(Conjuntura Atual)
Soropositividade X
Religião X
Violência Doméstica X
Refugiados X
113Planilha elaborada a partir de análise individual de cada um dos trabalhos listados. As temáticas
identif icadas não dizem respeito necessariamente às abordagens centrais de cada trabalho, mas a
assuntos que são abordados nas obras ao menos uma vez durante o/s espetáculo/s.
77
É também interessante notar que dois dos espetáculos (Gritos e Abrazo) não
fazem o uso da palavra em cena, lançando mão principalmente do teatro gestual em
suas encenações. Percebe-se, então, o peso não necessariamente do discurso literal
encontrado na dramaturgia, para a ação repressora, mas de todo o material
disponibilizado pelas produções às instituições (sinopses, vídeos, textos de
apresentação, release etc.).
114Desde a eleição de Bolsonaro, com início do exercício do mandato em 2019: Henrique Pires (janeiro
a agosto), José Paulo Martins (agosto a setembro) e Ricardo Braga (setembro a novembro). Entre 2019
e 2020, Roberto Alvim (novembro a janeiro). Já em 2020 Jo sé Paulo Martins retorna, (permanecendo
entre janeiro e março). Em março de 2020 a atriz Regina Duarte é empossada pelo presidente ,
permanecendo no cargo apenas até junho do mesmo ano, mês em que Marcio Frias é nomeado como
seu substituto.
115 Na gestão de Bolsonaro, ef etivou-se a extinção do Ministério da Cultura (MinC). A Pasta foi
116 FOLHA. Caixa Econômica cria sistema de censura prévia a projetos de seus centros culturais.
Folha de São Paulo [online], 2019. Disponível em
<https://www1.f olha.uol.com.br/ilustrada/2019/10/caixa-economica-cria-sistema-de-censura-previa-a-
projetos-de-seus-centros-culturais.shtml>. Acesso em 12/02/2020.
81
Para além disso não se pode deixar de lado a semelhança dos tempos atuais
para com a Era Vargas. Se agora a Secom possui grande atuação no processo
censor, isto também era visto no passado, por ocasião do Departamento de Imprensa
e Publicidade – DIP.
Há, contudo, uma distinção possível, já que hoje este movimento opressor
surge através de (e embasado por) contratos de patrocínio. A mercantilização, a
institucionalização e a vinculação extrema da produção cultural e do Poder Público
tornam-se espécies de artifícios que conferem ao Estado a possibilidade de regular a
apresentação ou a não-apresentação de projetos artísticos específicos.
Acho interessante ressaltar que - acho que - essa censura não veio do
Banco do Brasil. O próprio Banco do Brasil nos pautou, então isso não está
em quem pauta, na curadoria… Isso veio de outro lugar. Que talvez esteja
82
além do Banco do Brasil, essas decisões não foram dadas ali pelos
funcionários e curadores do banco.117 (Arquivo Digital)
[...] o Rafael Telles que é o nosso produtor foi chamado por alguém da
produção do espaço e foi informado que a apresentação estava cancelada
e que o resto da temporada estava suspensa e que eles mesmos da Caixa
Cultural não sabiam exatamente o que era [...]. 119 (Relato verbal)
117 Entrevista concedida por. NUNES, Marco André. Biaggio. Entrevista I (03/05/2020). Entrevistador
Igor Augustho Mattos Kijak 2020. Arquivo digital. Entrevista concedida por e-mail, íntegra encontra-se
transcrita no Anexo IV, desta monograf ia.
118 Entrevista concedida por. RIBEIRO, Artur Luanda. Entrevista I (02/04/2020). Entrevistadora Tamara
Borges, 2020. Arquivo digital (15 min). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Anexo III, desta
monograf ia.
119 Entrevista concedida por. YAMAMOTO, Fernando. Entrevista I (10/04/2020). Entrevistadora Elaine
Aguiar, 2020. Arquivo digital (22 min). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Anexo III, desta
monograf ia.
83
120Entrevista concedida por. MALLO, Natalia. Entrevista I (13/04/2020). Entrevistadora Tamara Borges,
2020. Arquivo digital (15 min). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Anexo III, desta
monograf ia.
84
Sob esta perspectiva, a censura política e a censura moral, nos dias de hoje,
caminham juntas e não podem ser dissociadas. Esta visão é defendida não apenas
por Natalia Mallo (O Evangelho), mas também por Biaggio Picorelli (Res Pvblica
2023), José Neto Barbosa (Mulher Monstro) e Fernando Yamamoto (Abrazo), que
notam os dois campos – moral e política – alicerçados na ofensiva à liberdade de
expressão.
O que eu entendo que aconteceu foi uma [censura] política. Não teve nada
a ver com moral. O espetáculo tem até uma cena de nudez, mas é
totalmente dessexualizada, não tem nenhuma sexualidade, nada disso.
Acho que a peça foi cancelada e censurada no Banco do Brasil por uma
questão política.121 (Arquivo digital)
121 Entrevista concedida por. NUNES, Marco André. Entrevista I (03/05/2020). Entrevis tador Igor
Augustho Mattos Kijak 2020. Arquivo digital (15 min.) A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no
Anexo III, desta monograf ia.
85
Se isso foi determinado em alguma instância dentro da Caixa, por algum tipo
de censura, eu tenho certeza que isso foi de caráter moral, acima de
qualquer coisa, e não de caráter político. Porque Lembro todo dia de você é
uma peça que trata da trajetória de um jovem soropositivo e como ele lida
com as suas questões homoafetivas e de soropositividade dentro da sua
comunidade, sua família, seus amigos, seus parceiros, enfim… Então, por
tratar desse tema, e a gente sabe que é um tema sensível, o monitoramento
deste governo que está atualmente em Brasília, então a gente acreditou que
pudesse ser essa a razão deste cancelamento.122 (Relato verbal)
Eu acredito que completamente foi moral. Política ainda não, talvez agora,
porque eu acho que estamos de uma certa forma fichados, temos uma
visibilidade dentro do governo. O nome ‘Dos à Deux’ eu acho que já tá
circulando lá dentro, não só dentro dessa nova Secretaria, mas mesmo no
Itamaraty - porque as matérias que saíram foram divulgadas no mundo todo,
- então, de certa forma deve ter chegado até no Itamaraty.123 (Relato verbal)
122 Entrevista concedida por. PAULA, Zé Henrique De. Entrevista I (24/04/2020). Entrevistadora Elaine
Aguiar, 2020. Arquivo digital (11 min). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Anexo III, desta
monograf ia.
123 Entrevista concedida por. RIBEIRO, Artur Luanda. Entrevista I (02/04/2020). Entrevistadora Tamara
Borges, 2020. Arquivo digital (15 min). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Anexo III, desta
monograf ia.
86
127 Idem.
128 ARTIGO 5º. A Nota de Repúdio. Artigoquinto [online], 2019. Disponível em
<https://www.artigoquinto.art.br/o-manif esto>. Acesso em 12/02/2020.
129 ARTIGO 5º. Início. Artigoquinto [online], 2019. Disponível em <https://www.artigoquinto.art.br/>.
Acesso em 12/02/2020.
88
Eu peço licença para falar uma coisa que afeta nós, artistas, e vocês, o
público. O que acontece num espetáculo não é apenas sobre arte. É sobre
nossa liberdade. Você está aqui porque tem todo o direito de escolher. Você
pode assistir algo sobre um herói negro, sobre a vida de Jesus, sobre
mulheres liderando uma revolta, sobre homossexualidade, sobre
princesas... Estar aqui é um exercício do seu direito de ser quem você é e
pensar diferente. Muitas obras artísticas são feitas com o imposto que
pagamos. É como se cada um de nós colocasse moedas numa caixa onde
está escrito “Cultura” para que a sociedade possa ver obras de arte, como
prevê a Constituição. O governo de um país, assim como a arte, deve
representar todos os cidadãos, todas as crenças e todas as famílias. E
nenhum governo pode impedir que você se veja na arte do seu povo. Hoje
o governo está dizendo que a verba da Cultura só poderá ser utilizada para
obras que representem um tipo de família. Neste momento, órgãos públicos
estão inventando desculpas para censurar ou suspender filmes, livros e
peças. Nós, artistas, somos livres para escolher que arte queremos fazer. E
você é livre para escolher o que quer assistir. Somos o Movimento Artigo 5º.
O Estado tem que cumprir a Constituição que respeita a diversidade cultural
brasileira. Liberdade, Liberdade! Ninguém cala ninguém! 130
Em boa parte dos casos levantados pelo trabalho, destaca-se também o apoio
dado aos grupos e artistas por parte da sociedade civil, assim como pela própria
classe artística.
130 ARTIGO 5º. Defenda a Liberdade de Expressão – Leia o manifesto para o seu público.
Artigoquinto [online], 2019. Disponível em <https://www.artigoquinto.art.br/leia-o-manif esto>. Acesso
em 12/02/2020.
131 ARTIGO 5º. Semana de Arte contra a Barbárie’ reúne artistas em defesa da produção artística
Acho que é legal falar, a partir disso, um desdobramento que houve: foi que
existe um movimento dos artistas de Recife, chamado “Batendo Texto na
Coxia”. São pessoas com as quais a gente não tinha nenhum contato, a
gente não conhecia previamente, e que eles entraram em contato logo
depois com a gente, dizendo que iriam fazer uma manifestação no sábado
seguinte, que seria o dia da apresentação seguinte, pelo bairro do Recife
antigo com - passando em frente a - e fazendo uma ação em frente a Caixa
Cultural. [...] Não só isso foi feito, como - é vários, aí sim, parceiros nossos
produtores, grupos e outros artistas lá de Pernambuco e de Recife, nos
propuseram fazermos uma força tarefa para neste dia, fazermos uma
apresentação do ABRAZO em outro espaço que a gente precisaria
procurar. [...] Então a gente acabou fazendo uma ação que saiu da Praça
do... esqueci o nome agora.... depois eu posso verificar e acho que nos
nossos comunicados tem isso. Mas a gente fez uma grande caminhada pelo
Recife antigo até chegar no Teatro Apolo, onde a gente conseguiu a pauta
do Teatro Apolo de graça. O Diretor do Teatro – Carlos Carvalho nos
ofereceu a pauta. A gente fez uma apresentação gratuita, livre, em que
voltou gente de tão cheio. Tinham mais de 500 pessoas lá e no final a gente
passou o chapéu, só, pedindo uma colaboração. 133 (Relato verbal)
132 Entrevista concedida por. NUNES, Marco André. Entrevista I (03/05/2020). Entrevistador Igor
Augustho Mattos Kijak 2020. Arquivo digital (15 min.) A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no
Anexo III, desta monograf ia.
133
Entrevista concedida por. YAMAMOTO, Fernando. Entrevista I (10/04/2020). Entrevistadora Elaine
Aguiar, 2020. Arquivo digital (22 min). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Anexo III, desta
monograf ia.
90
Miranda, aos 77 anos, afirma que o governo Jair Bolsonaro chega a ser, em
certos aspectos, pior para a cultura do que o foi o regime militar que assolou
o país por 21 anos. “Havia a questão gravíssima da censura, não tem nem
o que dizer. Mas existem muitas maneiras de fazer censura. E uma delas é
diminuir, ou eliminar, quem produz algo que possa ser censurado. Então
naquela época os artistas produziam e eram censurados. Agora, a ideia é
que os artistas não tenham nem como produzir direito, porque não têm
incentivos e mecanismos”135
134 Entrevista concedida por. BARBOSA, José Neto. Entrevista I (10/04/2020). Entrevistadora Elaine
Aguiar, 2020. Arquivo digital. Entrevista concedida por e-mail, íntegra encontra-se no anexo IV, desta
monograf ia.
135 FERRAZ, Marcos Grinspum. Para Danilo Miranda, governo censura artistas ao não dar
A partir dos espetáculos analisados por este trabalho – justamente por sua
visibilidade midiática – é possível verificar o renome de seus grupos e companhias,
uma característica que, por consequência, imputa maior estrutura para
136 Entrevista concedida por. YAMAMOTO, Fernando. Entrevista I (10/04/2020). Entrevistadora Elaine
Aguiar, 2020. Arquivo digital (22 min). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Anexo III, desta
monograf ia.
137 Entrevista concedida por. MALLO, Natalia. Entrevista I (13/04/2020). Entrevistadora Tamara Borges,
2020. Arquivo digital (15 min). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Anexo III, desta
monograf ia.
92
138 JUCA, Beatriz. Censura, um efeito cascata que corrói a arte no Brasil de Bolsonaro. Brasil el
pais [online], 2019. Disponível em
<https://brasil.elpais.com/brasil/2019/09/17/politica/1568751185_533748.html >.Acesso em
19/05/2020.
139 MORI, Letícia. Como o cancelamento de peças, filmes e mostras deve opor artistas e governo
Culture war burns in Brazil 141. O jornal francês La Croix, por sua vez, a partir do caso
de cancelamento de Dos à Deux, também na Caixa Cultural, no dia 27/09/2019
noticiou: Brésil: les productions LGBT en proie à la censure sous Bolsonaro 142.
141 JEANTET, Diane. Censorship or caution? Culture war burns in Brazil. Abcnews [online], 2019.
Disponível em <https://abcnews.go.com/Entertainment/wireStory/censorship-caution-culture-war-
burns-brazil-66738478>. Acesso em 19/05/2020.
142 AFP. Brésil: les productions LGBT en proie à la censure sous Bolsonaro. La-croix [online],
quem pensa nisso não tem ideia do que é passar o que a gente passou. Foi
um episódio muito doloroso, muito sofrido.144 (Relato verbal)
144 Entrevista concedida por. YAMAMOTO, Fernando. Entrevista I (10/04/2020). Entrevistadora Elaine
Aguiar, 2020. Arquivo digital (22 min). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Anexo III, desta
monograf ia.
145 Entrevista concedida por. BARBOSA, José Neto. Entrevista I (10/04/2020). Entrevistadora Elaine
Aguiar, 2020. Arquivo digital. Entrevista concedida por e-mail, íntegra encontra-se no Anexo IV, desta
monograf ia.
95
146 Entrevista concedida por. NUNES, Marco André. Entrevista I (03/05/2020). Entrevistador Igor
Augustho Mattos Kijak 2020. Arquivo digital. Entrevista concedida por e-mail, íntegra encontra-se
transcrita no Anexo IV, desta monograf ia
147 Entrevista concedida por. MALLO, Natalia. Entrevista I (13/04/2020). Entrevistadora Tamara Borges,
2020. Arquivo digital (15 min). A entrevista na íntegra encontra-se transcrita no Anexo III, desta
monograf ia.
96
CONSIDERAÇÕES FINAIS
inimigo dentro do próprio Poder Público, no Brasil mais focado em despender seu
tempo cancelando espetáculos teatrais do que desenvolvendo políticas públicas
efetivas para o campo.
REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIA
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croix [online], 2019. Disponível em <https://www.la-croix.com/Culture/Bresil-
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depredado em SP. Folha de São Paulo, 2018. Disponível em
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SOUZA, Dom Paulo Jackson Nóbrega. Nota sobre a peça teatral “O Evangelho
Segundo Jesus, Rainha dos Céus”. Cnbbne2 [online], 2018. Disponível em
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rainha-dos-ceus/>. Acesso em 27/04/2020.
TECCHIO, Manuela. Vetada pela Funarte, ‘Res Publica 2023’ estreia no CCSP.
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pela-funarte-res-publica-2023-estreia-no-ccsp.shtml> Acesso em 30/01/2020.
ABRAZO
FICHA TÉCNICA: Direção: Marco França / Elenco: Camille Carvalho, Dudu Galvão E
Paula Queiroz / Argumento e Roteiro Dramatúrgico: César Ferrario / Dramaturgia: O
Grupo / Música Original, Arranjos E Direção Musical: Marco França / Músicos Convidados:
Simone Mazzer, Roberto Taufic, Júnior Primata, Sami Tarik, Zé Hilton E Vitor Queiroz /
Desenho De Som (Cena Guerra Dos Insetos): Fernando Suassuna / Preparação Corporal:
Anádria Rassyne / Figurino: João Marcelino / Adereços: João Marcelino, Nando Costa e
Janielson Silva / Iluminação: Ronaldo Costa / Cenografia: O Grupo / Cenotecnica: Nando
112
FICHA TÉCNICA: Texto E Direção Artística: Biagio Pecorelli / Elenco: Biagio Pecorelli,
Bruno Caetano, Camila Rios, Edson Van Gogh, Jonnata Doll E Leonarda Glück / Diretora
De Produção: Danielle Cabral / Desenho De Luz: Cesar Pivetti / Assistente De Iluminação
E Operador De Luz: Rodrigo Pivetti / Preparação Viewpoints: Guilherme Yazbek /
Assistente De Direção: Dugg Monteiro / Cenário E Figurinos: Rafael Bicudo E Coko /
Design De Som, Sonoplastia,Trilha Sonora: Dugg Monteiro / Realização: A Motosserra
Perfumada / Produção Geral: Dcarte E Contorno / Fotografia acima de Lenise Pinheiro.
114
Caranguejo Overdrive
FICHA TÉCNICA: Direção: Marco André Nunes / Texto: Pedro Kosovski / Elenco: Carol
Virguez, Alex Nader, Eduardo Speroni, Matheus Macena, Fellipe Marques / Músicos em
cena: Maurício Chiari, Pedro Leal, Felipe Storino e Pedro Nego / Direção Musical: Felipe
115
SINOPSE: Thiago é um jovem que se descobre soropositivo aos 20 anos e, para aprender
a conviver com o HIV, precisa antes passar por um acerto de contas consigo mesmo.
“Lembro todo dia de você” é um musical inédito que faz um retrato realista e
contemporâneo do HIV, colocando em questão muito do que se conhece sobre o assunto.
Miranda, Laura Sciulo, Louise Bonassi e Mariana Mello / Assistência De Produção: Julia
Maia / Realização: Núcleo Experimental / Foto acima de Giovana Cirne.
118
Gritos
SINOPSE:
Grito 1 « Louise » Louise nasceu num corpo de homem que ela não quer, deseja ser
invisível aos olhares dos outros, convivendo com um turbilhão de preconceitos. Cuidando
de sua mãe, uma velha senhora doente, também invisível perante a sociedade, Louise
busca o amor e a aceitação.
Grito 3 « Amor em tempos de guerra » Numa atmosfera surrealista, uma mulher vestida
de negro surge revelando sua beleza e seus gestos lentos. Em meio à guerra, uma dança
de amor misteriosa começa revelando a trajetória e a luta de uma mulher do Extremo
Oriente na sua existência.
Cenotécnico: Jessé Natan / Iluminação: Artur Luanda Ribeiro e Hugo Mercier / Figurinos:
Thanara Schonardie / Contra Mestra: Maria Madalena Oliveira / Comunicação Visual:
Bruno Dante / Direção De Produção: Sérgio Saboya e Silvio Batistela / Produção
Executiva: Árthemis / Realização De Próteses Ortodônticas: Dra. Rita Guimarães De
Freitas / Foto acima de Renato Mangolin.
120
A Mulher Monstro
A fim de constituir a análise dos trabalhos cênicos estudados por este trabalho,
um mesmo questionário fora elaborado e submetido aos representantes de todos os
grupos. Lista-se abaixo as questões enviadas aos entrevistados, estando as respostas
recebidas disponíveis no Anexo III (transcrições de respostas em áudio) e no Anexo
IV (íntegras de respostas escritas via e-mail).
1. Pode detalhar para a gente quando, como e onde ocorreu o caso de censura
que envolve o seu trabalho? Se foi mais de um, seria muito importante entender
quantas vezes ocorreu e quais foram os contextos.
2. Qual(is) a(s) justificativa(s) oficial(is) dada(s) pela(s) instituição(ões) no(s)
caso(s) citado(s)?
3. Pensando sobre uma perspectiva que aborda dois tipos de censura, a moral e
a política, o grupo acredita que uma das duas tenha sido o motivo fundamental
de seu cancelamento? Ou compreende que sejam as duas?
4. Para a gente, é muito importante entender como as equipes e produções têm
reagido a este movimento. Neste sentido, qual a posição e medidas tomadas
pelo grupo em reação ao(s) caso(s) citado(s)?
5. Por parte da sociedade civil, organizações não governamentais, instituições
públicas ou privadas, houve algu m tipo de suporte fornecido ao grupo após o
cancelamento?
6. Como foi a trajetória do trabalho APÓS o cancelamento? Houve aumento ou
redução no número de apresentações?
122
Este anexo reúne as transcrições das respostas recebidas via áudio, do questionário
enviado aos grupos.
[as censuras], elas têm sinergia. Elas têm sinergia com movimentos religiosos,
movimentos político-religiosos, movimentos políticos alicerçados em movimentos
religiosos e também com a criação de jurisprudência, com juízes que decidiram ignorar
a constituição e emitir essas liminares de cancelamento.
O argumento jurídico, das censuras judiciais…. Que foram várias, mas nem
todas bem-sucedidas - por sorte - houve jurisprudências em nosso favor, foram várias
e históricas. Mas o argumento usado foi vilipêndio, que estaríamos vilipendiando um
símbolo religioso. E uma coisa curiosa: que estaríamos ferindo o direito de outros
exercerem sua religião. E isso foi um argumento muito falho, muito discutido. Tivemos
uma assessoria legal, jurídica que nos explicou o quanto isso era equivocado. Primeiro
porque não há vilipêndio de nenhum símbolo. A peça é cristã. É em favor do
pensamento cristão em sua essência. Segundo que a peça é fechada, só pra quem
quer assistir, em locais fechados, com classificação etária, ninguém é obrigado a ver
se não quiser ver. Então esse argumento não se aplica. Agora, os argumentos pra
censura moral, pro boicote nas redes, fake news, eram, primeiro, baseados em
transfobia. Jesus seria a imagem e semelhança de qu alquer pessoa menos de uma
mulher trans, de uma travesti. Então, primeira base: transfobia. A segunda é o que a
peça denuncia como um mal entendido diante do que seria uma mensagem cristã de
aceitação, de dar as mãos aos vulneráveis, etc. Então são argumentos que não se
sustentam nem sequer pelo pensamento religioso, o que foi confirmado pelo aval que
a gente teve de várias congregações, principalmente a Anglicana.
Desde o início, desde a nossa estreia em Londrina, onde um vereador fez uma
campanha contra a peça, chamou um ato de repúdio, comunicou as autoridades
religiosas para que nos repudiassem também, etc., tivemos que ter uma salvaguarda,
uma equipe legal nos assessorando. Do ponto de vista legal, sempre respondemos
através de advogados, agora do ponto de vista da comunicação foi muito importante
o quanto a gente bolou um alinhamento de comunicação em que, em todos os nossos
canais, sempre abrimos o diálogo. Apagamos mensagens ofensivas, as que não eram
ofensivas a gente respondeu. Convidamos ao diálogo - em todas as instâncias -
quando alguém nos atacou (políticos e governantes), chamamos para uma conversa
124
A gente teve muito apoio da sociedade civil, muito apoio da comunidade LGBT,
das organizações que protegem direitos LGBTS, de pessoas trans, de direitos
humanos, juristas, instituições da cultura que nos apoiaram, também, fizeram cartas
de apoio. Algumas instituições religiosas como a Igreja Batista do Caminho (do Rio) e
a Igreja Anglicana do Brasil. A comunidade acadêmica se manifestou também,
inclusive o trabalho foi e é objeto de muitos trabalhos acadêmicos em várias
linguagens e disciplinas: seja teologia, estudos de gênero, filosofia, saúde pública,
política pública… É realmente um trabalho artístico que entrou na discussão e foi
inclusive dispositivo para discussões em várias instâncias. Que vão dos direitos da
pessoa trans à representatividade trans nas artes – que é uma coisa importantíssima
e eu quero frisar como uma coisa que movimentou demais por causa da peça. Porque
a Renata Carvalho (atriz) pegou essa bandeira e pôs o corpo ali, nessa luta por
representatividade trans nas artes e a peça virou uma coisa emblemática nesse
sentido. E também algumas organizações internacionais. A peça é britânica, então a
125
Bom, depois da primeira censura judicial, antes haviam tido tentativas, mas foi
no Sesc Jundiaí em setembro de 2017 – se não me engano, depois eu posso conferir
isso – teve a primeira censura judicial. Depois disso começaram a fazer a nossa vida
impossível. Em cada lugar onde se apresentava a peça era movida uma ação judicial.
Isso aconteceu em Porto Alegre (no Porto Alegre em Cena, o festival foi notificado).
Mas teve um parecer positivo pra gente, pela juíza que decidiu pela continuidade da
peça e fez uma sentença histórica, onde ela nomeou a transfobia e foi muito
importante. Teve em Belo Horizonte na Funarte, e teve em Salvador uma ação que
realmente cancelou o espetáculo onde ele aconteceria, na Fundação Gregório de
Matos, mas como a liminar proibia o acontecimento ali a gente foi pra outro espaço,
pro Goethe Institut, lá em Salvador, que nos acolheu. Foram algumas ações judiciais
e claro que isso, não só criou um problema pra realização da peça, como criou um
desgaste emocional, afetivo, de saúde... Foi muito difícil. E o cúmulo, o ápice dessa
situação, se deu em Garanhuns, no Festival de Garanhuns, onde a gente teve uma
saga de tentativas de censura, apresentação independente também censurada, um
festival inteiro sendo ameaçado de perder financiamento público se programasse a
peça e uma situação que evoluiu pra violência dentro do espaço. Jogaram uma
bomba, tinha polícia militar, revista do público, foi uma situação limite de muita
violência, muitos níveis e, passada essa apresentação, a gente parou o trabalho.
Parou de ir atrás de fazer. Fez algumas coisas pontuais, como uma apresentação que
foi histórica no Theatro Oficina, em São Paulo, e algumas coisas fora do Brasil. A
gente foi pra Cabo Verde, Alemanha, e pra Escócia. Então a gente realmente diminuiu,
por sentir também que a peça tinha cumprido seu ciclo de luta, de representatividade
e que a gente precisava cuidar da gente. Então foi uma retirada também pra que
outros trabalhos também venham fazer essa função de abrir esse olhar, abrir essa
reflexão e a gente pudesse também se curar e se recuperar de todas essas situações
que não foram fáceis”.
126
vão me impedir, a não ser que venham com um instrumento legal, alguma força
coercitiva que me impeça de fazer. São coisas contraditórias, mas eu acho que deu
pra dar um pouco a minha visão do tema”.
128
ABRAZO
Então, a gente na verdade, acho que teve a sorte, ou o privilégio - sei lá como
isso pode ser chamado - de termos um escritório de advocacia que é parceiro do
grupo, que é apoiador do grupo permanente. Então, assim que a gente recebeu a
notícia, eu já entrei em contato com um dos nossos advogados, perguntando qual
procedimento que eu deveria adotar, e ele falou “escute e peça a declaração por
escrito de tudo que eles falaram”. Então quando a gente teve essa reunião, eu pedi
uma declaração por escrito. Ele relutou muito em entregar, disse que “Não...Veja bem,
é final de semana. Vamos esperar. Na segunda feira, vocês recebem e tal”. Eu falei
“Não. A gente tem que dar uma justificativa pública do por que deste cancelamento e
a gente não sai daqui do teatro enquanto não tiver isso”. A gente já teve que esperar,
até ele chegar no teatro, mais de duas horas. A gente teve mais, tipo, uma hora, quase
duas, de espera pra receber um e-mail muito lacônico da gerente do espaço - da Caixa
Cultural - dizendo que o fim de semana estava cancelado e a temporada estava em
suspenso. Só isso. Aí na segunda feira a gente recebe um outro e-mail dela,
igualmente lacônico, só informando que o resto da temporada estava cancelado. E aí
a gente pediu tudo - obviamente seguindo os encaminhamentos dos advogados -
imediatamente a gente pediu detalhamento do porquê, justificativa e tal. Ela mandou
um outro e-mail ainda, dizendo que a gente tinha descumprindo uma cláusula, sem
dizer qual que era. Pedimos, mais uma vez. Indicaram qual era a cláusula, mas não
disseram no quê que a gente infringiu. Enfim, resumindo, eles não tinham nada
concreto, e ficaram segurando isso, e diante da impossibilidade de defesa que a gente
teve - porque a gente sequer sabia do que estava sendo acusado - aí a gente partiu
para outros procedimentos legais. Entramos com um processo, um pedido de liminar
que foi indeferido. E, paralelamente a isso, uma ação pública que o Ministério Público
abriu contra a Caixa.
Bom estava revendo aqui tuas perguntas, acho que eu falei dá 1, falei da 2, e
falei da 4. Eu vou pular para 5, tá? E aí depois eu falo da 3 e a 6 que ficaram faltando.
130
Então, voltamos para Natal. Antes de voltarmos para Natal, ainda no domingo, a gente
deixou tudo montado lá em Recife, porque tinha a possibilidade, inicialmente, da gente
fazer o segundo final de semana lá e na segunda feira a gente ficou sabendo que não.
A partir do momento que a gente publicou o primeiro comunicado oficial, que foi um
comunicado ainda muito cuidadoso - mais uma vez seguindo todas as instruções dos
nossos advogados, porque era muito evidente pra gente que eles não tinham nada de
concreto, então que eles estavam procurando algum argumento. Então a gente, até
que a coisa não tenha se concretizado, a gente em nenhum momento chamou isso
de censura - por mais que obviamente isso estava muito evidente e todo mundo estava
falando nisso - a gente não usou esses termos, a gente não deu declaração. Quando
a imprensa veio procurar a gente, a gente explicou que a gente, por orientação dos
advogados, ainda não estava dando nenhuma declaração, mas que falava por nós
eram os comunicados oficiais do grupo, até segunda ordem. Então a gente foi super
cuidadoso em relação a isso.
Mas a gente teve por parte da sociedade civil uma adesão enorme, assim, e
surpreendentemente, nos nossos canais oficiais, pelo menos, nenhum
posicionamento contra a gente, não teve nenhum... A gente até sabe que nos sites,
nessas coisas, naqueles comentários, aí tem toda aquela indústria do ódio, destilando
todo veneno contra a gente. Mas diretamente nas nossas redes sociais e nos nossos
canais de comunicação, a gente só teve o apoio maciço do Brasil inteiro, da América
Latina e dos outros países do mundo e tal. Foi uma coisa muito forte e muito bonita,
porque isso nos deu muita força, porque foi um episódio muito violento pra gente, que
até hoje reverbera ainda e até hoje é difícil. Inclusive porque o próprio processo
jurídico tá em aberto ainda, enfim, enquanto não se resolver isso, vai continuar sendo
difícil.
Além da sociedade civil em geral, população em geral, a gente teve por parte
de muitas instâncias governamentais - governamentais não, públicas - de deputados
de Pernambuco, do Rio Grande Norte, de Minas Gerais, enfim, de diversos lugares,
manifestando apoio e oferecendo suporte, suporte jurídico e etc. Existe um coletivo
de Deputadas Estaduais em Pernambuco que se chama JUNTAS. É uma gestão
131
Acho que é legal falar, a partir disso, um desdobramento que houve... Existe
um movimento dos artistas de Recife, chamado “Batendo Texto na Coxia”. São
pessoas com as quais a gente não tinha nenhum contato, a gente não conhecia
previamente, e eles entraram em contato logo depois com a gente, dizendo que iriam
fazer uma manifestação no sábado seguinte - que seria o dia da apresentação
seguinte - pelo bairro do Recife antigo passando em frente a, e fazendo uma ação em
frente a Caixa Cultural. A gente ficou super tocado, super comovido com isso, né?
Porque não eram parceiros nossos, não eram pessoas que estavam fazendo isso pela
relação de proximidade com a gente, eram artistas com os quais a gente não tinha
contato. Não só isso foi feito, como, aí sim, parceiros nossos produtores, grupos e
outros artistas lá de Pernambuco e de Recife, nos propuseram fazermos uma força
tarefa para neste dia, fazermos uma apresentação do Abrazo em outro espaço que a
gente precisaria procurar. E prontamente, não só a gente abraçou essa ideia, como a
gente propôs para o pessoal que estava organizando o movimento e que eles se
entusiasmaram muito. Então a gente acabou fazendo uma ação que saiu da Praça
do... esqueci o nome agora.... depois eu posso verificar e acho que nos nossos
comunicados tem isso. Mas a gente fez uma grande caminhada pelo Recife Antigo
até chegar no Teatro Apolo, onde a gente conseguiu a pauta do Teatro Apolo de graça.
O diretor do Teatro Apolo, Carlos Carvalho, nos ofereceu a pauta. A gente fez uma
132
apresentação gratuita, livre, em que voltou gente de tão cheio. Tinham mais de 500
pessoas lá e no final a gente passou o chapéu, só pedindo uma colaboração.
Então acabou sendo um dia muito especial, um dia que a gente conseguiu expurgar
ao menos uma parte de toda a dor e toda a dureza que este processo estava sendo e
está sendo, né? Acho que é importante falar mais uma coisa, para finalizar esse áudio
que também está enorme, que a gente teve um gasto enorme. A gente teve um gasto
de cerca de 20 mil reais, porque esse edital da Caixa ele funciona da seguinte forma:
você faz primeiro o projeto e depois você recebe o dinheiro. Então, nisso, entre
contratação de pessoal, produção de material de divulgação, transporte de equipe e
de material, hospedagem, alimentação e etc., a gente teve um gasto de mais de 20
mil reais, que a gente segue com este prejuízo até agora. Numa situação super
delicada - agora com essa coisa do COVID-19 mais ainda - a gente tá nessa situação
e esse dinheiro… A gente não recebeu pelo que a gente já trabalhou, né? Por ter ido
e ter feito essa única apresentação... A gente nem isso recebeu.
Bom indo para 3 questão, eu acho que o que você está chamando de uma
motivação moral e uma motivação política… Eu acho que elas são mais ou menos a
mesma coisa. Não há nenhuma dúvida, é muito óbvio que tem uma motivação política
que conduz todo esse processo, né? Eu acho que houve um erro de leitura por parte
deles, porque eles, acho que, não imaginavam que um grupo do Rio Grande do Norte,
se apresentando em Recife, poderia ter uma repercussão tão grande em um episódio
acontecendo com um grupo dessas características. Mas é fato que somos um grupo
muito articulado nacionalmente e internacionalmente, etc. A gente, no mês seguinte,
a gente estava fazendo um projeto na Colômbia, em Bogotá, e uma equipe das
Associated Press foi fazer uma matéria com a gente lá, em relação a esse episódio
pra soltar internacionalmente. Enfim, teve uma repercussão nacional e internacional
muito grande. E aí eu acho que é fato de que existe um projeto de desmonte da cultura
em curso. Acabamos sendo não o primeiro caso que sofreu censura, mas acho que o
primeiro caso que sofreu censura, de teatro, nessas circunstâncias que a gente conta,
que é de ser impedido de apresentar o espetáculo ali no palco, e não de uma
temporada que iria acontecer e acabou não acontecendo e tal. Mas é fato, que assim,
133
fomos sorteados, mas isso está acontecendo com muita gente, com muitos grupos,
isso faz parte de um projeto de desmonte muito maior.
coisa já estava muito difícil, com a eleição do Bolsonaro a coisa piorou e depois disso,
então, a gente tem sentido na pele o esforço que tem sido feito para que aconteça
com a gente o que tem acontecido com vários outros grupos parceiros, como A outra
companhia de teatro. Os grupos estão sendo desmobilizados a um ponto de
terminarem. Esse exemplo que eu falei A outra companhia de teatro, de Salvador, eles
oficialmente lançaram um comunicado público dizendo que o grupo estava acabando,
porque não estavam em condições, né? E o fato é que isso tem acontecido muito e a
gente tem conseguido sobreviver à duras penas, mas é uma experiência terrível que
eu não desejo isso para ninguém.
Acho que talvez o nosso episódio ele abriu uma... Ele inaugurou um novo
formato de censura - porque a gente já tinha visto outros acontecendo - que foi uma
censura com uma maquiagem jurídica. Eles criaram uma justificativa jurídica para
isso, por mais que seja muito evidente que não é isso que aconteceu .”
135
CARANGUEJO OVERDRIVE
Terceira [pergunta]. O que eu entendo que aconteceu foi uma [censura] política.
Não teve nada a ver com moral. O espetáculo tem até uma cena de nudez, mas é
totalmente dessexualizada, não tem nenhuma sexualidade, nada disso. Eu acho que
a peça foi cancelada e censurada, através do cancelamento no Banco do Brasil, por
uma questão política. Porque tem um momento do espetáculo em que uma atriz, que
faz a personagem Puta Paraguaia (Carolina Virguez), ela vai falando a história do
Brasil. E chega nos dias atuais. Nós fazemos a peça desde o governo Dilma. No final
- a gente já está falando lá de trás, da ditadura, chegamos no Sarney, vai pra Collor,
Itamar, Fernando Henrique, Lula, Dilma, vai pro Golpe, vai pra Temer e chega no
governo atual. Em cada momento ia parando em determinado ponto, né. Desde Dilma
até agora ia parando em determinado ponto. Parava na Dilma, depois parava no
Golpe, depois parava no Temer, depois parava na Eleição, enfim, e vai até agora. E
137
nós falamos sobre os assuntos divulgados pela imprensa. Não há nenhuma il ação,
não criamos nenhuma conexão, não levantamos nenhuma teoria conspiratória, n ão
fazemos nada disso, apenas falamos das notícias do dia. Esse momento inteiro é de
notícias amplamente conhecidas por todos, da história do Brasil já. Acho que só o fato
de se tocar nesse assunto criou esse mal-estar. Interessante ressaltar pra você que
acho que essa censura não veio do Banco do Brasil. O próprio Banco do Brasil nos
pautou, então acho que isso não está em quem pauta, na curadoria, isso veio de outro
lugar. Que talvez esteja além do Banco do Brasil, essas decisões não foram dadas ali
pelos funcionários, pela curadoria do banco, que, inclusive, não só nos pautou, como
pautou um espetáculo nosso (Guanabara Canibal) que também seria apresentado na
Mostra e foi feito lá em 2017, e tivemos toda a liberdade para realizar. E são as
mesmas pessoas que estão lá. Então não foi daí que veio essa censura, esse
cancelamento.
Sim, tivemos apoio. Apoio escrito, falado, telefonado e tudo. Como também a
Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro foi muito sensível, nos deu mais alguns dias
no Teatro Sérgio Porto (acabou que as apresentações que faríamos no CCBB viraram
a extensão da nossa temporada no Sergio Porto), outras: o estado também nos
ofereceu teatro pra fazer, mas a peça não cabia no palco. Parque Lage também
ofereceu... Enfim, tivemos muito suporte, muita solidariedade de outras instâncias, do
município, estado, secretarias, tivemos bastante apoio.
Olha, o espetáculo sempre teve muito apelo popular, muito interesse. En tão era
uma temporada que estava acontecendo no Sérgio Porto, que já era um grande
sucesso, já estava lotada, já estava lotando todos os dias, pra dias depois já lotado.
Teve um aumento de publicidade, porque saiu em todos os jornais. Então talvez quem
nem estava interessado na peça ou quem nem sabia que a gente estava em cartaz
naquele momento, correu pra lá. Nos últimos dias teve uma superlotação, caso de
abrir sessão nova e lotar em uma hora pela internet. Mas não que não estivesse
lotando antes, lotou toda a temporada do Sérgio Porto, do primeiro ao último dia.
Sendo que nas apresentações finais, em virtude da publicidade que esse fato teve,
aumentou a procura e o interesse pela peça.
andaria sofrendo, por parte do Governo Federal. Em nenhum momento a gente teve
nenhuma prova concreta, nem desse monitoramento e nem da ligação real entre os
vários espetáculos que foram cancelados. Se isso foi determinado em alguma
instância dentro da Caixa, por algum tipo de censura, eu tenho certeza que isso foi de
caráter moral, acima de qualquer coisa, e não de caráter político. Porque Lembro Todo
Dia de Você é uma peça que trata da trajetória de um jovem soropositivo e como ele
lida com as suas questões homoafetivas e de soropositividade dentro da sua
comunidade, sua família, seus amigos, seus parceiros, enfim… Então, por tratar desse
tema, e a gente sabe que é um tema sensível, o monitoramento deste governo que
está atualmente em Brasília, então a gente acreditou que pudesse ser essa a razão
deste cancelamento.
Só que houve uma reviravolta nessa história, porque quando eu comecei a dar
algumas entrevistas para Folha de São Paulo, para o Jornal O Globo, no Rio de
Janeiro, porque alguns veículos começaram a me procurar para falar sobre o
cancelamento… Porque a gente divulgou o cancelamento, a gente tinha divulgado a
nossa temporada carioca e a gente evidentemen te teve que divulgar o cancelamento,
porque tinha uma... Musicais em geral, passam por uma situação muito peculiar,
porque costumam ter uma base de fãs muito fiel. Então esses fãs já estavam
espalhando... os fãs de São Paulo já estavam espalhando para os fãs do Rio Janeiro,
que sequer tinham visto a peça, que a peça iria para o Rio de Janeiro e tal. Então a
gente teve que divulgar o cancelamento e, quando a gente divulgou o cancelamento,
alguns veículos me procuraram e eu comecei a falar abertamente sobre isso para
imprensa e a reviravolta foi que nós recebemos um telefonema, da Caixa, dizendo que
eles tinham reavaliado a nossa situação e que havia uma brecha para que a gente
pudesse fazer a temporada - só que em outro Teatro, no segundo teatro deles, não
no teatro para o qual a gente tinha sido aprovado no Edital. Então eles nos propuseram
trocar o teatro Nelson Rodrigues pelo teatro de Arena. O que de fato, na verdade, era
inclusive melhor para o espetáculo, porque o teatro de Arena é menor, tem menos
lugares, tem 200 lugares, 200 e pouco lugares. Então, como é um musical pequeno,
mais intimista, seria até melhor para peça. A gente avaliou, pensou nas possibilidades
e nas consequências - tanto de negar quanto de aceitar - e a gente decidiu fazer a
temporada no Rio de Janeiro. Então, a história do Lembro Todo Dia de Você, é a
141
história de uma peça que foi cancelada, talvez censurada - nunca soubemos, acho
que jamais saberemos - mas que depois foi recontratada. Então no final de 2019 a
gente fez no Teatro da Caixa as 8 sessões contempladas no edital patrocínio da Caixa
Cultural.
Essa é uma das peças que a gente tem no nosso repertório, e essas
apresentações nesse festival foram as últimas que a peça fez. Ela continua no nosso
142
repertório. Mas, acho que pouco mais de um mês depois dessas apresentações, a
gente sofreu, e continua sofrendo, com os fechamentos dos teatros por conta da
pandemia. Então não há previsão e não há programação para que a peça volte em
cartaz - pelo menos a curto e médio prazo. Então essas foram as últimas
apresentações que ela fez. Na verdade, já passamos de 100 apresentações da peça
desde que ela estreou, desde o início da sua carreira, e as últimas foram no Rio de
Janeiro e aqui no Verão Sem Censura, em São Paulo.”
143
GRITOS
e ver que dentro dessa pirâmide estamos lá embaixo e que então, eles agora nem vão
precisar dar desculpa - os projetos nem vão andar. Então as justificativas foram essas:
nos aconselharam a reestruturar o projeto inicial, retirando Gritos da grade.
Pensando sobre uma perspectiva que aborda dois tipos de censura, a moral e
a política, o grupo acredita que uma das duas tenha sido o motivo fundamental de seu
cancelamento? Ou compreende que sejam as duas? Eu acredito que completamente
foi moral. Política ainda não, talvez agora, porque eu acho que estamos de uma certa
forma fichados, temos uma visibilidade dentro do governo. O nome Dos à Deux eu
acho que já tá circulando lá dentro, não só dentro dessa nova Secretaria, mas mesmo
no Itamaraty - porque as matérias que saíram foram divulgadas no mundo todo, então,
de certa forma deve ter chegado até no Itamaraty. Então, de uma certa forma, a
política, futuramente, a gente vá sofrer mais algum tipo de represália, em relação ao
nosso projeto que está em andamento, ou seja a nova criação. Gritos, de qualquer
forma, no âmbito federal, eu acredito que não tenha mais nenhuma possibilidade de
ser difundido aqui no Brasil. A gen te já sabe disso, por isso que estamos participando
de festivais que vão contra isso, que é o Sem Censura, que foi agora em São Paulo.
E o espetáculo estava programado agora no exterior, que infelizmente, com tudo isso
que tá acontecendo, tivemos diversos cancelamentos. Íamos fazer agora em maio,
Polônia, Colômbia e Egito, então a gente já sabe que não vai rolar. E agora ainda se
mantêm a França, agora em novembro, também não sabemos se vai acontecer - tudo
está caminhando para que aconteça. Mas eu acho que vai ser muito mais turnês
internacionais com Gritos do que aqui no Brasil. O novo projeto, que vai ter um…enfim,
como todos os nossos projetos, têm sempre um… não que a gente faça política, mas
são espetáculos humanistas, a gente fala do Homem, o Homem nesse contexto
contemporâneo. Acho que a gente vai enfiar o dedo na ferida, e que isso vai
incomodar, isso é certo.
Pensando sob a perspectiva que aborda dois... não, esse foi o que já respondi.
A próxima questão é: Pra gente, é muito importante entender como as equipes e
produções têm reagido a este movimento. Neste sentido, qual a posição e medidas
145
tomadas pelo grupo em reação aos casos citados? Eu acho que a gente de qualquer
forma teve um movimento de falar, de expor isso. Não ficamos acuados, pelo
contrário, fomos para um debate público, aberto - não só nas nossas mídias, mas
como na imprensa escrita, na mídia audiovisual também, porque a gente deu várias
entrevistas, fizeram um retrato sobre a gente - mais uma vez no exterior. Então a gente
tem reagido de forma contundente e colocando a cara a tapa, e eu acho, de qualquer
forma, eu acho que é caso a caso. Porque não foram cancelados [só] esses casos
todos que tiveram, que foram notificados pelas mídias. Outros [foram] ofuscados
porque não tinham uma visibilidade midiática e também a gente não ficou sabendo,
mas acredito que tiveram muito mais do que foram citados. Mas eu acho que a reação
nossa é continuar fazendo nosso trabalho. Eu acho que não tem outra maneira a não
ser continuar criando e de continuar fazendo com que a arte e o nosso trabalho sejam
uma antena sobre o mundo, mas também sobre as problemáticas do nosso país e
contemporâneas. Porque agora, neste sentido atual que a gente tá vivendo, no nosso
novo espetáculo o tema é o medo. Então se pode imaginar, antes mesmo de isso tudo
- do coronavírus - o tema já era esse, então eu acho que o nosso medo agora se
prolongou no âmbito internacional. Saímos um pouco do problema nacional, lógico
que com ecos muito maiores, porque somos um país que estava tendo cortes na
cultura muito importantes e que acredito que agora seja muito mais radical e que vai
ter que se refletir, se repensar, se reestruturar, de como a gente vai caminhar daqui
pra frente, porque vai ter que ter uma reinvenção, não tem jeito. Porque o próprio
formato dos teatros, nesse próximo ano agora a vir, não vai ter aglomeração, já
estávamos com problema de público, já tinha essa caça às bruxas, em relação a essa
moralidade desse governo, então estávamos demoniados, demonizados,
perseguidos, enfim… Com o astigmatismos que eram completamente equivocados, e
acho que agora só tende a piorar. Então essa reflexão, eu tô falando em voz alta,
porque estamos agora pensando sobre isso, de como vai ser. Então esse debate está
apenas começando.
Não. Tivemos um aporte, vamos dizer, afetivo da sociedade civil que estava
totalmente - como achar a palavra? - sensibilizada com o fato de um espetáculo que
já tinha tido uma trajetória importante, e que o espetáculo teve um eco muito forte, em
relação aos temas desenvolvidos e etc. Lógico que tivemos muito mais contatos
146
profissionais, pessoas que vieram até a gente pra saber mais sobre o trabalho, e os
espetáculos que estavam em andamento para turnês internacionais, a gente teve
também uma sensibilização da parte deles. A gente fez Berlim logo após a censura,
então foi muito forte apresentar o espetáculo em Berlim, num país em que viveu tudo
aquilo que a gente já conhece e que não consegue entender o que seria uma censura
no século XXI. Então é muito louco, porque a visibilidade que a gente está tendo lá
fora é tão negativa, e quando chega nesse ponto - da censura - isso coloca realmente
um ponto de exclamação dizendo “Opa! Então estamos tocando em problemas, que
são de base”. Ou seja, o direito de ir e vir, o direito de falar, o direito. Mas não teve
nada que fosse um apoio financeiro, nem público nem privado, a não ser um apoio
moral, no sentido das instituições dizerem “Não vamos acatar isso”, entendeu? Mas
de forma geral, generalizada, eu acho que tá todo mundo ainda um pouco acuado,
ninguém sabe como se manifestar, tá todo mundo andando em ovos, e porque tá tudo
desestruturado. Então, de qualquer forma, não sabemos o andamento disso tudo,
porque todos mudam - não sei mais nem quem é o diretor da SECOM. A gente está
num governo totalmente destruído e totalmente esquizofrênico. Então não sei como é
que vai ser isso, e também não sei quais vão ser as diretivas da nova Secretária
Especial da Cultura, até agora a gente não teve nenhuma resposta, então é muito…é
um abismo o que a gente tá vivendo, realmente.
que isso, essa censura teria sido realmente coisas que estavam escritas em livros.
Então a gente sentiu sim um aumento em número de público, porque estávamos em
temporada no Rio de Janeiro depois da censura, Gritos não entrou na grade da Caixa
Cultural, também foi reestruturado no projeto que foi inicial - era um projeto de três
espetáculos, acabou que só ficaram dois - mas a gente sentiu realmente um eco desse
movimento todo, e um movimento que estava se espalhando de medo, o medo de sair
de casa, o medo de gastar dinheiro. O medo já estava permeando a sociedade e agora
a cereja do bolo é o medo do outro, o medo de contrair essa doença. Essa doença
vem pra aniquilar o que já estava por um fio. O futuro próximo, a gente não tem a
menor ideia, mas eu acredito que vai ser brutal. Acredito que os teatros vão viver um
momento de deserto. Então, apertem os cintos que o piloto sumiu mesmo.”
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Este anexo reúne a íntegra das respostas recebidas por e-mail, em resposta
ao questionário enviado.
Pode detalhar para a gente quando, como e onde ocorreu o caso de censura que
envolve o seu trabalho? Se foi mais de um, seria muito importante entender
quantas vezes ocorreu e quais foram os contextos.
Sofremos uma censura, em 2019, pelo nosso trabalho "RES PVBLICA 2023".
Aconselho a leitura da carta pública que escrevemos à época. Lá, detalhamos todo o
processo.
https://oglobo.globo.com/cultura/e-curadoria-nao-censura-diz-roberto-alvim-apos-ser-
questionado-por-mp-sobre-criterios-da-funarte-23995062
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Pensando sobre uma perspectiva que aborda dois tipos de censura, a moral e a
política, o grupo acredita que uma das duas tenha sido o motivo fundamental de
seu cancelamento? Ou compreende que sejam as duas?
Acredito que não se pode separar muito, ainda mais no atual contexto político, onde
pautas "morais" historicamente associadas às políticas identitárias têm sustentado o
bolsonarismo e o ataque à Cultura. No nosso caso, foi uma censura à sinopse da peça
(conforme relata a carta). Essa sinopse apresenta o argumento de um Brasil futuro,
do ano de 2023, dominado por um braço civil do Governo, chamado "Anaconda
Brazil". Se você pensar no que hoje é nomeado "gabinete do ódio", nota-se que a
peça, escrita em 2016/2017, acabou se tornando um raio-x do nosso presente. O que
acreditamos é que a carapuça caiu quando leram a sinopse. Mas, tratando-se do
Alvim, é possível especular que a censura tenha tido razões bem mais particulares:
na ficha técnica há pelo menos umas 3 personas non gratas para ele, dentre elas,
nosso sound designer, Dugg Mont, que trabalhou no Club Noir por uns 2 anos e
rompeu com Alvim quando da sua guinada bolsonarista.
Escrevemos essa carta pública e ela teve ampla repercussão no país. A partir disso,
agregamos e conhecemos diversos movimentos que encampam u ma luta histórica
contra a censura, que não começou nem terminou em nosso caso. Além disso,
movemos um processo jurídico contra a FUNARTE, via Ministério Público Federal. O
Alvim cairia do cargo alguns meses depois, por ocasião daquele vídeo de cunho
nazista.
Total. Fomos prontamente apoiados pela Prefeitura de São Paulo que tem marcado
posição contra o Governo Federal especialmente no que diz respeito a essa coisa da
150
Censura. A peça estreou no Centro Cultural São Paulo, da Prefeitura, e fez temporada
lá outubro e novembro de 2019.
A MULHER MONSTRO
Pode detalhar para a gente quando, como e onde ocorreu o caso de censura que
envolve o seu trabalho? Se foi mais de um, seria muito importante entender
quantas vezes ocorreu e quais foram os contextos.
Meu espetáculo faz denúncias da situação política e social do Brasil. Desde que
Bolsonaro se candidatou perdi dois patrocínios no Rio Grande do Norte, parcerias que
tinha há anos. Um deles alegou que a foto de divulgação onde a personagem aparece
com rosto pintado de verde e amarelo de forma irônica (cores escolhidas para a
campanha da extrema direita brasileira) ia contra a ideologia dos clientes que votariam
no atual presidente. Fiz apresentações em Natal/RN no final de semana do segundo
turno das eleições e recebi ameaças de propaganda eleitoral irregular, como tentativa
de que eu desistisse das apresentações. Sempre taxam de espetáculo “comunista e
petista”, isso já me aconteceu com um debatedor oficial de um festival no Sul do país
que tentava deslegitimar meu trabalho. Desse episódio até hoje fomos perseguidos
por uma verdadeira milícia digital. Hoje conseguimos burlar isso das perseguições nas
redes por robôs conscientes e máquinas mesmo com algumas ferramentas que
bloqueiam os interesses nas redes sociais.
local onde o ex-presidente Lula está preso. Onde surge o juiz fajuto, e atual Ministro
da Justiça de Bolsonaro, Sergio Moro. Nas datas de minha apresentação também
fazia um ano da prisão de Lula. Então, o Sindicato dos Bancários de Curitiba e Região,
vendo o perigo eminente e tantas ameaças, colocou segurança particulares para
cuidar de mim na cidade. Andava escoltado, parece surreal um artista de teatro ter
que ser escoltado. Apresentei com seguranças na frente do palco. A polícia militar
ficava rondando o local de apresentação com sirenes altas, era proposital para me
atrapalhar, me intimidar. A polícia militarizada no Brasil é trein ada para colocar terror
nas minorias, e principalmente nos periféricos. A polícia brasileira mata, um horror. E
eu seguia firme, mesmo assim. Foram três dias de apresentações com mais de três
mil e duzentas pessoas, um dos maiores públicos da história do Festival em rua. Foi
um ato político. Recebi muito carinho, muito apoio, o público sempre me pede para
voltar para lá semanalmente no Instagram. Mas sempre digo para as pessoas para
não romantizarem o fato de eu ficar conhecido por essas questões. Na minha
intimidade, sofro e sofri demais com tudo isso. Em Curitiba, fora do palco, eu só fazia
chorar sem controle, passava horas no telefone com a minha mãe, tive ataques de
pânico e ansiedade. Todos os dias decidia desistir, por medo, e era ao mesmo tempo
convencido a apresentar. Foi horrível, não conseguia me controlar. Mas venci essa
etapa, eu e a equipe fomos firmes. Mas depois de toda essa repercussão enfrentamos
outras formas de censura.
Pensando sobre uma perspectiva que aborda dois tipos de censura, a moral e a
política, o grupo acredita que uma das duas tenha sido o motivo fundamental de
seu cancelamento? Ou compreende que sejam as duas?
As duas. As motivações são sempre políticas e algumas com desculpas morais. Existe
a censura velada. O medo que produtores, curadores e programadores f icam de
escalar uma obra que fale diretamente de política e relações sociais. Embora não seja
só disso que minha peça fale. Teatros impedirem apresentações sem claros motivos,
principalmente. Essa censura tem acontecido em muitos lugares. Torna-se cada vez
mais difícil, para não dizer impossível, estar em festivais, mostras, projetos de
circulação, ocupação de teatros patrocinados ou de instituições. Difícil sair do estado
de origem, difícil continuar chegando em outras cidades. Agora o problema está no
teatro que se diz, na temática. É um absurdo. E normalmente essas pessoas são
154
também as mesmas que dizem essas frases de efeito que nascem da esquerda, que
bradam palavras de ordem, mas que no fundo, se preocupam em não perder o
emprego, em não buscar nada qu e seja "polêmico". Seguem caladas na prática,
omissas. Os curadores e programadores brasileiros estão com medo de perder
dinheiro. A saída, para eles, é apenas vender um teatro nordestino inventado. Aqui no
nordeste brasileiro se desenhou um teatro marrom, rimado, com cores terra,
mambembe, que fale da seca da água, com músicas regionais, engraçadíssimo e
baseado no sofrimento do sertanejo. Não que eu queira atingir os que optam por fazer
esse teatro, acho legítimo e super batalhador. Mas só se pauta o aceitável, já
autorizado pela massa e pela televisão. Agora eu consigo entender algo que sempre
me perguntava ao estudar o período da ditadura militar brasileira, anos que não vivi:
como é que o país passou tantos anos vivendo aquele inferno? Está aí a resposta. A
omissão também está com a mão suja de sangue. Em lei deveríamos ter a liberdade
de expressão assegurada, isso está sendo violado. Que possam pautar as obras por
suas singularidades, autenticidade e atributos artísticos.
Estávamos até nos organizando com uma assessoria jurídica para solicitar
reparações. Mas depois que juízes negaram ações judiciais no mesmo teor, como o
que aconteceu no caso de censura da Caixa Cultural Recife, nós nos desmotivamos.
Em alguns casos não optamos por não ter quaisquer represálias das instituições.
Nesse nosso meio existem essas perseguições por baixo dos panos. Participamos de
algumas conversas com advogados, acharam que o desgaste político já havia sido
grande e nós concordamos. O judiciário é cheio de ultraconservadores e não
acompanham as pautas da cultura, isso é fato. Colocar a boca no trombone e construir
uma rede de afetos é mais reparador nesses momentos, acredite. Isso tudo mexe
muito com o psicológico de todos.
155
Houve uma diminuição significativa sim. Embora uma boa repercussão do trabalho.
Participamos de dois festivais com essa temática da censura. Mas como relatei,
alguns curadores, produtores, programadores seguem temerosos. O preço de ficar
conhecido por ter um trabalho polêmico é muito alto, não vale a pena, mas já que
estamos nessa tempestade de acontecimentos: Vamos lá, ter resiliência e continuar.
Precisamos existir e recomeçar todos os dias, renovar nossa capacidade de lida, não
apenas de luta. Já não basta todas as dificuldades de se fazer teatro sem apoios, sem
valorização, agora os artistas precisam saber se posicionar diante de tanto
desgoverno. A política de cultura e a democracia estão sendo desmontadas. Isso
influencia no nosso dia a dia. São tentativas de extermínio. Precisamos estar juntos,
criando redes e territórios de afeto para não nos abalarmos a ponto de parar, desistir,
se calar. Quando falo que meu trabalho é resistente é porque eu não negocio meu
teatro, meu modo de fazer teatro. Nós devemos continuar apresentando em praças,
em espaços independentes, onde nos acolherem, ouvir mais e falar para mais
pessoas. Os opressores dominaram as redes sociais, os algoritmos da internet, nisso
nos isolam para nos atacar por diversos lados (meio ambiente, educação, crenças,
cultura e arte, questões de gênero, raça, cor e sexualidades) para ficarmos inertes.
Hoje, se olharmos as redes sociais, imediatamente surgem diversos assuntos
urgentes, revoltantes, puxam nossas atenções por diversos lados para nos deixar
parados. Como diversas cordas em variadas direções, ficamos amarrados, parados.
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E minha geração tem sido muito apática. As famosas fake news também fazem parte
disso, e são gravíssimas. Como diz Marcio Abreu, elas acontecem por serem a
ausência dos corpos. E o teatro precisa re-existir nesse avanço de globalização, para
se firmar. Nós somos necessários. Simone Ordones do Grupo Galpão uma vez disse
em uma aula que num futuro próximo o teatro será extremamente necessário. Eu
acredito nisso. As pessoas não se olham mais nos olhos, os celulares representam
nossas emoções e sentimentos com meros emoticons, siglas, abreviações. A
humanidade precisa de encontros. E o teatro é a arte do encontro. Essa é uma frase
muito usada no Brasil, e é muito verdadeira. Precisamos de renovações de força
coletiva, profunda e também particular, diria até individual, para nos mantermos vivos.
Machuca tudo o que estamos vivendo no Brasil, qualquer pessoa com o mínimo de
empatia sente essa dor. Vivemos o início de mais um processo ditatorial com novas
vestimentas e os mesmos comportamentos. Bolsonaro ataca as instituições,
desrespeita laicidade do Estado, persegue artistas e adversários, ataca a imprensa,
beneficia parentes com seu Poder. Isso é comportamento de ditador. Nosso objetivo
com esse espetáculo é que as pessoas se enxerguem na personagem, com a
bivalência de ser humana e monstro. Que possam repensar suas atitudes, as palavras
que usam no cotidiano, num jantar de família, nas expressões da cultura popular, nas
redes sociais. As palavras podem matar alguém por dentro. Esse espetáculo é um
grito de socorro. Esse é um espetáculo que incomoda mesmo, e ele não é fácil para
quem assiste e muito menos para quem o faz. Para esses monstros, dói se ver podre,
dói se ver apodrecendo, dói se ver numa jaula, dói se ver numa personagem, dói. Fica
nu, exposto. Não subestime e nem diminua a dor dessas pessoas. Ser da classe
trabalhadora e defender a extrema direita radical nesse país é algo degradante. Falo
do oprimido, muitos são pobres, vítima de um sistema, que ignorantemente defende
os burgueses. Essas pessoas sofrem e para elas nos cabem emanar bons
pensamentos. É inquietante e desesperador para algumas pessoas que se identificam
a tal ponto com a personagem. Algumas aguentam ficar até o final, outras não, fogem.
Mas fogem reflexivas, lá no fundo, tenho certeza. Umas ficam rindo de nervosas, vias
de escape, outras choram e vejo lágrimas tão silenciosas que só eu que estou no
palco e de frente vejo. Há pessoas que não admitem que toquem em feridas, ou que
os critique por tamanha alienação. Como um animal selvagem e até mesmo ferido,
tende a morder. Só o fato de se incomodarem tanto, a arte cumpre seu objetivo. Em
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QUESTÃO EXTRA: Você disse para a gente que sofreu pressão pra desistir das
apresentações sob o pretexto de ‘propaganda eleitoral irregular’. Pode detalhar
este fato um pouquinho mais? Achamos muito pertinente.
A acusação de propaganda eleitoral irregular surgiu nas redes sociais. Como relatei
fomos bem atacados por milícias digitais.