Dalcídio Reescreve o Chove
Dalcídio Reescreve o Chove
Dalcídio Reescreve o Chove
188-198 (2012)
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Dra. Em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisadora do Projeto
VALUNORTE, professora e membro do NDE do Curso de Letras e do Mestrado em Comunicação,
Linguagens e Cultura da Universidade da Amazônia – UNAMA; Membro da Academia Paraense de
Ciências (APC).
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Porém já em 1974, portanto antes mesmo de vir à luz a edição Cátedra, Dalcídio
mostrava-se decepcionado com o texto que iria sair (com base no da primeira edição),
uma vez que este apresentava inúmeras falhas não só revisionais como de mutilação de
passagens inteiras do romance, tornando a narrativa muitas vezes até mesmo
incompreensível2.
Tal decepção pode ser constatada pelo que diz Dalcídio nos excertos de duas
cartas, abaixo transcritos, que ele mandou na época a dois amigos seus, de Belém do
Pará: Maria de Belém Menezes e Cléo Bernardo, respectivamente:
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Falhas documentadas na Edição Crítica de Chove nos campos de Cachoeira, de Rosa Assis.
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‘emendado’ pelo Autor, com sua própria mão e sua própria letra, resolvemos, com
autorização dos herdeiros do espólio, mandar fotografar todo o livro no próprio acervo
da Casa de Rui Barbosa4, para fazermos, agora sim, em definitivo, um novo estudo e
estabelecimento crítico do texto do Chove. Obtivemos assim, em completo e perfeito
fac símile, o inteiro teor daquele exemplar e suas emendas todas, página a página, como
um documento filológico integral e autêntico, que de fato o é. Com esse material em
mãos, pudemos detidamente analisá-lo e avaliar a extensão e a importância das
alterações aí introduzidas pelo Autor praticamente em todo o texto do romance.(em
torno de 95% das páginas) E, assim sendo e tendo esquadrinhado o material em nossas
mãos,resolvemos também, com grande surpresa e satisfação de nossa parte, tornar
público de imediato, através deste artigo5, o que o nosso exigente e minucioso escritor
quis afinal fazer e realmente fez, à larga e a fundo, com o texto inicial do seu
consagrado Chove, ou seja: não apenas o emendou e modificou amplamente, mas sim
verdadeiramente o reescreveu de próprio punho, ao longo e à margem de um velho
exemplar da primeira edição, conforme ilustramos com diversas fotocópias no artigo da
Revista Asas da Palavra, Unama, já referida em nota.
Antes, porém, de darmos prosseguimento a esta divulgação, queremos deixar aqui
registrado que, de agora em diante, isto é, divulgada esta descoberta e a extensão das
alterações que traz à tona, se alguma nova edição, seja acadêmica ou comercial, do
texto do “novo” Chove, vier a ser feita, essa possível edição precisará entretanto,
necessariamente, fazer-se acompanhar de uma introdução ou apresentação crítica, por
mais simples e resumida que seja, mostrando os procedimentos narrativos e o
comportamento linguístico e estilístico agora adotados pelo escritor em relação ao texto
original do romance, e explicando ou justificando a montagem de páginas ou de
passagens deixadas menos claras ou mesmo complicadas no emaranhado de emendas e
modificações feitas às margens e manuscritas pelo Autor, de modo que os leitores da
eventual reedição do livro (assim refundida e reescrita) possam entender e aproveitar o
que se modificou no novo texto do velho romance. Em outras palavras, doravante não
mais poderão ser reeditados nem o texto da primeira edição (Vecchi), nem o da segunda
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Para tanto, e com a devida e prestante autorização dos filhos de Dalcídio, contratamos um fotógrafo
profissional, competente, sério, cuidadoso, o italiano radicado no Rio de Janeiro, Pedro Mena, para
fotografar in loco, e com toda a necessária técnica, o livro inteiro tal como ali conservado.
www.menaphotography.com,
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Revista Asas da Palavra, Unama, número especial comemorativo ao centenário de nascimento de
Dalcídio Jurandir, em via de publicação. No portal UNAMA (www.unama.br) há também uma
divulgação prévia do mencionado artigo nosso, de caráter informativo-ilustrativo.
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(Cátedra), nem mesmo o da edição crítica (EDUNAMA6 ficando esta válida apenas como
fonte de consulta para o cotejo que faz das duas primeiras edições, inclusive para subsidiar
qualquer nova edição do romance a ser feita com base na última lição integral do texto deixada
pelo Autor no referido exemplar da primeira edição, como já dissemos, por ele inteiramente
revisto e emendado). Pois que, como ensina a Comissão Machado de Assis, na edição
crítica do romance Memórias póstumas de Brás Cubas: – o texto de base, em princípio
tanto pode ser um manuscrito quanto uma das edições em vida. (p.60). E esse texto
reescrito é, indiscutivelmente, a última versão do romance em vida do Autor novo
texto esse, certamente, que Dalcídio gostaria de que viesse a ser publicado como a
verdadeira terceira edição do romance, revista, reestruturada e emendada por ele
mesmo, com sua própria letra, ‘de fio a pavio’, literalmente.
Por conseguinte, feita essa observação necessária e oportuna, doravante só
faremos referência ao mencionado exemplar da edição Vecchi, emendado pelo Autor,
pois foi nele que Dalcídio registrou todas as alterações que decidiu fazer ao texto
original do romance. Senão vejamos, em síntese, algumas das principais modificações
introduzidas.
1. A narrativa inicia à página 13 e se estende até à 387; destas páginas todas, e tantas,
apenas dezenove permaneceram sem qualquer alteração; as demais 368 páginas do
romance foram alteradas em maior ou menor grau, a maioria em grande parte ou em
parcelas significativas, sendo que algumas foram mesmo excluídas ou integralmente
substituídas. Portanto, nessa revisão radical o Autor modificou nada mais nada
menos que 95% do texto original do Chove.
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Na recomposição do texto do Chove, a partir do referido exemplar emendado pelo Autor, recorremos às
páginas dessa Edição Crítica para suprirem as desaparecidas no dito exemplar da Vecchi, conforme mais
adiante veremos.
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Um tiro
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Este foi primeiramente substituído por Ao pé da noiva (depois riscado pelo Autor) e, em seguida,
novamente mudado para o que acima aparece.
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8. Houve exclusão dos dois últimos parágrafos da página 345; na 346 ficou
somente o último parágrafo, que todavia foi recortado e deslocado para o início
da folha 347.
A página 348 foi totalmente excluída.
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Aliás, foi Paulo Nunes quem primeiro descobriu, entre nós do Pará, o exemplar reescrito por Dalcídio
Jurandir, ao visitar a Fundação Casa de Rui Barbosa, por ocasião da instalação do Instituto Dalcídio
Jurandir, quando fotografou duas páginas do Chove com alterações; páginas à mostra dentro de uma
montra do acervo dalcidiano. Posteriormente, teve a gentileza de me presentear em fotocópia essas duas
páginas, o que muito lhe agradeço pela honestidade, pelo coleguismo e a elegância do gesto.
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Curiosamente, no caso de três páginas específicas (e aqui apenas documentamos uma, a
46, as demais são 34 e 42) Dalcídio as assinalou com riscos superficiais como se
devessem ser eliminadas ou substituídas, mas, em outra ocasião, insere no exemplar as
mesmas páginas, já sem aqueles traços, o que pode denotar uma incerteza de que tais
páginas deveriam ou não ser excluídas ou alteradas, como se vê abaixo:
Outro aspecto importante, no caso, é que assim fica evidenciado que o Autor terá
trabalhado com mais de um exemplar do livro para poder assinalar ou cortar e recortar
trechos a serem deslocados ou transpostos, conforme já antes mostramos.
Como se depreende desta breve informação, são inúmeras e, muitas vezes,
radicais as alterações que Dalcídio Jurandir fez de próprio punho nesse exemplar da
edição Vecchi, num trabalho ao mesmo tempo artesanal e poético, estrutural e
estilístico, tornando a sua narrativa mais fluente, mais enxuta (menos discursiva), mais
peculiar e mais próxima da linguagem falada, da “fala caboca” mesmo, e assim mais
densa, mais forte, e mais natural ou regional, afeiçoando mais e polindo-a em diversos
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aspectos o seu estilo tão pessoal e singular, de escritor marajoara nativo, autêntico,
genuíno, como só ele soube ser.
Não resta, pois, a menor dúvida de que este seria o inteiramente revisto e
aprimorado texto do romance que o Autor gostaria de ter publicado ainda em vida,
como sua versão definitiva. Mas, provavelmente, como os seus demais romances
vieram surgindo e saindo quase que em série, não teve ele tempo nem meios para que
este novo Chove, tão ampla e minuciosamente reescrito, fosse em terceira e tão
modificada edição republicado. Esperemos que o desejo do cioso escritor venha a ser
atendido, com os devidos critérios, cuidados e esmeros que uma tal reedição, e de um
livro tão marcante e importante, não apenas merece mas reclama.
Referências
JURANDIR, Dalcídio. Chove nos campos de Cachoeira. Rio de Janeiro, Vecchi, 1941.
_______. Edição crítica de Chove nos campos de Cachoeira / Rosa Assis – Belém:
UNAMA,1998.
Nota: Parte deste trabalho foi aproveitada como Apresentação da nova edição (revista
com essas emendas de próprio punho, feitas pelo Autor) do romance Chove nos campos
de Cachoeira, recentemente publicada pela Editora 7Letras, Rio de Janeiro, 2011 em
parceria editorial com a Casa de Cultura Dalcídio Jurandir.
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