ENCANTARIA DA JUREMA Esses Rituais
ENCANTARIA DA JUREMA Esses Rituais
ENCANTARIA DA JUREMA Esses Rituais
Deste modo o objetivo deste mini-curso é mostrar essas práticas religiosas na perspectiva de
um produto, de um resultado garantido por um processo histórico de encontro de três
culturas, a saber: a européia, a indígena e a africana, e que constituem como base de formação
do que se convém chamar de cultura brasileira.
Conhecer cada uma dessas expressões é de suma importância para que se possa entender
também a dialética presente no interior de seus rituais e de como seus elementos migram de
uma região para outra acompanhando o movimento migratório de seus fiéis – esse movimento
contribui para o processo de ressignificação das práticas desses rituais afro-brasileiros
conferindo-lhes mobilidade e adaptabilidade ao meio social onde se estabelecem. A presença
desse dinamismo em seus rituais os mantém sempre atuais e em constante renovação o que
justifica a constante necessidade de estudos, sobretudo, aqueles que se concentram na
atuação das práticas curativas e da ação dos sujeitos, cujo enfoque é o de entender a dinâmica
cultual que se assenta na idéia de nação brasileira.
É importante esclarecer que a obra dirigida por este antropólogo como é o caso de Reginaldo
Prandi, apresenta trabalhos que não dão enfoque a pesquisas sobre a origem das entidades
africanas, mas sim aos rituais, como eles se manifestam, como se formam.
Pela primeira vez se reúne em um livro essa grande diversidade de entidades e rituais,
originários das mais diferentes regiões do Brasil, e que muitas vezes aparecem em segundo
plano em obras que tratam preferencialmente das divindades de origem africana – os orixás,
inquices e voduns – os quais tem merecido um destaque maior na produção bibliográfica
nacional.
No cotidiano dessas religiões, que envolvem não somente o culto às divindades e entidades,
mas também as sessões de cura, consultas e orientação espiritual, os caboclos, encantados e
mestres ocupam uma posição privilegiada, interagindo com os devotos e clientes e a eles
oferecendo ajuda mágica que torna na perspectiva da ampla população que busca amparo nos
centros de culto e nos terreiros, menos pesada e mais confiável a experiência de viver num
mundo sempre muito problemático e indomável.
Mas antes de iniciarmos a descrição desses rituais, cabe aqui ressaltar primeiramente a
constituição do imaginário em que essas expressões se apresentam no Brasil. Quero então,
desse modo, iniciar essa exposição pelo tópico que intitulei no primeiro capítulo da minha
dissertação de mestrado o qual chamei de “imaginário da magia” - que remete sobre a
constituição dessa idéia de práticas mágicas que permeiam esses rituais. Essa é mais uma
preocupação metodológica conceitual do que uma descrição antropológica.
O imaginário da magia
Nessa perspectiva não é o que as bruxas fazem, mas o que elas dizem, sendo a realidade da
bruxaria considerada uma conseqüência de crenças incorporadas na linguagem que visam dar
um sentido ao mundo. Em outras palavras, o que está em questão é o problema das diferentes
formas de consciência (e de racionalidade), o tratamento da realidade como uma variante
cultural, a noção de experiência com condição de possibilidade definida pela linguagem.
(BETHENCOURT, 2004, p. 30).
Há no meio social, uma distância entre o que é representado de fato, e de como essa
representação é apercebida.
Elencando as palavras do autor acima apresentadas, “o que importa não é o que as bruxas
fazem, mas o que elas dizem”, ou seja, a diferença do signo [objeto] enquanto tal, e sua
interpretação (PIERCE, 1969).
O presente tópico tem por objetivo discutir justamente esse panorama da magia, de como ela
aparece nas expressões afro-brasileiras e a construção de alguns imaginários que são muito
importantes para a constituição de seu discurso.
O título que optei para essa explicação é um empréstimo da obra de Francisco Bethencourt “O
imaginário da Magia: feiticeiras, adivinhos e curandeiros em Portugal no século XVI”. Tomei
por empréstimo o título por que a própria obra do autor em questão remete justamente a
analisar o imaginário de uma magia que muitas vezes não condizia com a realidade, mas que é
importante na constituição de uma outra realidade na qual esses atores estão inseridos.
Essa questão de imaginário me chamou a atenção quando iniciei minhas pesquisas de campo,
o trabalho com as entrevistas algumas vezes revelava a constituição deste imaginário como
forma ou meio importante para legitimar a práxis da religião, ou mesmo para justificar
algumas outras práticas, ao mesmo tempo em que se verificava numa espécie de defesa não
mais contra as perseguições policiais dos tempos da ditadura, mas contra o próprio
preconceito social e racial ainda existente.
Temos que ter em mente que o conceito primordial para essas expressões é o da ruptura, da
continuidade, ressignificação, morte e vida ao mesmo tempo, e isso se torna mais claro,
quando se possibilita que o imaginário que constitui sua magia ganhe voz e fale por si mesmo.
Bethencourt (2004), em sua obra afirma que o universo é representado como um vasto corpo
animado em que nele borbulha vida constituída de diversos elementos que estabelecem entre
si uma série de conexões de simpatia e antipatia, o que mostra um complexo espaço de forças
advinda da dependência do homem em relação à natureza, daí que segundo ele “a percepção
espontânea dos ritmos biológicos, do universo solar e do movimento da lua permite a intuição
dos princípios de vitalidade, geração e corrupção, ciclo e influência recíproca” (p. 289).
Essas expressões, portanto, são formadas de magia, como toda religião. Foi a primeira
manifestação da razão humana, da qual todas as outras atividades de cultura, religião e ciência
e arte são em grande parte originárias:
Por esse motivo, quanto essas práticas atingem sua representação nos meios sociais, ambas
tendem a disputar um espaço simbólico e um continuum religioso, resultando, por exemplo,
como as religiosidades afro-brasileiras, que são formadas muito mais por práticas mágicas do
que por existencialismo teológico.
A própria práxis de seu ritual a coloca em patamar diferenciado das demais formas de
representação de seus deuses e do seu próprio relacionamento. Mais um bom exemplo deste
fato está diretamente ligado ao kardecismo, que também é uma religião de possessão, mas
que tem um ritual diferenciado dos rituais afro-brasileiros, abolindo as chamadas práticas
mágicas, consideradas primitivas.
As práticas mágicas se revelam nos cultos afro-brasileiros de várias maneiras: seja pelo uso das
bebidas, do tabaco, do ponto riscado no chão, das vestimentas, mas são observadas no campo
externo social através dos despachos ou oferendas que são realizadas nas matas, nas
encruzilhadas, nos cruzeiros dos cemitérios, enfim, essa magia refere-se à manipulação das
energias da natureza, nas suas mais diversas formas, em elementos consumíveis àqueles que
as requerem.
A magia compõe essa religiosidade de possessão, porque não possui apenas o espírito, mas
todas as formas de essências naturais disponíveis de acordo com a capacidade do invocador de
possuí-las.
A religião bem como todas as formas de magia ou de práticas mágicas devem ser observadas
dentro do contexto da sociedade e da relação que estas tem com o meio onde vive ou de onde
resulta suas rupturas ou continuidades, é neste contexto, portanto, que as religiosidades afro-
brasileiras tem sido observadas e estudadas nos últimos anos. Um exemplo do que afirmo são
as obras de Reginaldo Prandi, Yvoni Maggie, Ordep Serra, Diana Brown, Patrícia Birmam, que
estão diretamente ligadas a uma dialética das múltiplas religiosidades e sua relação com o
meio social.
A respeito da relação desse diálogo dialético, Peter L. Berger em sua obra “O dossel sagrado:
elementos para uma teoria sociológica da religião”, diz que a sociedade é um fenômeno
dialético porque é produto do ser humano e apenas isso, retroage continuamente sobre o seu
produtor, portanto, não pode haver realidade social sem o seu produtor. Não havendo
realidade social sem o mesmo.
Desta forma, o processo dialético que é fundamento social consiste em três momentos de
realização que seriam a exteriorização, a objetivação e a interiorização.
Para o autor esse primeiro momento, é uma efusão do ser humano sobre o mundo que
acontece de forma contínua, independente de ser na atividade física ou mental do homem,
enquanto que o segundo momento está ligado à conquista de um produto ou resultado dessa
atividade física ou mental, mas num espaço temporal de confronto ou defronta do produto
com seus produtores. E o último momento, seria então o da reapropriação da mesma
realidade por parte dos homens, cuja conseqüência final é a transformação da realidade ou da
consciência das estruturas do mundo objetivo em consciência subjetiva, enfim: “é através da
exteriorização que a sociedade é um produto humano. É através da objetivação que a
sociedade se torna uma realidade. É através da interiorização que o homem é um produto da
sociedade” (BERGER, 1986, p.16).
Nesse sentido, o imaginário da magia presente na constituição dos rituais afro está
diretamente relacionado a esse momento de construção, sendo neste sentido, a entidade,
uma interpretação subjetiva do homem que ao dialogar com seus problemas interage
socialmente, possibilitando a construção desses personagens, nos quais pode ser visto como
um signo que representa todo esse processo, pois um “signo, portanto, é um objeto que, em
parte, está em relação com seu objeto e, de outra parte, com um interpretante, de maneira tal
a colocar o interpretante para com o objeto numa relação que corresponde à sua própria
relação com o objeto” (PIERCE, 1969, p. 143).
Essas expressões afro-brasileiras e dentre elas talvez a Umbanda em maior grau, coloca em
ação tipos que correspondem a símbolos populares, segundo cada segmento que desses
rituais participam. Desta maneira, em cada terreiro, em cada bairro, haverá tipos sociais
diferentes que corresponderão não só aos segmentos populares, mas também a história de
vida do médium que dela participa, é dessa junção que se constrói o imaginário da magia.
Cada chefe de centro, de terreiro, cada médium incorporará a entidade de acordo com a sua
vivência de mundo, sobretudo os chefes de terreiro, que utilizarão toda uma construção
mística e imaginária para ampliar a sua capacidade de contato com o sobrenatural e também
demonstrar seu conhecimento acerca da religião.
É importante frisar que esses personagens são em sua maioria símbolos densos, subalternos e
marginais no âmbito total, mas não são subalternos do real, ao contrário, são formados a
partir de elementos que se encontram na realidade de vivência de cada um que os invoca.
A entidade por si só, obedece aos padrões de construção que são inerentes a ela própria, ou
seja, se estiver falando de um caboclo, por exemplo, independente do lugar onde este se
manifestar, independente das roupas que este usar, será reconhecido como um caboclo por
que terá um certo comportamento religioso que é próprio para essa entidade, sua feição, seus
gestos, os seus pontos riscados.
Porém, quando passo a análise para o campo externo, do contato com o médium, com o
terreiro e deste com a sociedade, cada uma dessas entidades, ou desses caboclos, ganha
especificidades.
Mas a presença desses elementos míticos e místicos nesses rituais, por outro lado dessa
análise, faz parte também de um contexto histórico do nascimento, da origem dessas formas
de religiosidade. É inegável o fato de que essas religiosidades afro-brasileiras mantenham em
seus rituais elementos que remetem a um passado histórico de luta, de sobrevivência em um
momento de desterritorialização, discriminação, sofrimento, de escravidão.
Manter símbolos desse passado em seus rituais é manter o contato histórico com um passado
que não pode deixar de existir, pois, se assim for, perderá também o ritual o continuum
religioso a sua função social e mítica.
Um caboclo jamais será um caboclo se este não se remeter a mata, a floresta, aos banhos de
ervas, a linguagem indígena, e a uma série de símbolos que o identifiquem com a cultura
indígena brasileira. Assim como um preto-velho, se este não estiver ligado ao seu passado de
escravidão, deixará de cumprir sua função de preto-velho e não será identificado como tal e
poderá não mais ter validado as suas qualidades.
Há também na constituição desses rituais, mais um elemento importante que deve ser levado
em conta, que é o momento de hierofania, ou seja, do contato dos homens com os deuses.
No Candomblé isso parece mais claro, pois sua base de invocação está diretamente ligada aos
orixás, aos múltiplos deuses que povoam a terra dos homens e que são invocados quando
estes o necessitam de ajuda.
Os orixás – deuses que são responsáveis por várias partes da natureza, vistos e explicados
como energias que habitam o planeta – compõem alguns, de mestiçagens com os santos
católicos, como é o caso de iemanjá, também representada por Nossa Senhora dos
Navegantes, e que muitos confundem com a Nossa Senhora Aparecida. Há também São Jorge,
visto como Ogum e São Lázaro, como Obaluaê.
É nesse diálogo entre a entidade e o fiel que acontece o processo de hierofania. É o momento
que, neste intervalo de tempo, os imaginários são ressignificados, reconstruídos e construídos,
de acordo com cada problema e de acordo com cada pessoa.
Sobre a construção desse imaginário, uma chefe de terreiro, Mãe N, como irei chamá-la, ao
falar sobre como ela conheceu o seu guia, me disse:
Eu não tenho mãe. Ninguém se doa por mim. Minha mãe é Nossa Senhora, e meu pai, é meu
Senhor do Bonfim. Então, sabe de uma coisa, eu nasci sozinha! Sem parteira. Quando a
parteira chegou, eu já tinha nascido. Eu nasci já com roxo nos meus olhos. Eu nasci estrábica.
Era em forma de um círculo, igual a um arco-íris, no meu olho. Com oito anos de idade eu
fiquei muito doente. Aí me tratava com um bruxo aqui, outro bruxo ali, aí falaram o que eu
tinha. Daí pedi pro meu pais me colocar debaixo do pé da árvore, que eu queria morrer ali. Ai
meu pai me levou ali. De repente, meu pai, minha mãe, tava tudo rezando em minha volta.
Eram católicos, católicos mesmos! Ai rezando em minha volta, eu senti vontade de que me
colocasse no chão! Mandei colocar água. Ai encheram de água onde eu tava e, comecei a virar
e cantar. Eu recebi a primeira entidade com oito anos de idade. Eu recebi a sereia. E a sereia
ficou quatro dias em mim, cantando: eu sou a sereia que veio do fundo do mar, Oh! Iemanjá,
Oh! Iemanjá, não deixa a sereia chorar e nem para de cantar.
Pelo relato acima fica evidente como é importante a presença desse imaginário que constitui a
mágica desses rituais. Quando esses imaginários são apresentados, são construídos de acordo
com a capacidade criadora[3] e legitimadora de cada médium, amplia-se o teatro social e
também sua versatilidade de inverter a ordem social vigente.
A sociedade brasileira adquiriu ao longo do tempo, esse senso de espera messiânica pela
solução dos seus problemas. A possessão nesse sentido representa de um lado a liberação de
uma frustração social, mas ao mesmo tempo de um outro, representa a esperança daquilo que
se pretende ser, a esperança de um futuro melhor, através do uso de uma utopia como fonte
inspiradora para a construção desse futuro.
A magia, segundo Marcel Mauss (1974), como religião, são apenas matrizes das categorias de
pensamento e as práticas mágicas devem ser vistas como um meio de controle das próprias
relações sociais, e não de domínio da natureza.
Nesse sentido, o imaginário deve dar conta de englobar várias realidades, individuais, que o
buscam, enquanto que ele se manifesta de forma coletiva.
Em cada ritual que se realiza nesses terreiros, onde se expressam essas várias formas de
rituais, parece sempre que há um recomeço, um eterno recomeço, como um ciclo de vida que
se inicia e termina de acordo com as demandas que as entidades enfrentam ou de acordo com
os grupos de fiéis, um compromisso com o centro que freqüentam, ao contrário, resolvido o
problema, é comum as pessoas não mais aparecerem, muitas retornam, quando seus
problemas também retornam, como uma espécie de laço de dependência, onde o único fio
que os conduzem às entidades, são seus problemas.
Vodu
Mas antes de iniciar falando sobre essas expressões, penso ser necessário também falar sobre
a prática do Vodu. Acredito que todos vocês já ouviram falar sobre essas práticas e até os
filmes já fizeram alguma referência sobre alguma referência sobre alguma dessas práticas ou
magias no culto de vodu, sobretudo, filmes de terror estilo trash em que aparecem zumbis que
saem dos túmulos tentando comer as pessoas.
Bom, penso que já que é para falar de vodu, que comecemos então a falar do feitiço de como
se faz um zumbi.
Primeiramente, o zumbi não incorpora – segundo o livro “a magia do vodu” de uma maga
chamada Maria Helena Farelli – ele existe, mas os loas [espíritos] incorporam. Esses loas
também são expressos como força da natureza no qual os dois principais são cultuados nos
rituais vodunos – Dã ou Dambalá, a cobra que foi o primeiro vodu criado por Deus, e Legbá,
exu – no candomblé e umbanda – é o mensageiro dos voduns.
Como se pode perceber é por esse tipo de ritual que o vodu é conhecido e, sobretudo, tem
suas práticas assimiladas ao terrível e maléfico. Eu diria, nas palavras da Farelli, que isso tudo é
muito exagerado, cheio de superstição e lendas, folclore.
O vodu chegou ao Haiti e Estados Unidos (New Orleans) com os escravos trazidos do Daomé
[atual República Popular do Benin] e difundiu-se rapidamente, espalhando seus bonecos e
alfinetes.
Toda a cerimônia vodu possui um rei e uma rainha, uma mãe e um pai, sendo que à rainha
cabe o poder maior. Por isso o vodu é um culto matriarcal.
O ritual de uma maneira bem geral consiste em acender fogueiras e fazer batucadas. E no
momento de êxtase dos participantes a mãe tira uma cobra de um cesto e faz com que o
animal lamba seu rosto. Esta cobra é a Dambalá, a serpente sagrada do Daomé, o grande vodu,
que dá aos seus filhos o poder de ver além da realidade, de se transformar em um bicho ou
uma planta, e todos os poderes mágicos que um voduno possui.
Segundo o mito de origem, os primeiros homens nasceram cegos e foi a serpente quem deu
visão à raça humana.
A oferenda à este deus ou Loa é oferecido em um caldeirão com água fervendo onde são
colocadas galinhas, cachorros, sapos e uma enorme cobra. Com os olhos arregalados,
babando, os vodunos [quem está em transe, sacerdotes, partícipes desta religião são
chamados] gritam: ele está chegando, o grande zumbi vem ai. Ele vem fazer os gris-gris
[despacho].
As pessoas que fazem esse ritual se vestem com tangas vermelhas, e carregam na mão um
pequeno caixão de defunto. Colocam estes caixões nos pés da sacerdotisa e dançam mais
alucinados.
Rodam em volta da fogueira até caírem exaustos. Bebem do caldeirão e também conservam
suas canecas cheias de tafiá [aguardente] para entrar em transe.
O vodu é uma religião que trabalha exclusivamente com feitiçaria, bruxaria, tanto para o
benefício quanto o malefício, sobretudo, congrega o princípio quem em si é o da alma do
negro, seus sonhos de liberdade, a nostálgica saudade das duas terras e que por elas são
capazes de tudo para manter em si algo de sua guiné abandonada para nunca mais, nas garras
da escravidão.
No panteão africano do Daomé há um deus principal chamado Mawu. Mawu tem seu
complemento com Lisa sua mulher, e em algumas versões, seu filho em outras. Depois dele,
vem uma série enorme de deuses secundários.
Aido Hwedo, Gu, Loko, Aizu, Akazu, Adjakana, Hebioso. Todos eles vodus, ou seja, santos ou
espíritos.
Há vodus dos raios, da terra, do céu, dos montes, e os do mar e dos rios, enfim há uma
completa divinização das forças naturais como no culto ioruba que deu origem aos
candomblés no Brasil.
Tanto no Haiti, quanto nos Estados Unidos, os vodus se misturam com elementos sudaneses e
bantus além do catolicismo popular. E os espíritos vodus passaram a ser chamados de loas e
muitos deles moram no cemitério.
Vodu
Significado
Bantu - jeje
Catolicismo
Agbèto
Deus do Mar
Iemanjá
Canga Kaplaou
Deus da Varíola
Obaluaê
São Lázaro
Gûhere
Deus da guerra
Ogum
São Jorge
Za
Deus do Tempo
Exu do Tempo
Dambalá laflan-gbo
A Grande cobra
Oxumaré
Hebioso
Grande Vodu
Xangô
Como se pode perceber o vodu também é importante porque se liga aos elementos dos cultos
afro-brasileiros, principalmente o tambor de minas, uma prática religiosa muito difundida no
nordeste e também em São Paulo.
Tambor de Mina
O termo “mina” foi o nome dado aos africanos vindos para o Brasil do principal mercado de
escravos português, localizado no Forte de São Jorge da Mina (Elmina), na Costa do Ouro.
Esses escravos não eram oriundos de um só povo, mas predominavam entre eles os axanti (de
um império a oeste da Nigéria) e os fanti (de estados litorâneos dominados pelos axanti),
escravizados como prisioneiros de guerra na África. A religião dos minas era caracterizada pelo
culto aos espíritos dos ancestrais (principalmente da casta governante) e aos deuses da terra e
do céu. No Brasil, a religião desse grupo combinou-se com a dos jeje, oriundos dos reinos do
Benin e Daomé.
Existe a hipótese de que a Casa Grande das Minas, no Maranhão, de ritual mina-jeje, tenha
sido fundada no final do Século XVIII por membros da família real daomeana; isso explicaria o
respeito à tradição africana e a grande coesão do grupo.
Até hoje o ritual conserva suas características originais, tendo-se disseminado pelo Maranhão
e sendo encontrado no Rio de Janeiro, como candomblé de nação jeje e também em São
Paulo.
O peji do tambor de mina é um triângulo riscado no chão do come, coberto com folhas de
cajazeira (acôncone). Dentro desse triângulo ficam enterrados os fundamentos dos voduns
(sem imagens ou apetrechos). Ficam também semi-enterradas jarras com água sagrada. Sobre
o pandomé são realizados os sacrifícios e colocadas oferendas.
O guma ou gume é o pátio interno onde ficam as plantas sagradas, os assentamentos e o local
de danças e do culto público. Os assentamentos e as oferendas ficam junto à árvore sagrada, a
cajazeira.
Da mesma forma como ocorre no candomblé, as iniciadas de todo um ano são reunidas para
completarem sua iniciação em um único dia, quando é realizada a cerimônia anual da saída do
“barco das meninas”. Os grupos podem ser formados por dois tipos de iniciadas. O mais
tradicional é que elas sejam noviches (com tobossi), mas também podem sair barcos de
vodunsirrês (sem tobossi assentada). Tobossi é o espírito de criança, semelhante aos erês do
candomblé também conhecidos como são cosme e damião.
Todas as dançantes usam o mesmo tipo de roupa: saia comprida e rodada, de cetim azul,
vermelho ou estampado; blusa branca bordada, amarrada no peito, indo até a barra da saia. O
que identifica os voduns masculinos é o uso de um pequeno lenço dourado o ombro, o cabelo
penteado para trás e uma bengala com que marcam o compasso da dança; os voduns
femininos usam o mesmo lenço preso na cintura e os cabelos cobrindo as orelhas. A roupa
somente muda no Natal, quando é toda branca; no dia seguinte ao natal, quando é azul; e dia
de São Pedro, quando se usa uma faixa azul.
Os adereços usados no tambor de mina são os rosários – colares de contas e búzios dados
pelos voduns às suas filhas – o runjefe – colar de miçangas vermelhas e contas de coral, usado
pelas filhas-de-santo após sete anos de feitas; e o dã – pulseira de metal no feitio de uma
cobra, usada como segurança pelo babalorixá.
2 – Festa do pagamento: no primeiro domingo após o ano novo, os voduns baixam e retribuem
a dedicação dos músicos, presenteando-os com tecidos, bebidas e objetos de uso pessoal.
3 – Savô: é uma cerimônia sacrificial em que um chibarro [cabrito castrado] é morto, recheado
com comidas e moedas, e despachado em um lugar deserto. A cerimônia é realizada quando
acontecem epidemias ou outros problemas sérios.
4 – Sirrum: é o lamento dos tambores, a cerimônia fúnebre para algum menbro da casa
falecido. São realizados sete dias, um mês, um ano, sete anos, quatorze anos após o
falecimento.
Catimbó
Talvez esta seja a mais democrática e universal de todas as práticas mágico-religiosas afro-
brasileiras. Suas crenças e seus ritos resultam da mistura de elementos das tradições africanas,
ameríndias e européias, com destaque especial para práticas de feitiçaria e métodos de cura. O
catimbó está espalhado por todo o país, mas sem uma estrutura institucional nem um corpo
de doutrina rígido.
A base sobre a qual se formou o catimbó é a magia popular européia, a chamada feitiçaria ou
bruxaria tradicional. Sobrevivente das antigas religiões da natureza dos povos celtas que
habitaram a Europa antes da expansão do cristianismo, a feitiçaria conservou-se como um foco
de resistência de antigas culturas matriarcais dentro da estrutura autoritária e patriarcal da
sociedade cristã medieval. Nos povoados rurais e nas aldeias, as bruxas eram curandeiras,
dominando os conhecimentos sobre as ervas medicinais, eram ainda parteiras e experientes
em diversas técnicas terapêuticas eficientes. Mas sua função mais popular era a de fornecer
poções e amuletos para resolver os pequenos problemas do cotidiano através da magia
simpática.
Apesar dos esforços destruidores da Inquisição, essa tradição conseguiu sobreviver e ser
transplantada para o Brasil. Aqui combinou-se com práticas mágicas da religião bantu, que
valorizava o contato com espíritos e gênios protetores, consultados a respeito de práticas
curativas e de feitiçaria. Entretanto, todo esse conjunto de elementos negros e europeus foi
moldado em uma fôrma fornecida pelos índios. Entre estes, o pajé era o elemento religioso,o
único capaz de ouvir espíritos dos ancestrais e entender suas mensagens. Os instrumentos
necessários ao transe religioso eram uma bebida alucinógena, a fumaça de ervas também
alucinógenas e o som hipnótico dos maracás, esses três elementos foram absorvidos pelos
rituais hibridizados, ou mestiçados. O catimbó manteve o uso da bebida indutora do transe,
originalmente feita com a raiz da jurema-branca ou negra [acácia jurema ou jurema nigra], daí
esse ritual chamar-se “mesa de jurema”.
Dada a importância dessa planta para o rito, criou-se todo um sistema de crenças em torno
dela. A árvore da jurema tornou-se análoga a árvore da vida de tantas mitologias, o eixo do
mundo que liga terra e céu e em cujo corpo se organizam os mundos mortal e divino. No
catimbó, a jurema é a morada dos encantados [espíritos dos mortos] que se tornaram, por seu
saber, mestres de catimbó. Esse mundo, chamado Juremal, é dividido em reinos, estados,
cidades e aldeias, cada qual habitado e governado por determinados mestres. O instrumento
essencial do catimbó é o cachimbo com o qual o mestre fuma sua mistura de ervas preferida
ou a que considera adequada para resolver o problema de uma pessoa. O método de magia e
cura mais usado pelos mestres de catimbó é defumar a pessoa com a fumaça do cachimbo,
enquanto recitam orações adequadas ao caso e executam os gestos rituais adequados.
O catimbó é uma divindade mágica essencialmente prática: seu objetivo é sempre tentar
encontrar soluções para os problemas imediatos das pessoas. Esses problemas geralmente
envolvem a necessidade de curar uma doença, o desejo de atrair uma pessoa amada, a busca
de sucesso e prosperidade, a vontade de afastar inimigos ou de eliminar mau-olhado ou
feitiços, bem como de ter o “corpo fechado” contra acidentes, agressões, doenças e feitiços.
A mesa de jurema pode ser aberta em uma casa de culto religioso [um terreiro] ou em uma
residência particular. No primeiro caso, os adereços dos mestres estarão dentro do peji,
ocultos por uma cortina; no segundo caso, o salão terá apenas uma mesa com a bebida, o
fumo e os adereços dos mestres.
O material inclui, para o consumo da jurema, tigelas, copos e jarros, para o uso do fumo,
cachimbos, cigarros e charutos.além desses objetos, são necessários os apetrechos dos
mestres [facas, cabaças, moedas etc.] e outros materiais, como água, flores, cachaça e pedras.
A iniciação no catimbó é feita depois que é verificado que a pessoa tem o dom. o iniciado fica
em reclusão durante sete dias. Nesse período, o jogo de búzios indica as sete ervas que
deverão ser oferecidas ao mestre do iniciando. Dessas, uma será consagrada pra lavar os
apetrechos do mestre e para o banho ritual do iniciado; as mais usadas são manacá, aroeira,
jucá e jurema.
No barracão onde foi armada a mesa com os materiais necessários, os participantes, vestindo
roupa branca ou estampada, bebem a jurema e depois dançam e cantam até atingir o transe
que permitirá a manifestação dos mestres. Este ritual segue uma ordem determinada: após a
limpeza do ambiente [por meio de defumação com tabaco e jurema] e de uma prece inicial, é
chamado o mestre que abre os caminhos para os outros [queé bem semelhante à função de
Exu no candomblé]. A seguir são chamados mestres dos vários reinos ou correntes, já que eles
têm características e funções diferentes: podem ser caboclos, ciganos, pretos-velhos, santos
etc. e podem se especializar em curas, casamentos ou feitiços.
Alguns membros do catimbó dizem que existem cinco reinos, outros falam de sete e alguns
falam de mais de dez. alguns desses reinos são habitados por caboclos, outros por sereias,
magos e malandros. Os nomes mais conhecidos desses reinos são: Vajucá, Lage Grande,
Canindé, Tigre, Jurema, Pedra Branca, Cidade Santa, Floresta Virgem, Amazonas, Iemanjá,
Ondinas, Fundo do Mar, Rio Verde, Urubá, Sol, Vento, Josafá, Barro de Tauá, Cova de Salomão.
Entre os caboclos e caboclas, são famosos a Rainha da Jurema, a Caipora, Iracema, Caboclinho,
Urubatã, Tabatinga, Príncipe da Jurema e outros. Geralmente são feiticeiros e curadores
fortíssimos: fazem magias, retiram feitiços, curam doenças. Alguns são só benfazejos
[trabalham “a direita”], outros são malfezejos [trabalham “a esquerda”] e outros ainda fazem
os dois tipos de trabalho [como ocorre em giras de umbanda , no caso dos baianos, boiadeiros
e marinheiros]. Os caboclos usam as cores verde, branca e amarela. Seus adereços são a
flecha, a lança, o facão, pulseiras e dentes de jacaré. Comem frutas, milhos, frango, pomba-
rola, nambu e azeite-de-dendê.
Nos reinos marinhos vivem as sereias, ondinas e caboclos da água. Costumam ser benfazejos:
protegem os navegantes e as mulheres, além de curar e desfazer feitiços feitos na água.
Os pretos-velhos, ciganos e magos são feiticeiros, alguns trabalham para o bem, outros para o
mal. São curadores poderosos e conselheiros. Os pretos velhos vestem-se de branco. Usa
rosário, cachimbo, cuité e sentam em um banco de madeira, comem batata, aipim, milho, café
sem açúcar e rapadura. Outros mestres usam roupa cáqui, vermelha, preta ou azul com
chapéu de palha, fumam cachimbo ou charuto, comem preá e cabeça de bode.
Pajelança
A pajelança é um rito mágico afro-ameríndio. Tem semelhanças com o catimbó, mas difere
dele nos instrumentos usados e na forma como os encantados se manifestam. O objetivo
básico do ritual é encontrar métodos para curar doenças.
Em alguns grupos, os espíritos que se manifestam são os próprios orixás africanos, em outros,
podem aparecer os mestres do catimbó, caboclos ou almas de animais [boitatá, cavalo-
marinho, jacaré, mutum].
Quando o grupo se reúne no barracão, todos bebem cachaça e a seguir dançam e cantam ao
som do maracá, chamando os encantados. Estes encarnam somente no pajé e respondem às
perguntas, ensinando pajelanças [poções de ervas], defumações, passes e benzeduras. Para
curar o doente, o encantado também pode defumá-lo, fazer massagens e até retirar do corpo
do enfermo, objetos que representam o mal [penas, pedras, etc.].
Dentro dessa prática religiosa encontram-se outros que se misturam ou se reelaboram à essa
prática como é o caso do Toré.
Em sua origem, era uma dança indígena, cujo ritmo era marcado por uma buzina chamada
“toré”. Essa dança foi aprendida pelos africanos que , vivendo em quilombos, entraram em
contato com os índios do Nordeste. Mais tarde, combinada com as práticas mágicas da religião
bantu, transformou-se num rito mágico parecido com o catimbó, em que os participantes
dançam até incorporar caboclos que dão receitas para curar os males das pessoas presentes.
Terecô é a denominação dada à religião afro-brasileira tradicional de codó – uma das principais
cidades maranhenses, localizada na zona do cerrado, na bacia do Itapecuru, a mais de 300 km
e linha reta da capital [ na verdade está mais próxima da capital do Piauí do que do
Maranhão]. Além de muito difundido em outras cidades do interior e na capital maranhense, o
terecô é também encontrado em outros estados da federação, integrando ao tambor-de-mina
ou a umbanda. É também conhecido por encantaria de Barba Soêra ou Bárbara Soeira,
entidade hibridizada em Santa bárbara e por tambor-da-mata, ou simplesmente mata, em
alusão à sua origem rural ou para diferenciá-lo da mina surgida na capital.
Embora o terecô tenha se originado de práticas religiosas de escravos das fazendas de algodão
de Codó e de suas redondezas, sua matriz africana é ainda pouco conhecida. Apesar de exibir
elementos jeje e alguns nagô, sua identidade é mais afirmada em relação à cultura bantu
[angola, cambinda] e sua língua ritual é, principalmente o português.
Embora no terecô sejam cultuados vodus africanos jeje-nagô [como averequete, sobô, Eua],
muito conhecidos no tambor-de-mina da capital, os transes ocorrem principalmente com
vodus da mata e com caboclos comandados pela entidade Légua Boji Buá da Trindade,
conhecidad como filho adotivo de Dom Pedro Angasso e Rainha Rosa, que comanda na mina a
linha da mata de Codó. Fala-se também que as entidades espirituais da mata são chefiadas por
Maria Bárbara Soeira, que acredita-se que foi a primeira ‘palejeira’ [curandeira], razão por que
o terecô é também conhecido por Barba Soêra.
Tudo indica que o terecô se organizou primeiro em povoados negros de Codó e de municípios
vizinhos, mas só tornou mais conhecido depois que se desenvolveu na cidade de Codó.
Durante algum tempo acreditou-se que a palavra terecô poderia ter se originado da imitação
do som dos tambores da mata [terecô, terecô, terecô], em virtude de não ter sido encontrado
em Codó e nem em São Luís uma definição etimológica para ela. Mais recentemente, a
antropóloga Yeda Pessoa de Castro, esclareceu que terecô pode ser de origem banto, derivada
da palavra intelêkô, que tem o mesmo significado que a palavra candomblé.
GASPAR, Eneida D. Guia de religiões populares do Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2002.
PRANDI, Reginaldo. (org.). Encantaria Brasileira: os livro dos mestres, caboclos e encantados.
Rio de Janeiro: Pallas, 2001.