2013 BrunoSanchesBaronetti VCorr
2013 BrunoSanchesBaronetti VCorr
2013 BrunoSanchesBaronetti VCorr
VERSO CORRIGIDA
So Paulo
2013
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTRIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA SOCIAL
VERSO CORRIGIDA
So Paulo
2013
Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que seja citada a fonte.
Catalogao da publicao
Resumo
Da Oficializao ao Sambdromo. Um Estudo sobre as Escolas de Samba de So
Paulo (1968-1996)
Esta dissertao apresenta as principais transformaes institucionais, estticas e
musicais das escolas de samba da cidade de So Paulo entre 1968 e 1996. O corte
cronolgico inicial se justifica a partir da oficializao do concurso de cordes
carnavalescos e das escolas de samba pela prefeitura da cidade, em 1968, que introduziu
novas regras que modificaram a estrutura dos desfiles, contribuindo para a extino dos
cordes nos bairros da cidade. J o corte final justificado pelas transformaes
ocorridas na dcada de 1990, quando os desfiles deixam o espao pblico da rua e
passam a acontecer em um espao construdo exclusivamente para esse fim, o
Sambdromo. A pesquisa histrica se d reconstruindo a atuao das duas principais
federaes carnavalescas da cidade de So Paulo: a Unio das Escolas de Samba
Paulistanas (UESP), fundada em 1973 com o objetivo de reunir as escolas de samba e
blocos carnavalescos e represent-las junto ao poder pblico, e a Liga Independente das
Escolas de Samba de So Paulo (Liga), fundada em 1986 a partir de membros
descontentes com a atuao da UESP e que representa as escolas de samba do Grupo
Especial e Grupo de Acesso.
Abstract
From Formalization to the Sambadrome. A study about Samba Schools in So
Paulo City (1968-1996)
This masters degree dissertation presents the main institutional, aesthetic and musical
changes of samba schools of So Paulo between 1968 and 1996. The initial
chronological mark is justified starting from the official street carnival contests and
samba schools organized by the City Hall in 1968, which introduced new rules that
changed the structure of the parades and contributed to the extinction of the street
carnival in city districts. The final period is presented by the changes occurred from
1991 on when the parades moved from street public space to an area built strategically
for this purpose, the Sambadrome. The historical research is done assessing the
performance of two main carnival representative institutions of So Paulo city: the
UESP (Union of Paulistanas Samba Schools) founded in 1973 with the goal of bringing
together the samba schools and the street carnival blocks and representing them before
the government, and LIGA (Independent League of Samba Schools of So Paulo),
which was founded in 1986 by members that were unhappy about the performance of
the UESP, whose objective is to represent the samba schools of the Special Group and
the Access Group.
Keywords: Carnival; Samba Schools; So Paulo City; Oral History; Press in So Paulo
City.
AGRADECIMENTOS
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pelos toques, dicas e parceria nas entrevistas. Espero que esta tabelinha renda mais
frutos, contribuindo para contar esta histria to importante para a vida social do pas.
Aos amigos Benito, Thomas e Roberta companheiros de militncia poltica e de
gosto pela cultura popular.
Dona Silvnia e ao Seu Boero que me alegram com sua convivncia e que me
recebem como se fosse um filho.
Aos amigos da Rdio Juventude, Euzbio Jorge, Larissa Miho, Edson
Figueiredo, Bruno Varoli e Joo pelo apoio e suporte na realizao do programa A
hora e a vez do Samba.
Ao amigo Paulo, grande conhecedor de cultura popular, msico, poeta, com
quem tenho sempre timas conversas e que tanto ajudou indicando livros para esta
pesquisa.
Aos amigos professores dos colgios por onde passei desde o incio da
dissertao: E.E. Nossa Senhora Aparecida, Santo Antnio de Lisboa, Joo e Raphael
Passalcqua e So Vicente de Paulo.
Durante o tempo em que estive desenvolvendo este trabalho, tive o apoio e a
colaborao de muitas pessoas, e infelizmente se torna impossvel mencionar aqui todos
os nomes. A todos estes minhas sinceras desculpas e meus agradecimentos.
E agradeo a Deus por mais esta graa e por ter permitido que eu chegasse at
aqui.
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SUMRIO
INTRODUO.............................................................................................................14
1.O Tema.........................................................................................................................24
2. Diviso dos Captulos .................................................................................................38
I. AS TRANSFORMAES INSTITUCIONAIS DAS ESCOLAS DE SAMBA DA
CIDADE DE SO PAULO ..........................................................................................42
1.1. Os Cordes ..............................................................................................................42
1.2. A Oficializao ........................................................................................................52
1.3. A UESP.....................................................................................................................62
1.4. A Liga.....................................................................................................................105
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BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................379
ANEXOS ..........................................................................................................................393
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INTRODUO
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partir do momento em que se inicia uma relao permanente entre as escolas de samba e
a Prefeitura de So Paulo, atravs da oficializao dos desfiles promovida pelas
autoridades municipais j ocorrida em 1968, introduzindo novas regras que
modificaram a estrutura dos desfiles.
Ao longo dos captulos da dissertao, a pesquisa busca reconstruir as relaes e
as tenses entre o poder pblico e as escolas de samba. Essa relao no feita de
maneira direta, com o Estado negociando diretamente com as escolas de samba, mas
atravs das federaes carnavalescas, que so entidades civis que representam as escolas
de samba nessas negociaes. Mapeamos as grandes mudanas nos desfiles das escolas
de samba na cidade de So Paulo a partir de 1968, tanto na perspectiva institucional
(organizao), quanto nas dimenses estticas e musicais.
O corte cronolgico final se d em 1996, pois, a partir dessa data, julgamos que
no houve transformaes e mudanas significativas, sejam elas de ordem institucional,
no relacionamento entre Estado e escolas de samba, sejam de ordem esttica e musical.
Ao assistirmos o famoso desfile da torcida organizada e escola de samba Gavies da
Fiel, de 1995, ou o da Vai-Vai, de 1996, percebemos claramente como a organizao e a
disposio das alas permanecem as mesmas; as fantasias e alegorias, feitas com o
mesmo padro esttico e utilizando os mesmos materiais e os sambas-enredos seguindo
as mesmas estruturas de diviso e o mesmo padro rtmico, com as baterias mantendo as
mesmas configuraes de naipes de instrumentos.
Ao analisarmos essas mudanas percebemos que elas esto interligadas, fazendo
com que surjam outras questes. Na produo bibliogrfica de quem se dedicou ao
tema, como Urbano (1987 e 2006), Rodrigues (1984), Queiroz (1992), dentre outros e
tambm no discurso dos sambistas ligado s escolas de samba, principalmente os da
Velha
Guarda,
percebe-se
que
as
escolas
sofreram
um
processo
de
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Centro de Documentao ligado UESP, localizada Rua Rui Barbosa, n588, na cidade de So PauloSP.
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blocos e escolas de samba de So Paulo. Suas principais informaes so: a) nome das
agremiaes que desfilaram; b) nmero de componentes; c) horrio do desfile; d) notas
dos jurados e justificativa; e) enredo e letra do samba das principais escolas e blocos; e)
croquis das alegorias; f) documentos burocrticos como atas de reunies, fax entre a
UESP e as escolas; g) depoimentos de sambistas.
As fichas tcnicas esto disponveis com interrupes. H fichas dos seguintes
anos: de 1969 a 1975 e de 1977 at 1990.
Para compreender o perodo a partir de 1990, so utilizados os arquivos da
empresa que administra o carnaval paulistano, a Anhembi Turismo e Eventos da Cidade
de So Paulo, hoje SP Turis. Os documentos da Anhembi nos permitem compreender as
principais alteraes ocorridas no Sambdromo no perodo estudado, no que tange a
obras fsicas, regimentos administrativos e mudanas de gesto da empresa que a
responsvel por organizar o carnaval da cidade.
O ltimo recurso de fonte primria utilizado na pesquisa e o mais importante
para a reconstituio histrica proposta na pesquisa o depoimento oral, isto , a
realizao de entrevistas gravadas com pessoas que viveram ou testemunharam
acontecimentos referentes ao universo das escolas de samba. Apesar do grande volume
de documentao impressa sobre o carnaval de So Paulo, uma grande parte das
consequncias das relaes entre as agremiaes carnavalescas e o poder pblico
municipal nos quase trinta anos que a pesquisa abrange s possvel de serem
compreendidas a partir das entrevistas.
Constitui-se como grupo de pesquisa personagens do mundo do samba que
participaram desse momento de transio dos cordes para escola de samba e da
oficializao do carnaval e que aturaram como dirigentes das federaes e das escolas,
mas j falecidos; utilizamos os depoimentos colhidos na dcada de 1980 com o auxlio
da equipe do Museu da Imagem e do Som (MIS), pela Prof Dr Olga Rodrigues de
Moraes von Simson, cujas transcries esto localizadas no Laboratrio de Histria
Oral da Universidade Estadual de Campinas (LAHO-Unicamp).
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1. O Tema
At o final da dcada de 1960, os estudos sobre carnaval e outras festas estavam
reclusos s pesquisas dos folcloristas, sendo o tema pouco estudado, dentro do mbito
acadmico.
A partir da dcada de 1970, os estudos sobre as escolas de samba ganharam cada
vez mais fora dentro da academia, principalmente dentro das cincias humanas. Sejam
pesquisas no mbito da historiografia, buscando a reconstituio dos folguedos e atores
envolvidos; antropolgico, nas relaes entre seus participantes; sociolgico,
investigando as transformaes e a posterior mercantilizao e descaracterizao das
escolas de samba; esttico-visual, analisando as fantasias e alegorias, materiais
utilizados e o crescimento vertical do carnaval; lingustico, focado na temtica dos
sambas-enredos; dos estudos do corpo, visualizando as mudanas e permanncias do
samba, enquanto dana, dentro dos desfiles; da musicologia, dedicada s questes
esttico-musicais da bateria e sambas-enredos das escolas de samba. A relevncia
desses estudos dentro de diversos campos da pesquisa cientfica revela as mltiplas
faces das manifestaes ligadas festa carnavalesca dentro da cultura brasileira.
Um dos primeiros tericos a estudar a festa carnavalesca e fonte de inspirao
para muitos outros trabalhos o linguista russo Mikhail Bakhtin, cujo livro A Cultura
Popular na Idade Mdia e no Renascimento: o contexto de Rabelais (1941) analisa a
festa para entender o universo do escritor francs Franois Rabelais, do sculo XVI.
Para isso, teceu importantes reflexes sobre o carnaval. Para Bakhtin, os festejos do
carnaval, com todos os atos e ritos cmicos que a ele se ligam, ocupavam um lugar
muito importante na vida do homem medieval. Esses ritos ofereceriam uma viso do
mundo, do homem e das relaes humanas totalmente diferentes, deliberadamente no
oficial, exterior Igreja e ao Estado. Durante a festa, os homens da Idade Mdia
pareciam construir, ao lado do mundo oficial, catlico e estamental, cheio de regras, um
segundo mundo e uma segunda vida aos quais pertenciam em maior ou menor
proporo, e no qual eles viviam em ocasies determinadas. Isso criava uma espcie de
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dedicadas aos santos da Igreja Catlica foram amalgamadas com ritos folclricos foram
ligados cultura popular.
Para alm da problemtica religiosa, o carnaval tambm visto por Ladurie
como ligado ao contexto agrcola, com razes anteriores ao cristianismo. O carnaval
seria a festa que representa o fim do inverno, fundamental para uma civilizao ainda
dependente da agricultura, trazendo esperanas de uma colheita melhor, capaz de
proporcionar uma melhor alimentao durante o ano (LADURIE, 2000).
O ponto em que os dois autores se aproximam de o princpio da festa
carnavalesca ser uma permanncia na histria da humanidade. No carnaval, segundo
Bakhtin, os valores da sociedade so invertidos, e, para Ladurie, tudo o que era
usualmente reprimido pela Igreja torna-se permitido. Depois deste perodo de liberdade,
segue-se a Quaresma, poca de conteno e penitncia. Com propriedade, o historiador
Jacques Le Goff, parafraseando Bakhtin, afirma que a civilizao do Ocidente
medieval , no nvel do smbolo, o fruto da tenso entre Quaresma e Carnaval (LE
GOFF, 2006, p. 60). De fato, a celebrao do corpo e da carne se materializa no
Carnaval, prtica que se mantm e a enriquece.
Na antiga provncia francesa do Delfinado, na Savoia, o animal smbolo da festa
era o urso. O animal anunciava o fim da estao mais fria, e tinha uma funo de
previso: se ele retornasse para a sua toca, era sinal de que a estao fria deveria
continuar por mais quarenta dias, para, ento, comear o degelo e instaurar-se a
primavera, smbolo da retomada da vida. Nos Pirineus, o urso Candelria-Carnaval era
um ladro de carneiros e, ao final da festa, simulado o seu fuzilamento, para proteger
simbolicamente os rebanhos (LADURIE, 2000, p. 325). Esta uma tradio cclica,
sendo repetida todos os anos. A fantasia de urso utilizada ainda hoje, e confeccionada
com l grossa ou peles de animais. Apesar de sua origem longnqua, a figura do urso
est viva no carnaval brasileiro, principalmente em Recife, pois foi trazida por ciganos
oriundos da Europa que danavam de porta em porta, em troca de algumas moedas. Os
ursos do carnaval de Recife so grupos de folies que saem as ruas geralmente com um
ou dois homens vestindo um velho macaco coberto de estopa, veludo, pelcia ou agave
com sua mscara de papel-mach pintada de cores variadas, preso por uma corda na
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cintura, segurado por outro que tem o papel simblico de domador. O homem vestido
de urso dana para alegria de todos ao som de msicas elaboradas pelos prprios grupos
ou marchas carnavalescas, cujo ritmo pode variar entre baio, forr, xote e at polca. A
parte instrumental do grupo, conhecida como Orquestra do Urso, geralmente
formada por sanfona, tringulo, bombo, reco-reco, ganz, pandeiro; h outras orquestras
mais elaboradas, nas quais aparecem instrumentos de corda ou sopro, como violes,
cavaquinhos, clarinetes e at trombones. O conjunto traz, por vezes, alm do domador,
do urso e da orquestra, o tesoureiro (com sua pasta de arrecadar dinheiro, uma espcie
de livro de ouro), uma mulher como porta-cartaz ou porta-estandarte, balizas munidas
de batutas de madeira e muitos folies que acompanham e esto l apenas para brincar o
carnaval.
Julio Caro Baroja tambm se debrua sobre diversas manifestaes
carnavalescas europeias, como os guirrios da regio das Astrias e o prprio carnaval
de Romans. Para o folclorista espanhol, o carnaval possui duas funes uma funo de
ritual agrcola e biolgico e uma utilidade social:
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5) Por atos tais como as condutas de estrpito que so teis
expulso do mal, ao prosseguimento das atividades normais,
etc. (BAROJA, 2006, p. 277).
A respeito dos trabalhos acadmicos pioneiros sobre as escolas de samba do Rio de Janeiro destacam-se
os trabalhos de Maria Jlia Goldwasser (1975); Jos Savio Leopoldi (1977); Roberto Da Matta (1983);
Ana Maria Rodrigues (1984).
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sobre outras manifestaes presentes no carnaval, mas elabora uma viso geral mais
complexa. O carnaval, para ele, estaria assim como para Bakhtin enquadrado
dentro daquelas instituies perptuas que nos permitem sentir nossa prpria
continuidade como grupo social. O autor acentua a grande capacidade de organizao e
improvisao dos participantes das entidades carnavalescas, enfatizando a fora desta
atividade que seria o grande momento ldico nacional. O carnaval reproduziria a
sociedade brasileira no de forma direta, mas de forma dialtica, com muitas
autorreflexes, circularidades, dimenses e planos, sendo capaz de estimular mudanas
que poderiam ocorrer nos padres sociais estabelecidos (DAMATTA, 1996).
J o livro de Maria Isaura Pereira Queiroz formado por quatro ensaios que
foram originalmente publicados separadamente na dcada de 1980 em revistas
especializadas. A autora antes de escrever os ensaios vivenciou vrios carnavais em
cidades diferentes, como Salvador, So Paulo, Rio de Janeiro e So Joo del Rei, em
Minas Gerais. O primeiro ensaio traa um paralelo entre os entrudos portugueses (uma
festa regional) e a introduo e expanso dessas festas no Brasil dos sculos XVIII e
XIX; o segundo ensaio analisa as escolas de samba do Rio de Janeiro; o terceiro ensaio
dedica-se temtica dos grandes bailes carnavalescos; j o quarto ensaio, de anlise
mais terica, estuda o surgimento e a construo do mito carnavalesco no Brasil. Ao
fazer esse percurso, a autora pensa as diferenas do carnaval brasileiro ao longo do
tempo, chegando inclusive a algumas generalizaes como a que cita que a
uniformidade dos folguedos carnavalescos sempre existiu no pas (QUEIROZ, 1992, p.
12), revelando que a festa carnavalesca est presente em todo o pas, cada regio com as
suas peculiaridades e regras prprias. A sociloga atribui o crescimento das escolas de
samba ao nacionalismo exacerbado, predominante na dcada de 1920 entre os
intelectuais, destacando a gerao modernista e a sua influncia entre os populares, alm
do fato de que o Rio de Janeiro era a principal cidade do pas e capital federal, fatores
que contriburam para tornar as escolas de samba a principal manifestao artstica do
carnaval brasileiro.4.
Esse tema ser retomado por VIANNA, Hermano. O mistrio do samba. 6. ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2008.
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colonizadores lusitanos com as danas e cantos dos escravos africanos que produz outro
tipo de festa, que se renova ano a ano, com suas msicas, danas, disfarces e adereos
leves, feitos de materiais que podem ser descartados. Assim, a cada ano, novos temas e
novas msicas surgem, fantasias podem ser recriadas com materiais leves e flexveis
que permitem a dana e as inovaes (SIMSON, 1984).
Os resultados de sua pesquisa foram possveis atravs de um grande projeto de
histria oral desenvolvido na dcada de 1980, que reconstituiu a memria do carnaval
paulistano5. As entrevistas transcritas esto disponveis no Laboratrio de Histria Oral
(LAHO) do Centro de Memria da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e
foram consultadas para reconstituir partes da presente dissertao, principalmente
relativas ao processo de oficializao do carnaval da cidade em 1968, e ao processo de
fundao da UESP, pois trazem depoimentos de sambistas, hoje falecidos que
participaram ativamente destes processos.
Esse trabalho se estrutura em torno do contraste entre as brincadeiras de Momo
dos brancos e negros na cidade de So Paulo. A primeira parte da tese discorre sobre os
folguedos dos bairros operrios da Lapa, Brs e gua Branca nas primeiras dcadas do
sculo XX e que desapareceram ao longo dele.
A segunda parte da tese sobre o carnaval dos negros, remontado s suas
origens rurais, dos caiaps, em Pirapora, passando pelos cordes carnavalescos at as
escolas de samba. Os caiaps eram uma encenao feita durante os festejos de Momo,
em que negros se vestiam de ndio e danavam o caiap. At o estudo de Simson, pouco
se sabia sobre ele. Quem revelou essa modalidade de brincadeira de carnaval para a
pesquisadora foi Dionsio Barbosa, tambm conhecido como Nhonh da Chcara,
fundador do primeiro cordo carnavalesco na cidade de So Paulo, em 1914. Ao
entrevist-lo, no final da vida, e ao mencionar que tinha interesse no carnaval dos anos
1800, Dionsio Barbosa disse que o carnaval danado pelos negros no sculo XIX era o
caiap, e que o pai dele era grande danarino de caiap. Por conta do estado de sade de
5
Projeto Memria do Carnaval Paulistano, desenvolvido em parceria entre o Museu da Imagem e do Som
de So Paulo (MIS-SP) e o CERU (Centro de Estudos Rurais e Urbanos) da Universidade de So Paulo.
Os udios das entrevistas esto disponveis para a consulta no MIS e no LAHO (Laboratrio de Histria
Oral do CMU/Unicamp).
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Seu Dionsio, essa histria dos caiaps no pde ser contada por ele, e a pesquisadora
recorreu s Atas da Cmara Municipal e a uma pesquisa em arquivos para conseguir
registros sobre os caiaps.
Simson tambm descreve minuciosamente o processo histrico dos cordes
carnavalescos, como eles vo crescendo, estruturando-se, estabelecendo laos
comunitrios slidos e o seu contato com a sociedade mais ampla (SIMSON, 1989).
O longo perodo estudado pela obra (1914-1988) possibilita abrir caminhos para novos
trabalhos em questes que ficaram em aberto ou no tiveram a devida ateno, por
conta da abordagem mais panormica dada ao perodo aps 1968, j que a autora se
debrua mais nas primeiras dcadas do carnaval heroico, deixando um pouco de lado
a anlise mais precisa do processo que levou extino dos cordes negros na cidade,
que ser discutido no presente trabalho.
Outra grande contribuio do trabalho de Simson o mapeamento dos territrios
e as transformaes urbanas da cidade, ao longo do sculo XX, nos bairros onde se
desenvolveram as brincadeiras de Momo, mostrando o carnaval estreitamente vinculado
s modificaes urbanas.
Ao analisar os cordes e posteriormente as escolas, Simson analisa a construo
de um carnaval que adquire progressivamente uma escala metropolitana. A pesquisa no
livro Carnaval em Branco e Negro (2006), desdobramento da tese de doutorado,
tambm se destaca um lbum de fotos registrando os desfiles carnavalescos dos brancos
e negros no carnaval de So Paulo. Este lbum tambm um importante documento
imagtico para analisar os desfiles carnavalescos da cidade de So Paulo.
Dentre as produes mais recentes se destacam algumas pesquisas que optaram
por realizar recortes especficos e histricos a partir de estudos de caso, como as
dissertaes de Reinaldo Soares da Silva, O Cotidiano de uma escola de samba
paulistana: o caso da Vai-Vai (1999), e de Kelly Adriano de Oliveira, Entre o ldico e a
luta: Leandro de Itaquera, uma escola de samba na cidade de So Paulo (2002). Estes
so estudos da rea de Antropologia realizados na Universidade de So Paulo e que
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realizar uma anlise musical dos padres rtmicos de uma bateria de escola de samba da
cidade de So Paulo. A dissertao de Santana foi utilizada no segundo captulo deste
trabalho para compreender as mudanas trazidas pela incorporao de elementos
musicais das baterias das escolas de samba do Rio de Janeiro.
Por fim, h a dissertao de mestrado de Clara de Assuno Azevedo intitulada
Fantasias Negociadas. Polticas do Carnaval Paulistano na Virada do Sculo XX
(2010), que trata das polticas do carnaval paulistano e de suas relaes institucionais no
final do sculo XX, mais especificamente a relao da Prefeitura de So Paulo e da
Secretaria de Turismo com a empresa So Paulo Turismo (SP Turis), que responsvel
por administrar o espao do Sambdromo dentro do Complexo do Anhembi e
estabelecer os contratos necessrios para a realizao dos desfiles a cada ano. O trabalho
de Azevedo contribui com a presente dissertao, pois, tambm explora a relao desta
com as federaes carnavalescas, Liga e UESP, e, por ltimo, e como as federaes se
posicionam frente s escolas de samba, destrinchando toda a estrutura hierrquica
institucional dos desfiles oficiais das escolas de samba na cidade de So Paulo.
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compreende a maior parte da nossa pesquisa. Apenas Jos Vicente Faria Lima (19651969), Jnio Quadros (1986-1988), Luiza Erundina (1989-1992) e Paulo Maluf (19921996) foram eleitos pelo voto direto.
So ainda muito importantes as mudanas institucionais dentro das federaes
carnavalescas, em especial, os regulamentos e as relaes da UESP e da Liga com o
poder pblico. A Unio das Escolas de Samba Paulistanas (UESP) foi fundada em 1973
com o objetivo de reunir as escolas de samba e blocos e represent-los junto ao poder
pblico. J a Liga Independente das Escolas de Samba de So Paulo (Liga) foi fundada
em 1986, a partir de membros descontentes com a atuao da UESP, e hoje representa
as escolas do Grupo Especial e do Grupo de Acesso (antigos Grupos I e II). A partir do
dilogo sistemtico entre as entidades e a Prefeitura possvel estabelecer como essas
relaes foram sendo articuladas, podendo ser visualizadas nas modificaes e
transformaes que as escolas de samba sofreram. Essas federaes de representantes
das escolas de samba tm o papel de organizar, anualmente, em conjunto com a
Prefeitura de So Paulo e a Secretaria de Turismo, os desfiles carnavalescos, alm de
intermediar e representar as escolas de samba junto aos rgos pblicos, como a
Prefeitura e suas secretarias, e tambm se relacionar com as autarquias e a Justia. A
relao entre os rgos administrativos municipais e as entidades carnavalescas variou
de acordo com a administrao, assim como a quantidade de verbas repassadas para as
escolas e os locais destinados realizao dos desfiles.
No segundo captulo so analisadas as principais transformaes estticas e
musicais nos desfiles das escolas de samba, desde a oficializao at os primeiros
desfiles ocorridos dentro do Sambdromo. Como parte das transformaes estticas,
compreendem-se fantasias, alegorias, materiais utilizados para confeco, a evoluo e
profissionalizao dos barraces e as mudanas na evoluo e na dana dos desfiles. As
transformaes musicais compreendero as principais mudanas nas baterias das
escolas de samba e tambm as mudanas dentro dos sambas-enredos durante o perodo
estudado. Neste captulo optamos por uma abordagem panormica, na qual no sero
analisadas todas as escolas e sambas, mas procuraremos destacar as mudanas
profundas que influenciaram na transformao dos desfiles da cidade de So Paulo,
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levando-o a perder cada vez mais suas caractersticas originais para se buscar um padro
cada vez com uma maior aproximao das escolas de samba do Rio de Janeiro.
O terceiro captulo discorre sobre as transformaes ocorridas a partir de 1991,
quando os desfiles das principais escolas da cidade deixam o espao pblico da rua e
passam a se realizar no Sambdromo do Anhembi. A partir da documentao da
empresa Anhembi Turismo, ser analisado o projeto do Sambdromo e as principais
questes envolvendo sua construo, assim como a mudana nas relaes e nas
demandas dos sambistas com o poder pblico. Foi feito o esforo para analisar, do
ponto de vista simblico, o que significou a conquista de um local fixo para os desfiles,
garantindo, com isso, que a mesma prtica de desfile ser realizada por muitos anos, e,
por outro lado, quais as perdas que os sambistas tiveram ao deixar o espao pblico para
desfilar em um local privado. A partir dos anos 1990, as escolas de samba do Grupo
Especial so administradas sob uma lgica empresarial, com vrias fontes de
financiamento, contudo, atentamos que essa lgica empresarial no reflete a realidade da
esmagadora maioria das escolas de samba da cidade, j que as escolas menores dos outros
grupos ligados UESP (I, II, III, IV) permanecem apresentando caractersticas mais
prximas dos desfiles dos perodos anteriores. Estas escolas no tm a visibilidade e os
recursos das grandes entidades, e dependem, ainda, do trabalho voluntrio e artesanal,
utilizando, na maior parte das vezes, a casa dos prprios componentes para produzir e
armazenar os instrumentos, fantasias, adereos, alegorias e realizar a maior parte de suas
atividades ao longo do ano.
Por fim, conclumos o trabalho, lanando um olhar para o final desse processo
iniciado em 1968, com a oficializao dos desfiles carnavalescos da cidade de So
Paulo e concludo com a construo com verba pblica de um espao dedicado
exclusivamente a esse fim. Tambm lanamos ateno para as transmisses televisivas
dos desfiles das escolas de samba de So Paulo, quando so retomadas algumas
questes relacionadas com o segundo captulo, que, como j foi descrito, trata das
modificaes estticas, mas tentando compreender o porqu dessas mudanas, j que
elas atendem a demandas no apenas de acordos estabelecidos com o Estado, mas
tambm de acordos estabelecidos com a indstria cultural, contribuindo para que os
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desfiles das escolas de samba se tornem cada vez maiores, sendo referncia no s no
Brasil, mas tambm no exterior e tentando alcanar seu objetivo de rivalizar com as
escolas de samba do Rio de Janeiro. O outro lado dessa relao que, para atender a
essas demandas, as escolas devem seguir um padro, que as tornam cada vez mais
semelhantes, sem caractersticas prprias atravs das quais o pblico em geral possa
distinguir os desfiles de uma determinada escola, comparando-o com os de outra.
Na segunda parte do trabalho esto transcriadas na ntegra os depoimentos dos
sambistas que nos concederam entrevista, seguindo os procedimentos metodolgicos da
Histria Oral. Sem estes depoimentos, muitas lacunas ficariam abertas, dentro da
presente pesquisa. Foram escolhidas para colaborar com esta pesquisa pessoas que
viveram e testemunharam as transformaes pelas quais passou o carnaval da cidade de
So Paulo durante o perodo estudado (1968-1996).
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1.1 Os cordes
Os chamados cordes carnavalescos formaram o que chamamos hoje de escolas
de samba, as organizaes carnavalescas e artsticas paulistanas. Foi atravs desses
cordes, que a populao negra e pobre paulistana participava das Folias de Momo, no
incio do sculo XX.
Nessa poca, ainda no havia desfiles populares organizados e as festividades
realizadas pelos cordes ainda no contavam com o ritmo do samba. A parte musical
dos cordes foi aos poucos recebendo influncias desse ritmo, como o batuque e o
samba-de-bumbo6. O batuque era uma denominao um pouco mais genrica dada a
princpio pelos portugueses para designar a dana dos negros da frica. Como mostra
Luis da Cmara Cascudo, no final do sculo XIX e incio do sculo XX, no Estado de
So Paulo, nas regies de Piracicaba e Sorocaba e mesmo na capital, o batuque era
danado com frequncia, improvisando-se uma coreografia que seguia os ritmos do
tambu, do quinjengue, da matraca e do guai. A partir dessa base instrumental, eram
improvisados versos. O batuque era tido como uma dana de terreiro e tambm
conhecido em cidades como Tiet, Porto Feliz, Laranjal Paulista, Capivari, Botucatu,
Itu, Tatu e em outros municpios que contavam com a presena de antigos escravos no
Estado de So Paulo (CASCUDO, 2011).
Os folguedos do carnaval paulistano possuem grande influncia rural e religiosa,
proveniente dessas festas e procisses do interior do Estado. A maior parte dos
componentes dos cordes convivia regularmente com o chamado Samba de Pirapora,
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Para o folclorista Luis da Cmara Cascudo, h duas variantes do samba tradicional em So Paulo,
consideradas como o ancestral do samba cosmopolita. Elas guardam traos que os aproximam do jongo e do
batuque, seus parentes prximos e por muitos considerados seus antecessores. A de Samba de Bumbo tem
como ponto de aglutinao a Festa do Bom Jesus, em Pirapora; j a de Leno, a devoo familiar do grupo a
So Benedito. Apresentam letras e melodias singelas e funcionais, algumas tradicionais, outras estruturadas
de acordo com as circunstncias cotidianas.
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desenvolvida pelos escravos para driblar a vigilncia dos senhores durante o perodo
escravista (CUCA; DOMINGUES, 2009, p. 27).
Dona China, primeira porta-bandeira da escola de samba Vai-Vai relembra que,
quando criana, ia com sua famlia para a festa:
Outra data importante sempre comemorada pelo contingente negro da cidade era
o dia trs de maio dia da Festa de Santa Cruz , atravs de rezas e procisses junto
Igreja das Almas dos Enforcados, no bairro da Liberdade. Da mesma forma era sempre
lembrado o dia de So Benedito.
Nesse primeiro momento, as manifestaes musicais tradicionais negras eram
discriminadas pela sociedade branca dominante, que frequentemente proibia os negros
de utilizarem o espao pblico para essas manifestaes. Assim, para impedir o direito
reunio e organizao dos negros, prtica exercida desde a escravido, incitava-se os
rgos do poder pblico a reprimi-las. A nica exceo era feita s festas inerentes ao
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calendrio oficial catlico, utilizadas pelos negros para cultuar suas razes, atravs do
sincretismo religioso.
Em 12 de maro de 1914 nascia o primeiro cordo da cidade, o Grupo
Carnavalesco Barra Funda (MORAES, 1978, p. 34). Fundado por Dionsio Barbosa e
seus familiares no bairro de mesmo nome, ganhou nas ruas o apelido de Camisa
Verde j em seu primeiro desfile, com doze pessoas vestidas com camisas verdes,
calas brancas e chapus de palha. Nessa poca, os desfiles ainda no contavam com o
ritmo do samba; os instrumentos musicais eram apenas pandeiros e chocalhos feitos
com madeira e tampinhas de cerveja, e s no ano seguinte que conseguiram um surdo.
Sobre esse cordo, o jornalista e sambista Jangada relembra:
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associaes no mesmo perodo do surgimento do Grupo Barra Funda deixa evidente que
esta no foi uma atitude isolada de Dionsio Barbosa, mas j utilizada pelos negros da
cidade como forma de identidade para organizaes assistenciais, polticas, literrias,
culturais e mesmo para a construo de atividades de lazer.
Pouco depois de ser fundado o grupo carnavalesco Camisa Verde, formou-se
outro cordo nas imediaes da Barra Funda: a agremiao Campos Elseos. Esta
nasceu da estrutura de um grupo menor, conhecido como Bloco dos Bomios,
fundado em 1913 a partir de um grupo de fanfarres que cantavam nos bares da regio
da Avenida So Joo, no centro, precisamente na Alameda Glete. Entre seus membros
importantes estavam Alcides Marcondes e Jos Euclides Santos, que entraram no grupo
em meados de 1915.
Os cordes se tornaram, durante a primeira metade do sculo XX, uma importante
expresso de lazer dos negros e pobres paulistanos. Os primeiros surgiram em bairros
distintos, mas com caractersticas sociais prximas: bairros operrios da capital, com
grande concentrao de afrodescendentes e imigrantes, como Barra Funda, onde foi
fundado o primeiro, Bixiga e Baixada do Glicrio. Esses bairros tinham em comum o fato
de se encontrarem prximos ao centro urbano e comercial da cidade. Alm disso, havia
bairros ricos nas suas proximidades, possibilitando empregos domsticos aos segmentos
negros. Suas caractersticas geogrficas, de baixada, ou seja, locais alagadios ou de
encostas ngremes propiciavam o oferecimento de moradias a baixo custo (SIMSON,
2007, p. 84).
Em So Paulo, dois elementos motivavam o desfile dos cordes no carnaval: em
primeiro lugar, a tradio; em segundo, o fato de as fbricas serem fechadas pelos
patres aos sbados, domingos e teras-feiras gordas, ou seja, teras-feiras de carnaval.
Como j mencionamos anteriormente, a partir do modelo desenvolvido pelo
cordo da Barra Funda, os instrumentos dos primeiros cordes basicamente eram feitos
com madeira e tampinhas de cerveja; em seguida entraram instrumentos tpicos de
bandas militares, o conjunto de sopros de metais e palhetas, como saxofone, trombone e
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Depoimento de Deolinda Madre (Madrinha Eunice). Acervo MIS-SP (Museu da Imagem e do Som).
Fita n 112.23.24.
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depoimento para o Museu da Imagem e do Som (MIS), como se tornou integrante dos
primeiros cordes negros, aos oito anos de idade:
Desde o final da dcada de 1940 e incio dos anos 1950, as escolas e cordes
comearam a ganhar os bairros mais afastados do centro devido, sobretudo, ao
encarecimento das moradias populares localizadas no centro da cidade. Com a ecloso
da Segunda Guerra Mundial, houve um grande aumento no preo dos materiais de
construo, dos aluguis e terrenos. Alm disso, houve grande especulao imobiliria
nesse perodo, obrigando os moradores pobres, negros, em sua maioria, a migrar para
bairros da periferia onde os aluguis eram mais baratos. Nabil Bonduki explica esse
fenmeno:
Depoimento de Seu Zezinho do Morro da Casa Verde. Acervo MIS-SP (Museu da Imagem e do Som).
Fita n 112.2. Data da Entrevista: 24/04/1981.
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madeira. O termo designa a pequena batuta de madeira que os jovens utilizavam para
realizar evolues e malabarismos. As batutas eram cuidadosamente confeccionadas com o
dobro da medida do antebrao do baliza.
Esses balizas possuam funes de abre-alas e defensiva ao mesmo tempo, pois no
deixavam ningum se aproximar do smbolo mximo do folguedo: o seu estandarte. Quem
introduziu os balizas nos desfiles carnavalescos dos cordes foi Dionsio Barbosa, ao
assistir uma parada militar no Rio de Janeiro10. No incio dos cordes esta funo era
exercida somente por homens.
Tornaram-se comuns nos anos 1930 o acirramento das disputas fsicas entre os
cordes com a finalidade de pegar o estandarte do outro cordo rival. Para aquele que
perdia o estandarte, era uma derrota desmoralizante; ento, para evitar sua perda, surge,
atrs das balizas, um grupo de batedores (bastedores) composto por homens munidos
de lanas, que ficavam frente do porta-estandarte. Estes batedores no possuam
nenhuma funo plstica ou musical, sendo apenas responsveis por defender o
estandarte e afastar os curiosos que ficavam na rua e atrapalhavam a passagem do
cordo. A denominao bastedores aparece em uma antiga marcha do cordo Camisa
Verde da dcada de 1920 que cita as diversas partes constitutivas do cordo:
Depoimento de Dionsio Barbosa a Olga von Simson e a Jos Ramos Tinhoro. Laboratrio de Histria
Oral-Unicamp. Pasta D. Barbosa, p. 48.
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Rei dos Folies (SIMSON, 2007, p. 151)
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Depoimento de seu Zezinho do Morro da Casa Verde. Acervo do Museu da Imagem e do Som (MIS).
Fita n 112.2. Data da Entrevista: 24/04/1981.
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cerimnia ou do cantor oficial da agremiao. Por fim, o desfile era encerrado pela
bateria, que no se destacava muito e servia para dar e manter o ritmo da apresentao.
A oficializao dos desfiles carnavalescos pelos rgos pblicos municipais, em
1968, acarretou grandes transformaes para as escolas de samba. A partir deste ano, as
escolas de samba e cordes carnavalescos passaram a receber uma subveno financeira
da Prefeitura de So Paulo para arcar com parte dos custos do desfile. At 1967, os
concursos de carnaval eram produzidos por diversas agremiaes em vrios locais,
desde a prefeitura, at, por exemplo, o clube dos lojistas de algum bairro, os jornais e as
emissoras de rdio bastava que oferecessem patrocnio. Os desfiles no tinham
normas nem regulamentos rgidos, eles variavam de acordo com as negociaes entre as
escolas participantes e a entidade patrocinadora; portanto, esses patrocnios poderiam
ser oferecidos ou no, dependendo das condies econmicas da poca. Alm da verba
para as escolas, a Prefeitura de So Paulo, a partir do carnaval de 1968, passou a
promover e organizar um concurso oficial, esvaziando assim os concursos promovidos
por jornais e rdios.
1.2 A oficializao
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a ornamentao das ruas, praas e outros locais de festejos populares, bem como a
construo de arquibancadas, coretos, tablados e outras instalaes necessrias;
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Pargrafo nico: A composio de cada comisso, suas atribuies especficas e normas de
funcionamento sero estabelecidas por decreto.
Art. 3 - Para atender s despesas com a execuo dessa lei, em 1968, fica o Executivo
autorizado a abrir, na Secretaria das Finanas, com vigncia at 31 de dezembro do mesmo ano,
crdito especial no valor de NC$ 480.000,00 (quatrocentos e oitenta mil cruzados novos), que
ser coberto com recursos provenientes do excesso de arrecadao previsto para o corrente
exerccio, e nos anos subsequentes, pelas verbas oramentrias prprias.
Art. 4 - Essa lei entrar em vigor na data de sua publicao, revogadas as disposies em
contrrio12.
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decreto n 9.051 de 12/10/1970, assinado pelo prefeito Paulo Maluf, que institua um
Calendrio Oficial de Eventos, na cidade de So Paulo, sob a responsabilidade da
Secretaria de Turismo e Fomento:
(...) Art. 7 A incluso no Calendrio Oficial de Eventos dar-se- por despacho do Secretrio
de Turismo e Fomento ex-officio, mediante requerimento do interessado.
Art. 8 So includos obrigatoriamente no Calendrio Oficial de Eventos de cada ano:
a)
Os festejos carnavalescos;
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Essa exigncia foi em parte flexibilizada na dcada de 1970 pelo talento estratgico e criativo do
carnavalesco Joosinho Trinta, no Rio de Janeiro, que, ao incluir o sonho e o imaginrio em seus enredos,
livrou os criadores do desfile da limitao imposta pelo regulamento.
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Sabamos que tnhamos que falar com o prefeito Faria Lima, mas no
sabamos como chegar a ele. No ano anterior tnhamos conversado com o
deputado Egdio de Serrano sobre como chegar at o prefeito e ele disse:
Vocs tm que arrumar um cartucho. Ns no sabamos que cartucho era
esse. A parece que Deus ajudou, o cartucho estava ali mesmo: era o Moraes
Sarmento, um radialista conhecido. Sabamos que falar com o Faria Lima era
difcil, porque j tnhamos tentado. J tnhamos feito cartas, escrevamos e
quando chegvamos com a carta ao gabinete do prefeito, sempre tinha um
secretrio, porteiro, que pegava a carta e engavetava (BRAIA, 2000, p. 68).
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1.3 A UESP
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sociedades recreativas inventadas pelos subrbios e atravs delas,
domesticava as massas (QUEIROZ, 1992, p. 109).
Mesmo que o Estado a visse como uma vigia do comportamento das escolas
para a realizao de um carnaval domesticado, devemos relativizar isto. Os sambistas
no foram domesticados simplesmente. Ao analisar as atribuies da UESP e como
aconteceram as negociaes e embates com o Estado ao longo dos anos, podemos
perceber, na ata de fundao da UESP, que os sambistas tinham um projeto poltico e
cultural em mente. Este projeto queria dar visibilidade para as escolas de samba e para
os artistas annimos das escolas, como compositores, bailarinos e artistas plsticos que
no tinham espao dentro da indstria fonogrfica ou em outros espaos artsticos.
Buscavam transformar o carnaval em um espetculo rentvel e sustentvel e as escolas
de samba como um grande espao de discusso poltica, cultural e de lazer, fazendo
muitas vezes o papel do poder pblico, sempre ausente dos bairros perifricos da
cidade. As lideranas negras das escolas de samba, como P Rachado, Seu Carlo, Seu
Nen, Inocncio Tobias e Jangada, responsveis pela fundao da UESP, levantaram
bandeiras que, historicamente, o movimento negro iria defender, de maneira mais
veemente, apenas no final da dcada de 1970. Esses sambistas tinham o objetivo de
lutar no apenas pela igualdade racial, mas tambm por uma sociedade socialmente
igualitria. Muitas das demandas dos sambistas obviamente no foram possveis de
serem cumpridas, mas as escolas de samba cumpriram um importante papel de
aglutinador popular dentro dos bairros perifricos da cidade e as negociaes com o
Estado no foram apenas impostas de cima para baixo, sobretudo num processo em
que tanto o poder pblico quanto os sambistas tiveram de ceder para ser possvel a
realizao dos festejos carnavalescos em um contexto histrico de represso e ditadura
militar.
A UESP buscou inicialmente filiar um maior nmero de escolas e ter um
reconhecimento do poder pblico. Depois do problema da interveno judicial na
Federao das Escolas de Samba, a Prefeitura de So Paulo passou a exigir que as
escolas se regularizassem, tornando-se uma organizao recreativa com personalidade
jurdica. Isso foi fundamental para a legitimao da UESP, que auxiliou na legalizao e
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na elaborao dos estatutos de suas filiadas. Tambm ficou a cargo da UESP a criao
de uma comisso de fiscalizao das escolas, para garantir que estas tivessem um
vnculo com a comunidade em que estavam inseridas e evitar, com isso, o aparecimento
de escolas de fachada, que captavam os recursos necessrios e no se apresentavam
nos desfiles. Outra assistncia jurdica prestada pela UESP nesse perodo visava
resolver os problemas que as escolas tinham com a polcia, aps serem acionadas por
moradores dos bairros em que se localizavam insatisfeitos com o barulho dos ensaios.
Era uma difcil negociao para realizar os ensaios nas ruas, j que as escolas ainda no
possuam quadras, restando a elas ensaiarem em praas e ruas de menor movimento e
em horrios que no incomodassem seus vizinhos.
Para a direo da UESP foram eleitos, ainda no final de 1973, como presidente o
jornalista Renato Correa de Castro; vice-presidente, Dalmo Ferreira; vice-presidente de
Finanas, Joo de Angelo; vice-presidente de Comunicao, Wanderli Salztiel; vicepresidente de Divulgao, Covas Jnior; vice-presidente Social, Aristides Barbosa; e
vice-presidente de Patrimnio, Carlos Eugnio Panadis.
Uma das primeiras decises tomadas pela diretoria da UESP foi tentar
representar as escolas de samba nas negociaes com o poder pblico para a elaborao
do regulamento referente ao carnaval de 1974. Os sambistas passaram a interferir na
elaborao do regulamento dos desfiles a partir de 1972, devido aos problemas
relacionados ao carnaval de 1971. Segundo o regulamento desse ano, realizado pela
Secretaria de Turismo, s permaneceriam no Grupo I para o ano seguinte as escolas que
tivessem conseguido um nmero maior que 70% dos pontos disputados, e, caso tal
regulamento fosse cumprido, teria levado ao rebaixamento da maioria das escolas.
Como no era possvel rebaixar mais de 50% das escolas para o Grupo II, essa clusula
foi considerada sem efeito (FOLHA DE SO PAULO, 01/01/1974). Para o ano
seguinte, foi chamada uma comisso de sambistas que elaborou um novo regulamento,
em parceria com o secretrio de Turismo.
Havia a preocupao de cumprir o acordo com as emissoras de rdio que
transmitiam os desfiles e evitar o que havia acontecido em carnavais anteriores, quando
os desfiles atrasavam horas, por no haver uma definio clara para afirmar que um
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acordo, o secretrio da entidade dos sambistas disse: Se alguma modificao deve ser
feita, a UESP deve ser consultada, alm do que se devem estudar as possibilidades
previamente, e dar um prazo para que as escolas se adaptem (NOTCIAS
POPULARES, 30/12/1973).
A respeito dos carros alegricos a discordncia era que a UESP sugeriu que se
aumentasse o tamanho, liberando medidas maiores, j que os desfiles haviam sido
transferidos do Vale do Anhangaba para a Avenida So Joo, que possua uma pista
mais larga.
Poucos dias depois, surgiram novos impasses entre as escolas de samba e a
Secretaria de Turismo. Durante a primeira reunio do ano, realizada no dia 2 de janeiro
para solucionar os problemas no regulamento (GAZETA ESPORTIVA, 29/12/1973), o
secretrio negou ter elaborado o regulamento sem ouvir as escolas. O jornal Notcias
Populares, que naquele momento dava ampla cobertura ao processo de negociao dos
desfiles das escolas de samba, entrevistou o secretrio, que reagiu presso dos
sambistas: A Secretaria remeteu a minuta do regulamento, anexa a um ofcio
convocando a UESP e a AESSP e todas as escolas filiadas ou no s entidades e se
convoquei todas as escolas de samba porque quero conversar diretamente com elas,
devido s divergncias existentes entre a Associao das Escolas de Samba de So
Paulo e a Unio das Escolas de Samba Paulistanas (NOTCIAS POPULARES,
04/01/1974).
Durante a reunio, o Secretrio aceitou a mudana do dia de desfiles, a fim de
que o desfile do Grupo I continuasse no domingo. O compositor B. Lobo, da Unidos do
Peruche, pediu a criao de uma comisso especial para fiscalizar os jurados. O
secretrio informou ao sambista que os juzes so autnomos e que, para o carnaval,
pretendia convocar pessoas conhecedoras do assunto e imparciais.
O presidente da UESP, Renato Correa de Castro, pressionou o secretrio a
revogar o item que proibia que as escolas desfilassem com as suas fantasias, antes do
desfile oficial. Segundo Castro, as escolas assumiam diversos compromissos nos bairros
de origem, j que a verba que a secretaria destinava s escolas no cobria todas as
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Teve um ano l, acho que foi em 75, que comeou a atrasar; ns pegamos e
fomos todo mundo l. Todas escolas, lotou. A o cara viu a presso. Passou
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uns dias e teve o dinheiro na mo. Porque teve ano que a verba saiu
praticamente em janeiro, p. Teve parcela que saiu em fevereiro. J teve
verba que saiu trs dias antes do carnaval, a ltima parcela. A voc pega um
sbado e domingo a 25 de Maro fechada, no dava tempo. Agora no, a
verba j sai em setembro.17
Uma soluo encontrada pelas agremiaes para montar o seu desfile era
encontrar algumas lojas e armazns que se dispusessem a vender os materiais a prazo,
com as escolas pagando apenas quando sasse a verba para o carnaval.
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Para evitar
novamente esse tipo de negociao incerta, a UESP emitiu uma carta endereada ao
secretrio de Turismo em nome de todas as suas filiadas, solicitando as verbas com
maior antecedncia:
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Com relao ao aumento das verbas, como mostra o ttulo Um milho para o
carnaval de rua de uma reportagem do jornal Notcias Populares de 18 de janeiro de
1974, ou seja, 13 dias aps a reunio com a Secretaria de Turismo, o prefeito cedeu
presso dos sambistas e aumentou em 20% o repasse das verbas em relao ao carnaval
anterior. Segundo o jornal, com o novo acordo, as escolas do Grupo I receberiam 52 mil
cruzeiros, as do Grupo II, 34 mil cruzeiros e as do Grupo III, 20 mil cruzeiros,
totalizando um milho e cem mil cruzeiros. A reportagem tambm discorre sobre outras
reivindicaes atendidas:
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de sofrer uma presso quanto a prestao de contas do dinheiro pblico, a qual j havia
gerado muitos conflitos e interdies judiciais na prpria Federao e em escolas que
acabavam descredenciadas.
Com a contratao para a execuo de um servio, as escolas tiveram garantida a
verba destinada ao financiamento da construo do desfile de carnaval. No caso de no
conseguirem apresentar um bom desfile, o prprio regulamento se encarregava de
punio, com o rebaixamento para o grupo imediatamente inferior. A UESP, no incio,
era a favor desse modelo jurdico de relao entre as escolas e a prefeitura, pois os
repasses eram dados diretamente s escolas, que repassavam um percentual para a
prpria UESP.
Os protestos mais comuns das escolas aps a realizao do carnaval no eram
destinados UESP, mas Prefeitura e, obviamente, ao corpo de jurados. Todos os anos,
muitas escolas se posicionavam contra as notas recebidas por elas e no aceitavam o
resultado oficial.
Em 1975, aps a apurao do carnaval e confirmado o bicampeonato da escola
de samba Camisa Verde e Branco, os componentes da escola Nen de Vila Matilde
realizaram um grande protesto, no qual, simbolicamente, enterraram o carnaval. Os
alvos daquele ano foram a empresa Jaragu, tida como ineficiente, a Comisso do
Carnaval Paulistano (COCAP), ambas responsveis por escolher o jri, e o secretrio de
Turismo, acusado de prejudicar a escola, que ficou em quarto lugar. O protesto consistiu
na escola realizar um cortejo fnebre com caixes pelas ruas centrais da cidade e
realizar uma cerimnia de sepultamento na frente da Cmara Municipal. A indignao
de Seu Nen era com as seguintes notas: sete, de Mestre-Sala e Porta Bandeira, seis, de
Comisso de Frente, e um nove de bateria, em um momento em que a bateria da escola
era considerada a melhor da cidade (FOLHA DA TARDE, 18/02/1975).
No ano seguinte, em 1976, foi a vez de Mocidade Alegre, Rosas de Ouro e VaiVai no aceitarem o tricampeonato do Camisa Verde e Branco e protestarem contra a
organizao do carnaval, o tratamento dado aos sambistas e o resultado oficial. Segundo
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Para quem acredita que 300 mil pessoas apinhadas em arquibancadas que mal
comportam 20 mil pessoas assistindo ao desfile de 12 mil sambistas, algo
genial, o carnaval em So Paulo foi um sucesso (...) Para quem acredita no
paternalismo da Prefeitura, dando subvenes para as escolas de samba; para
quem acredita que no tem importncia que das 40 escolas de samba, apenas
quatro ou cinco possam sair rua com seus prprios recursos, o carnaval de
So Paulo foi um sucesso (...) Para quem gosta de bateria tocando no melhor
estilo fanfarra de peloto naval, o carnaval de So Paulo foi um sucesso.
Porm e sempre tem um porm, para quem tem olhos de ver e viu, o carnaval
de So Paulo, onde tudo se resumia na mal iluminada e mal decorada avenida
So Joo e no estardalhao do Trio Eltrico, lixo sonoro o carnaval foi um
fracasso. Para quem percebeu que no havia por parte das autoridades,
nenhuma preocupao em preservar aspectos culturais do carnaval e nem o
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esforo dessas autoridades em promover outros eventos carnavalescos alm
dos desfiles das escolas de samba, que a Prefeitura obrigada a realizar por
lei, o carnaval de So Paulo foi um fracasso (FOLHA DE SO PAULO,
06/03/1976).
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Muitas vezes as escolas vinham aqui e diziam: a gente vai vir de corte
portuguesa, eu perguntava: vocs tm o dinheiro, vocs sabem como so os
figurinos, as alegorias, quanto de tecido vai gastar? Eu fazia os clculos
junto com eles, e dava um valor que a escola no ia conseguir arrecadar.
Ento, eu ajudava a organizar o enredo com fantasias mais simples, com
alegorias pequenas, para que as escolas pudessem desfilar. (...)23
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Ainda sobre a censura, esta se tornou ainda mais implacvel com os desfiles
carnavalescos a partir da Portaria n 006/76, de 19 de janeiro de 1976. A portaria
abrangia no apenas os desfiles das escolas, realizados nas ruas e que j necessitavam
de aprovao da polcia para ocorrer, mas todos os bailes carnavalescos, inclusive os
realizados em espaos privados. A medida assinada pelo coronel Jos Guimares
Barreto, superintendente regional do Departamento da Polcia Federal, dizia, em seu
Art.1:
Essa era mais uma medida imposta pelo regime para controlar qualquer reunio
ou aglomerao de pessoas, mesmo que essas tivessem como finalidade a diverso.
Alm das canes, notoriamente censuradas, os enredos e os croquis da decorao dos
sales e das alegorias e fantasias a serem feitas tambm deveriam ser enviadas
previamente para aprovao do rgo da Polcia Federal. possvel observar, em todos
os sambas-enredos depositados pelas escolas nos arquivos da UESP, um carimbo
emitido pela Polcia Federal, atestando que a letra musical foi examinada e liberada para
gravao e divulgao pblica25.
Como a UESP assumiu de vez o desafio de organizar os desfiles das escolas de
samba da capital paulista, como nica entidade, ela tambm participou das discusses
que resultaram na transferncia do local dos desfiles, que ocorriam desde 1968 na
Avenida So Joo, para a Avenida Tiradentes, ocorrida em 1977.
24
Anexo 1. Portaria n 006/76. Departamento da Polcia Federal de So Paulo encaminhada ao Sr. lvaro
Casado, presidente da UESP. Acervo pessoal de lvaro Casado.
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Anexo 2. Samba-enredo da Sociedade Carnavalesca Corujas da Vila Esperana de 1979. Acervo UESP.
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utilizar-se daquele pequeno corredor (FOLHA DE SO PAULO,
03/03/1976).
A sugesto da Avenida Tiradentes surgiu por ela ser prxima Marginal Tiet,
portanto, de fcil acesso, prxima ao centro da cidade e da estao da Luz. Com essa
mudana de local, as escolas poderiam construir alegorias maiores e levar um maior
nmero de componentes para os desfiles. A escolha do local agradou aos sambistas,
pois o lugar era amplo e permitia s escolas levar suas alegorias e pelo fato de a avenida
ter grande comprimento e tambm pela possibilidade de todas as agremiaes montarem
as suas alas em sequncia antes da apresentao, permitindo, assim, corrigir erros de
posicionamento. Para testar a avenida foram realizados dois desfiles no ano de 1976. No
feriado de Primeiro de Maio, cerca de trinta escolas e blocos desfilaram em
comemorao ao Dia do Trabalho. E no dia quatro de setembro as escolas voltaram a
desfilar em comemorao Independncia do Brasil, contando inclusive com um
concurso que escolheu o melhor samba-enredo sobre o tema (BELO, 1971, p. 71).
Para acomodar o pblico que ia assistir aos desfiles, eram montadas
arquibancadas tubulares de metal, cujo acesso era dado pela venda de ingressos. A
prefeitura tambm instalou um moderno sistema de arquibancadas mveis e um sistema
de som que proporcionava a todos ouvirem os intrpretes das escolas 27. Mesmo aqueles
que no tinham condies financeiras de adquirir os ingressos poderiam assistir aos
desfiles pelas brechas entre os mdulos das arquibancadas e tambm era possvel
acompanhar a disperso das escolas ao final do desfile. 28
Ainda no ano de 1976, inspirados pela iniciativa do Rio de Janeiro, que gravava
os sambas-enredos desde o final da dcada de 1960 e alcanava vendagens expressivas,
as escolas de So Paulo tambm passaram a lanar o LP com os sambas-enredos do
Grupo I. A gravao do LP ficou a cargo de ritmistas selecionados por Osvaldinho da
Cuca, como Branca de Neve, no surdo; Xixa, no cavaquinho e violo, e contou tambm
com a presena dos prprios puxadores das escolas, acompanhados por um grande coro
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reduzido em 40%. Tambm havia um prmio em dinheiro, mas apenas para as trs
escolas melhores classificadas de cada grupo. A campe do Grupo I ganharia Cr$
24.000,00, a do Grupo II, Cr$ 18.000,00, e a do Grupo III, Cr$ 9.600,00 (GAZETA
ESPORTIVA, 31/01/1977). 32.
Como mostra a matria do jornal Folha da Tarde, de 02 de janeiro de 1977,
alm de reduzir o valor recebido pelas escolas, a Jaragu s liberou as verbas destinadas
para o 2 e 3 grupos na semana entre o Natal e o Ano-Novo. Quanto ao primeiro grupo,
deveria ter sido paga naquele dia. O redator Paulo Valentim, da coluna Roda de Samba,
aponta:
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Defendendo essa plataforma de unio, Geraldo Filme de Souza, que era lder da
Coligao e filiado UESP, bem como presidente da escola de samba Paulistano da
Glria, foi alado condio de candidato a presidente da UESP, sendo eleito no ms
de abril, e tomado posse no ms de maio de 1977. A proposta de Geraldo Filme,
descrita pouco acima, era de incorporar agenda pblica da UESP a luta pela
preservao da cultura e das tradies africanas na sociedade paulista e paulistana. A
gesto de Filme representar o inicio da virada que as escolas de samba de So Paulo
iro ter, a partir do incio dos anos 1980, com a abertura poltica da ditadura militar.
Com o fim da censura prvia e a rearticulao dos movimentos sociais, muitas escolas
de samba iriam promover seus desfiles como forma de luta e denncia da situao dos
negros no pas. O ano de 1982 marca essa virada com vrias escolas trazendo temas
ligados a este programa sociocultural.
A diretoria tinha como membros Evaristo de Carvalho, um dos lderes da antiga
Federao e um dos responsveis pela oficializao dos desfiles em 1968, como vicepresidente administrativo; alm de Arnaldo Mathias Seraphim, vice-presidente de
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Era um tempo que eu dedicava, por amor, depois que eu saa do meu
trabalho. Sempre as noites de sexta-feira, e alguma outra noite da semana
eram para a UESP. Trabalhava em uma agncia de publicidade na praa da
Repblica e depois ia at a galeria na Brigadeiro35.
Dentre outras parcerias realizadas pela UESP, alm daquela feita com a
Confederao Brasileira das Escolas de Samba, estava um acordo com o Ministrio da
Educao e Cultura (MEC) e a Embratur para a montagem de duas salas ocupadas pela
empresa brasileira no Museu Internacional do Carnaval e da Mscara, na cidade de
Binche, na Blgica, famosa por ter um dos carnavais mais antigos da Europa (FOLHA
DA TARDE, 22/03/1977).
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sempre como segredo pelos que detm seus cdigos, os sambistas gostavam de dividir
seus conhecimentos e experincias com outras pessoas de fora do meio, que tambm
gostavam de samba e tinham vontade de entrar, ajudar ou at mesmo criar uma escola
de samba em seu bairro, mas no sabiam como.
Outra atitude tomada pela nova diretoria, desde a sua posse, foi a criao de
festas e atividades ligadas s escolas de samba durante todo o ano, como forma de
divulgao, aumento da sociabilidade e da arrecadao de recursos para custear parte
dos desfiles. A primeira festa foi a Festa do Abacaxi, realizada na quadra de ensaios
do Bloco Gavies da Fiel, no Bom Retiro. Segundo o prprio Geraldo Filme: Com
esse pagode, a UESP inicia sua programao, que tem por objetivo incrementar o samba
da Pauliceia, com encontro direto dos sambistas com a populao (FOLHA DA
TARDE, 17/06/1977). As escolas tambm organizavam diversos eventos em parceria
com a UESP, como as 24 horas de samba, evento musical promovido pela Mocidade
Alegre em sua quadra e que contava com 24 horas de atraes musicais (FOLHA DA
TARDE, 27/09/1977), algo semelhante proposta da atual Virada Cultural.
A UESP tambm estava atenta ao que acontecia fora das escolas de samba,
como prestar apoio, ao lado da escola de samba Quilombo, do Rio de Janeiro, a um ato
pblico contra o racismo realizado no dia 7 de julho de 1978, com duas mil pessoas nas
escadarias do Teatro Municipal. O ato contra o racismo e em solidariedade a quatro
jovens discriminados durante uma competio no Clube de Regatas Tiet e ao jovem
Robson de Oliveira Cruz, negro, trabalhador e pai de famlia, torturado at a morte no
44 Distrito Policial de Guaianazes, aps ser confundido com um ladro. Durante o ato
foi distribuda, por parte dos organizadores, uma Carta Aberta, dirigida populao, que
incitava a populao afro-brasileira a criar Centros de Luta nos bairros, nas prises,
nos terreiros de candombl e umbanda, nos locais de trabalho e nas escolas de samba, a
fim de organizar um movimento de luta contra a opresso racial, a violncia policial, o
desemprego, o subemprego e a marginalizao da populao negra (DOMINGUES,
2007, p. 114).
A Secretaria de Turismo, interessada em manter um calendrio de atividades
ligada s escolas de samba, tentou promover, em 9 de abril 1977, um Campeonato
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2010, p. 95). A empresa passou a ser a responsvel pela organizao dos principais
eventos tursticos da cidade, como o carnaval, as corridas de Frmula 1 e de outras
categorias, os desfiles de 7 de Setembro e as festas de Rveillon. A Paulistur criou um
departamento exclusivo para o carnaval, o Departamento de Coordenao Organizadora
de Carnaval (COC). A partir desse momento, at 1986, havia duas entidades que
organizavam o carnaval, o COC e a UESP. O COC era responsvel pela infraestrutura,
por negociar o fechamento do trnsito, pela contratao da empresa para montagem,
iluminao, sistema de som e etc, isto , cuidava das bases concretas para a realizao
dos festejos.
As reunies do COC com a direo da UESP eram mediadas e dirigidas pela
Comisso de Carnaval da Prefeitura. Nas negociaes para a realizao do carnaval de
1978 foi nomeado o general Moacyr Gaia como presidente da comisso. O militar tinha
a ideia de vender espaos nas arquibancadas para empresas privadas, como maneira de
arrecadar verbas e diminuir os gastos pblicos (LTIMA HORA, 24/02/1978).
Pelo acordo assinado entre as partes houve um reajuste com relao a verba do
carnaval do ano anterior, que havia reduzido em 40% o montante gasto. Os desfiles
ocorreriam em dois locais da capital: na Avenida Tiradentes, pelo segundo ano, entre a
Praa da Luz e a Avenida do Estado, alm dos desfiles de carros alegricos realizado na
Vila Esperana. Trinta e nove escolas foram inscritas para a participao nos desfiles.
Inicialmente, a Paulistur queria alterar o regulamento para realizao de um carnaval
maior. A empresa queria estabelecer, no mnimo, mil componentes fantasiados para as
escolas de samba do Grupo I, 700 do II e 400 do III. E o Grupo IV no desfilaria na
Avenida Tiradentes nem teria apoio da secretaria. Outra proposta apresentada pela
Paulistur era a incluso de mais um jurado por quesito, totalizando dois jurados para
evitar as confuses e reclamaes envolvendo as escolas que ganhavam notas muito
baixas em um quesito e perdiam o campeonato ou, s vezes, eram at mesmo rebaixadas
(FOLHA DA TARDE, 11/03/1977). Para o presidente da Paulistur, o ex-secretrio de
Turismo, Armando Simes Neto, era necessrio aumentar o nmero de componentes
das escolas, j que a nova pista era maior e era necessrio preench-la por inteiro. Isso
seria possvel depois das medidas que fariam o reajuste no valor da verba recebida pelas
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(FOLHA DA TARDE,
16/08/1977).
Aps seis meses de negociao, ficou estabelecido que as escolas de samba do
Grupo I deveriam se apresentar com um mnimo de 800 componentes fantasiados. As
escolas do Grupo II, com 500 e as do III com 200, respectivamente (FOLHA DA
TARDE, 30/09/1977).
Algumas escolas do Grupo III subiram para o II. Para o desfile ficou acertado
que os Grupos I e II contariam com doze escolas cada e o Grupo III com quinze. O
Grupo IV, como no receberia o apoio da Secretaria, deixou de existir formalmente. As
escolas pequenas, pretendentes a entrar no Grupo III, conseguiram organizar um desfile
informal patrocinado pelo Clube dos Lojistas do Ipiranga, no mesmo bairro. O corpo de
jurados foi formado por sambistas voluntrios que pertenciam s escolas do Grupo I. As
duas melhores colocadas do desfile do Ipiranga ganharam o direito de serem includas
no Grupo III no ano seguinte. E as piores colocadas do Grupo III passaram novamente a
condio de pretendentes, sem direito a nenhuma remunerao (FOLHA DA TARDE,
15/11/1977).
No contrato, as escolas passavam a ser tratadas com os mesmos direitos e
responsabilidades de qualquer instituio jurdica. O regulamento previa diversas
penalidades, que iam desde a suspenso at a extino das escolas que no cumprissem
as clusulas do contrato.
Ao eliminar o Grupo IV, a Secretaria de Turismo e a Paulistur tinham uma
estratgia que era a de diminuir o nmero de escolas vigentes na cidade para melhorar o
nvel das exibies. Ao no receberem mais verbas oficiais, essas escolas no teriam
como sobreviver e tinham dois caminhos: a extino ou a fuso com outra escola maior
do mesmo bairro ou de localidades prximas. A posio da empresa era clara:
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Ofcio enviado por Geraldo Filme de Souza para o gabinete do prefeito Olavo Setbal em 10/07/1977.
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(...) a Paulistur pretende dar mais apoio para as escolas que vem se
destacando nos desfiles, porque elas tero mais responsabilidade no prximo
carnaval. As pequenas escolas de samba sero absorvidas pelas maiores,
tendo em vista a localizao dos bairros e a simpatia dos componentes pelas
cores das agremiaes que exercem maiores influncias em cada regio da
capital. A primeira medida ser a extino do Grupo IV, que foi criado no
carnaval passado, mas no correspondeu s expectativas, pois as escolas de
samba se apresentaram mal nos desfiles. 37
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tubulares com capacidade para 500 pessoas e com grande parte coberta, a exemplo do
Rio de Janeiro. As estruturas ofereciam a capacidade para alojamento de seis cmeras
de televiso, para que as emissoras tivessem a possibilidade de tomadas areas, obtendo
assim uma melhor perspectiva de transmisso. As cabines de rdio tinham a
possibilidade de instalao de equipamentos e transmissores. A imprensa escrita
tambm contou com uma cabine com telefones e mquinas de datilografia (GAZETA
ESPORTIVA, 11/01/1979). Para o carnaval do ano de 1980, foram construdas
arquibancadas tubulares para 30 mil pessoas, evidenciando o crescimento do carnaval
paulistano, em termos de pblico.
Ainda durante a dcada de 1970, ocorreu a formatao atualmente vigente dos
desfiles das escolas de samba e de blocos, com a diviso das escolas e dos blocos em
grupos, dado o grande nmero de agremiaes filiadas e as diferentes estruturas e
tamanhos apresentados por elas. Dessa separao por grupos, formou-se uma diviso
hierrquica: Grupo I (Posteriormente chamado de Especial), Grupo II (posteriormente
chamado de Acesso) e Grupo III. O Grupo IV foi criado nos anos 1980, assim como na
dcada de 1990 foi criado um grupo de vagas abertas para as novas escolas que eram
fundadas e que quisessem participar do grupo. Alm do grupo dos desfiles de blocos,
sagrava-se campe a escola que tivesse alcanado o maior nmero na soma das notas de
todos os quesitos. Apesar da diviso hierrquica do desfile, necessria para haver certo
equilbrio no concurso, cada escola possua o mesmo peso em assembleias e discusses
dentro da UESP. Na eleio para presidente, deliberaes de verbas e contratos, as
escolas do Grupo I e do Grupo IV possuam o mesmo direito a voz e voto.
Uma reportagem do extinto jornal ltima Hora, do ano de 1976, revelou como a
imprensa j vinha alertando a populao para o fato de o desfile carnavalesco da cidade
estar subordinado a uma empresa que no conseguia cumprir com o seu objetivo, que
era o de atrair turistas para o carnaval. A soluo correta, para o jornalista, seria se os
desfiles carnavalescos voltassem novamente a serem assumidos pela Secretaria de
Cultura: Seria interessante entregar-se o Carnaval a outra pasta: a Secretaria de
Cultura. Afinal, o Carnaval paulista, pobre imitao do Carnaval carioca, perdeu as suas
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razes. Portanto, nem atrai turistas, nem diverte o povo. Ao contrrio, afugenta um e
outro (LTIMA HORA, 04/03/1976).
Entre 1977 e 1986, a UESP conduziu as negociaes na organizao dos desfiles
de carnaval, ocupando um espao cada vez maior para os sambistas. No ano de 1977, a
UESP recuperou o direito de gerir as verbas do carnaval. Nesse perodo, a UESP
possuiu trs diferentes presidentes: Geraldo Filme (1977-1979), Osmar Csar de
Carvalho, com dois mandatos (1979-1983), e Alberto Alves da Silva Filho (Betinho)
(1983-1985), at a nova diviso das federaes com a fundao da Liga, em 1986.
Com a transferncia do local dos desfiles, negociados entre a Paulistur, a
prefeitura e os sambistas, estes passaram a ter uma maior visibilidade, pois os desfiles
eram realizados em uma avenida com uma pista ampla, contavam com arquibancadas e
apresentando envolvimento mais responsvel, por parte das escolas de samba, que
passaram a atrair membros de todas as classes sociais. Para Ana Maria Rodrigues
(RODRIGUES, 1984), essa entrada de membros brancos, oriundos das classes mdias e
altas, fez com que o carnaval negro se tornasse cada vez mais plido, pois atraiu a
presena cada vez maior de brancos das classes mdias e altas nos ensaios e,
principalmente, na direo das escolas e federaes. As escolas de samba, segundo
Rodrigues, passaram a dar os cargos mais importantes na direo a integrantes brancos,
pelo fato de eles serem mais escolarizados e, portanto, partir da ideia de que eles
administrariam melhor a escola. Com isso, as escolas de samba deixaram de ser smbolo
apenas de negros e pobres e passaram a entrar em um processo de carter nacional,
nomeado como domesticao da massa urbana pela sociloga Maria Isaura Pereira de
Queiroz, ao analisar esse fenmeno dentro do carnaval carioca (QUEIROZ, 1992).
preciso ressaltar que a iniciativa de oficializao, por parte do poder pblico,
partiu dos prprios sambistas, que viam no reconhecimento oficial do desfile a
valorizao de suas atividades. No podemos entender o poder pblico como destruidor
da manifestao popular, pura e espontnea, atuando de forma repressora e alienante. O
processo foi de negociao, com uma parte significativa das demandas dos sambistas
sendo atendidas pela prefeitura da cidade. Em So Paulo, a oficializao dos desfiles era
a oportunidade para se constituir um evento oficial do calendrio do turismo municipal,
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a semelhana daquele que j ganhara, no Rio de Janeiro, a adeso das classes mdias e
altas do pas. Com isso, o poder pblico municipal passou a ser o promotor e o
controlador do desfile das escolas de samba de So Paulo, a cidade economicamente
mais importante e com o maior nmero de habitantes e trabalhadores do pas. Mas, para
atender essa demanda, ela imps algumas condies aceitas pelos sambistas.
Para Olga von Simson (SIMSON, 2007), a oficializao foi, ao mesmo tempo,
uma possibilidade de ampliao e uma estratgia de sobrevivncia e triunfo da festividade
criada pela populao negra paulistana. inegvel que formas, modelos e valores
socioculturais foram modificados no interior das escolas de samba para que elas
atrassem a participao das classes mais elevadas. Antes disso, os bailes da elite
aconteciam nos grandes clubes como o Iate Clube, no Rio de Janeiro, o da Ilha Porchat,
em So Vicente, ou em teatros, como os Municipais do Rio e de So Paulo, com grande
repercusso nas maiores revistas de atualidades da poca como O Cruzeiro, Manchete e
Fatos e Fotos. Estas revistas, at meados dos anos 1970, dedicavam um pequeno espao
para o desfile das escolas de samba, e, quando o faziam, era com o contedo sobre as
cariocas. As escolas de samba paulistanas passaram a ter um espao, mesmo que
reduzido, nas grandes revistas de circulao nacional somente a partir de 1977, quando
os desfiles cresceram e passaram a serem realizados na Avenida Tiradentes.
Os bailes de carnaval do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, por exemplo, eram
verdadeiros espetculos das elites, aos quais somente tinham acesso os ricos e famosos.
Como evidencia a fotogrfica revista carioca Manchete, em 1970:
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MANCHETE. Rio de Janeiro: 21 de fevereiro de 1970, ano 17, ed. n 931, p.19. Grifo nosso.
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evitar que se repetisse uma prtica comum nos ltimos anos, quando at oito mil
ingressos eram oferecidos como cortesia. Pelas novas regras, nem o cerimonial da
prefeitura poderia emitir convites especiais para as autoridades; e os vereadores
deveriam solicitar por escrito empresa a incluso de seu nome na lista do camarote da
prefeitura (FOLHA DA TARDE, 16/02/1984).
Com o objetivo de montar mais de quatro mil ingressos nas arquibancadas, a
Paulistur eliminou a maioria dos camarotes, inclusive o da prpria UESP, que recebeu
800 ingressos para as quatro noites de desfile e 85 credenciais de trabalho com livre
acesso pista. Os sambistas acharam este nmero diminuto e pressionaram a direo da
empresa para conseguir mais ingressos. A justificativa dada foi que eles, aps
desfilarem, no tinham como guardar as fantasias e voltar para as arquibancadas. A
empresa no cedeu aos apelos e disse que aquela era uma posio do Tribunal de Contas
do Municpio.
Ainda na gesto de Joo Dria, um importante acordo foi assinado na Paulistur.
O governador Andr Franco Montoro aprovou o patrocnio do governo do Estado para
os desfiles da capital. O acordo previa que o montante que o governo destinava aos
desfiles seria encaminhado a UESP, que o distribuiria para as escolas filiadas. Com
mais esse recurso, as escolas puderam dar um salto em termos de apresentao visual e
na qualidade geral das apresentaes. A organizao dos desfiles, por outro lado,
tambm passava a ser mais cuidadosa. Vrios sambistas foram contratados para a
coordenao da empresa, j que o carnaval era o maior evento de samba realizado
durante o ano. Dentre os sambistas estavam, por exemplo, Geraldo Filme, que cuidava
da parte de fiscalizao. Vrios sambistas aproveitaram a sua experincia na
organizao dos desfiles para, posteriormente, auxiliar a prefeitura nas negociaes com
as escolas. Somado a isso estava o j mencionado direito de escolher os jurados.
Percebe-se portanto, que, a partir da dcada de 1980, os sambistas esto frente do
processo, tendo uma maior autonomia e um maior poder de deciso.
Em 1983, aps dois mandatos de Osmar Csar de Carvalho frente da UESP,
Seu Nen da Vila Matilde se organiza com antigos sambistas e com membros das
escolas recm-fundadas e lana seu filho, Alberto Alves da Silva Filho, o Betinho, para
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a presidncia da federao. Betinho vence a eleio, mas enfrenta, durante todo o seu
mandato, uma oposio muito grande.
Uma parte dos antigos dirigentes decide sair da UESP e fundar a Federao das
Entidades Carnavalescas do Estado de So Paulo (FESEC), buscando congregar
agremiaes distintas de todo o Estado de So Paulo (SIMSON, 2007, p. 224). Em seu
programa poltico para a entidade, Betinho queria promover uma revoluo cultural.
Para ele, as escolas de samba apesar de ser a mais autntica manifestao da cultura do
nosso povo, no devidamente valorizada [sic]. Os museus, pinacotecas, sinfnicas e
grupos de bal recebem verbas e ateno muito superiores dos rgos de Estado e dos
meios de comunicao (FOLHA DE SO PAULO, 07/09/1983).
A UESP, na viso de seu presidente, possua 70 filiadas que congregavam mais
de cem mil sambistas e meio milho de frequentadores, ao longo do ano, e em muitos
bairros perifricos as escolas eram o nico espao social e opo de lazer, devendo,
portanto, serem mais valorizadas pelas autoridades. Para iniciar essa mudana, Betinho
pretendia visitar os rgos de cultura e de comunicao e seu grande desejo era:
Vamos lutar pela implantao de cursos de cultura popular como matria obrigatria
nas escolas pblicas e privadas
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poderes pblicos mostrava que a UESP tinha uma plataforma slida e uma certa
autonomia de trabalho. Infelizmente, a ideia de criar uma matria relacionada cultura
popular no teve apoio na Secretaria Municipal de Educao, nem na Prefeitura de So
Paulo. Uma parceria importante foi estabelecida por Betinho, no incio de seu mandato,
com o Servio Social do Comrcio, o SESC, para uma srie de apresentaes com os
cardeais do samba, os membros fundadores das escolas de samba, em um espetculo
que contava a histria do samba de So Paulo.
Esta autonomia trouxe benefcios e tambm alguns conflitos. Com a estabilidade
financeira proporcionada pelos subsdios do Estado, a UESP estabeleceu parcerias com
empresas e lojas para que suas filiadas pudessem comprar o material necessrio para a
montagem de seus desfiles, podendo pagar a dvida atravs da UESP, que se
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Idem.
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1.4 A Liga
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Como o estatuto da UESP previa que cada escola tinha direito a um voto na
assembleia da UESP, independentemente do seu tamanho, ganhou a proposta de diviso
dos recursos provenientes da emissora de TV para todos os grupos. O Grupo I receberia
50% e o restante seria distribudo para os demais grupos44. As escolas do primeiro
grupo se sentiram prejudicadas e decidiram abandonar a UESP e fundar uma nova
federao de carnaval que congregasse apenas as escolas do Grupo I, para que essa nova
entidade pudesse assinar o contrato de transmisso dos desfiles com a emissora
interessada. Para os dirigentes das escolas menores, valia o principio da democracia,
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com votos iguais para todas as escolas filiadas, j que todas pagavam as mesmas taxas
de filiao.
A ideia de formar uma nova liga j havia surgido aps a apurao do carnaval de
1985. Nesse ano, alguns dirigentes ficaram insatisfeitos com a vitria da Nen de Vila
Matilde, j que Alberto Alves da Silva Filho, o Betinho, era presidente da escola e da
UESP. O grande trunfo da escola, segundo o prprio fundador da escola, Seu Nen, era
o samba-enredo intitulado Quando o cacique rodou a baiana, a, (BRAIA, 2000). A
disputa foi acirrada durante toda a apurao e a Nen levou o carnaval no ltimo
quesito: fantasia, justamente o ponto fraco da escola da zona Leste e o ponto forte das
escolas concorrentes. Soma-se a isso o fato da escola campe ter sido chamada para
desfilar no Sambdromo do Rio de Janeiro, representando o samba de So Paulo, a
convite da Riotur, rgo de turismo da cidade do Rio de Janeiro, mesmo sob os
protestos do vice-governador carioca, o antroplogo Darcy Ribeiro, que, ao saber do
desfile da escola paulistana, alimentou a velha rivalidade entre So Paulo e Rio de
Janeiro, principalmente dentro do mundo do samba; e a exemplo de Vinicius de Moraes,
(que chamara So Paulo de tmulo do samba), soltou este comentrio totalmente
infeliz: O que esto fazendo com o carnaval carioca importar samba de segunda
classe. Seria bem melhor importar o frevo de Recife (CABRAL, 2011, p. 250). At os
dias de hoje, a Nen a nica escola paulistana que pode se orgulhar de ter desfilado no
Sambdromo da Marqus de Sapuca.
A inspirao para a fundao da Liga, mais uma vez, veio do exemplo bemsucedido do Rio de Janeiro, que havia fundado a Liga das Escolas de Samba do Rio de
Janeiro (Liesa). Aps a fundao da Liesa, as escolas do Rio conseguiram diversos
patrocnios de empresas privadas e tambm recebiam anualmente os direitos de imagem
pagos pelo canal de televiso para a transmisso dos desfiles. A polmica do
campeonato da Nen de Vila Matilde, em 1985, tambm contribuiu para deixar diversos
dirigentes insatisfeitos. Isso tirou um pouco do prestigio da UESP como entidade
representativa e a legitimidade de Betinho como presidente.
Uma das justificativas para a nova diviso dos sambistas aps nove anos de
unificao foi a confuso envolvendo o carnaval de 1986, desde a sua organizao at a
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subveno oficial de Cr$ 800 milhes que cada uma das quinze escolas do Grupo I-A
receberam da Prefeitura do Rio.
Betinho deixou a presidncia da entidade no final de 1985 e em seu lugar entrou
Eduardo de Oliveira, visto pelas escolas de samba como uma continuidade da gesto
anterior. Questes polticas tambm motivaram a fundao da Liga. Eduardo Baslio,
presidente da Rosas de Ouro e historicamente ligado ao malufismo, no aceitava a
nomeao de Percival Maricato, membro da associao de bares e restaurantes e
membro do PT como vice-presidente administrativo. O prprio Eduardo de Oliveira era
visto com desconfiana pelos malufistas, por causa de suas ligaes com o PMDB do
ento governador Orestes Qurcia e do antigo prefeito Mrio Covas.
Durante a gesto de Paulo Maluf como governador, Baslio foi diretor da
Embratur e da Comgs. Tambm foi administrador regional (atual Subprefeitura) de
cinco regies da cidade: Vila Mariana, Butant, Capela do Socorro, Pinheiros e Casa
Verde.
O que tambm enfraqueceu ainda mais a UESP foi a escolha dos jurados para os
desfiles do carnaval de 1986. O corpo era composto pelo estilista Ronaldo sper
(Fantasia); pelo ator e diretor Cac Rosset (Enredo); pelo artista plstico e presidente do
Conselho de Museus do Estado de So Paulo Zlio Alves Pinto (Alegoria); pela
jornalista e quadrinista Ceclia Vicente de Azevedo Alves, a Cia; pela jornalista da
Rede Globo, Rose Nogueira (Mestre-Sala e Porta-Bandeira); pelo artista plstico e vicepresidente da Associao de Artistas Plsticos de So Paulo, Ivald Granato (Evoluo);
pelo maestro e regente titular da Orquestra Sinfnica do Teatro Municipal, Jlio
Medaglia (Melodia); pela cantora Clia (Harmonia); pelo primeiro percussionista da
Orquestra Sinfnica Municipal de So Paulo e professor da ECA-USP, Cludio Stephan
(Bateria); e pelo crtico musical e diretor de arte do jornal Estado de So Paulo, Adones
de Oliveira (Letra do Samba).
A ideia da UESP era criar um conselho de notveis e que estivesse acima de
qualquer suspeita, convidando para tal, grandes nomes conhecidos do pblico e
respeitados em suas reas. A ideia foi apoiada inicialmente por algumas escolas e
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rejeitada por outras, que alegaram que a maioria dos jurados no conhecia a realidade de
uma escola de samba. Esse coro ganhou todas as vozes, quando a apurao comeou.
Houve tumultos, brigas, violncia policial e indeciso da diretoria da UESP quanto
validade do resultado.
A apurao havia comeado s 11 horas no ginsio de esportes do Pacaembu,
mas foi interrompida 40 minutos depois com a entrada do presidente da escola Camisa
Verde e Branco, Carlos Alberto Tobias, na rea reservada mesa apuradora. A confuso
se formou aps uma nota 9,2 de Alegoria dada escola da Barra Funda. Como o
regulamento previa apenas notas inteiras, o presidente da escola queria arredondar para
10 e os demais queriam arredondar para 9. Aps o dirigente ter pulado a grade que
separava sambistas da mesa apuradora e rasgado o formulrio com a nota, instaurou-se a
confuso. Depois de 40 minutos de discusso, decidiu-se que todas as notas fracionadas
seriam arredondadas para mais. A prxima nota lida foi o quesito Melodia. O presidente
do Camisa ficou novamente descontrolado e inconformado com a nota cinco dada sua
escola pelo maestro Jlio Medaglia, jurado desse quesito. Para ele, o maestro no tinha
competncia para julgar o quesito Melodia. J o presidente da escola Rosas de Ouro,
Eduardo Baslio, acusou o maestro de prejudicar sua escola, por conta de questes
poltico-partidrias. Baslio acusava Medaglia, membro do PT, de chamar jurados
petistas. O maestro argumentou que, antes do carnaval, recebeu voto de confiana de
todos os dirigentes para a seleo do jri dos desfiles dos Grupos I e II. Em entrevista
ao jornal Folha de So Paulo, Medaglia disparou: no sou to desinformado como
pensam. Fui diretor cinco anos do programa A hora e a vez do Samba, na rdio
Roquete Pinto no Rio. Conheo melodia desde a Renascena. So seiscentos anos de
msica (FOLHA DE SO PAULO, 14/02/1986).
Ricardo Kotscho, que cobria o evento e fez a matria para o jornal Folha de So
Paulo opinou sobre a confuso envolvendo a apurao:
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samba paulista apelaram para a velha sada: chamaram a polcia e levaram as
urnas para o quartel do 2 Batalho de Choque da PM, na rua Jorge Miranda,
bairro da Luz, zona central da cidade.
A confuso toda comeou quando a Prefeitura anunciou o fechamento da
Paulistur e depois ficou sem saber como organizar o Carnaval, em tantas idas
e vindas que at a vspera nem se sabia se iria sair o desfile das escolas de
samba na avenida Tiradentes. Mas a Unio das Escolas de Samba Paulistanas
(Uesp) tambm foi responsvel pelo vexame que se consumou ontem, ao
demonstrar que no consegue andar com as prprias pernas. Durante muito
tempo, os carnavalescos se queixaram da interferncia do poder pblico na
organizao desta festa popular. E no momento em que este poder se omite,
todos voltam correndo para o quartel. (FOLHA DE SO PAULO,
14/02/1986).
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O estopim j estava aceso quando foi anunciada a nota 5 para a melodia da
Camisa Verde, que serviu de senha para que quase todos virassem a mesa.
Cada um quis puxar a brasa para sua sardinha e, no fim, no sobrou sardinha
nem brasa para ningum, constatava desolado, o crtico carnavalesco Paulo
Valentim, ao ver as urnas sendo levadas novamente para o quartel (FOLHA
DE SO PAULO, 14/02/1986).
a)
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para cobrir os gastos totais das escolas, pois os desfiles esto se tornando a cada ano,
mais luxuosos, e as escolas tm na sua comunidade e na criatividade de seus membros
as solues para que o desfile acontea, somados a patrocnios pontuais de empresas
que podem eventualmente ser negociados.
Para a UESP, a sada das escolas do Grupo I representou a perda da maior parte
de sua receita e de seu prestgio nas negociaes com o poder pblico, pois tanto a
prefeitura como os patrocinadores estavam interessados apenas nas escolas maiores ao
destinar a maior parte das verbas para elas, criando, a partir da, uma espcie abismo
praticamente intransponvel relativo estrutura dos desfiles carnavalescos das escolas
pequenas para as escolas grandes. As verbas que a UESP passou a receber, depois da
diviso, representavam apenas uma pequena parte do montante anterior dado pela
prefeitura para organizao de desfiles dos grupos menores. Os desfiles dessas escolas
que permaneceram sob a organizao da UESP apenas sobrevivem com o patrocnio
oficial e por meio do esforo da prpria comunidade, e no atraem a ateno de
patrocinadores e investidores de maior vulto financeiro.
47
Fonte: Documentos de prestao de contas das escolas filiadas UESP. Ano: 2007.
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ltimas, foram exercidas com mais presso em dois momentos: na oficializao, na qual
o Estado, para patrocinar a festa e se resguardar como avalista, prefere adotar um
modelo pronto, oriundo das escolas de samba do Rio de Janeiro, e adaptado pelas
escolas de samba de So Paulo, nos anos 1980, com a ao da entrada da televiso nos
desfiles; e na mudana dos locais de apresentao, que deixam as ruas e passam a
acontecer no Sambdromo, iniciando-se uma nova dinmica de desfile, trazendo tanto
perdas como ganhos, do ponto de vista esttico.
2.1 As fantasias
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120
femininas (de holandesas, camponesas, princesas, etc.). Tambm havia sempre nos
cordes uma preocupao com o calado a ser utilizado durante o desfile. Nunca
desfilaram descalos, pois isso fazia referncia poca da escravido, quando os
escravos eram obrigados a andar descalos, portanto, calar sapatos significava que o
negro era liberto. Normalmente utilizavam sapatos ou botinas feitas em couro,
especialmente confeccionadas por sapateiros contratados pela agremiao.
Por exemplo, o Vai-Vai48 saa desde seus primeiros desfiles ainda como cordo,
com suas fantasias em branco e preto. Outras cores tambm eram utilizadas, mas
sempre as cores da agremiao eram predominantes. Dona China do Vai-Vai recorda
este tempo e lembra o processo artesanal de confeccionar as fantasias. Elas eram
realizadas de acordo com as condies econmicas da poca, havia uma precariedade
material e, com isso, vrias improvisaes. Dona China recorda tambm que cada
integrante podia confeccionar a sua prpria fantasia:
48
Somente a ttulo de explicao: quando nos referimos s agremiaes Camisa Verde e Branco e
Vai-Vai, o correto utilizarmos o Camisa, o Vai-Vai, e quando nos referimos a escolas de samba como
Nen de Vila Matilde, Lavaps e Unidos do Peruche, devemos utilizar a Nen, a Lavaps, a
Peruche, porque o artigo masculino antes dos nomes das escolas de samba informa suas origens histricas
como cordes de carnaval.
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Legenda: Dona China, primeira porta-bandeira da escola de samba Vai-Vai, com o primeiro pavilho da
escola. Crdito: foto do autor.
Usvamos cetim, lam. Usava muita renda. A costura era feita na casa do
cara. A casa dele virava um barraco. A verdade essa. A mulher fazendo o
arroz aqui, e a outra com a mquina de costura ali. E eu visitava cada
muquifo, em cada beco da cidade. As pessoas faziam pelo amor, pelo samba.
Tanto que a Rosalina, eu fiz at enredo pra ela, ela ficava de setembro at o
dia do carnaval, costurando direto, todo dia. Junto com aquela sobrinhada,
um costurava, outro alinhavava. Trs mquinas de costura, direto. Era amor
mesmo!50
Como uma memria coletiva do carnaval deste tempo, Mestre Gabi relembra a
diviso entre o trabalho masculino e feminino, com os homens realizando os trabalhos
mais pesados, como a confeco de alegorias, e as mulheres se dedicando ao processo
de confeco das fantasias, e o sentimento que isso trazia ao observar, por exemplo, as
fotos de desfiles antigos dos quais ele participou:
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duques, condes, prncipes, reis, fidalgos e princesas, deram lugar a um novo modelo em
que as fantasias eram modificadas a cada ano, de acordo com o tema trazido pela escola.
A partir da oficializao dos desfiles em So Paulo, houve a introduo da figura
dos carnavalescos para coordenar a montagem dos desfiles das principais escolas de
samba. Com o fim dos cordes de carnaval aps 1973, essa corte carnavalesca deixou
de existir, por conta da obrigatoriedade de personagens que explicitassem o enredo de
cada ano, utilizado nos desfiles das escolas de samba. Com isso, o modelo de
organizao e elaborao das fantasias e do prprio desfile foi alterado.
O processo descrito pelos entrevistados de um fazer artesanal, como Mestre
Gabi e Dona China, ou coletivo, no caso de Dona Rosalina, descrita por lvaro Casado,
foi substitudo nas escolas de samba pelas fantasias realizadas praticamente em escala
de manufatura, com diviso social do trabalho e espaos dedicados especialmente
para este fim, com costureiras com oficinas prprias e cuja elaborao das fantasias
feita em srie, com a presena de bordadeiras, complementando a realizao da tarefa.
H at a presena de chapeleiros com funo especializada para essa tarefa. Tanto as
costureiras, bordadeiras e at os chapeleiros permanecem, normalmente, nessa atividade
de confeco de fantasias de julho, quando so lanadas as fantasias-piloto at a
vspera do dia de desfile, quando so finalizadas e retocadas as ltimas fantasias.
Para o carnavalesco Joosinho Trinta, a prpria expanso do capitalismo urbano
criou a demanda por profissionais especializados. Em entrevista concedida a Betty
Milan em 1980, ele explica:
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das grandes escolas apenas para aqueles que possuem condies de comprar a sua
fantasia, que apenas consomem o desfile como um produto, sem manter vnculos com a
agremiao na qual desfila. A lgica citada por Trinta de que as pessoas no tm mais
tempo na cidade para se dedicar a um trabalho no remunerado, ao qual se converte em
lazer, no se aplica lgica de organizao das escolas dos grupos inferiores, que ainda
mantm o processo artesanal, realizando a reciclagem e distribuindo as fantasias
gratuitamente para os membros da escola, normalmente localizada em lugares pobres e
perifricos de pequeno poder aquisitivo e que mantm acesa a chama do carnaval
comunitrio. Nesses locais, a lgica da construo da mercadoria visando lucro ainda
no se aplica.
O jornal O Estado de So Paulo apresentou uma extensa matria sobre a
preparao de algumas escolas de samba para o carnaval de 1976, intitulada
Costureiras, operrios os annimos personagens. A reportagem exalta o trabalho
artesanal e gratuito dos membros das escolas, que utilizam suas horas de lazer e at
faltam ao trabalho, diminuindo sua renda mensal para conseguir realizar as tarefas
necessrias para a escola se apresentar no desfile, contrastando esse tipo de trabalho
com o remunerado, exercido por trabalhadores assalariados do carnaval, que, naquele
momento, j representava grande parte da mo de obra das grandes escolas. Para esses
trabalhadores h o reconhecimento de poderem se dedicar integralmente ao que mais
gostam de fazer, preparar o desfile das escolas de samba, e, por outro lado, ele
representa a oportunidade de viverem dignamente com este ganho. E h ainda uma
terceira classe, propriamente de artistas, como passistas, msicos e compositores, que
aproveitam o clima de carnaval para gravarem canes, marchinhas e as verem
executadas nas rdios, pelo pas afora, alm de se apresentarem em diversos shows,
casas noturnas e festas, e, com isso, ganharem algum dinheiro, atravs de sua arte.
Os sambistas passam por dificuldades, ao realizar seu grande sonho mas muitos
acabam desempregados e passando por diversas dificuldades por no se dedicarem aos
seus empregos formais, em prol da preparao e, claro, da vivncia do momento mgico
da festa:
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H trs meses Janete Silva, primeira dama da escola de samba, Morro da
Casa Verde, sai do trabalho s quatro da tarde para sentar-se mquina de
costura at as primeiras horas do dia seguinte. Durante essas nove ou dez
horas dirias, ela costura as fantasias que a escola vai apresentar na avenida,
no carnaval.
muita canseira para trs dias. Mas como de gosto, a gente faz com
satisfao. Janete uma das muitas pessoas que fazem desses trs dias algo
que justifique a preparao que a festa exige. Ela mulher de Zezinho
Nazareth, o presidente da escola, e em sua tarefa rene na casa pequena,
construda nos fundo do quintal, as netas e filhas: Valderez corta o pano;
Solange, Yara, Sandra e Janete costuram.
Yara, filha do diretor de bateria, o Macuco overloquista. Mas s trabalha
at dezembro: Quando pego o servio, j aviso que de janeiro em diante s
costuro para a escola. Essa rgida posio, na maioria das vezes cria um
srio impasse para o sambista: sair no carnaval ou perder o emprego? Maria
Ins Braga, porta-bandeira da Nen de Vila Matilde, por exemplo, sabe que
ser suspensa por faltar uma semana ao servio, na Tecelagem Matarazzo.
Ela sabe que falta sem justificativa d suspenso, mas no se importa: Uma
semana de folga at melhor, para curtir a ressaca.
Nas escolas pequenas, como a Unidos do Bom Retiro, que desfila no terceiro
grupo, o desprendimento ainda maior. Dona Maria Rosa Henrique da Silva,
por exemplo, mudou-se do Bom Retiro para a Casa Verde porque a casa
anterior estava pequena demais para conter as fantasias e os instrumentos da
escola, que ela ajudou a fundar h oito anos. E h trs meses a escola recebe
todas as atenes da famlia, que enfrenta o desconforto de ver a casa
invadida, dia e noite, pelas pessoas que vm ensaiar, provar a fantasia ou
simplesmente sonhar com os trs dias da avenida.
Na verdade, o poder econmico, a mentalidade empresarial, no conseguiu
atingir a todos os sambistas e passistas, sobretudo os mais humildes, que nem
por isso deixam de perceber a presso a que esto sendo submetidos, como
revela o desabafo de um ritmista da Rosas de Ouro, referindo-se aos
dirigentes da escola: Eles administram, mas a gente que faz o samba. Se
para os sambistas e passistas das escolas o lucro maior ganhar na avenida,
o carnaval tem outros personagens para quem os quatro dias podem
representar o pagamento das prestaes da casa ou da televiso, a entrada
para um carro usado, o cumprimento de promessas feitas no Natal, ou
simplesmente a garantia, por algum tempo, para a feira ou o supermercado.
Esses personagens so 80% dos 30 mil msicos registrados em So Paulo,
que durante o carnaval vo conciliar as mais diversas ocupaes que exercem
normalmente, com a possibilidade de tocar, em mdia, 34 horas, em busca de
qualquer uma das coisas acima. (...) Companheiros de aventura dos msicos
de ocasio, os chamados autores de carnaval concentram suas esperanas na
eventual boa vontade dos programadores musicais, que pode determinar o
xito ou o malogro de uma composio. O xito, por si s, no assegura uma
gratificao maior do que a simples satisfao pessoal. Para obt-la, o
compositor tambm depende da eficincia com que a sociedade de direitos
autorais, qual est filiado, vai recolher as taxas pagas pelos executantes das
msicas.
Integrante da escola de samba, Unidos de Vila Maria, o compositor Xang
no v muitas oportunidades para os autores desconhecidos. Antes era
preciso pagar o programador das msicas nas estaes de rdio. Agora, por
menos de 30 mil cruzeiros ningum consegue trabalhar direito uma marcha
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de carnaval no rdio e na televiso. E ainda precisa correr os clubes para
convencer os conjuntos a tocar: como mais fcil tocar velhos sucessos,
quem quiser colocar uma msica nova no ar precisa at ajudar os conjuntos a
decor-la (O ESTADO DE SO PAULO, 29/02/1976).
Assim como atesta Dona Janete e outros sambistas citados nas matrias, outra
das principais dificuldades dos sambistas conseguir materiais de boa qualidade para a
confeco das fantasias. Os materiais utilizados para delas variavam, dependendo da
quantidade de recursos empregada na construo de cada fantasia. Muitas escolas
driblavam a falta de recursos com criatividade, utilizando materiais reciclados e baratos
como palha, sisal, sementes, franjas em tecidos tingidos, bordados coloridos e
macrams enfeitados. Existiam tambm outros materiais mais caros, utilizados at hoje
por escolas mais luxuosas, como espelhos, paets, matelasss, cir, rolots, gales,
strass, veludos, cetins, marabu, lurex, etc. (CAVALCANTI, 1999, p. 193).
A partir da dcada de 1970, com a introduo da figura do carnavalesco, ele
passa a ser o responsvel por desenhar e montar os prottipos das fantasias. O que antes
era feito de maneira espontnea, seguindo uma ideia geral, nesta dcada passa a ser
centralizado nas mos do carnavalesco. Ele desenha os modelos de fantasia para
aprovao da diretoria da escola. Depois de aprovadas, as fantasias saem do papel e
ganham vida com a confeco dos prottipos, as primeiras fantasias prontas. Estas so
entregues para os chefes das alas em uma festa, que costuma se chamar Lanamento
dos Pilotos.
O carnavalesco Andr Machado um dos que utilizam este processo criativo de
desenhar as fantasias no papel para ento elas ganharem vida. Seguem abaixo dois
modelos de fantasias criadas por ele para os desfiles da escola de samba Barroca Zona
Sul, no ano de 2012. O enredo homenageava a cantora Alcione, cone do samba
brasileiro, e sua escola de samba, a Mangueira. A primeira um cisne, com notas
musicais destacando a famosa lenda antiga do canto do cisne. Segundo esta lenda, o
cisne branco seria um animal mudo e que s cantaria no momento anterior sua morte.
No enredo, o carnavalesco quis homenagear as composies feitas por Cartola,
fundador da escola de samba Mangueira, no fim de sua vida, aps passar por um
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perodo de mais de vinte anos de ostracismo. A segunda a fantasia utilizada pela Ala
de Baianas da Barroca, com as baianas em verde-e-rosa, cores da Mangueira, com o
smbolo da agremiao carioca na saia e a presena de rosas no turbante.
Esses modelos feitos mo e os prottipos so de grande importncia para o
carnavalesco ter um maior controle sobre a execuo das fantasias por parte das alas. As
fantasias da ala de Baianas, Mestre-Sala e Porta-Bandeira, Bateria e Comisso de Frente
no so repassadas para os chefes de ala, mas so confeccionadas pela prpria escola de
samba e supervisionada diretamente pelo carnavalesco.
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Desenho: Andr Machado. Escola de Samba Barroca Zona Sul (2012). Ala de Baianas
Depois desse dia, cada ala segue seu caminho autnomo, e as fantasias podem
ser confeccionadas em oficinas contratadas para este fim ou mesmo na casa dos chefes
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de ala, que o responsvel pela comercializao das fantasias e por reunir o nmero de
folies necessrios para o desfile, conforme descrito acima (SOARES, 1997, p. 63).
As alas descentralizam a escola de samba reunindo pessoas de diferentes bairros,
e, em alguns casos, de diferentes cidades. Cada ala tem um nome permanente, que foi
escolhido por seu chefe ou por parentes e amigos. Normalmente fala de um desejo, de
uma admirao, de uma caracterstica da prpria comunidade que concentra a maioria
dos participantes.
Uma ala muito importante dentro de uma escola de samba a ala de Baianas.
Foi introduzida como ala obrigatria pelo regulamento criado a partir da oficializao
carnaval da cidade de So Paulo em 1968. No Rio de Janeiro, a presena da ala de
Baianas foi iniciada no ano de 1933, atravs de um decreto-lei do ento prefeito do Rio
de Janeiro, Pedro Ernesto, como forma de homenagear as baianas quituteiras
vendedoras de doces e acaraj nas ruas e lderes religiosas das casas de santo do Rio
Antigo, as tias baianas.
Apesar de terem sido criadas de forma artificial por um decreto, ao longo do
tempo, a Ala de Baianas se tornou um elemento indispensvel para as escolas de samba.
Composta por elementos femininos, normalmente senhoras, uma ala de evoluo.
Estas senhoras, muitas delas mes de santo da umbanda e do candombl, fazem, todos
os anos, diversos trabalhos religiosos de proteo, pedidos de licena e reverncia aos
orixs.
Todos os sambistas entrevistados demonstraram profundo respeito e admirao
pela Ala de Baianas. Para eles, a Ala de Baianas um fundamento, ou seja, algo
inerente prpria concepo de uma escola de samba. A palavra tem, alm de uma
implicao de algo imprescindvel, uma conotao religiosa, pois conhecer os
fundamentos da religiosidade da umbanda e do candombl a base para manter uma
relao bem estabelecida com os orixs. Cada orix recebe oferendas de diferentes
alimentos e bebidas, importante saber, por exemplo, qual a cor das velas a serem
acesas, qual o perodo do culto em que o mdium de incorporao receber o ponto do
orix, dentro do terreiro. Para Marcos dos Santos: As baianas no so acessrio, so
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Como as demais alas da escola, a Ala de Baianas julgada pelo quesito Fantasia.
Alm das fantasias, muito apreciadas, possuem um lugar especial dentro das escolas, e,
no desfile, possuem uma dana peculiar, girando de tempos em tempos em torno do
prprio corpo, rodando as suas amplas saias no centro da avenida.
A partir do incio da dcada de 1990, vrias alas foram perdendo sua funo
original como, por exemplo, a Comisso de Frente55, passando a incorporar
caractersticas tpicas do teatro e do bal, tornando-se uma espcie de introduo ao
grande espetculo, sendo responsvel pela apresentao da escola. No entanto, qualquer
mudana na Ala de Baianas veementemente rejeitada por todos os sambistas, por
conta no apenas do significado histrico, mas principalmente religioso desta ala dentro
dos desfiles. Marcos dos Santos narra em sua entrevista que um carnavalesco queria
retirar o turbante da ala de baianas e coloca-las para desfilar de bon e culos escuros,
demonstrando assim um grande desconhecimento do imaginrio e das prticas de uma
escola de samba. O resultado foi que esse carnavalesco teve que modificar as fantasias,
colocando novamente turbantes nas baianas. Mas uma parte da escola no ficou
satisfeita, pois o turbante foi considerado uma verdadeira escultura na cabea das
baianas, prejudicando a evoluo da ala:
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Para Mestre Gabi, a Unidos do Peruche foi a escola de samba que introduziu este
novo modelo de fantasias, mais pesadas e elaboradas, no final da dcada de 1980,
quando trouxe o carnavalesco Joosinho Trinta para assinar o seu desfile. A escola teve
um relativo sucesso com essas inovaes trazidas por Trinta. Alcanou o vicecampeonato e ter tirou 10 nos trs quesitos visuais: Enredo, Fantasia e Alegoria. Aps
isso, no carnaval seguinte, de 1991, outras escolas tambm passaram a adotar este
modelo, com o objetivo de melhorar suas notas nos quesitos visuais:
O carnaval de So Paulo comeou a mudar no foi nem quando ele saiu daqui
da Tiradentes para l, pr Sambdromo. Ele mudou quando Joosinho Trinta
veio pra Peruche. A Peruche saiu com costeiro, as alas saram com costeiro,
todo mundo falou: -Nossa, olha o Peruche, todas as alas vm com costeiro. E
todo mundo ficou maravilhado. Joosinho Trinta veio l do Rio. E o cara
uma cabea, eu tiro o chapu pra ele, sumidade. Sim, a Peruche comeou a
trazer do Rio, trouxe o Jamelo, trouxe o Joosinho. E depois todas as outras
escolas vieram atrs. 57
Este tipo de embate entre carnavalescos e membros das Velhas Guardas das
escolas, guardies de uma tradio, tornou-se mais frequente a partir dos desfiles no
Sambdromo, na dcada de 1990. As transformaes iniciadas na dcada de 1970, com
a inveno de novas tradies para as escolas de samba, passam por um processo de
descaracterizao na dcada de 1990, oriundo de presses externas, ou seja, do principal
patrocinador da festa, a emissora de televiso, que, segundo Marcos dos Santos,
precisa de coisa grande, de espetculo para mostrar na avenida. Os carnavalescos que
realizam os desfiles, visando o ttulo, preferem descaracterizar estas tradies, como no
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caso analisado das fantasias da ala de Baianas, e comprar briga com os membros mais
velhos da escola. Os carnavalescos no desejam se adequar a este novo modelo e correr
o risco de sua escola ao final da apurao, no ter um desempenho bom no quesito
Fantasia, dando argumentos para a sua demisso por parte da diretoria da escola.
As pioneiras a modificar a forma de apresentao tradicional da Comisso de
Frente foram, novamente, as escolas de samba do Rio de Janeiro: a Imperatriz
Leopoldinense, em 1979, e, posteriormente, a Mocidade Independente de Padre Miguel,
em 1991, com um enredo intitulado Chu, chu: as guas vo rolar!, de Renato Lage e
Lilian Rabello.
Nesse ano, a Comisso de Frente foi composta por bailarinos vestidos como
escafandristas, com armaduras verdes e que se moviam em cmera lenta, como se
estivessem andando no fundo do mar. Apesar deste tipo de apresentao contrariar o
regulamento para julgar o quesito que proibia coreografias e dizia que a
obrigatoriedade da Comisso de Frente era apresentar a escola e saudar o pblico ao
longo do desfile , esta inovao recebeu nota dez de todos os jurados. O episdio
provocou a mudana das regras no ano seguinte, possibilitando s escolas de samba
utilizarem destes recursos para engrandecer o espetculo; as comisses coreografadas se
tornaram tendncia, passando a desfilar com fantasias inusitadas e apresentando
coreografias e passos dentro do enredo proposto.
A introduo da Ala de Baianas e da Comisso de Frente coreografada mostra
que a configurao dos desfiles sofreram diversas influncias e modificaes por
diferentes motivos. A Ala de Baianas foi introduzida no regulamento a partir de um
decreto e a Comisso de Frente coreografada teve o caminho inverso, primeiro surgiu
dentro dos desfiles e ento foi permitida e incorporada pelo regulamento, evidenciando
a via de mo dupla, por onde normalmente as inovaes so introduzidas nos desfiles
carnavalescos paulistanos. Ou por decretos e regulamentos, como em 1968, que
introduziu a Ala de Baianas, a exemplo do Rio de Janeiro, ou atravs da perspiccia de
seus prprios membros que trazem algo novo e rapidamente isso disseminado para
outras escolas, caso da Comisso de Frente. Em So Paulo, algumas escolas resistiram
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Quem promove o enxerto de fantasias j utilizadas e o uso de sobras nas escolas menores so as
chamadas escolas madrinhas. Geralmente uma escola do Grupo Especial que tem escolas afilhadas
nos grupos menores. Por se valerem das mesmas cores no desfile, as menores podem reaproveitar
fantasias, materiais e alegorias cedidas gratuitamente ou por um baixo custo pela escola madrinha. A
contrapartida oferecida pelas escolas afilhadas ceder elementos para completar o nmero mnimo
exigido pelo regulamento quando a escola madrinha no alcana este nmero.
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lvaro Casado nos conta que essa prtica recorrente desde os anos 1970,
quando ele era presidente da UESP. As escolas utilizavam materiais reciclados e
tambm utilizavam os materiais das escolas madrinhas, permitindo que as escolas
menores usassem suas fantasias j utilizadas em outros desfiles ou em dias diferentes no
mesmo desfile. Ele denomina esta prtica de enxerto: Quantas escolas de samba no
enxertavam. O Acadmicos do Tatuap com a Nen j enxertou. A Tatuap desfilava
em um grupo a Nen em outro, como eram todos sambistas ali da rea, tudo azul e
branco, aproveitamos as fantasias. 60
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2.2 As Alegorias
As alegorias so a expresso de uma ideia ou conceito atravs de uma imagem.
Dentro do carnaval essa imagem realizada atravs de um carro alegrico que conta
parte importante da histria desenvolvida na avenida, seguindo o enredo proposto por
uma escola de samba. As alegorias so formas espaciais estruturadas, organizadas,
ordenadas criadas para serem vistas e, no caso do carnaval, integralmente
consumidas neste ato.
Ferreira Gullar (GULLAR, 1998) menciona a escola de samba como uma
manifestao barroca, por conta da primazia visual do desfile. Baseado na obra Origem
do drama barroco alemo, de Walter Benjamin, Gullar v a alegoria como a forma, por
excelncia, da expresso do barroco enquanto viso de mundo. Nas escolas de samba
haveria alguns traos barrocos que soariam particularmente carnavalescos: a
substituio do absoluto pelo relativo; a valorizao do incompleto ou do desconexo em
formas que parecem poder continuar em todas as partes que transbordam de si
mesmas (GULLAR, 1998). O firme e o estvel entram em comoo. Para Hauser, a
inteno artstica do barroco em outras palavras, cinematogrfica; o estmulo ao
novo, ao difcil, ao complicado (HAUSER, 1997, p. 101 e 102). Gullar v estes
elementos citados por Hauser presentes dentro das escolas de samba e, em especial,
atravs das alegorias carnavalescas.
Para Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, parafraseando o filsofo
francs Merleau-Ponty, as alegorias carnavalescas so um dos elementos principais do
carnaval brasileiro contemporneo:
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carro alegrico representando uma igreja barroca mineira, ilustrando o enredo que
homenageou o escultor mineiro Aleijadinho. Ela foi construda em madeira e papelo, e
era ladeada por imagens ampliadas dos profetas retratados em Congonhas do Campo.
As maiores alegorias dessa poca eram construdas todas em madeira e forradas com
panos, papelo e papis brilhantes. Eram empurradas inicialmente por membros do
prprio cordo e, mais tarde, por pessoas remuneradas, devido ao grande esforo fsico
e ao fato de os empurradores no poderem desfrutar e brincar os folguedos
carnavalescos (SIMSON, 2007, p. 164).
A partir da fase de expanso das escolas de samba do Rio de Janeiro, nos anos
1960 e 1970, cujo modelo foi seguido pelas escolas da capital paulista, as alegorias
passaram a ter um papel cada vez maior dentro dos desfiles carnavalescos, sendo
apresentadas em propores maiores e com grande riqueza de detalhes cnicos. Esses
aumentaram tambm em nmero, pois as escolas possuam vrias alegorias em um
desfile, dependendo do grupo em que a escola estava classificada. As alegorias
normalmente representam os maiores gastos dentro de uma escola de samba, j que as
fantasias normalmente so vendidas e o dinheiro reinvestido na prpria escola. Com a
ampliao das escolas de samba, principalmente a partir da insero da classe mdia e
com a crescente mercantilizao da festa, que passou a ser consumida na avenida e
tambm via transmisso televisiva, era necessrio apresentar um produto atraente e
belo.
A fora crescente das alegorias no desfile pode ser atribuda ao fato de elas
possibilitarem a expresso da experincia fragmentada de vida dos habitantes
da grande cidade que as apreciam e aplaudem. Elas correspondem a uma das
formas encontradas pelas escolas de samba para a expresso das
transformaes do seu tempo e da sua cidade (CAVALCANTI, 1999, p.
180).
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vem do fato se serem obras de arte popular, nicas e mutveis e, portanto, impossvel
decifr-las totalmente. Esse seu poderoso encanto. Impossvel compreend-las
totalmente. As esculturas, por exemplo, feitas por Rosa Magalhes para a escola de
samba Salgueiro, em 1990, participaram, no ano seguinte, da XXI Bienal de Artes de
So Paulo. Elas foram consideradas obras artsticas pelo curador Joo Cndido Galvo,
que as incluiu na prestigiada mostra internacional de arte.
o carnavalesco quem concebe a ideia dos carros alegricos. Ele o faz a partir
de um conceito principal e desenha as partes que o integram. Depois de aprovado o
desenho e realizado o oramento, d-se inicio ao trabalho de barraco, com a
confeco das alegorias. O barraco, como popularmente conhecido nas escolas, o
local onde so realizadas as alegorias. Nunca na quadra da escola, normalmente em
locais afastados, mais prximos do local de desfile, para facilitar o transporte. At a
dcada de 1980, as estruturas dos carros alegricos eram realizadas apenas em madeira,
e o principal chefe do barraco era o carpinteiro (URBANO; NABHAN; SANTOS,
1987, p. 62).
Como analisa Leila Blass, existem dois tipos de tempo dentro de uma escola de
samba: o tempo da festa e o tempo do trabalho. Se no incio dos folguedos as relaes
eram voluntrias, fazendo parte das atividades de lazer dos envolvidos, a partir da
entrada do dinheiro do Estado e do financiamento obtido atravs dos meios de
comunicao eletrnica, dos turistas e das chamadas classes mdias no interior das
escolas de samba, essas relaes tornam-se profissionais, com trabalhadores contratados
especificamente para a produo do desfile, na qual se destacam tanto o pessoal do
barraco como o carnavalesco (BLASS, 2007, p. 24).
A partir da dcada de 1980, h a necessidade de se contratar outros profissionais
especializados, que no precisam ter relaes com a quadra da escola, como artesos,
serralheiros, soldadores, marceneiros, escultores, pintores, vidraceiros, mecnicos,
iluminadores, eletricistas, especialistas em efeitos visuais, etc. (BLASS, 2007, p. 53).
Com a entrada de um dinheiro maior vindo dos patrocinadores e da verba da televiso e,
mais tarde, com a realizao dos desfiles no Sambdromo, os carros passam a ser
maiores, mais luxuosos e mais duradouros. A estrutura dos carros das grandes escolas,
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antes feitas em madeira, passa a ser realizada sobre os eixos de carros ou caminhes,
com a colocao de ferragem e com tantas rodas quantas forem necessrias para um
movimento equilibrado.
Uma vez pronta, essa base inicial forrada de madeira. Alm do forro, a madeira
um elemento cnico decorativo. Sobre essa base erguem-se ento as grandes
esculturas em isopor ou fibra de vidro. Um aspecto peculiar da escultura em isopor o
seu carter oculto e efmero dentro da preparao do carnaval. As formas esculturais em
isopor so raramente vistas: o escultor que trabalha com o isopor como um artista
escondido: exceto o caso de peas nicas, presentes na decorao dos carros, as peas
em isopor no fazem parte da composio do carro alegrico. Ou melhor, uma espcie
de molde do molde, porque uma vez esculpida, a pea de isopor integralmente
forrada com papel-mach de modo a se tornar bem lisa para a moldagem feita atravs de
mistura de gesso e sisal (CAVALCANTI, 1999, p. 163). Este um processo semelhante
ao utilizado pela escultura artstica tradicional, mas especificamente a escultura em
bronze, que tambm supe a moldagem como fase decisiva. O nome do modelador s
vezes pode ser mencionado, no entanto, a autoria da pea pertence claramente ao artista
que a concebeu. No carnaval, o escultor transpe para o isopor o desenho do artista, isto
, do carnavalesco.
Citando novamente Maria Laura Cavalcanti:
142
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Notada, por exemplo, no uso de instrumentos de sopro caractersticos das bandas militares e que iria se
popularizar com as marchinhas de carnaval.
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144
O som que a Vai Vai fazia ou que o Fio de Ouro fazia como cordo era
diferente da Nen. Era diferente. Muita gente chama esse ritmo dos cordes
de marcha sambada. Presta ateno, nunca houve marcha sambada. O que h
samba marcheado. Era um samba muito mais pesado. melodicamente o
compasso mais alongado. A gente tem que falar assim porque em primeiro
lugar vem o samba. Era marcheado para as pessoas poder desfilar andando,
indo em uma direo seguindo aquele ritmo. 63
64
Entrevista de Dionsio Barbosa a Olga von Simson e a Jos Ramos Tinhoro. Laboratrio de Histria
Oral-Unicamp. Pasta D. Barbosa, p. 53.
144
145
Voc comprava nesses ferro velho e com uma serra circular, montava, ia na
morsa e tirava os dente, soldava e saa o agog. Tudo artesanal. ... O surdo
era de lato de carbureto65. Sabe o que carbureto, n? Tudo de lato de
carbureto. Fazia a borrachinha de fixao, o estirante. Era tudo ns mesmo
que fazamos, a rosca, achatava a parte de baixo. E tinha mais o chocalho
com vara. E outra coisa que a gente fazia era reco-reco de bambu. Tinha um
cabo fino. o reco-reco estriado, estriado porque tem uma chave de
alumnio, ela era estriada, n? Ento ela virava aqui e tinha uma ala pro
dedo segura aqui e culungundum, caxitundum, culugundum. Hoje tenho recoreco, mas de mola, n? 66
Divino ressalta ainda que at hoje produz seus prprios instrumentos e esse um
dos trunfos de sua bateria ser to reverenciada.
Agora que inventaram a pele de nylon, porque era tudo couro. Deixava no sol
depois fazia a barba dele, pra deixar lisinho. Tenho ainda couro bruto a. Isso
hoje. Eu mesmo fao meus instrumentos. Eu gosto. Fao cambito. Eu mesmo
fao meus cambitos. Agora os mestres de bateria compra tudinho. s ligar
pra loja e pedir pra entregar. (...) D uma olhada nos meus instrumentos.
tudo de couro! Isso ningum sabe, cara! C sentiu, ouviu a vibrao no
cho? Pega uma chave l qualquer, se voc aperta algum instrumento aqui
no faz mais barulho. Vai nas escolas por a tudo de nilon. 67
65
145
146
Ento saa um regional com dois, trs cavacos e um banjo. Porque o banjo
grita mais alto. E violes, um pandeiro e poucos bumbos. Um ou dois, como
eu falei pra vocs. Pra no encobrir os violes e a voz. Ento era muito mais
sonoro, mais bonito. De longe j se ouvia aquele grupinho, que vinha
cantando, balanando, espontneo. Sem aquele compromisso de ganhar um
ttulo, dinheiro e tal... A veio a televiso e comeou a mudar muito. Foi com
a entrada da televiso e o crescimento muito acelerado das escolas que
comeou a industrializao dos instrumentos, porque antes era artesanal, n?
Agora so trezentos, quatrocentos ritmistas, no tem como fazer como
antigamente. Voc fazia primeiro com barrica, depois veio o processo de
evoluo e fazia com madeira compensada. Tinha aquele tamborzo de
madeira compensada e que parecia um surdo. Era s pregar um couro ali e
virava um surdo. O surdo de madeira compensada at hoje. Ento a gente
inventou aquilo. Depois veio tambor de carbureto. Era um tamborzo de lata
assim do tamanho do tronco de uma pessoa, bem grande. A gente mandava
para o ferreiro ferrar uma argola aqui e quatro tarraxas. A j esticava e
apertava o surdo, no era mais esquentado na fogueira. Que aqueles
compensados de barrica. C tinha que esquentar e esticava. Dali dez minutos
esfriava, a ficava pior. O sereno molhava e a ficava pior. Esquentava
durante uns dois minutos e depois comea a bater, tum, tum, tum, tum, tum,
tum, at ficar na afinao correta. Dali a pouco j comeava de novo. Os
caras falam, endeusam muito isso. Pega um tambor murcho, esquenta ele e
comea a tocar no sereno pra ver quanto tempo ele dura. Entendeu? A
inventamos a tarraxa. A no precisava mais esquentar, era s apertar que a
pele esticava. Isso j representou um grande avano. A depois comeou a
industrializar. Por tarraxa nos instrumentos. Voc sabe a capa do meu livro?
T o Germano Mathias com a primeira cuca que eu fiz pra ele. Ele j tinha
comprado uma e no deu certo. A ele foi at a minha casa para eu entregar a
cuca pra ele. Ele foi com o Padeirinho l. E a tiramos a foto, com o
Germano e a cuca. 68
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147
69
CD. Histria do Samba Paulista I. Narrada e contada por Osvaldinho da Cuca. CPC UMES. Faixa 05,
1999.
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e dos instrumentos utilizados pelo cordo, temida pelos outros grupos, dada sua
qualidade.
Cantado por membros da escola de samba Camisa Verde e Branco no documentrio Samba paulista.
Fragmentos de uma histria esquecida, Diretor: Gustavo Mello. Produo: TV Cultura, 2007.
148
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duas quadrinhas com trs versos, e conclamando todos a sarem de suas janelas para
espiar o Vai-Vai passar e intitulando o cordo como Turma do amor.
Estes versos chamando as pessoas a irem s suas janelas eram muito recorrentes
nos temas dos cordes, porque eles desfilavam nas ruas do bairro de origem e uma das
formas de se obter patrocnio era passar o chamado Livro de Ouro para comerciantes
e moradores da localidade da escola. No livro as pessoas assinavam e davam uma
pequena contribuio financeira para compra de materiais para o desfile do cordo, que
devia assim dar um retorno aos patrocinadores locais, fazendo um desfile no prprio
bairro, antes ou aps o desfile oficial no centro da cidade. Seu Nen da Vila Matilde,
por exemplo, em entrevista a Olga von Simson, diz que nunca descia para o centro sem
antes desfilar no seu bairro, mesmo com chuva, como forma de agradecer a todos que
contriburam financeiramente e tambm como forma de manter o apoio da
comunidade71.
Em 1935, o Vai-Vai desfilou com um samba-exaltao de autoria de Tino e
Guariba que j no convidava as pessoas para sarem s ruas, mas lamentava aqueles
que no aprontaram a sua fantasia para desfilar no cordo. O samba revela que nesse
71
Depoimento de Seu Nen da Vila Matilde a Olga von Simson. Laboratrio de Histria Oral-Unicamp
(LAHO). Pasta Nen.
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CD. Histria do Samba Paulista I. Narrada e contada por Osvaldinho da Cuca. CPC UMES. Faixa 10,
1999.
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Aruanda ficou
O mar separou
Senhor!... Meu Senhor!...
73
Depoimento de Geraldo Filme a Olga von Simson. Laboratrio de Histria Oral-Unicamp (LAHO).
Pasta G.Filme, p.71.
74
Depoimento de Seu Nen da Vila Matilde a Olga von Simson. Laboratrio de Histria Oral-Unicamp
(LAHO). Pasta Nen, p.142.
151
152
Seu Nen da Vila Matilde, em depoimento a Olga von Simson, relembra como
foi ganhar esse campeonato:
75
Depoimento de Seu Nen da Vila Matilde a Olga von Simson. Laboratrio de Histria Oral-Unicamp
(LAHO). Pasta Nen, p.118-119.
152
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Renunciou o Imperador
Pelo amor que consagrava
nossa ptria querida
Domitila de Castro, Marquesa de Santos
Para no ver a nossa terra dividida
No se casou com D. Pedro e o Norte no se separou
Diz a histria
Vamos reverenciar a sua memria!
Brasil... Brasil amado
Quanto civismo no passado
A campanha Cisplatina
A doao de Domitila
Renunciando, o seu amor teria falado:
Parta-se o meu corao
Por minha causa no haver separao
No, no, no
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CD. Histria do Samba Paulista I. Narrada e contada por Osvaldinho da Cuca. CPC UMES. Faixa 14,
1999.
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tinha censura velada. Certas coisas no podiam falar. Seno era preso. Eles
queriam que a gente fizesse esse sambinha gua com acar77.
A censura valia para todas as novas composies dentro dos meio musical e
fonogrfico brasileiro e no apenas para os sambas-enredos. Esta aberrao durou de
1969 at o ano de 1986, quando o ministro da Justia, Fernando Lira, promulgou uma
lei acabando com a censura no pas. As escolas de samba j estavam dispensadas de
censura prvia dos enredos, sambas-enredo, alegorias, adereos e figurinos desde
setembro de 1985, quando uma portaria da Polcia Federal as liberava78.
Nos documentos em anexo est uma cpia do samba-enredo O cancioneiro do
Estcio de S realizado pela escola de samba Corujas da Vila Esperana, em 1979. No
documento possvel visualizar o carimbo do Departamento da Polcia Federal
liberando a cano para gravao e divulgao pblica79.
Para que as escolas de samba recebessem a verba oficial, era necessrio que seu
samba-enredo estivesse aprovado pela censura. Como os sambas deveriam tratar de
fatos histricos de cunho nacional, as escolas de So Paulo tambm passaram a utilizar,
a partir de 1969 e em toda a dcada de 1970, um estilo de composio conhecido no Rio
de Janeiro como samba-lenol. Essa expresso pelo fato de o samba ter que cobrir
o enredo em sua totalidade e no poder contradiz-lo em nenhum aspecto.
Este estilo de composio tem seu incio no samba realizado por Silas de
Oliveira para a escola Imprio Serrano em 1961, intitulado: Sessenta e um anos de
Repblica. Esta cano deu ao gnero uma nova forma que utilizada at hoje no
samba-enredo, o samba-lenol, uma das modalidades de sambas-enredo mais
conhecidas80. Caracterizada por melodias solenes, por jogos rtmicos frequentes (s
vezes fazendo com que a slaba tnica no coincida com o acento musical, o que
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aumenta o efeito da sincopa). Tambm caracterizado por letras extensas com muitos
versos e por um vocabulrio sofisticado, que se afasta definitivamente da linguagem
popular e dos sambas de terreiro e de quadra.
Passou a ser um tipo de samba feito exclusivamente para ilustrar o enredo que a
escola desenvolver durante o seu desfile. comum tambm, no samba-lenol,
expresses e palavras eruditas da lngua portuguesa, distantes do cotidiano dos
sambistas como, no caso do j citado samba Sessenta e um anos de Repblica, de
Silas de Oliveira, que utiliza: glria opulenta, eminente estadista e vitria
altaneira
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81
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carnavalescas passaram, com uma letra artificial, descritiva e uma poesia pobre, pouco
elaborada e contando com a presena de vrias palavras eruditas que no fazem parte do
vocabulrio corrente dos sambistas apresentando uma melodia que mal consegue
encaixar os versos, muito longos. Percebe-se que a melodia e a letra foram inspiradas
diretamente nos sambas-enredo realizados por Silas de Oliveira nos desfiles do Rio de
Janeiro:
Na era de 1730,
Quando o preto era importado,
Atracou o navio negreiro,
Chico Rei desceu descalo
Com sua tribo acorrentado
Vindo diretamente a Vila Rica
Terra do ouro e do pinho,
Onde residia o estaturio
Antnio Francisco Lisboa
O famoso Aleijadinho
L l l l l (...)
158
em 1972, dentre outras escolas. Tambm deve-se destacar a importncia dos enredos
relacionados a temas afro-religiosos ou da cultura afro-brasileira. Nesses enredos
possvel ver com um pouco mais de clareza o discurso do negro reprimido, que, na
maioria das vezes, tenta ser anulado pelo repressor, apresentando-se no enredo das
escolas de samba sob as mais diversas formas e disfarces: fuga ao problema; alienao
aparente; uso de smbolos, metforas e metonmias, embora algumas vezes mostre-se
abertamente beligerante e de oposio. Sobre a histria do Brasil, as escolas de samba
tambm procuravam falar sobre a histria dos negros no Brasil. Por exemplo, a recmfundada Mocidade Alegre foi campe do Grupo II no ano de 1970 com um enredo sobre
Zumbi dos Palmares, inspirado no famoso enredo de mesmo nome realizado por
Fernando Pamplona na Acadmicos do Salgueiro, em 1960.
O pioneiro a escrever enredos e tambm compor sambas-enredo ligados s
temticas de matizes africanas em So Paulo Geraldo Filme. Destacam-se, na dcada
de 1970, diversos sambas realizados para a escola de samba Paulistano da Glria. Como
Tebas, Histrias de um Preto Velho e Que gente essa.
No samba-enredo Tebas, de 1974, em um enredo intitulado Praa da S, sua
lenda, seu passado e seu presente, sobre um dos principais redutos de sambistas da
primeira metade do sculo XX, Geraldo Filme faz um verdadeiro trabalho de microhistria, resgatando a histria de um escravo trabalhador da construo civil do sculo
XVIII, completamente ignorado pela Histria oficial. Segundo as pesquisas de Geraldo
Filme, ele encontrou a histria deste escravo devido ao fato de Tebas ser um termo
utilizado pelos negros paulistanos no sculo XIX com o significado de algum muito
bom em sua rea de atuao, algo como Pel, para os dias de hoje. A origem do termo
o nome de um escravo que conseguiu ser alforriado, por ser um grande conhecedor
das reas de alvenaria e hidrulica. Segundo Geraldo Filme, Tebas, apelido do escravo
Joaquim Pinto de Oliveira, era um dos responsveis pela construo das torres da antiga
igreja da S e da canalizao dos esgotos da regio central da cidade. Ele, que dominava
a tcnica de taipa de pilo, teria construdo as torres sob duas condies: ganhar sua
carta de alforria e que seu casamento fosse o primeiro celebrado na igreja aps a
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Ka Ka Ka iorub
Depois surgiu Palmares
Sua confederao
E um canto livre
Vem l do serto
Cantou na capoeira
No tronco cantou e gemeu
Ela cantando embalava
Um filho que no era seu
Hoje essa gente sofrida
Vem dos morros e favelas
Mas traz um canto divino
Que ilumina a passarela. Quem ?
o canto negro, sinh.
(BOTEZELLI; PELO; PEREIRA, 2000. Volume 2: 83)
O samba apresenta uma melodia lenta e bem marcada, para facilitar o canto e a
evoluo da escola na avenida.
De autoria tambm de Geraldo Filme, a escola do bairro da Liberdade
apresentou Orao em Tempos de Festa, de 1977, exaltando a luta dos negros para
manter a sua cosmogonia e as suas crenas durante o perodo opressor e violento da
escravido. Nesse samba so lembradas as funes dentro do candombl de vrios
Orixs como: Oxossi, Ogum, Omol, Oxumar, Yans e Iemanj:
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Alm de compor para a sua escola de samba, como j citado, Geraldo Filme
tambm comps diversos sambas-enredo para a escola de samba Vai-Vai. Fiel sua
linha de escrever sobre temas ligados cultura negra, em 1976 escreveu a cano para o
enredo em homenagem ao poeta negro recifense Solano Trindade.
A partir da dcada de 1970 acontecem os primeiros esforos para a gravao dos
sambas-enredo de So Paulo em discos. Foi realizada, de forma sistemtica, a gravao
das msicas apresentadas pelas escolas do Grupo I (atual grupo Especial) somente a
partir de 1977, quando os desfiles foram transferidos para a Avenida Tiradentes.
Outras escolas tambm apostaram em enredos de inspirao africana e de
denncia social. Dentre elas destacam-se Unidos do Peruche, Nen de Vila Matilde e
Camisa Verde e Branco.
A dcada de 1970 o perodo de hegemonia do Camisa Verde e Branco, com a
agremiao alcanando a marca de seis ttulos de campe do carnaval paulistano. A
agremiao conquista o ttulo do ltimo desfile dos cordes carnavalescos em 1971 e,
no ano seguinte, desfila pela primeira vez como escola de samba, alcanando o terceiro
lugar. A partir da, a agremiao mostra que conseguiu uma rpida adequao para a
linguagem dos desfiles das escolas de samba. Em 1973 fica com o vice-campeonato e a
partir da a escola conquista um tetracampeonato consecutivo (de 1974 a 1977). No ano
seguinte e em 1980 a escola ficou novamente com o vice-campeonato, sagrando-se
campe novamente em 1979.
A escola no apostou em enredos ligados a personagens histricos, mas aqueles
relacionados natureza, como As quatro estaes do ano (1973), ao mundo da
msica, cinema e artes plsticas, como Tropiclia (1975), Atlntida e suas
chanchadas (1976), Semana de Arte Moderna e os contemporneos do futuro (1978),
alm de uma lenda indgena Narain, a alvorada dos pssaros e um enredo sobre o
gnero feminino, Acima de Tudo Mulher (1980).
Outra maneira encontrada pelas escolas de samba para fugir dos temas histricos
solicitados pelo regulamento so aqueles relacionados a temas onricos, circenses ou
ligados ao universo fantstico da imaginao. No Camisa-Verde e Branco destaca-se
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encenarem o tema da Guerra de Palmares, a Nen traz em seu desfile apenas o aspecto
da luta contra a escravido, com uma mensagem de alerta para a situao dos negros na
contemporaneidade. O samba-enredo de Armando da Mangueira e Jangada contribui
para a transmisso da mensagem proposta pela escola ao apresentar o refro Se cuida
branco que o negro no tem senhor. O samba transcende a luta pela liberdade como
no sendo apenas dos negros, mas a luta de classes, de todos os pobres. A escola de
samba apresentada como um novo Quilombo, ou seja, um espao de lutas e diverso
de todos os marginalizados e escravizados pelo sistema capitalista.
Oi Princesa
Oi Zumbi
A nobreza de Palmares viemos recordar
claridade
Brilha a raiz da liberdade,
Zumbi lutou
At que a morte o libertou
E uma nova aurora conquistou
, se ouvia um feroz clamor
se cuida branco
Que o negro no tem senhor
No terrvel horror do cativeiro
Ao esplendor
Palmares o quilombo pioneiro
Superou a dor
O negro soube se unir ao ndio e ao branco pobre
Eram trs raas a sorrir
Era um Brasil mais nobre
Olha o tombo
samba de conga
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E tem dend
Chegou novo Quilombo
E seu nome Nen
A escola de samba Mocidade Alegre apresentou o enredo Malungos, guerreiros
negros, sobre o mesmo tema da escravido. A escola apresentou os sobreviventes dos
navios negreiros como verdadeiros guerreiros, metfora aplicada para a situao do
negro no pas. Malungo uma palavra africana, que significa companheiro (aquele que
divide o po). Era a forma de tratamento mtua que os negros de diferentes tribos
davam queles que vinham no mesmo navio negreiro.
Na mesma linha da Nen de Vila Matilde, mas com uma mensagem de denncia
explcita e radical da situao do negro no pas, o Camisa Verde e Branco apresentou o
enredo Negro Maravilhoso Mtuo Mundo Kitoko. No desfile, a escola trouxe a saga
do povo negro, trazido fora do continente africano para ser escravo no Brasil e que
mesmo depois da abolio, continuou como o grupo mais marginalizado e com menos
oportunidades. O Camisa Verde e Branco chama a ateno de que os negros devem se
destacar na sociedade brasileira em geral e no apenas no carnaval, no qual j so
tradicionalmente reconhecidos.
O samba-enredo, de autoria de Talism, um dos nicos da histria do carnaval
paulistano que pode ser classificado como msica de protesto, com uma letra
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questionadora e provocativa e uma melodia que se aproxima dos sambas feitos pelo
Camisa Verde e Branco durante sua fase como cordo.
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A Nen de Vila Matilde trouxe, em 1985, O dia que o Cacique rodou a baiana,
de Paulinho da Matilde, tambm um samba-enredo de protesto; mas, ao contrrio do
Negro Maravilhoso, do Camisa Verde e Branco, no qual a mensagem forte, explcita
e contundente, a Nen optou por realizar a crtica social atravs de stira poltica e de
costumes. O samba trata da luta do cacique Juruna, primeiro indgena a ser eleito
deputado federal dentro do Congresso para aprovar os projetos de interesse de seu povo.
Tambm faz uma crtica aos meios de comunicao, alienantes, que destroem a arte e a
imaginao dos negros e ndios para veicular cultura de massas. Por fim, o samba da
Nen sugere aos negros, pblico original das escolas de samba e tambm explorado
historicamente pelo branco, para rodar a baiana e lutar por seus direitos dentro da
poltica tradicional elegendo seus representantes.
Vai, Nen
Embalando a alegria
E no canto
Da guia guerreira
Toda altaneira
Cai na folia
Quando o cacique rodou a baiana
O Juruna vestiu a camisa, gravata e palet
Mas o branco soberano
S explorando
At que o ndio disse
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Hoje
Para orgulho de nossa nao
Negros e brancos
E ndios so irmos
Reivindicando seus direitos
Se unindo em mutiro!
Oh! meu senhor...
Devolva minhas terras
Por favor
Nosso canto e dana
Desponta nossa alegria
Driblando a inflao
o nosso dia-a-dia.
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escola, como o citado acima. Como evidencia Leila Blass, o refro desempenha um
papel importante no samba enredo, expressando o que est internalizado por todos e
preparando a passagem para o contedo a ser tratado nas estrofes seguintes (BLASS,
2007, p. 68). J para Rachel Valena, o refro seria um recurso precioso para captar a
simpatia e a participao das arquibancadas (VALENA, 1996, p. 87).
Os sambas-enredo passam a ter uma diviso diferente com uma primeira parte,
seguida de um refro de oito versos (16 compassos) e de uma segunda parte, seguida de
um segundo refro tambm com oito versos. Este segundo refro, na verdade, o
refro principal, que tem como funo levantar e empolgar a avenida, mencionando
sempre, de forma entusistica, o nome da escola, s vezes at fugindo da temtica do
enredo. Esta parte deve ter uma melodia tambm mais empolgante, para todos cantarem.
Apesar de estas msicas serem grandes em extenso, os seus versos so cada vez mais
curtos, porque, como apontam Mussa e Simas, difcil para os folies, em geral,
conseguirem entoar mais de oito slabas, em quatro compassos (MUSSA; SIMAS,
2010, p. 118).
No geral, a primeira parte destes sambas-enredo tem em torno de dez versos e
predomnio do tom maior; j a segunda tem a mesma extenso, mas um predomnio do
tom menor em sua primeira parte para, no fim, dar entrada ao triunfal refro principal
(MUSSA e SIMAS, 2010, p.117).
Corao, amor, emoo, galera, luz, brilhar, resplandecer, irradiar... Esses so
substantivos e verbos que mais aparecem nos sambas-enredo das escolas do Grupo
Especial do Rio e de So Paulo, a partir da dcada de 1990, quando os desfiles passam a
ocorrer no Sambdromo. Como atesta Osvaldinho da Cuca84, sambas que fogem a essa
regra no tm chances dentro das eliminatrias promovidas pelas escolas. Prova dessa
nova condio que Osvaldinho concorreu com sambas na escola de samba Vai-Vai e
Gavies da Fiel e foi tachado de ultrapassado, porque seus sambas no seriam
adequados para o andamento do desfile:
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Agora virou inferno samba-enredo. D saudades do Jamelo. Ele no
permitia gritaria no samba. Houve meu samba a, meu samba-enredo t a
nesse cd que eu te dei. Pode por a pra vocs ouvirem, ele empolga pela letra,
pela melodia, pela sequncia lgica. No tem gritaria. Qualquer samba meu
voc entende. Salvo aquele de 82, o Oluay, que era uma filosofia africana.
difcil voc entender uma filosofia brasileira, quanto mais uma africana, n?
Ento, tudo bem. Mas quando eu fao samba voc entende. Voc comea
pelo fio, ele vem em ordem cronolgica, contando a histria at o fim. Esse
ano eu fiz, t a. S que no deixaram ganhar, l na Gavies. O enredo era pra
contar a saga do povo nordestino, o sofrimento do serto, vindo pra So
Paulo e um representante maior que chegou a ser presidente da nao,
representando todo esse povo, com seu folclore, sua histria e seu sofrimento.
Vindo pra So Paulo e vencendo, que o Lula. Ele conseguiu um monte de
patrocinadores pra Gavies falar dele. Cinco milhes. Muito bem, t a. Voc
pega meu samba voc entende. A primeira parte fico. Voc vai ver o
maior escorpio da avenida, o abre-alas da escola. Porque ele do signo de
escorpio. Esse escorpio se transforma num gavio, porque a Gavies da
Fiel e ele corintiano. E vem pra So Paulo, a que comea a luta dele que
todo mundo conhece, no ABC at ser presidente da repblica. A vm os
processos de viajar pro Nordeste, fazendo as caravanas da cidadania, aqueles
negcios, muito bem. Esse o enredo, agora pega o samba-enredo que
ganhou. Agora voc pega o meu pra voc ver. S tem rimas pobres, um senso
comum. Eu tenho percepo. Que eu sempre fui de conjunto vocal, sempre
gostei de vocalizar. Ento eu peguei o pessoal da Vela, umas meninas que
cantam pra caramba. Peguei o Washington do Vai-Vai, o Odilon que um
irmo meu tambm, desfilava comigo nos cordes. E gravamos o samba. Eu
falei pra eles, a msica essa s que aqui vai fazer uma oitava e aqui vai
vocalizar. No palco fizemos igual a gravao. Ensaiamos a diviso. No
quero harmonia, quero voz. Quando chegou na quadra e eu entrei com aquela
turma. Violo, cavaco tudo ensaiado, coro. Tinham uns oito no coro. Quando
abriu o vocal, o Ren Sobral comeou:
Nasceu na terra seca do serto/pau-de-arara ps no cho/ o retirante
nordestino/ Viveu o sofrimento do lugar/E na cultura popular fortaleceu o
seu destino/ Cresceu sob a influncia de escorpio/ Acreditando no poder da
transformao/ Bateu asas e voou/E foi assim que tudo comeou/Me
coragem abenoa pra vencer/ Vem pra terra da garoa a perder/Operrio
consciente cidado/ o brao forte da nao/ Me coragem abenoa, pra
que?/ Pra vencer, vem pra terra da garoa. 85
Outro fenmeno criticado por Osvaldinho a poluio visual dentro dos sambasenredo, com mensagens para a escola, para a comunidade, para o presidente da escola,
diretoria etc. Nesta safra de sambas-enredos surgidas a partir da dcada de 1990 h a
presena de uma grande exaltao prpria escola, principalmente nos refres, e a no
descrio de todo o enredo ao longo da msica, o que ocasiona a perda de pontos. Para
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ele, isso alimenta o ego da comunidade, mas no se traduz em vitria na avenida, nem
em sambas elaborados:
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Outro motivo para este tecnicismo, que gera no apenas uma padronizao
sonora, mas tambm uma padronizao visual, tornando os desfiles cada vez mais
semelhantes, que as escolas de samba optam por levar para a avenida sambas que tm
mais chances de tirar nota 10, pois os jurados do nota aos sambas-enredo sem um
maior envolvimento afetivo, sem uma avaliao mais apurada da qual uma obra artstica
necessita, ou do nota mxima para sambas horrveis do ponto de vista esttico-potico,
mas que cumprem estritamente sua funo dentro do quesito.
Grande parte destes sambas-enredo produzidos aps o incio dos desfiles
realizados no Sambdromo do Anhembi efmera. Seja do Grupo Especial, Grupo de
Acesso ou Grupo I. Alguns meses depois, ou mesmo ao final do desfile, eles so
esquecidos por todos, no se cristalizando na memria da msica popular brasileira.
Muitos so patrocinados por empresas, cidades ou Estados que desejam utilizar os
desfiles para divulgarem suas marcas ou caractersticas de suas localidades para todo o
Brasil. Tambm h uma grande concentrao de enredos abstratos, como mundo da
imaginao, ou reflexivos, tornando as letras cada vez mais previsveis e cheias de
lugares-comuns.
As decises das diretorias das escolas de samba de buscar enredos patrocinveis
para conseguir o montante de dinheiro necessrio para pr a escola na avenida (e que
no pouco, na casa dos milhes de reais!) faz com que sambistas tradicionais das
Velhas Guardas se desencantem com esta situao de mercantilizao do carnaval e se
ressintam, pois no conseguem enxergar-se como integrantes do atual mundo do
carnaval, uma vez que, inicialmente, a escola de samba se apresentava de forma simples
e espontnea, e hoje um verdadeiro produto da indstria cultural e televisiva. Prova
disso so as entrevistas realizadas durante a realizao desta dissertao. Essa avaliao
unnime por parte de todos os entrevistados. Alguns tm opinies crticas mais fortes,
como o caso de Marcos dos Santos e Mestre Gabi, outros procuram tentar quebrar
essa lgica, o que o caso de Mestre Divino, persistindo com sua escola de samba, a
Imperial, realizada de modo artesanal, com trabalho familiar e que traz uma batucada
com a presena de diversas crianas para tentar manter em atividade instrumentos em
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178
desuso pelas escolas tradicionais, preocupadas apenas em tirar nota dez e serem
campes ao final do desfile.
Na conversa entre Paulinho da Viola e Elton Medeiros, em entrevista a Fernando
Faro, em 1990, ntido o tom saudosista com que falam das escolas de samba:
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2.4 A batucada
Tinha trombone, clarins, tinha muitos clarins, todas essas coisas bonitas se
perderam e virou tudo escola de samba de padro carioca. Por exemplo,
assim como no Sul, aqui em So Paulo a batida do surdo era diferente. No
tinha nada igual ao Rio, absolutamente nada. (...) No falava bateria era
batuque. Bateria era Rio de Janeiro. Aqui era batuque. Na frente do batuque
tinha uma rumbera. Sacudindo aquele vestido encarnado, rodando no cho.
(...) A percusso do cordo era bem pesada. Alm desses instrumentos de
corda e de sopro que eu falei tinha surdo e bumbo, muito bumbo de banda.
No confundir com zabumba, porque muito historiador pe zabumba.
Zabumba nordestino fininho, um bumbo magro, e o bumbo aquele
gordo mesmo de banda, aquele que nem o dos fuzileiros navais. Bum, bum,
bate de um lado e do outro. Ento em So Paulo tinha muito bumbo e a
batucada era bem diferente. Como tinha muito harmnico, o bumbo um
grave pesado, e ele tem muito harmnico. O som assim: - Bum! O
harmnico fica retumbante. O importante dele era a funo de batida, no
repique. Quem repicava era um surdinho pequeno. Era um samba socado que
o carioca dava risada da gente. Falava que era um samba duro. Ento era
assim, o bumbo ele vinha sempre dois ou quatro atrs, depende do cordo. 88
88
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Pato Ngua (...) conseguia dirigir uma bateria com perfeio, instrumento,
afinao, aquelas coisas todas. (...) Me parece que ele era roupeiro do
Corinthians, ele e o Caldeiro, irmo dele, qualquer coisa assim, mas tinha
ligao direta com o clube. Como bom sambista, ele tinha aquele monte de
89
Carlos Sandroni identifica a batida aplicada execuo do samba no violo como um modelo
rtmico de acompanhamento, suscetvel de certo grau de variao, utilizado quando a cano a ser
acompanhada pertence ao gnero samba. In: SANDRONI, Carlos. Feitio decente. Transformaes do
samba no Rio de Janeiro (1917-1933). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 45.
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comadre, ento tinha que fazer as visitas. Um belo dia, ele saiu para fazer a
visita na casa das comadrinhas e tomou um caf da manh, parece que era dia
de pagamento, alugou um txi e foi embora, passa ali, toma um caf, passa l,
bate um papo. Foi parar em Suzano. Chegou em Suzano, o motorista ficou
meio cabreiro. A ltima coisa que se sabe que o motorista falou: Tem um
cidado que est no carro desde manh. Passaram a mo no rapaz e levaram
pra dentro da delegacia. Depois disso a notcia que chegou para ns foi que o
rapaz estava morto. Encontraram morto numa lagoa em Suzano. Trouxeram o
corpo pra So Paulo, o Wadi Helu que comandou fez todo o enterro. Estava
como enfarto. De susto no morreu, porque ele era bravo, afogado tambm
no, porque chamavam de Pato Ngua porque nadava bem demais. O
motorista do carro funerrio falou pra gente, o Carlo do Peruche, eu e a
falecida Cininha: D uma olhada na japona dele, ela est com uns furos
meio estranhos. Quando o Carlo pegou a japona, o dedo dele j entrou num
buraco. Fomos tirar a roupa dele pra ver e no aparecia marca de furo. A
explicaram pra gente que, se for baioneta ou punhal, na gua fecha. A passou
e a nica coisa que restou foi a homenagem a ele atravs de um samba
(BOTEZELLI, PELO e PEREIRA, 2000. Volume 2:80).
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das Escolas de Samba produzido pela UESP92, no que diz respeito ao ritmo, o
funcionamento de uma bateria assemelha-se a uma orquestra; devendo manter
inaltervel o sincronismo de sons e o ritmo emitido pelos diversos instrumentos, cuja
distribuio dentro do conjunto fica a critrio de cada agremiao.
Os idiofones so os instrumentos cujos materiais soam como os sinos, gongos,
chocalhos e etc. Nas baterias de uma escola de samba, alm dos instrumentos
obrigatrios, comum estar presentes outros instrumentos idiofnicos: agog, prato e
reco-reco. O prato um instrumento que hoje est em desuso, com pouca presena,
enquanto os outros (agog, reco-reco e chocalhos) continuam em destaque
(MENISTREL, 2009, p. 89).
Os tambores, cuja percusso dada por uma pele de animal ou sinttica so
chamados de membranofones. Na bateria de uma escola de samba esto presentes os
seguintes membranofones: cuca, tamborim, pandeiro, repinique, caixa, surdo e timbau;
eles so tocados com diferentes tipos de baquetas ou com as mos, a exceo da cuca,
vibrada pela ao de um pano umedecido esfregado por um arame (MENISTREL, 2009,
p.90).
Os surdos apresentam normalmente trs variaes: a primeira de marcao, a
segunda de resposta e a terceira de corte. O surdo de primeira , em geral, o mais
grave dos trs. Tem normalmente de 24 a 29 polegadas, e o alicerce rtmico da
batucada, pois executado no segundo tempo do compasso binrio (tempo forte do
samba). O surdo de segunda um pouco menor, tem em geral de 22 a 26 polegadas, e
responde a batida do surdo de primeira, tocando no primeiro tempo do compasso. O
surdo de terceira mede entre 16 e 20 polegadas e o mais agudo dos trs sendo
executado junto com o surdo de primeira, porm executando figuras sincopadas (a
marca rtmica do samba) (MENISTREL, 2009, p.101).
A escola de samba Nen de Vila Matilde ao lado do Vai-Vai destacou-se nos
anos 1960 e 1970 por sua bateria, sendo a escola que introduziu alguns dos instrumentos
92
Segundo o Manual do Jurado produzido pela Unio das Escolas de Samba Paulistanas (UESP) em
2007 com os critrios e pontos de balizamento vigentes.
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que empolgavam a avenida. As escolas que surgiram neste contexto tambm buscaram
adotar esse modelo rtmico, marcando a festa carnavalesca a partir da. Os instrumentos
leves de percusso so: tamborim, repique, ganz, agog, cuca que dialogam entre si
e com o surdo de marcao.
Nove anos antes da oficializao, em 1959, a bateria da Nen adicionava aos
seus desfiles o ritmo e as batidas cariocas, aprendidas pelo prprio Nen em visita ao
morro da Mangueira e posteriormente ensinados por mais de dois anos, aos ritmistas
paulistanos. Essa influncia carioca provocou diversas mudanas dentro do instrumental
da Nen. Inicialmente, os ritmistas tiveram dificuldade em entender a batida carioca,
mais leve e mais rpida, pois estavam acostumados a uma batida mais pesada e a uma
dana mais lenta dos cordes, originrias do jongo e das danas religiosas do interior do
Estado trazida pelos negros que imigraram para a capital, ao longo do sculo XX
(SIMSON, 2007, p. 218).
Aps a oficializao, o ento diretor de bateria da Vila Matilde, Mestre Divino,
aperfeioou essas mudanas e introduziu outras dentro da bateria da escola da zona
Leste:
Breque ou Bossa uma parada repentina ou inesperada, executada quando a percusso est no seu
ponto mais animado, permitindo floreios rtmicos e coreogrficos que empolguem a assistncia.
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que ser o contra tempo - combinao. Atentamo-nos ao uso de agogs, pois
so quatro campanas: d-r-mi-f, usando-os com moderao, porque dentro
de uma batucada no apresenta tanta utilidade e efeito e, se no bem
utilizado, no momento exato atrapalhar no andamento do conjunto no ritmo.
Costumava tocar os instrumentos com os batuqueiros, individualmente,
fazendo-os cantar porque o batuqueiro que canta no atravessa94.
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maior influncia do Rio de Janeiro, pois o porto de Santos contava com muitos
estivadores que vinham da ento capital federal, e vice-versa, muitos saam de Santos ia
trabalhar no porto do Rio e depois retornava, com novas ideias que haviam aprendido
com as escolas de samba cariocas.
Mestre Divino ressalta que foram abolidos das baterias das escolas de samba
estes surdos de quarta e de quinta tradicionais do samba paulista e os quais ele fez
questo de manter frente da Nen de Vila Matilde. A sada desses surdos est
relacionada a uma das mais significativas perdas das escolas de samba da capital
paulista: a sua identidade sonora. Para ele, qualquer pessoa com um mnimo de
conhecimento musical conseguiria distinguir e identificar facilmente a bateria das
escolas, pois cada uma possua sua prpria identidade, timbre e sonoridade. Isso teria
ocorrido por tentar apenas copiar o modelo das baterias das escolas cariocas. Ele prprio
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utilizou diversos padres rtmicos que j eram utilizados em escolas de samba do Rio de
Janeiro, em especial da Mocidade Independente de Padre Miguel, da qual foi ritmista. O
mestre de bateria analisa que, ao utilizar esses recursos, as baterias regidas por ele no
perderam sua identidade e cadncia, pelo contrrio, preservam uma sonoridade que as
prprias escolas cariocas j no tm.
Eu dou umas paradas na avenida. No Rio vrias escolas fazem paradas. Fao
aquilo que a Padre Miguel fazia. Hoje no consegue fazer, cara! Parar e
voltar sem chamar. S no sincronismo. Quando eu via a Padre Miguel fazer
isso era bonito pra caramba! Tem que todo mundo parar junto e voltar junto
pra d certo. no compasso certo. O que a gente faz aqui na Imperial, os
caras no conseguem mais fazer. Eu fico puto, por isso... Poxa vida! Por isso
que eu falo que a banana comeu o macaco; a linguia colocou o cachorro pra
corre. Gozado, n? 98
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possvel identificar mudanas nas demandas dos sambistas em relao ao poder pblico
e nas relaes com a indstria cultural.
A questo central a ser debatida : o que significou a conquista de um local fixo
para os desfiles? Por um lado, o Sambdromo garantiu a realizao dos desfiles em
situao de competio por muitos anos, por outro expressou a perda por outro
representou a perda do espao pblico e aberto para os desfiles. Como os sambistas e
agentes sociais envolvidos nesse processo compreenderam essas mudanas e atuaram
sobre elas? A construo deste espao fechado converge, em muitos sentidos, com a
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estrutura da maioria das escolas de samba do Grupo Especial a partir dos anos 1990,
administrada sob uma lgica empresarial, com vrias fontes de financiamento. Ao
mesmo tempo contrria a dinmica vivida pela esmagadora maioria das escolas de samba
da cidade, isto , as escolas menores dos outros grupos ligados UESP (I, II, III, IV) que
apresentam caractersticas mais prprias dos perodos anteriores. Essas escolas no tm nem
a visibilidade nem os recursos das grandes escolas dependendo ainda fundamentalmente do
trabalho voluntrio e artesanal, concentrado, na maior parte das vezes, na casa dos prprios
componentes onde produzem e armazenam os instrumentos, fantasias, adereos, alegorias e
realizam a maioria de suas atividades ao longo do ano.
A Prefeitura de So Paulo procurou modernizar a administrao e os rgos
responsveis pela organizao dos desfiles a partir de 1977. Nesse ano, a coordenao
da Secretaria de Turismo e Fomento criou um departamento exclusivo para o carnaval,
o Departamento de Coordenao Organizadora de Carnaval (COC), subordinado
Paulistur, rgo da Secretaria de Turismo. Com isso, a pista de desfiles tambm mudou.
Com as escolas trazendo um nmero cada vez maior de integrantes, alegorias cada vez
maiores e mais complexas, decidiu-se tirar os desfiles do espao descentralizado do
centro da cidade (Anhangaba, Rua Direita, Avenida So Joo) e centraliz-lo em uma
regio da cidade. O local escolhido foi a Avenida Tiradentes, na zona Norte da capital.
A escolha agradou aos sambistas, pois o lugar era amplo e de fcil acesso,
permitindo s escolas levar suas alegorias e tambm porque a avenida tem grande
comprimento. Com isso, era possvel para as escolas montarem todas as suas alas em
sequncia antes da apresentao. Para acomodar o pblico que ia assistir aos desfiles,
arquibancadas tubulares de metal eram montadas, cujo acesso era dado pela venda de
ingressos. Mesmo aqueles que no tinham condies financeiras de adquirir os
ingressos poderiam assistir aos desfiles pelas brechas e tambm era possvel
acompanhar a disperso das escolas ao final do desfile99
A partir de 1983, a organizao do carnaval ficou tambm a cargo dos sambistas
representados pela UESP (Unio das Escolas de Samba Paulistanas) e, posteriormente,
pela Liga (Liga Independente das Escolas de Samba de So Paulo). Este crescimento e
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discurso prtica costumeira em festas populares de pequenas cidades
do interior do pas, mas indito em So Paulo.
Erundina chegou av. Tiradentes pouco antes das 20h. Logo aps o
discurso, caminhou pela avenida a passos apressados. No rpido
desfile pela avenida, acompanhada de seguranas pessoais, ouviu
aplausos misturados a vaias e gritos de Maluf. De acordo com a
prefeita, o sambdromo paulista ainda uma ideia em estudos, e o
local ainda no foi definido: Pode ser na Av. Tiradentes (centro) ou
no autdromo de Interlagos (zona sul).
(FOLHA DE SO PAULO, 06/02/1989).
PASTA ANHEMBI TURISMO 1989. Centro de Documentao e Memria do Samba, AHB 1989.
Idem.
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Diante deste cenrio hostil Prefeita, das duas entidades carnavalescas e de boa
parte das escolas de samba, ela procurou cooptar os sambistas e entidades carnavalescas
para sua base de apoio. Sabendo que as lideranas do samba eram muito influentes na
periferia da cidade, regio prioritria na estratgia poltica adotada por Erundina, ela
aceitou negociar as duas demandas dos sambistas: uma lei que protegesse e garantisse
as verbas para o carnaval e a construo do Sambdromo.
Ainda no havia sido definido o local e a prefeita adiantou que este poderia
ocorrer em uma rea prxima da prpria Avenida Tiradentes (Centro) ou em uma rea
especfica dentro do complexo do Autdromo de Interlagos (zona Sul), cujo custo seria
menor, pois parte das arquibancadas e a pista j existia. O presidente da Liga, Eduardo
Baslio, da Rosas de Ouro, defendia, no seminrio, a construo do Sambdromo do
Parque Anhembi. Em entrevista revista Veja, que realizou uma matria sobre a
possibilidade da construo do Sambdromo, Baslio declarou: Por que no aproveitar o
terreno do estacionamento do Anhembi? J imaginei at um projeto de passarela, que
deixaria espao para estacionar os carros alegricos nos outros dias do ano (OLIVEIRA,
2007, p. 80).
A ideia da construo do Sambdromo na zona Norte obviamente beneficiaria
Baslio, j que sua escola estava localizada prxima ao parque. A ideia foi bem aceita na
administrao municipal. Como mostra reportagem publicada no jornal Folha de So
Paulo, o presidente da Anhembi Turismo, Paulo Itacarambi, aps realizar alguns estudos
preliminares sobre os locais mais adequados na cidade para receber o Sambdromo,
tambm sugeriu a rea do Parque Anhembi, na zona Norte da cidade, como o melhor
lugar para se realizar a construo:
Paulo Itacarambi, presidente da Anhembi, empresa municipal que
organiza o Carnaval da Cidade, afirmou que o assunto deve comear a
ser discutido ao final de semana e depende de fontes para obteno de
recursos do interesse da populao. Ele citou outros locais onde o
sambdromo paulistano poderia ser instalado: na rea do Parque
Anhembi (zona norte) e nas avenidas do Estado e 23 de maio (centro).
A vice-presidente da Anhembi, Dulce Pereira, declarou que
conseguimos colocar essa ideia na cabea da prefeita, mas no sei se
vai dar tempo de fazer isso para o ano que vem. O projeto seria vivel
se pudssemos contar com a colaborao de uma iniciativa privada
(FOLHA DE SO PAULO, 06/02/1989).
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Circular intitulada Um projeto onde todos ganham, distribudo pela Anhembi Turismo. Pasta
Anhembi Turismo 1990. Centro de Documentao e Memria do Samba, AHB, 1990.
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realizados sob a gesto da prefeitura106. Nesse contexto, j era pensado, segundo Christian
Oliveira, (OLIVEIRA, 2007, p.50) como uma forma de agradar aos turistas e como mostram
os documentos da Anhembi Turismo, em parceria com as empresas de televiso, que iria
patrocinar grande parte do espetculo.
A Anhembi Turismo formou uma Comisso de Estudos para viabilizar o projeto
de construo do Sambdromo e o melhor local de sua execuo. Aps alguns trabalhos
iniciais, constatou-se que o melhor local seria aquele estacionamento de veculos dentro
do Complexo do Anhembi. A discusso ento seguiu para a Cmara dos Vereadores,
onde foram apresentadas propostas de dois vereadores para mudanas dos locais do
desfile. No ms de maro, o vereador Pedro Dallari, do PT, apresentou a proposta do
Executivo de construo no Anhembi, enquanto o vereador Bruno Feder redigiu um
projeto paralelo, que indicava uma parte do Campo de Marte, rea da Aeronutica, como
o local mais adequado para a construo
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. A
empresa entregou as arquibancadas uma semana antes do carnaval, ao custo de 500 mil
dlares. O total gasto do incio das obras at a concluso da segunda fase do
Sambdromo, segundo a Anhembi Turismo, era de 1,3 bilho de cruzeiros. Alm da
arquibancada de alvenaria, a Prefeitura investiu em um novo sistema de drenagem, devido
aos alagamentos ocorridos no carnaval anterior, em rede eltrica, telefonia,
cronometragem e urbanizao da rea em volta do Sambdromo 110.
A montagem das arquibancadas tubulares, mesmo aps a construo de uma parte
de alvenaria, se deu pela indefinio da Cmara dos Vereadores, que precisava aprovar
uma mudana na Lei de Zoneamento da regio da Avenida Olavo Fontoura, que impedia
a construo de arquibancadas definitivas. Como o governo Erundina no tinha uma
maioria slida, a oposio trancava a pauta da Cmara dos Vereadores, no permitindo a
109
Relatrio do Carnaval. 1992. Realizado pela Anhembi Turismo. Pasta Anhembi Turismo 1992. Centro
de Documentao e Memria do Samba, AHB, 1992.
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Documento Anhembi Informa. Sinopse de Imprensa. Pasta Anhembi Turismo 1992. Centro de
Documentao e Memria do Samba, AHB, 1992.
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fechar um excelente contrato. Nele estava definido que as escolas de samba ficariam com
90% do total arrecadado da bilheteria e a Anhembi Turismo apenas com 10%. Depois de
ter conseguido o novo acordo com a Prefeitura, as escolas passaram ento a pressionar o
governador do Estado para liberao de mais recursos a serem aplicados no carnaval. Em
uma audincia com o governador Luiz Antnio Fleury Filho, o presidente da Liga, Jos
Jlio Teixeira Filho, pediu CR$ 1,6 bilho de incentivos para as escolas, demonstrando
claramente a presso das escolas no poder pblico e deu um recado claro para o
governador de que queria o dinheiro para anteontem (O ESTADO DE SO PAULO,
02/02/1992).
O governador Fleury, aps se reunir com diversos secretrios, negou inicialmente
liberar qualquer quantia em dinheiro para as escolas sob a justificativa de que estes gastos
no estavam previstos no oramento. Os sambistas no ficaram satisfeitos e passaram a se
posicionar publicamente contra o governador, acusando-o de boicotar o carnaval da
cidade. Em ano eleitoral, a sada encontrada pelo governador foi o Banespa, Banco do
Estado de So Paulo, entrar como patrocinador dos desfiles, contribuindo com Cr$ 360
milhes em troca de placas de publicidade no Sambdromo. O presidente da Liga, Jlio
Teixeira Filho, declarou, em entrevista ao jornal Dirio Popular, que, apesar de conseguir
apenas 20% do valor pretendido, ficou satisfeito com o empenho do governo do Estado
em patrocinar os desfiles. Segundo ele, o custo das 76 escolas de samba e dos 32 blocos
carnavalescos ficou em Cr$ 2,06 bilhes em 1992. E como a prefeita Luiza Erundina
contribuiu com Cr$ 404 milhes, ficou faltando, para cobrir o custo, Cr$ 1,6 bilho. O
ideal seria que o Estado e Prefeitura cobrissem o custo total, mas eles contriburam com o
que puderam e ns estamos satisfeitos (DIRIO POPULAR, 04/02/1992).
Com a declarao do presidente da Liga possvel perceber que os dirigentes
viam apenas o poder pblico como canal de financiamento dos desfiles. Aps as contas
no fecharem e as escolas terem que buscar financiamento prprio para conseguir se
apresentar de maneira competitiva na avenida, passaram a pressionar os canais de
televiso que transmitiam os desfiles. As emissoras de rdio e a imprensa escrita apenas
cobriam os desfiles, no realizando nenhum pagamento para as escolas. A ampliao dos
gastos das escolas e a necessidade criada pela mdia da realizao de um desfile cada vez
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mais grandioso e luxuoso gerou uma defasagem que impediu que os desfiles se tornassem
economicamente viveis.
Os dirigentes paulistanos buscam integrar-se a essa dinmica da indstria cultural.
Esta coopta a manifestao cultural popular com o objetivo de incorpor-la cultura
dominante, j inserida no mercado de consumo. Mas o carnaval paulistano estava, nesse
momento, em uma espcie de transio. H tempos deixara de ser uma festa espontnea,
mas ainda no se tornara um evento turstico ou de entretenimento economicamente
vivel que se paga apenas com a venda de ingressos e verba de patrocinadores privados,
necessitando de dinheiro pblico para cobrir grande parte de seus gastos.
Porm, em 1993, o governo do Estado liberou uma quantia dez vezes maior: Cr$
3,97 bilhes, que foram repassados pela Secretaria de Esportes e Turismo do Estado s
entidades carnavalescas. Mais uma vez o poder pblico estava pressionado pelos
sambistas, que viam os custos do carnaval aumentar pela alta inflao do perodo. A verba
foi dividida em Cr$ 2,45 bilhes para a Liga, Cr$ 1,30 bilho para a UESP organizar o
carnaval das escolas dos grupos inferiores e dos blocos especiais e Cr$ 221 milhes para a
Associao das Bandas Carnavalescas de So Paulo para a promoo de eventos com as
bandas carnavalescas da cidade. Valor semelhante foi distribudo pelo governo para
promoo dos desfiles carnavalescos no interior do Estado. Foram distribudos Cr$ 4,2
bilhes para as 44 cidades classificadas como Estncia Turstica112.
Os dirigentes pensaram que as verbas oriundas do governo do Estado e do
Banespa se tornariam uma fonte fixa de entrada de recursos, assim como as verbas da
Prefeitura. Com o trmino do mandato de Luiz Antnio Fleury Filho, assumiu o governo
do Estado Mrio Covas, do PSDB, eleito no ano anterior. Covas, que j havia sido
prefeito de So Paulo e estabelecido uma boa relao com os sambistas, no incio de seu
mandato como governador, estabeleceu o fim dos gastos com o carnaval da cidade de So
Paulo, destinando apenas parcos recursos para a realizao do carnaval das cidades
classificadas como Estncia Turstica, a ttulo de fomento ao turismo.
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Pasta Anhembi Turismo 1993. Centro de Documentao e Memria do Samba, AHB 1993.
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Uma festa pobre de brilho e luxo por falta de verba suplementar da Prefeitura e
por parte do Governo do Estado, que no deu um centavo para o carnaval. No
entanto, se vem pobre as fantasias e alegorias vem rico no samba no p e
criatividade dos sambistas, j que todos no esto medindo esforos para
apresentar um grande espetculo e mostrar para os governantes que o samba
no vive de iluso ou joguinho de empurra-empurra (HORA DO POVO, 24 e
28/02/1995).
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ocupao total dos espaos simblicos do carnaval por pessoas estranhas representam a
realidade das escolas de samba. O sambista, que vinha num processo crescente de
excluso, no pode nem consumir e julgar a sua prpria arte que consumida e tambm
julgada por outros. Com isso, o carnaval, que se constitui essencialmente como festa da
inverso, no cumpre mais a sua essncia. Ao vestir as mscaras e fantasias durante o
carnaval, o sambista busca justamente o contrrio da vida cotidiana. o triunfo de uma
espcie de liberao temporria da verdade dominante e do regime vigente, de abolio
provisria das relaes hierrquicas, privilgios, regras e tabus (BAKHTIN, 2000, p. 89). Para Roberto Da Matta, a ruptura da festa no acaba com as hierarquias nem com a
desigualdade social, mas a irreverncia do carnaval permite uma relao mais livre e
menos fatalista com o status quo (DAMATTA, 1996, p. 30). As configuraes dos
desfiles carnavalescos na lgica empresarial no cumpre esta inverso caracterstica,
vista por Bakhtin, nem permite hierarquias e relaes mais livres, segundo Da Matta.
Os sambistas que sempre tiveram o sonho de se sentir rei por um dia, como diz
Mestre Gabi, j no o so, pois os meios de comunicao do destaque apenas para o
que acontece em seu prprio meio.
Esta leitura visvel na leitura das entrevistas realizadas no mbito desta
dissertao. Marcos dos Santos, fundador da escola de samba Tom Maior, diz:
204
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do carnaval. Como mostra Marcos dos Santos em todo o seu depoimento, os membros
de sua gerao se sentem coadjuvantes dentro de suas escolas de samba.
Na mesma linha de anlise de Marcos, h o depoimento de Jamelo, intrprete
nonagenrio da escola de samba Mangueira. Ele destaca essa interveno no modelo
de apresentao das escolas: estas devem seguir o modelo imposto pelo canal de
televiso que transmite o desfile, como parte de um processo de negociao que trouxe
perdas e ganhos. A televiso levou o desfile para o horrio nobre, mas ditou as novas
regras. Algumas absurdas, como a de que uma escola de samba do Grupo Especial
desfile com 4000 componentes em uma hora, prejudicando completamente qualquer
manifestao artstica.
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Entrevista de Jos Bispo Clementino dos Santos, popularmente conhecido como Jamelo. Data:
06/01/2006.
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fora das escolas de samba nas comunidades e bairros e, por fim, a presena da indstria
cultural e do capital possibilitaram o desenvolvimento e o lobby das escolas de samba.
Com o Sambdromo est garantida a manuteno do carnaval das escolas de
samba por anos a fio. A construo desse espao fixo para os desfiles carnavalescos
representou o que podemos chamar de metropolizao de uma cultura tida como
provinciana (OLIVEIRA, 2007). O espao destinado aos seus eventos no mais a
avenida (espao pblico), mas um espao privado, de cunho mercantil, com fins
lucrativos e politicamente centralizado, pelo fato de ser uma passarela definitiva.
Nestor Garcia Canclini, ao analisar o processo de transformao das culturas
populares na Amrica Latina, faz o seguinte questionamento: preciso perguntar-se
agora em que sentido e com quais fins os setores populares aderem modernidade,
buscam-na e misturam-na a suas tradies? (CANCLINI, 2011, p. 205). Podemos
aplic-lo no caso das escolas de samba paulistanas. Com quais fins os sambistas
aderiram a esse processo de transformao nos desfiles carnavalescos para atender s
suas necessidades e demandas? Ao negociar com o poder pblico por mais de duas
dcadas, os dirigentes das escolas de samba conseguiram no apenas o reconhecimento
e o financiamento de suas atividades de lazer, objetivo inicial, como conseguiram que
seus desfiles se tornassem oficiais e hegemnicos dentro das festividades carnavalescas,
com a construo de um espao na cidade construdo especificamente para este fim.
Segundo Canclini, a preservao pura das tradies no sempre o melhor
recurso popular para se reproduzir e reelaborar sua situao (CANCLINI, 2011, p.
236). A maior visibilidade e as transformaes das escolas de samba no Brasil esto
inseridas em um fenmeno de alcance global de valorizao e modificao de atividades
folclricas por parte do Estado e da indstria cultural. Elas funcionariam como agentes
de inovao, que as modifica com o objetivo de transform-las em cultura de massa,
para serem consumidas por um maior nmero de pessoas e gerar retorno financeiro. As
escolas de samba que tinham ganhado difuso e legitimidade social atravs da ao
do Estado e dos meios de comunicao de massa, inicialmente o rdio e o cinema, e
posteriormente com a televiso e na atualidade a internet se reinventaram em virtude
de um novo pblico de classe mdia que passou a participar das escolas de samba. So
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maro. Temos vrios grupos estrangeiros querendo investir no
Anhembi (O ESTADO DE SO PAULO, 20/11/1995).
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seria menos vantajoso para os sambistas. Para Robson de Oliveira, ento presidente da
UESP, o governo agia com autoritarismo ao submeter um projeto dessa magnitude sem
escut-los. Assim que foi divulgado o projeto de lei da privatizao, Oliveira convocou
uma reunio com 110 entidades carnavalescas, entre escolas e blocos filiados UESP, e
se posicionaram contra o projeto, solicitando uma audincia com o prefeito. Aps a
oposio de sambistas e vereadores e a derrubada do projeto, o Executivo desistiu de
enviar projeto substitutivo e manteve o estdio do Pacaembu e o Complexo do Anhembi,
sob sua administrao (O ESTADO DE SO PAULO, 07/06/1995).
Como a Liga ficava com 90% do total arrecadado da bilheteria, ela estipulou os
preos do carnaval de 1995. E para cobrir os gastos com o carnaval, houve um aumento
de 841,74% em relao ao ano anterior. A justificativa para tamanho aumento foi a
converso da antiga moeda, cruzeiro real, para a atual, o real, e ao aumento dos custos.
Para ele, o material utilizado para a confeco de alegorias e carros subiu muito. No ano
passado, cada agremiao do Grupo Especial gastava, em mdia, 60 mil dlares. Hoje
gasta de R$ 700 mil a 1 milho (DIRIO POPULAR, 03/02/1995). Mesmo a preos
exorbitantes, os 22 mil ingressos foram vendidos. Muitos reclamaram do preo do
ingresso, pois o mais barato custava R$ 20,00, cerca de 30% do valor do salrio mnimo
de R$ 70,00 na poca. Obviamente, o presidente da Liga exagerava e muito, j que o
cmbio da poca estava congelado e um real equivalia a um dlar. Com essa medida, h
uma nova excluso dos sambistas pobres. Se para participar dos desfiles das escolas do
Grupo Especial custava muito caro, ser apenas espectador tambm passa a representar um
gasto que muitos no podem assumir. O objetivo era atrair turistas e pessoas mais
abastadas, no o sambista pobre que quer participar, assistir, mas o faz apenas pela
televiso. Para essas pessoas esto reservados os desfiles dos grupos inferiores, que ainda
so realizados em avenidas da cidade com cobranas simblicas ou distribuio gratuita
de ingressos.
Um fato mais grave ainda e que mostra a excluso dos sambistas dentro do
Sambdromo eram os penetras de carteirinha. No ano em que os ingressos aumentaram
mais de 800%, cerca de quatro mil pessoas assistiram aos desfiles sem pagar, apenas com
credenciais e carteiradas oficiais. Ao contrrio do espao pblico, no espao do
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Sambdromo aqueles que entravam sem pagar eram servidores pblicos. Para o diretor de
infraestrutura do Anhembi, Jos Pedro Elmadjian Sobrinho: Houve um abuso de
credenciais e carteiras de polticos, policiais militares, oficiais de justia e outros (O
ESTADO DE SO PAULO, 30/01/1996). A sada encontrada pelos organizadores foi a
implementao de cartes magnticos e catracas eletrnicas, alm de controlar e estipular
a validade de credenciais oferecidas a prestadores de servio.
Christian Oliveira traz a analogia de que a construo do Sambdromo no
representa a casa do sambista, mas o tmulo do samba, pois no permitido ao pobre
o acesso ao local nos dias de desfile, pelo preo dos ingressos e fantasias e porque nos
demais dias do ano no h nenhuma outra atividade ligada ao samba, com exceo dos
ensaios tcnicos das escolas, mas tambm inseridos no contexto dos desfiles (OLIVEIRA,
2007, p. 144).
As obras do Sambdromo terminaram definitivamente em 1996, pelo ento
prefeito Paulo Maluf, que inaugurou o Polo Cultural e Esportivo Grande Otelo. Contou
com um investimento municipal muito maior que o previsto no contrato de licitao
pblica, inclusive com a contratao de diversos servios de emergncia, que dispensa
processo licitatrio115, modelo seguido por muitas obras da gesto de Maluf frente da
Prefeitura. Recentemente, o ex-prefeito foi condenado pela justia das Ilhas Jersey,
paraso fiscal prximo ao Canal da Mancha, a devolver para os cofres pblicos R$ 57,9
milhes referentes a desvios e superfaturamento em obras de sua gesto como prefeito da
cidade. O maior montante desviado foi da obra da Avenida gua Espraiada, atual
Jornalista Roberto Marinho (FOLHA DE SO PAULO, 19/01/2013).
Ainda houve uma ltima tentativa de se desfilar pelas ruas da cidade. Em 1996,
aps a apurao do carnaval, as escolas de samba mais bem classificadas do Grupo
Especial e do Grupo I desfilaram em diversos locais da cidade. Foi uma tentativa de
aproximar as escolas de samba do grande pblico. A escola Gavies da Fiel desfilou na
Avenida dos Metalrgicos, na Cidade Tiradentes. O pblico compareceu e nem esperou a
apresentao acabar para se misturar aos passistas durante o desfile. A Polcia Militar,
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Pasta Anhembi Turismo 1992. Relatrio do Carnaval. 1992. Centro de Documentao e Memria do
Samba, AHB 1992.
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percebendo que o cordo de isolamento feito por ela foi rompido, soltou ento bombas de
gs lacrimognio para dispersar a multido. Segundo o jornal Dirio Popular: Um gs,
de cheiro forte, asfixiante e efeito lacrimejante, tomou conta do ambiente. As pessoas
ficaram desorientadas e caram no cho. Integrantes da Gavies gritavam que se tratava
de bombas atiradas pelos PMs, na tentativa de conter o tumulto. O jornal tentou justificar
a ao da Polcia com a manchete sensacionalista Desfile vira arrasto (DIRIO
POPULAR, 22/02/1996). O carnaval-show-mercadoria s pensado para se
acompanhar de longe. Qualquer tentativa da populao pobre de se divertir confundida
com assalto e desordem. Para o jornal, a ao da Polcia Militar no foi apenas justificada,
mas parabenizada, pois rapidamente conseguiu controlar o tumulto e confuso causados
por pessoas que no queriam apenas olhar, mas participar da festa e desrespeitaram o
cordo de isolamento feito pela polcia.
Reaes semelhantes ocorreram nos bairros de Vila Maria, onde desfilou a VaiVai, campe de 1996, e Freguesia do , onde desfilou a Rosas de Ouro. Nesses locais, a
multido no s ficou observando o desfile, como entrou no meio das alas e atrs, na
tentativa de no ser apenas espectador, mas novamente participar dos desfiles.
Depois dessa tentativa de levar a apresentao das escolas de samba para os
diferentes bairros da cidade no ter sido aprovada pelas autoridades, elas passam a
acontecer apenas em seu monumento, a Passarela do Samba. Local visto pelo poder
pblico e pelas emissoras de TV como local mais adequado, afinal este possua uma
pista com 530 metros de comprimento por 14 metros de largura, dez setores com
arquibancadas de concreto e mais um mdulo especial para a imprensa e TV. E ao
contrrio dos pobres que estavam nos bairros perifricos da cidade, querendo participar
do desfile, no Sambdromo isso no ocorre, pois a pista totalmente ladeada por
camarotes, alugados por multinacionais, proporcionando grande conforto para seus
convidados especiais. A rea total de 33.975 m2 116.
A partir desse ano ficou acertado que os desfiles ocorreriam em dois dias (sexta
e sbado) para serem transmitidos integralmente pela Rede Globo de Televiso e no
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Pasta Anhembi Turismo 1992. Relatrio do Carnaval. 1992. Centro de Documentao e Memria do
Samba, AHB 1992.
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Planta baixa do Sambdromo. Pasta Anhembi Turismo 1996. Centro de Documentao e Memria do
Samba, AHB, 1996.
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Documento So Paulo, samba de cara nova. Pasta Anhembi Turismo 1996. Centro de Documentao
e Memria do Samba, AHB, 1996.
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Entrevista com Marcos dos Santos. Data: 10/08/2010.
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Entrevista de Jos Bispo Clementino dos Santos, popularmente conhecido como Jamelo. Data:
06/01/2006.
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duro o que eu vou dizer, eu, Gabi. No vejo mais o carnaval, pelo menos na
nossa cidade. No se vive o carnaval. Voc vive um desfile de escola de
samba l no sambdromo. Se voc sair daquele meio ali voc anda pela
cidade normal como se tivesse num dia comum. At com menos gente,
porque muita gente aproveita pra viajar. Entra em uma escola de samba e v
desfilar. V como componente da escola mesmo, de nibus, faa a via sacra.
Quando voc descer do nibus, entra no corredor polons, naquele espao, a
fica l parado esperando porque tem que concentrar duas escolas. A vai
entrar, mas se sua ala for uma das ltimas est frito, porque vai ficar l atrs.
Depois que entrou, em 20, 25 minutos voc passa a pista toda. Quando
menos, porque s vezes a escola t grande, gasta menos tempo. Quando
acaba o desfile j vem o segurana e coloca vocs pra entrar no nibus e voc
vai embora e acabou o seu carnaval. carnaval? No carnaval, voc no v
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ningum fantasiado nas ruas como antigamente a gente via. (...) Agora o
sambista pobre desfila pela sua escola e vai embora. Acabou o carnaval. s
20 minutos de avenida. L voc no pode entrar nem com uma garrafa
dgua. Ento tudo voc tem que comprar. Voc quer gua? Voc tem que
descer l e comprar. Ento isso restringiu demais os sambistas. E a eu digo a
comunidade sambstica que a comunidade pobre, n? Ento elitizou demais.
Ficou tudo caro. 120
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ser mais uma opo de entretenimento e local de eventos da cidade, sendo o carnaval
apenas uma das atividades que ele realiza ao longo do ano.
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Mudou, ali para ficar bom tinha que desfilar direto (Anhembi), porque voc
tem aquela curva que engole muita coisa, voc vem e a curva tem que fazer
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isso, voc no v a escola inteira, depois da curva que vem vindo as alas e
isso eu acho que prejudica um pouco, porque o bonito voc ver a escola
quando ela vem voc v aquela emoo, aquela coisa, tem que sair uma para
entrar a outra, no cabe a escola inteira na pista. nisso que eu acho que
mudou, na Tiradentes cabia direitinho.
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PARTE II
TRANSCRIAES
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perda do espao pblico com a transferncia dos desfiles das ruas para o Sambdromo,
em 1991. Como a Embaixada possui, atualmente, mais de 50 membros, procuramos
entrevistar aqueles mais atuantes, que ocuparam cargos de direo em escolas de samba,
federaes e associaes carnavalescas.
Vivemos em um sistema no qual o passado cada vez menos importante e a
velhice uma categoria social rejeitada pela sociedade industrial, pois no participa da
produo de mercadorias. Para Eclea Bosi, nesse momento de sua vida que o idoso
deve desempenhar a alta funo da lembrana [...] cresce a nitidez e o nmero das
imagens de outrora, e esta faculdade de relembrar exige um esprito desperto, a
capacidade de no confundir a vida atual com a que passou, de reconhecer as
lembranas e op-las s imagens de agora (BOSI, 2009, p. 81).
Seguindo a linha proposta por Bosi (2009), alm de uma justificativa histrica,
ao darmos voz aos membros das Embaixadas, temos uma justificativa social para a
realizao deste trabalho. Pretendemos, assim, reconstruir, atravs do envolvimento
dessas personagens com o mundo do samba, as vozes que historicamente no so
ouvidas. Personagens que dedicaram boa parte da vida em prol dos folguedos e, apesar
da popularidade atingida hoje pelas escolas de samba, esto excludas dos meios de
comunicao de massa e da indstria fonogrfica.
O primeiro entrevistado e nosso ponto de partida Marcos dos Santos, fundador
da escola de samba Tom Maior e atual diretor do Centro de Documentao e Memria
do Samba (CDMS). Marcos participa h mais de 45 anos de cordes carnavalescos e
escolas de samba. Sempre foi um militante das escolas de samba de So Paulo, travando
diversas lutas dentro da entidade que dirige, o CDMS, a fim de preservar e divulgar a
arte produzida pelas agremiaes.
Meu primeiro contato com Marcos ocorreu em 2006, quando eu fui conhecer o
acervo do Centro de Documentao. Ele soube do meu interesse por carnaval e escolas
de samba e me convidou para participar do curso de formao de jurados da UESP, no
mdulo visual. Em 2007 eu realizei o curso e Marcos foi um dos professores. A relao
professor-aluno logo se desenvolveu em uma longa amizade, a qual perdura at hoje.
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contato no incio de julho e marcamos a entrevista para uma tarde de feriado, no dia
09/07/2011. Dentre vrios biscoitos e cafs e rodeados por centenas de fotos dos
carnavais antigos, permanecemos conversando por mais de trs horas. Na entrevista
pudemos observar o orgulho que Dona China tem de ser membro da escola de samba
Vai-Vai e o profundo respeito e reverncia que a escola tem por ela. Contou sua
trajetria e os percalos pelos quais passou, por ser mulher, negra, pobre e sambista em
uma sociedade machista e racista, que durante muito tempo criminalizou o samba e
qualquer atividade de lazer dos negros da cidade, pois, para muitos, a mentalidade
escravocrata ainda estava presente e o papel do negro na sociedade seria apenas
trabalhar sem reclamar. Na entrevista de Dona China, percebemos algo marcante que,
apesar de todas as adversidades, inclusive de perder a me e o marido em um intervalo
de dois meses, ela nunca desistiu de continuar no samba. Uma frase sua sintetiza a
entrevista: Vou desfilar at meu ltimo dia.
Em maio de 2012, retornei para conversar com Dona China e, mais uma vez,
me emocionei. Ela chamou o filho, alguns netos e vizinhos para sua casa e queria
mostrar a todos a transcriao, dizendo que ali estava registrada a sua histria. Aps
alguns ajustes, a entrevista foi validada no mesmo dia.
O nosso quarto entrevistado foi Valdevino Batista da Silva, o mestre Divino. Um
dos maiores mestres de bateria de todos os tempos, foi diretor de Nen de Vila Matilde
e Camisa Verde e Branco. Tambm foi presidente da UESP, fundador e atual presidente
da escola de samba Imperial, localizada na Vila R. Seu nome surgiu em uma conversa
informal com Adriano Bejar, membro da Comisso de Carnaval da UESP. Lamentamos
a morte de Mestre Lagrila, grande diretor de bateria do carnaval de So Paulo, com
passagens por Camisa Verde e Branco, Nen de Vila Matilde e Leandro de Itaquera.
Concordamos que, se eu estava estudando as transformaes estticas do carnaval de
So Paulo, seria fundamental conversar com Mestre Divino, pois ele possua um estilo
nico e sua bateria tem a maior quantidade de instrumentos diferentes de todas as
escolas de So Paulo.
Depois de um contato prvio por telefone, agendamos a entrevista para um
sbado, dia 15/10/2011. Chegamos quadra da escola no bairro da Vila R, zona Leste
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da cidade, perto das 14:00. Mestre Divino no estava e nos informaram de que ele
estava no barraco da escola. Fomos at l e aguardamos por quase duas horas no
barraco da escola, j que Mestre Divino, junto com alguns netos, faziam a confeco
de um carro alegrico de sua escola. A espera valeu a pena, converteu-se em mais de
trs horas de conversa, com Divino apresentando diversos instrumentos de sua
batucada, como ele mesmo se refere, como tarol, tarolzinho, malacacheta, caixa-deguerra, frigideira e muitos outros. O tom da entrevista foi muito agradvel, de grande
franqueza nas respostas, e Divino se comportava como algum que quer passar adiante
o seu legado; por isso, seus filhos e netos aprendem praticamente juntos a falar, sambar
e batucar.
Ao visitar uma escola de samba pequena e familiar como a Imperial, pudemos
ver como os processos de confeco de fantasias e alegorias ainda continuam coletivos
e artesanais. Mestre Divino tambm compartilha da viso de que o sambista perdeu
espao dentro da direo das grandes escolas. Para ele, o sambista continua dentro dos
cargos, mas obrigado a fazer diversas concesses para arrecadar o montante
necessrio para colocar a escola na avenida, ficando refm do atual modelo. Por no
concordar com este modelo, Mestre Divino preferiu se ausentar das grandes escolas e
fundar a sua prpria. Mas o sonho de que sua escola se torne grande, um dia, continua.
Durante a entrevista, queixou-se diversas vezes sobre a direo da UESP, de que est
endividada e no tem foras nem para manter os prprios regulamentos, j que eles so
constantemente alterados devido a presses tanto das escolas quanto do poder pblico.
A transcriao da entrevista de Divino foi a mais complexa. Como o mestre
utiliza uma linguagem tcnica e faz sons com a boca ou com os prprios instrumentos o
tempo todo, para exemplificar as transformaes musicais vivenciadas por ele no
carnaval, no processo de passagem da oralidade para a escrita, infelizmente, isso se
perdeu. Alguns sons tambm esto incompreensveis por conta da qualidade do
gravador, que no conseguiu captar diferenas sutis de batidas tocadas por Mestre
Divino. Aps a transcrio, Divino aprovou o processo de transcrio no final de 2012 e
de transcriao s vsperas do carnaval de 2013, inclusive nos convidando a pegar uma
fantasia e desfilar em sua escola de samba no evento, o que, infelizmente, no foi
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Para fechar o ciclo de entrevistas, decidi buscar o nome indicado por Marcos dos
Santos e entrevistar lvaro Ribeiro, o Casado. Fundador da escola de samba
Acadmicos do Tatuap, foi tambm presidente e diretor cultural da UESP. lvaro
Casado a anttese da anlise que alguns autores fazem sobre a entrada de membros da
classe mdia dentro das escolas de samba. Branco, dono de uma agncia de publicidade
ao lado do escritor, professor e dramaturgo Carlos Queiroz Telles, a Fator Publicidade,
Casado adquiriu o respeito e a admirao dos caciques do samba, como ele mesmo
define. Est envolvido com carnaval desde a dcada de 1950, quando, ao lado de seu
cunhado, lvaro Vilaa, o Mala, participou da fundao da escola de samba
Acadmicos do Tatuap. Casado compositor, venceu com diversos sambas-enredos
em escolas de samba e tambm atua como artista plstico e escritor de enredos para
diversas agremiaes. Em 1975 foi convidado pelas principais lideranas negras do
samba, como Inocncio Mulata, Seu Juarez, Seu Nen e Seu Carlo do Peruche para
assumir a presidncia da UESP, criada dois anos antes. A estratgia de colocar
profissionais universitrios como jornalistas, radialistas e publicitrios nos cargos de
direo da UESP pode ser entendida por alguns como uma entrega de postos-chave para
pessoas de fora do mundo do samba. Mas, na prpria entrevista, Casado diz que foi o
contrrio: os sambistas precisavam naquele momento dos jornalistas para alcanar o seu
fim, que era receber patrocnio da Prefeitura de So Paulo; ele prprio no se enquadra
nessa categoria, pois, no momento em que foi indicado para a presidncia da UESP,
tinha 20 anos de atuao dentro das escolas de samba. O que os dirigentes queriam, ao
nomear essas pessoas, era um melhor trnsito com as autoridades e, de certa forma,
legitimar a nova federao, pois ela contava no apenas com sambistas pobres e
negros, mas com diversos profissionais universitrios e respeitados em suas reas.
Aps um contato inicial por telefone em abril de 2012, marcamos a entrevista
para o feriado de 1 de maio em sua casa, no municpio de Po. Meu pai, que conhece
bem o municpio, me acompanhou e chegamos pela manh na casa de Seu lvaro. A
rea uma chcara, com uma grande rea verde e diversos cachorros que queriam
interagir com os visitantes. O entrevistado mudou-se para l com sua esposa aps se
aposentar. Durante a entrevista, fez questo de mencionar a sua amizade com Mano
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Maior. As cores vermelho e amarelo quem sugeriu foi o grande Talism, que participou
do grupo fundador.
A primeira sede foi na minha casa na Rua Cristiano Viana. A segunda sede foi
na Rua Oscar Freire. A ns mudamos para o bairro do Campo Limpo, porque a gente
achou que aqui estava muito elitizado. Foi uma tentativa de se tornar mais popular, mas
foi uma experincia horrvel. Acabamos depois de dois anos l, e aqui a Tom Maior j
comeou brilhando. Em nosso primeiro carnaval existiam apenas trs grupos de escola
de samba.
No comeo a gente chegou at se reunir com o pessoal da Prola Negra, que
tambm do bairro, e com a Boca da Bruxa, que era um bloco que costumava sair
sempre da Praa Benedito Calixto e descer a Rua Teodoro Sampaio. E nos reunamos
com o pessoal de uma escolinha que tinha desfilado somente na Vila Madalena, a
Acadmicos de Vila Madalena.
Nos juntamos para ver se conseguamos unir em uma escola s. Mas tambm j
nasceu a rivalidade que temos com a Prola Negra. Nesse primeiro ano, samos com 180
pessoas, fizemos questo que a conta fosse 180. Queramos que sassem somente
pessoas que participavam do Tom Maior.
Nessa poca, 74, 75, ainda existiam os cortios ali na Oscar Freire, na Capote
Valente. Por incrvel que parea, naquela regio tambm tinha moradores negros e
pobres. A gente comeou a divulgar a escola no Largo de Pinheiros, onde tem o
terminal de nibus do Largo da Batata. Passamos a panfletar l, e isso surtiu efeito; no
carnaval, uma ala inteira j saiu l do bairro do Campo Limpo.
No nosso primeiro desfile, em 74, samos no terceiro grupo, e subimos para o
segundo, ficamos um ano e passamos para o primeiro, que equivale hoje ao Grupo
Especial, a camos em 1977.
muito difcil administrar o carnaval de uma escola de samba. Fui diretor-geral
do Tom Maior durante uns dez anos. Depois, em 1981, quem era presidente era o
Wilson, mas a escola sempre teve muita disputa interna, ento, durante os primeiros
doze anos tivemos onze presidentes. Nenhum conseguia completar o mandato de dois
anos, renunciava, saa.
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A, em 1981, ningum queria pegar, e para evitar que a escola acabasse, ento
virei presidente e fiquei um ano. Tambm no consegui terminar o mandato como era
praxe [risos]. Quando eu sa entrou o Claudinho, que ficou s um carnaval. Mas ele foi
o nico que quis sair e tinha o apoio de todo mundo, todos estavam fechados com ele,
fizemos um carnaval legal, mas ele no quis continuar. Peguei de novo, fiquei mais um
ano e fui derrubado de novo e entrou a Amlia, que era costureira do Tom Maior desde
o primeiro ano.
Mas quem j estava tocando mesmo era o Marko Antonio, um rapaz jovem que
dava uma fora muito grande e eu mesmo fiz presso para ele ficar na presidncia, e ele
assumiu. Ele era moleque, mas era apaixonado. Porque a maior dificuldade dos
presidentes a grana. Mesmo com a grana pouca possvel fazer um bom trabalho. As
verbas vm da quadra, da televiso e outras atividades.
Pessoalmente, eu acho que as escolas so mal administradas, mal planejadas. Por
exemplo, eu nunca vou acusar o Marko de roubar, de tirar dinheiro do Tom Maior,
como eu fui acusado vrias vezes. Sei o quanto isso pesado para a gente. O Marko
mesmo chegou a me acusar, quando eu era presidente. Ele fez parte do movimento que
me derrubou. Depois que ele assumiu, passaram trs anos ele me chamou e falou:
, cara, desculpe; no mole, voc fez milagre.
Quando eu fui presidente no tinha verba de televiso. Era s a verba que vinha
da prefeitura para o carnaval. E a gente no tinha sede; veio a ter a primeira sede, nem
bem sede, uma pequena quadra improvisada debaixo do viaduto Paulo VI.
Eu sou pssimo para lembrar data, mas eu lembro que conseguimos essa
concesso enquanto eu era presidente. Mas eu no sei o que aconteceu. Uns anos
depois, eu me afastei por um perodo e acabaram perdendo esta concesso.
Continuamos l porque invadimos e ficamos at sermos despejados. Ento ficamos na
rua de novo, ensaivamos no Sumar, na Oscar Freire, mas sempre na rua, at que o
Marko Antnio alugou uma sede na Avenida Doutor Arnaldo, que ficamos trs anos,
mas no tinha grana para pagar aluguel.
Ele j est h bastante tempo como presidente. Com ele, a escola adquiriu
estabilidade que antes no tinha. A comeou a crescer. Tem um pessoal, que eu
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considero pequeno, mas que continua l desde a fundao at hoje. O pessoal da Velha
Guarda e algumas famlias, como por exemplo, a minha famlia que continua at hoje,
meu primo e eu, a famlia do Marko Antnio, a famlia do Seu Otto, a do Seu Caju.
Continuam algumas famlias, como a do Caloi. Mas cresceu muito, hoje estamos com
duas mil, trs mil pessoas, um absurdo. E no um pblico cativo, h uma rotatividade
enorme, o pessoal aparece um ano, desfila e no aparece mais.
Eu costumo dizer para minha tristeza que o Tom Maior , hoje, uma escola de
baladeiro, que no do povo; tudo classe mdia universitria, bacana, uma escola
branca, mesmo com pouqussimas excees. negra a nossa porta-bandeira, a maioria
das senhoras da ala de baianas, que ainda continua nas mos do sambista mesmo, mas o
resto j se perdeu. Estamos hoje no terreno do antigo Projeto Equilbrio, e apareceram
alguns patrocinadores. Um grupo fez a reforma, outro grupo arrendou por dez anos a
quadra, ento a gente est muito bem instalado numa das quadras mais simpticas de
So Paulo. Porque falta o tino comercial, de negociador para o sambista. Na verdade, a
gente tem plena conscincia de que at hoje s existem duas escolas de So Paulo que
so bem administradas, e por sambistas. Rosas de Ouro, com a famlia do falecido Seu
Baslio, e a outra a Mocidade Alegre, com a Solange, da famlia do falecido Seu Juarez.
So escolas bem administradas, no tem dvidas, no montam s enredo em cima de
patrocnio, conseguem fazer bons carnavais com o dinheiro que tem. sempre muito
bem planejado.
J tem escola que tem dinheiro, como, por exemplo, o Imprio da Casa Verde.
No que ela bem administrada, que tem muito dinheiro mesmo, ento faz a
diferena. A X9 tambm bem organizada, mas as outras, as tradicionais, como a Nen,
Vai-Vai, Camisa, tm problemas de administrao. Eu jamais penso que por
desonestidade. Eu nunca vi ningum roubando. Eu entendo que mal administrado por
ingenuidade, at. Eu mesmo sou um pssimo administrador, eu no sei administrar nem
minha vida.
Quando eu era presidente do Tom Maior, era uma loucura, era muito mal
administrado: tinha dvida, cheque sem fundo. Mas tem sambistas que so bons
administradores. Uma coisa que eu fui aprender muito depois, quando comecei a
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porta-costeiro, o costeiro dela maior que a bandeira, uma coisa absurda. A ala das
baianas tem um negcio na cabea que no um turbante e esconde o rosto.
Tira toda a cosmogonia e o significado da ala de baianas para o carnaval. As
baianas no so mero acessrio, parte fundamental de uma escola de samba. Mas o
que isso? o padro visual, porque a televiso precisa de coisa grande, ento os
costeiros das alas cresceram, ficou absurdamente pesada. Esse ano minha escola teve
uma ala de baianas muito pesada, coisa de chorar; fiquei enlouquecido, as senhoras no
conseguiam suportar o peso. Se chovesse no saa do lugar. Estava muito linda, embora
incompleta. Mas isso que ganha o desfile do padro televisivo. A ala de baianas do
Tom Maior estava incompleta, faltando chapu, sem pano das costas e turbante; isso
no s fantasia, baiana fundamento. Mas turbante j era, hoje eles pem alegoria em
cima das cabeas das baianas. Eu monto as baianas do Tom Maior, e voc tem que
amarrar essas fantasias pesadas e machuca as senhoras, uma tragdia. No privilgio
da minha escola. Isso em todas as escolas.
Uma das coisas que eu tenho certeza que a televiso contribuiu foi essa
imposio do visual, porque tem que ter visual no para quem est l assistindo, mas
para quem est na televiso, em casa. Para a Rede Globo, tanto faz que se for mil ou
50.000 pessoas no desfile, para ela, se estiver vazio, a mesma coisa, porque o que
interessa o pblico assistir em casa com o saquinho de pipoca. Porque tudo gira em
torno dos patrocinadores. tudo gira em torno dos patrocinadores.
No Rio eu no sei, mas, com relao a So Paulo, um contrato cruel, irrisrio,
uma coisa horrvel. Cada escola do Grupo Especial recebe por volta de 150.000 reais,
isso o valor de uma chamada de propaganda no horrio nobre do desfile; com isso,
voc v o quanto que a Rede Globo ganha em cima do carnaval. E tem essa questo do
monoplio, que eu acho antidemocrtico. Ela no permite que outras emissoras
transmitam. A Rede Globo, no final das contas, mais atrapalha que ajuda. Porque,
mesmo no Rio, j teve carnavais que foi a Globo e a Manchete que transmitiram, e me
parece que, mesmo em So Paulo, aconteceu isso. Ento no tinha monoplio, hoje tem.
Sem monoplio poderamos discutir melhor o preo, mas ela comprou a
exclusividade e ns vendemos. O sambista vira refm, no pode fazer nada, ela paga
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quanto quiser, e eu acho muito pouco, tendo em vista as exigncias do padro visual que
ela mesma imps para o desfile que dizem mostrado para o mundo inteiro, mas o
carnaval de So Paulo s passa aqui. O mundo inteiro o Rio de Janeiro, eu no sei
como rola esse contrato l, mas uma boa grana, bem maior que a de So Paulo.
O Sambdromo do Anhembi foi construdo para a linguagem televisiva. A
proposta arquitetnica do Anhembi de ser bem iluminada, uma arquibancada distante
das escolas, horrvel desfilar, voc no sente o pblico. A no ser que voc tenha
grana para comprar camarote, voc no v direito. Ele muito mal localizado, no se
oferece condio do pblico chegar at l.
Voc teve a Virada Cultural: foi metr a noite inteira, no carnaval no se tem
isso. Eu estive com o Mercadoria, que era diretor de carnaval do Anhembi, e propus que
ele entrasse em contato com a administrao do metr e das empresas de nibus que
passavam por aqui, para fazer um esquema diferente no carnaval. O sambista
Mercadoria respondeu:
O Anhembi para quem tem carro e para quem tem dinheiro para pagar no
estacionamento e nos ingressos.
Tudo bem que se ganhe dinheiro, mas, e para o sambista pobre que no tem
carro? Por isso o Anhembi contribuiu muito para a descaracterizao do carnaval
popular, de sambista pobre mesmo.
A diviso entre as federaes, com a criao da Liga, tambm foi por culpa da
televiso. Essa diviso foi uma histria que eu acompanhei bem. Eu frequentava a
UESP, na poca, e prestava assessoria na coordenao do carnaval. Foi quando a Globo
quis comprar o carnaval de So Paulo. Para comprar, ela solicitou uma mudana no
calendrio, para no coincidir com os dias do Rio.
A partir dessa mudana de calendrio, nunca mais lotou a Avenida Tiradentes.
Eram mais de 50.000 pessoas. Depois dessa mudana, enquanto foi na Tiradentes,
nunca mais lotou. Porque na sexta-feira dia normal, todo mundo trabalha e chega
cansado. Desfile deveria ser no sbado e no domingo. Mas a Globo props mudar o
calendrio do Grupo Especial, esse teria que vir para a sexta e para o sbado, quando
desfilava o terceiro grupo da UESP. A tiveram que jog-los na segunda ou na tera.
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volta. Esse discurso que eu fao hoje, o Paulinho da Viola fazia no Rio junto com Elton
Medeiros h 20 anos. Ano retrasado, o Paulinho passou um dia aqui com a gente,
almoou aqui. Ele falou que era irreversvel, no tem jeito, tomaram conta de tudo
mesmo. Eu brinco sempre com a Lia que, daqui alguns anos, vo deixar ela, o Caio e
eu para empurrar carro alegrico.
Eu no vou pagar 300 reais numa fantasia; mesmo que eu tiver, acho ofensivo!
No eu, Marcos, eu sambista. O absurdo que presidente chegar na concentrao e
bater no peito dizendo que tem quinhentas fantasias da comunidade. uma inverso de
valores. So quinhentas da comunidade e trs mil pagas. Deveriam ter 500 convidados
para colocar os artistas, os japoneses, e cobram 30.000 uma fantasia, para poder
financiar e subsidiar a comunidade. Parece utpico, mas seria o justo.
Eu fao questo de dizer que sou contra torcida de times. Sou contra carnaval de
segmentos, carnaval de sambista, no de segmento ou de torcida. Agora esto
inventando um carnaval universitrio, uma coisa horrvel. Eles podem pular carnaval
vontade, mas escola de samba deve ser de sambistas. Tive uma pssima experincia
aqui com um cara que falou tanta besteira, o presidente dos Acadmicos de So Paulo.
So uns rapazes de uma arrogncia e prepotncia absurda. Eles esquecem o que a Velha
Guarda representa para uma escola, o que ns, sambistas, j fizemos.
Por que se cria vrios desfiles e vrios carnavais? Temos dois carnavais, o da
elite e do pobre, das comunidades. Esse no divulgado. Mas o carnaval das
comunidades, bem ou mal, ainda resiste, nas escolas menores que esto em ascenso.
As pessoas desfilam porque gostam, no para aparecer na televiso. A fantasia no
cara, normalmente cedida gratuitamente. Quem vai l porque gosta, no porque d
prestgio, ao contrrio, desfilar em escola pequena no recomendvel. Em termos de
estigma, visto at hoje como coisa de maloqueiro. Mas resistimos, e um dos motivos
de eu estar aqui na UESP esse porque a minha escola j foi embora faz tempo.
Perdemos a origem.
Estou meio descrente. Tanto que, tirando o carnaval de comunidade, eu no
quero mais mexer com carnaval. Eu estou agora no Centro de Documentao e
Memria do Samba, vou desfilar na minha escola, amo a Velha Guarda, a ala das
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baianas que est h anos com a gente. Mas triste, tenho certeza que, quando eu for ao
ensaio do enredo desse ano, metade do elenco j so outras pessoas. Existe aquela turma
que so: Rosas, Nen, Vai-Vai tem muito, mas so poucos. Tem uma escola rival do
Tom Maior e tem muito mais comunidade: a Prola Negra.
A minha escola, hoje, no tem nada a ver com o que eu penso sobre escola de
samba. O padro imposto pela mdia no o que eu penso. Eles alegam que houve uma
profissionalizao, mas eu no acho que a escola se profissionalizou, eu acho que a
escola se comercializou. Virou algo meramente comercial, no profissional.
Profissional em que sentido? Comprar mestre-sala, porta-bandeira e o compositor? O
carnavalesco, por exemplo, antigamente ele tinha uma ligao com a escola de samba
de vrios anos, hoje o carnavalesco no passa dois anos dentro da mesma escola, com
puxador de samba acontece a mesma coisa, tudo sem bandeira.
Perdeu o amor, com rarssimas excees. Carnavalesco, das escolas grandes, eu
no conheo nenhum que esteja mais de trs anos. Nas pequenas esto l o carnavalesco
ou comisso de carnaval que o pessoal da comunidade. Eles dizem que
profissionalismo, eu acho que comrcio. Eu tive um exemplo muito duro na minha
escola, o nosso mestre-sala e porta-bandeira, considerado por muitos o melhor de So
Paulo. Eles eram da Prola Negra, era o terceiro casal l. Ele teve um princpio de
namoro com a moa, ela, com muita vontade de desfilar no Tom Maior; a eu conversei
com os dois, passou um tempo, a menina aqui do Tom Maior ficou grvida, a eu
trouxe. Vieram para o Tom Maior para ser primeiro casal. Foi muito bom, e eles eram
Tom Maior mesmo, a famlia toda, filhos, primos tia, me, todo mundo era Tom Maior.
Mas, h trs anos, o Marko Antnio me falou que eles foram para o Imprio de Casa
Verde, eles compraram o passe.
Deu-me uma tristeza to grande, porque esse ano o Imprio achou que o casal do
Vai-Vai era mais interessante e mandaram eles embora trs meses antes do carnaval.
Desfilaram na nossa escola como convidados, mas agora fica difcil de recuperar o
destaque de primeiro casal, porque o Vaguinho um bom mestre-sala e est l h
bastante tempo. Isso profissionalismo? No, um comrcio barato que a escola fez
com eles. Bem, eu no me venderia, mas no por isso que as pessoas no possam
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buscar algo melhor financeiramente. O casal recebeu 12 mil reais, um timo dinheiro,
ela domstica e ele balconista de loja. No Tom Maior no ganhavam nada, apenas a
fantasia. Seria profissional se eles recebessem no Tom Maior. Quando o meu presidente
ligou desesperado para contar essa histria, eu perguntei quanto eles ganhavam? Ele me
respondeu:
Nada. S ajuda de custo com a passagem.
O que mais voc quer?
Eles recebiam somente nota dez e difcil conseguir outro casal assim. Hoje est
todo mundo comprando todo mundo, a escola poderia dar uma ajuda de custo para eles.
O puxador de samba da Rosas de Ouro tambm do Tom Maior, temos muita gente
espalhada por a em outras escolas que pegam nossos talentos e pagam mais. Essa troca
principalmente entre as grandes. Porque a pessoa pode desfilar em uma escola grande
do Grupo Especial e continuar no Grupo II com a escola dele, o que acontece muito. E
tambm a Velha Guarda, que desfila por amor.
Mas hoje existe ala de Velha Guarda no pelo respeito com os antigos de escola
ou sonho do meu presidente, mas porque Velha Guarda virou quesito, tem prmio em
dinheiro para a escola. Ento, Velha Guarda, status. H alguns anos, o que aconteceu
no Rio foi um dos maiores crimes contra a cultura, no foi contra o carnaval somente.
A Velha Guarda da Portela no poder desfilar, e no qualquer Velha Guarda,
no, a da Portela. Desfilaram depois, sozinhos, no cho, para a Escola no perder
pontos, fecharam o porto em cima deles. Um dos maiores desrespeitos que eu j
presenciei contra a cultura. Tinha fundador da Portela l. errado o carnavalesco
colocar a Velha Guarda por ltimo, se atrasar, eles que tm que correr, irracional
voc colocar pessoas de 70, 80 anos correndo. No meu conceito, a Velha Guarda vem
atrs da Comisso de Frente. Se for para correr, no final do desfile coloca os mais
jovens.
Nosso papel aqui na UESP, principalmente depois da chegada da Lia aqui,
preservar o carnaval de comunidade. E formar escolas, para que, quando ela sair daqui e
v para Liga, ela v com uma boa formao cultural, essa nossa preocupao. E
preservar, porque preservando voc tem histria, se voc tem histria, tem futuro. Por
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isso foi criado esse centro aqui, e disponibilizando principalmente para escolas suas
origens. So trs eixos: formao, informao e preservao. Formao porque as
escolas da UESP formam sambistas.
As grandes escolas j no formam mais, apenas compram. Enquanto que as
escolas da UESP so obrigadas a formarem seus passistas, compositores. A criar os
artistas. Por exemplo, a Nen de Vila Matilde, que uma escola de 1949 e j teve
grandes puxadores, como Armandinho da Mangueira, Paulistinha, e criados l, ser que
a Nen no consegue formar um puxador bom l?
Esse ano o presidente da Nen falou comigo:
Olha, roubamos seu puxador, que o Royce do Cavaco.
Eu disse a ele:
Muito obrigado. O Royce no tem nada a ver com a Vila Matilde.
o caso do Tom Maior. Tem grandes puxadores, como o Jadir, Maradona,
Darlan, e agora temos o Ren Sobral, que comeou aqui na UESP. Mestre de bateria a
mesma coisa, uma escola tirando da outra. Minha escola no tem a melhor bateria de
So Paulo, e tem condies de conseguir cinco mestres de bateria. Do Nen saem
muitos e ela contratou outro mestre agora.
Ainda bem que o regulamento brecou, porque o pessoal vinha do Rio pra
coordenar desfile aqui. Ento a escola perdeu todo o seu projeto que formar e ensinar.
O nome no escola, ento tem cuidar da formao do sambista. Essa a grande luta da
UESP e a minha luta. Tenho mais de 40 anos de samba e essas so as minhas
impresses sobre o que est acontecendo no mundo do samba hoje.
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Mestre Gabi
Nome: Gabriel de Souza Martins
Data de nascimento: 08/11/1947
Local: So Paulo
Profisso: Desenhista Industrial
Escola de samba: Camisa Verde e Branco
Data da entrevista: 25/10/2010
Local da Entrevista: Sede da FESEC
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Meu nome Gabriel de Souza Martins, Nasci no dia oito de novembro de 1947,
no antigo Hospital Matarazzo, na Avenida Paulista. Mame e papai moravam no Jardim
Paulista nessa poca.
Com cinco anos fomos morar na Zona Leste, onde passei toda minha infncia. E
de l, at hoje, moro no mesmo lugar. Minha casa era muito alegre e sempre tinha
festas. Os primos do meu pai faziam serenata, faziam samba e a gente foi se
acostumando sempre com isso. E foi indo, indo, indo... Mas, por incrvel que parea, eu
fui para mundo do samba sozinho, e depois levei meu pai.
O samba surge na vida da gente assim, como uma coisa que voc j nasce com
ele. Tinha l no bairro tinha uma escola de samba que era a Estrela Brilhante. Mas eu
nem participava muito, porque eu, na poca, eu no me interessava muito por escola de
samba. Eu me interessava mais em curtir, s. A, depois que o tempo foi passando, a
sim, eu comecei a participar mais.
Minha primeira escola foi Barroca Zona Sul. Mas, antes de participar da
Barroca, participava das bandas que tinham aqui na cidade. Algumas ainda existem,
como a Banda Redonda, a Banda do Cantinho e a Banda Bandalha. Ento eu tava no
meio. Comecei a participar de carnaval nas bandas.
L tocavam msicas de meio de ano, das rdios e sambas tambm, alm de
marchas. Eram marchas que hoje a gente j no tem mais. A resistncia ainda foi at uns
anos atrs. O Slvio Santos era um dos que faziam essas marchinhas de carnaval. Depois
acabou. No se faz mais hoje...
Fora do perodo de carnaval, meus amigos e eu amos muito em barzinho. Foi
quando eles comearam a dar espao a grupos de samba: grupo aqui, grupinho ali,
quando chega o... Como o nome? ... Fundo de Quintal e deu um boom, assim, nesses
grupinhos que foram se formando. Ento a gente comeou ali no bar, no campo de
futebol e nas bandas.
Quando eu cheguei, o samba j tava popularizado. Mas teve a gerao que veio
antes de mim. Muita gente boa, e que foram muito importante pro samba chegar onde
chegou. Aprendi muito com eles. Na Praa da S era um dos locais onde mais se curtia
samba em So Paulo. Se voc v hoje na Praa da S algum jogando capoeira, at vai
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formar um pessoalzinho ali. Mas antigamente isso era comum, sabe? T jogando
capoeira, t jogando tiririca, e tal.
Os engraxates que faziam o movimento. No era uma coisa assim do outro
mundo que ficava todo mundo, ali olhando. O pessoal olhava, mas era uma coisa mais
normal na cidade, ali, na Praa da S, antes da reforma que tambm no era dessa
magnitude que hoje, era uma coisa menor. A Praa da S de antigamente era cheia de
ponto de nibus e bondes. Era muito diferente de hoje. Ao lado da Praa da S existia a
Praa Clvis que, eu no sei nem se vocs conheceram, acho que nem conheceram a
Clvis. Ento, tinha a Clvis que era logo de onde os sambistas tambm se reuniam.
A gente tinha muito espao em vrios pontos da cidade pra ficar se divertindo,
na Zona Leste tinha o largo do Peixe e na Barra Funda o Largo da Banana. Era uma
diverso que acabou! A gente perdeu o uso do espao pblico e pra conquistar aquele
espao foi uma luta. E depois a gente perde esse espao pblico porque a voc tem:
Ah, no pode fazer barulho aqui, no pode fazer barulho ali, no sei o qu... Agora
tem mais ainda, agora tem a lei do silncio. Ento ns temos escolas de samba que so
obrigadas a fazer os seus ensaios tarde, no mximo at s dez horas e a acabou. As
festas nos bares, as rodas de capoeira. Voc no pode mais. Ento a coisa vai se
fechando muito, e a gente, fio, perdendo os espaos.
Em escola de samba eu comecei a participar mesmo como integrante, como
componente, na dcada de 70. Depois virei chefe de ala. A desfilei em ala, depois
desfilei em ala-show, com o pandeiro, tal fazendo aqueles malabarismos, como diretor,
como um monte de coisa, como compositor, tudo na Barroca Zona Sul, e depois, a sim,
como mestre-sala. Ento eu digo que a Barroca foi minha escola de samba de corao e
de formao, de raiz.
Eu sou desenhista de profisso, trabalho em um escritrio de arquitetura. Nunca
vivi do carnaval, este negcio de muita gente viver do carnaval, de agora, pouco
tempo. Primeiro no Rio de Janeiro e depois aqui em So Paulo, l comeou bem antes.
Ns estamos mais ou menos 30 anos de defasagem com o Rio de Janeiro, de
verdade. Nosso carnaval est grandioso, est, mas nem um pouquinho assim para se
comparar com o carnaval do Rio, com o profissionalismo do Rio de Janeiro. Por isso,
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quando eu falo de carnaval, falo regional, falo do carnaval da nossa cidade, porque se
formos comparar, estamos engatinhando ainda em termos de profissionalismo. Tanto
que muitos vm de l para c, puxador de samba, diretor de bateria, compositores e at
casal de mestre-sala e porta-bandeira. Tambm de Parintins, eles esto vindo para So
Paulo.
a cidade do dinheiro, quer ganhar dinheiro, venha pra So Paulo. Eles mesmos
falam: Quer ganhar dinheiro, v pra So Paulo. Eles vm aqui e ganham dinheiro
mesmo. Agora tem puxador de samba, tem chefe de barraco, diretor de bateria, mestresala e porta-bandeira, vem todo mundo para c. Mas fazer o qu? E no que somos
piores do que eles, no isso!
Aqui ns temos sambistas de primeira linha, como l tambm, aqui ns temos
nosso jeito, da nossa regio. E estas profisses a que surgiram, como marceneiro,
serralheiro, decoradores, aderecistas de carnaval, que agora virou profisso. Aqui em
So Paulo tambm est acontecendo isso, o pessoal t trabalhando. Voc, integrante,
chega l no barraco, de repente, voc no pode nem entrar, tem segurana na l porta,
aquela coisa toda. Antes vinha todo mundo da escola, vamos ajudar e tal...
A gente colocava a escola na rua. Hoje no, hoje tem o segurana, fulano aqui
pode entrar? Esse pode, a entra, e s olha: .........e pronto. Eu no sei se esta
grandiosidade que tirou o romantismo ou o profissionalismo, ou o profissionalismo que
tirou o romantismo que no tem mais.
Veja bem, antes eram os homens que faziam as alegorias. E ns tnhamos as
costureiras, e quem eram as costureiras? Era a minha me, era a me de outro sambista,
no era a profissional costureira, eram pessoas comuns, que sabiam costurar um pouco,
ento vamos fazer fantasia. E ns confeccionvamos as nossas fantasias.
Talvez por isso a gente seja muito saudosista. Porque voc olhava depois em
uma fotografia a sua fantasia, e olhava com um sentimento. Este aqui foi a ltima conta
que eu coloquei, este aqui foi a ltima unha que eu coloquei, ento para ns era uma
coisa assim magnfica, e a gente curtia muito isso. E a famlia inteira pegava aquela
cala, um bordava em uma perna o outro bordava a outra, era uma coisa de comunidade,
sabe? Quando a gente diz escola de samba, comunidade era isso.
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Claro que as coisas mudam, mas tem que mudar sempre pra melhor. Essa
mudana cresceu o carnaval, mas nos exclui um pouco enquanto sambista mesmo... Por
exemplo, essa ida dos desfiles... No vou nem te dizer da So Joo. Da So Joo aqui
pra Tiradentes j foi um feito, n? Nossa, o carnaval cresceu! Mas da Tiradentes l pro
Sambdromo excluiu o povo, sabe? A voc me pergunta:
Por que excluiu?
Porque aqui se pagava bem menos pra entrar.
E, alm disso, voc tinha esse pedacinho onde ns estamos nessa altura da
avenida. o local onde comeava o desfile. A pista de desfile, que era 750 metros, ia
at l em cima. Ento daqui at o viaduto l embaixo, no rio, era perto, ento o povo
podia assistir as escolas subindo, pra entrar na pista. Ento era muita gente, mas muita
gente mesmo, que ficava aqui nesse espao que no se pagava. E depois a pista pra
baixo, quase chegando l na Praa do Correio, na disperso. Ento era muita gente
mesmo.
E o povo que ficava andando aqui nas imediaes. Ento, ns perdemos isso. L
no Sambdromo, ou voc entra ou voc no entra. No adianta ficar de fora, fazer o qu
l fora, voc no v nada? No tem ningum. S porto e muro. Ento a gente perdeu
com isso. A gente, eu digo, a comunidade, os sambistas que no podem pagar, l uma
nota pra se entrar e pra assistir, n. Uma diferena: aqui voc trazia seu lanche, voc
trazia seu caf, voc trazia sua garrafinha de ch e assistia as outras escolas nas
arquibancadas. Voc desfilava e depois ia assistir s outras.
Agora o sambista pobre desfila pela sua escola e vai embora. Acabou o carnaval.
s 20 minutos de avenida. L voc no pode entrar nem com uma garrafa dgua.
Ento tudo voc tem que comprar. Voc quer gua? Voc tem que descer l e comprar.
Ento isso restringiu demais os sambistas. E a eu digo: a comunidade sambstica, que
a comunidade pobre, n? Ento elitizou demais. Ficou tudo caro.
O samba ficou elitizado. Hoje, Nossa Senhora, hoje uma coisa assim... L
embaixo voc v que as alegorias nossas hoje so imensas, n? O dinheiro chegou e a
comunidade negra e pobre foi sendo excluda do carnaval.
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Outro fator: Quando voc coloca uma torcida junto com as pessoas comuns,
complicado. Ento muita gente no vai ao Sambdromo por esse fato. Medo por causa
das torcidas. Porque l ns temos a do So Paulo, do Palmeiras, do Corinthians, e agora
t chegando a do Santos tambm. Ento muita briga e muito descaso. Teve um ano a
que parecia um estdio, o pessoal da Gavies estendeu uma bandeira em um setor e
ningum mais sentou ali, s eles. O lugar comum a todo mundo. Botaram o bandeiro
l e tomaram conta. E a chegou todos eles, sentaram. As escolas que passavam, eles
ficavam de costas, no estavam nem a. S quando passou a Gavies que a eles se
manifestaram da melhor forma, tudo bem. Mas um desrespeito pra um pavilho voc
estar ali fazendo um desfile com o pblico de costas. Isso da foi muito repudiado.
Hoje eles j melhoraram. To melhorando. Parece que entenderam um pouco
que carnaval, desfile de escola de samba uma coisa, clube de futebol outra. Porque
ali um lugar onde no tem s duas torcidas ou trs. Ali tem torcidas de todas as
agremiaes. Cada um defende o seu bairro. Eu sento do teu lado, voc Camisa, voc
Nen, voc Vai-Vai; quando passa a minha escola, eu vou aplaudir. Voc no vai
ficar bravo porque eu t aplaudindo a minha escola e nem eu vou brigar porque voc t
l aplaudindo a sua. s vezes at aplaudo junto porque t fazendo um trabalho bonito.
O samba sempre foi assim. Era uma integrao e l no Sambdromo, com as
torcidas de futebol, a coisa ficou meio estranha. Ento tem muita coisa que, se a gente
for botar mesmo no papel, nossa... A grandiosidade acabou com a emoo.
O carnaval hoje, pra ns, no tem muita emoo mais, aquela coisa de corao,
de voc chorar pelo teu pavilho, como acontecia. A gente, nossa, eu j chorei quando
minha escola foi mal... A escola passa mal, passa bem, voc sente. Hoje, no. Eu falo
pra voc:
Voc quer sair na escola? A voc fala:
Ah, qual escola?
U, na minha. Ah, mas Palmeiras.
No, no Palmeiras, o Camisa Verde, no tem nada que ver com
Palmeiras.
Ah, mas eu sou corintiano.
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auxilia, mas eu participo. O valor muito alto, a quando eu digo o nosso povo, o
nosso povo sambista, nosso povo negro, que tem menos instruo, ele no consegue
sozinho, v a situao da Lavaps hoje.
Com excees, porque toda regra tem suas exceo, mas, se voc hoje dar 50
milhes, olha, voc vai ter que colocar a sua escola na rua, com 50 milhes. Olha,
primeiro ele vai ter que trazer algum pra fazer isso com ele, pra administrar isso com
ele, porque ele no tem noo de administrao de juros, de tabelas, de desconto. Voc
chega l, pechinchar uma coisa, um desconto que voc pode adquirir com uma boa
conversa, tratativas mesmo, diferente, tem que ter uma pessoa mais experiente.
A o sambista foi perdendo o seu espao, eu digo, enquanto presidente de escolas
de samba, negros. Antigamente todos eles eram negros, no era? Nas escolas de samba,
at porque no era bem visto pela sociedade, aquela coisa toda. A partir da oficializao
a coisa foi mudando, e essa administrao foi passando pra um pessoal profissional.
Fulano formado em administrao, ento melhor trazer ele pra compor a nossa
diretoria, porque ele conhece. Depois temos que prestar conta pra prefeitura, pros
patrocinadores. Essa pessoa era uma pessoa branca e sem coisa de discriminao,
porque somos todos iguais, mas voc vai entregando os cargos.
Porque os sambistas no perderam, no, entregaram! Que tomar difcil. Vai
tomar a escola, no se toma, a gente d. Perderam seus espaos, entregaram. Entregando
voc passa a de repente nem mais fazer parte da diretoria. Eu conheo fundador e expresidente que chega hoje na escola e perguntam:
Quem o senhor?
E o cara era presidente da escola, veja bem, fundador e presidente da escola,
chega l, tem os seguranas na porta, o cara fala cad os ingressos? No, mas eu era
presidente. O cara t l, no conhece ningum, no vai deixar entrar. A vem um, e diz:
Nossa, mas voc, libera ele a. humilhante, eu j presenciei, nossa! De ver algum
que j foi presidente daquela escola, daquela agremiao, chegar e pedirem para ele o
ingresso. E ele ficar ali, a o Gabi podia entrar porque o Gabi mais conhecido, todo
mundo me conhece, o pessoal fala: , Gabi, faz favor, mas e fulano, no vai entrar?
Ento, estas coisas que deixa a gente magoado, porque a gente presencia muito isso.
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O cara chega, muda tudo na escola e depois vira at presidente, porque estudou,
tem uma graninha a mais. Mas no pense que porque ele estudou ele vai administrar
bem. Por exemplo, os presidentes de escolas fizeram um contrato com a Globo, veja
bem, de 14 anos. V se pode uma coisa dessas. Um contrato de exclusividade com a
Globo de 14 anos. Isso no um exagero? P, brincadeira! O que voc acha que eles
colocaram nas clusulas? Que no pode outra emissora entrar, no pode. Olha, ns
vamos pagar esse dinheiro, mas vocs vo ter que desfilar na sexta-feira. Na sextafeira? , mas a grana boa. Ento, t, vamos mudar pra sexta-feira, at pra no
concorrer com o Rio, vamos mudar. No primeiro ano do Sambdromo, em 1991, 1992,
por a que mudou. A direo da Rede Globo falou:
Olha vocs vo desfilar na sexta-feira, mas s depois do Super Cine, ns no
vamos televisionar nada antes do Super Cine.
Ento as escolas desfilam na sexta-feira depois do Super Cine. Por que a grade
da Globo no pode ser mexida, e no sbado? No sbado, pode comear um pouquinho
antes, depois da novela. Ento a gente foi ficando amarrado a eles, simplesmente.
A Rede Globo que comanda tudo. Percebe como a gente foi envolvido, uh,
pronto e fomos sendo envolvidos. A ns estamos a at 2014, porque assinamos em
2000, at 2014. O contrato da Globo, v se pode, 14 anos de contrato. demais, no
?
conscincia, ia pesar os prs e os contras e no ia fazer uma coisa dessas. Jamais. Tanto
que, agora, duvido que eles vo botar at 2028. C acha? No, agora mais trs anos,
vamos entrar com outra emissora, vamos dividir, porque eles fazem o que eles querem.
Porque eu j briguei demais contra isso. A veja bem, eu j briguei demais com eles, por
qu?
A televiso deveria estar a para mostrar a beleza, o lado cultural da escola de
samba, falando dos seus enredos, mostrar o que e o que a escola t trazendo. Quando
um enredo futurista, da cabea do carnavalesco, a gente nem discute, mas quando um
enredo histrico, poxa, a gente coloca tanta coisa naquele desfie, que a maioria das
pessoas no sabe.
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Pra voc fazer um desfile, tem que pesquisar, e pesquisar muito. A televiso
ignora isso. Teve um ano que o Camisa Verde e Branco veio falando da fotografia,
ento, nossa, quanta coisa importante ns tivemos naquele enredo. Que Dom Pedro que
trouxe a mquina fotogrfica. Muita gente no sabia. E aquela de foto spia, preto,
colorido, como que se fazia. Ento, muitas coisas importantssimas que poderiam ser
ditas durante o desfile da escola, no foi dito. O que passava? As meninas nuas,
seminuas, n, porque nuas no pode vir, as coisas erradas. O mestre-sala e a portabandeira que ostentam o pavilho, que o ponto mais alto de uma escola de samba,
passavam assim, , trs segundos. Voc acha que eu no vou reclamar? Fui reclamar!
Vocs fazem coisa que no pra fazer. Passa um casal, vocs dizem que
outro, totalmente errado.
Eu era presidente da Associao de Mestre-Sala e Porta-Bandeira do Estado, a
AMESPBESP. Preparei um dossi, com todas as escolas, todos os pavilhes. Mandei
pra eles. Com o nome de todos os casais, sequncia dos desfiles pra eles no errarem.
Ah, mas isso no d pra gente fazer, como no d, tem que dar. A o diretor da Globo
falou pra mim:
Gabi, deixa eu falar uma coisa pra voc: voc no quer ficar no carro de
imagem, a, quando passar o casal, voc indica e a gente fala? Eu falei:
Eu no, no ganho nada com isso, vou perder meu carnaval pra ficar no carro
de imagem, vocs que tm que se orientar.
J reclamei demais com eles. Agora que eles esto colocando umas cmeras ali
onde os casais evoluem mais, porque eles deveriam evoluir na pista inteira, mas quando
vai chegando os jurados eles querem evoluir um pouco mais, fazendo as graas deles.
Agora de uns anos pra c que eles esto colocando uma cmera ali, pra mostrar
esse lado. Esto melhorando, at 2014 capaz de melhorar um pouquinho mais.
A Leci Brando criticada nos seus comentrios pela direo da Globo. Eu t
contando uma coisa que eu sei, ela me falou, porque a gente tem amizade. Porque ela
fala, no sei se vocs j ouviram, quando ela entra pra falar, ela s pode falar uma
coisinha assim. Ela fala:
Olha l a Fulana da ala das baianas.
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coisa, ou exigir alguma coisa, n? Eu acho que a cultura do samba diferente, precisa se
orientar primeiro. Vou ficar de costas para um pavilho, nunca!
O pavilho o mais importante de uma escola. Atrs desse pedacinho de pano
aqui, desse pavilho que existe desde 1984, quando foi fundada a Federao, isso a
Federao, uma coisa que alm de uma escola de samba, um pavilho que foi
fundado por pessoas responsveis que, com muito carinho elaborou, fundou tudo isso.
em respeito a essas pessoas que a gente cumprimenta os pavilhes todos, em
respeito aos antepassados, aos nossos ancestrais.
E atrs de um pavilho desses, se voc soubesse o quanto de mstica tem,
principalmente de escola de samba, n? Esse eu no falo, porque Federao. Tem
muita coisa, muito misticismo que tem atrs de um pavilho. Voc v que todas as
escolas de samba tm uma ala de baianas, no tem?
obrigatrio, vocs sabem que obrigatria uma ala de baianas em uma escola
de samba, estavam querendo tirar, mas quem queria tirar? A modernidade. Sabe essas
senhoras a j esto muito cansadas, e alm do mais atrasam o desfile. Que isso? Baiana
fundamento de escola de samba! E neste fundamento esto os pavilhes, as baianas.
Tem sempre aquela baiana que chefe de terreiro, que faz os trabalhos de proteo da
escola de samba, tudo em cima do pavilho, porque ele representa toda aquela
comunidade, toda aquela nao. Ento por isso que a gente vai l e cumprimenta com
muito respeito. Sempre que vocs chegarem em uma escola de samba, voc vai ver que
o pavilho est l. Sempre est. Se no estiver est errado, ele sempre vai estar l em
algum lugar, pode chegar l tranquilamente, pega o pavilho, um cumprimento s.
como se voc estivesse chegando na minha casa e me cumprimentando: Oi, como vai,
tudo bem? Estes so os fundamentos da escola de samba, que eu acho que a gente peca
muito em no passar isso para toda a comunidade.
Eu dei uma palestra na semana retrasada pra um grupo de jurados. E a eles
chegaram, todo mundo chegou, 150 pessoas, todo mundo sentou. E a, a hora da minha
palestra que mdulo dana, a eu falei:
Estou impressionado. Vocs chegaram aqui e ningum foi l cumprimentar o
pavilho. Era o do Camisa Verde, porque foi feito l. A, na sada, foi todo mundo l.
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U, se eu no falo, no todo mundo que fica sabendo. Tem que saber por qu. Se eu
no falo algum um dia ia falar, mas e se no fala? Eu, como membro da Embaixada,
tenho que falar.
Esse o carnaval hegemnico. Mas estou pensando nas escolas grandes. Se
vamos falar das escolas da UESP, ainda tem, mas elas esto confinadas, coitadinhas.
Voc v onde eles pem o pessoal para desfilar, l no autdromo. Fala a verdade, onde
no tem ningum, pode? No pode, ento vai sendo excludo. Escola l da Vila Matilde
tem que desfilar l no autdromo. Que dor de cabea como que o pessoal vai levar
alegoria pra l, no pode. A escola do bairro pe l no bairro.
Sabe, antigamente a gente fazia isso. Quantas vezes eu desfilei na Vila Prudente,
na Lapa, ali em cima em Santo Amaro, onde tinha gente. Agora, na Politcnica, no tem
ningum, e olha a dificuldade que pra chegar. A UESP tinha mais de 120 escolas, s
est com 68, no era para ter muito mais? T acabando, o pessoal t desistindo. Vai
acabando, o que eu digo de romantismo, o tempo quando a gente fazia fogueirinha pra
esquentar o tamborim, sabe? Acabou tudo isso.
Quantas vezes eu no fui l em Santa Cruz, no Rio de Janeiro, buscar couro pra
encourar os surdos do Camisa Verde. A gente ia l no curtume, vocs morrem, um
cheiro horrvel! E a gente ia sabe? Encourava tudo, ia todo mundo com aquela garra,
hoje no. Voc liga: , Fulano, tem couro a, manda dez, manda 50. O cara entrega na
quadra e pronto. tudo muito simples, no tem mais a ansiedade de voc fazer, ver se
est legal, chegar no dia do desfile, a sim, t tudo pronto.
Ns chegamos na avenida j est tudo pronto, olha que legal, mas voc no viu
nada, no acompanhou nada, porque no pode ir no barraco. A comunidade no pode ir
no barraco. Ento voc no v nada. Tem gente que chega para desfilar e no v a sua
escola. Voc chega l e tudo muito rpido, j posiciona, sua ala aqui, e a soa a
campainha e j desfilou. A vem o segurana, pe todo mundo pra fora, entra no nibus,
foi embora. Voc no pode ficar ali pra ver sua escola chegar ou sair. No tem como,
voc no v a sua escola.
O samba um instrumento de denncia, temos que voltar a us-lo. Aqui em So
Paulo no temos muita tradio de escola que vem com stira, mas no Rio tinha mais.
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Hoje quase no tem mais. A Ilha do Governador, Estcio, eles eram bem crticos, com
questes polticas. Aqui em So Paulo lembro que o Camisa trouxe como o Negro
Maravilhoso e era verdade! V s:
Tinha uma bola de ferro, preso nela uma corrente/Esse osso de canela veio de
outro continente/De jeito nenhum no preconceito/Preto e branco tem direito nossa
escola no faz distino de cor/E pra falar sobre esse tema/Foi que surgiu o
problema/E o dilema se avizinhou/ , a nossa escola enobrece a negra gente/Que
nunca ficou chorando/Sempre viveu fingindo contente/ Negro paga imposto/Negro vai
guerra/Negro ajudou a construir a nossa terra/Temos a pergunta no nos leve a
mal/Porque s no trduo de momo que o negro genial?/Ele capito/Ele
general/Ele poderia ser tanta coisa dentro da vida real. [cantando]
uma crtica forte e foi feita no tempo da ditadura. Um perodo que no
podamos falar. Eu fiz samba-enredo que foi pra censura. Tudo tinha que passar pela
censura. Essa palavra aqui no, tem que tirar. Era complicado. At 1970 e poucos, mas
at mesmo at 1985 ainda tinha censura velada. Certas coisas no podiam falar. Seno
era preso. Eles queriam que a gente fizesse esse sambinha gua com acar.
Mas depois veio a democracia, e parece que quando voc pode falar, perde a
graa, quando voc no pode falar que voc fala. Eu tinha um professor de portugus, o
dia que a gente queria matar aula era s falar de poltica. Ele j tinha sido preso como
subversivo, quando a gente falava, ele saa no corredor, olhava, fechava a porta e
comeava a discutir poltica. S que a gente no podia falar alto, tinha que falar
baixinho e ele sempre com medo de algum dedurar.
Agora v os enredos desses ltimos carnavais, quase todos eles giram em torno
de patrocnio. Um fala de uma cidade, outro fala de outra. Ns vamos falar da Avenida
Paulista, o centro financeiro, os bares do caf, tal, rende alguma coisa? Vai render, mas
seria melhor falar algo mais cultural, do nosso povo, as crianas no sabem mais nada,
outro dia perguntei quem descobriu o Brasil, me falaram que foi Cristvo Colombo. A
crianada no sabe nada da nossa Histria. O samba-enredo poderia ensinar isso.
Com tudo isso, o futuro do carnaval paulistano muito incerto. Eu vejo com
muita preocupao... Em questes... De segurana. De segurana pelas escolas que a
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Eles so responsveis tambm por essa grandiosidade que a gente tem. Ento, a
gente critica, mas no pode s criticar, tem que falar as coisas boas que eles trouxeram
tambm. Porque eles trouxeram muitas coisas boas, por que as outras no vo querer
ficar pra trs, n? Ento tambm vai ter que melhorar.
Eu sou o Gabi, mestre-sala do Camisa Verde e Branco e da AMESPBSP.
Participei, lutei e continuo lutando por um carnaval popular feito pelos negros e pobres.
E isso... Se quiser falar de carnaval, venham aqui. Vocs vieram ao lugar certo!
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Dona China
Data de nascimento: 04/08/1929
Profisso: Operria e comerciante
Escola de Samba: Vai-Vai
Data da entrevista: 09/07/2011
Local: Residncia da Dona China
Figura 3 Dona China, ao centro, Karine Rio a esquerda e Bruno Baronetti a direita.
Fonte: Foto do Autor
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com aquelas saionas, danando e batendo aquele tambor, eu dancei at com menino
pequenininho assim, menino bom pra danar sabe, danar umbigada, aquelas coisas
lindas, depois tambm tem a dana de So Gonalo, o pessoal vem danando, e bate pra
l, bate pra c, aquelas fitas, coisa maravilhosa!
Faz pouco tempo que ns participamos de um show junto com o Netinho na
festa de Pirapora, ai, foi to bom, voc tinha que ver! Fora da festa, eu estive em
Pirapora pra inaugurar o busto do Geraldo Filme, que fizeram em um salo, colocaram o
busto dele em cima e ns que fomos inaugurar o busto dele.
Tambm participei das festas de Nossa Senhora Aparecida no Parque da gua
Branca. Os bombeiros trouxeram e ns fomos receber a Nossa Senhora Aparecida, ali
foi uma festa enorme. Fomos todos da UESP uniformizados, foi uma festa grande,
muito boa.
No ano passado que eu no fui e esse ano que j me convidaram e que eu no fui
por problemas de sade, mas eu participo da festa de So Benedito, eu vou pra Santos
com o Durval nas festas de So Benedito, participo de tudo. Agora a Embaixada, o
pessoal da Velha Guarda, ns, da Velha Guarda, sempre participamos quando tem festa,
participo de tudo isso.
Antes de entrar no Vai-Vai, eu participei de outras escolas, como Folha Azul e
Tatuap. Foi assim, do Ipiranga eu fui morar na Penha. Morei um pouco na Penha e
viemos aqui para o Carro. Nos mudamos pra c em 1947. A comeamos a sair no
Folha Azul dos Marujos, era uma escola boa, mas a morreu o presidente, os diretores, e
eles no souberam levar a escola para frente porque ela estava muito boa. Tambm
desfilei um ou dois desfiles do Tatuap, escola do Mala e do Casado.
Eu saa nessa escolinha do Folha Azul e o Ivo veio me convidar para fazer uma
noite no Vai-Vai, porque no tinha porta-bandeira para desfilar nesse evento que a
escola ia fazer no Sbado de Aleluia. E eu fui na noite de sexta na casa da Dona Paula,
que arrumou a roupa para mim direitinho. E quando foi no Sbado de Aleluia, eu estava
no Pacaembu. Fiz o desfile eles gostaram, e quando fui para casa dela, na Avenida
Anglica, dcimo terceiro, a os reprteres todos, em cima de mim, todos me adotaram,
me pegaram como uma criana, e eu fiquei at hoje.
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t aqui comigo. Quando eu ia subindo com ela na mo assim, vi a roupa do Ivo igual, a
mesma roupa que era minha, era do Ivo Branco, o mestre-sala. Ele era enfermeiro do
hospital municipal, depois foi para as Clnicas e passou a ser escrivo de polcia em
Sorocaba, e de Sorocaba o Silvio me falou que ele tinha morrido. Mas o Ivo era uma
pessoa muito grande, ele era louro dos olhos azuis, alto, usava sapatos brancos, ento o
pessoal chamava ele de homem do sapato branco. Era um mestre-sala de primeira, voc
tinha que ver, ele era meu mestre-sala e trabalhava com dois leques, e era uma coisa
maravilhosa, quando ele caa na avenida, uma coisa que a gente no esquece. Quando
ele punha o leque assim e me chamava na avenida, e fechava o outro, a avenida vinha
abaixo! Ento sempre, graas a Deus, tive muita proteo dele, e ele, onde estiver, que
Deus o proteja.
Quando o Vai-Vai passou a ser escola de samba, eu fui a primeira portabandeira. Fui primeira porta-bandeira do Vai-Vai, de 1972 at 1983. Vim para desfilar
um dia e eu estou h 43 anos. Eu tambm j desfilei com estandarte. O ano que eu parei
de sair de porta-bandeira eu passei a sair com o estandarte. O Vai-Vai de 1930, mas
no era escola de samba, era cordo.
Era diferente, porque no cordo tinha rancho, tinha rei, rainha, princesa, tinha
todos esses adereos, tinha estandarte. A batida do cordo tambm diferente porque o
samba de cordo era uma batida, agora de escola de samba outra. Ento o samba de
cordo era cantado em seguida, agora no. E tinha cavaquinho, tinha aquele bem
grando que bate. Hoje em dia mudou bastante, tem cuca, tem reco-reco, agog,
frigideira. E o samba modificou muito.
Quando eu comecei no Vai-Vai, o mestre de bateria era o Feijoada, depois
entrou o Tadeu. Antes deles teve um primo meu, o PatoNgua. Quando ns soubemos
que ele tinha morrido, j tinha passado um ms ou dois, morreu l em Suzano, a gente
nem sabe como foi direito. Falaram que mataram ele, mas at hoje a gente no sabe.
Cada um conta uma histria diferente.
Eu desfilei com a fantasia a da fotografia, esse foi um dos meus primeiros anos
como porta-bandeira. Voc veja que era tudo diferente, at as plumas; antigamente, era
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o baile da gente que valia a pena, hoje em dia s pluma e paets, elas balanam e
acabou, os concursos todos que eu ganhei, foi na raa, ganhei ali.
Quando eu deixei de sair de porta-bandeira, ela foi ofertada para mim pelo
Chicle. Eu sou a nica porta-bandeira que teve o pavilho ofertado pela escola. Teve
uma festa para mim no Palcio Mau, e, nessa festa, eles me ofertaram o pavilho que
est aqui comigo. E durante esse tempo todo eu fiquei desfilando para o Vai-Vai, era
muito bom!
Tambm desfilei na escola Imprio do Samba de Santos, todo ano eles vinham
me buscar. Eu tenho as medalhas que eu vou mostrar, de 1970 a 74. Ganhei elas como
melhor porta-bandeira de Santos.
importantes foi a da inaugurao da Praa Roosevelt, que o prefeito Faria Lima me deu.
Tenho muitas outras medalhas e prmios.
Ano passado, ganhei da Cmara Municipal. Eu tenho esses prmios, mas eu
acho que a poltica no devia entrar no carnaval. A poltica uma coisa social, de
governo, do Brasil. As escolas fazem homenagem aos polticos, mas eu acho que tinha
que ser mais pro samba, mais enredos antigos, tinha que vir mais sobre escravido, Baa
de Todos os Santos, o enredo l do Nordeste, um enredo que trouxesse a origem do
povo brasileiro.
O Vai-Vai pra mim uma segunda famlia, todos me respeitam, me querem
bem. A diretoria desse menino a, agora ele o presidente. Quando conheci, ele era
uma criana, hoje ele o meu presidente, o Neguito. Tem tambm o Clarcio...
O enredo do Vai-Vai desse ano so as mulheres maravilhosas, no li a sinopse
ainda, mas deve vir muita coisa, nesse enredo, em minha opinio, eu ainda no li no sei
o que o carnavalesco vai por, mas, nesse enredo, em minha opinio, vem muitas pessoas
importantes, mulheres maravilhosas, isso um enredo que traz as mulheres pra frente;
agora, se fosse nesse enredo homenagem a Getlio Vargas, j no seria bom, porque ele
um governador, ento acho que no tem que misturar as duas coisas. Agora pode
homenagear artista, como ns homenageamos ano passado o maestro, e a histria do
maestro triste e feliz!
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Tudo isso
acabou, no tem mais, esse negcio de caf, no tem. A ltima matria que eu fiz foi na
Bandeirantes, que eu estava de embaixatriz, contando minha histria. Eles me
perguntaram:
O que a senhora acha de artista no samba?
Eu falei:
bom. Ajuda o nome da escola, e, depois, eu no tenho nada para falar,
porque eu sou da Velha Guarda e no tenho o que reclamar, a nica que eu no gosto
que a gente luta, luta o ano inteiro pra fazer uma roupa e quando chega na hora do
desfile o artista j tem roupa pronta pra sair, do contrrio, quanto mais artista no samba,
melhor . E na reportagem eles puseram que a Velha Guarda no queria artista no
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samba. Que a gente da Velha Guarda no queria ela, a Tiazinha, quando ela veio
desfilar no Vai-Vai.
Eu gosto, eu adoro e acho bonito o modo deles falarem, deles estarem
participando. Tem a Leci Brando, ela falou muito bem do carnaval de So Paulo. Tem
uns artistas que tm talento tambm no samba. Esse ano teve um que participa da
novela que foi mestre-sala da Gavies da Fiel, o Wilson, no lembro o nome da novela.
Aquele que aparece na novela, que tem um bar e est sempre de camisa listrada.
Uma das queixas que eu tenho que a Globo no passa na ntegra o nosso
carnaval. Tem ala que o povo nem v, j no Rio de Janeiro, eles comeam desde a
concentrao at aqui na disperso, tudo. O pessoal est na concentrao, eles esto
mostrando e vem at aqui em cima na disperso. J ns aqui, da Velha Guarda, no
aparecemos, voc pode ver, outras alas tambm no apareceram. uma crtica que eu
pus na minha cabea e voc pode ver que isso a mesmo, n? uma coisa certa, eu
acho que eles deveriam dar mais valor ao nosso carnaval aqui de So Paulo. Voc pode
ver a Bandeirantes depois, quando passa l os pedacinhos direitinho.
Acho que o carnaval, antigamente, ele no era, assim, falado; era pblico, e eu,
muitas vezes, desfilei para o pblico, que no tinha cabine, ento eu era aplaudida pelo
pblico, quando falavam: A Vai-Vai vem vindo, a China vem vindo. Nossa, meu Deus
do cu, era aquele corre-corre, eles isolavam a pista com corda, aquela coisa era
maravilhosa. E hoje em dia tudo mais reservado. Ningum pode chegar perto, no
que eu no acho o carnaval de hoje muito bom, so organizados de modo diferente.
Quando eu comecei, era pela tradio.
Eu passei por Anhangaba, Avenida So Joo, Lbero Badar, tambm na Praa
Roosevelt, onde eu inaugurei a praa, na Rua Direita. Mais isso foi muito antes de eu
sair no Vai-Vai, ali, na Rua Direita era assim, um cordo tinha que passar por dentro do
outro para poder ganhar. Eu vinha danando e a outra porta-bandeira me ultrapassava,
eu tinha que passar ela para poder chegar at o final, ento a escola ganhava.
Na Rua Direita tinha a sua escola e tinha a minha, uma tinha que passar dentro
da outra pra chegar na Praa da S. Tambm participei da Praa da S, dos dois
tablados, da boneca de piche que o Grande Otelo encenava. Veja bem, a minha me
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trazia meus irmos e eu para gente assistir o tablado, ela trazia uma coberta, punha a
gente nas escadarias, e a gente ficava ali at terminar, porque quando terminava, ela
vinha pegar a gente para ir embora pra casa, veja bem que ano que foi isso, foram assim
por muitos anos. E acho que isso por uns dez anos, eu vinha para a Praa da S pra
assistir o desfile de 25 de janeiro ou desfilar no carnaval.
Peguei todos os anos da Tiradentes, peguei todos os anos do Anhembi e vou at
eu parar.
Ns gostvamos da Tiradentes, sabe por qu? Na Tiradentes tinha onde o
pessoal fazia a concentrao, tinha mais liberdade, tinha bar, poderia ir em um banheiro,
voc podia comer uma coxinha, uma empadinha, voc tinha a liberdade de usar os
barzinhos dali.
Veja bem, l no Anhembi voc no tem. No comeo tinha algumas barracas que
ficavam ali no comeo, mas, de uns tempos para c, terminou, no tem mais nada. No
sambdromo, ali, para ficar bom, tinha que desfilar direto, porque voc tem aquela
curva que engole muita coisa, voc vem e a curva tem que fazer isso, voc no v a
escola inteira, depois da curva que vem vindo as alas e isso eu acho que prejudica um
pouco, porque o bonito voc ver a escola quando ela vem, voc v aquela emoo,
aquela coisa, tem que sair uma para entrar a outra, no cabe a escola inteira na pista.
nisso que eu acho que mudou, na Tiradentes cabia direitinho. L no tem um
bar, s dentro, l fora no pode ter nada, mudou muita coisa.
Antigamente, a gente tinha amor no samba, amor bandeira. Quando eu deixei o
samba foi por doena. Passei uma fase muito difcil. Faleceu minha me e o meu marido
em dois meses. No dia que ia fazer a missa de dois meses de falecimento da minha me,
meu marido faleceu. Ento eu desacoroei, porque eu ia muito para o interior, passava
vrios dias fazendo shows no interior, a, quando foi nesse ltimo ano, eu falei assim:
Olha, Chicle, minha me est muito mal.
Eu saa de dois hospitais, saa daqui do 21 de Abril, que a minha me estava ali,
e ia l para o Municipal ver meu marido. Entrava l, tomava banho, as moas me davam
sopa, e, depois de tudo isso, eu descia a p pra Bela Vista e ensaiar no Vai-Vai. Quando
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minha me faleceu, eles vieram todos aqui, e, depois de dois meses, meu marido. Eu
falei: Eu posso fazer esse carnaval, mas depois eu no quero mais.
Meu marido morreu dia 17 de janeiro, enterrou dia 18. No dia 20 de fevereiro
tinha que estar na avenida, porque antigamente era de domingo, no era de sbado; olha,
a lgrima caa. Eu estava na avenida danando, eu pensei: Nossa, o ltimo ano que eu
vou sair, a, quando teve na quinta-feira a reunio, eu entreguei minha carta de
demisso. Mas eles no me deram. Falaram pra mim que eu continuaria para sempre
sendo a porta-bandeira da escola. Mas j no dava mais pra continuar como primeira
porta-bandeira, indo a todos os ensaios. Ento passei o pavilho. Danava com o
pavilho em algum evento, em shows. Eu prometi que eu no ia desfilar contra o meu
pavilho, no ia disputar contra ele, e ia ser sincera a minha bandeira, que a do VaiVai.
Em todos esses anos nunca sa por outra escola, participei sim, ajudei sim,
porque eu sou fundadora e porta-bandeira da Associao de Mestre-Sala e PortaBandeira do Estado. Ento, se eu estiver em uma quadra e um diretor ou presidente
pedir pra segurar o pavilho da escola, caso a porta-bandeira no estiver e precisar
receber algum, d para voc fazer isso, a eu posso, mas desfilar contra o meu
pavilho, no!
E ele est a, uma relquia, eu vou passar ele como falei pra vocs, eu quero
em um pedestal ou ento em algum museu, como o Museu do Disco. Teve uma
exposio l no Ibirapuera, museu afro e tinha umas fotografias minhas. Eu no fui l
ver, mas me falaram que tinham fotografias minhas.
Fui muito feliz na minha carreira, fui muito feliz mesmo. Algumas vezes tm
alguns tropeos, como no servio, voc est no servio e tem um que quer puxar o seu
tapete, escola de samba assim, mas quando um queria puxar o tapete meu daqui, eu
saa pra l, quando brigavam comigo aqui, eu rezava para aquela pessoa, para no fazer
nada com outras pessoas. Fulana falava:
China, ela sua inimiga.
Que Deus ajude ela, para no fazer para outro o que ela est fazendo comigo,
porque eu no estou ligando pra isso.
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Ento foi assim que eu fiquei todos esses anos nas escolas de samba. Se voc
chegar pra qualquer um e perguntar: E a China, porta-bandeira aqui, como que era?
Pergunta se eu tenho algum passado ruim. O meu passado lindo, maravilhoso, limpo
e eu posso chegar no aeroporto, dar meus documentos e vou para onde eu quiser, sou
feliz da vida, e assim .
Ento, antigamente voc vivia o carnaval porque no precisava pagar para
assistir. Vinham s escolas de samba, aquela coisa linda. Hoje em dia, para assistir o
carnaval, tem que pagar e no tem liberdade. Voc est l na arquibancada, longe. Se
voc quiser levar uma comida, um lanche, j no pode, tem que comprar tudo l.
Ento o carnaval mudou nesses aspectos. A pessoa que gosta de carnaval vai
porque quer assistir. Mas o carnaval hoje mais para os ricos, porque eu no vou l
pagar R$ 4.000,00 em um camarote. E eles pagam e os camarotes esto superlotados.
Eu fui fazer um show no Brahma ali na So Joo e tinha de tudo, serviram a gente muito
bem. Eles querem resgatar alguma coisa de carnaval, sempre tem atraes, com artistas
antigos, mas resgatar o carnaval como era na So Joo no Anhangaba, na Tiradentes,
no tem mais.
A gente desfilava ali no desfile oficial e dali mesmo saa e desfilava em outro
canto, ento voc era carnavalesca a noite toda e era uma coisa que pra mim fez
diferena. Agora, voc veja bem, eu, com 82 anos, o que eu passei, bons carnavais,
maus carnavais e agora? E assim a vida, e vamos ainda ter muitas mudanas, n,
porque do jeito que esto as coisas. Se por acaso os nossos dirigentes forem mais
maleveis, o carnaval pode melhorar.
Hoje o carnaval perdeu a essncia, ns perdemos toda essncia, porque,
antigamente, se eu pusesse uma roupa de chita e um turbante, ih! Voc era carnavalesca
j tava desfilando, se os homens pusessem uma cala e alguma coisa na cabea j era
fino e hoje em dia, no, se um homem colocar uma cala de cetim e colocar um leno na
cabea, o pessoal diz olha l, imagina uma escola de samba sair com aquilo, no
verdade?
A diferena muito grande, porque, antigamente, voc fazia uma saia de chito
bem feitinha, de um paninho bem-feito, voc saa e todo mundo admirava, uma queria
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comprar chito mais bonito do que a outra, uma queria comprar estampado, para ser
mais bonito que a outra, ento o chito fazia o carnaval, os homens faziam o carnaval,
eles se vestiam de mulher, as mulheres se vestiam de homem. Ento era um carnaval
que alegrava o povo. Voc vai nos bairros, como na Vila Esperana, e voc v o
carnaval, voc t ali, voc v o carnaval. Agora l, no Anhembi, no d, tudo fechado,
o pessoal das escolas de samba s tem aquele trecho para desfilar, terminou o desfile,
nibus e quadra.
O samba traz alegria, traz tristeza, traz falsidade, mas muito mais alegrias. Eu,
ento, depois disso, mesmo triste, eu nunca parei. Continuei no samba, principalmente
fazendo seminrios fora com o Gabi, ensinando. Eu ensinei muitas porta-bandeiras.
Todos os mestres-salas e porta-bandeiras no Vai-Vai, os que esto na escola passaram
tudo na minha mo, alis, todas as escolas de samba tm um pouco do meu dedinho. Eu
no posso nem julgar ningum. Dizem pra mim:
China, porque voc no faz o curso pra julgar?
Eu no preciso fazer curso, eu sou professora nesse quesito, s que eu no posso,
porque geralmente as que esto desfilando passaram pela minha mo. Agora, as portabandeiras de hoje, algumas no querem obedecer, seguir o currculo, porque, hoje em
dia, elas colocam uma sainha curta, gira, gira e aparece tudo, a porta-bandeira tm que
ter o peito coberto.
Hoje, elas colocam tomara-que-caia e fica o tempo todo ajeitando assim. Se eu
estou na avenida, eu no dou nota, porque a porta-bandeira tem que ser lisa, ela no tem
que estar toda hora ajeitando aqui. Eu expliquei pra Paulinha, filha do Penteado, que
nossa porta-bandeira. Eu a ensinei desde pequena, ela uma porta-bandeira que sabe
danar. Quando ela est em julgamento, ela no mexe em nada, ela s dana. E nesse
ano que passou, ela perdeu ponto. Eu no li a smula porque no gosto de me envolver
em coisas de diretoria. S quando eu era responsvel pelo casal.
Isso no um erro meu que ensinei. um erro dela, ela quis mexer na roupa e o
jurado fica em cima, se fosse eu que estivesse julgando, eu puniria tambm, ajeitou a
blusa ou o pavilho tem quer tirar nota. Foi no ano passado, que ela tirou nove e meio.
Eu ensino para as minhas porta-bandeiras, que isso no pode. Pra voc ver, o melhor
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fao uma reportagem, eu falo o nome dela em primeiro lugar, infelizmente ela j
morreu. Ento, tem que ter isso, respeito a quem nos orientou.
S que, hoje em dia, voc faz o bem e eles no olham a quem, quantos casais
que fazem reportagem e no colocam meu nome, e eles sabem que saram daqui dessa
mo, eles no falam, por exemplo, esses meninos, Fabola e Renatinho, dois irmos, eu
quase perdi trinta anos de Vai-Vai por causa deles, porque eu ia pedir demisso.
Eu sabia que eles no eram ainda casal suficiente para ir para avenida, que no
estavam prontos. Mas eu acreditei neles. Discuti at com o Espinosa, que era nosso
carnavalesco, na reunio geral. Me chamaram aqui na minha casa, porque eles me
levavam e me traziam para eu ir nessas reunies. A diretoria queria tirar o casal, porque
era minha responsabilidade, eu falei no, falei para o Tadeu, que era o presidente. Para o
doutor Miguel: Vocs no vo tirar esse casal e eu no vou dar aval para vocs tirarem
eles, porque se eu estou cuidando dos casais porque eu sou responsvel. Agora em
cima do carnaval vocs querem tirar, faltando trs meses, eu disse no, se vocs tirarem
eles a minha demisso est aqui.
Nossa, foi um horror, um clima muito chato, muita gente de olho na vaga, mas
eu bati o p e o casal ficou. Eu fiquei ensaiando com esse casal, inclusive com esse
menino que est agora na Vila Maria, o Ligeiro, que era da harmonia. Ele falou:
China, voc precisa tirar esse casal.
Eu falei para ele cuidar da harmonia que eu cuido do meu casal, olha foi o ano
que eu lutei com eles, trs vezes na semana, falei pro Gabi:
Vou tirar um sbado para o Vai-Vai, um sbado para voc.
Porque o Tadeu queria que eu ficasse apenas l todos os sbados e tambm
durante a semana eu vinha pra ensaiar o casal, porque eles saram de terceiro para
primeiro casal, um pulo grande, e tinha mesmo que orientar, a, quando chegou o
carnaval, eles foram muito bem, deram entrevista e nem agradeceram meu nome. Olha
menino, a ingratido do samba muito dura, voc sabe que eu tenho 75 anos de samba,
mas o que eu j sofri no samba, com essa ingratido.
A nica coisa que eu acho que todos os mestres-salas e porta-bandeiras que
passaram por mim deveriam ao menos em alguma reportagem falar assim: Eu tive
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instruo com a China. Eu fui a primeira que montou escolinha no Vai-Vai. Era uma
escolinha e uma ala que eu tinha no Vai-Vai. Eu tenho at fotografia deu dando aula,
olha, era show.
Ano passado o presidente falou pra mim fazer onde eu queria a minha fantasia.
Eu fui comprar o tecido l na Avenida Tiradentes. Tava l parada assim, e algum me
cutucou. Quando eu viro as costas, vejo aquele sargento, tenente, bateu nas minhas
costas. Vi aquele homem todo fardado e falei:
Olha, tenente, o senhor me desculpa, s quero atravessar. Ele falou:
A senhora assustou?
Eu assustei, poxa, estou aqui parada e o senhor chega assim, me desculpa.
Ele disse:
Eu no desculpo no, China.
Como China, o senhor me conhece?
Claro que te conheo! No lembra mais de mim, no se lembra do Marcos?
O Marcos era meu aluno de mestre-sala l no Vai-Vai ele era tenente e ele me
conheceu, no adianta esse cabelo branco nada, a fisionomia a mesma. A os outros
soldados me cumprimentaram, foi aquela festa. Ali na Tiradentes. Sabiam que eu
frequentei muito o Tobias Aguiar, que a minha filha filha de tenente, meu marido foi
tenente. Eu ia l pra fazer papel, ia pra tirar compra quando tinha a cooperativa.
Conheo tudo ali, o capito e todos eles. uma festa, voc tem que ver. Se eu for contar
todas as histrias, voc no sai daqui hoje, nem amanh, nem depois.
A ala de passista do Vai-Vai sempre foi muito bonita, quem coordenava o
Crei, neto da Dona Olmpia. Pra sair l tem que ter samba no p. Antigamente tinha
tanta coisa boa, muita criana, passo marcado, tinha destaque de cho, que hoje
dificilmente tem.
Todas as alas era de sambista. Hoje tiraram, era o destaque que separava as alas,
pois cada ala tinha seu destaque, para harmonia dirigir era melhor, e voc j sabia, a ala
de fulano j est montada, mas hoje uma ala de sambista e quase todas de turista, pra
voc achar um destaque de ala, eu no sei como o Vai-Vai faz. Nesse ano que passou,
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colocou aquela escurinha, aquela professora de afro, eu esqueci o nome dela, ela vinha
vestida como mata com uma roupa verde. Que espetculo!
J sa muitos anos de destaque, sa de destaque principal, sa de destaque de ala e
depois eu falei: Agora eu vou pra Velha Guarda. L eu levo o estandarte. J tem bem
uns dez anos que eu saio com a Velha Guarda. E o lugar que eu sinto melhor, mas
agora eu no quero mais participar de diretoria, quero s chegar e sair. Porque at o ano
passado, eu cheguei a fazer Simpsio, fiz o Simpsio do Carnaval no Rio de Janeiro, no
Projac, eu tive participao no ano retrasado na vinheta da Globo, ali perto de Pinheiros,
na gravao no Credicard Hall, cantei no coro do disco desse ano, e uma poro de
participaes que, se eu vou falar, voc no consegue nem escrever.
No ano retrasado, eu sa no carro alegrico no abre-alas, numa cabana, eram trs
cabanas que vinham na frente, eu fiquei satisfeita com isso.
Ano passado, eu voltei para trs, porque meu lugar agora ali, eu s saio no
carro de novo se minha perna no tiver boa. Se eu puder continuar, porque no carro no
tem problema pra mim, mas no tem jeito, vamos ver esse ano, porque que eu no
queria parar com o samba, no queria. Quero desfilar at o meu ltimo dia.
Mas para sair no cho no d mais. Porque meu lugar o cho, adoro evoluir, eu
fico cega, eu vou pro Rio de Janeiro todo fim de ano, vamos para Imperatriz, esse ano
no fomos porque estavam em reforma, fomos pra Grande Rio. Meu Deus do cu, eu fui
uma das porta-bandeiras homenageadas. Fomos muito bem recebidos, precisava de ver,
o pessoal de Santa Catarina que trouxe escola de samba de l ia na nossa mesa, tirava
fotografias, que coisa linda.
Eu comecei a ir para o Rio com o pessoal do Vai-Vai. O Ivo Branco, que foi
meu mestre-sala e eu fomos segunda festa de inaugurao da Quadra da Mangueira.
Fomos convidados para inaugurar a Mangueira, tambm foi e o Seu Penteado, fomos
para a Mangueira, naquele tempo ainda tinha a Mocinha, o Wilson, agora morreram eles
todos, o Delegado ainda est vivendo, t fininho. Cheguei perto dele e falei:
Nossa, como voc t fininho, voc lembra de mim? Ele falou:
claro, Chininha, que eu me lembro de voc.
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Eu que fiz a feijoada do Vai-Vai por trs anos, era uma das melhores da cidade,
saiu no jornal tudo. Eu sa da feijoada porque a Marlia ficou doente um ano. Faz dois
meses que ela est em coma, saiu do hospital, mas t em casa em coma, o hospital
mandou pra casa. Tambm ajudava a Dita que a costureira a Ben que mora ali na
Paim. Era ns quatro e o Ra, que era ajudante nosso. Ento ns carregamos aquela
cozinha nas costas trs anos. Depois a Marlia ficou doente e ficou tudo pra mim, e eu
falei agora eu vou parar.
A diretoria arrumou outra equipe; arrumou a Baiana, no sei se ela vai continuar,
se ela vai parar, no sei. Eu sei que tive a minha vez, sa com glria, nossa, aquilo ali
recebia artista que no acaba mais. Tem horas que eu falo, eu vou largar mo do samba,
mas eu fico pensando, quando eu olho na televiso eu falo,: Ai, meu Deus do cu, pra
eu ir porque, pra eu deixar o Vai-Vai, s se eu no estiver andando mais, mas enquanto
der pra botar um pezinho no cho, eu t l no samba!
E assim foi minha vida, j fiz de tudo dentro de uma escola de samba. J fui
presidente de uma escola de samba, a Unidos de Vila Carro. Fora as baianas, que eu
no gosto de sair de baiana, eu fiz tudo. Comisso de frente, harmonia, tudo, tudo,
contrabaliza, porta-bandeira, quer dizer, que nessas alturas, a nica coisa que eu no
desfilei foi de baiana. Ajudava tambm a costurar, eu ajudava a fazer, mas eu no
gostava de bordar, a minha comadre que era bordadeira, tinha a nossa costureira, da
Vai-Vai, que era a dona Ben, tambm conhecida por Dita. Ela costura at hoje. T
veinha, mas tem um ateli na Rua So Domingos. Costura ela, o Lucas, e a Sula. Tem a
Madalena que tambm faz roupas pra Gavies da Fiel, ento, quando eu preciso de
alguma coisa de carnaval, eu peo pra elas, agora tem uns dois anos que eles me do a
roupa, mas antes sempre eu que confeccionei tudo.
Antes havia um pouco de preconceito quando eu assumi a Vila Carro, mas
muitos aceitaram. Eu fui a presidente da escola de samba aqui da Vila Carro, ela
desfilava aqui. Eu sa, eu deixei a escola no por preconceito, porque quando voc luta
por uma agremiao, voc deve ser honesta, e eu sou muito honesta. Cheguei a tirar
dinheiro de casa para fazer roupa para o pessoal sair na escola de samba. O vice-
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presidente, que estava junto comigo, ele no era assim. Quando comeou a ter um
pouquinho de dinheiro, ele desviou e eu falei: No quero, no vou sair mais.
Porque antigamente saamos com o livro de ouro, e, nesse ano que eu sa, eu
falei: No vamos sair com o livro de ouro. No precisa, j temos o dinheirinho
necessrio. A prefeitura liberou o dinheiro antes. E ele tirou o livro de ouro e eu no
sabia. Eu falei: No quero mais saber da escola. Mas olha o que aconteceu: ele estava
tirando livro de ouro em meu nome; e eu j tinha desistido da escola, e o pessoal estava
esperando a escola.
Ele falava para as pessoas o livro de ouro da escola de samba Unidos de Vila
Carro, da China, e eu j estava fora, me desgostei, mas, nesse ano, eu precisei batalhar
para no ficar feio pra no perder minha moral, meu nome, j que ele tirou o livro no
meu nome, coloquei a escola na rua e no clube do Carro. Ento eu disse para o
presidente do clube:
Esse ano eu estou aqui, mas ano que vem eu no sou mais presidente. Ele
falou:
China, quer saber de uma coisa? J que voc no vai estar aqui eu no quero
mais saber de organizar carnaval, vou acabar com o carnaval aqui no Carro.
E acabou tudo, ningum desfilou mais.
Porque tem que ter organizao pra ser presidente de uma escola de samba. A
Lavaps da Dona Eunice no teve bons dirigentes, porque quando uma escola bem
dirigida, ela no cai toa, mas quando tem um tropeo por conta de briga de diretoria, a
quando que acontece isso, citando o exemplo do que eles fizeram comigo. Sa fora e
acabou; eu era a lder ali. Quando eu comecei a ver desonestidade, eu larguei mo e
parou. No outro ano a Unidos de Vila Carro j no desfilou.
Ento assim eu acho que na Dona Eunice. J sa com ela tambm. Teve um
ano que eu sa, primeiro tinha aquele pessoal duro. Ela era durona, tinha o Chico
Pinga. A veio vindo essa molecada, que no tem a firmeza dos mais velhos, a a escola
foi caindo. Agora parece que eles to querendo levantar, mas tem que levantar com
pessoas de capacidade, de gabarito. A Rose, que a presidente l, est sempre no VaiVai.
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Mestre Divino
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Meu nome Valdevino Batista da Silva, mas todos me conhecem como Divino.
Nasci em 1948. Sou batuqueiro e estou presidente da Imperial. No sou, estou! J passei
por vrias escolas de samba. As principais: Nen, Camisa e a escola que eu fundei, que
a Imperial.
Eu comecei no samba, na realidade, por influncia dos meus irmos. Eu sempre
gostei de samba! Por influncia do meu pai, eu sempre gostei de msica caipira. Eu no
gosto de msica sertaneja. Eu gosto de msica caipira mesmo, n? Mas, com o tempo,
eu acabei pendendo para o lado dos meus irmos, que eram do samba. Desde moleque.
Eu fazia pandeiro de lata de marmelada. Eu lavava as tampinhas, amassava as latinhas e
fazia o pandeiro de lata de goiabada ou de lata de manteiga. Enchia, pendurava com
bexiga, esticava uma parte da bexiga em cima. E com isso eu me divertia...
A depois fui pra beira de campo. s vezes, eu falo assim pras pessoas:
C t batendo igual beira do campo.
No pejorativo, nem nada. que dentro do campo sem compromisso. A
torcida pulando, todo mundo gritando e vamo que vamo, n? No pejorativo. Eu
tambm tive na beira do campo. Tocando sem compromisso. E depois, em 1966 pra 67,
que eu fui pra Nen de Vila Matilde. A um amigo meu, que era de l, me levou, o
finado Zio. Veja bem, isso do tempo se tomava baquetada. Pra sa ali no meio tinha
que ser batuqueiro mesmo...
Tomei baquetada l na Nen. A maior vergonha que eu passei na vida foi nessa
escola de samba! Vergonha! Quando Jair Rodrigues e Martinho da Vila, quando eles
comearam a despontar, l na poca dos Festivais da Record. Ento, uma noite eles
vieram na quadra da Nen da Vila Matilde. E nesse dia, metade da batucada foi tocar no
clube Tiet pra defender um dinheirinho. E geralmente iam os melhores, n? Os piores
ficaram aqui e um dos piores, era eu, fio! E s tinha eu de malacacheta. Imagina. O
apitador deu o toque pra eu fazer turugudum e eu no fiz. A me esculachou, me tirou
o instrumento e jogou a malacacheta l de cima do palco. Olhei pras nega e as nega
cu, cu. Nesse dia, chorei de raiva, e pensei: Se esses caras aprenderam, tambm
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vou aprender. Se voc quer saber, eu triturei todos eles. Sem sacanagem, o que eles
sabiam, eu aprendi quatro vezes a mais. Tem pessoa que fala assim:
P, o Divino d baquetada. Nunca dei baquetada em ningum. Eu passei por
isso e sei o quanto eu chorei nesse dia. Aqui no admito que ningum tire sarro da cara
de quem erra... Aqui uma escola de samba. Escola pra se aprender, ningum chega
sabendo. Se soubesse, ningum iria, no verdade?
Sou do tempo que a gente desfilava no Ibirapuera. Na Rua Direita. O carnaval
em So Paulo era feito na corda, cara! C imagina alegoria pra entrar no Ibirapuera. Na
Rua Direita, as rdios que organizavam davam resultado na hora. O couro comia... Os
caras lutavam um com o outro de vez em quando. Mas num tinha covardia. Arma, essas
coisas. O negcio pra quem fosse bom de briga. De murro, rodo, chinela, cabeada, o
couro comia, entendeu?
... Eu fugia de casa pra assistir carnaval. Tomava cada cassete que cis num
tem noo. Naquele tempo de janela de veneziana. Todo mundo dormia, eu levantava,
abria, pulava e encostava. Voltava no dia seguinte na ponta do p e ia dormir. Meu pai
era daquele jeito assim, ele no falava nada. No outro dia, quando voc tomasse banho
j tivesse dormindo, ele, oh! Eu apanhei muito de cinta de couro cru. Muito. Nego usava
tamanco, eu sou do tempo de tamanco, cara. Todo mundo que era moleque usava
tamanco. E assim, eu fugia pra assistir, fazer samba na beira do campo, de ir pro
Ibirapuera, ir pra Praa da S.
Pra ter uns pixul, catei papel, papelo, alumnio, gastei sola de sapato e fiz
carreto na feira. ... No era fcil. Era aquele tempo que num tinha pozinho, nem
bengala. Era filo e broa. Hoje, t tudo a. A vida sempre ensina tudo de bom e muito
mais coisa ruim. Hoje aprende muita coisa ruim na televiso. A maioria desses
programas deveria ser pra maior de 16 anos. To tirando a pureza da criana, no tem
mais. Antes criana tinha pureza, andava de cala curta, o suspensrio. Outra coisa, num
se misturava moleque com adulto. Hoje uma misturao danada! Ento quando que
uma roda de adulto l, jogando capoeira, tiririca era eles que jogavam. Moleque no se
metia! A molecada ficava do lado de c imitando eles! Quem era bom de tiririca era o
finado seu Nen da Vila Matilde, n? Eu j li uns trs ou quatro livros da histria do
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carnaval de So Paulo e nenhum deles cita isso. No cita. Quando tem que falar o que .
Porque existe parente dessas pessoas, existem pessoas que cuidam dessas pessoas.
Existem pessoas que nem so parentes, mas que conhece isso e gostaria que fosse
divulgado.
Pra colocar o carnaval na rua, passava o livro de ouro. Cada um segurava a ponta
da bandeira, pros nego jogar as moedinhas pedindo dinheiro pra fazer o carnaval. Ento
o primeiro prefeito a apoiar o carnaval foi o carioca Faria Lima. Ele foi o primeiro a se
interessar em fazer o carnaval direito aqui na cidade de So Paulo. Se o carnaval em So
Paulo hoje o que , tem quem comeou tambm, n? Tem gente que num lembra, num
lembra nada! Tem pessoas que nem sabem. Vamos colocar como . Foi o Faria Lima, o
carioca que foi prefeito da cidade de So Paulo. Ele que passou a ajudar e financiar as
escolas. Tem um radialista que, infelizmente, morreu que divulgou tambm bastante o
carnaval de So Paulo. Quando tudo era rock, ele tinha l o programa de samba, o
Moraes Sarmento. Ele foi o presidente da primeira Associao de Escola de Samba de
So Paulo! Essas pessoas que encaminharam tudo...
Alm dos cordes, teve escola que se formou de blocos. O primeiro bloco, antes
de formar a Mocidade Alegre, era o bloco do Pegue e Pague, que era Juarez da Cruz e
os irmos dele l do bairro do Limo. A depois o bloco tornou-se a Mocidade Alegre.
Isso em 70, 71, 72. Os cordes e os blocos passaram a ser escola de samba. O Vai-Vai
fala que tem 90 anos, n? Pode ter 90 anos de agremiao, de escola de samba, no!
Tem 40 de escola de samba.
Porque o samba antes era socado. Ele no tinha diviso de primeira, segunda e
terceira, n? O primeiro instrumento a dar o contratempo de tudo aquilo que eu disse, se
chama duff. Paulinho da Viola usa muito nas gravaes dele. Mas j era usado antes do
Paulinho e era socado. O cordo tinha o samba mais socado. Pesado. Com surdo e caixa
tambm. A gente andava com o jornal no brao pra esquentar o tamborim, que tambm
era de couro. Hoje de plstico.
Na batucada no tinha repinique. Existia malacacheta. Era completamente
diferente. O som diferente. A tocada diferente, batia at com duas baquetas. No
existia surdo de primeira, bumbo de primeira. No existia. Era com duas baquetas.
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Depois que implantou. Porque esse tum-tum-tum era puxado do europeu. Foi igual o
que o lundu fez. Ele puxou a percusso pra ele.
Outro instrumento que se usava quando eu comecei o chocalho de vara. Prato,
muito prato e cuca. Cuicona! Tenho uma cuicona a de catorze polegadas, que at
busco ela l em casa depois. O som completamente diferente. A cuca o nico
instrumento que voc toca com o tato, precisa de inteligncia e a coordenao. Voc
passa um tempinho sem tocar e j pesa a mo. Tanto que tem o ditado: Cuca, carro e
mulher que no se empresta pra ningum. Mulher sai pra l, o carro bate, e a cuca no
precisa nem falar, que sem ela acaba o samba. o nico instrumento que ocupa a tiara
de fronteira no espao vazio. Ele como um sopro dentro da percusso...
Agora que inventaram a pele de nilon, porque era tudo couro. Deixava no sol,
depois fazia a barba dele, pra deixar lisinho. Tenho ainda couro bruto a. Isso hoje. Eu
mesmo fao meus instrumentos. Eu gosto. Fao cambito. Eu mesmo fao meus
cambitos. Agora os mestres de bateria compram tudinho. s ligar pra loja e pedir pra
entregar.
No existia bordo de ao. A sobra de couro a gente molhava bem, esticava,
torcia, torcia, pegava de lado, pegava do outro depois fazia aquele bordo com aquela
corda de cima. Tudo encourado. Tudo a gente que montava... Fazamos agog. Voc
comprava serra circular. Pegava uns retalhos no ferro-velho e montava. A gente pegava,
prendia a morsa e tirava os dentes, soldava e saa o agog. A maioria era tudo artesanal.
Tinha surdo de lato de carbureto. Tubo de lato de carbureto. Fazia a borrachinha de
fixao, o estirante... A gente mesmo fazia a rosca e achatava a parte de baixo.
Os caras das antigas sabem mexer com isso. Hoje j leva tudo prontinho. tudo
de nilon. Chocalho com vara... Reco-reco de bambu. Era um reco-reco de cabo fino.
Acho que voc pegou o finalzinho disso a. Reco-reco estriado. Estriado porque tem
uma chave de alumnio e ela era estriada. Ento ela virava e tinha uma ala pro dedo
segurar aqui e o som comia solto. Hoje tenho reco-reco, mas de mola.
Foram acrescentadas outras coisas tambm. Algumas se perderam e outras foram
acrescentadas. Acrescentou a marcao de primeira. E, por outro lado, a escola deixou
de tocar com duas baquetas. Comeou tocar com uma. Observa aquele quadro ali. Duas
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baquetas. da poca de ouro e tem tudo o que era usado na batucada original. Usava
bumbo de 36 polegadas! Fixado. Uma base de tronco de rvore em cima e uma menor
aqui embaixo. O instrumento 60 de altura por 36 polegadas de boca, vio! Era um
tamborzo! Com dois suportes lateral, cravado aqui. Quem tocava ele, na Nen, era um
nego careca que era cabo do exrcito.
Tinha agog. Tinha frigideira. Tocava-se muita frigideira. Sabe o instrumento
que acabou com a frigideira? O tamborim, porque tudo o que o tamborim faz, era a
frigideira que fazia. Frigideira era tocada virando. Igual ao tamborim hoje. Alm de So
Paulo, no carnaval de Santos tinha muita frigideira. Santos era campe. Brasil de
Santos, X9, escolas muito boas. Os tamborins que tiraram as frigideiras. Entrou o
tamborim e caiu a frigideira. Os ltimos desfiles com frigideira, acho que foi em 1974,
1975. Tinha pandeiro. Voc tem um pandeiro diferente pra cada tipo de samba. Cada
tipo de samba usa uma afinao diferente. difcil um bom pandeirista. s vezes voc
v um bom malabarista e pssimo ritmista. O malabarista aquele joga e d chaleira,
faz tudo e rebola. E o bom ritmista, j viu o cara que bom ritmista de pandeiro ficar
jogando o pandeiro, j? Eu me considero um bom ritmista de pandeiro, pssimo
malabarista!
O som que a Vai-Vai fazia ou que o Fio de Ouro fazia como cordo era diferente
da Nen. Era diferente. Muita gente chama esse ritmo dos cordes de marcha sambada.
Presta ateno, nunca houve marcha sambada. O que h samba marcheado. Era um
samba muito mais pesado. melodicamente o compasso mais alongado. A gente tem
que falar assim porque, em primeiro lugar, vem o samba. Era marcheado para as
pessoas poderem desfilar andando, indo em uma direo seguindo aquele ritmo. Pra
voc entender como funcionava. Vamos colocar a Mangueira, que tempo e
contratempo [sons com a boca]. Isso meio bumbo e at a Mangueira perdeu isso...
Voc v l, at o Cordo do Bola Preta perdeu o jeito original de tocar. At a Mocidade
Independente de Padre Miguel perdeu. Voc acredita? bateria nota dez! Bateria que
tinha uma marcao de 40 anos atrs, cara! 50 anos atrs. Esses que to l agora
aniquilaram o surdo de quarta. O surdo de quarta deixa a caixa vontade [sons com a
boca]. Tiraram da Padre Miguel. Lamentvel. T falando de l porque eu conheo.
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A voc tem a cuca e, pra fechar, o ganz. Esses so os instrumentos que compem
uma batucada!
A caixa e a caixa de guerra so dois instrumentos tocados por um talabarte na
cintura. O tarol e o tarolzinho so instrumentos tocados sem talabarte, no apoio do
brao, na altura do queixo. E o som dos quatro completamente diferente. A caixa bate
na altura da cintura... No todo mundo que sabe, no. Quando o tarol e o tarolzinho
fazem, a caixa de guerra no faz. Quando a caixa de guerra faz, os tambores num fazem.
Pra dar a combinao. Veja o som da malacacheta e do repinique [tocando],
completamente diferente. Olha como o som da malacacheta alto. Olha o tamanho!
Todo mundo j passou perto da umbanda, quimbanda, candombl, num passou? Voc
pode imagina atabaque tocando, tirando a percusso dos pontos l do samba, n? Ento,
esse aqui a mesma coisa. pra num perder o alinhamento do estilo.
Antigamente, pelo estilo, voc sabia que escola de samba que era. Pelo estilo da
arte, pelo som da batucada, voc sabia qual a escola que tava desfilando. Hoje, se voc
no tivesse o papel, no sabia quem era a terceira, oitava e nona. S tem floreado e
enfeite de tamborim, mas aquele som, que caracterstico da escola, ningum mais faz.
Tambm troca mestre de bateria todo ano. Os ritmistas no aguentam bater dez minutos,
j ficam cansados. V a musculao que eu fao com essa idade. Toco duas horas se for
preciso, sem nem cansar as mos.
Voc identificava pelo estilo da nossa batucada. Batucada, entendeu? Bateria,
pra mim, de eletricidade. Bateria de conjunto! O instrumento bateria assim, com caixa,
prato. Pega uma bateria. O que a negrada faz batucada. Vem do batuque feito antes
pelos negros que trouxeram a percusso pra c, n? A, depois assim, aquelas, aquelas
ladainhas de cantigas de senzalas, de tudo. Depois da abolio, comeou a sair do
interior e vem pra c pra So Paulo, nos cordes nas festas religiosas, quando esse
batuque foi pra rua. Por isso o samba no morre. A gente ocupava a rua. Era diferente, a
alta sociedade tinha os bailes de salo.
Tem 30 anos que fundei a Imperial. Estou presidente, no sou. E eu t
concentrado aqui. J tentei fazer outras coisas, mas no deu certo. Por que a Imperial
ainda no t no Especial? Por causa do Divino. Arrumei confuso j com muita gente.
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Eu fiquei seis meses na Vila Maria. Foram seis meses felizes para eles e feliz para mim.
Seis meses. Mas depois o caldo engrossou! A Vila Maria merece uma batucada, merece.
Porra, meu, Vila Maria! Eu no sou salvador da ptria. Eu no sou artista, num sou
empregado de samba, eu sou sambista. Eu no assino contrato com ningum, porque
quem assina contrato artista. Eu num vivo no samba, eu vivo do meu trabalho e vivo
para o samba. Mas, na Vila Maria, tudo me respeita... Todo mundo... Principalmente os
mais velhos... Pela minha atitude. Os caras pressionando: Assina contrato. Falei:
No! No vou assinar contrato, no sou artista.
Quanto voc quer ganhar?
No, quanto vocs acharem que mereo, eu aceito. O presidente
perguntou:
C t sem carro?
Eu t.
Ento toma o carro. Um Renault importado. Passa no seu nome. Pagamento
pelo seu trabalho.
No. Quando acabar o carnaval, se eu for merecedor, eu passo no meu nome.
E se eu for merecedor de mais coisas, eu vou aceitar.
S que falta de respeito eu no admito. Na final do samba-enredo, eu sempre
acompanhei legal, cara. Fao de tudo pra acertar. Alcana o xito quem est tentando
fazer a coisa direito, concorda? Eu sa de l porque briguei com o carnavalesco. Na
disputa do samba-enredo. O carnavalesco discutindo por causa do samba-enredo. Eu
cheguei e disse que ele tava enganado. Que o outro samba-enredo era melhor, a
batucada tambm tinha achado. E a comeamos a discutir e ele jogou uma lata de
cerveja no meu peito. P. Falta de respeito no admito. Peguei minhas coisas, uns
instrumentos que levei pra l, deixei a chave do quarto dos instrumentos e a chave do
carro que me deram e no voltei mais. Eu adoro o povo da Vila Maria, mas falta de
respeito eu no admito. O trabalho que eu fiz l, num foi 5%, faltava 95%. Camarada,
num sbado, numa hora dessas, juntava 160 pessoas pra ensaiar. Juntava o bloco das
crianas, o bloco feminino e os adultos. Quem comeava a tocar eram as crianas,
passava para o feminino e depois os adultos. Mas deixa pra l. Deixa ele carregar a cruz
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dele, n? Todo mundo que faz uma cruz, tem que carregar, no vai dar a cruz pra outro
carregar, n?
Eu no preciso disso. J passei por Ibirapuera, Rua Direita, Anhangaba, So
Joo, Tiradentes e Anhembi. Desfilei em todos esses lugares. Eu fui secretrio,
presidente e vice-presidente da UESP. J briguei muito pelo samba. Eu era o presidente
da UESP na poca da Erundina, quando mudou da Tiradentes para sambdromo. Deu
um passo pra frente no carnaval de So Paulo. Faz 20 anos isso. Porque, antes do
Sambdromo, no tinha ningum que tinha interesse em transmitir o nosso carnaval. s
vezes era a Gazeta, s vezes era a Cultura, de favor. Depois que inaugurou o
Sambdromo... Choveu proposta. Eu fiz parte disso a. Porque eu fui secretrio e vicepresidente e presidente da UESP, n? Isso foi na primeira vez que o PT ganhou a
prefeitura aqui em So Paulo, com a Luiza Erundina, que era assistente social, uma das
pessoas que eu acho honestssima. Votei nela umas duas vezes j. Ela governou a cidade
com remanejamento de 1%. No sei voc se recorda disso, 1% do oramento! Hoje so
15, 20, e acho que o Kassab tem 25. Um por cento e a cmara toda contra ela.
A gente fazia passeata, manifestao. Oh, ns juntamos 1400 pessoas, 1400
batuqueiros na escadaria da Praa da S. Eu tenho vrias fotos na escadaria da Praa da
S. Esses tempinhos atrs a, o Leandro Lehart disse que colocou 1400 pessoas num
evento que ele fez. Ns colocamos isso em uma manifestao. Pra reivindicar um
carnaval melhor pra cidade. O problema da Tiradentes era o monta e desmonta. Ficava
muito caro. Era muito trnsito, n? Ento a prefeitura arrumou um lugar fixo pra gente
mudar... Eu tenho a foto da pedra fundamental do lanamento do Sambdromo.
As pessoas meio que apagam o passado, porque hoje no me convidam nem pra
passar na porta. No que eu t fazendo questo. O importante a minha escola estar l.
Pra falar a verdade, em 20 anos, depois que eu larguei a presidncia da UESP, s no ano
passado que o Serginho, que o presidente da Vila Maria e da Liga, mandou o convite
pra mim. Mas eu no fui, porque eu tenho um carnaval na segunda-feira pra sair. E eu
no vou ficar sexta, sbado l no Sambdromo. Tenho que descansar. Mas tem que me
mandar at por uma questo de respeito.
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Eu no vou falar nada contra o Grande Otelo, meu patrcio, que batiza o
Sambdromo. Mas, sinceramente, o que ele fez de samba por So Paulo? Vamos falar a
verdade?! Uma cidade que voc tem Adoniran Barbosa, Geraldo Filme, Inocncio
Tobias, Dionsio Barbosa, Alberto Alves da Silva e Germano Mathias... Voc tem um
monte de pessoas que poderiam batizar melhor o Sambdromo. O que o Grande Otelo
fez? Voc t entendendo? Eu no tenho nada contra ele... Que descanse em paz. E
quando chegar a minha vez, eu tambm vou descansar.
Todas as escolas que esto na Liga passaram pela UESP. A Liga se vangloria,
mas quem fez o trabalho foi a UESP. Mas deixa eu falar o que aconteceu. Antes da
formao da Liga, esse interesse todo no carnaval daqui no existia. Comeou a crescer
mesmo depois do Sambdromo, que tem 20 anos. A Liga tem 25 anos. E s foi criada
por causa de interesse de empresrios no carnaval. A que foi quando houve o interesse
de criar outra associao. Pra no ter que dividir o dinheiro com todos. A realidade
essa! Eles seguiram o que tinha acontecido no Rio de Janeiro. Mas l fundaram a Liga
pra doze escolas de samba. Esse ano t com treze porque no desceu ningum por causa
dos incndios. Ano que vem vai descer duas e vai continuar com doze. No se fundou a
Liga pra 22 escolas como aqui. Ento, o que aconteceu aqui em So Paulo, esse
afastamento de unidade e fundaram a Liga. Porque, vamos falar, interesse comercial.
Todo mundo t de olho onde a mdia t, cara! Num tem como! E as escolas grandes no
queriam dividir a grana da televiso com a gente, que de escola pequena. Mas a
lgica. Eu no posso ser da srie C ou da srie B e querer ganhar o que ganha a srie A!
E com as verbas e a estrutura que eles conseguiram com isso aqui em So Paulo, os
maiores sempre vo ser os maiores, num tem como.
Amanh ou depois, ns, da Imperial, vamos estar l entre os maiores. Tem que
enxergar, tem que enxergar a gente como uma das que tm qualidade e comunidade pra
estar entre as maiores. A pessoa tem que ter conscincia disso. O que no pode o que
acontece com muitas pessoas, que elas esquecem que elas j foram pequenas e mdias.
Elas num imagina que, um ano depois, elas podem descer pra mdia pra tentar refazer o
caminho, n? V a Lavaps: era grande e hoje ficou pequena, v a Barroca: era grande e
hoje media.
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Quem t no especial tem muito mais verba e estrutura. Voc tem Globo,
bilheteria... Tem mais condies de captar patrocnio, recursos... Infelizmente a
realidade essa, vio, entendeu? No tem como competir. As empresas s se interessam
pelas escolas que to l no primeiro time, cara! Os outros no so vistos. Ns tamo
lutando pra ir para o Acesso. Com acesso outra coisa, cara! diferente. O prefeito
recebe voc junto com as escolas do Grupo Especial. A UESP virou o resto das escolas
de samba. Voc tira pela base de pblico que vai ao Sambdromo pra assistir o Grupo I.
A gente desfila na segunda-feira pra cinco mil pessoas, se muito. No Grupo Especial
colocam 30.000 na sexta e 30.000 no sbado.
E nem todas as escolas tm estrutura pra apresentar um desfile bem-feito. Vamos
falar a verdade, 63. Vamos fazer, vamos, mas num comporta, cara! Tm algumas que s
investem a verba oficial, e pronto. V o Grupo um. Ns somos doze escolas de samba
no grupo. Ento, vem s oito legal. Do jeito que tem ser, dentro do regulamento, vm
duas capengando e vm duas pior que capenga. O poder pblico vai analisar por onde?
A mdia vai divulgar qual? As que esto capengando, n? Ento... Vai analisando tudo
isso a... Outra coisa, aquilo que eu falei pra voc, regulamento pra ser respeitado. No
pode passar a mo na cabea. Trazer 60 mil pessoas pra esse desfile ruim? No traz. O
que fazer pra melhorar? Igual no Rio. Vamos diminuir o nmero de participantes. Dar
mais condio pras outras, com menos escolas sobra mais dinheiro. O Grupo Especial
tem 14 escolas. O ideal 12. Seis na sexta e seis no sbado.
Tem muita escola que, infelizmente, no tem condio. Pra voc receber
dinheiro pblico, qualquer entidade ou escola de samba, tem que ser legalmente
constituda. Todo ano eu vou l pegar um monte de certido. FGTS, INSS, declarao
de imposto de renda, tributos municipais, CADE, tributos federais. Tudo isso a. Tem
escola que no cumpre. Passa cheque sem fundo, no paga fornecedor, funcionrio,
imposto. Tenho falado muito com o Camilo isso. O Camilo, diretor jurdico da UESP,
um puta advogado... o advogado da gente, pra defender a gente de vrias questes a.
Como eu te falei, como que pode aquele negcio de mexer com dinheiro pblico sobre
um projeto e depois no prestar conta... Muitas escolas fazem isso a, ligam para o
Camilo consertar. Eu estou afastado da UESP. Enquanto o resto da panela daquela
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mulher estiver l, eu num v, cara. Eu lembro de todos os anos que.... Perdi carnaval na
secretaria... Assim, de bobo alegre e ter desfile j vendido, cara. C j viu isso? C tem
um regulamento, n? Voc entrega a documentao, tem data, tem coisa estatutria,
quantidade e tudo e... Perde antes de bobo alegre. Voc faz tudo certo, tem aqueles que
no fazem nada, no to nem a e, no final, d tudo certo. A UESP passa a mo na
cabea de todo mundo. As escolas desrespeitam o regulamento e ainda ganham
campeonato. A gente, que faz tudo certinho, acaba perdendo sempre.
A ltima da UESP foi ter subido terceiro e quarto colocado fora do regulamento.
Esse ano agora [falando alto indignado], vio, o Kaxitu subiu o terceiro. Para, vai. Tem
que seguir o regulamento. Tem escola que as cores so verde, rosa e branco, mas veio
de branco e preto, vio. Estava na cara que era enxerto. E no aconteceu nada com a
escola. O Kaxitu teve um carnaval que, na vspera, abandonou tudo. Ele sabia que tinha
coisa errada a, o cara jogou tudo pro alto e caiu fora. Depois, com muito custo,
convenceram o Kaxitu voltar. Ento so essas coisas que a gente fica triste. No tem
nada melhor que ser sambista e no tem nada que d mais dor de cabea que ser
presidente de escola de samba. Quando voc s sambista, todo mundo seu amigo,
todo mundo te respeita; agora, voc virou presidente, pode crer que, se voc brigar
mesmo pela sua escola, voc vai arrumar muita confuso.
Eu no tenho medo de falar, no. Eu conto um monte de coisas e as pessoas
torcem o nariz. A maioria das pessoas s ouve o que querem ouvir. Elas no querem
ouvir o que voc tem pra falar de verdade. A verdade no di, como dizem por a, mas
causa rancor. Rancor. O rancoroso pior que o cagueta. O cagueta entrega um cara e
pronto. O rancoroso fica dos dois lados... Fica esperando pra dar o bote. Enfrentei muito
rancoroso na minha vida. Como dirigente da UESP, de escola, sempre lutando pelo
samba, o que aconteceu? Me expus muito, briguei, bati a cara, discuti...Tem um monte
de vaquinha de prespio l... Eu j sou diferente, brigo mesmo. Teve um ano que em
enredo um jurado me deu dez, outro nove e meio, e o ltimo deu sete no enredo! Fala a
verdade, colega! No vou ficar quieto. Ou o cara burro e no pode ser jurado, ou tem
maldade nisso da.
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Mas vamos levando da vida, n, vio? Uma hora vai chegar o momento da
Imperial. Eu espero conseguir mais essa alegria, passar por mais essa emoo,
entendeu? A Imperial chegar l no Grupo Especial comigo! Tendo a oportunidade de
apresentar uma batucada de verdade. Me chamam de macaco por a. Porque quando eu
condo a bateria, eu venho pulando muito, fazendo macaquice! E eu tenho que vir igual a
um tan-tan? Um joo-bobo? Um boneco de Olinda? Como que pode? Olha, eu sou
sambista! Enquanto eu tiver condio de danar, cantar, pular, tocar, eu v fazer
mesmo! Primeiro de tudo, um negcio muito pejorativo. Segundo, isso racismo;
terceiro, isso preconceito; quarto, isso inveja!
Eu quero viver isso. Eu fugi do hospital pra desfilar. Eu fiquei 70 dias morrendo,
no morrendo, cara! Eu subi pra cobrir a alegoria, porque choveu pra dedu. Ento, ns
compramos uma bobina de lona de oito metros de largura por sete de comprimento.
Fomos l, cortamos e enrolamos. Eu j subi na parte mais alta pras pessoas num subir
l. Justamente pra ngo num cair, porque se cai no cho, piriri, poror. Puxamos do lado
direito do lado direito e, quando me vi, eu ca l de cima, de costas. Ca naquele cimento
preto l, ca l de costas... Tum! Nunca pedi tanto socorro na minha vida. Falaram pra
mim, no pode se mexer. E a chegou o carro da polcia, polcia militar e depois o carro
do SAMU, o resgate. Eu estava consciente at chegar no hospital. Mas com muita dor.
Eu fiquei trs dias em coma. Trs dias depois, eu voltei. A eu voltei na UTI, intubado,
cheio de tubo. E l nessa UTI tinha umas dez pessoas, eu era o dcimo primeiro. A eu
lembrei o que tinha acontecido. A vieram os netos e tal. E eu fui ficando mais calmo.
Isso mostrou outra coisa que eu j sabia, mas mostrou mais vivamente. O que
esse pas paga pra professores, educadores e pessoal do hospital, muito pouco. Perto
do trabalho que esses profissionais fazem. Agora voc sabe o que esquerda, o que
direita, o que dia, o que noite, o que claro, o que escuro, consegue ir ao banheiro
sozinho. Porque a hora que voc num souber e precisar de outra pessoa pra fazer com
voc, terrivelmente terrvel. Aquele barulho da maquininha de sugar da sonda no sai
da minha cabea at hoje. Tudo bem. Cheguei l na sexta, no domingo sa do coma e me
levaram da UTI pro quinto andar. A o que aconteceu: no quinto andar, estava cheio de
maca, e eu l, internado. Um dia tinha um senhorzinho l com cateter assim, pra l e pra
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c, e um rapaz novo e uma senhorinha que parecia at a esposa dele, n? O filho brigou
tanto com ele, mas tanto, falou at palavro e depois foi embora com a senhora que
ficava l com ele. Passou um tempo e o veinho levantou e foi para o lado da janela. A
janela num tinha grade, cara, e ele tentando se jogar pela janela. Eu levantei de l e
falei:
Senhor, pelo amor de Deus, no faa isso. Venha pra c.
Consegui colocar ele na maca, na cama dele. Fui l e apertei o boto de
emergncia, num veio ningum. Fui me arrastando at a porta: Oh, moa... Eu estava
h uns 30 metros da recepo. Quando eu voltei, o veinho de novo na janela. Ele
arrancou o cateter e foi sangue pra tudo lado. Voltei l de novo: Oh moa, oh moa...
Sabe o que eu fiz? Arranquei tudo o meu negcio e pensei: Esse senhor vai se jogar.
Eu tomei pancada na cabea, vo falar... Ser que no foi o senhor que jogou ele?
Arranquei tudo o negcio, tinha uma blusa minha l, botei a blusa, fui saindo, quando
v me vi, eu j estava na rua. A o hospital ligou. Minha esposa:
Chegou, chegou, t aqui.
Aquela noite eu num preguei os zio... De dor. Dor, dor, dor! Terrvel, terrvel...
Na cabea. Que dor, que dor. Segunda-feira me levaram no hospital, a ligou pro capito
e o capito me levou daqui na viatura e me devolveu no andar que eu estava. Eu fui pra
l como preso. Quando chego l... Um monte de exames, num acusou nada. Na quintafeira eu tive alta. Quinta-feira era o outro penltimo ensaio da escola, o que que fiz?
Tinha agitado, comecei a pr a luz, arrumar e comecei a ficar quente, fervi igual uma
chaleira. No vim nem na batucada, vim na frente da ala das crianas. Criana na escola
d mais trabalho, sabe? Vim, vim, quando virou pra c, fui me sentindo mal. Quando
entrei aqui dentro, dei umas volta. Vim aqui, sentei me sentindo mal e o pessoal
falando:
Joga gua na cabea dele, gua na cabea dele! E traz sal e traz acar! A me
levaram carregado pra casa. O mdico falou:
O senhor no vai, no pode desfilar. No pode, no tem condies.
Voc acha que depois de 50 carnavais, eu no ia desfilar, mas tudo bem. Fiquei
internado at na vspera do ltimo ensaio. Antes do ensaio, sa. Sa, desacelerei, fiquei
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na minha. Ainda estava me sentindo bem mal, fazendo fora pra me sentir bem, n?!
No era pra desfilar, mas fui desfilar. Desfilei, tirei m barato, mas quando chegou do
recuo da bateria pra frente, eu comecei a sentir dor no peito. Senti mal. Quando chegou
l no fim, que chegou o ltimo carro, fiquei meio desesperado. Pra mim tinha cado uma
pessoa l do carro assim: tum. Eu virei pra batucada e disse olhando o fluxo de sada:
Parece que uma pessoa caiu l de cima do carro. Eu fui l e olhei assim, era meu filho.
A eu comecei a me sentir mal e apaguei. Mais dois dias em coma no Mandaqui. Sa
quatro dias depois. E aquela dor de cabea que no passava. Voltei pro hospital. Mas
no tinha neuro. Tive que voltar no outro dia. Tiraram at lquido da espinha, o que
terrvel, cara! Quando vieram os resultados, acusou cogulo. A fez essa cirurgia aqui.
Abriu daqui do meio da cabea at o outro lado. D pra v aqui. Mais 22 dias internado.
Sai de l. Cheguei em casa, no outro dia, voltou aquela dor de cabea. Eu chorava de
urrar, cara! Tentava tudo e no passava. A foi quando foi l pra tirar de novo o lquido
da espinha. Meningite bacteriana. Peguei no ato da cirurgia... Mais 19 dias internado!
Tudo isso eu passei, agora. Antes, durante e depois do carnaval. Voc me v aqui
trabalhando no sol porque eu no sou um cara parado. Se fosse outro, tava deitado.
O meu outro problema agora o peso. Eu pesava 82, 84 quilos. Agora eu estou
com 97. Soro engorda? No, porque gua. Mas os medicamentos que vo misturados
com o soro que engordam. E eu, assim, acho que... Tem coisas que pra alguns. Eu s
de estar vivo aqui hoje, por Deus. J fui baleado, por causa de samba. J fiquei 27 dias
em coma, cara! Eu s todo costurado, cara! Eu tenho bala aqui. Tenho bala aqui. Eu s
todo costurado mesmo, por causa de samba! Com todo respeito, s pra voc dar uma
olhadinha. Eu sou todo costurado. Mas eu no me rendo, a minha cabea... Enquanto
isso daqui funcionar e comandar o resto, eu estou legal!
ltima coisa, vocs vo entrar no site da Imperial. Ns estamos colocando no
site seis estilos de batucada, justamente isso que eu t falando pra voc. Primeiro vamos
registrar o som de todos os instrumentos que compe, com a chancela em cima, do que
significa cada tamanho. A depois os estilos! Vamos gravar quatro estilos! Gravado por
toda essa molecada aqui! No tem ningum profissional! Toda tera e quinta tem
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assim... E chacoalha. Vai pegando ritmo [sons de chic chic chic com a boca]. A vai
balanando at conseguir tocar junto com os outros instrumentos. o primeiro
instrumento. Se o cara no toca esse, na verdade no toca nada. No tem segredo.
Primeiro aprende a bater pra depois aprender a tocar. Qualquer instrumento. Todo
mundo no bate palma? Devagar... Acelerado... Mesmssima coisa. pra mentalizar.
Tem uma coisa. A pessoa s aprende, tem facilidade de aprender quando ela se sente
bem no lugar. Ela se sente respeitada, se sente tratada como um todo. Tem pessoa que
tem mais facilidade pra assimilar as coisas. Tem gente que tem mais dificuldade! S que
voc tem que tratar todos iguais... Respeitar quem tem dificuldade. Como se nada de
diferente tivesse acontecendo.
Aqui a gente no permite que ningum d risada de ningum. No existe isso
aqui, no existe! No tem nada...! No existe gozao, aqui escola e a palavra escola
para se aprender. E se voc quiser, voc aprende. Qualquer coisa. Tem escola do crime,
colega! Tem escola at de malfeitor, ento, n? Fala verdade? Tem gente que num
presta no Pentgono, tem gente que num presta em Roma, tem gente que num presta em
Braslia. Na escola de samba tambm. T sendo boa a conversa? Fala muito!
O que voc imagina de percusso dentro de uma bateria, eu toco! E ensino.
Entendeu? Mas eu j s tirado de velho. Esse cara j era. J passado. Voc num tem
noo. Mas na batucada eu me garanto. Toco e ensino. Crianas de quatro anos a velhos
de 80. Agora, no dia 12, Dia das Crianas. A Secretaria de Educao do Estado
chamou a batucada mirim da Imperial pra tocar l no Memorial da Amrica Latina. Ser
um prazer. Ali vai ter um monte de gente... Vai s um prazer ver as crianas tocando
ali... O negro, o branco, o cabeludo, o carrapinho, a menina e a mocinha... Todo mundo
vai estar ali junto! E eles tocam muito. Com prazer. Samba prazer, isso o meu
prazer. Isso contenta muito o meu ego. A nica coisa que eu pretendo, se Deus me
ajudar, viver mais uns 15 anos! Pra ver esse meu neto a, pequenininho, maior. Se
Deus quiser. Vou fazer de tudo pra viver mais uns 15 anos.
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Osvaldinho da Cuca
Nome: Osvaldo Barro
Data de nascimento: 12/02/1940
Profisso: Policial militar aposentado e msico profissional
Escola de Samba: Vai-Vai
Data da entrevista: 21/01/2012
Local: Casa de Osvaldinho da Cuca
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emprego colando cartazes nas ruas durante a noite. Mas a realidade da rua muito dura,
tinha que brigar at para conseguir um lugarzinho pra dormir. Percebi o quanto estava
perdendo e decidi voltar pra casa da minha tia, que s trabalhava.
J estava com treze anos e decidi arrumar um emprego. Consegui como
carregador de lates de ferro em caminho. Era muito difcil, minha mo ficava toda
cortada e depois decidi trabalhar na feira livre, carregando mercadoria e vendendo. Fui
um bom vendedor, todo mundo gostava de mim, porque eu sempre fui muito alegre e
folio. Com quinze anos, a nossa turminha se integrou ao Cordo Garotos do Tucuruvi,
que desfilava todo carnaval l na zona Norte, as cores eram preto e branco. Comecei
como baliza e depois tocando apito. A fui evoluindo dentro do cordo, fui passista e
fazia malabarismos. Depois passei a coordenar a batucada como apitador. Em 1959,
com meu amigo Nelson Gaya, compus meu primeiro samba, para o Garotos do
Tucuruvi. Esse samba se tornou muito conhecido no bairro por muitos anos. Era assim:
Minha gente/Quem vem l/Escuta-se a bateria daqui/ j vi/So os garotos do
Tucuruvi
(bis)/Eles
vo
abafar/j
esto
brilhando/Cadncia
de
bateria
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conjuntos, regionais e orquestra, foi a que sustentou mais... Esses sambas. Foi um dos
responsveis pela preservao e popularizao.
claro que os engraxates tiveram uma pequena parcela. H uma mistificao
muito grande disso. Porque o engraxate estava ali trabalhando, somente nas horas de
folga ou nos finais de semana, quando reunia os caras que cantavam que iam pras
gafieiras. Mas a maioria ia pra trabalhar. Eu mesmo fui engraxate em porta de gafieira.
Nos finais de semana que tinha mais pblico... Vinham os carregadores, as empregadas
domsticas com os vestidos das patroas. E eu ficava conhecendo os cantores, os
msicos que tocavam samba nas gafieiras. Ficava l de mansinho, com minha caixa e
perguntava:
A, meu, quer dar um traquejo a no buti?
A o cara falava pra mim:
P, mano, eu vou l na Victor Costa, que era da Rdio Nacional.
Muitos tinham chance na Victor Costa. At o Joozinho Boa Pinta, que era
batedor de carteira, apresentou samba l. Boa pinta mesmo. O cara, se disputasse com o
Ataulfo Alves, ele ia empatar com o Ataulfo Alves. Conheci ele no Tucuruvi. Ele
andava com colete, gravata, prola, aquelas prolas na gravata, sabe? Aquelas prolas,
anel de ouro e era um tremendo batedor de carteira, era um mulato de nariz fino. Por
isso que era boa pinta, olhinho assim amendoado e chapu coco ou chapeuzinho preto
de nome.
Se ele disputasse com o Ataulfo, que era considerado o mais elegante diversas
vezes, ele at poderia ganhar. Onde havia uma aglomerao, l estava o Joozinho Boa
Pinta para bater carteiras. Ele chegava fazendo festa, cantando. Eu me lembro de um
samba dele que ele cantava:
A emissora Victor Costa est chamando/os calouros contemplados no programa
que passou/Passei no teste e no sou mais calouro/minha voz vale um tesouro/Sou
sambista de valor/Na minha casa certo rdio est ligado/eles no acreditavam/Que um
dia eu fosse cantor. A cara deles h de rolar pelo terreiro/Cada vez que anunciar/Mais
um novo cartaz brasileiro.
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Tem uma gria da poca, aquele negcio de cair a cara, a cara deles h de rolar
pelo terreiro. Caiu a cara do cara, quer dizer, ficou decepcionado. Ento tinham esses
encontros, fazia-se batucada quando no tinha nada pra fazer, principalmente de noite,
os caras batucavam...
O circuito que os engraxates faziam era o do centro, onde havia as empresas,
escritrios. Na esquina da Rua Direita. O samba que se fazia na Rua Direita mesmo eu
no me lembro. Pode ser que antes tinha, mas no era do meu tempo. Porque tinha
emissora de rdio ali na esquina. Tinha a Rdio Record l em cima. Tinham vrias... Era
um ponto de encontro ali. Na Joo Mendes tinha muito. Que a turma fala Praa da S,
mas, depois que implodiram ali, modificou a Praa da S, a mudou bastante. A turma
fala Praa da S, mas era mais atrs.
Na Joo Mendes que era a batucada braba dos engraxates. Onde tinha mais, o
ponto mais famoso era o Anhangaba com a Avenida So Joo. Pra baixo do Banco do
Estado, naquela esquina, onde tinha uma salsicharia ali com dois porquinhos, ficavam
dois porquinhos assim, acendia e apagava. Essas luzes comum vermelha, dois
porquinho com a salsicha assim, um pra l e outro pra c. Com a salsicha na boca,
acendia e apagava. Aquilo era atrao, era novidade. Chamavam o lugar de prainha. Era
ponto de encontro. No tinha praia nenhuma. Acho que era alguma gozao com o Rio
de Janeiro, prainha. Em frente Praa do Correio. Ento ali tambm tinha bastante. Mas
o lugar prprio mesmo de samba eram as gafieiras. Como tinha que pagar pra entrar, a
gente ficava na porta engraxando os sapatos do pessoal que frequentava.
Apagaram a histria das gafieiras. Tinha a Caamba, depois veio o Som de
Cristal e o Garito. E a mais famosa e melhor gafieira de todos os tempos era o Vinte e
Oito. No sei o nome oficial, mas todo mundo conhecia como Vinte e Oito, porque era
no nmero 28 da Florncio de Abreu. E era uma portinha s com uma escadaria. Uma
portinha estreita e a gafieira acontecia l no andar de cima. A pegou fogo um dia e
morreu todo mundo. Porque no dava pra descer as escadas n? Era um corrimo
estreitinho assim, um metro de largura, e pegou fogo. O Vinte e Oito. A ficou um
tempo quieto e depois eles abriram na Rua dos Andradas. Mas a no foi a mesma coisa,
e logo fechou.
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Parque D. Pedro II. Era a maior diverso de So Paulo. Era uma espcie de parque de
diverses. Pro Parque Shangai vinham os maiores cantores do Brasil. Francisco Alves,
que era considerado o maior cantor da poca. o maior cantor do Brasil de todos os
tempos! Eles vinham cantar aqui. Orlando Silva, no Parque Shangai. Era um parque
muito grande. Mas sempre foi reduto de sambistas.
Dali saram grandes escolas de samba. Saiu a escola de samba em 38, 39, Brasil
Moreno, Rosas Negras. Onde o Germano Mathias comeou, de 39, a Rosas Negras.
Saiu do Lavaps e foi parar l na Rua Vergueiro, onde tem o Hospital Municipal na
Vergueiro, bem naquela esquina era a Rosas Negras. Na Castro Alves. Era ali a quadra.
Quadra no, no existia quadra em So Paulo, h diferena de cordo e escola de samba.
Cordo sempre nasceu e morreu na rua. A escola de samba primeiro tinha terreiro
depois tinha quadra. Cordo no tinha nem terreiro nem quadra. Tinha assim... Voc
guardava os instrumentos, os caras falavam, vamos guardar os couros. Ento guardava o
instrumento na casa do dono do batuque. Que nem tem l em Pirapora, a Dona Maria
Esther, que a dona do batuque, n? Aqui em So Paulo era assim, o dono do batuque.
O Grupo Barra Funda era na casa do Seu Dionsio, e assim por diante.
A nossa tradio aqui em So Paulo era cordo. As escolas de samba comearam
no Rio de Janeiro, no bairro do Estcio. Era um novo tipo de msica que estava
nascendo ali. Ficou conhecido como samba do Estcio, que o samba carioca como
vemos hoje, que veio da fuso do jongo e do lundu, principalmente o lundu, que o
pioneiro, chegando depois a fase do maxixe e o refinamento disso foi o primeiro passo
para o samba. A ganhou a sncopa e o telecoteco, e se tornou o samba.
Esse modelo de samba, conhecido como samba do Estcio, foi o samba do Rio
de Janeiro. Ento voc v que foi longa a minha trajetria diferenciando o samba
paulista do samba carioca. Esse samba, esse modelo, no existia. O que se tinha, nos
mais diversos Estados, eram modelos rsticos, tanto no Maranho, Belm e cidades
porturias, principalmente Santos. L o porto mais antigo da Amrica Latina. Por
onde chegavam os escravos da frica, mesmo depois da proibio dos ingleses no
trfico ocenico. E, depois, evidentemente, So Paulo, pela grande extenso de mo de
obra escrava. E o samba veio dessa cultura africana, com elementos da msica europeia,
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T cantando jongo, com msicas das antigas, mas a batida est diferente. Os
instrumentos no so os mesmos. Cad a religiosidade? E cada vez vo mudando mais.
No pode mudar essa imagem, n? Ento, o jongo de verdade tem uma religiosidade at
na pele do instrumento. Quando voc esquenta no fogo com a cachaa, pra dar a
oferenda do santo, aquilo sagrado, tem uma religiosidade, ento no pode voc mudar.
O samba perdeu tambm essa religiosidade africana. Porque a partir do
momento em que j t na... Sei l quantas geraes... J deve estar na quinta gerao,
sexta ou at mais. Muita coisa se perde, no vai passando a diante. Porque eu conheci
praticamente a segunda gerao e alguns da primeira gerao do samba. Eu conheci, eu
gravei com Ismael Silva, que foi quem ajudou a formatar esse samba do Estcio. Eu
gravei com Nelson Cavaquinho, esse povo. Adoniran, ento, nem se fale, n? J
segunda gerao, o Adoniran de 1910.
Antes dessa veio a primeira gerao. Essa , ainda, antes da virada do sculo
passado. A primeira gerao do samba a Clementina, fiz pea com ela. Esses, sim,
eram filhos de escravos e fizeram jongo de verdade. Depois, quem j t na quarta,
quinta gerao mentira! T fantasiado de sambista. Bota terno branco, chapu. a
primeira coisa que pe, porque agora virou moda novamente colocar chapu, entendeu?
Ih, sambista e canta samba. Bom, cantar, todo mundo canta, samba msica, no
privilgio de ningum. De cara que faz msica com o ritmo de samba, a academia t
cheia. Foi desmistificado agora, entendeu? O samba era mistificado, agora no, acabou!
No tem mais a essncia.
Hoje s fala de amor, igual msica sertaneja. No tem mais o que dizer, porque
o caipira de hoje no mora no mato, tudo criado aqui. O Chrystian e Ralf foram
criados comigo l no Tucuruvi. Eu vi os dois ainda moleques, cantavam em coro; no
comeo de carreira, eles gravavam comigo. Nunca viram mato! Assim como todos os
outros. Ento como ele vai falar de determinada raiz que serve de remdio, que
antigamente se falava? Como que ele vai falar de determinado pssaro ou bicho do
mato, que nem falava Raul Torres, o Furtado, n? O Capito Furtado... Como falavam
os maiores... Alvarenga e Ranchinho, n? Que eram caipiras de verdade, daqueles que
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se vestiam bem paiao, parecendo o jeca. O prprio Mazzaropi. Nas prprias msicas,
quando ele cantava no cinema, assim:
A sanfona t tocando/Comeou o arrasta-p/Dana e tem homem com homem/E
mulher com outra mulher/Esta dana que balana/mas no cansa.
Ento um caipira do mato, entende? Agora isso que t a ai, amorzinho, voc
me deixou e bate o p, e bate o p e tudo com a mozinha na cala jeans e rebolando a
bunda, isso a no sertanejo, isso a pura e simplesmente entretenimento. msica,
mas para entretenimento. Mas, se for comparar isso com sertanejo, sacrilgio.
Se for comparar o samba, com o pagode, sacrilgio. sacrilgio puro! A os
caras que vo pra faculdade, tem palavra bonita pra se defender, no porque
evoluo... Evoluo a puta que pariu [indignado]! Ns temos que respeitar
primeiramente as nossas origens, isso voc evoluir...
Porque eu sou uma pessoa atualizada, todo ano eu fao samba-enredo. No
deixam ganhar, porque vio no pode ganhar mesmo, hoje tudo manipulado. Mas eu
estou bem atualizado. Viajo sempre. T mais atualizado que eles. No paro, agora
mesmo vou fazer, em Curitiba, a histria do samba paulista, no teatro l, entendeu?
Ms que vem, vou fazer um trabalho em Braslia. Eu no paro. Ento, atualizado
isso. voc respirar todo dia msica e saber o diferencial de hoje, mas respeitar o
passado, respeitar quem fez, porque ns somos uma histria em processo eterno de
evoluo. O mundo est sempre em evoluo, isso tem que ser dito. Mas no pode
evoluir sem perder a raiz, se no, no evoluo, outra coisa.
E foi perdendo a raiz em So Paulo. No Maranho, por exemplo, muita coisa se
mantm, mas j tambm com muito verniz, embora tenha coisa muito bonita l, como o
tambor de crioula. Mas, quer queira quer no, voc no pode trocar um tambu, que um
instrumento tradicional, por um instrumento de nilon, porque existia toda uma cultura
religiosa por trs daquilo.
Com o samba a mesma coisa. Ele nasceu na Bahia, se desenvolveu no Estcio
e virou modelo nacional, pois, agora, brasileiro. Ele foi refinado no Rio de Janeiro,
mas nasceu na Bahia. Ele t em constante processo de evoluo. O que a gente tem que
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fazer aceitar o que bom, adicionar um tempero, como novos instrumentos, nova
indumentria e tal, mas no ironizar ou desprezar...
No cortar raiz, seno a planta morre. Voc no pode cortar a raiz. Uma rvore
voc tem que adubar, voc tem que cuidar dela, mas, se voc cortar a raiz, j era. O
dente a mesma coisa, se tirar a raiz do dente, ele fica amarelo, preto e apodrece. a
mesma coisa a nossa histria, s existe o novo porque o vio deu a referncia... Se o
cara inventou a penicilina, outro inventou o telefone, hoje tem computador, tanta coisa,
mas tem que respeitar quem inventou o telefone, porque ele deu o primeiro passo, ele
abriu pros outros sarem correndo atrs. O samba a mesma coisa.
So Paulo comeou a olhar com bons olhos o rdio, depois o cinema, depois do
cinema a TV, a partir dos anos 50. Ento, esse processo de comunicao, de
comunicao imediata, foi responsvel pela transformao da questo regionalista do
Brasil. Ento o samba ganhou fora, fez um elo muito forte no carnaval atravs da
escola de samba. No Sul tinha um instrumento chamado sopapo, tinha a pele de um lado
s, e era batido com a mo, por isso que era sopapo, tinha bons tocadores que batiam
muito bem, mas agora passou a tocar com baqueta que nem o carioca. Botava um surdo
de primeira, um de segunda, um de corte, um de terceira. Virou escola de samba
carioca, e antigamente no era, era um tambor com uma pele de um lado s batido com
a mo. Existia um diferencial, mas, agora, foi copiado o padro todinho, na ntegra.
Se a Bahia no tivesse ax, Filhos de Gandhi e outras coisas mais, estariam
fazendo escola de samba tambm. Porque at no Paraguai tem escola de samba, A gente
encontrava antigamente vrios quartetos, trio de negro em turn na Amrica Latina. A
voc ia falar com ele:
De onde voc ?
Yo soy da Mangueira.
O cara no era nem brasileiro. O cara era l do Paraguai, do Uruguai, cansei de
ver esse negcio. Ah, da Mangueira ? Eu j olhava o cara, ele era do Paraguai e
tocava igual brasileiro. Ento no h fronteira, esse processo de comunicao leva os
ritmos para todos os lugares. Primeiro o rdio, depois o cinema e a televiso.
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Esquentava durante uns dois minutos e depois comea a bater, tum, tum, tum, tum, tum,
tum, at ficar na afinao correta. Dali a pouco, j comeava de novo. Os caras falam,
endeusam muito isso. Pega um tambor murcho, esquenta ele e comea a tocar no sereno
pra ver quanto tempo ele dura. Entendeu? A inventamos a tarraxa. A no precisava
mais esquentar, era s apertar que a pele esticava. Isso j representou um grande
avano. A depois comeou a industrializar. Por tarraxa nos instrumentos.
Voc sabe a capa do meu livro? T o Germano Mathias com a primeira cuca
que eu fiz pra ele. Ele j tinha comprado uma e no deu certo. A ele foi at a minha
casa para eu entregar a cuca pra ele. Ele foi com o Padeirinho l. E a tiramos a foto,
com o Germano e a cuca. Muita gente ia at a minha casa. Germano, Padeirinho, Jorge
Costa iam sempre at a minha casa. E eu fiz aquela l. A foto a gente tirou na mesma
rua, mas eu fui tirar na casa da minha comadre. O Germano paquerava a filha da minha
comadre. Fui tirar em frente casa dela. Porque minha casa era muito feia. Era um
barraco. Era bonito por dentro que era obra de arte. Tudo artesanal. Eu fazia mscaras,
fazia aquele rosrio de Nossa Senhora. A porta na entrada do barraco era com
tampinha de cervejas. Eu fazia pintura. Mas era um barraco. Eu morava na ltima casa
do morro. A eu desci com o Padeirinho e com o Germano e tiramos a fotografia na
porta da casa da minha comadre, que era a terceira da viela. Eu morava na ltima. Eu
tirei de uma pea velha de bateria. A eu botei a pele, botei a vareta.
No fiz muita coisa na cuca, s fiz isso. A dei pra ele. Ele tocava. Tocava
apito, cuca e tocava aquela latinha, tocava tamborim. Tocava tudo. Esses instrumentos
que eu fazia eram muito pobres, muito artesanais. Ainda hoje eu fao as peles e depois
encouro tudo. Que eu ponho do meu jeito. O meu som diferenciado! Modstia parte,
eu sou quem faz o melhor som. Mas o pessoal t me alcanando. T evoluindo muito, o
pessoal j t descobrindo as manhas. Hoje voc compra uma cuca e pode sair da loja
tocando. Antes no, voc tinha que afinar. Voc comprava na loja e, dependendo da
fabricao, tinha que mandar fazer de novo.
Esses regionais dos cordes fora do carnaval tocavam em festas juninas e mais
nas festas religiosas catlicas. Festa de Nossa Senhora Aparecida, em outubro, e outras
festas de santo, como So Benedito. Todas as grandes festas religiosas. Em fevereiro, a
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festa de Iemanj. E tinha as grandes festas tradicionais das cidades. Por exemplo, o
banho da Dorotia, que ia pra Santos, que acabou. Os juzes mandaram acabar. Eu que
descobri, fui atrs pra saber.
Os caras falavam que acabou por briga poltica, isso, aquilo. nada. A orla
martima comeou a ser tomada pela elite e a a coisa comeou mudar. O pessoal no
gostava muito dos farofeiros. Chegavam os farofeiros l com um monte de nibus.
Desciam as caravanas de So Paulo, do interior de So Paulo e de tudo quanto era canto
pra Santos. Pra fazer oferendas e jogar aqueles barquinhos no mar. Era uma festa bonita
que se fazia. O banho da Dorotia realizado sempre antes do carnaval. No fim de
semana antes do carnaval. A comeou a reclamar todo mundo e comearam a acabar
com essas caravanas, com esse negcio. Diziam que todo mundo levava lanche, jogava
lixo e garrafa na praia. Para os ricos, a cidade de Santos virava um pandemnio. J foi a
maior festa do Brasil, que superava at essas famosas festas como o Crio de Nazar, em
Belm do Par, como festa de romaria, era em So Paulo, nas cidades prximas do rio
Tiet. Nas margens do Tiet tinham as festas do Divino, eram 58 dias diretos. Subia o
batelo. O batelo, voc sabe o que , n? Voc vai atravessar a balsa de l do Guaruj,
aonde vai os carros em cima.
O rio Tiet era cheio de batelo. O rio Tiet era navegvel, era muito barco.
Ento subiam os bateles e desciam os bateles. Cheios dos festeiros, dos folies do
Divino. Soltando fogos e tal... Eram 58 dias de festa. E a romaria no parava. Era uma
religiosidade violenta. Cada um ficava um pouco. As cidades escolhiam qual era o
fazendeiro que tinha condio de receber a Folia do Divino, pra dar pousada pra eles.
Porque at hoje famosa a Pousada do Divino.
Os fazendeiros que tinham mais posses normalmente recebiam os romeiros. Eles
escolhiam uns trs fazendeiros que podiam matar um boi, pra dar para o pessoal se
alimentar e fazer a festa. Compravam e soltavam fogos pra receber a bandeira do divino.
E hasteavam a bandeira l, sempre tinha a bandeira do Divino Esprito Santo. A
hasteava uma bandeira e, pra onde o vento apontasse a bandeira, era a fazenda para
onde eles iriam seguir. Ento a fazenda l do Nh Tonico ia receber os folies da Festa
do Divino. Ento ia aquela caravana, pousava l, se alimentava e a tinha aquelas
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samba de decorar o samba. No tinha nada disso. Cantava a msica que empolgasse.
Quem no empolgava, no cantava.
Se voc cantasse uma msica que voc fez agora, por melhor que fosse, voc
chegava l e cantava uma msica que voc fez agora, por exemplo: Estou cansado de
pisar na passarela, ou... Nesta viela... Vou embora e cantar nos braos dela... O cara
nem cantava, ficava olhando torto, pra voc. Ningum queria. Eles queriam que voc
cantasse uma msica de rdio. Serenou, serenou/meu chapu no molhou,
nhengatuncurungundum. A todo mundo, v, porque j conhecia a msica. Tinha esse
negcio. E como eu falei. Os cordes acabaram pelos meios de massificao. Porque
muito mais bonito voc copiar o gigantismo das escolas de samba que esto fazendo
sucesso do que ficar fazendo folclore. V se algum quer bater folclore hoje em dia no
carnaval? Ficar fazendo alguma msica folclrica. Ngo quer fazer a bateria da escola
de samba do Rio. O folclrico no faz sucesso, no atrai pblico nem a mdia. E tudo
hoje mdia!
Tudo isso que eu falei aconteceu at os anos 40. Dos anos 40 j veio o processo
de modernizao que comeou a apagar tudo. E comeou a ir diminuindo, diminuindo.
Voc v as Festas do Divino hoje, n? muito difcil. Eu tenho muita msica, eu fao
muito samba rural. Muita coisa eu no tive oportunidade de gravar. Agora que eu vou
gravar. Eu j liguei para um cara e vou gravar uns trs discos seguidos. Vou gravar
muito mais pelo registro histrico do que comrcio. Eu tenho uma msica que eu abro
meu show, at passou ontem na televiso, na TV SESC. Foi um show gravado uns dois
anos atrs. Eu at falo na entrevista, meu nome Osvaldinho da Cuca e tenho 70 anos.
Eu fiz para aquela abertura uma msica que eu falo da influncia do divino,
assim no samba. No incio foi muito forte. No nosso samba paulista, no; no samba
carioca. No samba carioca teve influncia do candombl puro. Ele pegou um pouco de
influncia depois, quando surgiram os blocos no Rio tocando calango e jongo. Eu fiz
um samba pra abrir meu show:
O velho batuqueiro est em festa/Pra comemorar com devoo/A paz de Deus
que reina no meu peito/E a luz divina no meu corao/ chora viola, , , viola
chora. chora viola, , , viola chora [refro] Voc chora, quando eu canto/Ai, ai e a
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Ah, eu ia muito pro Rio. Tinha parente no Rio, eu fui pro Rio em fevereiro de
1937. E eu vi o Salgueiro, meus parentes eram de l do Salgueiro. Eu fiquei
impressionada com o Salgueiro. E eu vim para So Paulo para fazer uma escola de
samba igual ao Salgueiro, vermelho e branco.
No bem assim! O Salgueiro s foi ser vermelho nos 50. Era azul e branco.
Tinha trs escolas do Salgueiro. A outra era verde e branco, no tinha vermelho no
morro do Salgueiro. Como que ela conta essa histria? A fica uma verdade s,
entendeu? Apagaram tambm o Chico Pinga da histria, porque ele era muito tmido,
muito calado. Eu tenho a foto dele a. Ele com ela. Chico Pinga era italiano, branco,
careca, gordo, com uma famlia enorme. s vezes, uma histria mal contada que passa
por verdade.
Veja bem, no havia quadra de samba, e nem escola de samba. A Lavaps tinha
o nome de escola, mas era cordo. Eu tenho as fotos aqui em casa e eu at mostrei num
livro meu. A foto da Lavaps eu consegui localizar na casa do Seu Z da Caixa, irmo
da Madrinha Eunice. Foi uma fase terrvel! Ele e eu estvamos pra morrer. E eu ganhei
a parada e ele foi. Coitado, eu fiquei! Eu tenho a foto dele doente, com a cuca na mo,
a cuca t at sem a vareta. Era s pra tirar fotografia.
Ele no aguentava mais tocar, tava muito doente. Eu tava com 40 quilos. Estava
at meio preto, efeito da radioterapia. Eu no podia comer, fiquei quatro meses sem
comer. E um ano bebendo s de canudinho. E eu com pandeiro assim e s v os dentes.
A gente tirou a foto e eu fui buscar a foto na casa dele. Estava estragada a foto. Sabe
quando dobra assim em quatro a foto?
A eu mandei recuperar essa e uma foto da Lavaps que ele tinha quando a me
dessa presidente tinha cinco anos de idade. A Cidinha, me da Rose. Eu calculo que ela
tinha de quatro a cinco anos. Ela t de baianinha, de vestidinho. Eu tenho outra foto que
tem criana de marinheiro. Que se vestia muito de marinheiro. Est na foto a me dela,
a tia dela e o filho do Seu Z da Caixa. Ento ele me deu essa foto, eu mandei recuperar
e j espalhei pra muita gente. T no meu livro tambm. Voc tem os meus livros, ento
deve ter essa foto da Lavaps. Essa foto deve ser de 48 ou 49. Porque ela, a Cidinha,
mais nova que eu. Ela parece que nasceu em 45. Ento ela deve ter quatro ou cinco anos
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de idade. Ento, ela t com o estandarte. No pode ser escola de samba. Mas est escrito
escola de samba. No estandarte. No Nen a mesma coisa. Tem foto do Nen l na
UESP, tem monte de fotos da Nen. E tudo com metais, n? Embora a Nen tenha sido
a primeira a colocar bandeira, mestre-sala e enredo.
Voc conheceu o Paulistinha? O nome dele lvaro Rosa. Primeiro mestre-sala
da Nen. Ele morreu h um tempo, l na quadra da Nen. Ele morava l, era uma
espcie de caseiro, porque terminou na misria. Foi cantor de rdio e foi o primeiro
mestre-sala da Nen,
Paulistinha. Naquele disco, Histria do Samba Paulista, eu canto msica dele. Nem
lembro mais, s cantei pra gravar. Era mais ou menos assim: O apito trilou balanando
a nossa gente/na cadncia bonita do samba/De um samba indolente.
Essa dele. Ele era um grande compositor. Muito primitivo ainda, mas um bom
compositor. Eu tinha muita d dele, porque, no final, ele morava de favor l na quadra
da Nen. Ele ia sujo, embriagado. Perdeu o p, por conta da cirrose. Estava andando de
muleta. Sabe quando o cara t no ltimo degrau? Foi uma pena. Porque ele era um
artista [silncio].
A Nen trouxe muitas inovaes para o nosso desfile. Uma delas foi primeiro
enredo. Casa-Grande e Senzala em 56. Mas no pode confundir e dizer que foi o
primeiro samba-enredo. Pode ser o primeiro enredo, mas o samba era samba-tema.
Porque ele no destrincha o enredo. Se voc ouve o samba: banzo que negro tem/
banzo que negro tem. No conta nada. Ele tem oito linhas. No pode ser enredo. Mas j
um prottipo do enredo. Ento, realmente, o samba-enredo comeou por a, nos anos
60.
Famlia Real, acho que em 68. A, em 70, desandou. Em 71 foi um dos melhores
sambas do Vai-Vai, que eu comparo com aquele samba do Mano Dcio que a Elis
gravou: Independncia ou Morte. um samba incompleto, que tem dez linhas ou onze,
mas a histria t meio incompleta. Eu at fiz uma coreografia com o Trio Canela, fazia a
coreografia diferente, eu batia no instrumento, palmas e p. E o Vai-Vai fez em 71,
valeu o sacrifcio dos Andradas, foi mais bonito e mais completo. Fez sucesso no Brasil
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todo. Eu gravei tocando cuca nesse samba. Estourou! A gravao foi pela Tapecar.
Estourou e o Brasil inteiro no sabia que esse samba era enredo do Cordo Vai-Vai.
As mulheres eram imprescindveis na parte plstica do desfile. Antigamente, o
carnaval era artesanal; ns mesmos que fazamos. Os batuqueiros ficavam com os dedos
todos furados, ajudando a mulherada. As costureiras tinham dois ou trs ajudantes. A
gente no tinha experincia e furava tudo os dedos. Eu ia ali na Rua Joo Teodoro. At
hoje tem loja de chapu l. Pagava 200 ris a unidade, comprava aquele monte de
chapu de paia e levava pra casa pra ornamentar pro desfile. Compravam os tecido nas
lojas. Antigamente, a Pernambucana s vendia tecido.
Comprava aqueles tecidos baratinhos pra fazer as fantasias. Punha o chapu e
forrava. A bandeira, a gente pedia pra fulana fazer o estandarte. Bandeira no tinha.
Ento era aquela preocupao, tudo artesanal com purpurina. Hoje, se o cara usar
purpurina, vai ser lixo. Pegar papelo e colar purpurina pra ficar bonito e brilhante.
Ento hoje t a o computador pra fazer coisas maravilhosas. Hoje laser na avenida,
o homem voando. Tudo que violinha, que acstico vai acabando. Hoje o som tem
que ser amplificado pra milhares de pessoas. Em So Paulo 40 mil que vai assistir.
Ento foi isso! A Madrinha Eunice copiou do Rio o termo escola de samba.
Alis, bom deixar registrado que So Paulo copia tudo do Rio. Veja o que aconteceu
recentemente l. Acelerou o samba e repercutiu aqui. Fez Sambdromo l, faz
Sambdromo aqui. O cara d um gritinho de guerra l, e todo mundo copia aqui. Agora
virou inferno samba-enredo. D saudades do Jamelo. Ele no permitia gritaria no
samba. Houve meu samba a, meu samba-enredo t a nesse CD que eu te dei. Pode pr
a pra vocs ouvirem. Ele empolga pela letra, pela melodia, pela sequncia lgica. No
tem gritaria.
Qualquer samba meu voc entende. Salvo aquele de 82, o Oluay, que era uma
filosofia africana. difcil voc entender uma filosofia brasileira, quanto mais uma
africana, n? Ento, tudo bem. Mas, quando eu fao samba, voc entende. Voc comea
pelo fio, ele vem em ordem cronolgica, contando a histria at o fim.
Esse ano eu fiz, t a. S que no deixaram ganhar, l na Gavies. O enredo era
pra contar a saga do povo nordestino, o sofrimento do serto, vindo pra So Paulo e um
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representante maior, que chegou a ser presidente da nao, representando todo esse
povo, com seu folclore, sua histria e seu sofrimento. Vindo pra So Paulo e vencendo,
que o Lula. Ele conseguiu um monte de patrocinadores pra Gavies falar dele. Cinco
milhes. Muito bem, t a. Voc pega meu samba, voc entende. A primeira parte
fico. Voc vai ver, o maior escorpio da avenida o abre-alas da escola. Porque ele
do signo de escorpio. Esse escorpio se transforma num gavio, porque a Gavies da
Fiel e ele corintiano. E vem pra So Paulo, a que comea a luta dele que todo mundo
conhece, no ABC, at ser presidente da Repblica. A vm os processos de viajar pro
Nordeste, fazendo as caravanas da cidadania, aqueles negcios, muito bem.
Esse o enredo, agora pega o samba-enredo que ganhou. Agora voc pega o
meu pra voc ver. S tem rimas pobres, um senso-comum. Eu tenho percepo. Que eu
sempre fui de conjunto vocal, sempre gostei de vocalizar. Ento eu peguei o pessoal da
Vela, umas meninas que cantam pra caramba. Peguei o Washington do Vai-Vai, o
Odilon, que um irmo meu tambm, desfilava comigo nos cordes. E gravamos o
samba. Eu falei pra eles: A msica essa, s que aqui vai fazer uma oitava e aqui vai
vocalizar. No palco fizemos igual gravao. Ensaiamos a diviso. No quero
harmonia, quero voz. Quando chegou na quadra e eu entrei com aquela turma: violo,
cavaco tudo ensaiado, coro. Tinham uns oito no coro. Quando abriu o vocal, o Ren
Sobral comeou:
Nasceu na terra seca do serto/pau-de-arara ps no cho/o retirante
nordestino/ Viveu o sofrimento do lugar/E na cultura popular fortaleceu o seu
destino/Cresceu
sob
influncia
de
escorpio/Acreditando
no
poder
da
transformao/Bateu asas e voou/E foi assim que tudo comeou/Me coragem abenoa
pra vencer/Vem pra terra da garoa a perder/Operrio consciente cidado/ o brao
forte da nao/Me coragem abenoa, pra qu?/Pra vencer, vem pra terra da garoa.
Escuta isso! Cara, incendiamos a quadra. Quando os caras que ganharam
entraram na quadra com eco, com som mecnico, estilo Rock in Rio, sabe? Os caras
puseram o som s pra eles. E proibiram as baianas de cantar meu samba. Porque so as
baianas que escolhem o samba. Isso histria. Mesmo perdendo todo mundo, disse que
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esse samba tem histria, esse samba bonito. A comeou a cair na internet. O Mestre
Odilon, do Rio de Janeiro que nem tem amizade comigo. Ele falou:
Quero conhecer sua obra. Isso que voc fez um samba antolgico. T
faltando isso pra gente revolucionar o samba de novo.
So palavras dele. Esse samba pode mudar o curso da histria. Eu falei:
Se deixar ganhar.
E no deixaram. Ento, vio, o samba no mais do sambista; ele de uma
sociedade, de uma empresa. Mas no do sambista. O sambista no tem vez.
Esse samba eu perdi na Gavies. H uns dois anos na Vai-Vai, infelizmente, foi
a mesma coisa. Perdi o samba-enredo. O carnavalesco era o Chico Espinosa. Esse ano
ele t l na Vila Maria. Ele queria meu samba. Tanto que ele ficou um ms afastado do
Vai-Vai, brabo. Porque quando ele viu meu samba, ele mudou at o enredo. Ele
inspirou-se no meu samba pra fazer a escola de asas. Quando ele me viu, perguntou:
De onde voc tirou essa ideia do anjo?
Eu falei:
Voc no pesquisou direito.
Eu fui enredo l na Vila Prudente. Conheo a orquestra Baccarelli, o smbolo da
orquestra um anjo. No podia falar Baccarelli, porque seria propaganda. Ento pus o
seguinte verso: Um anjo que desceu l na favela/E traz pra passarela um lindo sonho a
realizar.
A proposta do enredo que msica e a arte acabavam com a misria. V se
algum falou? Eu falei. A o que o Chico Espinosa fez e botou o Vai-Vai toda alada do
comeo ao fim. Alegoria, ala, destaque, tudo com asa. Porque eu coloquei no meu
samba, do anjo que desceu l na favela. Nenhum samba, nem mesmo o que ganhou no
fala. Fazer o qu, se os caras tm muito dinheiro. Pra ganhar samba-enredo, tem que
investir pesado.
O samba que ganhou de mim fez uma coisa indita na histria da disputa de
samba-enredo. Nem no Rio nem em So Paulo. Puseram trs puxadores, o Wander
Pires, Tinga e outro, os melhores do Rio pra defender. Voc costuma ver, normalmente,
um puxador e seis apoios. Agora pegaram os trs melhores do Rio, pagaram onze
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nibus da Helipolis e do Jardim Elba. Uma torcida forte pra caramba! E puseram o
som e iluminao pra eles. Essas coisas eu no posso nem falar.
No ano seguinte, fiz uma obra-prima e que seria um sucesso no Brasil. Fiz a
sntese de um samba deste tamanho de enredo. Pra Acadmicos do Tucuruvi. Estava
tudo certo, arrumei patrocnio, s que, na ltima hora, no deu certo. T a o samba.
Vou gravar agora. assim: Venham ver a natureza exuberante/Juventude peito arfante,
a exaltar/Vem ver.
E vai embora. um samba que vem contando a histria da cidade que a
Tucuruvi ia falar. Dei at a parceria para o prefeito. Eu sempre fao sozinho, depois s
acerto os detalhes com os parceiros. Eu gosto de fazer de madrugada, porque no toca
telefone, ningum vem aqui. No tem barulho. Ento, de madrugada outra coisa. Fiz o
primeiro, fiz o segundo. Tive que fazer trs sambas ficarem do jeito que eu gosto. um
samba-enredo com energia que contamina. Porque o samba, quando voc joga, voc, na
hora, percebe se vai pegar ou no. A como no saiu o patrocnio, no falamos da cidade
na avenida e o meu samba ficou esquecido.
E no s comigo. com a minha gerao. No ano passado, Ideval Anselmo,
um dos maiores compositores de So Paulo. Ele comeou em 72, tem minha idade. S
que ele veio do interior, era violeiro e comeou no Camisa Verde. Fez os melhores
sambas e mais conhecidos do Camisa Verde. No ano retrasado, ele faz muitos sambas
fora do Camisa porque no deixam ele ganhar.
a comercializao do carnaval. Porque a preocupao s com verba e
patrocnio. A Liga e a UESP s esto interessadas em patrocnio e em conseguir
dinheiro. A que est em melhor situao, porque cuida das escolas pobres, a UESP.
Ela tem uma preocupao mais cultural. Tem um acervo. Porque passou a ser especial,
voc t ferrado. monoplio. No tem como fugir. patrocnio, a prpria diretoria tem
que ceder. Quando tem dinheiro, outra histria. Onde tiver dinheiro, tem mosca.
A Liga no tem um acervo. Tentamos comear. Eu levei muito material pra Liga
e acabou ficando, assim, na chuva. No prdio novo, l na Santos Dumont, eu vi isso.
Fiquei muito bravo. Eu falei l na Liga, pro Serginho. Ele um trabalhador, presidente
da Vila Maria, uma pessoa dedicada, o presidente da Liga e ele se esforou pra fazer.
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Mas deixaram os documentos apodrecendo no tempo. Antes levasse pra UESP, que fica
tudo guardado.
Outra coisa. V a qualidade dos CDs feitos pela Liga. Muito ruim! Eu tenho 50
anos de estudos. Voc pega o meu disco e escuta o meu som. a mesma tecnologia que
todo mundo grava. V o som do meu disco. V o som desse a, voc pode levar. A o
que acontece. Eles no ouviram a gente porque os mais jovens tm cimes. Eles querem
assinar e fazer. Porque esses velhos querem tomar o nosso lugar. Voc, com a
experincia, vem para somar. Voc vai fazer uma festa, voc vai chamar o melhor
festeiro pra sua festa ter sucesso. No, voc vai ficar com cimes e fazer sozinho, s que
voc no sabe. Eu no frequento mais nada. Eu t disposto a cuidar s da minha sade e
da minha vida. Tenho minhas coisas pra fazer. Preciso fazer uma operao e t
preocupado, porque minha agenda t lotadssima.
S participo de alguma coisa quando insistem muito! Teve a aula de jurado
agora e veio o pessoal da Liga do Rio; vieram fazer aula aqui e os caras me convidaram.
Teve um samba aqui no outro final de semana e veio gente do Rio e de todo lugar. No
cabia aqui, nem na rua lugar pra estacionar. Aqui pequeno. E esse pessoal vinha aqui
em casa. Eu liguei e perguntei: Que horas termina a aula? Seis horas, mais ou menos.
Eu falei: Eu vou buscar vocs a no Anhembi. A fui l pro Anhembi, mas, com medo
do trnsito e da chuva, fui mais cedo. Cheguei l cinco horas. Eles estavam tendo aula.
Cheguei l na porta do pavilho B e o pessoal l do Anhembi dizendo que eu no podia
entrar. Porque tem jurado l. No pode ter acesso aos jurados e eu sou componente do
Vai-Vai. A tudo bem, nessa situao voc tem que respeitar, porque no pode ter
acesso a jurados, n. Eu conheo o sistema melhor que eles, e a uma menina, assim, de
uns 20 e poucos anos, veio perguntar se eu sou convidado, ou se eu vim dar aula. A eu
liguei:
, Nelson, eu t aqui na sua porta, aqui, na sala de aula.
Daqui a pouco vem todo mundo. O pessoal da Liga do Rio. Todo mundo chorou,
at.
Rapaz, eu passei um filme teu agora aqui, falei de voc agora aqui na aula.
Mostrei um samba teu.
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Adoniran, antes dele, era um lugar-comum; cantava Noel, cantava marchinha. A partir
dele, ele incorporou os personagens do Osvaldo Moles.
Conheci Djalma Amaral, um negro que era o Seu Dija, que era parceiro do
Adoniran, que fazia aquelas radionovelas. Era um negro magro, amicssimo meu, que
ficava com o cigarro na boca, fumava que nem um desgraado. Seu Dija, crioulo magro,
que fazia o papel de crioulo na histria das malocas. Ele interpretava um neguinho
malandro que desviava, fazia aquelas malandragens toda. Ento conheci e ele era meu
amigo. Ele fazia a programao da Record e me dava, s vezes, e mandava programar
msica minha na Record.
Uma das mentiras contadas pela Globo sobre a msica Iracema. Tanto mentira
do Adoniran, como mentira da Globo. Na verdade, foi um amigo meu que contou essa
mentira pra Globo, um grande pesquisador da msica brasileira. No precisava disso,
porque o nome dele j t imortalizado na msica. Ele contou que o Adoniran via a
Iracema toda noite num cabar aqui em So Paulo e paquerava ela. O Adoniran
paquerava todo mundo. No tinha vergonha na cara. Era casado, mas no podia ver
menina nova, era assim mesmo, paquerador. A ele disse que tava paquerando, mas ela
no dava bola pra ele. A, quando ela passou em frente dele, ele disse com raiva: Vou
te matar, Iracema. E fez a msica Iracema, que a personagem morria atropelada na So
Joo. Quando eu vi isso na novela, me deu vontade de quebrar a televiso de raiva. Isso
incompatvel com a personalidade do Adoniran, incompatvel com a letra da msica.
Se voc pegar a letra de Iracema, como que ele pegou e falou assim pra tal de
Iracema, numa boate, vou te matar. Iracema nem era do Adoniran, era de um bbado,
que a mulher dele morreu na Consolao, nem foi na So Joo, atropelada. E o Toninho,
membro dos Demnios da Garoa, pagava cachaa pra ele l no ponto dos msicos. Era
um bar que a gente ficava depois que saamos dos shows e a gente esperava amanhecer
pra pegar conduo e ir embora ou pro servio. Ele batia pandeiro e atrapalhava o
transito. s vezes, saa da calada e cantava: Iracema nunca mais eu te vi. A turma dava
risada daquele bbado. Tem histrias que, se voc contar hoje, voc vai passar por
mentiroso. Porque um milho de mentiras da msica vai se sobrepor a uma histria real.
E quem podia confirmar, morreu. O Arnaldo dos Demnios da Garoa. O
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Toninho tambm morreu. O filho dele que cuida, que o dono do conjunto. Aquele
careca, o Serginho, entrou em 81 no conjunto, mas sabe a histria. Ele sabe, mas no vai
ter coragem de contar, porque o pai contou pra ele. a mesma coisa de eu chegar na
televiso e falar mal de Jesus Cristo, do Roberto Carlos ou do Pel. Ah, ngo cai de pau
em cima de mim. Ento tem esses detalhes, que so pequenos, mas a histria pode ser
modificada por vaidade. A minha histria, quantas vezes eu vejo modificada na minha
frente. O cara fala na minha frente que o Osvaldinho foi l e no sei o que, p, p, p,
quebrou tudo. Eu nunca tive l. Na minha frente, os caras falam. Meu Deus do cu, pra
que isso, cara!
Como eu te falei, eu fui dos Demnios da Garoa. Tambm participei de um
monte de outros grupos. Participei do Jogral em 71 e 72. Eu estava com Adauto Santos
e Trio Canela. Eu era parte do Trio Canela. Primeiro surgiu o Trio Mocot e, como ns
tocvamos na mesma casa e ns amos depois ento, o garom, o mitre, comeou a
fazer gozao com o Trio Mocot. E gente veio na cola do Trio Mocot, viramos Trio
Canela.
Teve uma noite que a gente estava tocando no Jogral, o Adauto Santos, P. Viola
e o Trio Canela na percusso. Era eu, o Jairzinho da Portela e o Osmar, que era sobrinho
do Adauto Santos, que t no Paran agora. A casa lotada parecia um teatrinho. O
pessoal com um copinho de usque, se algum falava alguma coisa, todo mundo, shiiiii.
E a apareceu um cara que tava atrapalhando a apresentao, entrou de camisa aberta,
meio assim, pra l, pra c. E o garom pedindo silncio. E ele atrapalhando, encostando
em um e no outro. E todo mundo, shiii. Uma hora ele foi no palco, catou o microfone, o
palco era bem baixinho. Os caras queriam empurrar ele pra fora toda hora. Ele pegou o
microfone:
, gente, eu no quero atrapalhar ningum, eu s quero dar o meu recado. Eu
sou o Nelson Cavaquinho. Sou compositor e queria mostrar meus sambas. Sou l da
Estao Primeira de Mangueira.
A a turma, shiii. Pra voc ver, at meados dos anos 70, no era conhecido o
Cartola. Muito menos o Nelson Cavaquinho. Era difcil conseguir gravar samba. Eu
mesmo tenho mais de 50 anos de carreira e v o nmero de discos que eu tenho lanado.
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Foi com o Martinho da Vila, com o Germano Mathias, que o samba se popularizou nos
anos 60. O Germano foi o expoente de uma safra importante pra msica brasileira. Nos
anos 60, o rockn roll e a Bossa Nova estavam invadindo. E a gente estava
descaracterizando a msica brasileira. Que embora todo mundo fale muito bem da
Bossa Nova, voc tirando algumas maravilhas da Bossa Nova, tinha muita coisa era
bem jazz mesmo. Muitos no aceitavam percusso, no aceitavam a caracterstica da
msica brasileira, que percussiva. Era violozinho. Era uma msica muito
individualista. O Joo cantava nessa intensidade: Bim, bom, bim, bom, bem baixinho.
Era um porre, vamos aceitar isso!
Ento o Germano Mathias veio numa fase muito boa para o samba paulista,
principalmente. Ele foi para o Brasil, uma exploso. Porque s segurava o samba
paulista o Demnios da Garoa e o Adoniran. claro que tinha o Noite Ilustrada. Mas o
Noite chegou depois, em 54 ou 55, em So Paulo. Era mineiro e grande parceiro meu
tambm. Tinha a Denise, esposa dele, de Atibaia. Ela foi miss, Miss Atibaia. Tinha
outros tambm. Grandes sambistas que apagaram da histria. Tinha o Mauricy Moura
de Santos, uma das maiores vozes. Ele tambm gravou Paulo Vanzolini. Ele tinha uma
voz assim: Chorei, l, l, l, l, todos riram, fingiram, pena de mim no precisava, com
uma voz bem grave.
Ele cantava assim, com uma boca deste tamanho, de caapa. Bebia muito e
morreu de tanta bebida. Ele tocava violo e cantava sozinho. Tinha que ficar internado
uma temporada e uma temporada na rua. Tocava no Jogral e em grandes casas. Toquei
com ele no Partido Alto, maravilhoso, n? E tocava msica de outro santista tambm,
Lcio Cardim. A turma pensa que a msica Matriz e Filial do Lupicnio. Porque o
Jamelo gravava tudo do Lupicnio. Mas do Lcio Cardim, grande compositor
santista. Ele veio pra So Paulo, mais ou menos na mesma poca, em 55. Ele era cabo
da aeronutica e tinha uma casa noturna ali na Amaral Gurgel, chamava acho que
Matriz ou Filial, no lembro o nome.
Outro grande nome do samba de So Paulo que eu tive o prazer de conhecer foi
Geraldo Filme. Esse tem essncia. Era um pensador, tinha poucos no Brasil e em So
Paulo como ele. Ele se inspirava muito no pioneiro, em Dionsio Barbosa, que
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Eu adequei na mesma melodia do dele. Outro verso que eu botei: Meu av preto
de Angola me ensinava cantoria [cantando]. Esqueci a letra agora. Foi o Jair Rodrigues
que gravou. A fiz outro refro embaixo. Eu botei sete linhas e o samba dele tinha oito,
o original que o Plnio Marcos gravou. Eu fiz meio jongo, meio capoeira. O Jair viu e
ficou louco:
esse que eu quero e ele gravou no meu disco.
T bom! Era pro Aldo Bueno gravar, a o Jair gravou esse da. O Toniquinho
ficou todo feliz quando ouviu. E me perguntou:
Mas vai dar algum dinheiro?
Dinheiro no d mais. Antigamente, eles davam um advance pra ns. Agora
disco independente no d dinheiro.
A ns assinamos. Estou aqui com o contrato. Acho que t l no meu arquivo
com os outros contratos. A assinamos. Botei o nome dele na frente por respeito, ele
mais velho. Porque a parceria foi igual, ele tem oito linhas e eu tenho sete. Prioridade a
ele pela idade e um verso a mais. E eu entrei na melodia dele, eu mudei a melodia. Botei
um l l i diferente. E aquele: Ei, jongueiro/bate no couro que tem festa no terreiro.
Foi o forte do samba e a segunda parte, n? No verso do Tuniquinho era assim:
No dizer de minha v sambador no tem valia. Meu verso diferente: Meu av
preto de Angola me ensinava cantoria/Foi herana de um passado/Fez a
travessia/Capoeira quilombola derrubava e no caa.
A eu botei e ficamos parceiros. A tem uns a que chegaram ano 2000 no samba,
porque antes vivia para o rock e comeou. Comearam a produzir um disco pro
Toniquinho. E regravou depois de quatro anos sem o meu nome. Essa nossa parceria foi
gravada em 2004. Em 2008, ele regravou a msica e no colocou meu nome, a desfiz a
amizade. Ele regravou sem a minha parte e sem o meu nome. Eu, com o contrato
registrado em cartrio e assinado.
O menino do Kolombolo estava sentado a, o Renato Dias. Eu falei pra ele:
Eu no vou tomar tudo seu e mandar recolher o seu disco e exigir uma
indenizao. Porque voc casado com a Lgia, que eu tenho muita considerao.
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que viver. Como que eu vou pagar minhas contas? A cobrana est a. E eu acho que
uma misso. A melhor coisa que a gente tem isso. Divulgar o nosso samba! E que
bom que temos pessoas interessadas nisso! A porta estar sempre aberta!
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lvaro Casado
Nome: lvaro Ribeiro
Data de nascimento: 28/11/1940
Local de nascimento: Avar
Profisso: Publicitrio
Data da entrevista: 01/05/2012
Local: Residncia do entrevistado, no municpio de Po-SP
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pessoa muito importante nesse processo foi o Jangada. Ele era do Rio de Janeiro, mas
estava trabalhando aqui, na prefeitura. No lembro qual o rgo que ele estava, e ele era
compositor do Rio, e ele veio pra c. Era da So Clemente, eu acho. Ele atuou no
processo de redao do primeiro regulamento oficial, porque ele era redator, trabalhou
em jornal tambm. Ele que armou o esquema, fez a ata, tudo. Fizemos uma reunio, e o
Faria Lima tocou tudo pra frente e unificou. Mas foi bom o prefeito fazer a coisa, por
que tinha l uns caboclos meio fora de esquadro, n? E era por a ele que elaborava
tudo. Ele veio do Rio de Janeiro, veio da So Clemente e escolheu a Lavaps. Ele
chegou em So Paulo e optou pela escola mais velha. Ele era historiador, tudo, e
comeou a fazer samba por l. O Lavaps tem muito samba dele. Ele que pegou o
regulamento do Rio de Janeiro e mudou uma coisica s, era pouco. Se num ano no deu
certo uma coisa, no outro ano, vamos mudar aqui.
Ento criamos uma Federao. O Moraes Sarmento foi o primeiro presidente,
depois o Evaristo, a sede era l no Martinelli, no prdio Martinelli. Antes tinha a
Ligao, Federao, Unio, era uma baguna, tinha tudo e no tinha nada, porque cada
um fazia apenas o que dava na cabea. A, quando o Faria Lima oficializou, ele disse:
Vamos ajeitar a casa. Para os recursos sarem, necessrio que vocs se
organizem.
A o Moraes Sarmento entrou como presidente. Participou o Evaristo, Seu
Inocncio, o Mala, que eu te falei, que era meu cunhado, l do Tatuap, P Rachado, eu,
entrou a tropa toda. Eu sou desenhista e publicitrio. Agora que eu estou aposentado. A
bandeira da Federao fui eu que desenhei, confeccionei. Nessa poca tinha cordo e
escola. Tinha o Fio de Ouro, o Camisa-Verde, o Vai-Vai, tinha outro que eu no lembro
o nome, tinha uns quatro ou cinco, o resto era escola.
Na poca do Moraes Sarmento, da Federao, andaram emitindo uns cheques
sem fundo, porque chamava a escola e dava direto na mo do cara. O Mala ia e eu ia
com ele e dava o cheque pra escola diretamente, pro presidente ou pro tesoureiro. Tinha
cara que recebia o cheque e no desfilava. Teve uma escola de samba, veio l da zona
Leste. O presidente pegou o dinheiro e comprou carro, comprou geladeira, fogo pra
nga. E a no saiu a escola! O que voc vai fazer com um cara desse? O que vai fazer
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com esse cara? Assinou o recibo com o dinheiro e gastou e no ps a escola na rua.
Teve processo, mas o cara tava ligando pra processo. Caiu no esquecimento. E, com
isso, quem ficava em descrdito era a Federao.
Por conta disso, o Evaristo depois no quis mais e tiveram vrios
desentendimentos, problemas com a burocracia da Prefeitura e muito cime. Saiu o
Evaristo e o Juarez entrou, mas comearam uma poltica contra o Juarez, que ganhou
dois carnavais seguidos, 70 e 71. A falaram: Esse cara vai subir demais. A
comearam a prejudicar o Juarez, pura ciumeira. E a, tentando unificar novamente,
formamos, em 73, a UESP. Como presidente, primeiro entrou o Renato, esse que t a
[aponta para uma foto]. O Renato, da Globo. Mais a o Renato tava com problema de
corao, ele tinha uns problemas de sade, ele tava com medo de ter um enfarto [sic],
porque o negcio no fcil, no. Ele saiu e ficou sem presidente o negcio.
A me chamaram! Eu morava ali na Rui Barbosa. At assustei quando vi na
minha casa o Inocncio, P Rachado, Chicl. Falaram pra mim: Ns vamos pr voc
a. Vamos pr o branquinho a! A eu entrei por unanimidade. Porque no foi assim,
eles falaram ele que vai. Os caciques do samba que foram l em casa e outros, como o
Juarez, me apoiaram, e a eu entrei na presidncia da UESP. Teve as chapas, para
oficializar. Para no ficar uma coisa assim, pusemos o cara e pronto. E ns ganhamos,
quer dizer, j estava ganho. Eu conheo todos eles desde 53. Sinval, falecido, Seu Nen,
falecido, eram caras que falavam o Casado. Eu conheo ele desde pequeno, que eu
morei na Barra Funda. O Inocncio Mulata que sugeriu primeiro meu nome. Ele falou:
Esse cara, eu conheo ele. Ele sambista, ps dinheiro do bolso no Tatuap.
A minha diretoria era eu, o vice era o Derly Marques, o fotgrafo. O Jangada. O
Nelsinho. Era bom, um time bom. Tinha o Mala. Tinha muito apoio, o P Rachado
mesmo. A maioria era branca, tinha s um preto, o tesoureiro. Apesar de todo o apoio,
alguns pensavam assim: Ns, os brancos, sentados na mesa, e os nego l. A tinha
que entrar um mediador pra tentar resolver, e sempre era o Jangada, o Derly, s vezes
eu. No podia errar. E nunca falhei um ano de 53 pra c.
S que a UESP no era onde est hoje... Era ali na galeria na Brigadeiro Lus
Antnio. Eram duas salas ali. Tanto que quem pagava o aluguel ramos ns mesmos...
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costurando direto, todo dia. Junto com aquela sobrinhada, um costurava, outro
alinhavava. Trs mquinas de costura, direto. Era amor mesmo. Porque ns sentimos,
vamos que vinham umas escolas malfeitas, sem tema, sem fantasias bonitas. Entendeu?
E no era por falta de vontade, mas sim de experincia.
A fazamos uma reunio no plenrio e perguntava que tema voc escolheu...
Como ?... Embaixador, Imperador, no sei o qu... Voc tem dinheiro pra escolher
isso? Tem dinheiro? Se voc sair como D. Pedro, vai gastar com tecido, coisa de poca,
voc no vai bancar, no vai sair legal. Voc no quer esse enredo aqui, que mais
simples. Aqui d pra voc ir. E no ano que vem, se voc tiver mais dinheiro, voc faz
seu enredo de D. Pedro. Naquele tempo tinha Marujos, Falco do Morro, Itaquerense,
Estrela Brilhante; tinha um monto de escolas de samba, mas bem fraquinha. A ns
comeamos a encaminhar os caras. Agora tem barraco, tem profissional, tem 60 caras
trabalhando. Hoje o carnaval uma indstria.
Eu j desfilei em muitos lugares: no Parque Xangai, no bairro do Glicrio. amos
ao Ibirapuera, desfilamos at no Pacaembu, no estdio mesmo. Participei da Rdio
Record, que fez uns concursos, isso foi l em 1954. Na Rua Direita, tambm, mas isso
faz muito tempo. Entrava na Praa Clvis e ia at o viaduto. Mas tambm era escola de
cem pessoas, 180. Quem ganhava sempre era o Lavaps, da Madrinha Eunice. Era uma
escola forte. Depois Vale do Anhangaba e, ento, foi pra So Joo. Saa l da Duque
de Caxias e ia at o Correio. Chegando ali, tinha uma corda. A escola entrava e ningum
podia entrar atrs, porque tinha que disputar, mas saa dali todo mundo participava. At
guarda civil entrava no meio, polcia, era uma baguna, mas foi o melhor carnaval que
eu vi o da So Joo. Era tradicional. De quarto grupo pra cima. O acesso das escolinhas
bem pequenininhas a gente fazia uma pr-eleio. Era tudo na So Joo. Os quatro
grupos desfilavam l, era uma muvuca braba. Bons tempos, na So Joo; pegou o
finzinho da poca dos cordes. Eles eram bem maiores que as escolas. As escolas
grandes tinham 200, os cordes tinham mil. A comearam a unificar, as escolas
comearam a crescer. O Seu Nen, briguento, queria escola, o Mala, meu cunhado,
queria escola. A, o Sinval, com a Imprio do Cambuci, a todo mundo comeou a
pensar, vamos fazer igual. A comeou esse pensamento, que era melhor os cordes
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virarem escola. E tambm pela cultura, em todo lugar era escola e cordo. Eles vinham
com aquela coisa de reisado, com aquele vestido e com a corte. Eles gastavam muito
mais dinheiro que escola de samba. Porque as escolas de samba vinham com uma
fantasia mais levinha. E eles optaram por virar escola. Num ano, o Vai-Vai desfilou
como cordo e, no outro, j foi escola. Tanto que eles eram Cordo Camisa Verde,
agora Grmio Recreativo, Cultural e Escola de Samba Camisa Verde, mudou tudo. O
nico que no conseguiu foi o Rmulo, do Fio de Ouro, que no conseguiu virar escola.
Foi caindo, caindo. Porque era muito perto do Vai-Vai, tava ali do lado, na Rui Barbosa.
O Fio de Ouro ensaiava na Rui Barbosa e o Vai-Vai na rua de baixo. Tanto que o
pessoal era o mesmo. O mais forte era o Camisa, que embalava quatro anos. Como
cordo e como escola. Virou escola e embalou quatro anos seguidos.
O negcio era brabo. Comeava no sbado e terminava na segunda, tera-feira.
Tinha escola que repetia. Porque o negcio era desfilar, era uma coisa legal. Todo
sambista que voc perguntar, que for mais velho, vai dizer que o melhor carnaval foi o
da So Joo. Porque era participao popular. Todo mundo podia participar. O caboclo
tava de baianinho e entrava no meio da escola e desfilava. Punha uma camisa branca e
cala branca e entrava no meio da escola, empurrava carro, ajudava. Hoje, pra comear,
voc tem a parede e a grade. O povo aqui e a escola de samba l dentro. Sem ingresso
no entra. Na So Joo voc andava no meio da escola. A escola vinha na So Joo
desde l de baixo... Era a festa. Era bem rua mesmo. Vinham bloquinhos, assim, com
dez moas vestidas, rapaz e um tipo de fantasia que eles bolavam e entravam no meio
da escola. S quando chegava perto do correio que tinha a corda, a diretoria da escola j
sabia quem era e quem no era. J era uma norma, o povo j sabia, at l eu posso, pra
l, no. Por que tinha que julgar, n? A roupa, o cara tava de azul, de vermelho e a
escola azul e branco, no pode, porque o cara tem que estar de azul e branco.
A nica coisa ruim da So Joo que tinha o problema de trnsito, de trilho. Ali
era vazo de tudo, p. Quem ia pra Lapa, Pinheiros, Vila Madalena, no tinha acesso.
Parava os bondes, os nibus, entendeu? E virava uma baguna ali no centro. Tanto que
ns fizemos vrios desfiles e os palanques ficavam ali no Largo do Paiandu, em frente
igreja. E era corda, no tinha arquibancada, o carnaval era na corda. E dava uma mo
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levar um carro alegrico. A Peruche mesmo teve um ano que parou a marginal, samos
da quadra, deu uma mo de obra, no passava embaixo de viaduto. E tinha que fazer de
madrugada. Meia-noite ou uma da manh a gente saa. E era uma baguna; agora, no,
tudo articulado. Os caros so gigantescos. Que eu no gosto muito, mas fazer o qu?
Durante a minha gesto como presidente da UESP comeou a poltica de quadra.
As escolas negociavam com a prefeitura a cesso dos terrenos. O Nen conseguiu
quadra. O Tatuap saa num bequinho, ali onde a Chic agora. No dava essa rea aqui
do meu quintal. Ensaiava ali. Os carros alegricos faziam na rua ou quando algum
cedia algum terreno. E punha lona em cima, aquela coisa toda. Era muito longe do
centro. No dia de desfile demorvamos o dia inteiro pra chegar. Se fosse pequeno os
carros iam em cima de caminho. J os carros maiores do primeiro grupo iam
empurrados, porque carro alegrico no pode ter motor, lei. No primeiro grupo eram
trs carros. Agora, o que acontece, a Chic comprou a rea e ns tivemos que cair para
um terreno alugado na Melo Peixoto. Dali ns fomos para um varejo que tinha no
Tatuap, no outro lado. Um varejo, uma feira, vai. E l tinha um barraco e um
banheiro. A ns camos pra dentro. Depois fomos pra Guaiana. A deu uma enchente
no carnaval e levou instrumento, as roupas, levou tudo.
O Acadmicos era complicado. Teve um problema: quando o metr veio
derrubando, era ali que tava a nossa base. Dispersou todo mundo. Cada um foi pra um
lado, Cohab Dois, Cohab Cinco, sumiram. Os caras vinham, mas j no com tanta
frequncia. Porque a nossa base era da Favela do Maranho, l embaixo, perto do
Corinthians, no Largo do Maranho, na Antnio de Barros. E acabaram com a favela. O
cara vem morar aqui em Po e pensa: Ah, eu no vou, no. longe, difcil. Apesar
de que agora no, agora vem gente de tudo que lado. Depois que ns fomos pra
debaixo do viaduto, na gesto do Jnio. Ali embaixo do viaduto. O Jnio Quadros que
cedeu pra ns. No sei se voc lembra, na gesto dele, o Tatuap era o bairro mais
poludo de So Paulo e quase no tinha opo de lazer aqui na zona Leste. Foi uma
jogada pra valorizar a regio. Foi na poca, eu cheguei nele e falei:
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mfia foi rodando, quando entrou o Geraldo, a que unificou tudo. A parte de baixo da
Barra Funda, depois do rio, o Carlo, o Juarez, Seu Zezinho do Morro da Casa Verde
eram de uma faco. P Rachado e Chicl eram de outra. Ele conseguiu pr todo mundo
na mesa e ficar juntos. Porque quem brigava mesmo pelo samba era Geraldo, eu,
Jangada, P Rachado, o Mala, falecido cunhado meu. Era quem brigava mesmo pela
cultura. Tanto que a Prefeitura passou a mandar a verba para a UESP e a entidade
repassar para as escolas.
O dinheiro era dado pela Secretaria direto para as escolas, pra mo do
presidente. Depois que passou a ser centralizado na UESP. A gente cobrava do
secretrio, da prefeitura o dinheiro, em setembro. Porque tinha que sair em setembro pra
dar tempo. Os caras davam em novembro. As escolas cobravam a gente em setembro.
Era uma muvuca, os caras iam na UESP, e eu falava: Eu levo vocs l. Era assim! A
Secretaria, quando entrou o Anhembi, que deu uma legalizada. Tanto que eu te falei, o
Secretrio deu um cheque sem fundo. No fui eu que dei. Eu sou UESP, quem deu o
cheque foi a Secretaria. A o que ns tivemos que fazer: fomos no Notcias Populares e
colocamos o cheque, fotografamos e saiu nos jornais. No outro dia, o Secretrio tava
distribuindo dinheiro l no gabinete. Devolvemos o cheque e o dinheiro tava l pras
escolas pegarem. Teve um ano l que atrasou muito, era dezembro e no tinha sado a
verba. A fomos todo mundo l. Todas as escolas lotaram a Secretaria. A o cara viu a
presso. Passou uns dias e teve o dinheiro na mo. Porque teve ano que a verba saiu
praticamente em janeiro, p. Teve parcela que saiu em fevereiro. J teve verba que saiu
trs dias antes do carnaval, a ltima parcela. A voc pega um sbado e domingo a 25 de
Maro fechada, no dava tempo. Agora no, sai em setembro, a verba j sai. Dos que
passaram por a, eu lembro que o Paulo Egydio foi um cara decente. Ele, junto com a
Prefeitura, aumentou a verba um ano l. Acho que a mulher dele deu uns tapas nele, ela
gostava de carnaval. Oh, melhora o negcio a. Eu lembro que em vez dele dar 70 ele
deu 100. Mas no outro ano voltou pra 70 de novo.
Quando eu sa da presidncia, fiquei no departamento cultural. Aquele acervo
que est l, o arquivo, fui eu que montei. Tanto que tem tanta coisa minha l, um
monte de coisas. Doei livro, foto, tem foto aqui que eu copiei e est l. Mas todo mundo
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vem aqui. Eu j vinha com essa ideia faz tempo. Mas, como presidente, no tinha
tempo. J vinha guardando coisa, junto com o Derly, que tambm rato nessas coisas
de samba. Eu tenho parceria com o Derly nesse acervo que eu tenho aqui, e com o Jota
Muniz, ns trs. O Jota Muniz foi jurado muitas vezes. Na poca ainda no tinha esse
curso de jurados que tem hoje. Gente que nem do samba e faz um curso e julga.
Sempre dois sempre dois jurados por cabine, para no ter muita discusso. Mas sempre
dava briga. Ns tambm colocvamos jurados diferentes em cada grupo. Ns s
chamvamos personalidades, pessoas de gabarito para julgar. Porque tinha um jurado
que ia julgar o grupo tal, mas ele tinha amigos na outra escola, ento tinha aquela
democracia. Professor de msica, maestro, teve um famoso, o... Jlio Medaglia. E
tambm teve outros. Sambistas tambm, que vinham de Santos. O Druzio, que t a na
foto, o Jota Muniz vinha tambm.
Depois que o Geraldo assumiu, a gente ficou mais tranquilo e eu voltei a ficar
mais perto do Tatuap. No Acadmicos do Tatuap eu queria fazer s enredo
paulistano, Imprio Tropical, Cama do Gonalo, Amador Bueno. Eu tenho todas letras,
tm alguns que eu tenho at figurino da poca. Eu optei por So Paulo, a a gente punha
na cabea dos caras, vamos falar das coisas daqui. Tem tanta coisa, Brs Cubas, vamos
falar de Mogi das Cruzes. Essa parte cultural, Pirapora. Essa raiz fomos ns que
implantamos. Foi a UESP que implantou. Na nossa gesto de 1973-75. A marca da
nossa gesto foi isso. Tanto que j tinha o projeto do arquivo. O meu arquivo pessoal
maior que o da UESP, da histria do carnaval paulista. Eu dei as xerox e fiquei com o
original. Tenho muita coisa no arquivo de ao grande.
Era difcil arrumar patrocnio. O Acadmicos no tinha. O que tinha era
malandragem. Teve uma vez que eu cheguei no Renato da Tapearia Chic e dizia: Eu
vou fazer um enredo Meu Chic Tatuap. Eu cheguei l no Renato com os slides,
projetei: , Renato, Meu Chic Tatuap, t falando da sua loja e do Acadmicos do
Tatuap e do Tatuap, do bairro Tatuap. Eu fiz isso vrias vezes. Fiz com o Marengo
tambm. A uva Marengo. Eu peguei todos, a casa da borracha. Todos comerciantes
ajudaram o enredo Meu Chic Tatuap. Eu fui no Marengo, vou sair com um cacho de
uva enorme. Tanto que saiu mesmo. O Marengo assinou o cheque. No tinha tanto
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Tem histria esse LP. Eu no tenho mais porque emprestei pra um caboclo aqui em Po
e depois vim saber que o cara se mudou e levou. E raro aquele disco. Nem o Mata
Velha tem. Porque ele foi dando, dando e ficou sem. Depois que ele gravou os outros.
Depois que ele saiu da Imprio Serrano, quando ele desfez a parceria com o Silas. At
hoje no sei o porqu. Ele nunca me explicou. Eles so parentes. Acho que o Silas, na
poca, era mais famoso que o Mano Dcio. E depois comeou tambm o Mano Dcio a
fazer muito show. Tanto que, quando eu morava no Rio, eu ficava sexta, sbado e
domingo, no ficava nenhum dia em casa. Pegava o carro, colocava ele e a viola e um
pandeirista e corria pra fazer show. Vamos pro Cacique de Ramos, vamos, So Joo do
Meriti, era uma loucura. Ele no tinha carro e eu tinha. Era uma farra, na verdade.
Tempo bom, rapaz! Ele ficou ali embaixo do p de rvore, antigamente aqui tinha um
galpo com uma churrasqueira. Ele ficou deitado ali na rede, com a viola fazendo
samba. Ele vinha do Rio de Janeiro do meu lado, como meu copiloto, do lado, tocando
viola, na Dutra. Eu vivi muito com o Mano Dcio. Eu tenho tanta foto dele a. Foi um
dos meus melhores amigos!
Quem mudou os dias de desfile de sbado e domingo para sexta e sbado foi a
Globo mesmo. Tanto que a Globo est h tantos anos transmitindo. A Bandeirantes
briga, mas no entra. A Globo fez a cabea dos sambistas. O poder econmico fala mais
alto. Vocs fecham com a gente, mas a gente quer s as melhores. Tanto que ela no
transmite o carnaval da UESP. Nem do acesso. A Globo o problema. Mudou o dia,
passou pra sexta-feira. Tudo jogada da emissora. E o dinheiro no pouco no e cai
na mo da Liga. A tem uns rato l dentro e j viu. Apesar de que agora as escolas
esto com uns presidentes mais maneiro. Opa, pra a, vamos ver direito. Porque
naquela poca no tinha, o cara pegava o dinheiro e nem contava. Punha o dinheiro na
mala e zarpava, ia cuidar da vida dele. Agora no, os caras sabem tudo. A Liga at
empresta dinheiro pras escolas. Ela se tornou um banco. Meu compadre Valtinho,
falecido, foi presidente da Peruche uma par de tempo. Ele e o Barcan. Com eles era o
seguinte: os caras punham do prprio bolso sempre uns 300 contos e corria com a
escola. Chegava a verba, pegavam de volta o dinheiro. O nico srio at hoje que eu vi.
O Valtinho fazia. Ele bancava a escola antes do carnaval e depois ele tirava de volta.
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Mas ele reunia a diretoria. Eu fui diretor l. Olha aqui, gente, a verba t no banco, t
aqui o boleto. Os meus 300 eu vou tirar amanh. Mas era srio, entendeu? Tem ngo a,
tem escola que empresta dinheiro, agora de onde vem a grana eu no sei, mas que
empresta, empresta.
As escolas de samba foram fundadas nas famlias. Sempre tinha uma famlia
responsvel. No Tatuap, o Mala, a famlia do Mala. Na Nen, o Nen. Mocidade o
Juarez. No Peruche, o Carlo. Agora no, eles pem um monte de gente e advogado que
no tem nada a ver com o samba. As famlias perderam o processo. Porque sempre foi
comunidade. No Tatuap, o Mala saa, entrava eu, eu saa, entrava o Mala. Quando no
entrava a Anal, a depois entrou o filho do Mala. Tanto que, nos documentos voc l,
presidente lvaro Casado, Osvaldo Vilaa. Mas era famlia, o Mala morou aqui no
Jardim Alvorada, em Po. Voc v o Imprio de Casa Verde, que chegou com muito
dinheiro e levou todo mundo de todas as escolas. Tenho alguns amigos que eram do
Peruche e esto l na Imprio agora. Tem dinheiro. O Peruche t mal porque ainda
uma das nicas escolas administradas por famlia. E alm do mais, o pessoal foi
envelhecendo. Tanto que o Camisa t no risco que t agora, porque o Inocncio
morreu, depois o Tobias morreu, entrou a Magali, depois o Seu Maninho. Mas no o
Mulata, no o cacique. O Tatuap caiu na mo do Roberto, Zoinho, que foi tocando,
montou um esquema com a faculdade, articulou l um pessoal. Tanto que no tem
ningum da Velha Guarda na diretoria do Acadmicos. outro pessoal. Ele fala:
Casado, estou chateado. Eu falo pra ele: Larga disso, rapaz! Samba samba. Porque
voc chega na quadra, eu sou fundador do Acadmicos, no conheo ningum. A o
Roberto precisa anunciar no microfone, t aqui o lvaro Casado, fundador. Mas ele tem
que indicar aquele l. A o pessoal bate palmas. [risos] um negcio complicado, mas
um pouco relaxo meu, se eu tivesse l direto, direto. No Tatuap, um dia, chegaram
at me barrar na porta. O segurana no me conhece, eu chego l na porta paisana. Se
eu chego l de faixa, de sapato branco, o cara olha e fala: Esse cara embaixador, deve
ser alguma coisa. Mas se eu chego l assim, o cara fala: O que o senhor quer? Eu
quero entrar. Quem o senhor ? Eu sou lvaro Casado, fundador dessa tranqueira
aqui. Ah ? Mas o cara no tem obrigao de me conhecer.
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CONSIDERAES FINAIS
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Censo Samba Paulistano. Coord. Geral Luiz Sales. 2. ed. So Paulo: So Paulo Turismo, 2012.
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maior parte dos envolvidos, no participam de fato dos desfiles, apenas assistem
passiva, ou presencialmente ou ainda pela televiso, e admiram o espetculo.
Desde o incio de suas atividades, o concurso de carnaval passou por diversos
palcos: os bairros de origem dos cordes e escolas de samba; desfiles concentrados no
bairro da Lapa; no Parque do Ibirapuera; no centro da cidade; Rua Direita; Avenida
Lbero Badar; Avenida Brigadeiro Luiz Antnio; Vale do Anhangaba; Avenida So
Joo e Avenida Tiradentes. Todos tm em comum o fato de serem ruas e locais de
grande circulao e fazerem parte do espao pblico da cidade. Novamente inspirado no
modelo carioca, houve, no incio da dcada de 1990, em So Paulo, a construo de um
Sambdromo. Com a sua inaugurao, o carnaval deixa de ser realizado na rua, ou
seja, no espao pblico, e passa a acontecer em um local privado onde as escolas ficam
confinadas. Esses espaos fechados seriam uma mistura de estdio e teatro, no qual
ocorre a cobrana de ingressos para o espetculo, alijando assim a populao mais pobre
do carnaval espetculo.
O confinamento do carnaval produz uma infinidade de excludos, isto , aqueles
que no dispem de meios para participar dos desfiles ou nem mesmo para comprar
ingressos para assisti-los. Para essas pessoas, s resta acompanhar os desfiles pela
televiso e por outros meios de comunicao, reafirmando, assim, a realidade do mundo
capitalista, qual exclui aqueles que no possuem recursos. O interesse da opinio
pblica, dos meios de comunicao e da indstria cultural apenas pelo desfile do
Grupo Especial, que rene as maiores e mais luxuosas escolas de samba. Tomando
como exemplo o futebol, cujos meios de comunicao do reduzido espao para os
campeonatos das divises inferiores, o concurso das escolas dos grupos inferiores no
recebe grande aporte financeiro, visibilidade e ateno, gerando um abismo
intransponvel entre as grandes escolas e as pequenas agremiaes.
Ao longo da dissertao pudemos ver que esse quadro se intensificou a partir das
negociaes diretas entre as escolas de samba e a indstria cultural, provocando a
diviso dos prprios sambistas em duas entidades distintas. Os desfiles dos grupos
superiores, organizados pela Liga, passaram a ser transmitidos pela emissora de
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2. PERIDICOS
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REVISTA VEJA
REVISTA MANCHETE
3. VDEOS
4. DOCUMENTOS
FICHAS TCNICAS
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MARCOS DOS SANTOS. Marcos dos Santos. Fundador da escola de samba Tom
Maior e diretor do Centro de Documentao e Memria do Samba (CDMS). Entrevista
realizada em 10 de agosto de 2010. So Paulo/SP.
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MESTRE DIVINO. Valdevino Batista da Silva. Diretor de bateria das escolas de samba
Camisa Verde e Branco, Nen de Vila Matilde e Imperial. Fundador e presidente da
escola de samba Imperial e ex-presidente da Unio das Escolas de Samba Paulistana
(UESP). Entrevista realizada em 15 de outubro de 2011. So Paulo/SP.
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ANEXOS
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ANEXO 1
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ANEXO 2
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ANEXO 3
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