Budismo
Budismo
Budismo
1- NA ÍNDIA
Quando a "Luz da Ásia" surgiu brilhantemente na Índia Central foi assinalado um dos maiores
acontecimentos que marcaram época na história espiritual da humanidade; ou em outras
palavras, quando a Fonte da Grande Sabedoria e compaixão aí se transbordou, enriqueceu a
mente humana, através dos séculos, até os dias atuais.O Buda Gautama mais tarde conhecido
como Sakyamuni ou o "Sábio do clã Sakya" pelos adeptos budistas, abandonou o aconchego do
lar, tornou-se um monge mendicante e dirigiu-se rumo ao sul, até Magadha, onde,
presumivelmente, nos meados do século V a.C., estando em meditação sob a árvore BO (Bodhi-
Ficus Religiosa), alcançou a Iluminação. A partir desse momento começou Sua árdua e difícil
missão, continuando-a, incansavelmente, no decorrer de longos quarenta anos, até a Sua
"Grande Morte", com a qual entrou no Nirvana, pregando a Sabedoria e Compaixão. Após a sua
morte, muitos e grandes templos budistas continuaram a aparecer em reinos e em várias tribos
da Índia Central.
Durante o reinado do Rei Asoka (268-232 a.C.), o terceiro governante do Reino de Mauria, o
ensinamento do Buda Gautama disseminou-se por toda a Índia, chegando mesmo a se propagar
para além das fronteiras do país.
O reino Mauria foi o primeiro estado monárquico a se consolidar na Índia. Este reino, no tempo de
seu primeiro governador Candragupta (316-293 a.C. aproximadamente) já ocupava um vasto
domínio, que se limitava com as montanhas do Himalaia, ao norte, ao leste com o Golfo de
Bengala; a oeste, com as montanhas Hindu kush, e ao Sul, com as montanhas Vindhya. O Rei
Asoka expandiu, posteriormente, este domínio até o Planalto do Deccan, conquistando o reino de
Kalinga e de outros.
Este rei era tido como muito furioso por natureza e era chamado de Candasoka (o Furioso Asoka)
pelo povo; mas seu caráter mudou completamente e ele se tornou sincero devoto do ensinamento
da Sabedoria e Compaixão após testemunhar as devastações causadas pela guerra, na qual
Kalinga foi conquistado. Após esse episódio, ele fez muitas coisas como crente budista, entre as
quais se destacam dois empreendimentos dignos de honra.
O papel desempenhado pelo budismo mahayana foi muito grande e significativo na longa história
do budismo. Assim, o budismo na China e no Japão desenvolveu-se, sofrendo muitas influências
da doutrina mahayana. Isto não parecerá estranho, pois já se desenvolvia um novo ideal para a
salvação das massas, considerando os novos santos como Bodhisattvas para pôr em prática este
ideal; e, para ratificar usso, os resultados intelectuais nos domínios metafísicos e psicológicos
trazidos pelos pensadores mahayanistas, foram realmente magníficos. Desta maneira, embora,
de um lado, estivessem relacionados à doutrina de Buda Gautama, por outro, muitos novos
aspectos da Sabedoria e Compaixão lhe foram acrescentados. Com estes acréscimos, o budismo
cresceu em ardor e energia e chegou a enriquecer os países do leste, como as impetuosas
correntes de um grande rio.
3- NA ÁSIA CENTRAL
Foi através dos países da Ásia Central que a China veio a aprender o budismo. Portanto, para se
falar da disseminação do budismo da Índia para a China, é necessário que se diga algo sobre a
Rota da Seda. Esta rota, aberta durante o reinado do Imperador Wu, da Dinastia Han (140-87
a.C.), atravessava infindáveis territórios da Ásia Central e ligava o ocidente ao oriente. Por esta
época, o domínio de Han se estendia para o oeste, e em países vizinhos como Fergana,
Sogdiana, Tokhara e mesmo na Parthia, o espírito mercantilista inspirado por Alexandre, o
Grande, ainda estava vigorosamente ativo. Ao longo desta importante rota que passava por estes
países, a seda desempenhava o mais importante papel no intercâmbio comercial, daí o nome de
Rota da Seda. Pouco antes ou depois do Início da Era Cristã, a Índia e a China iniciaram os seus
novos contatos culturais, através desta rota do comércio. Assim, esta rota pode ser considerada
também como a rota da expansão do budismo.
4- CHINA
Durante os primeiros anos, os responsáveis pela introdução e tradução das escrituras foram os
monges vindos, em sua maioria, dos países da Ásia Central. Por exemplo, Na-shin-Kao, acima
mencionado, veio da Parthia; K'na-sêng-K'ai, originário de uma região de Samarcanda, chegou a
Lo-yang por volta do século III, e traduziu o Sukhavativyuha (O Livro da Vida Ilimitada). Além
disso, Chufa-hu ou Dharmaraksha, que é conhecido como o tradutor de Saddharmapundarika",
veio de Tokhara e se estabeleceu em Loyang ou Ch'ang-an, em fins do século III até os princípios
do século IV. Quando Kumarajiva, veio de Kucha, no início do século V, os trabalhos de tradução
atingiram o seu auge.
Nesta época, os monges começaram a desenvolver suas reais atividades, ao empreenderem
viagens à Índia, para estudar o sânscrito e a doutrina budista. O pioneiro deles todos foi o monge
Fa-hsien (339-420? a.D.). Saindo de Lo-yang em 399 a.D., foi à Índia, de onde retornou 15 anos
mais tarde. O mais notável desses monges que viajaram até a Índia dói Hsuan-Chuang (600-664
a.D.), que partiu para a Índia em 627 a.D., aí permanecendo durante 19 anos e daí voltou em 645
a.D. Mais tarde, I-ching (635-713 a.D.), (não confundir com o livro I-ching) foi à Índia, por mar, em
671 a.D. e regressou pela mesma rota, vinte e cinco anos depois.
Estes monges visitaram a Índia, por livre vontade, para aprender o sânscrito e trazer para casa as
escrituras por eles escolhidas, e tiveram papel importante nos trabalhos de tradução das
mesmas. O mais importante deles foi Hsuan-chuang, cuja notável habilidade lingüística e cujo
eficaz e consciente trabalho fizeram com que os trabalhos de tradução das escrituras, na China,
alcançassem outro apogeu. As obras dos primeiros tempos feitas por aqueles representados por
Kumarajiva são chamadas as "Velhas Traduções", e as obras de Hsuan-chuang e dos últimos
tradutores são chamadas as "Novas Traduções" pelos estudiosos budistas nos últimos períodos.
Baseando-se nos inúmeros volumes das escrituras budistas que foram traduzidas do sânscrito, a
tendência do pensamento e das atividades religiosas desses homens letrados foi pouco a pouco
se adaptando à cultura chinesa. Daí a clara manifestação da natureza racial, das necessidades e
das esperanças do povo chinês. Os vacilantes ensaios que os monges empreenderam no campo
metafísico em relação à "não-substancialidade" e principalmente no que diz respeito ao Prajna
(Sabedoria) dos Sutras, foram uma manifestação desta tendência. Posteriormente, abandonaram
o assim chamado "Hinayana"ou o Veículo Menor, e voltaram sua atenção ao "Mahayana", o
Grande Veículo. Além disso, com a escola Tendai, esta tendência ganhou importância e
notabilidade, e com o aparecimento da escola Zen, ela alcançou o seu auge.
A escola Tendai, aperfeiçoada por Tendai Daishi Chih-i (538-597 a.D), seu terceiro patriarca,
alcançou a sua plenitude, na China, na última metade do século VI. Tendai Saishi foi um dos mais
ilustres vultos do pensamento budista, e sua classificação crítica da Doutrina de Buda em Cinco
Períodos e Oito Doutrinas exerceu, durante muito tempo, grande influência sobre o budismo da
China e do Japão.
Um meticuloso exame mostrará que, na China, os vários sutras foram trazidos, sem a
preocupação cronológica de sua origem, e foram traduzidos à medida que chegavam. Diante da
numerosidade desses sutras, tornou-se problemático saber a sua origem e avaliação.
Conseqüentemente, foi necessário considerar o budismo como um todo e mostrar como alguém
deveriam portar-se de acordo com sua própria compreensão desta doutrina. Quanto à avaliação
dos sutras, deve-se levar em conta, antes de tudo, a tendência do pensamento chinês. A
avaliação feita por Chih-i foi, acima de tudo, a mais sistemática e a mais persuasiva. Mas,
modernamente, com o desenvolvimento do trabalho de pesquisa sobre o budismo, mesmo esta
dominante influência parece ter chegado a um fim.
Na história do budismo chinês, a escola Zen foi "a que chegou por último". Seu fundador foi
Sramana, um monge de um país estrangeiro, chamado Bodhidarma (523-528 a.D); mas as
sementes por ele lançadas floresceram gloriosamente apenas depois da época de Hui-Neng
(638-713 a.D.), o sexto patriarca desta escola. Depois do século VIII, a Seita na China teve uma
série de talentosos mestres que fizeram o Zen prosperar durante vários séculos.
O budismo na China apresentava um novo modo de pensar, que estava profundamente arraigado
na natureza de seu povo. Outro não era senão o budismo matizado com o modo de pensar
chinês. A doutrina do Buda Gautama, agora acrescida com esta nova corrente, adquiriu vigor,
tornou-se impetuosa como um grande rio e chegou a enriquecer países no oriente.
5- NO JAPÃO
A história do budismo no Japão teve início no século VI. A introdução do budismo no Japão
verificou-se, pela primeira vez, em 538 a.D., quando o Rei de Pochi ( ou Kudara, Coréia) enviou
um embaixador para apresentar uma imagem budista e um rolo de sutras a Corte do Imperador
Kinmei. A história religiosa do Japão tem, portanto, mais de 1.400 anos.
Nesta história, o budismo japonês se prende a três focos. O primeiro deles deve ser situado no
budismo dos séculos VII e VIII. Para atestar essa assertiva, deve-se fazer referências à
construção, que se realizava nesta época, de vários templos como Templo Horyuji (607 a.D.) e o
Templo Todaiji (752 a.D.). Fazendo-se em retrospecto desta época, depara-se com um fato que
não deve ser omitido, isto é, o fato de que a maré de cultura surgiu inusitadamente alta através de
toda a Ásia. Durante este período, enquanto a civilização ocidental estava mergulhada em
profunda escuridão, a oriental desenvolvia um movimento surpreendentemente ativo e magnífico,
Na China, na Ásia Central, na Índia e nos países dos Mares do Sul,as atividades nos campos
intelectual, religioso e no das artes desenvolviam-se vigorosamente. Unindo-se a estes
movimentos, o budismo banhava o mundo oriental com sua vasta corrente de humanismo. O
novo movimento de uma cultura japonesa, testemunhado pela construção do brilhante Horyuji e
do magnífico Todaiji e pelas atividades religiosas e artísticas que surgiram com estes eventos, é
notável por mostrar, no extremo oriente,a brisa da maré cultural que cobria vastas áreas da Ásia.
O povo deste país que, por muito tempo, esteve mergulhado na ignorância, agora banhado pela
corrente de uma grande cultura e civilização, desenvolveu-se de repente. Tal foi a reviravolta da
boa fortuna que favoreceu o povo deste país nestes séculos. E o principal fator, responsável pelo
surgimento desta cultura, outro não foi senão o budismo. Conseqüentemente, os templos
budistas da época tornaram-se centros de brilhante cultura, e os monges foram os líderes deste
novo saber. Aí se desenvolveu uma cultura mais propriamente que uma religião. Este era o
estado em que se encontrava o budismo, nos primórdios de sua introdução no país.
No século IX, dois grandes mestres. Saicho (Dengyo Daishi, 767-822) e Kukai (Kobo Daishi, 774-
835), apareceram em cena e fundaram duas escolas budistas que, juntas, são conhecidas como
o Budismo Heian. Com isso se estabeleceu definitivamente o budismo japonês. Eles adotaram o
budismo em seu estado e práticas originais, e fundaram mosteiros no Monte Hiei e no Monte
Koya, respectivamente. Durante três séculos depois de sua fundação até a Era Kamakura, estas
duas denominações esotéricas - Tendai e Shingon - prosperaram principalmente entre os
aristocratas e nas cortes imperiais.
O segundo foco deve ser situado no budismo dos séculos XII e XIII. Nesta época, o Japão
produziu grandes e ilustres mestres, como Honen (1.133- 1.212 a.D.), Shinran ( 1.173-1262 a.D.),
Dogen (1200-1253 a.D.), Nichiren (1222-1282 a.D.), e outros mais. Mesmo hoje, quando se fala
do budismo japonês, é imprescindível que se mencionem os nomes destes grandes mestres. Por
que somente estes séculos em questão produziram tão notáveis instrutores? Foi pelo fato de
terem enfrentado um problema comum. E qual foi este problema comum? Este problema surgiu,
talvez, porque o budismo tenha sido aceito na maneira japonesa de pensar.
Isto nos leva a indagação "Por quê? Não era certo que o budismo foi aqui introduzido muito
tempo antes desta época?" Assim é historicamente. Mas também é verdade que foram
necessários vários séculos para que o povo japonês pudesse sistematizar e remodelar esta
religião importada e faze-la completamente sua. Em síntese, foi a partir dos séculos VII e VIII que
se iniciaram os movimentos para a aceitação do budismo, e como conseqüência desses esforços
e pela influência dos mestres dos séculos XII e XIII, a aceitação do budismo se completou.
Depois disso, o budismo japonês, firmado sobre o alicerce construído por aqueles mestres,
mantém suas glórias até os dias atuais. Desde a época em que apareceram aqueles notáveis
instrutores, a história do budismo japonês não conheceu mestres de têmpera daqueles já
mencionados.
Entretanto, já um fato que atrai a nossa atenção e que é o fruto da pesquisa sobre o budismo
original feita nos tempos modernos.
Desde a época de sua aceitação, o budismo japonês foi, de modo geral, o budismo mahayana
influenciado pelo budismo chinês. Especialmente, depôs do aparecimento dos grandes mestres
nos séculos XII e XIII, a doutrina mahayana formou a principal corrente, tendo os fundadores de
seitas como seu centro difusor, assim continuando até hoje. Na história do budismo japonês, o
estudo do budismo original começou, aproximadamente, depois da Era Meiji.
A figura do Buda Gautama reapareceu brilhantemente diante daqueles que se esqueciam do fato
de que houve um fundador do Budismo, ao lado dos fundadores de escola, e isso se tornou claro
para aqueles que nunca deram atenção a nada a não ser à doutrina mahayana, e que se
esqueceram de que havia também um credo sistemático do budismo. Estas novas fases
permanecem ainda na esfera de saber escolástico e ainda não estão fortes bastante para
despertar entusiasmo religioso. Mas o conhecimento do povo japonês em relação ao Budismo
parece, finalmente, estar atingindo uma grande reviravolta. É intenção do autor deste artigo
considerar esta fase como a última dos três focos acima mencionados.
As Quatro Nobres Verdades, de acordo com os textos canônicos, são a Verdade do Sofrimento, a
Verdade da Causa do Sofrimento, a Verdade da Extinção do Sofrimento e a Verdade do Caminho
de Oito Aspectos para a Extinção do Sofrimento.
Nobre aqui é usado com o sentido oposto de comum, ordinário, indicando iluminação
supramundama, uma condição transcendendo a existência mundana.
"A básica doutrina Budista das Quatro Nobres Verdades é completamente lógica: exclui qualquer
coisa que seja ilógica. A exclusão do ilógico é característica básica e única do Budismo." (Prof.
Mizuno Kogen "Essentials of Buddhism").
O Sutra do Girar a Roda do Darma no Parque dos Cervos, uma das seções do Samyutta-nikaya,
é onde as Quatro Nobre Verdades são descritas por Xaquiamuni Buda (cerca do século VII antes
de Cristo):
"Monges! Nascimento é sofrimento, velhice é sofrimento, doença é sofrimento, morte é
sofrimento."
"Estar unido ao que se detesta é sofrimento. Separar-se do que se ama é sofrimento. Não se
obter o que se deseja é sofrimento. Resumindo, apego aos cinco agregados é sofrimento."
"Esta é a Nobre Verdade do Sofrimento."
"Monges! É o apego que leva ao renascimento, conectado à alegria e ganância, continuamente
encontrando deleite e prazer ora aqui ora ali. É o apego por satisfações sensuais, apego à
existência e apego à não-existência."
"Esta é a Nobre Verdade da Causa do Sofrimento."
"Monges! O apego pode ser afastado e destruído, abandonado e rejeitado. Libertar-se e livrar-se
dos apegos (é possível)."
"Esta é a Nobre Verdade da Extinção do Sofrimento."
"Monges! Esta é a Nobre Verdade sobre o Caminho de Exterminar o Sofrimento:
ponto de vista correto, pensamento correto, fala correta, ação correta, meio de vida correto,
esforço correto, atenção correta e concentração correta."
Sofrimento
Causa do Sofrimento
("Budismo recomenda atividade positiva e uma atitude de não-eu para purificar a sociedade nesta
vida." - Prof. Mizuno)
Extinção do Sofrimento
O Caminho
Pensamento Correto - pensamento ou determinação que precede ação ou fala. Para uma
pessoa ordenada é a prática do pensamento correto através da mente cada vez mais gentil,
compassionada e pura. Para os leigos é pensar corretamente sobre sua situação e agir
determinadamente de acordo.
Fala Correta - surge do pensamento correto. Não mentir, não usar linguagem pesada, não falar
mal dos outros, não caluniar, não falar frivolamente e usar a fala beneficiando a todos e
conduzindo à harmonia, pela ternura que nutre a todos os seres.
Ação Correta - surge do pensamento correto. Não matar, não roubar, não cometer adultério. É
praticar boas ações como a de proteger e cuidar de todos os seres, observando os valores éticos.
Meio de Vida Correto - conduta correta na maneira de viver, de se manter, com hábitos
regulares e saudáveis de dormir, comer, trabalhar, fazer exercícios, descansar. Viver de maneira
a melhorar a saúde, ser mais eficiente e criar harmonia, eficiência e saúde para todos. Ter meios
de vida que considerem outros seres, outras formas de vida, o respeito e dignidade próprios e dos
outros presentes e passados, as futuras gerações, a sustentabilidade e a melhor qualidade da
vida.
Esforço Correto - dedicar-se constante e assíduamente ao caminho de obter os ideais de fé
religiosa, ética, eduação, política, economia e saúde produzindo e aumentando o que é bom e
prevenindo e eliminando o que é mal.
Atenção Correta - manter-se atento garante que com a correta consciência e percepção nunca
sejam esquecidos os objetivos ideais de fazer o bem a todos os seres. Na vida diária é agir com
cuidado e atenção, pois qualquer momento desatento pode causar um desastre. Do ponto de
vista Budista tradicional significa manter constante atenção à impermanência, sofrimento, não-eu.
Concentração Correta - aqui a referência é aos Dhyanas ou estados meditativos. Manter a
mente calma e concentrada para permintir a manifestação da sabedoria completa e verdadeira a
partir da qual surgem os pensamentos e ações corretas. Manter a mente clara e brilhante ativa
em tranquilidade, tranquila em atividade.
Agora, quando procuramos a fonte do Caminho, descobrimos que é universal e absoluta. Torna-
se desnecessário distinguir entre prática e iluminação. O ensinamento supremo é livre, então por
que deveríamos estudar os meios de atingi-lo? Sem dúvida, o Caminho está bem longe da
delusão. Por que, então, preocupar-se com os meios de eliminá-la?
O Caminho está completamente presente onde você está, então qual a necessidade de prática e
de iluminação? Contudo, se no início houver a menor diferença entre você e o Caminho, o
resultado será uma separação maior do que aquela entre o céu e a terra.
Se surgir o menor pensamento dualista, você perderá sua mente-Buda. Por exemplo, algumas
pessoas se orgulham de sua compreensão, e acreditam que estão ricamente dotadas com a
sabedoria de Buda. Crêem que já alcançaram o Caminho, iluminaram suas mentes e
conquistaram o poder de tocar os céus. Imaginam que estão andando no reino da iluminação.
Mas o fato é que quase perderam o Caminho absoluto, que está além da própria iluminação.
Ainda se vêem as marcas daquele que por seis anos sentou-se erecto e se ouvem os ecos do
Monte Shaolim onde por nove anos sentou-se de face para a parede aquele que transmitiu o selo
da mente.
Já que estes antigos sábios eram tão diligentes, como podem os praticantes dos dias atuais
deixar de praticar zazen? Devemos parar de correr atrás de palavras e de letras e aprendermos a
nos retirar e refletir sobre nós mesmos. Quando assim fazemos, nosso corpo e mente são
naturalmente transcendidos, e nossa natureza-Buda original se manifesta. Se almejarmos realizar
a sabedoria de Buda, devemos começar a praticar imediatamente.
Para fazer zazen, é desejável um local tranqüilo. Devemos ser moderados no comer e no beber,
abandonando todo relacionamento deludido. Deixando tudo de lado, não pensemos nem no bem,
nem no mal, nem no certo, nem no errado. Assim, tendo cessado a agitação da mente,
abandonamos até mesmo a idéia de nos tornar Buda. Isto é verdadeiro não só para o zazen, mas
para todas as nossas ações cotidianas, sem apego ao sentar ou ao deitar.
Geralmente, colocamos um acolchoado quadrado no chão, onde vamos sentar, e sobre ele uma
almofada redonda. Podemos sentar na posição de lótus ou na de meio lótus. Na primeira,
colocamos o pé direito sobre a coxa esquerda, e em seguida o pé esquerdo sobre a coxa direita.
Na segunda, apenas colocamos o pé esquerdo sobre a coxa direita. As roupas devem ser
folgadas, mas bem arrumadas. Em seguida, colocamos o dorso da mão direita sobre o pé
esquerdo e o dorso da mão esquerda sobre a palma direita, com as pontas dos polegares se
tocando levemente. Devemos nos sentar perfeitamente eretos, nem inclinados à direita, nem à
esquerda, nem para frente, nem para trás. As orelhas devem estar alinhadas com os ombros e o
nariz alinhado com o umbigo. A ponta da língua deve ser colocada no palato, os lábios e dentes
devem ficar fechados. Mantendo os olhos entreabertos, respiramos suavemente pelas narinas.
Finalmente, tendo regulado o corpo e a mente fazemos uma respiração profunda, movendo nosso
corpo para a esquerda e para a direita e então, devemos ficar imóveis, sentados tão firmes
quanto uma rocha. Existe o pensar, existe o não pensar e existe o inconcebível. Esta é a
verdadeira base do zazen.
Ao terminarmos o zazen, devemos mover o corpo devagar e nos levantar com calma. Não
devemos nos mover bruscamente.
Pela virtude do zazen, é possível transcender a diferença entre o comum e o sagrado e obter a
capacidade de morrer sentado ou de pé. Além do mais, é impossível para nossa mente
discriminatória compreender como os Budas e Ancestrais do Darma comunicaram a essência do
Zen a seus discípulos, com o levantar de um dedo, com uma vara, jogando uma agulha ou
batendo com o martelo de madeira; ou como eles transmitiram a iluminação com o levantar de um
hossu, de um punho, de um bastão ou com um grito.
Tampouco, este assunto pode ser compreendido através de poderes sobrenaturais ou de uma
visão dualista de prática e iluminação. Zazen é a prática além dos mundos subjetivos e objetivos,
além do pensamento discriminatório. Assim, nenhuma discriminação deverá ser feita entre o
inteligente e o não-inteligente. Praticar o Caminho com todo o respeito é, em si mesmo,
iluminação. Não existe separação entre a prática e a iluminação, ou entre o zazen e a vida
cotidiana.
Os Budas e Ancestrais do Darma, tanto neste país, quanto na Índia e na China, todos
preservaram cuidadosamente a mente-Buda e incentivaram assiduamente o treinamento Zen.
Devemos, pois, nos dedicar exclusivamente, e sermos completamente absorvidos pela prática do
zazen. Apesar da divulgação de inúmeras maneiras de se compreender o Budismo, devemos
praticar somente o zazen. Não há motivo para abandonarmos nosso assento de meditação e
fazermos viagens inúteis a outros países. Se nosso primeiro passo for errado, inevitavelmente
tropeçaremos.
Já tivemos a boa fortuna de nascer com um corpo precioso, então, não devemos desperdiçar
nosso tempo à toa. Agora que sabemos qual é a coisa mais importante no Budismo, como
podemos ficar satisfeitos com o mundo transitório? Nossos corpos são como o orvalho sobre a
relva, e nossas vidas como o clarão de um raio, que desaparece num instante.
Sinceros praticantes Zen, não se espantem com o Verdadeiro Dragão, nem gastem muito tempo
inutilmente apalpando apenas uma pequena parte do elefante. Dediquem seus esforços ao
caminho que leva diretamente à natureza-Buda. Respeitem aqueles que alcançaram o
conhecimento completo, que estão sem intenção de intenção.
Tornem-se um com a sabedoria dos Budas e assim, sucessores legítimos da iluminação dos
Ancestrais. Praticando desta maneira, certamente serão capazes de compreender tudo isto.
Então, a casa do tesouro naturalmente se abrirá e vocês poderão se servir à vontade
Em outubro de 1989 o monge Tokuda proferiu algumas palestras em Porto Alegre, em uma
atividade conjunta do Centro de Estudos Budistas, Departamento de Filosofia/UFRGS e
Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência/RS. Estas palestras foram transcritas nas
revistas Bodisatva 3, 4 e 5, aqui está a última.
Este título "Deus e o Vazio", pode parecer estranho. O vazio que é a teoria fundamental do
budismo, principalmente do zen, é o "nada". Dentro do cristianismo também podemos encontrar
esta compreensão do vazio, como nas palavras de São João da Cruz, místico espanhol. Ele
ganhou o título de "doutor em nada".
Como nas palestras anteriores, vou continuar falando sobre mestre Eckart, místico alemão, e
mestre Dogen, fundador da linhagem Soto Zen no Japão. Em primeiro lugar escolhi este sermão
de mestre Eckart: "Paulo levantou-se do chão e com os olhos plenamente abertos nada viu." Na
minha opinião, esse texto tem quatro sentidos: O primeiro é que, ao levantar do chão com os
olhos abertos viu o "nada", e o "nada" era Deus. O segundo: ao se levantar, nada viu além de
Deus. Terceiro, em todas as coisas nada mais viu além de Deus. No quarto, quando viu Deus viu
todas as coisas como "nada". Esta frase "quando Paulo se levantou do chão com os olhos
plenamente abertos nada viu" corresponde à experiência de São Paulo quando ia para Damasco.
Era contra Jesus Cristo - nunca o vira pessoalmente, mas estava em oposição a ele.
Nessa viagem, escutando a voz de Jesus Cristo, quase desmaiou. Caiu, levantou-se, tornou a
cair, ficou cego três dias. Depois sua vida mudou totalmente. Em lugar de atacar Cristo, meio que
tornou-se discípulo, mesmo nunca o tendo encontrado pessoalmente. Começou a pregar a
palavra de Jesus Cristo para os estrangeiros. Chegou até a brigar com São Pedro. Na Bíblia
encontramos esse tipo de experiência mística de São Paulo e São João.
Comentada por mestre Eckart, a frase me lembra mestre Dogen no capítulo "vida e morte"
do Shobogenzo, onde dois monges discutiam, "Em vida e morte existe Buda, logo, prá que
preocupar com vida-e-morte? 'Vida-e-morte' é o mesmo que 'samsara'; mundo ilusório. Na vida
'samsara'; que vivemos com vida, morte, sofrimentos, existe Buda. Por isso, não se preocupe
com essas dores e sofrimentos, dizia um. E o outro, "Não, nada disso, em vida-e-morte não existe
Buda, não há que preocupar com vida e morte, pelo contrário."
Um dizia que dentro da vida existe Buda e o outro afirmava o contrário. Discutiram até que um
deles, percebendo que não conseguiam sair do impasse, propôs inquirir o mestre, que
respondeu, "Um está muito próximo e o outro longe", e o monge que perguntou insistiu, "Mas
quem está mais perto e quem está mais longe?" e o mestre falou, quem está mais próximo não
precisa perguntar. Em suma, quem perguntou, perdeu.
Se existe ou não existe Buda dentro de vida-e-morte é questão ociosa, ambas as posições são
verdadeiras, ambas são a mesma. São as duas faces de uma moeda. Uma moeda é composta
das duas faces. Com pontos de vista diferentes chega-se a diferentes conclusões, da mesma
forma que o desenho de um cubo, visto de um ponto ou outro, também muda.
Mestre Eckart vê na experiência de São Paulo quatro possibilidades. Na primeira, quando ele se
levantou do chão com os olhos abertos e viu o "nada", o "nada" era Deus. Na segunda, ao se
levantar ele nada viu além de Deus. Na terceira, em todas coisas ele nada mais viu além de
Deus. Isto é igual à discussão anterior sobre o Buda em todas as coisas. Ou seja, em vida-e-
morte existe Buda, por isso você não precisa se preocupar. Dentro de todas as coisas você pode
encontrar Buda, Deus. Quarta: quando viu Deus, viu todas as coisas como "nada". Esta é a outra
possibilidade. Dentro de vida-e-morte não existe Buda nem Deus, mas "nada". Por isso não é
necessário se preocupar com vida-e-morte.
Há outras passagens de mestre Eckart: "A luz que Deus é brilha no escuro. Deus é que é a
verdadeira luz. Para ver isso a pessoa deve estar cega e deve tirar para fora de Deus tudo o que
é algo. Um mestre diz que aquele que falar de Deus através de qualquer semelhança, fala de
modo simplório Dele. Mas falar de Deus através do 'nada'; é falar Dele corretamente. Quando a
alma unificada entra na total auto-abnegação, encontra Deus como um Nada."
Aqui se diz "quando se fala de Deus através do nada, fala-se Dele corretamente". Uma vez um
dos monges, discípulo direto de Buda, cujo nome era Subhuti - aquele que no Sutra do Diamante
faz as perguntas porque entende sunya, o vazio, profundamente -, estava sentado em meditação
sobre uma pedra. Profunda concentração. De repente, sente algo cair sobre si. Eram pétalas de
flores. "o que está acontecendo?!" perguntou surpreso, e Deus Brama apareceu, "o que está
fazendo aí?" Subhuti: "Admirando..." Brama: "Admirando o quê, qual nada, estás falando o vazio."
E Subhuti: "Não estou falando nada". Então Brama concluiu, "É precisamente isso, estás
explicando perfeitamente o vazio", enquanto pétalas caíam.
A história aqui é mitológica, pertence à mitologia budista. Diz em resumo que quando você não
fala, fala perfeitamente, com o sermão do corpo, das figuras, dos gestos, que mostram o
interesse, atenção, cansaço, etc. O corpo fala também durante a meditação. Estando naquele
estado, o vazio fala perfeitamente. A luz de Deus brilha na escuridão, Deus é a verdadeira luz.
Para ver isso deve-se estar cego, e tirar fora de Deus tudo o que é algo. Cego como ficou São
Paulo durante três dias. Necessariamente.
Há outro discípulo de Buda cujo nome é Anuruda. Em certa ocasião, durante um sermão de
Buda, ele, sem querer, caiu no sono. Buda chamou sua atenção. De tão envergonhado, ele
tomou a decisão de dali em diante não mais dormir. À noite, não mais deitava, meditava sentado
dia e noite. Esse treinamento forte o deixou cego. Ele perdeu uma visão, mas diz-se que isso lhe
abriu outra.
Muita gente diz "abriu o terceiro olho". Os budistas falam no olho do céu. Falam que temos cinco
tipos de olho: o olho de carne, ou olho físico; o olho de sabedoria, que permite ver as coisas
invisíveis; o olho do céu; o olho de Darma; e, por último, o olho de Buda. Assim, indo além do
olho físico, você começa a ver as coisas que anteriormente não via. As pessoas acreditam no que
estão vendo, mas será que você está vendo as coisas mesmo, ou a projeção de coisas de sua
mente consciente e inconsciente?
Ri-se de uma historia zen muito engraçada. Havia uma padaria em frente a um templo budista. O
monge precisou viajar e pediu que o dono da padaria cuidasse do templo, atendesse visitas, etc.
Ocorre que chegou um monge viajante à aldeia. Antigamente os monges viajavam, numa espécie
de treinamento monástico, visitando outros monges, mestres e mosteiros. Desafiavam os mais
fortes no Darma, e mantinham-se treinando. O recém-chegado também praticava assim.
Nessas batalhas do Darma, com perguntas e respostas, quem perdia era obrigado a deixar o
templo; quem ganhava podia ficar como responsável. Uma batalha do Darma era algo muito
sério. Não era uma batalha de luta, mas de conhecimento, de experiências, de linguagem.
O monge visitante estava chegando e o dono da padaria, preocupadíssimo, ouvia a sugestão do
chefe da aldeia, "Raspe a cabeça, coloque o manto e apenas sente-se diante da parede como se
estivesse meditando. Faça como se estivesse em treinamento de silêncio, nada fale, nem escute
e nem responda." O dono da padaria se animou, "Ah, é fácil, isso eu posso fazer." Raspou a
cabeça, colocou o manto e sentou-se voltado para a parede. Nisso chegou o monge visitante e
começou a fazer perguntas sobre o Darma, a doutrina budista. O dono da padaria assumiu um
tom grave e fez "Shhh". O monge entendeu, Ah, ele está fazendo muitos dias de treinamento de
silêncio, mas já que estou aqui depois de tão longa caminhada nas montanhas você vou
aproveitar e perguntar com gestos, assim ele também pode responder com gestos, sem quebrar
seu voto de silêncio.
Gesticulando, perguntou, Como é seu coração, seu espírito? O dono da padaria respondeu com
um grande gesto para as dez direções, ou seja, os quatro pontos cardeais, os quatro pontos
médios entre eles, para cima e para baixo, "Meu coração é corno o oceano." Veio a segunda
pergunta "Como viver este mundo?", e o dono da padaria mostrou os cinco dedos da mão, panca
sila, os cinco preceitos: não matar, não roubar, não cometer adultério, não conduzir os outros a
erros, não usar intoxicantes. O monge sentiu-se tocado, "Ah, que bonito!" E mostrou três dedos
da mão, perguntando, "Onde estão as três jóas, o Buda, o Darma, a Sanga?" Ao que o dono da
padaria respondeu com o punho, "Não procure longe, está aqui muito perto, perto do olho, está
aqui." Impressionado, o viajante foi embora.
Vendo isso, o chefe da aldeia correu até o padeiro, "O que aconteceu? Ele foi embora muito
impressionado, me conta", e o dono da padaria explicou, "Aquele monge é muito estúpido,
primeiro, fez um gesto com as mãos, perguntando quanto custava o pão, se o pão era muito
pequeno, e eu abri bem os braços mostrando que meu o pão é bem grande. Ele perguntou
quanto custavam dez pães e eu mostrei-lhe cinco dedos, dizendo cinco moedas, mas ele me
mostrou três dedos, pedindo que vendesse por três, e eu pensei, que sem-vergonha, e por pouco
não lhe acertei um soco no olho!"
Esta é uma história muito engraçada que mostra cada um vendo o que está pensando em sua
própria mente, interpretando à sua maneira. Quando você fica velho, toda a manhã pega o jornal
e busca qual página? A necrológica! ... As cruzes com preto e dourado... Ah, morreu com oitenta
e cinco anos, coitadinho, eu tenho 77 (risos), mas isto não é brincadeira para uma pessoa. Eu, ao
abrir o jornal, nem penso na seção necrológica, nem na policial, mas corro logo os olhos para ver
o que passa no cinema... "Karatê Kid III, ah, isto é interessante!..." O que você vê depende de seu
interesse. Aquilo que não lhe interessa, ainda que esteja lá, você não vê. Muitas vezes ocorre o
oposto, você vê o que não existe, você cria. Por isso, não confie muito naquilo que esteja vendo.
Como podemos ver as coisas verdadeiramente? Como já disse em palestra anterior, aqui há uma
mesa, mas mesa o que é? Madeira, árvore, pregos e o que mais? Afinal de contas, nada, vazio.
Tudo é vazio.
Para ver a verdade você tem que ser cego e tem que abrir a outra visão, o olho de Buda, 0 olho
da sabedoria, o olho do Darma, e com isso você pode começar a ver as coisas invisíveis, ver até
o que o outro está pensando, ou o que irá acontecer daqui a dez anos. Às vezes a gente vê e isto
realmente acontece, não é algo sobrenatural. Meditando, aquela onda de consciência, a mente
fica completamente tranqüila, como o lago rodeado de montanhas altas.
Quando não há ondas, a água reflete com perfeição a lua cheia. Zazen é isto, sentando,
refletindo, vêem-se as coisas como elas são.
Mestre Eckart: "Apareceu ante um homem como um sonho. Foi um sonho acordado em que ele
ficou grávido com 'nada'; como uma mulher com um filho no ventre.
E daquele 'nada' um filho nasceu; este era o fruto do nada." Deus nasceu do nada e por isso ele
diz: "levantou-se do chão com os olhos abertos vendo nada."
O treinamento zen no Japão se dá atualmente através de duas escolas, a escola Rinzai e a Soto.
Eu sou da escola Soto mas fui treinado na Rinzai. Quando você encontra pela primeira vez seu
mestre no mosteiro, geralmente o mestre dá um koan, uma pergunta, este é o método na escola
Rinzai. A primeira categoria de koans chamamos de "hoshin", ou "corpo cósmico de Buda". A
primeira experiência do zen é através da meditação onde você encontra o corpo cósmico de
Buda. Abandonando o ego, desaparecendo o seu corpo, aí há unidade com o universo. Por isso
há um koan inicial como o do cachorro, do mestre Joshu, ou o do som de uma só mão. Se batem-
se palmas ouvem-se sons, mas quando há só uma mão, qual é o som? Ou o koan do carvalho do
jardim da frente, ou ainda o do rosto original antes do nascimento, antes do nascimento dos
próprios pais. Estas perguntas paradoxais se destinam a tirar todos os condicionantes mentais
anteriores, limpar a mente. Hoje a escola Rinzai ainda treina assim, mas as perguntas e
respostas originais eram um pouco diferentes. Um monge perguntou ao mestre Joshu, "Cachorro
tem natureza de Buda?" e mestre Joshu respondeu, "Mu", uma negação. Mas como Buda havia
dito que todos os seres viventes têm a natureza de Buda, "Por que o cachorro não tem?" Então
Joshu respondeu "Por que tem consciência cármica". Aí outro monge repetiu a pergunta,
"Cachorro tem a natureza de Buda ou não?" Desta vez mestre Joshu respondeu, "Sim", e o
monge complementou, "Por que então entrou Buda neste corpo coberto de pêlos?"
Durante um retiro de meditação intensiva, você tem que fazer entrevista "dokusan" com o mestre,
cinco vezes por dia. Você pensa, pensa e imagina ter achado uma resposta maravilhosa, "Ah,
que bom!", e mostra a resposta ao mestre que responde, "O quê? Nada disso! Vá embora!" O
monge volta a pensar, pensar e pensar. Esforça-se e novamente pensa ter encontrado uma
solução, leva ao mestre e, "Não! Você quer dar sermão para mim? Vá embora." Desânimo, não
era novamente... E assim vai, tentando, tentando... A função do mestre e dizer "não, não, não...",
sempre não! Mais nada deve dizer...
O monge fica sem possibilidades. Depois de um ou dois dias elas estão esgotadas. Sem
resposta, não pode mais visitar o mestre. Para responder o quê? Aí, não tendo mais o que
pensar, ele senta em zazen, mas os monges veteranos vão buscá-lo, "Venha logo, o mestre está
esperando para a entrevista", e ele responde, "Eu sei, mas não tenho mais nenhuma resposta".
Eles arrastam o monge e o jogam à porta do mestre, "Ainda há tempo, vamos logo, o mestre está
esperando!" Quando ele entra, e não há outra alternativa senão entrar, o mestre está na posição
formal, sentado ereto, e pergunta, "Quem está aí? Ah, você, vá embora, vá embora."
O monge tem que entrar e responder, mas já não consegue nem mesmo entrar! Que sofrimento!
Ter que responder onde não é mais possível; sentar, a única alternativa é sentar...! Não há
resposta possível! Uma semana com cinco encontros diários é algo muito longo! Mas não ha
como evitar, é preciso ir e ir novamente, novamente, etc. Cada um, no entanto, tem seus próprios
koans, adequados ao seu nível de compreensão. No meu caso foi o primeiro koan, o "mu" do
cachorro, de Joshu. ..
Quando se chega ao retiro muitos são os monges novatos e o mestre não se lembra de todos,
cada um tem que apresentar o que está fazendo, que tipo de koan está aprendendo. É preciso
falar em japonês o enunciado todo do koan em uma voz empostada, uniforme e sem pontuação,
mas enfática, como uma recitação de sutra:
"UM MONGE PERGUNTOU A MESTRE JOSSHUUUUuuuu
CACHORRO TEM A NATUREZA DE BUDA OU NÃOOOOoooo
E JOSSHU RESPONDEUUUUuuuu
MUUUUUUUUUUUUUUUUUUuuuuuuuuuuuuu"
E o mestre responde "Humm; ainda muito insuficiente." Quando você expira, tem que ser como
uma cunha que corta um tronco, deve durar dez segundos, quinze segundos, até trinta segundos.
Neste momento você não pensa em nada. E assim segue, "MUUUUUuuuuuu....", dia e noite,
como uma bola de ferro fervente, vermelha, queimando todos os pensamentos e idéias
anteriores. Você não pode vomitá-la, não pude engoli-la e ela está aqui embaixo do umbigo
também, no ponto de "kikai". E não há resposta; chegando à frente do mestre, apresenta este
"MU" e quando está muito bem o mestre resmunga "HUum HUum". Que alívio, que bom! O
monge está concentrado com todas as forças físicas do espírito e da vontade. O "mu" vem do
topo da cabeça à extremidade do pé. E assim vai indo, vai indo... De repente, fazendo a
concentração de "mu", você encontra aquela parede, aquele paredão, aquela muralha de ferro.
Você se concentra e não consegue, cai, tenta novamente e cai, e assim vai. Isto é mais do que
um general enfrentando mil inimigos, pegando aquela espada de três quilogramas, onde ela
passa corta tudo. Assim corta todos seus pensamentos anteriores e vai indo, indo, indo, às vezes
uma semana, às vezes sete anos; durante sete anos apenas "muuuu..." - tem que ter muita
paciência. Mas de repente essa parede quebra. Isto é "kenshu", a primeira experiência zen. Não
é fácil, é necessário ter muita força de vontade.
Voltando ao nosso assunto, cachorro tem natureza de Buda? Não, não tem. Por quê? Buda disse,
Todos os seres viventes têm natureza de Buda, então por que o cachorro não teria? Se Buda
está falando a verdade, o mestre está mentindo, se o mestre está falando a verdade, então Buda
está mentindo. Isso é um dilema. Este é o método do zen, o dilema, buscando limpar todos seus
esquemas de raciocínio lógico e com isto penetrar dentro do inconsciente. A função é essa. Hoje
em dia vejo assim, mas naquela época não sabia nada disso. Apenas nada havia para ser dito,
mas o mestre pegava o monge pelo pescoço e dizia, "Fala, fala, fala!"... Falar o quê? Nada havia
para falar! "Fala, fala!" Ufa!! Não tenho nada para dizer!... "Fala, fala".
E brota o grito "KAAAAAAAAAaaaaaatttzzzz......". O famoso "katz". Parece uma loucura, mas é
algo muito sério entre os que estão vivendo isso. "Chegou o momento de dokusan, anda."
Atravessando o corredor, passo a passo, firme.
E o fato do monge ter consciência cármica que o impede de atravessar o muro. Quem tem
consciência cármica não consegue ver além de seus carmas! Outro monge vem e pergunta ao
mestre, Cachorro tem natureza de Buda? Resposta: Tem. Então por que entrou dentro deste
corpo coberto de pêlos? Ele entrou com um propósito, sabendo que em vez de entrar no paraíso
entra no estado animal, ou no estado dos demônios famintos, ou até no inferno. Ele está pronto
para isso. Hoje pela manhã foram citadas estas palavras de São Paulo: "Se for para a glória de
Deus, posso ser até mesmo separado de Deus, posso entrar em quaisquer tipo de dificuldades."
Esse é o verdadeiro espírito de bodisatva. Mas quando você entra no inferno, a cada passo que é
dado, este mundo muda e transforma-se no paraíso, isso é o que acontece. Isso é uma coisa
milagrosa. Moisés atravessou o Mar Vermelho que se abriu para ele. Milagre! Mas isso acontece.
Muitas vezes encontramos uma dificuldade insuperável; como atravessá-la se até mesmo a visão
não é possível e está tudo nebuloso? É possível ver apenas um passo, dois passos, cinco
metros, e só após andar um longo trecho a visão é possível novamente e o nevoeiro esta
superado. E preciso ir andando. As dificuldades chegam de todos os lados à volta de você.
Pensando logicamente é impossível chegar até lá, mas passo a passo vai-se indo, confiando no
caminho de Deus ou de Buda, superando as dificuldades uma a uma e termina-se chegando no
outro lado. Sabendo isto, com este propósito, entra-se no estado inferior.
E como o exemplo de ontem. A esposa perdeu a vista e o marido perfurou seus próprios ólhos
para acompanhá-la. Deus é isso. Deus está lá, por que precisaria vir aqui? Ele é puro, perfeito,
por que escolher este mundo doloroso e chegar até mesmo a viver a crucificação como um
criminoso, com suas mãos e pés pregados ao lenho? Ele estava lá tão bem com o Pai. Ele
escolheu isto. Escolhendo este mundo inferior, doloroso, sofrido, Deus encarnou, tornou-se
homem para ajudar a nós. É isso aí.
Quando cachorro é cachorro, é Buda, porque dentro de todas as coisas Deus está. Além disso
nada mais há. Dentro de todas as coisas pode-se ver Deus, apenas Deus, então por que não
dentro de um cachorro? Então cachorro enquanto cachorro é Buda. Cachorro é Buda, mas não é
preciso dizer que cachorro é Buda. Basta dizer "cachorro". E por isso que se diz que dentro de
vida-e-morte não existe Buda.
Quando se diz "cachorro é Buda", está se comparando, cachorro está sendo colocado como algo
absoluto, como Deus, ou como Buda. Quando cachorro é realmente cachorro, nem é preciso
dizer que é Deus, basta chamá-lo de cachorro, pronto. Então, nesse momento, Deus desaparece
e com isto surge a perfeição, porque todas as coisas estão no seu lugar, no seu estado perfeito,
absoluto, cada um de nós também. Neste momento você tem que realizar, não amanhã, ou
depois de amanhã, mas nesta vida. Por isso se diz, aqui e agora você tem todas as condições. As
jóias do tesouro já estão dentro de sua casa, apenas é necessário abrir a porta e usar livremente.
RESPOSTAS A AUDIÊNCIA
Não sei por que no Oriente a ciência não se desenvolveu. Creio que é pelo fato de a ciência, de
certo modo, ser muito analítica e no Oriente trabalhar-se mais com a intuição.
O que me preocupa como médico de medicina oriental é que o pensamento da ciência, buscando
encontrar a verdade - e isso é muito bom -, se lança em analisar mais e mais, perdendo a visão
global. A medicina oriental já se preocupa com isto, descobrir os meridianos. Dentro das orelhas
com a auricultura, encontra- se todas as partes do corpo. Dentro das palmas das mãos também
encontra-se todas as partes do corpo, da mesma forma nas palmas dos pés e no intestino grosso.
Dentro dessas pequenas partes, o conhecimento da medicina oriental permite encontrar fígado,
estômago, baço, pâncreas, etc. Não sei como foi isso descoberto.
Hoje em dia a medicina tradicional está muito preocupada em analisar e encontrar a verdade "no
fundo", e com isso perde a visão global. O que acontece? Cada especialista de fígado, estômago,
pulmão, vista, orelha, etc., perdeu a visão global da relação de cada órgão com os demais. Não
sei como os orientais descobriram isto pela própria experiência. Hoje em dia a ciência está
começando por baixo, aceita que existam os meridianos, que existam essas teorias - e realmente
existem e funcionam.
Então estamos vivendo o momento em que a experiência está à frente mas carece de
explicações lógicas. O médico que incorpora práticas orientais milenares não tem explicações
para o que observa e pratica, apenas vem praticar a arte da cura através da experiência. Desta
forma, neste momento a ciência está começando a provar o que já se praticava há muito tempo
na medicina oriental. De certo modo, podemos dizer que a ciência está atrasada e que agora é
que começa a incorporar essas experiências.
Nos Estados Unidos fizeram uma experiência muito interessante: primeiro uma câmara focava um
parque em pleno centro da cidade, Nova Iorque ou Boston. No parque havia um casal de
namorados sentados e abraçados. A partir desse ponto, a câmara começa a afastar-se cada vez
mais, mostrando inicialmente o banco, depois o parque inteiro, a cidade inteira, a região
metropolitana, o estado, o país inteiro, o continente americano, e afastando-se mais e mais, o
globo terrestre e ainda a Terra como uma estrela entre outras.
Depois voltando novamente até o parque, com o casal conversando no banco, e continua
aproximando mais e mais, a pele, o interior do corpo, o átomo, o elétron, o próton e o que mais.
Conseguindo isso, até onde é possível ir? Essa é a questão.
Primeiro a busca das causas; a questão dos físicos e da ciência é, ao mesmo tempo, uma
questão religiosa: "de onde veio a vida?" Os cientistas podem criar uma coisa com alguns
materiais.
Se não tiverem os materiais como ponto de partida, nada podem fazer e criar. Aí vem a pergunta
"Deus nasceu de nada, como pode acontecer isso?" Ainda não temos resposta para isso, tanto
na ciência como na religião.
Fazendo como a câmara que se afasta, indo até os confins do universo, será que o universo tem
fim ou não? Todos querem essa resposta mas ela não é conhecida, então como é o final do
mundo? O universo é como um prédio grande? Mas então, ultrapassando a parede desse prédio,
o que há além?
O infinito não pode ser imaginado. E o vazio, o que é isso? Não entendo. Essa é a busca dos
cientistas e da mesma forma é também a busca dos religiosos e dos budistas.
Mergulhando-se mais e mais encontra-se o que? Encontra-se aquela experiência direta, o vazio,
e vazio é tudo. Esse vazio não significa haver ou não-haver, ou o niilismo. Quando há o nada, há
o tudo ao mesmo tempo. Encontra-se essa resposta. Aqui não há lógica. Encontra-se o tudo, mas
com intuição direta, com experiência própria é que se encontra e com certeza absoluta. Sente-se
isso, e isso é o encontro com Deus como o "nada".
Quando Xaquiamuni Buda girou, pela primeira vez, a roda do Darma Ajnata-kaundinya despertou
e em seu último discurso do Darma foi Subhadra, quem se iluminou. Todos que deveriam ser
despertos assim o foram. Entre duas árvores sala, Xaquiamuni Buda estava quase entrando
Parinirvana. Era o meio de uma noite calma, sem sons. Para o bem de todos seus discípulos
Xaquiamuni Buda fez uma breve explanação dos fundamentos do Darma:
Ó Monges! Depois de minha morte respeitem e compartilhem os Preceitos. Manter os Preceitos
é como encontrar uma luz na escuridão, como uma pessoa pobre encontrando um grande
tesouro. Saibam que os Preceitos são seu mestre. Manter os Preceitos é Me manter sempre
vivo neste mundo. Aqueles que mantém os Preceitos não devem se dedicar ao comércio e não
devem possuir campos e moradias, não devem governar sobre outras pessoas nem manter
servos ou animais. Devem evitar ter plantações e acumular bens da mesma forma que se evita
uma fogueira. Não devem cortar grama nem árvores, arar o solo ou cavar a terra. Misturar
remédios, ler a sorte, observar a posição das estrelas, predizer as fases da lua, calcular
calendários e dias auspiciosos são coisa que não devem ser feitas.
Controlem seus corpos, comam nas horas certas, se conduzam em pureza. Não se envolvam
nos afazeres mundanos nem ajam como mensageiros, não façam mágicas, não misturem poções
nem se tornem íntimos com pessoas eminentes. Tudo isso não deve ser feito. Com a mente
clara e atenção correta vocês devem procurar o despertar. Vocês não devem esconder seus
erros, exprimir pontos de vista errôneos nem liderar pessoas erradamente. Ao receber as quatro
espécies de ofertas, saibam a quantia correta e fiquem satisfeitos. Não acumulem ofertas.
Agora vou falar brevemente em como proteger os Preceitos. Os Preceitos são as bases da
verdadeira libertação, por isso são chamados de pratimoksa - o que leva à libertação. A confiança
nos Preceitos faz surgir todos os dhyanas e a sabedoria da extinção do sofrimento. Por esta
razão, ó Monges, vocês devem manter os Preceitos e não os devem infringir.
Ó Monges! Vocês que mantém os Preceitos devem controlar os cinco sentidos. Não deixem os
sentidos desprotegidos permitindo que os cinco desejos penetrem.
É como um vaqueiro brandindo sua vara para evitar que o gado invada a plantação de outra
pessoa. Se há indulgência nos cinco sentidos os cinco desejos ficarão à solta e vocês serão
incapazes de controlá-los. Novamente repito, é como um cavalo bravo que não pode ser
controlado pelo chicote e cai numa vala levando seu cavaleiro com ele. Assim como o sofrimento
de ser ferido por um ladrão dura apenas uma vida, o mal causado pelos cinco sentidos se
estende através de muitas vidas criando grande dor. Não negligenciem a atenção. É por esta
razão que a pessoa sábia controla seus sentidos e não os segue, mantendo-os guardados, não
permitindo que vagueiem ao léu e mesmo quando os libertam, logo todos se extinguem.
A mestra dos cinco sentidos é a mente. Por esta razão vocês devem controlar suas mentes. A
mente deve ser mais temida do que cobras venenosas, bestas selvagens ou assaltantes
vingadores - mesmo grandes incêndios e destrutivas enchentes não podem a ela ser
comparadas. É como uma pessoa que correndo celeremente com uma jarra de mel nas mãos
olhe apenas para o mel e não veja um grande buraco. Repito, é como um elefante enlouquecido
sem uma corrente ou um macaco pulando nos galhos das árvores - ambos são muito difíceis de
se controlar. Dominem a mente imediatamente e não a deixem desembestar.
Se cederem, perderão a boa sorte de terem nascido humanos. Se mantiverem a mente
focalizada, não haverá nada que não possam obter. Por esta razão, Monges, vocês devem se
esforçar com muita diligência para manter a mente sob controle.
Ó Monges! Quando receberem comida e bebida vocês devem considerá-las como
remédio. Não peguem mais daquilo que gostam e menos daquilo que desgostam. Apenas
aceitem o suficiente para manter suas vidas e evitar fome e sede. Assim como a abelha apanha
apenas a doçura das flores sem manchar sua cor ou tirar sua fragrância, assim vocês devem
fazer. Aceitem apenas o suficiente das ofertas para evitar tristezas. Não peçam muito para não
destruir boas intenções. Isto pode ser comparado com uma pessoa sábia que conhece a força de
seu touro e não o sobrecarrega.
Ó Monges! Se alguém vier desmembrá-los, articulação por articulação, vocês devem controlar a
mente e não permitir que o ódio surja. Da mesma forma vocês devem proteger suas bocas, caso
contrário, palavras más sairão delas. Se vocês permitirem pensamentos de raiva vocês estarão
obstruindo seus próprios caminhos e perdendo o benefício de seus méritos. A paciência é uma
virtude que não se iguala nem a manter os Preceitos, nem as práticas ascéticas. As pessoas que
praticam paciência podem verdadeiramente ser chamadas de poderosas, de seres superiores.
Aquelas pessoas que não podem aceitar o veneno do abuso com paciência e alegria, como se
estivessem bebendo o néctar celestial, não podem ser chamadas de pessoas de sabedoria que
adentraram o Caminho. Por que? Porque os efeitos maléficos do ódio quebram todos os bons
ensinamentos e destroem o bom nome, de forma que, tanto no presente como no futuro, outras
pessoas não sentirão prazer em vê-los. Vocês devem saber que o ódio é mais poderoso que um
fogo ardente. Sempre se protejam e não permitam que a raiva penetre. Nenhum ladrão rouba
mais méritos do que o ódio. Leigos cheios de desejos, sem praticar o Caminho, não conhecendo
os ensinamentos, sem capacidade para se controlar - neles a raiva pode ser desculpável. Mas,
aqueles que deixaram o lar e praticam o Caminho do não desejo nunca devem permitir que o ódio
surja, assim como o trovão e o raio não ocorrem num céu suave e claro.
Monges! Lembrem-se de suas cabeças raspadas. Vocês já abandonaram ornamentação, usam
roupas simples e são pedintes. Vejam-se assim: se o orgulho surgir vocês o devem extinguir
imediatamente. Cultivar o orgulho não é apropriado mesmo para aqueles vivendo no mundo,
quanto mais para aqueles que deixaram seus lares para entrar no Caminho - aqueles que
controlam seus corpos e praticam o esmolar para obter libertação.
Ó Monges! Uma mente desonesta é incompatível com o Caminho. Por esta razão vocês devem
cultivar honestidade. Vocês devem saber que desonestidade só produz enganos. Alguém que
entrou o Caminho, logo, não vive nesse plano. É por isso, Monges, que vocês devem ter a mente
correta e agir baseados na honestidade.
Ó Monges! Vocês também devem saber que uma pessoa de muitos desejos, procurando
grandiosidade apenas para si mesmo, sofre muito. A pessoa de poucos desejos, nem
procurando nem desejando nada, não tem esse pesar - esta a simples razão pela qual vocês
devem praticar o mínimo de desejos. Mais do que isso: devem praticar poucos desejos porque é
a fonte de todos os bons méritos. Uma pessoa de poucos desejos não manipula a mente dos
outros desonestamente nem é levada pelos seis órgãos dos sentidos. A mente daqueles que
praticam poucos desejos é tranqüila e não tem preocupações. Seja o que tiver é suficiente,
nunca há insuficiência. Para aqueles que tem poucos desejos o Nirvana existe. Esta é a prática
de poucos desejos.
Ó Monges! Se vocês querem se libertar de todo sofrimento vocês devem conhecer o
contentamento. O estado de contentamento é a condição de prosperidade e bem estar. Aquele
que está contente fica feliz mesmo quando tem apenas a terra para se deitar sobre ela. Aquele
que não fica contente está insatisfeito mesmo em palácios celestiais. Quem não conhece o
contentamento é pobre apesar de todas as riquezas que possa ter. Alguém que é contente é rico
não importando quão pobre possa ser. Quem não conhece o contentamento é sempre arrastado
pelos desejos provocados pelos cinco sentidos e deve ser apiedado por quem é contente. Esta é
a prática do contentamento.
Ó Monges! Se vocês procuram pela benção da tranqüilidade irremovível, vocês devem abandonar
o tumulto da sociedade e viver a sós em um retiro quieto. Aqueles que vivem em solidão são
honrados por Indra e pelos seres celestiais. Por isso vocês devem deixar tanto as suas como as
outras comunidades e viver a sós em locais remotos com a intenção de extinguir a origem do
sofrimento. Os ávidos por companhia recebem os sofrimentos de estar em companhia, assim
como uma árvore corre o risco de murchar se muitos pássaros viverem nela.
Se estiverem apegados ao mundo, irão afundar no sofrimento comum assim como um velho
elefante se afoga na areia movediça e não consegue dali sair. Tal é a prática do isolamento.
Ó Monges! Se vocês diligentemente praticarem o esforço correto nada será difícil. Por isto vocês
devem diligentemente praticar o esforço correto, assim como o constante gotejar da água pode
furar uma rocha.
Se a mente do praticante for inclinada à indolência será como alguém que esfregasse a madeira
para iniciar o fogo e descansasse antes da madeira ficar quente. Mesmo que essa pessoa queira
o fogo, a faísca não acontece. Tal é a prática do esforço correto.
Ó Monges! Não percam a atenção quando procurarem por um professor ou por um amigo. Se
vocês não perderem a atenção, as paixões não poderão entrar. Por isso, Monges, sempre
mantenham a atenção. Se perderem a atenção, perderão todo o mérito. Se o poder de sua
atenção for forte você não poderá ser ferido pelos desejos provocados pelos cinco sentidos,
mesmo que surjam, da mesma maneira que, se entrar numa batalha usando uma armadura não
terá o que temer. Esta é a prática de não perder a atenção.
Ó Monges! Se unificarem suas mentes, suas mentes estarão concentradas. Quando suas
mentes estão concentradas vocês poderão compreender as marcas do surgir e do extinguir em
todas as coisas no mundo. Por isto, ó Monges, vocês devem sempre e diligentemente praticar a
concentração. Se obtiverem a concentração suas mentes não ficarão dispersas. Assim como um
lugarejo, para conservar água mantém suas barragens em bom estado, assim o praticante, para o
bem da água da sabedoria, deve concentrar-se em meditação e não permitir que vaze. Tal é a
prática da concentração.
Ó Monges! Se vocês tiverem sabedoria não terão ganância. Observem-se e não permitam que a
sabedoria se perca. Então, através dos Meus ensinamentos vocês poderão se libertar. Se assim
não o fizerem não serão considerados seguidores do Caminho, nem mesmo leigos serão. Em
verdade, a sabedoria é um navio forte que os leva através do oceano da velhice, doença e morte.
Repito, é uma grande lâmpada iluminando a escuridão da ignorância. É um remédio maravilhoso
para todas as doenças. É um machado afiado que corta a árvore das paixões. Por isso, ó
Monges, através do ouvir, do pensar e do praticar, vocês devem aumentar sempre a sabedoria.
Se vocês possuírem o brilho da sabedoria poderão ver claramente mesmo com seus olhos de
carne. Tal é a sabedoria.
Ó Monges! Se vocês se engajarem de forma leviana em conversas inúteis suas mentes ficarão
confusas. Mesmo que tenham abandonado suas casas não poderão obter libertação. Por isto,
Monges, devem imediatamente abandonar pensamentos confusos e conversas
desnecessárias. Se quiserem obter a benção do Nirvana vocês devem apenas extinguir o mal de
falar à toa. Tal é a prática de evitar a fala fútil.
Ó Monges! De todas atividades meritórias vocês devem, de todo coração, concentrar-se em
afastar qualquer forma de indulgência pessoal, assim como vocês evitariam um ladrão. O
benéfico ensinamento de grande compaixão do Mais Honrado agora se completou.
Monges, vocês devem se esforçar diligentemente na prática do Ensinamento. Tanto se viverem
nas montanhas como à beira d'água, sob uma árvore, num local remoto ou num aposento
sossegado, coloque sua atenção no Ensinamento que recebeu e não o esqueça. Vocês devem
sempre se empenhar na prática do Ensinamento e do esforço correto. Se morrerem em vão, sem
ter feito nada, vocês se arrependerão no futuro. Sou como um bom médico que reconhecendo
uma doença prescreve a receita apropriada - se o remédio é tomado ou não, já não é de
responsabilidade do médico. Novamente digo: sou como um bom guia que mostra às pessoas o
melhor caminho. Se elas não o seguirem, sabendo de sua existência, não é culpa do guia.
Ó Monges! Se tiverem qualquer dúvida sobre as Quatro Nobres Verdades perguntem
imediatamente. Não guardem as dúvidas sem procurar resolvê-las.
Por três vezes o mais Honrado exortou os Monges desta forma, mas ninguém na assembléia
falou, pois ninguém tinha dúvidas.
Nesse momento Aniruddha, percebendo a mente dos que estavam ali reunidos disse a Buda:
- Honrado do Mundo! Mesmo que a Lua fique quente e o Sol torne-se frio, as Quatro Nobres
Verdades ensinadas por Buda não podem mudar. A verdade do sofrimento ensinada por Buda é
do verdadeiro sofrimento que não pode virar felicidade. Apego é sua causa verdadeira e não há
outra causa. O sofrimento é destruído quando sua causa é destruída. O Caminho da destruição
do sofrimento é o Caminho da Verdade e não há outro caminho.
- Honrado do Mundo! Todos estes Monges têm certeza e não têm dúvidas em relação as Quatro
Nobres Verdades. Se nesta assembléia houver alguém que ainda não completou sua
compreensão, ao ver a passagem de Buda, eles se lamentarão. E aqueles que apenas agora
estão penetrando o Ensinamento, obterão o despertar ao ouvir as palavras de Buda, assim como
na escuridão da noite um raio ilumina a estrada. Se houver aqueles que já tenham completado
sua compreensão e cruzado o mar de sofrimento eles terão apenas este pensamento: Quão
rápida é a passagem do Mais Honrado do Mundo!
Quando Aniruddha falou estas palavras, todos na assembléia claramente compreenderam o
significado das Quatro Nobres Verdades. Mas o Honrado do Mundo, querendo que todos nesta
grande assembléia se tornassem mais fortes, ainda falou assim movido por sua infinita
compaixão:
Ó Monges! Não se lamentem! Mesmo que eu vivesse no mundo tanto quanto um kalpa, nosso
estar juntos um dia acabaria. Não existe o encontro sem a despedida. O Ensinamento que
beneficia tanto a si próprio como aos outros se completou. Mesmo que eu vivesse mais não
haveria nada a adicionar ao Ensinamento. Aqueles que deveriam ser despertados, tanto nos
céus como entre seres humanos, todos foram acordados. Aqueles que não foram despertados
todos possuem as condições para obter o despertar. Se todos meus discípulos, de geração em
geração a partir de agora, praticarem o Ensinamento, o Corpo do Dharma do Tathagata existirá
para sempre e nunca será destruído.
Logo saibam que tudo no mundo é impermanente: o que se junta inevitavelmente se separa. Não
se preocupem, pois esta é a natureza da vida. Diligentemente pratiquem o esforço correto e
procurem a libertação imediatamente. Com a luz da sabedoria destruam a escuridão da
ignorância. Nada é seguro. Tudo nesta vida é precário.
Agora obtenho Parinirvana. É como livrar-se de uma doença maléfica. Esta coisa má que
descartamos é o que chamamos de corpo. Está afogado no mar do nascimento, velhice, doença
e morte. Como poderia haver alguma pessoa sábia que não se alegrasse em desfazer-se dele?
Ó Monges! Vocês devem sempre, de todo coração, procurar o Caminho da Libertação. Todas as
coisas no mundo, tanto as que se movem quanto as que não se movem, são caracterizadas por
instabilidade e desaparecimento.
Parem agora! Não falem! O tempo passa. Atravesso para a outra margem. Este é meu
ensinamento final.
Kanzeonbosatsu Fumonbongue
O budismo chegou à China 2.000 anos atrás. Reporta-se que já no ano 65 d.C., uma comunidade
de monges budistas vivia sob proteção da realeza na parte norte da Província de Kiangsu,
próxima do local de nascimento de Confúcio, e os primeiros monges provavelmente chegaram
100 anos antes. Desde então, dezenas de milhares de monges da Índia e da Ásia Central têm
viajado para China por terra e mar, mas dentre aqueles que trouxeram os ensinamentos de Buda
para China, nenhum teve impacto comparável ao de Bodhidharma.
Conhecido apenas por alguns discípulos durante sua vida, Bodhidharma é o patriarca de milhões
de zen-budistas e de estudantes de kung-fu. Também é o protagonista de muitas lendas. Além de
ter trazido zen e kung-fu, relata-se também ter trazido o chá para a China. Para se resguardar de
cair no sono durante a meditação, ele cortou suas pálpebras, e onde elas caíram cresceram
arbustos de chá. Desde então, o chá tornou-se a bebida não somente de monges mas de todos
no Oriente. Fiéis a essa tradição, os artistas invariavelmente representam Bodhidharma com
olhos salientes e sem pálpebras.
Como sempre acontece com as lendas, tornou-se impossível separar fato de ficção. As datas são
incertas. De fato, eu conheço pelo menos um erudito budista que duvida que Bodhidharma tenha
existido. Mas correndo o risco de escrever sobre um homem que nunca existiu, eu esbocei uma
biografia, baseada nos registros mais recentes e algumas suposições, para fornecer um cenário
para os sermões a ele atribuídos.
Bodhidharma nasceu em torno do ano 440 em Kanchi, capital do reino sulista indiano de Pallawa.
Ele era um brâmane de nascimento e o terceiro filho do Rei Simhavarman. Quando ele era jovem,
ele converteu-se ao budismo, e mais tarde o Dharma lhe foi ensinado por Prajnatara, de
Magadha, que foi convidado pelo seu pai. Magadha era o antigo centro do budismo. Também foi
Prajnatara quem disse para Bodhidharma ir para China. Uma vez que a tradicional rota terrestre
estava bloqueada pelos hunos, e uma vez que Pallawa tinha laços comerciais por todo Sudeste
Asiático, Bodhidharma partiu de navio de um porto nas proximidades, Mahaballipuram. Depois de
contornar a costa da Índia e a Península da Malásia por três anos, ele finalmente chegou ao sul
da China ao redor do ano 475.
Nessa época o país estava dividido pelas dinastias Wei do norte e Liu Sung. Essa divisão da
China numa série de dinastias nortistas e sulistas começou no início do Séc. III e continuou até o
país ser reunificado sob a dinastia Sui no fim do Séc. VI. Foi durante esse período de divisão e
conflito que o budismo indiano transformou-se em budismo chinês, com os nortistas de mente
militarista enfatizando meditação e mágica e os intelectuais sulistas preferindo discussão
filosófica e a compreensão intuitiva de princípios.
Quando Bodhidharma chegou à China, no fim do Séc. V, haviam aproximadamente 2 mil templos
budistas e 36 mil clérigos no sul. Ao norte, um recenseamento em 477 contou 6,5 mil templos e
aproximadamente 80 mil clérigos. Menos de 50 anos mais tarde, outro recenseamento feito ao
norte aumentou esses números para 30 mil templos e 2 milhões de clérigos, ou cerca de 5% da
população. Sem dúvida, isso incluía muitas pessoas que estavam tentando evitar impostos ou
recrutamento ou que procuravam a proteção da igreja por outras razões não religiosas, mas
claramente o budismo estava espalhando-se pelas pessoas comuns ao norte do Rio Yangtze. No
sul, permaneceu muito confinado à elite educada até o Séc. VI.
Seguindo a sua chegada ao porto de Nanhai, Bodhidharma provavelmente visitou centros
budistas no sul e começou a aprender Chinês, se é que ele já não havia feito isso em seu
caminho desde a Índia. De acordo com A Transmissão da Lâmpada de Tao-yuan, obra terminada
em em 1002, Bodhidharma chegou ao sul tarde, em 520, e foi convidado para capital em
Chienkang para uma audiência com o Imperador Wu da dinastia Liang, sucessor de Liu Sung.
Durante esse encontro o imperador perguntou sobre o mérito de executar trabalhos religiosos, e
Bodhidharma respondeu com a doutrina do vazio. O imperador não entendeu, e Bodhidharma
partiu. Os registros mais recentes, no entanto, não mencionam tal encontro.
Em qualquer caso, Bodhidharma cruzou o Rio Yangtze - de acordo com a lenda, numa
embarcação de bambu - e estabeleceu-se ao norte. Primeiramente ele permaneceu ao norte na
capital de Wei, Pingcheng. Em 494, quando o Imperador Hsiao-wen mudou sua capital para o sul
de Loyang na margem norte do Rio Lo, a maioria dos monges que viviam na área de Pingcheng
mudou-se também, e Bodhidharma provavelmente estava entre eles. De acordo com o livro Vidas
Remotas de Monges Exemplares de Tao-hsuan, cujo primeiro esboço foi escrito em 645,
Bodhidharma ordenou um monge com o nome Sheng-fu. Quando a capital foi mudada para
Loyang, Sheng-fu mudou-se para o sul. Uma vez que a ordenação normalmente requer um
aprendizado de três anos, Bodhidharma já devia estar ao norte em torno do ano 490 e então
devia estar razoavelmente fluente em Chinês.
Alguns anos mais tarde, em 496, o imperador ordenou a construção do Templo de Shaolin no
Monte Sung, na Província de Honan ao sudeste de Loyang. O templo, que ainda existe
(principalmente como atração turística), foi construído para outro mestre de meditação da Índia, e
não para Bodhidharma. Embora mais mestres zen passaram pelo templo nos últimos 1.500 anos,
Bodhidharma é o único monge que alguém além de um historiador budista associa com Shaolin.
Foi aqui, no Pico Shaoshih ocidental do Monte Sung, que se diz que Bodhidharma passou nove
anos em meditação, de frente para parede de pedra de uma caverna a cerca de uma milha do
templo. Shaolin mais tarde tornou-se famoso como centro de treinamento de monges em kung-fu,
e Bodhidharma é honrado como o fundador dessa arte igualmente. Vindo da Índia, sem dúvida
ele instruiu seus discípulos em alguma forma de yoga, mas nenhum registro antigo menciona-o
ensinar qualquer exercício ou arte marcial.
Pelo ano 500, Loyang era uma das maiores cidades no mundo, com uma população acima de
meio milhão. Quando o Imperador Hsuan-wu morreu em 516 e a imperadora Dowager Ling
assumiu o controle do governo, um de seus primeiros atos foi mandar construir o Templo Yung-
ning. A construção desse templo e de seu pagoda de 400 pés de altura quase exauriram o
tesouro imperial. De acordo com um registro dos templos de Loyang escrito em 547 por Yang
Hsuan-chih, os sinos-de-vento dourados pendurados nos beirais do telhado podiam ser ouvidos a
três milhas de distância e a ponta do pagoda do templo podia ser vista a 30 milhas de distância.
O relato de Yang inclui os comentários de um monge do leste chamado Bodhidharma, que disse
ser a estrutura mais imponente que ele já tinha visto. Uma vez que o templo não foi construído
antes de 516 e foi destruído por fogo em 534, Bodhidharma deve ter estado na capital por volta
de 520. Registros antigos dizem que ele viajou por toda área de Loyang, indo e vindo com as
estações. Na capital, no entanto, ele deve ter estado no Templo Yung-ming. Não confundir com o
Templo Yung-ning, Yung-ming foi construído alguns anos antes, no começo do século VI, pelo
Imperador Hsuan-wu, como templo central para monges estrangeiros. Antes da evacuação de
massas da cidade durante o colapso de Wei ao norte em 534, o templo foi lar de mais de 3 mil
monges de países tão distantes como a Síria.
Apesar da súbita popularidade do budismo na China, Bodhidharma encontrou poucos discípulos.
Além de Sheng-fu, que mudou-se para o sul logo após a ordenação, os únicos discípulos
mencionados são Tao-yu e Hui-k'o. Diz-se que ambos estudaram com Bodhidharma por cinco ou
seis anos. Tao-yu, nos é dito, entendeu o Caminho mas nunca ensinou. Foi para Hui-k'o que
Bodhidharma confiou o manto e a tigela de sua linhagem e, de acordo com Tao-hsuan, uma cópia
da tradução do Sutra Lankavatara feita por Gunabhadra. No sermão traduzido aqui, no entanto,
faz citações principalmente do Sutra do Nirvana, Avatamsaka e Vimilakirti e não usa terminologia
alguma característica do Lankavatara. Talvez tenha sido Hui-k'o, e não Bodhidharma, quem tinha
uma boa opinião desse sutra.
Em sua Transmissão da Lâmpada, Tao-yuan diz que logo depois que ele transmitiu o patriarcado
de sua linhagem para Hui-k'o, Bodhidharma morreu em 528 no quinto dia do décimo mês,
envenenado por um monge ciumento. Tao-hsuan somente diz, em sua biografia muito mais
antiga, que Bodhidharma morreu nas margens do rio Lo e não menciona a data e a causa da
morte. De acordo com Tao-yuan, os restos de Bodhidharma foram enterrados perto de Loyang no
templo Tinglin na Montanha Orelha de Urso. Tao-yuan também diz que três anos mais tarde um
oficial encontrou Bodhidharma caminhando nas montanhas da Ásia Central. Ele estava
carregando um cajado no qual estava pendurada uma única sandália, e ele disse ao oficial que
estava voltando para a Índia. Relatos desse encontro levantaram a curiosidade dos outros
monges, que finalmente concordaram em abrir a tumba de Bodhidharma. Tudo que eles
encontraram dentro foi uma única sandália, e desde então Bodhidharma tem sido representado
carregando um cajado no qual se pendura a sandália faltante.
Com o assassinato do Imperador Hsiao-wu em 534, a nortista Wei dividiu-se em duas dinastias,
Wei Ocidental e Oriental, e Loyang foi atacada. Uma vez que a poderosa família Kao de Wei
Oriental era famosa por seu patrocínio ao budismo, muitos dos monges que viviam em Loyang,
incluindo Hui-k'o, mudaram-se para Yeh, capital de Wi Oriental. Lá finalmente Hui-k'o encontrou
T'an-lin. T'an-lin trabalhou primeiramente em Loyang e mais tarde em Yeh escrevendo prefácios e
comentários para novas traduções dos sutras budistas. Depois de encontrar Hui-k'o, ele ficou
interessado na abordagem ao budismo de Bodhidharma e adicionou um breve prefácio ao
Esboço da Prática. Nesse prefácio ele diz que Bodhidharma veio do sul da Índia e que depois de
sua chegada à China, ele achou apenas dois discípulos de valor, Hui-k'o e Tao-yu. Ele também
diz que Bodhidharma ensinava meditação na parede e as quatro práticas descritas no Esboço.
Se isso é tudo que sabemos de Bodhidharma, por que, então, é ele o mais famoso de milhões de
monges que estudaram e ensinaram o Dharma na China? A razão é que a ele somente é
creditado ter trazido o zen para China. É claro que o zen, como meditação, tinha sido ensinado e
praticado por centenas de anos antes de Bodhidharma chegar. E muito do que ele tinha para
dizer a respeito da doutrina tinha sido dito antes - por Tao-sheng, por exemplo, uma centena de
anos antes. Mas a abordagem ao zen de Bodhidharma era única. Como ele diz nesses sermões
"Ver sua natureza é zen... Não pensar sobre coisa alguma é zen... Tudo que você faz é zen."
Enquanto outros viam o zen como purificação da mente ou como um estágio no caminho para
buditude, Bodhidharma equacionou zen com a buditude - e a buditude com a mente, a mente do
dia-a-dia. Em vez de dizer aos seus discípulos para purificarem suas mentes, ele lhes apontava
paredes de pedra, movimentos de tigres e garças, uma embarcação de bambu flutuando no do
Rio Yangtze, uma sandália. O zen de Bodhidharma era zen Mahayana, e não zen Hinayana - a
espada da sabedoria, e não a almofada de meditação. Como fizeram outros mestres, sem dúvida
ele instruiu seus discípulos em disciplina budista, meditação e doutrina, mas ele usou a espada
que Prajnatara lhe deu para livrar-lhes a mente das regras, transes e escrituras. Tal espada, no
entanto, é difícil de pegar e difícil de usar. É uma pequena maravilha o fato que seu único
sucessor, Hui-k'o, tinha um braço só.
Mas tal entendimento radical do zen não originou-se com Bodhidharma ou com Prajnatara. Dizem
que um dia Brahma, senhor da criação, ofereceu a Buda uma flor e pediu-lhe para pregar o
Dharma. Quando Buda levantou a flor, sua audiência estava confusa, exceto Kashyapa, que
sorriu. Foi assim que o zen começou. E foi assim que ele foi transmitido: com uma flor, com uma
parede de pedra, com um grito. Essa abordagem, uma vez que se fez conhecida por
Bodhidharma e seus sucessores, revolucionou o entendimento e prática do budismo na China.
Tal abordagem não se encontra por acaso muito bem em livros. Mas em seu livro Vidas Remotas
de Monges Exemplares, Tao-hsuan diz que os ensinamentos de Bodhidharma foram escritos.
Muitos eruditos concordam que Esboço da Prática é um de tais registros, mas as opiniões
dividem-se a respeito dos outros três sermões aqui traduzidos.
Todos os três há muito são atribuídos a Bodhidharma, mas em anos recentes um número de
eruditos tem sugerido que esses três sermões são trabalhos de discípulos mais jovens. Yaganida,
por exemplo, atribui o Sermão do Ciclo da Vida* a um membro da Escola de Zen Cabeça de Boi,
que floresceu nos séculos VII e VIII, e pensamos que o Sermão do Despertar foi um trabalho do
Séc. VIII da escola de zen do norte e que o Sermão da Grande Descoberta era de Shen-hsiu, o
patriarca do Séc. VII da escola de zen do norte.
Lamentavelmente, faltam evidências que comprovem ou não a autoria. Até o corrente século, as
cópias conhecidas mais antigas desses sermões são versões do Séc. XIV dos originais da
dinastia T'ang (618-907) da coleção Kanazawa Bunko do Japão. Mas com a descoberta de
milhares de manuscritos budistas da dinastia T'ang no início deste século nas cavernas
Tunhuang na China, agora temos cópias dos séculos VII e VIII. Claramente esses sermões foram
cedo compilados por monges que remontavam seus ancestrais até Bodhidharma. Se não foi Hui-
k'o ou um de seus discípulos, talvez tenha sido T'an-lin quem os escreveu. Em qualquer caso, na
ausência de evidências contrárias convincentes, eu não vejo razão para não aceitar os sermões
como do homem a quem têm sido atribuídos por mais de 1.200 anos.
Os discípulos de Bodhidharma foram poucos, e a tradição zen que remonta seus ancestrais a ele
não começou seu florescimento pleno até aproximadamente 200 anos após sua morte. Dada a
espontaneidade e desapego promovidos pela abordagem de Bodhidharma ao zen, é fácil ver
porque esses sermões foram por fim negligenciados em favor de sermões de mestres zen
nativos. Por comparação, os sermões de Bodhidharma parecem um tanto estranhos e
despojados. Eu mesmo só os encontrei por acaso, numa edição da Essência da Transmissão da
Mente de Huan-po. Isso foi 12 anos atrás. Desde então eu afeiçoei-me ao seu zen de ossos nus,
e eu sempre tento imaginar por que eles não são mais populares. Mas, populares ou não, ei-los
novamente. Antes que se evanesçam novamente na poeira de alguma cripta ou biblioteca, leia-os
uma ou duas vezes e procure a única coisa que Bodhidharma trouxe para a China: procure a a
marca da mente.
Esboço da Prática
Muitas estradas levam ao caminho (1), mas basicamente há apenas duas: prática e razão. Entrar
pela razão significa perceber a essência através de ensinamentos e acreditar que todos seres
vivos compartilham a mesma natureza verdadeira, a qual é dissimulada pela sensação e ilusão.
Aqueles que saem da ilusão para a realidade, os que meditam defronte à parede (2)a ausência
de dualismo, a unidade de mortalidade e sabedoria, e que permanecem impassíveis mesmo
perante às escrituras estão em concordância completa e óbvia com a razão. Sem se moverem,
sem esforços, eles entram, dizemos, pela razão.
Entrar pela prática refere-se as quatro práticas(3) levadas em consideração: sofrer injustiça,
adaptar-se às condições, nada buscar e praticar o Dharma.
Primeiramente, sofrer injustiça. Quando aqueles que buscam o caminho encontram adversidades
deveriam pensar: "por incontáveis eras eu tenho dedicado-me ao trivial em detrimento do
essencial e vagueado em todo tipo de existência, raivoso sem motivo e culpado de inúmeras
transgressões. Agora, embora eu não cometa erros, sou punido pelo meu passado. Nem os
deuses nem os homens podem antever quando uma má ação frutificará. Aceito isso de coração
aberto e sem reclamação." Dizem os sutras: "Quando você encontra adversidade não se
exaspere, ela é justa". Com tal entendimento você está em harmonia com a razão. E sofrendo
injustiça você entra no caminho.
Em segundo, adaptando-se às condições. Como mortais, somos regidos por condições e não por
nós mesmos. Todo sofrimento e toda alegria que experimentamos depende de condições. Se
devêssemos ser agraciados por algum grande prêmio, tal como fama ou fortuna, é o fruto da
semente plantada por nós no passado.
Quando mudam as condições, isso cessa. Por que deliciar-me com esta existência? Mas,
enquanto o sucesso e o insucesso dependem de condições, a mente não cresce nem diminui.
Aqueles que permanecem impassíveis perante os ventos da alegria silenciosamente seguem o
Caminho.
Em terceiro, nada buscar. As pessoas estão iludidas. Estão sempre ansiando por algo -sempre,
por assim dizer, buscando. Mas os sábios despertam. Eles escolhem a razão em vez dos hábitos.
Eles fixam suas mentes no sublime e deixam seus corpos mudarem com as estações. Todos os
fenômenos são vazios. Eles nada contêm que valha desejar. A Calamidade alterna-se com a
Prosperidade(4). Habitar nos três reinos(5) é habitar numa casa em chamas. Ter um corpo é
sofrer. Alguém com um corpo conhece a paz? Aqueles que compreendem isso desapegam-se de
todas as coisas existentes e param de imaginar ou buscar algo. Os sutras dizem: "Buscar é
sofrer. Nada buscar é encontrar a satisfação". Quando você nada busca, você está no Caminho.
Em quarto, praticar o Dharma (6). O Dharma é a afirmação de que todas as naturezas são puras.
Através dessa verdade, todas aparências são vazias. Decadência e apego, sujeito e objeto não
existem. Os sutras dizem: "O Dharma não inclui seres, pois o Dharma está livre da impureza do
eu." Aqueles que são sábios o suficiente para acreditar e entender esta verdade estão ligados à
prática de acordo com o Dharma. E uma vez que isso é real, incluindo que nada vale a pena
invejar, eles dão seus corpos, vidas e propriedades em caridade, sem lamentar e sem a vaidade
do doador, do presente ou do presenteado. E, para eliminar impurezas, eles ensinam, mas sem
apegarem-se à forma. Assim, através de sua própria prática, eles são capazes de ajudar pessoas
e glorificar o Caminho da Iluminação. E, assim como a caridade, eles também praticam as outras
virtudes. Mas enquanto praticam as seis virtudes (7) para eliminar a ilusão, eles nada praticam.
Isso é conhecido por "praticar o Dharma".
Notas
1. Caminho.Quando o budismo foi para a China, a palavra tao era usada para traduzir Dharma e
Bodhi. A causa parcial era que o budismo era visto como uma versão estrangeira do taoismo. Em
seu "Sermão do Ciclo da Vida", Bodhidharma diz: "O Caminho é zen".
2. Parede. Depois de chegar à China, Bodhidharma passou nove anos em meditação em frente à
parede de uma caverna próxima ao Templo de Shaolin. A parede de vazio de Bodhidharma liga
todos os opostos, incluindo eu e o outro, mortal e sábio.
3. Quatro práticas. São uma variação das quatro nobres verdades: toda existência é marcada por
sofrimento; o sofrimento tem uma causa; a causa pode terminar; e o caminho para terminá-la é o
óctuplo caminho da visão correta, pensamento correto, fala correta, ação correta, modo de vida
correto, devoção correta, atenção correta e zen correto.
4. Calamidade e Prosperidade. Duas deusas, responsáveis por má e boa sorte, respectivamente.
Elas aparecem no capítulo doze do Sutra do Nirvana.
5. Três reinos. O equivalente psicológico budista do mundo cosmológico triplo bramânico de bhur,
bhuvah e svar, ou terra, atmosfera e céu. O mundo triplo budista inclui kamadhatu, ou o reino do
desejo - os infernos, os quatro continentes do mundo humano e animal, e os seis paraísos do
prazer; rupadhatu, ou o reino da forma - os quatro paraísos da meditação; e arupadhatu,
imateriais. Juntos, os três reinos constituem os limites da existência. No capítulo três do Sutra do
Lótus os três reinos são representados como uma casa em chamas.
6. Dharma. A palavra sânscrita Dharma vem de dhri, que significa pegar, e refere-se a qualquer
coisa que precisa ser "pegue" para ser real, tanto num sentido provisório como derradeiro.
Portanto, a palavra pode significar coisa, ensinamento ou realidade.
7. Seis virtudes. Os paramitas, ou meios de transporte para a outra margem: caridade,
moralidade, paciência, devoção, meditação, e sabedoria. Todos os seis devem ser praticados
com desapego dos conceitos de atuante, ação e beneficiário
Tudo que aparece nos três reinos vem da mente (8). Portanto, os budas (9) do passado e do
futuro ensinam de mente à mente sem se importarem acerca de definições (10).
Mas se eles não definem mente, o que eles querem dizer com mente?
Você pergunta, é a sua mente. Eu respondo, é a minha mente. Se eu não tivesse mente, como eu
poderia responder? Se você não tivesse mente, como poderia perguntar? Aquilo que pergunta é a
sua mente. Durante kalpas(11) sem começo nem fim, qualquer coisa que você faça, onde quer
que você esteja, essa é a sua mente verdadeira, esse é o seu verdadeiro buda. A afirmação essa
mente é o buda (12) diz o mesmo. Além dessa mente você nunca encontrará outro buda.
Procurar por iluminação (13) ou nirvana (14) além dessa mente é impossível. A realidade de sua
natureza própria (15), a ausência de causa e efeito, é o que se chama de mente. Sua mente é
nirvana. Você poderia achar um buda ou iluminação em algum lugar além da mente, mas tal lugar
não existe.
Tentar achar um buda ou iluminação é como tentar agarrar o espaço. O espaço tem nome mas
nenhuma forma. Não é algo que você possa pegar ou largar. E você certamente não pode agarrá-
lo. Além dessa mente você nunca verá um buda. O buda é um produto de sua mente. Por que
procurar um buda além dessa mente?
Os budas do passado e do futuro falam somente dessa mente. A mente é o buda, e o buda é a
mente. Além da mente não há buda, e além de buda não há mente. Se você pensa que há um
buda além da mente, onde ele está? Não há buda além da mente, então por que imaginar um?
Você não pode conhecer sua mente verdadeira uma vez que você se engane. Uma vez que você
seja escravizado por uma forma inanimada você não é livre. Se você não me acreditar, auto-
enganar-se não ajudará. Não é falha dos budas. As pessoas estão iludidas. Elas não são
conscientes de que suas próprias mentes são o buda. Do contrário, elas não procurariam por um
buda fora da mente.
Os budas não salvam budas. Se você utilizar sua mente para procurar um buda, você não verá o
buda. Uma vez que você procure por um buda alhures, você nunca verá que sua própria mente é
o buda. Não use um buda para adorar um buda. E não use sua mente para invocar um buda (16).
Budas não recitam sutras (17). Budas não mantêm preceitos (18). E budas não quebram
preceitos. Budas não mantêm ou quebram coisa alguma. Budas não fazem bem ou mal.
Para encontrar um buda você tem que ver sua natureza (19) . Quem quer que veja sua natureza
é um buda. Se você não vê sua natureza, invocar budas, recitar sutras, fazer oferendas e manter
preceitos é inútil. Invocar budas resulta em bom carma, recitar sutras resulta em boa memória,
manter preceitos resulta em um bom renascimento e fazer oferendas resulta em futuras bênçãos -
mas não em budas.
Se você não entende por si só, você terá que achar um professor para ensiná-lo sobre vida e
morte (20) . Mas, exceto veja sua natureza, tal pessoa não é um professor. Mesmo que essa
pessoa possa recitar o Cânone Desdobrado em Doze (21) , ela não pode escapar da Roda de
Nascimentos e Mortes (22) . Ela sofre nos três reinos sem esperança e liberação.
Há muito tempo atrás, o monge Boa Estrela (23) era capaz de recitar o Cânone completo. Mas
ele não escapou da Roda, pois ele não via sua natureza.
Se foi isso que aconteceu com Boa Estrela, então as pessoas de agora que recitam alguns sutras
ou shastras (24) e pensam que isso é o Dharma são tolas. Exceto você veja sua mente recitar
tanta prosa é inútil.
Para achar um buda tudo que você tem que fazer é ver sua natureza. Sua natureza é o buda. E o
buda é a pessoa livre: livre de planos, livre de cuidados. Se você não ver sua natureza, e passar
o tempo todo procurando noutro lugar, você nunca encontrará um buda. A verdade é: nada há
para encontrar. Mas para atingir tal entendimento você precisa lutar para entender. Vida e morte
são importantes. Não as sofra em vão. Não há vantagem em auto-enganar-se. Mesmo que você
tenha montanhas de jóias e tantos criados quanto os grãos de areia do Ganges, você os vê
quando os seus olhos estão abertos. Mas enquanto seus olhos estiverem fechados? Então você
deveria perceber que tudo que você vê é como um sonho ou ilusão.
Se você não encontrar um professor logo, você viverá esta vida em vão. É verdade, você tem a
natureza búdica. Mas sem a ajuda de um professor você nunca a conhecerá. Somente uma
pessoa num milhão ilumina-se sem o auxílio de um professor.
Se, todavia, numa situação afortunada, uma pessoa entende o que Buda quis dizer, essa pessoa
não precisa de professor. Tal pessoa tem uma consciência natural superior a todo ensinamento.
Mas se você não for tão dotado, estude muito, que através da instrução você entenderá.
As pessoas que não entendem e pensam que podem entender sem estudo não são diferentes
daquelas almas iludidas que não podem diferenciar branco do preto (25) . Proclamando
falsamente o Dharma de Buda, de fato tais pessoas blasfemam Buda e subvertem o Dharma.
Elas rezam como se estivessem chamando chuva. Mas sua rezas são dos demônios (26) , e não
dos budas. Seu professor é o Rei dos Infernos e seus discípulos são os favoritos do demônio.
Pessoas iludidas que seguem tais instruções desajeitadamente afundam no Oceano de
Nascimento e Morte.
A menos que elas vejam sua natureza, como as pessoas podem dizerem-se budas? Elas são
mentirosas que enganam outras, fazendo-as entrar no reino dos demônios. A menos que elas
vejam sua natureza, seu recitar do Cânone Desdobrado em Doze é nada além do recitar dos
demônios. Devotam-se à Mara, não a Buda. Incapazes de distinguir branco de preto, como
podem eles escapar de nascimentos e mortes?
Quem quer que veja sua natureza é um buda; quem não vê é mortal. Mas se você pode achar
sua natureza búdica separada se sua mente de sua natureza mortal, onde ela está? Nossa
natureza mortal é nossa natureza búdica. Além dessa natureza não há buda. O buda é nossa
natureza. Não há buda além dessa natureza. E não há natureza além do buda.
Mas suponha que eu não veja minha natureza, não posso eu atingir a iluminação invocando
budas, recitando sutras, fazendo oferendas, observando preceitos, praticando devoção ou
fazendo boas ações?
Se você atinge algo, isso é condicional, isso é cármico. Isso resulta em retribuição. Isso gira a
Roda. E uma vez que você é sujeito a renascimento e morte você nunca atingirá a iluminação.
Para atingir a iluminação você tem que ver sua natureza. A não ser que você veja sua natureza
toda essa conversa sobre causa e efeito é insensata. Os budas não praticam insensatez. Um
buda é livre de carma (27) , livre de causa e efeito. Dizer que ele atinge algo é depreciar um buda.
O que ele poderia atingir? Mesmo almejar uma mente, um poder, um entendimento, ou uma visão
é impossível para um buda. Um buda não é parcial. A natureza de sua mente é basicamente
vazia, não é pura nem impura. Ele é livre de prática e percepção. Ele é livre de causa e efeito.
Um buda não observa preceitos. Um buda não faz bem ou mal. Um buda não é diligente ou
preguiçoso. Um buda é alguém que nada faz, alguém que não pode sequer focalizar sua mente
num buda. Um buda não é um buda. Não pense a respeito de budas. Se você não vê o que estou
falando, você nunca conhecerá sua própria mente.
As pessoas que não vêm sua própria natureza e imaginam que elas podem praticar todo o tempo
irrefletidamente são mentirosas e tolas. Elas caem num buraco sem fundo. São como bêbados.
Não podem diferir o bem e o mal. Se você pretende cultivar tal prática, você tem que ver sua
natureza antes que você possa terminar as racionalizações. Atingir a iluminação sem ver sua
natureza é impossível.
Ainda assim outros cometem toda sorte de más ações, proclamando que o carma não existe.
Eles erroneamente dizem que uma vez que tudo é vazio, cometer o mal não é errado. Tais
pessoas caem num inferno de escuridão sem fim, sem esperança de liberação. Aqueles que são
sábios não mantêm tal concepção.
Mas se cada movimento ou estado nosso, sempre que ocorre, é nossa mente, por que não
vemos essa mente quando o corpo da pessoa morre?
Você sonha?
É claro
Quando você sonha, é você?
Não, não é.
Mas se não é, então seu corpo é seu corpo real. E esse corpo real é sua mente. E essa mente,
através de kalpas sem início nem fim, nunca variou. Ela nunca viveu ou morreu, apareceu ou
desapareceu, aumentou ou diminuiu. Ela não é pura ou impura, boa ou má, passada ou futura.
Não é falsa ou verdadeira. Não é masculina ou feminina. Ela não aparece como monge ou leigo,
um noviço ou superior, um sábio ou tolo, um buda ou mortal. Não se empenha por realização e
não sofre carma. Não tem energia ou forma. É como o espaço. Você não pode possuí-la e você
não pode perdê-la. Seus movimentos não podem ser bloqueados por montanhas, rios ou muros
de pedras. Seus poderes perpétuos penetram a Montanha dos Cinco Skandas (28) e atravessam
o Rio de Samsara (29) . Nenhum carma pode restringir esse corpo verdadeiro. Mas essa mente é
sutil e difícil de ver. Não é o mesmo que a mente sensual. Todos querem ver essa mente, e
aqueles que movem suas mãos e pés devido a sua luz são tantos como os grãos de areia ao
longo do Ganges, mas quando você lhes pergunta eles não podem explicar. A mente é para ser
usada. São como bonecos. Por que eles não vêm isso?
O buda disse que as pessoas estão iludidas. É porque quando elas agem elas caem no Rio do
Renascimento Sem fim. E quando elas tentam sair elas somente afundam mais. E tudo isso
porque elas não vêm sua natureza. Se as pessoas não estivessem iludidas, por que elas
perguntariam sobre algo bem defronte delas? Nenhuma delas entende o movimento de suas
mãos e pés. Buda não estava errado. As pessoas iludidas não sabem quem elas são. Algo tão
difícil de penetrar é conhecido por budas e ninguém mais.
Somente o sábio conhece essa mente, essa mente chamada natureza dármica, essa mente
chamada liberação. Nem a vida nem a morte podem restringir essa mente. Nada pode. Ela é
também chamada O Tathagata Que Não Pode Ser Parado (30) , O Incompreensível, O Eu
Sagrado, O Imortal, O Grande Sábio. Seus nomes variam não sua essência. Os budas variam
também, mas ninguém deixa sua própria mente.
A capacidade da mente é sem limite, e suas manifestações são sem fim. Ver formas com os seus
olhos, ouvir sons com os seus ouvidos, sentir odores com o seu nariz, sentir sabores com sua
língua, cada movimento ou estado é sua mente. A cada momento, lá onde a linguagem não pode
ir, é a sua mente.
Dizem os sutras: "As formas de um tathagata são sem fim, e assim é sua consciência." A
variedade sem fim de formas é devida à mente. Sua habilidade para distinguir coisas, qualquer
que seja seu movimento ou estado, é a consciência da mente. Mas a mente não tem forma e sua
consciência não tem limite. Portanto diz-se que "as formas de um tathagata são sem fim. E tal é a
sua consciência."
Nossa natureza é a mente. E a mente nossa natureza. Essa natureza é o mesmo que a mente de
todos os budas. Budas do passado e do futuro somente transmitem essa mente. Além dessa
mente não há buda em parte alguma. Mas pessoas iludidas não percebem que suas próprias
mentes são o buda. Elas continuam procurando fora. Elas nunca param de invocar budas ou
venerar budas e imaginar onde está o buda. Não se entregue a tais ilusões. Simplesmente
conheça sua mente. Além da sua mente não há outro buda. Dizem os sutras que "tudo que tem
forma é ilusão". Eles também dizem que "onde quer que você esteja, há um buda." Sua mente é o
buda. Não use um buda para venerar um buda.
Se você vir um buda, Dharma ou bodhisattva (35) e prestar-lhe respeito você relega-se ao reino
dos mortais. Se você procura entender diretamente não se apegue seja qual for a aparência, que
você terá sucesso. Não tenho mais conselhos. Dizem os sutras que "todas as aparências são
ilusões." Elas não têm existência fixa, nenhuma forma constante. Elas são impermanentes. Não
se adere às aparências e você terá sua mente unificada com Buda. Dizem os sutras que "aquilo
que é livre de todas as formas é o buda".
Mesmo que você possa explicar milhares de sutras e shastras (37) , a menos que você veja sua
natureza própria seu ensinamento é o de um mortal, não de um buda. O Caminho verdadeiro é
sublime. Ele não pode ser expresso através de linguagem. Para que servem as escrituras? Mas
alguém que veja sua natureza própria acha o Caminho, mesmo que ele não possa ler uma única
palavra. Alguém que veja sua natureza é um buda. E, uma vez que o corpo de um buda é
intrinsecamente puro e sem manchas, e tudo que ele diz é uma expressão de sua mente, sendo
basicamente vazio, um buda não pode ser encontrado em palavras ou qualquer lugar do Cânone
Desdobrado em Doze.
O Caminho é basicamente perfeito. Ele não precisa ser aperfeiçoado. O Caminho não tem formas
ou som. Ele é sutil e difícil de perceber. É como quando você bebe água: você sabe quão quente
ou fria está, mas você não pode explicar aos outros. Daí que somente um tathagata sabe que
homens e deuses permanecem desatentos. A consciência dos mortais é rasa. Uma vez que eles
são apegados às aparências, eles não estão conscientes de que suas mentes são vazias. E por
aterem-se erradamente à aparência das coisas eles perdem o Caminho.
Se você sabe que tudo vem da mente, não se apegue. Uma vez apegado, você não está
consciente. Mas uma vez que veja sua própria natureza, o cânone completo torna-se tagarelice.
Seus milhares de sutras e shastras apenas acumulam-se numa mente clara. O entendimento
acontece em meias-palavras. Para que doutrinas?
A Verdade derradeira está além das palavras. Doutrinas são palavras. Elas não são o Caminho.
O Caminho é sem palavras. Palavras são ilusões. Elas não são diferentes das coisas que
aparecem em seus sonhos à noite, sejam eles palácios ou carruagens, parques sombreados ou
pavilhões à margem de lago. Não se deleite por tais coisas. Elas são todas berços de
renascimento. Mantenha isso em mente quando você aproximar-se da morte. Não se apegue às
aparências que você vencerá todos os obstáculos. A menor hesitação e você estará sob o julgo
de demônios. Seu corpo verdadeiro é puro e impenetrável. Mas devido às ilusões você não está
ciente disso. E por causa disso você sofre carma em vão. Onde quer que você ache deleite, você
acha escravidão. Mas uma vez que você desperte para seus corpo e mente (38) originais você
não está mais ligado a apegos.
Todos que renunciam o transcendente pelo mundano, em qualquer de suas miríades de formas, é
um mortal. Um buda é alguém que acha liberdade na boa e má fortuna. Tal é seu poder que o
carma não pode detê-lo. Não importando o tipo de carma, um buda transforma-o. Céu e
inferno (39) são nada para ele. Mas a consciência de um mortal é obscura comparada com a de
um buda, que penetra tudo, por dentro e por fora.
Se você não tiver certeza, não aja. Uma vez que você aja, você vagueia pelo nascimento e morte
e lamenta não ter refúgio. A pobreza e a miséria são criadas pelo pensamento falso. Para
entender essa mente você tem que agir sem agir. Somente então você verá as coisas pela
perspectiva de um tathagata.
Mas, quando pela primeira vez você aventura-se pelo Caminho, sua consciência não tem foco.
Provavelmente você verá toda sorte de cenas estranhas, como em sonhos. Mas você não deve
duvidar de que tais cenas vêem de sua própria mente, e nenhum outro lugar.
Se, como num sonho, você vir uma luz mais brilhante que o Sol, seus apegos remanescentes
subitamente terão fim e a natureza da realidade será revelada.
Tal ocorrência serve como base para a iluminação. Mas isso é algo que somente você conhece.
Você não pode explicar isso para os outros.
Ou, se enquanto você estiver caminhando, parado de pé, sentado ou deitado num bosque
sereno, você vir uma luz, não importando se ela é brilhante ou obscura, não conte para os outros
e não a focalize. É a luz de sua própria natureza.
Ou, se enquanto você está caminhando, parado de pé, sentado ou deitado na serenidade e
escuridão da noite, tudo parecer-se como se fosse dia, não se espante. É sua própria natureza
nas cercanias de revelar-se.
Mas, se enquanto você está sonhando à noite, você vir a Lua e as estrelas em toda sua claridade,
isso significa que os trabalhos de sua mente estão perto de terminar. Mas não conte aos outros. E
se os seus sonhos não forem claros, como se você estivesse caminhando na escuridão, é porque
sua mente está dissimulada por inquietação. Isso também é algo que apenas você deve saber.
Se você vê a sua natureza, você não precisa ler sutras ou invocar budas. Erudição e
conhecimentos não somente são inúteis mas também enevoam sua consciência. As doutrinas só
servem para apontar para a mente. Uma vez que você veja sua mente, por que prestar atenção
às doutrinas?
Para ir de mortal a buda, você tem que terminar com o carma, alimentar sua consciência e aceitar
o que a vida traz. Se você está sempre ficando brabo você vai fazer sua natureza virar contra o
Caminho. Não há vantagem em enganar-se. Os budas andam livremente pelo nascimento e
morte, aparecendo e desaparecendo à vontade. Eles não podem ser refreados pelo carma ou
dominados pelos demônios.
Uma vez que os mortais vejam sua natureza, todos os apegos findam. A consciência não está
escondida. Mas você pode encontrá-la já. Somente agora. Se você realmente quer encontrar o
Caminho não se apegue a nada. Uma vez que você terminar com o carma e alimentar sua
consciência, todo apego residual terminará. O entendimento vem naturalmente. Você não tem
que fazer esforço algum. Mas os fanáticos (40) não entendem o que o Buda quis dizer. Quanto
mais eles tentam, menos eles entendem o ensinamento dos Sábios. Eles invocam budas e lêem
durante todo o dia. Mas eles continuam cegos à sua natureza própria divina, e eles não escapam
da Roda.
Um buda é uma pessoa sossegada. Ele não vai atrás de fortuna e fama. No fim, para que servem
tais coisas? As pessoas que não vêem sua natureza e pensam que o Dharma é ler sutras,
invocar budas, estudar duramente por longo tempo, praticar pela manhã e à noite, nunca deitar
ou adquirir conhecimentos, blasfemam o Dharma. Os budas do passado e do futuro falam
somente de ver sua natureza. Todas as práticas são impermanentes. A não ser que elas vejam
sua natureza, as pessoas que dizem ter atingido a iluminação (41) completa são mentirosas.
A menos que você veja sua natureza, você não deve circular criticando a bondade alheia. Não há
vantagem em iludir-se. Bom e mau são distintos. Causa e efeito são claros. Céu e inferno estão
bem diante de seus olhos. Mas os tolos não acreditam e vão direto ao inferno de escuridão sem
fim sem mesmo sabê-lo. O que os faz não acreditar é o peso de seu carma. Eles são como cegos
que não acreditam que haja tal coisa como luz. Mesmo que você explique isso para eles, eles
ainda não acreditam, porque eles são cegos. Como eles poderiam distinguir a luz?
O mesmo acontece com os tolos que terminam dentre as ordens mais baixas da
existência (46) ou dentre os pobres e desprezados. Eles não podem viver e eles não podem
morrer. E apesar de seus sofrimentos, se você lhes pergunta, eles dizem que são tão felizes
como deuses. Todos os mortais, mesmo aqueles que se pensam bem-nascidos, são igualmente
desconhecedores. Devido ao peso de seu carma tais tolos não podem acreditar e não podem se
verem livres.
As pessoas que vêem que suas mentes são o buda não necessitam raspar a cabeça (47) . Os
leigos são budas também. A menos que vejam sua natureza, as pessoas que raspam a cabeça
são simplesmente fanáticos.
Mas, uma vez que leigos casados não desistem de sexo, como eles podem tornarem-se budas?
Eu falo somente sobre ver sua natureza. Eu não falo sobre simplesmente sexo porque você não
vê sua natureza. Uma vez que você veja sua natureza, sexo é basicamente imaterial. Ver a
natureza termina com o seu prazer no sexo. Mesmo que alguns hábitos permaneçam eles não
podem lhe causar dano, pois sua natureza é essencialmente pura. Apesar de habitar num corpo
imaterial de quatro elementos, sua natureza é basicamente pura. Ela não pode ser corrompida.
Em seu corpo verdadeiro não há sensação, nenhuma fome ou sede, nenhum calor ou frio,
nenhuma doença, amor ou apego, nenhum prazer ou dor, nenhum bem ou mal, nenhuma penúria
ou fartura, nenhuma fraqueza ou força. Realmente, não há nada aqui. É somente porque você
apega-se a esse corpo imaterial que coisas como fome e sede, calor e frio e doenças aparecem.
Uma vez que você pare de apegar-se e deixe as coisas irem você será livre, mesmo de
nascimento e morte. Você transformará tudo. Você possuirá poderes espirituais (48) que não
podem ser obstruídos. E você estará em paz onde quer que esteja. Se você duvida disso você
nunca verá nada. É melhor ficar de fora fazendo nada. Uma vez que você aja, você não pode
evitar o ciclo de nascimento e morte. Mas uma vez que você veja sua natureza, você é um buda
mesmo que você trabalhe como açougueiro.
Mas os açougueiros criam carma carneando animais. Como eles podem ser budas?
Falo somente sobre ver sua natureza. Não falo sobre criar carma. Indiferentemente ao que
fazemos, nosso carma não se apega a nós. Por calpas sem começo nem fim, é somente porque
as pessoas não vêem sua natureza que elas terminam no inferno. Uma vez que uma pessoa crie
carma, ela continua nascendo e morrendo. Mas, uma vez que a pessoa perceba sua natureza
original, ela pára de criar carma. Se ela não vê sua natureza, invocar budas não vai liberá-la de
seu carma, indiferentemente de ser ou não um açougueiro. Mas uma vez que ela veja sua
natureza todas as dúvidas dissipam-se. Mesmo o carma de um açougueiro não tem efeito sobre
essa pessoa.
Buda é seu corpo verdadeiro, sua mente original. Essa mente não tem forma ou características,
não tem causa ou efeito, tendões ou ossos. É como o espaço. Você não pode agarrá-la. Não é a
mente de materialistas ou niilistas. Exceto um tathagata, ninguém mais - nenhum mortal, nenhum
ser iludido - pode penetrá-la.
Mas essa mente não está em algum lugar fora do corpo material de quatro elementos. Sem essa
mente nós não podemos nos mover. O corpo não tem consciência. Como uma planta ou pedra, o
corpo não tem natureza. Então, como ele move-se? É a mente que se move.
Conseqüentemente os sutras dizem-nos para mover sem mover, viajar sem viajar, ver sem ver, rir
sem rir, ouvir sem ouvir, saber sem saber, ser feliz sem ser feliz, caminhar sem caminhar, ficar de
pé sem ficar de pé. E os sutras dizem: "Vá além da linguagem, vá além do pensamento".
Basicamente, ver, ouvir e saber são completamente vazios. Sua raiva, sua alegria ou dor são
como de um boneco. Você pode procurar, mas nada encontrará.
De acordo com os sutras, más ações resultam em dificuldades e boas ações resultam em
bênçãos. Gente braba vai para o inferno e gente feliz vai para o céu. Mas uma vez que você
saiba que a natureza da raiva e da alegria é vazia e você as deixa ir, você se livra de carma. Se
você não vê sua natureza, parafrasear sutras não ajuda. Eu poderia ir adiante, mas esse breve
sermão fará efeito.
Notas
8. Mente. Um verso do Avatamsaka Sutra é parafraseado aqui: "Os três reinos são só uma
mente". O Sexto Patriarca zen, Hui-Neng, distingue mente como o reino e natureza como o
senhor.
9. Budas. O budismo não se limita a um buda. Ele reconhece incontáveis budas. Além disso,
todos têm a natureza de buda. Há um buda em cada mundo, assim como há consciência em
cada pensamento. A única qualificação necessária para a buditude é consciência completa.
12. Essa mente é o buda. É budismo Mahayana em poucas palavras. Uma vez um monge
perguntou a Ameixa Grande o que Matsu lhe ensinou. Ameixa Grande disse "Essa mente é o
buda." O monge respondeu: Atualmente Matsu ensina Aquilo que não é a mente não é o buda. A
isso Ameixa Grande respondeu: "Deixe-o fazer Aquilo que não é a mente não é o buda. Vou bater
em Essa mente é o buda." Quando ele ouviu essa história, Matsu disse: "A ameixa está madura."
(Transmissão da Lâmpada, Capítulo 7).
13. Iluminação. Bodi. Diz-se que a mente livre de ilusão é cheia de luz, como a Lua quando não é
obscurecida por nuvens. Em vez de sofrer outro renascimento, a pessoa iluminada atinge o
nirvana, porque a iluminação põe fim ao carma. A faculdade de ouvir é mais primitiva, mas a
visão é a contumaz fonte de sabedoria acerca de realidade; daí o uso de metáforas visuais. Os
sutras também falam de mundos nos quais os budas ensinam através do olfato.
15. Natureza própria. Svabhava. Aquilo que é de si próprio. A natureza própria de nada depende,
tanto causal, temporal ou espacialmente. A natureza própria não tem aparência. Seu corpo é
corpo nenhum. Não é um tipo de ego, e não é algum tipo de substrato ou característica que exista
dentro ou fora dos fenômenos. A natureza própria é vazia de todas as características, incluindo o
vazio, mas ainda define a realidade.
16. Invocar budas. Invocar inclui tanto visualização de um buda como repetição de um nome de
buda. O objeto usual de tal devoção é Amithaba, Buda do Infinito. Invocar de todo coração
Amithaba assegura aos devotos renascer no Paraíso Oriental, onde a iluminação é dita ser muito
mais fácil atingir do que nesse mundo.
19. Ver sua natureza. Chamada de natureza própria, natureza de buda ou natureza do Dharma,
nossa natureza é nosso corpo verdadeiro. É também nosso falso corpo. Nosso corpo verdadeiro
não é sujeito a nascimento ou morte, aparecimento ou desaparecimento, mas o nosso corpo falso
está num estado de constante mudança. Vendo nossa natureza, nossa natureza vê a si mesma,
porque a ilusão e a consciência não são diferentes. Para uma exposição sobre isso em
português, veja o livro de D.T. Suzuki A Doutrina Zen da Não-Mente.
20. Vida e morte. Shakyamuni deixou o lar para achar uma saída do ciclo interminável de vida e
morte. Todos que seguem Buda devem fazer o mesmo. Quando chegou o momento de transmitir
o robe e a tigela da linhagem zen, Hui-jin, o Quinto Patriarca zen, reuniu seus discípulos e disse-
lhes: "Nada é mais importante que vida e morte. Mas em vez de procurar uma saída para o
Oceano de Vida e Morte, vocês passam todo o seu tempo procurando maneiras de acumular
méritos. Se vocês são cegos para sua própria natureza, para que serve o mérito? Usem sua
sabedoria, a prajna natureza de suas próprias mentes. De todo o seu ser, vão escrever um
poema". (Sutra do Sexto Patriarca, Capítulo 1).
21. Sutra Desdobrado em Doze. As doze divisões das escrituras reconhecidas pelo budismo
Mahayana. Essas divisões, que são feitas para separar objetos diferentes e formas literárias,
incluem sutras, sermões de Buda; geyas, repetições em versos dos sutras; gathas, cânticos e
poemas; nidanas, narrativas históricas; jatacas, histórias de budas anteriores; itivrittakas, histórias
das vidas passadas dos discípulos; adbhutadharma, milagres de Buda; avadana,
alegorias; upadesa, discussões da doutrina; udana, postulados não solicitados da
doutrina; vaipulya, discursos estendidos; e vyakana, profecias de iluminação.
22. Roda de Nascimentos e Mortes. O renascer sem fim do qual somente budas escapam.
23. Boa Estrela. No Capítulo 23 do Nirvana Sutra diz-se que Boa Estrela é um dos três filhos de
Shakyamuni. E, tal como seu irmão Rahula, tornou-se um monge. No fim, ele era capaz de recitar
e explicar inteiramente a literatura sagrada de seu tempo e pensou que tinha atingido o quarto
reino celestial de dhyana no reino da forma. E quando o suporte cármico por tal feito exauriu-se,
ele foi transportado fisicamente para o inferno do sofrimento sem fim.
24. Sutras ou shastras. Sutras são discursos dos budas. Shastras são os discursos dos discípulos
proeminentes.
26. Demônios. Os budistas, como os seguidores de outras fés, reconhecem uma categoria de ser
cujo único propósito é desvirtuar budas em potencial. Essas legiões de demônios são lideradas
por Mara, a quem Buda derrotou na noite de sua iluminação.
27. Carma. O equivalente moral da lei física de causa e efeito, o carma inclui ações do corpo, da
língua e da mente. Tais ações giram a Roda de Renascimento e resultam em sofrimento. Mesmo
quando uma ação é boa ela gira a Roda. O objetivo da prática budista é escapar da roda, por um
fim ao Carma, agir sem agir, não atingir um renascimento melhor.
28. Skandas. Palavra sânscrita que significa a constituição da mente ou o corpo mental das
pessoas: forma, sensação, percepção, impulso e consciência.
29. Samsara. Palavra sânscrita que significa fluxo constante, o ciclo de mortalidade, o fluxo sem
fim de nascimento e morte.
30. O Tathagata. Uma palavra para designar um buda; o nome pelo qual um buda refere-se a si
mesmo. Um buda é um desperto. Um Tathagata é uma manifestação no mundo de um buda, seu
corpo de transformação, em oposição a seu corpo de desfrute ou seu corpo real. Um Tathagata
ensina o Dharma.
32. Kashyapa. Também chamado Mahakashyapa, ou o Grande Kashyapa. Ele era um dos mais
proeminentes discípulos e lhe é creditado ter sido Primeiro Patriarca zen na Índia. Quando Buda
segurou a flor, Kashyapa sorriu em resposta, e a transmissão da mente zen começou.
34. Espíritos, demônios ou seres divinos. Espíritos são seres sem corpo. Os demônios incluem
vários deuses do céu (devas), do mar (nagas) e da terra (yakshas). Os seres divinos incluem
Indra, senhor dos 33 reinos celestes, e Brahma, senhor da criação.
39. Céu e inferno. Os budistas reconhecem quatro reinos celestes da forma, os quais são
divididos em 16 ou 18 reinos celestes, e quatro sem forma. Do lado oposto da Roda existem oito
infernos quentes e oito infernos frios, cada um dos quais tem quatro infernos adjacentes. Há
também um número de infernos especais, tais como o inferno de escuridão e sofrimento sem fim.
40. Fanáticos. Dentre os seguidores das várias seitas budistas e não budistas, aqueles mais
sujeitos a degeneração como fanáticos foram aqueles que engajaram em ascetismo e auto-
tortura ou aqueles que seguiram literalmente e não o espírito do Dharma.
45. Icchantikas. Uma classe de seres preocupados tão exclusivamente com gratificação dos
sentidos que a crença religiosa está além deles. Eles quebram os preceitos e recusam-se a
arrependerem-se. Uma tradução chinesa antiga do Sutra do Nirvana nega que os icchantikas
possuíssem a natureza de buda. Uma vez que a proibição budista de matar intenciona evitar
matar alguém capaz de atingir a buditude, matar icchantikas era, pelo menos em teoria, isento de
culpa. Uma tradução mais recente do Sutra do Nirvana, entretanto, retificou esta noção, dizendo
que mesmo icchantikas têm natureza de buda.
47. Raspar suas cabeças. Quando Shakyamuni deixou o palácio do pai no meio da noite para
começar sua procura por iluminação, ele cortou com sua espada seu cabelo, que estava na altura
dos ombros. O cabelo curto que restou formava cachos no sentido do relógio que nunca
precisavam ser cortados novamente. Mais tarde, os membros da Ordem Budista começaram a
raspar suas cabeças para distinguirem-se de outras seitas.
48. Poderes espirituais. Os budistas reconhecem seis de tais poderes: a habilidade de ver todas
as formas; a habilidade de ouvir todos os sons; a habilidade de saber os pensamentos dos outros;
a habilidade de estarem em qualquer lugar ou fazer qualquer coisa a vontade; e a habilidade de
conhecer o fim do renascimento.
49. Vinte e sete patriarcas. Kashyapa foi o Primeiro Patriarca da linhagem zen. Ananda foi o
segundo. Prajnatara foi o vigésimo sétimo e Bodhidharma o vigésimo oitavo. Bodhidharma foi
também o Primeiro Patriarca zen na China.
50. Selo. A transmissão da mente zen deixa uma igualdade perfeita, a qual pode sempre ser
conferida com a coisa verdadeira, a qual leva tanto tempo e faz tanto som como afixar um selo.
O Sermão do Despertar
A essência do Caminho é desapego. E o objetivo daqueles que praticam é o desapego das
aparências. Dizem os sutras: "Desapego é iluminação porque nega as aparências." A buditude
significa consciência. Os mortais cujas mentes são conscientes alcançam o Caminho da
Iluminação e são portanto chamados budas. Dizem os sutras: "Aqueles que se libertam de todas
as aparências são chamados de budas." A aparência da aparência como não aparência não pode
ser vista visualmente mas pode somente ser conhecida através da sabedoria. Quem quer que
ouça e acredite neste ensinamento embarca no grande veículo (53) e deixa os três reinos.
Os três reinos são a avidez, a raiva e a ilusão. Deixar os três reinos significa ir da avidez, raiva e
ilusão de volta para a moralidade, meditação e sabedoria. A avidez, a raiva e a ilusão não têm
natureza própria. Dependem dos mortais. E qualquer um capaz de reflexão é levado a ver que a
natureza da avidez, da raiva e da ilusão é a natureza de buda. Além da avidez, raiva e ilusão não
há outra natureza de buda. Dizem os sutras: "Os budas só são budas enquanto vivem com os
três venenos e alimentam-se do puro Dharma." Os três venenos são avidez, raiva e ilusão.
O grande veículo é o maior dos veículos. É o meio de transporte dos bodhisattvas que usam tudo
sem usar coisa alguma e que viajam todo dia sem viajar. Tal é o veículo dos budas. Dizem os
sutras: "Nenhum veículo é o veículo dos budas."
Quem quer que perceba que os seis sentidos (54) não são reais, que os cinco
agregados (55) são ficção, e que tais coisas são localizadas em qualquer lugar do corpo, entende
a linguagem dos budas. Dizem os sutras: "A caverna dos cinco agregados é a sala do zen. A
abertura do olho interno é a porta do Grande Veículo." O que poderia ser mais claro?
Não pensar sobre coisa alguma é zen. Uma vez que você saiba disso, caminhar, ficar de pé,
sentar-se ou deitar-se, tudo que você fizer é zen. Saber que a mente é vazia é ver o buda. Os
budas das dez direções (56) não têm mente. Ver mente nenhuma é ver o buda.
Desistir de si mesmo sem lamentar-se é a grande caridade. Transcender o movimento e a
imobilidade é a mais alta meditação. Os mortais permanecem em movimento, e os arhats
permanecem imóveis (57) . Mas a meditação ultrapassa tanto a meditação dos mortais como a
dos arhats. As pessoas que alcançam tal entendimento libertam-se de todas as aparências e
curam todas as doenças sem tratamento. Tal é o poder do grande zen.
Usar a mente para procurar a realidade é ilusão. Não usar a mente para olhar a realidade é
consciência. Libertar-se das palavras é liberação. Permanecer não corrompido pelo pó da
sensação resguarda o Dharma. Transcender vida e morte é deixar o lar (58) . Não sofrer outra
existência é alcançar o caminho. Não criar ilusão é iluminação. Não comprometer-se com
ignorância é sabedoria. Nenhuma aflição é nirvana. E nenhum aparecimento da mente é a outra
margem.
Quando você está iludido, esta margem existe. Quando você desperta, ela não existe. Os mortais
permanecem nesta margem.
Mas aqueles que descobrem o maior de todos os veículos não ficam nem nesta margem nem na
outra margem. São capazes de deixar ambas as margens. Aqueles que vêm a outra margem
como diferente desta margem não entendem o zen.
A ilusão significa mortalidade. E a consciência significa buditude. Elas não são a mesma coisa. E
elas não são diferentes. É porque as pessoas distinguem ilusão de consciência. Quando estamos
iludidos há um mundo do qual escapar. Quando somos conscientes, não há do que escapar.
À luz do Dharma imparcial, os mortais não parecem diferentes dos sábios. Os sutras dizem que o
Dharma imparcial é algo que os mortais não podem penetrar e os sábios não podem praticar. O
Dharma imparcial é praticado somente por grandes bodhisattvas e budas. Ver a vida como
diferente da morte ou o movimento como diferente da imobilidade é ser parcial. Ser imparcial
significa ver o sofrimento como não diferente de nirvana, pois a natureza de ambos é o vazio.
Imaginando que estão pondo fim ao sofrimento e entrando em nirvana os arhats acabam caindo
na armadilha do nirvana. Mas os bodhisattvas sabem que o sofrimento é essencialmente vazio. É
por permanecerem no vazio eles permanecem no nirvana. O nirvana significa nem nascimento e
nem morte. É além de nascimento e morte e além do nirvana. Quando a mente pára de mover-se
ela entra em nirvana. O nirvana é uma mente vazia. Onde não existem ilusões, os budas
alcançam o nirvana. Onde não existem aflições, os bodhisattvas entram no local da
iluminação (59) .
Um lugar desabitado (60) é aquele sem avidez, raiva ou ilusão. A avidez é o reino do desejo, a
raiva é o reino da forma e a ilusão é o reino sem forma. Quando um pensamento começa, você
entra nos três reinos. Quando um pensamento termina, você deixa os três reinos. O começo ou
término dos três reinos, a existência ou não existência de qualquer coisa depende da mente. Isso
se aplica a tudo, mesmo a objetos inanimados como pau e pedra.
Quem quer que saiba que a mente é uma ficção desprovida de algo real sabe que sua própria
mente não existe nem não existe. Os mortais criam a mente, proclamando que ela existe. E os
arhats negam a mente, proclamando que ela não existe. Mas os bodhisattvas e budas nem criam
nem negam a mente. A isso se diz que a mente não existe nem não existe. A mente que não
existe nem não existe é chamada Caminho do Meio. (61) .
Se você usa sua mente para estudar a realidade, você não vai entender nem sua mente nem a
realidade. Se você estudar a realidade sem usar sua mente, você entenderá ambas. Aqueles que
não entendem, não entendem entender. E aqueles que entendem, entendem o não entender. As
pessoas providas da visão verdadeira (62) sabem que a mente é vazia. Elas transcendem tanto o
entender e o não entender. A ausência tanto de entendimento como não entendimento é o
verdadeiro entendimento.
Vista com a verdadeira visão a forma não é simplesmente forma, pois a forma depende da mente.
E a mente não é simplesmente mente, pois a mente depende da forma. Mente e forma criam e
negam uma à outra. Aquilo que existe em relação àquilo que não existe. E aquilo que não existe
não existe em relação àquilo que existe. Isso é visão verdadeira. Por meios de tal visão nada é
visto e nada é não visto. Tal visão alcança totalmente as dez direções sem ver: porque nada é
visto; porque não ver é ver; porque ver é não ver. O que os mortais vêm são ilusões. A visão
verdadeira é desprendida de ver.
A mente e o mundo são opostos, e a visão nasce onde elas se encontram. Quando sua mente
não se revolve internamente, o mundo não desponta exteriormente. Quando o mundo e a mente
estão ambos transparentes essa é a verdadeira visão. E tal entendimento é o verdadeiro
entendimento.
Nada ver é perceber o caminho, e nada entender é saber o Dharma, pois ver não é ver nem não
ver e porque entender não é entender nem não entender. Ver sem ver é visão verdadeira.
Entender sem entender é entender verdadeiro.
A verdadeira visão não é somente ver vendo. É também ver não vendo. E o verdadeiro entender
não é somente entender o entendimento. É também entender o não entendimento. Se você
entende qualquer coisa, você não entende. Somente quando você nada entende é o verdadeiro
entender. Entender não é entender nem não entender.
Dizem os sutras: "Não abandonar a sabedoria é estupidez." Quando a mente não existe, entender
e não entender são ambos verdadeiros. Quando a mente existe, entender e não entender são
ambos falsos.
Quando você entende, a realidade depende de você. Quando você não entende, você depende
da realidade. Quando a realidade depende de você, aquilo que não é real torna-se real. Quando
você depende da realidade, aquilo que é real torna-se falso. Quando você depende da realidade,
tudo é falso. Quando a realidade depende de você, tudo é verdadeiro. Assim, o sábio não usa sua
mente para procurar por realidade, ou realidade para procurar sua mente ou sua mente para
procurar sua mente, ou realidade para procurar realidade. Sua mente não desponta realidade. E a
realidade não desponta sua mente. E porque tanto sua mente como a realidade estão imóveis,
ele está sempre em samadi. (63)
Quando a mente mortal aparece, a buditude desaparece. Quando a mente mortal desaparece, a
buditude aparece. Quando a mente aparece, a realidade desaparece. Quando a mente
desaparece, a realidade aparece. Quem quer que saiba que nada depende de coisa alguma
encontrou o Caminho. E quem quer que saiba que a mente de nada depende está sempre no
local da iluminação.
Quando você não entende, você está errado. Quando você entende, você não está errado. É
porque a natureza do erro é vazia. Quando você não entende, o certo parece errado. Quando
você entende, o errado não é errado, pois o erro não existe. Dizem os sutras: "Nada tem uma
natureza própria". Aja. Não faça perguntas. Quando você faz perguntas, você está errado. O erro
é resultado de questionamento. Quando você alcança tal entendimento, as más ações de suas
vidas passadas são varridas. Quando você está iludido, os seis sentidos e cinco trevas são
construções de sofrimento e mortalidade. Quando você desperta, os seis sentidos e cinco
trevas (64) são construções de nirvana e imortalidade.
Alguém que procure o caminho não olha além de si. Sabe que a mente é o Caminho. Mas quando
acha a mente, nada acha. E quando a pessoa acha o Caminho, nada acha. Se você pensa que
você pode usar a mente para achar o caminho, você está iludido. Quando você está iludido, a
buditude existe. Quando você está consciente, ela não existe. É porque a consciência é buditude.
Se você está procurando pelo caminho, o caminho não aparecerá até que seu corpo desapareça.
É como descascar uma árvore. Esse corpo cármico sofre mudanças constantes. Não tem
realidade fixa. Pratique de acordo com seus pensamentos. Não odeie a vida e a morte e não ame
a vida e a morte. Mantenha cada um de seus pensamentos livre de ilusão, que em vida você
testemunhará o início do nirvana (65) , e na morte você vai experimentar a garantia de não
renascimento. (66)
Ver a forma mas não ser corrompido pela forma e ouvir o som mas não ser corrompido pelo som
é liberação. Olhos que não são apegados à forma são os Portais do Zen. Ouvidos que não são
apegados ao som são também os Portais do Zen. Resumindo, aqueles que percebem a
existência e natureza dos fenômenos e permanecem desapegados são liberados. Aqueles que
percebem a aparência externa dos fenômenos estão a sua mercê. Liberação significa não estar
sujeito à aflição. Não há outra liberação. Quando você sabe como olhar para a forma, forma não
origina a mente e a mente não origina forma. Forma e mente são ambas puras.
Quando as ilusões não estão presentes, a mente é a terra dos budas. Quando as ilusões estão
presentes, a mente é o inferno. Os mortais criam ilusões. E através do uso da mente para dar
origem à mente eles sempre encontram-se no inferno.
Os bodhisattvas vêm através das ilusões. E por não usarem a mente para gerar mente eles
sempre encontram-se na terra dos budas. Se você não usa sua mente para criar mente, cada
estado da mente é vazio e cada pensamento imóvel. Você vai de uma terra de buda (67) para
outra. Se você usa sua mente para criar mente, cada estado da mente está perturbado e cada
pensamento está em movimento. Você vai de um inferno para o seguinte. Quando um
pensamento nasce, há bom carma e mau carma, céu e inferno. Quando nenhum pensamento
nasce, não há bom carma ou mau carma, não há céu ou inferno.
O corpo não existe nem não existe. Portanto, a existência como mortal e a não existência como
sábio são concepções com as quais um sábio nada tem a ver. Seu coração é vazio e espaçoso
como o céu.
Quando a mente alcança o nirvana, você não vê o nirvana, pois essa mente é o nirvana. Se você
vê o nirvana em algum lugar fora da mente, você está iludindo-se.
Cada sofrimento é uma semente de buda, devido ao sofrimento impelir os mortais a buscar a
sabedoria. Mas você apenas pode dizer que o sofrimento gera a buditude. Você não pode dizer
que o sofrimento é buditude. Seu corpo e mente são o solo. O sofrimento é a semente, a
sabedoria é o broto e a buditude o fruto.
O buda está para a mente assim como a fragrância está para a árvore. O buda é proveniente de
uma mente livre de sofrimento, tal como uma fragrância provém de uma árvore que não tem
podres. Não há fragrância sem a árvore e nenhum buda sem a mente. Se há fragrância sem
árvore, é uma fragrância diferente. Se há buda sem sua mente, é um buda diferente.
Quando os três venenos estão presentes em sua mente, você vive numa terra imunda. Quando
os três venenos estão ausentes de sua mente, você vive numa terra de pureza. Dizem os sutras:
"Se você enche uma terra de impureza e imundície, jamais um buda aparecerá." Impureza e
imundície referem-se à ilusão e outros venenos. Um buda refere-se a uma mente pura e
desperta.
Não há linguagem que não seja o Dharma. Falar o dia inteiro sem dizer coisa alguma é o
caminho. Ficar silencioso o dia inteiro e ainda dizer algo não é o caminho. Portanto, a fala do
tathagata não depende do silêncio, nem o seu silêncio depende da fala, nem sua fala existe em
separado de seu silêncio. Aqueles que entendem tanto fala como silêncio estão em samadi. Se
você fala quando você sabe, sua fala é livre. Se você fica silencioso quando você não sabe, seu
silêncio está amarrado. Se a fala não é apegada às aparências, ela é livre. Se o silêncio é
apegado às aparências, está amarrado. A linguagem é essencialmente livre. Nada tem a ver com
apego. E o apego nada tem a ver com a linguagem.
A realidade não tem altos e baixos. Se você vê altos e baixos, não é real. Uma balsa (68) não é
real. Mas um passageiro da balsa é. Uma pessoa que usa tal balsa pode cruzar aquilo que não é
real. É por isso que é real.
De acordo com o mundo existe macho e fêmea, rico e pobre. De acordo com o caminho não há
macho e fêmea, não há rico ou pobre. Quando a deusa descobre o caminho, ela não muda de
sexo. Quando o garoto apunhalado (69) despertou para a verdade, ele não mudou seu status.
Livres de sexo e status, eles compartilham a mesma aparência básica. A deusa não teve sucesso
por 12 anos em sua busca por feminilidade. Procurar por 12 anos pela hombridade de alguém
seria igualmente infrutífero. Os 12 anos referem-se as 12 entradas (70) .
Sem a mente não há buda. Sem o buda não há mente. Da mesma maneira, sem água não há
gelo, e sem gelo não há água. Quem quer que fale a respeito de deixar a mente não vai muito
longe. Não se apegue às aparências da mente. Dizem os sutras: "Quando você não vê
aparências, você vê o buda." É isso que significa ser livre das aparências da mente.
Sem a mente não há buda significa que o buda vem da mente. A mente gera o buda. Mas embora
o buda provenha da mente, a mente não provém de buda, tal como um peixe provém da água,
mas a água não provém do peixe. Quem quer que queira ver o peixe vê a água antes de ver o
peixe. E quem que queira ver um buda vê a mente antes que veja o buda. Uma vez que você veja
o peixe, você esquece-se da água. E uma vez que que você veja o buda, você esquece-se a
respeito da mente, a mente confundirá, assim como água o confundirá se você não se esquece a
respeito dela.
A mortalidade e a buditude são como água e gelo. Ser afligido pelos três venenos é mortalidade.
Ser purificado pelos três alívios (71) é buditude. Aquilo que se congela no inverno derrete-se no
verão. Elimine o gelo e não há mais água. Livre-se da mortalidade e não há mais buditude.
Claramente, a natureza do gelo é a natureza da água. E a natureza da água é a natureza do gelo.
E a natureza da mortalidade é a natureza da buditude. A mortalidade e a buditude compartilham a
mesma natureza tal como wutou e futzu (72) compartilham a mesma raiz mas não a mesma
estação. É somente por causa da ilusão das diferenças que nós temos as
palavras mortalidade e buditude. Quando uma serpente torna-se um dragão ela não muda suas
escamas. E quando um mortal torna-se um sábio, ele não muda sua face. Ele conhece sua mente
através da sabedoria interna e cuida de seu corpo através da disciplina externa.
Os mortais liberam budas e os budas liberam mortais. Imparcialidade significa isso. Os mortais
liberam budas porque a aflição cria consciência. E os budas liberam mortais porque a consciência
nega a aflição. Não há como não haver aflição. E não há como não haver consciência. Se não
fôssemos pela aflição, nada haveria para criar consciência. Se não fôssemos pela consciência,
nada haveria para negar aflição. Quando você está iludido, os budas liberam mortais. Quando
você está consciente, os mortais liberam budas. Os budas não se tornam budas por si mesmos.
Eles são liberados por mortais. Os budas consideram a ilusão como seu pai e a avidez como sua
mãe. Ilusão e avidez são palavras diferentes para mortalidade. A ilusão e a avidez são como a
mão esquerda e a mão direita. Não há outra diferença.
Quando você está iludido, você está nesta margem. Quando você está consciente, você está na
outra margem. Mas uma vez que você veja que sua mente é vazia e você não veja aparências,
você está além da ilusão e consciência. E uma vez que você esteja além da ilusão e consciência,
a outra margem não existe. O tathagata não está nesta margem ou na outra margem. Ele não
está na correnteza. Os arhats estão na correnteza e os mortais estão nesta margem. Na outra
margem está a buditude.
Os budas têm três corpos (73) : um corpo de transformação, um corpo de recompensa e um
corpo real. O corpo de transformação é também chamado de o corpo de encarnação. O corpo de
transformação aparece quando os mortais fazem boas ações, o corpo de recompensa quando
cultivam sabedoria, e o corpo real quando eles ficam conscientes do sublime. O corpo de
transformação é aquele que você vê voando em todas as direções resgatando os outros onde
quer que eles estejam. O corpo de recompensa põe fim às dúvidas. A frase "a grande iluminação
ocorreu nos Himalaias" (74) repentinamente torna-se verdadeira. O corpo real não faz ou diz
coisa alguma. Permanece perfeitamente imóvel. Na verdade, não há sequer um corpo de buda,
muito menos três. Essa conversa de três corpos é baseada simplesmente no entendimento
humano, o qual pode ser oco, moderado ou profundo.
As pessoas de entendimento oco imaginam que elas estão acumulando bênçãos e confundem o
corpo de transformação como sendo buda. As pessoas de entendimento moderado imaginam que
elas estão pondo fim ao sofrimento e confundem o corpo de recompensa como sendo buda. E as
pessoas de entendimento profundo imaginam que elas estão experimentando a buditude e
confundem o corpo real de buda com o buda.
Mas as pessoas com o entendimento mais profundo olham dentro, não se distraindo. Uma vez
que uma mente clara é o buda, elas atingem o entendimento de um buda sem usar a mente. Os
três corpos, como todas as outras coisa, são inatingíveis e indescritíveis. A mente desimpedida
alcança o Caminho. Dizem os sutras: "Os budas não rezam o Dharma. Eles não liberam mortais.
Eles não experimentam a buditude." É isso que eu quero dizer.
Os indivíduos criam carma. O carma não cria indivíduos. Eles criam carma nesta vida e recebem
sua recompensa na próxima. Eles nunca escapam. Somente alguém que seja perfeito não cria
carma nessa vida e não recebe recompensa. Dizem os sutras: "Quem não cria carma obtém o
Dharma." Este não é um dito vazio. Você pode criar carma, mas você não pode criar uma pessoa.
Quando você cria carma, você renasce junto com seu carma. Quando você não cria carma, você
desaparece juntamente com seu carma. Portanto, como o carma dependente do indivíduo e o
indivíduo dependente do carma, se o indivíduo não cria carma, o carma não adere nele. Da
mesma maneira, "Uma pessoa pode ampliar o caminho. O caminho não pode ampliar uma
pessoa." (75)
Os mortais continuam criando carma e erradamente insistem que não há retribuição. Mas podem
eles negar o sofrimento? Podem eles negar que o que o presente estado da mente semeia o
próximo estado da mente colhe? Como elas podem escapar? Mas se o presente estado da mente
nada semeia, o próximo estado da mente nada colhe. Não faça concepções erradas.
Dizem os sutras: "Apesar de acreditar nos budas, as pessoas que imaginam que os budas
praticam austeridades não são budistas. O mesmo aplica-se àqueles que imaginam que os budas
são sujeitos a recompensas de riqueza ou pobreza. Eles são icchantikas. Eles são incapazes de
acreditar."
Quem entende os ensinamentos dos sábios é um sábio. Quem entende os ensinamentos dos
mortais é um mortal. Um mortal que possa desistir do ensinamento dos mortais e seguir os
ensinamentos dos sábios torna-se um sábio. Mas os tolos deste mundo preferem procurar por
sábios lá longe. Eles não acreditam que a sabedoria de suas próprias mentes é o sábio. Dizem os
sutras: "Não recite este sutra em meio a homens de nenhum entendimento." E dizem os sutras:
"A mente é o ensinamento." Mas as pessoas de nenhum entendimento não acreditam nas suas
próprias mentes nem que entendendo esse ensinamento elas podem tornarem-se sábias. Elas
preferem procurar conhecimento distante e esperar por coisas no espaço, imagens de buda, luz,
incenso e cores. Elas caem na reza para a falsidade e perdem suas mentes na insanidade.
Dizem os sutras: "Quando você vê que todas as aparências são nenhuma aparência, você vê o
tathagata." A miríade de portas para a verdade provêem todas da mente. Quando as aparências
da mente são tão transparentes como o espaço, elas se vão.
Nossos sofrimentos sem fim são as raízes da doença. Quando os mortais estão vivos,
preocupam-se com a morte. Quando estão satisfeitos, preocupam-se com a fome. Sua é a
Grande Incerteza. Mas os sábios não levam em consideração o passado. E eles não se
preocupam com o futuro. Nem eles se aderem ao presente. E de momento a momento eles
seguem o Caminho. Se você não despertou para esta grande verdade, você faria melhor
procurando um professor na terra ou nos céus. Não complique sua própria deficiência.
Notas
53. Grande Veículo. O Mahayana. A mente. Somente a mente pode levá-lo a todos os lugares.
54. Seis sentidos. Visão, audição, olfato, gustação, tato e pensamento.
55. Cinco agregados. Os cinco skandas, ou constituintes da mente: Forma, sensação, percepção,
impulso e consciência.
56. Dez direções. Os oito pontos da bússola, mais o zênite e o nadir.
57. Arhats permanecem imóveis. O arhat alcança o quarto e final fruto do budismo Hinayana,
liberação da paixão, pelo cultivo da imobilidade.
58. Deixar o lar. Como Shakyamuni fez para procurar a iluminação. Portanto, tornar-se um monge
ou monja.
59. Local da iluminação. Bodhimandala. O centro de cada mundo, onde todos os budas alcançam
a iluminação. O termo também refere-se a um templo budista.
60. Local desabitado. Local adequado para cultivo da espiritualidade.
61. Caminho do meio. O caminho que evita realismo e niilismo. Existência e não existência.
62. Visão verdadeira. O Óctuplo Caminho Nobre de Buda começa com a visão verdadeira, que
intenciona irromper a ilusão ou ignorância, o primeiro dos 12 elos da Corrente do Carma: ilusão,
impulso, consciência, nome-e-forma, órgãos dos sentidos, contato, sensação, desejo, agarrar,
existência, nascimento, envelhecimento-e-morte. Os dois primeiros referem-se à existência
anterior. Os dois últimos à próxima existência.
63. Samadí. O objetivo da meditação. Samadi é uma palavra sânscrita para mente não distraída,
uma cobra dentro de um bambu.
64. Cinco trevas. Os skandas ou agregados, os constituintes da personalidade que obscurecem o
eu verdadeiro: forma, sensação, percepção, impulso e consciência.
65. Início do nirvana. O nirvana ainda não está completo antes do corpo ser deixado para trás.
66. Garantia de não renascimento. A corporificação de nirvana.
67. Terra de buda. Um reino transformado de imundície à pureza pela presença de um buda,
portanto, uma terra pura. Veja a última seção do capítulo um no Sutra Vimilakirti.
68. Balsa. Buda compara seu ensinamento à uma balsa que pode ser usada para cruzar o Rio de
Renascimento Sem Fim. Mas uma vez que serviu ao propósito, a balsa é inútil. Não é mais uma
balsa.
69. Deusa ... garoto apunhalado. A Deusa aparece no capítulo sete do Sutra Vimilakirti. O garoto
apunhalado pode ser uma referência ao cavalariço de Shakyamuni. Se for, não estou
familiarizado com a história.
70. Doze entradas. Os seis órgãos e os seis sentidos.
71. Três alívios. A libertação da ilusão, raiva e avidez situa-se nas três portas da salvação: não-
eu , não-forma e não-desejo.
72. Wutou e futzu. Um anestésico é extraído do futzu, as raízes secundárias que crescem da raiz
básica do wutou (aconitum). A raiz secundária não se desenvolve até o segundo ano da planta.
73. Três corpos. Nirmanakaya (Shakyamuni), o sambhogakaya (Amithaba) e
o dharmakaya (Vairocana).
74. A Grande iluminação ocorreu nos Himalaias. A iluminação de Buda não ocorreu nos
Himalaias, mas no antigo estado indiano de Magadha, sul do Nepal. Numa existência anterior,
entretanto, Buda viveu nos Himalaias como asceta. Portanto, considerando as vidas anteriores
isso é verdade.
75. Uma pessoa pode engrandecer o caminho. O caminho não pode engrandecer uma pessoa. É
um dístico de Confúcio (Analectos, Capítulo 15)
O Sermão da Grande Descoberta
Se alguém está determinado a alcançar a iluminação, qual o método mais essencial a ser
praticado?
O método mais essencial, o qual inclui todos os outros métodos, é contemplar a mente.
A mente é a raiz da qual todas as coisas crescem. Se você pode entender a mente, tudo o mais
está incluído. É como a raiz de uma árvore. Todas as frutas e flores de uma árvore, galhos e
folhas dependem desta raiz. Se você alimenta a raiz da árvore, a árvore multiplica-se. Se você
corta a raiz da árvore, ela morre. Aqueles que entendem a mente alcançam a iluminação com
esforço mínimo. Aqueles que não entendem a mente praticam em vão. Todas as coisas boas e
más vêem de sua própria mente. Achar algo além da mente é impossível.
O Senhor diz que nossa verdadeira natureza de buda e todas as virtudes têm consciência como
raiz. Mas qual é a raiz da ignorância?
A mente ignorante, com suas infinitas aflições, paixões e males, é enraizada nos três venenos:
avidez, raiva e ilusão. Esses três estados da mente venenosos por si mesmos incluem inúmeros
males, como árvores que têm um único tronco mas inúmeros galhos e folhas. Cada veneno
produz tantos milhões de males que o exemplo da árvore mal é uma comparação apropriada.
Os três venenos estão presentes em nossos seis órgãos (79) dos sentidos como seis tipos de
consciência (80), ou ladrões. São chamados de ladrões porque entram e saem pelos portais dos
sentidos, cobiçam possessões sem limites, enredam-se no mal, e mascaram sua verdadeira
identidade. E porque os mortais são desencaminhados em corpo e mente por esses venenos ou
ladrões, eles ficam perdidos na vida e na morte, perambulam pelos seis estados da
existência (81), e sofrem inúmeras aflições. Essas aflições são como rios que correm por mil
quilômetros devido ao constante fluxo de pequenas fontes. Mas se alguém corta sua fonte, o rio
seca.
E se alguém que procura a liberação pode transformar os três venenos nos três conjuntos de
preceitos e os seis ladrões nos seis paramitas, livra-se das aflições de uma vez.
Mas os três reinos e os seis estados da existência são infinitamente vastos. Como podemos
escapar de suas infindáveis aflições se tudo que fizermos for contemplar a mente?
O carma dos três reinos vem da mente somente. Se sua mente não está dentro dos três reinos,
ela está além deles. Os três reinos correspondem aos três venenos: a avidez corresponde ao
reino do desejo, a raiva ao reino da forma e a ilusão ao reino sem forma. E porque o carma criado
pelos venenos pode ser leve ou pesado, esses três reinos são mais tarde divididos em seis
lugares conhecidos como seis estados da existência.
Os mortais que não entendem a prática verdadeira (82) e cegamente fazem boas ações nascem
nos três estados de existência dentro dos três reinos. E o que são esses três estados mais altos?
Aqueles que cegamente executam as dez boas ações (83) e tolamente buscam felicidade
nascem como deuses no reino do desejo. Aqueles que cegamente observam os cinco
preceitos(84) e tolamente amam e odeiam nascem como homens no reino da raiva. E aqueles
que cegamente atêm-se ao mundo fenomenal, acreditam em falsas doutrinas e rezam por
bênçãos nascem como demônios no reino da ilusão. Esses são os três estados mais altos da
existência.
E quais são os três estados mais baixos? Eles estão onde nascem aqueles que persistem em
pensamentos envenenados e más ações. Aqueles cujo carma para avidez é maior tornam-se
fantasmas famintos. Aqueles cujo carma para raiva é maior tornam-se sofredores no inferno. E
aqueles cujo carma para ilusão é maior tornam-se bestas. Esses três estados mais baixos juntos
com os três estados mais altos anteriores formam os seis estados da existência. Com isso você
deveria perceber que todo o carma, doloroso ou não, vem de sua própria mente. Se você puder
concentrar sua mente apenas e transcender sua falsidade e maldade, o sofrimento dos três
reinos e seis estados de consciência automaticamente desaparecerão. E uma vez livre do
sofrimento, você está verdadeiramente livre.
Mas Buda disse: "Apenas após sofrer inumeráveis sofrimentos por três asankhya kalpas (85) eu
atingi a iluminação. "Por que o Senhor diz que simplesmente observando a mente e superando
os três venenos está a liberação?
As palavras de Buda são verdadeiras. Mas os três asankhya kalpas referem-se aos três estados
da mente envenenados. O que chamamos de asankhya em sânscrito você chama de
inumeráveis. Dentre esses três estados envenenados da mente estão inúmeros maus
pensamentos. E cada pensamento dura um kalpa. Tal infinitude é o que Buda referiu-se como os
três asankhya kalpas.
Uma vez que seu eu verdadeiro obscurece-se com os três venenos, como você poderia ser
chamado de liberado até que você supere seus inúmeros maus pensamentos? Dizem que as
pessoas que podem transformar os três venenos da avidez, raiva e ilusão nas três liberações
passam através dos três asankhya kalpas. Mas as pessoas dessa idade final (86) são as mais
estúpidas das tolas. Elas não entendem o que o Tathagata realmente quis dizer com os três
asankhya kalpas. Elas dizem que a iluminação é atingida somente após kalpas sem fim e assim
fazem discípulos abandonarem o caminho da buditude.
Os três conjuntos de preceitos são para superar os três estados envenenados da mente. Quando
você supera esses três venenos, você cria três conjuntos de ilimitada virtude. Um conjunto põe as
coisas juntas - nesse caso, um número ilimitado de bons pensamentos por toda a mente. E os
seis paramitas são para purificar os seis sentidos. O que nós chamamos de paramitas você
chama de meio de transporte para a outra margem (88). Pela purificação de seus seis sentidos da
poeira da sensação, os paramitas transportam você através do Rio das Aflições para a Margem
da Iluminação.
De acordo com os sutras, os três conjuntos de preceitos são: "Prometo terminar com todo o mal.
Prometo cultivar todas as virtudes. E prometo liberar todos os seres." Mas agora o Senhor diz
que eles existem apenas para controlar os três estados envenenados da mente. Não é o
contrário do significado das escrituras?
Os sutras do buda são verdadeiros. Mas há muito tempo, quando aquele grande bodhisattva
estava cultivando a semente da iluminação, foi para opor-se aos três venenos que ele fez esses
três votos. Praticando proibições morais para opor-se ao veneno da avidez, ele prometeu terminar
com todos os males. Praticando meditação para opor-se ao veneno da raiva, ele prometeu
cultivar todas as virtudes. E praticando a sabedoria para opor-se ao veneno da ilusão, ele
prometeu liberar a todos os seres. Porque ele perseverou nessas três práticas puras de
moralidade, meditação e sabedoria, ele foi capaz de superar os três venenos e alcançar a
iluminação. Superando os três venenos varreu tudo que é pecaminoso e assim terminou com o
mal. Observando os três conjuntos de preceitos ele nada fez além do bem e assim cultivou a
virtude. E pondo um fim ao mal e cultivando a virtude ele realizou todas as práticas, beneficiou a
si mesmo bem como aos outros, e resgatou mortais em todos os lugares. Assim ele liberou seres.
Você deveria perceber que a prática que você cultua não existe separadamente de sua mente. Se
sua mente é pura, todas as terras de buda são puras. Dizem os sutras: "Se suas mentes são
impuras, os seres são impuros. Se suas mentes são puras, os seres são puros." E "Para alcançar
uma terra de buda, purifique sua mente. Uma vez que sua mente torne-se pura, as terras-de-buda
tornam-se puras" Assim, superando os três estados venenosos da mente os três conjuntos de
preceitos estão automaticamente satisfeitos.
Mas os sutras dizem que os seis paramitas são caridade, moralidade, paciência, devoção,
meditação e sabedoria. Agora o Senhor diz que os paramitas referem-se à purificação dos
sentidos. O que o Senhor quer dizer com isso? E por que eles são chamados de balsas?
Cultivar os paramitas significa purificar os seis sentidos superando os seis ladrões. Abandonar o
ladrão do olho abandonando o mundo visual é caridade. Não deixar entrar o ladrão do ouvido não
ouvindo os sons é moralidade. Empobrecer o ladrão do nariz igualando todos os odores como
neutros é paciência. Controlar o ladrão da boca conquistando os desejos de sabor, elogio e
explicação é devoção. Reprimir o ladrão do corpo ficando imóvel nas sensações de toque é
meditação. E domar o ladrão da mente não cedendo às ilusões, mas praticando consciência é
sabedoria. Esses seis paramitas são os transportes. Tais como botes ou jangadas, eles
transportam seres parra a outra margem Portanto, eles são chamados de balsas.
Mas quando Shakyamuni era um bodhisattva, ele consumiu três tigelas de leite e seis conchas de
mingau (89) antes de atingir a iluminação. Se ele tinha que beber leite antes de poder saborear o
fruto da buditude, como pode meramente contemplar a mente resultar em liberação?
O que você diz é verdadeiro. Foi como ele atingiu a iluminação. Ele teve que beber leite antes de
poder torna-se um buda. Mas há dois tipos de leite. Aquele que Shakyamuni bebeu não era leite
impuro comum mas o leite do puro Dharma. As três tigelas eram os três conjuntos de preceitos.
E as seis conchas eram os seis paramitas. Quando Shakyamuni atingiu a iluminação, foi porque
ele bebeu esse puro leite do Dharma que ele saboreou o fruto da buditude.
Dizer que o Tathagata bebeu a mistura mundana de leite malcheiroso de vaca é calúnia. Aquilo
que é verdadeiro, indestrutível, o eu dármico livre de paixões, permanece livre das aflições do
mundo. Por que ele necessitaria do leite impuro para satisfazer sua fome e sede?
Dizem os sutras: "Esse boi não vive nas montanhas ou nos vales. Ele não come grãos ou restos
de grãos. E ele não pasta com vacas. O corpo desse boi é da cor do ouro polido." O touro refere-
se a Vairocana (90). Devido à sua grande compaixão por todos os seres, ele produz dentro de
seu corpo de Dharma puro o leite de Dharma sublime dos três conjuntos de preceitos e dos seis
paramitas para alimentar todos aqueles que procuram liberação. O leite puro desse
verdadeiramente puro boi não somente habilita o Tathagata a atingir a buditude, mas também
capacita qualquer ser que o bebe a atingir a insuperável iluminação completa.
Nos sutras inteiros Buda diz para os mortais que eles podem atingir a iluminação fazendo
trabalhos meritórios tais como construção de mosteiros, fundição de estátuas, queimar incenso,
distribuição de flores, acender lâmpadas eternas, prática nos seis períodos (91) do dia e noite,
caminhar ao redor de stupas (92), jejum e adoração. Mas se contemplar a mente inclui todas as
outras práticas, então tais trabalhos parecem redundantes.
Os sutras de Buda contêm inumeráveis metáforas. Devido ao fato dos mortais terem mentes
superficiais e não entenderem coisa alguma profundamente, Buda usou o tangível para
representar o sublime. As pessoas que buscam bênçãos concentrando-se em trabalhos externos
em vez de cultivo interno estão tentando o impossível.
O que vocês chamam de mosteiro nós chamamos de sangharama, um local de pureza. Mas
quem quer que negue entrada aos três venenos e mantém as portas de seus sentidos puras,
corpo e mentes calmos, interior e exterior limpos, constrói um mosteiro.
Fundir estátuas refere-se a todas as práticas cultivadas por aqueles que buscam a iluminação. A
forma sublime do Tathagata não pode ser representada em metal. Aqueles que buscam a
iluminação consideram seus corpos como fornalhas, o Dharma como o fogo, a sabedoria como o
ofício e os três conjuntos de preceitos e seis paramitas como o molde. Eles fundem e refinam a
verdadeira natureza búdica dentro de si e derramam-na dentro do molde formado pelas regras da
disciplina. Atuando perfeitamente de acordo com o ensinamento de Buda eles naturalmente criam
uma semelhança perfeita. O corpo sublime e eterno não está sujeito às condições ou decadência.
Se você procura a Verdade mas não aprende a fazer uma semelhança verdadeira, o que você
usará no lugar?
E queimar incenso não significa incenso material comum mas o incenso do Dharma intangível,
que leva embora a impureza, a ignorância e ações más com seu perfume. Existem cinco tipos de
tal incenso dármico (93). Primeiramente vem o incenso da moralidde, que significa renunciar ao
mal e cultivar a virtude. Em segundo lugar vem o incenso da meditação, que significa acreditar
profundamente no Mahayana com determinação. Em terceiro está o incenso da sabedoria, que
significa contemplar o corpo e a mente, interna e externamente. Em quarto está o incenso da
liberdade, que significa romper os grilhões da ignorância. E em quinto está o incenso do
conhecimento perfeito, que significa estar sempre consciente e não obstruído. Esses cinco são os
tipos de incenso mais preciosos e eles são muito superiores a qualquer coisa que o mundo tenha
a oferecer.
Quando Buda estava no mundo, ele disse aos seus discípulos para acender tais incensos
preciosos com o fogo da consciência como uma oferenda aos budas das dez direções. Mas hoje
as pessoas não entendem o significado verdadeiro do Tathagata. Elas usam uma chama
ordinária para acender incenso material de sândalo e rezam por uma bênção futura que nunca
vem.`
Acontece o mesmo com a distribuição de flores. Refere-se à falar o Dharma, espalhar flores de
virtude, com o objetivo de beneficiar os outros e glorificar o eu verdadeiro. Essas flores da virtude
são aquelas louvadas por Buda. Elas duram para sempre e nunca murcham. E quem quer que
espalhe tais flores colhe bênçãos infinitas. Se você pensa que o Tathagata disse para as pessoas
fazer mal às plantas decepando suas flores, você está errado. Aqueles que observam os
preceitos não machucam qualquer uma das miríades de formas do céu e da terra. Se você
machucar algo por engano, você sofre por isso. Mas aqueles que intencionalmente quebram os
preceitos machucando a vida pelo desejo ou bênçãos futuras sofrem ainda mais. Como poderiam
eles permitir bênçãos futuras virar sofrimentos?
A lâmpada eterna representa consciência perfeita. Comparando a iluminação da consciência com
a luz de uma lâmpada, aqueles que buscam a liberação vêm seus corpos como a lâmpada, suas
mentes como seu pavio, a adição de disciplina como o seu óleo, e o poder da sabedoria como
sua chama. Acendendo essa lâmpada de perfeita consciência elas dissipam toda escuridão e
ilusão. E passando esse Dharma para os outros eles são capazes de usar uma lâmpada para
acender milhares de lâmpadas. E porque essas lâmpadas da mesma maneira acendem milhares
de outras lâmpadas, sua luz dura para sempre.
Há muito tempo havia um buda chamado Dipamkara (94), ou "Acendedor de Lâmpadas". Esse
era o significado de seu nome. Mas os tolos não entendem as metáforas do Tathagata.
Persistindo na ilusão e apegando-se ao tangível, eles acendem lâmpadas de óleo vegetal comum
e pensam que iluminando o interior de prédios elas estão seguindo o ensinamento de Buda. Que
tolice! A luz emitida por um buda pela espiral (95) entre suas sobrancelhas pode iluminar
inúmeros mundos. Lâmpada de óleo não ajuda. Ou você pensa de outra maneira?
Praticar todos os seis períodos do dia e da noite significa constantemente cultivar a iluminação
entre os seis sentidos e perseverar em cada forma de consciência. Nunca relaxar o controle
sobre os seis sentidos é o que significam os seis períodos.
Por caminhar ao redor de stupas, entenda-se que a stupa é seu corpo e mente. Quando sua
consciência circunda seu corpo e mente sem parar, diz-se "caminhar ao redor de uma stupa". Os
sábios de outrora seguiam esse caminho para nirvana. Mas hoje as pessoas não entendem o que
isso significa. Em vez de olhar dentro elas insistem em olhar fora. Elas usam seu corpo físico para
caminhar ao redor de stupas físicas. E elas ficam nessa dia e noite, ficando exaustas em vão e
não se aproximando de seu verdadeiro eu.
O mesmo acontece observando um jejum. É inútil a menos que você entenda o que realmente
significa. O jejum significa regular, regular seu corpo e mente de maneira que eles não sejam
distraídos ou perturbados. E observar significa manter, manter as regra de disciplina de acordo
com o Dharma. Jejuar significa resguardar-se das seis atrações (96) externas e dos três venenos
internos e esforçar-se com muita contemplação para purificar seu corpo e mente.
Jejuar também inclui cinco tipos de comida. Primeiramente há o deleite com o Dharma. Esse é o
deleite que vem de agir de acordo com o Dharma. Em segundo está a harmonia na meditação.
Essa é a harmonia do corpo e mente que vem de ver através de sujeito e objeto. Em terceiro está
invocar, invocar budas tanto com a sua boca e mente. Em quarto está a determinação,
determinação de buscar a virtude tanto caminhando, de pé, sentado ou deitado. E em quinto está
a liberação, liberação de sua mente de contaminação mundana. Esses cinco são os alimentos do
jejum. Exceto uma pessoa coma esses cinco alimentos puros, ela está errada ao pensar que está
jejuando.
Além disso, ao parar de comer o alimento da ilusão, se você a toca novamente você quebra o seu
jejum. E uma vez que você o quebre você não colhe bênçãos do jejum. O mundo está cheio de
pessoas iludidas que não vêem isso.
Elas permitem ao seus corpos e mentes todos os tipos de males. Elas não refreiam suas paixões
e não têm vergonha. E quando eles param de comer comida comum, elas chamam isso de jejum.
Que absurdo!
É o mesmo com a adoração. Você tem que entender o significado e adaptar-se às condições. O
significado inclui ação e não-ação. Quem quer que entenda isso segue o Dharma.
Adorar significa reverência e humildade. Significa reverenciar seu eu verdadeiro e atenuar as
ilusões. Se você pode acabar totalmente com os desejos e pode acalentar bons pensamentos,
mesmo que não demonstre, isso é adoração. Tal forma é a forma verdadeira.
O Senhor Buda (97) quis que as pessoas mundanas entendessem a adoração como exprimir
humildade e dominar a mente. Então ele as disse para prostrarem seus corpos para demonstrar
sua reverência, para deixar o externo expressar o interno, para harmonizar essência e forma.
Aqueles que falham no cultivo do significado interno, em vez disso concentrando-se na expressão
externa, nunca param de entregarem-se para a ignorância, ódio e ao mal, exaurindo-se em vão.
Eles podem enganar aos outros com posturas, não se envergonham diante de sábios e são
vaidosos diante dos mortais, mas eles nuca escaparão da Roda, muito menos atingirão algum
mérito.
Mas o Sutra da Casa de Banho (98) diz que "contribuindo para o banho de monges, as pessoas
recebem bênçãos ilimitadas." Isso pareceria um exemplo de prática externa fazendo méritos.
Como isso relaciona-se com contemplar a mente?
Aqui, o banhar dos monges não se refere ao lavar de qualquer coisa tangível. Quando o Senhor
Buda pregou o Sutra da Casa de Banho ele queria que seus discípulos lembrassem do Dharma
de lavar. Então ele usou uma idéia do dia a dia para exprimir seu significado real, que está
expresso em sua explicação de mérito das sete oferendas. Dessas sete, a primeira é água pura,
a segunda fogo, a terceira sabão, a quarta amentilho de salgueiro, a quinta cinzas puras, a sexta
perfumaria, e a sétima roupas de baixo (99). Ele usou essas sete para representar sete outras
coisas que limpam e realçam uma pessoa pela eliminação da ilusão e impureza de uma mente
envenenada.
A primeira dessas sete coisas é a moralidade, que lava o excesso tal como a água pura lava a
impureza. Em segundo está a sabedoria, que penetra sujeito e objeto, tal como o fogo esquenta a
água. Em terceiro está a discriminação, que livra das práticas más, tal como o sabão livra do
encardido. Em quarto está a honestidade, que depura as ilusões, tal como mascar amentilho de
salgueiro purifica o hálito. Em quinto está a fé pura, que resolve todas as dúvidas, tal como
esfregar cinzas puras no corpo previne enfermidades. Em sexto está a paciência, que vence a
resistência e desgraça, tal como perfumarias amaciam a pele. E em sétimo está a vergonha, que
remedia más ações, tal como a roupa de baixo encobre um corpo feio. Essas sete coisas
representam o significado real do sutra. Quando ele proclamou esse sutra, o Tathagata estava
falando com seguidores do Mahayana prevenidos, e não para gente bitolada de visão
obscurecida. Não é de se surpreender que as pessoas de hoje não entendam.
A casa de banho é o corpo. Quando você acende a luz da sabedoria, você aquece a água pura
dos preceitos e banha a verdadeira natureza búdica dentro de você. Mantendo essas sete
práticas você aumenta sua virtude. Os monges daquela época tinham sensibilidade. Eles
entendiam Buda. Eles seguiam seu ensinamento, aperfeiçoaram sua virtude, e experimentaram o
fruto da buditude. Mas atualmente as pessoas não podem compreender essas coisas. Elas usam
água comum para lavar um corpo físico e pensam que estão seguindo ao sutra. Mas elas estão
erradas.
Nossa natureza búdica verdadeira não tem forma. E a poeira da aflição não tem forma. Como
podem as pessoas usar água comum para lavar um corpo intangível? Não funciona. Quando elas
despertarão? Para limpar tal corpo você deve contemplá-lo. Uma vez que as impurezas provêem
do desejo, elas multiplicam-se até que elas lhe cubram interna e externamente.
Mas se você tenta lavar esse seu corpo, você vai ter que esfregar até que ele esteja quase
acabado para ficar limpo. Disso você deveria imaginar que lavar algo externo não é o que Buda
quis dizer.
Dizem os sutras que alguém que invoque um Buda de todo o coração certamente renascerá no
paraíso oriental (100). Uma vez que essa porta leva à buditude, por que procurar liberação em
contemplação da mente?
Se você invocar um buda, você tem que fazer isso direito. Exceto você entenda o que significa
invocar, você está fazendo isso erradamente. E se você faz isso erradamente, você nunca irá a
parte alguma.
Buda significa consciência, a consciência de corpo e mente que evita o mal aparecer. E invocar
significa ter em mente, ter constantemente em mente as regras de disciplina e seguí-las com toda
a sua vontade. É isso que significa invocar. Invocar tem a ver com pensamento e não com
linguagem. Se você usa uma rede para pescar, uma vez que você já pescou você pode esquecer
a rede. E se você usa a linguagem para achar significado, uma vez encontrado o significado você
pode esquecer a linguagem.
Para invocar o nome de Buda você tem que entender o Dharma de invocar. Se não está presente
em sua mente, sua boca canta um nome vazio. Uma vez que você está perturbado pelos três
venenos ou por pensamentos pessoais, sua mente iludida não vai lhe permitir de ver Buda e você
vai apenas desperdiçar seu esforço. Cantar e invocar são mundos distintos. Canta-se com a
boca. Invoca-se com a mente. E por que invocar vem da mente, chama-se porta da consciência.
O canto é centrado na boca e aparece como som. Se você atem-se às aparências enquanto
procura o significado, você não vai achar coisa alguma. Assim, os sábios do passado cultivavam
introspeção e não a fala.
Essa mente é a fonte de todas as virtudes. E essa mente chefia todos os poderes. A eterna
felicidade de nirvana vem da mente em descanso. O renascimento nos três reinos também
provém da mente. A mente é a porta para cada mundo e a mente é o vau para a outra margem.
Aqueles que sabem onde a porta está não se preocupam em alcançá-la. Aqueles que sabem
onde o vau está não se preocupam em atravessá-lo.
As pessoas que encontro atualmente são superficiais. Elas pensam no mérito como algo que
tenha forma. Elas desperdiçam sua saúde e carneiam criaturas da terra e do mar. Elas tolamente
preocupam-se consigo mesmas através de estátuas e stupas, dizendo para as pessoas empilhar
tábuas e tijolos, pintar isso de azul e aquilo de verde. Eles forçam seus corpos e mentes,
machucam-se e desencaminham os outros. E eles não sabem o suficiente para envergonharem-
se. Como que algum dia iluminar-se-ão? Eles vêm algo tangível e instantaneamente apegam-se.
Se você lhes fala a respeito de não-forma, eles ficam lá confusos e imbecis. Ávidos pelas
pequenas bênçãos, eles ficam cegos para o grande sofrimento futuro. Tais discípulos ficam
exaustos em vão. Indo do verdadeiro para o falso, só falam de bênçãos futuras.
Se você pode simplesmente concentrar a luz interna de sua mente e contemplar sua iluminação
mais externa, você vai dispersar os três venenos e manter afastados os três ladrões de uma vez
por todas. E sem esforço você vai ganhar posse de um número infinito de virtudes, perfeições e
portas para a verdade. Ver através do mundano e testemunhar o sublime está a menos do que
uma piscada. A realização é agora. Por que preocupar-se com cabelo grisalho? Mas a porta
verdadeira está escondida e não pode ser revelada. Apenas mencionei contemplar a mente.
Notas
SUTRA DO CORAÇÃO DA GRANDE SABEDORIA COMPLETA
Invoque e repita:
GYA-TE GYA-TE
HA-RA GYA- TEI
HARA SO GYA-TE
BO-JI-SOWA-KA
Verso do Okesa
Versão em Japonês
Buddham saranam gacchami.
Dhamman saranam gacchami.
Sangham saranam gacchami.
Namo tassa
Bhagavato arahato
Samma Sambuddhassa.
IDENTIDADE DO RELATIVO E DO ABSOLUTO – Sandokai - (Dias Ímpares)
MOKUGYO NÃO TOCA!
A mente do Grande Sábio da Índia
Estava intimamente ligada de Leste a Oeste.
Entre seres humanos há sábios e tolos
Mas no Caminho não há Fundador do Sul ou do Norte.
A fonte sutil é clara e brilhante.
As correntes tributárias fluem através da escuridão.
Apegar-se às coisas é ilusão,
Encontrar o absoluto ainda não é Iluminação.
Um e todos, as esferas subjetiva e objetiva
São relacionadas e ao mesmo tempo independentes.
Relacionadas e, ainda assim, funcionam diferentemente
Embora cada uma mantenha seu lugar.
Forma faz com que o caráter e aparência difiram.
Sons distinguem conforto e desconforto.
Escuro faz de todas as palavras, uma.
A claridade distingue frases boas e más.
Os quatro elementos voltam à sua natureza,
Assim como uma criança à sua mãe.
Fogo é quente, vento é movimento,
Água é úmida e terra é dura,
Olhos vêem, ouvidos escutam, narinas cheiram,
Língua sente o salgado e o azedo.
Cada um, independe do outro.
Causa e efeito devem retornar à grande realidade,
As palavras alto e baixo são usadas relativamente.
Dentro da luz há escuridão
Mas não tente compreender esta escuridão.
Dentro da escuridão há luz
Mas não procure por esta luz.
Luz e escuridão são um par,
Como o pé na frente e o pé de trás, ao andar.
Cada coisa tem seu valor intrínseco e está
Relacionada a tudo o mais
Em função e posição.
Vida comum se encaixa no absoluto,
Como uma caixa à sua tampa.
O absoluto trabalha com o relativo,
Como duas flexas se encontrando em pleno ar.
Lendo estas palavras, apreenda a realidade.
Não julgue por nenhum valor.
Se você não vê o Caminho,
não o vê mesmo ao andar nele.
Quando você caminha, não é perto nem longe.
Se estiver deludido,
estará a rios e montanhas de distância.
Respeitavelmente digo
Àqueles que querem ser iluminados:
“Noite e dia, não percam tempo.”
O mestre arqueiro
Com o poder de sua técnica,
Pode atingir
Um alvo a uma centena de passos.
Mas quando duas flexas se encontram em pleno ar
Ponta com ponta,
Será somente a técnica
A responsável?
Dedicatória Universal
Fu-Ekô
Nega-wa ku wa kono kudoku wo motte.
Amaneku issai ni oyoboshi.
Warera to shujô to mina-to-moni
Butsudô wo jôzen koto-wo.
Que os méritos de nossa prática se estendem a todos os seres,
Que possamos todos nos tornar o caminho iluminado.
Quem ouve seu nome, vê sua presença e sempre o mantém no coração e na mente, poderá terminar com as
tristezas da vida.
Se alguma força do mal o jogar numa fogueira,
pensar no poder de Kannon, transformará a fogueira em água.
Todos os estados negativos da existência, inferno, fantasmas, animais, sofrimentos de nascimento, velhice,
doença e morte,
Todos gradativamente serão terminados!
“Honrado do Mundo!
Saiba que não são poucos os méritos daqueles
que ouvirem sobre as atividade superiores
e os poderes transcendentais, em todas as direções,
do Bodhisatva Kannon aqui entoados.”