Oraculo Da Noite
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Oraculo Da Noite
DA NOITE
SIDARTA RIBEIRO
O ORÁCULO
DA NOITE
A história e a ciência do sonho
Para Vera
Por Natália, Ernesto e Sergio
Em Nome dos Nossos Antepassados e da 7.ª Geração Depois de Nós:
Sonho, Memória e Destino
Apenas nos pusimos en dos pies
Comenzamos a migrar por la sabana
Siguiendo la manada de bisontes,
Más allá del horizonte,
A nuevas tierras, lejanas.
Los niños a la espalda y expectantes,
Los ojos en alerta, todo oídos,
Olfateando aquel desconcertante paisaje nuevo, desconocido
Somos una especie en viaje,
No tenemos pertenencias, sino equipaje.
Vamos con el polen en el viento,
Estamos vivos porque estamos en movimiento.
Nunca estamos quietos, somos trashumantes
Somos padres, hijos, nietos y bisnietos de inmigrantes.
Es más mío lo que sueño que lo que toco.
Yo no soy de aquí, pero tú tampoco…
Jorge Drexler, «Movimiento»
1. Porque sonhamos? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
2. O sonho ancestral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
3. Dos deuses vivos à Psicanálise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
4. Sonhos únicos e típicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
5. Primeiras imagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
6. A evolução do sonhar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
7. A bioquímica onírica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
8. Loucura é sonho que se sonha só . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167
9. Dormir e lembrar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183
10. A reverberação de memórias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199
11. Genes e memes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227
12. Dormir para criar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 247
13. Sono REM não é sonho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 281
14. Desejos, emoções e pesadelos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 303
15. O oráculo probabilístico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 327
16. Saudade e cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 361
17. Sonhar tem futuro? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 373
18. Sonho e destino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 389
Epílogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 421
Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 423
Créditos das imagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 431
1. Porque sonhamos?
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CLARO ENIGMA
Como dar sentido a tantos símbolos, a tamanha riqueza de por-
menores? Como explicar a repetição tão fidedigna do enredo? O que
dizer do aparecimento e desaparecimento tão repentinos dessa série
onírica? Como lidar com pesadelos recorrentes que provocam até o
medo de adormecer? Responder a estas e outras perguntas exige que se
compreendam as origens e funções do sonho.
Durante a vigília experimentamos — de dia ou de noite, mas
com os olhos bem abertos — uma sucessão de imagens, sons, gostos,
cheiros e sensações. Despertos, vivemos sobretudo fora da mente, pois
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REAPRENDER A SONHAR
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A obtenção, em sonho, de autorização divina para justificar actos
na realidade perpassa todo o nosso passado histórico. O carácter divi-
natório do sonho está presente nos principais textos remanescentes da
Idade do Bronze (de há cinco a três mil anos), como o Livro dos Mortos
egípcio e a Epopeia de Gilgamesh suméria. Além disso, está muito pre-
sente na Ilíada, na Odisseia, na Bíblia e no Corão. Reza a tradição que
Maya, mãe do mais conhecido de todos os Budas, engravidou dele após
sonhar que um elefante branco com seis presas de marfim descia dos
céus e a penetrava. Símbolo do supremo favor dos deuses, o elefante
branco anunciava a natureza especial da criança. Do mesmo modo, reza
a lenda que a concepção do filósofo chinês Confúcio ocorreu após a
mãe ter sonhado com um deus guerreiro e ter sido fecundada por ele.
No final da Antiguidade, Artemidoro (século ii) e Macróbio (século v)
propagaram a ideia de que os sonhos pertencem a diferentes categorias
conforme o seu conteúdo, causa e função.
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DO MISTICISMO À PSICOBIOLOGIA
Porque é que tantos povos diferentes vislumbraram, e ainda vislum-
bram, nos sonhos a função de oráculo? De onde vem esta ideia aparente-
mente absurda, que desafia a própria razão? Há uma explicação lógica para
isto ou trata-se apenas de uma vasta panóplia de crendices e coincidências
sem sentido? É possível explicar em termos científicos a noção de que a
actividade onírica antecipa acontecimentos futuros? As respostas a estas
perguntas não são triviais e só podem ser alcançadas tendo em conta uma
grande quantidade de factos articulados entre si. Na origem deste esforço de
síntese encontramos a obra de Sigmund Freud, o fundador da Psicanálise.
Freud nasceu na Morávia, actual República Checa. Criança bri-
lhante, aos vinte e cinco anos era um médico recém-formado, inseguro
mas tenaz. No final do século xix a Neuroanatomia era dominada pelos
fartos bigodes do neuropatologista austro-alemão Theodor Meynert e
do patologista italiano Camillo Golgi, duas forças conservadoras com
muita autoridade. Sintonizado com a vanguarda do seu tempo, de início
Freud trilhou um caminho semelhante ao do espanhol Santiago Ramón
y Cajal, que viria a receber o Prémio Nobel de Medicina e Fisiologia em
1906 pelos seus grandes contributos para a compreensão do sistema
nervoso, como a descoberta do neurónio (Figura 1).
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S I DA R TA R I B E I R O
Dendritos
(recebem sinais eléctricos de outras células)
Corpo celular
(centro metabólico
da célula)
Axónio
(transmite sinais eléctricos do
corpo celular para outras células)
Bainha de mielina
(recobre o axónio de alguns Impulso
neurónios e ajuda a acelerar nervoso
os impulsos nervosos)
(sinal eléctrico
que percorre
o axónio)
Ramificações
terminais do axónio
(ligam-se a outras células
através de sinapses)
1. Principais partes da célula neuronal: dendritos, corpo celular e axónio. Os sinais eléctricos
provenientes de outros neurónios entram na célula pelos dendritos, são integrados no
corpo celular, transmitidos pelos axónios e, finalmente, passam para outros neurónios
através dos terminais axonais. O cérebro humano tem aproximadamente oitenta e seis mil
milhões de neurónios, cada um com uma média de dez mil contactos com outros neurónios
(sinapses).
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