Revista Luterana 1990

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IGREJA LUTERANA

1990 NÚMERO 2

ÍNDICE

EDITORAIS
Nota do Editor ....................................................................... 136
Fórum ................................................................................... 137

ARTIGOS
A Teologia como Empreendimento Hermenêutico
Vilson Scholz ............................................................................ 141
A Consolação do Povo de Deus:
O Profeta Isaías Reestudado na IELB
Elmer Flor ................................................................................ 149
460 Anos da Confissão de Augsburgo
Martim C. Warth ........................ ,............................................ 169
A Doutrina da Justificação pela Fé
no Ensino de Jesus Cristo
Curt Albrecht .......................................................................... 173

AUXÍLIOS HOM1LÉT1COS ............................................................. 177

LIVROS .......................................................................................... 237

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IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990
EDITORIAIS

Nota do Editor:

A revista Igreja Luterana está completando 49 anos de existência.


Metaforicamente são sete sabáticos destinados a uma atividade especial de
crescimento, produção e formação na Palavra de Deus. Este foi e está
sendo seu objetivo mesmo quando mudanças nela ocorrem, a mais recente
a eleição do seu editor, Prof. Leopoldo Heimann, para a presidência da
Igreja Evangélica Luterana do Brasil.
Neste número a secção de artigos inicia com a aula inaugural
proferida pelo Prof. Vilson Scholz a estudantes e professores do Seminário
Concórdia na abertura de suas atividades deste ano. Sob o tema "A
Teologia como Empreendimento Hermenêutico" ele ratifica que não há
teologia sem pressupostos, ou seja, não há teólogos, pastores e pregação
desvinculados de uma determinada linha hermenêutica. Vislumbrados no
horizonte, destes se pode dizer: "Os hermcneutas estão chegando com a
sua hermenêutica'".
Embasado na hermenêutica luterana confessional, o Prof. Elmer
Flor nos traz "A Consolação do Povo de Deus: o Profeta Isaías Reestudado
na IELB" — um trabalho submetido à 52;l Convenção Nacional da IELB.
Numa abordagem polêmico-apo-logética é apresentada a atualidade da
mensagem e teologia do exponencial profeta do oitavo século.
Neste ano a Confissão de Augsburgo completa 460 anos de
promulgação. O Seminário Concórdia celebrou este evento com um culto
especial cujo sermão, proferido pelo Prof. Dr. Martim C. Warth,
transcrevemos nesta edição.
A série de artigos tem seu fechamento com um ensaio sobre "A
Doutrina da Justificação pela Fé no Ensin,o de Jesus Cristo" onde o Prof.
Curt Albrecht enfatiza a centralidade do articulus stantis et cadentis
ecclesiae na pregação do nosso Mestre e Salvador.
Uma nova secção integra os editoriais neste número: Fórum. Este
espaço é destinado a análises, comentários e tomadas de posição frente a
acontecimentos com que se defronta a Igreja hoje no mundo e na teologia
em geral. Tenha uma abençoada leitura. E até o Jubileu. — AR

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FÓRUM

ÓTIMO
A Revista "Ultimato" traz no seu número 205 de Junho de 1990
uma carta de um leitor da Inglaterra. O conteúdo desta carta é tão
significante que merece ser — ao menos em parte — aqui repetido: "BBC
de Londres. A BBC tem um programa de televisão todos os domingos às
18:40h, chamado "Songs of Praise". Cada vez uma igreja se apresenta e
canta de oito a dez hinos. É a igreja toda e não apenas o coral. Entre um
hino e outro, há uma pequena entrevista com um dos membros da igreja, o
equivalente a um testemunho de fé. De um modo geral é esta pessoa que
escolhe o hino seguinte. Ontem foi a vez da Westminster, com um grande
número de membros do Parlamento. Margareth Thatcher estava na terceira
fila de bancos e bem atrás dela o líder da oposição! Foi interessante ver os
deputados escolherem os hinos. A mesma BBC está monstrando aos
sábados uma série muito interessante de seis capítulos sobre missões. Já vi
os dois primeiros. O programa é muito completo..." (Daison Olzany
Silva, Sheffield, Inglaterra). — A gente fica pensando se seria totalmente
impossível que uma coisa semelhante pudesse acontecer em nossa igreja,
que gosta chamar-se "igreja cantante", aqui no Brasil. Não precisaria ser
em rede nacional. Será que não existem entre os nossos membros alguns
que pudessem se interessar por isso? Seria ótimo! — JHR

AS BÊNÇÃOS DO MASSACRE
Milhares de universitários chineses estão se convertendo ao
cristianismo depois do massacre da Praça da Paz Celestial no ano passado.
Há notícias dignas de crédito que mais de 10% deles tornaram-se cristãos
nos últimos meses. Um conferencista cristão da Universidade de Xiamen
informou que a qualquer hora que uma pessoa sair a passear pelo campus
se depararia com grupos de estudo bíblico. Uma igreja de Pequim tem
estado apinhada de estudantes. Outra de Fuzhon recebeu nada menos de
8.000 pedidos de informações enviados por universitários no segundo
semestre de 1989. A relação deste fervor religioso com o massacre da Paz
Celestial está no fato de que o Partido Comunista mostrou a sua face
iníqua. Além da decepção e revolta, o massacre pôs em dúvida a tese das
religiões e filosofias

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chinesas de que o homem é basicamente bom. Os estudantes estão se
deixando atrair pela doutrina bíblica de que o homem é basicamente mau,
embora essa maldade possa ser vencida. O grande problema é que a igreja
na China não tem obreiros suficientes para receber e doutrinar essa massa
enorme de jovens cristãos. Há também pastores despreparados para lidar
com eles. Em alguns lugares a literatura apologética está sendo copiada a
mão e passada de pessoa a pessoa. — JHR

TELL TUNEINIR
Apesar das "guerras e rumores de guerras", as escavações
arqueológicas nas regiões do Oriente Próximo prosseguem. Muito embora
empreendimentos arqueológicos sejam objeto de maior atenção na
Palestina, descobertas realizadas na Síria têm-se mostrado relevantes na
compreensão de hábitos e costumes que auxiliam na interpretação de
aspectos sociais, culturais e religiosos registrados na Escritura Sagrada,
especialmente no que respeita ao período patriarcal, como é o caso de
Mari, Nuzi, Pias Shamra (Ugarit), Ebla.
Com recursos financeiros provenientes do World Mission Institute
e com a anuência do Secretário Executivo da Área de Recursos Humanos
da IELB, Rev. Werner Sonntag, o signatário teve a oportunidade de, numa
breve interrupção nos estudos de pós-graduação no Concórdia Seminary,
integrar uma expedição arqueológica, em junho-julho do ano passado, para
Tell Tuneinir, nordeste da Síria, entre o Tigre e o Eufrates. Este projeto é
fruto de uma iniciativa conjunta do Concórdia Seminary de St. Louis,
Missouri, e da St. Louis Community College, na sua terceira temporada
numa região próxima a Padã-Harã. A equipe compunha-se, além dos
diretores Dr. Michael Fuller e sua esposa Neathery, de treze membros
dentre os quais o Dr. Horace D. Hummel e o Dr. Paul R. Raabe, ambos
professores de Antigo Testamento no Concórdia Seminary de St. Louis. Os
demais integrantes vieram de diversas instituições espalhadas em vários
estados norte-americanos.
Tell Tuneinir é um dos vários tells no vale do rio Kabhur (Habor)
que vêm sendo escavados nos últimos anos por grupos do mundo inteiro
preocupados com a decisão do governo sírio de construir uma represa
hidroelétrica na região que irá inundar os sítios arqueológicos em poucos
anos.
O rio Kabhur, um grande afluente do Eufrates, nasce nas fronteiras
da Turquia, a uns 80 quilómetros ao norte de Tell Tuneinir. O Kabhur é
mencionado três vezes na Bíblia (2 Rs

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17.6; 18.11; 1 Cr 5.26), destacando uma das regiões importantes para onde
foram deportadas as Dez Tribos do Reino de Israel. Todas as três vezes a
Bíblia refere-se ao Kabhur como o "rio de Goza". Goza, por sua vez, foi
identificada pela arqueologia com a moderna Tell Halaf, junto às nascentes
do Kabhur. Esta é a única das três regiões de deportação mencionadas nas
Escrituras e que foi identificada com certeza.
0 nome moderno árabe "Tuneinir" não encontra eco homofònico
em sítios até agora escavados e provavelmente não é mencionado na
Bíblia. Entretanto, a importância de Tell Tuneinir em conexão com a
Escritura se dá, em primeiro lugar, pela sua proximidade com Goza e, por
outro, pelo fato de ser ocupada nesse mesmo período. Estes dois aspectos
qualificam-na a ser uma forte candidata a estar envolvida com o "assenta-
mento" das Dez Tribos deportadas pelos assírios — fato este que pode
estar a poucos metros da comprovação.
Os trabalhos até agora desenvolvidos no sítio indicam que
provavelmente o auge de Tell Tuneinir deu-se nos períodos Bizantino e
Islâmico. Contudo, cacos de cerâmica encontrados no tell evidenciam que
sua ocupação humana remonta ao período Calcolítico (3.500-3.200 a.C).
Tecnicamente a atividade arqueológica no local se processa em três Áreas.
As pesquisas na Área I, no lado norte do tell e na sua parte mais elevada,
chegam, através de trincheiras, a estratos que identificam vestígios cultu-
rais do período Romano. O signatário trabalhou exclusivamente na Área II,
a ca. de 50m ao sul da Área I, supervisionando (como os outros integrantes
da equipe) o trabalho braçal contratado de cinco operários árabes de
pequenas vilas modernas adjacentes I sendo responsável pela orientação na
escavação, coleta dos achados, análise e relatório dos resultados ao diretor
da equipe. Na Área II as surpresas começam a aparecer após meio metro
de escavação. Em geral, no mundo árabe, a superfície dos tells é utilizada
como cemitério. E não raras são as vezes que para se chegar a estratos
inferiores no quadrado, tenha-se que passar por sepulturas cujo conteúdo
deve também ser criteriosamente anotado, desenhado e analisado. Além
dos artefatos "rotineiros" (moedas, vasos e cacos de cerâmica), a Área II
revela segredos arquitetônicos de uma ala residencial islâmica medieval.
Nessa temporada, entretanto, o que talvez possa interessar mais de
perto é o que foi descoberto na Área III, situada a ca. de 300m a leste e
fora do tell principal, quase ao nível do Kabhur. Ali uma pequena colina
cobria uma igreja cristã provavelmente erigida sobre os fundamentos de
outra igreja cristã Bizantina anterior. Constata-se que tal igreja podia
acolher cerca de 150 pessoas. Escadas conduziam à abside onde se notam
vestígios de dois diferentes altares e uma porta lateral que dava acesso

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à sacristia. Duas cruzes foram encontradas, uma das quais esculpida em
estilo Bizantino. Removidas as paredes dos quadrados e varrido o
assoalho, podia-se notar o uso de pequenas e grandes lâmpadas de óleo
pelas manchas desse líquido no soalho rebocado.
À voo de pássaro, é o que se pode dizer sobre esta expedição
arqueológica a Tell Tuneinir, enquanto publicações oficiais são ultimadas.
0 projeto como tal foi mais amplo na medida em que possibilitou a visita a
grandes museus (Damasco e Palmira), a importantes construções (Mesquita
Umayyad, Palácio Azem, Rua Direita, Casa de Ananias, Muralha de Paulo
— todas em Damasco). Da mesma forma, especialmente às sextas-feiras (o
"domingo" muçulmano), visitas a sítios arqueológicos importantes foram
realizadas: Mari, Palmira (a Tadmor bíblica), Dura-Europos, Tell Leilan,
Bosra, Tarqah, Tell Brak.
Esforços homéricos estão sendo empregados para fazer com que
estes e outros sítios circunjacentes tornem à vida. Em Tell Tuneinir a
cultura, a arte, a religião estão sendo trazidas à luz pela arqueologia e nos
saúdam ao mesmo tempo em que contemplam estáticas o esplendor divino
daquele céu abraâmico — por enquanto, pelo menos. — AR

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ARTIGOS

A TEOLOGIA COMO EMPREENDIMENTO


HERMENÊUTICO
Vilson Scholz

Pode parecer desnecessário, mas, no inicio do ano letivo, é


importante nos perguntarmos o que viemos fazer aqui. Nossos familiares e
amigos talvez digam: "Ele foi estudar para ser pastor". Você talvez diria:
"Estou estudando teologia". Meu lembrete, nesta hora, é o seguinte: "Você
está entrando ou retornando ao grande curso de hermenêutica".
Hermenêutica é uma daquelas palavras que, embora seu uso não se
restrinja ao campo da teologia, faz parte do nosso "teologuês". É uma
palavra impressionante. Pode ser usada (ou abusada) para impressionar os
não-iniciados: "Estou estudando hermenêutica!" (Que diria o povo se
alguém viesse com a notícia: "Os hermeneutas estão chegando com a sua
hermenêutica!?")
A maioria de nós estamos envolvidos com hermenêutica o tempo
todo. Somos hermeneutas. Precisamos, por isso, ir além do som das
palavras, para ver o que designam.
A hermenêutica tem a ver com a compreensão. É uma palavra básica
na comunicação. No grego clássico, o verbo HERMENEUO muitas vezes
designa a ação de interpretar. Pode também ser usado para veicular a ideia
de comunicação, ou seja, HERMENEUO pode ser traduzido por falar, falar
com clareza. O Se tivermos em mente que HERMENEUO tem também este
sentido, podemos afirmar que a homilética (que vem do verbo HOMILEO,
"falar") está incluída na hermenêutica. Não se pode falar sem interpretação,
sem compreensão envolvida. Por isso, este estudo, que originalmente
poderia ser intitulado "Teologia como empreendimento hermenêutico-
homilético", recebe um título reduzido: "Teologia como empreendimento
hermenêutico".
O curso de teologia é um grande curso de hermenêutica. Isto precisa
ser demonstrado com detalhes. Comecemos pela Teologia Exegética. É a
área que, no entender de todos, mais depende da hermenêutica. Aqui é
preciso ter princípios hermenêuticos que, muito antes de serem aplicados ao
estudo da Escritura, devem ser tirados da própria Escritura. (É o princípio
de que a Escritura a si mesmo se interpreta.) A área da Sistemática,

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feita basicamente do estudo das Confissões Luteranas e da Dogmática, é,
num certo sentido, um curso de hermenêutica. O estudo da História
Eclesiástica, com ênfase na história da teologia ou das doutrinas, é uma
tomada de contato com a maneira como a Escritura foi interpretada ao
longo do tempo. A doutrina ortodoxa ou católica resulta da correta
hermenêutica ou interpretação da Escritura. A heresia é sempre uma
interpretação particular ou sectária da Escritura. A Teologia Prática se
preocupa com a aplicação ou comunicação do evangelho de Jesus Cristo na
pregação, no ensino, na cura de almas. Aqui importa falar, e falar com
compreensão. Sem hermenêutica isto é de todo impossível.
Encarar o Curso de Teologia como curso de hermenêutica nos ajuda
a evitar mal-entendidos, alguns dos quais passaremos a analisar.
O Curso de Teologia, para quem o examina de um ângulo técnico,
pode parecer um mero conjunto de disciplinas a serem cursadas. Para quem
vê no formado em teologia um homem que de modo especial se ocupa com
a Bíblia, este talvez seja um curso essencialmente bíblico.
Há muito de verdade nessas apreciações. Agora, quem vê o curso de
teologia como um conjunto de disciplinas facilmente pode chegar à
conclusão de que são poucas as disciplinas. Nunca faltam aqueles que
criticam o currículo do Seminário, dizendo ser insuficiente o número de
disciplinas. Outros, já formados, por vezes tentam desculpar sua
estagnação teológico-cultural, culpando a escola de teologia. "Isto não me
foi ensinado no Seminário!", explicam. E são os primeiros que têm listas
de sugestões quanto ao que seria necessário acrescentar: contabilidade,
relações humanas, mecânica de automóveis, etc. Se não encararmos o
curso de teologia como um curso de hermenêutica, destinado mais a
fornecer as coordenadas do que a traçar todas as linhas, nunca escaparemos
da tentativa de acrescentar mais e mais disciplinas. Estaremos fadados a
ficar a vida toda no Seminário, recolhendo cavacos, por assim dizer.
Quem pensa no Curso de Teologia como sendo, antes de mais nada,
um curso de Bíblia, pode facilmente se decepcionar. Pode-se terminar o
Curso de Teologia com cinco disciplinas de exegese cursadas. Isto
representa o estudo, muitas vezes parcial, de cinco livros bíblicos! É
pouco. Mas, para não nos decepcionarmos (ou entrarmos em pânico), é
preciso ver o Curso de Teologia como curso de hermenêutica, mais
formativo que informativo. A exegese dos 66 livros, esta é nossa tarefa
para a vida.
Antes de prosseguir, faz-se necessária uma pequena explicação
quanto ao uso da palavra hermenêutica. Em seu senti-

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do restrito, hermenêutica é uma disciplina que estuda as técnicas e a
metodologia da exegese. Num sentido amplo, hermenêutica é a
metodologia da compreensão e envolve todo o estudo teológico. Neste
texto a palavra hermenêutica está sendo usada num sentido amplo.
Hermenêutica, neste sentido amplo, tem a ver com a questão dos
pressupostos. E se a teologia depende fundamentalmente da hermenêutica,
isto quer dizer que é da máxima importância ler os pressupostos correios.
Não se pode fazer teologia sem pressupostos. Uma teologia
científica, totalmente objetiva, sem qualquer tipo de pressupostos, não
existe. Rudolf Bultmann demonstrou isso, ao menos para os teólogos
liberais, num ensaio de 1957 intitulado: "É possível uma exegese sem
pressupostos?" Pressuposto é aquilo que sou, sei, tenho, creio ao fazer meu
trabalho teológico. Não existe teologia sem pressupostos, porque todo
teólogo tem pressupostos. O fato de eu ser batizado já é um pressuposto.
Assim, diferentes pessoas, de confissões diferentes, podem ler os mesmos
textos de forma diferente. O maior exemplo talvez seja a forma diversa
como cristãos e judeus lêem o Antigo Testamento. Também existe
diferença entre fazer teologia com um curso de teologia e sem o mesmo
curso.
Se não existe teologia sem pressupostos, cabe perguntar se existe
uma hermenêutica, um conjunto de pressupostos, que podem ser descritos
como luteranos? Esta é uma pergunta importante, que precisamos
responder afirmativamente. Existem pressupostos, ênfases, que
caracterizam o luteranismo. Não fosse assim, pouca diferença nos faria
estudar neste seminário ou noutro qualquer. (Agora, nunca é demais
lembrar que pressuposto não se confunde com preconceito, especialmente
no sentido pejorativo.)
Resta, então, definir o que é especificamente luterano em nossa
hermenêutica. Se quisermos começar pelo campo da exegesse bíblica,
constataremos que muitos de nossos pressupostos não têm nada de
especificamente luterano. Se alguém entrasse rapidamente em uma ou
outra de nossas aulas de exegese, talvez tivesse dificuldade em dizer por
que este é um seminário luterano, a não ser pelo fato de professor e alunos
serem luteranos. Como toda escola de teologia séria, aplicamos princípios
que se enquadram no que tecnicamente se chama de hermenêutica geral.
São princípios como: "Dê atenção ao que é dito ou está escrito!" "Não
arranque o texto do contexto!" "Considere o género literário, ou seja, não
leia um trecho poético como se fosse prosa ou uma declaração ao pé da
letra." Ora, estes princípios são importantes sempre e para todos, até
mesmo para o

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jornalista e aquele que lê o jornal. Aplicam-se igualmente na ieitura
bíblica.
Outro pressuposto, também partilhado por teólogos luteranos, é de
que a Escritura precisa ser lida dentro de seu contexto histórico. Não se
pode pensar que as palavras inspiradas são relevantes fora da história e da
cultura dos homens que as proferiram. Martin H. Franzmann nos lembra
que Jesus, cujas palavras foram todas proferidas "no poder do Espírito" (Lc
4.14,15), sempre falou em termos e imagens próximas à vida e relevantes
para seus ouvintes. O material de suas parábolas foi tirado do ambiente que
todo israelita conhecia: o jardim, a fazenda, a cozinha, a pescaria, senhores
e escravos, casamentos, banquetes, jejuns, tribunais, odres, remendos, o
rapaz que saiu de casa, a perigosa estrada de Jerusalém a Jericó. (2)
Existem, por outro lado, pressupostos que recebem uma ênfase
especial dos luteranos. Fazem parte de assim-chamada hermenêutica
especial. Não são aprendidos e praticados apenas naquelas quarenta e
poucas aulas de Hermenêutica Bíblica, senão que em todo o curso de
teologia.
Convém frisar que o objetivo maior é assimilar pressupostos, e não
tanto a exegese deste ou daquele texto. O objetivo maior do Seminário não
é o de ensinar como a Igreja Evangélica Luterana do Brasil ou sua
Comissão de Teologia interpretam este e mais aquele texto. Não queremos
aqui memorizar a exegese oficial. (Isto seria mais informação do que
formação.) Queremos, isto sim, (e este já é um importante princípio her-
menêutico), aprender a deixar a Escritura se interpretar a si mesma, por
entendermos que a chave da Escritura não é algo que a abre de fora para
dentro, mas é o próprio centro da Escritura, Jesus Cristo, se irradiando por
toda ela. Este princípio de que a Escritura se interpreta a si mesma, exige
que a estudemos cada vez mais a fundo, à base dos textos originais, sempre
relacionando os elementos ao centro cristológico.
De modo sucinto se pode dizer que o pressuposto básico é o de que
as Escrituras Sagradas, apesar de seu vasto conteúdo e da variedade pelas
encontradas, têm um cerne ou uma mensagem central, que é a voz de
Deus, dirigida a nós e a toda a humanidade em lei e evangelho. Como a lei
está a serviço do evangelho, e é anunciada em função deste, pode-se
também dizer que a mensagem central e definitiva que Deus tem para nós
na Escritura é a justificação pela fé (o evangelho). Para o luterano,
portanto, o centro da Escritura é Romanos 4, a justificação do ímpio,
gratuitamente, por causa de Cristo, mediante a fé. Para o luterano, teologia
é a devida aplicação deste núcleo ou centro a toda a Escritura.

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Muitas vezes se acusa os luteranos de serem tendenciosos neste
particular, de tentarem ver justificação em cada parágrafo da Bíblia. De
fato, se nos ativermos à terminologia, numa consulta à Concordância
Bíblica, podemos até concluir que a justificação não é tão central assim na
Escritura. São Paulo emprega esse termo (e outros cognatos) quase que
exclusivamente em Romanos, Gálatas e Filipenses. Mas, embora possa
parecer que tomar a justificação como centro implique em reducionismo,
cumpre não esquecer que justificação é um conceito, uma abreviatura. Ela
engloba e nos faz levar a sério toda a história de Israel, toda a vida, morte e
ressurreição de Jesus Cristo, o que perfaz praticamente toda a Bíblia. Em
todo caso, para evitar mal-entendidos, preferimos falar na distinção entre
lei e evangelho.
Mas será que este conceito é mais difundido, mais "ecuménico"?
Não. O Dr. J . A. O. Preus, num recente artigo (3), deixou claro que essa
ênfase na distinção entre lei e evangelho como princípio hermenêutico de
compreensão da Escritura é uma planta que nasceu e cresceu em solo
luterano. Preus fundamenta essa constatação, mostrando que os teólogos
luteranos das três primeiras gerações (entre eles está Martin Chemnitz, que
foi talvez o maior estudioso de Patrística que o luteranismo já teve) não
apresentam nenhuma citação significativa tirada dos Pais da Igreja em
apoio à sua posição quanto a lei e evangelho. Quando citam os Pais nesse
assunto, fazem-no para mostrar que laboravam em erro.
Na prática, o que significa o pressuposto de lei e evangelho para a
nossa exegese, para o nosso estudo da Escritura? Significa que não vamos
à Escritura por mero interesse intelectual, numa abordagem puramente
informativa. (Grosseiramente se poderia dizer que não nos interessa um
estudo da Bíblia que resulta em simples questões para uma "gincana bíbli-
ca".) Não vamos primeiramente à busca de regras minuciosas sobre como
viver segundo a vontade de Deus (este seria o primado da lei), tampouco
nos restringimos a um estudo meramente histórico dos textos. Do ponto-
de-vista de lei e evangelho, reconhecendo o propósito soteriológico e o
conteúdo cristológico da Bíblia, abrimos a Escritura Sagrada com um
propósito específico: para que Deus nos fale a lei e, de modo especial, o
evangelho. (Cf. Ap I V 2 e F C V. 1).
Isto envolve uma certa crítica, um julgamento quanto ao que é mais
ou menos importante. Assim, um teólogo luterano pode se expressar como
o Dr. Ralph Bohlmann, atual presidente do Sínodo de Missouri (EUA): "A
afirmação de que Ninrode era caçador ("foi valente caçador diante do
Senhor", Gn 10.9)

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é verdadeira, mas não tão4 importante para a fé quanto a afirmação de que
Jesus é o Filho de Deus".( )
Resta-nos considerar o relacionamento entre hermenêutica e
homilética, ou seja, o que tudo isso tem a ver com a proclamação da igreja.
Em geral, quando falamos "hermenêutica", pensamos em
interpretação bíblica e não em homilética. De fato, os princípios
enfatizados no luteranismo, de modo especial a distinção entre lei e
evangelho, são a chave hermenêutica para a leitura da Escritura. (5) Agora,
a nossa teologia, a exegese inclusive, não quer ser antes e acima de tudo
uma ciência, desenvolvida como que em laboratório, em antisséptica
distância das "infecções" que tentam se instalar no corpo de Cristo, a
igreja, mas precisa ser, antes de tudo, HABITUS PRACTICUS. Neste
sentido, a teologia só alcança seu alvo na proclamação. Se a interpretação
não leva à proclamação e está a serviço dela, não passa de bronze que soa e
címbalo que retine. E a orquestra eclesiástica — numa formulação
pitoresca de Martin Franzmann — já está demasiadamente desequilibrada
ou fora de proporção, com o setor de percussão (com, címbalos e bronze)
grande demais em relação ao resto (6), de tal sorte que não precisamos
engrossar estas fileiras. Por isso, importa falar de hermenêutica sem
esquecer da homilética. A hermenêutica culmina na homilética e a homi-
lética depende da hermenêutica.
A não-consideração deste fato talvez seja a raiz de nossos
problemas nessa área. Estamos, é claro, pressupondo que temos problemas.
Fato é que não temos dados de pesquisa. Se a fizéssemos, talvez
constataríamos a suspeita de que nem tudo vai bem nos púlpitos luteranos.
Ou será que alguém sabe o que tudo se prega na igreja? (Temos pouco
material impresso.) Isto deveria nos inquietar, pois a doutrina somente se
mantém pura se também for proclamada pura do púlpito.
Poderia alguém pensar que o problema da pregação é apenas um
problema homilético. Neste caso, a solução seria, quem sabe, encurtar o
sermão (ou torná-lo mais longo), ser mais eloquente, gesticular mais. No
entanto, o problema básico — sempre que há problemas — é
hermenêutico. O pregador talvez nem se dê conta, por pensar que
hermenêutica é "outro departamento". Talvez imagine que já sabe tudo,
quando, na verdade, é preciso reaprender tudo a cada novo sermão. Lutero
afirmou: "É fácil dizer que a lei é palavra e doutrina diferente do evan-
gelho; qualquer um pode fazê-lo. Todavia, mantê-los distintos e separados
na prática requer muita reflexão e trabalho". Uma só palavra, no final do
sermão, pode estragar tudo.

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Será necessário mostrar com detalhes que o problema da pregação é
fundamentalmente hermenêutico. Somente poderemos levantar alguns
tópicos.
1) Pregar mais lei — Não são poucos que dizem que, na
igreja luterana, até hoje se pregou demais evangelho. Para a
igreja finalmente andar, é preciso pregar lei. Quem assim pensa
está em dificuldades hermenêuticas, move-se em areia movediça.
Dessa tentativa de pregar mais lei resulta um, simples moralismo
legalista. O sermão legalista é em que gostamos de pregar (por natureza
somos legalistas) e que atinge o ouvinte. No entanto, não dá ao ouvinte o
que ele mais precisa: poder para fazer o que a lei exige.
Acontece que nunca se pode pressupor o evangelho e a fé. Isto
precisa ser afirmado apesar daqueles que — erroneamente — afirmam que
de vez em quando posso pressupor que os ouvintes são cristãos e já
conhecem o evangelho.
Se algo vai mal na vida da igreja, provavelmente não se trata de
falta de lei, e sim de evangelho. 0 que falta não é apenas a operosidade da
fé (que se pretende despertar mediante a lei); o que falta é a própria fé.
2) Pregar somente evangelho — Este é o outro extremo:
pensar que só se deve pregar evangelho. Aqui talvez esteja o
real problema detectado por aqueles que se queixam do "exces-
so" de evangelho. Não sabemos mais pregar a lei, a lei em seu
uso teológico, a lei que sempre acusa. Fato é que a redescoberta
do evangelho traz consigo a redescoberta da lei. Sem a lei, a
serviço do evangelho, não se consegue escutar o evangelho.
A lei precisa ser pregada em todo seu rigor. Ela sempre acusa, e é
preciso deixar que ela acuse. Manfred Josuttis escreve: "A palavra de Deus
como lei não apenas belisca ou faz cócegas na carne do homem, não
apenas o arranca de sua tranquilidade e auto-confiança, não apenas lacera
sua pele com pequenos cortes onde ele mesmo pode aplicar curativos e
obter cura, mas ela penetra fundo em sua carne pecaminosa... "(7)
Josuttis alude à história de Eúde e Eglom, registrada em Juízes
3.15-20. O libertador israelita Eúde se apresentou a Eglom, o gordo e
opressor rei moabita, dizendo ter uma palavra de Deus para ele (v. 20).
Aquela palavra era um punhal, que penetrou com cabo e tudo no ventre do
gordo e o matou. A lei mata.
3) Sermões mais bíblicos — Talvez alguém diga que nos
falta exatamente isto: sermões mais bíblicos, com mais conteúdo
bíblico. Esta é uma maneira de ver a questão, um problema
hermenêutico. Agora, por mais absurdo que possa parecer, é
possível ser bastante bíblico, sem ser bíblico no tocante à substân-

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 147


cia, à exposição do evangelho. Um sermão ainda não é bíblico por tomar
como ponto de partida um, texto bíblico ou por ser minuciosamente
expositivo, assim como ainda não é luterano apenas por ser feito por um
pregador luterano. Para ser bíblico, o sermão precisa refletir a correta
compreensão, não apenas de determinada passagem, mas do todo da
Escritura. Por mais importante que seja pregar o texto, mais importante
ainda é pregar o evangelho. E neste ponto é fundamental a hermenêutica de
lei e evangelho.

Conclusão

Grande é a tarefa hermenêutica. É preciso compreender bem, ter a


moldura hermenêutica correta, os óculos adequados. Por outro lado, é
preciso permitir a compreensão, enquadrar bem a mensagem, ajustar o
foco, numa correta divisão de lei e evangelho. Este é um projeto que requer
o melhor de nosso tempo e de nossas forças — no Seminário e fora dele.

NOTAS:
(1) THIESSELTON, A.C. "Explicar", Novo Dicionário Internacional de
Teologia do Novo Testamento, volume II, p. 180.
(2) FRANZMANN, M.H. "The Hcrmeneutical Dilemma: Dualism in
the Interpretation of Holy Scripture", Concórdia Theological
Monthly 36 (1965), 524.
(3) PREUS, J.A.O. "Chemnitz ou Law and Gospel", Concórdia Journal
15 (October 1989), 408-409.
(4) BOHLMANN, Ralph A. "Confessional Biblical Interpretation:
Some Basic Principies", Studies in Lutheran Hermeneutics. Ed. John
Reumann. Philadelphia, Fortress Press, 1979, p. 199.
(5) As Confissões Luteranas exercem a função hermenêutica de nos
conduzir para dentro da Escritura. Em razão disso, engana-se quem
pensa que somos uma igreja confessional em detrimento de igreja
bíblica. (Já houve quem dissesse que somos uma igreja do Catecis-
mo e não uma igreja da Bíblia.)
(6) FRANZMANN, "Seven Theses on Reformation Hermeneutics",
Concórdia Theological Monthly 40 (1969), 246.
(7) JOSUTTIS, Manfred. Gesetzlichkeit in der Predigt der Gegenwart,
p. 41.

BIBLIOGRAFIA:
BOHLMANN, Ralph A. "Confessional Biblical Interpretation: Some
Basic Principies", Studies in Lutheran Hermeneutics. Ed. John
Reumann. Philadelphia Fortress Press, 1979. P. 189-213.
BOUMAN, Herbert J.A. "Some Thoughts on the Theological Presupposi-
tions for a Lutheran Approach to the Scriptures", Aspects of Biblical
Hermeneutics: Confessional Principies and Practical Applications.
CTM Occasional Papers No. 1, p. 2-20.

148 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


FRANZMANN, M.H. "The Hermeneutical Dilemma: Dualism in the Inter-
pretation of Holy Scripture", CTM 36 (1965): 502-533.
_ ---------. "Revelation-Scripture-Interpretation", A Symposium of Essays
and Addresses given at the Counselors Conference (1960). The Luthe-
ran Church-Missouri Synod, p. 44-68.
_ ----------. "Seven Theses on Reformation Hermeneutics", Concórdia Theo-
logical Monthly 40 (1969): 235-246.
GLOEGE, Gerhard. "Die Rechtfertigungslehre ais hermeneutische Katcgorie",
Theologische Literaturzeiiung 89 (1964), 161-176.
HUMMEL, Horace. "Are Law and Gospel a Valid Hermeneutical Principie?" Concórdia
Theological Quarterlij 46 (1982): 181-207.
JOHNSON, John F. "Analogia Fidei as Hermeneutical Principie", The Springfielder 36
(1972), 249-259.
KRENTZ, Edgar. "Hermeneutics and the Teacher of Theologv", Concórdia Theological
Monthly 42 (1971), 265-282.
PFITZNER, V.C. "The Hermeneutical Problem and Preaching", Concórdia Theological
Monthly 38 (1967): 347-362.
SCHROEDER, Edward H. "Is there a Lutheran Hermeneutics?" The Li-vely Function of the
Gospel. Ed. Robert W. Rertram. Concórdia Publishing House, 1966, p. 81-97.

Este trabalho foi apresentado na aula inaugural da abertura das


atividades académicas do Seminário Concórdia em 28 de fevereiro de
1990.

A CONSOLAÇÃO DO POVO DE DEUS:


O Profeta Isaías Reestudado na IELB
Elmer N. Flor

1. Introdução Histórica: O Mundo de Isaías


Os jogos olímpicos da Antiguidade eram realizados, como diz o
nome, na cidade peloponesa de Olímpia, na Grécia, e tiveram início no ano
de 776 a.C. Constituíram-se desde logo na festa nacional mais importante
do mundo grego, a cada quatro anos, em homenagem a Zeus, sua principal
divindade. Reuniam competidores das mais diversas cidades-estado do
mundo helénico, que lutavam arduamente para glorificar seu deus, sua ci-
dade e a si próprios. Destacaram-se entre os vencedores mais frequentes
atletas das cidades que se chamavam jônias, ligadas à Confederação da
Jônia, região da costa da Ásia Menor e zona niais oriental da civilização
indo-européia.
O profeta Isaías está entre os primeiros a citar a presença, ainda que
longínqua, das ilhas do Mediterrâneo, com referência

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 149


ao arquipélago grego, a Creta e Chipre, no cenário mundial. Estas últimas
já haviam estado em contato com o Oriente há lempo, e só não se
projetaram mais cedo porque os cartagineses ou fenícios, povo que
dominou os mares, opuseram obstáculos à expansão helénica. As ilhas,
terras dos mares ou povos de longe, mencionados por Isaías,
compreendem, de forma visionária, os habitantes da célebre Jônia
(ievanim), com seus poetas c sua civilização ascendentes, projetando a
cultura que serviria de expressão para o Novo Testamento e sua língua. O
profeta prenuncia o envio de mensageiros a Java e a outras terras, mais
remotas, "que jamais ouviram falar de mim, nem viram a minha glória; eles
anunciarão entre as nações a minha glória." (Is 66.19). É por esta janela de
Isaías que se enxergam os povos indo-europeus, germânicos, latinos,
americanos, a IELB.
1.1. A Preparação do Cenário

Não é por coincidência nem por algum capricho do destino que a


instalação dos jogos olímpicos e o alvorecer do poder da cultura grega
coincidem com a época de Isaías. Era o século VIII a.C. A tensão política
do mundo de então se polarizava entre o norte e o sul a Assíria e o Egito. A
Assíria era, sem dúvida, a potência política e económica que dominava o
cenário internacional. A história de suas origens se perde na Antiguidade,
aparecendo por primeiro com o nome de Assur, que designava sua primeira
capital, às margens do rio Tigre. O Egito, ao sul, era dono de uma cultura
milenar e ainda desfrutava do respeito de haver sido uma poderosa nação
até ao fim da idade do Bronze.
O povo em cujo meio dever-se-ia desenvolver a salvação da
humanidade transformara-se, para usar a figura, em marisco entre as ondas
do mar e os rochedos. Tinha tido sua idade de ouro no reinado de Davi e
Salomão, quando o seu poderio se estendeu do rio do Egito até o grande rio
Eufrates. Com a divisão do reino e a revolta das dez tribos, a presença
israelita foi enfraquecida e posta a prémio em diversas ocasiões, cedendo a
guerras de conquista e pagando tributo a dominadores estrangeiros. No
âmbito religioso a história dos reinos divididos passa por altos e baixos.
Nenhum rei de Israel, o reino do norte, foi do agrado de Deus. Dos 19 reis
de Judá, apenas oito são aprovados pelo critério de fazer o que era reto
perante o Senhor e de andar segundo o coração de Davi, seu pai.
Dias de crise económica, moral, religiosa, não são coisa apenas dos
dias atuais. A história do povo brasileiro da década (ie 90 precisa ser
marcada pelo anúncio da palavra de chamamento e promessa de que a
história das nações passa pela vontade divina. Se o mundo ainda está
de pé, é por causa dos

150 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


crentes em Cristo que ele subsiste. O seu testemunho precisia fazer-se
ouvir. Por que o crescimento da IELB tem sido apenas e
preponderantemente vegetativo? É por falta de ânimo? Falta confiança em
Deus? Diz-se que há os que nem sabem, o que está acontecendo. Outros
assistem as coisas acontecerem. Mas há um terceiro grupo, este sim, que
faz as coisas acontecer. O servo do Senhor e sacerdote universal de hoje,
na IELB, é chamado pelo profeta a presenciar o milagre e participar dele:
"Ouvi-me... vós povos de longe... te dei como luz para os gentios, para
seres a minha salvação até à extremidade da terra." (Is 49.1,6).
1.2. Contexto Político e Social

Em meados do século VIII a.C, a época de Isaías, a Assíria aparece


como o primeiro grande império mundial do Oriente Próximo. 0 rei que
encabeça os destinos dessa nação chama-se Tiglate-Pileser III, o Pui, na
Bíblia (744-727 a.C). Enquanto isso começava a acontecer, Israel e Judá
experimentavam um renovado e momentâneo período de grandeza e
prospepridade material, sob Jeroboão II, de Israel (785-745 a.C.) e Uzias
ou Azarias, de Judá (790-738 a.C). A expansão de seus domínios e o
milagre económico produzido por esses reis não se basearam, no entanto,
em fundamento sólido, o que não era muito perceptível na época, a não ser
pelas, denúncias dos profetas (Amos, em especial). A fibra moral e
religiosa, e, consequentemente política, havia-se degenerado, a ponto de
haver problemas sérios de injustiças sociais, orgias, sacrifícios idólatras e
outros. Os sucessores desses grandes rei cedo tornaram-se tributárioisi de
Tiglate-Pileser. No início do reinado de Acaz, nos eventos registrados em
Is 7, desenvolve-se a aliança siro-efraimita. A Síria, do rei Rezim, povo que
fazia fronteira, ao norte, com Israel, e Efraixn, nome usado para designar às
vezes, o reino de Israel, por ser a tribo de maior influência no reino, sob o
rei Peca, filho de Remalias, fazem acordo para resistir à ameaça assíria.
Isto resulta na punição de Damasco e Samaria, as capitais desses reinos,
por Tiglate-Pileser, em 734 a 732 a.C. Judá e a Filística recusarani-se a
fazer essa aliança contra o rei assírio, pelo que foram momentaneamente
poupados.
O Livro de Emanuel, como são chamados os capítulos 7 a 12 de
Isaías, tem esse exato pano de fundo, e contém, algumas das mais belas
passagens da primeira parte do livro de Isaías. O rei Acaz, de Judá, vive o
dilema de adesão à aliança siro-efraimita, ou o acordo com as forças
invasoras, sob pena de pagar-lhes tributo. Efraim ou Israel põe-se a serviço
de um rei estranho, mas influente, para lutar contra seus irmãos do sul. Esta
é a situação política que suscita a mensagem de Isaías naquela oca-

151
IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990
sião. Deus o envia a Acaz em missão de confiança e segurança. Devia
acompanhá-lo seu filho Shear-Jashub, que significa "Um resto voltará",
nome simbólico que sugere tanto um castigo, como a recuperação ulterior.
A palavra é de esperança. Os planos inimigos não se realizarão. Os reinos
atacantes não têm legitimação divina. "Se o não crerdes, certamente não
permanecereis." (7.9) A profecia do Emanuel, Deus-Conosco, oferece a
Acaz um sinal que ele não quis aceitar. Emanuel foi o sinal da obra de
Deus para a redenção de seu povo, e é uma figura daquele em quem a
mensagem do Deus-Conosco se cumpre, a saber, no "descendente" que é
Cristo. "Na libertação da ameaça da guerra siro-efraimita, os crentes
experimentam a fiel direção de Deus, que continua sendo o seu consolo
também nos tempos de angústia que se seguem, até que culminem no
nascimento de Cristo."1 O alívio temporário do rei incrédulo e seu povo é a
introdução de um período de angústia ainda maior — a ameaça assíria.
Como ele confiara nestes estrangeiros mais que no Senhor, a salvação
momentânea se tornaria em opressão. Acaz se tornaria vassalo de Tiglate-
Pileser e lhe pagaria pesados tributos. Este seria apenas o início de um
longo desfile de aflições que sobreviriam ao povo de Deus e em meio às
quais a atuação de Isaías teve seu difícil curso.
A presença da igreja no mundo sempre gerou conflitos e sempre
proveu bênçãos. A convivência dos crentes com os poderes deste século é
muito difícil, e em todos os tempos os filhos de Deus buscaram orientação,
junto a Ele em primeiro lugar, para o seu procedimento como cidadãos do
reino secular. 0 profeta Isaías ensina ao crente a não conformar-se com o
mundo em sua excessiva autoconfiança e em sua falta de fé na ajuda
divina. Diz textualmente a palavra do Senhor: "Ai dos... que executam
planos que não procedem de mim, e fazem aliança sem a minha aprovação,
para acrescentarem pecado sobre pecado." (30.1). Confira-se o que Paulo
diz em Rm 12.2. Os profetas, apóstolos e mensageiros de Deus todos os
tempos são acusados de pessimismo e falta de patriotismo por aqueles: que
preferem e proferem coisas aprazíveis (Mq 2.6-11). Miquéias foi
contemporâneo do início do ministério de Isaías. Fala ao mesmo contexto.
Se a política pró-Assíria foi condenada no capítulo 7, condena-se o outro
extremo no capítulo 30, a adesão pró-Egito. Estabelecer opções estanques
do tipo esquerda/direita, leste/oeste, terceiro/primeiro mundos, não condiz
com a missão da igreja, e qualquer tipo de radicalização, era favor de movi-
mentos humanos, e por isso eivados de tendências terrenas, por certo não
promove o evangelho. Permanecer na superficialidade das propostas
políticas, económicas e sociais, ou até mesmo apenas morais, ofusca o
aprofundamento da questão mais séria da fraqueza humana devido à sua
inimizade contra Deus. O

152 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


apóstolo Paulo contribui com sua orientação neste ponto, afirmando em
Tito 2.12: "... educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões
mundanas, vivamos no presente século, sensata, justa e piedosamente."
"Primeiro, devemos aprender a viver 'sensatamente' quanto a nós
mesmos... 'justamente' em relação ao nosso próximo... 'piedosamente' em
relação a Deus... A educação cristã tem um caráter abrangente e unitário
no sentido de envolver não apenas as coisas criadas e materiais, mas
também o seu criador."2

2. Uma Biografia de Consolador — A vida de Isaías


0 nome Isaías — Yesha'-Yahu — significa "0 Senhor (Yahweh) deu
salvação." Era filho de Amoz, não o profeta de nome semelhante, mas,
pela própria menção do pai, deduz-se que descendia, de família importante
de Jerusalém,. Uma tradição rabínica afirma que Amoz, pai de Isaías, foi
irmão do rei Amasias. Neste caso, Isaías foi primo em primeiro grau do rei
Uzias e neto do rei Joás, sendo, pois, de sangue real e membro da corte de
Jerusalém.
Sua juventude ocorreu num período de grande prosperidade
exterior, tanto em Judá como em Israel. A independência política e
extenção territorial de ambos os reinos achavam-se intactos. Não se sabe
ao certo onde viveu, nem ele deu a conhecer muitas circunstâncias de sua
vida. Sua residência permanente, pelo menos na parte inicial de sua vida
profética, parece ter sido Jerusalém. Deve ter iniciado sua atividade profé-
tica pelo menos no último ano do reinado de Uzias, pois diz (6.1ss.) que
teve a visão no templo no ano da morte desse rei. Pode-se, pois, colocar os
primeiros seis capítulos no reinado de Uzias. Nada se menciona sobre
qualquer profecia nos 16 anos do reinado de Jotão, o sucessor do trono.
Pelo menos, nada se registra de suas pregações públicas, nesse período.
Segue-se o reinado de Acaz, durante o qual, a partir do capítulo 7, Isaías
aparece como denunciador do pecado e de alianças mal feitas, tendo
dispendido parte considerável de seu tempo junto à corte. Seus conselhos,
nessa época, foram rejeitados, e mais uma vez se estabelece um período de
silêncio do profeta. Ezequias, o rei liei que o sucede, admite Isaías como
seu conselheiro e atende a seus conselhos. No seu reinado o profeta foi
tratado com respeito e teve uma participação influente nos conselhos
referentes a esse agitado período. Quanto à sua atividade no reinado de
Manasses, que se seguiu, a mesma é improvável. Deve ter-se retirado da
vida pública, embora alguns capítulos, como 56-58,

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 153


passam referir-se a essa época de desmandos: "Os atalaias de Israel stão
cegos, cães mudos, sonhadores preguiçosos..." (56.10).
Pouco se sabe sobre a família e a vida privada de Isaias. Sua esposa
é chamada "profetisa" (8.3), o que pode significar "mulher do profeta".
Mencionam-se dois filhos, e ambos receberam nomes que deveriam
despertar atenção e servir de penhor ou garantia do cumprimento das
predições de Deus. Um deles chamou-se Shear-Jashub (7.3), que significa
"um resto voltará." Esta designação foi-lhe dada como sinal de que o
remanescente dos judeus exilados retornaria. Sobre este nome repousa um,
dos axiomas ou pontos fundamentais de todos os escritos de Isaias.
Qualquer que fosse a calamidade ou juízo que anunciasse, sempre
terminava com a afirmação de que a nação seria, ao fim, preservada e
grandemente aumentada e glorificada. O nome do outro filho foi Maher-
Shalal-Hash-Baz (8.1), isto é, "rápido-despojo-presa-segura", nome que
anunciava de forma significativa que os assírios iriam subjugar a terra de
Israel e impor um saque a Judá.
O ministério profético de Isaías, com base na datação de seus
oráculos, pode ser dividido em duas fases principais, e cada uma delas
conclui com um período de silêncio e retração. A primeira fase conta-se
desde o início de seus escritos, no final do reinado de Uzias, quando ocorre
o seu chamado, no ano da morte desse rei, até os acontecimentos do
reinado de Acaz. Essa fase de atividade se encerra com a retirada do
profeta, junto com seus discípulos, quando ele "resguarda o testemunho."
(8.16ss.). Com a ascensão de Ezequias ao trono de Judá (ca. 715 a.C),
Isaías retorna à função e assume até mesmo atitudes de conselheiro real e
estadista.
Nascido provavelmente em Jerusalém, pois estava muito
familiarizado com a cidade, seu povo, suas elites, seus costumes, supõe-se
que tenha exercido ali todo o seu ministério. Esse contexto, humanamente
falando, explica a elegância literária, as ideias elevadas, o conhecimento da
vida social, política e económica dos destinatários de sua mensagem. Seu
envolvimento na política interna e externa dos reinos de Israel e Judá se
explica tendo em vista que a nação política coincidia com o povo escolhido
de Yahweh. Cabia-lhe a tarefa de defender Sião como o assento de Deus e
de sua aliança, consubstanciada no templo de Jerusalém.
Discute-se a respeito da profissão secular exercida por Isaías. Há
sugestões de que tenha sido membro da aristocracia governamental, oficial
da corte, confidente do rei ou sábio da corte, função muito comum no
Oriente. Outros querem que tenha sido sacerdote ou, pelo menos, servidor
do templo, dada a sua presença no mesmo por ocasião do seu chamado.
Ainda

154 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


outros querem guindá-lo à posição de médico da corte, por causa de sua
receita para a úlcera de Ezequias. A influência de Isaías sobre Ezequias
aparece claramente nos eventos relacionados à vida desse rei. Ezequias foi
um dos mais piedosos reis que se assentou no trono de Davi. A reforma de
base no culto, primeiro ato de seu reinado, pode ter sido fruto da
orientação de Isaías. Desfez o culto idólatra, desenvolvido por seus ante-
cessores, destruiu a serpente de bronze feita por Moisés, restaurou a
observância da páscoa e o culto regular do templo. O sucesso das reformas
no campo religioso estendeu-se ao político. Empreende guerra contra os
filisteus, e dispõe-se a reverter a ameaça assíria, sacudindo de si o jugo
estrangeiro e negandonse a pagar a dívida externa ou tributo da dominação
que a potência nortista lhe impunha. Essa medida provocou a indignação
do rei Senaqueribe, da Assíria, que ataca, em represália. A defesa do rei, a
ironia de Rabsaqué, general assírio, a oração de Ezequias, o conforto que
lhe traz Isaías e o livramento final promovido por Deus, ao matar 185 mil
homens do exército inimigo, estão referidos três vezes no relato bíblico. (2
Rs. 2 Cr, Is)
0 final do ministério de Isaías ainda foi marcado por sua atuação no
caso da doença do rei Ezequias, tanto no anúncio de que o rei morreria,
como também, logo após a oração deste, de que teria uma sobrevida de 15
anos. 0 período de sucesso subiu à cabeça de Ezequias e o seu coração se
exaltou, merecendo uma repreensão do profeta. Parte considerável de suas
profecias foram, por dedução, proferidas nesisa época. Os capítulos 13 a
39 devem ser datados desse período. As mais importantes profecias, que
compreendem os capítulos 40-66, precisam ser dispostas no final de sua
vida, talvez no reinado de Manasses.
A morte de Isaías, diz a tradição, ocorreu em Jerusalém, próximo à
fonte de Siloé. Diante dessa fonte, e confrontando com o monte Ofel, há
uma amoreira que tem um terraço de pedras à sua volta, local onde Isaías
teria sido serrado ao meio, por ordem de Manasses. Seu corpo teria sido
sepultado ali, donde foi removido a Panias, na nascente do Jordão, e de lá
para Constantinopla, no ano 442 A.D.
"Sobre os teus muros, ó Jerusalém, pus guardas, que todo o dia e
toda a noite jamais se calarão; vós os que fareis lembrado o Senhor, não
descanseis, nem deis a ele descanso até que restabeleça Jerusalém e a
ponha por objeto de louvor na terra." (Is 62.6,7). Há quem esteja satisfeito
com a situação de sua igreja e com sua participação no trabalho que
desenvolve, sejam pastores, sejam leigos. A biografia dos servos de Deus,
ainda que apresente um currículo extenso e uma agenda estafante, deixa a
desejar aos olhos do Senhor. O espírito profético precisa ser
continuamente despertado na IELB, no incansável es-

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 155


forço em ver o nome de Deus presente no coração e na vida de seu povo,
por Palavra e Sacramentos. Ele quer fazê-lo pelos meios da graça, pelo
poder do Espírito Santo, por seus instrumentos humanos, os guardas da
Sião atual. Acontece que, para muitos cristãos, a igreja se tornou
questionável, o que significa, descontando os erros humanos, que se
questiona a Deus sua verdade, seu poder e capacidade. Um dito popular da
Suábia diz: "Na Suábia fala-se do que aconteceu há muito tempo: faz tanto
tempo, que quase não é mais verdade..." Para muitos contemporâneos a
morte satisfatória de Cristo não é mais verdade, pelo menos no que se
deduz de suas vidas e de seu testemunho. Para o profeta, Deus tem braço,
mãos e dedos, isto é, ele tem meios. Ele opera maravilhas por seu Espírito.
E se nada acontece, não é por culpa do Espírito. Ao lamento divino: "Não
havia quem me ajudasse" (63.5), o cristão luterano e seus pastores
responderão com Isaías: "Eis-me aqui, envia-me a mim" (6.8).

3. A Confiança em quem consola — O livro de Isaías ■

3.1. Afirmações e Críticas

Quem precisia e deseja ser consolado, obviamente precisa e deseja


confiar em quem se apresenta para dar-lhe consolo e orientação. Um dos
pontos nevrálgicos no estudo de Isiaías é a batalha entre fé e descrença,
aceitação e rejeição da mensagem do profeta. É hora do cristão luterano e
seus pastores reafirmar sua posição de fé e confiança na palavra infalível
de Deus, conforme revelada na Escritura Sagrada e interpretada, acima de
tudo, pela própria Escritura. Interpretações humanas podem ser postas em
dúvida, mas o salutar princípio hermenêutico da Igreja Luterana, de que a
Escritura a si mesma se interpreta, é mandatório na consideração da
autoria, unidade e integridade do livro de Isaías, apepsar das dúvidas que
se levantam, até mesmo ao intérprete cristão, diante de um estudo
minuncioso do texto. A par de um conhecimento linguístico e temático das
diversas fases do livro, o cristão necessiita possuir a sincera e humilde fé
no Deus que se revela em sua Palavra e a devida reverência diante da
mesma.
Lutero viu, nas diversas partes da Bíblia, uma "unidade em
tensão."3 Assim ele fez de Moisés, o legislador, um cristão. Viu Cristo
falando e sendo prenunciado no Antigo Testamento. Manteve o princípio
de "rimar" o Antigo com o Novo Testamento, em especial na sua tradução
ida Bíblia para o alemão, o que pode ser considerado pouco científico ou
falta de erudição, mas

156 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


com o que, sem dúvida, "injetou o evangelho em sua corrente sanguínea
própria."4 O método alegórico de interpretação do Antigo Testamento, que
o aplica, figurativamente apenas, à igreja, usado por Jerónimo e Orígenes e
presente nas primeiras exposições de Lutero, acaba recebendo deste o seu
ultimato: "A 5interpretação alegórica mata o sentido espiritual do Antigo
Testamento."
0 surgimento do liberalismo filosófico e da chamada alta critica, ou
método histórico-crítico, trouxe a debate muitas questões concernentes à
teologia. O princípio racionalista de Kant, de que consciência e ética são a
essência da religião, foi aplicado à teologia por S.J. Seniler, no fim do séc.
XVIII, por dois chavões que hoje encontramos em muitos teólogos, e que
marcam o divisor de águas da hermenêutica bíblica: que "a Bíblia apenas
contém a palavra de Deus", e que o crítico deve julgar o que é ou não
verdadeiro, e ainda que "a Bíblia deve ser tratada como qualquer outro
livro". Como a Bíblia foi escrita! em determinados períodos da história,
ninguém pode negar a validade dessa última afirmação, a qual no entanto,
precisa ser completada pelo intérprete com o enfoque de que a Bíblia
também não é igual a nenhum outro livro. Com. o idealismo de Hegel, que
através de Vatke influenciou Juliusi Wellhausen, na segunda metade do
séc. XIX, aplica-se ao estudo da Bíblia a dialética de tese-antítese-síntese.
Na avaliação dos profetas, esse método criou uma área de estudos da
chamada "religião profética" e sua "evolução", particularmente na vida do
povo de Israel. Nega-se a inspiração das profecias e rejeita-se o
sobrenatural com base em argumentos filosóficos. A maior parte das
profecias seria vaticinium ex / post eventu, a saber, predição posterior ao
evento. Consequentemente, passou-se a dar ênfase (demasiada ao estudo
histórico-religioso do momento em que o autor se pronuncia ou em que
escreve. Capítulos e livros foram distribuídos entre diversos autores,
discípulos, editores e redatores. Era preciso detectar as adições não
genuínas e recriar o estímulo original da palavra profética. Sua mensagem
foi reduzida a meros modelos de esforços para a melhora das condições de
vida, religiosa, é bem verdade, mas também, com muita ênfase, no âmbito
politico, social e psicológico.
À crítica histórico-literária aliou-se mais tarde, com Hermann
Gunkel, a crítica da forma. O programa dessa escola foi modificar e tentar
determinar o verdadeiro Sitz-im-Leben (situação sociológica, cultural e
pessoal) de livros, textos e partes da Bíblia, estabelecendo diferentes
Gattungen (ordens, formas, aspectos) em sua investigação. O material
narrativo, por exemplo, foi classificado em lendas, sagas, mitos, fábulas,
etc. Estabeleceram-se distinções no tratamento de poesia e prosa e seu
sentido na interpretação bíblica.

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 157


Os perigos que hoje rondam os estudos teológicos, também de
Isaías, são fruto desse desenvolvimento da crítica. Usar o texto profético
para promover frentes de ação política e social, para uma pretendida
libertação secular, está muito em voga. A expressão "revelação de Deus na
História" assumiu uma conotação imanentista e secularista que não condiz
com a doutrina luterana. Torna-se necessário intensificar estudos, nas
diversas áreas em que esses métodos são usados, política, educação, agri-
cultura, e de como o cristão deve posicionar-se em relação a esses
movimentos, sem comprometer a missão da igreja e seu testemunho.

3.2. A Autoria do Livro de Isaías

3.2.1. Pressupostos para o estudo da autoria bíblica:

Os, profetas eram homens enviados por Deus e que declararam sua
vontade às nações, em especial a Israel. Foram homens de sua época, mas
falaram movidos pelo Espírito Santo. Por esta razão esperamos encontrar
em suas mensagens o elemento proclamador e também o preditivo.
Rejeitamos, posturas que se opõem a isto afirmando que os profetas
viveram no seu tempo, anunciaram a vontade de Deus às pessoas de seu
tempo e não tiveram qualquer comunicação direta e sobrenatural com
Deus. Por isso damos alto valor ao testemunho das Escrituras em questões
de autoria.

3.2.2. 0 profeta Isaías do 8° século a.C. foi autor de todo


o livro que leva seu nome devido às seguintes considerações:

l9 O único nome que aparece no texto, designando a autoria do


mesmo, é o de Isaías, filho de Amoz (1.1; 2.1; 13.1).
0 nome do profeta era importante para a aceitação de seu
pronunciamento e para a credibilidade da profecia. É contrário
ao consenso das Escrituras postular a existência de escritos
proféticos da parte de profetas anónimos.
A teoria do Deutero-Isaías defronta-se com a dificuldade de que
o nome do profeta não teria sido conservado.
A tradição extra-bíblica mais antiga, de Jesus Ben-Siraque, no
Eclesiástico 49, refere-se ao falto de que Isaías "consolava os
que choravam em Sião... mostrava... as coisas escondidas antes
que acontecessem".

158 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


2° A evidência do primeiro rolo ide Qumran, manuscrito completo
de Isaías, datado de ca. 125 a.C, depõe em favor da unidade de
Is. Não há separação entre os capítulos 39 e 40.
Como os traços de identificação de um suposto profeta se
apagariam em três séculos?
39 A unidade temática do livro de Isaías pode ser defendida nos
seguintes aspectos:
— os capítulos 1 e 40 falam igualmente da pecaminosiade do
povo de Deus, o julgamento e a sua libertação;
— maldades que se praticavam no 8º e no 6º séculos são citadas
em, ambas as partes: violência e derramamento de sangue
(59.3,7 e 10.1,2); uma hipocrisia revoltante se acha presente na
vida religiosa da nação antes e depois do cap. 40. A
degeneração e o colapso moral expressos em 40-66,
supostamente tardios, condizem antes de tudo com a época de
Manasses (2 Rs 21 e Is 59);
— nos primeiros 39 capítulos prepara-se o argumento da
universalidade do julgamento e da graça de Deus, que prevalece
como mensagem de 40-66;
-— a última parte de Is (58-66) eleva a seu ápice a verdade de
que Israel, como nação política, seria rejeitada. Essa rejeição
geográfico-política, no entanto, não significa que Deus
abandonou suas promessas: o verdadeiro Israel de Deus, a
Igreja, será libertado de amarras nacionais e locais.
49 Os capítulos 36-39 têm uma função importante na ligação das
duas partes contestadas: apontam para o período assírio, que
termina, e para o exílio e o poder babilónico, que vem.
A profecia concernente a Ciro é a pedra de tropeço na aceitação
da autoria de Is por muitos. A capacidade do profeta inspirado
por Deus em prever nomes se liga à onisciência de Deus. Há
pelo menos outro texto idêntico: 1 Rs 13.2.
5° A segunda parte de Is (40-66), de maior peso quanto à
mensagem teológica, acha-se em clara elaboração, quanto às
grandes ideias a que se dá sequência, já na primeira parte. Por
exemplo, a ideia do cativeiro se apresenta de forma genérica ao
início; depois se determina que um poderoso exército levaria o
povo cativo; esse exército passa do poder assírio (que destrói
Samaria) ao babilónico, como força emergente, que se

LUTERANA/NÚMERO 2/1990 159


consuma no final. As referências à Babilónia nas profecias
anteriores (confira cap. 13) preparam o cenário dado como
consumado, profeticamente, nos caps. 40-66.
69 Há evidência em outras profecias, também pré-exílicas, de que a
segunda parte de Isaías não pode ser pós-exílica. Comparecem-
se os seguintes trechos de Jeremias a Isaías 40-66:
Jr 13.18-26 com Is 47.1-3
48.18 47.1
31.12 58.11
31.13 61.3
31.22 43.19
31.34 54.13
31.36 54.10
5.25 59.2
13.16 59.9-11
50.8/51.45 48.20
17.1 64.8
18.6 65.6
2.25 57.10
Note-se que Jeremias usa profecias anteriores com mais
frequência que os demais profetas escritores. Para evitar a força
desse argumento, os críticos obrigam-se a negar a autoria de
Jeremias, nos trechos citados.

7º As alegadas diferenças de linguagem e estilo nas duas partes de


Isaías exigem algum conhecimento de língua (hebraica) e
literatura.
— o titulo para Deus, "Santo de Israel", gedôsh Yisraêl,
aparece 12 vezes em 1-39 e 14 vezes de 40-66, o título é usado
duas vezes em Jr e outras duas nos Salmos.
— 40-50 frases; aparecem em ambas as partes de Is.
— Miquéias é contemporâneo de Isaías no 8º século, e
numerosas expressões de Mq se encontram em Is 40-66. Ambos
pertenciam à mesma escola de profetas ou conheciam a
mensagem do outro.
— Oséias, um pouco antes de Is, usa a expressão "não há
salvador senão eu", com relação a Deus (Os 13.4 que é usada
pelo profeta mais novo, Isaías, em duas ocasiões 43.11; 45.21).
— os capítulos 40-49 formam uma unidade marcante de estilo,
para o que há uma razão muito provável: o assunto abordado. O
Isaías maduro, como homem, idoso e pregador experiente,
aperfeiçoou suas formas de

160 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


expressão e o tom do discurso. Maior entendimento, largueza de
visão, habilidade de se expressar se evidenciam.

3.2.3. Conclusões sobre um estudo da autoria de Isaías:


Acreditar na unidade de um livro bíblico está geralmente ligado a se
crer em que a profecia é revelação sobrenatural de Deus, fato que pode ser
explicado com base no testemunho do NT. A posição de que a profecia de
Is é obra de mais de um autor é contrária ao ensino claro do Novo
Testamento. O "rolo do profeta Isaías", lidio por Cristo em Lc 4.17 é de
Isaías II. Diversos pronunciamentos repetidos por João Batista, Mateus,
Paulo e outros autores, e atribuídos expressamente a Isaías, são tirados do
chamado "Deutero-Isaías". De fato, Isaías proferiu palavras proféticas,
como o cântico do Eved Yahweh (Servo do Senhor) contido no capítulo 53,
"porque viu a glória dele (do Messias) e falou a seu respeito". Palavra e
consolo de Deus através de seu mensageiro, o evangelista João (12.41). É
crer ou crer. É confiar e ser consolado ou rejeitar a consolação divina e
viver como escravo de suas paixões, do mundo, de Satanás.

4. A Pregação do Consolo — A Mensagem de Isaías


Isaías é o primeiro livro, por ordem de apresentação, na coleção dos
chamados profetas posteriores ou escritores. Também encabeça a relação
dos profetas maiores, pelo volume de seu livro. O nome hebraico de Isaías
é Yesha-Yahu, que significa "O Senhor deu salvação". O nome do profeta é
talvez o melhor tema para sintetizar sua mensagem; a salvação do pecador
que £e defronta com Deus (1.18) é recebida somente pela graça (55.1) e
pelo poder de Deus, o Redentor, e não pela força do homem, nem pelas
boas obras que pratica. O profeta expõe a doutrina do Messias como Servo
do Senhor com tantos detalhes, que tem sido chamado, com razão, o
"Profeta Evangélico". Aprofunda determinados temas em muito mais que
outros profetas, preferindo-se abordar aqui apenas as ênfases principais.

4.1. O Santo de Israel


Um dos nomes mais usados por Isaías para designar a Deus é "o
Santo de Israel". A expressão pode ser considerada de sua autoria, pois
aparece cinco vezes ao todo, em outros livros do AT. Torna-se até mesmo
uma evidência da unidade de seus escritos e o mais poderoso elo entre as
duas partes: consta treze

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 161


vezes nos capítulos 1-39 e exatamente treze vezes no restante do livro.
A expressão no original hebraico (qedosch Yisrael) é um título que
o profeta atribui a Deus devido a sua santidade ou transcendência absoluta,
e pode-se dizer que é o mais positivo c mais condizente à essência divina.
Deus está separado e acima de tudo que é pecaminoso e impuro. De forma
adquirida, essa santidade torna-se uma exigência de Deus a seu povo:
"Santos sereis, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo". (Lv 19.2).
Isaías usa o termo "Santo de Israel" desde o princípio de seu livro
(1.4). O grande destaque, no entanto, se lhe dá no cap. 6, na visão em que é
chamado a profetizar, quando ele mesmo contempla a glória de Deus, que
é a sua santidade revelada ao homem. 0 título passa a exprimir uma ênfase
central na profecia de Isaías, provinda de alguém que vira o Senhor e que,
em todo o seu ministério subsequente, se consagra a dar a seu povo igual
consciência da majestade e do poder redentor do Deus que julga, mas que
afinal sialva seu povo através de seu Servo. No versículo em que a
expressão aparece duas vezes (49.7), Yaweh apresenta-se como o Redentor
de Israel e, para assegurar o cumprimento dessa promessa a seu povo,
acrescenta: "No tempo aceitável eu te ouvi e te socorri no dia da salvação"
(49.8). A santidade cessa, portanto, de ser uma qualidade abstrata de Deus
ou uma ameaça a quem chegasse a vê-la, ainda que não em sua, essência.
Apresenta-se como atributo natural do poder e da majestade de Deus, e, ao
mesmo tempo, como proposta de fé e vida ao crente em sua relação com o
Santo de Israel.
A santidade de vida não é premissa para a salvação. Ela é
consequência da justificação do pecador. É um reflexo da santidade de
Deus revelada em Cristo. O pietismo errou no sentido de fazer a
santificação de vida necessária para a salvação. A santificação é obra do
Espírito Santo, e outra coisa não é senão conduzir ao Senhor Jesus. "Pois
onde não se prega de Cristo, aí não há Espírito Santo que cria, chama e
congrega a igreja cristã, fora da qual ninguém pode vir ao Cristo Senhor."

4.2. Pecado e Graça

Pecado, no pensamento de Isaías, é, antes de mais nada, rebeldia


(pesha’) e negativa de reconhecer a presença poderosa de Deus em todos os
aspectos da vida humana, pessoal e coletiva, privada ou pública. No caso
de Israel esse estreito entrelaçamento se explica, com mais facilidade que
hoje, pelo fato de que se tratava do povo de Deus, o que significava a
união de estado e igreja. O tratamento dos temas proféticos por muitos

162 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


teólogos de nossos dias não leva esse fato em consideração e tenta-se
requerer da igreja como instituição e dos pastores, enquanto ministros da
palavra, uma definição na área política, o que foge à sua missão precípua
no mundo.
O pecado individual conduz, em seu somatório, ao pecado nacional,
no caso da nação que fora escolhida como povo de Deus. Considere-se
Isaías 29. É uma anunciação violenta da lei de Deus à cidade santa e a todo
povo de Deus. Aperto, pranto, lamentação coletiva se abaterá sobre a
"Lareira de Deus". Note-se que o profeta se dirige ao povo de Deus. As
pessoas não pertencem ao mundo descrente. Elas conhecem o Deus verda-
deiro, mas este se lhes tornou muito pequeno, fraco demais. Queriam algo
mais, e nessa busca começa o pecado que Isaías mais condena, a idolatria.
O maior entrave no relacionamento de Deus com seu povo na
aliança do AT foi a prática da idolatria, sempre de novo denunciada pelo
profeta. Esquecer-se de Deus e confiar em ídolos é a essência da idolatria.
Sob a alegação de que Deus se havia calado, despertam todas as formas de
cultos deturpados, adoça o de símbolos eróticos, sacrifícios humanos.
Que ídolos o homem atual adota para servir? Estamos rodeados por
cultos orientais que pregam o alcance de satisfação e consolo através da
distensão psico-somática. Endeusa-se o trabalho, a posição social, a honra,
a saúde e beleza física, a família, os bens materiais. Os deuses que nos
rodeiam e invadem a privacidade do lar são tantos! e tão poderosos que
não cabem em poucas páginas. Queimamos incenso e pagamos tributo a
inúmeros vícios. Há mesmo sacrifício de crianças, através de educação
repressiva e legalista ou, por outro lado, de extrema permissividade e
expostas a tentações e libertinagem. Investe-se em auto-defesa e promoção
pessoal. Todos esses deuses passam a exigir de seus [sjúditos seu tempo,
talento e tesouros, numa nova e moderna forma de tirania espiritual,
psicológica, social e económica.
Os pecados individuais tendem a tornar-se coletivos, como a soma
dos indivíduos forma a coletividade. A igreja, como corpo de Cristo, sofre
com a fraqueza de seus membros. Seu testemunho fatalmente se embota
quando seus membros e_ os próprios líderes se desviam para outros
interesses e os põem acima da causa que é do Senhor da igreja. É por esse
prisma que se propõe um plano para a expansão e o aprofundamento da
ação da igreja, através de seus indivíduos e das congregações que eles
decidiram formar, por livre vontade. Ao apontar para as terríveis
consequências da idolatria, Deus, pelo profeta Isaías, anuncia: "... O que
confia em mim, herdará a terra, e possuíra o meu santo monte" (57.13).
Promete vida e consolo nas pala-

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 163


vras de 57.15: "Habito também com o contrito e abatido de espírito, para
vivificar o espírito dos abatidos, e vivificar o coração dos contritos."
4.3. O Remanescente e o Servo do Senhor
O conceito do "remanescente" perpassa o livro de Isaías,
mencionado como o "restante fiel" que recebe, afinal, o prémio da
restauração e a vida na Sião verdadeira. A abordagem isaiânica de
julgamento e salvação, de lei e evangelho, centra-se na ideia de que o povo
escolhido de Deus, Israel histórico, teria de passar pela fase crucial do
exílio e restauração, e que o povo de Deus, do ponto de vista escatológico,
também tenha de passar da morte à ressurreição. O termo que confirma
essa promessa ò Shear-jashub, "Um-resto-volverá" (7.3). A clara distinção
que se estabelece entre o Israel físico e o verdadeiro Israel na segunda
metade de Isaías, aponta para Sião como a cidade escatológica de Deus
que, afinal, reina em glória sobre os novos céus e a nova terra.
Uma explicação para a relação do remanescente de Israel com o
Servo do Senhor, como predito por Isaías, é a pirâmide tripartida de
Delitzsich, quando vista, não do ponto de vista evolucionista da religião de
Israel, mas conforme o método da interpretação tipológica.
Conforme Delitzsch explicou, o Servo
pode ser simbolizado por uma pirâmide. Na
base da pirâmide há a nação hebréia como um todo (como
em, 41.8 e 42.19). Israel é considerado o povo escolhido
por Deus de maneira única, com a responsabilidade de
testificar do Deus verdadeiro perante as nações pagãs,
servindo como guardiães da Sua Palavra. No nível do
meio, o remanescente dos verdadeiros fiéis dentro de Israel
se constituirá era povo redimido de Deus, para testificar
aos sieus companheiros não espirituais. No ápice da pi-
râmide há um único indivíduo, o Senhor Jesus Cristo, que é
demonstrado como sendo o verdadeiro Israel em pessoa
(porque, sem Ele, não poderia existir a nação de Israel
através da Aliança, e o relacionamento da nação com Deus
depende dEle). É este Servo que surgirá como Redentor e
Libertador do pecado,

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


164
ao carregar na Sua própria Pessoa 7a
penalidade da morte no lugar dos pecadores.
Delitzsch complementa o assunto afirmando que o último estágio
da pirâmide, o superior, é ao mesmo tempo: l9) o centro do circulo do reino
prometido, o segundo Davi; 29) o centro do circulo do povo da salvação, o
segundo Israel; 3º) o centro do círculo da raça humana, o segundo Adão.8
Os escritores do Antigo Testamento estavam provavelmente mais
bem informados do que aparece à primeira vista, pois há muitas evidências
de que eles conheciam muito bem a Deus e a sua vontade. "Seu
conhecimento cresceu com o desdobramento do plano de Deus, o que não
representa uma evolução de sua teologia, mas um crescente descortínio do
plano de Deus. Se Cristo é o cumprimento em direção ao qual se movem; a
lei e os profetas, sua igreja é o verdadeiro 'am ou laós (povo), o verdadeiro
qehal Yahweh (congregação do Senhor) ou ecclesia (igreja)."9
A teologia cristã, como análise operacional da palavra de Deus na
vida da igreja, é, era termos estritos, um esforço humano, circunscrito pelas
limitações da linguagem e do conhecimento humanos. Consiste na
interpretação e explicação da mesma palavra, na sua sistematização
doutrinárias, na avaliação ide sua dimensão histtórica, e na sua aplicação
prática à vida do crente e à atividade de igreja. A proposta temática do
biénio 90-91 na IELB, com base no lema escolhido, é montar e executar
um programa de crescimento ou expansão da igreja na área específica da
Seelsorge ou cura d'almas. A tarefa é a de propor a pastores e líderes que
procurem tornar mais efetiva a sua ação consoladora junto ao povo de
Deus. O equipamento dos santos para o serviço do Reino passa também
pelo aproveitamento e a racionalização dos recursos materiais que Deus
concedeu à sua igreja, e que, talvez por décadas, não tenham sido
administradas da melhor forma. Esse equipamento dos santos passa por um
programa de educação teológica que permita uma formação sólida e
sempre atualizada de seus pastores e demais obreiros, de modo racional,
mas sem interromper programas que têm tido bom desempenho. Esse
esforço culmina com o trabalho engajado de pastor, educador e líder de
congregação que, individualmente ou em equipe, "pode mudar os rumos da
história de uma nação, de um povo, sem que seu nome jamais seja citado,
sem que ocupe qualquer lugar de destaque... e dá a sua contribuição para
que seu liderado possa ser feliz neste mundo, sem esquecer a felicidade
eterna."10
Como é que se transforma o mundo? De que maneira se cria um
país novo? Enquanto os revolucionários da atualidade

165
IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990
pretensamente baseados nos profetas do AT falam palavras de homens,
estes anunciavam: "Assim diz o Senhor..." Os salvadores da pátria, em
nossos dias, apelam, para as massas, para que se insurjam contra a
dominação e que, em muitos casos, é verdadeira. Mas os profetas do AT
não apelavam para as massas, e aí está a grande diferença. Eles pregavam
uma revolução. Queriam que algo acontecesse, em primeiro lugar, no
indivíduo. Não apelaram às instituições e à sociedade em geral, de forma
demagógica. O processo de transformação da sociedade está
conceitualmente ligado à regeneração pessoal. 0 crescimento da igreja não
passa, necessariamente, por maiores construções melhor localização,
programas eficientes. Tudo isto pode ser transferido, descontinuado,
substituído. O que se necessita, também para a IELB, é o redirecionamento
dos corações e vontades individuais de seus membros em favor da causa
que não é sua, mas de Deus. Dele emana toda a força para o crescimento e
é dele que devemos esperar a bênção e o louvor, e não de homens,
dirigentes, instituições. O ministério de Isaías distinguiu-se por seu
devotamento à tarefa para a qual Deus o chamara , apesar de considerar-se
despreparado e indigno. Em tempos bons e maus ele proclamou, sem
hesitar, o que Deus tinha a dizer a seu povo. A fidelidade de Isaías pode
ter-lhe custado a própria vida. Seu ministério e sua mensagem são uma
bandeira a ser desfraldada nestes dois anos em que anunciaremos: Consolai
o meu povo!

5. Destinatários do Consolo — O povo de Isaías


O termo hebraico para 'povo' 'am (em grego, laós), e ocorre quase
duas mil vezes no AT. Os outros termos usados para expressar as
diferentes ideias de 'povo', somados, são apenas cerca de 40, sendo o
principal deste goy, plural goyim (no grego, éthnos, plural éthnee). Não
levando aqui em conta alguns sentidos diferenciados do termo 'am, o
mesmo costuma identificar um povo específico, a saber, Israel, e serve
para enfatizar a sua posição especial e privilegiada como povo de Deus. O
termo denomina, pois, mais que um povo, uma união nacional. O texto do
AT inclina-se a usar 'am para o povo de Deus e goyim para outras nações.
Deus separou Israel para si como propriedade particular. Por isso é
povo santo. Não se tornou santo por um, processo de santificação cúltica
ou moral, ou por algum mérito nacional, ou por ser maioria, mas; pela
simples escolha inexplicável de Deus. Dt 7.6; 4.2,21.
A relação entre Yahweh e seu povo tem uma dupla natureza.
Apresenta obrigações recíprocas de fidelidade, amor.

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


160
Yahweh escolheu a Israel, libertou-o do Egito, revelou-se a ele. Espera
agora que Israel se separe para servir apenas a ele. O povo muitas vezes
não correspondeu a esse amor'. Yahweh ameaça com o exílio e a dispersão
entre as nações. Mas não rejeitará seu povo para sempre. A pregação de
Isaías transcende os limites da mera esperança nacionalista. Anuncia a
abertura das portas a todos os povos, numa perspectiva universal, e de que
Israel seria ao mesmo tempo testemunha e propagador.
Na qualidade de congregação do Senhor (qehal Yahweh) o povo de
Deus do tempo de Isaías viveu repetidas fases de completa apatia e
afastamento de Deus, e para essa condição' o profeta é chamado a abrir-lhe
os olhos: "Visito que este povo sie aproxima de mim, e oom a sua boca e
com os seus lábios me honra, mas o seu coração está longe de mim e o seu
temor para comigo consiste só em mandamentos de homens, que maquinal-
mente aprendeu, continuarei a fazer obra maravilhosa no meio deste povo...
a sabedoria dos seus sábios perecerá... " (29.13,14). Jesus retoma estas
palavras para repreender a religião "faz-de-conta" dos líderes e membros da
igreja de seus dias (Mt 15.8,9). Mais recentemente, a Reforma Luterana
desfez a religião profissionalizada e estereotipada que se havia instalado na
igreja da época. Receia-se que estejamos refazendo o que a Reforma
desfez. A assembleia delibera, a diretoria executa, o membro contribui, e
todos acham que sua missão foi cumprida. Tornamos o testemunho pessoal
um privilégio de classe e pagamos um salário a pessoas que o fazem por
nós, enquanto vamos à igreja e apenas ouvimos. Pode-se formar uma
equipe de profissionais eficientes e contratar tantos funcionários se achar
necessário — e nada vai acontecer enquanto trocamos o Sola Scriptura por
"Sola Structura". A participação em diretorias die congregações e entidades
visa a desfrutar vantagens pessoais de auto-afirma-ção e de dominação
sobre os demais? Somos, capazes de nos submeter a uma avaliação pessoal
ou coletiva de nossa atividade na igreja, ou apressamo-nos em jogar a culpa
nas estruturas locais, distritais, e na própria IELB?
Nas reflexões que se farão no próximo biénio sobre as condições
para o consolo divino, procure-se reviver o momento de prova e confronto
que Moisés propôs ao povo em Dt 30; que se faça na IELB a renovação da
aliança que Josué fez entre o povo e seu Deus, escolhendo a quem servir
(Js 24); ou ainda que se faça a confissão de Esdras (Ed 9), em favor do
povo que retornará do exílio, de que "estamos em grande culpa, e por causa
de nossas iniquidades fomos entregues... ao cativeiro; ao roubo e à
ignomínia".
Graças a Deus, no entanto a fúria acusadora da lei, que deve levar o
povo de Deus ao arrependimento, é seguida da mais

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 167


reconfortante mensagem do evangelho. Isaías anuncia o consolo, entre
outras, na seguinte promessa: "Mas quando ele e seus filhos virem a obra
das minhas mãos no meio deles, santificarão o meu nome" (29.23).
O PIE-II [Plano Integrado de Expansão] é um plano de uma igreja
que quer ser consolada e que consola, É uma iniciativa, não de uma
estrutura eclesiástica chamada IELB, mas da individualidade de seus
membros, reunidos em congregações locais. Não é um álbum, imobiliário,
nem um aceno de verbas a congregações e entidades. É a ação
congregacional, a nível local e regional, com atividades próprias ou
conjugadas, partindo do princípio do sacerdócio universal de cada crente
luterano do Brasil. Deus promete solenemente, pelo profeta Isaías, que vai
continuar a "fazer obra maravilhosa no meio deste povo; sim, obra
maravilhosa e um portento" (Is 29.14). Engajemo-nos nela!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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e Mundo Cristão, 1986, p. 103.
2
WARTH, Martim C, Filosofia da Educação Luterana. Igreja Luterana, Ano
46, 1987/1, Seminário Concórdia, p. 39.
3
BORNKAMM, Heinrich, Luther and the Old Testament. Philadelphia,
Fortress
4
Press, 1969, p. 219.
5
Ibid., p. 220.
6
Ibid., p. 90.
Livro de Concórdia, Catecismo Maior de Martinho Lutero, São Leo-
poldo/Porto Alegre, Sinodal/Concórdia, 1980, p. 453.
7
ARCHER JR., Gleason, Merece Confiança o AT? 2ª edição, São Paulo, Vida
Nova, 1979, p. 395.
8
DELITZSCH, Franz, Biblical Commentary on the Prophecies of Isaiah, Vol.
II, Grand Rapids, Eerdmans, 1953, p. 174.
9
NAUMANN, Martin. Messianic Mountaintops. The Springfielder, Vol.
XXXIX, Nr. 2, Set. 1975, p. 8.
10
SONNTAG, Werner, "Rumos da Educação Brasileira", Trabalho não
publicado, 1º Congresso Nacional de Educação Luterana, julho 1986, p. 7.

BIBLIOGRAFIA ADICIONAL
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Testament. New York, Harper, 1959.

168 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


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Este trabalho foi apresentado à 52.a Convenção Nacional da IELB


realizada em Veranópolis, RS, de 24 a 29 de abril de 1990.

460 ANOS DA CONFISSÃO DE AUGSBURGO


Martim C. Warth

Jo 8.31-32: "Se vós permanecerdes na minha palavras, sois ver-


dadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade e a verdade vos
libertará."

Na Europa agora é o início do verão. Por isso, talvez, tantas coisas


importantes aconteceram lá que também se transmitiram aqui para o Brasil.
(Ontem, ouvimos da Copa 90 notícias que não nos agradaram.). Ontem foi
a festa de São João Batista, o precursor de uma nova era. Era uma festa de
verão que aqui passou a ser uma festa de inverno. Veio preparar a vinda do
Salvador Jesus. Isso nos mostra que já estamos a menos de meio ano do
Natal. Mas ontem também foi uma data importante para a IELB, pois neste
dia há 86 anos foi fundada em São Pedro do Sul. Hoje é a daita que lembra
a dieta de Augsburgo de 1530. Dieta é uma palavra estranha para nós e
significa um fórum de julgamento imperial. Há 460 anos foi apresentado o
documento mais importante do mundo ao imperador Carlos V, que também
era imperador sobre parte da América recém descoberta, pois governava
sobre as possessões espanholas que faziam fronteira aqui perto com o Rio
Grande do

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Sul. Nunca houve um documento tão importante, fora da Bíblia. Nunca foi
apresentado a um império tão grande, do qual se dizia que "o sol não se
punha neste império". Era a Confissão de Augsburgo, nossa confissão
básica.
O culto de hoje está bem colocado para lembrar esta "apologia da
nossa fé", como foi chamada. E nos perguntamos de onde tiraram o
conteúdo desta confissão sem precedentes? De onde tiraram a coragem que
punha em jogo a fé, a vida, a propriedade, o império? Era um fruto da
liberdade cristã de que fala Jesus: "Se vós permanecerdes na minha
palavra... a verdade vos libertará". Lutero havia aprendido esta liberdade
com seu Senhor Jesus e a colocou no seu importante, livro Da Liberdade
Cristã, publicado em novembro de 1520, dois meses antes de iniciar a dieta
de Worms onde Lutero foi declarado herege e condenado à morte! Lutero
foi condenado porque não retirou, entre outras, as afirmações de que o
cristão "é livre e não sujeito a ninguém" pela fé, e que ao mesmo tempo "é
servo c sujeito a todos" pelo amor.
Na Confissão de Augsburgo podemos verificar Dois
Aspectos da Liberdade Cristã:
1. a liberdade de confessar, e
2. a liberdade de viver.

I.
Havia uma tremenda pressão sobre os luteranos, ou protestantes,
como eram chamados a partir do protesto dos estados e príncipes
evangélicos na dieta de Espira em 1529 contra a proibição de pregar e
ensinar a doutrina cristã. A dieta de Espira havia concluído que se
respeitasse a resolução da dieta de Worms, onde Lutero fora condenado. A
pressão foi enorme da parte do império, orientado pela igreja de Roma.
Mas havia outras pressões, como a de Zwínglio e seus teólogos do
sul. Em 1529 aconteceu também o colóquio de Marburgo em que Zwínglio
queria impor sua interpretação da Santa Ceia. Lutero disse que não podia
haver união: "Não!, vocês têm um outro espírito!". Mas teses preparadas
por Lutero para Schwabach, Marburgo e Torgau, se não chegaram, a unir
luteranos e calvinistas, preparou todo o material teológico para a Confissão
de Augsburgo.
Havia também a pressão da ignorância religiosa que Lutero
combateu. Solicitou a colegas que preparassem pequenos livros de
instrução. Como não fizeram Lutero mesmo publicou os dois catecismos
de 1529. Tudo isso estava modificando a

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IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990
perspectiva do povo, dos sacerdotes, dos pastores e dos governantes. O
império ficou preocupado e lançou um último desafio: Apresentem esta
doutrina nova para ser julgada e destruída! Carlos V queria um reino
universal com, uma só fé.
Mesmo assim havia ainda a pressão dos prelados da igreja de Roma
que não queriam que a doutrina fosse ouvida. Bastava implementar a
condenação de Worms, acabar com a heresia e eliminar os protestantes um
por um. Acharam que, com as ameaças, os luteranos não viriam a
Augsburgo. Mas o eleitor da Saxônia João, o Constante veio com os
teólogos luteranos. Lutero havia ficado em Coburgo, sob proteção especial.
Como o imperador ainda estava em Innsbruck, descansando da viagem
penosa, os luteranos que haviam chegado em maio começaram a pregar nas
igrejas de Augsburgo. Cada vez mais igrejas se abriam e solicitaram a
palavra clara dos luteranos. Haviam sido caluniados de pregarem contra
Cristo, Deus e a virgem Maria. Não era verdadeiro. Carlos V veio
depressa para iniciar a dieta.
No meio desta situação de pressão soa clara a mensagem de Jesus:
"Se vós permanecerdes na minha palavra... a verdade vos libertará". Lutero
conhecia a liberdade em Crisito. Sabia que havia liberdade e justificação
somente pela graça (sola gratia), somente pela fé (sola fide). Isto foi
pregado e colocado claramente nos artigos de fé da 'Confissão de
Augsburgo.
Mas os prelados não queriam que fosse proclamado. O imperador,
atendendo a esses apelos de Roma, só queria receber o documento para
pensar. Seria o fim do documento. Os príncipes insistiram que fosse lido de
público. Era o dia de São João. Só o conseguiram para ser lido no dia
seguinte, sábado, numa sala pequena para 200 pessoas. No dia 25 de junho
de 1530 estavam a postos: Dr. Brucck tinha a cópia em latim, Dr. Beyer
tinha a cópia em alemão. O imperador só queria que fosse lido em latim
para o povo não entender. Os príncipes insistiram: essa era terra alemã e
devia ser lido em aleimão. Finalmente o Dr. Beyer conseguiu ler em
alemão em voz alta e pausada, das 15h às 17h, a Confissão de Augsburgo
para todo o povo de milhares que estava no pátio pudessem todos ouvir. Na
liberdade cristã puderam confessar a sua fé pela qual empenhavam a sua
própria vida!
Quando Dr. Eck foi perguntado se podiam refutar a confissão,
disse: "Pelos pais, sim; não pela Escritura." Então disse um conde da
Baviera: "Então eles estão dentro da Escritura e nós fora!" Este era o
princípio da liberdade cristã: somente a Escritura (sola Scriptura). Nenhum
outro senhor, nem pais,, nem concílios, nem decretos papais. Esta era
também a liberdade da igreja. Agora havia somente um único Senhor, o
Senhor certo: solas Christus! Esta é a verdadeira liberdade: "Se vós
perma-

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necerdes na minha palavra.. . a verdade vos libertará!" Esta é a liberdade
cristã: quando temos o Senhor certo, quando deixamos Deus ser Deus,
quando podemos dizer "Senhor Jesus!" pelo Espírito Sanlto, pela fé. Esta
era a hora da liberdade de confessar: "Jesus Cristo é Senhor!"
II.

Com isso veio a liberdade de viver! Os protestantes ainda estavam


sob ameaça constante. Mas não foram perseguidos de imediato porque os
turcos estavam diante de Viena e o imperador precisava do auxílio dos
luteranos. Deus sempre dá liberdade para viver, mesmo diante da ameaça
da morte. Ainda hoje o mundo nos ameaça. Mas estamos aí também para
viver e para servir o mundo. Com alegria os luteranos queriam servir o
imperador para salvar a sua pátria.
O pior inimigo está dentro de nós. É o mal que nos quer afastar de
Cristo com filosofias, orgulho, falsos deuses e destruir a nossa vida. A
ameaça continua. Mas "se permanecerdes na minha palavra sois
verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade e a verdade vos
libertará". A verdade que é Jesus, é também o caminho e a vida!
Com a proteção de Deus a IELB completou ontem 86 anos. Muita
vida nasceu pela fé através da palavra de Jesus proclamada e confessada
era tua igreja. Na liberdade cristã os luteranos puderam unir-se em igreja e
viver a sua liberdade para servir os outros. Também no Seminário e no
Instituto Concórdia recebemos parte nesta liberdade em que queremos estar
sujeitos a todos para servir em amor. É ura maravilhoso fruto da liberdade
de confessar que herdamos dos teólogos e príncipes da Confissão de
Augsburgo. É uma herança da IELB que continuou fiel à palavra de Jesus
e herdou a liberdade de confessar, amar, viver e servir. Assim fizeram
também os jovens da minha congregação Concórdia de Porto Alegre que
festejaram ontem seu 509 aniversário da Juventude, cantando e confessando
"Tua Palavra é luz para os meus pés" e que continuam a crer e confessar
que "Anjos cuidam bem de mim", como fizeram nos vibrantes cânticos). Se
jovens continuam a confessar assini a sua fé e confiança em Cristo, então a
igreja tem um grande futuro. Confessemos todos juntos o art. IV da
Confissão de Augsburgo, como está na página 66 do hinário:... Amém.

Sermão proferido em culto especial no Seminário Concórdia no dia 25 de


junho de 1990.

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A DOUTRINA DA JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ NO
ENSINO DE JESUS CRISTO
Curt Albrecht
INTRODUÇÃO
Ouvir falar na doutrina da justificação do pecador pela fé em Jesus
Cristo leva a pensar no apóstolo Paulo, em Lutero, no Livro de Concórdia,
na Ortodoxia, em Walther, em Missouri. A quem for incauto, pode parecer
que o apóstolo Paulo criou a doutrina da justificação do pecador mediante
a fé em Cristo; que Lutero ressaltou esta doutrina para distinguir-se do
papismo medieval; que o Livro de Concórdia de 1580 definiu assim um
caminho próprio do luteranismo; que os teólogos da Ortodoxia fizeram
dela seu cavalo de batalha; que Cari Ferdinand Wilhelm Walther se apegou
a ela para estabelecer um sínodo que ficasse marcado por ele ou que o
sínodo de Missouri e suas igrejas-irmãs insistam nela para manter-se fora
de outras confederações religiosas.
É objetivo da presente reflexão ver e ressaltar o que o próprio
Senhor Jesus Cristo ensinou a respeito desta doutrina da justificação pela
fé; se, enfim, ele falou em que a salvação do pecador se dá unicamente pela
fé nele próprio e se a fé produz as boas obras, isto é, se ela produz uma
vivência cristã por modo digno do evangelho. Para este fim verifica-se nos
quatro evangelhos aquelas passagens em que Jesus emprega o verbo
pisteúo e o substantivo pístis com relação a ele próprio (e/ou passagens
que, indirectamente, falam em justificação do pecador e que presumem fé,
nas quais Jesus esteja falando — como em Lc 18.13,14a).

JESUS E A DOUTRINA DA FÉ
1. Jesus confessou a sua fé, a sua confiança na palavra de Deus do
AT e não fez Deus de mentiroso na prática, quando tentado por
Satanás: Mt 4.1-11; Lc 4.1-13.
2. Jesus pregou arrependimento e fé no evangelho: Mc 1.15b.
3. Jesus disse que a fé justifica, salva, dá a vida eterna e produz
nova vida espiritual: Mt 9.2,22; Mc 5.34; 10.52; 16.15,16; Lc
8.12,48; 18.13,14a,42; Jo 3.15,16,18.36a; 5.24; 6.40,47; 7.38;
8.31,32; 11.25,26; 20.29.

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IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990
4. Taxativamente Jesus afirmou que a falta de fé, a incredulidade
condena: Jo 8.24.
5. Jesus lamentou a incredulidade das pessoas: Lc 9.41-18.8;
24.25; Jo 4.48; 5.38,44-47; 6.36; 8.45,46; 10.25,26,38'.
6. Ele, algumas vezes, repreendeu a pequenez da fé dos
discípulos e de outros: Mt 8.26a; 16.8; 17.20; Mc 5.40-Lc
8.25; Jo 1.50; 3.12; 6.64.
7. Jesus perguntou pela fé nele a dois cegos e, diante da
afirmativa, curou-os (Mt 9.28,29); exortou Jairo a crer
somente (Mc 5.36; Lc 8.50); exortou também os discípulos
a terem fé em Deus (Mc 11.22-24; Jo 6.29.35; 11.15,40,42;
12.30,44,46; 14.1,10,11,29; 16.31; 20.27c) e levou pessoas a
confessarem sua fé nele (Jo 9.35-38; 11.27; 20.28).
8. O Senhor Jesus também elogiou a grande fé do centurião de
Cafamaum (Mt 8.10,13) e da mulher cananéia (Mt 15.28).
9. Jesus perdoou os pecados ao paralítico por causa da fé deste
(Mt 9.2; Mc 2.5).
10. Jesus afirmou que pequeninos crêem nele (Mt 18.6; Mc 9.42).
11. Jesus disse que tudo é possível ao que crê (Mc 9.23); que o Pai
ama a quem crê nele, em Jesus (Jo 16.27); que, crendo,
recebe-se o que se pede em oração (Mt 21.22) e que ele
mesmo intercedeu pelos crentes (Jo 17.8,20,21).
12. Os discípulos e outros muitos creram em Jesus (Jo 2.11,22,23;
4.39-42; 11.45).

II
CONSIDERAÇÕES ESPECIAIS
01. Parece da mais alta importância enfocar o episódio da tentação
de Jesus pelo diabo do ponto-de-vista da justificação pela fé. Porque se
Eva fez Deus de mentiroso (Cfe. I Jo 1.10; 5.10b) ao não acreditar naquilo
que Deus dissera (Gn 2.16,17 c 3.1-6), então Jesus, ao contrário de Eva,
manteve Deus como verdadeiro, porque se firmou na palavra de Deus
escrita no AT (Mt 4.4,7,10). Jesus CREU na veracidade da palavra de
Deus. Não pecou. Fez a vontade de Deus sempre e perfeitamente. Logo, foi
justificado (no sentido de que se manteve justo) pela sua fidelidade (=
pístis) a Deus (Is 53.9b; I Pe 2.22. Confessou sua fé em Deus, vivendo
fielmente a Deus (como Deus e para Deus).

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2. Jesus pregou o evangelho de Deus e exortou: "Arrependei-vos
e crede no evangelho" (Mc 1.14,15). O evangelho é a Boa Notícia de que
Deus está próximo da pessoa e, em Jesus Cristo, ele está conosco
(Emanuel). "Crede no evangelho" significa pois: "sede fiéis ao Deus que
está convosco".
3. Jesus perdoou os pecados ao paralítico, porque este tinha fé
(Mt 9.2). Também disse à mulher enferma, que curara: "filha, a tua fé te
salvou" e deu a ela paz e livramento do mal (Mc 5.34). Jesus também
garantiu que "Quem crê, tem a vida eterna" (Jo 6.47). Então, resumindo,
pode-se afirmar, categoricamente, que a doutrina da justificação do
pecador pela fé em Jesus está clara e é central no ensino de Jesus, porque a
crentes nele 1) o próprio Jesus lhes perdoou pecados; 2) garantiu salvação
e 3) prometeu vida eterna!!!
4. O ensino todo de Jesus foi feito no sentido de criar e manter a
fé nos seus ouvintes. Com esse objetivo percorreu ele toda a terra de Israel,
pregou, ensinou e fez sinais e prodígios. Ele exortou as pessoas a crerem
nele; levou pessoas a confessarem sua fé nele; repreendeu a pequenez da fé
dos próprios discípulos e consolou os que creram nele com frases como
"tudo é possível ao que crê"; que o Pai ama a quem crê em Jesus; que os
pequeninos crêem nele; que, orando com fé, se recebe o que se pede na
oração.
Por outro lado, lamentou a incredulidade das pessoas e foi
categórico' em afirmar que a falta de fé, a incredulidade condena a pessoa.
05. Jesus também deixou claro que a justificação pela fé
precede as boas obras, a santificação: "O que crê (ho pisteúon)
em mim, (...) do seu interior fluirão rios de água viva" (Jo
7.38). A fé, criada na pessoa pelo Espírito Santo, produz obras
boas, fruto dó Espírito (Gl 5.22,23). Isto, por exemplo, fica claro
em Jo 15.5: o ramo precisa estar na videira para produzir muito
fruto.

CONCLUSÃO
A doutrina da justificação pela fé no ensino de Jesus Cristo é um
fato patente, central, inequívoco. Parabéns para quem percebeu e percebe
isso claramente! Paulo, Lutero, Walther perceberam isso. Por isso que
foram grandes arautos do evangelho e servos fiéis a Cristo Jesus.
Quem não percebe a centralidade da doutrina da justificação pela fé
no ensino de Jesus e em toda a Escritura, fatalmente inventará uma religião
legalista à base do "não manuseies isto, não proves aquilo, não toques
aquiloutro" (Cl 2,21).

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Nunca é demais — ou como diz Paulo: "A mim não me desgosta, e
é segurança para vós outros, que eu escreva as mesmas cousas", Fp 3.1 —
repetir e enfatizar a importância vital de manter e pregar claramente a
doutrina da justificação do pecador mediante a fé em Cristo. É o intuito
desta reflexão.
"De fato, sem fé é impossível agradar a Deus" (Hb 11.6). A fé em
Cristo Jesus a) torna-nos em filhos de Deus; b) dá-nos perdão dos pecados;
c) dá-nos a vida eterna e d) nos faz viver de modo agradável a Deus e útil
ao próximo.
.

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AUXÍLIOS HOMILÉTICOS
(Os auxílios homiléticos neste número baseiam-se no Evangelho do Dia,
conforme a Série Anual Revisada).

PRIMEIRO DOMINGO DE ADVENTO


Lucas 19.29-38
2 de Dezembro de 1990
A situação: O surgimento das seitas é um desafio às igrejas. Quem
anuncia a verdade? Devo "provar os espíritos" (1 Jo 4.1) pois o mundo está
cheio de falsos profetas e falsos cristãos (Mt 24.24) tentando enganar, se
for possível, os próprios cristãos.

O advento: "Vem, o nosso Deus, e não guarda silêncio" (SI 50.3).


Este é o conteúdo central dos domingos no advento. A vinda de Deus é o
tema de cada culto cristão. O "adventus", isto é, a chegada de nosso Senhor
Jesus Cristo, inicia com a palavra da criação, pela qual tudo foi criado. O
verbo se fez carne e habitou entre nós. O povo de Deus recebe o seu
Senhor na palavra e no sacramento. O evangelho de Jesus Cristo manifesta
a sua glória. Os domingos no advento se referem à epifania do Senhor. É a
palavra do Senhor que distingue a mentira da verdade.

O contexto: O texto Lc 19.29-38 tem como contexto a viagem de


Jesus da Galileia a Jerusalém (Lc 9.51-19.27) e os últimos acontecimentos
em Jerusalém (Lc 19.28 — 21.38). O texto de Lc 19.28-38 fala sobre a
entrada de Jesus na cidade de Jerusalém, evidenciando ser ele o Cristo e
revelando, gradativamente, a sua missão: sofrer e morrer (Lc 22.1-23.56).
O texto: O texto é dividido em duas partes principais: a) O preparo
(cf. V. 29-35), b) A entrada (V. 36-38). Ele revelia, de maneira velada,
quem é este Jesus. Ele é o Messias, o enviado de Deus. Encontram-se no
texto muitas referências ao AT. Destacamos algumas: O monte das
Oliveiras (cf. Zc 9.9 e 14.4ss) é o lugar no qual, segundo as esperanças do
povo judaico, o próprio Deus se manifestará para julgar os seus inimigos e
para salvar o seu povo. Seria o Messias que iria aparecer neste lugar

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 177


para libertar o povo de Israel. O jumentinho foi interpretado pelo judaísmo
no sentido messiânico (cf. Gn 49.11). Para carregar o Messias o
jumentinho deveria corresponder com a condição de ser um animal
consagrado para o serviço: jamais montado por homem algum.
Observamos que a entrada de Jesus possui a característica da proclamação
de um, rei (cf. 1 Rs 1.33, 2 Rs 9.13 etc). A referência ao SI 118.26
significa reverenciar ao rei.
A entrada de Jesus em Jerusalém revela a sua glória como rei. Nele
se cumprem as antigas esperanças do povo de Israel. O envio dos dois
discípulos manifesta sua autoridade. Suas palavras têm poder. São as
palavras do Senhor do mundo. Neste instante ninguém sabe que Jesus
libertará o seu povo pelo sofrimento, pela morte e pela cruz. O momento
histórico ressalta a sua soberania como Senhor. Somente os olhos da fé
percebem a verdade. Seguir a Jesus significa obedecer à sua palavra.
Somente esta palavra libertará da escravidão do pecado e da morte. O texto
é um convite, pois não permite o tratamento superficial das coisas
espirituais, mas solicita a fé, a confiança naquele que se revela neste
momento.
Esboço: O Salvador do mundo quer entrar em nossas vidas
— Nele se cumprem as esperanças do povo de Deus
— Ele quer que o sigamos com fé e obediência
— Ele se faz presente nos meios da graça.

Hans Horsch

SEGUNDO DOMINGO DE ADVENTO


Marcos 13.19-27
9 de Dezembro de 1990
1. No segundo domingo de advento, o texto do evangelho é
tradicionalmente um trecho escatológico. Na série histórica era Lucas
21.25-36, texto paralelo a Marcos 13. A série histórica revisada traz
Marcos 13.19-27, que pode ser intitulado: "a grande desolação e a vinda do
Filho do homem".
2. Marcos 13 é o único discurso extenso de Jesus que aparece
neste evangelho. Nenhuma passagem desse evangelho é tão discutida
quanto esta. O pregador precisa estar atento a isso e dar-se conta do
contexto da perícope.

178 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


3. A interpretação de Mc 13 depende de como se entende a
estruturação do capítulo e de decisões quanto à natureza e à função do
texto. Quanto à forma, as palavras de Jesus em Mc 13 são mensagem de
despedida com instrução e consolo. O texto une profecia a respeito do
futuro com exortações para a conduta dos discípulos no período em que o
Mestre não mais estaria com eles. O texto tem natureza parenética, ou seja,
é feito de admoestações fundamentadas em referências a eventos
apocalípticos. O caráter parenetico aparece em termos como BLEPETE,
ME PISTEUETE (V. 21), GREGOREITE (V. 35, 37), etc. O discurso se
estrutura em torno dos 19 imperativos que aparecem, nos vv. 5-37. A
instrução apocalíptica não é um elemento independente dentro do discurso.
Foi introduzida como fundamento da exortação. Não é a ênfase principal
de Jesus, pois Jesus pressupõe que sejam detalhes conhecidos das
Escrituras, dos quais ele tira as consequências para a vida dos discípulos. A
função precípua do capítulo 13 não é a de comunicar informações
esotéricas, mas de promover fé e obediência em tempos de tribulação. Com
profunda preocupação pastoral, Jesus preparou seus discípulos e a igreja
para um período futuro que incluiria tanto perseguição como missão. Visto
que os eventos preliminares não fixam a data da parusia, requer-se da
igreja vigilância, e não cálculo do fim.
4. O Antigo Testamento tem parte essencial na estrutura e nas
imagens do discurso profético em Marcos 13. Em nossa perícope são
citados os textos de Is 13.10, Is 34.4, Dt 7.13,14. Há paralelos com
passagens em Daniel e Joel.
5. Um exame dos demais textos do domingo (SI 105.1-7, Ml 4.1-6,
Hb 12.25-29) revela uma maior aproximação temática com o texto de
Hebreus: Deus promete abalar não somente a terra, mas também o céu. Nós
recebemos um reino inabalável. Retenhamos a graça, pela qual sirvamos a
Deus de modo agradável, com reverência e santo temor; porque o nosso
Deus é fogo consumidor.
6. Sugestão de tema:
ADVENTO É TEMPO DE VIGILÂNCIA.
Vilson Scholz

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 179


TERCEIRO DOMINGO DE ADVENTO
Mateus 3.1-12
16 de Dezembro de 1990
"Naqueles dias" — mais precisamente pelo ano 26 d.C. (Lc 3.1-3),
João Batista (Lc 1.5-25 e 57-80) iniciou seu ministério profético em pleno
deserto da Judeia (Lc 1.80). Localizado na parte ocidental do Mar Morto, o
deserto ocupava cerca de um terço do território de Judá. Era uma região
erma, agreste e despovoada.
A temática da pregação era o arrependimento e o anúncio da
proximidade do reino dos céus. O arrependimento como transformação do
coração e da mente pela pregação da palavra de Deus, e a proximidade do
reino dos céus, como concretização da vinda do Messias. Ou seja, o início
dos tempos do fim (Jo 18.36).
Como o evangelista escreve a um público de judeus cristãos, não
lhe é necessário apresentar João Batista. Os leitores certamente conheciam
a história de Zacarias, Isabel e de seu filho João (Lc 1.5-25 e 57-80).
Mesmo assim o evangelista através de dois exemplos, quer firmar no
coração de seus leitores a convicção da autenticidade profética de João.
Identifica João com a profecia de Isaías 40.3. Na Antiguidade era costume
os reis em suas viagens serem precedidos por arautos e servos. Aos arautos
cabia anunciar a próxima chegada do rei e aos servos limpar as estradas,
remover obstáculos e, sendo necessário aplainar colinas, para que o rei e
sua comitiva tivessem livre trânsito. Por outro, com a ênfase no
arrependimento pela pregação da palavra de Deus, João devia remover
injustiças, maldades, vícios, impenitência e nivelar espiritualmente todas as
camadas sociais. Em seguida o evangelista se refere ao modo particular de
João se vestir (Mt 3.4). A última profecia do Antigo Testamento afirma
expressamente que antes da vinda do Messias, seria enviado o profeta Elias
(Ml 4.5). O fato de João se vestir como se vestia o profeta Elias (2 Rs 1.8)
o identifica com, o profeta. João Batista é o profeta Elias profetizado.
Quanto a alimentação, gafanhotos e mel silvestre, mostra sua pobreza e
austeridade, e lembra sua condição de nazireu (Nm 6.1-21 e Lc 1.15).
O impacto da pregação foi grande. Tanto que até se comentava que
talvez ele fosse o próprio Cristo (Lc 3.15). Assim a população de
Jerusalém, da Judeia e circunvizinhança do Jordão, afluía para o deserto
onde João pregava e batizava. Uns talvez por curiosidade, outros apenas
para acompanhar "a multidão", mas a grande maioria sem dúvida por firme
convicção,

180 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


fome e sede da verdadeira palavra de Deus. E assim eram por João
batizados. O batismo era um ato de submissão a Deus. Um batismo de
arrependimento, conforme diz Paulo em Atos 19.4. O confessar dos
pecados fazia parte do ritual do batismo. A lei do Antigo Testamento
estabelecia esta confissão' (Lv 5.5; 16.21; Nm 5.7). A confissão é própria
dos penitentes (SI 32.5; Xe 9.2,3; Dn 9.20; At 19.18).
O fato de fariseus e saduceus procurarem também o batismo e
serem severamente repreendidos, mostra que João conhecia-lhes a
intenção. Simples promoção pessoal. Eram na verdade impenitentes. João
desmascara-lhes a hipocrisia. Julga-vam-se perfeitos e justos, mas na
verdade eram uma "raça de víboras" que com o veneno da injustiça, da
maldade, da imoralidade, da impiedade, ajuntavam bens pessoais e
desgraçavam o próximo. Mais, a vaidade, a presunção e o orgulho, os
haviam dominado tanto que pelo fato de serem descendentes de Abraão
(Gn 12), julgavam-se no direito de merecerem o reino dos céus. Assim
ridicularizavam o arrependimento. Daí o rigor da advertência de João, "já
está posto o machado à raiz das árvores". 0 arrependimento envolve frutos
como justiça, amor, misericórdia, e sobretudo fé naquele que há de vir, o
Messias.
Assim a pregação de João Batista era cristocêntrica. Ele batizava
com água. Mas o Messias irá batizar com o Espírito Santo e com fogo.
Uma referência profética ao dia de pentecoste (At 2). E para redimir
qualquer dúvida (Lc 3.15) quanto a sua identidade, ele afirma
categoricamente não ser o Cristo. Pelo contrário, apenas um humilde servo
do Messias, "cujas sandálias não sou digno de levar" (Mt 3.11). Este
Messias virá após mim. Ele limpará completamente a sua eira no dia do
juízo final (Mt 25.31,32). Então também o trigo, os verdadeiros cristãos,
serão recolhidos ao celeiro, ao reino dos céus. Este é o objetivo final do
Messias.
Sugestões:
0 ministério profético de João Batista

1. Como precursor do Messias


2. Como anunciador do ministério do Messias
Ou
Ou A pregação de João Batista no deserto da Judeia
1. O chamado ao arrependimento
2. O anúncio do batismo do Espírito Santo e com fogo.
Walter O. Steyer

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 181


QUARTO DOMINGO DE ADVENTO
Lucas 1.26-38
23 de Dezembro de 1990
A excelência da criação e da palavra de Deus é cantada na sinfonia
"A Criação" de Joseph Haydn com a expressão poderosa das palavras
poéticas do Salmo 19, a leitura inicial. Na leitura do AT, o profeta Jeremias
anuncia (O tema do domingo pode ser o da anunciação) que o Renovo de
Davi, o Salvador prometido, teria várias qualificações: reinará e agirá
sabiamente, executará o juízo e a justiça na terra, salvará e proverá se-
gurança a seu povo. Até o próprio nome se antecipa: O Senhor, Justiça
nossa. Uma profecia genuinamente messiânica. Já a epistola aponta para a
alegria que deve anteceder a chegada do Natal. As razões, no entanto, são
mais abrangentes: devemos alegrar-nos porque "perto está o Senhor", ainda
mais agora, quando aguardamos sua segunda vinda. O condimento para
essa alegria é uma vida santificada, que se expressa em moderação,
ausência de ansiedade, fervor na oração.

Texto

V. 26-29 — O relato da anunciação do nascimento de Jesus pelo


anjo Gabriel, na presente perícope, aproxima o foco, que no contexto se
dirigia à família, à própria mãe do menino. Maria era noiva de José, isto
quer dizer, comprometida com ele, mas ainda não casada, nem tendo tido
relações com ele. O sexto mês é o tempo que conta depois de Isabel haver
concebido João Batista. A forma do anjo não é descrita, e deve ter sido a
de um homem, de vez que Maria parece não haver se perturbado com sua
presença. Perturbou-se, isto sim, com a saudação, ao ouvir a palavra
"favorecida". Maria era virgem, (parthénos) desposada, como reforça o
texto. A cerimonia judaica de "desposar" realizava-se publicamente, e
continha votos que se constituíam no próprio matrimónio, faltando apenas
que o noivo se apresentasse, dentro de determinado período, para tomar a
noiva, celebrar as bodas, e conviver maritalmente com ela, o que ocorria,
normalmente, cerca de um ano mais tarde.
A "casa de Davi" é a família tanto de Maria como de José, e Maria
pertencia à linhagem real de Davi. O que importa para o evangelista não é
defender, a qualquer custo, a integridade moral de Maria, nem ainda
identificar sua linhagem real, mas caracterizar o instrumento humano que
Deus usa para fazer vir seu Filho ao mundo para cumprir os planos divinos
na des-

182 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


conhecida Nazaré, embora num relacionamento estranho, humanamente
falando, mas com nome certo e de família divinamente credenciada.
A saudação com o adjetivo kecharitoménee, com a reduplicação do
perfeito, tem a mais forte conotação de presente: ''tendo sido favorecida ou
agraciada, ainda permanece nessa condição." A voz passiva indica Deus
como agente dessa graça. O anjo saúda Maria como depositária do maior
favor Dei, que é o de tornar-se mãe do Salvador. A surpresa de Maria fica
por conta do inesperado e, até aí, desconhecido para ela. Nenhum mérito
presente ou futuro faz dela mediadora entre os homens e Deus. É serva,
para executar a Sua vontade.
Vs. 30-31 — O anúncio, agora especificado, começa a pôr fim ao
medo que Maria revelava e que ameaçava interpor-se entre ela e a fé na
verdade anunciada. Achaste graça (cháris), sempre recebida, nunca
conquistada, anunciada pelo anjo em três cláusulas: conceberás, darás à luz
e chamarás pelo nome de Jesus: "ele salvará seu povo dos pecados deles".
Maria também necessitava de um Salvador: ela o expressa no v. 47,
contra o dogma que faz dela medianeira ("rogai por nós") e distribui-
dora de favores, e contra o dogma da "imaculada conceição".
Vs. 32-33 — A descrição da pessoa e obra de Cristo, sumarizada
nesses versos, baseia-se em profecias do Antigo Testamento como a de 2
Sm 7.14, que registra a aliança de Deus com, Davi e sua descendência.
Qualifica Cristo como Messias (ungido) pa
ra reinar "para sempre" (Is 9.6; Dn 7.14; SI 2.7). Embora a
linhagem davídica estivesse, na época do texto, relegada a ne-
nhuma importância política, uma herdeira dessa dinastia histó
rica revive e faz reviver a esperança de glória que sobrepuja as
antigas tradições. O título de "Filho do Altíssimo" se lhe acres-
centaria gradualmente à sua humanidade, ao desenvolver-se a
obra redentora. A Maria se antecipa o necessário conhecimento
do filho que lhe nasceria. E ela passa, de perturbada a pensa-
tiva; da dúvida à busca; da disponibilidade à alegria efetliva de
servir.
Vs. 34-35 — À pergunta de Maria sobre a concepção sem ter
havido relações sexuais, o anjo responde quando descreve a concepção
milagrosa de Cristo, referindo-se ao poder criador do Espírito Santo, já
evidenciado na própria criação do mundo, onde "chocava" as águas para
criar a vida. Mateus (1.18) refe-re-se a esse fato dizendo que, sem ter antes
coabitado com José, Maria "achou-se grávida pelo Espírito Santo". E João
explica a adoção dos filhos de Deus como ocorrendo não "da vontade da
carne" ou do desejo sexual, para anunciar em seguida que assim "o Verbo
se fez carne" (Jo 1.13.14). Negar a verdade expressa no evangelho com
relação à concepção e ao nascimen-

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 183


to de Jesus é, conforme as palavras dele mesmo, errar (Mt 22.29), "não
conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus". A concepção de Cristo
lembra, neste texto, a nuvem que cobriu o tabernáculo (Ex 40.34) com a
glória do Senhor, e o Verbo que "acampou" entre nós (Jo 1.14). O
significado original do termo "santo" é o de "separado para Deus". Pode-
se, pois, com base no SI 89.6,8, traduzir por "ente ou ser divino, celestial,
que vem para cumprir a vontade de quem o enviou".
Vs. 36-38 — Isabel era da tribo de Levi (v. 5), e Maria, da tribo de
Judá. Só podiam ser parentes por parte de mãe. Em Isabel também se
demonstra o poder de Deus, para quem "não haverá impossíveis". Essa
afirmação repete Gn 18.14, e, na promessa feita a Abraão, Maria deve ter
buscado maior fortalecimento de sua fé. Aí exclama a palavra-chave do
texto: como serva do Senhor, "cumpra-se em mim conforme a tua
palavra". Creio no que dizes, e estou disposta a obedecer e a cumprir todo
o propósito que a graça de Deus espera de mim.
Disposição Homilética
Que se cumpra em mim conforme a tua palavra!

1. Afastando todo o temor causado pelo pecado;


2. Mostrando-me sempre a necessidade de um Salvador;
3. Reforçando a minha fé nas promessas gloriosas de Deus;
4. Idispondo-me sempre a servir com dedicação a Deus e ao
próximo.
Elmer Flor

NATAL — NASCIMENTO DE NOSSO SENHOR


JESUS CRISTO
Lucas 2.1-20
25 de Dezembro de 1990
1) Assunto geral das perícopes: Como não poderia deixar de ser,
neste dia de Natal a tónica é a alegria pelo nascimento do Salvador! O
Salmo 98 diz: "Cantai ao Senhor um cântico novo... O Senhor fez notória
a sua salvação... Lembrou-se da

184 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


sua misericórdia e da sua fidelidade" . O profeta Miquéias fala do lugar —
Belém Efrata — de onde "me sairá o que há de reinar em Israel". Hebreus
diz que Deus "nos falou pelo Filho,... que é o resplendor da glória e a
expressão exata do seu Ser". E o evangelista Lucas relata a alegria do
nascimento do Filho de Deus: "eis aqui vos trago boa nova de grande
alegria,...: é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é
Cristo, o Senhor".

2) Contexto: Herodes era o rei da Judeia. Um anjo apareceu ao


sacerdote Zacarias para anunciar-lhe que sua mulher, Isabel, ganharia um
nené, apesar de serem casal velho. Esta criança nasceu e acabou recebendo
o nome predito pelo anjo: João (= graça ou favor de Deus). O mesmo anjo
Gabriel, seis meses depois de ter falado a Zacarias, foi enviado da parte de
Deus, para Nazaré a falar para Maria, que ela seria a mãe do Salvador.
Maria foi visitar Isabel e entoou um cântico. Depois nasceu João Batista e
Zacarias também entoou um lindo cântico. E então Lucas narra o
nascimento de Jesus.

3) Texto: Vers. 1-5: César Augusto publica um decreto que obriga


toda a população do império (não só a da Judeia!) a recensear-se. Lucas
ressalta que foi o primeiro recenseamento. Quirino governava a Síria. Cada
qual ia à sua cidade natal para recensear-se. Isto levou José a dirigir-se de
Nazaré, Galileia, para Belém, na Judeia, porque era um descendente do rei
Davi, a fim de alistar-se ali com Maria sua esposa que estava grávida,
esperando pelo nascimento do "Filho do Altíssimo" (Lc 1.32). Assuntos
que podem ser ampliados são: o recenseamento, a geografia da Terra Santa
e a história do rei Davi.
Vers. 6, 7: Enquanto estavam em Belém, deu Maria à luz o seu
filho primogénito e unigénito Filho de Deus. Não tendo obtido lugar na
hospedaria, Maria teve de deitar o Menino numa manjedoura. Destaques:
verdadeira humanidade de Jesus e sua humildade, Fp 2.5-11.
Vers. 8-14: Pastores que guardavam seu rebanho durante a noite
vêem um anjo do Senhor descer até eles e ficam envoltos pelo brilho da
glória do Senhor. Ficam muito atemorizados; mas o anjo lhes fala: "Não
temais: eis aqui vos trago boa nova de grande alegria; o será para todo o
povo; hoje vos nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor". 0 anjo ainda
informa onde e como achar o Menino, sendo que, subitamente, uma
multidão de anjos juntou-se a ele e louvaram a Deus dizendo o Gloria in
excelsis Deo. Assuntos que podem ser ampliados: Como eram os pastores
daquele tempo; o serviço evangelístico dos anjos

185
IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990
nessa ocasião (é agora o serviço dos cristãos!); Jesus deitado na
manjedoura (!); paz entre Deus e os homens, II Co 5.18,19.
Vers. 15-20: Os pastores reagem às palavras do anjo, depois que os
anjos se ausentaram deles: "Vamos até Belém e vejamos os acontecimentos
que o Senhor nos deu a conhecer". Os pastores viram e divulgaram. Foram
evangelizados pelos anjos e agora eles evangelizam seus semelhantes!
Todos, os ouvintes ficaram admirados. Maria meditou e guardou todas
estas palavras no coração dela (convém analisar bem os verbos synte-léo e
symbállo = bewahren, zusammentragen). Os pastores voltaram
"glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto".

4) Disposição: Tema: HOJE VOS NASCEU O SALVADOR


I — Louvai-o com os anjos e
II — Divulgai-o como os pastores.
ou
NÃO TEMAIS

I — Vos trago boa nova de grande alegria


II — Vos nasceu o Salvador que é Cristo, o Senhor.
Curt Albrecht

PRIMEIRO DOMINGO APÓS NATAL


Lucas 2.25-38
30 de Dezembro de 1990
Ênfase

Os textos das perícopes apontam para um só alvo: Jesus! Mas Jesus


é visto sob dois ângulos diversos e revela causas e consequências
diferentes: a) o Natal de Jesus é prova da benignidade, da misericórdia e
das grandes obras de Deus em favor da redenção dos pecadores; b) o Natal
de Jesus traz felicidade, gratidão e testemunho aos que conheceram o
milagre da redenção de Belém. Resumindo a ênfase: o menino Jesus
destaca o amor de Deus e provoca júbilo aos salvos.

186 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


Contexto
Está claro e é de fácil assimilação. O Evangelho do domingo
apresenta duas personagens — Simeão e Ana — que se encontram e
confessam a Jesus quarenta dias após o "ela deu à luz o seu filho
primogénito" (2.7), quando a Criança é levada a Jerusalém e "apresentada
ao Senhor" (2.21-24).

Texto
Os anjos já haviam cantado o seu Glória in excelsis; Mana, o seu
Magnifcat; Zacarias, o seu Benedictus; e, agora, na primeira parte do
Evangelho, Simeão canta o seu nunc dimittis: "Agora, Senhor, despede em
paz o teu servo... porque os meus olhos já viram a tua salvação..." Este
cântico é entoado no templo do Senhor enquanto "o homem justo e
piedoso" (v. 25) segura em seus próprios braços e aperta contra o seu peito
o maior presente de Deus: o Emanuel! Nossa tentação é trabalharmos mais
sobre este primeiro bloco (v. 25-35) do Evangelho. Mas sendo bastante
conhecido, vamos examinar mais de perto a segunda parte — menos
"considerada ou prezada".
Além do idoso Simeão, também uma senhora idosa encontra-se no
templo em Jerusalém — a viúva Ana. Está com 84 anos. Mas "não deixava
o templo". Era profetisa, como o foram Débora (Juízes 4.4), Hulda (2 Reis
22.14) e outras. 0 sacerdócio/ministério é uma instituição "normal" e
contínua de Deus na igreja; a profecia, porém, é um chamado "especial" de
Deus para uma missão específica por tempo limitado.
Ana encontrava-se no templo por uma vida inteira. Mas para quê?
com que finalidade ou objetivo? que queria e fazia aqui na casa do Senhor?
De suas diversas atividades ou condutas, queremos nos deter nestas:

— Adorar: dada a riqueza do termo latreúoo lembramos alguns


conceitos: servir ou trabalhar para ser remunerado (salário) pelo
patrão; servir alguém com o objetivo de expressar sua gratidão
por favores recebidos; "prestar honra, louvor e gratidão ao
benfeitor"; servir ao Senhor, adorando e glorificando o seu
nome (Jo 16.2; Rm 9.4; Hb 9.1). Lembramos duas palavras ale-
mãs que mais se aproximam ao sentido do termo grego:
Gottesdienst, Gottesverehrung;

— Orar (déesis): é o termo mais genérico para descrever todo tipo


de oração que o filho de Deus dirige a Deus: pedidos,
agradecimentos, com a diversidade do que diz

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 187


Paulo: "... use a prática de súplicas, orações, intercessões, ações
de graça" (Rm 10.1; Ef 6.19; Fp 1.4; 2 Tm 1.3);
— Agradecer (anthomologéomai); termo que pode significar: dar
ações de graça, (ato contínuo), agradecer, louvar, confessar, dar,
em voz alta e em público, um testemunho de honra, respeito e
louvor a um senhor; bendizer, como confissão de fé, o nome do
Senhor;

— Falar (laléoo): apesar dos muitos sentidos do termo, neste texto


vem como sinónimo de "falar o que está cheio o coração", de
gritar algo de bom, testemunhar como "pessoa ou profeta de
Deus" (At 3.24; Tg 5.10; 2 Pe 1.21), comunicar, anunciar,
revelar, pregar, proclamar "boas novas da salvação";
— Redenção (lútroosis): termo que expressa o fato de comprar para
libertar; pagar o preço do resgate; resgatar e redimir; Cristo, o
Redentor que trouxe a redenção (At 7.35; 1 Pe 1.18; Tt 2.14).

Disposição
A serva do Senhor vivia na casa do Senhor

I — Para adorar e servir o Senhor


II — Para orar e honrar o Senhor
III — Para agradecer e louvar o Senhor
IV — Para falar e testemunhar do Redentor.
Leopoldo Heimann

EPIFANIA DE NOSSO SENHOR


Mateus 2.1-12
6 de Janeiro de 1991
A. Assunto Geral
Epifania significa "manifestação". É o ciclo que fala da revelação
do Filho de Deus na carne. A data de 6 de janeiro foi fixada no oriente no
3º século para comemorar o nascimento de

188 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


Jesus, seu batismo no Jordão, a aparição da estrela e adoração dos magos,
bem como, em alguns casos, sua primeira manifestação com o milagre em
Cana da Galileia.

B. Contexto
A oitava de Natal que inclui a circuncisão de Jesus, celebrada no
Ano Novo, passou. Entre o período de Natal e a Epifania há uma grande
correlação, porque a igreja oriental celebrava o Natal no dia de Epifania.
Mais tarde a igreja do ocidente começou a celebrar o seu próprio dia do
Natal no dia 25 de dezembro. Epifania, como um segundo festival, foi
aceito no 4º século por ambas as igrejas. A ênfase foi dada à visita e
adoração dos magos. Como Cristo veio no Natal "aos seus" que não o
receberam, Epifania é sua manifestação ao mundo todo, simbolizado pelos
magos do oriente. Assim os luteranos também adotaram Epifania como um
festival de missão mundial. Luz é o tema das orações de Epifania,
lembrando a estrela que guiou os magos a Jesus. Hoje a luz da fé guia: pelos
olhos da fé podemos ver o Rei. É o final do advento em que o Rei Messias é
apresentado às nações. É lembrada a parusia final em que o Rei se
manifestará em glória. O Intróito usa o salmo 72, o salmo Real ou salmo
dos 3 reis, em que se menciona o tributo e a adoração de reis (vers. 10 e 11).
A resposta dos reis é alegria, adoração e louvor pela manifestação do
Senhor: há luz e presentes (Is 60.1-6).

C. Texto
V. 1 — Jesus nasceu em Belém da Judeia. Mateus enfatiza que é na
Belém, cidade de Davi, pois a Escritura diz que o Cristo seria da
descendência de Davi (Mq 5.1-14; Jo 7.42). Era no tempo de Herodes o
Grande (37-4 AC), que deve ser distinguido de outros Herodes
mencionados na Escritura. (Herodes Antipas era seu filho e foi tetrarca da
Galileia e Peréia de 4 AC a 39 AD; este casou com Herodias, sua cunhada,
e matou João Batista; Pilatos lhe enviou Jesus. Herodes Agripa I é neto do
primeiro, foi rei na Judeia de 37 a 44 AD; matou Tiago e pôs Pedro na
prisão; um anjo o matou. Herodes Agripa II, seu filho, foi também rei da
Judeia; Paulo se defende diante dele.) Herodes o Grande era idumeu, não
judeu. Era sem moral, matando a esposa, 3 filhos, a sogra, cunhado, tio,
além das crianças de Belém. Construiu muitos teatros, anfiteatros,
monumentos, altares pagãos, j fortalezas; inclusive fez a reconstrução do
templo de Jerusalém, iniciado no ano 20 AC e terminado em 64 AD. — A
origem dos magos do oriente continua um enigma. Oriente pode ser Arábia
(de Sabá, SI 72.10; Is 60.6), Mesopotâmia, Babilónia, Pérsia, on-

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 189


de havia muitos israelitas na diáspora e que permaneceram no exílio.
Daniel se torna chefe dos magos (Da 2.48,49), junto com Sadraque,
Mesaque e Abed-Nego. A religião do Messias de Judá foi propagada na
diáspora através das sinagogas. Havia muitos prosélitos gentios. Pedro faz,
talvez, suas viagens missionárias para a Anatólia (na Ásia Menor, junto ao
Mar Negro; 1 Pe 1.1) e à Babilónia (1 Pe 5.13). Pedro talvez foi
evangelizar depois a diáspora a que pertenciam os magos. Mas os magos
poderiam ter sido também da diáspora de onde veio a rainha de Sabá no
tempo de Salomão. Os presentes que trazem são encontrados na Arábia
(Iemen de hoje) e negociados no mundo todo, importados talvez da índia,
do Sudão e da própria Arábia. Os magos foram mais tarde contados como
3 por causa dos presentes. Eram tidos por reis por causa do SI 72.10 e Is
60.6 (texto de Epifania). Só no séc. 8 surgiram nomes para eles: Melquior,
Baltasar, e Gaspar (negro). O Venerável Beda os considerava
representantes de Europa, Ásia e África. No séc. 4 levaram relíquias de
seus supostos ossos de Constantinopla para Milão, e no séc. 12 de Milão
para Colónia, onde ainda são venerados na Alemanha.
V. 2 — A pergunta dos magos afirma: Nasceu o Rei dos judeus!
Nós recebemos esta certeza (de Deus): Onde está? Já está em Jerusalém?
Sua referência ao "rei dos judeus" pode sugerir que eram gentios, mas que
vieram para adorar o "deus-rei" (Jr 23.5; Zc 9.9; Mt 27.11; Jo 1.49).
Mesmo que pudesse haver uma identificação da estrela no sistema solar,
ela era carregada de revelação divina. Nm 24.17 fala da estrela que pro-
cederá de Jacó. II Pe 1.19 menciona a estrela da alva que nasce nos
corações. São alusões ao Cristo que Zacarias identifica como "o sol
nascente das alturas" (Lc 1.78).
Vv. 3-6 — Os sacerdotes e escribas sabiam do Messias e onde
devia nascer. Identificam o "rei" com o Cristo da profecia de 7 séculos
antes (Mq 5.2).
Vv. 7-12 — Herodes está interessado no tempo exato para calcular
a idade das crianças que manda matar (v. 16). Haviam passado menos de
dois anos desde o nascimento. Não sabemos quanto. Do v. 11 se nota que,
contrário à tradição, já não se encontrava na manjedoura, mas numa casa.
Interessante é que Mateus sempre menciona primeiro a criança, depois sua
mãe (vv. 11, 13, 14, 20, 21). — Os presentes são importantes, mas comuns
na época. Não provam que eram de reis. Talvez fossem de fácil venda para
reforçar o sustento da família. Talvez o precisassem na fuga para Egito (v.
13). A mirra é resina de terebinto que, misturado com óleo de oliva, dá
perfume que era usado por noivos e noivas. Perfumavam-se roupas, camas,
liteiras. Misturada com vinho dava bebida inebriante. Misturada com aloés
servia para embalsamar os mortos. Também é ingre-

190 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


diente do óleo da unção sacerdotal (Ex 30.22-33). Ouro é conhecido:
podiam ser moedas ou jóias. Incenso é resina de arbusto oriundo de Sabá e
servia para queimar em atos religiosos, lembrando a oração.
D. Disposição
Epifania é a festa da manifestação do Messias/Cristo aos povos do
mundo. A ênfase é a missão mundial.

A ADORAÇÃO DOS MAGOS


1. São guiados pela luz
a. a estrela especial de Deus
b. a luz que é Cristo
c. a fé que ilumina.
2. Trazem seus presentes
a. ouro, incenso, mirra
b. presentes que promovem nossa adoração
c. nossa participação na missão mundial
— nosso espírito voluntário pela fé
— nossas contribuições: pessoas e valores
— trazer pessoas a Cristo e vida eterna: nossa diáspora.

Martim C. Warth

PRIMEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA


Mateus 3.13-17
13 de Janeiro de 1991
O advérbio tóte é uma característica do evangelista São Mateus.
Significa "então" ou "em seguida" e estabelece imediata conexão com o
que precede (cf. 2.7, 16.17). Nesta perícope lote resulta que o episódio do
batismo de Jesus ocorre precisamente num momento de conscientização
geral do pecado e de uma mudança ética e moral emergentes da pregação e
batismo para arrependimento de São João Batista. "Então", "em seguida",
com o caminho aberto, a auto-estrada preparada, desoculta-se o Rei e vem
manifestar-se ao mundo.

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 191


Mas, a manifestação do Rei é também a manifestação do Cordeiro
de Deus. É a revelação e a epifania do Poder e da Glória encarnados mas
também a antecipação da Sua paixão e morte. O batismo de Jesus é um
protótipo do batismo maior a que Ele irá submeter-se no Calvário. Seu
batismo é Seu primeiro passo para a cruz, como Marcos 10.38 e Lucas
12.50 claramente o atestam.
A relutância de São João Batista em batizar Jesus, é um dos maiores
tributos que se presta a Cristo. Tecnicamente São João era segundo primo
de Jesus. Certamente conhecia bem Sua pessoa. Sabe que Ele é o Messias
(3.11-12) como sabem também que Ele não se enquadra no esquema da
necessidade que o ser humano tem de arrependimento e remissão de
pecados. Na expressão ego chreian, "eu é que preciso", o pronome no iní-
cio da cláusula está em. posição enfática e ressalta o valor e a necessidade
do batismo para São João, para a humanidade, para nós.
O vers. 15 dá a razão para o batismo do Messias, ou seja, para
"cumprir toda a justiça". A expressão tem sido objeto de debate mas,
partindo-se do fato que São João prega a ira de Deus sobre todos os
homens, dikaiosijne provavelmente tem aqui sentido salvífico, redemptivo
(cf. a Leitura do Antigo Testamento e o sentido de mishpat nos vers. 1, 3 e
4, que a Almeida Revisada traduz pelo sentido ambíguo de "direito").
No batismo de Cristo, cujo ritual não é descrito, todas as Pessoas da
Trindade estão visíveis ou audíveis aos olhos ou ouvidos humanos, É a
única vez em que o Espírito Santo se apresenta "em forma corpórea" (Lc
3.22) como pomba. Na oferta pela culpa (Lv 5), a pomba é um animal que
pode ser oferecido cm sacrifício pelo filho de Deus (cf. Lc 2.24). Quando o
povo ouve falar em pomba (assim como também em cordeiro), sua mente
se lisa ao sacrifício. Esta é outra evidência de que a unção de Cristo era
uma unção não apenas para a pregação como também para a morte
redemptiva e vicária (cf. o Salmo de hoje, especialmente o vers. 7b). Cristo
está destinado à morte e os céus O coroam com poder para essa morte. É
assim que "Cristo... pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem má-
cula a Deus" (Hb 9.14). Desta forma, e por essa razão, "Fomos sepultados
com ele na morte pelo batismo" (Rm 6.4).
O versículo 17 sumariza duas passagens do Antigo Testamento,
uma dirigida ao Rei Ungido a quem Yahweh constitui sobre o Seu santo
monte Sião (SI 2.6-8); a outra dirigida ao

192 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


Servo a quem o SENHOR faz mediador da aliança e luz para os gentios (cf.
a Leitura do Antigo Testamento).
Sugestão de tema:

FOMOS BATIZADOS COM CRISTO


Acir Raymann

SEGUNDO DOMINGO APÔS EPIFANIA


João 2.1-11 20
de Janeiro de 1991
O contexto
Após apresentar o personagem central do seu Evangelho, "o Verbo
que se tornou carne" (1.14) e após haver relatado o testemunho de João
Batista a seu respeito e a escolha dos primeiros discípulos, o evangelista
João apressa-se em provar que Jesus "é o Cristo, o Filho de Deus" a fim de
que as pessoas crescem nele, fato que constitui o objetivo de seu
Evangelho (20.31). "Incredulidade" e "fé" é o tema que perpassa o Evan-
gelho de João. Incredulidade e rejeição de um lado, por parte das
autoridades, escribas, sacerdotes, fariseus e saduceus, e de outro lado fé da
parte dos discípulos e de um segmento do povo. A tónica do Evangelho de
João em torno da questão "crer" e "não crer" em Jesus, pode ser constatada
ao se consultar a "Concordância Bíblica". Neste Evangelho existem quase
tantas referências do verbo "crer" quanto nos demais livros do Novo
Testamento juntos.

O texto
As palavras de Jesus "Mulher, que tenho eu contigo" (v. 4) parecem
ser ásperas. Não conhecemos, porém, o tom com, que foram proferidas.
Provavelmente com ternura. A mesma expressão "Mulher" Jesus usou na
cruz, ao dirigir-se a Maria, dizendo-lhe que o apóstolo João passaria a ser
considerado seu filho (19.26). O que Jesus quis em Cana, foi desfazer
qualquer impressão como se ele precisasse receber ordens ou diretrizes de
seres humanos, nem mesmo de sua mãe. Ele somente cumpria

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 193


ordens de seu Pai celeste, fato muitas vezes mencionado por João
(1.9,36; 10.18,25,38; 12.49,50; 14.24,31; 18.11).
Quanto à observação segundo a qual o motivo que levou Jesus a
fazer o primeiro sinal ter sido irrelevante, podemos dizer que, conforme
alguns autores, no Oriente, a reciprocidade era um elemento de grande
importância. Era permitido processar uma pessoa se não levasse um
presente para os noivos. Mas isto significava também que, no caso de faltar
alimento e/ou bebida, o noivo e sua família podiam ver-se em apuros com
a justiça. Não tratava-se, pois, em Cana, de um simples embaraço social.
Diante deste fato, o vinho feito por Jesus, cresce em importância.
Com este sinal Jesus "manifestou a sua glória" (v. 11). A ênfase
está no "dar". Em favor de pessoas humanas que se encontram numa
situação embaraçosa, é que Jesus se manifesta solidário e compassivo.
Jesus sempre encontra o ser humano em suas dificuldades e providencia a
melhor saída (vv. 3.10). Em Cana a solução foi a melhor possível, tanto em
qualidade (v. 6) como em quantidade (v. 10). Diríamos, em linguagem
popular, que Jesus fez vinho "para ninguém botar defeito".
A manifestação da glória de Jesus por este sinal (v. 11) consiste,
acima de tudo, na demonstração de seu propósito de salvar o pecador.
Toda a humanação de Cristo e tudo o que realizou como substituto dos
pecadores, manifesta a sua glória (Rra 3.22-24) a qual será revelada em sua
total significação na bcm-aventurança.
A perícope termina com as palavras: "E seus discípulos creram
nele" (v. 11). Os discípulos estavam ali, com Jesus, porque haviam
reconhecido, mesmo sem terem visto um sinal, que Jesus era o Cristo. No
casamento em Cana, esta fé foi fortalecida, "ele, de fato, é o Messias"! A
fé precisa desta realimenta-ção. Sempre que ouvimos, na Escritura, a
respeito da atuação de Jesus, (tudo o que ele realizou foi em favor da
salvação dos pecadores), nossa fé recebe nutrimento.
Disposição
Em Cana da Galileia Jesus inicia a fazer sinais.

Através deste fato


I — A sua glória é manifestada.
II — Os seus discípulos são fortalecidos na fé.
Christiano Joaquim Steyer

194 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


TERCEIRO DOMINGO APÓS EPIFANIA
Mateus 20.1-16
27 de Janeiro de 1991
Para a correta compreensão da parábola dos trabalhadores na vinha,
é preciso analisar o contexto (Mt 19.16-30). A aparente preocupação do
jovem rico era a vida eterna (Mt 19.16). Na verdade julgava-se perfeito e
portanto merecedor da vida eterna. Chega a desafiar a Jesus, "que me falta
ainda?" (Mt 19.20). Jesus aceita o desafio, e aponta-lhe sua imperfeição
(Mt 19.21,22).
O comentário adicional de Jesus deixa os discípulos perturbados
(Mt 19.23-26). O entrar no reino dos céus parecia-lhes difícil (Mt 19.25).
Preocupam-se assim com a própria salvação. Lembram que eles haviam
aceito o chamado de Jesus (Mt 4.19). Chegaram a abandonar sua profissão,
seus barcos, suas redes, para seguirem o Mestre. A dúvida de Pedro, "que
será, pois, de nós?" (Mt 19.27) é muito semelhante a do jovem rico, "que
me falta ainda?". Jesus dá sua resposta em Mt 19.28-30. E para ilustrar a
questão do reino dos céus, como "alcançar a vida eterna?" Jesus conta a
parábola dos trabalhadores na vinha.
Convém esclarecer que esta parábola não pode ser citada como
fonte bíblica para o estabelecimento de leis salariais, jornada de trabalho
ou relacionamento entre patrão e empregado, pelo simples fato de não
tratar destes assuntos sociais.
Também convém lembrar que a Judeia estava sob o domínio
romano. E os discípulos estavam imbuídos do espírito nacionalista da
época. Todos ansiavam pela restauração do trono davídico. Os judeus não
admitiam o domínio estrangeiro, julgavam-se superiores aos, demais povos,
por serem o povo eleito de Deus. Assim também no que dizia respeito a
entrada no reino dos céus, julgavam-se com prioridade e maiores direitos
que os gentios. Não que simplesmente excluíssem os gentios, pois
permitiam-lhes a circuncisão, mas por serem "descendentes de Abraão"
exigiam privilégios e sobretudo merecedores pelo cumprimento da lei. A
parábola é assim um esclarecimento quanto a este pensamento egoísta. Daí
a ênfase de Jesus, "os últimos serão primeiros, e os primeiros serão
últimos" (Mt 20.16 le Mt 19.30).
Afinal Deus é o dono da casa. Ele estabelece as leis. É época da
colheita. Está preocupado com sua vinha. O mundo precisa ser salvo. O
mundo precisa ouvir o evangelho. A colheita não pode esperar. Por isto
ele sai de madrugada para

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 195


contratar trabalhadores. Já em pleno jardim do Éden, Deus anunciou a
vinda do Messias (Gn 3.15). E o empenho pela contratação de
trabalhadores constatamos através de toda a Escritura (Is 6.8; Jr 7.25; Mt
28.19,20; At 1.8). A contratação de trabalhadores tem por objetivo fazer a
colheita na vinha. Não há tempo a perder. Até a undécima hora o dono da
casa sai ainda a contratar trabalhadores. O trabalho missionário deve ser
mantido e intensificado até o soar da última trombeta, anunciando o ocaso
do dia, do juízo final (Mt 16.18; 1 Ts 4.16). O empenho de Deus para com
a sua vinha é total (1 Tm 2.3,4; Tt 2.11).
O fato de alguns murmurarem do pagamento igual a todos os
trabalhadores indistintamente, apesar de serem contratados em horas
diferentes, refere-se justamente contra o pensamento erróneo de
merecimento pessoal para entrar no reino dos céus. O texto ataca a inveja e
o ciúme dos judeus em serem igualados aos gentios na entrada do reino
dos céus. Os gentios, para os judeus, diríamos hoje, seriam "reservistas de
segunda a terceira categoria". É a mesma inveja do irmão mais velho do
filho pródigo, quando este foi perdoado pelo pai e aceito novamente na
família (Lc 15.25-32). No entanto todos são considerados iguais na entrada
para o reino dos céus. Não há distinção de raças ou povos. Deus não faz
discriminação. Independe de alguém ser contratado (convertido) nas
primeiras horas do dia {infância), ou na undécima hora (no ocaso da vida)
como o malfeitor na cruz (Lc 23.40-43). A entrada no reino dos céus, a
salvação, não depende do número de anos, dias ou horas, mas do fato de
ser contratado (convertido) pelo dono da casa (Deus triúno). Uma vez que
todo contrato depende da misericórdia, da compaixão, do amor do dono da
casa para com os trabalhadores.
Sugestão.

Como alcançar o reino dos céus

1. Não por méritos próprios


2. Mas pela graça e misericórdia de Deus.
Walter O. Steyer

196 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


QUARTO DOMINGO APÓS EPIFANIA
Lucas 8.4-15
03 de Fevereiro de 1991
Assunto
As leituras do dia deixam claro o tema do domingo: a semeadura da
palavra e qual a reação do solo diante da mesma. O Salmo 126 lembra que
todo o esforço e as dificuldades encontradas durante a semeadura, serão
suplantados pela alegria e o júbilo da colheita (V. 5, 6). A Palavra do
Senhor não voltará vazia (Is 55.10,11). Um planta, outro rega, mas o
crescimento vem de Deus (l9 Co 3.6). Amos (8.11,12), por sua vez, adverte
sobre a fome da Palavra, quando muitos sentirão necessidade de ouvi-la,
sairão à sua procura, mas ela já não será mais encontrada (Cf. Ez 7.26 e
20.3). O próprio Jesus quis reunir o povo de então para anunciar-lhes a
Palavra, mas eles não quiseram (Mt 23.37). O texto de Hebreus 4.12,13,
afirma que a Palavra de Deus é viva e extremamente eficaz (Cf. Jr 23.29) e
diante dela, nada ficará oculto. Ela é poder de Deus (Rm 1.16) e pode tor-
nar o homem sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus (2? Tm 3.15).
Contexto

A parábola do semeador, também registrada em Mt 13.1-23 e Mc


4.1-20, aparece nestes evangelhos com um contexto diferente, ou seja,
inserida num bloco de parábolas. Em Lucas, o contexto está intimamente
relacionado com o texto, especialmente no que se refere ao tema: a
Palavra. O versículo 18 alerta: "vede, pois, como ouvis" (Cf. V. 8 e 12-15).
E Jesus lembra que seus irmãos são os que ouvem a Palavra de Deus e a
praticam (V. 21). Foi por meio da palavra que Jesus acalmou a tempestade
no lago (V. 24, Mc 4.39); expulsou o espírito imundo (V. 29) e curou a
filha de Jairo (V. 54). Convém ainda ressaltar, que os doze foram
convocados e enviados por Jesus para pregar o reino de Deus (Lc 9.1,2),
ou seja, a Palavra.
Texto
A fama de Jesus tinha se espalhado tão rapidamente que pessoas de
todas as cidades e povoados vinham ter com ele (Lc 8.4). Desta feita, eles
o encontram à beira mar (Mt 13.1) e Jesus utiliza um barco como púlpito
(Mt 13.2 e Mc 4.1) a fim de alcançar a todos com sua mensagem.

197
IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990
Jesus fala sobre os mistérios do Reino de Deus por meio de uma
parábola, a do semeador. A comparação apresenta quatro tipos de solo e
como estes reagem à semente, à Palavra de Deus (Lc 8.11). O primeiro
tipo de solo são aqueles ouvintes que estão à beira do caminho, são
ouvintes somente. Não há nenhuma oportunidade de a Palavra iniciar uma
influência salvífica neste caso. A semente foi lançada no coração, mas
antes que os ouvintes possam crer e ser salvos, o diabo arrebata-lhes do
coração a palavra.
O segundo, são todos aqueles ouvintes que têm apenas uma capa,
uma cobertura superficial de cristianismo. Para estes, a religião é um mero
incidente em suas vidas, são capazes de mudar sua confissão (de fé) assim
como mudam suas roupas. Não há um conhecimento doutrinário profundo
e suas raízes não estão firmemente ligadas à Escritura.
O terceiro, são aqueles ouvintes em cujos corações a semente
encontra um lugar próprio e adequado para se instalar. Porém, a
preocupação com as riquezas e os prazeres da vida, os sufocam, não
permitindo que sua fé "preocupada" produza frutos maduros.
Gradativamente, o amor ao dinheiro e aos prazeres do mundo vão se
instalando, até que a última centelha de fé seja extinguida, de forma quase
imperceptível.
Somente o quarto e último grupo de ouvintes, cujos corações foram
devidamente preparados pela pregação da lei, recebe a semente
adequadamente. A palavra que ouviram, eles a retiveram em seus corações
e a ela se apegaram firmemente e desta forma puderam produzir frutos
agradáveis a Deus, com perseverança.
Como o próprio Jesus explica (V. 9-15), o Reino de Deus não vem
a este mundo de uma forma espetacular, mas vem numa palavra simples e
frágil, que pode ser pisada e devorada (V. 5), queimada (Mt 13.6; V. 6) e
ainda, sufocada (V. 7). Mas este "fracasso" da palavra indica que o
problema está no solo, e não no semeador, ou mesmo na semente. O
homem é responsável quando confrontado com a Palavra de Deus e
culpado quando deixa de aceitá-la. Contudo, há um aviso muito claro no
fim desta parábola "quem tem ouvidos para ouvir, ouça" (V. 8) (Cf. Mt
22.4,6 e 23.37; At 7.51).

Disposição

O texto, de certa forma, favorece uma disposição natural, quando


fala dos quatro tipos de solo e a reação do mesmo em

198 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


relação à semente que foi semeada. Uma sugestão de tema poderia ser:
QUE TIPO DE SOLO TEMOS SIDO.
Ely Prieto

A TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR
ÚLTIMO DOMINGO APÓS EPIFANIA ■

Lucas 9.28-36
10 de Fevereiro de 1991
Leituras

A leitura do salmo desta festa cristã descreve a alegria e felicidade


do crente quando presente ao tabernáculo, que era uma tenda, quando o
salmo foi escrito. A casa de Deus é comparada ao ninho que acolhe os
filhotes, ao manacial que sacia a sede, à porta que abriga o morador e o
visitante, e acentua a bênção da presença do crente junto a Deus. A leitura
do AT igualmente enfatiza o alto valor do sangue expiador que sela a
aliança de Deus com os que viram a sua face e desfrutam de sua glória. Na
Epístola, o apóstolo Pedro, testemunha ocular da majestade de Deus,
lembra a transfiguração que vivenciou, e como Jesus recebe do Pai honra e
glória, repetindo a frase: "Este é o meu Filho amado..."

Texto
Vs. 28-31 — A doutrina bíblica da divindade de Cristo expõe
claramente o fato de que Deus só pode ser achado em Cristo, e que não se
encontra necessariamente com o homem em tabernáculos, templos ou
montes santos. Esta última é uma visão bitolada e até mesmo supersticiosa
de como encontrar-se com Deus. A busca do homem sempre será vã e
enganosa. É Deus quem prepara a cena e é ele quem promove o encontro.
"O propósito de orar" foi cumprido com sobras, pois o encontro de Jesus e
seus discípulos com dois personagens cúlticos do AT veio confirmar a sua
divindade na presença de testemunhas: Moisés, no monte Sinai, recebeu os
Dez Mandamentos e viu a glória de Deus "como quem vê aquele que é
invisível" (Hb 11.27);

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


199
Elias, no monte Carmelo, edificou um altar e desceu fogo do céu para
confirmar o seu sacrifício.
"A aparência do seu rosto se transfigurou" — O rosto de Jesus
assumiu um brilho celestial que não se pode definir em linguagem humana,
mas que o identificou com a pessoa de Deus (cf. Ap 1.13 ss). A plenitude
da divindade que habitava corporalmente em Cristo (Cl 2.9) brilhou nessa
hora através dè sua natureza humana. "Falaram de sua partida" — o corpo
glorioso da ressurreição, presente em Moisés e Elias, foi tema de conversa,
provando a ressurreição de Cristo e a de todos os crentes. Moisés e Elias
representavam a lei e os profetas, respectivamente, e havia uma tradição
entre os judeus de que ambos apareceriam nos dias do Messias. Entregam
nas mãos de Jesus os ofícios e o poder que exerceram como seus
predecessores e protótipos. Cristo passa a ser reconhecido pelos discípulos
como o fim da lei e o principal tema das profecias proféticas. Na morte de
Jesus, assunto do encontro, cumprir-se-iam todos os ritos, cerimónias e
sacrifícios da lei, bem como as predições dos profetas. A sua morte teria
um cunho especial, no que tange à sua natureza, circunstâncias e
necessidade. Era um êxodo, termo usado uo original, significando uma
nova e final libertação do seu povo escolhido.
Vs. 32-33 — Lucas destaca o confronto entre o estado de
sonolência dos discípulos com sua lucidez ao assistirem, à transfiguração.
Não foi sonho ou fantasia, mas o olho físico e atento das testemunhas
comprova o fato. Eles viram a glória de Cristo e de seus dois convidados.
Da sensação de temor inicial passam à de felicidade, a ponto de Pedro
propor que a cena se prolongasse e, expressando que "bom" era estar ali,
deseja construir três tendas. Há intérpretes que vêem nestas três tendas os
três ofícios de Cristo que vêm habitar entre os homens: a presença
profética, a missão sacerdotal e a glória real de Jesus, o Messias e Ungido.
Há também uma confirmação da íntima unidade do Antigo e Novo
Testamentos: os representantes do AT vêm para consagrar o Messias que
anunciaram, e sua morte redentora. Tudo está por se cumprir.
"Bom é estarmos aqui!" — Pedro tem aqui um arroubo sentimental
que um humano pode ter quando desfruta antecipadamente uma grande
alegria espiritual. Renegando o mundo, ele se satisfaz na companhia do
Salvador e de seus eleitos, um antegozo da felicidade celeste.
Vs. 34-36 — Uma nuvem: símbolo da graciosa presença de Deus
(Ex 40.34) e idêntica à nuvem que encobriu Cristo na sua ascensão e à que
envolverá o Senhor Jesus na sua segunda vinda (Mt 24.30). Tinha a função
de separar os discípulos da visão momentânea de Cristo, e ao mesmo
tempo de separá-los do

200 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


mundo profano. Esta experiência os encheu de medo, que resultou dessa
aproximação da glória do Filho de Deus.
Uma voz: A primeira "voz" que se fez ouvir no NT foi a de João
Batista, rejeitada pelos líderes da igreja judaica. A oportunidade se renova,
e os três discípulos representam a ekkleesía, os que são chamados e
escolhidos como testemunhas dessa afirmação messiânica.
"Ouvi": o "shemá" (ouve!) da confissão de fé do povo do AT,
registrado em Dt 6.4, se repete com a identificação do Filho humanado
deste único Senhor, o Messias e Cristo. É um atestado divino da
obediência devida à voz e à palavra de Deus que se tornou audível e se
humanou em Cristo.
"A ninguém contaram": É uma referência estranha, por esperar-se
que todos deveriam ficar sabendo da revelação que haviam recebido. As
pessoas e os outros discípulos não estavam ainda preparados para aceitar
essa revelação, que certamente causaria inveja, dúvidas ou esperanças
terrenas entre eles. 0 objetivo desta experiência foi o de atrelar esses três
discípulos as realidades sobreterrenas, para depois permitir que descessem
com segurança aos meandros da tentação e dos perigos que os envolveriam
como testemunhas do Salvador.

Disposição Homilética
Mestre, bom é estarmos aqui!
1. Para que vejamos a tua glória
2. Para que louvemos o teu nome
3. Para que façamos a tua vontade.
Na transfiguração do Senhor, seus crentes devem reconhecer:
1. A unidade e conexão da antiga e da nova aliança de Deus
2. A presença, entre eles, dos reinos da graça e da glória
3. Seu corpo terreno e a glória a ser neles revelada.
Elmer Flor

QUARTA-FEIRA DE CINZAS
Mateus 11.20-30
13 de Fevereiro de 1991
Observação: O sincretismo religioso é uma triste realidade em nosso
país. Qualquer pregador que se levanta con-

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 201


segue seguidores. A realidade do povo de Deus parece ser
outra. Os membros da igreja lutam contra o desânimo e
contra a paralisação de sua vida espiritual. O que falta?
Ouvir e seguir a mensagem do Reino de Deus. Quem tem
ouvidos ouça.
O texto: O texto corrige uma concepção errónea a respeito do Reino
de Deus (cf. Mt 11.12-14) e fala sobre a missão de Jesus Cristo.
Encontramos uma mensagem de juizo e perdão. A primeira parte do texto
(V. 20-24) se dirige contra uma geração incrédula. A segunda parte (V. 25-
30) revela quem é Jesus Cristo e porque ele chama, com autoridade, todo
homem ao arrependimento.
A mensagem dos versiculos 20-24 contém uma advertência contra a
incredulidade ou crença falsa. Não aceitar a mensagem do Reino de Deus
significa estar sob o juízo divino (cf. Mt 10.15). Jesus repreende os
moradores das cidades de Corazim e de Betsaida. Sua autoridade o legitima
a levantar a sua acusação porém ninguém o ouviu e não houve
arrependimento. Todos aqueles que ouviram a sua mensagem sobre o
Reino de Deus não quiseram voltar a Deus. Isto é sério. Tão sério, que
Jesus exclama o seu "Ai de ti" como grito de alerta àqueles que não
reparam que o momento mais importante em suas vidas passa como se não
tivesse acontecido nada. É um grito de dor. Jesus se contorce sob o impacto
de uma dor que sente no seu coração, pois os moradores das cidades não
souberam aproveitar a ocasião. Sua decisão foi fatal. Deixaram sair o Filho
de Deus de seu círculo vivencial sem dar a mínima atenção a ele. Não
querer ouvir a voz de Jesus significa não querer atender a convocação do
próprio Deus. O "Ai de ti" vale para todo aquele que tenta usurpar as coisas
do Reino de Deus e que não sabe lidar com os ensinamentos do Reino de
Deus. O "Ai de ti" vale para o homem que se fecha para com a palavra de
Deus, seguindo sua vida com um coração endurecido (cf. Mt 13.20ss). Os
líderes do povo de Deus deveriam dar maior atenção a esta advertência,
pois muitos líderes fazem suas próprias regras espirituais e não atendem às
exigências da mensagem do Reino de Deus (cf. Mt 18.7b, 23.13-16,23,25
etc).
A acusação de Jesus se torna mais grave ainda levando em
consideração que ele, em pessoa, manifestou o poder de Deus (cf. V. 21 e
23). A palavra e a ação de Jesus testemunham contra aquele que assistiu a
sua vida e obra e se fechou para com ele. Quem rejeita a palavra de Jesus
rejeita o próprio Deus (cf. V. 25-27). Somente esta palavra é capaz de
conduzir ao arrependimento verdadeiro e sincero. É esta palavra que
recon-

202 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


duz ao pai que está nos céus. Esta palavra revela o mistério do Reino de
Deus e oferece ao homem o que ele necessita para poder viver uma vida
espiritual autêntica.
Os versículos 25-30 transmitem uma mensagem de compreensão,
amor e perdão. Fala o salvador do mundo. Seu carinhoso convite "Vinde a
mim" fala por si. É o verdadeiro pastor que aqui fala. Seu convite sinaliza
um "basta" a toda fuga e auto-justificação do homem perante Deus. Todos
aqueles que se cansaram em sua busca e encontraram somente a voz
humana, voz esta que se evidencia no legalismo e entusiasmo, deveriam
ouvir atentamente a voz divina que transparece nas palavras de Jesus.
Aceitar a mensagem do Reino de Deus significa receber o atendimento do
autor da vida. Ele não permitirá que se esmague "a cana quebrada, nem
apagará a torcida que fumega" (cf. Is 42.3). O amor do Pai está presente no
Filho. Ele libertará do jugo do pecado e oferecerá, sempre de novo, o
descanso às pessoas perturbadas. Suas promessas foram cumpridas sempre.
Arrepender-se e voltar a Deus significa abandonar, de fato, os egoísmos
humanos que escravizam. A obediência para com a mensagem do Reino de
Deus e a confiança em tudo o que Jesus ensina significa carregar um outro
jugo, pois este é muito mais leve do que as cargas procedentes da
religiosidade do homem. Voltar a Deus significa conhecer a Deus, se
relacionar com ele por intermédio de Jesus Cristo e viver uma nova vida.

Esboço: Jesus anuncia a presença do Reino de Deus

— ele repreende os que o rejeitam


— ele conduz ao arrependimento verdadeiro
— ele fortalece aqueles que vacilam.

Hans Horsch

PRIMEIRO DOMINGO NA QUARESMA


Mateus 4.1-11
17 de Fevereiro de 1991
1. Mateus 4.1-11 é perícope tradicional para este domingo. É lida
neste domingo há mais ou menos 1600 anos. (A leitura da epístola foi
revisada, ou seja, 2 Co 6.1-10 foi substituída por Hb 4.14-16.)

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 203


2.0 "então" (v. 1) liga a narrativa ao contexto anterior. Quem está
sendo tentado é o Filho de Deus, apresentado ou "ordenado" no batismo.
3. A tentação de Jesus é a primeira batalha no caminho da cruz.
Não foi um acidente na vida de Cristo, mas parte do propósito salvífico.
Ele foi levado ao deserto pelo Espírito.
4. O tentador (v. 3) é também o diabo ("o caluniador", v. 1, 5, 8,
11) e Satanás ("adversário", v. 10).
5. Pode-se perguntar o que significa o título "Filho de Deus"
quando pronunciado pelo diabo. O teor das tentações mostra que não se
pode deixar de pensar também, em Israel e no Messias (conferir Êx 4.22, Jr
31.9, Os 11.1). Jesus está sendo tentado na qualidade de Messias de Israel.
6. "As tentações de Jesus recapitulam, na Sua vida individual de
Filho de Deus, as tentações de Israel na sua vida corpórea de filho de Deus.
As três formas da tentação focalizam as três áreas de vida que eram vitais
para Israel como o povo peregrino da aliança buscando a terra prometida:
sustento, proteção e tudo quanto a terra simbolizava em termos de prosperi-
dade e segurança. Ao rejeitar as tentações, Jesus comprovou ser o
verdadeiro Filho de Deus, porque não somente as rejeitou como também o
fez mediante um apelo à Palavra de Deus. Enfim, vivia de conformidade
com a Palavra de Deus (cf. Mt 4.4 com 5.17-18). Foi precisamente neste
ponto que Israel fracassara (cf. Mt 15.7 segs. com Is 29.13)."
(SCHNEIDER, W..e BROWN, C. "Tentar", NDITNT IV: 596).
7. Os três episódios de tentação aparecem em Mateus e Lucas. Em
João há paralelos a cada uma das tentações, como segue: Mt 4.3 — Jo 6.31;
Mt 4.6 — Jo 7.3,4; Mt 4.9 — Jo 6.15. Isto mostra que as tentações
voltaram ao longo de seu ministério.
8. As tentações parecem uma controvérsia teológica, onde não
faltam citações da Escritura. Quanto às citações, Martin Franzmann
observa: "Em Mateus, as citações do Antigo Testamento são em geral
bastante breves. Parece, no entanto, que sugerem (a leitores imersos no
Antigo Testamento) um contexto mais amplo. Portanto, é bom abrir o
Antigo Testamento e ler as citações de Mateus em seu contexto original."
(Concórdia Self-Study Commentary, p. 13).
9. Os demais textos para esse domingo (SI 91.9-16; Gn
3.1-19; Hb 4.14-16) ajudam a estabelecer um contexto teológico
e litúrgico favorável ao tratamento homilético do evangelho.
10). "Cristo, cabeça da igreja, continua a ser tentado em nós, seus
membros". Estão aí as tentações do sustento ou da satisfação de
necessidades corporais, da proteção em dificuldades, da riqueza e do
poder. Somente filhos de Deus em Cristo

204 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


são tentados. Isto, no entanto, não deveria levar o pregador a se concentrar
num "como nós podemos vencer a tentação", pois a ênfase do texto é
"como Jesus venceu as tentações em nosso lugar e a nosso favor".

Tema: JESUS, VITORIOSO SOBRE AS TENTAÇÕES


Vilson Scholz
■ -

SEGUNDO DOMINGO NA QUARESMA


Marcos 12.1-12
24 de Fevereiro de 1991
A. Assunto Geral

A parábola dos lavradores maus reflete os motivos da quaresma. É


um tempo de arrependimento, e uma reflexão a respeito da verdadeira
causa da morte de Jesus. Os lavradores maus mataram o filho.

B. Contexto
Jesus usou muitas parábolas para as suas pregações. São histórias
da vida comum que servem como ilustrações para uma verdade espiritual.
Às vezes a forma é de pequenas semelhanças, de comparações, de
analogias ou de provérbios em uso. Geralmente têm um ponto específico
de importância. Muitas vezes os detalhes não são dados com um
significado especial. Os sinóticos dão umas 30 parábolas, enquanto que
João apresenta outras figuras de linguagem. Algumas parábolas escondiam
verdades dos que não criam em Jesus, incentivando os discípulos a pes-
quisarem melhor o seu sentido (Lc 8.9).

C. Texto

A parábola "dos lavradores maus" é um tanto complexa e se situa


bem na Galileia do primeiro século. Havia grandes fazendas, cujos
proprietários estavam ausentes. Agricultores locais cultivavam a terra
como arrendatários. A parábola mostra a intenção dos agricultores de se
tornarem indevidamente posseiros. Uma lei judaica permitia que uma terra
não reclamada poderia ser declarada "sem dono". Posseiros poderiam
exigi-la

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 205


para si mesmos, criando sua autonomia. Esta autonomia ilegítima do povo
de seu Deus é o ponto em questão.
Vv. 1-5 — Os arrendatários são os judeus, como eles bem
entenderam no v. 1.2. Deus havia escolhido o povo de Israel como sua
propriedade peculiar (Is 5.1-2). Havia uma aliança: Eu sou teu Deus; tu és
meu povo. Deus espera que esta sua propriedade dê frutos: que deixem
Deus ser Deus, e que vivam como povo de Deus para produzir os frutos do
Espírito. Deus queria colher os frutos. Os enviados para colher eram os
profetas do AT que, no entanto, foram mal recebidos, perseguidos e
mortos. Israel queria sua autonomia de Deus.
Vv. 6-11 — O filho do dono é o Messias/Cristo. Jesus veio para
colher os frutos das "ovelhas perdidas da casa de Israel" (Mt 15.24). O
programa de Jesus era salvar o seu povo. Mas ele "veio para o que era seu,
e os seus não o receberam" (Jo 1.11). Os arrendatários não respeitaram
nem o Filho e o mataram também. — Jesus está acusando os que não
creram nele e prediz o que lhe irá acontecer, preparando a sua paixão e
morte. Mas mostra que está no comando da situação. Esta rejeição estava
prevista (SI 118.22-23). A rejeição dos judeus e a morte de Cristo vai
beneficiar "outros", o mundo todo: vai dar a propriedade aos gentios que se
tornam seu povo. A pedra rejeitada torna-se a pedra angular da igreja toda.
Cristo é o Senhor. A autonomia dos arrendatários os leva à desgraça total,
pois Deus não perde a sua propriedade. Ele a salva pela morte de seu Filho.
V. 12 — Inicia a paixão de Jesus. Querem matá-lo. Mas ainda não
era chegada a sua hora. Ninguém o prende, nem lhe tira a vida. É imortal,
porque é sem pecado. Mas vai dar sua vida espontaneamente quando quer.
Os inimigos desistiram, porque Jesus não quis ainda. Pensando ter
autonomia não sabem que dependem exclusivamente do Senhor da vinha
(Ex 19.5). Outros, todos nós, nos beneficiamos quando pela fé deixamos
Deus ser Deus.
D. Disposição
A quaresma nos prepara para a paixão de Jesus. Ê um tempo de
reflexão e arrependimento. Como está nosso trabalho na vinha? Vamos
nos espelhar na parábola dos lavradores maus.
Há duas maneiras de relação com o Senhor.
Os lavradores do Senhor
1. A autonomia dos lavradores leva o Filho à morte
a. A aliança com o Senhor: Eu sou teu Deus; tu és meu povo.

206 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


b. A desobediência do povo leva o Filho à morte: Ele
é o único herdeiro legítimo. Ele é o Fiel à aliança.
c. Cristo morre por causa da autonomia dos lavradores
infiéis.
2. A morte do Filho se torna bênção para outros lavradores
a. Cristo assume o povo de Deus: como Fiel cumpre a
aliança.
b. Sua morte resgata o povo para Deus: foi desprezado
e morre pelo povo. Sua fidelidade salva.
c. Sua ressurreição está prevista: a pedra rejeitada se
torna base para toda a igreja; isto procede do Senhor
(v. 11).
— Cristo chama novos lavradores
— Cristo cumpre a nova aliança
— Vamos dar os frutos do Espírito em arrependimento e
fé.

Martim C. Warth

TERCEIRO DOMINGO NA QUARESMA


Lucas 9.51-62
3 de Março de 1991
O contexto

Até Lc 9.50 Lucas ocupa-se principalmente em descrever o


ministério de Jesus na Galileia. A partir da presente perícope até Lc 19.44,
o autor relata fatos e ensinamentos de Jesus ocorridos em sua jornada para
Jerusalém. Para alguns comentaristas ainda não se trata aqui da última
viagem de Jesus para aquela cidade. Os demais evangelhos silenciam a
respeito da maior parte desta matéria.
A transfiguração (9.28-36) foi o acontecimento mais marcante na
Galileia. Sucedeu uma semana após os discípulos haverem declarado ser
Jesus "o Cristo de Deus" (v. 20). Agora Jesus está para ir a Jerusalém,
cumprindo o plano divino para salvar os pecadores. Nos vv. 44 e 45 ele
prediz a sua morte. Foi para isto que havia assumido a natureza humana.

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 207


O texto
Da Galileia o caminho mais perto a Jerusalém passava pela
Samaria. Os samaritanos tinham seu próprio local de culto, situado no
monte Gerizim e por isto eram hostis com quem fosse adorar em
Jerusalém. Pelo fato de não receberem a Jesus, perderam a oportunidade de
encontrar-se com o Messias, a quem também eles aguardavam (Jo 4.25).
A atitude de Tiago e João foi a de reagir com violência contra os
moradores da aldeia de samaritanos (v. 54). Como é difícil aprender a ser
tolerante! Ainda há pouco Jesus havia ministrado uma lição de tolerância
(vv. 49, 50), no entanto, na primeira ocasião em que era preciso aplicá-la,
os discípulos fracassam. Exatamente o que Jesus afirmou de si mesmo, é
preciso que também os cristãos o digam, que não estão aqui para destruir as
almas das pessoas mas para salvá-las (v. 56).
Nos vv. 55 e 56 Jesus não está falando contra a pregação da lei. As
palavras precisam ser consideradas, dentro do seu contexto. Na aldeia dos
samaritanos não houve reiterada rejeição do evangelho. Quando isto
ocorre, o próprio Salvador anuncia o juízo, o que acontece mais adiante em
10.13-15 (confira também Mt 11.21; 24.2; Lc 13.34,35). A graça de Deus
não é irresistível.
Se a primeira parte da perícope (vv. 51-56) relata um episódio no
qual Jesus foi rejeitado, a segunda parte nos conduz a três pessoas
interessadas em segui-lo. O ensinamento que se pode tirar destes três
episódios é que seguir a Jesus implica em deixar de lado interesses
próprios e descomprometer-se com o mundo.
No primeiro caso (vv. 57, 58) Jesus chama a atenção à condição de
penúria em que ele próprio se encontrava. Até animais como raposas e
pássaros, não cuidados pelos homens, possuem seus abrigos. Jesus não o
possuía. Quem pretende seguir a Jesus precisa estar disposto a suportar as
privações que este passo acarretar. O cristão considera-se um estrangeiro
no mundo (Hb 11.13; 13.14; 1 Co 4.11). Em compensação, aguarda-o um
lar eterno, no céu (Jo 14.2).
A uma outra pessoa Jesus estendeu o convite para que o seguisse
(vv. 59, 60). Ela, porém, pediu para primeiro sepultar a seu pai,
provavelmente idoso ou com uma doença terminal. Jesus lhe disse que
segui-lo é tão urgente que até mesmo os laços familiares mais íntimos não
devem causar adiamentos. Aquele homem calculou como se o pai morresse
antes dele. E se ele morresse antes do pai? Seguir a Jesus é assunto de
agora (Lc 14.15-24).

208 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


Uma terceira pessoa, querendo seguir a Jesus, pretendia primeiro
despedir-se dos de sua casa (vv. 61, 62). Provavelmente havia muitas
coisas que atraíam este homem ao ambiente em que vivia. Jesus conhecia o
que se passava no íntimo desta pessoa e o ilustra através de um. ditado. É
como se alguém estivesse lavrando. É impossível fazer um bom trabalho
manejando o arado e ao mesmo tempo olhando para trás. O particípio pre-
sente indica que se trata de um olhar constante para trás, não apenas de
uma olhada ocasional. Os seguidores de Jesus não podem ser distraídos por
coisas que os afastam de sua devoção e das tarefas no reino de Deus. Não
se pode servir a dois senhores (Mt 6.24).
Se for assim quem poderá seguir a Jesus? A fé faz a diferença. Pela
fé, nossas imperfeições no seguir a Jesus, não são tomadas em conta.
Somos seus filhos queridos que recebem sua graça que sempre é maior do
que os pecados. Este fato nos anima a segui-lo sempre melhor.
Disposição
Seguir a Jesus implica em
I — Ter paciência visando ganhar o mais fraco (vv. 51-56)
II — Comprometer-se por inteiro com os assuntos do reino de Deus
(vv. 57-62).

Christiano Joaquim Steyer


QUARTO DOMINGO NA QUARESMA


João 6.1-15
10 de Março de 1991
Excetuando a narrativa da Ressurreição, a multiplicação dos pães é
o único milagre que se acha registrado tanto nos sinóticos quanto em São
João. A narrativa apresenta Cristo como Aquele que supre as necessidades
humanas ao mesmo tempo em que arma o cenário para o Seu climiático
testemunho: "Eu sou o pão da vida" (vers. 35).
A expressão "depois destas coisas" refere-se à cura do homem
enfermo no tanque de Betesda, em Jerusalém; Jesus decide passar,
juntamente com Seus discípulos, para o lado

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 209


oriental do Mar da Galileia ou Tiberíades. (No Antigo Testamento era
chamado Quinerete, devido à forma de "lira"; o nome "Tiberíades" origina-
se na importância que se dá à cidade de Tiberias, a oeste do lago, fundada
por Herodes Antipas em ca. de 20 AD, em homenagem a Tibério). Ali
Jesus sobe ao monte e senta-se com os discípulos. A multidão,
impressionada com os "sinais", semeia, (como São João sempre se refere
aos milagres), aproxima-se. A Páscoa está perto. Para a primeira (2.13) e a
terceira (11.55 ss) Jesus sobe a Jerusalém; para esta Ele permanece na
Galileia. Na próxima Ele será "levantado" da terra (3.14; 8.28; 12.32). A
memorável festa do Êxodo lembra Moisés, o profeta e libertador de Israel,
bem como a bênção diária do maná que caía do céu (cf. 6.31, 32, 49, 58).
A multidão que se aproxima aguarda e festeja a Páscoa, mas numa
perspectiva desfocada do seu significado original. O Messias esperado é
esvaziado de Sua missão transcendental e soteriológica. A preocupação
permanece na esfera do existencial em que a cura de enfermidades e o
saciar da fome demarcam o limite da esperança e da vida. Cristo preocupa-
se com as necessidades físicas do povo sim porque Ele é o SENHOR, o
Criador e Mantenedor do povo (cf. o Salmo de hoje; Mt 14.14). Jesus em
momento algum advoga uma retirada ascética do mundo. Ele é o grande
Médico (Mc 6.34; Lc 9.11) que nos supre diariamente de tudo quanto
necessitamos para o corpo e para a vida — e nos ensina a receber essas
dádivas com, ações de graças.
Mas, o objetivo de Jesus não é ser o maior curandeiro de todos os
tempos; nem tampouco ser o mais excelente padeiro de todas as eras. Esta,
entretanto, é a imagem que faz Dele a multidão ontem (vers. 2, 15; cf. vers.
26) e, por vezes, hoje (chama a atenção certos segmentos religiosos e
movimentos de "libertação" em nosso país).
Se a multidão tem uma perspectiva desvirtuada da Páscoa e do
Messias, os discípulos, naquele momento, não tinham uma melhor. Filipe,
que era da região (12.21), e que acreditava só no que via (14.8), se revela
um bom homem de negócio tratando a pergunta de Jesus superficialmente,
a nível de mercado público, porém concluindo que sua própria sugestão é
inadequada (cf. 4.8, 31-33).
O final desse episódio na realidade não ocorre no vers. 15 mas
envolve tecnicamente todo o capítulo 6. E é nessa projeção que devemos
entender São João. Como vimos, a narrativa visa, de forma climática,
mostrar Cristo como o pão vivo que desce do céu (vers. 35, 51) cuja carne
precisa ser comida e cujo sangue precisa ser bebido (vers. 53-56) — agora
espiritualmente; na Ceia do Senhor ou Eucaristia, oral e
sacramentalmente.

210 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


Esta perícope prefacia este clímax através do uso de termos com
duplo significado. (São João faz uso do duplo significado, p. ex., em 3.8
com o emprego de pneuma e pnéo, onde pneuma pode significar tanto
"vento" quanto "Espírito"; ou em 1.5, onde katélaben pode ser tanto
"prevalecer" quanto "compreender"). O milagre de Jesus está na paralela
com outro milagre que ocorre no Antigo Testamento, era 2 Rs 4.42-44.
Nesta perícope os pães de cevada, que são alimento de pobres (cf. Jz 7.13;
Ez 13.19), são chamados "pães das primícias", que Leví-tico 23.9ss.
conecta com a Páscoa. A mesma relação São João (ou Cristo) faz para
apontar Aquele que é o verdadeiro Pão pascal.
No vers. 11 Jesus "dá graças" pelo alimento. Numa antecipação
simbólica da Eucaristia o evangelista emprega o palavra eucharistesas (cf.
1 Co 11.24) ao invés do verbo eulogein, mais comum, e empregado pelos
sinóticos nesta perícope. Este pão, que vem do céu e que deve ser comido
espiritual e sacramental-mente, não pode ser obtido pela força, como quer a
multidão. O verbo harpázein (vers. 15) é bastante forte, pois significa
"raptar". Em Mt 11.12, p. ex., (cf. Lc 16.16) este verbo descreve o que os
homens violentos tentam fazer com o Reino de Deus. Nesta perícope
querem proceder da mesma forma comi o Rei. 0 Reino é um dom, não
sendo possível apropriar-se dele por meio da força ou violência, poder ou
riqueza. Só pode ser "comprado" sem dinheiro (cf. a Leitura do Antigo
Testamento). Da mesma forma o Rei é um presente de Deus (3.16), que a
Si mesmo se dá em benefício da humanidade. Por isso, Rei e Reino,
basilea (vers. 15) não são deste mundo (18.36). Na atitude da multidão está
camuflada, uma vez mais, a investida de Satanás para tentar demover o
Messias de Sua missão redemptiva e vicária para estabelecer o Seu Reino
não pela glória, mas pela cruz — pro nobis.

Sugestão de tema:

JESUS, O MESSIAS, NOS DÁ O PÃO


I — Que mantém a vida
II — Que nos leva à Vida.
Acir Raymann

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 211


QUINTO DOMINGO NA QUARESMA
Marcos 10.32-45
17 de Março de 1991
1) Assunto geral das perícopes: O salmista Davi pede a intervenção e a
intercessão do Senhor em favor dele: que ouça sua oração; não entre em
juízo com ele; que Deus lhe responda logo; que Deus não se esconda dele;
que Deus faça ouvir da sua graça; que lhe mostre o caminho a andar; que o
livre dos inimigos; que lhe ensine a fazer a vontade de Deus e que seja
guiado pelo bom Espírito. Moisés mostra-nos Abraão pedindo a Deus e
intercedendo em favor de Sodoma e Gomorra. O autor da epístola aos
Hebreus mostra que Jesus é O Mediador da nova aliança, o qual interveio
com a sua morte para remissão das transgressões, porque "sem
derramamento de sangue (de Cristo) não há remissão". E o evangelista
Marcos apresenta Jesus mesmo falando a seus discípulos, que ele próprio
seria entregue para sacrifício, seria morto, mas ressuscitaria depois de três
dias, intervindo para salvar, porque veio para servir. Apresenta ainda um
tipo de pedido ou intercessão inútil de Tiago e João.
2) Contexto: Jesus estava andando bastante e por muitos lugares e entrou
em contato com multidões, às quais ensinou. Foi abordado pelo jovem rico
e advertiu seus discípulos quanto ao perigo das riquezas. E, quando
caminhavam para Jerusalém, Jesus à frente e os discípulos seguindo-o
apreensivos, então lhes disse, em particular, o que lhe aconteceria em
Jerusalém: sua paixão, morte e ressurreição. Em seguida Tiago e João
fazem-lhe um pedido sem sen,tido. Foram para Jericó, para depois então
irem a Jerusalém, onde se daria sua entrada triunfal.
3) Texto: Vers. 32-34: Os discípulos estavam entre admirados e
apreensivos. O ambiente está tenso. Jesus toma a iniciativa de chamá-los à
parte e "passou a revelar-lhes as cousas que lhe deviam sobrevir": sua
paixão, morte e ressurreição. Ele vai intervir sofrendo, morrendo e
ressuscitando, para 1) livrar da culpa do pecado e, assim, 2) atender os
pedidos por auxílio como os que o salmista Davi fez (SI 143). Vers. 35-45:
Este pedido de Tiago e João em contraste com os pedidos de Davi e
Abraão, se revela fútil: "Não sabeis o que pedis". Há coisas muito mais
importantes pelas quais orar a Deus e que precisam da intervenção e da
intercessão de Jesus: fé, remissão e vida eterna. O grande consolo nosso é
que o Filho do homem, Jesus Cristo, veio "para servir e dar a sua vida em
resgate por muitos". Anuncie isto com alegria sincera e imensa, neste
domingo, aos seus ouvintes, caro pastor.

212 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


4) Disposição:
Tema: O FILHO DO HOMEM VEIO AO MUNDO
I — Para servir
II — Para dar a sua vida em resgate por muitos.
ou
O FILHO DO HOMEM VEIO AO MUNDO
I — Para ser nosso Mediador da parte do Pai
II — Para ser nosso Intercessor junto ao Pai.


Curt Albrecht

DOMINGO DE RAMOS

João 12.12-24

24 de Março de 1991
Leituras
O SI 24 prenuncia a vinda do Rei da glória e estabelece condições
para recebê-lo: o limpo de mãos e puro de coração. Os resultados são
abençoadores: bênção, justiça, salvação. No AT este salmo lembrava a
vinda da arca a Jerusalém, enquanto que no NT projeta a entrada na Nova
Jerusalém, pelas doze portas (Ap 21.12). A leitura do AT é reconhecida
como uma profecia desta entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, e de
como ele vem: justo e salvador, humilde, pacificador, vitorioso. A epístola
é texto clássico para descrever os estados de humilhação e exaltação de
Cristo. Destaca a humilhação por livre decisão de Jesus e, como
consequência de sua exaltação, o nome, o poder e a glória que lhe são
próprios. A exaltação de Cristo requer a terra a seus pés a confessar-lhe o
nome.

Texto
Uma vez que o relato da entrada de Jesus em Jerusalém aparece nos
evangelhos sinóticos, João pretende completá-lo com detalhes que não
foram ainda apresentados.

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 213


Vs. 12-13 — "Numerosa multidão": quanto mais se aproximava a
festa da Páscoa, mais crescia o número de peregrinos ávidos de novidades.
O desejo de ver a Jesus, expresso pelos gregos no trecho que segue,
contrapõe-se à religiosidade aparente e de cerimónias que lhes servia de
modelo no judaísmo. "Saíram ao seu encontro": o movimento da multidão
era amistoso, e a recepção, calorosa. Devem ter sido, em grande parte,
peregrinos, e não habitantes de Jerusalém. Ouviram contar o milagre de
ressurreição de Lázaro: o contexto o confirma. Os inimigos de Jesus
planejam matar também a Lázaro. A cada ação contrapõe-se uma reação, a
avaliação dos inimigos o ilustra. Observam que, em consequência desse
milagre, muitosi "voltavam crendo em Jesus". E desabafam no v. 19: "Eis
aí vai o mundo após ele!"
"Hosana" é palavra hebraica que significa "salva, por favor!". Foi
originalmente uma forma de súplica, mas também expressa aclamação e
saudação alegre. Os ramos de palmeira, por sua simetria e beleza, e pelo
que representavam na história das nações, como símbolo de vitória, são
oferecidas ao vitorioso Senhor. O canto do povo se origina nas palavras do
Salmo 118.25,26, cantado pelos peregrinos enquanto se dirigiam a Jeru-
salém para as festas anuais. A referência ao "Rei de Israel" ilustra com
clareza o significado messiânico da aclamação.
Vs. 14-16 — "Um jumentinho": A profecia de Zacarias 9.9-12 é,
por um lado, a reafirmação da bênção sobre Judá, em Gn 49.11, na qual
este patriarca representa a combinação do conquistador com o príncipe da
paz (Shilo), e, nessa condição, o seu descendente mais representativo,
Jesus, faz uso desse animal de carga. O cumprimento da profecia se dá num
presente histórico dirigido pelo Espírito Santo. A dignidade da procissão
requeria a montaria de um jumento: o Rei Vencedor se elevava sobre a
multidão, e ao mesmo tempo usava um humilde animal de tração. Cinco
dias mais tarde se evidenciaria, de parte da multidão, quão terrena foi esta
aclamação, talvez a última grande esperança de fundar-se o reino
messiânico. 0 v. 16 atesta que nem João, nem os outros discípulos
compreenderam, nesse momento, a importância do que ocorria. Entendê-
lo-iam só depois da ressurreição, na presença do Salvador glorificado.
Vs. 17-19 — A multidão dava testemunho do milagre da
ressurreição de Lázaro, a que haviam assistido, ou de que haviam ouvido, e
isto, de acordo com o evangelista João, foi a motivação maior da
homenagem e do triunfo da multidão em relação a Cristo. A reação dos
fariseus é de uma raiva desesperada. É a oposição ao Messias conforme
cantada em versos no inicio do Salmo 2, e a resposta lhes vem do mesmo
salmo: "Eu, porém, constitui o meu Rei sobre o meu santo monte Sião".
A preocu-

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


214
pação e demagógica. Temem a popularidade do Nazareno, o que os afeta
politicamente, e põe em xeque os seus planos de matá-lo.
Vs. 20-22 — "Alguns gregos": tratava-se de prosélitos, de cidadania
grega, a quem era permitido adorar junto com os judeus, no templo.
Levavam sua religião a sério, em contraste com a frivolidade e aparência
exterior dos religiosos judeus. Eram possivelmente provindos de Decápolis,
uma coligação ou federação de dez cidades gregas a nordeste do Jordão,
próximo à terra natal de Filipe, razão pela qual se dirigem, a ele. Filipe é
André conduzem os gregos a Jesus, diante de seu pedido: Senhor,
queremos ver a Jesus! Como neófitos na fé de Israel, esses gregos
partilhavam da esperança messiânica e das manifestações de entusiasmo do
cortejo nessa procissão. Filipe e André desempenharam o papel de
"relações públicas" ou de missionários que levaram esses homens até Jesus.
Vs. 23-24 — "É chegada a hora": Da visita desses gentios
convertidos Jesus conclui que sua missão chega ao seu ponto alto. Por isso
fala de sua morte e ressurreição, através da imagem do grão de trigo. Este
significa a nova vida que precisa seguir sua rota, através da morte, para que
frutifique ricamente, Corno a morte de Cristo era necessária para que ele
vencesse o poder da morte e mostrasse a glória da ressurreição dos mortos,
assim todo crente passa da morte espiritual à vida renovada (1 Jo 3.2). Esta
é a vida que é preservada, através de Cristo, para a vida eterna. A lei da
biologia, segundo a qual a morte é um pressuposto necessário à nova vida,
aplica-se aqui, ao próprio Cristo, à sua morte e ressurreição. Sua vida,
comparada a um grão de trigo, se entrega para alcançar muitas vidas; é vida
de poder infinito e de efeito universal. Quem crê, é salvo.
Disposição Homilética

Eis aí vai o mundo após ele, Cristo!

1. Os inimigos o atestam, desolados e vencidos


2. Os curiosos o seguem por falsos motivos
3. Os crentes se alegram na salvação que lhes traz
4. Os discípulos levam outros a segui-lo.
Elmer Flor

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 215


QUINTA-FEIRA DA SEMANA SANTA/ENDOENÇAS
João 13.1-15

28 de Março de 1991
A. Assunto Geral

Quinta-feira inicia o ciclo da Semana Santa. O


Evangelho da Série Anual Revisada não trata, como nas séries tradicionais,
da instituição da Santa Ceia. Toma um outro episódio daquela mesma noite
e enfatiza o enfoque de João: o amor e a humildade. João não fala na Santa
Ceia, mas é o apóstolo que nos dá o maior número de detalhes daquilo que
aconteceu naquela noite em Jerusalém. O assunto do Evangelho é o lava-
pés. ■

B. Contexto

Os capítulos 13.1 até 17.26 de João tratam dos acontecimentos da 5ª


feira da Paixão. É o mais extenso relato que há a respeito dos fatos e das
palavras de Jesus naquela ocasião. João dá os fatos que os outros
evangelistas não trazem. O inglês chama a 5ª feira Santa de "Maundy
Thursdav", o alemão de "Griindonnerstag" (5ª feira verde), o português de
"Endoenças". "Maundy" pode vir de "maund", pequeno cesto em que neste
dia se levava presentes aos pobres, talvez para conseguir indulgências.
"Endoenças" é palavra da liturgia romana que Aurélio faz derivar de
"indulgentias" e que pode estar relacionado ao sentido do inglês. O alemão
"verde" talvez surgisse por causa da frase: "Se ao lenho verde fazem isto,
que será do lenho seco?" (Lc 23.31), lembrando também um convite ao
arrependimento às mulheres no caminho ao Calvário. — João havia falado
nos capítulos 5.1 a 12.50 do fato de que o Verbo (Cristo) era rejeitado por
Israel. Nos caps. 13.1 a 17.26 mostra como o Verbo é recebido pelos
discípulos. João anuncia em 1.12 o amor de Jesus pelos seus: lhes deu o
"poder de serem feitos filhos de Deus". Agora completa sua relação com os
discípulos: "amou-os até o fim" (13.1). Demonstra o amor no lava-pés e
chama os discípulos ao amor no servir uns aos outros (v. 15). Claro que
este servir ao próximo não merece "indulgências", mas demonstra a graça e
a fé era amor. O convite ao arrependimento foi feito a Judas e a Pedro: um
que não voltou e o outro que aceitou o convite.

216 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


C. Texto
V. 1 — Jesus sabia que essa era "a sua hora", e sabia "quem era o
traidor" (v. 11). Era o início da paixão maior (passio magna) em que seria o
Servo Sofredor (Os 53). Agora tudo seria cumprido, antes de "passar deste
mundo para o Pai". Inicia o "amar até o fim", até completar a salvação (v.
3).
V. 2 — O traidor está presente e é identificado (vv. 2, 11, 18).
Mesmo assim Jesus ainda o serve! Está entre os que recebem o lava-pés.
Está entre os que são amados até o fim. Jesus morre mesmo pelos que se
perdem.
Vv. 4-10 — O lava-pés não é uma instituição religiosa, mas um
exemplo (v. 15). Jesus mostra humildade no servir. Está aí para os outros.
Mesmo faz o serviço de escravos. O lavar dos pés era feito pelos escravos
na chegada do hóspede à casa. Este lava-pés é mais tarde, já durante a ceia
(vv. 2, 4) para enfatizar que era especial. Era uma lição de humildade que
seria logo mais levada ao extremo na cruz. Jesus está entre os discípulos
"como quem serve" (Lc 22.27). Pedro parece ser o único a reclamar, talvez
por um misto de humildade e orgulho. Pedro queria talvez ditar conduta a
Jesus, como faz depois novamente (v. 9). Pedro só iria compreender o
quanto necessitava de Jesus depois que o negou e foi restaurado (Jo 21.15-
19). O lavar exterior certamente lembra o lavar dos pecados. Quem se ba-
nhou (v. 10) pela fé de Cristo pode estar seguro do perdão (Jo 1.29). Mas
pode-se perder este privilégio quando não se pratica a fé. Por isso o
constante lava-pés (v. 14) em que nos lembramos mutuamente da fé e do
perdão, bem como do consolo mútuo (Artigos de Esmalcalde, III parte,
artigo IV: Do Evangelho). Quem lava os pecados é Cristo (v. 8). Só assim
temos parte com Cristo pela fé.
Vv. 12-15 — Jesus aceita ambos os títulos: "Mestre", que era
normal em relação com discípulos, e "Senhor", que é título máximo e
corresponde ao "Iahwe" divino. Se o Filho de Deus, o Senhor, se humilhou
tanto, os discípulos precisam praticar também a humildade. É a teologia da
cruz. Ainda não há glória. É preciso servirmos uns aos outros. Este é o
privilégio do cristão. Esta é a santificação do cristão.

D. Disposição
Endoenças pode ser mal entendido, se se tratar de "indulgências". É
tempo de humildade e vida cristã de serviço ao próximo. É tempo de
arrependimento. As causas estão em Cristo: sua humilhação até à morte
nos dá vida.

217
IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990
O SENHOR E MESTRE NA FORMA DE SERVO
1. Para nossa justificação.
a. Filipenses 2 mostra a humilhação: segundo a natureza
humana Jesus tinha a "forma de Deus", mas aceitou a
"forma de servo" para poder morrer e nos salvar.
b. Pedro aprende que precisa ser lavado: a fé perdoa pela
graça e pela fidelidade de Cristo.
c. Mesmo lavado todo em Cristo há necessidade de um la-
va-pés: em arrependimento e fé está a perfeição do cris
tão (Apologia da Confissão de Augsburgo IV, 353).
2. Para nossa santificação.
a. O Mestre e Senhor lava os pés dos discípulos: um gesto de
amor e humildade, como nosso representante.
b. Cristo dá um exemplo (v. 15): os discípulos são convida
dos ao amor e ao serviço em humildade.
c. O serviço ao próximo acontece nas ordens sociais: família,
governo, igreja, onde cada um tem sua vocação.
— são serviços simples ou importantes
— são serviços em nome de Jesus
— são as "batalhas de Cristo" no mundo (Apologia IV, 189-194).
d. Quinta-feira Santa inicia o sacrifício de Jesus para nos
redimir e nos comprar para si. Deus nos dê a fé e o amor
que ele nos conquistou. A verdadeira humildade consiste
em aceitarmos este presente do único Senhor e Mestre.
Martim C. Warth

SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO
João 18.1 — 19.1-42
29 de Março de 1991

Ênfase
Com inconfundível clareza, todos os quatro textos apontam para o
Cristo na cruz, lembrando as causas, os sofrimentos e a consequência
daquele chocante quadro no Calvário da Sexta-

218 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


Feira Santa. Por isso, pensamos expressar o tema da mensagem da seguinte
maneira: E Jesus ficou na cruz do meio (Jo 19.17,18).

Contexto
Toda a Escritura, direta ou indiretamente, coloca e destaca
0 acontecimento da Sexta-Feira Santa como o centro da reden
ção humana — como o mais alto e sofrido resgate pago por
alguém! O salmista olha para o futuro e apresenta as palavras
que o Crucificado exclama no alto da cruz: "Deus meu... por
que me desamparaste?" (SI 22). Isaías, sete séculos antes, pa-
rece encontrar-se sob a cruz e faz a mais completa, emocionante
e profunda descrição do significado de Cristo estar na cruz do
centro: "Era desprezado... tomou sobre si nossas enfermida
des!" (Is 53). Paulo olha para trás, um fato já consumado, e
destaca em sua mensagem: "Deus estava em Cristo reconcilian-
do..." (2 Co 5). O Evangelho do dia é longo: são dois capítulos
num total de 82 versículos. Se a leitura de todo o texto fosse
feita corrida no culto público, com os ouvintes de pé, talvez a
mensagem não seria compreendida. Com criatividade, o pastor
poderá fazer com que todos recebam o real benefício. Os orga-
nizadores da perícope colocaram os 82 versículos porque neles,
João, o evangelista, consegue apresentar o quadro mais comple-
to sobre a paixão e morte do Crucificado. Das chamadas "sete
palavras da cruz", três aparecem em João (Lc 23.34; 23.43; Jo
19.17; Mc 15.34; Jo 19.28; Jo 19.30; Lc 23.46).

Texto

Do denso conteúdo dos 82 versículos, tivemos que optar, e


optamos, sem ignorar o todo das perícopes, pelo texto-base de 19.18. Já
pensando na disposição, breves reflexões sobre cinco termos: Jesus, cruz,
meio, malfeitor, benfeitor. Jesus: o colega pode examinar como João
apresenta o Senhor Jesus, desde "o Logos que se fez carne" (1.1,14) até o
"Jesus é o Cristo, o Filho de Deus" (20.30), e conferir o que Lutero explica
nos Três Artigos do Credo Cristão. A cruz (staurós) era um dos diversos
instrumentos (judeus preferiam o apedrejamento) para executar um réu
condenado. Para descrever a morte na cruz, sublinhamos algumas palavras
de Schirlitz (Wõrterbuch zum Neuen Testament): "... A morte na cruz era a
mais vergonhosa, dolorida, sofrida e longa do condenado; era o último e o
pior de todos os julgamentos e castigos... Era a execução de escravos,
sequestradores e dos piores criminosos. Era hábito que os réus carregassem
a sua própria cruz desde o lugar de sua condenação, na cidade, até o lugar
de sua execução, fora da cidade— para serem vistos, envergonhados,
zombados, cuspidos, e humilhados. Ali,

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 219


diante da cruz, os condenados eram despidos na presença da multidão (que
via tudo como um "fantástico espetáculo") que acompanhava a execução,
suas mãos eram pregadas na cruz, e seus pés eram amarrados". O autor
conclui, dizendo: "Era a morte mais lenta, revoltante, indigna, humilhante e
de dores indescritíveis. A pior de todas as mortes." Com facilidade, o
colega pode descrever o que é um malfeitor (kakopoiós) e um benfeitor
(energétees). Quando havia três execuções de três malfeitores, o pior e
mais perigoso e desprezível era dependurado na cruz central. Jesus está na
cruz do centro, a principal, no meio (mésos) de dois outros malfeitores: um,
à esquerda; outro, à direita.

Disposição
Em cultos especiais, a disposição (sermão) também pode ser
especial e há bem maior flexibilidade. É o que faremos hoje. Nosso texto
— do qual é extraído o tema — quase servirá como "'texto referência",
pois na Sexta-Feira Santa o povo de Deus sempre de novo deseja ouvir os
principais fatos/verdades que aconteceram/cumpriram neste dia em que o
maior Benfeitor é transformado no pior Malfeitor para sofrer as piores de
todas as mortes (qualquer outro sermão, por melhor que possa ser, não
significa nada). Segue — das muitas que elaboramos — uma disposição
com sugestão para o sermão de Sexta-Feira Santa:

Introdução

Sugestão: dentro do contexto de Sexta-Feira Santa, com muita


seriedade, dignidade e pausa "declamar" Is 53.2-6 (que todo pastor sabe de
cor).

E JESUS FICOU NA CRUZ DO MEIO


I — Porque, para os homens-pecadores, Jesus era o maior
Malfeitor

1 — Visão geral do que é (AT e NT) e significa 6ª-Feira


2 — Descrição da cruz de ontem (sofrimento)
3 — Justificar quem é e por que Jesus era o maior Mal-
feitor
a) para os homens: o pecado; b) para Deus: salvação — cf.
perícopes e outros textos — há mais lei)
4 — Aplicação: minha vida de ontem c hoje, diante do
exposto.
220 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990
II — Por que, para o Deus-santo, Jesus era o maior Benfeitor
1 — Envolver o ouvinte do culto: quem é e o que faz um
malfeitor e um benfeitor?
2 — Descrição da cruz (símbolo nas pai. de Cristo, dos
apóstolos e cristãos hoje)
3 — Justificar por que o Criador (Deus Triúno) transfor-
ma o Malfeitor em Santo e Benfeitor (cf. textos comprovantes
— há mais evangelho)
4 — Quem é Jesus de verdade e de fato (comprovar com
provas bíblicas).
Conclusão

Sugestão: Repetir tema e partes + aplicação geral.


Jesus precisa estar no centro, no meio, o principal — o Mediador e
Reconciliador! Sempre! Sempre!

Leopoldo Heimann

A RESSURREIÇÃO DO SENHOR — DIA DA PÁSCOA


Mateus 28.1-10
31 de Março de 1991

A Ressurreição é, sem dúvida, o acontecimento mais significativo


no relato dos Evangelhos. Não obstante, sua descrição pelos autores
bíblicos! (ou pelo Espírito Santo) é feita de maneira bastante sucinta. Em
São Mateus, como diz Franzmann, apenas seu anúncio é expresso de
maneira dramática; de resto, o evento da ressurreição de Cristo é velado
com o silêncio da admiração.
As mulheres são as personagens que mais estão envolvidas com os
acontecimentos finais e trágicos da vida de Cristo. Os três últimos dias
emolduram momentos intensos de decepção, angústia, desespero, morte /
perplexidade, emoção, alegria, júbilo. São Mateus menciona Maria e "a
outra Maria", ou seja, a mãe de Tiago e José (27.56,61). O evangelista
abrevia. Mas lá estão também Salomé (Mc 16.1), Joana e outras mais (Lc
24.10). Daria, talvez, para formar um coral feminino de valor para cantar:
"Este é o dia que o SENHOR fez; regozijemo-nos e alegre-

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 221


mo-nos nele" (Salmo para hoje). Mas, elas foram apenas para "ver o
sepulcro".
Antes de sua chegada, o evento da ressurreição já havia ocorrido,
propagado pelo tremor da terra e pela descida do anjo. Uma vez mais a
natureza é associada aos grandes momentos da teofania, pela manifestação
salvífica do SENHOR ao Seu povo (cf., p. ex., Ex 19.18; Nm 16.31; 1 Rs
19.11; SI 18.7; 68.8; Ap 6.12). 0 terremoto ocorre no momento da Sua
morte e da Sua ressurreição, e outros ocorrerão em conexão com, a Sua
parusia (24.7). O anjo desce e rola a pedra não para que Cristo saia do
sepulcro (cf. Jo 20.19,26), mas para mostrar que o Senhor da Vida havia
deixado o túmulo vazio.
As mulheres foram "ver", teoresai. Não creram na predição de
Cristo de que ressuscitaria. Entretanto, se por um lado há fraqueza na fé
(os discípulos não estavam em posição melhor), por outro há uma
profunda demonstração de amor e lealdade ao seu Mestre. Elas estiveram
no Calvário no momento da Sua morte, no Jardim de José de Arimatéia
para o Seu sepultamento e agora, três dias depois (quando a morte fica
atestada), vêm ao túmulo de novo para verificar se tudo está em ordem. (A
propósito, onde estavam os discípulos?).
Se a morte, que é natural no mundo, choca as pessoas, quanto mais
quando Deus restaura a vida a um, cadáver. A ressurreição de Cristo choca
os soldados da guarda (o verbo eseistesan no vers. 4 está relacionada a
seismós, "terremoto"; cf. o resultado no vers. 11) como também as
mulheres no início (vers. 5). Contudo, para estas vem a mensagem angélica
com a expressão (sempre) salvífica: mé fobeiste ymeis, onde o pronome
"vós" está em posição enfática.
No vers. 6 katos eipen, "como havia dito", refere-se não apenas aos
momentos em que o próprio Jesus falou sobre Sua ressurreição no Novo
Testamento (p. ex. 12.40; 16.21; 17.9,23; 26.32) como também ao que foi
predito sobre ela no Antigo Testamento (cf. Lc 24.27,46; Os 6.2). A
ressurreição de Cristo não devia ser motivo de surpresa, admiração ou
medo. Era "natural" que acontecesse porque era uma promessa do próprio
Deus mas que, como tantas outras, não tinha sido assumida em fé pelas
mulheres, pelos discípulos e, muitas vezes, por nós.
O anjo faz uma admoestação velada. Ele não diz: "... como havia
dito de novo e de novo e de novo..." Não. Ele apenas acrescenta, por
ordem divina, katós eipen. Duas palavras que valem mais do que um
sermão. Duas palavras que são motivo de reflexão para as mulheres, para
os discípulos, para nós.
A alegria, porém, fica completa, plena, concreta com a saudação
Daquele que é a Vida: cháirete. É uma saudação nor-

222 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


mal, rotineira, um "alô" amigável. Cristo não está na sepultura, não está
nos céus, não está longe, mas está ali, visível, vivo, vitorioso. Elas
imediatamente O reconhecem e O adoram. Ali não está um anjo, um ídolo,
uma imagem de ouro para ser adorada (cf. a Leitura do Antigo
Testamento). Mas ali está o Deus que morreu, mas que vive, que reina, que
protege, que salva. Cristo é real, tão físico que Seus pés podem ser
abraçados.
Não obstante os discípulos terem demonstrado desconfiança para
com, Ele, negação do Seu Nome, medo e fuga na hora da Sua prisão,
ausência nos momentos da Sua morte, desinteresse no dia da Sua
ressurreição, Jesus ainda os chama de adelfoi mou, "meus irmãos". Por um
lado a expressão indica que o Cristo ressurreto é o Christus Victor cuja
humanidade O identifica com os Seus seguidores; por outro, ela identifica
os discípulos (e nós!) com Cristo no sentido em que são membros da Sua
família e com Ele herdeiros da Sua herança viva e eterna. Onde está a
morte? Graças a Deus que nos dá a vitória, como diz a epístola de hoje.

Sugestão de tema:
A Ressurreição de Cristo.- um acontecimento de Reflexão e
Alegria para nós.
Acir Raymann

SEGUNDO DOMINGO DE PÁSCOA


João 20.19-31
7 de Abril de 1991
O medo era compreensível. O Sinédrio tinha poder e influência. O
relato dos guardas (Mt 28.1-15) certamente traria consequências. Os
discípulos estavam perturbados. Cheios de dúvidas. O túmulo realmente
estava aberto. Vazio. Aparecera a diversas mulheres (Mt 28.1 e 9; Mc
16.9-11), a Pedro (1 Co 15.5; Lc 24.34), e a dois discípulos a caminho de
Eniaúa (Lc 24.13-34). E talvez no meio do relato destes dois discípulos (Lc
24.35), o próprio Cristo ressuscitado mostrou-se a todos eles, saudando-os
fraternalmente: "Paz seja convosco!"
A inesperada aparição de Jesus a seus discípulos lhes devolveu a
alegria. Não havia mais razão de temor. Não havia mais razão de dúvidas.
Aqui estão as provas, vejam as minhas mãos com os sinais dos cravos, e o
lado que foi aberto pela lança do soldado (Jo 19.34). A certeza da
ressurreição enxugou-lhes

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 223


as lágrimas. Jesus repete-lhes a saudação: "Paz seja convosco!", como para
alicerçar em seus corações a reconciliação entre Deus e os homens.
Clareiam-se em suas mentes as profecias do AT (Is 53), e as próprias
palavras do Mestre da necessidade de o Cristo morrer e ressuscitar (Jo
12.33; Mt 16.21; Mt 17.9).
"Paz seja convosco!" No AT o Messias é denominado de Príncipe
da Paz (Is 9.6). Assim ao nascer em Belém, os anjos cantaram: "paz na
terra entre os homens, a quem ele quer bem" (Lc 2.14). Quando da sua
entrada triunfal em Jerusalém, a multidão o saudou cantando: "Bendito é o
Rei que vem; era nome do Senhor! paz no céu e glória nas maiores
alturas!" (Lc 19.38). E Paulo em Efésios 2.14 denomina Cristo de "ele é a
nossa paz". E em que consiste esta paz? O mesmo apóstolo nos responde
em Rm 5.1 "Justificados, pois, mediante a fé, tenhamos paz com Deus, por
meio de nosso Senhor Jesus Cristo", É a paz da reconciliação. Do perdão
dos pecados. Vida e salvação (Ef 2,5; Cl 2.13; 2 Tm 1.10).
E nesta fé e alegria Jesus comissiona seus discípulos, para o
trabalho chamado (Mt 4.19). Outorga-lhes a mensagem da reconciliação (2
Co 5.18). "Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio" (Jo 2.21).
Assim como o Pai "ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e poder
(At 10.38), Jesus aqui investe os seus discípulos no ofício do santo
ministério, soprando sobre eles o Espírito Santo (Jo 20.22). Agora são
pescadores de homens (Mt 4.19). Isto é, têm poder e autoridade de em no-
me de Jesus perdoar ou reter os pecados (Cf. Catecismo Menor, 5ª parte
principal, Ofício das Chaves).
Neste poder do Espírito Santo os discípulos se põem a testemunhar.
Tomé, um dos discípulos, esteve ausente desta manifestação de Jesus.
Recebe assim o testemunho unânime dos seus colegas: "Vimos o Senhor".
Mas ele se mostra céptico. Irredutível. Nada o irá convencer, "se eu não vir
nas suas mãos o sinal dos cravos, e ali não puser o meu dedo, e não puser a
minha mão no seu lado, de modo algum acreditarei" (Jo 20.25). Se a
incredulidade de Tomé, ante todas as provas apresentadas pelos demais
discípulos, é passível de crítica, por outro, também nos oferece maior
comprovação da veracidade da ressurreição. A contestação obriga a uma
maior comprovação. O fato de Jesus, repetir a sua primeira aparição, em
idênticas situações, teve por único objetivo chamar ao arrependimento o
incrédulo Tomé. O desafio de Jesus: "Põe aqui o teu dedo e vê as minhas
mãos; chega também a tua mão e põe-na no meu lado... (Jo 20.27), deu
motivo a uma das mais expressivas confissões de fé: "Senhor meu e Deus
meu!" (Jo 20.28). O bom Pastor (Jo 10.11; Hb 13.20) achara novamente a
sua ovelha perdida (Lc 15.3-7), como já o fizera antes com Pedro (1 Co
15.5; Lc 24.34).

224 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


"Porque me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram, e
creram" (Jo 20.29). Uma advertência e também; uma promessa.
Advertência contra o cepticismo e descrença, em relação às suas promessas
e sua palavra (SI 119.105; Mt 24.35; Jo 8.31,32; 1 Pe 1.25). Deus quer
corações convictos. Por outro, a promessa do poder da palavra de Deus
(Rm 1.16; 1 Ts 1.5; Rm 10.17) na conversão, deve motivar a todos ao
testemunho fiel, pois o próprio Cristo nos assegura as bênçãos deste
trabalho.
Em sua conclusão (Jo 20.30,31) João mostra o objetivo do seu
evangelho. Relatar apenas alguns dos acontecimentos da vida e obra de
Jesus, para através destes, levar seus leitores à
verdadeira fé e vida em seu nome. ■

Sugestões:
A qloriosa manifestação de Jesus a seus discípulos
1. traz paz
2. traz alegria
3. leva à conversão
Ou
A mensagem pascoal de Jesus: Paz seja
convosco!

1. alegra os discipulos
2. dá-lhes o poder do Espirito Santo
3. leva o incrédulo Tomé à fé verdadeira.
Walter O. Steyer

TERCEIRO DOMINGO DE PÁSCOA


João 15.1-8
14 de Abril de 1991
1. Trata-se de texto conhecido, ante o qual nossa primeira reação
pode ser a do "este conheço muito bem". Tanto mais se fazem necessários
o estudo no original, a leitura em diferentes traduções, o exame de palavras
importantes, a busca das passagens paralelas.
2. O esquema do texto é o seguinte: a) A Videira verdadeira e o
agricultor que corta o ramo infrutífero e limpa o fru-

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 225


tifero (v. 1-2); b) Os discípulos estão limpos e Cristo conclama a que
permaneçam nele (v. 3-5); c) Se alguém não permanecer em mim... (v. 6);
d) Se permanecerdes em mim... (v. 7-8).
3. No contexto do evangelho, João 15 integra o discurso de
despedida de Cristo. Quem fala é o Cristo que tem a glorificação em vista.
É o Cristo que tem a páscoa em vista e continuará sua obra nos discípulos.
4. O texto é importante para a eclesiologia joanina. Corresponde
em certo sentido ao conceito de "corpo de Cristo" nos textos de Paulo
(conferir Rm 14.4,5).
5. Merece reflexão especial a designação "videira". No Antigo
Testamento era símbolo frequentemente aplicado a Israel (Jr 2.21; SI 80.9-
20; Ez 15.1-6; Ez 17.5-10; Ez 19.10-14; Os 10.1). Aqui Jesus aplica o
termo ao novo Israel. A vinha é símbolo de Jesus e seus discípulos. (Notar
que Jesus não é apenas o tronco, mas toda a vinha, e os ramos fazem parte
da vinha.)
6. O "dar fruto" (v. 2a) certamente se refere a cumprir o novo
mandamento do amor.
7. A palavra que purifica (v. 3) é a mesma que vivifica (Jo 6.63) e
julga (Jo 12.48).
8. O versículo 5 ("o que permanece em mim e eu nele este produz
muito fruto") diz de forma positiva o que o versículo 4 já dissera
negativamente. A segunda parte do versículo 5, que é um tema importante
no evangelho de João, foi ura, dos textos usados por Agostinho para refutar
Pelágio, que enfatizava uma suposta capacidade natural do homem de fazer
obras dignas de recompensa eterna.
9. O versículo 6 trata do destino dos ramos cortados, numa
referência a um juízo final (escatologia futura em João). Muitas das
passagens do Antigo Testamento que tratam da videira e da vinha
terminam com juízo (cf. Ez 15.1-8).
10. O texto tem um paralelismo temático com Is 40.25-31, a leitura
do Antigo Testamento (O SENHOR não se cansa nem se fatiga... Faz forte
ao cansado, e multiplica as forças ao que não tem nenhum vigor. Os que
esperam no Senhor renovam as suas forças...) e a leitura da epístola, 1 Jo
5.1-13 (aquele que não tem o Filho não tem a vida).
11. Sugestão de tema e partes:
SEM O CRISTO RESSUSCITADO, NADA FEITO.
1. nada de vida (1 Jo 5.12)
2. nada de frutos (Jo 15)
3. nada de força (Is 40).
Vilson Scholz

226 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


QUARTO DOMINGO DE PÁSCOA
João 10.11-16
21 de Abril de 1991
Introdução: É possível desistir do ministério da igreja? Abandonar
o ofício pastoral? O aumento de pedidos de licenciamento por parte dos
pastores da IELB quer nos dizer alguma cousa. Onde está o problema? No
pastor? No rebanho? Como solucionar esta crise? Necessitamos de
orientação e reflexão. A mensagem sobre o bom pastor contém o ensino
que precisamos ouvir e seguir.

O contexto: O contexto fala sobre o sentido da vinda e missão de


Jesus Cristo. As tradições da época necessitam ser corrigidas. A imagem
do pastor deve ser reestabelecida. É de fundamental importância a
confiança do povo de Deus nos seus líderes. Jesus Cristo é o exemplo. Ele
é o bom pastor. Ele não veio para "se servir" ou dominar o rebanho. O
povo de Deus necessita outro "tipo", outro "perfil" de pastor à sua frente
(cf. Jo 10.1-10). O texto é uma acusação contra as disitorções no pastorado
(cf. Jo 10.11-16). Por isso a imagem do bom pastor questiona a atitude e o
comportamento daqueles pastores que deveriam ser considerados
mercenários. O povo de Deus necessita ser conscientizado sobre a origem e
a missão do bom pastor, lambem em nossos dias (cf. Jo 10.19ss).

O texto: "Eu sou o bom pastor". Quem é este "eu sou"? Aqui fala o
próprio Deus (Gn 15.7; 17.1; 28.13; Ex 3.14ss). É ele que tem compaixão
do seu povo (cf. Ez 34.11-16; Is 40.11;). O povo do Senhor necessita de
líderes capazes para apascentar o rebanho. Esta é a vontade de Deus. Neste
sentido Jesus, o filho de Deus, veio cumprir a sua missão. Perante ele, o
bom pastor, os falsos modelos são desmascarados.
"O mercenário foge, porque é mercenário". O mercenário é um
pastor temporário e contratado. Trabalha somente pelo salário. Sua
motivação é outra. Ele não mostra, os mesmos cuidados do bom pastor.
Falta-lhe o interesse, pois, o rebanho não é de sua propriedade. No
momento da crise ou do perigo o mercenário foge.
"O bom pastor dá a vida pelas ovelhas" (cf. v. 11 e 15). O bom
pastor conhece o seu rebanho. Isto significa, que o pastor se preocupa e
sente, no seu íntimo pensar, o que se passa no rebanho. Sabe, que o
rebanho necessita dele. As ovelhas conhecem e ouvem a sua voz. Sua
voz é orientação, pois transmite

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 227


tranquilidade no ofício de conduzir o rebanho. O bom pastor ouve e
obedece a vontade do pai que está nos céus.
A diferença entre o bom. pastor e o mercenário encontramos em
uma palavra. O mercenário trata de receber somente. O bom pastor oferece
e dá. "Dou a minha vida". O pastor autêntico tem esta mentalidade. O
enviado de Deus tem este espírito. Cristo, o bom pastor, foi capaz de
deixar a sua vida pelos irmãos (cf. Jo 15.13ss). Toda a sua vida é um
testemunho sobre o seu amor pelo homem. Vivendo este amor, Jesus foi
capaz de perder a sua vida. Sua cruz e morte foram as consequências de
sua luta a favor do rebanho. Apascentar o rebanho de Deus hoje significa
assumir o "segue-me" do bom pastor. O espírito do pai quer se manifesitar
nos pastores de nosso tempo. Vivemos numa época em que o rebanho é
muito mais importante do que o bem estar do pastor. 0 modelo do bom
pastor encontramos cm Jesus Cristo, que foi o servo de Deus (cf. Is 53). Na
renúncia encontramos a vitória. Fica um aviso: o rebanho jamais deveria
maltratar ou abusar de seus pastores. Pelo contrário, deveria sempre olhar
para o servo de Deus e ver nele a presença daquele que o chamou para o
ofício pastoral.
Esboço: Jesus é o nosso bom pastor
— Contemplemos a sua fidelidade no cumprimento de sua missão
— Sigamos o seu exemplo no ofício pastoral.
Hans Horsch

QUINTO DOMINGO DE PÁSCOA


João 16.4b-15
28 de Abril de 1991
1) Assunto geral das perícopes: Adoração ao Deus verdadeiro com
muita alegria e com tudo o que se fizer, beto como proclamação da
grandeza de Deus por toda parte, guiados pelo Espírito Santo.

2) Contexto: O contexto anterior e posterior desta pericope de Jo 16.4b-


15 é a última ceia de Cristo com os seus discípulos e que está relatada
desde 13.1 até 18.1. Em três capítulos ou por três vezes (14.16,17,26;
15.26; 16.7-14) Jesus faz referência ao

228 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


Consolador, o Espírito Santo, que seria enviado para os discípulos logo
após a Ascensão de Jesus. Em todo este trecho Jesus está consolando,
edificando e fortalecendo seus discípulos e termina orando por eles.
3) Texto: Vers. 4b-6: Jesus está prevenindo seus discípulos contra as
adversidades que estavam por enfrentar. Ele não falou disso antes, "porque
eu estava convosco; mas agora vou para junto daquele que me enviou".
Parece que Jesus queria que eles perguntassem: "Para onde vais?" e, assim,
se interessassem pelo céu, pelo Pai. Eles, porém, ficaram tristes: "a tristeza
encheu o vosso coração". O ambiente ficou constrangedor. Mas Jesus
continuou a falar para os discípulos.
Vers. 7-11: Diz-lhes por que ele precisa ir: "eu vos digo a verdade:
Convém-vos que eu vá, porque se eu não for, o Consolador não virá para
vós outros. A importância e a necessidade aa vinda do Consolador está
muito enfatizada nestes três capítulos do evangelho de João. Quando o
Parákletos (Consolador, Admoestador, Advogado) vier, ele eléngxei tòn
kósmon peri hamartías, kai peri dikaiosgnes kai peri kríseos. O que
significa o verbo eléngcho? É um verbo muito importante e tem muitos
significados. Por isso não é tão fácil de compreender e de traduzir seu
significado neste texto. Outra palavrinha importante aqui é a preposição
peri, que pode ter a ideia de favor e vantagem ou de desvantagem e
oposição. A pergunta então é: O que o Espírito Santo vai fazer e como vai
fazê-lo (eléngxei tòn kósmon)? Vai ele 1) beschimpfen, zu Schande-
machen, schmàhen, tadeln, beschuldigen, widerlegen, beschãmen o
mundo? Ou vai ele 2) zurechtweisen, iiberfúhren, zeihen, beweisen
darthun, zeigen o mundo peri (acerca de) pecado, justiça e juízo? Ou fará
ambas as coisas? Possivelmente nossa explicação deverá ser que o Espírito
Santo faz ambas as coisas ou até três coisas: 1) ele culpa o mundo de
pecado, porque este é incrédulo (v. 9); 2) ele dá a justiça pela fé, porque
Jesus vai para o Pai (v. 10); eJe julga o mundo, na medida em que o
príncipe deste mundo já está julgado (kékritai, v. 11).
Vers. 12-15: Mas para os discípulos o parákletos só vai fazer bem;
tanto que Jesus nem vai dizer tudo aos seus discípulos agora, porque não
podem suportar tudo isso ainda; mas quando aquele (o Consolador) vier,
ele vai fazer bem, porque ele
— Vos guiará a toda a verdade;
— Não falará de si, mas dirá quantas coisas (tudo o que) ele ouve;
— Vos anunciara as coisas que hao de vir;

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 229


— ele glorificará a Jesus e anuncia (anaggelei ocorre 3 vezes em
13-15!) aos discípulos, porque receberá do que é de Jesus.
4) Disposição:
Tema: CONVÉM-VOS QUE EU VÁ
I — Se eu não for, o Consolador não virá para vós
II — Se eu for, eu vo-lo enviarei.
ou
JESUS ENVIA O PARÁCLETO
I — Para culpar o mundo a respeito do pecado da incredulidade
II — Para dar justiça aos que crêem em Jesus que está com o Pai
III — Para julgar o mundo, porque seu príncipe já está julgado.
Curt Albrecht

SEXTO DOMINGO APÓS A PÁSCOA


João 16.23b-33
5 de Maio de 1991
O contexto

Nos versículos que precedem a perícope, Jesus ensina os discípulos


a respeito do ministério do Espírito Santo, de sua própria volta para o Pai e
do benefício que isto traria para os fiéis. Os discípulos, não
compreendendo todos os ensinamentos, expressam suas dúvidas. A
presente perícope faz parte do diálogo mantido entre Jesus e seus
discípulos.

O texto
Tudo indica que a segunda parte do v. 23 se refere ao tempo após a
ressurreição, quando os discípulos não precisariam mais receber
ensinamentos da parte de Jesus. É uma alusão à

230 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


atividade do Espírito Santo, ele "vos ensinará todas as coussas e vos fará
lembrar de tudo o que vos tenho dito" (14.26) e "vos guiará a toda a
verdade" (16.13).
A morte expiatória de Jesus, que aconteceria em breve, iria
inaugurar uma nova era, trazendo mudanças em tudo. As orações seriam
dirigidas ao Pai e, em nome de Jesus, os seus pedidos seriam atendidos.
Até então não haviam pedido ao Pai desta maneira (v. 24).
O objetivo é a alegria dos discípulos (v. 24). Deus está interessado
na felicidade de seu povo. A alegria está ligada à oração. Com toda a
confiança podem falar com o Pai, como filhos amados (v. 24; Gl 4.6).
Tendo em vista que o Pai os ama, não haveria necessidade de Jesus
interceder por eles (v. 27). Além disso, falando com o Pai em nome de
Jesus, é como se o próprio Jesus falasse com o Pai. Não há nisso
contradição com versículos como Rm 8.34; Hb 7.25 e 1 Jo 2.1. Em, todas
as passagens o fundamento é a obra salvadora realizada por Cristo. O que
Jesus fez constitui-se numa intercessão permanente junto ao Pai. Também
não se deve entender como se Jesus precisasse convencer o Pai a ser
compassivo (v. 27). Toda a obra de Cristo repousa no fato de o Pai haver
amado o mundo e ter enviado o seu Filho (Jo 3.16).
"Visto que me tendes amado" (v. 27). Não foi o amor dos discípulos
que mereceu o amor de Deus. É o amor que o próprio Pai concede, "nós o
amamos porque ele nos amou primeiro" (1 Jo 4.19). Fato é que Deus ama
todas as pessoas (Lc 2.14; Jo 3.16; 1 Tm 2.3,4) e de outra parte é verdade
que Deus se alegra especialmente por aqueles que crêem (Lc 15.7). É desta
alegria que trata o v. 27.
A origem celeste de Jesus (v. 28) é imprescindível, caso contrário
ele não poderia ser o Salvador. Seu retorno ao céu é, igualmente,
indispensável, por constituir-se na garantia de que seu sacrifício foi aceito
pelo Pai.
É discutível se os discípulos realmente entenderam todos os
aspectos das palavras de Jesus, ainda que não mais falasse em figuras (vv.
29, 30). O que eles, contudo, agora, sabem melhor é que Jesus conhecia
todas as coisas, porque ele veio da parte do Pai (v. 30). Não há explicações
mais detalhadas. Elas nem são necessárias. Os discípulos possuem a
convicçãoi da fé.
As palavras de Jesus no v. 31 são mais uma afirmação do que uma
pergunta. A fé que os discípulos possuíam] era real. Ela, no entanto,
sofreria um grande abalo. O v. 32 refere-se aos acontecimentos da paixão
de Jesus quando foi abandonado pelos discípulos (Mc 14.50; Mt 26.31).
Assim mesmo não esteve sozinho (v. 32).Falou com o Pai era oração (Mc
14.36). Foi con-

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 231


fortado por meio de um anjo vindo do céu (Mc 22.43). O tempo presente,
na frase "porque o Pai está comigo" (v. 32), indica uma presença contínua.
O Pai sempre está com ele. O mesmo acontece conosco (Mt 6.6).
Os discípulos ficariam no mundo e nele teriam tribulações (v. 33).
Estariam cheios de medo (Jo 20.19). Ficariam envergonhados por havê-lo
abandonado no Getsêmani. Assim, mesmo em Jesus poderiam ter paz. Ele
os estava preparando para passarem por esta noite escura. Assegura-lhes
seu amor a despeito de tudo o que iria acontecer e apesar das deficiências
deles.
Jesus pôde assegurar-lhes tudo isto por causa da vitória que iria
conquistar na cruz. Em lugar de sua total derrota, como poderia parecer
sua morte no Calvário, ela significaria a sua vitória sobre tudo. Iria em
direção à cruz, não como derrotado, porém como vencedor. E a sua vitória
é a nossa vitória! (1 Co 15.57). Agora nada mais pode impedir que Deus
nos ame (Rm 8.38,39).
Disposição
Jesus dialoga com seus discípulos sobre a sua volta para o Pai
Neste diálogo
I — Os discípulos são prevenidos dos percalços pelos quais iriam
passar.
II — Aos discípulos é assegurada a continuidade do amor de Deus.

Christiano Joaquim Steyer

A ASCENSÃO DO SENHOR
Mateus 28.16-20
9 de Maio de 1991
Leituras
De acordo com o SI 110, o Messias é Sacerdote e Rei. No nome
Melquisedeque encontra-se o significado original do "Rei de Justiça", do
Rei que se vitoria sobre os inimigos e confirma a aliança com o seu povo.
A direita do Senhor da glória é o lugar que Cristo ocupa, quando sobe ao
céu corporalmente. Na Epístola, o Apóstolo Paulo refere um trecho do
SI 68.18, que

232 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


também anuncia e prediz a Ascensão. Cristo subiu ao céu para preparar
lugar a seus crentes, para encher todas as coisas, e espera ver sua obra
completada em seus santos, no desempenho de seu serviço, como
apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres. O trecho escolhido do
AT faz diversos questionamentos, para, ao final, afirmar que Deus é
soberano, e perante ele "se dobrará todo joelho", e todos os crentes serão
glorificados.
Texto
Vs. 16-17 — O início do texto é uma continuação do v. 10,
devendo os versículos intermediários ser considerados como um parêntese.
Os onze seguiram para a Galileia, depois que as mulheres lhes disseram o
que haviam visto e que tinham a dar-lhes esse recado. O trecho recebe o
título de "A Grande Comissão", e tem uma importância vital para o
desenvolvimento do trabalho da igreja do Novo Testamento.
O monte no qual eles se reuniram não é nomeado, podendo ter sido
o monte das beatitudes (Mt 5.1), o da transfiguração (Mt 17.1), ou ainda
algum outro. É provável que, devido ao grande número de fiéis residirem
na Galileia, este tenha sido o encontro em que Jesus foi visto por mais de
quinhentos irmãos (1 Co 15.6). "Alguns duvidaram": os onze discípulos
devem ser considerados os líderes de um grupo maior, como o dos qui-
nhentos, entre os quais deve ter havido esses tais que duvidaram. As
dúvidas devem ter-se dissipado com o que segue, quando Jesus se
aproxima e fala de sua autoridade e presença.
V. 18 — "Toda autoridade": é a expressão da vitória sobre a morte
e de sua ressurreição, e a certeza de sua iminente ascensão ao céu. Ele
afirma aqui que, com sua vitória, tomou posse completa da glória e do
poder que possuía desde antes da fundação do mundo, de acordo com sua
natureza divirta, e que agora a natureza humana também estava investida
dela, em favor dos crentes e de sua missão, que passa a propor-lhes (Jo
17.5; Ef 1.20-23). A autoridade de Cristo fá-lo enviar a seus discípulos o
Espírito Santo, para converter os pecadores, e, em meio à comunhão de
crentes, santificá-los, protegê-los, aperfeiçoá-los. Sua autoridade final é a
de ser o Juiz de vivos e de mortos, que vem para o juízo na consumação
dos séculos! (Cf. Cl 2.15ss). A autoridade do Mestre atua na missão de
seus discípulos e fundamenta a mesma, quando ficarem sós no mundo.
Vs. 19-20 — "Ide, portanto": por possuir a citada autoridade, Jesus
envia a quem quer, para onde desejar, a pregar o que lhe ordenar. É a
grande ordem ou comissionamenío para o testemunho por palavra e
sacramento. "Discípulos de todas as nações": o poder que abrange o
mundo inteiro leva a uma tarefal também mundial. O discipulado envolve,
via de regra, a

IGREJA LUTERANA/NÚiMERO 2/1990 233


pregação e o ensino da palavra; mas ele se estabelece, de forma específica,
no momento em que o não cristão é trazido ao completo acordo de tornar-
se cristão. Isto não impede que também crianças sejam feitas discípulos e
recebam o batismo. "Todas as nações" incluem crianças e adultos).
"Batizando-os": o verbo, no original, é baptísantes, devendo ser melhor
traduzido assim: "e, tendo-os batizado,... ensinai..." Isto coloca o ''fazer
discípulos" como tarefa inacabada sem o batismo. E, ao mesmo tempo,
justapõem-se duas ações que se completam: o batismo, que antecede, e a
instrução, que se segue, o rito de iniciação e o ensino subsequente. "Em
nome de...": era uma expressão muito em voga no Judaísmo, para indicar
que uma pessoa estava sendo efetivamente comprometida com alguém ou
alguma causa. Batizada em nome do Pai, uma pessoa recebe a Deus como
seu Pai, Criador, Preservador; em nome do Filho, ela recebe todos os
benefícios do ato redentor de Cristo; em nome do Espírito Santo, ela
recebe o poder e a presença vivificante do mesmo Espírito. O Batismo
repete no crente a presença da Trindade, como ocorreu no batismo de
Jesus. Neste ponto se unem o início e o final da carreira terrena de Jesus; o
princípio e a finalidade de vida de todo filho de Deus (Cf. Rm 6.2ss).
"Ensinando-os a guardar todas as cousas", como novo Moisés,
Jesus sublinha a necessidade do ouvir e obedecer a toda a palavra de Deus,
lei e evangelho. Enviado pelo Pai para ensinar, ele repassa essa tarefa a
seus seguidores. Somente o puro e claro ensinamento das verdades divinas
possibilita um sadio crescimento na fé e impulsiona a evangelização,
atividade-fim da igreja cristã. "Estou convosco...": a promessa final é ani-
madora e certa. A obra de Jesus na terra se completa, mas a sua presença
etérea continua, protegendo, guardando, estimulando, pelo Espírito, a seus
seguidores e discípulos de todos os tempos. O seu presente final, ao
despedir-se na Ascensão, é o de sua presença constante e abençoadora,
conferindo poder de testemunhar, de modo a levarmos adiante a obra por
ele iniciada.
"Convosco" refere-se à igreja universal, a seus pastores e crentes. A
promessa se faz aos apóstolos, a seus ofícios, e a todos os ofícios que deles
derivam, em contraposição ao que é mundano, e deve ser por eles
cristianizado. Todos os dias, mesmo os mais difíceis, são dias de redenção
e de presença do Salvador. "Até à consumação do século": Cristo quer
acompanhar os seus aonde quer que vão e pelo tempo que for por eles uti-
lizado, especialmente para anunciar a sua palavra e testemunhar de sua
obra redentora.
Sendo este o evangelho da Ascensão, poderia admirar que o relato
da mesma não é feito por Mateus e João. Está, no en-

234 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


tanto, implícito na promessa de sua onipresença, exposta no texto. A sua
presença invisível e temporal, enquanto aguardamos sua segunda vinda,
será compensada por uma presença eterna em sua companhia, visível e
gloriosa.
Disposição Homilética
O Senhor exaltado ascende ao céu!
1 . Seus inimigos reconhecem nele:
1.1 Seu Rei onipotente
1.2 Sua Testemunha onisciente
1.3 Seu Juiz onipresente.
2. Seus crentes aceitam, pela fé:
2.1 Seu Intercessor e Sacerdote misericordioso
2.2 Seu Mestre e Ensinador sábio
2.3 Seu Irmão, Companheiro e Protetor permanente.
Elmer Flor

SÉTIMO DOMINGO DE PÁSCOA


João 15.26-16.4
12 de Maio de 1991

Assunto

O Salmo do dia (SI 8) atesta que Deus em sua bondade e


misericórdia, lembrou-se do homem, trazendo-o à vida, oferecendo-lhe
uma posição de destaque na criação (SI 8.3-8). Deus não cria somente o
homem, mas tambem o restaura, purifican-do-o de toda sua maldade e
pecado. É Deus quem opera no homem, dando-lhe um coração novo (Ez
36.26) e nele colocando o seu Espírito (Ez 36.27).
Como Jesus havia prometido, o Espírito Santo seria o Consolador
(Jo 15.26), aquele que fortaleceria os discípulos (Ef 3.16) na sua missão de
pregar o Evangelho. Ele não só fortaleceria os discípulos, como também os
ajudaria a lembrar todas as coisas que Jesus lhes havia ensinado (Jo 14.26),
auxiliando-os a compreender e a conhecer mais e mais o amor de Cristo
(Ef 3.18,19). A oração do dia (Preciso Falar — VI, pg. 49) evoca o lema
do domingo, quando lembra que o Senhor que subiu triun-

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 235


fante ao céu (Ascensão) não deixará os seus sem consolo, mas enviará o
Espírito da Verdade, prometido pelo Pai.
Texto e Contexto
Jesus, que amou os seus até o fim (Jo 13.1), assegura a seus
discípulos que eles podem permanecer em seu amor, assim como ele
mesmo, certamente permanece no amor do Pai (Jo 15.9,10). Neste seu
amor pelos discípulos, Jesus os previne do ódio do mundo e
antecipadamente os prepara para isso (Jo 16.1). Eles agora estão
identificados com Cristo, assim como o próprio Cristo está identificado
com o Pai (Jo 15.18,21). E porque Cristo os escolheu, eles agora se
tornaram estrangeiros neste mundo e o mundo os odiará (V. 9; Hb 11.13).
Assim, como servos de seu Senhor, os discípulos certamente herdarão o
ódio do mundo, que perseguiu e ignorou a palavra de Jesus (V. 20; Cf. SI
69.4; Jo 1.10-11). Todos que pertencem a Cristo irão inevitavelmente se
defrontar com o ódio dessa humanidade egoísta e centrada em si mesma.
Os discípulos serão odiados pelos homens que (Como Paulo — Cf. At
7.58, 9.13; 1? Tm 12.13) consideram a si mesmos fazendo serviços a Deus
(Jo 16.2). Mas o ódio do mundo não triunfará, a luz que brilha nesta
escuridão de ódio não será apagada (Cf. Jo 1.5). O testemunho do Espírito
e o testemunho inspirado dos discípulos irá continuar e irá prevalecer.
No início do ministério de Jesus, não havia necessidade de os
discípulos tomarem conhecimento de tais acontecimentos, pois naqueles
dias, e desde então, ele havia estado com eles, como seu amigo e protetor,
guardando-os contra todo o tipo de fraqueza e perseguição. Agora, os
discípulos contariam com a ajuda do Consolador e seriam capazes de
testemunhar, de testificar a respeito da redenção de toda a humanidade
através da obra de Cristo. Com tal e maravilhoso testemunho do alto, para
ampará-los e fortalecê-los, não haveria razão para os discípulos não
realizarem sua tarefa com toda energia e poder; e sem dúvida, não há
nenhuma razão para que os discípulos de hoje não realizem semelhante
tarefa, afinal, o Consolador, o Espírito Santo permanece o mesmo.
Disposição
DIANTE DO ÓDIO DO MUNDO JESUS PROMETE O SEU
■-'
ESPIRITO
Para:
I — Dar testemunho do próprio Cristo (da Verdade)
II — Auxiliar os discípulos em seu testemunho
III — Confortar e consolar os discípulos em sua tarefa.

Ely Prieto

236 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


LIVROS

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO: QUESTÕES


FUNDAMENTAIS NO DEBATE ATUAL. De Gerhard F.
Hasel. Tradução de Jussara Marindir Pinto Simões Farias.
Rio de Janeiro, Junta de Educação Religiosa e Publicações,
1988. 193 páginas.
Aparentemente, um livro de teologia do Novo Testamento. Se, no
entanto, prestarmos atenção ao subtítulo, "questões fundamentais no debate
atual", e examinarmos o índice, logo veremos tratar-se de uma introdução à
disciplina da teologia do Novo Testamento. O livro mostra o que se fez e
ainda faz em termos de teologia do NT. Destaca pontos ou questões que
hoje são debatidos por teólogos de diferentes escolas de pensamento. A
quem eventualmente quiser dar a sua contribuição para a disciplina
"teologia do Novo Testamento", o livro propicia uma boa orientação
metodológica.
No primeiro capítulo, "Primórdios e desenvolvimentoi da teologia
do NT", Hasel traz a história da teologia do Novo Testamento nos últimos
dois séculos. Inicia com a Reforma dio século XVI, passa pelo Iluminismo
(tido como pai do método histórico-crítico), registra as reações de teólogos
conservadores, como von Hofmann, Theodor Zahn, e Adolf Schlatter, e
conclui com uma análise das primeiras décadas do século XX, onde
aparecem Barth, Bultmann, Peter Stuhlmacher, e outros.
No segundo capítulo, "Metologia na teologia do NT", Hasel
apresenta quatro abordagens metodológicas, consideradas por ele as mais
importantes da teologia do NT na atualidade: a) A abordagem temática,
que aparece na obra do anglicano Alan Richardson e do católico-romano
Karl H. Schelkle; b) A abordagem existencialista, representada por Rudolf
Bultmann, e Hans Conzelmann; c) A abordagem histórica, seguida por
Werner G. Kuemmel e Joachim Jeremias; d) A abordagem da história-da-
salvação (Heilsgeschichte), defendida por Oscar Cullmann, Geor-ge E.
Ladd, Leonhard Goppelt e outros. Hasel conclui que não há concordância
entre os principais praticantes da teologia do NT no tocante à questão da
metodologia. Um dos maiores problemas é a questão do lugar de Jesus
dentro da teologia do NT. Outro problema fundamental, onde os autores
divergem, é a questão da reconstrução histórica e interpretação teológica.

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 237


No terceiro capítulo, "O Centro e a Unidade da Teologia do NT", o
autor se defronta com a seguinte questão básica: existe apenas uma
teologia do NT ou várias teologias dentro dele? O método histórico-crítico,
Hasel nos lembra, tende a magnificar as diferenças em detrimento das
semelhanças. Na análise das diferentes propostas de assunto central do
Novo Testamento, o autor indica que, para R. Bultmann e H. Braun, é a
antropologia. Para CuHmann e Conzelmann, a história da salvação. Para
outros, a cristologia.
Num quarto capítulo, intitulado "A Teologia do NT e o AT", Hasiel
constata inicialmente que a teologia do NT se separou da teologia do AT
por volta de 1800. Desde então se discute tentativas de abordar a questão
da continuidade e da descontinuidade entre os dois testamentos. Há duas
tendências opostas: a) supervalorização do NT em detrimento do AT (ten-
dência marcionita, presente em Adolf von Harnack e R. Bultmaim); b)
supervalorização do AT e desvalorização do NT. Hasel apresenta os
seguintes padrões de continuidade ou passagem do AT ao NT: 1. conexão
histórica; 2. dependência escriturai; 3. vocabulário; 4. temas; 5. tipologia;
6. promessa-cumprimento; 7. história da salvação; 8. perspectiva
escatológica.
No último capítulo, Hasel apresenta propostas básicas para uma
teologia do NT, declarando-se favorável a uma abordagem múltipla. São
seis propostas: 1. Deve-se entender a teologia bíblica como uma disciplina
histórico-teológica. 2. Uma teologia do NT fornece, primariamente, uma
interpretação sumária e uma explanação de cada documento do NT ou
blocos de escritos do NT, com vistas a permitir que seus conceitos, temas e
assuntos apareçam e revelem seus parentescos mútuos. 3. Uma apresen-
tação da teologia do NT pode começar melhor com, a mensagem de Jesus,
prosseguindo com as teologias de Mateus, Marcos, Lucas-Atos,
alcançando as teologias! paulina e petrina, culminando com a teologia
joanina e o Apocalipse. 4. A teologia do NT não procura apenas conhecer a
teologia dos vários livros ou grupos de escritos; ela também tenta reunir e
apresentar os temas mais importantes do NT. 5. A disciplina não está
interessada em apresentar ou explicar a variedade de teologias; ela tem
uma teologia em vista, a saber. A teologia do NT. 6. O teólogo bíblico
entende a teologia do NT como parte de um conjunto mais amplo. Uma
teologia integral do NT encontra-se num relacionamento básico com o AT
e a teologia do AT.
Gerhard Hasel, que é professor de AT e Teologia Bíblica numa
universidade em Michigan, revela amplo domínio do assunto e ajuda o
leitor a entender quem é quem na teologia do NT. Além das copiosas notas
de rodapé, que acompanham o texto, o autor inclui quinze valiosas páginas
de "Bibliografia Se-

238 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


lecionada". Para facilitar a pesquisa, a obra inclui um índice onomástico
e de assuntos.
Pela importância da obra, é uma pena que a tradução não seja das
melhores. Em muitos e muitos pontos o leitor fica com vontade de ler o
original, pois o texto português se tornou indecifrável. Conferindo o
original, percebe-se que a tradutora nem sempre entendeu o que Hasel
escreveu. Em alguns casos, o contexto mostra que a tradutora alterou
completamente o sentido. Considere-se, por exemplo, o seguinte
enunciado, à página 152: "O NT completa o incompleto do AT e ainda vai
mais além do eschaton final. Do AT ao NT e mais além, não há um mo-
vimento contínuo em direção ao eschaton, a chegada do Dia do Senhor. De
fato, toda a história do Apocalipse constitui uma peregrinação, que espera
a cidade cujo arquiteto e edificador é Deus (Heb. 11:10)". O que Hasel de
fato quis dizer é isto: "O NT preenche aquilo que o AT deixa em aberto e
ainda vai além, apontando para o eschaton final. Do AT ao NT e dali para
a frente existe um só movimento contínuo rumo ao eschaton, a chegada do
dia do Senhor. De fato, toda a história da revelação é uma só peregrinação,
em que se espera a cidade..." Outro exemplo: "A ideia de 'complexo' não
deve se limitar ao relacionamento mais simples de uma antologia..." (p.
153). Soa interessante, mas o que Hasel de fato diz é isto: "A noção de
'contexto' não deve ser limitada aperras àquilo que está imediatamente
próximo a determinada perícope..." Na passagem da página 165 à 166 lê-
se: "a arqueologia tem sido inútil em proporcionar os cenários históricos,
cultural e social para a Bíblia." O original diz: "a arqueologia tem sido de
valor incalculável ("invaluable") em proporcionar o contexto histórico,
cultural e social da Bíblia". De modo geral, no entanto, isto não impede
que o leitor avisado tire boa parte do que Hasel coloca neste pequeno, mas
valioso, livro.
Vilson Scholz

TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO. Por George


Eldon Ladd. Rio de Janeiro, JUERP, 1985.
O autor foi professor de exegese do Novo Testamento no Fuller
Theological Seminary, Pasadena, Califórnia. Escreveu vários comentários
bíblicos, e também esta obra que agora analisamos.
Trata-se de um livro cujo propósito é familiarizar com a disciplina
conhecida como Teologia do Novo Testamento. Pro-

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 239


cura oferecer uma visão geral, sem preocupar-se em dar ao assunto
contribuições originais ou em solucionar problemas difíceis. O que faz, isto
sim, é levantar e especificar os problemas, oferecendo o que considera
como melhores soluções para os mesmos.
O autor insiste em explicar que é um livro preparado para
estudantes de seminário, e este propósito torna-se em critério delimitador e
determinador de algumas características, como, especialmente, as
referências bibliográficas limitadas.
Destaca-se o fato de que Ladd, nesta obra, analisa todos os livros
do Novo Testamento, procedimento inovador, visto que os demais autores
renomados, que escrevem sobre o mesimo assunto, antes dele, não o
fazem.
O livro está dividido em seis grandes partes. Na primeira são
analisados os principais temas teológicos dos Evangelhos Sinóticos,
dedicando-lhes Ladd 164 páginas (descontando as 32 introdutórias). Na
segunda parte analisa a teologia joanina, em cerca de 190 páginas. Depois,
sob o título "A Igreja Primitiva", trata de Atos dos Apóstolos em cerca de
33 páginas. Novamente espaço maior — cerca de 190 páginas — ocupa o
próximo tópico, que é o apóstolo Paulo. Em quinto lugar vem as Epístolas
Gerais, com aproximadamente 40 páginas. O sexto e último ponto é a
teologia do apocalipse, à qual dedica 11 páginas.
A introdução que George Ladd faz à Teologia do Novo Testamento
não é, em si, tão diversa da grande maioria das que existem no que tange à
estrutura e aos assuntos abordados. Há, contudo, uma grande diferença,
que é abalizadora do livro: sua moderação e ortodoxia. Ladd demonstra
conhecer bem o mundo da erudição e da discussão teológica — através das
referências que faz e das discussões que sustenta — mas não se deixa levar
pelo liberalismo e modernismo teológico, que muitas vezes nada mais têm
de teologia, senão apenas de filosofia e humanismo.
Ao se deparar com a posição de Bultmann, de que a ideia da
revelação de Deus e Seus atos salvíficos em favor da humanidade na
história desta humanidade é mitológica, ele a rejeita por ser modernização.
Ladd reconhece que a Bíblia, quer Bultmann e muitos outros como ele a
considerem mitologia ou não, procura contar a história daquilo que Deus
tem feito, e que também afeta a existência humana.
Ladd reconhece e afirma, contra a erudição adepta do método
histórico-crítico, que Deus existe, pois a sua realidade é assumida em toda
a parte, sendo que a Bíblia também, não se preocupa em provar a sua
existência. A Bíblia assume um ser auto-existente, pessoal, poderoso, que é
o criador do mundo e

240 IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990


do homem, e que se preocupa com o homem. O interesse divino é
motivado pelo pecado do homem, que o levou a um estado de separação de
Deus, trazendo consigo o aguilhão da morte.. A rebelião humana tem
afetado não apenas a existência no campo individual, mas também o curso
da história e o reino da natureza no qual o homem foi colocado. A
redenção é a atividade divina cujo objetivo é a libertação dos homens,
como indivíduos e como sociedade, de seu dilema pecaminoso e a sua
restauração a uma posição de comunhão e favor com Deus.
A Teologia do Novo Testamento depara-se, a grosso modo, com
dois grandes problemas. Um é o da sua tarefa própria, isto é, identificar os
temas teológicos do Novo Testamento e as dificuldades inerentes a eles, e
o outro, firmar-se no cenário da erudição teológica dos últimos tempos,
eminentemente racionalista, filosófico-idealista, liberal e histórico-crítica.
Neste cenário apresenta-se a obra de Ladd, afirmando que a teologia
bíblica não é nem a estória da busca humana com relação a Deus, nem
lampouco uma descrição de uma história da experiência religiosa. A
teologia bíblica é teologia: é primariamente uma história sobre Deus e seu
interesse e cuidado para com os homens. Ela existe unicamente em virtude
da iniciativa divina realizada em uma série de a tos divinos cujo objetivo é
a redenção humana. A teologia bíblica, consequentemente, não é, de modo
exclusivo ou mesmo primário, um sistema de verdades teológicas
abstraías. Constitui-se, basicamente, na descrição e interpretação da
atividade divina no contexto do cenário da história humana, procurando a
redenção do homem.
E assim, este posicionamento equilibrado e claro do autor perpassa
o seu livro, tornando-o obra recomendável para a biblioteca de todo
teólogo.
Irmo A. Hübner

A TEOLOGIA DA CRUZ DE LUTERO. Por Walther von


Loewenich. Tradução de Walter O. Schlupp e Ilson Kayser.
São Leopoldo, Sinodal, 1988. 183 páginas.
O livro é um clássico sobre a teologia de Lutero. Loewenich
conseguiu coordenar toda a teologia de Lutero em torno da ''teologia da
cruz" que detectou nas Teses de Heidelberg de 1518 e nas primeiras aulas
sobre os salmos, nos seus últimos sermões, no De Servo Arbítrio, e na
grande preleção sobre Génesis (p. 22). A "teologia da cruz" se opõe à
"teologia da glória" da teologia

IGREJA LUTERANA/NÚMERO 2/1990 241


romana dominante. A "teologia da cruz" é "determinada maneira de fazer
teologia" (p. 14). Não se trata de uma teologia de "trânsito integral com
Deus", o que seria teologia da glória, mas da teologia que se faz quando
"vemos Deus apenas por detrás", como Moisés (Ex 33.23) (pp. 16, 17). Por
isso a "teologia da cruz é teologia da fé" (p. 18). Ela é "anti-especulativa"
(p. 25).
Na primeira parte Loewenich examina o programa da teologia da
cruz no Debate de Heidelberg. Na 2ª parte faz o desdobramento. Primeiro
examina o conceito do Deus abscôndito, para então desenvolver a doutrina
de Lutero a respeito da te. Opõe fé e sindérese, intelecto, razão,
experiência, para afirmar depois que fé é também experiência. Na 3ª parte
descreve a vida do cristão sob a cruz, mostrando como o estado cristão
também é abscôndito, pois leva ao discipulado do sofrimento, da
humildade, da tentação e da oração. Na 4ª parte relaciona a teologia da
cruz com a mística, fazendo uma análise histórica da relação de Lutero
com Tauler, com a Teologia Alemã, e com a Devoção Moderna.
No capítulo sobre o Deus abscôndito mostra que Lutero afirma que
Deus está oculto sob o véu da palavra e de suas, obras (p. 34) e que, na
realidade, Deus precisa velar-se ao querer revelar-se à fé. Mesmo a "igreja
é abscôndita, os santos estão latentes" (p. 31). "Porém na fé, na palavra, no
sacramento" Deus é revelado e enxergado (p. 36). O Deus "nu" é o deus
dos filósofos (p. 38) e um ídolo (p. 39). Mas o Deus abscôndito está na
base da teologia da cruz (p. 44) porque é o mesmo Deus revelado (p. 31)
em Cristo, escondido na palavra e nos sacramentos.
A doutrina da fé está no centro da teologia da cruz. Quando discute
a relação entre fé e razão Loewenich apresenta as raízes occamistas de
Lutero. Entende que "os enunciados da fé estão radicados em fundamentos
supralógicos" (p. 68). Por isso "Lutero combate a razão na medida em que
ela pretende ser princípio da cosmovisão". É a "prostituta razão". Mas a
deixa valer como "fator cultural" (p. 68, 69), como raciocínio lógico para
servir a teologia. Diz que a fé não pode "ser fixada psicologicamente" (p.
76). Por isso a fé é uma "coisa árdua e difícil", por ela "colocar-se em
oposição a todas, as aparências" (p. 77). Loewenich diz que o objeto da fé
"não é mais o invisível em geral, mas concretamente a palavra" (p. 81). No
entanto Loewenich não identifica esta palavra concretamente com a Es-
critura Sagrada.
A análise do conceito de fé leva Loewenich a revelar algumas
preocupações existencialistas. Embora procurasse retificar no posfácio (p.
170) algumas posições desse seu "primeiro

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trabalho" de 1929 Loewenich não evoluiu de sua posição crítica adotada.
Acha que a ortodoxia luterana, como é oposta a essa linha existencialista,
tem uma "boa dose de teologia da glória", talvez porque aceite uma
revelação positiva de Deus na Escritura Sagrada. Mas Loewenich não
justifica esta sua crítica (p. 89). Sua posição aparece mais quando discute
"fé e palavra" e "fé e Cristo". Entende que "palavra é evangelho", mas
"essa palavra somente é verdadeira para a fé", pois "justamente desta ma-
neira é que a pessoa é colocada diante da decisão" (p. 98). A relação "fé e
Cristo" é colocada corretamente quando afirma que "na própria fé está
presente Cristo" (p. 101). Leímbra que "o Espírito Santo é O' criador da
nova vida" (p. 107). No entanto não encontra em Lutero a identificação de
"palavra" como "Escritura Sagrada", que parece óbvia nos escritos de
Lutero.
Quando fala da vida sob a cruz Loewenich não consegue também
achar a alegria de viver que Lutero tinha na sua liberdade cristã. Somente
encontra passagens que ressaltam o sofrimento. Entende que "a
abscondidade do estado cristão é discipulado do sofrimento de Cristo" (p.
117). É verdade que encontra a afirmação de que "deus odeia a tristeza" (p.
124), mas "a felicidade do cristão é oculta" (p. 125). Parece ler em; Lutero
um pessimismo neoplatônico de desprezo a tudo que é sadio no mundo,
"pois ao cristão falta tudo aquilo que dá ao homem carnal motivo para
alegrar-se" (p. 125). Não encontra em, Lutero a alegria com o "tudo o que
Deus criou é bom" (1 Tm 4.4) e que é parte inerente da sua teologia.
Loewenich não demonstra que Lutero fala de uma "distância interna" das
coisas, não uma distância real. Chega a ler em Lutero uma "negação de
todos os direitos humanos" (p. 130), o que só tem sentido numa "distância
interna", assim que as coisas não devem dominar no cristão. Loewenich, ao
contrário, ouve "sons quase quietistas" (p. 130).
Na análise da teologia da cruz em relação à mística Loewenich faz
a "tentativa de olhar atrás de Lutero" (p. 146) para verificar se há
correlações de Lutero com a mística medieval. Chega à conclusão que há
uma mística diferente na religião cristã. A teologia da cruz é "o mais
rigoroso protesto" contra a mística corrente (p. 155).
A tentativa de unificar a teologia de Lutero dentro do parâmetro da
teologia da cruz certamente tem a sua validade apenas quando não levado a
seus extremos. A teologia de Lutero se baseava numa hermenêutica sadia
das Sagradas Escrituras. Claro que esita posição de Lutero também tinha
como pressuposto a fé como dom que torna o homem espiritual e lhe
concede a possibilidade de "ver o Rei" com os olhos da fé. A fé também
abre espaço ao cristão para viver uma vida real e feliz com "as

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coisas" que Deus acrescenta a quem "busca em primeiro lugar o Reino e
sua justiça". A teologia da cruz lhe informa que esta realidade presente não
é a final. Por essa razão o cristão precisa guardar uma "distância interna"
das "coisas", sem contudo desprezá-las como dádivas de Deus para o
caminho atual. O estudo do professor Loewenich, apesar das lacunas, é
altamente provocante e merece o lugar que ocupa entre os estudos
clássicos sobre Lutero.
Martim C. Warth

O DIDAQUÊ. Por José Gonçalves Salvador. São Paulo,


Departamento de Editoração da Imprensa Metodista, 1980.
O Didaquê também é conhecido pelo título: "O Ensino do Senhor
Através dos Doze Apóstolos". O autor José Gonçalves Salvador divide sua
obra em cinco partes. É, na verdade, um trabalho que ele faz em função do
texto do Didaquê, só que, ao invés de começar com o texto, ele o coloca na
quinta parte, a parte final do livro. Para um melhor aproveitamento da
leitura cu recomendaria que se lesse primeiro a quinta parte (o texto do
Didaquê p.d.) e, depois, se passasse à primeira parte, segunda, etc. Na
primeira parte o autor faz considerações gerais sobre o Didaquê (origem,
cronologia, etc.); na segunda parte ele ressalta algumas informações
contidas no Didaquê (catequese, culto, ascetismo, etc.); na terceira parte
ele aborda problemas sociais à luz do Didaquê (pobres, escravos, crianças,
etc.) e na quarta parte ele destaca aspectos doutrinários do Didaquê (eu-
caristia, batismo, ministério, etc). É bom para o pastor conhecer os escritos
da igreja antiga; enfim, é da história da nossa Igreja Cristã.
Curt Albrecht

HISTÓRIA DAS MISSÕES. Por Stephen Neill. São Paulo,


Edições Vida Nova, 1989. 615 páginas.
Trata-se duma tradução do original inglês, feita em Portugal por
Fernando Barros. Isto significa que a linguagem tem pequenas diferenças
do nosso português; mas é uma tradução fluente, muito boa de se ler. O
livro tem 615 páginas e está

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dividido em duas partes e subdividido em 13 capitulos. O autor, duma
maneira agradável, simples e abrangente, narra a história das missões, isto
é como o cristianismo se expandiu pelo mundo. Ele não fala da missão
duma igreja, duma denominação particular. Ele faz cada capitulo do livro
abranger certo período de tempo. Por exemplo: o capitulo dois “A
Conquista do mundo Romano”. Abrange os anos 100 a 500. Quem quiser
obter uma boa visão, uma visão global da atuação da Igreja Cristã em todo
o mundo nos séculos passados, deve ler este livro

Curt Albrecht

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