Livro Rezende Final 15-02-2004

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Materiais e Dispositivos Eletrˆonicos

Editora Livaria da Fı́sica


ii
iii

Materiais e Dispositivos Eletrˆonicos

SERGIO M. REZENDE
Departamento de Fı́sica
Universidade Federal de Pernambuco

Editora Livraria da Fı́sica


São Paulo - 2004 -2 a¯ edição
iv

Copyright 2004: Editora Livraria da Fı́sica


Editor: José Roberto Marinho
Capa: Miguel Pach´a
Revisão: Sergio Machado Rezende
Impressão: Gráfica Paym

Dados de cataloga¸cão na Publica¸cão (CIP) Internacional


( Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil )

Rezende, Sergio Machado


Materiais e Dispositivos Eletrˆonicos / Sergio M. Rezende
2a¯ edição - S˜ao Paulo: Editora Livraria da Fı́sica

Bibliografia

1. Fı́sica 2. Eletrônica 3. Materiais I . Tı́tulo

XX-XXXX CDD-XXX

Índices para cat´alogo sistemático


1. Materiais e dispositivos eletrˆonicos
ISBN: XXXXXXXXX
Editora Livraria da Fı́sica
Telefone: 0xx11 - 3816 7599
Fax: 0xx11 - 3815 8688
e-mail: [email protected]
Página na internet: www.livrariadafisica.com.br
v

Í N D I C E

Prefácio viii

Capı́tulo 1. Materiais para Eletrônica 1

1.1 Eletrônica e Fı́sica do Estado Sólido 2


1.2 Ligações Atômicas 5
1.3MateriaisCristalinos 8
1.4 Materiais para Dispositivos Eletrônicos 14

Capı́tulo 2. Ondas e Partı́culas na Matéria 27

2.1OndasEletromagnéticas 28
2.2 Ondas El´asticas em Sólidos 34
2.3 Efeito Fotoelétrico - Ondas e Partı́culas 40
2.4 O Elétron como uma Onda - Princı́pio da Incerteza 46
2.5 Fônons e outras Excita¸cõesElementares 50

Capı́tulo 3. Mecânica Quântica: O Elétron no Átomo 55

3.1 Os Postulados da Mecˆanica Quântica 56


3.2 A Equação de Schroedinger Independente do Tempo 60
3.3 Aplicações Simples da Mecˆanica Quântica 62
3.4 Elétron no ÁtomodeHidrogênio 73
3.5 ÁtomosdeMuitosElétrons 84
vi

Capı́tulo 4. Elétrons em Cristais 91

4.1BandasdeEnergiaemCristais 92
4.2 Condutores, Isolantes e Semicondutores 98
4.3MassaEfetiva 101
4.4 Comportamento dos Elétrons em T > 0 - Distribui¸cão de Fermi-Dirac 103
4.5 O Mecanismo da Corrente Elétrica em Metais 109

Capı́tulo 5. Materiais Semicondutores 117


5.1Semicondutores 118
5.2 Elétrons e Buracos em Semicondutores Intrı́nsecos 122
5.3Semicondutores Extrı́nsecos 135
5.4 Dinâmica de Elétrons e Buracos em Semicondutores 145

Capı́tulo 6. Dispositivos Semicondutores: Diodos 167

6.1 A Junção p-n 168


6.2 Corrente na Jun¸cãoPolarizada 180
6.3 Heterojunções 186
6.4 Diodo de Jun¸cão 192
6.5DiododeBarreiraSchottky 198
6.6 Ruptura na Polariza¸cão Reversa: Diodo Zener 200
6.7OutrosTiposdeDiodos 202

Capı́tulo 7. Transistores e
Outros Dispositivos Semicondutores 215

7.1OTransistor 217
7.2OTransistorBipolar 219
7.3 Correntes no Transistor Bipolar 225
7.4 AplicaçõesdeTransistores 237
7.5 Transistores de Efeito de Campo 241
7.6OTransistorMOSFET 251
7.7 Dispositivos de Controle de Potência: SCR e TRIAC 267
7.8CircuitosIntegrados 271
vii

Capı́tulo 8. Materiais e Dispositivos Opto-Eletrônicos 287

8.1 Propriedades ÓpticasdosMateriais 289


8.2 Interação da Radiação com a Matéria - Modelo Clássico 298
8.3 Teoria Quântica da Interação Radiação-Matéria 308
8.4Fotodetetores 323
8.5DiodoEmissordeLuz(LED) 342
8.6 EmissãoEstimuladaeLasers 348
8.7 OLaser de Diodo Semicondutor 359
8.8 AplicaçõesdosLasersdeDiodo 372

Capı́tulo 9. Materiais e Dispositivos Magnéticos 383

9.1 Magnetismo e Materiais Magnéticos 385


9.2 Propriedades Magnéticas da Matéria 390
9.3MateriaisMagnéticos 400
9.4 Materiais para Aplica¸cõesTradicionais 416
9.5 GravaçãoMagnética 425
9.6 Dispositivos de Ferrites para Microondas 442

Capı́tulo 10. Outros Materiais Importantes


para a Eletrônica 463

10.1MateriaisDielétricos 465
10.2 Materiais Dielétricos para Opto-Eletrônica 484
10.3 Materiais para Mostradores e Telas de Vı́deo 493
10.4MateriaisSupercondutores 514

Apêndice A. Teoria de Perturbação: Cálculo


da Probabilidade de Transição 535

Apêndice B. Constantes Fı́sicas e Tabela de


Conversão de Unidades Energia 539

Apêndice C. Tabela Periódica dos Elementos 540

Índice Analı́tico 541


viii

Prefácio

O advento da eletrˆonica e das tecnologias a ela relacionadas foi um dos


principais responsáveis pelas grandes transforma¸cões econômicas e sociais ve-
rificadas no final do Século XX. O desenvolvimento destas tecnologias resultou
de um enorme investimento em pesquisa básica e aplicada nos paı́ses industri-
alizados. Como conseqüência, estes pa´ıses passaram a concentrar a maior parte
do conhecimento cientı́fico e tecnológico e, por conseguinte, têm hoje grande
vantagem competitiva em relação aos demais numa economia globalizada.

O Brasil custou a criar condições para dominar as tecnologias relacionadas


à eletrônica. O primeiro curso de engenharia eletrônica só foi criado na década
de 1950, no Instituto Tecnol´ogico de Aeron´autica. Em 1958, e portanto dez
anos após a descoberta do transistor, haviam no Paı́s menos de dez fı́sicos do
Estado Sólido, a área da ciência que mais contribuiu para o desenvolvimento da
eletrônica. Todavia, a partir da década de 1960, foi desencadeado um grande
esforço de desenvolvimento cientı́fico e tecnológico no Paı́s. Foram criados gru-
pos de pesquisa e cursos de p´os-graduação em todas as ´areas do conhecimento.
Isto resultou numa melhoria consider´avel nos cursos de ciências e engenharia
e, conseqüentemente, na qualidade dos recursos humanos formados para as
universidades, as empresas e a sociedade em geral. A despeito do progress o
recente, ainda é necessário investir muito em ciência e tecnologia no Brasil.

Este livro tem como objetivo contribuir para o aumento da competência


do Paı́s na eletrônica, que sem d´uvida será uma tecnologia estratégica para
o século XXI. Sua proposta básica é introduzir os materiais e dispositivos
eletrônicos no est´agio inicial dos cursos de gradua¸cão de engenharia elétrica,
eletrônica e de computadores, fı́sica, informática e outros cursos de ciências e
engenharia. Todos sabemos que a compreensão da finalidade e da opera¸ cão
básica dos dispositivos é essencial para projetar equipamentos eletrônicos. En-
tretanto, as disciplinas de dispositivos, quando constam dos currı́culos, exigem
inúmeros pré-requisitos que acarretam sua apresentação em est´agio avançado
dos cursos universitários. Este livro possibilita o ensino de materia is e dispo-
sitivos eletrônicos a partir do 4 o¯ semestre dos cursos, pois apresenta também
os conceitos b´asicos de ondas e de mecˆ anica quântica em nı́vel acessı́vel aos
estudantes.

O livro tem caráter introdutório e não entra nos detalhes técnicos mais es-
pecı́ficos dos dispositivos e dos métodos de fabricação de materiais. Preferi sa-
crificar o detalhe em favor da abrangência, apresentando dispositivos e materi-
ix

ais baseados numa grande variedade de fenômenos. A ênfase é na conceituação


fı́sica das propriedades dos materiais e dos princı́pios básicos de funcionamento
dos dispositivos. Procurei fazer uma apresentação bastante did´atica, visando
principalmente motivar estudantes, como também profissionais de outras áreas,
pela eletrônica. Esta abordagem d´a ao livro um car´ater srcinal.

O material é adequado para dois semestres tradicionais de aulas. Os


três primeiros capı́tulos apresentam a introdução b´asica de materiais para
eletrônica e a conceituação fı́sica necessária para a compreensão dos fenômenos
que neles ocorrem. Nesta parte o conceito de onda é bastante explorado, pois
ele desempenha papel fundamental na mecˆanica quântica e, por conseguinte,
nas propriedades de elétrons nos átomos e nos materiais. O Capı́tulo 4 é dedi-
cado ao estudo das principais propriedades dos elétrons nos materiais, sendo,
portanto, também básico para os capı́tulos seguintes.

A partir do Capı́tulo 5 os temas tornam-se mais especı́ficos. Neste


capı́tulo são apresentados as principais caracterı́sticas dos materiais semicon-
dutores. Os Cap´ıtulos 6 e 7 são dedicados aos princı́pios de funcionamento dos
dispositivos fabricados com estes materiais, diodos, transistores e dispositivos
correlatos, que hoje existem numa grande variedade de tipos e categorias. O
diodo de jun¸cão e o transistor de junção são estudados em maior detalhe, uma
vez que suas equa¸cões podem ser inteiramente deduzidas a partir das leis e
equações básicas, apresentadas nos capı́tulos iniciais.

O Capı́tulo 8 apresenta as propriedades básicas da interação da luz com a


matéria e uma variedade de dispositivos usados na convers˜ ao da luz em corrente
elétrica, ou vice-versa. Estes dispositivos são responsáveis pela viabilização da
opto-eletrônica e suas aplicações em diversas áreas da ciência, da medicina e da
engenharia. Nesta categoria encontram-se os fotodetetores, como os fotodiodos
e as células solares, os diodos emissores de luz (LED) e os lasers. Os princı́pios
básicos dos lasers de semicondutores e das fibras ´ opticas são estudados em
mais detalhe, em virtude de sua importância nas comunicações ópticas.

O Capı́tulo 9 é dedicado a materiais e dispositivos magnéticos, que de-


sempenham um papel fundamental na eletrˆonica e que normalmente n˜ao são
apresentados nos livros de dispositivos. Ênfase especial é dada aos processos
de gravação magnética, uma vez que esta tecnologia tem importância crescente
nos computadores e em in´umeras aplicações da vida di´aria. Os dispositivos de
ferrite para utilização nos sistemas de microondas também têm destaque neste
cap´ıtulo.

Finalmente, o Capı́tulo 10 apresenta uma variedade de materiais com


x

aplicações especı́ficas, porém muito importantes na gama cada vez maior de


dispositivos eletrônicos. Entre eles destacam-se os materiais piezoelétricos, os
dielétricos usados na opto-eletrônica, os eletretos e os materiais empregados
na fabricação de telas de v´ıdeo, as cerâmicas fosforescentes, os cristais lı́quidos
e os condutores orgˆanicos. A última seção apresenta as propriedades b´asicas
dos materiais supercondutores, que têm algumas aplicações práticas e têm
potencial de futuras aplica¸cões em eletrônica.

Os materiais e dispositivos apresentados neste livro s˜ ao essenciais para


o funcionamento dos equipamentos eletrônicos da atualidade e provavelmente
dos que serão utilizados nas pr´oximas décadas. Ao decidir escrevê-lo, no inı́cio
da década de 1990, a motivação principal era suprir uma lacuna na literatura
técnica em lı́ngua portuguesa. A primeira edi¸cão foi publicada pela Editora da
UFPE em 1996, com o tı́tulo A F´ısica de Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos.
Pela reação inicial positiva que percebi em professores e estudantes, fiquei
otimista com a possibilidade de vê-lo adotado como livro texto em diversos
cursos. Isto realmente aconteceu, pelo que tenho conhecimento, ele foi adotado
em pelo menos quinze universidades brasileiras e uma em Portugal. Isto exigiu
que a primeira edi¸cão fosse reimpressa duas vezes.

Nesta segunda edi¸cão retirei a palavra Fı́sica do tı́tulo, pois percebi que
em algumas livrarias o livro n˜ao era colocado nas se¸cões de Engenharia, mas
apenas nas de Fı́sica. Em relação à primeira edição, a atual tem diversas novi-
dades, como exemplos numéricos em todos os capı́tulos, seções com material
novo, principalmente nos últimos cap´ıtulos, além de uma revisão completa do
texto, com melhoria de algumas explica¸cões e extensa corre¸cão de pequenos
erros.
É com satisfa¸cão que agrade¸co a colabora¸cão de v´arios colegas profes-
sores do Departamento de Fı́sica da UFPE, feita por meio de sugestões diver-
sas, crı́ticas e revisões de textos. Sou grato em particular a Anderson Gomes,
Antônio Azevedo, Celso Melo, Cid Ara´ujo, Fernando Machado, Flávio Aguiar
e José Marcı́lio Ferreira. Sou muito grato a Gilvani Holanda pelo compe-
tente e dedicado trabalho de digita¸cão, a Carlos Marrocos e Joaquim Antˆonio
Soares pela confec¸cão das figuras, a Jairo Coutinho, pelo belo trabalho de di-
agramação, e a meu genro, o artista pl´ astico Miguel Pach´a, que fez a capa
do livro. Minhas atividades de pesquisa, e portanto as condi¸cões para a re-
alização deste livro, n˜ao seriam possı́veis sem o apoio financeiro do CNPq,
FINEP, CAPES, MCT e da UFPE. Desde já deixo os agradecimentos anteci-
pados a todos aqueles que, futuramente, me enviarem crı́ticas e sugestões para
a melhoria do livro ([email protected]).
xi

Não posso perder a oportunidade de deixar registrado o reconhecimento


a Leo e Elsa, meus pais, que me educaram e sempre souberam me estimu-
lar, e a Cl´audia, Isabel e Marta, minhas filhas, que ao se tornarem adultas,
compreenderam bem porque n˜ao dediquei a elas mais tempo quando eram
crianças.

Finalmente, meu maior agradecimento é para Adélia, que sempre me


incentivou nesta empreitada, ajudou a esclarecer inúmeras dúvidas ortográficas
e acompanhou com grande interesse cada uma das fases da elaboração das duas
edições do livro.

Recife, 29 de janeiro de 2004

O autor
Capı́tulo 1

Materiais para Eletrˆonica

1.1 Eletrônica e Fı́sica do Estado Sólido 2

1.2 Ligações Atômicas 5

1.3 Materiais Cristalinos 8

1.3.1RedesCristalinas 9
1.3.2 Estruturas Cristalinas Simples 11

1.4 Materiais para Dispositivos Eletrônicos 14

1.4.1Monocristais 14
1.4.2 CerâmicasVidros
e 17
1.4.3Polı́meros 19
1.4.4CristaisLı́quidos 20
1.4.5 Filmes Finos e Multicamadas 21

REFERÊNCIAS 25

PROBLEMAS 25

1
2 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Materiais para Eletrônica

1.1 Eletrônica e Fı́sica do Estado Sólido

A Eletrônica é o ramo da tecnologia mais marcante do Século XX. Ela surgiu


em 1906 com a inven¸cão por Lee De Forest, nos Estados Unidos, da v´ alvula
triodo, um dispositivo que tornou possı́vel a amplificação de sinais elétricos. A
válvula triodo consiste de um tubo a v´acuo contendo três eletrodos: o catodo,
que aquecido emite elétrons, o anodo, no qual os elétrons são recebidos, e a
grade, situada entre o catodo e o anodo, que serve para controlar o fluxo de
elétrons e possibilitar a amplificação de sinais. Além do triodo, há outros tipos
de válvulas, como o diodo, que tem dois eletrodos (apenas catodo e anodo),
os pentodos com cinco, entre outras. O funcionamento de todas as v´ alvulas é
baseado no controle do movimento dos elétrons entre os eletrodos por meio
da a¸cão de um campo elétrico sobre sua carga elétrica. Esta é a srcem do
nome Eletrônica.

O principal produto da Eletrˆ onica na primeira metade do século XX


foi, o r´adio, que possibilitou a comunicação e a difus˜ ao de informações `a
distância através da voz e da música. Mais tarde foi dese nvolvido o sistema
para a transmissão à distância de imagens em movimento, a televisão. Depois
vieram os computadores e também uma grande variedade de equipamentos
para diversas finalidades. Porém, a Eletrônica baseada nas v´alvulas a v´acuo
tinha grandes limita¸cões e inconvenientes. As válvulas eram grandes, fr´ageis,
aqueciam muito, tinham vida curta e fabrica¸cão dispendiosa, além de várias
desvantagens técnicas. Por esta razão, desde antes da segunda Grande Guerra
procurava-se um dispositivo que pudesse substituir as válvulas nos equipamen-
tos eletrônicos. O grande passo nest a direção foi dado em 1947 por J. Bardeen,
W. Brattain e W. Shockley, três fı́sicos dos laboratórios da Bell Telephone que
Cap. 1 Materiais para Eletrˆonica 3

estudavam propriedades de condução eletrônica em semicondutores. Naquele


ano eles descobriram o transistor, um dispositivo de três elementos que possi-
bilitava o controle da corrente elétrica no interior de um material semicondutor,
e que poderia substituir a v´ alvula triodo. Durante a década de 1950 o tran-
sistor foi aperfei¸coado, tornando-se um dispositivo confi´avel, com aplica¸cões
nos mais diversos equipamentos eletrˆonicos e com custos de fabrica¸ cão cada
vez mais baixos. Na década de 1960 assistimos à miniaturização da eletrônica,
com o desenvolvimento dos circuitos integrados, contendo inúmeros transis-
tores e diodos, interligados com resistores e capacitores, fabricados na mesma

pastilha
tos de semicondutor.
de dimensões A fabricação
da ordem de dos circuitos
alguns micrˆometros (10integrados
−6
metros)com elemen-
deu srcem `a
tecnologia da microeletrônica. Com a crescente miniaturização dos compo-
nentes, surgiram na década de 1970 os microprocessadores, com os quais foi
possı́vel fabricar os microcomputadores. A produção de circuitos integrados e
microprocessadores cada vez mais r´apidos e com maior n´umero de elementos
está produzindo uma constante evolu¸cão na Eletrônica. Esta evolu¸cão provo-
cou uma enorme mudan¸ca nos costumes da sociedade, proporcionada pelos
modernos sistemas de comunica¸cão, a ampla utiliza¸cão dos computadores, a
automação dos meios de produ¸cão e os mais variados equipamentos utilizados
em nossa vida diária. Por esta razão, a Eletrônica tornou-se um dos principais
fatores de desenvolvimento do final do século XX e provavelmente continuará
com este papel no século que inicia.

Além dos diodos, transitores, circuitos integrados e microprocessadores,


cuja operação é baseada nas propriedades de transporte eletrˆ onico dos semicon-
dutores, existe um grande n´umero de outros dispositivos que d˜ao à eletrônica
uma enorme variedade de aplicações. Eles são baseados em diversas pro-
priedades de materiais s´olidos, ópticas, magnéticas, térmicas, etc. A desco-
berta desses dispositivos s´o foi possı́vel graças ao conhecimento acumulado
com as atividades de pesquisa em Fı́sica do Estado Sólido. Esta é a área da
Fı́sica que investiga as propriedades e os fenômenos que ocorrem em materiais
sólidos, e que ganhou um grande impulso com a descoberta do transistor. Até
a década de 1950, os trabalhos nesta área estavam concentrados nos s´olidos
cristalinos, que são aqueles cujos ´atomos ou ı́ons constituintes têm um arranjo
ordenado peri´odico. Nesses sólidos ocorrem fenˆomenos que n˜ao existem em
materiais amorfos. Além disso, como eles têm estrutura cristalina com pro-
priedades de simetria bem definidas, os fenˆ omenos podem ser interpretados
pelas leis da Fı́sica com mais facilidade. Com o progresso das técnicas experi-
mentais e teóricas de investigação, esta área se estendeu a materiais mais com-
plexos, como vidros, pol´ımeros orgânicos diversos, ligas amorfas e até mesmo
os lı́quidos, passando a ser conhecida como Fı́sica da Matéria Condensada.
4 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Nesta área da F´ısica trabalham atualmente mais de 40% dos fı́sicos em todo o
mundo e a cada ano surgem novas linhas de pesquisa, impulsionadas pela des-
coberta de novas propriedades, novos fenômenos e novos materiais artificiais.
Estes, por sua vez, abrem o potencial para o desenvolvimento de novos dis-
positivos que encontram aplicações nos mais variados segmentos tecnológicos,
e cujo interesse econˆomico impulsiona as pesquisas b´asica e aplicada. Foram
as descobertas em Fı́sica da Matéria Condensada que possibilitaram o desen-
volvimento do transistor, dos circuitos integrados e de in´ umeros dispositivos
que revolucionaram a eletrˆonica e os computadores. Os lasers encontraram

inúmeras aplicações
comunicações naOs
ópticas. ind´ustria e na
materiais medicina novos
magnéticos e propiciaram o advento
aveis das
são os respons´ pela
melhoria de dispositivos e de processos de grava¸ cão, que estão tendo enorme
impacto nos meios de comunica¸cão e nos computadores.

Entretanto, não foi apenas por causa de sua importˆancia tecnológica que
a nova ´area se desenvolveu rapidamente. A enorme variedade de fenômenos
que os elétrons e os núcleos apresentam coletivamente em sólidos deu srcem
a descobertas fundamentais excitantes. Esta é uma das razões para que cerca
de 50% dos prêmios Nobel nos últimos 30 anos tenham sido dados a fı́sicos
que trabalharam nesta área. Foram eles J. Bard een, L.N. Coope r e J.R.
Schrieffer (1972 - teoria de supercondutividade), L. Esaki, I. Giaever e B.
Josephson (1973 - efeito de tunelamento em s´ olidos), P.W. Anderson, N.F.
Mott e J.H. Van Vleck (1977 - estudos de s´ olidos amorfos e propriedades
magnéticas da matéria), P. Kaptisa (1978 - estudos em baixas temperatu-
ras), N. Bloembergen, A.L. Schawlow e K.M. Siegbahn (1981 - espectroscopia
com lasers e de fotoelétrons), K.G. Wilson (1982 - teoria de grupo de renor-
malização e transições de fase), K. von Klitzing (1985 - efeito Hall quˆ antico),
G. Binning, H. Rohrer e E. Ruska (1986 - inven¸ cão do microsc´opio de tunela-
mento e do microsc´opio eletrônico), K.A. M¨uller e G. Bednorz (1987 - des-
coberta da supercondutividade em altas temperaturas, P. de Gennes (1991 -
estudos de polı́meros e cristais lı́quidos), B.N. Brockhouse e C.G. Shull (1994
- desenvolvimento de técnicas de espalhamento de nêutrons para o estudo de
materiais), D.M. Lee, D.D. Osheroff e R.C. Richardson (1996 - descoberta da
superfluidez em Helio 3), R.B. Laughlin, H.L. Stormer e D.C. Tsui (1998 -
descoberta de fluido quˆantico com excita¸cões de carga fracion´aria), e no ano
2000, Z.I. Alferov e H. Kroemer pelo desenvolvimento de heteroestruturas de
semicondutores, juntamente com Jack Kilby, um dos maiores responsáveis pela
invenção dos circuitos integrados. Assim, o prêmio Nobel de Fı́sica da virada
do milênio marcou a importância da área para o desenvolvimento da eletrônica.
Foi interessante, também, o fato de o prêmio Nobel de Quı́mica em 2000 ter
sido agraciado aos fı́sicos A. Heeger, A. MacDiarmid e H. Shirakawa, pela des-
Cap. 1 Materiais para Eletrˆonica 5

coberta e desenvolvimento dos polı́meros condutores, materiais que começam


a ter aplica¸cões comerciais na eletrˆonica.

Os materiais s´olidos investigados na Fı́sica da Matéria Condensada ou


utilizados em dispositivos eletrˆonicos, em geral n˜ao s˜ao encontrados na na-
tureza. Eles são produzidos artificialmente a partir de compostos quı́micos com
alto grau de pureza, através de processos diversos. Os processos de fabrica-
ção de materiais est˜ao tornando-se cada vez mais sofisticados, possibilitando a
obtenção de estruturas artificiais não imagináveis há duas décadas. É possı́vel,
por exemplo, utilizando a técnica de epitaxia de feixe molecular (MBE), de-
positar camadas atˆomicas individuais, uma ap´os outra, formando uma multi-
camada ou super-rede cristalina. O domı́nio das técnicas de preparação de ma-
teriais é então essencial para a investigação em Fı́sica da Matéria Condensada
e para a fabrica¸cão de dispositivos eletrˆonicos. A compreens˜ao dos fenˆomenos
que ocorrem nos s´olidos requer o domı́nio de vários conceitos fundamentais
que serão apresentados a partir da pr´oxima seção. Vamos iniciar discutindo
uma questão básica: por que e como os ´atomos dos diversos elementos formam
materiais sólidos?

1.2 Ligações Atômicas

Vamos considerar inicialmente o caso de s´olido do tipo do cloreto de s´ odio,


NaC. Por razões conhecidas da quı́mica, e que são explicadas em detalhe pela

mecânica
outro quântica,
elétron um átomo
extra para de cloro,
completar com seus
sua terceira 17 elétrons,
“camada” tende ea tornar-se
eletrônica capturar
estável. Por outro lado, um ´atomo de sódio com 11 elétrons tende a perder seu
único elétron da terceira camada para que as duas camadas interiores formem
um núcleo fechado. Então, quando um átomo de cloro est´a próximo de outro
de sódio, este passa seu elétron para o de cloro, dando srcem a dois ı́ons
com cargas elétricas opostas, que se atraem devido à interação eletrostática.
Em outras palavras, os ´atomos de cloro e de s´odio juntos formam um sistema
que tem menor energia do que quando est˜ao long e um do outr o. Entre-
tanto, quando os dois ı́ons se aproximam muito, a repulsão entre os elétrons
mais externos faz com que a energia aumente impedindo uma maior apro-
ximação. A Fig.1.1 mostra a variação da energia de intera¸ cão entre os dois
ı́ons em função da distância entre eles. Quando os ı́ons estão muito afastados,
a energia eletrost´atica diminui com o aumento da distˆ ancia r, aproximada-

mente como (1/r). Por outro lado, quando os ı́ons est˜ao muito pr´oximos,
a energia cresce exponencialmente `a medida que a distˆancia diminui. Existe
6 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 1.1: Energia de interação efetiva entre um ı́on Na+ e um ı́on C− em função da
distância entre seus n´ucleos.

então uma distância a na qual a energia é mı́nima e o sistema pode estar em


equil´ıbrio estável. Quando temos 10 23 átomos de s´odio “próximos” de 10 23
átomos de cloro acontece essencialmente o mesmo, mas agora eles tendem a
formar um sistema tridimensional em equilı́brio, na forma de um sólido cris-
talino. Este tipo de liga¸cão é chamada iônica, e é a mais simples de entender.
Há outros três tipos de ligações entre átomos nos materiais: covalente, molecu-
lar e metálica. Todas elas resultam da interação Coulombiana envolvendo os
elétrons e os núcleos dos átomos. O tipo de liga¸cão é determinante de algumas
propriedades do material, apresentadas brevemente a seguir.

Nos sólidos iônicos, como vimos, a liga¸cão é devida à atração eletros-


tática entre ı́ons de cargas opostas, como ilustrado esquematicamente em duas
dimensões, na Fig.1.2(a). Esta ligação é muito forte e por isso o ponto de
fusão do material é alto. Em outras palavras, é preciso uma grande energia de
agitação térmica para que os átomos libertem-se uns dos outros para formar
o estado lı́quido. Como os elétrons est˜ao fortemente ligados aos ´atomos, estes
cristais têm em geral uma pequena condutividade elétrica e térmica, isto é,
são bons isolantes. A ausência de elétrons livres resulta também numa boa
transparência óptica em uma grande parte do espectro eletromagnético. Al-
guns exemplos tı́picos de sólidos iônicos são os halogenetos alcalinos (NaC ,
KC, NaBr, LiF, etc.), v´arios óxidos, sulfetos, selenetos, teluretos, e outros.
Cap. 1 Materiais para Eletrˆonica 7

Figura 1.2: Ilustração esquemática dos quatro principais tipos de liga¸ cão em s´olidos:
(a) Ligação iônica; (b) Liga¸cão covalente; (c) Ligação molecular; (d) Ligação metálica.

Na ligação covalente os elétrons de valência são compartilhados entre


átomos vizinhos, como ilustrado na Fig.1.2(b). Neste caso a atra¸ cão é devida
à presença dos elétrons entre os átomos, que atraem simultaneamente átomos
vizinhos que foram deixados positivos com sua ausência. Os sólidos covalentes
têm em geral um ponto de fusão menor que os iˆ onicos, porém têm maior
dureza. Alguns dos importantes materiais covalentes s˜ao os semicondutores,
sil´ıcio, germânio, GaAs, InSb, etc.

A ligação molecular é bem mais fraca do que nos dois casos anteriores.
Ela resulta da atra¸cão entre dipolos elétricos formados nos átomos por um
pequeno deslocamento das camadas eletrˆonicas em rela¸cão aos n´ucleos, como
na Fig.1.2(c). Sólidos com esta liga¸cão têm ponto de fusão muito baixo, em
geral menor do que 10 K, como é o caso de cristais de gases solidificados, como
oxigênio, nitrogênio e outros gases inertes.

Em metais, de cer ta mane ira a liga¸cão pode ser considerada iˆ onica.


Estes materiais são formad os por átomos que têm poucos elétrons fora de sua
última camada cheia sendo, portanto, fracamente ligados ao n´ ucleo atômico.
Quando postos juntos, estes ´atomos liberam seus ´ultimos elétrons que ficam
“passeando” livremente entre eles, formando um “mar” de elétrons. Este mar
negativo de elétrons tende a manter juntos os ı́ons positivos devido à atração
8 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

eletrostática, como mostrado esquematicamente na Fig.1.2(d). Desta forma a


ligação é razoavelmente fraca, o que resulta em ponto de fusão relativamente
baixo, maleabilidade, ductibilidade e grande condutividade térmica e elétrica,
que são propriedades caracter´ ısticas dos metais.

1.3 Materiais Cristalinos

aGrande parte
estrutura dedos materiais
s´olidos usadosou
cristalinos nacristais.
fabricação
Um decristal
dispositivos eletrônicos
perfeito é aquele tem
que
tem um arranjo regular e periódico de átomos ou ı́ons, formado pela translação
repetitiva de uma célula unitária. O ordenamento regular dos ´atomos ou ı́ons
é o arranjo que minimiza a energia eletrostática total do conju nto. Por esta
razão, quando um material é fundido e depois resfriado lentamente, os átomos
ou ı́ons procuram as posições de menor energia e tendem a formar cristais.

A Fig.1.3(a) mostra a estrutura de um cristal de cloreto de césio. Ela


pode ser vista como formada por um par de ı́ons de Cs + e de C − , associado a
cada ponto de uma rede cristalina. Os ı́ons do par formam a base do cristal.
A rede cristalina é uma abstração matemática, constitu´ ıda de pontos obtidos
pela transla¸cão repetitiva dos pontos da c´ elula unitária , definida por três
vetores unitários a, b e c. A rede cristalina do cloreto de césio é cúbica simples

Figura 1.3: (a) Cristal de cloreto de césio, CsC . A rede cristalina ´e c úbica simples. A
base tem um ı́on Cs+ na posi¸cão 000 e um ı́on C− em 12 12 12 . Note que os ı́ons estão
desenhados com tamanho pequeno para facilitar a visualiza¸ cão. Num cristal real os ı́ons
vizinhos tocam-se. (b) Célula unitária do CsC .
Cap. 1 Materiais para Eletrˆonica 9

e sua célula unitária está mostrada na Fig.1.3(b). Também estão indicados na


figura os vetores unitários e a base da estrutura do cristal. A base é composta
de um ı́on de Cs+ na posição 000 e outro de C − na posição 12 12 12 (referidas ao
comprimento a dos vetores unitários).

1.3.1 Redes Cristalinas

Embora
nas o n´umero
14 tipos de estruturas
diferentes de redes de cristais em
critalinas sejatrês
muito grande, existem
dimensões, ape-
mostradas na
Fig.1.4. As redes são agrupadas em sete sistemas de acordo com o tipo da
célula unitária: triclı́nico, monoclı́nico, ortorrômbico, tetragonal, c´ubico, tri-
gonal e hexagonal. Na Fig.1.4 estão indicadas as rela¸cões entre os ˆangulos α,
β , γ e entre os comprimentos a, b, c das arestas da célula unitária. a, b, c
são chamados parˆ ametros da rede . As células unitárias mostradas na figura
são chamadas células convencionais. Elas são as mais f´aceis de serem visua-
lizadas mas não são necessariamente as menores que reproduzem a rede pela
translação repetitiva. As menores células unitárias que reproduzem a rede s˜ao
chamadas c´ elulas primitivas. A Fig.1.5 mostra os vet ores primitivos a , b ,
c da rede c´ubica de faces centradas (fcc) e da rede c´ubica de corpo centrado
(bcc).

Os planos e eixos que passam por pontos da rede cristalina são representa-
dos por três algarismos que caracterizam suas coordenadas, chamados ı́ndices

de suas. interseções
Miller
minar Para obtercomos os
ı́ndices
eixosdea,um
b, cplano é preciso
da célula inicialmente
unitária. deter-
As interseções
são então representadas por n´umeros p, q , r que exprimem suas coordenadas
pa, qb, rc naqueles eixos. Os ı́ndices de Miller h, k ,  são os menores n´umeros
inteiros na mesma propor¸cão de 1p , 1q , 1r . Para representar o plano, os ı́ndices
são colocados entre parênteses (hk ). O eixo perpe ndicular ao plano ( hk ) é
representado por [hk ].

A Fig.1.6 mostra os três planos e os três eixos mais importantes de uma


rede cúbica. Veja que o plano paralelo ao eixo z e que intercepta os eixos x e
y nos pontos x = a e y = a respectivamente, é caracterizado pelas interseções
p = 1, q = 1, r = . Os recı́procos destes números dão os ı́ndices de Miller

do plano, ou seja (110). Note que como a rede c´ ubica é invariante em relação
a rotações de 90 ◦ em torno do eixo z , o plano (110) é equivalente aos planos
(110), (110) e (110), onde a barra acima do ı́ndice indica a interseção no lado
negativo do eixo. Esses planos também são equivalentes aos planos (101), (011)
10 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 1.4: Células unitárias das 14 possı́veis redes cristalinas em três dimensões.
Cap. 1 Materiais para Eletrˆonica 11

Figura 1.5: Vetores primitivos das redes c´ ubicas de face centrada e de corpo centrado.

e seus equivalentes com ı́ndices negativos. O conjunto de planos equivalentes


{ }
é representado pelo sı́mbolo 110 . Do mesmo modo, o conjunto de eixos que
podem ser obtidos do eixo [110] por opera¸cões de simetria é representado pelo
s´ımbolo < 110 > .

Figura 1.6: Ilustra¸cão dos três principais planos e dos eixos de simetria de uma rede cúbica.

1.3.2 Estruturas Cristalinas Simples

Em geral muitas substˆancias diferentes cristalizam com a mesma estrutura


cristalina. Algumas estruturas são simples e são caracter´
ısticas de certos mate-
riais importantes na Eletrônica. A seguir apresentamos algumas das estruturas
mais conhecidas.

A estrutura do cloreto de césio , CsC , está mostrada na Fig.1.3. Ela


é caracterizada por uma rede cúbica simples com a base formada por dois
12 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

ı́ons de cargas opostas, o Cs+ na posi¸cão 000 e o C − na posi¸cão 12 12 12 . Note


que basta especificar um ı́on C− na base pois todos oito ı́ons nos vértices da
célula unitária são equivalentes, isto é, qualquer um pode ser obtido a partir do
outro por uma transla¸cão na rede cristalina. Como apenas 18 de cada ı́on C−
está contido no interior da célula unitária, para todos efeitos a célula contém
apenas um ı́on Cs+ e um ı́on C− . O parˆametro da rede do CsC  é a = 4, 11
Å. Outros cristais com a mesma estrutura são TBr (3,97 Å), CuZn (2,94 Å)
que é o latão tipo β , AgMg (3,28 Å), e BeCu (2,70 Å).

A estrutura do cloreto de sódio, NaC, está mostrada na Fig.1.7(a). Ela é


formada por uma rede c´ubica de faces centradas com dois ı́ons na base, um de
Na+ e outro de C − , separados por meia diagonal do cubo da célula unitária.
Note que a célula primitiva, não mostrada na figura, contém apenas um ı́on
de cada elemento. Por outro lado, a célula unit´aria contém quatro ı́ons de
cada elemento ( 12 dos 6 nas faces e 18 dos 8 nos vértices). Note também que
a estrutura do NaC  pode ser vista como formada por duas redes c´ ubicas de
faces centradas entrelaçadas, uma de Na + e outra de C − , deslocadas de meia
diagonal do cubo. O NaC  tem parâmetro de rede a = 5,63 Å. Outro cristal
que tem a estrutura do NaC  é o PbS (5,92 Å), conhecido como galena. Ele
é um material semicondutor e foi muito usado para fazer diodos de detecção
por contato met´alico nos “rádios galena”. Ainda ho je o PbS é utilizado como
detetor de radia¸cão infravermelha. Há também vários materiais importantes

Figura 1.7: (a) Estr utura do cloreto de s´odio, NaC , que pode ser construı́da com duas
redes cúbicas de faces centradas, uma de Na + e outra de C − , deslocadas uma da outra de
meia diagonal do cubo. (b) Ilustração do cristal de NaC , no qual o tamanho dos ı́ons é
comparável à distância entre eles.
Cap. 1 Materiais para Eletrˆonica 13

para a eletrônica que têm a estrutura do NaC, como MgO (4,20 Å), muito
utilizado em componentes ´opticos, e o NiO (4,18 Å), empregado em disposi-
tivos de gravação magnética. Note que a Figura 1.7(a) é uma representação
simplificada da estrutura do NaC . Como as ´ultimas camadas eletrˆonicas de
ı́ons vizinhos estão muito próximas umas das outras, tudo se passa como se os
ı́ons vizinhos se tocassem, como ilustrado na Figura 1.7(b). O raio aparente
de cada ı́on é chamado raio iônico. No caso do NaC , o raio iˆonico do ı́on de
Na+ é 1,220 Å e o do C − é 1,595 Å. A soma desses dois raios iˆonicos é metade
do parâmetro de rede do NaC  (5,63 Å).

A estrutura cristalina do sulfeto de zinco , ZnS, c´ubico (zinc-blende),


também tem uma rede cúbica de faces centradas, como mostrado na Fig.1.8(a).
A base é formada pelo átomo de um dos elementos na posi¸cão 000 e por um
átomo do outro elemento na posi¸ cão 14 14 14 . A estrutura pode ser vist a como
formada por duas redes c´ ubicas de faces centradas entrela¸cadas, uma com
1
átomos de Zn e outra com S, deslocadas uma da outra de 4
da diagonal do
cubo. Desta forma, como pode ser vis to na Fig.1.8(a), cada ´atomo de Zn
têm quatro vizinhos de S e vice-versa, possibilitando uma ligação covalente
tetraédrica entre eles. O parâmetro da rede do ZnS é a = 5,41 Å. Também
cristalizam nesta estrutura v´arios semicondutores importantes formados por
elementos dos grupos III e V da tabela peri´ odica e por elementos dos grupos
II e VI. Exemplos de semicondutores III-V s˜ao o GaAs (5,65 Å), A As (5,66

Figura 1.8: (a) Célula unitária de sulfeto de zinco, ZnS. A rede também pode ser constru´ıda
por duas redes cúbicas de face centradas, uma de Zn e outra de S, deslocadas de um quarto da
diagonal do cubo: (b) Célula unitária da estrutura cristalina do diamante, na qual também
cristalizam os semicondutores Si e Ge.
14 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Å) e o InSb (6,49 Å), enquanto do tipo II-VI podemos citar CdS (5,82 Å) e
CdTe (6,48 Å).

Nosso ´ultimo exemplo de estrutura cristalina importante é a do dia-


mante, cuja célula unitária convencional est´a mostrada na Fig. 1.8(b). Ela
é igual a do ZnS, porém todos os átomos são do mesmo ele mento. No caso
do diamante o elemento é o carbono, C, sendo o parâmetro da rede a = 3,56
Å. A estrutura do diamante, caracterizada pelas liga¸ cões tetraédricas entre os
vizinhos resulta da liga¸cão covalente. Também cristalizam nesta estrutura os
importantes semicondutores silı́cio, Si (5,43 Å), e germânio, Ge (5,65 Å).

1.4 Materiais para Dispositivos Eletrônicos

Tradicionalmente, os livros de Ciência e Engenharia de Materiais classificavam


os materiais de acordo com suas propriedades mecânicas, nas seguintes catego-
rias: metais, cerˆamicas, polı́meros e compósitos. Nos ´ultimos anos, eles intro-
duziram a categoria dos semicondutores, p or conta de sua grande importˆancia
para a eletrˆonica. É melhor classificar os materiais utilizados para fabricar
dispositivos eletrônicos de acordo com suas principais propriedades fı́sicas.
Nos capı́tulos seguintes estudaremos as propriedades e os fenômenos que
ocorrem em semicondutores, materiais ópticos, materiais magnéticos ,
dielétricos e supercondutores. Entretanto, do ponto de vista da fabrica¸cão
dos materiais, é conveniente classificá-los de acordo com sua microestrutura.
A seguir apresentaremos, brevemente, algumas caracterı́sticas dos materiais e
de seus processos de prepara¸cão, divididos nas seguintes classes: monocristais;
cerâmicas e vidros; pol´ımeros; cristais lı́quidos; filmes finos e multicamadas.

1.4.1 Monocristais

Um monocristal, também chamado simplesmente de cristal, é um material


que apresenta ordem cristalina ao longo de toda sua extens˜ ao utilizável, tendo
dimensões tı́picas que variam de alguns milı́metros a muitos centı́metros. Exis-
tem inúmeros métodos para fabricar monocristais, sendo cada um adequado
a certas classes de materiais. Em geral o cristal é produzido a partir de um
lı́quido contendo os elementos que formam a rede cristalina. Quando uma
pequena amostra do cristal desejado, a semente, é colocada na solução, se
as condições de concentração e temperatura forem adequadas, seu volume au-
Cap. 1 Materiais para Eletrˆonica 15

Figura 1.9: Ilustração do cadinho com o gradiente de temperatura usado no método de


Bridgman estático.

menta formando um cristal maior. O fator essencial para crescer o cristal a


partir da semente é possibilitar que os átomos da solu¸cão se agreguem lenta-
mente a ela, o que ocorre em posições que minimizam a energia total de ligação,
fazendo a rede cristalina crescer gradualmente. Em alguns casos simples, pode-
se utilizar a solu¸cão lı́quida da substância num certo solvente. Este é o caso
do NaC  que pode ser diluı́do em água. É muito comum também derreter
os compostos b´asicos a altas temperaturas, produzindo uma solu¸ cão fundida.
O aquecimento é feito num recipiente, chamado cadinho, usando um forno
resistivo ou de r´adio freqüência (RF).

Os dois métodos mais conhecidos para crescer cristais a partir da solução


fundida são o de Bridgman e o de Czochralsky. No primeiro, ilustrado na
Fig.1.9, a semente é colocada na parte inferior do cadinho contendo a solução
derretida. A temperatura do cadinho é diminuida lentamente mantendo-se
um gradiente do tipo da Fig.1.9, de modo que o cristal cresce de baixo para
cima. No método de Czochralsky, ilustrado na Fig.1.10, a semente é colocada
na extremidade inferior de uma haste em lento movimento de rota¸ cão, to-
cando a superfı́cie da solução derretida. Quando a haste em rota¸cão é puxada
lentamente para cima, a solução solidifica gradualmente em torno da semente,
fazendo o cristal crescer. A Fig.1.11 mostra um bast˜ao cilı́ndrico (lingote) de
silı́cio monocristalino crescido pelo método de Czochralsky, com diâmetro 10,2
cm (4 polegadas). Os dispositivos discretos e os circuitos integrados usados
em microeletrônica são fabricados sobre pastilhas, ou lˆaminas, de Si, obtidas
16 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 1.10: Ilustra¸cão do método de Czochralsky para crescer monocristais.

Figura 1.11: Bastão monocristal de Si crescido pelo método de Czochralsky, com 10,2 cm
de diâmetro. A pastilha mostrada na fotografia é obtida pelo corte do bastão e processada
para fabricar uma célula solar (cortesia da Heliodinâmica).
Cap. 1 Materiais para Eletrˆonica 17

pelo corte de bast˜oes, como o da figur a. Atualmente, na ind´ustria de mi-


croeletrônica, utiliza-se lingotes com até 30 cm de diâmetro.

É possı́vel crescer monocristais de certos materiais a temperaturas bem


abaixo de seus pontos de fus˜ ao devido a propriedades tı́picas de misturas de
duas substâncias. Um método muito utilizado é o de epitaxia de fase lı́quida
- LPE , usado para crescer camadas do semicondutor GaAs sobre sementes do
mesmo material. Isto é possı́vel porque o ponto de fusão de GaAs é 1238◦ C,
enquanto a mistura de GaAs com o metal Ga tem uma temperatura de fus˜ ao
bem menor. Se uma semente de GaAs é mergulhada numa solução de Ga +
GaAs, derretida a uma temperatura menor que 1238 ◦ C, ela se mantém sólida
enquanto novas camadas cristalinas são formadas sobre ela com os ´atomos de
Ga e As da solu¸cão.

1.4.2 Cerâmicas e Vidros

A palavra cerâmica é originária do grego “keramos”, que era o nome do barro


utilizado para fazer jarros. Atualmente ela é usada para designar uma varie-
dade de compostos inorgânicos não metálicos, geralmente duros, quebradiços e
com elevado ponto de fusão. Eles podem ser s´olidos amorfos ou policristalinos.
Para entender a diferença entre os dois tipos vamos considerar os exemplos da
sı́lica (SiO2 ) e da alumina (A 2 O3 ). A liga¸cão atômica nesses materiais tem um
caráter misto de iˆonica e covalente e, dependendo da forma de preparo, pode
resultar em s´olidos amorfos ou cristalinos. Se o resfriamento da solução fun-
dida for lento o material tende a ficar cristalino. No caso da sı́lica isto ocorre
com uma rede cúbica ou hexagonal de átomos de oxigênio, ficando os ı́ons de Si
entre eles com liga¸cões tetraédricas, como ilustrado na Fig.1.12(a). Quando a

Figura 1.12: (a) Vista em duas dimens˜oes das liga¸cões atômicas num monocristal de SiO 2 ,
o quartzo. (b) Ilustra¸cão de um policristal. (c) Liga¸cões em SiO 2 amorfo, a sı́lica.
18 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

cristalização é feita a partir de uma semente, forma-se um monocristal de SiO 2 ,


chamado quartzo. Entretanto, se não houver uma semente ´unica, a cristali-
zação ocorrerá simultaneamente a partir de muitos pontos no material. Neste
caso formam-se gr˜aos cristalinos orientados aleatoriamente, constituindo um
policristal, como ilustrado na Fig.1.12(b). Por outro lado, se o resfriamento
for rápido, os ´atomos não terão tempo para encontrar as posi¸ cões de menor
energia e n˜ao será formada uma rede cristalina. Neste caso n˜ao haverá or-
dem de longo alcance e o material será amorfo, ficando com liga¸cões atômicas
conforme ilustrado na Fig.1.12(c) para sı́lica (também chamado de quartzo

fundido).
na O caso do
forma amorfa, A 2 O3alumina,
chamada é semelhante
ou naao da sı́lica.
forma de umEle podechamado
cristal, ser encontrado
safira.

As cerâmicas também podem ser preparadas por sinteriza¸ cão. Neste pro-
cesso os constituintes do material na forma de p´ o são misturados e compacta-
dos com o formato final desejado. O material é então aquecido até próximo do
ponto de fusão e depois de resfriado resulta numa cerˆamica formada de gr˜aos
policristalinos com uma forte aderência entre si. Este é o processo usado para
fabricar objetos de cerˆamica de uso di´ario, como jarros, objetos de adorno,
etc. Quando a matéria prima é de alta qualidade e o processamento é feito
em condições muito controladas, obtêm-se as chamadas cerâmicas avançadas,
que encontram aplica¸cões diversas em eletrˆonica e em outros ramos da tec-
nologia. Atualmente é poss´ıvel fabricar partı́culas com dimensões na escala
nanométrica (1 nm = 10−9 m) com grande uniformidade de tamanhos, que ao
serem compactadas e processadas termicamente resultam em cerˆ amicas com
propriedades especiais para diversas aplicações.

Os materiais amorfos também são chamados de vidros e s˜ ao caracteri-


zados pela ausência de uma temperatura de fusão bem definida. Quando um
vidro é aquecido ele amolece gradualmente até tornar-se um lı́quido, sem uma
transição brusca da fase s´olida para a fase lı́quida, como ocorre em cristais.
Na realidade o vidro pode ser visto como um lı́quido de altı́ssima viscosi-
dade, que para efeitos práticos comporta-se como se os ´ atomos estivessem
congelados desordenadamente. Do ponto de vista da condutividade elétrica,
os materiais amorfos, ou vidros, podem ser met´alicos, isolantes ou semicondu-
tores. Na eletrˆonica eles encontram muitas aplicações em qualquer das formas.
Atualmente o silı́cio cristalino está sendo substituı́do pelo amorfo em vários
dispositivos, como por exemplo nas células solares.
Cap. 1 Materiais para Eletrˆonica 19

1.4.3 Polı́meros

Os polı́meros consistem de moléculas com estrutura em cadeias longas, line-


ares ou ramificadas, e que resultam da combina¸ cão quı́mica de certo número
(tipicamente milhares) de unidades mais simples chamadas monômeros, repeti-
das de maneira regular ou aleatória. Enquanto que pol´ımeros naturais, como a
borracha, são conhecidos desde tempos imemoriais, só no século XX, com o de-
senvolvimento da indústria quı́mica, tornou-se possı́vel a preparação em larga
escala de polı́meros sintéticos, com as mais variadas propriedades. Não apenas
alterações na natureza quı́mica dos monômeros, mas mesmo simples diferenças
estruturais no tipo de organiza¸cão da cadeia, podem levar a moléculas com
propriedades fı́sicas e quı́micas profundamente distintas. Isto está ilustrado
na Fig.1.13 que mostra as cadeias de dois p olı́meros muito utilizados: o poli-
etileno e o cloreto de polivinila (PVC). O polietileno consiste de monˆ omeros
com um ´atomo de carbono e dois ´atomos de hidrogênio. A substituição de
um átomo de hidrogênio no etileno por outro de cloro resulta no PVC, um
material completamente diferente. Este exemplo explica a enorme diversidade
de polı́meros existentes.

Os materiais poliméricos mais utilizados na eletrônica são os “pl´asticos”


que servem de isolantes elétricos para cobertura de fios, para encapsular dis-
positivos e para fabricar pe¸cas com funções variadas. Entretanto, nos ´ultimos
anos, foram descobertos pol´ımeros e substâncias orgânicas que conduzem cor-
rente elétrica de forma semelhante a metais, semicondutores ou mesmo su-
percondutores. Eles também têm propriedades ópticas semelhantes às dos
semicondutores, e come¸cam a ser empregados em dispositivos eletrolumines-
centes. A atividade de pesquisa em torno deles ´e muito intensa, e espera-se,
que em poucos anos venham substituir semicondutores e metais tradicionais

Figura 1.13: Cadeias de dois polı́meros comuns, (a) polietileno e (b) cloreto de polivinila
(PVC).
20 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

em diversos dispositivos e sensores eletrônicos e optoeletrˆonicos, apresentados


na seção 10.3.

1.4.4 Cristais Lı́quidos

Os cristais lı́quidos são materiais que têm uma estrutura molecular com carac-
terı́sticas intermediárias entre a ordem orientacional e posicional de longo al-
cance dos cristais e a desordem tı́pica dos lı́quidos e gases. Os cristais lı́quidos
também apresentam propriedades que não são encontradas nem em lı́quidos
nem em sólidos, tais como: forma¸cão de monocristais com a aplica¸cão de cam-
pos elétricos; atividade óptica muito maior que s´olidos e lı́quidos tı́picos e
controlável por campos elétricos; grande sensibilidade a temperatura que pode
resultar em mudanças de sua cor.

Há duas grandes classes de cristais lı́quidos: os liotr´opicos e os ter-


motrópicos. Os liotrópicos são em geral obtidos pela dispers˜ ao de um com-
posto num solvente. Este é o caso de vários sistemas de importância biológica,
tais como lipı́deo-água, lip´ıdeo-água-proteı́na, etc. Os cristais lı́quidos de
importância para eletrônica são os termotrópicos. Eles são formados por
moléculas longas, em geral de compostos orgânicos, dispostas em dois tipos
de estruturas: nemáticas ou sméticas. Estas estruturas estão ilustradas na
Figura 1.14, que também mostra a orientação aleatória das moléculas num

Figura 1.14 : Ilustração da orienta¸cão de moléculas nos seguintes sistemas: (a) lı́quido
isotrópico; (b) cristal lı́quido nemático; (c) cristal lı́quido smético A; (d) cristal lı́quido
smético C.
Cap. 1 Materiais para Eletrˆonica 21

lı́quido isotrópico. Nos cristais lı́quidos nemáticos as moléculas têm um orde-


namento paralelo, ou quase paralelo, como na Fig.1.14(b). Elas são móveis nas
três direções e portanto apresentam desordem posicional. Nos cristais lı́quidos
sméticos as moléculas também est˜ ao orientadas paralelamente entre si, porém
apresentam uma estrutura estratificada em camadas. Dentro de uma mesma
camada as moléculas ocupam posições aleatórias, mantendo a mesma distância
para as moléculas das camadas vizinhas. Nos cristais lı́quidos sméticos tipo A
a orientação das moléculas é perpendicular ao plano das camadas, enquanto
que no tipo C elas est˜ao inclinadas em rela¸cão ao plano das camadas.

Os cristais lı́quidos têm grande aplicação em eletrônica, principalmente


para a confecção de mostradores, conhecidos como LCD ( Liquid Crystal
Display). Esta aplica¸cão é baseada no fato de que a orientação das moléculas
pode ser controlada pela aplicação de um campo elétrico, possibilitando variar
a quantidade de luz transmitida ou refletida pelo material. Isto pode ser feito
por meio de baixas tens˜oes e com pequeno consumo de energia, dando aos
mostradores de LCD grande vantagem em rela¸cão a outros tipos, como apre-
sentado na se¸cão 10.3.

1.4.5 Filmes Finos e Multicamadas

Muitos materiais empregados em dispositivos eletrônicos são fabricados na


forma de filmes finos, isto é, camadas com espessuras que variam desde alguns
angstroms (1 Å = 10 −10 m) até dezenas de microns (1 µ m = 10 −6 m). Os filmes
são feitos com metais, isolantes, semicondutores ou supercondutores, depen-
dendo da aplica¸cão desejada. Eles são usados em in´umeras aplicações, como
resistores, capacitores, contatos metálicos em dispositivos semicondutores, ca-
madas magnéticas em dispositivos de grava¸ cão, camadas dielétricas em dispo-
sitivos opto-eletrônicos, dispositivos de filmes semi ou supercondutores, etc.
Os filmes finos podem ser preparados por v´ arios métodos diferentes, depen-
dendo da composi¸cão, estrutura, espessura e aplica¸cão. Todos eles se baseiam
na deposição gradual de ´atomos ou moléculas do material desejado sobre a
superfı́cie de outro material que serve de apoio, chamado substrato. Dentre
os métodos mais utilizados estão a deposi¸cão em alto v´acuo, para filmes mais
finos (de algumas camadas atˆomicas até 1000 Å), a deposi¸cão eletroquı́mica,
a deposi¸cão quı́mica de vapor e a epitaxia de fase lı́quida, para filmes mais
espessos.

A grande evolução nas técnicas de vácuo nas últimas décadas possibilitou


o aperfeiçoamento dos processos de deposi¸cão de filmes muito finos. Atual-
22 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

amaras com volumes da ordem de 1 m 3 , atingindo


mente é poss´ıvel evacuar cˆ
rotineiramente pressões tão baixas quanto 10 −11 10−9 Torr (1 Torr = 1 mm

de Hg). Isto possibilita fabricar filmes finos através da deposição de camadas
individuais de ´atomos ou moléculas, uma sobre a outra, por meio de diver-
sas técnicas diferentes. Em todas as técnicas o processamento é feito numa
câmara de alto v´acuo, e consta de três etapas: na primeira etapa os materi-
ais que servem de matéria-prima são fragmentados em ´atomos neutros, ı́ons
ou moléculas, por meio da ação de fontes térmicas, ou de um plasma, ou um
laser, ou bombardeio por elétrons ou ı́ons acelerados; na segunda etapa, o va-

por fı́sico formado


substrato; pelos
finalmente, na fragmentos da matéria
terceira etapa, é transportado
os fragmentos na no
depositados dire¸
cão do
subs-
trato interagem fı́sica e quimicamente entre si, nucleando e formando porções
maiores de material, resultando no filme desejado. As principais diferenças en-
tre os diversos métodos estão na primeira etapa. Um dos métodos mais simples
é o da evaporação térmica, no qual a substância srcinal é aquecida em alta
temperatura até evaporar. O aquecimento é feito por meio de uma corrente
elétrica num fio ou elemento resistivo de material que suporta altas temperatu-
ras, como o tungstênio. Este método é utilizado para depositar filmes simples
de metais ou substˆancias simples, para fazer espelhos ou contatos met´alicos,
por exemplo.

Uma das técnicas mais sofisticadas é a epitaxia de feixe molecular


(Molecular Beam Epitaxy - MBE), ilustrada na Figura 1.15. As substˆancias

Figura 1.15: Ilustração do processo de epitaxia de feixe molecular-MBE, com fontes de


elementos usados para fabricar multicamadas de GaAs e (GaA)As, dopadas com impurezas
de Sn ou de Be.
Cap. 1 Materiais para Eletrˆonica 23

dos elementos que formam o material desejado s˜ao aquecidas separadamente


em fontes individuais, no interior de uma cˆamara de alto v´acuo. Cada fonte
é feita de um cadinho fechado, contendo um pequeno orifı́cio na extremidade.
Ao ser aquecida até fundir, a substância gera um vapor sob press˜ ao no in-
terior do cadinho que é ejetado no vácuo através do orifı́cio, produzindo um
feixe atômico ou molecular, que incide sobre o substrato. Através do con-
trole preciso das taxas de evapora¸ cão e do movimento dos obturadores de
cada fonte é possı́vel construir filmes cristalinos de alta qualidade. Com este
método é possı́vel também fabricar cristais com mudan¸ cas abruptas de com-

posição formando
interesse uma
tecnológico multicamada,
é aquele formado ou
porsuper-rede. Umempregado
GaAs e A As, sistema denagrande
fabri-
cação de lasers semicondutores. Os cristais dessa s substâncias têm a mesma
estrutura cristalina do ZnS, com parˆametros da rede praticamente iguais, a =
5,65 Å. Por causa disto é possı́vel depositar epitaxialmente camadas atômicas
cristalinas da liga ternária Ga 1−x Ax As sobre um substrato cristalino de GaAs,
para construir artificialmente multicamadas, super-redes ou “poços quânticos”,
com concentrações x escolhidas. A Figura 1.16(a) ilustra uma multicamada
de GaAs e da liga (GaA )As empregada em lasers semicondutores. Estas
multicamadas também podem ser feitas por técnicas de epitaxia de feixe de
vapor (VPE), das quais a mais comum é a MOCVD (Metal-Organic Chemical
Vapor Deposition). A técnica de MBE também é utilizada para fazer muitos
outros tipos de multicamadas. A Figura 1.16( b) ilustra uma multicamada

Figura 1.16: Ilustra¸cão de dois tipos importantes de multicamadas utilizadas em eletrônica:


(a) Multicamada de GaAs e (GaA )As, empregada em lasers de semicondutores; (b) Multi-
camada magnética, empregada em dispositivos de gravação magnética.
24 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

magnética, formada por várias camadas magnéticas, intercaladas por camadas


não-magnéticas, metálicas ou isolantes, empregada em dispositivos de gravação
magnética, descritos no Cap´ ıtulo 9.

Outra técnica de deposição de filmes e multicamadas muito empregada


em instalações industriais é a vaporização catódica, também chamada de
pulverização (sputtering), cujo equipamento básico está mostrado na Figura
1.17. Antes de inic iar o processo de depo si¸cão, a cˆamara é evacuada per-
manecendo com pressão muito baixa (10 −11 10−8 Torr) durante várias horas,

para eliminar gases residuais. Em seguida um gás nobre (Ar, Ne) é injetado na
câmara com press˜ao da ordem de 10 −3 Torr, formando uma atmosfera inerte.
Uma diferença de potencial da ordem de alguns kV é então aplicada entre os
suportes do substrato e do alvo que contém a matéria-prima a ser pulverizada,
ionizando o gás na região e formando um plasma. Os ı́ons do plasma são acele-
rados pela diferença de potencial adquirindo energia suficiente para fragmentar
o material do alvo e formando o vapor que deposita no substrato. O processo
pode empregar v´arios alvos, possibilitando assim depositar um filme de certo
material sobre outro diferente, sucessivamente, formando uma multicamada.
Os sistemas atuais de vaporiza¸cão catódica utilizam ı́mãs permanentes para
criar um campo magnético que serve para confinar o plasma na região do alvo,
aumentando a eficiência do processo (magnetron sputtering). A alta tensão
aplicada pode ser dc, utilizada para vaporizar metais, ou rf, mais adequada
para materiais isolantes. Os aperfeiçoamentos recentes na vaporização catódica
têm tornado esta técnica cada vez mais poderosa, contribuindo para dissemi-

Figura 1.17: Componentes b´asicos de um sistema de vaporiza¸cão catódica, ou pulverização


(sputtering).
Cap. 1 Materiais para Eletrˆonica 25

nar seu uso no processamento de dispositivos eletrˆonicos, tanto na pesquisa


em laboratório quanto em plantas industriais.

REFERÊNCIAS

W.D. Callister, Jr., Materials Science and Engineering, an Introduction , J.


Wiley , New York, 2000.
P.J. Collings, Liquid Crystals, Princeton University Press, Princeton, 1990.
R.E. Hummel, Electronic Properties of Materials , Springer-Verlag, Berlin,
2001.
C. Kittel, Introduction to Solid State Physics, J. Wiley, New York, 1996.
D.J. Roulston, An Introducion to the Physics of Semiconductor Devices , Ox-
ford University Press, Oxford, 1999.
B.J. Streetman and S. Banerjee, Solid State Electronic Devices, Prentice-
Hall, New Jersey, 2000.

PROBLEMAS

1.1 Calcule o ângulo entre a direção [111] e o plano (001) numa rede cristalina
cúbica.
1.2 Calcule os cossenos diretores da dire¸cão [122].
1.3 Mostre, com um desenho claro, quais s˜ ao os vetores primitivos de uma
rede 3d tetragonal simples. Mostre porque n˜ao existe rede tetragonal de
faces centradas.
1.4 Silı́cio, o semicondutor mais importante da Eletrônica, cristaliza na es-
trutura do diamante, cuja célula unitária está mostrada na Fig.1.8. À
temperatura ambiente o parâmetro da rede é 5,42 Å. Sendo do grupo IV
da tabela peri´odica, o ´atomo de Si tem quatro elétrons de valência. Cal-
cule o n´umero total de elétrons de valência do Si por unidade de volume,
em cm −3 .
1.5 Assim como o Si, o germˆanio também cristaliza na estrutura do diamante,
com parâmetro de rede 5,65 Å. Sabendo que a massa atˆ omica do Ge é
72,59 (referida a massa de H), calcule a massa especı́fica do Ge em g/cm 3
e compare com o valor da tabela.
26 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

1.6 A liga A x Ga1−x As é um importante semicondutor utilizado para fabricar


dispositivos optoeletrônicos. Na fase cris talina, ela tem a estrutura do
cristal de GaAs, no qual ´atomos de Ga numa fra¸cão x são substitu´ıdos
aleatoriamente por átomos de A . Sabendo que GaAs e A As cristalizam
na estrutura do ZnS, Fig.1.8(a), calcule o n´umero de átomos por cm 3 e a
massa especı́fica de A0,3 Ga0,7 As.
1.7 Um modelo matem´atico para a energia total de uma rede cristalina com
ligação iônica é:
U = N γ e−R/ρ αq 2 /R
 − 
onde 2 N e´ o número de ı́ons da rede, q é a carga iônica, γ , ρ e α são
constantes que dependem da estrutura cristalina e dos átomos que formam
o cristal e R é a distância entre dois vizinhos mais próximos. Para o NaC ,
que cristaliza na estrutura fcc da Fig.1.7, γ = 1, 05 10−15 J, ρ = 0, 321
×
Å e α = 1, 747/4π0 .

a) Faça um gr´afico das duas parcelas da energia por molécula, U/N , em


função da distância R e interprete o significado de cada parcela. Se você
tiver um computador com impressora, use-o para fazer um gr´ afico quan-
titativo bonito! Observe que a segunda parcela, que resulta da atra¸cão
entre os dois ı́ons de cargas opostas, tende para em R = 0. Na rea-
−∞
lidade aquela expressão não vale para R →
0, pois os ı́ons não são cargas
pontuais. Para evitar a divergência de segunda parcela em R → 0, fa¸ca
um truncamento na energia, considerando que seu valor em R ≤ 1 Å é
constante e igual ao valor em R = 1 Å.
b) Faça o gráfico da soma das duas parcelas, isto é da energia U/N . (Sugestão:
faça a escala horizontal na faixa 0-10 Å. No eixo vertical use como unidade
o joule dividido por uma potência de 10 conveniente para evidenciar o
mı́nimo da energia, como na Fig.1.1).
c) Calcule o valor da distˆancia R de equilı́brio e do parˆametro da rede
cristalina, e compare o valor deste com aquele dado no texto.
d) Calcule a energia por molécula necessária para desfazer o cristal, isto é,
para que a distˆancia entre vizinhos seja infinita.
1.6 Um filme de Fe monocristalino é crescido no plano (100) com uma certa
técnica de deposição, a uma taxa de 1,4 Å por se gundo. Sabendo que
o Fe cristaliza na estrutura bcc, com parˆametro de rede 2,8 Å, calcule o
número de ´atomos depositados durante 20 segundos sobre um substrato
na forma de um disco, com diˆametro 1,0 cm.
Capı́tulo 2

Ondas e Partı́culas na Matéria

2.1 Ondas Eletromagnéticas 28

2.2 Ondas Elásticas em S´olidos 34

2.3 Efeito Fotoelétrico - Ondas e Partı́culas 40

2.4 O Elétron como uma Onda-Princı́pio da Incerteza 46


2.5 Fônons e outras Excita¸cões Elementares em S´olidos 50

REFERÊNCIAS 51

PROBLEMAS 52

27
28 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Ondas e Partı́culas na Matéria

2.1 Ondas Eletromagnéticas

O fenômeno de propagação de ondas desempenha papel fundamental na


Eletrônica e na Fı́sica da Matéria Condensada. Na eletrônica, o mais impor-
tante é, sem dúvida, o emprego de ondas eletromagnéticas para “transportar”
sinais de ´audio, de vı́deo, ou de dados através de cabos, de fibras ópticas, ou
propagando no ar. Porém não é este tipo de aplicação que vai nos interessar
aqui. Vamos concentrar nas ondas de diversas naturezas que propagam no
interior dos materiais. As vibrações dos ´atomos da rede cristalina e o movi-
mento dos elétrons nos sólidos, por exemplo, s˜ao dois tipos de fenˆomenos que
ocorrem naturalmente na forma de ondas. Além destas, há uma grande va-
riedade de ondas que podem ser produzidas em materiais, tendo elas muitas

caracterı́sticas
portantes, comuns
vamos iniciarde qualquer
este capı́tuloonda. Para
revendo firmar alguns
as principais conceitos
ısticasim-
caracter´ das
ondas eletromagnéticas.

A evolução dos campos eletromagnéticos no espaço e no tempo é descrita


pelas equações de Maxwell,
∇.D = ρ (2.1)
∇=0.B (2.2)

∇ × E = − ∂∂tB (2.3)

∂D
∇ × H = J +
∂t
. (2.4)

onde  e H
E  são os campos elétrico e magnético, respectivamente, B
 e´ o vetor
Cap. 2 Ondas e Part´
ıculas na Matéria 29

indução magnética, D é o vetor deslocamento elétrico, ρ é a densidade de carga


livre e J é a densidade de corrente. Num material linear e isotrópico, D  =  E
eB  = µH  , sendo  a permissividade elétrica e µ a permeabilidade magnética.
Se o material é isolante e não tem cargas livres, ρ = 0 e J = 0. Nestas
condições, substituindo (2.4) em (2.3) e utilizando (2.1) e conhecidas rela¸ cões
entre operadores diferenciais, obtemos a equa¸ cão que descreve a evolu¸cão do
campo elétrico (Problema 2.1),

2 ∂ 2  (r, t)
E
(r, t) µ 2
= 0. (2.5)
∇E − ∂t
Esta é a equação de ondas para um campo vetorial em três dimensões.
Ela relaciona a varia¸cão espacial do campo com sua varia¸cão temporal. Para
ondas planas propagand o na direção do eixo x de um sistema de coordenadas,
a equação reduz-se a

∂ 2 (x, t)
E 1 ∂ 2 (x, t) E
= 2 , (2.6)
∂x 2 v ∂t 2

onde v = 1/ µ. Uma das soluções da Eq.(2.6) é (Problema 2.3),

E(x, t) = E 0 cos(kx − ωt) (2.7)

onde 0 é um vetor constante. A substituição em (2.6) mostra que (2.7) é sua


E
solução se ω = vk . Utilizando-se (2.1) pode-se mos trar que 0 e´ necessaria- E
mente perpendicular `a direção de propaga¸cão x. Substituindo (2.7) em (2.3)
e utilizando (2.2) obtemos a solu¸cão para o campo magnético

 (x, t) = H
H  0 cos(kx − ωt) , (2.8)

onde H 0 e´ perpendicular à direção de propaga¸cão x e ao campo 0 , sendo as E



amplitudes relacionadas por 0 = µ/ H 0 . As equações (2.7) e (2.8) mostram
E
que em um ponto qualquer do espa¸ co, de coordenada x1 , os campos  e H  E
variam harmonicamente no tempo com freq¨uência angular ω . Pode-se definir
ω = 2πν e ν = 1/T , onde ν e´ a freqüência e T o perı́odo da oscilação. Elas
mostram também que tanto  quanto H
E  têm comportamento idêntico em todos
os pontos do plano x = x 1 . Por esta razão, os planos perpendiculares ao eixo
30 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

de propagação são chamados planos de fase da onda. O vetor perpen dicular


a estes planos, k = x̂k , é o vetor de onda , e sua interpreta¸cão está ligada
ao comportamento espacial da onda. Para entender isto considere a variação
de  e H
E  no espaço em um certo instante qualquer. Como mostra a Fig.2.1,
os campos  e H
E  variam senoidalmente ao longo da dire¸cão de propaga¸cão,
tendo sua fase repetida a cada distˆancia λ , chamada comprimento de onda.
Como o argumento kx correspondente a um per´ıodo completo é 2π , a rela¸cão
entre k e λ é

λ= . (2.9)
k
A variação espacial do campo num instante 
t posterior é dada pela
mesma função de onda deslocada em x de uma distˆancia x = ω t/k, como
 
na Figura 2.1. Então, `a medida em que o tempo passa, os campos  e H E
variam como se a fun¸cão de onda transladasse ao longo do eixo x positivo,
com velocidade x/ t = ω/k . Esta relação é chamada a velocidade de
 
fase da onda v f , que neste caso é:

ω c
vf = = , (2.10)
k n


onde n = (µ/µ0 0 )1/2 é o ı́ndice de refração do material e c = 1/ µ0 0 
3, 0 108 m/s é a velocidade da luz. Não é difı́cil ver que no caso em que
×

asão
onda propaga
os da numa dire¸cão
propaga¸cão. qualquer,
Sua direção k é aos
é normal um planos
vetor cuja direção
de fase e seue m´
sentido
odulo
é relacionado com o comprimento de onda pela Eq.(2.9). Neste caso geral,

Figura 2.1: Variação da intensi-


dade do campo elétrico no espaço

em dois instantes, t e t + t.
Cap. 2 Ondas e Part´
ıculas na Matéria 31

pode-se mostrar que s˜ao soluções da Eq.(2.5),

E(r, t) = 0 cos(k.r
E − ωt + φ) , (2.11)

 0 cos(k.r
 (r, t) = H
H − ωt + φ) , (2.12)

onde
0 = /µ 
H
k
k × E 0 . (2.13)

Além da forma harmônica (2.11), é também muito util
´ representar os campos
na forma complexa, utilizando a identidade de Euler e iθ = cos θ + isenθ. Assim
o campo elétrico da Eq.(2.11) pode ser escrito como

E(r, t) = Re E
 0

e i(k.r−ωt+φ)
 . (2.14)

A Fig.2.2 mostra os planos de fase e os campos elétrico e magnético


de uma onda propagando numa direção genérica. A função ω (k ) é chamada
relação de dispersão e contém informações importantes sobre o comporta-
mento das ondas. Uma delas é a velocidade de fase vf = ω/k . Como vimos,
no caso de ondas eletromagnéticas, ω (k ) = ck/n , isto é, a relação é linear,
como mostra a Fig.2.3. Para outros tipos de ondas em s´olidos, entretanto,

Figura 2.2: (a) Vetores 0 , H


E  0 e k no espaço. (b) Planos de fase de uma onda eletromagnética
em certo instante. Os vetores nos planos representam o campo elétrico. A distˆancia entre
dois planos consecutivos que têm o mesmo campo elétrico é igual ao comprimento de onda
λ.
32 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 2.3: Rela¸cão de dispersão de uma onda


eletromagnética em material isotrópico, ho-
mogêneo e linear.

essa relação é uma função mais complicada de k . Na se¸cão seguinte veremos,


por exemplo, rela¸cões de dispers˜ao não lineares de ondas el´asticas em sólidos.

Uma forma de gerar ondas eletromagnéticas é através de cargas elétricas


em movimento. Ondas harmônicas do tipo (2.11) resultam de cargas em movi-
mento oscilatório, ou correntes alternadas. A freqüência do movimento, ou
da corrente, determina a freq¨uência da onda e portanto o tipo de radiação
que é produzido. Correntes de freqüência na faixa de 100 kHz (105 Hz) a 100
MHz (10 8 Hz), geradas por osciladores a transistor ou a v´ alvula, produzem
ondas que s˜ao utilizadas para transportar sinais de ´ audio, chamadas ondas
de rádio. A faixa que vai de pouco abaix o de 100 MHz até 1000 MHz, ou
1 GHz (10 9 Hz), é utilizada para transportar sinais de televisão. Durante a
década de 1990, houve uma grande evolução na telefonia m´ovel, que passou
a utilizar freq¨uências na faixa de centenas de MHz a alguns GHz. As várias
regiões do espectro eletromagnético estão ilustradas na Fig.2.4 por meio de
escalas logar´ıtmicas de freqüência ν , do correspondente comprimento de onda
λ no vácuo, do inverso de λ e da energia E (esta será definida na se¸cão 2.3).
Não estão representadas na Fig.2.4 a parte superior da faixa de raios-X, que
se estende desde 10 16 Hz até 1019 Hz, e os raios gama (acima de 10 19 Hz). A
radiação na faixa de microondas (1 GHz - 300 GHz) também é produzida por
osciladores a válvula ou a transistor. Nas regiões infravermelho, visı́vel e ul-
travioleta, a radiação é produzida por filamentos incandescentes de lâmpadas,
por transições atômicas em lâmpadas de descarga elétrica ou em lasers a gás,
e também por transiç˜ oes eletrônicas em materiais diversos ou em diodos semi-
condutores.

A função de onda descrita pela Eq.(2.11) representa um campo elétrico


que preenche todo o espa¸co, o que, evidentemente, representa uma situa¸cão
irreal. Apesar disto, ela é de grande importância em fı́sica por diversas razões.
Cap. 2 Ondas e Part´
ıculas na Matéria 33

Figura 2.4: Ilustração de parte do espectro eletromagnético em unidades de freqüência ν ,


comprimento de onda λ, inverso de λ e energia E .

Uma delas é que qualquer variação do campo elétrico que ocorre na prática
pode ser decomposta em uma soma de ondas planas do tipo (2.11), através da
técnica de transformada de Fourier. A transformada de Fourier permite de-
compor qualquer forma de variação em ondas planas de diferentes freq¨uências
e vetores de onda. Por exemplo, vamos considerar um campo elétrico que varia
somente na direção x . Em um determinado instante, digamos t = 0, podemos
decompor este campo na seguinte forma:

E(x, 0) = E
k e ikx dk (2.15)
−∞

onde ∞
1
E =
 E(x, 0) e −ikx
dx . (2.16)
k
2π −∞

A Eq.(2.15) significa que o campo é uma superposição de v´arias ondas


planas, cada uma caracterizada por um vetor de onda k e amplitude k . O E
valor de k é dado pela transformada de Fourier (2.16). Vamos considerar o
E
caso de um campo eletromagnético confinado a uma pequena região do espaço,
como o representado na Fig.2.5(a), no instante t = 0. À medida que o tempo
passa, este pulso propaga-se no espaço. Pode-se mostrar que a transformada de
Fourier do pulso tem também a forma de um pulso, mostrado na Fig.2.5(b).
Em outras palavras, a superposição de v´arias ondas planas, com vetores de
onda próximos de k0 e com amplitude do tipo representado em 2.5(b), reproduz
uma variação espacial na forma do pulso 2.5(a). Pode-se mostrar, ainda, que `a
34 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 2.5: (a) Pulso de campo elétrico no espaço. (b) Amplitude da transformada de
Fourier do pulso mostrado em (a).

medida em que o tempo passa, o pulso de campo propaga com a velocidade


de grupo , dada por 
∂ω
vg = . (2.17)
∂k k0
Este resultado vale para qual quer tipo de onda. No caso de ondas eletro-
magnéticas no vácuo ou em meios isotr´opicos, lineares e homogêneos, a ve-
locidade de grupo é igual a velocidade de fase (Problema 2.4). Entretanto,
em outras situações
velocidade como as
de propagação deque encontraremos
pulsos mais
é diferente da tarde, istoden˜fase.
velocidade ao ocorre, a

2.2 Ondas Elásticas em Sólidos

Nesta seção vamos estudar algumas propriedades do tipo de onda em cristais


mais simples de ser entendido, a onda de vibração da rede cristalina. Uma das
razões da simplicidade deste fenômeno é que suas propriedades básicas podem
ser deduzidas com a fı́sica clássica, uma vez que os ı́ons que formam a rede são
relativamente pesados.

Para entender a essência do fenômeno de vibração da rede vamos conside-


rar o caso de dois ı́ons, ligados como explicado na seção 1.2. Classicamente, na
situação de equilı́brio, os dois ı́ons ocupam a posição correspondente à m´ınima
Cap. 2 Ondas e Part´
ıculas na Matéria 35

Figura 2.6: (a) Energ ia de intera¸cão efetiva entre dois ı́ons. (b) Sistema equivalente na
vizinhança de x = a.

energia de liga¸cão, representada na Fig.2.6.

Esta situação s´o ocorre em temperatura T = 0 K, e quando n˜ ao h´a


qualquer perturba¸cão externa ao sistema. Em s´olidos a distˆancia tı́pica de
equilı́brio é de alguns Å. Quando os ı́ons são desviados da posi¸cão de equil´ıbrio
eles tendem a oscilar em torno dela . Para p equenos desvios, a varia¸cão da
energia de interação po de ser aproximada por um poço parabólico, fazendo com
que o movimento dos ı́ons seja o de um oscilador harmônico. Considerando
u = x a o desvio em torno do ponto de equilı́brio, os primeiros termos da

expansão em série de Taylor da energia são:
2
V (u) = V (0) + dV u+1 d V2 u2 + ···
 du 2
 
du
(2.18)
0 0

No ponto de equilı́brio a força de intera¸cão entre os ı́ons é nula, ou seja,


(dV/du )0 = 0. Ent˜ao, no entorno deste ponto, podemos escrever,

V (u )  V (0) + 12 Cu 2
(2.19)

onde C = (d2 V/du 2 )0 é uma constante caracter´ ıstica da ligação entre os ı́ons.
Nesta aproximação, a for¸ca de intera¸cão entre os ı́ons é linear,

F (u ) = − dV
du
= −Cu , (2.20)

como ocorre num oscilador harmônico simples. Este resultado permite concluir
36 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

que os dois ı́ons ligados pela interação eletrostática, comportam-se como duas
massas ligadas por uma mola.

Em uma rede cristalina acontece essencialmente o que est´ a ilustrado na


Fig.2.7, porém o sistema é tridimensional e o número de ı́ons envolvidos é muito
grande. Em T = 0 e sem perturba¸cão externa a rede está em equil´ıbrio. À me-
dida que aumentamos sua temperatura, seus ı́ons vibram com amplitude cada
vez maior. Essa vibra¸cão é incoerente, aleatória, no sentido que o movimento
de um ı́on não tem qualquer correla¸cão com o de outro. Esta é a principal
maneira com a qual a energia térmica é absorvida pelo cristal. Entretanto, a
vibração coletiva dos ı́ons pode ser vista como uma superposição de ondas. Em
outras palavras, as excita¸cões da rede têm caráter ondulatório. Essas ondas
de vibração são chamadas ondas elásticas. Para estudá-las vamos considerar
um modelo simplificado da rede, no qual ı́ons iguais estão ligados por molas na
forma de uma cadeia infinita, como representado na Fig.2.7(a). A constante
C é a constante elástica da cadeia. Chamamos de un o deslocamento do ı́on
n de sua posi¸cão de equilı́brio, ao longo da cadeia. Sendo a força de interação
entre dois ı́ons dada por (2.20), a força sobre o ı́on n exercida por seus dois
vizinhos é

{
Fn = C (un+1 − u ) − (u − u )} = C (u − 2u
n n n−1 n+1 n + un−1 ) . (2.21)

Figura 2.7: (a) Modelo de cadeia monoatˆomica em equil´ıbrio. (b) Deslocamentos dos ı́ons
quando da passagem de uma onda longitudinal. (c) Deslocamentos numa onda transversal.
Cap. 2 Ondas e Part´
ıculas na Matéria 37

Sendo m a massa dos ı́ons, a equação de movimento do ı́on n é


d2 u n
m
dt2
≡ m ü
n = C (un+1 − 2u n + un−1 ) . (2.22)

Como era de esperar, o movimento do ı́on n depende dos movimentos


± ±
dos ı́ons n 1, que por sua vez dependem dos n 2, e assim por diante. O
movimento da rede é descrito por um número infinito de equa¸cões acopladas.
Logo, o movimento da rede é coletivo. Para resolver o sistema infinito de
equações, escrevemos a possı́vel solução de u n (x, t) sob a forma de onda
un(x, t) = u k (t) eikna , (2.23)

pois x = na é a coordenada do ı́on n . Substituindo esta fun¸cão na equação de


movimento (2.22) obtemos

m ük = Cuk (e ika −2+e −ika


)

= 2 Cuk (cos ka − 1) . (2.24)

Assim, obtemos uma s´o equa¸cão para uk (t), a fun¸cão que exprime a
variação do deslocamento de qualquer ı́on no tempo. A variação no espa¸co,
devida ao car´ater coletivo do movimento, est´a contida em (2.23 ). Veja que
(2.24) é a equação de um oscilador harmˆonico simples, cuja solu¸cão é

uk (t) = Ae−iωk t . (2.25)

Substituindo (2.25) em (2.24) obtemos a freq¨uência de oscilação da rede em


função do n´umero de onda k :
  1/2
2C 1/2
ω (k ) = (1 − cos ka) . (2.26)
m

Este resultado significa que quando excitada externamente, a cadeia de


ı́ons oscila coletivamente com freqüência ω (k ), dando srcem `as ondas elásticas.
A onda esquematizada na Fig.2.7(b) é longitudinal, pois os deslocamentos têm
a mesma dire¸cão da propaga¸cão. Poderı́amos ter obtido, de modo semelhante,
as equações para as ondas transversais, cujo modo de vibra¸ cão está ilustrado
na Fig.2.7(c).
38 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

A equação (2.26) é a relação de dispers˜ao das ondas el´asticas na cadeia



monoatômica linear. Como esta relação é periódica e ω (k) = ω ( k ), considera-
remos somente os valores de ω entre k = 0 e k = π/a (Fig.2.8), pois este inter-
valo contém toda informação necessária sobre ω (k ). A região π/a < k < π/a

é chamada primeira Zona de Brillouin do espaço de vetor de onda.

Observe que em (2.26), ka representa o ângulo de fase entre os movimen-


tos de dois ı́ons vizinhos. Para ondas de grande comprimento de onda, λ a,

este ângulo é pequeno e podemos usar a aproximação cos ka 1 (ka)2 /2, o
 −
que resulta em

ω (k ) = C/m ka , (2.27)

isto é, para ka 1, a rela¸cão de dispers˜ao é aproximadamente linear, como


em ondas eletromagnéticas. Neste caso as velocidades de fase e de grupo da
onda são iguais, sendo dadas por

v=
 C/m a . (2.28)

Em geral v é da ordem de 104 m/s, isto é, 104 vezes menor que a veloci-
dade da luz. Para ondas de grande comprimento de onda, p odemos aproximar
a função deslocamento por uma fun¸cão contı́nua de x, u(x, t). Neste caso, é
poss´ıvel mostrar que a equação de u(x, t) é igual a equação de ondas para o
campo elétrico, Eq.(2.6) (Problema 2.5). Por outro lado, quando o compri-
mento de onda é pequeno, a natureza discreta da rede torna-se importante. A
onda com λ = 2a tem a m´axima freqüência de vibração. Fazendo ka = π em
(2.26) vemos que o m´aximo valor de ω é dado por (4C/m)1/2 . O valor desta
freqüência varia de um material para outro e está na faixa de 1 a 10 THz (1
THz = 10 12 Hz), que corresponde à região do infravermelho distante no espec-
tro eletromagnético (Problema 2.6).

Em um cristal qualquer h´a dois fatos que tornam o problema das ondas
elásticas mais complexo: o primeiro é que ele é tridimensional; o segundo é
que ele contém ı́ons diferentes. Este segundo fato traz uma caracter´ ıstica nova,
que pode ser entendida de maneira simples, no caso da cadeia unidimensional.
Se tivermos uma cadeia com dois tipos de ı́ons intercalados de massas m1
e m2 , ao escrevermos as equa¸ cões de movimento teremos duas equa¸cões da
forma (2.22), em vez de apenas uma, como no caso dos ı́ons iguais. Teremos
então duas solu¸cões para a freq¨uência de vibração e, conseq¨uentemente, dois
ramos na rela¸cão de dispersão. Sua forma está mostrada na Fig.2 .9. Neste
caso, as freq¨uências de vibração possı́veis do sistema formam duas bandas,
Cap. 2 Ondas e Part´
ıculas na Matéria 39

Figura 2.8: Relação de dispersão de ondas


elásticas numa cadeia monoatômica linear.

definidas pelos dois ramos da rela¸cão de dispers˜ao. Entre elas existe uma faixa
proibida, cuja largura depende da diferen¸ca entre as massas. Quando as duas
massas s˜ao iguais, a banda proibida desaparece, isto é, o ramo inferior na
≤ ≤ ≤ ≤
região 0 k π/ 2a e o ramo superior na regi˜ao π/2a k π/a compõem a
relação de dispers˜ao da cadeia monoatˆomica da Fig.2.8.

No ramo inferior da Fig.2.9, chamado acústico, em uma onda com ka 


1, dois ı́ons vizinhos movem-se em fase. No ramo superior, chamado óptico,
uma onda com ka  1 tem os dois ı́ons vizinhos movendo em oposição de fase.
As ondas do ramo ac´ustico podem ser excitadas por um tipo de for¸ ca que faz
átomos vizinhos irem no mesmo sentido, como em uma onda sonora (daı́ seu
nome, acústico). Por outro lado, as ondas do ramo ´optico são criadas quando
a excitação produz efeitos opostos em ı́ons vizinhos, como é o caso do campo
elétrico de luz infravermelha atuando em ı́ons vizinhos de cargas opostas.

Figura 2.9: (a) Rela¸cão de dispers˜ao de ondas el´asticas na cadeia diatômica linear mostrada
em (b), com os ramos ac´ustico e óptico.
40 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 2.10: Curvas de dispers˜ao de ondas el´asticas em um cristal c´ubico diatômico, com
o vetor de onda na dire¸ cão de um eixo principal (L = longitudinal, T = transversal, O =
óptico e A = ac´ustico).

A complexidade vinda do car´ ater tridimensional do cristal resulta na


existência de um maior número de graus de liberdade no sistema. Neste caso,
o deslocamento de um ı́on de sua posição de equilı́brio r e´ caracterizado por
um vetor R  (r, t). As solu¸cões das equa¸cões de movimento gerais levam `a

R

 λ(r, t) = Re Ak ei(k.r−ωλt)
 , (2.29)

onde λ é um ı́ndice que representa o tipo da vibração e a dire¸cão do deslo-


camento R  , ou seja ele exprime a polariza¸ cão da onda e seu tipo (´ optico ou
acústico). Para uma dada dire¸cão de k temos três polarizações para cada tipo
de onda. Para direções particulares podemos ter duas ondas transversais e
uma longitudinal. A freqüência ωλ (k) depende de k e do ti po da on da. A
Fig.2.10 ilustra as formas tı́picas das curvas de dispersão para ondas el´asticas
em um cristal c´ubico com dois ı́ons por célula unit´ aria.

2.3 Efeito Fotoelétrico - Ondas e Partı́culas

No fim do século passado surgiram as primeiras evidências de que, em algumas


situações, uma onda eletromagnética se comportava com caracter´
ısticas tı́picas
de partı́culas. Hertz, em 1886-87, realizou diversas experiências que confir-
maram a existência de ondas eletromagnéticas e a teoria de Maxwell. Numa
Cap. 2 Ondas e Part´
ıculas na Matéria 41

Figura 2.11: Ilustra¸cão do equipamento usado para estudo do efeito fotoelétrico.

dessas experiências ele observou que a descarga elétrica entre dois eletrodos
ocorria mais facilmente quando luz ultravioleta incidia sobre um dos eletrodos.
Mais tarde Lenard verificou que a descarga ocorria mais facilmente porque a
luz facilitava a emissão de elétrons da superf´ıcie do eletrodo, fenômeno que foi
posteriormente chamado de efeito fotoelétrico .

A Fig.2.11 mostra um equipamento usado para estudar o efeito fo-


toelétrico. Ele consiste de um tubo de vidro evacuado, com uma “janela”
de quartzo plana por onde passa a luz incidente. A luz monocromática incide
sobre a placa de metal que forma o catodo C, fazendo-o liberar elétrons. Estes,
chamados fotoelétrons , são atra´ıdos para a superfı́cie metálica do anodo
A por meio da diferen¸ca de potencial V , produzindo uma corrente elétrica
que é medida pelo microamperı́metro µA. Numa experiência tı́pica mede-se
a variação da corrente em fun¸cão da diferen¸ca de potencial V , que pode ser
variada através do potenciômetro. Um aparato deste tipo foi usado em 1914
por Millikan, que por seus estudos do efeito fotoelétrico e da carga do elétron
ganhou o prêmio Nobel de Fı́sica em 1923.

A curva da Fig.2.12 mostra a varia¸cão da corrente fotoelétrica I com a


tensão V aplicada, para dois valores da intensidade da luz incidente. Quando V
é suficientemente grande e positiva, a corrente tende para o valor de saturação
Ia correspondente à intensidade da luz. A saturação da corrente ocorre quando
todos fotoelétrons emitidos pelo catodo são coletados pelo anodo. Um dos re-
sultados mais importantes desta experiência é obtido quando o sinal da tensão
V é trocado. A corrente não vai bruscamente para zero com a tensão negativa,
indicando que os elétrons são emitidos de C com certa energia cinética. En-
42 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 2.12: Variação da corrente fotoelétrica com a tensão aplicada, para dois valores de
intensidade da luz inci dente. A tensão V0 é independente da intensidade de luz, mas a
corrente de saturação é diretamente proporcional à mesma.

tretanto, quando a tens˜ao atinge um valor −V , mesmo os elétrons de maior


0
energia são freados e a corrente vai a zero.

Do resultado desta experiência pode-se concluir que a tensão V0 , chamada


potencial de retardo, permite medir a energia cinética Tmax dos elétrons que
são emitidos com a m´axima energia. A rela¸cão entre eles é, então,
Tmax = e V0 , (2.30)

onde e é a carga do elétron. Esta máxima energia cinética é independente da


intensidade da luz incidente, como mostrado pela curva b da Fig.2.12, obtida
com metade da intensidade usada em a .

A Fig.2.13 mostra a varia¸cão da tens˜ao V0 em função da freq¨uência da


luz incidente em sódio, medida por Millik an em 1914. Estas medidas mostram
que há uma freq¨uência de corte νc , abaixo da qual o efeito fotoelétrico deixa
de ocorre r. O valor desta freq¨uência varia de um material para outro, sendo
que para o s´odio νc = 4, 39 1014 Hz (λ
× 
683 nm, que corresponde ` a luz
vermelha, quase no infravermelho).

Os resultados observados com o efeito fotoelétrico não puderam ser expli-


cados através da teoria clássica da luz e durante v´arios anos constitu´
ıram um
grande desafio para os fı́sicos. Mas em 1905, Einstein usou as idéias de quan-
tização, inicialmente propostas por Planck, para explicar o efeito fotoelétrico.
Sua teoria lhe valeu o prêmio Nobel de Fı́sica de 1921. O modelo quântico
Cap. 2 Ondas e Part´
ıculas na Matéria 43

Figura 2.13: Medidas de Millikan


do limiar de tens˜ao para efeito fo-
toelétrico em sódio, em fun¸cão da
freqüência da luz incidente.

de Einstein para a radia¸ cão eletromagnética foi posteriormente explicado de


forma coerente pela teoria quˆantica de campos . Um dos resultados mais im-
portantes dessa teoria é que uma onda eletromagnética é quantizada em
energia. Isto sig nifica que se ela tem fre q¨uência ν , ela s´o pode ser gerada
com valores discretos de energia nhν , onde n é um inteiro e h e´ a constante de
Planck (h = 6, 6262 10−34 J.s).
×
Segundo Einstein, a energia da radia¸cão eletromagnética é quantizada
na forma de pacotes, chamados fótons. Quando uma onda eletromagnética
tem energia elevada, isto é, muito maior do que hν , o n´umero de fótons é tão
grande, que a natureza discreta da energia n˜ao é percebida. Nesta situação,
a onda se comporta classicamente. A energia de um f´oton de radia¸cão de
freqüência ν , ou freq¨uência angular ω = 2πν , é
E = hν = ω , (2.31)

onde  = h/2π . Os f´otons têm, em muitas situações, comportamento tipo


partı́cula. No entanto, não são partı́culas comuns, pois só existem com ve-
locidade da luz c e têm massa de repouso nula. A rela¸cão entre energia e
freqüência, dada por (2.31), permite representar o espectro eletromagnético
em unidades de energia, como o eV. Utilizando o valor da constante de Planck
e da carga do elétron é poss´ıvel verificar que para converter Hz em eV é preciso
multiplicar por 4, 1357 10−15 . Este fator de conversão foi utilizado para cons-
×
truir a Fig.2.4. Assim, a regi˜ao visı́vel do espectro tem comprimento de onda
de 700 nm a 400 nm, freq¨uência de 4,3 a 7, 5 1014 Hz e energia de 1,7 a 3,1
×
eV. O Apêndice B apresenta uma tabela de conversão entre v´arias unidades
de energia.
44 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Sabemos da teoria eletromagnética que o momentum p de uma onda no


vácuo está relacionado com sua energia E por
E
p= . (2.32)
c

Usando (2.10), com n = 1, e (2.31) em (2.32), obtemos a express˜ ao para o


momentum do f´oton,
p = k . (2.33)

Segue, portanto, que em uma onda eletromagnética de freqüência ω e


vetor de onda k , tanto a energia quanto o momentum s˜ ao quantizados. É
importante chamar a atenção para o fato de que a teoria n˜ao prevê uma quan-
tização espacial da onda eletromagnética. Em outras palavras, não há nada
que limite a existência de um fóton a uma região finita do espaço. É possı́vel ter
uma onda eletromagnética plana, enchendo todo o espaço, correspondendo a
apenas um fóton. A quantização é feita somente em termos de momentum e de
energia. É poss´ıvel, entretanto, ter uma onda eletromagnética confinada numa
região limitada do espa¸co, como por exemplo no pulso de onda da Fig.2.5,
contendo apenas um f´oton. Neste caso, o f´oton fica mais parecido com uma
partı́cula, ou um corpúsculo.

No efeito fotoelétrico os fótons são absorvidos num processo de interação


que resulta na emiss˜ao de elétrons. Como há conservação de energia na in-
teração elétron-fóton, quando o elétron é emitido da superf´ıcie do metal sua
energia cinética é
T = hν W ,
− (2.34)

onde W é o trabalho necessário para arrancar o elétron do metal. Como h´a


elétrons que estão mais presos aos átomos do que outros, W varia de um elétron
para outro. Os elétrons que estão menos ligados emergem da superfı́cie com a
máxima energia cinética. Para eles podemos escrever
Tmax = hν −W 0 , (2.35)

onde W0 , uma grandeza caracterı́stica de cada metal chamada função tra-


balho, é a mı́nima energia necess´ aria para que um elétron vença as for¸cas de
atração internas e atravesse a superfı́cie. A teoria de Einstein explica as prin-
cipais observações do efeito fotoelétrico. Veja que os elétrons “arrancados” do
metal por fótons com energia
hνc = W 0 , (2.36)
Cap. 2 Ondas e Part´
ıculas na Matéria 45

têm energia cinética nula, não produzindo corrente fotoelétrica com V0 = 0.


Então, o valor de νc dado por (2.36) é a freqüência de corte, que é indepen-
dente da intensidade da luz incidente. Quando ν > νc e V > V0 , existe uma −
corrente fotoelétrica resultante da emissão de elétrons. Quando a intensidade
de luz aumenta, o n´ umero de f´otons incidentes por unidade de tempo au-
menta proporcionalmente, o que resulta no aumento proporcional da corrente
fotoelétrica.

Com as equa¸cões (2.30) e (2.35) podemos obter a express˜ao para o po-


tencial do retardo V 0 decorrente da teoria de Einstein,

eV0 = hν −W 0 . (2.37)

Utilizando (2.36), obtemos para ν ≥ν, c

h
V0 = (ν −ν )
c , (2.38)
e

que mostra a varia¸cão linear de V0 com νc , em acordo com a medida experi-


mental de Millikan (Fig.2.13).

As idéias de quantização da energia e das caracterı́sticas corpusculares da


radiação eletromagnética provocaram um profundo impacto na Fı́sica no inı́cio
deste século. Com base nestas idéias, vários fı́sicos passaram a procurar nos
elétrons efeitos de quantização e de comportamento ondulat´orio. Estes traba-
lhos levaram `a formulação da mecˆanica quântica em 1926 por Schroedinger e
independentemente por Heisenberg. As equações da mecânica quântica gover-
nam o comportamento dos elétrons nos átomos e nos sólidos e seu conhecimento
é fundamental para a compreensão dos fenômenos eletrônicos que ocorrem nos
diversos materiais.

Exemplo 2.1: Numa experiência de efeito fotoelétrico, o material do fotocatodo é o lı́tio, cuja
função t rabalho é 2,3 eV, e o comprimento de onda da luz usada para iluminar o fotocatodo é 300
nm. Determine: a) A freq¨uência de corte do l´ıtio; b) O potencial de retardo.

a) A relação entre a fun¸cão trabalho e a freq¨uência de corte é dada pela Eq. (2.36). Então,

−19
W0
νc =
h
 2, 3 eV × 1, 6 × 10 coulomb
6, 63 × 10 34 joule-seg

 5, 5 × 1014 Hz
46 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

b) O potencial de retardo é relacionado com a freq¨uência de corte e a freqüência da luz pela


Eq.(2.38). A freq¨uência da luz é,

ν=
c
=
3, 0 × 108 m/s = 10, 0 × 1014 Hz .
λ 300 × 10 9 m

Assim,

=
h
(ν νc ) =
6, 63 × 10 34 joule-seg

14
V0
e
− 1, 6 × 10 19 coulomb × 4, 5 × 10 Hz

= 1, 86 V

2.4 O Elétron como uma Onda - Princı́pio da Incerteza

Como vimos na se¸cão anterior, a radia¸cão eletromagnética é quantizada em


energia, adquirindo em certas situações comportamento do tipo de corpúsculos
ou partı́culas. Este conceito foi introduzido na Fı́sica para explicar um resul-
tado experimental, o efeito fotoelétrico, que não podia ser compreendido num
contexto clássico. Ao contr´ario, o conceito de que o elétron, uma partı́cula no
sentido clássico, é também uma onda, resultou de uma dedução teórica que só
mais tarde foi confirmada experi mentalmente. Foi Louis de Broglie, em sua
tese de doutorado apresentada em 1924 na Universidade de Paris, que propôs a
idéia revolucionária de ondas de matéria. Sua teoria lhe valeu o prêmio Nobel
de Fı́sica de 1929, depois que ela foi confirmada experimentalmente.

A hip´otese de Broglie de que o elétron pode ter comportamento de


partı́cula e de onda foi inspirada no conceito, já aceito na época, de que a
radiação eletromagnética tem comportamento tipo partı́cula. Ele postulou
que o elétron é caracterizado por uma freqüência ν e comprimento de onda λ ,
relacionados com a energia e o momentum exatamente do mesmo modo que
para fótons. Como na Eq.(2.31), a energia do elétron é expressa na forma,
E = hν , (2.39)

enquanto que o momentum é:


p = h/λ . (2.40)

Multiplicando e dividindo o lado direito de (2.40) por 2 π , e usando k = 2π/λ,


obtemos
p = k . (2.41)
Cap. 2 Ondas e Part´
ıculas na Matéria 47

que é igual a Eq.(2.33). Se a matéria tem comportamento de onda, por que


não notamos isto na vida di´ aria? Considere um objeto de massa m = 1,0 kg
movendo com velocidade v = 100 m/s. O comprimento de onda correspondente
é:
h h 6, 6 10−34
×
λ= = = = 6, 6 10−36 m .
× (2.42)
p mv 100

Veja que o comprimento de onda é muito pequeno comparado à dimensão


tı́pica de objetos comuns. Por isso, os efeitos de difração e interferência, que
são caracter´
ısticos de ondas, são inteiramente desprezı́veis.

Considere agora um elétron com energia cinética T = 100 eV. O compri-


mento de onda correspondente é:
h h
λ= = √ 1, 2 10−10 m = 1, 2 Å .
 × (2.43)
p 2mT

Este comprimento de onda é da mesma ordem de grandeza da dimensão dos


átomos e da distˆancia entre eles na matéria. Por isso, os efeitos ondulatórios
são importantı́ssimos na escala atômica. Esses efeitos foram obse rvados por
Davisson, Germer e G.P. Thomson em 1927, através de uma experiência na
qual um feixe de elétrons acelerados por um potencial elétrico incidia sobre um
cristal. Eles verificaram que o cristal, com sua estrutur a atˆomica periódica,
atuava como uma rede de difra¸cão, produzindo m´aximos e mı́nimos de inter-
ferência no feixe de elétrons espalhados.

O fato dos
comprimento elétrons
de onda com
várias energias
ordens de dezenas
de grandeza de do
menor eV que
serem
o daondas, com
luz visı́vel,
tem uma importante aplica¸cão pr´atica. Quando um feixe de elétrons incide
sobre um material, a an´alise dos elétrons espalhados permite observar detalhes
muito menores do que se consegue com a luz visı́vel num microscópio óptico.
Este é o princı́pio básico de operação do microscópio eletrônico. No microscópio
óptico o observador vê a imagem do objeto ampliada por meio de lentes de
vidro, que proces sam a luz espalhada pelos detalhes do material analisado.
Como o comprimento de onda mı́nimo da luz visı́vel é da ordem de 3000 Å,
não é possı́vel distinguir detalhes com dimensões menores que este valor. Por
outro lado, como no microsc´opio eletrônico a onda utilizada é a de um feixe
de elétrons, é possı́vel observar detalhes com dimens˜ oes de alguns angstroms.
Neste caso, a imagem do objeto é formada por lentes magnéticas (campos
magnéticos produzidos por bobinas com formatos adequados) e convertida em
sinais elétricos por meio de detetores, de modo a ser observada na tela de um
computador.
48 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Outra aplicação importante de ondas de matéria é no estudo de sólidos


cristalinos por meio de difra¸cão. Como o parˆametro da rede nos cristais é da
ordem de alguns angstroms, a difração só o corre com radiação de comprimento
de onda pr´oximo deste valor. É possı́vel então usar feixes de elétrons ou de
nêutrons de alta velocidade. A vantagem dos nêutrons está no fato de que
sendo eletricamente neutros, sua penetração no sólido é muito maior que a dos
elétrons.

Exemplo 2.2: Calcule as energias e as velocidades de um feixe de elétrons e outro de nêutrons,


para que ambos tenham comprimento de onda de 2 Å.

A relação entre energia e comprimento de onda é dada pela Eq. (2.43). Então, T = h2 /2mλ2 .
Para o feixe de elétrons m = 9, 1 10−31 kg, logo,
×
6, 632 10−68 × −18
T = = 6, 0 × 10 J
2 9, 1 10−31 22 10−20
× × × ×
−18
6, 0 10 ×
= eV = 37 , 5 eV
1, 6 10−19
×
A velocidade é relacionada com a energia cinética por T = mv 2 /2. Portanto, a velocidade
dos elétrons é,
1/2
v = (2T /m)1/2 =
2 × 6, 0 × 10 18 −

= 3, 6 × 106 m/s
9, 1 × 10 31

−27
No caso do feixe de nêutrons, m = 1, 67 × 10 kg. Então,
2 −68
6, 63 10 −21

T = 2 × × × × × 10 20 = 3, 3 × 10
1, 67 10−27 22 −
J
1/2
2 × 3, 3 × 10 21 −

v = = 2, 0 × 103 m/s
1, 67 × 10 27−

As caracterı́sticas de um elétron podem ser descritas de maneira quan-


titativa através de uma função de onda Ψ. No pr´oximo capı́tulo ela será
definida com precis˜ao. Se o elétron for uma onda plana com um momentum
bem definido p0 , ele ter´a um vetor de onda k0 = p0 / e sua fun¸cão de onda
pode ser escrita na forma
Ψ(x, t) = A e ik0 x−iωt , (2.44)

onde sua freq¨uência angular ω é relacionada com sua energia por E = ω .


A função de onda (2.44) descreve um elétron que preenche todo o espaço, e
Cap. 2 Ondas e Part´
ıculas na Matéria 49

que portanto tem uma incerteza em sua posi¸cão x  →∞ . É evidente que


é muito dif´ıcil “produzir” um elétron com a fun¸ cão de onda (2.44) em todo o
espaço. Entretanto, é poss´ıvel ter um elétron mais localizado, com uma fun¸ cão
de onda como a da Fig.2.14(a). Neste caso, o elétron n˜ao tem um vetor de
onda bem definido k0 . Ele é descrito, digamos em t = 0, por uma fun¸ cão de
onda Ψ( x, 0) que é uma superposição de ondas planas com vetores de onda
k próximos de k0 e amplitudes φ(k) com m´aximo em k = k0 e largura k 
(Fig.2.14(b)), de modo an´alogo ao caso do campo elétrico E (x, 0) descrito na
seção 2.1. Uma incerteza na determinação de k implica numa incerteza no
 ´
momentum
de Fourier dedouma fun¸cãopdo=tipo da
elétron  k . Fig.2.14(a),
E possı́vel que
mostrar,x pela
  k transformada
1. Para um
elétron descrito por Ψ(x, 0) isto significa que

xp   , (2.45)

Este resultado tem a seguinte interpretação: Se em uma me dida ex -


perimental, a posi¸cão do elétron é determinada com uma incerteza x, seu 
momentum também tem uma incerteza p. Isto foi post ulado em 1927 por

Heisenberg, sendo conhecido como o princ´ ıpio da incerteza . Segundo este
princı́pio, em uma experiência não é poss´ıvel determinar exatamente o valor
da posi¸cão do elétron x e seu momentum p simultaneamente. Existe uma
incerteza m´ ınima no processo de medida que é dada por

xp ≥ /2 . (2.46)

Figura 2.14: (a) Pacote de ondas que descreve o estado de uma partı́cula livre localizada
numa região do espa¸co. (b) Transformada de Fourier do pacote de ondas mostrado em (a).
50 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Veja que no caso de uma fun¸ cão de ond a plana como a da Eq. (2.44), o

momentum é bem determinado ( p = 0), em contrapartida x .  →∞
Existe uma outra versão do princı́pio da incerteza, relativa à deter-
minação da energia do elétron E e o intervalo de tempo 
t necessário para
medi-la. Segundo Heisenberg, se a medida é efetuada em um intervalo t 

finito, existe uma incerteza E na determinação de E dada por
E t ≥ /2 . (2.47)

O princı́pio da incerteza, representado pelas equações (2.46) e (2.47), foi


assim proposto por Heisenberg numa época em que o conceito da função de
onda do elétron ainda não era conhecido. Ele causou um profundo impacto na
Fı́sica e também gerou muitas especulações filosóficas. Na verdade, ele é uma
decorrência natural do caráter ondulatório das partı́culas da matéria, cuja
formalização é dada pela mecânica quântica, que ser´a estudada no pr´oximo
cap´ıtulo.

2.5 Fônons e outras Excitações Elementares em Sólidos

As quantizações da onda eletromagnética e da onda de elétron s˜


ao apenas dois
exemplos de um fenˆomeno geral que ocorre com qualqu er tipo de onda. Este
fenômeno é observado experimentalmente através de diversos efeitos e tem
uma explicação rigorosa na teoria quântica de campos . Qualquer onda é
formada por “pacotes” de energia ω , chamados quanta (plural de quantum)
de energia. Assim sendo, a energia de uma onda é discreta e tem valor igual
a um m´ultiplo de ω . O quantum de uma onda tem comportamento tanto de
onda como de partı́cula, tendo energia e momentum dados por

E = ω , (2.48)

p = 
k , (2.49)

que são relações idênticas àquelas vistas anteriormente para ondas eletro-
magnéticas e para elétrons. As excitações num s´olido têm caráter de onda,
sendo portanto quantizadas. Os quanta das diversas ondas s˜ao chamados de
Cap. 2 Ondas e Part´
ıculas na Matéria 51

excitações elementares. Assim, um quantum de vib ra¸cão de rede é um


pacote de onda el´astica, e recebe o nome de fônon.

Há muitas outras excitações elementares em sólidos, em geral com nomes


terminados em on. O quantum de onda de spin em materiais magnéticos é
o magnon. O de uma onda de plas ma num meta l ou semicondutor chama
plasmon. Outras excitações, que não serão apresentadas neste livro s˜ao os
excitons, polarons, polaritons, helicons, plasmaritons, rotons, etc.

REFERÊNCIAS

A. Chaves, F´
ısica , Ondas, Relatividade e Fı́sica Quˆantica, Reichmann &
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O. Pessoa, Jr., Conceitos de Fı́sica Quˆ
antica, Livraria Editora da Fı́sica, São
Paulo, 2003.
52 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

PROBLEMAS

2.1 Aplique o operador rotacional ( ∇×


) à Eq.(2.3), utilize a Eq.(2.4), junta-
mente com as rela¸cões entre os campos e a identidade vetorial
2
∇ × (∇× )= ∇(∇· ) − ∇ ( )
e mostre que num meio sem cargas ou correntes, o campo elétrico obedece
à Eq.(2.5).
2.2 Considere um campo elétrico com amplitude que varia no tempo e no
espaço com uma fun¸cão (x, t): a) Mostre que est a fun¸cão será solução
E
da equação de ondas (2.6), se o argumento tiver a forma (x, t) = f (x
E −
vt )+ g (x + vt), onde f e g são quaisquer funções diferenciáveis; b) Escolha
uma função f (x) em t = 0 que satisfa¸ca à equação de ondas e fa¸ ca um
gráfico qualitativo de sua variação com x em dois instantes de tempo t > 0
quaisquer. Interprete o resultado.
2.3 Considere o campo elétrico  (x, t) = ŷ 0 cos(kx ωt ) de uma onda eletro-
E E −
E
magnética plana: a) Mostre que esta forma de e´ solução da equa¸cão
de ondas pela substitui¸cão direta em (2.6); b) Mostre que esta fun¸ cão é
solução da equação de ondas, pois é um caso particular da solução obtida
no problema 2.2; c) Faça um gráfico qualitativo de em função de x paraE
t = 0 e obtenha a rela¸ cão com k e ω da distˆancia entre dois m´aximos
consecutivos da onda; d) Faça o gr´afico de em função de x para t = t
E 
e relacione a velocidade de deslocamento de um m´aximo, x/ t, com ω  
e k.
2.4 Considere um pulso de onda eletromagnético de forma gaussiana no ins-
tante t = 0,
2 /2L2
E (x, 0) = E 0 e −x cos k0 x
a) Faça um gr´afico semi-quantitativo de em função de x para 0 = 1
E E
×
(unidades arbitrárias) e L = 5 2π/k 0 . Se você tiver um computador
com impressora, faça o gr´afico quantitativo usando k0 = 1; b) Determine
E
a fun¸cão (x, t) que descreve o pulso num instante arbitr´ ario, t, pela
imposição de que (x, t) satisfaça à Eq.(2.6); c) Repita o item a) para o
E
campo obtido no item b).
2.5 Mostre que no limite de grandes comprimentos de onda, λ a, a Eq.(2.22) 
se reduz a uma equa¸cão de ondas para uma vari´avel u cont´
ınua,
∂2u ∂2u
= v2
∂t 2 ∂x 2
Cap. 2 Ondas e Part´
ıculas na Matéria 53

2.6 As vibrações da rede de um certo cristal podem ser descritas pelo modelo
unidimensional dado pela Eq.(2.22), com ´atomos de peso atˆomico 56 e
constante elástica C = 104 g/s2 : a) Calcule a velocidade de propaga¸cão
da onda el´astica na cadeia no limite de grandes comprimentos de onda,
λ  a (ou ka  1), em cm/s, e compare com a velocidade da luz; b)
Calcule o valor m´aximo da freq¨uência de vibração da cadeia em rd/s e
em Hz.
2.7 A partir das medidas do efeito fotoelétrico mostradas na Fig.2.13: a)
Calcule a fun¸cão trabalho do s´odio, em eV; b) Calcule o potencial de
retardo V0 de uma célula com fotocatodo de sódio, iluminada por luz de
comprimento de onda λ = 350 nm.
2.8 Uma montagem de medida do efeito fotoelétrico utiliza uma célula com
fotocatodo de alumı́nio, cuja função trabalho é 4,2 eV. A luz ultravioleta
empregada tem comprimento de onda 180 nm: a) Qual é a freqüência
de corte do alumı́nio?; b) Qual o potencial de retardo do alumı́nio para
este comprimento de onda?; c) Calcule a energia cinética do elétron mais
rápido emitido; d) Qual é a energia do elétron no alumı́nio, que ao ser
emitido é o mais lento?
2.9 Um diodo emissor de luz de GaP emite luz de comprimento de onda 549
nm, com potência 1 µ W: a) Qual é a energia, em eV, dos fótons emitidos
pelo diodo? b) Quantos f´otons por segundo s˜ao emitidos pelo diodo?
2.10 Numa experiência de efeito fotoelétrico com um laser, luz de intensidade
1,0 watt e certa freq¨ uência, incide sobre um fotocatodo de lı́tio, cuja
função trabalho é 2,3 eV. a) Qual é o potencial de retardo para uma
freqüência cujo valor é o dobro da freqüência de corte? b) Suponha que a
cada dez fótons que chegam ao fotocatodo um elétron é emitido, e que o
potencial positivo aplicado entre anodo e catodo é tal que a corrente está
saturada. Calcule o valor desta corrente, em ampère.
2.11 Um elétron é descrito por uma função de onda na forma de um pacote
gaussiano dado, em t = 0, por
2 /2L2
ψ (x, 0) = A e −x eik0 x ,

a) Faça um gr´afico qualitativo de ψ (x, 0) 2 em função de x ; b) A largura


| | 
do pacote pode ser caracterizada por x = < x2 > sendo < x2 >
  
o desvio médio quadrático da fun¸cão em relação ao seu valor médio xm ,

< x2
>=
| ψ(x, 0) 2 (x
| −x 2
m ) dx
54 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

b) Calcule x para o elétron; c) Calcule a transformada de Fourier φ (k)



E
da função de onda, utilizando a defini¸cão da Eq.(2.16) com substitu´ıdo
por ψ . Faça um gr´afico qualitativo de φ(k ) 2 e calcule a largura k do
| | 
pacote do mesmo modo que o item b); d) Calcule o produto x k e 
interprete o resultado. Dados:
 ∞  ∞ √π
2 2
e−y dy = 2 y 2 e−y dy =
−∞ −∞

2.12 Um elétron e um fóton têm, cada um, um comprimento de onda de 3,0


Å. Calcule as energias e os momentos de cada um e interprete o resultado.
2.13 A máxima resolu¸cão de um microsc´opio é limitada pelo comprimento
de onda da radia¸ cão utilizada, sendo a menor distância que pode ser
observada igual ao comprimento de onda. Qual deve ser, em eV, a energia
dos elétrons num microscópio eletrônico para que sua resolução seja 10
Å?
2.14 Mostre que a rela¸cão de incerteza para uma partı́cula, em termos das
incertezas na posi¸cão x e no comprimento de onda
 λ que podem ser

medidos simultaneamente, é dada por:
2
 x  λ ≥ λ / 4π
2.15 Se a incerteza na medida do comprimento de onda de um f´ oton for
λ/λ = 10−7 , qual ser´a a incerteza na medida da posi¸ cão de f´otons
com λ = 5 10−4 Å (raios γ ), 5 Å (raios X) e 500 nm (luz visı́vel)?
×
2.16 As vibrações da rede de um certo cristal diatˆomico podem ser descritas
pelo modelo unidimensional estudado na Seção 2.2, com ´atomos de pesos
atômicos 39 e 80 e constante el´astica C = 104 g/s2 . a) Calcule o valor da
freqüência de vibração da cadeia com k = 0, em rd/s e em Hz; b) Qual é
a energia do fˆonon correspondente à vibração do item a) em eV?; c) Para
que o fˆonon do item b) seja excitado ressonantemente por um f´ oton de
mesma energia, qual deve ser o comprimento de onda deste f´ oton e em
qual região do espectro eletromagnético ele se situa?
Capı́tulo 3

Mecânica Quântica: O Elétron


no Átomo

3.1 Os Postulados da Mecânica Quântica 56

3.1.1 A Função
de
Onda 57
3.1.2 Operadores Quˆanticos 57
3.1.3 Valor Esperado de uma Grandeza 59
3.1.4 A Equa¸cãodeSchroedinger 60

3.2 A Equação de Schroedinger Independente do Tempo 60

3.3 Aplicações Simples da Mecˆanica Quântica 62

3.3.1ElétronLivre 62
3.3.2 Elétron num PoçodePotencialInfinito 65
3.3.3 Barreira de Potencial-Efeito Túnel 69

3.4 Elétron no Átomo de Hidrogênio 73

3.5 Átomos de Muitos Elétrons 84

REFERÊNCIAS 86

PROBLEMAS 87

55
56 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Mecânica Quântica: O Elétron no Átomo

3.1 Os Postulados da Mecânica Quântica

O modelo de Bohr para o ´atomo com estados estacion´arios é baseado no pos-


tulado de que o momentum angular do elétron em órbita circular em torno do
núcleo é quantizado. Este modelo, quando proposto em 1913, teve um grande
sucesso pois conseguiu explicar os resultados experimentais do espectro dis-
creto da radia¸cão emitida pelos ´atomos de um g´as de hidrogênio. Apesar de
seu sucesso, o modelo de Bohr deixou os fı́sicos inquietos p or causa da quan-
tização imposta ad-hoc. Seu mistério era tão grande quanto o da quantiza¸cão
da energia de uma partı́cula executando um movimento harmônico simples,
proposta em 1900 por Planck. Durante anos os fı́sicos procuraram uma teo-
ria mais funda mental que expli casse os resultados de Planck e de Bohr. O
postulado de Broglie, relativo `a natureza ondulat´oria da matéria, abriu o ca-
minho para os princı́pios da mecânica quântica, enunciados por Schroedinger
em 1926. Na mesma época, Heisenberg desenvolveu uma teoria matricial que à
primeira vista era distinta da de Schroedinger. Posteriormente verificou-se que
as duas formulações eram equivalentes e seus resultados eram idênticos. Vamos
apresentar aqui apenas a formulação de Schroedinger que é matematicamente
mais simples.

Alguns autores tentam justificar a equação básica da mecânica quântica,


a equação de Schroedinger, utilizando argumentos diversos. Entretanto ela é
uma equação fundamental da Fı́sica, que não pode ser deduzida a partir das
leis clássicas. Sua melhor justificativa é o fato de seus resultados explicarem
as observações e medidas experi mentais. A mecânica quântica é baseada nos
quatro postulados seguintes:
´
Cap. 3 Mecˆanica Quˆantica: O Elétron no Atomo 57

3.1.1 A Função de Onda

O estado de um elétron, ou de qualquer “part´ıcula” material, é caracterizado


por uma função de onda complexa Ψ( x, t). Em três dimensões, Ψ é na
realidade fun¸cão de r e não de x, mas vamos manter x por simplicidade. Ψ
e suas derivadas em rela¸ cão a x são contı́nuas, finitas e unı́vocas. Se num
instante t fizermos uma medida para determinar a localiza¸ cão da partı́cula
com função de onda Ψ( x, t), a probabilidade de encontrá-la entre x e x + dx
é dada por P (x, t) dx, onde

P (x, t) = Ψ∗ (x, t) Ψ(x, t) . (3.1)

Como a probabilidade de encontrar a partı́cula em todo o espaço é 1,


 ∞  ∞
P (x, t) dx = Ψ∗ (x, t) Ψ(x, t) dx = 1 . (3.2)
−∞ −∞

Esta condição é suficiente para determinar a amplitude da função de


onda com uma forma conhecida. Dizemos que a fun¸cão de onda que satisfaz
(3.2) está normalizada.

3.1.2 Operadores Quânticos

Com a fun¸cão de onda podemos determinar a probabilidade de “localiza¸ cão”


de uma partı́cula em qualquer instante. Entretanto, para calcular outras
grandezas relativas ao seu movimento é preciso introduzir o conceito de opera-
dor. A cada grandeza fı́sica corresponde um operador matemático, que opera
na função de onda.

O operador relativo ao momentum em uma dimens˜ao, digamos x , é



pop = −i 
∂x
, (3.3)

onde i é a unidade imaginária. Veja o que acontece quando (3.3) oper a na


função de onda plana de um elétron livre dada pela Eq. (2.44)

popΨ(x, t) = i − A e ik0 x−iωt =  k0 Ψ( x, t) . (3.4)
∂x
58 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Ora, k0 é o momentum de um elétron livre proposto por de Broglie. Então


a definição (3.3) est´a bastante razo´avel. É importante chamar a aten¸cão de
que quando um operador é aplicado a uma função de onda, em geral n˜ao se
obtém diretamente o valor da grandeza fı́sica a ele associado, como na Eq.
(3.4). Quando um operador apl icado a Ψ, reproduz Ψ multipl icada por uma
constante, dizemos que Ψ é uma autofunção do operador. Assim, se
popΨ = pΨ , (3.5)

Ψ é uma autofunção de pop , sendo p o autovalor. Quando isto ocor re, o


momentum da partı́cula é bem determinado, ou seja, sua incerteza é nula.
Este é o caso do elétron descrito por (2.44).

No caso mais geral de três dimensões, o operador momentum é

pop = −i ∇ = −i
 
 x̂

+ ŷ

+ ẑ

 . (3.6)
∂x ∂y ∂z

Outro operador importante é o da energia, dado por,



Eop = i . (3.7)
∂t

Para um elétron livre



Eop Ψ(x, t) = i A e ik0 x−iωt = ω Ψ( x, t) . (3.8)
∂t

Logo, a fun¸cão de onda de um elétron livre também é uma autofunção


do operador energia, com autovalor
E = ω , (3.9)

o que também está em acordo com a teoria de Broglie.

A partir destes operadores é possı́vel construir outros. Por exemplo, a


energia cinética é
2 2
1   2
Top =
2m
pop.pop = − 2 m ∇ . ∇ = − 2m ∇ (3.10)

onde m é a massa da partı́cula e, em coordenadas cartesianas,


2 ∂2 ∂2 ∂2
∇ = + +
∂x 2 ∂y 2 ∂z 2
(3.11)
´
Cap. 3 Mecˆanica Quˆantica: O Elétron no Atomo 59

é o operador Laplaciano. No caso particular de uma dimensão


2 2
Top = − 2m ∂x∂ 2
(3.12)

A Tabela abaixo apresenta os operadores quˆanticos correspondentes a


algumas grandezas clássicas importantes.

Grandeza Clássica Operador Quântico


x x
r r
px −i ∂/∂x

p −i ∇ 

E i∂/∂t
T 2
−( /2m)∇ 2


L −i r × ∇

3.1.3 Valor Esperado de uma Grandeza

Como foi dito anteriormente, quando um operador atua numa função de onda,
em geral o valor da grandeza associada n˜ ao aparece imediatamente. Neste
caso, o valor da grandeza n˜ ao pode ser determinado com precis˜ ao, ele tem
uma incerteza. Podemos, no entanto, calcular o valor mais provável, ou seja,
seu valor médio no sentido estatı́stico, chamado valor esperado.

Sendo a fun¸cão normalizada,


 ∞
Ψ∗ Ψ dxdydz = 1 , (3.13)
−∞

o valor esperado < Q > de uma grandeza associada a um operador Qop e´ dado
por,  ∞
< Q >= Ψ∗ Qop Ψdxdydz . (3.14)
−∞

É comum também representar o valor esperado de um operador por Q .


60 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

3.1.4 A Equação de Schroedinger

A evolução da fun¸cão de onda de uma partı́cula em um sistema fı́sico é de-


terminada por uma equa¸cão diferencial proposta por Schroedinger. Como foi
dito anteriormente, esta equação não pode ser deduzida. É preciso aceit´a-la,
utilizá-la em v´arias aplicações, até que ela se torne familiar. A equação de
Schroedinger exprime que a energia total de uma partı́cula, em termos de ope-
radores atuando sobre a fun¸cão de onda, é a soma da energia cinética com a
potencial. Ela pode ser escrita da seguinte forma,
(Top + Vop)Ψ = E op Ψ . (3.15)

Utilizando (3.7) e (3.10) obtemos


2
 2 ∂ Ψ(r, t)
− 2m ∇ Ψ(r, t) + V op Ψ(
r, t) = i
∂t
, (3.16)

onde o operador V op representa o potencial de interação a que a partı́cula está


sujeita numa dada situa¸cão fı́sica, variando, evidentemente, de um problema
para outro. Se o movimento da partı́cula est´a restrito `a coordenada x, a
Equação de Schroedinger se reduz `a
2 2
− 2m ∂∂xΨ + V Ψ = i

2

∂Ψ
∂t
. (3.17)

De agora em diante vamos deixar de usar o ı́ndice “op” no operador para sim-
plificar
que tem,a para
notação.
cada A Eq.(3.16)V é, uma
potencial equação diferencial
uma infinidade de derivadas
de solu¸cões. parciais
As soluções para
cada problema s˜ao limitadas pelas condi¸cões de contorno que Ψ e ∂ Ψ/∂x de-
vem obedecer, bem como pela condição de normalização (3.2) que “amarra” as
amplitudes das funções de onda. A Eq. (3.16) tem outra caracterı́stica impor-
tante, ela é uma equação diferencial linear, pois os operadores e as fun¸ cões são
elevados à potência um. Uma propriedade importante das equações lineares é
que a superposi¸cão de duas ou mais de suas solu¸ cões, também, é sua solu¸ cão
(ver o Problema 3.1).

3.2 A Equação de Schroedinger Independente do Tempo

Quando o potencial V não varia no tempo, o primeiro passo para resolver


(3.16) é fazer uma separação de vari´aveis. Esta é uma técnica comum para
´
Cap. 3 Mecˆanica Quˆantica: O Elétron no Atomo 61

resolver equações de derivadas parciais.

Se V não é função de t , é poss´ıvel encontrar para Ψ(r, t) uma solução do


tipo
Ψ(r, t) = ψ (r)φ(t) , (3.18)

onde ψ (r) e φ (t) são funções apenas das vari´aveis r e t respectivamente. Subs-
tituindo (3.18) em (3.16) obtemos:

2  ∂φ (t) ψ (
2
− 2m ∇ ψ(r) φ(t) + V (r)ψ(r)φ(t) = i ∂t
r) . (3.19)

Dividindo os dois membros pelo produto ψ (r)φ(t) vem

2
1
− 2
∇ ψ(r) + V (r)ψ(r
 =
1
i

∂φ (t)
 . (3.20)
ψ (r) 2m φ(t) ∂t

Veja que o lado direito de (3.20) n˜ ao depende de r, enquanto que o lado
esquerdo não depende de t. Em conseqüência, o valor comum dos dois lados
não pode depender de r ou de t , devendo então ser uma constante, que vamos
chamar de E . A equa¸cão obtida igualando o lado direito de (3.20) a E é,
dφ(t)
dt
= −i E φ (t)

. (3.21)

Note que substituı́mos o sı́mbolo da derivada parcial pelo da derivada total,


pois φ (t) só é função de t . A solu¸cão de (3.21) é

φ(t) = exp
−  i
E
t . (3.22)

Vemos que φ (t) é uma funç˜


ao oscilante no tempo com freq¨uência angular ω =
E/ . Assim sendo, podemos associ ar a constante E introduzida na separa-
ção de variáveis com a energia do estado cuja fun¸cão de onda é solução da
Eq.(3.16).

A equação obtida igualando o lado esquerdo de (3.20) a E é uma equação


diferencial com variáveis do espa¸co:
2
 2
− 2m ∇ ψ(r) + V (r) ψ (r) = E ψ(r) . (3.23)
62 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Ela é conhecida como a Equação de Schroedinger independente do tempo. O


operador energia total também é chamado o Hamiltoniano do sistema, o que
permite escrever (3.23) na forma,

H ψ(r) = E ψ(r) , (3.24)

onde
2 2
H = − 2m ∇ + V (r) . (3.25)

A Eq.(3.24) é uma equação de autovalores. Sua solu¸cão dá a parte es-


pacial das autofunções, bem como os autovalores de energia correspondentes.
A solução completa de (3.16) fica ent˜ao

Ψ(r, t) = ψ (r) exp


− i
E
t , (3.26)

onde ψ (r) representa a autofun¸cão com energia E . Veja que a densidade de


probabilidade de encontrar a partı́cula com função de onda (3.26) na posi¸ cão
r,
P (r, t) = Ψ∗ (r, t)Ψ(r, t) = ψ (r) 2 ,
| | (3.27)

é independente do tempo. Isto significa que se uma partı́cula tem num certo
instante uma fun¸cão de onda dada por uma autofun¸ cão do tipo (2.44), ela
permanece indefinidamente com a mesma fun¸cão. Dizemos que a partı́cula
nesta situação permanece num estado estacionário . Vamos agora utilizar a
equação de Schroedinger em algumas aplica¸cões simples.

3.3 Aplicações Simples da Mecânica Quântica

3.3.1 Elétron Livre

O exemplo mais simples de aplica¸cão da equa¸cão de Schroedinger é o de um


potencial uniforme, V (r) = constante. Classicamente, uma partı́cula nesse
potencial é sujeita a uma força F = V = 0. Portanto, ela é uma partı́cula
−∇
livre e move-se com velocidade constante. Como o valor do potencial constante
não influi no movimento, tomamos V = 0. Supondo que o elétron se desloca
´
Cap. 3 Mecˆanica Quˆantica: O Elétron no Atomo 63

na direção x , a Eq.(3.23) fica


2 2
− 2m d dxψ(x) = E ψ(x)
2
. (3.28)

A solução desta equa¸cão pode ser escrita na forma


ψ (x) = A e ikx + B e −ikx . (3.29)

Substituindo (3.29) em (3.28) vemos que


2 k 2
E= . (3.30)
2m


Como φ (t) = exp( iEt/ ), a primeira parcela de (3.29) representa uma onda
plana propagando na dire¸cão de x positivo:
Ψ(x, t) = A e ikx−iωt . (3.31)

Esta é a função de onda de uma partı́cula livre, movendo-se com velocidade


constante na direção +x, como tinha sido antecipado na Eq.(2.44). Da mesma
forma, a fun¸cão de onda correspondente `a segunda parcela de (3.29) corres-

ponde a um elétron movendo-se no sentido x. Em ambos os casos, o momen-
tum p = k é relacionado com a energia pela expressão (3.30), que pode ser
escrita na forma,
p2
E = 2m . (3.32)
Como esperado, a energia é exatamente a energia cinética, pois trata-se de
uma partı́cula livre. Veja que neste problema não há qualquer condi¸cão que
restrinja o valor de E , que pode variar continuamente entre 0 e ∞
. Note que
da Eq. (3.30) pode- se obter a relação de dispersão ω (k ) do elétron livre.
Usando E = ω obtemos
 2
ω (k ) = k , (3.33)
2m

que é a função parabólica ilustrada na Fig.3.1.

A partı́cula com a função de onda (3.31) comporta-se como uma onda


que preenche todo o espa¸co, tendo comprimento de onda

λ= , (3.34)
k
64 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 3.1 : Rela¸cão de dispersão


parabólica de um elétron livre.

onde
√2mE
k= . (3.35)

Todos os resultados acima est˜ao em completo acordo com a teoria de


de Broglie estudada no Capı́tulo 2. Veja que se a função de onda (3.31) for
normalizada através da Eq.(3.2) obtemos A →
0. Portanto, n˜ao faz sentido
normalizar (3.31) em todo o espa¸co. Na verdade, n˜ao há muito sentido fı́sico
em considerar uma partı́cula em todo o espaço. Entretanto, ondas planas do
tipo (3.31) podem ser usadas matematicamente para construir um pacote de
onda como o da Fig.2.14(a), que representa uma partı́cula confinada em uma
região do espa¸co. Ora, sabemos que um “pacot e“ como est e propaga com a
velocidade de grupo

vg = ∂ω .
∂k

k0
(3.36)

Utilizando a relação de dispersão (3.33) obtemos a velocidade de uma partı́cula


representada por este pacote


vpart = vg = k0 . (3.37)
m

O momentum desta partı́cula é ent˜


ao

p = m vpart =  k 0 , (3.38)

que está em acordo com o conceito introduzido por de Broglie.


´
Cap. 3 Mecˆanica Quˆantica: O Elétron no Atomo 65

3.3.2 Elétron num Poço de Potencial Infinito

Vamos obter os estados estacion´arios de uma partı́cula de massa m que se


movimenta livremente no interior de um poço de potencial com paredes infini-
tamente altas, em uma dimens˜ao. Este po¸co, mostrado na Fig.3.2, representa
aproximadamente a situação de um elétron livre confinado ao interior de um
sólido. O fenômeno que impede sua sa´ıda pelas superf´ ıcies do s´
olido é a atração
eletrostática exercida pelos ´atomos ou ı́ons do sólido. Na verdade, como sabe-
mos, este po¸co não é infinito, pois o elétron pode ser arrancado do sólido, como
no efeito fotoelétrico.
As autofunções da equa¸cão de Schroedinger (3.24) para este problema
são determinadas da mesma forma que para um potencial uniforme, sendo
neste caso:

V (x) =
 0 0<x<L
(3.39)
∞ ≤
x 0 ; x ≥L
No intervalo 0 < x < L a equação é idêntica a do elétron livre, e portanto
sua solução é igual a (3.29),
ψ(x) = A e ikx + B e −ikx (0 < x < L ) , (3.40)

sendo E = (k )2 /2m. Em x 0 e x L, ψ = 0 pois o potencial infinitamente


≤ ≥
grande não permite que o elétron esteja nesta região. Como o momentum do

elétron,
cont´ ınua dado
em x ,por− i dψ/dx, não pode ser infinito, ψ deve ser uma fun¸cão
e portanto
ψ(x = 0) = ψ (x = L) = 0 . (3.41)

Usando a condi¸cão de contorno acima em (3.40) obtemos B = −A. As auto-

Figura 3.2: Poço de potencial


com paredes infinitamente altas.
66 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

funções do po¸co de potencial infinito s˜ao então


ψn (x) = A n sen kn x . (3.42)

A condição ψ (L) = 0 imposta a (3.42) restringe os valores de k n a


π
kn = n (n = 1, 2, 3, 4,... ) . (3.43)
L

Ao contrário do elétron livre, o elétron no po¸


co de potencial infinito n˜ao
pode ter um valor qualquer de energia. As energias possı́veis são dadas por
E = (k)2 /2m, ou seja, E só pode assumir valores discretos,
2 2
 π
En = n2 , (3.44)
2mL2

onde n é chamado um número quântico, p ois corresponde a valores quanti-


zados da energia. Os E n são chamados autovalores e os ψ n são as autofun¸cões
da equação para o po¸co infinito.

A Fig.3.3 mostra uma representa¸cão das fun¸cões de onda e das energias


correspondentes, para os quatro primeiros valores do n´ umero quântico n.

Figura 3.3: Funções de onda e correspondentes energias de uma partı́cula num po¸co de
potencial infinito, para os quatro primeiros valores do n´ umero quântico n.
´
Cap. 3 Mecˆanica Quˆantica: O Elétron no Atomo 67

Alguns resultados deste problema simples s˜ao, pelo menos qualitativa-


mente, de validade bastante geral para poços de potencial, independentemente
de sua forma detalhada. S˜ao eles:

• Part´ıculas cujo movimento é confinado a uma região limitada do espaço


só podem ocupar estados (estacion´arios) de energia discreta, ou seja, têm
energia quantizada. Matematicamente isto decorre das condições de
contorno impostas `as fun¸cões de onda nos limites da regi˜ ao. Esta é a
mesma razão pela qual uma corda presa nas extremidades s´o pode vibrar
em certas freq¨uências discretas. O estado de menor energia é chamado
estado fundamental.
• A função de onda de um estado confinado a uma regi˜ao do espaço tem um
certo número de zeros, que é tanto maior quanto maior for sua energia.

Exemplo 3.1: Uma part´ ıcula está no estado fundamental num poço de potencial infinito de largura
L. Calcule: a) Os valores espe rados da posi ¸cão x e do momentum px ; b) Os desvios médios
quadráticos de x e de p x .

a) A fun¸cão de onda da partı́cula no estado fundamental é dada p or ( 3.42) e (3.43) com n = 1,


ψ = A sen (πx/L). Para normalizar a fun¸cão de onda usamos a condi¸cão (3.1),
L L π
π π L π πx
A2 sen2 x dx = A 2 sen2 x dx = A 2 sen2 x d =1 .
0 L 0 L π 0 L L
2
Como sen α é=f´
α (πx/L),
≡ (1 ver
acil cosque
2 α)/2, −o integrando
a integral pode
da primeira ser dividido
parcela é π/2 e em
a daduas parcelas.
segunda Fazendo
é nula. Então,

L π 2
A2 = 1 , logo A = .
π 2 L

O valor esperado de x é
∞ L L
π A2
x= ψ ∗ x ψ dx = A2 x sen 2
L
x dx =
2
x 1 − cos 2π
L
x dx
−∞ 0 0

Para calcular esta expressão usamos a seguinte integral que pode ser resolvida por partes,

1 x
x cos ax dx = cos(ax) + sen(ax) .
a2 a

Aplicando este resultado na integral definida e usando a = 2π/L, verificamos que a segunda
parcela da integral na expressão de x e´ nula. Assim,
L
A2 A2 L2 L
x= x dx = =
2 0 2 2 2
68 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Este resultado era, de certa forma, esperado, pois uma partı́cula que se movimenta livremente
entre x = 0 e x = L tem uma posi¸cão média em x = L/2.
O valor esperado do momentum é,
∞ L
∂ψ π π π
px = ψ∗ ( i )
− dx = −i A2 sen x cos x dx
−∞ ∂x 0 L L L
L
A2 π 2π
= −i sen x dx = 0
2 L 0 L

Este resultado também é natural, pois uma partı́cula que vai e volta dentro de uma caixa,
com energia constante, tem velocidade média nula.
b) O desvio médio quadrático de x é definido por

∆x2 =< x 2 − x2 >


Então
L 2
∆x2 = A2 x2 − L4 sen2
π
L
x dx
0

A2 L 2
=
2
x2 − L4 1 − cos 2π
L
x dx
0

Para resolver esta expressão, usamos o resultado,


2x cos(ax) a2 x2 2 −
x2 cos(ax) dx = + sen(ax) .
a2 a3
Após algumas contas simples obtemos, finalmente,
2
L π2 −6
∆x2 = = 0, 033 L 2
2π 3

O desvio médio quadrático do momentum pode ser calc ulado de maneira semelhante. O
resultado é,
2
π
∆p2x =
L

É interessante notar que as incertezas na determina¸ cão da posi¸cão e do momentum podem


ser consideradas como as raı́zes quadradas dos desvios médios quadráticos. Assim,
1/2
∆x = ∆x2 = 0, 033L = 0, 18 L
1/2 π
∆px = ∆p2x = .
L
O produto dessas duas grandezas d´a,

∆x ∆ px = 0, 18 π = 0, 57 .

Este resultado é consistente com o princ´


ıpio da incerteza, que estabelece como limite mı́nimo
para o produto das incertezas o valor de /2.
´
Cap. 3 Mecˆanica Quˆantica: O Elétron no Atomo 69

3.3.3 Barreira de Potencial-Efeito Túnel

Considere um elétron livre, “propagando” na direção +x, que encontra uma


barreira de potencial de altura V 0 maior do que sua energia E , como ilustrado
na Fig.3.4.

Se a região 1 é semi-infinita a energia do elétron n˜


ao é quantizada. Dese-
jamos saber o que acontece com o elétron ao encontrar a barreira de potencial
maior do que sua ene rgia. Na região 1, como vimos anteriormente, a fun¸cão
de onda do elétron é dada por
ψ1 (x) = A e ikx + B e −ikx , (3.45)

sendo k = (2mE )1/2 /. Na regi˜ao 2 a equa¸cão de Schroedinger leva a


d 2 ψ 2m
= 2 (V0 − E) ψ . (3.46)
dx2 

Sendo ( V0 − E ) > 0, a solu¸cão de (3.46) é


ψ2 (x) = C eγx + D e −γx , (3.47)

onde
γ= 2m(V0 − E )/
 . (3.48)

Veja que na Eq.(3.47) a primeira parcela é uma função que cresce expo-
nencialmente com x enquanto a segunda decai exponencialmente. Isto é uma
conseqüência do fato de a energia do elétron ser menor que a altura da barreira

Figura 3.4: Barreira de potencial.


70 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

de potencial. No caso de E > V0 , o expoente γ em (3.48) é imaginário, e as


duas parcelas em (3.47) representam ondas propagantes (Problema 3.6).

Para determinar as quatro constantes A, B , C e D que aparecem em


(3.45) e (3.47) é preciso usar as condições de contorno para a fun¸cão de onda.
Para x →∞ , a Eq.(3.47) mostra que ψ2 se C = 0. Como a fun ¸cão de
→∞ 
onda não pode divergir, a constante C deve ser nula.

Em x = 0 as fun¸cões de onda nas duas regi˜oes devem ser iguais, pois


ψ e´ contı́nua em todo o espaço. Fazendo C = 0, em (3.47), obtemos com
ψ1 (0) = ψ2 (0),
A+B= D . (3.49)

Em x = 0 a derivada de ψ em relação a x também deve ser cont´


ınua,
dψ1
 =
dψ2
 , (3.50)
dx  0 dx 
0

porque se isto n˜ao fosse verdadeiro, a energia cinética, que é proporcional a


d2 ψ/dx2 seria infinita em x = 0. Usando (3.45) e (3.47) em (3.50), obtemos
ik(A − B) = −γD . (3.51)

Com as duas condições (3.49) e (3.51) podemos determinar as amplitudes


da onda refletida B e da onda transmitida D em função da amplitude da onda
incidente A:
2k (k iγ ) −
D= A , B= A . (3.52)
k + iγ k + iγ

Veja que na regi˜ao 2 a fun¸cão de onda do elétron é


ψ2 (x) = D e −γx , (3.53)

o que mostra que existe uma certa probabilidade do elétron ser encontrado
na região 2. Este é um efeito puramente quântico, pois classicamente uma
partı́cula seria totalmente refletida por uma barreira do potencial maior do
que sua energia. Como ilustrado na Fig.3.5, ψ2 (x) decai exponencialmente
com x e podemos ter ψ 2 (x = a) > 0. Assim, se a barreira tiver uma espessura
finita a , a probabilidade do elétron atravess´
a-la será, aproximadamente,
2
|ψ (a)|
2 = e−2γa . (3.54)
´
Cap. 3 Mecˆanica Quˆantica: O Elétron no Atomo 71

Figura 3.5: Comportamento espacial da fun¸cão de onda para uma partı́cula sujeita a uma
barreira de potencial, como na Fig.3.4.

Este fenômeno quântico é chamado efeito túnel, pois classicamente o elétron


só atravessaria a barreira de potencial se houvesse um t´ unel sob ela. Note que
o resultado (3.54) é aproximado, porque se tivéssemos considerado a largura
da barreira finita desde o inı́cio não poderı́amos ter feito C = 0. Entretanto,

se exp( 2γa ) é suficientemente pequeno, a amplitude C da “onda refletida”
em x = a e´ desprezı́vel e a expressão (3.54) é uma boa aproximação para o
resultado exato.

Exemplo 3.2: Outra aplicação importante da mecˆanica quântica é a de uma part´


ıcula de massa

m submetida a uma intera¸cão com um potencial de oscilador harmˆonico simples do tipo,


1 1
V (x) = kx2 = m ω 02 x2 ,
2 2

2
onde ω0 = k/m e´ a freqüência natural do oscilador. Verifique que as funções ψ0 (x) = A 0 e−ax
2
e ψ1 (x) = A1 x e−ax são autofunções da equa¸cão de Schroedinger para o oscilador harmˆ onico e
determine suas energias.

A equação de Schroedinger para o oscilador harmˆonico tem a forma,


2
d2 ψ 1
− 2m + m ω 02 x2 ψ = E ψ .
dx2 2

Para o estado fundamental temos as seguintes derivadas de ψ0,


dψ0 −ax
2
= −2ax A0 e ,
dx
d2 ψ0 2
−ax
2
= −2a A0 e + 4a2 x2 A0 e −ax .
dx2
72 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Substituindo na equação vem,


2
−ax
2 2 1 2 2
− 2m −2a A0 e + 4a2 x2 A0 e −ax + m ω 02 x2 A0 e −ax = E A0 e −ax .
2

2
Cancelando o fator comum A0 e −ax obtemos,
2 2

m
a − 2 m a2 x2 + 12 m ω 02x2 = E .
Para que esta equa¸cão seja satisfeita para qualquer valor de x, é necessário que o termo em
x2 seja nulo. Isto permite obter o valor da constante a,
a = m ω0 .
2

Substituindo esta expressão na equação anterior vem,


2
a 1
E= = ω0 .
m 2

Esta é a energia do estado fundamental. O procedimento para obter a energia do estado


ψ1 e´ semelhante. Calculamos a derivada d2 ψ1 /dx2 , substituı́mos na equação de Schroedinger e
cancelamos o fator comum, obtendo,
2
1
− 2m −2ax − 4ax + 4a2 x3 +
2
m ω 02 x3 = xE .

Neste caso é preciso anular separadamente todos os termos com potências iguais de x. O
termo em x 3 leva ao mesmo valor de a obtido para o estado fundamental, enquanto o termo em x
dá,
2
a 3
E= 3 = ω0 .
m 2

Esta é a energia do primeiro estado excitado, cuja fun¸cão de onda é precisamente ψ1 . A


solução geral da equa¸cão de Schroedinger para o oscilador harmˆ onico, que est´a apresentada em
detalhe nos livros de mecˆanica quântica, é dada por fun¸
cões do tipo,
2
ψn (x) = c0 + c1 x + c2 x2 + · · · cn xn e−ax ,

onde a função entre parênteses é conhecida como polinˆ


omio de Hermite. A demonstração de que esta
expressão é autofunção da equa¸cão de Schroedinger para o oscilador harmˆ onico é feita de maneira
análoga ao que fizemos para n = 0 e n = 1, que correspondem aos dois estados de menor energia.
A solução geral mostra que a energia do estado excitado de ordem n e´ dada por,
1
En = n+ ω0 .
2

Este é um resultado importante que mostra que os nı́veis de energia dos estados do oscilador
harmônico estão igualmente espaçados, com uma diferen¸ca entre dois n´ıveis consecutivos de ω0 .
´
Cap. 3 Mecˆanica Quˆantica: O Elétron no Atomo 73

3.4 Elétron no Átomo de Hidrogênio

Uma das aplicações simples mais importantes da mecânica quântica é no átomo


de hidrogênio. Foi este um dos primeiros problemas que Schroedinger tratou
com sua equação. A concordˆancia que ele obteve com os autovalores de energia
do modelo de Bohr constituiu o primeiro teste importante da validade de sua
teoria.

O átomo de hidrogênio é o mais simples de todos, pois tem apenas um


elétron de carga e em torno de um pr´oton de carga + e. O potencial que atua

sobre o elétron é devido a` energia de intera¸cão eletrostática:
2
e 1
V (r ) = − 4π 0 r
, (3.55)

onde r e´ a distância entre o elétron e o próton. Apesar da simplicidade deste


potencial, a solu¸cão da equa¸cão de Schroedinger é razoavelmente complicada
por causa de sua natureza tridimensional. Para resolvê-la mais facilmente
devemos usar um sistema de coordenadas esféricas, ilustrado na Fig.3.6, que
utiliza as variáveis r , θ e ϕ para caracterizar a posi¸cão do elétron em relação
ao n´ucleo. Em coordenadas esféricas o operador Laplaciano , que aparece na
Equação de Schroedinger, tem a seguinte forma
∂2
∇ 2
=
1 ∂
 
r2

+
1
+
1 ∂
 senθ

 . (3.56)
r 2 ∂r ∂r r2 sen2 θ ∂ϕ 2 r2 senθ ∂θ ∂θ

Para resolver a equa¸cão de Schroedinger (3.24) com o potencial V (r)


dado por (3.55) e o Laplaciano (3.56), vamos supor que a massa do pr´ oton é

Figura 3.6: Coordenadas esféricas


(r,θ,ϕ ) de ponto P com coordenadas
cartezianas (x,y,z ).
74 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

infinitamente maior que a do elétron. Isto corresponde a dizer que o elétron


se movimenta em torno do n´ucleo sem que este se desloque, o que reduz o
problema de duas partı́culas ao de apenas uma. Na Eq. (3.24) podemos então
desprezar a energia cinética do próton, o que n˜ao seria poss´ıvel se sua massa
não fosse muito grande . Como o p otencial (3.55) depend e apenas da variável
r, é possı́vel encontrar solu¸
cões para a equa¸cão de Schroedinger da forma
Ψ(r,θ,ϕ ) = R (r) Θ(θ ) Φ( ϕ) . (3.57)

Esta solução permite separar a equa¸cão diferencial parcial com três


variáveis em três equações diferenciais ordin´arias nas vari´aveis r, θ e ϕ, se-
melhantemente ao que foi feito para tratar a Eq.(3.16). Substituindo a solução
(3.57) na Eq. (3.24) com o Laplaciano (3.56) obtemos:
2 ∂ 2 RΘΦ
− 2m
 
1 ∂
r2
∂R ΘΦ
+
1
+
r2 ∂r ∂r r2 sen2 θ ∂ϕ 2
1 ∂
 senθ
∂R ΘΦ
 + V (r ) R ΘΦ = E RΘΦ .
r 2 senθ ∂θ ∂θ

Operando as derivadas parciais segue que,


2
R Θ d2 Φ

− 2m
 ΘΦ d
 
r2
dR
+ +

 senθ


r2 dr dr r 2 sen2 θ dϕ2 r 2 senθ dθ

+V (r ) R ΘΦ = E RΘΦ .

Nesta equação substituı́mos o sı́mbolo da derivada parcial pelo da


derivada total porque as funções dependem de apenas uma vari´avel. Multipli-
cando todos os termos por 2mr2 sen2 θ/(RΘΦ 2 ) e rearrumando as parcelas

vem
1 d2 Φ 2
= − senR θ drd
 −
r2
dR senθ d
 senθ

− 2m
r 2 sen2 θ[E − V (r)] .
Φ dϕ2 dr Θ dθ dθ 2
(3.58)

Como o lado esquerdo desta equa¸cão não depende de r ou θ, enquanto que o


direito não depende de ϕ, seu valor comum deve ser uma constante, que vamos
designar por m2 . Assim obtemos duas equa¸cões

d2 Φ 2
dϕ2
= −m  Φ , (3.59)
´
Cap. 3 Mecˆanica Quˆantica: O Elétron no Atomo 75

2
− R1 drd
 −
r2
dR 1 d
 senθ

− 2m
r 2 [E − V (r)] = − senm θ 
.
dr Θsenθ dθ dθ 2 2

(3.60)

A Eq.(3.59) pode ser resolvida por uma fun¸cão de ϕ , enquanto que a Eq.(3.60)
pode ser reescrita na forma

1 d r 2 dR + 2 mr − V (r)] = senm θ − Θsen


1 d senθ dΘ
  2
[E
2

  ,
R dr dr  2 θ dθ
2 dθ

que também pode ser separada nas variáveis r e θ . Usando como constante de
separação  ( + 1), obtemos as equa¸cões nas vari´aveis r e θ :
m 2 Θ

− sen1 θ dθd senθ

 + =  ( +1)Θ (3.61)
dθ sen2 θ

1 d
 
r2
dR
+
2m
[E − V (r)]R = ( + 1) rR . (3.62)
r2 dr dr 2 2

As equações (3.59), (3.61) e (3.62) s˜ ao agora independentes uma das outras


e po dem ser resolvidas separadamente. A solução completa para a fun¸cão de
onda do elétron é o produto das três solu¸cões daquelas equa¸cões.

Vamos considerar inicialmente a equação (3.59) para Φ( ϕ). É fácil ver


que sua solu¸cão é
Φ(ϕ) = eim ϕ . (3.63)

Matematicamente esta função é solução da equação (3.59) para qualquer valor


de m . Entretanto, fisicamente a função de onda do elétron deve ter para ϕ = 0
o mesmo valor que em ϕ = 2π , 4π , 6π , etc. Isto requer que m tenha apenas
os seguintes valores
m = 0, 1, 2, 3,...
| | (3.64)

ou seja, m deve ser um inteiro, positivo ou negativo; ele é um número


quântico. As solu¸cões das Eq.(3.61) e (3.62) s˜ao bem mais complexas. Entre-
tanto elas são equações bem conhecidas, estudadas exaustivamente em disci-
plinas de cálculo avançado. As solu¸cões de (3.61) s˜ao os chamados polinˆomios
76 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

de Legendre associados, e s˜ao finitas somente se  for um n´umero inteiro, po-


sitivo, limitado por
m  .
| |≤ (3.65)

As soluções da equação radial (3.62) s˜ao os polinˆomios de Laguerre, que s˜ao


finitas se a constante E for dada por
me4
E= −2 , (3.66)
2 (4π 0 )2 n2

onde n também é um número inteiro, que satisfaz a rela¸cão


0 ≤≤n−1 . (3.67)

A constante E da Eq.(3.66) é o autovalor de energia da fun¸cão de onda no


átomo de hidrogênio. Este resultado significa que a energia do elétron no
átomo de hidrogênio é quantizada (discreta), semelhantemente ao que ocorre
no poço de potencial infinito estudado na seção 3.3. Substituindo as constantes
em (3.66) podemos exprimir a energia em eV,

E= − 13n, 6 eV
2
. (3.68)

A Fig.3.7 ilustra os nı́veis de energia do poço de potencial infinito e do


poço Coulombiano do elétron no átomo ( V = A/r). Note que em ambos os

casos o menor valor de energia não é o do potencial no fundo do poço, mas sim
um valor acima deste chamado energia de ponto-zero, ou energia do estado
fundamental.

A solução geral da Equa¸cão de Schroedinger para o elétron no átomo de


hidrogênio é dada pelo produto das três fun¸cões nas variáveis r , θ e ϕ , soluções
de (3.59), (3.61) e (3.62), que pode ser escrita na forma
Ψnm (r,θ,ϕ ) = Rn (r )Θm (θ)Φm (ϕ) , (3.69)

onde

Φm (ϕ) = eim ϕ

Θm (θ ) = sen |m | θ × (polinômio em cos θ)


Rn (r ) = e−Cr/n 
r × (polinômio em r) .
´
Cap. 3 Mecˆanica Quˆantica: O Elétron no Atomo 77

Figura 3.7: (a) Representação de um “po¸co” de potencial ao qual um elétron está submetido
pelo núcleo de um ´atomo. (b) Diagrama de um modelo de caixa retangular de potenc ial que
se aproxima, grosseiramente, do potencial visto pelo elétron em torno de um núcleo.

sendo C uma constante. Embora os autovalores de energia do elétron no


átomo com o potencial Coulombiano s´o dependam do n´umero quântico n, as
funções de onda dependem também de  e m . O fato de haver três números
quânticos, em vez de um apenas como no po¸co de potencial estudado na se¸cão
3.3, é uma conseqüência da equação de Schroedinger para o ´ atomo conter
três variáveis independentes. Agrupando as condições (3.64), (3.65) e (3.67),
podemos escrever as rela¸cões entre os n´umeros quânticos na forma

no¯ quântico principal: n = 1, 2, 3,...


no¯ quântico azimutal:  = 0, 1, 2, ...n 1 −
no¯ quântico magnético: m = ,  + 1 ,... 0,...
− − − 1,  .

 é chamado número quântico azimutal porque ele determina a varia¸cão


angular de ψnm . m é chamado número quântico magnético porque define a
separação de energia entre os nı́veis quando o átomo é colocado em um campo
magnético. A Tabela 3.1 mostra as autofunções normalizadas correspondentes
aos três primeiros valores de n para um ´atomo com núcleo de carga + Ze ( Z é
78 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

os
Nquânticos Autofun¸ cões
¯
n  m
 3/2
Z
1 0 0 ψ100 = √1π a0 e−Zr/a 0

  −  3/2
Z Zr
2 0 0 ψ200 = 4√12π a0 2 a0 e−Zr/ 2a 0

3/2

2 1 0 ψ210 = 4√12π aZ0 Zr e−Zr/ 2a cos θ


 a0
0

 3/2
Z Zr
2 1 ±1 ψ21±1 = 8√1 π a0 a0 e−Zr/ 2a senθ e ±iϕ
0

  − 3/2 2 2

Z
3 0 0 ψ300 = 81
√1
3π a0 27 18 Zr Z r
a +2 a
0
2 e−Zr/ 3a 0

√2   −  Z
3/2
Zr Zr
3 1 0 ψ310 = 81
√π a0 6 a0 a0 e−Zr/ 3a cos θ 0

  −  3/2
Z Zr Zr
3 1 ±1 ψ31±1 = 81
1 √π a0 6 a0 a0 e−Zr/ 3a senθ e ±iϕ 0

 3/2
Z Z 2 r2
3 2 0 ψ320 = 81
√1 6π a0 a20
e−Zr/ 3a (3 cos2 θ
0
− 1)
 3/2
Z Z 2 r2
3 2 ±1 ψ32±1 = 81
1 √π a0 a20
e−Zr/ 3a senθ cos θ e ±iϕ
0

3/2
3 2 ±2 ψ32±2 = 1
162

√π Z
a0
Z 2 r2
a20
e−Zr/ 3a sen2 θ e ±2iϕ
0

Tabela 3.1: Autofunções de um ´atomo com Z prótons no n´ucleo e um elétron para os


primeiros valores de n. a0 = 4π 0 2 /me2 é o raio de Bohr.

o número atômico) e apenas um elétron. A função de onda Ψ 100 corresponde


ao estado de menor energia, chamado estado fundamental.

Veja que as fun¸cões de onda Ψ 200 , Ψ210 e Ψ21±1 são bastante diferentes
umas das outras mas têm a mesma auto-energia, pois todas têm n = 2. Os
estados com diferentes funções de onda que têm a mesma energia são chamados
degenerados. É comum encontrar solu¸cões da equa¸cão de Schroedinger que
são estados degenerados.
´
Cap. 3 Mecˆanica Quˆantica: O Elétron no Atomo 79

Para entender o significado das autofun¸ cões do ´atomo de hidrogênio,


vamos calcular algumas grandezas a elas associadas. A primeira é a função
densidade de probabilidade Ψ ∗ Ψ. Como não podemos fazer seu gr´afico em
função das três coordenadas simultaneamente, vamos considerar cada uma
delas separadamente. Inicialmente consideramos a dependência em r . Como a
probabilidade de encontrar o elétron no volume elementar d3 r é Ψ∗ Ψ d 3 r , não
faz sentido estudar o comportamento somente de Ψ ∗ Ψ, pois em coordenadas
esféricas d3 r = r2 senθdrdθdϕ tamb´
em depende de r . Consideramos então a
densidade de probabilidade radial P (r), definida de modo que P (r )dr é a

probabilidade
Para a função de
de encontrar
onda Ψ nmo ,elétron com a coordenada
esta densidade é dada porradial entre r3.16)
(Problema e r + dr.

Pn (r) = r 2 Rn



(r )Rn(r ) , (3.70)

onde o fator r 2 é devido ao volume da região entre as esferas de raio r e


r + dr . Veja que o n´umero quântico m não influencia na densidade radial
pois a fun¸cão exp( im ϕ) desaparece no produto com o complexo conjugado.
A Fig.3.8 representa a densidade de probabilidade radial das autofun¸ cões do
átomo de hidrogênio para n = 1, 2 e 3, através de grandezas adimensionais
nos dois eixos. Esta figura mostra que os elétrons n˜ao s˜ao partı́culas com
órbitas bem definidas, como previsto no modelo de Bohr. Na verdade cada
elétron ocupa a região em torno do n´ucleo, com uma distribui¸cão no espa¸co
tal que a probabilidade de encontr´a-lo é máxima num certo raio, cujo valor
aumenta quando n cresce. Considere o estado fundamen tal ( n=1), isto é, o
estado de mı́nima energia. Vamos calcular a posição de m´aximo da densidade
de=probabilidade.
Z 1 e ignorando Para isto substituı́mos
a constante a autofunção
de normaliza¸cão Ψ100obtemos:
em (3.70), da Tabela 3.1 com

P10 (r ) = e−2r/a0 r 2 ,

que é proporcional à função mostrada na Fig.3. 8. O m´aximo desta fun¸cão é


dado por
dP10 (r)
= 2r e −2r/a0
− 
1
r
=0 .
dr a0

Isto leva ao raio de m´ axima probabilidade de encontrar o elétron no


estado de menor energia. Veja que seu valor é exatamente o raio de Bohr:
4π 0 2
r = a0 =
me2
 0, 53 Å .
80 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

A variação angular da densidade de probabilidade pode ser representada


de várias maneiras diferentes. Uma delas é através do gráfico polar, no qual
a amplitude da densidade de probabilidade de encontrar o elétron na posição
(x,y,z ) é representada pela distância do ponto ( x,y,z ) à srcem. A Fig.3.9
mostra os gr´aficos polares correspondentes aos n´umeros quânticos  = 0 e
 = 1. Esses gr´aficos d˜ao uma idéia do que seria a “nuvem” eletrônica em
cada estado. Eles mostram claramente que o elétron não é caracterizado por
uma órbita no sentido cl´assico, mas sim por uma densidade de probabilidade

Figura 3.8: Densidade de probabilidade radial para o elétron num átomo de hidrogênio para
os valores de n e de  indicados. Os triˆangulos indicam os valores médios de r [Eisberg e
Resnick].
´
Cap. 3 Mecˆanica Quˆantica: O Elétron no Atomo 81

Figura 3.9: Representação da fun¸cão Θ(θ)Φ(ϕ) 2 , que é proporcional às densidades de


| |
probabilidade eletrônicas para  = 0 e  = 1.

de ser encontrado em cada ponto. Entretanto, a variação da densidade com


a posi¸cão sugere o nome orbital para designar as fun¸cões de onda atˆomicas.
Como o n´umero quântico  determina a forma de varia¸cão angular do orbital,
ele é muito importante e é designado por letras provenientes da interpreta¸ cão
dos espectros de emissão de radia¸cão do átomo de hidrogênio. Os orbitais com
 = 0, 1, 2, 3, 4,... são designados pelas letras s,p,d ,f,g,... A Fig.3.10 mostra
outra forma de representar as densidades eletrˆonicas, que leva em conta sua
variação com a distˆancia radial e a posi¸cão azimutal.

Antes de encerrar esta se¸cão é preciso mencionar dois fatos importantes


relativos ao átomo de hidrogênio: primeiro é que o elétron tem, além de massa
e carga, um spin. O nome spin vem do inglês e significa rotação. Classica-
mente o spin corresponderia a uma rota¸cão do elétron em torno de si mesmo,
analogamente ao que ocorre com o planeta Terra. Entretanto, o elétron não
é propriamente uma partı́cula e não tem sentido falar em rota¸ cão em torno
dele mesmo. O spin é uma entidade quântica, que surge naturalmente de uma
teoria quântica relativ´
ıstica. O spin do elétron é caracterizado por um quarto
número quântico, que pode ter dois valores ms = 1/2 (corresponderia `a
±
rotação em um sentido em torno de um eixo, ou no sentido oposto). Como
o spin resulta em um dipolo magnético, o potencial que aparece na equação
de Schroedinger para o átomo de hidrogênio é na verdade mais complexo do
que (3.55). Conseqüentemente sua solu¸cão é mais complexa do que vimos.
82 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Entretanto, como o efeito do spin é relativamente pequeno, o problema pode


ser tratado aproximadamente com teoria de perturba¸cão. O principal re-
ao depende apenas do n´umero quântico n ,
sultado é que a energia do elétron n˜
mas depende também do número quântico orbital . Entretanto a separação
de energia de estados com mesmo n e diferentes  ’s é pequena comparada com
a separação de estados com n ’s diferentes.

A outra observação importante é sobre as transições eletrônicas. Quando


o elétron é “colocado” num certo estado eletrˆ
onico caracterizado por uma auto-
função da equação de Schroedinger, ele permanece nesse estado se n˜ ao houver
qualquer perturbação no ´atomo. Uma perturbação possı́vel é a da radiação
eletromagnética, que contribui para a equação de Schroedinger com um poten-
cial variável no tempo. Como veremos no Capı́tulo 8, a teoria quântica mostra

Figura 3.10: Ilustrações em diferentes escalas das densidades de probabilidade eletrônicas


nos vários estados do ´atomo de hidrogênio. O eixo dos z está colocado no plano da folha
[Pohl].
´
Cap. 3 Mecˆanica Quˆantica: O Elétron no Atomo 83

que o elétron pode passar para um estado de maior energia p ela absor¸cão de
um fóton de freq¨uência ν , desde que a diferen¸ca entre as energias do estado
final f e do estado inicial i seja igual a energia do f´ oton, isto é,
Ef −E i = hν. (3.71)

Esta expressão nada mais é do que a equação de conservação de energia.


O elétron também pode passar de um estado de energia mais alta para outro
de menor energia pela emiss˜ao de f´otons com freq¨uência dada por ν = E/h , 
sendo
de  E a ediferença
absorção emissão de
de energia entre do
luz no inı́cio os dois n´
ıveis.
Século XX As medidas
foram muitodos espectros
importantes
para mostrar que era necess´aria uma teoria nova para o ´atomo de hidrogênio.
Posteriormente, a comparação com resultados experimentais foi decisiva para
a aceitação da teoria quˆantica. Até hoje as técnicas de espectroscopia ótica
são muito utilizadas para o estudo e para a identifica¸ cão de ´atomos, moléculas
e sólidos. A Fig.3.11 mostra diversas transi¸cões entre nı́veis de menor energia
no átomo de hidrogênio. A teoria quântica mostra que as transi¸cões acompa-
nhadas de emissão ou absorção de fótons só podem ocorrer quando os n´umeros
quânticos orbitais dos estados inicial e final diferem de 1, ou seja,  = 1.  ±

Figura 3.11: Representação de transições com absorção ou emiss˜ao de fótons entre nı́veis de
energia do ´atomo de hidrogênio. As linhas diagonais mostram as transições poss´ıveis. Os
comprimentos de onda correspondentes estão indicados em Angstroms.
84 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Isto é uma regra de sele¸cão. Somente quando dois estados têm distribuições
 ±
de carga com orbitais diferindo de  = 1, o campo elétrico consegue induzir
transição de dipolo elétrico entre eles. Por esta razão as linhas que indicam
as transições na Fig.3.11 s˜ao diagonais. Se o campo é linearmente polarizado,
outra regra de seleção é ∆m = 0. Mas se o campo é circularmente polarizado,
a regra é ∆m = 1.
±

3.5 Átomos de Muitos Elétrons

Nos átomos com mais de um elétron o potencial V que entra na equa¸cão de


Schroedinger é muito mais complicado que no átomo de hidrogênio. Isto resulta
do fato de que cada elétron interage não apenas com o n´ucleo, mas também
com os outros elétrons. Assim, o “movimento” de um elétron, e portanto sua
função de onda, afeta todos os outros elétrons. É poss´ıvel escrever a equação
de Schroedinger para o problema, mas não é poss´ıvel resolvê-la analiticamente.
A solução só pode ser obtida aproximadamente através de cálculos numéricos
em computador. Para isto existem vários métodos de aproximação, sendo o
do campo médio o mais simples.

O método do campo médio , proposto por D.R. Hartree, é essencial-


mente o seguinte: escreve-se a equação de Schroedinger para um certo elétron
levando em conta a interação com o n´ucleo e com os outros elétrons. Porém, o
potencial de interação com os outros elétrons é considerado apenas na média,
sendo desprezadas as intera¸cões instantâneas. Para resolver o problema para
Z el´etrons supõe-se inicialmente que cada elétron tenha uma certa função de
onda tentativa. Com as densidades eletrônicas correspondentes calcula-se o
campo médio ao qual um certo elétron est´ a submetido devido aos outros Z 1 −
elétrons. Resolvendo a equação para este elétron obtém-se uma função mais
aproximada da verdadeira: o procedimento é então repetido para os outros
Z 1 elétrons, ao fim do qual todas funções de onda s˜ao melhores do que

as srcinais. Este processo é repetido v´arias vezes, até que as diferenças en-
tre as fun¸cões obtidas em ciclos sucessivos sejam desprezı́veis. No final obte-
mos um conjunto auto-consistente de orbitais atômicos, bem como as energias
eletrônicas correspondentes.

Uma vez obtidos os orbitais atˆomicos, a pergunta seguinte é: como os Z


elétrons do átomo se distribuem nesses orbitais, ou seja, nos nı́veis de energia?
A distribuição é baseada em dois princı́pios fundamentais: o primeiro é o que
determina que os elétrons devem ocupar os estados de mais baixa energia
´
Cap. 3 Mecˆanica Quˆantica: O Elétron no Atomo 85

possı́vel. Entretanto, eles não podem ir todos para o estado fundamental,


devido ao princı́pio de exclusão de Pauli . De acordo com este princı́pio,
dois elétrons não podem ocupar exatamente o mesmo esta do. Como cada
elétron pode ter spin m s = 1/2, a distribuição no átomo é feita preenchendo-
±
se os estados de menor energia, a partir do estado fundamental, sucessivamente
com dois elétrons cada. Assim, na configuração de menor energia, um ´atomo
de número atômico Z tem dois elétrons com números quânticos n = 1,  = 0,
m = 0, dois com n = 2,  = 0, m = 0, dois com n = 2,  = 1, m = 1, ±
e assim sucessivamente. Veja que um orbital  pode ter m = 0, 1,... , ± ±
e portanto
são comporta
representados por2(2  +correspondentes
letras 1) elétrons. Para
aosfacilitar
valores adonotação,
n´ umero osquântico
orbitais
. Para  = 0, 1, 2, 3, 4... dá-se o nome de orbital s,p,d,f,g,... respectivamente.
Da mesma forma, ao n´umero quântico n atribui-se uma letra que representa
a “camada”, sendo as letras K,L,M,N,O, ... associadas respectivamente a n =
1, 2, 3, 4, 5,... .

O elemento cujo ´atomo tem um elétron é o hidrogênio. No estado fun-


damental este elétron tem orbital representado por 1s. No elemento com dois
elétrons, o hélio, ambos os elétrons têm orbital 1s. Seu estado fundamental é
representado por 1s 2 . Como na camada K, de orbital 1s, somente cabem dois
elétrons, o átomo de hélio é formado por uma “camada fechada”. Este fato
confere a ele uma grande estabilidade quı́mica, e por isto é chamado de gás
nobre. O átomo seguinte é o lı́tio, com três elétrons e portanto representado
pela notação 1s 2 2s. Assim, os elétrons vão preenchendo sucessivamente esta-
dos orbitais e conferindo aos elementos caracterı́sticas quı́micas próprias. É
importante notar, entretanto, que vários elementos têm propriedades quı́micas
semelhantes, pois h´a uma repeti¸cão periódica na forma¸cão das camad as. Por
exemplo, o átomo de argônio tem dez elétrons, com a configuração 1s 2 2s2 2p6 .
Portanto ele tem duas camadas (K e L) fechadas e tem propriedades semelhan-
tes as do hélio. O sódio, com onze elétrons, tem configuração 1s 2 2s2 2p6 3s e tem
propriedades semelhantes as do lı́tio. Esta periodicidade de comportamento
com o n´umero atômico Z e´ a razão do nome Tabela Peri´odica, na qual os
elementos são organizados, como mostrado na Tabela 3.2. Nesta Tabela est˜ ao
apresentados o n´umero atômico Z de cada elemento, bem como o n´ umero
de elétrons e os orbitais correspondentes das últimas camadas ocupadas. A
Tabela Periódica do Apêndice C contém outros dados importantes sobre os
elementos.
86 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Tabela 3.2: Tabela Periódica dos elementos. A nota¸cão espectroscópica indica o n´umero de
elétrons e os orbitais correspondentes das últimas camadas ocupadas.

REFERÊNCIAS

A. Chaves, Fı́sica, Ondas, Relatividade e Fı́sica Quˆantica, Reichman &


Affonso Editores, Rio de Janeiro, 2001.
R. Eisberg e R. Resnick, F´
ısica Quˆantica, Editora Campus, Rio de Janeiro,
1988.
S. Gasiorowicz, F´
ısica Quˆantica, Editora Guanabara Dois, Rio de Janeiro,
1974.
J. Leite Lopes, A Estrutura Quˆantica da Matéria, Editora UFRJ, Rio de
Janeiro, 1992.
H.A. Pohl, Introdu¸
c˜ao à Mecˆanica Quˆantica, Edgard Blücher, Universidade
de São Paulo, 1971.
´
Cap. 3 Mecˆanica Quˆantica: O Elétron no Atomo 87

L. Solymar and D. Walsh, Lectures on the Electrical Properties of Materials ,


Oxford University Press, Oxford, 1993.
ısica , Volume 3, 4 a¯ Edição, Livros Técnicos e Cient´
P.A. Tipler, F´ ıficos Edi-
tora S.A., 2000.

PROBLEMAS

3.1 Mostre que a soma das fun¸cões de onda ψ 1 = A e ikx−iωt e ψ2 = B e −ikx−iωt


é solução da equação de Schroedinger (3.17) para uma part´ıcula de massa
m num potencial constante, V = V 0 , e obtenha a rela¸cão entre k e ω .
3.2 Calcule as constantes A1 e A2 , definidas na Eq.(3.42), de modo a nor-
malizar as duas autofun¸cões de onda de menor energia de uma partı́cula
num poço de potencial infinito.
3.3 Calcule a diferença das energias, em eV, dos dois estados de menor energia
de um elétron num poço de potencial infinito de largura: a) L = 30 Å; b)
L = 1 cm.
3.4 Considere um elétron num po¸co de potencial infinito de largura L,
no primeiro estado excitado. Calcule: a) O valor es perado da
posição x do elétron; b) O desvio médio quadr´atico da posição,
∆x2 = < ( x < x >)2 >; c) O valor esperado do momentum px ; d) O

desvio médio quadrático do momentum; e) O produto das incertezas
 
x px .
3.5 Um elétron move-se com velocidade constante na direção de uma barreira
de potencial, como aquela ilustrada na Fig.3.4. Sendo a energia E do
elétron maior que a altura V0 da barreira, calcule as probabilidades do
elétron refletir ou ultrapassar a barreira, em função de E e V0 . Obtenha
os valores numéricos para E = 2V0 .
3.6 Um elétron move-se com energia E numa multicamada formada por dois
filmes espessos de um semicondutor A, separados por um filme fino de
outro semicondutor B , de espessura d. Em primeira aproximação, o po-
tencial visto pelo elétron é o que est´
a mostrado abaixo:
a) Sendo E > V0 , calcule a probabilidade do elétron, inicialmente na ca-
mada A da esquerda, atravessar perpendicularmente a camada B e atingir
88 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

a camada A da direita; b) Qual é a condição para que a probabilidade


calculada em a) seja 1; c) Calcule a espessura d para que a probabilidade
do elétron atravessar a barreira seja 1, para E = 1, 0 eV e V0 = 0,8 eV;
d) Sendo V 0 = 1,2 eV e d o valor obtido em c), calcule a probabilidade do
elétron atravessar a camada B.
3.7 Considere a situa¸cão do Problema 3.6 com E < V0 . Calcule a probabili-
dade do elétron atravessar a camada B para E = 1, 0 eV, V0 = 1,2 eV e
d = 5 Å (efeito túnel).
3.8 Obtenha a fun¸cão de onda e a energia do segundo estado excitado do
oscilador harmônico simples. (Sugestão: use a fun¸cão polinomial no final
do exemplo 3.2 com n = 2).
3.9 Calcule as energias, em eV, dos estados do ´atomo de hidrogênio com n =
1, 2 e 3 e obtenha as freq¨ uências, em Hz, de todas transições possı́veis

entre estes nı́veis.


3.10 a) Mostre que o comprimento de onda do f´ oton absorvido, ou emitido,
numa transição entre os nı́veis n1 e n2 de um ´atomo de hidrogênio é, em
Angstroms,
911 n21 n22
λ(Å) = .
n22 n21

b) Compare o resultado obtido no Problema 3.9 para os nı́veis n = 2 e
n = 3 com o desta express˜ao. Em qual regi˜ao do espectro eletromagnético
situa-se a radia¸cão envolvida nesta transição?
3.11 A atra¸cão de um elétron por um buraco num semicondutor, pode ser
descrita através do potencial Coulombiano
2
e
U (r ) = − 4πr ,
´
Cap. 3 Mecˆanica Quˆantica: O Elétron no Atomo 89

onde  e´ a permissividade do material. Ao contr´ario do ´atomo de


Hidrogênio, em que o núcleo é muito mais pesado do que o elétron, os
nı́veis de energia dependem da massa reduzida (µ) do par elétron-buraco:
µe4
En = E c −2 .
2 (4π )2 n2

Onde Ec é a energia da banda de condu¸cão. Para o Cu 2 O, que tem


 = 100 , as freq¨uências das transições correspondentes obtidas experi-
mentalmente podem ser descritas por:

ν (cm−1 ) = 17 .508 − 800


n 2
.

a) A partir dos resultados acima , determine a massa reduzida do par


elétron-buraco; b) Determine também o raio médio daorbita
´ para o estado
ψ100 ; c) Desenhe os nı́veis de energia em relação à energia da banda de
condução.
3.12 Verifique, por substituição direta, que a autofun¸cão ψ 100 dada na Tabela
3.1, é solução da equa¸cão de Schroedinger independente no tempo, e
obtenha os valores das constantes a0 e E .
3.13 Mostre que as autofun¸cões ψ 100 e ψ 211 dadas na Tabela 3.1 s˜ao normali-
zadas.
3.14 A partir da express˜ao do operador momentum angular dada na Se¸ cão
3.1.2 , pode-se mostrar que em coordenadas cartesianas sua componente
z é dada por
Lzop = i∂/∂ ϕ
− .

e seu m´odulo ao quadrado é


∂2
L2op = −

2
 1 ∂ ∂
(senθ ) +
1
 .
senθ ∂θ ∂θ sen2 θ ∂ϕ 2

a) Mostre que as autofun¸ cões ψnm do átomo de hidrogênio são auto-


funções de Lzop e dê uma interpretação para o n´umero quântico m ; b)
Mostre que ψnm são autofunções de L 2op e interprete o n´umero quântico
 (Sugestão: use a express˜ao acima combinada com a Eq.(3.61).
3.15 Um elétron no átomo de hidrogênio tem função de onda ψ = A(6 −
r/a0 ) ar0 e−r/3a0 senθ e iϕ . Substitua esta fun¸cão na equação de Schroedinger
e encontre a energia do elétron.
90 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

3.16 Faça a integral da densidade de probabilidade Ψ ∗ Ψ no volume com-


preendido entre as esferas de raios r e r + dr , para a fun¸cão de onda do
átomo de hidrogênio dado pela Eq.(3.69), e mostre que a densidade de
probabilidade radial é dada pela Eq.(3.70).
Capı́tulo 4

Elétrons em Cristais

4.1 Bandas de Energia em Cristais 92

4.2 Condutores, Isolantes e Semicondutores 98

4.3 Massa Efetiva 101

4.4 Distribuição
Comportamento dos Elétrons em T > 0
de Fermi-Dirac 103

4.5 O Mecanismo da Corrente Elétrica em Metais 109

REFERÊNCIAS 115

PROBLEMAS 116

91
92 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Elétrons em Cristais

4.1 Bandas de Energia em Cristais

Neste Capı́tulo estudaremos algumas propriedades básicas de elétrons em


cristais, que s˜ao fundamentais para a compreens˜ao dos mecanismos respon-
sáveis pela corrente elétrica num material e, portanto, por sua utilização na
Eletrônica.

Como vimos no Capı́tulo anterior, um elétron num átomo isolado tem


estados quânticos estacionários caracterizados por nı́veis de energia discretos
e quantizados, correspondendo aos orbitais atômicos designados por 1s, 2s,
2p, 3s, 3p, 3d, et c. Num ´atomo com muitos elétrons, o estado fundamental
é obtido distribuindo os vários elétrons nos nı́veis de menor energia possı́vel,
obedecendo ao Princı́pio de Exclusão de Pauli. Como o elétron é dotado de
spin, cada estado orbital comporta dois elétrons com spins opostos. A pergunta
que fazemos agora é então: como são modificados os estados eletrônicos quando
aproximamos um grande número de átomos (cerca de 1022 /cm3 ) para fazer um
cristal?

O problema quˆantico é muito mais complicado do que num átomo iso-


lado, pois os elétrons de cada átomo são sujeitos `a interação com os ´atomos
vizinhos. Uma primeira explicação do que ocorre é a seguinte: Ao trazermos
um átomo isolado para pr´oximo de outro, os nı́veis de energia de cada um são
perturbados levemente pela presença do vizinho. Se aproximarmos um grande
número de ´atomos, teremos um grande n´ umero de nı́veis próximos uns dos
outros, formando uma banda de energia quase contı́nua. Isto está mostrado
na Fig.4.1, que apresenta a varia¸cão das energias dos estados eletrˆonicos com
a distância interatômica para N átomos de s´odio, cuja configura¸cão é (1s)2
Cap. 4 Elétrons em Cristais 93

Figura 4.1: Formação de bandas de nı́veis de energia devido à aproximação dos ´atomos em
um sólido.

(2s)2 (2p)6 (3s). Para uma distˆancia infinita, os nı́veis de energia de estados
equivalentes coincidem e são iguais aos de um ´ atomo isolado. À medida que
a distância diminui, os nı́veis se separam devido à interação com os vizinhos,
dando srcem à v´arias bandas de energia. Na distˆancia de separa¸cão atômica
de equil´ıbrio r = a, temos quatro bandas, cada uma correspondendo a um
estado orbital. É claro, então, que o n´umero de nı́veis em uma banda é igual
a 2(2  + 1)N sendo  o número quântico orbital. Esta descrição do apareci-
mento das bandas de energia é extremamente simplificada e esconde algumas
caracterı́sticas essenciais dos estados eletrônicos. Na realidade, é a natureza
ondulatória dos elétrons nos cristais que dá srcem ` as bandas de energia, de
maneira análoga à formação dos vários ramos na relação de dispersão de ondas
elásticas, como aqueles da Fig.2.10.

O cálculo quântico dos estados eletrˆonicos e das energias num s´ olido é


bastante complexo, e só pode ser feito com várias aproximações no problema. A
primeira consiste em supor que os n´ucleos dos átomos são fixos e com posi¸cões
conhecidas na rede cristalina. Outra aproximação consiste em considerar que o
problema envolve um só elétron (modelo de um elétron), e que todos os outros
elétrons são considerados parte integrante dos ı́ons que criam um potencial
periódico. Isto est´a ilustrado na Fig.4.2, que mostra qualitativamente o poten-
cial visto por um elétron ao longo de um eixo no cristal. O potencial periódico
ao qual o elétron está submetido leva `a soluções da equação de Schroedinger
cujas energias formam bandas . Como a solu¸cão para um potencial peri´odico,
94 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 4.2: (a) Energia poten cial V de um elétron ao longo do eixo x do cristal mostrado
em (b).

mesmo o mais simples, é complexa, vamos entender o que ocorre com um mo-
delo aproximado. No caso dos metai s alcalinos, como o s´odio, o elétron 3s
da última camada vê um potencial do núcleo muito blindado pelos elétrons
interiores, de modo que ele fica quase livre. Para este elétron podemos supor,
em primeira aproximação, que o potencial é um poço com paredes infinitas nas
superfı́cies do cristal e constante no seu interior, como na Fig.3.2. Neste caso,
como vimos na Se¸cão 3.2, as autofun¸cões do elétron são do tipo

Ψ(r, t) = A e i(k.r−ωt) , (4.1)

sendo suas energias


2 k 2
E = ω = , (4.2)
2m

onde k é sujeito a condições do tipo (3.43). A rela¸ cão de dispers˜ao (4.2) est´a
representada pela curva tracejada na Fig.4.3. Entretanto, como o potencial
não é constante no interior do poço, sua pequena varia¸cão peri´odica altera a
propagação da onda de elétron (4.1) e conseqüentemente a relação de dispersão
(4.2). Esta altera¸cão pode ser compreendida em analogia com o efeito de uma
rede de difra¸cão. Considerando a periodicidade da rede em uma dimens˜ ao, as
ondas mais afetadas s˜ao as que têm vetor de onda satisfazendo a condição de
Bragg
2 a senθ = m λ = m 2π /k . (4.3)

As ondas que satisfazem a rela¸cão (4.3) s˜ao refletidas pela rede, dando
srcem a uma onda estacion´aria. Dependendo da configuração espacial da onda
Cap. 4 Elétrons em Cristais 95

Figura 4.3: Modifica¸cão da rela¸cão de dispersão pelo efeito do potencial periódico no modelo
de elétron quase livre.

estacionária em relação à rede, ela pode ter dois valores de energia. Assim,
nos pontos k = mπ/a, onde m é um inteiro positivo ou negativo, a curva
de dispersão quebra-se em duas. Isto dá srcem ` as linhas cheias da Fig.4.3,
que representam a rela¸cão de dispersão do elétron no potencial periódico. A
separação das linhas resulta em bandas, ou faixas, de energia para os estados
eletrônicos. Os elétrons só podem ocupar estados cuja energia est´ a em uma
das bandas da Fig.4.3.

O modelo de um s´olido como um po¸co de potencial com elétron quase


livre é uma aproximação razoável para um metal como o s´odio. Em um cristal
mais complexo, entretanto, as fun¸cões de onda do elétron não têm a forma
da onda plana simples (4.1). Apesar disso o problema ainda pode ser tratado
com ondas planas por causa de um resultado geral de grande importˆ ancia, o
teorema de Bloch, que resulta da invariância dos cristais a transla¸cões. Vamos
supor que um meio seja caracterizado em certo ponto por uma grandeza U (r),
invariante no tempo. O meio tem simetria de transla¸cão em rela¸cão a esta
grandeza quando o seu deslocamento por um vetor m´ ultiplo de certo vetor
unitário o deixa inalterado. Em outras palavras quando

U (r + na) = U (r) , (4.4)

onde n e´ um número inteiro qualquer. Um exemplo simples de invariância


de translação é o de meio homogêneo e contı́nuo, no qual (4.4) se aplica para
um vetor a → 0. Outro exemplo que nos interessa diretamente é o de um
cristal perfeito, no qual parâmetros repetem-se regularmente de um ponto
96 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

para outro distantes de um vetor primitivo da célula unitária. Na equa¸cão de


Schroedinger, a simetria de translação (4.4) leva a solu¸cões do tipo

Ψk (r, t) = e±ik.r uk (r, t) , (4.5)

onde u k (r, t) é uma funç˜


ao com a mesma periodicidade que U (r). Esta função
de onda representa uma onda plana, cuja amplitude é modulada por uma
função peri´odica que reflete o efeito do potencial cris talino. As fun¸cões (4.5)
são chamadas funções de Bloch . Este resultado, que pode ser demonstrado
por sua substitui¸cão na equa¸cão de Schroedinger é de grande importância
em cristais, pois se aplica a qualquer tipo de excita¸ cão. As ondas elásticas
estudadas no Capı́tulo 2 são um exemplo de que (4.5) vale para uma cadeia
periódica. No caso de elétrons, a conseqüência importante de (4.5) é que eles
são descritos no cristal por ondas, caracterizadas por um vetor de onda k e
energia Ek . A energia é função, não apenas do m´odulo de k, mas também de
sua direção no cristal. Por isso, as bandas de energia devem ser representadas
para as várias direções de k no cristal. Como k pode ter qualquer dire¸cão, em
geral representa-se a variação de E k com k para as dire¸cões de maior simetria
nos cristais. Assim a Fig.4.3 pode representar a varia¸cão da energia com o
vetor de onda na direção [100] de um cristal c´ubico. Esta forma de representar
a energia dos estados eletrˆonicos é chamada de esquema da zona estendida.

Outra forma mais ´util de representar as bandas de energia é no chamado


esquema de zona reduzida. Veja que um elétron com vetor de onda π/a < k < −
π/a está na primeira zona de Brillouin, e tem energia na primeira banda. Um

Figura 4.4: (a) Ilus tração do deslocamento das bandas na segunda zona de Brillouin de
±2π/a. (b) Esquema de bandas reduzido `a primeira zona, resultante desse deslocamento.
Cap. 4 Elétrons em Cristais 97

elétron com vetor de onda k  , π/a < k  < 2 π/a, na segunda zona de Brillouin
tem energia em outra banda. Entretanto, se subtrairmos de k  um vetor de
onda G = 2π/a, isto resultar´a num vetor de onda k = k  G que, por causa

do resultado (4.5), tem efeito idêntico ao de k  . Então é poss´ıvel transladar as
bandas no espaço de momentum de um m´ultiplo de G , isto é, n 2 π/a, de modo
a levar todas as bandas para a primeira zona de Brillouin. Esta opera¸cão,
mostrada na Fig.4.4 para as primeiras bandas, resulta no esquema de bandas
reduzido à primeira zona. Neste esquema fica evidente que n˜ao há estados
eletrônicos entre as bandas de energ ia. Por esta raz˜ao, as regi˜oes entre as

bandas são chamadas faixas proibidas.


No caso de um cristal tridimensional a representa¸ cão das bandas é um
pouco mais complicada. A Fig.4.5(b) mostra a estrutura de bandas do co-
bre cristalino com a rede c´ ubica de faces centradas. A Fig.4.5(a) mostra as
superfı́cies que limitam a primeira zona de Brillouin para a rede fcc. Evi-
dentemente, no cristal tridimensional não é possı́vel representar a varia¸ cão da
energia em todas direções de k. Então, escolhe-se as principais direções de k na
primeira zona de Brillouin, mostradas em (a). O eixo horizontal é segmentado
e em cada trecho representa-se o módulo de k em cada dire¸cão, indicada pelas
letras que designam os pontos caracterı́sticos da zona de Brillouin. Note que
para cada vetor de onda k o elétron pode ter várias funções de onda, cada uma
com energia diferente.

Para encerrar esta seção é importante chamar a atenção de que devido `as
condições de contorno nas superfı́cies do cristal, k não pode assumir qualquer
valor, ele varia discr etamente. Por isso o número de estados em cada banda é
finito. Se o n´umero de células unitárias no cristal é N , cada banda contém
2N estados eletrônicos, onde o fator 2 é devido aos dois estados poss´ıveis para
o spin. Este resultado vem da Eq.(3.43) generalizada para três dimensões. Em
uma dimensão, k pode assumir valores mπ/Na, onde N e´ o número de células
unitárias de comprimento a. Como m é um inteiro e positivo, entre 0 e π/a
há N valores diferentes para k , e, portanto, o n´umero de estados eletrˆonicos
em cada banda é 2N (Note que se deixarmos k assumir valores positivos ou
negativos, como é mais apropriado para uma onda progressiva como (4.1), é
preciso mudar as condi¸cões de contorno de modo que k = m 2π/Na, sendo m
inteiro positivo ou negativo).

A forma¸cão do estado fundamental do s´ olido é feita com o preenchi-


mento dos nı́veis discretos de menor energia pelos elétrons, analogamente ao
que ocorre num ´atomo. Como veremos na pr´oxima seção, o resultado deste
preenchimento determina se o sólido é isolante ou condutor elétrico.
98 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 4.5: (a) Prime ira zona de Brillouin de um cristal fcc; (b) Estr utura de bandas de
energia do cobr e fcc calc ulada teoricamente [B. Segal , Phys. Rev. 125, 109 (1962)]. A
energia de Fermi E F será definida na se¸cão 4.4.

4.2 Condutores, Isolantes e Semicondutores

Num cristal com n el´ etrons, o estado fundamental é obtido preenchendo os


nı́veis de menor energia de modo a ter somente um elétron em cada estado.
Como há 2N estados em cada banda, o n´umero de bandas ocupadas no estado
fundamental é n/2N . Como n/N e´ o número de elétrons por célula unit´
aria, ele
é um número inteiro, e portanto n/ 2N é inteiro ou semi-inteiro. Logo, em um
cristal a T = 0 K (estado fundamental), h´a várias bandas cheias com elétrons,
sendo a ´ultima necessariamente preenchida p or completo ou pela metade. As
propriedades de condução do cristal dependem fundamentalmente do fato da
Cap. 4 Elétrons em Cristais 99

Figura 4.6: Ocupação das bandas em isolante s (a) e em condutores (b). As regi˜oes hachu-
radas representam as faixas de energia ocupadas pelos elétrons.

última banda estar cheia ou n˜ao. Isto é devido ao fato do vetor de onda k ter
qualquer direção e das bandas serem simétricas, o que resulta em:
(4.6)
Σ k = 0
todos estados
de uma banda

Os isolantes, isto é, materiais que não conduzem corrente elétrica, são
cristais que têm a última banda compl etamente cheia. Nestes cristais, a
aplicação de um campo elétrico externo não pode alterar o momentum to-
tal dos elétrons que é nulo, pois todos estados disponı́veis estão ocupados.
Logo não há passagem de corrente elétrica quando o campo é aplicado. Ent˜ ao,
a condição necessária para um cristal ser isolante é que ele tenha um número
par de elétrons por célula unitária (a condi¸cão não é suficiente, como veremos
a seguir). A Fig.4.6(a) mostra uma possı́vel distribuição das ´ultimas bandas e
sua ocupação por elétrons num cristal isolante. O nı́vel de energia acima do
qual não há estados ocupados a temperatura T = 0 K é chamado n´ ıvel de
Fermi E . Na Se¸cão 4.4 discutiremos, em mais detalhe, o importante papel
que o nı́vel de Fermi desempenha nas propriedades dos sólidos.

Os materiais condutores, também chamados metais, são os que têm a


última banda semi-cheia. Isto ocorre sempre que o n´umero de elétrons por
célula unitária for ı́mpar. Neste caso é possı́vel mudar os estados dos elétrons
com um campo elétrico, resultando em uma corrente elétrica. Nesta categoria
estão os metais alcalinos (Li 3 , Na11 , K19 , etc.) e os metais nobres (Cu 29 , Ag47 ,
Au79 ), que têm um número ı́mpar de elétrons, sendo os de maior energia ex-
ternos a última camada completa. A Fig.4.6(b) ilustra a ocupação das bandas
100 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 4.7: Ocupa¸cão das bandas de energia em semi-metais.

nestes metais e o nı́vel de Fermi. É poss´ıvel também ter um metal formado


por ´atomos com n´umero par de elétrons na célula unitária, como os metais
alcalinos terrosos (Be 4 , Mg12 , Ca20 , Sr38 , Ba56 ). Nestes metais a distri buição
de bandas não é t˜ao simples como as da Fig.4.6. Como mostrado na Fig.4.7,
nesses materiais a banda 1, que normalmente seria a ´ ultima cheia, tem seu
máximo acima do mı́nimo da banda 2 seguinte. Como os elétrons ocupam os
estados de menor energia, os elétrons que estariam no topo da banda 1 vão
para a banda 2, ficando ambas incompl etas. Nestes materiais, a aplica¸cão de
um campo elétrico externo faz os elétrons mudarem de estados, o que resulta
numa corrente elétrica. Logo, eles também são condutores, mas n˜ao tão bons
como os metais alcalinos. Por isto eles s˜ao também chamados de semi-metais.

chamadaEm um cristal
band a deisolante, somente
valência , está completamente T =0K
na temperaturacheia. a ´ultima
Quando banda,
a tempe-
ratura é maior que zero, elétrons da banda de valência podem ganhar ener-
gia térmica suficiente para atingirem a banda seguinte, chamada banda de
condução, que estava vazia a T = 0. A passagem de elétrons para a banda
de condução deixa na banda de valência estados que se comportam como por-
tadores de carga elétrica positiva, chamados buracos. Os elétrons na banda
de condução e os buracos na banda de valência produzem corrente elétrica
sob a a¸cão de um campo externo. A condutividade do material depen de do
número de elétrons que passam para a banda de condução, o que pode ser
calculado probabilisticamente, como veremos na próxima seção. Este n´umero
é tanto maior quanto maior for a temperatura e quanto menor for a ener-
gia que separa as duas bandas. Esta energia ´e representada por Eg , onde o
ı́ndice g vem da palavra gap, que significa intervalo, em inglês. (Por ser muito
simples e conveniente, a palavra gap j´a foi incorporada ao nosso vocabul´ario
técnico, da mesma forma que o spin). Os materiais que são isolantes a T = 0
Cap. 4 Elétrons em Cristais 101

Figura 4.8: Bandas de valência e de condução em semicondutores. As regiões hachuradas


representam a ocupa¸cão dos elétrons em T > 0. A distˆancia entre as bandas é o gap de
energia E g .

K mas que têm Eg relativamente pequeno, da ordem de 1 eV ou menos, à tem-


peratura ambiente, têm condutividade significativa e por isso são chamados
semicondutores. A Fig.4.8 ilustra a ocupação das bandas de valência e de
condução num semicondutor. Nesses materiais o n´umero de elétrons na banda
de condução pode ser significativo em relação a um isolante, mas é ainda muito
menor que o n´umero de elétrons livres num metal. Por isso, a condutividade
dos semicondutores é muito menor que a dos metais. A principal diferen¸ca
entre um isolante e um semicondutor é então o valor de Eg . Por exemplo, o
silı́cio tem Eg = 1,1 eV e é um semicondutor, enquanto o diamante, que tem
a mesma estrutura do Si formada por ´ atomos de C, tem Eg = 5 eV, sendo
um ótimo isolante. O ´oxido de silı́cio, SiO2 , tem Eg 
8 eV e também é um
isolante. A diferença nos valores de Eg pode n˜ao parecer t˜ao grande para
produzir mudan¸ca tão radical na condutividade. Entretanto, como veremos
posteriormente, a ocupação da banda de condu¸cão decresce exponencialmente
com o aumento da raz˜ao E g /kB T .

4.3 Massa Efetiva

Para estudar as propriedades elétricas dos metais e dos semicondutores, será


preciso entender primeiro como um elétron se comporta no material sob a
ação de um campo elétrico externo. Como vimos na Seção 3.3.1, o elétron é
102 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

descrito por um pacote de onda que se movimenta com a velocidade de grupo


vg = ∂ω/∂k. Sendo E = ω a energia do elétron, podemos escrever,
∂E
=  vg . (4.7)
∂k

Se o elétron for submetido a uma força F , de um campo elétrico por exemplo,


sua energia varia de dE durante um percurso dx, sendo dE = F dx. Usando
(4.7) vemos que a velocidade do elétron está relacionada com a for¸ca por,

F dx = vg dk .
Como dx = vg dt vem,
dk
F = . (4.8)
dt
Este resultado talvez já fosse esperado, pois sendo k o momentum do elétron,
(4.8) nada mais é do que a segunda lei de Newton. Entretanto, ele não deixa de
ser surpreendente, pois talvez esperássemos que o potencial da rede cristalina
tivesse um efeito mais dr´astico sobre o movimento do elétron. Vemos então
que a rede não afeta a forma da equa¸cão da variação do momentum. O que ela
altera é a dependência da energia com o momentum, que corresponde a mudar
a massa do elétron. Para mostrar isto exprimimos a aceleração do elétron, em
função de E e k a partir de (4.7):
dvg ∂ 2E ∂ 2 E dk
a= =  −1 = −1 2
. (4.9)
dt ∂k∂t ∂k dt
Substituindo o valor de dk/dt de (4.8) obtemos
2

F= a . (4.10)
∂ 2 E/∂k 2

Lembrando que F = ma, vemos que sob a a¸cão de uma for¸ca externa o elétron
no cristal age semelhantemente a um elétron livre, porém com uma massa
efetiva 2

m∗ = . (4.11)
∂ 2 E/∂k 2

Este resultado também vale para um elétron livre. Neste caso, usando a rela¸cão
de dispersão (3.30) obtemos m∗ = m, ou seja, a massa efetiva é a própria massa
do elétron livre.
Cap. 4 Elétrons em Cristais 103

A expressão (4.11) foi obti da supondo que a energia s´o depende do


módulo de k . Na realidade, como mostra a Fig.4.5, ela também depende
da direção de k . Isto significa que a massa efetiva depende da dire¸cão de k.
Na definição mais geral a massa n˜ao é um escalar, é uma grandeza tensorial
representada por uma matriz, cujo elemento αβ é dado por
2

m∗αβ = . (4.12)
∂ 2 E/∂k α ∂k β

Esta definição vale para elétrons em metais ou em semicondutores.

4.4 Comportamento dos Elétrons em T > 0 Distribuição


de Fermi-Dirac

Sabemos que em T = 0 K os elétrons ocupam os estados de menor energia


permitidos no cristal, de modo a preencher, um a um, todos os estados até um
certo n´ıvel EF , o nı́vel de Fermi. Evidentemente, esta distribuição é alterada
quando a temperatura do s´ olido é aumentada para T > 0. A distribui¸cão
em equilı́brio térmico é calculada em mecˆ anica estatı́stica e leva em conta
que os elétrons são partı́culas indistinguı́veis umas das outras e que obedecem
ao princı́pio de exclusão de Pauli. A probabilidade de encontrar os estados
com energia na faixa ( E , E + dE ) ocupados com elétrons a uma temperatura
absoluta T é dada por f (E )dE , onde

1
f (E ) = (4.13)
1 + e (E −EF )/kB T

é a distribuição de Fermi-Dirac. Nesta expressão EF é o nı́vel de Fermi e kB


é a constante de Boltzmann (kB 1, 38 10−23 J/K). A forma de f (E ) está
 ×
mostrada na Fig.4.9 para v´arias temperaturas. Note que em T = 0 a fun¸cão é
descont´ ınua em E = E F , isto é f (E < EF ) = 1, f (E > E F ) = 0. Isto significa
que os estados com E < EF estão ocupados por um elétron enquanto que
aqueles com E > EF estão vazios em T = 0. Em temperaturas acima de 0 K a
distribuição de Fermi-Dirac se altera principalmente nas proximidades de E F .
A probabilidade dos estados com E > EF estarem ocupados deixa de ser zero
devido à excitação térmica. Entretanto, seu valor cai quase exponencialmente
com a distância E EF e aumenta exponencialmente com a temperatura. A

104 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 4.9: Distribuição de Fermi-Dirac para várias temperaturas.

probabilidade f (E ) de ocupação dos estados com E > E F corresponde a uma


probabilidade 1 f (E ) de que os estados com E < EF estejam vazios. Note

que a fun¸cão de Fermi-Dirac f (E ) é simétrica em torno de EF , no qual seu
valor é f (EF ) = 1/2. Em cada material o valor de EF depende da forma das
bandas e do n´umero de elétrons.

A distribuição de Fermi-Dirac f (E ) representa a probabilidade de


ocupação de um estado com energia E . Para calcular o n´umero de elétrons
numa dada faixa de energia, é preciso saber também o número de estados
nesta faixa. Este n´umero é dado pela densidade de estados D (E ), que pode
ser calculada a partir da rela¸ cão Ek (k ). Vamos considerar o modelo de um
metal como o da se¸cão 4.1, no qual elétrons livres estão num po¸co de poten-
cial infinito. Neste caso, a energia do elétron é caracterizada por uma função
parabólica em k dada por (4.2),
2 2
 k
E= .
2m

Na realidade este resultado foi demonstrado para um po¸ co unidimen-


sional. Entretanto, ele também vale para um poço de potencial em três di-
mensões com par edes infinitas. Neste caso o n´umero de onda k dá lugar ao
vetor de onda k com três componentes kx , ky , kz , de modo que a energia fica
2

E= (kx2 + ky2 + kz2 ) . (4.14)
2m

Analogamente ao problema em uma dimens˜ao, as três componentes do vetor


Cap. 4 Elétrons em Cristais 105

de onda só podem assumir valores discretos, determinados pelas condições de


contorno nas superfı́cies do cristal. Supondo que o cristal é um cubo de lado
L, temos então:
2π 2π 2π
kx = n x , ky = n y , kz = n z , (4.15)
L L L

onde nx , ny e nz são números inteiros positivos ou negativos. Este resultado


é uma generalização da equação (3.44) para três dimensões e para ondas pro-
gressivas. Devido ao spin do elétron, para cada conjunto de números quânticos
3
(nx , ny , neletrônicos.
estados
z ), e portanto, em cada volume (2 π/L ) no espaço k , existem dois
A densidade de estados D(E ) é a medida do número
de estados disponı́veis com energia E . Por definição, V D(E )dE e´ o número
de estados com energia entre E e E + dE , sendo V = L 3 o volume do cristal.
No espaço de vetor de onda k as superfı́cies de energia constante são esferas
de raio k . Portanto, o n´umero de estados com energia na faixa ( E, E + dE ) é
o volume compreendido entre as esferas de raio k E e k E +dE , multiplicado p elo
número de estados por unidade de volume no espa¸ co k . Sendo este dado por
2(L/2π )3 , temos
  3
L
V D(E ) dE = 2 4πk E2 dk , (4.16)

onde kE e´ o módulo do vetor de onda correspondente a energia E . De (4.2)


temos que
3/2
2 1 2m 1/2
kE dk = 2 E dE ,
  2

que, substitu´
ıdo em (4.16), dá para a densidade de estados
  3/2
1 2m
D (E ) = E 1/2 . (4.17)
2π 2 2

O gr´afico da Fig.4.10 representa a densidade de estados D (E ) dos elétrons


em uma banda parab´olica. Note que a energia é colocada no eixo vertical
de modo a facilitar a visualiza¸ cão do preenchimento dos estados de menor
energia. Em T = 0, todos estados com energia inferior ao nı́vel de Fermi EF
estão preenchidos. Havendo N elétrons na banda, por unidade de volume, a
condição que determina E F é,
 EF
D(E )dE = N . (4.18)
0
106 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 4.10: Densidade de estados


eletrônicos D(E ) em uma banda de
energia parabólica.

Utilizando (4.17) obtemos


  3/2
1 2m
EF3/2 = N . (4.19)
3π 2 2

A partir de (4.19) obtemos ent˜ao o nı́vel de Fermi para uma banda parabólica
com N elétrons em T = 0,
2
EF = (3π 2 N )2/3 . (4.20)
2m


Em T = 0 todos estados com energia E E F estão ocupados. Esses estados
são caracterizados por vetores de onda com m´odulo k kF , onde kF , dado

por,
2 m EF
kF2 = 2
, (4.21)

é chamado o vetor de onda de Fermi. A superf´ıcie no espaço k no interior da


qual todos estados estão ocupados em T = 0, é chamada superf´ ıcie de Fermi.
Numa banda parabólica ela é uma esfera de raio k F dado por (4.21), ilustrada
na Fig.4.11(a). A banda parabólica (4.14) só é v´
alida exatamente para elétrons
livres. Em cristais, a varia¸cão da energia com k é mais complicada, como está
ilustrado p elas bandas do cobre na Fig.4.5. Neste caso a superfı́cie de Fermi
não é uma esfera, ela tem uma forma mais complexa. A Fig.4.11(b) mostra a
superf´ıcie de Fermi do cobre, que está contida na primeira zona de Brillouin.
Cap. 4 Elétrons em Cristais 107

Figura 4.11: (a) Superfı́cie de Fermi para um sistema de elétrons livres. (b) Superfı́cie de
Fermi (SF) e a primeira zona de Brillouin do cobre fcc.

Exemplo 4.1: O sódio cristaliza na estrutura bcc, tendo dois ´ atomos por célula unitária, cada um
com um elétron 3s. Sabendo que o parâmetro de rede do s´odio em T = 5K e´ 4,225 Å, calcule: a) A
energia de Fermi; b) a velocidade dos elétrons com energia no n´ıvel de Fermi, chamadavelocidade
de Fermi v F .

a) Para calcular a energia de Fermi, at ravés da Eq.(4.20), é preciso inicialmente calcular o número
de elétrons livres por unidade de volume. Havendo dois elétrons por célula unitária com
parâmetro de rede a,
2 2
N= 3 =
a 4, 2253 1024×= 2, 65 × 1022 cm −3
= 2, 65 × 1028 m
−3
.

A energia de Fermi é relacionada com N pela Eq.(4.20),


2
EF = (3π 2 N )2/3 .
2m
Em primeira aproximação p odemos considerar a massa dos elétrons livres como sendo a massa
do elétron no vácuo, 9, 1 10−31 kg. Assim,
×
2 68 −

EF = 3 × 3, 142 × 2, 65 × 1028 2/3 21,×059, 1××1010 31 = 5, 15 × 10



−19
J ou

5, 15 × 10 19 J

EF = = 3, 22 eV
1, 6 × 10 19 C

b) Como a energia dos elétrons livres é de natureza cinética,


1
EF = m v F2 .
2
108 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Logo

vF =
2EF
1/2
=
× 5, 15 × 10 19 1/2
2 −

m 9, 1 × 10 31

vF = 1, 06 × 106 m/s = 1 , 06 × 108 cm/s

A temperaturas acima de zero a probabilidade de ocupa¸ cão dos estados


é dada por f (E ), Eq.(4.13), de modo que o n´ umero de elétrons, por unidade

de volume no intervalo de energia entre E e E + dE é


dN = f (E ) D (E ) dE . (4.22)

A Fig.4.12 ilustra o produto das fun¸ cões f (E ) e D (E ) e mostra o ele-


mento de ´area correspondente a dN . Note que os elétrons que passam para
estados acima do nı́vel de Fermi provêm principalmente dos estados com ener-
gias abaixo e pr´oximas de EF . Este resultado é bastante geral. Sempre que
há uma perturba¸cão no sistema de elétrons, os estados com energia próxima
de EF são os mais afetados. Esta perturbação pode ser devido ` a excitação
térmica, ou à excitação produz ida por campos ex ternos. Na pr´oxima seção
veremos o efeito de um campo elétrico.

Figura 4.12: População de elétrons


N (E ) = f (E )D(E ) numa banda

parabólica a T = 0. dN e´ o número
de elétrons na faixa de energia dE .

Exemplo 4.2: Calcule a energia total dos elétrons livres numa amostra de sódio de volume 1 cm 3 ,
em T = 0.

A energia dos elétrons por unidade de volume é a soma das energias dos elétrons livres, que
pode ser calculada usando (4.22),
U
= E dN = E f (E ) D(E ) dE .
V
Cap. 4 Elétrons em Cristais 109

Em T = 0, a distribui¸cão de Fermi-Dirac tem valor 1 para E < E F e valor 0 para E > EF ,


logo, com (4.17),
EF 3/2 EF
U 1 2m
= E D(E ) dE = E 3/2 dE
V 0 2π2 2
0
3/2
1 2m 2 5/2
= E .
2π 2 2 5 F

Utilizando (4.20) podemos exprimir este resultado na forma,


U 3
= N EF .
V 5

Portanto, usando os resultados do Exemplo 4.1, obtemos,


U 3
V
=
5
× 2, 65 × 1028 × 5, 15 × 10 −19
= 8, 19 × 109 J m −3
.

Então, a energia dos elétrons numa amostra de 1 cm3 é

U = 8, 19 × 109 × 10 −6
= 8, 19 × 103 J .

4.5 O Mecanismo da Corrente Elétrica em Metais

Para entender o mecanismo da passagem de corrente elétrica em metais, te-


remos que utilizar resultados cl´assicos combinados com conceitos quˆanticos.
Quando um campo elétrico externo é aplicado ao metal, os elétrons sofrem o
efeito deste campo superposto ao do potencial cris talino. O efeito deste ´ultimo
resulta na massa efetiva do elétron m ∗ . Desta forma, se o campo externo é , E
a aceleração do elétron dada por (4.10) e (4.11) é,

dv
a=
dt
= − me E ∗
. (4.23)

Este resultado significa que num cristal perfeito, o campo constante produz E
uma aceleração constante e portanto uma velocidade que aumenta linearmente
no tempo, v = at. A Eq.(4.23) implica também que, mesmo sem campo
externo, os elétrons podem ter velocidade constante e não nula. Isto resulta
do fato de que o estado estacion´ario do elétron no cristal sem campo externo
é uma onda plana, dada pela Eq.(4.5). Esta onda tem um momentum k , que
110 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 4.13: a) Deslocamento do patinador em movimento “zig-zag” ao longo de uma fileira


regular de obstáculos. b) Ilustra¸cão da colis˜ao provocada por um obstáculo “fora do lugar”.

corresponde a uma velocidade constante. Mas ela só é um estado estacionário


quando o cristal é perfeito, a T = 0 e sem campo externo. Podemos entender
melhor este comportamento do elétron fazendo uma analogia com o movimento
de um patinador. Um patinador pode se deslocar ao longo de uma fileira de
obstáculos regularmente espaçados, fazendo um movimento “zig-zag” de modo
a contornar cada obstáculo, como ilustrado na Fig.4.13(a). Se o patinador está
bem treinado, ele pode executar este movimento de “zig-zag” naturalmente,
sem se chocar com os obst´aculos, e com velocidade média constante ao longo
da fileira. Este movimento é análogo ao do elétron no cristal perfeito, descrito
por uma onda plana com amplitude modulada pelo potencial periódico da rede,
Eq.(4.5). Entretanto, se um obstáculo está deslocado de sua posi¸ cão normal,
ou se h´a um obst´aculo “extra” entre aqueles da fileira regular, o patinador
provavelmente ir´ a colidir com ele, como ilustr ado na Fig.4.13(b). O que o corre
com um elétron no sólido é semelhante. Se a regularidade da rede cristalina é
perturbada, o elétron só permanece num estado estacionário durante um certo
intervalo de tempo.que
um espalhamento A perturbação provoca para
resulta na passagem uma colisão
um outrodo estado
elétron,estacionário.
produzindo
As duas principais perturbações da regularidade da rede são a própria vibração

dos ı́ons devido à agitação térmica em T = 0 e a presen¸ca de ´atomos ou ı́ons
de impurezas. A colisão com a rede em movimento térmico corresponde ao
espalhamento de elétrons por fônons. Este processo é semelhante ao da colisão
entre partı́culas, no qual há conservação de energia e de momen tum. Devido
às colisões, a velocidade média do elétron é nula na ausência de campo elétrico
externo, como ilustrado na Fig.4.14(a). Quando um campo elétrico é aplicado
ao material, ao movimento rápido e aleatório do elétron, causado pelas colisões,
superpõe-se um contı́nuo deslocamento na direção do campo elétrico. Este
deslocamento resulta numa corrente elétrica chamada de corrente de deriva
(drift current), ou corrente de condu¸cão.

Na descrição quântica do comportamento dos elétrons é preciso conside-


rar que a T = 0 e sem campo extern o, todos estados no espa¸co k no interior da
Cap. 4 Elétrons em Cristais 111

Figura 4.14: Ilustração do movimento de um elétron num sólido: a) Sem campo exte rno
aplicado, a velocidade média é nula. b) Na presença de campo elétrico, além do movimento
rápido e aleat´orio há um deslocamento contı́nuo que resulta numa corrente elétrica.

superf´ıcie de Fermi estão ocupados. Isto est´a ilustrado na Fig.4.15(a) por um


corte no plano k x ky da esfera de Fermi, que vale para o caso de elétrons livres.
Como todos estados com k < kF estão preenchidos, a cada estado +k ocupado
corresponde outro k tamb´
− em ocupado. Então Σk = 0 e por conseguinte a
E −
corrente é nula. Se um campo elétrico é aplicado na direção x no instante
t = 0, os elétrons mudam de estado k , de acordo com a Eq.(4.8). Sendo a for¸ca
sobre os elétrons Fx = ( e)( ) = e , a variação de k no intervalo de tempo
− −E E
δt é,
δk x =
e E
δt . (4.24)

Como conseqüência de (4.24), cada elétron num estado k passa para outro
estado k + x̂δk x após um intervalo δt , resultando na ocupa¸cão de estados
mostrada na Fig.4.15(b). O resultado lı́quido é um momentum total N δk x por
unidade de volume, sendo N a concentração de elétrons na banda. Isto resulta
numa corrente elétrica na direção +x. Note que embora todos elétrons tenham
seus estados alterados pela ação do campo elétrico, são os estados pr´oximos da
superfı́cie de Fermi que contribuem para fazer a soma vetorial das velocidades
ser diferente de zero. Devido `as colisões, o deslocamento da esfera de Fermi
estaciona após um intervalo médio de tempo τ , chamado tempo de colisão. A
velocidade média resultante pode ser obtida a partir de (4.23) ou diretamente
de (4.24) usando v = k/m∗ . Esta velocidade média, chamada de velocidade
de deriva, é então
e τ E
vx = . (4.25)
m∗
112 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 4.15: (a) Os pontos representam estados ocupad os no espaço k no cristal n˜ao per-
turbado. O cı́rculo representa a interseção da esfera de Fermi com o plano k x ky . (b) Com

a aplicação de um campo elétrico na direção x os estados ocupados se deslocam de δk x
dado pela Eq.(4.24).

Considerando que há N elétrons livres por unidade de volume, obtemos a


densidade de corrente
2 ∗

Jx = ( e)Nvx = −N e τ E /m . (4.26)

Esta equação tem a forma da lei de Ohm que relaciona a tens˜ ao aplicada V , a
corrente elétrica I e a resistência R
V =RI , (4.27)

sendo a resistência de um condutor de comprimento L e área da seção transver-


sal A dada por
1L
R= , (4.28)
σA
onde σ = 1/ρ é a condutividade e ρ e´ a resistividade. Usando (4.28) em (4.27),
juntamente com as relações J = I /A e V = L, a lei de Ohm (4.27) pode ser
E
escrita na forma
J =σ .E (4.29)

Substituindo (4.29) em (4.26) obtemos a condutividade do metal,


N e2 τ
σ= . (4.30)
m∗
Cap. 4 Elétrons em Cristais 113

Figura 4.16: Variação da resistividade


de potássio em baixas temperaturas.

Num condutor com uma rede cristalina perfeita a T = 0, o tempo de colis˜ao é


infinito e, portanto, a condutividade também é infinita. Num cristal real, τ é
limitado por causa do espalhamento dos elétrons pelas impurezas e imperfei¸cões
da rede e por fˆonons. Como a agita¸cão térmica aumenta com a temperatura, o
tempo de colis˜ao devido ao espalhamento por fˆonons diminui com o aumento
da temperatura. Por outro lado a contrib uição das impurezas e imperfei¸cões
não varia com a temperatura e existe mesmo a T = 0. Isto est´a ilustrado na
Fig.4.16 que mostra a varia¸cão da resistividade ρ = 1/σ de pot´assio com a
temperatura T . O aumento de ρ com T é devido ao espalhamento por fônons
enquanto que a contribuição em T = 0 provém das impurezas e imperfeições. A
curva de cima corresponde a um material com maior quantidade de impurezas
que a de baixo e, portanto, tem um valor maior de ρ (0).

A Fig.4.17 mostra a condutividade ` a temperatura ambiente para uma


variedade de materiais. Ela varia de 10 −18 Ω−1 m−1 no quartzo, que é um
ótimo isolante, a cerca de 10 8 Ω−1 m−1 no cobre, que é um bom condutor.
Esta faixa de varia¸cão de 10 26 é a maior verificada numa mesma grandeza
fı́sica. Na verdade, a faixa de variação de σ é maior ainda pois os materiais
supercondutores têm condutividade várias ordens de grandeza maior do que o
cobre.

Para encerrar este Capı́tulo vamos estimar numericamente algumas


grandezas importantes envolvidas no mecanismo da corrente elétrica. Con-
sidere o caso do cobre, que `a temperatura ambiente tem condutividade
σ 108 Ω−1 m−1 . Sendo o n´umero de elétrons livres N 1023 /cm3 , usando
∼ ∼
(4.30) e os valores para a massa e carga do elétron (Apêndice B), obtemos para
114 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 4.17: Condutividade em Ω −1 m−1 de uma variedade de materiais `a temperatura


ambiente.

o tempo de colis˜ao τ 10−13 s. A distância que o elétron percorre entre duas



colisões é o livre caminho médio  . Como os elétrons envolvidos na corrente
são aqueles pr´oximos da superf´ıcie de Fermi, o livre caminho médio é
 = vF τ , (4.31)

onde v F é a velocidade de Fermi, relacionada com o raio da esfera de Fermi


kF pela relação vF = kF /m∗ . Usando esta relação e as equa¸cões (4.20) e
(4.21) obtemos para o cobre v F 106 m/s. Isto dá para o livre caminho médio

no cobre  ∼10−7 m = 10 3 Å, que corresponde `a distância de centenas de
átomos na rede cristalina. De certa forma é surpreendente que um elétron no
cobre à temperatura ambiente passe por centenas de ´atomos sem se chocar
com eles.

A partir da Eq.(4.25) podemos estimar a velocidade de deriva dos


elétrons. Considerando que uma tensão de 10 V é aplicada nas extremidades
de um fio de cobre de 1 m de comprimento, o campo elétrico é = 10 V/m. E
Usando τ = 10−13 s obtemos de (4.25) vx 10−1 m/s. Isto mostra que a ve-

locidade de deriva é várias ordens de grandeza menor que a velocidade vF de
movimento de elétrons entre duas colisões. Em outras palavras, o movimento
de deriva é muitı́ssimo mais lento que o movimento aleatório do elétron entre
uma colisão e outra.

Exemplo 4.3: Sabendo que o tempo de colis˜ao dos elétrons livres na prata à temperatura ambiente
é 3,8 10−14 s e que a concentra¸cão de elétrons livres é 5,86 1022 cm−3 , calcule: a) A resistência
× ×
de um fio de prata de se¸cão reta 0,1 mm 2 e comprimento 100 m; b) A corrente elétrica no fio quando
uma tensão de 1,6 V é aplicada nas extremidades; c) A velocidade de deriva dos elétrons na situa¸cão
do item b.

a) Para calcular a resistência é preciso inicialmente obter a condutividade, dada p ela Equação
Cap. 4 Elétrons em Cristais 115

(4.30),

N e2 τ 5, 86 × 1022 × 106 × 1, 62 × 10 −38


× 3, 8 × 10 −14

σ= =
m∗ 9, 1 × 10 31

σ = 6, 26 × 107 (Ωm) −1
.

A resistência do fio é,
1 L 100 m
R= = = 16 Ω
σ A 6, 26 × 107 Ω −1
m−1 × 1 × 10 −7
m2

b) A corrente no fio é,

V 1, 6
I= = = 0, 1 A .
R 16

c) A velocidade de deriva é relacionada com a corrente por meio da Eq. (4.26),


J I 0, 1
v= = =
Ne Ne A 5, 86 × 1028 × 1, 6 × 10 −19 −7
× 10
−4
v = 1, 7 × 10 m/s

REFERÊNCIAS

R.E. Hummel, Electronic Properties of Materials , Springer-Verlag, Berlin,


2001.
D. Jiles, Electronic Properties of Materials, Chapman & Hall, London, 1994.
C. Kittel, Introduction to Solid State Physics, J. Wiley, New York, 1996.
D.J. Roulston, An Introducion to the Physics of Semiconductor Devices , Ox-
ford University Press, Oxford, 1999.
L. Solymar and D. Walsh, Lectures on the Electrical Properties of Materials ,
Oxford University Press, Oxford, 1993.
F.F.Y. Wang, Introduction to Solid State Electronics , North-Holland, Ams-
terdam, 1980.
116 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

PROBLEMAS

4.1 A prata cristaliza na estrutura fcc, tendo quatro ´atomos por célula
unitária, cada um deles com um elétron 5s. Sabendo que o parâmetro
de rede da prata é 4,086 Å, calcule a concentra¸cão de elétrons livres em
cm−3 .
4.2 Em primeira aproximação, a prata tem banda 5s parab´olica. Calcule seu
nı́vel de Fermi, EF , em eV, considerando que a massa dos elétrons livres
é igual à massa de elétron no vácuo.
4.3 A partir dos resultados dos Problemas 4.1 e 4.2, calcule: a) a velocidade
de Fermi vF dos elétrons com energia EF ; b) o comprimento de onda do
elétron movendo-se com a velocidade de Fermi e compare com a distância

entre os ´atomos ( 4 Å); c) Em qual temperatura a probabilidade de
encontrar elétrons com energia E = E F + 0, 1 eV é 10%.
4.4 Um metal tem nı́vel de Fermi E F = 1 eV. Fa¸ca um gráfico (de preferência
num computador) da fun¸cão de distribui¸cão de Fermi-Dirac f (E ) para
T = 5, 5 e 300 K.
4.5 Mostre que a probabilidade de um estado eletrˆonico de energia E = E F +
E estar ocupado é igual a probabilidade do estado com energia E =

EF −E estar vazio.
2
4.6 Num fio de cobre de se¸ cão reta 1 mm circula uma corrente de 10 A.
22 −3
Sabendo queOa nı́vel
calcule: a) concentra¸cão
de Fermi,denas
elétrons
mesmaslivres é N = 8, 5 do 10
×
aproximações cm ,
Problema
4.2; b) A velocidade de Fermi; c) A velocidade de deriva dos elétrons.
Compare com v F e interprete o resultado.
4.7 Sabendo que a resistividade do cobre à temperatura ambiente é 1, 7 10−8×
Ω m, utilize os dados e resultados do problema anterior para calcular: a)
O tempo médio de colisão dos elétrons; b) O livre caminho médio dos
elétrons.
Capı́tulo 5

Materiais Semicondutores

5.1 Semicondutores 118

5.2 Elétrons e Buracos em Semicondutores Intrı́nsecos 122

5.2.1 Massa Efetiva de Elétrons e Buracos 122


5.2.2 Criação e Recombina¸cão de Pares Elétron-Buraco 125
5.2.3 Concentração de Portadores em Equilı́brio Térmico 127

5.3 Semicondutores Extrı́nsecos 135

5.3.1 Nı́vel de Energia de Impureza num Cristal 135


5.3.2 Concentração de Portadores em Semicondutores Extrı́nsecos 139

5.4 Dinâmica de Elétrons e Buracos em Semicondutores 145


5.4.1 Corrente de Condução 145
5.4.2 Movimento em Campo Magnético-Efeito Hall 150
5.4.3 Corrente de Difusão 152
5.4.4 Injeção de Portadores: Difus˜ao com Recombinação 158

REFERÊNCIAS 162

PROBLEMAS 163

117
118 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Materiais Semicondutores

5.1 Semicondutores

Como vimos no capı́tulo anterior, os semicondutores são caracterizados por


uma banda de valência cheia e uma banda de condução vazia a T = 0, sepa-
radas por um gap de energia relativamente pequeno, Eg < 2 eV. Devido ao
pequeno gap, à temperatura ambiente o número de elétrons na banda de
condução é apreciável, embora muito menor que o número de elétrons livres em
metais. Isto resulta numa condutividade intermediária entre a dos isolantes e
a dos metais, como ilustrado na Fig.4.17. Esta é a razão do nome semicondu-
tor. A concentração de elétrons na banda de condução de um semicondutor
puro varia exponencialmente com a temperatura, o que faz sua condutivi-
dade depender fortemente da temperatura. Esta é uma das razões pelas quais
os semicondutores puros, também chamado intr´ ınsecos , são utilizados em
poucos dispositivos.

A condutividade dos semicondutores também pode ser drasticamente al-


terada com a presen¸ca de impurezas, ou seja, de ´ atomos diferentes dos que
compõem o cristal puro. É esta propriedade que possibilita a fabricação de uma
variedade de dispositivos eletrônicos a partir do mesmo material semicondutor.
O processo de colocar impurezas de elementos conhecidos num semicondutor
é chamado dopagem. Semicondutores com impurezas são chamados dopados
ou extr´ınsecos .

O semicondutor mais importante para a eletrˆonica é o sil´ıcio. Ele tem a


mesma estrutura cristalina do diamante, mostrada na Fig.1.8, formada apenas
Cap. 5 Materiais Semicondutores 119

por átomos do elemento Si, do grupo IV da tabela peri´odica. A Fig.5.1 mostra


a estrutura de bandas de energia do silı́cio. O máximo da banda de valência
ocorre em k = 0, o ponto Γ da zona de Brillouin. O topo da banda de valência
é tomado como referência na escala de energia, ou seja E = 0. O mı́nimo da
banda de condu¸cão ocorre num vetor de onda k = 0 na dire¸cão [100], próximo

do ponto X na fronteira da zona de Brillouin, com energia 1,12 eV. Este é
então o valor do gap de energia do Si, Eg = 1, 12 eV. Na realidade o valor
do gap varia com a temperatura. Em Si o gap é Eg = 1, 16 eV em T = 0 e
diminui com o aumento de T . Outro semicondutor importante é o germânio,

também formado
estrutura cristalinapor
do um elemento
diamante. do tem
O Ge grupoestrutura
IV, o Ge,
de ebandas
que também tem aa
semelhante
do Si, porém com um gap menor, E g = 0,66 eV `a temperatura ambiente. Isto
faz com que suas propriedades elétricas sejam mais sensı́veis a mudanças de
temperatura do que em Si.

Em germânio e silı́cio as bandas de valência e de condução resultam de


estados eletrônicos s e p que se misturam. Como há dois estados s e p, h´a oito
bandas hı́bridas s + p, que se separam em dois conjuntos de quatro bandas
cada. As quatro bandas de menor energia podem acomodar 4 N el´ etrons. Como
Si e Ge possuem quatro elétrons de valência por átomo, as quatro bandas
s + p de menor energia est˜ ao completamente cheias, constituindo as bandas
de valência, mostradas na Fig.5.1 para Si.

Figura 5.1: Estrutura de bandas de energia do silı́cio (Si) [Hummel].


120 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

O semicondutor de maior aplica¸cão em opto-eletrˆonica é o arseneto de


gálio, GaAs. Ele é formado pelos elementos Ga e As, dos grupos I II e V res-
pectivamente, e cristaliza na estrutura zinc-blende da Fig.1.8(a). Na forma¸cão
do GaAs, o ´atomo de As perde um elétron que passa para um vizinho de Ga,
ficando ambos com quatro elétrons nas camadas 4s2 4p2 . Semelhantemente a Si
e Ge, o GaAs tem 4 N elétrons que enchem completamente a banda de valência,
deixando vazia a banda de condu¸cão. A estrutura de bandas do arseneto de
gálio está mostrada na Fig.5.2. Note que neste caso o mı́nimo da banda de
condução ocorre no mesmo vetor de onda, k = 0, que o m´aximo da banda de

valência,
dos por elementos dos E
sendo o gap g = 1, 43 eV. H´a vários outros semicondu tores forma-
grupos III e V, chamados compostos III-V, como InSb
(Eg = 0, 18 eV), InP (1,35 eV) e GaP (2,26 eV), por exemplo. Também h´a
semicondutores compostos II-IV, como CdS (2,42 eV), PbS (0,35 eV), PbTe
(0,30 eV) e CdTe (1,45 eV), entre outros.

As propriedades de condução dos semicondutores são determinadas prin-


cipalmente p elo n úmero de elétrons na banda de condução. Então elas depen-
dem fortemente da razão E g /kB T e portanto do valor do gap E g , mas n˜ao são
muito influenciadas pela forma das bandas. Por outro lado, as propriedades
ópticas dependem muito da forma das bandas de energia. Como será mostrado
no Capı́tulo 8, as transições eletrônicas acompanhadas da emissão ou absorção
de fótons num cristal devem conservar energia e momentum, ou seja

Ef −E = ±
i ω , (5.1)

Figura 5.2: Estrutura de bandas


de energia de arseneto de g´ alio
(GaAs) [Hummel].
Cap. 5 Materiais Semicondutores 121

kf − k = ±k
i , (5.2)

sendo Ef e Ei as energias do elétron nos estados final e inicial, respectivamente,


kf e ki os vetores de onda correspondentes, ω e k a freq¨uência e o vetor de
onda do f´oton absorvido ( Ef > Ei ) ou emitido ( Ef < Ei ) na transi¸cão. No
caso do arseneto de g´alio, a transi¸cão de um elétron do mı́nimo da banda de
condução para o m´aximo da banda de valência é acompanhada da emissão de
um f´oton de energia ω = Eg = 1, 43 eV, cujo vetor de onda tem m´ odulo
k = 2π/λ = 7, 2 104 cm−1 . Como este valor de k é muito menor que o valor
da fronteira da zona de Brillouin ( kZB
× π/a 108 cm−1 ), ele é desprezı́vel
 ∼
na escala da Fig.5.2. Desta forma o momentum é conservado na emissão do
fóton e a transi¸cão é permitida. Esta transição, ilustrada na Fig.5.3(a), é
chamada de processo direto de emissão. Correspondentemente o semicondutor
é denominado de gap direto .

No caso do silı́cio ou do germânio, não é possı́vel ter uma transiç˜


ao entre
o topo da banda de valência e o mı́nimo da banda de condução apenas com
emissão ou absorção de f´otons. Isto porque o f´oton com energia Eg tem k 
kZB e esta transi¸cão requer uma varia¸cão de vetor de onda da ordem de kZB
para conservar momentum. Como vimos no Capı́tulo 2, os fônons têm energia
Ω  Eg e vetor de onda na faixa 0 k k ZB . É possı́vel então, ter uma
≤ ≤

Figura 5.3: (a) Bandas de valência e de condução em semicondutor de gap direto. Neste
caso, a transição através do gap ocorre com a emissão de um fóton de freq¨uência ω g = E g /
e com vetor de onda desprezı́vel na escala da figura. (b) No semicondutor de gap indireto,
≈ ≈
a transição através do gap envolve um fóton de freq¨uência ω ω g e k 0 e um fˆonon de

freqüência Ω muito menor que ω g e vetor de onda k kZB , de tal forma a conservar energia
e momentum totais.
122 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

transição através do gap, com a emissão ou absor¸cão de um f´oton, desde que


acompanhada da emissão ou absorção de um fˆonon. Esta transição, ilustrada
na Fig.5.3(b) é chamada de processo indireto. Si e Ge são semicondutores de
gap indireto . Como a transição em semicondutores de gap indireto envolve
fônons e f´otons, a probabilidade de emissão ou absor¸cão de fótons é muito
menor que no caso de gap diret o. Por esta raz˜ao é preciso utilizar semicon-
dutores de gap direto para fabricar lasers e diodos emissores de luz (LED).
Entre os semicondutores de gap direto destacam-se GaAs, InSb, InAs, InP,
PbS, CdS, CdTe. Nem todos co mpostos do grupo I II-V s˜ao de gap direto.

GaP e A Sb, por exemplo, têm gap indireto.

5.2 Elétrons e Buracos em Semicondutores Intrı́nsecos

5.2.1 Massa Efetiva de Elétrons e Buracos

Num semicondutor a uma temperatura finita, a excitação térmica faz com que
um certo número de elétrons passe da banda de valência para a de condu¸ cão.
Por conseguinte, se ele é submetido a um campo elétrico, as duas bandas con-
tribuem para a condu¸cão de corrente elétrica, pois ambas estão parcialmente
preenchidas. Os elétrons da banda de condução, sob a a¸cão do campo  , sen-
E
tem uma força F = e  e movem-se de acordo com a lei de Newton, com massa
−E
efetiva dada pela Eq.(4.11). Como os elétrons estão agrupados em torno do
mı́nimo da banda de condução, todos têm aproximadamente a mesma massa
efetiva,
2
m∗e = , (5.3)
(∂ 2 E/∂k 2 ) k=kmc

onde kmc corresponde ao mı́nimo da banda de condução. Sendo a curvatura


da banda de condu¸cão para cima, a massa efetiva dos elétrons nela situados é
positiva, de modo que eles têm aceleração no sentido oposto ao campo.

O comportamento dos elétrons da banda de valência é diferente. Vemos,


em primeiro lugar, que os elétrons próximos do topo da banda de valência têm
massa efetiva negativa, por causa da curvatura da função E (k ). Para entender
seu comportamento, vamos supor que h´a somente um estado vazio no topo
da banda. A Fig.5.4 ilustra o comportamento deste estado quando o cristal é
submetido a um campo  na direção x̂. Antes da aplica¸cão do campo, o estado
E
Cap. 5 Materiais Semicondutores 123

Figura 5.4: Movimento de elétrons na banda de valência: em (a) sem campo aplicado,
Σkc = 0. Em (b) e (c) com campo no sentido + x.

vazio deve estar no topo, como na Fig.5.4(a) para que a soma algébrica dos
momenta  kx de todos elétrons seja nula. Após a aplicação do campo, todos os
elétrons tendem a deslocar-se no espaço E (k ) no sentido kx negativo, porque,
pela Eq.(4.8),
dkx

dt
= e x . − E (5.4)

Desta forma, em instantes posteriores teremos as situa¸cões mostradas na


Fig.5.4(b) e (c). Note que o deslocamento de todos os elétrons da banda no
sentido kx negativo, resulta no deslocamento do estado vazio no mesmo sen-
tido no espa¸co do momentum. Como todos os outros estados est˜ao ocupados,
a existência de um estado vazio (ausência de elétron) com momentum k1 −
implica em que o momentum total do sistema é +k1 . Assim sendo, o sistema
comporta-se como se fosse formado por um buraco1 de vetor de onda

kb = −k e . (5.5)

A equação da for¸ca pode ser escrita ent˜ao como

dke dkb
Fe =  = −  . (5.6)
dt dt

Sendo a for¸ca proveniente de um campo elétrico, como a carga do elétron é


negativa, Fe = e  , e portanto,
−E
1O nome universalmente aceito em inglês é hole. Alguns autores brasileiro s usam o nome lacuna.
124 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

dkb
+e  = 
E .
dt

Isto mostra que o buraco se comporta como uma partı́cula de carga


positiva. Um desenvolvimento análogo ao das Eqs.(4.9)-(4.11) mostra que
massa efetiva do buraco é
2
m∗b = − (∂ E/∂k )
2 2
, (5.7)
k=kmv

onde kmv corresponde ao m´aximo da banda de valência. Como ∂ 2 /∂k 2 no


máximo da banda de valência é negativo, a massa do buraco é positiva.
Isto é consistente com o fato de que se um campo elétrico é aplicado no sentido
+x, os buracos têm momentum k x > 0 e portanto, movimentam-se no sentido
+x no espaço real.

As Eqs.(5.6) e (5.7) levam à conclusão que os estados vazios, no topo


da banda de valência, comportam-se como estados de excitações elementares
de carga positiva, com m´odulo igual ao da carga do elétron, e massa efetiva
positiva dada por (5.7). São os estados de buracos. Como as cur vaturas
das bandas de valência e de condução não são iguais, as massas efetivas dos
elétrons e dos buracos são diferentes. Além disso, é possı́vel ter cristais com
mais de uma banda de condu¸ cão ou de valência, e também curvaturas que
variam com a dire¸cão de k, havendo portanto v´arias massas de elétrons e de

Cristal Eg (eV) me /m0



mb /m0

Ge 0,66 m∗c = 0, 55 m∗v = 0, 31


m∗e = 0, 12 m∗b = 0, 23
Si 1,12 m∗c = 1, 10 m∗v = 0, 56
m∗e = 0, 26 m∗b = 0, 38
GaAs 1,43 0,068 0,5
InSb 0,18 0,013 0,6
InP 1,29 0,07 0,4

Tabela 5.1: Energias do gap e massas efetivas de semicondutores importantes a 300 K.


m0 = 9, 1 10−31 kg é a massa de repouso do elétron. Em Si e Ge, m ∗c e m ∗v são as massas
×
que entram no c´alculo das densidades de estados das bandas de condu¸ cão e de valência,
enquanto m ∗e e m ∗b são as massas de deslocamento de elétrons e buracos [Sze e Yang].
Cap. 5 Materiais Semicondutores 125

buracos. Nas Figuras 5.1 e 5.2 vemos que tanto Si como GaAs têm duas bandas
de valência degeneradas em k = 0. Os buracos da banda de maior cur vatura
(maior módulo de ∂ 2 E/∂k 2 ) têm menor massa efetiva, sendo por isso chamados
buracos leves, enquanto os da banda de menor curvatura são chamados buracos
pesados. Devido `a multiplicidade de massas efetivas e também a divergências
nas medidas experimentais, os valores das massas encontrados na literatura
variam de uma fonte para outra, mesmo nos casos dos semicondutores mais
estudados, como Si, Ge e GaAs.

A Tabela 5.1 mostra as massas efetivas de alguns semicondutores impor-


tantes para aplicações em eletrˆonica, e também os valores de Eg em T = 300
K. Note que no caso do silı́cio e germânio há duas massas efetivas de elétrons e
duas de buracos. m∗c e m ∗v são médias geométricas das massas efetivas usadas
para calcular as densidades de estados nas bandas de condu¸ cão e de valência,
respectivamente. Por outro lado, m∗e e m∗b são as massas médias usadas para
calcular o movimento de elétrons e buracos.

5.2.2 Criação e Recombinação de Pares Elétron-Buraco

Num cristal semicondutor puro a T = 0 e sem qualquer perturba¸cão externa,


não há elétrons na banda de condução nem buracos na banda de valência. Em
outras palavras, não há portadores de carga elétrica e o material é um isolante
elétrico. Há vários processos para levar elétrons para a banda de condução. O
mais da
topo comum
banda é adeexcitação
valência térmica,
vai para pela qual umnı́veis
os primeiros certo número
da bandadedeelétrons
condu¸ do
cão
quando T > 0. A concentra¸cão de elétrons e de buracos devido à excitação
térmica será calculada na pr´oxima seção. O ponto a ressaltar aqui é que, num
semicondutor intrı́nseco, a passagem de um elétron para a banda de condu¸ cão
sempre corresponde `a cria¸cão de um buraco na banda de valência, ou seja,
elétrons e buracos são criados aos pares.

Elétrons e buracos também são criados aos pares em outros processos,


como o de absor¸cão óptica. Como ilustrado na Fig.5.5, quando um f´oton
de energia ω e´ absorvido num semicondutor, um elétron passa da banda de
valência para a de condução. Como o vetor de onda do f´ oton é desprezı́vel, o
elétron criado na banda de condução tem o mesmo ke do elétron removido da
banda de valência. Isto corresponde à criação de um buraco com vetor de onda
kb = ke . Em outras palavras, a absor¸cão do f´oton é acompanhada da criação

de duas quase-partı́culas: um elétron e um buraco. Como eles têm momenta
126 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 5.5: Absor¸cão de um f´oton de energia ω e vetor de onda desprez´ıvel acompanhada


da criação de um par elétron-buraco em semicondutor de gap direto.


ke e ke , o momentum total antes e depois da absor¸cão do f´oton é nulo, ou

seja, ele é conservado.

Sendo n a concentração de elétrons por unidade de volume na banda de


condução do semicondutor puro e p a concentração de buracos na banda de
valência, pode-se afirmar então que n = p . Em equilı́brio térmico temos ent˜
ao,

n = p = ni , (5.8)

onde ni e´ na
calculada a concentração de portadores
pr´oxima seção. Qualquer que no semicondutor intrı́nseco,
seja o mecan ismo que
cãoserá
de cria¸ de
pares elétron-buraco, o processo não é estático, é dinâmico. Elétrons vão para
a banda de condu¸cão, deixando buracos na banda de valência, com uma certa
taxa g que representa o n´umero de pares gerados por unidade de volume e
por unidade de tempo. Simultaneamente elétrons recombinam com buracos
a uma taxa de recombina¸cão r . Isto é evidente no caso da excitação térmica.
No processo induzido opticamente isto também é verdade, pois enquanto a
absorção de fótons resulta na criação de pares, a recombinação produz emissão
de fótons. O fato é que, no regime estacionário, o número de pares é constante.
Isto requer que, para cada mecanismo de gera¸ cão e recombinação de pares, as
taxas de cria¸cão e de recombina¸cão sejam iguais, isto é,
r=g . (5.9)

Este resultado é chamado o princı́pio do balanceamento detalhado.


Cap. 5 Materiais Semicondutores 127

Exemplo 5.1: Um feixe de laser de comprimento de onda 5145 Å com ´area 1 mm 2 e potência
10 mW incide num semicondutor, sendo totalmente absorvido em processo de gera¸ cão de pares
elétron-buraco ao longo de uma distância 100 µm. Supondo que a eficiência de conversão de fótons
cão de pares em cm −3 s−1 .
em pares elétron-buraco é 10 %, calcule a taxa de cria¸

Inicialmente é preciso calcular o número de f´otons por unidade de tempo no feixe de laser.
Usando (2.31), podemos determinar a energia de cada f´ oton,
−34
c 6, 63 × 10 J.s 3, 0 108 m.s−1
× × −19
hν = h = = 3, 86 × 10 J.
λ 5145 10−10 m
×
O número de f´otons p or unidade de t empo é a razão entre a p otência do laser e a energia do
fóton,

P 10 10−3 W
×

=
3, 86 10−19 J
× = 2, 59 × 1016 s −1
.

Como a cada 10 f´ otons absorvidos um par elétron-buraco é gerado, a taxa de criação de


pares por unidade de volume é,

1 2, 59 1016 s−1
×
r=
10 1 −2
× 10 cm2 100 10−4 cm
× × = 2, 59 × 1019 cm −3 −1
s

5.2.3 Concentração de Portadores em Equil´


ıbrio Térmico

Várias
dependem propriedades dos semicondutores,
fundamentalmente como dos
da concentração por portadores
exemplo a condutividade,
de carga elétrica.
Esta concentração depende do n´umero de estados disponı́veis para serem ocu-
pados e da probabilidade de ocupação de cada um. Vamos calcular esta concen-
tração num semicondutor intrı́nseco a uma temperatura T utilizando conceitos
apresentados no Capı́tulo 4. A probabilidade dos elétrons ocuparem um es-
tado de energia E é dada pela função de Fermi-Dirac f (E ), Eq.(4.13). Uma
dificuldade adicional nos semicondutores em rela¸cão aos metais é que o nı́vel
de Fermi EF não é conhecido, a priori , como veremos a seguir.

Vamos considerar um semicondutor com banda s como na Fig.5.6. O


topo da banda de valência tem energia Ev e o mı́nimo da banda de condução
é Ec , sendo Ec Ev = Eg . Em T = 0 a banda de valência está cheia e a de

condução está vazia. É claro ent˜ao que o nı́vel de Fermi está situado entre
as duas bandas, Ev < EF < Ec , porém sua posição exata no gap depende da
forma das bandas. Devido à simetria de f (E ) e ao fato de que, em T > 0, o
128 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 5.6: Bandas parab´olicas em semicondutor utilizadas para o c´ alculo da densidade de


estados.

número de elétrons na banda de condução é igual ao número de buracos na


banda de valência, se as bandas forem simétricas, EF estará exatamente no
meio do gap. Por outro lad o, se as bandas n˜ao forem simétricas, EF estará
próximo mas n˜ao exatamente no meio. Na verdade a determinação de EF é
feita no próprio cálculo das concentrações de portadores.

Para o cálculo da concentração dos portadores no semicondutor é preciso


saber também o número de estados eletrˆonicos disponı́veis para ocupação nas
bandas de ener gia, o que depend e da forma das band as. Como os estados
envolvidos são os que est˜ao próximos dos extremos das duas bandas na Fig.5.6,
podemos fazer para ambas a aproxima¸cão parabólica. Supondo que a energia
não varia com a dire¸cão de k podemos escrever para a banda de condu¸cão,
2 2
 k
E −E c = , (5.10)
2m∗c

e para a banda de valência,


2 2
Ev − E = 2mk ∗
, (5.11)
v

onde m∗c e m∗v são, respectivamente, as massas efetivas nas bandas de condução
e de valência.

Exceto pelo deslocamento da referência, as expressões acima s˜ao iguais


a Eq.(4.14). Desta forma, os vetores de onda dos estados que podem ser
Cap. 5 Materiais Semicondutores 129

ocupados são discretos e dados pela Eq.(4.15). Assim sendo, a densidade de


estados eletrônicos na banda de condução é dada por (4.17) com E substitu´ıdo
por E Ec , e m substituı́do por m ∗c ,

3/2
2m∗c
D (E ) =
1
  (E −E ) 1/2
. (5.12)
c
2π 2 2

Do mesmo modo, a densidade de estados de buracos na banda de valência é,


3/2
1 2m∗v 1/2
D ( E ) = 2π 2 (Ev − E) .
  2 (5.13)

A partir desses resultados podemos obter as concentrações de elétrons


e buracos em equilı́brio térmico nos semicondutores. A concentra¸cão
(número/unidade de volume) de elétrons na banda de condução é obtida pela
integral do produto da densidade de estados D(E ) com a probabilidade de
ocupação f (E ),
 ∞
n= D (E )f (E )dE . (5.14)
Ec

Nesta equação fizemos o limite superior infinito porque a contribuição dos


estados com energia muito acima de Ec é desprezı́vel, devido ao fato de que
f (E ) cai exponencialmente com E . Para facilitar a integra¸cão, vamos utilizar
uma expressão aproximada para a fun¸ cão de Fermi-Dirac. À temperatura
ambiente, T  290 K, o fator de Boltzmann é kB T 0, 025 eV. Como EF 
está próximo
E −  EF kBdo
T . meio
Logo,do gap epode ser
(4.13) Eg
é da ordem de por
aproximada 1 eV, podemos considerar
−(E −EF )/kB T
f (E ) e . (5.15)

Substituindo (5.12) e (5.15) em (5.14) vem


3/2 ∞
2m∗c
n =
1
   (E −E ) 1/2
e−(E −EF )/kB T dE
c
2π 2 2 Ec

3/2 ∞
2m∗c
=
1
  e−(Ec −EF )/kB T
 x1/2 e−x/a dx ,
2π 2 2 0

onde x ≡ (E Ec ) e a
− ≡ kB T . A integral definida pode ser calculada ana-
liticamente e seu valor é a3/2 π 1/2 /2. A concentração de elétrons na banda de
condução é então
130 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

n = N c e −(Ec −EF )/kB T , (5.16)

onde
3/2
m∗c kB T
Nc = 2
  . (5.17)
2π  2

Podemos dar à concentração Nc duas interpretações úteis. Veja que a Eq.(5.16)


seria obtida de (5.14) imediatamente se a densidade de estados fosse uma
função delta de Dirac em E = E c ,

D(E ) = Nc δ (E −E ) c . (5.18)

Esta equação significa que Nc faz o papel de uma concentra¸cão de estados to-
talmente localizados na energia E = E c . Também pode-se ver a concentra¸ cão
de elétrons n como sendo dada, aproximadamente, por uma concentração efe-
tiva de estados com valor constante N c entre Ec e E c + kB T e nula fora deste
intervalo.

De forma an´aloga, podemos obter a concentra¸cão de buracos na banda


de valência. Como o número de buracos é dado pela falta de elétrons na banda
de valência, temos,
 Ev
p= [1 − f (E )]D(E )dE . (5.19)
−∞

Considerando EF − E  k T , podemos usar a aproxima¸cão


B

(E −EF )/kB T
1 − f (E )  e .

A integral (5.19) pode ser resolvida por um c´alculo análogo ao de n, levando


ao seguinte resultado para a concentração de buracos,

p = N v e−(EF −Ev )/kB T , (5.20)

onde N v é a concentração efetiva de estados com energia no topo da banda de


valência Ev , dada por,
3/2
m∗v kB T
Nv = 2
  . (5.21)
2 π 2
Cap. 5 Materiais Semicondutores 131

Figura 5.7: Ilustração gráfica do c´alculo da concentra¸cão de portadores no semicondutor


intrı́nseco: (a) As linhas cheias representam as densidades de estados D(E ) nas duas bandas;
(b) A distribui¸cão de Fermi-Dirac f (E ); (c) As densidades de portadores nas duas bandas
numa temperatura T > 0. As ´areas hachuradas em (c) correspondem `as concentra¸cões
efetivas de estados.

O cálculo de n e p está ilustrado graficamente na Fig.5.7 para o caso de


um semicondutor intrı́nseco com bandas aproximadamente simétricas. Neste
caso o nı́vel de Fermi está aproximadamente no meio do gap. Na verdade, desde
que a fun¸cão de Fermi-Dirac possa ser aproximada pela express˜ao (5.15), as
equações (5.16)-(5.21) valem para semicondutores intrı́nsecos ou extrı́nsecos.
O que diferencia os dois casos é a posição do nı́vel de Fermi, EF , que até o
momento não foi calculada.

Exemplo 5.2: Calcule a probabilidade de ocupa¸cão f (E ) de um estado com energia E acima do



ıvel de Fermi, E = E F + 0, 2 eV, a uma temperatura 290 K, usando a express˜ ao exata e também
a aproximada (5.15).

Inicialmente calculamos o valor da energia térmica em eV,

−23 1, 38 10−23 290


× ×
kB T = 1, 38 × 10 × 290 J = = 0, 025 eV .
1, 6 10−19
×
Então,
e(E−EF )/kB T = e0,2/0,025 = e 8 = 2980, 96 .

A probabilidade calculada pela distribuição de Fermi-Dirac é,


1 1 −4
f (E ) = = = 3, 3535 × 10 .
1 + e (E −EF )/kB T 1 + 2980, 96
132 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

O valor calculado com a express˜ao (5.15) é,


1 −4
f (E ) = = 3, 3546 × 10 ,
2980, 96
que é praticamente igual ao calculado com a expressão exata.

Para determinar o nı́vel de Fermi EF é preciso utilizar a condição de


conservação do n´umero de elétrons. No caso do semicondutor intrı́nseco, a
esta condição impõe que o n´umero de elétrons na banda de condução seja
igual ao n´umero de buracos na banda de valência, n = p ni . Igualando ≡
(5.16) e (5.20), fazendo EF = E i (n´ıvel de Fermi no semicondutor intrı́nseco)
e utilizando (5.17) e (5.21) obtemos a energia de Fermi no material intrı́nseco
(Problema 5.2),
1 3 m∗
Ei = (Ec + Ev ) + kB T n v∗ . (5.22)
2 4 mc

Esta equação mostra claramente que somente se T = 0, ou se as massas


efetivas de elétrons e buracos forem iguais, o nı́vel de Fermi no semicondutor
ınseco estará exatamente no meio do gap. No caso geral em que m ∗c = m ∗v
intr´ 
(bandas não simétricas), o nı́vel de Fermi não está exatamente no meio e sua

Figura 5.8: Variação das concen-


trações de portadores intrı́nsecos
em Ge, Si e GaAs medidas ex-
perimentalmente [Sze].
Cap. 5 Materiais Semicondutores 133

posição depende da temperatura. Entretanto, como `a temperatura ambiente


kB T  Eg , esta corre¸cão é muito pequena em Si, Ge e GaAs.
Uma vez obtida a energia de Fermi Ei do semicondutor intrı́nseco,
podemos imediatamente calcular a concentra¸cão ni de elétrons na banda de
condução e de buracos na banda de valência. Fazendo EF = Ei em (5.16) e
(5.20) obtemos,

ni = Nc e −(Ec −Ei )/kB T , (5.23)


−(E −E )/k T
pi = Nv e i v B
. (5.24)

Fazendo o produto dessas duas equa¸ cões e usando o fato de que p i = ni ,


obtemos

ni = pi = ni pi = (Nc Nv )1/2 e−Eg /2kB T . (5.25)

Este resultado mostra que o n´umero de portadores no semicondutor intrı́nseco


varia exponencialmente com Eg /kB T . A Fig.5.8 mos tra a varia¸cão de ni
com a temperatura nos três semicondutores mais importantes, medida ex-
perimentalmente. Esta variação é devida principalmente ao fator exponencial
da Eq.(5.25), mas também contém uma contribui¸ cão em T 3/2 proveniente do
termo ( Nc Nv )1/2 (Problema 5.3).

Grandeza Ge Si GaAs

Átomos ou moléculas (1022 /cm3 ) 4,42 5,0 2,21


Parâmetro da rede a ( Å) 5,658 5,431 5,654
Constante dielétrica / 0 16,0 11,8 10,9
Gap de energia(eV)
Eg 0,68 1,12 1,43
Concentração intr´ınseca n i (cm−3 ) 2,5 1013
× 1,5 1010
× 107
Concentração efetiva N c (cm )− 3
×
1,04 10 19
×
2,8 10 19
4,7 1017
×
Concentração efetiva N v (cm−3 ) 6,1 1018
× 1,02 1019
× 7,0 1018
×
Mobilidade µ n (cm2 /V.s) 3900 1350 8600
Mobilidade µ p (cm2 /V.s) 1900 480 400
Coeficiente de difusão D n (cm2 /s) 100 35 220
Coeficiente de difusão D p (cm2 /s) 50 12,5 10

Tabela 5.2: Valores de grandezas impo rtantes em Ge, Si e GaAs a T = 300 K [Sze e
Streetman].
134 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

A Tabela 5.2 apresenta os valores das concentra¸cões de portadores e


outras grandezas importantes para os três principais semicondutores. A mo-
bilidade e o coeficiente de difus˜ao serão definidos na se¸cão 5.5 . Note que em
ınseca está na faixa 10 7 1013 cm−3 . Este valor
todos eles a concentra¸cão intr´ −
é extremamente pequeno comparado com o número de portadores em metais
(1022 cm−3 ) e resulta do fato de que kB T Eg . Note que os va lores de Nc ,

Nv e n i dados na Tabela 5.2 foram obtidos através de medidas independentes.
Por esta razão existe uma pequena discrepância entre eles e os valores obtidos
com a Eq.(5.25) (Problema 5.3).

Exemplo 5.3: Obtenha uma expressão numérica para a concentração de elétrons na banda de
condução de um semicondutor hipotético, intrı́nseco, com m∗c = m∗v = m0 e calcule seu valor para
Eg = 1, 0 eV e T = 300 K.

Para m ∗c = m ∗v = m 0 , (5.17) e (5.21) d˜ao

3/2
m0 kB
Nc = N v = 2 T 3/2
2π 2
3/2
9, 1 10−31 kg 1, 38 10−23 J/K
× × ×
=2 T 3/2
2 3, 14 1, 0542 10−68 J2 s2
× × ×
= 4, 83 × 1021 T 3/2 (kg s 2 /J)3/2 .

Veja que como o joule é a unidade de energia no sistema internacional, 1 J = 1 kg m 2 s2 .


Portanto, a unidade da expressão acima é m−3 , que é a unidade de concentração (n´umero por
3 3
volume) no sistema internacional. Usando (5.25) e convertendo m em cm , a concentra¸cão de
elétrons pode ser escrita como,

ni = 4, 83 × 1015 T 3/2 e −Eg /2kB T


cm−3 K−3/2 .

Para calcular o valor da exponencial, vamos exprimir a energia térmica em 300 K em unidades
de eV,

−23 1, 38 10−23 300


× ×
kB T = 1, 38 × 10 × 300 J = = 0, 026 eV .
1, 6 10−19
×
Então,

ni = 4, 83 × 1015 × 3003/2 × e −(1,0/0,052)

ni = 1, 12 × 1010 cm 3 −
Cap. 5 Materiais Semicondutores 135

5.3 Semicondutores Extrı́nsecos

Os semicondutores intrı́nsecos são pouco utilizados em dispositivos, entre ou-


tras razões, porque sua condutividade é pequena e depende muito da tem-
peratura. Em geral utiliza- se semicondutores com uma certa quantidade de
impurezas, de tipo e concentração controlados e colocados propositalmente no
cristal. Semicondutores com impurezas são chamados extr´ ınsecos . Dizemos
também que o semicondutor extr´ınseco é aquele que édopado com impurezas.
Através da dopagem é possı́vel fazer com que o n´umero de elétrons seja maior
que o de buracos, ou vice-versa. Os semicondutores com predominˆancia de
elétrons são chamados do tipo n (de negativo), enquanto que os de maior
concentração de buracos s˜ao do tipo p (de positivo). Os semicondutores
dopados têm condutividade que varia pouco com a temperatura e cujo valor
é controlado pela concentração de impurezas. É o controle das propriedades
dos semicondutores através da dopagem que possibilita utilizar estes materiais
para fabricar uma enorme variedade de dispositivos eletrônicos.

O método mais comum de dopagem de semicondutores é a difusão em


alta temperatura. Os átomos da impureza desejada s˜ao provenientes de um
gás, como AsH 3 no caso de As, e difundem para o interior do material através
de sua superfı́cie. Este processo é feito num forno onde o material e o gás que
fornece a impureza são aquecidos a uma temperatura na faixa de 400 700◦C.

A profundidade da camada superficial que fica dopada e a concentra¸ cão de
impurezas dependem da temperatura e do tempo de exposi¸ cão.

No processo de difusão a fronteira entre a camada dopada e o material


puro não é bem definida. Devido à natureza térmica do processo, a concen-
tração de impurezas varia gradualmente na fronteira. Um outro método que
permite a obtenção de regiões dopadas com fronteiras melhor definidas é a im-
plantação iônica. Neste processo um feixe de ı́ons acelerados com energia na
faixa 10 - 100 keV bombardeia a superfı́cie do material e penetra no interior.
Camadas de impurezas com fronteiras controladas e bem definidas podem ser
produzidas por este processo com espessuras de até 1 µ m.

5.3.1 Nı́vel de Energia de Impureza num Cristal

A presença de defeitos ou impurezas num cristal modifica o potencial eletros-


tático nas suas vizinhan¸cas, quebrando a simetria de transla¸cão do potencial
periódico. Essa perturbação pode produzir fun¸cões de onda eletrˆonicas que
136 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 5.9: Perturbação do esquema de energia causada por impurezas ou defeitos no cristal.
Alguns nı́veis de energia das impurezas estão nas faixas proibidas.

são localizadas nas proximidades da impureza, deixando de ser propagantes


em todo o cristal. As ene rgias dessas fun¸cões de onda s˜ao obtidas através
da equação de Schroedinger resolvida para o potencial da impureza. Essas
energias aparecem na forma de nı́veis discretos que podem estar situadas entre
as bandas do cristal perfeito. A Fig.5.9 ilustra possı́veis nı́veis de energia de
impurezas nas bandas de um cristal com defeitos. Numa primeira aproximação,
esses nı́veis de energia podem ser calculados com um modelo simples. Vamos
considerar por exemplo o caso de semicondutores como germˆ anio ou sil´ıcio,
que têm uma ligação covalente uniforme.

Os elementos do grupo V da tabela peri´odica (P, As ou Sb, por exemplo)


têm uma camada eletrônica interna igual a do Si ou Ge, mas têm cinco elétrons
de valência em vez de quatro. Em pequenas quantidades esses elementos po-
dem facilmente entrar no cristal no lugar dos ´atomos de Ge ou Si. Isto n˜ao
produz grandes modificações na rede cristalina, resultando na formação de im-
purezas substitucionais, como ilustrado na Fig.5.10. A dopagem também pode
ser feita com elementos do grupo III (B, A , Ga ou In), que têm um elétron
de valência a menos que Ge ou Si.

No caso das impurezas do grupo V, como As, quatro de seus cinco elétrons
de valência são utilizados na liga¸cão covalente com os ´atomos vizinhos de Ge
ou Si. O quinto elétron fica fracamente ligado ao átomo, que pode ser ionizado
termicamente a temperaturas relativamente baixas, como acima de 50 K. Com
a ionização o quinto elétron fica livre para se movimentar no cristal, o que
equivale a dizer que ele vai para a banda de condu¸ cão. Isto significa que
Cap. 5 Materiais Semicondutores 137

Figura 5.10: Modelo esque mático de


um cristal de Ge ou Si dopado com im-
purezas substitucionais Ga (aceitador)
e As (doador). As bolas brancas repre-
sentam os átomos de Ge ou Si.

o nı́vel de energia da impureza de As está próximo da banda de condu¸ cão.


As impurezas de As e dos outros elementos do grupo V s˜ ao doadoras, pois
doam elétrons para a banda de condução, como ilustrado na Fig.5.11(a). Os
semicondutores com impurezas doadoras têm maior concentração de elétrons
do que de buracos e por isso s˜ ao chamados do tipo n.

No caso de impurezas do grupo III, como o Ga, h´ a um elétron a menos


dos quatro necessários para completar a ligação covalente com os vizinhos. Em
temperaturas da ordem de 50 a 100 K, elétrons da banda de valência do cristal
são capturados para completarem as liga¸cões covalentes, deixando buracos na
banda de valência. As impurezas do grupo I II são chamadas aceitadoras e
formam semicondutores do tipo p . Como ilustrado na Fig.5.11(b), elas têm
nı́vel de energia eletrônica próximo da banda de valência. Os n´ıveis de energia

Figura 5.11: Representação esquemática dos nı́veis de impurezas no gap de semicondutores


dopados. Ec e Ev representam as energias mı́nima e máxima das bandas de condução
e valência respectivamente. Note que esta figura representa a energia ao longo de uma
dimensão fı́sica do semicondutor.
138 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

das impurezas no gap dos semicondutores podem ser calculados quanticamente


com um modelo simples do ´atomo de hidrogênio. Vamos considerar o caso do
As em germânio, por exemplo. O c´alculo é feito supondo que o elétron quase
livre está ao redor do ı́on positivo de As, com uma massa efetiva m∗e devido
ao potencial peri´odico da rede cristalina. A energia do nı́vel de impureza é
dada pela expressão da energia de ioniza¸cão do ´atomo de hidrogênio no estado
fundamental, Eq.(3.66) com n = 1,
m∗e e4 ∗
E=
2(4π)2 2
≡ mm e
0
0

2
EH , (5.26)

onde  é a permissividade do cristal, m ∗e é a massa efetiva de condução e E H é
a energia no ´atomo de hidrogênio, cujo valor, calculado com m ∗e = m0 e  =  0
é E H = 13, 6 eV. No germˆanio  16  0 , a massa efetiva de condu¸cão dada na

Tabela 5.1 é m∗e = 0, 12 m0 , de modo que a energia de ioniza¸cão das impurezas
doadoras neste material é,

E1 = 13, 6 × 016, 12 = 0, 006 eV


2
.

Silı́cio tem  = 120 e maior massa efetiva, tendo portanto uma maior energia
de ionização (0,025 eV). Este é o valor de energia necessário para ionizar uma

Figura 5.12: Energias de ioniza ção de v´arias impurezas em Ge e Si em T = 300 K. Os


números indicam as distˆancias em eV do mı́nimo da banda de condução para os nı́veis
acima do meio do gap e do m´aximo da banda de valência para os nı́veis abaixo do meio do
gap. Note que Cu e Au têm v´arios nı́veis de impurezas, tanto doadoras como aceitadoras
[Sze].
Cap. 5 Materiais Semicondutores 139

impureza doadora. Logo ele representa a distância entre o nı́vel da impureza e


o mı́nimo da banda de condução. É claro que este modelo rudimentar, que não
leva em conta a natureza detalhada do átomo de impureza, dá resultados ape-
nas aproximados. A Fig.5.12 mostra os nı́veis de energia de várias impurezas
em Ge e em Si. As impurezas comumente usadas para produzir semicondu-
tores tipo n, como Sb, P e As, têm nı́veis pr´
oximos da banda de condução. Por
outro lado as utilizadas nos semicondutores tipo p como B, A , Ga e In têm
nı́veis próximos da banda de valência. No caso de Cu e Au há vários nı́veis
de impurezas no gap do Si ou do Ge. Alguns nı́veis estão longe das bandas e

asão chamados
taxa de nı́veis
de recombina¸ cão profundos. Estes nı́veis são
de pares elétron-buraco. Asutilizados para aumentar
concentrações utilizadas
variam de 10 14 cm−3 (1 parte em 10 8 , considerando 10 22 átomos por cm 3 ) a
1020 cm−3 (1 parte em 10 2 , que é muito forte).

5.3.2 Concentração de Portadores em Semicondutores Extr´


ınsecos

As Equações (5.14) e (5.19) não são, evidentemente, restritas a semicondutores


intrı́nsecos. Elas também valem para semicondutores dopados, tanto com im-
purezas doadoras como aceitad oras. Assim sendo, os resultados (5.16) e (5.20)
também valem para os semicondutores extrı́nsecos, desde que a aproxima¸ cão
(5.15) seja v´alida. Representando por n0 e p0 as concentrações em equilı́brio
térmico de elétrons na banda de conduç˜ ao e de buracos na banda de valência,
no semicondutor extrı́nseco, podemos escrever ent˜ ao
−(Ec −EF )/kB T
n0 = N c e , (5.27)
−(EF −Ev )/kB T
p0 = N v e . (5.28)

O cálculo de n 0 e p 0 num semicondutor tipo n está ilustrado na Fig.5.13.


O que difere o semicondutor extrı́nseco do intrı́nseco é a posição do nı́vel de
Fermi. Por exemplo, num semicondutor tipo n com impurezas doadoras com
energia Ed próxima da banda de condução, em T = 0 os estados com energia Ed
estão cheios enquanto que aqueles com energia E > E c estão vazios. Portanto
em T = 0 o nı́vel de Fermi está entre Ed e Ec . Em T > 0 ele pode estar
abaixo de E d , mas não estará muito longe deste nı́vel. Como E F está próximo
de E c , à temperatura ambiente a exponencial em (5.27) é muito maior do que
aquela em (5.28), de modo que o n´ umero de elétrons é muito maior que o de
buracos. Fisicamente o que ocorre é que n0 no semicondutor tipo n aumenta
em relação a ni por causa da ioniza¸cão das impurezas doadoras. Por outro
140 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 5.13: Ilustração gráfica do cálculo das concentrações de portadores num semicondutor
tipo n.

lado, o n´umero de buracos diminui porque h´a mais elétrons para recombinar
com eles. O produto das concentrações de elétrons e buracos é obtido de (5.27)
e (5.28),
n0 p 0 = N c N v e−Eg /kB T . (5.29)

Comparando este resultado com (5.25) vemos que

n0 p 0 = n 2i . (5.30)

Desta forma, o produto n0 p0 é constante e independe do tipo e da con-


centração de impurezas. Este resultado, conhecido como a lei de a¸cão
das massas , é muito importante e será usado com freq¨uência posteriormente.
Usando (5.23) e (5.24) podemos reescrever (5.27) e (5.28) numa forma conve-
niente

n0 = ni e (EF −Ei )/kB T , (5.31)


(Ei −EF )/kB T
p0 = ni e . (5.32)

Estas relações mostram claramente que n0 = p 0 = n i quando EF = E i , e que


n0 e p0 variam exponencialmente quando E F se afasta de E i .
Cap. 5 Materiais Semicondutores 141

Nos semicondutores tipo n o nı́vel de Fermi EF está próximo da banda



de condução, de modo que ( EF Ei )/kB T 
1. Em conseqüência n0 ni 
e p0  ni , e por isso os elétrons são chamados portadores majoritários ,
enquanto os buracos s˜ao os portadores minoritários . Por outro lado, no s
semicondutores tipo p, (EF − Ei )/kB T é grande e negativo, de modo que
n0  ni e p0  ni . Neste caso os bura cos s˜ao os portadores majorit´arios
enquanto os elétrons são minoritários.

Outra relação importante entre as concentra¸cões de portadores resulta


da neutralidade de cargas. Sendo Nd+ a concentração de impurezas doadoras
ionizadas (impurezas que cederam elétrons para a banda de condução e ficaram
carregadas positivamente) e Na− a de impurezas aceitadoras ionizadas (que
receberam elétrons da banda de valência e ficaram negativas), a condição para
que o material seja eletricamente neutro é:

n0 + Na− = p0 + Nd+ . (5.33)

Esta é a equação da neutralidade de cargas. Para um dado semicondutor com


concentrações de impurezas conhecidas, o conjunto das Equações (5.27)-(5.33)
permite calcular o nı́vel de Fermi e as concentra¸ cões de elétrons e buracos.

Vamos considerar o caso de um semicondutor tipo n com N d impurezas


doadoras, a uma temperatura tal que todas est˜ao ionizadas, ou seja N d+ Nd . 
Neste caso
n0 p0 + Nd . (5.34)

Usando a lei de a¸cão das massas (5.30) nesta equa¸cão, obtemos
   2 1/2
N Nd
n0 = d + + n2i , (5.35)
2 2
   2 1/2

p0 = − N2d
+
Nd
2
+ n2i . (5.36)

Normalmente, no semicondutor dopado, a concentração de impurezas é muito


maior do que a concentra¸cão intrı́seca, Nd 
ni . Neste caso, desprezando ni
em (5.35) obtemos,
n0 Nd ,  (5.37)
142 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

como esperado. Por outro lado n˜ao podemos desprezar ni completamente em


(5.36), pois isto levaria a p0 = 0. Usando a aproxima¸cão binomial para a raiz
quadrada em (5.36) obtemos
2
p0  Nn i
d
, (5.38)

que é compat´ ıvel com (5.30) e (5.37). Tendo as relações (5.37) e (5.38) para
as concentrações de portadores, o nı́vel de Fermi pode ser determinado com as
Equações (5.27) ou (5.31). Por exemplo, substituindo (5.37) em (5.27) vem
N
EF = E c kB T n c . − (5.39)
Nd

Ou substituindo (5.37) em (5.31), obtemos outra express˜ ao útil para EF ,


Nd
EF = Ei + kB T n . (5.40)
ni

É importante chamar a atenção de que estas expressões para EF só valem


para semicondutores tipo n , na condição N d ni . 

Exemplo 5.4: Calcule as concentra¸cões de elétrons e de buracos e a posição do nı́vel de Fermi


num cristal de silı́cio dopado com 1016 cm−3 átomos de As, `a temperatura ambiente T 290 K.

Da Tabela 5.2 temos ni = 1, 5 × 1010 cm 3 . Usando (5.37) e (5.38),

n0  Nd+  Nd = 1016 cm 3 , −

2
p0  Nnid = 2, 25 × 104 cm −3
.

Usando k B T  0, 025 eV e N c = 2, 8 × 1019 cm −3


em (5.39) vem

Ec − EF = 0, 025 n(2, 8 × 103 ) = 0, 20 eV .

Comparando este resultado com a energia dada na Fig.(5.12), vê-se que neste caso o nı́vel de Fermi
está próximo e um pouco abaixo do nı́vel da impureza de As no silı́cio. Por outro lado com (5.40)
obtemos

EF = E i + 0, 34 eV .
Cap. 5 Materiais Semicondutores 143

Figura 5.14: Diagrama de energia do silı́cio: (a) Tipo n, com Nd = 1016 cm−3 impurezas
doadoras; (b) Tipo p, com N a = 1017 cm−3 impurezas aceitadoras.

O diagrama de energia correspondente `a situação do Exemplo 5.4 est´a


mostrado na Fig.5.14(a). Este diagrama é tı́pico de semicondutor tipo n, no
qual o nı́vel de Fermi está próximo da banda de condução. É importante notar
que quando a concentra¸cão de impurezas é grande, ou seja, comparável com
Nc (2,8 1019 cm−3 em Si), o nı́vel de Fermi se aproxima de Ec . Neste caso
×
o resultado (5.39) n˜ao vale porque (5.15) n˜ao é uma boa aproximação para

f (E ). O semicondutor com N d Nc é chamado degenerado e tem E F Ec . 
É fácil ver, por analogia com o desenvolvimento das Equa¸ cões (5.34)-
(5.40), que num semicondutor tipo p , dopado com Na impurezas aceitadoras,
as expressões para as concentrações e o nı́vel de Fermi são (Problema 5.6):

2
n0  Nni
a
(5.41)

p0 N a (5.42)
Nv
EF = E v + kB T n (5.43)
Na
Na
EF = E i −k BT n . (5.44)
ni
144 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Exemplo 5.5: Calcule as concentrações de elétrons e buracos e a p osição do nı́vel de Fermi num
cristal de silı́cio com Na = 10 17 cm−3 impurezas de Ga, a T = 290 K.

Usando (5.41) e (5.42) vêm,

p0  1017 cm 3 −
,
n0  2, 25 × 103 cm −3
.

Usando k B T = 0,025 eV e N v = 1, 02 1019 cm−3 em (5.43) temos


×
EF = E v + 0, 025 × n (1, 02 × 102 )
EF = E v + 0, 11 eV .

O diagrama de energia correspondente ao Exemplo 5.5 est´ a ilustrado na


Figura 5.14(b). Ele é tı́pico de semicondutor tipo p, no qual o nı́vel de Fermi
está pr´oximo e um pouco acima do nı́vel de energia da impureza, estando
ambos próximos do topo da banda de valência.

Para concluir esta se¸cão é importante chamar a atenção de que as apro-


ximações Nd+ Nd e Na−
 
Na só valem acima de uma certa temperatura,
que, no caso do silı́cio, é da ordem de 100 K. Abaixo desta temperatura as
impurezas não estão todas ionizadas e o n´ umero de portadores varia com a
temperatura (veja Problema 5.8). Entretanto, como na faixa de 100 a 500 K
as impurezas est˜ao praticamente todas ionizadas, as concentra¸cões são quase

Figura 5.15: Concentração de elétrons


em função da temperatura em silı́cio
tipo n com N d = 1016 cm−3 [Yang].
Cap. 5 Materiais Semicondutores 145

independentes da temperatura, como ilustrado na Fig.5.15. Acima de 500 K


a concentração intrı́nseca, que cresce exponencialmente com T , passa a ser
importante e eventualmente domina a extrı́nseca.

5.4 Dinâmica de Elétrons e Buracos em Semicondutores

A operação dos dispositivos semicondutores é baseada na dinâmica dos porta-


dores de carga elétrica, que são os elétrons e buracos. Os principais processos
dinâmicos são a cria¸cão de pares elétron-buraco, a recombinação de pares e o
movimento coletivo desses portadores. O movimento coletivo das cargas re-
sulta em corrente elétrica, que consiste no principal mecanismo de transmissão
de informação nos dispositivos. Há dois tipos b´asicos de movimento coletivo
que estudaremos a seguir: o movimento de deriva num campo elétrico e a di-
fusão de cargas devido a um gradiente espacial na concentração de portadores.

5.4.1 Corrente de Condução

A corrente de condu¸cão, ou deriva ( drift current), resulta do lento desloca-


mento médio de portadores de carga produzido por um campo elétrico externo,
simultâneo com o movimento r´apido e aleat´orio caracter´ ıstico das part´ıculas
em agita¸cão térmica. Esta corrente é da mesma natureza que nos metais,
entretanto, nos semicondutores ela é formada tanto por elétrons quanto por
buracos.

Quando um campo elétrico é aplicado ao material, elétrons e buracos


têm movimentos de deriva em sentidos opostos. Porém, como eles têm cargas
opostas, as intensidades das correntes elétricas dos dois tipos de portadores
se somam. Como vimos na Se¸cão 4.5, a densidade de corrente de elétrons é
E
relacionada com o campo elétrico por,

Jn = σ n E , (5.45)

onde σn é a condutividade devida aos elétrons. Usando a Eq.(4.25) temos,

e2 n0 τ e
σn = , (5.46)
m∗e
146 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

onde τe é o tempo de colisão dos elétrons. Nesta expressão utilizamos a concen-


tração de equilı́brio n0 de elétrons porque a aplicação do campo elétrico tem
efeito desprezı́vel no valor das concentra¸ cões dos portadores. Como a condu-
tividade resulta do movimento médio do conjunto de elétrons, é util
´ definir uma
nova grandeza, que descreva a facilidade com a qual cada elétron se desloca
no material sob a a¸cão do campo externo. Esta grandeza é a mobilidade,
definida pela raz˜ao entre a velocidade de deriva e o campo elétrico,
v
µ= . (5.47)

E
Comparando (4.25), (5.46) e (5.47) vemos que a condutividade pode ser
escrita como,
σn = e n0 µ n , (5.48)

onde µn é a mobilidade dos elétrons, dada por


eτe
µn = . (5.49)
m∗e

Note que, pela definição, a mobilidade envolve explicitamente apenas


parâmetros intr´
ınsecos do material, pois é uma grandeza caracter´
ıstica de cada
elétron. Entretanto ela depende indiretamente da concentração de impurezas,
uma vez que esta é um fator determinante do tempo de colisão τ e . A Fig.5.16

Figura 5.16: Mobilidade de elétrons


em fun¸cão da temperatura, em silı́cio
tipo n, para várias concentrações de im-
purezas N d [Yang].
Cap. 5 Materiais Semicondutores 147

mostra a variação da mobilidade de elétrons com a temperatura, em silı́cio tipo


n, para diversas concentrações de impurezas doadoras. Note que a mobilidade
diminui com o aumento da concentração de impurezas, devido `a diminuição de
τe resultante da colisão do elétron com as impurezas. Ela também diminui com
a temperatura devido ao aumento das colis˜oes dos elétrons com as vibrações
térmicas da rede.

Por analogia ao que foi feito para os elétrons, vemos que densidade de
corrente de buracos é dada por

Jp = σ p E , (5.50)

sendo σp a condutividade devida aos buracos, dada por,

e2 p0 τ b
σp = e p0 µ p = , (5.51)
m∗b

onde τb é o tempo de colisão, p 0 a concentração e µb a mobilidade de buracos. A


soma de (5.45) e (5.50) d´a a densidade total da corrente, J = (σn + σp ) = σ , E E
onde
σ = e (n0 µ n + p0 µ p ) , (5.52)

Figura 5.17: Mobilidade de elétrons e buracos em Si e GaAs em função da concentra¸cão de


impurezas em T = 300 K [Sze].
148 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

é a condutividade total do material. Em cada temperatura, σ pode ser calcu-


lada a partir das concentra¸cões de elétrons e buracos, obtidos como na seção
5.3, e do valor da mobilidade. A Fig.5.17 apresenta a varia¸ cão de µ n e µ p com
a concentração de impurezas em silı́cio e arseneto de gálio em T = 300 K.
Note que a mobilidade de elétrons em GaAs é cerca de cinco vezes maior que
em Si, devido principalmente a menor massa efetiva dos elétrons em GaAs.
Evidentemente, num semicondutor tipo n a corrente é devida essencialmente
aos elétrons, enquanto que no material tipo p ela é devida aos buracos.

A corrente elétrica numa barra de material semicondutor na qual é apli-


cado um campo externo resulta da mobilidade de elétrons e buracos. Nor-
malmente este campo é estabelecido por uma diferença de potencial entre as
extremidades da barra, criada por um circuito externo, como o da Fig.5.18.
A corrente no semicondutor é a soma das contribuições dos dois tipos de por-
tadores de carga, uma vez que os elétrons se movimentam em sentido oposto
aos buracos. Evidentemente, no fio metálico que fornece a diferen¸ca de po-
tencial para a barra, a corrente é inteiramente devida a elétrons. Cabe agora
perguntar o que acontece com os buracos nas extremidades da barra. Como a
corrente no fio é igual a corrente na barra, o número de elétrons que passa por
uma seção reta do fio por unidade de tempo é a soma dos números de elétrons
e de buracos no semicondu tor, pois a carga de todos eles tem o mesmo m´odulo.
Isto só é possı́vel porque na interface entre o metal e o semicondutor da extre-
midade A, existe um processo de cria¸cão de pares elétron-buraco. Os elétrons

Figura 5.18: Ilustração do movimento de elétrons e buracos num material semicondutor e


no circuito externo.
Cap. 5 Materiais Semicondutores 149

criados na interface A passam para o fio, enquanto os buracos passam a se


mover na barra em dire¸cão à extremidade B. Na interface B, por outro lado,
os buracos recombinam com o excesso de elétrons provenientes do fio metálico,
de tal modo que o n´umero de elétrons no semicondutor seja igual à diferença
entre o número de elétrons no fio e o número de buracos.

Estes processos de cria¸cão e recombina¸cão de pares nas interfaces re-


querem que estas funcionem como fontes ou sumidores perfeitos de elétrons
e buracos, sem qualquer tendência de privilegiar um dos dois portadores de
carga. Um contato metal-semicondutor com essas caracterı́sticas é chamado
contato ôhmico. Num contato ˆohmico a resistência é a mesma em qualquer
dos dois sentidos da corrente usada para medi-la. Num circuito real, o con-
tato entre um metal e um semicondutor nunca é perfeitamente ôhmico. As
caracter´
ısticas do contato metal-semicondutor serão estudadas na se¸cão 6.3.1.

Exemplo 5.6: Calcule a resistividade do silı́cio em T = 300 K em duas situa¸ cões: a) Intrı́nseco;
b) Dopado com impurezas de As com concentra¸ cão N d = 2 1016 cm−3 .
×
a) No Si intrı́nseco a condutividade total é calculada com a Eq.(5.52), utilizando os parâmetros da
Tabela 5.2

σ = e(n0 µn + p0 µp ) = e ni (µn + µp )
= 1, 6 × 10 19 × 1, 5 × 1010 (1350 + 480) C cm
− −3
cm2 /V s
= 4, 39 × 10 6 (Ω cm) 1
− −

A resistividade é o inverso da condutividade, logo,


1 1
ρ=
σ
=
4, 39 10−6
× = 2, 28 × 105 Ω cm .
b) No Si com impurezas doadoras com N d  ni , a concentra¸cão de elétrons é dada por (5.37),

n0  Nd = 2 × 1016 cm 3 . −

Como p 0  n0 , a condutividade é σ  e n 0 µn , sendo µ n dado pelo gr´afico da Fig.5.17.

σ  1, 6 × 10 19 × 2 × 1016 × 103 = 3, 2 (Ω cm) 1


− −

Logo,
1
ρ= = 0, 31 Ω cm
3, 2

6
Veja que uma dopagem relativamente fraca (1 parte em 10 ) aumenta a resistividade do
silı́cio em quatro ordens de grandeza.
150 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

5.4.2 Movimento em Campo Magnético - Efeito Hall

Se um campo magnético estático é aplicado numa barra de semicondutor,


perpendicularmente à direção de movimento de deriva das cargas, estas ten-
dem a ser defletidas lateralmente, crinado um acúmulo de cargas que resultam
numa diferença de potencial transversal à barra. Vamos considerar a geome-
tria mostrada na Fig.5.19, na qual a dire¸ cão z do sistema de coordenadas é
escolhida como sendo a dire¸cão do campo magnético B  , x é a direção da cor-
rente e y e´ a direção transversal. A for¸ca do campo magnético sobre as cargas
é dada por
F = q v × B . (5.53)

Vamos supor que o semicondutor é tipo p, de modo que a corrente é


devida essencialmente aos buracos. Como estes se movimentam na direção +x

e têm carga positiva, a força sobre eles tem o sentido y . Esta força deflete
os buracos e resulta no ac´ umulo de cargas positivas no lado y = d/2 da −
barra deixando, por conseguinte, cargas negativas no lado y = +d/2. Estas
cargas criam um campo elétrico no sentido +y que, após um transiente inicial,
impedem a continuação do movimento dos buracos na dire¸cão y . O valor do

Figura 5.19: Efeito Hall num semic ondutor. A aplica¸cão de um campo magnético numa
barra com corrente resulta numa diferen¸ ca de potencial transversal VH que permite medir
a concentração de portadores.
Cap. 5 Materiais Semicondutores 151

campo elétrico transversal pode ser calculado considerando que a força total
sobre um buraco é dada por

F = q (  + v
E × B ) . (5.54)

Em regime estacion´ario a componente y desta força deve ser nula. Então a


componente y do campo elétrico é,

E = −(v × B )
y y = v x Bz . (5.55)

O aparecimento deste campo elétrico transversal é conhecido como o efeito


Hall, em homenagem a E.H. Hall que observou o fenˆ omeno em condutores
em 1879. A tens˜ao transversal que aparece na barra, VH = y d, é chamada a
E
tensão Hall. Utilizando a rela¸cão entre a densidade de corrente de buracos e a
velocidade, Jp = e p0 v x , temos
Jp
E y =
ep0
Bz ≡R H Jp B z , (5.56)

onde RH = (ep0 )−1 é o coeficiente Hall. A medida da tensão Hall permite


determinar a concentração de portadores p0 com bastante precisão. Na verdade
ela dá informação sobre a diferen¸ca entre as concentra¸cões de elétrons e de
buracos. Note que no caso da corrente ser produzida por elétrons a velocidade
vx é negativa e, portanto, pela Eq.(5.55) o campo elétrico e a tens˜ao Hall
têm o sentido oposto ao do caso dos buracos. Assim, o sinal da tensão Hall
permite determinar o sinal dos portadores majorit´arios de carg a. No caso da
concentração de elétrons ser comparável com a de buracos, o valor da tens˜ao
Hall permite determinar a diferen¸ca (p0 n0 ). −
Apesar de ter sido descoberto h´a mais de um século, o efeito Hall cons-
titui ainda hoje uma técnica importante de investigação das propriedades de
condução dos materiais. Foi com esta técnica que o alemão K. von Klitzing
descobriu que quando o movimento de elétrons num semicondutor é confinado
a duas dimens˜oes, a tens˜ao Hall varia com o campo magnético em degraus.
Este é um efeito quântico resultante da quantização dos nı́veis de energia de
elétrons no campo magnético. A descoberta do efeito Hall quântico valeu a
von Klitzing o Prêmio Nobel de Fı́sica de 1985. O efeito Hall também tem
várias aplicações práticas. Uma das mais importantes é na medida de campos
magnéticos. O sensor Hall é constitu´ ıdo de uma pequena barra de semicondu-
tor, percorrido por uma certa corrente elétrica. Quando colocado num campo
152 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

magnético cuja intensidade deseja-se medir, o valor da tensão que aparece


transversalmente no sensor fornece uma medida direta do campo.

Exemplo 5.7: Uma barra de silı́cio tipo p, com concentração de impurezas N a = 10 14 cm−3 , com
espessura d = 0, 5 mm, é usada como sensor Hall. Calcule a tens˜ao Hall para uma corrente de
prova de 100 mA quando o campo magnético é perpendicular ao plano da dimensão maior e tem
intensidade B = 10−1 T.

A tensão Hall é dada por VH = Ey  e a densidade de corrente é J = I/(d), onde  e d

são largura e a espessura da barra. a 


Sendo Ntodas i , p0
nas  
N a para
n0o, asistema
corrente é dominadatemos,
pelos
buracos. Então, usando (5.56) e convertendo unidades internacional

I/(d) I Bz
VH = Bz  = =
e p0 e p0 d
−1
10 ×10−1
= = 1, 25 V .
1, 6 10−19 1014 106
× × × −3
× 0, 5 × 10

Este exemplo mostra que a tens˜ ao Hall tem um valor relativamente alto, para circuitos
eletrônicos, para um valor de campo tı́pico de laboratórios. Isto não ocorre em metais, porque a
concentração de elétrons livres ( 1022 cm−3 ) é muito maior do que em semicondutores.

5.4.3 Corrente de Difusão

A corrente de condu¸cão resulta do movimento de cargas produzido por um


campo elétrico, ou seja, pelo gradiente de potencial elétrico. Este não é o
único gradiente que produz corrente elétrica num semicondutor. Quando por-
tadores de carga s˜ao criados não-uniformemente num material, o gradiente de
concentração resultante produz movimento de portadores. Este movimento,
chamado de difus˜ao, ocorre no sentido da regi˜ ao de maior para a de menor
concentração. Como os portadores têm carga elétrica, seu movimento de di-
fusão resulta numa corrente elétrica, chamada corrente de difusão.

O movimento de difus˜ao é muito comum na fı́sica. É através dele que


uma gota de tinta azul de caneta, colocada num copo d’´ agua, espalha-se no
copo deixando a ´agua uniformemente azulada ap´os um ce rto tempo. A di-
fusão das moléculas da tinta da água resulta de seu movimento aleat´orio de
agitação térmica. Neste processo, cada molécula, tanto da água quanto da
tinta, move-se numa direção arbitrária até colidir com outra molécula. Após
o choque a molécula se move em outra direção, resultando num movimento
Cap. 5 Materiais Semicondutores 153

completamente aleatório. Desta forma, as moléculas de tinta, que estavam ini-


cialmente concentradas numa certa região, após um certo tempo se encontram
completamente difundidas na ´agua. No caso do semicondutor, a difusão dos
portadores de carga em excesso, inicialmente concentrados numa certa região,
resulta de seu movimento aleatório na rede cristalina do material.

Para obter a equa¸cão que descreve o movimento de difus˜ao, vamos con-


siderar inicialmente um modelo simples, no qual buracos se movimentam em
uma dimensão, digamos a dire¸cão x . A concentração de buracos em excesso do
equilı́brio é descrita pela função p (x). Seja  a distância média percorrida por
um buraco entre duas colis˜oes, o livre caminho médio, e τ o tempo médio
entre duas colis˜oes. Considere dois planos perpendiculares a x, com coorde-
nadas x e x + ∆ x, sendo ∆ x =  , como na Fig.5.20. No movimento aleat´orio
que caracteriza a difusão, os buracos que est˜ao entre os planos x e x + ∆x em t̂
igual probabilidade de se moverem no sentido +x ou x. Da mesma forma, os


buracos entre os planos x ∆x e x podem se mover no sentido + x ou x com −
igual probabilidade. Se a concentração de buracos for a mesma à esquerda ou à
direita de x , o número lı́quido de buracos que atravessa o plano x e´ nulo, sendo
nula também a corrente elétrica. Por outro lado, se houver um gradiente de
concentração de buracos, a corrente no plano x será diferente de zero. Ela será
proporcional à diferença das concentrações à esquerda e `a direita de x. Como
metade dos buracos entre x ∆x e x cruza o plano x , no sentido + x, durante

um intervalo de tempo τ , a corrente devido a esses buracos numa se¸ cão reta
de área A e´ aproximadamente,

Figura 5.20: Ilustra¸cão das correntes entrando e saindo de uma regi˜ ao com volume A∆x de
carga.
154 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

1
2
e A p (x − ∆x/2) × τ1 ,
porque a corrente é a razão entre a carga total que atravessa a se¸ cão e o
intervalo de tempo, sendo a carga total igual à carga do buraco vezes o n´umero
de buracos. Para obter a densidade de corrente no plano x, é preciso subtrair
a contribuição dos buracos que est˜ao entre x e x + ∆ x e que cruzam o plano

x no sentido x, e dividir a diferen¸ca pela ´area A . O resultado é,

1 e  p(x

 − ∆2x ) − p(x + ∆2x )  .

Supondo que a variação de p(x) com x ocorra em distâncias muito maiores


que ∆ x = , podemos considerar que ∆ x é muito pequeno, de modo que a

expressão entre colchetes é ∆x dp/dx . Assim a densi dade de corrente de
difusão dos buracos na dire¸cão +x é dada por,

dp(x)
Jpdif = e Dp − , (5.57)
dx

2
onde Dp =  /2τ é o coeficiente de difusão dos buracos. A corrente de
difusão dos elétrons pode ser obtida do mesmo modo que a de buracos. Como

o elétron tem carga e, sua corrente de difusão é

dn(x)
Jndif = +e Dn , (5.58)
dx

sendo Dn o coeficiente de difus˜ao e n(x) a concentra¸cão de elétrons. Tanto


(5.57) quanto (5.58) mostram que, como esperado, a corrente de difus˜ ao será
nula se n˜ao houver varia¸cão espacial da concentra¸cão de porta dores. Estas
equações, obtidas supondo que as concentrações só variam na direção x, re-
presentam as componentes x das correntes de difusão. No caso mais geral de
variação em três dimensões, as componentes y e z são dadas pelas derivadas em
relação a y e z . Assim, a generaliza¸cão de (5.57) e (5.58) leva `a duas equações
envolvendo o operador gradiente,

Jpdif = −e D ∇p
p (5.59)

Jndif = +e D ∇n
n . (5.60)
Cap. 5 Materiais Semicondutores 155

As Equações (5.59) e (5.60) permitem calcular as correntes de difus˜ ao


de buracos e de elétrons a partir das variações de suas concentrações. Na
maioria das situações, entrentanto, estas não são conhecidas a priori , precisam
ser calculadas. Para obter as equa¸cões que fornecem a evolu¸cão das concen-
trações é preciso ter outra relação independente entre a corrente de difus˜ao e
a concentração. Para obter esta rela¸cão, vamos considerar inicialmente o mo-
delo unidimensional da Fig.5.20 para relacionar a densidade de corrente com
a variação temporal da densidade. Vamos supor também, inicialmente, que
o fenômeno de gera¸cão e recombina¸cão de pares elétron-buraco é desprezı́vel.

Veja que
pelo a corrente
volume, lı́quida Idas
é a diferença quedensidades
entra no volume assinalado
de corrente em na
x figura,
e em dividida
x + ∆ x,
dividida por ∆ x,

I
=
J (x) − J (x + ∆x) .
A ∆x ∆x

Sendo I = dq/dt , este resultado leva, no limite ∆ x → 0, à seguinte equa¸cão


diferencial,
∂ρ ∂J (x)
= − , (5.61)
∂t ∂x

onde ρ = q/(A ∆ x) é a densidade volumétrica de carga. Esta é a equação da


continuidade de carga, que exprime o fato de que a carga total é conservada.
Se a densidade de corrente tiver também componentes y e z , (5.61) pode ser
generalizada para três dimensões

∂ρ
= −
 ∂J x ∂Jy ∂Jz
+ +
 ,
∂t ∂x ∂y ∂z

ou
∇ · J = − ∂ρ
∂t
. (5.62)

Esta é a equação da continuidade de carga em três dimensões. Ela vale


qualquer que seja a srcem da corrente. Veja que ela est´a contida nas equações
de Maxwell estudadas no Capı́tulo 2. Como ∇·∇× = 0 para qualquer
A
campo vetorial A  , a operação na Eq.(2.4) juntamente com (2.1) reproduzem

a equação da continuidade (5.62).

A densidade de carga ρ está relacionada com as concentrações de elétrons


e buracos por
156 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

ρ = e (p − n) . (5.63)

Para obter a equa¸cão da evolu¸cão da concentra¸cão, vamos supor, para


simplificar, um semicondutor tipo n, isto é, apenas com elétrons em excesso
do equilı́brio. Assim, de (5.62) e (5.63) vem,

∇ · J = e ∂n
∂t
. (5.64)

Substituindo este resultado na Eq.(5.60) submetida ao operador divergência


( .), obtemos,

∂n
Dn 2 n∇ − =0 . (5.65)
∂t

Esta é a equação da difusão, que permite calcular a evolu¸ cão espacial e


temporal da concentra¸cão de elétrons em excesso, sujeitos apenas ao movi-
mento de agita¸cão térmica. Uma equação idêntica vale para a concentração p
de buracos, com o correspondente coeficiente de difus˜ ao Dp , e também para
a concentração de moléculas de tinta azul no copo d’água. A equação da di-
fusão mostra que enquanto houver variação espacial da concentração, também
haverá variação no tempo. A Figura 5.21 most ra a evolu¸cão da concentra¸cão
n(x) após a produ¸cão de um pulso de elétrons na posição x = 0 e t = 0. Em
t = 0 os elétrons estão concentrados em x = 0 e podemos escrever n (x) = δ (x).
Em t > 0 os elétrons difundem para regiões de menor concentração. A solu¸cão
de (5.65) é uma função gaussiana (Problema 5.17), que se alarga gradualmente
à medida que o tempo passa, como mostrado na Fig.5.21. Como o n´ umero to-
tal de elétrons é conservado, a área sob a curva n˜ao varia com o tempo. Ap´os
um longo tempo n(x) é uniforme, de modo que 2 n = 0 e portanto n(x) fica

constante.

Se, além do gradiente de concentração de portadores, houver um campo


elétrico  aplicado ao semicondutor, as densidades de corrente de elétrons e
E
de buracos ter˜ao componentes de condu¸cão e de difus˜ao,

Jn = e µn n  + e Dn
E ∇n (5.66)
Jp = e µp p E − e D ∇pp , (5.67)

sendo a corrente total


J = Jn + Jp . (5.68)
Cap. 5 Materiais Semicondutores 157

Figura 5.21: Ilustração da difus˜ao de elétrons criados por um pulso em x = 0 no instante


t = 0.

Como veremos no pr´oximo Capı́tulo, todas as componentes da corrente


são relevantes para o funcionamento de dispositivos semicondutores. São o
campo elétrico e as concentrações de portadores na região de uma jun¸cão entre
dois semicondutores tipos p e n, que determinam a rela¸cão entre a tens˜ao e a
corrente num dispositivo de junção e, portanto, o seu funcionamento.

Para concluir esta seção, vamos obter uma importante relação entre o co-
eficiente de difusão e a mobilidade. Quando o semicondutor est´a em equil´ıbrio
térmico, sem campo externo, tanto a corrente de elétrons quanto a de buracos
devem ser nulas. Nesta situação se, devido ao movimento térmico, as cargas
produzirem uma varia¸cão em sua concentra¸cão, o campo elétrico por ela cri-
ado produzirá uma corrente de deriva que cancelar´a a corrente de difus˜ao. A
relação entre este campo interno  e o gradiente de concentração em equil´ıbrio
E
pode ser obtida de (5.66) e (5.67) com Jn = Jp = 0. Como o campo elétrico é
o gradiente do potencial,
=
E −∇ φ , (5.69)

da Eq.(5.67) com Jp = 0 obtemos,


µp
Dp
∇φ = − p1 ∇p
0
0 , (5.70)

onde p0 é a concentração de equilı́brio de buracos. Uma rela¸cão an´aloga a


158 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

(5.70) vale para os elétrons. Substituindo em (5.70) a expressão de p0 dada


por (5.32) obtemos,
µp
Dp
∇φ = − k 1T ∇(E − E
B
i F) . (5.71)

O nı́vel de Fermi não pode variar com a posi¸ cão pois o sistema está em

ıbrio, logo EF = 0. Por outro lado, a energia de um elétron no po-
equil´
tencial elétrico φ é E = eφ. Isto significa que se o potencial elétrico variar

no espaço, os nı́veis e bandas de energia do elétron acompanham o potencial,
ou seja, Ei = e φ. Usando esta rela¸cão em (5.71) vem,
∇ −∇
Dp k B T
= . (5.72)
µp e

Como a relação obtida para elétrons é idêntica, podemos escrever


Dp Dn kB T
= = . (5.73)
µp µn e

Este resultado, conhecido como a relação de Einstein, permite calcular


o coeficiente de difus˜ao a partir da medid a da mobilidade, ou vice-versa. A
Tabela 5.2 apresenta os valores de D e µ para Ge, Si e GaAs em T = 300 K.
Verifique que em todos eles D/µ 0, 026 eV, que é o valor de kB T /e nesta

temperatura.

5.4.4 Injeção de Portadores: Difusão com Recombinação.

Um processo muito importante na opera¸cão de dispositivos, é aquele no qual


portadores em excesso do equilı́brio são introduzidos numa região do semicon-
dutor por um mecanismo externo qualquer . Isto é chamado de injeção de
portadores. Ela ocorre, por exemplo, quando elétrons, que são os portadores
majoritários num semicondutor tipo n, passam para o lado p numa junção

p n. Na regi˜ao da jun¸cão os elétrons são injetados no semicondutor p.
No processo de inje¸cão de portadores, o mecanismo de recombina¸cão de
pares elétron-buraco não pode ser desprezado como foi feito na se¸ cão anterior.
Como os portadores injetados est˜ao em excesso da concentração de equilı́brio,
é o processo de recombinação que faz sua concentra¸cão diminuir e tender para
Cap. 5 Materiais Semicondutores 159

o equilı́brio. Considere, por exemplo, buracos injetados num semicondutor de


modo que em certo instante sua concentra¸cão seja

p = p0 + δp . (5.74)

A recombinação do excesso de buracos com os elétrons existentes no semicon-


dutor ocorre numa taxa que é tanto maior quanto maior for δp. Em primeira
aproximação o processo pode ser descrito por

∂δp
∂t = − δpτ , (5.75)
p

onde τp é o tempo de recombina¸cão de buracos. Veja que se n˜ao houver


outro mecanismo atuando para a evolu¸cão de δp, a solu¸cão da Eq.(5.75) é

δp(t) = A e −t/τp , (5.76)

onde A é o valor de δp no instante t = 0. Este resultado mos tra que a re-


combinação atua no sentido de fazer o excesso de portadores decair exponen-
cialmente no tempo, com um tempo caracterı́stico τp . No caso de elétrons, o
excesso de concentração δn é descrito por uma equação análoga a (5.75), com
um tempo de recombina¸cão τn ,
∂δn
∂t
= − δn
τ n
. (5.77)

Os portadores injetados numa certa regi˜ao do semicondutor produzem


um gradiente de concentração que, por sua vez, resulta numa corrente de
difusão. Assim, no proc esso de inje ¸cão, a evolu¸cão espacial e temporal da
concentração de portadores é determinada pelos processos de difusão e de re-
combinação. Para obter a equação que descreve este processo, basta subtrair
da derivada temporal da concentra¸cão na equa¸cão da difus˜ao (5.65) o termo
que descreve a recombinação, dado por (5.77). Combinando (5.65) com (5.77)
e levando em conta que ∂n 0 /∂t = 0, pois a concentra¸cão de equil´ıbrio é cons-
tante, obtemos para os elétrons,
∂δn
∂t
= Dn ∇ δn − δn
2
τ n
. (5.78)

Um desenvolvimento análogo para buracos leva `a,


160 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

∂δp
∂t
= Dp ∇ δp − δpτ
2
p
. (5.79)

Estas s˜ao as equações da difusão com recombinação. Elas permitem


calcular a evolu¸cão no espa¸co e no tempo das concentra¸ cões de portadores
injetados num certo instante numa regi˜ao do semic ondutor. Se um pulso na
concentração de elétrons é produzido em x = 0 e t = 0, a evolu¸cão do pulso
no tempo é semelhante ao da Figura 5.21. A diferença para o caso descrito na
seção anterior, enunciado no Problema 5.17, é que agora a área sob a curva
diminui com o tempo. Isto é devido ao processo de recombinação de pares, que
faz a concentra¸cão de elétrons em excesso do equilı́brio decair com o tempo
ıstico τ n . Se, além disso, houver um campo elétrico ao longo da barra,
caracter´
à medida que o pulso de concentra¸cão alarga e diminui de ´area, ele se desloca
devido ao efeito de deriva dos elétrons.

Para encerrar este Capı́tulo, vamos aplicar a equação da difus˜ao com


recombinação ao caso de inje¸cão em regime estacion´ario. Isto é o que ocorre,
por exemplo, quando um feixe de luz incide sobre uma regi˜ ao de um semicon-
dutor com intensidade constante. Os fótons produzem pares elétron-buraco na
região iluminada. Se a intensidade do feixe for constante, após o transiente que
ocorre quando a luz come¸ca a incidir, o processo entra em regime estacion´ario.
Nesta situação, a taxa de cria¸cão de pares é constante e a derivada temporal
é nula. Isto também é o que ocorre quando uma corrente constante atravessa
uma junção p-n. Quando os portadores majori tários de um lado chegam na
junção, eles são injetados no outro lado com uma taxa constante. Em regime
estacionário ∂/∂t = 0, e das Eqs.(5.78) e (5.79) obtemos
2 δn
∇ δn = 2 , (5.80)
Ln

∇ δp = Lδp
2
2
, (5.81)
p

√ 
onde Ln = Dn τn e Lp = Dp τp são os comprimentos de difusão de
elétrons e buracos, respectivamente. A razão deste nome ficar´a clara com
o seguinte exemplo: considere uma barra de semicondutor semi-infinito, no
qual buracos s˜ao injetados uniformemente em x = 0 com uma taxa constante,
de modo que o excesso de concentra¸cão é mantido constante neste ponto,
δp(x = 0) = ∆ p. Os buracos injetados difundem ao longo da barra e recombi-
nam com elétrons. Isto resulta numa distribuição do excesso de concentra¸cão
ao longo da barra, caracterizado pela função δp (x). Para obter δp (x) utilizamos
Cap. 5 Materiais Semicondutores 161

(5.81) e consideramos ∂ 2 /∂ 2 y = ∂ 2 /∂z 2 = 0 no Laplaciano, de modo que,

d2 δp(x) δp
= 2 . (5.82)
dx2 Lp

A solução desta equa¸cão é

δp(x) = C 1 e −x/Lp + C2 e x/Lp . (5.83)

onde C1 e C2 são constantes determinadas pelas condições de contorno. Devido


à recombinação ao longo da barra, δp deve tender a zero em x →∞
. Assim
C2 = 0. Como em x = 0, δp = ∆p, a constante C1 é igual a ∆p. Portanto,

δp(x) = ∆p e −x/Lp . (5.84)

Esta função está mostrada na Fig.5.22. Os buracos injetados em x = 0 a


uma taxa constante no tempo, resultam numa concentração δp em excesso do
equil´ıbrio p, que cai exponencialmente com x. O comprimento caracterı́stico
dessa exponencial é Lp , que é precisamente o comprimento de difusão de bu-
racos.

O valor do comprimento de difus˜ ao depende do tipo de portador, do


semicondutor e da concentra¸cão de impurezas. A dependência do portador

Figura 5.22: Concentração de buracos resultante de um processo de inje¸ cão com taxa cons-
tante em x = 0.
162 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

e do material se d´ a tanto através do coeficiente de difusão D (veja Tabela


5.2), quanto do tempo de recombinação τ . A dependência da concentração de
impurezas ocorre através de τ . Quanto maior a concentração, menor é o tempo
de recombinação. Como D varia na faixa 10-200 cm 2 /s e τ
√ ∼ 10−6 10−7 s, o

comprimento de difusão L = Dτ está tipicamente na faixa de 10−3 10−2 cm,

ou 10 100 µ m.

REFERÊNCIAS

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ston, New York, 1976.
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K. Kano, Semiconductor Devices, Prentice-Hall, New Jersey, 1998.
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Blücher, R.S. de Biasi, Introdu¸
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J.A. Zuffo, Dispositivos Eletrˆonicos, McGraw-Hill, São Paulo, 1976.
Cap. 5 Materiais Semicondutores 163

PROBLEMAS

5.1 Utilize um desenvolvimento análogo ao da se¸cão 4.3 para demonstrar que


a massa efetiva dos buracos é dada pela expressão (5.7).
5.2 Mostre que num semicondutor intrı́nseco, com bandas parabólicas, o nı́vel
de Fermi é dado pela Eq.(5.22).
5.3 a) Mostre que as concentrações efetivas de elétrons e de buracos, N c e N v ,
podem ser calculadas numericamente com a expressão
3/2
m∗c,v T
Nc,v (T ) = 2, 54
  × 10 19
cm−3 ,
m0 300

onde T é a temperatura em K. Aplique esta express˜ao para Si e Ge e


compare com os valores da Tabela 5.2; b) Calcule os valores de ni em
T = 300 K para Ge, Si e GaAs a partir dos dados da T abela 5.2 e compare
com os valores da Tabela e da Figura 5.8.
5.4 Calcule a distˆancia entre o n´ıvel de Fermi E F e o meio do gap em Si e em
GaAs puro a T = 300 K. Explique porque E F não está no meio do gap.
5.5 Usando os dados da Tabela 5.2, calcule a energia de ionização de impurezas
doadoras em Si no modelo do ´atomo de hidrogênio desenvolvido na seção
5.3.1.
5.6 Considere um semicondutor tipo p com Na impurezas aceitadoras, todas
ionizadas, a uma temperatura tal que n N : a) Partindo da lei de a¸cão
i
das massas (5.30) e da equa¸cão de neutralidade ade cargas (5.33), obtenha
as expressões para as concentra¸cões de elétrons e buracos (5.41) e (5.42);
b) Utilizando os resultados do item a) e as Eqs.(5.28) e (5.32), mostre que
o nı́vel de Fermi é dado por (5.43) ou (5.44); c) Mostre que E i dado por
(5.22) é compatı́vel com as expressões obtidas no item c).
5.7 Trˆ
es pastilhas de sil´ıcio são dopadas com impurezas de As com concen-
trações 10 16 , 1017 e 5 1018 átomos/cm3 respectivamente. Considere
×
T = 300 K e suponha que todas impu rezas sejam ionizadas: a) Cal-
cule o nı́vel de Fermi em cada pastilha; b) Verifique se a aproximação da
Eq.(5.15) para a fun¸cão de Fermi-Dirac é boa nos três casos; c) Calcule a
resistividade de cada pastilha.
5.8 A probabilidade dos elétrons ocuparem os nı́veis de energia discretos das
impurezas não é dada simplesmente pela estatı́stica de Fermi-Dirac. Pode-
se mostrar que a concentração de impurezas doadoras ionizadas é dada
164 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

por (ver Ashcroft e Mermin)


Nd
Nd+ = 1 ,
1+ 2
e(Ed −Ef )/kB T

onde Ed é o nı́vel de energia da impureza. a) Verifique se a suposição de


completa ionização é boa nas três pastilhas do Problema 5.7; b) Faça um
gráfico de Nd+/Nd em função de T para a pastilha do Problema 5.7 com
a maior concentração, supondo que Eg não varia em T (0 400 K).

5.9 Uma pastilha
tração de GaAs 3é. dopada
10 17 átomos/cm Supondocom
queimpurezas doadoras
todas as impur com concen-
ezas estejam ioni-
zadas, calcule a resistividade da pastilha e compare com o valor obtido
no problema 5.7 para o Si com a mesma concentra¸ cão.
5.10 Calcule as concentrações de impurezas doadoras que tornam Si e GaAs
degenerados (EF = E c ).
5.11 Uma pastilha de silı́cio tem impurezas aceitadoras com concentra¸cão
Na = 2 1014 cm−3 . Suponha que todas e stão ionizadas. a) Calcule
×
as concentrações de elétrons e de buracos em T = 300 K. Nesta situa¸cão,
o semicondutor é considerado intrı́nseco ou extrı́nseco? b) Calcule as
concentrações de elétrons e buracos em T = 600 K, sabendo que nesta
temperatura o gap diminui para 1,0 eV. Nesta situa¸ cão o semicondutor é
intrı́nseco ou extr´ınseco?
5.12 a) Explique, qualitativamente, usando poucas palavras e alguns gráficos,

porquedeo condução
banda nı́vel de Fermi
do queno
da semicondutor
de valência, e no n pestá
tipotipo estámais
maispr´oximo
próximo da
da
banda de valência; b) Explique, qualitativamente, usando poucas palavras
e alguns gr´aficos, como o nı́vel de Fermi varia com a temperatura num
semicondutor tipo n .
5.13 Um termistor é um resistor cuja resistência varia com a temperatura.
Considere um termistor feito de sil´ıcio intrı́nseco, cuja resistência é 500 Ω
em T = 300 K: a) Supondo que a mobilidade não varia com a temperatura,
calcule a taxa de varia¸cão da resistência com a temperatura em torno de
300 K, expressa em Ω /◦ C; b) Qual é, aproximadamente, a resistência do
termistor em T = 320 K?
5.14 Uma barra de germˆanio tem comprimento 1 cm e se¸ cão reta quadrada
de lado 1 mm. (a) Calcule a resistência entre as duas extremidades da
barra a T = 300 K no caso do semicondutor intrı́nseco; b) Considere que
a barra foi dopada com uma certa concentra¸cão de impurezas doadoras
Cap. 5 Materiais Semicondutores 165

Nd . Supondo que a mobilidade é a mesma do material puro, qual deve


ser o valor de N d para que a resistência seja 10 Ω a T = 300 K?
5.15 Uma barra de semicondutor com concentração de portadores majoritários
1016 cm−3 tem largura d = 1 mm e espessura 0,5 mm. Qual a tens˜ao Hall
na barra quando submetida a um campo magnético B = 0, 1 weber/m 2
(1 kG) e percorrida por uma corrente 100 mA?
5.16 Uma barra semi-infinita feita de material semicondutor tem uma dis-
tribuição estacionária de buracos mostrada na Figura 5.22 . Esta dis-
tribuição é mantida
extremidade da barra por
em uma
x = 0certa
através de umIcontato
corrente constante, entrando
metálico. na
a) Uti-
lizando a express˜ao (5.57) para a corrente de difus˜ao, calcule a corrente
I = Ip (x = 0) em fun¸ cão de Lp , Dp e da concentra¸cão em excesso δp
em x = 0; b) Mostre que esta corrente é igual a carga total existente em
x > 0, obtida pela integra¸cão da distribui¸cão de buracos δp(x), dividida
pela vida média τp dos buracos. Explique porqu e este c´alculo leva ao
mesmo resultado que o do item a).
5.17 Considere a função gaussiana para a concentração de elétrons em excesso
do equilı́brio num semicondutor na forma de uma barra como a da Figura
5.20, numa se¸cão de abcissa x no instante t,
∆N0 2
δn(x, t) = √ e−x /4Dn t
2 πDn t

onde ∆ N0 e´ o número de elétrons por unidade de área no instante t = 0


na região entre duas se¸cões espaçadas de ∆ x em torno de x = 0, sendo
∆x muito p equeno. a) Mostre que esta fun¸cão gaussiana é solução da
equação de difusão para elétrons, Eq.(5.65); b) Mostre que em t→ 0 esta
distribuição tende para Aδ (x), sendo A uma constante e δ (x) a função
delta de Dirac, que é nula para x = 0, diverge em x = 0 e tem ´ area

igual a unidade. Calcule o valor de A; c) Fa¸ca um gr´afico qualitativo
de δn(x) para um instante genérico t1 . Neste instante, calcule a largura
δx da distribuição, definida como a distˆancia entre dois pontos nos quais
o valor de δn é δn(x = 0)/2. Obtenha a relação entre o coeficiente de
difusão Dn , a largura δx e o instante t1 . A partir deste resultado sugira
um método para medir o coeficiente de difusão em semicondutores.
166 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos
Capı́tulo 6

Dispositivos Semicondutores: Diodos

6.1 A Junção p-n 168


6.1.1 Fabricação da Junção p-n 168
6.1.2 A Barreira de Potencial na Jun¸cão p-n 170
6.1.3 Carga e Campo na Jun¸cão em Equilı́brio 175
6.2 Corrente na Junção Polarizada 180
6.3 Heterojunções 186
6.3.1 JunçãoMetal-Semicondutor 188
6.3.2 HeterojunçõesdeSemicondutores 190
6.4 Diodo de Junção 192
6.4.1 Aplicações 196
6.5 Diodo de Barreira Schottky 198
6.6 Ruptura na Polarização Reversa: Diodo Zener 200
6.7 Outros Tipos de Diodos 202
6.7.1Varactor 202
6.7.2 Diodo Túnel 203
6.7.3DiodoIMPATT 206
6.7.4DiodoGunn 207
REFERÊNCIAS 210
PROBLEMAS 211

167
168 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Dispositivos Semicondutores: Diodos

6.1 A Junção p-n

O fato de se poder dopar diversas regi˜oes de um mesmo material semicondutor


com diferentes impurezas possibilita a fabricação de uma grande variedade de
dispositivos eletrônicos. Num semicondutor contendo uma região tipo p e uma
região tipo n, separadas por uma camada fina de transi¸cão, é formada o que
chamamos de junção p-n. A espessura da camada de trans ição depende do
método de fabricação, estando na faixa de 10 −2 a 1 µm. Em quase todos dispo-
sitivos semicondutores existe pelo menos uma jun¸ cão p-n. O comportamento
de elétrons e buracos nas junções de um dispositivo determina as caracterı́sticas
corrente-tensão ( I V ) de seus diversos terminais. Por esta razão, este Cap´ıtulo
é iniciado com um estudo detalhado da junção p -n. Ele servirá de base para a

compreensão da opera¸cão dos dispositivos semicondutores. Na próxima seção
deduziremos a caracterı́stica I V do diodo de jun¸cão, o dispositivo mais sim-

ples de todos, constituı́do de apenas uma junção p-n. Nas seções seguintes
descreveremos a operação de outros tipos de diodos. Os transistores e outros
dispositivos ativos serão apresentados no Capı́tulo 7. As caracter´ ısticas mais
detalhadas dos dispositivos semicondutores podem ser encontradas em v´ arios
livros listados nas Referências. Os dispositivos semicondutores para aplicações
opto-eletrônicas serão abordados no Capı́tulo 8.

6.1.1 Fabricação da Junção p-n

A tecnologia de fabrica¸cão de junções evoluiu muito desde que o transistor de


junção foi inventado em 1948. Os métodos mais empregados atualmente são
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 169

a difus˜ao e a implanta¸cão iˆonica, mencionadas na Se¸cão 5. 3. A Figura 6.1


mostra as etapas mais importantes na fabrica¸ cão de um diodo de jun¸cão p-n
por difusão, com a tecnologia planar introduzida no inı́cio da década de 60. O
primeiro passo consiste na prepara¸cão da pastilha do cristal semicondutor, o
substrato, mostrado na Fig.6.1(a) . Cerca de 90% dos dispositivos semicon-
dutores são feitos com Si monocristalino. A pastilha, com espessura de alguns
décimos de mm, é obtida pelo corte em fatias de um bastão de Si, como o
mostrado na Fig.1.11, sendo suas superfı́cies polidas após o corte. Em geral o
cristal de Si é crescido com alta concentração de impurezas tipo n, sendo por
+
isso denominado
ôhmico de n met´
com a camada . Aalica
alta depositada
concentração facilita a forma¸cão
posteriormente de contato
(Fig.6.1f).

Figura 6.1: Etapas da fabric ação de um diodo de junção p-n com a tecnologia planar: (a)
pastilha de Si usada como substrato; (b) substrato com camada de Si epitaxial dopado com
impurezas tipo n; (c) camada ´oxida sobre o Si; (d) ilustra¸cão do processo de fotolitografia
para polimerizar certas regi˜oes da resina foto-resistiva; (e) difusão de impurezas tipo p
através da janela aberta no óxido; (f) estrutura completa do diodo de jun¸ cão com contatos
metálicos.
170 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

A etapa seguinte consiste em crescer sobre o substrato uma camada de Si


tipo n, com menor concentração de impurezas, usando a técnica de crescimento
epitaxial (Fig.6.1b). A pastilha é então levada ao forno numa atmosfera de
oxigênio para a formação de uma fina camada (menos de 1 µm de espessura) de
óxido SiO2 (Fig.6.1c). A etapa seguinte é a da fotolitografia, que é utilizada
para remover seletivamente o óxido de algumas regi˜oes nos quais deseja-se
fazer a difus˜ao. Uma pelı́cula de resina foto-resistiva, um lı́quido orgânico
polimérico, é espalhada sobre a camada de óxido e levada a um forno para
secar. A resina é solúvel em certos solventes, a não ser que esteja polimerizada.

A polimerização,
aberturas de umaem certas regiões,
m´ascara colocadaé feita
sobrepor luz ultra-violeta
a resina, que passa
e que contém pelas
o desenho
desejado. A Fig.6.1(d) mostra a parte opaca da máscara evitando que a área na
qual se deseja fazer a difus˜ao seja exposta `a radiação ultravioleta. Em seguida
usa-se solvente para remover a resina da região não exposta e depois coloca-se
a pastilha num banho de ´acido, que corr´oi a camada de ´oxido na região onde
a resina foi rem ovida. Este processo abre uma janela na camada de ´oxido
através da qual é feita a difusão de impurezas tipo p (Fig.6.1e) num forno a
alta temperatura (da ordem de 1000◦ C). Finalmente, a estrutura é completada
com a deposi¸cão de filmes met´alicos para os contatos externos (Fig.6.1f).

A tecnologia planar é empregada para fabricar um simples diodo de


junção, ou um transistor com v´ arias junções, ou um complexo circuito inte-
grado contendo milhares de diodos e transistores na mesma pastilha de Si. Um
componente importante no processamento da pastilha é a máscara contendo o
padrão do circuito a ser produzido. Até a década de 1990, o “layout” srcinal
era desenhado em escala grande, para aumentar sua resolu¸ cão, e posterior-
mente reduzido fotograficamente para a escala real da máscara. Atualmente o
processo é todo feito em computadores através de softwares espec´ıficos. Para
os modernos circuitos de alta integra¸cão, nos quais as dimens˜oes laterais das
estruturas são menores que 1 µm, as m´ascaras são produzidas na escala real
por feixes de elétrons.

6.1.2 A Barreira de Potencial na Junção p-n

Para tratar matematicamente as equa¸cões que descrevem a carga e o poten-


cial elétrico numa junção é necessário fazer algumas aproxima¸cões na jun¸cão
real. A primeira consiste em reduzir o problema para uma dimens˜ao. Veja
na Fig.6.1(f), que devido `a forma da jun¸cão e dos contatos, o movimento dos
elétrons e buracos em grande parte do dispositivo ocorre na direção normal
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 171

à superfı́cie que separa as regiões p e n. Portanto, a suposição de que as


grandezas variam apenas em uma direção, digamos x , é uma boa aproximação
para o problema real . A segunda aproximação se refere `a separação entre as
regiões p e n. Na junção real, a varia¸cão da concentra¸cão de impurezas na
fronteira é gradual. A diferença de concentra¸cões, Na Nd , passa gradual-

mente de positiva na região p , para negativa na regi˜ao n , como mostrado pela
linha tracejada da Fig.6.2(a). Entretanto, para simplificar o problema, vamos
supor que a jun¸cão é abrupta, isto é, N a Nd varia bruscamente de um valor

constante e positivo em x < 0 para um valor constante e negativo em x > 0,

pcomo na linhaunidimensional,
-n abrupta, cheia da Fig.6.2(a). A Fig.6.2(b)
que vamos mostra
considerar nestaoseção.
modelo da jun¸cão

Para entender o que ocorre na jun¸cão em equilı́brio, vamos supor que as


regiões p e n do semicondutor estão fisicamente separadas antes da jun¸ cão
ser formada. Nesta situação o nı́vel de Fermi está pr´oximo da banda de
condução no lado n e próximo da banda de valência no lado p , como ilustrado
na Fig.6.3(a). Suponhamos agora que os dois materiais s˜ ao postos em contato
para formar a jun¸cão. Como há excesso de elétrons em relação aos buracos
no lado n, há uma difus˜ao de elétrons do lado n para o lado p. Do mesmo
modo, ocorre difus˜ao de buracos do lado p para o lado n. Esta difusão de
cargas de um lado para o outro produz duas camadas de cargas, ilustradas no
topo da Fig.6.3(b), formadas pelas impurezas ionizadas, doadoras no lado n e
aceitadores no lado p. Estas camadas de cargas criam um campo elétrico E
dirigido do lado n para o lado p, que se op˜oe à continuação do movimento de
E
cargas causado pela difus˜ao. O campo empurra os buracos de volta ao lado
p e os elétrons de volta ao lado n, através de uma corrente de deriva que se
opõe à corrente de difus˜ao. No regime de equilı́brio as correntes de deriva e
de difusão se anulam, tanto para elétrons quanto para buracos, de modo que
a corrente total é nula. Nesta situação, a distribui¸cão de cargas e o campo
elétrico adquirem uma configuração estacionária.

A região nas proximidades da jun¸cão onde h´a cargas n˜ao compensadas,


mostrada nas Figuras 6.2 e 6.3(b), é chamada região de carga espacial .
Esta região também é chamada de transi¸cão ou de deple¸cão (outro anglicismo
E
técnico: to deplete significa exaurir). O campo criado nesta regi˜ao corres-
ponde a uma diferença de potencial V0 entre o lado n e o lado p. Esta diferen¸ca
de potencial tende a impedir a passagem de portadores majorit´ arios do lado p
(buracos) para o lado n e de portadores majorit´arios do lado n (el´ etrons) para
o lado p. Devido à forma da varia¸cão do potencial, ilustrada na Fig.6.3(b),
ele é chamado barreira de potencial . A forma¸cão da barreira de potencial
é o fenômeno fı́sico mais importante que ocorre na junção, sendo o principal
172 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 6.2: (a) Variação da concentra¸cão de impurezas numa jun¸cão p-n. A linha trace-
jada representa a variação numa jun¸cão real enquanto a linha cheia representa uma jun¸ cão
abrupta ideal. (b) Modelo de jun¸cão abrupta unidimensional.

responsável por suas caracter´


ısticas elétricas. A formação da barreira também
tem umaComo
junção. implica¸cão importante
a energia no écomportamento
do elétron relacionada ao dos nı́veiseletrostático
potencial de energia na φ
por E = eφ, a diferen¸ca das energias da banda de condu¸cão entre o lado p e

o lado n é,
Ecp −E cn = −e(φ − φ ) = eV
p n 0 . (6.1)
Portanto, a diferen¸ca das energias é, em unidades de eVolt, o próprio valor
do potencial V0 da barreira. Isto significa que quando a jun¸cão é formada, as
referências para os nı́veis de energia dos lados p e n se ajustam de modo que a
diferença das energias da banda de condu¸cão entre os dois lados, bem como da
banda de valência, correspondam à diferen¸ ca de potencial criada pelo campo
elétrico produzido na junção. Esta altera¸cão nos nı́veis relativos é decorrência
do fato de que o n´ıvel de FermiE F deve ser o mesmo nos dois lados da jun¸cão,
como mostra a Fig.6.3(b). Pela figura vemos também que como o menor valor
possı́vel de EF do lado p é E vp e o maior valor do lado n é Ecn , o valor limite
da barreira de potencial é V0 = Eg /e. O potencial se aproxima deste limite
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 173

Figura 6.3: (a) Semicondutores p e n separados. (b) Carga, campo elétrico, potencial e
nı́veis de energia na região de carga espacial da jun¸cão p-n.

quando as duas regi˜oes da junção estão fortemente dopadas.

Na verdade, a explicação para a forma¸cão da barreira de potencial pode-


ria ter come¸cado pela an´alise do nı́vel de Fermi. Ele é relacionado com o
potencial quı́mico de um sistema termodinâmico, que é constante quando o
sistema está em equilı́brio. Podemos fazer uma analogia entre o nı́vel de Fermi
e o nı́vel da água num reservatório, pois todas moléculas da água têm energia
(gravitacional) menor que as da superfı́cie. Quando dois reservatórios com
nı́veis diferentes são interligados, parte da ´agua do tanque de nı́vel mais alto
passa para o outro até que os nı́veis se igualem. O que ocorre quando dois
semicondutores são colocados em contato é semelhante. As cargas fluem de
um lado para outro até que os n´ıveis de Fermi se igualem. Quando isto ocorre,
o sistema atinge o equilı́brio.

O valor da diferença de potencial V 0 da barreira na jun¸cão em equil´ıbrio,


também chamado potencial de contato , pode ser calculado de v´arias
maneiras: a mais simples é baseada nos fatos de que o nı́vel de Fermi é cons-
tante na jun¸cão e o semicondutor intrı́nseco é o mesmo nas duas regiões. Com
a Eq.(5.32) podemos escrever as rela¸cões entre as energias e as concentra¸cões
174 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

de equilı́brio de buracos, pp0 do lado p e pn0 do lado n, nas regi˜oes afastadas


da junção,

pp0 = ni e (Eip−EF )/kB T

pn0 = ni e (Ein−EF )/kB T .


A razão entre as duas concentra¸cões é então,
pp0
= e(Eip−Ein)/kB T . (6.2)
pn0
Como o semicondutor intrı́nseco é o mesmo nas regiões p e n, vemos na
Fig.6.3(b) que a diferen¸ca entre os nı́veis de Fermi intrı́nsecos nos dois la-
dos é precisamente o valor do potencial da barreira em elétron-volt (eV),

Eip Ein = e V0 . Fazendo esta substitui¸cão, obtemos
kB T pp0
V0 = n . (6.3)
e pn0
Este mesmo resultado poderia ser obtido pela integra¸ cão da Eq.(5.70) que
exprime o fato de que na jun¸ cão em equilı́brio a corrente de buracos é nula
(Problema 6.3). Podemos também relacionar o potencial de contato com as
concentrações de elétrons nos dois lados da junção. Partindo de (5.31) obtemos

kB T nn0
V0 = n . (6.4)
e np0
Este resultado também pode ser obtido de (6.3) usando a lei de A¸cão das
Massas. As Eqs.(6.3) e (6.4) podem ser reescritas na forma
pp0 nn0
= = eeV0 /kB T . (6.5)
pn0 np0
Finalmente, utilizando relações obtidas no Capı́tulo 5, podemos exprimir o
potencial de contato em termos das concentrações de impurezas nos dois lados
da junção. No lado p , os buracos s˜ao os portadores majorit´arios e sua concen-

tração é, por (5.42), pp0 Na . Por outro lado, na região n, de acordo com
(5.38), p n0 n2i /Nd . Usando estes valores em (6.3) obtemos,

V0  k eT n NnN
B a
2
d
. (6.6)
i

Utilizando (5.25) podemos obter outra expressão para o potencial de contato,


Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 175

V0  Ee − g kB T
e
NN
n c v
Na Nd
. (6.7)

Para uma jun¸cão de Ge com as mesmas concentra¸cões de impurezas do Exem-


plo 6.1, pode-se mostrar que (Problema 6.1) V 0 = 0,45 V. Veja que a medida
que as concentrações de impurezas aumentam, a segunda parcela da Eq.(6.7)
diminui e V 0 se aproxima de E g /e. Assim, os m´aximos valores do potencial de
contato são 0,68 V em Ge e 1,12 V em Si.

Exemplo 6.1: Considere uma junção p-n de Si, tendo concentrações de impurezas N d = 1016 cm−3
e N a = 1018 cm−3 . Calcule o potencial de contato da jun¸cão em T = 300 K.

Usando k B T = 0, 026 eV e os valores de E g , N c e N v da Tabela 5.2, obtemos com a Eq.(6.7),


19 19
V0 = 1, 12 − 0, 026 n 2, 6 × 101018××1,100216 × 10
= 1, 12 − 0, 026 × 10, 18 = 0 , 85 V .

6.1.3 Carga e Campo na Jun¸cão em Equil´


ıbrio

O potencial de contato calculado na seção anterior é a diferença de potencial

elétrico
da entrePara
jun¸cão. um ponto noolado
calcular p e outro
campo no lado
elétrico n , ambos
é preciso obterafastados da do
a variação regi˜ao
po-
tencial na regi˜ao de carga espacial, que por sua vez depende da distribui¸ cão
de cargas na regi˜ao. Em vez de resolver o problema completo autocons isten-
temente, vamos aproximar a distribuição de cargas por uma fun¸ cão simples e
calcular o campo e o potencial a partir dela. Para obter esta distribuição vamos
considerar o que acontece na regi˜ao de carga espacial, ilustrada na Fig.6.4(a).
Elétrons e buracos estão em trˆansito permanente, passando de um lado da
junção para outro. Alguns elétrons passam do lado n para o lado p por di-
fusão, recombinam com buracos ou s˜ao “empurrados” de volta para o lado n
pelo campo elétrico. O mesmo acontece com buracos do outro lado. Como
resultado, há poucos elétrons e buracos na região de carga espacial pois eles
são varridos de l´a pelo campo elétrico. Esta exaustão de cargas m´oveis da
região de carga espacial faz com que esta regi˜ao também seja chamada de de-
pleção (vem do inglês depletion). Desta forma, as cargas da regi˜ao são devidas
aos ı́ons das impurezas não compensadas, doadoras do lado n e aceitadoras
176 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

do lado p. Tendo as impurezas doadoras, com concentração Nd , perdido seus


elétrons, sua carga é positiva. Por outro lado, as impurezas aceitadoras, com
concentração Na , recebem elétrons e tornam-se negativas. Em primeira apro-
ximação podemos ent˜ao considerar que no lado n, a densidade de carga tem
valor ρ = +eNd constante numa camada de espessura  n e nulo fora dela. Por
outro lado, na regi˜ao p a densidade é ρ = eNa numa camada de espessura  p

e nula fora dela, como ilustrado na Fig.6.4(b). Esta é a chamada aproximação
de depleção. Como a carga total dev e ser nula, pois a jun¸cão é eletricamente
neutra, o módulo da carga de um lado é igual ao módulo da carga no outro.

Sendo
ver queaascarga igual ao
espessuras dasproduto
camadasdas˜ao
densidade de carga
relacionadas com pelo volume, é f´acil
as concentra¸cões de
impurezas por,
n Nd =  pNa . (6.8)

Sendo a espessura total da regi˜ ao de carga espacial  = p +  n , podemos


exprimir as espessuras das duas camadas de carga em função das concentrações
de impurezas
Nd Na
p =  , n =  . (6.9)
Na + Nd Na + Nd

Estas equações mostram que a espessura é maior do lado de menor


dopagem. Para calcular o campo elétrico a partir da distribuição de cargas,
utilizamos a lei de Gauss na forma diferencial, Eq.(2.1). Como s´ o há variação
 =  , a Eq.(2.1) pode ser escrita como:
na direção x, usando a rela¸cão D E
d = ρ(x)
E , (6.10)
dx 

sendo ρ = eN d em 0 < x <  n e ρ = eNa , em p < x < 0. A integra¸cão


− −
de (6.10) com essas densidades resulta numa variação linear do campo elétrico
em cada um dos lados, como ilustrado na Fig.6.4(c). Em p < x < 0,−
E (x) = − eN x − E
a
0 , (6.11)

E
onde 0 é uma constante de integração, que corresponde ao valor de em E
E −
x = 0. Como (x = p ) = 0, pois o campo é nulo fora da região de carga
espacial, 0 = eNa p /. De (6.10) vemos também que, em 0 < x <  n ,
E
E (x) = eN x − E
d
0 , (6.12)
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 177

Figura 6.4: Variação da densidade de carga, campo elétrico e potencial eletrostático no


modelo unidimensional da junção p-n.

onde a constante de integra¸cão, determinada por E (x =  ) = 0, deve ser a


n
mesma de (6.11). De fato, usando (6.8), vemos que

eNa  p eNd  n
E 0 =

=

. (6.13)

A Fig.6.4(c) mostra a variação do campo elétrico dada por (6.11) e (6.12).


Note que o campo s´ o é diferente de zero na região de carga espacial, sendo

dirigido no sentido x, como era de se esperar.

A partir das express˜oes do campo elétrico podemos obter a variação do


potencial φ(x), usando a rela¸cão (x) = dφ/dx. A fun¸cão cuja derivada é a
E −
178 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Eq.(6.11) com o sinal trocado é,

1 eNa 2
φ(x) = x + E 0 x+C ,
2 

onde C é uma constante cujo valor depende da escolha da referência do po-


tencial. Tomando como referência φ(x = p ) = 0 e substituindo a expressão

de 0 em (6.13), obtemos C = eN a 2p /2. O potencial em p x 0 é então
E − ≤ ≤
φ(x) = eNa (x + p )2 . (6.14)
2

Para calcular φ(x) em x ≥


0 integramos (6.12) de maneira an´aloga e deter-
minamos a constante de integração igualando as expressões dos potenciais nos
dois lados em x = 0. O resultado é, para 0 x n , ≤ ≤
φ(x) = − eN d
 1 2
x −  x − 12  n
 . (6.15)
n p
2

A variação do potencial dado por (6.14) e (6.15) est´a mostrada na Fig.6.4(d).


Como era esperado, ela tem a forma da barreira de potencial da Fig.6.3(b).
O valor do potencial de contato V0 é a diferença de potencial entre os pontos
x = n e x = p , que é simplesmente o valor do potencial em x = n . Usando

E
(6.15) e a express˜ao de 0 obtemos,

eNd 1
V0 = φ (n ) =
2
n  =
2
E 0  . (6.16)

Como a diferença de potencial entre dois pontos é a integral do campo elétrico,


o resultado (6.16) poderia ter sido facilmente obtido pela área do triângulo que
representa a variação de (x) mostrado na Fig.6.4(c). Partindo das Eqs.(6.9)
E
e (6.16) é possı́vel relacionar as espessuras das camadas de carga com as con-
centrações de impurezas e o potencial de contato. É fácil mostrar que,
e Na Nd 2
V0 =  , (6.17)
2 Na + Nd
de onde obtemos    1/2
2V0 1 1
= + . (6.18)
e Na Nd
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 179

Para obter uma expressão para a espessura  em fun¸cão apenas dos


parâmetros dos semicondutores que formam a jun¸ cão, substuı́mos (6.6) em
(6.18), obtendo
    1/2
2kB T 1 1 Na Nd
= + n . (6.19)
e2 Na Nd n2i

A partir desta expressão pode-se calcular as espessuras  p e  n das camadas de


carga nos lados p e n através da Eq.(6.9).

Finalmente notamos que, como a diferença de potencial entre os dois


lados é produzido por duas camadas de carga, a junção tem uma capacitˆancia
C . Sendo A a área da seção reta da jun¸cão, as cargas totais nas camadas s˜ao
+Q e Q, sendo Q = eN d  n A . No caso em que as cargas s˜ao distribuı́das nas

duas camadas, a capacitˆancia é definida por C = dQ/dV . A partir de (6.9) e
(6.18) obtemos então (Problema 6.5):
A
C= (6.20)

onde  e´ dado por (6.19). Vê-se que a capacitância da jun¸cão varia inversa-
mente proporcional `a espessura  da região de carga espacial. Como veremos
na próxima seção,  pode ser alterado pela aplica¸cão de uma tens˜ao externa,
o que permite ent˜ao variar o valor de C .

Exemplo 6.2: Considere uma jun¸cão p-n de Si como a do Exemplo 6.1, tendo uma se¸ cão reta
circular de diˆametro 200 µm. Calcule: a) A espes sura da regi ˜ao de carga espacial; b) O campo
elétrico máximo; c) A capacitˆancia da jun¸cão.

−19
a) Para calcular a espessura , usamos a Eq.(6.18), com o valor da carga do elétron e = 1, 6 × 10
C, a permissividade do v´acuo  = 8, 85 10−12 Fm−1 .
×
Da Tabela 5.2 temos a constante dielétrica /0 = 11,8, logo,
1/2
=
× 11, 8 × 8, 85 × 10 12 × 0, 85
2 −
1 1
1, 6 × 10 19−
1018 × 106 + 1016 × 106
12
− 1/2
 2 × 11,1,86××8,1085 19× 10

× 1022
× 0, 85 = 3, 3 × 10 −7
m = 0, 33 µm

b) De (6.16) vem

E0 = 2V 0 = 3,23××0,1085 7 = 5, 2 × 106 V/m



180 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

c) Para calcular a capacitância usamos (6.20) com a área A = π R2 , sendo R = 10−4 m o raio da
seção circular.

C=
11, 8 × 8, 85 × 10 12 × 3, 14 × 10
− −8

= 9, 9 −12
× 10 F = 9,9 pF .
3, 3 × 10 7

6.2 Corrente na Junção Polarizada

Quando uma jun¸cão é polarizada, isto é, submetida a uma diferença de poten-
cial de um circuito externo, o equilı́brio é alterado resultando numa corrente,
cujo sentido depende da tens˜ao aplicada. A caracterı́stica essencial da junção
p-n é sua assimetria em relação ao sentido de aplicação da tens˜ao externa.
Tensões em sentidos diferentes produzem correntes com intensidades diferen-
tes. Isto pode ser compreendido exami nando o efeito da tens˜ao externa na
barreira de potencial.

Quando uma tens˜ao externa V é aplicada nos terminais da junção, ela


aparece quase inteiramente através da região de carga es pacial. Isto o corre
porque a densidade de portadores nesta regi˜ ao é muito menor do que nas
regiões neutras dos semicondutores e tem portanto resistência muito maior.
Assim, a tens˜ao externa soma-se ou subtrai-se do potencial V 0 da barreira em
equilı́brio, dependendo de seu sentido, como ilustrado na Fig.6.5. Quando a
tensão V é aplicada no sentido do lado p para o lado n, chamado direto, ela
diminui a barreira de potencial, que passa a ter um valor V0 V (Fig.6.5b). −
Por outro lado, se V tem o sentido de n para p , chamado reverso, a barreira
aumenta, passando a ter um valor V0 + V (Fig.6.5c). O resultado é que a
corrente que atravessa a junção quando a tens˜ao é aplicada no sentido direto é
maior que no sentido reverso, dando a jun¸cão p -n uma assimetria que é a base
de operação dos diodos e dos transistores de jun¸cão.

É fácil verificar que o campo elétrico e a espessura da região de carga


especial também variam com a tensão externa aplicada. Quando a tensão V
tem o sentido direto a diferen¸ ca de potencial na barreira diminui, portanto
o campo também diminui. Da mesma forma, a espessura da região de carga
diminui, podendo ser calculada pela Eq.(6.18) com V0 V em lugar de V0 . −
Por outro lado, quando a jun¸ cão é polarizada no sentido reverso, a altura
da barreira, o campo elétrico e a espessura da região de carga aumentam
simultaneamente.
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 181

Figura 6.5: Efeito de tensão externa na espessura da regi˜ao de carga espacial e na altura
da barreira de potenc ial: (a) situação em equilı́brio; (b) polarização direta; (c) polariza¸cão
reversa.

Vamos agora considerar o que ocorre com as diversas componentes da


ıstica I -V . Vamos adotar a
corrente na jun¸cão, visando calcular sua caracter´
convenção de que V é positivo se aplicado no sentido direto e negativo no
sentido reverso. Quando uma tensão positiva é aplicada aos terminais da
junção, a corrente I entra pelo contato met´alico do lado p (Fig.6.2) e sai
pelo contato do lado n. Nas duas regiões neutras do semicondutor afastadas
da jun¸cão, a corrente é inteiramente de deriva e dominada pelos portadores
majoritários, buracos no lado p e elétrons no lado n. Esses porta dores se
movem em dire¸cão à região de carga espacial onde se encontram, produzem
recombinação e também passam para o outro lado por difusão. Para calcular
o valor da corrente I produzida pela tensão V é preciso entender, com detalhe,
as várias componentes da corrente na regi˜ao da jun¸cão.

Consideremos o que ocorre com os buracos que se movem do lado p em


direção à jun¸cão. Ao atingirem a região pr´oxima da jun¸cão, muitos deles
recombinam com elétrons provenientes do lado n. Aqueles que “sobrevivem”
chegam à região de deple¸cão, onde a densidade de portadores é bem menor
e portanto h´a pouca recombina¸cão. Ao atingirem a fronteira da região de
depleção, o plano de coordenada x +n na Fig.6.4, os buracos s˜ao injetados

182 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

na região n onde passam a ser portadores minoritários. Nesta região os buracos


difundem mais para dentro do lado n enquanto recombinam com os elétrons,
resultando numa variação da concentração como aquela obtida na Se¸cão 5.4.4.
Os buracos injetados na região n tˆem uma concentração δp em excesso do valor
de equilı́brio p n0 que decai exponencialmente com x . Sendo o comprimento de

difusão L p = Dp τp da ordem de 10 −3 cm a 10 −1 cm, ele é muito maior que a
espessura da camada de carga espacial,  1 µ m = 10 −4 cm. Assim, a variação

da concentração de buracos pn no lado n da junção tem a forma mostrada na
Fig.6.6(a). Comportamento análogo têm os elétrons do lado p, onde s˜ao eles

os portadores minoritários.
Para calcular a corrente total que atravessa a jun¸ cão podemos tomar
como base as correntes dos portadores minorit´arios nos dois lad os. Elas re-
sultam dos movimentos de difus˜ao dos buracos no sentido de p para n e dos
elétrons no sentido oposto. Para calculá-las é preciso inicialmente obter as
concentrações dos portadores. Para facilitar a nota¸cão vamos fazer uma mu-
dança de coordenadas: a coordenada no lado n da jun¸cão será representada
por x, sendo a srcem x = 0 na fronteira da regi˜ ao de carga espacial (plano
x = +n na Fig.6.4); no lado p representamos a coordenada por x  no sentido
− x, sendo x = 0 o ponto x = p da Fig.6.4. Esta nota¸cão está mostrada na

Fig.6.6. De acordo com (6.5), a razão entre as concentra¸cões de equilı́brio de
buracos nos dois lados é
pp0
= eeV0 /kB T . (6.21)
pn0

Quando uma tens˜ao externa V é aplicada na junção, o potencial da barreira


passa a ser V0 V , de modo que a diferen¸ca entre os n´ıveis de Fermi intr´
− ınsecos
− −
nos dois lados fica Eip Ein = e(V0 V ). Como mostra a Figura 6.5, est e
resultado é consistente com uma diferença entre os nı́veis de Fermi nos lados
 −
p e n de EF = eV , devido ao fato de que a jun¸ cão não está em equil´ıbrio.
Desta forma, a razão entre as concentrações de buracos nas fronteiras da região
de carga espacial nos lados p e n, obtida por desenvolvimento análogo ao que
levou a Eq.6.2, é dada por,

pp(x = 0)
= ee(V0 −V )/kB T . (6.22)
pn (x = 0)

No caso da corrente de junção não ser muito elevada, as concentrações dos por-
tadores majoritários quase não variam em relação aos valores de equilı́brio
com a aplica¸cão da tens˜ao externa. Assim, pp (x = 0)  pp0 . Fazendo esta
substituição em (6.22) e dividindo esta por (6.21) obtemos,
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 183

Figura 6.6: Concentrações dos portadores minorit´arios e correntes nas proximidades da


região de carga espacial em jun¸cão p-n polarizada diretamente.

pn (x = 0)
= eeV/k B T . (6.23)
pn0

Este resultado mostra que as concentra¸cões de portadores minorit´ arios nas


fronteiras da região de carga espacial aumentam exponencialmente com a
tensão, no caso de polariza¸ cão direta. Ao contrário, elas diminuem exponen-
cialmente com a tensão, no caso de polariza¸cão reversa. A partir da Eq.(6.23)
é simples obter a corrente de difusão de buracos no lado n usando os resultados
das seções 5.4.3 e 5.4.4. O incremento na concentra¸ cão de buracos em rela¸cão
ao equilı́brio em x = 0, é obtido de (6.23),
δpn (x = 0) ≡ p (x = 0) − p
n n0 = p n0 (eeV/k B T − 1) . (6.24)

A variação de δp n ao longo de x, mostrada na Fig.6.6(a) é obtida uti-


184 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

lizando (5.84),
δpn (x) = p n0 (e eV/k B T − 1) e −x/Lp
. (6.25)

A partir deste resultado podemos obter a densidade de corrente de difus˜ ao de


buracos na dire¸cão +x. Usando (6.25) em (5.57) vem
Dp
Jpdif (x) = e pn0 (e eV/k B T − 1) e −x/Lp
. (6.26)
Lp

Sendo A a em
de buracos áreaxda
= seção reta da jun¸cão, a intensidade de corrente de difus˜ao
0 é então,
Dp
Ipdif(0) = eA pn0 (e eV/k B T − 1) . (6.27)
Lp

Na aproximação de que a recombina¸cão na região de carga espacial é desprez´ı-


vel, a corrente de buracos não varia nesta região, como ilustrado na Fig.6.6(c).
Por outro lado, um desenvolvimento an´alogo ao das Eqs.(6.21)-(6.27) leva `a
corrente de difusão de elétrons na região de carga espacial,
Dn
Indif(0) = eA np0 (e eV/k B T − 1) . (6.28)
Ln

Em regime estacionário a corrente total é a mesma em qualquer seção da


junção e também igual a corrente I que passa pelos contatos met´alicos. Pode-

mosregião
na entãode
obter I pela
carga soma Veja
espacial. das correntes
na Fig.6.6deque
deriva deaelétrons
como correntee total
de buracos
I não
varia ao longo de x, as correntes de deriva de elétrons no lado n e de buracos
no lado p , são dadas pelas diferen¸cas entre I e as correntes de difusão de bura-
cos e de elétrons, respectivamente. Assim, podemos calcular a corrente total
sem utilizar explicitamente as correntes dos portadores majoritários. Somando
(6.27) e (6.28) obtemos,
I = I s (e eV/k B T − 1) , (6.29)
onde  
Dp D
Is = eA pno + n npo . (6.30)
Lp Ln

A Eq.(6.29) é chamada a equação do diodo. Ela foi de duzida pel a


primeira vez por W. Shockley, um dos três f´ısicos que receberam o Prêmio No-
bel em 1954 pela descoberta do transistor. Ela permite calcular a corrente I na
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 185

junção em fun¸cão da tensão externa V . É importante chamar a aten¸cão para


o fato de que na dedu¸cão de (6.29)-(6.30) ficou claro que a corrente na jun¸ cão
p-n é dominada pelos portadores minoritários. Note que para tensões nega-
tivas e muito maiores que k B T /e (0,026 V à temperatura ambiente), I →−
Is .
Por esta razão I s e´ chamada a corrente de saturação reversa. A Eq.(6.30)
permite calcular I s em termos unicamente dos parâmetros dos semicondutores
que formam a junção. Considerando que à temperatura ambiente as impurezas
estão quase totalmente ionizadas, podemos usar as express˜ oes (5.38) e (5.41)
para as concentrações de portadores em equilı́brio. Substituindo-as em (6.30)

Dp Dn
vem
Is = eA n2i
 +
 . (6.31)
Lp Nd Ln Na

Como ni varia exponencialmente com a energia do gap Eg , a corrente de


saturação (6.31) varia muito de um semicondutor para outro. Evidentemente,
ela também varia muito com a temperatura. Consideremos uma junção de
Ge com concentrações de impurezas Na = 1018 cm−3 e N d = 1015 cm−3 . Uma
junção como esta com Na Nd e´ chamada p+ n. Neste caso o primeiro
 −
termo em (6.31) domina comple tamente o segundo. Considerando uma área
da jun¸cão de A = 10−4 cm2 e tempo de recombina¸cão τp 
0, 1 µs, com os
valores de n i e D p da Tabela 5.2 obtemos,
−7
Is  2, 5 × 10 A = 0, 25 µ A .

A Figura 6.7 mostra a curva I V dada pela Equa¸cão (6.29) com este

valor de Is . A parte (b ) da figura mostra uma regi ˜ao expandida em torno da
srcem. Vemos que para V = 0, 1 V a corrente j´a tem valor praticamente

igual a da satura¸cão reversa. Com polariza¸cão direta, V > 0, a corrente cresce
exponencialmente com V . A Fig.6.7(a) feita numa escala de corren te 10 5 vezes
maior apresenta um aspecto mais familiar da caracterı́stica I V da junção. −
Ela é fortemente assimétrica em rela¸ cão ao sentido de polarização. Com polari-
zação reversa a corrente é desprezı́vel comparada com a de polarização direta,
que é a caracterı́stica essencial do diodo. Um aspecto marcante da Fig.6.7(a)
é o aumento abrupto da corrente que ocorre num valor de tensão em torno de
0,3 V. Este aspecto da curva é simplesmente o resultado de um crescimento
exponencial de I com V . O valor da tensão crı́tica para o qual a corrente cresce
bruscamente depende fundamentalmente do semicondutor. Isto pode ser visto
substituindo (6.31) em (6.29) e usando a Eq.(5.23) para ni . Desprezando a
unidade em presença da exponencial em (6.29) obtemos,

I = eA
 Dp
+
Dn

Nc Nv e(eV −Eg )/kB T . (6.32)
Lp Nd Ln Na
186 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 6.7: Caracterı́stica I -V de junção p-n ideal dada pela equa¸cão do diodo com Is =
0, 25 µA, valor adequado para uma junção de germˆanio. A curva em (b) é a mesma que em
(a), feita em escala ampliada para mostrar o comportamento em torno da srcem.

Vemos então que a corrente cresce exponencialmente com a diferen¸ ca entre V


e o valor da energia do gap em eV. A tens˜ ao crı́tica de crescimento brusco
da corrente está na faixa 0,2-0,4 V para jun¸cões de germânio e 0,6-0,8 V para
junções de silı́cio.

Finalmente é preciso notar que em junções reais a resposta I V desvia de



(6.29) devido aos seguintes fatores: a recombinação na região de carga espacial
não é completamente desprezı́vel; a concentração de portadores majoritários
não permanece em equilı́brio quando a corrente aumenta muito; a junção não
é abrupta, como o modelo que consideramos nesta seção. Estes efeitos são
tratados em outros livros mais especializados em dispositivos semicondutores.

6.3 Heterojunções

Uma junção formada por dois materiais intrinsecamente diferentes é chamada


uma heterojunção, em contraste com aquela estud ada na se¸cão anterior,
que é uma homojunção. Quando os materiais nos dois lado s da jun¸cão são
diferentes, o diagrama de energia exibe uma descontinuidade na interface dos
dois materiais, ao contrário do comportamento contı́nuo da Fig.6.3. Em geral
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 187

são chamadas heterojun¸cões aquelas formadas de semicondutores diferentes,


como GaAs e (GaA)As, usada em lasers semicondutores. Porém junções entre
metais e semicondutores também são heterojunções e têm utilidade para a fa-
bricação de dispositivos. Junções envolvendo metais têm algumas propriedades
e aplicações semelhantes às das junções p -n, mas também têm caracter´ısticas e
atrativos peculiares. Este é o caso de junções metal-semicondutor, que são úteis
em dispositivos de alta freq¨uência, e de junções metal-isolante-semicondutor,
usadas em circuitos digitais de alta integra¸cão.

O comportamento de um material numa heterojun¸ cão depende forte-


mente de sua função trabalho W0 , cujo conceito foi introduzido na Se¸ cão
2.3. Ela é definida como a energia necessária para “arrancar” um elétron do
interior de um material e lev´ a-lo para longe de sua superfı́cie. Tendo estu-
dado as propriedades quˆanticas de elétrons em metais e em semicondutores,
podemos compreender melhor o conceito da fun¸cão trabalho. No caso de um
metal, como os elétrons de energia mais alta estão no nı́vel de Fermi, é fácil
ver que a fun¸cão trabalho é dada por W0 = E0 EF , onde E0 e´ a energia

do elétron no vácuo e longe do material, como ilust rado na Fig.6.8(a). Em
metais costuma-se escrever W0 = eφm , onde φm é um potencial elétrico com
valor tipicamente da ordem de 2 a 6 V. Nos semicondutores a defini¸ cão da
função trabalho também é W0 = E0 E F . Entretanto como não existem

elétrons no nı́vel de Fermi, W0 = eφ s não é a energia mı́nima necessária para
“arrancar” elétrons do semicondutor. Como os elétrons de mais alta energia
estão na banda de condu¸cão, a energia necess´aria para removê-los do material

Figura 6.8: Ilustra¸cão das fun¸cões trabalho nos diagramas de energia de um metal (a) e de
um semicondutor (b) separados.
188 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

é E 0 Ec e , onde e e´ chamada afinidade eletrônica. A Fig.6.8 ilustra


− ≡ X X
esquematicamente as funções trabalho de um metal e de um semicondutor se-
parados e no vácuo. Note que na figura o nı́vel de energia E 0 de um elétron no
vácuo é o mesmo, quer ele tenha sido removido do metal ou do semicondutor.
Desta forma, quando um metal e um semicondutor estão separados, seus nı́veis
de Fermi têm posições relativas diferentes, que dependem exclusivamente de
suas respectivas funções trabalho e φm eφs .

6.3.1 Junção Metal-Semicondutor


Quando um metal é colocado em contato direto com um semicondutor, ocorre
uma transferência de cargas de um lado para o outro de modo a igualar os dois
nı́veis de Fermi, a semelhança do que acontece numa jun¸cão p -n. O sentido de
movimento de cargas depende então dos valores relativos das funções trabalho.
A diferença para o caso da jun¸cão de dois semicondutores é que buracos não
podem passar do semicondutor para o metal, p ois eles s˜ao quase-partı́culas que
existem apenas nos semicondutores. Essa transferência cria camadas de cargas
nos dois lados da jun¸cão resultando numa barreira de potencial, chamada bar-
reira de Schottky, em homenagem ao fı́sico W. Schottky que estudou contatos
metal-semicondutor na década de 30. A forma da barreira é bastante dife-
rente da jun¸cão p-n, depende do tipo do semicondutor, dos valores relativos
das funções trabalho nos dois materiais e da afinidade eletrˆ onica. As formas
da barreira Schottky para dois casos tı́picos estão mostradas na Fig.6.9.

A Fig.6.9(a) corresponde `a junção de um metal com um semicondutor


tipo n de função trabalho menor, isto é, com φs < φm . Sendo eφm a energia
necessária para arrancar um elétron do metal e e a energia para introduzi-
−X
lo no semicondutor, a altura da barreira de energia eφB que um elétron deve
vencer para passar do metal para o semicondutor é eφB = e (φm −X ). Anali-
sando as posições relativas de EF e Ec nas Figuras 6.8 e 6.9(a), vemos então que
a diferença de energia entre o pico da barreira e o m´ınimo da banda de condu¸ cão

Ec é e(φm φs ). Esta diferença caracteriza o potencial de contato entre o
metal e o semicondutor em equilı́brio, V0 = φ m φs , que impede a passagem

de elétrons do semicondutor para o metal. Este potencial pode ser reduzido
ou aumentado pela aplica¸cão de uma tens˜ao externa com polariza¸cão direta
ou reversa, respectivamente. Por esta razão o contato metal-semicondutor tem
caracter´ıstica I -V semelhante a de uma jun¸cão p -n.

A Fig.6.9(b) ilustra a barreira Schottky no caso de um semicondutor tipo


p com φ s > φ m . Neste caso, para ocorrer o alinhamento dos nı́veis de Fermi, é
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 189

Figura 6.9: Diagramas de energia de jun¸cões metal-semicondutor em equilı́brio: (a) Semi-


condutor tipo n com φ s < φm ; (b) Semicondutor tipo p com φ s > φm .

preciso que haja um ac´umulo de cargas positivas no lado do metal e de cargas


negativas no lado do semicondutor. Isto ocorre com a transferência de elétrons
do metal para o semicondutor, onde eles ionizam as impurezas aceitadoras
numa camada de depleção. As camadas de carg a nos dois lados produzem uma
barreira de potencial V0 = φs φm em equilı́brio que impede a continuação

do movimento de transferência. Como no caso anterior, esta barreira pode ser
aumentada ou diminuı́da pela aplicação de uma tens˜ao externa.

Uma diferença importante da jun¸cão metal-semicondutor para a jun¸cão


p-n é que na primeira a corrente é dominada por portadores majoritários ,
enquanto que na segunda ela é determinada pelos portadores minoritários.
O processo pelo qual os portadores majorit ários constituem a corrente na
junção metal-semicondutor polarizada diretamente envolve a emissão de
elétrons do metal, semelhante à emissão termiônica no catodo quente de uma
válvula a v´acuo. Seu estudo quantitativo pode ser encontrado em algumas
referências citadas no final deste Cap´ıtulo.

Finalmente é importante ressaltar que nos casos dos contatos metal-


semicondutor tipo n com φm < φs e metal-semicondutor tipo p com φ s < φm ,
o potencial de contato é negativo e não há forma¸cão da barreira de poten-
190 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

cial. Contatos deste tipo s˜ao chamados ôhmicos, porque sua resistência não
depende do sentido da corrente.

6.3.2 Heterojunções de Semicondutores

Numa heterojunção de semicondutores a descontinuidade de energia na inter-


face resulta dos diferentes gaps de energia nos dois lados. Uma heterojun-
ção com grande aplica¸cão tecnológica é aquela formada por GaAs e pela liga
Ga 1−x x As. Nesta liga uma ce rta fra¸cão x de átomos de A  substitui os
átomosAde Ga de maneira aleat´ oria na rede cristalina. Como GaAs e A As
cristalizam na mesma estrutura ( zinc-blende, Fig.1.8a) e têm parâmetros de
rede quase idênticos, a substituição de Ga por A  não produz distor¸cões na
rede. O principal efeito do A  na rede de GaAs é o aumento do gap de ener-
gia. Como GaAs tem Eg = 1, 43 eV e A As tem Eg = 2, 16 eV, o gap de
Ga1−x Ax As depende da concentração x do alumı́nio. Em primeira aproxima-
ção, E g varia linearmente com x entre os dois valores dos cristais puros.

Devido ao fato de que as redes s˜ ao quase idênticas, é possı́vel crescer


Ga1−x Ax As em cima da superfı́cie de um cristal de GaAs, produzindo uma in-
terface cristalina quase perfeita. Isto possibilita a fabricação de heterojun¸cões
nas quais os elétrons e buracos passam de um lado para outro sem sofrer espa-
lhamento causado por imperfei¸cões na interface. O crescimento de (GaA )As
sobre GaAs é feito tradicionalmente com a técnica LPE, mencionada na Se¸ cão
1.4. Atualmente, com a técnica de MBE e outras técnicas de fabri¸ cão de filmes,
é possı́velredes,
duzindo depositar camadas
interfaces, monoatômicas
heterojunções individuais,
e super-redes uma
quase após outra, pro-
perfeitas.

A Fig.6.10(a) mostra os diagramas de energia de GaAs tipo n e


Ga1−x Ax As tipo p , com certa concentração x de A, quando os dois materiais
estão separados. Neste caso, cada material é caracterizado por uma função
trabalho e uma afinidade eletrˆ onica diferentes, referidas ao nı́vel do vácuo.
Quando os dois materiais s˜ao postos em contato, ocorre passagem de elétrons
e buracos de um lado para outro. Como na homojun¸ cão p-n, no equilı́brio os
nı́veis de Fermi dos dois lados se igualam. Entretanto, sendo os valores de E g

diferentes, aparecem descontinuidades Ec na banda de condu¸cão e Ev na 
banda de valência, como ilustrado na Fig.6.10(b). Pelo exame dos diagramas
de energia vemos facilmente que,
E c = e(
X −X ) ,
1 2 (6.33)

E v = E − E − E
g2 g1 c . (6.34)
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 191

Figura 6.10: Diagramas de energia de uma heterojunção de n-GaAs e p-(GaA)As:


(a) Materiais separad os; (b) Junção em equilı́brio.

Estas descontinuidades são as mesmas, quer os materiais estejam separados


quer estejam em contato, uma vez que elas dependem das afinidades eletrônicas
e dos gaps. Vemos em (6.33) e (6.34) que quan do os valores de χ e Eg são
 
iguais, Ec = Ev = 0. Como as descontinuidades existem nos mater iais
separados, elas nada têm a ver com a formação das camadas de carga nos
dois lados da junção, as quais criam a barreira de potencial V 0 . Assim sendo,
V0 só depende da varia¸cão no nı́vel Ec da banda de condu¸cão, descontada a

descontinuidade Ec . A altura da barreira é, portanto, dada por

V0 = V 1 + V2 , (6.35)

onde V1 e V 2 estão mostrados na Fig.6.10(b).

A diferença entre os gaps de energia dos semicondutores numa heterojun-


ção possibilita a fabrica¸cão de uma enorme variedade de formas de potenciais
para elétrons na banda de condução e buracos na banda de valência. Isto
permite a investigação de propriedades quˆanticas de partı́culas em potenciais
fabricados com formas engenhosas, como também a construção de sofistica-
dos dispositivos. Uma heterojunção importante para investigações cientı́ficas
e para aplica¸cões está mostrada na Fig.6.11. Ela é formada por dois semicon-
dutores dopados com impurezas tipo n , n-GaAs e n -Gax A1−x As. Devido aos
valores das afinidades eletrˆonicas dos dois materiais, as descontinuidades nas
   
bandas são Ec = 0, 85 Eg e Ev = 0, 15 Eg , sendo Eg = Eg2 Eg1 . −
Estas descontinuidades servem para bloquear a difusão de portadores do GaAs
para o (GaA )As, o que é importante para os lasers semicondutores que serão
estudados no Capı́tulo 8.
192 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 6.11: Heterojunção de n-GaAs e n-(GaA)As.

6.4 Diodo de Junção

O diodo é um dispositivo eletrônico de dois terminais que s´ o deixa passar


corrente elétrica num sentido. Um diodo ideal deveria apresentar resistência
nula à corrente num sentido, como um curto-circuito, e resistência infinita,
como um circuito aberto, para a corrente no sentido oposto. Os diodos reais,
no entanto, têm num sentido resistência pequena, mas não nula, e resistência
muito elevada, porém não infinita, no outro sen tido. A Figura 6.12 mostra o
ıstica I -V de um diodo ideal. A parte triangular
sı́mbolo do diodo e a caracter´
do sı́mbolo representa a ponta de uma seta, indicando o sentido de passagem da
corrente no diodo. O diodo à válvula, que existia antes da era do semicondutor,
é feito de um tubo a vácuo no interior do qual h´ a dois elementos, catodo e
anodo. O catodo é aquecido por um filamento e emite elétrons, enquanto o
anodo n˜ao aquecido apenas recebe elétrons provenientes do catodo. Quando
uma diferença de p otencial positiva é aplicada entre o anodo e o catodo, os
elétrons vão do catodo para o anodo e produzem uma corrente. Quando a
tensão é aplicada no sentido oposto, o anodo não pode emitir elétrons, pois
não é aquecido, resultando em corrente nula. Os diodos semicondutores são
feitos com jun¸cões p-n ou contatos metal-semicondutor. Enquanto na v´alvula
à vácuo a assimetria é devida ao fato de que o catodo emite elétrons mas o
anodo não, nos diodos semicondutores a assimetria é causada pela barreira de
potencial.

O diodo de jun¸cão consiste apenas de uma jun¸cão p -n com dois contatos


metálicos para entrada e para saı́da de corrente. No lado p o contato entre
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 193

Figura 6.12: (a) S´ımbolo do diodo. (b) Caracter´ıstica I -V do diodo ideal.

o semicondutor e o filme de alumı́nio forma naturalmente um bom contato


ôhmico, devido aos valores relativos das funções trabalho. No lado n o contato
ôhmico é obtido através de uma dopagem mais forte, produzindo uma região
n+ como na Fig.6.1. Por anal ogia com o diodo `a válvula, o terminal p é
chamado anodo e o terminal n é chamado catodo.

Os diodos de jun¸cão têm caracter´ıstica I -V como aquela mostrada na


Fig.6.7. Quando eles s˜ao polarizados diretamente, a corrente só alcança inten-
sidade substancial quando a tens˜ao é próxima ou maior que um valor crı́tico
E0 , que depende do semicondutor da jun¸ cão. Em diodos de Ge este valor é
da ordem de 0,2 a 0,4 V, enquanto que em diodos de Si ele varia de 0,6 a 0,8
V. A Fig.6.13 mostra um circuito aproximadamente equivalente ao diodo de
junção. Para V < E0 a corrente no circuito é nula, pois a presença da bateria
faz a tensão nos terminais do diodo ideal ser negativa. Para V > E a corrente
aumenta linearmente com a diferen¸ca V E0 , devido ao resistor 0R em série

Figura 6.13: (a) Circuito aproxim ado equivalente ao diodo de junção. A bateria produz a
tensão cr´ıtica E 0 e o resistor determina a inclina¸cão finita da caracter´
ıstica I -V , mostrada
em (b).
194 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 6.14: Aspectos fı́sicos comuns de diodos. (a) Baixa corrent e. (b) Corrente inter-
mediária. (c) Alta corrente.

com o diodo e a bateria.

O circuito equivalente da Fig.6.13(a) vale para tens˜ oes dc. Para tensão
alternada, de freq¨uência relativamente alta, é preciso considerar o efeito da
capacitância da junção. Quando a tens˜ao aplicada ao diodo varia bruscamente,
a carga na regi˜ao de deple¸cão não acompanha imediatamente. Isto limita a
resposta em freq¨uência do diodo. Este efeito pode ser representado por um
capacitor em paralelo com o circuito da Fig.6.13(a), cuja capacitˆ ancia é, em
parte, dada pela Eq.(6.20). Também contribui para a capacitância o atraso
no tempo do movimento de difus˜ao das cargas nas proximidades da jun¸ cão.
Os valores relativos da capacitˆancia de difus˜ao e da regi˜ao de carga espacial
dependem da geometria da jun¸cão e dos materiais que a formam.

A Figura 6.14 mostra três aspectos fı́sicos comuns de diodos comerciais.


Cada tipo de diodo ´e identificado por um c´odigo alfanumérico (Exemplos:
1N23 e 1N56. O n´umero 1 antes da letra N é usado para identificar diodos). A
identificação dos terminais do anodo e do catodo, assim como a caracterı́stica
I -V e outros parˆametros do diodo, constam das especifica¸cões de cada tipo de
diodo.

Exemplo 6.3: Calcule as correntes de saturação e faça os gráficos I V de três diodos ideais, em T

= 300 K, um de Ge, um de Si e um de GaAs, considerando que t odos têm os seguintes parâmetros:
Na = 10 17 cm−3 ; N d = 1015 cm−3 ; A = 10−4 cm2 ; τ p = τ n = 0, 5 µs.

A corrente de satura¸cão é dada por (6.31). Como Na  N d , podemos desprezar o segundo


termo. Usand L p = Dp τ p vem,
2 1/2
Is  e A 1/2
ni Dp
.
τp Nd
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 195

Utilizando os dados do diodo e os parˆ ametros da Tabela 5.2 convertidos para o Sistema
Internacional, temos para o diodo de Ge,

−19

Is =
1, 6 × 10 × 10 4 × 10 4 × (2, 5 × 1013 × 106 )2 × (50 × 10
− − −4
)1/2
A
(0, 5 × 10 6 )1/2 × 1015 × 106

−7
Is = 1, 0 × 10 A.

Para o diodo de Si vem

− − − −

Is = 1, 6 × 10 19 × 10 4 × 10 4 × (1,6 1/2
5 × 1010 × 106 )2 × (12, 5 × 10 4 )1/2
A
(0, 5 × 10 ) −
× 1015 × 106
−14
Is = 1, 8 × 10 A.

Para o diodo de GaAs vem

−19
1, 6 × 10 × 10−4 (107 106 )2
× × −4
× (10 × 10 )1/2
Is = A
(0, 5 10−6 )1/2 1015
× × × 106
−21
Is = 7, 2 × 10 A.

Os gráficos I V dos três diodos são feitos calculando I em função de V , numericamente,



com a Equa¸cão do Diodo (6.29), usando os três valores de I s acima. O resultado est´a mostrado na
Figura 6.15 e evidencia a diferen¸ca entre as tens˜oes crı́ticas dos diodos feitos com os três materiais.

Figura 6.15: Curvas I − V dos diodos de Ge, Si e GaAs do Exemplo 6.3.


196 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

6.4.1 Aplicações

Os diodos de junção têm inúmeras aplicações em circuitos eletrônicos. Uma das


mais tradicionais é a retificação de tensão alternada em fontes de alimentação,
usadas para fornecer tens˜ao dc para a opera¸cão de equipamentos eletrˆonicos.
A Figura 6.16(a) mostra os elementos b´asicos do circuito retificador de meia
onda. O transformador tem a função de transformar a amplitude da tens˜ao
alternada da rede de distribuição (em geral 110 V ou 220 V, valor eficaz) para
o valor adequado `a fonte. A Figura 6.16(b) mostra a tens˜ao senoidal v (t) no
secundário do transformador, cujo valor médio é nulo, aplicada na entrada
do retificador. Considerando a tensão cr´ıtica E0 do diodo muito menor que
o valor de pico de v (t), o diodo apresenta resistência desprezı́vel nos semi-
ciclos positivos de v (t) e resistência elevada nos semiciclos negativos. Como
resultado, a corrente i(t) que atravessa o diodo em série com a resistência de
carga R , acompanha v (t) nos semiciclos positivos, porém é desprezı́vel durante
os semiciclos negativos, adquirindo a forma mostrada na Fig.6.16(c). A cor-
rente retificada é unidirecional, tem valor médio diferente de zero, porém não
é constante, como seria desejado numa fonte dc. Entretanto, a simples adi¸cão
ao circuito de um capacitor na posi¸cão mostrada pelas linhas tracejadas, faz a
corrente aproximar-se da forma dc . O capacitor carrega-se durante o semiciclo
de condução do diodo e descarrega sobre R no semiciclo negativo, fazendo a
corrente adquirir a forma da linha tracejada na Fig.6.16(c). Evidentemente,

Figura 6.16: Ilustração da opera¸cão de um circu ito simp les retifi cador de meia-onda. A
tensão v (t) no secund´ario do transformador resulta na corrente i(t) no diodo e na carga. A
linha tracejada representa a forma de onda obtida com a adi¸ cão do capacitor ao circuito.
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 197

a condição para que isto ocorra é que a constante de tempo RC seja muito
maior que o perı́odo da tensão alternada.

Os diodos empregados em circuitos retificadores n˜ao precisam ter res-


posta r´apida, uma vez que a tens˜ao ac nesses circuitos tem baixa freq¨uência
(tipicamente 60 Hz nas redes de distribui¸cão). Porém eles precisam satisfazer
dois requisitos b´asicos: o primeiro é que a sua corrente máxima seja maior
que a exigida pela carga. Devido `as colisões de elétrons e buracos com a rede
cristalina, a passagem de corrente aquece o diodo, havendo um valor limite
que danifica a jun¸cão por superaquecimento. Desta forma, cada diodo, depen-
dendo de suas caracterı́sticas fı́sicas, suporta uma corrente máxima; o outro
requisito é que a tensão de pico no semiciclo negativo seja menor que a tens˜ ao
de ruptura do diodo na polariza¸cão reversa. A srcem desta tens˜ ao de ruptura
será apresentada na Se¸cão 6.6.

Outra aplicação do diodo, baseada em sua propriedade de retifica¸ cão, é


como detetor de pico , empregado na detec¸cão de onda modulada em ampli-
tude em receptores de rádio AM. Na transmissão por r´adio AM, a onda de alta
freqüência, chamada portadora, tem uma amplitude que varia de acordo com
o sinal de baixa freq¨uência (por exemplo, de áudio) da informa¸cão. Uma onda
AM tı́pica está mostrada na Figura 6.17(a), na qual a portadora senoidal de
alta freqüência é modulada por um sinal, também senoidal, de baixa freq¨
uência.
Se a tensão desta onda AM é aplicada a um circuito com diodo, capacitor e re-
sistência de carga, como o da Fig.6.16, sem o transformador, a tensão na carga
tem a forma da Fig.6.17(b ). O circuito retificador de meia onda com capacitor
corta os semiciclos negativos da portadora, produzindo um sinal que corres-
ponde à variação do valor dos picos positivos. Este sinal é aproximadamente

Figura 6.17 : a) Onda senoid al de alta freq¨uência modulada por sinal senoidal de áudio.
A linha formada pelos valores de pico corresponde ao sinal de ´ audio. b) Sinal de ´audio
produzido pelo detetor de pico com diodo.
198 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

igual ao sinal senoidal de ´ audio que modula a amplitude da onda portadora.


Os diodos usados em detetor es de pico trabalham com tensões muito pequenas
e portanto podem ter baixa corrente máxima. Por outro lado, ao contrário dos
diodos de retifica¸cão de fontes de alimenta¸cão, eles devem responder a altas
freqüências.

6.5 Diodo de Barreira Schottky

Como mencionado na Se¸cão 6.3.1, um contato metal-semicondutor com bar-


reira de Schottky tem caracter´ ıstica I -V semelhante à da jun¸cão p-n sendo,
portanto, também um diodo. Na realidade, historicamente o primeiro disposi-
tivo semicondutor construı́do foi o diodo de contato metal-semicondutor. Nos
primeiros anos da eletrˆonica costumava-se fabricar diodos detetores de sinal
pressionando uma agulha met´alica na superfı́cie de um cristal semicondutor.
Um semicondutor usado popularmente era o PbS, a galena, encontrado na na-
tureza na forma cristalina. Daı́ surgiu o nome rádio galena, dado aos receptores
de rádio constituı́dos apenas de um circuito LC de sintonia, um diodo detetor
de galena e um fone de ouvido. Foi também com contatos metal-semicondutor
que Bardeen e Brattain construı́ram em 1947 o primeiro transistor, que se
constituiu na maior descoberta tecnológica do século 20. No decorrer dos
anos 50 os diodos e os transistores de contato metal-semicondutor, chama-
dos simplesmente de ponto-contato, foram abandonados devido ` a dificuldade
de reprodução das caracter´ısticas I -V . Eles foram então substitu´ıdos pelos
dispositivos de junção p-n que s˜ao os mais utilizados até hoje. Entretanto,
com o aperfei¸coamento da tecnologia de fabrica¸cão e a compreens˜ao te´orica
de seu funcionamento, os dispositivos de ponto-contato voltaram a ter grande
utilidade em certas aplicações.

Apesar do diodo de barreira de Schottky ter caracterı́stica I -V seme-


lhante ao diodo de jun¸cão, h´a importantes diferenças entre os dois tipos de
diodo. Elas decorrem fundamentalmente do fato de que a corrente na bar-
reira de Schottky é devida a portadores majoritários, enquanto na junção
p-n é devida aos portadores minoritários. Quando a tensão numa jun¸cão p-
n e´ chaveada bruscamente de polarização direta para reversa, os portadores
minoritários n˜ao s˜ao removidos para o outro lado instantaneamente devido
ao tempo de recombina¸cão (Se¸cão 5.4.4). Este efe ito limita a resposta de
freqüência de diodos de junção p-n. Nos diodo s de barreira de Schottky n˜ao
há portadores minorit´arios para serem removidos, de modo que o tempo de
resposta é muito menor. Por esta razão eles têm grande aplicação em circuitos
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 199

detetores de alta freq¨uência ou de chaveamento rápido.

Outra diferença entre o diodo Schottky e o de jun¸ cão p-n está no valor
ıtica E0 da caracter´
da tens˜ao cr´ ıstica I -V . Como vimos na S e¸cão 6.1, ela
resulta de uma combinação entre o valor da corrente de saturação I s e o efeito
do crescimento exponencial de I com V , dada pela Eq.(6.29). Num diodo
Schottky feito com um mesmo semicondutor e com a mesma ´ area que outro
diodo de jun¸cão p -n, a corrente de satura¸cão é muito maior no primeiro, pois
é devida a portadores majoritários. Como ilustrado na Fig.6.18 isto resulta
numa tensão crı́tica bem menor no diodo Schottky que no de jun¸cão p-n,
aproximando-o mais de um diodo ideal na polariza¸ cão direta.

Os diodos Schottky n˜ao suportam correntes elevadas, pois sendo a ´area


de contato muito pequena, a densidade de corrente torna-se muito grande e
danifica o contato. Por esta raz˜ao eles não servem para circuitos retificadores.
Sua maior aplica¸cão é em circuitos detetores, que exigem resposta em alta
freqüência e alta sensibilidade (grande inclinação da curva I -V próximo da
srcem).

Figura 6.18: Compara¸cão entre as caracter´ısticas I -V de um diodo Schottky (a) e um diodo


de junção p-n (b) de Silı́cio. Ambas as curvas foram obtidas da Eq.(6.29), sendo usado
Is = 2, 5 µA em (a) e I s = 1 nA em (b).
200 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

6.6 Ruptura na Polarização Reversa: Diodo Zener

De acordo com o modelo apresentado na Se¸cão 6.1, na jun¸cão p-n polarizada


reversamente circula uma pequena corrente, cuja intensidade tende para um
valor de satura¸cão Is à medida que a tens˜ao reversa aumenta. Na verdade
isto só ocorre enquanto a tens˜ao reversa for menor (em m´odulo) que um certo
valor VR , chamado tens˜ao de ruptura (breakdown, em inglês). Se a tensão
atingir este valor crı́tico, a corrente aumenta bruscamente, como resultado de
um processo de ruptura eletrˆonica da jun¸cão. Desde que o circuito externo
limite a intensidade da corrente não a deixando ultrapassar um valor m´aximo
(que depende das caracterı́sticas do dispositivo), este processo de ruptura nada
tem de destrutivo. Ele é perfeitamente reprodutivo e pode ser repetido uma
infinidade de vezes. O processo de ruptura de uma junção pode o correr por dois
mecanismos diferentes: o chamado efeito Zener e o mecanismo de avalanche.
Embora diferentes, ambos resultam do efeito do campo elétrico que existe na
região de carga espacial da jun¸ cão p-n, sobre os portadores de carg a. Na
junção polarizada reversamente, este campo cresce acompanhando a altura da
barreira de potencial, como ilustrado na Figura 6.5(c). O processo de ruptura
acontece quando o campo atinge um valor crı́tico.

O efeito Zener ocorre em tens˜oes relativamente pequenas, de alguns


volts, em junções de semicondutores fortemente dopados. Como mostra a
Eq.(6.18), se as concentrações de impurezas Na e N d nos dois lados da jun¸cão
aumentam, a espessura  da camada de depleção diminui. Com concentrações
19 20 −3
da ordem de 10 −
10 cm , para tens˜oes reversas de alguns volts a es-
pessura é da ordem de 10−5 cm, o que resulta em campos da ordem de 10 6
V/cm. Campos elétricos com esta intensidade quebram as ligações covalentes
e ionizam ´atomos da rede cristalina. Os elétrons liberados na ionização são
acelerados no sentido oposto ao campo, passando para o lado n da junção e pro-
duzindo corrente no sentido reverso, muito maior que a corrente de satura¸ cão
reversa.

Em junções com menores concentrações de impurezas, o campo elétrico


na região de deple¸cão pode n˜ao ser suficiente para produzir ioniza¸cão direta
dos átomos do semicondutor, não havendo, portanto, efeito Zener. Entretanto,
sempre haverá um valor de tens˜ao reversa para o qual ocorrer´ a ruptura na
junção através do mecanismo de avalanche. Como o nome sugere, este é um
processo no qual ocorrem eventos sucessivos, resultando numa multiplica¸ cão
no número de portadores. O primeiro evento resulta da aceleração, pelo campo
cão proveniente do lado p . Se o elétron
elétrico, de um elétron que entra na jun¸
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 201

tiver energia suficiente, sua colisão com a rede cristalina pode produzir um par
elétron-buraco, resultando na multiplicação por um fator dois no n´ umero de
portadores. Em seguida, o elétron criado é acelerado para o lado n, enquanto o
buraco é acelerado para o lado p . Se a tens˜ao reversa for suficientemente alta,
cada um deles produzir´a um par elétron-buraco, que por sua vez produzirão
outros pares, num processo de rea¸cão em cade ia. O valor de tens ão reversa
para o qual esta avalanche produz um brusco crescimento na corrente reversa
é a tensão de ruptura V R , cujo valor pode variar entre alguns volts e milhares
de volts.

Independentemente do mecanismo responsável pela ruptura na jun¸ cão,


Zener ou avalanche, a caracterı́stica I -V completa do diodo tem a forma
mostrada na Fig.6.19(a). Na polarização reversa o diodo apresenta uma grande
resistência, sendo atravessada por uma corrente pequena de valor próximo a
Is , desde que a tens˜ao seja menor que V R . Para tensões próximas de V R , qual-
quer variação em V produz enormes variações na corrente reversa causada pela
ruptura da junção. Os diodos que s˜ao fabricados para operar na região de rup-
tura são chamados diodos Zener . Apesar do nome, em gera l o mecanismo
de ruptura dos diodos Zener é o processo de avalanche. Eles têm o sı́mbolo
mostrado na Figura 6.19(b), e podem ser fabricados para apresentar tensão de
ruptura VR escolhida, variando na faixa de 1 V a centenas de volts. Nos diodos
Zener de boa qualidade a corrente de ruptura é representada por uma linha
quase vertical, o que significa que a tens˜ao nos terminais é mantida constante

Figura 6.19: (a) Caracterı́stica I -V do diodo de jun¸cão, mostrando o brusco aumento da


corrente reversa na tensão de ruptura V R . (b) Sı́mbolo do diodo Zener.
202 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 6.20: a) Circuito regul ador com diodo Zener. b) Tensão variável na entrada.
c) Tensão constante na saı́da do regulador.

e igual a −VR, independentemente do valor da corrente.

A aplicação mais importante dos diodos Zener é como regulador de


tensão em fontes de alimentação. A Fig.6.20 mostra a saı́da de um circuito
regulador com um diodo Zener de 9 V, quando alimentado por uma tens˜ ao
tı́pica de um retificador de meia onda. A tensão de entrada tem uma pequena
ondulação em torno de um valor médio de 12 V, como a forma de onda da
Fig.6.16(c). A presença do diodo Zener com polariza¸cão reversa faz com que
a tensão de saı́da seja V R = 9 V, independentemente da variação da tensão de
entrada. A diferença entre a tens˜ao de entrada e a de saı́da fica aplicada no
resistor, cujo papel é “absorver” as flutuações da entrada.

6.7 Outros Tipos de Diodos

6.7.1 Varactor

As Eqs.(6.18) e (6.20) mostram que o diodo de jun¸cão p-n tem uma ca-
pacitância que varia com a tens˜ao da barreira de potencial. Considerando que
na polarização reversa com uma tens˜ao V o potencial da barreira é V + V0 , e
supondo que V V0 , a Eq.(6.18) d´a para a espessura da regi˜ ao de depleção
(Problema 6.4),
 V 1/2 .
∝ (6.36)
Como conseqüência deste resultado e da Eq.(6.20), a capacitância da jun¸cão
varia com a tens˜ao reversa na forma
−1/2
C ∝V . (6.37)
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 203

Um diodo com corrente de satura¸cão muito pequena, submetido a uma


tensão de polariza¸cão reversa, comporta-se então como um capacitor cuja ca-
pacitância é variável com a tens˜ao. Ele é chamado varactor, termo formado
pela uni˜ao de partes das palavras variable reactor . A dependência da ca-
pacitância com a tensão da Eq.(6.37) é v´
alida apenas para uma junção abrupta,
como aquela da Fig.6 .2. Se a varia¸cão da concentra¸cão na regi˜ao da jun¸cão
for gradual, a dependência de C com V será diferente. Utilizando técnicas
de crescimento epitaxial ou de implanta¸cão iônica, é possı́vel fabricar junções
com diferentes perfis de variação da concentração, escolhidos de modo a obter

funções C (V ) adequadas para aplica¸cões especı́ficas do varactor.


Os varactores s˜ao utilizados em circuitos LC de sintonia de receptores
de rádio, no lugar dos capacitores de placa vari´ aveis manualmente. O fato
de sua capacitˆancia ser controlada pela tensão possibilita o controle eletrônico
da freqüência de sintonia do circuito. Para esta aplicação utiliza-se varactores
cuja capacitância varia na forma C ∝ V −2 . Neste caso, a freq üência de sin-
tonia do circuito, ω = (LC )−1/2 , é proporcional à tensão aplicada ao diodo.
Eles também são empregados em filtros ativos, geradores de harmˆ onicos e em
circuitos de microondas.

6.7.2 Diodo Túnel

O diodo t´unel é feito com uma junção p -n na qual, em certa faixa de tens˜ao
de polarização direta, a corrente é dominada pelo efeito de tunelamento de
elétrons através da barreira de potencial na junção. Como mostrado na Se¸cão
3.3.3, existe uma probabilidade finita para um elétron atravessar uma barreira
com potencial m´aximo maior que sua energia cinética. Este é o efeito túnel,
de natureza inteiramente quântica.

Como vimos na Se¸cão 6.2, a corrente numa jun¸cão p-n comum é devida
ao movimento de difus˜ao de portadores minorit´arios nos dois sent idos. Isto
resulta numa corrente que decresce exponencialmente com a tens˜ ao aplicada,
tendendo a zero quando V → 0. O diodo t´unel é feito com semicondutores
fortemente dopados nos dois lados da jun¸cão, o que resulta no tunelamento
direto de elétrons do lado n para o lado p, produzindo uma corrente maior que a
corrente de difusão quando V é pequena. Para que isto ocorra é essencial, como
veremos a seguir, que os dois lados da jun¸ cão estejam fortemente dopados.

O cenário de nı́veis de energia que apresentamos na Seção 5.3 s´o é v´


alido
quando a concentração de impurezas é relativamente pequena, N 1020 cm−3 .

204 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Nesta situação as impurezas est˜ao muito afastadas umas das outras, de modo
que a interação entre elas é desprez´
ıvel. Quando a concentra¸
cão de impurezas é
da ordem de 1020 cm−3 ou maior, a interação entre elas deixa de ser desprez´ıvel.
Neste caso ocorre um fenˆomeno como aquele ilustrado na Fig.4.1, os nı́veis de
energia das impurezas deixam de ser discretos e passam a formar banda s.
Se as impurezas forem doadoras, elas formam uma banda de energia que se
superpõe a banda de condu¸cão, fazendo com que o nı́vel de Fermi esteja acima
do mı́nimo desta banda, EF > Ec . Em conseqüência, os estados de energia
acima de E c e abaixo de E F estão preenchidos com elétrons, mesmo em T = 0.

Os semicondutores
maneira análoga, umnesta situação s˜
semicondutor ao chamados
fortemente degenerados
dopado com impurezas n. Dep
tipo tipo
tem EF < Ev , de modo que os estados entre EF e Ev estão preenchidos com
buracos.

O diodo t´unel é feito com uma junção p-n de dois semicondutores de-
generados, cujo diagrama de energia est´a mostrado na Fig.6.21. Na situa¸cão
de equilı́brio, com tensão externa V = 0, o nı́vel de Fermi EF é o mesmo nos
dois lados da jun¸cão. Como E F > Ev no lado p e E F < E c no lado n , existem
estados preenchidos na banda de condução no lado n com energia próxima a de
estados vazios na banda de valência no lado p. Estes estados est˜ao separados
espacialmente pela espessura da região de depleção que, devido `a alta concen-
tração de impurezas é bastante estreita (veja a Eq.6.18). Como vimos na Seção
3.3.3, estados cheios separados de estados vazios por uma barreira de poten-
cial estreita e de altura finita, criam as condições favoráveis ao tunelamento de
elétrons. Quando V = 0, como vemos na Fig.6.21(a) n˜ao há estados cheios e
vazios exatamente com a mesma energia. Nesta situa¸ cão não há tunelamento

Figura 6.21: Diagramas de energia de uma jun¸cão p-n no diodo t´unel: a) V = 0, jun¸cão
em equilı́brio; b) V < 0, corrente de tunelamento no sentido reverso; c) V > 0, corrente de
tunelamento no sentido direto.
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 205

de elétrons. Entretanto, com V = 0, tanto na polariza¸cão reversa como na



direta, há estados cheios de um lado com mesma energia de estados vazios do
outro lado porque os nı́veis de Fermi nos dois lados são diferentes, resultando
em tunelamento. Se V < 0 ocorre tunelamento de elétrons do lado p para o
lado n , como mostra a Fig.6.21(b), resultando em corrente no sentido reverso.
Por outro lado, se V > 0, pela Fig.6.21(c) vemos que o tunelamento é no
sentido de n para p , produzindo corrente direta.

Com polariza¸cão direta, V > 0, inicialmente a corrente aumenta com


a tensão, pois o n´umero de estados vazios no mesmo nı́vel de estados cheios
aumenta com V . Entretanto, com o aumento progressivo de V , a partir de um
certo valor a banda de condu¸cão no lado n fica acima da banda de valência
no lado p, reduzindo o tunelamento. Desta forma, quan do uma tens˜ao de
polarização direta é aplicada ao diodo, a corrente de tunelamento inicialmente
aumenta com V , passa por um m´ aximo e depois diminui, resultando numa
caracter´ıstica I -V mostrada na Fig.6.22(a). Como a corrente de difus˜ao, que
aumenta monotonicamente com V , se soma a de tunelamento, a caracterı́stica
I -V completa do diodo t´unel tem a forma curiosa mostrada na Fig.6.22(b).
Uma caracterı́stica importante da curva I -V do diodo t´unel é que em
certa faixa de tens˜ao dI/dV < 0. Isto corresponde a uma resistência nega-
tiva para sinais ac, cujo valor pode ser controlado pela tens˜ao da V aplicada
ao diodo. Quando operando nesta regi˜ao de resistência negativa, o diodo túnel
fornece potência ac ao circuito, ao contr´ario de uma resistência normal que
sempre absorve energi a. Assim, ele encontra aplica¸cões em osciladores e am-

Figura 6.22: Caracterı́stica I -V de diodo t´unel: a) somente a componente de tunelamento


da corrente; b) caracterı́stica I -V completa incluindo a corrente de difusão.
206 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

plificadores de sinal. Como o mecanismo de tunelamento não apresenta retardo


devido aos processos de deriva e difusão, o diodo t´unel também tem aplicações
em circuitos de chaveamento rápido.

6.7.3 Diodo IMPATT

O nome IMPATT é feito com as letras das palavras


IMPact
com Avalanche
tensão Transitdo Tvalor
reversa, próxima ime de
diode . O di tendo
avalanche, odo IMumaPATT ope ra
estrutura
que cria um perfil de campo que faz um pacote de elétrons transitar de
uma extremidade a outra do dispositivo, produzindo uma oscila¸ cão de alta
freqüência. A estrutura do diodo IMPATT está mostrada na Fig.6.23(a). Ela
consiste de uma jun¸cão p+ n, na qual a regi˜ao n é extensa e terminada por

uma estreita região n + com dopagem mais forte. Quando o diodo é polarizado
reversamente, a variação do potencial tem a forma mostrada na Fig.6.23(b).
O potencial tem uma forte varia¸ cão na regi˜ao da jun¸cão polarizada reversa-
mente, resultando num pico do campo elétrico, mostrado na Fig.6.23(c). Na
região n o potencial varia monotonicamente, correspondendo a um campo
aproximadamente constante. A região n+ tem uma resistividade menor,
resultando numa menor queda de potencial e por conseguinte menor campo
elétrico. O diodo IMPATT normalmente opera com um circuito ressonante
externo, em regime de oscila¸cão, de modo que as varia¸ cões do campo e do
potencial da Figura 6.23 correspondem aos valores médios daquelas grandezas.
A seguir descrevemos qualitativamente o mecanismo que produz a oscila¸ cão
no diodo.

Quando a tens˜ao externa é aplicada ao diodo, um campo elétrico é ra-


pidamente criado tendendo para uma distribui¸cão mostrada na Fig.6.23(c),
E
onde av é o valor de campo necessário para produzir avalanche na jun¸ cão
p+ n. Quando o campo atin ge o valor av na jun¸cão, uma avalanche pro-
− E
duz um grande n´umero de pares elétron-buraco. Os buracos criados durante
a avalanche deslocam-se no sentido x na regi˜ao p+ e atingem o contato

metálico, onde recombinam com os elétrons provenientes da corrente externa.
Por outro lado, os elétrons criados na avalanche formam um pacote que se
desloca pela regi˜ao n, em movimento de deriva sob a a¸cão do campo elétrico
E
de valor d . Logo que o pacote de elétrons sai da região da jun¸cão e penetra
na região n , ele produz uma queda de potencial em torno de si, o que provoca
uma diminuição do campo elétrico na junção. Isto faz o campo cai r abaixo
E
do valor av , interrompendo o processo de avalanche. O pacote de elétrons
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 207

Figura 6.23: a) Estrutura do diodo IMPATT. b) Variação do potencial médio ao longo do


diodo polarizado reversamente. c) Variação do valor médio do campo elétrico.

transita na regi˜ao n durante um certo tempo, até atingir a região n + e passar


para o circuito externo. Quando o pacote deixa a regi˜ao n, o campo elétrico
E
na junção volta a aumentar, atinge o valor av provocando nova avalanche e
reiniciando o processo. Se o diodo IMPATT estiver conectado a um circuito
LC, ou uma cavidade de microondas ressonante, cujo perı́odo de oscilação é
o dobro do tempo de trˆ ansito do pacote de elétrons, a oscilação se mantém
indefinidamente. Durante cada meio ciclo da oscilação, um pacote de elétrons
produz corrente no mesmo sentido do meio ciclo, fornecendo energia ao cir-
cuito externo e compensando as perdas que nele existam. Os diodos IMPATT
são utilizados como geradores de microondas, podendo produzir potências de
dezenas de watts.

6.7.4 Diodo Gunn

Outro dispositivo utilizado como oscilador de microondas é o diodo Gunn, des-


coberto por J.B. Gunn em 1963. Este dispositivo é chamado de diodo porque
tem dois termi nais. Entretanto, ao contrário de todos diodos apresentados
anteriormente, em vez de ser formado por uma jun¸ cão p-n, ele é constitu´ıdo
apenas de uma amostra de n-GaAs dopada uniform emente. O mecanismo de
208 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

oscilação do diodo Gunn é baseado na resistência negativa que ele apresenta em


certa faixa de tens˜ao, semelhante a do diodo t´ unel. Entretanto, ao contrário
deste, a resistência negativa resulta de uma propriedade intrı́nseca do GaAs.

A Fig.6.24(a) mostra uma parte das bandas de energia do GaAs, obtida


da estrutura completa de bandas da Fig.5.2. No semicondutor dopado com im-
purezas tipo n, no equil´ıbrio os elétrons ocupam os estados pr´ oximos do m´ınimo
da banda de condu¸cão no ponto Γ 1 , tendo massa efetiva m∗1 = 0, 068 m0
(Tabela 5.1). Quando um campo elétrico pequeno é aplicado a uma amostra
de n-GaAs, os elétrons com momentum em torno do ponto Γ 1 deslocam-se
no material, com velocidade de deriva proporcional ao campo. Isto resulta
numa densidade de corrente J proporcional ao campo E
(Eq.5.52), fazendo
com que o material tenha curva J −E
linear, como a parte inicial do gr´afico
da Fig.6.24(b). Quando o campo elétrico aumenta e atinge certo valor crı́tico
E  ×
cr 3 105 V/m, os elétrons ganham energia suficiente para passar para o

mı́nimo do ponto X1 , cuja energia est´a E = 0, 36 eV acima. Note que sendo
 E kB T , esta passagem para o mı́nimo de X 1 não ocorre por excita¸cão
térmica, o que é uma condi¸cão essencial para a opera¸cão do dispositivo. Sendo
a massa efetiva no ponto X 1 muito maior que em Γ 1 , em conseqüência do maior
raio de curvatura de E (k ) e da Eq.5.3, a condutividade do material (Eq.5.46)
diminui. A faixa de resistência diferencial negativa da Fig.6.24(b) corresponde
a valores de campo para os quais parte dos elétrons de condução está em torno
do ponto Γ 1 , e parte est´a no ponto X 1 . Com o progressivo aumento de , a E

Figura 6.24: Propriedades de n-GaAs: a) detalhe da banda de condu¸cão mostrando dois


mı́nimos que podem ser ocupados por elétrons. No mı́nimo do ponto Γ 1 , os elétrons têm
massa efetiva m ∗1 = 0, 068 m0 , onde m 0 é a massa do elétron livre. No mı́nimo do ponto X1 ,
a massa efetiva é m ∗2 = 1, 2 m 0 ; b) caracterı́stica corrente- campo elétrico do material.
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 209

quase totalidade dos elétrons passa para X1 e a caracterı́stica J −E volta a ser


linear, porém com inclinação bem menor que a inicial.

Há vários mecanismos pelos quais a oscila¸cão no diodo Gunn pode ocor-
rer. Vamos considerar aqui apenas o modo de camada de dipolo, ou domı́nio,
que ocorr e em amostras relativamente longas. A Fig.6.25(a) ilustra uma
amostra de n-GaAs submetida a uma diferen¸ ca de potencial externa entre
os terminais negativo e positivo, respectivamente catodo e anodo. A amostra
tem elétrons na banda de condução, cujas cargas negativas s˜ao compensadas
pelas cargas positivas das impurezas doadoras ionizadas fixas na rede. Quando
a tensão externa é aplicada, os elétrons injetados através do contato metálico
do catodo criam uma camada de carga negativa, que juntamente com as im-
purezas positivas formam uma camada de dipolo elétrico, ou dom´ ınio . A
camada de dipolo provoca em torno dela uma brusca varia¸ cão do potencial e,
conseqüentemente, um pico de campo elétrico. O gradiente de campo exerce
uma força sobre a camada de dipolo, que se movimenta em dire¸ cão ao anodo.
A Fig.6.25(b) mostra o domı́nio via jando do catodo para o anodo, enquanto
a Fig.6.25(b) ilustra a varia¸cão do potencial resultante. Quando o domı́nio
atinge o anodo, um pulso de corrente é produzido no circuito exter no. Se a
tensão aplicada ao diodo tiver valor apropriado, o campo elétrico no domı́nio
estará na regi˜ao de resistência negativa, resultando em fornecimento energia
ao circuito externo. Se este for um circuito LC ou uma cavidade ressonante,
o pulso de energia tende a manter a oscila¸cão, desde que o tempo de trˆ ansito

Figura 6.25: Operação do diodo Gunn: a) ilustração da amostra de n-GaAs com uma camada
de dipolo viajando do catodo para o anodo; b) varia¸ cão do potencial elétrico na amostra
com a presen¸ca da camada de dipolo.
210 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

do domı́nio seja aproximadamente igual a meio per´ıodo da oscilação. Após a


extinção no anodo, outro domı́nio forma-se no catodo e o ciclo se repete.

Os diodos Gunn s˜ao largamente utilizados como osciladores de microon-


das. Eles operam com tensões na faixa de 5 a 20 V, o que representa uma
vantagem em relação aos diodos IMPATT, que normalmente requerem tensões
de dezenas de volts. Como a velocidade de movimento dos domı́nios aumenta
com o aumento da tens˜ao aplicada, a freq¨uência de oscilação aumenta com a
tensão. Por esta razão, a oscila¸cão do diodo Gunn é facilmente modulável em
freqüência, pela superposição de uma tens˜ao variável à tensão de polariza¸cão.

REFERÊNCIAS

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J.A. Zuffo, Dispositivos Eletrˆonicos, McGraw-Hill, São Paulo, 1976.

PROBLEMAS

6.1 Uma jun¸cão p-n de Ge tem em cada lado impurezas com concentra¸ cões
Nd = 1016 cm−3 e Na = 1018 cm−3 . a) Calcule as posi ções do n´ıvel de
Fermi em cada lado a T = 300 K, em rela¸ cão às bandas de valência e
de condução. b) Desenhe o diagrama de energia da jun¸cão em equilı́brio,
indicando os valores das energias relevantes, e a partir dele determine o
potencial de contato V 0 .
6.2 Calcule o campo elétrico máximo, a espessura da regi˜ao de depleção (em
µm) e a capacitˆancia da jun¸cão p-n do problema 6.1, considerando que
ela tem uma se¸cão circular de diˆametro 300 µ m.

6.3 Na situação de equilı́brio de uma junção p-n, a corrente de difus˜ao cri-


ada pelo gradiente de concentra¸cão cancela a corrente de deriva devido
ao gradiente de potencial, tanto para elétrons como para buracos. Este
equilı́brio é expresso pela Eq.(5.70) para buracos. Faça a integral desta
equação em uma dimens˜ao e utilizando a rela¸cão de Einstein obtenha a
Eq.(6.3) para o potencial de contato.
6.4 Uma diferença de potencial V é aplicada para polarizar uma junção p-n
abrupta. Considerando que para V não muito elevada a condi¸ cão de
equil´ıbrio Eq.(5.70) não é muito alterada, demonstre a Eq.(6.22) e mostre
que a espessura da regi˜ao de deple¸cão é dada por uma equação igual a
(6.18), com V 0 V no lugar de V 0 .

6.5 Utilize o resultado do Problema 6.4 e a expressão da carga de uma jun¸cão
p-n para mostrar que a capacitˆancia da jun¸cão é dada por (6.20).
6.6 Mostre que a corrente de difusão de elétrons na região de depleção de uma
junção p -n é dada por (6.28).
212 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

6.7 Considere duas jun¸cões p-n abruptas feitas com semicondutores diferen-
tes, uma de Si e outra de Ge. Ambas têm as mesmas concentrações de
impurezas, Na = 1018 cm−3 e Nd = 1016 cm−3 , e a mesma se¸cão circular
de diâmetro 300 µm. Suponha também que os tempos de recombinação
são todos iguais, τp = τn = 1 µs. a) Calcule as correntes de satura¸cão
das duas jun¸cões em T = 300 K. b) Fa¸ca o gr´afico I - V , preferivelmente
com um computador, com V variando na faixa -1, +1 V e I limitado a
100 mA.
6.8 O campo elétrico de ruptura da junção de Si do Problema 6.7 é 106 V/cm.
Calcule a tens˜ao de ruptura da jun¸cão.
6.9 Numa junção p + n a concentração de impurezas do lado n e´ desprez´ıvel

comparada com a do lado p , de modo que  n  p. Considere uma jun¸cão
deste tipo com  n muito menor que o comprimento de difusão de buracos
do lado n, Lp . Mostre que nesta junção polarizada diretamente, a corrente
de elétrons é desprezı́vel comparada com a de buracos e que o campo
elétrico no lado n, fora da regi˜ao de depleção, é dado aproximadamente
por

E (x) = k eT
B 1 pn (0)
n Nd + pn (x)
,

onde x é medido a partir da fronteira da região de depleção.


6.10 Um diodo de jun¸cão p -n de Si polarizado diretamente com uma corrente
constante é utilizado como um termômetro. Em T =27◦ C a tens˜ao no
diodo é 700 mV. a) Calcule o coeficiente de temperatura do diodo nesta
temperatura, isto é, a razão V / ◦T . b) Qual ser´a a variação na tensão
 
se a temperatura aumentar para 80 C? Calcule esta variação exatamente
e compare com o valor obtido supondo que ela é linear e caracterizada
pelo coeficiente obtido no item a).
6.11 Uma junção p+ n de Si com se¸cão reta de ´area 10 −2 cm2 tem nos dois

lados concentrações N a = 1017 cm−3 e N d = 1015 cm−3 . Os parâmetros do
Si estão dados na Tabela 5.2. Calcule: a) o campo elétrico máximo; b) a
espessura da região de depleção (em µ m) e c) a capacitˆancia da jun¸cão na
situação de equilı́brio e quando ela está submetida a uma tens˜ao externa
de polarização direta de 0,4 V.
6.12 A Eq.(6.25) para a concentra¸cão de buracos no lado n de uma jun¸cão
p-n vale tanto para polariza¸cão direta como reversa. O mesmo ocorr e
com a equação análoga para a concentra¸cão de elétrons no lado p. Para
uma junção p -n polarizada reversamente com tensão muito maior que 25
mV: a) Dê as expressões e fa¸ca gráficos qualitativos das concentra¸cões
Cap. 6 Dispositivos Semicondutores: Diodos 213

dos portadores minoritários n p (x ) e p n (x), em função dos parâmetros da


junção e de x e x , medidos a partir das fronteiras da região de depleção; b)
Calcule as variações com x e x  das correntes dos portadores minoritários
e fa¸ca os gr´aficos correspondentes. c) A partir dos resultados do item
b), calcule a corrente total na jun¸cão e explique por que as correntes dos
portadores majoritários não são necessárias para o c´alculo.
6.13 Considere uma junção p + n abrupta de Ge, com concentra¸cões de im-

purezas Na = 5 1016 cm−3 e Nd = 1015 cm−3 , seção reta de 10 −3 cm2
×
e tempos de recombina¸cão τn = τp = 2 µs. A jun¸cão está polarizada
diretamente e nela circula uma corrente de 100 mA. a) Calcule a tens˜ ao
na jun¸cão. b) Calcule numericamente as concentrações dos portadores
minoritários n p (x ) e p n (x), e fa¸ca gráficos mostrando suas variações com
x e x, medidas a partir das fronteiras da regi˜ ao de deple¸cão. c) Cal-
cule numericamente as concentrações dos portadores majorit´arios nn (x) e
pp (x ), e fa¸ca gráficos mostrando suas variações com x e x . (Elas podem
ser calculadas usando o fato de que a neutralidade de carga fora da regi˜ ao
de depleção requer que as concentrações de elétrons e buracos em excesso
do equilı́brio sejam iguais em cada ponto, δp (x) = δn(x).
6.14 Um diodo feito com uma jun¸cão de Si, como a do Problema 6.7, é colo-
cado no circuito da figura abaixo. A bateria tem for¸ca eletromotriz 1,5
V e resistêncica interna 0,2 V e o resistor é de 20 Ω. a) Utilizando a
equação do diodo, calcule analiticamente a corrente e a tens˜ ao no diodo.
b) Utilizando a curva I - V obtida no Problema 6.7, calcule graficamente a
corrente e a tensão no diodo e compare com os valores obtidos no item a).
214 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos
Capı́tulo 7

Transistores e Outros
Dispositivos Semicondutores

7.1 O Transistor 217


7.2 O Transistor Bipolar 219
7.3 Correntes no Transistor Bipolar 225
7.3.1 Cálculo das Correntes no Modelo Unidimensional 225
7.3.2CorrentedeBase 231
7.3.3 ParâmetrosdoTransistor 233
7.3.4 Curvas Caracter´ ısticas I -V 234
7.4 Aplicações de Transistores 237
7.5 Transistores de Efeito de Cam po 241
7.5.1 O Transistor do Efeito de Campo de Jun¸ cão 242
7.5.2 Caracterı́stica do Transistor JFET 243
7.5.3 O Transistor de Efeito de Campo Metal-Semicondutor 248
7.6 O Transistor MOSFET 251
7.6.1OCapacitorMOS 252
7.6.2 A Tensão Crı́tica de Invers˜ ao 257
7.6.3 A Caracter´ ıstica I -Vdo Transistor MOSFET 261
7.6.4 Aplicações de Transistores MOSFET 264

215
216 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

7.7 Dispositivos de Controle de Potência: SCR e TRIAC 267


7.7.1 O Retificador Controlado de Silı́cio-SCR 267
7.7.2
OTRIAC 270
7.8 Circuitos Integrados 271
7.8.1 Conceitos B´asicos e Técnicas de Fabricação 272
7.8.2 Dispositivos de Mem´oria deSemicondutor 277
REFERÊNCIAS 282
PROBLEMAS 283
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 217

Transistores e Outros Dispositivos


Semicondutores

7.1 O Transistor

O transistor é um dispositivo de três terminais, utilizado para controlar sinais


elétricos. Um sinal variável aplicado aos dois terminais de entrada controla
eletronicamente o sinal nos dois terminais de saı́da, sendo um deles comum
com a entrada. As duas fun¸cões mais usuais de controle s˜ao a amplificação
e o chaveamento. Quando usado para amplifica¸cão, o dispositivo fornece na
saı́da um sinal com a mesma forma de varia¸ cão do sinal de entrada, porém com
maior amplitude. Isto está mostrado na Fig.7.1 para uma variação senoidal. A
potência do sinal de saı́da é em geral maior que a do sinal de entrada, sendo o
acréscimo de potência fornecido pela fonte de alimenta¸ cão dc. Nas aplicações
digitais, um sinal digital na entrada faz o transistor chavear entre dois estados,
um com corrente e outro sem corrente, representando os bits 0 e 1. Devido a
sua capacidade de converter energia de uma fonte dc em energia de um sinal
controlado, o transistor é chamado de dispositivo ativo.

A invenção do transistor representou um dos maiores avanços tecnológicos


do século XX, porque foi decisivo para a enorme evolução da eletrônica. Até
meados da década de 1950 o dispositivo de controle eletrônico de maior uso
era a v´alvula triodo. O triodo é formado por um tubo a vácuo contendo um
catodo aquecido que emite elétrons e um anodo que os recebe, tendo entre
eles um terceiro eletrodo feito de uma malha de fios met´alicos, chamado grade.
Uma tensão variável aplicada entre a grade e o catodo controla o fluxo de
218 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 7.1: Sinais de entrada e de saı́da num dispositivo de amplificação, como um transistor.

elétrons do catodo para o anodo passando pela grade. Desta forma, um sinal
de tensão entre grade e catodo controla a corrente de saı́da no anodo, tornando
a válvula triodo um dispositivo ativo de controle. A partir da década de 1950,
as válvulas a v´acuo dos equipamentos eletrônicos foram gradualmente dando
lugar aos transistores e diodos semicondutores, chamados de dispositivos de
estado sólido.

O desenvolvimento do transistor resultou de investigações básicas de pro-


priedades de semicondu tores. Em 1947 Brattain e Bardeen estudavam, nos
laboratórios da Bell Telephone nos Estados Unidos, propriedades de superfı́cie
de germânio com contatos metálicos retificadores. Nesses estudos eles obser-
varam que a corrente no diodo semicondutor variava quando uma outra cor-
rente passava por um segundo contato metálico colocado próximo ao primeiro.
Em dezembro daquele ano eles anunciaram a descoberta do novo dispositivo
de amplificação, batisado por eles de transistor, significando um elemento
de transcondutˆancia variável. Apesar de seu grande poten cial, o transistor
de p onto de contato tinha grand es problemas: ele era muito fr´agil; o con-
tato degradava com a umidade do ar; seu ruı́do interno era muito grande. O
próximo passo no desenvolvimento do transistor ocorreu em 1948, quando W.
Shockley, também dos laboratórios Bell, publicou um trabalho te´ orico pro-
pondo a estrutura do transistor de jun¸ cão. A partir de então muitos labo-
ratórios industriais investiram em técnicas de fabricação e estudo dos transis-
tores e em poucos anos eles se tornaram dispositivos comerciais.

Existem atualmente dois tipos principais de transistores: o transistor


bipolar de jun¸cão, em geral chamado simplesmente de transistor de jun¸ cão,
e o transistor de efeito de campo . O transistor bipola r de junção é feito
por duas jun¸cões p-n fabricadas na mesma pastilha de semicondutor, sendo que
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 219

a corrente na primeira junção controla a injeção de p ortadores minoritários na


segunda junção. Como os portad ores minoritários podem ser tanto elétrons
como buracos, este transistor opera com portadores de cargas positivas e ne-
gativas, daı́ o nome bipolar. O transistor de efeito de campo pode ser feito por
duas junções ou por contatos metal-´oxido-semicondutor. Em ambos os tipos,
a tensão de entrada controla o fluxo dos portadores majorit´ arios que passam
da entrada para a saı́da do dispositivo. Como estes p ortadores s˜ao elétrons
ou buracos, dependendo do tipo de impureza do semicondutor, o transistor
de efeito de campo é um dispositivo unipolar. Nesta seção apresentaremos

os princı́pios
junção. de funcionamento
Os transistores de efeitoede
o campo
modelamento dos transistores
ser˜ao estudados bipolares
na se¸cão 7.5. de

7.2 O Transistor Bipolar

O transistor bipolar de jun¸cão é o dispositivo semicondutor mais importante


da atualidade. Com a tecnologia planar, descrita na Se¸cão 6.1.1, ele pode
ser fabricado numa pastilha de semicondutor isoladamente, para formar um
único dispositivo de três terminais, ou num conjunto com muitos outros diodos
e transistores, formando um circuito integrado. Sua estrutura básica está
mostrada na Fig.7.2. Ela consiste de três camadas de dopagens diferentes,
feitas no mesmo semicondutor, formando duas jun¸ cões p-n com polaridades
opostas. As três camadas são chamadas de emissor, base e coletor, que
são ligadas ao circuito externo através de contatos metálicos nos quais são
soldados fios condutores.
Se as dopagens A estrutura
p e n forem da Fig.7.2o étransistor
trocadas obtém-se n-p-n, que pé-ntão
a de um transistor -p.

E B SiO2
Metal

2 m p
 m
n
20 m
p

Figura 7.2: Estrutura planar do transistor bipolar de junção com algumas dimensões tı́picas.
As letras E, B e C representam os terminais do emissor, da base e do coletor, respectivamente.
As distâncias indicadas representam espessuras tı́picas.
220 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

utilizado quanto o p-n-p. Os dois tipos têm operação inteiramente an´aloga,


sendo os papéis dos elétrons e dos buracos trocados entre si.

A Fig.7.3 mostra a representação esquemática de um transistor p-n-p com


um circuito externo simples para polarização de suas jun¸cões. Convencionamos
que IE , IB e IC , chamadas respectivamente correntes de emissor, base e coletor,
são positivas quando têm os sentidos indicados na figura. A junção p -n entre o
emissor e a base é chamada simplesmente de junção do emissor, enquanto a da
base-coletor é chamada de junção do coletor. VEB e VCB representam as tensões
nas junções do emissor e do coletor respectivamente. A configuração do circuito
da Fig.7.3 é chamada de base comum, pois o terminal da base é comum entre
os dois terminais de entrada e os dois de saı́da do dispositivo. Embora ela
não seja a mais utilizada para polarizar transistores em circuitos pr´ aticos, é
a mais conveniente para a compreensão dos mecanismos de funcionamento do
transistor.

Na operação normal do transistor bipolar, a jun¸ cão do emissor é pola-


rizada diretamente, enquanto a do coletor é polarizada reversamente. Assim,
a resistência da junção do emissor é pequena e a corrente IE é relativamente
grande. No transistor p-n-p, longe da jun¸cão, esta corrente é constituı́da essen-
cialmente de buracos, que são os portadores majorit´arios no emissor e no cole-
tor (componente 1 na Fig.7.4). Na jun¸cão do emissor, os buracos provenientes
do emissor s˜ao injetados na base, onde se movem por difus˜ ao, contribuindo
para uma parte da corrente do emissor que chamaremos de IEp . Por outro lado,
elétrons passam da base para o emissor constituindo outra parte da corrente,
IEn , ilustrada na Fig.7.4 (componente 7). Como vimos nas Eqs.(6.29)-(6.31),
é poss´ıvel ter IEp  IEn se a concentra¸cão de impurezas for muito maior no

Figura 7.3: Representa¸cão esquemática de um transistor p-n-p com um circuito simples de


polarização de base comum.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 221

lado p que no lado n. Note que se a espessura da base fosse mui to grande, a
junção do coletor estaria isolada da do emissor e o sistema corresponderia a
dois diodos em série com polaridades opostas. Neste caso a corrente do coletor
seria muito pequena, dada pelo valor de satura¸cão reversa Is da Eq.(6.30) e,
portanto, independente da corrente do emissor. Entretanto, a espessura da
base é feita propositalmente pequena, menor que o comprimento de difusão
Lp de buracos na base. Desta forma, mesm o sendo portadores minorit´arios,
os buracos injetados na base n˜ao têm tempo de se recombinar completamente
com os elétrons, pois logo atingem a região de deple¸cão da jun¸cão do cole-

tor, onde são


atingirem acelerados
o coletor tipo ppelo
, os campo
buracoselétrico
voltampara
a seroportadores
outro ladomajorit´arios
da junção. Aoe
adquirem um movimento de deriva sob a a¸cão do campo externo, formando
a maior parte da corrente IC (componente 2 da Fig.7.4). Vemos ent˜ao que
a corrente no coletor é devida principalmente aos buracos injetados pelo
emissor, sendo muito maior que a corrente de satura¸cão reversa da junção do
coletor (componentes 4 e 5 da Fig.7.4). A soma das componentes 2 e 4 forma
a contribuição dos buracos para a corrente do coletor, que ser´ a chamada de
ICp . A componente 5 é a contribuição dos elétrons para a corrente do coletor,
chamada I Cn .

Para completar o cenário do funcionamento do transistor, é preciso com-

Figura 7.4: Ilustração do fluxo de elétrons e de buracos em transistor p-n-p: 1- Buracos


em movimento de deriva no emissor; 2- Buracos que atingem o coletor em movimento de
difusão; 3- Buracos que desaparecem na base por recombina¸ cão; 4 e 5- Buracos e elétrons
gerados termicamente e que formam a corrente de satura¸ cão reversa da jun¸cão do coletor;
6- Elétrons que recombinam com os buracos da componente 3; 7- Elétrons injetados da base
para o emissor formando a corrente I En .
222 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

preender o importante papel da corrente da base IB . Como vimos antes, grande


parte da corrente IE passa para o coletor porque a espessura da base é muito
pequena. Isto resulta numa corrente de coletor com valor pr´oximo, porém
menor que a corrente de emissor. Usando a equa¸ cão de conservação de carga,
IE = I B + IC , vemos que fazendo I C  IE , a corrente I B será pequena mas n˜ao
nula. Ela resulta do fluxo de elétrons do circuito externo para a base através do
contato B, e consiste de três contribuiç˜
oes distintas: a primeira corresponde aos
elétrons que recombinam com parte dos buracos injetados na base pelo emissor
(componente 6 na Fig.7.4). Esta contribuição pode ser minimizada fazendo-se

a espessura
que passam dada base
base muito
para o menor
emissorque Lp ; a segunda
constituindo é relativa
a corrente aos elétrons
I En (componente 7
na Fig.7.4); destas contribuições se subtrai uma terceira, ICn , produzida pelo
fluxo de elétrons gerados termicamente no coletor e que passam para a base
através da junção do coletor (componente 5 na Fig.7.4).

Como veremos mais adiante, a condi¸cão essencial para a fun¸cão de am-


plificação do transistor é que a corrente de base seja pequena, IB ∼ 10−2 IE .
Devido à proporcionalidade entre as correntes, uma varia¸cão na pe-
quena corrente de base aparece ampliada na corrente de emissor e
portanto também no coletor. Para fabricar um bom transistor é preciso
então minimizar IB . Isto é conseguido fazendo-se a base estreita de modo
a diminuir a recombina¸cão, e com dopagem muito menor que a do emissor,
de modo a reduzir IEn . Entretanto, como a espessura da base n˜ao pode ser
muito menor do que 1 µm, devido `as limitações fı́sicas, o mecanismo de re-
combinação ainda é significativo. Este fato estabelece um limite mı́nimo para
IB . Na pr´oxima seção apresentaremos a dedu¸cão das v´arias componentes das
correntes a partir dos mecanismos microscópicos. Para concluir esta se¸cão,
vamos definir algumas relações entre as correntes I E , I B e I C que caracterizam
parâmetros importantes do transistor.

Como vimos anteriormente, a corrente de coletor é constitu´ ıda essencial-


mente de buracos injetados pelo emissor e que n˜ ao desaparecem na recom-
binação com elétrons na base. Na região linear de opera¸cão do transistor, esta
corrente é proporcional à componente IEp da corrente no emissor. Portanto,

ICp = B IEp , (7.1)

onde B é o fator de transporte da base , que representa a fração dos buracos


injetados pelo emissor que conseguem alcan¸car o coletor. Num transistor p+ -
n-p com uma base muito estreita, B < 1. Por outro lado, a componente IEp
da corrente é um pouco menor e também proporcional à corrente do emissor
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 223

IE ,
IEp = γ IE , (7.2)

onde γ < 1 é chamado eficiência de injeção do emissor. Se a corrente de


saturação reversa na jun¸cão do coletor, I Cn , for desprezı́vel, podemos conside-
rar I C = I Cp + ICn ICp . Neste caso, com (7.1) e (7.2) podemos relacionar a

corrente do coletor com a do emissor,

IC = γ B IE ≡αI E , (7.3)

onde α γB é o fator de transferência de corrente, que também é menor



que 1. A partir de (7.3 ) e da equa¸cão de continuidade de corrente é possı́vel
relacionar a corrente de base com a do coletor. Usando (7.3) em I B = I E IC −
obtemos,

IB =
IC
−IC =
1 −α I C ,
α α

ou então
IC = β IB , (7.4)

onde
α
β= (7.5)
1 −α
é o fatorıstico
caracter´ de amplificação ou ganho
de cada transistor, masde corrente
também . Este
varia comfator é um parâmetro
as tensões de pola-
rização das jun¸cões. Num bom tr ansistor, α  1 de modo que o fator β é
grande. A Eq.(7.4) exprime a caracterı́stica básica dos transistores no regime
linear. Ela mostra que através de variações numa pequena corrente de base, é
possı́vel controlar a varia¸cão na corrente muito maior que circula no coletor. A
explicação fı́sica da proporcionalidade entre as correntes de base e de coletor
é a seguinte. A corrente de coletor IC é formada basicamente pelos buracos
injetados na base pela corrente do emissor, e que atingem o coletor porque
não têm tempo de recombinar com elétrons na base, porque esta é muito
estreita (espessura muito menor que o comprimento de difus˜ ao dos buracos).
Portanto IC aumenta quando aumenta a corrente do emissor IE . A diferen¸ca
entre IE e IC é a corrente de base IB , que é formada principalmente pelos
elétrons que recombinam com os buracos injetados pelo emissor e que não
alcançam o coletor. Então, se a corrente de base I B varia, o número de elétrons
disponı́veis para recombinação varia, o que for¸ca IC a variar também, caso
224 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

contrário haveria um ac´umulo de cargas na base. Desta forma uma varia¸cão


em IB resulta numa variação em IC e em IE . Em certa faixa de variação a
relação entre IB e IC é linear, como expresso na Equação (7.4). Na próxima
seção obteremos as express˜oes que relacionam os parˆametros B , γ , α e β com
as grandezas microscópicas dos semicondutores que comp˜oem o transistor.

Exemplo 7.1: Um transistor p-n-p em regime estacionário tem as seguintes componentes das
correntes de emissor e de coletor: IEp = 10 mA, I En = 0,1 mA, I Cp = 9,98 mA, I Cn = 0,001 mA.
Calcule os parˆametros B, γ , α e β do transistor e a corrente de base nesta situação.

O fator de transporte da base B é dado por (7.1),

ICp 9, 98
B= = = 0, 998 .
IEp 10

A eficiência de injeção do emissor γ é dada por (7.2), sendo I E = I Ep + IEn . Logo

IEp 10
γ= = = 0, 99 .
IEp + IEn 10 + 0, 1

O fator de transferência de corrente α = γ B e´ então,

α = 0, 99 × 0, 998 = 0, 988 .

Desprezando I Cn em presen¸ca de I Cp , o ganho de corrente é calculado com (7.5),

α 0, 988
β= 1 − α = 1 − 0, 988 = 82, 33 .
A corrente de base pode ser calculada exatamente pela diferença entre as correntes de emissor
e de coletor,

IB = I E − IC = IEp + IEn − ICp + ICn = 10, 1 − 9, 981 = 0, 119 mA .

Podemos também calcular IB usando as rela¸cões (7.4) e (7.5), onde (7.5) foi obtida despre-
zando a contribuição da corrente de satura¸cão para I C . O resultado é,

IC 9, 981
IB = = = 0, 121 mA .
β 82, 33

Este valor difere do anterior em 0,002 mA, o que corresponde a uma diferen¸ ca de apenas
1,7%.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 225

7.3 Correntes no Transistor Bipolar

Como acontece no diodo de junção, as correntes no transistor bipolar de junção


são determinadas pelo movimento de difus˜ao dos portadores minorit´arios nas
proximidades das junções. A diferença fundamental entre o diodo e o transis-
tor é que, enquanto no primeiro a solução da equa¸cão da difus˜ao é sujeita à
condição de contorno na interface de uma junç˜ao, no segundo é preciso con-
siderar as interfaces nas duas u j nç˜oes. Para calcular as correntes devemos
então resolver a equa¸cão da difus˜ao nas três regiões do transistor e impor as
condições de contorno nas duas jun¸ cões. Após obter a varia¸cão das concen-
trações dos portadores minoritários, calcularemos as correntes de difusão como
fizemos para o diodo na Se¸cão 6.2.

7.3.1 Cálculo das Correntes no Modelo Unidimensional

Vamos analisar um transistor p -n-p com o modelo unidimensional ilustrado na


Fig.7.5. Este modelo é bom para o dispositivo da Fig.7.2 porque as dimensões
laterais são muito maiores que as espessuras das camadas. Vamos supor que
as espessuras do emissor e do coletor s˜ ao muito grandes comparadas com o
comprimento de difusão, enquanto a base tem uma espessura  qualquer. No
emissor e no coletor os portadores minorit´arios são os elétrons, cujas concen-
trações são n E (x) e n C (x) respectivamente. Os buracos injetados pelo emissor
são portadores minoritários na base, descritos pela concentração p (x). Como o
emissor é longo, nE (x) é descrito por uma exponencial que cai quando se afasta
da junção do emissor. A corrente de difus˜ao correspondente é então dada pela
mesma expressão obtida na Se¸cão 6.2 para uma junção. Da Eq.(6.28) podemos
escrever a contribuição dos elétrons para a corrente de emissor,

Dn E
nE eeVEB /kB T
IEn = e A
Ln E
 −1  , (7.6)

onde A é a area
´ da seção reta do transistor, nE é a concentração de equilı́brio de
elétrons no emissor, DnE e LnE são o coeficiente e o comprimento de difus˜ao
respectivamente, e VEB e´ a tensão entre emissor e base. Do mesmo modo
podemos escrever a contribuição dos elétrons para a corrente de coletor,

ICn = −e A DLnC

nC
nC eeVCB /kB T
 −1  , (7.7)
226 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 7.5: Modelo unidimen sional utilizad o para calcular as correntes no transistor p-n-p.
Note que as coordenadas x = 0 e x =  estão nas extremidades das regi˜oes de deple¸cão das
junções do emissor e do coletor.

onde a nota¸cão é análoga a da Eq.(7.6) e o sinal é negativo p ois o sentido


positivo de IC vai do lado n para o lado p da jun¸cão do coletor e VCB é
normalmente negativo. No caso dos buracos na base, a solução para a variação
da concentração p (x) é mais complicada porque é preciso considerar a solução
geral da equa¸cão de difusão, dada por (5.83),

δp(x) ≡ p(x) − p B = C1 e −x/Lp + C2 e x/Lp , (7.8)

onde pB é a concentração de equilı́brio de buracos na base e Lp é o comprimento


de difusão correspondente. Para obter δp(x) basta impor as condi¸ cões de
contorno nas jun¸cões do emissor e do coletor, em x = 0 e x = , e calcular
as constantes C1 e C2 . Na jun¸cão do emissor, desprezando-se a espessura
da região de carga espacial, a Eq.(6.24) permite relacionar a concentra¸ cão de
buracos com a tens˜ao de polariza¸cão,

= p B eeVEB /kB T
δpn (x = 0) ≡ p E
 −1  . (7.9)

Analogamente, na junção do coletor temos


= p B eeVCB /kB T
δpn () ≡ pC
 −1  . (7.10)

Note que num transistor em condições normais de opera¸cão, a junção do emis-


sor é polarizada diretamente (VEB > 0) enquanto a do coletor é polarizada
reversamente (VCB < 0). Nessa situa¸cão, para VEB , VCB kB T /e (0,025 V
| |
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 227

em T = 290 K), as condi¸cões de contorno (7.9) e (7.10) podem ser aproximadas


por,
eVEB /kB T
p  p e
E pB B , (7.11)

p  −p  p .
C B E (7.12)

O resultado (7.12) é devido ao fato de que, na junção polarizada reversamente,


os buracos em excesso do equilı́brio são “puxados” rapidamente pelo forte
campo elétrico
Substituindo parae (7.10)
(7.9) o coletor, fazendo
em (7.8) sua concentra¸
obtemos cão ficar próxima de zero.

p E = C 1 + C2 ,
p C = C 1 e −/Lp + C2 e /Lp ,
das quais obtemos
p Ee/Lp pC
−
C1 = , (7.13)
2 senh(/Lp )
−/Lp
C2 =
 p − p
C E e
, (7.14)
2 senh(/Lp )

Antes de prosseguir na an´alise das correntes vamos examinar o com-


portamento das concentrações dos portadores minorit´arios nas três regiões do
transistor. Em condições normais de opera¸cão e considerando a concentra¸cão
de equilı́brio de buracos na base muito pequena, podemos supor que pC 0.  
Substituindo (7.13) e (7.14) em (7.8), e usando esta aproxima¸ cão, obtemos
para a região 0 < x <  ,

δp(x) = p E

senh[( x)/Lp ]
, (7.15)
senh(/Lp )

No caso dos elétrons no emissor e no coletor, suas concentrações s˜ao dadas


por exponenciais simples, como discutimos anteriormente. A Fig.7.6 ilustra
a variação das concentra¸cões no transistor p+ -n-p em condições normais de
polarização. Note que em geral a base é feita com espessura pequena,  Lp , 
de modo a minimizar a corrente de base. Por esta raz˜ao a varia¸cão da con-
centração de buracos é aproximadamente linear. Tendo obtido a distribuição
de buracos na base do transistor, podemos calcular sua contribui¸ cão para as
228 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 7.6: Variação das concentrações dos portadores minoritários no transistor p-n-p com
polarização direta na jun¸cão do emissor e reversa no coletor. O valor de ∆ pC −
pB está
exagerado, pois p B  ∆pE .

correntes a partir da equa¸cão da corrente de difus˜ao (5.57),


dδp
Ip (x) = −eA D p ,
dx

que aplicada `a (7.8) dá,


Dp
C1 e −x/Lp e x/Lp
Ip (x) = eA
Lp
 −C 2
 . (7.16)

As componentes
são dadas pelos valoresdas
da correntes
Eq.(7.16) do
ememissor
x = 0 eede
x=coletor devidas aos buracos
 , respectivamente,
Dp
IEp = I p (0) = e A (C −C ) , (7.17)
Lp 1 2

Dp
ICp = I p () = e A (C1 e −/Lp −C 2 e /Lp ) . (7.18)
Lp

Substituindo as expressões (7.13) e (7.14) em (7.17) e (7.18) e utilizando


as definições das fun¸cões hiperbólicas vem:

IEp = e A
Dp
 pE coth

− p csch

 , (7.19)
C
Lp Lp Lp

ICp = e A
Dp
 pE csch

− p coth

 . (7.20)
C
Lp Lp Lp
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 229

Somando-se as contribui¸cões de elétrons e de buracos, (7.6), (7.7), (7.19) e


(7.20), e utilizando as expressões (7.9) e (7.10), obtemos as correntes de emissor
e de coletor em função das tensões de polarização e dos parˆ
ametros do material,

IE = e A
Dp
p
 eeVEB /kB T −1 coth

−  eeVCB /kB T −1  csch


Lp B Lp Lp
DnE
nE eeVEB /kB T
+eA
 −  1 , (7.21)
LnE

1 csch  coth 
IC = e ADp pB
Lp
 eeVEB /kB T − Lp
−  eeVCB /kB T −1  Lp

− e A DL nC

nC
nC eeVCB /kB T
 − 1 . (7.22)

As Eqs.(7.21) e (7.22) permitem calcular todos parˆ ametros e curvas caracte-


rı́sticas do transistor. A corrente de base pode ser obtida usando-se estas duas
expressões na equação de continuidade, I B = I E IC . Os parˆametros do tran-

sistor podem ser calculados pela substitui¸cão de (7.19)-(7.22) nas defini¸cões
(7.1)-(7.5). Como na forma geral estas equa ¸cões são difı́ceis de interpretar,
vamos calcular as grandezas de interesse fazendo algumas aproxima¸ cões sim-
plificadoras.

+ + ´
Exemplo
de seção A 7.2:
= 10−Um
3 transistor p -n-
cm2 ; espessura de Si=em
da pbase T =concentração
1 µm; 300 K tem asdeseguintes caracterı́sticas:
impurezas, no emissor N aEArea
=
1017 cm−3 , na base N d = 5 1015 cm−3 , no coletor N aC = 5 1017 cm−3 ; tempos de recombin ação
× ×
de portadores minorit´arios, no emissor e no coletor, τn = 0, 5 µs, na base τp = 1 µs. Calcule
as correntes no emissor e no coletor com a jun¸ cão emissor-base polarizada diretamente no regime
de plena condu¸cão, com VEB = 0,7 V, tendo a jun¸ cão coletor-base polarizada reversamente, com
VCB = - 10V.

Para calcular as correntes por meio das Equa¸ cões (7.21) e (7.22) é preciso, inicialmente,
calcular as concentrações dos portadores minoritários e os comprimentos de difus˜
ao. A concentra¸cão
de equilı́brio dos buracos na base é calculada com (5.38), sendo ni o valor dado na Tabela 5.2.
Usando unidades do SI temos,

n2i 1, 52 1020 1012


× ×
pB =
Nd
=
5 1015 106
× = 4, 5
× × 1010 m −3
.

As concentrações de elétrons em equilı́brio no emissor e no coletor são dadas por (5.41),

n2i 1, 52 1020 1012


× ×
nE =
NaE
=
1017 106
× = 2, 2 × 109 m −3
,
230 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

n2i 1, 52 1020 1012


× ×
nC =
NaC
=
5 1017 106
× = 4, 5
× × 108 m −3
.

Os comprimentos de difusão são calculados através de sua relação com o coeficiente de difusão

D e o tempo de recombinação τ , L = Dτ . Usando os valores de D no Si dados na Tabela 5.2 e
os valores de τ do enunciado, obtemos no SI,

Lp = 12, 5 × 10 4 × 1 × 10 6 1/2 = 3, 5 × 10 5 m = 35 µm ,
− − −

1/2
Ln = 35 × 10 4 × 0, 5 × 10 6

= 4, 2 × 10 5 m = 42 µm .
− −

Vemos então que /Lp 1 e portanto as fun¸cões hiperbólicas das equa¸cões (7.21) e (7.22)

podem ser substituı́das por suas expansões binomiais, com x = /L p ,

coth x  x1 + x3 = 351 + 3 ×1 35 = 35, 0095


csch x  x1 − x6 = 351 + 6 ×1 35 = 34, 9952

Finalmente, para comparar os valores relativos dos diversos termos das Equações (7.21) e
(7.22), é preciso calcular os valores das exponenciais contendo as tensões de polarização. Lembrando
que em T = 300 K a energia térmica é k B T = 0, 026 eV,

eeVEB /kB T = e 0,7/0,026 = e26,92 = 4, 9 × 1011


eVCB /kB T −10/0,026 −384,6
e =e =e 0

Vemos então que, como exp( eVEB /kB T ) 1, tanto em (7.21) quanto em (7.22), os termos

que não contêm este fator p odem ser desprezados. Então podemos escreve r,

IE  e A DLpp pB eeV EB /kB T


coth  + eA D nE eeVEB /kB T
Lp
nE
LnE

IC  e A DLpp pB eeV EB /kB T


csch

Lp
.

Usando os parâmetros da Tabela 5,2, os dados do transistor e os valores obtidos anteriormente


temos, no SI,
−4

IE = 1, 6 × 10 −19
× 10 7 × 12,
− 5 × 10
3, 5 × 10 5 −
× 4, 5 × 1010 × 4, 9 × 1011 × 35, 0095
4

= 1, 6 × 10 − 19
× 10 7 × 4,352××1010 5 × 2, 2 × 109 × 4, 9 × 1011

= 0, 44112 A + 0, 00144 A = 0 , 44256 A


−4

IC = 1, 6 × 10 −19
× 10 7 × 12,
− 5 × 10
3, 5 × 10 5
× 4, 5 × 1010 × 4, 9 × 1011 × 35, 9952

= 0, 44094 A .
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 231

Evidentemente, os valores das correntes do emissor e do coletor são muito próximos, como
era esperado. É importante notar que, se nas express˜oes de I E e de I C for usado apenas o primeiro
termo da expansão binomial da fun¸cão hiperbólica, e se a contribui¸cão I En for desprezada, as duas
correntes ficarão rigorosamente iguais. Portanto, como a diferença das duas correntes é a corrente
de base, é essencial usar nas expansões binomiais os dois primeiros termos. Vemos também que,
embora a contribuição dos elétrons gerados termicamente seja p equena, ela não deve ser desprezada
a priori, pois estando presente em I E mas não em IC , ela tem significado importante na diferen¸ ca
das duas correntes.

7.3.2 Corrente de Base

Como mostram os c´alculos feitos no Exemplo 7.2, no transistor p-n-p com


polarização normal, o fator exp( e VEB /kB T ) é muito grande, enquanto que o
fator exp(e VCB /kB T ) é desprez´
ıvel. Isto permite obter uma express˜ao aproxi-
mada para a corrente de base, desprezando os termos que n˜ ao contêm o fator
exp(e VEB /kB T ) nas Equações (7.21) e (7.22),

IB = I E −I = e A e e V EB /kB T
  Dp
p coth

− csch L
 +
D nE
n .

C
Lp B L LnE E

Pode-se mostrar (Problema 7.2) que esta expressão se reduz a

IB = e A e e V EB /kB T
 Dp
pB tanh

  +
D nE
nE
 . (7.23)
Lp 2L p LnE

Este resultado mostra que no transistor p-n-p com polariza¸cão normal,


a corrente de base é dominada por duas contribuições. O segundo termo em
(7.23) corresponde `a contribuição dos elétrons injetados da base para o emis-
sor, representado p ela componente 7 da Figura 7.4. Para interpretar a outra
contribuição, vamos introduzir ∆ pE , dado por (7.11), no primeiro termo de
(7.23). Desprezando o termo em n E temos,

IB  e A DL p
p
tanh
  
.
E
p 2Lp

Supondo que a base é estreita em relação ao comprimento de difus˜ao,  L ,p


podemos usar a aproxima¸cão tanh x x para obter 
IB  eA 2τp p
E
, (7.24)
232 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

onde τp = L 2p /Dp é o tempo de recombinação dos buracos. Esta equação tem


uma interpretação fı́sica simples. Sendo a concentração de buracos na base,
em excesso do equilı́brio, dada por pE em x = 0 (emissor) e
 pC = 0 em 
x =  (coletor), e pE A /2 Qp é a carga dos buracos que desaparecem da
 ≡
base por recombinação. Como a recombina¸cão ocorre num intervalo de tempo
ıstico τp , a corrente que deve ser fornecida `a base para repor a carga
caracter´
que desaparece e manter o regime estacionário, é Q p /τp . Esta é, precisamente,
a corrente de base dada por (7.24). Este resultado confirma a interpretação
qualitativa da corrente de base descrita no final da Seção 7.2. A Equa¸cão (7.24)

mostracomparada
treita que para ter
comuma
Lp ,corrente IBconcentração
e com uma pequena deve-se fazer a base
de impurezas muito es-
relativamente
baixa de modo que o tempo τp seja longo.

Exemplo 7.3: Calcule a corrente de base no transistor do Exempl o 7.2, utilizando a Equa¸cão
(7.23), e compare com o valor obtido pela diferença entre I E e I C .

Substituindo em (7.23) os valores das grandezas do Exemplo 7.2 e usando tanh ( /2Lp ) 
(/2Lp ) vem,

IB = 1, 6× 10 19 × 10 7 × 4, 9 × 1011
− −

5 × 10 4 − −4
× 12,
3, 5 × 10 5
× 4, 5 × 1010 × 2 ×1 35 + 4,352××1010 5 × 2, 2 × 109
− −

= 1, 6 × 10 19 × 10 7 × 4, 9 × 1011 × 2, 29 × 1010 + 1, 83 × 1011


− −

= 1, 61 10−3 A = 1, 614 mA .
×

É interessante notar que, neste caso, a contribuição dos elétrons térmicos (IEn ) para a
corrente de base, dada pelo segundo termo da equa¸ cão acima, é maior que a contribuição dada pelo
primeiro termo. Num transistor p+ -n-p, com concentra¸cão de impurezas no emissor muito maior
que na base, n E é muito menor e o termo de recombinação predomina sobre I En .

O valor de I B obtido por meio da diferen¸ca entre as correntes calculadas no Exemplo 7.2 é

IB = I E − IC = 0, 44256 − 0, 44094 = 0 , 00162 A = 1 , 62 mA

que é muito próximo do valor acima. Evidentemente, a diferença entre os dois valores resulta das
aproximações feitas nas fun¸cões hiperbólicas e nos arredondamentos numéricos.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 233

7.3.3 Parâmetros do Transistor

Para obter os parˆametros γ , B , α e β do transistor vamos desprezar os termos



em pC e a corrente de saturação reversa no coletor, nas Eqs.(7.6)-(7.22). Esta
aproximação é válida porque quando usado como amplificador, o transistor
sempre tem a jun¸cão do coletor polarizada reversamente. Nesta aproximação,
usando (7.6), (7.11) e (7.19) na definição da eficiência de injeção (7.2) obtemos,

IEp 1 1
γ = I = 1 + I n /IEp = 1 +
E E DnE nE Lp
Dp p B LnE
tanh Lp .

Utilizando-se as rela¸cões (5.38) e (5.41) entre as concentra¸cões de equilı́brio


dos portadores minoritários e as concentrações de impurezas doadoras ( Nd ) na
base e aceitadoras ( Na ) no emissor, esta express˜ao pode ser escrita na forma
  −1
D nE Nd Lp 
γ= 1+ tanh . (7.25)
DpNa LnE Lp

Usando apenas o primeiro termo de (7.22) para IC e o primeiro termo


de (7.19) para IEp , com ∆ pE dado por (7.9), o fator de transporte da base,
definido por (7.1), fica
I csch(/Lp ) 
B= C = = sech . (7.26)
IEp coth(/Lp ) Lp

Com (7.25) e (7.26), pode-se obter o fator de transferência de corrente α


definido em (7.3)
  −1
IC  D nE Nd Lp 
α= = Bγ = cosh + senh . (7.27)
IE Lp Dp Na LnE Lp

Finalmente, usando (7.27) em (7.5) obtemos o fator de amplifica¸ cão β ,


  −1
IC α  DnE Nd Lp 
β= .
IB
=
1 α −  cosh +
Lp Dp Na LnE
senh
Lp
−1 (7.28)

Considerando que /Lp 


1, podemos obter uma expressão mais simples
para β com a utiliza¸cão das expans˜oes das fun¸cões hiperbólicas,
senh x x
1 2
cosh x  1 + x .
2
234 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

O fator de amplifica¸cão dado por (7.28) fica ent˜ao,


−1
2
β=
 +
DnE Nd 
 . (7.29)
2L2p Dp N a L nE

As expressões (7.26)-(7.29) permitem calcular todos os parˆ ametros do


transistor a partir das caracterı́sticas de sua construção com boa precis˜ao.

Exemplo 7.4: Calcule o fator de amplifica¸cão do transistor p-n-p de silı́cio com os mesmos
parâmetros do Exemplo 7.2.

Usando na Eq.(7.29) os parˆametros e as grandezas calculadas no Exemplo 7.2, vem,


1 1 35 5 1015 1
× × ×
= +
β 2 352
× 12, 5 1017 42
× ×
1 1 1
= + = 0, 00374 .
β 2450 300

Portanto, o fator de amplificação dado por (7.29) é,


1
β= = 267, 3 .
0, 00374

Podemos também calcular β diretamente, através da razão entre I C , calculado no Exemplo


7.2, e I B , calculado no Exemplo 7.3. O resultado é,
IC 0, 44094
β= = = 272, 2 .
IB 0, 00162

A diferença entre os dois valores decorre das aproximações feitas na dedu¸cão da Eq.(7.29) e
também dos arredondamentos numéricos.

7.3.4 ısticas I -V
Curvas Caracter´

As Eqs.(7.21) e (7.22) descrevem muito bem as correntes no transistor p-n-p.


Para entender qualitativamente o comportamento das correntes em função das
tensões de polarização, é melhor simplificar a notação e escrevê-las na forma,
IE = I Es eeVEB /kB T eeVCB /kB T
 
−1 −α I  I Cs

−1 (7.30)

IC = α N IEs eeVEB /kB T −1 −I Cs eeVCB /kB T −1 , (7.31)


   
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 235

onde

IEs ≡ e A LD p

p
pB
coth

Lp
+
e A DnE nE
Ln E
(7.32)

ICs ≡ e A LD p

p
pB
coth

Lp
+
e A DnC nC
Ln C
(7.33)

αN ≡ e AI DL p
Es
p

p
B
csch

Lp
(7.34)

αI ≡ e AI DL p
Cs
p
p
B
csch 
Lp
. (7.35)

As rela¸cões (7.30) e (7.31) foram obtidas srcinalmente por J.J. Ebers


e J.L. Moll e s˜ ao por isso chamadas equações de Ebers-Moll . Elas têm
validade bastante geral, mesmo que o transistor n˜ ao possa ser representado
pelo modelo unidime nsional simples da Fig.7.4. No caso geral os parˆametros
das equações não são dados pelas express˜oes (7.32)-(7.35), porém é possı́vel
mostrar que eles obedecem a rela¸cão
αN IEs = α I ICs , (7.36)

que também é satisfeita por (7.32)-(7.35). As equa¸


cões de Ebers-Moll mostram
que a corrente no emissor é dada por um termo caracterı́stico do diodo de sua
própria junção, superposto a outro termo proporcional à corrente de diodo na
junção do coletor. Analogamente, a corrente no coletor é a soma de dois ter-
mos, um propocional ao do diodo do emissor e outro do pr´ oprio coletor. Essas
equações mostram que o transitor pode ser caracterizado por apenas quatro
parâmetros, relacionados entre si pela expressão (7.36). Esses parˆametros não
são em geral fornecidos pelo fabricante, porém podem ser facilmente medi-
dos no laborat´orio. Veja na Eq.(7 .30) que se a jun¸cão coletor-base for curto-
circuitada, isto é V CB = 0, a medida de I E e I C em função de V EB fornece I Es
e αN IEs respectivamente. Analogamente, fazendo VEB = 0 pode-se medir ICs
e αI ICs e completar a caracteriza¸cão do transistor descrito pelas Eqs.(7.30) e
(7.31).

As curvas caracter´ ısticas I -V do transistor nada mais s˜ao que a repre-


sentação gr´afica das equa¸cões de Eber s-Moll. Como nas equa¸cões h´a duas
tensões, VEB e VCB , e duas correntes, IE e IC , é preciso selecionar algumas
grandezas e exprimi-las em fun¸cão de outras. Multiplicando (7.30) por αN e
subtraindo de (7.31) vem
236 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

IC = α N IE − (1 − α N αI ) I Cs (e eVCB /kB T − 1) .
Analogamente, multiplicando (7.31) por α I e subtraindo de (7.30) obtemos
IE = α I IC + (1 −α N αI ) I Es (e eVEB /kB T − 1) .
Estas equações podem ser escritas na forma,

IE = α I IC + IE0 (eeVEB /kB T − 1) , (7.37)

IC = α N IE IC0 (eeVCB /kB T 1) , (7.38)


onde
− −
IE0 = (1 −α α )I
N I Es ,
IC0 = (1 − α α ) I
N I Cs ,

são, respectivamente, as correntes de satura¸cão do emissor com a jun¸ cão do


coletor aberto ( IC = 0) e do coletor com a jun¸ cão do emissor aberta ( IE = 0).
A Eq.(7.38) permite fazer o gr´ afico de IC em função de VCB tendo IE como

parâmetro. Para I E = 0, se V CB < 0, a curva I C VCB é igual à de uma jun¸cão
polarizada reversamente, como na Fig.6.7. Para p equenos valores de VCB a
corrente atinge a satura¸cão com valor IC 
IC0 . Se IE = 0, podemos fazer 
uma curva I C VCB para cada valor de I E , resultando no conjunto de curvas


mostrado na Fig.7.7(a) . Note que para IE = 0 e VCB < 0, parte dos buracos
injetados na base pela corrente do emissor atinge a jun¸ cão do coletor e produz
uma contribuição adicional `a corrente de saturação reversa, IC IC0 + αN IE . 
Por esta razão, as v´arias curvas da Fig.7.7(a) se assemelham a de uma jun¸ cão
polarizada reversamente, deslocada de α N IE . As curvas da Fig.7.7(a) são úteis
quando o transistor é usado na configuração de base comum da Fig.7.3. Neste
caso, se a corrente de base é nula, a corrente de coletor é muito pequena.
Isto pode ser entendido pelo fato de que sendo IC = IE , como a jun¸cão do
coletor está polarizada reversamente, ambas as correntes devem ser pequenas.
À medida que I B aumenta, a diferença entre IE e I C cresce e, mesmo estando
a junção do coletor com polariza¸ cão reversa, o mecanismo de inje¸cão faz IC
aumentar. As curvas da Fig.7.7(b) mostram claramente o controle da corrente
IC feito pela pequena corrente I B .
Quando o transistor é usado na configuração de emissor comum, é mais
importante trabalhar com as curvas IC VCE , tendo a corrente de base IB

como parâmetro. A Fig.7.7(b) mostra curvas tı́picas para o transistor p-n-p
na configuração de emissor comum. As diversas curvas I -V são caracter´ısticas
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 237

Figura 7.7: Curvas caracterı́sticas de transistor p-n-p: a) curvas com IE como parâmetro
usadas na configuração de base comum; b) curvas com parâmetro I B para configuração de
emissor comum.

de cada tipo do transistor e são fornecidas pelo fabricante. Na verdade elas


variam um pouco de uma medida para outra, mesmo sendo do mesmo tipo,
de modo que as curvas dos fabricantes representam dados médios. Como elas
também variam com a temperatura, é comum encontrar as curvas para alguns
valores de temperatura.
Para concluir esta seção observamos que num transistor n-p-n os sentidos
das correntes e das tens˜oes são opostos aos do transistor p-n-p. As equações
para o transistor n -p-n têm a mesma forma de (7.30)-(7.35), com as letras p e
n trocadas, uma vez que os papéis dos elétrons e dos buracos são trocados.

7.4 Aplicações de Transistores

Os transistores bipolares de junção têm inúmeras aplicações em circuitos


eletrônicos, sendo as mais comuns a amplificação e o chaveamento. A
Fig.7.8 mostra os sı́mbolos dos transistores n-p-n e p-n-p utilizados em cir-
cuitos, e uma vista externa tı́pica de um transistor de baixa potência encapsu-
lado. Nos sı́mbolos de circuito a única diferença entre os tipos n -p-n e p -n-p é
238 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 7.8: a) Sı́mbolos dos transistores n-p-n e p-n-p utilizados em circuitos. b) Vista
externa de transistor de baixa potência encapsulado.

a seta no terminal do emissor, indicando o sentido direto da corrente. No tran-


sistor encapsulado não existe qualquer diferença externa entre os dois tipos. É
preciso consultar os dados do fabricante para se saber qual o seu tipo.

Para operar em uma região conveniente de sua caracterı́stica I -V , o tran-


sistor precisa ter suas junções polarizadas adequadamente. A Fig.7.9(a) mostra
um transistor n-p-n na configura¸cão de emissor comum com um circuito sim-
ples de polarização. Note que as tens˜oes aplicadas `as junções do emissor e do
coletor têm os sentidos opostos aos do transistor p-n-p. Como a res posta do
transistor é altamente não linear, é preciso usar métodos gráficos para deter-
minar o chamado ponto de opera¸cão, cujas coordenadas s˜ao as correntes
e tensões no regime dc. Como a resistência da junção do emissor é muito
pequena, a corrente de base é simplesmente IB 
EB /RB . Para calcular a
corrente de coletor, utilizamos a curva correspondente ao valor calculado da
corrente I B nas caracter´ısticas I -V de emissor comum, como as da Fig.7.7(b).
A equação da malha do coletor é

EC = RC IC + VCE (IC , IB ) . (7.39)


Esta equação é representada no plano IC VCE por uma reta, chamada reta de
carga. Para determinar sua posi¸cão basta obter os pontos de interse¸cão com
os eixos I C e VCE . É fácil ver na Eq.(7.39) que eles são dados por IC = E C /RC
e VCE = E C , como mostrado na Fig.7.9(b). O ponto de interse¸ cão da reta de

carga com a curva I C VCE do transistor, o ponto P da Fig.7.9(a), é a solução
da Eq.(7.39) e portanto o ponto de opera¸ cão do circuito. Dependendo da
região na caracter´ ıstica I -V onde o ponto est´a situado, assim como da forma e
amplitude do sinal v s de entrada, o transistor pode exercer diferentes funções.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 239

Figura 7.9: a) Circuito amplificador simples com transistor n-p-n na configuração de emissor
comum. b) Ilustra¸cão do método gráfico para determinação do ponto de opera¸cão.

Para atuar como um bom amplificador é preciso que o ponto de


operação esteja na região ativa das curvas caracterı́sticas, mostrada na
Fig.7.7(b). Nesta região, uma variação IB na pequena corrente de base, pro-

duzida por um sinal ac aplicado ao circuito através do capacitor na Fig.7.9(a),
produz uma variação IC na corrente do coletor. Desde que a corrente de base

não se aproxime das regiões de saturação ou de corte, mostrad as na Fig.7.7(b),
a variação na corrente de coletor é proporcional a da corrente de base, estando
relacionadas pelo ganho de corrente, IE / IB    β . Vemos então que a
posição do ponto de opera¸cão é essencial para o bom funcionamento do tran-
sistor. Por esta razão, costuma-se utilizar um circuito de polariza¸cão mais
complexo que o da Fig.7.9, no qual uma malha de realimenta¸ cão serve para
estabilizar o ponto de opera¸cão.

Outra aplica¸cão importante de transistores é em circuitos de chavea-


mento. A Fig.7.10 mostra um desses circuitos com um transistor p-n-p na
configuração de emissor comum, com um esquema simples de polariza¸ cão. No
circuito de chaveamento o transistor é geralmente controlado para operar em
dois estados de condu¸cão, um estado on e outro off. No estado on ele deve
comportar-se como uma chave fechada, que deixa passar uma corrente, com
resistência muito baixa, enquanto no estado off ele se comporta como uma
chave aberta. Este controle é feito na corrente de coletor, por meio de uma
corrente de base muito menor. Os dois estados do transistor podem ser al-
cançados na configura¸cão de emissor comum, como pode ser visto nas curvas
da Fig.7.7(b). A reta de carga para o circuito da Fig.7.10 é obtida do mesmo
modo que na Fig.7.9. Entretanto, como n˜ao existe a bateria E B , a corrente de
240 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

base na ausência do sinal de entrada vs e´ nula. Nesta situação a corrente de


coletor é muito pequena e o transistor está cortado, ou no estado off . Quando
o sinal vs mostrado na Fig.7.10 é aplicado, o circuito opera com a corrente de
base variando entre dois valores, um que corta a corrente do coletor e outro que
leva o transistor `a saturação. A regi˜ao de corte, mostrada na Fig.7.7(b), é al-
cançada quando a corrente de base é nula ou negativa. Por outro lado, a região
de saturação é atingida quando a corrente de base é positiva e suficientemente
grande. Nesta situação a corrente de coletor é grande e o transistor est´a no
estado on. Desta forma, um sinal de pequena potência como vs controla o tran-

sistorchave
Esta fazendo-o
podeoperar como
controlar umauma chave de
corrente quecoletor
ora está aberta,
muito oraque
maior est´aa corrente
fechada.
de base, desempenhando um papel semelhante ao de um relé eletromecânico,
porém com inúmeras vantagens. Como o relé tem partes móveis e usa con-
tatos mecânicos, ele é muito mais lento e tem durabilidade muito menor que
o transistor.

Numa chave ideal a passagem do estado off para on, ou vice-versa, deve


ser feita instantaneamente. É evidente que isto n˜ao ocorre no transistor real.
Existe um tempo de transiente finito, devido ao fato de que na passagem do
estado de saturação para o estado de corte, ou vice-versa, o corre a remo¸cão ou
introdução de carga distribuı́da na base. Isto não pode ser feito instantanea-
mente, pois corresponderia a uma corrente infinita. Os tempos de decaimento e
de crescimento da carga na base são devidos essencialmente aos mesmos efeitos
mencionados no caso do diodo de jun¸cão.

O transistor de chaveamento é utilizado em inúmeras aplicações de cir-


cuitos digitais, uma vez que seus dois estados correspondem aos bits 0 e 1 do
sistema binário.

Figura 7.10: Circuito simples de chaveamento usando transistor p-n-p na configura¸cão de


emissor comum.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 241

7.5 Transistores de Efeito de Campo

Os transistores de efeito de campo, abreviadamente TEC ou FET (de Field


Effect Transistor), constituem uma famı́lia de transistores de grande im-
portância tecnológica. Do mesmo modo que os transistores bipolares, os FETs
são dispositivos de três terminais amplamente utilizados para amplificação
e chaveamento. Entretanto, do ponto de vista do circuito, h´a uma grande
diferença entre os dois tipos de transistores. Enquanto nos bipola res o sinal
de saı́da é controlado por uma corrente de entrada, nos FETs ele é controlado
por uma tensão de entrada .

Os mecanismos de opera¸cão dos transistores de efeito de campo s˜ao bas-


tante diferentes dos que ocorrem nos transistores bipolares, estudados na seção
anterior. Enquanto nos transistores bipolares o controle do sinal de saı́da é feito
através dos portadores minoritários em movimento de difusão na base, nos
FETs o controle é feito sobre os portadores majoritários em movimento de
deriva. Estes portadores movem-se de um terminal chamado fonte para outro
chamado dreno, através de uma região uniforme do semicondutor, o canal.
O controle do movimento dos portadores no canal é feito por um campo criado
pela tensão aplicada entre um terceiro terminal, chamado porta, e a fonte.
Esta é a razão do nome efeito de campo.

Há três tipos principais de transistores de efeito de campo: o de junção,


o de metal-semicondutor e o de porta isolada . No de jun¸cão, abreviado
por TECJ em português, ou JFET, em inglês, a tensão aplicada à porta varia
a espessura da regi˜ao de deple¸cão de uma jun¸cão p-n reversamente polari-
zada. No transistor de efeito de campo metal-semicondutor, abreviado por
TECMS, ou MESFET em inglês, a porta é formada por uma junção metal-
semicondutor. A operação do MESFET é muito semelhante a do JFET, porém
ele tem resposta mais r´apida, e por isto é muito empregado em aplicações de
altas freqüências.

Nos transistores de efeito de campo com porta isolada, como o nome


diz, o terminal met´alico da porta é isolado do semicondutor por uma camada
isolante. No caso mais comum este isolante é um óxido do pr´oprio semicon-
dutor, como o SiO 2 no caso do silı́cio. Neste caso o transistor é chamado
de metal-óxido-semicondutor, sendo abreviado por TEC-MOS ou MOSFET
(do inglês, Metal-Oxide-Semiconductor-FET). Ambos os tipos s˜ao caracteri-
zados por uma alta impedˆancia de entrada, uma vez que a tensão de controle
é aplicada à junção polarizada reversamente, ou através de um isolante. Os
242 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

MOSFETs têm enorme aplicação em circuitos digitais integrados e constituem


dispositivos fundamentais na tecnologia de computadores.

7.5.1 O Transistor de Efeito de Campo de Jun¸cão

No transistor de efeito de campo de junção, que ser´a referido aqui por sua
abreviatura em inglês, JFET, uma tensão variável aplicada `a porta controla
a se¸cão reta efetiva de um canal semicondutor, por onde fluem portadores
majoritários. A Fig.7.11(a) mostra um corte da pastilha de semicon dutor de+
um JFET de canal n, no qual aparecem as regi˜ oes tipo n do canal e tipo p
das portas, bem como os contatos met´alicos da fonte (F), porta (P) e dreno
(D). Note que há duas regiões p + das portas, uma superior e outra inferior, que
são interligadas eletricamente. Devido a sua simetria, a estrutura com duas
portas é mais simples de ser analisada. Entretanto, é comum também fabricar
o JFET com apenas uma porta . O JFET de cana l p é inteiramente análogo
ao de canal n , tendo as regi˜oes p e n trocadas em rela¸cão às da Fig.7.11(a).

Em comparação com a do transistor bipolar, a opera¸cão do JFET é


muito simpl es. Vamos considerar o caso de um JFET de canal n, mostrado
na Fig .7.11. A diferença de potencial VD entre dreno e fonte produz uma
corrente ID no canal, formada predominantemente por elétrons. Os elétrons
se movem por deriva da fonte para o dreno, enquanto o sentido convencional
da corrente é o oposto. O valor desta corrente é determinado pela tensão VD

Figura 7.11: Transistor de efeito de campo de jun¸cão de canal n: a) estrutura planar


mostrando as diversas regiões e os terminais da fonte (F), porta (P) e dreno (D); b) modelo
simétrico para a região do canal.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 243

e também pela resistência do canal, que por sua vez depende da concentra¸ cão
de impurezas, do comprimento e da ´area efetiva da se¸cão reta do canal. Esta
área pode ser controlada pelo tamanho das regi˜ oes de deple¸cão das jun¸cões
p+ -n entre as portas e o canal, uma vez que nestas n˜ ao existem elétrons de
condução. Como a espessura da regi˜ao de deple¸cão depende da tens˜ao reversa
na jun¸cão, a corrente de dreno ID varia com a tens˜ao VP entre a porta e a
fonte. Desta forma a varia¸cão da corrente I D é controlada pela tensão V P .

7.5.2 Caracterı́stica do Transistor JFET


Para calcular a caracterı́stica I -V do JFET, vamos considerar o modelo
simétrico mostrado na Fig.7.11(b) para a região do canal. O canal tem compri-
mento L, profundidade D (perpendicular ao plano da figura) e altura efetiva
h(x), uma vez que n˜ao há elétrons nas regiões de deple¸cão das duas jun¸cões

canal-porta. Esta altura efetiva é dada por h = 2(a ), sendo que a espes-
sura  da região de depleção depende da tens˜ao reversa na junção. Esta tens˜ao
varia com x pois a corrente ID do dreno para a fonte produz uma queda de
potencial ao longo do canal. Por conseguinte  e h também variam com x, de
modo que a ´area da se¸cão reta efeti va varia ao longo do canal. Isto faz com
que a resistência do canal não seja dada simplesmente pela express˜ao usual,
ρL/A. No entanto, a dependência da corrente I D com as tensões V D e VP pode
ser calculada a partir de conceitos e rela¸cões simples.

A densidade de corrente no canal, dada pelas Eqs.(5.45) e (5.48), pode


ser escrita na forma:
dφ(x)
J (x) = σ (x) = enµn (x) =
E E −enµ n , (7.40)
dx

onde φ (x) é o potencial elétrico no ponto de coordenada x do canal, em relação


à fonte ( x = 0). A intensidade de corrente ID no canal é dada pelo produto
de J pela área efetiva,
ID = 2[a − (x)] D J (x) , (7.41)

onde  (x) é a espessura das regiões de depleção das junções p + n na seção de



abcissa x . Considerando que em x a tensão reversa é V (x), supondo N a Nd
e potencial de contato desprezı́vel, (x) é dado por (Eq.(6.18) e Problema 6.4)
  1/2
2
(x)  e Nd
V (x) , (7.42)
244 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

onde a tensão reversa na jun¸cão V (x) é dada pela diferença de potencial entre
um ponto de abcissa x no canal e a porta, ou seja V (x) = φ (x) VP . Substi- −
tuindo (7.40) e (7.42) em (7.41), utilizando esta rela¸ cão para V (x) e fazendo
n Nd , obtemos:

  2
 1/2

ID  −2 eN µ D a −
d n
eNd
(φ −V P)
dx
.

Podemos agora separar as vari´aveis φ e x e fazer as integrais nos dois lados


entre x = 0 e x = L . Como o potencial nas extremidades do canal é φ (0) = 0
e φ(L) = VD temos,
 L
ID dx = −2eN µ D
  −
VD
a
2
(φ −V

1/2
dφ .
d n P)
0 0 eNd

A integral do lado esquerdo é trivial pois a intensidade de corrente ID não


varia com x . A integral em φ tamb´em é simples de ser efetuada, levando a:
    1/2

ID = − 2eN Lµ Dad n
VD − 23 2
eNd a2
(VD −V P)
3/2
− (−V P)
3/2
.
(7.43)

Esta expressão pode ser simplificada utilizando-se as seguintes considera¸ cões.


O fator multiplicativo que aparece `a esquerda do colchete é o inverso da re-
sistência do canal, sem as regiões de deple¸cão, que é chamada condutância,
1 σ 2 Da 2eNd µnDa
G0 = = = . (7.44)
R L L
Note que como V (x) aumenta com x, a altura efetiva do canal, h = 2(a ), −
diminui com x em virtude da Eq.(7.42), como mostrado na Fig.7.12. Existe
então um valor crı́tico de V (x) para o qual  = a , fazendo com que o canal seja
obstruı́do. Isto ocorre inicialmente no ponto x = L, no qual V e´ máximo. O
valor cr´ıtico de V , também chamado de constrição do canal, é dado por (7.42)
com  = a,
eNd a2
Vc = . (7.45)
2

Substituindo as definições (7.44) e (7.45) em (7.43), e observando que o


sinal negativo de (7.43) é devido ao fato de que a corrente tem o sentido x, −
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 245

Figura 7.12: Varia¸cão da altura efetiva do canal para dois valores de tens˜ ao de dreno. Para
VD = V c + VP o canal sofre uma constri¸cão em x = L.

obtemos a expressão final para o m´odulo da corrente em fun¸cão das tensões:


 VD 2
− 
VP 3/2
2
 VD −V P

3/2
|I | = G V
D 0 c
Vc
+
3 Vc
− 3 Vc
. (7.46)

É preciso observar que esta expressão só vale se o canal estiver aberto em todos
os pontos, ou seja se V (x) < Vc . Como a tens˜ao reversa máxima na jun¸cão é

V (L) = VD VP , (7.46) só é v´alida para
VD −V ≤ V P c . (7.47)

Para tensões de dreno maiores que o valor dado por (7.47), a corrente
atinge uma satura¸cão, com valor igual ao obtido de (7.46) com V D VP = Vc . −
Observe também que normalmente a porta opera com tensão nula ou negativa
em relação a fonte, de modo que em todas as express˜oes acima VP 0.

Exemplo 7.5: Considere um JFET de Si com Nd = 5 1015 cm−3 , Na = 1019 cm−3 , a = 1 µm,
×
L = 15 µm e D = 1 mm. Calcule os parˆametros G0 e Vc e fa¸ca as curvas ID VD para diversos −
valores de V P .

Como Na Nd , a espessura da regi˜ao de deple¸cão pode ser calculada por (7.42 ). Então,
usando os dados da Tabela 5.2 e os parˆ ametros do transistor em (7.44), vem,
−19

G0 =
2 e Nd µ n D a
=
2 × 1, 6 × 10 × 5 × 1015 × 106 × 1350 × 10 4 × 10 3 × 10
− − −6

L 15 × 10 6 −

G0 = 1, 44 10−2 Ω−1
×
Com (7.45) obtemos,
e Nd a 2 1, 6 × 10 19 × 5 × 1015 × 106 × 10
− −12

Vc = =
2 2 × 11, 8 × 8, 85 × 10 12 −

Vc = 3, 8 V
246 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Como estes valores de G 0 e V c na Eq.(7.46) obtemos numericamente as curvas mostradas na


Figura 7.13.

Para entender o comportamento das curvas I -V da Fig.7.13, tomemos


inicialmente VP = 0. Nesta situa¸cão a corrente dada por (7.46) é:

3/2
VD VD
|I | = G V
D 0 c
Vc
− 23 Vc
. (7.48)
  
Observe que para tens˜oes de dreno baixas, isto é, VD 
Vc , o primeiro termo
em (7.48) domina o segundo, sendo ID | |
G0 VD . Esta é a região linear
da curva caracterı́stica com VP = 0 na Fig.7.13. A presen¸ca do termo com
potência 3/2 e sinal negativo em (7.48), faz com que a taxa de crescimento de
ID diminua com o aumento de VD . Fazendo a derivada de ID em relação a
| | | |
VD vem,
d ID | |
= G0 1 (VD /Vc )1/2 V =0 .
dVD
− P
 (7.49)

Vemos então que ID atinge o máximo ( dID /dV = 0) exatamente em V D = V c


| |
(para V P = 0). Neste valor de tens˜ao a corrente atinge a saturação, dada por
(7.48) com V D = Vc ,

Figura 7.13: Caracterı́sticas I -V de um transistor de efeito de campo de jun¸ cão, obtidas da


Eq.(7.46) com V c = 3, 8 V e G 0 = 1, 44 102 .
×
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 247

IDsat = G 0 Vc /3 . (7.50)

Para VD > Vc a corrente mantém este valor, que corresponde à situa¸cão do


canal quase totalmente obstruı́do. Isto ocorre porque, se a corrente diminuisse,
a queda de tens˜ao no canal também diminuiria e ele seria desobstru´ ıdo. Este
delicado equilı́brio mantém a corrente constante para VD > Vc , com valor igual
ao de satura¸cão (7.50).

Para tensões de porta VP não nulas e negativas o comportamento das


curvas ID fundamentais
diferenças − VD e´ qualitativamente o mesmo
s˜ao que a corrente do descrito
de satura¸ cão epara VP crı́tico
o valor = 0. As de

saturação na tensão V D diminuem com o aumento de VP . A linha tracejada
na Fig.7.13 indica o lugar geométrico dos pontos de saturação para V P = 0. 
Observe que os valores de tens˜ao e corrente mostrados na Fig. 7.13 são
tı́picos de um JFET. O transistor trabalha com tensões de dreno e de porta
da ordem de alguns volts e corrente de dreno na faixa de mAmp. As curvas
caracterı́sticas do transistor de efeito de campo se assemelham as do transistor
bipolar mostradas na Fig.7.7(b). A diferen¸ca fundamental é que enquanto no
bipolar o parˆametro de controle é a corrente de base, no JFET o controle é
feito pela tensão da porta. Ent˜ao, como a tens˜ao de porta no JFET é aplicada
numa junção polarizada reversamente, a corrente de entrada é muito pequena
comparada com a corrente de base no transistor bipolar. Num JFET tı́pico a
corrente na porta é da ordem de 10−9 a 10−12 A. Como a tens˜ao aplicada a
porta é de alguns volts, a impedância de entrada excede 10 8 Ω.

Os transistores de efeito de campo de jun¸ cão s˜ao utilizados para am-


plificação ou chaveamento, em circuitos semelhantes aqueles das Figs. 7.9 e
7.10, em aplica¸cões que requerem alta impedˆancia de entrada. Os sı́mbolos de

Figura 7.14: Sı́mbolos de circuito dos transistores de efeito de campo (JFET) de canal n e
de canal p.
248 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

circuito dos JFET de canal n e de canal p estão mostrados na Fig.7.14.

7.5.3 O Transistor de Efeito de Campo Metal-Semicondutor

O princı́pio de funcionamento do transistor de efeito de campo metal-


semicondutor, que passaremos a chamar de MESFET ( Metal Semiconductor
Field Effect Transistor), é basicamente o mesmo do JFET. Ele tem três ter-

minais,
fonte parafonte, porta através
o dreno e dreno.de Os
ump canal
ortadores de carga majorit´
semicondutor, tipo narios fluem
ou tipo p. daO
controle da corrente é feito p or meio de uma tensão aplicada `a porta, que
controla a espessura do canal e portanto sua resistência. A diferença para o
JFET é que no MESFET o terminal metálico da porta est´a em contato direto
com o semicondutor do canal, formando uma jun¸ cão Schottky, em vez de uma
junção p-n. Como na barreira de potencial Schottky n˜ao há participação de
portadores minoritários, a resposta na varia¸cão de espessura do canal devido
à variação na tensão da porta, é mais rápida do que nas jun¸cões p -n. Por isso,
o MESFET é utilizado em aplicações de altas freq¨uências. Como o GaAs tem
maior mobilidade de elétrons do que Si, ele é o semicondutor mais utilizado
na fabricação de MESFETs.

A Figura 7.15 mostra duas estruturas comuns de MESFET. Em ambas


o substrato é uma pastilha de alta resistividade, feita com GaAs o mais puro
possı́vel ou com pequena dopagem com Cr. Como o gap de GaAs é grande,

Figura 7.15: Estruturas de MESFET: a) Estrutura simples, com terminais met´alicos da


fonte, porta e dreno, depositados diretamente sobre a camada epitaxial que forma o canal;
b) Estrutura na qual as regi˜oes da fonte, canal e dreno s˜ao formadas por implantação iônica
de impurezas tipo n.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 249

o nı́vel de Fermi no meio do gap que ocorre no semicondutor intrı́nseco ou


com dopagem de Cr, resulta em resistividades da ordem de 10 8 Ωcm. Como
este valor de resistividade torna o material quase isolante, ele é chamado de
semi-isolante. O canal é formado por uma camad a de GaAs dopado, com
espessura da ordem de 0,1 µm. Como a mobibilidade de elétrons em GaAs
é 22 vezes maior que a de buracos (veja Tabela 5.2), utiliza-se dopagem com
impurezas doadoras para formar um canal n nos MESFETs para aplica¸cões
em altas freqüências. Concentrações de impurezas do grupo VI, como Se, da
ordem de 10 17 cm−3 , resultam em condutividades adequadas ao canal n, no

qual os elétrons
através fluemsucessivos
de processos da fonte para o dreno. A estrutura dos contatos é feita
de fotolitografia.

A estrutura mostrada na Figura 7.15(a) é bastante simples, formada ape-


nas por uma fina camada de n -GaAs crescido epitaxialmente sobre o substrato
e três contatos metálicos. O contato da porta é feito de A ou ligas de Ti, W
ou Au, que s˜ao adequados para formar uma barreira Sc hottky em GaAs. Os
contatos da fonte e do dreno devem ser ˆohmicos, por isso s˜ao feitos com outro
metal, em geral uma lig a de Ge e Au. Como a fabrica¸cão desta estrutura
não requer o uso de processos de difus˜ ao, ela pode ser feita com dimens˜ oes
pequenas e muito precisas. Pode-se então fazer canais de comprimentos in-
feriores a 1 µm, o que possibilita minimizar o tempo de deslocamento dos
elétrons e a capacitância da porta, requisitos importantes para aplica¸ cões em
altas freqüências. Na estrutura da Figura 7.15(b), os contatos ˆohmicos da
fonte e do dreno s˜ao feitos por meio de duas regi˜oes n + com concentrações de
impurezas da ordem de 10 18 cm−3 . Devido aos requ isitos de precisão e boa
definição das fronteiras entre as diversas regi˜oes, as dopagens que formam a
fonte, o canal e o dreno s˜ ao feitas por meio de implanta¸cão iônica. Este tipo
de estrutura faz com que haja um ´otimo isolamento elétrico entre transistores
vizinhos, fabricados numa mesma pastilha para formar um circuito integrado,
por conta da natureza semi-isolante do substrato. Este n˜ao é o caso da es-
trutura da Figura 7.15(a), pois a camada epitaxial tipo n sobre o substrato
estabelece um contato direto entre transistores vizinhos. Para isolar o transis-
tor de elementos vizinhos, ele é circundado por uma vala com cerca de 0,2 µ m
de profundidade, que atinge o substrato semi-isolante. A vala é produzida por
um processo de corrosão numa linha definida por meio de fotolitografia.

Como mencionado no inı́cio da seção, o funcionamento do MESFET é


basicamente o mesmo do JFET. A junç˜ ao Schottky formada entre o terminal da
porta e o canal n é polarizada inversamente, o que faz com que a impedância de
entrada do transistor seja muito alta. A tens˜ao aplicada entre porta e a fonte
determina a espessura da regi˜ao de deple¸cão, que é dada aproximadamente
250 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

pela mesma express˜ao (7.42) v´alida para o JFET. Como o potencial varia ao
longo do canal, a espessura da regi˜ao de depleção também varia, formando a
região triangular indicada pela ´area branca nas estruturas da Figura 7.15. O
cálculo da corrente no canal é feito exatamente como para o JFET, de modo
que a rela¸cão entre a corrente do dreno ID e as tens˜oes VP e VD da porta
e do dreno, é dada pela Equação (7.46). Assim, as curvas caracterı́sticas do
MESFET têm a mesma forma das curvas do JFET, mostradas na Figura 7.13.

Os MESFETs de GaAs podem ser fabricados em circuitos integrados


para processar sinais anal´ogicos ou digitais em altas freq¨uências, alcançando
a faixa de microondas. Atualmente eles têm grande aplicação em telefonia
móvel, empregando freqüências de alguns GHz. Os MESFETs são usados para
fazer osciladores e amplificadores de micro-ondas, que constituem elementos
fundamentais dos circuitos dos telefones celulares e telefones sem fio de alta
freqüência.

A necessidade de aumentar a freq¨uência de geração e a banda de pas-


sagem nos sistemas de comunicações tem estimulado o desenvolvimento de no-
vas estruturas de MESFET. A opera¸cão em freq¨uências mais elevadas requer
a diminuição do tempo de trˆansito dos elétrons e portanto menores dimensões
fı́sicas do canal. Para manter a condutância do canal é preciso então aumen-
tar sua condutividade. Isto pode ser feito até certo ponto com o aumento
da concentração de impurezas no canal. Entretanto, concentrações excessivas
aumentam o espalhamento dos elétrons e comprometem a mobilidade. Uma
forma engenhosa para aumentar a concentra¸cão de elétrons sem aumentar a
concentração de impurezas doadoras ´e fazer o canal com duas camadas, uma
de n -(GaA)As e outra de GaAs puro, esta crescida diretamente sobre o subs-
trato. Isto resulta em uma heterojun¸cão com estrutura de bandas semelhante
à da Figura 6.11. A composi¸cão da liga de n-(GaA)As é feita de tal modo que
o nı́vel de Fermi está acima do mı́nimo do poço formado na descontinuidade
da banda de condu¸cão (na Fig.6.11 ele est´a um pouco abaixo). O resultado
é que uma parte dos elétrons da camada de n-(GaA)As salta para a camada
de GaAs, ficando aprisionados na interface. Energeticamente o que o corre é
que os elétrons ocupam os estados de energia abaixo do nı́vel de Fermi, ficando
aprisionados no po¸co de potencial. Como a camada de GaAs ´e pura, o espa-
lhamento dos elétrons é pequeno, resultando num canal de alta mobilidade.
O transistor MESFET feito com esta estrutura é chamado de HEMT ( High
Electron Mobility Transistor). Ele é muito empregado em telefonia m´ovel
utilizando a faixa de microondas, podendo alcan¸ car freqüências em torno de
10 GHz.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 251

7.6 O Transistor MOSFET

Um outro tipo de transistor de efeito de campo, de importˆ ancia tecnológica


muito maior que o de junção, é o de porta isolada. Neste transistor o controle
da corrente no canal é feito p or meio do campo num capacitor, formado pelo
contato metálico da porta e pelo semicondutor do canal, separados por uma
camada de isolante. No caso mais comum o isolante é o óxido de sil´ıcio, SiO2 ,
o que dá o nome em inglês Metal-Oxide-Semiconductor FET. Vamos aqui nos
referir a este tipo de transistor por sua sigla em inglês, MOSFET.

A Fig.7.16 mostra a estrutura planar de um MOSFET de canal n . Ele é


formado por duas regi˜oes tipo n + difundidas (ou implantadas) num substrato
tipo p , sendo uma para a fonte (F) e outra para o dreno (D). A fonte e o dreno
são ligados ao circuito através de contatos de alumı́nio. O canal de condução
entre a fonte e o dreno é induzido no substrato por uma tens˜
ao aplicada à porta,
cujo contato é isolado do semicondutor por uma camada de óxido, através do
fenômeno de inversão que será explicado mais tarde.

Se uma tensão for aplicada entre dreno e fonte, em qualquer sentido, uma
das duas jun¸cões p-n estará polarizada diretamente, enquanto a outra ficar´ a
polarizada reversamente. Neste caso, se não houver tensão na porta n˜ao haverá
canal e, portanto, a corrente entre fonte e dreno será desprezı́vel devido à pre-
sença da junção reversa. Quando uma tens˜ao positiva é aplicada à porta, uma
camada de cargas negativas é induzida no semicondutor, em frente ao contato
metálico da porta. Esta camada de cargas proporciona um canal de condu¸ cão
entre fonte e dreno, resultando numa corrente que varia com a amplitude da
tensão da porta. Para compreender o mecanismo de aparecimento do canal
de condução é necessário analisar o comportamento das cargas no capacitor
formado pelo conjunto metal-óxido-semicondutor, chamado capacitor MOS,
o que faremos a seguir.

Figura 7.16: Estrutura planar de MOSFET de canal n.


252 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

7.6.1 O Capacitor MOS

A Fig.7.17 mostra os diagramas de energia nas três regiões de um capacitor


MOS com semicondutor tipo p , para diversos valores da diferença de potencial
V aplicada entre o metal e o semicondutor. Em (a) vemos a situa¸cão de
equil´ıbrio com V = 0, na qual os nı́veis de Fermi do metal e do semicondutor
são iguais. Na figura est˜ao mostradas as fun¸cões trabalho eφ m e eφ s do metal e
do semicondutor. Estando o metal e o semicondutor em contato com o isolante,
eφm e eφs são definidas em rela¸cão ao nı́vel da banda de condução do ´oxido
e não ao nı́vel do vácuo, como foi feito no caso da Fig.6. 8. Por esta raz˜ao,
essas grandezas também são chamadas fun¸cões trabalho modificadas para a
interface metal-óxido. Para simplificar a an´alise do efeito da tens˜ao aplicada,

Figura 7.17: Diagramas de energia no capacitor MOS para diversos valores da diferen¸ ca de
potencial V aplicada entre o metal e o semicondutor (tipo p).
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 253

consideramos na Fig.7.17 que φm = φs . No caso geral, o efeito de φm = φs 


pode ser facilmente incorporado ao resultado final.

Na Fig.7.17(b) vemos o efeito de uma tensão V < 0 aplicada entre o metal


e o semicondutor. Neste caso aparecem cargas negativas no metal e cargas po-
sitivas no semicondutor, como num capacitor comum. Estas cargas criam um
E
campo elétrico no sentido do semicondutor para o metal. Como no semicon-
dutor tipo p os portadores majorit´arios são buracos, o aparecimento de cargas
positivas corresponde à acumulação de buracos na interface semicondutor-
óxido. Esta acumulação de buracos é consistente com o comportamento das
energias, como veremos a seguir. Quando a tens˜ao é aplicada entre metal e
semicondutor, as energias dos elétrons no metal variam de eV em relaç˜ao

aos seus valores de equilı́brio. Portanto, sendo V < 0 as energias no metal
| |
sofrem um acréscimo de e V . Em conseqüência, a banda de condução do
óxido fica inclinada e o nı́vel de Fermi no metal EF m fica acima do nı́vel EF s
− | |
no semicondutor, sendo a diferen¸ca entre eles E F m EF s = e V . Isto resulta
numa curvatura para cima das energias da banda de valência E v , da banda de
condução Ec e do nı́vel de Fermi intrı́nseco Ei nas proximidades da interface,
como mostra a Fig.7.17(b). Por outro lado, como a camada de óxido é isolante,
a aplicação de uma tens˜ao externa não resulta em corrente no semicondutor.
Em conseqüência, o nı́vel de Fermi EF s não varia ao longo do semicondutor,
como ocorre nas jun¸cões p-n e metal-semicondutor. Desta forma, a energia
Ei se afasta do nı́vel EF s na interface. Sendo a concentração de buracos dada
pela Eq.(5.32),
p = n i e (Ei −EF s)/kB T , (7.51)


vemos que p cresce exponencialmente com a diferen¸ca Ei FF s . Assim, a
variação das energias mostradas na Fig.7.17(b) é consistente com a acumula¸
cão
de buracos no semicondutor na interface com o ´ oxido.

O comportamento das energias no caso de tens˜ oes positivas do metal


em relação ao semicondutor est´a ilustrado nas Figur as 7.17(c) e (d). Sendo
− eV < 0, as energias dos elétrons no metal decrescem em relação aos valores
de equilı́brio, de modo que as curvaturas de Ec , Ev e Ei próximo da interface
são opostas as do diag rama em (b). Neste caso Ei se aproxima de EF s na
interface, de modo que, pela Eq.(7.51), a concentração de buracos diminui nas
proximidades do óxido. Se V é menor que um certo valor crı́tico Vc , E i EF s

diminui em rela¸cão ao equilı́brio porém é ainda positivo em todos os pontos,
como no diagrama em (c). Neste caso a concentração p na interface é menor
que o valor de equilı́brio, o que deixa uma fração das impurezas aceitadoras
não compensadas. Portanto o semicondutor fica carregado negativamente en-
254 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

quanto o metal fica carregado positivamente, como esperado para V > 0. A


ausência de buracos nas proximidades da interface é um fenômeno análogo ao
que ocorre na regi˜ao de carga espacial, ou de deple¸cão, de uma jun¸cão p -n.

Se a tensão V ultrapassa um certo valor crı́tico V c , a energia E i na inter-


face cai abaixo do nı́vel E F s , como mostrado na Fig.7.17(d). Neste caso, como
se vê na Eq.(7.51), p < ni . Sendo p n = n2i (Eq.(5.30), vemos que n > ni , e por
conseguinte os elétrons passam a ser os portadores majoritários. Este é um
caso muito interessante no qual o semicondutor tipo p passa a comportar-se
como tipo n por ação de uma tensão aplicada e não por causa de uma dopagem.
Este fenômeno, chamado inversão constitui a chave para o aparecimento do
canal n no semicondutor tipo p do transistor MOSFET.

Para calcular a tens˜ao aplicada ao transistor MOSFET acima da qual


uma camada de inversão é produzida no semicondutor, é necessário em
primeiro lugar entender como se comporta a queda de potencial no ´ oxido e no
semicondutor. Para isto vamos, inicialmente, considerar um capacitor MOS
ideal no qual n˜ao há cargas de superfı́cie e as funções trabalho do metal e do
semicondutor são iguais, φ m = φ s . Posteriormente generalizaremos o resultado
para superf´ıcies reais.

Se uma tens˜ao V é aplicada entre o metal e o semicondutor, parte da


queda de potencial ocorre no isolante (Vi ) e parte ocorre no semicondutor (Vs ),
de modo que
V = V i + Vs . (7.52)

Esta tensão produz cargas Qm na superfı́cie do metal e Qs no semicondutor,


sendo Qm = Qs = Q, como num capacitor. Se V > 0, evidentemente teremos

Q > 0. A queda de potencial no isolante é relacionada com a carga através da
capacitância obtida como se ele estivesse entre duas placas met´ alicas,
Q
Vi = , (7.53)
Ci

sendo C i =  i A/d, onde  i é a permissividade do isolante, d sua espessura e A


a área. Para relacionar a queda de potencial no semicondutor com a carga, é
preciso resolver o problema da carga distribuı́da. Como o problema completo é
muito difı́cil, vamos usar uma aproximação para a distribui¸cão de carga, como
foi feito para a jun¸cão p-n na Se¸cão 6.1.3. Ela consiste em supor que toda a
carga no semicondutor est´a contida numa camada de espessura , com uma
densidade uniforme, como ilustrado na Fig.7.18. Na aproxima¸ cão de depleção
total consideramos que todas impurezas aceitadoras na camada de espessura 
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 255

estão ionizadas, de modo que a carga no semicondutor é Qs = Q = eNa A. − −


Nesta situação, a equação da lei de Gauss pode ser facilmente integrada para se
obter o campo elétrico e a partir dele a variação do potencial. A rela¸cão entre
a espessura da regi˜ao de depleção e a queda de potencial Vs no semicondutor
é igual a Eq.(6.18) com V 0 substitu´ıdo por V s e sem o termo em Nd ,
  1/2
2 s V s
= , (7.54)
eNa

onde s é a permissividade do semicondutor. Observe que este resultado foi


obtido na suposi¸cão de que a tens˜ao V aplicada é suficiente para produzir
depleção total na camada de espessura , mas sem invers˜ao. As Eqs.(7.52)-
(7.54) permitem calcular  em fun¸cão de V , desde que V seja menor que o
valor cr´ıtico V c para produzir inversão. Usando (7.54) e Q = eN a A em (7.53)
e substituindo Vs e V i em (7.52), obtemos
eNa d eN a 2
V = +  . (7.55)
i 2s

Este resultado mostra que a espessura da camada de deple¸ cão  cresce com

Figura 7.18: Distribuição de carga num capacitor MOS ideal com semicondutor tipo p (canal
n), na aproximação de depleção. A linha tracejada indica a carga criada pela inversão quando
V > V c.
256 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

o aumento da tens˜ao V no capacitor. Na verdade isto s´o ocorre enquanto V


for menor que Vc . Quando V atinge Vc , a inversão produz uma camada fina
de carga na interface com o ´oxido, mostrada na Fig.7.18 pela linha tracejada.
Qualquer aumento adicional de V acima deste valor resulta em crescimento da
carga de inversão e não em aumento da camada de depleção. A partir de (7.55)
podemos obter a capacitˆancia total do capacitor MOS. Colocando a carga
Q = eNa A em evidência naquela equação e usando a defini¸cão C = dQ/dV
vem:
A
C= . (7.56)
d/ + /
i s

Esta expressão também pode ser obtida pela associação em série dos capaci-
tores formados pelo isolante ( Ci ) e p elo semicondutor. Como a espessura 
aumenta com V , a capacitˆancia C diminui com o aumento de V na regi˜ao
0 V
≤ ≤ Vc . Para V ≥ Vc o valor de C estabiliza em C min , como mostrado na
Fig.7.19. Com tens˜oes negativas há uma acumula¸cão de buracos na superfı́cie
do semicondutor, de modo que  = 0 e C é devido ao capacitor formado
apenas pelo ´oxido dielétrico, C = Ci . Observe que quando a medida da ca-
pacitância é feita com freqüência muito baixa, tipicamente menor que 100 Hz,
a capacitância tende a aproximar-se do valor Ci , como mostrado pelas linhas
tracejadas da Fig.7.19 . O mecanismo responsável por este efeito é a geração
de portadores na regi˜ao de carga espacial. Quando a varia¸cão da tens˜ao é
muito lenta, a criação de pares elétron-buraco nesta região mascara a varia¸cão
da capacitância. Os buracos tendem a neutralizar as impurezas aceitadoras,

Figura 7.19: Variação da capacitância com a tens˜ao em capacitor MOS de canal n ideal. As
curvas tracejadas para V > V c são os resultados obtidos quando a medida de C é feita com
freqüências muito baixas (tipicamente menores que 100 Hz).
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 257

eliminando a regi˜ao de deple¸cão, enquanto os elétrons vão para a interface


semicondutor-óxido. Em conseqüência  →
0 e a capacitˆancia tende para o
valor C i .

7.6.2 A Tensão Crı́tica de Inversão

Para compreender o mecanismo de invers˜ao e o aparecimento do canal n no


semicondutor tipo p, vamos analisar em detalhe o diagrama de energia do
semicondutor quando a tens˜ao aplicada ao capacitor MOS é positiva. Como
mostrado na Fig.7.20, as bandas de condu¸cão e de valência, bem como o nı́vel
de Fermi intrı́nseco Ei , curvam para baixo nas proximidades da interface.
Sendo a energia do elétron relacionada ao potencial elétrico φ por E = eφ, −
o desvio da banda de condu¸ cão de seu valor de equilı́brio Ec é eφ. Como a
curvatura de E i acompanha a de Ec , o desvio de Ei em cada ponto y também é
eφ, o que pode ser visto na Fig.7.20. Vemos ent˜ao que a queda de potencial V s
no semicondutor, estabelecida pela tens˜ao aplicada V , corresponde ao desvio
de Ei na interface com o semicondutor, isto é, em y = 0. Vemos também na
Fig.7.20 que se Vs > φF , há uma pequena faixa de y em que Ei < EF s , onde
portanto a concentração de elétrons é maior que a de buracos. Entretanto não
basta ter Ei < EF s para haver um canal de condu¸cão significativo. O critério
utilizado para definir a condição de forte inversão é que a concentração n de
elétrons na superf´ıcie seja, no mı́nimo, t˜
ao grande quanto a concentra¸cão de

Figura 7.20: Diagrama de energia no semicondutor p próximo da interface do ´oxido em


capacitor MOS com tensão V > V c .
258 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

buracos no substrato, p  N . Pela Eq.(7.51) vemos que esta condi¸cão é


a

Na = ni e eφF /kB T , (7.57)

onde eφF é a diferença entre os nı́veis de Fermi Ei e EF s longe da interface.


Como n = n 2i /p, vemos na Fig.7.20 que para termos n = N a em y = 0 é preciso
que Vs = 2φF . Utilizando (7.57) podemos escrever a condição para a existência
de uma camada de inversão no semicondutor,
kB T Na
Vs V I = 2φF = 2 n . (7.58)
≥ s e ni
Substituindo este resultado em (7.54) obtemos a máxima espessura da camada
de depleção, que é atingida na condição de inversão,
   1/2  1/2
4 s φ F 4s kB T n(Na /ni )
max = = . (7.59)
eNa e2 Na

Esta é a situação na qual a carga na regi˜ao de depleção é m´


axima, sendo
seu módulo dado por
Qd = eN a maxA = 2(s eNa φF )1/2 A . (7.60)

Substituindo (7.53) e (7.58) em (7.52) obtemos a tens˜ ao crı́tica no capacitor


MOS para a cria¸cão da camada de invers˜ao,
Q
Vc = Cdi + 2φF , (7.61)

onde Qd é dado p or (7.60). Este resultado s´o vale para um capacitor MOS
ideal. Num capacitor real há dois efeitos que devem ser considerados no cálculo
de V c : as fun¸cões trabalho φ m e φs em geral s˜ao diferentes; existem cargas no
interior do ´oxido e na superfı́cie da interface semicondutor-óxido.

As fun¸cões trabalho modificadas para a interface metal-SiO 2 de alguns


metais utilizados em contatos metálicos estão apresentadas na Tabela 7.1. No
caso dos semicondutores, a função trabalho depende também da concentra¸ cão
de impurezas, porque varia com a posi¸cão no nı́vel de Fermi EF s . A Figura
7.21 mostra a diferença das funções trabalho modificadas, φ ms = φ m φs , para −
A com Si tipo p e tipo n, em fun¸cão da concentra¸cão de impur ezas. Como
se vê, neste caso φms é negativo independentemente do tipo de impureza. É
fácil ver que se φm < φs , o diagrama de energia em equilı́brio ( V = 0) é
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 259

Figura 7.21: Variação da diferen¸ca das fun¸cões trabalho φ m = φ m −φs na interface A -Si
em função da concentra¸cão de impurezas [Sze].

semelhante aquele da Fig.7.17(c), válido para φ m = φ s e V > 0. Isto significa


que, mesmo em equilı́brio, o metal fica carregado positivamente enquanto o
semicondutor fica com cargas negativ as. Assim, para tornar as bandas retas
como na Fig.7.17(a), seria preciso aplicar uma tensão negativa para compensar
a diferença das funções trabalho, com valor precisamente igual a φ ms .

Outro efeito importante nos capacitores MOS é a presença de cargas no


isolante e na interface semicondutor-óxido. As cargas no interior do isolante re-
sultam de contaminação no processo de fabricação, como ocorre freqüentemente
com ı́ons de Na+ . Essas cargas positivas criam um campo elétrico que altera a
distribuição de potencial no capacitor. As cargas na interface Si-SiO2 resultam
da existência de estados superficiais criados pela interrup¸cão da rede cristalina
na superfı́cie. No processo de oxidação do Si para a fabrica¸ cão da camada
de SiO 2 , átomos de Si s˜ao removidos da superf´ıcie e reagem com o oxigênio.
Quando o processo é interrompido, alguns ı́ons de Si permanecem próximos da
interface, formando uma camada superficial de cargas. O conjunto das cargas

Metal A  A
g Au Cu

(eV)
eφm 4,1 5,1 5,0 4,7

Tabela 7.1: Funções trabalho de metais modificadas para o isolante SiO 2 [Sze].
260 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

no óxido e na interface pode ser representado por uma carga efetiva Q ox . Essa
carga produz uma diferença de potencial adicional no capacitor V ox = Qox /Ci ,
onde Ci é a capacitância do isolante.

A tensão cr´
ıtica calculada anteriormente é v´alida para a situação na qual,
com V = 0, as bandas do semicondutor têm curvatura nula. Como a diferença
das fun¸cões trabalho φms e a presença da carga Qox resultam numa tens˜ao
efetiva positiva V ox φms , a tensão externa que deve ser aplicada ao capacitor

para produzir inversão é menor do que V c obtido para o caso ideal, Eq.(7.61).
Assim, o valor da tens˜ao cr´ ıtica no caso geral é
Qd Q ox
Vc =
Ci
+ 2φF + φms
Ci
. − (7.62)

Este resultado mostra que para obter uma tens˜ao crı́tica pequena é
necessário fazer a capacitância Ci maior possı́vel. Isto requer uma espessura
do óxido isolante muito pequena, em geral da ordem de 0 , 1 µ m.

Exemplo 7.6: Calcule a tensão crı́tica de inversão Vc para um MOSFET de A -SiO2 -pSi com
d = 0, 1 µm, N a = 1015 cm−3 , com carga no ´oxido por unidade de área Qox /A = 8 10−8 C/cm2 , ×
sabendo que a constante dielétrica do óxido é 3,9.

Usando o valor de n i da Tabela 5.2 para Si obtemos, com (7.58),


15
kB T Na
2φF = 2
e
n
ni
=2 × 0, 025 × n 1, 510× 1010 = 0, 56 V .

Usando (7.60) calculamos a carga por unidade de ´ area,


Qd
A
=2 × 11, 8 8, 85 10−12 1, 6 10−19 1015
× × × × × × 106 × 0, 28 1/2
−4
= 1, 37 × 10 C/m2 .

A capacitância por unidade de ´ area é determinada pela espessura do óxido e por sua constante
dielétrica. Para SiO2 i = 3, 90 , logo
−12
Ci i 3, 9 × 8, 85 × 10
= =
A d 10−7
−4
 3, 45 × 10 F/m2 .

Usando o valor φms = −0, 9 V da Fig.7.21 e substituindo os dados e parˆ ametros calculados em
(7.62) vem,
−4
1, 37 × 10 10 8 × 104

Vc =
3, 45 × 10 −4
− 0, 9 − 8 3,×45
+ 0, 56
× 10 4 −

= 0, 4 + 0, 56 − 0, 9 − 2, 3 = −2, 24 V .
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 261

Note que a inversão ocorre em baixos valores de tensão, que podem ser fornecidos p or peque-
nas baterias. Este fato é importante pois ele possibilita a operação de circuitos l´ogicos alimentados
por baterias em equipamentos port´ateis.

7.6.3 A Caracterı́stica I -V do Transistor MOSFET

Estamos agora em condições de entender o mecanismo de operação de um tran-


sistor MOSFET com a estrutura da Fig.7.16, assim como calcular a corrente de
dreno ID em função das tensões de dreno V D e de porta V P . Se uma diferen¸ca
de potencial VD positiva for aplicada entre dreno e fonte, a jun¸ cão p-n entre
substrato e dreno estará polarizada reversamente. Portanto só haverá corrente
do dreno para a fonte (elétrons vão da fonte para o dreno) se houver uma
camada de inversão em toda extens˜ao da interface semicondutor-´oxido. Esta
camada pode ser induzida por uma tens˜ao VP entre porta e fonte, maior que
um certo valor crı́tico VP c . Este valor é diferente de Vc da Eq.(7.62), porque
a tensão de dreno eleva o potencial do semicondutor em rela¸ cão ao metal da
porta. Devido `a presença da corrente ID , o potencial do semicondutor aumenta
gradualmente da fonte para o dreno.

Isto resulta numa variação da tensão crı́tica ao longo do capacitor e, por


conseguinte, numa diminuição gradual da espessura da camada de invers˜ ao
da fonte para o dreno, como ilustrad o na Fig.7.16. Assim, a tens˜ao de porta
m´ınima VP c para que haja um canal de condu¸ cão em toda extens˜ao do semi-
condutor é determinada pelo valor da tensão crı́tica na extremidade do dreno,

VP c = V c + VD . (7.63)

Para calcular a corrente I D criada pela tensão V D é preciso, inicialmente,


determinar a carga na camada de invers˜ ao. Para isto vamos considerar o
modelo da Fig.7.22 para a variação da camada entre fonte e dreno. O capacitor
MOS é dividido em capacitores elementares de largura dx, cujas ´areas s˜ao
dA = Ddx, sendo D a profundidade na dire¸cão perpendicular ao plano do
papel. Pela Eq.(7.53), a carga elementar em cada capacitor é dQ = V i (x) dC i ,
onde dC i = C i dx/L e Vi (x) é a queda de tensão no isolante no ponto de abcissa
x. Vi (x) é determinada pela tensão de porta V P , a tens˜ao efetiva V ox φms , a −
queda de potencial V s no semicondutor e a diferença de potencial φ (x) entre o
ponto x e a fonte ( x = 0). Na condi¸cão de inversão no ponto x , Vs = 2φF , de
262 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 7.22: Modelo para a varia¸cão da camada de invers˜ ao em transistor MOSFET de


canal n.

modo que a carga elementar no capacitor em dx é,


Ci
dQ = [VP + (Vox φms 2φF ) φ(x)] dx
− − − .
L

Note que na condi¸cão de inversão esta carga é igual àquela existente na região
de depleção, cujo valor na faixa dx é dQd = Q d dx/L. Qualquer acréscimo da
tensão resulta no aparecimento de uma carga negativa na camada de inversão,
cujo módulo é dQn = dQ dQd , uma vez que a carga na regi˜ ao de depleção

não aumenta além do valor dado por (7.60). Temos então
Ci Qd
dQn = [V + (Vox φms 2φF ) φ(x)] dx
− − − − dx .
L P L

Utilizando a Eq.(7.62) nesse resultado, podemos escrever


Ci
dQn =
L
− −
[VP Vc φ(x)] dx . (7.64)

Sob a a¸cão de uma tensão V D positiva, esta carga (negativa) move-se no


sentido fonte-dreno, produzindo uma corrente I D no sentido x. Sendo h a al-


tura do canal no ponto x, a densidade volumétrica de carga éρ = dQn /Dhdx.
A densidade de corrente que ela produz é J = ρµn , onde µn é a mobilidade
E
das cargas no canal e E −
= dφ/dx é o campo elétrico. A corrente de dreno é
então,
dQn dφ
ID = J D h = µ n . (7.65)
dx dx
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 263

Substituindo (7.64) em (7.65) e passando dx para o lado esquerdo, podemos


integrar os dois lados separadamente,
L VD
µn C i
 ID dx =
 (VP − V − φ)dφ .
c
0 L 0

Como ID não varia com x, a integral do lado esquerdo é simplesmente ID L.


Efetuando a integral do lado direito e utilizando a defini¸ cão de VP c em (7.63)
obtemos finalmente,
µn C i
ID =

(VP − V )V − 12 V
c D
2
D
 . (7.66)
L2

Note que µn é a mobilidade dos elétrons próximos da superf´ıcie, que em geral


é menor que o valor no interior do substrato tipo p. Na Eq.(7.66) é comum
utilizar a capacitˆancia por unidade de ´ area, ci = Ci /DL, no lugar de Ci .
Esta equação descreve bastante bem o comportamento da corrente de dreno,
principalmente para baixos valores de V D . Na verdade este resultado é apenas
aproximado porque desprezamos a variação de Q d com x . A Eq.(7.66) mostra
que para pequenos valores de VD , a corrente ID cresce linearmente com VD ,
desde que VP > Vc . Para valores maiores de V D , o termo em V D2 faz a taxa de
crescimento de ID diminuir. Observe que a derivada
dID µn C i
= (VP −V −Vc D) (7.67)
dVD L2

é nula em VD = VDs VP Vc . Neste valor de tens ão, que é exatamente o


≡ −
mesmo de (7.63), a corrente é máxima. Para tensões de dreno maiores que este
valor, o canal de condu¸cão é interrompido fazendo a corrente saturar, num
fenômeno semelhante ao que ocorre no JFET. A Fig.7.23 mostra curvas de I D
em função de VD para diversos valores de VP , obtidas da Eq.(7.66) para um
MOSFET canal n com Vc = 2 V, Ci /A = 3, 45 10−8 F/cm2 , L = 10 µm,
− ×
D = 300 µm e µn = 675 cm 2 /V.s (metade do valor no interior do substrato,
dado na Tabela 5.2). Esses valores d˜ao µ n Ci /L2 = µ n DCi /AL 0, 7 mA/V 2 . 
Na Fig.7.23 a linha tracejada indica os pontos VD ID onde a corrente satura.

Note que o valor da corrente de satura¸cão é obtido de (7.66) com VP Vc = −
VD = VDs ,
µ C 2
IDsat = n 2i VDs . (7.68)
2L

Este resultado mostra que a curva de satura¸cão é uma parábola.


264 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 7.23: Curvas caracterı́sticas de MOSFET de canal n.

7.6.4 Aplicações de Transistores MOSFET

Os transistores MOSFET têm uma variedade de aplicações em circuitos di-


gitais e s˜ao largamente utilizados em computadores. Os sı́mbolos de circuito
dos MOSFETs de canal n e de canal p estão mostrados na Fig.7.24. Observe
que eles têm
condutor um quarto
do substrato terminal,
forma diodoscorrespondente
de jun¸cão comaofonte
substrato.
e dreno,Como o semi-
ele deve ser
mantido num potencial que faz as jun¸ cões não conduzirem. Em geral ele é
ligado à fonte no MOSFET de canal n e ao dreno no de canal p .

No MOSFET que apresentamos em detalhe, o canal é induzido no subs-


trato através do mecanismo de invers˜ ao, produzido por uma tens˜ao de porta.
Se VP < VP c o canal est´a fechado e n˜ao h´a corrente de dreno. É possı́vel
também fazer um MOSFET dopando uma região n− entre fonte e dreno, de
modo que mesmo sem tensão na porta a corrente ID pode ser diferente de zero.
Neste tipo, uma polariza¸cão negativa na porta repele os elétrons do canal n e
reduz a corrente, como no n-JFET. O primeiro tipo, no qual o canal é induzido
e aumenta com a tens˜ao V P , é chamado de indução ou de aumento (channel
enhancement, em inglês). O segundo tipo, no qual o canal é deprimido com
a tensão, é chamado de depleção. É comum utilizar os sı́mbolos da Fig.7.24
para representar os dois tipos de MOSFETs.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 265

Figura 7.24: Sı́mbolos dos transistores MOSFET.

A principal caracter´ıstica dos MOSFETs é o isolamento elétrico da porta.


Sua impedˆancia de entrada é da ordem de 10 14 Ω, independentemente do
sentido da tensão na porta. Uma grande vantagem dos MOSFETs em rela¸ cão
aos JFETs está no seu processo de fabrica¸cão, que requer um n´umero reduzido
de etapas. Isto facilita a fabricação de um grande n´umero de transistores de
dimensões inferiores a 1 µ m, interconectados por meio de contatos de alum´ınio
na superfı́cie de cima, constituindo circuitos integrados de alta integração
(VLSI, Very Large Scale Integration).

Nos circuitos integrados digitais utilizando MOSFETs, é possı́vel reduzir


drasticamente o consumo de potência com o emprego de pares de transisto-
res interligados, sendo um de canal n e o outro de canal p. Esta tecnologia,
chamada de par complementar ou CMOS, possibilita a fabrica¸ cão de relógios,
calculadoras e computadores com dissipa¸cão de potência extremamente pe-
quena. A tı́tulo de exemplo do emprego de par complementar, mostramos
na Fig.7.25(a) um circuito inversor CMOS com MOSFETs de indu¸ cão. Os
dois transistores são ligados em série e submetidos a uma tensão +VDD . A
Fig.7.25(b) mostra as curvas ID -VD dos transistores T 1 (canal n) e T2 (canal
p), para dois valores das tensões de porta, 0 e + VDD para T 1 , e 0 e VDD para

T2 . Note que as curvas de T 2 são colocadas no mesmo gr´afico de T 1 porém
invertidas, de modo que a soma das duas tensões de dreno é VDD . Desta forma,
o ponto de opera¸cão do circuito é dado pela interse¸
cão das curvas de T 1 e T2 ,
pois V D1 + VD2 = +VDD e ID1 = I D2 .

O circuito da Fig.7.25(a) é um circuito lógico inversor do tipo NÃO.


Seu objetivo é dar na saı́da um sinal nulo (0) quando o sinal de entrada for
Ve = +VDD (bit 1), e saı́da + VDD (bit 1) quando a entrada for nula (bit 0).
Este funcionamento pode ser verificado no gráfico em (b). Se o sinal de entrada
é nulo, as tensões nas portas de T 1 e T2 (em relação às respectivas fontes) são,
respectivamente, VP 1 = 0 e VP 2 = VDD . Nesta situação T1 se encontra no

266 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

estado off e T2 no estado on. A interseção das duas curvas é o ponto 1 da


figura, sendo a tens˜ao de saı́da +VDD . Por outro lado, se a entrada é + VDD ,
T1 está on e T2 está off, sendo o sinal de saı́da, dado pelo ponto 0, VD 0. 
Note que nas duas situa¸cões a corrente no circuito é muito pequena. Este
fato permite construir circuitos CMOS com dissipa¸ cão de potência inferior a
10 nW.

As propriedades peculiares dos transistores e capacitores MOS também


são utilizadas para a constru¸ cão de v´arios tipos de dispositivos que trans-
ferem ou armazenam informação digital. Dentre os mais importantes est˜ao as
memórias de semicondutores e os dispositivos de acoplamento de carga,
ou CCD (do inglês Charge-Coupled-Device). Ele é formado por uma série
de capacitores MOS, um ao lado do outro, no mesmo substrato semicondutor.
Quando um pulso de tensão é aplicado num capacitor, com amplitude suficiente
para produzir inversão, ele cria um pacote de cargas que fica armazenado no
capacitor durante um certo tempo. A presença de um pacote de cargas num
capacitor representa o dı́gito binário 1, enquanto que a ausência representa 0.
O capacitor MOS é o elemento b´ asico das memórias de semicondutor. Um con-
junto de capacitores e transmissores MOS num circuito integrado, forma uma
memória que armazena as informa¸cões expressas em c´odigos binários. Atual-
mente há uma variedade de dispositivos de mem´oria de semicondutor, alguns

Figura 7.25: (a) Circuito inv ersor N ÃO com par complementar de MOSFETs. (b) Curvas
caracter´ısticas para determinação dos pontos de opera¸cão.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 267

dos quais serão apresentados na seção 7.8.2. Quando os capacitores estão inter-
conectados adequadamente, a aplicação de um pulso de tens˜ao num capacitor
vizinho, produz nele um po¸co de potencial, para o qual o pacote de cargas é
transferido através do semicondutor. Desta forma é poss´ıvel deslocar o dı́gito
1 ao longo da série de capacitores, formando um dispositivo CCD, utilizado
para fabricar registros de deslocamento para computadores e em sensores de
imagem, apresentados na seção 8.4.4.

7.7 Dispositivos de Controle de Potência: SCR e TRIAC


Nesta seção, vamos descrever qualitativamente a operação de dois dispositivos
da famı́lia dos tiristores. Os tiristores são dispositivos formados por v´ arias
junções p-n, que têm grande aplicação como chave para controlar altas cor-
rentes. O controle é feito eletronicamente, através de uma corrente relativa-
mente pequena aplicada a um dos terminais do dispositivo. Os dois principais
membros da famı́lia dos tiristores são o retificador controlado de silı́cio, ou
SCR ( Silicon Controlled Rectifier), e o triodo bidirecional para corrente al-
ternada, ou TRIAC. Ambos dispositivos s˜ao feitos de silı́cio monocristalino,
porque sendo um material de alta condutividade térmica, facilita o escoamento
do calor gerado pela corrente elétrica.

7.7.1 O Retificador Controlado de Silı́cio - SCR

O retificador controlado de silı́cio (SCR) é formado por um semicondutor com


quatro camadas de impurezas, constituindo uma estrutura p-n-p-n, mostrada
na Fig.7.26(a). O dispositivo tem dois terminais nas extremidades, por onde
circula a corrente principal a ser controlada, o anodo (A) na regi˜ ao p1 e o
catodo (C) na regi˜ao n2 . Um terceiro terminal na região p2 , chamado porta
(P), serve para a entrada da corrente de controle. A Fig.7.26(b) mostra o
modelo utilizado para representar as quatro regiões do dispositivo, que formam
três junções p-n: J1 , J2 e J3 .

Para compreender o mecanismo de operação do SCR, vamos analisar ini-


cialmente o que ocorre no dispositivo p -n-p-n sem a porta, também conhecido
como diodo Shockl ey. Se uma tensão externa positiva é aplicada entre anodo
e catodo, as jun¸cões J 1 e J3 ficam polarizadas diretamente, enquanto J2 recebe
polarização reversa. Em conseq¨uência, as resistências de J1 e J3 são pequenas,
enquanto a de J 2 e´ muito grande. Então toda tens˜ao externa aparece em J 2 , e
268 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 7.26: Retificador controlado de silı́cio-SCR: a) Seção reta da estrutura na forma de


um disco; b) Modelo para descrever o dispositivo p-n-p-n.

se ela é menor que o valor de ruptura, a corrente tem o valor de saturação re-
versa, que é muito pequeno. Este é o regime de bloqueio na polariza¸cão direta,
indicado na linha cheia da caracterı́stica I -V mostrada na Fig.7.27(a). Note
que se a tens˜ao externa é negativa, J1 e J3 ficam polarizadas reversamente, e
neste caso são elas que limitam a corrente ao valor de satura¸ cão, resultando
no regime de bloqueio reverso, indicado na curva I -V .

O fenˆomeno mais interessante do dispositivo p-n-p-n acontece quando


a tensão externa positiva aumenta e atinge o valor de ruptura da jun¸ cão J2 .
Nesta situação ocorre avalanche em J 2 e a corrente tende a aumentar rapida-

mente, não encontrando


diretamente. Na região presistência nas junções J 1 e J3 que estão polarizadas
1 esta corrente é formada por buracos movendo-se
no sentido anodo-catodo, enquanto em n 2 ela é formada por elétrons, indo do
catodo para o anodo. Uma vez iniciado o processo de condu¸cão, uma parte
dos buracos de p1 é injetada na região p2 através de n1 , como se as regi˜ oes
− −
p1 n1 p2 formassem um transistor. Da mesma forma, elétrons de n2 são
injetados em n 1 , como se n 2 p2 n1 formassem outro transistor. A corrente
− −
passa então a ser produzida pelo processo de inje¸cão de portadores, cessando
o processo de avalanche. Isto resulta numa r´apida diminui¸cão e até na in-
versão do sinal da tens˜ao em J 2 , de modo que a jun¸cão passa a ser polarizada
diretamente. No regime de condução direta, mostrado na Figura 7.27(a), a
corrente pode atingir valores elevados, sendo limitada apenas pela resistência
do circuito externo ou pelo valor de rompimento do dispositivo. Neste regime
as três junções ficam polarizadas diretamente. Como a queda de potencial na
junção J2 tem o sentido oposto ao das quedas em J 1 e J3 , a queda de tens˜ao
total no dispositivo corresponde a de apenas uma jun¸ cão, sendo da ordem de
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 269

0,7 V no caso do silı́cio.

É interessante observar que a curva I -V da Fig.7.27(a) é semelhante a de


um tubo de descarga de g´as. Para dar inı́cio ao processo de condução, é preciso
aumentar a tens˜ao externa até atingir o valor de disparo VD . Entretanto,
a introdução da porta no dispositivo p-n-p-n transforma-o num retificador
controlado, SCR. Nele é possı́vel passar diretamente do estado de bloqueio para
o de condução, p or meio de uma corrente relativamente pequena na porta. As
linhas tracejadas da Figura 7.27(a) mostram as curvas I -V do SCR para dois
valores de corrente de porta. O efeito da corrente entrando na porta é injetar
buracos na região p2 , que sendo a base do transistor n2 p2 n1 , provoca nele o
− −
inı́cio do processo de condução. Isto resulta na inje¸cão de elétrons de n2 em n1 ,
o que faz o transistor p 1 n1 p2 também conduzir. Este processo dispara o
− −
SCR, fazendo-o passar do regime de bloqueio para o de condução, sem que seja
necessário aumentar a tens˜ao externa até o valor de ruptura por avalanche. O
efeito da corrente na porta é justamente reduzir o valor da tensão de disparo,
como indicado na Fig.7.27(a). Uma vez disparado, o SCR mantém o processo
de condução, mesmo que a corrente de porta seja interrompida. Desta forma
o SCR pode ser disparado por um pulso de corrente na porta. Por outro lado,
um pulso negativo de corrente na porta pode cortar o dispositivo, fazendo-o
passar do estado de condu¸cão para o de bloqueio.

Figura 7.27: (a) Caracterı́stica I -V do SCR: a linha cheia vale para corrente de porta
nula; as duas linhas tracejadas correspondem a dois valores de corrente, sendo IP 2 > IP 1 .
(b) Sı́mbolo de circuito do SCR.
270 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

O sı́mbolo de circuito do SCR está mostrado na Fig.7.27(b). Ele é


utilizado em uma grande variedade de aplica¸cões em eletrˆonica industrial e
de controle, pois permite controlar a potência entregue a carga p or meio de
chaveamento com baixa potência.

7.7.2 O TRIAC

O triodo para
controle para corrente
correnteac
alternada, ou TRIAC,
. Ele é formado como
por um o nome diz,com
semicondutor é uma
seischave de
regiões
de impurezas, constituindo dois SCRs conectados em paralelo e em sentidos
opostos. A estrutura do TRIAC e seu sı́mbolo de circuito est˜ao mostrados
na Fig.7.28. Na estrutura da Figura (a) podemos identificar claramente dois
dispositivos em paralelo, um formado pelas regi˜oes p1 n1 p2 n2 e outro
− − −
formado pelas regi˜oes n4 p1 n1 p2 . Sem a porta , eles s˜ao equivalentes
− − −
a dois diodos Schockey em paralelo e em sentidos opostos, cuja caracterı́stica
I -V é dada pela linha cheia da Fig.7.29. Esse dispositivo é chamado de diodo
bidirecional, ou diodo ac (DIAC). Ele pode conduzir corrente em qualquer dos
dois sentidos, desde que a tens˜ao externa atinja o valor de disparo VD . ±
O terminal da porta serve para disparar o TRIAC em qualquer dos dois
sentidos, por meio de pulsos de corrente. Se a tens˜ao entre anodo e catodo
for positiva, um pulso de corrente na porta dispara o SCR p1 n1 p2 n2 , − − −
produzindo uma corrente no sentido do anodo para o catodo. Por outro lado,
se a tensão for negativa, o disparo produzido pelo pulso de corrente na porta
faz o SCR p2 n1 p1 n4 conduzir no sentido do catodo para o anodo.
− − −

Figura 7.28: Se¸cão reta da estrutura (a) e sı́mbolo de circuito (b) de um TRIAC.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 271

Figura 7.29: Curvas I -V para um TRIAC com três valores de corrente na porta.

Evidentemente, no TRIAC o anodo e o catodo têm papéis semelhantes e a


distinção de nomes ne m se justi fica. Eles s˜ao usados apenas para facilitar a
descrição.

Os TRIACs são amplamente utilizados em eletrônica de controle de


potência ac. Eles podem ser construı́dos de tal modo que tanto no ciclo po-
sitivo ou no negativo, o disparo seja feito por pulsos positivos, negativos, ou

por ambos.
catodo A corrente
se anula. noent
Ele pode dispositivo
ão deixarcessa quando
passar a tens˜ao
uma corrente entre anodo
alternada se fore
disparado duas vezes em cada ciclo.

7.8 Circuitos Integrados

Todos dispositivos apresentados nos Capı́tulos 6 e 7 podem ser encapsulados


separadamente, apresentando dois ou mais terminais externos, para que pos-
sam ser conectados a outros dispositivos, formando um circuito eletrˆonico.
Neste caso eles s˜ao chamados dispositivos discretos. Porém, a forma mais
atual de utiliza¸cão desses dispositivos, é através dos circuitos integrados .
Um circuito integrado é formado por um grande número de transistores, dio-
dos, resistores e capacitores, fabricados na mesma pastilha de semicondutor e
interligados entre si através de filmes metálicos, compondo um circuito com-
272 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

pleto com dimens˜oes microscópicas. O primeiro circuito integrado foi pro-


duzido em 1958, pelo americano Jack Kilby. Este feito não representou propri-
amente um avan¸ co cientı́fico, mas sim uma forma engenhosa de conectar dispo-
sitivos cujos princı́pios de funcionamento já eram bem conhecidos. Entretanto,
a concepção do circuito integrado revolucionou a eletrˆonica e possibilitou um
grande avanço nos equipamentos cientı́ficos e na ciência. Por isto, Kilby foi
agraciado com o prêmio Nobel de Fı́sica no ano 2000.

Os primeiros circuitos integrados não tinham mais do que algumas


dezenas de transistores. Entretanto, em pouco tempo a tecnologia de in-
tegração foi dominada por diversos fabricantes e a competi¸ cão para ganhar
mercado levou a uma corrida para aumentar a quantidade de dispositivos no
mesmo circuito. O resultado foi um r´apido aumento na capacidade de inte-
gração, com a conseq¨uente melhoria de desempenho e diminui¸cão dos custos
de fabricação dos circuitos. No final da década de 1960, os dispositivos nos
circuitos integrados tinham dimensões de alguns micrômetros, dando srcem
à tecnologia da microeletrônica. Naquela época, Gordon Moore, um dos
fundadores da Intel, atualmente um dos maiores fabricantes de microproces-
sadores, observou que o n´umero de transistores por circuito dobrava a cada
dezoito meses, e que o custo de produ¸cão por função caia `a metade no mesmo
perı́odo. Esta observação passou a ser conhecida como a Lei de Moore , que
tem caraterizado a ind´ustria de semicondutores há mais de três décadas. Esta
“lei” continua válida no Século 21, e o número de transitores nos circuitos inte-
grados de microprocessadores se aproxima de um bilhão. Porém, as dimensões
laterais dos dispositivos diminuı́ram tanto que atingem a escala de dezenas
de nanômetros, e as espessuras de algumas camadas correspondem a poucos
átomos. Isto faz prever que até 2010 haverá uma grande redu¸cão na taxa de
crescimento da integração, a n˜ao ser que novos fenômenos e novos dispositivos
sejam descobertos nos pr´oximos anos. A pesquisa cientı́fica e tecnológica de
fenômenos e propriedades de materiais na escala nanométrica deu srcem a um
novo campo de conhecimento, a nanociência e nanotecnologia.

7.8.1 Conceitos Básicos e Técnicas de Fabricação

Os circuitos integrados (CI) são fabricados através de inúmeras operações


fı́sico-qu´ımicas, como aquelas descritas na Se¸
cão 6.1, de tal forma que as diver-
sas etapas de fabrica¸cão são realizadas simultaneamente em todos os compo-
nentes do circuito. Em cada pastilha de semicondutor s˜ao fabricados centenas
de CIs completos, o que resulta em grande miniaturiza¸ cão e diminui¸cão do
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 273

Figura 7.30: Vista externa de alguns circuitos integrados: a) Circuito regulador de voltagem;
b) Envólucro de CI comum de dezesseis pinos; c) Pente de memóra de computador. A escala
da figura (c) é diferente das outras duas, pois o pente de memória tem dimensões fı́sicas bem
maiores que os outros dois.

custo de produção. Após o processamento, a pastilha é retalhada em pequenos


quadrados ou retângulos de dimensões da ordem ou inferiores a 1 1 mm2 , cor-×
respondentes aos CIs individuais. Cada um destes chips, como s˜ao chamados,
é então testado individualmente. Cada chip aprovado é montado numa base,
interligado aos pinos externos através de fios de ouro ou prata, e finalmente
encapsulado com uma resina isolante (tipo epoxy). O n´ umero de pinos exter-
nos pode variar de quatro a algumas centenas, dependendo da sofistica¸ cão do
circuito. A Fig.7.30 mostra o aspecto externo de alguns circuitos integrados.

Os circuitos integrados po dem ser classificados de v´arias maneiras. Com


relação a aplicação, eles são em geral chamados de digitais ou lineares
(analógicos). Quando são fabricados na pastilha por meio da mesma tec-
nologia, eles são chamados monolı́ticos . Quando o circuito envolve diferentes
tipos de tecnologia, por exemplo interligando dispositivos semicondutores com
sensores magnéticos, ele é chamado h´ ıbrido . Atualmente mais de 90% dos
circuitos monolı́ticos são feitos com silı́lico monocristalino. Pastilhas (wafers)
com diâmetro de 300 mm s˜ao utilizadas largamente na ind´ustria de semicon-
dutores. O outro semicondutor mais utilizado na fabrica¸ cão de CIs é o GaAs,
que encontra um n´umero crescente de aplicações em altas freq¨uências.

Os CIs lineares s˜ao aqueles que desempenham fun¸ cões anal´ogicas, ou


lineares. Os CIs lineares simples mais comuns são os amplificadores opera-
cionais (conjunto de amplificadores com grande ganho, alta impedˆancia de
entrada e baixa impedância de saı́da), reguladores de voltagem e chaves. Em
geral estes circuitos são feitos com transistores bipolares e s˜ao utilizados como
componentes discretos em circuitos eletrônicos, ou como parte de um CI que
desempenha funções completas, como um receptor de r´adio ou de TV.
274 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Os CIs digitais s˜ao aqueles que processam informa¸cão binária, na forma


de on ou off. Os CIs digitais podem ser feitos com a tecnologia bipolar ou MOS.
Como vimos na Se¸cão 7.6, o uso de MOSFETs complementares possibilita a
fabricação de circuitos de VLSI com baixo consumo de energia. Estes circuitos
são a base dos microprocessadores e das mem´ orias de altı́ssima capacidade,
utilizados na construção dos modernos computadores.

Uma questão importante nos circuitos integrados é o isolamento elétrico


entre dispositivos vizinhos, uma vez que o material semicondutor da pastilha
permite a passagem de corrente elétrica de um dispositivo para outro. No
caso dos dispositivos MOS e MESFET isto n˜ao é problema, pois a condução
é restrita à região do canal, o que faz a opera¸ cão de cada dispositivo ser
independente do vizinho. Entretanto, no caso dos transistores bipolares, é
preciso tomar precauções para isolar um transistor dos vizinhos.

Diversas técnicas são utilizadas para isolamento. Conceitualmente, uma


das mais simples e mais eficazes é o isolamento com dielétrico, utilizado em
certos circuitos integrados de silı́cio. O processo de fabricação inicia com a
preparação da pastilha de Si, com pequena dopagem, formando um substrato
tipo n. Em seguida ´e feita a difusão de impurezas doadoras em toda a su-
perfı́cie, de modo a formar uma camada n+ . Depois, através de um processo
de fotolitografia, e de corros˜ao com ´acido, um canal é cavado na camada n+ ,
até atingir o substrato n , circundando toda a regi˜ao onde será fabricado o dis-
positivo. O substrato é então colocado num forno com atmosfera de oxigênio,
produzindo uma camada de ´oxido isolante (SiO2 ), que cobre toda a superfı́cie
exposta, incluindo a superf´ıcie interna do canal. O passo seguinte é a deposi¸cão
de uma camada de Si policristalino, que preenche o canal, mas também cobre
toda a superfı́cie. Finalmente, a pastilha é virada para baixo e polida mecani-
camente, de modo a remover todas as camadas sobre a camada epitaxial n+ .

Figura 7.31: Ilustra¸cão do método de isolamento com junções reversas: a) Substrato tipo p
com camada epitaxial tipo n; b) Canal de isolamento tipo p atingindo o substrato.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 275

O resultado final é um conjunto de regiões n+ , formando ilhas, circundadas


por canais isolantes (como na Fig.7.33 (c), que ser´ a explicada adiante). Os
dispositivos desejados são então fabricados nas ilhas e depois interconectados
por meio de filmes met´alicos depositados na superfı́cie. Uma vantagem do
processo de isolamento dielétrico é a baixa capacitância paras´ıtica entre os
dispositivos vizinhos e a elimina¸cão de tens˜oes de polariza¸cão, necessárias no
processo que ser´a apresentado a seguir. A maior desvantagem deste método é
o grande n´umero de etapas de processamento e a necessidade de utilizar um
processo mecânico de polimento.

O método de isolamento mais comum é o de junções reversas. A idéia


básica deste método consiste em formar ilhas, nas quais os dispositivos são
fabricados, circundados por jun¸cões p-n polarizadas reversamente. Como a
corrente na jun¸cão reversa é muito pequena, as ilhas ficam efetivamente iso-
ladas eletricamente umas das outras. A Fig.7.31 ilustra o processo de formação
das ilhas. Inicialmente uma camada epitaxial tipo n é crescida sobre a pastilha
de sil´ıcio tipo p (para o transistor p-n-p seria uma camada p sobre substrato
n). Os passos seguintes consistem em oxidar a superfı́cie e por meio de proces-

Figura 7.32: Métodos de contatos do transistor bipolar em circuito integrado: a) contatos


para operação lateral: b) e c) Coletor em camada enterrada.
276 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

sos de fotolitografia e corros˜ao abrir janelas na camada de ´ oxido na forma de


linhas que definem as ilhas. Através das janelas é feita difusão de impurezas
tipo p, produzindo canais com profundidade tal que atingem o substrato p.
Para polarizar a jun¸cão p-n reversamente e produzir o isolamento das ilhas é
preciso aplicar uma tens˜ao por meio de contatos met´alicos.

Uma questão adicional nos circuitos integrados com transistores bipolares


é o contato com o coletor. No dispositivo discreto da Fig.7.2, o contato do
coletor está situado na face oposta a dos contatos do emissor e da base. Isto não
pode ser feito no circuito integrado, uma vez que a interligação dos dispositivos
é feita através de filmes met´alicos na forma de linhas na superfı́cie de cima. A
Fig.7.32 ilustra dois métodos utilizados para contato com o coletor na mesma
face do emissor e da base. Em (a) o coletor é formado pela difusão de uma
região n+ circundando a base. Neste caso a condução entre o emissor e o coletor
é feita lateralmente, o que resulta em alta resistência de coletor. Em aplica¸
cões
que requerem baixa resistência do coletor, a estrutura mais empregada é a da
camada enterrada (buried layer). Nesta estrutura o contato efetivo do coletor
é uma camada n+ , fabricada por difus˜ao no substrato p, antes da deposi¸cão
da camada epitaxial tipo n, como na Fig.7 .32 (b). A liga¸cão do terminal do
coletor com a camada enterrada é feita por meio de uma região n + , produzida
por difusão, como ilustrado na Fig.7.32 (c).

Para concluir esta se¸cão, mostramos na Fig.7.33 as etapas de fabrica¸cão

Figura 7.33: Ilustra¸cão das etapas de fabrica¸cão de transistor n-p-n num circuito integrado.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 277

de transistor n-p-n num circuito integrado. Em (a) aparecem as camadas n+


difundidas no substrato tipo p . Em (b) vê-se a camada epitaxial n depositada
sobre o substrato, formando as camadas enterradas. Em (c) aparecem os canais
de isolamento, que podem ser feitos com dielétricos ou com junções reversas.
Finalmente, na figura (d), aparecem as regi˜oes do emissor ( n), da base ( p) e
do contato do coletor ( n+ ). Para completar o circuito, um filme met´alico é
depositado sobre a superfı́cie, na forma de linhas, estabelecendo contatos com
as regiões de interesse através de janelas na camada de óxido. Os terminais
do circuito s˜ao então ligados aos pinos externos e o conjunto é encapsulado,

podendo adquirir diversas fei¸cões, como por exemplo aquelas mostradas na


Fig.7.30.

7.8.2 Dispositivos de Memória de Semicondutor

Dentre os dispositivos mais importantes dos equipamentos eletrônicos nos dias


de hoje est˜ao aqueles que armazenam informa¸cões, chamados dispositivos de
memória. Eles têm sido essenciais para a operação dos computadores, desde
que estes foram inventados há cerca de meio século. Por isto mesmo a pesquisa
e o desenvolvimento de memórias tornou-se uma área de grande interesse
cientı́fico e tecnológico. Mas nas ´ultimas décadas, as memórias passaram a ser
utilizadas em uma grande variedade de equipamentos eletrônicos, que incorpo-
raram microprocessadores em seus sistemas. Nestes equipamentos as memórias
são essenciais para armazenar os programas, ou c´ odigos, ou software , que
fazem o sistema executar suas fun¸cões.
As memórias internas dos computadores e de certos equipamentos são de
dois tipos principais, dispositivos semicondutores e dispositivos magnéticos. Os
meios magnéticos armazenam a informação indefinidamente, até que elas sejam
apagadas ou substituı́das. Por isto eles são chamados não-voláteis . Nos dis-
positivos de memória de semicondutores o tempo de armazenamento depende
do seu tipo. Alguns têm tempos de armazenamento de alguns mili-segundos
ou menos, sendo chamados voláteis , outros podem armazenar a informa¸cão
por muitos anos, sendo considerados não-voláteis. As principais vantagens
das memórias de semicondutores são a maior densidade, maior velocidade de
gravação e de leitura, e o fato de n˜ ao necessitarem de partes m´ oveis. As
memórias magnéticas, que serão apresentadas no Cap´ıtulo 9, têm maior capaci-
dade de armazenamento e são não-voláteis. Dentre os dispositivos de memória
removı́veis, para transporte ou armazenamento externo, os mais importantes
atualmente são as fitas e discos magnéticos e os discos ópticos (Cap´
ıtulo 8).
278 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Os dispositivos de memória de semicondutores podem ser fabricados


tanto com a tecnologia de transistores bipolares, quanto com a tecnologia MOS.
Nos últimos anos a tecnologia MOS passou a dominar completamente na fa-
bricação das memórias de semicondutores, por conta da maior capacidade de
integração, menor custo e menor consum o de energia. O elemento b´asico das
memórias MOS é o capacitor MOS, apresentado na Seção 7.6.1. A presen¸ca de
carga no capacitor representa o bit 1, enquanto a ausência de carga representa
o bit 0.

Em geral, as células básicas das mem´orias de semicondutores são consti-


tuı́das de capacitores e transistores MOS. A Fig.7.34 ilustra uma célula tı́pica
simples, formada por um transistor MOS de canal n, em série com um capa-
citor. Os terminais da fonte (F) e da porta (P) do transistor s˜ao utilizados
para as conecções com os eletrodos de endere¸camento, feitos por fitas de filmes
finos metálicos. A região n+ do dreno do transistor faz a liga¸ cão em série
com o capacitor formado pelo semicondutor tipo p do substrato e pelo filme
metálico, separados pela camada isolante, em geral o ´ oxido SiO2. Tamb´ em é
comum utilizar uma camada de silı́cio policristalino para a placa do capacitor,
no lugar do filme met´alico. O terminal da placa do capacitor em geral é ligado
à terra do circ uito. A regi˜ao p+ na extremidade direita da figura é utilizada
para isolar a célula do elemento vizinho.

O processo de carga do capacitor, ou seja, o armazenamento da in-


formação do bit 1, é feito pela aplicação simultânea de dois pulsos de tens˜ao,
um entre a fonte e a terra, outro entre a porta e a terra. Os valores das tens˜oes
de pico devem ser suficientes para criar uma camada de inversão entre a fonte
e o dreno do transistor e outra sob o terminal do capacitor. Ap´ os a aplicação
dos pulsos, a camada de invers˜ao no transistor desaparece, porém a carga na

Figura 7.34: Ilustração de uma célula de memória de semicondutor formada por um tran-
sistor em série com um capacitor MOS.
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 279

Figura 7.35: Ilustração de parte de um circuito integrado de mem´ oria RAM formado por
um arranjo matricial de células de memória, cada uma contendo um transistor em série com
um capacitor MOS.

camada de inversão do capacitor permanece armazenada. Esta carga tende a


desaparecer depois de um certo tempo devido à geração térmica de portadores,
o que limita o tempo de armazenagem a alguns mili-segundos. Este tempo é
suficientemente longo para a operação dinâmica de uma mem´oria nos equipa-
mentos cujos rel´ogios trabalhem com perı́odos muito inferiores a 1 ms, como
é o caso dos computadores atuais que operam com relógios na regi˜ao de GHz.
Para a opera¸cão cont´
ınua do equipamento é necessário ent˜ ao que a mem´oria
seja periodicamente “refrescada”, isto é, que os capacitores das células que
armazenam o bit 1 sejam recarregados antes que a carga desapare¸ ca. Na-
turalmente, as informa¸cões são perdidas quando o equipamento é desligado.
Portanto, uma memória com células como a da Fig.7.34 é do tipo vol´atil.

As memórias de semicondutores são formadas por circuitos integrados


contendo um grande n´umero de células conectadas a malhas de eletrodos de
endereçamento. Um tipo de circ uito est´a mostrado na Fig.7.35. A malha
tem uma forma matricial, na qual as interliga¸ cões das linhas e das colunas
são chamadas de linhas de palavras e linhas de bits, que na figura s˜ ao repre-
sentadas respectivamente por WL ( Word Line) e por BL ( Bit Line). Note
que as fontes dos transistores MOS s˜ ao ligadas `as linhas de bits e as portas
são ligadas `as linhas de palavras, enquanto que os capacitores s˜ ao ligados `a
terra, permitindo carregar os capacitores como explicado anteriormente. Este
arranjo matricial permite acessar aleatoriamente uma célula com qualquer en-
dereço, tanto para gravação quanto para leitura da informação. Por esta raz˜ao
280 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 7.36: Estrutura de dispositivo FAMOS utilizado em memórias não-voláteis de semi-


condutores.

este tipo de mem´oria é chamado de acesso aleatório, ou mais comumente por


sua sigla em inglês, RAM (de Random Access Memory). O acesso aleatório
possibilita uma velocidade de opera¸cão, isto é grava¸ cão e leitura, maior que
no acesso serial, caracterı́stico de fitas e discos magnéticos, nos quais é pre-
ciso passar por v´arios endereços até atingir um endereço especı́fico desejado. É
possı́vel construir memórias não-voláteis com semicondutores, utilizando diver-
sas estruturas MOS. A Fig.7.36 mostra uma estrutura de transistor MOSFET,
na qual h´a dois eletrodos de porta. Um deles é metálico, usado para contato
externo, enquanto que o outro, chamado de porta flutuante, em geral é feito de
uma camada de Si policristalino, completamente envolvido pelo óxido isolante.
Nesta estrutura, chamada de porta flutuante, conhecida pela sigla em inglês de
FAMOS (Floating-gate Avalanche-injection MOS), a carga pode permanecer
na porta flutuante durante v´arios anos. O armazenamento de carga na p orta
flutuante pode ser feito por diversos processos. Um processo comum consist e
na aplicação de uma tens˜ao na jun¸cão do dreno, com valor suficientemente
alto para produzir uma forte polariza¸cão reversa. Isto resulta na ruptura por
avalanche, produzindo grande aceleração dos elétrons na região de depleção da
junção. Se uma tens˜ao relativamente alta também for aplicada ao terminal da
porta, parte dos elétrons passa para a porta flutuante por injeção direta ou
por efeito túnel através da fina camada de óxido.

A utilização de uma variedade de estruturas possibilita construir dispo-


sitivos de memória de semicondutores, voláteis ou não-voláteis, para in´umeras
aplicações. A Fig.7.37 mostra uma classifica¸cão de memórias, represen-
tadas por suas siglas em inglês. As mem´orias voláteis são de dois tipos,
estática (SRAM, de Static Random Access Memory) ou dinˆamica (DRAM,
de Dynamic Random Access Memory). A memória dinâmica é como a do
tipo das Figuras 7.34 e 7.35, apresentado anteriormente, e que necessita ser
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 281

Figura 7.37: Classifica¸cão dos dispositivos de mem´oria de semicondutores.

refrescada periodicamente. A memória estática retém a informação gravada


sem a necessidade de refrescar, desde que o dispositivo permane¸ca energizado.
Isto é feito através de circuitos bi-estáveis, também conhecidos como flip-flops,
que podem ser chaveados para passar de um estado elétrico estável para outro,
um deles representando o bit 0 e outro o bit 1.

A variedade de mem´orias n˜ao-voláteis é maior, por isso elas são subdi-


vididas em dois grupos, ROM ( Read Only Memory), usadas somente para
leitura e RAM, que podem ser gravadas e acessadas para leitu ra. A rigor, as

memórias
é um nomeROM usadotambém são do tipo
para designar RAM, cujos
memórias pois como vimos
endere¸ anteriormente,
cos podem ser aces-
sados aleatoriamente. Porém, o nome RAM é utilizado para os dispositivos
de acesso aleat´orio, tanto para gravação quanto para leitura das informa¸cões.
Nas memórias chamadas de EEPROM ( Electrically Erasable-Programmable
Read Only Memory) as informa¸cões são usadas somente para leitura, mas
podem ser gravadas ou apagadas eletricamente. Os outros principa is tipos de
memória ROM s˜ao: PROM ( Programmable Read Only Memory), que é um
dispositivo no qual a informa¸cão em cada célula é gravada de forma perma-
nente, por um processo tipo fusı́vel; EPROM (Electrically Programmable Read
Only Memory), é uma memória que utiliza dispositivos FAMOS nos quais as
informações são gravadas eletricamente. Esta é a memória mais comum para
armazenar a programação que dá a partida no processo de operação de um com-
putador, ou de outros equipamentos contendo micro-processadores, quando
eles são ligados. As informações na mem´oria EPROM podem ser apagadas
globalmente, isto é, em todos os endereços, por meio de radia¸cão ultra-violeta
282 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

ou raios-X. Os f´otons de alta energia levam os elétrons da porta flutuante para


a porta de controle ou para o substrato. Para isso, o encapsulamento dos
dispositivos EPROM tem uma abertura com uma janela ´ optica na parte su-
perior, para permitir a passagem da radia¸cão. Finalmente, a mem´oria flash ,
uma abreviação para o nome completo de flash EEPROM, é uma memória
na qual as informa¸cões são gravadas eletricamente, como na EPROM, mas po-
dem ser apagadas globalmente, de uma só vez, como num f lash. As mem´orias
flash encontram um n´umero de aplica¸cões cada vez maior.
A necessidade de produzir memórias para diversas aplicações, com maior
capacidade de gravação e com maior velocidade de acesso, tem impulsionado
a pesquisa e o desenvolvimento de novos dispositivos e de tecnologias de in-
tegração cada vez mais sofisticados. Estas atividades têm proporcionado um
contı́nuo aperfeiçoamento das mem´orias e uma busca permanente por novos
dispositivos, fabricados com semicondutores ou outros materiais, que p ossi-
bilitem a realiza¸cão de fun¸cões inusitadas para novos equipamentos ou para
inovações na ind´ustria eletrônica.

REFERÊNCIAS

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PROBLEMAS

7.1 A variação da concentração de buracos em excesso do equilı́brio, δp(x), em


função da posição x na base de um transistor p -n-p é dada pela Eq.(7.15).
Faça gráficos
da de δp(x)=/ 2L
 pE, (de preferência num computador), para três
espessuras base, p 0, 5Lp e 0, 1Lp , onde L p é o comprimento de
difusão. Utilizando os gr´aficos explique qual das espessuras é a melhor
para um bom transistor.
7.2 Mostre que num transistor p+ -n-p+ fortemente polarizado diretamente, a
corrente de base é dada pela Eq.(7.23).
7.3 Considere um transistor p+ -n-p+ simétrico, de Si, com as seguintes ca-
racterı́sticas da base,  = 2 µm, A = 10−3 cm2 , Nd = 5 1015 cm−3 e
×
τp = 0, 5 µ s. Sabendo que o emissor e o coletor têm Na = 5 1017 cm−3
×
e τ n = 0, 1µs, calcule as correntes do emissor, da base e do coletor, com o
transistor polarizado com V EB = 0, 75 V e V CB = - 10 V.
7.4 Calcule os parˆametros α , γ e β do transistor do Problema 7.3.
7.5 Calcule os parâmetros IEs , ICs , αN e αI do transistor do Problema 7.3 e
obtenha as correntes do emissor e do coletor usando as Equa¸ cões (7.37) e
(7.38). Compare os resultados com os do Problema 7.3.
284 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

7.6 Considere um transistor p+ -n-p+ simétrico, isto é, com todos parâmetros
do emissor iguais aos do coletor. a) Escreva as equa¸cões de Ebers-Moll
para o transistor. b) Obtenha a corrente I em função de V para o transis-
tor no circuito (a) da figura abaixo. c) Calcule VCB quando o transistor
está conectado como no circuito (b) da figura a seguir.

7.7 Um transistor p+ -n-p+ simétrico Si tem as seguintes caracter´ ısticas da


base:  = 1 µ m, A = 10−3 cm2 , N d = 1015 cm−3 e τ p = 2 µ s. O emissor e
o coletor têm Na = 5 1016 cm−3 e têm comprimento de difusão metade do
×
valor na base. Os outros parˆametros de Si `a temperatura ambiente estão
dados na Tabela 5.2. a) Calcule as correntes de saturação do emissor e do
coletor, I Es e I Cs . b) Escreva as equa¸cões de Ebers-Moll para o transistor
e dê os valores numéricos dos quatro parˆ ametros que aparecem nelas.
7.8 Considere o transistor p+ -n-p+ do Problema 7.7. A partir das Eqs.(7.37)
e (7.38), obtenha uma equa¸cão para a corrente de coletor IC em função
apenas da tens˜ao VCE e da corrente de base IB . Use um computador e
faça os gr´aficos do I C em função de ( VCE ), para diversos valores de I B ,

e compare o resultado com a Figura 7.7(b).
7.9 Para o transistor do Problema 7.3, calcule a corrente I quando ele est´a
conectado, como no circuito abaixo, sendo V = 500 mV.
7.10 Um transistor p-n-p com caracterı́sticas dadas na Fig.7.7, é utilizado
como amplificador num circuito de polariza¸cão simples, análogo ao da
Fig.7.9(a). Sendo EB = EC = 10 V e RC = 1 kΩ calcule: a) O valor
Cap. 7 Transistores e Outros Dispositivos Semicondutores 285

de RB para que a corrente de base seja 50 µA; b) Os valores de IC e


VCE ; c) O ganho de co rrente do circuito; d) O m´aximo sinal de tens˜ao
de entrada para o circuito operar na regi˜ao linear.
7.11 Obtenha a equação da corrente de dreno de um transistor JFET, como o
da Fig.7.11, correspondente a (7.43), sem desprezar o potencial de contato
V0 das junções.
7.12 Obtenha as expressões da condutˆancia e da tens˜ao crı́tica de um JFET,
desprezando o potencial de contato das junções mas sem a condição N a
Nd utilizada na dedu¸cão das Equa¸cões (7.44) e (7.45).
7.13 Um transistor de efeito de campo de jun¸ cão como o da Fig.7.11 feito
de silı́cio, tem regiões p+ com dopagem Na = 1018 cm−3 e canal com
Nd = 2 1016 cm−3 e meia largura a = 0, 8 µm. a) Calcule a tens˜ao
×
cr´ıtica Vc supondo V0 = 0. b) Qual o valor de Vc se V0 não for desprezado?
c) Qual o valor de VD no qual a corrente satura para V P = 2 V?

7.14 Qual é, aproximadamente, o maior ganho de tensão de um circuito am-
plificador feito com o transistor de jun¸cão da Fig.7.13?
7.15 Um transistor MESFET de GaAs tem barreira de potencial V0 = 0, 8 V e
tem no canal concentra¸cão de impurezas N d = 1016 cm−3 , mobilidade µ n
= 7 103 cm2 /V s e dimensões a = 0, 7 µ m, L = 15 µ m e D = 10 µ m.
× ·
Calcule a) A condutˆancia do canal; b) A tens˜ao crı́tica; c) A corrente de
dreno de satura¸cão para VP = 0 e V P = 1, 0V .

7.16 Um transistor MOSFET de canal n é feito com eletrodos de alumı́nio
e semicondutor silı́cio tipo p, com Na = 2 10 17 cm−3 . A espessura
×
da camada de SiO 2 e´ 100 Å na região da porta, a carga na interface
é Qi /A = 10−8 C/cm2 , e as outras dimens˜oes relevantes (Fig.7.21) s˜ao
L = 10 µ m e D = 300 µ m. Calcule: a) A tens˜ao cr´ıtica Vc ; b) A corrente

de saturação para V P = 6 V; c) A curva I D VD para V P = 4 V.
286 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos
Capı́tulo 8

Materiais e Dispositivos
Opto-Eletrônicos

8.1 Propriedades Ópticas dos Materiais 289


8.1.1 Ondas Eletromagnéticas em Materiais 291
8.1.2 Refletividade de Materiais 295
8.2 Interação da Radiação com a Matéria
- Modelo Clássico 298
8.2.1 Contribuição dos Elétrons Livres em Metais 299
8.2.2 Contribuição de Elétrons Ligados 303
8.3 Teoria Quântica da Interação Radiação
- Matéria 308
8.3.1 Transições entre Nı́veis Discretos 309
8.3.2 Absorção de Luz e Luminescência 312
8.3.3 Absorção e Emissão de Luz em Isolantes e Semicondutores 315
8.3.4 Absorção e Emissão de Luz em Materiais com Impurezas 321
8.4 Fotodetetores 323
8.4.1Foto-resistores 326
8.4.2Fotodiodos 330
8.4.3CélulasSolares 336
8.4.4SensordeImagemCCD 338

287
288 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

8.5 Diodo Emissor de Luz (L ED) 342


8.6 Emissão Estimulada e Lasers 348
8.6.1 O Mecanismo de Amplifica¸cão por Emiss˜ao Estimulada 349
8.6.2 Lasers de S´olidoscomImpurezas 353
8.6.3 Lasers a G´as 357

8.7 O Laser de Diodo Semicondutor 359


8.7.1 O Laser de Jun¸cão p-n 360
8.7.2 Lasers de Heterojun¸cões 363
8.7.3 Laser de Po¸co Quântico 368
8.8 Aplicações dos Lasers de Diodo 372
8.8.1 Comunicações Ópticas 372
8.8.2 Gravação e Reprodução em Discos Compactos 378
REFERÊNCIAS 380
PROBLEMAS 380
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 289

Materiais e Dispositivos
Opto-Eletrônicos

8.1 Propriedades Ópticas dos Materiais

As propriedades ´opticas são aquelas que caracterizam como os materiais res-


pondem a uma radiação externa, emitindo, absorvendo, refletindo ou alterando
a polarização da luz. Alguns aspectos dessas propriedades est˜ao, sem d´uvida,
entre os mais facilmente identificáveis nos materiais. Desde tempos imemoriais
que o brilho, a cor, a transparência e a opacidade dos materiais fascinam e in-
trigam a humanidade. São antiquı́ssimas a utilização de metais para fabricar
espelhos e o emprego de metais e minerais naturais na confec¸ cão de j´oias e
objetos de adorno.

Os estudos cientı́ficos sobre a cor e o efeito de materiais sobre a luz ganha-


ram grande impulso com as experiências de Newton no Século XVII. Newton
mostrou que, ao passar por um prisma de vidro, um feixe de luz solar dava
srcem a uma faixa multicolorida. Na extremidade da faixa formada pelos raios
que sofrem o menor desvio ao passar pelo prisma a cor é vermelha, enquanto na
outra extremidade a cor é violeta. Atualmente sabe-se que a sensação de cor é
produzida no cérebro, e resulta do efeito de ondas eletromagnéticas numa faixa
estreita de freqüências ao incidir na retina do olho humano. Comprimentos de
onda em torno de 400 nm produzem a sensa¸ cão da cor violeta, enquanto na
outra extremidade do espectro, comprimentos de 700 nm produzem a cor ver-
melha. A Figura 8.1(a) mostra a resposta padr˜ao do olho humano em função
do comprimento de onda da luz visı́vel. A região na qual o olho é mais sens´ ıvel
está em torno de 555 nm, que corresponde a uma cor verde-amarelado. A
290 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 8.1: (a) Sensibilidade relativa do olho humano em fun¸cão do comprimento de onda
da luz; (b) Varia¸cão do ı́ndice de refração de quartzo fundido com o comprimento de onda.

Figura 8.1(b) ilustra a dispersão óptica dos materiais transparentes, que é res-
ponsável pela separa¸cão do feixe de luz branca em v´ arias cores. O ı́ndice de
refração, definido no Capı́tulo 2, varia com o comprimento de onda da luz. Na
cor violeta (menor comprimento de onda) o ı́ndice de refração é maior, o que
resulta em maior desvio ao passar pelo prisma. Na cor vermelha o ı́ndice de
refração é menor e portanto o desvio é menor. A varia¸
cão do ı́ndice de refração
é devida às caracterı́sticas da interação da radiação com a matéria, que serão
estudadas na Seção 8.2.

A região visı́vel do espectro eletromagnético, com comprimento de onda


na faixa 700-400 nm, corresponde a uma energia de f´ otons na faixa 1,7-3,1 eV.
Estes valores são da mesma ordem de grandeza das energias dos gaps em vários
semicondutores e também das energias de transições eletrônicas em ´atomos
diversos. Por esta razão, foi poss´ıvel desenvolver, nas últimas décadas, vários
dispositivos que convertem eficientemente luz em corrente elétrica, e vice-versa.
Isto deu srcem `a Opto-eletrônica. Este é o ramo da tecnologia no qual sinais
analógicos e digitais s˜ao processados por meio de dispositivos que empregam
luz e corrente eletrônica, e que formam a base das comunica¸cões ópticas. Uma
área correlata, que também está se desenvolvendo rapidamente, é a Fotônica,
na qual o processamento de sinais é feito em dispositivos inteiramente ópticos.
Neste capı́tulo estudaremos os principais fenômenos envolvidos na intera¸cão
da radia¸cão eletromagnética com a matéria, bem como suas aplicações em
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 291

dispositivos opto-eletrônicos de semicondutores. Outros dispositivos baseados


na interação da luz com diversos materiais ser˜ao apresentados no Capı́tulo 10.

8.1.1 Ondas Eletromagnéticas em Materiais

Os fenômenos de reflex˜ao, refra¸cão e absor¸cão da luz em materiais, podem


ser descritos macroscopicamente através das equações de Maxwell (2.1)-(2.4).
No capı́tulo 2, estas equações foram resolvidas para ondas planas num meio
isolante perfeito, no qual a densidade de corrente J e´ nula. Nesta situação
não existe absor¸cão, ou perda de ene rgia, de modo que as amplitudes dos
campos  e H
E  , dados por (2.7) e (2.8), n˜ ao variam durante a propaga¸cão.
No caso em que a onda propaga num meio real, met´ alico, semicondutor ou
mesmo isolante, sempre existe perda. Esta perda pode ser descrita por uma
densidade de corrente, relacionada ao campo elétrico através da condutividade
σ , J = σ  . Neste caso, a equação de ondas propagando na dire¸cão do eixo x
E
contém outro termo que não aparece em (2.6). A partir de (2.1)-(2.4) pode-
se mostrar facilmente que para ρ = 0, o campo elétrico variando somente na
direção x é descrito por (Problema 8.1),
∂ 2  (x, t)
E ∂ 2  (x, t)
E ∂  (x, t)
E
= µ + µσ (8.1)
∂x 2 ∂t 2 ∂t

Na região vis´ıvel do espectro eletromagnético os efeitos magnéticos são des-


prezı́veis, de modo que podemos considerar µ = µ 0 . Substituindo em (8.1) a

solução de campo harmˆonio (2.14), com k na ε direção x obtemos,
k 2 = µ 0  ω 2 + iωµ 0 σ = 2 ω 2 + iω µ0 σ (8.2)
c

onde c = 1/ µ0 0 é a velocidade da luz no vácuo e ε = /0 é a constante
dielétrica do material (também chamada permissividade relativa). Num meio
sem perdas a raz˜ao entre k e ω leva à definição do ı́ndice de refração n, dado
pela Eq.(2.10). Esta definição pode ser generalizada para meios com perdas,
através do ı́ndice de refração complexo,
  1/2
σ
N (ω ) = ε + i . (8.3)
ω 0

Com esta defini¸cão a Eq.(8.2) adquire a mesma forma de (2.10),


ω
k = N (ω ) , (8.4)
c
292 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

uma vez que µ0 c2 = 1/0 . O ı́ndice de refração complexo foi representado


por N (ω ) para n˜ao confundir com o n´umero de partı́culas N e também para
explicitar sua dependência com ω . Esta dependência não surge apenas do
ω que aparece no denominador do segundo termo em (8.3), mas também do
fato de que ε(ω ) e σ (ω ) sempre variam com a freq¨uência. É precisamente
a variação de ε e σ com a freq¨uência que determina as propriedades ópticas
dos materiais, como veremos mais adiante neste capı́tulo. A vantagem de
introduzir o ı́ndice de refração complexo é que todas expressões obtidas no
Capı́tulo 2 podem ser usadas aqui com a simples substituição do ı́ndice de
refração
partes n pelo
real seu correspondente
e imagin´ complexo N (ω ). Vamos agora explic itar as
aria do ı́ndice complexo,
N (ω ) = n + iκ . (8.5)

Para relacionar as duas parcelas de N (ω ) com os parˆametros  e σ do


meio, elevamos (8.3) e (8.5) ao quadrado e igualamos os dois,
σ
N 2 (ω ) = n 2 −κ 2
+ i2nκ = ε + i .
ω 0

Como veremos mais tarde, tanto ε quanto σ podem ser complexos. Fazendo
ε = ε  + iε e σ = σ  + iσ  e igualando as partes reais e imagin´arias das duas
formas de N 2 (ω ) acima obtemos

n2 −κ 2
= ε − ωσ 0
(8.6)

σ
2nκ = ε + . (8.7)
ω 0

Para entender o significado de n e κ, substituimos (8.5) em (8.4) e obtemos


para o m´odulo do vetor de onda,
ωn ωκ
k= +i k + ik  ≡
c c

O campo elétrico da onda, dado por (2.14), passa a ser, com k na direção x,

E(x, t) = Re
E 
0 e i ωc nx−iωt e− ωc κx

ω ω
= 0 cos
E nx − ωt e− c κx . (8.8)
c
 
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 293

Vemos então que o campo é descrito por uma função harmˆonica cuja
amplitude decai exponencialmente durante a propagação. Note que n , a parte
real de N (ω ), é a razão entre a velocidade da luz c e a velocidade de fase
vf = ω/k  = c/n, e portanto é o próprio ındice
´ √ de refração. Somente no
caso de meios sem perdas ( κ = 0) temos n = ε, como definido na Eq.(2.10).

A Eq.(8.8) mostra que κ, a parte imagin´aria de N (ω ), produz um de-


caimento exponencial na amplitude do campo. Por esta raz˜ao ele é chamado
coeficiente de amortecimento ou coeficiente de extinção. Para com-
preender o significado de κ, vamos estudar o que ocorre com a energia da
onda. A grandeza que exprime a energia trans portada por uma onda eletro-
 , definido pela rela¸cão,
magnética é o vetor de Poynting S
S = 
E × H . (8.9)

Pode-se mostrar que o m´odulo de S  e´ igual à energia por unidade de ´ area e


por unidade de tempo transportada pela onda. Utilizando as expressões (2.11)-
(2.13), é fácil verificar que para uma onda plana num meio sem perdas, S  tem

a mesma dire¸cão que o vetor propaga¸cão k e tem m´odulo dado por (Problema
8.2),
n 2
S (r, t) = E cos2 (k r ωt + φ) ,
· − (8.10)
cµ0 0

o que mostra que S varia harmonicamente no tempo e no espa¸co. Como nas


considerações de energia o mais importante é a média, define-se a intensidade
de uma onda como o valor médio do módulo do vetor de Poynting. Sendo o
valor médio do cosseno ao quadrado igual a 1/2, temos que a intensidade da
onda é n 2
I =< S >=
2cµ0 0
E . (8.11)

Esta relação mostra que em meio sem perdas, a intensidade de uma onda
harmônica plana é constante, ou seja, não varia no espa¸co nem no tempo. Ela
é proporcional ao quadrado da amplitude do campo elétrico e é igual a energia
média transportada, por unidade de área e por unidade de tempo. Em outras
palavras, a intensidade é a potência média por unidade de área. No Sistema
Internacional ela é expressa em W/m2 .

É possı́vel relacionar a intensidade de um feixe de luz com o fluxo de


fótons. Um feixe com intensidade I e área da seção reta A tem potência média
P = I A. Sendo ω a freqüência angular da onda, a energia de cada fóton é ω .
Portanto, o fluxo de fótons, definido como o n´umero de fótons Φ que atravessa
294 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

uma seção reta do feixe, por unidade de tempo e por unidade de ´ area é dado
por:
I
Φ= . (8.12)
ω

Veja que o número de fótons por unidade de tempo n˜ao varia ao longo do feixe
porque a amplitude é constante. Este resultado não vale para um material
com perdas, no qual N (ω ) tem partes real e imagin´aria. Neste caso, o c´alculo
do vetor de Poynting tem um complicador na defasagem entre os campos  e E
H introduzida
intensidade de pela
uma parte
onda imagin´aria
com campo de N (pela
dado ω ). Eq.(8.8)
Porém, évaria

acil no
mostrar
espa¸ que a
co da
seguinte forma (Problema 8.3),
ω
I (x) = I (0) e −2 c κx ≡ I (0) e −αx
. (8.13)

Esta expressão mostra que κ , a parte imagin´aria de N (ω ), produz ao longo de


x um decaimento exponencial na amplitude da onda. A taxa de decaimento é
caracterizada pelo coeficiente de absor¸cão, definido por,
dI ω
α= − I1 dx =2 κ.
c
(8.14)

Veja que o coeficiente de absor¸cão tem a dimens˜ao do inverso de distˆancia.


O seu inverso, 1 /α, é a distância caracter´
ıstica de decaimento da intensidade

da onda. Como
intensidade, a amplitudecaracter´
o comprimento do campo elétrico
ıstico varia com
da penetração doacampo
raiz quadrada da
no material
é dado por,
2 c
δ= = . (8.15)
α ωκ

As equações (8.6), (8.7) e (8.14) s˜ao válidas em cada valor de freq¨uência


ω . Como veremos mais tarde, em qualquer material todas as grandezas
definidas nesta seção variam com ω . Na região visı́vel do espectro eletro-
magnético os isolantes têm σ  0, e portanto s˜ao transparentes (α = 0).
Porém, na região ultravioleta, sua condutividade é finita e eles absorvem
fortemente a radia¸cão. O aumento da absorção e da constante dielétrica na
região ultravioleta resulta num gradual aumento do ı́ndice de refração com
a freqüência na faixa vis´ ıvel. É isto que faz com que o ı́ndice de refra¸cão
do quartzo fundido diminua com o comprimento de onda (que é inversamente
proporcional a ω ), como na Fig.8.1(b), e que produz a dispersão da luz branca.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 295

8.1.2 Refletividade de Materiais

Uma onda eletromagnética incidindo sobre a superfı́cie de um material qual-


quer dá origem a uma onda refletida e outra refratada. As lei s da ´optica
geométrica relacionam os ângulos de incidência, reflexão e refração, mas nada
dizem em rela¸cão às intensidades das ondas. Para obter a rela¸cão entre as
intensidades é preciso utilizar as condições de contorno na superfı́cie decor-
rentes das equa¸cões de Maxwell. Vamos considerar o caso simples de uma
onda com campo 1 = ŷ (no vácuo ou no ar) incidindo perpendicularmente
na superfı́cice plana de um material com ı́ndice de refraçãocomplexo N (ω ),
E E
como ilustrado na Fig.8.2. O cálculo dos campos refletidos 2 = ŷ 2 e trans- E E
mitido (ou refratado) 3 = ŷ 3 é muito semelhante ao do problema do elétron
E E
numa barreira de potencial (Se¸cão 3.3.3 e problem a 3.5). O campo complexo
no ar, isto é, em x < 0, é,
ω ω
E =E
y 1 e i c x−iωt + E 2 e −i c x−iωt

enquanto no material, suposto semi-infinito, ele é dado por (8.8) com (8.5),
ω
E =Ey 3 e i c N (ω)x−iωt .

E E E
Para obter 2 e 3 em fun¸cão de 1 é preciso aplicar as condições de
contorno em x = 0. A continuidade do campo elétrico tangencial em x = 0 d´a
E = E +E
3 1 2 . (8.16)

√Para impor a continuidade do campo H tangencial, usamos a Eq.(2.13) com


ε substituı́do por N (ω ). O resultado é,
N (ω ) E = E − E . 3 1 (8.17)
2

Figura 8.2: Ilustra¸cão das ondas incidente, refletida e transmitida (refratada) na superfı́cie
de um material.
296 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

De (8.16) e (8.17) obtemos as amplitudes dos campos refletido e transmitido,


E 2 1 N (ω )

= (8.18)
E 1 1 + N (ω )
E 3
=
2
. (8.19)
E 1 1 + N (ω )

A refletividade R é definida pela razão entre as intensidades das ondas


refletida e incidente. Usando (8.18) obtemos,
 2

N (ω ) 1

R= . (8.20)
N (ω ) + 1

Em função das partes real e imaginária de N (ω ), a refletividade pode ser escrita


como,
(n 1)2 + κ2 −
R= . (8.21)
(n + 1)2 + κ2

Note que R é uma grandeza adimensional que freqüentemente é expressa em


percentual. Por exemplo, vidro comum tem n 1, 5 e κ = 0, o que d´ a

R 
0, 04, ou R = 4%. A Eq.(8.21) mostra que a refletividade depende
tanto do ı́ndice de refração quanto do coeficiente de extin¸ cão. No caso de
metais em freq¨uências abaixo da região visı́vel, a absorção é muito forte, de
modo que κ n. Nesta situação as parcelas em n na Eq.(8.21) podem ser
 2
desprezadas
de 100% é precisamente de κdasdecaracter´
em presençauma modo que R marcantes
ısticas 
1. A refletividade pr´Éoxima
dos metais. fácil
verificar que a transmiss˜ao, definida como a raz˜ao entre as intensidades das
ondas transmitida e incidente, é relacionada com R por T = 1 R. Esta −
relação também expressa a conserva¸ cão de energia no processo de incidência
de uma onda na superfı́cie de separação de dois meios.

Exemplo 8.1: Uma onda eletromagnética de comprimento de onda 500 nm incide na superfı́cie
plana de uma amostra de semicondutor de CdTe intrı́nseco. Considerando que neste comprimento
de onda CdTe tem condutividade desprezı́vel e constante dielétrica com parte real ε  = 8,9 e parte
imaginária ε = 2,3. Calcule: a) A velocidade de fase da radia¸cão no comprimento de onda dado;
b) O coeficiente de absor¸cão; c) A refletividade; d) A transmiss˜ao total de uma placa de CdTe com
faces paralelas e espessura 0,1 µm.

a) Para calcular a velocidade de fase é necessário relacionar o ı́ndice de refração n com as partes real
e imaginária da constante dielétrica. Fazendo σ = 0 e substituindo (8.7) em (8.6) obtemos a
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 297

equação para n,
2
ε
n2 − = ε ,
2n

que leva à seguinte equa¸cão biquadrática,


2


n4 −ε 
n2 − ε4 =0.

A solução positiva desta equa¸cão é,


1/2

n = 1 ε + (ε2 + ε2 )1/2 .
2

Logo

√1
1/2
n= 8, 9 + (8, 92 + 2, 32 )1/2 = 3, 01 .
2

Então

c 3 108 ×
vf =
n
=
3, 01
= 9, 97 × 107 m/s .
b) O coeficiente de extin¸cão é calculado por um procedimento análogo,

√12 −ε
1/2
κ= 
+ (ε2 + ε2 )1/2 .

√12 −8, 9 + (8, 92 + 2, 32 )1/2


1/2
κ= = 0, 38 .

O coeficiente de absor¸cão é dado por (8.14),


2ω κ 4π ν κ 4π κ
α= = =
c c λ
4 × 3, 14 × 0, 38 = 9, 55 × 106 m −1
α= = 9, 55 µm−1 .
500 × 10 9 −

c) A refletividade é dada por (8.21),

(3, 01 1)2 + 0, 382



R= = 0, 258 .
(3, 01 + 1) 2 + 0, 382

Portanto, a reflet ividade do CdTe em 500 nm é 25,8 %.


d) Para calcular a transmiss˜ao total é preciso considerar a transmissão nas duas superfı́cies e ao
longo da espessura d da placa,

T = (1 − R)2 e −αd
= (1 − 0, 258)2 × e −9,55×0,1
= 0, 21 .
298 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

8.2 Interação da Radiação com a Matéria-Modelo


Clássico

Nesta seção vamos estudar alguns mecanismos de intera¸cão de ondas eletro-


magnéticas com a matéria que podem ser descritos por um modelo clássico. O
objetivo é compreender alguns fenômenos básicos com modelos simples que per-
mitam calcular ε(ω ) e σ (ω ). Como vimos na se¸cão anterior, estes parˆametros
determinam
rial. n(ω ) eestudaremos
Inicialmente κ(ω ) e portanto as propriedades
a interação ´ opticas
da radia¸cão com de cada mate-
elétrons livres,
que tem um papel essencial nas propriedades ´opticas de metais. Em seguida
estudaremos o modelo clássico da interação com os elétrons ligados. Para com-
preender em detalhe as propriedades ópticas de isolantes e semicondutores será
necessário considerar a natureza quântica desta interação, o que ser´a feito na
próxima seção.

A interação da radia¸cão com a matéria resulta da força que o campo


elétrico da onda exerce sobre as cargas elétricas dos ı́ons e dos elétrons. Como o
campo varia com uma certa freqüência ω , ele tende a criar nas cargas um movi-
mento harmônico com a mesma freq¨uência. Porém, este movimento só será
significativo se as cargas tiverem um modo natural de vibração com freqüência
próxima da freqüência do campo. Por esta razão, no caso dos ı́ons, a interação
com o campo eletromagnético só será importante se este tiver freq¨uência na
faixa 1-10 THz (4-40 meV), caracterı́stica dos modos ópticos de vibra¸cão da

rede cristalina.
brações da rede,Como esta faixa
ou fˆonons, correspondede
só contribuem aomaneira
infravermelho distante, aspara
mais significativa vi-
as propriedades ´opticas nesta regi˜ao do espectro eletromagnético. No caso
de isolantes e semicondutores, os fˆonons dominam as propriedades ´opticas no
infravermelho. Entretanto, nos metais predomina a interação do campo com
os elétrons livres, fazendo com que a refletividade seja próxima de 1, como
veremos a seguir.

Nas regiões do infravermelho próximo, visı́vel e ultravioleta, o movimento


dos ı́ons é desprezı́vel, de modo que as propriedades opticas
´ nessas faixas s˜ao
dominadas pela interação do campo elétrico com os elétrons, livres ou ligados
aos átomos. Vamos estudar os diversos aspectos desta interação separadamente
em várias subseções.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 299

8.2.1 Contribuição dos Elétrons Livres em Metais

Nos metais, o comportamento dos elétrons livres é determinante para as pro-


priedades ópticas numa extensa faixa de freqüências. O movimento dos elétrons
sob a a¸cão do campo elétrico de uma onda plana,
E =E 0 e −ωt , (8.22)

pode ser deduzido pela extensão dos conceitos apresentados na seção 4.5, para

campos variáveis
elétron, a equaçãonodetempo . Sendo
movimento e a for¸
−E
do elétron ca que o campo exerce sobre o
fica,
dv m −iωt
m
dt
+
τ
v= −E 0e , (8.23)

onde m, v e τ são respectivamente a massa, a velocidade e o tempo de colisão do


elétron. O segundo termo de (8.23) representa o amortecimento no movimento
do elétron devido às colisões com a rede e com impurezas. Substituindo em
(8.23) a solu¸cão para regime estacion´ario v = v0 exp( iωt ), obtemos

e 0
−E
v0 = . (8.24)
− imω + m/τ

Considerando N elétrons livres por unidade de volume, obtemos para a densi-


dade de corrente,
J = eNv0 e −iωt .
− (8.25)

Substituindo (8.24) em (8.25) e usando a rela¸ cão J = σ , obtemos para a


E
condutividade do metal,
Ne2 τ
σ (ω ) = . (8.26)

m(1 iωτ )

Este resultado é conhecido como a condutividade do modelo de Drude. Note


que fazendo ω = 0 em (8.26), obtemos a condutividade dc dada pela Eq.(4.30),
como esperado. Substituindo (8.26) em (8.3) obtemos para o ı́ndice de refração
complexo dos metais,
iNe2 τ
N 2 (ω ) = ε c + , (8.27)

mω 0 (1 iωτ )

onde εc e´ a contribuição dos elétrons ligados para constante dielétrica. Como


veremos mais tarde, esta contribuição é mais importante nas regiões visı́vel e
300 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

ultravioleta do espectro, sendo aproximadamente constante no infravermelho.


O fato de σ (ω ) ser complexo faz com que as express˜ oes para as partes real
e imaginária de N (ω ) sejam relativamente grandes e difı́ceis de analisar. Por
esta razão, vamos analisar σ (ω ) aproximadamente em dois limites, baixas e
altas freqüências.

Na aproximação de baixas freqüências fazemos ωτ 


1. Como nos metais
alcalinos (Li, Na, K, Rb e Cs) e nos metais nobres (Cu, Ag e Au), τ 10−13 s, ∼
esta aproximação corresponde a ω 1013 s−1 . Ela vale ent˜ao para a regi˜ao do

infravermelho distante. Nesta região, desprezando iωτ na presença de 1 em
(8.26), vemos que σ (ω ) = n e2 τ /m = σ0 e´ a própria condutividade dc, dada
por (4.30). Ent˜ao, podemos escrever (8.27) na forma,
σ0
N 2 (ω ) ε c +i . (8.28)
ω 0

Usando os valores σ 0 108 Ω−1 m−1 (veja Fig.4.17),  −1


∼ 0 = 36π 109 Nm2 /C2 ×
e ω ∼1012 s−1 , vemos que a parte imagin´ aria de N 2 (ω ) em (8.28) é muito
maior que a parte real, εc ∼
1. Assim sendo, no infravermelho distante os
metais têm ı́ndice de refra¸
cão complexo,
  1/2   1/2
σ0 σ0
N (ω )  (i)1/2 = (1 + i) .
ω 0 2ω 0

Portanto, as partes real e imagin´aria são iguais e muito maiores que 1,


  1/2
σ0
n=κ  1 . (8.29)
2ω 0


A substituição de (8.29) em (8.21) mostra que R 1. Este resultado ex-
plica porque os metais s˜ao refletores quase perfeitos de ondas eletromagnéticas
com freq¨uências abaixo do infravermelho. Eles não s˜ao refletores perfeitos
porque uma pequena fra¸cão da energia da onda penetra numa camada fina na
superfı́cie, sendo absorvida pelos elétrons livres e transformada em calor nos
processos de colis˜ao. Este é o efeito pelicular , caracterizado por um com-
primento de penetração δ (skin depth) da onda, dado pelo dobro do inverso
do coeficiente absorção. Substituindo (8.29) em (8.15) e usando c = (0 µ0 )−1/2
obtemos   1/2
c 2
δ= = . (8.30)
ωκ ωµ 0σ0
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 301

Para o cobre à temperatura ambiente, com σ0 = 0, 6 108 Ω−1 m−1 , a Eq.(8.30)


×
dá δ = 0, 066 mm em ν = 1 MHz e δ = 6, 6 µ m em ν = 100 MHz.

Na aproximação de altas freq¨uências, ωτ 


1, válida para as regi˜oes do
infravermelho próximo, visı́vel e ultravioleta, podemos desprezar a unidade no
denominador de (8.27) e escrever,
ωp2
N 2 (ω ) = ε c
− 
1 , (8.31)
ω2
onde
Ne2
ωp2 = . (8.32)
m0 εc

ωp é chamada a freqüência de plasma do metal. Seu valor é da ordem de


1015 Hz (correspondente a uma energia  ωp 4 eV) nos metais comuns, e por-

tanto está situada no final da faixa visı́vel e inı́cio do ultravioleta. A Eq.(8.31)
mostra que para ω < ωp o ı´ndice de refração N (ω ) é um imaginário puro,

ou seja, n = 0 e κ = εc (ωp2 /ω2 1)1/2 . Nesta situa¸cão a refletividade, dada

por (8.21), é exatamente R = 1. Por esta raz˜ao, à semelhança do que ocorre
no infravermelho, também na região visı́vel os metais são ótimos refletores de
ondas eletromagnéticas. Por outro lado, para ω > ωp , N (ω ) é real, o que faz
com que a absor¸cão devida aos elétrons livres seja nula.

A Fig. 8.3 mostra a varia¸cão da refletividade da prata, em (a) com a

Figura 8.3: Refletividade da prat a: (a) Em fun¸cão da energia do f´ oton da onda eletro-
magnética incidente [H. Ehrenreich et al., Phys. Rev. 128, 1622 (1962)]; (b) Em fun¸cão do
comprimento de onda, em escala ampliada.
302 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

energia do f´oton incidente e em (b) com o comprimento de onda numa escala


ampliada para real¸car detalhes na regi˜ao visı́vel. Note que a prata tem re-
fletividade quase 100% em toda a regi˜ao de energia desde zero até o final da
região visı́vel. Por esta razão a prata reflete todo o espectro de luz branca
igualmente. A refletividade cai bruscamente para próximo de zero nas proxi-
midades da freqüência de plasma. Para energias mais altas R apresenta outras
variações causadas por transi¸cões de elétrons ligados, que serão estudadas a
seguir. É interessante notar que no caso do cobre, estas transi¸ cões produzem
uma variação na refletividade dentro da regi˜ao vis´ıvel. Neste caso, a refletivi-

dadeesta
Por é alta em atoda
razão, a faixa
reflexão do vis´
ıveltem
cobre porém
umaé cor
maior no vermelho
alaranjada, do que no com
que contrasta azul.
o “prateado” da prata.

Exemplo 8.2: A concentra¸cão de elétrons livres na prata é 5, 86 1022 cm−3 e o tempo de colis˜ao
×
é 3, 8 10−14 s. Calcule: a) O comprimento de penetra¸ cão na prata de uma onda eletromagnética
×
com freqüência de microondas, ν = 1 GHz; b) O comprimento de penetra¸cão de um feixe de laser
de argônio com comprimento de onda λ = 514, 5 nm; c) A atenua¸cão sofrida pelo feixe de laser ao
atravessar um filme de prata de espessura 50 Å.

a) Inicialmente é preciso calcular o produto ω τ ,

ωτ = 2π × 109 × 3, 8 × 10 −14
= 2, 38 × 10−3
.

Como ωτ  1, o comprimento de penetra¸cão pode ser calculado por (8.30). Usando o valor
da condutividade da prata calculada no Exemplo 4.3, σ0 = 6, 26 107 (Ωm)−1 , vem, ×
1/2 1/2
2 2
δ= ωµ0 σ0 = 2π × 109 × 4π × 10 7 × 6, 26 × 107

−6
δ = 2, 01 × 10 m = 2, 01 µm.

b) A freqüẽncia do laser de argônio é

c 2π 3 108
× ×
ω = 2πν = 2π
λ
=
514, 5 10−9
× = 3, 66 × 1015 s −1
,

então

ωτ = 3, 66 × 1015 × 3, 8 × 1014 = 1, 39 × 102 .


Neste caso ωτ  1 e o ı́ndice de refração complexo é dado por (8.31). Considerando εc = 1,
a freqüência de plasma da prata dada por (8.32) é,

N e2 5, 86 × 1022 × 106 × 1, 62 × 10 −38


× 36π × 109
ωp2 = =
m0 εc 9, 1 × 10 31 −

ωp2 = 1, 86 × 1032 s −2
.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 303

Logo ω p = 1, 36 1016 s−1 é maior do que ω, o que faz com que N 2 seja negativo e portanto
×
N e´ imaginário. De (8.31) vem

ωp2 1, 86 × 1032 − 1
N =i −1 =i ,
ω2 3, 662 × 1030
N = i 12, 9 .

A Equação (8.5) mostra que a parte imagin´aria de N e´ o próprio coeficiente de extin¸cão κ.


O comprimento de penetra¸cão é então calculado com (8.15),

δ=
c
=
3× 108
15
ωκ 3, 66 × 10 × 12, 9
−9
δ = 6, 35 × 10 m = 63 , 5 Å .

c) A atenuação do feixe numa distˆancia d = 50 Å é

e2d/δ = e 100/63,5 = e 1,57 = 4, 83

Isto significa que ao atravessar o filme de prata, a intensidade do feixe de laser diminui por
um fator 4,83. A atenua¸cão também pode ser expressa em decibéis,

A = 10log 10 e2d/δ = 10 log 10 4, 83

A = 6, 84 dB .

8.2.2 Contribuição de Elétrons Ligados

Como mencionado anteriormente, as propriedades ´opticas dos materiais em


energias da ordem ou maiores que 1 eV são devidas principalmente às transições
dos elétrons ligados nos átomos, ou elétrons de valência. O tratamento cor-
reto dessas transi¸cões, que ser´a apresentado na pr´oxima seção, deve ser feito
com a mecˆanica quântica. Entretanto, é poss´ıvel entender certos aspectos do
fenômeno com um modelo simples devid o a Lorentz. Neste modelo, baseado
na visão cl´assica do ´atomo, supõe-se que a aplica¸cão de um campo elétrico
externo resulta no deslocamento das camadas eletrônicas negativas em relação
ao núcleo positivo, como ilustrado na Figura 8.4(a). Isto produz um momento
de dipolo elétrico que contribui para a permissividade do material. Porém, o
deslocamento relativo das cargas também cria uma força eletrostática restau-
radora que influencia o movimento. Na aproximação linear esta for¸ca é pro-
porcional ao deslocamento, como num oscilador harmˆ onico. O mode lo sim-
plificado mostrado na Figura 8.4(b), consiste de um conjunto massa-mola, no
304 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 8.4: (a) Vis˜ao clássica do efeito de campo elétrico externo  sobre as cargas num
E
átomo; (b) Modelo simplificado de ´atomo sob a¸cão de campo elétrico.

qual uma partı́cula de massa m e carga e iguais as do elétron, está sob a



ação da força do campo elétrico da radiação. Para um campo elétrico variável
com freqüência ω , como em (8.22), a equa¸cão de movimento do elétron é,
d2 x
m
 +Γ
dx

+ ω02 x = −eE e −iωt (8.33)
0
dt2 dt

onde x é o deslocamento do elétron em relação à sua posi¸cão de equilı́brio, ω0


é a freqüência de ressonância do oscilador e Γ é a taxa de amortecimento do
movimento. O primeiro termo de (8.33) é a aceleração do elétron, que multi-
plicada pela massa é igual a soma das forças. O segundo termo é responsável
pelo amortecimento do movimento, e corresponde a uma for¸ca contrária e

proporcional
Eq.(8.23), `a velocidade
porém Γ não édo elétron. do
o inverso Eletempo
é semelhante ao pois
de colisão segundo termo
no caso pre-da
sente o elétron está ligado ao ´atomo. Finalmente, o terceiro termo é a força
restauradora da mola que simula a liga¸cão do elétron com o átomo. Sendo k a
constante da mola, esta for¸ca é kx, onde k = ω 02 m. A solu¸cão de (8.33) no

regime estacionário é

x(t) =
−E
e 0
e−iωt . (8.34)
m(ω02 ω 2 iωΓ)
− −
O deslocamento do elétron, dado por (8.34), produz no átomo um momento

de dipolo elétrico p = ex. Havendo no mater ial N átomos por unidade de
volume, a polariza¸cão (momento de dipolo elétrico por unidade de volume)
resultante é P = Nex. Lembrando a relação entre o vetor deslocamento, a

polarização e o campo elétrico, que define a permissividade,
D = 0 E +P ≡ ε E 0 , (8.35)
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 305

obtemos para a constante dielétrica na freqüência ω ,


ωp2
ε(ω ) = 1 + 2 ,
ω0 ω 2 iω Γ − −
sendo ωp2 = Ne2 /m0 . Note que o v alor de ε nesta equa¸cão tende para 1
quando ω →∞ . Na verdade isto n˜ao ocorre, pois esta é apenas a contribuição
de um elétron ligado. A contribuição de outros elétrons com freqüências de
osciladores maiores faz com que a parte real de ε em altas freq¨uências seja
maior que 1. Representando esta contribuição por ε∞ , podemos escrever a
constante dielétrica em freqüências próximas de ω 0 como,
ωp2
ε(ω ) = ε ∞ + 2 . (8.36)
ω0 ω 2 iωΓ − −
A partir de (8.36) obtemos as partes real e imagin´ aria da constante
dielétrica,
ω 2 (ω 2 ω 2 ) −
ε (ω ) = ε∞ + 2 p 20 2 (8.37)
(ω0 ω ) + ω 2Γ2−
ωp2 ω Γ
ε (ω ) = . (8.38)
(ω02 − ω 2 )2 + ω 2 Γ2

As variações de ε e ε com a freq¨uência estão mostradas na Fig.8.5 para


ωp = 0, 7 ω0 , Γ = 0 , 05 ω0 e ε∞ = 2, 0. Veja que a parte real de ε(ω ) é
desprezı́vel em toda a faixa de freqüência, exceto nas vizinhanças da freqüência
de ressonância ω0 . Como a part e imaginária ε (ω ) está relacionada com a
absorção óptica no material (Eqs.(8.7) e (8.14)), este resultado significa que só
existe absorção em ω ω0 . Esta mesma conclus˜ao é obtida com o tratamento

quântico da intera¸cão da radia¸cão com a matéria, sendo ω0 a separação de
energia entre dois nı́veis quânticos do elétron.

A representação gráfica da fun¸cão que descreve ε (ω ) é chamada forma


de linha de absorção. Como para Γ ω0 , ε (ω ) só é significativa em


ω ω0 , podemos fazer ω0 + ω ≈
2 ω0 2ω em (8.38) e reescrever ε (ω ) na

forma,
ωp2 Γ/4ω0 πω p2
ε (ω )  2 2

fL (ω ) , (8.39)
(ω0 ω ) + (Γ/2)
− 2 ω0

onde
Γ/2π
fL (ω ) = (8.40)
( ω0 − ω) 2 + (Γ/2)2
306 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

10 15

5 10

0 5

-5 0

Figura 8.5: Partes real e imaginária de ε(ω) = ε (ω) + iε  (ω) no modelo cl´assico de um
elétron ligado com freqüência de ressonância ω 0 , para ω p = 0, 7 ω 0 , Γ = 0 , 05 ω 0 e ε ∞ = 2, 0.

cão Lorentziana. A constante 2 π usada na definição faz com que a ´area


é a fun¸ 
sob a curva seja normalizada, fL (ω )dω = 1. O valor m´aximo desta fun¸cão
ocorre em ω = ω 0 , fL (ω0 ) = 2/π Γ, sendo portanto inversamente proporcional
à taxa de amortecimento Γ. Por outro lado, a largura de linha , definida
como a diferen¸ca entre as duas freq¨uências para as quais fL (ω ) = f L (ω0 )/2, é
precisamente Γ (Problema 8.7). Desta forma, quanto menor a taxa de amor-
tecimento menor será a largura de linha e maior ser´a o pico da absor¸cão. Este
mesmo resultado será obtido na pr´oxima seção através do tratamento quântico
da interação radiação-elétron ligado.
É importante notar que ε (ω ) tem a forma da derivada de ε (ω ) em
relação à freqüência. Isto não é apenas uma coincidência, é conseqüência de um
resultado geral pelo qual ε  (ω ) é dado pela integral de uma função relacionada
com  (ω ), e vice-versa. Essas equa¸cões integrais constituem as rela¸cões de
Kramers-Kronig que valem para as partes real e imagin´ aria de ε (ω ), qualquer
que seja o mecanismo da intera¸cão radiação-matéria.

Finalmente, para encerrar esta seção, vamos achar as constantes ´opticas


de um material descrito pelo modelo cl´assico do elétron ligado. Fazendo σ = 0
e substituindo (8.7) em (8.6) obtemos equações biquadráticas para o ı́ndice de
refração n e para o coeficiente de amortecimento κ, como mostrado no exemplo
8.1,

n2 =
1 
ε +
√ε 2 + ε2 (8.41)
2
 
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 307

κ2 =
1 −ε +
√ε2 + ε2
 (8.42)
2

A Figura 8.6(a) mostra, graficamente, as fun¸cões n(ω ) e κ(ω ) obtidas


de (8.37)-(8.42) com os mesmos parˆametros usados na Fig.8.5. Observe que o
ı́ndice de refração é próximo de 1 em toda a faixa de freq¨uências, exceto nas vi-
zinhanças da freqüência de ressonância, onde ele apresenta uma grande anoma-
lia. Por outro lado o coeficiente de extin¸cão, responsável pela atenua¸cão da

onda, é édesprezı́vel
mente, importanteem todaque
notar a faixa masde
o ı́ndice apresenta
refração um pico em
aumenta comω= ω 0 . uência
a freq¨ Final-
na região ω < ω 0 , como evidenciado na curva n(λ) para o quartzo, mostrada na
Fig.8.1(b). É isto que produz o fenˆomeno da dispers˜ao em materiais transpa-
rentes. Isto ocorre porque a freq¨uência de transição eletrônica desses materiais
está acima da faixa visı́vel.

A partir de n e κ pode-se calcular a refletividade R do material usando


a Eq.(8.21). O gr´afico de R(ω ) obtido com n(ω ) e κ(ω ) da Fig.8.6(a) est´a
mostrado na Figura 8.6(b). A refletividade apresenta um pico em freq¨uência
um pouco acima de ω0 e com uma linha mais larga que as de ε (ω ) e κ(ω ),
porque nela também há uma contribui¸cão importante da dispers˜ao de n(ω ).
Note que num material real h´ a várias transi¸cões eletrônicas com diferentes

Figura 8.6: (a) Variação do ı́ndice de refração n e do coeficiente de extin¸cão (ou amorteci-
mento) κ com a freq¨uência com os mesmos parâmetros usados na Fig.8.5. (b) Refletividade
calculada com a Eq.8.21.
308 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

freqüências, e portanto R(ω ) apresenta v´arios picos. É um desses picos ocor-


rendo com energia pr´oxima de 2 eV, que d´a ao cobre a colora¸cão alaranjada.

Exemplo 8.3: Um material dielétrico tem uma linha de absorção devido a um fˆonon no infraver-
melho, com freqüência angular ω 0 = 2 1014 s−1 , largura de linha Γ = 10 13 s−1 e com ω p = 0, 7 ω 0 .
×
Sabendo que ε ∞ = 2, 0, calcule o coeficiente de absorção e a refletividade do material para um feixe
de infravermelho com freqüência igual a do pico de absorção.

Inicialmente é preciso calcular as componentes real e imaginária da constante dielétrica.


Usando (8.37), com ω = ω 0 , vem ε = ε ∞ = 2, 0. Usando (8.38), com ω = ω 0 , vem,


ωp2 0, 72 2 1014
× ×
ε = = = 9, 8 .
ω0 Γ 1013

O ı́ndice de refração n e o coeficiente de extin¸cão κ são calculados com (8.41) e (8.42)

√12 √4 + 96 1/2
n= 2+ = 2, 45

κ= √12 −2 + √4 + 96 1/2 = 2, 0

O coeficiente de absor¸cão é dado por (8.14),

α=
2 × 2 × 1014 × 2, 0 = 2, 67 × 106 m −1

3 × 108

A refletividade é dada por (8.21),


(2, 45 1)2 + 2, 02 = 6, 10 = 0, 38
R= .
(2, 45 + 1)2 + 2, 02 15, 90

Note que os valores obtidos para ε, n, κ e R coincidem com os valores das Figuras 8.5 e 8.6
em ω = ω 0 . Observe na Figura 8.6 que o pico em R não ocorre exatamente em ω 0 .

8.3 Teoria Quântica da Interação Radiação-Matéria

Na seção anterior fizemos a suposi¸cão de que os elétrons se comportam como


part´ıculas clássicas, ligadas ao ´atomo por uma for¸ca do tipo de um oscilador
harmônico. Este modelo levou ao resultado de que a absor¸cão óptica ocorre
quando a freq¨uência do campo de radiação é aproximadamente igual a do
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 309

oscilador harmônico. Sabemos, entretanto, que na mecânica quântica o elétron


é descrito por uma função de onda, cujo m´ odulo ao quadrado representa a
probabilidade de encontr´a-lo numa certa posi¸cão. É preciso agora entender
como a natureza quântica do elétron influencia a absorção da luz pela matéria.
Como veremos a seguir, o resultado quˆ antico da intera¸cão da luz com um
sistema de dois nı́veis é consistente com o do modelo clássico. Entretanto, há
vários aspectos desta intera¸cão que n˜ao estão contidos no modelo cl´assico e
que são essenciais para compreender certas propriedades ópticas de materiais,
como por exemplo as transi¸cões interbanda e a emissão estimulada de luz.

8.3.1 Transições entre Nı́veis Discretos

Vamos considerar inicialmente um sistema no qual um elétron pode ocupar es-


tados com n´ıveis discretos de energia. O sistema pode ser um elétron num po¸ co
de potencial infinito, ou num ´ atomo por exemplo. Como vimos no Capı́tulo
3, se o potencial do elétron não varia no tempo, ele pode ocupar estados esta-
cionários caracterizados por um n´umero quântico n, descritos por fun¸cões de
onda,
i
ψ(r, t) = ψn (r) e− Ent . (8.43)

Neste caso o valor esperado de qualquer operador n˜ ao varia no tempo, em


virtude da definição (3.14). O elétron permanece nesse estado indefinidamente
e sua energia é exatamente E n , constante. Vejamos o que acontece se o elétron
estiver num estado dado pela combinação linear de dois estados estacion´arios,
como por exemplo,
i i
ψ(r, t) = ψ1 e − E1 t
+ ψ2 e− E2 t
. (8.44)

Esta equação pode ser reescrita na forma


i
ψ(r, t) = e− E1 t
(ψ1 + ψ2 e −iω12 t ) , (8.45)


onde ω12 = (E2 E1 )/. Com a d efini¸cão (3.14) pode-se escrever o valor
esperado de um operador qualquer F no estado (8.45) como

< F (t) > = < F >1 + < F >2 +


 ψ1∗ F ψ2 e −iω12t dV +
 ψ2∗ F ψ1 e iω12t dV,

onde < F >1 e < F >2 são os valores esperados de F nos estados estacionários
1 e 2, que s˜ ao constantes. Se F e´ um operador hermiteano ψ2∗ F ψ1 dV =

310 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

  ∗
ψ1∗ F ψ2 dV = F12 eiϕ . Neste caso
| |
| |
< F (t) > = < F >1 + < F >2 + 2 F12 cos(ω12 + ϕ). (8.46)

Vemos então que se o elétron está num estado que é uma combinação
de estados com energias E 1 e E2 , o valor esperado de um operador varia har-
monicamente no tempo com freq¨uência angular ω12 = (E2 E1 )/. Pode-se −
mostrar, sem dificuldade, que a probabilidade de encontrar o elétron no estado
1, ou no estado 2, também varia harmonicamente no tempo com freqüência
ω12 . Dizemos que o elétron sofre transições de 1 para 2 ou vice-versa. Para
que um elétron que esteja inicialmente no estado 1, ou em 2, passe a sofrer
transições entre 1 e 2, é preciso ter uma ação externa que varia no tempo com

freqüência ω ω12 . Usando a mecˆanica quântica, mostraremos a seguir como
calcular a probabilidade de ocorrência dessas transições.

Consideremos um elétron num átomo, ou num po¸co de potencial qual-


quer, submetido a uma perturba¸cão externa dependente do tempo. Esta per-
turbação pode ser a for¸ca do campo elétrico de uma onda eletromagnética, por
exemplo. A equa¸cão de Schroedinger (3.24) para o elétron é ent˜ ao,
 ∂ψ
[ 0 + (t)] ψ = i 
H H , (8.47)
∂t
H
onde 0 é o Hamiltoniano constante correspondente ao poço de potencial e

H (t) representa a interação variável no tempo devido `a perturbação externa.

Normalmente 0 H H
, pois a interação que mantém o elétron no po¸
co é muito
maior que a perturbação externa. Como já sabemos que o efeito da perturbação
é(8.47)
provocar transições
na forma de umaentre os estados
expans˜ eletrˆonicos, procuramos
ao em auto-fun¸cões solu¸cões para
ψn do Hamiltoniano n˜ao
H
perturbado 0 , que consideramos conhecidas, na forma,

Ψ(t) = an (t) ψn e −iEn t/ . (8.48)
n

Para obter os coeficientes an (t) que determinam a função de onda, substituimos


(8.48) em (8.47) e usamos a equa¸cão 0 ψn = E n ψn .
 an [En + 
H (t)]ψ ne
−iEn t/
= i
H  dan
− iE n

an ψn e −iEnt/ .
n n
dt 

Com o cancelamento dos termos em E n a equação fica,


dan  
i ψn e −iEnt/ = an  (t) e−iEn t/ H .
n
dt n
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 311

∗ +iEm t/
Multiplicando os dois lados `a esquerda por ψ m e , integrando no volume
e usando (3.13) que exprime a condi¸cão de normalização e ortogonalidade das
autofunções obtemos para os coeficientes a expans˜ao,
dam 1
=
 an (t) e i(Em −En)t/
 ∗
ψm 
H (t) ψ dV . (8.49)
n
dt i n

Como nenhuma aproximação foi feita até o momento, esta equação é inteira-
mente equivalente à equação de Schroedinger dependente no tempo. Ela é a
base da formula¸cão matricial da mecˆanica quântica. Agora vamos considerar
que a perturba¸cão é produzida por um campo harmônico com freq¨uência ω ,
de modo que,

H(t) =  e−iωt .
H (8.50)

A Eq.(8.49) toma a forma


dam 1  
= an (t) H mn e i(ωmn−ω)t , (8.51)
dt i n

 
onde ω mn = (Em En )/ e mn
− Hé o elemento de matriz do operador H entre
os estados m e n , definido por

H 
=
 ∗
ψm 
H ψ dV . (8.52)
mn n

A Eq.(8.51) pode ser utilizada para calcular a evolu¸ cão no tempo do


estado do sistema devido `a perturbação  e−iωt . Vamos supor que um elétron
H
está inicialmente num estado discreto n de um Hamiltoniano 0 , quando uma H
pequena perturba¸cão externa do tipo (8.50) é aplicada. A partir de (8.51)
pode-se calcular o coeficiente correspondente a um estado m num instante t e
portanto a probabilidade do elétron ser encontrado neste estado, que é dada
por am 2 . Pode-se mostrar então (Apêndice A) que a probabilidade por
| |
unidade de tempo do elétron sofrer uma transição para um conjunto de
estados m muito próximos uns dos outros é dada por
2π  2
Wmn =

|H |
mn D (Em = E n +  ω ) , (8.53)

onde D é a densidade de estados com energia Em = En +  ω . A Eq.(8.53) é


chamada a regra de ouro da teoria de perturbação. No caso da transição entre
dois nı́veis de energia alargados pelo efeito de amortecimento, a densidade de
estados é dada por uma forma de linha Lorentziana. No caso de transição entre
bandas, a densidade de estados tem a forma daquela estudada no Capı́tulo 4.
312 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

8.3.2 Absorção de Luz e Luminescência

Vamos utilizar a teoria de perturba¸cão para calcular os efeitos da intera¸ cão


de uma onda eletromagnética com um sistema de átomos. Inicialmente consi-
deramos um conjunto de N átomos (por unidade de volume) independentes,
com nı́veis de energia E1 , E2 , E3 , etc. Esta é a situação que ocorre em gases
ou em transi¸cões entre nı́veis discretos em sólidos. Quando o sistema est´a em
equilı́brio térmico numa certa temperatura T , os elétrons sofrem transições
de um nı́vel para outro devido às interações com fˆonons térmicos, no caso de
sólidos, ou as colis˜oes atômicas, no caso de gases. No entanto, enquanto os
elétrons em um certo número saem de um determinado nı́vel, outros elétrons
em igual número chegam naquele nı́vel (em outros átomos), de modo a manter
o equilı́brio térmico do sistema. É possı́vel mostrar que, no equil´ıbrio térmico,
as populações Ni e Nj dos nı́veis Ei e Ej (Ni e´ o número de ´atomos por
unidade de volume com elétrons no nı́vel E i ) obedecem à relação,
Ni e−Ei /kB T
= −Ej /kB T = e−(Ei −Ej )/kB T . (8.54)
Nj e

Esta é a distribuição de Boltzmann, que se aplica a um sistema de partı́culas


distinguı́veis, que no caso presente são os diferentes ´atomos do sistema. De
acordo com a Eq.(8.54), a popula¸cão de um certo nı́vel i diminui exponencial-
mente com o aumento da energia Ei ou com a diminui¸cão da temperatura.
Este é um resultado esperado, porque é exatamente a excitação térmica que
leva os elétrons do estado fundamental para nı́veis de maior energia.

A presença de um campo eletromagnético no sistema tende a produzir


transições entre nı́veis de energia cuja separação esteja pr´oxima da energia
dos fótons ω . A Eq.(8.53) mostra que a probabilidade de transi¸ cão induzida
pelo campo do nı́vel m para o nı́vel n e´ igual a de n para m. Desta forma,
a tendência do campo é de igualar as populações Nn e Nm . Entretanto, esta
igualdade só ocorreria se a intensidade do campo fosse suficientemente alta
para vencer o papel da excita¸ cão térmica. Este efeito é importante no caso
de lasers. Nesta se¸cão vamos supor que o campo é pequeno e que o equilı́brio
térmico não é perturbado.

Vamos calcular as constantes ópticas de um sistema de átomos con-


siderando, para simplificar, que eles têm apenas dois nı́veis, E 1 e E2 ( E2 > E1 ),
com populações N 1 e N 2 . Quando um campo elétrico
E = ŷ E e−iωt
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 313

Figura 8.7: Transições eletrônicas em sistema de dois nı́veis, por absorção (a) e por emiss˜ao
(b) de fótons.

é aplicado ao sistema, os elétrons ficam sujeitos a uma intera¸


cão com energia
−eφ(y) = eE y, que resulta num termo de perturba¸cão do Hamiltoniano dado
y
por
 −iωt
H (t) = e E y e ≡ −E p y e−iωt ,


onde p y = ey é a componente y do operador momento de dipolo elétrico. De
acordo com a regra de ouro (8.53) as probabilidades de transi¸ cão, por unidade
de tempo, para o sistema passar do nı́vel 1 para o nı́vel 2, ou vice-versa, são,
2π 2
W12 = W 21 = E p212 D (E2 −E 1 = ω ) , (8.55)

onde p12 é o elemento de matriz do operador py entre os estados 1 e 2 (omitimos


o ı́ndice y para simplificar a nota¸cão) Quando h´a N 1 elétrons no nı́vel inferior
(por unidade de volume), a potência absorvida do campo eletromagnético pelo
sistema é N 1 W12 ω , pois N 1 W12 e´ o número de fótons absorvidos por unidade
de tempo e volume. Por outr o lado, N2 W21 ω e´ a potência emitida pelos
elétrons que passam do nı́vel 2 para o nı́vel 1 pela emissão de f´otons. Os
processos de absorção e emissão de f´otons por transi¸cões eletrônicas num
sistema de dois nı́veis estão ilustrados na Fig.8.7.

A potência l´ıquida por unidade de volume absorvida pelo sistema é ent˜


ao
2π 2
P= (N1 −N )E2 p212 D (ω )  ω .

Note que a potência absorvida por unidade de volume pode ser identificada
como dI/dx , uma vez que a intensidade da onda I é a potência transmitida

314 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

por unidade de ´area. Assim sendo, usando (8.11) e (8.14) na rela¸ cão dI/dx =
−P e observando que D(ω ) = D (ω )/, obtemos o coeficiente de extin¸cão
2π 2
κ= (N1 −N )p2 12 D (ω ) . (8.56)
n0 

Considerando para D (ω ) uma forma de linha Lorentziana fL (ω ) dada por


(8.40), a substitui¸cão desta equa¸cão em (8.7) fornece a parte imagin´ aria da
constante dielétrica

2 Γ
ε (ω ) = (N1 −N )p
2
2
12 , (8.57)
0 (ω21 − ω) 2 + (Γ/2)2

onde ω21 = (E2 E1 )/. Esta equação tem a mesma forma de (8.39) com ω21 no

lugar ω0 e 2(N1 N2 )p212 /0 lugar de ω p2 /4ω0 (veja Problema 8.8). Isto mostra

que o resultado cl´assico é consistente com o quântico, como foi antecipado.
Entretanto, há detalhes importantes do resultado quˆantico que não aparecem
no tratamento clássico. Da Eq.(8.57) conc luimos que para have r absor¸cão de
energia em transições eletrônicas entre dois nı́veis E 1 e E 2 é preciso que: 1) A
 −
freqüência da radiação seja ω (E2 E1 )/; 2) A popula¸cão do nı́vel inferior
seja maior que a do nı́vel superior, ou seja, N1 N2 > 0; 3) O elemento de

matriz p12 do operador momento de dipolo elétrico entre os estados dos dois
nı́veis seja diferente de zero. Esta última condi¸cão d´a srcem ` as regras de
seleção para transição de dipolo elétrico que determinam quais transições
são poss´ıveis por absorção ou emiss˜ao de f´otons. Como foi menc ionado na
seção 3.4, as regras de sele¸ cão para transi¸cões no ´atomo de hidrogênio com
±
campo linearmente polarizado são ∆ = 1 e ∆m = 0 (Problema 8.10).

O processo de absor¸cão de luz que acabamos de tratar, ocorre quando


a radiação eletromagnética interage com um conjunto de átomos produzindo
transições de nı́veis quânticos de menor energia para outros nı́veis de maior
energia. Outro proces so ´optico muito importante é a emissão espontânea
de radiação, que ocorre quando os ´atomos passam de um estado excitado para
outro estado de menor energia, mesmo sem a presen¸ ca de radia¸cão externa.
A probabilidade por unidade de tempo para haver emiss˜ ao espontânea com
transição de nı́vel 2 para o nı́vel 1, como na Figura 8.7(b), também é dada
E
pela Equação (8.55). Porém, neste caso o campo que aparece em (8.55) é
aquele associado às flutuações quânticas do estado fundamental de zero fótons.
Havendo um momento de dipolo elétrico entre os estados 1 e 2, a transi¸cão
de 2 para 1 ocorre com a emiss˜ ao de um f´oton, sendo chamada de transição
−1
radiativa. O tempo caracterı́stico desta transição é dado por τR = W 12 . Se
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 315

o momento de dipolo entre os dois estados for nulo, a transi¸ cão de 2 para
1 também pode ocorrer, mas neste caso, em vez de haver emissão do f´oton,
há emissão de fˆonon ou de alguma outra excita¸ cão elementar. Este tipo de
transição é chamada não-radiativa .

O processo pelo qual os ´ atomos são colocados em estados excitados, e


subseqüentemente decaem por meio de transições radiativas, é chamado de lu-
minescência. Dentre os v´arios mecanismos que produzem luminescência em
materiais, os mais importantes são a fotoluminescência e a eletroluminescência.
A fotoluminescência é aquela na qual os átomos são levados para estados ex-
citados por meio da absor¸ cão de f´otons de maior energia. Este processo ´e
importante em lasers de s´olidos com impurezas, que serão apresentados na
Seção 8.6.2. A eletroluminescência é aquela na qual a emissão de luz é cau-
sada por um est´ ımulo elétrico, como a passagem de uma corrente elétrica, como
ocorre nos diodos emissores de luz e nos lasers de diodo, ou pela incidência de
um feixe de elétrons, ou com a aplicação de um campo elétrico intenso.

8.3.3 Absorção e Emissão de Luz em Isolantes e Semicondutores

No caso de cristais, o tratamento quˆantico da interação radiação-matéria deve


levar em conta o fato de que os elétrons são descritos por fun¸cões de onda
com vetor de onda k. Além disso eles têm energia E (k ) na forma de bandas
e não em nı́veis discretos. A aplicação da regra de ouro (8.53) para cristais
com bandas no esquema reduzido `a primeira zona de Brillouin mostra que as
transições eletrônicas entre bandas devem conservar energia e momentum. No
caso de transi¸cões produzidas apenas por f´otons tem-se
Ef −E = ± i ω , (8.58)

kf − k = ±k
i (8.59)

onde Ef e E i são as energias do elétron nos estados final e inicial, respectiva-


mente, kf e ki são os vetores de onda correspondentes, ω e k são a freq¨uência
e o vetor de onda do f´ oton absorvido ( Ef > Ei ) ou emitido ( Ef < Ei ) na
transição. Para f´otons da regi˜ao visı́vel k ∼105 cm−1 , sendo portanto des-
prezı́vel em relação ao valor da fronteira da zona de Brillouin, de modo que a
transição entre bandas ocorre com kf k i . A Fig.8.8 mostra duas transições

de absorção entre as bandas de valência e de condução num isolante ou semi-
condutor de gap direto. A transi¸cão com energia mı́nima é aquela que ocorre
316 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 8.8: Absor¸cão de fótons em semicondutor de gap direto. O f´oton de mı́nima energia
que é absorvido tem freqüência ω g = Eg /.

no centro da zona, kf = ki = 0, e com f´ otons de energia igual ao gap do


semicondutor, ωg = Eg . Fótons com energia menor que Eg atravessam o
semicondutor sem absor¸cão por transi¸cão entre as banda s. Por outro lado,
fótons com ω > ωg são facilmente absorvidos porque h´a um grande n´umero
de estados eletrônicos com kf = ki > 0. Usando a Eq.(8.53) para calcu lar
a probabilidade de transi¸cão entre as bandas de valência e de condução, com

densidades
ciente de estados
de absor¸ dadas por (5.12)
cão no semicondutor e (5.13),
de gap diretopode-se mostrar
varia com queuência
a freq¨ o coefi-na
forma,
α(ω ) (ω Eg )1/2 /ω ,
∼ − (8.60)


para ω Eg e α(ω ) = 0 para ω < Eg . Este resultado, ilustrado na Fig.8.9,
mostra que o coeficiente de absor¸cão aumenta rapidamente com ω acima do
ıtico ω g = Eg /.
valor cr´

A situação em semicondutores de gap indireto é mais complicada. Como


ilustrado pela seta na Fig.8.10, a transi¸cão de um elétron do topo da banda
de valência para o mı́nimo da banda de condução num semicondutor como
silı́cio, requer uma grande mudança no vetor de onda. Isto n˜ ao pode ser feito
somente com a absor¸cão de um f´oton pois este tem k 
0. Esta transi¸cão
pode ocorrer com a absor¸ cão de um f´oton com energia ω e vetor de onda
desprezı́vel (k  0) acompanhada da absor¸cão de um fˆonon de energia Ω e
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 317

Figura 8.9: Varia¸cão do coeficiente de absor¸cão com a freq¨uência do fóton em semicondutor


de gap direto.

momentum k , ou da emiss˜ao de um fˆonon com energia Ω e momentum − k.



Neste caso, as equa¸cões de conservação de energia e momentum s˜ao
Ef −E = ω±i  Ω (8.61)

kf − k = k
i , (8.62)

onde os sinais + e −
em (8.61) correspondem, respectivamente, aos processos
com absorção e emissão de fˆonon. Note que no caso do processo com absor¸ cão
de fônon, a energia mı́nima do fóton necessária para produzir a transi¸ cão é
Eg Ω,
− enquanto no caso do processo com emissão de fˆonon a energia mı́nima
é E g + Ω. Entretanto, os semicondutores de gap indireto também podem ter
uma transição direta ( k 0) para um mı́nimo relativo da banda de condução,

com energia Eg + E  , como ilustrado na Fig.8.10. Como a transi¸cão indireta
envolve três excitações elementares, ela tem probabilidade de ocorrência menor
que a direta, na qual os fˆonons não participam. Por esta raz˜ao, a combina¸cão
dos processos indireto e direto resulta num coeficiente de absor¸ cão que varia
com a freq¨uência como ilustrado na Fig.8.11.

Sendo a energia de fˆonons ( Ω 0, 05-0,1 eV) muito menor que os va-



lores tı́picos da energia do gap ( Eg ∼
1 eV), em primeira aproxima¸cão a
energia cr´ ıtica abaixo da qual o semicondutor intrı́nseco (ou isolante) n˜ao
absorve fótons por transi¸cão interbanda é Eg . Por outro lado, f´otons de ener-
gia maior que Eg são fortemente absorvidos resultando na gera¸cão de pares
elétron-buraco. Este processo possibilita o uso de semicondutores em detetores
de radiação eletromagnética. O processo inverso pelo qual fótons são emitidos
318 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

( )

E ’

Eg

Figura 8.10: Transições eletrônicas do topo da banda de valência para dois mı́nimos da
banda de condução em semicondutor de gap indireto como Si. A transi¸ cão indireta envolve
fônons e tem energia E g . A transi¸cão direta tem energia E g + E  .

na recombinação de pares elétron-buraco, é chamado luminescência . Ele é a


base da opera¸cão dos diodos emissore s de luz e dos lasers semic ondutores. A
Tabela 8.1 apresenta as energias do gap e os comprimentos de onda correspon-
dentes para vários semicondutores importantes, indicando também a natureza
do gap, direto (d) ou indireto (i). Vê-se na tabela que existem semicondutores
para fabricar diodos emissores de luz em diversos comprimentos de onda. Além
disso, através da combinação de compostos diversos na forma de ligas, como

Gax A1−x As, é poss´ıvel obter materiais com gaps variando continuamente em

Figura 8.11: Varia¸cão do coeficiente de absor¸cão com a freq¨uência em semicondutor de gap


indireto.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 319

Semicondutor Gap E (eV) λ (µm)

Si i 1,12 1,11
Ge i 0,67 1,88
AN i 5,90 0,21
AAs i 2,16 0,57
GaN d 3,40 0,36
GaP i 2,26 0,55
GaAs
InP dd 1,43
1,35 0,86
0,92
InAs d 0,35 3,54
InSb d 0,18 6,87
CdS d 2,53 0,49
CdTe d 1,50 0,83

Tabela 8.1: Energias do gap e comprimentos de onda correspond entes de semicondutores


importantes à temperatura ambiente [Wilson e Hawkes].

extensas faixas das regi˜oes vis´ıvel e infravermelho.

Os processos de absor¸cão e emiss˜ao de luz interbanda em isolantes s˜ao


iguais aos dos semicondutores. Entretanto, como a energia do gap nos isolantes
é da ordem de 10 eV, os fótons da regi˜ao vis´ıvel, não têm energia suficiente
para produzir transições interbanda. Esta é a razão pela qual cristais isolantes,
como diamante, safira, e cloreto de s´odio, por exemplo, s˜ao quase inteiramente
transparentes à luz vis´ıvel.

Para ilustrar as propriedades ópticas mais importantes dos isolantes,


mostramos na Figura 8.12 espectros de transmissão da safira, a forma cristalina
do A2 O3 . A Fig. 8.12(a) mostra a transmissão em fun¸cão do comprimento
de onda, representado numa escala logarı́tmica para ressaltar toda a faixa
de transparência. Ele mostra uma transmissão acima de 80% na faixa de
comprimento de onda entre 200 nm (energia de 6,2 eV) e 2500 nm (0,5 eV),
estendendo-se do infravermelho ao ultravioleta próximo e abrangendo toda a
região visı́vel (400 a 700 nm). A depressão na transmiss˜ao na forma de um
pico negativo em torno de λ = 3000 nm e a forte diminui¸cão em λ > 6000 nm,
resultam da absorção da radiação infravermelha pelos fônons ópticos da safira.
Por outro lado, a queda na transmissão na região ultravioleta, em λ < 200 nm,
320 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 8.12: Espectros de transmiss˜ao medidos em amostras de A 2 O3 . (a) Cristal puro,


chamado safira, em escala logarı́tmica de comprimento de onda, para mostrar toda a faixa
de transparência; (b) comparação dos espectros de safira (A 2 O3 puro) e de rubi (A 2 O3
com 0,05% de Cr 3+ ).

é devida à absorção pelas transi¸cões interbanda produzidas pelos f´otons com


energia ω > 6 eV.

Na faixa de transparência não há transições para absorver os f´otons e

portanto o coeficiente
imaginária do ı́ndice dederefração
absorçãoé édesprezı́vel
desprez´ ıvel.e aNesta situa¸
componentecão real √
a componente
é n = ε,
que no caso da safira tem valor n = 1, 77. Com este valor de n , a refletividade,
dada por (8.21) é R = 0, 077, enquanto a transmiss˜ao em uma superf´ıcie é
T = (1 R) = 0, 923. Ocorre que o espec tro mostrado na Figura 8.12 foi

medido numa amostra na forma de uma placa fina, que reflete a onda nas duas
superf´ıcies. Por esta razão, a transmiss˜ao é dada por (1 R)2 = 0,85, que é

o valor observado na Figura 8.12. A presen¸ca de uma pequena quantidade de
impurezas de Cr3+ na safira produz duas bandas de forte absor¸cão, mostradas
na Figura 8.12(b). A banda de maior energia está no azul, centrada em λ = 400
nm (3,1 eV), e a de menor energia est´a na regi˜ao verde-amarelo, centrada em
λ = 550 nm (2,25 eV). A presen¸ ca destas bandas faz com que o cristal de
Cr3 :A2 O3 tenha uma cor vermelha, como ser´a explicado na pr´oxima seção.
Este cristal é o rubi, encontrado na natureza como uma pedra preciosa. O rubi
também pode ser crescido sinteticamente por meio das técnicas apresentadas
no Cap´ıtulo 1.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 321

Exemplo 8.4: Uma amostra de CdTe tem a forma de uma placa de faces paralel as, de espessura
0,3 µm com camadas anti-refletoras nas duas faces. Calcule a transmissão de um feixe de luz de
laser de He-Ne, comprimento de onda 632,8 nm que incide normalmente sobre a placa.

No Exemplo 8.1 calculamos o coeficiente de absorção do CdTe no comprimento de onda λ 1


= 500 nm, tendo obtido α(ω1 ) = 9,55 106 m−1 . Como CdTe é um semicondutor de gap direto, a
×
variação do coeficiente de absor¸cão com a energia nas proximidades da energia do gap é dada pela
Equação (8.60). Ent˜ao, o coeficiente de absor¸cão no comprimento de onda λ 2 = 632,8 nm pode ser
calculado com,
1/2 1/2
α(ω2 ) = ( ω2 −− EEgg ))1/2 ωω12 = (( ω2 −− EEgg ))1/2 λλ21
α(ω1 ) ( ω1 ω1

A energia do gap de CdTe dado na Tabela 8.1 é Eg = 1, 5 eV. As energias dos f´ otons
correspondentes aos dois comprimentos de onda são,

hc 6, 63 10−34 3 108
× × × −19
ω2 = = = 3, 14 × 10 J
λ2 632, 8 10−9 ×
ω2 =
3, 14× 10 19 −

1, 6× 10 19 = 1, 96 eV

ω1 = 1, 96 × 632,
500
8
= 2, 48 eV

Logo
1/2
α(ω2 ) = 9, 55 × 106 (1,(2,9648−−1,1,5)5)1/2632,
500
8
= 8, 28 × 106 m −1

Como não há reflexão nas superf´


ıcies, a transmissão é dada por
T = e−αd = e−8,28×0,3 = 0, 084 .

Portanto a transmissão é 8,4 %.

8.3.4 Absorção e Emissão de Luz em Materiais com Impurezas

Em cristais semicondutores ou isolantes contendo impurezas, a presen¸ ca de


nı́veis discretos de energia entre as bandas de valência e de condução dá srcem
a importantes processos de absorção e emissão de fótons. A Figura 8.13 ilust ra
processos de emissão em semicondutores tipo n e tipo p. Em (a) um elétron da
banda de condução passa para um nı́vel vazio de impureza aceitadora emitindo
322 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 8.13: Ilustração de dois tipos de recombina¸cão elétron-buraco envolvendo nı́veis de


impureza com emiss˜ao de f´otons: (a) Impureza aceitadora em semicon dutor tipo p; (b)
Impureza doadora em semicondutor tipo n.


um fóton de energia Ec Ea . Em (b) um elétron no nı́vel de impureza doadora
recombina com um buraco da banda de valência emitindo fóton de energia
Ed Ev .

Apesar do n´umero de impurezas num s´olido ser muito pequeno com-
parado com o dos ı́ons de cristal, os processos de emissão e absorção de f´otons
envolvendo nı́veis de impurezas são muito importantes, especialmente nos semi-
condutores de gap indireto. Isto é devido ao fato de que a função de onda de
um elétron ligado a uma impureza tem uma localização espacial ∆ x da or-
dem da distância interatômica a . Esta incerteza na posi¸cão do elétron resulta
numa incerteza no seu momentum ∆ p, dada por (2.46), ∆ x ∆ p /2. Sendo ≥
∆x a, a incerteza no vetor de onda do elétron é ∆k 1/2a, que cobre uma
∼ ∼
larga faixa da zona de Brillouin. Em conseq¨uência, as transições envolvendo
impurezas podem ocorrer por emissão ou absorção de fótons, sem a necessidade
da participa¸cão dos fˆonons para ajudar na conserva¸cão de mome ntum. Isto
torna estas transi¸cões muito mais eficientes do que as transi¸ cões interbanda
nos semicondutores de gap indireto . Devido à facilidade dos elétrons e bura-
cos se recombinarem por este processo de emiss˜ao de f´otons, as impurezas s˜ao
chamadas de centros de recombinação.

As transições entre nı́veis discretos também são muito importantes em


isolantes contendo impurezas de certos elementos, especialmente os do grupo
de transição 3d e as terras raras. Como veremos no pr´oximo cap´ ıtulo, nestes
elementos a formação dos ı́ons das impurezas deixa uma camada eletrônica in-
completa, que freqüentemente tem nı́veis de energias dentro do gap do isolante.
Esta é a srcem das bandas de absor¸cão que aparecem em cristais de A 2 O3
(safira) com impurezas de Cr3+ , mostradas na Figura 8.12(b). A presen¸ca das
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 323

Figura 8.14: Nı́veis de energia e transições importantes em Cr 3+ :A2 O3 , o rubi.

impurezas introduz no gap dois conjuntos numerosos de nı́veis que formam as


bandas 4 F1 e 4 F2 , além dos nı́veis discretos 2 E e 2 F2 , mostrados na Figura
8.14. Quando o cristal é iluminado com luz branca, ocorrem transições do es-
tado fundamental 4 A2 para as bandas 4 F1 e 4 F2 por absorção de f´otons. Essas
transições são responsáveis pelas bandas de absor¸cão da Figura 8.12(b). Sub-
seqüentemente os elétrons da banda 4 F2 decaem rapidamente para o nı́vel 2 E,
por transições não-radiativas, e daı́ voltam para o estado 4 A2 por transições
radiativas com a emissão de f´otons de comprimento de onda 694,3 nm. Desta
forma o cristal absorve luz branca e emite luz vermelha, dando ao rubi sua
cor vermelho vivo. Este é o processo de fotoluminescência, no qual se baseia o
laser de rubi, que foi pioneiro dos lasers, descoberto em 1960.

8.4 Fotodetetores

Fotodetetores são dispositivos que convertem luz num sinal elétrico. Existem
vários fenômenos que possibilitam a fabricação de um fotodetetor. O primeiro
a ter importˆancia tecnológica foi o efeito fotoelétrico, descoberto no final do
século XIX e estudado no Cap´ıtulo 2. Ele é a base da opera¸ cão das tradicionais
células fotoelétricas, feitas de um bulbo a v´
acuo contendo um fotocatodo e um
anodo, aos quais é aplicada uma tensão externa (positivo no anodo). Quando
os fótons incidem no fotocatodo, os elétrons emitidos pelo efeito fotoelétrico são
acelerados para o anodo produzindo uma corrente elétrica. Isto constitui uma
célula fotoelétrica simples. Com a colocação de eletrodos entre o fotocatodo
e o anodo é poss´ıvel multiplicar o número de elétrons e amplificar a corrente.
Este é o princı́pio de funcionamento das v´ alvulas fotomultiplicadoras, que são
324 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

dispositivos extremamente sensı́veis. Atualmente existem válvulas fotomulti-


plicadoras para aplicações cientı́ficas que detetam a radiação contando fótons
individualmente, em nı́veis de algumas contagens por segundo.

Assim como ocorreu na eletrˆonica, o desenvolvimento dos fotodetetores


e dos fotoemissores de semicondutor possibilitou a substitui¸ cão das v´alvulas
e das lˆampadas a vácuo e deu um enorme impulso à opto-eletrônica. Os
fotodetetores mais utilizados atualmente nas regi˜oes visı́vel e infravermelho
próximo são os fotodiodos e os foto-resistores de semicondutor. Estes disposi-
tivos não operam no infravermelho médio ou distante, pois os fótons não têm
energia suficiente para produzir pares elétron-buraco. Nessas regiões utiliza-se
fotodetetores térmicos, nos quais a absorção da luz produz um aquecimento
no elemento sensor e varia sua resistência elétrica. Nesta seção estudaremos
apenas os foto-resistores, os fotodiodos e os sensores de imagem CCD, que
são os fotodetetores mais importantes para a opto-eletrˆ onica. Nestes disposi-
tivos, o mecanismo fundamental de conversão de luz em corrente elétrica é a
geração de pares elétron-buraco por absorção de f´otons. Este processo provoca
uma diminuição na intensidade da luz `a medida que esta penetra no material.
Sendo α o coeficiente de absorção do material na freq¨uência da luz, a varia¸ cão
da intensidade ao longo da dire¸cão x de penetração é dada pela Eq.(8.13),

I (x) = I 0 e −αx

onde I0 é a intensidade da radiação na superfı́cie. Como a intensidade cai ex-


ponencialmente com a distância, para assegurar que todos os f´otons incidentes
sejam −1absorvidos, é preciso que a espessura d do material seja muito maior
que α . A Figura 8.1 5 mostra a varia¸cão do coeficiente de absor¸ cão com
o comprimento de onda para v´ arios semicondutores importantes. Em geral
procura-se trabalhar com materiais com α 106 m−1 na faixa de opera¸cão do

dispositivo. Isto assegura que a quase totalidade dos f´ otons é absorvida numa
distância da superfı́cie de apenas alguns µm. Com esta condição vê-se que
os melhores materiais para fotodete¸cão na regi˜ao vis´ ıvel são Si e Ga As. Nos
comprimentos de onda empregados em comunica¸cões ópticas, λ = 1, 3 µm e
1,5 µ m, utiliza-se Ga 0,3 In0,7 As0,6 P0,4 e Ga0,5 In0,5 As respectivamente.

Considerando que o semicondutor tem espessura tal que toda a radia¸ cão
é absorvida, a taxa de criação de pares elétron-buraco é determinada pela
intensidade inicial I 0 da luz. Logo, o n´umero de fótons absorvidos por unidade
de tempo e de ´area é dado por (8.12), Φ = I 0 /ω . Na realidade, sempre existe
algum processo de absorção que não resulta em criação de pares elétron-buraco.
Define-se a eficiência quântica de conversão η , como a raz˜ao entre o n´umero
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 325

Figura 8.15: Variação do coeficiente de absor¸cão α com o comprimento de onda para v´arios
semicondutores [Wilson e Hawkes].

de pares produzidos e o n´umero de f´otons absorvidos. Assim, o n úmero de


pares criados por unidade de tempo e de ´ area é ηI 0 /ω . Portanto, a taxa de
geração de portadores, definida como o n´ umero de pares criados por unidade
de volume e por unidade de tempo é
ηI 0
g= , (8.63)
ωd

sendo d a espessura do semicondutor. Como os elétrons e buracos são criados


aos pares, a variação δn na concentração de elétrons devido à radiação é igual à
variação na concentração de buracos, δp = δn. As taxas de varia¸cão no tempo
dessas concentrações são então
∂δp ∂δn
= =g . (8.64)
∂t ∂t

Esta equação mostra que se a intensidade da luz incidente no semicondutor for


constante e se não houver qualquer outro mecanismo além da geração de pares
elétron-buraco, o número de portadores crescerá indefinidamente, linearmente
no tempo. Na realidade, sempre que as concentra¸cões saem da situa¸cão de
equilı́brio, ocorrem mecanismos de recombinação que tendem a restaurar o
equilı́brio. A taxa com a qual os pares s˜ao destruı́dos é determinada pelo
tempo de recombina¸cão dos portadores minorit´arios, τp ou τn , dependendo
326 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

do tipo do semicondutor. Usando τr para representar este tempo, a taxa de


recombinação é dada pela razão entre o excesso de portadores minoritários, δp
ou δn, e o tempo τ r . Sendo δp = δn, a taxa de recombina¸cão é
δp δn
r= = . (8.65)
τr τr

Em regime estacionário r = g , de modo que as concentra¸cões de elétrons e de


buracos gerados pela luz, por unidade de tempo, s˜ ao dadas por

δn = δp = g τr = η Iω0 τdr . (8.66)

Esta expressão determina o n´umero de portadores criados nos fotodetetores de


semicondutor, que serão apresentados a seguir.

8.4.1 Foto-resistores

Fotocondutividade é o fenômeno pelo qual a condutividade de um material


varia quando a intensidade da luz que incide sobre ele é alterada. A fotocon-
dutividade é a base de funcionamento do fotodetetor mais simples que existe, o
foto-resistor. Ele é também chamado de célula ou dispositivo de fotocondu¸
cão,
ou simplesmente LDR (das iniciais de Light Dependent Resistor). A estru-
tura mais simples de um LDR é constituı́da de uma pequena placa de um
semicondutor intrı́nseco, ou com uma dopagem muito pequena, tendo nas ex-
tremidades dois eletrodos met´alicos para a aplica¸cão de uma tens˜ao externa,
como ilustrado na Figura 8.16. Na ausência de luz a resistência do LDR é
grande porque o n´umero de portadores é pequeno. Quando ele é iluminado o
número de portadores aumenta por causa da cria¸cão de pares elétron-buraco.
Isto pode fazer a resistência diminuir muito em relação ao seu valor inicial, o
que resulta num grande aumento da corrente entre os eletrodos.

Para calcular o efeito da luz sobre a corrente utilizamos a Eq.(5.52) para


a condutividade,
σ = n e µ n + p e µp .

A incidência da radiação produz uma varia¸cão nas concentra¸cões dos porta-


dores dada por (8.66), o que resulta num aumento da condutividade dado
por:
∆σ = g τr e ( µn + µp ) . (8.67)
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 327

Figura 8.16: Estrutura simples de um foto-resistor, ou LDR.

Se a tensão nos eletrodos da placa for V , a varia¸cão na densidade de


corrente será ∆J = ∆σV/ . Portanto, a variação na intensidade de corrente
será
bd
∆I = g τr e ( µn + µp)V . (8.68)

É comum definir o ganho da fotocondutividade como a raz˜ ao entre a


variação de corrente devida à variação da condutividade, produzida pela tensão
externa dada por (8.68), e a corrente correspondente aos pares elétron-buraco
gerados pela luz. Como esta ´ultima é a carga total dos elétrons gerada pela
radiação por unidade de tempo, o ganho é,

G= ∆I .
egbd

Usando (8.68) nesta expressão, obtemos para o ganho


τr (µn + µp)V
G= . (8.69)
2

Este resultado mostra que o ganho aumenta com o valor da tens˜ ao aplicada e
com a diminuição da distância  entre os eletrodos. Evidentemente, os valores
de µn , µp e τr dependem do material utilizado.

A Figura 8.17 mostra a vista de cima do elemento fotocondutivo empre-


gado nos foto-resistores comerciais e a vis˜ao do dispositivo encapsulado. O
elemento fotocondutivo é formado por uma pastilha de material isolante, na
328 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

forma de um disco com diˆametro que varia de alguns mm a v´ arios cm. So-
bre a pastilha é depositada uma camada policristalina do semicondutor foto-
sensı́vel (CdS, CdSe, PbS, InSb, Hgx Cd1−x Te, entre outros), e sobre ela um
filme metálico (A, Ag, ou Au) para forma r os eletrodos. O filme met´alico é
evaporado através de uma máscara que deixa a ´area exposta do material foto-
condutivo na forma de zig-zag. Isto resulta numa grande área de iluminação do
semicondutor, combinada com um pequeno valor da distˆ ancia entre os eletro-
dos, de modo a produzir um alto ganho G .

Os materiais mais utilizados para fabricar foto-resistores que operam na


região vis´ıvel são CdS e CdSe. No infravermelho pr´oximo usa-se PbS e no in-
fravermelho médio InSb ou Hgx Cd1−x Te. Esses materiais têm valores elevados
para o coeficiente de absorção na faixa do espectro de sua opera¸cão, e também
para as mobilidades µn e µp e o tempo de recombina¸cão τr . Além disso, esses
materiais são favoráveis à formação de armadilhas causadas por defeitos na
rede ou por impurezas. Estas armadilhas têm o papel de aprisionar, tempo-
rariamente, portadores de carga elétrica com determinado sinal. Por exemplo,
impurezas de Mn2+ funcionam como armadilhas de elétrons. Assim, enquanto
os portadores com certa carga est˜ao presos nas armadilhas, os portadores com
a carga oposta po dem transitar de um eletrodo para o outro com menor proba-
bilidade de recombinação. Isto resulta num aumento efetivo de τr e portanto
num maior ganho do dispositivo.

Uma considera¸cão importante em qualquer dispositivo fotodetetor diz


respeito ao ruı́do que ele gera na ausência de radiação. A amplitude deste

Figura 8.17: (a) Vista de cima do elemento fotocondutivo com o eletrodo metálico; (b)
Foto-resistor comercial tı́pico.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 329

ru´ıdo determina o nı́vel mı́nimo da radia¸cão que pode ser dete tada. No caso
dos foto-resistores e dos fotodiodos, a principal fonte de ruı́do é a geração
térmica de pares elétron-buraco. Como a probabilidade de geração térmica
é proporcional a exp( Eg /2kB T ) [Eq.(5.23)], o ruı́do depende do material

utilizado e da temperatura de opera¸ cão. Então, como os materiais usados
em fotodetetores de infravermelho têm energia do gap Eg menores que os do
vis´ıvel, seu ruı́do é maior. Para diminuir o ruı́do dos fotodetetores é comum
resfriar o elemento fotocondutivo. Isto pode ser feito eletricamente através de
compactos dispositivos termoelétricos, que facilmente produzem temperaturas

redução −
da ordememderela¸cão ∼
30 Cà (ambiente
240 K).deEmbora
apenasesta temperatura
20%, o efeito norepresente uma
ruı́do é sensı́vel
devido à sua varia¸cão exponencial com 1 /T .

Em geral os foto-resistores s˜ao dispositivos lentos porque s˜ao feitos com


semicondutores cujos tempos de recombina¸cão são muito grandes. Por esta
razão seu uso é restrito a aplicações que necessitem de altos valores de ganho
(103 104 ) e que não requeiram resposta rápida. Por exemplo, os foto-resistores

de CdS e CdSe, cujo tempo de resposta ´e da ordem de 50 ms, s˜ao utilizados
nos medidores de intensidade de luz de câmaras fotográficas.

Para completar esta seção, apresentamos na Fig.8.18 um circuito simples


de polarização de um foto-resistor. O foto-resistor, ou LDR, representado
no circuito através de seu sı́mbolo mais comum, é colocado em série com o
resistor de carga RL . Quando a intensidade da luz incidente varia, a corrente
no circuito acompanha a varia¸cão da luz. Isto produz uma tens ão através de
RL , cuja varia¸cão fornece uma medida da intensidade da luz. Quando apenas
a componente ac da tensão é de interesse, utiliza-se um capacitor na saı́da para
bloquear a parte dc . O valor utilizado para R L depende do valor da resistência
RD do LDR e também de sua variação relativa com a m´axima intensidade

Figura 8.18: (a) Sı́mbolo de circuito do foto-resistor, ou LDR; (b) Circuito simples utilizado
para polarizar um LDR.
330 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

de luz incidente. No caso da variação relativa de RD ser pequena (até 10%),


a maior varia¸cão de VL é obtida com RL = RD . Por outro lado, quan do a
variação de R D é muito grande, a linearidade entre as variações da intensidade
da luz e de VL ocorre aproximadamente com RD RL . Por esta raz˜ao, para

que a tens˜ao de saı́da seja alta, deve-se fabricar foto-resistores com o maior
valor poss´ıvel de RD . Este é outro motivo para que a geometria do foto-resistor
tenha a forma de uma longa fita em zig-zag, como mostrado na Fig.8.17(a).

8.4.2 Fotodiodos
Fotodiodos são detetores de radiação nos quais o sinal elétrico é produzido pela
geração de pares elétron-buraco causada por absorção de fótons nas imediações
da região de depleção de uma jun¸cão p-n. Os elétrons e os buracos dos pares
criados pela radia¸cão são acelerados em sentidos opostos pelo campo elétrico
da junção. Como o campo tem sentido do lado n para o lado p , os buracos s˜ao
acelerados no sentido n p, enquanto os elétrons movem-se no sentido p
→ n, →
como ilustrado na Figura 8.19. Isto resulta numa corrente gerada pela radiação
no sentido n →p, que é o sentido reverso da corrente na junção. Uma grande
diferença dos fotodiodos para os foto-resistores é que neles a fotocorrente é
produzida sem a necessidade da aplica¸cão de uma tens˜ao externa.

A deteção da radia¸cão nos fotodiodos pode ser feita em dois modos dis-

Figura 8.19: Ilustração do processo de criação de pares elétron-buraco por absorção de fótons

na região de depleção de uma junção p n de um fotodiodo, seguida da aceleração das cargas
em sentidos opostos.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 331

tintos de opera¸cão: no modo fotovoltaico o fotodiodo opera com circuito


aberto, e quando a jun¸cão é iluminada aparece uma tensão entre os lados p e
n que pode ser medida externamente; no modo fotocondutivo o dispositivo
é curto-circuitado, ou opera sob uma tensão externa no sentido reverso. Nesta
situação uma corrente flui no sentido reverso quando a jun¸ cão é iluminada. A
escolha do mo do de opera¸cão do fotodiodo depende de sua aplicação. Qualquer
um dos modos pode ser empregado na dete¸ cão de luz. O modo fotovoltaico
é utilizado para converter energia luminosa em energia elétrica, como no caso
das células solares.

Em qualquer modo de opera¸ cão, o fotodiodo sob radia¸cão comporta-


se como uma jun¸cão p n cuja corrente tem duas componen tes: a primeira

é aquela que existe sem a geração de pares por absor¸ cão de f´otons. Ela é
chamada de corrente de escuro e é dada por (6.29),
Ie = I s (e eV/k B T − 1) , (8.70)

onde Is é a corrente de saturação reversa, dada por (6.30), e V é a tensão na


junção; a outra componente é aquela produzida pelos pares elétron-buraco
gerados pelos fótons absorvidos nas proximidades da junção. Sendo I0 a
intensidade da radia¸cão absorvida e η a eficiência quântica da convers˜ao, o
número de pares criados por unidade de volume e de tempo é dado por (8.63),
g = ηI 0 /ωd . Para calcular o n´umero total de pares deve-se considerar que
os portadores minorit´arios gerados fora da regi˜ ao de deple¸cão (espessura ),
porém dentro de uma distância da ordem do comprimento de difus˜ao (Ln e
Lp ), s˜ao capazes de difundir para a regi˜ ao de deple¸cão e serem acelerados
pelo campo par a o outro lado. Como em geral Ln , Lp  , a contribui¸cão
desses pares para a corrente é importante, fazendo com que o volume efetivo
de geração de pares seja d A ( + Ln + Lp )A, onde A e´ a área de iluminação

da junção. A corrente na jun¸cão produzida pela luz é então,
η e I0 A
IL = g d A = .
ω

Sendo PL = I0 A a potência incidente na área efetiva da jun¸cão, usando a


relação ω = hc/λ podemos escrever esta contribuição na forma,
η e PL λ
IL = . (8.71)
hc

A eficiência quântica de conversão depende do material utilizado e também


do comprimento de onda λ da radiação. Como esta corr ente tem o sentido
reverso, a corrente total no fotodiodo é dada por
332 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

I = I s (e eV/k B T − 1) − I
L . (8.72)

A Figura, 8.20, mostra as caracterı́sticas I −


V de um fotodiodo no
escuro e sob ilumina¸cão, para dois valores de p otência de luz. O efeito da
radiação contribui com uma parcela negativa para a corrente, independente de
V , que aumenta proporcionalmente `a intensidade de luz. A Eq.(8.72) e sua
representação gráfica são usadas para analisar os dois modos de opera¸ cão do
fotodiodo.

caso VNo=modo = IL . O pontoo de


0 e Iccfotocondutivo
− fotodiodo opera
operação em curto-circuito.
correspondente Neste
está mostrado

na curva I V da Fig.8.20 correspondente `a potência de luz P2 . No modo
fotovoltaico o fotodiodo opera em circuito aberto, portanto I = 0. Nesta
situação a absor¸cão de luz d´a srcem a uma tens˜ ao nos terminais do diodo,
cujo valor é obtido diretamente de (8.72),

Vca =
kB T I
 
n L + 1 . (8.73)
e Is

O ponto de opera¸cão I = 0, V = Vca é a interseção do eixo de tens˜ao com a


curva I V , mostrada na Fig.8.20. Na realidade, em nenhuma aplica ¸cão o

fotodiodo opera estritamente nos modos de opera¸ cão acima. Como veremos
a seguir, as células solares atuam próximo do modo fotovoltaico, enquanto os
fotodetetores atuam próximo do modo fotocondutivo.

Figura 8.20: Caracterı́stica I − V de uma junção p − n no escuro e sob ilumina¸cão, para dois
valores de potência de luz.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 333

Para fazer o fotodiodo atuar como fotodetetor, aplica-se uma tens˜ ao ex-
terna reversa que faz a junção operar no terceiro quadrante do diagrama I V , −
de modo que I Is IL . Se a tax a de ger a¸cão térmica de pares for muito
 −
menor que a de absorção de fótons, a corrente de saturação reversa será despre-
zı́vel comparada com IL . Neste caso a corrente no fotodiodo será proporcional à
potência da radiação incidente na junção. Além da linearidade de sua resposta,
o fotodiodo tem outras vantagens em rela¸cão ao foto-resistor como detetor de
radiação. As mais importantes s˜ao a rapidez de resposta, melhor estabilidade
e maior faixa dinˆamica de opera¸cão. Em aplica¸cões que não necessitem de res-

posta muito
muito rápida,
simples, ele ainda
formado tem
apenas a vantagem
por de poder
uma pequena ser usado
resistência num circuito
de carga (de um
microamperı́metro, ou ligada a um voltı́metro eletrônico).

Para pequenas potências de luz a corrente será baixa, de modo que se


RL é pequena, V = RL I Vca . Neste caso o ponto de opera¸cão está próximo

de I cc, V = 0, de modo que a corrente é proporcional à potência incidente. As
vantagens no uso de uma bateria adicional para polarizar o diodo reversamente,
são o aumento na rapidez de resposta e também na faixa dinâmica de operação.

O material mais utilizado para fabricar fotodiodos para a regi˜ ao vis´ıvel


é o silı́cio. A Figura 8.22 mostra a responsividade de um fotodiodo comer-
cial de Si em fun¸cão do comprimento de onda. Esta grandeza, muito usada
para caracterizar a resposta de fotodetetores, é a razão entre a fotocorrente
e a potência de luz incidente. A linha tracejada mostrada na figura, é a res-
posta de um fotodetetor ideal, dada pela Eq.(8.71), com η = 1 para qualquer
comprimento de onda (Problema 8.11). Vemos na figura que a responsividade
do silı́cio se aproxima da ideal em toda a região visı́vel. A Figura 8.23 mostra
a estrutura tı́pica de um fotodiodo de Si. Ela é formada de regiões p+ e n+

Figura 8.21: (a) Sı́mbolo de circuito do fotodiodo; (b) Circuito simples para uso do fotodiodo
como detetor de radia¸cão.
334 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

nas extremidades para facilitar o contato ˆohmico com os filmes met´alicos. A


principal diferença para a estrutura do diodo comum, mostrada na Fig.6.1, é
a abertura existente no contato met´alico. É comum também depositar sobre
a superf´ıcie de entrada uma camada dielétrica anti-refletora para aumentar a
eficiência de conversão. Como os pares s˜ao criados na região de depleção ou em
suas proximidades, deve-se fazer a espessura do lado p + a menor poss´ıvel para
que a luz n˜ao seja absorvida antes de chegar nela. De acordo com a Eq.(6.9),
numa junção p + n a espessura da regi˜ao de depleção no lado n é muito maior

que no lado p+ . Assim sendo, deve-se fazer a espessur a da região n suficien-

temente grande para assegurar que toda radia¸cão incidente no fotodiodo seja
absorvida.

Uma outra estrutura comumente utilizada em fotodiodos ´e a do diodo


PIN, na qual uma camada de semicondutor intrı́nseco é interposta entre as
regiões p+ e n+ da jun¸cão p-n, como ilus trado na Figur a 8.24. A sigla PIN
indica o semicondutor intrı́nseco entre os lados p e n. Na realidade a camada
não é intr´
ınseca, porém tem uma concentra¸ cão de impurezas doadoras muito
pequena ( Nd < 1013 cm−3 ), de modo que sua resistividade é muito alta. Isto
resulta numa região de depleção que se estende até o lado n+ , fazendo com que
a espessura ´util do fotodiodo seja muito maior que na estrutura p n. Isto −

Figura 8.22: Responsividade de um fotodiodo de Si (linha cheia). A linha tracejada indic a


a resposta de um fotodiodo ideal, obtido de (8.71) com η = 1.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 335

Figura 8.23: Estrutura da jun¸cão p + -n-n+ de um fotodiodo.

melhora a resposta na regi˜ ao de maior comprimento de onda, pois assegura


que toda a radia¸cão é absorvida mesmo nesta região de menor coeficiente de
absorção.

Outros fotodetetores muito utilizados s˜ao o fotodiodo de avalanche


e o fototransistor. O fotodiodo de av alanche opera sob tens˜ao reversa com
um valor suficiente para produzir multiplicação por avalanche, que resulta em
ganho de corrente. Isto permite que o dispositivo atue com uma resistência de
carga pequena, aumentando assim sua rapidez de resposta. Por outro lado o
ganho possibilita gerar na resistência uma tensão apreciável. O fototransistor
é um dispositivo no qual a junção emissor-base pode ser iluminada de modo
a gerar pares elétron-buraco. Isto resulta numa corrente de emissor que varia
com a intensidade da luz, permitindo a dete¸cão da luz com ganho de corrente.

Figura 8.24: (a) Modelo da estrutura do fotodiodo PIN; (b) Varia¸ cão do campo elétrico ao
longo do fotodiodo.
336 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

8.4.3 Células Solares

A célula solar é um fotodiodo com uma grande área de exposi¸cão à radiação,


cuja operação se d´a em condi¸cões de fornecer energia a uma carga externa.
Para que isto ocorra é necessário que ela opere no quarto quadrante da carac-
ter´ıstica I V , de tal forma que a potência absorvida pelo dispositivo, dada

pelo produto V I , seja negativa. Nesta situação o fotodiodo converte energia
luminosa em energia elétrica. O circuito utilizado para isto é o mesmo da
Fig.8.21 exceto que o valor de RL , em vez de ser pequeno, deve ser escolhido
para maximizar a potência fornecida. O ponto de operação do circuito é deter-
minado pela interseção da reta de carga da resistência RL com a curva I V −
da célula, como ilustrado na Figura 8.25. Note que a área do retângulo cinza
indicado na figura representa a potência elétrica Pe = V I entregue à carga.
O melhor valor de RL é aquele no qual Pe e´ máximo. Os valores Vm e Im
de operação na condi¸cão de Pe máximo s˜ao determinados por dPe /dV = 0
(Problema 8.14), sendo dados por:

Vm =
kB T
n
1 + ( IL /Is )
 Vca − k eT n
B

1+
eVm
 , (8.74)
e 1 + (eVm /kB T ) kB T

Im = I s
eVm eVm/kB T
e I
− 
1
kB T
. (8.75)
L
kB T eVm

Como (8.74) é uma equação transcendental, não é possı́vel obter uma expressão

Figura 8.25: Determinação gráfica do ponto de opera¸cão de um circuito série célula solar-
resistência R L .
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 337

anal´ıtica para V m , da qual seria obtida a express˜ao para o valor ´otimo de R L .



No entanto, usando o valor de Vca obtido da curva I V , a Equação (8.74) pode
ser resolvida numericamente, fornecendo o valor de V m . Com este valor pode-
se obter Im de (8.75) e portanto a resistência RL = Vm /Im . A eficiência de
conversão da célula solar é a raz˜
ao entre a potência elétrica m´
axima fornecida
e a potência de luz incidente P L . Pode-se ver que esta eficiência aumenta com
o aumento de V ca e da raz˜ao I L /PL .

Atualmente as melhores células solares comerciais são feitas de Si cris-


talino, com estrutura mostrada na Figura 8.26. A jun¸ cão é formada por uma
fina camada tipo n produzida por uma forte dopagem Nd ∼
1018 cm−3 ) num
substrato tipo p (Na 2 1015 cm−3 5 1016 cm−3 ). Sendo fina, a regi ão
∼ × − ×
n deixa passar a radia¸cão incidente num largo espectro de freq¨uência. Para
aumentar a área de exposi¸cão e ao mesmo tempo manter baixa a resistência
de contato, o eletrodo superior é feito na forma de um pente, com dentes fi-
nos, como ilustrado na figura. As células solares de Si cristalino em geral têm
forma circular, com diˆametros da ordem de 10 cm, pois esta é a forma das
lâminas obtidas no corte dos lingotes de Si. As células feitas de Si amorfo ou
policristalino têm forma retangular ou quadrada, cuja vantagem é ocupar toda
a área de um painel quando colocadas uma ao lado da outra.

As melhores células solares de Si têm eficiência de convers˜


ao que se apro-
xima de 15% . A radia¸cão solar no meio de um dia claro, ao nı́vel do mar,
tem intensidade na faixa 70-80 mW/cm 2 . Isto produz numa célula com área
40 cm 2 , uma tens˜ao de circuito aberto Vca 0, 6 V e uma corrente de curto

Icc 0, 9 A. Como os valores de opera¸ cão são um pouco menores que estes,

Figura 8.26: Estrutura de uma célula solar de Si retangular: (a) Corte transversal; (b) Vista
de cima.
338 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

é evidente que as células solares devem ser associadas em série e em para-


lelo para produzirem tens˜ao e corrente adequados para cargas formadas por
lâmpadas, motores, etc. Em geral as células são colocadas em grandes painéis,
interligados entre si, de modo a coletar energia solar em grandes ´ areas. A
conversão direta de energia solar em energia elétrica ainda é uma fonte de
energia de alto cust o. Atualmente ela s´o é econômica em situa¸cões onde o
acesso a fontes de gera¸cão convencional é difı́cil. Entretanto, há uma intensa
atividade de pesquisa para produzir células mais eficientes e com menor custo
de fabricação. Dentre os materiais investigados estão o Si policristalino e o

amorfo,
como que es˜CdS,
GaAs ao mais
quebaratos que
são mais o monocristalino,
eficientes. e semicondutores
A fabricação III-IV,
de células solares mais
eficientes e de menor custo poder´a tornar a convers˜ao fotovoltaica de energia
solar uma tecnologia importante no Século XXI, principalmente em regiões de
grande insolação, como é o caso do Nordeste do Brasil.

8.4.4 Sensor de Imagem CCD

Uma imagem preto e branco em duas dimens˜ oes, estática como numa fo-
tografia, é formada por um grande número de pontos, ou pequenas áreas (pixel,
em inglês), cada um com uma cor que varia de branco a preto, passando por to-
das as grada¸cões de cinza. Quanto maior o n´umero de pixeis, maior a resolução
da imagem. Uma imagem em movimento, como no cinema ou na televis˜ao,
é formada por uma seqüência de imagens estáticas, que diferem pouco uma
da outra. Elas são mostradas uma ap´os a outra, com um intervalo de tempo
pequeno, de tal modo que o sistema de percep¸ cão humano tenha a sensa¸cão
de um movimento contı́nuo. A imagem na televisão é formada por 525 linhas
horizontais, com uma taxa de exibi¸cão das ima gens de 60 Hz. O sensor de
imagem é um dispositivo que produz um sinal elétrico correspondente a uma
imagem óptica. Ele é usado em câmaras fotográficas ou câmaras de vı́deo. O
sinal elétrico do sensor pode ser armazenado em forma anal´ogica ou digital,
ou transmitido através de cabos ou ondas eletromagnéticas. Um dos sensores
de imagem mais utilizados é o do tipo CCD.

A sigla CCD é formada pelas iniciais do nome em inglês Charge-Coupled


Device, que significa dispositivo de acoplamento de carga (DAC). O CCD é
parte de uma classe de estruturas de dispositivos de transferência de carga,
desenvolvidos nos Laboratórios Bell em 1969. Eles s˜ao dispositivos dinâmicos,
que movem um pacote de carga de uma unidade para outra vizinha, ao longo de
uma cadeia, numa seqüência determinada pelos pulsos do relógio de comando.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 339

Figura 8.27: Estrutura b´asica do sensor de imagem CCD de Si.

Esses dispositivos encontram uma variedade de aplica¸ cões em eletrˆonica, tais


como em memórias, em várias funções lógicas, processamento de sinais e sen-
sores de imagem. O sensor de imagem CCD é constituı́do por um conjunto de
capacitores metal-isolante-semicondutor (MIS), fabricados na mesma pastilha
de semicondutor como num circuito integrado, formando uma rede em duas
dimensões. O semicondutor usado em sensores de luz visı́vel é Si, e de luz
infravermelho é InSb ou HgCdTe. No caso do silı́cio o isolante é SiO2 , e os
capacitores são do tipo MOS, estudados na Se¸cão 7.6. A Figura 8.2 7 ilustra a
estrutura básica do sensor de imagem CCD, também chamado de fotodetetor
MIS, ou fotodetetor MOS. Os eletrodos met´alicos das portas dos capacitores
são filmes finos, com espessura da ordem de 100-300 nm, que deixam passar
a luz incidente. Cada capacitor tem dimensão da ordem de 10 10 µ m2 e cor-
×
responde a um pixel da imagem. O conjunto tem dimensão lateral que po de
variar de alguns mm a v´arios cm. Atualmente os sensores de imagem CCD
têm estruturas mais sofisticadas, com porta de silı́cio policristalino, em vez de
metal, e com eletodos enterrados.

A imagem é formada na área do dispositivo por meio do sistema óptico da


câmara, fazendo com que sobre cada pixel incida um certo fluxo de f´ otons. Os
fótons com energia maior que a energia do gap criam na região da superf´ıcie do
semicondutor pares elétron-buraco, com uma taxa proporcional à intensidade
de luz em cada pixel. Uma diferen¸ca de potencial aplicada entre a porta e o
eletrodo na outra face da pastilha (ou no eletrodo enterrado, como estudado na
Seção 7.8), atrai os elétrons para a superf´ıcie e afasta os buracos, que difundem
no susbtrato e s˜ao capturados no circuito externo, como ilustrado na Figura
8.27. Durante um intervalo de tempo caracterı́stico da operação do dispositivo,
(varia de 100 µs a 100 ms), forma-se sob a porta de cada capacitor um pacote de
carga de elétrons, cuja carga total representa a intensidade de luz integrada no
intervalo. Após este intervalo de exposição, a informa¸cão armazenada em cada
340 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 8.28: Ilustração do processo de transferência de carga num dispositivo CCD:


a) ligações dos capacitores MOS; b) Variação do potencial elétrico da distribuição de
carga; c) Variação dos potenciais das três linhas ao longo do tempo.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 341

linha de capacitores na forma de pacotes de carga, é deslocada rapidamente


(em intervalo de tempo muito menor que o de exposi¸ cão) para a extremidade
da linha, produzindo um sinal de corrente elétrica correspondente à imagem
na linha. O sinal correspondente a uma linha é seguido do sinal da linha
seguinte, e assim por diante, num processo de varredura vertical, de cima para
baixo. O sinal correspondente ao conjunto de linhas forma um quadro. Uma
imagem estática é formada por apenas um quadro, enquanto uma imagem em
movimento é formada por uma seqüência de quadros, tipicamente numa taxa
de 60 Hz.

A transferência do pacote de cargas de cada capacitor para a extremidade


da cadeia é feita pela ação de uma seqüência de pulsos de tensão, aplicados nas
portas dos capacitores, num processo caracterı́stico dos dipositivos de trans-
ferência de carga, ou de acoplamento de carga. Esta é a razão do nome CCD
deste tipo de sensor de imagem. Dentre os diversos tipos de estruturas CCD,
as mais utilizadas s˜ao as de duas fases e de três fases. A Figura 8.28 ilustra a
transferência de carga numa estrutura de três fases. Em (a) estão mostrados
alguns capacitores ao longo de uma linha, o esquema de liga¸ cão externa para
aplicação da seq¨uência de pulsos de tensão, e um pacote de cargas no capa-
citor 1, num certo instante de tempo t1 . A Figura 8.28 (b) ilustra a variação
do potencial elétrico e da carga ao longo da cadeia de capacitores, em quatro
instantes de tempo.

A Figura 8.28(c) mostra a varia¸cão no tempo das tens˜oes nas três linhas
de fase, φ 1 , φ 2 e φ 3 . Elas s˜ao funções periódicas com dois valores, um alto e um
baixo, com perı́odo determinado pelo relógio do sistema. Todas têm a mesma
forma, porém a de φ2 está defasada de φ1 por um intervalo de tempo corres-
pondente a um terço do per´ıodo, enquanto φ 3 está defasada de φ 2 também por
um terço do perı́odo. A Fig. 8.28(c) mostra que no instante t1 , o potencial
φ1 é alto, enquanto φ2 e φ3 são baixos. Como a carga do elétron é negativa,
a energia potencial tem a forma de um po¸ co na regi˜ao do capacitor 1, o que
mantém o pacote de cargas naquela região, como ilustrado no diagrama de
cima da figura (b) . No instante t2 o potencial φ2 e´ alto, enquanto φ1 per-
manece alto, de modo que o po¸co de energia se estende ao capacitor 2, fazendo
com que a carga srcinal fique dividida entre os capacitores 1 e 2. No instante
t3 o potencial φ 1 é menor do que φ 2 , que permance alto, de modo que a maior
parte da carga passa para o capacitor 2, processo que é concluı́do quando o
potencial φ1 atinge o valor baixo enquanto φ2 permanece alto (instante t4 ).
Desta forma, em cada ciclo de varia¸cão das tensões, a carga passa de um ca-
pacitor para o vizinho, e assim sucessivamente até atingir a extremidade da
cadeia, dando srcem ao sinal de corrente correspondente ao pixel srcinal da
342 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

imagem na posi¸cão do capacitor 1.

8.5 Diodo Emissor de Luz (LED)

A conversão de um sinal elétrico em sinal luminoso é uma função de grande


importância na eletrˆonica. Sua aplicação mais elementar é em indicadores e
mostradores luminosos usados em equipamentos eletro-eletrˆ onicos, aparelhos
de som e importante
aplicação vı́deo, equipamentos cientı́ficos
é na geração e industriais,
de imagens a partir de relógios, etc. Outra
um sinal eletrˆonico,
como em cinesc´opios de computadores e de aparelhos de televis˜ ao. A partir
da década de 1980, esta função adquiriu importˆancia ainda maior com a dis-
seminação das comunicações ópticas. Nos sistemas de comunicação óptica, um
sinal elétrico que contém a informação a ser transmitida é convertido em sinal
luminoso num diodo emissor de luz ou num laser semicondutor. Este propaga
através de uma fibra óptica até o receptor, onde é convertido outra vez em
sinal elétrico num fotodetetor, reproduzindo a informação srcinal.

A forma mais simples e mais tradicional de gerar a luz a partir de uma


corrente elétrica é através do aquecimento. Quando uma corrente elétrica
passa por um fio met´alico, os átomos do metal entram em vibra¸cão devido às
colisões dos elétrons da corrente. Isto resulta em aquecimento do fio e também
em radiação eletromagnética produzida pelas cargas atômicas em movimento.
Esta radiação ocorre numa ampla faixa do espectro eletromagnético, que pode

se estender
aumenta doainfravermelho
com temperatura doao material.
visı́vel, em torno
Para quede
umum
fiovalor
possade
serenergia que
suficien-
temente aquecido e emitir na regi˜ao visı́vel do espectro, ele deve ser feito de
material com alto ponto de fus˜ ao e colocado no v´ acuo, ou numa atmosfera
inerte, para n˜ao entrar em combustão. As lˆampadas incandescentes são feitas
com fios de tungstênio, aquecidos à temperatura de cerca de 6.200 ◦ C. Nesta
temperatura o pico do espectro de radia¸cão ocorre na regi˜ao visı́vel. Entre-
tanto, a maior parte da energia da corrente elétrica é convertida em calor
ou radiação infravermelha, fazendo com que a eficiência de conversão em luz
visı́vel seja muito baixa. Nas lâmpadas incandescentes comuns, apenas 13% da
energia elétrica são convertidos em energia luminosa. Além de ineficientes, es-
sas lâmpadas geram muito calor e têm resposta extremamente lenta. Durante
muitas décadas elas foram usadas em indicadores e mostradores de aparelhos
eletrônicos, mas a partir da década de 70 foram substituı́das por diodos emis-
sores de luz e outros dispositivos de estado s´ olido, como os mostradores de
cristal l´ıquido.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 343

A emissão de luz numa lˆampada incandescente ocorre devido ao aqueci-


mento, um processo fı́sico clássico. Os modernos dispositivos opto-eletrônicos
operam com base em processos quˆanticos de emissão de radiação, através dos
processos de luminescência .

O funcionamento do diodo emissor de luz, o LED ( Light Emitting Diode),


é baseado numa forma especial de eletroluminescência, produzida pela injeção
de portadores numa junção p-n. Como vimos na Se¸cão 6.2, quando uma junção
p-n é polarizada no sentido direto, os buracos do lado p e os elétrons do lado
n movem-se em sentidos opostos em direção à região de deple¸cão. Os buracos
injetados no lado n recombinam com elétrons que estão chegando na regi˜ao de
depleção, enquanto os elétrons injetados no lado p recombinam com buracos
que lá se encontram. Desta forma, todos elétrons e buracos que participam
da corrente recombinam nas imediações da região de depleção, numa camada
de espessura Lp do lado p e Ln do lado n. Se o semicondutor da jun¸cão
tiver gap indireto, como Si ou Ge, além dos fótons a recombina¸cão produz
fônons e, portanto, calor. Isto torna a emiss˜ao de luz muito pouco eficiente nos
semicondutores de gap indireto. Por outro lado, se o semicondutor tiver gap
direto, a recombinação de cada par elétron-buraco resulta na emissão de um
fóton. A Figura 8.29 ilust ra o processo de inje¸cão de portadores minorit´arios
nos dois lados de uma jun¸cão p -n, produzindo recombinação de pares e emissão
de fótons por transi¸cões interbanda. Nos diodos feitos com semicondutores de
gap direto este processo é extremamente eficiente na conversão de energia
elétrica em luz. Se os elétrons de condu¸
cão estivessem no mı́nimo da banda de
condução, com energia Ec , os f´otons emitidos na transição interbanda teriam
energia igual a do gap do semicondutor, Eg . Em geral, devido `a excitação

Figura 8.29: Ilustração da recombina¸cão de pares elétron-buraco com emissão de fótons


em transições interbanda, devido à inje¸cão de portadores minorit´arios numa jun¸cão p-n
polarizada diretamente.
344 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

oximo de Ec + kB T /2. Isto


térmica, a energia média dos elétrons tem valor pr´
faz com que a energia dos f´ otons emitidos na transi¸cão seja um pouco maior
que Eg . Além da transição interbanda, mostrada na Fig.8.29, é possı́vel ter
na junção p-n transiç˜oes envolvendo nı́veis de impureza, como ilustrado na
Fig.8.13.

Os materiais mais utilizados na fabricação de LEDs s˜ao as ligas tern´arias


Gax A1−x As e GaAs 1−x Px . GaAs é um semicondutor de gap direto, de baixa
resistividade, que pode ser facilmente dopado com impurezas n ou p, para a
formação da jun¸cão p-n. As junções de GaAs têm grande eficiência de lumi-
nescência em transições interbanda, que ocorrem num comprimento de onda
de aproximadamente 0,87 µ m. Este valor corresponde à radiação no infraver-
melho próximo. Como GaP tem um gap de energia maior, as ligas formadas por
GaAs e GaP têm transições interbanda com menor comprimento de onda que
em GaAs. É interessante notar que ao contrário de GaAs, GaP tem gap indi-
reto. Com isto, o gap da liga GaAs 1−x Px é direto para x < 0 , 45, como GaAs,
porém torna-se indireto para x > 0, 45. A liga de com posição GaAs 0,6 P0,4 ,
com gap direto, é muito utilizada na fabricação de LEDs que produzem luz
vermelha em transições interbanda, com λ = 0, 65µm.

A liga Ga x A1−x As também é muito usada para fabricar LEDs de


alta eficiência. É comum encontrar dispositivos feitos com heterojun¸ cões de
Ga0,3 A0,7 As tipo n e Ga0,6 A0,4 As tipo p . Nesse sistema, os elétrons do lado n
são injetados no lado p , onde produzem transições para os nı́veis das impurezas
aceitadoras (como na Fig.8.13a), com emissão de fótons de 0,65 µm (vermelho).
A radiação produzida no lado p atravessa o lado n sem absorção, pois este tem
um gap de energia maior, o que faz com que estes LEDs tenham eficiência
próxima de 100%. No final da década de 1990 foi desenvolvida a tecnologia
de fabricação de LEDs eficientes de GaN, que têm um gap correspondente
à luz azul. Isto permitiu a fabrica¸cão de painéis contendo agrupamentos de

Figura 8.30: Estrutura tı́pica de um diodo emissor de luz (LED).


Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 345

Figura 8.31: Estrutura tı́pica de lâmpada LED utilizada em painéis de equipamentos eletro-
eletrônicos.

LEDs com as três cores básicas do espectro visı́vel, simulando uma fonte de
luz branca.

O material mais utilizado na fabrica¸cão de LEDs de infravermelho é a


liga quaternária Ga x In1−x Asy P1−y . Dependendo das concentrações dos cons-
tituintes, o LED feito com esta liga pode emitir em qualquer comprimento de
onda na faixa 1,1-1,6 µ m, utilizada para comunicações ópticas.

A Figura 8.30 mostra a estrutura tı́pica de um LED de Ga(AsP) que


opera no vermelho. Como nos fotodiodos, o contato met´ alico no lado de cima
tem um orifı́cio que forma uma janela para a passagem da radiação. Nor-
malmente o lado p é uma camada fina na parte de cima, feita com dopagem
muito menor que no lado n. Isto faz com que a rad ia¸cão seja produzida ma-

Figura 8.32: Estrutura tı́pica do LED tipo Burrus.


346 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 8.33: (a) Sı́mbolo de circuito do LED; (b) Circuito simples de alimentação.

joritariamente no lado p , próximo da janela de saı́da, por elétrons injetados do


lado n, o que minimiza a absor¸ cão da radia¸cão emitida pelo LED. As v´arias
camadas da estrutura do LED s˜ao produzidas por crescimento epitaxial sobre
um substrato de GaAs. Como o GaAs 0,6 P0,4 tem parâmetro de rede muito di-
ferente de GaAs, ele não deve ser crescido diretamente sobre o substrato, para
evitar o aparecimento de defeitos cristalinos que formam centros de recom-
binação não-radiativos. Esta é a razão da existência da camada intermediária
de GaAs 1−y Py . Ela é feita com uma concentração y que varia gradualmente
de 0 a 0,4, produzindo um casamento entre as redes cristalinas de GaAs 0,6 P0,4
e de GaAs.

Figura 8.34: Dois tipos de mostradores de LEDs: (a) Mostrador numérico de 7 segmentos;
×
(b) Mostrador alfanumérico de matriz 7 5.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 347

Os LEDs que operam no visı́vel são muito utilizados para fazer lâmpadas
indicadoras para painéis de equipamentos eletro-eletrônicos. Estas lâmpadas
são feitas com uma grande variedade de formatos e de cores. A Figura 8.31
mostra uma estrutura tı́pica de uma lâmpada de LED. O chip do LED é
montado sobre um dos pinos met´alicos utilizados como terminal ext erno. O
contato com o outro terminal ´e feito por um fio soldado no filme met´alico no
lado da janela do LED. O conjunto é encapsulado num plástico colorido, cuja
parte superior forma uma lente para colimar parcialmente a radia¸ cão.

Os LEDs de infravermelho s˜ao utilizados em sistemas de comunica¸cões


ópticas. Como será mostrado na Se¸cão 8.8, estes sistemas s˜ao baseados na
transmissão de informa¸cão por meio de um feixe de luz infravermelho, que
propaga confinado numa fibra ´optica com diˆametro de alguns µm. Os LEDs
para esta finalidade s˜ao feitos com uma estrutura conhecida pelo nome de
inventor, Burrus. Na estrutura do LED tipo Burrus, mostrada na Fig.8.32, o
contato metálico com o semicondutor é confinado a uma região de diˆametro
semelhante ao da fibra ´optica. Isto faz com que a região ativa de emiss˜ao de
luz seja pequena, resultando num eficiente acoplamento com a fibra ´ optica. A
fibra é montada rigidamente na estrutura e presa por meio de resina de epoxi,
como mostrado na Fig.8.32.

Os circuitos de alimentação dos LEDs s˜ ao bas tante simples. Para a


emissão de luz com intensidade constante basta fazer passar no sentido di-
reto do diodo uma corrente constante. Nos sistemas de comunicação óptica
é preciso incorporar um circuito de modulação da corrente para produzir as
variações correspondentes na intensidade da luz. A Fig.8.33 mostra o sı́mbolo
de circuito do LED e um circuito simples de alimenta¸ cão. O resistor Rs em
série é necessário para limitar a corrente que passa no LED, pois como este
opera com polariza¸cão direta, sua resistência é muito pequena.

Os LEDs que operam no vis´ ıvel também são muito utilizados atualmente
para fazer mostradores luminosos alfanuméricos. A Fig.8.34 mostra dois tipos
de mostradores muito comuns. Em (a) est´a apresentado o sistema de 7 seg-
mentos, utilizado para indicar os algarismos de 0 a 9. Cada segmento é for-
mado por um conjunto de LEDs, conectados em paralelo e encapsulados numa
mesma peça, de modo a produzir ilumina¸cão uniforme em toda sua extens˜ao.
A Fig.8.34(b) mostra a matriz de 7 ×5 LEDs individuais, que permite exibir
algarismos e letras, formando um mostrador alfanumérico.
348 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

8.6 Emissão Estimulada e Lasers

A radia¸cão produzida por uma fonte tradicional de luz, como as lˆ ampadas


incandescentes e fluorescentes, ou por um LED, é composta por fótons emi-
tidos espontaneamente por ´atomos ou moléculas independentes. No processo
de emissão espontânea, um sistema quˆantico passa de um certo nı́vel de
energia para outro de menor energia devido a flutua¸ cões aleatórias. Em con-
seqüência, a fase do campo resultante varia aleatoriamente no espaço e no
tempo, fazendo com que a radia¸ cão seja incoer ente. Outro tipo de radiação
é aquela produzida por um laser, nome adotado em português, para os dis-
positivos de amplificação por emiss˜ao estimulada de radia¸cão (do inglês Light
Amplification by Stimulated Emission of Radiation).

A radiação de um laser resulta das emiss˜oes de ´atomos ou moléculas in-


duzidas, ou estimuladas, por um campo eletromagnético macroscópico. Neste
processo as fases dos campos dos fótons emitidos são correlacionadas, e em con-
seqüência a radiação é coerente. Além de coerente, a radiação do laser é alta-
mente monocromática, isto é, tem freqüências numa estreita faixa do espectro.
A intensidade depende do tipo de laser e da magnitude da excita¸ cão, podendo
variar numa ampla faixa de valores. Os estudos te´oricos sobre a opera¸cão de
lasers foram publicados por C.H. Townes e A.L. Schawlow dos Laborat´ orios
Bell em 1958, pelos quais eles receberam o prêmio Nobel de Fı́sica em 1964
e em 1981, respectivamente. Em 1960 foram descober tos o laser de Rubi e o
laser de Hélio-Neônio. Desde ent˜ao foram descobertas in´umeras variedades de
lasers e desenvolvidas muitas aplicações na medicina, na indústria e na ciência.
O desenvolvimento do laser semicondutor operando `a temperatura ambiente,
feito no final da década de 1960, possibilitou uma revolução na comunicação à
distância, feita através de fibras ópticas.

Os principais componentes de um laser s˜ao: o ressoador ou cavidade


óptica; o meio ativo; e o mecanismo de bombeamento . A cavidade é
formada por dois espelhos parciais, um em frente ao outro, que refletem a maior
parte da radiação emitida de volta para a região do meio ativo existente entre os
espelhos. A estrutura entra em ressonˆancia em certos comprimentos de onda,
resultando num campo eletromagnético macroscópico que produz a emiss˜ao
estimulada nos átomos ou moléculas do meio. Esta emissão amplifica o campo
na cavidade e mantém a radiação do laser. As principais caracterı́sticas do laser
são determinadas pela natureza do meio ativo. Os lasers mais comuns s˜ ao de
gás, de lı́quidos orgânicos, de s´olidos com nı́veis de impurezas luminescentes
e de diodos semicondutores. Para entender o papel do meio ativo é preciso
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 349

estudar a emiss˜ao estimulada.

8.6.1 O Mecanismo de Amplificação por Emissão Estimulada.

Como vimos na Se¸ cão 8.3, um sistema quˆ antico de dois nı́veis de energia,
E2 > E1 , com popula¸cões N2 e N1 , tem um coeficiente de absor¸cão dado por
(8.14) e (8.56),
ω 4πω 2
α = 2 c κ = n c 0  (N1 N2 ) p12 D (ω ) ,
− (8.76)

onde p12 é o elemento de matriz do momento de dipolo elétrico entre os dois


n´ıveis e D(ω ) representa a forma de linha espectral da transi¸ cão entre os dois
nı́veis. Quando uma radiação de freqüência ω atravessa o meio, sua intensidade
varia no espaço de acordo com (8.13),
I (x) = I (0) e −αx .

Em equil´ıbrio térmico, a popula¸ cão N1 do nı́vel de menor energia é maior


que a do nı́vel de maior energia, N2 , de modo que α > 0. Nesta situa¸cão a
radiação é absorvida pelas transições de E1 para E2 , fazendo com que sua inten-
sidade diminua `a medida que ela atravessa o meio. Entretanto, se houver um
mecanismo externo de invers˜ ao de população, tornando N2 > N1 , teremos
α < 0 e portanto a radia¸cão será amplificada pela emiss˜ao estimulada.
Assim, quando N 2 > N1 , definimos o ganho do meio como γ (ω ) = α(ω ). Na-

turalmente o sistema tem perdas, principalmente causadas pela radia¸ cão que
sai da cavidade ressonante. Desta forma, é preciso que o processo de bombea-
mento faça a inversão de popula¸cão ultrapassar um valor crı́tico (N2 N1 )c−
para que o ganho total sej a maior que as perdas. Nesta situa¸cão o sistema
gera uma radia¸cão pela emiss˜ao estimulada.

O valor crı́tico da diferença de popula¸cão é determinado pela condição


na qual o ganho na intensidade ao longo do comprimento do meio ativo iguala
às perdas. As perdas têm duas srcens, a atenua¸cão ao longo do feixe, causada
pela difração e por intera¸cões com outras excita¸cões, e a perda por radia¸ cão
para fora da cavidade ´optica. Esta última é grande para freqüências diferentes
das freqüências de ressonância da cavidade. Por esta razão, o laser opera so-
mente nos comprimentos de onda correspondentes às ressonâncias da cavidade,
dados por
2L
λ = (8.77)
m
350 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 8.35: Espectro de emiss˜ao da luz de um laser de He-Ne mostrando os modos longi-
tudinais.

onde λ é o comprimento de onda no meio ativo, L e´ a distância entre os


espelhos da cavidade e m e´ um número inteiro. Sendo λ relacionado com o
comprimento de onda no vácuo (praticamente igual ao do ar) por λ = nλ ,
onde n e´ o ı́ndice de refração, obtemos as freq¨uências de operação do laser,
c c
ν = =m . (8.78)
λ 2nL

Os lasers operam em uma ou mais freq¨ uências dadas por esta relação e
que estão na faixa da curva de ganho do meio ativ o. Em geral os lasers operam
simultaneamente em vários modos da cavidade, chamados modos longitudinais,
cada um com largura de linha da ordem de alguns MHz, que é muito menor que
a largura da curva de ganho. Por exemplo, a curva de ganho do laser de He-Ne
tem uma largura de cerca de 1 GHz, que comporta 20 modos longitudinais
espaçados de 500 MHz, que é o valor obtido com (8.48) para uma cavidade
óptica com 30 cm de comprimento. A Figura 8.35 mostra um espectro tı́pico
de um laser de He-Ne.

A Figura 8.36 ilustra o que ocorre com a curva de ganho γ (ω ) de um laser,



para três valores da diferença de popula¸cão ∆N = N 2 N1 . Na curva 1 ∆ N é
tal que o ganho é menor que a taxa de perdas em qualquer valor de freqüência.
Nesta situação o laser n˜ao emite radia¸cão. A curva 2 corresponde `a taxa de
bombeamento crı́tica, para a qual ∆N faz o m´aximo de γ (ω ) igualar a perda.
Com uma taxa de bombeamento maior, o ganho supera a perda numa certa
faixa de freq¨uências. Nesta situação, o sistema mantém uma radiação com
freqüência ω c determinada pela cavidade ressonante. A depressão que aparece
na curva 3 resulta do fato de que a intensa radiação criada na cavidade aumenta
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 351

Figura 8.36: Curvas de ganho de um laser para três valores da diferen¸ca de popula¸cão

∆N = N 2 N1 : ∆N3 > ∆N2 > ∆N1 .

as transições do nı́vel 2 para o nı́vel 1, tendendo a igualar as populações. O


regime estacionário de operação é atingido quando a taxa de ganho é igual a
taxa de p erdas. O requisito fundamental para o correr emissão estimulada de
radiação e ganho é a invers˜
ao de popula¸cão no meio ativo. H´a vários métodos
para inverter as populações de dois nı́veis, dos quais os mais importantes são:

• Bombeamento óptico ou excitação por f´otons;


• Excitação eletrônica;
• Colisão inelástica entre átomos;
• Injeção de portadores em semicondutores.
A inversão de popula¸cão entre dois nı́veis envolvidos na emissão estimu-
lada em sistemas homogêneos requer a existência de pelo menos outro nı́vel
de energia. A Figura 8.37 mostr a dois modos de opera¸cão num sistema de
três nı́veis. Em (a) os elétrons passam do estado fundamentalE 1 para um ter-
ceiro estado E3 atrav´ es de um dos poss´ıveis processos de bombeamento. Este
terceiro estado é selecionado de tal maneira que as transições de E1 para E3
sejam bastante eficientes pelo processo de bombeamento usado. De E3 para
E2 as transições devem ser r´apidas e não radiativas. Com isto h´a um ac´umulo
de população em E 2 , o que resulta numa inversão de popula¸cão em relação ao
n´ıvel E1 . A radiação do laser ocorre ent˜ao nas transi¸cões do nı́vel E2 para o
n´ıvel E i . A Figura 8.37(b) ilustra o outro modo possı́vel de operação com três
nı́veis, no qual a radiação ocorre em transi¸cões do nı́vel mais alto para outro
intermediário, que por sua vez relaxa para o estado fundamental.

Nos processos de bombeamento ´ optico utiliza-se uma fonte de luz ex-


352 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 8.37: Processos de emissão estimulada em sistemas de 3 nı́veis.

terna, que pode ser uma lˆ ampada de flash de alta potência, para aumentar a
população de uma banda acima dos dois nı́veis de interesse. Este método de
excitação é empregado em lasers com materiais sólidos, como os de rubi, de
outros cristais ou de vidros dopados com impurezas apropriadas.

Os processos de excitação eletrônica são em geral utilizados em gases. Na


descarga elétrica num gás, os elétrons da corrente são acelerados pela tens˜ao
aplicada e colidem com os ı́ons do gás. Nesta colisão eles transferem energia
aos ı́ons, fazendo com que elétrons do estado fundamental passem para estados
excitados. Este processo é utilizado em lasers de Argônio.

Outro processo de bombeamento importante em gases é o de colisão


átomo-átomo, no qual numa descarga elétrica um certo tipo de átomo colide
com outro deixando este no estado excitado para irradiar. Este processo ´e
importante nos lasers com misturas de gases, como o de Hélio-Neônio.

Finalmente, outro método importante é o de inje¸ cão de portadores numa


junção de semicondutores. Como vimos na Seção 8.5, a corrente elétrica numa
junção p + -n faz buracos do lado p + difundirem para o lado n , resultando num
excesso de buracos em relação aos elétrons. Assim, na região da junção ocorre
uma inversão de popula¸cão, no sentido em que há mais portadores minoritários
que haveria na situação de equilı́brio térmico. Isto resulta na recombina¸ cão de
pares elétron-buraco e na geração de fótons, por emissão espontânea como num
LED, ou por radia¸cão estimulada. A seguir apresentaremos alguns detalhes de
diversos lasers importantes comercialmente. Devido a sua grande importância
na opto-eletrônica, o laser de diodo semicondutor ser´a apresentado em maior
detalhe na pr´oxima seção.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 353

8.6.2 Lasers de Sólidos com Impurezas

Nos lasers de sólidos com impurezas, também chamados lasers de estado sólido,
o meio ativo é um bastão de material cristalino transparente, ou de vidro,
dopado com ı́ons de impurezas cujos nı́veis de energia são adequados para
emissão estimulada. A cavidade óptica é, em geral, formada por dois espelhos
externos, sendo um deles totalmente refletor enquanto o outro transmite uma
pequena fração da radia¸cão incidente. É através do espelho parcial que uma
parte da energia da radia¸cão armazenada na cavidade passa para o exterior,
produzindo o feixe de laser. Os estados excitados das impurezas são p opulados
por bombeamento óptico, produzido por lˆampadas de flash ou por outro laser.

A Figura 8.38 most ra o arranjo original utilizado no laser de rubi. O


rubi é um cristal de safira, A2 O3 , contendo impurezas de Cr 3+ em pequenas
concentrações, de 0,01 a 0,1%. Os nı́veis de energia do Cr 3+ em A2 O3 e as
três transições envolvidas na a¸cão do laser est˜ao most rados na Fig. 8.14. O
bombeamento óptico leva os elétrons do estado fundamental, nı́vel 1, para
uma banda relativamente larga (3). Eles então decaem num tempo curto, da
ordem de 10 −8 s, para o nı́vel 2. Como o tempo de decaimento de 2 para 1
é longo ( 10−3 s), ocorre um ac´umulo de elétrons no nı́vel 2 e invers˜
∼ ao de
população em rela¸cão ao nı́vel 1. A transição estimulada de 2 para 1 gera
a radia¸cão vermelha do laser de rubi, com comprimento de onda 694,3 nm.
Como a lˆampada de flash é acionada pela descarga de um capacitor, indicado
na Fig.8.38, a luz de bombeamento tem a forma de pulsos com dura¸ cão de

Figura 8.38: Arranjo utilizado em laser de rubi bombeado por lˆ ampada de flash.
354 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

alguns ms. Por esta raz˜ao, em vez de gerar uma radia¸ cão contı́nua, o laser
emite pulsos de luz com uma taxa de repeti¸cão determinada pelo circuito de
descarga. A escolha da taxa de repeti¸cão depende da capacidade de resfriar
o bastão de rubi. Este refriamento pode ser feito circulando ´ agua em contato
com o bastão, como mostrado na Fig.8.38. Note que nos atuais lasers de sólidos
com impurezas que empregam lˆampada de flash, ela n˜ao é enrolada em torno
do bastão, como no arranjo srcinal da Fig.8.38. Ela tem a forma de um tubo
cilı́ndrico, colocado paralelo ao bastão do s´olido, no interior de uma cavidade
metálica, de se¸cão elı́ptica, polida internamente. A lâmpada é colocada num

dos focos da
focalizada noelipse e o bast˜ ao no outro, de modo que a radia¸ cão do flash é
bast˜ao.

Um dos lasers de estado s´olido mais importantes da atualidade é o de


neodı́mio-YAG, Nd-YAG. Sua ação ocorre nos nı́veis de energia de impurezas
de Nd 3+ no cristal da granada de alumı́nio e ı́trio, cuja fórmula qu´ımica é
Y3 A5 O12 . O nome YAG vem das inici ais em inglês, Yttrium Aluminum
Garnet. A Figura 8.39 ilustra os nı́veis de energia e as transi¸cões impor-
tantes do laser de Nd-YAG. O bombeamento ´ optico feito pela radia¸cão de
uma lâmpada de flash, ou de um laser de diodo semicondutor, leva os elétrons
do estado fundamental para uma banda larga de estados excitados. De l´a
eles caem para o estado 4 F3/2 por transições não-radiativas. A transição deste
estado para o estado 4 I11/2 produz a radia¸cão laser no comprimento de onda

Figura 8.39: Esquema de energias e de transições responsáveis pela radiação de comprimento


de onda 1064 nm no laser de Nd-YAG.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 355

λ = 1064 nm, situado no infravermelho próximo. O ganho do laser de Nd-YAG


é cerca de 75 vezes maior que o de rubi. Por isto ele po de ser bombeado com
luz contı́nua de um laser de diodo, como ilustrado na Figura 8.40. O feixe
do laser de diodo passa por duas lentes que o focalizam no eixo do bast˜ ao de
Nd-YAG. A superf´ıcie de entrada do bastão é esférica e recoberta por camadas
dielétricas que transmitem a radiação de 809 nm e refletem a radia¸cão de 1064
nm. A superfı́cie plana, na outra extremidade, tem uma camada refletora, for-
mando a cavidade ´optica. Quando operado com lˆampadas de flash, ele atinge
potências de pico muito altas. Apesar de operar no infravermelho, o laser de

Nd-YAGo éfeixe
fazendo maispulsado
utilizado parapor
passar aplicações
um cristalna gerador
região vis´
deıvel. Isto harmˆ
segundo é conseguido
onico,
que converte a maior parte da radia¸cão em luz verde, com λ = 532 nm. (veja
Seção 10.2.2).

Os lasers de estado s´olido bombeados com a luz do feixe de um laser de


diodo, como na Figura 8.40, produzem radia¸cão contı́nua, designada de CW
(do inglês Continuous Wave). Os las ers bombeados por lˆampadas de flash
produzem luz na forma de pulsos emitidos periodicamente. Os pulsos s˜ ao lon-
gos, com dura¸cão de alguns ms, e a taxa de repeti¸ cão é baixa, com alguns
tiros por segundo, porque estas s˜ao as caracter´ ısticas da descarga elétrica na
lâmpada de flash. Os lasers pulsados s˜ao importantes em aplica¸cões que re-
querem alta potência de luz, pois a energia acumulada no per´ıodo é emitida
num intervalo de tempo muito menor. Existem outros métodos para pro-
duzir pulsos de luz em lasers de estado s´olido e outros tipos, como a g´ as e de
lı́quidos corantes, com bombeamento contı́nuo. Dois métodos que possibilitam
obter pulsos muito curtos s˜ao o chaveamento-Q (Q-switching em inglês) e o
travamento de modos ( mode locking). Em ambos os métodos, os espelhos da

Figura 8.40: Esquema de bombeamento do laser de Nd-YAG com radia¸ cão cont´
ınua de um
laser de diodo.
356 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

cavidade devem ser externos ao meio ativo, pois o mecanismo requer a inserção
de um dispositivo no caminho do feixe no interior da cavidade.

O método de Q-switching consiste em deteriorar o Q da cavidade durante


um certo tempo, impedind o a ação de laser. Como o bombeamento é contı́nuo,
enquanto o Q está baixo e não há radiação estimulada, a população dos estados
excitados aumenta e ultrapassa muito o valor crı́tico emissão de luz com o Q
normal. Periodicamente então o Q é restaurado, proporcionando a emissão de
pulsos curtos de alta potência. Um dos mecanismos utilizados para variar o Q
é a modulação da polariza¸cão da luz por meio de um modulador eletro-´optico
(seção 10.2) colocado no interior da cavidade. Quando a p olarização da luz é
alterada numa passagem do feixe, o feixe refletido num espelho retorna com
uma polariza¸cão diferente do incidente e n˜ao produz interferência construtiva
necessária para a ressonância.

O método de mode locking tamb´ em utiliza uma modulação interna na


cavidade, mas o mecanismo é baseado na existência de um grande número
de modos longitudinais. Pode-se mostrar que a modulação de amplitude com
freqüência igual a da separação dos modos produz o travamento das fases dos
modos. Como eles têm freqüências diferentes, periodicamente as fases de todos
eles coincidem, o que resulta num trem de pulsos de radia¸ cão. O perı́odo de
emissão dos pulsos é o inverso da freqüência de espaçamento dos modos.

Outro laser de estado sólido muito utilizado atualmente por conta de sua
versatilidade é o laser de titânio-safira (Ti3+ :A2 O3 ). Este laser pode oper ar

Figura 8.41: Bandas de absor¸cão e de emiss˜ao em Ti 3+ :A2 O3 .


Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 357

nos regimes CW ou pulsado ( Q-switching ou mode-locking).

As impurezas de Ti 3 têm uma banda de absorção com pico em torno


de 500 nm, como mostrado na Figura 8.41, e uma banda de emiss˜ ao larga,
podendo operar em toda a faixa de 660 nm −
1180 nm, com o uso adequado
de filtros e espelhos na cavidade ´optica. Sua eficiência de conversão, definida
como a potência óptica emitida dividida pela potência elétrica gasta, é de apro-
ximadamente 0,01%. Este valor é baixo comparado com o do laser de Nd:YAG
(0,5%), mas é da mesma ordem dos lasers a gás. O laser de Ti:safira é comu-
mente bombeado por um laser de Argônio (514 nm) ou pelo segundo harmônico
de um laser de Nd:YAG (532 nm). Para potências ópticas de bombeamento
tı́picas da ordem de 10 W, cerca de 1,5 W pode ser emitido no laser de Ti:safira
em regime CW. Ele também opera em regime de mode-locking, emitindo pul-
sos ultracurtos. Como a largura da linha de transi¸cão de Ti:safira é de 100
THz, pulsos de dura¸cão curta como 10 fs (1 fs = 10 −15 s) são produzidos em
laboratórios de pesquisa. Os lasers comerciais de Ti:safira emite m pulsos da
ordem de 50 fs.

8.6.3 Lasers a Gás

Nos lasers a gás, a emissão estimulada ocorre entre estados quânticos de átomos
ou moléculas, que são em geral excitados por meio de colis˜oes numa descarga
elétrica. A Figura 8.42 mostra os componentes básicos de um laser a g´ as.
A alta tensão aplicada aos eletrodos do tubo mantém uma descarga elétrica
no gás, que
formada porpo de estar
espelhos confinado
externos, ou circulando.doQuando
as extremidades a cavidade
tubo s˜ ao feitas com´optica
placasé
transparentes, inclinadas com ˆangulo de Brewster, para minimizar as perdas

Figura 8.42: Componentes b´asicos de um laser a g´as.


358 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

por reflexão. Nos pequenos lasers a g´as, os espelhos s˜ao feitos internamente
nas próprias extremidades do tubo.

O laser de Hélio-Neônio foi o primeiro laser a g´as descoberto, sendo ainda


hoje muito utilizado em aplica¸cões simples de baixa p otência. Na descarga
através da mistura dos dois gases, os átomos de He s˜ao facilmente excitados
por colisões eletrônicas. As excitações desses ´atomos s˜ao transferidas para
os estados 2S e 3S do Ne, que coincidentemente têm energias quase iguais
as do He . As transições com emissão estimulada ocorrem nos ´atomos de Ne
entre os nı́veis ilustrados na Fig.8.43, que também mostra os comprimentos
de onda correspondentes às transições. As transições 3S-3p e 2S-2p ocorrem
no infravermelho, enquanto a transi¸cão 3S-2p tem λ = 632,8 nm, situada na
região vermelha do espectro. O laser de He-Ne é de fabricação simples e opera
continuamente com baixa corrente, sendo por isto muito utilizado numa grande
variedade de aplicações de baixa potência (alguns mW).

Outro laser a g´as importante com radia¸cão de luz visı́vel é o laser de


Argônio. Ele opera com tra nsi¸cões eletrônicas nos ı́ons de Ar, produzindo
radiação em v´arias linhas do espectro visı́vel. As mais intensas ocorrem em
λ = 488 nm (azul) e 514,5 nm (verde). Geralmente, o laser de Ar oper a

Figura 8.43: Nı́veis de energia e transições de laser em átomos de Neônio.


Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 359

continuamente com potências que vão desde centenas de mW a dezenas de W,


encontrando inúmeras aplicações médicas, industriais e cient´
ıficas.

Na categoria de lasers a gás moleculares, o mais importante é o de dióxido


de carbono, CO 2 . Neste sistema os nı́veis quânticos envolvidos nas transições
do laser estão associados `as vibrações da molécula de CO2 . A emiss˜ao estimu-
lada tem comprimento de onda em torno de 10 µ m, correspondente à radiação
infravermelha. O laser de CO 2 tem constru¸cão fácil e robusta e produz ra-
diação contı́nua com potência de dezenas a centenas de W, sendo também
muito empregado na ind´ustria e na medicina.

8.7 O Laser de Diodo Semicondutor

O laser de diodo semicondutor, mais conhecido como laser de diodo, é, de longe,
o mais importante para a opto-eletrônica. Enquanto todos os lasers menciona-
dos na seção anterior são grandes, dispendiosos e necessitam de potências sig-
nificativas para funcionar, o de semicondutor tem dimens˜ oes submilimétricas,
baixo custo e requer baixa potência de alimentação. Ele foi descoberto em
1962, porém foram necessários muitos anos de pesquisa e desenvolvimento para
que ele chegasse ao atual est´agio tecnológico. Os primeiros lasers eram forma-
dos de diodos de jun¸cão simples de GaAs e s´o operavam em temperatura de
hélio lı́quido (4,2 K) com correntes relativamente altas. No final da década de
1960 alguns laborat´orios conseguiram materializar propostas teóricas do russo
Zhores Alferov e do alem˜ao-americano Herbert Kroemer, que mostravam a
possibilidade de aumentar o ganho do laser com um confinamento de elétrons
e buracos em heterojun¸cões. Dentre os grupos que conseguiram fabricar lase rs
de heterojun¸cões operando `a temperatura ambiente, estava o do Laborat´orio
Bell, integrado pelo fı́sico brasileiro José Ripper Filho.

Atualmente os lasers de diodo s˜ ao feitos com heterojun¸ cões m´ultiplas


de ligas de semicondutores de gap direto, operam `a temperatura ambiente e
com baixas correntes, e produzem potências de luz que variam de alguns mW,
comparáveis com as do laser de He-N e, a dezenas de watts. O laser de diodo
semicondutor tornou-se um componente essencial dos sistemas de comunicação
óptica, de in´umeros equipamentos eletrônicos e de outras aplica¸ cões, o que
contribuiu para que Alferov e Kroemer fossem agraciados com o prêmio Nobel
de Fı́sica no ano 2000.
360 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

8.7.1 O Laser de Diodo de Jun¸cão p -n

Um dos mecanismos b´asicos para opera¸cão de um laser, a invers˜ao de po-


pulação, ocorre naturalmente numa junção p-n feita de semicondutor de gap
direto, polarizada diretamente. Isto porque os elétrons do lado n que se movem
em direção à região da jun¸cão e s˜ao injetados no lado p, produzem na banda
de condução do lado p uma concentração maior que a de equilı́brio térmico.
Situação semelhante também acontece com os buracos injetados no lado n.
A recombinação de pares elétron-buraco, que ocorre para fazer com que as
concentrações atinjam o equilı́brio nos dois lados, produz a emissão espontânea
caracterı́stica dos LEDs. Entretanto, quando a injeção é suficientemente forte,
a condição crı́tica de operação laser pode ser alcançada e o diodo emite radiação
estimulada.

Para atingir a condição de laser, a jun¸cão p -n deve ter grandes dopagens


nos dois lados, ou seja, deve ser formada por semicondutores degenerados.
Nesta junção, o nı́vel de Fermi E F n do lado n está acima do mı́nimo da banda
de condução, Ecn , enquanto no lado p o n´ıvel EF p está abaixo do m´aximo
da banda de valência, Evp . A Figura 8.44 ilustra as bandas de energia numa
junção deste tipo. Em (a) n˜ao existe tens˜ao aplicada, de modo que o nı́vel de
Fermi é o mesmo nos dois lados. Em (b) a junção está polarizada diretamente,
de modo que as energias do lado p diminuem em relação às energias do lado n ,
sendo a diferen¸ca das energias dos nı́veis de Fermi nos dois lados igual a eV ,
onde V e´ a tensão aplicada. Finalmente, a Fig.8.44(c) mostra o que ocorr e
com uma tens˜ao ainda ma ior: na região de transi¸cão da jun¸cão a banda de
condução é preenchida com elétrons provenientes do lado n , enquanto a banda
de valência recebe buracos do lado p . Isto produz invers˜ao de população nesta
região, o que resulta em altas taxas de recombinação acompanhada de emissão
espontânea de luz. Os f´otons criados neste processo e que ficam confinados na
região da jun¸cão, fazem a taxa de recombina¸cão aumentar ainda mais através
da emissão estimulada. A a¸cão de laser ocorre quando a corrente no diodo
ultrapassa um certo valor crı́tico para o qual o ganho óptico iguala as perdas
no sistema.

A freqüência ν dos fótons emitidos na transição banda-a-banda é dada, no


mı́nimo, por hν = E g . Por outro lado, pela condi¸cão de inversão de população
ilustrada na Fig.8.44(c), vemos que o m´aximo valor de ν e´ dado por EF n −
EF p hν . Portanto, a condi¸cão de operação de um laser de junção p -n é,

EF n − E ≥ hν ≥ E
Fp g . (8.79)
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 361

Figura 8.44: Diagramas de energia em jun¸cão p-n formada por semicondutores degenerados:
(a) Sem tens˜ao aplicada; (b) Com polariza¸cão direta; (c) Com tens˜ao suficientemente alta
para produzir inversão de popula¸cão na regi˜ao de transi¸cão.

Para aumentar o ganho, diminuir as perdas e fazer a radiação sair apenas


numa direção, é preciso construir uma cavidade óptica na jun¸cão. As duas
superfı́cies planas e paralelas que formam os espelhos da cavidade são feitas
através da clivagem do chip da junção nos planos cristalinos, como ilustrado na
Figura 8.45. Como o ı́ndice de refração de GaAs é n = 3, 6, a refletividade de
um espelho deste tipo, dada pela Eq.(8.21), é R = 0, 32. Este valor é suficiente
para criar uma cavidade óptica entre os dois planos de clivagem. Entretanto,
para aumentar o ganho e fazer a radiação sair apenas num sentido, cobre-se um
dos lados com filme met´alico. Além disso, para evitar que a radiação também
saia lateralmente, usa-se um abrasivo para tornar ´ asperas as duas superf´ıcies
laterais. Isto elimina o efeito da cavidade ressonante na direção lateral, fazendo
com que o feixe de radia¸cão saia apenas pela superfı́cie frontal.
362 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 8.45: Ilustra¸cão de um laser de jun¸cão p-n.

A Figura 8.46 mostra o comportamento da intensidade e do espectro


da radiação do laser com a corrente na jun¸ cão. Na Fig. 8.46(a) vemos que
quando a corrente é menor que um valor crı́tico Ic , a intensidade da radia¸cão
é pequena. Nesta situação ela é devida à emissão espontânea que ocorre nas
vizinhanças da jun¸cão, como num LED. Neste caso o espectro de radia¸ cão é
largo, como ilustrado na Fig.8.46(b). Entretanto, se I > Ic , a radiação passa a
ter intensidade muito maior, com um espectro confinado a uma faixa estreita
de freqüências. Estas duas caracterı́sticas constituem as principais diferenças
entre o LED e o laser de jun¸ cão: o laser emite radiação estimulada com um

Figura 8.46: Comportamento da potência luminosa emitida por um laser semicondu tor.
Quando a corrente I é maior que um valor cr´ıtico I c , a potência aumenta bruscamente (a)
e seu espectro torna-se estreit o (b).
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 363

espectro estreito, enquanto o LED emite radia¸cão espontânea com espectro


largo; o laser s´o opera com corrente acima de um valor crı́tico, ao passo que
o LED opera com qualquer corrente. Na realidade, o laser de diodo opera
em vários modos longitudinais, com freq¨uências dentro da faixa da curva de
ganho.

Exemplo 8.5: Calcule o espa¸camento entre os modos longitudinais de um laser de diodo de GaAs,
com cavidade óptica de comprimento 1 mm.

Sendo λ o comprimento de onda da luz no GaAs, a condi¸ cão de ressonˆancia na cavidade


óptica é

λ c
L = mλ  = m =m ,
n nν

onde n é o ı́ndice de refração, λ e´ o comprimento de onda no vácuo e ν a freq¨uência. Então, a


diferença entre as freq¨uências de dois modos vizinhos (m e m 1) é ∆ν = c/nL. Considerando o
±
ı́ndice de refração do GaAs n = 3, 6, vem,

∆ν =
3 × 108 = 8, 3 × 1010 Hz = 83 GHz .
3, 6 × 10 3

O laser de semicondutor formado por apenas uma jun¸ cão p-n, também
chamado laser de homojun¸cão, foi o primeiro a ser desenvolvido. Este tipo
de laser apresenta v´arios problemas, sendo os principais: sua corrente crı́tica
é alta; para evitar super-aquecimento ele deve ser colocado em baixas tempe-
raturas ou operar em modo pulsado; a largura espectral da radia¸ cão é grande
comparada com outros tipos de laser; a potência luminosa é pequena com-
parada com outros tipos de laser; como a radia¸ cão é emitida numa região de
espessura ( < 1 µ m) menor que o comprimento de onda, a difra¸cão é grande e
o feixe n˜ao sai coli mado. Vários desses problemas s˜ao contornados nos lasers
de heterojunções, descritos a seguir.

8.7.2 Lasers de Heterojunções

No laser de homojunção a inversão de popula¸cão que produz a recombinação de


pares elétron-buraco com emissão de f´otons ocorre apenas na regi˜ao de carga
espacial, como mostrado na Fig.8.44(c). Mas nem todos elétrons e buracos que
chegam na jun¸cão participam deste processo. Muitos deles s˜ao injetados no
outro lado como portadores minoritários e difundem numa região de espessura
364 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

na faixa de 1-10 µ m. Desta forma, para que a taxa de emiss˜ ao de f´otons seja
maior que as perdas ´opticas e produzir a opera¸cão do laser, é necessário que a
corrente seja alta. Este fato é o maior responsável pela elevada corrente crı́tica
do laser de homojun¸cão, que é da ordem de 40-100 kA/cm 2 em jun¸cões de
GaAs à temperatura ambiente. Outro efeito que contribui para o alto valor da
corrente cr´
ıtica no laser de homojunção é a forte difração da luz. Ela faz com
que muitos fótons emitidos saiam da regi˜ao da junção, deixando de contribuir
para a emiss˜ao estimulada.

Nos lasers de heterojunções estes dois efeitos são muito menores, de modo
que as correntes crı́ticas são reduzidas em várias ordens de grandeza em relação
ao laser de homojun¸cão, situando-se na faixa de 100-500 A/cm 2 . Como vimos
na seção 6.3.2, numa heterojun¸ cão existe uma barreira de potencial devido

Figura 8.47: Estruturas de lasers de heterojunções: (a) heterojunção simples; (b) hetero-
junção dupla; (c) heterojunção dupla em geometria estriada.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 365

à diferença entre os gaps de energia dos dois lados. Isto permite construir
estruturas de heterojunções com barreiras de potencial que produzem confina-
mento de elétrons e buracos numa camada fina, com espessura da ordem de
0,1-0,5 µm. Ao mesmo tempo, como os ı́ndices de refra¸cão nos dois lados da
heterojunção são diferentes, devido também à diferença dos gaps de energia
dos semicondutores, há um confinamento dos f´otons emitidos. O aumento da
concentração de pares elétron-buraco e de fótons na mesma regi˜ao espacial,
resulta numa maior taxa de recombina¸cão e portanto numa menor corrente
cr´ıtica.

A Figura 8.47 mostra três estruturas de lasers de heterojunções de GaAs


e (GaA )As. As estruturas são feitas depositando-se camadas de espessuras
e composições desejadas sobre um substrat o de GaAs monocristalino. A de-
posição pode ser feita pela técnica mais simples de epitaxia de fase lı́quida
(LPE) ou pela sofisticada técnica de epitaxia de feixe molecular (MBE). A
concentração x do A na liga Ga 1−x Ax As determina o valor do gap de energia
Eg , que varia entre 1,43 eV ( x = 0) e 2,16 eV ( x = 1). O semicondutor tipo p é
feito com difusão de átomos do grupo II, Zn por exemplo, formando impure zas
aceitadoras. Para dopagem tipo n podem ser utilizados elementos do grupo
IV, como Sn. Os ´atomos desses elementos doam um elétron para os átomos
de Ga ou A , que s˜ao do grupo III, formando impurezas doadoras.

A Figura 8.48(a) apresenta o modelo unidimensional de um laser


com uma jun¸cão p-n simples de GaAs e uma heterojun¸cão de p GaAs p −
Ga1−x Ax As. A figura 8.48(b) mostra o diagrama de energia sem tens˜ ao apli-
cada e a figura (c) mostra o diagrama com polariza¸ cão direta. A regi˜ao central
da estrutura é feita do tipo p porque a inje¸cão de elétrons para o lado p é
mais eficiente do que a inje¸ cão de buracos no sentido oposto. Quando uma
tensão é aplicada para polarizar a junção p-n no sentido direto, os elétrons
provenientes do lado n são injetados na regi˜ao central tipo p. A barreira de
potencial criada na heterojun¸cão impede a passagem dos elétrons para o lado
p GaAAs. Como a espessura da regi˜ao central é muito menor que o com-
primento de difus˜ao, os pares elétron-buraco ficam confinados nesta região e
distribu´ıdos uniformemente.

A diferença entre os ı́ndices de refração de GaAs e GaA As faz com que
os fótons emitidos na recombinação sejam refletidos na interface entre os dois
materiais, aumentando a taxa de emiss˜ao estimulada. A operação do laser
ocorre quando a corrente ultrapassa um certo valor crı́tico, com emissão de
fótons com energia aproximadamente igual a do gap de GaAs, Eg = 1, 43 eV.
Isto corresponde `a radiação no infravermelho pr´oximo, com comprimento de
366 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 8.48: Laser de diodo semicondutor com uma jun¸cão p-n de GaAs e uma hete-

rojunção de GaAs GaAAs: (a) modelo unidim ensional; (b) diagrama de energia em
equilı́brio; (c) diagrama de energia com polarização direta. As linhas tracejad as indicam
o nı́vel de Fermi. As bolas pretas representam os elétrons e as bolas brancas representam
os buracos.

onda λ = 860 nm.


A descoberta no final da década de 1960 do laser de heterojun¸cão
operando à temperatura ambiente, impulsionou as atividades de pesquisa
nesses lasers, principalmente pelo seu potencial na opto-eletrˆ onica e nas co-
municações ópticas. Durante os anos 70 e 80, laborat´orios de todo o mundo
competiram para desenvolver estruturas de heterojunções com menor corrente
crı́tica, melhor colimação do feixe de radiação e maior estabilidade de operação
de lasers em diferentes comprimentos de onda. O desenvolvimento da Fı́sica do
Estado Sólido no Brasil propiciou a cria¸cão de um grupo de pesquisa em laser
semicondutor na Universidade Estadual de Campinas, liderado por Ripper,
que acompanhou de perto a matura¸ cão desta tecnologia e a transferiu para
empresas nacionais.

A estrutura da Fig.8.47(b), chamada de heterojun¸ cão dupla, representa


um avanço em relação a de heterojun¸cão simples pois aumenta o confinamento
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 367

de portadores e de f´ otons na regi˜ao central. A estrutura e o esquema de


bandas da heterojunção dupla est˜ao ilus trados na Fig ura 8.49 . O fato da
camada de GaAs estar situada entre camadas de GaA As, que tem um gap de
energia maior, acentua o poço de potencial tanto para os elétrons na banda de
condução quanto para os buracos na banda de valência. Uma redução maior
na corrente crı́tica e na largura do feixe é alcançada utilizando um contato
metálico na forma de uma faixa estreita, com largura da ordem de 20 µ m, com
a geometria mostrada na Fig.8.47(c). O desenvolvimento desta estrutura de
heterojunção dupla representou um grande avanço para a utilização prática do

laser de diodo semicondutor em comunica¸cões ópticas.


Atualmente os lasers de semicondutores utilizam estruturas com
inúmeras camadas de ligas com diferentes concentra¸ cões dos constituintes e
de impurezas. Os objetivos da sofisticação das estruturas s˜ao: redução da
corrente crı́tica; melhoria da colimação e distribui¸cão espectral da radia¸cão;
maior estabilidade de opera¸cão e facilidade de modula¸ cão; e menor custo de
fabricação dentro dos padr˜oes de qualidade para a aplica¸cão desejada. Esses
lasers são produzidos por v´arias técnicas de crescimento epitaxial, como LPE,
MBE e MOCVD.

O material semicondutor utilizado no laser de diodo depende principal-


mente do comprimento de onda da radiação desejado. A Tabela 8.2 mostra as
faixas cobertas por algumas das principais ligas de semicondutores. A variação
das concentrações dos constituintes permite sintonizar o comprimento de onda
do laser. Os lasers de (InGa)(AsP) s˜ao usados em comunicações ópticas. Uma
das aplicações atuais mais importantes dos lasers de (GaA )As no infraver-

Figura 8.49: Laser de diodo de heterojunção dupla: (a) modelo unidimensional; (b) diagram a
de energia com a jun¸cão p-n polarizada, ilustrando o movimento dos elétrons (bolas pretas)
e dos buracos (bolas brancas).
368 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Liga λ(µm) Região do espectro

Pbx Sn1−x Te 7-30 infravermelho (iv)

In1−x Gax Asy P1−y 1,1-1,6 ivpr´ oximo

Ga1−x Ax As 0,7-0,9 iv próximo

Ga1−x Ax In1−y Py 0,6-0,8 vermelho e iv


In1−x Gax N 0,4-0,5 violeta-azul

Tabela 8.2: Faixas de comprimento de onda cobertas por diversas ligas usadas na fabrica¸cão
de lasers semicondutores.

melho é na leitura de discos ópticos, ou discos compactos (CD e DVD), usados


em sistemas de som, computadores e vı́deos. Por outro lado, os lasers de
(GaA)InP no vermelho estão substituindo os lasers a g´as de He-Ne em diver-
sas aplicações, com a enorme vantagem de serem alimentados por pequenas
baterias em estruturas portáteis. Os lasers de InGaN, com emissão na regi˜ao
violeta-azul do espectro visı́vel, foram desenvolvidos no final da década de 1990
e estão encontrando in´umeras aplicações, dentre elas em DVD ( Digital Video
Disc) de alta defini¸cão.

8.7.3 Laser de Poço Quântico

O diagrama de energia do laser de heteroestrutura dupla da Figura 8.49(b)


representa a variação espacial dos nı́veis de energia Ev e Ec , correspondentes
ao máximo da banda de valência e ao mı́nimo da banda de condu¸ cão, respec-
tivamente. Na realidade, em cada seção do modelo unidimensional da Figura
8.49(a), os elétrons podem ocupar estados com energia acima de Ec e os bu-
racos podem ocupar estados com energia abaixo de Ev . Como ilustrado nas
bandas de energia da Figura 5.7, a ocupa¸cão dos estados excitados é devido à
energia térmica. Os elétrons têm energia numa faixa k B T acima de E c e os bu-
racos têm energia numa faixa k B T abaixo de E v . Por esta raz˜ao, a radiação do
laser de heteroestrutura tem uma largura de linha grande, que ` a temperatura
ambiente é da ordem de k B T /h = 6 THz.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 369

Entretanto, se a camada de GaAs for muito fina, os efeitos quˆ anticos


do confinamento serão importantes. Neste caso, os estados dos elétrons e dos
buracos não serão descritos por ondas propagantes na dire¸ cão longitudinal,
mas sim por ondas estacion´arias, tı́picas de partı́culas num poço de potencial,
como estudado na Se¸cão 3.3.2.

A Figura 8.50 ilustra o diagrama de energia de uma heterojun¸ cão de


GaAAs/GaAs/GaAAs, com os po¸cos de potencial para os elétrons na banda
de condução e para os buracos na banda de valência. Na camada fina de GaAs,
a energia mı́nima dos elétrons é E 1 , e n˜ao E c , enquanto a m´axima energia dos
buracos é E1 , e n˜ao Ev . Os po¸cos de potencial criados pela diferen¸ca entre
as energias do gap de GaAs e de GaA As, têm profundidades que dependem
das concentrações de Ga e de A . Como mostra a Tabela 8.1 , para alt as
concentrações de A  o gap se aproxima de 2,16 eV, enquanto o gap de GaAs
é 1,43 eV. Assim, em heterojunções de ligas com altas concentra¸cões de A ,
a profundidade do po¸co na banda de condu¸cão é da ordem de 0,5 eV. Como
este valor é muito maior que a energia térmica dos elétrons, kB T = 0,025 eV
à temperatura ambiente, efeito de confinamento quˆ antico em camadas finas
de GaAs é grande. O cálculo exato dos nı́veis de energia é mais complexo do
que para um po¸co de potencial infinito, apresentado na seção 3.3.2. Porém,
se a espessura x da camada de GaAs n˜ ao for pequena demais, o nı́vel E1
estará pr´oximo de Ec , podendo ser calculado aproximadamente como se a
profundidade fosse infinita. Assim, usamos a Equação (3.44) com n = 1 para
calcular, em primeira aproxima¸cão, o nı́vel de menor energia dos elétrons no

E3
E2
Ec E1

Ev E1’

E2

E3

Figura 8.50: Diagrama de energia de um laser de po¸ co quântico.


370 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

poço,
2 2
 π
E1 = E c + . (8.80)
2m∗e 2x

Do mesmo modo, o nı́vel de maior energia dos buracos é,


2 2
E1 = Ev − 2m π  ∗ 2
. (8.81)
b x

Vemos
espessa, E1 seque no laser de
aproxima de heteroestrutura duplade
Ec e E 1 se aproxima com
E vuma camada
. Neste caso, de
os GaAs
efeitos
de confinamento s˜ao pequenos. A radiação laser tem freq¨uência dada pela
Equação (8.79) e largura de linha kB T /h. Por outro lado, se a espessura x é
pequena, de tal modo que E 1 Ec dado por (8.80) é comparável ou maior que

a energia térmica, a radiação tem largura de linha estreita e freq¨uência dada
pela diferença entre (8.80) e (8.81),
2 2
hν = Eg +
 π
 1
+
1
 . (8.82)
22x m∗e m∗b

O laser de heteroestrutura dupla com x pequeno é chamado laser de


poço quântico, ou laser QW (do inglês Quantum Well ). Os lasers de po ¸co
quântico têm estrutura como aquela da Figura 8.47(c), onde a camada de p-
GaAs tem espessura da ordem de 100 Å. As principais vantagens do laser de
poço quântico são: a largura de linha da radia¸cão é mais estreita; a freqüência
do
ser laser
maiorpode
queser sintonizada
uência depela escolha GaAs. da espessura  , podendo
de adequada
x
a freq¨ emissão

Um problema do laser de po¸ co quântico simples é a pequena área de


recombinação dos pares elétron-buraco, o que compromete a intensidade da
radiação. Este problema é resolvido no laser de múltiplos poços quânticos, ou
MQW ( Multiple Quantum Well ), formado por um grande n´ umero de cama-
das com a repeti¸cão peri´odica da unidade b´asica da Figura 8.50. A primeira
camada de GaA As depositada sobre o substrato n-GaAs é dopada com im-
purezas doadoras, portanto é n-GaAAs. Todas as outr as camadas, alter-
nadamente GaAs (espessura de 100 Å ou menos) e GaA As (espessura da
ordem de 100 Å ou mais), s˜ ao tipo p. Como o comprimento de difus˜ao é
da ordem ou maior que 10 µm = 100.000 Å, os elétrons injetados pelo con-
junto n -GaAs/n-GaAAs alcançam todas as camadas do conjunto ( p-GaAs/p-
GaAAs)m , mesmo que o n´umero m de repetições seja de algumas dezenas.
É importante notar também que como a distância entre dois po¸cos vizinhos é
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 371

menor que o comprimento de onda da radiação, a emissão estimulada de poços


vizinhos é sincronizada. Os lasers de múltiplos poços quânticos são fabricados
pelas mesmas técnicas de produção dos lasers de heteroestruturas, que exper-
imentaram grande evolução na década de 1990, possibilitando o crescimento
de finas camadas de semicondutores com grande precis˜ao e confiabilidade.

Exemplo 8.6: Calcule para um laser de po¸co quântico de GaAAs/GaAs(x )/GaAAs, a espessura
x para a qual: a) A energia E 1 Ec seja igual à energia térmica dos elétrons a` temperatura T = 300
K; −
b) A emiss˜ao do laser tenha comprimento de onda de 820 nm.

a) A espessura x que satisfaz a condi¸cão dada é obtida igualando à diferença de energia da


Eq.(8.80) com a energia térmica,
2 2
π
= kB T ,
2m∗e 2x

donde vem,

π
x = .
(2m∗e kB T )1/2

Usando para a massa efetiva dos elétrons m ∗e = 0, 068 m 0 (Tabela 5.1)

1, 05 × 10 34 × 3, 14

−8
x = = 1, 46 × 10 m.
(2 × 0, 068 × 9, 1 × 10 31 × 1, 38 × 10
− −23
× 300)1/2
˚
A espessura
energia E1 Eé centão
− maior146
que A. Camadas
a energia de GaAs
térmica, mais finas
e portanto resultam
têm efeito num de
quântico espaçamento de
confinamento.
b) A espessura x que resulta numa radia¸cão laser com energia de f´ oton hν é obtida a partir de
(8.82),
1/2
π 1 1
x = + ∗
21/2 (hν − Eg )1/2 m∗e mb

O comprimento de onda 820 nm corresponde a uma energia de f´ oton,

hc 6, 62 10−34 3 108
× × ×
hν = = eV ,
λ 820 10−9 1, 6 10−19
× × ×
hν = 1, 51 eV .

Sendo E g = 1, 43 eV em GaAs, vem,


−20
hν − Eg = 0, 08 eV = 1 , 28 × 10 J.
372 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Usando este valor e m ∗b = 0, 5 m 0 (Tabela 5.1) na expressão de  x vem,

1/2
1, 05 × 10 34 × 3, 14

1 1
x = +
(2× 1, 28 × 10 20 × 9, 1 × 10
− −31
)1/2 0, 068 0, 5

x = 8, 86 × 10 9 m = 88, 6 Å .

Veja que, como o parˆametro de rede do GaAs é 5,65 Å, esta espessura da camada de GaAs
contém cerca de 16 células unit´
arias.

8.8 Aplicações dos Lasers de Diodo

Os lasers de diodo semicondutor tornaram-se dispositivos essenciais de um


grande número de equipamentos e sistemas desenvolvidos nas últimas décadas
do Século XX. Suas aplicações vão desde equipamentos muito simples, como
o apontador laser, a sofisticados equipamentos de comunicações ´opticas de
alta velocidade que conec tam todo o globo terrestre. Muitos equipamentos
tiveram seu desempenho melhorado e o custo reduzido com a substitui¸ cão da
fonte de luz por lasers de diodo, como a leitora ´ optica de código de barras nos
supermercados, os aparelhos de fax e in´ umeros equipamentos de diagn´ostico
médico, por exemplo. Outros equipamentos novos só se tornaram poss´ıveis
com o desenvolvimento do laser de diodo, como os tocadores de discos ´ opticos
compactos (CD player e DVD player). Cada aplicação requer um laser com
radiação com comprimento de onda e outras caracterı́sticas espec´ıficas, e por-
tanto utilizando materiais e estruturas especı́ficas. Em geral os lasers são
feitos com heteroestrutura dupla, mas certas aplica¸ cões requerem estruturas
de múltiplos poços quânticos. O desenvolvimento de materiais, estruturas e
processos de fabricação de lasers de diodo é uma área de atividades de pesquisa
em inúmeros laborat´orios acadêmicos e industriais em todo o mundo. Nesta
seção abordaremos apenas duas das aplica¸cões mais importantes dos lasers de
diodo, comunicações ópticas e tocadores de discos compactos.

8.8.1 Comunicações Ópticas

O advento das comunicações ópticas foi poss´ıvel não apenas pelo desenvolvi-
mento dos lasers semicondutores e fotodiodos, mas também das fibras ópticas.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 373

A fibra ´optica é um fio fino de seção reta circular, feita de material transpa-


rente, em geral vidro ou pl´ astico. A fibra ´optica é flex´ ıvel mecanicamente e
não quebra quando é encurvada suavemente, sendo usada para guiar um feixe
de luz através de caminhos sinuosos sem interferências do meio externo.

A idéia básica do uso de fibra ´optica como guia de luz é muito antiga. Um
feixe de luz num material transparente com ı́ndice de refração n 1 , incidindo na
interface com outro material de ı́ndice de refração n 2 < n1 , sofre reflexão total
se o ˆangulo de incidência θ1 (em relação a normal) for maior que um valor
cr´ıtico θc = arc sen ( n2 /n1 ). Assim, um feixe pode propagar no inte rior de
um cilindro maciço, sofrendo reflexões sucessivas na superf´ıcie interna e sendo
guiado ao longo do cilindro. Fibras ´opticas de vidro ou pl´astico transparentes
são usadas como guias de onda de luz para aplica¸ cões simples desde a década
de 1930. Todavia, somente a partir da década de 1970 foram desenvolvidas
fibras de sı́lica (SiO2 ) com baixas perdas, possibilitando guiar feixes de luz a
grandes distâncias.

A fibra ´optica mais simples é feita de material homogêneo com certo


ı́ndice de refração n > 1. Esta fibra n˜ao tem muita utilidade porque seu contato
com qualquer material externo, como sujeira na superfı́cie, pode resultar em
refração e consequente perda da energia luminos a guiada. Por esta raz˜ao as
fibras ópticas são feitas com duas regi˜oes, um n´ucleo central com raio R1 e
ı́ndice de refração n1 , e uma casca com raio externo R2 > R1 e ı́ndice de
refração n2 < n1 . Desta forma, a reflexão interna total ocorre na superfı́cie
entre o n´ucleo e a casca, de modo que a propaga¸ cão n˜ao é perturbada por
interferências externas.

A Figura 8.51 mostra a se¸cão de uma fibra ´optica e os dois perfis comuns
de ı́ndice de refração. Na fibra com perfil em degrau , tanto o núcleo como a
casca são homogêneos, de modo que n 1 e n2 não variam com o raio. Suas prin-
cipais aplicações são em iluminação e sistemas de imagem. Na fibra com perfil
gradual, o ı́ndice de refração do n´ucleo varia com o raio, n 1 (r), enquanto que
a casca é homogênea. Uma forma muito comum é a parabólica, na qual n1
diminui a partir do eixo com o quadrado do raio. O material b´asico usado
para a fabrica¸cão de fibras ´opticas é a sı́lica fundida. A varia¸ cão no ı́ndice
de refração é obtida no processo de fabricação através de dopagens adequadas
com diversos materiais, tais como GeO 2 , P2 O5 , B2 O3 , etc. A prote¸cão da fibra
óptica é feita por meio de um revestimento plástico.

A propagação da luz numa fibra ´ optica está ilustrada na Fig. 8.52. Na


fibra com perfil em degrau, a luz comporta-se como se fosse formada por raios
374 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 8.51 : (a) Se¸cão de uma fibra óptica mostrando o n´ucleo, a casca e o revestimento;
(b) perfil de ı́ndice de refração em degrau; (c) perfil gradual.

que propagam em linha reta, sofrendo reflexões sucessivas na superfı́cie interna


da casca. Na fibra com perfil gradu al as trajet´orias dos raios s˜ao curvas porque
ınua devido à variação do ı́ndice de refração n 1 .
eles sofrem refração cont´

Na realidade, a vis˜ao da onda formada por raios é uma simplificação


do fenômeno. A propaga¸cão da onda guiada pela fibra é descrita matematica-
mente pelas soluções das equações de Maxwell na geometria cilı́ndrica da fibra.

Essas soluções
vistos como ondascorrespondem
propagantesa modos discretos
ao longo do eixode
dapropaga¸cão,
fibra e modosque
de podem ser
onda esta-
cionária na seção transversal. Os modos de onda estacion´aria são semelhantes
às funções de onda de uma partı́cula num poço de potencial, como na Fig.3.3,
com um certo n´umero de máximos e de nulos do campo ao longo do diˆametro.
Quanto maior a raz˜ao diˆametro/comprimento de onda, maior o n´ umero de
máximos. Na visão simplificada da ´optica geométrica, cada modo de onda
estacionária corresponde a um ˆangulo diferente de propaga¸cão dos raios. Ve-
mos então que quanto maior o diˆametro da fibra, maior o n´umero de modos
diferentes que podem propagar. Numa fibra de perfil em degrau, com diâmetro
do núcleo de 125 µ m, podem propagar milhares de modos no comprimento de
onda de 0,85 µ m. Uma fibra deste tipo é chamada multimodo. As fibras que
permitem propagar apenas um modo s˜ao chamadas monomodo. A varia¸cão
transversal do campo eletromagnético numa fibra monomodo se assemelha à
função de onda do modo n = 1 na Fig.3.3. As fibras monomodo têm n ´ucleo
com diâmetro de cerca de 5-10 µ m e casca com diˆametro 125 µ m.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 375

Figura 8.52: Ilustra¸cão da propaga¸cão da luz em fibras ´opticas: (a) perfil em degrau;
(b) perfil gradual.

Uma caracterı́stica fundamental das fibras ópticas é a variação da


atenuação da energia luminosa com o comprimento de onda da luz. A Figura
8.53 mostra esta varia¸cão para uma fibra de sı́lica. Note que a escala vertical
da figura é expressa em dB/km. O valor em decibel de uma atenua¸cão A é
dado por A (dB) = 10 log 10 A. Assim, uma atenua¸cão por um fator 10 corres-
ponde a 10 dB, 100 corresponde a 20 dB, 1000 a 30 dB, etc. Esta nota¸cão é
conveniente para exprimir grandezas multiplicativas, porque os valores em dB
se somam. Por exemplo, como a atenua¸cão total em dois trechos consecutivos
de fibra é o produto das atenuações de cada um, o valor em dB é dado pela
soma dos valores individuais em dB.

A Figura 8.53 mostra três curvas de atenuação. A curva tracejada corres-


ponde às fibras utilizadas até meados da década de 1990. Os picos na atenua¸
cão
em 1240 nm e 1390 nm s˜ao devidos a modos vibracionais de impurezas de ı́ons
OH− causadas pela presença de água dissolvida no vidro. A curva cheia corres-
ponde às fibras comerciais fabricadas atualmente, por processos que reduzem a
presença de impurezas. A curva com traço e ponto é produzida em laboratório
e permite a utiliza¸cão de uma faixa contı́nua de comprimentos de onda.

A Figura 8.54 mostra os componentes b´asicos de um sistema de comu-


nicações ´opticas. O transmissor é composto por uma fonte de luz e um
circuito driver. A fonte de luz é um laser de diodo semicondutor. O circuito
driver serve para polarizar a fonte de luz e também para modular a luz de
acordo com o sinal elétrico de entrada. O sinal luminoso gerado pelo trans-
missor é guiado pela fibra óptica até o receptor, onde é convertido em sinal
elétrico no fotodetetor, amplificado e depois processado para restaurar o sinal
srcinal. Na comunica¸cão em longas distˆancias, são utilizados repetidores para
amplificar o sinal entre o transmissor e o receptor. A grande vantagem da
376 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 8.53: Atenuação da luz em fibra ´optica de sı́lica em função do comprimento de onda.

comunicação óptica em rela¸cão aos sistemas baseados em microondas é sua


grande largura espectral, que possibilita a transmissão numa única fibra de
milhares de canais de voz ou de vı́deo. Com a crescente da digitaliza¸cão das
informações, a capacidade dos sistemas de comunica¸cão passou a ser expressa
em termos da velocidade de transmissão de pulsos, em bits por segundo (b/s).

segundaO primeiro
metade sistema comercial
da década de comunica¸cão
de 1980, operando comóptica
lasersfoi
deimplantado na
semicondutor
de GaAs, com comprimento de onda em torno de 800 nm, a uma taxa de
repetição de 45 Mb/s. Como a atenua¸cão das fibras nesta regi˜ao era alta,
cerca de 2 dB/km, havia a necessidade de colocar repetidores a cada 10 km de
distância. Os repetidores utilizados naquela época eram baseados em amplifi-
cadores eletrônicos, portanto eles tinham que detetar o sinal ´optico, amplificar
o sinal elétrico e depois modular um novo feixe de laser. Na década de 80 foram
desenvolvidos sistemas operando em torno de 1300 nm, em que as fibras tinham
atenuação de cerca de 0,6 dB/km. Eles empregavam lasers de semicondutor
de InGaAsP, podendo operar com até 2 Gb/s e com uma distância de 44 km
entre repetidores, que usavam amplificadores ´optico-eletrônicos. Mais tarde
foram desenvolvidos sistemas para 1550 nm, em que as fibras têm atenuação
de 0,2 dB/km, podendo transmitir a distˆancias de 70 km sem a necessidade
de repetidores. Estes sistemas utilizam lasers de diodo de InGaAsP com uma
concentração maior de In, operando com até 4 Gb/s.
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 377

Figura 8.54: Componentes b´asicos de um sistema de comunicações ópticas.

O que possibilitou um grande aumento na velocidade de transmiss˜ ao


foi o desenvolvimento do amplificador ´optico no final da década de 1980. O
amplificador óptico consiste basicamente de uma fibra ´optica com impurezas
de terras raras. Na faix a em tor no de 1550 nm s˜ao usadas fibras de sı́lica
dopadas com Er, enquanto em 1300 nm usavam-se vidros fluoratos dopados
com Pr. Estas impurezas têm nı́veis de energia que absorvem radiação no
visı́vel e emitem no infravermelho. Quando bombeado por um laser de diodo,
este sistema amplifica um sinal óptico que propaga na fibra, através de emissão
estimulada. Os amplificadores ópticos possibilitaram o advento de uma nova
área da tecnologia, na qual o processamento de sinais é inteiramente óptico,
chamada fotônica. Na se¸cão 10.2 apresentaremos alguns dispositivos ´opticos
baseados em materiais dielétricos que são empregados no processamento de
sinais ópticos.

A amplificação e o processamento totalmente ópticos do sinal permitiram


o aumento da distˆancia entre os repetidores. Os primeiros sistemas comerciais
totalmente ópticos surgiram em 1990, funcionavam a 10 Gb/s e requeriam
distâncias de 60 a 80 km entre os repetidores. Estes avanços cient´
ıficos também
possibilitaram o desenvolvimento de uma nova tecnologia de transmiss˜ ao de
vários canais numa s´o fibra, a WDM ( Wavelength Division Multiplexing),
que contribuiu para o grande aumento na taxa de transmiss˜ ao de bits. Atu-
almente os sistemas de comunica¸cão operam com taxas de transmiss˜ao supe-
riores a 1 Tb/s. As faixas de comprimento de onda utilizadas para comu-
nicação óptica estão assinaladas na Figura 8.54 e s˜ ao designadas por letras
378 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

estabelecidas pela Uni˜ao Internacional de Telecomunicações (ITU, sigla para


International Telecommunication Union). A banda S é a faixa que abrange os
comprimentos de onda entre 1460 e 1530 nm, a banda C é a faixa entre 1530
e 1565 nm e a banda L é a faixa entre 1565 e 1625 nm.

8.8.2 Gravação e Reprodução em Discos Compactos

Uma aplicação dos lasers de diodo semicondutor de importˆ ancia econômica


crescente é nos dispositivos de armazenagem de informação em discos ´opticos,
também chamados discos compactos, ou CD (Compact Disc). Eles são uti-
lizados em aparelhos de reprodução de som, ou tocadores de CD (CD players),
em aparelhos de reprodu¸cão de vı́deo, ou DVD (Digital Video Disc), e em
unidades de gravação, armazenagem e leitura de informa¸cão digital em com-
putadores. As principais vantagens destes dispositivos em relação a outros
sistemas estão na grande capacidade de armazenagem dos discos ópticos, fa-
cilidade de transporte, e no fato do processo de leitura n˜ ao requerer contato
fı́sico com o disco. A Figura 8.55 ilustra os elementos básicos do processo de
armazenagem e leitura em disco ´optico.

Nos discos ´opticos de grava¸cão permanente, a informa¸cão digital é re-


gistrada na forma de pequenas covas ( pits, em inglês), mostradas nas Figuras
8.55 (b) e (c). As covas têm forma ovalada, com dimensões da ordem ou menor
que 1 µm, dispos tas ao longo de uma trilha em espiral. A presen¸ca da cova
numa posição representa o bit 1, e a ausência representa o bit 0. O disco é
de plástico, e sua prepara¸cão é feita por meio de um processo de injeção sobre
uma matriz met´alica plana, contendo ressaltos nas posi¸cões que irão produzir
as covas. Após a injeção, a superfı́cie contendo as covas na trilha em espiral é
metalizada com um filme de alumı́nio para refletir a luz. Finalmente, o con-
junto é recoberto por um polı́mero transparente, visando proteger as covas e
formar uma superfı́cie final lisa, para evitar o acúmulo de sujeira.

Nos últimos anos foram desenvolvidos sistemas de gravação termo-óptica


em CD, permanente ou regrav´avel, compatı́veis com os sistemas tradicionais.
Neste caso, o CD virgem consiste de uma camada de polı́mero uniforme, sobre
um filme metálico plano. O processo de gravação de um bit 1 numa pequena
região da camada é feito por aquecimento, produzido por um pulso de laser de
diodo focalizado por uma lente, que resulta na mudan¸ ca do ı́ndice de refração
do material depois que esfr ia. A profundidade da regi˜ao alterada é tal que
no processo de leitura, a parte da luz que a atravessa e é refletida p elo filme
metálico tem uma defasagem de 180 ◦ em relação à outra par te. Isto produz
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 379

interferência destrutiva na luz indicando a presença do bit 1, como no CD


tradicional.

As dimensões mostradas na Figura 8.55 (b) s˜ao tı́picas de CD de som e


de armazenagem digital de computadores. Os lasers de leitura, neste caso, s˜ao
de heteroestrutura dupla ou de MQW, de GaAs, operando no infravermelho
com comprimento de onda de 780 nm. Os discos de vı́deo ou DVD requerem
uma maior capa cidade de armazenagem. Por isto, as dimens˜oes das covas
e a distˆancia entre trilhas s˜ao cerca de 50% menores, e os lasers de leitura
operam no vermelho, com 650 nm. O desenvolvimento de lasers de diodo
operando no azul est´a possibilitando a redu¸cão das dimens˜oes das covas e
trilhas e o conseq¨uente aumento da capacidade de armazenamento, necessária
para o DVD de alta defini¸cão e outras aplica¸cões.

Figura 8.55: Elementos básicos de um sistema de CD: (a) Vista do disco óptico; (b) Ilustração
das covas nas trilhas e da focaliza¸cão do laser de leitura; (c) Vista lateral das covas através
de corte do disco ao longo de uma trilha.
380 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

REFERÊNCIAS

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New York, 2002.
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Janeiro, 1992.
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1992.
D. Wood, Optoelectronic Semiconductor Devices, Prentice Hall, New York,
1994.
A. Yariv, Optical Electronics, Holt, Rinehart and Winston, New York, 1991.

PROBLEMAS

8.1 Mostre, a partir das equa¸cões de Maxwell, (2.1)-(2.4), que num meio de
condutividade σ e sem carga elétrica ( ρ = 0), o campo elétrico variando
somente na direção x é descrito pela equação de onda (8.1).
Cap. 8 Materiais e Dispositivos Opto-Eletrˆonicos 381

8.2 a) Mostre que numa onda plana senoidal com campo elétrico de ampli-
E
tude 0 propagando num dielétrico com ı́ndice de refração n, o vetor de
Poynting é dado pela equação (8.10). b) Calcule a intensidade da luz num
feixe de laser com diˆametro 1 mm e potência média 10 W. c) Calcule o
E
valor de 0 no feixe de laser do item b.
8.3 Mostre que numa onda plana senoidal com campo elétrico dado pela
Eq.(8.9), a variação de intensidade no espa¸co é dada por (8.14).
8.4 a) Verifique que o comprimento de penetra¸cão δ , dado pel a Eq. (8.30),
tem a unidade do metro no Sistema Internacional. b) Calcule o valor de
δ para a freq¨uência ν = 10 THz, da regi˜ ao infravermelho. c) Verifique
que a freqüência de plasma, dada pela Eq.(8.32), tem a unidade rd/s. d)
Calcule ωp para o cobre em Hz e em eV.
8.5 O ı´ndice de refração complexo de germˆanio para um feixe de luz de com-
primento de onda de 400 nm é dado por N = 4,14 + i 2,221. Calcule: a) A
velocidade de fase da luz; b) O coeficiente de absor¸ cão; c) A refletividade.
8.6 Calcule a transmiss˜ao total de uma amostra de germˆ anio na forma de
uma placa de faces paralelas e espessura 50 nm de um feixe de luz de
comprimento de onda de 400 nm.
8.7 A largura de linha de uma absor¸cão é definida como a diferença entre as
duas freqüências para as quais a absorção é metade do valor máximo na
ressonância. Mostre que para a fun¸cão Lorentziana (8.40) a largura de
linha é igual a taxa de amortecimento Γ.
8.8 Na comparação das equações (8.57) e (8.38), é necessário que (N1 −
N2 )p212 /0 tenha a mesma dimens˜ao que ωp2/ω0 . Mostre que isto é ver-
dadeiro.
8.9 A partir da constante dielétrica para um sistema de dois nı́veis com linha
Lorentziana, dado por (8.57), calcule o coeficiente de absor¸cão α, em
cm−1 , no pico da linha, para os seguintes valores: ν0 = 3 10 14 Hz,
×
N2 0, N1 = 1018 cm−3 , Γ = 3
 × 103 s−1 , p = e a0 , onde e e´ a carga do
elétron e a 0 o raio de Bohr.
8.10 Um átomo de hidrogênio está num campo eletromagnético linearmente
polarizado com f´otons de energia igual a separa¸ cão dos nı́veis n = 1 e
n = 2. Usando as autofun¸cões da Tabela 3.1, mostre que s´o há transição
de dipolo elétrico do estado n, , m = 1, 0, 0 para o estado 1, 1, 0.
8.11 Considere um foto-resistor para o infravermelho com dimensões 30 1 × ×
0, 1 mm 3 , feito de Ge intrı́nseco, com tempo de recombinação τr = 10−6 s,
submetido a uma tensão de 10 V. a) Calcule a variação de corrente nos ter-
minais, produzida por uma varia¸cão de 1 mW na intensidade de uma ra-
diação de λ = 1.100 nm distribuı́da uniformemente na superf´ıcie, sabendo
382 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

que a eficiência quântica do Ge neste comprimento de onda é 80%. b)


Calcule a varia¸cão da tens˜ao numa resistência de carga RL = RD nas
condições do item a.
8.12 Uma célula solar de área 10 cm 2 é feita de Si com concentrações de
impurezas Na = 2 1016 cm−3 e Nd = 5 1019 cm−3 , para as quais
× ×
τn = 10 µs, τp = 0, 5 µs, Dn = 9, 3 cm2 /s e Dp = 2, 5 cm2 /s. Para
condições normais de radia¸cão esta célula tem IL = 500 mA. Calcule a
tensão de circuito aberto e a m´axima potência fornecidas pela célula.
8.13 A responsividade de um fotodetetor é definida como a raz˜ao entre a
corrente gerada pelos f´otons e a potência de luz incidente. Calcule a
responsividade de um detetor ideal em fun¸cão do comprimento de onda
da radiação e compare seu valor com um ponto qualquer da linha tracejada
da Figura 8.22.
8.14 Mostre que os valores de corrente e tensão numa célula solar na condição
de máxima potência, são dados pelas Equações (8.74) e (8.75).
8.15 A largura da curva de ganho de um laser de He-Ne é 1 GHz. Calcule o
número de modos longitudinais de uma cavidade ´optica de comprimento
0,5 m que podem ser emitidos pelo laser.
8.16 Qual é o ângulo da janela de Brewster de um laser a g´ as feito com um
vidro de n = 1, 46.
8.17 O núcleo e a casca de uma fibra ´optica com perfil em degrau têm ı́ndices
de refração 1,48 e 1,46 respectivamente. Calcule o ˆangulo crı́tico de
propagação.
Capı́tulo 9

Materiais e Dispositivos
Magnéticos

9.1 Magnetismo e Materiais Magnéticos 385

9.2 Propriedades Magnéticas da Matéria 390

9.2.1 Origem do Momento Magnético do Elétron 390


9.2.2 Momento Magnético de Átomos e Íons 392

9.2.3Paramagnetismo 396
9.3 Materiais Magnéticos 400

9.3.1 Magnetização Espontânea e Temperatura de Curie 400


9.3.2 O Modelo de Campo Molecular 402
9.3.3 A Interação de Intercâmbio 404
9.3.4 Materiais Ferrimagnéticos e Ferrites 408
9.3.5 Curva de Magnetização: Domı́nios Magnéticos 411

9.4 Materiais para Aplicações Tradicionais 416

9.4.1 ÍmãsPermanentes 417


9.4.2 Materiais de Alta Permeabilidade 422

383
384 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

9.5 Gravação Magnética 425

9.5.1 Conceitos B´asicos 427


9.5.2 AnáliseQualitativa 430
9.5.3 Materiais Apropriados 435
9.5.4 Novas Tecnologias com Filmes Finos e Nanoestruturas 437

9.6 Dispositivos de Ferrites para Microondas 442

9.6.1 O Movimento de Precessão da Magnetiza¸cão 443


9.6.2 Susceptibilidade Dinâmica de um Ferrite 445
9.6.3 Ondas Eletromagnéticas em Ferrites 448
9.6.4 Dispositivos de Ferrites 452

REFERÊNCIAS 459

PROBLEMAS 460
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 385

Materiais e Dispositivos Magnéticos

9.1 Magnetismo e Materiais Magnéticos

A palavra magnetismo está associada ao fenˆomeno pelo qual um ente tem o


poder de atrair e influenciar outro ente. Sua srcem est´ a ligada ao nome de
uma cidade da regi˜ao da Turquia antiga que era rica em minério de ferro, a
Magnésia. A palavra surgiu na Antiguidade, associada à propriedade que frag-
mentos de ferro têm de serem atraı́dos pela magnetita, um mineral encontrado
na natureza, de composição qu´ımica Fe3 O4 . Os fenˆomenos magnéticos foram os
primeiros a despertar a curiosidade do homem sobre o interior da matéria. Os
primeiros relatos de experiências com a “força misteriosa” da magnetita, o ı́mã
natural, são atribuı́dos aos gregos e datam de 800 a.C. A primeira utilização
prática do magnetismo foi a b´ussola, inventada pelos chineses na Antiguidade.
Baseada na propriedade de uma agulha magnetizada em se orientar na direção
do campo magnético terrestre, a bússola foi importante instrumento para a
navegação no inı́cio da era moderna.

Os fenômenos magnéticos ganharam uma dimensão muito maior a par-


tir do Século XIX, com a descoberta de sua correlação com a eletricidade.
Em 1820 Oersted descobriu que uma corrente elétrica num fio também pro-
duzia efeito magnético, mudando a orientação da agulha de uma b´ussola em
suas proximidades. Mais tarde Ampère formulou a lei que relaciona o campo
magnético gerado com a intensidade da corrente no fio. O efeito pelo qual um
fio com corrente sofre a a¸ cão de uma for¸ca produzida pelo campo criado por
um ı́mã permanente, foi descoberto logo em seguida. Em 1831, Faraday na
386 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Inglaterra e Henry nos Estados Unidos, descobriram que um campo vari´ avel
podia induzir uma corrente elétrica num circuito. No final do Século XIX
estes três fenômenos eram perfeitamente compreendidos e já tinham inúmeras
aplicações tecnológicas, das quais o motor e o gerador elétrico eram as mais
importantes. A invenção da lˆampada incandescente, associada ao desenvolvi-
mento dos geradores elétricos, proporcionou uma revolução nos costumes da
sociedade. Por outro lado, a introdu¸cão do motor elétrico na indústria e nas
oficinas revolucionou as atividades industriais e de serviços.

Atualmente os materiais magnéticos desempenham papel muito impor-


tante nas aplicações tecnológicas do magnetismo. Nas aplica¸cões tradicionais,
como em motores, geradores, transformadores, etc, eles são utilizados em duas
categorias: os ı́mãs permanentes são aqueles que têm a propriedade de criar
um campo magnético constante; os materiais moles, também chamados doce
ou permeáveis , são aqueles que produzem um campo proporcional `a corrente
num fio enrolado, muito maior ao que seria criado apenas p ela corrente. Nas
últimas décadas surgiu uma nova aplicação para os materiais magnéticos que
adquiriu grande importˆancia na eletrˆonica: a grava¸cão magnética. Esta
aplicação é baseada na propriedade que tem a corrente numa bobina em al-
terar o estado de magnetização de certos materiais. Isto possibilita armazenar,
num meio magnético, a informação contida num sinal elétrico. A recuperação,
ou leitura, da informa¸cão gravada, é feita através da indu¸
cão de uma corrente
elétrica pelo meio magnético em movimento, ou por meio de outros proces-
sos nos quais uma corrente elétrica é influenciada por um campo magnético.
A gravação magnética é, atualmente, a melhor tecnologia da eletrônica para
armazenamento regravável e n˜ao-volátil de informação. Ela é essencial para
o funcionamento de computadores, gravadores de som e de vı́deo, além de
inúmeros equipamentos acionados por cartões magnéticos.

Muitas das aplica¸cões atuais dos materiais magnéticos resultaram dos


avanços cientı́ficos e tecnológicos obtidos nas ´ultimas décadas nos centros de
pesquisa e laborat´orios industriais no Jap˜ao, Europa e Estados Unidos. Esses
avanços só foram poss´ıveis graças à compreensão das propriedades atômicas da
matéria, com base na mecânica quântica desenvolvida nas décadas de 1920 e
1930. Foram as contribuições fundamentais ao magnetismo que deram o prêmio
Nobel a Louis Néel em 1970 e J.H. van Vleck e P.W. Anderson em 1977. Ainda
hoje o magnetismo é um dos campos mais férteis e mais ativos da Fı́sica da
Matéria Condensada. É o conhecimento acumulado neste campo, juntamente
com o progresso na ciência e engenharia de materiais, que têm possibilitado a
descoberta de novos fenˆomenos e a fabrica¸cão de novos materiais magnéticos
para aplicações em eletrˆonica. No Brasil esta ´area também se desenvolveu
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 387

bastante, e hoje h´a dezenas de bons grupos de pesquisa em todo o Paı́s.

O comportamento dos materiais num campo magnético externo é de-


terminado pela srcem de seus dipolos magnéticos e pela natureza da in-
teração entre eles. Os dipolos magnéticos têm srcem no momentum angular
dos elétrons nos ı́ons ou átomos que formam a matéria. Este momentum tem
natureza quântica, como será mostrado na se¸cão 9.2.1. Entretanto, vamos uti-
lizar neste capı́tulo uma combinação de tratamentos quˆantico e semicl´assico
visando obter os resultados importantes na forma mais direta poss´ ıvel. Macros-
copicamente, a grandeza que representa o estado magnético de um material é o
vetor magnetização M  . Ele é definido como o momento de dipolo magnético
por unidade de volume,
 = 1
M
 µi , (9.1)
V i

onde o somat´orio é feito sobre todos os pontos i nos quais h´a dipolos de mo-
mento µi , no interior de um volume V . V é escolhido suficientemente grande
para que haja uma boa média macroscópica, porém pequeno em relação ao
tamanho da amostra para que M  represente uma propriedade magnética lo-
cal.

O campo magnético pode ser expresso por duas grandezas: o vetor


 e o vetor intensidade de campo magnético H
indução magnética B  . Enquanto
H é relacionado com a corrente que cria o campo, B  depende tanto da cor-
rente quanto da magnetiza¸cão do meio. É o vetor B  que determina o fluxo
magnético Φ através de uma superf´ıcie S,

Φ=
  da
B · (9.2)
s

onde da é um vetor normal a superfı́cie em cada ponto. Na teoria macrosc´opica,


a magnetização entra nas equa¸cões de Maxwell levando informações das pro-
eH
cão entre B
priedades magnéticas do material, através da rela¸  . No Sistema
Internacional de unidades,
 = µ 0 (H
B  +M ) , (9.3)

onde µ 0 = 4π 10−7 N/A2 é a permeabilidade magnética do v´


× acuo. No sistema
CGS, a relação entre os campos tem a forma,

=H
B  + 4 πM
 . (9.4)
388 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Vemos que no CGS, no vácuo, B  =H  e µ 0 = 1. A resposta do material a um


campo aplicado H  , caracterizada pelo comportamento de M , é representada
pela susceptibilidade magnética χ. No caso mais simp les, a magnetiza¸cão é
induzida na mesma dire¸cão do campo aplicado de modo que χ e´ um escalar
definido por,
M
χ= . (9.5)
H
Note que, como M e H têm a mesma dimensão, a susceptibilidade é uma

grandeza
razão  eH,
adimensional.
entre B A permeabilidade magnética µ e´ definida através da
B =µ H  . (9.6)

A rela¸cão entre µ e χ, obtida de (9.3)-(9.6), é, nos dois sistemas de


unidades:
(SI) µ = µ 0 (1 + χ) ; (CGS) µ = 1 + 4 πχ . (9.7)

O motivo para apresentar as rela¸cões entre as grandezas magnéticas em


dois sistemas de unidades, é o fato de que ambos os sistemas são muito usados
tanto na engenharia quanto na ciência. Por esta razão, também apresentamos
na Tabela 9.1 as unidades das grandezas magnéticas nos dois sistemas. Note
que a unidade de M no CGS é emu/cm3 , sendo emu ( Electromagnetic Units)

Grandeza SI CGS Rela¸ cão

Φ weber (Wb) maxwell 1 Wb = 10 8


maxwells

2 4
B tesla (T) = Wb/m gauss (G) 1 T = 10 G

H A/m oersted (Oe) 1 A/m = 4 π 10−3 Oe


×
= (1/79,58) Oe
M A/m emu/cm 3
1 A/m = 10 −3 emu/cm3

µ N/A2 adimensional

χ adimensional adimensional

Tabela 9.1: Unidades das grandezas magnéticas nos Sistemas Internacional (SI) e Gaussiano
(CGS).
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 389

a unidade de momento magnético. O emu/cm3 é formalmente equivalente ao


gauss (G). Entretanto, como o gauss é a unidade de B , e no CGS a rela¸ cão
entre B e M é dada por (9.4), costuma-se usar emu/cm3 para unidade de M e
o gauss para 4 πM . No SI, por outro lado, a unidade de M é o A/m, enquanto
a de µ 0 M é o tesla (T).

Outra relação importante é a da energia de um dipolo magnético µi num


campo magnético B  i no ponto i ,
i
Uz = µi B . (9.8)
− ·
Esta equação mostra que a energia é mı́nima quando µi tem a dire¸cão e o
sentido do campo B  i . No interior de um s´olido, B
 i é a soma do campo externo
com os campos criados pelos ı́ons vizinhos ao ponto i. Este campo interno é
um dos principais responsáveis pela diferenciação das propriedades magnéticas
dos vários materiais.

O valor da susceptibilidade varia de 10 −5 em materiais fracamente


magnéticos até 106 em materiais fortemente magnéticos. Em alguns casos
a susceptibilidade é pequena e negativa. Em outros casos a relação entre M
e H não é linear, de modo que a susceptibilidade varia com a intensidade de
campo magnético. Dependendo da srcem microsc´opica de sua magnetiza¸cão
e das intera¸cões internas, os materiais s˜ao comumente classificados em uma
das seguintes categorias:

Diamagnéticos
•• Ferromagnéticos
Paramagnéticos
• Ferrimagnéticos
• Antiferromagnéticos
Diamagnetismo é o tipo mais fraco de resposta magnética de um sistema
e é caracterizado por uma susceptibilidade negativa e da ordem de grandeza
de 10 −5 . A srcem do diamagnetismo est´ a na variação do momentum angular
orbital dos elétrons induzida pela aplicação do campo externo. A explicação
clássica deste fenômeno vem da lei de Lenz, pela qual uma varia¸cão de campo
magnético resulta numa corrente elétrica induzida que tende a se opor a esta
variação, isto é, criando um campo oposto ao aplicado. Este fenômeno ocorre
em qualquer átomo. Mas como ele é muito fraco, só aparece quando no mate-
rial não há dipolos magnéticos permanentes que produzem efeitos muito mais
pronunciados. Os materiais diamagnéticos são aqueles que não possuem dipo-
los magnéticos permanentes, ou seja, são aqueles cujos ´atomos ou ı́ons têm
390 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

camadas eletrônicas completas. Este é o caso dos gases nobres, He, Ne, Ar,
Kr, Xe. É também o caso dos sólidos com liga¸cão iônica, cujos ´atomos trocam
elétrons para ficarem com suas últimas camadas completas, tais como NaC ,
KBr, LiF e CaF 2 . Como o diamagnetismo é uma propriedade muito fraca dos
materiais, seu estudo n˜ao será aprofundado aqui.

Os materiais que têm momentos magnéticos atômicos permanentes s˜ao


classificados em uma das outras categorias acima, ou ent˜ao têm estrutura
magnética mais complexa como é o caso dos chamados vidros de spin . To-
davia, para ter extensa aplicação pr´atica é necessário que a magnetização
macroscópica seja alta, o que ocorre apenas nos materiais ferro ou ferri-
magnéticos. Estes são os materiais usados nas três aplica¸cões anterior-
mente mencionadas: ı́mãs permanentes; materiais moles; meios de grava¸ cão
magnética.

9.2 Propriedades Magnéticas da Matéria

A magnetização da matéria tem srcem no momento magnético associado


ao momentum angular do elétron. Assim, para entender melhor o momento
magnético, é preciso rever algumas propriedades do momentum angular.

9.2.1 Origem do Momento Magnético do Elétron

Classicamente, o momentum angular L de uma partı́cula está relacionado com


o momentum linear p e o vetor posi¸cão r da part´ıcula pela expressão L = r p.
×
Sendo o operador momentum linear pop dado por (3.6), o operador momentum
angular é
 op = i r
L − ×∇ . (9.9)

A partir deste resultado, pode-se mostrar (Problema 9.1) que num átomo
hidrogenóide, no qual h´a apenas um elétron fora da última camada completa,
o orbital eletrˆonico é um auto-estado de L2op e de Lzop . Na realidade isto s´o é
verdade se o spin do elétron for ignorado. As equações de autovalores são

L2op Ψnm =  2 ( + 1) Ψ nm (9.10)

Lzop Ψnm =  m Ψ nm (9.11)


Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 391

onde Ψnm e´ a função de onda eletrˆonica com números quânticos n , , m  .

Além do momentum angular orbital, o elétron tem momentum angular


de spin (spin significa rota¸ cão em torno de si pr´ oprio), que é representado
pelo operador S  . Se o elétron fosse uma partı́cula clássica de massa m, o
spin poderia ser interpretado como resultante de uma rota¸ cão em torno dele
mesmo, e cujo valor dependeria da velocidade angular de rotação. Na realidade
o elétron não é uma part´ıcula cl´assica e seu spin é uma propriedade intrinse-
camente quântica. Devido à presença do spin, a fun¸ cão de onda eletrˆonica
completa deve ser caracterizada pela parte orbital e por uma parte que repre-
senta o estado do spin. Esta parte é autofunção das componentes S 2 e Sz do
operador de spin S  , tendo autovalores respectivamente 2 s(s + 1) e ms . Para
um elétron, s = 1/2, de modo que o n´umero quântico m s pode assumir valores
+1/2 e -1/2, representando o spin para cima ou para baixo, em rela¸ cão a um
eixo de quantiza¸cão. Esse eixo é determinado, por exemplo, pela direção de
um campo magnético externo.

O momentum angular orbital e o momentum angular de spin do elétron


dão srcem ao momento de dipolo magnético do ´atomo. A Fig.9.1 ilustra
o momento magnético orbital através do modelo de Bohr. O momentum
angular clássico do elétron na órbita de raio r com velocidade angular ω é
L = I ω = m r 2 ω . Como o elétron tem carga e, seu movimento corresponde

a uma espira circular com corrente i = e ω/ 2π . Esta espira cria um dipol o
magnético, cujo momento é µ = iA = iπr 2 . Note que como a carga do elétron
é negativa, o momento magnético tem o sentido oposto do momento angu-
lar. Este momento magnético faz o átomo comportar-se como uma min´uscula
agulha magnética, com pólos norte (N) e sul (S) indicados na Fig.9.1. Dessas
expressões po demos obter a rela¸cão entre o momento magnético e o momentum
angular. No Sistema Internacional,
e 
µ = −g
 L (9.12)
2m

onde g = 1 é o fator g orbital. Se o spin do elétron fosse uma grandeza


 deveria ser a
clássica, a rela¸cão entre o momento magnético do spin µs e S
mesma de (9.12). Entretanto, devido `a natureza quˆantica de S  , a rela¸cão é:
e 
µs = −g
s S (9.13)
2m


onde gs 2. A diferen¸ca dos fatores g orbital e de spin é uma das manifestações
da srcem n˜ao-clássica do spin.
392 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 9.1: Órbita de elétron no modelo


de Bohr ilustrando o momentum angu-
lar orbital e o momentum magnético or-
bital.

O movimento do elétron em torno do núcleo faz com que ele sofra a a¸cão
de um campo magnético, resultante da transformação (relativ´ ıstica) do campo
eletrostático do referencial do n´ucleo para o seu referencial. A intera¸cão do
momento magnético do spin com este campo dá srcem ` a chamada interação
spin-órbita. Por causa dessa interação a fun¸cão de onda eletrˆonica deixa de
ser uma autofun¸cão de L z e S z separadamente. Ela passa a ser autofun¸cão de
Jz , onde
Jop = Lop + S
 op (9.14)

é o operador momentum angular total. Neste caso m e ms deixam de ser


“bons” números quânticos, mas são ainda úteis para determinar o novo número
quântico mj = m s + m .

9.2.2 Momento Magnético de Átomos e Íons

Quando o ´atomo ou o ı́on tem vários elétrons fora da última camada com-
pleta, seu comportamento magnético é determinado pelas propriedades desses
elétrons. Isto porque numa camada cheia, os elétrons ocupam orbitais com to-
dos valores de m possı́veis, positivos e negativos, bem como todos os valores
de m s possı́veis. Desta forma, o momentum angular total da camada fechada
é nulo, sendo portanto nulo seu momento magnético. A maneira pela qual
os elétrons externos ocupam os orbitais para formar o estado fundamental é
determinada pelas condi¸cões de mı́nima energia. Essas condições são dadas
pelas regras de Hund , enunciadas da seguinte forma:

1. Os elétrons ocupam os estados de modo a maximizar a componente z do



spin total, S = ms , sem violar o princı́pio de Pauli.
2. Os elétrons ocupam orbitais que resultam no máximo valor de L =
 m ,
consistente com a regra 1 e com o princı́pio de Pauli.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 393

3. O valor do n´umero quântico da magnitude do momentum angular total


| − |
é J = L S quando a camada tem menos da metade do n´ umero de
elétrons que ela comporta, e J = L + S quando tem mais da metade do
| |
número de elétrons.

Na maioria dos elementos da tabela peri´ odica, para formar s´olidos os


átomos tendem a ganhar ou perder elétrons, ficando com suas últimas cama-
das cheias e formando ı́ons diamagnéticos. Este é o caso, por exemplo, do
sódio e do cloro no cloreto de s´ odio. O átomo de s´odio tem 11 elétrons, com
configuração 1s 2 2s2 2p6 3s1 , enquanto o cloro tem configura¸ cão 1s 2 2s2 2p6
3s2 3p5 . O s´odio perde seu elétron 3s, que é o único desemparelhado, para
formar o ı́on Na+ . Este elétron vai para o cloro, completando a camada 3p do
ı́on C− no NaC . Entretanto, isto n˜ao acontece com os ı́ons dos elementos
de transição do ferro, Ti, V, Cr, Mn, Fe, Co, Ni. Os ´ atomos destes elementos
têm a camada 3d incompleta, mesmo tendo elétrons na camada 4s. São os
elétrons 4s que são perdidos na liga¸cão qu´ımica, deixando a camada 3d incom-
pleta e formando um ı́on com momento magnético total não nulo. Fenômeno
semelhante acontece com as terras raras do grupo dos lantanı́deos (Nd, Pm,
Sm, Eu, Gd, Tb, Dy, etc.), que perdem elétrons 6s ficando com a camada 4f
incompleta, e com os elementos do grupo dos actinı́deos. Estes são os elemen-
tos cujos ´atomos ou ı́ons têm momentos magnéticos permanentes. Por esta
razão, os materiais magnéticos necessariamente contêm um ou mais elementos
do grupo de transi¸cão do ferro ou de terras raras.

Para calcular o momento magnético de um certo átomo ou ı́on isolado, é


necessário aplicar as regras de Hund para determinar a configura¸ cão do estado
fundamental e os valores de S, L e J correspondentes. Isto est´a apresentado
de forma esquemática, a seguir, para alguns ı́ons magnéticos importantes.
2 2 6 2 6 6
Fe2+ - configuração: (1s 2s 2p 3s 3p )3d
(átomo de argˆonio)
Os seis elétrons 3d são distribuı́dos da seguinte maneira:
Regra 1: ms= 1/2 1/2 1/2 1/2 1/2 - 1/2 →S= 2
Regra 2: m=
 2 1 0 -1 -2 2 →L=2
Regra 3: J = L + S = 4

O estado fundamental do Fe2+ é representado por 5 D4 , onde a letra mai´uscula


designa o valor de L (S para L = 0, P para L = 1, D para L = 2, F, G, H, I,
394 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

etc.), o ı́ndice superior é a multiplicidade 2S + 1 e o inferior é o valor de J .

Mn2+ , Fe3+ - configuração: (argˆonio) 3d 5

O ı́on Mn2+ é formado pela perda de dois elétrons 4s enquanto que Fe3+ é
formado pela perda de dois elétrons 4s e um 3d. A distribui¸cão dos cinco
elétrons 3d é determinada da seguinte maneira:
Regra 1: ms= 1/2 1/2 1/2 1/2 1/2 → S = 5/2
Regra 2: m=
 2 1 0 -1 -2 L=0

Regra 3: J = S + L = 5/2

ao 6 S5/2 .
O estado fundamental desses ı́ons é ent˜

Para concluir a exemplificação do uso das regras de Hund, consideremos


o caso de um elemento de terra rara, o Sm 3+ . O ı́on é formado pela perda de
dois elétrons 6s e um elétron 4f, restando cinco elétrons na camada 4f.

Sm3+ - configuração das ´ultimas camadas: 4f 5 5s2 5p6


Regra 1: ms= 1/2 1/2 1/2 1/2 1/2 → S = 5/2
Regra 2: m=
 3 2 1 0 -1 →L=5
Regra 3: J = L − S = 5/2
3+
Portanto, o estado fundamental de Sm é 6 H5/2 .

O momentum angular total tem as mesmas propriedades de (9.10) e


(9.11): J (J + 1) 2 é o autovalor de Jop
2
e mJ  e´ o autovalor de Jzop , onde
mJ varia de J a +J . A determinação de J para cada ı́on através das re-

gras de Hund possibilita calcular as propriedades magnéticas dos materiais
contendo aquele ı́on. Usando as relações (9.12)-(9.14), pode-se mostrar que
a componente z do momento magnético total de um ı́on magnético livre é,
aproximadamente:
µz = g µB mJ − (9.15)

onde µB e´ o chamado magneton de Bohr , dado por,

e −21
(CGS) µB = = 9, 27 × 10 G cm3
2mc
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 395

e −24
(SI) µB = = 9, 27 × 10 A m2 (9.16)
2m

sendo g o fator de Landé,

J (J + 1) + S (S + 1) − L(L + 1)
g= 1+ . (9.17)
2J (J + 1)

Veja, nesta equação, que g = 1 quando S = 0, e g = 2 quando L = 0, como


era esperado, pois g  = 1 e g s = 2.

As regras de Hund s˜ao válidas com exatidão para os elétrons em átomos


ou ı́ons isolados, nos quais o campo elétrico visto pelos elétrons tem simetria
esférica. Todavia, quando um ı́on do grupo 3d está num cristal, os elétrons da
camada 3d também sofrem influência do campo elétrico cristalino produzido
pelos ı́ons vizinhos. Isto faz com que os orbitais atômicos do tipo da Tabela
3.1 não sejam auto-estados do Hamiltoniano cristalino. Pode-se mostrar que
os auto-estados s˜ao formados aproximadamente por combina¸cões lineares de
orbitais atômicos com n´umeros quânticos + mL e mL . Em conseqüência, o

momentum angular efetivo dos ı́ons do grupo 3d nos sólidos é L 0. Este 
fenômeno, chamado supressão do momentum angular, faz com que o momento
magnético dos materiais contendo ´ıons 3d seja quase inteiramente devido ao
spin dos elétrons. Neste caso o momento é calculado pela Eq.(9.15) com
g 2.

No caso dos ı́ons de terras raras, os orbitais responsáveis pelo momento
magnético correspondem às camadas eletrônicas interiores. Neste caso, o
campo elétrico cristalino tem efeito desprezı́vel sobre os elétrons destes or-
bitais, por causa da blindagem criada pelos elétrons exteriores. Isto faz com
que o momentum angular do ı́on no sólido seja igual ao do ı́on livre, e portanto
dado pelas regras de Hund. Em consequência, os elementos de terras raras têm,
em geral, maior momento magnético que os do grupo 3d. Além disso, eles têm
também forte interação entre o spin e o campo cristalino, através da interação
spin-órbita. Devido `a forte reatividade quı́mica dos elementos de terras raras,
a tecnologia de utiliza¸cão desses elementos demorou a ser desenvolvida. En-
tretanto, nas últimas décadas eles adquiriram grande importância na indústria
de materiais magnéticos.
396 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

9.2.3 Paramagnetismo

Paramagnetismo é o fenômeno que ocorre em materiais que têm momentos


magnéticos atômicos permanentes, porém isolados uns dos outros. Na ausência
de campo externo os materiais paramagnéticos têm magnetização nula. A
aplicação de um campo externo produz uma pequena magnetiz ação na direção
do campo. Por esta razão os materiais paramagnéticos têm susceptibilidade
positiva, com ordem de grandeza na faixa χ 10−5 10−3 .
∼ −
Os principais materiais paramagnéticos são os metais de elementos n˜ao
magnéticos e os materiais isolantes que contêm atomos
´ livres ou ı́ons de elemen-
tos do grupo de transi¸cão do ferro, de terras raras e dos elementos actinı́deos.
Os metais são paramagnéticos, porque um campo magnético aplicado separa
a banda de condu¸cão em duas, uma com elétrons de spin +1/2 e outra de spin
-1/2. Isto é devido ao fato de que as energias dos momentos magnéticos de spin
+1/2 e -1/2 no campo s˜ao diferentes. Com isso, a banda de menor ener gia fica
com um número maior de elétrons do que a de maior energia. Como a banda de
menor energia tem momento magnético na direção do campo, a magnetiza¸cão
induzida no material tem a direção do campo. Portanto χ é positiva e o metal
é paramagnético. Este tipo de magnetismo é chamado paramagnetismo de
Pauli.

A Figura 9.2 ilustra algumas caracterı́sticas dos materiais paramagnéti-


cos. A caracter´
ıstica básica desses materiais é o fato de seus dipolos magnéticos
atômicos poderem mudar sua dire¸cão livremente, sem influência dos dipolos
vizinhos. Numa temperatura
ocupam direções finita, com
aleatórias devido campo nulo,
à agitação os momentos
térmica, magnéticos
como ilustrado na
Fig.9.2(a). Com a aplicação de um campo externo, a orienta¸ cão média dos
dipolos produz uma magnetiza¸cão resultante na dire¸cão do campo. À medida
que o campo aumenta, a energia de intera¸ cão dos dipolos com o campo au-
menta (em módulo) em rela¸cão à energia térmica, fazendo a ordem no sistema
aumentar. Em certas faixas de temperatura, M é proporcional a H , como na
Fig.9.2(b). Por outro lado, se o campo for mantido fixo e a temperatura au-
mentar, a agitação térmica aumenta, resultando numa menor susceptibilidade.
Desde o século passado foram feitas experiências que mostram que a suscep-
tibilidade varia com o inverso da temperatura, como mostrado na Fig.9.2(c).
Esta forma de varia¸cão da susceptibilidade é chamada lei de Curie.

Quanticamente, as propriedades básicas de materiais paramagnéticos po-


dem ser entendidas a partir dos resultados que apresentamos anteriormente.
Para um campo B aplicado na dire¸cão ẑ , os nı́veis de energia de um sistema
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 397

Figura 9.2: Caracterı́sticas de materiais paramagnéticos: (a) Comportamento dos momentos


magnéticos na ausência de campo externo; (b) Variação de M com H (a inclinação da curva
é a susceptibilidade); (c) Variação do inverso da susceptibilidade com a temperatura.

de momentos magnéticos são obtidos de (9.8) e (9.15),


Em = m g µB B . (9.18)

Se o sistema tiver N momentos independentes, como num material para-


magnético, a razão entre o número N m+1 de momentos no nı́vel (m + 1) e N m
no n´ıvel m, a uma certa temperatura T , é dada pelo fator da estatı́stica de
Boltzmann, Eq.(8.54),
Nm+1
= e−gµB B/kB T , (9.19)
Nm
pois gµ B B e´ a diferença de energia entre os dois nı́veis. A Fig.9.3 ilustra a
variação da popula¸cão de cada nı́vel. É claro então que, como os nı́veis de m
mais negativo (menor energia) estão mais populados, há uma predominância de
momentos magnéticos no sentido de B  e logo M  é diferente de zero. Utilizando
(9.1), (9.5) e (9.19) é possı́vel calcular χ(T ) e obter a lei de Curie. Este foi
um dos primeiros sucessos da teoria quˆantica em materiais. Vamos calcular
χ(T ) para o caso simples de S = 1/2 e L = 0, no qual h´a apenas dois n´ıveis de
±
energia. Neste caso J = 1/2, mJ = 1/2 e g = 2, de modo que a magnetização
na direção (z ) do campo é:
M = (N1 −N )µ
2 B , (9.20)

onde N1 e´ o número de momentos magnéticos no sentido do campo, e N2 o


número no sentido oposto, por unidade de volume. Substituindo (9.19) em
398 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 9.3: Variação com a energia, da popula¸cão de momentos magnéticos independentes


em equil´ıbrio térmico.

(9.20) e usando x ≡µ B B/k B T obtemos


1 e−x

M = N µB = N µB tanh x , (9.21)
1 + e −x

onde N = N1 + N 2 e´ o número total de dipolos magnéticos por unidade de


volume. A Figura 9.2 mostra qualitativamente a variação da magnetiza¸cão
num material paramagnético com o campo e a temperatura, dada por (9.21).
Para x  1, ou seja, para baixos valores de campo e/ou altas temperaturas,
(9.21) mostra que M varia linearmente com x,

x = N µB B
2
M Nµ B ,
kB T

o que d´a para a susceptibilidade,


N µ2B µ0
χ= (9.22)
kB T

que é a lei de Curie. Por outro lado, para x 


1, isto é, para altos valores
de campo e/ou baixas temperaturas, M →
NµB . Esta situação corresponde
a ter todos dipolos alinhados com o campo e portanto a uma saturação da
magnetização. Quanticamente, neste estado todos momentos estão no nı́vel
de energia E1 , ou seja, N2 = 0 e N1 = N . No ca so geral em que o n´ umero
quântico J e´ qualquer, o cálculo de M é um pouco mais complexo. Pode-se
mostrar que o valor de satura¸cão que a magnetiza¸cão atinge em altos campos
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 399

e/ou baixas temperaturas é


Ms = Ng J µ B . (9.23)

Por outro lado, em baixos campos e/ou altas temperaturas, a suscepti-


bilidade é,
M C
χ= µ0  (9.24)
H T

onde NJ (J + 1) g 2 µ2B
C= (9.25)
3k B

é a constante de Curie. Note que no sistema Gaussiano µ0 = 1 e C tem di-


mensão de temperatura, pois χ e´ adimensional. Evidentemente, as expressões
(9.24) e (9.25) dão o mesmo resultado de (9.22) no caso J = 1/2, g = 2. Com a
Eq.(9.23) é poss´ıvel calcular o valor da magnetiza¸
cão de satura¸cão nos s´olidos.

Exemplo 9.1: Considere um material com rede c´ubica simples, com parâmetro de rede a = 2, 5 Å,
tendo J = 1 e um momento 2 µB por célula unitária. Calcule: a) A magnetização de satura¸cão; b)
A susceptibilidade em T = 300 K.

a) Para calcular Ms com (9.23), é preciso inicialmente calcular N . Como foi dad o o momento
por célula unitária, N = 1/a3 é o número de momentos por unidade de volum e. Usando
µB = 9, 27 10−21 erg/G, temos no sistema gaussiano,
× 2 × 9, 27 × 10 21 = 1, 19 × 103 G

Ms = .
2, 53 × 10 24

Esta é a ordem de grandeza t´


ıpica da magnetiza¸
cão de saturação observada tanto nos materiais
paramagnéticos como nos ferromagnéticos.
b) A susceptibilidade obtida de (9.24) e (9.25) com estes mesmos dados, ` a temperatura ambiente,
T = 300 K, no sistema Gaussiano ( µ0 = 1) é,

2 × 22 × 9, 272 × 10 42 −
−3
χ= = 1, 06 × 10 .
2, 53 × 10 24 × 300 × 1, 38 × 10
− −16

A susceptibilidade calculada no Exemplo 9.1, da ordem de 10 −3 , obser-


vada nos materiais paramagnéticos, é várias ordens de grandeza menor que nos
materiais ferromagnéticos. O fato das duas classes de materiais terem mag-
netizações semelhantes quando todos momentos est˜ao alinhados, o que ocorre
400 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

em T = 0, indica que a origem dos momentos é a mesma nas duas classes. En-
tretanto, como muitos materiais ferromagnéticos têm à temperatura ambiente,
magnetização da mesma ordem que em T = 0, deve haver uma interação entre
seus momentos que tende a mantê-los alinhados. Os materiais que têm uma
forte interação entre os momentos magnéticos estão apresentados na pr´oxima
seção.

9.3 Materiais Magnéticos

Vários metais de elementos do grupo de transi¸ cão do ferro, como ferro, nı́quel
e cobalto, puros ou em ligas com outros elementos, apresentam uma alta mag-
netização à temperatura ambiente quando submetidos a um pequeno campo
externo. Estes materiais são chamados ferromagnéticos . A propriedade que
eles têm de serem atraı́dos pela magnetita é conhecida há milênios. Porém,
somente no final do Século XIX foram feitas medidas quantitativas das pro-
priedades magnéticas destes materiais. Na metade do Século XX, descobriu-
se que v´arios materiais que se supunha serem ferromagnéticos, na realidade
são ferrimagnéticos. Estas duas categorias de materiais têm propriedades
magnéticas semelhantes e encontram várias aplicações na eletrônica.

9.3.1 Magnetização Espontânea e Temperatura de Curie

No final do século XIX, Pierre Curie verificou que a magnetização dos mate-
riais ferromagnéticos diminui com o aumento da temperatura e torna-se nula
acima de um certo valor Tc , chamado de temperatur a de Curie. Atualmente
sabe-se que, localmente, em pequenas regiões chamadas domı́nios, os materiais
ferromagnéticos apresentam magnetização finita mesmo sem campo externo.
Ela é chamada magnetização espontânea e resulta de uma forte interação entre
momentos vizinhos que tende a mantê-los alinhados. A forma qualitativa da
variação da magnetização espontânea M com a temperatura está mostrada na
Figura 9.4. Em T = 0, M tem valor igual ao da magnetiza¸cão de satura¸cão,
Ms , porque todos momentos est˜ ao alinhados. À medida que a temperatura
aumenta, M diminui gradualmente devido `a agita¸cão térmica dos momen-
tos. Em T > Tc , a energia térmica predomina sobre a energia de ordena-
mento, de modo que o material passa a ter comportamento paramagnético,
com M = 0. A Figura 9.5 apres enta a vis˜ao clássica do comportamento dos
momentos magnéticos nestas três faixas de temperatura.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 401

Figura 9.4: Variação da magnetização espontânea em materiais ferromagnéticos com a tem-


peratura.

A Tabela 9.2 apresenta os valores de Tc e da magnetiza¸cão espontânea


em T = 0 e em T = 300 K em alguns ferromagnetos simples. No sistema CGS
a magnetização está multiplicada por 4π porque a grandeza que contribui para
o campo B é 4 πM . Pela mesma raz˜ao, no sistema SI, utiliza-se µ0 M . Note que
vários materiais têm Tc < 300 K, e portanto n˜ao têm magnetização espontânea
à temperatura ambiente. Outra observação interessante é que os materiais que
têm maior magnetização, n˜ao têm necessariamente maior Tc . A razão disto

Material Tc 4πM (0) 4 πM (300 K)


K G G

Fe 1043 22.016 21.450


Co 1394 18.171 17.593
Ni 631 6.409 6.095
Gd 293 24.881 0
CrBr3 37 3.393 0
EuO 77 24.002 0
EuS 16,5 14878 0

Tabela 9.2: Dados de alguns materiais ferromagnéticos no sistema CGS. Para obter o valor
de µ 0 M no SI basta multiplicar o valor de 4 πM por 10 −4.
402 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 9.5: Vis˜ao clássica dos momentos magnéticos num material ferromagnético em três
faixas de temperatura.

é que o valor de M depende do momento magnético atômico, enquanto Tc


depende da interação entre os momentos, como veremos a seguir.

9.3.2 O Modelo de Campo Molecular

No inı́cio do Século XX, quando a srcem do momento magnético atˆomico


ainda era desconhecida, Pierre Weiss propˆos um modelo te´orico para o fer-
romagnetismo, que até hoje continua muito útil. Neste modelo , cada dipolo
magnético atômico sofre a a¸cão de um campo magnético efetivo criado pelos
vizinhos, que tende a fazer com que eles fiquem alinhados na mesma dire¸ cão.
Este campo efetivo B  E , postulado empiricamente por Weiss, chamado campo

molecular de Weiss, é proporcional à magnetização local M ,
BE = λ M , (9.26)
sendo λ um parˆametro adimensional, caracterı́stico de cada material. Desta
forma, cada dipolo tende a se alinhar com B  E e portanto com M
 , cuja direção é
dada pela média de todos dipolos vizinhos. Este modelo pode ser utilizado para
calcular a magnetização local em fun¸cão da temperatura e do campo aplicado
H0 . Para isto util izamos o resultado (9.21), v´alido apenas para S = 1/2 e
g = 2, sendo o parˆametro x determinado pelo campo local total,
µB B µB (µ0 H0 + λM )
x= = . (9.27)
kB T kB T

Assim, a magnetização espontânea é dada por (9.21) e (9.27) com H 0 = 0,

M = N µB tanh
 
µB λM
. (9.28)
kB T
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 403

Figura 9.6: Solu¸cão gráfica da Eq.(9.28) para a magnetização espontânea em quatro valores
de temperatura.

Esta é uma equação transcendental, que não tem solução geral anal´ıtica, mas
que po de ser resolvida numericamente ou graficamente. A Figura 9.6 ilustra
as solu¸cões de (9.28) para a magnetiza¸ cão espontânea em quatro valores de
temperatura. A curva representa a função M (x) dada pela Eq.(9.21), enquanto
as retas representam a fun¸cão M = k B Tx/µ B λ nas diversas temperaturas.

Para T = T 1 
T c , a solu¸cão de (9.28) é o ponto 1, interseção da curva
com a reta correspondente a T1 , que tem baixa inclina¸cão. Neste ponto a
magnetização espontânea
que a medida que tem um
T aumenta, valor pr´oximo
a inclinação da retada satura¸cão
aumenta M s . É fácil
e portanto o valorver
de M diminui, como no ponto 2 da Fig.9.6. Este comportamento est´a em
acordo com o resultado experimental da Fig.9.4. A temperatura de Curie é
aquela na qual a reta tangencia a curva M (x), pois é o menor valor de T para
o qual M = 0 (ponto 3 da figura). Evidentemente, para T > Tc , a solu¸cão
permanece no ponto 3 e portanto M = 0.

Podemos obter a rela¸cão entre Tc e os parˆametros do material com a


condição de tangenciamento entre a reta e a curva da Fig.9.6. O coeficiente
angular da reta é kB T /µB λ. Para x  
1, tanh x x, de modo que o coefi-
ciente angular da tangente de (9.21) na srcem é NµB . Igualando estes dois
coeficientes angulares temos,

Nµ2B
Tc = λ .
kB
404 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Note que a express˜ao que multiplica λ neste resultado é exatamente a


constante de Curie, C , válida para J = 1/2, g = 2, na Eq.(9.25). Para o caso
geral de J qualquer, pode-se mostrar que
Tc = λ C . (9.29)

Este resultado pode ser obtido de outra maneir a interessante. Na fase


ferromagnética, T < Tc , não faz sentido definir uma susceptibilidade local,
pois M = 0 com H0 = 0. Entretanto, na fase paramagnética, T > Tc , a

asusceptibilidade
soma do campolocal é dada
externo compor χ = µ 0 C/T . Como o campo local é
(9.24),molecular,
o campo
χ C
M= ( µ0 H 0 + B E ) = (µ0 H0 + λM ) .
µ0 T

Com esta express˜ao obtemos a susceptibilidade de um material ferro-


magnético na fase paramagnética,
M µ0 C
χ= = , (9.30)
H0 T Tc −
onde Tc = λ C , como em (9.29). Este resultado, conhecido como a lei de
Curie-Weiss, mostra que χ diverge quando T T c . Isto é consistente com o

fato de que em T ≤Tc , M é finito mesmo com H 0 = 0.
O resultado (9.29) permite estimar o valor do campo molecular nos mate-
riais ferromagnéticos. Para os metais do grupo de transi¸
cão do ferro, da Tabela
9.2 temos M 103 G e Tc 103 K, e com (9.25) obtemos no sistema Gaus-
∼ ∼
siano C 1 K. Portanto, λ = Tc /C 103 e o campo molecular B E = λM e´ da
∼ ∼
ordem de 106 G. Este valor é muito elevado em relação aos campos magnéticos
tı́picos produzidos em laboratórios, que s˜ao no m´aximo da ordem de 10 5 G.
Ele é também muito maior que o campo magnético que um dipolo atômico
cria nos vizinhos, que é da ordem de µB /a3 10−20 /10−23 = 103 G.

9.3.3 A Interação de Intercâmbio

A srcem do campo molecular de Weiss foi explicada muitos anos depois de


sua descoberta, através da mecânica quântica. Ela está associada `a chamada
energia de intercâmbio de Heisenberg, cuja srcem é eletrost´atica porém de
natureza quântica, sem analogia cl´assica. Ela resulta da diferença entre as
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 405

Figura 9.7: Ilustração da srcem da intera¸ cão de intercˆambio. As direções dos spins de-
pendem da distribui¸cão espacial de carga (fun¸cão de onda espacial) dos elétrons dos ı́ons
vizinhos.

energias eletrostáticas de dois elétrons nas situações de spins paralelos e an-


tiparalelos. Podemos entender esta interação com um modelo simples. Sejam
dois elétrons de ı́ons vizinhos, cujos spins são S1 e S2 . O princı́pio de exclusão
de Pauli impõe que a função de onda total dos dois elétrons seja anti-simétrica.
A função de onda total é o produto da função espacial e da que descreve o
estado de spin . Quando a fun¸cão espacial é simétrica, os spins devem ser
antiparalelos para que a fun¸cão de onda total seja anti-simétrica. Analoga-
mente, quando a fun¸cão espacial é anti-simétrica os spins devem ser paralelos.
Como a energia eletrost´atica total do conjunto depende da distribui¸cão espa-
cial de carga elétrica, ela é diferente nos dois casos das Figuras 9.7(a) e (b). A
diferença entre os valores da energia eletrostática nas duas situações é chamada
a energia de intercˆambio (exchange) entre os dois spin s. Como ela depende
fundamentalmente dos estados dos spins, pode-se mostrar que ela adquire a
forma
U12 = 2J12 S1 S
− 2 ,
· (9.31)

onde J12 e´ a integral de Heisenberg, também chamada constante de in-


tercâmbio. Esta integral depen de das distribuições eletrônicas dos ´atomos
e de sua distˆancia. Como a interação eletrostática diminui com o aumento
da distˆancia, J12 diminui rapidamente `a medida que os ´atomos se afastam.
Vemos pela Eq.(9.31) que quando J12 é positivo, o estado de menor energia
corresponde aos dois spins paralelos, que é o caso ferromagnético.

No caso de substˆancias que contém apenas um elemento com momento


magnético atômico, J 12 é, em geral, positivo. Entretanto, quando a substância
contém elementos que intermediam a ligação quı́mica entre os átomos de mo-
mentos magnéticos, como é o caso de O, F e C, por exemplo, J12 tende a ser
negativo. Neste caso, o estado de menor energia de intercâmbio tem os spins
406 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

antiparalelos. Isto dá srcem ao antiferromagnetismo e ao ferrimagnetismo.


Por esta razão, é raro encontrar ferromagnetismo nos óxidos, fluoretos ou clore-
tos. Evidentemente, quando J12 = 0, o material é paramagnético.

É fácil relacionar a constante de intercâmbio com o campo molecu-


lar. Consideremos dois ´atomos vizinhos com momentos magnéticos µ1 e
µ2 . Supondo que o momento magnético do ı́on é devido somente ao spin,
µ = g µB S , a Eq.(9.31) pode ser reescrita na forma

2 J 12 2
U12 = µ1 S . (9.32)
− gµ B ·
Comparando (9.32) com (9.8), vemos que é possı́vel representar a ação do spin
2 sobre o spin 1 na forma de um campo magnético efetivo B  12 = 2J12 S2 /gµ B .

Geralmente a constante de intercâmbio é a mesma entre os vizinhos magnéticos
mais próximos, sendo representada por J1 , e nula para vizinhos mais afastados.
Se um spin tem z1 vizinhos mais pr´oximos, o campo efetivo médio que atua
sobre ele é então,
2 S z1 J 1
BE = . (9.33)
gµ B

Este é o campo molecular de Weiss. Comparando as equações (9.26) e (9.33) e


usando o valor da magnetiza¸cão a T = 0, M s = gµB S N , onde N e´ o número
de spins por unidade de volume, vemos que
2 z1 J 1
λ= 2
. (9.34)
N (gµ B )
Usando (9.29) e (9.25), com J = S , podemos obter a rela¸cão entre a
temperatura de Curie e a constante de intercˆambio,
2 S (S + 1) z 1 J 1
Tc = . (9.35)
3k B
Esta expressão mostra que `a medida que a intera¸cão de intercâmbio aumenta,
Tc aumenta, pois é preciso uma maior temperatura para destruir a ordem
magnética. Isto explica a grande variação nos valores de Tc dos materiais da
Tabela 9.2.

Para concluir esta seção, vamos abordar a quest˜ao importante do


magnetismo dos materiais metálicos. Até o momento, todas propriedades
magnéticas foram tratadas como se os momentos magnéticos fossem associ-
ados a ı́ons localizados, fixos na rede cristalina. Isto é válido para isolantes,
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 407

mas não para metais. Nos metais é preciso considerar o fato de que os elétrons
ocupam estados em bandas de energia, e não nı́veis discretos em ı́ons locali-
zados. No caso dos metais de elementos do grupo de transi¸cão do ferro, as
bandas importantes são aquelas associadas aos nı́veis 3d e 4s. A banda 4s é a
dos elétrons quase livres, responsáveis p ela maior parte da condut ividade. A
banda 3d é a do magnetismo, pelas mesmas razões discutidas na se¸cão 9.2.1.
Na verdade, as curvas E (k ) correspondentes às bandas 3d e 4s se interceptam,
como mostrado na Figura 9.8 (a). Como resultado, existe uma mistura de
estados 3d e 4s e a curva da densidade de estados tem a forma mostrada na

Figura
em 9.8 (b) . Devido
temperaturas `a interação
menores que Tc ade intercˆambio
energia de um entre os spins
elétron eletrˆonicos,
no estado k com
o spin para cima é menor que a energia de um elétron no mesmo estado k
mas com o spin para baixo. Como resultado, a banda de densidade de esta-
dos separa-se em duas, uma com menor energia que a outra, como indicado
na Fig ura 9.8(b). Como os estados s˜ao ocupados até o nı́vel de Fermi, a
banda com menor energia fica com mais estados ocupados que a outra. Isto
resulta, em alguns metais do grupo 3d, num momento magnético total p or
átomo diferente de zero, o que d´ a srcem a uma magnetiza¸ cão espontânea e
comportamento ferromagnético. Este é o caso de Fe, Co e Ni, que têm aT = 0
momentos 2, 22µB , 1, 72µB e 0, 16µB por ´atomo, respectivamente. Apesar das
srcens do momento magnético nos metais e nos isolantes serem diferentes, as
propriedades magnéticas macroscópicas podem ser tratadas da mesma forma
nos dois tipos de materiais.

Figura 9.8: Ilustração das ´ultimas bandas de energia nos metais do grupo de transi¸ cão do
ferro: (a) Curvas E (k) para T > T c ; (b) Ocupa¸cão dos estados em T < T c .
408 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

9.3.4 Materiais Ferrimagnéticos e Ferrites

Quando a intera¸cão de intercâmbio entre dois ı́ons vizinhos é negativa, seus


spins tendem a se alinhar na mesma dire¸cão porém em sentidos opostos. Isto
dá origem a ordenamentos magnéticos mais complexos que o ferromagnético. A
Figura 9.9 ilustra dois tipos de ordenamento simples que ocorrem com J 12 < 0,
o antiferromagnetismo e o ferrimagnetismo. No antiferromagnetismo os
momentos antiparalelos s˜ao iguais, fazendo com que a magnetiza¸ cão resul-
tante seja nula . Por esta razão, embora os materiais antiferromagnéticos te-
nham uma forte intera¸cão entre os momentos magnéticos, e por isso sejam
de grande interesse cientı́fico, até recentemente eles n˜
ao tinham aplicações tec-
nológicas. Atualmente eles são empregados em cabeçotes de leitura de gravação
magnética, apresentados na Seção 9.5.4.

Os materiais ferrimagnéticos também são caracterizados por uma in-


teração de intercˆambio negativa. Entretanto, como os momentos vizinhos s˜ ao
diferentes, a magnetização resultante é diferente de zero. Na realidade, do
ponto de vista macrosc´opico, as propriedades dos materiais ferrimagnéticos
são muito semelhantes as dos ferromagnetos.

Uma classe de materiais ferrimagnéticos muito importante para a


eletrônica é a dos ferrites. Ferrites são óxidos ferrimagnéticos com estru-
tura cristalina semelhante ao spinel natural MgA 2 O4 . Suas propriedades
magnéticas decorrem da existência de ı́ons magnéticos, como Fe, Ni, Co, Mn
ou terras raras, no lugar do Mg ou A . Sua estrutura complexa srcina a

distribuição
são de spins
semelhantes opostos
as dos uns aos outros,
ferromagnetos. Duasmas v´arias deimportantes
propriedades suas propriedades
de al-

Figura 9.9: Ilustração de ordenamentos anti- e ferrimagnético simples.


Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 409

guns ferrites d˜ao a eles grande importˆancia tecnológica. São elas a rapidez da
resposta da magnetiza¸cão e a alta resistividade. Esta ´ultima permite que
eles sejam usados em aplica¸cões de altas freq¨uências, inclusive na faixa de mi-
croondas, porque não desenvolvem correntes parasitas, ou de Foucault, que são
responsáveis pelo aquecimento e perda de energia nos metais ferromagnéticos.

A Figura 9.10 mostra a estrutura cristalina do spinel natural MgA 2 O4 ,


que é um mineral conhecido encontrado na natureza. Se o A3+ é substitu´ıdo
por Fe3+ , e o Mg 2+ é substitu´ıdo por um metal divalente M, obtemos o ferro-
spinel MO.Fe2 O3 , também chamado ferrita. Se o metal divalente for Fe 2+ ,
teremos o ferrite de ferro, ou magnetita, que é o ı́mã encontrado na natureza,
·
Fe3 O4 (ou FeO Fe2 O3 ). Os ı́ons metálicos na estrutura spinel ocupam duas
posições de simetrias diferentes. A posi¸cão A tem simetria tetraédrica, isto é,
os oxigênios que circundam o ı́on metálico formam um tetraedro. A posição
B é a de simetria octaédrica. Na célula unitária do cristal h´a 8 posi¸cões A e
16 posições B. Nos ferrites a intera¸cão entre os spins dos ı́ons magnéticos que
entram nas posições A e B e´ ferrimagnética, isto é, os spins nessas posi¸
cões são
antiparalelos. A Figura 9.11 mostra como est˜ao distribuı́dos os ı́ons de Fe3+
(S = 5/2) e Fe 2+ (S = 2) na magnetita, Fe 2+ O Fe3+ · 2 O3 . Veja que os spin s
dos 8 ı́ons de Fe3+ na posição A cancelam os outros 8 dos Fe 3+ na posição B .
Com isso, o momento magnético resultante é devido exclusivamente aos ı́ons
Fe2+ , que têm spin S = 2. O momento magnético medido experimentalmente
×
a T = 0 K é 8 4, 07 µB por célula unitária, que é um valor próximo do
obtido na Figura 9.11, 8 gµ B S = 8 4 µ B . A diferença é devido à pequena
× ×
contribuição do momento magnético orbital.

É possı́vel obter uma enorme variedade de ferrites com magnetizações


diferentes, próprias para cada aplica¸cão, pela substitui¸cão adequada dos ı́ons
metálicos. O ferrite de magnésio puro Mg2+ Fe3+ 2 O4 , por exemplo, tem mag-
netização quase nula, pois o ı́on de Mg não é magnético e os spins dos ı́ons

Figura 9.10: Estrutura cristalina do spinel


natural MgA 2 O4 . Os ı́ons de Mg2+ ocu-
pam posições tetraédricas (os oxigênios em
torno deles formam um tetraedro). Os
ı́ons de A3+ ocupam posi¸cões octaédricas
(somente dois octantes da célula unitária
estão mostrados com todos os ı́ons, para
facilitar a vis˜ao).
410 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

elula unitária da magnetita, Fe2+ O Fe3+


Figura 9.11: Ordenamento dos spins na c´ 2 O3 . ·

de Fe3+ nas posições A e B se cancelam. Mostramos abaix o as f´ormulas de


alguns ferrites nos quais os ı́ons metálicos são substitu´
ıdos fracionariamente,
bem como o momento magnético por célula unitária.
A B
Fe3+ Ni2+ 3+
Ferrite de Nı́quel
 
1,0 1,0 Fe1,0
 O4
Momento Magnético = 8 × 2 µ × (↓ 5/2 ↑ 1 ↑ 5/2) = 16 µ
B B

A B
Fe3+ Ni2+ 3+
Ferrite de Nı́quel
 
1,0 1,0 A 0,4 Fe0,6
 O4
com Alum´ ınio
Momento Magnético = 8 2 µB ( 5/2 1 0, 6 5/2) = 0
× ×↓ ↑ ↑ ×
Veja que com a substituição de uma pequena fração de ferro por alum´ınio,
a magnetização é cancelada. Com a substitui¸
cão de uma fração menor podemos
obter uma magnetização com qualquer valor entre 0 e 16 µ B por célula unitária.

Os ferrites são cerâmicas, que têm grande dureza e alto ponto de fusão.
Eles são geralmente usados na forma policristalina. A preparação de ferrites
começa com a mistura de partı́culas finas dos vários óxidos metálicos, que en-
tram em sua composi¸cão, na propor¸cão desejada na forma final do material.
Essa mistura é aquecida a temperaturas da ordem de 1000 ◦ C com o objetivo
de homogeneizar os ´oxidos. Ela é então novamente moida e o p´o resultante
é pressionado para ficar com a forma desejada. Finalmente ela é aquecida a
uma temperatura pouco abaixo do ponto de fus˜ao (1200-1500 ◦C), adquirindo
a forma p olicristalina densa. Esses passos têm durações que variam de ma-
terial para material e seus detalhamentos constituem segredos industriais dos
fabricantes. O desenvolvimento desses processos foi feito durante décadas de
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 411

trabalhos de pesquisa em laborat´orios universitários e industriais, com a par-


ticipação de fı́sicos, quı́micos e engenheiros de materiais.

Um material ferrimagnético de grande importância tecnológica é a


granada de ferro e ı́trio ( Yttrium Iron Garnet), o YIG, cuja f´ormula qu´ımica é
Y3 Fe5 O12 . Como oı́on Y3+ é diamagnético, as propriedades magnéticas do YIG
são devidas aos ı́ons de Fe3+ , três dos quais têm spins opostos aos outros dois.
Com isso o momento magnético por fórmula unitária é 5 µB . Como a célula
unitária de YIG tem oito f´ormulas Y3 Fe5 O12 , o momento por célula é 40 µ B .
A aresta da célula unitária de YIG mede a = 12, 376 Å, e sua magnetiza¸cão
a T = 0 é M0 = 40 µ B /a3 = 194 G. A temperatura ambiente, M = 140 G. A
temperatura de Curie de YIG é 559 K. Este material tem grande importância
tecnológica porque apresenta perdas magnéticas e atenuação acústica extrema-
mente reduzidas em freq¨uências de microondas. Ele é usado tanto na forma
cristalina quanto policristalina. Atualmente consegue-se crescer cristais de
YIG relativamente grandes (muitos cm3 ).

9.3.5 Curva de Magnetização: Dom´


ınios Magnéticos

A magnetização total de um peda¸co de material ferro- ou ferrimagnético sem


campo aplicado é em geral muito menor do que a magnetização espontânea.
Isto é devido a formação dos chamados domı́nios magnéticos . Nesta seção
veremos como esses domı́nios são formados e qual sua influência na curva de
magnetização de um material magnético.

Num material ferromagnético a uma temperatura T Tc , os momen-


tos magnéticos tendem a se alinhar na mesma direção devido `a energia de
intercâmbio, mesmo na ausência de um campo aplicado externa mente. Se
este alinhamento se der ao longo de todo o material, a magnetiza¸ cão será uni-
forme, como na Fig.9.12(a). Neste caso os p´olos magnéticos gerados nas ex-
tremidades criam um campo macroscópico externo, como mostrado na figura.

Este campo tem uma energia magnética, dada por ( µ0 /2) H 2 dV , relativa-
mente alta, de modo que esta configura¸cão não se mantém em equilı́brio. Se
metade da amostra tiver magnetização num sentido e metade no outro, como
na Fig.9.12(b), o campo externo ser´a menor e a energia ser´a reduzida apro-
ximadamente à metade do valor em (a). A figura (c) most ra uma situa ¸cão
de energia ainda menor, pois as linhas de campo fecham internamente no
material, de modo que o campo externo é desprezı́vel. As quatro regiões
mostradas em (c) têm, internamente, magnetização saturada, porém a mag-
netização total é nula. Essas regiões s˜ao chamadas dom´ınios magnéticos, e
412 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 9.12: Ilustra¸cão da diminui¸cão da energia magnética devido à formação de dom´ınios


magnéticos.

formam-se espontaneamente para diminuir a energia do sistema. As princi-


pais contribuições para a energia s˜ao: a energia magnética; a energia Zeeman,
devido a intera¸cão dos momentos com um campo aplicado externamente; a
energia de intercˆambio; e a energia de anisotropia cristalina. Esta ´ultima é
uma contribuição devida `a interação entre os momentos orbitais e o campo
elétrico cristalino, que tende a fazer os momentos se alinharem ao longo de
um dos eixos cristalinos do material. A forma e o tamanho dos domı́nios s˜ao
determinados pela minimiza¸cão da energia total. Um dos resu ltados impor-
tantes é que a fronteira entre os domı́nios não é brusca, pois caso contrário a
energia de intercâmbio seria alta. Na fronteira entre dois domı́nios a energia é

minimizada
varia com a forma¸cão
gradualmente. de uma
Esta camada camada onde
é chamada a orienta¸cão
parede de dom´ dos,momentos
ınio ou parede
de Bloch. A Figura 9.13 ilustra uma parede de 180 ◦ , separando dois domı́nios
cujas magnetizações tem sentidos opostos. Como a orientação dos momentos
pode variar facilmente, as paredes dos domı́nios têm grande mobilidade. Essas
paredes têm espessuras tipicamente da ordem de 1.000 a 10.000 Å. A largura
dos domı́nios varia desde alguns µm até vários mm ou cm, dependendo das
caracterı́sticas do material e do campo externo aplicado. A Figura 9.14 ilustra
o comportamento dos domı́nios numa situação idealizada. Quando o campo é
nulo, formam-se domı́nios, como em (a), que resultam em magnetização total
nula. Quando um pequeno campo é aplicado ao longo da barra, há um desloca-
mento das paredes dos domı́nios para diminuir a energia Zeeman. O tamanho
dos domı́nios magnetizados no sentido do campo aumenta, enquanto os de sen-
tido oposto ficam menores. Como resultado, a barra passa a ter magnetiza¸ cão
total ao long o do camp o, como most rado em (b). Um aume nto do camp o
produz um deslocamento maior das paredes e também rotação dos dom´ınios
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 413

Figura 9.13: Ilustra¸cão de uma parede de domı́nio de 180◦.

perpendiculares ao campo, como em (c). Finalmente, com um campo muito


maior, todas paredes de domı́nios desaparecem e a barra é saturada, como
mostrado em (d).

A forma da curva de magnetiza¸cão em função do campo aplicado,


mostrada na Figura 9.15, é determinada pelo comportamento dos domı́nios. A
curva (a) corresponde a um material inicialmente desmagnetizado, chamado de
virgem. Para pequenos valores de campo, o aumento inicial da magnetiza¸ cão
é devido ao deslocamento reversı́vel das paredes de domı́nios. Se o campo for
retirado, os domı́nios voltam à configuração inicial. Com um aumento maior
do campo, a magnetiza¸cão cresce em raz˜ao dos deslocamentos das paredes,
porém esses deslocamentos tornam-se irreversı́veis devido às imperfeições no

Figura 9.14: Comportamento dos domı́nios magnéticos numa barra de material ferro-
magnético submetida a um campo externo.
414 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 9.15: Variação da magnetiza¸cão de material ferro ou ferrimagnético com o campo


aplicado: (a) amostra inicialmente desmagnetizada; (b) curva de histerese.

material. Finalmente, com valores mais elevados de campo, ocorre rota¸ cão de
domı́nios até a saturação completa da magnetiza¸cão em tod o o material. A
Figura 9.15(b) mostra o comportamento da magnetiza¸ cão M com a varia¸cão
do campo H após o material ter sido saturado. Quando H diminui, M não
retorna pela mesma curva do material virgem, por causa das rota¸ cões e deslo-
camentos irreversı́veis dos domı́nios. Em consequência, mesmo com H = 0,

Figura 9.16: Processo de desmagne tização ac de um material ferromagnético: (a) Campo H



alternado com amplitude decrescente; (b) Trajetória de M no plano M H .
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 415

há um valor finito de M , chamado magnetização remanente, Mr . Ela re-


sulta do aprisionamento de certas paredes que fazem os domı́nios favoráveis
prevalecerem sobre os desfavor´aveis. Se H aumenta no sentido oposto, M
diminui gradualmente e somente com um valor H = Hc , chamado campo−
coercitivo (ou coercivo), a magnetiza¸cão é anulada. A curva da figura (b),
chamada curva (ou ciclo) de histerese do material, mostra a varia¸cão de
M num ciclo completo de varia¸cão de H . A forma da curva de histerese é
determinante no tipo de aplica¸cão de um material magnético, como veremos
na próxima seção.

Para concluir esta se¸cão, vejamos o que acontece quando um material é


submetido a um campo H alternado, cuja amplitude diminui gradualmente no
tempo. A Figura 9.16 ilustra o processo de desmagne tização de um material
ferromagnético através de um campo H alternado. A aplica¸cão de um campo
ac com amplitude decrescente no tempo, como em (a), resulta numa trajetória

da magnetização no plano M H mostrada em (b). Enquanto a varia¸cão de
H e´ periódica, M descreve a curva de histerese externa, atingindo a saturação
nos extremos positivo e negativo. Quando a amplitude de H decresce, em
cada extremo consecutivo o valor máximo de M é menor que no ciclo anterior.
Como resultado, `a medida que a amplitude de H tende para zero, o material
torna-se gradualmente desmagnetizado.

Um processo importante para a gravação magnética de sinais de áudio é a


magnetização dc com polariza¸cão ac , ilustrado na Figura 9.17. Neste processo

Figura 9.17: Processo de magnetiz ação dc com polarização ac: (a) Trajet´oria de M no plano

M H ; (b) Curva de magnetização remanente em função de H dc , na qual n˜ao existe o ciclo
de histerese.
416 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

o material é submetido simultaneamente a dois campos H na mesma dire¸cão,


sendo um constante H dc e outro alternado H ac. O campo H ac tem inicialmente
amplitude maior que H dc, e decresce no tempo como na Figura 9.16(a). Neste
caso, a medida que Hac diminui, a presença do campo Hdc impede que o valor de
M tenda para zero, como no caso da desmagnetiza¸cão ac. Quando H ac torna-
se nulo, o material retém uma magnetização finita Mr , cujo valor depende de
Hdc , como mostrado na Figura 9.17(a). Naturalmente Mr = 0 se Hdc = 0, e
Mr = M s quando o valor de Hdc é elevado. Como resultado deste processo, a

curva Mr Hdc tem a forma mostrada em (b), na qual n˜ ao existe o ciclo de

histerese.
uma Este processo
magnetização permiteao
proporcional magnetizar
campo dcum material
, numa certa ferromagnético
faixa de campo comem
torno da srcem. Isto n˜ ao é poss´ıvel de ser feito sem a polariza¸ cão ac por causa
do efeito de histerese.

9.4 Materiais para Aplicações Tradicionais

Os materiais magnéticos desempenham um importante papel na tecnologia


moderna, pois encontram aplicações em um grande n´umero de produtos e pro-
cessos industriais dos mais variados setores. Essas aplicações vão desde dispo-
sitivos com funções muito simples, como os pequenos ı́mãs permanentes usados
para fechaduras de m´oveis e utensı́lios, a inúmeros componentes sofisticados
utilizados na ind´ustria eletro-eletrônica e de computadores. A mais not´avel
delas é, sem dúvida, a de grava¸cão magnética, cujo mercado tem expandido
enormemente nos últimos 20 anos. No setor ele tro-eletrônico, os materiais
magnéticos são suplantados em volume de aplica¸cão apenas pelos semicondu-
tores, tendo importˆancia econômica quase t˜ao grande quanto estes, e sendo
elementos essenciais de muitos dispositivos e equipamentos.

Do ponto de vista das propriedades magnéticas básicas, os materiais


magnéticos são classificados em três grandes classes:

• Materiais duros, ou ı́mãs permanentes;


• Materiais moles, também chamados doces ou permeáveis;
• Materiais intermediários, ou meios de grava¸cão magnética.
As principais caracter´
ısticas desses materiais estão mostradas na Figura
9.18. Os materiais duros, usados em ı́mãs permanentes, têm altos valores de
magnetização remanente Mr e de campo coercitivo Hc , e portanto têm um
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 417

Figura 9.18: Ciclos de histereses de materiais magnéticos: (a) Materiais duros, ou ı́m˜as
permanentes; (b) Materiais moles, ou permeáveis; (c) Materiais intermediários para gravação
magnética.

ciclo de histerese retangular, como em (a). Os materiais moles s˜ao aqueles


facilmente magnetizáveis pela aplica¸cão de um campo externo, e facilmente
desmagnetizáveis com a retirada do campo. Então eles devem ter campo co-
ercitivo muito pequeno e, portanto, um ciclo de histerese muito estreito, como
em (b). Finalmente, os meios de gravação magnética devem ter um ciclo de his-
terese intermediário, como em (c). Eles têm M r e H c suficientemente grandes
para reter a informa¸cão contida no campo de grava¸ cão, porém menores que
nos ı́mãs permanentes, para permitir que a informa¸cão seja apagada. Nas
seções seguintes apresentamos mais detalhes sobre as aplicações dessas classes
de materiais.

9.4.1 Ímãs Permanentes

Os ı́mãs permanentes constituem a aplica¸cão mais antiga e mais caracterı́s-


tica dos materiais magnéticos. Sua função é criar um campo magnético fixo
numa certa regi˜ao do espa¸co, sem a necessidade da passagem de uma cor-
rente elétrica. Os ı́mãs, também chamados magnetos, são feitos de materiais
magnéticos duros, de modo que sua magnetização não seja facilmente alterada
por campos externos. Os ı́mãs permanentes s˜ao empregados em dispositivos
eletromagnéticos (geradores e motores de automóveis, aviões, eletrodomésticos,
relógios, computadores, etc.), dispositivos eletroacústicos (alto-falantes, fones,
microfones, agulhas magnéticas de toca discos, etc.), instrumentos de medida
(galvanômetros e balanças), dispositivos de torque (ultracentrı́fugas, medidores
de potência elétrica, etc.) equipamentos médicos, dispositivos de ferrites para
418 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

microondas, instrumentos e equipamentos cientı́ficos diversos, etc.

O campo magnético criado por um ı́mã tem intensidade e varia¸cão es-


pacial que dependem de sua forma fı́sica e do material de que é feito. Para
entender algumas questões importantes, vamos considerar uma geometria sim-
ples. A Figura 9.19 mostra uma extremidade plana de um material com mag-
netização M , perpendicular `a superfı́cie. O campo criado pela magnetização
pode ser obtido substituindo as rela¸cões (9.3) e (9.4) na equa¸ cão de Maxwell
(2.2),

∇ · H = −∇ · 4πM (CGS), ∇ · H = −∇ · M (SI) . (9.36)

Para integrar estas equações, utilizamos o teorema de Gauss, de maneira


análoga ao que se faz com a Eq.(2.1) para o campo elétrico. A analogia com o
campo elétrico sugere a introdução de uma nova grandeza, fictı́cia, ρ m definida
por

ρm = −∇ · 4πM (CGS), ρm = −∇ · M (SI) , (9.37)

onde ρm faz o papel da densidade volumétrica de monopolos magnéticos. As-


sim, a integral de volume de (9.36) no interior da superfı́cie de Gauss d´a,
usando as rela¸cões (9.37),
 ∇·  dv =
H
 ρm dv ≡q .
m

Figura 9.19: (a) Extremidade plana de um ı́mã permanente magnetizado perpendicular-


mente à superfı́cie; (b) Vista de perfil.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 419

Com a aplica¸cão do teorema de Gauss obtemos,


  da = qm
H · (9.38)
s

onde, no CGS,  −∇ · −
qm =  =
4π Mdv  da
4π M· (9.39)
s
representa os dipolos magnéticos não compensados, no interior da superfı́cie S.
No SI a expressão de qm é a mesma de (9.39) sem o fator 4π . Embora os dipolos
magnéticos sejam produzidos por correntes elétricas, qm e´ matematicamente
equivalente à carga magnética, ou monopolo magnético. Com isto, a Eq.(9.38)
é análoga à lei de Gauss da eletrostática. No caso da geometria da Figura
9.19, a superfı́cie utilizada para a aplicação de (9.38) é a de um cilindro com
bases paralelas `a superfı́cie plana do material. Como a magnetização é M em
z < 0 e nula em z > 0, de (9.39) obtemos qm = 4πM A, onde A e´ a área da
base do cilindro. Os monopolos est˜ao distribuı́dos na superf´ıcie, com densidade
superficial de carga magnética σ m = q m /A = 4πM . Tudo se passa ent˜ao como
se a descontinuidade de M na superfı́cie produzisse monopolos magnéticos. A
superf´ıcie para a qual M  é dirigido tem monopolos positivos, e faz o papel do
pólo norte (N) do ı́mã. Supondo que a outra extremidade do ´ımã (pólo Sul)
está muito distante, o campo H  criado pela densidade de carga σm e´ análogo
ao campo elétrico criado por um plano de cargas elétricas. A aplicação de
(9.39) ao cilindro da Figura 9.19 d´a, no CGS,

Hz = σ m /2 = 2πM (z > 0) , Hz = −2πM (z < 0) . (9.40)


Para obter o resultado no SI basta dividir o lado direito por 4 π . Vemos
que o campo H  no interior do ı́mã tem o sentido oposto ao de M  , e portanto
tende a desmagnetizar o material. Isto requer que o campo coercitivo seja
suficientemente grande para evitar a desmagnetização do material. Com (9.4)
e (9.40) obtemos o vetor indu¸cão magnética,
Bz = 2πM (z > 0) , Bz = 2πM (z < 0) . (9.41)

Vemos então que o campo B  tem o mesmo valor em z > 0 e z < 0, o


que já era esperado da condi¸cão de contorno que estabelece que a componente
normal de B  e´ cont´ınua na superf´ıcie.

Outra forma de ı́mã simples para o c´alculo do campo é o da ferradura


fechada, ilustrada na Figura 9.20. Neste caso, o campo no entreferro (o espa¸co
420 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 9.20: Ímã permanente na forma de ferradura fechada.

entre os dois p´olos) é a soma dos campos criados pelas duas superfı́cies de
monopolos, ou seja, pelos polos norte e sul do ı́mã. Então, na regi˜ao central
do entreferro, o vetor indu¸cão magnética e o vetor intensidade de campo são
aproximadamente uniformes, com módulos B = H = 4πM no sistema CGS.
Por outro lado, no interior do ı́mã e próximo às superf´ıcies, B = 4πM e H = 0.

Esses dois exemplos simples mostram que os campos B e H , tanto no in-


terior quanto no exterior, dependem fortemente da forma do ı́mã. Isto significa
que mesmo sem campo externo aplicado, o valor de M não é o da magnetização
remanente, pois H = 0 no ı́mã. Devido ao efeito de desmagnetiza¸cão, H
  tem
o sentido oposto ao de M  no interior, e portanto a região da curva de histerese
relevante para um ı́mã permanente é o segundo quadrante. Como as equações
de Maxwell envolvem os campos B  eH  , é comum representar o ciclo de his-
terese com B em fun¸cão de H  . A Figura 9.21 mostr a o segundo quadrante
do ciclo B (H ) para um ı́mã permanente. Note que para H = 0, B = M r . O
ponto de opera¸cão do ı́mã é determinado pela interseção da curva de histerese
com a curva que representa a equa¸cão que relaciona B e H , obtida a partir

Figura 9.21: Segundo quadrante da curva B − H de material usado em ı́mã permanente.


Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 421

das equações de Maxwell e das condi¸cões de contorno. No caso do ı́mã com a


forma de ferradura fechada, o ponto de opera¸cão na região central interior de
um dos polos é o ponto 1 da Figura 9.21. No caso de um ı́m˜a com a forma
de um disco fino, o ponto de opera¸ cão é o ponto 2 (Problema 9.8). Em geral
procura-se colocar o ponto de opera¸cão numa situa¸cão intermediária entre 1 e
2, porque a energia armazenada no ı́mã é proporcional a integral de volume do
produto BH . Por esta raz˜ao, uma grandeza que indica a qualidade de um ı́mã
é o valor máximo do produto BH , que corresponde a um certo ponto Pm da
curva de histerese. Um bom ı́mã permanente tem um alto valor de ( BH )max.

Para isto é preciso ter altos valores de M r e de H c .


A Tabela 9.3 apresenta as principais propriedades de materiais usados
como ı́mãs permanentes. Os primeiros ı́mãs eram feitos de magnetita, Fe 3 O4 ,
o ı́mã natural. Os primeiros materiais duros artificiais desenvolvidos no começo
do Século XX foram os aços, ligas de Fe-C, endurecidos por tratamento térmico
especial. Na década de 1930, laboratórios japoneses descobriram que o campo
coercitivo em ligas de Fe podia ser aumentado com a mistura de A , Ni e
Co, dando src em as ligas de Alnico. A Tabela 9.3 most ra a composi¸ cão e
os parâmetros de Alnico 5, uma liga de baixo custo muito utilizada ainda
hoje. A descoberta do Alnico resultou numa grande melhoria dos ı́mãs em
relação aos de a¸co, cujo produto ( BH )max é de apenas 1 MG.Oe (106 G.Oe). As
propriedades magnéticas destas ligas foram aperfeiçoadas na década de 1940,
quando Neél e Kittel introduziram o conceito de partı́cula de domı́nio único.
A idéia é fazer o material como um agregado de partı́culas tão pequenas, que
energeticamente não possibilitam a forma¸cão de paredes de domı́nios. Essas
part´ıculas são feitas com formas alongadas, como agulhas, orientadas na mesma

Material Composi¸cão 4 πM s Hc (BH )max


% (kG) (kOe) MG.Oe

Alnico 5 51 Fe, 8 A , 14 Ni, 24 Co, 3 Cu 12,5 0,72 5,0


Ferrite de Bário BaFe 12 O19 3,95 2,4 3,5
·
(ou BaO 6Fe2 O3 )
Samário-Cobalto Co 5 Sm 9,0 8,7 20
Neodı́mio-Ferro-Boro Fe 14 Nd2 B1 13,0 14,0 40

Tabela 9.3: Principais propriedades de materiais duros, usados como ı́mãs permanentes, a
temperatura ambiente (Hummel).
422 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

direção durante o processo de prepara¸cão.

Na década de 1950, o laboratório da Philips desenvolveu ı´mãs de ferrite


de bário, cuja magnetiza¸cão remanente é menor que em Alnico 5, porém o
campo coercitivo é muito maior. Devido ao fato de ter H c elevado, o ferrite de
bário é usado para fazer ı́mãs com qualquer formato. Os ı́mãs de terras raras
foram desenvolvidos a partir da década de 1970. Inicialmente ligas de Sm-
Co, e depois as de Nd-Fe-B, representaram um enorme avan¸ co na qualidade
dos ı́mãs, como pode ser visto na Tabela 9.3. O grande aumento do produto
(BH )max desses materiais possibilitou a fabrica¸cão de dispositivos menores e
com desempenho muito melhor que os de Alnico.

9.4.2 Materiais de Alta Permeabilidade

Os materiais de alta permeabilidade , também chamados materiais


magnéticos moles (soft), ou doces, s˜ ao utilizados para criar um alto fluxo
magnético a partir de uma corrente elétrica, ou ent˜
ao para produzir uma grande
indução magnética devido a um campo externo variável. Essas propriedades
devem ser alcançadas com requisitos diversos de variação no tempo e no espa¸co
e com um mı́nimo de dissipação de energia. Os materiais de alta permeabili -
dade devem então ter um ciclo de histerese estreito ( Hc muito pequeno) e uma
grande inclinação na parte inicial da curva B H . −

Material Composição Permeabilidade 4 πM s Hc Resistivi-


(%) áxima
m µ max /µ0 kG)
( (Oe) dade (µΩ.cm)

3
Ferro Fe 5 ×10 21,5 1 ,0 10
3
Aço carbono Fe-C(0,05) 5 ×10 21,5 1 ,0 10
3
Aço silı́cio Fe-Si(3), C(0,005) 7 ×10 19,7 0 ,5 60
5
Permalloy 78Ni,22Fe 10 10,8 0 ,05 16
Sendust 85Fe, 10Si, 5A  104 10,5 - 80
5
Mumetal 77Ni, 16Fe, 5Cu, 2Cr 10 6,5 0,05 62
3 8
Ferrite Mn-Zn 50Mn, 50Zn 2 ×10 2,5 0,1 10

Tabela 9.4: Propriedades de alguns materiais de alta permeabilidade. µmax é o valor máximo

da permeabilidade da curva B H .
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 423

A Tabela 9.4 apresenta as principais propriedades de alguns materiais de


alta permeabilidade usados atualmente. Em dispositivos de baixa freq¨uência
(motores, geradores, transformadores, reatores, entre outros) os materiais mais
comuns são: ferro puro; os chamados a¸cos elétricos, feitos com lâminas de aço
com pouca concentração de carbono ou silı́cio; ligas de ferro e nı́quel ou ferro
e cobalto, na forma de material bruto ou de liga amorfa preparada por esfria-
mento rápido sobre uma superfı́cie metálica fria. Em dispositivos de freqüência
acima de 10 kHz as perdas por correntes parasitas n˜ ao permitem o uso de
ferro, aços ou ligas met´alicas. São então utilizados ferrites diversos como os

hexagonais
(Y (estrutura do BaFe 12 O19 , os espinelios (MFe 2 O4 ) e as granadas
3 Fe5 O12 ), cuja resistividade é bastante alta. As principais aplicações desses
materiais são em transformadores e indutores de alta freq¨ uência utilizados
em equipamentos eletrônicos, dispositivos de microondas usados em telecomu-
nicações e em radar, bem como em cabe¸cotes de gravação magnética.

A Figura 9.22 mostra um dispositivo usado para gerar um campo


magnético proporcional a uma corrente elétrica, que encontra uma variedade
de aplicações. Ele consiste de um n´ucleo de material magnético mole com per-
meabilidade µ, em torno do qual h´a um fio enrolado com N espiras. Vamos
obter o campo magnético B no entreferro do dispositivo, criado pela corrente
i no enrolamento. A rela¸cão entre o campo e a corrente tem srcem na lei de
Ampère, obtida da equação de Maxwell (2.3). Levando em conta que a cor-
rente i atravessa N vezes a superfı́cie apoiada na curva C mostrada na figura,
temos no sistema SI,
  = N i .
H.d (9.42)

Sendo µ µ0 , o fluxo magnético produzido pela corrente fica inteiramente
confinado no circuito magnético. Isto faz com que a intensidade do campo seja
aproximadamente uniforme na seção reta do n´ucleo magnético, com valor H i .

Considerando o espaçamento d do entreferro pequeno, o campo também


é aproximadamente uniforme na região de ar entre os p olos, tendo inten sidade
He . A Eq.(9.42) ent˜ao dá,
Hi  + He d = N i , (9.43)

onde  é o comprimento da curva C no interior do núcleo. Para obter o campo


B no entreferro, utilizamos as rela¸cões entre B e H no n´ucleo ( B = µHi ) e
no ar ( B = µ0 He ) e o fato de que a componente normal de B  e´ cont´
ınua na
fronteira entre dois meios . Como B  só tem componente normal na fronteira
424 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 9.22: Circuito magnético usado para gerar um campo magnético no entreferro pro-
porcional a corrente i.

entre o núcleo e o ar, B = µHi = µ0 He . Substituindo esta relação em (9.43)


obtemos,
Ni
B= . (9.44)
/µ + d/µ0

Sendo A a área da seção reta, o fluxo magnético no entreferro, Φ = BA, pode


ser escrito na forma,
Ni
Φ= (9.45)
R

onde R e´ a relutância do circuito magnético,


 d
R= + Rn + Re
≡ . (9.46)
µA µ0 A

A Eq.(9.45) é análoga à rela¸cão entre corrente e tens˜ao num circuito


elétrico com resistores em série, I = /R. No circuito magnético o fluxo Φ
E
E
é análogo à corrente I , Ni e´ análogo à for¸ca eletromotriz , sendo por isso
chamado força magneto-motriz, e R e´ análoga à resistência. Note que R , dado
por (9.46), é a soma das relutâncias do núcleo (Rn ) e do entreferro (Re ). Isto é
análogo à resistência de um circuito série, que é a soma das resistências indivi-
duais. As cabe¸cas de gravação e leitura utilizadas em gravação magnética têm
circuito magnético como o da Figura 9.22. Nessas cabeças é importante obter
o maior fluxo Φ possı́vel no entreferro, para uma certa força magnetomotriz
Ni. As Eqs.(9.44)-(9.46) mostram que para isto é necessário minimizar a re-
lutância do núcleo. Costuma-se definir a eficiência de uma cabeça de gravação
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 425

η pela razão entre o fluxo existente no entreferro e seu valor m´ aximo poss´ıvel,
que seria obtido com R n = 0. Vemos ent˜ao que a eficiência é dada por
Re
η= . (9.47)
Re + Rn

Para fazer η próximo de 1 deve-se utilizar no núcleo materiais com valores


muito elevados de µ. Além disso, costuma-se fazer a seção reta do entreferro
muito menor que a do n´ucleo, de modo a tornar R n Re . 

Exemplo 9.2: Considere um ı́mã permanente de alnico e um eletromagneto com n´ ucleo de ferro,
ambos com a forma das Figuras 9.20 e 9.22, com seção reta circular de diâmetro 10 cm, comprimento
médio total 100 cm e espaçamento do entreferro 2 cm. Considerando que o enrolamento tem 800
espiras, calcule a corrente que deve passar no enrolamento para que o campo magnético no entreferro,
num ponto pr´oximo do centro da superfı́cie, tenha no eletromagneto o mesmo valor que no ı́mã.

O campo no entreferro do ı́mã é calculado usando o resultado (9.40), considerando que a


superf´
ıcie do pólo norte é equivalente a um disco com densidade de carga magnética positiva σm ,
enquanto o p´olo sul tem carga magnética σm . Então o campo no entreferro do ı́mã é aproxima-

damente uniforme e tem valor H = σ m . O problema é inteiramente análogo ao do campo elétrico
entre as placas de um capacitor com se¸ cão circular. Usando o valo r de 4 πM do alnico dado na
Tabela 9.3, vemos que o camp o no entreferro do ı́mã é
H = 12, 5 kOe = 12 , 5 × 103 × 79, 58 A/m = 9 , 95 × 105 Nm .
O campo H no entreferro do eletromagneto é calculado com (9.44),
B Ni
H= = .
µ0 µ0 /µ + d

Usando para µ o valor da permeabilidade m´axima do ferro, dado na Tabela 9.4, obtemos o
valor da corrente que produz um campo igual ao do ı́mã permanente, no SI,

i=
H ( µ 0 /µ + d)
=
9, 95 × 105 (1/5000 + 0, 02) = 25, 12 A .
N 800

Observe que o valor de µ 0 /µ é muito menor que o espaçamento do entreferro d. Portanto,


é o espaçamento que limita o valor do campo.

9.5 Gravação Magnética

A gravação de um sinal, para seu armazenamento e posterior reprodu¸ cão, é


uma das fun¸cões mais importantes no processamento de informa¸ cões. A pos-
426 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

sibilidade de utilizar um material magnético para gravação de informa¸cão foi


demonstrada pela primeira vez no final do Século XIX pelo engenheiro dina-
marquês Valdemar Poulsen. Ele inventou um instrumento que gravava sinais
de voz numa corda de aço magnetizável. No entanto, como o sinal reproduzido
era muito fraco e distorcido, durante muitos anos a inven¸ cão não passou de
uma curiosidade tecnológica. Somente na década de 1940, as fitas magnéticas
ganharam importˆancia comercial nos EUA em equipamentos eletrˆonicos de
gravação de áudio. A gravação de sinais de vı́deo foi demonstrada pela primeira
vez em 1951, também nos EUA, ganhando importância comercial na década

de 60. Graças
magnéticas, ao desenvolvimento
os equipamentos da microeletrˆonica
de gravação e `adeevolução
e de reprodu¸cão áudio e das fitas
de vı́deo
tornaram-se muito populares a partir da década de 70.

Na área digital a gravação magnética sempre desempenhou papel impor-


tante. Os primeiros computadores eletrônicos comerciais produzidos na década
de 1950 utilizavam como mem´oria principal, discos ou cilindros cobertos com
uma camada magnética. Eles tinham capacidade de armazenamento de 103 -104
bits/polegada2 e acesso muito lento, com tempos da ordem de mili-segundos.
Na década de 60 eles deixaram de ser usados como memória principal, dando
lugar aos núcleos de ferrite, que possibilitavam acesso mais rápido. A partir dos
anos 70, as mem´orias de acesso r´apido e aleat´orio ( Random Access Memory
- RAM) passaram a ser feitas com dispositivos semicondutores MOS. No en-
tanto, as fitas e depois os discos magnéticos firmaram-se como o melhor meio
de armazenamento não-volátil e regravável de grande quantidade de dados.

Foi na ´area de grava¸cão magnética que ocorreu a maior expansão no


mercado de materiais magnéticos nos anos recentes, e por conseguinte nas
atividades de pesquisa e desenvolvimento. Como resultado, tem-se verifi-
cado grande aumento na capacidade de armazenamento e na velocidade de
gravação e acesso. A densidade de armazenamento em disco, por exemplo,
tem aumentado continuamente há quatro décadas, sendo hoje superior a 1010
bits/polegada2 . Além da utilização em discos rı́gidos, os meios magnéticos
possibilitaram a introdu¸cão dos discos flexı́veis, que tornaram muito prático
o transporte e armazenamento externo de informa¸ cões. Como resultado dos
avanços nesta ´area, a grava¸cão magnética domina atualmente o mercado de
gravação de sinais analógicos de áudio e de v´ıdeo e de sinais digitais regraváveis.
O sucesso desta tecnologia decorre de v´arios fatores: a variedade de formatos
dos meios (fitas, cart˜oes, folhas, discos rı́gidos ou flexı́veis, etc.); baixo custo;
não-volatilidade; alta densidade; e capacidade quase ilimitada de gravar e re-
gravar informações.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 427

9.5.1 Conceitos Básicos

A Figura 9.23 mostra os elementos b´asicos de um sistema tradicional de


gravação e reprodu¸cão com fita magnética. A fita é feita de material plástico,
como polietileno, com espessura da ordem de 25 µm, recoberta com uma fina
camada de emuls˜ao de partı́culas magnéticas. A fita move-se com velocidade
constante, mantendo contato com uma cabeça (ou cabe¸cote) de gravação
e uma cabeça de leitura .

Cada cabeça é feita por um núcleo de material magnético de alta perme-


abilidade, com entreferro estreito, tendo um enrolamento para o sinal de cor-
rente elétrica. É comum também utilizar uma só cabeça, tanto para gravação
quanto para leitura.

No processo de grava¸cão, a corrente vari´avel no tempo, correspondente


ao sinal a ser gravado, produz um campo magnético variável na borda do
entreferro da cabeça de gravação. Como a fita está em movimento, o campo
cria uma magnetização que varia ao longo da fita, retratando o sinal de entrada.
No processo de reprodu¸cão, ou leitura, a magnetiza¸cão da fita cria um campo
magnético que produz um fluxo magnético vari´ avel na cabe¸ca de leitura. Este
fluxo variável induz uma corrente elétrica no enrolamento, que reproduz o sinal
srcinal de grava¸cão.

No sistema mostrado na Figura 9.23, a magnetiza¸cão da fita tem a


direção longitudinal. Supondo que a corrente da entrada varia senoidalmente

Figura 9.23: Elementos básicos de um sistema tradicional de grava¸ cão e reprodu¸cão com
fita magnética.
428 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

no tempo, com freq¨uência angular ω ,


I = I 0 sen ωt , (9.48)

pode-se mostrar que a magnetiza¸cão da fita é, em primeira aproximação,


M = M0 sen kx (9.49)

onde x é a coordenada ao longo da fita e k = ω/v, sendo v a velocidade da fita.


A partir desta rela¸cão define-se o comprimento de onda da varia¸cão espacial,
2π v v
λ= = 2π = (9.50)
k ω f

onde f é a freqüência do sinal. A análise quantitativa dos processos de gravação


e reprodução é feita com base nas variações dadas por (9.48) e (9.49), uma vez
que um sinal com uma varia¸cão qualquer no tempo pode ser decomposto em
funções senoi dais por transformada de Fourier. Na realidade, o processo de
magnetização da fita a partir da corrente na cabeça de gravação é razoavel-
mente complexo, sendo necessário recorrer a métodos numéricos ou modelos
aproximados para obter a variação espacial de M . Contudo a Eq.(9.49) é uma
boa aproximação para a varia¸cão de M . Esta variação produz um campo in-
terno na fita que tende a desmagnetizá-la, daı́ a necessidade do material ter um
campo coercitivo razoavelmente alto. Como será mostrado na pr´oxima seção,
o campo de desmagnetiza¸cão aumenta com a diminui¸cão do comprimento de
onda.

A variação de M tamb´ em cria um campo externo na fita. Este campo,


que será calculado na pr´oxima seção, tem linhas de indução mostradas na
Figura 9.24. Quando a fita passa nas bordas do entreferro da cabe¸ca de leitura,
o campo externo gera um fluxo magnético que varia senoidalmente no tempo.
Este fluxo variável induz uma for¸ca eletromotriz nas espiras da cabe¸ca, que é
aproximadamente proporcional à corrente do sinal de grava¸cão. Este processo
é utilizado nos três tipos básicos de grava¸cão magnética: sinal analógico de
áudio; sinal anal´ogico de v´ıdeo; e sinais digitais.

Na gravação de áudio, a freqüência do sinal está compreendida na faixa


50 Hz - 20 kHz. Sendo a velocidade da fita v = 2 8 polegadas/seg
− 
5-20
cm/seg, o comprimento de onda de grava¸cão está na faixa 2,5 µ m - 0,4 cm.

Como a espessura do entreferro das cabe¸cas de grava¸cão e de leitura é


da ordem de alguns µm, é perfeitamente poss´ıvel gravar e detetar varia¸cões
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 429

Figura 9.24: Ilustração do campo magnético criado por uma magnetização que varia
senoidalmente ao longo da fita.

espaciais da magnetização nesta faixa de comprimentos de onda. A gravação


de áudio é feita superpondo o sinal de áudio com um sinal de polariza¸cão ac de
freqüência 100 kHz, para obter uma linearidade na relação M H , através do

processo descrito na seção 9.3.5. Na realidade, foi a descoberta deste processo
na década de 1920 que viabilizou a gravação de ´audio sem a grande distorção
que ocorre na grava¸cão direta.

Na gravação de vı́deo o espectro do sinal cobre a faixa 30 Hz −


2 MHz,
o que causa dois proble mas: o alto valor da raz˜ao entre os valores m´aximo e
mı́nimo desta faixa, cerca de 7 104 , torna difı́cil a operação dos circuitos
×
de gravação e leitura; o comprimento de onda correspondente `a freq¨uência
máxima para uma velocidade de fita de 30 polegadas/seg, λ = 0, 15 µm, é
muito pequeno para ser gravado nos meios magnéticos usuais. Duas técnicas
são usadas para contorn ar estes problemas. A primeira consiste em modular
a freqüência de uma onda portadora com o sinal de vı́deo. O sinal modulado
em FM é então utilizado diretamente na grava¸cão. A freqüência usada na
portadora é 3,9 MHz e a banda de passagem tem largura total de 5,6 MHz.
Isto reduz enormemente a raz˜ao entre os extremos da banda e torna o sis-
tema pouco sensı́vel às flutuações na amplitude do sinal de leitura. A outra
técnica importante é o uso de cabe¸ ca de gravação rotativa. A fita desliza em
baixa velocidade (0,8 polegada/seg) sobre a cabe¸ ca na forma de um cilindro
girante, com velocidade superficial de 220 polegadas/seg. Isto resulta numa
alta velocidade relativa entre a fita e a cabe¸ca, e conseqüentemente em maior
comprimento de onda.

A gravação digital é, conceitualmente, muito simples, porque o sinal é


uma seqüência de pulsos com apenas dois valores, correspondentes aos dı́gitos
0 e 1. Estes dı́gitos podem ser armazenados através da magnetização orientada
num dos dois sentidos de uma certa dire¸cão. Então o processo de grava¸cão é
direto, sem a necessidade das sofistica¸cões usadas nos gravadores de ´audio ou
430 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

de v´ıdeo. A gravação pode ser feita em fita ou em disco, tanto na dire¸ cão
longitudinal quanto perpendicular. A gravação magnética digital é largamente
utilizada em computadores. No entanto, ela está sendo cada vez mais empre-
gada na gravação de sinais de ´audio e de vı́deo digitalizados.

9.5.2 Análise Quantitativa

Nesta seção vamos analisar em detalhe o processo de reprodu¸ cão de um sinal


gravado num meio magnético. Para simplificar o problema, consideramos uma
camada magnética de espessura δ , infinita nas dire¸cões x e z . O sistema de
coordenadas está mostrado na Figura 9.25, sendo x a direção longitudinal de
movimento da camada. Como a fita magnética tem largura finita na direção z ,
o resultado obtido para a camada infinita ser´a aproximadamente válido para
a região central e para pequenas distˆ ancias da fita . O objet ivo da an´alise
é obter os campos criados p ela fita magnetizada, e a partir deles calcular a
tensão induzida na cabe¸ca de leitura. Para isto consi deramos que a fita tem
magnetização longitudinal, variando senoidalmente na direção x,
M = x̂ M (x) = x̂ M0 sen kx . (9.51)

Como M não varia na dire¸cão z , a geometria do problema é reduzida à


duas dimensões, x e y . Para facilitar a solu¸cão do problema introduzimos o
potencial magnético escalar ψ (x, y ), definido pela rela¸cão,
 =
H ψ . (9.52)
−∇
Isto é poss´ıvel porque o rotacional do gradiente de qualquer função escalar
é nulo, e num sistema magnetostático ( ∂/∂t = 0) sem corrente elétrica, a

Figura 9.25: Geometria utilizada para calcular os campos criados por uma fita magnética.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 431

Eq.(2.4) fica ∇×  = 0. A equa¸cão de ψ , obtida substituindo (9.52) e (9.37)


H
em (9.36), é, no SI,
2

ψ = ρm . − (9.53)

Esta equação deve ser resolvida para as três regiões da Figura 9.25, sendo
a solu¸cão final determinada pelas condi¸cões de contorno nas superfı́cies em
y = δ/ 2. Na regi˜ao 1 a densidade magnética ρm é dada por (9.37) aplicada
±
a (9.51),

ρm = M0 cos kx . (9.54)

A Eq.(9.53) com ρ m = 0 é chamada equação de Poisson. Na parte externa da



fita, onde ρm = 0, ela reduz-se a equa¸cão de Laplace,
2
∇ ψ=0 . (9.55)
Em duas dimens˜oes ela pode ser escrita na forma
∂2ψ ∂ 2ψ
+ 2 =0 . (9.56)
∂x 2 ∂y
As soluções desta equa¸cão para as regi˜oes 2 e 3 s˜ao
±ky
ψ2,3 (x, y ) ∝ (sen kx, cos kx) · e . (9.57)
Note que embora ρm não tenha dependência em y , o potencial no interior da
camada deve variar com y , caso contrário não é possı́vel satisfazer as condições
de contorno nas superf´ıcies. A solução de (9.53) com ρm dado por (9.54) é
ky −ky
ψ1 (x, y ) = cos kx ( A e + B e + C) . (9.58)

A solu¸cão final nas três regiões é determinada pelas condições de con-


torno dos campos H  eB nas duas superfı́cies. A continuidade da componente
tangencial de H na superfı́cie de separação de dois meios implica que
ψ e´ cont´ınuo na superf´ıcie. (9.59)
Como M  não tem componente normal `a superf´ıcie, a continuidade da compo-
nente normal de B implica que Hy é cont´ınuo, ou seja,
∂ψ
ınuo na superf´ıcie.
é cont´ (9.60)
∂y
Nas regiões 2 e 3 a solu¸ cão (9.57) contém somente o termo cos kx, uma vez
que o termo sen kx não pode satisfazer as condi¸cões de contorno com (9.58).
Além disso, ψ 2 não pode conter o termo exp ( ky ) pois ele diverge em y → ∞
+ ,
432 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

enquanto ψ3 não pode ter o termo exp ( ky ), que diverge em y


− → −∞. Assim,
o potencial nas regi˜oes 2 e 3 é dado por:
ψ2 (x, y ) = D cos kx e −ky (9.61)
ψ3 (x, y ) = E cos kx e ky (9.62)

A aplicação das condi¸cões de contorno (9.59) e (9.60) `as funções (9.58),


±
(9.61) e (9.62) em y = δ/ 2 e as Eqs.(9.53) e (9.54) d˜ ao cinco equa¸cões que
permitem determinar as cinco constantes. Os p otenciais n˜ao três regiões são
(Problema 9.10):
− δ2 ≤ y ≤ δ2 ψ1 (x, y ) = − M2k 0 −
cos kx 2 e−k(y+δ/2) −e k(y−δ/2)
 (9.63)

δ
2
≤y ψ2 (x, y ) = − M2k (1 − e
0 −kδ
) cos kx e −k(y−δ/2) (9.64)

y ≤ − δ2 ψ3 (x, y ) = − M2k (1 − e
0 −kδ
) cos kx e k(y+δ/2) . (9.65)

A solução (9.63) fornece o campo magnético no interior da camada. Suas


componentes são:
∂ψ1 M0
sen kx 2 e−k(y+δ/2) ek(y−δ/2)
Hx =
∂x

=
2
− − (9.66) − 
∂ψ1 M0
Hy = = cos kx e−k(y+δ/2) ek(y−δ/2) . (9.67)
∂y
− −
2
 
O campo criado pela magnetização na direção longitudinal, (9.66), tem o
sentido oposto ao de M  , e por isto é chamado campo de desmagnetização.
Para que a fita magnética retenha a magnetização produzida pela cabe¸ca de
gravação, é necessário que o material tenha um campo coercitivo maior que
o campo de desmagnetiza¸cão em todos os pontos. Vemos na Eq.(9.66) que o
campo é nulo no limite ω = k = 0 e cresce a medida que a freq¨uência aumenta.
O máximo valor do campo no limite ω, k →∞
é M0 /2. Este resultado mostra
que as fitas de vı́deo devem ser feitas com materiais de campo coercitivo maior
que as fitas de ´audio.

O campo no exterior da fita é obtido a partir de (9.64) e (9.65). É fácil


mostrar que,
M0
Hx = (1 e−kδ ) sen kx e −k(±y−δ/2)
− − (9.68)
2
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 433

Hy = ∓ M2 0
(1 −e −kδ
) cos kx e −k(±y−δ/2) , (9.69)

onde os sinais superiores valem para a regi˜ ao acima da fita ( y > δ/ 2) e os



inferiores para a regi˜ao de baixo ( y < δ/ 2). Este resultado indica que as
componentes longitudinal e normal do campo est˜ao defasadas de 90 ◦ . O fa-

tor exp( ky ) tem grande importˆancia no sinal de leitura, pois introduz um
decaimento exponencial no campo com a distˆancia da fita. Por exemplo, o
campo a uma distˆancia d = λ da fita é reduzido a exp( 2π ) 0, 002 do valor − 
na superfı́cie. Por causa deste resultado, é importante fazer com que a fita
seja tensionada para deslizar em contato com a cabe¸ ca de leitura. No caso da
gravação de vı́deo, como λ é muito pequeno, o ruı́do causado pelas flutuações
de amplitude devido ao fator exponencial é evitado através da modulação em
freqüência.

Para calcular o sinal induzido na cabe¸ca de leitura, consideramos a ge-


ometria mostrada na Figura 9.26. Apenas a componente Hx contribui para
o fluxo que atravessa as espiras enroladas no n´ ucleo. A presença do n´ucleo
magnético resulta num aumento do campo. Através do método das imagens
pode-se mostrar que, num n´ucleo com permeabilidade µ µ0 , o campo B é 
duas vezes maior que o campo no ar. Assim, o fluxo magnético que atravessa
as espiras é, aproximadamente,

e−kd
Φ = ηL
 Bx dy  −ηµ M L (1 −kδ
−e ) sen kx (9.70)
0 0
δ/2+d k

onde η e´ a eficiência da cabeça de leitura, L é a largura da fita ou da trilha


de gravação e d e´ a distância entre o n´ucleo e a fita. A tens˜ao induzida nas N

Figura 9.26: Ilustração do fluxo criado pela fita magnética na cabeça de leitura.
434 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

espiras da cabe¸ca é obtida com a lei de Faraday. Fazendo x = vt vem

V (t) = −N ddtΦ = −Nv ddxΦ . (9.71)

Substituindo (9.70) em (9.71) obtemos


−kδ
V (t) = N ηµ 0 M0 Lv (1 −e ) e−kd cos ωt (9.72)

Este magnetiza¸
pela resultado mostra
cão da que
fita aé tens˜ ao elétrica
um sinal produzida
alternado, defasadonadecabeça
90 ◦ dadecorrente
leitura
senoidal de gravação. A amplitude da tens˜ao de saı́da depende da freqüência
do sinal, da velocidade da fita, da magnetiza¸ cão remanente e da largura da
trilha de gravação.

Na gravação digital em computadores, uma exigência importante é a ca-


pacidade de armazenamento das memórias magnéticas, expressa em bits/cm2 .
O aumento desta capacidade requer a diminuição da ´area ocupada por um bit,
e portanto de L. Vemos então que na leitura convencional uma dificuldade para
o aumento da capacidade é a perda do sinal de corrente com a diminuição de
L.

Exemplo 9.3: Calcule a amplitude do sinal de saı́da de um cabe¸cote de leitura de uma fita
magnética com freqüência de áudio de 1 kHz, tendo os seguintes parˆ ametros: N = 20, η = 1,
µ0 M = 0, 5 T, v = 0, 1 m/s, L = 1 mm, δ = 10 µm e d = 0.

O número de onda de um sinal de 1 kHz gravado numa fita com velocidade v = 0, 1 m/s é
dado por (9.50),

2πf 2π 103
×
k=
v
=
0, 1
= 6, 28 × 104 m −1
.

A amplitude do sinal é calculada com (9.72),

V = N η µ0 M L v 1 − e kδ

4 −5
= 20 × 1 × 0, 5 × 10 3 × 0, 1 × 1 − e
− −6,28×10 ×10

= 4, 66 × 10 4 V = 0, 466 mV .

Este valor é facilmente processável para a reprodu¸cão final do sinal gravado.


Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 435

9.5.3 Materiais Apropriados

Dois tipos de materiais magnéticos são utilizados nos equipamentos de grava¸cão


magnética: materiais de alta permeabilidade, que formam os n´ucleos dos
cabeçotes de grava¸cão e leitura; materiais intermedi´arios, que formam as ca-
madas magnéticas dos meios de armazenamento.

Os principais materiais usados nos n´ ucleos dos cabe¸cotes são as ligas


metálicas, Permalloy, Sendust e os ´oxidos ferrites de MnZn e NiZn. As prin-
cipais vantagens de Permalloy e Sendust, cujos parˆ ametros estão na Tabela
9.4, são o alto valor da magnetiza¸ cão de satura¸cão e a alta permeabilidade.
Além disso, eles têm grande resistência ao desgaste mecˆ anico provocado pelo
contato da fita ou disco em movimento. Entretanto, como eles têm baixa resis-
tividade elétrica, o efeito de correntes parasitas só permite seu uso em baixas
freqüências. Por isso eles são usados nas cabe¸cas de gravadores de ´audio. Os
ferrites de MnZn e NiZn têm menor magnetização, porém têm resistividade
105 vezes maior que as ligas met´ alicas. Por esta razão eles s˜ao usados nos
cabeçotes de gravação e leitura de vı́deo e de sinais digitais.

Quanto aos meios de gravação, há dois tipos de materiais intermedi´arios


usados para fazer a camada magnética: os meios particulados, que consis-
tem de part´ıculas microscópicas de óxidos ou metais magnéticos em suspensão
numa camada polimérica; e os filmes finos de metais ou ligas met´alicas fer-
romagnéticas.

vı́deo,Os
osmeios particulados
cartões de plástico s˜
ouaodeutilizados para recobrir
papel˜ao usados as fitasaplicações,
em in´umeras de ´audio eede
os
discos flexı́veis de computadores. Eles também são usados nos discos rı́gidos,
porém estão sendo gradualmente substituı́dos por filmes finos metálicos. Os
meios particulados são preparados por processos semelhantes ao de fabrica¸cão
de tintas empregadas para pintar paredes, madeira, telas artı́sticas, etc. Qual-
quer tinta é formada por part´ıculas s´ olidas diluı́das e em suspensão num meio
lı́quido, constitu´ıdo de solventes, diluentes e secantes adicionados a um agluti-
nante. As partı́culas sólidas são os pigmentos coloridos que d˜ao cor a tinta,
enquanto o aglutinante pode ser resina orgânica natural, artificial ou óleo. De-
pois que a tinta é espalhada na superfı́cie a ser pintada, ocorre o processo de
secagem, no qual alguns componentes do lı́quido evaporam e outros reagem
quimicamente no aglutinante. Após a secagem, os pigmentos coloridos s˜ ao
fixados na camada de aglutinante que cobre a superfı́cie. No caso do meio
magnético, o aglutinante é um polı́mero e as partı́culas s˜ ao feitas de ´oxidos
ou metais magnéticos, formando o que pode ser chamado de tinta magnética.
436 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

As partı́culas têm forma alongada, com comprimento da ordem de 1 µm e


dimensão transversal da ordem de 0,1 µm. Devido a estas dimensões reduzi-
das, elas s´o podem acomodar um domı́nio magnético. A tinta magnética é
espalhada sobre a superfı́cie do material da base, que pode ser uma folha de
polietileno, no caso das fitas, ou de pl´ astico ou papel˜ao, no caso dos cart˜oes.
Durante o processo de secagem ele é submetido a um campo magnético da
ordem de 1 kOe, que serve para alinhar as partı́culas na direção que será uti-
lizada para magnetiza¸cão. Após a secagem, as partı́culas ficam alinhadas e
separadas umas das outras na camada magnética.

Vários compostos s˜ao utilizados para fazer as partı́culas magnéticas. O


mais antigo e ainda o mais comum nas fitas de ´ audio é óxido férrico, com
fórmula qu´ ımica γ -Fe2 O3 . Ele tem magnetização de saturação 4 πM s = 4.650 G
(ou µ0 Ms = 0, 465 T no SI) e campo coercitivo Hc = 300 Oe. No entanto,
como as partı́culas são diluı́das na camada magnética, o valor de 4πM s e´ re-
duzido na mesma propor¸cão da diluição, em geral na faixa 30-50 %. O ´ oxido
férrico também é utilizado em discos flex´ıveis e em cart˜ oes de pl´astico ou bi-
lhetes de papel˜ao. Entretanto, sua aplicação é restrita a baixas freqüências e
baixas densidades de gravação devido ao valor de H c . À medida que o compri-
mento de onda, e portanto o tamanho do bit de grava¸ cão, diminui, o campo
de desmagnetização aumenta, tornando necess´arios valores mais altos de Hc .
Na década de 1970 a empresa japonesa TDK descobriu que a impregnação de
uma fina camada de cobalto na superfı́cie do óxido férrico eleva o valor de H c
para cerca de 700-800 Oe. Este processo é atualmente empregado nas fitas de
áudio de melhor qualidade e nos discos flexı́veis de alta capacidade.

Outra substância empregada para fazer partı́culas de tintas magnéticas


é dióxido de cromo, CrO 2 . Ela tem 4 πM s = 6.160 G e Hc = 450 Oe, valo-
res maiores que em ´oxido férrico puro. O CrO2 foi muito utilizado em fitas
de áudio, de vı́deo e de computadores, antes da descoberta do processo de
modificação do ´oxido férrico com cobalto. Atualmente ele é empregado por
alguns fabricantes de fitas de vı́deo. Além dos óxidos, também são utiliza-
dos nas tintas magnéticas part´ıculas metálicas de Fe, Co ou suas ligas. Estas
part´ıculas têm valores de Ms e de Hc maiores que os ´oxidos, e portanto apre-
sentam vantagens na gravação de altas freq¨uências, porém requerem processos
de preparação mais sofisticados e dispendiosos.

Durante a década de 1990, ganharam espaço na tecnologia de fabrica¸cão


de discos magnéticos para computadores, os filmes finos metálicos ou multica-
madas de elementos do grupo de transi¸cão do ferro, terras raras e suas ligas.
Uma grande vantagem dos filmes é o alto valor de Ms . Por exemplo, Fe ou
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 437

Co puros têm valor de M s uma ordem de grandeza maior que as partı́culas de


óxidos diluı́dos nas tintas magnéticas. Os filmes finos magnéticos s˜
ao prepara-
dos pelos processos de evapora¸cão em alto v´acuo ou pulveriza¸cão, descritos
na seção 1.4.5. As ligas mais util izadas no momento s˜ao CoNiPt, CoCrTa e
CoCrPt, que têm coercividade na faixa 750-1500 Oe. Os filmes são depositados
sobre um disco de alumı́nio, tendo espessura de dezenas de nm, e cobertos com
uma camada de carbono para dar resistência à corrosão e para lubrifica¸cão no
contato com o cabe¸cote de gravação.

9.5.4 Novas Tecnologias com Filmes Finos e Nanoestruturas

A necessidade de aumentar a capacidade de armazenamento de dados nos


computadores tem levado ao desenvolvimento de novos materiais, dispositivos
e processos de gravação e leitura magnéticas.

Os desenvolvimentos recentes foram possibilitados por inúmeros avanços


cientı́ficos e descobertas fundamentais em filmes finos, multicamadas e estru-
turas magnéticas na escala nanométrica. Atualmente há um intenso esfor¸co
de pesquisa cientı́fica e tecnológica em todo o mundo visando utilizar estas
estruturas para aumentar a capacidade de memória e a velocidade de gravação
e acesso em discos magnéticos, e para obter novos dispositivos comerciais de
memória magnética de acesso randômico MRAM ( Magnetic Random Access
Memory). A vantagem da MRAM sobre a RAM de semicondutores é sua não-
volatilidade. Nesta seção abordaremos apenas dois produtos das novas tecnolo-
gias, a memória magneto-óptica e a cabe¸ca de leitura de magneto-resistência
gigante.

A tecnologia de mem´oria magneto-óptica e´ empregada em discos re-


movı́veis de alta capacidade. Nesta tecnologia os bits de informação são grava-
dos no disco em movimento por um processo termomagnético. Como mostrado
na Figura 9.27, no processo de grava¸ cão o feixe de um laser semicondutor
modulado pelo sinal elétrico contendo a informação a ser gravada (0 ou 1), é
focalizado por uma lente na camada magnética. O filme é previamente mag-
netizado na direção perpendicular, para cima, correspondendo ao bit 0. Além
disso, na regi˜ao do foco da lente existe um campo magnético criado por um
ı́mã permanente, dirigido para baixo . Este campo tem valor menor que o
campo coercitivo do filme `a temperatura ambiente, de modo que ele sozinho
não altera a magnetiza¸cão do filme. Para gravar o bit 1 numa pequena regi˜ao
do filme, o feixe do laser aquece esta regi˜ao e produz uma r´apida diminuição
de Hc . Isto possibilita ao campo do ı́mã inverter o sentido da magnetiza¸cão,
438 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 9.27: Ilustra¸cão de um sistema de gravação e leitura magneto-´optica.

como mostrado na Fig.9.27.

O processo de leitura é baseado num efeito magneto-óptico. Quando


um feixe de luz polarizada incide na superfı́cie de um material magnético,
a luz refletida tem polariza¸cão em dire¸cão um pouco diferente da incidente.

O sentido
Este da mudança
fenômeno, chamadoda polarização
efeito depende do sentido
Kerr magneto-óptico, daa magnetiza¸cão.
permite leitura do sinal
gravado através dos seguintes passos: o laser emite um pulso que passa por um
polarizador e incide no meio magnético; o feixe refletido atravessa o espelho
parcial e o analisador, sendo convertido em sinal elétrico no fotodiodo. Como
a polarização do feixe refletido depende do sentido da magnetiza¸ cão na região
do foco da lente, a intensidade da luz ap´os o analisador varia, dependendo se
o bit gravado for 0 ou 1. A vantagem desta tecnologia em relação à gravação
magnética convencional é a maior capacidade de armazenamento. Isto resulta
do fato da ´area de focaliza¸cão da lente ser muito menor que a ´ area mı́nima
necessária para gravar e reproduzir um sinal com cabeçotes indutivos. Os dis-
cos magneto-ópticos são feitos de filmes finos ou multicamadas de ligas que
apresentam forte efeito magneto-óptico e que produzem magnetização perpen-
dicular ao filme. Os materiais mais utilizados nos filmes s˜ao ligas binárias ou
ternárias de metais de transi¸ cão 3d e terras raras, tais como GdCo, GdFe,
TbFe, DyFe, GbTbFe e TbDyFe.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 439

As principais vantagens da gravação magneto-óptica em relação à


gravação tradicional nos discos flexı́veis são o menor tempo de acesso e a
maior capacidade de memória. O tempo de acesso é cerca de dez vezes menor
porque não há contato do cabe¸cote de gravação e leitura com o disco, o que
permite girar o disco com maior velocidade. A capacidade de mem´oria do
disco magneto-óptico é cerca de mil vezes maior que no disco flexı́vel, porque
na leitura magneto-´optica o feixe de laser é focalizado pela lente numa área
muito menor que a ´area do bit nos discos flexı́veis. A desvantagem da gravação
magneto-óptica e que tem dificultado sua disseminação no mercado é seu maior

custo emcompactos.
ópticos rela¸cão aos dispositivos de discos magnéticos flexı́veis e de discos

Outro desenvolvimento recente na tecnologia de memórias magnéti-


cas é o cabeçote de magneto-resistência gigante , GMR ( Giant Magneto
Resistance). A magneto-resistência é o fenômeno pelo qual a resistividade
elétrica ρ de um metal, ou de um semicondutor, varia com a aplica¸cão de
um campo magnético H . A taxa de varia¸cão ∆ρ/∆H depende do material
e também do valor de H . Ela é muito maior nos metais ferromagnéticos que
nos semicondutores e nos metais n˜ ao-magnéticos. Além disso, ela pode ser
aumentada em até duas ordens de grandeza em multicamadas de filmes finos
metálicos, intercalando metais magnéticos e metais não-magnéticos.

O aumento da magneto-resistência em multicamadas de filmes finos é


devido à influência do spin dos elétrons nas propriedades de transporte. Como
vimos na Se¸cão 4.5, o livre caminho médio dos elétrons em metais é da or-
dem de 1000 Å, ou 100 nm. Por isso, ao atravessar um material massivo ou
um filme grosso, com espessura da ordem ou maior que 1 µm, o elétron sofre
inúmeras colisões e perde a orienta¸cão de seu spin. Por outro lado, ao atraves-
sar um filme fino, com espessura de até dezenas de nm, a orientação do spin é
preservada, pois o elétron não sofre colis˜oes no caminho. Numa estrutura de
várias camadas met´alicas finas, as colis˜oes ocorrem principalmente nas inter-
faces. Quando um elétron com spin orientado no sentido da magnetização de
uma camada magnética passa para outra camada magnética, a probabilidade
de ocorrer colis˜ao na interface depende da dire¸cão da magnetiza¸cão desta ca-
mada. A probabilidade é pequena se as duas magnetizações estão paralelas,
pois o spin do elétron não é perturbado na passagem de uma camada para a
outra. Por outro lado, a probabilidade de colis˜ao é maior se as magnetizações
são antiparalelas ou têm direções diferentes.

O fato do movimento dos elétrons em multicamadas magnéticas depender


de seu spin tem conseq¨uências importantes. Como a condutividade é propor-
440 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

cional ao tempo de colis˜ao, e esta por sua vez é inversamente proporcional


à probabilidade de colis˜ao, a resistividade é menor quando as magnetizações
estão paralelas. Em certas multicamadas formadas de filmes magnéticos, in-
tercalados por filmes metálicos não magnéticos, a orientação relativa das mag-
netizações depende da direção e do valor do campo magnético aplicado. Desta
forma, a resistência da multicamada varia muito com o campo magnético.
Este fenômeno, chamado de magneto-resistência gigante , foi descoberto
em 1988, em pesquisas lideradas pelo fı́sico gaúcho Mario Baibich, quando pas-
sava uma temporada na Universidade de Orsay, na Fran¸ ca. A descoberta da

magneto-resistência
turas e multicamadas gigante estimulou
magnéticas, as resultou
o que pesquisasnacientı́ficas emdenanoestru-
observação in´umeros
outros fenômenos nos quais as propriedades de transporte s˜ao controladas
pelo spin do elétron. Em conseqüência, vários dispositivos eletrônicos inteira-
mente novos foram desenvolvidos, dando srcem a um novo ramo da tecnologia
chamado de spintrônica, ou magneto-eletrônica

Um produto importante da spintrˆonica é a válvula de spin, um dispo-


sitivo cuja resistência elétrica é controlada pela dire¸
cão dos spins, ou seja da
magnetização, de uma camada magnética sensora. A estrutura básica de uma
válvula de spin est´a mostrada na Figura 9.28. Ela consiste de quatro cama-
das de filmes finos, depositados seq¨uencialmente sobre um substrato apropri-
ado, que pode ser vidro, um cristal isolante (como MgO) ou uma pastilha de
semicondutor (como Si ou GaAs). A camada de cima é um filme de metal
magnético mole, com baixa anisotropia magnética, como Ni0,81 Fe0,19 (permal-
loy) ou Co 0,9 Fe0,1 , com espessura da ordem de 10 nm. Ela é a camada sensora,
pois é a direção de sua magnetiza¸cão, determinada por um campo externo,
que controla a resistência do dispositivo. Sob ela está uma camada fina de um
metal condutor n˜ao magnético, em geral cobre, com espessura da ordem de 5
nm, por onde passa a maior parte da corrente de prova I . A resistência da
camada de cobre depende da dire¸cão da magnetiza¸cão da camada sensora em

Figura 9.28: Estrutura b´asica de uma válvula de spin.


Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 441

relação à da camada presa, por causa do mecanismo explicado anteriormente.


Como o nome diz, a camada presa tem magnetiza¸cão numa dire¸cão fixa, que
serve de referência para o sensor. Quando a magnetização da camada sensora
é paralela à da referência, a resistência R da válvula de spin é baixa, e quando
é antiparalela a resistência é alta.

O mecanismo que prende a magnetiza¸ cão de referência foi descoberto


na década de 1950, porém só foi compreendido no final dos anos 90, sendo
conhecido como polariza¸cão por intercˆambio (exchange bias ). Ele resulta da
interação de intercâmbio entre os ´atomos na interface de uma camada ferro-
magnética (FM) com uma camada antiferromagnética (AF). Quando o con-
junto é resfriado na presença de um campo externo, passando de uma tempera-
tura acima para uma abaixo da temperatura de ordenamento do material AF,
os spins da interface no lado AF passam a ser majoritariamente da sub-rede pa-
ralela à magnetização da camada FM. Como a camada AF tem magnetiza¸cão
total desprezı́vel, ela não é afetada por campos externos, permanecendo num
estado congelado. Assim, a interação de intercâmbio entre os spin do lado
AF e os spins do lado FM gera na interface um campo magnético efetivo de
dezenas, ou centenas de oersteds, que prende a magnetiza¸ cão da camada FM
na direção do campo aplicado durante o resfriamento. A camada AF tem es-
pessura maior que as outras, da ordem de dezenas de nm, para que o arranjo
de spins fique conge lado. Ela pode ser feita por uma variedade de materiais
antiferromagnetos, dentre os quais NiO e IrMn, que têm ordenamento AF à

Figura 9.29: Ilustra¸cão esquemática do cabe¸cote de leitura e grava¸cão magnética em discos


rı́gidos utilizado em computadores.
442 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

temperatura ambiente.

Uma aplicação importante das válvulas de spin é nos cabeçotes de leitura


de gravação magnética em discos rı́gidos de computadores. A Figura 9.29
ilustra o cabe¸cote de grava¸cão e de leitura utilizado atualmente. A figura
representa apenas uma ilustração esquemática para facilitar a vis˜ao dos com-
ponentes. Na realidade todos os compon entes s˜ao fabricados na forma de
multicamadas de filmes finos, formando um conjunto integrado. No cabe¸cote
mostrado, a gravação é feita com o dispositivo tradicional, no qual a corrente
de gravação cria um campo magnético no entreferro do núcleo que magnetiza
a camada magnética do disco. A leitura da informação gravada é feita por um
sensor formado por uma válvula de spin. Um pulso de corrente passa no sensor
quando ele está sobre a regi˜ao magnetizada a ser detetada. Como a resistência
do sensor varia com o campo criado pela magnetiza¸ cão, o valor da tens˜ao re-
sultante indica o bit de informação que está gravado. A principal vantagem do
cabeçote de leitura magneto-resistivo é que ele pode detetar a magnetiza¸ cão em
regiões menores que a dos cabeçotes indutivos convencionais, pois ele é sensı́vel
ao campo criado pela magnetiza¸cão, enquanto o cabe¸cote indutivo é sensı́vel
ao fluxo magnético, que depende da área ocupada pelo bit. A introdução do
sensor de GMR nos sistemas de grava¸cão de discos rı́gidos comerciais ocorreu
em 1998, e tem possibilitado o contı́nuo aumento da capacidade de memória,
que atualmente ultrapassa 20 Gb/polegada 2 .

9.6 Dispositivos de Ferrite para Microondas


Uma área importante de aplicação dos materiais magnéticos é a de dispositivos
não-rec´ıprocos para circuitos de microondas. As ondas eletromagnéticas com
freqüência na faixa de microondas, 1-30 GHz, são utilizadas em comunicações
entre estações terrestres e com satélites. Elas também são empregadas no
radar e em aparelhos cientı́ficos, industriais, e eletrodomésticos. Nos circuitos
de microondas existem certos dispositivos, tais como isoladores e circuladores,
nos quais o elemento central é feito de ferrite. Para entender o efeito de um
ferrite na onda eletromagnética é necessário estudar sua susceptibilidade em
altas freqüências. Inicialmente, porém, vamos entender o movimento natural
da magnetização num material submetido a um campo externo.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 443

9.6.1 O Movimento de Precessão da Magnetiza¸cão

Quando uma onda eletromagnética penetra num meio magnético, seu campo
magnético interage com os momentos magnéticos microscópicos. No caso do
meio ser condutor e espesso, a amplitude da onda decai rapidamente devido
ao efeito pelicular, de modo que o efeito magnético é pequeno. No entanto, se
o meio é isolante, a atenuação é pequena e a interação magnética produz um
grande efeito na polariza¸cão da onda. É por isto que os materiais magnéticos
usados em microondas s˜ao ferrites isolantes. Para calcular a resposta em altas
freqüências, consideramos inicialmente um meio infinito de ferrite, submetido
 . Na situa¸cão
a um campo magnético estático H de equilı́brio, os momentos µ
dos dipolos magnéticos ficam alinhados com H  , pois esta é a situação na qual
a energia, dada pela Eq.(9.8), é mı́nima. O torque que o campo exerce sobre
o momento é dado por (no SI):
τ = µ 0 µ × H . (9.73)

Evidentemente, o torque é nulo quando µ está na direção de H . Porém, quando


µ é desviado desta direção, o torque deixa de ser nulo e produz um movimento
no dipolo. A equação de movimento de um momentum angular J submetido
a um torque τ é
dJ
= τ . (9.74)
dt

No caso do dipolo magnético atômico, µ e J estão relacionados por uma


expressão obtida das equa¸cões (9.12) - (9.15),
µ = −γ µ 0 J , (9.75)

onde gµ B
γ= (9.76)

é o fator giromagnético do átomo, ou ı́on, magnético. A substituição de


(9.73) e (9.75) em (9.74) d´a a equa¸cão de movimento do momento magnético
no campo H ,
dµ
dt

= γ µ0 µ × H .

 é o momento magnético por unidade de volume, sua


Como a magnetização M
444 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

equação de movimento é,

dM
= −γ 
µ0 M × H . (9.77)
dt

Para entender o movimento natural de M  quando ela é desviada da


direção de equilı́brio, escolhemos um sistema de coordenadas no qual o eixo z
tem a direção do campo est´atico H  . Podemos então escrever a magnetiza¸cão
na forma,
M
 = x̂ mx (t) + ŷ my (t) + ẑ Mz , (9.78)

onde usamos letras min´usculas para as componentes x e y porque elas s˜ao


variáveis, enquanto a componente ẑ e´ estática, e também porque mx , my Mz . 
De (9.77) obtemos as equa¸cões para as componentes transversais de M ,

dmx dmy
dt
= −γ µ 0 my H ,
dt
= γ µ0 m x H . (9.79)

Uma solução para (9.79) é:

mx (t) = m0 cos ω 0 t , my (t) = m0 sen ω 0 t . (9.80)

 está ilustrado na Figura 9.30. O vetor magnetização


O movimento de M
ao circular em torno do campo H
executa um movimento de precess˜  , semelhante

Figura 9.30: Movimento de precessão da magnetização de um ferrite em torno de um campo


magnético estático.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 445

a um girosc´opio no campo grav itacional da terra . A freq¨uência angular de


precessão, obtida pela substitui¸cão de (9.80) em (9.79), é
ω0 = γ µ0 H = γB , (9.81)

onde B  é o vetor indução magnética aplicado. No sistema CGS a expressão é


ω0 = γH . Esta freq¨uência é diretamente proporcional à intensidade do campo
magnético, onde o coeficiente de proporcionalidade é o próprio fator giro-
magnético, dado pela Eq.(9.76). Para g = 2, seu valor é γ 2π 28 GHz/T,  ×
no SI, e γ 2π 2, 8 MHz/Oe. Assim, para um campo tı́pico de ı́mãs ou
de eletromagnetos, H = 1 kOe, a freq¨uência de precessão é 2,8 GHz. Vemos
 ×
então que a resposta natural de um ferrite tem freq¨uência situada na região de
microondas. Esta é razão da importˆancia dos ferrites para os dispositivos de
microondas.

9.6.2 Susceptibilidade Dinâmica de um Ferrite

Para calcular a resposta do ferrite a uma radiação de microondas, consideramos


um campo magnético alternado com freqüência ω , ou campo de rf , transversal
ao campo estático. O campo total é então,
H = (x̂ hx + ŷ hy ) e−iωt + ẑH , (9.82)

onde h x , h y H , uma vez que H é da ordem de centenas ou milhares de Oe,


enquanto o campo de rf de uma onda é da ordem de fração de Oe. Substituindo
(9.78) e (9.82) em (9.77), obtemos as equações de movimento das componentes
transversais de M ,
dmx
= γ µ0 m y H + γ µ0 M z hy e−iωt
− (9.83)
dt
dmy
= γ µ0 m x H −γ µ 0 M z hx e −iωt . (9.84)
dt

Como estamos interessados apenas na resposta estacion´ aria, fazemos


mx (t) = m x e −iωt , my (t) = my e −iωt .

Substituindo estas expressões em (9.83) e (9.84) e fazendo ω0 = γ µ0 H ,


vem
−iωm = −ω
x 0 m y + γ µ0 M z hy (9.85)
446 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

−iωm y = ω0 m x −γ µ 0 M z hx . (9.86)

A partir destas expressões podemos escrever a relação entre as compo-


 eH
nentes de rf de M  na forma,

 = χ h
m · , (9.87)

 e h são representados pelas matrizes coluna,


onde os vetores m

 
mx
  hx
m
 =   h =   , (9.88)
my hy

e χ é o tensor susceptibilidade, representado pela matriz


 χxx χxy

χ= , (9.89)
χyx χyy

onde
ωM ω0
χxx (ω ) = χ yy (ω ) = (9.90)
ω02 ω 2

ωM ω
χyx (ω ) = −χ xy (ω ) = i ω02 ω 2− , (9.91)

sendo ωM ≡ 
γµ 0 Mz γµ 0 M . Note que no sistema gaussiano, ωM = γ 4πM ,
pois µ0 = 1 e 4 π é o fator que entra na relação entre a permeabilidade e a
susceptibilidade, Eq.(9.7). Este resultado mostra que num ferrite, a aplica¸ cão
de um campo de rf na direção x, produz componentes de rf da magnetização
tanto na direção x quanto na direção y . Do mesmo modo, um campo hy produz
componentes mx e my . Isto é devido ao fato de que o movimento natural de
M é a precessão em torno do eixo z . Assim, a aplica¸cão de um campo hx ou hy
produz o movimento de precess˜ao, e em conseq¨uência componentes mx e my .
 e h não é um escalar, mas sim um tensor.
Por esta razão, a relação entre m

As Eqs.(9.90) e (9.91) indicam que a amplitude da resposta do ferrite ao


campo de microondas aumenta `a medida que ω se aproxima da freq¨uência de
 aumenta e
ressonância ω 0 . Quando isto o corre, a amplitude da precessão de M
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 447

a relaxação não pode ser desprezada. Na realidade, quando M  precessiona em


torno de H  , a interação spin-órbita nos átomos faz com que parte da energia
magnética seja transferida para a rede cristalina. Isto resulta em relaxação,
ou amortecimento, do movimento de M  . Este efeito pode ser representado
fenomenologicamente pela substituição de ω0 por ω0 iΓ/2, onde Γ é a taxa

de relaxação. Com isto, as componentes do tensor susceptibilidade tomam a
forma,
ω ω
χxx = χ yy = 2 M2 0 (9.92)
ω0 ω iω0 Γ

χyx = −χ =i
− ω− ω
M
(9.93)
xy 2
ω − ω − iω Γ
0
2
0

onde admitimos que Γ ω . 0

Este resultado mostra que a resposta magnética de um ferrite tem com-


portamento an´alogo ao da susceptibilidade elétrica de um átomo submetido
a uma radiação eletromagnética, estudada nas seções 8.2.2 e 8.3.2. A grande
diferença entre as duas situações é que, enquanto no átomo a freq¨uência ω0
está na regi˜ao óptica do espectro, no caso magnético ω0 está na regi˜ao de
microondas. A analogia entre as duas situa¸cões permite também dar uma in-
terpretação quˆantica para o efeito magnético nos ferrites. O movimento de
M corresponde a transições quânticas entre dois nı́veis de energia separados
pelo campo magnético. Na Eq.(9.18), vemos que a separação de energia entre
dois nı́veis vizinhos é ∆E = gµ B B . Esta energia corresponde a fótons com
freqüência ω0 = ∆E/  = γB , que é precisamente a freqüência de precessão
(9.81).

Um aspecto importante da resposta de um ferrite ao campo de microon-


das, é que a freqüência de precessão ω0 varia linearmente com o campo H .
Isto permite sintonizar a resposta do ferrite na freq¨ uência desejada, através
de H . A Fig.9.31 mostra as partes real e imagin´aria da componente χxx da
susceptibilidade em fun¸cão do campo aplicado H , para uma freq¨uência fixa
ω/ 2π = 2, 8 GHz. Os outros parˆametros usados s˜ao: g = 2, ωM /γ = 3 kG
e Γ/ω = 0, 2. Observe a semelhança entre esta figura e a Fig.8.5 que mostra
as partes real e imagin´aria da permissividade elétrica. A parte imaginária χ xx
está relacionada `a potência de microondas absorvida pelo ferrite. Quando o
campo H tem valor igual a ω/γ , χ e a potência absorvida são máximos. O
fenômeno pelo qual a potência absorvida cresce bruscamente e passa por um
máximo em H = ω/γ é chamado de ressonância ferromagnética . O campo
de ressonância é aquele no qual ω = ω0 . A diferença entre os dois valores de
448 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 9.31: Partes real (a) e imaginária (b) de χxx em função do campo H para ω/2π = 2, 8
GHz, ω M /γ = 3 kG e ∆ H = Γ/γ = 200 Oe.

campo para os quais χ xx tem metade do valor de pico é chamada largura de
linha da ressonância. É fácil verificar que a largura de linha ∆ H é relacionada
com a taxa de relaxa¸cão por
∆H = Γ/γ . (9.94)

A largura de linha do ferrite da Fig.9.31 é ∆ H = 200 Oe.

9.6.3 Ondas Eletromagnéticas em Ferrites

As caracterı́sticas de uma onda eletromagnética propagando num meio de fer-


rite submetido a um campo est´ atico H são determinadas pelas equa¸cões de
Maxwell (2.1)-(2.4), com a permeabilidade magnética obtida dos resultados
da seção anterior. Como a susceptibilidade do ferrite é um tensor, a perme-
abilidade, definida por (9.6) e (9.7), também é um tensor. No SI,
µ = µ 0 (1 + χ) . (9.95)

Em conseqüência, além de sofrer defasagem espacial e atenuação, como em


qualquer meio, no ferrite a onda pode sofrer mudan¸ ca da polariza¸cão. Os
efeitos do ferrite na onda dependem muito das dire¸ cões de propagação e de
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 449

polarização, e também da proximidade entre as freqüências da onda e da res-


sonância ferromagnética.

Uma situação especial importante é o da propagação na direção do campo


estático. Neste caso, o campo h é perpendicular ao eixo z , e portanto s´o
tem componentes hx e h y . Vejamos o comportamento de ondas circularmente
polarizadas nesta região. Com as Equa¸cões (9.88) e (9.89) obtemos
m± ≡ m ± im
x y = (χxx ∓ iχ
xy ) (hx ± ih )
y , (9.96)

onde m + e m− representam as magnetizações de uma onda circularmente po-


larizada à direita e `a esquerda, respectivamente. Este resultado significa que,
embora a rela¸cão entre m  e h seja tensorial, no caso de ondas circularmente
polarizadas a rela¸cão é escalar. Representando por b± e h± as componentes
circularmente polarizadas dos campos b e h, usando (9.3) e (9.96) vem,
b+ = µ + h + , b− = µ − h − , (9.97)

onde
µ± = µ 0 (1 + χxx ∓ iχ xy ) (9.98)

são as permeabilidades escalares das ondas circula rmente p olarizadas. Se ω


for muito diferente de ω 0 , a relaxação pode ser desprezada, e de (9.90) e (9.91)
vem:
ωM
µ+ = µ 0 1 + (9.99)
ω0 + ω
 
ωM
µ− = µ 0 1+ . (9.100)
ω0 ω −
Este resultado significa que as rela¸cões para ondas em meios com per-
meabilidade escalar, obtidas no Capı́tulo 8, valem para ondas circularmente
polarizadas em ferrites. Por exemplo, os vetores de onda para estas ondas têm
módulo
1/2
ωε 1/2
k± = 1+
ωM
.
 (9.101)
c ω0 ω ±
O fato de ondas circularmente polarizadas `a direita e `a esquerda terem
vetores de propagação diferentes, dá srcem ao fenˆ omeno de rotação de
Faraday, ilustrado na Figura 9.32. Considere uma onda linearmente p ola-
rizada propagando na dire¸cão do campo H , no eixo z . Escolhemos o eixo x
450 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 9.32: Rotação de Faraday de uma onda eletromagnética propagando na direção do


campo magnético num ferrite.

como a dire¸cão do campo h no plano em z = 0. Sendo h0 a amplitude do


campo em z = 0, temos
h± (0, t) = Re x̂ h0 e −iωt = x̂ h0 cos ωt .
 
É fácil ver que este campo pode ser decomposto em duas componentes
circularmente polarizadas, com amplitudes iguais a h 0 /2, girando em sentidos
opostos, h = h+ + h− , onde

h± (0, t) = Re x̂ h0 ± ŷ i h2
 2
0
  e−iωt =

h0
= x̂
2
cos ωt ± ŷ h2 0
sen ωt . (9.102)

Cada onda circularmente polarizada propaga com um vetor de onda di-


ferente, de modo que no plano z = d temos,

h± (d, t) = Re
 x̂
h0
± ŷ i h2 0
 eik
±
d−iωt
 . (9.103)
2

O campo em z = d é dado pela soma dos dois campos em (9.103). Suas


componentes podem ser escritas na forma:
hx (d, t) = Re h0 cos θ e ikm d−iωt (9.104)
 
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 451

hy (d, t) = Re h0 sen θ e ikm d−iωt


  . (9.105)

onde
km = (k + + k − )/2 (9.106)

e
θ = (k − −k +
) d/ 2 . (9.107)

Veja que as equa¸cões (9.104) e (9.105) representam um campo linear-


mente polarizado, fazendo um ˆangulo θ com o eixo x. Isto mostra que a
composição dos dois campos circularmente polarizados em z = d, com fases
diferentes daquelas em z = 0, resulta em outro campo linearmente polarizado.
Como resultado deste processo, a onda srcinal propaga no ferrite mantendo
a polarização linear, porém numa direção que gira gradualmente em torno do
campo estático, no sentido de x para y (pois k − > k + ). Este é o fenômeno
de rotação de Faraday. O ângulo de rota¸cão da dire¸cão de polariza¸cão, dado
pela Eq.(9.107), é proporcional à distância e `a diferença dos vetores de onda

das polariza¸cões + e . É importante observar que o sentido da rota¸ cão de
Faraday é definido pelo sentido do campo H  , e n˜ao depende do sentido de
propagação da onda.

Exemplo 9.4: Considere uma radiação de microondas com freq¨ uência 9,4 GHz propagando ao
longo do campo H num ferrite com M = 250 emu/cm 3 , g = 2, ∆ H = 50 Oe e  = 40 . Calcule o
coeficiente de absorção da onda para H = 2, 5 kOe, considerando: a) Onda circularmente polarizada
no sentido +; b) Onda circularmente polarizada no sentido . −
a) Os vetores de onda para as polariza¸cões circulares + e incluindo a relaxação magnética são

dados pela Eq. (9.101), com a substitui¸ cão de ω 0 por ω 0 iΓ/2, −
1/2
ωε 1/2 ωM
k± = 1+ .
c ω0 ω iΓ/2
± −
A introdução do termo imagin´ario nessa equa¸cão faz com que o vetor de onda tenha uma
componente imaginária, que produz atenua¸cão na onda. Para calcular a parte imagi nária é
preciso trabalhar com o número complexo no interior da raiz quadrada, o que leva a expressões
grandes para o caso geral. Para simplificar as contas, vamos obter os valores numéricos
das grandezas ω0 , Γ e ωM , dadas por (9.81), (9.94) e ωM = γ 4πM (no CGS). Como essas
grandezas aparecem numa fração, vamos deixar explı́cito o fator 2π que relaciona a freqüência
angular com a freq¨uência. Usando o sistema CGS vem,
× 2, 8 × 106 × 2, 5 × 103 = 2π × 7, 0 GHz ,
ω0 = γ H = 2π
Γ0 = γ ∆H = 2π× 2, 8 × 106 × 50 = 2 π × 0, 14 GHz ,
ωM = γ 4πM = 2π × 2, 8 × 106 × 4π × 250 = 2π × 8, 8 GHz ,
452 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Vemos então que o termo imagin´ ario no denominador da expressão de k± é muito menor
que o termo real. Podemos então utilizar a expansão binomial para obter as partes real e
imaginária da raiz quadrada. Multiplicando ωM pelo fator 4 π, apropriado ao sistema CGS,
vem,
1/2
ω ε1/2 ωM
k± = 1+
c (ω0 ± ω) [1 − Γ/2(ω0 ± ω)]
1/2 1/2
 ω εc 1+
ωM
(ω0 ω)± 1+

2(ω0 ω)
±
ω ε1/2 ωM iΓ
1+ 1+ .
 c 2(ω0 ± ω) 2(ω0 ± ω)
Logo, a parte imagin´aria é,
1/2
ωM Γ
k±  ω εc (ω0 ω)2
± .

De acordo com (8.13), o coeficiente de absor¸ cão é o dobro da parte imaginária de k, portanto,

± ω ε1/2 ωM Γ
∝ = .
c 2(ω0 ω) ±
Substituindo os valores das grandezas, vem,

∝ ±
=
2π × 9, 4 × 109 × 41/2 8, 8 × 0, 14 = 3, 93 1, 23 .
3 × 1010 (7, 0 ± 9, 4)2 (7, 0 ± 9, 4)2

Assim, para a onda + temos,

∝+= 3, 93 (7, 01,+239, 4)2 = 0, 018 cm −1


.

b) Para a onda − temos,


−1 1, 23
∝ = 3, 93 = 0, 84 cm −1 .
(7, 0 9, 4)2

A onda circularmente polarizada no sentido tem um coeficiente de absor¸cão muito maior

que a onda no sentido + porque ela est´ a mais pr´oxima da condi¸cão de ressonˆancia, onde a perda
de energia é muito maior.

9.6.4 Dispositivos de Ferrites

Nesta seção vamos apresentar, de forma qualitativa, os dispositivos de ferrite


mais utilizados em microondas: isoladores; circuladores; e filtros de YIG. Esses
dispositivos são usados em toda a regi˜ao de microondas, de 1 a 100 GHz. Cada
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 453

unidade opera eficientemente apenas numa estreita faixa de freq¨ uências, cuja
largura depende das caracterı́sticas do ferrite e da geometria do dispositivo.

O isolador é um dispositivo de duas portas, que transmite a radia¸cão


num sentido e absorve integralmente a radia¸cão no sentido oposto. Ele é
utilizado na saı́da do gerador de microondas, para evitar que as reflexões pro-
duzidas no circuito externo voltem para ele e interfiram no seu funcionamento.
A Fig.9.33(a) mostra o sı́mbolo de circuito de um isolador. Como os isoladores
são dispositivos n˜ao-rec´ıprocos, sua operação depende fundamentalmente de
materiais que tenham propriedades n˜ao-recı́procas. Na região de microondas,
os materiais que têm estas propriedades são os ferrites. Sua srcem est´a no
comportamento giroscópico dos momentos magnéticos atômicos, cujo sentido
de precessão é determinado pelo sentido do campo estático aplicado.

Um dos primeiros isoladores de ferrite construı́dos foi o de rotação de


Faraday, mostrado na Figura 9.34 Seus elementos básicos s˜ao: um bastão
de ferrite magnetizado longitudinalmente por um campo externo, de modo a
produzir rotação de Faraday de 45 ◦ ; duas placas resistivas fazendo um ˆangulo
de 45 ◦ entre si, colocadas pr´oximas às duas portas e paralelas ` as direções de
maior dimensão dos guias de onda retangulares; guia de onda circular no qual
o bastão de ferrite est´a montado, com transi¸cões para as se¸cões retangulares
das portas, que fazem ˆangulo de 45 ◦ entre si.

A onda que entra na porta 1 passa pela placa resistiva sem atenua¸ cão,
pois tem campo elétrico perpendicular ao plano da placa (no guia retangular,
o campo elétrico tem a direção da dimensão menor e o campo magnético tem a
direção da dimensão maior), e portanto n˜ao produz corrente no plano. Como

Figura 9.33: Sı́mbolos de circuito de dispositivos não-rec´ıprocos: (a) Isolador; (b) Circulador
de 4 portas; (c) Circulador de 3 portas.
454 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 9.34: Isolador de rota¸cão de Faraday.

a rotação de Faraday do bast˜ao de ferrite é de 45 ◦ no sentido hor´ario, ao


chegar na porta 2 a onda é transmitida para o guia reta ngular. Por outro
lado, uma onda entrando na porta 2 tem sua polariza¸ cão girada de 45 ◦ no
mesmo sentido, sendo portanto parcialmente absorvida pela placa resistiva
da porta 1 e também ficando a 90 ◦ da dire¸cão de polariza¸cão desta porta.
Desta forma, o dispositivo transmite a onda no sentido 1 → 2, mas ñao a onda
no sentido oposto. O isolador de rota¸cão de Faraday n˜ao é muito utilizado
nas faixas inferiores de freq¨uências de microondas, pois os guias de onda têm
dimensões avantajadas e a estrutura do dispositivo torna-se muito volumosa.
Um dispositivo análogo, baseado no efeito Faraday magneto-óptico, é utilizado
na região do infravermelho pr´oximo em sistemas de comunica¸cões com fibras
ópticas.

O isolador de ferrite mais utilizado em microondas ´e o de ressonância.


O isolador para guia de onda, ilustrado na Figura 9.35 consiste de uma se¸ cão
de guia, uma placa de ferrite situada num certo plano do guia, e um ı́m˜a
permanente que magnetiza o ferrite e determina a freqüência de ressonância ω0 .
Para entender o funcionamento do isolador, é importante saber que o campo
magnético de microondas tem duas componentes no plano xy , defasadas de
90◦ , e cujas amplitudes variam ao longo da dire¸ cão x. Em conseqüência, há
dois planos do guia, P 1 e P2 mostrados na figura, simétricos em relação ao
centro, nos quais os campos s˜ao circularmente polarizados, sendo um deles `a
direita e o outro `a esquerda. A distância de P 1 e P2 para as paredes laterais
é determinada pela freqüência da onda e as dimensões do guia (Problema
9.16). O isolador opera numa faix a de freq¨uências em torno de ω0 . Quando
a onda propaga num sentido, a polariza¸ cão circular no plano P 1 , onde est´a
o ferrite, tem o sentido oposto ao da precess˜ ao de M  . Neste caso não h´a
ressonância, e a onda é transmitida sem atenuação. Entretanto, quando a
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 455

Figura 9.35: Isolador de ressonância em guia de onda retangula r.

onda propaga no sentido oposto, os sentidos das polariza¸ cões circulares em P 1


e P2 são invertidas, fazendo com que ela seja atenuada devido ` a absorção de
ressonância no ferrite. Para aumentar a absorção é comum colocar uma fina
placa resistiva junto do ferrite. Os isoladores de ressonância são de constru¸cão
simples e podem ter raz˜ao entre as transmiss˜oes nos dois sentidos superior
a 1000:1. Eles também são feitos em dispositivos de cabos coaxiais e em
estruturas de microondas miniaturizadas, baseadas em linhas de fita (linhas
de transmissão, semelhantes às guias feitas em chapas de circuito impresso
usadas em eletrˆonica).

Outro dispositivo de ferrite importante é o circulador, também chamado


de girador. Ele é um dispositivo de três ou mais portas, que transmite a
radiação que entra numa certa porta para outra imediatamente vizinha, num
sentido de “m˜ao única”. As Figuras 9.33(b) e (c) mostram os sı́mbolos de
circuito de circuladores de três e de quatro portas, respectivamente. Uma
aplicação importante do circulador de três portas é em sistemas de transmissão
e recepção com uma s´o antena. Como mostrado na Fig.9.33(b), o circulador
faz com que a radia¸cão do transmissor (T) seja dirigida para a antena (A). Por
outro lado, a radia¸cão recebida pela antena é dirigida para o receptor (R). E
como o sentido do girador é de mão única, o sinal do transmissor n˜ao é levado
ao receptor.

Como ocorreu com o isolador, o primeiro circulador de quatro portas


constru´ ıdo era baseado na rotação de Faraday. Os seus componentes, mostra-
dos na Figura 9.36, s˜ao: um bast˜ao de ferrite num guia de se¸cão circular, com
rotação de Faraday de 45 ◦ ; quatro portas feitas de guias de se¸cão retangular,
estando a porta 2 a 45 ◦ da porta 1, a porta 3 perpendicular a 1, e a porta 4
a 45◦ da 3. Com esta disposição, a radia¸cão que entra em qualquer porta é
456 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 9.36: Circulador de 4 portas de rota¸ cão de Faraday.

girada de 45 ◦ e sai pela seguinte, ficando as demais isoladas. O circulador da


Fig.9.36 não é mais utilizado devido à dificuldade de sua miniaturiza¸cão. A
Figura 9.37 mostra um circulador de três portas em linha de fita, utilizado em
circuitos de microondas miniaturizados. Sua opera¸ cão também é baseada nas
propriedades giroscópicas do disco de ferrite, mas a configura¸ cão dos campos
no disco é complexa e não será analisada aqui.

Outro dispositivo magnético de grande aplicação em circuitos de mi-


croondas é o filtro de YIG . Como vimos na se¸cão 9.4, o YIG é uma granada
ferrimagnética, e não um ferrite. Entretanto, seu enquadramento na cate-
goria de ferrites é justificado pela semelhança das propriedades magnéticas.
Os ferrites utilizados em isoladores e circuladores s˜ ao cerâmicas policristali-
nas, com largu ras de linha de dezenas ou centenas de Oersted. As larguras
de linha grandes s˜ao necessárias para que os dispositivos possam operar em
largas faixas de freq¨uências. O YIG, por outro lado, é usado na forma de
monocristais, cuja largura de linha é da ordem de 0,1 Oe. Como em ω = ω 0 as
susceptibilidades (9.92) e (9.93) têm amplitude ω M /Γ = M/∆H , este pequeno
valor de ∆ H faz a ressonância de YIG ser muito intensa. Veja que no ferrite
das curvas mostradas na Fig.9.31, o pico da susceptibilidade tem altura 15,
enquanto em YIG a altura é M /∆H = 1, 76 104 . Estas propriedades possi-
×
bilitam a construção de filtros de transmiss˜ao de banda estreita, sintoniz´aveis
eletricamente.

A Figura 9.38 mostra as configura¸cões básicas de filtros de YIG de um e


de dois estágios. A estrutura eletromagnética de cada estágio consiste apenas
de duas semiespiras de fios finos, dispostas perpendicularmente entre si. Entre
elas é colocada uma pequena esfera de YIG, com diâmetro menor ou da ordem
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 457

Figura 9.37: Circulador de ferrite de 3 portas em linha de fita.

de 1 mm, submetida ao campo magnético estático H de um eletromagneto.


O valor do campo é ajustado pela corrente no eletromagneto. A corrente de
microondas numa das espiras cria um campo magnético de rf h na esfera,
perpendicular ao campo est´atico. Se a fr eqüência ω da microonda estiver
afastada de ω0 = γH , a susceptibilidade é desprezı́vel, fazendo com que mx e
my também o sejam. Como as duas espiras são perpendiculares entre si, nesta
situação o sinal transmitido de uma para a outra é também desprezı́vel.

Quando ω ω0 , o campo h produzido por uma das espiras cria na



esfera de YIG uma magnetiza¸cão de rf no plano xy , dada por (9.88)-(9.91). A
componente de m  perpendicular a outra espira induz nela um sinal de saı́da,
proporcional ao sinal de entrada. Assim, o dispositivo opera como um filtro
de transmissão de banda estreita. Como ω0 = γH , a sintoniza¸cão do filtro é

Figura 9.38: Diagramas esquem´aticos de filtros de YIG: (a) Um est´agio; (b) Dois est´agios.
458 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

feita através da corrente no eletromagneto.

No filtro de um est´agio a curva de resposta, sinal transmitido em fun¸ cão


da freqüência, tem a forma da curva de ressonância. Para sintetizar formas de
resposta mais apropriadas para filtros de transmiss˜ ao, utiliza-se dispositivos
com múltiplos estágios. A Figura 9.38(b) mostra o diagrama de um filtro de
dois estágios. As dua s esferas de YIG s˜ao montadas na mesma estrutura e
ficam submetidas ao mesmo campo est´atico. Desta forma, quando o campo
é variado, as freqüências de ressonância das duas esferas variam igualmente.
A sintetização da curva de resposta do filtro é possı́vel porque a freqüência
de ressonância de cada esfera varia finamente com a dire¸ cão de seus eixos
cristalinos em rela¸cão ao campo externo. Como a curva de transmiss˜ao do
filtro é o produto das respostas dos dois estágios, é poss´ıvel variar a forma
da curva ajustando-se finamente uma esfera em rela¸ cão a out ra. A Figura
9.39 mostra a curva de resposta de um filtro de dois est´ agios constru´ ıdo no
Departamento de Fı́sica da UFPE. O filtro tem largura de banda de 15 MHz
e pode ser sintonizado na faixa de 4 a 6 GHz.

Os filtros de YIG encontram v´arias aplica¸cões em equipamentos de mi-


croondas, em fun¸cões que requerem sintonia eletrˆonica. Eles são utilizados
nos estágios de entrada de receptores simples sintonizáveis e em estágios inter-
mediários de receptores super-heterodinos. Eles são também empregados para
estabilizar a freqüência de osciladores de microondas, como os de diodo Gunn

Figura 9.39: Curva de resposta de um filtro de YIG de dois est´ agios (A. Belfort de Oliveira,
Tese de Mestrado, Departamento de Fı́sica da UFPE, 1981).
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 459

e osciladores com transistores MESFET de GaAs, com a vantagem de permitir


a sintonia eletrônica da freqüência.

REFERÊNCIAS

H.N. Bertram, Theory of Magnetic Recording , Cambridge University


Press, Cambridge, 1994.
S. Blundell, Magnetism in Condensed Matter, Oxford Univ. Press, Oxford,
2001.
S. Chikazumi, Physics of Magnetism, John Wiley, New York 1964.
R.L. Comstock, Introduction to Magnetism and Magnetic Recording, John
Wiley, New York, 1999.
R. Dalven, Introduction to Applied Solid State Physics, Plenum Press, New
York, 1996.
J. Helszajn, Passive and Active Microwave Circuits , John Wiley, New York,
1978.
R.E. Hummel, Electronic Properties of Materials , Springer-Verlag, Berlin,
2001.
C. Kittel, Introduction to Solid State Physics, J. Wiley, New York, 1996.
B. Lax e K. Button, Microwave Ferrites and Ferrimagnetics, McGraw-Hill,

New York, 1962.


J.C. Mallinson, The Foundations of Magnetic Recording, Academic Press,
New York, 1987.
A.H. Morrish, The Physical Principles of Magnetism, IEEE Press, New York,
2001.
R.M. White, Introduction to Magnetic Recording, IEEE Press, New York,
1985.
460 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

PROBLEMAS

9.1 a) A partir da defini¸cão (9.9) do operador moment um angular, obtenha as


expressões para os operadores L2op e Lzop . b) Mostre que os orbit ais ψ110
e ψ 111 do átomo de hidrogênio são auto-estados dos operadores L2op e L zop
e que as equa¸cões de autovalores satisfazem as rela¸cões (9.10) e (9.11).
9.2 Aplique as regras de Hund para obter os estados fundamentais dos ı́ons
Ni2+ e Eu2+ e calcule os fatores g correspondentes.

9.3 Um
H = átomo
2 kOe. com S = a1/freq¨uência,
Calcule 2 e L = 0 éem colocado
GHz, num campo
do fóton magnético
emitido pela
transição de dipolo magnético entre os dois estados de spin no campo.
9.4 Uma substˆancia paramagnética é formada por 4 1022 cm−3 ı́ons
×
magnéticos com S = 2 e L = 0. Calcule a susceptibilidade magnética
da substância em T = 4 K e T = 300 K.
9.5 O ferro cristaliza na estrutura bcc, com parˆ ametro de rede a = 2, 87 Å.
Sabendo que o momento magnético do ferro é 2,22 µ B por átomo, calcule
sua magnetização de satura¸cão e compare com o valor da Tabela 9.2.
9.6 Sabendo que o ferro tem temperatura de Curie T c = 1.043 K, calcule seu
campo molecular e a constante de intercˆambio J1 .
9.7 Um ı́mã permanente tem a forma de um bastão cilı́ndrico de diâmetro
2 cm e comprimento 10 cm, com uma magnetização uniforme, paralela ao
eixo, de valor 4πM = 15 kG. Calcule o campo criado pelo ı́mã em pontos
ao longo de seu eixo, distantes 1 mm, 10 mm e 50 mm de uma das bases
do cilindro.
9.8 Umı́mã permanente tem a forma de um disco fino, com magnetiza¸ cão M 
uniforme e perpendicular ao plano. Calcule os campos B  eH  num ponto
externo ao disco, pr´oximo à superf´ıcie do pólo norte. Localize o ponto de
operação do ı́mã na curva da Figura 9.21.
9.9 Um eletromagneto tem um circuito magnético como o da Figura 9.22,
tendo um n´ucleo cilı́ndrico de diâmetro 10 cm, comprimento 120 cm e
entreferro 5 cm. Sabendo que o n´ucleo é de ferro e que o enrolamento
tem 200 espiras, calcule o campo em ponto próximo do centro da superf´
ıcie
do entreferro, produzido por uma corrente de 10 A.
9.10 Mostre que as fun¸cões ψ1 , ψ2 e ψ 3 dadas pelas Equa¸cões (9.63) e (9.65)
satisfazem a equa¸cão de Poisson (9.53) para o potencial magnético na
geometria da Figura 9.25, que representa uma fita magnética com um
sinal senoidal gravado.
Cap. 9 Materiais e Dispositivos Magnéticos 461

9.11 a) Calcule o comprimento de onda de um sinal de 1 kHz, gravado numa


fita magnética de velocidade 8 polegadas/seg. b) Calcule a distância da
fita na qual o campo criado por ela é 5 % do valor na superfı́cie.
9.12 Uma fita magnética com magnetização M = 500 emu/cm3 , espessura 15
µm e largura de trilha 1 mm, desliza com velocidade 8 polegadas/seg sob
uma cabeça de leitura de eficiência 0,8 com 20 espiras, mantendo uma
distância de 2 µm para a mesm a. Calcule: a) freqüência do sinal para o
qual a amplitude de reprodu¸cão é máxima; b) o valor do sinal de saı́da
nesta condição.
9.13 A partir das Equa¸cões (9.85) e (9.86), mostre que o tensor susceptibili-
dade magnética dinâmica de um ferrite é dado por (9.90) - (9.91).
9.14 Uma onda eletromagnética de freqüência 9,8 GHz propaga ao longo do
campo H  , num ferrite com parˆametros M = 300 emu/cm3 , g = 2, ∆ H =
100 Oe e  = 40 . a) Sendo a onda circularmente polarizada no sentido , −
calcule seu coeficiente de absor¸cão para H = 1 kOe e H = 3,5 kOe; b)
Calcule o coeficiente de absor¸cão nos mesmos campos do item a), caso a
onda seja circularmente polarizada no sentido +.
9.15 Se a onda do problema anterior for linearmente polarizada, calcule o
ângulo de rotação de Faraday, em rd/cm, nos dois valores de campo dados.
9.16 O campo magnético de microondas propagando num guia de onda retan-
gular, no modo fundamental, tem duas componentes:

− ikπ a h πx ikg z−iωt


hx = g
0sen
 e
a
πx
hz = h0 cos
  g
a eik z−iωt
onde z é a direção ao longo do guia, x é a direção transversal maior, a é
a largura do guia (na dire¸cão x ), h 0 é a amplitude do campo longitudinal
e k g e´ o módulo do vetor de onda na dire¸cão longitudinal, dado por
2 1/2
kg = ω 2
 − (πc/a)  /c
sendo c a velocidade da luz. Sabendo que no guia de banda X, a = 2,3 cm,
determine a distˆancia da parede lateral do plano onde deve ser colocada
a placa de ferrite num isolador de banda X, para opera¸ cão em 9,4 GHz.
462 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos
Capı́tulo 10

Outros Materiais Importantes


para a Eletrˆonica

10.1 Materiais Dielétricos 465

10.1.1 A PolarizaçãodosMateriais 466


10.1.2Capacitores 469
10.1.3 Materiais Piezoelétricos 473
10.1.4 Materiais Ferroelétricos 479
10.1.5Eletretos 481

10.2 Materiais Dielétricos para Opto-Eletrônica 484

10.2.1 Efeitos Eletro-Ópticos e Elasto- Ópticos 484


10.2.2 Materiais Ópticos Não-Lineares 487
10.2.3 Dispositivos Eletro-Ópticos de Guias de Onda 489

10.3 Materiais para Mostradores e Telas de Vı́deo 493

10.3.1 Materiais Cerâmicos Fosforescentes 493


10.3.2CristaisLı́quidos 501
10.3.3 Materiais OrgˆanicosCondutores 507

463
464 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

10.4 Materiais Supercondutores 514

10.4.1 Propriedades Magnéticas dos Supercondutores 517


10.4.2 A Fı́sica da Supercondutividade 520
10.4.3 JunçõescomSupercondutores 526
10.4.4 Aplicações 529

REFERÊNCIAS 531

PROBLEMAS 532
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 465

Outros Materiais Importantes


para a Eletrˆonica

Neste capı́tulo apresentamos as propriedades fı́sicas básicas e algumas


aplicações de certos materiais importantes para a eletrônica, não estudados nos
capı́tulos anteriores. Os materiais dielétricos encontram inúmeras aplicações
nesta área desde seu surgimento no inı́cio do século. Nas últimas décadas
estas aplicações tornaram-se mais diversificadas e sofisticadas com a descoberta
de novos materiais e fenˆomenos e com o desenvolvimento da opto-eletrˆonica.
Este também é o caso das cerˆ amicas fosforescentes, dos cristais lı́quidos e dos
condutores orgânicos, que encontram aplicações cada vez mais sofisticadas em
mostradores e telas de monitores de vı́deo. Por outro lado, os supercondutores
têm um grande potencial de aplicação, porém a concretização deste potencial

ainda depende do desenvolvimento de novos materiais.

10.1 Materiais Dielétricos

Como vimos no Capı́tulo 4, os materiais com um grande gap de energia en-


tre as bandas de valência e de condução, n˜ao têm elétrons nesta banda e
portanto são isolantes elétricos. Os isolantes têm grande importância para
a eletrônica, pois s˜ao necessários para montar ou isolar eletricamente fios e
partes de dispositivos e de circuitos. Os materiais mais usados nessas aplicações
são cerâmicas de ´oxidos inorgânicos, resinas e uma grande variedade de ma-
teriais poliméricos comumente chamados plásticos. Entretanto, os elétrons
livres não são os ´unicos responsáveis pela resposta dos materiais a um campo
elétrico externo. Em geral os isolantes têm ı́ons ou moléculas que, sob a¸
cão de
um campo externo, sofrem pequenos deslocamentos ou reorienta¸ cões. Desta
466 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

forma, mesmo sem produzir corrente elétrica, esses materiais apresentam uma
resposta ao campo elétrico. Eles são chamados materiais dielétricos, e en-
contram várias aplicações especı́ficas na eletrônica.

10.1.1 A Polarização dos Materiais

O comportamento dos materiais dielétricos num campo elétrico externo é de-


terminado pelas propriedades de seus dipolos elétricos microscópicos. Esses
dipolos podem ser permanentes, ou induzidos pelo campo elétrico externo.
Eles são produzidos pela separa¸cão entre as cargas positivas dos n´ucleos e as
negativas dos elétrons, nos átomos, ı́ons ou moléculas que formam o material.
Os materiais que têm dipolos elétricos microsc´opicos permanentes são chama-
dos polares, enquanto os que n˜ao têm dipolos permanentes são não-polares.
Quando o material é submetido a um campo externo, como este exerce forças
opostas sobre as cargas positivas e negativas, os dipolos s˜ ao orientados como
ilustrado na Figura 10.1. Como resultado, os dipolos criam um campo que se
superpõe ao campo externo e determinam a resposta dielétrica do material.
O dipolo elétrico criado pela separação de duas cargas de sinais opostos, q, ±
distantes uma da outra por um vetor deslocamento d, tem momento

p = q d . (10.1)

Macroscopicamente, a grandeza que representa o estado dielétrico de um



material é vetor polarização P . Ele é definido de forma an´aloga ao vetor

Figura 10.1: Orienta¸cão dos dipolos microsc´opicos sob a a¸cão de um campo elétrico.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 467

magnetização, sendo o momento de dipolo elétrico por unidade de volume,


1
P =
 pi , (10.2)
V i

onde o somat´orio é feito sobre todos os pontos i nos quais h´a dipolos mi-
croscópicos, no interior de um volume V . Como no caso magnético, V é
escolhido suficientemente grande para que ha ja uma boa média macroscópica,
porém pequeno em relação ao tamanho da amostra, de modo que P repre-
sente uma propriedade local. P está relacionado com o vetor campo elétrico
 e o vetor deslocamento D
Eunidades.  através de relações que dependem do sistema de
No Sistema Internacional,
D =  E + P ,
0 (10.3)

onde 0 = (4π 9 109 )−1 C2 /Nm2 é a permissividade do vácuo. Note que


× ×
a unidade C 2 /Nm2 é equivalente ao farad/metro. A unidade de e´ V/m, E
enquanto a de D e P e´ C/m 2 . No CGS 0 = 1, de modo que a rela¸ cão entre
os campos é,
 =  + 4π P .
D E (10.4)

Ao contrário do caso magnético, onde os sistemas SI e CGS s˜ao igual-


mente usados, no caso elétrico o sistema mais utilizado é o SI. Por esta raz˜ao,
não mais usaremos o CGS nesta se¸ cão. Vemos que co mo no v´acuo não h´a
dipolos, P = 0 e portanto D = 0  . A resposta de um dielétrico a um campo
E
elétrico pode ser expressa pela susceptibilidade elétrica χ, ou pela permissivi-
dade  . No caso dos dielétricos simples, o campo produz uma polariza¸cão P
E
na mesma dire¸cão, de modo que χ e  são escalares. Por defini¸cão,
P D
χ= , = . (10.5)
0
E E
A relação entre estas grandezas é obtida substituindo (10.5) em (10.3),
 =  0 (1 + χ) . (10.6)

Também é comum utilizar a permissibidade relativa, ou constante dielétrica,


definida por ε = /0 .

A resposta de um dielétrico a um campo externo varia com a freqüência


do campo. A forma tı́pica de varia¸cão da susceptibilidade χ(ω ) com a
freqüência está mostrada na Figura 10. 2. Nas regi˜oes do infravermelho
468 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 10.2: Variação da susceptibilidade de um dielétrico com a freqüência do campo


aplicado.

próximo, visı́vel e ultravioleta, a resposta é dominada pelas transi¸cões


eletrônicas nos átomos, como estudado nas se¸cões 8.2.2 e 8.3.1.

Na região do infravermelho, a principal contribui¸cão para χ(ω ) vem da


interação entre o campo e os ı́ons que formam o material. Esta contribuição
está ilustrada na Figura 10.3(a), que mostra o efeito de um campo elétrico
sobre os ı́ons de uma rede cristalina, representada p or uma cadeia linear. O
campo desloca os ı́ons de cargas + e −em sentidos opostos, produzindo um
movimento de vibração tı́pico do modo óptico, estudado na se¸cão 2.2. A sus-
ceptibilidade pode ser calculada usando um modelo semelhante ao da se¸ cão
8.2.2, e considerando que o campo interage com os ı́ons de carga + q e q . −
Com este modelo pode-se mostrar que a contribui¸cão dos ı́ons para a suscep-
tibilidade é,
Nq 2 /mr 0
χı́on (ω ) = 2 (10.7)
− −
ω0 ω 2 iω Γ

onde mr = M1 M2 /(M1 + M2 ) é a massa reduzida dos ı́ons com massa M1 e M2 ,


N e´ o número de células unitárias por unidade de volume, ω 0 é a freqüência an-
gular do modo ´optico em k = 0 e Γ é a taxa de amortecimento. A contribuição
iônica para a resposta dos materiais dielétricos é importante na região do in-
fravermelho, porque é nesta região que estão situadas as freq¨uências dos modos
ópticos de vibra¸cão da rede cristalina. A amplitude desta resposta é menor
do que a contribui¸cão dos elétrons na região visı́vel porque a massa dos ı́ons
é maior que a dos elétrons. É importante notar, entretanto, que embora a
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 469

Figura 10.3: Ilustra¸cão dos mecanismos de contribuição para a resposta de dielétricos a um


campo elétrico externo: (a) iônica; (b) dipolar.

contribuição dos elétrons, dada por (8.36), seja máxima na regi˜ao vis´
ıvel, ela
ainda é significativa em freqüências mais baixas. Como a contribuição iônica
soma-se à dos elétrons, χ não passa por zero na regi˜ao do infravermelho, como
mostrado na Fig. 10.2.

Em freqüências abaixo da região do infravermelho, a resposta dielétrica


de certos materiais contém uma contribuição dipolar que se soma `as compo-
nentes iônica e eletrˆonica. Isto ocorre em dielétricos que têm moléculas com
dipolos permanentes, como ilustrado na Figura 10.3(b). A aplicação do campo
tende a produzir uma rotação dos momentos de dipolo em sua direção. Embora

estaum
há tendência
momentoseja em parte
resultante nacontrabalançada pelo efeito da agita¸cão térmica,
dire¸cão do campo.

10.1.2 Capacitores

Uma das aplica¸cões mais tradicionais dos materiais dielétricos na eletrônica


é na construção de capacitores. A Figura 10.4 mostra um capacitor simpl es
formado por uma camada dielétrica entre duas placas metálicas paralelas. Uma
das funções básicas do capacitor é armazenar carga, e portanto energia elétrica.
Quando uma diferen¸ca de potencial V é aplicada entre as placas, um campo

elétrico é criado no sentido da placa + para a placa . Longe das bor das o
campo é uniforme, com intensidade = V /d, onde d e´ a distância entre as
E
placas. Como a capacitância do capacitor é C = Q/V , onde Q e´ o módulo
da carga em cada placa, para calcular C é preciso relacionar o campo elétrico
470 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 10.4: Capacitor de placas paralelas.

com a carga. Para isto utilizamos a forma integral da Eq.(2.1),


  da =
D ·
 ρdv = q (10.8)
S

onde ρ é a densidade de cargas livres, e q é a carga livre total no interior


do volume limitado pela superfı́cie fechada S. A aplicação da Eq.(10.8) a um
cilindro contendo uma base no interior de uma das placas met´ alicas e a outra
no dielétrico (onde não há cargas livres) d´a,
Q
D=σ= (10.9)
A
onde σ é a densidade superficial de cargas livres na superf´ıcie interna da placa
metálica positiva, cuja ´area é A. A partir des te resultado pode- se obt er a
capacitância em fun¸cão das dimens˜oes do capacitor e da permissividade  do
dielétrico.
C=
σA  A
= =
E A
. (10.10)
V V d
Note que como  > 0 , a presen¸ca do dielétrico aumenta a capacitância em
relação ao seu valor com ar entre as placas. Para compreender melhor o papel
do dielétrico no capacitor, vejamos o comportamento da polarização. O vetor
P é criado pelo campo  , e portanto é dirigido da placa + para a placa . Nesta
E −
situação os dipolos microsc´opicos induzidos pelo campo est˜ao uniformemente
distribu´ ıdos e dirigidos para baixo. Em conseqüência, as cargas que formam os
dipolos se cancelam no interior do dielétrico. Entretanto, nas duas superf´ıcies
este cancelamento não ocorre, resultando na forma¸cão de cargas superficiais.
Elas são chamadas cargas de polariza¸cão e resultam da descontinuidade de
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 471

P na superfı́cie. Note que as cargas s˜ao negativas na superfı́cie de cima do


dielétrico e positivas na superfı́cie de baixo, por conta do sentido de cima para
baixo dos dipolos n˜ao compensados. Por esta razão elas também são chamadas
de cargas de despolariza¸cão.

Formalmente estas cargas podem ser introduzidas a partir de uma


equação semelhante a (2.1), ou de sua forma integral. Sendo ρp a densidade
volumétrica de carga de polarização, temos:

P = ρ , P da = ρ dv . (10.11)
∇· − p
 S · −  p

A aplicação da forma integral de (10.11) a um cilindro com uma base no


interior da camada dielétrica e outra fora, mostra que o módulo da densidade
superficial de carga de polariza¸cão é σp = P . Finalmente, a rela¸cão entre a
carga de polariza¸cão e o campo elétrico, obtida substituindo (10.3) e (10.11)
em (2.1) é,
0  = ρ + ρp = ρt ,
∇· E (10.12)
onde ρ t é a densidade de carga total, resultante da soma das cargas livres e de
polarização. A integral de (10.12) leva `a

0
 E· 
 da = (ρ + ρp )dv = q t . (10.13)
S

Esta é a lei de Gauss para o campo elétrico na presen¸


ca de materiais dielétricos.
O campo é criado pela soma das cargas livres e de polarização, como se elas
E
estivessem no vácuo. A importância deste resultado para o capacitor vem do
fato de que as cargas de polarização têm o sinal oposto ao das cargas livres. Em
conseqüência, para uma certa carga Q no capacitor, a presen¸ca do dielétrico
E
resulta num campo menor do que haveria sem ele. Isto produz uma menor
diferença de potencial V e, portanto, uma maior capacitˆancia.

Diversos materiais dielétricos são utilizados para fazer capacitores. Como


vimos no Capı́tulo 7, nos circuitos integrados são utilizados óxidos dos próprios
semicondutores empregados para fabricar os circuitos. Um tipo comum de
capacitor utilizado no passado era o capacitor de papel. Ele era feito por duas
lâminas de alumı́nio intercaladas com folhas de papel encerado. O conjunto era
enrolado para formar um pequeno cilindro e, depois da soldagem de terminais
às lâminas de alumı́nio, encapsulado.

Um tipo de capacitor muito comum atualmente é o eletrol´ ıtico. No pas-


sado o capacitor eletrolı́tico utilizava como dielétrico um l´ıquido, ou uma pasta,
472 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

de solução eletrolı́tica. Posteriormente eles foram substituı́dos por um filme


óxido, depositado sobre uma folha de alumı́nio, ou de tˆantalo, através da
eletrólise de uma solu¸cão eletrol´ıtica. Nesta técnica, após a formação do filme
na espessura desejada, a solu¸cão lı́quida é removida. A superf´ıcie do filme é
então coberta com uma camada met´ alica, formando a segunda placa do ca-
pacitor. O conjunto é finalmente enrolado na forma de um cilindro. O filme
pode ser feito com espessuras bastante reduzidas, na faixa de 10-100 Å, possi-
bilitando obter capacitâncias na faixa 1-10 5 µF.

Dois dielétricos bastante utilizados em capacitores eletrolı́ticos são o


óxido de alumı́nio e o óxido de tˆantalo. Esses óxidos são facilmente forma-
dos sobre as folhas dos metais correspondentes. Além de terem permissividade
relativa razoavelmente alta, estes materiais têm valores elevados de campo
E
elétrico de ruptura r . Esta grandeza, também chamada rigidez dielétrica ,
é o m´ E
aximo valor de suportado pelo dielétrico e que limita o máximo valor
de V . No caso de ´oxido de tântalo ε 28 e r 108 V/m.
 E
Finalmente, há várias cerâmicas utilizadas como dielétricos em capaci-
tores, possibilitando obter capacitâncias numa extensa faixa de val ores. A
vantagem das cerâmicas em rela¸cão aos ´oxidos é sua resistividade muito mais
elevada. Em conseqüência, os capacitores de cerâmica têm perda muito menor
que os eletrolı́ticos. A Tabela 10.1 apresenta os principais parâmetros de alguns
dielétricos importantes para eletrônica.

Material ε Er (106 V/m)

Baquelite 4,8 12
Mica 5,4 160
Óxido de alum´ınio (A2 O3) 10
Óxido de tˆantalo (Ta2 O5 ) 28 100
Óxido de Titˆanio (Ti O3 ) 94 6
Papel 3,5 14
Porcelana 6,5 4
Quartzo fundido (SiO2 ) 3,8 8
Teflon(PFTE) 1,9 60

Tabela 10.1: Permissividade relativa ε = / 0 em baixas freq¨uências e rigidez dielétrica E r


de alguns materiais dielétricos à temperatura ambiente.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 473

10.1.3 Materiais Piezoelétricos

Piezoeletricidade é a propriedade que alguns dielétricos têm, de desenvolver


uma polariza¸cão quando submetidos a uma tens˜ao mecânica. A polarização
produzida pela tensão cria cargas de polariza¸cão e, portanto, um campo
elétrico. Reciprocamente, a aplicação de um campo elétrico num material
piezoelétrico resulta numa deformação mecânica (chamado efeito piezoelétrico
reverso). Nos dois casos, a mudança no sentido da perturba¸cão produz uma
inversão no sentido do efeito. Estes fenômenos foram descobertos no final do
Século XIX por Pierre Curie, que cunhou o nome piezoeletricidade ao efeito
(piezo significa pressão).

A Figura 10.5 mostra, através de um modelo bidimensional, como a


compressão de um cristal induz um momento de dipolo elétrico na direção
da deformação. No cristal sem deformação, em (a), os três dipolos formados
pelo ı́on A e seus vizinhos (cada carga e e´ repartida em três) têm momento
±
total nulo. Entretanto, quando o cristal é deformado como indicado em (b),
os ângulos entre os dipolos produzem um momento resultante na dire¸ cão da
deformação.

É importante observar que não pode existir piezoeletricidade em cristais

Figura 10.5: Ilustração da srcem da piezoeletricidade: (a) No cristal em equilı́brio o mo-


mento de dipolo elétrico total é nulo; (b) o dipolo elétrico resultante da deforma¸
cão mecânica
não é nulo.
474 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

com centro de simetria de invers˜ao. Esta propriedade po de ser demonstrada


genericamente a partir de rela¸cões de simetria ent re os campos. Fisicamente
ela pode ser compreendida com o modelo bidimensional da Figura 10.6. Veja
que na rede quadrada com simetria de invers˜ao, o momento de dipolo elétrico
resultante é nulo, tanto na situação de equilı́brio em (a), quanto na rede de-
formada em (b). A piezoeletricidade n˜ao é restrita aos isolantes. Ela também
ocorre em diversos semicondutores, tais como CdS e ZnO.

A aplicação de uma tens˜ao mecânica em certa dire¸cão do cristal resulta,


em geral, numa polariza¸cão em dire¸cão diferente. Assim, as relações entre as
várias grandezas envolvidas na piezoeletricidade são tensoriais. Entretanto, em
algumas direções particulares dos cristais, os vetores est˜ao na mesma dire¸cão.
Neste caso as rela¸cões são escalares e podem ser escritas na forma,
P = d T + 0 χ E (10.14)

R = sT +d E (10.15)

E
onde T é a tensão aplicada ao material (força por unidade de área), é o campo
aplicado, P é a polarização induzida e R é a deformação por unidade de com-
primento resultante. As constantes d, s e χ são parâmetros caracter´ ısticos de
cada material. A constante d é a que caracteriza a piezoeletricidade, pois rela-
ciona a polarização induzida com a tensão mecânica aplicada, ou a deformação
produzida por um campo elétrico aplicado. Como R e´ adimensional, d tem a
unidade inversa do campo elétrico, m/V no SI, ou cm/statvolt no CGS. Na rea-
lidade, cada material tem várias constantes piezoelétricas d αβγ , relacionando a
polarização induzida na dire¸cão α com a componente β γ do tensor que carac-
teriza a tens˜ao mecânica (força por unidade de ´area). Como α pode assumir
3 valores e βγ pode assumir 3 ×
3 valores, o tensor piezoelétrico pode ter 27

Figura 10.6: Demonstração da ausência de piezoeletricidade em cristais com centro de sime-


tria de inversão.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 475

componentes. Entretanto, devido à simetria do cristal, vários componentes são


iguais entre si e v´arios são nulos, de modo que somente alguns s˜ao relevantes.

Atualmente são conhecidos cerca de mil materiais piezoelétricos, porém


as aplicações práticas são dominadas por apenas alguns deles. As constantes
piezoelétricas e dielétricas dos materiais mais importantes estão apresentadas
na Tabela 10.2. Um dos cristais piezoelétricos mais tradicionais é o quartzo
(SiO2 ), cuja constante piezoelétrica longitudinal é d 11 = 2 10−12 m/V. Para
×
ter uma idéia do significado deste valor, consideremos um disco de quartzo de
espessura  = 1 mm, submetido a uma diferen¸ca de potencial V = 100 Volts.
A variação ∆ na espessura do disco, dada por (10.15)
∆ V
=d (10.16)
 
−10
é de apenas ∆ = 2 × 10 m = 2 Å.

Nos materiais genuinamente piezoelétricos, a polarização é nula na


ausência de tensão mecânica ou campo elétrico externo, como mostra a
Eq.(10.14). Há uma outra classe de materiais, que será apresentada na próxima
seção, nos quais existe uma polariza¸cão espontânea na ausência de campos ex-
ternos. Eles são chamados materiais ferroelétricos e, como ser´a mostrado
na próxima seção apresentam efeito piezoelétrico. Os materiais ferroelétricos
e piezoelétricos mais importantes para aplicação em eletrônica são o niobato
de lı́tio, o titanato de bário e o titanato de chumbo e zircˆonio, este conhecido
como PZT, cujos parâmetros estão na Tabela 10.2. O PZT é em geral utilizado

−12
Material d (10 m/V) ε

Piezoelétricos genuı́nos
Quartzo (SiO2 ) -2,3 4,5
Turmalina -3,7 6,3
KDP (KH 2 PO4 ) 21 40

Ferroelétricos
Titanato de b´ario (BaTiO 3 ) 390 2.900
PZT (Pb 0,5 Zr0,5 TiO3 ) 370 1.700

Tabela 10.2: Valores das maiores componentes do tensor constante piezoelétrica e constante
dielétrica de materiais piezoelétricos importantes.
476 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

na forma de cerˆamica policristalina, sinterizada num campo elétrico externo.


A aplicação do campo durante o processo de resfriamento produz um alinha-
mento dos grãos cristalinos ao longo de um certo eixo cristalogr´ afico, fazendo
com que o material apresente efeito piezoelétrico macroscópico. A cerˆamica de
PZT é muito utilizada atualmente por causa do valor elevado de sua constante
piezoelétrica, d33 = 3, 7 10−10 m/V, cerca de duzentas vezes maior que a do
×
quartzo.

Uma aplicação importante dos materiais piezoelétricos é na fabricação de


transdutores eletromecânicos para a geração de ondas el´asticas, como ilustrado
na Figura 10.7. Nas aplicações em baixas freq¨uências (até dezenas de kHz) o
material mais usado em transdutores é o PZT, enquanto que em freqüências

mais altas ( 1 MHz) o quartzo cristalino é o mais empregado. O transdutor
é formado por um disco, ou uma placa retangular, de PZT ou quartzo, com
as duas faces cobertas por filmes met´alicos. A cobertura met´alica de uma das
faces é estendida para a borda lateral para permitir o contato elétrico com
um fio externo. A aplicação de uma diferen¸ca de potencial entre os eletrodos
cria um campo elétrico no material piezoelétrico, resultando numa deformação
mecânica. Quando o transdutor é colocado em contato com um outro material
qualquer, a aplica¸cão de uma tens˜ao ac gera uma onda el´astica no material.
Esta técnica é empregada para gerar ondas de ultrassom, utilizadas em equipa-
mentos médicos, cientı́ficos e industriais. As ondas de ultrassom refletidas são
convertidas em sinal elétrico por um outro transdutor de recepção, ou pelo
próprio transdutor de transmissão.

Figura 10.7: (a) Transdutor piezoelétrico de PZT; (b) Utilização do transdutor para gerar
uma onda de ultrassom.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 477

Embora o quartzo tenha um efeito piezoelétrico muito menor que o PZT,


ele encontra várias aplicações importantes na eletrônica por conta de sua baixa
perda acústica. Esta propriedade faz com que um bloco de quartzo cristalino
seja um ´otimo ressoador mecˆanico, com uma taxa de amortecimento muito
pequena. A aplicação de um pulso de tens˜ao no bloco provoca uma vibra¸cão
mecânica, que por sua vez cria uma tens˜ao elétrica oscilante através do efeito
piezoelétrico. Assim, o bloco de quartzo com filmes metálicos em duas faces
opostas, é eletricamente equivalente a um circuito ressonante paralelo RLC. As
freqüências de vibração dependem das dimens˜oes e do forma to do bloco . No

caso de uma placa


corresponde a umafina
ondacomac´faces paralelas,
ustica o modo
estacionária, fundamental
refletindo de ressonância
sucessivamente nas
duas faces, tendo comprimento de onda igual ao dobro de espessura da placa.
Assim, sendo  a espessura da placa e v a velocidade da onda ac´ustica na
direção perpendicular `a face, a freq¨uência de oscilação é,
v
ν= . (10.17)
2
A velocidade da onda depende da dire¸ cão cristalográfica do corte do cristal.
Para o chamado corte X no quartzo, v 5, 4 103 m/s. Então, um cristal com
 ×
espessura 1 mm neste corte, oscila com freq¨uência 2,7 MHz. Por causa desta
oscilação ressonante, a varia¸cão na espessura é muito maior que na situação
dc, dada por (10.16).
Os cristais de quartzo são utilizados para sincronizar osciladores
eletrônicos de relógios, computadores, transmissores e receptores de rádio e TV.
O oscilador consiste de um circuito amplificador com realimentação, tendo no
lugar do circuito ressonante RLC uma pequena placa de quartzo, com contatos
metálicos nas duas faces opostas. A Figura 10.8 mostra o sı́mbolo do circuito do
cristal de quartzo e seu circuito elétrico equivalente. Os osciladores de quartzo
apresentam duas vantagens em relação aos circuitos RLC: em freq¨uências da
ordem de alguns MHz, eles têm perdas muito menores, e em conseqüência têm
fator de qualidade da ressonˆancia muito maior (no circuito RLC o fator de
qualidade é Q = ωL/R); a estabilidade da freq¨uência de ressonância do cristal
de quartzo é muito mais elevada que no circuito RLC.

Finalmente, uma outra aplicação importante dos materiais piezoelétricos


é nos dispositivos de ondas acústicas de superf´ıcie, SAW (Surface Acoustic
Wave). O dispositivo SAW mais simples, mostrado na Figura 10.9 é formado
basicamente por uma lˆamina de quartzo ou de niobato de lı́tio, tendo uma
das superfı́cies polidas, sobre a qual são feitos dois transdutores interdigitais.
Cada transdutor consta de um filme met´alico, depositado sobre a lˆamina do
substrato, tendo a forma de dois pentes com os dentes (ou dedos) intercala-
478 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 10.8: (a) Sı́mbolo de circuito de cristal oscilador de quartzo; (b) Circuito elétrico
equivalente.

dos. Uma tensão ac aplicada entre os dois terminais do transdutor, produz


uma perturbação elástica na regi˜ao próxima à superfı́cie. Isto gera uma onda
acústica que propaga na lˆamina, confinada a uma camada superficial, com
velocidade próxima a das ondas de volume. Esta onda ac´ustica de superf´ıcie
é detetada pelo segundo transdutor, que converte o sinal acústico em sinal
elétrico. Como dois dentes vizinhos têm polaridades opostas, a eficiência do
transdutor é máxima para a freq¨uência cujo comprimento de onda acústica é
o dobro da distˆancia entre eles. A tecnologia SAW é utilizada para fabricar
diversos dispositivos de processamento de sinais com freq¨ uência na faixa de
dezenas ou centenas de MHz, como linhas de atraso e filtros. Antes do ad-
vento desta tecnologia, esses dispositivos eram volumosos, feitos por séries de
circuitos sintonizados de capacitores e indutores discretos. O desenvolvimento
dos dispositivos SAW possibilitou a miniaturização e a integra¸cão de circuitos
de VHF e UHF.

Figura 10.9: Dispositivo de onda ac´ustica de superfı́cie-SAW.


Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 479

10.1.4 Materiais Ferroelétricos

Materiais ferroelétricos são aqueles que apresentam polariza¸cão espontânea,


na ausência de campos externos. Esta polarização espontânea tem srcem no
momento de dipolo elétrico que surge na célula unit´
aria, em decorrência de um
deslocamento do centro das cargas positivas em rela¸ cão ao centro das cargas
negativas. Este deslocamento resulta de uma p equena distorção na estrutura
cristalina, que ocorre abaixo de certa temperatura crı́tica, visando minimizar
a energia do sistema. A Figura 10.10 mostra a célula unit´aria de titanato
de bário (BaTiO3 ), indicando o deslocamento dos ı́ons positivos que produz o
momento de dipolo elétrico.

Exemplo 10.1: Calcule o deslocamento do ı́on de Ti 4+ em relação ao centro da célula unitária


no BaTiO 3 , sabendo que em T = 300 K sua polariza¸ cão espontânea é Ps = 0, 26 C/m 2 e que o
parâmetro de rede é a 4 Å.

Como a polariza¸cão é o momento de dipolo elétrico por unidade de volume, o momento da
célula unitária é,

p = P s a 3 = 0, 26 × (4 × 10 −10
)3 = 1, 66 × 10−29
Cm .

Como a carga total dos ı́ons de Ba2+ e Ti4+ no interior da célula é 6e, este momento de dipolo é
resultante de um deslocamento dado por

p 1, 66 10−29
×
δ= = m  0, 17 Å ,
6e 6 1, 6 10−19
× ×
Note que o deslocamento é muito menor que as dimensões da célula.

A polarização espontânea nos materiais ferroelétricos desaparece acima


de uma certa temperatura T c , a semelhança do que ocorre com a magnetiza¸cão
nos ferromagnetos. Tc também é chamado temperatura de Curie. No caso de
BaTiO3 , Tc = 393 K. Outro material ferroelétrico importante, o niobato de
lı́tio, LiNbO3 , tem Tc = 1470 K. A polarização dos materiais ferroelétricos pode
ser alterada pela aplica¸cão de um campo externo . Aqui também há uma E
semelhança com o caso ferromagnético, pois a variação de P com segue um E

ciclo de histerese como o de M H . No caso de monocrist ais, a curva tem uma
forma retangular, mostrada na Figura 10.11(a), que lembra o ciclo de histerese
de ı́mãs permanentes. O material mantém uma polarização remanente Pr ,
de valor pr´oximo ao da satura¸cão, depois que o campo e´ retirado. Para E
480 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 10.10: Célula unitária do BaTiO3 , com a indicação do deslocamento dos ı́ons positivos
que produz o momento de dipolo elétrico.

aplicações nas quais o campo E


e´ variável, o loop retangular é indesejável,
pois a varia¸cão de P é discreta e porque a perda de energia é grande. Isto
pode ser contornado com a prepara¸cão de materiais cerˆamicos, formados por
grãos cristalinos alinhados. O alinhamento é obtido através da aplicação de
E
um campo externo durante o processo de resfriamento. Este processo resulta
num ciclo de histerese fino e alongado, como mostrado na Fig.10.11(b).

Os materiais ferroelétricos são utilizados em três situações distintas:


aplicações que requerem dielétricos de alta permissividade; aplicações baseadas
no ciclo de histerese retangular; e como materiais piezoelétricos. A propriedade
que todo material ferroelétrico tem em ser piezoelétrico pode ser compreendida
através da Figura 10.12. Em (a) vê-se um modelo bidimensional de material

Figura 10.11: Ciclos de histerese de materiais ferroelétricos: (a) ciclo retangular observado
em cristais; (b) ciclo alongado em cerˆamicas policristalinas alinhadas.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 481

Figura 10.12: Ilustração do efeito piezoelétrico em cristais ferroelétricos: (a) Cristal em


repouso; (b) Cristal sob tens˜ao mecânica apresentando variação ∆p no momento de dipolo
elétrico.

ferroelétrico, no qual existe um momento de dipolo elétrico devido ao desloca-


mento entre os centros das cargas positivas e negativas. Em (b) está mostrado
o cristal deformado pela aplica¸cão de uma tens˜ao mecânica externa. Vemos
que a deforma¸cão resulta numa variação ∆p no momento de dipolo elétrico da
célula unitária, produzindo portanto uma polariza¸cão no material.

10.1.5 Eletretos

Uma classe especial de materiais dielétricos, com propriedades que se asseme-


lham as dos ferroelétricos, é a dos eletretos. O eletreto é formado por um
material dielétrico no qual são depositadas cargas elétricas positivas e negati-
vas. As cargas p ermanecem aprisionadas, próximas das superfı́cies ou no vo-
lume, gerando uma polariza¸cão macroscópica e, portanto, um campo elétrico.
A Figura 10.13 ilustra v´arias formas de aprisionamento de cargas em eletre-
tos. Em (a) as cargas negativas aprisionadas na superfı́cie de cima, induzem
o aparecimento de cargas de compensa¸cão no filme met´alico da superfı́cie de
baixo. Estas cargas de compensa¸cão permanecem no filme pois n˜ao conseguem
passar pela barreira de potencial entre o metal e o dielétrico. A situa¸cão em
(b) é semelhante a de (a), porém as cargas negativas estão aprisionadas na

superfı́cie e no interior. Em (c) as cargas + e estão no interior do material,
formando domı́nios que se comportam como dipolos elétricos.
482 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 10.13: Ilustração de alguns tipos de eletretos. Em (a) e (b) a superfı́cie de baixo está
metalizada.

Uma diferença básica do eletreto para o ferroelétrico, é que sua pola-


rização decai gradualmente no tempo, ou seja, n˜ ao é permanente. Isto re-
sulta do fato das cargas serem colocadas artificialmente, gerando um estado
metaestável. As cargas permanecem aprisionadas em poços de potencial locais,
mas podem ser liberadas através da ativação térmica. O tempo de decaimento
das cargas depende do material hospedeiro, das condições de preparação do ele-
treto, e da temperatura. Sendo ∆ E a altura média das barreiras de potencial
que aprisionam as cargas, o tempo de decaimento das cargas é
τ = τ0 e −∆E/k B T (10.18)

onde τ 0 é um tempo caracter´


ıstico do material e das condições de prepara¸cão.
Vemos então que o tempo de decaimento das cargas diminui com o aumento
da temperatura. Assim, `a medida que T aumenta, a polariza¸cão diminui gra-
dualmente, sem uma transição de fase definida como ocorre nos materiais fer-
roelétricos. O tempo de decaimento a temperatura ambiente pode variar desde
alguns segundos até dezenas ou centenas de anos. Portanto, embora a pola-
rização dos eletretos n˜ao seja permanente, para efeitos pr´aticos os materiais
com τ 100 anos comportam-se como se fossem est´aveis.

Os eletretos podem ser feitos com uma enorme gama de materiais,
preparados através de diversas técnicas de carregamento. Os primeiros ele-
tretos estudados foram as ceras vegetais, como a carna´ uba. Muitos trabalhos
pioneiros nesta ´area foram realizadas no Brasil, inicialmente na década de
1940 por Bernard Gross, no Rio de Janeiro, e mais tarde pelo grupo de Ser-
gio Mascarenhas, em S˜ao Carlos. Muitos materiais formam eletretos bastante
estudados, tanto substâncias orgânicas como antraceno, naftaleno e pol´ımeros
diversos, quanto inorgânicos, como quartzo, enxofre e cristais iônicos. Tamb´
em
há diversos eletretos de materiais biol´ogicos, chamados bioeletretos, como os-
sos, dentes, tecidos, proteı́nas, etc. Dentre os métodos de carregamento, os
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 483

Figura 10.14: Se¸cão transversal de microfone de eletreto simples.

mais importantes s˜ao: descarga elétrica no ar a partir de uma ponta de alta


tensão pr´oxima à superfı́cie do material; radiações ionizantes diversas como
raios-X, raios-gama, partı́culas alfa, e ultravioleta.

Os eletretos importantes para eletrônica são filmes de pol´ımeros, princi-


palmente dois tipos de teflon: propileno de polifluoretileno (FEP) e polite-
trafluoretileno (PTFE). Eles s˜ao feitos na forma de filmes com espessura de
10-50 µm, metalizados por evapora¸cão em uma ou nas duas superfı́cies. As
cargas são produzidas por descarga de alta tens˜ao, tendo densidades na faixa
10−4 10−2 C/m2 e tempo de decaimento τ 109 s ( 32 anos).
− ∼ ∼
A maior aplica¸cão desses materiais na eletrˆ onica é como transdutores

eletrostáticos
sensı́veis e sãopara microfones.
produzidos Os microfones
a custo muito baixo.deConseq¨uentemente,
eletreto s˜ ao pequenos,
elesmuito
estão
substituindo com grande vantagem os microfones magnéticos tradicionais uti-
lizados em telefones e em equipamentos de áudio diversos, e encontrando novas
aplicações. A Figura 10.14 mostra a se¸cão transversal de um microfone de ele-
treto simples. Ele consiste de um diafragma forma do por um filme de teflon
(FEP ou PTFE) com espessura da ordem de 20 µm, tendo a superf´ıcie superior

coberta por um filme metálico (espessura 500-1000 Å). O filme de teflon, con-
tendo carga superficial como na Figura 10.13 (a), é montado sobre uma placa
metálica, apoiado sobre espa¸cadores que deixam uma camada de ar com certa
espessura. Quando uma onda de som atinge o diafragma, produz neste uma
deflexão que faz variar a espessura da camada de ar. Assim, o campo elétrico
existente entre o filme e a placa met´alica produz uma varia¸cão na tens˜ao de
saı́da proporcional à deflexão no diafragma. Com algumas modifi cações em
relação ao esquema da Fig.10.14, os microfones de eletreto adquirem maior
estabilidade e melhor resposta de freq¨uência.
484 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

10.2 Materiais Dielétricos para Opto-Eletrônica

Os dipositivos opto-eletrˆonicos apresentados no Capı́tulo 8 têm como função


primordial a conversão de um sinal elétrico em sinal óptico, ou vice-versa. O
desenvolvimento da opto-eletrônica levou `a criação de dispositivos de proces-
samento direto do sinal ´optico, evitando a necessidade de sua convers˜ao em
sinal eletrônico, o processamento deste, e a conversão de volta ao sinal ´optico.
Esses dispositivos têm rapidez de resposta muito maior que aqueles que em-
pregam a conversão em sinal eletrˆonico e também menor perda de inserção, e
formam a base da fotˆonica. A opera¸cão de vários destes dispositivos é baseada
em propriedades ópticas de materiais dielétricos que apresentaremos a seguir.

10.2.1 Efeitos Eletro- Ópticos e Elasto- Ópticos

Estes dois efeitos têm uma forte analogia com o efeito piezoelétrico, estudado
na seção anterior. Quando um campo elétrico macroscópico é aplicado a um
material dielétrico, ele atua nos momentos de dipolo elétrico, podendo produzir
efeitos macroscópicos. A a¸cão do campo nos dipolos iˆ onicos resulta numa
deformação da rede cristalina, e portanto no efeito piezoelétrico inverso. Por
outro lado, a a¸cão do campo nos dipolos eletrˆ onicos, produz uma altera¸cão
na constante dielétrica óptica do material, dando srcem ao efeito eletro-
óptico. Esta alteração tem srcem principalmente na varia¸ cão dos nı́veis de
energia eletrônica produzida pelo campo externo, conhecida como efeito Stark.
Esta
vimosvariação resulta8,numa
no Capı́tulo esta mudança da constantedas
depende diretamente dielétrica
energiasóptica,
das pois como
transições
eletrônicas.

Do mesmo modo que a piezoeletricidade, o efeito eletro-´ optico só é ob-


servado em materiais que n˜ao têm centro de simetria de inversão. Por esta
razão, os cristais piezoelétricos também s˜
ao eletro-ópticos. Como a constante
dielétrica de um cristal é caracterizada por um tensor com 9 componentes, en-
quanto o campo elétrico aplicado pode ter 3 componentes, a relação entre eles
envolve um tensor de 27 componentes. Para evitar complicações algébricas,
vamos supor que o tensor eletro-´optico é dominado por uma de suas compo-
E
nentes. Neste caso, a rela¸cão entre o campo elétrico aplicado e a varia¸cão
na constante dielétrica óptica ε relevante toma a forma



1
=r E (10.19)
ε
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 485

onde r é a constante eletro-óptica. Note que como ε é adimensional, r tem


a unidade inversa do campo elétrico, sendo então m/V no SI. A mudan¸ca da
constante dielétrica produzida pelo campo elétrico produz uma variação do
ı́ndice de refração n do material. Como ε = n 2 , a variação de n com o campo
aplicado é dada por

∆n = − 12 n r E
3
. (10.20)

Os principais
piezoelétricos, devido cristais
à questãoeletro-ópticos
da simetria, j´asão também A
mencionada. os Tabela
principais
10.3
apresenta os ı́ndices de refração e os valores das maiores compoentes do ten-
sor eletro-óptico de alguns desses materiais. No caso de LiNbO 3 , n = 2, 29 e
r = 3, 26 10−11 m/V para luz visı́vel no comprimento de onda λ = 633 nm.
×
Por conseguinte um campo E
= 10 V/m aplicado neste material produz uma
mudança no ı́ndice de refração de apenas ∆ n = 1, 96 10−4. Apesar de ×
pequena, esta varia¸cão é suficiente para produzir efeitos macroscópicos que
possibilitam a construção de dispositivos eletro-´opticos.

O efeito elasto-óptico, também chamado fotoelástico , é o fenômeno


pelo qual a deformação elástica de um material resulta numa variação da cons-
tante dielétrica óptica, e portanto noı́ndice de refração. Este efeito tem srcem
nas variações dos nı́veis de energia eletrônica resultantes da mudança no campo
elétrico cristalino, produzida pela deformação da rede. Embora este efeito
também seja caracterizado por um tensor, para simplificar vamos considerar

Material λ (nm) n r (10−12 m/V)

BaTiO3 514 2,44 820,0


CdTe 1000 2,84 4,5
GaAs 1150 3,43 1,43
KDP 514 1,51 10,6
LiNbO3 633 2,29 32,6
Quartzo 514 1,54 0,53
Ti:LiNbO3 1500 2,20 31,0

Tabela 10.3: Índice de refração ordinário n e principal constante eletro-óptica r e em alguns


materiais, medidos no comprimento de onda λ indicado.
486 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

apenas o caso simples da rela¸cão envolvendo a maior variação.


1
=pR (10.21)
ε

onde p é a constante fotoelástica e R é uma componente do tensor deformação,


definido como a varia¸cão na dimens˜ao do material numa certa dire¸ cão, por
unidade de comprimento. Como ε e R são grandezas adimensionais, a cons-
tante fotoelástica também o é. A Tabela 10.4 apresenta o valor da principal
constante fotoelástica e o ı́ndice de refração de algun s materiais. Note que
quartzo fundido, fluoreto de l´ıtio, rutila e outros materiais da Tabela 10.4 têm
simetria de inversão e apresentam efeito fotoelástico. A raz˜ao disto é que o ten-
sor foto-elástico é caracterizado por componentes com quatro ı́ndices, pαβγδ.
Neste caso, não é necessário que o material não tenha simetria de inversão para
que algumas componentes de p αβγδ sejam diferentes de zero.

Do mesmo modo que no efeito eletro-´optico, o efeito elasto-óptico resulta


numa variação do ı́ndice de refração n da luz, dada por

∆n = − 12 n 3
pR . (10.22)

Num material piezoelétrico, o efeito elasto-óptico pode dar srcem a um


efeito eletro-óptico. A aplicação de um campo produz uma deforma¸cão R,
E
dada por (10.15), que por sua vez resulta numa varia¸ cão no ı́ndice de refração
dada por (10.22). Cobinando estas equações, vemos que a constante eletro-
óptica
de d e resultante deste10.2
p das Tabelas efeito
e 10.4 d˜ ao érr== 4d, 6p. No
indireto 10caso
−13 de quartzo, os valores
× m/V, um valor menor
que o da constante eletro-´optica da Tabela 10.3. Este resultado, obtido aqui

Material n p

LiNbO3 2,25 0,15


LiF 1,39 0,13
Rutila TiO 2 2,60 0,05
Safira (A2 O3 ) 1,76 0,17
Quartzo fundido 1,46 0,20

Tabela 10.4: Índice de refração médio e principal constante fotoelástica na regi˜ao vis´ıvel em
alguns dielétricos.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 487

para o quartzo, vale para outros mate riais. Isto significa que o efeito eletro-
óptico direto, produzido pelas variações da estrutura eletrônica causadas pelo
campo elétrico, é maior que o efeito indireto, resultante da combinação da
piezoeletricidade e da fotoelasticidade.

A variação do ı́ndice de refração produzida pelos efeitos eletro- e elasto-


ópticos, dá srcem a v´ arios fenômenos de interesse, tanto cientı́fico quanto
tecnológico. Um dos fenˆomenos mais evidentes é a birrefringência induzida
por um campo, ou por uma deforma¸ cão externa. Quando uma onda elet ro-
magnética propaga num material, tendo componentes de polarização em duas
direções perpendiculares, seu comportamento é influenciado pelos ı́ndices de
refração nessas duas dire¸cões. Como a dire¸cão de mudança do ı́ndice depende
da direção da perturba¸cão externa e das caracterı́sticas do material, o efeito
eletro-, ou elasto-´optico, pode produzir variação do ı́ndice em apenas uma
direção. Assim, se o material em equilı́brio é isotrópico, a perturba¸cão re-
sulta em ı́ndices diferentes nas duas direções. Esta birrefringência causa uma
variação na polariza¸cão da onda, que pode ser controlada pela perturba¸ cão
externa, seja ela um campo elétrico ou uma deformação no mat erial. Este
fenômeno encontra diversas aplicações em Óptica. Na Seção 10.2.3 apre-
sentaremos alguns dispositivos opto-eletrˆonicos cuja opera¸cão é baseada nos
efeitos eletro- e elasto-ópticos.

10.2.2 Materiais Ópticos Não-Lineares

Na apresentação do efeito eletro-óptico, consideramos que o campo elétrico no


material era criado por uma fonte externa. Na realidade, o pr´oprio campo
de uma onda eletromagnética propagando no material pode produzir efeito
eletro-óptico. Neste caso, o ı́ndice de refração que determina a velocidade da
onda, depende da amplitude do campo da pr´opria onda. Para quantificar este
fenômeno, consideremos a variação da polariza¸cão P (2) resultante do efeito
E
eletro-óptico criado pelo campo elétrico da onda. Através de (10.5) e (10.19)
obtemos
P (2) =  0 ∆ χ = 0 ∆ ε = 0 ε 2 r 2 .
E E − E (10.23)

Este resultado mostra que a contribui¸cão do efeito eletro-´optico para a


polarização varia com o quadrado do campo, enquanto a contribui¸ cão usual é
linear no campo. Os materiais que têm esta propriedade são chamados mate-
riais ópticos não-lineares. Somente cristais sem simetria de inversão apresen-
tam respostas não-lineares do tipo (10.23). Além da não-linearidade quadrática
488 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

da Eq.(10.23), é possı́vel ter contribuições de ordem supe rior. A p olarização


total criada por um campo elétrico pode então ser escrita na forma

P =  0 χ(1) + χ(2) 2
+ χ(3) 3
 E E E + · ··  , (10.24)

onde χ (1) é a susceptibilidade linear, que anteriormente representamos apenas


por χ , e χ (2) e χ (3) são as susceptibilidades quadrática e cúbica. Na realidade,
as grandezas 2 e 3 que aparecem em (10.24) podem ser produtos de com-
E E
ponentes de campos em diferentes dire¸cões, β γ e β γ δ , enquanto P é a
E E E E E
componente Pα do vetor polariza¸cão. Assim, no caso mais geral, as suscepti-
(1) (2)
bilidades que aparecem em (10.24) são componentes dos tensores χαβ , χ αβγ e
(3)
χαβγδ. Enquanto o tensor χ(2) é nulo em cristais com simetria de inversão, o
tensor χ(3) não é necessariamente nulo qualquer que seja a simetria do material.

Como os efeitos n˜ao-lineares variam com o quadrado e o cubo do campo,


eles são importantes apenas para campos de maior intensidade, como ilustrado
na Figura 10.15. Os efeitos n˜ao-lineares se manifestam em ondas de alta
potência, tipicamente da ordem ou acima de 1 MW/cm 2 . É por esta raz˜ao
que a ´optica não-linear só desenvolveu-se após a invenção do laser. Os efeitos
não-lineares têm uma grande variedade de aplicações ópticas. Uma das mais
evidentes é a mistura de ondas. Quando duas ondas de freqüências ω1 e ω2 ,
E E
com amplitudes 1 e 2 , respectivamente, propagam num meio não-linear, elas
geram uma polariza¸cão P (2) , dada por
(2) (2) (±iω1 ±iω2 )t
P = 0 χ EE
1 2 e . (10.25)

Esta polarização resulta numa terceira onda, cuja freq¨uência é a soma ou a


diferença das freq¨uências srcinais. Outro efeito n˜ao-linear mais simples é o
dobramento de freq¨uência resultante do termo χ(2) 2 em (10.24). Ele ocorre
E
naturalmente quando uma onda de alta potência atravessa um cristal sem
simetria de inversão, como KDP, LiNbO 3 ou quartzo. Entretanto, para que
a conversão de uma onda de freq¨uência ω em outra de freq¨uência 2ω seja efi-
ciente, é necessário que o cristal seja cortado em certa dire¸
cões cristalográficas,
com determinada espessura, para evitar que a dispers˜ ao produza interferência
destrutiva. Como alguns lasers comer ciais operam no infravermelho, os do-
bradores ou triplicadores de freq¨uência são muito utilizados para converter a
radiação em luz visı́vel. Este é o caso dos lasers de Nd:YAG, que operam em
λ = 1060 nm. Os dobradores de freq¨uência de KDP convertem esta radiação
em luz verde, com λ = 530 nm, com eficiência superior a 60%.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 489

Figura 10.15: Ilustra¸cão do desvio da linearidade da polariza¸ cão para campos intensos em
cristal sem simeria de inversão.

10.2.3 Dispositivos Eletro- Ópticos de Guias de Onda

A disseminação das comunica¸cões ópticas criou o mercado para in´umeros dis-


positivos de processamento de sinais ópticos. Atualmente muitos desses dispo-
sitivos são baseados na tecnologia de guia de onda ´ optica. A idéia básica do
guia de onda é a mesma da fibra ´optica, apresentada na Se¸cão 8.8. Quando
uma onda propaga ao longo de um meio com certo ı́ndice de refração, rodeado
por outro meio com ı́ndice de menor valor, ela pode sofrer reflexões internas
sucessivas e ficar confinada à região do primeiro meio. É poss´ıvel fabricar guias
de onda de luz visı́vel ou infravermelho em substratos de material dielétrico
ou semicondutor, utilizando técnicas de fotolitografia e difusão, semelhantes
às usadas para fazer circuitos eletrˆonicos integrados. Estes guias podem ser
usados para conduzir a onda de um dispositivo para outro, num conjunto
de dispositivos fabricados sobre o mesmo substrato, constituindo um circuito
óptico integrado.

A Figura 10.16 mostra um guia de onda simples utilizado em dispositi-


vos ópticos. Ele é feito numa lˆamina de material dielétrico, como quartzo
ou LiNbO 3 , ou semicondutor, como GaAs ou Si. O guia é formado através da
interdifusão de certa impureza ao longo de uma faixa na superfı́cie da placa.
A difusão da impureza produz um canal formado por um material com ı́ndice
de refração maior que o do substrato, constituindo um guia de onda de luz,
como ilustrado na Figura 10.16(a). O guia tem largura tı́pica de alguns µm e
a impureza normalmente utilizada em LiNbO3 é o titânio. A figura (b) ilustra
dois métodos utilizados para acoplar luz externa com o guia. No primeiro, a
luz externa proveniente de um feixe de laser colimado incide sobre um prisma
e sofre reflex˜ao interna total na superfı́cie em contato com a lâmina. Isto
490 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 10.16: (a) Guia de onda de luz em lˆamina de material dielétrico ou semicondutor;
(b) ilustração de métodos usados para acoplar luz externa com o guia de onda.

resulta numa onda evanescente que penetra na lˆamina, reproduzindo aproxi-


madamente o perfil do modo no guia de onda. Este método p ermite acoplar
eficientemente o guia com um feixe de luz externo, tanto para entrada quanto
para saı́da da onda. No caso do acoplamento com fibras ópticas a situa¸cão é
mais simples, uma vez que o modo na fibra tem configuração semelhante ao do
guia. Assim, o acoplamento pode ser feito simplesmente colando a extremidade
da fibra na superfı́cie frontal do dispositivo, como mostrado na Fig.10.16(b).

Um dispositivo eletro-´optico simples baseado no guia da Fig.10.16 é o


defasador, ou modulador de fase . Ele consiste de um guia numa placa de
material eletro-óptico, situado entre dois eletrodos formados pela deposi¸ cão
de filmes met´alicos sobre a superfı́cie da placa, ilustrado na Figura 10.17.
Quando uma tens˜ao V é aplicada entre os dois eletrodos, um campo elétrico
é criado através do guia. A intensidade do campo é dada, aproximadamente,
E
por = V /d, onde d e´ a distância entre os eletrodos. O campo produz uma
variação ∆n no ı́ndice de refração, que resulta numa mudan¸ca da defasagem
sofrida pela onda no guia ao longo dos eletrodos,
2πL
∆φ = L ∆ k = ∆n (10.26)
λ

onde L é o comprimento dos eletrodos. Usando a Eq.(10.20), pode-se exprimir


a mudança de fase em função da tensão aplicada,
3
∆φ = − πnλ dr L V . (10.27)

Vemos que a mudança de fase é proporcional ao comprimento dos eletro-


Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 491

Figura 10.17: Modulador de fase eletro-óptico.

dos e à tensão aplicada. É fácil ver que o valor do produto LV necessário para
que ∆ φ seja igual a π radianos é,
λd
(L V )π = . (10.28)
n3 r

Exemplo 10.2: Calcule a tens˜ao que deve ser aplicada entre os eletrodos distantes d = 7µm, num
modulador de fase eletro-´optico de LiNbO 3 , com um guia de Ti:LiNbO 3 .

Substituindo os parâmetros de Ti:LiNbO3 dados na Tabela 10.3 na Eq.(10.28) vem,

1, 5 10−6 7 10−6
× × ×
(L V )π =  0, 032 Vm = 32 Vmm .
2, 23 31 10−12
× ×
Este resultado significa que para um modulador com 8 mm de comprimento dos eletrodos, uma
tensão de 4 V é suficiente para produzir uma mudança de fase de π .

Com base na modula¸cão eletro-óptica da fase, é possı́vel construir mo-


duladores de amplitude de luz bastante eficientes. A Figura 10.18 mostra o
esquema básico de um modulador de amplitude que utiliza um interferˆ ometro
Mach-Zehnder. O interferômetro é formado por duas junções em Y, ligadas
em sentidos opostos a dois guias de onda. Um par de eletrodos ´e depositado
em torno de um dos guias, de modo que uma tens˜ ao a ele aplicada produz uma
defasagem ∆ φ na onda que propaga neste guia em rela¸ cão à onda no outro
guia. A onda incidente no terminal de entrada 1 é dividida igualmente entre
as duas pernas do Y, dando srcem ` a duas ondas que propagam independen-
E
temente nos dois guias com amplitudes iguais 1 . Na jun¸cão de saı́da as duas
ondas se superpõe, dando srcem a uma onda cuja amplitude é
492 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 10.18: Vista de cima de modulador de amplitude eletro -óptico com interferˆometro
Mach-Zehnder.

2 = 1 + 1 e i∆φ .
E E E
Como a potência na sa´ıda é proporcional a 2 2∗, pode-se mostrar (Problema
EE
10.5) que a transmissão do dispositivo, definida como a raz˜ao entre a potência
de sa´ıda e a potência de entrada T = P 2 /P1 , é dada por

1 + cos ∆ φ
T = , (10.29)
2

onde ∆ φ é proporcional à tensão aplicada aos eletrodos, de acordo com a Eq.


(10.27). A Figura 10.19 mostra a curva da transmiss˜ao em fun¸cão de ∆ φ.
Vemos que a transmiss˜ao é máxima em ∆ φ = 0, ou seja, quando a tens˜ ao
aplicada é nula. No dispositivo ideal o valor máximo é 1, porém nos disposi-
tivos reais existem perdas por reflex˜ao nas conec¸cões e nas jun¸cões, reduzindo
a transmissão m´axima para cerca de 0,5 (correspondente a uma perda por
inserção de 3 dB). A transmiss˜ao cai a zero em ∆ φ = π , 3π , etc, o que possi-
bilita modulação digital tipo on/off para V variando entre 0 e o valor dado por
(10.28). O dispositivo também pode ser utilizado para modulação analógica.
Para isto é necessário superpor ao sinal ac , numa tensão dc de polariza¸cão que

Figura 10.19: Transmissão do modulador de amplitude em fun¸cão do ˆangulo de defasagem


∆φ, o qual é proporcional à tens˜ao aplicada. A é o ponto de opera¸cão para modula¸cão
analógica.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 493

coloque o ponto de opera¸cão na região linear em torno de ∆ φ = π/ 4 (ponto A


da Fig.10.19). Os moduladores elet ro-ópticos comerciais operam com tens˜oes
de alguns volts e têm largura de banda de modula¸cão superior a 1 GHz, no
caso analógico, ou taxa de modula¸ cão acima de 1 Gbit/s, no caso digital.
A tecnologia de guias de onda est´ a sendo utilizada para o desenvolvimento
de inúmeros outros dispositivos eletro-ópticos para comunicações ópticas, tais
como chaveadores, acopladores direcionais, multiplexadores, etc.

10.3 Materiais para Mostradores e Telas de Vı́deo

Uma das fun¸cões mais importantes da eletrˆ onica na atualidade é a trans-


formação de sinais elétricos em informação visual. Esta fun¸cão é utilizada em
mostradores dos mais diversos equipamentos eletro-eletrônicos, para indicar o
estado do equipamento ou para transmitir uma informa¸ cão para o observador
externo. Ela também é essencial na apresenta¸ cão de imagens est´aticas ou em
movimento, em telas de televisão, equipamentos de vı́deo, monitores de com-
putador e de in´umeros equipamentos cientı́ficos, médicos e industriais, assim
como em uma variedade crescente de aparelhos de consumo de massa, fixos ou
portáteis.

Até a década de 1970 os mostradores luminosos eram feitos com lˆampadas


incandescentes, ou lâmpadas de bulbos de g´as, de diversos tamanhos. A par-
tir daquela época eles passaram a utilizar dispositivos de estado sólido, como
os LEDs e os indicadores de cristal lı́quido, que s˜ao muito mais eficientes,
resistentes e econômicos. Por outro lado, somente na década de 1990 os moni-
tores de vı́deo tradicionais que utilizam tubos de cinescópios começaram a dar
lugar aos monitores de estado sólido. Nesta se¸cão apresentaremos os principais
materiais e dispositivos utilizados atualmente na fabrica¸ cão de mostradores e
de telas de vı́deo, que são as cerˆamicas fosforescentes, os cristais lı́quidos e os
condutores orgânicos.

10.3.1 Materiais Cerâmicos Fosforescentes

Como vimos no Cap´ıtulo 8, a luminescência é a propriedade que tem a matéria


de emitir luz quando excitada por certos estı́mulos externos. A emissão de luz
ocorre quando os elétrons sofrem transições radiativas de estados excitados
para estados de menor energia. Duas formas comuns de luminescência são a
494 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

fotoluminescência e a eletroluminescência. Na primeira os elétrons são leva-


dos a estados excitados por meio da absor¸cão de f´otons, enquanto na segunda
a excitação resulta de um estı́mulo elétrico. Os materiais que exibem estas
propriedades são chamados fotoluminescentes e eletroluminescentes, respecti-
vamente.

Uma classe importante de materiais eletroluminescentes é a dos semi-


condutores, que emitem luz com a passagem de uma corrente elétrica. Como
vimos no Capı́tulo 8, a corrente num diodo de junção no sentido direto produz
injeção de elétrons e de buracos, que emitem luz ao se recombinarem. Outra
classe de importˆancia tecnológica é a das cerâmicas eletroluminescentes, que
são excitadas eletricamente de v´arias maneiras. Uma delas é o bombardeio
por elétrons em alta velocidade, como num feixe de elétrons. Ao colidirem
com os ´atomos do material, eles levam os elétrons ligados para estados exci-
tados, que relaxam rapidamente para outros estados com maior vida média
e na seq¨uência sofrem transições radiativas para estados com menor energia,
emitindo fótons com energia determinada pela diferença das energias dos esta-
dos envolvidos, como estudado na Seção 8.3. Outra forma de excitação elétrica
das cerâmicas eletroluminescentes é a aplicação de um campo elétrico intenso.
Quando este campo ultrapassa o valor da rigidez dielétrica, que é da ordem de
106 V/cm, certos ´atomos são ionizados e os elétrons soltos são acelerados. Na
seqüência eles chocam-se com outros átomos, levando-os a estados excitados e
produzindo luminescência pelo processo descrito anteriormente.

Duas propriedades importantes dos materiais luminescentes e que de-


terminam sua aplica¸cão são o tempo de decaimento da transi¸ cão radiativa e
o espectro da luz emitida. O tempo de decaimento determina a dura¸cão do
pulso de luz produzido ap´os a excita¸cão externa. Quando este tempo é da or-
dem de nanosegundos ou menos, o processo é chamado fluorescência. Nesta
categoria encontram-se a emissão de luz por transições banda a banda nos semi-
condutores de gap direto e a emiss˜ao por transi¸cões atômicas nas lˆampadas de
gases ionizados, chamadas lˆampadas fluorescentes. Por outro lado, quando
a dura¸cão da emiss˜ao é da ordem de mili-segundos ou maior, o processo é
chamado fosforescência .

Os materiais fosforescentes têm grande importância na eletrˆonica por


conta de sua aplica¸cão na fabrica¸cão de telas de vı́deo. Como a imagem em
movimento é formada por uma seqüência de imagens, cada uma diferindo
pouco da anterior, é importante que a duração da luminescência, também
chamada de persistência , seja da ordem de dezenas de mili-segundos. Isto
faz o observador ter a sensação de uma mudança contı́nua na imagem. Tempos
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 495

mais curtos d˜ao sensação de que a imagem pisca, como num estrobosc´ opio
enquanto tempos mais longos resultam num borr˜ao, pois uma nova imagem é
formada antes que a anterior desapareça. Os materiais cerâmicos fosforescentes
empregados em telas de vı́deo são chamados genericamente de fósforos, por
conta do sentido literal da palavra, eles acendem quando excit ados. Eles s˜ao
compostos fosfatos, ´oxidos, tungstatos, sulfatos e sulfitos de diversos metais,
como zinco e c´admio, isolantes ou semicondutores, dopados com impurezas
de elementos de transi¸cão do ferro ou de ter ras raras. S˜ao as impurezas que
formam os estados metaest´aveis envolvidos nas transi¸cões luminescentes. A

ecomposição
portanto a quı́mica determina
aplica¸cão a persistência e o espectro de emissão de luz,
do f´osforo.

A aplica¸cão mais importante dos f´osforos na eletrˆonica é em telas de


vı́deo. A tecnologia mais antiga emprega cinescópios, que ainda hoje são
utilizados extensivamente e se constituem um dos poucos remanescentes da
eletrônica de tubos a v´ acuo. A Figura 10.20 mos tra a vista ext erna de um
cinescópio, também chamado de tubo de raios catódicos, ou tubo de imagem.
O cinescópio consiste de um tubo de vidro refor¸cado, evacuado e selado, com
um formato piramidal e tendo um pesco¸co alongado na extremidade. No inte-
rior do pesco¸co existe um canh˜ao eletrônico com um catodo e v´arios eletrodos,
que emite um feixe de elétrons. Este é dirigido para a face frontal por meio
de uma alta tens˜ao aplicada entre ela e o catodo no canh˜ao. A face frontal é
recoberta internamente por uma camada de f´osforo, que ao ser bombardeada
pelos elétrons emite luz que atravessa o vidro e é vista externamente.

O canhão eletrônico é formado por um catodo aquecido, uma grade e


alguns eletrodos, sendo montado num soquete com pinos para as conec¸ cões
externas. Quando aquecido por um filamento de tungstênio atravessado por
uma corrente elétrica, o catodo emite elétrons que s˜
ao acelerados pelas tensões
aplicadas nos eletrodos, formando um feixe monoenergético, isto é, com pe-
quena dispers˜ao de veloc idade. Ao incidir na cama da de f´osforo, o feixe de
elétrons produz um ponto luminoso na tela do tubo.

A forma¸cão da imagem na tela reque r dois processos: a varredura do


feixe, para que o ponto luminoso percorra toda a ´ area da tela; a modula¸cão da
intensidade do feixe, ou seja, do número de elétrons por unidade de tempo, por
um sinal de vı́deo. A varredura do feixe é feita pelos campos magnéticos criados
por dois pares de bobinas colocadas externamente nas paredes do cinesc´ opio,
como ilustrado esquematicamente na Figura 10.20. Somente um par de bobi-
nas está mostrado na figura, para facilitar a vis˜ao. Ele cria um campo ver tical,
que deflete o feixe horizontalmente. Outro par de bobinas, no plano vertical,
496 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 10.20: Ilustração de um cinescópio, ou tubo de imagem.

cria um campo horizontal, que produz a deflex˜ ao vertical. Nas bobinas são
aplicadas tensões que produzem correntes variando no tempo com a forma de
dente de serra, mostrada na Figura 10.20. Esta forma de onda faz o feixe varrer
a tela num sentido, e retornar rapidamente no sentido oposto. A aplica¸ cão si-
multânea de tensões nos dois pares de bobinas faz o ponto luminoso percorrer a
tela nas direções horizontal e vertical, porém, a cada varredura vertical corres-
pondem muitas varreduras horizontais, como ilustrado na Figura 10.21(a). O
ponto luminoso descreve um movimento de zig-zag, da esquerda para a direita
na direção horizontal, e de cima para baixo na direção vertical. O padrão tradi-
cional mais utilizado emprega 525 linhas horizontais que formam um quadro da
imagem. Para produzir uma imagem em movimento s˜ao utilizados 60 quadros
por segundo. Desta forma, a freq¨uência de variação da onda dente de serra da
corrente nas bobinas de deflex˜ao vertical é 60 Hz, enquanto a da corrente de
×
deflexão horizontal é 525 60 Hz = 31,5 kHz .

Finalmente, para a formação da imagem preto-e-branco, é preciso variar


a intensidade do feixe enquanto ele percorre a tela, de modo que a luminosidade
de cada ponto corresponda a da imagem. A varia¸cão da intensidade do feixe é
feita por meio de um sinal de tens˜ao aplicado na grade do canh˜ao eletrônico,
o que controla o n´umero de elétrons no feixe. Na Figura 10.20 está ilustrada
a forma de um sinal de vı́deo analógico, durante um intervalo de tempo de
dois p erı́odos da varredura horizontal. Os picos nas extremidades de cada
varredura fazem parte do sinal de sincronismo. Eles servem para disparar
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 497

o retorno no circuito oscilador que gera a corrente dente de serra, fazendo


com que a varredura do cinesc´opio fique em sincronia com a da cˆ amara que
produziu o sinal de vı́deo. O sentido do sinal de vı́deo é tal que quanto maior
o sinal, mais escuro ´e o ponto luminoso na tela. Desta forma, como o retorno
é disparado por um pico do sinal, o ponto luminoso torna-se escuro durante o
retorno. Assim, a imagem é formada pelas linhas horizontais percorridas da
esquerda para a direita na tela, e apresentados de cima para baixo. Note que
durante o perı́odo de uma varredura horizontal existem cerca de 200 variações
no sinal de vı́deo, o que faz com que sua freqüência seja da ordem de 6 MHz.

Esta é a largura da banda necessária para a transmiss˜ao de sinais de vı́deo.


O cinescópio de imagens em cores funciona como se houvessem três sis-
temas de imagens monocrom´aticas em um mesmo tubo. Ele tem três canhões
eletrônicos idênticos, que produzem três feixes de elétrons independentes, pa-
ralelos e com mesma velocidade. A intensidade de cada feixe é determinada
pelo sinal correspondente a uma das cores b´asicas. Há duas tecnologias para
disposição dos canh˜oes. Eles podem est ar um acima do outro, num alin ha-
mento vertical, ou dispostos nos vértices de um triângulo. No primeiro caso os
fósforos das três cores são depositados na tela em linhas horizontais, de modo
que cada feixe atinge uma linha diferente. No segundo caso os três f´osforos
são depositados em pequenos cı́rculos adjacentes, com os centros nos vértices
de um triˆangulo, de modo que cada cı́rculo é bombardeado por um dos três
feixes. A informação sobre as intensidades das três cores é transportada pelo
sinal de vı́deo através de um processo de multiplexa¸ cão temporal. O inter-
valo de tempo do sinal correspondente a um pixel da imagem é subdividido

Figura 10.21: Ilustra¸cão do processo de varredura em telas de vı́deo: (a) Nos cinescópios o
ponto luminoso descreve um movimento de zig-zag; (b) Nas telas de estado sólido, os pixeis
são acesos em seq¨uência, da esquerda para a direita, de cima para baixo.
498 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

em três intervalos iguais, cada um para uma das três cores, seguindo a ordem
vermelho, verde e azul. Este sinal é decodificado no receptor, de modo que a
informação sobre a intensidade de cada cor é processada, gerando um sinal de
tensão que atua no canhão eletrônico correspondente.

Apesar de diversos inconvenientes, como alta fragilidade, tamanho, peso


e consumo de energia elevados, os tubos de cinesc´ opio continuam sendo fabri-
cados em larga escala para uso nos mais diversos equipamentos. Eles ainda
dominam o mercado de monitores, com mais de 60% da fatia do mercado. Uma
das razões para isto é seu baixo custo comparado com o das telas de vı́deo de
novas tecnologias, uma vez que há muitas fábricas no mundo e todo o custo de
desenvolvimento já foi pago. Entretanto, gradualmente eles estão dando lugar
a telas de estado s´olido, principalmente de cerˆamicas eletroluminescentes, de
plasma, de cristais lı́quidos e de condutores orgânicos, que serão apresentadas
a seguir.

Uma tecnologia de estado s´ olido utilizada para fabrica¸cão de telas de


vı́deo que estão substituindo os cinescópios em diversas aplica¸cões é a que
emprega dispositivos de cerˆamicas eletroluminescentes. Na tela eletrolumi-
nescente, chamada de ELD ( Electro Luminescent Display), a luminescência é
produzida diretamente pela aplicação de um campo elétrico intenso, por meio
do mecanismo descrito no inı́cio da seção. Desta forma n˜ao há necessidade de
utilizar canhão eletrônico, o que possibilita que a tela seja plana e com pequena
espessura comparada com a dos monitores de cinescópios. A Figura 10.22 ilus-
tra um dispositivo eletroluminescente que produz luz quando submetido a uma
tensão elétrica adequada. Ele consiste basicamente de cinco camadas, deposi-
tadas sobre um substrato por meio de técnicas de preparação de filmes finos.
O fósforo é uma camada de cerâmica eletroluminescente com espessura da or-

dem de 500 1000 nm. Ele é excitado pelo campo elétrico criado pela tensão
aplicada nos dois eletrodos, que s˜ao isolados do f´osforo por meio de duas ca-
madas finas (da ordem de 300 nm) de material isolante. Os isolantes mais
utilizados são óxido de alumı́nio, A2 O3 , e uma liga de A , Ti e O, conhecida
como ATO. Um dos eletrodos é uma camada metálica grossa, por exemplo de
A, que reflete a luz emitida pelo f´ osforo. O outro eletrodo ´e uma camada
fina (da ordem de 300 nm) de um condutor transparente, como ´ oxido de ı́ndio
e estanho, conhecido com ITO ( Indium-Tin-Oxide). Para a emissão de luz
pelo fósforo é necessário que o campo elétrico ultrapasse a rigidez dielétrica
do material, por isso em geral a tens˜ ao aplicada é pulsada e alternada, com
amplitude na faixa 120-200 volts.

Cada pedacinho da imagem, chamado de pixel, é formado por três dis-


Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 499

Figura 10.22: Ilustra¸cão de um dispositivo eletroluminescente utilizado em tela de ELD.

positivos com o da Figura 10.22, cada um com um f´ osforo de uma cor b´asica.
Dentre os materiais mais utilizados est˜ao ZnS:Mn, ZnS:C  ou CaS:Eu para o
vermelho, ZnS:Tb ou SrS:Ce para o verde e Ga 2 S3 :Ce, SrS:Eu ou SrS:Ag para o
azul. A intensidade da luz emitida por cada dispositivo é controlada pela taxa
de repetição dos pulsos da tens˜ao aplicada durante o intervalo correspondente
no sinal de vı́deo. Combinando-se as intensidades da emissão nos dispositi-
vos das três cores básicas, é possı́vel obter qualquer cor do espectro vis´
ıvel.
A tela é formada por centenas de milhares de pixeis, um ao lado do outro,
dispostos em linhas e em colunas, formando um quadro como ilustrado na
Figura 10.21(b). A imagem é produzida acendendo-se os pixeis em seqüência,
através de um processo de varreduras horizontal e vertical, seguindo o mesmo
padrão descrito anteriormente para os cinesc´opios. A aplicação da tensão em
cada dispositivo é feita através de uma malha de eletrodos de endere¸camento,
ilustrada esquematicamente na Figura 10.23, também fabricada com técnicas
de filmes finos usando máscaras apropriadas.

A tensão na forma de pulsos é aplicada entre um eletrodo de linha e um


eletrodo de coluna, fazendo acender o dispositivo conectado nesses eletrodos.
Por exemplo, no caso da Figura 10.23, o dispositivo que est´ a aceso é o cor-
respondente a célula verde do pixel na linha 3 e na coluna 4. Os pixeis s˜ao
acesos um de cada vez, na seq¨ uência e com a intensidade determinada pelo
sinal de vı́deo, num processo de varredura semelhante ao do feixe eletrônico
no cinescópio.

As telas de ELD têm diversas vantagens em relação aos cinescópios. Elas


são mais resistentes, mais dur´aveis, mais leves, menos volumosas e consomem
menos energia. Em relação à tela de cristal lı́quido, a tela de ELD tem as vanta-
500 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 10.23: Malha de eletrodos utiliz ada para aplicar as tensões nas células dos pixeis nas
telas de estado sólido.

gens de operar numa faixa de temperatura muito maior e de produzir imagens


de ótima qualidade por emissão de luz, que podem ser vistas de ˆangulos rasan-
tes. Uma desvantagem é a necessidade de tensões de centenas de volts para
acender o fósforo, o que faz com que ela n˜ ao seja utiliz´avel em equipamentos
portáteis. Elas são utilizadas em aparelhos médicos e industriais, em radar e
outros equipamentos de defesa. Atualmente elas respondem por cerca de 10%
do mercado de telas de vı́deo de estado sólido.

Uma tecnologia que est´a ganhando terreno rapidamente no segmento de


telas planas é a de plasma, conhecida como PDP ( Plasma Display Panel).

Figura 10.24: Célula de plasma.


Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 501

Figura 10.25: Tela de vı́deo de plasma.

A tela de plasma também é emissiva e tem como material luminescente as


cerâmicas fosforescentes, como as empregadas nos cinescópios e nas telas eletro-
luminescentes. A diferença para as outras é que a emissão de luz ocorre por
fotoluminescência, sendo a excitação produzida por radia¸cão ultravioleta emi-
tida por um plasma. A tela é formada por centenas de milhares de células
de vidro, com o formato ilustrado na Figura 10.24, todas seladas hermetica-
mente e contendo um g´as em baixa press˜ao, com uma mistura de xenˆonio e
hélio. Quando uma tensão ac da ordem de 100 V é aplicada nos eletrodos de
endereçamento, ocorre uma descarga no g´as e a emiss˜ao de radiação ultravio-
leta. Esta radia¸cão excita a camada de f´osforo depositada no fundo da célula,
fazendo com que ela emita luz visı́vel. A Figura 10.25 ilustra a disposição das
células numa tela de PDP em cores, que são energizadas por uma malha de
eletrodos de endere¸camento como a da Figura 10.23. As telas de plasm a s˜ao
duráveis, apresentam imagens de ótima qualidade, que podem ser vistas numa
grande faixa de ˆangulos. Como as dimens˜oes da célula de plasma são avanta-
jadas, da ordem de 1 mm, as telas de plasma são grandes. No segmento de
telas planas grandes para televis˜ao, elas estão ganhando terreno rapidamente
e já respondem por mais de 10% deste mercado.

10.3.2 Cristais Lı́quidos

Como vimos na Se¸cão 1.4.4, os cristais lı́quidos são formados por moléculas
alongadas, orientadas aproximadamente ao longo de uma mesma dire¸cão,
porém sem ocupar posições fixas e podendo fluir como num lı́quido. O que
caracteriza o cristal lı́quido e o distingue de um lı́quido comum, é o fato de
502 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 10.26: Ilustração das posi¸cões e orienta¸cões das moléculas de certa substância em
três faixas de temperatura, caracterizando as fases sólida, cristal l´ıquido e lı́quida.

suas moléculas serem longas e relativamente rı́gidas. É o “contato” entre as


moléculas longas que impede que elas ocupem direções aleatórias, como num
lı́quido isotrópico. Uma camada de moléculas num cristal lı́quido é, de certa
forma, análoga a um conjunto de toros de madeira, boiando na superfı́cie de
um rio.

Na realidade, o cristal lı́quido é uma fase que certas substâncias exibem


numa faixa de temperatura compreendida entre a fase s´ olida e a fase lı́quida.
A Fig.10.26 ilustra as posi¸cões e orientações das moléculas de certa substância
em três faixas de temperatura. Em T < T1 a energia de liga¸cão das moléculas
predomina, fazendo com que elas ocupem posi¸cões fixas e apresentem ordem
posicional e orientacional, caracterizando a fase s´olida cristalina. Em T >
T2 a energia térmica predomina, quebrando as ligações entre as moléculas e
fazendo com que elas tenham posi¸cões e orienta¸cões aleatórias, caracter´
ısticas
da fase l´ıquida. Na faixa intermediária de temperatura, a do cristal lı́quido, a
energia térmica é suficiente para vencer a liga¸
cão molecular, mas sem destruir
completamente a ordem orientacional das moléculas.

A direção média de orientação das moléculas na fase cristal lı́quido


é chamada diretor, e representa uma dire¸cão preferencial de alinhamento.
A orientação das moléculas varia aleatoriamente no tempo, mantendo uma
média na direção do diretor. Esta sit uação lembra a configura¸cão dos mo-
mentos magnéticos num material ferromagnético em temperaturas elevadas
mas ainda abaixo de Tc . Entretanto, no cristal lı́quido as moléculas também
apresentam movimento aleatório de deslocamento e podem fluir como num
lı́quido. Costuma-se caracterizar a fase ordenada de um sistema fı́sico por
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 503

Figura 10.27: Varia¸cão do parâmetro de ordem de uma substˆancia com fase cristal lı́quido
com a temperatura.

um parˆ ametro de ordem , que em ge ral varia com a temperatura. O


parâmetro de ordem nos materiais magnéticos é a magnetização, enquanto
nos ferroelétricos é a polarização. Nos cristais lı́quidos o parâmetro de ordem
numa região com N moléculas é definido por
1  3 cos 2 θi
S=
N
−1  /2 , (10.30)
i

onde θi e´ o ângulo entre a dire¸cão de cada molécula e o diretor. Note que


S é uma média angular cujo valor é 1 para um sistema com ordem orienta-
cional perfeita ( θi = 0) e 0 para um sistema isotr´ opico mbox(Problema 10.7).
A Fig.10.27 mostra o comportamento tı́pico do parâmetro de ordem de uma
substância com fase de cristal lı́quido. Ele diminui gradualmente com a tempe-
ratura na fase cristal lı́quido, caindo bruscamente para zero na transição para
a fase lı́quida, que ocorre na temperatura crı́tica T c .

A maior aplica¸cão dos cristais lı́quidos na eletrônica é na fabricação de


mostradores e telas de vı́deo. O mostrador de cristal l´ıquido, conhecido por sua
sigla em inglês, LCD (Liquid Crystal Display), é do tipo passivo, isto é, n˜ ao
gera luz pr´opria. Por esta raz˜ao seu consumo de energia é baixı́ssimo, o que
dá a ele enorme vantagem em relação aos mostradores emissivos nas aplicações
que utilizam pequenas baterias, como os relógios de pulso e as calculadoras de
mão.

Há dois tipos b´asicos de LCDs, os de reflex˜ao e os de transmiss˜ao. Em


504 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 10.28: Ilustração da orienta¸cão das moléculas de um cristal lı́quido numa célula de
E E E
LCD: (a) = 0; (b) > c .

ambos os tipos o cristal lı́quido tem a função de alterar uma ilumina¸cão ex-
terna, que pode ser do ambiente, de uma lˆampada ou de um LED. O LCD de
reflexão utiliza luz frontal, enquanto o de transmiss˜ao utiliza luz trase ira. O
dispositivo consiste de uma camada de cristal lı́quido, com espessura da or-
dem de 10 µm ou menos, colocado entre duas lˆaminas transparentes de vidro
ou plástico, seladas nas extremidades, formando uma célula fechada. Nas su-
perf´ıcies das lâminas depositam-se filmes condutores transparentes, como ITO,
que permitem criar um campo elétrico através do cristal lı́quido. O efeito do
LCD sobre a luz externa é produzido pelas moléculas do cristal lı́quido, cuja
orientação pode ser alterada pelo campo elétrico produzido pelas malhas con-
dutoras nas duas lˆaminas.

Dentre os tipos de cristais lı́quidos apresentados na Seção 1.4, os mais


utilizados nos LCDs s˜ao os nem´aticos. Uma célula muito comum é feita com
um cristal lı́quido nemático entre duas lˆaminas cujas superfı́cies internas são
tratadas de modo a for¸car as moléculas das camadas mais próximas a se ori-
entarem no plano das superfı́cies, porém perpendicularmente entre si. Sem
campo aplicado, o diretor varia gradualmente de uma superfı́cie para a outra,
como mostrado na Fig.10.28. Quando uma tensão V é aplicada entre as placas,
o campo elétrico criado tende a reorientar as moléculas em sua dire¸ cão, que é
perpendicular `a superfı́cie. Todavia, a reorientação só ocorre se o campo for
E
maior que um valor crı́tico c , que corresponde a tens˜oes da ordem de alguns
volts.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 505

Figura 10.29: Ilustração da opera¸cão de um dispositivo LCD de reflexão.

A ação do cristal lı́quido sobre a luz se dá através da forte polarização


produzida pelas moléculas orgânicas. Quando uma luz polariza da atravessa
E
a célula com campo = 0, como na Fig.10.28, sua polariza¸cão acompanha a
orientação das moléculas e sofre uma rotação de 90 ◦ . Por outro lado, se houver
um campo aplicado com valor maior que o crı́tico > c , a polariza¸cão da luz
E E
que atravessa a célula não é alterada.

A Figura 10.29 ilustra a operação de um dispositivo LCD de reflexão. Ele


consiste da célula de cristal lı́quido, duas lâminas polaróides com polariza¸cões
cruzadas e um espelho para refletir a luz incidente. A radia¸cão, inicialmente
despolarizada, incide da esquerda para `a direita. Após passar no polar´oide
P1, ela é polarizada verticalmente e entra na célula do cristal lı́quido. Se n˜ ao
houver tensão na célula, a polarização sofre rota¸cão de 90 ◦ , de modo que a
radiação atravessa o polaróide P2, reflete no espelho e faz o percurso de volta,
E
como mostrado na Fig.10.29 . Desta forma, com = 0, a radia¸cão incidente
é refletida no dispositivo, que aparece claro para um observador externo. Por
E E
outro lado, quando uma tensão é aplicada fazendo > c , a radiação ñao sofre
mudança de polariza¸cão ao atravessar a célula, sendo absorvida no polarizador
P2. Nesta situa¸cão a célula aparece escura para um observador externo.

Um mostrador de LCD é formado por uma malha de eletrodos de


endereçamento conectados à grade de filmes condutores transparentes de-
positados sobre as duas superfı́cies externas da célula. O conjunto célula-
polarizadores-espelho é feito com as lâminas coladas uma na outra, como
mostrado na Fig.10 .30. O conjunto tem espes sura total da ordem de alguns
µm a décimos de mil´ımetros e dimensões laterais que dependem da aplica¸cão,
variando desde alguns mm no caso de rel´ogios, a dezenas de cm nas telas de
vı́deo. A malha de endereçamento define um quadro de pixeis, cada um ficando
claro ou escuro, dependendo da tens˜ao aplicada, formando padr˜oes de letras,
506 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 10.30: Ilustra¸cão do mostrador do cristal lı́quido de reflexão (LCD).

números ou imagens. Como o cristal lı́quido é isolante, a corrente que atra-


vessa a célula é extremamente pequena, como também é a potência consumida.
A utilização de tens˜ao dc tende a diminuir a vida do LCD porque depois de
um certo n´umero de ciclos ocorrem rea¸cões eletromecânicas que dificultam o
movimento das moléculas. Por esta razão, usam-se tens˜oes alternadas com
forma de onda quadrada, com freq¨uência na faixa de 25 Hz a 1 kHz. Isto re-
sulta em correntes capacitivas que produzem um pequeno aumento na potência
consumida.

Depois de dominar inteiramente o mercado de mostradores de rel´ ogios e


de equipamentos eletrônicos em geral, os cristais lı́quidos entraram no segmento
de telas de vı́deo, preto-e-branco ou colorida, de computadores e aparelhos de
televisão. O desempenho das telas de LCD é bastante melhorado através da
técnica de matriz ativa . Esta técnica consiste em incorporar a cada pixel
um dispositivo semicondutor, um diodo ou um transistor. Como a ativa¸cão
do pixel de cristal lı́quido tem uma resposta não-linear, pois s´o ocorre para
V > Vc , a incorpora¸cão de um dispositivo semicondutor não-linear aumenta as
possibilidades de endereçamento. Isto permite a fabricação de telas com maior
contraste e brilho e portanto melhor qualidade de imagem. As técnicas de
produção de telas de vı́deo são bastante sofisticadas, com os dispositivos semi-
condutores fabricados integradamente nas células de cristal lı́quido, através
da deposição de sucessivas camadas de filmes finos. Atualmente as telas de
LCD dominam completamente as aplicações em computadores tipo notebook e
aparelhos de TV pequenos, respondendo por mais de 70% do mercado de telas
de estado sólido.

Os cristais lı́quidos utilizados em mostradores de LCD são compostos


orgânicos, com moléculas formadas por dois ou três anéis de benzenos ligados
diretamente entre si. Esses compostos, sintetizados nos últimos vinte anos,
apresentam grande estabilidade quı́mica e fases de cristal lı́quido em extensas
faixas de temperatura de trabalho. A fun¸cão do cristal lı́quido é apenas variar
a polarização da luz, possibilitanto o controle de sua intensidade por meio dos
polarizadores cruzados. As cores das células que formam os pixeis nas telas
coloridas são criadas por meio de filtros ´opticos feitos de camadas dielétricas.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 507

10.3.3 Materiais Orgânicos Condutores

Os materiais orgˆanicos são aqueles que têm em sua estrutura básica átomos
de carbono e de hidrogênio. O mundo vegetal e o mundo animal são formados
por compostos orgˆanicos produzidos pela natureza. No Século XX a tecnologia
de fabricação de materiais orgˆanicos artificiais foi desenvolvida, possibilitando
a produ¸cão comercial de uma grande variedade de materiais para diversas
aplicações. Atualmente mais de dois milhões de materiais orgˆanicos são co-
nhecidos. Eles podem ser agrupados em duas grandes categ orias, materiais
poliméricos e materiais não-poliméricos.
Os materiais poliméricos, comumente chamados plásticos, têm uma
enorme variedade de aplica¸cões em nossa vida diária. Como apresentado na
seção 1.4.3, os polı́meros consistem de moléculas com estrutura em cadeias lon-
gas, formadas pela repetição de unidades mais simples, chamad as monômeros.
Estas cadeias s˜ao facilmente formadas por ´atomos de C e de H, e por isso os
polı́meros são em geral materiais orgˆanicos. A riqueza dos polı́meros decorre
do fato de que pequenas altera¸cões na constitui¸cão dos monˆomeros resultam
em profundas modifica¸cões em suas propriedades fı́sico-qu´ ımicas. Embora os
pol´ımeros possam ser sintetizados a partir de uma grande variedade de matérias
primas, os processos de fabrica¸ cão mais econˆomicos são baseados na trans-
formação de derivados do petr´oleo. É por isto que o contı́nuo surgimento
de novos materiais pl´asticos após a segunda grande guerra est´ a associado `a
evolução da ind´ustria petroquı́mica.

Os materiais
são isolantes poliméricos
elétricos. utilizadoseles
Na eletrônica nossão
setores tradicionais
essenciais para adafabricação
indústria
de partes e pe¸cas diversas, tais como: capas de fios e cabos elétricos; su-
portes isolantes; caixas de equipamentos; botões; teclas; e inv´olucros diver-
sos. Como os pl ásticos tradicionais s˜ao isolantes, causou grande surpresa na
década de 1970 a descoberta de novos polı́meros condutores de eletricidade,
tendo propriedades elétricas que se assemelham às de metais, de semicondu-
tores ou mesmo de supercondutores. Estes materiais também são conheci-
dos como polı́meros não-convencionais. Recentemente estes materiais encon-
traram aplica¸cões inusitadas na eletrˆonica, e diversos dispositivos de condu-
tores orgânicos já são fabricados comercialmente. A possibilidade de obter
materiais de uso pr´atico, combinando propriedades elétricas tı́picas de mate-
riais inorgânicos com certas caracterı́sticas de plásticos, como a flexibilidade
mecânica e a transparência óptica, tem motivado uma grande atividade de
pesquisa na ´area de polı́meros condutores. Vários dos desenvolvimentos re-
centes nesta ´area devem-se a descobertas e contribui¸cões cientı́ficas de Alan
508 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 10.31: Ilustra¸cão de um pol´ımero policristalino.

J. Heeger, Alan G. MacDiarmid e Hideki Shirakawa, que receberam o Prêmio


Nobel de Quı́mica no ano 2000.

A ligação entre os ´atomos que formam as cadeias dos pol´ımeros é do tipo


covalente, na qual os elétrons de valência s˜ao compartilhados por ´atomos vizi-
nhos. Esta liga¸cão é do mesmo tipo que existe na maioria dos semicondutores
inorgânicos, sendo muito mais forte que as ligações metálica e molecular. Cada
átomo de C, que tal como Si e Ge tem quatro elétrons de valência, compartilha
seus elétrons com os átomos de H ligados a ele e com os ´atomos de C vizinhos
na cadeia. É a forte liga¸cão covalente dos átomos ao longo da cadeia que d´a a
coesão aos polı́meros. Isto possibilita a fabricação de finas folhas de pl´astico,
com espessuras da ordem de alguns µm, tendo maleabilidade n˜ao encontrada
em folhas feitas de outros tipos de materiais.

Em contraste com a forte coes˜ ao ao longo das cadeias, a liga¸ cão entre
cadeias vizinhas é fraca, sendo do tipo molecular. Por esta razão, os pl´asticos
comumente utilizados são feitos com as cadeias entrela¸cadas, de modo a pro-
duzir resistência uniforme ao longo de todas as direções. No entanto, para
aplicação em eletrˆonica, é importante que o material tenha a maior ordem
estrutural possı́vel. Isto pode ser obtido através de estruturas policristalinas,
como aquela ilustrada na Figura 10.31. O material é formado por conjuntos
ordenados de cadeias poliméricas, separados por regiões amorfas.

Um dos polı́meros condutores mais estudados é o poliacetileno. Ele


consiste de uma cadeia de monˆ omeros contendo apenas ´atomos de C e H,
representada por (CH) x . Ele é um polı́mero conjugado , nome dado aos
polı́meros que têm os carbonos ao longo da cadeia com ligações alternadas,
sendo uma simples, com um vizi nho, e uma dupla, com o outro vizinho. O
poliacetileno pode ser sintetizado em duas formas distintas, designadas por
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 509

Figura 10.32: Dois isˆomeros de poliacetileno: (a) cis-(CH)x ; (b) trans-(CH)x .

cis e trans, mostradas na Figura 10.32. Como as duas formas têm f´ormulas
omeras. Na forma trans, os ´atomos de
qu´ımicas idênticas, elas são chamadas isˆ
H são ligados aos ´atomos de C alternadamente, em lados opostos da cadeia,
enquanto na forma cis os átomos de H ligados a carbonos vizinhos com ligações
duplas estão no mesmo lado da ca deia. Com isto, os ´atomos vizinhos de H estão
mais próximos entre si na forma cis do que na forma trans. O poliacetileno é
normalmente sintetizado na forma cis. O aquecimento em 150 ◦ C por alguns
minutos produz a isomerização e transforma a forma cis na configuração trans.

As diferentes configurações dos átomos de H nos monômeros de cis-(CH)x


e trans-(CH)x resultam em estruturas de bandas de energia eletrônica bas-
tante diferentes, e portanto em propriedades elétricas distintas. Enquanto
o cis-(CH)x e´ eletricamente isolante, o trans-(CH)x e´ um semicondutor. A
Figura 10.33 mostra as estruturas de bandas de trans-(CH)x , calculadas para
diversas distâncias das liga¸cões carbono-carbono. Como nos polı́meros conju-
gados existem dois tipos de liga¸ cão ao longo da cadeia, é preciso considerar
duas distˆancias entre carbonos vizinhos , d1 para a liga¸cão C-C, e d2 para
C=C. Vemos, na Figura 10.33, que o gap de energia Eg entre as bandas de
valência e condução depende das distˆancias das ligações. Em (a), as distˆancias
iguais d1 = d2 = 1, 39 Å resultam num gap nulo, e portanto em comporta-
mento metálico. Em (b), as distâncias um pouco diferentes, d1 = 1, 43 Å e
d2 = 1, 36 Å, já são suficientes para produzir um gap de energia. Em (c), uma
diferença maior entre as distˆancias das liga¸cões, d1 = 1, 54 Å e d2 = 1, 34 Å,
resulta num maior gap. Esta é a razão pela qual os polı́meros conjugados, que
têm necessariamente d1 e d2 diferentes, são os que têm propriedades semicon-
dutoras interessantes para a eletrônica.

Os valores de d 1 e d 2 da Figura 10.33(c) s˜ao as distâncias reais de trans-


poliacetileno `a temperatura ambiente. Elas resultam num gap direto, com
Eg = 1, 5 eV. Este valor é suficientemente pequeno para que elétrons passem
510 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 10.33: Bandas de energia em poliacetilen o trans-(CH)x para diferentes distâncias das
ligações C-C ( d1 ) e C=C ( d2 ): (a) d 1 = d 2 = 1, 39 Å; (b) d 1 = 1, 43 Å, d 2 = 1, 36 Å; (c) va-
lores reais, d 1 = 1, 54 Å, d 2 = 1, 34 Å[P.M. Grant e I.P. Batra, Solid State Communications,
29, 225 (1979)].

da banda de valência para a de condução por excita¸cão térmica à temperatura


ambiente. Na visão da estrutura quı́mica, a passagem de um elétron para a
banda de condução corresponde à quebra de uma ligação dupla entre os átomos
de carbon o. Com isto, ela torna-se uma liga¸cão simples e libera um elétron
para conduzir a corrente elétrica. Os elétrons no mı́nimo da banda de valência
têm vetor de onda k = π/a, massa efetiva m∗ = 0, 1 m0 e tempo de colis˜ao
τe  10−14 s. Esses valores resultam numa mobil idade ao longo da cadeia,
dada por (5.49), µn 200 cm 2 /Vs. Comparando este valor com os dados da

Tabela 5.2, vemos que ele é da mesma ordem da mobilidade de buracos nos
semicondutores tradicionais Si e GaAs. Por esta razão, uma folha de trans-
poliacetileno apresenta um brilho ´optico semelhante ao do silı́cio, porém com
a flexibilidade mecânica tı́pica de plásticos.

As propriedades eletrˆonicas do trans-poliacetileno podem ser alteradas


através da dopagem com impurezas doadoras ou aceitadoras, como nos semi-
condutores inorgânicos. O semicondutor tipo p pode ser obtido com impurezas
de pentafluoreto de arsênico (AsF5 ) ou iodo (I 2 ), difundidas no (CH) x através
de técnicas de fase de vapor ou métodos eletroquı́micos. Com a dopagem,
ocorre uma transferência de elétrons dos átomos das cadeias do polı́mero
para as moléculas das impurezas, produzindo buracos nas cadeias e con-
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 511

Figura 10.34 : Variação da condutivi-


dade de trans-poliacetileno com a con-
centração de impurezas.

seqüentemente comportamento de semicondutor tipo p. A Figura 10.34 mostra


o aumento da condutividade de trans-(CH)x com a concentra¸cão de AsF 5 e
I2 , expressa em fra¸cão de moléculas das impurezas em relação as do polı́mero.
Vê-se que a condutividade varia quase sete ordens de grandeza com a dopagem
por AsF 5 . Comportamento semelhante da condutividade é obtido na dopagem
com átomos de metais alcalinos, que produz um semicondutor tipo n. É im-
portante chamar a atenção de que os mecanismos de transporte de cargas nos
polı́meros condutores é mais complexo do que nos metais e semicondutores
inorgânicos. Estes mecanismos envolvem o movimento de defeitos conforma-
cionais tipo “s´oliton” ou “p´olaron”, que ocorrem nas liga¸cões alternadas dos
pol´ımeros conjugados e que não têm análogos nos materiais tradicionais.

Outros polı́meros conjugados importantes com propriedades semicondu-


toras s˜ao a polianilina e o PPV, cujas estruturas quı́micas estão mostradas
na Figura 10.35. A polianilina tem aparência semelhante aos plásticos usa-
dos nos filmes fotográficos. Ela foi um dos primeiros polı́meros a serem
sintetizados. Sua fabricação é simples, de baixo custo, e ela é estável no
ar. Ela tem propriedades fı́sico-quı́micas bem conhecidas, e pode ser sinte-
tizada com impurezas controladas para produzir condutividades adequadas
para diferentes aplicações. A Figura 10.35(b) mostra a estrutura quı́mica
do poli-fenilenovinileno (PPV), outro polı́mero conjugado importante para
a eletrônica. PPV é estável até temperaturas de 400◦C e tem propriedades
mecânicas que permitem sua fabrica¸cão e processamento na forma de filmes
finos, com espessuras na faixa 0,02-1 µm. Uma de suas propriedades mais
512 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 10.35: Estruturas qu´ ımicas dos monômeros de dois polı́meros semicondutores impor-
tantes: (a) polianilina; (b) poli-fenile novinileno (PPV). Em (b) as letras C e H indicativas
dos átomos são omitidas para simplificar a nota¸cão.

importantes para aplica¸cão na eletrˆonica é a eletroluminescência. Semelhan-


temente ao que ocorre com semicondutores inorgânicos de gap direto, quando
elétrons e buracos se encontram em PPV, a recombinação produz f´otons com
energia aproximadamente igual a Eg . Uma vantagem do PPV sobre muitos
dos semicondutores inorgânicos é que ele produz luz no espectro visı́vel, com
comprimento de onda que que pode ser sintonizado pela variação das distâncias
das ligações quı́micas na cadeia.

Além dos pol´ımeros não-convencionais, existe uma grande variedade de


materiais orgânicos com propriedades de condutores elétricos. Alguns são até
supercondutores em temperaturas muito baixas. Uma classe desses materiais
que tem sido muito investigada é a dos sais de transferência de carga. Um
desses sais mais estudados é o TTF-TCNQ, cuja unidade básica consiste de
uma molécula de tetratiafulvaleno (TTF) ligada a uma molécula de tetra-
cianoquinodimetano (TCNQ). Estas moléculas têm estrutura plana que se
agregam uma sobre a outra, formando pilhas de moléculas, dispostas ao longo
de folhas planas. Na liga¸cão ocorre uma transferência de elétrons da molécula
de TTF, chamada doadora, para a molécula de TCNQ, chamada de aceitadora.
O entrelaçamento das funções de onda ao longo da pilha forma uma banda de
condução parcialmente cheia com os elétrons provenientes da transferência de
carga. Como resultado, a condutividade ao longo da pilha é razoavelmente
alta, da ordem de 2 103 Ω−1 cm−1 , enquanto a condutividade ao longo dos
×
planos é baixa, porque a interação entre as pilhas de moléculas é pequena.
Por esta razão, o TTF-TCNQ tem condutividade predominantemente em uma
dimensão.

Outro material orgˆanico condutor importante é a hidroxiquinolina de


Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 513

alumı́nio, conhecida por AQ. Ele pertence a uma classe de compostos conhe-
cidos como de molécula pequena, porque ela contém um número de ´atomos
muito menor que na maioria dos compostos orgânicos. Sua molécula é formada
por um grupo A O3 N3 , cercado por seis anéis de benzeno, alguns incompletos.
O AQ é preparado na forma de pequenos cristais, dispostos em camadas, apre-
sentando propriedades de condução e de eletroluminescência semelhantes as do
PPV. Uma das vantagens dos materiais orgˆanicos sobre os inorgˆanicos é que
eles podem ser depositados na forma de filmes com estrutura ordenada sobre
uma grande variedade de substrat os. A fabricação de dispositivos com mate-

riais orgânicos
poliméricos, quetem baixo ser
podem custo e pode ser
enroladas feita sobreem
e utilizadas lˆ aplicações
aminas de substratos
inusitadas.
Uma desvantagem dos materiais orgˆanicos é a baixa mobilidade dos elétrons.
Ela é da ordem de 1 cm2 /Vs nos melhores filmes orgˆanicos, que é muito baixa
em comparação com os valores 103 106 cm2 /Vs caracter´
− ısticos dos semicondu-
tores inorgânicos. Isto resulta em baixa velocidade de resposta dos dispositivos
de condutores orgˆanicos.

Os dispositivos eletrˆonicos de maior aplica¸cão dos condutores orgˆanicos


são os sensores bioquı́micos, o transistor de filmes poliméricos finos e o diodo
emissor de luz orgânico - OLED. O transistor de polı́mero tem baixa rapidez de
resposta comparada com os de silı́cio. Por esta razão, sua utiliza¸cão é restrita
a aplicações de baixas freq¨uências, como é o caso de monitores de vı́deo. Uma
aplicação de grande potencial é em telas de cristal lı́quido de matriz ativa,
nas quais cada pixel é ativado por um transistor de polı́mero. A vantagem do
transistor de polı́mero sobre o de silı́cio é seu menor custo de processamento e
a facilidade de sua deposi¸cão direta sobre o cristal lı́quido.

O dispositivo de material orgˆanico de maior importˆancia comercial é o


OLED ( Organic Light Emitting Diode), empregado em mostradores ´opticos
e telas de imagens. A Figura 10.36 mostra a estrutura b´asica de um OLED.
Ela consiste de um substrato de vidro ou outro material transparente, sobre o
qual são depositados sucessivamente cinco filmes: um eletrodo metálico posi-
tivo ou anodo; três camadas de material orgânico condutor; e outro eletrodo
metálico negativo. O eletrodo positivo é feito de um condutor transparente,
como o ITO. O eletrodo negativo, ou catodo, é um filme met´alico comum,
como alumı́nio, que reflete luz visı́vel. Os materiais orgânicos mais usados en-
tre os dois eletrodos s˜ao o PPV e o A Q, que com a adi¸cão de corantes emitem
luz em qualquer comprimento de onda na faixa visı́vel. O filme que emite
luz, feito de semicondutor intrı́nseco, está situado entre um filme dopado com
impurezas doadoras e outro com impurezas aceitadoras, chamadas de camadas
de transporte de elétrons e de buracos, respectivamente.
514 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 10.36: Estrutura b´asica de um diodo emissor de luz orgˆanico (OLED).

Quando uma tens˜ao é aplicada entre os eletrodos, no sentido mostrado


na Figura 10.36, elétrons são injetados no filme do meio por uma camada, en-
quanto buracos são injetados pela outra camada. A recombinação dos elétrons
e buracos produz luz que é refletida pelo filme de alumı́nio e sai frontalmente
através da placa de vidro. Uma grande vantagem deste LED é exatamente
o fato da luz sair frontalmente, em ´ area extensa, em vez da emissão lateral
confinada à região da jun¸cão, como ocorre nos diodos de semicondutores i-
norgânicos. Os OLEDs atuais de PPV ou de A Q operam com tens˜oes da
ordem de 10 volt e têm eficiência de convers˜ao de 4%. Eles são empregados em

telas planas
câmaras de mostradores
digitais e aparelhos ´opticos
de vı́deo pequenos,
miniatura.usados
Neste em telefones
segmento elescelulares,
venceram
a corrida tecnológica contra os mostradores de cristais lı́quidos porque emitem
luz diretamente, tendo maior brilho e maior ˆangulo de vis˜ao.

10.4 Materiais Supercondutores

Materiais supercondutores são aqueles que apresentam resistência desprezı́vel


à passagem de corrente elétrica. A supercondutividade só é observada em
certos elementos ou ligas metálicas, a temperaturas abaixo de um valor crı́tico
Tc . Este fenômeno foi descoberto em 1911 pelo fı́sico holandês Kamerlingh
Onnes, que três anos antes havia conseguido liquefazer hélio. Ao fazer medidas
da resistência elétrica de materiais em torno da temperatura de liquefação do
hélio (4,2 K), ele observou que a resistência do merc´
urio caia bruscamente para
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 515

valores desprezı́veis numa certa temperatura Tc 4, 2 K. Uma reprodu¸cão do



gráfico srcinal feito por Kamerlingh Onnes est´ a mostrada na Fig.10.37.

Nos anos seguintes Onnes descobriu que, mesmo em T < Tc , a su-


percondutividade era destruı́da e a resistência voltava ao normal, quando o
material era submetido a um campo magnético de intensidade acima de um
valor cr´ıtico H c . Ele também observou que a supercondutividade era destruı́da
com a passagem de uma corrente elétrica com densidade acima de um valor
cr´ıtico Jc . A partir de en tão, inúmeros laborat´orios e pesquisadores de todo
o mundo passaram a investigar as propriedades elétricas e magnéticas de ma-
teriais, a procura de novos supercondutores com temperaturas crı́ticas mais
elevadas. Por outro lado, fı́sicos teóricos passaram a buscar uma explica¸cão
para o fenômeno.

Inicialmente descobriu-se que vários metais simples eram supercondu-


tores, porém todos com baixos valores de Tc . O pr´oprio Onnes observou a
supercondutividade em chumbo (Pb) em 1913, com Tc = 7, 2 K. Em 1930 foi
descoberto o metal simples com a maior temperatura crı́tica, nióbio (Nb) com
Tc = 9, 2 K. Em seguida passou-se a investigar ligas e compostos intermetálicos,
sendo descobertos v´arios compostos de Nb com temperaturas crı́ticas mais
elevadas. Entretanto, até 1986, a maior temperatura crı́tica conhecida era
Tc = 23,2 K, em Nb 3 Ge. Naquele ano, Bednorz e M¨uller, pesquisadores do
laboratório da IBM em Zurique, observaram supercondutividade em cerâmicas
de LaBaCuO, com temperatura crı́tica próxima de 30 K. Este fato levou os
pesquisadores a procurar a supercondutividade numa nova classe de mate-

Figura 10.37 : Variação da resistência


elétrica de uma amostra de mercúrio
com a temperatura, medida por Kamer-
lingh Onnes em 1911.
516 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 10.38: Variação da resistividade de Y 1 Ba2 Cu3 O7 com a temperatura medida por
Chu et al. [Physical Review Letters, 58, 908, 1987)].

riais ainda inexplorada. Logo no ano seguinte, o grupo de Paul Chu, em


Houston, descobriu a supercondutividade em cerˆamicas com f´ormula qu´ımica
Y1 Ba2 Cu3 O7 , com Tc = 92 K. A Figura 10.38 mostra a medida da resistivi-

Material Tc (K) Hc (kOe) λL (Å) ξ (Å)

Elementos metálicos
A 1,1 0,1 160 16.000
Sn 3,9 0,3 340 2.300
Pb 7,2 0,8 370 830
Nb 9,5 2,0 400 380
Ligas e compostos bin´arios
Nb0,3 Ti0,7 9,2 140 600 450
Nb3 A 17,5 325 - -
Nb3 Sn 18,1 240 800 35
Nb3 Ge 23,2 380 - -
Óxidos cuprosos de alta Tc
YBa2 Cu3 O7 92 ∼1.500 4.000 ∼10
Bi2 Ca2 Sr2 Cu3 O10 110 ∼1.000 ∼6.000 ∼10
T2 Ca2 Ba2 Cu3 O10 > 110 > 1.100 ∼1.600 ∼13
Tabela 10.5: Parâmetros de alguns materiais supercondutores. Os valores de Hc , λL e
ξ foram medidos em temperaturas pr´oximas de 0 K. Os parˆ ametros dos óxidos cuprosos
dependem das condições de prepara¸cão.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 517

dade elétrica deste composto em função da temperatura, medida pela equipe


de Chu.

A importância da descoberta de Chu está no fato de que o YBaCuO foi o


primeiro material a exibir supercondutividade a temperatura superior a 77 K.
Esta é a temperatura de liquefação de nitrogênio, muito maior que a do hélio.
Hélio e nitrogênio são os lı́quidos criogênicos mais utilizados para abaixar a
temperatura de materiais. Como é muito mais fácil e mais econômico trabalhar
com nitrogênio lı́quido do que com hélio lı́quido, a descoberta da supercondu-
tividade em YBaCuO trouxe grande esperança de aplica¸cão prática dos super-
condutores. Desde 1987 v´arios outros ´oxidos cuprosos supercondutores foram
sintetizados com temperaturas crı́ticas acima de 77 K. O material estável de
maior Tc conhecido é T 2 Ca2 Ba2 Cu3 O10 , que tem Tc = 125 K. Esses mate-
riais são chamados supercondutores de alta T . A Tabela 10.5 apresenta as
temperaturas crı́ticas, os campos crı́ticos e dois comprimentos importantes que
serão explicados na se¸cão 10.4.2, para materiais supercondutores de diversas
classes.

10.4.1 Propriedades Magnéticas dos Supercondutores

Os materiais supercondutores apresentam forte comportamento magnético


em temperaturas abaixo de Tc . Isto foi primeiro observado por Meissner e
Ochsenfeld, em 1933, que descobriram que os metais simples apresentam dia-
magnetismo perfeito em T < Tc . Eles observaram que quando um super-
condutor
interior aoé se
submetido
diminuir aa um campo magnético
temperatura abaixo deexterno, o campo
T c . Este B é expulso
fenˆomeno, do
ilustrado
na Figura 10.39, é conhecido como efeito Meissner.

Na realidade, este fenˆomeno só ocorre para campos de intensidade H <


Hc , pois acima de Hc o material é normal em qualquer temperatura. Como
 = µ 0 (H
B  +M  ), no SI, o efeito Meissner significa que, em T < T c e H < H c ,
 =
M −H (10.31)

no interior do supercond utor. Esta magnetização não tem srcem em dipo-


los magnéticos atômicos, como ocorre nos materiais magnéticos. Ela resulta
de correntes macrosc´opicas, induzidas no supercondutor com a aplica¸cão do
campo magnético, chamadas supercorrentes. As supercorrentes são induzi-
das pelo efeito Faraday, e como a resistência do material é desprezı́vel, elas
persistem durante um longo tempo (nos materiais puros elas podem durar
518 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

 é
Figura 10.39: Ilustração do efeito Meiss ner numa esfera superc ondutora. O campo B
expulso do interior da esfera em T < T c .

até milhares de anos). Devido à lei de Lenz, as supercorrentes têm o sentido


de contrariar o campo, e por isto criam uma magnetiza¸ cão efetiva no sentido
oposto ao de H .

Na realidade, somente os supercondutores feitos de metais simples, têm


magnetização dada por (10.31) em toda a regi˜ ao H < Hc . Esses materiais,
chamados supercondutores tipo I , têm curva de M em fun¸cão de H
mostrada na Figura 10.40(a). Há uma outra classe de materiais, chamados su-
 
percondutores
que um valor Hc1tipo I I, nos
. Nestes quais M identificam-se
materiais = H somentedois
− paracampos H menores
camposcrı́ticos, Hc1
e Hc2 . O campo Hc2 é aquele acima do qual o material deixa de ser super-
condutor, isto é, sua resistência é normal, enquanto Hc1 é o campo abaixo do
qual o material é perfeitamente diamagnético. Nos supercondutores tipo II, a
variação de M com H tem a forma mostrada na Figura 10.40(b). Assim, o com-
portamento magnético é caracterizado por três fases distintas: em H < Hc1
ocorre a fase Meissner, na qual o diamagnetismo é completo ( M  = H  );

em H > Hc2 temos a fase normal, na qual M = 0; na regi˜ao intermediária,
Hc1 < H < H c2 , ocorre a fase mixta, na qual o comportamento é mais com-
plexo. Nesta fase o material é diamagnético, porém o diamagnetismo não é
perfeito, isto é, M < H pois a expuls˜ao do campo B do interior do material
| | | |
não é completa. Como mostrado na Figura 10.41, algumas linhas de indução
permanecem no interior do material, agrupadas em feixes cilı́ndricos chama-
dos fluxóides. Nas regiões filamentares atravessadas pelas linhas o material
encontra-se na fase normal, enquanto no restante ele está na fase supercondu-
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 519

Figura 10.40: Variação da magnetiza¸cão em fun¸cão do campo magnético em materiais su-


percondutores: (a) Tipo I; (b) Tipo II.

tora. Nas regi˜oes supercondutoras existem supercorrentes circulando em torno


dos filamentos, de mo do a manter o campo dos fluxóides. Por esta razão, os
filamentos onde existem os flux´oides também são chamados vórtices. Uti-
lizando conceitos de mecânica quântica aplicada a supercondutores, é poss´ıvel
mostrar que o fluxo magnético de cada fluxóide é dado por,
h −7
Φ0 = = 2, 067 × 10 gauss cm 2 . (10.32)
2e

Assim, o fluxo magnético que atravessa o material é quantizado, sendo igual a


um múltiplo de Φ .
0

Figura 10.41: Comportamento do campo magnético em supercondutor tipo II nas três fases
magnéticas.
520 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 10.42: Variação dos campos crı́ticos com a temperatura em supercondutores t´ıpicos:
(a) Pb, tipo I; (b) Nb 3 Sn, tipo II.

Os supercondutores tipo I s˜ ao os metais simples, formados por apenas


um elemento. Como mostrado na Tabela 10.5, eles têm temperaturas crı́ticas
abaixo de 10 K e campos crı́ticos de algumas centenas de Oersteds. Por outro
lado, os compostos intermet´alicos e os ´oxidos cuprosos s˜ao supercondutores
tipo II, com temperatura crı́tica mais elevada. Neste caso, os campos crı́ticos
apresentados na Tabela 10.5 são aqueles nos quais a supercondutividade é
destru´ıda, isto é, Hc2 . Vê-se que os campos crı́ticos nos supercondutores tipo
II são muito maiores do que nos supercondutores tipo I. Esta é a principal raz˜
ao
pela qual os supercondutores tipo II s˜ ao mais importantes tecnologicamente

que os tipo I.
Os valores de campo crı́tico apresentados na Tabela 10.5 são v´alidos
para temperatura nula. Na realidade, os campos Hc , Hc1 e Hc2 variam com
a temperatura. Quanto maior T , menor o valor do campo necess´ ario para
destruir a supercondutividade. Este fato está evidenciado na Figura 10.42,
que mostra diagramas de fase para supercondutores tı́picos tipo I e tipo II.

10.4.2 A Fı́sica da Supercondutividade

A supercondutividade dos materiais tornou-se um dos fenˆ omenos fı́sicos mais


intrigantes e desafiadores deste século. Desde sua descoberta casual em 1911,
ela atraiu grande interesse por parte de fı́sicos experimentais e teóricos, na
busca de novos materiais supercondutores e de explica¸ cões teóricas para os
fenômenos observados. Em 1934 Hans e Fritz London anunciaram uma teoria
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 521

fenomenológica que explicava o efeito Meissner. Porém, foram necess´arias


mais duas décadas de trabalho até a formulação de uma teoria microsc´opica
convincente, elaborada por Bardeen, Cooper e Schrieffer e anunciada em 1957.
A teoria BCS, como é conhecida, explicava os fenômenos observados até então
e parecia resolver todos os mistérios da supercondutividade. Entretanto, com
a descoberta dos supercondutores de alta Tc , em 1986, verificou-se que a teoria
BCS não explicava a supercondutividade desses materiais, que até o momento
não têm uma teoria microscópica. Nesta seção apresentaremos o resultado
mais importante da teoria de London e algumas no¸ cões sobre o mecanismo

básico da teoria BCS.


A teoria de London para o comportamento do campo magnético é
baseada nas equa¸cões do eletromagnetismo e na propriedade b´ asica de um
supercondutor, qual seja, resistência nula. Considera-se que a corrente elétrica
no material é formada por dois tipos de partı́culas: os elétrons normais, que
sofrem espalhamento por impurezas ou por fˆonons, e as partı́culas supercon-
dutoras, que n˜ao sofrem colis˜oes. A componente da corrente das partı́culas
supercondutoras é chamada supercorrente. A equa¸cão de movimento dessas
part´ıculas num campo elétrico  é
E
dv
m s =q  , E (10.33)
dt

onde m, vs e q são respectivamente a massa, a velocidade e a carga das


partı́culas supercondutoras. Sendo n s a concentração dessas partı́culas, a den-
sidade de corrente J = ns qvs obtida de (10.33) satisfaz a seguinte equa¸cão;
dJ = ns q 2 
E . (10.34)
dt m

Substituindo esta expressão para o campo elétrico na equação de Maxwell


(2.3) obtemos,
n q2 

∇ × J + s B

=0 . (10.35)
∂t m

Integrando esta equa¸cão no tempo e considerando que com  = 0 n˜ao h´a


B
corrente no supercondutor, vem:
ns q2 
∇× J + B=0 . (10.36)
m

Esta é a equação de London, que relaciona a corrente com o campo magnético


num supercondutor. Para obter a equa¸cão do campo substituimos (10.36) na
522 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos


equação de Maxwell (2.4). Considerando o campo est´atico ( ∂ D/∂t = 0) e a
 = µ0 H
relação B  , válida para o campo microsc´opico, obtemos:
2
∇×∇×  + µ 0 ns q B
B  =0 . (10.37)
m

Utilizando conhecidas relações entre operadores diferenciais e a Eq.(2.2),


obtemos a equa¸cão que descreve a varia¸cão do campo B num supercondutor,

∇ B = λ1
2 2
L
B
 (10.38)

onde   1/2
m
λL = (10.39)
µ0 ns q2

é o comprimento de London. A Tabela 10.5 apresenta os valores de λL para


alguns supercondutores. Vamos utilizar a Eq.(10.38) para calcular a variação
do campo magnético num supercondutor semi-infinito, com superfı́cie plana,
ilustrado na Figura 10.43. Supomos que o campo é uniforme na parte externa,
 = ẑB 0 . Como Bz só varia na dire¸cão x,
x < 0, sendo paralelo `a superf´ıcie, B
a Eq.(10.38) em x > 0 reduz-se a,
d2 Bz (x) 1
= 2 Bz (x) (10.40)
dx2 λ
L

Figura 10.43: Ilustra¸cão da varia¸cão do campo magnético num supercondutor. O campo é


praticamente confinado numa camada superficial de espessura λ L .
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 523

A solução desta equa¸cão é

Bz (x) = C 1 e −x/λL + C2 e x/λL . (10.41)

Como o campo deve ser finito em x →∞ , é preciso que C2 = 0. Devido `a


continuidade na superf´ıcie x = 0, C 1 = B 0 . Portanto,

Bz (x) = B0 e −x/λL . (10.42)

Assim, o campo externo aplicado ao supercondutor penetra apenas numa ca-


mada de espessura λ L na superfı́cie, e decai exponencialmente tendendo a zero
no interior. Como λL está na faixa 500-5000 Å, a camada é muito fina, de modo
que o campo praticamente n˜ao penetra no inter ior. Este resultado explica o
efeito Meissner.

Enquanto a teoria de London é fenomenológica e baseada em equa¸cões


clássicas, a teoria BCS que explica a resistência nula dos supercondutores é
microscópica e inteiramente quˆantica. A compreensão da teoria BCS exige
conhecimentos avan¸ cados de mecânica quântica e de mecˆanica estatı́stica, que
estão além do nı́vel deste livro. Entretanto, algumas noções elementares do
mecanismo da supercondutividade podem ser compreendidas qualitativamente.

O primeiro conceito importante da teoria BCS é o de pares de Cooper .


Em certas condi¸cões, numa rede cristalina, dois elétrons formando um par
ligado têm energia menor do que teriam se estivessem independentes. Como

os elétronsdetêm
formação umcarga de mesmo
par requer sinal e portanto
a existência sofrem repuls˜
de uma interação ao eletrostática,
atrativa, proveniente a
de algum outro mecanismo. Utilizando a teoria quˆantica, Cooper mostrou em
1956, que a interação entre elétrons e fônons numa rede cristalina pode produzir
uma interação atrativa entre elétrons e resultar na formação de pares. A Figura
10.44 ilustra como isto é possı́vel. Quando um elétron desloca-se numa rede
cristalina em equil´ıbrio (T = 0 K), os ı́ons da rede ao seu redor são perturbados
ligeiramente, devido à interação eletrostática. Assim, ao chegar num certo
ponto, o elétron e1 atrai momentaneamente os ı́ons vizinhos. Isto produz uma
onda de vibração da rede, ou seja, um fˆonon. Esta onda propaga na rede e pode
produzir, em outro p onto, um deslocamento dos ı́ons no sentido de criar um
potencial atrativo para outro elétron e2 . Se a energia deste par for menor que
a dos dois elétrons independentes, eles formarão um estado ligado, chamado
par de Cooper. O tamanho deste par é caracterizado por uma distˆancia ξ ,
chamada comprimento de coerência . Como os elétrons que participam
deste processo s˜ao aqueles que est˜ao próximos da superf´ıcie de Fermi, tendo
524 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 10.44: Ilustra¸cão da interação atrativa entre dois elétrons através da perturbação da
rede cristalina. Este é o mecanismo básico para a forma¸cão dos pares de Cooper.

velocidade vF , pode-se mostrar que o comprimento de coerência é dado por


 vF
ξ= (10.43)
π∆

onde ∆ é a redução de energia que um elétron sofre na formação do par de


Cooper. ∆ é da ordem de alguns meV, que é a energia tı́pica de fônons. A
Tabela 10.5 mostra os valores de ξ para alguns supercondutores. Vemos que
nos materiais tradicionais, ξ é muito maior que a distância entre os vizinhos na
rede. Isto significa que dois elétrons podem estabelecer uma interação atrativa
e formar um par, tendo um grande n´umero de ı́ons entre eles.

ComoNa realidade, anteriormente,


mencionado esta vis˜ao do par de Cooper
a interação é extremamente
entre simplificada.
elétrons através dos fˆ
onons
é um fenômeno eminentemente quântico. Sua descrição é feita no espaço de
momentum, e pode-se mostrar que os dois elétrons do par têm vetores de
onda opostos, k e k , assim como spin s opostos . Os pares de Cooper, com


carga q = 2e e massa m = 2me , são as partı́culas que produzem a super-
corrente. Na supercorrente os pares de Cooper têm um movimento de deriva
com caráter coletivo. Assim, enquanto os elétrons normais movem-se individu-
almente sofrendo colisões com fˆonons e com impurezas, os pares deslocam-se
coletivamente, sem colisões. Portanto, o estado supercondutor resulta do or-
denamento dos elétrons de condução em pares que se formam para diminuir a
energia total do sistema.

O estado supercondutor pode ser destruı́do por um aumento da tempera-


tura, ou pela aplica¸cão de um campo magnético. A energia térmica resultante
do aumento de temperatura faz a energia efetiva de liga¸ cão do par diminuir
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 525

Figura 10.45: Variação da energia de ligação de um par de Cooper com a temperatura.

com T , como mostrado na Figura 10.45. Note a semelhan¸ ca qualitativa entre


esta figura e a da varia¸ cão da magnetiza¸cão num ferromagneto com a tem-
peratura, Fig.9.4. Esta semelhança não é acidental. A energia de ligação é
o parâmetro de ordem do supercondutor, e portanto tem certa analogia com
a magnetização espontânea do ferromagneto. Em ambos os casos a energia
térmica é igual à energia de ordenamento na temperatura crı́tica Tc , onde
ocorre uma transi¸cão de fase. Abaixo desta temperatur a a ordem predomina
e se estabelece o fenômeno coletivo.

A destruição da supercondutividade com a aplicação de um campo


magnético acima de um valor crı́tico é explicada pela natureza dos elétrons
nos pares de Cooper. Como foi mencionado, os dois elétrons do par têm spins
opostos. Então, como o campo H tende a alinhar os spins em sua dire¸cão, o
aumento de H pode produzir a quebra do par. Isto ocorre quando H Hc . ≥
É de se esperar ent˜ao que o campo Hc varie com a temperatura de modo se-
melhante à energia de liga¸cão. Esta é a razão da semelhan¸ca entre as Figuras
10.42 e 10.45.

O comportamento magnético dos supercondutores, e portanto sua clas-


sificação como tipo I ou II, est´ a diretamente associado `a relação entre os dois
comprimentos relevantes surgidos na teoria, λL e ξ . Os supercondutores tipo
I têm ξ ≥ λL , porque eles devem ter a distˆ ancia entre os elétrons dos pares
de Cooper, e portanto a extens˜ ao espacial do estado supercondutor, maior
que a distância caracter´ ıstica da variação do campo magnético. Veja que este
é o caso dos metais simples A, Hg e Pb, cujos parˆ ametros estão na Tabela
526 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

10.5. Por outro lado, os supercondutores tipo II têm ξ ≤λL , porque neste
caso o campo penetra no material em distˆ ancias maiores que a extens˜ao do
estado supercondutor. Assim, o material é caracterizado por regiões normais,
na forma de cilindros de raio ξ , atravessadas por linhas de campo, que s˜ao os
vórtices. Este é o caso dos compostos binários e dos supercondutores de alta
Tc , listados na Tabela 10.5. Note que apesar de ser um metal simples, Nb tem
comportamento mais próximo de supercondutor tipo II.

Para concluir esta seção, é importante mencionar que os mecanismos res-


ponsáveis pela supercondutividade dos materiais de alta T c ainda estão sendo
investigados. Sabe-se que a supercorrente é produzida por partı́culas de carga
q = 2e, e portanto o estado supercondutor é formado por pares de elétrons,

como nos materiais tradicionais. Entretanto, há várias evidências experimen-
tais de que a forma¸cão de pares de elétrons não é mediada por fônons. Isto
é compatı́vel com o fato desses materiais terem comprimento de coerência
comparável com o parˆametro da rede, como mostra a Tabela 10.5. Nesta
situação espera-se que a intera¸cão atrativa entre elétrons seja mediada por al-
gum mecanismo de intera¸cão local, o que n˜ao é o caso das ondas de vibração
da rede. Este mecanismo n˜ao foi, até o momento, identificado em todos os
seus detalhes.

10.4.3 Junções com Supercondutores

Nos Capı́tulos 5 e 6 foram apresentados vários tipos de jun¸cões de materiais


distintos, envolvendo semicondutores, metais e isolantes. Em todos os casos o
comportamento da corrente na jun¸cão em função da tens˜ao aplicada é deter-
minado pelas propriedades das partı́culas responsáveis pela corrente. Como
nos supercondutores essas partı́culas são pares de elétrons, é de se esperar que
as junções envolvendo estes materiais tenham propriedades diferentes daquelas
estudadas anteriormente.

Para analisar as jun¸cões com materiais supercondutores, é necessário


inicialmente compreender certas propriedades dos elétrons de condução. Ao
formar os pares de Cooper no estado supercondutor, a energia dos elétrons é
reduzida de um valor ∆. Como os elétrons que formam pares são aqueles que
estão próximos da superf´ıcie de Fermi no espaço de momentum, esta redu¸cão
produz uma abertura na curva de densidade de estados em torno da energia
EF . A Figura 10.46 mostra a densidade de estados eletrônicos D (E ) em função
da energia num supercondut or. A linha tracejada representa D (E ) no metal
normal em T > Tc , como na Figura 4.10. Em T < Tc ocorre uma redução ∆ da
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 527

Figura 10.46: Densidade de estados


eletrônicos D(E ) num supercondutor.

energia dos pares e um correspondente aumento ∆ na energia dos estados com


E > E F , de modo que o gap de energia torna-se E g = 2∆. Em T = 0 somente
os estados com energia menor que E F ∆ estão ocupados. Em T > 0, alguns

elétrons têm energia térmica suficiente para passar para o ramo de cima da
curva, quebrando os pares de Cooper correspondentes.

Consideremos agora uma junção NIS formada por um metal normal (N),
separado de um supercondutor (S) por meio de uma fina camada isolante (I),
como ilustrado na Figura 10.47(a). Se a camada de isolante tiver espessura
da ordem de 100 Å ou maior, a barreira de potencial impede a passagem de
elétrons do lado N para o lado S, e vice-versa. Entretanto, se a camada for
∼ −
suficientemente fina ( 10 20 Å), existirá uma probabilidade significativa
para a passagem de elétrons de um lado para outro por meio do efeito túnel.
Porém, para que isto ocorra é necessário haver estados ocupados, de um lado, e
estados desocupados do outro lado, com a mesma energia. Como pode ser visto
na Figura 10.47(b), isto n˜ ao acontece no equilı́brio. É preciso então aplicar
uma diferença de potencial V na junção, em qualquer dos dois sentidos, para
fazer o diagrama de energia de um lado subir, ou descer, em rela¸ cão ao outro,
de um valor eV . Assim, somente quando V ≥ Eg /e a corrente de tunelamento
I aumentará significativamente. A variação de I com V na junç˜ao NIS est´a
mostrada na Figura 10.47(c).

Outra junção importante é a SIS, formada por dois supercondutores se-


parados por uma fina camada isolante. Neste caso, se o material supercondutor
for o mesmo nos dois lados, o diagrama de energia ter´ a a forma mostrada na
Figura 10.48(a). Para ocorrer passagem de elétrons isolados de um lado para
outro é preciso haver estados ocupados num lado, com mesma energia de es-
528 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Figura 10.47: Jun¸cão NIS: (a) modelo unidimensional; (b) diagramas de energia no metal e
no supercondutor; (c) caracter´ −
ıstica I V da junção.

tados desocupados no outro. Assim, quando a diferen¸ ca de potencial aplicada


à junção é V≥E g /e, há corrente de tunelamento de elétrons isolados, como
indicado na Figura 10.48(b). Entretanto, mesmo com V = 0, existe uma cor-
rente de valor m´aximo I0 , produzida pelo tunelamento de pares de Cooper.
Este fenômeno é chamado o efeito Josephson dc, em homenagem ao fı́sico
britânico
doutorado. Brian Josephson,
A corrente emque
V =o previu
0 é deteoricamente em
natureza quˆ 1962ena
antica, suafluir
pode tese em
de
qualquer dos dois sentidos. Seu valor depende da defasagem entre as funções
de onda do estado supercondutor nos dois lados. A jun¸cão SIS também é
conhecida como junção Josephson.

Na jun¸cão SIS ocorre um outro fenˆ omeno importante, chamado efeito


ınua V na junção produz uma
Josephson ac. A aplica¸cão de uma tens˜ao cont´
corrente alternada, com freqüência
2e V
ν= V = (10.44)
h Φ0

onde Φ0 é o quantum de fluxo magnético, dado por (10.32). Este fenômeno,


também de natureza quântica, resulta em uma oscila¸cão na corrente de pares
de Cooper proveniente da varia¸cão da fase da função de onda de um lado da
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 529

Figura 10.48 : Junção supercondutor-isolante-supercondutor: (a) diagrama de energia;


(b) caracterı́stica I-V, mostrando o efeito Josephson dc em V=0.

junção em relação ao outro. Para V = 0,1 mV, a freq¨uência dada por (10.44)
é 48,36 GHz, que está situada na regi˜ao de microondas.

10.4.4 Aplicações

As aplicações tecnológicas mais importantes dos materiais supercondutores


no momento estão concentradas em equipamentos que utilizam campos
magnéticos intensos. Estes campos são criados por bobinas feitas de fios

supercondutores
fio com ele
é muito pequena, um pgrande
ode sern´umero de espiras.
percorrido por uma Como a resistência
corrente do
elevada para
gerar um campo intenso, sem muito aquecimento. As bobinas supercondutoras
são utilizadas em eletromagnetos de laborat´orios, em equipamentos médicos
de tomografia por ressonˆancia nuclear magnética e em motores e geradores
elétricos especiais de grande potência. Em geral elas são feitas com fios mul-
tifilamentares de Nb-Ti ou de Nb 3 Sn que têm campos crı́ticos Hc2 de 150 e
240 kOe, respectivamente, e corrente crı́tica da ordem de 105 A/cm2 . As bobi-
nas supercondutoras s˜ao feitas rotineiramente para campos na faixa 100-200
kOe. Elas operam mergulhadas num banho de hélio lı́quido, para manter a
temperatura baixa e assegurar que o fio permane¸ ca na fase supercondutora.
Por esta razão, os equipamentos que usam bobinas supercondutoras s˜ ao volu-
mosos e de alto custo. Os supercondutores de alta T c ainda não são utilizados
nestas aplicações porque são quebradiços, e portanto de difı́cil manuseio para
fazer enrolamentos. Além disso, na forma cerˆamica eles n˜ao têm corrente
crı́tica suficientemente elevada.
530 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Os materiais supercondutores ainda n˜ao encontram aplica¸cões significa-


tivas em dispositivos eletrônicos, onde sua principal limita¸cão é a necessidade
de operar em baixas temperaturas. Uma possı́vel aplicação potencial é em cir-
cuitos eletrônicos de altı́ssima integração, nos quais a redu¸cão das dimens˜oes
fı́sicas dos componentes limita a dissipação de energia térmica. Neste caso, a
substituição dos filmes met´alicos dos contatos e das interligações entre os com-
ponentes, por filmes supercondutores, possibilitaria maior redução no tamanho
dos dispositivos. Em algumas situa¸cões a utiliza¸cão de filmes supercondutores
nesses dispositivos pode ser vantajosa, mesmo com a necessidade de mantê-los

em baixa temperatura.
As junções de supercondutores também têm aplicação potencial na
eletrônica. A junção Josephson, com a caracter´ ıstica I V da Figura 10.48,

apresenta um comportamento com dois estados distintos de corrente: I  0
para V < Eg /e; I = 0 para V > E g /e. Nas jun¸cões feitas com supercondutores

tradicionais, o chaveamento de um estado para o outro é muito rápido, com
intervalos de tempo de picosegundo (10−12 s), e com dissipa¸cão de potência da
ordem de pW. Estas caracterı́sticas tornam as junções Josephson muito atra-
tivas para aplicações digitais, em circuitos l´ogicos e em mem´orias de computa-
dores rápidos. Novamente, a maior dificuldade desta tecnologia é a necessidade
de operação em baixas temperaturas.

O efeito Josephson ac encontra uma aplicação importante em metrologia.


O padrão tradicional de diferen¸ca de potencial é uma bateria eletroquı́mica,
conhecida como célula de Weston. Esta célula tem tensão de 1,018 V e esta-
bilidade da ordem de 1 ppm. Através do efeito Josephson ac e´ poss´ıvel con-
verter tensão em freq¨uência, e vice-versa, com grande precisão na medida de
freqüência. Isto possibilita a construção de um padr˜ao de tensão com precisão
e estabilidade cerca de 100 vezes maiores que na célula de Weston.

Finalmente, outra aplicação atual das jun¸cões Josephson é nos dis-


positivos conhecidos como SQUID, palavra formada pelas letras iniciais de
Superconducting Quantum Interference Device. O dispositivo SQUID é for-
mado por duas jun¸cões Josephson em paralelo, como ilustrado na Figura 10.49.
A corrente I que entra no dispositivo é dividida em duas componentes, que
atravessam as duas junções Josephson na forma de correntes de pares de
elétrons. Neste caso, pode-se mostrar que a dependência de cada corrente
nas fases das funções de onda nos dois lados resulta numa corrente que varia
com o fluxo magnético Φ que atravessa o contorno do circuito, na forma
 
I = I 0 cos π
Φ
(10.45)
Φ0
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 531

Figura 10.49: Dispositivo SQUID: (a) esquema da liga¸ cão das jun¸cões Josephson;
(b) Variação da corrente com o fluxo magnético que atravessa o dispositivo.

onde Φ0 é o quantum de fluxo dado por (10.32). Este resultado mostra que
quando o SQUID é submetido a um campo magnético, a corrente varia peri-
odicamente, passando por m´aximos consecutivos `a medida que o fluxo passa
por m´ultiplos do quantum Φ 0 . Então, por meio de um circuito contador di-
gital pode-se contar o n´umero de m´aximos que a corrente atravessa e assim
determinar o fluxo final. Vemos pela Eq.( 10.45) que se o circuito tiver ´area
1 cm2 , o campo correspondente a um quantum Φ 0 será B 2 10−7 gauss.
 ×
Este valor extremamente pequeno (o campo magnético da Terra é cerca de 0,5
gauss) possibilita que o SQUID seja usado para medir campos magnéticos com
grande sensibilidade e precis˜ao. Os magnetômetros de SQUID s˜ao utilizados
rotineiramente em equipamentos cientı́ficos, médicos e industriais.

REFERÊNCIAS

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G.M. Sessler, ed., Electrets-Topics in Applied Physics , Springer-Verlag,

Berlin, 1983.
L. Solymar and D. Walsh, Lectures on the Electrical Properties of Materials,
Oxford University Press, Oxford, 1993.
R. Syms and J. Cozens, Optical Guided Waves and Devices , Mc Graw-Hill,
New York, 1992.
A. Yariv, Quantum Electronics, J. Wiley, New York, 1989.

PROBLEMAS

10.1 Um capacitor de placas paralelas com um isolante de óxido de tântalo de


espessura 1 µm tem capacitância C = 1µF: a) Calcule a tensão máxima de
operação do capacitor; b) Calcule a densidade de carga livre e a densidade
de carga de polariza¸cão quando a tens˜ao aplicada é 10 V.
10.2 Dez discos de PZT de espessura 1 mm s˜ ao empilhados para formar um
microposicionador. Os discos s˜ao colocados um sobre o outro, com polari-
dades alternadas, e separadas por uma lâmina de cobre para aplica¸cão da
tensão. Os terminais das lâminas são interligados de modo que todos os
discos são submetidos a mesma tens˜ao externa, alternadamente, fazendo
com que a expans˜ao da pilha seja a soma das expans˜oes dos discos. Cal-
cule a variação do comprimento do microposicionador ao ser submetido a
uma tensão de 100 V.
10.3 Calcule a espessura de uma placa de quartzo, no corte X, utilizada
para estabilizar o oscilador do transmissor de uma esta¸ cão de r´adio de
freqüência 720 kHz.

10.4 A célula unitária de BaTiO 3 tem parâmetro de rede a 4 Å e momento
de dipolo elétrico p 1, 66 10−29 Cm devido a um pequeno deslocamento
 ×
espontâneo dos ı́ons Ti4+ . Estime o valor da constante piezoelétrica deste
material e compare com o dado da Tabela 10.2.
Cap. 10 Outros Materiais Importantes para a Eletrˆonica 533

10.5 Mostre que num modulador eletro-´optico tipo Mach-Zehnder, a trans-


missão é dada pela Equação (10.29).
10.6 Um modulador eletro-óptico tipo Mach-Zehnder com guia de Ti:LiNbO 3
tem eletrodos com comprimento 5 mm e distantes 5 µ m um do outro.
Calcule a tens˜ao necessária para produzir o corte numa modula¸cão tipo
on/off.
10.7 Num l´ıquido isotrópico, as moléculas podem assumir qualquer direção no
espaço com igual probabilidade. Mostre que a integral em três dimensões
do fator angular da Eq.10.30 é nula nesta situação.
10.8 No estado de v´ortices de um supercondutor, cada vórtice tem um fluxo
Φ0 . Calcule o n´umero de vórtices por cm 2 num material quando o campo
magnético que o atravessa é 50 kgauss.
10.9 Calcule o comprimento de London para um metal simples com ns =
1023 /cm3 , m = 2me e q = 2e e compare com os dados da Tabela 10.5.

10.10 Qual a tens˜ao necessária para produzir oscila¸cão com freq¨uência 100
GHz numa jun¸cão Josephson?
10.11 Um magnetômetro SQUID tem um detetor com área 2 cm 2 . Qual é, em
gauss, a menor varia¸cão no campo magnético que pode ser medida pelo
magnetômetro?
534 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos
Apêndice A 535

Apêndice A

Teoria de Perturbação: Cálculo da


Probabilidade de Transição
Neste apêndice apresentamos o cálculo da probabilidade de transi¸cão,
por unidade de tempo, para que um sistema quˆantico, inicialmente num estado
n, passe para outro estado m. O c´alculo é baseado na teoria de perturbação
dependente do tempo, estudada na Seção 8.3.1. Como mostrado naquela seção,
o estado quântico de um sistema com Hamiltoniano = 0 +  (t) é descrito
H H H
por uma função de onda Ψ( t), que pode ser expandida como em (8.48)

Ψ(t) =
 an (t)ψn e −iEn t/ , (A.1)
n

onde ψn são as autofun¸cões da parte constante H


0 do Hamiltoniano, com
energias En . Sendo as fu n¸cões de onda ψn conhecidas, para determinar a

evolução do sistema submetido a uma excita¸ cão variável no tempo

H (t) =
H exp( iωt), é preciso obter os coeficientes an (t). O ponto de partida é a

Eq.(8.51)
dam 1  
= a (t) mn
H e i(ωmn−ω)t , (A.2)
dt i n n

onde ωmn = (Em En )/. Note que este resultado é exato, pois nenhuma apro-

ximação foi feita até o momento. O problema é que a Eq.(A.2) não pode ser
resolvida analiticamente de maneira exata. Para resolvê-la aproximadamente,
empregamos teoria de perturba¸cão. Para isto consi deramos que o Hamilto-
niano de excita¸cão no tempo é pequeno comparado com o estático, isto é,

H H 0 . Assim, os coefi cientes an (t) podem ser expandidos em série de
potências
an = a(0) (1) (2)
n + an + an + ,··· (A.3)

(0) (1)
onde an é o valor que an teria se  = 0, an é o termo de primeira ordem
H
(2)
em  , a n é o termo de segunda ordem, etc.
H
536 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Substituindo (A.3) em (A.2) vem:

· · · = i1
ȧ(0) (1) (2)
m = ȧm + ȧm +
 a(0) (1) (2)
n + an + an + ··· H  
mn e i(ωmn−ω)t .

n
(A.4)

Igualando os termos de mesma ordem nos lados direito e esquerdo desta


equação vem:
ȧ(0)
m = 0

−i
ȧ(1)
m =
 a(0)
n H 
mn (t) ei(ωmn−ω)t

n
 i
ȧ(2)
m = − a(1)
n H 
mn (t) ei(ωmn−ω)t

n
..
.
 i
ȧ(s)
m = − a(s−1)
n H 
mn (t) ei(ωmn−ω)t . (A.5)

n

(0)
A solução de ordem zero é obtida da primeira equação, a m = constante.
Isto significa que se n˜ao houver perturbação, o sistema permanecerá no estado
estacionário em que estiver sido colocado inicialmente. Supondo que ele esteja
inicialmente no estado n temos

a(0)
n = 1

a(0)
m = 0 , m=n  . (A.6)

A solução de primeira ordem é obtida da segunda equação em (A.5), que


pode ser escrita na forma,

ȧ(1)
m = −iH 

mn ei(ωmn−ω)t . (A.7)

Vamos considerar agora que a excita¸cão do sistema é ligada apenas em


t = 0, isto é,  = 0 para t < 0. A integra¸cão de (A.7) leva `a
H
 −  Ht
i 
a(1)
m (t) =

mn e i(ωmn−ω)t dt
0 
Apêndice A 537

i(ωmn−ω)t
= −i
−1
H  e −1  . (A.8)
mn
ωmn ω −
Sendo Ψ m Ψ∗m a densidade de probabilidade de encontrar o sistema no
estado m, pode-se ver que a probabilidade do sistema sofrer transição do estado
n para o estado m é dada por,
(1) 2 4 |H | 
mn
2 sen2 [ 12 (ωmn ω )t]

|a |
m =
2 (ωmn ω )2 − . (A.9)

Como sabemos que a largura de linha de transi¸ cão não é nula, vamos
considerar que n e m são na realidade dois grupos de estados. Assim, a pro-
babilidade do sistema ser encontrado no grupo de estados m é,
+∞
sen2 [ 12 (ωmn ω )t]

(1) 2
|a | =
4
 |H | 2
  D(ωmn) dω mn , (A.10)
m mn
2 −∞ (ωmn ω )2−
onde D (ωmn) é a densidade de estados associada aos dois grupos de estados m
e n . Note que a fun¸cão de ω mn entre os colchetes tem valor t 2 /4 para ω mn = ω .
Quando ω mn se afasta de ω , ela oscila com uma amplitude decrescente devido
ao aumento do denominador. É fácil ver que a largura de linha desta função em
torno de ω mn = ω é da ordem de 2π/t. Então, após um tempo t relativamente
grande, a função entre os colchetes tem largura pequena na regi˜ ao ωmn 
ω . Assim, a densidade de estados pode ser considerada aproximadamente
constante D (ωmn = ω ) nesta região, podendo ser retirada da integral. Usando
a integral definida +∞
sen2 (xt/2) πt
 dx = , (A.11)
−∞ x2 2

obtemos
 2
(1) 2 2π |H |
mn
|a |m =
 2
D(ωmn = ω )t . (A.12)

Portanto, a probabilidade por unidade de tempo do sistema passar do


(1)
grupo de estados n para o grupo de estados m é dada por am 2 /t, ou | |
2π  2
Wn→m = |H | mn D (Em = E n +  ω ) , (A.13)

onde D (E )dE = D (ω )dω e´ o número de estados com energia entre E e E + dE .


Este resultado é chamado regra de ouro , Eq.(8.53).
538 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos
Apêndice B

Constantes Fı́sicas e
Tabela de Conversão de Energia

Constantes Fı́sicas

Grandeza Sı́mbolo Valor CGS SI

Massa do elétron m0 9,10956 10 −28 g 10−31 kg


Carga do elétron e 1,60219 - 10 −19 C
(em módulo) 4,80325 10 −10 esu
Constante de Planck h 6,62620 10 −27 erg.s
10 −34 J.s
 = h/2π 1,05459 10 −27 erg.s
10 −34 J.s
10
Velocidade da luz c 2,99792 10 cm/s 10 8 m/s
Massa do pr´oton Mp 1,67261 10 −24 g 10−27 g
Constante de Boltzmann kB 1,38062 10 −16 erg/K 10 −23 J/K
7
Permissividade de vácuo 0 - 1 10 /4πc2 =
8, 85 10−12 C2 /Nm2
×
Permeabilidade de vácuo µ0 - 1 4π 10−7 ×

Tabela de Conversão de Unidades de Energia/Freq¨


uência

1
Hz cm eV J K Oe

Hz 1 3,3357 ×10−11 4,1357×10−15 6,6262×10−34 4,7994×10−11 3,5714×10−7


cm−1 29,979×109 1 1,2398 ×10−4 1,9865×10−23 1,4388 1,0707 ×104
eV 2,4180 ×1014 8,0655×103 1 1,6022 ×10−19 1,1605×104 8,6355×107
J 1,5092 ×1033 5,0341×1022 6,2414×1018 1 7,2431 ×1022 5,3898×1026
K 20,836 ×109 0,69502 8,6170 ×10−5 1,3806×10−23 1 7,4413 ×103
Oe∗ 2,80×106 9,3399×10−5 1,1580×10−8 1,8554×10−27 1,3438×10−4 1

Para converter o valor de uma grandeza expressa na unidade da coluna à esquerda, para a unidade corres-
pondente a uma das colunas, multiplique pelo valor da linha e coluna correspondentes.


Calculado com γ = 2, 8 MHz/Oe
540 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Apêndice C

Tabela Periódica dos Elementos


Índice Analı́tico
A teorema de, 95
Bloembergen, N., 4
Absorção óptica, 125, 308, 315 Bohr, 56
Acumulação de buracos, 253 Boltzmann, 312, 397
Afinidade eletrônica, 188 Brattain W., 2, 218
Alferov, Z.I., 4, 359 Brockhouse, B.N., 4
Ampère, 385 Buraco, 100, 123
lei de, 423
Amplificação, 217, 237 C
Amplificador óptico, 377
Anderson, P.W., 4, 386 Câmara CCD, 338
Antiferromagnetismo, 389, 408 Campo,
Átomo de hidrogênio, 73 coercitivo, 415
Átomos de muitos elétrons, 84 cr´ıtico de cristal l´ıquido, 504
Autofunção, 58 crı́tico de supercondutor, 520
Autovalor, 58 de desmagnetização, 432
Avalanche, 200 médio, 84
molecular, 402, 406
B Canal de JFET, 242
Capacitor,
Baibich, Mario, 440 elétrico, 469
Banda de, MOS, 251
condução, 100 CCD, 266, 338
energia, 92, 95 CD, 378
valência, 100 Célula primitiva, 9
Bardeen, J., 2, 4, 218, 521 Célula solar, 336
Barreira de potencial, 69, 171 Célula unitária, 8, 9
Barreira Schottky, 188 Centro de recombinação, 322
Base, Cerâmica, 17
comum, 220 Chaveamento, 217, 237, 239
corrente de, 222, 231 Chu, Paul, 516
de transistor, 219 Ciclo de histerese,
BCS, teoria, 521 ferroelétrico, 480
Bednorz, G., 4, 515 magnético, 415
Binning, G., 4 Cinescópio, 495
Birrefringência, 487 Circuito integrado, 3, 271
Bloch, Circulador de ferrite, 455
função de, 96 CMOS, 265

541
542 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Coeficiente, D
de absorção, 294
de amortecimento, 293 DAC, 338
de difusão, 134, 154 Davisson, Germer e Thomson, 47
de Broglie, Louis, 46
extinção, 293, 314
De Forest, Lee, 2
Hall, 151
de Gennes, P., 4
Coletor, Defasador, 490
corrente de, 221 Densidade de estados, 105, 129, 526
de transistor, 219 Diamagnetismo, 389
Comprimento de, Difusão, equação da, 156, 160
coerência, 523 Diodo,
difusão, 160 de barreira de Schottky, 198
London, 522 de junção, 192
onda, 30 emissor de luz, 342
penetração, 300 equação do, 184
Comunicações ópticas, 372 Gunn, 207
túnel, 203, 204
Concentração de portadores, 126, 141
válvula, 2
Condutores, 99
varactor, 202, 203
Conservação de, Zener, 201, 202
carga, 155 Dipolo,
energia, 120 elétrico, 466
momentum, 121 magnético, 387
Constante dielétrica, 291, 305, 314 Disco óptico, 378
Contato ôhmico, 149, 190 Disco magnético, 426
Continuidade de carga, equação de, 155 Dispositivos eletro-ópticos, 489
Cooper, L.N., 4, 521 Dom´ınio,
Corrente cr´ıtica de, de dipolo, 209
magnéticos, 411
laser de semicondutor, 364 parede de, 412
supercondutor, 529
Dreno de JFET, 241
Corrente de,
Drude, modelo de, 299
condução, 110, 145
DVD, 378
deriva, 110, 145
difusão, 152, 154
escuro, 331 E
saturação de JFET, 246
saturação reversa, 185 Ebers-Moll, equações de, 235
Efeito,
Cristal, 14
elasto-óptico, 485
Cristal lı́quido, 20, 501
eletro-óptico, 484
mostrador de, 503 Faraday, 454
Cristal, crescimento de, 15 fotoelástico, 485
Curie, Pierre, 400, 473 fotoelétrico, 41
constante de, 399 Hall, 151
lei de, 398 Josephson, 528
temperatura de, 400, 479 Kerr magneto-óptico, 438
´Indice Anal´itico 543

Efeito, Fator,
Meissner, 517 de transporte da base, 222
pelicular, 300 giromagnético, 443
Stark, 484 Fermi,
túnel, 71, 527 nı́vel ou energia de, 99, 103, 105, 139
Zener, 200 superf´ıcie de, 106
Eficiência, velocidade de, 107, 114
de cabeça de gravação, 424 vetor de onda de, 106
de injeção do emissor, 223
Fermi-Dirac,
quântica, 324
distribuição de, 104
Einstein, 42
relação de, 158 Fermi-Dirac, distribuição
Ferrimagnetismo, 389, 408de, 103
ELD, 498
Eletrônica, 1 Ferrite, 408
Eletreto, 481 dispositivos de, 452
microfone de, 483 Ferromagnetismo, 389, 400
Eletroluminescência, 315, 494 Fibra óptica, 373
Emissão, Filme fino, 21
espontânea, 314, 348 Filtro de YIG, 456
estimulada, 349 Fı́sica da Matéria Condensada, 3
Emissor, Fı́sica do Estado Sólido, 3
comum, corrente de, 236, 238 Fluorescência, 494
corrente de, 220 Fluxóide, 518
de transistor, 219 Fluxo magnético, 387
Energia de, Fonte de JFET, 241
elétron, 46, 63, 94, 104, 110 Forma de linha, 305
fóton, 43
Lorentziana, 306, 311
Fermi, 99
Fônon, 51
impureza, 136
Fosforescência, 494
Epitaxia de,
fase lı́quida (LPE), 17 Fósforo, 495
feixe molecular (MBE), 22 Fóton, 43
Esaki, L., 4 Fotônica, 290, 377
Estado, Foto-resistor, 326
estacionário, 62 Fotocondutividade, 326
fundamental, 67, 76, 78 Fotocondutivo, modo, 331
Fotodetetor, 323
Fotodiodo, 330
F de avalanche, 335
Faixa proibida, 97 Fotoelétron, 41
Faraday, 385 Fotolitografia, 170
lei de, 434 Fotoluminescência, 315
rotação de, 449 Fototransistor, 335
Fator, Fotovoltaico, modo, 331
de amplificação, 223 Freqüência de plasma, 301
de Landé, 395 Função de onda, 48, 57
de transferência de corrente, 223 Função trabalho, 44, 187
544 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

G Inversão,
de população, 349
Gap, em capacitor MOS, 251
de energia, 100, 118 Isolador,
direto, 121 de ferrite, 453
indireto, 122 magneto-óptico, 454
Giaever, I., 4 Isolantes, 99
Gravação magnética, 425
cabeça de, 427 J
de áudio, 428
JFET, 241
de vı́deo, 429
digital, 429 Josephson,
Junção, B., 4, 528
materiais para, 435
de supercondutores, 526
Gravação magneto-óptica, 439
Josephson, 528
Gross, Bernard, 482 metal-semicondutor, 188
Gunn, J.B., 207 Junção p-n, 168
em equil´ıbrio, 175
H polarizada, 180
Hall, E.H., 151 K
Hartree, D.R., 84
Heeger, A., 4, 507 Kamerlingh Onnes, 514
Heisenberg, 45, 49, 56, 404 Kaptisa, P., 4
HEMT, 250 Kilby, Jack, 4, 272
Henry, 386 Kittel, 421
Hertz, 40 Kroemer, H., 4, 359
Heterojunção, 186
de semicondutor, 190
L
Homojunção, 186
Hund, regra de, 392 Largura de linha, 306, 448
Laser, 348
I a gás, 357
de argônio, 358
Ímã permanente, 386, 437 de CO 2 , 359
Implantação iônica, 135 de diodo semicondutor, 359
Impureza, 135, 139 de He-Ne, 358
aceitadora, 137 de heterojunções, 363
doadora, 137 de Nd-YAG, 354
Índice de refração, 30, 291 de po¸co quântico, 368
Índices de Miller, 9 de rubi, 353
Injeção de, de sólidos com impurezas, 353
buracos, 159, 181, 225 de Ti:safira, 356
elétrons, 158 Laughlin, R.B., 4
portadores, 158 LCD, 503
Interação de intercˆambio, 404 LDR, 326
Interação radiação-matéria, 290, 298 LED, 343
Interferômetro Mach-Zehnder, 491 orgânico, 513
´Indice Anal´itico 545

Lee, D.M., 4 Memória,


Lei de a¸cão das massas, 140 óptica, 378
Ligação covalente, 7 MESFET, 248
Ligação molecular, 7 Metais, 7
Ligações atômicas, 5 Microeletrônica, 272
Livre caminho médio, 114, 153 Microprocessadores, 3
London, Microscópio eletrônico, 47
comprimento de, 522 Millikan, 41
Hans e Fritz, 520 MIS, 339
teoria de, 521 Mobilidade, 146, 148
Lorentz, 303 Mode locking, 355
Lorentziana, função, 306 Modulador eletro-óptico, 490
Luminescência, 315, 318, 343, 493 Momento de,
dipolo elétrico, 466
M magnético, 387
magnético de átomos e ı́ons, 394
MacDiarmid, A., 4, 508
Momentum de,
Magnetismo, 385
elétron, 46, 57, 64
Magnetização, 387
fóton, 44
de saturação, 399
Monocristal, 14
espontânea, 400
Moore, lei de, 272
remanente, 415
MOSFET, 241
Magneto-eletrônica, 440
Mott, N.F., 4
Magneto-resistência gigante, 439
Müller, K.A., 4, 515
Magneton de Bohr, 394
Multicamada magnética, 23
Mascarenhas, Sergio, 482
Massa efetiva, 102, 103, 122, 124 N
Materiais,
amorfos, 17 Nanociência e nanotecnologia, 272
cerâmicos, 17 Néel, Louis, 386
cristalinos, 8, 14 Neutralidade de cargas, 141
de alta permeabilid ade, 422 Newton, 289
dielétricos, 466 Número quântico, 66, 75
eletroluminescentes, 494
ferroelétricos, 475, 479 O
fosforescentes, 494
fotoluminescentes, 494 Oersted, 385
magnéticos, 400 OLED, 513
ópticos não-lineares, 487 Onda,
orgânicos, 19, 507 de elétron, 50
piezoelétricos, 473 elástica, 34, 36
policristalinos, 17 eletromagnética, 28, 291
supercondutores, 514 em ferrites, 448
Maxwell, equações de, 28 equação de, 29
Mecânica quântica, 56 Operador quântico, 57, 59
Memória, Opto-Eletrônica, 290
de semicondutor, 277 Orbital, 81
magnética, 437 Oscilador harmônico, 71
546 Materiais e Dispositivos Eletrˆ onicos

Osheroff, D.D., 4 Rede cristalina, 8, 9


Refletividade óptica, 296
P Região de,
carga espacial, 171
Par de Cooper, 523 depleção, 171, 175
Par elétron-buraco, 125 transição, 171
Paramagnetismo, 389, 396 Regra de,
de Pauli, 396 Hund, 392
Parâmetro, ouro, 311, 536
da rede, 9 seleção, 84
de ordem, 503, 525 Relação de dispers˜ao de,
do transistor, 233 elétron, 63, 94
Pauli, princ´ıpio de exclusão, 85 onda elástica, 38
PDP, 500 onda eletromagnética, 31, 32
Permissividade Resistência negativa, 205
elétrica, 29, 467 Responsividade, 333
magnética, 29 Ressonância ferromagnética, 447
relativa, 291, 467 Reta de carga, 238
Piezoeletricidade, 473 Retificador, 196
Planck, 42, 56 controlado de sil´ıcio, 267
Polarização, 466 Richardson, R.C., 4
espontânea, 479 Ripper Filho, José, 359, 366
Policristal, 18 Rohrer, H., 4
Ponto de operação, 238 Ruska, E., 4
Pol´ımeros, 19
condutores, 507 S
Porta de JFET, 241
Porta isolada em MOSFET, 251 SAW, dispositivo, 477
Portadores, Schawlow, A.L., 4, 348
majoritários, 141, 189 Schottky, W., 188, 198
minoritários, 141, 185, 189 Schrieffer, J.R., 4, 521
Potencial de Schroedinger, 45, 56
contato, 173 equação de, 60, 62
retardo, 42 SCR, 267
Poulsen, Valdemar, 426 Semicondutor, 101, 118
Princ´ıpio da incerteza, 46, 49 de gap direto, 121
Princı́pio do balanceamento detalhado, 126 de gap indireto, 122
Probabilidade de transição, 313, 316 degenerado, 143, 204
dopado, 135
Q extr´ınseco, 118, 135
intr´ınseco, 118
Q-switching, 355, 356 tipo n, 135
tipo p, 135
R Sensor de imagem, 338
Shirakawa, H., 4, 508
Raio iônico, 13 Shockley, W., 2, 184, 218
Recombinação de pares, 126 Shull, C.G., 4
centros de, 322 Siegbahn, K.M., 4
´Indice Anal´itico 547

Sólidos iônicos, 6 Transistor,


Spin, 81, 391 HEMT, 250
momento magnético de, 392 MESFET, 248
Spintrônica, 440 MOSFET, 251, 264, 265
Sputtering, 24 TRIAC, 270
SQUID, 530 Triodo, válvula, 2, 217
Stormer, H.L., 4 Tsui, D.C., 4
Substrato, 21, 169 Tubo de raios cat´odicos, 495
Supercondutor, 514
de alta T c , 517 V
tipo I, 518
tipo II, 518 Valor esperado,
Válvula de spin, 59
440
Supercorrente, 517, 521
Susceptibilidade, Van Vleck, J.H., 4, 386
dinâmica de ferrite, 445 Varactor, 203
elétrica, 467 Velocidade de,
magnética, 388 deriva, 111
fase, 30
T Fermi, 107
grupo, 34
Tabela periódica dos elementos, 85 Vetor de,
Tela, onda, 30
de cinescópio, 495 Poynting, 293
de cristal lı́quido, 506 Vibração de rede, 36
de material orgˆanico, 513 VLSI, 265
de plasma, 500 von Klitzing, K., 4, 151
eletroluminescente, 498 Vórtice, 519
Temperatura
cr´ıtica de cristal l´ıquido, 503 W
crı́tica de supercondutor, 514, 525
de Curie, 400, 479 WDM, 377
Tempo de, Weiss, Pierre, 402
colisão, 111 Wilson, K.G., 4
decaimento, 482
Z
recombinação, 159
Tensão crı́tica de inversão de MOSFET, Zona de Brillouin, 38, 96, 97
257
Teoria de perturbação, 82, 312, 535
Tiristor, 267
Townes, C.H., 348
Transição,
de dipolo elétrico, 314
não-radiativa, 315
radiativa, 314
Transistor, 3, 218
bipolar, 219
bipolar de jun¸cão, 218
de efeito de campo, 218, 241

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