Jogos e Brincadeiras Tradicionais
Jogos e Brincadeiras Tradicionais
Jogos e Brincadeiras Tradicionais
RESUMO
Grande parte dos jogos e brincadeiras tradicionais que encantam e fazem parte do cotidiano de várias
gerações de crianças estão desaparecendo na atualidade devido às transformações do ambiente urbano,
da influência da televisão e dos jogos eletrônicos. Pesquisas atuais mostram a importância de resgatar
os jogos tradicionais na educação e socialização da infância, pois brincando e jogando a criança
estabelece vínculos sociais, ajusta-se ao grupo e aceita a participação de outras crianças com os
mesmo direitos.Obedece às regras traçadas pelo grupo, como também propõe suas modificações.
Aprende a ganhar, mas também a perder. Na experiência lúdica, a criança, assim como o adulto,
cultiva a fantasia, vivencia a amizade e a solidariedade, traços fundamentais para se desenvolver uma
“cultura solidária” na sociedade brasileira atual.Este artigo aborda a origem do universo lúdico das
crianças brasileiras, a partir dos escritos e pinturas dos viajantes estrangeiros entre os séculos XVI e
XIX e obras literárias .Para identificar e caracterizar as brincadeiras tradicionais infantis recorremos a
autores como Cascudo, Gilberto Freyre, Jean Château, Michel Manson, João Amado, Florestan
Fernandes, Kishimoto e outros. Estes autores evidenciam a importância do universo lúdico para o
desenvolvimento infantil, pois eles foram e continuam a ser uma verdadeira “introdução ao mundo”.
Os jogos tradicionais infantis são provenientes de rudimentos de romances, contos, rituais religiosos e
místicos abandonados pelo mundo adulto.Anonimato, oralidade, tradição, conservação, mudança e
universalidade são características desses jogos. Canções de roda, advinhas, parlendas, histórias de
fadas, bruxas, lobisomens, e jogos de bolinhas de gude, pião, amarelinha, pedrinhas (saquinhos), a
pipa, entre outros, foram divulgadas pelos colonizadores portugueses quando vieram para o Brasil. A
pipa ou o papagaio trazido pelos portugueses no século XVI tem origem nos povos orientais.Segundo
a enciclopédia chinesa Khe-Tchi-King-Youen, a pipa foi inventada no ano 206 a.C, pelo general
chinês Hau-sin, com finalidade de estratégias militares, servindo de comunicação entre os soldados
para enviar notícias a locais sitiados ou pedidos de ajuda. A miscigenação índio-branco-negro e a falta
de documentação sobre os jogos dos meninos negros no período colonial dificultam a especificação da
influência africana no folclore infantil.Entretanto, pela linguagem oral que a mãe preta transmitiu para
as crianças o conto, as lendas, os mitos, as histórias de sua terra.Na época da escravidão era costume
do menino branco receber um ou mais moleques negros como companheiros de brincadeira que lhe
serviam como cavalo de montaria, burros de liteira, de carro de cavalo, em que um barbante serve de
rédea, um galho de goiabeira de chicote. Os sinhozinhos reproduziam nas brincadeiras as relações de
dominação. As meninas, ao bricarem os jogos de faz-de-conta, reproduziam a vida do engenho, onde
as meninas negras eram tratadas como servas pela sinhazinha.Entretanto, longe do controle dos
adultos essa relação se invertia, particularmente, nas brincadeiras de pião, papagaio, matar
passarinhos, subir em árvores, a liderança era dos moleques negros, prevalecendo às habilidades do
jogador. Da tradição indígena ficaram as brincadeiras de barbantes, atualmente conhecidas como
cama-de-gato e o gosto pelos jogos e brinquedos imitando animais. Podemos perceber que, apesar da
convivência de diferentes raças a influência portuguesa foi preponderante nas brincadeiras e jogos
infantis das crianças brasileiras.
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TRABALHO COMPLETO
Na sociedade contemporânea, grande parte dos jogos tradicionais infantis - ciranda cirandinha,
cabra-cega, barra manteiga, queimada, jogo de pião, pedrinhas, amarelinha, entre outros - que
encantam e fazem parte do cotidiano de várias gerações de crianças, estão desaparecendo devido à
influência da televisão, dos jogos eletrônicos e das transformações do ambiente urbano, ou seja, as
ruas e as calçadas deixaram de ser os espaços para a criança brincar. Nesse sentido, este texto pretende
observar tais aspectos, abordando o universo lúdico infantil e considerando ainda a contribuição
oferecida por depoimentos de escritos dos viajantes estrangeiros, dos folcloristas e de obras literárias
referentes a esse assunto.
Pesquisas atuais mostram a importância dos jogos tradicionais na educação e socialização da
criança, pois brincando e jogando a criança estabelece vínculos sociais, ajusta-se ao grupo e aceita a
participação de outras crianças com os mesmos direitos. Obedece, ainda, às regras traçadas pelo grupo,
como também propõe suas modificações; aprende a ganhar e a perder. Amado (2002, p. 11) demonstra
que o universo lúdico foi e continua sendo “uma introdução ao mundo... nunca uma lição... mas uma
descoberta”. Ele não compreende esse universo como uma simples imitação dos adultos, mas um
universo de magia, mistério e liberdade sem limites.
Segundo Cascudo (1984) e Kishimoto (1999 e 2003), os jogos tradicionais infantis fazem
parte da cultura popular, expressam a produção espiritual de um povo em uma determinada época
histórica, são transmitidos pela oralidade e sempre estão em transformação, incorporando as criações
anônimas de geração para geração. Ligados ao folclore, possuem as características de anonimato,
tradicionalidade, transmissão oral, conservação e mudança. As brincadeiras tradicionais possuem,
enquanto manifestações da cultura popular, a função de perpetuar a cultura infantil e desenvolver a
convivência social.
Cascudo (2001) afirma que grande parte das práticas lúdicas da infância brasileira – adivinhas,
parlendas, cantigas de roda, histórias de príncipes, rainhas, assombrações, bruxas e brinquedos, como
a pipa, o pião, o bodoque e os jogos de pedrinhas, a amarelinha, entre outros – foram trazidas pelos
portugueses e fazem parte da cultura européia e, por isso, segundo Amado (2005), estão
gradativamente entrando em declínio devido:
Durante muito tempo, esse brinquedo foi considerado de origem indígena e pré-colombiana.
Em 1918, Erland NordensKiold descreve esse folguedo como uma combinação da funda e do arco, já
conhecidos pelos romanos como arcus balista, na França denominado arbalète ou baleste, na
Península Ibérica, ballesta, balesta ou besta (cf. Cascudo, 2001).
Outro brinquedo de arma produzido pelas próprias crianças, utilizado para matar passarinhos e
em rixas entre as gangues de adolescentes durante vários séculos, é o estilingue, conhecido também
como atiradeira, baladeira. Em Santa Catarina, o folclorista Osvaldo R. Cabral informa que as crianças
o chamam de setra ou seta, os meninos sulistas o designam por chilòida. Em Portugal, o estilingue
recebe os nomes de elásticos, funda, fisga ou atiradeira. Esse brinquedo é composto de três partes: o
gancho ou forquilha (cabo), o elástico e a malha. Tem a forma de um “Y” e é construído com madeira
de laranjeira, goiabeira ou jabuticabeira. Nas extremidades superiores amarram-se duas tiras de
borracha ou elástico. As outras pontas das tiras ficam amarradas em um pedaço de couro formando a
funda, a malha, onde se coloca o projétil (mamona verde, pedrinhas), que é atirado no alvo com o
impulso da borracha distendida.
O folclorista Araújo (1967) conta que os meninos de outrora acreditavam que ao matarem um
passarinho com um estilingue novo, deveriam dar seu sangue para passarem no cabo, para que não
errassem uma estilingada sequer. Outro costume infantil era fazer com o canivete um risco no
estilingue para marcar quantos passarinhos tinham matado. O autor lembra ainda que, na infância, seu
irmão Marinho possuía um estilingue, “cujo cabo não havia mais lugar para assinalar, tanto eram os
piques. Estes iam subindo nas hastes da forquilha. Da empunhadura passavam para os ganchos. O
cabo de seu estilingue era um verdadeiro reco-reco... Tinha uma pontaria! Melhor do que a de Assis
Brasil no revólver...” (p. 351).
O pião ou pinhão é um brinquedo construído com madeira de goiabeira, laranjeira e jacarandá,
tendo na ponta um prego – “ferrão” -, por onde gira pelo impulso do cordão enrolado na outra
extremidade e lançado com destreza pela meninada. Existem várias modalidades desse jogo: na jogada
de dormir o pião deve ficar rodando sobre o seu eixo sem balançar e sem mexer; na jogada batata, o
pião fica girando com a cabeça para baixo; na jogada de vida ou morte, o jogador lança o pião sobre
um outro que está girando para parti-lo ao meio, danificando-o. O dono de um pião cheio de pontas é
visto como péssimo jogador (cf. Cascudo, ibidem).
Pesquisa realizada pelo folclorista Sérgio Alexandre Di Marco (1988, p. 70), no interior de
São Paulo, demonstra que várias adivinhas sobre o pião possuem versões semelhantes em Portugal:
2. É de madeira e ferro
Carrega tripa por fora
Quando brinca com ele
Pula, canta, até chora
O pião foi introduzido na lúdica infantil por intermédio dos primeiros portugueses. Segundo
Cascudo (op. cit.), esse brinquedo tem sua origem na Antiguidade Clássica,sendo que na Grécia era
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conhecido por strombos e em Roma por turbo.O historiador Manson (2002) evidencia que o pião era
um dos brinquedos de destreza utilizados pelas crianças da Antiguidade. Na Ilíada, esse brinquedo é
narrado quando Ájax lança uma pedra em Hector, “fazendo-o rodopiar como um pião (strombos); o
outro corria girando à toa” (p. 27). Desde o século V a.C., os vasos gregos registram esse brinquedo.
Virgílio, em Eneida, narra as emoções dos jogadores: “já viram voar, fustigado pela correia, o pião
que as crianças em círculo, absortas, fazem em redor do vestíbulo deserto? Ativado pela correia, ele
descreve curvas rápidas, os miúdos móveis, maravilhados, inclinam-se sem perceber, admirando o
buxo assim animado pelos esticões” (ibidem, p. 28).
Na Idade Média, os brinquedos e os jogos, paulatinamente, vão sendo associados às idades da
vida. O cavalo de pau corresponde à segunda infância, faixa etária entre 3 e 7 anos; o pião a pueritia,
representado por um rapaz que necessitava de força e agilidade para participar desse jogo.
Ariès (1981) mostra que os brinquedos e jogos que, na atualidade, são considerados típicos de
crianças como: jogo de pedrinha, amarelinho, pião, cabra-cega, entre outros, em épocas passadas eram
compartilhados com o mundo dos adultos:
Além desse folguedo, era comum o “jogo do belisco”, brincadeira de roda que, no final da
cantoria, dizia “que lá vai um beliscão”; então, a última criança a ser atingida levava um beliscão; esse
era forte nos moleques e brandos nos sinhozinhos. Nos jogos de pião e soltar papagaio notavam-se
resquícios do sistema escravagista:
Longe da vigilância dos adultos e sob as regras infantis, essa relação se invertia,
principalmente nos jogos de piao, papagaio, matar passarinho com bodoque, subir em árvores, nos
quais a liderança era dos moleques negros, prevalecendo as habilidades do jogador, como conta José
Lins do Rego (1969, p. 56) em Menino de Engenho:
Gilberto Freyre constata que, nesse período, existiam duas representações para os meninos da
casa grande: o menino-diabo e o menino-homem. A primeira manifestava-se nas brincadeiras infantis,
durante as quais o moleque, o menino negro era alvo das pancadarias e dos maltratos; a segunda
quando a criança atingia a puberdade era obrigada a vestir-se e comporta-se como adulto. Essa
adultização precoce da infância levou os viajantes estrangeiros afirmarem que no Brasil daquele tempo
era um país sem crianças:
Os viajantes que aqui estiveram no século XIX são unânimes em destacar este
ridículo da vida brasileira: os meninos, uns homenzinhos à força desde os
nove ou dez anos. Obrigados a se comportarem como gente grande: o cabelo
bem penteado, às vezes frisados à Menino Jesus, o colarinho duro: calça
comprida, roupa preta, botinas pretas, o andar grave, os gestos sisudos: um ar
tristonho de quem acompanha enterro (Freyre,1984,p.411)
Referências Bibliográficas
ALTMAN, Raquel Z. Brincando na História. In: DEL PRIORE, Mary (Orga.). História das crianças
no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999.
AMADO, João. O universo dos brinquedos populares. Coimbra: Quarteto, 2002.
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