Relatorio Flexner
Relatorio Flexner
Relatorio Flexner
Sartori
Textos para leitura obrigatória
Relatório Flexner
Em 1910, foi publicado o estudo Medical Education in the United States and Canada - A Report to the
Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching 1, que ficou conhecido como o Relatório
Flexner (Flexner Report) e é considerado o grande responsável pela mais importante reforma das
escolas médicas de todos os tempos nos Estados Unidos da América (EUA), com profundas
implicações para a formação médica e a medicina mundial.
Abraham Flexner nasceu em Lousville, Kentucky, em 13 de novembro de 1866. Era o sexto de nove
filhos de Moritz Flexner e de Esther Abraham. Seus pais, judeus alemães, imigraram para os EUA em
1853.
Em 1908, foi convidado pelo presidente da Carnegie Foundation, Henry S. Pritchet, para realizar um
estudo sobre as condições da educação médica nos Estados Unidos e no Canadá. Flexner visitou as
155 escolas de Medicina dos EUA e Canadá durante seis meses. Com base nas avaliações que fez,
publicou seu famoso relatório.
Embora baseado apenas em visitas de um dia, feitas por ele e um colega, Flexner afirmou que o
treinamento de qualidade inferior era óbvio de imediato: "Uma volta pelos laboratórios revelava a
presença ou ausência de aparelhos, espécimes de museu, biblioteca e alunos; o cheiro contava a
história toda da forma pela qual a anatomia era estudada" [...] Formulou as conclusões de suas
avaliações em termos contundentes (definindo, por exemplo, as quinze escolas de Medicina de
Chicago como "a mancha do país em relação à formação médica") e logo "as escolas entraram em
colapso a torto e a direito, em geral sem um único murmúrio".
É importante entender o contexto em que o estudo de Flexner foi produzido. À época, a situação das
escolas médicas nos EUA era caótica. Como não havia necessidade de concessão estatal para o
exercício da medicina, abolida em meados do século XIX, havia grande proliferação de escolas de
Medicina, com abordagens terapêuticas as mais diversas. As escolas podiam ser abertas
indiscriminadamente, sem nenhuma padronização, estando vinculadas ou não a instituições
universitárias, com ou sem equipamentos, com critérios de admissão e tempo de duração
diferenciados e independentemente de fundamentação teórico-científica . Havia cursos que formavam
médico em apenas 1 ano de estudos.
Flexner considerava a maioria das escolas médicas dos EUA e Canadá desnecessária e/ou
inadequada. Em sua opinião, das 155 escolas existentes, apenas 31 tinham condições de continuar
funcionando13. Nos EUA, o número de escolas de Medicina caiu de 131 para 81 nos 12 anos
posteriores ao informe3. Cinco das sete escolas para negros foram fechadas. A escola médica se
elitizou e passou a ser freqüentada pela classe média alta 10,14.
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Curso de Odontologia – Unifenas – Disciplina de Saúde Coletiva - Prof. Luiz A. Sartori
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Se, por um lado - para o bem -, o trabalho de Flexner permitiu reorganizar e regulamentar o
funcionamento das escolas médicas, por outro - para o mal -, desencadeou um processo terrível de
extirpação de todas as propostas de atenção em saúde que não professassem o modelo proposto. O
grande mérito - para o bem - da proposta de Flexner é a busca da excelência na preparação dos
futuros médicos, introduzindo uma salutar racionalidade científica, para o contexto da época. Mas, ao
focar toda a sua atenção neste aspecto, desconsiderou - para o mal - outros fatores que afetam
profundamente os impactos da educação médica na prática profissional e na organização dos
serviços de saúde.
Ele assume implicitamente que a boa educação médica apoiada em praticas no TRATAMENTO DAS
DOENÇAS, determina tanto a qualidade da prática médica como a distribuição da força de trabalho, o
desempenho dos serviços de saúde e, eventualmente, o estado de saúde das pessoas. Esta visão
ainda pode ser facilmente encontrada hoje. As necessidades de saúde são tomadas como o ponto de
chegada e não como ponto de partida da educação médica 13.
O MODELO "FLEXNERIANO"
O que Flexner propõe é a instalação de uma nova ordem para a reconstrução do modelo de ensino
médico5. Os sólidos princípios sobre os quais o seu relatório estava embasado parecem triviais hoje:
as escolas médicas devem estar baseadas em universidade, e os programas educacionais devem ter
uma base científica13.
De suas recomendações, algumas foram acatadas com relativa facilidade: um rigoroso controle de
admissão; o currículo de quatro anos; divisão do currículo em um ciclo básico de dois anos, realizado
no laboratório, seguido de um ciclo clínico de mais dois anos, realizado no hospital; exigência de
laboratórios e instalações adequadas3,13.
O ciclo clínico deve-se dar fundamentalmente no hospital, pois ali se encontra o local privilegiado para
estudar as doenças. Nas palavras do próprio Flexner: "O estudo da medicina deve ser centrado na
doença de forma individual e concreta" 1. A doença é considerada um processo natural, biológico. O
social, o coletivo, o público e a comunidade não contam para o ensino médico e não são
considerados implicados no processo de saúde-doença 16. Os hospitais se transformam na principal
instituição de transmissão do conhecimento médico durante todo o século XX. Às faculdades resta o
ensino de laboratório nas áreas básicas (anatomia, fisiologia, patologia) e a parte teórica das
especialidades15.
Flexner via a educação médica como destinada a pessoas da elite, com o aproveitamento dos mais
capazes, inteligentes, aplicados e dignos6. Daí, talvez, as acusações que lhe são feitas em relação a
preconceitos quanto a pobres, negros e mulheres 3. Ilustra a sua visão discriminadora sua opinião
sobre o acesso de cidadãos negros à educação médica por considerar que eles seriam as pessoas
mais adequadas para servir às suas próprias e carentes comunidades 3,6,13.
Mesmo que consideremos muito importantes suas contribuições para a educação médica, a ênfase
no modelo biomédico, centrado na doença e no hospital, conduziu os programas educacionais
médicos a uma visão reducionista. Ao adotar o modelo de saúde-doença unicausal, biologicista, a
proposta de Flexner reserva pequeno espaço, se algum, para as dimensões social, psicológica e
econômica da saúde e para a inclusão do amplo espectro da saúde, que vai muito além da medicina
e seus médicos.
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Curso de Odontologia – Unifenas – Disciplina de Saúde Coletiva - Prof. Luiz A. Sartori
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As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) definem que o eixo do desenvolvimento curricular deve
ser o das necessidades de saúde da população, promovendo a interação entre ensino, serviço e
comunidade, preferencialmente nos serviços do SUS. As Diretrizes também propõem novas
estratégias de ensino-aprendizagem e de avaliação do aprendizado 25. Em 2004, o Ministério da
Educação instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), que pretende
avaliar as instituições, os cursos e o desempenho dos estudantes 21.
Este conjunto de iniciativas parece sinalizar a possibilidade de mudanças no perfil dos profissionais
egressos dos cursos da área da saúde. Surge, agora, a oportunidade de modificar a estrutura dos
atuais currículos das escolas médicas, que já têm quase um século, copiados do modelo norte-
americano, instituído naquele país com base nas recomendações contidas no Relatório Flexner.
Considerações Finais
A mudança do perfil epidemiológico da população, com o grande predomínio das doenças crônico-
degenerativas, também exigiu um reordenamento das ações e estratégias na saúde, com sérias
implicações na formação dos profissionais.
As críticas ao modelo ainda hegemônico da educação médica, o modelo proposto por Flexner,
também aplicado à odontologia, há quase cem anos, estão finalmente sendo seriamente
consideradas. Independentemente dos interesses e motivações envolvidos, abre-se a oportunidade
de considerar novas e antigas questões relacionadas à formação de profissionais da saúde. A
participação de amplos setores neste processo - profissionais, estudantes, instituições
representativas da categoria, instâncias reguladoras e o controle social - pode garantir que as
transformações, de fato, contribuam para a formação de profissionais que considerem as
multidimensões das pessoas que necessitam de cuidados de saúde e desenvolvam suas ações
abordando toda a amplitude do processo da saúde e da doença e seus determinantes.
REFERÊNCIAS
1. Flexner A. Medical Education in the United States and Canada. New York: Carnegie Foundation for
The Advancement of Teaching; 1910. (Bulletin, 4) [ Links ]
3. Tomey AV. Abraham Flexner, pionero de la educación médica. Rev Cubana Educ Méd Super.
2002;16(2):156-63. [ Links ]