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PARA BRILHAR NA SAPUCAÍ

HIERARQUIA E LIMINARIDADE
ENTRE AS ESCOLAS DE SAMBA

Ricardo José de Oliveira Barbieri

O artigo parte da análise da hierarquia competitiva em


que estão inseridas as escolas de samba para tomá-las
na atuação de suas redes de relações. Nesse processo
observa-se o desenvolvimento de espaços de passagem
não demarcados explicitamente na hierarquia. Diferenças
significativas na estrutura de desfile e processos de prepa-
ração bem como aspectos organizacionais desenvolvidos
ao longo dos anos são importantes em sua observação.
[abstract on page 280]

ESCOLAS DE SAMBA, HIERARQUIA, COMPETIÇÃO,


SOCIABILIDADE.

BARBIERI, Ricardo José de Oliveira. Para brilhar na


Sapucaí: hierarquia e liminaridade entre as escolas
de samba. Textos escolhidos de cultura e arte popula-
res, Rio de Janeiro, v.7, n.2, p. 183-198, nov. 2010.

BARBIERI, Ricardo José de Oliveira. Para brilhar na Sapucaí 183


AS ESCOLAS DE SAMBA DO RIO DE JANEIRO E SUA
ESTRUTURA RITUAL COMPETITIVA
A importância do desfile das escolas de samba como processo ritual foi bem ob-
servado por Maria Laura Cavalcanti (2006), que retomou a tradição antropológica dos es-
tudos de ritual desenvolvidos por Turner (1978) e DaMatta (1973). A competição festi-
va caracterizaria o desfile das escolas de samba na festa carnavalesca. O desfile emerge
como resultado de todo o ciclo anual de sua preparação, configurando um tempo próprio
chamado pela autora de “ano carnavalesco” (CAVALCANTI, 2006, p. 39). Cada desfile é,
então, o apogeu de um ciclo anual em que a “rede de relações sociais trançada ao lon-
go do ano atinge seu grau máximo de expansão” (CAVALCANTI, 2006, p. 233). O desfi-
le é também uma competição, um espaço de trocas agonísticas (MAUSS, 2001), em que,
como mostrou Cavalcanti (2006), as escolas a um só tempo rivalizam e confraternizam. É
essa capacidade de expandir a rede de relações sociais, trançada ao longo de cada ano,
que nos leva, enfim, a entender de que forma os desfiles absorvem e irradiam os confli-
tos e as transformações pelos quais passa a cidade que os abriga. Esse aspecto denota a
importância das escolas de samba para estudos de antropologia urbana na cidade do Rio
de Janeiro e inspira a elaboração deste artigo.
Dessa forma pretendemos nos voltar para a explicação do funcionamento desse
sistema ritual-competitivo como um todo e buscar compreender como as escolas circu-
lam por tal sistema durante suas trajetórias de vida. Como são encaradas suas derrotas e
vitórias dentro do sistema ritual-competitivo no qual estão imersas?
Na tentativa de mapear uma hierarquia competitiva das escolas de samba, apre-
sentamos um quadro de referência a ser utilizado até o final deste artigo (Tabela 1).

Local de Dia de Partici- Preparação dos Classifica-


Grupo Entidade desfile desfile pantes desfiles ção Neutra
2010

Grupo Especial LIESA Sambódromo Domingo/ 12 Cidade do Samba Primeira


Segunda divisão

Grupo de LESGA Sambódromo Sábado 12 Zona Portuária1 Segunda


Acesso A divisão

Grupo Rio de AESCRJ Sambódromo Terça 12 Carandiru e Zona Terceira


Janeiro 1 Portuária divisão

Grupo Rio de AESCRJ Intendente Domingo 14 Carandiru 1 e 2 Quarta


Janeiro 2 Magalhães divisão

Grupo Rio de Intendente Carandiru 1 e 2 e Quinta


Janeiro 3 AESCRJ Magalhães Segunda 15 espaços próximos divisão
das quadras
Carandiru 2 e es- Sexta
Grupo Rio de AESCRJ Intendente Terça 8 paços próximos divisão
Janeiro 4 Magalhães das quadras

Grupo de Intendente Carandiru e espa- Sétima di-


Avaliação AESCRJ Magalhães Terça 2 ços próximos das visão
quadras – esporádica

Tabela 1: Quadro de referência da hierarquia competitiva

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Partiremos, portanto, da classificação do Carnaval 2010, 1 Nesse grupo apenas a
utilizada pelas escolas, que as divide em grupos de acordo com Renascer de Jacarepaguá
normas estabelecidas pelo regulamento de cada entidade que preparava suas alegorias
no Carandiru.
congrega as escolas de samba. A seguir pode-se observar a en-
2 A classificação neutra
tidade à qual cada um desses grupos está ligado. Outro dado
obedece a uma ordem
importante para acompanharmos a montagem dessa estrutu- que relaciona cada gru-
ra hierárquico-competitiva é o local de desfile dos grupos, se- po a uma divisão, pois é o
guido dos dias de desfile de cada um deles. Apresentamos, ain- que são de fato; e os or-
da, o número de escolas participantes dos desfiles em cada um ganiza hierarquicamen-
dos grupos, os locais de preparação das alegorias da maior par- te seguindo classificação
ordinal descendente, em
te das escolas do grupo e, finalmente, uma classificação neutra
que a primeira divisão é
com o objetivo de aproximar esse conjunto de dados da realida- o topo da hierarquia, e a
de de um leitor não muito familiarizado com os desfiles e com sétima divisão, a base.
esse sistema.2 3 A primeira vez que se
Vamos, ao longo do texto, nos aprofundar nesse com- adotou um desfile de ava-
plexo sistema, com vistas a naturalizá-lo e traduzi-lo para o liação antes da filiação
de novas escolas de sam-
leitor.
ba ao grau hierárquico
mais baixo foi em 1996.
OS GRUPOS E SUAS ENTIDADES Esse sistema vigora des-
ORGANIZADORAS: COMO FUNCIONA A de então.
HIERARQUIA COMPETITIVA 4 Além dos blocos de en-
Em 2010 o desfile de escolas de samba, na cidade do redo existem blocos de
Rio de Janeiro, estava separado em sete divisões ou graus hie- embalo e outras formas
caranavalescas espalha-
rárquicos, as maiores escolas ocupando o topo, e aquelas que
das pela cidade inteira.
ainda não eram oficialmente classificadas como escolas, o grau Os blocos de enredo, en-
mais baixo.3 Paralelamente a esse mundo das escolas de samba, tretanto, têm estrutura
outra forma carnavalesca – os blocos de enredo – convive com organizacional mais pare-
esse sistema em constante interseção, pois a cada ano há blocos cida com a das escolas de
samba, até por participar
que viram escolas e escolas que viram blocos.4
de competição entre eles,
O regime hierárquico que organiza a competição anual o que não acontece com
se mantém ao longo da história de vida das escolas na cidade. os blocos de embalo.
No entanto, essas divisões – número de escolas em cada uma 5 Bastante esclarecedor a
delas, sua denominação e até mesmo o número dessas divisões respeito de histórico com-
– se alteram muito. Na história das escolas de samba, vemos pleto sobre a questão da
nomenclatura dos grupos
que são recorrentes as mudanças na nomenclatura da divisão
é o quadro elaborado por
hierárquica da competição. Por exemplo, nos primeiros anos do Araújo (2009) no artigo
desfile havia apenas um único grupo a disputar entre si o cam- Vida e morte nas peque-
peonato carnavalesco. Esse grupo, que chegou a abrigar 35 es- nas escolas de samba.
colas em 1948, já foi chamado de Grupo 1 (de 1952 a 1978 e de
1987 a 1990) e Grupo 1-A (de 1979 a 1987).5

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Interessa-nos aqui compreender a montagem desse regime hierárquico que pre-
side o sistema festivo competitivo, e, para tanto, são relevantes as informações sobre os
processos associativos desenvolvidos no meio das escolas de samba.

AS ORGANIZAÇÕES
A primeira organização representativa das escolas de samba de que se tem no-
tícia foi a União das Escolas de Samba – UES, já em 1934. No ano seguinte foi oficializa-
do o reconhecimento dos desfiles das escolas de samba como atração turística da cidade
(CABRAL, 1996). Assim, já no Carnaval de 1935, temos o primeiro desfile organizado pela
UES, subvencionado pela Prefeitura do Rio de Janeiro.
Surgiram, em 1947, duas outras organizações: a Federação das Escolas de Samba
(reconhecida pelos órgãos oficiais) e a União Geral das Escolas de Samba (ligada ao Par-
tido Comunista Brasileiro); com a criação das duas novas entidades, a UES foi dissolvida
(FERREIRA, 2004).
Então, em 1952, as duas entidades se fundiram formando a Associação das Esco-
las de Samba do Carnaval do Rio de Janeiro – AESCRJ, que passou a administrar os desfi-
les e a congregar todas as escolas da cidade do Rio de Janeiro. A AESCRJ permaneceu à
frente do carnaval carioca até 1984, quando um grupo de gran-
6 Já em 1984, com a inau-
des escolas, até então pertencentes à Associação fundou a Liga
guração do sambódromo,
a Liesa torna-se impor- Independente das Escolas de Samba – Liesa (CAVALCANTI, 2006,
tante articuladora dos in- p. 43). Assim, a AESCRJ passou a administrar apenas os demais
teresses de controladores grupos do carnaval carioca. A Liesa, desde então, assumiu o con-
do jogo do bicho e admi- trole da organização do desfile das escolas de samba do Grupo
nistradora dos mais dife-
Especial,6 a primeira divisão do carnaval carioca.
rentes interesses referen-
tes às escolas de samba, Em 2008, um grupo de sete escolas pertencentes ao
como a comercialização Grupo de Acesso A, a segunda divisão do carnaval carioca, fun-
de discos e a distribuição dou a Liga das Escolas do Grupo de Acesso – Lesga, que passou
de direitos entre elas. O a coordenar todo o processo de organização do desfile do Grupo
sistema de venda de in-
de Acesso A. Assim, a AESCRJ deteve a organização apenas dos
gressos também é, des-
de então, controlado pela quatro grupos inferiores a esse. Após o Carnaval de 2010 as es-
Liesa e, nos últimos anos, colas da terceira divisão saíram da AESCRJ e juntaram-se às esco-
os quase 60 mil ingres- las da segunda divisão na Lesga.
sos, cujos preços variam
Sumarizamos essa estrutura competitiva do Carnaval
de dez a cinco mil reais,
têm esgotado em menos 2010 de acordo com alguns pontos que facilitarão a apresenta-
de uma semana. ção de nossos dados. Seguem-se os aspectos da organização das
escolas de samba que distinguem os graus hierárquicos entre si.
Inicialmente temos o nome dos grupos e da associação a que pertence. Essa de-
finição é de suma importância, pois cada um deles tem regulamento próprio ligado à
realização de seus desfiles. Simultaneamente, de acordo com os grupos, há diferentes lo-
calização e data dos desfiles. Temos ainda formas e valores de subsídio de acordo com o

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nível hierárquico ocupado pela escola, e, consequentemente, a cobrança e o preço dos
ingressos dependerão de outro aspecto importante: a atenção e a cobertura da mídia.
A quantidade de alegorias e componentes no desfile, apesar de ser outro aspec-
to regido por regulamento, pode variar de escola para escola, de acordo com sua posição
no quadro competitivo e de questões conjunturais não necessariamente ligadas à com-
petição (como é o caso de afinidade dos interessados em desfilar na escola e com sua ad-
ministração, facilidade de acesso às quadras ou aos intermediários que vendem fanta-
sias, além da visibilidade da escola no cotidiano da metrópole).
E, finalmente, uma diferença recente, mas não menos importante, que é o local
de preparação do desfile (infraestrutura, proximidade do local do desfile).
Interessante percebermos, através da complexa estrutura apresentada, a forma
com que são encaradas pelos sambistas as categorias “subir” e “descer”. Muitas vezes a
trajetória de uma escola traz necessariamente referências à velocidade de sua ascensão
ou queda. A ascensão dentro da hierarquia, ou a “subida” de grupo, é valorizada dentro
de um projeto de sucesso, segundo o qual as menores escolas devem ao menos alcançar
o Grupo Especial. Assim, uma escola que hoje ocupa um dos grupos que desfilam na In-
tendente é lembrada por sua passagem pelo Grupo Especial. Simultaneamente, uma es-
cola que tenha passado rapidamente por todos os grupos da Intendente Magalhães é en-
carada com respeito na chegada ao Grupo de Acesso A. A dificuldade em se manter no
Grupo Especial, no entanto, valoriza ainda mais a passagem do Grupo de Acesso A para o
Grupo Especial. Este é o grande objetivo de toda agremiação carnavalesca no Rio de Ja-
neiro: tornar-se uma escola do Grupo Especial. Composto pelas maiores e consideradas
oficialmente as melhores escolas do carnaval carioca, esse grupo desfila no domingo e na
segunda-feira de carnaval, no sambódromo. Trata-se da mais alta posição hierárquica na
estrutura competitiva do carnaval carioca e é valorizada pela dificuldade em conseguir fa-
zer parte do seleto grupo. Com o crescimento da festa e o aumento no número de esco-
las, chegar a tal grupo tornou-se tarefa cada vez mais difícil.
Como aponta Araújo (2008), na outra ponta da estrutura temos os chamados,
pelos sambistas, “Grupos de Acesso” assim reunidos em um conjunto que os coloca em
oposição com o “sucesso” e “plenitude” que significa o Grupo Especial ou a primeira di-
visão do carnaval carioca. Desse modo, os “Acessos” traduzem “uma falta, uma necessi-
dade um esforço para conquista” (ARAÚJO; 2008, p. 71); mais do que isso, é um estado
transitório, ou se quisermos avançar ainda mais na questão, um estado liminar no senti-
do ritual (TURNER, 1978). Esse “acesso”, porém, pode ser desdobrado em muitos “aces-
sos”. Ainda que o objetivo de toda escola seja alcançar o patamar mais alto de todas as
escolas no Grupo Especial, muitas se contentam com metas mais próximas de sua reali-
dade e, portanto, algumas escolas nascem sonhando em ao menos chegar a desfilar no
sambódromo. Outras, abatidas pela crise, sonham em se reerguer e voltar ao sambódro-
mo. Assim, chegamos a um segundo estado que pode ser um primeiro objetivo de todas
as escolas: alcançar ou ao menos manter-se por um tempo desfilando na terceira divisão
do carnaval carioca, o grupo Rio de Janeiro 1.

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“Subir” e “descer” são palavras marcantes para descrever a trajetória de uma es-
cola. Podemos dizer, portanto, que faz parte do universo ritual das escolas de samba “su-
bir” ou “descer”, e a definição de quantas sobem ou descem é de profunda importância
para o desenrolar da festa. É assim que podemos encontrar ex-
7 Tal fato tem restringi-
plicação para a dinâmica da criação ou extinção e até mesmo do
do cada vez mais a per-
manência no Grupo Espe- processo de crise ou ressurgimento de uma escola de samba.
cial da escola que ascen- Atualmente, há cinco segmentos abaixo do Grupo Es-
deu do Grupo de Acesso pecial, e as regras atuais restringiram a “subida” para esse gru-
A. Desde que tal mudan- po a apenas uma escola por ano.7 Aqui, estima-se que um des-
ça no regulamento foi
file produzido nesse grupo seja orçado em até cinco milhões de
efetuada (em 2002) ape-
nas a Vila Isabel em 2005 reais (ARAÚJO: 2008, p. 59). Por ser transmitido ao mundo intei-
e a União da Ilha no car- ro pela Rede Globo de Televisão, muitas pessoas querem desfi-
naval de 2010 permane- lar nessas escolas, e seus ensaios e fantasias, que garantem lugar
ceram no Grupo Especial. entre os desfilantes, são disputadíssimos. A administração desse
8 No artigo citado, Caval- grupo, como vimos, fica por conta da Liesa, controlada por notó-
canti calcula em mais de rios contraventores ligados ao jogo do bicho e ao mecenato das
67 milhões os recursos
maiores escolas (CAVALCANTI, 2009).8
movimentados pela Lie-
sa. Os dados foram cole- Logo abaixo, na estrutura hierárquico-competitiva das es-
tados a partir do relató- colas de samba, vem o que chamaremos de Grupo de Acesso A
rio da CPI do Carnaval em ou a segunda divisão das escolas de samba, cujo desfile aconte-
2008 na Assembleia Le-
ce no sambódromo, no sábado de carnaval (ARAÚJO, 2008). No
gislativa do Estado do Rio
de Janeiro. Carnaval de 2009, após pedirem desfiliação da AESCRJ, as esco-
las desse grupo fundaram outra associação, a Liga das Escolas de
9 Ver em Araújo, 2008 os
valores de subvenção e Samba do Grupo de Acesso – Lesga, que administra atualmen-
orçamentos dos diferen- te os desfiles.
tes grupos do carnaval No Grupo de Acesso A, as subvenções são bem meno-
carioca.
res do que no Grupo Especial, e o teto de gastos da escola mais
10 Os quesitos são: Bate- rica já foi avaliado em um milhão de reais.9 Os preços dos in-
ria, Samba-enredo, Har-
gressos são bem inferiores aos da primeira divisão e custavam,
monia, Evolução, En-
redo, Conjunto, Alego- em 2009, de dez a mil reais. A venda de ingressos não tem tanto
rias e Adereços, Fanta- apelo quanto a dos desfiles da primeira divisão, embora a cada
sias, Comissão de Frente, ano possa ser observado significativo crescimento. A emissora
e Mestre-Sala e Porta- responsável pela transmissão do desfile varia de ano para ano, e
Bandeira.
no Carnaval de 2009 foi fruto de produção independente da Les-
ga, que comprou espaço na CNT. Muitas escolas que já estive-
ram na primeira divisão das escolas de samba do Rio de Janeiro hoje compõem o Grupo
de Acesso, do qual apenas três nunca estiveram no Grupo Especial: a Inocentes de Bel-
ford Roxo, a Renascer de Jacarepaguá e a Acadêmicos do Cubango. Assim, como aconte-
ce no Grupo Especial,10 as escolas são julgadas em dez quesitos, com quatro jurados para
cada quesito.

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Existe grande diferença organizacional e de vários outros aspectos entre os dois
primeiros graus hierárquicos desse sistema competitivo – o Grupo Especial e o Grupo de
Acesso A – e os demais grupos.
Abaixo do Grupo de Acesso A está o Grupo Rio de Janei- 11 Essa denominação
ro 1, denominação que adotaremos no presente trabalho.11 Dis- passou a ser adotada
putaram o título desse grupo, no Carnaval de 2010, 12 escolas. a partir da cisão criada
Entre as diferenças sinalizadas está o fato de seu desfile não ser com as escolas perten-
centes à Lesga em rela-
transmitido pela televisão e de poucas emissoras de rádio do Rio
ção à AESCRJ. Antes da ci-
de Janeiro o acompanharem na íntegra. Os ingressos de arqui- são o grupo era conheci-
bancada são distribuídos, e, nos últimos anos, em face do exíguo do como Grupo de Acesso
público interessado nos ingressos antecipadamente, a entra- B desde 2000. Antes dis-
da nas arquibancadas tem sido liberada na hora do desfile, que so já havia sido conhecido
como Grupo B (de 1996
acontece na terça-feira de carnaval e se estende até a manhã da
a 2000), Grupo de Aces-
quarta-feira de cinzas. Apesar de os quesitos serem iguais aos so 2 (1995), Grupo 2 (de
do Grupo Especial e do Grupo de Acesso A, há apenas três jura- 1987 a 1994), Grupo 2-A
dos por quesito, e a menor nota em cada um é descartada. Ou- (de 1979 a 1986) e Grupo
tra grande diferença é em relação ao tempo máximo de desfile 3 (de 1960 a 1978).
de cada escola. Enquanto na primeira divisão cada escola tem 82
minutos para percorrer toda a pista de desfile e na segunda divisão, 60 minutos, na ter-
ceira divisão cada escola deve apresentar-se em 50 minutos.
Abaixo dessa divisão estão os Grupos Rio de Janeiro 2, 3 e 4, cujos desfiles acon-
tecem na Estrada Intendente Magalhães, em Campinho. A criação desses grupos atendeu
à necessidade de subdivisões que abarcassem número cada vez maior de escolas.
O desfile do Grupo Rio de Janeiro 2, ou a quarta divisão, acontece no domingo
de carnaval, simultâneo ao primeiro dia de desfiles das grandes escolas na Sapucaí. Nes-
se grupo, são 14 escolas desfilando e, no Carnaval 2010, três delas ascenderiam à tercei-
ra divisão, obtendo assim o direito de desfilar no sambódromo no ano seguinte, e as três
últimas seriam rebaixadas à quinta divisão. Há grande diferença também no orçamento
dessas escolas em relação aos grupos que desfilam no sambódromo – o desfile da Aca-
dêmicos do Dendê em 2009, no Grupo Rio de Janeiro 2, foi or-
çado em 50 mil reais. Os desfiles do Grupo Rio de Janeiro 2 só 12 No Carnaval 2009 ape-
são transmitidos por duas rádios: a rádio comunitária da região nas os sites OBatuque.
com, Galeria do Samba e
de Campinho e Vila Valqueire e a rádio 1440AM; alguns pou-
12
Esquina do Samba, além
cos sites também os acompanham. Esse grupo já foi conheci- do troféu samba-net, com
do como Grupo 2-B, até 1983, depois como Grupo 4, até 1990, premiação voltada para
quando passou a chamar-se Grupo 3 e, finalmente, antes da de- os grupos inferiores.
nominação atual, Grupo de Acesso C, desde 1996.
Participaram do Grupo Rio de Janeiro 3 em 2010 15 escolas. O grupo desfila na
segunda-feira de carnaval. A média orçamentária de uma escola desse grupo em relação
às do Grupo Rio de Janeiro 2 é praticamente igual. Como acontece no grupo já descrito,
três escolas sobem, e três são rebaixadas ao Grupo Rio de Janeiro 4. A cobertura dos des-

BARBIERI, Ricardo José de Oliveira. Para brilhar na Sapucaí 189


60

50
60 Tabela 1: Número de escolas desfilantes
40 antes da inauguração do sambódromo
50
30 No. De escolas
40
20
30 No. De 80
escolas
10 70
20
0 60
10
32 50

39

46

53

60

67

74

81
19

19

19

19

19

19

19

19
0
40
No. De escolas
32

39
46

53

60
67

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81
30
19

19
19

19

19
19

19

19

20

10

Tabela 2: Número de escolas desfilantes após a inau- 0


guração do sambódromo 1984 1989 1994 1999 2004 2009

files foi realizada pelos mesmos sites e rádios que participaram da cobertura do Grupo
Rio de Janeiro 2.
O último grupo na hierarquia competitiva das escolas de samba é o Grupo Rio de
Janeiro 4, no qual desfilam oito escolas. A última colocada deixa de desfilar entre as esco-
las de samba e fica obrigatoriamente licenciada da AESCRJ por um ano. A escola licencia-
da só pode voltar a desfilar novamente após quitar suas dívidas e provar o cumprimento
dos requisitos legais para uma agremiação recreativa. Os recursos nesse grupo são muito
mais reduzidos, a começar pela estrutura mínima de desfile, muito menor, cabendo ape-
nas um carro alegórico por escola, no máximo. Tem-se, aqui, situação simbolicamente in-
versa à do Grupo Especial, pois se trata do último grupo na hierarquia competitiva. Nele
são encenados tanto o surgimento como a decadência ou desaparecimento de escolas.
Nesse desfile a atenção causada é ainda menor que nos demais. Apesar do bom públi-
co presente, garantido especialmente pelos moradores da região, só a rádio comunitária
transmitiu o desfile, que mereceu a cobertura apenas dos sites OBatuque.com e Esqui-
na do Samba.
A situação de liminar é evidenciada de fato no Grupo de Avaliação. Os desfiles
acontecem logo após as apresentações das escolas da sexta divisão, mas o aparecimen-
to desse grupo é esporádico, e só quando alguma escola tem o pedido de filiação sub-
metido à avaliação pela AESCRJ o desfile, de caráter não competitivo, é realizado. Nes-
ta situação cada escola é avaliada como “aprovada” ou “reprovada”, de acordo com apre-
sentação de itens obrigatórios definidos em regulamento ocasional da AESCRJ.

190 Textos Escolhidos de Cultura e Arte Populares, v. 7. n. 2, nov. 2010


NÚMERO DE ESCOLAS E DE COMPONENTES
O número de escolas pode ser tema de interessante investigação e revelador, até
certo ponto, da importância e relevância das escolas de samba dentro das redes de rela-
ções na cidade. Assim, é possível enxergar grande diferença nessa estrutura ritual-com-
petitiva para aquela descrita por Maria Isaura Pereira de Queiroz (1999, p. 75) em seu ar-
tigo Escolas de Samba do Rio de Janeiro ou a domesticação da massa urbana, constan-
te no livro Carnaval brasileiro: o vivido e o mito, referente ao Carnaval de 1980. Naquela
época, a estrutura das escolas de samba do Rio de Janeiro era controlada única e exclu-
sivamente pela AESCRJ. Os desfiles aconteciam todos no Centro da cidade, e, quando as
escolas desfilavam próximo de suas comunidades, era por iniciativa própria. A hierarquia
competitiva entre as agremiações era muito mais simples, até pelo fato de serem apenas
44 escolas, divididas em três grupos. Podemos observar o avanço e a progressão no nú-
mero das escolas de samba na cidade através da análise dos quadros de escolas partici-
pantes dos desfiles oficiais desde 1932 (Tabelas 1 e 2)
Percebemos que atualmente as escolas atingem o grau máximo de expansão no
número de agremiações não apenas na cidade do Rio de Janeiro, mas também em cida-
des da região metropolitana constantes nesses números. A expansão ou recrudescimen-
to dentro de tal quadro obedece a situações conjunturais, mais ou menos estruturadas,
mas que atendem, por sua vez, a uma lógica interna e externa à organização dos desfiles,
por exemplo, as vontades dos organizadores ou questões políticas. Algo que chama aten-
ção, por exemplo, é a relação entre a criação de novas entidades ou grupos e a ampliação
no número de escolas, que pode ser inferida quando confrontamos o quadro acima com
a relação do item anterior (criação da AESCRJ em 1952 e aumento significativo no núme-
ro de escolas filiadas). Porém, a criação de escolas de samba se opera de maneira muito
particular em diferentes situações e contextos. O que percebemos é a permanência, ou
ao menos certa regularidade no número de componentes, com respeito às grandes es-
colas senão a todas. Na década de 1980, por exemplo, havia em média quatro mil com-
ponentes em cada uma das grandes escolas (QUEIROZ, 1999). Podemos também obser-
var um processo de retração entre 1976 e 1980. Logo a seguir, com a democratização do
país, há um novo processo de expansão, identificado a partir de 1989, até chegar ao atual
número de 72 escolas, a partir de 2004, que se manteve estável até o Carnaval 2010.
Destaca-se, portanto, nesse processo a contínua expansão das escolas de samba
pela cidade. É importante ressaltar essa expansão especialmente em um contexto de ata-
ques à vivacidade do fenômeno das escolas de samba por parte de puristas em desacor-
do com os rumos tomados por essa manifestação. Explica-se essa expansão pela expan-
são concomitante da metrópole e incorporação contínua de agremiações de fora do mu-
nicípio do Rio de Janeiro. A contínua e acelerada incorporação especialmente no início da
década de 1990 também justifica o aumento da complexidade na hierarquia competitiva.
No Grupo Especial, em que estão as maiores escolas, cada uma desfila com oito
alegorias e aproximadamente quatro mil componentes; no Grupo de Acesso A, com cinco

BARBIERI, Ricardo José de Oliveira. Para brilhar na Sapucaí 191


carros alegóricos e três mil componentes; no Grupo Rio de Janeiro 1, com quatro carros
e até 1.500 componentes; no grupo Rio de Janeiro 2, com três carros alegóricos e cerca
de mil componentes, número mínimo exigido pelo regulamento que rege esse grupo.
No Grupo Rio de Janeiro 3, apesar do número mínimo de 800 componentes de-
terminado por regulamento, segundo Araújo (2008, p. 144), poucas escolas reúnem tan-
tos desfilantes, trazendo em geral 600 componentes e dois carros. Isso também ocorre
com o Grupo Rio de Janeiro 4, cujas escolas se apresentam com um carro e cerca de 400
componentes, quando o número exigido pelo regulamento é de 500 componentes.
No caso dos três últimos grupos citados, fica evidente que há tolerância por par-
te da AESCRJ em relação ao número mínimo de componentes exigidos pelo regulamen-
to. Há ainda distinção interessante na natureza desses desfilantes em relação aos desfi-
les do Grupo Especial. No caso dos demais grupos, boa parte dos componentes se reúne
em escala gradativa, com relação aos grupos, desfilando em mais de uma escola a cada
ano. Essa prática é recorrente há um bom tempo, identificada ainda no período em que
as pequenas escolas desfilavam na Avenida Rio Branco, enquanto as grandes desfilavam
na Sapucaí. Assim, muitos componentes saíam de um desfile na Rio Branco encaminhan-
do-se para a Sapucaí, dada a proximidade das duas pistas de desfile, localizadas no Cen-
tro do Rio de Janeiro.

DIAS E LOCAIS DE DESFILE


No plano da cidade, com suas múltiplas formas de expressão carnavalesca, in-
cluindo blocos e coretos, diversos eventos acontecem. No entanto, apesar de a cidade vi-
ver dias movimentados, nos fixaremos apenas nos espaços que são ou foram de alguma
forma utilizados pelas escolas em seus desfiles, o “circuito das escolas de samba”. Para
tanto, utilizaremos o conceito de “circuito”, elaborado por Magnani (2007, p. 34).
O primeiro local de apresentação das escolas de sam-
13 Em O livro de ouro do ba cariocas foi a Praça XI (CABRAL, 1996; FERREIRA, 2004 e CA-
carnaval brasileiro, Feli- VALCANTI, 2006), até hoje lembrada com nostalgia pelos sam-
pe Ferreira (2004, p. 360) bistas mais antigos.13
nos passa um panorama
da peregrinação das esco- Depois disso o desfile ainda retornaria para a Avenida
las pelo Centro da cidade Presidente Vargas, dessa vez já consagrado como a grande atra-
até chegar a um local de- ção do calendário carnavalesco carioca, chegando, em 1979, na
finitivo de apresentação. Avenida Marquês de Sapucaí, que se tornaria, em 1984, palco
definitivo das escolas de samba (FERREIRA, 2004, p. 372). Em
1983 o então governador Leonel Brizola anuncia a intenção de construir uma passarela
definitiva para as escolas de samba, o que acabaria com o monta e desmonta das estru-
turas tubulares na pista de desfiles (CAVALCANTI, 2006, p.43).
Idealizada por Oscar Niemayer, a Passarela do Samba, que logo a seguir seria co-
nhecida como sambódromo, foi construída em tempo recorde: apenas 120 dias sepa-
raram a aprovação do projeto e o término da construção da passarela (CAVALCANTI,

192 Textos Escolhidos de Cultura e Arte Populares, v. 7. n. 2, nov. 2010


2006). A Passarela do Samba representou efetivamente um marco no processo de espe-
tacularização dos desfiles. Logo a seguir, impulsionados pelo novo espaço, as grandes es-
colas se reuniram para fundar a Liesa, em 1985. Assim, com capacidade para mais de 60
mil pessoas, o sambódromo, oficialmente batizado de Passarela do Samba Darcy Ribeiro,
mas ainda hoje conhecido como “Sapucaí” ou “avenida”, é o espaço mais valorizado do
carnaval brasileiro.
Como vimos, na década de 1950 o reconhecimento das escolas de samba na ci-
dade do Rio de Janeiro, bem como sua posterior valorização, representou também im-
portante estímulo para a criação de inúmeras agremiações nos mais diferentes pontos
da cidade. Quando da inauguração do sambódromo, havia 43 escolas, que não dividiam
o espaço de desfiles. No primeiro ano de Passarela do Samba, apenas as escolas da pri-
meira e da segunda divisão do carnaval carioca ali desfilaram; as demais agremiações se
apresentaram na Avenida Rio Branco. As pequenas escolas permaneceram nesse espaço
no Centro do Rio de Janeiro até 1998, quando os desfiles da quinta e sexta divisões foram
transferidos para a Avenida Cardoso de Morais, no bairro de Bonsucesso, subúrbio da ci-
dade. A intenção era experimentar espaços diferentes, desafogando a Rio Branco, que as
escolas dividiam com blocos de enredo e de empolgação. Como os blocos atravessavam
a Avenida Rio Branco antes e durante os desfiles das escolas, estas geralmente se queixa-
vam de problemas de ordem organizacional. O desfile da quarta divisão permaneceu no
local.
As escolas continuaram se apresentando em Bonsucesso até 2002, quando as
quinta e sexta divisões passaram a desfilar na Estrada Intendente Magalhães, em Cam-
pinho, pequeno bairro entre Madureira, Vila Valqueire e Jacarepaguá, bem distante do
Centro do Rio. As escolas reclamavam na época de represálias de facções rivais no per-
curso para Bonsucesso. Essa questão pode ser problematizada, no entanto. Tomemos,
por exemplo, depoimentos de componentes da Acadêmicos do Dendê que desfilaram em
todas as passarelas aqui citadas:
O grande problema de Bonsucesso era a curva na pista de desfile. Lá teve tiro-
teio na dispersão, mas foi só um ano. E aquele negócio era briga de vagabun-
do, de malandro e não tinha como se envolver. Quem não é disso não se en-
volve (...). Além do que a Intendente não é tão segura assim para desfilar. Lá é
área do Comando Vermelho, o Dendê é área do Terceiro Comando (...) Não sei
dessa milícia lá não (...) E também tem o percurso do barracão à avenida, que
é muito perigoso. Os carros passam por várias favelas de facções diferentes na
Linha Amarela (componente do Dendê; 30.10.2008).
Um dos interlocutores me dizia que, para a escola, o melhor local seria a Avenida
Rio Branco, no Centro do Rio. Segundo apontaram alguns dos componentes do Dendê,
o grande problema da Avenida Rio Branco, que ainda abrigava as escolas do Grupo C na
época, era o total descaso dos organizadores com a estrutura da passarela e a falta de su-
porte dado pela prefeitura para a realização dos desfiles. Um dos entusiastas dos desfiles,
que ainda os acompanha na Intendente Magalhães, conta como eles eram na Rio Branco
e em Bonsucesso, e os compara com os atualmente realizados na Intendente Magalhães:

BARBIERI, Ricardo José de Oliveira. Para brilhar na Sapucaí 193


14 O horário de realiza- Era uma bagunça na Rio Branco. Além de muito mal iluminados,
ção dos desfiles pode ser os desfiles começavam com atrasos enormes. Quem causava os
alterado de ano para ano atrasos eram os blocos que atravessavam a pista antes e durante
de acordo com o número os desfiles. Desfile lá começava às 21h, quando o combinado era
de escolas participantes 19h, e ia atrasando conforme as escolas passavam. Nessa época
e mudanças nos regula- (por volta de 2002) tinha muito pouca gente assistindo na arqui-
mentos do desfile. bancada por causa dos assaltos (pesquisador; 15.6.2008).
15 O horário de desfiles Assim, em 2005, a quarta divisão também passa a des-
é ponto de preocupação filar na Estrada Intendente Magalhães. Lá, arquibancadas tubu-
constante entre as esco-
lares e cabines para jurados e para imprensa são montadas em
las de samba. A determi-
nação de um horário para uma parte da via. O início dos desfiles é marcado logo após a
início dificilmente é res- Praça dos Lavradores e termina depois da Rua Carlos Xavier. A
peitada, e ocorrem atra- concentração das escolas ocorre no trecho inicial da via até seu
sos corriqueiros. Na his- entroncamento com a Rua Domingues Lopes. Atualmente, um
tória dos desfiles, entre- dos principais problemas na pista de desfiles da Intendente Ma-
tanto, diversos problemas
galhães é a concentração, pois nesse local os carros alegóricos
aconteceram em relação
a tal tema. Houve inclusi- das escolas dividem espaço com o trânsito comum até a chegada
ve anos em que as apre- ao trecho interditado.
sentações das grandes Oficialmente, o calendário de desfiles de escolas de sam-
escolas começavam com
ba na cidade do Rio de Janeiro é aberto na sexta-feira, com a
o sol se pondo e termina-
vam quase no meio do dia apresentação das escolas de samba mirins, na Avenida Marquês
seguinte. Uma das for- de Sapucaí, começando às 17h e terminando por volta da meia-
mas mais eficientes en- noite.
contradas pelos organi- No sábado de carnaval é a vez das escolas de samba do
zadores de coibir que os
Grupo de Acesso A, também na Marquês de Sapucaí, em geral14
desfiles se estendessem
por muito tempo foi a de- a partir das 20h.15Nos últimos anos, esses desfiles têm termina-
limitação regulamentar do às seis ou sete horas da manhã de domingo.
do tempo de apresenta- No domingo de carnaval começam os desfiles do Grupo
ção das escolas de sam-
Especial no sambódromo, sendo atualmente de seis escolas no
ba. Atualmente este tem-
po varia de grupo para horário das 21h às seis horas da manhã de segunda-feira. Esse
grupo. No Grupo Especial costuma ser o dia menos valorizado, e a escola que ascendeu do
outra forma de dinamizar Grupo de Acesso A abre16 o desfile – desde que o sambódromo
a apresentação das esco- foi inaugurado a maior parte das campeãs desfilou na noite de
las foi através da divisão segunda-feira, portanto a mais valorizada.
da apresentação das es-
colas em dois dias de des- Simultaneamente, acontecem na Intendente Magalhães
files, assim seis se apre- os desfiles das escolas de samba das quarta e quinta divisões: no
sentam no primeiro dia e domingo, as do Grupo Rio de Janeiro 2, a quarta divisão, a par-
mais seis no segundo. A tir das 19h, com término por volta das seis horas da manhã; na
primeira vez em que tal
segunda-feira, as do Grupo Rio de Janeiro 3, a quinta divisão,
divisão aconteceu no car-
naval carioca foi no ano com início também às 19h e término por volta das cinco horas da
de inauguração do sam- manhã.
bódromo, em 1984.

194 Textos Escolhidos de Cultura e Arte Populares, v. 7. n. 2, nov. 2010


Na terça-feira de carnaval desfilam no sambódromo as 16 A ordem de desfiles é
escolas do Grupo Rio de Janeiro 1, a terceira divisão, apesar da definida por sorteio, que
indefinição, o que, aliás, tem sido motivo de inúmeros debates.17 obedece a uma série de
parâmetros estabeleci-
Criado em 1998, esse grupo desfilava na sexta-feira, quando as
dos em regulamento de
escolas mirins desfilavam na quinta-feira. Em 1998, o caos que acordo com as posições
se instalou no trânsito do Centro do Rio de Janeiro nesse dia foi das escolas no desfile
atribuído à movimentação dos carros desse grupo, e no ano se- do ano anterior. As úni-
guinte o dia de desfiles foi modificado, por solicitação da prefei- cas escolas que não par-
ticipam do sorteio no re-
tura. Todos os anos, porém, as escolas desse grupo reivindicam
gulamento atual do Gru-
a volta para a sexta-feira, argumentando que a terça-feira é mui- po Especial são a campeã
to esvaziada e que é prejudicial o fato de os desfiles acabarem do Grupo de Acesso A no
na manhã da quarta-feira de cinzas, quando muitos dos desfilan- ano anterior (que abre os
tes já retomam a rotina de trabalho – os desfiles de terça-feira desfiles do primeiro dia) e
no sambódromo começam às 19h e terminam por volta das sete a penúltima colocada do
ano anterior (que abre o
horas da manhã.
segundo dia de desfiles).
Também na terça-feira de carnaval, na Intendente Ma- Ver Regulamento da Lie-
galhães acontecem os desfiles do Grupo Rio de Janeiro 4, a sex- sa em http://liesa.globo.
ta divisão, que começam às 20h. A discussão em torno desse dia com/2010/por/03-carna-
val10/Regulamento%20
de desfiles tem natureza diferente. Como a AESCRJ está com a
Carnaval%202010%20
maior parte de seu quadro mobilizado para os desfiles de ter- -%20LIVRO.pdf.
ça-feira no sambódromo, alguns defendem a extinção do grupo
17 Sobre a discussão do
(ARAÚJO, 2008, p. 144). dia de desfiles do Grupo
Rio de Janeiro 1 ver Asso-
LOCAIS DE PREPARAÇÃO DO DESFILE ciação: Grupo B quer vol-
tar a desfilar na sexta-
O formato de preparação das escolas para os desfiles
feira no Carnaval 2010,
que vigora atualmente só começou a se esboçar na década de publicada em www.
1960 (GUIMARÃES, 2004). Até então as escolas utilizavam suas sidneyrezende.com/
próprias quadras ou espaços próximos a elas. O primeiro espa- noticia/58028.
ço compartilhado de convívio entre as escolas dos mais diversos
grupos na preparação para o carnaval foi o antigo Pavilhão de São Cristóvão, onde hoje
funciona o Centro de Tradições Nordestinas Luiz Gonzaga. Ali várias escolas permanece-
ram até os anos 90.
Outras escolas ocupavam galpões abandonados da Docas S.A. onde permanece-
ram, em comum acordo, regularmente até 1996 (BARBIERI, 2008). Em 2005 uma parte
dessas escolas, as pertencentes ao Grupo Especial, trocou esses galpões pela Cidade do
Samba, um complexo de grandes espaços para a produção dos desfiles das escolas des-
se grupo que, além de oferecer mais conforto e estrutura às escolas, tornou-se filão turís-
tico administrado pela Liesa. A estrutura considerada ideal pelos sambistas e a grandiosi-
dade que permite a divisão das etapas no processo de produção das alegorias têm leva-
do à substituição da denominação nativa “barracão” por “fábricas”.

BARBIERI, Ricardo José de Oliveira. Para brilhar na Sapucaí 195


Ainda persistem, porém, diferentes espaços de produção das alegorias, o que in-
dica a disparidade dos diferentes níveis de competição das escolas de samba. Existem,
por exemplo, as que ainda produzem seu carnaval em suas quadras, como a Unidos de
Manguinhos e a Unidos de Vila Kennedy. Existem ainda aquelas que ocupam galpões na
Zona Portuária. Muitos desses galpões pertenceram às escolas do Grupo Especial antes
da transferência para a Cidade do Samba. A maior parte das escolas que não fazem par-
te do Grupo Especial produz seus carnavais em espaços compartilhados nos chamados
Carandirus.
Paralelamente ao projeto de construção da Cidade do Samba, no final de 2004, as
escolas menores procuraram organizar-se buscando abrigo para suas alegorias. Foi nes-
se momento que essas pequenas escolas encontraram abrigo em outro terreno da RFFSA
que servia de oficina de trens, bem próximo da já desativada gare da Leopoldina. A quan-
tidade de lixo e sucata abandonada no local e a estrutura bastante depreciada do prédio
levaram aqueles que ocuparam o espaço a chamá-lo de Carandiru. Na época o filme de
Hector Babenco baseado no livro Estação Carandiru (1999), do médico Dráuzio Varella,
que narra suas experiências com a dura realidade do presídio, ainda fazia bastante suces-
so. Simultaneamente, discutia-se a implosão do presídio que aconteceria em meados da-
quele ano. O paralelo entre a total decrepitude do presídio e do prédio da RFFSA logo foi
traçado pelos ocupantes do espaço. Atualmente, dividem esse espaço cerca de 13 esco-
las, da segunda à quinta divisão, além de um bloco de enredo e uma escola mirim, que
convivem, segundo seus ocupantes, com mau cheiro, acúmulo de lixo, condições de tra-
balho insalubres, insegurança e constante risco de incêndio.
Essa ocupação repercutiu bastante na mídia nessa época, pois o governo resis-
tia em ceder a área às escolas. Para tanto, contou muito a influência de alguns dirigentes,
como Zezinho Orelha, presidente da União do Parque Curicica, antigo policial ferroviário
e conhecedor do terreno. Quando ia a programas de rádio reivindicar sua permanência,
geralmente tratava o terreno em questão pelo apelido de Carandiru, que acabou “pegan-
do” entre as pessoas envolvidas com a produção do carnaval, o “mundo do samba”.
Com a transferência dos desfiles para a Estrada Intendente Magalhães, em 1998,
outro grupo de escolas procurou espaço próximo à pista dos desfiles. Assim foi ocupa-
do por um período um antigo galpão da Cobal de Jacarepaguá, que viria a ser destruído e
transformado na Praça dos Lavradores. Com isso as escolas que lá se encontravam trans-
feriram-se para outro espaço, um antigo depósito de bebidas da Antártica, na esquina
das ruas Carlos Xavier e Henrique Braga, em Campinho, logo apelidado de Carandiru 2.
As condições de ocupação desse espaço são parecidas com as do Carandiru da Zona Por-
tuária, mas a grande vantagem é a proximidade desse espaço da pista de desfiles da In-
tendente Magalhães.

CONCLUSÃO
A estrutura ritual do carnaval carioca é tema importante de pesquisa, pois evi-
dencia as múltiplas relações e posições ocupadas pelas escolas no processo ritual-com-

196 Textos Escolhidos de Cultura e Arte Populares, v. 7. n. 2, nov. 2010


petitivo dos desfiles. Essas posições são relevantes para o posicionamento e prestígio dos
componentes das escolas e até mesmo a posição ocupada pelo local ao qual estão liga-
das no contexto da metrópole.
As diferentes condições que cada escola tem nos diferentes grupos envolvem
questões de sociabilidade e conflito que ultrapassam o campo festivo e transbordam nas
relações cotidianas dos sambistas e sua forma de enxergar a cidade. Ser membro de uma
pequena escola oferece assim desvantagens estruturais evidenciadas através da etnogra-
fia da hierarquia competitiva. A posição que esse membro ocupa em uma pequena es-
cola, por exemplo, pode ser relativizada e ser relevante dependendo dos interesses em
jogo. Mediadores desempenham papel importantíssimo também na circulação entre as
diferentes posições hierárquicas assumidas pelas escolas em sua trajetória.
Importante observar que uma análise profunda dessas estrutura evidencia pas-
sagens significativas entre fases não explicitadas na estrutura ritual. A chegada à princi-
pal passarela de desfiles, a Marquês de Sapucaí, marca a entrada em fase completamen-
te diferente para as escolas. Deixar de participar dos três grupos que ali desfilam também
é sinal significativo de crise e decadência para seus componentes e rivais. A entrada no
Grupo Especial, a primeira divisão, é o marco definitivo na trajetória desses grupos, que a
valorizam ainda que dele não mais façam parte.
Temos, portanto, três significativas posições liminares nessa estrutura marcando
passagens para a primeira e terceira divisões, e o grupo de avaliação; ou seja, a entrada
no grupo das “grandes escolas” com sua visibilidade e estrutura desejadas pelos sambis-
tas; a chegada à Marquês de Sapucaí; e a entrada no universo das escolas de samba.

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Ricardo José de Oliveira Barbieri é mestre em antropologia pelo Programa de Pós-Gra-


duação em Sociologia e Antropologia da UFRJ.

Artigo recebido em agosto de 2010 e aceito para publicação em outubro 2010.

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