Modernismo Cidades de Porte Medio
Modernismo Cidades de Porte Medio
Modernismo Cidades de Porte Medio
ISBN 978-85-61986-40-7
PRESIDENTE
Dra. Damares Tomasin Biazin - Pró-Reitora de Pós Graduação e Iniciação à Pesquisa
DIRETOR
Dr. Fernando Pereira dos Santos
Apresentação
Estes ensaios foram selecionados a partir da realização do 2° Seminário Docomomo Paraná, que acon-
teceu no Teatro Colégio Londrinense, no Centro Universitário Filadélfia – UniFil, entre 17 a 19 de ou-
tubro de 2012, em Londrina.
O Docomomo é uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, e uma entidade assessora do
World Heritage Center da UNESCO, com representação em mais de quarenta países. Fundado em 1988,
na Holanda, atualmente está sediado na Fundació Mies van der Rohe, em Barcelona. Os objetivos do
Docomomo são a Documentação e Conservação das criações do Movimento Moderno na arquite-
tura, no urbanismo e em manifestações afins.
Em 1992 foi criado o Docomomo Brasil junto a Universidade Federal da Bahia – UFBA; entre 2002 e
2007, esteve vinculado com a Universidade de São Paulo - USP, nas unidades de São Carlos e São Paulo;
e desde 2008 está sediado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, em Porto Alegre. Até
2011 já foram realizados nove seminários nacionais.
O Docomomo Paraná foi criado em 2005, vinculado ao Grupo de Pesquisa Teoria e História de Arqui-
tetura e Urbanismo da PUCPR. O 1º Seminário Docomomo Paraná teve como tema: Constituição da
Arquitetura Moderna no Paraná e aconteceu em Curitiba, entre 17 e 18 de agosto de 2006, na PUCPR.
O tema do 2° Seminário investigou a presença da arquitetura moderna na conformação e ocupação
dos espaços em cidades de médio porte, entre os anos 1940 e 1970. No século XX, o intenso processo de
urbanização aconteceu não apenas nas metrópoles, mas em inúmeras cidades brasileiras.
Em Londrina são emblemáticas duas obras de Vilanova Artigas (1915-1985), projetadas em 1948: a Ro-
doviária transformada em museu e o Cine Ouro Verde recentemente incendiado. A presença de obras
de arquitetos consagrados, executados fora das sedes de seus escritórios, somada à atividade de pro-
fissionais radicados nessas cidades compõem um universo de reconhecimento ainda incipiente, cujo
estudo será fundamental para orientar ações de preservação do patrimônio moderno para além do
âmbito das metrópoles. Dentro deste enfoque foram apresentados ensaios com as seguintes vertentes:
Estudo crítico aprofundado de obras da arquitetura do Movimento Moderno produzidas entre as
décadas de 1940 e 1970 nas cidades brasileiras de porte médio não metropolitanas, com vistas a seu
reconhecimento e preservação.
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Análise das relações entre essas arquiteturas e os processos de urbanização das cidades brasileiras de
porte médio não-metropolitanas.
Debate teórico-crítico sobre propostas e resultados de intervenções em arquiteturas e espaços urbanos
relevantes da arquitetura do Movimento Moderno em cidades de porte médio não metropolitanas.
A participação de Carlos Eduardo Comas, Ruth Verde Zein e Irã Taborda Dudeque foi de fundamental
importância para elaboração do conteúdo e do programa do seminário.
A comissão científica, coordenada por Maria da Graça Rodrigues, contou com a participação de André
Augusto de Almeida Alves, de Maringá; Antonio Zani e Juliana Suzuki, de Londrina; Carlos Eduardo
Comas e Claudia Cabral, de Porto Alegre; Cecilía Rodrigues dos Santos, Maria Alice Junqueira Bastos e
Ruth Verde Zein, de São Paulo e ainda Irã Taborda Dudeque, Leonardo Oba e Maria Luiza Dias Marques,
de Curitiba.
A realização deste evento não teria sido possível sem o empenho dos professores Leandro Henrique de
Magalhães e Elaine Zanon. Além da fundamental participação da UniFil e da Secretaria Municipal de
Cultura de Londrina, o evento também contou com o apoio do Instituto Vilanova Artigas de Curitiba
e do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Paraná – CAUBR.
Janeiro de 2013
Salvador Gnoato
Secretário Executivo Docomomo Brasil
LUCIO COSTA: TRÊS OBRAS E A CRIAÇÃO DOLUGAR EM CIDADES BRASILEIRAS DE
10 PEQUENO E MÉDIO PORTE
Anna Paula Moura Canez1
Alex Carvalho Brino2
Introdução
A historiografia registra a inquestionável relevância da obra de Lucio Costa, mentor e protagonista
da arquitetura moderna brasileira, embora muitos de seus projetos e obras, carregados de significado,
ainda hoje apresentem aspectos pouco explorados. Este trabalho visa discorrer principalmente sobre
um destes aspectos - o lugar, suas hierarquias, seus limites e suas conexões em três significativas obras
de Costa.
A palavra “lugar” tem sua origem na expressão latina locus e sua compreensão, normalmente, está
associada também ao espaço territorial, o chamado luogo em italiano. Tais expressões colaboram para
entender o lugar como algo que não está relacionado apenas a uma posição geográfica, aos limites
espaciais de uma determinada obra arquitetônica, mas ao entendimento do espaço físico coligado ao
contexto sócio, político econômico, cultural e físico, constituindo o chamado lugar temporal como bem
definiu DANTAS3, assim como, na definição de NORBERG-SCHULZ4, o ato fundamental da arquitetura é
compreender a vocação do lugar, ou ainda, nas palavras do arquiteto japonês Tadao Ando, a finalidade
da arquitetura é basicamente a construção do lugar5.
Nos três exemplares arquitetônicos que abrigam distintas funções, escolhidos para análise e apresen-
tados a seguir, o Museu Nacional das Missões, construído junto às ruínas de São Miguel - RS (1937);
a Residência Saavedra, localizada em Correias - RJ (1942-44) e o Park Hotel, em Nova Friburgo - RJ
(1944), Lucio Costa revela a sua capacidade de compreender e dominar a composição do lugar, procu-
rando estabelecer hierarquias e construir o seu espaço de entorno imediato. As três foram projetadas e
construídas após o período de formação moderna de Lucio Costa, que se estendeu desde a sua atuação
como diretor da Escola Nacional de Belas Artes, a sociedade estabelecida com Gregori Warchavchik,
até o período chamado por ele de chômage, onde se dedicou a aprofundar seus estudos a respeito da
obra de Walter Gropius, Mies Van der Rohe e, sobretudo, Le Corbusier.
É a partir de 1936 que Lucio Costa assume a liderança da modernização da arquitetura brasileira com a
oportunidade de realizar em equipe o projeto do Ministério de Educação e Saúde Pública (MESP), soli-
citado pelo então ministro Capanema, após frustrado resultado de concurso público que não atingiu os
propósitos governamentais. O convite à Le Corbusier, autorizado pelo então ministro, para atuar como
consultor no projeto do Ministério se desdobrou em outro projeto importante - a Cidade Universitária
do Brasil. Em 1937, Lucio Costa passa a participar do então SPHAN, sob a coordenação de Rodrigo de
Melo Franco de Andrade em parceria com Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Afonso Arinos de Melo
Franco e Sérgio Buarque de Holanda. É neste contexto que Lucio Costa aprofunda seu conhecimento a
respeito da arquitetura colonial brasileira.
Fig. 01: Maquete eletrônica (modelo 3D) e fotografia do Museu das Missões.
Fonte: www.dspace.uniritter.edu.br.
Com base no princípio geométrico de conservar o vértice para construir ou manter um determinado
volume, pois mesmo considerando que a aresta não esteja totalmente presente, o vértice permite a
leitura do todo, uma vez que indica o início ou fim de um determinado segmento de reta, Lucio Costa
garante que ao se observar o conjunto formado pela igreja, o museu e a residência do caseiro se recrie
as dimensões e se perceba os limites da antiga praça missioneira.
Deste modo, o que se alcança é a possibilidade de gerar espaço, ou melhor, retomar a forma da antiga
praça, definir uma região, um lugar, através do posicionamento do novo edifício. Esta percepção é o
fator que fortalece, pois cria o lugar físico, material e perceptível. A implantação do novo edifício
alinhado com o eixo principal da antiga igreja em uma solução aparentemente óbvia resultaria na
indefinição de tais limites com a consequente perda da noção da praça.
Lucio Costa, além de possibilitar a compreensão da forma da antiga praça, também está preocupado
em apresentar uma solução que, embora reutilize o próprio material encontrado no sítio missioneiro
na construção do museu e da casa, cria um espaço baseado nos princípios vigentes da Nova Arquite-
tura. Nesta obra ele utiliza a continuidade espacial permitida pelos espaços fluídos, a flexibilidade, a
liberdade do plano vertical pela supressão inicial da vedação do edifício e a pureza volumétrica do
volume maciço da residência em conjunto como volume único do museu. A diferenciação quanto ao
sistema de vedação, onde a residência apresenta uma constituição murada se contrapõe ao museu
fazendo uma identificação volumétrica e funcional.
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A configuração da residência organizada em duas barras perpendiculares formando um “L” tem como
intenção a definição de algumas hierarquias. O grande “L” do pavimento superior demarca o espaço
ao redor estabelecendo uma região interna e outra externa. Em tal configuração, quando analisada
em conjunto com as características funcionais observadas em planta, percebe-se que a região interna,
voltada para a estrada, tem por característica principal abranger as áreas de circulação horizontal e
sanitários, compreendidas em uma faixa de pequeno calibre. No lado externo deste “L”, voltado para a
direção sudeste e nordeste, estão localizados os ambientes que constituem a faixa de maior extensão
do programa, formada principalmente pelos dormitórios, salas de estar e jantar. Tal organização peri-
férica no lado externo do “L” dispõe assim, os setores de permanência prolongada voltados para o rio,
com vista panorâmica da região.
O caminho que conduz à residência se bifurca criando duas possibilidades de acesso, o principal liga
diretamente com o hall na parte inferior do “L” junto à face externa, já o outro, secundário, acessa o
serviço, no espaço formado entre a casa e a estrada, no interior do “L”. Nesta obra, o “L” define uma
região social e outra de serviço e o pátio interno é limitado por um muro que encerra esta região.
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Do ponto de vista do lugar temporal, esta residência apresenta um equilíbrio entre os preceitos mo-
dernos de estrutura independente, fachada livre, liberação do solo através do uso de pilotis e pureza
volumétrica. A materialidade diferenciada do pavimento térreo reforça a noção de zoneamento fun-
cional entre os dois pavimentos.
Fig. 03: Implantação, plantas do térreo, 2 pavimento e foto do Hotel São Clemente. Fonte: www.dspace.uniritter.edu.br.
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A distinção possibilitada pelo duplo “L” permite a criação de espaços hierarquicamente caracterizados
sem com isto definir uma fachada principal e outra de fundos. Respeitando os princípios modernos, a
casa está envolta pelo espaço aberto. A diferenciação entre os espaços se dá principalmente devido à
configuração dos planos verticais estabelecidos pelo edifício.
A associação desta obra a modernidade, não está apenas vinculada a inserção do prédio em meio ao
parque. Em relação à materialidade, Lucio Costa estabelece um diálogo com o entorno, uma vez que
se utiliza de matérias locais, como a pedra e a madeira, além de se valer dos brises junto à recreação,
constituídos também pela cobertura das sacadas e os planos de divisão entre as mesmas.
Outro aspecto importante diz respeito à diferenciação volumétrico/funcional registrada através dos
materiais que caracterizam suas distintas partes, tais como: o volume de alvenaria branca dos dor-
mitórios, a madeira escura da circulação horizontal do segundo pavimento, a circulação vertical em
pedra irregular, os planos envidraçados do pavimento térreo na área social e ainda, o volume de al-
venaria branca ao rés do chão, destinado ao apoio.
Considerações Finais
O Museu Nacional das Missões é, sem dúvida, das três, a obra mais reconhecida quanto a este aspecto.
Sua implantação recria a praça central do povoado missioneiro e a simples inserção do museu propria-
mente dito e da casa do caseiro, garantem tal delimitação. A Residência Saavedra, inserida em meio à
paisagem natural, não possui qualquer referência construída ao seu redor, sua implantação original é
composta por duas grandes barras horizontais elevadas, constituindo um “L” que define um conjunto
de espaços com diferentes hierarquias.
O Park Hotel São Clemente parece não ter sido pensado de forma diferente das outras duas obras. Pro-
jetado igualmente na condição de marco referencial, é ele quem delimita através de sua implantação,
que marca o espaço ao seu redor.
Por fim, resumindo, as três obras apresentadas neste trabalho demonstram três situações particulares
de uso do “L” como elemento capaz de organizar e definir o espaço aberto. O Museu das Missões o
apresenta como vértice da praça, a residência Saavedra o utiliza como definidor do espaço de serviço
junto à estrada e o espaço principal voltado ao rio. Por fim o Hotel São Clemente utiliza o “L” duplo
como organizador dos pátios social e de serviço.
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Referências Bibliográficas
BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil - São Paulo: Perspectiva, 2002.
CANEZ, Anna Paula; SILVA, Cairo Albuquerque da (Org.). Composição, partido e programa: uma visão
crítica de conceitos em mutação. Porto Alegre: UniRitter, 2010.
CAVALCANTI, Lauro - Quando o Brasil era Moderno: guia de arquitetura 1928-1960, Rio de Janeiro.
Aeroplano, 2001.
COSTA, Lucio; Alberto Xavier (Org.). Lúcio Costa: sobre arquitetura. Porto Alegre: UniRitter, 2007.
COSTA, Lucio; Alberto Xavier. (Org.). Lúcio Costa: sobre Arquitetura. Porto Alegre: CEUA, 1962.
COSTA, Lucio. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995.
COMAS, Carlos Eduardo Dias. Precisões Brasileiras sobre um passado da arquitetura e urbanismo
modernos a partir dos projetos e obras de Lucio Costa, Oscar Niemeyer, MMM Roberto, Affonso
Reidy, Jorge Moreira & Cia., 1936-45. 2002. Tese (Doutorado em Arquitetura) - Université de Paris VIII,
Paris, 2002. CDROM.
NESBITT, Kate (org). Uma nova agenda para arquitetura: antologia teórica 1965-95. São Paulo: Cosac Naify,
2006.
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil: 1900-1990. São Paulo: Editora USP, 2002.
WISNIK, Guilherme. Lucio Costa. São Paulo: Cosac & Naify, 2001
XAVIER, Alberto. Depoimento de uma Geração: arquitetura moderna brasileira. São Paulo: Cosac Naify,
2003.
A ESTAÇÃO RODOVIÁRIA DE JANDAIA DO SUL – PR, INVENTÁRIO DE UMA OBRA
BRUTALISTA 17
INTRODUÇÃO
A região norte do Paraná que nas primeiras décadas (1930-1950) teve seu desenvolvimento associado
ao transporte ferroviário, e testemunhou, a partir da década de 1960, a passagem do antigo sistema
modal para o sistema rodoviário. Os novos edifícios de estações rodoviárias implantados nas cidades
da região foram projetados sob a estética do movimento moderno. Dentre os mais conhecidos figura a
Estação Rodoviária de Londrina com projeto de João Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi, já amplamente
estudada (SUZUKI, 2003). No entanto, diversas outras estações rodoviárias foram construídas na região.
O inventário desses edifícios revela que muitos deles foram projetados por arquitetos ou engenheiros
que dialogavam, em seus projetos, com o ideário da arquitetura moderna, como é ocaso da Estação
Rodoviária de Maringá (SANTOS, GONÇALVES, MACEDO, 2007) ou da Estação Rodoviária de Jandaia do
Sul, fruto desse trabalho. A reunião desses inventários pode revelar um grande patrimônio histórico,
artístico e arquitetônico da região. O projeto para a rodoviária e praça de Jandaia de Carlos Sergio
Fontoura Bopp em particular, demonstra o diálogo do arquiteto com a escola brutalista amplamente
empregada em construções do período.
A ESTAÇÃO RODOVIÁRIA
O programa de necessidades exigia uma rodoviária para uma cidade que estava em seus primeiros
anos de existência, crescia rapidamente e atendia a vários patrimônios de seu entorno. Assim no ano
de 1969 foi inaugurada, na gestão do prefeito João Pagliarini, a Estação Rodoviária na cidade de Jan-
daia do Sul.
Nos primeiros anos de sua existência, a Estação Rodoviária e a Praça, eram o local de encontro e lazer
da cidade e dos municípios vizinhos, principalmente nos fins de semana, onde aos domingos, era muito
frequentada pelas famílias, que se divertiam em volta da fonte, de onde era reproduzidas músicas da
época. Os costumes desses moradores se adaptou ao desenho moderno da praça. Os bancos contínuos,
os canteiros com plantas tropicais e as calçadas de mosaico português projetados por Bopp acompa-
nhavam forte influência dos jardins de Roberto Burle Marx.
O edifício da Estação acompanha a escola Brutalista. Para analisarmos o projeto do arquiteto recor-
remos ao auxilio da tese de Ruth Verde Zein (2005), sobre essa arquitetura e elencamos a seguir as
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Considerações Finais
A falta de manutenção gerado pelo descaso das administrações municipais, fez com que a Estação Ro-
doviária ganhasse com o passar dos anos, um aspecto de abandono, que com o passar do tempo vem
perdendo sua história, como por exemplo houve muita dificuldade para reunir dados e informações
sobre a Estação Rodoviária, pois grande parte dos desenhos arquitetônicos foram perdidos e não há
muitos documentos que conte a história desta construção.
No entanto, o caráter brutalista da construção resiste ao tempo. O que um dia foi cartão postal e or-
gulho da cidade de Jandaia do Sul, hoje se resume a uma construção que apenas sobrevive em meios
as transformações do tempo e do vandalismo.
Para a valorização do edifício como patrimônio histórico, artístico e cultural da cidade de Jandaia do
Sul, deve-se preservar o patrimônio por meio de:
- Documentação e registro;
- Instrumentos legais - tombamento;
- Intervenções físicas como restauro e conservação;
- Ações educativas.
Através da educação patrimonial, que é um instrumento de alfabetização cultural por meio da com-
preensão do espaço sócio-cultural, será possível que o patrimônio seja mantido e compreendido, para
que as futuras gerações possam usufruir deste bem (MAGALHÃES, 2009). Uma vez que parte da popu-
lação não possui este conhecimento. E através do tombamento, será possível garantir a preservação
- legalmente, da rodoviária.
Referências Bibliográficas
GUIMARÃES, Terezinha Barbosa. Jandaia do Sul: Passado e Presente. Jandaia do Sul: 2006.
MAGALHÃES, A. et. al. Educação Patrimonial: da teoria à prática. Londrina: Unifil, 2009.
YAMAGUCHI, Toshio. Acervo pessoal de fotos antigas de Jandaia do Sul. Jandaia do Sul, 1941 - 1965.
ZEIN, Ruth Verde. A Arquitetura da Escola Paulista Brutalista 1953 - 1973. São Paulo e Porto Alegre,
2005.
DA REVOLTA TENENTISTA AO PLANO DIRETOR DE 1978:
22 O CASO DE CASCAVEL, PR E SEU URBANISMO MODERNISTA
Caio Smolarek Dias1
Fúlvio Natércio Feiber2
Hitomi Mukai3
Solange Irene Smolarek Dias4
Introdução
O presente trabalho apresenta recorte de pesquisa materializada na publicação “Cascavel: um espaço
no tempo. A história do planejamento urbano” (DIAS et al, 2005). Apresenta a história e configura-
ção espacial da cidade de Cascavel-PR no período de 1930 a 1980, onde a influencia do urbanismo
modernista, através da corrente progressista, foi predominante. A metodologia adotada é a pesquisa
bibliográfica, entrevistas com atores partícipes do processo de planejamento urbano do Município de
Cascavel e, também, experiências pessoais dos quatro autores.
Apresenta a cidade como palco da ação do tenentismo; revolução que culminou com a ascensão de
Getúlio Vargas à presidente da República do Brasil. Apresenta ainda o processo de colonização da ci-
dade de Cascavel como consequência desse movimento político, pois quem para cá vinha, buscava a
tranquilidade e o obscurantismo da região, como proteção à possível perseguição política. Estabelecido
o vilarejo, este cresce. O advento da extração da madeira o torna ilha de prosperidade na década de
1960, o que exige a transferência da estrada que ligava a capital do estado à Foz do Iguaçu para o sul
da área urbana. No processo de transferência da estrada foi criada, em projeto inovador, a Avenida
Brasil.
Este é o marco inicial para as futuras ações do planejamento municipal, nesse momento fortemente
identificado com o urbanismo progressista. Se no mundo o urbanismo progressista era a receita, no
Brasil era modelo: pelas ênfases metodológicas centradas em diagnósticos físico territoriais, as ações
priorizavam obras físicas. Esta condição desencadeou a elaboração de Planos Diretores de Uso e Ocu-
pação do Solo e Leis Urbanísticas por todo o território nacional. As ações vieram em cascata, passando
essas a serem exigências do Governo Federal e do Governo do Estado do Paraná. Fazia-se necessário,
então, para que o município pleiteasse recursos de infraestrutura urbana, que o mesmo possuísse seu
1. Arquiteto e professor nas Faculdades Assis Gugacz FAG, Cascavel.
2. Arquiteto e professor nas Faculdades Assis Gugacz FAG, Cascavel.
3. Arquiteta e professora nas Faculdades Assis Gugacz FAG, Cascavel.
4. Arquiteta e professora nas Faculdades Assis Gugacz FAG, Cascavel.
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Plano Diretor. Lembremos que o respaldo popular não era a prática, pois os tempos eram de ditadura.
Estes planos eram em sua maioria elaborados por técnicos e aprovados por políticos, muitas vezes em
atos legalistas que ocorriam através de decretos.
Em Cascavel, a primeira ação de organização do espaço urbano ocorre em 1974, com a contratação
da profissional da arquitetura e urbanismo, Solange Irene Smolarek, para a elaboração do Código de
Obras, Lei de Zoneamento e Lei de Loteamentos, as três para a área urbana municipal. Em 1978, o mu-
nicípio já contando com a instalação de estrutura administrativa de planejamento urbano, contrata
a consultoria do arquiteto Jaime Lerner, que elabora, em conjunto com a equipe técnica municipal, o
Plano Diretor. Apesar da corrente metodológica do consultor ser humanista, este plano ainda apresen-
ta obras físicoterritoriais, da tendência progressista.
No entanto, e apesar da ênfase da corrente progressista, pela primeira vez na história da cidade e pela
sensibilidade da equipe de consultores, nesse plano é constatada a importância e representatividade
das nascentes e fundos de vale, especialmente no centro urbano. Esta situação é enfatizada na pro-
posta, que recomenda a preservação das margens dos fundos de vale com parques lineares, uma vez
que alguns deles estão ocupados por loteamentos, inclusive legalmente aprovados pelo poder público
municipal. Desse Plano Diretor resultam novas leis de Zoneamento e de Sistema Viário, além de plano
de ação de obras significantes para a cidade, como o Centro Cívico, o calçadão da Av. Brasil e outros.
A colonização
Em 1889 o país, sofrendo várias pressões abolicionistas, principalmente de países como a Inglaterra
– que lucrariam mais no comércio com um país sem mão-de-obra escrava –, se viu na necessidade
de explorar e colonizar seu interior, principalmente nas regiões de litígio ou divisão de fronteiras. “A
abolição da escravatura, em maio, colocava nas ruas um contingente imenso de deserdados”. (SPERAN-
ÇA,1992. p. 46). Com a escravatura abolida, os senhores se viram sem mão-de-obra. A Itália, que passava
por uma grande crise econômica, foi o perfeito “cliente” para os planos brasileiros de substituição de
escravos. Após a colonização da região da foz do Rio Iguaçu por estrangeiros, foi iniciada a primeira
missão de reconhecimento de território e abertura de um caminho, a picadas, de Guarapuava até a
atual cidade de Foz do Iguaçu.
Na época, pouquíssimas são as cidades que contam com uma organização populacional e de cresci-
mento para seu desenvolvimento. Esta situação diverge na forma em relação à Cascavel. O começo da
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organização populacional desta cidade, chamada de “A Encruzilhada”, lugar que antecedeu a cidade, e
que desde seu princípio já contava com uma infraestrutura de estradas muito maior que a necessária.
Esta é uma característica significativa, e que acompanha o desenho urbano da cidade até o século XXI:
no começo da segunda década do século XX, quando os imigrantes, conjuntamente com argentinos e
paraguaios, se dedicam ao extrativismo da erva-mate para as grandes empresas da região, a cidade já
contava, mesmo que de uma maneira certamente não proposital – não planejada, urbanisticamente,
com uma infraestrutura de estradas avantajada, para a época.
O advento da colonização de Cascavel se deve principalmente como consequência de um movimento
de cunho nacional, a Revolta Tenentista. Os “tenentes”, comandados pelo general Isidoro, contavam
com seis mil soldados e civis. Conhecidos como a Coluna Paulista passaram pela cidade de Bauru (SP),
chegando às margens do Rio Paraná. Em Três Lagoas, no então Estado do Mato Grosso foram derro-
tados, refluindo em direção ao Sul. (PRESTES, s.d.). Dominaram Guaíra, Foz do Iguaçu e Catanduvas
durante o período de outubro de 1924 a março de 1925. A ação de pilhagem da parte dos revolucioná-
rios fomentou extrema indignação e revolta na população territorial da época. A partir daí, a Coluna
Paulista rumou para Foz do Iguaçu, onde se uniu com outros revoltos, liderados por Luis Carlos Prestes,
formando a então chamada Coluna Prestes, encerrada somente em três de fevereiro de 1927, com o
exílio de seu líder na Bolívia.
O pleito presidencial de 1929 contou com os candidatos Júlio Prestes, representando São Paulo, Para-
ná e quinze outros estados, defendendo os interesses da elite cafeicultora; e o gaúcho Getúlio Vargas,
representando a Aliança Liberal. Nas eleições o candidato Júlio Prestes tornou-se sucessor ao cargo de
Washington Luís.
Próximo à Catanduvas, na cidade de Laranjeiras do Sul, residia José Silvério de Oliveira, também co-
nhecido como “Nhô Jeca” ou “Tio Jeca”, proprietário de um bar com armazém era conhecido por ser
adepto da Aliança Liberal. Temendo perseguição política por ter apoiado o candidato oposto a seu es-
tado e derrotado nas eleições, José Silvério decidiu se mudar para um lugar inóspito e ermo. Foi então
que resolveu arrendar parte das terras de um senhor chamado Antônio José Elias, conhecido como
Antônio Diogo, nos arredores da Encruzilhada dos Gomes, lugar que já era de seu conhecimento e de
grande apreciação.
Após a chegada de Nhô Jeca a Cascavel, este recebe a notícia de que a Aliança Liberal havia constituído
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um golpe de Estado, destituindo o futuro presidente Julio Prestes para empossar o gaúcho Getúlio Var-
gas. Este advento, conhecido como a Revolução de 1930, ocorreu alguns dias antes da posse oficial do
futuro presidente. Apesar dos destinos que a revolução tomou, José Silvério, aqui já instalado, pressen-
tiu o enorme potencial de desenvolvimento na região, especialmente pelo grande fator de localização
geográfica, favorável às ligações entre norte e sul e entre leste e oeste. A partir deste momento, Silvério
iniciou um movimento para a colonização do território, convidando vários amigos a se mudarem para
a região.
A partir das décadas de 1930 a 1940, milhares de colonos sulistas, na maioria descendente de polone-
ses, ucranianos, alemães e italianos, assim como caboclos oriundos das regiões cafeeiras, começaram a
exploração da madeira, agricultura e a criação de suínos. Cascavel torna-se distrito em 1938. O distrito
emancipou-se em 14 de dezembro de 1952. A ocupação por habitações e serrarias – pois neste momento
o ciclo econômico de colheita da erva mate já tinha sido substituído pelo extrativismo da madeira,
ocorreu ao longo do eixo físico da antiga estrada de ligação do litoral com o extremo oeste paranaense.
Essa característica de ocupação linear refletiu nas áreas de maior valorização e concentração popula-
cional, marcada hoje pela atual avenida Brasil.
Foz do Iguaçu cedeu uma área de 500 hectares para a formação da cidade de Cascavel. Em 1959, a área
cedida à Cascavel foi redividida e a planta foi aprovada por sentença administrativa através da lei
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municipal nº 90/59 de 03/11/59, correspondendo à planta do Patrimônio Velho, que abrangia da Rua
Sete de Setembro até a Rua Alferes Tiradentes, atual Rua Pres. Juscelino Kubitschek; e da Rua Manaus
à Rua Cuiabá. O Estado loteou o Patrimônio Novo que abrangia da Rua Sete de Setembro até o limite
das Ruas José Bonifácio e Rosa Norma Vessaro, no Bairro São Cristóvão, do qual foi elaborada uma
segunda planta, aprovada pelo Estado.
e 1970, apresenta aos pioneiros locais a profissão de arquiteto, o que inspira aos filhos da terra se des-
locarem para Curitiba para que, na UFPR, se graduassem em Arquitetura e Urbanismo. Entre eles Vitor
Hugo Bertolucci e Luiz Alberto Círico, cascavelenses, pioneiros e filhos de pioneiros, profissionais da
arquitetura e urbanismo que possuem projetos e obras em diversos sítios do território nacional.
Fig.02: Vista da Avenida Brasil. Abaixo se encontra o atual centro da cidade. 1965.
Fonte: Museu da Imagem e do Som de Cascavel - MIS.
Na virada da década de 1960 para 1970, além da estrutura física, a cidade estruturava-se administra-
tivamente e, em atitude ainda não comum nos demais municípios paranaenses, o prefeito Octacílio
Mion, com indicação do professor/arquiteto Gama Monteiro, contrata como funcionário municipal o
arquiteto Nilson Gomes Vieira, recém-formado pelo CAU-UFPR. Nilson, arquiteto de expressão regional,
vem a ser o primeiro profissional da arquitetura e do urbanismo na cidade de Cascavel. Entre projetos
arquitetônicos ousados para a época – a nova Prefeitura Municipal na Rua Paraná é exemplo, em sua
ação de funcionário municipal, organiza um sistema de aprovação de projetos e fiscalização de obras
públicas e privadas, no primeiro modelo de controle urbano municipal.
Nos anos de 1960, a cidade foi marcada pelo ritmo de crescimento acelerado, saltando de uma popu-
lação de 4.874 pessoas que viviam ao longo da rodovia para, no final da década, contar com 34.813
habitantes. Ocorre que, e em tradição que será mantida ainda no século XXI, a alternância político-ad-
ministrativa do executivo municipal, é de oposição ao prefeito anterior. No caso, o prefeito que assume
é o jovem Pedro Muffato, comerciante e desportista do automobilismo, e que governa a cidade de 1973
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a 1976. Por motivos político-partidários, o novo prefeito muda a equipe municipal. Como Secretário
Geral do Município, cargo máximo e acima das demais secretarias municipais, e correligionário do
prefeito, assume o advogado Aldo Parzianello.
Aldo, em sua visão de estrategista, mantém contato com professores da UFPR, entre os quais o pro-
fessor Gustavo Gama Monteiro. O secretário geral propõe aos alunos graduandos da UFPR, serem hós-
pedes do município de Cascavel nas férias de julho de 1973 e, em troca de pouso, alimentação e um
salário mínimo, os graduandos da UFPR elaborariam um diagnóstico da situação municipal, em cada
uma das suas áreas específicas de conhecimento. Assim ocorreu: vieram graduandos de Direito, Medi-
cina, Economia, Assistência Social e Arquitetura e Urbanismo, entre outros. Do Curso de Arquitetura
e Urbanismo, como acadêmicos graduandos da UFPR em 1973, indicados e convidados pelo professor
Gustavo Gama Monteiro, vieram Sérgio Roberto Parada e Solange Irene Smolarek.
Durante o estágio, e por questão de afinidade de linguagem, Solange é convidada a, após sua gradua-
ção, ser funcionária do município, situação que ocorre em fevereiro de 1974. A missão de Solange é a
de elaborar as primeiras leis urbanísticas de Cascavel, o que acontece durante o ano de 1974.
ocorrem da seguinte forma: Eixo Av. Brasil – mostra-se como uma tendência já consolidada; Av. Carlos
Gomes – direciona a tendência de crescimento Sul; Eixo da ligação Cascavel – Assis Chateaubriand, ao
longo da BR 467, direciona a tendência Norte. Com respeito à área militar, o diagnóstico é de que a
mesma apresentava-se quase ilhada, com exceção à área reservada ao Parque Municipal.
Alerta o plano que, ao apresentar uma baixa densidade demográfica, elevam-se os custos de implanta-
ção e manutenção das redes de infraestrutura urbana. Ainda no que diz respeito à estrutura urbana,
a ocupação desordenada resultou em uma série de vazios urbanos, sendo que o crescimento explosivo
é gerado principalmente pela especulação imobiliária.
Quanto à vocação econômica observada, é a de comércio e serviço, havendo, no entanto, a tentativa
de modificação desta tendência através de processo de industrialização, com ênfase na implantação
de unidades de beneficiamento de produtos agrícolas.
No plano é constatada também a carência de áreas de lazer, sendo esta a principal deficiência observa-
da em Cascavel. O índice de área verde é informado como sendo de 1,08 m2/habitante; irrisório uma
vez que o mínimo recomendado é de 12,00 m2/habitante. O levantamento de Jaime Lerner salienta
ainda que o Plano Diretor de Desenvolvimento de 1974 constitui a 1ª experiência válida realizada em
Cascavel. Descreve os aspectos econômicos, sendo o Setor Primário o que exerce maior influência;
também que Cascavel tende a se fortalecer, economicamente, à medida que se consolida como polo
regional.
31
A estrutura urbana proposta no plano da consultoria de Jaime Lerner começa informando que o
tipo de ocupação linear é que define a estrutura urbana. Na sequência, descreve a ocupação pioneira,
através de vias de penetração ao longo do divisor d’águas (ligação Curitiba – Foz do Iguaçu). Com a
implantação da BR 277, houve a possibilidade da transformação da Av. Brasil, com obras de infraestru-
tura e de paisagismo para atenuar a escala, possibilitando ainda à cidade ganhar área verde, através
dos canteiros centrais.
A rodovia 277 e a BR 467 delimitam o processo de expansão urbana, formando uma envoltória ao lon-
go do eixo estrutural, sendo que a Oeste o contorno Toledo / Foz do Iguaçu, completa o desenho. No
extremo oeste da área urbana, onde ficava o antigo campo de pouso, no final da Av. Brasil e na saída
para Foz do Iguaçu, foi previsto o novo terminal de transporte coletivo intermunicipal – rodoviária
municipal.
Esse setor se caracterizaria por abrigar o terminal de transporte da escala rodoviária para a urbana.
Ainda nesta área foi previsto um Centro de Vivência, para uso de pedestres, possibilitando atenuar a
perspectiva da Av. Brasil. No futuro deveria ser destinada à construção de teatro, comércio mais sofis-
ticado e administração pública, no que viria a ser o atual “Centro Cívico”.
O plano contempla também o Parque da Cidade, que deveria ser equipado com canchas, playground
e restaurante; além das ruas transversais à Av. Brasil, junto às áreas de animação (escolas, bares,
praças), as quais deveriam ser transformadas em ruas de recreação, dotadas de equipamentos comu-
nitários de lazer. Esses trechos teriam continuidade até se encontrarem com os fundos de vale, fossem
preservados ou ocupados.
Em termos de uso do solo, a proposta era a de adensamento habitacional ao longo da Av. Brasil,
inclusive pelo fato dos índices propostos reduzirem substancialmente os índices urbanísticos então
permitidos. Dessa forma, as quadras lindeiras à espinha dorsal, abrigariam edificações de até 07 pavi-
mentos, a quadra subsequente até 04 pavimentos e as demais, com baixa densidade, até 02 pavimentos.
A proposta de uso do solo procurava compatibilizar a baixa densidade existente com a programada
estimando-se que, verificadas as condições de ocupação do eixo estrutural – contida na área limitada
pelas BR 277, BR 467 e o contorno Toledo/Foz do Iguaçu –, fosse atingido o total de 846.000 habitantes,
correspondendo a 196 hab/ha.
A carência de áreas destinadas à recreação era constatada como uma das maiores deficiências obser-
32
vadas, sendo necessário um programa específico voltado a suprir a falta de alternativas de lazer.A
implantação tem como proposta a de elevar o índice de áreas verdes de 1,08 m2/habitante para 20,92
m2/habitante; contempla ainda a revitalização da área central, visto a necessidade de consolidar o
ponto de encontro no trecho da Av. Brasil.
O trabalho de consultoria de Jaime Lerner alerta para a existência de diversos cursos de água dentro
da malha urbana de Cascavel, e propõe na Lei de Uso do Solo o distanciamento mínimo de 50 m do
eixo dos fundos de vale para qualquer tipo de construção. Em áreas já comprometidas, deveriam ser
tomadas medidas visando a proteção dos referidos fundos de vale, inclusive a desapropriação, quando
necessária. Propõe também a possibilidade de instalar nestas regiões equipamentos de lazer, visando
proporcionar áreas de convívio no nível de bairro. Informa ainda o plano, que o Rio Cascavel, dada
sua localização e topografia, permitiria a formação de um lago e aproveitamento de sua área para a
criação de um parque, com uma desapropriação de 618.000 m2 (93.000 m2 destinados ao lago).
Este trabalho, de visão estratégica e abrangente, transformou-se nas leis de zoneamento e uso do solo
e de sistema viário básico. Das propostas de obras estruturantes, materializaram-se: o centro cívico, o
terminal rodoviário, o lago municipal, o estádio olímpico, o centro esportivo. Da visão ambientalista,
nasceram o lago municipal, e a consciência técnica de preservação dos fundos de vale. O calçadão
materializou-se de forma diferenciada da proposta neste plano, mas seu germe original foi ali lançado.
Uma das distinções mais marcantes do Plano de 1978, sob os cuidados da Jaime Lerner Planejamento
Urbano, trata-se da clareza e simplicidade – não no sentido de simplório – do texto e das propostas
para a adequação da estrutura urbana de Cascavel. Com soluções objetivas e redação de fácil entendi-
mento, priorizando sempre o homem e sua escala, o referido Plano visava propiciar condições adequa-
das para que a cidade pudesse melhorar as condições de convívio social, por meio de locais propícios
ao lazer, revitalização da área central, áreas exclusivas para pedestres e Centro de Vivência. Cunhando,
ainda, o sentimento de ecologia e preservação visando o aumento e melhoria da arborização urbana,
somada à implantação do Parque da Cidade e preservação dos fundos de vale.
Criaram-se, com todas essas propostas, símbolos, que fomentaram a legitimação do sentimento de
identidade da população com sua cidade.
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Conclusão
Desde que era ponto de encontro de tropeiros e no extrativismo da erva-mate, Cascavel é lugar de
passagem. Significa-se na economia de então, como ponto de parada e de pouso. Nos anos 1920-1930 re-
significa-se como ponto de passagem de tropas revolucionárias, e como guarida segura (pela distância
da civilização), para a família e correligionários do pioneiro Nhô Jeca. A condição primeira de estar
distante o suficiente para dar abrigo a quem queria o ostracismo, é suplantada pela condição material,
secular, profana, das excelentes condições para o extrativismo da madeira.
O extrativismo da madeira é oportunizado, além da disponibilidade da mesma pela abundância de
florestas, também por estar, a cidade, em entroncamento rodoviário excepcional. De local de pousada e
de refúgio, Cascavel passa a ser expressão econômica. De vila passa à cidade, num processo de intenso
desenvolvimento econômico. Esta economia – que ao acabar o ciclo da madeira é suplantada exponen-
cialmente pela da agricultura – gera riqueza, que gera um extraordinário movimento de imigração à
cidade, de pessoas das mais diferentes origens, em busca de oportunidades de trabalho.
Os que foram para Cascavel eram empreendedores, ligados ao material, e por isso tornaram esta ci-
dade próspera com referência neste enfoque. A palavra de ordem sempre foi o trabalho, e o ganho
financeiro por ele oportunizado. No imaginário, o ganho de coisas que o financeiro oportunizava, era
compensação suficiente para as perdas pela ausência dos laços familiares, pela distância de seus locais
de origem e pelas raízes culturais amputadas.
O enriquecimento material individual ocorreu rápida e intensamente. Este era o objetivo dos imigran-
tes, e foi obtido com empreendedorismo e força de trabalho. Às potencialidades humanas, somaram-se
as riquezas naturais da região. O enriquecimento material, então, em muito se destacou do cultural, do
comunitário, do solidário, do de interesse comum. O individualismo e a riqueza material dos cidadãos
deram ares de prosperidade à Cascavel: Nas décadas de 1960 e 1970, no auge do urbanismo progressista,
poucas foram as cidades no Paraná e no Brasil que edificaram obras públicas e privadas na quantidade
e expressão das de Cascavel.
Com o enriquecimento dos imigrantes, o primeiro sonho que podia ser por eles realizado era o da
compra do tão desejado espaço físico territorial: uma casa para a família e muitos lotes urbanos que,
no futuro, pudessem ser comercializados, tornando-os moeda, resguardando a família atual e descen-
dentes da pobreza – a que a maioria conhecia – e da qual queria distancia. Nessa característica a cidade
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foi claramente desenhada. O desenho urbano de Cascavel enfatizou o físico territorial: as pistas de
rolamento em detrimento das calçadas; os locais de ganho financeiro e de trabalho, em detrimento os
locais de lazer, de cultura ou de preservação de meio ambiente; os loteamentos como lotes cuja função
é a especulação, e não a ocupação e adensamento territorial; terrenos estes que se tornaram terrenos
baldios, mas, servidos por via pavimentada, iluminação pública, energia, telefonia, água, esgoto, etc.
O que era escasso tornou-se farto: dos poucos lotes urbanos com preços elevados, passou-se a excesso
de produtos ofertados. As mercadorias tão desejadas por compradores vorazes – lotes urbanos foram
ofertados pela outra ponta do sistema capitalista – os loteadores. Áreas inteiras, muitas delas, somente
com ruas abertas, e sem nenhuma infraestrutura, rapidamente foram compradas pelos novos investi-
dores, o que gerou duas más consequências:
A primeira, de ordem individual, pela oferta ter suplantado a procura, fez com que o valor do lote
baixasse, o que dificultou a revenda dos produtos adquiridos, cujo objetivo fundamental era seu valor
de troca. Décadas foram necessárias para que houvesse a efetiva valorização dos lotes de periferia. Não
havendo valorização não havia revenda e, em consequência, não havia o adensamento e ocupação da
área que, apesar de legalmente ser urbana, de fato, era rural.
A segunda consequência, mais cruel que a primeira, foi que, na expansão desenfreada do perímetro ur-
bano e, apesar do pouco adensamento da periferia, ao poder público cabia executar e manter a infra-
estrutura, serviços e equipamentos urbanos. No entanto, a administração pública, pela baixa densidade
de ocupação urbana e elevado custo de implantação e manutenção de serviços e equipamentos, não
os ofertou na necessidade de demanda e, em consequência, os problemas socioeconômicos surgiram.
Então, ao mesmo tempo em que Cascavel era reconhecida estadual e nacionalmente como ilha de
prosperidade, sua periferia divergia em muito da área central. Na verdade havia duas cidades que, de
comum, tinham somente o nome: O centro e as periferias de Cascavel não eram harmônicos espacial-
mente, socialmente, economicamente e, em consequência e por tradição, politicamente.
Esta é outra característica marcante de Cascavel. Desde as origens da cidade, seja na Revolta Tenen-
tista, seja na ocupação da área por José Silvério e seus correligionários, forte foi a tendência local
de contestação política à autoridade instituída. Esta característica domina até os tempos presentes a
cidade, e evidencia-se na alternância de poder municipal, sempre ascendendo ao poder um oponente
do poder anteriormente instituído.
35
A contestação faz parte da identidade local que, sociologicamente, resiste a fazer composições políticas
visando a interesses comuns. Quando tais alianças ocorrem, de uma maneira geral, são rompidas logo
após a ascensão ao poder.
O que isso tem a ver com o planejamento da cidade de Cascavel? Tudo. O desenho urbano atual de Cas-
cavel é consequência dessas forças, características e identidade local. No imaginário social cascavelen-
se construído desde sua colonização, o material é o sacro, o individualismo é a bandeira, a alternância
de poder é a prática, a contestação é a ética.
No entanto, a identidade do desenho urbano de Cascavel, e pela sua configuração espacial é, notada-
mente, modernista. A colonização iniciada na década de 1930 é adensada nas décadas de 1960 e 1970.
Esse adensamento e o respectivo planejamento urbano da cidade, apresentado nessa pesquisa, criam a
identidade urbana de Cascavel.
Essa identidade hoje não é a mesma: após o Plano Diretor de 1978 e, especialmente após a Constituição
Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade, o protagonista do espaço urbano deixou de ser o arquiteto e
passou a ser o administrador público e o cidadão. Em Cascavel, em 1986, foi elaborado documento téc-
nico, sob a orientação do arquiteto Luiz Forte Neto, e denominado de “Plano diretor de uso e ocupação
do solo”; em 1992, e sob a orientação do arquiteto Omar Akel, foi elaborado o “Plano diretor municipal”,
e que englobou áreas urbanas e rurais do município; em 2006, em processo de participação popular, foi
elaborada a revisão do plano de 1996.
Através desse processo de planejamento, e com as atuais demandas políticas, sociais e urbanas, em 2012
cada vez menos significa-se a linearidade de Cascavel, cujo ícone era a Avenida Brasil, protagonista do
urbanismo modernista na cidade e região.
Referencias Bibliográficas
DIAS, Caio Smolarek; FEIBER, Fúlvio Natércio; MUKAI, Hitomi; DIAS, Solange Irene Smoralek. Cascavel: um
espaço no tempo. A história do planejamento urbano. Cascavel: Sintagma Editores, 2005.
PMC, Prefeitura Municipal e Cascavel. Plano diretor de desenvolvimento. Leis n. 1183/75, 1184/75 e 1186/6.
Exemplar do arquivo da SEPLAN. Cascavel. 1976.
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__________. Cidade de Cascavel. Estrutura urbana. V. Jaime Lerner planejamento urbano. Exemplar
do arquivo da SEPLAN. V. 1. Cascavel. 1978.
Introdução
Tendo atuado entre 1950 e 1977, o arquiteto Luís Fernando Corona (1923-77) deixou uma obra pouco
numerosa, cuja importância ainda precisa ser afirmada no contexto da modernidade gaúcha. Corona
iniciou seus estudos de arquitetura em 1946, no primeiro curso de arquitetura estabelecido em Porto
Alegre, integrando a escola superior de Belas Artes. Formado em 1950, na capital gaúcha, Corona par-
ticipou desde cedo do esforço pela afirmação da arquitetura moderna na cidade.
Autor de muitas residências, ele é responsável por três importantes edifícios em altura no centro de
Porto Alegre: o edifício Jaguaribe (1951), a sede do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Palácio
da Justiça, 1952) e a sede da Companhia Rio-grandense de Telecomunicações (CRT, 1964). O fato de Luís
Fernando Corona ter assinado estas obras em coautoria oculta o papel fundamental que teve em sua
concepção, comprovado pela presença dos temas que caracterizam sua produção individual e por tes-
temunhos de colegas. Filho do espanhol Fernando Corona (1895-1979), escultor e arquiteto autodidata
de produção importante em Porto Alegre, Luís Fernando não seguiu o ecletismo do pai, mas herdou seu
talento artístico. Em seus edifícios, esta herança se manifestou em termos da manipulação artística de
elementos arquitetônicos. Em suas fachadas e nas soluções espaciais se percebe a ideia da composição
plástica por meio do emprego de muros e faixas com diferentes texturas, revestimentos ou cores, da
exploração dos elementos vazados e fenestração seriada e do uso de superfícies em recesso ou ressalto
animando tridimensionalmente a configuração dos volumes. Essa característica deu à sua obra uma
singularidade no contexto arquitetônico regional.
A análise da obra de Luís Fernando Corona inclui projetos, obras desaparecidas e outras que perma-
necem, em variado estado de conservação. Os três edifícios acima referidos permitem examinar a
manipulação de temas artísticos em sua produção.
Edifício Jaguaribe
O empreendimento que resultou na construção do edifício Jaguaribe faz parte do contexto da moder-
nização do centro de Porto Alegre. Um programa de avenidas fora iniciado em 1927, com a abertura
1. Arquiteto FAU-UniRitter, mestre PROPAR-UFRGS, doutor em arquitetura (Ph.D.) Massachusetts Institute of Technology M.I.T., Cambridge, EUA,
professor PROPAR-UFRGS.
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da avenida Borges de Medeiros, ligando os dois lados da península que abriga o núcleo histórico da
cidade. Em 1940 é aberta a avenida Salgado Filho, que se articula em “T” com a avenida anterior. O
momento é de intensa verticalização do centro da cidade, conjugando comércio e serviços nos térreos
com escritórios e apartamentos nos demais pisos. A última avenida, com canteiro central arborizado
e 35 metros de largura, permitiria edifícios de até 70 metros de altura (cerca de 23 pavimentos). Nesse
contexto, o empresário Romeu Pianca e sua filha, Malvina Pianca, adquirem um terreno de esquina na
esquina da avenida Salgado Filho com a rua Vigário José Inácio, para construir um edifício residencial
para a classe média alta, conjugado a um moderno cinema no térreo. O projeto do empreendimento
da firma M. Pianca foi confiado a um amigo do empresário, o arquiteto Fernando Corona, que por sua
vez convidou seu filho recém-formado, Luís Fernando Corona, para participar do trabalho.
A primeira perspectiva do edifício foi publicada no Jornal Correio do Povo de 9 de agosto de 1951 sob
o anúncio do “Alteroso Edifício Jaguaribe” com 20 andares (um dos maiores edifícios da capital), a
ser construído pelo engenheiro Paulo Ricardo Levacov. O empreendimento possuía um subsolo com
estacionamento para quarenta carros e uma base comercial onde se destacava o luxuoso Cinema São
João, com 2.000 poltronas. No térreo, bar e confeitaria atendiam ao foyer do cinema e no segundo
pavimento, uma grande confeitaria atendia ao público em geral. O projeto previa ainda um grande
restaurante ou clube no 9º pavimento, completamente envidraçado, possibilitando total visibilidade
sobre a cidade. Para o 21º andar era anunciado um playground com ambientes cobertos por marquises
e jardim para a recreação dos condôminos. Eram previstos cinco tipos de apartamentos com áreas que
variavam de 44m2 a 140m2, totalizando 84 unidades de um, dois e três dormitórios. O programa reflete
a aplicação do esquema da Unidade de Habitação de Marselha (Le Corbusier, 1946) ao contexto do
terreno urbano em lote de esquina.
Ainda no ano de 1951, o projeto para o Edifício Jaguaribe passa dos 21 pavimentos iniciais, incluindo o
terraço jardim, para os atuais 26 andares, sem alterar o partido inicial mas ultrapassando o gabarito
de altura de 75m estabelecido para a avenida Salgado Filho. Segundo conta Fernando Corona em seu
diário2, diante dos argumentos de custo, beleza e renda do empreendimento, o então prefeito Hildo
Meneghetti deu sua aprovação pessoal, entendendo que não seria nenhum absurdo ter um edifício de
aproximadamente 80m de altura na nova avenida. Com a aprovação do prefeito, o projeto foi encami-
nhado à Prefeitura em novembro de 1951. O partido adotado implanta junto ao alinhamento das duas
2. Diário de Fernando CORONA (1895 – 1979) – Ano 40 1951 –fl. 050 do volume II © família CORONA
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vias e junto à divisa com os lotes lindeiros, um volume em “L” formado por duas alas de 26 andares e
entradas independentes. Até o nono pavimento, o terreno é totalmente ocupado, pois o volume em “L”
envolve a caixa retangular da sala de cinema, que possui estrutura independente do edifício principal.
Embora o projeto estivesse completo e atendesse a exigência de haver apartamentos menores por parte
da instituição financiadora (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários- IAPI), o financia-
mento para a construção do edifício não foi viabilizado, atrasando o início das obras. Em janeiro de
1956, a construtora Azevedo, Moura & Gertum assumiu a construção do edifício, concluindo a estrutura
no final de 1958. Contudo, somente em 1964 os apartamentos foram entregues e apenas em outubro de
1968, com a inauguração do Cinema São João, o projeto estava completo.
O edifício construído mantém o partido, o programa e a composição geral inicial. A diferença está na
redução da altura do volume retangular do cinema, cujo topo desce do 9º para o 6º pavimento. Térreo
e 2º pavimento permanecem com uso exclusivamente comercial enquanto 3º e 4º pavimentos mesclam
uso residencial e comercial. O 5º pavimento é somente residencial e o 6º pavimento corresponde à co-
bertura do cinema e está reservado para uso comercial, podendo abrigar um restaurante ou um clube.
A partir do 7º pavimento, o volume em “L” se projeta isoladamente, com apartamentos de um, dois, três
e quatro dormitórios e com aberturas tanto para as vias como para o interior do lote, melhorando as
condições de ventilação e iluminação. O 26º pavimento foi idealizado como terraço jardim com área
de lazer para os moradores, porém acabou sendo incorporado aos apartamentos do andar inferior,
que passaram a ser do tipo duplex. A estrutura disciplinada e rítmica, com grandes vãos e planta li-
vre, possibilita o arranjo diversificado dos espaços e a variedade programática do edifício. Esta ordem
estrutural também está presente nos estudos para as fachadas principais.
Ao longo dos anos de projeto e construção do Edifício Jaguaribe, muitos foram os estudos de fachada
feitos por Luís Fernando Corona. A primeira perspectiva, publicada em agosto de 1951 no Jornal Correio
do Povo (Fig. 01), e também a perspectiva publicada em maio de 1952, já com 26 pavimentos, indicam
o uso de diversos elementos inspirados no repertório modernista carioca. Dentre estes estão as peças
de cerâmica vazada da fachada do Parque Guinle de Lúcio Costa, usados na fachada norte do Edifício
Jaguaribe. O vidro serpenteando as colunas nos dois primeiros pavimentos do edifício gaúcho lembra o
térreo do Banco Boavista (1946) e os orifícios circulares presentes na fachada leste replicam a Unida-
de Habitacional tipo C-2 do Centro Tecnológico da Aeronáutica (1947), ambos de Niemeyer. Já o corte
longitudinal revela a cobertura do restaurante em quatro abóbadas no 9º pavimento, sobre o cinema,
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que relembra a cobertura do projeto de 1942 para o Hospital de Clínicas da UFRGS, de Jorge M. Moreira.
Em agosto de 1954, o projeto das fachadas é reformulado, gerando uma significativa perda de expres-
são formal e plástica se comparadas àquelas expostas nos projetos de 1951 e 1952. Entretanto, a nova
fachada leste apresenta maior unidade em relação às anteriores. Em 1957, surge novo desenho das
elevações norte e leste, numa solução bem próxima do que foi construído. As fachadas definitivas são
apresentadas em 1960 (Figura 03). A composição das fachadas norte e leste tem evidente intenção
plástica e obedece a uma regra modular que tem correspondência com a estrutura regular e com o
programa de cada pavimento.
A fachada norte (av. Salgado Filho) do edifício Jaguaribe pode ser dividida em duas partes principais,
delimitadas pela colunata térrea e pela galeria do 6º pavimento. O primeiro tramo de fachada (3º ao
5º pavimento) apresenta um bloco compacto, com rasgos horizontais, correspondendo às varandas dos
apartamentos. O segundo (7º ao 26º pavimento), apresenta um jogo plástico bem mais complexo. Esta
fachada pode ser lida como composta por dois planos sobrepostos. O primeiro plano faz o fechamento
de todos os pavimentos com programa residencial e é formado por peitoris de 1,40m de altura reves-
tidos por plaquetas imitando tijolo à vista, intercalados por faixas de esquadrias com 1,55m de altura.
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Nestas faixas, aparecem os pilares, revestidos com pastilhas pretas. Eles marcam os intercolúnios que
estabelecem o módulo sobre o qual são colocados os trechos de tijolos, as esquadrias e as sacadas. O
trecho central, que demarca um eixo de simetria, é revestido com pastilhas pretas. Este trecho, que
percorre o edifício desde o solo até o penúltimo piso, corresponde à prumada dos elevadores. O segun-
do plano de fachada é estabelecido pelas projeções das sacadas e pela moldura de pastilha clara que
envolve o plano em recesso de janelas e peitoris. A moldura é de tamanho irregular (maior na esquina
do que nos outros três lados), desfazendo um pouco a marcação de simetria do plano em recesso. Além
disso, no 19º pavimento, a moldura projeta uma linha que cruza toda a extensão da fachada. Dentro
do plano em recesso, as sacadas surgem como erupções cujas lajes projetam-se até o plano da moldura.
Tendo revestimento similar às laterais, elas sugerem constituir um plano virtual que foi escavado,
tendo restado apenas as lajes em balanço.
Luís Fernando Corona aumentou a complexidade plástica da fachada ao diversificar as sacadas em
quatro tamanhos distintos (larguras de 1; 1,5; 2 e 2,5 módulos). Além disso, cada sacada de dois módulos
é ligada a outra de dois módulos e meio, por um tramo mural vertical que une as lajes de pavimentos
distintos e conforma uma peça única em forma de “S”, geometrizado. Outra diversificação plástica é
dada pelos parapeitos das sacadas, feitos em concreto e descolados da laje por uma fenda contínua de
20 cm. Nas sacadas, ao centro, os parapeitos tornam-se metálicos ao invadirem o tramo negro (figs.
02, 03 e 04).
Fig. 02: Foto da fachada norte do Edifício Jaguaribe. Fig. 03: As sacadas da fachada norte.
Fig. 04: Detalhe das sacadas em corte e em vista lateral.
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Sobre todo esse jogo formal, ainda é adicionado um esquema cromático. Os parapeitos de concreto
são ainda mais independizados das lajes brancas ao serem pintados de amarelo. Ao fundo, tijoletas
vermelhas, pastilhas pretas e vidros tornam evidente que essa fachada tornou-se um exercício de arte
abstrata. Todavia, é preciso notar que esse jogo plástico complexo não é arbitrário e gratuito, mas
apresenta um sentido de ordem muito preciso, onde a simetria e a modulação têm papéis decisivos. A
ordem subjacente, estabelecida no projeto de 1954, explica o resultado exuberante de 1960, que retoma
com mais rigor a plasticidade do projeto de 1951. Quanto à fachada leste (Rua Vigário José Inácio),
apresenta uma composição similar em escala mais reduzida, como se tivesse apenas um dos lados da
fachada principal (Av. Salgado Filho).
Os vários estudos de fachada para o Edifício Jaguaribe parecem registrar os dois momentos da arqui-
tetura de Luís Fernando Corona: primeiro, durante a hegemonia da arquitetura de matriz corbusiana
via Escola Carioca, e depois, quando os traços mais evidentes da influência carioca se tornam menos
evidentes em sua obra. É neste segundo momento, no final dos anos 50, que o arquiteto realiza os es-
tudos tridimensionais e cromáticos para as fachadas do edifício Jaguaribe. O tema da plasticidade das
fachadas passa a estar presente em seus projetos a partir de então, ampliando a investigação compo-
sitiva das elevações já manifesta em projetos anteriores.
Palácio da Justiça
O Palácio da Justiça é o primeiro edifício institucional público em estilo moderno a ser construído no
centro de Porto Alegre3. Este edifício é resultado de um concurso público de anteprojetos, organizado
pela Sociedade de Estado dos Negócios das Obras Públicas e realizado de maio a dezembro de 1952,
que premiou com o primeiro lugar a proposta sob o pseudônimo Licurgo, de Luís Fernando Corona,
em parceria com o acadêmico Carlos Maximiliano Fayet4. Em sua composição, comparecem os cinco
pontos da nova arquitetura de Le Corbusier (1926): planta livre, fachada livre, estrutura independente,
terraço-jardim e janelas longitudinais. A notável modernidade do edifício introduziu uma nova escala
e um novo estilo na Praça da Matriz, até então marcada por edifícios institucionais neoclássicos ou
ecléticos e de baixa altura.
3. Precedido, fora do centro, pela Estação de Passageiros do Aeroporto Salgado Filho, projeto de Nelson Souza, 1950.
4. Carlos Maximiliano Fayet diplomou-se em 25 de dezembro de 1953.
43
Alguns destaques na composição do edifício mostram o domínio da nova arquitetura por parte dos
autores, permitindo-lhes manipular elementos pertencentes ao repertório modernista de forma ex-
pressiva e equilibrada. No Palácio da Justiça, é marcante o contraste entre o volume principal cúbico e
seus pilotis térreos pousados em base rústica (revestida em pedra), que regulariza o assentamento no
terreno em declive (Fig. 05). O pórtico de dupla altura, com oito colunas, assinala monumentalmente
a entrada, com elegante solução de escadas escavadas na plataforma de pedra. Este nível de transição
entre base e volume principal apresenta um jogo curioso entre a marcação regular da trama de colu-
nas e o perfil sinuoso do volume negro em recuo, que desde a parte posterior avança em relação às
colunas externas, chega a envolver duas delas e, em seguida, libera a frente do térreo para conformar
o pórtico de acesso (Fig. 06). No corpo do edifício, destaca-se a vigorosa expressão de abstração nas
cinco faixas longitudinais da fachada oeste coberta por brises. A demarcação clara de um coroamento
distinto e virtuoso plasticamente, mas inserido no volume do corpo principal, ao contrário da arquite-
tura carioca, é revelada pelo tratamento com painéis em relevo e terraços no 6º e 7º pavimentos, nas
fachadas leste e oeste.
Na fachada sul, o plano cego com 25m de largura por, aproximadamente 28,50m de altura valoriza
a colunata da entrada. A escultura da deusa Themis, colocada no eixo vertical desta fachada, possui
cerca de 11,70m de altura e o letreiro com a inscrição ‘Palácio da Justiça’ (com altura de 2,10m) marca
a terminação desta fachada.
A fachada norte revela-se mais alongada que a sul, devido ao volume do subsolo que corrige a decli-
vidade do terreno e ultrapassa o nível do piso do térreo em 0,95m, formando um peitoril. No térreo,
vê-se o volume negro e curvo do Tribunal do Júri, ladeado por duas colunas e por dois volumes pro-
jetados em balanço em relação à base de pedra. No volume principal, outra vez a fachada é cega, e
sua terminação está marcada por um rasgo horizontal na altura do 7º pavimento, onde aparecem as
duas colunas centrais que, juntamente com as demais, sustentam a laje de cobertura do terraço do
restaurante. Do terraço, avista-se a cidade e o rio Guaíba.
44
As fachadas leste e oeste mostram o desnível existente no terreno e a base formada pelo subsolo para
acomodar o térreo do edifício. As duas fachadas são bastante parecidas na composição geral. No térreo,
a sequência de oito colunas é parcialmente ocultada pelo volume sinuoso. Os volumes em balanço das
salas de apoio ao Tribunal do Júri são retângulos com 4,50m de altura e 16,20m de largura aproxima-
damente, fechados por esquadrias e por brises verticais. Esses volumes em projeção, parte debruça-
dos sobre a base de pedra e parte projetados desde o volume sinuoso do térreo, reforçam o tema da
complexidade da articulação de episódios volumétricos dentro de um quadro de ordem. Abaixo desses
volumes, em ambos os lados, uma série de treze aberturas retangulares ventila as salas localizadas no
subsolo. As escadas, nessas duas fachadas, marcam o fim do subsolo e o acesso ao pórtico de entrada
no térreo.
Na fachada leste acontece a entrada do subsolo e acima, no térreo, surge uma esquadria de altura inte-
gral, centralizada em relação à extensão da fachada, atrás da qual se mostra a escada monumental em
espiral como escultura monumental. Acima do nível dos pilotis, os cinco pavimentos-tipo, correspon-
dentes ao corpo do edifício, são emoldurados externamente pelas projeções das lajes e pelas empenas
laterais, sendo fechados com esquadrias em fita da altura do pavimento. As esquadrias estão colocadas
à frente da linha de pilares e possuem modulação de 1,20m, submúltiplo do intercolúnio de 8,40m. O
rigor e o controle presentes em todas as partes do projeto são encontrados também na estereotomia
das fachadas, onde o revestimento em granito é modulado, coincidindo com as medidas de altura,
comprimento e largura dos pavimentos e das lajes.
Os dois últimos andares são ocupados pelo Tribunal Pleno, Câmara Cível e Criminal (6º andar) e pelo
45
restaurante e terraço (7º andar). O tratamento dado a esses pavimentos caracteriza o coroamento do
edifício. Tal como na base, onde ocorre um jogo de recuos e projeções, o coroamento introduz uma
diversificação em relação aos cinco pavimentos regulares que o antecedem. As colunas voltam a
aparecer na fachada, três de cada lado do painel em relevo, posicionado no centro do coroamento.
Do lado esquerdo do painel, na fachada leste, onde está localizado o Tribunal Pleno, com pé direito
duplo, as três colunas aparecem inteiras e atrás delas estão as esquadrias do 6º andar, que dão acesso
ao terraço, também com dupla altura. Sobre as esquadrias, painéis em relevo fazem o fechamento
desse plano. Do lado direito do painel, nessa mesma fachada, as três colunas são interrompidas pela
laje do 7º pavimento, onde está o terraço do restaurante. No pavimento abaixo, a esquadria atrás das
colunas separa o terraço da área das câmaras cível e criminal. Na fachada oposta, a solução adotada
é a mesma, exceto pelo térreo, onde não há nenhum tipo de abertura e, do 1º ao 5º pavimento, onde
há a presença dos brises verticais móveis em alumínio para o controle da insolação oeste. Estes brises
conferem ao mesmo tempo unidade e dinamismo ao corpo principal do volume.
O edifício construído apresenta, entre outras alterações decorrentes da modificação das funções esta-
belecidas no concurso e por adequações estruturais e de equipamentos, o aumento do coroamento que
altera ligeiramente as proporções do edifício, favorecendo-o. Tais diferenças com relação ao projeto
de 1952 são registradas nos desenhos publicados pela revista Espaço Arquitetura nº1, de novembro e
dezembro de 1958.
O Palácio da Justiça é um importante pioneiro como obra moderna madura em Porto Alegre. O projeto
original de 1952 contém os elementos básicos da arquitetura de Le Corbusier com tempero brasileiro
da Escola Carioca. As faces curtas opacas, combinadas às fachadas longas envidraçadas, lembram o
Pavilhão Suíço (Le Corbusier, 1930). Já o térreo, articulado em base colunar permeável e com perímetro
mural recuado, expressa o tema do pórtico de entrada com pilotis. Este tema é bastante desenvolvido
pelos Irmãos Roberto em edifícios institucionais no centro do Rio de Janeiro (ABI, 1936; Liga Brasileira
contra a Tuberculose, 1937; Instituto de Resseguros do Brasil – IRB, 1941)5. O edifício gaúcho tem uma
sobriedade peculiar que o aproxima do rigor clássico desses primeiros edifícios dos Irmãos Roberto.
Contudo, a exploração da espacialidade e a manipulação artística da volumetria são típicas da obra de
5. A respeito dos térreos dos edifícios dos Irmãos Roberto ver: PEREIRA, Cláudio Calovi. Transparência e permeabilidade: diálogos entre tradição
e modernidade nos pisos térreos dos Irmãos Roberto no centro do Rio de Janeiro (1936-1952). In: Cadernos de arquitetura Ritter dos Reis, Vol. 5
(2007), p. 93-113.
46
Luís Fernando Corona. O tema institucional do palácio representativo do poder público explica o cará-
ter mais “clássico” do edifício em relação à colorida extroversão das fachadas do edifício Jaguaribe. A
solenidade clássica deste edifício também se expressa na disciplina de sua grelha estrutural de quatro
por oito colunas que preside uma disposição simétrica biaxial em planta. A disposição de espaços é
regulada pelos dois eixos em todos os pavimentos de escritórios, mas apresenta maior diversidade
espacial no térreo (com pé direito duplo, mezanino sobre a entrada e escada em espiral) e nos dois
últimos andares por sua condição especial.
A notável modernidade deste edifício teve seu impacto diminuído pela demora na sua execução. O Pa-
lácio da Justiça só foi inaugurado em dezembro de 1968 e, ainda por cima, desprovido de ítens impor-
tantes de sua caracterização, como as cortinas de brises nas fachadas oeste e a decoração escultórica
(Fig. 07).
6. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Memorial do Judiciário do Rio Grande do Sul. As Sedes do Tribunal. Porto Alegre.
47
na construção, foram introduzidas. É o caso da fachada sul, que passou a ostentar a escultura da deusa
grega da Justiça, Themis, e das fachadas leste e oeste, que ganharam seus murais em relevo. Tanto a
escultura quanto os murais das fachadas são de autoria de Carlos Fayet.
Edifício CRT
O projeto para o edifício-sede da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT) foi encomen-
dado aos arquitetos Emil Bered, Roberto Félix Veronese e Luís Fernando Corona, vencedores de um
concurso de títulos7, e desenvolvido no ano de 1964. A empresa estatal fora criada em 1962 por de-
sapropriação e administrava o sistema de telefonia do estado, sendo que o edifício deveria conjugar
novas instalações técnicas com escritórios administrativos. O terreno para a implantação do edifício
localiza-se no centro da cidade de Porto Alegre e tem formato quase retangular, com frente para três
vias: av. Salgado Filho (fachada norte, com cerca de 62m de extensão), rua Mal. Floriano Peixoto (fa-
chada leste, com 16m) e av. Borges de Medeiros (fachada oeste, com 22m).
O projeto da sede da CRT foi planejado para ser construído em duas etapas. O projeto de 1964 previa
a construção do Bloco A primeiramente, junto à esquina da av. Borges de Medeiros com a av. Salgado
Filho. Este Bloco abrigaria a sede da companhia. O Bloco B seria construído no lugar da antiga sede
da CRT, na av. Salgado Filho, esquina com a rua Mal. Floriano Peixoto. Os primeiros pavimentos desse
bloco seriam destinados à ampliação da Companhia e os demais teriam salas para locação. O volume
proposto para o edifico obedece ao 1º Plano Diretor de Porto Alegre, de 1959, que permitia nas avenidas
Salgado Filho e Borges de Medeiros a altura de 70m para edifícios construídos no alinhamento.
Desde os desenhos do anteprojeto, datado maio de 1964, o partido proposto pelos arquitetos implan-
ta o edifício no alinhamento do terreno. Em 1967, é inaugurado o bloco A já incorporando algumas
mudanças. O térreo se apresenta recuado em relação ao volume do edifício e separado deste por uma
marquise em projeção. Sobre a base está o corpo do edifício, um paralelepípedo com 15 pavimentos
de planta retangular alongada. A estrutura em concreto armado possui duas linhas longitudinais de
pilares distantes entre si 11,50m e com intercolúnio de 6,72m ao longo da av. Salgado Filho (Fig. 08).
Presente em todos os pavimentos, esta malha configura uma planta livre. As lajes de caixão perdido
tem 0,65m de altura, e os pés direitos são de 4m no 5º, 6º e 7º pavimentos (correspondentes ao setor de
7. Segundo o arquiteto Emil Bered, a CRT solicitou a alguns arquitetos que apresentassem seus currículos. Bered convidou então, seus colegas
Luís Fernando Corona e Roberto Félix Veronese, formando assim uma equipe, que acabou sendo escolhida para realizar o projeto.
48
da laje, que é fechado por uma cortina de suportes metálicos verticais e placas de grelha metálica.
A cor preta desta estrutura de proteção solar diante da galeria sombreada manifesta sutilmente a
tridimensionalidade da faixa, que contrasta com o plano mural branco logo acima. Esta solução com
telado, galeria e plano de vidro recuado reaparece em maior extensão do 8º ao 14º pavimento. Sobre a
solução técnica e plástica proposta para estes pavimentos, o arquiteto Bered (2008) explica:
Os demais pavimentos estão 1,10m afastados dos balanços, de modo que no verão, quan-
do o sol está a pino as lajes funcionam como um “brise soleil”. No inverno o sol incide
até uns trinta graus ao norte fazendo com que haja necessidade de atenuar a incidên-
cia. Por isso, criou-se montantes verticais, onde estão fixadas chapas metálicas perfu-
radas, obtendo-se assim o efeito desejado que funciona como um filtro da incidência
solar. Estes detalhes emprestam ao prédio uma aparência volumétrica inconfundível,
com uma personalidade marcante na visualização do centro da cidade, especialmente
ao ser observado pela Av. Borges de Medeiros no sentido norte-sul.8
Nos três pavimentos que contêm os equipamentos telefônicos (do 5º ao 7º pavimento), a demarcação
das lajes em projeção desaparece, pois paredes são construídas no bordo, constituindo um trecho
mural revestido por pastilhas brancas. O plano de fachada mantém sua unidade volumétrica, mas
adquire outra materialidade: ao invés dos fechamentos diáfanos da galeria, surgem muros brancos
quase cegos, pontuados por rasgos verticais. Já o coroamento do edifício teve pelo menos três versões
distintas. Segundo o projeto original, a terminação teria uma faixa mural de um pavimento no topo,
finalizando nove pavimentos com galeria (Figura 10). Quando da inauguração do bloco A em 1967, o
edifício apresenta um coroamento mural mais alto, que acomodaria um restaurante panorâmico. O
novo coroamento tem melhor proporção no todo e deixa o jogo compositivo de faixas alternadas mais
consistente.
No projeto de ampliação de 1972 (quando o bloco B é construído), um novo programa é alocado no
coroamento, incluindo diretoria, restaurante, biblioteca e Museu de Telefonia. Isso causa a diminuição
do número de andares com galeria na parte acima dos andares técnicos (de nove para sete) e a criação
de um coroamento ampliado de um andar para três. Essa nova terminação tem três níveis distintos
de fachada, alternando muro, galeria e muro novamente, resultando numa maior diluição em relação
à solução de 1967.
Figura 09: Perspectiva do Edifício CRT publicada na Revista Arquitetura IAB n.34, abril 1965.
Figura 10: Conclusão do Bloco A.
Conclusões
Uma das principais contribuições de Luís Fernando Corona para a arquitetura moderna praticada no
Estado do Rio Grande do Sul foi a investigação da plasticidade tridimensional das fachadas. Em seus
projetos, o tratamento das elevações revela um estudo investigativo de suas possibilidades plásticas,
no qual elementos estruturais (lajes, pilares), planos de fechamento (muros, cortinas de vidro, painéis,
quebra-sóis) e revestimentos (com cores, texturas e estereotomia distintas) servem como elementos
para um jogo de composição artística. No edifício Jaguaribe, as diferentes propostas para as fachadas
ilustram este tipo de investigação. A fachada construída desenvolve um jogo cromático das sacadas
sobre um plano de base, introduzindo uma estratégia plástica que o arquiteto passou a explorar nos
projetos das décadas de 1960 e 1970. A fachada oeste do Palácio da Justiça também pode ser entendida
dessa forma, pois o jogo de base, pilotis e bloco principal é dinamizado por volumes em ressalto, e
planos que interrompem as linhas de continuidade. O volume em mármore negro do térreo é um con-
traponto dinâmico entre partes ortogonais, com sua sinuosidade que absorve dois pilotis da sequência.
Além disso, o coroamento tem faixas menores que aquelas dos andares inferiores. A própria noção de
base, corpo e coroamento é interpretada de forma investigativa, como um questionamento sem nega-
ção. A base pode tem duas partes: plataforma e pilotis. Já o corpo poderia ser todo o prisma elevado,
mas nas fachadas laterais aparece a distinção do coroamento, que novamente tem duas partes: 6º e 7º
andares (onde reaparecem as colunas do térreo) e o muro da cobertura.
No prédio da CRT, a tridimensionalidade da fachada é acentuada pelo jogo de contrastes entre o bran-
co dos fechamentos murais e das lajes em balanço e o preto dos fechamentos recuados e sombreados.
51
Nesse caso, os volumes brancos têm seu caráter massivo atenuado pelo revestimento em pastilha e
pelas esbeltas aberturas em fita, que compõem um jogo abstrato de alternâncias rítmicas. Nas partes
com lajes em projeção, formando varandas contínuas (escritórios), a profundidade é dissimulada por
um diafragma de proteção solar apoiado em tênues suportes metálicos. Portanto, estas três obras são
exemplos das possibilidades inventivas do tema da fachada do edifício verticalizado.
Assim sendo, o jogo compositivo de fachadas revela o caráter investigativo da obra de Luís Fernando
Corona. Ao invés de fixar-se num estilo, ele se propõe a dominar os componentes básicos do edifício
e estabelecer jogos tridimensionais através de recuos, projeções, cores e texturas, dentro de um quadro
de ordem, que, embora desafiada, nunca é subtraída. Essa atitude explica a importância de sua contri-
buição à arquitetura moderna em Porto Alegre, demonstrando sua singularidade no contexto nacional.
A obra de Luís Fernando Corona mostra uma modernidade que conjuga rigor na base compositiva e
variedade na exploração dos desdobramentos plásticos e espaciais, num equilíbrio que alcança a afir-
mação mútua. Traduzindo a exuberância barroca de boa parte da produção moderna da Escola Carioca
em termos mais clássicos, sua elegante sobriedade expressa algo do genius loci das terras gaúchas.
Referencias Bibliográficas:
ALVAREZ, Cícero. Palácio da Justiça de Porto Alegre (dissertação de mestrado). Porto Alegre: PROPAR-
UFRGS, 2008.
CALOVI PEREIRA, Cláudio. Os irmãos Roberto e a arquitetura moderna no Rio de Janeiro (1936-1945).
(dissertação de mestrado). Porto Alegre: PROPAR-UFRGS, 1993.
CALOVI PEREIRA, Cláudio. “Transparência e permeabilidade: diálogos entre tradição e modernidade nos pisos
térreos dos Irmãos Roberto no centro do Rio de Janeiro” (1936-1952). In: Cadernos de arquitetura Ritter
dos Reis, Vol. 5 (2007), p. 93-113.
LUCCAS, Luis Henrique Haas. Arquitetura moderna brasileira em Porto Alegre (tese de doutorado). Porto
Alegre: PROPAR/UFRGS, 2004.
SZEKUT, Alessandra. Vertentes da modernidade no Rio Grande do Sul: a obra do arquiteto Luis
Fernando Corona (dissertação de mestrado). Porto Alegre: PROPAR-UFRGS, 2008.
XAVIER, Alberto e MIZOGUCHI, Ivan. Arquitetura moderna em Porto Alegre. São Paulo: FAUFRGS/Editora
Pini, 1987.
52 A LEGISLAÇÃO, O INCENTIVO E LIMITAÇÃO À NOVA ARQUITETURA EM LONDRINA
Dafne Marques de Mendonça1
1. Introdução
Ao longo das primeiras décadas do século XX, há várias arquiteturas de características modernizan-
tes e, entre elas, a arquitetura do Movimento Moderno. No Brasil, é neste período que se intensifica
a expansão urbana nas cidades brasileiras e criação de novas no interior do Brasil. A ruptura com o
Período Colonial – deflagrada com a independência do país, fim da escravidão e do sistema de ses-
maria – propicia a necessidade de novos modelos urbanos para as cidades existentes em processo de
renovação, assim como, para as novas a serem criadas. Londrina está localizada ao Norte do Estado
do Paraná e é fruto deste contexto: cidade nova, projetada e implantada em 19302 pela Companhia de
Terras Norte do Paraná (CTNP) perpassa diferentes fases na busca de sua modernização espacial e ar-
quitetônica. A vinculação entre campo e cidade ainda é estreita nas cidades-novas e, ao mesmo tempo,
o desejo pelo moderno é latente.
As cidades novas, como representantes do mundo civilizado em locais até então remotos, adquirem
também a função de tornarem-se chamarizes de futuros compradores. Sua imagem deve ser convida-
tiva e passar a impressão de ser dotada dos melhores aspectos dos grandes centros e da vida moderna.
Esta é uma tarefa difícil dada às distâncias e poucos recursos, mas é um dos itens imprescindíveis para
garantir o sucesso dos loteamentos.
Como parte do processo de busca de sua imagem de modernidade, a cidade de Londrina é reconstruída
três vezes ao longo da primeira metade do século XX (YAMAKI, 2008): a primeira fase é a pioneira
emergencial e ocorre nas décadas iniciais de ocupação na qual a cidade é construída com a própria
madeira retirada da terra; a segunda fase é iniciada ao final da década de 1930 e ao longo da década
de 1940, onde as edificações em madeira são progressivamente substituídas por sobrados em alvenaria
de arquitetura déco e residências em estilo eclético e, a terceira fase, cujo início se dá final da década
de 1940 e ao longo da década de 1950 e 1960, onde se almeja implantar a arquitetura modernista e
urbanismo moderno. Cada fase reflete também o progresso econômico da cidade, sendo a última, o
momento de maior pujança econômica decorrente da alta do café (SUZUKI, 2007) que faz o gabarito
1. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia
2. O plano é de 1929/1930 e a cidade se torna município em 1934. É a primeira pertencente à rede de cidades implantadas pela CTNP (e posteri-
ormente CMNP) no norte do Paraná.
53
de altura dos edifícios atingir mais de 20 pavimentos. Este processo de renovação toma curso na atual
área central da cidade, ou seja, aproximadamente entre os limites do plano inicial proposto pela CTNP.
(ver figura 01)
FIGURA 01: Fases da ocupação de Londrina. (Fonte: da autora, 2011, com acervo Foto Estrela e
MHL)
Dois nomes importantes são convidados para intervir na cidade durante a tentativa de modernizá-la
na década de 1950: o urbanista Prestes Maia e o arquiteto Vilanova Artigas. Cada um vinculado à linhas
de pensamento não consoantes entre si. Prestes Maia está vinculado ao Beaux Arts e movimento City
Beautiful e Artigas é de clara filiação modernista e corbusieriana durante o período em que executa
os projetos em Londrina. Esta é uma situação paradoxal da arquitetura e urbanismo londrinense que
reflete, em menor escala, uma realidade também recorrente nos grandes centros: o urbanismo moder-
no e a arquitetura modernista estão, na maioria das vezes, desvinculados durante as primeiras décadas
do século XX.
Prestes Maia introduz uma nova concepção para os bairros residenciais nas áreas de expansão além
dos limites da CTNP em Londrina. A novidade é o conceito de bairro-jardim de uso exclusivo residen-
cial, onde o uso comercial serve apenas para atender a demanda vicinal das residências. O seu plano
destina ao centro o uso comercial, institucional e comercial misto com verticalização liberada. Já o
arquiteto Vilanova Artigas é convidado para inserir edifícios institucionais municipais na área central.
54
A missão de Artigas na cidade é a de acomodar uma nova proposta arquitetônica no tecido tradicional
existente e, juntamente com ele, outros arquitetos locais também enfrentam este desafio.
Durante o processo de reconstrução de Londrina alguns aspectos podem ser destacados para dar a
noção da problemática a ser discutida. A transição da cidade em madeira para a cidade déco não exige
alterações significativas no traçado inicial de Londrina, pois é uma arquitetura que se acomoda ao lo-
cal e, portanto, de mais fácil assimilação (COELHO, 2000). A prática comum adotada pelas construções
locais em madeira é implantar edifícios comerciais junto às divisas e alinhamentos e, os residenciais,
isolados no lote. Esta concepção é idêntica para a arquitetura déco, apenas alterando-se o material
construtivo em madeira pela alvenaria.
Mas a transição da cidade déco para a modernista é menos tranquila, pois a arquitetura do Movimento
Moderno, ao almejar romper com as práticas urbanísticas e arquitetônicas vigentes e ser síntese de
arquitetura e urbanismo, nega a cidade tradicional e, assim, exige uma nova espacialidade, desvincu-
lada dos elementos morfológicos tradicionais, tais como, as quadras e lotes. Este espaço inovador é a
condição ideal para a nova arquitetura, porém não é a realidade das cidades existentes e criadas na
primeira metade do século XX.
A seguir apresenta-se esta situação na área central de Londrina durante a terceira fase de reconstru-
ção da cidade, através de pesquisa que relaciona a legislação ao compromisso de mudança almejada
pelo Movimento Moderno. A questão a ser discutida é como os arquitetos que atuam na cidade con-
seguem absorver a intenção de redesenho existente na nova arquitetura apesar das interferências do
status quo existente.
nas demais cidades do país, em predeterminações já impostas pelo plano de ocupação do espaço ur-
bano. Mesmo sem apresentar significativa área edificada, as definições de lotes e quadras fornecem a
mesma problemática para a inserção de novas propostas. A legislação também é um entrave a partir
de final da década de 1930 conforme será demonstrado.
O final da década de 1940 e especialmente entre 1950 a 1960 é um período próspero para a economia
da cidade devido a alta do café. Neste momento, a representação de modernidade passa a ser o modelo
verticalizado e a arquitetura modernista. Ambos estão presentes nos grandes centros do período como
São Paulo e Rio de Janeiro.
Em Londrina, através de determinação e incentivo do decreto lei 93/1943 inicia-se a substituição
progressiva das construções em madeira por novas em alvenaria nos limites da área central, uma vez
que a tentativa de instituir essa postura em 1939 não vinga. Neste decreto determina-se que no caso
de residências é permitido o uso da madeira como material construtivo desde que a edificação esteja
fora da área central3. Neste contexto de substituição, os novos edifícios comerciais e institucionais
construídos junto ao alinhamento frontal compõem renques de sobrados de formas cúbicas, adornos
geometrizados, platibandas escondendo telhados de barro, lojas térreas, marquises e balcões sobre os
passeios. De acordo com o Decreto-lei n°106/1944, recuos laterais de 1,50m são apenas para os casos
onde há aberturas laterais e, nestes casos, a predileção é por manter as fachadas sem os recuos e criar
pátios internos no lote para a colocação de aberturas laterais.
Os recuos frontais para a colocação de jardins, excetuando-se as residências, são apenas encontrados
em algumas edificações públicas, tais como, o Paço Municipal e Fórum. Os espaços internos se organi-
zam através de pátios para iluminação, sendo os fundos dos lotes geralmente destinados a quintais e
pequenas edículas (liberadas para serem construídas em madeira).
A partir de meados de 1940 as edificações passam a ganhar em altura. A legislação local opera sobre
estas novas questões e colabora para o desenvolvimento do novo cenário em formação. Em relação
à verticalização, na década de 1940, a forma de implantação dos edifícios comerciais da atual área
central da cidade – ou seja, do núcleo inicial projetado pela CTNP – coincide com as determinações
do Decreto-lei n°93 de 1943. Este proíbe a construção e reforma de edificações em madeira em
ruas da área central e exige que edifícios construídos junto ao alinhamento tenham no mínimo dois
3. A área central da cidade descrita no artigo refere-se ao quadrilátero primeiro delimitado pela CTNP quando da implantação do núcleo urbano.
56
- Avenida Paraná, da esquina da Rua Mato Grosso até a esquina da Rua Pernambuco;
- Rua Maranhão, da esquina da Avenida Rio de Janeiro até a esquina da Rua Mato Grosso;
- Minas Gerais, da esquina da Rua Santa Catarina até a esquina da Rua Maranhão;
- Avenida Rio de Janeiro, da esquina da Avenida Paraná até a esquina da Rua Benjamin
Constant;
- Rua Sergipe, da esquina da Avenida Rio de Janeiro, até a esquina da Avenida São Paulo.
(...)
ART. 10. As construções para qualquer fim, no alinhamento, só serão permitidas caso apre-
sentem a fachada principal em alvenaria de tijolos.
(...)
57
ART. 23. Fica a critério da Prefeitura estabelecer as zonas residencial, industrial e comer-
cial da Cidade. Assim, só poderão ser construídos:
FIGURA 02: Foto de meados da década de 1950 com indicações das áreas onde a legislação
obriga a construção de mais de um piso e cronologia dos edifícios implantados (Fonte: da autora,
2011, sobre base Foto Estrela, 2008)
58
É possível afirmar, a partir da análise da cronologia na implantação dos edifícios verticais ao longo
da década de 1950 – baseada na pesquisa de Suzuki (2007) – que estes despontam inicialmente nas
ruas determinadas no decreto lei n°93/1943. Um foco de verticalização externo às vias determinadas
pelo decreto-lei referido ocorre nas cercanias da Praça Primeiro de Maio e com grandes empreendi-
mentos na década de 1950, como: o Conjunto Centro Comercial com três torres residenciais e galeria
comercial em dois pisos no térreo; Edifício Bosque, com térreo e sobreloja de uso comercial e torres de
uso residencial e Edifício Comendador Júlio Fuganti, inteiramente de uso comercial e lojas junto ao
alinhamento, todos os três empreendimentos são da Construtora Veronesi. (ver figura 02)
As recomendações dos decretos-lei n°93/1943 e n°106/1944 não se opõem significativamente ao que
já vinha sendo realizado quanto à implantação das construções na cidade e sim legitimam a prática
comum. A inovação surge quando as duas leis se sobrepõem e se complementam e resultam na exi-
gência de que as construções em alvenaria na área central possuam mais de dois pavimentos quando
implantadas junto ao alinhamento e, devido a essa implantação, seu uso (ao menos no térreo) necessa-
riamente seja comercial. Esta condição influencia as características tipológicas da arquitetura vertical
subsequente em Londrina.
O decreto n°93 de 1943 ao estabelece que as edificações em alvenaria de um só pavimento “não pode-
rão ser beneficiados com quaisquer obras de reparo ou reforma”, incentiva a sua substituição progres-
siva por edificações com mais de um pavimento. Sendo assim, diferente de outras cidades onde se de-
termina um gabarito máximo de altura que se relaciona com a largura da via correspondente – como
ocorre na capital mineira de Belo Horizonte (NERY, 2001) – a legislação londrinense estabelece apenas
o número mínimo de pisos para edificações implantadas junto ao alinhamento predial, exigindo: “o
mínimo de dois pavimentos, sendo um térreo e outro superior”.
59
FIGURA 03: Marcação das empenas nos edifícios verticais da área centrais implantados junto ao
alinhamento, destaque para o Edifício Autolon com empena voltada para a via principal (Fonte: da
autora sobre acervo da autora, s.d., 2010)
Grande parte dos edifícios verticais em Londrina segue a risca a determinação do decreto-lei 106 de
1944 com implantação junto aos alinhamentos, visando um maior aproveitamento dos terrenos. Os
recuos laterais também são inexistentes na maioria dos casos, abrindo-se pátios para ventilação quan-
do necessário e criando empenas cegas laterais que aguardam novos edifícios verticais vizinhos (ver
figura 03). Também para atenderem a legislação vigente, apresentam nos pavimentos térreos e sobre-
loja espaços para comércio e prestação de serviço, ficando os demais pavimentos de apartamentos das
torres destinados a usos comerciais ou residenciais.
Os edifícios verticais desta fase seguem uma tipologia que pode ser referenciada a arquitetura norte-a-
mericana quanto à composição tripartida4 e com implantação junto aos alinhamentos do lote. No caso
4. O modelo de torre tripartida norte-americana é apresentado por Louis Sullivan em 1896 no artigo intitulado “The tal office building artistically
considered”.
60
dos arranha-céus norte-americanos os térreos destinam-se a lojas comerciais, muitas vezes recebendo
revestimentos diferentes das torres ou emprego de vidro. Em Londrina, o Edifício ECB de 1949, de au-
toria de Philip Lohbauer, apresenta esta estética. Ao mesmo tempo, a divisão da implantação em duas
torres formando um “H”, não deixa de pretender dar a ilusão de serem duas torres paralelas entre si,
no “estilo” CIAM.
Aliás, o modelo de edifício vertical com lojas térreas e implantação junto ao alinhamento – pelo fato
de ser a resposta direta ao que exige a legislação – é bastante difundido, tornando-se a tipologia mais
encontrada na área central. A pequena largura dos lotes também favorece essa opção: um lote pa-
drão na área central de Londrina apresenta de 11 a 15m de frente e aproximadamente 30 a 40m de
profundidade. Portanto, nestas edificações, a ocupação é quase total dos lotes e não há reentrâncias
e, sim, projeções de elementos que invadem o espaço público como marquises, balcões e volumes de
edificações acima do piso térreo.
FIGURA 04: Edifício Autolon ou Chevrolet (1950-51) à esquerda de João Vilanova Artigas e Edifício Sahão (1950) à direita
de Roger Henri Weiter, ambos com pilotis externos no térreo delimitados por planos de vidro no lado interno, fotos de
Augusto Galante (Fonte: Londrina no seu Jubileu de Prata, s.n., 1954)
A condição de pilotis delimitados por planos de vidro no pavimento térreo é presente em exemplares
da arquitetura modernista carioca, como o e Instituto de Resseguros do Brasil (1941-1942) e o Edifício
Seguradoras (1949-1951), ambos dos irmãos M.M.M. Roberto, sendo o último praticamente contemporâ-
neo aos edifícios em Londrina com essa solução. Outra obra que pode ser referência é o Edifício Esther
(1934) de Álvaro Vital Brasil em São Paulo e muitos outros. Assim, parece que, na maioria das vezes,
esta condição reflete a solução encontrada nas cidades brasileiras para viabilizar o uso de pilotis em
edifícios localizados em áreas consolidadas, já que a liberação total do nível térreo não é possível de-
vido às predeterminações urbanísticas e culturais.
Apesar do “encapsulamento” do térreo que apresentam pilotis, a destinação dessas áreas para lojas não
deixa de ser uma estratégia de redesenho, ao destinar ao nível da rua um uso mais público, mesmo que
limitado ao horário de funcionamento. Outras estratégias de liberação do lote privado ao uso livre é
através da criação de loggia´s e galerias comerciais térreas, surgidas principalmente a parte de meados
da década de 1950, pós-plano de Prestes Maia a Londrina, como é demonstrado na seção a seguir.
de critérios para a implantação dos edifícios que influenciam a arquitetura surgida na cidade após sua
criação. A Lei mantém a determinação das edificações de uso exclusivo residencial apresentar recuos
e, para edifícios de uso comercial, estabelece outras estratégias de implantação. Uma primeira delas
é quando se refere aos edifícios dos núcleos comerciais locais onde sugere a criação de “galerias ou
arcadas” à frente dos mesmos nos andares térreos e sobrelojas:
Lei Municipal n°133 de 7 de dezembro de 1951
ART. 112. (...)
Parágrafo 2° Por iniciativa do proprietário-arruador, ou dos proprietários adquirentes,
ou da Prefeitura nas “diretrizes”, podem ser prescritas galerias ou arcadas nas frentes,
compreendendo em altura 1 ou 2 (um ou dois) andares (térreo e sobreloja), nos trechos
mais adequados dos núcleos comerciais. Essas galerias terão uniformidade de disposição,
largura livre mínima de 3,50 (três e meio) metros e mais faixa de um metro de largura
para as colunas, A faixa total (4,50 – quatro e meio –metros de largura mínima) poderá
ser descontado da percentagem obrigatoriamente livre ou não construível do lote, no caso
da exigência municipal posterior a oficialização do arruamento.
A solução de arcadas ou, seja, a loggia, já é empregada em outras cidades do país, como nos Edifícios
da Avenida Getúlio Vargas no Rio de Janeiro. Neste caso carioca, a loggia invade o espaço público,
mas loggia´s reentrantes também já são encontradas nesta época. Em Londrina, parece ser a partir da
década de 1950 que se encontra maior uso desta solução. A questão do relevo é um grande elemento
dificultador de sua aplicação na cidade, especialmente nas ruas em sentido transversal, já que a malha
xadrez do plano inicial se distribui, sem grandes ressalvas, sobre o solo e, somado ao fato da Catedral
estar no ponto mais elevado, todo o restante está, portanto, em declive. A limitação da aplicação da
arquitetura modernista em decorrência do relevo não é exclusividade de Londrina e pode ser observa-
da no Parque Guinle de Lúcio Costa.
O desnível desfavorece a proposta de configurar uma loggia contínua limitando o acesso à área livre
a um único ponto ou criando a necessidade de vencer diferenças de nível por degraus ou escadarias.
Este quadro pode ser observado em Londrina no Edifício Bosque (1955), Centro Comercial (1953) e Al-
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vorada (1958). No caso do Edifício Bosque e do Alvorada, apesar das imagens impressas nos anúncios
de venda dos empreendimentos publicados no Jornal Folha de Londrina na década de 1950 negarem,
o desnível inviabiliza, em maior ou menor escala, o acesso à loggia. Além disso, a proposta de um
percurso interno no espaço privado através da loggia pode ser estanque por ficar limitada apenas ao
lote onde se aplica a solução, já que os edifícios vizinhos podem estar alheios a tal desejo. Desta forma,
a loggia como possibilidade de percolação e uso do privado pelo público pode existir apenas dentro
de um restrito espaço.
A Lei n° 133 também contribui para dar forma às edificações com galerias comerciais térreas ao espe-
cificar que as torres implantadas sobre galerias devem apresentar recuos laterais quando tiverem mais
de três pavimentos. Desta forma, as edificações tornam-se não apenas volumes monolíticos encostados
uns aos outros, mas sim, tornam-se sobreposição de volumes autônomos em composições volumétri-
cas. Esta determinação se soma posteriormente a exemplares que apresentam esta forma, tais como,
o Conjunto JK, inaugurado em 1952 em Belo Horizonte e, em 1955, o Conjunto Nacional inaugurado em
São Paulo que estabelecem um novo “solo” suspenso para a distribuição autônoma dos volumes em
uma composição abstrata:
Lei Municipal n°133 de 7 de dezembro de 1951
Art. 119. Na zona de comércio regional (CRg) todos os prédios de mais de 3 (três) andares,
onde não houver regulamento especial impondo uniformidade de altura, ou serão isolados,
ou se unidos, obedecerão a um recuo lateral de 2 (dois) metros no mínimo, acima do 3°
andar (isto é, do 4° piso). Essa parte do prédio, ou corpo superelevado além do 3° andar, re-
ceberá forma o quanto possível regular e terá todas as faces tratadas arquitetonicamente.
São exemplos desta nova recomendação o Edifício América (1958), Edifício Tuparandi (1969), Edifí-
cio Cínzia (1964), Edifício Alaska (1961), Edifício Bosque (1955), Edifício Centro Comercial Londrina
(1955-60), entre outros. Nestes, a composição das torres acima do nível térreo e sobreloja recebe maior
atenção, onde as diferentes fachadas são tratadas esteticamente. Exemplo disto é o Edifício América
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(1958), também conhecido como “Relojão”5, projeto de João Serpa Albuquerque. No edifício, cada parte
se individualiza em um volume: o térreo e sobreloja são destinados originalmente ao banco América
e possuem fechamento em vidro. O térreo possui um recuo em relação às divisas e é sobreposto pelo
volume da sobreloja que retoma os limites do lote para definir sua área. Entre ambos, uma marquise
em ângulo retos se projeta sobre o passeio. Acima da sobreloja há um terraço onde os pilotis, até então
internos, tornam-se externos à composição. Após o terraço sobre a sobreloja, se inicia o volume da
torre com janelas em fita voltadas para a fachada da Avenida Paraná e, estas, permitem vislumbrar
os pilotis que se tornam novamente internos através da transparência. A ligação entre os dois blocos
(o da torre e o da sobreloja) é realizado por uma discreta caixa de vidro posicionada recuada dos
pilotis externos. Dado o recuo do volume da torre em relação às divisas, as fachadas laterais também
possuem aberturas, contrastando com as edificações vizinhas dotadas de empenas cegas nas fachadas
laterais.
FIGURA 05: “Fundos” do Edifício Alaska (1961) e Edifício Tuparandi (1969), ambas as galerias
térreas não circundam todas as respectivas torres. (Fonte: da autora, 2008.)
Neste novo modelo de verticalização a aglutinação de lotes torna-se frequente para materialização das
propostas baseadas nas novas recomendações da Lei 133, e isto possibilita composições volumétricas
mais variadas. Mesmo assim, a intenção modernista de composições volumétricas sobre o volume das
galerias térreas e destinação da área residual do terraço a um uso livre, não consegue se viabilizar na
maioria das propostas londrinenses. Alguns dos volumes térreos, junto aos alinhamentos, nem chegam
5. Possui essa alcunha justamente por ser coroado por um relógio de grande dimensão em sua cobertura.
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a circundar todo o perímetro do terreno ou das torres, limitando-se a apenas conferir uma feição di-
ferenciada a partir das vias principais e, assim, dando a ilusão de que há um terraço circundando o
bloco vertical. Este é o caso do Edifício Alaska (1961) e do Edifício Tuparandi (1969). (ver figura 05)
Apesar das fachadas das torres perderem, em parte, a dicotomia “frente/fundo” com a liberação da
implantação junto às divisas e criação das fachadas laterais, mas ainda se mantém o tratamento di-
ferenciado entre o que é visto a partir da via e o que não é. Nas fachadas posteriores os elementos de
acabamento são mais simplificados ou inexistentes. (ver figura 05)
da década de 1950.
Ainda sobre o Autolon o edifício tem acesso às salas comerciais dos pisos superiores a partir de uma
escada lançada sobre a calçada que ocupa parte do lote e, assim alarga o passeio da Rua Minas Gerais,
e os patamares da mesma fazem às vezes de marquises sobre a calçada. O último patamar se projeta
além dos limites do lote, constituindo-se em um mirante em balanço. A escada torna-se um espaço
entre o público e o privado, acessível a partir da calçada e confundindo até onde é lote privado. A
solução de implantação do Autolon não deixa de ter como referência o Edifício Louveira também de
Artigas construído em São Paulo em 1946, cuja implantação de duas torres em paralelo delimita entre
elas um espaço livre entre o público e o privado.
As propostas de Artigas buscam romper com a dicotomia frente e fundo, pois não se configuram a
partir do paralelismo em relação ao lote. Grande parte dos edifícios verticais em Londrina ainda es-
tabelece a fachada voltada para a rua como a principal, sendo a de “fundos” tratada de uma forma
diferente e menos criteriosa como empenas cegas à espera de edifícios contíguos a serem implantados.
O caso da Casa da Criança é exemplar, ao se localizar em uma das quadras em formato de semicírculo
que circundam a Catedral, a inserção do edifício rompe com a implantação adotada frequentemente
nestas, onde os edifícios se posicionam junto ao alinhamento definindo o desenho da curvatura. A Casa
da Criança tem disposição em “L”, negando, portanto, a curvatura para definir a disposição dos blocos.
Artigas busca – dentro das limitações do contexto interiorano e da legislação vigente – empregar con-
cepções da arquitetura modernista dos grandes centros, acrescidos da contribuição pessoal do arquite-
to. Artigas não é o primeiro a trazer os cinco pontos da arquitetura corbusieriana à cidade, o edifício
Sahão, de Roger Henri Weiter, já traz pilotis e terraço jardim. O pioneirismo de Artigas está em ele ser
o primeiro a utilizar a arquitetura para determinar a forma urbana e não o contrário.
3 Conclusão
Com pesquisa, observa-se que a concretização da proposta do Movimento Moderno de repropor a ci-
dade existente, só encontra palco – na maioria das vezes – em áreas afastadas, como novos bairros,
ou então em conjuntos arquitetônicos de grande porte, como campus universitário, clubes, conjuntos
habitacionais, etc. Nas cidades consolidadas, ou que tenham planos que ainda flertam com a concepção
tradicional de cidade (como é o caso de Londrina), a possibilidade de materialização da arquitetura do
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A TRAJETÓRIA DO PATRIMÔNIO MODERNO EM LONDRINA1: OBRAS DE VILANOVA
70 ARTIGAS E CARLOS CASCALDI
Elisa Roberta Zanon2
1
1. Partes deste texto são decorrentes da compilação de pesquisas realizadas sobre o patrimônio moderno londrinense com patrocínio do PROMIC
– Programa Municipal de Incentivo à Cultura de Londrina, no qual participaram pesquisadores de diferentes áreas: arquitetos e urbanistas Elisa
Roberta Zanon, Denise Lezo e Rodrigo Kamimura; historiadores Leandro Henrique Magalhães e Patrícia Martins Castelo Branco.
2. Arquiteta e Urbanista, com especialização em Teoria e História da Arte, mestranda em Geografia: Dinâmica Espaço Ambiental pela Universidade
Estadual de Londrina. Docente do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Filadélfia.
3. Professor do Centro Universitário Filadélfia. Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná. Coordenador do Projeto Educação Patri-
monial, financiado pelo Programa Municipal de Incentivo a Cultura – PROMIC, de Londrina – PR. Organizador do 2º DOCOMOMO Paraná.
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destacavam os primeiros arranha-céus. Foi também, no final desta década, que a passagem dos arquite-
tos Artigas e Cascaldi em Londrina resultou num conjunto de projetos de edifícios construídos na área
central da cidade: Estação Rodoviária (1948 –1952), Casa da Criança (1950 – 1955) e o Complexo Edifício
Autolon (1948 – 1951) /Cine Ouro Verde (1948 – 1952).
O prédio da antiga Estação Rodoviária, atual Museu de Arte de Londrina – MAL, está localizado na
Rua Sergipe, no lugar de concentração do comércio central. Inaugurado em 1952, a edificação teve
suas atividades de origem encerradas em 1988 devido ao grande fluxo de ônibus e passageiros que não
comportava. Do ponto de vista da importância da obra para o patrimônio moderno, no ano de 1974,
o prédio da Estação Rodoviária – Praça Rocha Pombo foi tombado pela Coordenadoria do Patrimônio
Cultural da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná através do Tombo Histórico nº. 52, processo nº.
53/1974, com a justificativa de ser o primeiro edifício da fase modernista a ser tombado no interior
do Brasil.
Após suas funções serem transferidas para outra localidade, deu-se início a uma discussão sobre sua
utilização, o que se concretizou com a inauguração do Museu de Arte de Londrina em 13 de maio de
1993. Atualmente, está em fase de elaboração o projeto de restauro do Museu de Arte de Londrina, além
do processo em andamento no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, visando
o tombamento do prédio em nível nacional.
72
Imagens: 1) Vista externa da Estação Rodoviária de Londrina, 1955; 2) Vista externa do Museu
de Arte de Londrina, 2011. Fonte Imagem 1: Acervo IPAC/LDA – Inventário e Proteção do Acervo
Cultural de Londrina. Fonte Imagem 2: Rei Santos.
Outra obra moderna em Londrina, vista num primeiro momento com estranheza, mas que nos anos
seguintes foi envolvida por prédios de fisionomia vertical é a antiga Casa da Criança, inaugurada
em 1955. A edificação serviu para diversas finalidades, dentre estas, a Biblioteca Pública Municipal
da década de 1960 até 1984, e depois sede da Secretaria Municipal de Cultura. No decorrer dos anos,
várias adaptações de uso e acréscimos de espaços como pavimentos foram feitas ao prédio, destoando
da concepção do projeto original. Diferente das demais obras de Artigas e Cascaldi, a antiga Casa
da Criança ainda não tem tombamento nas esferas Estadual e ou Federal, sendo registrada como de
valor excepcional no âmbito municipal, de acordo com o Plano Diretor de Preservação do Patrimônio
Cultural de Londrina de 2003. No final da década de 2000, foram elaborados estudos e o projeto para
a conservação e recuperação das linhas do modernismo característico do prédio. Atualmente, a edifi-
73
Imagens: 3) Vista externa da Casa da Criança em Londrina, década de 1950. 4) Vista externa da
Secretaria Municipal de Cultura de Londrina em processo de restauração, 2011. Fonte Imagem
3: Acervo Museu Histórico de Londrina Pe. Carlos Weiss – Foto: Oswaldo Leite. Fonte Imagem 4:
Rei Santos.
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Imagens: 5) Vista do Edifício Autolon, final da década de 1950/ início 1960. 6) Vista do Edifício
Autolon, ao lado o Teatro Ouro Verde, 2011. Fonte Imagem 5: Acervo Museu Histórico de
Londrina Pe. Carlos Weiss. Fonte Imagem 6: Rei Santos.
Do conjunto, o Cine Ouro Verde se destaca por suas linhas modernas que surpreenderam a sociedade
da época. Tinha a capacidade para 1500 pessoas, configurando um dos pontos de encontro mais im-
portantes da cidade, em uma época em que o cinema era o principal veículo de comunicação e entre-
tenimento, funcionando nesta atividade até a década de 1970. Segundo os dados do setor de Cadastro
75
Imobiliário da Prefeitura de Londrina, a aprovação do projeto data de 1948, tendo sido o habite-se
expedido em 1952. A inauguração do cinema foi em 24 de dezembro de 1952, com o filme Meu Coração
Canta, conforme o anúncio existente no acervo do Museu Histórico de Londrina Pe. Carlos Weiss.
Em 1978, a edificação passou a pertencer à Universidade Estadual de Londrina que na década de 1980
realizou uma reforma com adaptações para funções cine-teatro. O traço mais marcante desta inter-
venção foi a substituição da cobertura e das poltronas deslizantes originais em metal.
Imagens: 7) e 8) Vista panorâmica do Cinema Ouro Verde durante reforma, década de 1980. Fonte
imagens 7 e 8: Acervo do jornal Folha de Londrina.
No final dos anos 1990, a autorização para a construção de uma loja ocupando o espaço onde era o
jardim entre o Ouro Verde e o Autolon, restringiu drasticamente a sua visibilidade e a possibilidade
de uso integrado das duas edificações, obstruindo o acesso lateral ao Cine-Teatro além de vedar as
janelas dos sanitários.
Ainda no final da década de 1990, o Ouro Verde foi tombado pelo Patrimônio Histórico Estadual, com
76
a inscrição nº 126, Processo 02/98 de 08/11/1999. No ano de 2002, o prédio foi restaurado através do
programa do governo estadual “Velho Cinema Novo”, com um projeto de restauro, acompanhado por
técnicos da Secretaria de Estado da Cultura.
No entanto, após aproximadamente dez anos do restauro, o Teatro Ouro Verde foi parcialmente des-
truído pelo incêndio de fevereiro do ano de 2012, restando somente escombros e a casca da edificação.
Desde então, a comunidade londrinense busca meios de reconstrução de uma obra representativa de
sua identidade local.
Imagens: 9) Vista do Cine Ouro Verde, década de 1950. 10) Vista do Tetro Ouro Verde no
momento do incêndio, fevereiro de 2012. Fonte Imagem 9: Museu Histórico de Londrina Pe.
Carlos Weiss – Coleção Foto Estrela. Fonte Imagem 10: Rei Santos.
Considerações Finais
O texto exposto parte de reflexões realizadas no âmbito do Projeto Educação Patrimonial, para abordar
uma problemática própria de cidades novas e de médio porte, como Londrina-PR, ou seja: a dificuldade
de apropriação, por parte da comunidade, de seu Patrimônio Cultural, secundado em nome da moder-
nidade e do desenvolvimento.
A ação de arquitetos consagrados, como Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi, que, graças as suas obras,
possibilita que a cidade seja reconhecida nacionalmente, não é o suficiente para que a comunidade
londrinense reconheça a importância do debate em torno do Patrimônio Cultural e da identificação
e preservação de seus bens culturais. No entanto, avanços significativos devem ser anotados, como:
77
Referências
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Inventário e Proteção do Acervo Cultural de Londrina – IPAC, Universidade Estadual de Londrina – UEL, 1995.
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Londrina.
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YAMAKI, Humberto. Plano Diretor de Preservação do Patrimônio Histórico de Londrina – Documentos para
discussão. Lei Municipal de Incentivo à Cultura – Prefeitura Municipal de Londrina. 2003.
ITINERÁRIO DA ARQUITETURA MODERNA NO AGLOMERADO URBANO DE
FLORIANÓPOLIS, SC 79
A cidade modernizada
O município de Florianópolis compreende espacialmente uma porção insular, localizada na costa
atlântica, a Ilha de Santa Catarina, e uma continental, o Estreito. No contexto dos ciclos da moderni-
dade, entre 1930 e 1970, a cidade de Florianópolis, capital de Santa Catarina, tem seu desenvolvimento
explicitado em grande parte por edificações e espaços urbanos projetados e construídos nas linguagens
modernas referenciadas nesta época.
A partir dos anos de 1930, após a construção da ponte pênsil que ligou de forma definitiva a ilha ao
continente e de uma avenida na área central, concebida no ideário sanitarista, Florianópolis se con-
solida como capital. Essas duas obras, iniciativas do então Governador Hercílio Luz, acabaram por
receber seu nome.
Grande parte do processo de modernização se deve à ação estatal no sentido de consolidar Florianó-
polis como capital do estado. Essa, iniciada nos anos 1930, recebe novo impulso nos anos 1950, afinada
à conjuntura política nacional dos ciclos de desenvolvimentismo e também consagrando a vontade
das elites locais.
Na década de 1940 os problemas gerados pela 2ª Guerra Mundial atingiram a capital acabando por
estagnar as atividades portuárias, sua principal economia urbana. Posteriormente, a expansão em
direção ao norte da Ilha, nos anos 1950, prenunciaria a atividade turística ligada aos balneários.
A partir da década de 1960 com o aterro da Baía Norte e a construção da avenida Beira-mar ligando-se
ao centro da Ilha, criam-se condições favoráveis à instalação da universidade federal e de órgão es-
tatal atuante no processo de eletrificação do estado, instituições importantes para o desenvolvimento
da região.
1. Doutor FAU/USP, São Paulo, professor no Mestrado em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade, PGAU-CIDADE, UFSC.
2. Doutor EESC/USP, São Carlos. Doutor FAU/USP, São Paulo, professor no Mestrado em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade, PGAU-CI-
DADE, UFSC.
3. Academicas do Curso de Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal de Santa Catarina UFSC.
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A renovação urbana da área central inicia a verticalização das edificações entre as décadas de 1950
a 1970, provocando a ruptura com a malha urbana existente e sua arquitetura tradicional, modesta e
de volumetria horizontal. Neste contexto, a presença da arquitetura de linguagem moderna, também
representa a sintonia dos governantes locais com o espírito de renovação nacional, comum aos dife-
rentes ciclos.
A transformação da linguagem arquitetônica foi marcante considerando o período abordado em sua
ampliação do recorte temporal, considerado de 1930 a 1980. Neste processo foram construídas edifica-
ções em Art Déco, Racionalismo Clássico, Modernismo e posteriormente, Brutalismo. Como em muitos
outros lugares do Brasil, houve simultaneidade temporal de inserção das linguagens Déco, Racionalista
e Moderna. Isso se explica pela conjuntura cultural da época, onde essas arquiteturas eram encaradas
todas como modernas, ou parte de um processo de modernidade da cidade.
Diversos elementos foram os propulsores dessa modernidade. A ação do capital privado e a influência
dos Planos Diretores, reguladores do planejamento urbano, as iniciativas estatais federal, estadual e
municipal, e seu impacto no espaço urbano e no imaginário da população.
No processo de renovação urbana da área central as características principais do período abordado,
são o adensamento da área em recorte e a transformação de linguagem das arquiteturas mencionadas
anteriormente. A área passaria também por um início de verticalização em função do desenvolvimen-
to urbano, da valorização imobiliária e da concentração de equipamentos e infraestrutura no coração
da cidade.
A estrutura fundiária, marcada pela tradição luso-brasileira vai ser, no processo, modificada pela
junção de lotes e consequente construção de novas edificações atendendo aos programas arquitetônico-
-urbanos da época. São residências unifamiliares, hotéis, cinemas, clubes, lojas, edifícios estatais e sedes
de empresas, entre outros.
Deste quadro geral pode-se destacar a existência de obras importantes como representativas do ideá-
rio do movimento modernista nacional ou regional: o Lagoa Iate Clube e o projeto de loteamento do
balneário Praia do Forte, em Jurerê, de Oscar Niemeyer; os projetos paisagísticos de Burle Marx para o
aterro da Baía Sul e praça de convivência junto à reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina;
o edifício Normandie, de Roberto Félix Veronese; a residencia Zipser e Palácio Santa Catarina de Hans
Broos ; a Biblioteca Pública e as passarelas de Joaquim Filgueiras Lima, Lelé; a Assembléia Legislativa
81
do Estado de Santa Catarina de Paulo Mendes da Rocha e Pedro Paulo de Melo Saraiva.
Neste processo de estudo e reconhecimento do modernismo em Santa Catarina, percebe-se que seja
na área das artes plásticas, visuais e arquitetura e urbanismo, os esforços de reflexão e produção de
materiais de divulgação encontram-se ainda concentrados no âmbito acadêmico das universidades, a
maioria resultante de dissertações de mestrado e teses de doutorado realizadas no Brasil e no exterior.
O rebatimento destas ações de reconhecimento e preservação no plano institucional público e privado,
e mesmo de gestão governamental, tem ocorrido de forma lenta e sem resultados dignos considerando
sua importância para o contexto do desenvolvimento urbano e social do Estado.
Um itinerário para a arquitetura moderna
O Itinerário da Arquitetura Moderna de Florianópolis se configura como um produto da pesquisa e
registro dos exemplares de edificações e setores urbanos considerados como representativos desta
linguagem, podendo também abranger outras manifestações anteriores e posteriores consideradas
importantes para a sua compreensão e consagração.
Além de subsídio para as ações de preservação, este trabalho tem como objetivo divulgar o percurso
deste ideário sob a forma de roteiros deste patrimônio para moradores e visitantes da cidade.
Como enfoque metodológico da pesquisa estão sendo mapeados e agrupados sob a forma de zonea-
mentos os locais das edificações e espaços urbanos da área de conurbação de Florianópolis. Assim,
conforme pode-se observar na Figura 1, as regiões da cidade onde encontram-se os exemplares foram
definidas por quatro setores: Península Central e arredores (S1), Continente (S2), região do Campus
Central da Universidade Federal de Santa Catarina / UFSC e Itacorubi (S3) e Norte da Ilha e Lagoa da
Conceição (S4).
Esses zoneamentos ou regiões correspondem em parte ao próprio percurso de modernização da cidade,
configurando conseqüentemente suas expansões. No caso específico do Setor 4, o critério de agrupa-
mento de duas zonas se justifica pelo fato da autoria dos projetos ser do arquiteto Oscar Niemeyer para
loteamentos e edificações.
Conforme verificado na pesquisa, a grande concentração de exemplares localiza-se no centro urbano
insular (S1), correspondente ao espaço fundador da cidade e suas expansões. Este espaço é delimitado
por uma península triangular formada pelas baías Norte e Sul e pelo maciço montanhoso a Leste, o
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Morro da Cruz. Assim tem-se grande concentração inicial de exemplares na área do entorno da Praça
XV e, posteriormente, nas áreas definidas pela Avenida Hercílio Luz e Chácara de Espanha.
Foram cadastrados até o momento 81 exemplares de projetos e obras realizadas ainda existentes e
algumas demolidas. No processo de trabalho são identificadas edificações, loteamentos, projetos pai-
sagísticos e equipamentos urbanos. Cada exemplar tem em sua especificação o endereço, autoria, data
de construção e de projeto, usos (originais ou atuais), número de pavimentos, descrição do edifício,
fontes, fotos e plantas.
Como recurso metodológico a pesquisa adota a visita in loco, o levantamento de fontes bibliográficas
e documentos gráficos e fotográficos obtidos em arquivos e centros de informação.
Paralelamente ao cadastro de exemplares, a pesquisa procura também fazer o registro das autorias dos
projetos, traçando assim o perfil dos profissionais observando sua formação, atuação em escritórios e
instituições públicas, número de obras e suas específicas concepções como contribuição para a produ-
ção regional. Encontram-se registrados até o momento cerca de 30 autores, sendo identificados destes
20 arquitetos, 3 engenheiros, 3 desenhistas e 1 paisagista.
O Setor 2 (S2) com 5 exemplares corresponde a área Continental, bairros Estreito e Coqueiros possuindo
2 residências e 3 edifícios de uso público. Neste setor destaca-se o edifício Normandie, projetado por
Roberto Veronese em 1964, para hotel e apartamentos residenciais.
No Setor 4 (S4) definido por locais diferentes, a Lagoa da Conceição e Norte da Ilha, foram cadastra-
dos dois loteamentos e duas edificações, ambos de autoria de Oscar Niemeyer. O primeiro, de 1957, no
balneário Jurerê, projeto para o loteamento Praia do Forte, incluindo uma edificação para restaurante
conhecida como Catetinho, posteriormente demolida. O segundo, um complexo para loteamento à
margem da Lagoa da Conceição, de 1969, denominado Centro Internacional de Turismo – CIT, com sede
para clube esportivo e social o Lagoa Iate Clube, conforme figura 2.
83
Fig. 01: Maquete do Lagoa Iate Clube LIC, elaborados a partir do croqui de Oscar Niemeyer,
Admar Gonzaga e José Cipriano da Silva. Fonte: Arquivo da Secretaria do LIC.
O Setor 3 (S3) corresponde às áreas da UFSC e Itacorubi. Na primeira encontram-se os edifícios insti-
tucionais do campus da UFSC, de 1960, destacando-se a biblioteca, a reitoria e a praça de convivência,
criada por Roberto Burle Marx e alterada parcialmente, além do edifício da Eletrosul, de 1975. No bair-
ro do Itacorubi, ao norte, as sedes da CELESC e do CREA representam o último ciclo da modernização
da capital, na década de 1970, registrada na pesquisa. Ainda neste setor tem-se a edificação do Centro
Integrado de Cultura – CIC, no bairro Agronômica.
Fig. 02: Vista da Reitoria da UFSC e da praça centraldo campus, projetada por Roberto Burle
Marx. Fonte: Casa da Memória, PMF.
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O Setor 1 (S1) correspondente à península central, compreende o maior número de exemplares é for-
mado por edificações, praças e equipamentos de diferentes períodos e linguagens, demonstrando a
inserção e substituição geradas pelo processo de modernização do núcleo originário da cidade. Neste
espaço destacam-se os projetos construídos para edifícios administrativos públicos, serviços de hote-
laria e hospitais. As construções residenciais multifamiliares em altura e posteriormente, as unifami-
liares dos loteamentos de expansão, tornam-se os grandes investimentos imobiliários da região. Entre
as principais obras desfiguradas encontra-se o projeto dos jardins para o aterro da baía sul, de Burle
Marx.
Fig. 03: Vista aérea da área central no final da década 1950, no início do processo de
modernização pela verticalização. Fonte: Casa da Memória, FFC/PMF.
(2010:189): emprego de materiais novos sem comprovação empírica de desempenho, falhas de detalha-
mento e construção, obsolescência funcional e operativa ao longo do tempo e sistemas de infraestru-
tura superados (TEIXEIRA;GRAD;MUNARIM, 2011). Isso tudo aliado, no caso brasileiro, a um processo
incipiente de industrialização com suas precariedades na construção civil.
São “novos desafios que merecem uma reflexão mais cuidadosa” (MOREIRA,2010:189), que incluem as
questões diretamente ligadas à atualização das conceituações e mecanismos legais que envolvem a
integridade dessa produção arquitetônica e sua especificidade.
Além disso, ocorreram em vários exemplos e circunstâncias, alterações muitas vezes irreversíveis em
sua espacialidade. Casos infelizmente mais corriqueiros são, por exemplo, o fechamento, parcial ou to-
tal dos pavimentos térreos e seus pilotis das edificações modernas, como aconteceu com o Hospital Cel-
so Ramos, em Florianópolis, projeto de 1959 de autoria dos arquitetos Moysés Liz e Walmy Bittrencourt.
As possibilidades de flexibilização espacial no emprego do concreto armado e seu sistema construtivo
reticular fascinaram os arquitetos nos anos 1950 e acabaram por dominar o campo da tecnologia de
construção. Fatores pragmáticos, como a economia de meios, repetição de pavimentos-tipo, ausência
de ornamentos artesanais e outros, não devem ser desconsiderados na recepção dessa linguagem, junto
aos empreendedores.
Houve também, ao que parece, um excesso de confiança em uma das qualidades mais divulgadas, para
além das potencialidades plásticas e estruturais do concreto: sua solidez, aparentemente infinita.
O preço pago pelo vanguardismo assim também se manifestou na precariedade e no empirismo das
soluções estruturais, com a inexistência de normas técnicas precisas. A primeira norma brasileira – a
NB 01 é de 1940 e o foco nos problemas de durabilidade somente foi objeto de normativas no início do
século XXI. Muitas obras modernas sofreram nesse ínterim os efeitos do tempo, inclusive o da falta de
manutenção criteriosa, principalmente em se tratando de prédios públicos.
Por outro lado, os edifícios modernos foram construídos em um ciclo de ausência de preocupação com
a eficiência energética, onde o paradigma dos cinco pontos da arquitetura moderna praticamente só
incluía os brise-soleils como artefatos controladores da insolação. Caberia aos equipamentos de ar con-
dicionado resolver esse problema, o que levou, em muitos casos, a interferências danosas nas paredes
externas e na configuração plástica e integridade física dos edifícios modernos.
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Um efeito desse teor parece ter ocorrido no Edifício das Diretorias (1953-1961, projeto do eng. arq.
Domingos Trindade). As salas voltadas para oeste são utilizadas à tarde com cortinas e iluminação
artificial e “a grelha de concreto remanescente (...) passou a suporte para a fixação de aparelhos de ar
condicionado” (TEIXEIRA et alli,op cit).
As intervenções contemporâneas de adequação ao uso de novos sistemas mecânicos, elétricos e de
comunicações também têm, em muitos casos, sido feitas sem critérios claros, que respeitem a configu-
ração original dessas edificações.
Isso refletiria um desconhecimento ou descaso com a importância cultural dessa arquitetura como
patrimônio urbano. Entendida como materialização de um ciclo identitário da cidade e consagração
de uma linguagem arquitetônica emanada dos programas do nacional-desenvolvimentismo, esse pa-
trimônio recente não tem ainda o reconhecimento como tal.
Além dos problemas inerentes à sua construção e utilização, como exposto acima, e da falta de visi-
bilidade histórica por parte da população e de muitos arquitetos, a arquitetura moderna e as demais
linguagens da modernidade enfrentam a ausência de efetivos mecanismos legais de conservação e
preservação.
Embora com a criação do IPHAN, em 1937, se tenha inaugurada a proteção dos bens arquitetônicos
modernos, como o Ministério da Educação e Saúde (Rio de Janeiro) e a Igreja da Pampulha (Belo Ho-
rizonte), ainda na década de 1940, esse cuidado foi pontual.
Outra corrente da arquitetura moderna no Brasil, fora do âmbito da chamada escola carioca, veio a
ser considerada objeto de tombamento federal, somente nos anos 1980, como foi o caso das três casas
de Gregori Warchavchik (1927 a 1930). Outros exemplares dignos de proteção nacional, como a Casa
de Vidro (Lina Bo Bardi, São Paulo, 1951) e o Elevador Lacerda (Fleming Thiesen & Floderer, Salvador,
1929) foram elencadas no início do século XXI (ANDRADE JÚNIOR;CARVALHO;FREIRE, 2010:333).
Em Florianópolis não há edificações modernas tombadas nas esferas federal e estadual. Persiste em
geral a ausência de uma continuidade sistemática de identificação e registro, bem como ações de pre-
servação do patrimônio da modernidade no plano nacional. No plano estadual, ao que parece, não há
também movimentação maior nesse sentido.
Na esfera do município, na cidade-capital as contradições se acumulam. Pressionados pela especula-
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ção imobiliária e conseqüente valorização dos lotes centrais, os imóveis representativos desse ciclo do
moderno, exemplos interessantes de escala na relação edifício-cidade, têm sido vítima sistemática das
demolições. Algumas delas, como a do Edificio Mussi (projeto de Wolfgang Ludwig Rau, 1957) em outu-
bro de 2010, resultou de um ato municipal controverso. A municipalidade aparentemente desconside-
rou duas de suas leis de proteção patrimonial: a Lei 6486/2004 que determina que não será permitido
sem prévia autorização do SEPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural) qualquer
obra ou demolição no entorno de edificações preservadas nas categorias P1 e P2, e a Lei Complemen-
tar 154/2005, que proíbe em um raio de 100 metros, obras “que possam interferir na visualização de
edificações integrantes do patrimônio”. Esse era o caso do Edificio Mussi, vizinho da Igreja Luterana,
bem municipal tombado.
Outro caso, esse recentíssimo é o da Residência Zipser (projeto de Hans Broos, 1959), também situada
na península central e obra de um arquiteto internacionalmente conhecido. Projeto concebido em
linguagem moderna, poderia ser considerado um representante do modernismo clássico e exemplo do
avanço da cidade para fora do núcleo fundador, com lotes mais generosos e uso residencial. Nova-
mente os especialistas do órgão municipal de preservação foram, ao que parece, vencidos pela força
do capital imobiliário e por certa inoperância dos dirigentes do setor público competente.
Os aspectos levantados nesse trabalho levam a crer na grande importância do registro e documenta-
ção dessa produção moderna, através de métodos e mídias contemporâneos. Um dos objetivos seria dar
apoio logístico a ações de preservação e educação patrimonial sistemática, dando maior visibilidade e
reconhecimento, junto à população, dessas obras representativas de um ciclo da cidade.
Referências bibliograficas
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Mestrado, Pós-Arq / UFSC. Florianópolis, 2006.
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desafios da preservação do Patrimônio Moderno:A aplicação na Bahia do Inventário Nacional da Arquitetura,
Urbanismo e Paisagismo Modernos. In SEGRE, Roberto et alli (orgs.).Arquitetura + Arte + Cidade.Um debate
internacional. 8º Docomomo Brasil. Rio de Janeiro: Viana & Mosley,2010.
88
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década de 50.Tese de doutoramento. PPGH / CFCH / UFSC. Florianópolis, 2002.
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13/11/2011.
TEMPLOS MODERNOS: AS IGREJAS DE DOMINIKUS E GOTTFRIED BÖHM NO BRASIL 89
Karine Daufenbach1
Leodi Antônio Covatti2
Flávia Martini Ramos3
Introdução e Apresentação
Este artigo coloca em discussão dois edifícios religiosos projetados pelos arquitetos alemães Dominikus
Böhm (1880-1955) e Gottfried Böhm (1920), pai e filho respectivamente: as Igrejas Matriz de São Paulo
Apóstolo (1953-1958) em Blumenau e São Luiz Gonzaga (1955-1962) em Brusque, cidades de colonização
alemã da região do Vale do Itajaí em Santa Catarina. O interesse nos edifícios reside em sua qualidade
arquitetônica e importância dentro do contexto urbano, alçados à condição de monumento moderno
e religioso. A importância também recai sobre seus autores, arquitetos com vasta e brilhante obra pro-
duzida, com ênfase na arquitetura religiosa, sobretudo na Europa. No caso de Dominikus, destaca-se
sua grande influência também na América.
Considerado um dos maiores nomes da arquitetura religiosa do século XX, Dominikus Böhm foi um
importante condutor do Movimento pela Reforma Litúrgica no início do século na Alemanha, adian-
tando em cerca de cinquenta anos alguns pontos colocados no II Concílio Vaticano, de 1962, como a
localização do altar junto aos fieis.4
Em 1953 Dominikus e Gottfried Böhm chegam ao Brasil, chamados a fazer os planos da nova matriz
em Blumenau. Mas sua atuação no país não se limita às duas obras citadas, nem mesmo se inicia com
aquela: já em 1937 Dominikus concebe o projeto não executado de uma igreja de pequenas dimensões
para uma comunidade alemã em Timbó, além da igreja Matriz de Presidente Getúlio (1953-1954) – am-
bas as cidades próximas a Blumenau - a única de todas as obras brasileiras que pode ver completa-
mente realizada.
Dominikus tornou-se, pouco tempo depois de construída sua primeira igreja no final dos anos 1910,
autoridade na construção religiosa, o que também justifica seu reconhecimento no Brasil, e sua suposta
indicação pelo papa para os projetos brasileiros,5 a cujos desenhos, além dos quatro já mencionados,
somam-se projetos não executados para as cidades de Tubarão e Joinville, no mesmo Estado.
Através de sua obra, Dominikus dá início a uma importante tradição familiar dentro da construção
religiosa – que já tinha no pai um construtor ligado ao mercado – e que hoje se encontra na terceira
geração, destacando-se, naturalmente, a obra de Gottfried, que atingirá o auge produtivo e grande
notoriedade nas décadas de 1960 e 1970. Recém-formado quando do projeto das obras brasileiras, sem,
portanto, uma linguagem arquitetônica formalizada, vemos aqui cristalizada sobretudo a linguagem
do primeiro.
Arquiteto e professor, Dominikus Böhm soma cerca de cinquenta e cinco projetos em sua obra reli-
giosa, dentre eles alguns icônicos, como Christkönig (1926), em Bischofsheim e St. Josef (1929-1931)
em Hindenburg, que serviram de inspiração a muitos arquitetos de sua geração. Sua obra se destaca
especialmente nos anos 1920 e 1930, onde tem lugar as maiores ousadias e experimentações a que se
permitiu, em que flerta com os elementos do espaço gótico, a opulência do românico, e o expressionis-
mo. Em algumas circunstâncias seus projetos corporificam o Stadtkrone expressionista – coroamento
da cidade, edifício que nasce arraigado ao solo e cuja força interna reverbera pela atmosfera (ver, a
propósito, desenhos expressionistas de Bruno Taut, Hans Scharoun, irmãos Luckhardt), fundado no
mito do cristal. Entretanto, justamente por permitir a presença de elementos da arquitetura tradicional
de templos – como tetos abobadados, arcos ogivais– seu trabalho não recebe equivalente tratamento
à obra daqueles ou de um Mendelsohn, por exemplo.
Antes de se locomover por ruidosas novidades, sua postura era muito mais silenciosa, baseada num
amplo conhecimento do trabalho de seus predecessores e das tradições arquitetônicas - que diferencia-
va entre o bom e o ruim, não entre o novo e o velho – e permitia manter vivas certas tradições que
julgava válidas e coerentes para o presente.
Sua obra dos anos 1920 e 1930 difere substancialmente do modernismo “heróico” que nos acostumamos
a vislumbrar nos livros de história. Vale lembrar, porém, que a arquitetura que realizava representa-
va a maioria dentro do cenário arquitetônico da época, muito mais do que os críticos e historiadores
gostariam de admitir. Sua obra inclui-se junto a nomes como Hans Poelzig, Paul Bonatz e Fritz Höger,
5. Matriz de São Paulo Apóstolo: Blumenau, Santa Catarina, Brasil. Blumenau: [s.n], 1963. No mesmo ano de 1953 é concedida a Dominikus Böhm
a Medalha de Prata do Vaticano, pelo Papa Pio XII, por suas contribuições na Reforma Litúrgica.
91
os quais solicitavam grandes avanços técnicos e ousadias formais em suas obras, sem se descuidar,
porém, de soluções mais tradicionais ou do uso de certas convenções arquitetônicas. Ainda assim, sua
obra é essencialmente transgressora, usando a tradição a favor de uma linguagem totalmente nova e
reformulada, no limite entre o moderno e o tradicional.
O mesmo pode ser dito a respeito da obra de Gottfried, que assim como o pai, pode ser considerado
um outsider em relação à arquitetura de seu tempo. Não compartilhava o gosto pelo branco estéril e
ortogonalidade da época,6 fato expresso pelo simbolismo da Igreja Pilgrimage, em Neviges (1963-1972),
onde o arquiteto “esculpe” o templo através do facetamento do concreto aparente, conferindo um ca-
ráter escultural à obra e exemplificando o tratamento cuidadoso entre luz e matéria, bastante carac-
terístico do arquiteto. Já na Prefeitura em Bergisch Gladbach-Bensberg (1962-1967), uma das obras que
o projetou internacionalmente, Böhm torna o volume paisagem, integrando o edifício ao relevo e ao
contexto construído, perseguindo, em um prédio de grandes dimensões, a noção de unidade e robustez.
Laureado com o prêmio Pritzker de 1986, Gottfried inicia sua carreira no imediato pós-guerra como
colaborador no escritório do pai, e toma parte na reconstrução alemã e na vultosa quantidade de
projetos religiosos realizados nestes anos. Sua obra insere-se dentro da revisão dos postulados do Mo-
vimento Moderno, com uma busca exaustiva por uma maior expressividade em seus projetos, e encon-
trará no concreto aparente – mas não somente – com sua maleabilidade, seu peso e vigor construtivo,
o material adequado à linguagem escultórica que predominará em suas proposições.
Assim como alguns contemporâneos seus, busca na arquitetura expressionista uma saída à rigidez do
chamado Estilo Internacional. Em muitos trabalhos, a exemplo de Dominikus, mistura o espaço moder-
no e a busca pelo místico, através da combinação de várias referências formais e, principalmente, da
ênfase na relação entre luz e matéria e consequente dramatização do espaço, importante característica
do arquiteto, também reconhecida na obra paterna.
Embora os contextos bastante diversos em que se dão as obras de Dominikus e Gottfried Böhm, e a
grande distância temporal que separa a maturidade projetual de cada um, é possível avistar em suas
obras, em geral, até mesmo certa proximidade: enquanto na obra daquele notam-se laivos de expres-
sionismo, alusões góticas e aspiração à monumentalidade típica dos anos 1920, de que compartilha
arquitetos contemporâneos como Hans Poelzig, a obra de Gottfried Böhm sorverá da corrente Bruta-
lista, já dentro das revisões por que passa o Movimento Moderno nestes anos, mas nela reencontra a
mesma tendência ao vigor da massa construída, a certa monumentalidade e ao expressionismo (no
caso alemão) já presente na obra do pai. Na prática, os resultados obtidos são bastante diversos, uma
vez que Gottfried tende a realizar em sua arquitetura uma noção muito mais plástica, um espaço quase
moldado, buscando ora mimetizar a paisagem, como em Bensberg, ora uma fluidez e dramaticidade
espacial inusual, como em Neviges.
ços centrais, ou a basílica com amplo espaço central e reduzidas naves laterais.7 Também o modo como
o arquiteto utiliza a luz, enfocando o altar, o fez ser reconhecido dentro do movimento.
Fig. 01: Dominikus e Gottfried Böhm. Igreja São Paulo Apóstolo. Blumenau. 1955-1962. Fonte:
arquivo dos autores.
Ambas as igrejas estão inseridas em áreas de topografia elevada, ressaltando a tendência à monumen-
talidade que assumem na escala urbana. Também externamente verifica-se a ideia de corpo único,
com volumetria clara que se sobressai na paisagem.
Nestes edifícios os arquitetos tiram partido da expressão dos materiais, como o concreto aparente e a
pedra, dando destaque à estrutura de pilares e abóbodas em concreto armado, além da valorização da
textura dos materiais aliado à iluminação natural. Também fica clara a influência da obra perretiana,
através da concepção da igreja basilical, os pilares pontuais demarcando a nave principal e as lajes
levemente abobadadas, principalmente em Blumenau, concebida originalmente em concreto aparente,
revelando forte correspondência com Notre-Dame du Raincy. Vale lembrar que Dominikus já utiliza o
concreto aparente em seus projetos desde a década de 1920, bem antes, portanto, deste material ganhar
importância dentro da construção religiosa, e da arquitetura em geral, principalmente a partir dos
anos 1960.
7. VOIGT, Wolfgang; FLAGGE, Ingeborg (org.). Dominikus Böhm (1880-1955). op. cit, p. 13 e 14.
94
Fig. 02: Dominikus e Gottfried Böhm. Igreja São Paulo Apóstolo. Blumenau. 1955-1962.
Fonte: arquivo dos autores.
Embora a influência do mestre francês também seja notada na igreja de Brusque, ali os arquitetos uti-
lizam uma gama de elementos muito mais variada. Fazem uso de um repertório formal composto por
arcobotantes e contrafortes, grandes superfícies envidraçadas, marcação da iluminação natural rente
à cobertura e, naturalmente, a ênfase na verticalidade da composição. Apesar da concepção volumétri-
ca simples, o edifício ganha ares de corpo complexo e engenhoso, típico de uma catedral gótica, ao lan-
çar para fora do prédio parte de sua estrutura à maneira de exoesqueleto. São referências comumente
utilizadas nas obras de Dominikus, que ainda fazia uso de arcos ogivais – de preferência, na forma
de múltiplos arcos como grandes portais de acesso -, paredes em arcada e rosácea – estes dois últimos
utilizados em Blumenau. Aqui utiliza a parede em arcada para delimitar lateralmente a área do coro,
à direita fazendo de fechamento externo com grandes vitrais que o iluminam abundantemente e, à
esquerda, colocando-se como marcação vazada para o espaço do órgão.
95
Fig. 03: Dominikus e Gottfried Böhm. Igreja São Luiz Gonzaga. Brusque. 1955-1962.
Fonte: arquivo dos autores.
Neste sentido, percebe-se que as duas igrejas apresentam princípios parecidos de iluminação: valen-
do-se de elementos vazados e de vitrais, os arquitetos pretendem criar uma atmosfera adequada ao
templo a partir de recortes altos nas paredes laterais das edificações, envolvendo as coberturas com
uma iluminação difusa e abundante. Cabe ressaltar que, no caso de Brusque, onde as naves secundárias
possuem pé-direito mais baixo, o arquiteto alongou as abóbodas e criou uma espécie de prateleira de
luz. O fechamento frontal, por sua vez, abriga elementos de iluminação em toda a sua extensão, desta-
cando-se em Brusque os elementos de concreto vazados, que funcionam como brises difusores de luz, e
em Blumenau os vitrais. As paredes que configuram o altar possuem tratamento diferenciado: embora
nos dois casos verifique-se nesta região a maior abundância de luz, em Brusque há duas reentrâncias
laterais que abrigam elementos de concreto vazados e vitrais, enquanto que em Blumenau as paredes
laterais continuam no mesmo alinhamento, e permitem a entrada de luz ao serem revestidas com
vitrais ao longo de toda a sua extensão. Neste caso, destaca-se a presença da rosácea com 8 metros de
diâmetro, coroada com outras 20 rosáceas menores de 60 centímetros de diâmetro, representando os
espinhos da coroa de Cristo.8
8. MORITZ, Ricardo Laube; SANTOS, César Floriano dos. A presença do Arquiteto Alemão Gottfried Böhm no Brasil: Levantamento do Projeto das
Igrejas São Luiz Gonzaga em Brusque e São Paulo Apóstolo em Blumenau. Relatório Final da Pesquisa. Florianópolis: UFSC, 2012.
96
Fig. 04: Dominikus e Gottfried Böhm. Igreja São Luiz Gonzaga. Brusque. 1955-1962.
Fonte: arquivo dos autores.
Típicos de seus trabalhos são o grande átrio e a escadaria que o precede, ambos tendo como ponto final
a nave em grande altura, que se eleva muito acima do horizonte. A torre sineira também recebe des-
taque na composição: ela nunca é simples adendo ao corpo principal da igreja; tem igual importância,
em volume, tratamento (ou que ganha status por sua localização privilegiada, no caso de Blumenau)
ao do corpo do edifício. A torre em Blumenau e Brusque age como portal sagrado, que introduz os fieis
ao espaço divino, um espaço outro, diferente do mundo externo. Juntamente com a escadaria, que lhe
perpassa, age com uma preparação para a experiência daquele espaço.
Em Blumenau a torre se destaca do corpo da edificação, localizando-se em um nível intermediário en-
tre a rua e a igreja, caracterizando um importante marco urbano localizado no ponto focal da rua XV
de Novembro. Em Brusque ela se incorpora ao volume edificado, reafirmando a monumentalidade do
edifício, ainda mais imponente que o de Blumenau. Outro instrumento utilizado para gerar este efeito
são as escadarias de acesso, auxiliadas pelo sítio de implantação das igrejas: enquanto em Blumenau a
torre enquadra a escadaria em uma perspectiva que revela, ao longo do percurso, a presença do tem-
plo, em Brusque é a própria edificação que estende seu pórtico sobre parte da escadaria, projetada em
formato trapezoidal nos dois primeiros lances a fim de acentuar a noção de perspectiva ao longo dos
vinte metros de desnível entre a rua e a edificação. Em ambos os casos a torre sineira atua como um
grande portal, avistado de longe, que faz a transição entre o espaço sagrado e o profano. O conjunto
97
pórtico, átrio e escadaria evoca um ritual, mas que tem sobretudo uma dimensão urbana, agindo como
marcos dentro da cidade, referência primeira para os edifícios que se querem monumento.
Bibliografia
BANHAM, R. El Brutalismo en Arquitetura. Ética o Estetica? Barcelona: Editorial Gustavo Gili, S.A., 1966.
DAUFENBACH, Karine. A modernidade em Hans Broos. Tese de Doutoramento. São Paulo: FAUUSP, 2011.
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MORITZ, Ricardo Laube; SANTOS, César Floriano dos. A presença do Arquiteto Alemão Gottfried Böhm
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em Blumenau. Relatório Final da Pesquisa. Florianópolis: UFSC, 2012. 88 p.
VOIGT, Wolfgang; FLAGGE, Ingeborg (org.). Dominikus Böhm (1880-1955). Tübingen, Berlin: Ernst
Wasmuth Verlage, 2005.
98 MODERNIDADE CARIOCA NO INTERIOR: DOIS EDIFÍCIOS EM ERECHIM, RS
Marcos Flavio Teitelroit Bueno1
Silvio Belmonte de Abreu Filho2
Carlos Alberto de Holanda Mendonça chegou a Porto Alegre logo após sua formatura na Faculdade
Nacional de Arquitetura do Rio de Janeiro, ocorrida em setembro de 1946. Com o diploma da FNA,
traz na bagagem seu aprendizado adquirido diretamente no nascedouro da arquitetura moderna da
escola carioca, com Oscar Niemeyer, Lucio Costa, os irmãos Roberto e Sergio Bernardes como principais
referências. Em solo gaúcho, trabalhou inicialmente como arquiteto na Secretaria de Obras Públicas
projetando alguns edifícios públicos importantes, como o Mercado Público de Uruguaiana, o Grupo
Escolar da Vila do IAPI e a Casa do Pequenino (este para cliente privado).
Em 1950 Mendonça associou-se à construtora Azevedo Bastian Castilhos (ABC), produzindo uma quan-
tidade notável de projetos num período de aproximadamente quatro anos. Entre eles, podemos destacar
alguns edifícios emblemáticos da introdução da arquitetura moderna em Porto Alegre, como o Edifício
Santa Terezinha (1950, com referências à fachada do MES), a Residência Jorge Casado d’Azevedo (1950)
e o Edifício Formac (1952), considerado um marco do processo de desenvolvimento e verticalização
da capital gaúcha nos anos 50. Segue após em escritório próprio até a morte prematura em 1956, com
participação em mais alguns projetos fundamentais da arquitetura moderna em Porto Alegre, como os
edifícios Consórcio (1956) e Santa Cruz (1955-56), até hoje o edifício mais alto da cidade. Pelo pionei-
rismo e prestígio do diploma, é usualmente considerado um dos introdutores da arquitetura moderna
brasileira no Rio Grande do Sul, e pela prática um dos responsáveis por sua difusão, inclusive e espe-
cialmente no interior do estado.
Em 1948 um incêndio causado por problemas na parte elétrica atingiu a antiga sede do Clube do Co-
mércio de Erechim, um prédio de arquitetura eclética situado na esquina da Avenida Mauricio Cardoso
com a Rua Nelson Ehlers, causando a destruição quase completa da edificação3. Para a construção de
um novo prédio no mesmo terreno foi chamado o engenheiro Firmino Girardello, que acabava de
retornar à cidade depois de concluir seu curso na Faculdade de Engenharia da UFRGS em Porto Ale-
gre. Girardello, conhecedor da arquitetura que vinha sendo feita no centro do país, resolve chamar
Holanda Mendonça para confeccionar o projeto4. Núcleo colonial projetado polarizando uma região
de fronteira agrícola do norte gaúcho em processo de expansão, Erechim buscava se modernizar, e o
empreendimento poderia servir de alavanca e símbolo para este objetivo estratégico. Assim, Holanda
Mendonça foi chamado para criar uma edificação que demonstrasse, em tipologia e linguagem, sua
filiação à arquitetura moderna feita na capital federal, inserindo Erechim na vanguarda. Ninguém
mais indicado para a tarefa que um arquiteto formado no berço desta “nova” arquitetura.
O terreno, muito bem localizado, tinha frente para a Avenida Maurício Cardoso, principal avenida
norte-sul do traçado projetado com referência no plano de Belo Horizonte, pouco acima do cruzamen-
to das diagonais, ponto central da cidade. Inicialmente Mendonça lança um grande projeto ocupando
todo o terreno de maior frente para a Rua Nelson Ehlers. Desta primeira proposta nenhum registro
foi encontrado. Considerando as possibilidades financeiras do Clube, Girardello pede uma revisão do
projeto onde se diminui o tamanho da edificação5. Artigo publicado no Jornal Correio do Povo de 04
de janeiro de 1950 mostra a foto de uma maquete do edifício6, com os três pavimentos e linguagem
que persistiriam até sua construção. Já existia a resolução das fachadas como seriam no projeto efe-
tivamente construído, porém na fachada oeste apenas com pares de brises horizontais, e na fachada
leste sem a sacada/balcão. A base ganhava altura, com a inserção de uma sobreloja tornando a rela-
ção com o corpo do edifício, de apenas dois pavimentos, bem menos proporcional do que a obtida na
solução final.
Vinculado ao nível da sobreloja, uma sacada solta “balançava” sobre o passeio da Avenida Maurício
Cardoso, provavelmente ligada ao restaurante (o que eu não se pode afirmar por não se dispor da
documentação de projeto desta proposta). No projeto definitivo, o elemento seria incorporado à facha-
da como um “balcão”, adquirindo uma aparência mais explicitamente inspirada na Obra do Berço, de
Oscar Niemeyer.
O projeto definitivo data de junho de 1950, assinado por Mendonça e com desenhos de Raul Corrêa da
Silva. No térreo o clube tem o acesso principal voltado para norte, pela Rua Nelson Ehlers. Logo, aden-
tra-se em um salão principal que contém uma grande escada solta no espaço. Considerando a dimen-
4. Conforme entrevista concedida por Firmino Girardello à comissão organizadora do livro “Álbum Fotográfico da História de Erechim”, em 1992.
5. Idem.
6. Esta maquete foi feita por Percival José Gonzaga da Silva, que já havia trabalhado como desenhista pra Holanda Mendonça.
100
são da escada, o espaço do saguão parece reduzido, tornando o ambiente um tanto exíguo. No fundo
do saguão existe um salão, servido de um pequeno banheiro, que não tem uso especificado no projeto.
Este nível é tomado por lojas com acessos independentes e grandes vitrines voltados para a rua.
Com ligação direta para a Avenida Maurício Cardoso existe um bar/restaurante, que ocupa grande
área da parte mais a sul do prédio. A cozinha se liga, através de uma escada, com o espaço de mesma
função que serve o primeiro pavimento. Neste nível repete-se o espaço do saguão principal com a es-
cada solta, tendo ao fundo uma pequena sala, banheiro masculino, e ao lado a porta da biblioteca. Em
posição centralizada na edificação, uma circulação linear acessa o bar/restaurante exclusivo do clube,
um salão de banquetes com sanitários particulares e a sala de jogos. A disposição desse pavimento pa-
rece um mal resolvido, sem uma sistemática clara de ocupação dos espaços e com algumas divisórias
internas “discordantes” dos elementos compositivos das fachadas.
No segundo pavimento o salão principal tem ao fundo um grande banheiro feminino com chapelaria.
À direita, uma grande abertura acessa o salão de festas que ocupa a maior parte da área do andar. A
pista de dança e o palco em forma “ameboide” dominam o espaço como elementos hierárquicos domi-
nantes. Os dois, aliados à estrutura em colunas isentas e divisórias em pilaretes e brises que circundam
parte da pista de dança, num espaço de pé direito duplo com mezanino em formas curvas, deixam
clara a filiação com a linguagem da escola carioca. A sacada/balcão que se abre para a rua está po-
sicionada de forma a gerar um desequilíbrio no espaço aumentando seu aspecto dinâmico. Atrás do
palco, uma escada liga o pequeno bar do salão de festas à cozinha, unificando o abastecimento de
todos os bares e restaurantes da edificação.
A escada que liga ao nível do mezanino tem sua área diminuída e dá acesso ao ultimo andar, que tem
circulação em forma de mezanino assim como no salão de festas, duplicando a altura do espaço. Ao
sul no mezanino encontra-se o acesso a um apartamento com sala de forma inusitada devido a sua
divisória sinuosa, que provavelmente seria destinado ao zelador.
A composição é compacta, obtida em volume único com um poço de iluminação e ventilação junto à
divisa sul. Elementos de vinculação carioca determinam o tratamento o prédio, como demonstra sua
base recuada deixando à mostra a primeira fileira de colunas. Este recuo não chega a configurar um
pilotis, nem mesmo um passeio coberto, mas uma colunata alta que confere alguma leveza ao térreo
diminuindo o peso da solução compacta. A fachada norte é composta de uma grelha de alvéolos em
101
proporção vertical, acoplada ao volume único do edifício. A aplicação nos alvéolos de par de brises
horizontais nos últimos pavimentos, e trio no primeiro, deixa claro que a solução “bebe” no projeto do
Ministério da Educação e Saúde (1936), de Lucio Costa e equipe.
Fig. 01: Clube do Comércio, perspectiva do projeto e foto em julho de 1960, Erechim.
Fonte: Arquivo da Construtora Gaúcha.
A fachada leste é composta em faixas de brises verticais que dominam quase toda sua superfície, rom-
pidas apenas pela sacada/balcão do salão de festas que se abre para a Avenida, com inspiração clara
na Obra do Berço (1936), de Oscar Niemeyer. Mais uma vez a idéia da laje plana e do balanço liberando
a fachada remete aos cinco pontos da arquitetura moderna corbusiana e ao sistema “dom-ino”. Mesmo
com a precariedade da mão de obra local e a baixa qualidade das técnicas de construção disponíveis
em Erechim na época, Girardello e sua construtora conseguiram executar de maneira digna o projeto
de Mendonça.
O projeto foi reverenciado e sua construção acompanhada com entusiasmo na cidade e no Estado,
como demonstra o artigo publicado no jornal Correio do Povo de quatro de janeiro de 1950, com o
título de “Renovação da Arquitetura Rio-grandense”7, portanto antes do projeto definitivo do clube. A
reportagem é ilustrada com a fotografia da maquete de Percival José Gonzaga, que anos antes tinha
feito os desenhos para a Casa do Pequenino. Como vimos, o projeto representado na maquete é um
tanto diferente do projeto que seria efetivamente construído, mas já é apontado como um marco na
O prédio só foi inaugurado em 19579, um ano após o falecimento de Holanda Mendonça, e com o passar
do tempo foi sofrendo alterações. As principais foram a supressão da sacada/balcão, a mudança na
pintura do prédio (utilizando dois tons de azul), o fechamento total do salão de festas por motivos
acústicos, e uma ampliação que estendeu o prédio ao longo da Rua Nelson Ehlers, utilizando a mesma
modenatura da fachada norte e tornando a composição mais horizontalizada. Hoje, o edifício se en-
contra em estado razoável de conservação apesar das reformas, da pintura azul, e das placas de pro-
paganda do térreo, tão mal colocadas que fazem com que a percepção do pilotis, que conferia leveza
ao edifício, se perca quase completamente. Apesar das mudanças, o prédio do Clube do Comércio ainda
8. Conforme entrevista concedida por Firmino Girardello à comissão organizadora do livro “Álbum Fotográfico da História de Erechim”, em 1992.
9. www.clubedocomercio.com
103
consegue se destacar na morfologia urbana do centro de Erechim, como uma proposta diferenciada
de arquitetura moderna brasileira que ainda demonstra sua vinculação à chamada “escola carioca” e
sua qualidade de linguagem.
A repercussão do projeto do Clube do Comércio de Erechim foi tanta, que alguns anos depois Holanda
Mendonça foi chamado pelo Dr. Zanin para mais um encargo na cidade. Data de outubro de 1953 o
projeto para o Edifício Zanin, situado num lote exatamente ao lado do clube, na Avenida Maurício
Cardoso. A construção ficou a cargo do engenheiro Firmino Girardello através da Construtora Gaú-
cha, que haviam solicitado projeto do clube três anos antes. O terreno era de frente pequena e grande
profundidade, nos moldes daqueles que Mendonça já estava acostumado a trabalhar em Porto Alegre.
O programa de uso misto previa a construção de um pequeno edifício de apartamentos com lojas no
térreo e uma grande sala de cinema.
Na proposta de Mendonça, um térreo recuado deixava à mostra a linha frontal de colunas criando um
passeio resguardado para aqueles que se aproximavam do edifício. Os três vãos gerados pelas quatro
colunas determinavam as frentes de duas lojas nas extremidades e o grande acesso centralizado. A
loja mais a norte era pequena em comparação com a locada a sul, porém as duas tinham, através de
escada helicoidal, acesso a uma área considerável de sobreloja servida de sanitário. O vão central en-
tre as lojas era um espaço amplo e aberto, onde a bilheteria conformava uma ilha com atendimento
nos dois lados. Atrás dela, o Foyer tinha a norte um canteiro curvado que conformava um banco e
direcionava à passagem de saída lateral do cinema. Na frente, uma larga escada enquadrada por duas
colunas que “descansavam” em canteiros, vencia um metro de desnível para a entrada do cinema. Di-
vidindo este espaço transversalmente, uma divisória em tijolo de vidro criava um espaço que, a norte,
tinha o arranque de uma escada em “L”, servindo de acesso à plateia superior e aos apartamentos dos
andares acima.
Ultrapassando as grandes portas que se abriam na parede de vidro se chegava à sala de espera, orga-
nizada por quatro colunas dispostas regularmente, tendo ao fundo uma divisória curva na qual um
pequeno lago com bordas revestidas em pedra cobria a base. Nas laterais espaços de espera se configu-
ravam com bancos ao longo das paredes. Por essas laterais podia-se acessar a grande sala do cinema
que ao todo, contando a plateia superior, tinha capacidade para pouco mais de mil pessoas. A sala era
bastante alongada e tinha fosso para orquestra e palco, com três camarins ao fundo. Apresentava con-
formação de teatro, inclusive com um considerável urdimento. As características deste pavimento nos
104
fita recorrentes no espaço urbano brasileiro na primeira metade do século XX, não permitindo uma
exploração arquitetônica ou espacial mais renovadora. Na realidade, nem mesmo sabemos se o próprio
arquiteto estava familiarizado ou almejasse tal exploração em Erechim.
Externamente, o edifício se apresenta basicamente como um pequeno prédio de volumetria simples
e fachadas sóbrias que não demonstra a potência de sua grande sala de cinema. O chamamento ao
espetáculo se dá na medida em que o usuário transpassa o térreo poroso e convidativo e ingressa num
cenário novo, bastante rico e instigante. A promenade arquitetônica é também aqui uma referência no
tratamento dos espaços comuns, guiando os usuários de forma didática na descoberta dos ambientes
e no encaminhamento ao salão principal.
A fachada simétrica e homogênea é composta por uma retícula regular, uma grelha de grandes al-
véolos sobreposta a uma superfície onde as sacadas predominam. Como a modulação da grelha não
guarda relação com a estrutura ou a distribuição interna dos espaços, a utilização das sacadas toma o
papel de elemento chave de transição que permite o tratamento homogêneo. Encerrados nos alvéolos,
conjuntos de brises metálicos móveis em chapa curvada protegem as sacadas da insolação oeste. Estes
brises dominavam completamente a fachada no projeto original. Na execução, entretanto, optou-se
por duas faixas onde eles ocupassem apenas a porção superior do alvéolo, liberando totalmente a
visual das sacadas para a avenida nestes trechos.
A referência à linguagem da moderna escola carioca está claramente presente em alguns princípios
compositivos, no uso e tratamento dos elementos de arquitetura, especialmente grelha e brises, e na
resolução dos ambientes propostos por Mendonça. Ainda que a planta dos apartamentos se apresente
de forma bastante conservadora e compartimentada, em alguns momentos, como nas sacadas e nos
espaços de entrada do térreo, a independência da estrutura se mostra como elemento formal impor-
tante na composição e organização dos espaços. Além disso, algumas semelhanças com outros projetos
merecem ser mencionadas, como a relação programática e compositiva com a proposta de Niemeyer
para o jornal Tribuna Popular, de 1945, e com o tratamento em brises do projeto para a sede do Ins-
tituto de Previdência do Estado, projetado pelo mesmo Niemeyer para Porto Alegre em 1942, e não
construído. O próprio Holanda Mendonça, à época do projeto para o Edifício Zanin (1953), já tinha
utilizado o tratamento de alvéolos de fachada com brises verticais no segundo pavimento do projeto
para a Residência Jorge Casado d’Azevedo em Porto Alegre, de 1950-51.
106
Mesmo com as limitações econômicas e técnicas inerentes à construção civil numa cidade do interior
do estado do Rio Grande do Sul durante o início da década de 1950, o prédio respondeu de forma
bastante satisfatória aos anseios do cliente e da população de Erechim na busca de uma arquitetura
inovadora, que buscava colaborar na transformação da imagem provinciana da cidade a simbolizar
um novo espírito de progresso e modernidade.
Os dois projetos representaram uma abertura significativa no interior do estado para a arquitetura
moderna brasileira da linha carioca, possibilitando a divulgação e aceitação da linguagem e de suas
características inovadoras e “revolucionárias” mesmo em situações urbanas acanhadas e provincianas.
A partir deles, diversos empreendimentos foram planejados e construídos em outras cidades médias do
interior do estado, como Passo Fundo, Caxias do Sul, Bagé e Santa Maria, muito em função do sucesso
gerado pela imagem de modernidade transmitida pelas edificações de Mendonça. Até hoje o Clube do
Comércio de Erechim é festejado como “o primeiro edifício moderno do interior do estado”, ainda que
saibamos que tanto o projeto como a construção do Mercado Público de Uruguaiana, do mesmo Men-
donça, são de data anterior.
107
Ao projetar em Erechim, Mendonça tinha pouco mais de três anos de formado, mas estava familiariza-
do e já manipulava com destreza o repertório de formas da arquitetura moderna brasileira, difundin-
do-a pelo interior. No Clube do Comércio, o tema da grelha de alvéolos verticais com brises incorpora-
dos do MES era utilizado antes mesmo de Porto Alegre; no Edifício Zanin, o tema dos brises verticais
metálicos móveis era usado simultaneamente à capital. Na historiografia, é normalmente ressaltado o
trabalho seminal dos mestres (Lucio Costa, Niemeyer, Reidy, os irmãos Roberto), o papel exemplar de
seus projetos na divulgação da arquitetura moderna, e a sua apropriação e difusão através das revistas,
da academia (os Cursos de Arquitetura) e das instituições profissionais (os IABs). Aqui trazemos à luz
a importância da prática profissional de arquitetos pioneiros11, formados pela ENBA e depois pela FNA,
que de forma isolada ou desarticulada, e a partir de leituras muitas vezes ingênuas de seus fundamen-
tos e repertório formal, vão levar a arquitetura moderna brasileira às capitais regionais e ao interior,
contribuindo para que, ao final dos anos 50, ela já estivesse claramente hegemônica em todo o país.
Referencias Bibliográficas
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11. Segawa os trata como “arquitetos peregrinos, nômades, migrantes” no capítulo “A Afirmação de uma Hegemonia” do livro Arquiteturas no
Brasil: 1900-1990 (SEGAWA, 1999, p. 129-157).
A ARQUITETURA MODERNA CHEGA AO LITORAL DO PARANÁ: O CASO DA RESIDÊNCIA
108 GUIDO WEBER EM CAIOBÁ
Michelle Schneider Santos1
Introdução
A década de 1960 foi de importantes transformações no cenário arquitetônico paranaense, tanto na
capital, Curitiba, quanto em cidades de menor porte. Um dos principais fatores desta mudança foi a
atuação de arquitetos migrantes, principalmente de formação paulista, como os arquitetos Luiz Forte
Netto, José Maria Gandolfi, estabelecidos em Curitiba a partir de 1962, e Roberto Gandolfi2, em 1964.
Além da atuação no desenvolvimento urbano de Curitiba, o escritório Forte Gandolfi projetou e execu-
tou grandes obras na cidade, e fora dela, durante este período, como é o caso da sede a Petrobrás no
Rio de Janeiro, em 1967-68, do Instituto da Previdência do Estado (IPE) em Curitiba, em 1967, e a sede
do Banco do Brasil em Caxias do Sul (1970). O presente artigo trata de analisar uma obra de impor-
tância elementar quanto sua atuação em cidades não metropolitanas: a residência Guido Weber em
Caiobá, litoral paranaense, de 1965.
A projeção do escritório Forte Gandolfi se deu a partir da vitória no concurso do Clube Santa Mônica
em Curitiba, em 1962. Esta conquista foi muito importante para os arquitetos que a partir dali come-
çaram a ter uma “clientela” fiel, imbuída pela imagem que o então presidente do clube havia feito
dos responsáveis pelo projeto vencedor: “melhores arquitetos do mundo”. Os arquitetos passaram a ter
contato com pessoas importantes da sociedade curitibana, e que faziam parte do quadro de associados
do clube, como Mário Petrelli, Erley Volpi e Guido Weber. Jovens e aptos a manipular um arsenal de
concepções ainda inéditas na cidade, estes arquitetos advindos de São Paulo marcariam a arquitetura
paranaense com projetos para edifícios residenciais, edifícios públicos e várias residências; estas que
foram seu principal cartão de visita, pois nelas puderam concentrar todo o seu conhecimento e sua
criatividade.
A crescente aceitação pelo concreto armado como solução construtiva para as obras destes arquitetos
era evidente e não foi diferente para a casa de veraneio do engenheiro Guido Weber e Edi Henges, já
clientes do escritório. A residência é analisada a partir das suas principais características tectônicas,
Em 1965, Elgson desenvolveu outro projeto para esse balneário, tendo a capela como destaque no
conjunto arquitetônico. O trabalho de Elgson representava, naquele momento, o ideário modernista
ocorrido nos anos 1940 e 1950, dentro de um contexto cultural, nas cidades do Rio de Janeiro e São
Paulo. Sua arquitetura é produto de um processo rigoroso de concepção e planejamento, onde os as-
pectos formais se adequam aos funcionais, como o tratamento frequentemente dado às esquadrias e
elementos de proteção solar.
Assim como Elgson, os arquitetos José Maria Gandolfi e Luiz Forte Netto estudaram na Universidade
Mackenzie e trabalharam em São Paulo, onde puderam ter contato com importantes personagens da
arquitetura paulista como Pedro Paulo de Melo Saraiva, Carlos Millan, Jorge Wilheim e Fábio Penteado.
Segundo Fernando Mendonça, os arquitetos discutiam a arquitetura em paralelo, influenciados pelos
grandes mestres da arquitetura moderna brasileira e por seus manifestos marcantes como os de Lucio
Costa (Razões da Nova Arquitetura, 1934) e de Vilanova Artigas (Caminhos da Arquitetura Moderna,
1952).4 Gandolfi e Forte Netto também buscavam referências precedentes na sua produção, em especial
as de tendência brutalista.5
A menção ao arquiteto João Batista Vilanova Artigas como protagonista do Brutalismo Paulista, prin-
cipalmente a partir de 1960, é frequente em publicações especializadas6. Embora não pertença dire-
tamente ao grupo de arquitetos precursores desta arquitetura no Paraná, Artigas foi um importante
personagem no seu cenário arquitetônico, principalmente em Curitiba, Londrina e, pontualmente, em
Caiobá. Em 1961, Artigas projetou em Caiobá uma casa de praia para seu irmão Giocondo Vilanova
Artigas. Seu interesse pelo concreto armado e pela “honestidade” dos materiais é empírico, buscando o
viés organicista wrightiano. Nesta obra aparece a laje nervurada em concreto armado apoiada sobre
pilares de Peroba Rosa, sob a forma de troncos roliços; técnica utilizada posteriormente na casa Elza
Berquó (1967), em São Paulo. Segundo Paulo Pacheco, são poucas as informações que se tem desta casa
- demolida em meados da década de 1980. A casa organiza-se em três setores, transversais e paralelos:
no primeiro, junto ao acesso, ocorre o abrigo de veículos e a área de serviço, cozinha e apoio; no meio
4. In: Fernando de M. Pedro Paulo de Melo Saraiva: 50 Anos de Arquitetura. São Paulo: FAU-MACK, 2006. p. 13.
5. É possível designar como brutalista a arquitetura paulista enquanto tendência que se compraz em ser reconhecida por seu discurso ético ou
como um estilo arquitetônico inserido no marco da arquitetura moderna, se suas características formais, materiais e construtivas são compartilha-
das por essa arquitetura paulista. ZEIN, Ruth V. 2005. p. 25.
6. Como apontam SEGAWA, 1999. p. 113; BASTOS [Maria Alice], 2003, p. 10; e ZEIN, 2005, p. 43.
111
está o pátio interno ajardinado e a sala social para dois ambientes (refeições e estar); o terceiro setor é
contíguo ao jardim dos fundos e onde estão os quartos e uma varanda coberta, pela qual os ambientes
se comunicam.
A casa de Caiobá pode ser entendida como um protótipo da casa Elza Berquó, a qual Artigas declara7
que ser seu projeto ‘pop’, meio irônico, onde troncos de árvores apóiam toda a estrutura de concreto
da cobertura plana e demonstram o avanço técnico da época.
Anos mais tarde, em 1964, os arquitetos do escritório Forte Gandolfi também projetaram uma resi-
dência em Caiobá: a casa Erley Volpi. Esta residência, de aproximadamente 330 metros quadrados, é a
precursora quanto sua atuação no balneário. Trata-se de uma edificação térrea, implantada transver-
salmente ao lote, encostada em ambas as divisas laterais. O aproveitamento do leve declive serviu para
a criação de uma varanda de frente para o mar. A planta alongada possui separação do setor íntimo
do setor de serviço conformada pelo amplo espaço de sala (estar/ jantar). Dois volumes, com cantos
arredondados, são extraídos do plano frontal: um volume para o lavabo e um volume para despensa/
instalação sanitária. A cobertura plana com vigas em concreto armado aparece em balanço, sobreposta
ao plano transparente das fachadas Noroeste/ Sudeste.
Fig.01: Residência Erley Volpi, Caiobá (1964). Fonte: redesenho da autora, 2010.
7. “Com Wright entrei no mundo moderno: ver como é que precisava ser leal e honesto em relação à humanidade em seu conjunto. [...] o respeito
à natureza do material, a procura da cor tal como ela é na natureza.” ARTIGAS, João B. Vilanova.1997. p.20.
112
A opção pelo uso de vigas-calha e lanternins para iluminação zenital e a caixa d’água em formato
tronco-cônico demonstra o interesse dos arquitetos no desenvolvimento e releitura das características
do Brutalismo Paulista, onde freqüentemente havia a inserção de elementos complementares de cará-
ter funcional-decorativo como gárgulas, buzinotes, vigas-calha, canhões de luz, etc, realizados quase
sempre em concreto aparente. Estes recursos também foram usados em outros projetos do grupo, como
na residência de Jacks Zitronenblatt, em Curitiba, projetada em 1965.
A extensão da cobertura proporcionada por vigas transversais, geralmente em concreto aparente, é
comum nos projetos destes arquitetos. Este recurso permite que balanços acentuados junto ao hall de
acesso, ou à área social da casa, estabelecessem uma ampla varanda junto às áreas de lazer, ou à praia
(no caso da residência Volpi). A preferência pela solução de teto homogêneo bilateral, sobreposto de
maneira independente à estrutura inferior, é uma característica recorrente, como no caso da residên-
cia Guido Weber em Curitiba, e também no projeto para Caiobá.
Este projeto serviu de base para a experimentação, em residências, da composição alongada com vo-
lumes (ambientes) extraídos do corpo principal; solução já utilizada no Clube Santa Mônica (1962) em
Curitiba, e posteriormente no projeto para o IPE (1967), também na capital.
residência está atrelada a definição dos fechamentos: o setor íntimo e de serviço permanece oculto
pela porção opaca com fechamento de lambri duplo de madeira escura, e o setor social está localizado
na fachada oeste e com a vista panorâmica para o mar, com fechamento envidraçado e esquadrias em
madeira com pintura branca.
A casa eleva-se como um platô, conformando dois pavimentos. A garagem, depósito e dormitório de
empregada, assim como o acesso principal da casa localizam-se no pavimento térreo que dá para a
pequena via. O acesso é realizado por uma escada metálica com três lances, que liga o pavimento da
garagem com o superior. Esta escada aproveita o vão entre as pedras e torna o percurso mais inte-
grado ao local, em virtude da dificuldade em se modificar o terreno original. A área total aproximada
construída é de 395,00 m2.
Fig. 02: Planta baixa do pavimento térreo da Residência Guido Weber, Caiobá. (1965).
Fonte: redesenho da autora, 2010.
Fig.03: Planta baixa do pavimento superior da Residência Guido Weber, Caiobá. (1965).
Fonte: redesenho da autora, 2010.
114
A estrutura da residência Guido Weber é similar às residências precedentes, já citadas neste artigo, e é
constituída de uma laje-base, de 27 metros por 15 metros apoiada em seis grandes pilares incrustados
nas rochas. A diferença está nos dois grandes pórticos que suspendem a laje de cobertura do pavimen-
to superior. A cobertura é composta de vigas-calha transversais que se encontra em balanço bilateral
sobre o fechamento da edificação. Este recurso possibilita a plena circulação perimetral da casa, com
acesso alternativo aos dormitórios, e proporciona uma grande área de terraço coberto; como um mi-
rante. Como explicado anteriormente, as grandes aberturas protegidas por balanços resultantes da
extensão das lajes da cobertura, com ou sem auxílio de platibandas, são recursos comuns nos projetos
destes arquitetos.
Quanto à composição, a busca pela horizontalidade é evidente e a plasticidade dos pórticos de concre-
to aparente torna-se a hierarquia do conjunto. Ao tocar o chão, o apoio dos pórticos tem um recorte,
digno do lema de Artigas “Há de se fazer cantar os pontos de apoio”. A seção de apoio torna-se mais
esbelta e proporciona leveza ao toque da estrutura vertical com o plano horizontal. A permeabilidade
espacial proporcionada pela ausência de outros pilares complementares é importante visto que a in-
tenção dos arquitetos era a de criar um vão livre integrado à paisagem litorânea.
Fig. 04: Elevação Leste/ Elevação Oeste. Fonte: desenho da autora sobre projeto original
115
Fig. 05: Vista exterior da casa sobre as rochas/ Vista do balanço lateral (fachada Oeste).
Fonte: arquivo Forte Netto.
pilares com desenho variado, conforme sua posição relativa ao eixo transversal e conforme o ritmo8
da estrutura. A similitude com o projeto de Forte e Gandolfi aparece nos apoios periféricos do Ginásio
de Guarulhos, os quais têm sua área de base reduzida em relação à parte superior. Esta solução delineia
a transferência de carga recebida nos pilares, como se o propósito do arquiteto fosse a materialização
do fenômeno físico da estrutura aparente.
Considerações finais
Uma análise mais aprofundada das obras do escritório Forte Gandolfi pode evidenciar algumas carac-
terísticas importantes de suas obras, quando colocadas lado a lado e tendo por julgamento os mesmos
critérios de análise. Este artigo, entretanto, trata apenas de uma obra, a residência Guido Weber, mas
considera de vital importância o estudo de suas principais características arquitetônicas dentro do
universo de sua produção entre 1962 e 1973, quanto ao partido arquitetônico e relação com o entorno;
composição e geometria dos espaços, elevações e fachadas, sistema construtivo e revestimentos e ca-
racterísticas simbólico- conceituais.
Quanto ao partido arquitetônico, nas residências há uma setorização do programa com a clara sepa-
ração entre os ambientes sociais dos de serviço (muitas vezes, com acessos independentes). O setor
íntimo e o setor social também são claramente separados, mas são integrados por um vazio central ou
por uma escada em destaque. A relação com entorno é em parte contraditória, pois há uma intenção
do edifício em obedecer ao gabarito local e respeitar a melhor implantação no terreno, mas a monu-
mentalidade também é idealizada. Trata-se de fato inerente às soluções de Forte e Gandolfi, onde as
obras se destacam em relação ao seu entorno imediato, seja pelo tamanho ou pelo material construti-
vo; no caso, o concreto aparente. Quanto à composição e geometria dos espaços, percebe-se a primazia
pela ortogonalidade. A presença de uma malha estrutural ortogonal é importante para a manutenção
da planta livre e das linhas retas da composição, do embasamento ao coroamento. O vazio interno é
presença constante nas obras e atua como incorporador dos ambientes.
Quanto às elevações (fachadas) pode-se observar uma leve predominância dos cheios sobre os vazios,
mas a resolução final das fachadas é bem variada. A cobertura está, na maioria das vezes, sobreposta
às fachadas como recurso de proteção solar e é frequente a opção por iluminação zenital complemen-
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______. Arquitetos no Paraná, algumas diferenças nas mesmas estórias. Projeto, n. 89, julho 1986, p.
28-30.
DUAS CASAS DE VILANOVA ARTIGAS EM PONTA GROSSA, PR 119
1. Introdução
“Foi necessário alvorecerem os anos 40 para que Vilanova Artigas aportasse novamente ao
Estado [do Paraná] – agora na capital -, e fosse assim retomado o caminho da modernidade.
E o fez através de um conjunto de residências [...].” (XAVIER, 1985, p. XI)
O mestre arquiteto João Baptista Vilanova Artigas viveu a maior parte de sua vida e atuou como des-
tacado profissional na cidade de São Paulo, tendo retornado algumas vezes ao Paraná para realizar
projetos entre as décadas de 1940 e 1970. Entre os projetos construídos, e ainda existentes, os mais co-
nhecidos encontram-se nas cidades de Curitiba e Londrina.
Nascido em Curitiba, Vilanova Artigas transferiu-se na primeira metade da década de 1930 para São
Paulo, onde se formou na Escola Politécnica em 1937. Passou então a trabalhar e residir definitivamen-
te naquela cidade, mas devido aos laços familiares, elaborou os primeiros projetos no Paraná no início
da década de 1940, em sua cidade natal, entre residências, edifícios comerciais e o Hospital São Lucas,
de 1945, que é “uma de suas primeiras obras de porte” (GNOATO, 2009 : 58).
Com projetos elaborados para Londrina entre 1948 e 1955, com Carlos Cascaldi (SUZUKI, 2003), seu tra-
balho realizado em território paranaense ganhou destaque, principalmente com o projeto da Estação
Rodoviária, cuja linguagem era consonante à arquitetura da Escola Carioca. Entretanto, o que pouco
se sabe é que Vilanova Artigas projetou duas residências nesta mesma década em Ponta Grossa, então
a segunda maior cidade do Estado: a Residência Orlando Holzmann, de 1945 e a Residência Álvaro
Correia de Sá, de 1949.
O artigo visa abordar estes dois projetos como marcos pioneiros da arquitetura moderna, tanto para
a cidade de Ponta Grossa como para o Estado do Paraná. Além disso, o desenho destas edificações
guardam aspectos projetuais daquela fase do arquiteto, que podem ser relacionados à evolução de
seu vocabulário próprio, reunindo estratégias e elementos influenciados tanto pela a arquitetura de
Wright como a praticada pela Escola Carioca, influenciada por Le Corbusier. Para isso, procura-se exa-
minar inicialmente os aspectos da infância e juventude no Paraná, que relaciona o arquiteto à origem
destes projetos. Em seguida, procura-se trazer informações breves sobre Ponta Grossa e a arquitetura
moderna com o objetivo de apontar a sua origem histórica, sua relevância para o Estado, sua caracte-
rização como cidade de médio porte e o contexto da inserção destas obras arquitetônicas. Finalmente,
serão abordadas as residências, com o objetivo de reunir analisar os projetos através de tópicos como:
histórico, terreno, partido, programa, organização espacial e sistema construtivo. O objetivo geral é
registrar e divulgar a existência das obras, até então, quase ignoradas em maiores estudos. Acredita-se
que estes dois casos devem constituir marcos significativos na produção da arquitetura moderna em
território paranaense, ao mesmo tempo em que reafirmam a contribuição pioneira de Vilanova Artigas
no Estado de origem.
Entrei para a Escola de Engenharia do Paraná porque era um moço que tinha facilidade
para a matemática. Os arquitetos, hoje, entram para Arquitetura porque têm facilidade
para o desenho. [...] Esse foi o interstício dentro do qual eu entrei para a Engenharia, para
depois descambar para a Arquitetura.” (INSTITUTO LINA BO E P.M. BARDI, 1997 : 15)
Na ânsia de buscar a formação de arquiteto, rumou para a cidade de São Paulo e cursou um ano em
processo de transferência na Escola Politécnica. Sua transferência ocorreu em 1934 para aquela escola,
onde fez “regularmente o curso de engenheiro civil e, como ouvinte, o de engenheiro arquiteto” (FIS-
CHER, 2005: 292). Foi diplomado engenheiro-arquiteto em 1937. Paralelamente à Politécnica, frequentou
aulas de desenho de modelo vivo na Escola de Belas Artes em 1936 e, em 1937, no Grupo Santa Helena,
122
Estado, com uma população residente de 311.611 habitantes, dos quais 304.733 habitantes residem em
área urbana, segundo o Censo Demográfico de 2010 (IBGE, 2010).
Na metade do século XX, o recenseamento de 1950 indicava Ponta Grossa com uma população de
44.130 habitantes, sendo a segunda cidade do Paraná e a quadragésima do Brasil em população. Em
primeiro lugar no Estado aparecia Curitiba, com 141.349 habitantes e em terceiro aparecia Londrina,
com 33.707 habitantes. A capital paranaense era a décima primeira cidade em população no Brasil,
ocupando o primeiro e segundo lugar o Rio de Janeiro, com 2.335.931 habitantes e São Paulo, com
2.041.716 habitantes, as únicas cidades com população superior a um milhão de habitantes (SERVIÇO
NACIONAL DE RECENSEAMENTO, 1951 : 45). Com estes números é possível estabelecer uma proporção
entre Ponta Grossa e às demais cidades mencionadas.
Quanto ao aspecto construtivo, na década de 1940 a cidade possuía as melhores construções com as
feições típicas da arquitetura eclética produzida pelos imigrantes europeus, entre o século XIX e a pri-
meira metade do século XX. A renovação urbana sob o signo da modernidade ocorrerá a partir desta
década, quando a cidade tradicional do interior rural paranaense passa a ser reconhecida como um
dos marcos de modernidade do chamado Paraná Moderno. Segundo a arquiteta Jeanine Migliorini,
autora de uma dissertação sobre a arquitetura modernista do espaço urbano de Ponta Grossa, entre os
fatos relacionados à renovação da vida urbana, “a arquitetura modernista é um destas novidades que
chegam à cidade ao final da década de 1940” (MIGLIORINI, 2008 : 77;78).
Segundo Migliorini (2008 : 80), “o marco da chegada do modernismo à Ponta Grossa é a residência
Álvaro Correia de Sá, em 1949”. É a única residência de Vilanova Artigas abordada por esta autora.
Entretanto, foi identificada outra residência projetada pelo arquiteto na cidade, registrada com data
de 1945 junto ao acervo de projetos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo, FAU-USP.
cidade em novembro de 2011, um sabor amargo: o “imóvel”, adquirido por uma clínica, foi desfigurado
de tal modo que se tornou um “nada” arquitetônico, corrompendo os atributos que conferiam valor
arquitetônico àquela edificação.
Todavia, resta a confirmação da data em que esta residência foi construída, questão que será colocada
em aberto por este artigo, devido à indisponibilidade de maior documentação até o presente momento
e por razões que serão vistas mais adiante.
Com relação à produção global de Vilanova Artigas, estas residências encontram-se inseridas no
contexto das fases observadas na década de 1940, com referência nos períodos propostos como “Fase
inicial, 1938-1946” e “Fase intermediária, 1946-1955” (ZEIN, 2001: 123-129). Examinadas as caracterís-
ticas destas fases, torna-se possível identificar elementos de seu vocabulário projetual, que permitem
analogias destes casos selecionados com outros projetos seus mais conhecidos. Naquela década, sua
trajetória foi marcada pela transformação de engenheiro-arquiteto construtor de residências “ecléti-
cas”, para arquiteto dedicado exclusivamente ao ofício de projetista, atento ao desenvolvimento da ar-
quitetura moderna. Inicialmente, realizou suas primeiras experimentações de cunho moderno através
da influência do vocabulário da arquitetura de Frank Lloyd Wright. Já, a partir de 1944 e 1945, passa
a projetar de acordo com o vocabulário da arquitetura racionalista que vinha sendo desenvolvida no
Brasil pelos arquitetos da Escola Carioca, que se baseavam nas premissas difundidas por Le Corbusier
(BRUAND, 1997: 295; 296).
Nesta década são identificados no Paraná, até o presente momento, quatorze projetos elaborados entre
Curitiba, Londrina e Ponta Grossa. Vilanova Artigas abre, portanto, o caminho para a arquitetura mo-
derna também na cidade de Ponta Grossa, que posteriormente, receberia projetos de Miguel Juliano e
Rubens Meister, entre outros arquitetos.
Histórico:
Esta residência foi construída para o Sr. Orlando Holzmann e sua esposa, a Sra. Isabel de Sá Holzmann,
e seus filhos. A Sra. Isabel é prima irmã do arquiteto, filha mais velha do Sr. Álvaro Correia de Sá e da
Sra. Ivete Villanova de Sá.
125
Apesar de registrada com a data de 1945 no acervo da FAU-USP, algumas informações colocam em
aberto a ordem cronológica entre o projeto e a construção desta residência e da Res. Álvaro Correia de
Sá, de 1949. As informações a seguir sugerem que esta obra seja posterior:
Primeiro, há a afirmação de que a Res. Álvaro Correia de Sá é a primeira edificação modernista
construída em Ponta Grossa, segundo pesquisa realizada pelo professor Dr. José Augusto Leandro,
do Departamento de História da Universidade de Ponta Grossa, que resultou na Exposição “Onze
Casas Modernas e um Edifício”, em 2005 (MIGLIORINI, 2008 : 116-117).
Segundo, há as informações levantadas com o depoimento oral prestado ao autor pela Sra. Isabel de Sá
Holzmann (2012), em que confirmou que sua residência foi construída depois da casa de seus pais. Ela
não precisou a data de execução, mas negou que o projeto pudesse ser de 1945, pois se casou em 1946
e quando a residência foi construída, sua filha mais velha já era um pouco crescida.
Um fato curioso relatado por ela sobre o momento da construção é que a primeira coisa que o enge-
nheiro, contratado pelo Sr. Orlando Holzmann, fez foi retirar a terra do terreno, mais alto do que a
rua. Seu marido disse então ao engenheiro: “mas eu acho que não é para tirar a terra” e telefonou
para o João Baptista, e ele disse “quanto que tiraram? quatorze caminhões?! então devolvam todos
os quatorze caminhões que a casa tem que ficar bem em cima!” (Idem).
Após a família tê-la vendido, a edificação continuou sendo usada como residência ao longo das dé-
cadas, tendo sofrido poucas intervenções, principalmente na área externa dos fundos, sem que, no
entanto, houvesse alteração do aspecto original de suas fachadas como esquadrias, cobertura e tijolos
à vista. Ao final de 2011 foi vendida para uma clínica que a desfigurou drasticamente, como já comen-
tado anteriormente.
126
Fig. 03: Res.Orlando Holzmann, década de 1950. Fonte: Álbum de família Isabel de Sá Holzmann)
Terreno:
O terreno está situado no centro da cidade, à Rua Augusto Ribas, esquina com a Rua Padre Ildefonso,
possui formato retangular e dimensões aproximadas de 13,55m por 29,15m. Sua topografia é alta em
relação ao passeio, com uma diferença aproximada de 2,19m entre o piso do dormitório 1 [do casal], em
relação à cota do passeio junto à entrada da garagem. Um muro de arrimo construído no alinhamento
predial conforma o terreno num platô elevado, sobre o qual a construção é implantada.
Partido:
O partido caracteriza-se por uma barra única disposta longitudinalmente sobre o platô conformado
no terreno pelo muro de arrimo junto ao alinhamento predial. Esta disposição divide o terreno em
duas faixas longitudinais: a primeira é ocupada pela residência junto à rua e a segunda, é ocupada por
uma área externa nos fundos, onde estão localizados o pátio de serviço e um jardim íntimo, separados
através de um muro.
A fachada voltada para a Rua Padre Ildefonso é longitudinal ao terreno e concentra acessos e aber-
turas. Dois volumes, da sala de estar e do dormitório 1, projetam-se aproximadamente 50cm sobre o
passeio. O volume do dormitório 1 possui uma de suas extremidades em balanço e a outra apoiada
sobre um piloti que descarrega diretamente sobre o passeio. Sob este volume encontra-se a garagem
encravada no terreno, fechada por um portão de madeira com duas folhas de abrir. O plano da facha-
da em que se encontra a garagem é recuado do alinhamento predial, criando a área do acesso principal
128
junto ao passeio. Uma escada paralela ao passeio sobe ao lado do portão da garagem em direção a
um terraço frontal, de onde se acessa a residência. O recuo faz com que esta área fique protegida pelo
beiral da cobertura.
A cobertura é definida por uma única água de baixo caimento em direção ao passeio da Rua Padre
Ildefonso, protegido por uma calha. O plano formado pela água é contido pelas empenas retangulares
de suas extremidades, voltadas para a esquina e para o extremo oposto, que é colada ao terreno con-
frontante.
A fachada voltada para a esquina é um empena cega de tijolos aparentes assentada no alto do platô,
antecedido pelo talude que desce em direção da testada da Rua Augusto Ribas. Ao lado esquerdo de
quem a vê, há um pequeno terraço coberto, cujo perfil inclinado da água de cobertura é revelado num
trecho incontido pela empena cega. À esquerda deste terraço há um muro que separa visualmente a
área externa dos fundos da rua.
Seu partido é semelhante aos projetos da Residência Coralo Bernardi em Curitiba, de 1945 e a Res.
Elphy Rosenthal em São Paulo, de 1948. E seu aspecto geral, o projeto parece estar mais próximo aos
projetos usonianos de Wright do que da linguagem mais puramente racionalista.
Junto da circulação de serviço, são concentradas as áreas molhadas como o lavabo e a cozinha, am-
bos com acesso por esta mesma circulação. O banheiro, apesar de acessado pela circulação íntima,
encontra-se vizinho destes compartimentos. A circulação de serviço, já separada por uma porta da
distribuição inicial, não possui porta para o pátio de serviço, o que auxilia na ventilação do lavabo,
posicionado numa área central do edifício. O quarto da empregada e a cozinha possuem aberturas
voltadas diretamente para o pátio de serviço, com orientação norte. No outro lado do pátio há uma
área de lavanderia [tanque] e um galinheiro.
Ao longo desta circulação íntima existe uma rouparia constituída por um armário embutido, e sobre o
armário, em proveito do desnível, é aberta uma janela em fita ao longo de sua extensão, o que propor-
ciona a iluminação natural à circulação. Todos os dormitórios possuem portas-janela que dão acesso
ao jardim que lhes é reservado nos fundos, separado por um muro do pátio de serviço.
Sistema construtivo:
O sistema construtivo desta residência é um misto da técnica tradicional com a técnica do concreto
armado, que tem o seu uso moderado. Ao que se pode notar pelo projeto, o arrimo é constituído em
pedra, que também é empregada para os alicerces da edificação na parte alta do platô.
Sobre o platô de terra e os alicerces são lançados o pavimento em concreto e as paredes em alvenaria.
Junto ao muro de arrimo, o pavimento projeta volumes em balanço em que o concreto recebe reforços
de aço, indicados nos cortes do projeto. O uso do concreto é evidenciado no pilar com seção circular
que apoia o volume do dormitório 1 e descarrega diretamente sobre o passeio.
As paredes de vedação e de divisórias são em alvenaria de tijolos amarrados, que aparecem predomi-
nantemente em seu estado aparente. Outra parte é revestida com reboco e recebe acabamento com
pintura. Não existem pilares de concreto indicados entre as alvenarias e, uma vez que não haja laje ou
pavimento superior, tornam-se de fato, dispensáveis.
As aberturas possuem esquadrias de madeira nas áreas da sala de estar, circulação íntima e dormitó-
rios, com portas-janelas e venezianas de abrir nestes últimos. Esquadrias de ferro são utilizadas nas
áreas do lavabo, cozinha, quarto de empregada e banheiro.
A cobertura em telha de fibrocimento é estruturada com trama de madeira, apoiada sobre a cabeceira
130
das alvenarias e com forro em compensado de madeira entre os caibros. Pilares também em madeira
apoiam os caibros nos vãos das janelas voltadas para a Rua Padre Ildefonso e nos dois terraços cober-
tos. O reservatório é constituído por um volume em concreto armado e alvenaria que interrompe a
cobertura, disposto sobre a saída da circulação que conduz ao pátio de serviço.
A concepção do partido parece estar muito mais ligada às condicionantes do sistema construtivo do
que a uma interpretação cronológica do desenvolvimento da obra do arquiteto. O uso da técnica tra-
dicional de alvenaria de tijolos assentada sobre alicerces de pedras, a moderação no uso do concreto
armado, a ausência de laje de cobertura equilibram o custo da construção. Em outras palavras, trata-
se de um partido mais econômico do que uma construção que exigisse maior quantidade de concreto
armado. Grande parte da expressividade de seu partido está em aproveitar o terreno alto para tornar
o prisma elevado, sem o auxílio dos pilotis.
Histórico:
Projetada para seus tios Álvaro Correia de Sá e Ivete Villanova de Sá, e filhos, esta residência de 1949
é reconhecida como a primeira residência moderna construída em Ponta Grossa. Sua construção con-
trastou de imediato com as demais construções convencionais, pois trouxe consigo, além de um dese-
nho estranho à paisagem, um ideário de habitar estranho ao ambiente de então.
Mais do que uma fachada “moderna”, visualmente estranha à paisagem, o projeto representa a intro-
dução dos princípios da arquitetura moderna na cidade, relacionados a uma série de questões que vão
além de um simples “estilo” como escreveu Lina Bo Bardi, em1951, sobre as casas produzidas Vilanova
Artigas até aquele momento:
“Uma casa construída por Artigas não segue as leis ditadas pela vida de rotina do homem,
mas lhe impõe uma lei vital, uma moral que é sempre severa, quase puritana. Não é “vis-
tosa”, nem se impõe por uma aparência de modernidade, que já hoje se pode definir num
estilismo.
[...] Citamos uma moral de vida sugerida pelas casas de Artigas, uma moral que definimos
como severa, e esta é a base de sua arquitetura. Cada casa de Artigas quebra todos os espe-
131
E de fato, como obra pioneira, sua linguagem não deixou de causar certo estranhamento na população
pontagrossense, como arquitetura inexistente naquele meio até então:
“Além de todo um ideário de uma nova maneira de viver a casa, não se pode deixar de
observar que suas linhas puras, limpas, a ausência de ornamentos, um conjunto de novas
referências estéticas é bastante inusitado para a época, causando, inicialmente um grande
estranhamento.
Quando essa residência se instala na cidade as reações são diversas. Alguns continuam a
construir suas casas na mais convencional ordem, com estuques e ornamentos, que davam
classe às tradicionais residências. Outra parcela da população vê grande possibilidade no
novo estilo.” (MIGLIORINI, 2008 : p.82)
Aspectos deste estranhamento podem ser confirmados com o depoimento prestado pelo Sr. Álvaro
Correia de Sá Filho (2012), que morou na residência quando criança, quando relata que ocorriam tro-
tes telefônicos para a residência “perguntando quando que chegava o gado, quando é que chegava o
defunto, porque parecia um caixão de defunto, coisas assim nesse sentido”.
A residência teve outros moradores e atualmente tem uso comercial. Mesmo com alterações sofridas
ao longo dos anos, conserva grande parte de seus espaços e elementos originais. O projeto original en-
contra-se arquivado no acervo da FAU-USP, possui cinco pranchas, as quais confirmam a data através
dos carimbos, em que aparecem registradas as datas de maio e julho de 1949.
O arquiteto já havia elaborado o projeto de uma residência para Álvaro Correia de Sá para Curitiba
em 1945, que seria vizinha de outro projeto residencial para outro tio, Innocente Villanova Júnior.
Também arquivados no acervo da FAU-USP, estes projetos contém desenhos em nível de execução,
inclusive com pormenores de esquadrias, cobertura, escadas e outros elementos. Entretanto, não foram
encontrados indícios de que tenham sido construídas. Um fato interessante se dá quanto aos partidos,
que no caso da Res. Álvaro Correia de Sá de Curitiba caracteriza-se por barra única, enquanto a Res.
Innocente Vilanova Júnior caracteriza-se por duas barras em cruz, partido que seria proposto para
esta residência em Ponta Grossa.
132
Fig. 04: Estudo da Res. Álvaro Correia de Sá em Ponta Grossa. Fonte: FAU-USP.
Fig. 05: Fotografia da Res. Álvaro Correia de Sá em Ponta Grossa, junho de 2011.
Fonte: acervo do autor.
Terreno:
O terreno está situado no centro da cidade, à Rua Coronel Dulcídio, número 481, possui formato re-
tangular e dimensões aproximadas de 16,00m por 33,00m. A parte frontal de sua topografia é plana e
a parte posterior à construção possui um talude em declive, que dá lugar ao jardim e tem uma parte
ocupada por uma edícula, junto da qual é disposta uma escada externa que desce em direção ao fundo
do terreno.
133
Partido:
O partido caracteriza-se por duas barras sobrepostas em cruz. Há ainda o volume da edícula ao fun-
do, que apesar de solto do corpo principal, não perde a referência do conjunto da composição.
O volume térreo, transversal, é recuado do alinhamento predial, colado na divisa direita e solto da
divisa esquerda, liberando nesta lateral uma passagem externa entre frente e fundos. O volume da
direita possui uma fachada em forma trapezoidal gerada pela inclinação da cobertura, cuja água cai
no sentido do volume superior, caracterizando a chamada cobertura borboleta. A fachada trapezoidal
é vedada na frente e nos fundos por grandes panos de vidro, conferindo grande iluminação natural a
esta área e transparência entre frente e fundo do terreno.
O volume superior, longitudinal, é uma barra elevada sobre pilotis e possui maior relação com a rua
do que o volume térreo, chegando a avançar através do alinhamento predial em balanço sobre o pas-
seio. A fachada voltada para a rua é uma empena cega e as aberturas estão dispostas nas fachadas
laterais, para o interior do terreno. Adicionado à esquerda da barra há um volume, sobreposto à parte
esquerda do pavimento térreo.
O conjunto dos volumes possui um contorno marcado pelas vigas, postas em evidência em relação aos
fechamentos. Há uma continuidade entre a viga inclinada do volume trapezoidal do térreo com a viga
do piso do superior, que vem em direção à rua, inflete verticalmente formando a borda da empena
cega, para infletir novamente como viga horizontal da platibanda do superior e retorna ao interior do
terreno. Este tipo de marcação do contorno das arestas do edifício é semelhante ao que o arquiteto fez
em sua 2ª Residência em São Paulo, de 1949 e na Residência João Luiz Bettega em Curitiba, cujo projeto
também é de 1949 (OLIVEIRA, 2008, p. 15).
O partido é semelhante aos projetos da Res. Innocente Villanova Júnior em Curitiba, de 1945, do Hos-
pital de Londrina, de 1948 e da Casa da Criança, de 1950, ambos em Londrina.
sob a lateral em balanço do volume superior; à esquerda, ocorre o acesso do automóvel para um abri-
go situado entre os pilotis do volume superior e, mais à esquerda há um segundo jardim. Esta faixa é
protegida visualmente da rua por um muro de pedras e um portão de chapa metálica.
O muro perpendicular à testada direciona os acessos para o pano de vidro da fachada trapezoidal,
onde se encontra a porta da residência marcada sob uma marquise plana. O muro de pedra, formado
pelo trecho da testada e pelo trecho perpendicular a esta, interpenetra a área de pilotis sem jamais
tocar o volume superior, o que atribui leveza à barra e lhe confere um efeito de flutuação.
A porta abre-se para uma espécie de hall formado pela escada, posicionada transversalmente junto de
uma parede. Deste ponto é possível adentrar pela sala de estar à direita, onde há uma lareira na pare-
de colada na divisa, e descobrir adiante da parede da escada a sala de jantar, de onde se tem acesso ao
terraço coberto pelo volume superior sobre pilotis no fundo. Esta área social tem um forro inclinado
e é amplamente iluminada através dos panos de vidro nas fachadas frente/fundos.
À esquerda do hall parte uma circulação paralela à escada que dá acesso à chapelaria e lavabo, à copa
e a uma passagem para a sala de jantar. A copa está interligada à cozinha, e esta ao pátio de serviço,
limitado pela edícula ao fundo e um muro à direita que o separa do terraço coberto. A edícula contém
a lavanderia e o quarto da empregada no nível do térreo, e um depósito num nível inferior, acessado
pelo fundo do terreno.
O pavimento superior é acessado pela escada, cuja lateral esquerda é protegida por um guarda-corpo
formado por barras de madeira posicionadas verticalmente a cada degrau. Uma circulação íntima,
longitudinal ao volume superior, distribui os acessos para cinco dormitórios, dois banheiros e uma
rouparia. Os dormitórios e banheiros possuem nichos com armários embutidos.
O dormitório 1, do casal, posicionado junto à empena cega voltada para a rua, os dormitórios 2, 3 e 4, e
o banheiro 1, possuem aberturas na fachada lateral direita do volume superior, com orientação norte.
Para o outro lado da circulação, encontram-se o dormitório 5, de hospedes, a rouparia e o banheiro
2, dispostos no volume à esquerda da barra, com aberturas voltadas para frente, lateral esquerda e
fundos, respectivamente. A circulação íntima possui aberturas altas, junto ao forro, que permitem sua
iluminação natural.
135
Sistema construtivo:
O sistema construtivo desta residência explora as possibilidades da técnica do concreto armado e
dos materiais empregados de acordo com a linguagem difundida pela Escola Carioca, como o uso do
prisma elevado sobre pilotis, da cobertura borboleta, fachadas com panos de vidro, marquises para
marcação de acessos e revestimento de pastilha.
O muro frontal com inflexão perpendicular ao interior do terreno é constituído por alvenaria de pe-
dras de granito, em formato de paralelepípedo e juntas preenchidas com argamassa.
A estrutura é toda de concreto armado e constitui o sistema de pilares, lajes e vigas: os pilotis estão
dispostos num malha ortogonal, com dois eixos longitudinais e seis eixos transversais com balanços
laterais e para frente do terreno. Junto do volume da copa e da cozinha no térreo, o fechamento é
recuado para que os pilotis fiquem visíveis externamente, suspendendo a parte do volume superior
logo acima.
A laje do pavimento superior, cotada com 38cm, é provavelmente uma laje dupla com forma perdida,
conforme o arquiteto empregava em outros projetos, para se obter forro plano nos pilotis.
As vigas são evidenciadas na fachada, delimitando as arestas da barra elevada em continuidade com
as empenas cegas, frontal e posterior, e destacadas na lateral direita, em que o fechamento de alvena-
ria é recuado. Do mesmo modo, a viga inclinada que forma o volume trapezoidal térreo fica evidente
quanto estrutura.
O fechamento em alvenaria de tijolos é revestido externamente por pastilhas, num tom de creme
claro. Atualmente, as superfícies pastilhadas estão cobertas por uma camada de pintura. As divisórias
internas, em alvenaria de tijolos, são revestidas com argamassa e acabamento em pintura.
As aberturas possuem esquadrias de madeira nas áreas dos dormitórios, com folhas e venezianas de
correr e em guilhotina. São usadas esquadrias de ferro para áreas de banheiros, rouparia, circulação
íntima, copa, cozinha e serviços. Os panos de vidro foram executados originalmente com esquadrias
de madeira, da viga ao piso, conforme pormenor no projeto. Estes panos de vidro foram alterados para
esquadrias de ferro assentadas sobre um peitoril de alvenaria.
A cobertura é feita com telhas de fibrocimento sobre estrutura de madeira. No volume trapezoidal
136
do térreo é composta por uma única água, oculta na fachada pela viga que segue a inclinação. No
volume superior, é dividida em seis águas longitudinais, ocultas pela platibanda horizontal. Sem lajes
de cobertura em ambos os pavimentos, os forros são feitos em madeira compensada aplicada sob a
estrutura do telhado.
6. Conclusões
Estas obras de Vilanova Artigas parecem ilustrar bem a importância da investigação de edifícios pro-
jetados, sob os princípios da arquitetura moderna, em cidades de médio porte brasileiras. E em relação
ao Paraná, são identificadas como as portas de entrada para a arquitetura moderna e a renovação
urbana as suas três maiores cidades na década de 1940: Curitiba, Ponta Grossa e Londrina.
Este fato se deve em função da existência de uma clientela mais ilustrada nos centros urbanos mais
movimentados, que avistaram na arquitetura moderna um signo de progresso e modernidade. A maior
parte das obras residenciais do arquiteto encontra-se em Curitiba e Ponta Grossa e estão vinculadas a
um círculo de parentes e amigos seus. Já as obras públicas e mais destacadas, encontram-se em Lon-
drina, advindas do círculo de relações de seu sócio Carlos Cascaldi.
Todavia, é interessante frisar o papel pioneiro de Vilanova Artigas na implantação da arquitetura
moderna também em Ponta Grossa, que viria conhecer a partir de então, outros exemplos. Estes outros
casos estiveram de certo modo relacionados ao trabalho do arquiteto, como residências na cidade com
partido semelhante ao da Res. Álvaro Correia de Sá. E, no caso dos projetos de Miguel Juliano, o próprio
arquiteto confirmou a sua influência do mestre, afirmando que sempre fez uma “confusa apropriação
das casas do Artigas, que não é nem formal, talvez metodológica na forma de identificar as condicio-
nantes, na maneira de organizar espaços” (JULIANO, 1980 : 18).
Obras como as de Vilanova Artigas e destes outros arquitetos, constituem estudos de caso a serem ain-
da investigados em tantas cidades brasileiras de médio porte, a fim de que sejam identificadas quanto
à sua relevância para produção arquitetônica e patrimonial.
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O MUSEU DE ARTE DE LONDRINA – MAL, VILANOVA ARTIGAS E AS VANGUARDAS
138 MODERNAS
Salvador Gnoato1
Nas últimas décadas do século XX, os museus deram origem aos principais espaços públicos das cida-
des, substituindo o que no passado acontecia nas praças em frente às igrejas.
Em Curitiba, Oscar Niemeyer acrescentou uma sala principal para o Novo Museu, designação inicial
o edifício em 2002, formada por duas lajes curvas, colocada em altura sob um pedestal. A barra ho-
rizontal, executada em 1971, teve seu uso transformado em nove espaçosas salas de exposição. Como
uma atitude surrealista, esta grande e “pesada” caixa de concreto armado pintada de branco, com 205
x 45 metros, repousa sobre quatro fileiras de seis pilares, invertendo, de certa forma, a lógica natural
construtiva. As vigas de concreto, que constituem as paredes cegas do edifício, vencem vãos de até 80
metros com balanços simétricos de 20 metros. Arquitetos e engenheiros levavam ao limite as possibi-
lidades tecnológicas de vãos e balanços em estruturas de concreto armado. Sob estes pilotis desenvol-
ve-se um imenso espaço público. A ousadia estrutural e o despojamento construtivo, com as marcas
aparentes das madeiras das formas do concreto, são características “brutalistas” da década de 1960.
Com desenho concebido de forma gestual pelo arquiteto, duas passarelas de acesso para a fachada
principal, executadas sobre um espelho d’água, compõem com a barra e o “olho”. Esta é uma carac-
terística do modo de projetar de Niemeyer contrastando formas geométricas puras, rigor estrutural,
assimetria e formas livres. Na fachada posterior uma área gramada pertencente ao Bosque Papa João
Paulo II, complementa o espaço público externo do museu.
No ano seguinte, o conjunto arquitetônico mudou de nome, passando a se chamar Museu Oscar Nie-
meyer - MON. Em uma década, se igualou em importância com os principais espaços culturais do Brasil
e a cidade de Curitiba ganhou um novo espaço para encontro e lazer, dentro e fora do edifício. Em
menor escala, a casa João Bettega, projetada por Artigas em 1952, foi transformado no centro cultural
Instituto Vilanova Artigas em 2004.
Independente do porte da cidade, a arquitetura moderna é a principal marca dos espaços urbanos do
século XX. O Museu de Arte de Londrina - MAL cumpre esta função e já nasceu como signo da cidade.
Vilanova Artigas projetou, junto com Carlos Cascaldi, a primeira rodoviária da cidade, em 1948. Londri-
na era uma cidade com apenas duas décadas de existência; depois de devastada a floresta, as primeiras
casas de madeira foram substituídas por novas construções em alvenaria.
O projeto contém sete abóbodas de berço compostas por cascas de concreto armado, apoiadas sobre
colunas que servem de abrigo para os ônibus. Como ousadia estrutural, qualidade inerente da arquite-
tura moderna, a última casca se apoia em pilar inclinado. Conforme depoimento do filho Julio Artigas,
os construtores, com receio de que a estrutura ruísse, acrescentaram um segundo apoio. Nunca foram
demolidos, apesar da insistência de Artigas de que esses apoios eram desnecessários.
A estação é composta por espaços em diversos níveis interligados por rampas, interpretação brasileira
das casas “corbusianas” dos anos 1920. Uma marquise com desenho curvo marca o acesso principal. A
140
laje inclinada da estação compondo com as abóbodas de berço imprimem personalidade única para
esta obra.
Transformada em museu, a obra se integra com a praça Rocha Pombo possibilitando curadorias com
inúmeras possibilidades de exposições nos espaços internos, sob as abóbodas e, ainda, se estendendo
ao ar livre.
Fig. 02: Museu de Arte de Londrina, Vilanova Artigas, 1948. Foto Irã Taborda Dudeque.
Artigas sempre esteve “antenado” com as vanguardas modernas. Este projeto foi idealizado poucos
anos depois da exposição Brazil Builds (1943) no Museu e Arte Moderna de Nova Iorque - MoMA,
que consagrou a arquitetura brasileira. As obras da Pampulha em Belo Horizonte, de Oscar Niemeyer,
simbolizam a independência de linguagem da vanguarda brasileira. A composição livre das cascas
de concreto armado da Igreja de São Francisco, expressa a liberdade na interpretação dos conceitos
“corbusianos” apresentados pelo Palácio Capanema, em 1936, no Rio de Janeiro, e ampliados pelos bra-
sileiros.
Entre 1946 e 1947 Artigas esteve viajando pelos Estados Unidos, conhecendo cidades como Boston, Nova
Iorque, Los Angeles São Francisco e Chicago, arquitetos como Alvar Aalto, Walter Gropius, Frank Lloyd
Wright e Richard Neutra, além de obras recém concluídas.
141
Fig. 03: Museu de Arte de Londrina, Vilanova Artigas, 1948. Foto Irã Taborda Dudeque.
A obra do Talesien West (1937) de Frank Lloyd Wright, o impressionou particularmente. A possibili-
dade de trabalhar com materiais baratos e não industrializados, como concreto ciclópico, bem como a
capacidade de obter expressividade com estruturas de madeira de grandes dimensões, são caracterís-
ticas que de certa forma, iriam influenciar sua fase “brutalista”.
Mies van der Rohe, como professor no curso de arquitetura no Massachusetts Institute of Tecnology
- MIT e como autor de obras importantes em Chicago, imprimiu rigor construtivo que marcaram a
arquitetura do pós-guerra. O classicismo “miesiano”, utilizado principalmente para estruturas em aço,
foi transposto para as obras em concreto armado no Brasil.
A influência de Le Corbusier permaneceu entre os arquitetos brasileiros através de bibliografia, mes-
mo após sua visita ao Rio de Janeiro. A expressividade no uso do concreto armado em obras como a
Unidade Habitacional de Marselha (1947) e o Convento de La Tourette (1957), com propostas diferentes
da fase purista dos anos 1920, foram determinantes no “brutalismo” brasileiro.
Em 1954, Artigas foi à Rússia, mas não tomou contato com o Construtivismo, uma vez que os próprios
russos, com o stalinismo, o tinham renegado. Com a Guerra Fria, o ocidente também não fez questão
de valorizar este período da vanguarda russa. Conforme sua filha Rosa Artigas, o contato com o Cons-
trutivismo aconteceu em meados dos anos 1970 através da compilação realizada por Vittorio de Feo,
editado pela primeira vez em 1963 e traduzido para o português em 2005. O construtivismo só obteve
reconhecimento internacional depois de 1989, com a queda do Muro de Berlim. A exposição The Great
142
Utopia: The Russian and Soviet Avant-Garde, 1915-1932, realizada em 1992, no Museu Guggenheim, em
Nova Iorque, com instalação de Zaha Hadid, foi uma dos eventos que marcaram este reconhecimento.
A viagem à Rússia provocou reflexões políticas e estéticas em Artigas, e a casa Olga Baeta (1956) é o
projeto que marca esta inflexão. Neste momento, a vanguarda brasileira toma outro rumo, comparti-
lhando manifestações “brutalistas” em diversos países.
O Colégio Experimental Brasil-Paraguai (1952), em Assunção, e o Museu de Arte Moderna - MAM (1954),
no Rio de Janeiro, de Affonso Eduardo Reidy, se posicionam como antecedentes da Escola de Itanhaém
(1959), de Artigas.
Propostas ousadas no uso de estrutura de concreto armado também aparecem no Museu de Arte de
São Paulo – MASP, de Lina Bo Bardi, e na residência Cunha Lima, em São Paulo, de Joaquim Guedes,
ambas projetadas em 1958.
A sede da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU USP (1962) é a
obra mais emblemática do “brutalismo” brasileiro, conforme depoimento de Artigas seu desejo “era
construir uma escola completamente anti-barroca”. Esta atitude “anti-acadêmica” se apresenta na
integração de espaços internos e externos, na monumentalidade da estrutura aparente de concreto
armado, no desenho dos pilares de apoio, na integração de seus espaços internos em níveis e sub-níveis
integrados por rampas e principalmente no despojamento construtivo.
A postura de Artigas é didática, presente nos seus projetos, em seus artigos e manifestos publicados na
mídia, e na participação no Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB e no Partido Comunista Brasileiro -
PCB. De outra forma, Oscar Niemeyer nunca abandonou suas convicções, não se dedicou ao magistério,
mas seus textos, além de críticas sociais, são lições de arquitetura e de sua visão de método projetual.
Nas primeiras décadas do século XX, as vanguardas modernas aconteceram principalmente na Europa.
As vanguardas tinham como postura a ruptura com os princípios vigentes, tanto estéticos como sociais.
Esta postura revolucionária, que se apresentava com manifestos, acompanhava a realização de obras
nas artes plásticas e na arquitetura. Estes movimentos tiveram seguidores e formaram escola. Como
um missionário, Artigas acreditava que através da arte e da arquitetura poderia mudar a sociedade.
143
Assim aconteceu com o Futurismo italiano (1909-1914), com o Neo-Plasticismo holandês (1917-1931) e
com a Bauhaus (1919-1932). No Brasil, depois dos manifestos e das casas de Gregori Warchavichik,
Lucio Costa impõe um novo modelo de ensino no curso de arquitetura no Rio de Janeiro. O movimento
prossegue com o Palácio Capanema, com a produção de Oscar Niemeyer e com a construção de Brasília.
A vanguarda moderna no Brasil (1925-1969) não possui um nome próprio e específico, é apenas bra-
sileira. A proposta de modernidade estava intrinsecamente vinculada a uma idéia de libertação de
interferências estrangeiras e da formação de uma cultura nacional.
Simbolicamente, em 1969, no mesmo Diário Oficial, sob o signo do AI-5, Paulo Mendes da Rocha recebe
o premio para execução do Pavilhão do Brasil na EXPO 70, em Osaka, no Japão e, em outro decreto,
junto com Vilanova Artigas, tem seus direitos cassados como professores na FAU USP.
Dentro de uma visão de mundo plural e descentralizadora, a Arquitetura Moderna Brasileira faz parte
da tradição cultural do século XX.
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144 FIGURAS
LUCIO COSTA: TRÊS OBRAS E A CRIAÇÃO DO LUGAR EM CIDADES BRASILEIRAS DE PEQUENO E
MÉDIO PORTE ..........................................................................................................................................................................................................................................146
Fig. 01: Maquete eletrônica (modelo 3D) e fotografia do Museu das Missões., Fig. 02: Situação da residência em relação à
estrada/rio: esquemas compositivos., Fig. 03: Implantação, plantas do térreo, 2 pavimento e foto do Hotel São Clemente.
A ESTAÇÃO RODOVIÁRIA DE JANDAIA DO SUL, PR: INVENTÁRIO DE UMA OBRA BRUTALISTA .............................. 148
Praça e Estação Rodoviária de Jandaia do Sul, década 1970,
O MUSEU DE ARTE DE LONDRINA – MAL, VILANOVA ARTIGAS E AS VANGUARDAS MODERNAS ........................... 170
Fig. 01: Museu Oscar Niemeyer, Curitiba, 1971/2002.. Fig. 02: Museu de Arte de Londrina, Vilanova Artigas, 1948. Fig. 03: Museu de
Arte de Londrina, Vilanova Artigas, 1948.
Fig. 01: Maquete eletrônica (modelo 3D) e fotografia do Museu das Missões.
Fonte: www.dspace.uniritter.edu.br.
147
FIGURA 01: Fases da ocupação de Londrina. (Fonte: da autora, 2011, com acervo Foto Estrela e MHL)
156 A LEGISLAÇÃO, O INCENTIVO E LIMITAÇÃO À NOVA ARQUITETURA EM LONDRINA
FIGURA 02: Foto de meados da década de 1950 com indicações das áreas onde a legislação obriga a construção
de mais de um piso e cronologia dos edifícios implantados (Fonte: da autora, 2011, sobre base Foto Estrela, 2008)
A LEGISLAÇÃO, O INCENTIVO E LIMITAÇÃO À NOVA ARQUITETURA EM LONDRINA 157
FIGURA 03: Marcação das empenas nos edifícios verticais da área centrais implantados junto ao alinhamento, destaque
para o Edifício Autolon com empena voltada para a via principal (Fonte: da autora sobre acervo da autora, s.d., 2010)
158 A LEGISLAÇÃO, O INCENTIVO E LIMITAÇÃO À NOVA ARQUITETURA EM LONDRINA
FIGURA 04: Edifício Autolon ou Chevrolet (1950-51) à esquerda de João Vilanova Artigas e Edifício Sahão
(1950) à direita de Roger Henri Weiter, ambos com pilotis externos no térreo delimitados por planos de vidro
no lado interno, fotos de Augusto Galante (Fonte: Londrina no seu Jubileu de Prata, s.n., 1954)
FIGURA 05:
“Fundos” do
Edifício Alaska
(1961) e Edifício
Tuparandi (1969),
ambas as galerias
térreas não
circundam todas as
respectivas torres.
(Fonte: da autora,
2008.)
ITINERÁRIO DA ARQUITETURA MODERNA NO AGLOMERADO URBANO DE
FLORIANÓPOLIS, SC 159
Fig. 01: Maquete do Lagoa Iate Clube LIC, elaborados a Fig. 02: Vista da Reitoria da UFSC e da praça centraldo
partir do croqui de Oscar Niemeyer, Admar Gonzaga e José campus, projetada por Roberto Burle Marx.
Cipriano da Silva. Fonte: Arquivo da Secretaria do LIC. Fonte: Casa da Memória, PMF.
Fonte: arquivo
Forte Netto.
Imagens: 5) Vista do Edifício Autolon, final da década de 1950/ início 1960. 6) Vista do Edifício Autolon, ao lado o Teatro
Ouro Verde, 2011. Fonte Imagem 5: Acervo Museu Histórico de Londrina Pe. Carlos Weiss. Fonte Imagem 6: Rei Santos.
A TRAJETÓRIA DO PATRIMÔNIO MODERNO EM LONDRINA:
OBRAS DE VILANOVA ARTIGAS E CARLOS CASCALDI 175
Imagens: 7) e 8) Vista panorâmica do Cinema Ouro Verde durante reforma, década de 1980.
Fonte imagens 7 e 8: Acervo do jornal Folha de Londrina.
A TRAJETÓRIA DO PATRIMÔNIO MODERNO EM LONDRINA:
176 OBRAS DE VILANOVA ARTIGAS E CARLOS CASCALDI