Fichamento Alexy

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1.

Introdução – importância da distinção entre regras e princípios para a teoria dos


direitos fundamentais

A Teoria dos Diretos Fundamentais de Robert Alexy, publicado em 1985, foi o trabalho
apresentado para sua habilitação na Faculdade de Direito da Universidade Georg August em
Gotinga.

Diante do novo caráter assumido pelos Direitos Fundamentais, em virtude da positivação nas
constituições modernas como direitos de vigência imediata, Alexy se preocupou em dar a
devida interpretação a esses Direitos. A necessidade de métodos específicos para
interpretação e aplicação dos direitos fundamentais se dava justamente pela vagueza das
formulações dos catálogos desses direitos 1. E além do mais, as teorias clássicas e o método
subsuntivo eram insuficientes para resolver os delicados problemas (hard cases) que
envolviam esses direitos.

1 Na maior parte das vezes, os princípios carecem, em si mesmos, de univocidade de conteúdo,


possuem cláusulas gerais, que eram tidas com fórmulas vazias segundo as quais pode-se
subsumir qualquer estado de coisas, deixando, portanto, um grande espaço para a
arbitrariedade do intérprete.

Se a discussão acerca dos Direitos Fundamentais não puder apoiar-se mais do que no texto
constitucional e no terreno movediço de sua gênese, haveria que contar com quase um
interminável e ilimitado debate de opiniões. Para a teoria tradicional (positivismo relativista,
Kelsen, Hart), não havendo uma resposta racional pronta e acabada, retirada do próprio
sistema normativo, caberia ao arbítrio ou à discricionariedade do julgador resolver os casos
difíceis.

Assim, a distinção entre regras e princípios constitui a base da justificação jusfundamental e é


um ponto importante para a solução de problemas centrais da dogmática dos direitos
fundamentais.

Com essa distinção é possível fazer mais transparentes problemas como o efeito sobre
terceiros e a divisão de competência entre o Tribunal Constitucional e o Parlamento. E ainda, é
o ponto de partida para responder a pergunta acerca da possibilidade e dos limites da
racionalidade dos direitos fundamentais. Na verdade, diante de um caso difícil, o juiz não
estará desamparado normativamente para decidir. O juiz não poderá decidir arbitrariamente,
pois deverá estar amparado pelos princípios jurídicos (que são normas).

Enfim, a teoria de Alexy contribui ao cumprimento da tarefa de dar respostas racionalmente


fundamentadas às questões vinculadas aos Direitos Fundamentais, com isso, busca a
reabilitação da axiologia prática ao sistema jurídico, tornando a teoria dos princípios uma
axiologia isenta de suposições insustentáveis. Mas não é só isso. Na verdade, a teoria de Alexy
acaba por influenciar toda a ciência do direito, fazendo uma verdadeira “viragem
metodológica”2 , modificando os conceitos até então postos como verdadeiros, como por
exemplo: a teoria das normas jurídicas, do sistema jurídico, das fontes normativas, dos
métodos hermenêuticos, das antinomias entre normas, e sua conseqüente forma de resolução
de conflitos, da relação entre direito e moral, entre outras contribuições. Podemos concluir
que Alexy é um dos mais importantes precursores da chamada escola pós-positivista.

2. As principais contribuições da teoria de Robert Alexy

Alexy faz parte de um elenco de autores3 que acabaram por criar teses que mudaram
consideravelmente a visão da ciência do direito. A partir de inúmeras críticas ao positivismo
jurídico, elaborou-se um novo modo de pensar o direito; inauguram, portanto, uma nova
“escola do direito”, a do pós-positivismo. Resumidamente, podemos apontar as principais
contribuições dessa nova corrente, na qual a teoria de Alexy está incluída:

I. Dá aos princípios valor normativo. Com isso derruba as teorias positivistas que
relegavam os princípios a um plano secundário, subsidiário. “Tanto as regras como
os princípios também são normas, porquanto, ambos se formulam através de
expressões deônticas fundamentais, como mandamento, permissão e proibição”4
II. Reabilitação da razão prática: buscam-se procedimentos (regras de
argumentação)5 que possam dar respostas racionais aos hard cases (colisão de
princípios), repelindo, assim, as teorias decisionistas do direito e a
discricionariedade postulada pelo positivismo jurídico6 ; e, ainda, enfatiza a
importância da pretensão de correção no raciocínio jurídico7.

6 Alexy compartilha da preocupação fundamental de Dworkin de se pensar alternativas à


discricionariedade judicial.

7 Na obra de Dworkin, não há nenhum procedimento que mostre como se obterá a única
resposta correta, atendo-se o autor a afirmar que isso não implica a inexistência de tal
resposta. Esta poderá, para Dworkin, ser obtida pelo juiz Hércules, que é um juiz ideal, munido
de todas as informações e capacidades necessárias para a sua árdua tarefa (noção monológica
do juiz ideal). É justamente este ponto de vista que Alexy critica na tese de Dworkin. E Alexy
tenta elaborar um catálogo de regras de argumentação para que a decisão seja o mais
razoável possível. Por isso dizemos que enquanto a teoria de Dworkin é material, a de Alexy é
procedimental, que formula regras ou condições da argumentação prática racional.

III. Aproxima a teoria moral à teoria do direito – reabilitação da axiologia dos Direitos
Fundamentais. “A teoria dos princípios oferece um ponto de partida adequado
para atacar as teses positivistas de separação entre Direito e moral” (ALEXY, 1997,
p. 15) e “a positivação dos direitos fundamentais constituem uma abertura do
sistema jurídico frente ao sistema da moral, abertura que é razoável e que pode
ser atingida por meios racionais” (ALEXY, 1997, p. 25).
IV. Dá relevância crucial à dimensão argumentativa na compreensão do
funcionamento do direito8.

8 É justamente no campo da teoria da argumentação que devem ser estudadas as estruturas


da ponderação. Alexy enfatiza que os princípios e as regras a serem aplicadas não podem, eles
mesmos, regular a sua aplicação. Por isso, Alexy (1994, p. 20) propõe um sistema de três níveis:
“os níveis das regras e dos princípios devem, certamente, ser complementados com um
terceiro, a saber com uma teoria da argumentação jurídica, que diz como, sobre a base de
ambos os níveis, é possível uma decisão racionalmente fundamentada”. É por isso que a teoria
de Alexy pode ser definida como um sistema de regras, princípios e procedimentos.

3. Critérios tradicionais para a distinção entre regras e princípios

A distinção entre regras e princípios, de acordo com Alexy (1993, p. 81), é de extrema
importância, pois constitui a base da fundamentação jusfundamental e é um ponto importante
para a solução dos problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais. Sem essa
distinção, continua o autor, não pode existir uma teoria adequada dos limites, nem uma teoria
satisfatória da colisão e tampouco uma teoria suficiente acerca do papel traçado pelos direitos
fundamentais no sistema jurídico. Além do mais, essa distinção constitui um ponto de partida
para responder à pergunta acerca da possibilidade e dos limites da racionalidade no âmbito
dos direitos fundamentais.

9 Alexy observa que, não poucas vezes, as normas de direito fundamental são chamadas de
“princípios”. Isso ocorre normalmente quando se fala em valores, objetivos, cláusulas abertas;
mas, por outro lado, os direitos fundamentais são chamados de “regras” quando se diz que a
Constituição deve ser levada a sério como lei ou quando se assinala a possibilidade de uma
fundamentação dedutiva no âmbito dos direitos fundamentais. Mas essa caracterização não
passa de insinuações. E Alexy conclui que falta realmente uma distinção precisa entre regras e
princípios e sua utilização sistemática. É exatamente esse o objetivo dele.

Na verdade, a doutrina tradicional não contrapõe regras e princípios, mas norma e princípio ou
norma e máxima (Esser). Para Alexy, regras e princípios são subespécies de normas. Ambos são
normas porque dizem o que deve ser (estão num plano deontológico e podem ter o funtor de
ordem, permissão ou proibição). Assim, a distinção entre regras e princípios é uma distinção
entre dois tipos de normas.

Antes de propor sua distinção, Alexy colheu os critérios mais comuns dessa distinção proposta
pelas teorias tradicionais e assim resumiu:

A generalidade é o mais freqüentemente utilizado. Segundo esse critério, os princípios são


normas que possuem um grau de generalidade mais alto que as regras. Exemplo de princípio:
liberdade religiosa. Exemplo de regra: “todo preso tem direito a converter outros presos”10

10 Alexy observa que há distinção entre generalidade e universalidade. Esta última se refere
aos destinatários e se contrapõe às normas individuais, e o conceito oposto, de generalidade, é
a especialidade.

Há ainda outros critérios que discutem a determinabilidade dos casos de aplicação (Esser); a
forma da gênese; segundo este último critério, discute-se, por exemplo, a distinção entre
normas criadas e normas desenvolvidas (Shuman), o caráter explícito do conteúdo valorativo
(Canaris), a referência à idéia do direito (Larenz) ou a uma lei jurídica suprema (Wolff) e a
importância para o ordenamento jurídico (Peczenik). Além do mais, as regras e os princípios
diferenciam-se se são fundamentos de regras ou se são as próprias regras (Esser), ou se tratam
de normas de comportamento ou normas de argumentação (Gross).
Partindo dessas distinções, Alexy elabora três teses totalmente diferentes sobre a distinção
entre regras e princípios. Senão vejamos:

1. Tese de que essa distinção se faz em vão: segundo essa tese, a distinção entre regras e
princípios é inútil porque há uma pluralidade de similitudes e diferenças, analogias e
dessemelhanças que se encontram dentro da classe de normas que impossibilita a divisão em
apenas duas classes. Essa primeira tese, rodeada de ceticismo, entende que nenhum daqueles
critérios unilaterais, em razão da sua própria diversidade, serve para fundamentar uma tal
distinção.

2. Tese da distinção somente de grau: os seguidores dessa tese sustentam que o grau de
generalidade é o critério decisivo. Para Alexy, essa é uma tese frágil.

3. Tese da distinção não só de grau mas também qualitativa: segundo Alexy, essa é a tese
correta11, que deve substituir as demais teses. Para ele, esse é um critério que pode distinguir
com toda precisão regras e princípios.

4. Distinção proposta por Alexy: os princípios como comando de otimização

Para Alexy, o ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios é que princípios são
normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das
possibilidades jurídicas e reais existentes. Por isso, os princípios são mandados de
otimização12, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes
graus e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais
como também das jurídicas. O âmbito do juridicamente possível é determinado pelos
princípios e regras opostas.

12 Alexy foi bastante influenciado pela teoria sobre a distinção entre regras e princípios
elaborada por Dworkin, mas o próprio Alexy aponta algumas distinções entre a sua tese e a de
Dworkin. Segundo Alexy (1993, p. 87, nota 27), sua distinção, apesar de muito parecida com a
de Dworkin, dela se distingue por tratar os princípios como “mandados de otimização”, não
fazer a distinção entre princípios e policies (feita por Dworkin) e ainda por atribuir às regras
também um certo “caráter prima facie”. Além do mais, a proposta de Alexy será justamente a
de completar a teoria de Dworkin formulando uma teoria procedimental para a obtenção da
resposta racional.

Por outro lado, as regras são normas que só podem ser cumpridas ou não13. Se uma regra é
válida, então há de fazer exatamente o que ela exige, sem mais nem menos. Por isso, as regras
contêm determinações (definitivas) no âmbito do fático e juridicamente possível. Por essa
distinção, alguns autores chegam à conclusão que, enquanto é possível utilizar o método
subsuntivo para a aplicação de uma regra, esse método será inadequado para a aplicação de
um princípio, daí a necessidade de outros métodos hermenêuticos para aplicação dos
princípios 14 .

Isso significa que a diferença entre regras e princípios é qualitativa e não de grau. E, por fim,
Alexy conclui que toda norma é ou bem uma regra ou um princípio. “Nota-se, pois, que a
distinção reside na própria estrutura dos comandos normativos e não somente na sua
extensão ou generalidade das proposições de dever-ser” (BUSTAMANTE, 2002, p. 3).
4.1. Colisões de princípios e conflitos de regras

A distinção entre regras e princípios se mostra de maneira mais clara nas colisões de
princípios e nos conflitos de regras. É certo que pode ocorrer que duas normas (princípios
ou regras), aplicadas independentemente, conduzam a resultados incompatíveis, ou seja,
pode haver dois juízos de dever-ser contraditórios. Mas a diferença está na forma como
solucionar o conflito.

O conflito de regras

Um conflito entre regras só pode ser solucionado introduzindo em uma de suas regras
uma cláusula de exceção que elimina o conflito ou declarando inválida, pelo menos, uma
das regras. Exemplos: 1. É proibido abandonar a sala antes que soem os sinos. 2. Deve-se
abandonar a sala em caso de alarme de incêndio. Se, todavia, não houver soado o sinal de
saída e se for dado o alarme de incêndio, essas regras conduzem a juízos concretos de
dever-ser contraditórios entre si. E esse conflito é solucionado acrescentando uma cláusula
de exceção na primeira regra para o caso de alarme de incêndio.

Se não for possível introduzir uma cláusula de exceção, pelo menos uma das regras tem
que ser declarada inválida e, com isso, eliminada do ordenamento jurídico. O conflito de
regras se opera no nível da validade jurídica, que não comporta graus; uma norma vale ou
não vale juridicamente. Quando uma regra vale e é aplicável a um caso, significa que vale
também sua conseqüência jurídica. Nesse caso, na escolha de qual regra deve ser
eliminada, deve-se utilizar regras de solução de conflitos tais como lex posterior derogat
legi priori e lex specialis derogat legi generali, mas também é possível proceder de acordo
com a importância das regras em conflito. O que é necessário ressaltar é que a decisão
sobre o conflito de regras é uma decisão acerca da validez.

A colisão de princípios

As colisões de princípios devem ser solucionadas de maneira totalmente distinta. Quando


dois princípios estão em colisão, um dos dois princípios tem que ceder ante o outro. Mas
isso não significa declarar inválido o princípio desprezado nem que no princípio
desprezado haja que ser introduzida uma cláusula de exceção. O que vai determinar qual o
princípio que deve ceder serão as circunstâncias. Isso quer dizer que, nos casos concretos,
os princípios têm diferentes pesos e que prevalece o princípio com maior peso. Enquanto
o conflito de regras se resolve na dimensão da validade, a colisão de princípios –
considerando que só podem colidir princípios válidos – tem lugar mais além da validade,
resolve-se na dimensão do peso. Exemplos da solução de colisões de princípios oferecem-
nos as numerosas ponderações de bens realizadas pelo Tribunal Constitucional. Ex.:
incapacidade processual15 e caso Labach.

a) A lei da colisão

Na ponderação entre dois princípios, de mesma categoria abstrata, deve-se observar qual
dos princípios possui maior peso no caso concreto. Essa relação de tensão não pode ser
solucionada no sentido de dar uma prioridade absoluta a um dos princípios garantidos
pelo Estado. Assim, o “conflito” deve ser solucionado por meio de uma ponderação dos
interesses opostos, ou seja, uma ponderação de qual dos interesses, abstratamente do
mesmo nível, possui maior peso diante as circunstâncias do caso concreto. Os dois
princípios conduzem a uma contradição. Isso significa que cada um deles limita a
possibilidade jurídica do cumprimento do outro. Essa situação não é solucionada
declarando que um de ambos princípios é inválido e deve ser eliminado do sistema
jurídico. Tampouco se soluciona introduzindo uma cláusula de exceção em um dos
princípios de forma tal que em todos casos futuros esse princípio tenha que ser
considerado como uma regra satisfeita ou não. A solução da colisão consiste em, tendo em
conta as circunstâncias do caso, estabelecer entre os princípios uma relação de
precedência condicionada. A determinação da relação de precedência condicionada
consiste em, tomando em conta o caso, indicar as condições segundo as quais um princípio
precede ao outro. E, segundo outras condições, a questão da precedência pode ser
solucionada inversamente.

Essa lei significa que não há uma relação entre dois princípios de mesma categoria que seja
uma relação de precedência incondicionada abstrata, absoluta; dizer o contrário
significaria elaborar uma lista de princípios que sempre prevaleceriam sobre outros. Na
verdade, não há uma hierarquia formal abstrata entre os princípios; a prevalência de um
sobre o outro vai depender das circunstâncias jurídicas e fáticas do caso concreto. Por isso,
Alexy diz que só pode existir relação condicionada, ou concreta, relativa; e a questão
decisiva é baixo quais condições qual o princípio deve prevalecer e qual deve ceder.

A lei de ponderação pode assim ser resumida: as condições segundo as quais um princípio
precede a outro constituem o suposto de fato de uma regra que expressa a conseqüência
jurídica do princípio precedente. Essa lei reflete o caráter dos princípios como mandados
de otimização entre os quais, primeiro, não existem relações absolutas de precedência e
que, segundo, se referem a ações e situações que não são quantificáveis. Ao mesmo
tempo, constituem a base para diminuir a força às objeções que resultam da proximidade
da teoria dos princípios com a teoria dos valores.

b) Fases da ponderação

Há alguns passos a serem seguidos para se fazer a ponderação. É por isso que
consideramos a teoria de Alexy como procedimental: (i) primeiro se investigam e
identificam os princípios (valores, direitos, interesses) em conflito, e quanto mais
elementos forem trazidos mais correto poderá ser o resultado final da ponderação; (ii)
segundo, atribui-se o peso ou importância que lhes corresponda, conforme as
circunstâncias do caso concreto; e (iii) por fim, decide-se sobre a prevalência de um deles
sobre o outro (ou outros)17 .

O resultado da ponderação é a decisão em si, a solução corretamente argumentada18


conforme o critério de que, quanto maior seja o grau de prejuízo do princípio que há de
retroceder, maior há de ser a importância do cumprimento do princípio que prevalece
(SANTIAGO, 2000, p. 49). Devemos sempre lembrar, antes de iniciar qualquer ponderação,
que nenhum princípio deve ser inválido e nenhum tem precedência absoluta sobre o
outro. Mas pode ser formulada uma regra de procedência geral ou básica quando se
determina em quais circunstâncias especiais um princípio deve ceder ao outro; é uma
cláusula ceteris paribus que permite estabelecer exceções19 .

5. O diferente caráter prima facie de regras e princípios

Uma primeira propriedade importante que resulta do que até aqui foi dito é o diferente
caráter prima facie das regras e princípios. Os princípios ordenam que algo deva ser
realizado na maior medida possível, tendo em conta as possibilidades jurídicas e fáticas.
Portanto, não constituem mandados definitivos, mas só prima facie. Do fato de que um
princípio valha para um caso não se infere que o que o princípio exige para esse caso valha
como resultado definitivo. Os princípios apresentam razões que podem ser desprezadas
por outras razões opostas. O princípio não determina como há de se resolver a relação
entre uma razão e sua oposta.

Totalmente distinto é o caso das regras. Como as regras exigem que se faça exatamente o
que nelas se ordena, contêm uma determinação no âmbito das possibilidades jurídicas e
fáticas. Essa determinação pode fracassar por impossibilidade jurídica ou fática, o que
pode conduzir a sua invalidez; mas se tal não é o caso, vale, então, definitivamente o que a
regra disse.

Por isso, poderia pensar-se que todos os princípios têm um mesmo caráter prima facie e
todas as regras um mesmo caráter definitivo. Esse modelo, que é defendido por Dworkin,
é criticado por Alexy, por ser demasiado simples. É assim que Alexy constrói sua teoria,
incluindo no modelo tudo-ou-nada das regras a possibilidade de introduzir uma cláusula
de exceção. Quando isso sucede, a regra perde seu caráter definitivo para a decisão do
caso. A introdução de uma cláusula de exceção pode ocorrer sobre a base de um princípio.
E, contra o que pensa Dworkin, as cláusulas de exceção introduzíveis nas regras sobre a
base de princípios nem sequer são teoricamente enumeráveis (talvez poderíamos dizer
que nesse ponto, especificamente, Alexy assume a possibilidade das regras, em casos
muito excepcionais). Nunca se pode estar seguro de que, em um novo caso, não haja que
introduzir uma nova cláusula de exceção; lembrando que é possível que o próprio sistema
possa proibir a limitação das regras mediante a introdução de cláusulas de exceção (ex.:
direito penal, em que é proibida a interpretação restritiva ou redução teleológica).

Nos casos em que é possível introduzir cláusulas de exceção, a regra vai perder seu caráter
definitivo. Mas o caráter prima facie que adquirem, pela perda do caráter definitivo, é
totalmente distinto do caráter prima facie dos princípios.

O caráter prima facie dos princípios pode reforçar-se introduzindo uma carga de
argumentação em favor de determinados princípios ou determinados tipos de princípios.
Mas o caráter prima facie das regras, que se apóia no fato de uma disposição já tomada
autoritativamente ou transmitida, é algo basicamente diferente e essencialmente mais
forte. (Na verdade, acredito que as regras têm uma “pretensão de definitividade”, ou seja,
nos casos normais, as regras são definitivas, e os princípios não têm essa pretensão).

6. Regras e princípios como razões


As reflexões até aqui apresentadas mostram que as regras e os princípios são razões de tipos
diferentes. Os princípios são sempre razões prima facie; as regras, a menos que se haja
estabelecido uma exceção, são razões definitivas. Alexy considera que as normas são razões
para ações e que regras e princípios são razões para normas.

Um dos critérios clássicos da distinção entre regras e princípios qualifica os princípios como
razões (fundamento) para as regras e só para elas. Se esse critério for correto, os princípios
não podem ser razões imediatas para juízos concretos do dever-ser. À primeira vista, parece
algo plausível a concepção segundo a qual os princípios são razões para as regras e as regras
razões para juízos concretos de dever-ser (normas individuais). No entanto, essa é uma visão
bem simplista ou até mesmo incorreta. Também as regras podem ser razões para as regras e
os princípios podem ser razões para juízos concretos do dever-ser.

7. Princípios implícitos

O fato de que normas “surgidas naturalmente” podem ser contrapostas às normas “criadas” se
deve ao fato de que os princípios não necessitam ser estabelecidos explicitamente, mas
também podem ser derivados de uma tradição de normações detalhadas e de decisões
judiciais que, geralmente, são expressões de concepções difundidas de como deve ser o
direito.

8. Três objeções ao conceito de princípio

Antecipando os seus críticos, Alexy analisa algumas objeções que podem ser elaboradas diante
de sua teoria. Vejamos estas objeções:

1. A invalidade dos princípios: essa objeção diz que haveria colisões de princípios
solucionáveis mediante a declaração de invalidez de um dos princípios. Ex.: princípio da
discriminação racial. O princípio da discriminação racial mostra que, também em certos casos,
os princípios podem apresentar a questão da validez, ainda quando esse problema surja raras
vezes. No campo da validade, trata-se sempre de saber o que deve ser colocado dentro ou fora
do ordenamento jurídico. Ora, o conceito de colisão de princípios pressupõe a validade dos
princípios que entram em colisão. Por ele, a referência à possibilidade de catalogar os
princípios como inválidos não afeta a teoria da colisão, senão que simplesmente revela um de
seus pressupostos.

2. Princípios absolutos: nesse caso, tratamos de princípios que são sumamente fortes, ou seja,
de princípios que em nenhum caso podem ser desprezados por outros. Se houver princípios
absolutos, o teorema da colisão não é aplicável. Mas Alexy considera fácil argumentar contra a
validez de princípios absolutos em um ordenamento jurídico que reconhece direitos
fundamentais. Os princípios podem referir-se a bens coletivos e a direitos individuais. Quando
um princípio se refere a bens coletivos e é absoluto, as normas de direito fundamental não
podem fixar-lhe nenhum limite jurídico. Portanto, até onde chegue o princípio absoluto, não
pode haver direitos fundamentais. Quando o princípio absoluto se refere a direitos individuais,
sua falta de limitação jurídica conduz à conclusão de que, em caso de colisão, os direitos de
todos os indivíduos fundamentados pelo princípio têm de ceder diante do direito de cada
indivíduo fundamentado pelo princípio, o que é contraditório. Portanto, vale o enunciado
segundo o qual os princípios absolutos ou bem não são conciliáveis com os direitos individuais
ou só o são quando os direitos individuais fundamentados por eles não correspondem a mais
de um só sujeito jurídico. No entanto, poderíamos pensar que há um princípio absoluto: o da
dignidade humana. A razão dessa impressão é que a norma da dignidade da pessoa humana é
tratada, em parte, como regra e, em parte, como princípio; e também pelo fato de que, para o
princípio da dignidade humana, existe um amplo grupo de condições de precedência, nas quais
há um alto grau de segurança acerca de que, de acordo com elas, o princípio da dignidade da
pessoa precede aos princípios opostos. Assim, absoluto não é o princípio da dignidade
humana, mas a regra, que, devido a sua abertura semântica, não necessita de uma limitação
com respeito a nenhuma relação de preferência relevante. O princípio da dignidade da pessoa,
por sua vez, pode ser realizado em diferentes graus.

3. A amplitude do conceito de princípio: os princípios podem referir-se tanto a direitos


individuais como a bens coletivos. O fato de que um princípio se refira a esse tipo de bem
coletivo significa que ordena a criação ou manutenção de situações que satisfaçam, numa
medida mais alta possível, de acordo com as possibilidades jurídicas e fáticas, critérios que vão
mais além da validez ou satisfação de direitos individuais.

Dworkin concebe o conceito de princípio de maneira mais estreita. Segundo ele, princípios são
só aqueles individuais. As normas que se referem a direitos as chama de policies. Sem dúvida,
a diferença entre direitos individuais e bens coletivos é importante. Mas não é necessário nem
funcional ligar o conceito de princípios ao conceito de direitos individuais.

9. Algumas críticas e complementações à teoria de Alexy

Apesar do grande sucesso e acolhimento por vários ordenamentos da distinção qualitativa ou


estrutural entre regras e princípios elaborada por Alexy, autores da mais especializada e
respeitada doutrina vêm fazendo algumas objeções à referida tese. As críticas ora negam por
completo a existência da distinção (não haveria regras e princípios, mas tão-somente
diferentes “usos” ou “aplicações” de normas jurídicas), ora discordam tão-somente da
existência de uma diferença quanto à estrutura lógica dos comandos normativos, ou seja, a
única distinção entre regras e princípios continuaria sendo a do grau de generalidade
(BUSTAMANTE, 2002, p. 2). Vejamos algumas dessas críticas:

Dworkin já havia antecipado que a distinção entre regras e princípios não é tão clara. Afinal,
muitas normas que possuem conceitos indeterminados, termos como “negligente”, “injusto”
ou “relevante”, fazem depender a aplicação das regras dos fins que aparecem nos princípios e,
dessa forma, convertem as regras em algo muito parecido com princípios.

Günter (apud ALEXY, 2000, p. 299) faz parte de uma corrente doutrinária que acredita não
existirem “princípios”, mas apenas normas que são usadas de diferentes maneiras. Segundo
esse autor, a diferença entre regras e princípios não é uma diferença estrutural, mas uma
“diferença de tipos de uso”. Alexy (2000, p. 299) chega a reconhecer que Günter está correto
em dizer que, em determinados casos, não é fácil decidir se a norma deve ser tratada como
regra ou como princípio. E reconhece que essa é uma questão de interpretação, e pode
acontecer de não haver um critério para suprir de maneira simples e clara respostas a esses
casos. Mas para Alexy essa não é uma objeção que destrua sua teoria estrutural dos princípios
20 .

20 Após analisar as objeções feitas por Günter em relação à sua teoria dos princípios, Alexy
conclui que a distinção entre comando para otimizar (impõe uma obrigação que algo deva ser
realizado no maior grau possível frente às possibilidades fáticas e jurídicas) e comandos para
serem otimizados (estes são os objetos a serem ponderados) é o melhor método para capturar
a natureza dos princípios. Nesse caso, os princípios são comandos a serem otimizados. Ver
Alexy (2000, p. 300 et seq).

Habermas elabora suas objeções apontando que o método usado por Alexy nas soluções de
colisão de princípios é um método axiológico21 e afirma não ser possível confundir valores
com normas.

21 Habermas faz sua crítica porque para Alexy as reflexões relativas a valores também se
aplicam aos princípios e vice-versa, já que do ponto de vista estrutural, segundo Alexy (1997, p.
138; 1993, p. 164), em razão da necessidade de ponderação, os princípios podem ser
comparados aos valores.

Habermas (apud GRAU, 2002, p. 162) observa que as normas (princípios) obrigam seus
destinatários igualmente, sem exceção, a cumprirem as expectativas generalizadas de
comportamento, enquanto os valores devem ser entendidos como preferências
intersubjetivamente compartilhadas.

“Valores expressam a preferenciabilidade de bens pelos quais se considera, em coletividades


específicas, que vale a pena lutar e que são adquiridos ou realizados mediante ações dirigidas
a determinadas finalidades. As normas surgem com uma pretensão de validade binária: ou são
legítimas ou ilegítimas. Os valores, em contraposição, firmam relações de preferência que nos
dizem que certos bens são mais atrativos que outros: daí podemos concordar mais ou menos
com uma sentença avaliativa. Normas e valores, portanto, diferem-se entre si, primeiramente,
por suas referências, respectivamente, ou a ações obrigatórias ou a ações teleológicas; em
segundo lugar, os códigos ou binário ou gradual de suas pretensões de validade; em terceiro,
por seu caráter ou absoluto ou relativo; e por fim, pelos critérios que os complexos de
sistemas de normas têm que cumprir em face dos requeridos dos sistemas de valores”.

Assim, para Habermas, a prestação jurisdicional (prática decisória judicial) orientada por
princípios tem que decidir qual pretensão e qual conduta são corretas em um dado conflito – e
não equilibrar bens ou relacionar valores. E por fim afirma que a validade jurídica do juízo tem
o sentido deontológico de um comando, e não o sentido teleológico do que podemos alcançar
sob dadas circunstâncias no horizonte de nossos desejos.

Pietro Sanchis22 é um dos autores que mais recentemente trata da distinção entre regras e
princípios. É adotada a seguinte posição: (i) quem sustenta que dentro do direito existem duas
classes de ingredientes integrantes inteiramente distintos – as regras e os princípios (o que é
sustentado por Alexy) – deve demonstrar que há alguma diferença estrutural ou morfológica
entre ambos, que é possível identificar algum traço que se manifesta sempre que estamos
diante de um princípio e jamais nas regras;
(ii) se alguém sustenta, pelo contrário, que os mesmos enunciados podem às vezes funcionar
como regras, às vezes como princípios, mas que a operatividade ou maneira de funcionar é
substancialmente distinta, então a diferença qualitativa entre ambos não tem origem no
direito, mas na argumentação ou – na dicção de Alexy – no lado passivo do direito; regras e
princípios não aludiriam a duas classes de enunciados normativos, mas a dois tipos de
estratégias interpretativas.

E prossegue: o que faz com que uma norma seja um princípio não é o seu enunciado
lingüístico, mas o modo de resolver seus eventuais conflitos: se, em colisão com uma
determinada norma, cede sempre ou triunfa sempre, estaremos diante de uma regra; se, em
colisão com outra norma, cede ou triunfa conforme os casos, estaremos diante de um
princípio. Concluindo: a diferença entre regra e princípio, para Pietro Sanchís, surge
exclusivamente no momento da interpretação/ aplicação.

E termina por dizer que a técnica dos princípios é aplicável sempre, e não só na presença de
enunciados normativos dotados de certas características, porque sempre está ao alcance do
juiz transformar em princípios as regras que sustentam a posição de cada parte.

Para José Maria Rodriguez de Santiago, “o dualismo (regras e princípios) resultante parece
mais formalmente brilhante que ajustado à realidade do Direito” (SANTIAGO, 2000, p. 45).
Segundo esse autor, nem a separação entre princípios e regras é qualitativa, nem tampouco é
categorial a diferença entre subsunção e ponderação como métodos de aplicação do direito.
Ele critica a frase categórica de Alexy que “toda norma ou é uma regra ou é um princípio”. A
crítica se faz porque o próprio Alexy reconhece que há normas que possuem um “duplo
caráter”, ou seja, são ao mesmo tempo regra e princípio, como por exemplo a dignidade da
pessoa humana. Isso é incompatível com a contundente afirmação de que toda norma ou é
uma regra ou é um princípio.

Além do mais, o autor diz que as regras nem sempre serão subsumidas ao fato. Por exemplo,
Alexy considera que a norma “deve-se virar à esquerda” é uma regra, e deve ser subsumida
aos casos ordinários, mas na verdade essa regra pode ser submetida a métodos típicos da
ponderação de princípios, como por exemplo se um indivíduo está levando uma senhora
prestes a dar à luz e a única maneira de se chegar ao hospital é passando justamente pela
direita. Recorda-se que Alexy sustenta que o âmbito do juridicamente possível para cada
princípio é determinado por outros princípios e regras contrárias. E, desde o momento em que
se aceita que um princípio pode concorrer com uma regra, já não cabe conceber esta última
em termos concludentes, de maneira que só pode ser cumprida ou não cumprida. Se os
princípios se caracterizam porque, ao entrar em conflito, admitem um cumprimento
simultâneo, merecem a idéia de mandado de otimização, algo semelhante há de ocorrer com
as regras – entre cujas exceções pode haver princípios – desde o momento em que entrem em
conflito com um desses princípios. Assim, pode-se dizer que as regras também podem ser
ponderadas23.

23 Mas Alexy admite que as regras também têm um caráter prima facie (apesar de ser mais
forte que o caráter prima facie dos princípios) justamente quando observa que as regras
podem adquirir cláusulas de exceção para solucionar conflitos.
Por isso Santiago (2000, p. 47) conclui que há regras, há princípios e há normas que são
predominantemente princípios e normas que são predominantemente regras. E acredita, por
fim, que não há diferença qualitativa entre princípios e regras. Como tampouco crê que haja
uma diferença categorial entre a subsunção e a ponderação como métodos de aplicação do
direito, afinal, como visto, também deve haver ponderação na aplicação de normas que,
segundo a terminologia de Alexy, deveriam ser qualificadas como regra, assim, por exemplo,
em determinados supostos de aplicação de conceitos normativos indeterminados.

Não podemos negar que a distinção entre regras e princípios proposta por Alexy está sendo
largamente difundida nos corredores jurídicos. No entanto, antes de aceitála passivamente,
deve-se conhecê-la sistemática e criticamente para que possamos adequá-la à nossa realidade
jurídica. Este artigo não tem a pretensão de dar uma resposta definitiva a esta última
proposta, ou seja, a de adequar a teoria de Alexy à nossa realidade. Pretende-se, neste
momento, dar apenas um primeiro passo e, não menos relevante, analisar minuciosamente
uma teoria que muito se tem falado, mas que pouco se sabe verdadeiramente.

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