DOSSIE Anti-Intelectualismo Revista Plural PDF
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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM SOCIOLOGIA DA USP
25
Departamento de Sociologia
Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas
Universidade de São Paulo
Plural
Revista de Ciências Sociais
Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo
Departamento de Sociologia
Chefe: Prof. Dr. Ruy Gomes Braga Neto
Coordenador do Programa de Pós-Graduação:
Profª. Drª. Marcia Regina de Lima Silva
Comissão Executiva
Os conceitos e ideias emitidos nos textos
André Campos Rocha, Anouch Neves de Oliveira Kurkdjian, Brenda
publicados são de exclusiva responsabili-
Rolemberg, Cristhiane Falchetti, Danilo Mendes Piaia, João Filipe
dade dos autores, não implicando obriga-
Araujo Cruz, Letícia Simões Gomes, Luiz Vicente Justino Jácomo, Marcello
toriamente a concordância nem da Equi-
Giovanni Pocai Stella, Marcus Campos, Mauricio Piatti Lages, Paula
pe Editorial nem do Conselho Científico
Carvalho, Pedro Paulo Martins Serra, Ugo Urbano Casares Rivetti, William
Santana Santos. Endereço para correspondência: Depto.
de Sociologia - FFLCH/USP Av. Prof.
Conselho Científico
Luciano Gualberto, 315, CEP. 05508-900
Aldo Duran Gil, Ana Paula Cavalcanti Simioni, Andrea Braga Moruzzi, Anete - São Paulo - SP - Brasil
Brito Leal Ivo, Angélica De Sena, Daisy Moreira Cunha, Dominique Vidal, E-mail: [email protected]
Edson Silva de Farias, Evelina Dagnino, Flavio Wiik, Heloísa André Pontes, Site: http://www.revistas.usp.br/plural
Iram Jácome Rodrigues, Jordão Horta Nunes, Marcelo Kunrath Silva, Marcelo Facebook: www.facebook.com/pages/
Ridenti, Maria José Rezende, Maria Lívia de Tommasi, Martha Celia Ramírez- Revista-Plural/293342497360416
Gálvez, Mirlei Fachini Vicente Pereira, Myriam Raquel Mitjavila, Roberto
Vecchi, Sergio Costa, Simone Meucci. Publicação eletrônica semestral referente
ao 1º semestre de 2018. Plural. Revista
Equipe Técnica do Programa de Pós-Graduação em
Diagramação: Diagrama Editorial Sociologia da USP, Faculdade de Filosofia,
Revisão de texto: Comissão Executiva da Plural Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo, vol. 25, n. 1, 2018 (publicado
Capa: Black Circle (1923) - Autor: Kasimir Malevich - Propriedade The State em julho de 2018).
Russian Museum - São Petersburgo
ISSN: 2176-8099
Financiamento: CAPES 1. Sociologia 2. Ciências Sociais
Plural 25.1
Sumário
Dossiê
Um espectro ronda o Brasil (à direita)
Apresentação
Entrevista
Entrevista com Yves Cohen. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Realizada por Dmitri Cerboncini Fernandes
Tradução e transcrição realizadas por Pedro Serra
Artigos
Golpe na cultura – Intelectuais, universidade pública e contextos de crise no Brasil . . . 32
Maria Arminda do Nascimento Arruda
“Não falo o que o povo quer, sou o que o povo quer”: 30 anos (1987-2017)
de pautas políticas de Jair Bolsonaro nos jornais brasileiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
Leonardo Nascimento, Mylena Alecrim, Jéfte Oliveira, Mariana Oliveira, Saulo Costa
2017
Palestra
Intelectuais, mídias e universidade pública em contexto de peleja . . . . . . . . . . . . . . 172
Sergio Miceli
Resenha
Da crise do liberalismo à hegemonia neoliberal:
a constituição de uma razão-mundo competitiva e empresarial . . . . . . . . . . . . . . . . 178
Samuel Silva Borges
Artigos
Aspectos da individualidade em personagens de super-heróis:
perspectivas sociológicas e o caso do capitão américa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202
Cristiana D. Martins
Tradução
Fin de siècle. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 248
Christophe Charle
Tradutores: João V. Kosicki; Marcello G. P. Stella
Resenha
A teoria crítica na ordem do dia: Horkheimer hoje. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 265
Bruna Della Torre de Carvalho Lima e Eduardo Altheman Camargo Santos
Plural 25.1
Apresentação
Abstract In the first part of this introductory text we reflect on the historical absence
of sociological studies that deal with the phenomenon of belonging to the right in
Brazil. In the second part we examine a number of explanatory hypotheses for this
tendency, and analyze the limited literature on this subject area between 1980 and
2000. In the final part the integral texts of the dossier are presented.
Keywords Sociology of Right-wing; Sociology of Sociology; History of Social Sciences.
Desde os movimentos sociais emergentes a partir de 2013 até think tanks hoje
bem solidificados, passando por inúmeras produções de intelectuais midiáticos,
universitários e o que pode se chamar de opinião pública em geral – além de grupos
online, da política institucional e de várias espécies de extremistas e extremismos
–, todos estes vetores sinalizam um novo ar dos tempos. “Nova direita”, “neocon-
servadorismo”, “onda conservadora”, “retomada do neoliberalismo”, “fascismo à
brasileira”, dentre outros designadores, sejam aparentados, pertinentes ou não,
constituem termos usualmente empregados pela imprensa, ensaístas etc., que
disputam a compreensão de conjuntura supostamente recente e avassaladora:
a guinada à direita presenciada no Brasil. A própria agenda governamental e
parlamentar, ainda com o Partido dos Trabalhadores (PT) no poder executivo,
PLURAL, Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.25.1, 2018, p.1-12
2 Dmitri Cerboncini Fernandes e Debora Messenberg
expressava tal novo consenso, em que se dizer “de direita” não mais significava
algo pejorativo e a se evitar – como sucedia nos anos 1980-1990 tanto em meio
a políticos de profissão quanto a cidadãos comuns (Pierucci, 1987, p. 36) –, mas
motivo de orgulho para muitos, e de defesa – ou de ataque – incondicional – e
apaixonado – para tantos outros.
A sociologia brasileira, no entanto, disciplina que muito teria a dizer sobre
tal(is) fenômeno(s), ainda não desenvolveu estudos suficientes e articulados que
possibilitem o aclaramento de tal figuração. Na realidade, essa ciência pouco
se debruçou com verve, constância e intensidade sobre o assunto dentro de sua
melhor e mais prolífica perspectiva, isto é, percorrendo suas tradições próprias,
suas teorias, suas metodologias e suas formas analíticas já testadas e comprovadas
em distintos domínios. A carência de análises de fôlego, de empreitadas eminen-
temente sociológicas que encarassem de frente o destrinchar dos sentidos do
pertencimento do agente social ao espectro da direita sempre foi patente por estas
bandas. Reportagens de jornais e revistas, entrevistas com eleitores e apoiadores de
candidatos e partidos identificados à direita, com pertencentes às hostes de novos
grupamentos, como o Movimento Brasil Livre (MBL) e demais entidades variadas
de Internet, a leitura sistemática de textos de colunistas da grande imprensa e o
contato com demais personagens que orbitassem e orbitem em torno do que se
convencionou chamar de direita são elementos que inusitadamente não costumam
integrar o rol de materiais de análise de uma possível sociologia sobre a direita no
Brasil. Se em décadas passadas a mencionada lacuna se justificaria em razão da
alentada expectativa no restabelecimento da democracia – o que voltou os olhos
de quase toda aquela geração de cientistas sociais às movimentações que ocor-
riam em sindicatos, igrejas progressistas, agremiações políticas que fomentassem
a participação direta pelo voto etc. –, hoje em dia não há mais razões que deem
conta dessa aparente falta de interesse. Sobretudo em um contexto político-social
como o nosso.
Variadas hipóteses auxiliares poderiam ainda ser levantadas por uma
sociologia da sociologia no intento de elucidar tal ausência temática. Seja a da
proeminência exercida pelo objeto “autoritarismo de Estado”, experimento pronto
a nos rondar na América Latina de tempos em tempos, geralmente à direita, e que
sempre agregou pesquisadores de escol em detrimento da visualização de suas
reverberações na sociedade civil; seja um suposto desejo militante e conjuntural
de parte dos cientistas sociais em não quererem enxergar a vida como ela é, rele-
gando o ser de direita a uma menoridade não só política, mas também em termos
de objeto legítimo e válido a ser escrutinado e mais bem compreendido. Seja
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Desta forma, Pierucci se valeu, certamente pela primeira vez no Brasil, do ferra-
mental contido no clássico A Distinção (Bourdieu, 1979), no afã de delimitar o
entrecruzamento sucedido entre classe – no melhor, mais alargado e mais prolífico
sentido do termo – e tomada de posição política, tentando recuperar para a socio-
logia o objeto por vezes tão desprezado: o pertencimento à direita e sua miríade
de significados, que ultrapassa em muito simplesmente o mecânico “ato de votar”.
Chama a atenção que, em seus estudos da década de 1980, Pierucci já empre-
gava o termo “nova direita”, tão em voga na atualidade entre acadêmicos e demais
agentes que intentam capturar o significado dessa suposta novidade. Com isso,
naquele instante, ele visava circunscrever os apoiadores que impeliam os fenô-
menos de votação Jânio Quadros e Paulo Maluf à cabeça dos processos eleitorais,
candidatos da direita que demonstravam certo vigor em uma conjuntura política
aparentemente desfavorável aos rebentos da ditadura recém-encerrada. Por meio
de longas entrevistas em profundidade com eleitores-ativistas, uma sensibilidade
ímpar em suas interpretações, o manuseio e a análise de dados empíricos relativos
aos votos e seus respetivos distritos eleitorais ele apreendeu sinteticamente o que
significava a tal antiga “nova direita”:
Mas que direita é esta? E até que ponto é “nova”? Questões complicadas. […]
estamos às voltas com indivíduos arregimentáveis para causas antiigualitárias
radicais e soluções autoritárias de direita. Estranhamente, porém, são favorá-
veis às greves dos trabalhadores e ao direito de greve, embora não façam greve
e tenham cisma de que as greves degenerem em bagunça. Defendem a reforma
agrária e, deste modo, estão bem longe da UDR; reprovam contudo as invasões
de terras urbanas. Querem gastos públicos com a mesma veemência com que
exigem as penas mais severas para o crime. Segurança policial e seguridade
social são consideradas direitos urgentes de todos os cidadãos decentes e homens
de bem: querem mais efetivos policiais, mais equipamentos e mais modernos,
para o combate ao crime, maiores salários para os policiais; querem sobretudo
a ROTA, emblema das decisões de polícia tornadas decisões de justiça. Mas
querem, também, serviços públicos de saúde, escola, creches, orfanatos, refor-
matórios, internatos, às vezes campos de concentração com trabalhos forçados,
transporte coletivo estatizado, seguro desemprego e aposentadoria condigna,
tudo isto e muito mais eles querem do Estado. O papo liberal anti-welfare, claro
está, não é com eles. Do comunismo como fantasma assustador, velho pânico
das direitas de um modo geral, do sobressalto ante a revolução socialista ali ao
dobrar da esquina, nem sombra. Anticomunismo, quando há, é dos chefes, não
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globais frente aos fatores socioculturais de origem local. Carlotto combina ambas
as perspectivas analíticas ao discutir os resultados de sua investigação acerca do
crescimento dos Think Tanks latino-americanos, como espaços legítimos para a
produção de conhecimento, formação e circulação de elites, decorrente tanto de
fatores estruturais, que impelem as elites desses países para o espaço internacional,
como contextuais, enquanto reação aos efeitos promovidos pela democratização da
educação superior na região a partir dos anos 2000. O desvelamento dos vínculos
entre estrutura e ação e entre o macro e o microssocial é o que permite não só a
melhor compreensão da natureza desses processos, como também os “sentidos
envolvidos”.
Ajustando as lentes para o enfoque do recrudescimento dos movimentos à
direita no contexto brasileiro, o artigo de Fábio Gentile, A direita brasileira em
perspectiva histórica, propõe pensar o fenômeno da direita brasileira a partir
da análise da tensão liberalismo-autoritarismo, que atravessa toda a nossa vida
política contemporânea. Utilizando-se da categoria de direita “plural”, caraterizada
por uma multiplicidade de experiências, Gentile tenciona demarcar num longo
voo interpretativo, que recobre desde a experiência da “ditadura republicana” de
matriz positivista à experiência atual da direita brasileira, a convivência ambígua
de elementos democráticos e permanências autoritárias.
Os dois últimos artigos que compõem o dossiê discutem a ação de um mesmo
personagem: Jair Bolsonaro. Pré-candidato à Presidência da República nas eleições
de 2018 pelo Partido Social Liberal (PSL), Bolsonaro vem apresentando, de acordo
com os grandes institutos de pesquisa (Datafolha, IBOPE, Voxpopuli), expressiva
capacidade de angariar votos em todas as regiões brasileiras. Sua força eleitoral
reflete indubitavelmente o recrudescimento das manifestações de direita no país,
assim como o compartilhamento de suas ideias e valores em relação a parcela
significativa da sociedade.
O trabalho “Direita, sem vergonha”: conformações no campo da direita no
Brasil a partir do discurso de Jair Bolsonaro, de Martin Maitino, busca elucidar, a
partir da análise dos discursos proferidos pelo referido deputado federal durante as
54ª e 55ª legislaturas e de algumas de suas entrevistas à mídia escrita e televisiva,
quais os valores e práticas que sustentam a sua ação política e quais aqueles que
cindem discursivamente os campos da esquerda e o da direita, que o mesmo julga
representar. Bolsonaro não é membro da “direita envergonhada”, a qual compôs
tipicamente parte significativa do parlamento brasileiro após a redemocratização.
Ao se apresentar como “direita sem vergonha”, abandonando eufemismos, seja
em suas narrativas, seja em suas práticas políticas, ele não só se distingue “em
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bourdieu, Pierre. La Distincion: critique sociale du jugement. Paris: Editions de Minuit,
1979.
Chaloub, Jorge; Perlatto, Fernando. Intelectuais da “nova direita” brasileira: ideias,
retórica e prática política. ANPOCS 2015. Disponível em: <http://www.anpocs.org/
portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=9620&Itemid=461>.
Acesso em: 10 jun. 2018.
Cruz, Sebastião Velasco et al. (Org.). Direita, volver!: o retorno da direita e o ciclo político
brasileiro. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2015.
Dardot, Pierre; L aval, Christian. A Nova Razão do Mundo: ensaio sobre a sociedade
neoliberal. São Paulo, Boitempo Editorial, 2016
Gonzaga, Maria Tereza. Conteúdos Ideológicos da Nova Direita no Município de São Paulo:
análise de surveys. Opinião Pública, Campinas, Vol. 6, n. 2, p. 187-225, 2000.
K einert, Fábio Cardoso. Cientistas sociais entre ciência e política (Brasil, 1968-1985).
Tese (Doutorado em Sociologia). São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, 2011.
Messenberg, Debora. A direita que saiu do armário: a cosmovisão dos formadores de
opinião dos manifestantes de direita brasileiros. Revista Sociedade e Estado, Brasília,
vol. 32, n. 3, p. 621-647, set./dez. 2017.
Ortellado, Pablo et al. Pesquisa manifestação política 12 de abril de 2015. Disponível
em: <http://gpopai.usp.br>. Acesso em 12 maio 2018.
Pierucci, Antônio Flávio. As bases da nova direita. Novos Estudos. CEBRAP, São Paulo,
n.19, p. 26-45, 1987.
. A direita mora do outro lado da cidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais,
São Paulo, v. 4, n.10, p. 46-64, 1989.
2018
12 Dmitri Cerboncini Fernandes e Debora Messenberg
Tatagiba, Luciana et al. “Protestos à direita no Brasil (2007-2015)”. In: Cruz, Sebastião
Velasco et al. (Org.). Direita, volver!: o retorno da direita e o ciclo político brasileiro.
São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2015, p. 197-212.
Telles, Helcimara de Souza. “O que os protestos trazem de novo para a política brasileira?”.
Em Debate, v. 7, n. 2, p. 7-14, 2015.
Plural 25.1
Entrevista
Revista Plural Você se interessa há muito tempo por interstícios que envolvem
história comparada, filosofia, sociologia, psicologia social etc. Seu livro Le siècle
des chefs1 é um grande exemplar desse exercício interdisciplinar que você vem
desenvolvendo. Nesse caso, você lidou com materiais de pesquisa mais tradicio-
nais, existentes em arquivos, bibliotecas, etc. Hoje em dia, você está estudando
os movimentos sociais contemporâneos, como os ocorridos no Brasil em 2013.
Quais seriam as principais diferenças de abordagem, emprego e uso de técnicas,
teorias e materiais em pesquisas como essas que você vem desenvolvendo?
Yves Cohen Por um lado, eu sempre considerei a herança de Marc Bloch do ques-
tionamento da história a partir do presente. Nunca abandonei uma presença no
PLURAL, Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.25.1, 2018, p.13-31
14 Dmitri Cerboncini Fernandes
Plural 25.1
Entrevista com Yves Cohen 15
Revista Plural Como você vê essas manifestações que você citou – a partir da
primavera árabe, passando pelos indignados e essas jornadas de junho no Brasil
–, que de certa forma mostraram uma crítica às instituições e à classe política de
uma forma geral, também talvez uma crítica a essa antiga forma de liderança?
De acordo com seus estudos, que abrangem o final do século XIX até hoje, você
conseguiria traçar alguma hipótese explicativa para esse tipo de modificação
de que você fala, com a qual as próprias ciências sociais não conseguem lidar?
Yves Cohen Em primeiro lugar, acho que não devemos, como muitos intelectu-
ais fazem, nos limitar aos Indignados, ao Occupy. Pois é um desenvolvimento
mundial. Na Tunísia, não queriam ser um movimento sem líder, eles se
perceberam assim, e então o reivindicaram. No Egito, a mesma coisa. Na
Turquia também; aliás, ali tratava-se de um objetivo tão pequeno quanto o
aumento de vinte centavos no Brasil: a preservação do Parque Taksim Gezi em
Istambul. No entanto, esse pequeno motivo provocou algo enorme, totalmente
inesperado por todos. E, mais uma vez, sem liderança, com uma maneira de se
organizar no próprio lo-cal, como em Kiev.
É preciso sair da ideia de considerar apenas os movimentos dos Indignados e
Occupy, caso contrário nos limitamos aos países da velha democracia. Se obser-
varmos esses movimentos sem líderes e sem partido no mundo, eles estão também
fora da Europa Ocidental. Estão na Europa Oriental, na Europa Meridional, e em
outros continentes. Então, há uma dinâmica mundial. Acho que, contrariamente
ao que você diz, ela não é anti-institucional. Ela coloca problemas específicos que
são deliberados pelas próprias pessoas (em um vocabulário antigo, pela própria
multidão). A multidão delibera ali mesmo ou pelas redes. Nas ruas, é claro, se for
possível permanecer ali. Ela delibera em torno dos objetivos, e os objetivos que
emergem são objetivos que reúnem centenas de milhares ou milhões de pessoas,
de maneira totalmente inesperada.
No século XX, dizia-se às pessoas tanto nas empresas, no exército, é claro,
mas também nos movimentos sociais e políticos: “É preciso se organizar, ter um
chefe”. É o que diz o “Que fazer?” de Lênin, de 1902. O bolchevismo é isso: os
bolcheviques devem ser chefes. “Precisamos de uma organização de chefes”, é o
que diz Lênin, exatamente como os outros.
Esses movimentos fazem uma crítica em atos de tudo isso. É claro que já
havia movimentos como o de Maio de 68. Mas em Maio de 68 nós tínhamos um
horizonte que era revolucionário, e a ideia era fazer uma revolução melhor do
que as outras (do que a soviética, do que uma revolução cultural antiburocrática
como a chinesa...). Eu acho que esse objetivo revolucionário não existe mais hoje.
2018
16 Dmitri Cerboncini Fernandes
Fala-se de revolução, mas não é a mesma, não é uma revolução de classes. É bem
diferente. E é uma crítica em atos. É por isso que não concordo com quem diz
que não deram em nada. Muitos dizem isso, que os movimentos das praças não
chegaram aonde queriam chegar. Mas não era o objetivo deles chegar a
alguma revolução. O objetivo era derrubar Ben Ali, derrubar Mubarak,
derrubar Yanukóvytch, impedir o aumento de vinte centavos nos transportes. E
era por isso que milhões de pessoas compareciam. Para além de objetivos
pontuais como esses, esses milhões já não comparecem mais! E é isso que nos
interessa, e que talvez não consigamos entender.
Revista Plural Poderíamos pensar então que são movimentos que são mais reação
ao estado de coisas, por exemplo a Mubarak, aos vinte centavos, a toda uma situ-
ação de constrangimento social de várias sociedades ao mesmo tempo, do que
manifestações de uma ação visando a transformação global do mundo?
Yves Cohen Sim, mas se você olhar as revoluções que funcionaram – 1789 na
França, 1917 de que muito se fala – eram reações também. Só que houve um mo-
mento em que surgiu a ideia de fazer uma constituinte, ou de se livrar da reale-
za dentro da dinâmica da revolução. No começo eram reações, inesperadas. Em
1917 também, era antitsarista, mas houve o partido bolchevique, que soube cap-
tar a dinâmica do acontecimento. E é isso que difere, e que abre um período ex-
tremamente interessante da política. Esses movimentos não querem destruir a
sociedade, não querem acabar com a democracia representativa. Eles querem al-
guma coisa, apenas. No entanto, isso é insuportável para o poder. Seria fantásti-
co se fosse possível que um processo como esse, que é democrático, mas de uma
democracia diferente, direta, conseguisse conviver com a democracia represen-
tativa. Mas o poder detesta isso, como o que aconteceu na Turquia. A dinâmi-
ca da ditadura turca se inicia no movimento do Parque Gezi. Putin, um dia após
a destituição de Yanukóvytch, que foge da Ucrânia, toma a Crimeia, para punir.
Ou seja, ele toma um território e provoca uma guerra no leste da Ucrânia. Então,
são reações extremamente violentas contra um movimento que dizem ser peque-
no e não ter chegado ao seu objetivo. E foi o Exército que aproveitou para termi-
nar. Veja no Egito. Duas vezes as pessoas voltaram a se manifestar. Se manifes-
taram uma vez, houve eleições e a Irmandade Muçulmana ganhou. Em seguida
voltaram a se manifestar, quando o Exército interveio para prender, matar e li-
quidar o movimento.
Então, temos uma reação extremamente violenta contra movimentos que,
eles próprios, não estão em uma dinâmica de violência. E é isso que é interessante,
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Revista Plural É interessante isso. Talvez por meio desse exemplo dos alunos secun-
daristas se compreenda bem isso que você está tentando dizer, essa mudança
de forma... Mas, de uma maneira ou de outra, fazendo uma provocação aqui:
contrapondo a essa visão de um certo horizontalismo formal que essas associa-
ções estão tomando no mundo, temos também algumas situações no Brasil que
são essas situações de concentração muito grande de poder, principalmente a
concentração midiática. E vemos que muito dos movimentos daquele momento,
de 2013 principalmente, que apareciam como movimentos que não conseguiam
mais suportar a corrupção, hoje praticamente inexistem. Houve talvez uma insu-
flação muito grande por parte da imprensa, uma imprensa comprometida com
uma agenda ou não... Como conciliar essa visão que de fato existe uma nova
horizontalidade em torno da forma desses movimentos e uma concentração de
poder, principalmente ideológico e econômico muito grande, de outro lado? Você
já pensou em alguma forma de lidar com essa interconexão, qual seria uma nova
forma de relação entre mídia e sociedade no mundo de hoje, em todos esses movi-
mentos, ou no Brasil em específico?
Yves Cohen É uma pergunta muito importante. Eu não estava no Brasil durante
as manifestações de junho, mas eu estive aqui depois e pesquisei bastante. Algo
me pareceu muito interessante. Justamente as questões da corrupção vieram
através da interrogação dos meios de comunicação. Mas os meios de comunica-
ção estão numa mesma situação que os poderes, ou seja, eles precisam de porta-
-vozes. Acho que essa é uma questão muito difícil de se resolver.
Mas há um outro aspecto que me parece importante. Movimentos se desenvol-
veram, que são anticorrupção, e de direita. Eles eram contra a corrupção porque
eram, na verdade, contra Lula e Dilma, e isso desde as manifestações de 2013.
Aliás, é uma das razões pelas quais o MPL se retirou das manifestações a partir
de um certo momento. Em primeiro lugar, porque eles tinham alcançado o
objetivo deles. Em segundo lugar, porque eles não sabiam o que fazer em um
movimento que propunha algo totalmente diferente.
E eu vi, nos anos seguintes, 2014, 2015, que houve manifestações contra a
corrupção que estavam, na verdade, aparentemente quase nos mesmos princípios:
“A democracia está nas ruas”. Aparentemente também sem chefe, sem partido, mas
uma vez que Dilma foi destituída, não havia mais nada.
Há uma coisa que é preciso pensar. Esses movimentos de rua, da maneira
como se desenvolveram na década de 2010, não são, finalmente, nem de direita nem
de esquerda. E isso cria um problema de interpretação. Porque, afinal de contas,
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É por isso que, de certa forma, os poderes, em democracias que não são
capazes de absorver isso – dou o exemplo da França, das velhas democracias – é
a força, o autoritarismo.
Revista Plural A fórmula estatal weberiana, do final do século XIX, que é sobre
o monopólio da violência...
Yves Cohen Exatamente. O uso máximo disso. Porque na França, a partir de um
momento, não é mais possível discutir.
O exemplo que eu vou dar, da França, é um exemplo muito interessante, dessa
captação dos movimentos pela democracia. É o atentado ao Charlie Hebdo, no dia
7 de janeiro de 2015. Houve uma mobilização, lançada no Facebook por jornalistas,
marcada para as 17 horas na praça da República. Dezenas de milhares de pessoas
se encontraram na praça. Então aí também, sem líder, sem partido, sem orga-
nização, e foi extraordinário. Extraordinariamente emocionante, uma bondade
recíproca, uma inventividade! As pessoas inventaram slogans, como Liberté des
Crayons (“liberdade dos lápis” – um trocadilho com liberté d’expression), On
n’a pas peur (“não temos medo”), ou Pas d’amalgame (“Sem amálgama”), que
significa não confundir muçulmanos com islamistas. A própria praça inventava
palavras de ordem. Foi realmente emocionante. E durou horas, certamente 100 ou
150 mil pessoas participaram. E eu acho que foi, em grande parte, graças à força
dessa praça que François Hollande decidiu fazer uma manifestação no dia 11 de
janeiro. Quer dizer, houve, além disso, os atentados do dia 9 de janeiro. Mas uma
democracia como a democracia francesa foi capaz de perceber o que acontecia e
transformá-la em uma operação. Isso é uma coisa interessante no último livro de
Boltanski e Chiapello, “O novo espírito do capitalismo”,2 porque uma das teses do
livro é que o capitalismo foi capaz de incorporar a crítica (ele fala de crítica social
e artística) do capitalismo e também, aliás, a crítica da autoridade. E é verdade que
o capitalismo, por sua vez, experimenta formas de cooperação e colaboração que
são menos hierárquicas. É claro que quando o mestre, e não dezenas de milhares
de pessoas, nos diz “libertem-se”, nós suspeitamos. Mas mesmo assim, há uma
reação, para se adaptar a isso.
Revista Plural Mesmo lá dentro dos escritórios, hoje em dia, é muito bem vista
essa questão de “não, não somos mais chefes, todos somos colaboradores”. Ainda
2 Bolstanki, Luc; Chiapello, Ève. O Novo Espírito do Capitalismo. São Paulo: Editora WMF Mar-
tins Fontes, 2009.
Plural 25.1
Entrevista com Yves Cohen 21
que, materialmente, as coisas ainda não funcionem assim, pelo menos é algo que
perpassa o espírito de época, e as pessoas querem viver esse tipo de horizonta-
lidade também.
Você acha que, no meio disso tudo, existe ainda algum tipo de especificidade
nesses movimentos em termos de o que viria a ser uma esquerda, o que viria a
ser uma direita? Ou isso já se confundiu muito, de acordo com essas pautas que
foram aparecendo? Por exemplo, na Europa tem a questão dos atentados. Como se
movimenta a esquerda em relação a esses movimentos sociais, em relação a essas
pautas, a essas agendas? E no Brasil, seria possível dizer que existe uma esquerda
e uma direita muito específicas, onde se vê a defesa de pautas e de agendas? Há
uma possibilidade de isso se converter em movimentos, ou é aquilo mesmo que
você disse: uma esquerda tradicional um tanto quanto perdida naquela multidão,
sem saber direito como se colocar, com aquelas formas de ação provenientes de
outras formas de organização? Como você vê essa questão desse geografismo
social em se colocar o mundo entre esquerda e direita dentro desse novo contexto?
Yves Cohen Eu acho, em primeiro lugar, que nós estamos acostumado a querer
classificar entre direita e esquerda e estamos acostumados a refletir sobre o des-
tino da esquerda. Nós somos de esquerda. E, principalmente, “eu sou de esquer-
da, porque não sou de direita”. E a esquerda tem sido extremamente decepcio-
nante nesses últimos anos; é o caso da França e, evidentemente, do Brasil. O que
significa “de esquerda” no Brasil quando o Partido dos Trabalhadores foi o orga-
nizador – não o primeiro, talvez não o mais esperto – da corrupção a altíssimos
níveis? A questão é: o que significa manter-se de esquerda hoje? É aí que será ne-
cessário pensar, e pensar muito, e pensar em função de uma realidade que nos
escapa completamente, inclusive a nós, pesquisadores de ciências sociais. Admi-
tamos que seja necessário respeitar a democracia representativa porque não há
outra. Eu permaneço otimista, porque vejo que há uma dinâmica em outro lugar,
que não se define em termos de direita e esquerda. Que se define, aliás, talvez por
valores que são o fundamento da esquerda: a solidariedade e a igualdade. Acho
que há uma renovação do valor de igualdade que é fantástico. Bom, eu tenho uma
formação francesa, da igualdade de direitos, de 1789, “Todos os seres humanos
nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Mas a igualdade de direitos, nós
vimos no desenvolvimento dos séculos XIX e XX: talvez haja uma igualdade dos
direitos do cidadão, mas há uma desigualdade fundamental econômica e tam-
bém do jogo político. Por milhares de razões. E é essa desigualdade que se tornou
totalmente insuportável. Há uma nova concepção da desigualdade em que não se
suporta mais que possa haver desigualdade por razões econômicas, etc. Há uma
2018
22 Dmitri Cerboncini Fernandes
Plural 25.1
Entrevista com Yves Cohen 23
Revista Plural Na esquerda, tudo bem, posso concordar, mas e na direita? Por
exemplo, o Front National, e talvez a direita brasileira? Essa direita da França
2018
24 Dmitri Cerboncini Fernandes
é algo que talvez no Brasil não haja algo similar. Mas de uma forma ou de outra,
você acha que aqui essa direita se organiza de uma maneira....
Yves Cohen É muito complicado. Mesmo na França, é mais complicado do que
isso. Uma das coisas que fortaleceram o voto em Le Pen foi também um protes-
to. Para muitas pessoas, uma vontade de protestar que já não havia na França, e
eles a encontraram ali.
Revista Plural Não seria uma direita autêntica? Não são direitistas autênticos
que foram votar nela então?
Yves Cohen Claro que há um núcleo de direita. Mas há uma parte do eleitorado
que são comunistas ou socialistas. E há outro aspecto: nós vemos muito os popu-
listas, os racistas e os nacionalistas, inclusive nas ruas, e muito se fala disso. Mas
há muita gente nas cidades e nos vilarejos que, quando são confrontadas com a
chegada de refugiados, está mais para atos de solidariedade, de generosidade, de
se abrir e se organizar para ajudar. Então há também milhares de práticas locais
que são quase invisíveis. Tem um caso famoso na França de um agricultor que,
na fronteira italiana, organiza a passagem da fronteira italiana até a França, e foi
processado. Mas esses movimentos a gente vê menos. Às vezes, as mesmas pes-
soas votam em Le Pen e ajudam a abrir ginásios para abrigar refugiados, quan-
do são confrontados com situações concretas. O que ocorre é que Le Pen dá um
nome ao protesto deles. Mas acho que ainda nos confrontaremos muito com isso.
Porque as ondas migratórias e de refugiados apenas começaram. Então nos con-
frontaremos com isso continuamente, e com tentativas de identificação e de for-
talecimento de políticas identitárias.
Plural 25.1
Entrevista com Yves Cohen 25
sados nas antigas figuras de liderança, precisam de uma pessoa como as citadas
para organizar suas demandas? Com esse tipo de modificação desses movimentos,
eles podem gerar esse tipo de político a ser eleito por conta de demandas espe-
cíficas do país, de medos, de questões que emergem?
Yves Cohen Eu não acho. Veja, o eleitorado de Trump é de fato um eleitorado
de pessoas esmagadas pela economia, pessoas pobres, e que são esmagadas por
Trump também. Mas é também esse eleitorado racista; quando vemos o que ele
manifesta, a gente vê o Ku Klux Klan. Não é uma organização nova e portadora
de ideais igualitários. É isso que se vê, é a referência nazista.
Uma coisa que me interessa, que tento refletir junto com outras pessoas, é
justamente a que preço, e como esses movimentos conseguem ser inventivos. E
isso supõe uma capacidade de deliberação. Eles têm essa capacidade. Quando eles
se instalam em uma praça, quando se encontram todos os dias no mesmo lugar,
quando debatem na internet etc. há uma capacidade de liberação que é muito
mais forte do que simplesmente as formas organizadas hierárquicas tradicionais.
Há uma forma de co-presença de pessoas que são muitas vezes de origens sociais,
raciais e políticas muito variadas, e logo uma dinâmica de debate que, na minha
opinião, não costuma conduzir a manifestações racistas etc. Claro, isso pode
acontecer também. Na França há manifestações de direita que foram muito bem
sucedidas. Manifestações contra o casamento para todos (mariage pour tous),
por exemplo. Manifestações organizadas, no final das contas, pela igreja ou por
pessoas próximas à igreja, que deram muito certo e reuniram milhões de pessoas.
E fizeram o governo recuar. Ou seja, na França, a manifestação de rua de direita
pode ganhar, também. Evidentemente é o caso de outros países. Mas eu não acho
que, neste caso, tenhamos essa mesma característica de “multidões razoáveis”,
de pessoas que aprendem a se falar na confrontação. Isso supõe condições muito
precisas de poder, coabitar ou ocupar locais. Muitas vezes não é o caso. Aliás não
era o caso das manifestações de junho, que eram manifestações esporádicas. O
movimento de junho não ocupou o vão do MASP.
Acho que é essa a reflexão que devemos ter. Até que ponto as multidões não
são multidões demoníacas de Le Bon, mas são multidões razoáveis. No fundo, são
multidões da economia moral de E. P. Thompson, na qual podemos ter reivindi-
cações categoriais, como a de camponeses que querem manter o preço do trigo e
impedir a especulação...
2018
26 Dmitri Cerboncini Fernandes
Revista Plural Nesse aspecto, você acha que esse tipo de multidão estaria mais
próximo de ocupar um espaço de uma democracia direta do que servir de uma
massa amorfa para ser manipulada por um lado ou outro?
Yves Cohen Sim. Justamente, esses movimentos não são manipuláveis. Além dis-
so, eles desaparecem muito rápido, já que eles só existem porque têm uma rei-
vindicação muito específica. Então, uma vez que são bem sucedidos... E muitas
vezes foram, mas não sempre. Por exemplo, houve um movimento desse tipo na
Bulgária, contra o governo búlgaro. Um movimento da rua também, em que as
pessoas ocuparam as ruas durante dois meses, no verão de 2013, exclusivamen-
te por efeito das redes. E não foram bem sucedidos.
Então são movimentos que, por definição, justamente por não serem insti-
tucionalizados – o que não é um defeito, na minha opinião – não podem ser
instrumentalizados. Eles tampouco têm uma repercussão eleitoral. Aliás, quais
foram as eleições depois das manifestações de 2013?
Revista Plural Você estudou, no seu livro Le siècle des Chefs, formas específicas
de autoridade, e autoritarismo também, que poderia ser o exercício desse tipo
de autoridade em certas sociedades. Você acha que hoje, na história presente,
existem alguns tipos de certo autoritarismo que nós poderíamos comparar com
antigamente, para entendermos a especificidade dele na atualidade? Ou você
Plural 25.1
Entrevista com Yves Cohen 27
acha que aquele tipo de autoritarismo é algo que diz respeito àquelas sociedades,
e a gente não poderia fazer qualquer espécie de comparação hoje?
Yves Cohen Aparentemente, o que acontece é que os autoritarismos de hoje em
dia não são de movimentos como o fascismo ou o nazismo. Há o caso da Vene-
zuela, em que o autoritarismo está a ponto de se transformar em uma ditadura
a partir de uma dinâmica socialista, no fundo. Mas o que é interessante, mesmo
aqui, é que muitos dizem que isso é uma ditadura. Mas não é. Mesmo se possa-
mos dizer que houve um golpe de Estado legal. Certamente. Mas não é uma di-
tadura.
E no entanto, há formas muito próximas que designam muito bem o autori-
tarismo nessa forma de suposta legalidade. Aliás, estive em Belo Horizonte, onde
há uma exposição: “Desconstruindo a memória da ditadura”, na UFMG. É uma
pequena e notável exposição sobre a ditadura, cheia de invenções museológicas
e museográficas. Mas houve, não sei de que forma, uma proibição de se fazer a
divulgação, e mesmo de se fazer cobertura jornalística sobre essa exposição. Ela
existe, está aberta, pode ser visitada mas é proibido fazer qualquer cobertura dela.
O que é isso? Pelo governo Temer, claro. Estamos tipicamente em uma forma de
autoritarismo, que não é ditadura. Ninguém é preso, não há processo, não há
violência física. E, no entanto, há algo incrível, que é a proibição da imprensa “livre”
de fazer qualquer cobertura ou divulgação.
Na Turquia é muito mais grave, porque tem milhares de prisões, inclusive
de intelectuais que tinham simplesmente se correspondido com alguém, ou nem
isso. Há dezenas de milhares de professores que estão sendo perseguidos. E neste
caso, também, pode-se dizer que é totalmente legal, há uma Constituição que foi
aprovada. Estamos num totalitarismo que não é necessariamente baseado em um
movimento fascista. Há um totalitarismo que se reivindica como sendo da ordem,
da constituição. Já o caso brasileiro é muito misterioso, pois há um impasse polí-
tico terrível. Um impasse que se constituiu pela desagregação da política e pelo
poder de esquerda também.
2018
28 Dmitri Cerboncini Fernandes
lidar com essa nova forma de movimento político, ou você acha que nenhum dos
espectros políticos está conseguindo lidar bem com essa nova forma de movi-
mento social?
Yves Cohen Claramente, no Brasil a direita tentou captar isso. No Brasil, esses
movimentos não são nem de direita nem de esquerda. São movimentos cujas for-
ças vêm de outro lugar, de um objetivo deliberado livremente etc. Então é cla-
ro que a direita tenta captar esses movimentos. E é um momento difícil para a
esquerda no Brasil. Porque a direita evidentemente orientou esses movimentos
contra o governo para fazer deles um movimento político contra o governo. E fi-
nalmente foi de fato um movimento fortemente dedicado ao impeachment de
Dilma. E a esquerda estava num estado completamente incapaz de reagir.
Revista Plural Essa questão é baseada em uma frase que o Pierre Bourdieu disse,
se não me engano, no livro “Sobre a televisão”. Ele diz que a esquerda estaria a
umas seis revoluções simbólicas atrás dos instrumentos que o Estado e a direita
conseguiram estabelecer como uma espécie de uma doxa no mundo. Não sei se
você concorda.
Yves Cohen É uma ideia muito boa, com alguns pontos fracos. Por exemplo, a rua
nunca assustou a direita. A direita sempre foi às ruas.
Na França houve, recentemente, um livro publicado por um historiador cujo
título era “A esquerda vai desaparecer?” de André Burguière.3 É essa ideia, mais
uma vez, de sentimento de perda da esquerda. Acho que há, na frase de Bourdieu,
a mesma ideia. De que se a esquerda estiver perdida, não há outra solução.
E é justamente o contrário disso que eu acho que os movimentos dos anos
2010 mostram. Uma outra possibilidade. Que é uma possibilidade de outro social,
outro político para além daquele definido pela oposição esquerda – direita. É tão
difícil pensar pela direita quanto pela esquerda. A direita gostaria de transformar
isso em algo de direita, já que não é nem de esquerda, nem de direita. E a esquerda
não consegue. É o que aconteceu em maio de 68. Houve um momento em que
não havia mais poder estabelecido, no final do mês de maio. Dois dias antes de
De Gaulle deixar a França para ir à Alemanha ver o que o Exército poderia fazer
e ser mandado de volta para a França pelo general Massu – que disse que ali era
o lugar em que De Gaulle deveria estar –, houve a famosa reunião no estádio
Charletty. Foi uma reunião organizada pelo partido socialista; um tipo de convite
ao movimento de 68, nos seguintes termos: Juntem-se a nós e ganharemos. Pois
Plural 25.1
Entrevista com Yves Cohen 29
2018
30 Dmitri Cerboncini Fernandes
Ainda que tudo isso esteja muito em disputa, será que talvez, em última
instância, não tenha uma força soprando, uma força maior do que imaginamos,
por meio dos tentáculos dessas organizações? E quanto elas não podem desar-
ranjar todo esse potencial que essa forma de democracia direta que vem se
desenhando pode vir a ter?
Yves Cohen Essa é uma das principais questões, e seria necessário que esses mo-
vimentos, essa dinâmica, se coloquem em uma escala muito ampla também. Evi-
dentemente, esses think tanks não são apenas americanos, mas internacionais
(como Bilderberg, Davos...). Há, de fato, uma porção de lugares em que o capita-
lismo pensa a sua estratégia.
Mais uma vez, é preciso ousar pensar a novidade dessa dinâmica. Por exemplo,
eu acho que os altermundialistas foram muito importantes nessa dinâmica que
conduziu a esses movimentos de Porto Alegre4 etc. Foram lugares de reflexão muito
menos organizados do que seus opostos.
E eu acho que, mais uma vez, a gente não vê tudo. Como fazer? Acho que é
preciso manter a não institucionalização desses movimentos. E isso é um enorme
desafio. Pois uma das coisas a qual estamos acostumados a pensar é que é neces-
sário institucionalizá-los. Eu acho que não, porque neste caso, justamente, passa-se
para o outro lado.
Uma coisa interessante é que muito se diz que são revoluções da era das redes,
do Facebook etc. Mas se isso é possível, é porque estamos em uma época que pode
refletir sobre o passado dos movimentos do século XX. As ferramentas de rede
oferecidas pela internet são absolutamente fantásticas, e têm diversos usos. Se
não houvesse essa reflexão em atos... Aliás, a internet contribui para essa forma
de igualdade não somente pelo fato de podermos nos comunicar e nos colocar em
rede, mas porque podemos acessar formas de saberes. Isso é notável no área da
medicina. Há uma porção de associações, de usuários da medicina que compar-
tilham saberes e se tornam interlocutores da medicina, e isso acontece em largas
escalas. Então é possível que haja coisas acontecendo em grandes escalas para
além das formas de existência às quais estávamos acostumados anteriormente.
É claro que o capitalismo é muito poderoso, inclusive em sua capacidade de
integrar a crítica que lhe é feita. Mas o social age de maneira inventiva, inclusive
desta forma que mencionei, e nessa escala muito ampla. Mas eu sou incapaz de
aprofundar, este não é meu principal tema de pesquisa. Dito isso, esse pode ser
o papel dos intelectuais. Hoje eles não têm um grande papel, grosso modo, eles
Plural 25.1
Entrevista com Yves Cohen 31
têm as mesmas posições que a extrema esquerda, e não compreendem muito bem
o que está acontecendo. Eles gostariam que as coisas ocorressem de outra forma,
se perguntam por que esses movimentos não vão mais longe. Mas o que podemos
fazer, e que eu tentei fazer com uma colega socióloga em Paris, é nos reunirmos em
presença de atores reflexivos desses movimentos. É preciso experimentar formas
de encontro e de experiências. Porque pertencemos a instituições que podem pagar
viagens e facilitar encontros pessoais. É muito difícil, tanto mais porque a história
acontece rapidamente.
2018
Artigo
GOLPE NA CULTURA
Intelectuais, universidade pública e contextos de crise no Brasil1
COUP IN CULTURE
Intellectuals, public university and crisis contexts in Brazil
Maria Arminda do Nascimento Arrudaa
Abstract The article analyzes the relations between humanistic and cultural subjects
in the context of the current Brazilian crisis, which deepened the weakness of
public institutions of higher education in Brazil. It also reflects on the impact of the
transformation of the modern cultural canon in this area of knowledge, to which the
weakening of the institutional sphere is added. In this perspective, it draws attention
to the impasses of the area, both from the process of appreciation of the technical
and experimental domain, as well as the professions directly linked to the market,
which produce new challenges to the knowledge geared to the treatment of social
phenomena and culture compelled to rethink their analytical framework and their
consolidated research problems.
Keywords University; Culture; Crisis.
1 Este texto resulta de exposição realizada em seminário organizado pelo Grupo de Estudos de
Sociologia da Cultura: Objetos e Perspectivas, que reúne estudantes da Pós-Graduação em So-
ciologia da USP, em 9/12/2016. Por essa razão, o artigo aproxima-se do estilo oral da exposição.
Preservei, também, o tema proposto, expresso no título.
a Professora titular do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo.
PLURAL, Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.25.1, 2018, p.32-44
Golpe na Cultura – intelectuais, universidade pública e contextos de crise no Brasil 33
2018
34 Maria Arminda do Nascimento Arruda
3 O artigo J’accuse, publicado por Zola, no jornal e L’Aurore, em 13/1/1898, a respeito do episódio,
é considerado um marco na construção da imagem do intelectual defensor de causas públicas.
O acontecimento selou uma aliança entre a imprensa de opinião e a intelectualidade francesa.
Nesse sentido, representa uma clivagem na história dos intelectuais e da imprensa. No Brasil, a
enquete realizada pelo jornal O Estado de São Paulo, denominada Plataforma da Nova Gera-
ção, nos anos 1943-1944, sob a coordenação de Mário Neme, com 29 representantes da geração
emergente de intelectuais, entre os quais os jovens acadêmicos da revista Clima, pode ser visto
como uma espécie de manifesto da intelectualidade nascente. Cf: Pontes (1998), especialmente,
capítulos 2 e 4.
4 A minha perspectiva de análise sobre a universidade tem como referência a Universidade de São
Paulo – USP – na qual sou professora e venho ocupando cargos de direção. Creio, no entanto,
que por ser a instituição de referência no Brasil, permite que seja tomada como modelo para
tratar dos problemas atuais dessas instituições de ensino superior. Esclareço, no entanto, que
as minhas considerações se restringem às instituições públicas.
Plural 25.1
Golpe na Cultura – intelectuais, universidade pública e contextos de crise no Brasil 35
5 Em vários trabalhos, Sérgio Miceli explorou em diversos ângulos o problema. Cf: Miceli, (1979);
(2001).
2018
36 Maria Arminda do Nascimento Arruda
6 Para Roberto Schwarz, nesse período, o país estava “irreconhecivelmente inteligente”. (Schwarz,
1987). Ver também o ensaio citado, “Nunca fomos tão engajados”, de 1999.
7 Processo semelhante de institucionalização ocorreu com as artes, uma vez que “a arte con-
temporânea quase não existe sem um texto assinado ... por um especialista”. Essas mudanças,
segundo a socióloga Nathalie Heinich, correspondem à passagem de “uma arte ‘orientada pelo
mercado’, para uma arte ‘orientada pelo museu”’. (Heinich, 2014, p. 379-381).
Plural 25.1
Golpe na Cultura – intelectuais, universidade pública e contextos de crise no Brasil 37
2018
38 Maria Arminda do Nascimento Arruda
8 Advirto que utilizo noções substantivas para referir-me às áreas disciplinares, bem como às
instituições, apenas para encaminhar o raciocínio. Não desconheço que se trata da ação de
atores situacionalmente posicionados.
Plural 25.1
Golpe na Cultura – intelectuais, universidade pública e contextos de crise no Brasil 39
2018
40 Maria Arminda do Nascimento Arruda
10 Um balanço sobre os estudos da Formação, Cf: Arruda, Maria Arminda do Nascimento, 2018; sobre a
sociologia da cultura, idem, 1.
Plural 25.1
Golpe na Cultura – intelectuais, universidade pública e contextos de crise no Brasil 41
a cultura está ameaçada, porque as condições econômicas e sociais nas quais ela
pode se desenvolver estão profundamente afetadas pela lógica do lucro nos países
avançados, onde o capital acumulado, condição da autonomia, já é importante,
e, a fortiori, nos outros países (Bourdieu, 2001, p. 81).
2018
42 Maria Arminda do Nascimento Arruda
Plural 25.1
Golpe na Cultura – intelectuais, universidade pública e contextos de crise no Brasil 43
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
2018
44 Maria Arminda do Nascimento Arruda
Plural 25.1
Artigo
Marcelo Ridentia
Resumo Apesar de envolver toda a sociedade, a dinâmica social e política da crise por
que passa a democracia brasileira é dada pelas lutas sociais que mobilizam as classes
médias escolarizadas. Um forte indício nesse sentido está na composição social das
manifestações de rua a partir de 2013 e outros dados analisados no artigo, como o
acesso crescente ao ensino superior, resultado de mudanças culturais e simbólicas nos
últimos anos, sem que tenham ocorrido transformações estruturais. Essas mudanças
ajudam a compreender a polarização política em curso que ameaça a democracia.
Palavras-chave crise da democracia; governos Lula; governo Dilma Rousseff; manifestações
de rua pós-2013; classes médias escolarizadas.
Abstract Despite the fact that it involves the whole of society, the social and political
dynamics of the present crisis of Brazilian democracy is due to the social struggles
that mobilize the middle classes with access to higher education. A strong indication in
this sense is the social composition of the street demonstrations from 2013 and other
data analyzed by the article, such as the increasing access to higher education, that
result from the cultural and symbolic changes in recent years, even if no structural
transformation had taken place. These changes help understand the ongoing political
polarization which threatens democracy.
Keywords democracy crisis; Lula government; Dilma Rousseff government; post-2013
street demonstrations; middle classes with access to higher education.
PLURAL, Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.25.1, 2018, p.45-62
46 Marcelo Ridenti
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Agradeço aos organizadores do seminário pela iniciativa e pela oportunidade
de diálogo nesta noite, buscando compreender aspectos do que se vem passando
na sociedade brasileira.1 Sem pretender dar conta de toda a complexidade da
situação, gostaria de colocar algumas ideias que possam contribuir para o debate.
MUDANÇAS?
Não parece que tenhamos vivido grandes mudanças estruturais na sociedade
brasileira neste século XXI. Nem mesmo os governos liderados pelo Partido dos
Trabalhadores (PT) conseguiram implementar reformas de fundo na organização
econômica, social e política do Brasil. Não foram realizadas reformas como a
agrária, do sistema de tributação, do poder judiciário, de democratização da mídia,
do sistema político. A conformação institucional do país segue sendo – no essen-
cial – aquela estabelecida nos anos do regime militar, mesmo após a chamada
“constituição cidadã” de 1988, que criou uma série de direitos sociais.
Particularmente nos governos de Lula da Silva (2003 a 2010) e Dilma Rousseff
(2011 a 2016), mesmo sem reformas estruturais, foram ampliados significativa-
mente os mecanismos compensatórios de assistência social, como o bolsa família,
as farmácias populares, os programas “luz para todos” e “minha casa, minha vida”,
e ainda melhoraram o acesso à saúde e especialmente ao ensino, inclusive o superior,
que – apesar de sua qualidade questionável – se tornou mais permeável também
aos mais pobres e aos não brancos. As medidas compensatórias e a expansão
econômica permitiram a relativa melhora salarial e de condições de vida dos de
baixo. Os referidos governos tenderam a optar por políticas passíveis de encontrar
menor resistência política, pretendendo conciliar interesses contraditórios, sem
afrontar o sistema, antes buscando desenvolver o capitalismo brasileiro com muito
financiamento público e o reforço do mercado interno. A seu modo, trataram ainda
de incorporar os despossuídos na pauta política institucional, buscando integrá-
-los melhor à ordem estabelecida.
Tudo isso ajudou a tirar setores populares significativos da situação de miséria
absoluta e a gerar alguma ascensão social, bem como a gerar enormes expectativas
em relação ao futuro, otimismo que era compartilhado pelas classes dominantes,
Plural 25.1
Mudanças culturais e simbólicas que abalam o Brasil 47
2018
48 Marcelo Ridenti
Plural 25.1
Mudanças culturais e simbólicas que abalam o Brasil 49
Gráfico 4. Manifestações no Brasil – Renda (Fontes: DataFolha, 2016, em São Paulo; IBO‑
PE, 2013, no Brasil).
2018
50 Marcelo Ridenti
diferenciados que levaram tanta gente das camadas médias escolarizadas às ruas
nos últimos tempos, em atos com sentidos políticos diferentes.
Essas manifestações expressam um processo cultural que vem ao menos desde
o fim dos anos 1950, que foi acelerado no novo século. Ele envolve ao mesmo tempo
a democratização (expansão do acesso à educação e à cultura), e a massificação
(submissão à racionalidade da sociedade produtora de mercadorias), no contexto
de modernização periférica, com a ampliação do público e do mercado cultural,
com a generalização da lógica produtiva de bens simbólicos da indústria cultural.
Plural 25.1
Mudanças culturais e simbólicas que abalam o Brasil 51
2018
52 Marcelo Ridenti
Gráfico 7. Taxa de evasão no ensino superior presencial (Fonte: Mapa do Ensino Superior
no Brasil – 2015)3.
Plural 25.1
Mudanças culturais e simbólicas que abalam o Brasil 53
Gráfico 8. Origem dos universitários no Brasil (Fonte: Censo da Educação Superior 2013)4.
Gráfico 9. Distribuição étnica no Brasil - Alunos do Ensino Superior (Fonte: Censo E. Su‑
perior 2013); População em geral (Fonte: Censo IBGE, 2010).
4 Acesso e Permanência no Ensino Superior, José Francisco Soares (Presidente do INEP), http://portal.
mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=17199-cne-forum-educacao-supe-
rior-2015-apresentacao-10-jose-soares&Itemid=30192. Consulta realizada em 3 de dezembro de 2017.
2018
54 Marcelo Ridenti
Tabela 1. Maiores grupos educacionais privados do Brasil (Fonte: Hoper Educação; Folha
de S. Paulo, 29/06/2017, p. A24).
Receita líquida Matrículas Participação no
(em milhões de reais)* em 2016** mercado (%)
Kroton
(inclui Anhanguera, Unopar, Fama, 5.244,70 877.033 14,4
Pitágoras, Uniderp)
Estácio
3.184,50 436.300 7,2
(inclui Uniseb)
Unip 2.641,60 403.358 6,6
Laureate
(inclui Anhembi-Morumbi, FMU, 2.111,40 245.921 4,1
UniNorte)
Ser Educacional
1.125,40 137.194 2,3
(inclui Univeritas)
Uninove 810,40 131.733 2,2
Cruzeiro do Sul Educacional 573,20 102.286 1,7
Anima 1.076,30 85.138 1,4
Devry 800,00 75.000 1,2
Unicesumar 379,00 66.960 1,1
TOTAL DO SETOR PRIVADO 54.874,70 6.071.429
*estimativa; **presencial e à distância.
Plural 25.1
Mudanças culturais e simbólicas que abalam o Brasil 55
Gráfico 10. Contratos firmados – FIES, em milhares (Fonte: Mapa do Ensino Superior no
Brasil, 2015)5.
2018
56 Marcelo Ridenti
tamento do Ipea para 2009 (com base no Pnad/IBGE). Muitos deles deverão estar
nos bancos escolares nos próximos anos, outros serão “nem, nem” (nem escola,
nem trabalho). Seja como for, há uma tendência à mudança na escolaridade da
população e no perfil dos trabalhadores, cada vez mais escolarizados e com acesso
crescente à tecnologia nas comunicações e na cultura, apesar dos limites quali-
tativos do processo.
Um outro aspecto muito notado, com fortes implicações simbólicas, tem sido
o aumento no número de passageiros em voos pelo Brasil, que foi da ordem de
170% em dez anos, a contar de 2004. Uma pesquisa da Secretaria de Aviação Civil
apontou que 117 milhões de passageiros voaram de avião em rotas nacionais em
2014, conforme matéria do R7 Notícias, de 22/10/2015.7
O rápido aumento do número de brasileiros com acesso à internet também
é expressivo das mudanças culturais e simbólicas em curso. Houve um salto de
7 http://noticias.r7.com/brasil/numero-de-passageiros-em-voos-pelo-brasil-cresceu-170-em-
-dez-anos-22102015 Consulta realizada em 3 de dezembro de 2017.
Plural 25.1
Mudanças culturais e simbólicas que abalam o Brasil 57
35 para 120 milhões de pessoas nesse quesito, entre 2006 e 2014, conforme os
dados a seguir:
8 Disponível em http://especial.g1.globo.com/fantastico/pesquisa-de-opiniao-publica-sobre-os-
-manifestantes/. Consulta realizada em 01 de fevereiro de 2017.
2018
58 Marcelo Ridenti
Gráfico 14. Uso dos meios de comunicação no Brasil, 2015 (Fonte: Brasil. Presidência da
República. Secretaria de Comunicação Social. Pesquisa brasileira de mídia 2015: hábitos
de consumo de mídia pela população brasileira. – Brasília: Secom, 2015 (IBOPE, mais de
18 mil entrevistas)9.
9 http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-
-de-contratos-atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2015.pdf. Consulta realizada em 3 de
dezembro de 2017. Todas as referências a esse relatório aparecem entre parênteses, no texto,
como “Brasil, 2015”.
Plural 25.1
Mudanças culturais e simbólicas que abalam o Brasil 59
mais ricos: 76% dos que têm renda familiar acima de 5 salários mínimos. O uso é
mais frequente quanto maior o porte do município. No geral, cada usuário acessa
a internet em média quatro horas e 59 minutos no meio de semana e 4 horas e 24
minutos nos finais de semana. 67% dos usuários afirmam usar a internet para se
informar (Brasil, 2015: 49-64).
Esses indicadores ajudam a entender, por exemplo, a disputa pela cobertura
das manifestações de rua de junho de 2013, que questionaram a imprensa, radio-
fônica e televisiva, identificando nela uma conivência inaceitável com a ordem
estabelecida. Cenas de hostilidade a esses meios foram frequentes, como ataques
a veículos de redes de televisão. A surpresa com os acontecimentos e a necessidade
de competir com as mídias sociais pela informação gerou uma cobertura inédita
da imprensa escrita, do rádio e sobretudo da televisão, que se sentiram amea-
çados pelo uso da internet e trataram de intervir, buscando influenciar os rumos
do movimento. As longas horas ao vivo, dedicadas pelas principais emissoras de
televisão, especialmente após as manifestações de rua expressivas nas principais
cidades em 17 de junho, em parte mudaram o viés preconceituoso das primeiras
coberturas. Elas provavelmente colaboraram para a presença maciça de pessoas
nas ruas nos dias seguintes, até quase o final do mês. Assim como ajudaram a
mobilizar as massas em favor do impeachment da presidente Dilma em 2016.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No conjunto, os dados apresentados apontam para mudanças culturais e
simbólicas expressivas no século XXI, com a ampliação do acesso à educação e à
cultura na era digital, mas de modo massificado. E a estruturação da sociedade
brasileira praticamente não mudou: os lugares sociais são os mesmos e cada vez
mais disputados. A competição é crescentemente acirrada por vagas nas univer-
sidades de qualidade, lugares privilegiados no mercado de trabalho, postos no
aparelho de estado, com forte disputa por distinção e prestígio social.
A promessa de ascensão social pelo ensino e a inclusão social pelo consumo
– inclusive de bens culturais – geraram muitas esperanças e expectativas nos
primeiros anos do século, mas logo seu caráter ilusório se revelou, gerando
insatisfação crescente, em especial nos meios intelectualizados. A frustração
generalizou-se quando foi ficando claro que as expectativas não se realizariam.
Daí as grandes manifestações de rua de 2013 e as que se seguiram, mobilizando
sobretudo os setores mais escolarizados. Imbricaram-se o desejo irrealizado de
ascensão, realização e reconhecimento dentro da organização da sociedade como
ela é, com certa insatisfação com a mercantilização universal da vida cotidiana
2018
60 Marcelo Ridenti
Plural 25.1
Mudanças culturais e simbólicas que abalam o Brasil 61
2018
62 Marcelo Ridenti
Plural 25.1
Artigo
Resumo O presente artigo parte de uma reconstrução do debate teórico sobre a ascensão
da direita conservadora, marcado pelas dicotomias ação/estrutura, local/global e
política/economia, para defender uma abordagem que pense a articulação entre essas
dimensões através de um olhar estrutural para as novas modalidades de mobilização
e circulação internacional de elites locais. Através dessa operação, eu procuro mostrar
como essas novas modalidades de atuação internacional ajudam a constituir uma nova
posição no espaço de produção e difusão de conhecimento, na figura dos Think Tanks.
No entrecruzamento de lógicas distintas, os Think Tanks passam a disputar espaço
com as instituições de ensino superior, em particular as universidades públicas de
pesquisa, que viveram um processo de democratização a partir dos anos 2000, período
que coincide, justamente, com a crescente expansão e legitimação dos Think Tanks na
América Latina. Assim, procuro mostrar como essas novas modalidades de atuação
do internacional só podem ser compreendidas estruturalmente à luz das hierarquias
sociais que constituem a formação de elites intelectuais nessas sociedades nacionais.
Palavras-chave ascensão conservadora; nova direita; Think Tanks; ensino superior;
circulação internacional.
Abstract This article departs from a reconstruction of the theoretical debate about
the rise of the conservative right, marked by dichotomies as action / structure, local
/ global and politics / economics, to defend an approach that thinks the articulation
between these dimensions through a structural look for the new modalities
international circulation of local elites. Based on this operation, I try to show how
these new modalities of international action constituted a new position in the social
space of production and diffusion of knowledge, in the figure of Think Tanks. In
PLURAL, Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.25.1, 2018, p.63-91
64 Maria Caramez Carlotto
the intertwining of distinct logics, the Think Tanks began to compete with higher
education institutions, in particular public research universities. Those universities
had undergone a democratization process since the 2000s, a period that coincides
with the growing expansion and legitimization of Think Tanks in Latin America.
This article proposes that these new modalities of international action can only be
understood structurally, that means, in light of the social hierarchies that constitute
the formation of intellectual elites in these national societies.
Keywords conservative rise; new right; Think Tanks; higher education; international
circulation.
INTRODUÇÃO
Plural 25.1
Inevitável e imprevisível, o fortalecimento da direita para além da dicotomia ação e estrutura:... 65
qual não se pode explicar essa “ascensão conservadora”. De novo, parece que nos
deparamos com a clássica dicotomia ação/estrutura, aqui expressa sob a forma de
uma aparente tensão entre a dimensão global e local, ou entre economia e política.
Neste artigo, eu procuro sugerir que uma forma de enfrentar esse problema
é estudar, justamente, a ação política internacional desses movimentos a partir
de uma chave estrutural. Não só porque a sua articulação internacional ajuda a
explicar, empiricamente, o caráter simultâneo de tais fenômenos mas, sobretudo,
porque a propulsão contemporânea das elites nacionais para o espaço interna-
cional só pode ser explicada estruturalmente, constituindo-se como um elo de
ligação entre ação e estrutura que permite compreender melhor a natureza desses
processos.
Em termos mais concretos, partindo de uma literatura que pensa a estratégia
internacional das elites nacionais de uma perspectiva estrutural (Bourdieu, 1989;
Dezalay; Gath, 2002; Dezalay; Madsen, 2013; Engelman, 2013; Guilhot, 2005; 2011),
proponho pensar a crescente legitimação dos Think Tanks latino-americanos como
espaços de produção de conhecimento a partir da sua vinculação internacional,
que passa tanto por redes formais de articulação quanto por novas modalidades
de circulação internacional dos seus membros. Mas essa nova forma de atuação
dos Think Tanks e dos seus dirigentes só se torna plenamente compreensível à luz
das mudanças estruturais que atingiram o campo de produção e reprodução de
conhecimento a partir dos anos 2000, especialmente o processo de democratização
das instituições públicas de educação superior.
O presente artigo sistematiza os resultados de uma pesquisa em andamento
que procura analisar a atuação internacional de Think Tanks latino-americanos
e seus líderes em diferentes níveis, enfatizando, por sua vez, as dimensões estru-
turais que impelem as elites desses países para o espaço internacional. Para tanto,
divide-se em três partes, para além da introdução e conclusão. Na primeira, apre-
sento duas vertentes contemporâneas que procuram explicar a ascensão da “nova
direita”: uma, que coloca peso nos fatores estruturais; outra que pensa o processo de
construção social desses movimentos ao longo das últimas décadas, para, a partir
dessa reconstrução, defender uma abordagem teórica que ponha em diálogo os dois
níveis, através de um olhar estrutural para a ação internacional. Na segunda parte,
procuro analisar a ascensão dos Think Tanks latino-americanos, mostrando como
o seu apelo à dimensão internacional é constitutiva da sua afirmação como uma
nova posição no espaço de produção e distribuição de conhecimento na região. Na
terceira parte, volto-me para os fatores estruturais que levariam as elites nacio-
nais que atuam nesses espaços a buscar novas formas de atuação internacional,
2018
66 Maria Caramez Carlotto
2 O presente artigo tenta evitar, propositalmente, definir o que seja a “direita” ou a “nova direi-
ta” brasileira e latino-americana pelo seu conteúdo específico. Isso porque reconhece que um
dos problemas centrais a ser estudado é, justamente, a dinâmica complexa de nomeação e
autonomeação, com seus jogos de inclusão e exclusão, que determinam as posições centrais do
espectro político. Nesse sentido, é possível reconhecer uma ascensão da direita contemporânea
no Brasil e na América Latina justamente porque crescem os grupos que se autodefinem como
“de direita”, fenômeno novo depois que décadas de regimes autoritários na região tornaram a
categoria quase impronunciável na esfera política local (Pierucci, 1987).
Plural 25.1
Inevitável e imprevisível, o fortalecimento da direita para além da dicotomia ação e estrutura:... 67
interesses que lhes davam sustentação, mas sim pela força da ideia ela mesma,
pensada como um consenso cognitivo socialmente construído (Blyth, 2017), Blyth
está, hoje, na linha de frente dos defensores do estruturalismo macroeconômico
como base para análises políticas.
Em artigo de 2017, publicado em parceria com Matthias Matthijs, o autor do
recém-traduzido Austeridade: a história de uma ideia perigosa (Blyth, 2017)
sugere a necessidade de operar uma inflexão em relação ao construtivismo cogni-
tivo que orientou o seu trabalho até então. No lugar de uma ênfase na análise da
ação social inerente à construção e à difusão de “consensos”, Blyth e Matthijs reivin-
dicam uma economia política mais estruturalista, ancorada em uma abordagem
“macroeconômica”, que lança luz sobre as dimensões estruturais dos processos
políticos (Blyth; Matthijs, 2017). Para eles, essas dimensões estruturais são não
apenas econômicas, mas também internacionais, e servem para enfrentar o erro
de grande parte das análises políticas que operam um “reducionismo metodo-
lógico” ao “estudar a dinâmica da política doméstica isolando-a de um contexto
internacional mais amplo e de [seus] macroprocessos” (Blyth; Matthijs, 2017, p.
206, grifos colocados).
A ambição da economia política internacional defendida por Blyth e Matthijs
nesse artigo é explicar a crise de 2008, o Brexit, a eleição de Donald Trump nos
Estados Unidos e outros fenômenos políticos semelhantes que apontam para uma
conservadora “revolta neo-nacionalista no ocidente” como parte de um “mesmo
processo histórico” (Blyth; Matthijs, 2017, p. 205), cuja lógica é determinada
pela economia global. A economia global, nesse caso, é pensada como um sistema
fechado que gera choques endógenos pelo seu próprio desenvolvimento, portanto,
independentemente da ação social e política visando a construção de consensos
cognitivos através da produção e difusão de valores, ideias e visões de mundo
(Blyth; Matthijs, 2017).
A inspiração central de Blyth e Matthijs é um pequeno artigo de Michael
Kalecki publicado em 1943 chamado “Aspectos políticos do pleno emprego”. Nesse
texto, considerado, por muitos, visionário, Kalecki deduz, da dinâmica econômico-
-política interna ao capitalismo, os elementos que levariam à crise inevitável das
políticas de pleno emprego que estavam sendo desenhadas na Europa e nos Estados
Unidos no contexto do pós-guerra. Segundo Kalecki, embora a intervenção estatal
na economia visando a garantia dos níveis de investimento, emprego e renda
fosse, nos anos 1940, amplamente aceita pelo pensamento econômico, subsistia
uma oposição, por parte dos “experts em economia largamente conectados com a
indústria e os bancos” (K alecki, 1943, p.3) à promoção de tais políticas.
2018
68 Maria Caramez Carlotto
Plural 25.1
Inevitável e imprevisível, o fortalecimento da direita para além da dicotomia ação e estrutura:... 69
síntese do seu argumento é clara: “Se tratarmos a crise [de 2008] como uma fase
intermediária numa longa sequência evolutiva, verificar-se-á que os paralelos e
as interações entre os países capitalistas superam de longe as [suas] diferenças
institucionais e econômicas” (Streeck, 2013, p. 20).
Essa seleção não exaustiva de autores que estão pensando os processos polí-
ticos contemporâneos pelas lentes da estrutura econômica internacional3 serve
para mostrar a importância que a explicação estruturalista vem recobrando
contemporaneamente. Para essa perspectiva, a ascensão do neoliberalismo, a
partir dos anos 1970, e, mais recentemente, o fortalecimento do conservadorismo
religioso e/ou nacionalista – dois componentes importantes da direita brasileira
contemporânea – se explicariam por fatores macroeconômicos mundiais, numa
chave estrutural interessada antes nas sincronias e homologias internacionais do
que nas especificidades dos fenômenos nacionais, que pressupõem a existência
de trajetórias históricas singulares e, portanto, de ação social em sentido estrito.
Porém, se as explicações pautadas em fatores macroestruturais acertam ao
enfrentar o desafio de olhar para além dos contextos nacionais, retirando inteligi-
bilidade da comparação internacional em um cenário em que, de fato, os processos
político-econômicos estão imbricados globalmente, por outro lado, elas falham
ao abandonar, muito rapidamente, os fatores socioculturais de origem local que
dão densidade para esses processos e podem explicar, em última instância, o seu
desfecho. E eles importam não só porque as categorias de organização desses
conflitos políticos variam segundo o contexto nacional em que se desenham o
jogo político, mas também porque são elas que permitem acessar “os sentidos
envolvidos para os agentes desses conflitos” (Comin, 2017, p. 59) e, portanto, a
própria ação política que é capaz de explicar, se não a polarização, pelo menos o
seu desfecho, para um ou outro polo.
Em outras palavras, se os estruturalistas acertam ao explicar a “inevitabili-
dade” da ascensão da direita em plano nacional e internacional, eles falham ao
não dar conta da sua “imprevisibilidade”. Por que, mesmo sendo estruturalmente
esperada, todo mundo, inclusive os estruturalistas, foram pegos de surpresa pela
força contemporânea das ideias “de direita” no plano econômico e cultural?
Essa pergunta abre o livro de Jerome Himmelstein intitulado To the right:
the transformation of American Conservatism (Himmelstein, 1990). Dialogando
sobretudo com a tradição sociológica norte-americana, o livro de Himmelstein é
3 Embora não seja exaustiva, o levantamento procurou dialogar com autores que têm impacto,
muito recentemente, no debate teórico das ciências sociais, particularmente no Brasil.
2018
70 Maria Caramez Carlotto
parte de uma outra vertente teórica, também em expansão no contexto atual, que
procura explicar os processos políticos de ascensão do neoliberalismo econômico
e, mais contemporaneamente, o fortalecimento do conservadorismo, através da
reconstrução dos movimentos políticos que produziram e reproduziram essas
ideias em contextos locais específicos.
O livro de Himmelstein é interessante justamente por romper explicitamente
com uma leitura tácita das ciências sociais norte-americana dos anos 1950, 1960
e 1970 (Bell, 1963, 1965; Lipset; R aab, 1978; Lubell, 1965) que considerava o
surgimento de movimentos de direita, em especial da direita radical conservadora,
“uma erupção episódica na vida política norte-americana, um grito de protesto fútil
contra a transformação social inexorável, uma resposta emocional e transitória
ao sentimento de deslocamento social” (Himmelstein, 1990, p. 2). Embebidos nos
pressupostos da teoria da modernização, esses autores consideravam a mobilização
da direita conservadora uma reação quixotesca a mudanças profundas e inevitáveis
que ocorriam nas sociedades “modernas”, em particular, e eu grifo “a primazia
da educação sobre a herança” (Himmelstein, 1990, p. 3). Para eles, portanto, “o
que a direita combate, na sobra do comunismo, é essencialmente a modernidade”
(Bell, 1963, p. 102). Nessa chave, a ação política da direita radical era vista como
necessariamente exótica, periférica, inócua e estéril, dada a inexorabilidade das
transformações contra as quais ela se levantava.
Himmelstein, ao contrário, integra toda uma outra vertente analítica que, a
partir dos anos 1980, em função de inflexões teóricas mas também de mudanças
na conjuntura política, passou a levar a mobilização da direita radical norte-
-americana um pouco mais a sério, considerando-a como um fenômeno político
digno de ser analisado como tal, isto é, capaz de conquistar e legitimar uma nova
hegemonia política e cultural. No lugar de olhar para esse movimento como um
fenômeno exótico fadado ao ostracismo, essa tradição sociológica passou a prio-
rizar a análise de todo o longo processo de mobilização social e articulação política
desse setor, que o transformou, primeiro, em uma voz legítima do debate público
norte-americano no final dos anos 1970 e, depois, em força política consistente ao
ponto de conquistar a presidência dos Estados Unidos, já em meados dos anos 1980.
Em resumo, o que Hilmmelstein propõe, juntamente com outros autores
da sua geração (Blumenthal, 1987; Crawford, 1980; Dye, 1986; Ellerin; A lisa,
1982; Gamson, 1982; Goldstein, 1982; Miles, 1980; Nash, 1979), é pensar a direita
conservadora como um movimento social stricto sensu, levando a sério a sua ação
política, enfatizando a sua capacidade de agência e articulação e, portanto, o caráter
relativamente contingente do seu surgimento e fortalecimento.
Plural 25.1
Inevitável e imprevisível, o fortalecimento da direita para além da dicotomia ação e estrutura:... 71
É importante lembrar, para os fins deste artigo que, para fazer isso, esses
autores precisaram romper, também, com o estruturalismo então em voga
(Himmelstein, 1990, p. 152) que, como eu tentei argumentar, vive hoje um novo
florescimento. Nesse sentido, o trabalho de Himmelstein sobre a “nova direita”
norte-americana é importante na medida em que explicita a afirmação de toda
uma outra vertente, de caráter mais construtivista, que também se propõe a pensar
a mobilização da direita e que tem produzido trabalhos importantes.
Sem pretender realizar uma reconstrução exaustiva, e enfatizando contribui-
ções recentes, podemos localizar nessa linha o livro de Issac William Martin, Rich
people´s movements: grassroots campaigns to untax the one percent¸ publicado
em 2013, no qual o autor descreve, em diálogo com a literatura dos novos movi-
mentos sociais, o longo processo de mobilização dos setores mais ricos da sociedade
norte-americana contra a cobrança de impostos progressivos. Acompanhando a
construção desse movimento ao longo do século XX, com a sua apropriação de
um repertório político originalmente ligado a movimentos “de esquerda”, Martin
consegue explicar o sucesso contemporâneo dessas forças sociais, expresso na
ascensão de organizações como o Tea Party nas eleições norte-americanas de
2010 (Martin, 2013). A intenção de reconstruir a longa história desses movimentos
contra o imposto é, justamente, para combater a ideia de que eles são inevitáveis:
“É verdade que o movimento dos ricos não teria emergido na ausência de impostos
federais sobre a renda e grandes fortunas. Mas esse movimento não é inevitável
apenas porque a Constituição passou a autorizar os impostos progressivos” (Martin,
2013, p. 198).
Um outro exemplo interessante nessa linha é a análise de Daniel Stedman
Jones em Masters of the Universe sobre a história do neoliberalismo nos Estados
Unidos e na Inglaterra. Jones coloca no centro da sua análise a “estratégia de
formação de opinião liderada pela e direcionada para a elite intelectual” (Jones,
2012, p. 4). Segundo ele:
2018
72 Maria Caramez Carlotto
Plural 25.1
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porâneas pela afirmação de novos consensos sociais. Além disso, foram elas que
facilitaram a internacionalização de uma agenda política liberal no plano econô-
mico e, mais recentemente, conservadora no plano cultural, bem como facilitaram
o compartilhamento de repertórios que ajudam a explicar o caráter sincrônico da
ascensão da direita internacionalmente.
No entanto, se olhar sobre a articulação de Think Tanks pressupõe uma abor-
dagem mais construtivista, atenta ao papel da ação política na configuração de
realidades sociais, por outro lado, essa estratégia elitista de formação de opinião
(Jones, 2012, p. 4) pode ser melhor compreendida a partir de uma abordagem
que leve em consideração as transformações estruturais do espaço de produção e
difusão de conhecimento que estão na origem dos Think Tanks e, principalmente,
do seu apelo às redes e formações internacionais como fonte de “excelência” acadê-
mica.
Ao fazer isso, esta pesquisa se aproxima, em primeiro lugar, de toda uma
literatura que vem pensando a importância das redes transnacionais para a recon-
figuração do campo econômico e político, em particular da atuação dos Estados
Nacionais. De fato, na disciplina de Relações Internacionais, não são poucos os
trabalhos que têm procurado enfatizar o papel que as redes internacionais de atores
não estatais como experts, profissionais, ONGs, multinacionais e Think Tanks
assumiram na construção de uma nova ordem mundial, calcada no liberalismo e,
mais recentemente, em doutrinas de segurança inspiradas em narrativas quase
teológicas como a de “choque de civilizações” (Haas, 1992; Finnemore, 1996; Pjil,
1984).
O grande problema dessas interpretações, no entanto, é a carência de uma
perspectiva sociológica capaz de situar os atores internacionais nacionalmente,
posicionando-os dentro de estruturas sociais nacionais que ajudem a explicar a sua
possibilidade de acessar o plano internacional. Ou, como afirmam Yves Dezalay
e Mikael Madsen:
2018
74 Maria Caramez Carlotto
6 Medvetz vai além e chega a identificar abordagens teóricas específicas sobre esse objeto – o eli-
tismo, de um lado, e o pluralismo, de outro – como atrelado a posições sociais. Medvetz mostra
que a denúncia do elitismo inerente aos Think Tanks advém de setores mais autônomos do espaço
de produção de conhecimento, em especial as universidades de pesquisa, que consideram os
Think Tanks instituições puramente a serviço das elites dominantes. Ao passo que o pluralismo,
que nega qualquer relação entre os Think Tanks e as classes dominantes corresponde, sobretudo,
às posições mais dependentes do espaço, sobretudo ligadas aos Think Tanks cujo financiamento
depende da clientela.
7 Muitas análises históricas tentam reconstruir a gênese dos primeiros Think Tanks nos Estados
Unidos, Europa e América Latina. Fala-se, por exemplo, da Carnegie Foundation, de 1903, da
Russell Sage Foundation, de 1907 e da Rockfeller Foundation, de 1913. Na Europa, o destaque
quase sempre é à Mont Pelerin Society. No Brasil, o IPES e o IBAD, dos anos 1960, acabam
ganhando destaque, ou então a própria FGV, de 1944. O problema dessa abordagem – quase
hegemônica – que procura identificar Think Tanks antes da consolidação dessa categoria social é
que ela ignora o fato de que essas instituições eram, até então, tratadas isoladamente e reconhe-
cidas na sua especificidade. O que eu procuro apontar, na esteira do trabalho de Medvetz (2012),
Plural 25.1
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8 Na plataforma Scielo, o Brasil é país com mais artigos dedicados ao tema, seguido da Colômbia,
México e Chile. Todos seguem o mesmo padrão temporal, de trabalhos desenvolvidos a partir
dos anos 2000.
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Inevitável e imprevisível, o fortalecimento da direita para além da dicotomia ação e estrutura:... 77
De fato, outros dados sugerem que parece haver uma mutação no espaço dos
Think Tanks latino-americanos a partir do começo da década de 2000. Ao anali-
sarmos comparativamente os Think Tanks liberais latino-americanos listados no
Global Go To Think Tank Index Report de 2015 (McGann, 2015)9, ficou explícito
que parece existir duas “ondas” de Think Tanks liberais na América Latina: uma
primeira, que vai de 1979 a 1990 e uma segunda que surge a partir do começo
dos anos 2000 (R amos; Carlotto, 2017), como é possível notar na tabela abaixo.
Tabela 1. Think Tanks liberais latino-americanos listados no Global Go To Index 2015 por
nome, país sede e ano de fundação.
Nome País sede Fundação
Instituto Libertad y Democracia Peru 1979
Centro de Divulgación del Conocimiento Económico para la Venezuela 1984
Libertad (CEDICE)
Instituto de Estudos Empresariais Brasil 1984
Instituto Liberdade do Rio Grande do Sul Brasil 1986
Fundación Libertad Argentina 1988
Libertad y Desarrollo Chile 1990
Fundación Caminos de la Libertad México 2004
Instituto Millenium Brasil 2005
Instituto Político para la Libertad Peru 2005
Instituto de Pensamiento Estrategico Ágora México 2008
Centro de Investigaciones Sobre la Libre Empresa México 2010
Fundación Libertad y Progreso Argentina 2011
Fonte: Ramos; Carlotto, 2017. Elaboração: própria.
2018
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radas assim10. Isso significa – e esse é o dado relevante para esta pesquisa – que
a consolidação da percepção social de que existe um novo tipo de instituição
voltado à produção e à difusão de conhecimento e que pode ser designado como
Think Tank é um indício da afirmação de uma posição nova no espaço social de
produção e difusão de conhecimento.
A maior prova de que os Think Tanks se afirmam como uma nova posição e
cada vez mais prestigiosa quando comparadas às instituições de ensino superior
são os efeitos de renomeação que podemos observar contemporaneamente, com
institutos de pesquisa e de ensino consagrados que passam se reconhecer e a se
reivindicar, cada vez mais, como Think Tanks.
Um exemplo significativo nesse sentido é a Fundação Getúlio Vargas. Criada
em 1944 pelo então presidente do Departamento Administrativo do Serviço Público
(DASP), Luiz Simões Lopes, inspirado em contatos deste com intelectuais norte-
-americanos, a FGV dedicou-se originalmente à formação de um “novo profissional”
voltado aos “problemas concretos da administração” (Vasconcellos, 1998, p. 63).
Nesse espírito,
10 Medvetz (2012) as denomina, com razão, a meu ver, de proto Think Tanks. De fato, ao analisar
os Centros Privados de investigação econômica na Argentina, Mariana Heredia (2012) evita,
propositalmente, o termo Think Tank. E André Dreifuss (1987), no seu estudo sobre o IPES e o
IBAD na ditadura militar brasileira não usa o termo.
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mundo desde a sua primeira edição (McGann, 2009). E o que era, a princípio, uma
nomeação externa e até peculiar passou a ser reivindicada pela própria instituição
como um sinal distintivo de competência, como fica explícito na imagem abaixo,
que reproduz a página oficial da FGV na Internet.
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Fonte: Imagens retiradas, em sentido horário, dos portais da Fundación Libertad (http://
libertad.org.ar/web/nuestras-redes.php); do Cedice (Disponível em: http://cedice.org.ve/
aliados-y-redes/); do Think Tank Libertad y Desarrollo (Disponível em: http://lyd.org/enla‑
ces/); e do Think Tank Libertad y Progreso (Disponível em: http://www.libertadyprogreson‑
line.org/nosotros/alianzas), em 01 de fevereiro de 2018.
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Um dos diálogos finais do filme de Anna Muylaert – Que horas ela volta?
–, apesar de parecer despretensioso, revela um aspecto essencial da transfor-
mação estrutural do campo de produção e reprodução de conhecimento no Brasil
contemporâneo. Depois de saber da reprovação do filho no vestibular da USP e
13 Desnecessário dizer que em todos os casos, não se trata exatamente de perfis oriundos de famílias
“despossuídas”. No entanto, em termos relacionais, sua oposição era em relação aos herdeiros
das grandes famílias que, nos anos 1960, controlavam quase que completamente os espaços de
poder nacional.
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14 Por razões de espaço, não vou analisar o caso de outros países latino-americanos, mas para uma
análise sobre o padrão de expansão do ensino superior latino-americano e, particularmente,
equatoriano pode ser encontrado em Hitner, Carlotto e Mercado (2017).
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CONCLUSÃO
O presente artigo partiu de um debate teórico sobre a ascensão da direita
contemporânea para analisar as modalidades de articulação e de circulação inter-
nacional que caracterizam uma nova posição do espaço de produção e difusão de
conhecimento, na figura dos Think Tanks. No entrecruzamento de lógicas distintas,
os Think Tanks passam a disputar espaço com as instituições de ensino superior,
em particular as universidades públicas de pesquisa. Tradicionalmente identifi-
cadas como referência de excelência na produção e reprodução de conhecimento, as
universidades de pesquisa, em particular, as públicas, passaram por um processo
de democratização a partir dos anos 2000, período que coincide, justamente, com
a crescente expansão e legitimação dos Think Tanks na região.
Minha proposta neste artigo foi de pensar a afirmação dos Think Tanks como
uma nova posição no espaço de produção e difusão de conhecimento à luz das
mudanças estruturais que levaram à valorização crescente de novas modalidades
de circulação e articulação internacional. A literatura mostra que as estratégias de
circulação internacional podem ser mobilizadas por setores não estabelecidos, na
disputa com os “herdeiros”, sobretudo quando é financiada pelo Estado (Canêdo,
Tomizaki; Garcia Jr. 2013). Porém, não parece ser este o caso das novas modali-
dades de circulação, que passam prioritariamente pelo financiamento familiar.
Quando se reivindica como critério de excelência acadêmica e de competência
técnica reconhecida uma modalidade de circulação internacional que pressupõe
financiamento familiar – como é o caso dos cursos de inglês, graduações integrais,
MBAs, especializações e mestrados integrais no exterior – subverte-se o critério
de mérito até então estabelecido: doutorados nas melhores universidades do país,
preferencialmente com estágios de pesquisa no exterior. A afirmação progressiva
dessas novas credenciais reposiciona os “herdeiros” na disputa pela excelência
acadêmica e, até mesmo, pelas regras de certificação do conhecimento. É nesse
Plural 25.1
Inevitável e imprevisível, o fortalecimento da direita para além da dicotomia ação e estrutura:... 87
campo específico que os Think Tanks vão ganhando espaço e reconhecimento que,
antes, parecia pertencer quase que exclusivamente às universidades de pesquisa
e, com isso, se reposicionam para disputar o espaço público. Essa transformação,
se é estruturalmente inevitável, não deixa de ser politicamente contingente, e
entendê-la em profundidade apresenta-se como uma tarefa teórica urgente.
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Artigo
Fabio Gentilea
INTRODUÇÃO
Por um longo tempo os estudos sobre a “direita”, suas configurações ideológicas
e organizações políticas, foram poucos e bastante frágeis tanto no perfil metodo-
lógico quanto no teórico. Tratou-se, enfim, de um tema bastante marginalizado
no campo das ciências sociais.
Há muitos fatores que podem explicar esta lacuna. De forma geral, pode-se
dizer que a “direita” foi apresentada como um apêndice tout court da época dos
regimes fascistas entre as duas guerras mundiais. Na área dos estudos sobre o
fascismo registrou-se um domínio do paradigma antifascista, na sua versão liberal
ou marxista, de acordo com o qual o fascismo seria um “parêntese” no caminho
progressivo da civilização ocidental. Uma vez concluído o “parêntese” do fascismo
com o fim da segunda guerra mundial, os pequenos grupos que ainda se inspiravam
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2 Como o mesmo Vianna esclarece desde sua primeira obra: “Dar consistência, unidade, consci-
ência comum a uma vasta massa social ainda em estado ganglionar, subdividida em quase duas
dezenas de núcleos provinciais, inteiramente isolados entre si material e moralmente: - eis o
primeiro objetivo. Realizar, pela ação racional do Estado, o milagre de dar a essa nacionalidade
em formação uma subconsciência jurídica, criando-lhe a medula da legalidade; os instintos
viscerais da obediência à autoridade e à lei, aquilo que Ihering chama “o poder moral da ideia
do Estado”; - eis o segundo objetivo” (Oliveira Vianna, 1987, p. 275-276).
Plural 25.1
A direita brasileira em perspectiva histórica 99
Não houve, portanto, nenhuma incompatibilidade entre ser liberal e ser dono
de escravos, dada a ausência de uma relação necessária entre o liberalismo e a
abolição da escravidão. Os ideais burgueses, liberais e republicanos ficaram no nível
da “consciência possível” (Faoro, 1994), sendo assim rapidamente sufocados por
um autoritarismo clânico-oligárquico, de cunho hierárquico, e baseado em laços
de fidelidade material e simbólica a uma elite homogênea, defensora do centra-
lismo estadual, como pode se observar no sistema político imperial, ratificado
pela constituição de 1824, e pela criação dos dois grandes partidos - o liberal e o
conservador - que, além de algumas diferenças ideológicas, representavam os inte-
resses de grupos sociais similares (Murilo de Carvalho, 1981). A conciliação entre
liberalismo e conservadorismo encontrava seu momento de expressão máxima no
modelo de Estado “Saquarema” (Lynch, 2010), representado pelos grandes teóricos
do Estado imperial centralizador, eficiente e criador do povo brasileiro, dentre as
quais se destaca a figura do Visconde do Uruguai (Nunes Ferreira, 1999).
Entre a proclamação da Primeira República e a Revolução de 1930, época rica
em novas expressões em todos os campos (o modernismo no campo artístico, por
exemplo), vão se estruturando as configurações ideológicas e políticas da direita
brasileira.
De acordo com o historiador argentino Beired, a análise da formação de um
pensamento de direita nos sugere pensá-la como um “campo” de relações intelec-
tuais e políticas polarizadas em torno de um conjunto de problemas que vão desde
questões de longo prazo do pensamento brasileiro (a ausência de uma consciência
nacional e a centralidade do Estado na criação da sociedade) até os desafios da
modernização, ligada à crise do modelo agroexportador no contexto mais amplo
da crise do Estado liberal, pensado como inadequado a soldar o país legal das
elites com o país real da pobreza e do atraso (Beired, 1999).
Entre a década de 1920 e a “Era Vargas”, a direita “plural” brasileira se arti-
cula em três linhagens ideológicas e políticas principais: o nacional-autoritarismo
cientificista, herdeiro da tradição positivista brasileira; a direita católica; a direita
fascista, representada pelo integralismo, que de acordo com uma análise consoli-
dada seria o movimento ideológico e político mais próximo ao fascismo europeu
(Trindade, 1974).
Embora caracterizadas por um conjunto diferenciado de reflexões teóricas
e políticas (o autoritarismo como manifestação dos interesses das classes domi-
nantes ou como resposta elitista à desarticulação da sociedade civil, a mobilização
católico-fundamentalista das massas), as três correntes da direita brasileira entre a
segunda metade dos anos 1920 e os 1930 vieram a compartilhar a visão “normativa”
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difusor das teorias elaborada por Raul Prebisch, Celso Furtado, Aníbal Pinto, Osvaldo Sunkel,
Maria da Conceição Tavares e José Medina Echevarría, entre outros, o desenvolvimentismo tem
uma longa tradição ideológico-politica, abrangendo não apenas escolas econômicas mas também
autores e correntes voltados para o estudo das sociedades pós-coloniais subdesenvolvidas. No
caso brasileiro basta pensar aos primeiros teóricos da organização nacional da questão social
brasileira na segunda metade do século XIX, quais Silvio Romero e Alberto Torres, precursores
de um pensamento nacional-desenvolvimentista que se tornou um projeto material de politicas
polarizadas em torno do Estado interventor. De acordo com Ricardo Bielschowsky (1988), é
legitimo então, pensar o desenvolvimentismo como um ciclo que inicia com a “Era Vargas” e
chega até o 1964, tendo como seu foco a ideologia da transformação da sociedade brasileira
por meio da industrialização, do planejamento e dos investimentos, embora não haja na época
varguista uma teoria econômica desenvolvimentista “cientifica”.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na nossa perspectiva crítica trata-se de considerar o legado das experiências
autoritárias como fixação de aspectos que se tornaram perenes e que estão inse-
ridos na própria redemocratização pós-ditadura, de acordo com um processo que
alguns cientistas sociais chamam de “hibridismo” da “semidemocracia” brasileira,
caracterizada por uma convivência ambígua de novos elementos democráticos e
permanências autoritárias (Mainwaring, 2001, p. 645-687).
Voltar a refletir sobre tópicos de longo prazo, quais sejam, a “ditadura republi-
cana” de matriz positivista, a “ideologia do Estado autoritário”, o “autoritarismo
instrumental”, e o hibridismo de lógica liberal e práxis autoritária, ou sobre a
coexistência de um ideário neoliberal, difundido desde a década de 1980 no
Brasil e na América Latina por institutos liberais a serviço da burguesia brasileira
junto com o legado da Era Vargas – sindicato corporativo e formação de uma
“cidadania regulada” pelo alto, concedendo previamente direitos sociais -, cujo
modelo nacional-autoritário é incorporado ao processo de militarização do Estado
e da sociedade civil brasileira nas décadas de 1960 e 1970, é fundamental para a
compreensão tanto da tensão liberalismo-autoritarismo que permeia a ideologia da
direita brasileira contemporânea, uma mistura de princípios neoliberais e defesa
de retrocessos no campo dos direitos humanos e sociais, quanto também o papel
estratégico por ela exercido no contexto mais amplo da “pós-democracia”, marcada
pelos lobbies multinacionais, pelas mídias e por novas formas de poder oligárquico.
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Artigo
Abstract How is the “new right” different and similar to the traditions of the Brazilian
conservative field? In what sense is the “shamed right” phenomena affected by these
groups discourses? The paper discusses these issues by analyzing the discourses of one
of the main leaders of contemporary right in Brazil – federal deputy Jair Bolsonaro.
By highlighting the importance of narratives as mechanisms for conforming political
groups, we try to understand how this actor contributes to the transformations in
this field through his discursive operations: what are the values, actors and practices
the congressman attributes to the left and to the right fields. As primary material,
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pronouncements in the 54th and 55th legislature were used for quantitative analysis
and interviews and other declarations were selected for qualitative analysis. The
results point to low saliency of economic issues and an emphasis on issues of moral
character and opposition to the Worker’s Party (PT) government. The military period
is valued in a highly positive way and anticommunist narratives are updated through
a coupling with anti-PT discourse.
Keywords New right; Right; Anticommunism; Political Discourse.
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“Direita, sem vergonha”: conformações no campo da direita no Brasil a partir do discurso de Jair Bolsonaro 113
2 Sobre a ideia de uma “onda conservadora”, ver a posição de André Singer em Brasilino (2012).
3 Essa ideia é corroborada pela análise de Chaloub e Perlatto (2015). Para eles, o adensamento
discursivo da nova direita não responde apenas ao surgimento de novos atores, mas também
ao fato de que “vozes outrora isoladas e pouco influentes ganharam força, velhos personagens
assumiram renovada persona política” (Chaloub; Perlatto 2015, p. 8).
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4 Para um exemplo recente desse tipo de estudo para o Brasil, ver Tarouco e Madeira (2013).
5 Essa abordagem parece condizer com o trabalho de Kaysel (2015, p. 50), para quem “as hete-
rogêneas forças que hoje parecem constituir um bloco homogêneo, não só não o fazem, como
pertencem a diferentes tradições, frequentemente contrapostas, cuja compreensão me parece
indispensável para quem deseje entender a crise contemporânea vivida pelo país”.
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“Direita, sem vergonha”: conformações no campo da direita no Brasil a partir do discurso de Jair Bolsonaro 115
Se, como afirma Chilton (2004, p. 5), “são percepções compartilhadas de valores
que definem associações políticas. E a faculdade humana para a linguagem tem a
função de ‘indicar’ – i.e. significar, comunicar – o que é considerado [...] certo ou
errado no interior daquele grupo”, os discursos de políticos da direita brasileira
devem ser um material central para estudá-la, sinalizando os valores que sustentam
as coalizões, as fronteiras entre grupos e as divergências entre diferentes forma-
ções de direita.
Como mencionado anteriormente, a proposta aqui é a de focalizar as falas de
um ator de grande destaque na direita brasileira, um “polo” no campo: o deputado
federal Jair Bolsonaro – o terceiro deputado federal mais votado em 2014 e segundo
colocado em pesquisas de intenções de votos para a eleição presidencial de 2018.
Essa proposta é coerente com Mayer (2014), para quem os líderes políticos não
devem ser encarados como meros transmissores de valores do grupo, mas também
como construtores de narrativas, buscando moldar as crenças e atitudes comuns.
Nesse sentido, este estudo, de forma exploratória, busca observar os tensiona-
mentos e movimentos que o deputado realiza discursivamente no interior e no
exterior do campo6, ajudando a conformar o que se entende por “ser de direita” – e,
por extensão, “ser de esquerda” – no Brasil de hoje.
6 Seguindo Morresi (2015), a ideia de “campo” remete aqui a uma metáfora, não estritamente à
teoria dos campos (Bourdieu, 2011). O “interior” do campo refere-se ao compartilhamento de uma
“gramática comum” em suas interações discursivas; o “exterior” do campo, por sua vez, remete
à ideia de um “exterior constitutivo”, isto é, da exclusão e valoração negativa de determinados
conceitos como um elemento definidor do campo – no caso, as ideias associadas à “esquerda”
(Morresi, 2015, p. 1111-1112).
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“Direita, sem vergonha”: conformações no campo da direita no Brasil a partir do discurso de Jair Bolsonaro 117
Krause; L ameirão, 2016; Ribeiro; Carreirão; Borba, 2016) parece ter se estabelecido
como um elemento discursivo central no campo da direita (Messenberg, 2017)8.
Nesse contexto, a figura do deputado Jair Bolsonaro representa um caso
desviante. Apesar de ser deputado federal desde 1991, nunca se caracterizou como
“direita envergonhada”, assumindo abertamente sua posição à direita e sua adesão
ao regime militar. Tampouco acompanhou a movimentação do campo na década
de 1990, rechaçando o neoliberalismo9. No entanto, o grande crescimento de sua
popularidade nos anos recentes contribuiu para torná-lo uma voz importante no
campo antipetista – ainda que isso cause constrangimento a outras lideranças10.
3. MÉTODO
Como discutido anteriormente, o objetivo deste trabalho é observar como
Jair Bolsonaro compreende o campo da direita no Brasil – quais os valores que o
deputado ressalta como representativos, os temas que pauta como centrais e as
linhas de cisão que visualiza interna (entre grupos de direita) e externamente (em
relação ao campo da esquerda). Essas questões são abordadas a partir de análises
quantitativas e qualitativas de pronunciamentos de Bolsonaro.
Para reduzir eventuais problemas de representatividade e de viés na seleção
dos discursos, a análise geral dos temas abordados pelo deputado foi realizada a
partir de métodos quantitativos de análise de conteúdo – a contagem de palavras e
bigramas. Para isso, foram coletados os pronunciamentos de Bolsonaro em plenário
entre 01/01/2011 e 31/05/201711 e contabilizados tanto os termos presentes nos
discursos como os temas de indexação no sistema da Câmara dos Deputados12. A
amostra corresponde a 430 pronunciamentos e 1881 temas de indexação.
8 Paiva, Krause e Lameirão (2016, p. 655) analisam a auto-identificação dos antipetistas no eixo
esquerda-direita, descobrindo uma porcentagem de 44,6% identificados como de direita ou
centro-direita (35,2% da amostra não soube ou não quis responder à pergunta; 11,1% se iden-
tificou como de centro e 9,1% como de esquerda ou centro-esquerda). As análises encontram,
também, correlação entre o fenômeno da rejeição ao PT e a preferência pelo PSDB (Paiva; K rause;
L ameirão, 2016; R ibeiro; Carreirão; Borba, 2016).
9 Em episódio famoso, à época da privatização da Companhia Vale do Rio Doce, o deputado afir-
mou que o então presidente Fernando Henrique Cardoso deveria ser “fuzilado” por sua “traição
à pátria” (Monteiro; Souza; Silva, 2010).
10 Um exemplo ilustrativo são os relatos das tentativas de Bolsonaro de participar da campanha
de Aécio Neves nas eleições de 2014, tendo suas sugestões ignoradas e sendo impedido de subir
em um carro de som. Ver Moraes (2014); Bolsonaro (2015).
11 O recorte temporal focaliza o período de “ascensão” do deputado na cena pública, ilustrado pelo
significativo impulso de sua votação nas eleições – em 2010, recebeu 120.646 votos; em 2014,
464.572, tornando-se o deputado mais votado do Rio de Janeiro (Tribunal Superior Eleitoral,
2010, 2014). O período corresponde, também, ao momento no qual Codato, Bolognesi e Roeder
(2015) localizam um crescimento de partidos da “nova direita”. O ponto final da análise res-
pondeu a critérios pragmáticos, relativos à disponibilidade de dados à época da elaboração das
primeiras versões do manuscrito.
12 As análises quantitativas foram realizadas em R, usando os pacotes rvest e tidytext.
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4. RESULTADOS
Os resultados obtidos foram separados em quatro subseções. Primeiramente,
são apresentados os temas mais recorrentes na agenda do deputado. Em seguida,
é discutida a narrativa de Bolsonaro sobre o período da ditadura militar e sua
Plural 25.1
“Direita, sem vergonha”: conformações no campo da direita no Brasil a partir do discurso de Jair Bolsonaro 119
13 Esses temas também aparecem frequentemente quando o deputado possui a chance de expressar
o que considera mais importante na agenda política ou em sua trajetória. Como um exemplo, ver
a descrição de sua biografia em seu site pessoal: “Jair Bolsonaro é conhecido por suas posições
em defesa da família, da soberania nacional, do direito à propriedade e dos valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa. Suas bandeiras políticas são fortemente combatidas pelos partidos
de ideologia esquerdista. Em seus mandatos parlamentares, destacou-se na luta contra a
erotização infantil nas escolas e por um maior rigor disciplinar nesses estabelecimentos, pela
redução da maioridade penal, pelo armamento do cidadão de bem e direito à legítima defesa,
pela segurança jurídica na atuação policial e pelos valores cristãos.” (Bolsonaro, s.d.).
2018
120 Martin Egon Maitino
Defesa
Presidente da República
Dilma Rousseff
Ministro de Estado
Militar
PT
Comissão Nacional da Verdade
Partido Político
Governo Federal
Regime Militar
Forças Armadas
Câmara dos Deputados
Ministério da Defesa
Soldo
Reumunaração
País Estrangeiro
Governo
Ditadura
Direito Humanos
Brasil
Celso Amorim
Violação
Investigação
Reajuste
Medida Provisória
Cuba
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Gráfico 1. Temas de Indexação dos pronunciamentos de Jair Bolsonaro na Câmara dos
Deputados (2011-2017)14.
14 Para melhor observar os temas ressaltados nos pronunciamentos de Jair Bolsonaro, foram
desconsiderados temas de indexação referentes a atividades parlamentares recorrentes (no
caso, os seguintes temas: “crítica”, “deputado federal”, “Jair Bolsonaro”, “atuação”, “projeto de
lei”, “criação”, “aprovação”, “apoio”, “protesto”, “avaliação”, “declaração”, “repúdio”, “solicitação”,
“esclarecimentos”, “contestação”, “participação”, “alteração”, “elogio”, “projeto de lei ordinária”,
“proposta”, “votação”).
15 De acordo com o Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, o sucesso eleitoral de Jair Bolsonaro
teria se dado por sua projeção nos meios militares e pelo voto de “suas bases eleitorais na Vila
Militar e em algumas zonas de Resende” (Monteiro; Souza; Silva, 2010).
Plural 25.1
“Direita, sem vergonha”: conformações no campo da direita no Brasil a partir do discurso de Jair Bolsonaro 121
Dilma Rousseff
Forças Armadas
São Paulo
Direitos Humanos
Medida Provisória
Nesta Casa
Kit Gay
Fidel Castro
Não podemos
Assim sendo
Maioridade Penal
Celso Amorim
Bolsa Família
Tribunal Federal
Supremo Tribunal
Não pode
Há pouco
0 20 40 60 80 100 120
Gráfico 2. Bigramas mais frequentes nos pronunciamentos de Jair Bolsonaro na Câmara
dos Deputados (2011-2017).
Rafinha: Essa manchete o senhor assina embaixo: “Dilma Rousseff não foi
torturada”?
Bolsonaro: Mentira dela! A grande maioria não... alguns foram, eu não tenho
dúvida disso. Até porque quando você precisa de informações em tempo real
– e esse pessoal não tava aqui de brincadeira. Eles não tavam na rua, Rafinha,
pedindo ‘eu quero, eu quero o fim da corrupção’ – que praticamente, prati-
camente não existia. Tanto é que não acha nenhum militar rico – nenhum!
(Bolsonaro, 2014c)
2018
122 Martin Egon Maitino
Plural 25.1
“Direita, sem vergonha”: conformações no campo da direita no Brasil a partir do discurso de Jair Bolsonaro 123
2018
124 Martin Egon Maitino
32 Ver Moraes (2014); Bolsonaro (2015). Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Bolsonaro
atribui a maior parte dos votos de Aécio Neves ao antipetismo, vislumbrando nesse fenômeno
um espaço para seu crescimento (Moraes, 2014).
33 Nesse ponto, são ilustrativas as conexões entre ações da luta armada como roubo de bancos e
assassinatos e fatos mais recentes, como escândalos de corrupção e o assassinato do prefeito
de Santo André, Celso Daniel. Ver Bolsonaro (2012, 2014d).
34 Um exemplo ilustrativo pode ser encontrado em Rede Brasil (2015): “Mostra quem é o PT. Você
conhece algum petista empresário, comerciante, agricultor, empreendedor? Não tem. Eles vêm
de movimentos... sindicais ou da ociosidade. Por que que o PT detesta a propriedade privada?
Porque eles nunca trabalharam.”
35 Vale notar que esse vínculo é associado também a um vínculo com o crime internacional, como
se observa na interpretação do deputado sobre a Academia de Defesa da UNASUL: “Este agora
na UNASUL se reunindo com a escória da América Latina, tratando, entre outras coisas, da
abertura do espaço aéreo para os países da UNASUL. Cuba não faz parte deles, mas está no
bolo. Além de tráfico de drogas, há tráfico de armas e munições!” (Bolsonaro, 2014d).
36 Ver Bolsonaro (2016).
37 Ver Bolsonaro (2011a, 2011b, 2012, 2014b, 2014c, 2014d).
38 Ver Bolsonaro (2011b, 2012, 2014b, 2014d).
39 Para um exemplo ilustrativo, ver a declaração de Bolsonaro em entrevista a Alexandre Frota
(Bolsonaro, 2015): “Eu desafio qualquer deputado do PT a sair comigo nas ruas. Desafio. Já que
eles falam tanto em povo, falam tanto em pobre né. Mas não têm essa coragem de sair comigo
nas ruas.”
40 Ver Bolsonaro (2015).
41 Ver Bolsonaro (2015).
Plural 25.1
“Direita, sem vergonha”: conformações no campo da direita no Brasil a partir do discurso de Jair Bolsonaro 125
42 Um exemplo ilustrativo pode ser encontrado na homepage do site do deputado: “DIREITA JÁ:
Nossos valores, crenças e cultura não podem ser deturpadas para que se atinjam propósitos
estranhos ao povo brasileiro. Somos um país que tem orgulho de nossas cores e não desejamos
importar ideologias que destruam nossa identidade.” (Bolsonaro, s.d.).
43 Ver Bolsonaro (2012).
44 É interessante notar, porém, certa mudança nas percepções de Bolsonaro a respeito de seus
“aliados”. Enquanto em 2012 o deputado parecia construir a imagem de uma luta solitária contra
a esquerda no país (Bolsonaro, 2012), em 2014 afirma considerar o deputado Marco Feliciano
um “grande irmão”, “defensor da família” (Bolsonaro, 2014b). Já em 2017, Bolsonaro afirma
considerar os evangélicos como parte de sua base, ao lado das Forças Armadas (Bilenky, 2017).
45 Ver Bolsonaro (2012). É ilustrativa a resposta de Bolsonaro à pergunta de Nirlando Beirão sobre
a existência ou não de uma direita no Brasil: “Quando o PT era oposição, o PT votava comigo.
Agora que o PSDB é oposição, o PSDB vota comigo.”
46 Essa construção discursiva remete ao que Kaltwasser (2014), descrevendo as estratégias da
“nova direita” latino-americana, caracteriza como “opções eleitorais não partidárias”. Isto é, a
construção de lideranças eleitorais baseadas na ruptura com a classe política tradicional e de
organizações personalistas montadas a posteriori.
47 Ver Bolsonaro (2014b).
48 Ver Bolsonaro (2012, 2014b); Bilenky (2017).
49 Ver Bilenky (2017): “Sou acusado de tudo, só não de corrupto”.
2018
126 Martin Egon Maitino
Plural 25.1
“Direita, sem vergonha”: conformações no campo da direita no Brasil a partir do discurso de Jair Bolsonaro 127
entanto, o que poderia ser à primeira vista confundido com uma concepção liberal
de Estado mínimo pode ser também interpretado como uma crítica às restrições
legais ao aparato de repressão estatal59.
Assim, o “desgaste dos valores familiares”60 e a “lavagem cerebral em nossas
crianças por meio de ações de forte apologia ao sexo precoce”61 fariam com que o
país caminhasse rumo à anarquia62, pois sem a preservação da família “uma nação
simplesmente ruirá”63. A defesa de direitos para homossexuais seria uma demanda
por privilégios64 e a discussão de temas como homofobia nas escolas uma agenda
voltada a “estimular nossos filhos a ser homossexuais”65 e, “demagogicamente”,
que “deviam se orgulhar dessa condição”66.
Além disso, a defesa de “marginais como se fossem excluídos da sociedade”67
dificultaria o combate ao crime e até mesmo recompensaria o “vagabundo”68. Nesse
sentido, as soluções para a segurança pública no país passariam pelo endurecimento
de penas, pela redução da maioridade penal e pelo uso de “métodos enérgicos” no
combate ao crime69. A prova da eficácia do endurecimento das penas no combate
à criminalidade seria apontada pelo comportamento dos próprios criminosos no
país: “o pessoal defende o menor porque diz que ele não tem consciência do que
ele faz. Agora eu te pergunto: por que que ele não rouba na favela? Por que que não
assalta na favela? Sabe por que? Porque lá tem pena de morte pra ele”70. O rechaço
à garantia de direitos a criminosos se dá por uma ênfase na função retributiva da
pena – a prisão como lugar de “pagar seus pecados”71, legitimada pelo sentimento
popular decorrente da impunidade72.
59 Essa questão fica patente quando se observa a forma como a ideia das “leis demais” era en-
quadrada pelo deputado no passado: “Também no mesmo ano, voltou a provocar polêmica ao
defender o retorno do regime de exceção e o fechamento temporário do Congresso Nacional.
Alegava o deputado que a existência de muitas leis atrapalhava o exercício do poder e que, ‘num
regime de exceção, o chefe, que não precisa ser um militar, pega uma caneta e risca a lei que
está atrapalhando’” (Monteiro; Souza; Silva, 2010).
60 Ver Bilenky (2017).
61 Ver Bolsonaro (2017).
62 Ver Bilenky (2017).
63 Ver Bolsonaro (2011a).
64 Ver Bolsonaro (2014a).
65 Ver Bolsonaro (2011b).
66 Ver Bolsonaro (2011b).
67 Ver Bolsonaro (2014a).
68 Ver Bolsonaro (2014b).
69 Ver, por exemplo, Bolsonaro (2014a, 2014b); Moraes (2014); Bilenky (2017).
70 Ver Bolsonaro (2014b).
71 Ver Bolsonaro (2014a).
72 Ver, por exemplo, Bolsonaro (2012): “Se você fizer uma pesquisa aqui, dá, no mínimo, 85%
favorável à redução. Mas você fica com ódio a partir do momento em que aquele que cometeu
um mal pra você ou pra sua família, pra filha nossa, uma mãe, uma irmã nossa, não é punido.”
2018
128 Martin Egon Maitino
73 Bolsonaro (2014d).
74 Bolsonaro (2014a).
Plural 25.1
“Direita, sem vergonha”: conformações no campo da direita no Brasil a partir do discurso de Jair Bolsonaro 129
2018
130 Martin Egon Maitino
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Acesso em 27/10/2017.
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Plural 25.1
“Direita, sem vergonha”: conformações no campo da direita no Brasil a partir do discurso de Jair Bolsonaro 133
2018
134 Martin Egon Maitino
Plural 25.1
Artigo
Leonardo Nascimentoa, Mylena Alecrimb, Jéfte Oliveirac, Mariana Oliveirad, Saulo Costae
1 O título do artigo é uma frase proferida pelo deputado Jair Bolsonaro em uma matéria da Folha
de S. Paulo (Folha de S. Paulo, 9 Jun. 2016, p. A10).
a Doutor em Sociologia, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA). E-mail para contato:
[email protected] .
b Mestranda em Ciência Sociais, PPGCS/UFBA.
c Bolsista IC/PIBIC, UFBA.
d Mestranda em Ciência Sociais, PPGCSO/UFJF.
e Bolsista IC/PIBIC, UFBA.
PLURAL, Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.25.1, 2018, p.135-171
136 Leonardo Nascimento, Mylena Alecrim, Jéfte Oliveira, Mariana Oliveira, Saulo Costa
Abstract This article aims to present the constitution of the current congressman
Jair Bolsonaro’s public image by the political agenda associated to him in 30 years
of newspapers’ articles. Articles used were from Folha de S. Paulo and O Estado de
S. Paulo, between 1987 and 2017. During his diverse political positions, how were
his opinions within the political debate presented to readers? Would it be possible
to glimpse some continuity and/or agenda alterations, indicating – or not – some
political “coherence”? Which would be those opinions or agendas? These are some of
the questions that guided this work. In the first section of the article, some theoretical-
methodological considerations over the sources used are made, as to understand the
nature and reach of our data. Next, technologies and methods are presented, as well
as the process of data gathering and characterization. The third section describes
the construction of categories of analysis. The fourth and last section exposes the
qualitative and quantitative results obtained, mixed with reflections over the most
recurrent agenda in the articles.
Keywords Public image; Jair Bolsonaro; Media analysis.
‘Se uma forma de esquecimento puder então ser legitimamente evocada, não
será um dever calar o mal, mas dizê-lo num modo apaziguado, sem cólera’
(Paul Ricoeur, La Mémoire, l’Histoire, l’Oubli, 2000)
INTRODUÇÃO
Talvez não precise muito esforço argumentativo para nós concordarmos com a
ideia de que “a capacidade ou incapacidade dos órgãos oficiais...” – e isso incluiria
todos aqueles que ocupam cargos eletivos – “em produzir e controlar as notícias,
constitui uma parte importante do poder de governar [...]” (Bennett, 2016, p. 12).
No entanto, o entendimento acerca da relação entre a produção de notícias e o exer-
cício do poder exige, diante de cada caso específico, um esforço de investigação que
considere toda a estrutura da sociedade. Isto porque, ao analisarmos as notícias
que dizem respeito às ações de determinados agentes políticos, nós estamos, em
termos mais amplos, tentando perceber as possíveis articulações entre a memória,
a duração histórica e as disputas pelo poder.
O presente artigo tem como objetivo apresentar a constituição da imagem
pública do atual deputado federal Jair Bolsonaro a partir das pautas políticas asso-
ciadas a ele em trinta anos de matérias jornalísticas. Foram utilizadas matérias de
1987 a 2017 veiculadas por dois jornais impressos de alcance nacional: a Folha de S.
Plural 25.1
“Não falo o que o povo quer, sou o que o povo quer”: ... 137
Paulo e O Estado de S. Paulo. Ao longo dos diferentes cargos políticos que ocupou,
de que maneira seus posicionamentos dentro do debate político foram sendo
apresentados, por aqueles jornais, a uma infinidade de leitores? É possível perce-
bermos algum tipo de continuidade e/ou “coerência”? Se sim, quais seriam estes
posicionamentos? Estas são algumas das questões que animaram este trabalho.
Na primeira seção do artigo serão feitas algumas ponderações teórico-meto-
dológicas sobre as fontes que são fundamentais para a compreensão da natureza e
do alcance dos nossos dados. Em seguida, vamos apresentar as técnicas e métodos
empregados bem como o processo de coleta e caracterização dos dados. A terceira
seção descreve a construção das categorias de análise que foram utilizadas. A
quarta e última sessão é composta dos resultados qualitativos e quantitativos
obtidos permeados por reflexões sobre as pautas políticas mais recorrentes nas
matérias. Trata-se de um artigo exploratório que faz parte de um projeto sobre
mídia e política mais amplo e que ainda está sendo aperfeiçoado. Por fim, ainda
que os resultados obtidos possuam particularidades e limitações que serão deta-
lhadas logo mais abaixo, sua leitura vem em momento oportuno dentro e fora do
campo das ciências sociais.
2018
138 Leonardo Nascimento, Mylena Alecrim, Jéfte Oliveira, Mariana Oliveira, Saulo Costa
Plural 25.1
“Não falo o que o povo quer, sou o que o povo quer”: ... 139
4 Cf. http://acervo.oglobo.globo.com/.
5 Cf. https://news.google.com/newspapers?nid=0qX8s2k1IRwC
2018
140 Leonardo Nascimento, Mylena Alecrim, Jéfte Oliveira, Mariana Oliveira, Saulo Costa
6 Trata-se de uma técnica proeminente para a coleta automatizada de dados on-line. (Marres;
Weltevrede, 2013)
7 Cf. https://www.python.org/
8 Cf. https://acervo.folha.com.br
9 Cf. http://acervo.estadao.com.br/
Plural 25.1
“Não falo o que o povo quer, sou o que o povo quer”: ... 141
2018
142 Leonardo Nascimento, Mylena Alecrim, Jéfte Oliveira, Mariana Oliveira, Saulo Costa
Gráfico 2. Número total de matérias analisadas quanto ao jornal ao longo dos anos (1987-
2017).
Editorial; 5; 1%
Entrevista; 6; 1%
Plural 25.1
“Não falo o que o povo quer, sou o que o povo quer”: ... 143
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0
0
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0
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0
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Manchete Reportagem Entrevista Coluna do artigo Editorial Carta do leitor
Gráfico 4. Número total de matérias analisadas segundo o formato ao logo dos anos
(1987-2017).
2018
144 Leonardo Nascimento, Mylena Alecrim, Jéfte Oliveira, Mariana Oliveira, Saulo Costa
aos dados analisados11. Além disso, por meio da teoria fundamentada tentamos
superar a suposição subjacente às pesquisas que utilizam a análise de conteúdo,
a de que se um evento ocorre com mais frequência ele é, necessariamente, mais
importante do que um evento que ocorre raramente (Rose, 2001, p. 66).
Por fim, decidimos por não utilizar a propagada e defendida metodologia da
análise de valência (MAV) (Feres Júnior, 2016) por concordar que “a atribuição do
caráter positivo, negativo ou neutro carrega uma indiscutível carga de subjetividade”
(Miguel, 2015, p. 172). Ademais, tais metodologias negligenciam aspectos funda-
mentalmente hermenêuticos subjacentes à interpretação de matérias e terminam
por confundir “a intenção do jornal ou do jornalista, a apreciação pelos agentes
políticos, o impacto na recepção e a codificação pela equipe de pesquisa” (Miguel,
2015, p. 174). Ou seja, o ato de classificar as matérias em “contrárias”, “a favor”
ou “neutras” em relação ao deputado empobreceria as possibilidades analíticas
contidas na caracterização da imagem pública baseada nas pautas políticas que
o deputado defendeu.
Dito isso, passemos aos aspectos operacionais. Nós listamos as 536 matérias
em uma planilha eletrônica. Em uma segunda coluna, atribuímos números alea-
tórios a cada uma delas. Em seguida, ordenamos as matérias do menor valor ao
maior. Com isso foi possível tornar as matérias cronologicamente aleatórias, além
dos formatos e jornais. Em seguida, criamos cotas de 25 matérias que eram lidas
e discutidas diariamente. Todos os autores liam e discutiam as mesmas matérias
com o objetivo de detectar similaridades, diferenças, frequências, sequências,
correspondências e causalidades12 (Hatch, 2010, p. 155).
Ao longo de três rodadas de leituras percebemos a formação de alguns clusters
de pautas políticas que foram rotuladas e operacionalmente definidas. Nas três
rodadas seguintes os agrupamentos de pautas foram testados ao mesmo tempo
em que estávamos atentos a novas pautas que não se encaixavam nas que foram
criadas. Ao final da oitava rodada (200 matérias) nós decidimos que a saturação
havia sido alcançada, isto é, as leituras não despertavam novos insights, nem
revelavam novas categorias acerca das pautas políticas (Strauss; Corbin, 2008;
Charmaz, 2009).
Plural 25.1
“Não falo o que o povo quer, sou o que o povo quer”: ... 145
is part of
PAUTAPOL::Direitos dos Militares~ is part of
PAUTAPOL::Combate a
is part of is part of corrupção~
PAUTAPOL:: is part of
is part of PAUTAPOL::Apologia a Tortura e
uso da Violência~
is part of
PAUTAPOL::Apologia a Ditadura
e ao Golpe Militar~ is part of is part of is part of
PAUTAPOL::Apologia da Pena de
morte~
Tabela 1
PAUTAPOL: ANTI-DH Todos os trechos de matérias que continham temáticas
Anti-LGBT, contra refugiados, acusações de pedofilia,
racismo contra quilombolas e machismo, contra a liberdade
de expressão, ataques diretos aos defensores dos direitos
humanos.
PAUTAPOL: Anti- Todos os trechos de matérias contra demarcação de Terras
Povos e Comunidades Indígenas (por exemplo, sobre a polêmica em torno do
Tradicionais Nióbio).
PAUTAPOL: Apologia a Todos os trechos de matérias que defendiam o uso de
Tortura e uso da Violência tortura ou alguma apologia à tortura. Matérias com
incitação à violência, defesa da repressão a manifestantes.
Entram nesta categoria todas as vezes em que o deputado
disse que “vai dar surra”, “bater” ou “quebrar a cara” de
alguém. Entraram nesta categoria as falas sobre tortura
relacionadas a Guerrilha do Araguaia e, também, o pedido
de fuzilamento do então presidente Fernando Henrique
Cardoso.
PAUTAPOL: Apologia da Todos os trechos de matérias que defendiam a pena de
Pena de morte morte.
Continua...
2018
146 Leonardo Nascimento, Mylena Alecrim, Jéfte Oliveira, Mariana Oliveira, Saulo Costa
Tabela 1. Continuação...
PAUTAPOL: Apologia Todos os trechos de matérias em defesa do golpe militar e/
Ditatura e Golpe Militarou fechamento do Congresso. Todos os trechos com defesa
e/ou apologia à intervenção militar e/ou à ditadura militar.
Entraram também trechos com defesa da censura e toda
e qualquer menção que exaltasse o regime militar. Foram
codificados, por exemplo, os trechos das matérias que
descreviam a homenagem do deputado ao coronel Carlos
Alberto Brilhante Ustra
PAUTAPOL: Campanha à Todos os trechos de matérias sobre a campanha para a
presidência presidência em 2018. Por exemplo, matérias sobre o uso de
redes sociais para a campanha.
PAUTAPOL: Combate a Todos os trechos de matérias pedindo o combate e/ou
corrupção denunciando corrupção.
PAUTAPOL: Direitos dos Todos os trechos de matérias com reivindicações salariais
Militares para os militares. Trechos que tratavam do pedido de
isonomia salarial de generais ou sobre a defesa dos
direitos/interesses dos militares etc.
PAUTAPOL: Militarização Todos os trechos de matérias sobre a legalização do porte
da Sociedade de arma e a defesa da militarização das escolas. Entram
nessa categoria os trechos sobre a defesa do uso de armas
de fogo pela Guarda Municipal e, também, questões sobre
segurança pública e o estatuto do desarmamento.
PAUTAPOL: Política Todos os trechos de matérias que relatavam apoio,
Externa reverência ou acusação a governos exteriores ao Brasil. Por
exemplo, a defesa da ditadura de Alberto Fujimori no Peru,
apoio a Donald Trump, etc..
PAUTAPOL: OUTROS Categoria residual usada para trechos que os codificadores
consideraram relevantes e que não se encaixavam nas
categorias acima. Posteriormente, esta categoria poderia
ser desmembrada e recategorizada.
Plural 25.1
“Não falo o que o povo quer, sou o que o povo quer”: ... 147
selecionadas para compor a amostra, elas foram codificadas por todos os codifica-
dores através do ATLAS.ti. As unidades hermenêuticas13 foram unificadas (merge)
e os dados enviados para a página Coding Analysis Toolkit (CAT)14. Foram utili-
zadas as comparações padrão (standard comparisons) e o parâmetro escolhido
foi o Kappa de Fleiss (Fleiss, 1971). Os valores obtidos para as categorias, nas duas
testagens variaram de 0,83 a 0,7215, indicando um grau aceitável de confiabilidade
entre os codificadores (K rippendorff, 2004).
4. ANÁLISES E RESULTADOS
2018
148 Leonardo Nascimento, Mylena Alecrim, Jéfte Oliveira, Mariana Oliveira, Saulo Costa
da revista Veja (Veja, 28 out. 1987, p. 56-57) que, embora esteja publicada com a
data de 28 de outubro de 1987, já estava circulando e sendo debatida pela imprensa
dois dias antes, em 26 daquele mesmo mês e ano. Todas as matérias publicadas
nos anos seguintes abordam o desenrolar dessa história.
Na Folha de S. Paulo (vide Gráfico 2), nenhuma matéria foi publicada sobre Jair
Bolsonaro em seu primeiro cargo eletivo de vereador do Rio de janeiro (1989-1991).
A primeira matéria só vai ocorrer em 18 de abril de 1992, durante seu mandato
como Deputado Federal (1991 a 1995) pelo Rio de Janeiro, cuja posse ocorreu
em 1.º de fevereiro de 1991. A matéria trata de uma pauta política recorrente do
deputado, tal como veremos adiante, ao longo de todas as notícias analisadas: a
questão da defesa dos interesses dos militares por meio de isonomia e aumentos
salariais (Folha de S. Paulo, 18 abr. 1992, p.5). A segunda matéria publicada na
Folha de S. Paulo trata do insulto proferido pelo deputado contra o então Ministro
do Exército Carlos Tinoco (Folha de S. Paulo, 01 mai. 1992, p.6).
Nas reportagens analisadas foi possível encontrar muitos episódios de insultos
do deputado Jair Bolsonaro contra uma diversidade de pessoas:
Bolsonaro reagiu: ‘Vossa excelência tem uma tremenda cara de pau’. Aplaudi-
do pelos funcionários, emendou: ‘todos os funcionários gostariam de ter um
aumento apenas aparente’. Bresser ficou impassível. Respondeu às perguntas
de outros dois deputados e ignorou Bolsonaro. Irritado Bolsonaro o acusou de
‘sem vergonha’. Mais uma vez, aplaudido, repetiu cinco vezes a acusação e deixou
a sala. (Folha de S. Paulo, 24 mar. 1995, p.4).
‘Não estou preocupado com a reação do presidente. Ele foi um traidor mes-
mo. E repito isso quantas vezes precisar’, foi o complemento de Jair Bolsonaro,
acompanhando sua precaução de mandar a Fernando Henrique um fax com as
declarações. (Folha de S. Paulo, 13 set. 1996, p.5).
Plural 25.1
“Não falo o que o povo quer, sou o que o povo quer”: ... 149
Logo que Dirceu começou a falar brotou o tumulto: ele dizia defender a liberda-
de de imprensa porque foi vítima da censura e da ditadura. ‘Terrorista!’, gritou
quatro vezes Jair Bolsonaro. (O Estado de S. Paulo, 23 jun. 2005, p. A8).
‘Todo mundo apenas fala do gay, já reparou? Do homossexual ativo ninguém fala,
apenas dos boiolas. Senhor presidente (Severino), temos de começar a desmas-
carar este governo: se a corrupção existe nesta Casa, quem a pratica, o homos-
sexual ativo, é o presidente Lula’, disse. ‘Temos de começar um movimento para
desbancar o presidente da República. Não queremos homossexual passivo nem
ativo neste governo’. (O Estado de S. Paulo, 24 jun. 2005, p. A9).
2018
150 Leonardo Nascimento, Mylena Alecrim, Jéfte Oliveira, Mariana Oliveira, Saulo Costa
200 191
150
141 114
100
70 73
50 30 41
12 14 15 17
0
PAUTAPOL::ANTI-DH
PAUTAPOL::OUTROS
PAUTAPOL::Política Externa
PAUTAPOL::Combate a corrupção
PAUTAPOL::Militarização da Sociedade
PAUTAPOL::Campanha à presidência
Plural 25.1
“Não falo o que o povo quer, sou o que o povo quer”: ... 151
escapam aos olhos dos espectadores históricos. O Gráfico 6, abaixo, nos revela
algumas dinâmicas interessantes que, obviamente, poderiam vir a ser cotejadas
com o trabalho parlamentar do deputado a fim de comprovarmos ou não sua
correspondência. Nas análises que se seguem, nós optamos por discorrer sobre
as quatro pautas políticas de ocorrência mais frequente, pois eram justamente as
mais relevantes para a configuração da imagem pública de Jair Bolsonaro.
Frequência das pautas políticas ao longo dos anos (1987-2017)
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0 20
20 6
20 9
20 0
20 1
20 2
20
20 4
20 2
20
20 4
20 5
20
20 7
20
19
19 7
19 8
19 9
19 0
19 1
19
19 3
19
19 5
19 6
19 7
19 8
20 9
20 0
20 1
8
8
8
9
9
92
9
94
9
9
9
9
9
15
1
17
0
1
1
1
13
1
0
0
0
03
0
0
06
0
08
Os militares podem obter um aumento de até 160%, em seus soldos, caso tenha
parecer positivo o requerimento feito no dia 24 ao Estado-Maior do Exército pelo
capitão Jair Bolsonaro, vereador pelo município do Rio. No requerimento, o capi-
tão pede a revisão do decreto de 9 de janeiro, que extinguiu a isonomia salarial
com o Superior Tribunal Militar (STM). (O Estado de S. Paulo, 3 mar. 1989, p. 6).
Jair Bolsonaro (PP-RJ) esclarece que, em audiência com o ministro Nelson Jobim
(Defesa), manifestou-se contra a desvinculação dos salários de militares da ativa
das aposentadorias. (Folha de S. Paulo, 19 abr. 2008, p. A4).
2018
152 Leonardo Nascimento, Mylena Alecrim, Jéfte Oliveira, Mariana Oliveira, Saulo Costa
Imagem 2. Matéria de 1992, quando Jair Bolsonaro estacionou seu carro na entrada da
Academia Militar das Agulhas Negras, impedindo a entrada do então ministro do exército
Carlos Tinoco (Folha de S. Paulo, 16 ago. 1992, p. 7).
Plural 25.1
“Não falo o que o povo quer, sou o que o povo quer”: ... 153
Os exemplos são tão diversos e numerosos que seria impossível relatar todos
eles no espaço deste artigo. Seguem abaixo alguns exemplos icônicos:
2018
154 Leonardo Nascimento, Mylena Alecrim, Jéfte Oliveira, Mariana Oliveira, Saulo Costa
Uma análise dessa categoria parece revelar que o uso da força parece ser o
único meio de colocar ordem em uma sociedade em uma suposta decadência e/
ou descontrole. Dentro desse raciocínio, o retorno da ordem social advém da
disciplina, e o único meio de implantar a disciplina é mediante a violência. Essa
interpretação vai desde a situação doméstica, passando pelo tratamento aos que
se opuseram à ditadura, até o combate à corrupção.
Plural 25.1
“Não falo o que o povo quer, sou o que o povo quer”: ... 155
mulheres.’ [...] ‘Teve gente torturada, sim. Nós não negamos. Você só pode obter
informações dessa maneira, é a regra do jogo. O pessoal da esquerda fazia bes-
teira —carro-bomba, sequestro – e depois se vitimizava. Se o cara matou colega
seu, é do ser humano pegar para arrebentar. Hoje, com a cabeça que tenho, faria
muito melhor. Tem que eliminar. Guerra é guerra’ (Folha de S. Paulo, 16 mai.
2011, Folhateen, p. 10-11).
O deputado nega que tenha sido favorável a ditaduras, ‘muito menos’ à tortura,
embora, contraditoriamente, faça apologia do regime militar, em que a prática
está fartamente documentada. ‘Eu defendo a verdade sobre o período. Você
tinha direito de ir e vir. Não tinha essa violência que está aí fora. E com essa de
tortura que você fala aí, olha, é tática de qualquer pessoa aprisionada falar que
foi maltratada para buscar compaixão’ (Folha de S. Paulo, 9 jun. 2016, p. A10).
17 “Conversas e textos políticos envolvem assumir, negociar ou impor ontologias do discurso - re-
presentações de pessoas, objetos, lugares etc., que existem, e as relações entre eles, isto é, quem
faz (fez, pode fazer, ou vai fazer) o quê para quem, quando e onde, quem ou o que causou o quê,
etc.” (Chilton, 2004, p. 203).
2018
156 Leonardo Nascimento, Mylena Alecrim, Jéfte Oliveira, Mariana Oliveira, Saulo Costa
tares em setores da classe média alemã” (Elias, 1997, p. 27). E, além disso, devido
a relação que tais modelos guardam com processos históricos de longa duração
da constituição da Alemanha. Da mesma maneira e guardando as devidas parti-
cularidades: cada ato de linguagem em apologia ao uso violência proferido pelo
deputado só pode vir a ser devidamente interpretado se considerarmos como os
limites – ou melhor dizendo, a falta de limites – no uso da violência estiveram no
centro da estrutura de organização do poder da sociedade brasileira (Adorno, 1995).
Plural 25.1
“Não falo o que o povo quer, sou o que o povo quer”: ... 157
nem discriminar, mas, se eu ver (sic) dois homens se beijando na rua, vou bater’
(Folha de S. Paulo, 19 mai. 2002, p. C9).
À Rádio Tupi, do Rio, Bolsonaro voltou a dizer ontem que não é racista (ele já
havia dito que a mulher é afrodescendente e o sogro, negão), mas ampliou os
ataques aos gays. Para ele, é preferível uma criança morar na rua a ser adotada
por um casal gay (Folha de S. Paulo, 01 abr. 2011, P. C4).
‘Nenhum pai tem orgulho de ter um filho gay’, diz o deputado a Fry (A Folha de
S. Paulo, 7 jun. 2014, p. E16).
Agora criaram a Frente Gay na Câmara. O que esse pessoal tem para oferecer?
Casamento gay? Adoção de Filhos? Dizer pra vocês, jovens, que se tiverem um
filho gay é legal, vai ser o orgulho da família? Esse pessoal não tem nada a ofe-
recer (Folha de S. Paulo, 31 mar. 2011, p. C11).
2018
158 Leonardo Nascimento, Mylena Alecrim, Jéfte Oliveira, Mariana Oliveira, Saulo Costa
Em seguida, em maio de 2011, uma nova onda de reportagens por conta das
reações do deputado ao material do “Escola sem Homofobia”, elaborado pelo Minis-
tério da Educação para formação dos professores acerca de questões de gênero
e sexualidade19. As notícias gravitavam em torno de um panfleto elaborado pelo
deputado com críticas ao “Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos
19 “O Projeto Escola sem Homofobia visa contribuir para a implementação e a efetivação de ações
que promovam ambientes políticos e sociais favoráveis à garantia dos direitos humanos e da
respeitabilidade das orientações sexuais e identidade de gênero no âmbito escolar brasileiro”.
Plural 25.1
“Não falo o que o povo quer, sou o que o povo quer”: ... 159
‘Eu não quero que o meu filho menor vá brincar com o filho adotivo de dois
homossexuais. Não deixo. Não quero que ele aprenda com o filho do vizinho
que a mamãe usa barba, que isso é normal. Não vou deixá-lo nessas companhias
porque o futuro do meu filho também será homossexual’, disse o deputado. ‘Vão
dizer que estou discriminando e estou, sim’(...) ‘Se ser homofóbico é defender as
crianças nas escolas, defender a família e a palavra de Deus, pode continuar me
chamando de homofóbico com muito prazer, pode me dar o diploma de homo-
fóbico’, declarou (O Estado de S. Paulo, 7 mai. 2011, p. A21).
Em dezembro de 2014, uma nova polêmica. Desta vez por conta de um pronun-
ciamento proferido pelo deputado na Câmara dos Deputados, onde repetiu uma
afirmação feita em 2003, de que não estupraria a Deputada Maria do Rosário
(PT-RS) porque “ela não mereceria” (Folha de S. Paulo, 11 dez. 2014, p. A12) (vide
Imagem 6 a seguir).
Disponível em http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2015/11/kit-gay-
-escola-sem-homofobia-mec1.pdf acessado em 12 fev. 2018.
2018
160 Leonardo Nascimento, Mylena Alecrim, Jéfte Oliveira, Mariana Oliveira, Saulo Costa
O Brasil precisa de gente como esse deputado para se contrapor às ideias libe-
rais vendidas pela mídia. Carlos Garibaldo, via Folha.com. (Folha de S. Paulo,
23 mai. 201, Folhateen, p. 3).
Essa deputada chamou Bolsonaro de estuprador. Ela é quem deve ser punida.
Isso é crime de difamação. MARCELO FREITAS (O Estado de S. Paulo, 13 dez.
2014, p. A3).
Plural 25.1
“Não falo o que o povo quer, sou o que o povo quer”: ... 161
2018
162 Leonardo Nascimento, Mylena Alecrim, Jéfte Oliveira, Mariana Oliveira, Saulo Costa
do Poder Legislativo. O que tenho feito nas minhas reuniões é alertar para isso,
exatamente. Sou a favor, sim, de uma ditadura, de um regime de exceção, desde
que este Congresso Nacional dê mais um passo rumo ao abismo, que no meu
entender está muito próximo. Perguntaria: na atual democracia, temos como
resolver os problemas nacionais? (Brasil, 1993, p. 13530)
Plural 25.1
“Não falo o que o povo quer, sou o que o povo quer”: ... 163
gonha para as Forças Armadas, e sim para um país que demonstra não saber
aquilatar o valor da palavra ‘liberdade’. Os militares mantiveram a inflação em
níveis muito baixos, graças aos tanques apontados para as classes produtora e
comercial, e o povo, mesmo pobre, comprava seus bens duráveis. Hoje, a classe
dominante fez retroceder o País, sua cultura e seus valores, numa verdadeira
viagem ao colonialismo e até mesmo ao coronelismo. Leo Lingnau. Jaraguá do
Sul (SC) (O Estado de S. Paulo, 08 jul. 1993, p. 3).
Doze anos depois, em 2005, mais um episódio polêmico. Desta vez por conta
de uma sessão solene na Câmara dos Deputados, organizada por Jair Bolsonaro, de
tributo aos militares que participaram da Guerrilha do Araguaia. A sessão contou
com a presença do tenente-coronel da reserva do Exército Brasileiro, Lício Augusto
Ribeiro Maciel. Ao tenente-coronel é atribuído o sequestro, tortura, assassinato e
ocultação de cadáver de diversos militantes da guerrilha20 (Maklouf, 2004).
Saudado por Bolsonaro como ‘herói do Araguaia’, o coronel Lício ocupou a tri-
buna por uma hora fazendo um relato frio sobre a morte dos guerrilheiros e
demonstrando orgulho da operação. Ele chegou a chorar ao falar de outros mili-
tares que também estiveram na repressão da guerrilha. (O Estado de S. Paulo,
25 jun. 2005, p. A11).
2018
164 Leonardo Nascimento, Mylena Alecrim, Jéfte Oliveira, Mariana Oliveira, Saulo Costa
Plural 25.1
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166 Leonardo Nascimento, Mylena Alecrim, Jéfte Oliveira, Mariana Oliveira, Saulo Costa
Quando dizemos que nossos índices sociais são, em alguns casos, africanos, que
nossa polícia é a polícia que mais mata, que o desrespeito aos direitos humanos
e a tortura são endêmicos em nossas delegacias e presídios, que a concentração
de renda brasileira continua sendo a maior do universo econômico conhecido –
ou que os bárbaros, assassinos e torturadores da ditadura militar brasileira não
foram minimamente punidos, não sofreram nenhum constrangimento público
ou político e estão muito bem, obrigado, aposentados, condecorados e premiados,
de chinelo em casa, ou ainda na ativa no Exército brasileiro ou, o que consegue
ser ainda pior, em funções públicas de Estado –, quando elencamos o rosário
da face bárbara de nossa vida social real, nunca resgatada, o que é o único papel
histórico verdadeiro da esquerda, a posição ideológica predominante e a defesa
subjetivante política hegemônica que se observa é a recusa generalizada em tor-
nar esses fatos de fato plenamente conscientes, como objetos de um trabalho do
sujeito histórico [...] (Ab’sáber, 2010, p.195 apud Teles; Safatle, 2010)
Neste sentido, todas estas matérias com declarações de apoio e/ou defesa do
regime militar representam um convite à investigação e reflexão. De que maneira
21 “Tomemos, por exemplo, um presidente que declara ‘está encerrada a sessão’ ou um padre que diz ‘eu
te batizo’. Por que esta linguagem possui um poder? Não são as palavras que agem por uma espécie de
poder mágico. O que ocorre é que, em dadas condições sociais, certas palavras têm força. Tiram sua
força de uma instituição que possui sua própria lógica os títulos, o arminho e a toga, o púlpito, a palavra
ritual, a crença dos participantes etc. A sociologia chama a atenção para o fato de que não é a palavra
que age, nem a pessoa permutável que a pronuncia, mas a instituição” (Bourdieu, 1983, p. 26).
Plural 25.1
“Não falo o que o povo quer, sou o que o povo quer”: ... 167
todos os processos e julgamentos após o fim da ditadura ainda não foram “histo-
ricamente suficientes” para que a sociedade brasileira pudesse se apropriar – no
sentido de prestar contas – do que, de fato, aconteceu nesse período? Obviamente
que o problema desta “apropriação histórica dos acontecimentos” guarda uma forte
relação com a mudança geracional. O público aparentemente jovem que costuma
aderir ao “mito” Jair Bolsonaro parece ignorar as atrocidades do regime ditatorial
brasileiro porque,
5. À GUISA DE CONCLUSÃO
A discussão sobre o papel da mídia nos processos políticos das sociedades
contemporâneas permanece longa e ainda em aberto para as ciências sociais.
Embora persista uma polifonia de vozes e tomadas de posição acerca deste debate,
parece que ele gira muito mais em avaliar o grau, o alcance e os efeitos do que
propriamente em negar o papel central e preponderante das mídias no mundo em
que vivemos. A tentativa do artigo foi a de contribuir para este debate ao apresentar
a imagem pública do deputado Jair Bolsonaro baseando-se nas pautas políticas
que defendeu ao longo de 30 anos de matérias.
Por meio de técnicas de coleta e análise de dados digitalizados foi possível
mapearmos como o deputado se posicionou dentro do debate público mediante
um conjunto de pautas políticas que deram a tônica da sua imagem pública. Em
diversos momentos sugerimos que uma exegese mais profunda de cada uma
daquelas pautas políticas passaria, necessariamente, por um entendimento da
estrutura da sociedade brasileira. Foi por este motivo que escolhemos uma frase
do próprio deputado Jair Bolsonaro para intitular o presente trabalho.
2018
168 Leonardo Nascimento, Mylena Alecrim, Jéfte Oliveira, Mariana Oliveira, Saulo Costa
Por fim, foi possível detectar coerências no discurso que o deputado expressa
em repetidas tomadas de posição que, por sua vez, acarretavam manchetes, colunas,
entrevistas, cartas de leitores etc. Como dissemos anteriormente, este é um
trabalho inicial que precisa ser considerado à luz dos outros jornais e, posterior-
mente, cotejado com o próprio trabalho parlamentar. Não obstante esse caráter de
incompletude, acreditamos ter oferecido ao debate acadêmico e extra-acadêmico
um retrato esboçado de um político que, ao que tudo indica, será forte candidato
à presidência do Brasil nas próximas eleições.
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“Não falo o que o povo quer, sou o que o povo quer”: ... 171
2018
Palestra
Sergio Micelia
Abstract Sergio Miceli’s lecture approaches the relevance that written press and
television, as well as other agents and commercial means, took over time in Brazil.
According to his diagnosis, they began to dispute the intellectual hegemony with the
traditionally knowledge producing sector: the university. That said, it should be
time to reflect upon the role of the intellectual in the university and the search for
solutions in this symbolic war.
Keywords Public University; Press; Intellectuals.
PLURAL, Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.25.1, 2018, p.172-177
Intelectuais, mídias e universidade pública em contexto de peleja 173
2018
174 Sergio Miceli
Plural 25.1
Intelectuais, mídias e universidade pública em contexto de peleja 175
4 Colóquio Pierre Bourdieu no Rio de Janeiro – 15 anos da morte do escritor, realizado entre os
dias 05 e 09 de dezembro de 2016. Ver http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/coloquiobour-
dieu/, acessado em 29 jun. 2018.
2018
176 Sergio Miceli
Plural 25.1
Intelectuais, mídias e universidade pública em contexto de peleja 177
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PLURAL, Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.25.1, 2018, p.178-185
Da crise do liberalismo à hegemonia neoliberal 179
Ele também produz certos tipos de relações sociais, certas maneiras de viver,
certas subjetividades. Em outras palavras, com o neoliberalismo, o que está
em jogo é nada mais nada menos do que a forma de nossa existência, isto é, a
forma como somos levados a nos comportar, a nos relacionar com os outros e
com nós mesmos. O neoliberalismo define certa norma de vida nas sociedades
ocidentais e, para além dela, em todas as sociedades que as seguem no caminho
da modernidade. Essa norma impõe a cada um de nós que vivamos num univer-
so de competição generalizada, intima os assalariados e as populações a entrar
em luta econômica uns contra os outros, ordena as relações sociais segundo o
modelo do mercado, obriga a justificar desigualdades cada vez mais profundas,
muda até o indivíduo, que é instado a conceber a si mesmo e a comportar-se
como uma empresa. Há quase um terço de século, essa norma de vida rege as
políticas públicas, comanda as relações econômicas mundiais, transforma a
sociedade, remodela a subjetividade (Dardot; Laval, 2016, p. 16).
2018
180 Samuel Silva Borges
Plural 25.1
Da crise do liberalismo à hegemonia neoliberal 181
2018
182 Samuel Silva Borges
Plural 25.1
Da crise do liberalismo à hegemonia neoliberal 183
2018
184 Samuel Silva Borges
Plural 25.1
Da crise do liberalismo à hegemonia neoliberal 185
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PLURAL, Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.25.1, 2018, p.186-201
Frentes epistemológicas, frentes políticas: resenha de Direita, volver! O retorno da direita e o ciclo político brasileiro 187
2018
188 César Niemietz
Plural 25.1
Frentes epistemológicas, frentes políticas: resenha de Direita, volver! O retorno da direita e o ciclo político brasileiro 189
2018
190 César Niemietz
Plural 25.1
Frentes epistemológicas, frentes políticas: resenha de Direita, volver! O retorno da direita e o ciclo político brasileiro 191
2018
192 César Niemietz
Embora seja impossível aferir que os estratos médios tendem sempre a assi-
milar esses discursos com mais facilidade, no caso da cidade de São Paulo, estudado
pelo autor, há uma correlação entre a proeminência desses discursos autoritários-
-securitários e os referidos estratos. O mesmo não é observado nos estratos mais
periféricos da cidade, uma vez que se observa entre eles sobretudo a votação em
candidatos alinhados ao discurso religioso que, embora não possa ser reduzido
e compreendido como expressão do conservantismo, possui relações profundas,
como indicam os recentes estudos efetuados pelos sociólogos que atualmente se
dedicam à análise das questões religiosas.
No capítulo sete, a relação entre o discurso religioso e os pensamentos perten-
centes ao espectro da direita é pesquisada por Julio Córdoza Villazón, em artigo
intitulado “Velhas e novas direitas religiosas na América Latina: os evangélicos
como fator político”. Afirma o autor que a presença evangélica no espaço público
latino-americano, de maneira esquemática, sucedeu-se por quatro etapas. A
primeira delas, datada da passagem do século XIX para o século XX, pautou-se
pela defesa da liberdade religiosa frente o Estado. O segundo momento esteve rela-
cionado com a polarização ideológica dos anos 1960 e 1970, na qual os evangélicos
assumiram uma postura pouco combativa contra regimes militares, tendendo a
apoiá-los. Já nos anos 1980 e 1990, durante o processo de redemocratização, a
presença religiosa passou a se institucionalizar na lógica partidária, sendo possível
assinalar a criação de partidos políticos de base evangélica. Por fim, a partir dos
anos 2000 o que se percebe é a mudança de atuação política dos evangélicos, não
mais veiculadas sobre partidos abertamente de confissão evangélica, mas sim
através de uma força moral exercida sobre partidos diversificados.
No século XXI, de acordo com Villazón, os autointitulados grupos “pró-família”
e “pró-vida” passam a adquirir uma grande influência na vida política brasileira.
A composição social desses grupos, como se sabe, obedece a um discurso rigo-
roso, e muitas vezes abertamente intransigente, segundo o qual há um modelo
correto de socialização centrado na família nuclear, heterossexual e liderada pelos
homens. Quando presente no espaço público, tais discursos tendem a estabelecer
práticas avessas às mudanças sociais. Os discursos teológicos, por serem lidos
como sagrados, tendem a se impor sobre as diferenças no jogo político ao redor da
América Latina, como é o caso das batalhas travadas sobre os corpos das mulheres
no que se refere às tentativas de regulamentação do aborto e da implementação de
métodos contraceptivos, atualmente em curso em países como Brasil, Nicarágua,
Costa Rica, Peru, Equador e Bolívia.
Plural 25.1
Frentes epistemológicas, frentes políticas: resenha de Direita, volver! O retorno da direita e o ciclo político brasileiro 193
1 Ao observador atento não passou despercebido que a atual promessa de renovação do PSDB,
o empresário João Dória Jr., atuou como um dos líderes, dez anos atrás, dos atos do Cansei.
Na ocasião, Dória Jr. afirmou que as duas principais pautas do movimento eram o combate
à corrupção e a reforma tributária. Desde então, como se viu, tais bandeiras permaneceram
flamulando nos movimentos de direita. Ver: “Prefiro cães à ladrões”, entrevista publicada em
Revista Veja, edição 2023, 29 de agosto de 2007.
2018
194 César Niemietz
A esquerda foi mais lenta e menos capaz de disputar o senso comum nas redes
sociais. A direita cresceu compartilhando reportagens da revista Veja, textos de
Olavo de Carvalho, discursos do Bolsonaro, notícias contra a corrupção do PT
combinadas às críticas contundentes às políticas sociais do governo Lula (Ama-
deu, 2015, p. 223)
Plural 25.1
Frentes epistemológicas, frentes políticas: resenha de Direita, volver! O retorno da direita e o ciclo político brasileiro 195
2018
196 César Niemietz
Plural 25.1
Frentes epistemológicas, frentes políticas: resenha de Direita, volver! O retorno da direita e o ciclo político brasileiro 197
2 A definição oferecida por Camila Rocha engloba todas as instituições permanentes de “pesquisa
e análise de políticas públicas que atuam a partir da sociedade civil, procurando informar e
influenciar tanto instâncias governamentais como a opinião pública no que tange à adoção de
determinadas políticas públicas” (Rocha, 2015, p.262).
3 Os dados que Camila Rocha utiliza são provenientes do relatório de 2014, quando o Brasil contava
com 82 instituições. Em dois anos esse número subiu para 89 instituições. A Argentina, país no
qual se encontram o maior número de thinks tanks da América Latina, manteve estável sua lista
de 137 instituições, o que demonstra uma crescente tendência na criação dessas instituições no
Brasil. Ver: Global Go To Think Tank Index Report, University of Pennsylvania, 2016.
2018
198 César Niemietz
Latina somente durante os anos 1980 e 1990, e atuação do Atlas, nesse sentido,
foi fundamental para a padronização do discurso levado adiante por essas insti-
tuições recém-criadas.
Com o passar dos anos as políticas públicas implementadas sob influência
desses thinks tanks não resultaram necessariamente em crescimento econômico e
melhores condições de vida para as populações, contrariando na prática o discurso
formulado pelos seus defensores. Na América Latina, esse fracasso acarretou
uma crescente simpatia por agendas políticas progressistas como ficou evidente
nas eleições que levaram ao poder vários políticos de esquerda, durante primeira
década dos anos 2000. Com o referido turn left, os think tanks latino-americanos
passaram a desfrutar de menor influência direta nos governos, o que resultou
numa mudança em suas frentes de atuação, buscando uma maior abrangência e
disseminação de suas visões de mundo nos setores civis. Desde então esses think
tanks não pararam de crescer: em 2005 eram 35; em 2014, período abordado pelo
artigo de Camila Rocha, eram 72; e em 2017, são 82 instituições filiadas ao Atlas,
4
todas elas recebendo constantes e crescentes aportes financeiros de variados
setores ligados ao empresariado nacional e internacional.
O último capítulo da obra, intitulado “O golpe parlamentar no Paraguai. A
dinâmica do sistema de partidos e o poder destituinte do Congresso”, escrito por
Fernando Martínez-Escobar e José Tomás Sánchez-Gómez, amplia o olhar para
o que ocorreu no Paraguai em 2013, com a controvertida deposição do presi-
dente eleito Fernando Lugo, através do impeachment organizado pelo Congresso.
Segundo os autores, o Congresso paraguaio se tornou um poder destituinte-arbi-
trário, de modo que as maiorias políticas adquiriram a capacidade discricionária
de deposição de um presidente legitimamente eleito com base em provas incon-
sistentes – de “conhecimento público”, no caso.
As raízes do processo são familiares a vários países da América do Sul. No
caso específico do Paraguai, desde o século XIX, as mudanças políticas haviam
sido efetuadas contando sempre com o protagonismo das forças armadas, aliados
a setores civis, em detrimento de mecanismos políticos democráticos. Segundo
os autores, somente na eleição de Fernando Lugo, em 2008, houve de fato uma
4 No Brasil as instituições filiadas à rede Atlas e que defendem o livre mercado são: Centro In-
terdisciplinar de Ética e Política Personalista, Estudantes Pela Liberdade, Instituto de Estudos
Empresariais, Instituto de Formação de Líderes, Instituto Liberal de São Paulo, Instituto Li-
beral, Instituto Liberdade, Instituto Ludwig Von Mises Brasil, Instituto Millenium, Líderes do
Amanhã, Mackenzie Center for Economic Freedom e Students for Liberty Brazil. Ver: https://
www.atlasnetwork.org/partners/global-directory/latin-america-and-caribbean/3 (acessado
em 25/06/2017).
Plural 25.1
Frentes epistemológicas, frentes políticas: resenha de Direita, volver! O retorno da direita e o ciclo político brasileiro 199
2018
200 César Niemietz
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2015, p. 75-91.
Plural 25.1
Frentes epistemológicas, frentes políticas: resenha de Direita, volver! O retorno da direita e o ciclo político brasileiro 201
2018
Artigo
Abstract Due to the prominence and relevance of the superhero characters in the
current film scenario and the comprehension of cinema as a specific and privileged
object for analysis of the social world, this project aims to understand especially
how the dilemmas and anxieties related to the individuals and the individuality are
constructed in these caracters. As Pierre Sorlin elaborates on its proposal to film
studies, the preferred methodology in this research is the internal analysis of the
film Captain América: The First Avenger (2011).
Keywords Individuality; Superheroes; Film; Captain America: Sociological Theory.
1 Este artigo compreende uma versão estendida do texto apresentado no II Seminário Discente do
Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo. Formulado a partir
da pesquisa de mestrado “Super-heróis e indivíduos na contemporaneidade: dilemas e anseios
presentes nas personagens de Os Vingadores”, realizada na Universidade Federal de São Paulo
com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, sob a
orientação do Prof. Dr. Mauro Luiz Rovai.
a Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo. Contato: cristiana.dmar-
[email protected].
PLURAL, Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.25.1, 2018, p.202-225
Aspectos da individualidade em personagens de super-heróis: perspectivas sociológicas e o caso do capitão américa 203
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Figuras emblemáticas no contexto da cultura pop, primeiramente consoli-
dadas como personagens de Histórias em Quadrinhos (HQs), os super-heróis
têm retomado seu destaque através do cinema. Essa trajetória transmidiática,
que segundo especialistas traz diferenças significativas na forma como esse tipo
de personagem é retratada e construída em cada uma das mídias (A ranha et al,
2009), revelou-se comercialmente potente; os super-heróis no cinema são capazes
de levar multidões às salas de exibição ao redor do mundo e seu alcance ultrapassa
os limites da grande tela.
Faz-se interessante comentar que, apesar de terem demonstrado potencial de
mercado a partir dos anos 70, com filmes como Super-Homem (1978) e Batman
(1989), as adaptações das estórias de super-heróis dos quadrinhos para o cinema
ganharam verdadeiro destaque e consolidação enquanto gênero cinematográfico
no século XXI (A ranha et al, 2009, p. 88; Costa; Orrico, 2013, p. 7).
2018
204 Cristiana D. Martins
Apesar dos autores acima tratarem dos heróis, em sua abordagem mais ampla,
essa proposição também é válida para os super-heróis. Não se trata aqui em enten-
dermos o caso dos super-heróis como único dentre as estórias que o cinema tem
contado, mas de compreender que essas mudanças também afetaram esse tipo
de personagem. Há hoje um novo tipo de super-herói que tem sido significante ao
público de uma maneira diferente. O enfoque dos filmes do gênero é a personagem
do super-herói. O nome dos filmes é sempre o nome do super-herói, às vezes
acompanhado de qual vilão ou ameaça irá combater. Assim, é possível entender
que, por mais que haja um problema que desencadeia o enredo, a trama dos filmes
gira em torno da personagem do super-herói e como que a personagem irá lidar
com seus dilemas e com a ameaça maior que pode destruir toda a cidade, todo o
mundo ou, até mesmo, todo o universo.
Nesse contexto, os super-heróis que compõem o grupo Os Vingadores, da
Marvel2, encontram-se em posição de destaque. Inspirada pela série de HQs, onde
foi criado o grupo, e impulsionada pelo sucesso de bilheteria de Homem-Aranha
(Spiderman, 2002) e Hulk (2004), em 2008, a Marvel criou um projeto para a
produção de filmes cujas estórias estariam interligadas e culminariam com o
lançamento de Os Vingadores (The Avengers, 2012). Assim, foram produzidos e
lançados cinco filmes que serviriam de base para o filme em questão: O incrível
2 A Marvel Comics, fundada em 1930, é uma das editoras mais importantes no ramo das histó-
rias em quadrinhos, ao lado da DC Comics, sua corrente mais direta. Em 2009, a Marvel foi
comprada pela Walt Disney Company.
Plural 25.1
Aspectos da individualidade em personagens de super-heróis: perspectivas sociológicas e o caso do capitão américa 205
Hulk (The incredible Hulk, 2008), Homem de Ferro (Iron Man, 2008), Homem
de Ferro 2 (Iron Man 2, 2010), Thor (Thor, 2011) e Capitão América - o primeiro
Vingador (Captain America: the first avenger, 2011).
Além do representativo sucesso de bilheteria de tais filmes3, a repercussão
de suas personagens é bastante significativa. É possível encontrar, com facilidade,
muitas referências a essas personagens em produtos (camisetas, bonés, mochilas,
squeezes, etc.), sites e blogs especializados em discutir e divulgar os filmes e
diversas referências feitas nas redes sociais.
Entretanto, é importante destacar que ao tomar como objeto de análise filmes
tidos como blockbusters não significa que se tenha, aqui, uma concepção do
cinema americano como um sistema totalizante ou que se suponha a existência de
um processo de americanização do mundo através do cinema. Com relação isso,
Gilles Lipovetsky e Jean Serroy apontam que o domínio e o alcance das produções
cinematográficas americanas relacionam-se, além das razões mercadológicas, à
projeção, em tela, de uma cultura mais essencialmente cosmopolita do que ameri-
cana (Lipovetsky; Serroy, 2011, p. 124). Uma das provas disso, para eles, é que o
western, gênero mais tipicamente americano, parece estar desaparecendo.
Portanto, não há para esses autores um consumo passivo dos produtos ameri-
canos para o resto do mundo, antes o que há é uma mundialização do cinema
estadunidense que se tornou mais cosmopolita. O que explica e torna o cinema
hollywoodiano consumível segundo tais autores seria “o fato de conseguir oferecer,
aos olhos e corações dos homens de todos os países e de todas as culturas, os
grandes arquétipos da narrativa ‘eterna’” (Lipovetsky; Serroy, 2009, p. 301). Ou
seja, o sucesso dos filmes estaria relacionado às narrativas simples e genéricas
3 Através de uma análise comparativa realizada a partir dos dados sobre bilheteria fornecidos pelo
site www.boxmojo.com <acesso em: julho de 2016>, foi possível verificar que o filme, apesar
de pequenas variações, alcançou destaque nas bilheterias de diversos países, ficando sempre
posicionado entre os filmes mais vistos no ano de 2012.
2018
206 Cristiana D. Martins
Plural 25.1
Aspectos da individualidade em personagens de super-heróis: perspectivas sociológicas e o caso do capitão américa 207
4 Traduzido livremente pela autora, assim como todos os textos citados nesse trabalho cujas
versões indicadas na bibliografia encontram-se em língua estrangeira.
2018
208 Cristiana D. Martins
Plural 25.1
Aspectos da individualidade em personagens de super-heróis: perspectivas sociológicas e o caso do capitão américa 209
qual os indivíduos devem se esforçar para conquistar ou, do contrário, ela seria
algo banal.
5 Podemos citar personagens como John McClane, o policial da série Dura de Matar (Hard to
Kill); o detetive Sherlock Holmes; o soldado Rambo; ou os arqueólogos Indiana Jones e Tommy
Raider.
2018
210 Cristiana D. Martins
perseguir seu status de herói após ser submetido a um experimento científico que
transforma seu corpo frágil em um corpo forte, ágil e invencível que o permite lutar
contra os alemães e os derrotar. E sua trajetória para conseguir ser reconhecido
como super-herói que iremos analisar a seguir.
Plural 25.1
Aspectos da individualidade em personagens de super-heróis: perspectivas sociológicas e o caso do capitão américa 211
O fato de todos estarem sem camisa não apenas ajuda a tornar a diferença
mais perceptível como também mostra o tipo de exposição à qual eles estão sendo
submetidos: seus corpos estão expostos à avaliação para que sejam, seus corpos e
não eles, admitidos ou recusados pelo alistamento. Ao olharmos para o efeito que
isso causa na construção fílmica da personagem, é possível notar a importância
que o corpo adquire na trama, uma vez que será por meio deste que as personagens
serão notadas e avaliadas. Apesar da cena focar nas características desacreditadas
do rapaz, ou seja, sua baixa estatura e sua fraqueza, que são características desa-
creditadas pois são facilmente reconhecidas visualmente (Goffman, 1988, p. 7), há
mais uma questão importante sobre o corpo que merece ser pontuada: o corpo
como o marcador da existência do indivíduo, seja pelas características corporais
ou pela diferença entre o eu e o outro. Com relação a isso, Le Breton afirma que
6 Apesar desse não ser identificado como tal, sua vestimenta, jaleco branco sobre um uniforme
militar, sugere que ele seja um médico. Além de que a função dele é avaliar a ficha médica e
apontar se o candidato tem condições físicas de ser aceito.
2018
212 Cristiana D. Martins
7 Traduzido pela autora a partir da imagem. A versão legendada do filme contém apenas alguns
itens da lista na legenda.
8 “4F”, dentro do sistema de classificação do Exército americano, significa rejeição por razões
médicas, odontológicas ou similares. Fonte: <directionindentistry.net/4f-unfit-for-service-
-because-of-teeth> acesso em novembro de 2016.
9 Original: Every able-bodied young man is lining up to serve his country.
Plural 25.1
Aspectos da individualidade em personagens de super-heróis: perspectivas sociológicas e o caso do capitão américa 213
10 Para isso, ver, por exemplo, o documentário Homo-sapiens 1900 (1999), do diretor Peter Cohen,
sobretudo no tocante ao modo como os Estados Unidos lidou com as ideias eugênicas no século
XX.
11 A personagem Howard Stark já havia sido introduzida no filme Homem de Ferro 2 (ano), como
o brilhante inventor pai de Tony Stark, mas ganhará maior destaque neste filme.
12 Aqui a palavra usada no original para maravilhas é marvel, em alusão ao nome do estúdio.
13 Original: Welcome to the Modern Marvels Pavilion and the World of Tomorrow. A greater
world. A better world.
2018
214 Cristiana D. Martins
14 Considerado como uma personificação dos Estados Unidos, o Tio Sam foi criado por soldados
americanos a partir de uma brincadeira com as iniciais dos EUA, em inglês United States, ins-
critas em barris de alimentos fornecidos pela empresa de Samuel Wilson ao exército, chamando
a este de Tio Sam (Uncle Sam). Mais tarde o desenho feito por Tomas Nast do Tio Sam, inspirado
no rosto de Abraham Lincoln, for usado por James Flagg para a propaganda de alistamento, a
pedido das Forças Armadas dos EUA, durante a Primeira Guerra Mundial. Fonte: <www.bra-
silescola.uol.com.br/geografia/tio-sam.htm> acesso em: 21/12/2016.
15 Original: I want you for U.S. army.
16 Agência fictícia que, no filme, tem como objetivo desenvolver armas para as Forças Armadas
dos EUA.
Plural 25.1
Aspectos da individualidade em personagens de super-heróis: perspectivas sociológicas e o caso do capitão américa 215
2018
216 Cristiana D. Martins
A modernidade não apenas conseguiu concretizar os ideais das Luzes que obje-
tivava alcançar, mas também, ao invés de avalizar um trabalho real de liberta-
ção, deu lugar a um empreendimento de verdadeira subjugação, burocrática e
disciplinar, exercendo-se igualmente sobre os corpos e os espíritos. (Charles,
2004, p. 16)
Ora, o que o filme nos traz até então com relação aos dilemas e anseios vividos
pela personagem se enquadra justamente no âmbito da subjugação dos corpos em
seu duplo caráter: classificação de corpo saudável e a busca pelo aprimoramento de
seu desempenho. Entretanto, segundo o filósofo francês Gilles Lipovetsky, a saúde
e o desempenho não encerram todas ambições dos indivíduos contemporâneos
com relação aos seus corpos, em suas palavras,
Plural 25.1
Aspectos da individualidade em personagens de super-heróis: perspectivas sociológicas e o caso do capitão américa 217
18 Esse escudo também será igual ao escudo usado pelo Capitão América dos primeiros quadrinhos,
porém o escudo que Steve usará mais tarde nas cenas de ação e nos próximos filmes é o escudo
apresentado na introdução do filme.
2018
218 Cristiana D. Martins
19 Títulos de Guerra foram papéis vendidos pelo governo americano aos cidadãos, que os compra-
vam por livre escolha, para ajudar a cobrir os custos da Segunda Guerra. Graças às propagandas,
em junho de 1944 o então presidente, Franklin Roosevelt, informou em entrevista à revista Veja
que os Estados Unidos já haviam vendido mais de 600 milhões de títulos que somavam mais de
32 milhões de dólares. Fonte: <www.veja.abril.com.br/especiais_online/edicao007/entrevista.
shtml> acesso em: 21/12/2016
20 Termo amplamente utilizado para designar o estilo de vida almejado e defendido pelos ameri-
canos.
21 Timely Comics foi o primeiro nome de empresa que viria a se tornar mais tarde a Marvel Comics.
Plural 25.1
Aspectos da individualidade em personagens de super-heróis: perspectivas sociológicas e o caso do capitão américa 219
2018
220 Cristiana D. Martins
do filósofo, o grau de satisfação dos indivíduos com seus trabalhos não diz respeito,
necessariamente, à atividade que exercem, mas a outros fatores:
Se contarmos com tais aspectos, Steve não teria, ao que parece, motivos para
estar insatisfeito - e, por um certo período, de fato ele não estava. Entretanto,
como alerta Lipovetsky (2007), a necessidade em se enumerar tantas vantagens é
apenas um subterfúgio para que o indivíduo, em uma sociedade individualizada,
não encare sua frustração de ser considerado o único culpado por ela. E é esse o
comportamento que veremos em Steve em seu diálogo com a agente Peggy Carter
quando ela o encontra desenhando a si mesmo como um macaco de circo em seu
momento de frustração.
Ao ser chamado, ironicamente, por ela de “nova esperança da América”, ele
rebate com a informação de que as vendas dos títulos de guerra crescem por
onde ele passa. Ao confrontá-lo novamente e comparar seu discurso com o de um
político, ele responde que ao menos ali ele estava tendo a oportunidade de fazer
algo ao invés de ficar em um laboratório (o que havia sido a sugestão do coronel
responsável por aquela divisão). E, por fim, ao questioná-lo sobre essas serem as
únicas opções que ele tem, ela o encoraja ao lembrar que o propósito de o terem
criado era muito maior. Em outros termos, enquanto ele tenta se convencer de que
está satisfeito em apoiar sua honra sobre as bases do entretenimento (o que são
apenas desculpas para que ele não reconheça sua frustração consigo mesmo), a
agente Carter vai desconstruindo cada argumento por ele utilizado para sustentar
sua fuga.
Surge, então, uma situação perfeita para resolver tal dilema: Steve descobre
que o pelotão de seu amigo Bucky, Sargento Barnes, havia sido capturado e prova-
velmente teria sido dizimado. Steve decide, então, entrar na guerra na tentativa de
resgatar o pelotão capturado e, quem sabe, seu amigo também. É a oportunidade
para que ele, partindo de uma escolha individual, finalmente tenha a oportunidade
de provar sua virtude em batalha.
Plural 25.1
Aspectos da individualidade em personagens de super-heróis: perspectivas sociológicas e o caso do capitão américa 221
2018
222 Cristiana D. Martins
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em seu livro Sociedade dos indivíduos (Elias, 1994), Elias já alertava sobre os
efeitos do processo de individualização como fonte de novas formas de desconten-
tamento e é possível observar, como demonstrado, que a imposição de se tornar um
indivíduo e de superar o ordinário e comum para que se esteja dentro do padrão
almejado é, dentre outros dilemas contemporâneos, perceptível nas personagens
de super-heróis. Assim, ao tentar compreender como estão construídos, em tais
personagens, os dilemas e anseios dos indivíduos a questão da busca pela conquista
e afirmação da individualidade torna-se latente. Assim, é a própria individualidade
que aparece como o grande anseio e sua busca como um incessante dilema.
Assim como Marcel Mauss (2003) já havia mostrado, em seu ensaio Uma
categoria do espírito humano: a noção de pessoa, a de “eu”22, originalmente
publicado em 1938, que a categoria do eu não é inata, mas foi sendo desenhada ao
longo da história da sociedade ocidental, Norbert Elias (1994) também desenvolveu
uma análise sobre a historicidade da noção de indivíduo como unidade fechada,
22 Mauss, Marcel. “Uma categoria do espírito humano: a noção de pessoa, a de “eu””. In: Mauss,
Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003, p. 367–397.
Plural 25.1
Aspectos da individualidade em personagens de super-heróis: perspectivas sociológicas e o caso do capitão américa 223
Esses padrões emocionais funcionam como moldes aos olhos da mente; deter-
minam, em boa medida, quais os fatos percebidos como essenciais e quais os
descartados como sem importância ao se refletir sobre as pessoas isoladas e
sobre as sociedades que elas formam em conjunto. E quando, como é comum
suceder hoje em dia, esse mecanismo seletivo funciona de maneira a que os
aspectos individuais e sociais das pessoas sejam percebidos e valorizados como
diferentes, é fácil atribuir-lhes um tipo de existência especial e diferenciada.
(Elias, 1994, p. 75)
2018
224 Cristiana D. Martins
Dentro disso, o que este artigo procurou demonstrar foi que, se é socialmente
necessário que se reforce a ideia de indivíduo, em um contexto de individuali-
zação, as representações cinematográficas não estariam, assim, alheias a esse
processo de reafirmação e tão pouco o estariam os filmes de super-heróis. Como
afirmam os autores citados, a noção de indivíduo é constantemente reafirmada
como representação e o cinema é um meio pelo qual as representações podem ser
apreendidas (Sorlin, 1991, p. 28). Assim, a análise aqui apresentada apontou para
a possibilidade de investigar uma das características mais básicas relativa à ideia
de indivíduo, a questão individualidade e dos aspectos que a constroem, a partir
de uma investigação sociológica das personagens de super-heróis no cinema atual.
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Aspectos da individualidade em personagens de super-heróis: perspectivas sociológicas e o caso do capitão américa 225
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1 DVD (124min), cor. Título original: Captain America: the first avenger.
2018
Artigo
Abstract Following the representations of the future of the city of São Paulo produced
during the 1950s, we can see an important change in the hegemonic feeling related to
it. At the beginning of the decade, the future of the city was viewed with optimism and
dominantly represented as one of continuous and unlimited growth. By the end of the
decade, in contrast, it was still imagined that the destiny of the metropolis would be to
grow indefinitely, but that became a matter of concern and pessimism. The transition
from one feeling to another is marked, in the first instance, by the intensification of
discussions between urban planners who occupied important positions in the political
field. However, it was from the vigorous entry of the humanities in the debates on the
PLURAL, Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.25.1, 2018, p.226-247
Esgarçamento do futuro: transformações nas representações do destino de São Paulo na década de 1950 227
INTRODUÇÃO
Durante os anos 1950, a expectativa hegemônica sobre o futuro da cidade de
São Paulo sofreu uma importante transformação. Desde o surto urbano da década
de 1870 – consagrado pela historiografia como “segunda fundação de São Paulo”
(Revista de História – USP, 1954; Morse, 1970; Queiroz, 2004; Campos, 2002; Castro,
2013) – até meados do século XX, a representação dominante do futuro da cidade
era marcada pelo otimismo e por uma aposta nos benefícios que o crescimento
contínuo traria para a metrópole (Prestes Maia, 1930; Moses, 1950; O Estado de
São Paulo, 1954; Campos, 2002). Havia disputas em torno de quais estratégias de
urbanização deveriam ser adotadas para favorecer esse crescimento: se a aposta
deveria ser na funcionalidade dos equipamentos urbanos ou se questões estéticas
deveriam prevalecer (Campos, 2002), mas praticamente não havia dúvidas de que
o crescimento era bom. As vozes que porventura questionassem essa premissa,
mesmo estando presentes nos debates urbanos locais desde pelo menos a década
de 1920, não tinham força suficiente para abalar a certeza otimista. Ou melhor: não
tiveram força até a década de 1950. Até este momento, a narrativa que organizava
o futuro da cidade era marcada por um télos épico e glorioso.
A partir de então, as críticas ao crescimento começaram a ganhar espaço. Entre
os urbanistas, a tese de que a expansão contínua e indeterminada condenaria a
cidade ao caos e à morte tornava-se cada vez mais influente (Meyer, 1991; Leme,
2001; Feldman, 2005). Quanto maior fosse São Paulo, mais problemática e difícil
de se viver seria para seus habitantes. A única salvação possível seria promover
a inversão de seu crescimento, mudando radicalmente a paisagem local (A nhaia
Mello, 1954). O futuro alternativo que se desenhava para São Paulo transformaria
a metrópole em um conglomerado de pequenas cidades-jardim – cada uma com
um limite populacional de 30 mil habitantes, separadas entre si por cinturões-
-verdes e espalhadas por um território vinte vezes maior do que o ocupado pela
cidade naquele momento (A nhaia Mello, 1954). Duas narrativas complementares,
2018
228 Bruno de Macedo Zorek
portanto, entraram com força na disputa pela produção do futuro da cidade: uma
essencialmente trágica – que se referia ao destino manifesto da metrópole – e
outra cujo final seria a salvação de São Paulo e que se oferecia para substituir a
tragédia que se avizinhava.
Na interação entre essas narrativas, as críticas ao crescimento e as discussões
sobre os problemas que o gigantismo da cidade causava tinham mais ressonância
na redefinição do futuro de São Paulo do que aquela representação alternativa – a
confederação de cidades-jardim –, tida como utópica e irrealizável (Moses, 1950).
Nesse sentido, a expectativa dominante continuou representando o futuro de São
Paulo como sendo o de um crescimento contínuo e indeterminado, mas, ao mesmo
tempo, incorporou as críticas então em voga, deixando de ver esse futuro como algo
exclusivamente positivo. Em outras palavras, São Paulo se transformava em uma
cidade em que o caos estava no horizonte próximo – às vezes como expectativa
(Koselleck, 2006), às vezes presentificado (Bourdieu, 2007) –, caos provocado por
sua própria expansão e, em certa medida, cada vez com menos perspectivas de
que pudesse escapar de tal destino (Fernandes, 2008 [1959]).
O que se pretende adiante é apresentar cada uma dessas representações
de futuro, bem como os personagens históricos que melhor lhes encarnavam, e
explicar como e por que a expectativa hegemônica sobre São Paulo se transformou
ao longo da década de 1950. Para isso, o texto segue em quatro partes: na primeira,
apresenta-se a representação do futuro de São Paulo que foi hegemônica até a
década de 1950, e que tinha como seus enunciadores fundamentais Francisco
Prestes Maia e Robert Moses; na segunda, discute-se a representação alternativa,
fortalecida nos debates sobre São Paulo a partir de 1954 e cujo principal advogado
era Luiz de Anhaia Mello; na terceira, explica-se o surgimento de uma nova repre-
sentação hegemônica, derivada da crítica de ambas as perspectivas anteriores e da
inscrição de novos instrumentais disciplinares – como os da geografia e da socio-
logia – nos debates sobre a cidade; e, enfim, na última parte, aponta-se algumas
das implicações dessas transformações para a produção do futuro de São Paulo.
Plural 25.1
Esgarçamento do futuro: transformações nas representações do destino de São Paulo na década de 1950 229
Prestes Maia, foi aplaudido por seus colegas engenheiros e arquitetos: seu trabalho
foi premiado no 4° Congresso Pan Americano de Arquitetura, realizado em 1930,
no Rio de Janeiro e recebeu elogios de Alfred Agache, importante arquiteto francês
que então visitava o Brasil (Cpdoc, 2001; Campos, 2002; Ficher, 2005).
O Plano de Avenidas de Prestes Maia propunha uma reestruturação viária para
São Paulo baseada na combinação entre avenidas perimetrais e avenidas radiais.
De um ponto de vista aéreo, as perimetrais seriam percebidas como uma série de
círculos concêntricos, lembrando as ondas que uma pedra provoca ao atingir uma
superfície de água parada, ou a figura de um alvo. As avenidas radiais, por sua vez,
seriam vistas como linhas retas, cortando as perimetrais em todas as direções e
ligando as periferias ao centro da cidade. Dentre as avenidas perimetrais, uma
ocupava um lugar de destaque, aquela que Prestes Maia chamava de Perímetro de
Irradiação. Esse perímetro – que seria o primeiro e menor dos círculos e deveria
ser construído em torno do centro histórico – serviria para ampliar a zona comer-
cial e facilitar a distribuição de veículos em diversos pontos do centro. O principal
propósito do perímetro era aliviar o congestionamento da área central.
Imagem 1. Esquema Teórico para São Paulo no Plano de Avenidas (Prestes Maia, 1930)
2018
230 Bruno de Macedo Zorek
Plural 25.1
Esgarçamento do futuro: transformações nas representações do destino de São Paulo na década de 1950 231
O tipo de urbanismo defendido por Prestes Maia nunca foi uma unanimidade
em São Paulo (e, talvez, em lugar nenhum), embora fosse a tendência dominante.
Suas grandes avenidas, as linhas retas, as perspectivas – que não escondem a
inspiração haussmanniana – disputavam contra um urbanismo de valorização
do pitoresco, de ruas sinuosas, que revelavam novas paisagens a cada curva, e
cujo patrono poderia ser Camillo Sitte (Campos, 2002). Um urbanismo “pragmá-
tico” contra um urbanismo “esteticamente orientado”. Ainda assim, Prestes Maia
não pode ser acusado de ser completamente haussmanniano, pois várias vezes se
mostrou preocupado, por exemplo, com a harmonização dos volumes construídos
com as praças e as ruas – uma questão tipicamente sitteana.1 De qualquer forma,
como indicado acima, a São Paulo que emergia do debate urbanístico poderia ser
mais funcional ou mais bonita, conforme a combinação entre as tendências em
disputa, mas seria necessariamente uma cidade grande, uma metrópole – a capital
do estado que se auto-intitulava a “locomotiva do Brasil” (Love, 1982).
A partir do fim do Estado Novo e, portanto, também do encerramento da
prefeitura de Prestes Maia, uma terceira perspectiva começou a ganhar força nos
debates urbanísticos. Uma perspectiva que tanto propunha uma cidade comple-
tamente diferente quanto fazia críticas importantes a um elemento central do
urbanismo usualmente adotado em São Paulo: a certeza de que o crescimento da
cidade era positivo. O discurso hegemônico sentiu os golpes provenientes dessa
crítica e precisou reagir. Um exemplo nesse sentido é O Programa de Melhora-
1 Um indício dessa preocupação é a citação a seguir, onde Prestes Maia concorda com a necessi-
dade de se elaborar esteticamente as cidades: “Nos desenhos não nos preocupamos com estylos
archtectonicos, pois em urbanismo só interessam os effeitos de massa e as disposições geraes.
Elles revelam, não obstante, infinitas possibilidades estheticas, que os engenheiros habitual-
mente esquecem e as cidades desperdiçam” (Prestes Maia, 1930, p. 9).
2018
232 Bruno de Macedo Zorek
mentos Públicos para a cidade de São Paulo, plano urbanístico encomendado pela
prefeitura de São Paulo, sob administração de Lineu Prestes (1950-51), ao reno-
mado “mestre construtor” estadunidense Robert Moses. O Programa de Moses
pode ser visto como uma atualização do Plano de Avenidas de Prestes Maia, pois
ambos partiam de uma mesma concepção de cidade e compartilhavam os mesmos
princípios urbanísticos (Moses, 1950; Leme, 2001). Contudo, no momento em que
Moses apresentou seu trabalho, ele precisou se posicionar claramente em relação
àquela terceira perspectiva que ganhava forças e criticava o tipo de urbanismo
que seu Programa propunha:
Plural 25.1
Esgarçamento do futuro: transformações nas representações do destino de São Paulo na década de 1950 233
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234 Bruno de Macedo Zorek
festivas (O Estado de S. Paulo, 1914, 1934, 1939, 1954; Folha da Manhã, 1939; Folha
da Noite, 1934; Folha de São Paulo, 1964, 1969). Ainda assim, pelo menos no início
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Esgarçamento do futuro: transformações nas representações do destino de São Paulo na década de 1950 235
Três são os conceitos básicos, criadores dessa ação: 1/ A cidade jardim; 2/ A idea
de Radburn; 3/ A “neighborhood unit”; ou, em outras palavras: 1/ a cinta verde
para a limitação da extensão da cidade, e abastecimento de “fresh food”; 2/ a
superquadra, que permite a convivência pacifica com o automóvel; e 3/ a unida-
de de vizinhança, que permite a rearticulação social e comunitária nas urbes
(Anhaia Mello, 1954, p. 38).
2018
236 Bruno de Macedo Zorek
Por outro lado, nas cidades-jardim: “Os contatos são faceis e a amizade é culti-
vada. A atitude de um pedestre para com outro, é sempre cordial e amiga; muito
diversa da do motorista apressado e… malcriado” (A nhaia Mello, 1954, p. 46).
O contraste que Anhaia Mello construía entre os dois tipos de cidade não
deixava espaço para zonas cinzentas. A proposta do urbanista era de um mani-
queísmo claro, onde a metrópole era a encarnação do mal, enquanto a pequena
cidade, a “eópolis”, era a representação do bem.3 O maniqueísmo de Anhaia Mello
não se reduzia somente à caracterização das cidades e, também, separava aqueles
que mereciam ser reconhecidos como urbanistas (e que concordam com seu ponto
de vista) daqueles que não:
Plural 25.1
Esgarçamento do futuro: transformações nas representações do destino de São Paulo na década de 1950 237
Esse “chamado” foi atendido por geógrafos, como Aroldo de Azevedo (1958),
historiadores, como Caio Prado Jr. (1953), sociólogos, como Florestan Fernandes
(2008 [1954; 1959]), entre outros. As datas, contudo, indicam que as respostas
foram tardias – e, na verdade, vieram por outros motivos que não necessaria-
mente se reduziam ao chamado de Anhaia Mello. Os novos discursos acabaram
forçando uma transformação importante nas representações da cidade – na qual
tantos as críticas que Anhaia Mello fazia quanto aquelas que ele recebia foram
incorporadas pelas novas perspectivas. Florestan Fernandes, que, na década de
1950, vivia uma ascensão meteórica no campo intelectual paulistano (Miceli, 2001;
Garcia, 2002; Pontes, 1998; Peixoto, 2000; A rruda, 2001), produziu os textos que
mais evidentemente revelam as transformações em curso.
A sociologia urbana não foi um dos temas mais estudados por Florestan
Fernandes. Suas pesquisas de formação – mestrado e doutorado – foram sobre os
tupinambás (Garcia, 2002). Em seguida, patrocinado pela Unesco e pela Revista
Anhembi, o sociólogo – em parceria com seu amigo e ex-professor, Roger Bastide
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Esgarçamento do futuro: transformações nas representações do destino de São Paulo na década de 1950 239
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A entrada de novas vozes nos debates sobre São Paulo – como a de Fernandes
– tanto reproduzia quanto desorganizava as representações hegemônicas. O soci-
ólogo, no caso, deixava-se contaminar pelo otimismo reinante (A rruda, 2001),
mas, ao mesmo tempo, fundava suas esperanças em elementos bem diferentes
daqueles que sustentavam o bom futuro de urbanistas como Prestes Maia e Robert
Moses. Não seriam intervenções urbanísticas, nem o crescimento por si só o que
construiria um futuro promissor para São Paulo, mas sim transformações sociais,
politicamente orientadas para a democracia.
Cinco anos mais tarde, “outro” Florestan Fernandes, então consolidado como
o líder do que se convencionou chamar de “Escola Sociológica Paulista” (Garcia,
2002), voltou a refletir sobre a cidade de São Paulo. As críticas à ineficiência do
urbanismo aplicado à metrópole continuava forte, em parte aproveitando as
análises do texto anterior e, também, recuperando as avaliações dos urbanistas
críticos à expansão urbana:
2018
242 Bruno de Macedo Zorek
Plural 25.1
Esgarçamento do futuro: transformações nas representações do destino de São Paulo na década de 1950 243
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O movimento que levou à substituição da hegemonia de uma representação
otimista do futuro de São Paulo por uma pessimista é um processo complexo, mas
que pode ser esquematicamente desdobrado em quatro aspectos fundamentais.
Em primeiro lugar, houve, no seio do urbanismo paulistano – área funda-
mental para a produção do futuro de São Paulo até meados do século XX –, o
acirramento da disputa em torno do modelo de cidade que deveria ser adotado
por São Paulo. De um lado, o ramo dominante do urbanismo local apostava na
continuidade da metropolização e apresentava esse desenvolvimento como um
destino épico e glorioso para a cidade. De outro, o ramo concorrente trazia para
o primeiro plano uma série de críticas ao gigantismo de São Paulo, destacava os
problemas urbanos causados pelo crescimento e, ao mesmo tempo, oferecia um
destino alternativo para a cidade – no qual haveria redenção. Nesse sentido, a
representação hegemônica – alimentada pelo urbanismo dominante – passou a ser
2018
244 Bruno de Macedo Zorek
questionada desde “dentro”. Quem fazia a crítica ao destino glorioso de São Paulo
compartilhava da mesma autoridade que os urbanistas formuladores da perspec-
tiva dominante possuíam: uma autoridade fundada sobretudo no campo político.
Em segundo lugar, as comemorações dos 400 anos de São Paulo atraíram
muitas e diversas atenções para o tema da metrópole. A enxurrada de discursos que
o aniversário promoveu fez com que o vocabulário urbanístico, até então central
para a produção do futuro da cidade, perdesse espaço e passasse a disputar com
os instrumentais da geografia, da sociologia e de outras especialidades. Portanto,
por um lado, havia o enfraquecimento das imagens produzidas pelo urbanismo por
conta das cisões internas e, por outro lado, a emergência de discursos concorrentes
de diferentes origens e fundados em diversos pontos de vista.
Em terceiro lugar, o crescimento da Universidade de São Paulo, sobretudo da
Faculdade de Ciências e Letras, e, mais especificamente, a consolidação de alguns
de seus professores como intelectuais de envergadura, somado a ampliação das
vozes desses intelectuais através dos jornais e das revistas de cultura (como a
Anhembi e a Brasiliense) (Jackson, 2004; Miceli, 2001) permitiu que aquela enxur-
rada de discursos sobre a cidade fosse desviada em favor de uma nova autoridade,
proveniente das ciências humanas.
Em quarto lugar, finalmente, a comparação entre as relações que os urbanistas
e os intelectuais das humanidades tinham com os governos em São Paulo, fossem
municipais, fossem estaduais, também ajuda a entender o tipo de pessimismo que
se tornou hegemônico. Os urbanistas de destaque faziam (ou fizeram) parte do
Estado em suas instâncias decisórias mais importantes – algumas vezes ocupando
cargos executivos que lhes permitiam grande capacidade de intervenção. Os
intelectuais das humanidades, por sua vez, estavam apartados dessas posições. A
crença na ação do Estado como solução possível para os problemas urbanos – e
que fundamentava em parte o otimismo hegemônico – era mais frequente entre
aqueles que estavam mais próximos das esferas de decisão do Estado. Ao passo
que, os mais distantes também eram mais céticos em relação a essa capacidade de
solução – afinal, não participavam de suas formulações. Portanto, o que se observa
é um descolamento entre, de um lado, o planejamento urbano e sua aplicação pelo
poder público, e, de outro, o poder de representar o futuro da cidade.
Antes dos 400 anos, as representações hegemônicas do futuro de São Paulo
caminhavam juntas com o planejamento urbano da metrópole. Passado o aniver-
sário, as representações se tornaram prerrogativa de um grupo que não tinha
nem acesso aos instrumentos de intervenção e, ao mesmo tempo, os urbanistas
perderam a capacidade de produzir, no sentido pleno, o futuro de São Paulo. Na
Plural 25.1
Esgarçamento do futuro: transformações nas representações do destino de São Paulo na década de 1950 245
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246 Bruno de Macedo Zorek
Plural 25.1
Esgarçamento do futuro: transformações nas representações do destino de São Paulo na década de 1950 247
2018
Tradução
Fin de siècle
Christophe Charlea
PLURAL, Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.25.1, 2018, p.248-264
Fin de siècle 249
AVATARES DO SÉCULO4
Para compreender a aparição, o desaparecimento, depois a ressurreição do
fin de siècle, é preciso remontar muito longe no tempo e não se contentar em
examinar, como poderíamos crer, unicamente os decênios finais do século XIX,
seu período de eclosão e de consagração posterior pelos trabalhos eruditos sobre
os quais voltaremos mais a frente. É necessário partir do golpe de força simbólico
fundador de Voltaire, que põe o “século” como unidade cronológica pertinente. Em
1751, o autor de Candido retira à força da palavra século suas conotações religiosas
pejorativas e, na verdade, com o Século de Luís XIV (Le siècle de Louis XIV) cria o
primeiro cronônimo erigido em norma de apreciação para construir representações
de longa duração de períodos históricos (as decupagens precedentes canonizadas
como “Idade Média”, “Antiguidade” abarcavam vários “séculos”). É a abertura
desse livro sobre o século XVII apreendido globalmente que mudou o status de
uma palavra banal ao mesmo tempo que elevava o status de um grande rei:
Mas qualquer um que pense, e, o que é mais raro, qualquer um que tenha bom
gosto, conta somente apenas quatro séculos na história do mundo. Essas quatro
idades felizes são aquelas onde as artes se aperfeiçoaram e que, servindo de época
para a grandeza do espírito humano são exemplo para a posteridade.
O primeiro desses séculos, ao qual a verdadeira glória está vinculada, é aquele de
Felipe e de Alexandre, ou aquele de Péricles, de Demóstenes, de Aristóteles, de
Platão, de Apeles, de Fídias, de Praxiteles; e essa honra foi encerrada nos limites
da Grécia; o resto da terra conhecido então era apenas barbárie.
A segunda idade é aquela de César e de Augusto, designada ainda pelos nomes
de Lucrécia, de Cícero, de Tito-Lívio, de Virgílio, de Horário, de Ovídio, de Var-
rão, de Vitrúvio.
O terceiro é aquele que seguiu a tomada de Constantinopla por Maomé II. O lei-
tor pode se lembrar que viu-se então na Itália uma família de simples cidadãos
fazer o que deveriam fazer os reis da Europa. Os Médicis chamaram em Florença
os sábios que os turcos expulsavam da Grécia; era o tempo de glória da Itália.
As belas artes ali tinham já ganhado vida nova; os Italianos as honravam pelo
nome de virtù, de maneira semelhante a como os primeiros Gregos a haviam
caracterizado o nome da sabedoria. Tudo tendia a perfeição. [...]
4 Cf. sobre esse ponto, Leduc, Jean. Les Historiens et le temps. Conceptions, problématiques,
écritures, Paris, Seuil, 1999, p. 97-99.
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250 Christophe Charle
O quarto século é aquele que chamamos o século de Luís XIV, e é talvez aquele
dos quatro que mais se aproxima da perfeição. Enriquecido pelas descobertas
dos três outros, ele fez mais em certos gêneros que os três anteriores juntos.
(Voltaire, 2000, p. 616-617)
5 Ver Charle, Chistophe. Discordance des temps. Une brève histoire de la modernité, Paris, Colin,
2011.
Plural 25.1
Fin de siècle 251
6 Essa convivência entre mainstream e humor crítico data de 1830 como nos mostra José-Luis
Diaz (“Comment 1830 invente le XIXª siècle”) ou Alain Corbin (“Le XIXª siècle ou la necessite de
l’assemblage”) em L’invention du XIXª siècle, textos reunidos por Alain Corbin, Pierre Georgel,
Stéphane Guégan, Monique Michaud, Judith Milner, Nicole Savy, Paris, Klincksieck/Presses
de la Sorbonne nouvelle, 1999 respectivamente p. 177-193 e p. 153-159. Ela também facilitará o
retorno do humor geral depois de 1870.
7 Exposição universal de 1867, Rapports du jury international introduction por Chevalier, Michel,
Paris, Imprimerie administrative Paul Dupont, 1868, p. DXII. É possível realizar o download
no endereço: http://cnum.cnam.fr/PDF/cnum_8XAE149.1.pdf.
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252 Christophe Charle
O começo do século XIX foi cheio de vivacidade e grandeza.O século XVIII foi
avariado e perdido numa noite profunda. Ele ali teve, no caminho de seu encer-
ramento, como que um naufrágio universal; e sobre as ruínas amontoadas das
leis, dos costumes, das crenças, como uma geleia geral de povos do continente.
Combatíamos aqui em nome da ordem social atacada até suas bases; ali, em
nome de confusas teorias que uma demagogia furiosa, excitada por insaciáveis
ambições, explicadas em lugares públicos com tochas de incendiários e a gui-
lhotina. Esse fim de século lembra a esses fantásticos e grandiosos quadros do
pintor inglês Martins, como eles o fim de século da uma vertigem e faz duvidar o
pensador que crê na marcha progressiva da humanidade. (Montlaur, 1852, p. II)
Esse esquema binário que queria que os começos e os fins de século obede-
cessem às orientações opostas está presente como representação muito antes que
dele seja feito uso intensivo a partir dos anos 1880. Em 1855, Eugène Huzar toma
o contrapé da visão dominante anunciando não o progresso, mas “o fim do mundo
pela ciência8”: o progresso técnico a medida que se acelera causará catástrofes e
problemas ambientais mais e mais profundos. Essas sombras no quadro do século
triunfante vão se estender ainda um pouco mais nos decênios seguintes.
8 Huzar, Eugéne. La Fin du monde par la Science, introduction de Jean-Baptiste Fressoz, Alfor-
tville, Ere, 2008. Cf. também sobre os “danos do progresso”, Fressoz, Jean-Baptist. L’Apocalypse
joyeuse. Une histoire du risque technologique, Paris, La Découverte, 2014.
Plural 25.1
Fin de siècle 253
9 Sobre as reflexões precoces acerca da decadência francesa dos 1870-1871, cf. Charle, Christo-
phe. “Trois écrivains face à une autre ‘étrange défaite’: Goncourt, Flaubert et Zola et la guerre
de 1870”. In: Betz, Albrecht; Martens, Stefan [org.]. Les Intellectuels et l’occupation (1940-44),
Paris, Autrement, 2004, p. 14-37.
10 Cf. Charle, Christophe. Paris fin de siècle. Culture et politique, Paris, Seuil, 1998, capítulo 3 e
R ichard, Nathalie. Hippolyte Taine. Histoire, psychologie, littérature, Paris, Garnier, 2013.
11 Em Le Disciple (1889) Paul Bourget coloca em cena um filósofo que se assemelha à Taine e ao
qual responsabiliza pelo cinismo e pela falta de senso moral da decadente juventude contem-
porânea.
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254 Christophe Charle
E agora que todo mundo diz que os cérebros se degeneram, que a neurose nos
persegue e que a humanidade chega a seu fim, não seria mais que uma parca
honra a este romancezinho de ter questionado o problema tão grave e ainda sem
solução do livre-arbítrio. Na realidade, seria curioso para este fim de século, inva-
dido por um formidável desejo de experimentação, saber se todas as mulheres
que caem em perdição ainda são mestras de ficar em pé contra ventos e maré.12
(Laforest, 1882, p. VI-VII)
Uma sondagem feita com a expressão fin de siècle nos volumes digitalizados
do Gallica confirma que essas associações de ideias de precocidade não são alea-
tórias. Uma constelação de vocábulos negativos surge quase automaticamente na
Plural 25.1
Fin de siècle 255
escrita de autores os mais diversos quando eles recorrem a expressão fin de siècle,
ao ponto que são raros os defensores de um resto de otimismo nesse fim de século,
os quais estão em posição defensiva em face a nova corrente de opinião dominante
mais pessimista. Aqui alguns exemplos:
Léon Bloy (1884): “Esse fim de século terrível e carregado de mistério, como a
maior parte dos fins de século.” (Bloy, 1884, p. 271)
Dubut de Laforest (1884): “nesse fim de século, um pouco problemático, onde
tantos cérebros deterioram.” (Laforest, 1884, p. 274)
Léon Bloy (1886): “A delinquência psicológica literária desse fim de século.”
(Bloy, 1886, p. 38)
Edouard Drumont (1889): “as melancólicas tristezas desse fim de século.” (Dru-
mont, 1889, p. 115)
Se fosse verdade que a saúde moral de um país se mede pelo prestígio da autori-
dade que está no topo do poder, pela força que está em baixo nas famílias, nosso
fim de século estaria bem doente, alguns raios de esperança se projetam sobre
ele as maravilhas da ciência e os esplendores da arte. (Mourier, 1889, p.397)14
13 A ngenot, Marc. 1889. Un état du discours social. Longueuil. Québec: Editions du Préambule,
1989, notadamente p. 373-407.
14 Mourier, Adolphe. Notes et souvenirs d’un universitaire. Paris: imprimerie Jacob, 1889, con-
clusion, p. 397.
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256 Christophe Charle
Três anos mais cedo, Eugène Melchior de Voguë no entanto havia tentado
demonstrar o paralogismo sobre o qual repousava a expressão fin de siècle e as
deduções falaciosas quanto a evolução moral que ela permitia difundir:
Nos deixamos facilmente abater por essa expressão fatídica de um fin de siècle. É
um engano. O século começa sempre por aqueles que tem vinte anos. Nós divi-
dimos o tempo em períodos artificiais, nós o comparamos ao transcorrer de uma
existência humana; a força criadora da natureza não se preocupa com nossos cál-
culos; ela movimenta implacavelmente as gerações no mundo, ela confia a eles um
novo tesouro de vida sem olhar a hora de nossos ponteiros. (Voguë, 1886, p. LIII)
Plural 25.1
Fin de siècle 257
origem que ela se apresenta de modo mais autêntico; e Paris é o lugar designa-
do para observar suas múltiplas variedades e variações. (Nordau, 2010, p. 31)15
15 Primeira edição Berlin, Duncker & Humblot, 1892, tradução francesa: Paris, Alcan, 1894.
16 O emprego de um vocabulário médico que ele empresta de sua primeira formação ou de qualquer
outros autores conhecidos (Morel, Lombroso, etc) e a dedicação elogiosa à Cesare Lombroso
são os sinais desse jogo duplo literário e para-científico que um outsider, autor de best-sellers,
Gustave Le Bon, pratica no mesmo momento e sobre temas semelhantes.
17 O autor admite ele mesmo como construiu sua proposta a partir de publicações recentes: «Le
plus sûr moyen de savoir ce qu’on entend par « fin de siècle » est de passer en revue une série
de cas où ce mot a été employé. Ceux que nous allons citer ici sont empruntés aux journaux et
aux livres français des deux dernières années. » (Nordau, 2010, p. 33). “O meio mais seguro
de saber o que entendemos por fin de siècle é pensar nas mais variadas ocasiões em que essa
expressão foi utilizada. O que nós iremos citar aqui são empréstimos tomados dos jornais e
livros franceses dos dois últimos anos.” (Nordau, 2010, p. 33).
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258 Christophe Charle
Plural 25.1
Fin de siècle 259
ficam ainda mais18. Assim o fin de siècle e seu cortejo de decadências, de neurose e
de incertezas políticas e sociais não terminou de terminar, ao menos no espaço de
representações literárias e jornalísticas mais difundidas. “O espírito fin de siècle”
feito do cinismo e da transgressão de tabus morais abateu-se também na crueza
das confissões do Journal d’une femme de chambre de Octave Mirbeau onde a
doméstica de origem bretã, seduzida pelos seus patrões parisienses muito fin de
siècle, termina por incarnar de alguma forma uma virtude face a hipocrisia do
burguês provinciano caxias e mesquinho mas ao mesmo tempo obcecado pelo
dinheiro ou pelo sexo dos parisienses ou das parisienses da boa sociedade19.
Como já mostramos em maiores detalhes, na aurora do século XX se vê bem
o renascer das utopias como se conheceu nos primeiros decênios do século XIX,
mas no século XX se trata mais de “distopias”. O otimismo remanescente do culto
ao progresso que acompanhava a aurora de um novo século ali era largamente
carregado de ameaças e de más surpresas. Inspiravam-se, na realidade, em uma
visão de história dos decênios precedentes cheia de conotações negativas20.
É a Primeira Guerra Mundial, catástrofe que ultrapassa em horror todos esses
prognósticos angustiantes, e o surgimento progressivo de um cronônimo novo e
concorrente, Belle époque, que contribui mais ainda para comprometer a carreira
e a lembrança do fin de siècle. Proust que viveu os dois períodos e procura deci-
frar a cor específica dos “tempos perdidos” sabe indicar aos leitores nostálgicos
a especificidade do pré-1900 pelo reemprego seletivo dessa noção a partir desse
momento démodé. Assim, na passagem seguinte de Du côté de chez Swann onde
Madame Cottard, encarnação do gosto médio em pintura, diz a Swann a propósito
de um retrato um pouco vanguardista demais na sua opinião:
Mas eu devo vos alertar francamente, vós não deveis me encarar um pouco fin
de siècle demais, mas eu digo o que penso, eu não entendi nada. Meu Deus, eu
18 Charle, Christophe. Paris fin de siècle. Culture et politique, Paris, Seuil, 1998, capítulo 7; L a-
louette, Jacqueline. “L’affaire Dreyfus dans le roman français”. Revue historique, 1999, n° 123,
p. 555-576; K ettani, Assia. De l’histoire à la fiction. Les écrivains français et l’affaire Dreyfus.
Thèse de littérature, université de Paris 3 Sorbonne nouvelle, 2010, <https://tel.archives-ouvertes.
fr/tel-00860862>
19 A gênese do romance se estende pelo decênio de 1890: uma primeira versão curta em folhetim
[feuilleton] aparece em 1891-1892, uma segunda versão em folhetin, enriquecida de novos
episódios, é publicada na Revue blanche de 15 de janeiro à 1 de junho 1900. Enfim o volume é
publicado em primeiro de julho de 1900 pela Fasquelle. Evitado pela crítica, o romance conhece
o sucesso porque toca onde lhe faz mal (cf. Michel, Pierre; Nivet, Jean-Françous. Octave Mira-
beau l’imprécateur au coeur fidèle, biographie. Paris: Sérguier, 1990).
20 Charle, Cristophe. Discordance des temps, Une brève histoire de la modernité, Paris, Colin,
2011., p. 327-337. Um fenômeno análogo se dá na Inglaterra: cf. Stokes, John. Fin de siécle, Fin
du globe. Fears and Fantasies of the Late Nineteenth Century, Londres: Mac Millan, 1992.
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260 Christophe Charle
O leitor mais velho em 1913 deve ter sorrido lendo essa passagem, as audácias
impressionistas do final do século XIX que chocavam a mulher do doutor Cottard
(“bigodes azuis”) davam uma impressão bem tímida principalmente a partir da
vociferação dos Fauvistas ou das deformações cubistas das figuras humanas
propostas no Salão de Outono.
Apesar de seu lado fora de moda e sem sal um ou dois decênios após 1900,
que testemunham o reemprego irônico e fanfarrão por Proust para dar uma cor
temporal, o fin de siècle vai conhecer um renascimento fulgurante com um século
de distância de sua emergência. Uma pergunta a partir da ferramenta de visua-
lização Ngram viewer administrada pelo Google Books sublinha a renovação da
presença da expressão em um volume importante de produções impressas a partir
dos anos 1980. A curva está em perfeita simetria com o que foi produzido cem
anos mais cedo. Trata-se menos, atualmente, de designar os decênios terminais
do século XX que de revisitar o “verdadeiro” fin de siècle anterior, contribuindo
para legitimar seu valor heurístico privilegiando na realidade – na maior parte dos
trabalhos que dele se ocuparam – de uma fração bastante fina da sociedade e da
cultura que o havia visto nascer e o colocara em circulação. Isto se sucede ainda
tanto na produção em francês como nas produções inglesas e alemãs em que o
cronônimo é retomado tal qual, sem tradução, nos títulos de obras históricas ou
literárias, e se carregam de conotações (sofisticação, esteticismo, vanguardismo,
modernidade exacerbada) utilizadas a exaustão nas temáticas do final do século
XIX. Mas dessa vez elas são tomadas de maneira positiva enquanto que elas eram
o mais das vezes denunciadas pelos comentadores e críticos do século precedente.
É impossível fazer a exegese em detalhe do conjunto dessa produção proporcio-
nalmente mais abundante que aquela nascida nos últimos decênios do século
precedente, mas é incontestável que a reutilização corrente da expressão está ligada
21 Proust, Marcel. “Du côté de chez Swann” (1913), In: À la recherche du temps perdu. éd. Pierre
Clarac et André Ferré, volume I, Paris: Gallimard, Bibliothèque de la Pléiade, 1984, p. 375, citado
também por K eller, Luzius. “Selbstarstellung, Porträt und Karikatur im Fin de siècle: die Gräfin
Castiglione, Robert de Montesquiou, Marcel Proust”, In: Warning, Rainer; Wehle, Winfried (org.),
Fin de Siècle., Munich: Wilhelm Fink, 2002, Romanistisches Kolloquium, X, p. 125.
Plural 25.1
Fin de siècle 261
22 Eu prefiro esse catálogo àquele da Biblioteca Nacional Francesa, pois cobre de modo melhor a
produção anglófona e germanófona e sobretudo porque possuiu melhores funcionalidades para
o acesso dos conteúdo dos livros para assim evitar os “rastros falsos” [“faux amis”]
23 Respectivamente Londres, Weidenfeld e Nicholson e Cambridge (Mass) Harvard University
Press 1979; tradução francesa respectivamente: Paris, Seuil, 1983 e Paries, Fayard, 1986.
24 Laureado pelo prêmio Pulitzer, o livro foi traduzido para o espanhol em 1981 (Barcelona), para
o alemão em 1982, para o francês em 1983, para o português (Brasil) em 1988, em italiano
em 1991. Diversos outros trabalhos se vincularam às problemáticas levantadas por Schorske,
em particular o livro de Deborah L. Silverman, Art Nouveau in Fin de Siècle France: Politics,
Psychology, and Style, Berkeley, University of California Press, 1989 (tradução francesa Paris,
Flammarion, 1994).
25 Primeira publicação American Historical Review, vol. 66, juillet 1961, p. 930-946.
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262 Christophe Charle
dos anos 1900 (o capítulo 5 sobre Gustav Klimt e a Secessão vienense, o capítulo
4 sobre A interpretação dos sonhos de Freud). A expressão fin de siècle não figura
nem mesmo no índex final e designa menos uma época fechada sobre ela mesma e
mais a tese central do livro: a crise do liberalismo fundado na crença no progresso
e na razão empunhada pelos criadores e intelectuais vienenses em recuo ou por
elitismo em face a um mundo cada vez mais hostil onde nacionalismo, populismo
e antissemitismo marginalizavam a grande burguesia e os artistas e escritores
que a ela estavam ligados. A despeito desses laços entre vanguardas europeias,
o fin de siècle vienense tem origem no que os historiadores da cultura anglófona
chamam modernism e é em realidade bem diferente da origem parisiense que o
batizou, como indica essa passagem comparativa:
Em síntese, os estetas Austríacos não eram nem tão alienados de sua própria
sociedade como seus pares franceses e nem tão engajados nela como seus colegas
ingleses. Faltava a eles o espírito amargo antiburguês dos primeiros e a crença no
esforço humano dos segundos. Nem dégagé e nem engagé, os estetas Austríacos
eram alienados não de sua classe, mas eram alienados com ela de uma sociedade
que derrotou suas expectativas e rejeitou seus valores. (Schorske, 1979, p. 304)
Não é aqui o lugar, apesar de toda admiração que podemos ter por esse livro
pioneiro, de criticar em detalhe a comparação bastante retórica (fundada sobre
uma dupla negação simétrica um pouco bela demais para dar conta de campos
intelectuais tão diferentes e complicados) entre vanguardas ou intelectuais dos
três países citados. A simetria é muito mal balanceada para nos levar a adesão e
tentamos mostrar um pouco mais em detalhe que a alienação invocada aqui da
vanguarda parisiense não impedia de jeito nenhum seu engajamento fora das
trilhas clássicas da política quando do caso Dreyfus, enquanto que o liberalismo
supostamente “natural” dos intelectuais ingleses podia conduzir alguns a arte
pela arte, outros a crítica do liberalismo para abraçar o socialismo (os intelectuais
fabianos), outros ao chauvinismo imperial e racista (Kipling e muitos outros)26. Essa
passagem ilustra sobretudo que a expressão francesa transposta a Viena designa
26 Cf. Charle, Christophe. Naissance des « intellectuels » 1880-1900. Paris: Minuit, 1990. ; Les
Intellectuels en Europe au XIXe siècle, essai d’histoire comparée. Paris: Seuil, 1996. ; Charle,
Christophe. Vincent, Julien; Winter, Jay (eds). Anglo-French Attitudes. Comparisons and Trans-
fers between French and English Intellectuals 18th-20th Centuries,. Manchester: Manchester
University Press, 2007. ; Collini, Stefan. Absent Minds. Intellectuals in Britain. Oxford: Oxford
University Press, 2005.
Plural 25.1
Fin de siècle 263
todo um outro momento social e intelectual ou artístico que o fin de siècle original
francês descreveu anteriormente.
Teríamos mais sucesso, como poderíamos pensar com a obra de Weber, Fin
de siècle France? Nada é menos seguro. Sem dúvida, os dois primeiros capítulos
“Decadência” e “Transgressão” estão bem em conexão com os ares dos tempos fin de
siècle dos estereótipos dos dois últimos decênios do século XIX, mas quase todos
os outros, salvo o capítulo político (“A crise permanente”) ensaiam relativizar o que
somente concernia na realidade a uma pequena fração de franceses. Os capítulo 6
a 11 do livro e a conclusão “Um mundo (um pouco) melhor?” olhavam mais do lado
do quadro de uma belle époque e de um avanço do progresso – o capítulo sobre
a bicicleta e o automóvel (10) ou aquele sobre os esportes e as atividades físicas
(11) – que de uma França do declínio e da depressão. Mesmo nos capítulos mais
centrados sobre o fin de siècle e sua coloração negativa específica, Eugen Weber
não cessa de utilizar exemplos situados fora do período (antes ou depois) e de
relativizar a validade ou pertinência demonstrativa das citações contemporâneas,
de médicos, de escritores ou de variedades para nuançar o pessimismo da época:
27 Eu mesmo esbocei essa comparação no epílogo de Paris fin de siècle, Culture et politique, Paris,
Seuil, 1998, p. 275-285.
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264 Christophe Charle
1975, a multiplicação de teses sobre autores dos mais marginais (Félix Fénéon28,
Alfred Jarry29, Rachilde30) alargam ao público cultivado essa nostalgia seletiva
que transpõe mesmo fronteiras de países onde a noção jamais entrou em curso
e circulação31.
Um cronônimo erudito novo nasceu que renega em grande parte suas origens,
mas por quanto tempo?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bloy, Léon. Propos d’un entrepreneur de démolitions. Paris: Tresse, 1884.
. Le Désespéré. Paris: A Soirat, 1886.
Colin, René-Pierre. Schopenhauer en France: un mythe naturaliste. Lyon: PUL, 1979.
Drumont, Edouard. La Fin d’un monde. Paris: Savine 1889.
L aforest, Jean-Louis Dubut de. Tête à l’envers. Paris: Charpentier, 1882.
. Une Livre de sang. Paris: Dentu 1884.
Montlaur, Eugène de. De l’Italie et de l’Espagne, études historiques et critiques. Paris:
Garnier, 1852.
Mortier, Arnold. Les Soirées parisiennes. Paris: Dentu, 1882.
Nordau, Max. Dégénérescence. reed. Lausanne: L’Age d’homme, 2010.
R ichard, Noël. À l’aube du symbolisme. Paris: Nizet, 1961.
Schorske, Carl Emil. Fin de Siécle Viena. Londres: Weidenfeld e Nicholson e Cambridge
(Mass) Harvard University Press, 1979.
Voguë, Eugène Melchior de. Le roman russe. Paris, Plon, 1886.
Voltaire, “Le siècle de Louis XIV (1751)”, édition René Pomeau, In: OEuvres historiques.
Paris: Gallimard, Bibliothèque de la Pléiade, 2000.
Weber, Eugen. Fin de siècle, la France à la fin du xixe siècle. Paris, Fayard, 1986.
28 Halperin, Joan Ungersma; Fénéon, Félix. Aesthete & Anarchist in Fin de Siècle Paris. New Haven:
Yale University Press, 1986.
29 Bordillon, Henri [org.], Alfred Jarry, Centre culturel international de Cerisy-la-Salle (27 agos-
to-6 setembro 1981). Paris: P. Belfond, 1985.
30 Finn, Michael R.. Hysteria, Hypnotism, the Spirits, and Pornography: Fin-de-Siècle Cultural
Discourses in the Decadent Rachilde. Newark: University of Delaware Press, 2009.
31 Ver a última tentativa de conciliar “história global” e fin de siècle no trabalho coletivo: Salter,
Michael (ed.). Fin de siècle World. Londres: Routledge, 2015.
Plural 25.1
Resenha
Horkheimer, Max. Eclipse da Razão. Trad. Carlos Henrique Pissardo. São Paulo: Editora
Unesp, 2015.
PLURAL, Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.25.1, 2018, p.265-271
266 Bruna Della Torre de Carvalho Lima e Eduardo Altheman Camargo Santos
Plural 25.1
A teoria crítica na ordem do dia: Horkheimer hoje 267
2018
268 Bruna Della Torre de Carvalho Lima e Eduardo Altheman Camargo Santos
Plural 25.1
A teoria crítica na ordem do dia: Horkheimer hoje 269
2018
270 Bruna Della Torre de Carvalho Lima e Eduardo Altheman Camargo Santos
Hoje, os indivíduos ou grupos inteiros podem ainda ser arruinados por forças
econômicas cegas; mas estas são representadas por elites mais bem organizadas
e poderosas. Embora as inter-relações entre esses grupos dominantes estejam
sujeitas a vicissitudes, eles se entendem bem em vários aspectos. Quando a con-
centração e a centralização de forças industriais [hoje diríamos, financeiras ou
coorporativas] extinguem, por sua vez, o liberalismo político, as vítimas são
condenadas em sua totalidade. (Horkheimer, 2015, p. 172)
Plural 25.1
A teoria crítica na ordem do dia: Horkheimer hoje 271
em suas análises; é com essa atitude perante tanto à ideologia dominante quanto
à realidade imperiosa que a filosofia pode ser de alguma serventia nos tempos
atuais. Conforme Horkheimer,
Se quisermos falar de uma doença afetando a razão, essa doença deveria ser
entendida não como algo que assolou a razão em algum momento histórico espe-
cífico, mas como inseparável da natureza da razão na civilização como até agora
a conhecemos. A doença da razão é que a razão nasceu da ânsia do homem para
dominar a natureza, e sua “recuperação” depende da compreensão da natureza
da doença original, não de uma cura dos seus sintomas tardios. (Horkheimer,
2015, p. 193)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Horkheimer, Max. Eclipse da Razão. Trad. Carlos Henrique Pissardo. São Paulo: Editora
Unesp, 2015.
Jay, Martin. A imaginação dialética: história da Escola de Frankfurt e do Instituto de
Pesquisas Sociais 1923-1950. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.
Schmidt, James. The Eclipse of Reason and the End of the Frankfurt School in America.
New German Critique, nº. 100, Winter 2007, pp. 47-76.
Wiggershaus, Rolf. The Frankfurt School: Its History, Theories and Political Significance.
Trans. Michael Robertson. Cambridge: Mit Press, 1994.
2018