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REGIME JURÍDICO DO

ECOTURISMO E O PAPEL DO
MINISTÉRIO PÚBLICO EM SUA
DEFESA E CONTROLE

LUCIANO FURTADO LOUBET∗

1 Introdução
O presente estudo é adaptação de painel apresentado no III Congresso
Internacional de Direito Ambiental promovido pela Escola Superior do Ministério
Público da União em Campo Grande – MS, no período de 14 a 16 de abril de 2004.
O objetivo é traçar algumas considerações sobre o regime jurídico do ecoturismo e
o papel do Ministério Público em sua defesa e controle. Para tanto é necessário que se
estabeleçam com precisão o conceito de meio ambiente e recursos ambientais, bem como
do que seja ecoturismo. Também serão feitas incursão sobre a natureza jurídica do bem
turístico e abordagem sobre o direito ao turismo.
Em seqüência, serão elencados os princípios atinentes à matéria e a questão
da função turística da propriedade, para, após, traçar-se o papel do Ministério
Público na defesa e controle dos bens turísticos e do direito ao turismo como direito
fundamental ao lazer.
Com esta explanação não se pretende, por óbvio, esgotar a matéria ou pacificar o
assunto, ao contrário, o que se objetiva é apenas fomentar o debate sobre o tema já que é
tão escassa a doutrina no assunto e quase inexistente jurisprudência a respeito de defesa
do bem turístico e do direito ao turismo, especificamente ao ecoturismo.

2 Meio ambiente e recursos ambientais


2.1 Meio ambiente como bem autônomo
A primeira questão a ser enfrentada é o conceito de meio ambiente como
bem autônomo, além de deixar-se evidenciada sua diferenciação do conceito de
recursos ambientais.


Luciano Furtado Loubet é Pós-Graduando em Direito Ambiental pela Universidade para o Desenvolvimento da
Região do Pantanal (UNIDERP); Promotor de Justiça em Bonito, no Estado de Mato Grosso do Sul; Ex-Juiz de
Direito Substituto no Estado do Acre; Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos
Tributários (IBET).

REGIME JURÍDICO DO ECOTURISMO E O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM SUA DEFESA E CONTROLE


1
Como em qualquer matéria no ramo do Direito, o ponto inicial para o estudo
da questão deve necessariamente ser a Constituição Federal, que, em seu art. 225,
estabelece:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações”.

Percebe-se do Texto Maior que o Constituinte erigiu o meio ambiente como


bem autônomo eminentemente relacional, pois ao mencionar ser direito de todos tê-
lo ecologicamente equilibrado reconheceu a necessidade de interação entre os seus
elementos (recursos ambientais, como ar, água, solo, fauna, flora, turismo, cultura,
trabalho etc.) de forma que se mantenha a qualidade ambiental como condição da
qualidade de vida, objetivando repelir qualquer agressão que proporcione
desequilíbrio desse bem.
Também desse artigo retiram-se outras considerações de extrema
importância para a compreensão do tema, as quais são muito bem apontadas por
Fiorillo (2002, p. 103), decorrentes da sistematização constitucional da matéria:
“O dispositivo estabelece quatro concepções fundamentais no âmbito do direito
constitucional ambiental, a saber:
a) indica o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de
todos;
b) estabelece a natureza jurídica do bem ambiental como sendo de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, criando, portanto, pela primeira vez
em nosso país, um terceiro gênero de bem que não é público e muito menos
privado;
c) determina tanto ao Estado (Poder Público) como à sociedade civil (coletividade)
o dever, para ambos, de preservar, bem como defender os bens ambientais;
d) assegura não só para quem está vivo nos dias de hoje (presentes gerações)
como para aqueles que virão (futuras gerações) a existência real dos bens
ambientais em nosso país” [grifo do autor].

Note-se que a Constituição Federal não chegou a definir o que é meio


ambiente – a não ser de forma indireta. Mas, em nosso ordenamento jurídico
infraconstitucional, já havia essa definição, estabelecida pelo art. 3º da Lei n.
6.938/1981, que foi integralmente recepcionada pela nova ordem, com o seguinte
teor: “Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I – meio ambiente, o
conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e
biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas [...]”.
Extrai-se do texto citado que a noção legislativa de meio ambiente seguiu a
mesma esteira da Constituição Federal e estabeleceu este como bem
eminentemente relacional, decorrente da interação de vários elementos existentes
(físicos, químicos e biológicos) e das condições, leis, interações e influências destes
no abrigo, permissão e regulação da vida em todas as suas formas.
Em uma primeira leitura, chega-se a ter a impressão que a definição legal
levou em conta tão-somente o meio ambiente natural, esquecendo-se do meio
ambiente cultural (onde se encontra inserido o turismo), artificial e também do
trabalho. Contudo, impõe-se levar em consideração que ao ser estabelecido em lei
que o meio ambiente “permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”, é

SÉRIE GRANDES EVENTOS – MEIO AMBIENTE


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perfeitamente englobável nesse conceito as demais facetas de meio ambiente, por
serem decorrência das relações humanas, já que o homem é uma das formas de vida
existente no planeta.
Ademais, a conjugação da Lei n. 6.938/81 com a Lei n. 7.346/85 e art. 225
da Constituição Federal, leva à conclusão de que o meio ambiente não tem somente
o aspecto natural (os bens naturais, como o solo, a atmosfera, a água, a vida), mas
também o artificial (espaço urbano construído) e cultural (a interação do homem ao
ambiente, como o turismo, o urbanismo, o zoneamento, o paisagismo, os
monumentos históricos, o meio ambiente do trabalho, assim como os demais bens e
valores artísticos, estéticos, turísticos, paisagísticos, históricos, arqueológicos etc.)
(MAZZILLI, 2001, p. 133).
No Direito Comparado também se percebe em alguns países a adoção desse
conceito relacional de meio ambiente como bem autônomo, merecendo enfoque a Lei
de Bases do Ambiente de Portugal (Lei n. 11/87, de 7 de abril), que em seu art. 5º,
n. 2, a, dá a presente definição: “Ambiente é o conjunto dos sistemas físicos,
químicos, biológicos e suas relações e dos fatores econômicos, sociais e culturais
com efeito direto ou indireto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a
qualidade de vida dos homens”.
O legislador português foi mais feliz do que o legislador pátrio ao estabelecer
essa definição, pois mencionou expressamente os fatores sociais, culturais e
econômicos como englobados pelo meio ambiente, não deixando qualquer dúvida de
que estes fazem parte da matéria e para tanto devem ser considerados.
Voltando-se ao Direito Pátrio, infere-se que foi reconhecido o meio ambiente
como bem autônomo, baseado justamente em sua característica relacional e
ultrapassando a noção de mera soma dos recursos ambientais, sejam naturais (solo,
água, fauna, flora etc.) ou artificiais (patrimônio histórico, cultural, turístico etc.).
Esclareça-se que ao ser mencionada a questão relacional nessas definições,
pretende-se afirmar que ela consiste justamente na característica principal do meio
ambiente: a relação entre seus vários elementos (recursos naturais, artificiais,
culturais etc.), buscando-se sempre o equilíbrio (art. 225 da CF: “Todos têm direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado [...]”), não se confundindo o todo com
as partes que o compõem.
Na busca dessa noção do meio ambiente como bem autônomo, é de extrema
importância seja feita a diferenciação entre este e os recursos ambientais. Para isto,
optou-se por utilizar a terminologia adotada por Milaré (2001, p. 68), denominando-
se os seus componentes (água, solo, fauna, flora, prédio histórico etc.) como
recursos ambientais e não bens ambientais, já que este segundo termo é ambíguo e
utilizado na doutrina ora para denominar o meio ambiente como bem autônomo, ora
para denominar seus componentes (como fauna, flora, ar etc.).
Ao adotar-se a terminologia recursos ambientais não se desconhece que
estes, em si mesmos, podem e são bens jurídicos – pois protegidos/tutelados por
uma norma jurídica. Mas visa-se com isso apenas a depuração na linguagem, para
não se adotar termo ambíguo, que deve ser evitado ao máximo em qualquer ciência,
não sendo diferente no estudo do Direito.
Na diferenciação entre esses dois conceitos – meio ambiente e recursos
ambientais – é esclarecedora a lição de Benjamim (1993, p. 75):

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“[...] o meio ambiente, embora como interesse (visto pelo prisma da legitimação para
agir) seja uma categoria difusa, como macrobem jurídico é de natureza pública.
Como bem – enxergado como verdadeira universitas corporalis – é imaterial, não se
confundindo com esta ou aquela coisa material (floresta, rio, mar, sítio histórico,
espécie protegida etc.) que o forma, manifestando-se, ao revés, como o complexo de
bens agregados que compõem a realidade ambiental (Carlos Dorta). Assim, o meio
ambiente é bem, mas bem como entidade que se destaca dos vários bens materiais
em que se firma, ganhando proeminência, na sua identificação, muito mais o valor
relativo à composição, característica ou utilidade da coisa do que a própria coisa
(Paolo Maddalena). Uma definição como esta de meio ambiente, como macrobem,
não é incompatível com a constatação de que o complexo ambiental é composto de
entidades singulares (as coisas, por exemplo) que, em si mesmas, também são bens
jurídicos: é o rio, a casa de valor histórico, o bosque com apelo paisagístico, o ar
respirável, a água potável”

Dessa forma, percebe-se com clareza, da lição do mestre, que o meio


ambiente é um macrobem autônomo em relação aos demais recursos ambientais,
não se confundindo com estes e possuindo regime jurídico e tutela própria.
Na mesma esteira de entendimento e também com grande propriedade é a
lição de Antunes (2002, p. 200), que estabelece ser o meio ambiente um bem jurídico
autônomo e unitário, não confundível com os recursos ambientais, não sendo um
simples somatório destes. O meio ambiente resulta da supressão de todos os seus
componentes e adquire uma particularidade jurídica que é derivada da própria
integração ecológica desses elementos.
Portanto, o meio ambiente não é um bem corpóreo; ao contrário, é
incorpóreo e imaterial (MIRRA, 2002, p. 12), além de indisponível, detendo regime
jurídico próprio e autônomo em relação aos recursos ambientais que o compõem.
Não é excesso ressaltar que, quando se observa a separação de conceitos
do meio ambiente e dos recursos ambientais, não se pretende sustentar a
independência de um em relação ao outro. Bem como não se busca valorizar o
primeiro em relação aos demais. O que se busca, isto sim, é evidenciar a
diferenciação entre eles sem nunca esquecer que a proteção deles deve ser
integrada, visando a manutenção do equilíbrio ambiental (MIRRA, 2002, p. 13).
Encerrando-se essas considerações, pode-se adotar como conceito de meio
ambiente aquele elaborado por José Afonso da Silva, que, ao nosso ver, é o mais
completo e adequado (2002, p. 20): “O meio ambiente é, assim, a integração do
conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”.

2.2 Os recursos ambientais


Traçado o delineamento sobre o conceito de meio ambiente como bem
autônomo, impõe-se fazer algumas considerações sobre os recursos ambientais que
compõem aquele, mas com ele não se confundem.
A primeira questão a ser abordada neste tema é a diferenciação entre os
recursos ambientais e os recursos naturais, pois todo recurso natural é ambiental,
mas nem todo recurso ambiental é natural. É esta a lição de Milaré (2002, p. 68):
“Em rigor, poderíamos dizer que a categoria dos recursos naturais é parte de um
conjunto mais amplo, os recursos ambientais. Em outros termos, todo recurso natural
é ambiental, mas nem todo recurso ambiental é natural. Esta percepção é essencial

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para o administrador e o legislador, porque as políticas ambientais e a legislação
abarcam muito mais seres e relações do que os ecossistemas naturais, por si sós,
podem apresentar.
Para o Direito brasileiro, portanto, são elementos do meio ambiente, além daqueles
tradicionais, como ar, a água e o solo, também a biosfera, esta com claro conteúdo
relacional (e, por isso mesmo, flexível). Temos, em todos eles, a representação do
meio ambiente natural. Além disso, vamos encontrar uma série de bens culturais e
históricos, que também se inserem entre os recursos ambientais, como meio
ambiente artificial ou humano, integrado ou associado ao patrimônio natural”.

Entendida a diferenciação dos recursos ambientais e naturais (estando estes últimos


incluídos nos primeiros), passa-se à busca de um conceito sobre os recursos naturais.
O legislador pátrio, ao tratar sobre “recursos ambientais” no art. 3º, V, da Lei n.
6.938/81, dispôs serem eles “a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas,
os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora”.
Em vez de definir, o legislador elencou quais são os recursos ambientais, e entre eles
incluiu a “atmosfera” e “os elementos da biosfera”. Ora, levando-se em conta que a biosfera
é a “zona de transição entre a terra e a atmosfera, no interior da qual as formas de vida da
terra são comumente encontradas. Consiste na porção externa da geosfera e na parte mais
baixa da atmosfera” (Dicionário de Direito Ambiental, 2003, p. 89) e que a atmosfera é a
massa de ar que envolve a terra, é fácil verificar que tudo o que existe entre “o céu e a terra”
– usando-se a expressão popular – pode ser considerado recurso ambiental.
E este deve ser mesmo o enfoque, pois, por ser o meio ambiente um macrobem
relacional (superando os recursos ambientais em si e relacionando-os de forma equilibrada),
tudo o que influencie nessa relação, permitindo, abrigando e regendo a vida em todas as suas
formas, deve ser considerado como bem ambiental.
Dessa forma, devem ser considerados bens ambientais: o prédio de valor histórico
ou arquitetônico (meio ambiente artificial); o animal silvestre (meio ambiente natural); o
maracatu nordestino ou a capoeira (meio ambiente cultural), dentre inúmeros outros que
poderiam aqui ser elencados.
Conforme será desenvolvido no próximo item, os recursos ambientais, dependendo
do caso – ao contrário do meio ambiente, que é incorpóreo/imaterial e indisponível – podem
ser corpóreos/materiais (árvore, animal silvestre etc.) ou incorpóreos/imateriais
(ecossistema), disponíveis (árvore com autorização de corte) ou indisponíveis (caça de
animal silvestre).
Arriscando um conceito sobre a matéria, pode-se dizer que recursos
ambientais são bens jurídicos naturais, artificiais ou culturais, corpóreos ou
incorpóreos, que integrem ou tenham qualquer relação, influência ou interação com o
meio ambiente.
Assim, apenas para exemplificar, podemos elencar alguns recursos
ambientais, como: solos, água, ar, fauna, flora, ecossistemas, processos ecológicos,
paisagens, bens e valores culturais, turísticos etc.

2.3 Regime jurídico do meio ambiente e dos recursos


ambientais

Ao tratar sobre meio ambiente na Constituição Federal, o art. 225 dispõe ser
este “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, além de

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impor ao “Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações”.
Como o constituinte utilizou a expressão “bem de uso comum do povo”,
prevista no Código Civil de 1916 e replicada no de 2002, impõe-se verificar qual o
regime jurídico desse tipo de bem naquele primeiro diploma que estava em vigor à
época da promulgação da Carta Magna.
Caio Mário da Silva Pereira (1997, p. 280) ensina que os bens de uso comum
do povo são aqueles que, embora pertencentes a um ente público, estão
franqueados a todos, tais como mares, rios, estradas, ruas, praças, sendo
inalienáveis e imprescritíveis. Por via de regra, podem ser utilizados de forma
franqueada, sem restrições e sem ônus, embora a realização de pagamento não
descaracterize essa natureza (p. ex.: pedágio cobrado nas estradas).
Ora, da simples leitura do referido artigo percebe-se que a Constituição,
quando tratou do meio ambiente, atribuiu a titularidade a todos indiscriminadamente
e a ninguém particularmente, nem mesmo ao Poder Público e muito menos a
qualquer pessoa física ou jurídica de direito privado. Nem mesmo a coletividade
deste momento histórico é proprietária desse bem, sendo ela mera detentora em prol
das presentes e futuras gerações.
Impõe-se, assim, tomar cautela para não fazer uma interpretação
retrospectiva, de forma a interpretar a Constituição com base nos conceitos
previstos na legislação anterior, inovando o mínimo possível, conforme adverte Luiz
Roberto Barroso (1996, p. 66 e 67) ao mencionar que se deve “rejeitar uma das
patologias crônicas da hermenêutica constitucional brasileira, que é a interpretação
retrospectiva, pela qual se procura interpretar o texto novo de maneira que ele não
inove nada, mas, ao revés, fique tão parecido quanto possível com o antigo [...]”
Portanto, parece-nos que pretender aplicar ao meio ambiente a visão privada
do Código Civil, seja o de 1916, seja de 2002, é um equívoco, pois esta não se
coaduna com a visão moderna da teoria dos direitos difusos, que ganhou força com a
Constituição Federal de 1988.
É esta a lição de Fiorillo (2003, p. 49-50):
“Dessa forma, em contraposição ao Estado e aos cidadãos, ao público e ao privado,
iniciou-se no Brasil, com a Constituição Federal de 1988, uma nova categoria de
bens: os bens de uso comum do povo e essenciais à sadia qualidade de vida. Esses
bens não se confundem com os denominados bens públicos, tampouco com os
denominados bens particulares (ou privados).
[...]
Sob esse enfoque, surge a Lei Federal n. 8.078, de 1990, que, além de estabelecer
nova concepção, vinculada aos direitos das relações de consumo, cria, a partir da
orientação estabelecida pela Carta Magna de 1988, a estrutura infraconstitucional
que fundamenta a natureza jurídica de um novo bem, que não é público e não é
privado: o bem difuso.
Criado no plano mais importante do sistema jurídico, como já aludido, pela
Constituição Federal de 1988, o direito difuso passou a ter clara definição legal, com
evidente reflexo na própria Carta Magna, configurando nova realidade para o
intérprete do direito positivo.
Aludido bem, definido como transindividual, tendo como titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato (art. 81, parágrafo único, I, da
Lei n. 8.078/90), pressupõe, sob a ótica normativa, a existência de um bem ‘de
natureza indivisível’, ou seja, um bem que ‘não pode ser fracionado por sua natureza,

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por determinação de lei ou por vontade das partes’, conforme nos ensina a ilustre
Profª Maria Helena Diniz”.

Não se pode, dessa forma, atribuir ao bem difuso a qualidade de bem público
propriamente dito, pois este não está no patrimônio de qualquer ente público, ao
contrário, é pertencente a toda a coletividade, e não só das presentes, mas também
das futuras gerações.
Fiorillo (2003, p. 53) traça como critério diferenciador entre o bem público e
o bem difuso a titularidade, sendo que o primeiro tem como titular o Estado (ainda
que deva geri-lo em função e em nome da coletividade), ao passo que o de natureza
difusa repousa a sua titularidade no próprio povo, tanto que eventuais indenizações
decorrentes de lesões a esses bens têm natureza diversa: a indenização do bem
público volta-se aos cofres do ente prejudicado; a indenização do bem difuso, ao
fundo de defesa dos direitos difusos (Lei n. 7.347/85, art. 13).
Em assim sendo, o primeiro elemento do regime jurídico do meio ambiente é
de que ele é um bem difuso, não pertencente nem ao Estado, nem ao particular, mas
sim à coletividade, representada pelas presentes e futuras gerações.
Outro elemento caracterizador desse regime jurídico é o da indisponibilidade,
matéria que será desenvolvida com maior profundidade no item 5.4.
Também característica do meio ambiente é sua insuscetibilidade de
apropriação, seja pelo próprio Estado, seja pelos particulares, fato este decorrente
diretamente do princípio da indisponibilidade.
Em conclusão, o regime jurídico do meio ambiente como bem autônomo –
sem prejuízo de outras características a serem mais exploradas – é o de bem difuso
de uso comum do povo, incorpóreo, indisponível e insuscetível de apropriação.
Situação diversa é a que diz respeito ao regime jurídico dos recursos
ambientais, pois, nesse caso, cada um considerado individualmente pode ter um
regulamento próprio, não havendo necessariamente um regime jurídico único para
todos eles, tendo como único traço comum a impossibilidade de seu uso ser lesivo ao
meio ambiente como bem autônomo.
Ocorre que os recursos ambientais individualmente considerados podem ter
regime inclusive de direito privado, como é o caso das árvores, que segundo o
Código Civil (art. 79) são consideradas bens móveis e, assim que removidas – com o
devido licenciamento –, podem ser livremente comerciadas.
De igual maneira, um prédio histórico ou com valor arquitetônico relevante –
ainda não tombado – não perde sua condição de propriedade particular, podendo ser
alienado, hipotecado, locado, usado, desde que isso não influencie em sua
característica histórica ou arquitetônica.
Ora, é possível afirmar-se que uma árvore, isoladamente, ou um conjunto
restrito delas ou, ainda, o prédio histórico mencionado são bens de uso comum do
povo, indisponíveis, insuscetíveis de apropriação etc.? A resposta é negativa, pois
ambos – mesmo considerados como recursos ambientais – têm regime de direito
privado com titularidade pertencente a uma pessoa – física ou jurídica – particular.
Essencial, assim, a diferenciação entre meio ambiente e recursos naturais,
pois somente o primeiro é difuso, de uso comum do povo, indisponível e insuscetível
de apropriação, e os demais seguem regime jurídico próprio a ser analisado caso a
caso.

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Dessa maneira, alguns recursos ambientais são plenamente apropriáveis e
utilizáveis – desde que essa apropriação não leve à apropriação individual (exclusiva)
do meio ambiente –, nos termos da lição de Mirra (2002, p. 38):
“Na mesma ordem de idéias, não podem os particulares pretender apropriar-se do
meio ambiente como bem imaterial, ou seja, como conjunto de condições, relações e
interdependências que condicionam, abrigam e regem a vida. O que pode
eventualmente ser apropriado, o que pode eventualmente ser utilizado pelos
particulares, sobretudo para fins econômicos, são determinados elementos
corpóreos que compõem o meio ambiente e os bens ambientais (como as florestas,
os solos, as águas, em certos casos os exemplares da fauna e da flora, determinados
bens móveis e imóveis integrantes do patrimônio cultural) e, mesmo assim, como se
verá a seguir, de acordo com condicionamentos, limitações e critérios previstos em
lei e desde que essa apropriação ou utilização dos bens materiais não leve à
apropriação individual (exclusiva) do meio ambiente como bem imaterial”.

Nada obsta, portanto, a que certo recurso ambiental (p. ex., as árvores
existentes fora de áreas de preservação permanente e reserva legal ou o prédio de
valor histórico) tenha regime jurídico de direito privado e outros (p. ex., a caça)
sejam regidos por regime de direito público, em razão da titularidade (por serem os
animais silvestres de propriedade da União).
Com base nessas assertivas é possível reconhecer que a indisponibilidade
existente no meio ambiente não é aplicável imediatamente ao caso dos recursos
ambientais, pois a estes pode ser aplicada indisponibilidade total (p. ex., em relação
à impossibilidade de apropriação do ar atmosférico ou à vedação à caça, com raras
exceções), restrita (p. ex., em relação à pesca, que é vedada em alguns períodos nos
rios, bem como mediante certos petrechos) e até mesmo nenhuma (p. ex., nos casos
de florestas na propriedade fora da área de preservação permanente e reserva legal,
que pode ser suprimida mediante simples ato administrativo autorizativo,
ressalvadas as espécies protegidas).
Não se conclua, contudo, que em decorrência de alguns recursos ambientais
deterem essa condição de regime privado poderá o proprietário utilizar-se deles a
seu juízo, de forma irresponsável, pois além de ser imperioso o exercício da função
social e ambiental da propriedade, a utilização de tais recursos está limitada à
atividade sustentável, de forma que não prejudique o macrobem de que ele faz parte:
o meio ambiente.
Nesses casos, como bem adverte Mirra (2002, p. 48), o regime jurídico do
meio ambiente adotado no Brasil, além de se direcionar aos recursos ambientais que
pertencem a todos, indivisível e indistintamente (p. ex., ar, praias etc.), incide
igualmente sobre todos os elementos corpóreos configuradores do seu substrato
material, qualquer que seja a sua titularidade, e em relação a todas as atividades ou
práticas que de alguma forma estão relacionadas com o meio ambiente e com os
bens ambientais, para orientá-los e condicioná-los – uns e outras – à preservação da
qualidade ambiental propícia à vida.
Esclarecendo-se ainda mais, afirma-se com certeza que a limitação de
utilização desses recursos ambientais pelos seus titulares – sejam eles entes
públicos ou privados – é justamente aquela pautada pela legalidade e pela não-
influência negativa sobre o meio ambiente. O que permite concluir que é vedada a
utilização de recursos ambientais de forma que influencie negativamente no meio

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ambiente como macrobem autônomo, por ser esse bem difuso, indisponível e
insuscetível de apropriação.
Justamente em razão dessas limitações que atingem indistintamente a todos
os recursos ambientais – de forma que sua utilização seja racional e não prejudique o
bem maior, meio ambiente –, a doutrina vem procurando configurar outra categoria
de bens – os bens de interesse público –, na qual estão inseridos tanto bens
pertencentes a entidades públicas quanto particulares. Ficam eles subordinados a
um regime jurídico mais rígido em relação à intervenção estatal e de tutela pública,
surgindo aí duas categorias, os de circulação controlada e os de uso controlado
(SILVA, 2002, p. 83).
É esse aspecto que estabelece identidade no regime jurídico dos bens
ambientais, qual seja: eles podem ser utilizados por seus titulares – sejam
particulares (solo, árvores fora de áreas protegidas, prédio histórico etc.), públicos
(área pública, recursos minerais etc.) ou a coletividade (ar, praias etc.) – desde que
essa utilização não se mostre nociva ao meio ambiente como bem autônomo
(macrobem).
Com esteio no raciocínio desenvolvido até aqui – diferenciando o meio
ambiente como bem autônomo e os recursos ambientais – ousa-se discordar do
professor Fiorillo (2003, p. 54), quando sustenta ser inconstitucional o disposto no
art. 99, I, do Código Civil de 2002, com os seguintes fundamentos:
“A distinção entre bem público e bem difuso reclama ainda a análise não só do art.
66 do Código Civil de 1916 como de sua ‘cópia’ no Código Civil de 2002 (art. 99). O
legislador de 1916 atribuiu ao que chamamos atualmente de bem difuso a
característica de espécie de bem público; o legislador civil de 2002, como dissemos,
transportou o conceito do final do século XIX/início do século XX pura e
simplesmente para o século XXI [...] resta evidente que os conceitos do subsistema
civil não guardam compatibilidade com o conceito descrito no art. 225 da
Constituição Federal.
Destarte, como já afirmado em edições anteriores de nosso Curso de direito
ambiental brasileiro, reiteramos a afirmação no sentido de que não só o art. 66, I, do
Código Civil de 1916 não foi recepcionado em sua inteireza pela Constituição
Federal como o art. 99, I, do Código Civil de 2002 é claramente inconstitucional”.

Ocorre que – salvo melhor juízo – os bens ali elencados são recursos
ambientais e não o meio ambiente em si e, portanto, podem ser considerados bens
públicos, assim como as árvores acopladas ao solo de uma propriedade particular
são consideradas bens particulares.
A seguir o raciocínio do referido mestre, também seriam inconstitucionais
quaisquer dispositivos que atribuíssem outros recursos ambientais a particulares,
como no caso das árvores, solo, prédio histórico, entre outros.
Também não seria lícito ao proprietário de um imóvel banhado por rio de
interesse ecológico proibir entrada de terceiros que busquem ali desfrutar desse bem
ambiental (já que ele seria de uso comum do povo).
Isso não impede, contudo, que os bens ali elencados (art. 99, I, CC/2002)
tenham regime jurídico diferenciado previsto em leis específicas (Lei de Recursos
Costeiros, Lei de Recursos Hídricos etc.), pois são justamente essas limitações e
especificidades que os caracterizam como recursos ambientais: bens de interesse
público.

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Firmadas essas bases, passa-se à análise da questão do regime jurídico do
ecoturismo e do papel do Ministério Público em sua defesa e controle.

3 Conceito de ecoturismo
Antes de traçar-se o conceito de ecoturismo é importante que se faça uma
incursão sobre alguns números do turismo no mundo e no Brasil, visando à
demonstração de sua importância, bem como estabelecendo o percentual que o
ecoturismo representa nessa expressiva atividade econômica.
Segundo dados do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (Word Travel
and Tourism Council – WTTC) e da Organização Mundial do Turismo (OMT), o
turismo é a principal atividade econômica do mundo, superando a indústria do
automóvel, do aço, eletrônica, petrolífera e a agricultura, atingindo 10,9% do PIB
mundial, responsável por 204 milhões de empregos (10% da força de trabalho
global), tendendo a crescer 7,5% ao ano nos próximos dez anos (DIAS, 2003, p. 9).
Infelizmente, o Brasil ocupa um modestíssimo 27º lugar no ranking mundial
do turismo (OMT, 1999), representando um fluxo de 0,9% de todos os turistas que
visitaram outros países no ano de 1999, ficando atrás de países como a Polônia (10º
lugar) e a Áustria (11º lugar).
Por outro lado, essa situação tende a melhorar com o implemento de mais
infra-estrutura e propaganda, fato este já perceptível com os números de 2003, pois,
segundo informações da Embratur, houve um aumento de 8,12% de turistas
estrangeiros que visitaram o Brasil em relação ao ano anterior
(<www.senaiturismo.com.br>, acesso em 5 abr. 2004).
O ecoturismo, por seu turno, ocupa 20% dos turistas do mundo, sendo uma
indústria em franca expansão, tendente a crescer entre 10% e 30% anualmente,
percentual bem superior que a previsão do crescimento do turismo em geral (7,5%)
(LOWE, Folha de S. Paulo, 7 mar. 2004).
Para que se perceba a importância desse segmento dentro do turismo e da
economia mundial, basta anotar que a Organização das Nações Unidas declarou o
ano de 2002 como Ano Internacional do Ecoturismo, fato este que evidencia a
percepção internacional da relevância dessa atividade.
A despeito da explosão do ecoturismo ser recente, a história demonstra que
suas origens são mais remotas, decorrentes do turismo de natureza e ao ar livre,
pois os visitantes que, há um século, chegaram em massa aos parques nacionais de
Yellowstone e Yosemite, nos Estados Unidos, foram os primeiros ecoturistas.
Aqueles pioneiros caminhantes que se embrenharam por Serengeti, há 50 anos, e os
aventureiros do Himalaia, 25 anos mais tarde, eram tão ecoturistas quanto os
milhares que hoje fotografam pingüins da Antártida ou participam de safáris
ecológicos na África (LEUZINGER, 2002, p. 24).
Objetivando uma melhor visualização sobre a matéria, para que não haja
confusão de conceitos, é necessário que se estabeleça a diferenciação entre o
turismo de massa, o ecoturismo, o turismo de natureza e o turismo sustentável. Para
tanto é esclarecedora a lição de Dias (2003, p. 15 e 107):
“O turismo de massa [...] é caracterizado por um grande volume de pessoas que
viajam em grupos ou individualmente para os mesmos lugares, geralmente nas

SÉRIE GRANDES EVENTOS – MEIO AMBIENTE


10
mesmas épocas do ano e constitui-se num dos maiores agressores dos recursos
naturais.
[...]
O turismo sustentável pode ser definido como o que não compromete a conservação
dos recursos naturais sobre os quais se sustenta e que, portanto, reconhece
explicitamente a necessidade de proteção do meio ambiente. Busca a manutenção
de um equilíbrio entre os três eixos básicos nos quais se apóia: suportável
ecologicamente, viável economicamente e eqüitativo desde uma perspectiva ética e
social.
[...]
O turismo de natureza, no entanto, busca desfrutar os valores naturais de um
território, mas não implica, necessariamente, atitude particular dos turistas. O
turismo de natureza pode apresentar-se como insustentável. As latas de
refrigerantes, garrafas e sacos plásticos deixados em trilhas naturais, nas beiras dos
lagos e represas e nas margens dos rios, representam a face mais visível das
possibilidades da insustentabilidade desse segmento.
O ecoturismo, segundo uma das definições mais utilizadas, é a viagem responsável
que conserva o ambiente natural e mantém o bem-estar da população local. É
praticado em pequenos grupos que não deixam relações existentes nos
ecossistemas, respeita-las e mantê-las o mais intactas possível, em harmonia com as
populações locais. O ecoturismo pode ser entendido como turismo sustentável
praticado em áreas naturais”.

Observada essa concepção de ecoturismo e diferenciadas as outras


modalidades de turismo, é importante observar os princípios elencados pela
Declaração de Quebec (2002), elaborada na Conferência Mundial do Ecoturismo,
firmada nos seguintes termos:

• contribui ativamente para a conservação do patrimônio natural e cultural;


• inclui as comunidades locais e indígenas em seu planejamento,
desenvolvimento e exploração e contribui para seu bem-estar;
• interpreta o patrimônio natural e cultural do destino para os visitantes;
• serve melhor aos viajantes independentes, bem como aos circuitos
organizados para grupos de tamanho reduzido.

Desses princípios percebe-se que o ecoturismo se configura uma modalidade


de turismo das mais sustentáveis e responsáveis.
Contudo, a despeito de o turismo em geral, e o ecoturismo em particular,
haverem inicialmente sido caracterizados como uma indústria limpa, sem geração de
degradação ambiental – e ela realmente o é se comparada com outras, como a
mineradora, siderúrgica, dentre tantas – o que se percebeu é que os impactos
dessas atividades podem ser tão ou mais nocivos do que qualquer outra,
principalmente em razão de serem elas exercidas, geralmente, em ecossistemas
extremamente frágeis e suscetíveis de alterações negativas a qualquer contato
humano menos cuidadoso.
Dentre as espécies de turismo, sem dúvida, o turismo de massa é o mais
impactante, gerando inúmeros problemas, conforme muito bem salientado por
Ruschmann, citado por Dias (2003, p. 15):
“O excesso de turistas conduz ao superdimensionamento dos equipamentos
destinados ao alojamento, alimentação, transporte e entretenimento, que

REGIME JURÍDICO DO ECOTURISMO E O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM SUA DEFESA E CONTROLE


11
impreterivelmente ocupam grandes espaços – agredindo paisagens e destruindo
ecossistemas. Além disso, a falta de cultura turística dos visitantes faz com que se
comportem de forma alienada em relação ao meio que visitam – acreditam que não
têm nenhuma responsabilidade na preservação da natureza e na originalidade das
destinações. Entendem que seu tempo livre é sagrado, que têm direito ao uso
daquilo pelo qual pagaram e que, além disso, permanecem pouco tempo – tempo
insuficiente, no seu entender, para agredir o meio natural”.

Registre-se, todavia que o fato de o turismo de massa ser a modalidade mais


impactante ao meio ambiente natural e sobre as populações locais, não quer dizer
que não deva ele ser praticado, já que, em verdade, os problemas decorrem do mau
gerenciamento ou do descaso das autoridades e empresários dessa atividade, e não
dela em si.
Ademais, o turismo sustentável – decorrente do princípio constitucional do
desenvolvimento sustentável – deve ser buscado em todas as modalidades, inclusive
no de massa, conforme ensina Dias (2003, p. 69):
“Importante assinalar que a concepção de desenvolvimento turístico sustentável não
considera o turismo de massas como uma realidade irreconciliável com o turismo
sustentável. Os princípios de sustentabilidade devem constituir o objetivo principal
de qualquer espaço ou produto turístico, em qualquer de seus estágios evolutivos, e
não circunscrever-se exclusivamente às manifestações supostamente alternativas,
como o ecoturismo e o turismo rural. Na realidade, eles são mais necessários
exatamente em espaços turísticos consolidados, com maiores níveis de pressão
ambiental, onde a estabilidade socioeconômica em grande medida dependerá da
evolução positiva e equilibrada (sustentável, portanto) da atividade turística”.

Até mesmo o ecoturismo, quando operado de forma descuidada ou


extremamente ambiciosa, pode ser causador de degradação ambiental, pois “quando
a procura por uma área natural é intensa, e não há controle e fiscalização, as
conseqüências poderão ser sérias. Determinadas espécies de animais poderão ter
seus hábitos modificados, em função da presença constante de seres humanos. O
principal desafio do ecoturismo é acertar o equilíbrio entre a conservação e o
turismo” (FERRETTI, 2002, p. 119).
Os impactos do ecoturismo mal planejado e executado são muitos, e podem
ser citados alguns casos, como o do Parque Nacional de Chobe, em Botswana (sul
da África), em que a tuberculose foi transmitida por turistas a mangustos da região,
provocando duas epidemias. Acredita-se que os animais se infectaram com lixo
contaminado deixado pelos visitantes (DIAS, 2003, p. 94). Também houve contágio
de gorilas na África oriental por parasitas intestinais, após a chegada do turismo
(LOWE, 2004).
Mesmo quando não transmitem doenças, os turistas podem perturbar e
prejudicar os animais apenas com sua presença. Pesquisas com golfinhos, lideradas
pela pesquisadora Rochelle Constine da Universidade de Auckland (Nova Zelândia),
revelam que eles ficam mais e mais frenéticos quando há embarcações de turistas
presentes, sendo que descansam por 0,5% do seu tempo quando há mais de três
barcos na redondeza, contra 68% quando há apenas um só barco de pesquisadores
(LOWE, 2004).
Essas interferências humanas refletem-se diretamente no comportamento
dos animais, prejudicando inclusive sua reprodução.

SÉRIE GRANDES EVENTOS – MEIO AMBIENTE


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No Brasil pode ser citado como impacto do ecoturismo o caso do lobo-guará
– animal em risco de extinção – na Serra de Ibitipoca, em que animais dessa espécie
perderam suas características selvagens de caçadores para se tornarem verdadeiros
vira-latas, alimentando-se de restos de comida dos turistas ou alimentados
diretamente por estes, chegando inclusive a rasgar barracas para buscar comida
(DIAS, 2003, p. 141).
Também na região de Bonito, Mato Grosso do Sul, alguns impactos do
ecoturismo já são perceptíveis, como no caso do Balneário Municipal, em que se
percebeu que algumas espécies de peixes (principalmente a piraputanga),
alimentadas pelos turistas com salgadinhos industrializados, estão tendo
interferência em seu ciclo migratório e acumulando gordura em seu organismo, o que
leva à obstrução do canal de reprodução e reabsorção dos óvulos nas fêmeas
(informações fornecidas pelo Doutor em Biologia, José Sabino, que faz pesquisas na
região).
Contudo, mesmo com todos esses problemas – que devem ser monitorados,
administrados e sanados – o ecoturismo ainda é a melhor saída de desenvolvimento
econômico para inúmeras regiões, não podendo ser desestimulado ou recusado, sob
pena, inclusive, de agressões ainda maiores ao meio ambiente.
Não se pode esquecer que, se hoje os ecoturistas participam na África de
safáris fotográficos, antes, outros viajantes iam ao local para caçar esses mesmos
animais. De igual maneira, se atualmente os ecoturistas vão às praias catarinenses
(principalmente em Imbituba) para visitar e avistar, em embarcações, as baleias
francas, em período anterior esse animal chegou próximo à extinção, em razão de
sua caça indiscriminada pelas populações locais e por barcos internacionais.
O ecoturismo, na verdade, é um grande aliado na conservação do meio
ambiente, pois, a partir do momento em que os atores do processo (governantes,
comunidade local, empresários, trabalhadores etc.) percebem que seu sustento
depende diretamente da manutenção daquele ecossistema equilibrado, passam a ser
os maiores defensores desse patrimônio.
Dados do Instituto de Ecoturismo do Brasil (IEB) revelam que o Quênia
obteve US$ 400 milhões em 1988 com o turismo (sua atividade mais rentável).
Inclusive, avaliação feita por esse país dá conta que um leão vivo no Parque Nacional
Amboseli vale US$ 27 mil anuais, enquanto o valor de uma manada de elefantes é de
US$ 610 mil (NEIMAN, p. 155).
Assim, fica evidenciado que além de ser uma atividade altamente rentável, o
ecoturismo é um grande auxiliar na manutenção do equilíbrio ambiental, mostrando-
se como atividade refletora do princípio do desenvolvimento sustentável, um dos
objetivos principais da Política Constitucional do Meio Ambiente.

4 Natureza e regime jurídico do bem turístico


Após apresentados os conceitos de meio ambiente e recursos ambientais, e
traçadas as considerações sobre o ecoturismo, impõe-se para enfrentamento a
questão relativa à natureza e ao regime jurídico do bem turístico, mencionado neste
ponto como recurso ambiental relativo ao meio ambiente cultural, no qual, sob nossa
ótica, está inserido o turismo.

REGIME JURÍDICO DO ECOTURISMO E O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM SUA DEFESA E CONTROLE


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Justifica-se a inclusão do turismo dentro do meio ambiente cultural por ser
ele um bem decorrente diretamente da valoração que o ser humano lhe atribui em
razão de algumas características que lhe são inerentes.
Tentando explicitar melhor: pode-se verificar que um recurso natural ou
artificial (rio, montanha, praia, prédio, monumento), como bem em si, sem valoração
do ser humano, não se apresenta como bem turístico. Para que adquira essa
característica, necessariamente deverá receber valoração pelos seres humanos que,
admirando esses recursos, tenham vontade de sair de seus lares para ir até aquele
local apreciar sua beleza ou característica peculiar.
Por essa razão, o bem turístico – a despeito de ser um recurso natural ou
artificial – inclui-se como elemento do meio ambiente cultural, e por tal motivo rege-
se pelos princípios referentes a este.
Ao tratar sobre o patrimônio cultural como faceta do meio ambiente, Daniel
Fink (2003, p. 46 e 50), ensina:
“Assim sendo, é importante indagar se o conceito de meio ambiente pode ser
ampliado a ponto de incluir bens e direitos que integram o patrimônio cultural.
A resposta afirmativa nos parece a mais correta.
[...]
O meio ambiente cultural, nele compreendidos os valores históricos, arqueológicos,
estéticos, artísticos, turísticos e paisagísticos, pela importância intelectual e
referencial ao ser humano, passou, assim, tanto sob o ponto de vista legal como
doutrinário, a integrar o conceito geral de meio ambiente.
Por outro lado, é curioso notar que o inverso também é verdadeiro. Quando se
perquire o conceito de patrimônio cultural, não há como dissociá-lo do conceito de
meio ambiente, como se se tratassem de irmão xifópagos unidos pela natureza”.

A Constituição Federal, por sua vez, trata sobre o patrimônio cultural, em


seu art. 216, da seguinte maneira:
“Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material ou
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, palenteológico, ecológico e cientifico”.

Em um primeiro momento, não se identificam os bens turísticos elencados


expressamente no artigo constitucional que trata sobre patrimônio cultural. Contudo,
não se pode olvidar que tal dispositivo, segundo a lição de Fiorillo (2003, p. 193), não
é taxativo, podendo contemplar dentro dessa noção outros bens e valores.
Outra não pode ser a conclusão, pois em outros dispositivos a Constituição
Federal reconheceu expressamente a existência de um patrimônio turístico,
conforme se percebe da dicção do art. 24, VII e VIII, além do art. 180, em que se
determina o incentivo ao turismo.

SÉRIE GRANDES EVENTOS – MEIO AMBIENTE


14
Questão interessante diz respeito à valoração do bem como parte do
patrimônio cultural, já que qualquer objeto poderá ser considerado como tal, dada a
concepção lata e abstrata de meio ambiente cultural. Milaré (2001, p. 204), ao
enfrentar a questão e após passar noção histórica dessa valoração, termina por
concluir que a maior legitimada para tal é a própria sociedade, nos seguintes termos:
“A solução, portanto, parece estar na atuação da comunidade, que deve participar da
preservação do patrimônio cultural em conjunto com o Poder Público, como
recomendado pelo § 1º do art. 216 da Constituição. De fato, a atuação da
comunidade é fundamental, pois ela, como legítima produtora e beneficiária dos bens
culturais, mais do que ninguém, tem legitimidade para identificar um valor cultural,
que não precisa ser apenas artístico, arquitetônico ou histórico, mas também
estético ou simplesmente afetivo. A identificação ou simpatia da comunidade por
determinado bem pode representar uma prova de valor cultural bastante superior
àquela obtida através de dezenas de laudos técnicos plenos de erudição, mas muitas
vezes vazios de sensibilidade. Além do significar, por si só, uma maior garantia para
a sua efetiva conservação”.

Pois bem, do que foi mencionado até agora pode-se afirmar que o bem
turístico é um recurso ambiental que interessa ao meio ambiente cultural (como
macrobem), podendo ser material (prédio histórico, rio de beleza cênica, praia) ou
imaterial (maracatu, capoeira, culinária etc.), desde que tenha relevância para levar o
ser humano a deslocar-se de seu local de origem para visitá-lo ou com ele interagir.
Sendo o bem turístico uma espécie de recurso ambiental, o seu regime
jurídico segue o mesmo sistema já mencionado de todos os recursos ambientais,
podendo ser diferente dependendo de quem seja seu titular ou das normas
específicas para cada bem.
Portanto, um prédio de valor turístico, de propriedade de um particular, tem
regime de direito privado, ressalvando-se contudo que seu proprietário não pode agir
visando apropriar-se com exclusividade deste, a ponto de prejudicar o macrobem
ambiental cultural.
Assim, pode o proprietário do prédio vendê-lo, alugá-lo, hipotecá-lo etc., mas
não pode demoli-lo ou alterá-lo, de forma que prejudique sua função turística e,
conseqüentemente, o meio ambiente cultural.
Dessa maneira, o ponto característico dos bens turísticos – como recursos
ambientais que são – é justamente serem eles bens de interesse público, nos estritos
moldes do que já foi exposto no capítulo referente aos recursos ambientais.
Interessante registrar que um mesmo bem (p. ex., mata ciliar) pode ser
considerado recurso natural – na medida em que tem interferência no ecossistema
local –, como também pode evidenciar-se como recurso turístico – na medida em que
serve como paisagem para o desenvolvimento cultural das pessoas que ali
freqüentam em busca de lazer.
Por fim, resta tecer algumas considerações sobre a expressão patrimônio
turístico, mencionada tanto na Constituição Federal (art. 24, VII e VIII), como na
legislação ordinária, entre elas a Lei de Ação Popular, que em seu art. 1º, §1º,
dispõe: “Art. 1º [...] §1º Consideram-se patrimônio público, para os fins referidos
neste artigo, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou
turístico”.
Pois bem, segundo parece, quando a legislação menciona ser considerado
patrimônio público o bem de valor turístico para fins de ação popular, em verdade,

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está reconhecendo sua natureza de bem de interesse público, e não repassando para
a propriedade do Estado todos os bens daquela natureza.
Por outro lado, quando a legislação – constitucional ou infraconstitucional –
menciona patrimônio turístico ou cultural, em verdade está tratando sobre o meio
ambiente cultural, como macrobem autônomo e indisponível, de natureza difusa.

5 Direito ao turismo
Tratou-se até agora da atividade turística e ecoturística sob o ponto de vista
dos bens turísticos (recursos ambientais). Contudo, outra faceta da questão refere-
se justamente à existência ou não de um direito ao turismo, como parte do direito ao
lazer constitucionalmente garantido.
Ao tratar sobre a eqüidade no acesso aos recursos naturais, Machado (2003,
p. 50) ensina o seguinte:
“A eqüidade deve orientar a fruição ou o uso da água, do ar e do solo. A eqüidade
dará oportunidades iguais diante dos casos iguais ou semelhantes.
Dentre as formas de acesso aos bens ambientais destaquem-se pelo menos três:
acesso visando ao consumo do bem (captação de água, caça, pesca), acesso
causando poluição (acesso à água ou ao ar para lançamento de poluentes; acesso ao
ar para a emissão de sons) e acesso para contemplação de paisagem”.

O turismo, nessa visão de eqüidade sobre o acesso aos recursos naturais,


está englobado na terceira modalidade citada pelo professor: acesso para
contemplação de paisagem.
O fundamento jurídico desse acesso eqüitativo aos recursos ambientais
turísticos deve ser abordado por meio da análise de sede constitucional referente ao
piso vital mínimo e à dignidade da pessoa humana, por ser matéria intimamente
ligada ao estudo que se pretende fazer.
O art. 1º, III, da Constituição Federal, dispõe o seguinte: “Art. 1º A República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana [...]”.
Por outro lado, o art. 6º da Carta Magna estatui: “Art. 6º São direitos sociais
a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição”.
Esse artigo, segundo a moderna doutrina, estabelece o piso vital mínimo que
o ser humano deve ter, proporcionado pelo Estado, para que se cumpra o disposto
no artigo anteriormente citado: dignidade da pessoa humana. É esta a lição de
Fiorillo (2003, p. 55-56):
“Uma vida com dignidade reclama a satisfação dos valores (mínimos) fundamentais
descritos no art. 6º da Constituição Federal, de forma a exigir do Estado que sejam
assegurados, mediante o recolhimento dos tributos, educação, saúde, trabalho,
moradia, segurança, lazer, entre outros direitos básicos, indispensáveis ao desfrute
de uma vida digna.
Dessa feita, temos que o art. 6º da Constituição fixa um piso vital mínimo de direitos
que devem ser assegurados pelo Estado (que o faz mediante a cobrança de tributos),
para o desfrute da sadia qualidade de vida”.

SÉRIE GRANDES EVENTOS – MEIO AMBIENTE


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Portanto, há ligação indissociável entre o conceito de sadia qualidade de vida
previsto no art. 225 da Constituição Federal e o piso vital mínimo estabelecido entre
os direitos sociais previstos no art. 6º, do mesmo diploma.
Por outro lado, está previsto ali que um dos direitos sociais do ser humano é
o acesso ao lazer, o qual contribui para sua sadia qualidade de vida. Inquestionável,
por outro turno, que o turismo é uma das formas de lazer mais prazerosas, razão pela
qual não se pode negar que a Constituição Federal garante a todos o direito ao
turismo, se não de forma explícita, ao menos implicitamente.
Constatada a existência desse direito, seus desdobramentos serão mais bem
desenvolvidos posteriormente, no capítulo referente ao papel do Ministério Público
na defesa do direito ao turismo.

6 Princípios relativos ao ecoturismo


6.1 Princípio da tolerabilidade

Ao ser analisado o Texto Constitucional em seu art. 225 e § 1°, I, II e VII, é


possível perceber que o Constituinte se preocupou sobremaneira com o equilíbrio
ecológico como um todo e também com processos ecológicos e ecossistemas.
No caput do referido dispositivo constou expressamente ser direito de todos
que o meio ambiente seja “ecologicamente equilibrado”, e no § 1°, I, que incumbe ao
Poder Público “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o
manejo ecológico das espécies e ecossistemas”.
Além disto, no inciso II, dispôs ser necessário “preservar a diversidade e a
integridade do patrimônio genético do País”, protegendo “a fauna e a flora, vedadas,
na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem
extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” (inciso VII).
A razão de tanta preocupação decorre de ser noção pacífica que o meio
ambiente possui um certo nível de tolerabilidade a agressões, pois “nem todo
atentado ou agressão ao meio ambiente e seus elementos causa necessariamente
um prejuízo à qualidade ambiental. O próprio meio ambiente é capaz de suportar
pressões adversas; ele pode defender-se até um certo ponto, um limite, além do qual
ocorre degradação” (MIRRA, 2002, p. 100).
Decorre então do regime constitucional que, além de considerar o meio
ambiente como bem autônomo eminentemente relacional, o Texto Maior reconhece
também que ele deve manter o equilíbrio nessa relação entre os recursos ambientais,
surgindo ainda como princípio implícito delineador desse equilíbrio a tolerabilidade do
bem jurídico a agressões que, uma vez ultrapassadas, passam a caracterizar dano.
Como bem ressalta Álvaro Luiz Valery Mirra (2002, p. 101),
“o princípio de tolerabilidade, compreendido na sua exata significação, longe de
consagrar um direito de degradar, emerge, diversamente, como um mecanismo de
proteção do meio ambiente, tendente a estabelecer um certo equilíbrio entre as
atividades interativas do homem e o respeito às leis naturais e aos valores culturais
que regem os fatores ambientais condicionantes da vida”.

Por isso parece partir de pressuposto falso a discussão se há ou não um direito


de poluir, sem o qual a sociedade ficaria estagnada, impossibilitada de progredir. Ora,

REGIME JURÍDICO DO ECOTURISMO E O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM SUA DEFESA E CONTROLE


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não se trata de direito ou não de poluir, trata-se, isto sim, de utilizar-se dos recursos
ambientais até o limite da tolerabilidade, de forma que não haja perda da qualidade
ambiental, até porque direito de poluir nunca existirá por tratar-se o meio ambiente de
bem indisponível.
Outra observação de extrema relevância feita por Mirra (2002, p. 104) é a de
que
“a capacidade de absorção e reciclagem do meio ambiente de que se cogita aqui não
pode ser confundida com a capacidade de regeneração do meio ambiente. Aquela
primeira consiste na aptidão do meio atingido de digerir de certo modo
imediatamente e sem dano os rejeitos que lhe são submetidos, de resistir às
perturbações impostas; a segunda representa a capacidade do meio ambiente de
recuperar-se quando é desequilibrado por alguma perturbação, supondo um prejuízo
já ocorrido, em que o limite de tolerabilidade foi ultrapassado”.

Não se desconhece ser extremamente complexo conhecer, estabelecer,


encontrar ou avaliar esse limite de tolerabilidade. Contudo, o ele deve ser avaliado caso
a caso, pautando-se principalmente pelo equilíbrio entre os recursos ambientais, pois,
uma vez rompido este, com certeza houve violação à tolerabilidade ambiental.
Exemplo do princípio da tolerabilidade é o de despejo de esgoto em rio
caudaloso, em pequena quantidade, após tratamento primário que o livre dos elementos
mais nocivos à saúde e ao meio ambiente. Nesse caso, é perfeitamente possível,
mediante análises químicas e físicas, verificar se o corpo receptor (rio) está conseguindo
absorver aqueles rejeitos sem que haja prejuízo às suas condições naturais.
Além da análise caso a caso, é necessário reconhecer que a matéria dá
margem a discricionariedade de interpretação, razão pela qual merece ser delineada
também por outros princípios de fundamento constitucional, para que se chegue ao
fim buscado pela Carta Magna: a proteção ao meio ambiente.
Por fim, conforme adverte Mirra (2002, p. 108), como
“conseqüência dessa orientação política expressamente encampada pelo
ordenamento jurídico brasileiro tem-se, sem dúvida, que o limite de tolerabilidade das
agressões ao meio ambiente, para caracterização do dano ambiental nos casos
concretos, deve ser averiguado com todo cuidado e atenção no que se refere ao
ponto máximo aceitável de intervenção, em confronto com a capacidade de
resistência do meio receptor a determinadas perturbações, merecendo ser
prestigiada, cada vez mais, a idéia de prudência e precaução na identificação do
limite e, cada vez menos, a de tolerância”.

Verificada a existência dessa capacidade de tolerância, surge na atividade


ecoturística a importância dessa observação para evitar que o fluxo de pessoas
venha causar danos aos ecossistemas que são visitados.
Revela-se então para análise, como questão intimamente ligada ao princípio
da tolerabilidade, a noção de capacidade de carga ou suporte do meio natural para
receber pessoas visitando-o.
Dias (2003, p. 81) conceitua o que seja capacidade de carga no turismo:
“No turismo, a capacidade de carga é o número de turistas que podem ser
acomodados e atendidos em uma destinação turística sem provocar alterações
significativas nos meios físico e social e na expectativa dos visitantes. É o limite além
do qual pode ocorrer o abarrotamento, a saturação e o crescimento dos impactos
físicos”.

SÉRIE GRANDES EVENTOS – MEIO AMBIENTE


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Saliente-se que a capacidade de carga não é o nível após o qual os impactos
surgem – pois qualquer atividade turística causa impacto ambiental –, mas sim qual o
limite além do qual os impactos ambientais tornam-se inaceitáveis, por causarem
desequilíbrio do meio ambiente. Também não se confunde a capacidade de carga
com limite de saturação, pois a primeira traz consigo uma noção de sustentabilidade,
de forma que a atividade se desenvolva mantendo as qualidades essenciais do meio
ambiente (DIAS, 2003, p. 81).
Assim, a capacidade de carga ou suporte no ecoturismo está intimamente
ligada ao princípio da tolerabilidade, sendo reflexo deste, e deve ser pautada, ainda,
pelos princípios do desenvolvimento sustentável e da precaução.

6.2 Princípio do desenvolvimento sustentável

A existência de um falso conflito entre o desenvolvimento da sociedade e a


conservação do meio ambiente levou estudiosos de inúmeras áreas a questionar
sobre a possibilidade ou não de compatibilização entre esses dois valores essenciais
à preservação da raça humana.
Após muita discussão e embates chegou-se à concepção de que uma faceta
não poderia prevalecer sobre a outra, sendo necessário encontrar o ponto de
equilíbrio entre as duas, surgindo assim a noção de desenvolvimento sustentável.
Em verdade, a adoção de caminho em direção a apenas um desses valores,
seja a preservação do meio ambiente com estagnação do desenvolvimento, seja o
desenvolvimento sem a preservação do meio ambiental, com certeza levará à
decadência da sociedade em que vivemos.
Na primeira hipótese – preservação do meio ambiente com estagnação do
desenvolvimento –, seriam penalizados todos os que utilizam esses recursos
ambientais para viver, logrando-os à condição da mais pura miséria, fato este já
constatável em alguns locais da floresta amazônica (com raras e louváveis
exceções), nos quais, com o declínio da exploração da borracha, ainda não se
encontrou o ponto de equilíbrio entre a exploração dos recursos naturais e a
conservação do meio ambiente.
Na segunda hipótese – desenvolvimento sem a preservação ambiental –,
seria o próprio suicídio da raça humana, pois como se sabe os recursos naturais não
são inesgotáveis, sendo cada vez mais patente a necessidade de preservá-los e usá-
los com racionalidade para que não haja devastação total do planeta.
Por isso é “falso, de fato, o dilema ‘ou desenvolvimento ou meio ambiente’,
na medida em que, sendo um fonte de recursos para o outro, devem harmonizar-se e
complementar-se” (MILARÉ, 2001, p. 42).
Verificando todos esses aspectos, o Constituinte, no art. 170, IV e VI, ao
tratar sobre a ordem econômica, colocou em pé de igualdade a “livre concorrência” e
a “defesa do meio ambiente”, deixando de forma evidente o princípio do
desenvolvimento sustentável – que por tal motivo tem assento constitucional –, já
que este se configura justamente por ser o ponto de equilíbrio entre os dois valores.
Dessa forma, a livre iniciativa passou a ser pautada – entre outros valores –
também pela preservação ambiental, tendo seu âmbito de atuação restringido, por
força da indisponibilidade do meio ambiente como macrobem. Essa concepção foi
bem abordada por Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2003, p. 26):

REGIME JURÍDICO DO ECOTURISMO E O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM SUA DEFESA E CONTROLE


19
“Assim, a livre iniciativa, que rege as atividades econômicas, começou a ter outro
significado. A liberdade de agir e dispor tratada pelo Texto Constitucional (a livre
iniciativa) passou a ser compreendida de forma mais restrita, o que significa dizer
que não existe a liberdade, a livre iniciativa, voltada à disposição de um meio
ambiente ecologicamente equilibrado. Este deve ser o objetivo. Busca-se, na
verdade, a coexistência de ambos sem que a ordem econômica inviabilize um meio
ambiente ecologicamente equilibrado e sem que este obste o desenvolvimento
econômico”.

Após toda essa análise, surge novamente – também dentro do princípio do


desenvolvimento sustentável – a palavra-chave: equilíbrio. Equilíbrio em duas faces, uma
fora e outra dentro do meio ambiente como bem autônomo estritamente relacional. A
primeira faceta é a do equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a preservação do
meio ambiente (desenvolvimento sustentável). A segunda é a de que o desenvolvimento
econômico não pode romper o meio ambiente equilibrado (equilíbrio entre as relações
dos recursos ambientais), o que também não deixa de ser desenvolvimento sustentável.
O ecoturismo surge de forma satisfatória como atividade que reflete com exatidão
a noção de desenvolvimento sustentável, pois é uma atividade – desde que bem manejada
– completamente compatível com o meio ambiente, não sendo degradadora de seu
equilíbrio.
Assim, deve tal atividade ser fomentada e incentivada, pois atende com louvor às
expectativas do Constituinte no que se refere ao desenvolvimento sustentável.

6.3 Princípio da prevenção-precaução

A ocorrência de dano ambiental já demonstra de forma antecipada a falha do


aparelho estatal em sua principal função em termos de meio ambiente: a função
preventiva.
Nessa matéria – mais do que em qualquer outra – deve-se evitar “correr
atrás do prejuízo”, se é que é possível correr atrás do prejuízo, já que se deve, isto
sim, buscar o lucro, que em termos ambientais é a preservação.
Sabe-se que a reparação de um dano ao meio ambiente é extremamente
difícil – quando não impossível – e por isso todos os esforços devem ser feitos para
evitar que ele aconteça.
Por tais razões, um dos pilares do Direito Ambiental é o princípio da
prevenção, que visa evitar a ocorrência de prejuízo ao meio ambiente. O Princípio n.
15 da Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
(1992), dispõe: “Para proteger o meio ambiente medidas de precaução devem ser
largamente aplicadas pelos Estados segundo suas capacidades. Em caso de risco de
danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não deve
servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas efetivas visando a prevenir
a degradação do meio ambiente”.
Portanto, o princípio da prevenção está proximamente ligado à questão da
certeza científica de que a atividade causa ou não dano ambiental, conforme ensina
Paulo Affonso Leme Machado (2003, p. 64):
“A primeira questão versa sobre a existência do risco ou da probabilidade de dano ao
ser humano e à natureza. Há certeza científica ou há incerteza científica do risco
ambiental? Há ou não unanimidade no posicionamento dos especialistas? Devem,
portanto, ser inventariadas as opiniões nacionais e estrangeiras sobre a matéria.

SÉRIE GRANDES EVENTOS – MEIO AMBIENTE


20
Chegou-se a uma posição de certeza de que não há perigo ambiental? A existência
de certeza necessita ser demonstrada, porque vai afastar uma fase de avaliação
posterior. Em caso de certeza do dano ambiental, este deve ser prevenido, como
preconiza o princípio da prevenção. Em caso de dúvida ou de incerteza, também se
deve agir prevenindo. Essa é a grande inovação do princípio da precaução. A dúvida
científica, expressa com argumentos razoáveis, não dispensa a prevenção”.

Importa ressaltar que o princípio da precaução é contrário a comportamentos


apressados, precipitados, improvisados e à rapidez insensata e à vontade de
resultado imediato. Não se trata, por evidente, de tentativa de procrastinar o
desenvolvimento ou prostrar-se diante do medo, nem se elimina a audácia saudável.
Busca-se, isto sim, a segurança do meio ambiente e a continuidade da vida
(MACHADO, 2003, p. 67).
Alguns autores, como Paulo de Bessa Antunes (2002, p. 36), fazem
diferenciação entre o princípio da precaução e o da prevenção. Segundo esse
mestre, o princípio da precaução aplica-se quando ainda não se tem certeza
científica se a atividade causa ou não danos ambientais. Já o princípio da prevenção
aplica-se a danos ambientais já conhecidos, fazendo com que se adotem as medidas
preventivas necessárias.
Exemplos diferenciais desses princípios são trazidos por Luís Roberto Gomes
(2003, p. 190-191), segundo o qual com base no princípio da prevenção deveriam ser
coibidas as queimadas produzidas em lavouras de cana – que causam danos
ambientais já estudados e definidos – e com base no princípio da precaução, ser
enfrentada a questão dos alimentos transgênicos – em que ainda não se tem certeza
científica de sua nocividade ou não ao meio ambiente e à saúde humana.
Mesmo cientes dessa diferenciação, preferimos adotar a postura do
professor Édis Milaré (2001, p. 118), pois não “descartamos a diferença possível
entre as duas expressões nem discordamos dos que reconhecem dois princípios
distintos. Todavia, preferimos adotar princípio da prevenção como fórmula
simplificadora, uma vez que prevenção, pelo seu caráter genérico, engloba
precaução, de caráter possivelmente específico”.
Note-se que o princípio da prevenção decorre diretamente da Carta Magna
(art. 225),
“haja vista a inserção de vários mecanismos preventivos do dano ambiental, como: a)
o dever de exigência do estudo prévio de impacto ambiental pelos órgãos públicos
ambientais; b) a previsão de participação popular em audiências públicas, permitindo
a discussão prévia à aprovação de atividades potencialmente degradadoras do meio
ambiente; c) o dever estatal de controlar a produção, a comercialização e o emprego
de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de
vida e o meio ambiente; d) o dever estatal relativo à preservação – que só se alcança
com a prevenção – dos processos ecológicos essenciais; e) a preservação da
diversidade e da integridade do patrimônio genético, bem como a fiscalização das
entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético” (GOMES,
2003, p. 188-189).

Assim, tratando-se de princípio constitucional, nem mesmo a legislação e


muito menos a Administração Pública podem contrariá-lo, de sorte que qualquer ato
precipitado que possa causar dano ao meio ambiente é passível de declaração de
nulidade judicialmente por afrontar a Carta Magna.

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O princípio da prevenção aplicado ao ecoturismo revela-se diretamente na
questão da capacidade de carga do ecossistema, bem como da necessidade de
licenciamento ambiental para as atividades e da elaboração de estudos ambientais
para sua execução.
Ocorre que a capacidade de carga é um conceito relativamente simples de
compreender, mas na prática é difícil de operacionalizar, pois resulta de um grande
número de componentes que a influenciam, como o regime das chuvas, da fauna, as
modalidades de intervenção sobre o espaço (diária, semanal, sazonal etc.) e os tipos
de lazer praticados. Depende também do comportamento dos indivíduos e da
dificuldade de determinação da quantidade ideal de turistas e de sua distribuição no
tempo e no espaço (DIAS, 2003, p. 82).
Portanto, tendo-se em vista essas dificuldades, o princípio da prevenção-
precaução deve ser aplicado quando houver dúvida, limitando-se sempre para menos
a atividade que poderá causar desequilíbrio no meio ambiente.
Por outro lado, reflexo do princípio da prevenção é a exigência feita pela
Resolução Conama n. 237/97, que em seu anexo determina que todo
empreendimento turístico deve necessariamente submeter-se ao processo de
licenciamento.
Como se sabe, o processo de licenciamento visa justamente a análise dos
possíveis impactos ambientais da atividade e as formas de evitá-los ou mitigá-los.
Para tanto é dividido em três fases: a licença prévia, a licença de instalação e a
licença de operação.
Na fase da licença prévia é analisada a viabilidade do empreendimento e a
sua melhor localização. Na licença de instalação são autorizadas as obras de forma
menos impactante ao meio ambiente. E na licença de operação é autorizado o
funcionamento do estabelecimento, determinando-se o número máximo de visitantes
e as condicionantes de visitação.
É dentro do processo de licenciamento que deve ser analisada a capacidade
de suporte do meio ambiente para a atividade solicitada. Para tanto, são
imprescindíveis os estudos ambientais, visando dar embasamento técnico para a
decisão do órgão ambiental.
Por fim, ainda dentro do princípio da precaução, é necessário que a
autoridade ambiental determine ainda, nessas atividades, o monitoramento
ambiental, para que após o seu início seja observado se realmente a atividade
exercida da forma como foi autorizada está respeitando a capacidade de suporte do
meio ambiente local.

6.4 Princípio da indisponibilidade do meio ambiente

Quando o constituinte originário determinou no art. 255 ser dever do Poder


Público e da sociedade defender o meio ambiente para “as presentes e futuras
gerações”, já deixou consignado de forma expressa o princípio da indisponibilidade,
pois as presentes gerações são meras detentoras desse bem em prol das futuras.
É esta a lição de Mirra (2002, p. 38):
“Nestes termos, o meio ambiente é, de fato, um bem que pertence à coletividade,
como agrupamento natural não dotado de personalidade jurídica. O meio ambiente
pertence, indivisivelmente, a todos os indivíduos da coletividade e não integra, assim,

SÉRIE GRANDES EVENTOS – MEIO AMBIENTE


22
o patrimônio disponível do Estado. Para o Poder Público – e, logicamente, também
para os particulares – o meio ambiente é sempre indisponível.
Essa idéia de indisponibilidade do meio ambiente vem reforçada pela própria norma
do art. 225, caput, da Constituição Federal, que prevê a necessidade de preservação
da qualidade ambiental em atenção às gerações futuras. Sob tal ótica, se existe,
efetivamente, imposto pela Carta Magna, o dever de as gerações atuais transferirem
o meio ambiente ecologicamente equilibrado às gerações futuras, parece certo não
poderem dispor dele, no sentido da sua destruição ou degradação”.

Além disso, a indisponibilidade do meio ambiente também decorre da sua


qualidade pública de uso comum do povo (GOMES, 2003, p. 183).
Dessa forma, é princípio constitucional basilar do Direito Ambiental a
indisponibilidade do meio ambiente como macrobem, não podendo qualquer ente –
seja público ou privado – dele dispor a ponto de causar-lhe degradação ou perda da
qualidade ambiental.

7 Função turística da propriedade


Com o advento da nova ordem constitucional, o conceito de função da
propriedade modificou-se, abandonando-se a visão privada do Código Civil de 1916,
alcançando-se uma ótica social, conforme expressamente disposto no art. 5º, XXIII,
da Constituição Federal.
Como corolário dessa função social, surge também a necessidade de que a
propriedade atenda à sua função ambiental, exigência esta feita expressamente em
relação à propriedade rural (art. 186, I e II, da CF) e implicitamente à propriedade
urbana (art. 182, § 2°, da CF).
Ressalte-se que quando a Constituição Federal, em seu art. 182, § 2º, diz
que a propriedade urbana atenderá à sua função social quando atender ao disposto
no plano diretor, está ela reconhecendo implicitamente que tal propriedade também
deve cumprir sua função ambiental, já que esse instrumento – plano diretor – é
justamente o instrumento legal da política ambiental urbana (meio ambiente
artificial).
A necessidade de a propriedade – urbana ou rural – cumprir sua função
ambiental é noção pacífica na doutrina e reconhecida expressamente pelo
ordenamento jurídico. O que se impõe de novo é a verificação da função turística da
propriedade.
Ocorre que, conforme já apontado acima, o turismo enquadra-se dentro da
noção de meio ambiente cultural, razão pela qual é inquestionável existir uma faceta
do direito à propriedade que tenha ligação com sua função turística e, portanto,
ambiental.
Não se pode negar que o exercício do direito de propriedade, conforme o
caso, pode agir tanto positivamente quanto negativamente no fenômeno turístico,
bastando verificar o exemplo de várias praias no litoral brasileiro que perderam
consideravelmente suas belezas naturais após a intensificação de construções de
grandes prédios na orla marítima, retirando todo o aspecto positivo da paisagem
local.
De igual forma, a construção de um grande prédio com visual moderno ao
lado de monumento ou prédio histórico pode contribuir em muito para a redução do

REGIME JURÍDICO DO ECOTURISMO E O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM SUA DEFESA E CONTROLE


23
turismo em determinado local, em razão da quebra da harmonia na paisagem
artificial-histórica que ali existia.
Portanto, não se pode desconhecer a existência da função turística da
propriedade, sendo necessário que se busque um conceito para ela. Após fazer uma
profunda incursão sobre a função social e ambiental da propriedade, o professor
Antônio Carlos Brasil Pinto (2003, p. 122), traça o conceito de função turística da
propriedade, nos seguintes termos:
“A propriedade, pública ou privada, rural ou urbana, cumpre sua função turística
quando, tomada em conjunto ou individualmente, não interfere na harmonia e
contribui para a preservação e valorização de locais ou porção do território que
desencadeiam e favorecem o fenômeno turístico e o especial interesse de visitação,
ante seu grande significado histórico, artístico, paisagístico, pitoresco, natural,
estético, arqueológico, palenteológico, ecológico, científico ou cultural, ou traduzam
referências à identidade, à ação, e à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade nacional”.

Assim, para que a propriedade cumpra sua função social, deve ela exercer
dois atributos, um positivo e outro negativo: o positivo consiste em contribuir para a
harmonia ou melhora do local para fomentar o fenômeno turístico; o negativo,
consiste em abster-se de causar quaisquer danos ou interferências na paisagem ou
característica que fomenta o turismo no local.

8 O papel do Ministério Público na defesa dos bens


turísticos e do direito ao turismo
8.1 Da defesa dos bens turísticos

A Constituição Federal, em seu art. 129, III, estabeleceu as seguintes


funções institucionais para o Ministério Público: “Art. 129. São funções institucionais
do Ministério Público: [...] III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos”.
Conforme exposto anteriormente, os bens turísticos são espécies de
recursos ambientais culturais e, portanto, integram o conceito de meio ambiente,
sendo inquestionável que a defesa deles é também incumbência do Ministério
Público.
Portanto, qualquer violação ou ameaça de lesão a bens turísticos, estejam
eles sob domínio de particulares ou do poder público, podem e deve ser combatida
pelo Ministério Público, através da ação civil pública ou de outro meio processual
adequado.
Ademais, a possibilidade de utilização de ação civil pública para defesa do
patrimônio turístico – e, portanto, dos bens turísticos – vem expressamente
estabelecida pela legislação infraconstitucional, nos seguintes termos (Lei n.
7.347/85): “Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação
popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I –
ao meio ambiente; [...] III – aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico”.

SÉRIE GRANDES EVENTOS – MEIO AMBIENTE


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Pois bem, a legislação específica nacional a respeito da defesa do bem
turístico é a Lei n. 6.513, de 20 de dezembro de 1977, que dispõe sobre a criação de
áreas especiais e de locais de interesse turístico, a qual em seu art. 1º elenca os
bens e valores a serem protegidos em nome do turismo:
“Art. 1º Consideram-se de interesse turístico as Áreas Especiais e os Locais
instituídos na forma da presente Lei, assim como os bens de valor cultural e natural,
protegidos por legislação específica, e especialmente:
I – os bens de valor histórico, artístico, arqueológico ou pré-histórico;
II – as reservas e estações ecológicas;
III – as áreas destinadas à proteção dos recursos naturais renováveis;
IV – as manifestações culturais e etnológicas e os locais onde ocorram;
V – as paisagens notáveis;
VI – as localidades e os acidentes naturais adequados ao repouso e à prática de
atividades recreativas, desportivas ou de lazer;
VII – as fontes hidrominerais aproveitáveis;
VIII – as localidades que apresentem condições climáticas especiais;
IX – outros que venham a ser definidos, na forma desta Lei”.

O dispositivo em questão estabelece o interesse turístico não só das áreas


especiais e locais instituídos pela Lei n. 6.513/77, mas também dos bens de valor
cultural e natural protegidos por legislação específica e, especialmente, aqueles
mencionados nos incisos de I a IX.
Portanto, segundo interpretação teleológica, observa-se que aqueles bens
elencados nos incisos, independentemente de serem declarados áreas ou locais
especiais nos termos dos arts. 2º, 3º e 4º, ou de serem protegidos por legislação
específica, por si só já devem ser protegidos, permitindo-se inclusive a utilização de
ação civil pública, conforme expresso no art. 1º, III, da Lei n. 7.347/85.
É de se destacar que alguns dos bens elencados nos incisos mencionados já
têm proteção legislativa específica e suficiente – como as estações ecológicas e bens
de valor histórico ou arqueológico – contudo, outros não têm tal proteção, como as
localidades e os acidentes naturais ao repouso, à prática de atividades recreativas,
desportivas ou de lazer. Também não têm proteção específica os locais onde
ocorram as manifestações culturais e etnológicas (inciso IV).
Portanto, independentemente do bem ser protegido por alguma legislação
específica, tendo ele função turística, seja para práticas recreativas ou desportivas,
já poderá ser protegido por ser integrante do meio ambiente cultural.
Assim, em exemplo hipotético, não poderia a Pedra da Gávea no Rio de
Janeiro – local utilizado para prática de vôo livre – ser utilizada para construção de
um restaurante ou qualquer outra obra que inviabilizasse a prática desse esporte,
pois haveria violação ao bem turístico, o que é inadmissível, sob pena de violação da
ordem infraconstitucional e constitucional.
De igual maneira, também parece ser possível a utilização de ação civil
pública objetivando evitar a implantação de um grande resort em praia paradisíaca
cujo projeto arquitetônico destoe totalmente da paisagem natural ali estabelecida,
prejudicando assim o interesse turístico do local.
Não se sustenta, nesse exemplo acima, que se barre a atividade do referido
empreendimento, nem que se reduza o seu tamanho ou expressividade econômica, o

REGIME JURÍDICO DO ECOTURISMO E O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM SUA DEFESA E CONTROLE


25
que se discute é, numa concepção de desenvolvimento sustentável, a adaptação de
seu projeto à paisagem local.
Outro ponto interessante a ser abordado é a possibilidade de, por via
judicial, compelir-se o Poder Público a instituir áreas e locais de interesse turístico,
visando não só a proteção dos bens turísticos, mas também da atividade econômica
a ser desenvolvida.
Antônio Carlos Brasil Pinto (2003, p. 32) sintetiza as finalidades dessa
proteção estabelecida pela mencionada lei:
“Então, o texto da lei permite concluir que a declaração de interesse turístico de
áreas especiais, locais e bens naturais e culturais tem por finalidade disciplinar seu
uso não predatório. Da mesma maneira, é possível concluir que a proteção almejada
alcança bens que, embora protegidos por outros textos, possam ter destinação
turística. Por fim, os bens situados nos locais declarados de interesse turístico,
apesar de não contemplados com proteção em legislação específica, o são só pelo
fato da declaração estabelecida nessa Lei 6.513-77.
Esta é a interpretação oriunda dos arts. 1º, 3º, 4º e 6º da lei, embora evidente a falta
de clareza e a boa técnica legislativa, posto que mais fácil e compreensível seria o
estabelecimento de conceitos claros de cada um, atrelados à descrição das
finalidades pretendidas, segundo cada espécie, que assim poderiam ser resumidas:
a) realização de planos e projetos de desenvolvimento turístico para Áreas Especiais
de Interesse Turístico;
b) realização de projetos específicos para os Locais de Interesse Turístico;
c) inventários de bens naturais e culturais que, protegidos por legislação específica,
possam ter utilização turística;
d) definição dos usos turísticos compatíveis com esses bens (J. A. Ferraz, op. cit., p.
57).
Ora, as duas primeiras finalidades representam puras ações de planejamento,
embora possam representar também a adoção de providências de natureza
urbanística, objetivando o desenvolvimento do setor econômico com exclusividade.
A terceira finalidade é típica ação administrativa, preparatória da última, a qual
também é de natureza urbanística, caso trate de bens imóveis, e administrativa, se
tratar de bens móveis, ambas porém com endereço econômico.
Importante sublinhar então que o objetivo primordial da lei, muito antes do propósito
preservacionista, é de natureza econômica, aliás, sintoma próprio de lei setorial, de
marcante significado estatizante”.

Do texto acima transcrito percebe-se a importância dos zoneamentos


estabelecidos na Lei n. 6.513/77, que, a despeito de não ser uma legislação
moderna ou eminentemente preservacionista, pode ser utilizada não só para a
proteção dos bens nela descritos como para o fomento da atividade turística.
Contudo, não se tem conhecimento de sua aplicação pelo Poder Público,
razão pela qual é de se indagar sobre a possibilidade de, por via judicial, compelir-se
a Administração à instituição dessas áreas ou locais de interesse turístico, visando
seu zoneamento e regulamentação.
Ao tratar sobre a possibilidade de o Ministério Público atuar no combate à
omissão administrativa, Gomes (2003, p. 31) assim se manifesta:
“Insta salientar que o desrespeito aos direitos assegurados na Carta Magna pode se
dar também quando houver omissão do Poder Público ou de serviço de relevância
pública, detendo o Parquet função institucional que o autoriza a agir, promovendo as
medidas necessárias para a supressão da inércia, quando ilícita.

SÉRIE GRANDES EVENTOS – MEIO AMBIENTE


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Com efeito, se a própria norma constitucional é expressa quando diz que o exercício
de reportada função dar-se-á promovendo as medidas necessárias a sua garantia
(CF, art. 129, inc. II), certamente legitima o Ministério Público a expedir
recomendação ou ajuizar ação civil pública visando a que a entidade responsável saia
da inércia quando configurada omissão inconstitucional, lesiva portanto a direitos
assegurados na Constituição”.

É certo que talvez a instituição de local ou área de interesse turístico seja,


conforme o caso, menos eficaz do que a proteção legal já existente ao referido bem
(como a Lei dos Recursos Hídricos, Lei das Unidades de Conservações etc.). Mas
não se pode descartar a hipótese de ser a instituição de área ou local de interesse
turístico a melhor forma de proteção e do fomento à atividade em questão.
Então, nessa hipótese, e havendo omissão do Poder Público competente
para tal, parece possível o ajuizamento de ação civil pública com pedido de obrigação
de fazer, compelindo-o a instituir a área de proteção.
A hipótese de instituição seria análoga àquela já sedimentada na doutrina a
respeito da possibilidade de, judicialmente, determinar-se o tombamento de bem de
valor histórico, artístico ou cultural, conforme admitido expressamente por Wagner
Júnior (2003, p. 199):
“Em outras palavras, temos claro que nas hipóteses de tombamento, o bem a sofrer
a restrição, que até então era de interesse apenas do particular proprietário, passa a
integrar o rol dos interesses públicos, razão pela qual correto afirmar que toda a
sociedade tem o direito, e por que não dizer o dever, de conservá-lo.
Nessa linha de raciocínio, os entes legitimados poderão se valer da ação civil pública
para discutir questões referentes ao tombamento, seja ajuizando processo contra o
particular proprietário do bem a ser tombado, seja demandando contra a
administração.
Para esse último caso, poderão os interessados, em especial, exigir posturas
concretas da Administração, no sentido de providências visando a adoção de
medidas com vistas à declaração do tombamento de um bem, ou mesmo de proteção
daqueles já tombados”.

De outro norte, Mazzilli (2001, p. 176) admite até mesmo a proteção judicial
ao bem não-tombado – em nossa analogia, ao bem não-declarado de interesse
turístico – permitindo inclusive que eventuais restrições ao uso da propriedade
indenizáveis, sejam arcadas pelo Poder Público, a serem exigidas pelo proprietário
em ação própria.
Assim, conclui-se que o papel do Ministério Público na defesa dos bens
turísticos pode ser para exigir condutas comissivas ou omissivas, tanto do
proprietário como da Administração Pública.
Em relação ao proprietário podem ser exigidas ações no sentido de, entre
outras, conservar a propriedade – ajudando no fomento do turismo – ou omissões,
tais como a não-construção de imóvel que venha a romper o equilíbrio arquitetônico
ou paisagístico do local, que venha a prejudicar o interesse turístico.
Também pode ser citada a possibilidade de ajuizamento de ação civil pública
contra o proprietário que explora o ecoturismo, para que respeite a capacidade de
carga do meio ambiente em que exerce sua atividade.
No que pertine à Administração Pública, podem ser exigidas condutas
omissivas – como a de não causar, com obras públicas, danos à paisagem de

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interesse turístico – e comissivas, como compeli-la a declarar certo bem ou bens
como de interesse turístico, para os fins da Lei n. 6.513/77.

8.2 Da defesa do direito ao turismo

Outra questão ainda menos explorada diz respeito à atuação do Ministério


Público na defesa do direito ao turismo como faceta do direito ao lazer assegurado
constitucionalmente.
Nos termos do que já foi exposto anteriormente, é possível reconhecer a
existência de um direito – assegurado constitucionalmente – ao turismo, como forma
de uma das fontes de lazer que a vida pode proporcionar.
Pois bem, o que se põe à discussão é se, caso haja por parte da
Administração Pública ou do particular conduta prejudicando o direito de todos ao
turismo, em ter acesso a algum lugar específico, poderia o Ministério Público exigir,
judicialmente, o acesso àquele bem específico?
Em princípio é necessário que se reconheça o direito ao turismo como
interesse difuso, pois é pertencente a um número indeterminável de pessoas, motivo
pelo qual a legitimidade do Ministério Público se impõe, não só em razão do art. 129,
III, da Constituição Federal, como também pelo inciso II, que atribui a essa instituição
o dever de zelar pelos direitos nela garantidos.
Portanto, caso a Administração de um parque nacional, estadual ou
municipal venha a vedar acesso de ecoturistas sem que haja um fundamento
razoável para tal, poderá o Ministério Público ingressar com ação contra o Poder
Público visando garantir esse acesso ao lazer.
É claro que, havendo fundamento justificável – tal como necessidade de
preservação da área que foi degradada, ou em razão de falta de segurança –, a
conduta do administrador estará amparada pelo Direito, não podendo ser atacada.
Em relação ao bem de propriedade particular – como uma montanha de alto
interesse turístico para esportes radicais, situada dentro de uma propriedade privada
– torna-se difícil a garantia a esse acesso, pois tal situação levaria a um conflito com
o também garantido constitucionalmente direito à propriedade.
Contudo, a subutilização da propriedade – incluindo-se, aí, na sua função
turística – poderá levar o Poder Público a desapropriá-la, seja para instituir um local
de interesse turístico público, seja para implementar uma unidade de conservação.

9 Conclusão
Conclui-se, do que foi exposto, que o regime jurídico do ecoturismo deve ser
analisado em relação a cada recurso ambiental que o compõe, tendo entretanto o
traço comum de esses bens serem de interesse público, não podendo ser utilizados
de forma a degradar o meio ambiente, causando desequilíbrio.
O papel do Ministério Público nessa questão decorre do dever constitucional
de zelar pelo meio ambiente, devendo fiscalizar se a atividade ecoturística vem
respeitando as normas ambientais e não está causando danos ao meio ambiente.

SÉRIE GRANDES EVENTOS – MEIO AMBIENTE


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De outro norte, deve o membro do parquet atuar também na defesa do
direito ao turismo, sempre que houver violação ilegal desse direito constitucional ao
lazer.
Por fim, não se pode olvidar que a atividade turística – e a ecoturística em
especial –, quando bem manejada, atende em todos os fins o princípio constitucional
do desenvolvimento sustentável, devendo, por essa razão, ser incentivada, uma vez
que se apresenta muito mais como aliada do que como degradadora do meio
ambiente, além de ser extremamente importante para o desenvolvimento econômico
das populações locais.

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SUMÁRIO

SÉRIE GRANDES EVENTOS – MEIO AMBIENTE


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