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Recebido em: 11/10/2016

Aprovado em: 23/06/2017

Crítica da execução fiscal como


meio de cobrança do crédito
público em massa: horizontes,
aperfeiçoamento e alternativas
Critique to the fiscal execution action
as a mass instrument for collection of
public credit: horizons, improvements and
alternatives

Marcus de Freitas Gouvea


Mestre em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais.Graduado
em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Juiz de Fora, graduado em
Direito pelo Instituto de Ciências Jurídicas e Sociais Vianna Jr. Procurador da
Fazenda Nacional/PFN. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito
Tributário.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Particularidades da


execução fiscal; 2 O princípio da eficiência; 3 O mito
da obrigatoriedade da execução fiscal; 4 Medidas
complementares; 5 Conclusão; Referências.
234 Revista da AGU, Brasília-DF, v. 17, n. 03. 233-260, jul./set. 2018

RESUMO: A execução fiscal é ineficiente como instrumento de cobrança


em massa do crédito público. A Administração propõe milhares de
processos de execução, para recuperar um percentual mínimo do crédito
que pretende arrecadar. Não obstante, há um mito, uma crença geral,
de que a propositura destas ações é obrigatória, para quase qualquer
débito e para qualquer devedor, supostamente sustentado pelo princípio
da indisponibilidade do interesse público. Este artigo discute as razões
que levam à ineficiência da execução fiscal, razões estas que não podem
ser afastadas por meios processuais, e apresenta o princípio da eficiência
para defender a tese de que é impossível o uso do instrumento para
recuperação do crédito público em massa, porque é adequado para obrigar
apenas devedores qualificados. Como consequência, o artigo defende
que a execução fiscal não é obrigatória. Ademais, o texto considera, sem
pretensão de uma solução definitiva ao problema, alternativas para a
cobrança do crédito público e medidas para o aprimoramento da ação
de execução fiscal.

PALAVRAS-CHAVE: Execução Fiscal. Cobrança do Crédito Público.


Ineficiência. Alternativas. Aprimoramento.

ABSTRACT: Fiscal execution is inefficient as a mass instrument to


collect public credits. By this method, the government files thousands of
process to collect a very small percentage of the total credit. Nevertheless,
there is a general belief that execution is mandatory for almost any
debt and for any debtor. A myth allegedly supported by constitutional
principles. This paper discusses the reasons behind such inefficiency,
which cannot be overcome by procedural laws, and presents the efficiency
principle to advocate the thesis that it is impossible to use fiscal execution
as mass instrument to collect public credits, because it is designed to
oblige only qualified debtors. Therefore, this paper advocates that fiscal
execution is not mandatory. In addition, the text considers, without the
aspiration to propose a definitive solution to the problem, alternatives to
the public credit collection and measures to improve the fiscal execution
action.

KEYWORDS: Fiscal Execution Sction. Collection of Public Credit.


Inefficiency. Alternatives. Improvement.
Marcus de Freitas Gouvea 235

Introdução

Seguindo a tradição latino-americana1, a Lei de Execuções Fiscais


– LEF, na esteira de outras leis especiais sobre a matéria (Carta de Lei de
22 de dezembro de 1761, Decreto 9.885/1888 e DL 960/1938) estabelece
o rito de execução judicial de créditos públicos inscritos em dívida ativa2.

Para alguns, trata-se de um privilégio concedido à Fazenda Pública3.

Não obstante, a execução fiscal, pelo menos nas últimas duas décadas,
tem se mostrado um dos instrumentos de menor eficiência comprovada
à disposição da Administração Pública4.

Embora o volume financeiro seja significativo e o total da dívida


seja parâmetro pouco confiável, tendo em vista a existência de créditos
irrecuperáveis, a execução fiscal movimenta todo o aparato estatal,
administrativo e judicial, para um retorno proporcionalmente muito baixo.

A situação dos estados não é muito melhor. São poucos e precários


estudos que coletam dados da dívida ativa e da execução fiscal, mas é
seguro afirmar que a recuperação do estoque da dívida ativa dos estados
pela execução fiscal não ultrapassa 3%, e em muitos casos o resultado dos
entes federados é pior que o da União, como revela estudo realizado pelo
Ministério da Justiça5.

A crise atual, com a falência da máquina pública em todos os âmbitos,


pôs em destaque a ineficiência da execução fiscal.

Os milhões de processos infindáveis e a sensação de injustiça daquele


que paga suas obrigações não foram o bastante para que os governos
procurassem implantar medidas mais efetivas na cobrança do crédito
público. O principal esforço de recuperação de crédito, de resto generalizado

1 VILLEGAS, Hector. Curso de finanzas, derecho financiero y tributário. Buenos Aires: Astrea, 2005. p. 475.
2 PELISSARI, Darcy Henrique Rocha. Abordagem histórico-evolutiva. In: JENIER, Carlos Augusto
(Coord). Execução fiscal. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
3 TEORORO JR., Humberto. Lei de Execução Fiscal. São Paulo: Saraiva, 2000.
4 Como já observou Carlos Francisco Lopes Melo. Ver: MELO, Carlos Francisco Lopes. Execução fiscal
administrativa à luz da Constituição Federal, p. 113 e seg. Revista da AGU. a. XI, n. 31. Brasília, jan./mar.
2012.
5 BRASIL. Ministério da Justiça. Estudos sobre execuções fiscais no Brasil. p. 45-6. Disponível em: <http://
www.cebepej.org.br/pdf/execucoes_fiscais.pdf>. Acesso em: 5 jul. 2011.
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no país na última década, são programas de parcelamento, conjugados com


anistias fiscais, incapazes de promover eficiência aos processos executivos.

Começam a surgir, inclusive, textos acadêmicos colocando em voga


esta ineficiência e propondo soluções6.

Vale ressaltar as palavras de Gilson Miranda e Patrícia Pizzol,


embora não foque especificamente na execução fiscal:

Há, também, o princípio segundo o qual a execução se dá em benefício


do credor e deve ser útil a ele, propiciando a satisfação de sua pretensão.
Contudo, tem se verificado que o processo de execução não tem
cumprido sua função – realizar o direito do credor7.

A falta de recursos e os orçamentos deficitários têm, pelo menos,


chamado a atenção para uma fonte de receita outrora considerada, por
assim dizer, de menor importância.

Projetos de reformulação normativa do processo de cobrança, que


também não atacavam os reais problemas da execução, não foram aprovados.

Nos últimos anos, alguns estados têm procurado alternativas para


a cobrança judicial sabidamente ineficaz, como o protesto da dívida,
providência seguida pela União e pelos Estados.

A execução fiscal pede uma reformulação estrutural. Não apenas


mudanças legislativas, pois o problema não reside na lei, mas no uso
inadequado do instrumento.

Recentemente, a mídia tem noticiado propostas de mudanças na


cobrança dos créditos inscritos em dívida ativa da União, que passam por
alterações legislativas pontuais, mas principalmente pela reestruturação
do modelo, com a redução do número inadministrável das ações propostas
e pelo uso efetivo de meios alternativos.

6 Ver, por exemplo: MARTINS, Marcelo Guerra. Deficiência da cobrança fiscal no Brasil como estímulo à
sonegação: falhas e sugestões de melhoria do modelo em vigor. Revista da Faculdade de Direito da UFMG,
n. 61, Belo Horizonte jul./dez. 2012.
7 MIRANDA, Gilson Delgado; PIZZOL, Patrícia Miranda. Novos rumos da execução por quantia certa
contra devedor solvente, p. 180. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord). Aspectos polêmicos da nova
execução 3. São Paulo: RT, 2006.
Marcus de Freitas Gouvea 237

A efetividade da “nova” execução fiscal, porém, depende de um melhor


conhecimento do problema. Porque a execução fiscal é ineficiente? Qual
pode ser o horizonte de recuperação do crédito inscrito em dívida ativa?

Muito precisa ser feito.

Fundamentalmente, o número de execuções tem que ser reduzido.


Não pode haver eficiência em um sistema baseado em milhões de processos
de execução, que coloca milhares de processos sob a responsabilidade de
cada juiz, de cada procurador.

Algumas poucas alterações legislativas são necessárias, mas


fundamentalmente é preciso romper com o “mito” de que a propositura
de toda execução fiscal é obrigatória.

Na intenção de contribuir com este cenário de mudança, pretendemos


apresentar uma crítica ao modelo atual, apontando as principais causas
da ineficiência do instrumento judicial de cobrança, a necessidade de
mudanças, notadamente a redução substancial da quantidade de processos,
face ao princípio constitucional da eficiência da Administração Pública,
o que passa pela suposta obrigatoriedade da execução fiscal, bem como
possíveis aprimoramentos pontuais na utilização do instrumento e na
legislação sobre a matéria.

1 Particularidades da execução fiscal

A análise da (baixa) eficiência da execução fiscal deve tomar como


referência a realidade em que se insere. É preciso, pois, compreender o
objeto da execução, o perfil do credor e do devedor nos processos executivos
e o papel do Poder Judiciário.

Em outros termos, é necessário identificar onde estão os reais


problemas das execuções fiscais, quais são os obstáculos na cobrança do
crédito público e os princípios norteadores da cobrança em estudo.

Nossas primeiras preocupações referem-se ao título exequendo.

A certidão de dívida ativa, decorrente da inscrição nos livros (ou


meios eletrônicos próprios, art. 2o § 7o, da LEF, segundo o qual “o Termo de
Inscrição e a Certidão de Dívida Ativa poderão ser preparados e numerados
por processo manual, mecânico ou eletrônico”) origina-se de créditos
públicos não satisfeitos pelos métodos auto executórios da Administração.
238 Revista da AGU, Brasília-DF, v. 17, n. 03. 233-260, jul./set. 2018

Os créditos inscritos em dívida ativa são: tributos, multas


administrativas, decorrentes do exercício do Poder de Polícia, multas
contratuais, decorrentes do descumprimento de cláusulas de contratos
públicos pelo particular, foros e laudêmios e, eventualmente, títulos judiciais,
como as multas eleitorais e criminais8.

As cobranças de maior relevo decorrem de obrigações tributárias9.


Encerrado o lançamento administrativo, seja por declaração do contribuinte
ou por auto de infração da autoridade fiscal contra o qual não caiba mais
recursos, deve o contribuinte efetuar o pagamento da exação devida. Não
pago o débito, segue-se a cobrança administrativa, com todos os rigores
(v.g. inscrição no CADIN10, impossibilidade de obtenção de certidões
negativas de débitos, limitações à obtenção de crédito e de participação
em licitações públicas) e as eventuais facilidades legais (v.g. parcelamento).

Os créditos não tributários, constituídos na forma da Lei 4.320/1964


ou pela legislação específica aplicável também devem seguir procedimento
que lhes confira a segurança necessária, bem como atenda aos princípios
constitucionais de publicidade, legalidade, moralidade, impessoalidade,
contraditório e ampla defesa.

Na inércia do devedor, os créditos são encaminhados às procuradorias


(Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN, no caso da União,
art. 131 da CF/88) para inscrição em dívida ativa e posterior ajuizamento
da execução11, momento em que se igualam, sob o ponto de vista formal,
todos os créditos sujeitos à execução12.

8 SOUZA, Maria Helena Rau de. Art. 2º, p. 20. In. FREITAS, Vladimir Passos de (coord). Execução fiscal.
São Paulo: Saraiva, 1998 e PACHECO, José da Silva. Comentários à Lei de Execução Fiscal. São Paulo:
Saraiva, 2002. p. 37-40.
9 Segundo o IPEA, 52,1% (cinquenta e dois vírgula um por cento) das execuções da Fazenda Nacional
possuem objeto de natureza tributária e 37,5% (trinta e sete vírgula cinco por cento) tem como objeto
contribuições sociais. Brasil, Presidência da República, Secretaria de Assuntos Estratégicos, Instituto
de Pesquisas Econômicas Aplicadas - IPEA. Custo e tempo do processo de execução fiscal promovido
pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Comunicado 127, de 4 de janeiro de 2012. Disponível em:
<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/ PDFs/ comunicado/120103 _ comunicado ipea127.
pdf>. Acesso em: 6 set. 2012. p. 4.
10 Lei 10.522, de 19 de julho de 2002, art. 1° e 2°.
11 SOUZA, Maria Helena Rau de. Art. 2º, p. 23-24. In: FREITAS, Vladimir Passos de (coord). Execução
fiscal. São Paulo: Saraiva, 1998
12 PACHECO, José da Silva. Comentários à Lei de Execução Fiscal. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 43.
Marcus de Freitas Gouvea 239

Assim, o processo de constituição do crédito, de seu encaminhamento


para a procuradoria competente e de elaboração do título mostra-se
normalmente longo e sua apresentação ao judiciário é, não raro, tardia.

É bastante comum que os órgãos que constituem os créditos relutem


em encaminhá-los para inscrição em dívida ativa e procurem realizar a
cobrança administrativa pelo máximo de tempo possível.

Verifica-se, neste momento, porém, uma das causas significativas de


ineficiência13 da execução fiscal: cuida, em regra, de dívidas velhas, o que
torna mais difícil sua cobrança14 e os créditos que poderiam ser pagos, já
o foram na via administrativa, restando apenas créditos incobráveis para
o processo executivo.

Não se está a afirmar que as execuções devem ser propostas o quanto


antes. O processo de execução judicial pode ser traumático e o importante
não é a propositura da ação, mas a recuperação do crédito público. Não
há, assim, por definição, problema na demora na propositura da execução,
desde que se respeite o prazo prescricional

13 A propósito do princípio da eficiência, leia-se:


Assim, princípio da eficiência é o que impõe à administração pública direta e indireta e a seus agentes
a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra,
transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, rimando pela adoção
dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de
maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social.”
MORAES, Alexandre de. Reforma Administrativa: Emenda Constitucional nº 19/98. São Paulo: Atlas,
1999. p. 30.
“Quanto ao princípio da eficiência, não há nada a dizer sobre ele. Trata-se, evidentemente, de algo mais
do que desejável. Contudo, é juridicamente tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais
parece um simples adorno agregado ao art. 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que burilam
no texto. De toda sorte, o fato é que tal princípio não pode ser concebido (entre nós nunca é demais
fazer ressalvas obvias) senão na intimidade do princípio da legalidade, pois jamais uma suposta busca de
eficiência justificaria postergação daquele que é o dever administrativo por excelência. Finalmente, anote-
se que este princípio da eficiência é uma faceta de um princípio mais amplo já superiormente tratado, de há
muito, no Direito italiano: o princípio da ‘boa administração’”.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 92.
14 “A ineficiência na cobrança de dívidas pode ocorrer por diversos motivos. Dentre esses, destacam-se
o excessivo tempo entre o vencimento da obrigação e a efetiva cobrança, a baixa qualidade do bem
penhorado, a inexistência de garantias, a inexistência de sanções por atraso ou descumprimento da
obrigação e a falta de informações sobre o patrimônio do devedor. A celeridade pode ser considerada
como um dos fatores determinantes para o sucesso da cobrança, porque a demora permite a alienação
do patrimônio do executado e dos responsáveis legais e o encerramento das atividades da empresa [...],
dificultando a localização do devedor e de seus bens”. CAMPOS, Gustavo Caldas Guimarães. Execução
Fiscal e Efetividade: Análise do modelo brasileiro à luz do sistema português. São Paulo: Quartier Latin,
2009. p 55.
240 Revista da AGU, Brasília-DF, v. 17, n. 03. 233-260, jul./set. 2018

É importante notar, porém, que por razões óbvias, quanto mais


tardia for a propositura da execução, menor tende a ser sua eficiência.

Este raciocínio também pode ser utilizado na análise do


redirecionamento da execução aos sócios e administradores, com
fundamento nas normas de responsabilidade do Código Tributário Nacional
e das demais leis que regem os créditos de natureza não tributária, como
autoriza o art. 4º, da LEF15.

A verificação das hipóteses de co-responsabilidade (anteriores ao


ajuizamento da cobrança) no curso da execução tornam o processo mais
moroso e mais difícil a recuperação do crédito, se comparada à análise
prévia da responsabilidade com a propositura da ação contra todos os
devedores caracterizados pela autoridade administrativa.

Outro giro de análise nos leva a abordar a figura do credor.

Os credores na execução fiscal, sempre órgãos públicos, não possuem


a flexibilidade da iniciativa privada nem podem se pautar exclusivamente
pelo princípio da economicidade ou da eficiência16. Não podem simplesmente
definir seu quadro de pessoal, sua estrutura física, logística e tecnológica
necessária para fazer frente às demandas da administração da dívida ativa
e da condução das execuções fiscais, porque são órgãos dependentes da
Administração Central, nem podem escolher quais créditos irá executar,
para se dedicar aos créditos mais relevantes ou de mais fácil recuperabilidade,
para adequar seu trabalho à estrutura disponível.

Embora a propositura da execução fiscal seja eventualmente afastada,


o que se verifica da dispensa da cobrança de créditos inscritos em dívida
ativa da União – DAU de valor abaixo de R$ 10.000,00, pelo art. 20, da Lei
10.522/200217, todo um imenso volume de créditos deve ser processado,
inscrito e executado.

15 CÂMERA, Miriam Costa Rebollo. Art. 4º, p. 88. In: FREITAS, Vladimir Passos de (coord). Execução
fiscal. São Paulo: Saraiva, 1998.
16 Essencial a objetividade no peticionamento nas execuções. Segundo o IPEA, são abertas, em média,
5,77 (cinco vírgula setenta e sete) vistas dos processos de execução aos Procuradores da Fazenda
Nacional. Brasil, Presidência da República, Secretaria de Assuntos Estratégicos, Instituto de Pesquisas
Econômicas Aplicadas - IPEA. op. cit., p. 10.
17 Valor elevado para R$ 20.000,00 pela Portaria MF 75/2011.
Marcus de Freitas Gouvea 241

Vige também a limitação de pessoal de apoio, de tecnologia etc,


dificilmente superadas, tendo em vistas as limitações orçamentárias que
sofrem os órgãos de cobrança.

Para se dimensionar o volume, na esfera da União, cada Procurador


da Fazenda Nacional trabalhando na execução fiscal era responsável, em
2005, por 4100 processos executivos 18. Embora o dado seja antigo, não
há notícia de que a situação tenha se alterado significativamente.

Com este volume de processos, a tendência é um nivelamento por


baixo na atuação nas execuções, pois tendo que se manifestar em milhares
de processos, o profissional tende a fazer o mínimo em todos, não havendo
meios para se dedicar com mais ênfase nos processos com maior chance
de êxito.

Este outro ponto essencial a ser considerado em sede de execução


fiscal: a precária estrutura do credor face ao elevado volume de execuções
fiscais sob responsabilidade de cada profissional impedem maior eficácia
do instituto19.

O perfil do devedor também há de ser considerado nesta conta.

O pólo passivo da execução é, em boa parte, empresa falida,


irregularmente encerrada, que existe apenas no papel ou pessoa física que
não conseguiu manter sua atividade, que se mudou sem deixar vestígios,
que faleceu. É devedor que não tomou conhecimento da dívida ou, se dela
teve notícia, não procurou quitá-la.

A prática demonstra que os contribuintes em funcionamento regular,


mesmo que possuam dificuldades para honrar seus tributos, dificilmente
deixam de cuidar de suas obrigações, e são polos passivos menos frequente
nas execuções20.

Estes contribuintes normalmente pagam os débitos, aderem a


parcelamento, ou discutem as obrigações que entendem serem indevidas vias

18 BRASIL. Ministério da Justiça. Estudos sobre execuções fiscais no Brasil, op. cit. p. 26.
19 Sobre a precariedade da estrutura de cobrança, já alertava Aldemário Araújo Castro em 2005. Ver:
CASTRO, Aldemário Araújo. Artigos 201 ao 204. p. 1438. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães,
LACOMBE, Rodrigo Santos Masset. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: MP, 2005.
20 No mesmo sentido: CASTRO. op. cit. p. 138.
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ordinárias ou por mandado de segurança, realizando depósitos suspensivos


da exigibilidade do crédito, se necessário.

Embora alguns (poucos) contribuintes em funcionamento regular


possam eventualmente ser executados por dívidas (às vezes de valor
elevado), a situação é, em termos de números de processos executivos,
residual.

O contribuinte que tem débito inscrito em dívida ativa, por outro


lado, recebera diversas cobranças da autoridade fiscal, fora comunicado da
possibilidade de parcelamento, já está impedido de obter de certidões de
regularidade fiscal, não mais obtém crédito bancário, não pode participar
de licitações públicas. Não paga porque não pode ou porque, realmente,
não quer.

Não por outra razão, aponta o IPEA para o fato de que em 36,3%
(trinta e seis vírgula três por cento) das execuções da União não há citação
e em outros 9,9% (nove vírgula nove por cento) a citação ocorre por edital21.

Nestes números, vale acrescentar, não estão incluídas as citações


pelo correio, recebidas apenas formalmente no endereço em que a empresa
funcionava, nem as citações válidas, mas ocorrida quando a empresa não
estava mais em atividade.

O primeiro dos casos ocorre com muita frequência com as empresas


que se encerram irregularmente, sem pagar as dívidas, abrir processo
falimentar e nem mesmo informar às autoridades fiscais que não funcionava
mais no endereço anteriormente informado: simplesmente “fecham as
portas”. Tempos depois, quando a execução é proposta, o imóvel está
ocupado por nova empresa. A citação postal dirigida a este endereço
é recebida, mas por pessoa que não apresenta nenhum vínculo com a
empresa devedora.

No segundo caso, a empresa é citada antes de ser encerrada, antes


de entregar as chaves do imóvel que ocupava, mas o faz pouco depois, pois
suas atividades já não justificam a manutenção da atividade econômica.

Não se pode esperar, pois, que a execução de crédito antigo, em geral,


sem garantia, face a devedor reticente, seja tão eficaz como a execução de

21 BRASIL, Presidência da República, Secretaria de Assuntos Estratégicos, Instituto de Pesquisas


Econômicas Aplicadas - IPEA. op. cit., p. 6.
Marcus de Freitas Gouvea 243

créditos novos, com garantia e contra o devedor de contratos bancários,


por exemplo22.

A execução, nesse passo, funciona apenas como fechamento do


sistema de cobrança, que cria no devedor a expectativa que ele será cobrado
e estimula o pagamento voluntário.

Não se pode, portanto, pretender resultados expressivos do processo


executivo ou condenar o modelo jurídico se não há investimento que
viabilize o cumprimento da lei, se o crédito exequendo é velho e se o
devedor executado for contumaz.

Em outros termos, a execução proposta contra qualquer devedor,


sem a análise prévia da solvabilidade do contribuinte inadimplente, afasta
qualquer possibilidade de eficácia do instituto.

Judiciário

No direito brasileiro, vigora o princípio do impulso oficial,


concretizado no art. 7o, da LEF, em matéria de execução fiscal. Nos termos
da norma, o despacho que defere a inicial implica ordem para citação pelas
sucessivas modalidades [vale dizer, primeiro por correio, com aviso de
recebimento, se não requerido de outra forma (art. 8º I e II, da LEF),
segundo por mandado (art. 8°, III, da LEF) e terceiro, por edital (art. 8o,
III e IV, e § 1º, da LEF)], para penhora, arresto, registro da penhora ou
do arresto, e avaliação dos bens penhorados ou arrestados23.

Nestes termos, frustrada a citação do contribuinte por correspondência


com aviso de recebimento – AR – dirigido ao endereço informado pelo
contribuinte ao Fisco – vislumbra-se hipótese de citação por mandado – e,
em seguida, por edital24 –, que poderá ser determinada pelo juiz, de ofício,
salvo se houver razão para que o juízo ouça, antes, o credor.

22 Destaca o IPEA que em apenas 15,7% (quinze vírgula sete por cento) das execuções da PGFN há
penhora, em 2,8 há leilão e em 0,3 o valor arrecadado no leilão é suficiente para quitar o crédito. Brasil,
Presidência da República, Secretaria de Assuntos Estratégicos, Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas - IPEA. op. cit., p. 6.
23 CÂMERA, Miriam Costa Rebollo. Art. 7º, p. 159. In: FREITAS, Vladimir Passos de (coord). Execução
fiscal. São Paulo: Saraiva, 1998.
24 Importa observar que a jurisprudência citada se refere à aplicação do Decreto nº 70.235, de 6 de março
de 1972, a Lei de Processo Tributário Federal. Contudo, a identidade de objeto (citação / intimação do
devedor) e a similaridade das normas aplicáveis permitem, a nosso sentir, estender-se para as execuções
fiscais o entendimento firmado acerca dos dispositivos do processo administrativo. A construção
244 Revista da AGU, Brasília-DF, v. 17, n. 03. 233-260, jul./set. 2018

O cumprimento eficaz do art. 7°, da LEF, que atende aos princípios


da economia e da celeridade processuais, tem como finalidade reduzir a
movimentação desnecessária de processos, e torna mais rápido e menos
burocrático o trâmite das ações executivas25.

A norma é complementada pelo art. 14, da LEF26, que disciplina a


atividade do oficial de justiça nas tarefas relativas a penhora e arresto de
bens. O auxiliar da justiça deve entregar “contrafé e cópia do termo ou do
auto de penhora ou arresto, com a ordem de registro de que trata o artigo
7º, inciso IV, no Ofício próprio, se o bem for imóvel ou a ele equiparado,
na repartição competente para emissão de certificado de registro, se for
veículo; e na Junta Comercial, na Bolsa de Valores, e na sociedade comercial,
se forem ações, debênture, parte beneficiária, cota ou qualquer outro título,
crédito ou direito societário nominativo”.

Não obstante, são frequentes a tramitação dos autos com abertura


de vista para as procuradorias quando o devedor não é citado na primeira
modalidade e nova tramitação quando o devedor não é citado na segunda
modalidade e outras tantas movimentações quando se pretende a inclusão
de corresponsáveis no polo passivo da execução. Raramente se expede
mandado de citação e penhora, sem que antes a Fazenda indique bens e
reiteradamente surgem discussões acerca da atribuição (do juízo ou do
credor) para localizar bens penhoráveis, de requerer certidões atualizadas
de bens, de anotar eventual penhora no registro competente.

Embora estes problemas possam ser combatidos por medidas


processuais, notadamente os recursos, as discussões não levam à eficácia
da execução fiscal, mas à sua morosidade.

O Judiciário não é agência especializada em cobrança. Suas funções


primordiais são dizer o direito e zelar pelas garantias fundamentais.
Dessa forma, o debate acerca das atribuições na execução fiscal pode
gerar aperfeiçoamento do direito, mas dificilmente levaria efetivamente
à arrecadação do crédito público.

hermenêutica do STJ baseia-se no dever de o contribuinte manter atualizados seus dados cadastrais,
inclusive seu endereço. Como o ponto em comum entre o processo administrativo e a execução fiscal
reside no fato de que os atos de citação e intimação são dirigidos para o endereço informado pelo
contribuinte, a interpretação acerca dos atos processuais dirigidos a este endereço deve ser a mesma.
25 PACHECO, José da Silva. Comentários à Lei de Execução Fiscal. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 111.
26 VITTA. Heraldo Garcia. Art. 14, p. 302. In: FREITAS, Vladimir Passos de (coord). Execução fiscal. São
Paulo: Saraiva, 1998.
Marcus de Freitas Gouvea 245

Some-se a isso os reflexos do excesso de ações executivas, que


também repercutem na atuação do juiz.

Diante destas circunstâncias, o trâmite moroso é fator que contribui


para a ineficácia da execução , cabendo ao credor reduzir o volume das
ações para um nível administrável e fornecer, desde a inicial, meios para
localização do devedor e de seus bens, com vistas à aplicação dos art. 7° e
14, da LRF, sem a reiterada tramitação do processo para as procuradorias.

2 O princípio da eficiência

A Emenda Constitucional 19/1998, incluiu a eficiência entre os


princípios da administração pública.

Alguns autores entendem tratar-se de princípio fluido de baixa


juridicidade e vinculado ao princípio da legalidade27. Há quem veja na
eficiência o dever de orientação das ações administrativas para a consecução
do fim previsto na lei, descolando o princípio da concepção tradicional da
legalidade28, para aproximá-lo do conteúdo de economicidade, no sentido
de que os fins públicos devem ser alcançados da maneira menos onerosa,
“mediante adequada organização interna e ótimo aproveitamento dos
recursos disponíveis”29

Segundo José Afonso da Silva:

Numa idéia muito geral, eficiência significa fazer acontecer com


racionalidade, o que implica medir os custos que a satisfação das
necessidades públicas importa em relação ao grau de utilidade
alcançado. Assim, o princípio da eficiência introduzido agora no art.
37 da Constituição pela EC-19/98, orienta a atividade administrativa no
sentido de conseguir os melhores resultados com os meios escassos de
que se dispõe e a menor custo. Rege-se, pois, pela regra da consecução
do maior benefício com o menor custo possível. Portanto, o princípio
da eficiência administrativa tem como conteúdo a relação meios e
resultados30.
27 MELLO, op. cit., p. 92.
28 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Eficiência administrativa. Revista de Direito Administrativo. Rio de
Janeiro: Renovar, n. 220, abr./jul. 2000. p. 168.
29 COSTODIO FILHO, Ubirajara. A Emenda Constitucional 19/98 e o Princípio da Eficiência na
Administração Pública. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo: Revista dos
Tribunais, n. 27, p. 210-217, abr./jul. 1999. p. 214.
30 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros. 2004. p. 652.
246 Revista da AGU, Brasília-DF, v. 17, n. 03. 233-260, jul./set. 2018

Sobre tal conceituação, pouco diverge a literatura31.

No processo civil, o princípio da eficiência tem como pares a economia


e eficiência processuais e efetividade do processo32, contando também com
fundamento constitucional (art. 5°, XXXV e LXXVIII, da CF/88).

Cassio Scarpinella Bueno, afirma que o princípio da economia e


eficiência processuais, mais do que buscar meios menos dispendiosos,
“deve ser entendido como aquele segundo o qual a atividade jurisdicional
deve ser prestada sempre com vista a produzir o máximo de resultados
com o mínimo de esforços”33. A seu turno, para o mesmo autor, sobre o
princípio da efetividade do processo, ligado que está à inafastabilidade da
jurisdição, afirma que o “processo só pode ser efetivo desde que predisposto
a externar suficiente e adequadamente seus resultados”34.

Independente da visão que se tenha do princípio, é evidente que a


execução não o atende. A recuperação de 1% a 3% de um estoque quase
todo ajuizado (como revelam os estudos citados) é muito pouco, mesmo
se considerarmos todas as peculiaridades que dificultam a recuperação
do crédito inscrito em dívida ativa.

Mas a CF exige eficiência. O que fazer?

A propositura das ações mais rapidamente poderia aumentar em


alguma medida a eficiência da medida, mas provavelmente implicaria
menor arrecadação na cobrança administrativa.

Simplesmente equipar os órgãos de cobrança com instrumentos


modernos e automatizados de investigação e pesquisa de bens não parece
ser medida capaz de gerar maiores resultados, tendo em vista o volume
absurdo de processos sob responsabilidade de cada profissional.

De outro lado, a multiplicação dos procuradores e juízes para fazer


frente número de processos geraria um custo muito elevado, com resistências

31 Ver, por exemplo. MENDES, Gilmar et ali. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 834
e DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2001. p. 83-84.
32 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito
processual civil. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 181 e seg.
33 Ibidem, p. 181.
34 Ibidem, p. 188.
Marcus de Freitas Gouvea 247

e limitações políticas e orçamentárias, sem falar no encarecimento do


modelo para arrecadar créditos, em parte, irrecuperáveis.

O princípio da eficiência requer “a redução do número de atos


processuais, quiçá, até, da propositura de outras demandas, resolvendo-se
o maior número de conflitos de interesses de uma só vez”35. Exige ainda,
a nosso ver, que meios alternativos sejam utilizados, em detrimento da
execução, limitando-se este mecanismo a hipóteses mais restritas, em
quantitativo limitado, notadamente aqueles casos em que seja possível
identificar bens do devedor antes do ajuizamento da execução e instruir
a ação com a indicação destes bens.

Os meios alternativos precisam ser testados para o grande volume


dos créditos. Não se pode afirmar ex ante que qualquer medida será eficaz.
Contudo, o princípio da eficiência, cotejado com os pífios resultados da
execução, exige tentativas. Não se trata de substituir um meio eficiente de
cobrança, por um meio duvidoso, mas um meio comprovadamente ineficaz
por outro, que pode se mostrar eficaz.

O protesto para dívidas de baixo valor tem demonstrado resultados


expressivos. A medida pode ser ampliada, para que se ponha o instrumento
a teste na recuperação de créditos vultosos.

Atuação intensiva nos processos falimentares, sem a propositura


da execução, é outra possibilidade. O crédito inscrito não está sujeito
a concurso de credores e hoje a execução é proposta contra o falido.
Contudo, não se justifica a dupla cobrança judicial. Falido o devedor, a
Fazenda poderia habilitar ou simplesmente apresentar seu crédito ao juízo
falimentar. Decretada a falência no curso da execução, extinguir-se-ia
este processo, para prosseguimento da cobrança no juízo falimentar. Não
satisfeito o crédito e presentes elementos que justifiquem a cobrança dos
sócios, que tenha praticado, por exemplo, crime falimentar, ajuizar-se-ia
nova execução contra o responsável.

Não temos a pretensão de esgotar os meios alternativos, que não são


o objeto destas reflexões. Nossa intenção dirige-se somente a mostrar a
existência de outros meios de cobrança do crédito público e mostrar que
é inadmissível, face o princípio da eficiência, a manutenção do modelo
de execução de todos os créditos, independente de existir indícios da
existência de bens dos devedores, gerando processos infindáveis e tornando

35 BUENO, op. cit., p. 183.


248 Revista da AGU, Brasília-DF, v. 17, n. 03. 233-260, jul./set. 2018

inadministrável a execução, tanto do lado das Procuradorias quanto do


Judiciário, para uma recuperação do estoque inferior a 3%.

3 O mito da obrigatoriedade da execução fiscal

A nosso ver, a eficiência da execução fiscal passa em primeiro


lugar pela redução substancial das ações e pela propositura criteriosa
das execuções36.

Não obstante, à exceção dos créditos de baixo valor37, vigora uma


concepção de que a propositura da execução fiscal é obrigatória.

Numa rápida revisão dos modais deônticos, as condutas são


permitidas, proibidas ou obrigatórias. No direito, proibido é o que a
lei veda, obrigatório o que a lei impõe e permitido, o que não restar
obrigatório ou proibido.
Não há, porém, qualquer norma vigente em nosso ordenamento
jurídico que obrigue a propositura das execuções, como há, por exemplo,
36 Não é exatamente o que já se chamou de “administração de quantidades” (CASTRO, op. cit., p. 1439). A
nosso ver, não basta apenas incrementar indefinidamente a estrutura de cobrança, pois sempre haverá
créditos irrecuperáveis e, a partir de um ponto ótimo, qualquer investimento em estruturas se mostrará
ineficiente.
37 Entende o STF que a definição do valor abaixo do qual a execução não será proposta deve ser definida
pelo próprio ente federado credor, não podendo o Estado estabelecer limites para os municípios:
Tributário. Processo Civil. Execução Fiscal. Município. Valor Diminuto. Interesse De Agir. Sentença De
Extinção Anulada. Aplicação Da Orientação Aos Demais Recursos Fundados Em Idêntica Controvérsia.
1. O Município é ente federado detentor de autonomia tributária, com competência legislativa plena tanto
para a instituição do tributo, observado o art. 150, I, da Constituição, como para eventuais desonerações,
nos termos do art. 150, § 6º, da Constituição.
2. As normas comuns a todas as esferas restringem-se aos princípios constitucionais tributários,
às limitações ao poder de tributar e às normas gerais de direito tributário estabelecidas por lei
complementar.
3. A Lei nº 4.468/84 do Estado de São Paulo - que autoriza a não-inscrição em dívida ativa e o
não-ajuizamento de débitos de pequeno valor - não pode ser aplicada a Município, não servindo de
fundamento para a extinção das execuções fiscais que promova, sob pena de violação à sua competência
tributária.
4. Não é dado aos entes políticos valerem-se de sanções políticas contra os contribuintes inadimplentes,
cabendo-lhes, isto sim, proceder ao lançamento, inscrição e cobrança judicial de seus créditos, de modo
que o interesse processual para o ajuizamento de execução está presente.
5. Negar ao Município a possibilidade de executar seus créditos de pequeno valor sob o fundamento da
falta de interesse econômico viola o direito de acesso à justiça. 6. Sentença de extinção anulada.
7.Orientação a ser aplicada aos recursos idênticos, conforme o disposto no art. 543-B, § 3º, do CPC.
(STF; Tribunal Pleno; RE 591.033 / SP; Ministra Ellen Grace; DJe de 25/02/2011)
Marcus de Freitas Gouvea 249

obrigatoriedade da constituição do crédito tributário pela autoridade fiscal,


a teor do art. 142, parágrafo único, do CTN:

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa


constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o
procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato
gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável,
calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e,
sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada


e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.

Nem mesmo na disciplina da dívida ativa, pelos art. 201 e seg.,


do CTN e pelos artigos iniciais da LEF, se encontra norma de caráter
obrigatório da propositura da ação, senão normas de caráter procedimental.
Assim, uma primeira análise aponta para o caráter facultativo da execução.

Há possibilidade de se interpretar a contrário senso o art. 53 c/c


art. 54, ambos da Lei 8.212/1991, e assim aferir a obrigatoriedade da
propositura das execuções. Vejamos os dispositivos:

Art. 53. Na execução judicial da dívida ativa da União, suas autarquias e


fundações públicas, será facultado ao exeqüente indicar bens à penhora, a
qual será efetivada concomitantemente com a citação inicial do devedor.

[…]

Art. 54. Os órgãos competentes estabelecerão critério para a dispensa


de constituição ou exigência de crédito de valor inferior ao custo dessa
medida.

A literatura especializada, embora trace comentários de grande


utilidade, não abordam propriamente o tema da obrigatoriedade de
propositura da execução38.

38 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário.
Florianópolis: Conceito, 2007, p. 359 e seg.; HORVATH JUNIOR, Miguel. Direito previdenciário.
São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 391. MARTINEZ, Wladimir Noavaes. Comentários à lei básica da
previdência social. São Paulo: LTr, 2003, p. 665-668, comentando os dispositivos ou a execução, não
afirmam ser a propositura da execução obrigatória ou facultativa. VELLOSO, Andrei Pitten et ali.
Comentários à Lei de Custeio da Seguridade Social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 327 a 331.
Registra a existência de dispensa de execução, por valor da dívida.
250 Revista da AGU, Brasília-DF, v. 17, n. 03. 233-260, jul./set. 2018

A interpretação poderia ser construída no sentido de que a norma


prevê hipótese excepcional de dispensa da execução e, fora dela, haveria
obrigatoriedade.

Não obstante, esta exegese nos parece longe da mais acertada. A


Lei 8.212/1991 se dirige apenas à União (lei federal), enquanto a execução
fiscal é regida por lei processual de caráter nacional, aplicada a todas as
esferas públicas; o art. 54 da lei não menciona a execução judicial, mas a
constituição e exigência do crédito; e ainda que se vislumbrasse autorização
para excepcionar a cobrança, apresentaria apenas dispensa pelo critério do
custo, dirigida a órgãos administrativos. Não há, pois, força no raciocínio
a contrário senso, para se deduzir, a partir das normas em apreço, que a
execução fiscal seja medida obrigatória.

O argumento mais forte a favor da obrigatoriedade da execução


fiscal não é o texto das leis, mas o princípio da indisponibilidade do
interesse público. O princípio, porém, determina a cobrança dos créditos
públicos, mas não estabelece a forma e os meios da cobrança, que podem
seguir quaisquer procedimentos legais. Não há, pois, ainda pelo princípio
da indisponibilidade do interesse público, obrigatoriedade inderrogável
da propositura da execução de quaisquer créditos.

Parece-nos que o princípio da eficiência da administração pública


impõe, com força maior que a indisponibilidade do crédito público, não
sejam propostas tantas execuções, diante da ineficácia do método para a
cobrança em larga escala de créditos de recuperabilidade duvidosa.

Os critérios de seleção dos créditos a serem cobrados judicialmente


e os métodos alternativos de cobrança escapam do objetivo deste trabalho.
Estes temas, contudo, encontram-se no âmbito da identificação do executivo
fiscal como meio facultativo, não obrigatório da cobrança dos créditos
públicos.

De mais a mais, também a indisponibilidade do interesse público


não pode levar a execução fiscal “a todo custo”, pois a atitude irrefletida
pode levar a uma contradição em seus próprios termos. É dizer, em função
da indisponibilidade do interesse público, a União poderia chegar a gastar
mais do que arrecadar com execuções fiscais inúteis e impedir o melhor
aproveitamento do instrumento na cobrança de créditos recuperáveis.

Ao revés, parece-nos que a indisponibilidade do interesse público


deve caminhar lado a lado com o princípio da eficiência e, sem determinar
Marcus de Freitas Gouvea 251

a obrigatoriedade desse ou daquele meio de cobrança, impor o melhor


conjunto de meios, para a satisfação eficiente do maior volume possível
de crédito.

Esta a nossa opinião: a execução fiscal não é obrigatória e o Estado


deve buscar meios alternativos de cobrança do crédito público, reservando
a via judicial apenas para os créditos mais elevados, com possibilidade
de recuperação, o que somente se mostra possível com a análise prévia
do devedor (ou dos devedores, em caso de sucessão, responsabilidade de
terceiros e grupos econômicos), e de sua solvabilidade.

4 Medidas complementares

No decorrer deste texto apontamos as principais causas da ineficiência


da execução fiscal, com destaque para o volume inadministrável de processos
executivos. Contudo, além da redução do número de processos, com o
ajuizamento criterioso das execuções, devidamente instruídas, algumas
outras medidas podem surtir efeitos positivos, sejam medidas baseadas
nas leis existentes, sejam outras dependentes de inovações legislativas39.

Seleção dos créditos ajuizáveis

A primeira delas, bastante conexa com a inexistência de


obrigatoriedade na propositura da execução fiscal é a atribuição, à
Procuradoria, da tarefa de definir, a partir da classificação do crédito,
de seu valor e de sua possibilidade de recuperação, quais execuções serão
propostas.

Os cortes lineares de valor, principalmente aqueles baseados no valor


consolidado (atualizado) da dívida, podem ser utilizados como critérios
mínimos, mas não determinantes, pois apresentam vários inconvenientes.

Como o valor do débito é corrigido, mais cedo ou mais tarde seu


valor pode atingir o limite de ajuizamento, resultando na proposta da
39 Deixamos de abordar o protesto da dívida ativa, por ser notório que a medida vem apresentando
resultados expressivos. Ademais, o protesto da dívida ativa foi constitucional pelo STF, que fixou
a seguinte tese: “O protesto das Certidões de Dívida Ativa constitui mecanismo constitucional e
legítimo, por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos
contribuintes e, assim, não constituir sanção política” (STF, ADI 5.135/DF, Min. Roberto Barroso,
decisão pendente de publicação, disponível em www.stf.jus.br). Embora tenha sido objeto de críticas
(vide a propositura da ADI), o protesto também conta com manifestações favoráveis na literatura
especializada. Veja-se, por exemplo: CARVALHO, Daniel Melo Nunes de. Protesto extrajudicial da
certidão de dívida ativa. In: RFDT. a. 8, n. 4. mar./abr. 2010. Belo Horizonte: Fórum, 2003.
252 Revista da AGU, Brasília-DF, v. 17, n. 03. 233-260, jul./set. 2018

execução. A conseqüência, portanto, é a cobrança judicial de crédito mais


antigo e, portanto, de menor recuperabilidade.

A definição de valor original mínimo é certamente melhor que o


critério do valor atualizado, mas apresenta como defeito criar a certeza
para o contribuinte que a cobrança não será ajuizada, e anular a função
de estímulo ao pagamento voluntário, proporcionado pela execução fiscal.

A atuação do Procurador da Fazenda, com critérios e, portanto, com


responsabilidade – mas com liberdade – mantém controle quantitativo e
qualitativo das execuções fiscais, sem reduzir o efeito indireto de estímulo
ao pagamento voluntário da medida processual.

É certo que a providência demanda organização administrativa,


pois envolve a definição de critérios orientadores da seleção dos créditos
ajuizáveis e o controle administrativo do procedimento, para evitar erros
e salvaguardar responsabilidades.

Responsabilização prévia dos sócios

Outra medida de elevada importância é a responsabilização dos


sócios antes da propositura da execução. Hoje, muitos processos são
ajuizados contra empresas falidas, inativas e liquidadas irregularmente.
Com isso, surge no curso do processo a necessidade de configurar a
responsabilidade dos sócios no curso da execução, tornando o processo
moroso. O procedimento de responsabilização a posteriori também tende
a ser menos eficaz, pois o sócio ou ex-sócio mal-intencionado pode estar
avisado da cobrança e se desfazer de seus bens.

Assim, é crucial que a execução seja proposta contra o devedor


principal e os co-responsáveis já identificáveis, preferencialmente para
citação simultânea40, reservando para o curso do processo executivo apenas
a responsabilização de terceiros decorrentes de hipóteses ocorridas após
proposta a execução.

Para tanto, a Procuradoria deve, incidentalmente no processo de


inscrição, apurar a responsabilidade dos sócios, administradores e terceiros,
com fundamento nos documentos que instruem a constituição do crédito,

40 A citação simultânea pode gerar discussões acerca da responsabilidade subsidiária, razão pela qual
é necessário o enfrentamento prévio das questões relativas aos art. 124, 134 e 135, do CTN, na fase
administrativa.
Marcus de Freitas Gouvea 253

realizando, se necessário, medidas administrativas para configurar a


hipótese de responsabilidade41.

Se o procedimento recomendar, vislumbra-se a possibilidade de


abertura de processo administrativo contra o responsável, com possibilidade
de defesa. Neste caso, fundamental a propositura de ação cautelar fiscal,
para evitar a dilapidação patrimonial.

Cautelar fiscal

A cautelar fiscal é outro instrumento útil à eficácia da execução


fiscal42 e da proteção do patrimônio público43, contudo pouco utilizado.

O instituto previsto pela Lei 8.387/1992 visa tornar indisponíveis


os bens de devedores da Fazenda, mesmo que o crédito ainda não esteja
formalmente constituído, cabível nas hipóteses em que há risco de
inadimplência da obrigação44.

Vale mencionar as palavras de Carlos Henrique Abrão:

Veio à baila, aos 6 de janeiro de 1992, uma nova figura enraizada


naquela determinação incontida do Estado de sepultar definitivamente
quaisquer condutas desviantes, a ponto de introduzir medida cautelar
fiscal, cujo escopo fundamental é de permitir que o Fisco se acautele
de molde a preservar a eficácia da execução fiscal e, consequentemente,
encontrar na posse do devedor um patrimônio que possa responder
satisfatoriamente à natureza da dívida45.

Embora a cautelar assegure o pagamento da dívida, sua utilização


é incompatível com elevados volumes de processos, pois a configuração
de suas hipóteses não é tarefa simples. Em outros termos, a cautelar fiscal
também não é instrumento para cobrança do crédito público em massa,

41 O que exige atuação conjunta das procuradorias e da administração fazendária, bem como a existência
carreiras de apoio nas procuradorias, com profissionais que possam realizar diligências.
42 Registradas opiniões de descrença no instituto. Como afirma Ricardo Lobo Torres: “Duvida-se do efeito
positivo da medida, tanto mais que a proteção do crédito tributário já se fazia pelo arresto”. TORRES,
Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 352.
43 CAMPOS, Dejalma de. Direito processual tributário. São Paulo: Atlas, 2004. p. 81-82.
44 CUNHA, José Carneiro da Cunha. A Fazenda Pública em juízo. São Paulo: Dialética, 2007. p. 211.
45 ABRÃO, Carlos Henrique. Da ação cautelar fiscal e o depositário infiel. São Paulo: LEUD, 1995. p. 15.
254 Revista da AGU, Brasília-DF, v. 17, n. 03. 233-260, jul./set. 2018

tendo em vista a restrição das hipóteses legais de seu cabimento e seus


requisitos (art. 2º e 3º, da Lei 8.397/1992).

Acesso a informação sobre bens

A execução fiscal instruída, com ou sem a cautelar, tende a elevar


a eficácia da execução fiscal46/47. Mas instruída com o que?

É preciso indicar ao juízo os bens a serem penhorados, no caso de


não pagamento voluntário da obrigação.

Para tanto, é preciso ter acesso aos bens dos devedores, tarefa por
vezes mais complicada do que se pode imaginar, no mundo informatizado.

A União possui acesso à declaração de bens apresentada com a


DIRPF, informações sobre movimentações financeiras, sobre transações
imobiliárias e outras, decorrentes de leis específicas. Estados e Municípios
têm acesso a informações mais limitadas, distorção que deve ser equacionada,
pela medida legislativa cabível.

Contudo, tais informações nem sempre são corretas, fidedignas


e atualizadas. Ademais, há informações a que os entes da administração
não têm acesso.

É fundamental que as procuradorias tenham acesso imediato aos


principais bens, como registros de imóveis, aeronaves e embarcações. Para
tanto, a lei poderia estabelecer a obrigação destes registros de manter
sistema informatizado atualizado, disponível eletronicamente para o
agente público, que ficaria responsabilizado por eventual uso indevido
da informação.
46 Não defendemos aqui a chamada “execução fiscal administrativa”, objeto de diversos projetos de
lei, desde a década de 1990 (Melo, ob. cit., p. 115-116). Embora concordemos com o autor acerca da
constitucionalidade da medida, desde que respeitada a inafastabilidade do Judiciário, tais propostas
enfrentariam resistência de parcela da sociedade (também citadas pelo autor), constituiria um retrocesso
no controle judicial em tempo real da execução fiscal, constituindo injustificada discriminação face a
execução de título extrajudicial do particular e, principalmente, transferiria para a Administração os
mesmos obstáculos encontrados pelo Judiciário, sem a transferência da correspondente estrutura, que
este Poder já possui.
47 Também opina pela constitucionalidade da execução fiscal administrativa, em profícua argumentação,
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy. Ver. GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. A reforma processual
tributária e o debate em torno da nova lei de execução fiscal. In: RFDT. a. 8, n. 47, set./out. 2010. Belo
Horizonte: Fórum, 2003. Reiteramos, porém, nossas críticas ao potencial de eficiência deste radical
rompimento com a tradição brasileira de cobrança judicial do crédito público.
Marcus de Freitas Gouvea 255

Além do acesso aos registros de bens materiais, é importante que a


administração tenha acesso à informação acerca de saldos em aplicações
financeiras dos devedores, hoje restrito ao Poder Judiciário.

O dinheiro, inclusive depositado em instituições financeiras, é


o primeiro bem na lista de bens penhoráveis tanto do art. 11, da Lei
8.630/80 quanto dos art. 655 e 655-A, do CPC (art. 835, do Novo CPC,
Lei 13.105/2015) e deve ser o objeto preferencial de constrição, de acordo
com a jurisprudência do STJ48.

É fato que tal medida seria polêmica, a exemplo do que ocorre com
os art. 5o e 6o, da LC 105/200149, embora não se utilize do expediente para
constituir créditos novos, um dos principais temores dos contribuintes,
mas somente recuperar o crédito não pago.

Ademais do óbvio, há razões de eficiência, inclusive para o não


ajuizamento de ações, no acesso a tal informação. Havendo saldo, este
será o primeiro na indicação da execução instruída. De outro lado, na
hipótese de não se encontrar nenhum bem material dos devedores, a
execução seria evitada se a administração souber, antecipadamente, que
também não há saldo em aplicações financeiras do executado. De outro
lado, a execução (no caso de não serem localizados bens materiais) seria
proposta apenas para a verificação judicial da existência de dinheiro em
instituições financeiras.

Embora de difícil aprovação, a medida contribuiria para aprimorar


a execução fiscal.

5 Conclusões

A execução fiscal, embora seja considerada um privilégio pela


literatura processualista, em função de suas diferenças para o rito ordinário
da execução do Código de Processo Civil, não tem se mostrado instrumento
eficiente para a recuperação do crédito público.

48 Ver STJ, CE, REsp 1.112.943/MA, Ministra Nancy Andrighi, DJe de 23/11/2010; STJ, T1, AgRg no
REsp 879.487/RS, Ministra Denise Arruda, DJ de 07/02/2008; e STJ, T2, AgRg no REsp 1.073.899/
BA, Ministro Humberto Martins, DJe de 18/12/2008.
49 Ver STF, Tribunal Pleno, Inq 2.593 AgR/DF, Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 15/2/2011; e STF,
Tribunal Pleno, RE 389.808/PR, Min. Marco Aurélio, DJe de 10/5/2011, embora o Tribunal tenha
julgado constitucionais as normas no RE 601.314 RG/SP.
256 Revista da AGU, Brasília-DF, v. 17, n. 03. 233-260, jul./set. 2018

As explicações para esta ineficiência são muitas: o processo de


constituição do crédito é lento e a fase de cobrança administrativa é longa,
de modo que o processo judicial de cobrança é proposto tardiamente,
quando muitos devedores não mais existem ou não possuem mais bens
para satisfazer a obrigação.

As procuradorias, responsáveis pela execução fiscal nem sempre


são devidamente aparelhadas e o Judiciário, não raro, é mais apto a dizer
o direito, de resto sua função primordial, que a atuar como agente de
cobrança.

Fundamentalmente, a execução fiscal encontra-se emperrada


pelo excesso de processos, a maioria deles incapazes de promover a
recuperação do crédito, obrigando as procuradorias e o Judiciário a
atuar de maneira formal e automatizada, focados nos procedimentos
processuais e impedidos de dar tratamento individualizado a créditos
passíveis de satisfação.

O modelo precisa ser alterado. Meios alternativos, mais baratos e


mais propensos à recuperação de créditos em massa, precisam ser utilizados,
reservando-se a execução fiscal para créditos de maior valor, quando se
identificam os devedores e seus bens, antes da propositura da ação.

Para tanto, são necessárias medidas administrativas de depuração,


seleção e classificação do crédito que será objeto de cobrança judicial,
devidamente instruída (com a indicação de todos os devedores e de seus
bens). O ajuizamento indiscriminado das execuções, independente do valor
do crédito e da solvabilidade do devedor, atentam contra o princípio da
eficiência.

Embora algumas medidas legais sejam desejáveis, o principal é uma


mudança de paradigma: a execução fiscal não é obrigatória.

Obrigatória é a cobrança do crédito, pelos meios disponíveis, pelos


meios mais adequados, não a execução de qualquer crédito, gerando uma
arrecadação que raramente supera 1% do estoque da dívida.

A execução somente é obrigatória quando apresenta elementos


mínimos que indiquem possibilidade de resultado, o que, por sua vez,
somente é possível quando o crédito é prévia e zelosamente trabalhado.

O mito da obrigatoriedade da execução fiscal é falso, precisa cair.


Marcus de Freitas Gouvea 257

Referências

ABRÃO, Carlos Henrique. Da ação cautelar fiscal e o depositário infiel. São


Paulo: LEUD, 1995.

Brasil. Ministério da Justiça. Estudos sobre execuções fiscais no Brasil, p. 26.


Disponível em: http://www.cebepej.org.br/pdf/execucoes_fiscais.pdf. Acesso
em: 5 jul. 2011.

Brasil, Presidência da República, Secretaria de Assuntos Estratégicos,


Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas - IPEA. Custo e tempo do processo
de execução fiscal promovido pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.
Comunicado 127, de 4 de jan. 2012. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/
portal/images/stories/PDFs/comunicado/120103 _ comunicado ipea127.pdf>.
Acesso em: 6 set. 2012.

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil:


teoria geral do direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2012.

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