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LAJOLO, M. Literatura: leitores & leitura.

São Paulo: Moderna, 2001.

Suzete de Paula Bornatto*

Quando nasci um anjo só baixou/ falou que eu seria


um executivo e desde então eu vivo com meu banjo/
executando os rocks do meu livro pisando em falso
com meus panos quentes/enquanto você ri no
seu conforto enquanto você me fala entre dentes/
poeta bom, meu bem, poeta morto.
Zeca Baleiro − Líricas, 2000.

Na obra introdutória O que é literatura, de 1982, integrante da bem


sucedida Coleção Primeiros Passos, da editora Brasiliense, Marisa Lajolo já
esbanjava senso de humor e defendia o trato da literatura por vias menos
formais do que as preferidas por muitos de seus sisudos companheiros de
erudição. Nesta “re-escrita”, que é Literatura: leitores & leitura (em que a
objetividade do título anterior dá espaço à subjetividade dos sujeitos e suas
escolhas), a irreverência e a provocação estão presentes e chamam o “lei-
tor anônimo” a diversos questionamentos importantes.
Para quem está envolvido com a educação literária, pode parecer que
algumas perguntas são velhas, mas uma consulta a livros didáticos, uma
visita a salas de aula ou uma leitura de títulos recentes sobre literatura e
ensino podem revelar que há muita teoria e muita prática empoeirada preci-
sando ser objeto de dúvida.

* Especialista em Ensino de Língua Portuguesa e Literatura. Mestranda em Educação


da Universidade Federal do Paraná. [email protected]

Educar, Curitiba, n. 20, p. 307-310. 2002. Editora UFPR 1


Se, em 1989, Magnani1 apontava para o fato de se exigir do aluno
uma “atitude meramente passiva e reprodutora frente a um texto dado como
‘exemplar’, ao mesmo tempo em que se trabalha com aspectos estáticos
da literatura, passíveis de serem operacionalizados...”, passados mais de
dez anos, conforme observação de Leahy-Dios,2

...na maioria das salas de aula os textos canônicos são estudados silenciosa
e passivamente como verdades e saberes já digeridos, com alunos
espectadores não participantes daquela cultura superior que lhes é
apresentada como uso exemplar da língua, objeto inacessível e modelar de
veneração e respeito.

Segundo Eagleton,3 a natureza incerta dos cânones literários e sua


dependência de uma estrutura de valor culturalmente específica são ampla-
mente reconhecidas em nossos dias, juntamente com a verdade de que
certos grupos sociais foram injustamente excluídos deles; todavia, os li-
vros didáticos destinados ao ensino médio dão a entender que, no Brasil,
até o século XIX, só havia homens escrevendo romances ou peças de
teatro, já que a primeira escritora que costumam referir é Rachel de Queiroz.
Muitos dos 15 capítulos de Literatura: leitores & leitura trazem a
repetição de trechos do livro de 82, mas os temas são ampliados com
referências a discussões mais recentes no âmbito dos estudos literários e
enriquecidos com epígrafes e exemplos da década de 90, principalmente.
As citações podem escandalizar os incautos, pois de um capítulo a outro
passa-se de Carlos Vogt (além de escritor, lingüista e ex-reitor), a Paulo
Coelho, o preferido das prateleiras a quem tantos críticos torcem o nariz.
Há também Orides Fontela, Manoel de Barros, Sebastião Uchoa Leite e
Zeca Baleiro.

1 MAGNANI, M. do R. M. Leitura, literatura e escola – sobre a formação do gosto.


São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 33.
2 LEAHY-DIOS, C. Língua e literatura: uma questão de educação? Campinas: Papirus,
2001. p. 56.
3 EAGLETON, T. Teoria da literatura – uma introdução. São Paulo: Martins Fontes,
2001. p. 329.

2 Educar, Curitiba, n. 20, p. 307-310. 2002. Editora UFPR


Lajolo inicia o percurso com a afirmação de que a literatura não mor-
reu, mas mudou “de cara, de endereço e até de família”. No mundo con-
temporâneo dos “livros a mancheias”, cabe questionar a tradição cultural
que vem fornecendo respostas à pergunta sobre o que é literatura: essa
tradição tem, além do respaldo de séculos, a civilização burguesa − “bran-
ca, masculina e bem alfabetizada” − por horizonte.
Destacando o caráter arenoso e provisório do conceito de literatura, a
autora lembra que a obra literária é objeto social muito específico, que
prescinde dos processos econômicos de produção e circulação, tanto como
da interação estética entre leitor e autor. A literariedade de um texto costu-
ma ser definida e proclamada pelos canais competentes: a crítica, os edito-
res, a escola (definidora de “clássicos”)... Esses canais vão selecionando,
fixando e ajustando o cânone e, ao mesmo tempo, as teorias que o susten-
tam.
Ao tratar das relações entre oralidade e escrita, reitera a reivindicação
de inclusão da MPB como literatura e aponta: “a literatura − aquela que os
resmungões gostam de escrever com letra maiúscula − desconfia de tudo
que não é escrito, ou de tudo que ao escrito acrescenta outros códigos”.
Entretanto, em relação a O que é literatura, algumas modificações revelam
maior precisão e cautela nas assertivas sobre linguagem e significação.
O capítulo 6 é “onde se denuncia a promiscuidade das várias lingua-
gens no interior do que se chama literatura” − um dos exemplos que refor-
çam a argumentação é um conto bem humorado em que alguém alheio ao
informatiquês e ao internetês não veria muita graça. Mais adiante, Lajolo
professa: “...é cada um, no silêncio ou na algazarra de suas leituras, que
torna literários alguns dos textos com que se encontra na vida.”
A professora se oferece como guia (ao “leitor obtuso” ou “erudito”, à
“leitora folgada” ou “apressada”) em um breve tour histórico que pretende
ajudar a compreender como a literatura foi concebida, praticada e avaliada
ao longo da história ocidental. Assim, parte dos gregos, revive a Idade
Média em uma novela de cavalaria, atravessa “Barroco”, “Arcadismo”,
“Romantismo” e “Realismo” com exemplos canônicos e outros nem tanto.
A maior diferença entre a obra original e a re-escrita está no tom em
que se trata da atualidade. Em 1982, há ceticismo em afirmações como a de
que “não somos um país de leitores” ou de que “a literatura corre o risco
de tornar-se (...) descartável”. Em 2001, após muitos estudos de fôlego em
que a própria autora esteve envolvida, na área de história da leitura e do

Educar, Curitiba, n. 20, p. 307-310. 2002. Editora UFPR 3


livro, há o reconhecimento de que a abundante produção contemporânea
está distante dos prognósticos mais pessimistas.
Globalização, tecnologia, técnicas de reprodução, novos suportes, no-
vas mídias, tudo favorece a multiplicação do texto. Os conceitos de
metalinguagem e intertextualidade são revisados e aproximados da noção
de hipertexto, cara aos freqüentadores do universo virtual. Por outro lado,
a segmentação do mercado favorece a visibilização dos antes “marginaliza-
dos” da história literária (literatura para crianças e jovens, de mulheres, de
negros, de homossexuais,...), agora com identidade assumida. Conforme o
texto: “Tem de tudo, sim senhor! E tudo é literatura!”
O livro termina com variadas indicações de leitura, dentre as quais
boa parte é produção da última década. E uma das qualidades de Literatu-
ra:... é justamente essa − lança a um universo de outros textos, com o
conselho implícito de desconfiar das respostas prontas. A lista de suges-
tões inclui, por exemplo, Altas literaturas, de Leyla Perrone-Moisés, cuja
posição é, no mínimo, “bastante distinta” da assumida pela professora da
Unicamp.
Enfim, a leitura (ou re-leitura) desse texto de Marisa Lajolo faz senti-
do pra quem teima em não concordar que poeta bom é só poeta morto.

Texto recebido em 10 jan. 2002


Texto aprovado em 15 mar. 2002

4 Educar, Curitiba, n. 20, p. 307-310. 2002. Editora UFPR

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