Anais Do III CPCJ (Vol. 3) 2019
Anais Do III CPCJ (Vol. 3) 2019
Anais Do III CPCJ (Vol. 3) 2019
Comissão Organizadora
Prof.º Msc. Fernando Cardoso
Prof.ª Dra. Clarissa Marques
Prof.ª Dra. Isabele D'Angelo
Prof.ª Dra. Rita de Cássia Tabosa
Prof.ª Msc. Andréa Motta
Prof. Dr. Pablo Falcão
Prof. Dr. Venceslau Tavares
Anne Gabriele Alves Guimarães
Antônio Lopes de Almeida Neto
Caio Emanuel Brasil Fortunato
Dallete Janyele de Lima Oliveira
Ingrid Tereza de Moura Fontes
Joan Kleber Amorim da Silva
Joane Roberta da Costa Flores
João Marcos Tenorio de Britto Cavalcante
João Victor da Silva Pereira
Juliana de Barros Ferreira
Maria Vitória Lima de Melo
Maria Luiza Rodrigues Dantas
Maria Rita Barbosa Piancó Pavão
Martha Karolyne Silva Sousa Paulino
Paula Tenório Britto Galindo
Rodrigo Lima de Freire Mariz
Comissão Científica
Prof.ª Msc. Andréa Motta (UPE)
Profº. Msc. Caio Sousa (UL)
Prof.ª Dra. Clarissa Marques (UPE)
Prof.ª Dra. Denise Luz (UPE)
Profª. Msc. Elba Ravane (ASCES-UNITA)
Profª. Msc. Emmanuele Bandeira (FIR)
Profº. Msc. Felipe Villa Nova (UPE/ASCES-UNITA)
Prof.º Msc. Fernando Cardoso (UPE)
Profº. Msc. Homero Ribeiro (UPE/UFPE)
Prof.ª Dra. Isabele D'Angelo (UPE)
Profº. Dr. Issac Reis (UNB)
Profº. Msc. José Antônio Albuquerque (FACHUSC)
Profº. Dr. Miguel Ângelo (UPE/UNILEÃO)
Prof. Dr. Pablo Falcão (UPE)
Profª. Msc. Paloma Almeida (UFPE)
Profª. Msc. Pollyanna Queiroz (UFPE)
Prof.ª Dra. Rita de Cássia Tabosa (UPE)
Profº. Dr Silvano Flumignan (UPE)
Profª. Dra. Suely Emília de Barros (UPE)
Profª. Dra. Tárcia Regina (UPE)
Prof. Dr. Venceslau Tavares (UPE/UFPE)
Profª. Msc. Vera Cabral (UNIFAVIP)
ARCOVERDE
2019
CARDOSO, Fernando da Silva; et al.
Anais do III Congresso Pernambucano de Ciências Jurídicas
– Universidade de Pernambuco - Campus Arcoverde. –
Arcoverde: O Autor, 2019.
VAQUEJADA: pela preservação de uma cultura sem maus tratos aos animais
Marcus Vinícius Cardoso de Arruda, Flávia Renata Feitosa Carneiro e Laura Stéphanie
Ferreira de Melo.....................................................................................................................27
WE CAN DO IT: Verás que uma filha tua não foge à luta
Cícero Paulo Bezerra da Silva Filho, Kénnya Karolynne Marques Galvão e Cícera de Souza
Ribeiro..................................................................................................................................476
RESUMO
INTRODUÇÃO
1
GT 1 - Meio Ambiente, Sociedade e Diversidade.
2
Graduando de Direito pela Universidade de Pernambuco (UPE Campus Arcoverde), bolsista PIBIC
UPE/CNPq, membro do Grupo de Pesquisas Transdisciplinares Sobre Meio Ambiente, Diversidade e Sociedade
(UPE/CNPq) e do Coletivo Direitos em Movimento (DIMO/UPE/CNPq), e-mail: [email protected].
3
Graduanda de Direito pela Universidade de Pernambuco (UPE Campus Arcoverde), bolsista PIBIC UPE/CNPq,
membro do Grupo de Pesquisas Transdisciplinares Sobre Meio Ambiente, Diversidade e Sociedade (UPE/CNPq)
e do Coletivo Direitos em Movimento (DIMO/UPE/CNPq), e-mail: [email protected].
territorialização das comunidades quilombolas, foi promulgado o Decreto nº 4.887/2003, o
qual tem o intuito de reconhecer juridicamente a existência quilombola e regularizar o direito
de tais povos. Entretanto, há uma tentativa de criação de dispositivos e propagação de
discursos alheios à Constituição, os quais representam um retrocesso aos direitos que visam
proteger as etnias e a ancestralidade.
No rastro do pensamento colonial, a ADI 3239, proposta em 2004, julgada
recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, buscava declarar inconstitucional o Decreto
acima mencionado, questionando alguns critérios estabelecidos neste, como o
autorreconhecimento, que permite a uma comunidade declarar-se quilombola. Tal ação foi
julgada improcedente pelo STF, fortalecendo não somente o processo de territorialização das
comunidades quilombolas, como também da articulação e promoção de políticas públicas em
benefício dos que ali habitam.
Cabe ressaltar que os mecanismos que propõem o retrocesso dos direitos desses povos,
são operacionalizados por meio de discursos que dão sustentação à manutenção do poder pelos
que historicamente detêm a hegemonia política, econômica e social. Consequentemente, os
povos tradicionais mantêm-se em uma condição de vulnerabilidade.
Neste contexto, o problema de pesquisa que orienta este estudo é “Qual o tratamento
dado pelo Direito ambiental à preservação da memória e cultura ancestral quilombola no
Brasil?”. O objetivo geral é analisar qual o tratamento dado pelo Direito ambiental à
preservação da memória e cultura ancestral quilombola no Brasil.
Os objetivos específicos são relacionar a problemática da territorialização e a violação
dos direitos fundamentais à memória e cultura das CRQs, identificar as etapas e requisitos
para o processo de certificação das Comunidades Remanescentes Quilombolas a partir da
análise da Instrução Normativa nº 57/2009 do INCRA, instrumento legal responsável pelo
procedimento de titulação, e investigar qual a participação política e programas oferecidos
pelo estado de Pernambuco para o desenvolvimento socioeconômico local das CRQs.
O método de pesquisa utilizado foi, principalmente, dedutivo, partindo-se da norma
geral para os casos particulares das comunidades quilombolas do Estado de Pernambuco que
não foram certificadas ou estão com processo de certificação em andamento. A abordagem
foi bibliográfica e documental. A fonte primária da pesquisa foi a legislação e jurisprudência
brasileira sobre a matéria a partir de 1988.
Já no que diz respeito a fonte secundária, utilizou-se a pesquisa bibliográfica da
doutrina jurídico-ambiental, estudos descoloniais e quilombolas, periódicos on-lines e
notícias, além de dados fornecidos pelas plataformas on-line de instituições governamentais,
programas de desenvolvimento de políticas públicas e sistema de monitoramento (Fundação
Cultural Palmares, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, etc).
A pesquisa documental possuiu como objeto de análise a Constituição Federal de
1988, o Decreto nº 4.887/2003, a ADI 3239/2004, o Decreto nº 6261/2007, a Instrução
Normativa nº 57/2009 do INCRA, a Convenção n. 169 da OIT. Assim, a pesquisa documental
é de significativa importância, visto que os documentos subsistem ao longo dos anos,
tornando-se uma importante fonte de dados (GIL, 2002).
Assim, revela-se a importância do estudo sobre os povos das comunidades
quilombolas e o processo de territorialização para a proteção dos direitos de um grupo que foi
historicamente e continua até os dias de hoje sendo subjugado. O século XX enxergou a
diferença colonial a partir da distinção centro-periferia. Hoje, a diferença está em toda parte,
“nas periferias do centro o nos centros da periferia” (MIGNOLO, 2003). Sendo assim, a
resistência em nome da diferença torna-se um enorme desafio diante da tela na qual as
desigualdades e a exclusão são traços marcantes e nem sempre coloridos, tornando cada vez
mais necessárias as lutas assumidas pelos debates sobre raça, etnia, preservação ambiental,
território, seja a partir do Direito ou fora dele.
O presente artigo é fruto da pesquisa referente de iniciação científica (IC
PIBIC/UPE/CNPq 2017-2018) inicialmente desenvolvida por aluna Maria Luiza Rodrigues
Dantas e depois concluída por Joan Kleber Amorim da Silva, ambos discentes regulares do
curso de Bacharelado em Direito da Universidade de Pernambuco – Campus Arcoverde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito, no que diz respeito à tutela dos povos tradicionais, para além da igualdade
formal, tem o papel de garantir que haja um tratamento equânime quanto aos mesmos. Em
razão das consequências históricas dos projetos civilizatórios, aos quais os povos quilombolas
foram submetidos, o direito deve atuar como agente reparador, proporcionando a reconstrução
da cultura perdida no processo de colonização, sendo promotor do pluriculturalismo, e
garantindo aos povos quilombolas o direito de resistir à ordem global.
As marcas do poder colonial refletem-se no passado e no presente das comunidades
quilombolas no Brasil, tendendo a refletirem-se também no seu futuro. Isto porque a
manutenção da identidade étnica depende da ancestralidade, da preservação do passado e da
garantia futura da formação cultural desse povo, sendo o vínculo com a terra originária inter-
relacionado à territorialidade.
Entretanto, como visto, ainda há uma tendência ao retrocesso politico-jurídico no que
tange aos direitos de minorias sociais, o qual fortalece a marca da subalternidade e manutenção
de estigmas. Assim, o direito muitas vezes representa uma fonte de manutenção de poder, de
modo que aqueles que não possuem voz continuam descartados e subalternizados,
vivenciando a exclusão.
Hoje ainda existem muitas comunidades com problemas no que diz respeito ao
reconhecimento enquanto remanescentes de quilombos e à regularização da posse sobre o
território, tendo como causa principalmente a demora na resolução dos processos. Em razão
disso, as comunidades têm complicações para exercer a posse pacífica sobre o território, uma
vez que só após o reconhecimento e a confecção e aprovação do Relatório Técnico de
Identificação e Delimitação (RTID) do território é que ocorrerá a desintrusão dos ocupantes
não quilombolas.
Além do mais, tal situação tem como consequência também a dificuldade dos povos
quilombolas no acesso aos programas governamentais como o Brasil Quilombola e o
Pernambuco Quilombola, no âmbito estadual, que são de extrema importância para o
fortalecimento e desenvolvimento das CRQs.
Neste cenário, o Poder Público deve cumprir sua função no que tange ao
reconhecimento da posse do território tradicional quilombola, conforme prevê a Constituição
Federal de 1988. É necessário, então, que haja razoabilidade no tempo de duração dos
processos para se evitar a violação de direitos dos povos quilombolas e prejuízos para as
comunidades em razão da demora no reconhecimento enquanto CRQ.
Não obstante, também deve se articular caminhos para que a cultura quilombola não
seja apagada, tendo em vista a importância histórica e social dos povos tradicionais, e suas
contribuições em diversas áreas, como, por exemplo, no desenvolvimento sustentável e
preservação da natureza.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Decreto nº 6261 de 20 de nov. de 2007. Dispõe sobre a gestão integrada para o
desenvolvimento da Agenda Social Quilombola no âmbito do Programa Brasil Quilombola.
Brasília, DF: Presidente da República, 2007.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projeto de pesquisa. 4. Ed.- São Paulo. ATLAS, 2002.
SEPPIR. Guia de políticas públicas para comunidades quilombolas. SEPPIR. Brasília, 2013.
WOLKMER, Antonio Carlos; MARES, Carlos Frederico Máres de Souza Filho; TARREGA,
Maria Cristina Vidotte Blanco. O que são quilombos. Os direitos territoriais quilombolas:
além do marco Territorial. Coord: Antonio Carlos Wolkmer, Carlos Frederico Marés de Souza
Filho, Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega. Goiânia: Ed. da PUC Goiás, 2016. 196 p.
VAQUEJADA: PELA PRESERVAÇÃO DE UMA CULTURA SEM MAUS TRATOS
AOS ANIMAIS4
RESUMO
INTRODUÇÃO
4
GT 1- Meio Ambiente, Sociedade e Diversidade.
5
Marcus Vinícius Cardoso de Arruda. Graduado em Direito – Centro Universitário Tabosa de Almeida- ASCES-
UNITA. Pós-Graduando em Trabalho e Processo do Trabalho – Escola Superior de Advocacia de Pernambuco-
ESA PE. E-mail: [email protected].
6
Flávia Renata Feitosa Carneiro. Graduada em Direito – Universidade Católica de Pernambuco-UNICAP.
Graduada em Odontologia – Universidade Federal de Pernambuco-UFPE. MBA em Gerenciamento de Projetos
– Faculdade Estácio. Pós-Graduada em Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa – Universidade Federal
Rural de Pernambuco-UFRPE. Mestranda em Direito – Faculdade Damas. E-mail: [email protected]
7
Laura Stéphanie Ferreira de Melo. Graduada em Direito – Centro Universitário do Vale do Ipojuca- UNIFAVIP.
Pós-Graduanda em Penal e Processo Penal – Escola Superior de Advocacia de Pernambuco- ESA PE. Mestranda
em Direito – Faculdade Damas. E-mail: [email protected].
sem os maus tratos aos animais?
Com a presente pesquisa, buscamos responder nosso objetivo geral: Estudar a
possibilidade que esta manifestação cultural possa ser mantida sem os maus tratos aos animais.
E, para instrumentalizá-lo, delimitaram-se os seguintes objetivos específicos: 1)
compreender a evolução das discussões a respeito da preservação da cultura da vaquejada; 2)
discutir sobre os maus tratos aos animais e a legislação protetiva; 3) compreender a vaquejada
como um esporte e a cultura de um povo.
Diante do exposto, justifica-se a escolha do presente tema em razão da sua importância
e pelo grande debate acerca da inconstitucionalidade das vaquejadas e consequentemente o
fim de uma modalidade cultural que se faz presente a mais de cem anos onde a mesma é
genuinamente brasileira e nordestina. Assim sendo, a justificativa social para esse estudo é
mostrar que a vaquejada faz parte da cultura de um povo e que por meio desse esporte, muitas
famílias conseguem tirar o seu sustento.
Já no que tange à justificativa pessoal o desejo de tratar desse tema veio a partir do
momento em que foi possível notar a grande importância desse esporte para a preservação da
cultura de um povo.
A principal finalidade deste estudo é mostrar que a vaquejada é uma manifestação
cultural, por isso a vaquejada deve adequar-se às normas vigentes na lei, sem gerar nenhuma
mal estar aos seus participantes. E que prevaleça o bom senso, daqueles que direto ou
indiretamente organizam os eventos e os que lidam com os animais.
O meio ambiente tem sido a grande preocupação de todos os países nas últimas
décadas, devido às mudanças provocadas pelo homem na natureza, cujas consequências, têm
afetado negativamente o próprio homem.
O meio ambiente é um bem fundamental e indispensável à existência humana, tanto
que a Constituição Federal no seu texto no art. 225, caput, reconhecer o direito a um meio
ambiente sadio, como sendo uma extensão ao direito à vida. Isso faz com que o Poder Público
e a coletividade tenham uma maior responsabilidade pela proteção ambiental, dando uma
maior sustentação ao objetivo da Lei nº 6.638 de 31 de agosto de 1981, denominada de Política
Nacional do Meio Ambiente, a qual seja, torná-la um patrimônio público protegido, visando
o uso coletivo. Assim prevê o dispositivo da Carta Magna:
Assim prevê o dispositivo da Carta Magna:
Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para os presentes e
futuras gerações.
Como se pode ver, o conceito de meio ambiente é amplo, onde o legislador optou por
um conceito jurídico indeterminado, cabendo ao intérprete o preenchimento do seu conteúdo.
A biota é formada pela fauna e flora e fazem parte do meio ambiente, o art. 225 da
CF/88 pode ser aplicado para proteger os animais, especialmente os silvestres. Porém, quando
os animais não são silvestres esse artigo pode ser afastado.
Animais não silvestres, como os domésticos e o gado, não são, em regra considerados
“meio ambientes”, pois foram isolados do mesmo sem que possam interagir com o ambiente
de forma a promover os processos ecológicos que renovam a biosfera. Por isso, estes animais
podem ser considerados como recurso (ambiental ou natural, ou mesmo, um produto
manipulado), no entanto, não servem ao bel prazer de seus donos, pois existem normas que
regulamentam a forma de tratamento, no caso da lei de crimes ambientais.
Antes do governo de Getúlio Vargas não existia nenhum decreto ou lei que defendesse os
animais no território brasileiro. Assim sendo, foi assinado um decreto de número 24.645 de
10 de Julho de 1934, no qual o artigo primeiro estabelece que todos os animais existentes no
país são tutelados do Estado. Essa foi a primeira “medida” em face de proteção aos animais
adotada no Brasil. Antes da Lei nº 9.605/98 entrar em vigor, a codificação de proteção ao
meio ambiente era muito esparsa.
Porém, a difícil aplicação de tais leis e até mesmo as inconsistências existentes em seu
conteúdo dificultavam a efetividade de suas penalidades, como pode ser observado no
seguinte exemplo: matar um animal silvestre para se alimentar era considerado crime
inafiançável, ao passo que a prática de maus tratos era tida apenas como contravenção penal.
Com o advento da referida Lei de Crimes Ambientais, a legislação de meio ambiente e a
proteção ao meio ambiente unificaram-se, trazendo força para as penalizações.
Assim, as penas se uniformizaram, definindo, dessa forma o que configura tais infrações
e aplicando, penas mais severas. Dessa forma, os tormentos causados a animais configuram-
se como crime, sujeitando o infrator à prisão. Todavia, matar animais, desde que seja para
saciar a fome do agente e/ou de sua família, é permitido por lei.
As penas previstas na Lei de Crimes Ambientais são aplicadas diante da gravidade da
infração cometida. Ou seja, quanto mais reprovável for conduta, mais rígida será a punição.
Tais penas não são dirigidas apenas às pessoas físicas, como estendidas também às pessoas
jurídicas, com a aplicação de multa e/ou restrições de direitos, dentre os quais a suspensão
parcial ou total das atividades, interdição temporária de estabelecimentos, obra ou atividade e
a proibição de contratar com o Poder Público. Também é possível que haja uma prestação de
serviço à comunidade, através de custeio de programas e de projetos ambientais.
Nesse sentido temos no artigo 32 da referida lei que: “Praticar ato de abuso, maus
tratos, ferir ou mutilar animais silvestre, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”
resta claro que o ato de mutilar animais, seja eles de qualquer “categoria”, traz uma sanção,
que é a detenção variável de três meses a um ano, mais multa. Porém essas penalidades são
ainda muito brandas, como também é o caso do artigo 14, inciso I da referida lei, que atenua
a pena simplesmente pelo fato de que o transgressor tenha um baixo nível de escolaridade.
Isso, contudo, não quer dizer que ele não será punido, mas apenas que terá uma atenuante.
Nas vaquejadas, o fato de arrancar o rabo do boi poderia ser enquadrado no artigo 32,
visto que o animal sofre uma mutilação. Porém não é aplicado nenhum tipo de sanção a este
ato. Embora haja a mutilação, acredita-se que esse ato seja pequeno em relação às crueldades
que os seres humanos submetem todos os animais como, por exemplo, o estresse dos bois nos
currais de matadouros, a crueldade com os bezerros para se obtiver uma carne macia, “a
famosa vitela”, o tormento de confinar porco em cubículo onde o animal apenas se deita e fica
em pé, entre outros.
Maltratar significa submeter os animais a situações que coloquem em perigo a sua vida e
à saúde.
Segundo Custódio:
Abrange numerosas práticas cruéis, e que submetem os animais a sofrimento
perverso e prolongado sem a devida justificação, sendo assim, desnecessário ou
desmotivado. Causadas pelas crescentes condutas desumanas e lesivas aos animais
em geral, flagrantemente contrárias à moral, aos bons costumes e aos princípios
integrantes do sistema jurídico (1995, p. 48).
Os tais tormentos não param por aí. Os animais foram grandes colaboradores para a
ciência e, supostamente, para a “arte”. Na área da ciência, foram utilizadas cobaias para a
descoberta de doenças, teste de remédios, tratamentos e até na indústria de cosméticos.
A palavra cultura pode ter vários significados, dando, assim, um sentido ao mundo que
cerca um indivíduo e à sua respectiva sociedade.
De acordo com o conceito antropológico, cultura está ligada à personalidade e à vida
social do indivíduo. Nesse contexto:
Para nós, “cultura” não é simplesmente um referente que marca uma hierarquia de
“civilização”, mas a maneira de viver total de um grupo, sociedade, país ou pessoa.
Cultura é, em Antropologia Social e Sociologia, um mapa, um receituário, um
código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam
e modificam o mundo e a si mesmas. (DA MATTA, 1986, p. 123)
Dessa forma, é perceptível o quanto esse esporte faz parte da cultura do nordeste, sendo
graças a isso que são atraídos milhares pessoas, dentre os quais inúmeros competidores,
amadores ou profissionais, onde o público principal é a família, que junto aos amigos,
prestigiam essa cultura tão rica. Contudo, há aqueles que alegam que esse mesmo público só
frequenta esses locais devido às bandas de sucesso do momento. Entretanto, podemos notar
que isso é um pensamento preconceituoso tendo em vista as arquibancadas que estão sempre
lotadas.
O interesse em conservar a cultura evoluiu para um comprometimento com o bem-
estar animal, desenvolvendo uma consciência em relação às regras, as quais passaram também
a proteger os animais.
Outra forma de cultura que é encontrada nas vaquejadas são as construções de versos,
também conhecidos como toadas ou aboios.
Os vaqueiros não utilizam técnicas complexas, pelo contrário, usam apenas uma luva
de couro, como está no anexo, para proteção do seu punho. E aqueles mais habilidosos,
utilizam uma técnica que se chama “Saída de Sela”, na qual o vaqueiro sai totalmente da sela
do cavalo e, se equilibrando em apenas em um dos estribos e segurando no pescoço do cavalo,
derruba o boi, como representa o anexo. Essa habilidade só pode ser executada por
profissionais qualificados, devido ao fato de que, qualquer erro ocorrido na sua execução,
pode levar o vaqueiro à queda.
Outra técnica é dos treinos tanto dos homens quanto a dos animais. Principalmente
esses últimos são submetidos periodicamente a treinos no qual nem sempre o gado é
derrubado. Esse treinamento para os cavalos consiste no “alinhamento”, que nada mais é do
que acostumarem os cavalos no pé do mourão para que dessa forma eles estejam calmos, já
que no novo regulamento não é permitido o fechamento da porteira depois de aberta.
Antigamente, essas técnicas consistiam na derrubada dos animais no mato ou até
mesmo em locais não apropriados, porém com o passar dos anos e com o novo regulamento
isso mudou.
Como dito anteriormente, um dos maiores Parques na qual a sua vaquejada pode ser
considerada uma das melhores do Estado de Pernambuco é o Parque Milanny na cidade de
Caruaru. Essa festa gera renda ao município com a geração de empregos diretos e
indiretamente, além do mais, movimenta o turismo. Já que boa parte dos competidores são de
outros Estados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
DA MATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais, 2.ed. ver. ampl. e atual pelo autor- Campos
do Jordão, SP: Editora Mantiqueira, 2004.
ORWELL, George. A revolução dos animais. 29. ed. São Paulo: Companhia das letras, 2007.
p. 12.
RESUMO
O presente trabalho busca analisar como a afrocentricidade aplicada ao ensino religioso educa
para as relações étnico-raciais, utilizando para isso, conceitos que emergiram durante o
processo da diáspora africana, além daqueles que apresentam hoje de forma explícita o
racismo na sociedade brasileira. Propõe-se analisar durante a pesquisa, o conceito de
afrocentricidade relacionando-o a educação, além de observar o ensino religioso de caráter
confessional como forma de segregação das religiões afro-brasileiras e de matrizes africanas,
apontando possíveis consequências negativas dessa estrutura de ensino no meio escolar. Além
disso, a pesquisa busca analisar o processo de formação histórica e social a partir da diáspora
africana para observar de que modo se afirmou na efetivação do direito à educação no Brasil,
conforme as previsões da Lei Federal n.10.639/03, ou se permanece como particularidades
ignoradas cuja memória não é transmitida. Para tanto, será utilizada pesquisa bibliográfica e
documental a qual possuirá como objeto de análise a Lei n. 10.639/03, além das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira.
INTRODUÇÃO
8
Trabalho submetido para o Grupo de Trabalho 1 (Meio Ambiente, Sociedade e Diversidade) do III Congresso
Pernambucano de Ciências Jurídicas.
9
Graduanda em Direito, Universidade de Pernambuco, Campus Arcoverde, Bolsista de Iniciação Científica
UPE-CNPq, integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas Transdisciplinares sobre Meio Ambiente, Diversidade
e Sociedade - GEPT/UPE-CNPq. Trabalho orientado pela Profa. Clarissa Marques.
[email protected]
10
Art. 6º, CF/88 São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,
na forma desta Constituição.
e no seio familiar (DINIZ, LIONÇO, CARRIÃO, 2010). É incomum, no entanto, que a
maioria das escolas adote a postura de lecionar sobre mais de uma religião, tendo em vista que
o país de maioria cristã ainda detém a ideia de religiões menos importantes ou “seitas”
utilizando para isso da discriminação religiosa. Para isso, é necessário que haja a
desconstrução da ideia de superioridade cristã, dando espaço para as lições de outras religiões,
como as afro-brasileiras e de matrizes africanas.
A discriminação empregada às religiões afro-brasileiras tem pilares raciais, não se trata
apenas de uma religião diferente em meio a uma maioria cristã, mas de religiões com fortes
influencias africanas, oriundas de um continente de maioria negra, por isso a denominação de
racismo religioso. É devido à ideia de inferioridade negra que há a incidência do racismo
epistemológico, que segundo Renato Nogueira (2015, p.6) significa “a recusa em reconhecer
que a produção de conhecimento de algumas pessoas seja válida por duas razões: 1º) Porque
não são brancas; 2º) Porque as pesquisas e resultados da produção de conhecimento envolvem
repertório e cânones que não são ocidentais” como no caso dessas religiões que embora hoje
possam ser cultuadas em um estado laico, sofrem diariamente com a discriminação racial e
religiosa.
Nesse sentido, a problematização do presente trabalho volta-se para o questionamento
sobre como a afrocentricidade aplicada ao ensino religioso educa para as relações étnico-
raciais e como a lei 10.639/03 age enquanto forma de combate ao racismo epistémico. Como
objetivos específicos, a pesquisa busca analisar o processo de formação histórica e social a
partir da diáspora africana para observar de que modo se afirmou na efetivação do direito à
educação no Brasil, conforme as previsões da Lei Federal n.10.639/03, ou se permanece como
particularidades ignoradas cuja memória não é transmitida, além de apontar possíveis
consequências sociais da aplicação do ensino religioso de caráter confessional, hoje
amplamente aplicado no Brasil. Para tanto, será utilizada pesquisa bibliográfica e documental
a qual possuirá como objeto de análise as Leis n. 10.639/03 e 11.645/08, além das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira.
A justificativa do trabalho se dá pela necessidade em implementar no meio acadêmico
um problema que há tempos exclui e segrega pessoas do meio social, como é o caso do
racismo. Busca-se, portanto, alternativas através da educação afrocentrada para a diminuição
da discriminação racial no ambiente escolar, seja básico ou de nível superior, trazendo com
isso a entrada de estudos sobre as matrizes históricas africanas como forma de militância
profissional, acadêmica e política.
A educação é direito social explícito na Constituição Federal de 1988 e tem suas bases
estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que traz em seu art. 3º, I, “a
igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” além de “respeito à liberdade,
e apreço a tolerância” previsto no inciso IV do mesmo parágrafo. No entanto, é na práxis que
se encontra a dificuldade da aplicação dessas normas. Na realidade brasileira a desigualdade
e a diferença de condições se fazem presentes, muitas vezes atreladas à ideia de raça. “Assim,
o processo educativo que ocorre nas relações entre os homens não pode ser feito por meio da
dominação do outro, mas de relações de igualdade, mediadas pelo diálogo” (CARLOS,
ESCARIÃO, p. 179).
São as religiões afro-brasileiras e de matrizes africanas que ainda hoje não alcançam
espaço no meio escolar dentro da disciplina de ensino religioso. Como apontam Débora Diniz,
Tatiana Lionço e Vanessa Carrião (2010) os estados criaram um ensino religioso que ignora
o pluralismo do Brasil. Portanto, há a necessidade em implementar no meio escolar a
discussão sobre as religiões afro-brasileiras e de matrizes africanas, para que haja uma
diminuição na falta de informação sobre essa cultura, visando a própria diminuição do racismo
religioso, tendo em vista que “o principal desafio ético do ensino religioso nas escolas públicas
é a garantia da justiça religiosa e da liberdade de crença” (DINIZ, CARRIÃO, LIONÇO, 2010,
p.59).
Segundo levantamento feito pelas supracitadas autoras, nas editoras religiosas do país
e também aquelas que produzem e comercializam os livros didáticos mais distribuídos pelo
governo federal para as escolas públicas, “para cada componente afro-brasileiro há em torno
de vinte componentes cristãos” em dados, significa que a presença de grupos religiosos
cristãos nos livros analisados representam 609 aparições, cerca de 65%, enquanto que de afro-
brasileiras representam apenas 30, algo em torno de 3% das aparições. Além disso, ao tratar
sobre a frequência da imagem de líderes religiosos e seculares nos livros, as autoras apontam
que Jesus Cristo foi citado 81 vezes em 192 possíveis, enquanto entre os 23 outros líderes
citados nas outras 111 menções, não há nenhuma liderança de religiões afro-brasileiras ou
mesmo líderes negros brasileiros de outras religiões. (DINIZ, CARRIÃO, LIONÇO, 2010,
p.59). Diante disso, houve a necessidade em reconhecer as religiões afro-brasileiras como de
igual valor diante das demais e iniciar um processo de aceitação da identidade negra – auto
definição - e da identidade atribuída - definição dos outros- (MUNANGA, 1996).
O ensino religioso está previsto na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 210,
§1º onde aponta que “O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos
horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.” Além da previsão do artigo
33 da LDB:
Como garantir a justiça religiosa é parte do desafio ético a ser enfrentado pela
regulação do ensino religioso nas escolas públicas. Não basta apresentar diversas
religiões a partir de um ponto de vista específico: a justiça religiosa pressupõe a
igualdade discursiva para todos os grupos. A consideração equitativa entre
diferentes pontos de vista morais em matéria de religião não se reduz à menção de
determinadas crenças como outras, ou tendo seu sentido apreendido a partir de uma
referência que lhe é exterior. É essa posição ética diante da diversidade – a do
reconhecimento da alteridade como fundamento da democracia – que garantirá que
o ensino religioso nas escolas públicas não comprometa a laicidade do Estado
brasileiro. (DINIZ, LIONÇO, CARRIÃO, 2010, p.100-101)
Dessa forma, há o risco eminente de que se haja ao invés de um ensino religioso, uma
educação religiosa, essa que deveria ser feita não no âmbito escolar, mas dentro de cada
instituição religiosa a qual pertença o aluno. Como indicam Carlos e Escarião (2017, p. 198)
as expressões ‘educação/ensino’ e ‘educação religiosa/ensino religioso’ indicam conceitos
distintos que acabam por determinar o modo como o conhecimento é organizado na disciplina
de ensino religioso. Ou seja, ao confundir a educação e o ensino, a escola acaba por estabelecer
uma forma de lecionar que abrange uma única religião na maioria das vezes, que não condiz
com a ideia de diversidade que deve ser seguida na disciplina de ensino religioso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BARROS, Geová da Silva. Racismo institucional: a cor da pele como principal fator de
suspeição. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. Ciência
Política. Recife, 2006.
CARLOS, Dafiana Socorro Soares Vicente; ESCARIÃO, Glória das Neves Dutra. Notas de
estudo sobre a diferença entre Educação Religiosa e Ensino Religioso. Revista Educare-
ISSN 2527-1083, v. 1, n. 2, p. 173-200, 2017.
CARRIÃO V.; DINIZ D.; LIONÇO T. Laicidade e Ensino Religioso no Brasil. 1. Ed.
Brasília: Editora Unb, 2010.
GOMES, Nilma Lino. O Movimento Negro Educador: saberes construídos nas lutas por
emancipação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017. 154 p.
GUIMARÃES, Antônio S. A. Raça, cor e outros conceitos analíticos. In: PINHO, O. A.;
SANSONE, L.,orgs. Raça: novas perspectivas antropológicas [online]. 2nd ed. rev. Salvador:
EDUFBA, 2008, 447 p. ISBN 978-85-232-1225-4.
RESUMO
INTRODUÇÃO
O fetiche por superlativos, no Brasil, passa a ganhar uma nova configuração quando o
Estado, vendido às lógicas do capital, legitima os chamados megaempreendimentos. Estes
grandes projetos são operacionalizados pelas confluências entre agentes públicos e privados,
tendo como principal objetivo o lucro.
Estado, mercado e empreiteiras ou grandes empresas encontram no modelo neoliberal
as bases de que precisam para gerar a acumulação capitalista e movimentar o excedente
produtivo. Neste sentido, as intervenções econômicas pautadas no padrão desenvolvimentista
11
Trabalho submetido ao GT 1 – Meio Ambiente, Sociedade e Diversidade.
12
Graduada em Direito pela Universidade de Pernambuco (UPE ARCOVERDE). Integrante do Grupo de
Estudos e Pesquisas Transdisciplinares sobre meio ambiente, diversidade e sociedade (GEPT/UPE/CNPq).
Integrante do Coletivo Direitos em Movimento (DIMO/UPE). E-mail: [email protected]
13
Graduanda em Direito pela Universidade de Pernambuco (UPE ARCOVERDE). Integrante do Grupo de
Estudos e Pesquisas Transdisciplinares sobre meio ambiente, diversidade e sociedade (GEPT/UPE/CNPq).
Integrante do Coletivo Direitos em Movimento (DIMO/UPE). E-mail: [email protected]
14
Pós-Doutora na The New School of Social Research – NY. Professora da UPE Arcoverde. Coordenadora do Grupo de
Estudos e Pesquisas Transdisciplinares sobre meio ambiente, diversidade e sociedade (GEPT/UPE/CNPq).
Coordenadora do Coletivo Direitos em Movimento (DIMO/UPE). E-mail: [email protected]
são consideradas louváveis, pois colocam os países na rota do consumo.
Entretanto, é também o desenvolvimento que gera contradições, invisibilizando mal-
estares. No contexto do megaprojeto aqui apresentado, a Transposição do Rio São Francisco,
utiliza-se a falácia de que o verdadeiro desenvolvimento exige sacrifícios, desde que os
sacrificados sejam os mais vulneráveis, os “outros”. Esta é a primeira consideração a ser feita:
o padrão desenvolvimentista adotado pelos Estados neoliberais é discriminatório ao passo que
mantém relações sociais dominantes.
A Transposição, por exemplo, está localizada em um cenário de concentração
fundiária, de renda e poder, liderado por elites locais, sendo este fenômeno um legado do
processo de colonização. Apesar da injusta estrutura fundiária, o Semiárido nordestino, onde
está localizada a referida obra, é muito mais conhecido pelo imaginário de desterro ligado à
seca. É esta última a responsável pelas precariedades da região, afirmam os
desenvolvimentistas, valendo-se da “indústria da seca”.
Ignoram-se os grandes latifundiários – porque o objetivo é manter as relações sociais
dominantes - e criminaliza-se a estiagem prolongada. Por isso, as decisões políticas tentam
combater a seca, perpetuando o modelo de segregação. São decisões influenciadas pela
megalomania e pelo desejo de atender às demandas ferozes do capital, sem se importar com
as interferências nas vidas das pessoas.
Assim nasceu o megaempreendimento aqui estudado, como solução para garantir
segurança hídrica ao sertão. Após 11 anos, o projeto, ainda em andamento, traz muitas
promessas não cumpridas e expõe o quadro de vulnerabilidade acentuado pela passagem dos
canais. A Transposição expandiu as fronteiras do agronegócio, desterritorializando famílias
camponesas. A água não chegou para quem mais precisa, comprovando que o Estado
neoliberal desenvolvimentista, idealizador de obras monumentais, só se interessa pelos fluxos
de dinheiro.
A justificativa ao presente trabalho reside nas pesquisas desenvolvidas pelo Grupo de
Estudos e Pesquisas Transdisciplinares sobre meio ambiente, diversidade e sociedade
(GEPT/UPE/CNPq) e pelo grupo de extensão Coletivo Direitos em Movimento (DIMO/UPE),
que atuam juntamente com a extensão TransVERgente (UPE campus Garanhuns e Fiocruz).
A parceria permitiu uma visita às regiões afetadas pelos canais da Transposição em Sertânia
- PE. A partir do diálogo, as comunidades camponesas foram ouvidas, trazendo relatos de
angústia e tristeza oriundos da megaobra.
Como estudantes e pesquisadores das mais diversas áreas (Direito, Psicologia,
Medicina e Enfermagem) – a parceria integra estes cursos – sentiu-se diretamente o impacto
da pesquisa de campo, viu-se o processo de desterritorialização e como as grandes obras
afetam, sobretudo, os mais vulneráveis. Correção realizada de acordo com as considerações
dos avaliadores.
Diante do exposto, a pesquisa apresenta como objetivo geral compreender de que
modo o padrão desenvolvimentista e a atuação do Estado neoliberal interferem na vida de
grupos de pessoas, principalmente os mais vulneráveis. Como objetivo específico, se propõe
a explicar este modelo predatório de desenvolvimento, analisando a Transposição do Rio São
Francisco enquanto macroprojeto. Já ao fim, discorre-se sobre indústria da seca e novas
territorialidades no sertão. A metodologia utilizada tem abordagem qualitativa, com viés
exploratório e descritivo.
Por um lado, em retrospectiva, sabemos que tem sido uma promessa enganosa para
a grande maioria da população de regiões do Sul geopolítico. Até hoje, a chamada
“cooperação ao desenvolvimento” transfere muito mais recursos do Sul para o Norte
do que vice-versa. Ou seja, é um bom negócio para as economias que supostamente
são “doadoras”, não para as que deveriam receber.
Prometeu-se ao Sul global que, por meio do “desenvolvimento”, este poderia participar
do modo de vida dos países industrializados do Norte, mas esqueceram de dizer que o modo
de vida destes países “só é possível por causa das relações coloniais – históricas e atuais”
(LANG, 2016, p. 28).
Garantir uma vida baseada no acesso a bens materiais significa saturar o meio
ambiente em sua capacidade de absorver dejetos, indicando que o luxo de poucos é construído
sobre a espoliação de muitos. Os níveis de consumo atuais são possíveis, neste sentido, porque
outras culturas foram extirpadas e outros modos de vida foram negados com o objetivo de
tornar os “territórios funcionais às lógicas do capital” (LANG, 2016, p. 28).
O binômio “desenvolvimento versus subdesenvolvimento” se constitui em um modelo
que remete às colônias versus países centrais. A diferença reside na substituição de patamares
legitimadores: antes, falava-se em superioridade biológica e cultural; agora, fala-se em “ajuda
contra a pobreza” ou “cooperação ao desenvolvimento”.
Em suma, a meta do chamado padrão desenvolvimentista é incluir territórios,
notadamente aqueles não permeados pelas lógicas capitalistas, aos circuitos de acumulação
de capital, transformando cidadãos em consumidores. Está-se diante de uma grande máquina
de expansão do consumo capitalista, ratificada pelos governos. Estes últimos, por sua vez,
impulsionam o “desenvolvimento” moderno segundo os ditames neoliberais.
O neoliberalismo, então, consiste em um conjunto de processos econômicos, políticos
e culturais que permitem a um pequeno número de interesses particulares controlar a maior
parte possível da vida social. As consequências dessas políticas são as mesmas em todos os
lugares: crescimento da desigualdade econômica, aumento marcante da pobreza absoluta entre
as nações e uma bonança sem precedente para os ricos. Para Chomsky (2002, p. 22),
“resumidamente, as suas regras básicas são: liberalização do mercado e do sistema financeiro,
fixação dos preços pelo mercado (‘ajuste de preços’), fim da inflação (‘estabilidade
macroeconômica’) e privatização”.
A atuação estatal, ao ser conivente com a conjuntura acima, acaba perpetuando
relações sociais dominantes (BRAND, 2016). Neste imperativo superposto de continuar o
processo de acumulação é que “o Estado não é um ator neutro que atua independentemente
da sociedade, formulando a vontade geral e solucionando problemas” (BRAND, 2016, p.
131). Acredita-se, portanto, que as confluências entre Estado e capital financeiro se inserem
na perspectiva de manutenção, agora mais acentuada, da estrutura colonial capitalista, pois
legitimam os interesses do capital.
Tal análise faz pensar sobre como o Estado colonial – com suas estruturas normativas
- é uma instituição cuja gestão “se orienta historicamente a homogeneizar as políticas sem se
importar com as culturas diversas que habitam os territórios nacionais, sem incorporar outras
formas de ser, pensar e habitar os territórios” (MARTÍNEZ et al., 2016, p. 367).
O Estado permite e é condição de possibilidade para a reprodução de capital, para sua
circulação e para a apropriação de riqueza por setores específicos da sociedade. Neste ínterim,
“as relações entre empreiteiros privados, empresários e Estado, e suas formas de captação da
renda, são um elemento comum que acaba definindo planos, políticas e agendas em função
dos interesses do capital privado” (MARTÍNEZ et al., 2016, p. 375), fomentando o projeto
desenvolvimentista.
As entidades e os grupos de capital têm influência em setores da institucionalidade.
Por isso, é impossível, no marco neoliberal, propor reformas ou políticas públicas sem
considerar as empresas e os capitais que monopolizam certas áreas da economia.
O desenvolvimento, nas circunstâncias concebidas por Truman em 1949, tem como
um dos aliados o Estado, sujeito responsável por fazer concessões ao poder oligárquico, sendo
sua atuação forjada no ideal neoliberal de segregação dos muitos pelos poucos.
Em um mundo de privação e opressão, existem problemas novos convivendo com
antigos: pobreza, necessidades essenciais não satisfeitas, violação de liberdades, ampla
negligência estatal diante dos interesses dos mais vulneráveis e ameaças constantes ao meio
ambiente. Estes são indícios de que o padrão civilizatório hegemônico e desenvolvimentista -
de crescimento sem fim e baseado na mercantilização das dimensões da vida – passa por uma
crise, cujo término é tão incerto quanto destrutivo.
15
Faz-se alusão ao documentário “Invisíveis” (2017), resultado da pesquisa do professor e pesquisador em Saúde
Pública André Monteiro (Fiocruz/PE), financiada pelo CNPq, que documenta os processos de vulnerabilização
dos diversos grupos sociais afetados pela Transposição do Rio São Francisco.
a ótica capitalista. A discriminação associada à vulnerabilidade incide nos impactos oriundos
de tais projetos, resultando em violações de direitos.
Como exemplo de megaprojeto, analisa-se a Transposição do Rio São Francisco.
Também conhecido como Velho Chico, ele é um dos mais importantes do Brasil. Pela sua
extensão e relevância, também é chamado de rio da integração nacional, atravessando
paisagens diversas, como os biomas da Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga. Por ser o único
rio perene do Nordeste Setentrional, propicia agricultura irrigada, pecuária e pesca, o que o
torna responsável pela subsistência das comunidades em seu entorno (CARTA EDUCAÇÃO,
2017).
A Transposição é um megaempreendimento em andamento, sob a responsabilidade da
federação, com o objetivo de direcionar parte das águas do Rio para o Semiárido nordestino.
O clima seco do semiárido é, a priori, determinado pela imprevisibilidade e má distribuição
do volume de precipitações de chuvas ao longo do tempo, revelado pelos longos períodos de
estiagem (SUASSUNA, 2002). Outro aspecto singular da região é a vegetação de caatinga,
resistente ao clima com raízes espalhadas e caules espessos para uma melhor captação e
armazenamento de água, além de folhas pequenas que reduzem a transpiração (SILVA, 2007).
Apesar das obras terem se iniciado em 2007, a ideia da transposição é muito mais
antiga: começou a ser discutida em 1847 por intelectuais do Império Brasileiro de Dom Pedro
II.
No modelo atual, prevê o desvio de 1% a 3% das suas águas para abastecer rios
temporários e açudes que secam durante o período de estiagem. Para isso, conta com
a construção de mais de 700 quilômetros de canais que farão o desvio do volume. A
obra divide-se em dois grandes eixos. O Eixo Norte se encarrega de captar as águas
em Cabrobó (PE) e levá-las ao sertão de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande
do Norte. O Eixo Leste, por sua vez, realiza a captação das águas em Floresta (PE)
a fim de beneficiar territórios de Pernambuco e Paraíba (CARTA EDUCAÇÃO,
2017, online).
Fala-se que a segurança hídrica para a região semiárida brasileira está entre os
principais benefícios de tamanha obra. O aumento do abastecimento das áreas secas
culminaria na elevação da produção de alimentos, queda da mortalidade de rebanhos e,
portanto, favoreceria diretamente a vida no campo.
Entretanto, após 11 anos, o cenário é outro: nas regiões afetadas pela Transposição, os
impactos socioambientais são evidentes. O macroprojeto tem promovido uma série de
agressões à vida das pessoas que vivem ou viviam nas comunidades rurais por onde passam
os canais. Existem relatos de doenças psíquicas, indenizações irrisórias, deslocamentos
forçados das famílias camponesas (desterritorialização), violência de gênero e uso de drogas,
gerando mudanças drásticas de modos de vida16.
Os danos se relacionam à fauna, flora, ao solo e aos valores culturais de modo geral.
As ações compensatórias oferecidas no início do projeto não se concretizaram. Além de
prejuízos ao meio ambiente e das promessas não cumpridas, problemas como investimentos
em empreendimentos particulares e perdas de acesso a alguns locais antes transitáveis estão
na lista das consequências negativas. Conta-se que uma das condicionantes no julgamento do
Ministério Público para instalação da obra seria o avanço do processo de demarcação da terra,
o que não ocorreu (COMBATE RACISMO AMBIENTAL, 2017).
Outro aspecto já apontado é a intervenção direta deste megaprojeto na vida das
pessoas. Destaca-se, com preocupação, o índice de mulheres, sobretudo adolescentes, que
tiveram gravidez indesejada e ficaram sem a assistência dos pais das crianças, os soldados do
Exército e trabalhadores das empreiteiras. A proliferação do uso de drogas ilícitas nas
comunidades rurais localizadas no entorno dos canteiros de obras e quadros de depressão
também constam nos relatos (COMBATE RACISMO AMBIENTAL, 2017).
Neste ínterim, a violência de gênero, as consequências à saúde mental e socioambiental
e os danos patrimoniais e simbólicos foram graves prejuízos àquelas populações. Outro
argumento é o de que a Transposição serviu para expandir as fronteiras do agronegócio,
beneficiando, principalmente, latifundiários, pois grande parte dos canais passa por fazendas.
“Apenas 4% da água será destinada à população local, 26% ao uso urbano e industrial e 70%
para irrigação da agricultura” (CARTA EDUCAÇÃO, 2017, online).
O discurso que justifica a Transposição do Rio São Francisco, assim como os demais
superlativos brasileiros, é uma das mais perversas manifestações do colonialismo interno “que
permeia não apenas as políticas de Estado do governo, mas o imaginário de uma numerosa
parcela predominantemente urbana da sociedade brasileira” (GLASS, 2016, p. 422).
A falácia de que o “desenvolvimento” da nação exige seus sacrifícios - desde que os
sacrificados sejam os outros, os invisíveis, os que estão acostumados a viver no limbo - ocorre
em um contexto de descaso planejado. Nestas grandes obras, por exemplo, as previsões do
EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto ao Meio Ambiente)17
geralmente não são cumpridas. Assim o foi com a Transposição.
16
O documentário “Invisíveis” (2017) apresenta um apanhado de depoimentos e imagens sobre as populações
vulnerabilizadas nos territórios de abrangência do projeto de Transposição do Rio São Francisco.
17
O Relatório de Impacto Ambiental do Projeto de Integração do Rio São Francisco está disponível em:
<http://www.integracao.gov.br/documents/10157/3678963/Rima+-
São as confluências entre Estado e agentes privados, ambos na posição de
personificações centrais da acumulação de capital, que apresentam fins duvidosos - para a
parcela mais vulnerável da população – suplantando com uma surpreendente naturalidade
princípios humanitários em nome do “padrão desenvolvimentista”.
Neste ponto do presente trabalho, busca-se analisar um dos impactos sociais oriundos
da Transposição. Diante do cenário de desterro e desolação já descrito no tópico anterior, o
destaque à desterritorialização das famílias camponesas visa demonstrar que a intervenção
compulsória na vida delas fez emergir problemas complexos, intensificados pela morosidade
da etapa de finalização das obras.
A desestabilização do poder territorial, a desconstrução do modo de produção familiar
camponês, a descaracterização da identidade camponesa e, por fim, a desvitalização da
autonomia, fragilizando as possibilidades de escolhas e decisões sobre a vida e a saúde, estão
entre estes problemas.
A transferência dos grupos de pessoas para os territórios de espera (ou Vilas Produtivas
Rurais, no contexto da Transposição) se constitui em um evento vulnerabilizante legitimado
pelo Estado. Isto remete à falácia de que o modelo de desenvolvimento exige sacrifícios, desde
que os sacrificados sejam os considerados “invisíveis” pelo próprio sistema. Assim funciona
a atuação neoliberal estatal, alimentada pelo capital financeiro e pelos agentes privados
(empreiteiras), cujo objetivo é o lucro.
Antes de discutirmos sobre os territórios de espera, para onde muitas famílias
camponesas foram levadas quando os canais deste megaprojeto tomaram suas antigas casas,
faz-se necessária uma breve descrição do processo de conformação social e econômica do
Semiárido nordestino, “visto que, a partir disso, se revela o legado colonizador desta região,
expresso pela tenacidade dos grandes latifúndios” (DOMINGUES, 2016, p. 15).
Neste ínterim, deve ser dito que a estrutura da organização econômica do sertão
nordestino se engendra a partir não somente da natureza física do lugar, mas também da
distribuição fundiária e de propriedade e divisão social do trabalho (ANDRADE, 2011).
+Relat%C3%B3rio+de+Impacto+Ambiental.pdf/4324863d-cbff-4522-9bd0-eab9d34b8fe2>.
Desde o período colonial, a economia sertaneja se fundamenta na criação de gado e
outros bichos. A agricultura, por sua vez, é restrita a pequenas áreas, servindo para o
abastecimento das populações locais, formadas por núcleos familiares (DOMINGUES, 2016,
p. 16). É, portanto, o caráter geográfico do sertão determinante nas formas de atividades de
subsistência e sobre os meios de produção da população residente. Domingues (2016, p. 16 -
17) assevera:
Parece evidente que a (re)produção dos modos de vida das populações locais
dependem das possibilidades da ação humana sobre as adversidades, que incutem
condições limitadoras à vida no semiárido. Nesta direção, aponta-se para a
responsabilidade do Estado em planejar e prover ações que solucionem ou,
minimamente, mitiguem as desigualdades sociais que agravam o desafio de viver
com a semiaridez.
A opção pelo reassentamento rural coletivo foi prescrita para famílias proprietárias
de terras e/ou benfeitorias e de não proprietárias com benfeitorias, que atendam os
critérios de elegibilidade, não claramente explicitados no referido PBA. De acordo
com o documento oficial: os que optarem por essa modalidade farão a permuta do
valor indenizatório da casa em que residem pelo reassentamento.
Cada família camponesa realocada nas Vilas possui direito a uma extensão territorial
que totaliza cinco hectares de terra. O programa de medidas mitigatórias deve assegurar o
acesso das famílias reassentadas aos serviços primários de educação e saúde, assim como
assistência técnica rural.
Ainda que se fale em medida mitigadora ou compensatória, o processo de
reassentamento por meio das VPRs é considerado desterritorialização compulsória ou
18
O Projeto Básico Ambiental (PBA) foi elaborado a partir das recomendações das medidas mitigadoras,
compensatórias, de monitoramento e controle ambiental do Projeto de Integração do Rio São Francisco com
Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional – PISF, descritas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do
empreendimento, sendo assim, subdividido em Programas específicos, como o Programa de Reassentamento
das Populações apresentado pelo Ministério de Integração Nacional – MI ao Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, com vistas à emissão da Licença de Instalação do
empreendimento.
deslocamento forçado, porque “vincula-se a uma condição externa e obrigatória de ser
desapropriado e (re)territorializar-se em outro local” (DOMINGUES, 2016, p. 74).
A intervenção compulsória sofrida por essas famílias impõe mudanças drásticas nas
formas de organização material e imaterial da vida, afetando, sobretudo, a territorialidade
camponesa. Assim sendo, acredita-se que todo território humano é uma construção social e
histórica, de natureza simbólica e concreta, onde a vida acontece e ganha significação. O
espaço é base primeira de reprodução social, portanto, substrato de vida (DOMINGUES,
2016).
Considerando, conforme já dito, a relação entre o caráter geográfico do sertão e as
formas de atividades da população residente, a Transposição em si pode ser enquadrada como
uma forma de destruição dos modos de vida rurais, seja quando oferece uma indenização
injusta, seja com a possibilidade de reassentamento. Este último, ao transferir grupos de
famílias que viviam do campo, causou impactos na relação homem-espaço-tempo.
Neste sentido, as Vilas Produtivas Rurais são territórios de espera tutelados, segundo
denominação feita pelo geógrafo Alain Musset, pelo sociólogo Dominique Vidal e pelo
historiador Laurent Vidal (2011). O reassentamento em um local completamente diferente
daquele a que pertenciam - na contramão do previsto no PBA – deu origem a espaços ou zonas
de espera que se estendem no tempo. Lugares onde a temporalidade é suspensa. Neles, as
pessoas não fazem outra coisa senão ‘empurrar o tempo’ (AGIER, 2015a, p. 73, grifo do
autor). São tutelados porque o Estado é o responsável por impedir a continuidade das relações
de produção.
Nas VPRs, então, não existe apropriação simbólica, sentimento de pertencimento ou
memórias. Conforme entendimento de Florêncio da Silva (2016, p. 94), “as vidas estão em
suspensão, não só juridicamente”.
O megaempreendimento condenou as famílias camponesas sujeitas ao processo de
reassentamento ao “limbo existencial que consiste na espera pela conclusão das obras para,
então, prosseguir em retomada dos seus modos de produção” (DOMINGUES, 2016, p. 86).
Há Vilas, cujos moradores ainda não receberam os lotes produtivos irrigados e de sequeiro,
tornando o trabalho camponês inviável devido à privação dos meios básicos de produção
(DOMINGUES, 2016).
Em suma, ao confiscar o antigo território (base de subsistência), o Estado, atuando sob
o manto neoliberal desenvolvimentista, impediu a continuidade das relações de produção e
passou a “compensar” o desmonte do modo de produção familiar com a oferta mensal de uma
Verba de Manutenção Temporária (VMT).
Foi o Estado, aproveitando-se da indústria da seca, que propiciou os territórios de
espera da Transposição do Rio São Francisco (ou VPRs), territórios do não pertencer,
territórios da exceção. Esta excepcionalidade jurídica, criada territorialmente, tem o intuito de
controlar as populações consideradas “indesejadas”, segundo afirma Florêncio da Silva
(2016). Não importa se para alcançar tal intento, novas e árduas territorialidades devam ser
construídas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BRAND, Ulrich. Estado e políticas públicas: sobre os processos de transformação. In: LANG,
Miriam et al. (Org.). Descolonizar o imaginário. Debates sobre pós-extrativismo e
alternativas ao desenvolvimento. São Paulo: Elefante, 2016. p. 123-137.
LANG, Miriam. Introdução: alternativas ao desenvolvimento. In: LANG, Miriam et al. (Org.).
Descolonizar o imaginário. Debates sobre pós-extrativismo e alternativas ao
desenvolvimento. São Paulo: Elefante, 2016. p. 25-44.
ROLNIK, Raquel. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das
finanças. São Paulo: Boitempo, 2015.
______. Entre dois paradigmas: combate à Seca e a convivência com o semiárido. Sociedade
e Estado, Brasília, v. 18, n. 1/2, p. 339-360, jan./dez. 2003.
SUASSUNA, J. Semi-árido: proposta de convivência com a seca. Recife: Fundação Joaquim
Nabuco, 2002. Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br/index.php?
option=com_content&id=659&Itemid=376>. Acesso em: 10 ago. 2018.
RESUMO
Diante das dificuldades históricas, enfrentadas pelas comunidades quilombolas, de terem seus
direitos reconhecidos e efetivados, mesmo após a Constituição de 1988 que dispõe no artigo
68º, ADCT a proteção desses direitos. O presente artigo propõe-se analisar a importância do
desenvolvimento da pesquisa etnográfica para a criação do projeto de extensão “Direitos em
Movimento”, como forma de ultrapassar os muros da universidade e promover uma
transformação social na Comunidade Mundo Novo. Nessa perspectiva, são levantadas
também as questões da importância do reconhecimento da comunidade como remanescente
quilombolas, bem como a importância de garantias de direitos e assistencialismo a
comunidades historicamente marginalizadas. Ademais, aborda-se a temática da demarcação
do território como uma forma de reconhecer o vínculo das pessoas com a terra, a
territorialidade.
INTRODUÇÃO
Devido às fugas em massa da população negra dos engenhos, o termo quilombola foi
cunhado em 1722, no Regimento dos Capitães-do-Mato, de Dom Lourenço de Almeida,
inicialmente, como algo a ser inibido. Essa regulamentação jurídica permitiu uma repressão
mais intensificada às comunidades quilombolas. Apenas em 1988 o termo “quilombola” foi
ressignificado e, com isso, obtiveram o direito a regulamentação, identificação,
reconhecimento e delimitação de suas terras. Após a criação da Fundação Cultural Palmares,
ganhou-se mais um aliado governamental que atua nos serviços de garantias da manutenção
desse povo e de sua inclusão social.
19
Artigo Submetido ao Grupo de Trabalho Meio Ambiente, Sociedade e Diversidade
2020
Graduanda de Direito pela Universidade de Pernambuco (UPE), Campus Arcoverde, membro do Grupo de
Pesquisas Transdisciplinares Sobre Meio Ambiente, Diversidade e Sociedade (GEPT-UPE/CNPq), Membro do
Coletivo Direitos em Movimento. E-mail: [email protected].
21 21
Graduanda de Direito pela Universidade de Pernambuco (UPE), Campus Arcoverde, membro do Grupo de
Pesquisas Transdisciplinares Sobre Meio Ambiente, Diversidade e Sociedade (GEPT-UPE/CNPq), Membro do
Coletivo Direitos em Movimento. E-mail: [email protected]
22
Professora da Universidade de Pernambuco e da Faculdade Damas (Recife/PE), Coordenadora do Grupo de
Estudos e Pesquisas Transdisciplinares sobre Meio Ambiente, Diversidade e Sociedade (GEPT/UPE/CNPq),
Coordenadora do Coletivo Direitos em Movimento e do Grupo de Pesquisa Historiografias Decoloniais: direito,
natureza e coletividades na América Latina. E-mail: [email protected]
Todavia, apenas em novembro de 2003, com o Decreto nº 4.887, que foi
regulamentado o processo de identificação desse povo, assim, classificam-se remanescentes
do quilombo através da autodefinição da comunidade que é certificada pela Fundação Cultural
Palmares. Ademais, o processo de delimitação fundiária e a garantia dessas terras segue uma
série de procedimentos e requisitos os quais precisam de pareceres técnicos que são realizados
com base em estudos antropológicos da comunidade. O órgão responsável por esse processo
de delimitação das terras quilombolas é o Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA) que é regido, também, pelo referido decreto.
Contudo, atualmente, muitas comunidades ainda não possuem o título de
remanescentes do quilombo nem a regulamentação de suas terras. Essa é a situação da
Comunidade Quilombola Mundo Novo, situada em Buíque, no Sertão pernambucano. Embora
os moradores da comunidade tenham se esforçado nos últimos anos para conquistar seu
reconhecimento, as instituições responsáveis por esse processo ainda estão omissas. Além
disso, a comunidade sofre com uma crise identitária o que dificulta mais ainda, seu processo
de certificação.
Dessa forma, realizamos um trabalho etnográfico na Comunidade Mundo Novo e
foram observadas diversas vulnerabilidades, dentre elas a falta do Certificado de
Reconhecimento como Comunidade Remanescente de Quilombo, que é emitido pela
Fundação Cultural Palmares, e é de fundamental importância para as conquistas e
reivindicações de direitos voltados às necessidades das comunidades tradicionais.
Diante dessa realidade, vislumbrou-se a necessidade de ir além da pesquisa
etnográfica, com o objetivo de colocar “os direitos em movimento” e fazer a Universidade
levar, o que é desenvolvido no meio acadêmico, até os povos subalternizados. Assim, através
da etnografia, surgiu a necessidade de auxiliar essa comunidade de maneira efetiva, indo além
do âmbito da pesquisa, momento em que a pesquisa inspirou o Projeto de Extensão "Direitos
em Movimento". O presente trabalho relata a trajetória de atuação do projeto Direitos em
Movimento, que atua com o objetivo de promover uma modificação social na realidade da
Comunidade Mundo Novo e propõe romper com a limitação acadêmica, para que a
universidade pública cumpra o seu papel social de retornar o conhecimento produzido no meio
acadêmico pra a sociedade. Dito isso, a problemática enfrentada pelo presente trabalho é de
que maneira esses estudos sobre a comunidade Mundo Novo podem ultrapassar as barreiras
acadêmicas e realizar transformações na Comunidade? Esse parágrafo é o da justificativa?
Este artigo tem como objetivo geral elucidar como os estudos desenvolvidos sobre o
Mundo Novo puderam transpassar os muros da universidade e promover significativas
transformações sociais na comunidade. Bem como, especificamente, discorrer sobre a
importância do reconhecimento e demais etapas de regulamentação de terras e proteção dos
direitos para as comunidades tradicionais e a atuação do projeto de extensão Direitos em
Movimento (DIMO) nesses processos dentro da Comunidade Mundo Novo. Para tanto a
metodologia utilizada foi o hipotético-dedutivo que vai unir a racionalidade do método
dedutivo com o empirismo do método hipotético. Os autores Quijano (2005), Mignolo (2005)
e Dussel (1993) serviram de referencial teórico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
DA SILVA, Liana Amin Lima. SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Marco
temporal como retrocesso dos direitos Territoriais originários indígenas e quilombolas. Os
direitos territoriais quilombolas: além do marco Territorial. Coord: Antonio Carlos
Wolkmer, Carlos Frederico Marés de Souza Filho, Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega.
Goiânia: Ed. da PUC Goiás, 2016.
EISMAN, Leonor Buendía; BRAVO, Pilar Colás; PINA, Fuensanta Hernandéz. Métodos de
investigación em psicopedagogia. Madri: McGrae-Hill, 1997.
LITTLE, Paul E. Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil: Por uma antropologia
da territorialidade. Série Antropologia 322. Brasília, 2002.
SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG,
2010.
AS FALHAS DE MERCADO E OS DANOS AMBIENTAIS NO SETOR DE
PETRÓLEO: uma questão de conveniência23
INTRODUÇÃO
23
Grupo de Trabalho : Meio ambiente, sociedade e diversidade
24
Doutoranda pela UFPE. UFPE. [email protected]
25
Pós-doutor em Harvard. UFPE. [email protected]
determinar o que o consumidor pode escolher dentro das suas limitações de acordo com a
Teoria da Escolha Racional (COOTER E ULLEN, 2010).
Para implementar tal trabalho, foram utilizadas técnicas de abordagem hipotético-
dedutiva, partindo de uma perspectiva teórica, com análise de dados bibliográficos em busca
da solução ao problema da regulação brasileira, bem como a arbitragem em meio às parcerias
público privadas.
Afora isto, adotou os métodos histórico e comparativo, posto ser
imprescindível à compreensão dos sistemas jurídicos os fatores históricos, sociológicos e
econômicos cambiantes na própria estrutura da administração, apontando as semelhanças e
dessemelhanças entre os modelos em outros países.
A linha de pesquisa foi teórica, com a busca de uma explicação dos quadros
teóricos de referência, por meio de leituras e interpretações.
Quanto à técnica empregada na produção dissertativa, foi realizada uma
pesquisa bibliográfica, em meio à análise de livros, artigos, revistas, periódicos, legislações e
jurisprudências correlatas.
Enfim, através da pesquisa foi avaliado o problema pautando uma contribuição
social rumo a um regramento a atitude nociva das falhas de mercado em relação ao meio
ambiente e às soluções referentes a este controle efetivo inerente num Estado Democrático de
Direito.
DESENVOLVIMENTO
26
No caso da lavra em terra, se a parcela a ser repartida for de 5%, deverá corresponder a 70% dos estados
produtores, 20% dos municípios produtores, 10% dos municípios com instalações de embarque e desembarque
de petróleo e gás natural. Se a parcela for maior que 5% a repartição será de 52,5% para os estados produtores,
25% para o Ministério da Ciência e Tecnologia, 15% para os municípios produtores e 7,5% para os municípios
afetados por instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural. Já em relação à lavra na
plataforma continental, a parcela de 5%, deverá ser de 30% aos estados confrontantes com poços, 30% aos
municípios confrontantes com poços e suas respectivas áreas geoeconômicas, 20% ao Comando da Marinha,
10% ao Fundo Especial (estados e municípios) e 10% aos municípios com instalações de embarque e
desembarque de petróleo e gás natural. Quanto à parcela acima de 5%, 25% ao Ministério da Ciência e
Tecnologia, 22,5% aos estados confrontantes com campos, 22,5% aos municípios confrontantes com campos,
15% ao Comando da Marinha, 7,5% ao Fundo Especial (estados e municípios), 7,5% aos municípios afetados
por instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás natural. ANP. AGÊNCIA NACIONAL DO
PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS, 2001, Guia dos Royalties do Petróleo e do Gás
natural. Rio de Janeiro: ANP. Disponível em: <http://www.anp.gov.br/doc/conheca/Guia_Royalties.pdf>.
Acesso em 20 jan. 2008.
7.990/89 (28/12/89) ao classificá-los como compensação financeira, o que culmina na
caracterização dos royalties como objeto de um sub-contrato de estipulação em favor de
terceiro dentro do contrato de concessão e não a imprecisa compensação definida em lei
(MANOEL, 2003) 27.
Sendo assim, a “maldição dos recursos naturais” (GUIZZO, 2009, p. 59) é aventada
em razão de nem sempre os royalties beneficiarem o local receptor dos recursos para
crescimento e desenvolvimento. A aludida doença holandesa se caracterizou pela crise vivida
na Holanda na década de 70 em razão da desindustrialização, desvalorização dos produtos
industrializados e supervalorização dos produtos primários, gerando descompasso na
competitividade entre os produtos internos e externos (NAKAHODO, 2006).
Bresser Pereira afirma que “existe uma razão estrutural para a apreciação artificial do
câmbio no Brasil: a ´maldição dos recursos naturais´ (...) a doença holandesa que atinge o
país resulta da apreciação artificial do câmbio em conseqüência do baixo custo de produtos
exportados que utilizam recursos naturais baratos” (UOL, 2012).
Conforme Silveira Neto, a excessiva entrada de dólares no Brasil é incompatível com
sua economia, porque sua liquidez interna refletirá sobre o câmbio, provocando a
desvalorização da moeda interna o que gerará a inflação e queda nos níveis de exportação
(UFRN, 2012).
Como uma ferramenta de política macroeconômica, foi elaborada uma lei na condição
de criar um fundo específico para resguardar os lucros provenientes do pré-sal, denominado
Fundo Soberano Brasileiro. Com estas reservas seriam efetivadas aplicações em ativos
externos, em títulos públicos de países centrais, preservando a renda diante de oscilações do
preço e da desvalorização ou até mesmo esgotamento das reservas de petróleo (CARVALHO,
28
2008) .
Ainda no que pertine ao Direito de Propriedade, há miscelânea quanto à definição do
detentor limítrofe do bloco onde se encontra a jazida em exploração, o que leva a necessidade
da unitização, ou seja, individualização da produção. Isto se dá em razão das inúmeras
perfurações, o que leva a regiões limítrofes capturarem ao máximo o petróleo encontrado
independente do percentual de participação na jazida comum (BUCHEB, 2008).
Um outro fator relevante para o direcionamento da economia é a questão das
externalidades, as quais nada mais são do que os custos da troca que poderão refletir em outras
partes, é a ação de um agente econômico que interfere em outro, cabendo ao governo interferir
tributando ou regulando para minorar estes reflexos. Essas como custos não intencionais a
sociedade podem se dar, por exemplo, em razão da poluição, mas também podem servir como
benefícios a sociedade através do investimento tecnológico, gerando efeitos em ambos os
casos a todos indistintamente.
Com relação ao uso intensivo do petróleo na geração de energia as externalidades
negativas estão presentes, promovendo danos a todos por meio da poluição e em função da
finitude desta energia, entretanto o lucro faz cega a sociedade produtora.
Como dizia Malthus, o crescimento da produção não acompanha a necessidade da
população, pois a primeira cresce em progressão aritmética e a segunda em progressão
geométrica. No caso do petróleo, como fonte não renovável, a exponencial demanda por este
fóssil tenderá em certo tempo ao seu esgotamento, contrariando a garantia dos recursos às
futuras gerações e assim a ideia de sustentabilidade.
Marx por sua vez, define o capitalismo como não sustentável em virtude de sua
destruição ambiental: "A produção capitalista, portanto, só desenvolve a técnica e a
combinação do processo social de produção, exaurindo as fontes originais de toda a riqueza:
a terra e o trabalhador” (MARX, 1971, P. 579).
No mercado de carbono dá-se o direito de poluir aos países que compram os créditos
de outros, gerando o custo a toda sociedade provocando a tragédia dos comuns:
“One of the most famous market failure stories is that of the tragedy of the
commons. According to this story, community resources held in common such as
grazing land inevitably suffer explatation and degradation. Suggested remedies
include transfer of the resources to a single government agency or privatization”
(MC CURDY, 1999, P. 558-578) 29.
Para que o governo intervenha na contenção destas externalidades ele tende a calcular
o custo vs. benefício na situação em tela, pois os custos de intervenção tem que ser menores
que os benefícios, caso contrário é inviável economicamente este controle governamental, o
estado agirá por meio de um behavior economist.
Conforme autores30 da “civilização do gás” dentre os fósseis, o que causa menor
impacto ambiental é o gás natural, diminuindo a emissão de gases de efeito estufa, o
29
Tradução: Uma das mais famosas falhas de Mercado da história é a tragédia dos comuns. De acordo com a
história, os recursos comuns, realizados em comum tais como pastagens, inevitavelmente sofrem exploração e
degradação. Soluções sugeridas incluem a transferência dos recursos para uma agência do governo ou
privatização.
aquecimento global, o esgotamento das reservas e a dependência das reservas em áreas
sensíveis (SCIELO, 2012).
Apesar de seu uso vir crescendo vertiginosamente, de 1,3 para 6,7 milhões de metros
cúbicos por dia, com crescimento anual de 38% entre 2001 e 200631, servindo como uma
alternativa na propagação de energia, ainda é mister investimento tecnológico e cultural no
tocante ao uso de energias alternativas, bem como incentivos governamentais na
implementação de tais recursos, eis que os custos elevados impedem sua fácil aceitação. Isto
se justifica pela preferência energética ao petróleo diante de sua maior eficiência em relação
às demais fontes energéticas (SCIELO, 2012).
No mundo, a grande maioria dos meios de transporte são movidos por petróleo e seus
derivados. Além do combustível, diversos outros produtos são elaborados a partir do petróleo,
como plásticos, borrachas sintéticas, adesivos, produtos farmacêuticos e tintas.
A alternativa utilizada para o uso, por exemplo, do etanol no Brasil, foi misturá-lo ao
combustível, numa proporção que varia entre 20% e 25%, conforme dados apresentados pela
escola de Harvard (OIL & GAS, 2011). No tocante a energia hidráulica a ineficiência se dá
em razão das grandes perdas sofridas neste tipo de energia. E quanto a nuclear, a construção
de Angra III perdura desde 2007, iniciaram-se as obras apenas em junho de 2010 (OIL &
GAS, 2011).
A produção brasileira de petróleo em 2009, conforme a Statistical Review of Wolrd
Energy tradução?em junho de 2010, foi de 12,9 bp bbl, o equivalente a 0,8 da produção
mundial. Para o BMI (Business Monitor International) a previsão da produção brasileira em
2015 na América Latina será de 29,58%, situando-se como um dos principais exportadores
junto ao México e a Venezuela. Estimou-se o uso de 7,88milhões de barris por dia na América
Latina em 2010 e um aumento na demanda global do petróleo de 1,6% em relação a 2010 ou
14 milhões de barris por dia em 2011 e de 1,68% entre 2011 e 2015 (OIL & GAS, 2011).
Um outro aspecto que dificulta a regulação em razão de falha mercadológica são as
assimetrias informacionais, as quais gravam desequilíbrios de informação entre as partes
envolvidas no contrato, concessionário-concedente, provocando a realização de contratos
incompletos e conseqüências drásticas quanto à responsabilidade contratual.
Os pré-editais formados pelas empresas servem de ideias para tentar minorar estas
assimetrias, mas o universo de disposições relativas à atividade é extremamente complexo, o
que transforma a Petrobrás numa imensa holdingem função da desverticalização do setor de
energia, produzindo, transportando e comercializando.
Muitas vezes o risco é assumido unicamente pelo concessionário, e no caso de
qualquer infortúnio o prejuízo provavelmente desembocará na sociedade, como os acidentes
internos de Enchova, Roncador e Duque de Caxias, e o acidente de Macondo, cuja
repercussão internacional foi significativa, apesar de não envolver a Petrobrás.
Não é à toa que a carga tributária incidente nos combustíveis são altíssimas,
provocando práticas ilegais resultantes em adulterações e fraudes e mais uma vez
prejudicando a coletividade. Além disso, o papel da ANP se resume à fiscalização da
exploração, produção, importação, exportação e transporte até os citygates. Sendo assim, o
governo deveria garantir a segurança operacional e ambiental, concedendo enforcements ao
concessionário nos contratos elaborados.
A descoberta de novas jazidas de petróleo é o apogeu de diversos países que até então
não possuíam nenhuma economia de mercado internacional, tais como os países árabes, mas
a conquista deste mercado tem provocado inúmeras guerras, a questão ambiental fica em
segundo plano, e a solução é afastar paulatinamente as nações na elaboração de acordos, assim
há uma forte tendência na erosão dos acordos internacionais comerciais multilaterais por
conta da difícil adesão de todos os membros ao grupo, destruindo o Principio da Não-
Discriminação, defendido por Leal-Arcas (LEAL-ARCAS, 2010).
Um exemplo claro da inaplicabilidade dos acordos multilaterais se deu na elaboração
do Protocolo de Kyoto em 2005, o qual não obteve a adesão dos Estados Unidos com alto
índice de emissão de gases poluentes, nem da Austrália, dificultando o atingimento das metas
de redução e corroborando com a loucura planetária com a qual estamos vivendo em nosso
clima.
A adoção de medidas de políticas públicas vai depender do grau de interesse estatal
em intervir num determinado setor da economia. Sendo compensatório economicamente,
serão emanados atos a regularem a matéria.
Alguns pontos tentam ser minorados por meio de teorias, como a definição dos
Direitos de Propriedade, a qual serve para internalizar as externalidades nos custos do bem
ou do serviço. Devendo haver incentivo para o uso socialmente equilibrado dos recursos, de
modo a evitar as externalidades negativas assim como a tragédia dos comuns (VIEGAS,
2010).
A Teoria Econômica da Responsabilidade contratual também tem como cerne trazer
para os contratos danos que estão fora dos acordos privados, as externalidades, as quais para
o Teorema de Coase são obstáculos para a barganha em virtude dos custos de transação
elevados.
Ronald Coase defende a importância da firma para o mercado, “The Nature of the
Firm,” Coase explained that firms exist because they reduce the transaction costs that emerge
during production and exchange, capturing efficiencies that individuals cannot”32;. E
defende que o direcionamento dos recursos dependem diretamente do mecanismo de preços.
“Outside the firm, price movements direct production, wich is co-ordinated through
a series of exchange transactions on the market. Whitin a firm, these markets
transactions are eliminated and in place of the complicated market structure within
exchange transactions is substituted the entrepeneu-coordinator, who directs
production” (COASE, 1937, P. 02) 33
CONSIDERAÇÕES FINAIS
33
Tradução: Coase explica que as empresas existem porque reduzem os custos de transação que emergem durante
a produção e troca, capturando a eficiência que os indivíduos não possuem. E acrescenta: fora da empresa, o
movimento de preços de produção direta, é coordenado através de uma série de operações de cambio no mercado.
Sem uma empresa, essas operações no mercado são eliminadas e no lugar da estrutura de mercado complicado
dentre operações de câmbio é substituído pelo coordenador da empresa, que dirige a produção.
34
Tradução: “embora algumas economias emergentes, países em desenvolvimento insistem que países ricos vão
primeiro, e possivelmente compensam os países em desenvolvimento por danos climáticos”.
econômicos na luta pela conquista da maior e melhor fatia no mercado a qualquer custo.
O mercado apresenta bastantes falhas imanentes em seu sistema, impedindo o alcance
do ponto de equilíbrio ótimo em que todos os agentes participantes se deem por satisfeito, de
acordo com o ótimo de Pareto, em virtude da busca incessante pelo acúmulo de capitais frente
à globalização, provocando a exploração dos recursos de forma irracional.
O desenvolvimento sustentável deve ser suplantado na economia mundial como uma
maneira de restaurar ou estagnar a exploração dos recursos naturais, ao invés de ser
visualizado como um instrumento sancionatório às condutas desconformes com as
imposições legais.
No caso peculiar do petróleo, o respeito aos objetivos subscritos no art. 1º da Lei do
Petróleo, bem como a proteção ambiental constitucional servirão como balizamentos à
extração excessiva, efetivando o ofício dos entes reguladores, para que fiscalizem de maneira
díspare de politizações ou interesses puramente econômicos.
É certo que a riqueza decorrente do petróleo tem o condão de desenvolver nações,
todavia é fundamental que haja uma exploração ambientalmente salutar à sociedade, para que
o crescimento e o desenvolvimento sejam de forma solidária às civilizações futuras.
REFERÊNCIAS
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Market Overview.
Business Monitor International Ltds. Brazil Oil & Gás Report Q2 2011, Executive
Summary.
Business Monitor International Ltds. Brazil Oil & Gás Report Q2 2011, Global Oil Market
Outlook.
COASE, Ronald. The nature pf firms and their costs. Economic insights: Dallas, vol. 9, n.
3.
COASE, Ronald Harry. The Nature of the firm. News Series: London, vol. 4, n. 16, 1937.
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2010.
MANOEL, Cácio Oliveira. Natureza jurídica dos royalties do petréleo, Natal: UFRN,
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SITES
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http://www.transportabrasil.com.br/2011/07/volvo-apresenta-linha-de-caminhoes-com-
tecnologia-euro-5/, acesso em 20 de agosto de 2011.
http://www.anp.gov.br/CapitalHumano/Arquivos/PRH21/FelipeRachidRodrigues_PRH21_
UFRJ-IE_G.pdf. Acessível em 12 de junho de 2011
https://infopetro.wordpress.com/boletim-infopetro/boletim-infopetro/ Acesso, 10 janeiro de
2002
RESUMO
INTRODUÇÃO
35
36
GT 02 - Aspectos Filosóficos, Socio-antropológicos, Históricos e Hermenêuticos do direito.
37
Graduando em Direito. Universidade de Pernambuco – Campus Arcoverde. Membro do Grupo (In) Tolerância
e Violência: Reflexões a partir do conceito de amor mundi em Hannah Arendt. [email protected].
38
Doutora em Filosofia do Direito, docente do Curso de Direito da UPE Arcoverde e Coordenadora do Grupo
(In) Tolerância e Violência: Reflexões a partir do conceito de amor mundi em Hannah Arendt. Universidade de
Pernambuco – Campus Arcoverde. [email protected].
39
falta de afinidade com a situação, de certo modo disruptiva, por parte até de autoridades.
Entender novos comportamentos demanda da sociedade conhecimentos específicos, só assim
será possível se adequar ao momento.
Dessa forma, Arendt esclarece a postura da mídia, quando afirma: “[...] na medida em
que a imprensa é livre e idônea, ela tem uma função enormemente importante a cumprir e
pode perfeitamente ser chamada de quarto poder do governo” (ARENDT, 2013, p.46). É
nítido, então, notar a necessidade de analisar a participação da mídia, seja ela qual for, na
esfera política, admitindo antecipadamente, a intensa relação existente entre tais campos, tal
análise necessita da luz de conceitos arendtianos.
Acompanhando o processo de mudança ao qual a humanidade se sujeitou, ficando
mais nítido atualmente pelos avanços tecnológicos responsáveis por modificar a sociabilidade,
especificamente as redes sociais, a imprensa mencionada por Arendt toma novas formas, mas
não se aparta de antigos papéis. Desses papéis, merece atenção aquele assumido de maneira
obscura, o de agente manipulador.
A reflexão aqui estabelecida se mostra importante e atual, na medida em que se vê
contextualizada em um período conturbado, de popularização das fake news, as ditas notícias
fraudulentas. O regime democrático, comum em diversos países, se vê ameaçado diante desse
novo fenômeno, por isso, órgãos de diversas instâncias buscam conhecer, entender e inibir
suas consequências, com o intuito de preservar o Estado democrático.
Vários são os casos, já reportados, suficientes para denunciar influências políticas do
fenômeno das fake news. Eleições presidenciais, no Brasil em 2014, nos Estados Unidos em
2016, são exemplares nessa matéria. Nesses episódios, os sujeitos interessados em manipular
as opiniões assim fizeram por meio de redes sociais, fake news, e até forjaram militância
virtual, com perfis falsos. Dentre tantos outros meios.
Portanto, se mostra mais que pertinente perceber o fenômeno aqui apresentado através
de um arcabouço cientifico, com o fim de conceber entendimento completo, para a partir disso
ser possível coibir, na medida do possível, a manipulação. A exemplo, fica clara a ausência
de aprofundamento teórico a respeito do fenômeno por parte dos tribunais eleitorais, dada a
perplexidade a frente de um tema inovador, por isso tamanha necessidade prática do estudo.
Com essa breve apresentação do contexto que será estudado, devemos traçar meios, e
objetivos a serem atingidos, na finalidade de responder o problema de pesquisa que norteia o
estudo: a produção de notícias fraudulentas, no meio virtual, interfere diretamente no cenário
político?
Sendo, então, o objetivo geral da nossa pesquisa analisar as influências de notícias
fraudulentas, veiculadas por mídias virtuais, no contexto político. Para alcançar isso,
definimos como objetivos específicos, entender o diálogo entre os conceitos arendtianos de
embuste e auto-embuste com o fenômeno das fake news nas redes sociais, capazes de
influenciar o contexto político. Assim como, compreender a existência da imprensa como
quarto poder do governo, devido ao seu poder de influência em tais assuntos, podendo assim,
favorecer a manipulação.
O método dedutivo mostra-se mais adequado nessa abordagem, a partir do momento
que partiremos de conceitos e pensamentos gerais, com a finalidade de compreender o
fenômeno especifico. Será, portanto, uma pesquisa bibliográfica, dada a utilização de
referenciais teóricos, além de documental, que nos dará base para apresentação de fatos, por
fim, é necessário explicitar o cunho explicativo da pesquisa, que se compromete em esclarecer
o contexto estudado.
[...] de um ponto de vista político, a verdade tem um carácter despótico. Ela é por
isso odiada pelos tiranos, que temem, com razão, a concorrência de uma força
coerciva que não podem monopolizar; e goza de um estatuto relativamente precário
aos olhos dos governos que repousam sobre o consentimento e que dispensam a
coerção. (ARENDT, 2016, p.298)
Em consonância, deve-se entender o risco eminente que a verdade, por deter caráter
quase pétreo, representa para aqueles que necessitam da volatilidade do fato para perpetuar
um poder não fundamentado na essência, ao contrário, no embuste. Por mais que os episódios
aqui apresentados sejam retratados em democracias, a tirania denunciada pela autora só muda
de aparência, todavia perdura na essência. A tirania da mentira se sustenta no fracasso da
verdade, daí é possível entender a grandeza do que está sendo estudado.
Nessa mesma linha de raciocínio, Hannah Arendt busca tratar de pontos extremamente
presentes no cerne da discussão, e para isso podemos expor em concordância que, ao tratar da
mentira, também é importante se ater à omissão de informações, ou seja, aos segredos de
Estado, dos quais o vazamento sempre gerou traição (ARENDT, 2016). Desde os reinados
mais remotos da história, até os dias atuais tivemos a figura do “traidor da corte”, retaliado
com perversidade, até mesmo em contexto democráticos, denunciando a incoerência da fina
aliança firmada entre governo e cidadão.
Ainda tratando da intrínseca relação governamental com a imprensa, a autora afirma
ter essa o poder de criação de uma realidade diversa daquela que se propõe a manipular
(ARENDT, 2018). Arendt trata, então, do aspecto de imparcialidade, para ela de suma
importância ao aspecto qualitativo da opinião, assim como da labuta jornalística, que aqui
toma novos rumos.
Contudo, a imparcialidade possui uma variabilidade “[...] mero enunciado de fatos não
conduz a nenhuma espécie de ação e tende até, em condições normais, à aceitação das coisas
como elas são.” (ARENDT, 2016, p.310). Desse modo, a mídia mostra-se extremamente
importante no papel de informar o cidadão, tendo como importante aspecto a imparcialidade,
devendo esta ser tratado com parcimônia, para evitar manipulações, mesmo gerando
banalidade.
Desse modo, é possível compreendera interferência da mídia no contexto político. É
viável, nesse sentido, admitir com veemência a coerência do que Hannah Arendt expõe sobre
o potencial da imprensa, aqui as mídias virtuais em analogia. É, em justa medida, necessário
entender a manifestação, a passos lentos, de um contra movimento, na pretensão de inibir as
consequências das fake news, alvo de maiores combates. Tais movimentos nos leva a buscar
compreender um pouco mais da ação comunicativa, de Jürgen Habermas, através do
entendimento do professor doutor José Marcelino de Rezende Pinto (1995)
Da ação comunicativa habermasiana, é possível dialogar com o contexto apresentado
relacionando com os meios intensamente procurados para resolução da problemática aqui
enfrentada. Habermas propõe a coesão social através da integração entre a sociedade, através
da integração social e da integração sistêmica (PINTO, 1995). No primeiro momento,
entendendo a integração social como a busca da coesão através de meios essencialmente
comunicativos, como a própria interação desenvolvedora de consensos sociais. E a integração
sistêmica, fruto não de interações individuais, mas sim de mecanismos paralelos, como o
mercado (PINTO, 1995)
Nesse sentido, é plenamente possível observar esse tipo de integração em movimentos
dispostos a minimizar os efeitos da fake news. Campanhas realizadas por redes sociais, a
exemplo do Facebook, em parceria com a faculdade Mackenzie marcam profundamente um
traço de integração social, parindo o consenso através da comunicação entre as partes
envolvidas que entendem o poder nocivo das fake news. Em contrapartida, o melhor exemplo
para figurar a integração sistêmica seria o mercado. Profundamente sensível ao fenômeno,
marcado por mudanças de acordo com o cenário político, é mais que razoável a integração
desse para a promoção da coesão social em busca da prática da ação comunicativa. Seria essa
então, a relação prática da teoria com o caso aqui abordado.
Sendo assim, Jürgen Habermas busca tratar problemas sociais e humanos por meio da
comunicação, percebendo o espaço público como cerne da comunicação e, por conseguinte o
meio pelo qual a sociedade pode buscar a integração e coesão necessária para a resolução de
questões (BITTAR; DE ALMEIDA, 2015). Ao mesmo passo que Hannah Arendt percebe, ao
tratar do cenário de queda do totalitarismo, que a perda de crenças em instituições maiores,
responsáveis por guiar ao futuro, dá base ao anseio do cidadão de tomar lugar no espaço
público, e por si, influenciar no caminho para o futuro (TELLES, 1990).
Analisando, o fenômeno central do estudo, percebe-se a necessidade observada pela
sociedade de tomar o espaço público para tratar das mais variadas questões. As fake news, e
seu gigantesco potencial de interferência causaram perplexidade aos mais variados cidadãos,
nos mais variados lugares do planeta, e esses cidadãos se remetem ao espaço público como
tomada de controle, como também um meio de assumir funções anteriormente negligenciadas
que precisam de integração e coesão, apontadas pelo pensamento habermasiano.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ARENDT, Hannah. Crises da República. Trad. de José Volkmann. 3. ed. São Paulo:
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______. Entre o passado e o futuro. Trad. de Maura W. Barbosa de Oliveira. 8. ed. São
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en&nrm=iso>. Acesso em: 02 set. 2018.
CONCEITO DE LABOR E TRABALHO: Perspectiva Arendtiana na
Contemporaneidade
RESUMO
A obra “A condição Humana” de Hannah Arendt mostra como o ser humano, agindo como
indivíduo, se comporta diante do mundo e o “mundaniza”, de forma a fazer dele sua casa.
Dentro dessa obra, este artigo destaca as discussões metateóricas, que versam sobre o conceito
de labor e trabalho, considerando analisar razões e motivos pelas quais vemos certos
problemas dentro de nossa sociedade, além de tentar fornecer explicações sobre alguns pontos
da qual o ser humano exprime desde que evoluiu para um ser dotado de consciência,
diferenciando-se assim dos outros animais. A busca principal do artigo será o questionamento
e a dicotomia dos processos Labor e Trabalho na Contemporaneidade, todavia, problemas
como depressão, ansiedade e o medo, possuem de fato, relação com o Trabalho e o Labor?
Será que tais problemas são resultados da desvirtuação do processo do trabalho e o
endeusamento do ‘ciclo vital’ do labor na sociedade do consumo? E tais processos possuem
relação com a política? Tais questionamentos englobarão toda a análise da qual o artigo
procurará dar motivos de existência e soluções a partir do pensamento arendtiano. Assim,
parte-se de uma análise a partir do método hipotético dedutivo tendo uma abordagem
bibliográfica com ênfase na obra de Arendt e seus comentadores.
INTRODUÇÃO
Quais as características que o ser humano possui que o diferem dos outros animais? É
uma pergunta extremamente complexa que sua resposta não pode ser inteiramente dada, muito
menos certificada (até o momento). Todavia, certos pontos podem ser enunciados e analisados
de forma a encontrar certas similaridades, certos padrões de comportamento que o fazem ser
diferente.
Aqui quero retratar e analisar uma das características que deram forma a este mundo
“mundano” humano, que são as atividades do “Labor” e do “Trabalho”, e, como eles
funcionam organicamente na sociedade atual, além de citar a Grécia Antiga, a Revolução
Industrial inglesa e a Contemporaneidade, para tal faço uso da análise do capítulo 3 e 4 da
obra “A Condição Humana” através de uma pesquisa explicativa da qual retiro citações e
conclusões acerca dos problemas que aqui proponho explanar, além usar comentadores como
Karl Marx, Sara Granemann e Odílio Alves Gonçalves.
40
Graduando em Direito pela UPE - campus Arcoverde.
41
Graduado em Direito pela UPE e mestrando em Filosofia pela UNISSINOS.
Assim sendo, o presente artigo transcorrerá a partir do método hipotético-dedutivo
através do qual poderá basear conjecturas que darão forma e explicação acerca dos problemas
que aqui se busca explanar e resolver a partir do pensamento arendtiano.
Tal estruturação permitirá uma melhor análise acerca do pensamento arendtiano e dos
seus objetivos, aqui não se buscará trazer uma perspectiva única e absoluta acerca não só do
seu pensamento, mas das conjecturas históricas aqui apresentadas, pois são possíveis
diferentes pontos de vista e de análises da qual se poderá criar conjecturas parecidas, mas não
iguais, haja vista a complexidade do indivíduo humano, da sociedade, e os processos que o
integram como ser político.
Antecipo também que, não resisto aqui em lincar tal assunto com um autor específico,
Zygmunt Bauman, principalmente com a sua obra “Tempos Líquidos” (2007), já que
naturalmente o decorrer das suas obras interseccionará de forma esplêndida com as
consequências previstas neste capítulo da obra de Hannah.
Partindo da análise de Arendt e de outros autores, me deparo com certos problemas
icônicos da contemporaneidade, problemas de depressão, ansiedade e medo reinam sobre uma
sociedade onde o trabalho perde grande parte do seu valor prático, servindo apenas para
alimentar um sistema econômico que vicia o indivíduo alienando-o ao consumismo. Assim,
proponho-me a discursar sobre tais ‘consequências’ das diferentes interações sociais que
compõem o mundo humano, de forma a buscar, acima de tudo, o ideal na qual Arendt se pôs
a desenvolver para que o homem seja capaz de ser um ser independente e racional.
1 LABOR E TRABALHO
O conceito apresentando por Arendt sobre o que seria trabalho? A autora demonstra
em seu livro “A Condição Humana” como: “trabalho é o metabolismo do homem com a
natureza – O trabalho se incorpora ao sujeito” (ARENDT, 2007, p. 110).
O Labor, em sua essência, segundo Arendt trata-se de “um processo vital, cíclico, sem
começo e fim, destinado exclusivamente à sobrevivência” (2007, p. 91); assim diz Aristóteles,
“indivíduos que com o corpo atendem às necessidades da vida” (ARISTÓTELES, Política
1254b25 apud ARENDT, 2007, p. 90). Ao praticante da ação do labor dar-se-á a denominação
de Animal Laborans. Sobre o conceito de labor, há destaque para o conceito em sentido
arendtiano, haja vista que já houve a explicação do que é o Labor e do que ele produz, o
mesmo não gera qualquer “vestígio ou obra digna de ser lembrada” (ARENDT, 2007, p. 91),
já que, “é típico de todo labor nada deixar atrás de si” (ARENDT, 2007, p. 98).
Então, visto que é um processo cíclico praticado por todo e qualquer ser, o labor são
as simples ações do dia-a-dia destinadas única e exclusivamente à sobrevivência do ser que a
pratica. Dessa forma, todo e qualquer ser que busca a sobrevivência pratica, nem que seja
involuntariamente, a atividade de laborar, existindo como um Animal Laborans, já que é uma
atividade fundamental na sociedade.
Em relação ao trabalho é o processo de fabricação utilizado pelo ser humano para
produzir artifícios e objetos, segundo Marx (1982) “O trabalho é, antes de mais, um processo
entre homem e natureza, um processo em que o homem medeia, regula e controla a sua troca
material com a natureza através de sua própria ação” (MARX, 1982, pag. 326), tais artefatos
provêm através do seu uso à facilidade da vida humana, assim possuem um fim previsível.
Segundo Arendt, “o próprio trabalho sempre requer algum material sobre o qual possa
ser realizado e que, mediante a fabricação, que é a atividade do Homo Faber, será
transformado em objeto mundano” (2007, p. 102). Logo, o trabalho seria, então, a expressão
do ser humano que o permitiu se diferenciar do restante da vida animal, segundo Granemann
em seu atigo “O processo de produção e reprodução social: trabalho e sociabilidade” (2009),
trabalho é “a dimensão capaz de criar uma natureza humana, isto é, a atividade capaz de nos
tornar seres portadores de uma natureza diversa da dos outros seres naturais”
(GRANEMANN, 2009, p. 3).
Sua definição pode parecer simples, mas ao adentrar na sua esfera de ação percebe-se
que a ação do trabalho foi fundamental para consecução do estilo de vida humano, por quê?
Sobre o questionamento há uma análise do produto do trabalho, o seu resultado final é o
‘Objeto de Uso’, e, como o próprio nome diz, foi elaborado para o uso humano.
O homem faz uso dos elementos naturais refinando-os e destinando-os a um fim
previsível, “o elemento natural se converte em órgão de sua atividade, um órgão que ele
acrescenta a seus próprios órgãos corporais, prolongando sua forma natural” (MARX, 1982,
p. 329), ou seja, o trabalho é capaz de alterar a natureza, o mundo externo, e o próprio ser
humano, nesse sentido “o trabalho é criação, é motor de civilização e fonte de realização das
potencialidades da natureza social do homem que ao criar o trabalho é recriado e modificado
pela atividade a que deu vida” (GRANEMANN, 2009, p. 6).
Se hoje temos tais ‘Objetos de Uso’, haja vista que ele se aperfeiçoou de forma extrema
nos últimos trezentos anos, o homem poderia manter seu mundo sem tais artifícios? Com
certeza não, logo, “são tão fundamentais para a familiaridade do homem com o mundo e para
seus costumes” (ARENDT, 2007, p. 106), quanto os ‘Bens de Consumo’ são para a vida
animal, “o que os bens de consumo são para a vida humana, os objetos de uso são para o
mundo do homem” (ARENDT, 2007, p. 106).
Por outro lado, os Bens de Consumo, que são produtos do processo de Laborar,
diferentemente do produto resultante do trabalho são menos duráveis, como dito por Hannah
(2007) “as coisas menos duráveis são aquelas necessárias ao próprio processo da vida. Seu
consumo mal sobrevive ao ato de produção” (ARENDT, 2007, p. 107), eles não são capazes
de gerar qualquer mudança significativa no mundo humano, já que são rapidamente utilizados,
de forma que não conseguem nem ser o aporte para a geração de costumes, nem para gerar
familiaridade do homem com o seu mundo e, nem para servir de hábitos de intercâmbio entre
indivíduos humanos. Servindo assim, única e exclusivamente para a manutenção das
atividades biológicas.
O mundo humano diverge do mundo animal, como bem dito por Granemann (2009):
A constituição dos seres sociais tem no trabalho como ação orientada para um
determinado fim o fundamento da natureza humana porque pela atividade laborativa
os homens puderam diferenciar-se do mundo orgânico e, inclusive, passaram a
submetê-la, a manipulá-la e a dela se distanciar com uma relativa autonomia
(GRANEMANN, 2009, p. 4).
Por mais que as leis naturais se apliquem ao ser humano tendo assim semelhança entre
os mundos apenas na esfera biológica, é somente dentro do mundo humano que o movimento
cíclico da natureza se manifesta como crescimento e declínio produzido pelo trabalho,
enquanto entende-se por mundo natural o mundo animal, este preferencialmente produzido
pelo labor, dessa forma “pelo trabalho humano a natureza é constrangida, dirigida a oferecer
aos seres sociais elementos materiais que o trabalho converterá em bens para o provimento
das necessidades sociais dos humanos” (GRANEMANN, 2009, p. 5).
Assim, o ser humano, mesmo sendo um ser bem mais desenvolvido em relação ao
restante da vida animal, também a ela pertence de forma que, labora para sobreviver, e trabalha
para viver. O labor é “a mais natural e a menos mundana das atividades do homem”
(ARENDT, 2007, p. 107), e o Trabalho “a menos natural e a mais mundana das atividades”
(ARENDT, 2007, p. 107). Todavia, com certos adventos e acontecimentos ocorridos durante
a recente existência humana, aliado principalmente a Revolução Industrial, percebe-se certas
inversões nas práticas de tais atividades, de forma que acabam por gerar diversos problemas
sociais que estão culminando para um eventual colapso, pois não apenas o próprio ser humano
sofre com tais fatores, a natureza, entidade da qual se retira matérias primas para a construção
do mundo humano está com reais perigos de existência, segundo Granemann:
Claro está que os processos de manipulação da natureza, em especial no modo de
produção capitalista, não carregam a preocupação de preservar a vida já que a
crescente conversão de todas as esferas da sociabilidade humana em processos
apropriados pelo capital e tornadas mercadejáveis propiciaram incessantes produção
e consumo de mercadorias que têm ameaçado de destruição o planeta (2009, p. 4).
Veremos com passar dos períodos humanos, como analisado por Marx (1982), a
inversão de valores, e a substituição das concepções das atividades de trabalho pela das
atividades de labor e sua aplicabilidade para com não só a sociedade, mas com a política.
Segundo Márcia Vieira e Simone Pinto (2008) percebe-se que,
[...] o labor estava restrito à esfera privada, porém, com o deslocamento das questões
privadas, “caseiras”, “do interior do lar” e da organização da sociedade para o
âmbito público, o processo de manutenção da vida foi captado pela esfera pública
(VIEIRA; PINTO, 2008, p. 46)
Ou seja, o labor, antes preso ao constante vício do processo vital encontrou no ser
humano “moderno” uma brecha para libertar-se, já que o social, criado a partir da
modernidade assimilou certos fatores da esfera privada do indivíduo à esfera pública, de forma
que, segundo Aguiar, “as atividades executadas privadamente passaram a ter importância
pública e o que era típico do público passou a ser luxo” (2004, p. 10),
Tal processo tem início com as cortes francesas pré-revolução de 1789, todavia ganha
força com a Modernidade que começa a suplantar o reino do consumismo desenfreado que a
sociedade Contemporânea presencia.
Antes de iniciar com a questão dos períodos modernos será necessários retratar um
pouco da Antiguidade Grega, pois Arendt (2007) dá uma importância grande a tal época e a
certas características de tal sociedade. Como dito em capítulos anteriores, haja vista que já
houve a explicação do que é o Labor e do que ele produz o mesmo não gera qualquer “vestígio
ou obra digna de ser lembrada” (ARENDT, 2007, p. 91) já que, “é típico de todo labor nada
deixar atrás de si” (ARENDT, 2007, p. 98). Como analisado por Aristóteles42 e expresso por
Arendt (2007), se é vital apenas para a sobrevivência do corpo, logo é servil, digna de uma
condição meramente animal. “O desprezo pelo labor [...] generalizou-se na medida em que as
exigências da vida na polis consumiam cada vez mais o tempo dos cidadãos e com a ênfase
em sua abstenção de qualquer atividade que não fosse política” (ARENDT, 2007, p. 91).
Em uma sociedade onde todas as semelhanças entre o homem e o ser animal eram
abolidas, logo o Labor como uma atividade existente entre todos os seres seria naturalmente
desprezada, fator que, mesmo sendo, era necessária a vida, sendo sua “servidão” suprimida
através da instituição da escravidão. “Laborar significava ser escravizado pela necessidade,
escravidão esta inerente às condições da vida humana” (Arendt, 2007, p. 94). Vieira e Pinto
complementam que:
Questão esta bem mais profunda, pois não se buscava o lucro ou à imposição de
trabalhos desnecessários, “Diferentemente da escravidão na modernidade, que foi utilizada
para fins de lucro, na Antiguidade foi uma forma de abolir o labor da vida humana” (VIEIRA
e PINTO, 2008, p.46). Há de deixar claro que: “Não negava que os escravos pudessem ser
humanos; negava somente o emprego da palavra “homem” para designar membros da espécie
humana totalmente sujeitos à necessidade” (ARENDT, 2007, p. 95).
A sociedade grega prezava pela esfera pública, um espaço de ações e palavras onde os
homens eram capazes de guiar a polis a partir da verdadeira política, mas tal noção de política
é diferente da admitida na contemporaneidade, segundo Aguiar “Na perspectiva antiga a
esfera pública é o espaço que entram as ações (práxis) e palavras (lexis) que dignificam o
homem, que o tornam distinto do animal humano” (AGUIAR, 2004, p. 9). A vida activa
dignificava o homem de forma que o indivíduo fundamentava sua liberdade de ação e
pensamento, ou seja, não é apenas unicamente um processo ativo como o trabalho que irá
distinguir o homem do animal, mas também o instituto da política, este capaz de libertar o
homem da sua ‘natureza’. Um é um processo fonte de materiais da qual o homem cria o mundo
humano, sendo, o outro, um processo de manutenção dessa vida ‘mundana’.
42
Hannah Arendt retrata Aristóteles tendo como fonte seu livro “A Política”.
Arendt (2004) adentra tais questões, pois a sociedade moderna atingiu níveis de
individualidade e ausências de pensamentos independentes que as sociedades humanas nunca
experimentaram. Ela dá extrema importância à esfera pública porque na contemporaneidade
tal esfera de ação e pensamento está tão vinculada ao consumismo que perdeu quase que
completamente seu propósito inicial, de através da razão e da civilidade promover a
‘evolução’ do homem.
A questão da apropriação iniciada no período moderno promoveu inicialmente uma
busca não só por mais lucro, mas principalmente por mais propriedade e, como trunfo,
buscava-se uma atividade que tivesse a característica de apropriar-se do mundo e cujo
questionamento de privatividade estivesse fora de dúvida. Desta forma, qual propriedade é
mais privada ao indivíduo que o próprio corpo humano? Afirma Arendt: “E esses meios –
corpo, mãos e boca – são os apropriadores naturais, vistos como não pertencem em comum à
humanidade, mas são dados a cada homem para seu uso privado” (ARENDT, 2007, p. 123).
É justamente nessa esfera que recairá a consecução de leis e garantias do indivíduo sobre a
própria vida e, principalmente, o seu próprio corpo.
Neste período tem por destaque, autor e filósofo da época que serviram de base para o
entendimento de Arendt sobre o período, ele explicou como a sociedade humana se organiza
e como o capitalismo age sobre elas, Karl Marx, já que como visto por ele, o capitalismo, por
mais que seja capaz de gerar riquezas, necessita de um limite, já que se tornou uma máquina
predatória a nível mundial.
À luz da época, eram condições de vida que, por mais que houvesse seu aumento na
qualidade, eram extremamente ruins e prejudiciais à vida humana, todavia há de se afirmar
que foi um período extremamente importante para os acontecimentos do mundo
contemporâneo, já que deu as bases para a formação dos Estados Sociais que temos hoje, além
de dar forma ao movimento comunista, inclusive este liderado por Marx.
Neste período destacam-se certas contribuições de Marx que, posteriormente foram
absorvidas e refinadas por Hannah. Ou seja, entender como o capitalismo funciona é entender
como o trabalho existe na sociedade humana, trabalho este que Marx se projetou a entender e
procurar a solução, já que ele entendia que o capitalismo escravizava as pessoas e, dessa
forma, se deveria procurar outra forma de existência econômico-social para a humanidade.
Dessa forma, Marx entende que o labor, que era tido como uma ação improdutiva na
Antiguidade possui sim sua produtividade própria, e essa produtividade é a “Força Humana”
que não se esgota e é capaz de produzir um “excedente” (mais que o necessário à sua
produção). Desta forma, o labor acaba por se tornar o motor precursor da produtividade do
próprio trabalho, já que dele se torna capaz a criação da ‘Força Humana’ (arheitskraft), como
dito por Arendt,
[...] toda ocupação deveria demonstrar sua utilidade para a sociedade em geral, e
como a utilidade das ocupações intelectuais se tornara mais que duvidosa dada a
moderna glorificação do trabalho, era apenas natural que também os intelectuais
desejassem ser considerados como membros da população trabalhadora (2007, p.
103).
Os homens são reduzidos à função de suporte do ciclo vital a partir de onde se tornou
possível seu controle. Por via da funcionalização e do consumo, foram aumentadas
a previsão, a padronização e o controle sobre a capacidade humana de agir e
transformar (p. 11).
Ou seja, o indivíduo moderno gera aqui uma transformação no seu sentido “político”,
onde existente numa sociedade “liberalizada” do seu ciclo vital (labor) e há a abundância de
recursos para tal, ele pode se dedicar à plena satisfação e ao vício das suas necessidades, o que
será tratado adiante. Pode-se perceber que a modernidade buscou em outros meios o que os
Antigos também buscaram, a emancipação do homem da própria atividade de laborar
ensejando a produção para o consumo, todavia,
Percebe-se então que Marx olha até de uma forma inocente em relação ao homem, já
que não percebe a capacidade do mercado do consumo no que tange a sua viciabilidade,
podendo facilmente compará-lo a um vício excruciante com que certas drogas assim são
capazes, todavia, a sociedade de consumo, como se verá, será capaz de prender o ser humano
através da limitação ‘política’ da mente.
Tal como dinheiro vivo pronto para qualquer tipo de investimento, o capital do medo
pode ser usado para se obter qualquer espécie de lucro, comercial ou político. E é.
Isso acontece também com a segurança pessoal que se tornou um grande, talvez o
maior, ponto de venda em toda espécie de estratégia de marketing (2007, p. 18).
Este “medo” operante no ser humano contemporâneo fez com que a moralidade de
movimento aliado à frequência extremamente rápida das informações gerasse o “mal do
século”. Esse mal contemporâneo pode ser visto na própria psique humana, a ausência de
informações concretas que possuem um ciclo de conteúdo constantemente re-preenchido
interpelado pelo e para o consumo dominam a vida cotidiana. A internet ao mesmo tempo em
que se tornou uma ferramenta de informação, tornou-se uma ferramenta de volatilidade e
problemas relativos à psique humana, ela reflete a liquidez que domina o mercado de trabalho
e a consequente esfera social, já que, o trabalho, tornou-se a função mais importante da
contemporaneidade.
Alvim comenta que o empregado contemporâneo mantém “laços relacionais similares
àqueles mantidos com suas igrejas, por fanáticos fiéis” (2006). O emprego se tornou a alma
do homem moderno, o contrato psicológico firmado enseja o comprometimento e o vínculo,
principalmente dos mais jovens, à causa inequívoca da empresa onde não garante qualquer
tipo de segurança ao empregado já que se trata de um contrato psicológico,
43
No sentido grego da palavra, capaz de pensar e sentir por si só, incapaz de ser engolido por um funcionalismo
de classe.
labor (2007, p. 139). O resultado disso é que “reina a unidade muda, consenso anônimo,
opinião única e de ninguém, inviabilizadora do aparecimento de comunidades políticas que
tornem possíveis as relações entre pessoas e conexões entre seres humanos livres e ativos”
(AGUIAR, 2004, p. 12).
Como dito por Bauman, o capitalismo é “uma cobra que se alimenta do próprio rabo”
(2007, p. 34), “Rosa Luxemburgo divisou um capitalismo morrendo por falta de alimento:
morrendo por ter devorado o último pasto de alteridade em que se alimentava (BAUMAN,
2007, p.34), já que se considera que:
A ‘massificação’ alcançou um patamar nunca antes visto, a educação que deveria tirar
o homem da barbárie e levá-lo aos trilhos do progresso o prendem ainda mais a um sistema
integrante de um ciclo vicioso de consumo. A política por trás de tais fatores resguarda esse
sistema onde, buscando o ‘progresso’, esconde-se na confortabilidade proposta pelo sistema
de mercado e assim exclui-se da vida humana. A efemeridade do sistema, das coisas, a
indurabilidade, a ausência de ‘vida’ dos objetos, o estresse, a depressão, o medo, todos estão
correlacionados, de forma que podem ser quase confundidos nominalmente, todos com
interseccionamentos produzidos pelo consumismo em nível predatório que atropela as etapas
de desenvolvimento individual e político do indivíduo, criando assim a ‘massificação’ e os
mecanismos de controle por ele mantido, o mundo ‘sólido’ torna-se enfim ‘líquido’, adaptável
e amorfo.
Convulsões sociais dão forma ao período. As relações humanas tornam-se
insustentáveis, impedidas e consequentemente quase inexistentes, mantendo apenas o mínimo
necessário para o desenvolvimento dos mercados. As informações e o consumismo atropelam
as suas lentas e progressivas etapas necessárias para qualquer desenvolvimento das relações
humanas. O interseccionamento dos problemas citados encontra um aporte filosófico que
antecede à própria consciência humana, haja vista que mesmo atrelado às tecnologias
contemporâneas, continua vinculada à sua esfera natural, ‘laborial’, que a antecede, assim
prendendo-a a etapas de aprendizado e desenvolvimento onde seu pulo acarreta as convulsões
sociais que caracterizam a contemporaneidade. Relações sociais como língua, cultura, política
e a própria dialética de ideias necessitam ser praticadas e respeitadas visando uma sociedade
bem encaminhada para o ‘progresso’, todavia o conceito de ‘progresso’ contemporâneo é
deturpada, de forma que enseja um sistema que aliena a tudo e a todos.
O social tornou-se à busca pelo objeto, a vida tornou-se efêmera e passível de
esquecimento, onde o inevitável ‘medo’ de ser esquecido em meio a tantas obrigações sociais
encontra um ponto de destaque e finaliza sua ação em gritos inaudíveis de desespero que são
e serão todos engolidos pela máquina tecnológica industrial.
A radicalização do Social encontra ensejo na relação do privado com o Bem Social,
onde o espaço público tornou-se particular,
A absolutização da questão social ocasionou enorme estreitamento do conceito de
Bem Comum. O Bem Comum transformou-se nos elementos necessários ao bem-
estar da população. Bem como passou a ser coisas e não o mundo comum que nasce
da consciência livre dos cidadãos, campo da memória e da imortalização (AGUIAR,
2004, p. 17).
O meio político ganha um caráter privado, tendo-se assim apenas exibições públicas
de atos privados onde, não há em nenhum momento um meio político de caráter cidadão, já
que a própria ideia de cidadão torna-se obsoleta, haja vista a ‘massificação’ social. O ser
político, antes capaz de pensar por si só, na contemporaneidade ganha um sistema para pensar
por ele, elevando-o à qualidade de deus, já que a sua única preocupação será a de saciar cada
vez mais e repetidamente suas necessidades relativas ao processo vital ao custo de apenas um
fator, a sua liberdade, condicionando-os repetidamente ao ciclo do consumo e do trabalho.
Um golpe tão baixo que é capaz de entorpecer o mais forte dos indivíduos e deixá-lo incapaz
de perceber a realidade de o circunda, podendo até mesmo aceitar como naturais as diversas
brutalidades da vida natural e mundana cotidiana, a isso Arendt chamará de “Banalização do
Mal”,
Assim resta ao indivíduo a mera existência efêmera como um deus controlado por
forças que desconhece e o compelem ao trabalho, ao consumo e a uma venda, paga a preço
de consumo, da sua própria auto-suficiência política e física.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
44
No sentido não estar preso a ele, como na própria concepção grega de homem político.
45
Aqui no sentido de ‘adotar’ para si, onde tal personalidade refletiria plenamente a existência do indivíduo que
e é capaz de proporcionar. O ser político, quase uma ideia puramente abstrata para a
contemporaneidade, pode assim ser de fato, considerado um indivíduo, cidadão e livre.
Portanto, é importante a atenção aos processos de ‘massificação’, onde ideias
generalizadas encontram aportes para gritos sem conteúdo e expressão, discursos de ódio e
propagandas indignas de produzir qualquer tipo de processo benéfico aos indivíduos e à
sociedade. A análise de Arendt traz uma racionalidade e busca pelo ser político que havia sido
deixado na Antiguidade grega, suas análises englobam a contemporaneidade de uma forma
geral, o capitalismo não altera suas bases e seus objetivos, altera apenas os meios humanos e
tecnológicos para tal.
Mesmo que tais análises feitas demonstrem um alto grau de ceticismo em relação ao
futuro, tal como Bauman, o mesmo deve ser visto com certo otimismo, o ser humano sempre
achou meios para resolver problemas, a preocupação reside no fato que não se sabe ainda qual
a solução para tais problemas e nem quanto tempo ou qual o custo será necessário para ser
possível atravessar tais dificuldades.
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Odílio Alves. A Questão Social em Hannah Arendt. Trans/Form/Ação, São Paulo,
vol. 27, no. 2, p. 7-20, 2004.
RESUMO
O presente artigo pretende discutir os efeitos gerados pelo costume da utilização dos vícios de
linguagem dentro do âmbito jurídico, pelos operadores do direito. Trata sobre o conceito do
que seria o “juridiquês”, demonstrando mediante vários exemplos, como ele é
corriqueiramente aplicado dentro da esfera jurídica. Busca identificar as causas e os meios
pelos quais é possível sanar os vícios de linguagem, bem como, relatar as consequências
negativas advindas do uso inadequado das palavras jurídicas, de modo a causar o
distanciamento e obstacularização daqueles que necessitam do auxílio da justiça. Pretende,
através da realização de uma pesquisa de campo, buscar na realidade a verdadeira efetividade
da comunicação da linguagem jurídica e se essa comunicação tem garantido o acesso à justiça
e o exercício ao direito de cidadania para aqueles que dependem do Poder Judiciário. Aborda
além de maneiras de sanar os vícios de linguagem, meios pelos quais possam ser hábeis para
uma melhor compreensão da linguagem jurídica, seja através da simplificação da linguagem,
cartilhas jurídicas ou previsão legal específica sobre o tema, de modo a tornar a linguagem
mais clara, simples e compreensível, utilizando a pesquisa bibliográfica através de artigos
científicos já publicados, obras dentro da referida temática, como também, pesquisa de campo,
utilizando o método indutivo.
INTRODUÇÃO
Para aqueles que não estão habituados, a linguagem do Direito pode ser, muitas vezes,
um grande desafio na compreensão do que o texto pretende transmitir. Assim sendo, o
presente trabalho busca, através do estudo do “juridiquês”, evidenciar quais as causas para
esse acontecimento, identificando as consequências prejudiciais ao mundo jurídico,
promovendo assim, propostas para reparação do uso inadequado da linguagem, através da
simplificação da linguagem jurídica e identificando as repercussões da utilização dos vícios
de linguagem na esfera jurídica.
Ao refletir sobre as considerações acerca do “juridiquês” e suas repercussões, podemos
observar que a linguagem jurídica não cumpre com seu papel democrático na garantia do
“direito para todos”, visto que, o uso desnecessário de expressões jurídicas, constitui um
impasse ao acesso à justiça, gerando uma violação à igualdade e exclusão daqueles que não
possuem qualquer conhecimento jurídico, causando prejuízos a democratização do direito e
ao exercício da cidadania.
Deste modo, pretende-se analisar e discutir, mediante o estudo da linguagem jurídica,
o “juridiquês”: Quais as repercussões que o uso inadequado da linguagem produz na esfera
jurídica? E quais elementos podem auxiliar para sanar as consequências prejudiciais e sua
importância? Desta forma, a pesquisa tem como objetivo geral analisar e identificar, através
do estudo da linguagem jurídica, quais as implicações ocasionadas pelo uso inadequado da
linguagem para aqueles que são leigos, quando se trata de matéria relacionada a esfera
jurídica.
A metodologia utilizada para a presente pesquisa é de caráter explicativo, relacionando
o uso inadequado da linguagem jurídica, com suas causas e efeitos na esfera jurídica. Utiliza-
se de pesquisa bibliográfica, e também de materiais já elaborados. O trabalho apresenta ainda,
uma abordagem quantitativa, ao realizar uma análise dos resultados obtidos em pesquisa de
campo, realizada no Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia (IFPE).
A pesquisa justifica-se por demonstrar a relevância da discussão do tema, com a
necessidade de identificar se a comunicação da linguagem jurídica está de fato, sendo
efetivada, garantindo a compreensão da linguagem. É válido ressaltar que o trabalho aborda
ainda, as causas e os efeitos decorrentes do uso exagerado de termos técnicos e jargões
jurídicos, evidenciando a importância da simplificação da linguagem jurídica.
Neste sentido, se faz necessário compreender os conceitos que envolvem o fenômeno
em questão, identificando os vícios na comunicação da linguagem forense e quais os meios
eficazes para sanar os vícios decorrentes do “juridiquês”, de modo a entender quais os
posicionamentos acerca do referido tema.
É fato que algumas peças jurídicas são redigidas de maneira que é impossível a
alguém que não seja parte do meio jurídico compreendê-las. Esse estilo rebuscado,
denominado, juridiquês, impede qualquer possibilidade de conhecimento, ao invés
de permitir a compreensão sobre o assunto tratado. (GUIMARÃES, 2012, p. 176-
177).
Se para os alunos de Direito que estão iniciando seus estudos na esfera jurídica, a
linguagem é vista como um desafio, o que dizer daqueles que não estão habituados a este
mundo jurídico, como médicos, engenheiros, enfermeiros, donos (a) de casa, que não possuem
vínculo direto com tal linguagem e que, consequentemente, torna-se um entrave, por ser de
difícil compreensão e, por vezes, obscura e de uma complexidade inigualável.
O Direito por manter uma relação muito próxima com suas tradições apresenta ainda
uma linguagem conservadora, e por vezes distantes daqueles que não tem conhecimento
jurídico suficiente, tornando-se inalcançável. A linguagem jurídica não mais se encontra
emRever este espaçamento.sincronia com a atualidade e por isso tem deixado de alcançar seu
maior objetivo fundamental que é a comunicação. Assim a inadequação da linguagem jurídica
é apontada como um grande óbice a compreensão e entendimento do público em geral, sendo
alvo de grandes discussões e posicionamentos que se colocam contra e a favor do referido
tema. Correção realizada parcialmente sobre a questão dos exemplos para corroborar o
sentido do “Juridiquês”
1.2
A discussão que envolve o referido tema tem sido frequentemente alvo de vários
questionamentos como o caso do juiz da 4º Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4º
Região (RS), João Batista de Matos Danda que, como forma de chamar a atenção do referido
tema, proferiu uma sentença de forma coloquial, com termos jurídicos simplificados onde
salientou que: “Foi apenas uma forma de refletir sobre a possibilidade de simplificarmos
alguns termos jurídicos (...). Não precisamos chegar a este ponto. Mas substituir expressões
em latim ou escrevermos termos técnicos de forma mais clara é possível”.
Em oposição a este pensamento existem aqueles que afirmam não haver esse
rebuscamento excessivo na linguagem jurídica, sustentando ainda a necessidade do uso de
terminologias técnicas específicas.
Diante das discussões que envolvem o tema, surgem dois principais posicionamentos.
O primeiro defende que é necessária uma maior objetividade na linguagem, de forma que
venha existir uma maior simplificação da linguagem jurídica com a finalidade de torná-la mais
acessível ao público em geral. E o segundo posicionamento sustenta que o rebuscamento da
linguagem forense nada mais é que um estilo próprio e peculiar do Direito.
que concerne a este primeiro posicionamento, aqueles que buscam uma maior
simplificação da linguagem jurídica, visam dirimir as incompreensões, as dificuldades e
dúvidas que surgem ao ler um texto judicial. Buscam, deste modo, tornar mais acessível a
qualquer pessoa leiga no assunto, a entender o que transmite o texto, passando a ser mais
universal e abrangente, de forma que a linguagem jurídica não acabe sendo restrita a
determinados grupos que possuem entendimento sobre o assunto. Portanto, “o advogado deve
se comunicar com clareza e eficiência, usando a linguagem técnica somente quando for
necessário e jamais utilizando o juridiquês”. (MORENO, 2011, p.12).
Em contrapartida, na perspectiva do segundo posicionamento, o “juridiquês” não seria
visto como obstáculo à linguagem jurídica, mas sim, como um “estilo” específico resultante
da identidade própria da esfera jurídica, sendo fundamental o uso de termos técnicos. O atual
ministro do Superior Tribunal de Justiça, Napoleão Nunes Maia “rechaçou a existência de um
rebuscamento excessivo na linguagem usada pelo Poder Judiciário, alegando não acreditar
que haja dificuldade na percepção da linguagem no Direito”. (MOZDZENSKI, 2003, p.133).
Assim, entendem que a simplificação da linguagem jurídica poderia provocar, ainda, um
empobrecimento da linguagem, como também não faria sentido, por exemplo, o papel do
advogado para traduzir as decisões proferidas ao cliente.
A despeito das críticas para aqueles que defendem os jargões jurídicos, não é de hoje
a preocupação em relação à simplificação da linguagem jurídica. Além da campanha
desenvolvida pela AMB em 2005, houve ainda outros debates a respeito do mesmo tema,
como o que ocorreu em Recife/PE no ano de 2003, o “Simpósio Nacional de Direito e
Imprensa” realizado para discutir formas de simplificação da linguagem jurídica. Foi com a
mesma preocupação que chegou a ser desenvolvido um projeto de lei pela então Deputada
Federal Maria do Rosário (PT/UF). A PL 7.448/06 que veio a ser aprovada no Congresso, mas
vetada no Senado Federal em que tratava basicamente uma forma mais clara, objetiva e precisa
quanto à elaboração de sentenças judiciais.
Sendo a linguagem jurídica um instrumento essencial para a efetivação da
comunicação e para que o operador do direito possa desenvolver as atividades corriqueiras do
dia a dia na esfera jurídica, a inadequação da linguagem jurídica, além de comprometer a
comunicação, pode ainda, gerar petições mal elaboradas, sentenças judiciais
incompreensíveis, interpretações incoerentes e ainda comprometer a carreira do próprio
advogado. Sendo assim, é fundamental que o operador do direito faça o uso correto da
linguagem, utilizando de forma adequada a sua estruturação, visto que é através da linguagem
jurídica que o cliente pode compreender sobre as questões que envolvem a esfera jurídica e
ainda ter a garantia da efetividade da comunicação entre o operador do direito e seu cliente.
Vale salientar que, embora parte dos operadores do Direito entendam que o uso dos
jargões é necessário, não ocasionando dificuldade de interpretação, a dificuldade na
linguagem jurídica existe, de forma que é possível, ainda, a simplificação da linguagem sem
que se deva deixar de utilizar termos técnicos que são fundamentais, tanto na área do Direto,
como em qualquer outra. A proposta de simplificação não implica que a linguagem se torne
coloquial, mas que seja compreensível e de fácil entendimento para aqueles que dependem da
via judiciária.
Não existe no ordenamento jurídico uma previsão legal específica a fim de combater
o “juridiquês”. Foi discutido ainda na Câmara dos Deputados a possibilidade de um projeto
de lei a PL 7.448/06 criado pela Deputada Federal Maria do Rosário (PT/UF) que pretendia
alterar o artigo 458 do antigo Código de Processo Civil de 2002, com a finalidade de facilitar
o entendimento da linguagem jurídica utilizada nas sentenças judiciais.
A alteração proposta pelo projeto de lei (PL 7.448, 2006) que não chegou a ser aprovado,
previa incluir no artigo da antiga lei de processo civil, algumas passagens como:
Diante o exposto, fica ainda visível a relevância de uma previsão legal que trate
especificamente sobre o tema de forma a modificar a realidade da linguagem jurídica ao qual
estamos habituados. À medida em que se cria uma previsão legal ao referido problema, o
judiciário passaria a ver com outros olhos a forma de se comunicar, principalmente para
pessoas leigas que não tem se quer nenhuma familiaridade com a linguagem jurídica.
1.4
1.4.1 Arcaísmos
Como bem afirma Almeida Guimarães “O Direito é uma ciência que mantêm uma
relação muito próxima das suas tradições” (ALMEIDA GUIMARÂES, 2012, p. 179) e por
esse motivo a linguagem jurídica pode parecer muitas vezes conservadora e tradicional, por
decorrência do uso de arcaísmos em sua linguagem que torna o texto rebuscado. Os arcaísmos
são palavras que perderam sua utilidade, caindo em desuso numa determinada língua, o que
torna o texto indecifrável e com uma linguagem cansativa. Pode ser citado como exemplo
quando é perguntado se o advogado já perlustrou os autos, na verdade o que se quer
transparecer é se o advogado já leu os autos.
Desta forma, seguindo o entendimento de Joseval Martins Viana (VIANA, 2010) em
seu livro Manual de Redação Forense e Prática Jurídica, é imprescindível que seja evitado o
uso de arcaísmos na linguagem jurídica, para que não torne o texto cansativo e
incompreensível de forma que ao realizar a leitura do texto jurídico o leitor tenha ciência do
que o texto pretende transmitir. É necessário ainda, que haja atualização do vocabulário
jurídico, pois à medida em que o Direito se renova, é fundamental que a linguagem jurídica
também seja remodelada, evoluindo de forma que o operador do direito esteja atento a estas
mudanças.
1.4.2
1.4.3
Entre as mais diversas causas que geram vícios na linguagem jurídica os mais comuns
segundo o entendimento de Moreno & Martins são os erros relacionados a grafia. Segundo o
autor “falhas na redação e no uso do português facilitam a vida do oponente”(MORENO,
2008, p. 28). Os erros mais corriqueiros estão relacionados a concordância, a regência, como
também a inadequação.
A falta de observação a estas regras gramaticais pode gerar confusões e muitas vezes
a incompreensão da linguagem jurídica. É necessário que o operador do direito tenha o
mínimo de familiaridade com a gramática. O autor ainda cita alguns exemplos:
Pode acontecer de uma decisão judicial ser obscura, tendo seu texto sido elaborado
de forma total ou parcialmente incompreensível ou ambígua. Neste caso, os
embargos de declaração se apresentam como meio hábil a permitir que se confira ao
pronunciamento judicial a clareza que deve ser compreendida como requisito de
qualquer ato judicial decisório (CÂMARA, 2016, p.552).
Assim, para que seja possível solucionar as questões que envolvem a ambiguidade e
os textos vagos, foi criado um instrumento jurídico conhecido como embargos de declaração,
ao qual a parte poderá se utilizar para que prolatada sentença onde exista incertezas, dúvidas,
obscuridade ou vagueza, de forma a ser suprimida esclarecendo assim, aspectos da decisão
que foi proferida.
Pode-se deduzir, então, que a linguagem jurídica, em várias situações, não está
alcançando o objetivo básico de toda e qualquer forma de linguagem: a
comunicação. A maneira excessivamente culta que alguns profissionais insistem em
utilizar só agrada a dois tipos de pessoas: a quem dela faz uso e a quem não entende
nada, mas acha tudo muito bonito (, 2012, p.177).
Assim, as cartilhas jurídicas são caracterizadas por divulgar informações que são de
utilidade pública, mediante textos verbais explicativos e ilustrações que chamam a atenção do
leitor. “A ideia de tornar o texto mais agradável de ser lido ou mesmo de ajudar a fixação do
conteúdo legal através de elementos imagéticos”. (MOZDZENSKI, 2006, p.75).
Sugestões semelhantes como a criação de campanhas pela simplificação da linguagem,
promoções de cursos, criação de revistas, são apresentadas pela Juíza Oriana Piske do 4º
Juizado Especial Cível de Brasília ao tratar sobre Simplificação da linguagem jurídica:
Nesse sentido, temos as seguintes sugestões para que tribunais e comarcas adotem
uma linguagem mais compreensível: campanhas de simplificação da linguagem
jurídica; a promoção de cursos de atualização da linguagem jurídica que integrem
uma percepção simplificadora; criação de revistas que contemplem peças jurídicas
que contenham exemplos de expressões substituídas por alternativas mais simples
(PINTO, ORIANA PISKE, 2006, online).
É interessante que na França foi editada em 2009 a lei 526 “para simplificação e
melhor compreensão do direito e facilitação dos procedimentos”. A lei modifica
centenas de dispositivos legais para facilitar sua compreensão e aplicação, tendo em
particular eliminando termos jurídicos incompreensíveis (DiMOULIS, 2011, p.
142).
Diante de todas as causas existentes que dão surgimento aos vícios de linguagem, é
perceptível a importância da simplificação da linguagem jurídica. Além daqueles elementos,
outros agravantes comprometem a linguagem. A elitização da linguagem jurídica e o uso
tradicional de expressões jurídicas, cultuando expressões tradicionais no âmbito jurisdicional,
causam um certo distanciamento entre aquele que profere o diálogo para aquele que escuta,
comprometendo a comunicação entre as duas partes e monopolizando a linguagem jurídica.
Afirma assim, Vito Giannotti:
Esse distanciamento tem gerado barreiras dentro da linguagem jurídica. Este mesmo
assunto, tem sido abordado pelo autor Vito Gianotti em sua obra Muralhas da Linguagem,
onde o ilustre autor relaciona as desigualdades sociais como fator substancial das dificuldades
encontradas dentro da linguagem, havendo uma divisão entre aqueles que fazem parte do
grupo da Casa Grande e outro que integra o grupo da Senzala. “Há uma língua falada e
entendida pelos da Casa Grande. Os da Senzala não a entendem. E há outra falada pelos que
têm quinhentos anos de Senzala nas costas. São dois mundos incomunicáveis (...)”
(GIANNOTTI, 2004, p. 16).
Partindo deste pressuposto, o autor ainda menciona elementos de modo a considerar
como barreiras que dificultam o entendimento da linguagem e que consequentemente se
transformam em grandes muralhas da linguagem que são difíceis de serem vencidas. Dentre
elas, está a barreira da escolaridade. Devido as desigualdades sociais, nem todos tem acesso a
um estudo de qualidade, resultando numa escolaridade deficiente. O analfabetismo, como
também, a evasão escolar são fatores que contribuem para a precariedade do quadro
educacional do Brasil, assim como bem alude o autor Vito Giannotti:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo o autor Vito Giannotti “Uma das condições essenciais, embora não suficiente
por si só, para se vincular uma mensagem é começar a oferecer um texto escrito de maneira
simples, direta. Um texto para ser lido e que (...) garanta, no mínimo, uma fácil compreensão”(
GIANNOTTI, 2004, p. 56). Em contrapartida, operadores do direito ainda insistem em
perpetuar uma linguagem jurídica arcaica, redundante e sobrecarregada de vagueza e
superficialidade.
Todos estes efeitos geram consequências para aqueles que de alguma forma dependem
do Poder Judiciário, em vista que a incompreensão decorrente do uso exacerbado do
“juridiquês” provoca um distanciamento, bem com uma obstacularização ao acesso à justiça.
Por este mesmo motivo, é essencial que a linguagem jurídica possa ser clara, eficaz e objetiva
quanto a mensagem que se pretende transmitir, o que não significa transformá-la em uma
linguagem coloquial e vulgar. Sendo possível a simplificação da linguagem para que ela seja
compreendida por todos aqueles que venham a ter contato com a esfera jurídica.
Deste modo, a simplificação da linguagem jurídica é uma medida prioritária para
garantia de uma maior compreensão da linguagem dentro da esfera jurídica e
consequentemente para maior democratização e acessibilidade à justiça, afim de contribuir
para o melhor funcionamento do Poder Judiciário. Diante o exposto, é fundamental que haja
a adoção de medidas para simplificação da linguagem para garantir uma maior efetivação do
exercício de cidadania por aqueles que buscam a via judiciária.
REFERÊNCIAS
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil. – 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2016.
DIMOULIS, Dimitri. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 4. ed. rev. atual e ampl.
São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2011.
PETRI, Maria José Constantino. Manual de linguagem jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva.
2009. Disponível em: <https://www.passeidireto.com/arquivo/6758833/manual-de-
linguagem-juridica---maria-jose-constantino-petri>. Acesso em: 09.ago.2017.
VIANA, Joseval Martins. Manual de redação forense e prática jurídica. 6. ed. Ver e
atualizada. São Paulo. MÉTODO, 2010.
SADEK, Maria Tereza Aina. Acesso à justiça: um direito e seus obstáculos. Revista USP, n.
2014
O PERFIL DA ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA VIVENCIADA NO POLO
TÊXTIL DO AGRESTE DE PERNAMBUCO 46
INTRODUÇÃO
46
GT 3 – Direito, Trabalho e Saúde
47
Graduanda em Direito. Universidade de Pernambuco. E-mail: [email protected]
48
Graduanda em Direito. Universidade de Pernambuco. E-mail: [email protected]
do Estado brasileiro.
O método utilizado para propiciar as bases lógicas da investigação é o dedutivo,
possibilitando que a observação de uma parcela suficiente de casos gerais permita a conclusão
de uma verdade particular. Tal método se baseia num raciocínio como explicado por Gil
(1999, p. 28):
O método dedutivo, de acordo com a acepção clássica, é o método que parte do geral
e, a seguir, desce ao particular. Parte de princípios reconhecidos como verdadeiros
e indiscutíveis e possibilita chegar a conclusões de maneira puramente formal, isto
é, em virtude unicamente de sua lógica.
Segundo o explanado por Hans Kelsen (1998, p. 221), “[...] todo e qualquer conteúdo
pode ser Direito.” Baseando-se nesse preceito kelseniano, far-se-á uma análise do trabalho
escravo enquanto matéria de direito do trabalho, regulada por diversos dispositivos legais e
pela Constituição Federal de 1988.
A Constituição Federal de 1988 disciplina sobre determinados valores que, de modo
direto ou indireto, repudiam o trabalho escravo no país. Sendo assim, o presente tópico
destina-se à análise dos dispositivos fundamentais previstos pela Carta Magna que se aplicam
ao trabalho escravo e regulamentam a legislação pátria infraconstitucional.
A dignidade da pessoa humana vem lastreada através do art. 1º, inciso III, da CF/88.
Segundo o dispositivo, a República Federativa do Brasil tem a dignidade humana como um
dos seus fundamentos, sendo, portanto, a base de todo o ordenamento jurídico.
Tal princípio representa uma das maiores conquistas em prol da valorização da pessoa
humana, tendo ganhado notoriedade após as atrocidades ocorridas contra a humanidade
durante a II Guerra Mundial. Dessa forma, além de o Brasil inseri-lo em seu Texto Maior,
também é signatário de diversos tratados internacionais que buscam promover a dignidade da
pessoa humana.
Tratando-se de um conceito abrangente, a seguinte definição pode ser apresentada:
No nosso sistema, tão fortemente marcado pelo trabalho escravo, as relações entre
patrões e empregados ficaram definitivamente confundidas. Não era algo apenas
econômico, mas também uma relação moral onde não só um tirava o trabalho do
outro, mas era seu representante e dono perante a sociedade como um todo (1986,
p. 22).
Ou seja, o CP apresenta uma visão bem mais ampla para o enquadramento do crime,
abordando tanto a restrição ao direito de ir e vir e o trabalho forçado, quanto os trabalhos em
condições degradantes e sem respeito ao número máximo de horas que podem ser trabalhadas
sem ocasionar exaustão física.
Assim, importa analisar como a jurisprudência brasileira tem lidado com o assunto,
para isso tomamos por base o artigo no prelo feito por Isabele Bandeira de Moraes D’Angelo
e Pablo R. de L. Falcão os quais realizaram uma análise dos julgados do STF em matéria de
Trabalho Análogo ao de Escravo no Brasil entre o período de 2010 até 2016. Nesse artigo,
intitulado “AS RAZÕES DAS DECISÕES JUDICIAIS: um estudo sobre as barreiras
ideológicas e culturais que impedem as condenações por crime de redução à condição análoga
à de escravo pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro”, os autores conseguiram chegar a
conclusão de que:
Dito isso, resta provado que em 50% (cinqüenta por cento) dos votos proferidos pelo
Supremo Tribunal Federal entre os anos de 2010 e 2016 (4 de 8 votos), na metade
deles, os Ministros julgaram pela não significação do significante “Trabalho
Análogo ao de Escravo” em razão de, ao lerem a expressão “escravo”, remeterem-
se à imagem típica da escravidão clássica. Assim, pelas amostras encontradas,
observou-se que as decisões judiciais se limitaram a aceitar a ocorrência de trabalho
escravo contemporâneo quando da restrição à liberdade de locomoção, em sentido
estrito. Este tem sido, pelo todo pesquisado, o único elemento fático considerado
pelos julgadores quando da aplicação do direito penal. (D’ANGELO; FALCÃO,
2018, no prelo).
Ou seja, resta provado que os juízes não vêm decidindo de acordo com a definição do
Código Penal, e sim ainda associando o trabalho escravo com a restrição de liberdade. O que
antigamente era aplicado com a privação de liberdade das pessoas da raça negra,
cotidianamente se mostra por meio de formas diversificadas, atingindo pessoas
principalmente de baixa escolaridade, mas independentemente de sexo, etnia ou religião.
Todavia, até mesmo a escravidão brasileira clássica não se caracterizava apenas com a
restrição de liberdade, segundo Agostinho Malheiro:
Mesmo nas cidades e povoados alguns permitem que os seus escravos trabalhem
como livres, dando-lhes, porém um certo jornal; o excesso é seu pecúlio: – e que até
vivam em casas que não as dos senhores, com mais liberdade. (MALHEIRO, 1866,
p. 55)
Isto é, mesmo naquela época, o regime escravocrata poderia ser reconhecido mesmo
quando a liberdade de ir e vir do subordinado era mantida.
Assim, fica claro que o não reconhecimento das novas características do trabalho
escravo leva a uma defasagem lógica entre a nova definição do conceito e o que vem sendo
aplicado pelos juízes. Isso gera um atraso na definição dos valores que caracterizam o trabalho
digno, insegurança jurídica, uma vez que o que se encontra na legislação não é reconhecido
por alguns juízes, e desamparo estatal, dado que as pessoas nessa situação não têm seus
direitos reconhecidos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 16583: Informação e
documentação. Trabalhos Acadêmicos - Apresentação. Rio de Janeiro: ABNT, 2017.
Brasil gov. Promulgada emenda constitucional sobre trabalho escravo. Disponível em:
<http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2014/06/promulgada-emenda-
constitucional-sobre-trabalho-escravo>. Acesso em: 01 out. 2018.
CHADE, Jamil. Escravidão atinge 40 milhões de pessoas no mundo, diz ONU. Disponível
em: <http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,escravidao-atinge-40-milhoes-de-
pessoas-no-mundo-diz-onu,70002006982>. Acesso em: 02 out. 2018.
DAMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil? 1. Ed, Rio de Janeiro: Rocco, 1986.
EL PAÍS. Temer reativa regras para fiscalizar trabalho escravo, mas falta de verba
preocupa. Disponível em:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2017/12/30/politica/1514589772_157662.html>. Acesso em:
07 set. 2018.
G1. Em PE, polo têxtil é fiscalizado para punir condições de trabalho escravo. Disponível
em: <http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2013/03/em-pe-polo-textil-e-fiscalizado-para-
punir-condicoes-de-trabalho-escravo.html>. Acesso em: 06 set. 2018.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, 6. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998.
LACERDA, Angela. Agreste tem 2º maior polo têxtil do país. Disponível em:
<https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,agreste-tem-2-maior-polo-textil-do-pais-
imp-,981078>. Acesso em: 06 set. 2018.
VELLOSO, Gabriel & FAVA, Marcos Neves. Trabalho escravo contemporâneo: o desafio
de superar a negação. São Paulo: LTr, 2006.
RESUMO
INTRODUÇÃO
49
GT3 – Direito, Trabalho e Saúde
50
Graduanda em Direito – Universidade de Pernambuco – UPE. Email: [email protected]
51
Graduanda em Direito – Universidade de Pernambuco – UPE. Email: [email protected]
52
Graduando em Direito – Universidade de Pernambuco – UPE. Email: [email protected]
Isoladamente, a questão de gênero, a falta de oportunidades no mercado de trabalho e
a escravidão contemporânea são temas de relevância e interesse, uní-los, através da proposta
do congresso se mostrou como algo inerente à atividade de pesquisa. Visto que no mercado
de trabalho há uma escassez de empregos e ainda se reproduz tanto a desigualdade salarial
quanto a de tratamento entre homens e mulheres, temos como escopo demonstrar que a falta
de oportunidade e de informação fomenta a escravidão contemporânea.
Almejamos, a partir dos dados coletados, expor que o combate à escravidão
contemporânea precisa considerar as especificidades de cada vertente, como o gênero. Por
muitas vezes, vai ser a característica que definirá o modo de utilização abusivo da força de
trabalho. Além disso, é de suma relevância identificar que os dados são escassos e que a
pesquisa nesse âmbito deve ser contínua para que o combate seja mais efetivo.
O cerne social é o de revelar a verdadeira situação dos trabalhadores em condições
análogas a de escravo, em que os mesmos não têm ciência de que se encontram nesse contexto.
Ademais, considerando que o senso comum é de a figura do escravo está relacionado a cor da
pele e ao cerceamento da liberdade, o nosso foco é quebrar esse paradigma de invisibilidade.
No Brasil, apesar da abolição da escravidão ter ocorrido desde 1888, não é possível
afirmar que essas práticas foram extintas na sociedade contemporânea. Diante disso, o
fenômeno da exploração do trabalho humano se modificou e, atualmente, está mascarado
através do cerceamento de direitos e da dignidade.
Ao longo dos anos, inúmeros direitos trabalhistas foram conquistados pelos
trabalhadores, firmando-se como meios de proteção do exercício ao trabalho digno. Nesse
contexto, estão inseridos os direitos e garantias fundamentais substancialmente protegidos
pela Constituição Federal, tal como o princípio da dignidade da pessoa humana. Ainda
existem acordos e convenções internacionais fixados pelas nações, com intuito de determinar
o exercício ao trabalho digno. Dessa maneira, temos como propósito o aprofundamento acerca
das constantes violações dos direitos trabalhistas que ocorrem com o fenômeno da escravidão
contemporânea.
DESENVOLVIMENTO
53
Disponível em http://trabalho.gov.br/index.php/fiscalizacao-combate-trabalho-escravo
Em comparação ao número de vítimas resgatadas no país, existem poucas ações
judiciais por crimes de trabalho forçado. As multas, por serem baixas, não funcionam como
instrumentos de dissuasão. Foi a partir de 2003, com as reformulações do artigo 149 do CPB,
que o Governo Brasileiro começou a adotar medidas severas para combater o trabalho forçado
e a impunidade no Brasil.
Desde 1997, cerca de 2.500 empresários foram flagrados cometendo esse crime. No
entanto, até 2016, nenhum deles cumpriu pena até o fim. Hoje, no Brasil, ninguém está preso
por submeter empregados a um regime análogo à escravidão. Os processos, muitas vezes, são
arquivados ou prescrevem.
No levantamento feito por Mariana Armond Dias Paes, mestre em Direito pela
Universidade de São Paulo (USP), em sua dissertação, ela analisou 52 apelações criminais ao
Tribunal Regional da Primeira Região (TRF-1) relativas a decisões de primeira instância que
absolveram os réus acusados de explorar trabalho escravo. Dessas, em 54% dos casos os
desembargadores mantiveram a decisão de inocentar o empregador, alegando ausência de
provas ou discordância com o conceito de trabalho análogo à escravidão definido no artigo
149 do Código Penal.
54
Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/explicado/2016/04/12/O-trabalho-escravo-%C3%A9-uma-
realidade.-Mas-as-puni%C3%A7%C3%B5es-n%C3%A3o
55
Disponível em: https://pt.scribd.com/document/240453787/Mariana-Armond-Dias-Paes-O-Estatuto-Jur-Dico-
Dos-Escravos-Na-Civil-Stica-Brasileira-libre
DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO DECISÃO Agrava-se de decisão que não
admitiu recurso especial interposto com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea
a, do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª
Região, assim ementado: PENAL E PROCESSUAL PENAL. REDUÇÃO A
CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO (ART. 149 - CP). REDAÇÃO
ANTERIOR A LEI 10.803/2003. CERCEAMENTO DA LIBERDADE DO
TRABALHADOR. OMISSÃO DE DADOS DO SEGURADO NA CTPS.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. DESPROVIMENTO DA
APELAÇÃO. 1. A sentença, analisando o material informativo dos autos, nele
incluído o relatório da equipe de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego,
relativo à Fazenda Santa Emestina, em Santa Maria das Barreirinhas/PA, julgou
improcedente a ação penal, absolvendo os acusados da prática do crime de "redução
a condição análoga à de escravo" (art. 149 - CP), por não ver configurado o crime,
e determinou a remessa dos autos à Justiça Estadual em relação ao crime do art. 297,
§4º do Código Penal. (STJ, 2018)
56
Convenção nº 29 sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório.
57
Convenção nº 105 sobre a Abolição do Trabalho Forçado.
O artigo 149 do Código Penal Brasileiro (CPB), reformulado em 2003 pela lei 10.803,
além de utilizar a expressão “condição análoga à escravidão”, caracteriza o “trabalho escravo”
abrangendo as diferentes formas pelas quais uma pessoa pode ser, hoje, reduzida a essa
condição. Desse modo, o artigo 149 do CPB criminaliza práticas que levem os trabalhadores
a condições degradantes de trabalho, ou a jornadas exaustivas de trabalho, ou ao trabalho
forçado ou ao cerceamento da liberdade por dívida ou isolamento. A definição de trabalho
escravo contida na lei não requer a combinação desses fatores para caracterizar o crime, a
presença de um desses fatores isoladamente já se caracteriza o crime. O artigo encontra-se
hoje especificado nos seguintes termos:
58
Disponível em: https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/mulheres-ganham-menos-que-
os-homens-em-todos-os-cargos-e-areas-diz-pesquisa.ghtml
fundamentais das trabalhadoras. Diante disso, tal situação representa uma continuidade dos
padrões de exploração no trabalho ou, ainda, o surgimento de novas formas exploração.
Entretanto, dados do livro “Global estimates of modern slavery: forced labour and
forced marriage”60 demonstram que o número de casos de trabalho escravo feminino no
mundo é superior ao masculino.
Gráfico 1:
59
Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-
brasilia/documents/gen
ericdocument/wcms_555892.pdf
60
Disponível em:
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/@dgreports/@dcomm/documents/publication/wcm
s_575479.pdf
Fonte: GENEVA, 2017
Outrossim, o trabalhador escravo é o produto da sociedade na sua ineficiência em lidar
com a desigualdade tanto na distribuição de renda, quanto na de terras no país, além de ser
fruto das disparidades entre os Estados que fornecem a mão-de-obra. Apesar de ser possível
atestar isso pelo histórico, torna-se um desafio individualizar quem são os “escravos”, pois a
lógica da acumulação capitalista é indissociável da idéia do mais fraco e do mais forte e a falta
de estatísticas atualizadas agrava os problemas na identificação de perfis específicos da
população que carecem de uma maior proteção por estarem mais vulneráveis.
É notório que quanto maior o grau de instrução da população, mais ela tem noção dos
seus direitos, de como exercê-los e de como requerer que sejam respeitados. Dentre os
inúmeros problemas que a falta de uma educação adequada pode gerar na sociedade, há o da
não constatação por parte do trabalhador do seu próprio enquadramento em uma condição
análoga a de um escravo. Somado ao problema da escolaridade, temos o do desemprego que,
segundo o IBGE61, no primeiro semestre de 2018, atingiu mais de 13 milhões de pessoas no
Brasil.
O artigo 149 do Código Penal Brasileiro afirma, em seu caput, que para incorrer em
uma condição análoga à de escravo, basta que um indivíduo seja submetido a trabalhos
forçados, a uma jornada exaustiva, a condições degradantes de trabalho ou que sua locomoção
seja, por qualquer meio, restrita com base em dívida contraída com empregador ou preposto,
não sendo necessário que tais situações coexistam. Portanto, em tese, bastaria o simples
conhecimento da existência de tal dispositivo legal para que a ação dos que buscam se
61
Disponível em: https://www.ibge.gov.br/
aproveitar da forma contemporânea de trabalho escravo fosse mitigada. Porém, não basta a
análise exclusiva, mesmo que de grande relevância, do fator educação, pois, sem trabalho, a
população acaba se sujeitando mais facilmente ao que lhe for apresentado como alternativa à
miséria.
De acordo com o Observatório Digital do Trabalho Escravo62, durante o período de
2003 (ano de lançamento do I Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo) a
novembro de 2017 (quando houve a última atualização do sistema do Observatório) os
registros feitos em relação ao grau de instrução dos trabalhadores resgatados revelam que,
dentre eles, a porcentagem de pessoas que completaram o ensino fundamental (4,26%) é cerca
de vinte vezes menor do que a soma dos que não completaram (87,56%). Em síntese, os dados
atestam que quanto maior é o grau de instrução, menor é a incidência das pessoas nas
condições análogas à escravidão.
Seguindo a trilha que o déficit na educação indica, e ainda em conformidade com o
Observatório, mais de 90% dos trabalhadores resgatados entre 2013 e 2017 são oriundos de
localidades onde o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) de 1991 era tido
como “muito baixo”, sendo alarmante o fato de muitos desses municípios continuarem a
apresentar índices baixos ou muito baixos de desenvolvimento. Faz-se necessária uma visão
que conjugue essa falta de qualidade de vida apontada pelo IDH-M e o altíssimo nível de
desemprego, para que se perceba que o seu resultado será, por vezes, o da reincidência dos
resgatados em ocupações análogas às de escravo.
Quanto à reincidência, cabe a utilização de um outro dado colhido pelo sistema: em
15 anos, 613 trabalhadores foram resgatados mais de uma vez. Trabalhadores se tornam livres
para buscar oportunidades de um trabalho decente mas continuam presos em uma realidade
sem oportunidades e, na urgência de garantir o seu sustento e de seus familiares, sujeitam-se,
novamente, à “escravidão”.
No que tange a questão de gênero, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA)63, a partir de dados coletados pelo IBGE referentes ao período do primeiro
trimestre de 2018, temos que o desemprego entre as mulheres foi de 15%, enquanto que o dos
homens foi de 11,6%. Apesar de não ser possível afirmar que todos sofrerão os prejuízos da
inserção no mercado do trabalho forçado, a probabilidade é alta dessas pessoas se submeterem
à jornadas empregatícias exaustivas, à condições laborais insalubres e outras situações que
62
Disponível em: https://observatorioescravo.mpt.mp.br/
63
Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/
diminuam sua dignidade como pessoa humana. Ademais, uma estimativa da Alliance 8.764
quanto ao trabalho escravo moderno em escala global aponta que mulheres e meninas
correspondem a 99% das vítimas de trabalho forçado na indústria do comércio sexual e 58%
em outras áreas. Já os homens, principalmente os de baixa escolaridade e oriundos de
comunidades onde o IDH-M é baixo, são mais comumente encontrados em situação de
endividamentos gerados por seus “superiores”, que os condicionam ao trabalho forçado e
exaustivo sob o argumento de que deverão arcar com os custos que geraram.
Em suma, o que todos os dados apresentados mostram é que, para mudança do
panorama atual, são necessários esforços nos setores do ensino, da promoção de oportunidades
dignas de trabalho e do combate sistêmico e estrutural às práticas escravistas modernas,
considerando suas peculiaridades e especificidades, incluindo as de gênero.
While a focus on female victims should not come at the expense of male victims,
who must also be supported and empowered, an understanding of the gender
differences in victimisation can shed light on where prevention and victim
identification efforts should start. (LARSEN, 2018, p. 22).65
As formas de aliciamento
Diversos são os meios pelos quais o trabalhador pode acabar se inserindo em trabalhos
cujas condições são tidas como análogas às de escravo, seja pela precariedade do ambiente
laboral, pela inexistência de remuneração ou pelo cerceamento do seu direito de ir e vir. Cabe,
então, uma análise da primeira instância do processo de escravidão moderno, o aliciamento.
O fator que merece destaque no estudo do tópico é o da vulnerabilidade, a qual possui
inúmeras definições de acordo com a área do conhecimento posto em voga. Porém, apesar de
toda uma pluralidade conceitual, o melhor entendimento da possibilidade de um grupo ou
outro ingressar mais facilmente no mundo do trabalho escravo contemporâneo se dá sob a luz
do conceito de vulnerabilidade social, que para Palma e Mattos (2001, p. 9), seria “todo e
qualquer processo de exclusão, discriminação ou enfraquecimento de grupos sociais”. O
importante é perceber a integralidade dos sujeitos em situação de vulnerabilidade, que traz a
constatação de que tais sujeitos possuem demandas e necessidades específicas por se
64
Alliance 8.7 é uma parceria global cujo objetivo é erradicar o trabalho forçado, a escravidão contemporânea e
o tráfico humano, além de desenvolver métodos para eliminar formas de exploração infantil.
65
Tradução: “Embora o foco nas vítimas femininas não deva vir às custas das vítimas masculinas, que também
devem receber suporte e empoderamento, a compreensão das diferenças de gênero na vitimização pode lançar
uma luz onde a prevenção e o esforço na identificação de vítimas deveriam começar”.
encontrarem em contextos de desigualdades e injustiças sociais. (CARMO; GUIZARDI,
2017, p. 9).
Dentre todas as formas de aliciamento, daremos enfoque ao aliciamento por dívidas,
pois este pode ocorrer em diversos segmentos do trabalho análogo ao de escravo, desde a
exploração no campo até a que ocorre nas grandes cidades. Segundo o Ministério do Trabalho
em seu “Manual de Combate ao Trabalho em Condições Análogas às de Escravo” (2011),
esse tipo ocorre quando o trabalhador recebe, no momento em que firma o “contrato”, uma
antecipação em dinheiro sob o pretexto de ser uma ajuda para sua família ou para que utilize
tal quantia no pagamento de alimentação, transporte e hospedagem utilizados desde o local da
contratação até o local do trabalho.
Entretanto, o endividamento não necessariamente precisa ocorrer nesse momento
inicial, podendo ser induzido no decorrer da prestação laboral, quando o trabalhador acaba
sendo obrigado a comprar itens, propositalmente vendidos acima do preço do mercado, para
conseguir continuar exercendo sua função. Além deste subtipo, há ainda a possibilidade do
empregador escolher algum estabelecimento onde o trabalhador compre “fiado” e cuja
garantia seja seu salário, que é pago em valores reduzidos e nunca no tempo devido ou que
não é pago.
A partir dessa antecipação, venda superfaturada e/ou criação de crédito, o indivíduo
passa a ser vítima de uma rede que se fecha cada vez mais ao seu redor, quer seja pela pressão
moral que sente quanto à necessidade de pagar sua dívida, quer seja pela coação psicológica
ou física, que envolvem desde a realização de ameaças até danos efetivamente causados à sua
vida e a de seus familiares.
Cada ramo de atividade ao qual o trabalhador acaba sendo submetido tem suas próprias
características e as formas como os seus aliciadores concentram seus esforços também podem
ser individualizadas. Entretanto, cada formato e estratégia que adquirem têm em comum o
fato de sempre visar atingir seus objetivos explorando a resiliência do âmago humano na busca
por uma vida melhor, fazendo-se presente, por mais uma vez, a relação entre baixa qualidade
de vida e a entrada na vida análoga à de escravo. Atesta-se que o modelo biológico tradicional
é reconhecido pela vulnerabilidade, mas que, ainda assim, há a busca por superá-lo.
(SÁNCHEZ; BERTOLOZZI, 2007, p. 3).
66
COETE é o sistema de controle de erradicação do trabalho escravo. Foram utilizados os dados para o
Observatório.
67
A referida tabela demonstra a insuficiência na realização das operações de fiscalização e a necessidade de
intensificação do controle do trabalho escravo, tendo em vista que só ocorreram 115 operações, em todo o Brasil,
de janeiro 2016 ao início de 2017. Dessa forma, é possível afirmar que a principal falha do Plano Nacional
consiste na impunidade.
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego, Secretaria de Inspeção do Trabalho - Atualizado até 13/03/2017
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
FREITAS, Ana. O trabalho escravo é uma realidade. Mas as punições, não, NEXO
JORNAL LTDA 2016. Disponível em:
https://www.nexojornal.com.br/explicado/2016/04/12/O-trabalho-escravo-%C3%A9-uma-
realidade.-Mas-as-puni%C3%A7%C3%B5es-n%C3%A3o. Acesso em 15 de junho de 2018
GENEVA. Global estimates of modern slavery: Forced labour and forced marriage
International Labour Office (ILO), Geneva, 2017. Disponível em:
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/@dgreports/@dcomm/documents/publication/w
cms_575479.pdf. Acesso em 18 de maio de 2018.
PAES, Mariana Armond Dias. O Estatuto Jurídico Dos Escravos Na Civil Stica Brasileira-
libre, Belo Horizonte, 2010.
PLANT, Roger. Modern slavery the concepts and their practical implications / Roger
Plant; International Labour Office. - Geneva: ILO, 2014, 30 p. (working paper)
THÉRY, Hervé; MELLO, Neli Aparecida de.; HATO, Julio; GIRARDI, Eduardo Paulon.
Atlas do trabalho escravo no Brasil. São Paulo, 2011. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/281697587_Atlas_do_trabalho_escravo_no_Brasil
RESUMO
Trata o referido trabalho sobre o direito de greve no Brasil, buscando trazer a importância da
sua garantia no ordenamento jurídico para o trabalhador, e como esta coletividade é capaz de
ganhar força diante do poder aquisitivo e econômico face ao patrão. Debruçaremos sobre a
questão histórica e das lutas travadas por movimentos sindicais face a melhores condições de
emprego e o aumento de seus vencimentos. Mas, como todo direito posto, há limitações no
direito de greve e se buscará trazer as limitações trazidas a esse instituto nos últimos anos no
país, visto que por omissão, o legislativo deixou de regulamentar várias vezes o tema, o que
acarretou em séries de provocações ao judiciário. Para isso a importância de tratar das visões
doutrinárias e jurisprudenciais, para que se compreenda o entendimento do próprio judiciário
sobre o tema. Irá versar também sobre o lockout no Brasil e suas principais implicações, como
proteção do trabalhador e possível direito do empregador, não permitido no território nacional.
INTRODUÇÃO
68
GT 03 – Direito, Trabalho e Saúde.
69
Discente do 3º período do curso de Direito. Universidade de Pernambuco - UPE. [email protected].
70
Discente do 5º período do Curso de Direito. Universidade de Pernambuco - UPE. [email protected].
algo do lado mais forte (empregador), era preciso alguma atitude coletiva, e mais, deveria o
ato grevista ser positivado e garantido por lei.
Finca-se, então, o direito de greve, na dignidade da pessoa humana, princípio
amplamente defendido e basilar na fundação da república, pois o indivíduo busca melhores
condições de vida. Sendo assim, não é o direito de greve um fato social de menor importância,
mas um ato de grande repercussão econômica, jurídica e social.
Entretanto, há diversos entendimentos quando a abrangência desse instituto, vamos
buscar trabalhar tendo como base vários pontos de pensamentos e interpretações, para que
possa ocorrer assim comparações doutrinárias a respeito dessa garantia de valor constitucional
Dado o exposto, analisaremos aqui em matéria de jurisprudência, pois não tento sido
o direito à greve regulado por parte do legislativo, algumas vezes teve o judiciário que intervir
para preencher as respectivas lacunas, tendo como exemplo o tema da greve dos servidores
públicos que teve de ser tutelada em sede de mandado de injunção.
Consoante importância tem também no que se pese sobre lockout, pois mesmo que
tenha sido regulado expressamente na lei para proteger o trabalhador, no vínculo
empregatício, foi o entendimento sobre esse instituto ampliado a toda e qualquer forma de
paralisação que ensejasse alguma busca de aspirações por parte do empregador perante o
Estado.
Logo, visamos responder ao questionamento que dar impulso ao raciocínio traçado
neste trabalho: Quais as perspectivas legais e jurisprudenciais do direito de greve? Sendo parte
do percurso traçado o objetivo geral é analisar o panorama legal e jurisprudencial do direito
de greve. Assim como faz-se necessário traçar objetivos específicos, tais como: perceber a
importância do direito de greve nas relações de trabalho e compreender as limitações desse
direito fundamental nos últimos anos, em nosso país.
O método dedutivo parece o mais apropriado para a presente amostragem, a partir do
momento que partiremos de preceitos gerais para compreender o fenômeno específico.
Portanto, será uma pesquisa bibliográfica, tendo em vista as referências teóricas, além de
documental e jurisprudencial, que nos ajudará na apresentação dos fatos e por fim, é
necessário que se explicite o cunho explicativo da pesquisa, que tem o intuito de esclarecer o
assunto estudado.
DIREITO DE GREVE
O direito de greve, sob o ponto de vista da teoria jurídica, se configura como direito
de imunidade do trabalhador face às consequências normais de não trabalhar. Seu
reconhecimento como direito implica uma permissão de não cumprimento de uma
obrigação (BARROS, p. 39).
Chama a atenção o fato de que Vargas, mesmo sendo um dos governantes mais
populares entre a classe trabalhadora e sendo conhecido por muitos como “o pai dos pobres”,
tendo regulamentado várias garantias a classe trabalhadora, não se preocupou com a greve,
tendo considerado na CF/37, um instrumento antissocial. Tenha-se em vista, porém, que à
época dos fatos não se havia um senso sobre a importância dessa previsibilidade legal. No
último parágrafo do art. 139 da Constituição de 1937 diz: “A greve e o lock-out são declarados
recursos antissociais nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores
interesses da produção nacional”.
Este entendimento que permeou no Brasil levou a manifestações internacionais, pois
não era cabível ou sequer compreensível que uma das garantias mais fundamentais do
trabalhador fosse considerada antissocial e até criminosa. Nessa ótica, encontramos no livro
Direito de Greve, de Norma Izabel Ribeiro Martins (1964), um texto do Serviço de informação
Legislativa de 1945 que relata:
Partiremos agora para a nossa Carta Magna vigente que diz em seu Artigo 9º: “É
assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de
exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”.
O artigo 9º faz parte do Título II da Constituição, que trata “Dos Direitos e Garantias
Fundamentais”, ou seja, não é uma mera previsão legal, houve a preocupação do constituinte
originário de elencar e garantir o direito de greve, por entender que seja esse direito uma das
garantias mais fundamentais do trabalhador.
Para Alexandre de Moraes, é o direito de greve autoaplicável e não deve ser restringido
ou diminuído por legislação infraconstitucional, ressaltando, porém que como se trata de
direito exercido pela coletividade, não é vedada a votação em assembleias ou sindicatos para
que fomente no movimento grevista.
O direito de greve, como é previsto na constituição, tem um sentido amplo e desta
forma deveria ser aplicado e eventuais limitações ou decisões que visem limitar essa garantia,
devem ser vistas com preocupação. Sob a ótica do sentido abrangente desse direito diz José
Afonso da Silva.
Vê-se, pois, que ela (a greve) não é um simples direito fundamental dos
trabalhadores, mas um direito fundamental de natureza instrumental e desse modo
se insere no conceito de garantia constitucional, porque funciona como meio posto
pela Constituição à disposição dos trabalhadores (...) para a concretização de seus
direitos e interesses (DA SILVA, 2008, p.305).
JUDICIALIZAÇÃO DA GREVE
Importante frisar que apesar do conceito amplo do artigo nono da Carta Magna, em
seus parágrafos subsequentes ela vai trazer algumas limitações, mas limitações estas que não
vão caber nas relações privadas de trabalho, e sim no tocante aos serviços essenciais de Estado,
diz o parágrafo primeiro: “A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre
o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade” (BRASIL, 2018, p. 11). Como
posteriormente nenhuma lei ordinária foi feita para dispor sobre a greve do serviço público,
decidiu o STF, em sede de mandado de injunção, determinar que fosse aplicada
analogicamente a lei de greves que cabia ao setor privado. Porém, não pode a lei que trate
desse direito, definir quais seriam as hipóteses das quais caberiam esse direito, pois a própria
Carta Política do País já definiu tais situações.
Com o nível Constitucional, a tutela desse direito fica muito ampla e caberiam variadas
formas de judicialização, porque como, em regra, todo ato de greve seria permitido e a lei
definidora de direitos essenciais não foi criada, sempre que um grupo de trabalhares tem a
tutela desse direito fundamental colocado à prova, o judiciário é provocado e mesmo que não
subsista uma norma, precisa ele tomar uma decisão.
Um exemplo dessa manifestação do judiciário, foi a votação da ARE654432, que em
sede de repercussão geral, tratou sobre o direito de greve das forças de segurança do Estado,
para que se note a dificuldade do entendimento do valor imperativo do instituto, podemos
observar o que explanaram nos votos alguns ministros. O relator do caso, ministro Edson
Fachin, que teve seu voto vencido por 7 votos a 3, ponderou que
Em meu modo de ver, a solução para o presente caso pode e deve ser diversa.
Embora a restrição do direito de greve a policiais civis possa ser medida necessária
adequada à proteção do devido interesse público, na garantia da segurança pública,
a proibição completa do exercício do direito de greve acaba por inviabilizar o gozo
de um direito fundamental (FACHIN, 2017).
O ministro deu cabimento a liminar, mandando assim que fossem liberadas as vias,
note-se que no caso era justamente a sobre medida de um direito fundamental em detrimentos
de outros direitos e garantias, proferiu na decisão:
LOCKOUT
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1937). Constituição dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro.
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm>.
Acesso em: 04 out. 2018.
DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30 ed. São Paulo:
Malheiros, 2008, p.305.
GODINHO, Mauricio Delgado. Direito Coletivo Do Trabalho. 5.ed., São Paulo: Saraiva,
2014.
HINZ, Henrique Macedo. Direito Coletivo do Trabalho. 2.ed., São Paulo: Saraiva, 2009.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 34 ed. São Paulo: Atlas, 2018.
MORAES, Evaristo de. Apontamentos de Direito Operário. 4 ed. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1905.
SILVA, Otavio Pinto. Entrevista sobre o que é locaute. Nexo: 25 mai. 2018. Entrevista
concedida a Lilian Venturini. Disponível em:
<https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/05/25/O-que-%C3%A9-locaute.-E-o-que-
caminhoneiros-e-empres%C3%A1rios-dizem-sobre-isso> . Acesso em: 05 out. 2018.
STF. ADPF 519 MC / DF. Ministro Rel: Alexandre de Moraes. DJ: 25/05/2018. STF, 2018.
Disponível em: <
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF519_MC_AlexandredeMor
aes_final.pdf >. Acesso em: 30 ser. 2018.
STF. ARE 654432 / GO. Min. Rel: Edson Fachin. Min. Rel: Alexandre de Morais. DJ: 05 abr.
2017. STF, 2017. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ARE654432_grevedepoliciais.p
df>. Acesso em: 06 out. 2018.
REFORMA TRABALHISTA E A DIGNIDADE HUMANA: prevalência do negociado
sobre o legislado em face da Lei n° 13.467/201771
RESUMO
O presente estudo tem por objetivo fazer uma análise acerca da modernização da
legislação trabalhista, tendo como ponto de partida a Lei nº 13.467/17 que alterou vários
dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho e o princípio constitucional da dignidade
da pessoa humana e sua eficácia na praxe das relações jurídicas trabalhistas. Destarte, a
temática abordada faz uma reflexão sobre a supressão do patamar mínimo civilizatório que se
encontra explícito em um rol de direitos elencados no artigo 7º, da Constituição Federal de
1998 em um rol de incisos que dispõe sobre o mínimo necessário a uma condição digna de
trabalho. Com o advento da Lei nº 13.467/2017 - Reforma Trabalhista, permite-se
extraordinariamente que as negociações coletivas de trabalho (normas jus autônomas)
sobreponham-se ao legislado, normas estatais (normas jus heterônomas). A discussão sobre o
tema encontra-se, hodiernamente, assentada em jurisprudência expedida pelo STF (Supremo
Tribunal Federal) pacificando o entendimento, que outrora era alvo de grandes repercussões
motivadas de críticas por parte de juristas e doutrinadores.
Palavras-chave: Dignidade da pessoa humana. Patamar civilizatório mínimo. Negociação
coletiva de trabalho. Adequação setorial. Reforma trabalhista.
INTRODUÇÃO
71
GT 3 – Direito, Trabalho e Saúde.
72
Graduando em Direito. Faculdades Integradas de Patos - FIP. [email protected].
73
Graduando em Direito. Faculdades Integradas de Patos - FIP. [email protected].
A reforma trabalhista é necessária e vantajosa para a economia, mas apresenta meios
extremamente danosos ao trabalhador como a possibilidade de gestantes trabalharem em
locais insalubres, fim das horas in intinere e o contrato intermitente, vale salientar que a
vontade do negociador prevalece sobre o legislador, sendo extremamente perigoso, pois a
condição hipossuficiente do trabalhador poderá ser coagida de algum modo mediante a sua
necessidade do vínculo empregatício, é necessário o legislador mesmo depois da aprovação
da reforma analisar de maneira minuciosa buscar sanar tais problemas, que só causa malefícios
aos labutadores.
Destarte, o direito ao trabalho é considerado um direito fundamental, inerente à
dignidade da pessoa humana, firmado pela Constituição Federal e por esta, tido como
primado. A dignidade da pessoa humana está vinculada indissociavelmente à necessidade de
o indivíduo exercer uma atividade laboral, para que assim, busque por meio desta, os seus
ideais. Sem dúvidas, com o trabalho, há uma valorização do indivíduo enquanto "pessoa"
sendo a maneira mais viável e mais razoável para se alcançar satisfatoriamente o bem estar na
hodierna conjuntura social. Para reger sua vida laboral os indivíduos gozam da garantia
constitucional para utilizar de instrumentos normativos de caráter autônomo. Os sujeitos
laborais, representados pelas entidades sindicais podem negociar direitos objetivos, não
alcançando, esta negociação, direitos absolutamente indisponíveis, a exemplo daqueles
inerentes a uma vida digna. A própria Constituição Federal de 1988 garante um patamar
civilizatório mínimo elencado em um rol de direitos previstos no art. 7º e seus incisos,
garantidores de melhores condições de vida e de trabalho. O instrumento normativo negociado
para que tenha efetividade precisa necessariamente da presença das entidades representativas
dos interesses das categorias e observar os limites previstos na Constituição Federal, conforme
se depreende da análise do princípio da adequação setorial negociada, segundo Maurício
Godinho Delgado (2017). Com o advento da Lei 13.467/2017 (Lei da Reforma Trabalhista).
O patamar civilizatório mínimo fica afetado, pois permite que o trabalhador disponha de
direitos mínimos através de negociações coletivas que se sobrepõem às normas estatais,
mitigando a dignidade humana dos trabalhadores. A abordagem temática este artigo foi
realizado mediante uma pesquisa do tipo exploratória, que nos dizeres de (GIL, 2008) tende a
“proporcionar maior familiaridade com o problema (explicitá-lo), [...] Geralmente, assume a
forma de pesquisa bibliográfica”. Nessa premissa, o método de abordagem utilizado é o
método dedutivo que nos aspectos que lhe são peculiares é que “A questão fundamental da
dedução está na relação lógica que deve ser estabelecida entre as proposições apresentadas, a
fim de não comprometer a validade da conclusão” (MEZZAROBA; MONTEIRO, 2003, p.
65). A pertinência do tema para com o atual cenário no âmbito do Direito Laboral que assume
dentro do contexto social e econômico é justamente a transação de parcelas trabalhistas de
cunho relativo no procedimento da negociação coletiva, onde dá espaço a problemática que
a presente pesquisa visa expor. De todo modo, para que os instrumentos normativos
negociados, isto é acordos e convenções coletivas de trabalho resultado da negociação tenham
validade e passe a incidirem na vida laboral dos envolvidos é necessária a observância sem
suprir as melhores condições já estipuladas pelas normas estatais.
DESENVOLVIMENTO
[...] a dignidade é uma qualidade intrínseca de todo ser humano, e não um direito
conferido às pessoas pelo ordenamento jurídico. A consagração como fundamento
do Estado brasileiro não significa, portanto, a atribuição de dignidade às pessoas,
mas sim a imposição dos poderes públicos do dever de respeito, proteção e
promoção dos meios necessários a uma vida digna.
Sendo assim, reafirma o ser humano enquanto ser social com carga axiológica com
o escopo de propiciar a este a garantia dos direitos fundamentais para exercer plenamente os
direitos sociais indispensáveis a promoção de suas necessidades, sendo para tanto um conceito
jurídico não solidificado, mas passível de interpretação, claro com a tendência de favorecer o
homem em todas as suas plenitudes por meio de um sistema jurídico que preveja essa
segurança, através de normas jurídicas hábeis a essa finalidade.
Maurício Godinho Delgado reforça o que fora dito acerca do trabalho em condições
dignas dispondo que:
[...] a ideia de dignidade não se reduz, hoje, a uma dimensão estritamente particular,
atada a valores imanentes à personalidade e que não se projetam socialmente. Ao
contrário, o que se concebe inerente à dignidade da pessoa humana é também, ao
lado dessa dimensão estritamente privada de valores, a afirmação social do ser
humano. A dignidade da pessoa fica, pois, lesada caso ela se encontre em uma
situação de completa privação de instrumentos de mínima afirmação social.
Enquanto ser necessariamente integrante de uma comunidade, o indivíduo tem
assegurado por este princípio não apenas a intangibilidade de valores individuais
básicos, como também um mínimo de possibilidade de afirmação no plano social
circundante (DELGADO, 2006, p. 43-44).
Há uma limitação à autonomia privada coletiva, ou seja, as partes não podem dispor
sobre os direitos mínimos estabelecidos pela norma estatal, tendo respaldo os direitos
elencados no art. 7º da CF/88, salvo exceções previstas no texto constitucional referente à
salário, jornada de trabalho e turno ininterrupto de revezamento e o que está consolidado na
legislação trabalhista que encontra precisão no art. 611-A, artigo este inserido na CLT pela
Lei n° 13.467/2017. No entanto, é conferida às partes a prerrogativa de negociarem sobre
melhores condições de trabalho, respeitando os limites impostos. Não podem assim, suprimir
o mínimo civilizatório que norteia uma efetiva concretização da dignidade humana. contudo,
salienta-se que o ordenamento jurídico brasileiro reconhece que a negociação coletiva é livre,
e inclusive, a própria Constituição Federal de 1998 no art. 7º, inciso XXVI, prevê o
reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.
A Convenção nº 154 da OIT, ratificada pelo Brasil em 10 de julho de 1992 e
Promulgada através do Decreto nº 1.256, de 29 de setembro de 1994 no DOU em 30 de
setembro de 1994 dispõe sobre o incentivo à Negociação Coletiva, nos seguintes termos:
Art. 2.º – [...] "negociação coletiva" compreende todas as negociações que tenham
lugar entre, de uma parte, um empregador, um grupo de empregadores ou uma
organização ou várias organizações de empregadores, e, de outra parte, uma ou
várias organizações de trabalhadores, com o fim de:
a) fixar as condições de trabalho e emprego; ou
b) regular as relações entre empregadores e trabalhadores; ou
c) regular as relações entre os empregadores ou suas organizações e uma ou várias
organizações de trabalhadores, ou alcançar todos estes objetivos de uma só vez.
Nesse prisma, as partes podem chegar a um consenso para que sejam atendidas as
melhores condições de trabalho, claro em consonância com o que está previsto na legislação
e na própria Constituição Federal. É imprescindível que os instrumentos normativos
negociados obedeçam os limites impostos pela Lei. Nesse contexto, há direitos de caráter de
indisponibilidade absoluta que são normas de ordem pública que, portanto constituem objeto
ilícito de negociação, tais como: segurança e medicina no trabalho e regras sobre anotação da
carteira de trabalho e previdência social. Ademais, os instrumentos coletivos tem força de
norma jurídica.
Ainda, de acordo com Delgado (2015, p. 1420) para que as normas autônomas
incidam e tenha efetividade é necessário que sejam ajustadas. Assim, pelo princípio da
adequação setorial negociada deve haver limitação jurídica da negociação coletiva de trabalho
e harmonia entre as normas oriundas da negociação coletiva e das normas estatais. Nesse
sentido, é possível entender que a adequação setorial negociada pretende objetivar, justamente
para:
Essa situação que de tal modo o mesmo perde várias horas no deslocamento de sua
casa para o trabalho não será mais remunerada contabilizando como sua jornada de trabalho
isso é um retrocesso, pois as leis trabalhistas que tem o dever/garantir de tutelar o trabalhador
e suas relações se omite, com isso o trabalhador fica fragilizado.
CONCLUSÕES
A Constituição Federal de 1998 reconheceu os acordos e as convenções coletivas de
trabalho como expressão da autonomia privada coletiva, para que estes possam reger os
próprios interesses subjetivos dando ênfase à criação de normas para serem aplicadas às
relações individuais de trabalho. Vale ressaltar que, apesar do reconhecimento, pela
Constituição Federal de tais prerrogativas sindicais, não será possível que certos direitos
possam ser objetos de negociação. Em contraponto, faz-se necessário que as normas de
negociação coletiva de trabalho sempre sejam mais benéficas do que as normas estatais
impostas à classe profissional, vislumbrado sempre a proteção ao trabalhador.
Assim sendo, a autonomia privada coletiva é um instrumento eficaz para as relações
laborais, pois sem dúvida alguma poderá diretamente os interesses subjetivos dos
trabalhadores, porém há direitos que não podem objeto de negociações, ou seja, os direitos
inerentes a uma condição digna de trabalho, patamar mínimo civilizatório, em consonância
com o princípio da dignidade da pessoa humana, a qual deve ser protegida na relação de
trabalho.
A Reforma Trabalhista possibilitou ao empregado dispor de direitos essenciais a uma
vida laboral "digna", satisfatória, lesando o patamar civilizatório mínimo de direitos
fundamentais que tem o escopo de proporcionar a garantia da efetividade do princípio
fundamental da dignidade da pessoa humana nas relações jurídicas de trabalho. A própria
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) é equânime no entendimento. Por outro
lado, sob a ótica constitucional há limites impostos à disponibilidade dos direitos
fundamentais por parte do empregado, sendo resguardadas as normas de ordem pública e as
matérias de competência exclusiva do Estado. Portanto, não pode o trabalhador lesar sua
própria "dignidade", negociando, através da entidade sindical representativa dos seus
interesses, os direitos fundamentais, relativizando o patamar civilizatório mínimo, afastando
as normas estatais garantidoras desses direito em razão da prevalência do negociado sobre o
legislado.
REFERÊNCIAS
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14 ed. Rio de Janeiro: LTr,
2015.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projeto de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 14. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2003.
NOVELINO, Marcelo. Manual de direito constitucional. 9. ed. rev. e atual – Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014.
A REFORMA TRABALHISTA E A SITUAÇÃO DA MULHER
GESTANTE/LACTANTE: Uma análise dos impactos da Lei nº 13.467/17 e a
potencialidade lesiva à saúde da mulher e do feto em ambiente laboral insalubre 74
Sandy Emily Leite da Silva 75
RESUMO
O presente artigo científico tem por objetivo a análise da Reforma Trabalhista, bem como
pontuar e esclarecer, utilizando como arcabouço teórico a produção acadêmica dos autores da
teoria feminista do direito, através de uma reflexão crítica, com o intuito de demonstrar os
pontos prejudiciais da Lei 13.467/17, no tocante à situação da mulher gestante/lactante no
mercado de trabalho, que, com o advento desta, tem a possibilidade de exercer suas funções
laborais em ambientes insalubres em grau médio e leve, a critério do empregador, sendo tal
permissivo legal uma clara afronta ao direito social, constitucionalmente garantido, qual seja,
o de proteção à maternidade, assim como tal medida é um claro instrumento de perpetuação
de uma sociedade patriarcal. Restou demonstrado que a alteração do artigo 394 - A, tornará
difícil a preservação da saúde da mulher, bem como a saúde do feto expostos a tais ambientes,
já que é de questionar se os atestados médicos serão reais garantias de proteção à saúde do
feto e da gestante, posto que os médicos não avaliarão o ambiente de trabalho para constatar
se há agentes nocivos. A pesquisa foi feita através de método qualitativo crítico do conteúdo
proposto, com base em procedimento de pesquisa bibliográfica.
1 INTRODUÇÃO
Foi a partir, portanto, das ideias produzidas por Karl Marx que surgiram novos
teóricos e, posteriormente, a Escola de Frankfurt, desenvolvendo teorias com tendência a
estimular uma emancipação social sólida e pautada na análise de onde o capitalismo, já que
se apresentava como o sistema dominador, fracassou, na prática. Com o surgimento da Escola
de Frankfurt emerge, na teoria crítica, uma ideia de esclarecimento com o objetivo crucial de
incentivar a sociedade a desenvolver uma percepção mais nítida entre a relação de ações que
tendem a manter um status quo de um sistema dominante.
O que mostra, por sua vez, que também o outro lado da dostinção, a
racionalidade comunicativa, foi pensada por Habermas como prévia
ao conflito, de modo que a realidade social do conflito-estruturante da
intersubjetividade, para Honneth -passa a ocupar um segundo plano,
derivado, em que o fundamental está nas estruturas comunicativas.
Com isso, o que é o elemento no qual se move e se constitui a
subjetividade e a identidade individual e coletiva- a luta por
reconhecimento- é abstraído da teoria, tornando-a desencarnada. Se
Honneth concorda com Habermas sobre a necessidade de se construir
a Teoria Crítica em bases intersubjetivas e com marcados
componentes universalistas, defende também, contrariamente a este,
a tese de que a base da interação é o conflito, e sua gramática, a luta
por reconhecimento. (NOBRE, 2003, p.17)
Após esta breve análise das teorias críticas feministas mais relevantes,
principalmente, para a análise do sistema de trabalho brasileiro, teoria esta utilizada como o
aporte teórico deste artigo, passaremos a esmiuçar as mudanças trazidas pela lei nº 13.467/17,
que atinge direta ou indiretamente a relação de trabalho das mulheres e que perpetuam as
desigualdades de sexo/gênero, pautadas ainda num ideário patriarcal de sociedade.
Isto é, a mudança da caça e da coleta para o sistema agrícola fez surgir a divisão de
tarefas em que a mulher, com o desenvolvimento das religiões ligadas a fecundidade, passou
a ter a obrigação de cuidar dos filhos já que, quanto mais o casal tivesse descendentes, melhor
seria, enquanto o homem, por consequência, passou a ser o provedor do lar (STEARNS,
2010).
Com o passar do tempo, e diante da evolução social, é perceptível a fortificação desse
sistema de dominação masculina, visto que quanto mais se desenvolvia as civilizações menos
poder a mulher tinha, isto é, a mulher deveria ter respeito ao pai, no início de sua vida, ao
esposo, posteriormente, sendo sempre subordinada a alguma figura masculina do ciclo
familiar. Tanto é que as mulheres eram sempre educadas a serem submissas ao homem, sem
qualquer direito igual ao deste. Conforme se extrai do entendimento de Nicolson (1996 apud
Nogueira, 2001, p. 132):
A Convenção foi ratificada pelo Brasil em 1984 com algumas ressalvas, como do
artigo 15, parágrafo 4º e artigo 16, parágrafo 1º, alíneas a,c,g e h. Apenas no ano de
1994, o Decreto nº 26 de 1994 aprovou integralmente o texto da Convenção. Dentre
os direitos que o Estado se comprometeu a assegurar estão: igualdade perante a lei,
direito de voto, direito de participação, direito ao acesso a serviços de saúde, direito
ao trabalho e oportunidades nas mesmas condições que os homens.
A Carta Magna de 1988 foi elaborada com o intuito de acabar com as discriminações
em razão do sexo garantindo igualdade de forma ampla, carreando o princípio da isonomia
tanto sob o aspecto formal como sob o aspecto material. Assim leciona Delgado (p. 880,
2017):
Os direitos dos trabalhadores trazidos pela Constituição Federal de 1988, em seu art.
7º, inciso XX, diz ipsis litteris que a “proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante
incentivos específicos, nos termos da lei”. No referido inciso, verifica-se que a Carta Magna
dá tratamento diferenciado à mulher, com o fito de, efetivamente, salvaguardar e garantir uma
maior proteção do mercado de trabalho feminino, igualdade esta não apenas formal, mas
principalmente material à confirmação do direito da mulher. No decorrer de todo o artigo,
verifica-se inúmeros outros direitos de índole protecionista ao mercado de trabalho feminino,
bem como a igualdade de gênero no ambiente laboral.
A Consolidação das Leis Trabalhistas, por seu turno, em seu texto original, proibia o
trabalho noturno pela mulher, a prorrogação do horário de trabalho sem a devida autorização
médica, os trabalhos subterrâneos, mineração, pedreiras, obras, sendo públicas ou privadas,
além de impedir, expressamente, o trabalho feminino em atividades perigosas ou insalubres,
sendo todas essas proibições revogadas pela lei nº 7.855/89. Tais modificações também foram
no sentido de proibir a interferência marital ou paterna no contrato de emprego da mulher.
Para Godinho,
Por fim, a lei 13.467.17, conhecida como “Reforma Trabalhista”, objeto desse artigo,
trouxe, em seu bojo, diversos dispositivos com a finalidade de alterar a CLT, adequando a
legislação às novas relações de trabalho. Constata-se que tal normativa legal, e que melhor
discutiremos adiante, é um retrocesso dos direitos trabalhistas femininos até então
conquistados.
155, conforme indica que a saúde do trabalhador não significa, somente, ausência de
enfermidade, mas, do mesmo sentido, indica a inexistência de quaisquer circunstâncias
relacionadas ao labor que agrida a integridade física ou mental do obreiro, ainda que não
evidenciada através de sintomas (BELTRAMELLI, p. 197).
Ou seja, a proteção da saúde do trabalhador vai muito além de enfrentar as
consequências de um local de trabalho que cause prejuízos à saúde deste, isto é, da doença
instalada ou da lesão já ocorrida, abrangendo, também, a exclusão de toda situação de
exposição a risco. Diante disto, não se sustenta de per si a possibilidade de a mulher
gestante/lactante laborar em um ambiente insalubre, já que o potencial lesivo atinge não só
sua saúde, mas, principalmente, a saúde do feto. É, imperioso trazer a lume o seguinte trecho:
Com a aprovação da Lei nº13.467/1, que trouxe diversas mudanças no tocante aos
direitos da trabalhadora gestante/lactante, o que mais chama a atenção, objeto deste trabalho,
é o permissivo legal possibilitando que a gestante/lactante trabalhe em ambiente insalubre em
grau baixo ou médio, sendo afastada apenas no caso de insalubridade em grau máximo.
Vejamos, ipsis litteris:
Art. 394-A. "Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional
de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: I - atividades consideradas
insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação; II - atividades consideradas
insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido
por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a
gestação; III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando
apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que
recomende o afastamento durante a lactação".
§ 3º - "Quando não for possível que a gestante ou a lactante afastada nos termos do
caput deste artigo exerça suas atividades em local salubre na empresa, a hipótese
será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-
maternidade, nos termos da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, durante todo o
período de afastamento § 3º".
76 “Art. 3º Para os fins da presente Convenção: [...] e) o termo ‘saúde’, com relação ao trabalho, abrange não
só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e
estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho”.
lactante será afastada, enquanto durar a gestação e a lactação, de quaisquer atividades,
operações ou locais insalubres, devendo exercer suas atividades em local salubre”.
Tal mudança legislativa traz uma mudança significativa, pois, a partir de então, a
gestante que estiver laborando em ambiente insalubre, em grau baixo e médio, precisará de
um atestado de saúde, emitido por um médico de sua confiança, que confirme sua capacidade
ou incapacidade em trabalhar em ambiente que possua elemento nocivo à saúde, sem que seja
uma pressuposto lógico de tal condição gestacional.
Já no que se refere à lactante, a norma traz um tratamento diferente. Isso pois,
quando no período de amamentação, a mulher só se afastará do exercício de suas atividades e
operações em ambientes insalubres, em qualquer grau, "quando apresentar atestado de saúde,
emitido por médico de sua confiança, do sistema privado ou público de saúde, que recomende
o afastamento durante a lactação", sem a presunção de afastamento quando no grau máximo,
necessitando apresentar o documento médico para que possa se afastar das suas funções.
Ora, é fato que a situação única da mulher gestante e, principalmente, da saúde do
feto não foram levados em consideração na reforma trabalhista, é que impor condições para a
concessão do afastamento compulsório, impossibilitará que as mulheres procurem o referido
direito, podendo causar futuros danos à saúde dela e de seu filho. Isto é, a nova disciplina legal
demonstra claro retrocesso na salvaguarda jurídica da vida e da saúde da gestante e do
nascituro ao inverter uma presunção absoluta de dano (MELO, 2017).
Outrossim, tal tolerância de que a gestante labore em ambiente insalubre, ainda que
seja em grau baixo ou médio, só demonstra o descaso da novel legislação no tocante aos
direitos trabalhistas, mostrando-se totalmente em descompasso com a evolução do direito das
trabalhadoras até então alcançados, é que, é notório que a trabalhadora, na defesa de sua
mantença, inclusive no caso de estar com mais uma responsabilidade a caminho, como é o
caso da gestante, não irá se contrapor aos desejos e devaneios do empregador e não irá atrás
de laudo médico para se afastar do local de trabalho que lhe for designado, com permissivo
legal para tanto.
Conforme leciona o Procurador Regional do Trabalho, aposentado, Raimundo Simão
de Melo, em seu artigo científico “Reforma erra ao permitir atuação de grávida e lactante em
local insalubre”, pode-se questionar, com tais condições impostas por esta lei, se os atestados
médicos serão reais garantias de proteção à saúde do feto e da mulher, já que “o médico pode
não ter o conhecimento específico necessário sobre segurança no trabalho e não ir examinar
o local de trabalho”. De fato, o profissional médico que der o referido atestado afirmando que
a mulher tem permissão de trabalhar em local insalubre, sem quaisquer riscos para ela e para
o nascituro, assumirá uma exorbitante responsabilidade, tanto no âmbito civil quanto no
âmbito penal. É o que se extrai do seguinte trecho (BRITO, p. 34, 2017):
6. Considerações Finais
ASSOUN, P.L. A Escola de Frankfurt. Tradução de Helena Cardoso. São Paulo: Ática,
1991.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16 ed. rev. e atual. 2017.
São Paulo; Editora: Ltr.
MELO, Raimundo Simão de. Reforma erra ao permitir atuação de grávida e lactante em
local insalubre. 2017. Disponível em << https://www.conjur.com.br/2017-jul-21/reflexoes-
trabalhistas-reforma-erra-permitir-gravida-lactante-local-insalubre >> Acesso em: 02 set.
2018.
NOBRE, Marcos. “Luta por reconhecimento: Axel Honneth e a Teoria Crítica”. In:
HONNETH, A. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São
Paulo: Ed. 34, 2003.
OTA, Maria Eduarda. Gênero na teoria crítica e nas políticas públicas: a dicotomia
público/privado em perspectiva. 2014. 93f. Dissertação de pós graduação em ciências sociais-
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegra, 2014.
SANTOS, Marina França. Teorias feministas do direito: contribuições a uma visão crítica
do direito. Anais Do Xxiv Congresso Nacional Do Conpedi- Ufmg/Fumec/ Dom Helder
Camara. p.294-310. Belo Horizonte, 2015.
SARLET, Ingo Wolfgang. et.al. Direito Constitucional Ambiental. 2 ed. rev. e atual. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2012
STEARNS, Peter N. História das relações de gênero. - 2 ed. – São Paulo: Contexto, 2010.
RESUMO
1. INTRODUÇÃO
77
Grupo de trabalho: Direito, Trabalho e Saúde
78
Graduando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Estagiário do Tribunal Regional do
Trabalho - 6ª Região. Email: [email protected].
79
Graduanda em direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Estagiária do Ministério Público de
Pernambuco. Email: [email protected].
a mulher a ascender no âmbito trabalhista tendo não só uma ampliação na sua área de atuação,
como também nos direitos atinentes ao gênero, que englobam a proteção das gestantes e a
lactantes.
Diante desse panorama de sucessivos avanços no direitos das mulheres, surge em 2017
um Projeto de Lei nº 6787/2016, de autoria de Michel Temer, que tinha como objetivo realizar
uma Reforma na Legislação Trabalhista, com animus de modernizar e simplificar as relações
de trabalho, além de possibilitar uma redução no texto legal buscando diminuir a sua
complexidade. O PL 6787/2016, então, tramitou no Congresso e foi sancionado em 2017, se
tornando a Lei 13.467, mais conhecida como Reforma Trabalhista, sendo esta objeto de
inúmeros questionamentos, figurando como problema central da presente pesquisa.
Nesse contexto, visualizamos na Lei 13.467/2017 um campo amplo para o debate e
buscamos evidenciar algumas controvérsias que surgiram após a sua vigência. Além disso,
procuramos discutir brevemente acerca da frustrada Medida Provisória 808/2017, que tentou
atenuar o novo texto trazido pela Reforma e os impactos disso para a sociedade.
No mais, o presente trabalho tem como escopo uma análise crítica acerca da Lei nº
13.467/2017, partindo de um panorama geral sobre as consequências e mudanças
implementadas pela Reforma Trabalhista no âmbito laboral do trabalhador através das mais
diversas e atualizadas fontes doutrinárias, trazendo os diferentes entendimentos e
posicionamentos acerca das alterações advindas da Lei 13.467.
Nesse sentido, buscamos esmiuçar o posicionamento desses estudiosos do Direito do
Trabalho no que tange à implementação da Reforma Trabalhista, dando um recorte especial
na pesquisa para compreender e refletir acerca dos impactos da reforma para a trabalhadora
gestante ou lactante e nos propomos, principalmente, a proporcionar uma maior reflexão
acerca dos impactos e consequências da nova Lei Trabalhista para os diversos setores da
sociedade.
Entre as alterações advindas da Lei 13.467 está o disposto no artigo 394-A, o qual abre
novas possibilidades de efeitos negativos da reforma, especificamente no âmbito da
maternidade, ao autorizar a exposição de gestantes e lactantes à insalubridade no trabalho. A
discussão no meio jurídico sobre a temática em voga é intensa, com notórias alegações de
inconstitucionalidade sobre a letra da lei do citado dispositivo, o qual se faz mister registrar,
in verbis:
Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de
insalubridade, a empregada deverá ser afastada de:
I - atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação;
II - atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar
atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o
afastamento durante a gestação;
III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de
saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante
a lactação.
5.1. Violação dos princípios e normas gerais do direito do trabalho com enfoque na
mulher gestante e lactante
As mulheres vêm ganhando espaço no âmbito trabalhista ao longo das décadas e, com
isso, avançam também com direitos e garantias destinados a preservar o espaço feminino nesse
contexto, mas, principalmente, para consagrar o ideal de Igualdade entre os sexos
implementado pela Constituição Federal de 1988.
Gustavo Garcia (2018, p. 904-905) destaca que inúmeras foram as Convenções da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) que estabeleceram normas e paradigmas
voltados à proteção e a igualdade da mulher, em especial, das gestantes e lactantes. Dentre
elas, ele salienta a Convenção 103, de 1952, que estabelece proteção à maternidade, sendo
revisitada pela Convenção 183, de 2000; ou, ainda, a Convenção 171, de 1990, que dispõe
sobre uma proteção especial às mulheres, apenas em razão da maternidade.
Nas palavras de Garcia (2018), a proteção da mulher gestante e da maternidade não
figuram como uma violação ao Princípio da Igualdade, constitucionalmente consagrado, ao
contrário, representa uma forma de garantir a igualdade material entre as trabalhadoras que
estão em condição especial, dada a sua importância para a sociedade.
Conforme alhures mencionado, um dos pontos de maior dissidência em relação à
Reforma Trabalhista com a trabalhadora e a maternidade foi a questão do trabalho em
condições insalubres em grau leve ou médio passarem a ser admitidos, excetuando-se os casos
em que as gestantes disponham de laudo de médico de sua confiança recomendando o
afastamento.
Ora, antes da reforma, não era possível que as empregadas gestantes ou lactantes
fossem submetidas ao trabalho em áreas insalubres de qualquer grau, devendo exercer suas
atividades em locais salubres, segundo o art. 394 da CLT. Com as inúmeras alterações trazidas
pela Lei 13.467/17 é notório que muitos dos princípios norteadores do Direito do Trabalho
foram violados, posto que a condição em que a legislação nova os coloca é de visível posição
de prejudicialidade além de inobservar a hipossuficiência em que os destinatários delas se
encontram.
Nesta senda, nos importa destacar alguns dos princípios gerais e do Direito do
Trabalho que foram frontalmente violados, sendo o principal deles, a proibição do retrocesso,
tal ponto é uníssono na doutrina majoritária e entre os estudiosos do direito, de que “a reforma,
longe de solucionar os problemas da desigualdade no país, tende a gerar mais distorções e
iniquidades” (BIAVASCHI, 2017. p. 202), além disso, as entidades têm “se posicionado
contrárias à reforma por seus aspectos de violação dos princípios que fundamentam o direito
do trabalho e as conquistas incorporadas pela CLT” (Ibidem, 2017. p. 197), ou seja, toda uma
legislação trabalhista, paulatinamente construída, que incorporou com o passar das décadas
vários direitos e princípios, observa seu esfacelamento diante de uma Reforma imatura,
percebida por muitos como “redutora de direitos” (LIMA, 2017. p. 32), além de figurar, para
outros tantos, como verdadeiro “retrocesso social” (Ibidem. 2017. p. 73).
Insta salientar, ainda, outro princípio violado com a possibilidade do labor em local
insalubre pela Reforma para mulher gestante e lactante (SANTOS, 2017), que é o princípio
da inalterabilidade contratual lesiva, que evidentemente restou prejudicado, visto que a mulher
agora poderá ser submetida pelo empregador a exercer atividade laboral em locais insalubres,
salvo quando resguardada por atestado de médico de sua confiança, o que transfere a
responsabilidade para o médico e para gestante ou lactante, visto que caberia ao médico - que
não seria necessariamente um médico do trabalho, mas qualquer um de confiança da gestante
- aferir o grau de insalubridade do local onde estaria laborando a gestante e determinar se é
ou não seguro para ela trabalhar naquelas condições, mesmo que ele não tenha todos os
subsídios necessários para precisar tal fator ou possa fazer uma análise in loco do ambiente
ao qual a gestante ou lactante será exposta (COSTA, COSTA, CINTRA, 2018).
Acrescente-se que o próprio princípio da proteção restou violado, visto que a
hipossuficiência da trabalhadora gestante e lactante e a condição especial em que se encontra
não foi respeitada, mitigando a ideia de que as normas mais favoráveis ao trabalhador se
aplicariam no caso concreto, além de que, a condição mais benéfica para trabalhadora também
não encontraria eco, restando inteiramente prejudicado tal princípio, expondo uma verdadeira
flexibilização de direitos já conquistados.
Nessa breve explanação, buscamos discutir as consequências e as violações
consagradas Lei 13.467/17, em face da mulher gestante e lactante, que além de ferir
frontalmente princípios basilares do Direito do Trabalho, também viola normas de caráter
geral, demonstrando suas dissonância com o ordenamento jurídico e suas diretrizes. Contudo,
a desarmonia da Reforma Trabalhista não se resume ao campo das normas infralegais, mas se
estende também ao campo Constitucional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BIAVASCHI, Magda. A reforma trabalhista no Brasil de Rosa: propostas que não criam
empregos e reduzem direitos. Rev. TST, São Paulo, vol. 83, no 2, abr/jun 2017. p. 195-203
GARCIA. Gustavo. Manual de direito do trabalho. 11ª ed. rev., ampl. e atual. - Salvador:
Ed. Juspodivm, 2018.
GARCIA, Gustavo. Reforma Trabalhista. 2ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed.
Juspodivm, 2017.
GODINHO, Maurício. Curso de Direito do Trabalho. 16ª ed. rev. e ampl. - São Paulo: LTr,
2017.
JOÃO, Paulo Sérgio. Sem estar mais em vigor, MP da reforma trabalhista deixa legado.
Consultor Jurídico, 2018. Disponível em: <https://www. conjur.com.br/2018-mai-
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SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Uma teoria geral dos
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Advogado editora, 2015, p. 71.
SOUTO MAIOR. Jorge Luiz. A MP 808 caducou e levou com ela o seu assunto (a lei
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set. 2018.
RESUMO
1 INTRODUÇÃO
80
GT3 – Direito, Trabalho e Saúde
81
Bacharelando em Direito. Faculdade Estácio do Recife. E-mail. [email protected]
uma tecnologia disruptiva as legislações trabalhistas tradicionais.
O presente trabalho tem como objetivo central o reconhecimento do fenômeno da
economia compartilhada no âmbito da Plataforma Uber, no que se refere a precarização do
trabalho; pretendendo-se compreender o fenômeno da economia compartilhada quanto ao seu
conceito, suas perspectivas e contradições tendo como cerne a Uber, apresentar conceitos e
características das relações de trabalho e emprego no âmbito do direito de trabalho tradicional;
analisar aspectos da precarização das relações laborais provocadas pela Uber; perfazer uma
breve analise no que tange a Lei 13640/18, quanto aos avanços e carências para o transporte
coletivo individual, e além disso, compreender algumas decisões judiciais recentes no direito
trabalhista brasileiro quanto o reconhecimento e o não reconhecimento de vínculo de emprego
dos motoristas de Uber, finalizando através do direito comparado decisões judiciais nos
Estados Unidos e Inglaterra sobre decisões que versam sobre a regulamentação laboral do
motorista de Uber.
A pesquisa teve como metodologia aplicada, a revisão de bibliografia recente do
direito trabalhista: Doutrinas, artigos científicos, monografias, e livros específicos sobre a
respectiva temática, e além disso, abordou um estudo dialético, com caráter descritivo-
explicativo. Dessa forma, têm-se o arcabouço para compreensão dos aspectos que levaram a
tal pesquisa.
DESENVOLVIMENTO
Esta economia é apresentada em tempos atuais como meios para uma sociedade mais
sustentável, vida em comunidade, de trocas, simbioses e intercâmbios, tendo como premissa
“o que é meu é seu” e rompendo com formas de negócios tradicionais, tornando as pessoas
livres, realizando o compartilhamento e intercâmbio diretamente umas entre as outras, através
de meios técnicos informacionais com o advento da explosão da cultura digital.
Esta nova era do compartilhamento em sociedade leva ao processo de Disrupção,
aplicado no contexto da economia, como uma forma de inovação e rompimento de processos
tradicionais, como as relações de consumo, de negócios e até mesmo de emprego,
desmembrando um modelo padrão. Nesse sentido, TEODORO et al. (2017), abordam que a
Disrupção de modo geral é consequência dos avanços tecnológicos, no entanto isso não
significa dizer que toda inovação tecnológica tem o poder disruptivo, de tal modo nem toda
disrupção se presume ser através da tecnologia.
Nesse interim, a ideia de economia compartilhada parte da premissa que uma pessoa
pode oferecer um determinado serviço ou ação a outra pessoa de algo que seria
tradicionalmente privado, é o exemplo clássico do Uber, oferece um serviço de transporte que
até então era exclusivamente oferecido por táxi. Outro exemplo é o segmento da hotelaria,
antes um pacote de diárias de hospedagem em qualquer lugar cujo se deslocasse para uma
viagem, necessariamente passaria por uma determinada rede hoteleira. Com a premissa da
“pessoa por pessoa” na economia compartilhada, que é o exemplo Airbnb, aplicativo digital
onde um indivíduo pode alugar um imóvel de outro por uma determinada temporada e curto
espaço de tempo. Aplicativos de música como Deezer e Spotfy revolucionaram o mercado da
música mundial, em que os as pessoas atualmente conseguem acessar os últimos lançamentos
de discos dos seus artistas favoritos diretamente da Plataforma digital, sem ter custos
adicionais com compra de Cds, Dvds e outras mídias.
Por outro lado, há também muitas interrogações quanto aos ideais e o produto final
que de modo geral vem se desenhando na economia compartilhada. A ideia de Economia
Compartilhada apesar de sua origem na década de 1990, veio a eclodir a partir de 2008 com a
crise econômica nos EUA, tendo as maiores startups do mundo que conglomeram as
plataformas digitais no Vale do Silício na Califórnia, entendem e estão comprometidos na
ideia de que comércio, negócios e compartilhamento ocupam o mesmo espaço. Apesar do
modelo de negócio enaltecer as redes de pessoas para pessoas, a linha de negócio em
intermediar as relações entre indivíduos nas plataformas digitais, como um mecanismo de
auferir lucro por negócios individuais, colocam indagações sobre a real posição sobre de fato
tratar-se de uma economia compartilhada, TEODORO et al. (2017), discorre sobre essa
intermediação de negócios pessoas para pessoa da seguinte maneira:
Para (SLEE, 2017, p. 285), em um curto espaço de tempo após sua eclosão, a economia
de compartilhamento partiu premissa do “o que é meu é seu” para “o que é seu é meu”, de
modo que os valores tidos como não comerciais pela economia compartilhada foram deixadas
de lado, ou estando exclusivamente restritas as práticas de difusão propagandistas.
A proposta de tornar o mundo mais coorporativo ao invés de cooperativo do que se
entendia inicialmente, é o reflexo mais agressivo do capitalismo, uma vez que diante desse
contexto, cristalizam-se a desregulamentação estatal, novas alternativas de consumismo, a
precarização do trabalho. Acaba assim, corroborando com a interpretação de que a economia
de compartilhamento está recorrendo às ideias de cooperativismo e relações mais sustentáveis
com o espectro para angariar grandes fortunas privadas, ruir comunidades cooperativistas, e
incentivar novas formas de consumo para a criação de um futuro mais desigual que em
qualquer época (SLEE, 2017).
De acordo com JÚNIOR (2016, p 156), a relação de trabalho é latu sensu, ou seja,
trata-se do gênero de prestação de serviços, na qual originam-se várias espécies. Nesse
sentido, sempre que houver a prestação de um trabalho por uma pessoa para benefício de
outra, tanto no que se refere a meio ou resultado, estará caracterizada uma espécie de relação
de trabalho. Acrescenta ainda que
DELGADO (2017, p. 311), define relação de trabalho como uma condição essencial
do ser humano, que compõe aspectos físicos e psicológico dos indivíduos. Tratando-se assim
de uma gama de atividades, podendo ser tanto produtivas como criativas, que é exercida pelo
homem para obtenção de uma determinada finalidade.
Ademais, cumpre destacar que MARTINEZ (2017) traz relação de emprego como um
contrato de vínculo de que a norma garante direito a outra pessoa, para com isso gerar
legitimidade quanto a posição de sujeitos. A relação de emprego remete-se diretamente ao
contrato de emprego, de modo que a relação de emprego é a constituição de um ato jurídico
necessário para provocar materialização de medidas tutelares.
3.2.1 Onerosidade
3.2.2 Pessoalidade
Diante dos aspectos já mencionados pode-se observar que a Uber está inserida em um
modelo de negócio que valoriza o peer to peer, envolvendo a minimização de custos
operacionais. Nesse interim é que vem aludida a conceituação de Uberização, esta trata-se da
mudança estrutural das relações de trabalho, tornando trabalhadores em nanoempresários,
denominados de parceiros/ colaboradores, trabalhadores just–in-time, ondemand,
selfemployement, termos em inglês, mas que caracteriza em um novo modelo de trabalho: Sob
demanda, sempre que for necessário, e autotrabalho. Portanto, significa dizer que a forma de
remuneração passa a ser um custo variável, ou seja, só terá existência, caso haja a realização
daquele determinado trabalho.
O termo “Uberização” já vem sendo adotado por várias categorias profissionais, no
status quo, significa dizer que o trabalhador vem passando por uma ruptura dos padrões
tradicionais da relação de vínculo empregatício, desconfigurando desse modo, direitos
salvaguardados na CLT.
Na visão de GOMES (2017), a Uberização “Trata-se de modelo de organização
laboral, que tem como característica marcante a flexibilização do trabalho através de
tecnologias disruptiva. ”
82
No entanto, a flexibilização de trabalho através da tecnologia não significa que o
trabalhador esteja livre de não ter um chefe, no caso da Uberização, é característico a
manutenção das formas de controle, fiscalização e gerenciamento sobre os trabalhos
executados.
Em 2016, por exemplo, foi sancionada a Lei Federal Nº 13.352, que veio a flexibilizar
as relações de trabalho em salões de beleza, de modo a ser observada como uma forma de
Uberização, tornando os profissionais que exercem atividades de Cabelereiro, Barbeiro,
Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador como “parceiros” de pessoas jurídicas
registradas como salão de beleza. Nesse interim, os proprietários de salões de beleza passam
a não serem obrigados ao reconhecimento de vínculo empregatício desses profissionais. Nesse
novo arranjo legal os empresários do ramo têm a responsabilidade de prover as condições de
infraestrutura para que os profissionais possam executar o seu trabalho, tratando-se agora de
meros prestadores de serviços.
[...] a Uber tem sido exitosa em escapar das regulações governamentais do mercado
em que atua, além de facilmente esquivar-se do alcance das legislações trabalhistas,
angariando ainda os frutos de um evidente efeito em cascata, pois sempre que um
interlocutor é convencido, ele, assimilando o discurso, passa-o adiante, e assim a
Uber tem conquistado a simpatia de milhões de pessoas, entusiastas de seu modelo
de negócio.
Com a fácil condição de lidar com estas regulações governamentais, a Uber vem
reverberando na precarização do trabalho, com o trabalhador em pleno desequilíbrio em
relação a empresa, de modo que é perceptível compreender características na relação
“parceiro” x Uber que se assemelham às relações tradicionais de emprego, demonstrado no
estudo de TEODORO, D’FONSECA e ANTONIETA (2017):
Subordinação: Manifesta-se quando os motoristas rejeitam corridas, obtendo
avaliações mais baixas, podendo ser suspensos por um tempo do aplicativo, e até mesmo com
punição máxima a exclusão (não levam em consideração preceitos fundamentais como
contraditório e ampla defesa); Avaliação e feedback dos clientes quanto ao serviço prestado
(atendimento do motorista, forma de condução nas vias, conforto e limpeza do veículo),
avaliações vão de 1 a 5 estrelas, e caso o motorista tenha avaliação abaixo de 4,6 é excluído
do aplicativo.
Pessoa Física: Para tornar-se um “parceiro” Uber, a Empresa faz o diagnóstico do
motorista através dos seus antecedentes criminais, a regulamentação documental do veículo e
o mínimo de tempo do mesmo.
Pessoalidade: O serviço só pode ser executado pelo motorista devidamente cadastrado
e admitido pela Plataforma, isso fica evidente no aplicativo, o nome do motorista, sua imagem,
não podendo ser o serviço realizado por alguém que não seja cadastrado na no mesmo.
Não Eventualidade: A Uber para muitos motoristas surgira para prover uma renda
extra, no entanto em muitos países como o Brasil, é a fonte de renda principal de muitos,
deixando de configurar-se como um trabalho esporádico e passando a ser um trabalho
contínuo, tendo a Uber como a única provedora econômica.
Onerosidade: Se apresenta em subjetividade como um aspecto em que se visualiza a
intenção do motorista colher como resultado um ganho financeiro pelo trabalho executado.
A Uber traz no seu bojo a transferência para os trabalhadores uma gama de custos e
riscos, por tratar-se de um trabalho amador, não confere uma profissão, fazendo com que o
motorista utilize seu próprio veículo. Além disso, se beneficia da regularização de tributos,
manutenção dos veículos que é de responsabilidade do próprio motorista, se isentando de todo
e qualquer imposto, taxa e seguro que porventura seja obrigado a constituir para o carro estar
regular. ARMSTRONG (2016), faz uma observação crítica no que tange ao motorista de Uber
no cenário brasileiro:
Além disso, observa-se que a Uber dita o comportamento dos motoristas, das maneiras
mais peculiares possíveis, no entanto não assumi qualquer responsabilidade a partir do
momento em que situações estejam dando errado. Pelo aspecto já mencionado da Uber se
colocar no mercado como um aplicativo facilitador de contatos entre motoristas e
passageiros.-
De acordo com SLEE (2017), a Uber traz regras definidas sobre o aspecto de que o
motorista é ou não empregado, isso tomando como exemplo, normas da Receita Federal do
Canadá. Em suma, os trabalhadores que exercem atividade no contexto da economia de
compartilhamento em outros ramos, vêm encontrando os mesmos problemas nesta questão.
Isso faz com que, na indústria de construção civil, por exemplo, classificar como contratante
independente vem a esquivar uma determinada empresa dos pagamentos de direitos
trabalhistas, bem como seguir os padrões de emprego, sub-rogando integralmente os riscos da
atividade ao contratado.
Conforme externado por GUIMARÃES (2017), estudos realizados nos Estados
Unidos pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), realizado em 2017 com 1100
motoristas, demonstra que não é mais atrativo ser motorista por plataformas digitais como a
Uber e Lyft, de modo que, os pesquisadores observaram que o valor da hora de um motorista
de aplicativos é em média U$$ 3,37, estando 74% dos motoristas entrevistados na pesquisa,
ganhando menos que um salário mínimo, e 30% com a efetiva perda de dinheiro. Isso deve-
se ao fator da responsabilidade integral do motorista como as despesas com o carro, que vão
desde ao abastecimento aos gastos com manutenção do veículo, gerando despesas de 30% de
boa parte do faturamento dos motoristas.
A Uber iniciou suas atividades no Brasil no ano de 2014, na cidade do Rio de Janeiro,
posteriormente São Paulo e se estendendo paulatinamente em diversas capitais e cidades do
país. A Plataforma digital se insere no país, num ambiente de crise econômica e o aumento de
desemprego, ganhando em curto prazo espaço grande capilaridade, tanto no que se refere ao
crescimento vertiginoso de usuários (clientes), quanto a ascensão do número de motoristas
(parceiros).
A empresa conseguiu adentrar no país com grande aceitação da população, uma vez
que, em termos conceituais de economia compartilhada, a Uber vem a promover em um
ambiente de precariedade no transporte público, instabilidade nos preços de combustíveis,
extrema dificuldade na mobilidade urbana e os preços excessivos no mercado automobilístico,
faz com o termo “sustentabilidade” e “mobilidade urbana”, sejam associadas pela grande
imprensa a aceitação da Uber no consumo local brasileiro.
A Uber do Brasil Tecnologia Ltda., sociedade de responsabilidade limitada, possui
sede situada na cidade de São Paulo. De acordo com KOJIKOVSKI (2017), o país atualmente
é o segundo maior mercado da empresa, perdendo apenas para os Estados Unidos. Hoje,
segundo a Uber, 15 milhões de brasileiros realizam ao menos uma viagem por mês, está
presente em mais de 70 municípios do país, e 54% dos usuários de plataformas de transporte
no país utilizam a Uber, outros usuários dividem-se nos demais aplicativos concorrentes como
99, e Cabify. Em 2017 verificou-se que por ano a empresa cresce em 900% de novos
motoristas cadastrados, e que o número no país já está em 500 mil motoristas, só no Estado
de São Paulo chega a 150 motoristas, na região metropolitana do Estado.
Uma decisão recente da Corte nos Estados Unidos no Estado da Califórnia, deverá
abrir precedentes para motorista de startups como o caso da Uber, que utilizam como discurso
a “parceria” entre motorista e a empresa. A respectiva Corte, compreende que algumas
empresas podem classificar equivocadamente seus colaboradores, de forma independente para
prover lucros, esquivando de impostos ou dos encargos trabalhistas. Nesse caso, observam o
parceiro/colaborador como um funcionário efetivo.
A Justiça Norte Americana, observa o fato de que colaborador/ parceiro participam do
negócio principal de uma determinada empresa, contribuindo sensivelmente com seu
faturamento, além da regularidade no labor, as exigências e imposições para serem realizados
os trabalhos, assim como número de serviços prestados. Com esse entendimento, no caso de
a justiça julgar procedente aos trabalhadores à situação de contratação, as empresas precisarão
atender as legislações estaduais, que irão depender de estado para estado em que as operações
ocorram. A exemplo da Califórnia, que fixa um pagamento mínimo por hora trabalhada, não
obstando a performance do trabalhador, a empresa queda-se obrigada ao fornecimento de
benefícios aos seus funcionários.
Tal decisão não visa a ser exclusiva as plataformas de transporte como a Uber, Lyft,
dentre outras, mas os startups do Vale do Silício de modo geral, que utilizam o modelo de
negócio da autonomia.
Já o Tribunal de Justiça de Londres decidiu no dia 10/11/2017, pela obrigação da Uber
em considerar seus motoristas como seus empregados e pagá-los o salário mínimo. A
Inglaterra é um país que possui um forte movimento sindical de motoristas independentes, e
a respectiva ação vem contando com pleno apoio do sindicato de motoristas independentes da
Grã-Bretanha.
Além disso a Uber vem sofrendo dificuldades para manter suas atividades na
Inglaterra, uma vez que a companhia Inglesa de Transportes cassou a licença da empresa para
atuar no país.
5 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BLIBLIOGRÁFICAS
CAIRO JR., José. Curso de Direito do Trabalho. 12ª Ed, Salvador: JusPodivm, 2016.
DELGADO., Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16ª Ed, rev. e ampl, São
Paulo: LTR, 2017.
LEITE., Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 8ª Ed, São Paulo: Saraiva,
2017.
SLEE. Tom. Uberização: a nova onda do trabalho precarizado/ Tom Slee; tradução de João
Peres; notas da edição Tadeu Breda, João Peres. São Paulo: Editora Elefante, 2017.
SILVA. Juliana Coelho Tavares; CECATO. Maria Áurea Baroni. A uberização da relação
individual de trabalho na era digital e o direito do trabalho brasileiro. Cadernos de Dereito
Actual. Espanha. Xuristas en Acción. Nº 07. pp. 257-271. Extraordinário 2017. Disponível
em:
http://www.cadernosdedereitoactual.es/ojs/index.php/cadernos/article/download/227/143,
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GOMES. Brenda Karla Evangelista. Os desafios do direito do trabalho frente às
tecnologias disruptiva: O problema da Uberização: O Problema da Uberização no
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cientifica/article/download/473/397/. Acesso em: 09/09/2018.
BRASIL, Lei Nº 13.352/2016, disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13352.htm. Acesso em:
09/09/2018
ARMSTRONG. Lucas. Uberização: qual das relações de trabalho essa categoria faz
parte, uma nova? Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61026/uberizacao-qual-das-
relacoes-de-trabalho-essa-categoria-faz-parte-uma-nova. Acesso em: 09/09/2018
Não vale mais a pena ser motorista do Uber, diz pesquisa do MIT. Disponível em:
http://www.leiaja.com/tecnologia/2018/03/08/nao-vale-pena-ser-motorista-do-uber-diz-
pesquisa-do-mit/ Acesso em: 09/09/2018
Regulamentação dos apps de transporte privado será sob muita pressão de todos os
lados, disponível em:
https://jc.ne10.uol.com.br/blogs/deolhonotransito/2018/05/15/regulamentacao-dos-apps-de-
transporte-privado-sera-sob-muita-pressao-de-todos-os-lados/, acesso em: 09/09/2018
Justiça do Trabalho de Minas Gerais decide que motorista da Uber não é funcionário
da empresa, disponível em: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/justica-do-trabalho-de-
mg-decide-que-motorista-da-uber-nao-e-funcionario-da-empresa.ghtml, acesso em:
09/09/2018
Justiça manda Uber reconhecer motorista como funcionário e pagar salário mínimo em
Londres, disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/justica-manda-uber-
reconhecer-motorista-como-funcionario-e-pagar-salario-minimo-em-londres.ghtml, acesso
em: 09/09/2018
ANTAGONISMO SOCIAL DO PRINCÍPIO DA NÃO-DISCRIMINAÇÃO: LUTA
PELA IGUALDADE X INVERSÃO DO PRECONCEITO83
RESUMO
INTRODUÇÃO
83
GT 3 - Direito, Trabalho e Saúde
84
Graduanda do 8º período do Curso de Direito da Universidade de Pernambuco -UPE, campus
Benfica/FCAP. E-mail:[email protected].
85
Graduanda do 8ºperíodo do Curso de Direito da Universidade de Pernambuco -UPE, campus
Benfica/FCAP. E-mail:[email protected].
sexo feminino, representado muitas vezes pelo movimento feminista, foi proporcionar às
mulheres os mesmo direitos e deveres que eram dados aos homens. Logo, faz-se valer do
princípio da igualdade, previsto no artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos:
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão
e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade” (FRANÇA,
1948).
A inserção do sexo feminino no mercado de trabalho é um movimento que ainda se
consolida, pois nem todas as mulheres conseguiram esse feito e as que o alcançaram ainda
lutam pela igualdade material de tratamento. Visando auxiliar a realização dessa meta, o
ordenamento jurídico brasileiro, em sua Constituição Federal - CF e em outras leis
infraconstitucionais, trouxe para a realidade do país a materialização legal da necessidade
dessa igualdade real ao defender e primar pelos direitos da mulher em posição de igualdade
com o homem. Algo que pode ser percebido facilmente ao se analisar o caput do artigo 5º da
CF: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, e o inciso I do
mesmo artigo: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição”. Tal observação foi feita também pelo ex-ministro Joaquim Barbosa Gomes
que: “a Constituição Brasileira de 1988 não se limita a proibir a discriminação, afirmando a
igualdade, mas permite, também, a utilização de medidas que efetivamente implementem a
igualdade material” (BRASIL, 1988).
Essa onda da busca pela igualdade entre os gêneros não se restringiu apenas à lei, a
doutrina brasileira também foi afetada e contribuiu para a propagação desse espírito ao realizar
as interpretações almejando esse objetivo. Nessa análise doutrinária merece destaque o
princípio, abordado pelo Direito do Trabalho, da Não-Discriminação, instituto que merece ser
visto de maneira mais aprofundada, pois como será abordado adiante pode gerar diferentes
consequências para a sociedade, indo além do que aparentemente se pretende. Para se alcançar
esse objetivo, a metodologia utilizada foi a revisão de literatura, na modalidade narrativa (a
partir da análise de diversos artigos, de 2008 a 2016, livros, legislação e notícias recentes), e
do método hipotético-dedutivo, para ao aplicar-se o falsificasionismo proposto por Karl
Popper (POPPER, 1934), seja possível verificar se existe violação ao princípio da não-
discriminação, a medida que a prestação de serviços por mulheres têm como destinatárias,
exclusivamente, outras mulheres.
Após analisar o histórico das mulheres e sua inserção no mercado de trabalho, não se
pode deixar de dar destaque às conquistas que foram alcançadas por elas nessa luta pela
igualdade. Amparadas por dispositivos legais que proporcionaram isso, as mulheres passaram
a disputar em pé de igualdade formal as vagas e oportunidades oferecidas.
Como já exposto, a CF de 1988 foi responsável por instituir no ordenamento jurídico
o princípio da igualdade formal entre todos os cidadãos brasileiros, inclusive homens e
mulheres, tendo ambos direitos e obrigações e igualdade de tratamento. Porém, o texto legal
mão se limitou a isso, pois, o artigo 7º, onde estão elencados os direitos dos trabalhadores, o
legislador colocou a mulher em posição de destaque, ao prever no inciso XX a proteção do
mercado de trabalho da mulher mediante incentivos específicos.
O tema supracitado se materializa na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que
em vários dispositivos proporciona a igualdade para as mulheres, possuindo, inclusive, um
capítulo para proteção do trabalho feminino.
A igualdade total no que se refere às leis trabalhistas não é a solução adequada, mas
representa à mulher uma discriminação visto que ela está mais exposta às influências do meio
ambiente do que o homem. A verdadeira igualdade, ou a equidade, está em dar iguais
oportunidades de emprego para ambos os sexos, além de igual salário e promoções. A
“igualdade” não pode limitar a possibilidade de inserção no mercado, ou trazer-lhe transtornos
de saúde (COSTA, 2014). Desse modo, merecem ser destacados os institutos do salário,
duração e condições de trabalho, trabalho noturno, períodos de descanso, métodos e locais de
trabalho e proteção ao matrimônio e à maternidade, de forma a serem analisados de maneira
mais aprofundada.
A CF no artigo 7º, XXX, faz a expressa vedação à prática de diferenciar salários devido
à cor, raça, idade ou sexo, convalidando a ideia de que não se pode tratar de maneira
diferenciada duas pessoas que venham a desempenhar a mesma função. A CLT, por sua vez,
reitera a CF no seu artigo 5º, ao dizer que a trabalhos iguais, não deve haver distinção de
salário devido ao sexo, enquanto no artigo 377 afasta a possibilidade de redução do salário
feminino. Destaca-se que a proteção ao trabalho feminino é matéria de ordem pública.
No que diz respeito à jornada de trabalho, as mulheres devem seguir as mesmas 8 horas
diárias que foram estabelecidas para os homens, conforme o que está previsto na CF e
ratificado pela CLT no artigo 373. Além disso, o subsequente, 373-A, veda: publicar anúncio
de emprego no qual haja referência ao sexo; recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa
do trabalho em razão de sexo; considerar o sexo como determinante para fins de remuneração,
formação profissional e oportunidades de ascensão profissional; exigir atestado ou exame para
comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego; impedir
o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em
concursos, em empresas privadas, em razão de sexo; proceder o empregador ou preposto a
revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias. Todas essas vedações são necessárias, pois
sem elas podem ocorrer discriminações nas relações de emprego em razão do sexo, como
salários inferiores devido à gravidez ou dispensa do emprego em decorrência do casamento.
Atualmente, o trabalho noturno não é mais vedado para a mulher, sendo permitido em
1989 com a revogação dos artigos 379 e 380 da CLT. Conforme regulado no artigo 381, o
trabalho noturno da mulher deve ter um aumento de, no mínimo, 20% e as horas adicionais
devem equivaler ao período de 52 minutos e 30 segundos, assim como o do homem.
No que diz respeito aos períodos de descanso, assunto tratado pelos artigos 382 a 386
da CLT, não há a regulamentação, passou a ser igual para homens e mulheres, devendo haver
intervalos interjornadas de, no mínimo, 11 horas e intervalos intrajornadas concedidos entre
1 a 2 horas. Tal quadro jurídico, contudo, não foi sempre o mesmo, sendo ele alterado
recentemente com a lei 13.467/2017 que revogou o artigo 384, o qual previa um intervalo de
15 minutos destinados a mulheres que iriam laborar por um período extraordinário. Essa
alteração legislativa parece ser insignificante em uma primeira análise, mas merece atenção,
pois dificulta a materialização da proteção à saúde da mulher, afinal elas já são submetidas
socialmente a uma dupla jornada, fazendo jus, assim, a esse período de descanso.
A mulher não é mais proibida de realizar trabalho insalubre desde 1989, com a
revogação do artigo 387, b. Logo, em se tratando de trabalhos perigosos, insalubres ou
penosos, se aplica às mulheres as mesmas disposições referentes aos homens.
Ainda no que diz respeito ao trabalho realizado em locais insalubres é importante
analisar a grande alteração legislativa realizada pela “Reforma Trabalhista”, tendo em vista
que essa inovou o ordenamento jurídico ao permitir, no artigo 394-A, o trabalho de mulheres
gestantes em locais enquadrados nos graus médio ou mínimo de insalubridade e das mulheres
lactantes que laboram em locais insalubres, independentemente de qual seja o grau da
insalubridade. O texto legal estabelecido pela lei 13.467/2017 representa um grande retrocesso
na luta pelos direitos dos trabalhadores e das mulheres, afinal anteriormente o afastamento da
mulher gestante/lactante era compulsório, afinal é notório que o trabalho em condições
insalubres afeta não só a saúde da gestante, como também a do feto que está sendo gerado ou
da criança que está sendo amamentada. A nova redação dispõe acerca do afastamento do labor
como uma faculdade da empregada e desde que haja recomendação médica, contudo, o texto
se afasta do princípio basilar da proteção do Direito do Trabalho ao desconsiderar a posição
de hipossuficiência do empregado ante a figura do empregador. A nocividade dessa mudança
legislativa fica ainda mais explícita ao se analisar a redação do inciso XXII do artigo 611-A
que estabelece a possibilidade de negociação coletiva sobre a classificação dos graus de
insalubridade. A análise conjunta desses dois dispositivos ilustra o um dos grandes retrocessos
sociais causados pela Reforma de 2017.
O artigo 389 da CLT dispõe sobre as condições mínimas para que as mulheres possam
exercer suas atividades laborais, atendendo nesse dispositivo para as diferenças entre os sexos
e o cuidado especializado que a mulher necessita. Dispõe-se principalmente ao conforto e
privacidade para a mulher. Dentre os requisitos estão: prover medidas concernentes à
higienização dos métodos e locais de trabalho necessários à segurança e ao conforto das
mulheres; instalar bebedouros, lavatórios, aparelhos sanitários, além de cadeiras ou bancos a
fim de permitir às mulheres trabalhar sem grande esgotamento físico; instalar vestiários com
armários individuais para as mulheres, exceto em estabelecimentos em que não seja exigida a
troca de roupa e outros, admitindo-se como suficientes gavetas, onde as empregadas possam
guardar seus pertences; fornecer, gratuitamente, recursos de proteção individual, tais como
óculos, máscaras, luvas e roupas especiais, de acordo com a natureza do trabalho.
Além disso, determina que estabelecimentos com pelo menos 30 mulheres com mais
de 16 anos terão local apropriado onde seja permitido às empregadas guardar sob vigilância e
assistência os seus filhos no período da amamentação. Essa exigência pode ser suprida por
meio de creches distritais mantidas, diretamente ou mediante convênios. Esse ponto merece
grande destaque, pois proporciona e facilita a entrada e permanência das mulheres, que já
tenham filhos, no mercado de trabalho.
Merece menção, ainda, o artigo 390, que veda a admissão de mulheres para exercerem
atividade que necessitem do emprego de força muscular superior a 20 quilos para o trabalho
continuo, ou 25 quilos para o trabalho ocasional. Porém, essa vedação não se aplica se a
mulher usar qualquer aparelho mecânico para realizar essa movimentação.
Ainda tratado sobre as inovações legislativas, a inserção do parágrafo 2º do artigo 396,
prevê a possibilidade de acordos entre as mulheres e o empregador para os períodos destinados
à amamentação uma afronta ao princípio da primazia da realidade. É fácil perceber que tal
previsão legislativa não irá favorecer a empregada, que diante da situação fática não tem poder
para dialogar com o seu empregador, condicionando, assim, o período de amamentação à
vontade do empregador, deixando de lado o objeto dessa legislação que visa resguardar os
direitos dos empregados que estão em posição de hipossuficiência na relação contratual de
emprego.
Por fim, a CLT veda expressamente a despedida por conta de matrimônio ou gravidez,
e ainda concede a gestante a licença maternidade de 120 dias, garantido a ela a estabilidade
provisória prevista na alínea b do inciso II do artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias. Se ocorrer despedida sem justa causa ou arbitrária, a gestante terá direito à
reintegração ou ao pagamento dos salários relativos ao prazo legal que lhe é garantido. De
acordo com a Lei n. 11.770/2008, a empresa pode estender o período de licença-maternidade
de 120 para 180 dias, recebendo incentivos fiscais por isso.
Como pôde ser observado ao longo deste artigo, as mulheres receberam prerrogativas
do ordenamento jurídico como uma forma de ingressar e se manter no mercado de trabalho,
exercendo os mesmos deveres e tendo os mesmos direitos dos homens. Contudo, quando essa
situação se materializa na realidade, as mulheres não conseguem alcançar a igualdade e ainda
continuam sendo vítimas de preconceitos e violências dentro do mercado de trabalho.
Fazendo uma análise da sociedade atual, pode-se notar como as mulheres passaram
a encontrar diferentes formas de solucionar esse problema, sendo a mais comum a debandada
para o setor de serviços especializados.
Buscando uma melhor realidade socioeconômica e um ambiente de trabalho mais
saudável, muitas mulheres passaram a abrir seus próprios negócios, muitas das vezes, na
forma microempreendedora, voltados para o público feminino, onde encontraram um mercado
aberto e que buscava um serviço pautado na excelência e na segurança. Como afirma Oliveira,
Nakazone e Coelho (2016, p.1):
Pode-se citar, como exemplo desse novo tipo de ramo trabalhista, o aumento
significativo da frota de táxis dirigidos por mulheres. Tal ramo de trabalho visa, de maneira
geral, ao atendimento preferencial de outras mulheres. Elas optam por esse tipo de serviço por
sentirem mais confiança e segurança, pois sabem que as chances de serem alvos de
comentários desnecessários e de violências morais ou físicas diminuem drasticamente. A ideia
promovida pelo aplicativo “99 táxi” lembra o vagão rosa do metrô do Rio de Janeiro e São
Paulo. Nessas mesmas capitais, 400 motoristas de táxis se cadastraram para atender outras
mulheres que solicitarem a corrida. Desde 2015, o número dos clientes não é mais disponível
para os motoristas devido aos assédios que mulheres já receberam de taxistas masculinos. Essa
inovação também protege a motorista, pois ela pode recusar a corrida se for um homem,
embora estes possam pedir corridas se for para alguma mulher.
É importante citar também a criação de um escritório de advocacia, Braga & Ruzzi
Advogadas, em São Paulo que se dedica à análise de causas de mulheres, normalmente
relacionadas a abuso e violência, em que os homens são os sujeitos das condutas ilícitas.
Conforme Braga afirma, apesar do escritório não se fechar para homens, elas não atenderão
agressores. O objetivo desse escritório, como elucida uma de suas fundadoras, em uma
entrevista à revista Carta Capital, é defender os interesses das mulheres, proporcionando a
elas um atendimento sem discriminação e pré-julgamentos, possibilitando dessa maneira, a
prestação de serviço justo e de boa qualidade.
O exemplo supracitado não é apenas um fato pontual isolado. Ele marca uma
tendência do posicionamento das juristas brasileiras que aos poucos vão se tornando adeptas
a esse movimento extremamente recente, que tem como finalidade a defesa dos direitos das
mulheres e a constante busca pela igualdade material.
É importante ressaltar a pluralidade do termo que a questão refere-se: mulheres.
A tentativa de uma unidade, de um sujeito feminino universal, buscando uma base comum
entre as mulheres, é excludente, opressor e dominante. Critica-se a tendência de colocar a
categoria “gênero” ou “sexo” como o que as mulheres têm em comum. Não se trata de excluir
o corpo dessa questão, mas utilizá-lo mais como uma variável do que como uma constante.
Logo, promover a desconstrução do sujeito universal “Mulher” não significa o abandono
dessa categoria, mas sua ressignificação. Uma noção de unidade só poderia ser alcançada
produzindo novas exclusões. Desse modo, o sujeito do feminismo passa a ser entendido como
uma eterna construção e não uma existência pré-discursiva. Essa noção retira a base estável
do gênero, mas não elimina a categoria “mulheres”, apenas redefine-a. A essência dessa nova
forma de trabalho é sobre deixar o ser feminino sentindo-se seguro, contemplado e protegido,
com todas as suas especificidades e diferenças, independente de como ele se apresente
fisicamente.
Ao se analisar essa recente tendência social das mulheres migrarem para áreas de
empreendedorismo e passarem a criar serviços que sejam pautados no lema “de mulheres para
mulheres”, pode-se realizar um questionamento acerca dessa atitude. Seria ela uma forma
eficaz de colocar fim à desigualdade ou isso iria desencadear um novo tipo de preconceito?
Jamille Pereira e Darcy Hanashiro fazem uma análise, através de estudos advindos
dos Estados Unidos, de como indivíduos, de grupos favorecidos, reagem com um programa
que promove a diversidade e beneficia as minorias. Observam-se duas atitudes, a primeira de
aceitação e a segunda de negação. Na primeira, esses indivíduos acreditam que as minorias
são grupos que devem ser favorecidos, pois reconhecem que elas são mais vulneráveis ou
estão excluídas. Tais cidadãos acreditam na diversidade e valorizam a diferença, baseados no
argumento da justiça social. Já a segunda atitude ocorre porque os grupos privilegiados
enxergam as medidas ou mudanças como uma ameaça. Esses indivíduos se sentem vítimas
em detrimento do favorecimento das minorias, passando a reclamar a existência de uma
discriminação reversa (PEREIRA; HANASHIRO, 2010).
A resposta para o questionamento foi pautada na análise do princípio da não-
discriminação. Essa análise afasta qualquer interpretação diversa do entendimento de que
essas medidas não passam de formas atuais para que se possa diminuir a desigualdade e a
discriminação entre os gêneros.
O princípio da isonomia está disposto na parte da Constituição dos direitos
fundamentais, estando diretamente vinculado ao Estado Democrático de Direito. Logo, ele
não pode deixar de ser observado, tanto na produção de normas como na sua aplicação, pois
sua não observância resulta em injustiças. Os constitucionalistas atuais, como Cármen Lúcia
Rocha, Celso Antônio Bandeira de Mello e Júnior Cretella, atribuem a esse princípio uma
visão realista, ou seja, reconhecem as desigualdades humanas. Essa visão propõe o respeito
às desigualdades com a finalidade de igualá-los de modo que mesmo os desiguais convivam
de forma igual e sem prestígios.
A igualdade formal, aquela presente nos textos legais, acabou por gerar uma
desigualdade real. Sobre esse momento, Cármen Lúcia (1996, p. 284) tece o seguinte
comentário:
Todos os indivíduos, quaisquer que sejam seus títulos, a sua riqueza e a sua classe
social, estão sujeitos à mesma lei civil, penal, financeira e militar. Em paridade de
condições, ninguém pode ser tratado excepcionalmente.
Não se deve esquecer, neste ponto, o que Alexy trata como o paradoxo da igualdade,
no sentido de que toda igualdade de direito tem por consequência uma desigualdade
de fato e toda desigualdade de fato tem como pressuposto uma desigualdade de
direito. (2015)
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como exposto ao longo deste trabalho, a mulher durante vários momentos da história
enfrentou diversas dificuldades para que conseguisse ingressar no mercado de trabalho, tendo
que transpor as barreiras sociais, físicas e ideológicas, que eram impostas pela sociedade
patriarcal. A luta do sexo feminino é facilmente observada ao se analisar as diversas
conquistas alcançadas em âmbito social, como por exemplo, a alteração da visão do instituto
legal do casamento e da própria função social desse gênero, que aos poucos foi conquistando
o mercado de trabalho e dividindo as tarefas domésticas com os homens.
Mesmo depois de ter conseguido ganhar um pouco de espaço na concorrência
empregatícia e ser amparada por institutos legais, passando a ser assegurada a igualdade
material e a contar com diversas prerrogativas, a figura feminina não deixou de lado a
necessidade de ultrapassar obstáculos que as deixavam em posição de inferioridade em relação
ao homem e que continuaram a surgir ao longo dos anos. Essas dificuldades podem ser
facilmente exemplificadas ao se analisar a situação atual da mulher no mercado de trabalho,
que enfrenta, muitas vezes diariamente, problemas como a discriminação, a inferioridade
salarial, e que é vítima de assédios sexuais e morais.
Esse conjunto de fatores têm estimulado as mulheres a recorrerem a diferentes tipos
de emprego, focados no trabalho especializado e voltado para as mulheres, colocando-se em
uma posição diferenciada em comparação com as condições dos homens.
Entretanto, ao que se pode pensar, tal atitude não é um desrespeito ao princípio
constitucional da igualdade e do princípio da não-discriminação, pois está em plena
consonância com a discriminação positiva, tratando de maneira diferenciada os desiguais.
Pode-se extrair dessa situação uma tentativa de consolidar um dos objetivos fundamentais,
previsto no inciso IV do artigo 3º: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1988).
Assim como a legislação promove em alguns pontos privilégios, devido às diferenças
existentes, ela não prejudica o homem, mas deixa ambos em uma situação de igualdade. Da
mesma forma, pode-se concluir que essa nova modalidade de trabalho que está sendo
consolidada, não gera um preconceito inverso, mas demonstra uma vitória significativa para
o processo de emancipação feminina.
REFERÊNCIAS
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em: 7 jun. 2016. Disponível em:
<https://catracalivre.com.br/geral/empreendedorismo/indicacao/dupla-de-advogadas-abre-
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motoristas mulheres. Publicação em: 17 out. 2016.Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/10/1823487-contra-assedio-aplicativo-tera-
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JESUS, Damásio E. de. Assédio sexual: primeiros posicionamentos. Revista Jus Navigandi,
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KODAMA, Teresa Cristina Della Monica. Cartilha de orientação sobre direitos trabalhistas
da mulher - Comissão da Mulher Advogada. São Paulo: OAB-SP, 2009.
NADER, Maria Beatriz. Mulher, casamento e trabalho: um triângulo que não fecha? História
Revista, Goiânia, v. 19, n. 3, 2014.
OLIVEIRA, Edineide Maria de; NAKAZONE, Neusa; COELHO, Terezinha de Jesus N.G..
A participação feminina no microempreendedorismo individual no Estado de São Paulo.
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OLIVEIRA, Tory. Procura-se uma advogada feminista. Carta Capital. Publicação em: 08 ago.
2016. Disponível em:<http://www.cartacapital.com.br/sociedade/procura-se-uma-advogada-
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campaign=buffer> Acesso em: 21 nov. 2016
PEREIRA, Jamille Barbosa Cavalcanti; HANASHIRO, Darcy Mitiko Mori. Ser ou não
favorável às práticas de diversidade? Eis a questão. Revista de Administração
Contemporânea, Curitiba, v. 14, n. 4, jul./ago. 2010.
RESUMO
INTRODUÇÃO
86
GT3 – Direito, Trabalho e Saúde
87
Mestranda em Educação – As TIC na Educação, pela FUNIBER, Pós-Graduada em Metodologia do Ensino
Superior e Especialista em Educação a Distância, Graduada em Bacharel em Direito eInstrutora da Academia
Integrada de Defesa Social de Pernambuco – ACIDES. E-mail: [email protected]
88
Mestranda em Direito – História do Pensamento Jurídico – Historicidade dos Direitos Fundamentais pela
Faculdade Damas, Especialista em Gestão Pública e Controle, Direito Público e Eleitoral, Advogada, contato:
[email protected].
constatar que a não-publicização dessa temática, de forma mais ágil e eficaz, acarreta uma não
visibilidade da questão, que acaba perpassando aos olhares da população.
A Metodologia foi desenvolvida a partir de pesquisa exploratória, através do método
observacional, bibliográfica e documental. As fontes de informações se constituíram de
consultas a páginas eletrônicas, filmografia e livros que abordaram o eixo da pesquisa e temas
que perpassam o estudo tais como: violência e Estado; além de documentos de primeira mão,
ou seja, aquele que ainda não receberam qualquer tratamento analítico como, por exemplo,
documentos oficiais disponíveis na Secretaria de Defesa Social e o cumprimento do Decreto
Estadual nº 37.069/2011. Dessa forma, visando uma maior precisão do estudo, realizou-se
também uma pesquisa de campo, para verificar a aplicação dos instrumentos legais e
institucionais em Pernambuco.
Assim, como problema de pesquisa, temos a amplitude do tema afetos a segurança
pública, alertando para a necessidade de qualificação dos profissionais de Segurança Pública
e como resultados esperados, desejamos contar com todos os organismos estaduais de defesa
do estado e das instituições democráticas, elencados no art. 144 CF. que são a PF, PRF, PFF,
PC, PM, CBM e GM, todavia os órgãos operativos integrantes da Secretaria de Defesa Social
do nosso estado, são as Policias civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiro Militar e Policia
Cientifica, devendo estar interligados tanto aos órgãos da Segurança Pública da União, quanto
ao Município, na mesma finalidade que é a prevenção e repressão do tráfico interno e
internacional de pessoas. Como também as unidades de Ensino como escolas públicas
estaduais, municipais e privadas e também faculdades, Universidades, ONGs e Sociedade
Civil.
Preliminarmente, vale salientar que o Estado tem o dever de solucionar e satisfazer os
interesses sociais. Com uma não publicização acarreta uma não visibilidade da questão como
o Trafico de Pessoas, que acaba passando despercebida aos olhares da população, e a falta de
informação configuram-se como um dos obstáculos para essa prevenção, desestruturando
desta forma os interesses estaduais e sociais. Faz-se necessário uma contrapartida para a
prevenção desses serviços: consolidando e fortalecendo o Núcleo de Enfrentamento ao
Trafico de Pessoas do Estado de Pernambuco e a rede de atendimento as vitima instituídas por
lei.
Assim, o objetivo geral é o de analisar se os Instrumentos Legais em nosso Estado, na
prevenção ao crime de tráfico de pessoas elencada no art. 149 e 149-A do Código Penal
Brasileiro, com a instituição do Decreto Estadual nº 37.069/2011, que criou o NETP/PE, com
sede na Secretaria de Defesa Social – SDS/PE, objetivando a execução de ações de prevenção
e repressão, como também, propondo diretrizes das ações governamentais de prevenção e
enfrentamento ao tráfico de pessoas na esfera Estadual, trazendo para a sociedade
Pernambucana um instrumento eficaz, capaz de dizimar toda e qualquer possibilidade ao
Tráfico de Pessoas em Pernambuco, sendo de fundamental importância a publicização desse
órgão que é o NETP, que compõe a SDS/PE.
Assim, como uma das metas do I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de
Pessoas (I PNETP), a implementação de Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas
(NETP’s) foi reforçada a partir da “Ação 41”, do Programa Nacional de Segurança Pública
com Cidadania (Pronasci) voltada, especificamente, para a criação de Núcleos e Postos
Avançados, em parceria com os Governos estaduais. Atualmente, estão em
funcionamento quinze (15) Núcleos em vários Estados do Brasil.
Todavia, um dos desafios do Governo de Pernambuco,foi a instituição do Decreto que
regulamentasse o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, para assim, demandar
campanhas, atividades, capacitação entre outras ações previstas na Política Nacional de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, prevista no Decreto nº 5.948/2006, conforme os eixos
de atuação abaixo:
Polícia Federal;
Polícia Rodoviária Federal;
Polícia Ferroviária Federal;
Polícia Civil; (BRASIL, 2012, P.52)
Policias Militares e Corpo de Bombeiros Militares.
ORIGEM DESTINO
Recife e RMR Alemanha, Suíça, Itália, Espanha, França
Recife Belém-Suriname
Quanto à definição do perfil das vítimas envolvidas no trafico de pessoas para fins de
exploração sexual em Pernambuco, o Núcleo de enfrentamento ao trafico de pessoal no estado
de Pernambuco, aponta para mulheres, adolescentes e crianças como principais vítimas por
serem mais vulneráveis e pelas promessas vantajosas de melhoria de vida e realização de um
sonho.
Dessa forma, quanto ao tipo de cruzamento de informações ou cadastro interligado a
nível nacional, encontra-se em fase de implementação um cadastro único por parte do
Ministério da Justiça. Atualmente os núcleos e postos do Brasil se reúnem a cada quadrimestre
para troca de informações e experiências.
Diante do exposto, destaca-se que o Decreto Estadual, apesar de recente tem
construindo uma politica preventiva de enfrentamento ao tráfico de pessoas no estado de
forma processual, considerando as ações já existentes apresentadas pelo Núcleo de
Enfrentamento ao Trafico de Pessoas – NETP, levando-se em consideração os fatores e
circunstancias que favorecem este tipo de crime. Para tanto, a integração dos órgãos de
Segurança Pública, é o eixo norteador da Secretaria de Defesa Social, para as ações e
informações absolutamente necessárias ao enfrentamento dos indícios de criminalidade
tipificada no Código Penal Brasileiro (Art. 149 e 149A), Estatuto da Criança e Adolescente
(Art. 239, 240, 241, 241-A, 241-B, 241-C, 241-D, 241-E, 244-A) e o Estatuto do Estrangeiro
(Art. 125, XII), tratando-se na verdade em ampliar a sensibilidade de todo o complexo do
Sistema de Defesa Social de Pernambuco, aos influxos de novas ideias e energias provenientes
da sociedade e de criar um novo referencial que veja na segurança espaço importante para a
consolidação democrática e para o exercício de um controle social de segurança.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O propósito deste trabalho foi trazer uma análise dos instrumentos legais e
institucionais do trafico de pessoas em Pernambuco, mais precisamente junto a Secretaria de
Defesa Social, onde funciona o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, instituído
através do Decreto nº 37.069 de 02 de setembro de 2011 e no mesmo sentido, verificar as
ações governamentais de prevenção e enfrentamento ao tráfico de pessoas na esfera estadual.
As questões de discussão na troca de experiência e na elaboração das propostas de
combate ao tráfico, construindo politicas públicas que beneficie a todos sem distinção,
incluindo os grupos minoritários, onde esta sendo proposto para que estes integrem o Plano
Nacional e possa atender as categorias mais vulneráveis ao tráfico, por causa da exclusão
social.
Entretanto, após as leituras realizadas observou-se que o enfrentamento do trafico de pessoas
em Pernambuco, representou um anseio da sociedade, fruto de grande mobilização por parte
do Poder Público e da Sociedade Civil Organizada, principalmente no que diz respeito ao
Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – NETP, que em conjuntos com parceiros
institucionais, em especial o próprio estado, tem-se articulado e planejado o desenvolvimento
das ações de enfrentamento e trajetória desse tema que muito afeta a sociedade e perpassa o
poder o Estado na esfera Nacional.
Um ponto importante a destacar, é que o Governo do Estado de Pernambuco, foi
primeiro do país a dar real importância a problemática, tendo como um dos objetivos o de
melhorar a capacidade do Estado de Pernambuco em termos jurídicos e medidas preventivas,
através de conscientização e sensibilização da sociedade civil e do poder público.
Vale ressaltar que a Secretaria de Defesa Social, trabalha em conjunto com os órgãos
federais e internacionais (Ministério da Justiça, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal,
UNODC, OIT, Ministério Público do Trabalho) no sentido de construir um indicador para o
Brasil e consequentemente para o Estado de Pernambuco no que tange o Tráfico de Pessoas
em relação ao mundo.
Nesse sentido encontra-se em fase de implantação um cadastro único por parte do
Ministério da Justiça, onde as informações ficarão interligadas a nível nacional, com dados
relativos ao tráfico de pessoas de todos os Estados, para isso, atualmente, os Núcleos e Postos
do Brasil se reúnem a cada quadrimestre para troca de informações e experiências sobre a
temática.
O NETP tem cumprido o que preceitua o Decreto n. 37.069/2011, visto que o referido
Núcleo tem o seu foco voltado para a prevenção, ao qual se constatando que os perfis das
vítimas envolvidas no tráfico de pessoas são para fins de exploração sexual apontando as
mulheres, adolescentes e crianças, como as principais vítimas desse tráfico por serem mais
vulneráveis, pelas promessas vantajosas de melhoria de vida e realização de um sonho.
Sendo assim, ações utilizadas pelo NETP/SDS, após a instituição do Decreto n.º 37.069/2011,
para o enfretamento ao crime de tráfico de pessoas no Estado são de caráter preventivo,
promovendo constantemente palestras em escolas, Universidades, Faculdades, Empresas e
ONGs, além de participar e promover Campanhas e Seminários, com a finalidade de alertar,
informar e sensibilizar a sociedade sobre esse tipo de crime.
Nessa perspectiva, o conhecimento da Política Estadual de Enfrentamento ao Tráfico
de Pessoas é de indiscutível relevância ao operador de direito, pois trata de direitos e garantias
fundamentais da pessoa humana, visto que afronta os direitos à vida, à liberdade e à dignidade
e aos direitos humanos.
REFERÊNCIAS
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Sexual. Brasília: Secretaria Especial de Política para as Mulheres, 2005.
FALEIROS, E. T. S.; A Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes no
mercado do sexo. In: LIBÓRIO, R. M. C.; SOUSA, S. M. G. Sousa (Orgs.). A Exploração
Sexual de Crianças e Adolescentes no Brasil: Reflexões Teóricas, Relatos de Pesquisas
e Intervenções PsicossociaisSão Paulo: Casa do psicólogo; Goiânia: Universidade Católica
de Goiás, 2004.
LEAL, Maria Lúcia; LEAL, Maria de Fátima P. (orgs). Pesquisa Sobre Tráfico de
Mulheres, Crianças e Adolescentes Para Fins de Exploração Sexual Comercial –
PESTRAF: Relatório Nacional – Brasil. Brasília: CECRIA, 2002.
SALAS, Antônio. O Ano em Que Trafiquei Mulheres. Tradução Sandra Marta Dolinsky.
São Paulo: Planeta do Brasil, 2007.
A APLICABILIDADE DA PREVIDÊNCIA SOCIAL FRENTE À DIVISÃO SEXUAL
DO TRABALHO: uma análise crítica e histórica da situação das donas de Casa e das
empregadas domésticas à luz da teoria do Reconhecimento e da Redistribuição de Nancy
Fraser. 89
RESUMO
INTRODUÇÃO
89
GT 4 – Gênero(s) e Diversidade Sexual no Direito
90
Graduanda em Bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. E-mail:
[email protected].
2017).Menosprezando a divisão sexual do trabalho ainda existente, o legislativo quis
incorporar uma lei previdenciária que não amparava as mulheres que exerciam uma dupla
jornada de trabalho, uma vez que há uma dificuldade muito grande das mulheres que exercem
afazeres domésticos acumularem os anos devidos de contribuição (MELO,2017).
Destarte, as mulheres, principalmente as domésticas, necessitam de determinados
privilégios para que, de certo modo, sejam efetivamente enquadradas como juridicamente
iguais aos homens. Logo, esses privilégios precisam ser executados, em virtude de ainda
presenciarmos o gênero feminino ser posto em desvantagem perante o mercado de trabalho,
visto que este mercado permanece efetuando um discurso sexista e preconceituoso, que
corrobora com a manutenção de uma desigualdade de gênero.
Como forma de analisar os impactos causados pela histórica divisão sexual do trabalho,
principalmente no que concerne o direito previdenciário, às mulheres donas de casa e
empregadas domésticas, o presente artigo objetiva criticar a mora do legislativo e do judiciário
que se utilizam, ainda, de discursos androcêntricos para desvalorizar o trabalho
produtivo/doméstico. Assim, pretende este trabalho promover a exposição das garantias
previdenciárias já assentadas às mulheres domésticas, e, com isso, da dificuldade que estas
têm em obter seus direitos perante a Autarquia Federal do INSS, além de propor solução para
minimizar a desigualdade de gênero existente.
Para isso, utilizaremos um levantamento de dados disponibilizados pelo IPEA, assim
como, também, faremos levantamento bibliográfico referente à presença da divisão sexual do
trabalho no Brasil. Outrossim, far-se-á o emprego, predominantemente, neste artigo, da teoria
do Reconhecimento e da Redistribuição de Nancy Fraser, com a finalidade precípua de
confrontar os discursos sexistas ainda emitidos pela sociedade e pelos seus Poderes Públicos.
Por fim, faremos o uso da coleta de jurisprudências, como forma de atentar para a
ineficiência da Autarquia do INSS, no que concerne à falta da concessão de direitos às
mulheres domésticas.
DESENVOLVIMENTO
(ii) In relation to social security the population falls into four main classes of
working age and two others below and above working age respectively, as follows:
I. Employees, that is, persons whose normal occupation is employment under
contract of service.
II. Others gainfully occupied, including employers, traders and independent
workers of all kinds.
III. Housewives, that is married women of working age.91
IV. Others of working age not gainfully occupied.
V. Below working age.
VI. Retired above working age. (Grifos nossos)
(316) Housewives (Class III): These are married women of working age living
with their husbands. An housewife who undertakes paid work as well, either under
a contract of service or otherwise, will have the choice either of contributing in
the ordinary way in Class 1 or Class II as the case may be, or of working as an
exempt person, paying no contributions of her own 92 (BEVERIDGE, 1942) (Grifos
nossos)
91
Em livre tradução: “Donas de casa, que são casadas, com idade para trabalhar”
92
Em livre tradução: “Donas de casa (classe III): são mulheres casadas em idade de trabalhar com seus maridos.
Uma dona de casa que também realiza um trabalho remunerado, seja sob contrato de serviço ou outro, terá a
Como pode ser visto através dos trechos retirados do Relatório de Beveridge, apenas as
donas de casa casadas seriam vistas como “seguradas”, em que teriam sua proteção assegurada
de acordo com a contribuição de seus maridos. Viria a ser por esse aspecto que os empregados
homens receberiam um plano de seguro maior, uma vez que, supostamente, seriam os
responsáveis pela contribuição securitária de suas mulheres e de sua própria.
(CORDEIRO,2014), validando, ainda mais, a existência de uma divisão sexual do trabalho.
Um dos fatores que culminaram na proposta de atribuírem as donas de casa como
seguradas, na Inglaterra, foi de ter ocorrido um aumento de mulheres viúvas que possuíam
filhos, durante a segunda guerra mundial. Assim, por agora serem designadas como uma
classe de “segurados”, essas mulheres viúvas poderiam receber uma pensão por morte e,
assim, conseguir a devida subsistência que não teriam mais com a morte de seus maridos. Ou,
ainda, a mulher poderia ter um resguardo social em caso de estar diante de um processo de
divórcio judicial com seu cônjuge (CORDEIRO,2014). Outrossim, as donas de casa que
viessem a exercer atividades lucrativas, também poderiam receber o seguro-desemprego.
Em tese, seria pela presença de uma forte característica de assistencialismo que diversos
países no contexto da crise do capitalismo que adotariam o modelo beveridgiano.
Nota-se, todavia, que as mulheres solteiras e de baixa renda ainda não eram o alvo desse
protecionismo securitário, de modo que apenas as casadas eram designadas como seguradas.
Aqui, conforme a própria precedência histórica expôs, as mulheres solteiras e de baixa renda
não eram peças significantes para a questão securitária social, uma vez que, supostamente,
seriam inferiores às mulheres casadas, por não terem a proteção de algum homem. Resta
nítido, assim, que ainda havia na época a existência de um discurso predominantemente
androcêntrico na sociedade, em que tornara comum o casamento de mulheres cada vez mais
precocemente.
Já se fôssemos avaliar, paralelamente, a situação do Brasil durante esse período,
verificaríamos que ainda não era realidade no país a existência de uma discussão em torno das
mulheres domésticas, mesmo casadas, receberem uma proteção social, uma vez que o país
ainda não se encontrava na fase das relações trabalhistas capitalistas.
opção de contribuir da maneira ordinária da Classe 1 ou da Classe II, conforme o caso, ou de trabalhar como
pessoa isenta, pagando sem contribuições próprias”
empregadas domésticas
93
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição.
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social:
XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
XXIV - aposentadoria;
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo,
idade, cor ou estado civil;
Repisa-se, portanto, que o cenário brasileiro, quando comparado à conjuntura europeia,
é retratado com um forte atraso estrutural, por ser marcado pela forte exploração colonial
realizado pela Europa dentro do país. Em função disso, o escravismo restou por ser fortemente
difundido pelas colônias europeias, em que introduziam a economia da monocultura da cana-
de-açúcar no território, como forma de prover os anseios europeus. Por um grande período,
assim, prevaleceu uma forte desigualdade de classes, gêneros e raças no país.
Com o passar do tempo, enquanto os países europeus avançaram para o modo de
produção capitalista, o Brasil esteve estagnado na condição de país agrícola, não se
preocupando com as relações trabalhistas e, muito menos, com questões que abarcavam uma
seguridade social.
Hoje, ao revisarmos o contexto histórico que nos foi imposto pelas colônias, podemos
constatar que o atraso estrutural que o país vivenciou, além de ter colaborado para a delonga
em se adentrar ao capitalismo, resultou em um grande entrave para a evolução dos direitos
das empregadas domésticas e das donas de casa, uma vez que os trabalhos reprodutivos ainda
costumam ser relegados para as mulheres de baixa renda, sobretudo às mulheres negras, em
virtude da herança do escravismo. Consequentemente, verifica-se que ocorreu uma mora
legislativa significante em relação às conquistas previdenciárias das mulheres, principalmente
em relação àquelas que exercem o trabalho doméstico (assalariado ou não assalariado), vez
que apenas recentemente houve essa conquista securitária, em virtude da forte postura
androcêntrica que permeia fortemente o meio social.
Com as primícias das indústrias, ocorridas no início do século XX, materializou-se, no
ano de 1923, um decreto instituindo a Lei Eloy Chaves, nome em homenagem ao Deputado
Federal que a criou, em que se teve a primeira norma disciplinando os benefícios securitários
dos empregados das empresas ferroviárias estabelecendo caixa de aposentadoria e pensões
para aqueles (PINTO, 2013).
Mas, apesar de ser o precursor da Previdência Social no Brasil, a Lei Eloy Chaves não
visava a ampliação desse direito securitário às mulheres. As atividades reprodutivas, que,
naquele momento, consistiam na ocupação dessas indústrias, eram inerentes ao homem. Nesse
caso, os poucos benefícios decorrentes da Previdência Social para elas só ocorriam quando
eram casadas, filhas ou eram irmãs solteiras desses trabalhadores, uma vez que, conforme a
lei própria lei implicitamente aduz em seus artigos94, elas seriam caracterizadas como
94
Art. 9º – Os empregados ferroviários, a que se refere o art. 2º desta lei, que tenham contribuído para os fundos
da caixa com os descontos referidos no art. 3º, letra a, terão direito: 1º – a socorros médicos em caso de doença
“dependentes” deles (FILHO, 2010?).
Mesmo após a promulgação desta lei, em que outras empresas aderiram o benefício da
seguridade da aposentadoria e pensão, as mulheres solteiras e de baixa renda, quando não
dependentes de seu pai, conforme já visto, continuavam não sendo reconhecidas para os
devidos fins previdenciários. Apenas com o aumento das indústrias siderúrgicas, petrolíferas,
químicas, farmacêuticas e automobilísticas, após Segunda Guerra Mundial, as mulheres
conseguiram adentrar nas indústrias e, assim, exercer cargos distintos, dado que muitos dos
homens que foram aos campos de batalhas ou não voltavam, ou voltavam inválidos para
exercer seu trabalho (LUZ, 2014?).
Verifica-se, portanto, que naquela época a sociedade pregava como função das mulheres
a de prover seus maridos, a de gerar filhos e de cuidar dos afazeres domésticos, enquanto que,
de outro lado, seus maridos trabalhadores iriam garantir uma proteção social a elas por meio
da dependência previdenciária. Apenas quando se visualizou a invalidez ou a incapacidade
dos homens para exercerem o trabalho, as mulheres puderam ser introduzidas no mercado de
trabalho.
Pois bem. Como fórmula advinda das sociedades capitalistas, o conceito da Previdência
Social no Brasil tornou-se consagrada, apenas, pela Carta Magna de 1988, sendo definida
como um conjunto de medidas preventivas que refreiam o cidadão a cair em indigência. Aqui,
houve uma amplitude muito maior dos setores que se inseriram como segurados. Porém, essa
abrangência trazida pela Constituição de 1988 não fora o suficiente para que abarcassem as
mulheres que exerciam funções domésticas, mesmo que tivesse uma redação explícita que
igualassem os direitos aos homens e mulheres.
De fato, após a CF de 88 vislumbramos legislações que, vagarosamente, tentaram diluir
essa discriminação contra as mulheres, já arraigada aos preconceitos de leis que remontam ao
período imperial (YOSHIOKA, 2014). Este, por exemplo, fora o caso da publicação da Lei
de nº 8212/91, estabelecendo a organização da Seguridade Social, que, respeitando o
entendimento da igualdade de gênero estabelecida pela Carta Magna de 88, em um de seus
artigos possibilitou a interpretação de se ter a mulher como efetiva segurada especial na zona
rural, e não mais como apenas a condição de dependente, de acordo com o que era estabelecido
em sua pessoa ou pessoa de sua família, que habite sob o mesmo teto e sob a mesma economia; 2º – a
medicamentos obtidos por preço especial determinado pelo Conselho de Administração; 3º – aposentadoria; 4º
– a pensão para seus herdeiros em caso de morte.
Art. 33 – Extingue-se o direito à pensão: 1º – para a viúva ou viúvo, ou pais, quando contraírem novas núpcias;
2º – para os filhos, desde que completarem 18 anos; 3º – para as filhas ou irmãs solteiras, desde que contraírem
matrimônio; 4º – em caso de vida desonesta ou vagabundagem do pensionista.
anteriormente à elaboração da referida Constituição.
No entanto, mais recentemente, tentaram impor uma reforma da previdência social, PEC
287/2016, que busca retroceder a igualdade material já garantida às mulheres pelo art.5º da
CF de 88, em que assenta um tratamento desigual de acordo com suas desigualdades, criando
novas regras que fixam os mesmos critérios previdenciários dos homens a elas. Nitidamente,
a reforma fora uma tentativa de ignorar a, ainda, presente divisão sexual do trabalho que é
posta às mulheres.
A Previdência Social apresenta, com base na providência das Leis de nº 8212/91 e
8213/91, um rol de segurados obrigatórios, segurados facultativos e um rol para os segurados
especiais.
Os segurados obrigatórios, conforme aponta Miguel Hovarth Júnior (2011) são aqueles
que “por determinação legal (ex lege), vinculam-se à previdência social pelo fato de
exercerem alguma atividade remunerada, de natureza urbana ou rural, em caráter efetivo ou
de forma eventual”. Sendo assim, estariam caracterizados como estes segurados aqueles que
exercem atividades sob subordinação, vinculados pela CLT, seja por emprego temporário ou
permanente, além de também serem, aqui, incluídos os autônomos, os trabalhadores avulsos
e as empregadas domésticas.
Por outro lado, temos o rol de segurados facultativos que estipula a inclusão de pessoa
física que não possui trabalho remunerado, mas que quer, voluntariamente, contribuir com a
previdência social. Dentro desse rol, deve-se ressaltar, para fins desse estudo, a colocação da
dona de casa, que apresenta a mesma alíquota que um contribuinte individual. Haveria,
portanto, a condição de voluntariedade, uma vez que a exclusividade no exercício de ser dona
de casa é caracterizado como atividade não remunerada.
Por fim, temos o rol dos segurados especiais, que, além de se caracterizar pelos
trabalhadores rurais, homens e mulheres, que produzem em regime familiar, desde que seja
sem a utilização de mão de obra assalariada, teve a incorporação, recentemente, das donas de
casa de baixa renda.
Apesar de termos as duas leis mencionadas, Leis de nº 8212/91 e 8213/91, funcionando
como regulamentação de nossa previdência social e do custeio, as mulheres que exercem as
atividades domésticas tiveram a efetividade de seus direitos muito posteriormente a estas leis.
As donas de casa, por exemplo, apenas tiveram seus direitos previdenciários garantidos em
1998, pela Emenda Constitucional de nº20, em que as estabelecem como seguradas
facultativas, e em 2005, pela Emenda Constitucional nº47, que as incluem, também, como
seguradas especiais.
Se formos observar no que condiz as empregadas domésticas, apesar de serem
consideradas seguradas obrigatórias desde 1991, não havia, ainda, uma ampla garantia de seus
direitos, de modo que apenas em 2013, com a EC nº72, conhecida como a PEC das
Domésticas, e em 2015 pela Lei Complementar nº 150, que regula a PEC das Domésticas,
houve uma efetiva aplicação e regulamentação de seus direitos trabalhistas e previdenciários,
já anteriormente garantidos aos demais tipos de empregados.
Em 2005, pela Emenda de nº47, foram promulgados diversos dispositivos sobre
Previdência Social, dentre as quais houve a elaboração do Sistema Especial de Inclusão
Previdenciária, em que conferiu às donas de casa, de baixa renda, alíquotas e carências
inferiores aos dos demais tipos de segurados. Ressalta-se, ainda, que com a Lei nº.
12.470/2011, essas donas de casa, bem como os microempreendedores individuais tiveram as
alíquotas para 5% do salário mínimo.
Apesar de ter sido uma conquista para essas mulheres, observa-se que várias delas não
têm acesso a essa informação, como é o caso da falta de conhecimento acerca do CadÚnico.
Essa burocracia de atualização e inscrição no sistema eletrônico, portanto, gera uma
dificuldade para essas mulheres de baixa renda conseguirem auferir seus benefícios. O
CadÚnico, em outras palavras, é um instrumento eletrônico de coleta de dados e informações
do governo, que objetiva reunir informes de todas as famílias de baixa renda no país
(GOVERNO DO BRASIL, 2010). No entanto, apesar de receberem a diminuição da alíquota
a 5% do salário mínimo, as donas de casa apresentaram certo obstáculo para auferir seus
benefícios por meio do INSS, dado que a legislação normatizou determinadas exigências
relativas ao CadÚnico (TEOBALDO,2014). Têm-se, como exigências, a renda familiar de até
dois salários mínimos e a ausência de percepção de renda própria. No entanto, como já dito,
a Autarquia do INSS indefere os direitos dessas seguradas domésticas, sem que houvesse
motivação satisfatória para a denegação de seus direitos. Tem-se como exemplo a ementa da
Apelação/Reexame Necessário de nº 0022144-10.2016.4.02.5110 julgado pelo TRF-2:
Pois bem. Verifica-se que, de certo modo, ao ter sido colocado essas exigências legais,
há uma abertura ainda maior para que o INSS, inadequadamente, recuse o direito
previdenciário dessas mulheres. Resta prejudicado, portanto, o devido acesso à justiça.
De outro lado, as empregadas domésticas, por apenas terem a plena regulação de seus
direitos previdenciários em 2015, em virtude da concessão dos benefícios previstos na EC de
nº72 influírem diretamente na aposentadoria e nos demais benefícios previdenciários, ainda
sofrem retalhos em seus direitos na prática, em virtude dos comportamentos patriarcais e da
nítida divisão sexual do trabalho que dominam a sociedade. Assim, várias dessas mulheres,
por exemplo, ainda não têm carteira assinada, não recebem suas horas extras ou 13º salário,
interferindo e obstaculizando a plena aplicabilidade previdenciária delas.
Através de dados dos estudos do “Retrato de Desigualdade de Gênero e Raça” pelo
IPEA (2015), por exemplo, verifica-se que houve, de fato, um aumento das trabalhadoras com
carteira assinada com a PEC das Domésticas. No entanto, no ano de 2015 ainda se verificou
que os patamares continuavam baixos. Não era, pois, esperado, que após a ocorrência da
regulamentação de um direito previdenciário das empregadas domésticas, teriam ainda um
alto índice de mulheres sem a devida carteira assinada: verificou-se, no país, que apenas 30,4%
das domésticas tinham carteira assinada Analisa-se, por outro lado, que em virtude da
manifesta herança da escravidão em nosso país, as mulheres empregadas domésticas negras
sofrem maiores retalhos em seus direitos: apenas 29,3% dessas trabalhadoras têm suas
carteiras assinadas, enquanto que, quando comparado, tem-se a porcentagem de 32,5%
referentes às carteiras assinadas de mulheres brancas. Quando regionalizamos para o nordeste,
ainda, verificamos que a situação piora, uma vez que apenas 19,5% das domésticas tinham
carteiras assinadas.
Em suma, denota-se que a escravidão e a própria desvalorização cultural da mulher,
contribuíram para que ocorresse uma falha estrutural na igualdade de direitos entre homens e
mulheres, principalmente no que tange as mulheres domésticas e negras.
A Escola de Frankfurt, assumida por Max Horkheimer em 1931, tornou-se uma das
escolas filosóficas com maiores referências, dada sua característica de elaborar estudos
filosóficos que reúnem outras áreas do saber, como a economia e a sociologia. Assim, ao
estabelecer uma nova abordagem filosófica, foram construídas diversas teorias que
trabalhavam com questões que buscassem compreender a crise da sociedade que estava
ocorrendo naquela época (NASCIMENTO, 2014).
Em 1937, Max Horkheimer publicou sua Teoria Tradicional e Teoria Crítica, em que,
diferentemente das demais teorias sociais, vez que estas apenas apontavam o fenômeno da
crise social, reunia a teoria com a prática, possibilitando a existência de esforços concretos
para que houvesse uma emancipação nessas relações sociais, com base nos diagnósticos
refletidos pela interdisciplinaridade dessa filosofia moderna (TROVO,2010). Assim, a teoria
de Horkheimer acaba sendo uma importante inspiração para a elaboração de diversas teorias
críticas, incluindo a Teoria Crítica do Reconhecimento de Axel Honneth e da Teoria do
Reconhecimento e da Redistribuição de Nancy Fraser.
Por sua vez, Axel Honneth, através de seu escrito “Luta por Reconhecimento. A
Gramática Moral dos Conflitos Sociais”, traz a questão do desrespeito ao homem, na qual
ocorre em virtude de uma afronta à moral desse e, consequentemente, da sua identidade. Por
essa conjuntura do desrespeito, aponta Honneth que ocorre o surgimento de lutas sociais que
buscam embaraçar esse ataque à identidade dos indivíduos (TROVO, 2010). Outrossim, essas
identidades que constroem a moral dos sujeitos são geradas através das relações
intersubjetivas, em que, como a Dra. Maria Caroline Trovo (2010) assinala, fazem com que
os indivíduos sejam reconhecidos como “pessoas autônomas, possuidoras de direitos e
individualizadas”. Será, assim, por meio das experiências do desenvolvimento da
autoconfiança, do auto respeito e da autoestima, advindas dessas relações intersubjetivas, que
o indivíduo construirá sua identidade. Para Honneth, assim, a origem das injustiças sociais
recorrentes na sociedade viriam a ser, primordialmente, ocasionadas pelo desrespeito às
experiências desenvolvidas nas relações sociais, uma vez que a identidade do indivíduo é
construída através do reconhecimento de um outro sujeito de sua autonomia e, portanto, de
suas idiossincrasias. (TROVO, 2010)
No entanto, rebatendo essa centralidade no conceito de “reconhecimento” desenvolvido
por Honneth, a filósofa Nancy Fraser, aduz que, antes de haver um desrespeito à identidade
do indivíduo, há grupos sociais que restam por ser injustiçados, tanto pela falta de distribuição
gerada pelo capitalismo histórico, como pela ausência de representação de determinados
grupos sociais frente à sociedade. Dessa forma, diferente do que aponta Honneth, Fraser
assinala três problemas centrais que provocam as grandes injustiças sociai: a falta da
representatividade, a ausência de uma distribuição justa e uma falta de reconhecimento
(SANTOS, 2012).
Como forma de superar essas lacunas políticas deixadas pela Teoria do Reconhecimento
de Axel Honneth, vem Nancy Fraser expor, em sua teoria crítica, uma perspectiva bifocal, em
que, para além de ser necessário apenas o reconhecimento, seria indispensável a interrelação
entre o reconhecimento e a redistribuição para a análise das relações sociais e,
consequentemente, de uma possível emancipação nas relações sociais. Desenvolve, ainda, que
além de ter grupos que necessitam de uma restruturação político-econômica ou de uma
revalorização de suas identidades desrespeitadas, há grupos que necessitam dos dois ao
mesmo tempo. Para isso, fomenta a filósofa que existem coletividades ambivalentes, como é
o caso dos movimentos feministas. Desse modo, Fraser aponta que há necessidade de ocorrer
uma revalorização do gênero feminino, para combater o androcentrismo predominantemente
existente na sociedade. Engendramos, portanto, ao aspecto referencial do presente trabalho.
Quando evidenciamos as características das mulheres que exercem forças produtivas,
podemos observar as mulheres além de sofrerem com uma desvalorização cultural histórica,
também resistem em torno do preconceito que as envolve no âmbito do mercado de trabalho.
Assim, são vistas como mãos-de-obra baratas, principalmente quando se é apontada a mulher
dentro do exercício produtivo, isto é, como trabalhadora doméstica (seja remunerada ou não).
Será por esse aspecto, por exemplo, que Fraser aponta que as mulheres como grupo
minoritário, diante desse espectro patriarcal existente ainda na sociedade, necessitam serem
reconhecidas, representadas e, consequentemente, precisam auferir uma distribuição paritária
ao do gênero masculino.
Torna-se um discurso, em certo ponto, adverso, por estarmos tratando do art.5º da
Constituição Federal, no que se refere a igualdade material. Assim, não basta apontarmos a
existência de uma divisão sexual do trabalho como modo de combater as injustiças sociais
perante as mulheres que exercem a atividade doméstica, mas, sim, precisamos entender que
há ainda uma forte presença dessa divisão do trabalho e que as mulheres necessitam de certos
privilégios para estarem no mesmo patamar que um homem, seja no aspecto jurídico, inclusive
no âmbito previdenciário, no ramo profissional. Precisa-se, posto isto, de uma representação
maior feminina no Congresso Nacional, como forma de alavancar as questões referentes a
essa desvalorização cultural e histórica da mulher que exerce atividade doméstica. No entanto,
como já dito, as normas brasileiras têm uma forte tendência androcêntrica, dado que essas são
elaboradas, em sua maioria, por homens. (FRASER, 2010)
Denota-se, por fim, que para Nancy Fraser apenas o aspecto do reconhecimento não
concebe a emancipação em meio social, principalmente em contextos que se apresentam cada
vez mais multicultural. No entanto, e é para isso que viria a ser essencial um aspecto bifocal
nos grupos sociais, esse reconhecimento podem vir a auxiliar as lutas por distribuição. No
presente caso, portanto, percebe-se que o reconhecimento da dissemelhança entre os gêneros
e, consequentemente, da necessidade em se ter uma igualdade material, favorece o arranjo
social da redistribuição da mulher no mercado de trabalho. Desse modo, as domésticas, enfim,
viriam a ter uma valorização de suas atividades e, por consequência, uma melhor distribuição
em seus salários.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
SAFFIOTI, Heleieth I.B. A Mulher na Sociedade de Classes. Rio de Janeiro: Vozes, 1976
RESUMO
O presente trabalho visa analisar o voto da ministra Cármen Lúcia, no julgamento da ADI
4277, que trata da união estável homoafetiva, terá como base para a análise do voto os tipos
argumentativos retóricos, envolvendo também pontos do Direito Constitucional e do Direito
Civil. O objetivo geral do presente estudo é analisar os argumentos do voto da ministra
Carmen Lúcia que persuadiram para a procedência da ação. A abordagem de pesquisa é
qualitativa, o método é de caráter indutivo e o tipo de pesquisa aplicado foi o exploratório. A
técnica de coleta de dados é documental e bibliográfica. A análise de discurso foi à técnica de
análise de dados do presente texto, utilizando a retórica analítica (metódica desestruturante)
como corpus teórico. Um dos resultados obtidos por este estudo foi o de que para a
argumentação em um discurso retórico, devem-se usar instrumentos para o convencimento,
não importando quais argumentos, mas a forma argumentativa utilizada. Além disso, nesta
ação estudada por possuir forte relação com a sociedade, a argumentação usada no voto da
ministra Cármen Lúcia atentou para a questão normativa legal, relacionando em conjunto com
os direitos da pessoa humana de forma persuadir através de ambas as esferas. Outro resultado
foi o de que os julgamentos de dispositivos possivelmente inconstitucionais assim como a
ADI 4277, envolvem muitos pontos do direito em seu aspecto principiológico e normativo
legal, o que possivelmente gera certa divergência nas discussões.
INTRODUÇÃO
Neste trabalho será discutido o voto da ministra Cármen Lúcia, no julgamento da ADI
4277. Este voto se baseou em tipos argumentativos estudados pela retórica, cabe aqui
compreender como eles foram utilizados para a procedência do pedido da ADI 4277. A
problemática agrega algumas das discussões sobre o Direito Constitucional e o Direito Civil
que possivelmente apresenta um dispositivo inconstitucional, na qual, atende aos modelos de
famílias aceitos pela sociedade, mas deixa à margem uma parcela social. Além disso, apesar
de a decisão ter sido unânime, houve divergências ideológicas entre os ministros, ponto que
será também abordado nesse estudo.
Assim, a problemática de pesquisa que origina esse trabalho é: quais argumentos do
voto da ministra Cármen Lúcia persuadiram para a procedência da ADI 4277? O objetivo
95
GT 4- Gênero(s) e Diversidade Sexual no Direito.
96
Graduanda em Direito pela Universidade de Pernambuco - Campus Arcoverde
[email protected]
geral do trabalho é: analisar os argumentos do voto da ministra Carmen Lúcia que persuadiram
para a procedência da ADI 4277. Ela está entre os ministros que julgaram a questão com um
dos argumentos mais convincentes, com relação à equiparação da união estável homoafetiva
à heteroafetiva.
O primeiro objetivo específico é estudar os métodos argumentativos para a retórica. O
segundo objetivo específico consiste em explanar o caso da ADI 4277, na qual existem
algumas divergências de posições entre os ministros votantes. A abordagem de pesquisa é
qualitativa, o método é de caráter indutivo e o tipo de pesquisa aplicado foi o exploratório
realizado no discurso argumentativo. A técnica de coleta de dados é documental usando o voto
da ministra Cármen Lúcia, na ação direta de inconstitucionalidade 4277 e bibliográfica usando
a obra de João Maurício Adeodato “A retórica constitucional”. A análise de discurso foi à
técnica de análise de dados do presente texto, utilizando a retórica analítica (metódica
desestruturante) como corpus teórico.
Primeiro será discutida a hermenêutica jurídica retórica argumentativa, segundo será
abordada a fundamentação jurídica que envolve o caso, bem como as diferentes interpretações
sobre o tema, por fim analisar o voto da ministra Cármen Lúcia com base nos tipos
argumentativos retóricos.
A retórica era uma forma de ensino muito usada na antiga Grécia pelos sofistas, ela se
definia como uma arte discursiva, pela qual mediante a persuasão, o orador convence o
ouvinte sobre o que diz ser verdade a respeito de determinados assuntos, não passível de
contestações.
O filosofo Sócrates desacreditava nesse método por considera-lo duvidoso quanto a
sua produção de conhecimento. Para ele, a forma mais adequada, é pela dialética, na qual há
um debate entre os participantes para se chegar a um entendimento.
Partindo-se da ideia de que, a significação entre indivíduos sobre qualquer assunto ou
situação é diversa, até quando exposto a mesmos contextos, é possível dizer que uma série de
elementos vão interferir na captação da realidade pela pessoa. Esses elementos podem ser, até
mesmo, conceitos linguístico-culturais, pois é relevante o conhecimento que o indivíduo
adquiriu durante as experiências vividas.
A argumentação é a principal ferramenta utilizada pela retórica para vencer o discurso,
“Aristóteles esclarece que há três fatores determinantes da persuasão: a pessoa do orador, os
fatos de que ela fala e o teor dos argumentos, a retórica excluía de seu campo de estudo os
dois primeiros, se concentrando nos argumentos.” (SCHOPENHAUER, 2003, p. 35). Ou seja,
para se alcançar o convencimento é preciso se atentar nos pontos estratégicos.
A retórica argumentativa busca garantir que a percepção individual possa ser
alcançada pelo outro. “o jurista, ao enfrentar a questão da decidibilidade, utiliza modelos em
conjunto dando ora primazia a um deles e subordinando os demais, ora colocando-os em pé
de igualdade” (FERRAZ JÚNIOR, 2012). O termo “em pé de igualdade” faz referência ao
fato de que o orador deve se colocar dentro do entendimento do ouvinte, para assim fazê-lo
raciocinar como ele.
Nas decisões do direito atual, os juristas buscam métodos discursivos para
fundamentar seus argumentos, existe sempre uma construção ideológica embasada por trás, o
que vai fazer com que duas posições antagônicas entrem em um “jogo”. Ganhará sempre a
que os argumentos forem mais convincentes, ou seja, que consigam atingir o auditório de
forma satisfatória.
Dentro deste jogo todas as formas são aceitas, para que se atinja o objetivo principal,
isso significa que não importam os meios, apenas os fins. Essa ideia se parece muito com o
pensamento de Nicolau Maquiavel (2008), ou pelo menos com o entendimento geral que foi
extraído pelos leitores de sua obra “O príncipe”. No livro os meios se referem aos feitos que
seriam justificados pelos objetivos finais; em relação à temática aqui abordada no lugar dos
feitos, estes meios seriam os argumentos utilizados no discurso para persuadir.
A persuasão é uma técnica desenvolvida desde os gregos na Antiguidade Clássica, por
isso, algumas aplicações tecnológicas dessa arte persistem na contemporaneidade. O ethos, o
pathos e o logos são vias clássicas de argumentações adequadas para determinados auditórios
sobre algumas circunstâncias. Por isso, estes conceitos serão importantes na análise de
conteúdo da decisão jurídica.
O ethos pode designar o costume ou o hábito (no sentido de habitar) trazendo
características mais físico-concretas a sua significação. Outra acepção está ligada a postura
humana diante das escolhas, levando a uma ideia de caráter. Este último significado é a
impressão que o orador deixa no seu público e a mais importante dentro dessa pesquisa
(ADEODATO, 2010).
O conceito de pathos significa qualquer emoção, seja de alegria ou dor, para mudar a
decisão de um determinado auditório que em seu modo habitual não decidira daquele jeito
(ADEODATO, 2010). Este argumento pode ser utilizado em uma decisão judicial, mas não é
a regra, já que o auditório desta interlocução possui pessoas do senso esclarecido referente a
matéria jurídica.
O logos é a linguagem em sentido estratégico, ou seja, é a arte (técnica) do discurso
no sentido retórico (ADEODATO, 2010). Sua etimologia pode-se dividir entre: lógoi (ciência)
ou catálogos (topos). As decisões jurídicas preferencialmente devem ter este tipo de
argumento, pois o discurso mais técnico com cadeias argumentativas referenciadas a partir
dos pontos de partida da dogmática jurídica são mais persuasivos ao senso esclarecido
jurídico.
Além disso, os juristas que utilizam o método gramatical, o relacionam com um outro;
o histórico no qual o intérprete analisa o que levou à elaboração daquela norma jurídica e
quais os interesses dominantes. Assim, a possível extensão dessa interpretação configura um
desvio de uma função que é do próprio legislador ou até do Congresso Nacional.
Este método foi desenvolvido por Savigny que trouxe para o Universo Jurídico o
método histórico utilizado nas ciências histórica. Este jurista tinha como objetivo
elevar o Direito à categoria de ciência do espírito, daí o nome de sua Escola: Escola
Histórica do Direito (VILAS-BÔAS, [200-] p. 9).
Além disso, ressaltam o fato de que não há expresso em nenhum dispositivo jurídico
a proibição de se reconhecer a união estável homoafetiva. Então, não há vedação em contrário,
cabe aqui lembrar do conceito de que na atividade do particular tudo o que não está proibido
em lei é permitido, em outras palavras a não manifestação da lei implica em uma autorização
tácita. Porém, quando se fala em administração pública o silêncio da lei não autoriza a
realização dos atos.
A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o
administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos
mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou
desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar,
civil e criminal, conforme o caso (MEIRELLES, 2014).
A argumentação utilizada pela ministra Cármen Lúcia (STF, 2011, p. 695), visa o
convencimento de que o art. 1723 do Código Civil (BRASIL, 2002), deve ser interpretado
conforme a constituição, de forma a equiparar a união estável homoafetiva à união estável
heterossexual. Visto que, tal artigo estaria violando princípios fundamentais da Constituição
Federal que garantem liberdade, igualdade e dignidade. Nesse contexto, o voto da ministra
elucidou seus objetivos, na medida em que a ADI foi julgada procedente.
Primeiro ponto abordado pela ministra é expor o objeto da ADI, e explicar porque
deve ser acatado. Sobre o art. 1723 do Código Civil: “É reconhecida como entidade familiar
a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e
duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” (BRASIL, 2002); ao ser
lido, pode-se inferir que apenas homens e mulheres podem celebrar a união estável civil.
Porém, aos olhos da constituição, todos têm garantidos os direitos fundamentais, de
expressar sua sexualidade da forma que desejar, e é dever do direito atender a necessidade de
legitimar a união dos que optam por viver com outra pessoa do mesmo sexo.
Para fortalecer seu argumento a ministra usa o tipo ethos, para qual elucida trechos do
jurista José Afonso da Silva:
o intérprete da Constituição tem que partir da ideia de que ela é um texto que tem
algo a dizer-nos que ainda ignoramos. É função da interpretação desvendar o sentido
do texto constitucional; a interpretação é, assim, uma maneira pela qual o significado
mais profundo do texto é revelado, para além mesmo do seu conteúdo material.
(SILVA, 2010, p. 14 apud. STF, 2011, p.702).
No trecho, o citado brocado significa: “do fato nasce o direito”, o que quer dizer que
o direito deve atender às necessidades sociais. Nesse caso, o conceito de entidade familiar
vem se alterando com o passar do tempo, já não é mais apenas aquela gerada pelo casamento.
Sobre esse aspecto o jurista Carlos Roberto Gonçalves pontua dentro do direito de família “a
família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em
que repousa toda a organização social” (GONÇALVES, 2011, p. 17).
Aqui, é apresentado que a sociedade e seus conceitos do que deve ser aceito,
influenciam diretamente no direito. Mas este tem o dever de alterar suas disposições, quando
tal situação deixa uma parcela social à margem. Principalmente pela questão de que a
sociedade ao longo do tempo sofre mudanças, e estas devem ser levadas em consideração pelo
direito.
Para embasar essa afirmação a ministra se vale do jurista Norberto Bobbio, muito
representativo para o direito “Bobbio afirmou, na década de oitenta do séc. XX, que a época
não era de conquistar novos direitos, mas tornar efetivos os direitos conquistados” (STF, 2011,
p. 695).
Quantos sofrimentos passaram mães solteiras que, com seus filhos, eram
marginalizadas pela sociedade e desprezadas pelo Estado, porque essa comunidade
não era concebida como entidade familiar, porque o sistema constitucional só
reconhecia a família biparental?” (SILVA, 2010, p. 863, apud STF, 2011, p. 702).
Uma das parcelas que ficavam à margem da sociedade, eram as mães solteiras, por não
configurar o padrão aceito de entidade familiar. O direito, então, fica encarregado de alterar
suas disposições em razão dos fatos sociais de necessidade.
A ministra Cármen Lúcia, já prevendo um possível questionamento, faz uma ressalva
de que na própria Constituição seus artigos devem ser interpretados em conjunto com todo o
texto da carta magna. Em seu art. 226 § 3º, ao ser interpretado na forma literal, se obtém um
entendimento restritivo da união estável apenas à homem e mulher resultaria em contradição
com as garantias fundamentais.
Faço-o enfatizando, inicialmente, que não se está aqui a discutir, nem de longe, a
covardia dos atos, muitos dos quais violentos, contrários a toda forma de direito, que
a manifestação dos preconceitos tem dado mostra contra os que fazem a opção pela
convivência homossexual (STF, 2011, p. 696)
Mesmo dizendo que o objeto da ADI não é discutir a questão do preconceito contra os
homossexuais, a ministra não deixa de citar essa temática. Essa estratégia de inserir tema
relacionado ao principal carregado de palavras de impacto, é um forte tipo argumentativo.
Essa posição da ministra, mostra-se uma visão moral individual da mesma, na medida
em que não usa fontes ou referências que evidenciem a questão do preconceito em relação aos
homossexuais. Portanto, a sua fala não técnica apresenta um tipo que não é nem ethos nem o
logos, mas sim o phatos por objetivar apenas comover e não comprovar.
“A discriminação é repudiada no sistema constitucional vigente, pondo-se como
objetivo fundamental da República, expresso, a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária” (STF, 2011, p. 701). Fica evidente nessa fala da ministra, a intenção de atingir
emocionalmente com o termo “repudiada” para deixar claro a negatividade da discriminação.
E que o não reconhecimento da união estável homoafetiva é uma forma de discriminação,
logo não deve ser admitida.
Ainda usando do tipo phatos, a ministra Cármen Lúcia faz uma argumentação não
para emocionar propriamente os ouvintes, mas para leva-los a refletir sobre a temática e para
isso, elucida um trecho do poeta Guimarães Rosa “Essas são as horas da gente. As outras, de
todo tempo, são as horas de todos...amor desse, cresce primeiro; brota é depois. ... a vida não
é entendível” (STF, 2011, p. 701)
O objetivo da ministra ao citar este trecho é enfatizar o final que diz a vida não
entendível e que sendo assim não se deve buscar entender certas questões, mas apenas
aceitá-las. Nesse contexto a relação com a temática é a de que não é preciso entender as
escolhas do outro para as aceitar. A ministra então completa “pode-se não adotar a mesma
escolha do outro; só não se pode deixar de aceitar essa escolha, especialmente porque a vida
é do outro e a forma escolhida para se viver não esbarra nos limites do Direito.” (STF, 2011,
p. 701)
Um outro tipo argumentativo usado pela ministra é o logos, para que se construa uma
linha argumentativa lógica o que em muito facilita a persuasão. É fato que em todo discurso
se observa o logos, pois é necessário haver uma linha de raciocínio no decorrer do texto,
porém, em alguns pontos sempre fica mais evidente essa técnica argumentativa.
A ministra faz o seu argumento com o logos, com base em uma citação, novamente do
jurista José Afonso da Silva:
A ministra a partir desta citação tece o seguinte argumento: “No exercício desta tarefa
interpretativa, não me parece razoável supor que qualquer norma constitucional possa ser
interpretada fora do contexto das palavras e do espírito que se põe no sistema.” (STF, 2011,
p. 699)
O termo “não me parece razoável” deixa claro a intenção de mostrar que essa forma
de pensar é a mais adequada sobre esse assunto. Ou seja, apresenta o conjunto de ideias que
aparentemente fazem sentido, de forma a conquistar o auditório.
Nesse trecho também é possível perceber a intenção de convencer que esse raciocínio
é o mais correto. Para fortalecer ainda mais o argumento, usa juntamente além do logos, o
phatos quando diz “reações graves”, de forma a chamar atenção do público sobre o que
acontece com as pessoas que optam por viver em união homoafetiva.
É possível perceber que a linha argumentativa da ministra Cármen Lúcia possui forte
poder de persuasão e tenta atingir o auditório de várias formas, como citado através ethos,
phatos e logos. Porém, ainda que bem fundamentada, apresenta alguns pontos a se questionar,
assim como é na maioria dos discursos argumentativos das decisões.
Um desses pontos a se questionar pode se observar nesse trecho “Para ser digno há
que ser livre. E a liberdade perpassa a vida de uma pessoa em todos os seus aspectos, aí
incluído o da liberdade de escolha sexual, sentimental e de convivência com outrem.” (STF,
2011, p. 700).
Existe um entimema nessa linha de pensamento, pois não há previamente definido o
significado de liberdade e dignidade, então não há como afirmar que um precede o outro.
Resta aqui expor uma linha de raciocínio que deixe clara essa ordem entre essas garantias
fundamentais, visto que nem mesmo a constituição federal traz essa disposição.
Aqueles que fazem opção pela união homoafetiva não pode ser desigualado em sua
cidadania. Ninguém pode ser tido como cidadão de segunda classe porque, como
ser humano, não aquiesceu em adotar modelo de vida não coerente com o que a
maioria tenha como certo ou válido ou legítimo (STF, 2011, p.701).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, na questão abordada bem como todas as decisões dentro do direito, os juristas
utilizam estratégias que são construídas para alcançar a vitória que se expressa no
convencimento. Instrumentos são usados e um deles é a retórica tendo como centro o controle
público da linguagem. Uma vez conquistado o convencimento dos destinatários, faz crer que
se chegou à verdade dos fatos, porém, no contexto retórico só existirá verossimilhança.
Esse tema é considerado complexo pois envolve forte ideologia e padrões sociais do
que é visto como comum e aceito. Devido a isso, mesmo com uma certa unanimidade entre
os ministros, ainda existe divergências em certos aspectos, como foi supracitado, e isso vai
dar início ao jogo da argumentação.
No presente estudo buscou-se analisar os argumentos jurídicos utilizados no voto da
ministra Cármen Lúcia nos quais, envolvia tais como ethos, phatos e logos. Mas o destaque
foi o tipo ethos pois em quase todo seu discurso se vale de trechos das falas do jurista José
Afonso da Silva, na intenção de fortalecer seu texto com uma figura representativa no Direito
Constitucional.
O segundo tipo em destaque no voto da ministra foi o phatos, este tem forte impacto
pois é carregado de emoção. Por se tratar de um tema que afeta diretamente as pessoas, trazer
para o discurso argumentos dessa natureza é uma boa estratégia argumentativa. O último, mas
não menos usado foi o tipo logos, isso porque ele é necessário para que todo texto tenha
sentido e consiga atingir os objetivos. Ele está presente em algumas partes de formas mais
evidente, com intuito de garantir o convencimento.
Apesar do voto estar bem fundamentado e a ADI 4277 ter sido procedente, é possível
perceber os pontos questionáveis a exemplo dos entimemas e também uma certa falta de dados
e referências para comprovar algumas afirmações apresentadas. O fato é que no contexto
retórico, não importam os meios utilizados, o que vale é o desenvolvimento argumentativo
sem contradição no ambiente dialético, desdobrando-se em um ato persuasivo para um
auditório.
Logo não importa se deve ser inserida a união homoafetiva em um novo contexto de
família, ou o que a interpretação literal do art. 1723 do Código civil (BRASIL, 2002) diz, o
que importa é ser plausível a equiparação da união estável homoafetiva à de pessoas de sexo
diferente, para que essa seja assegurada pelo Estado.
REFERÊNCIAS
______. Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo. ed. 2. São Paulo:
Editora Noeses, 2014.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. ed. 8. São Paulo:
Editora Atlas, 2012.).
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil: direito de família. 8.ed. São Paulo: Saraiva.
2011. 17 p.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. ed. 6. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1998. 155
p.
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. ed. 2. Curitiba: Editora: Jardim dos livros, 2008.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. ed. 40. São Paulo: Editora
Malheiros, 2014. 67 p.
DálleteJanyele98
Denise Luz99
Micheline Valério100
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivos apresentar o Escritório de Defesa da Mulher (EDM),
um programa de extensão do Curso de Direito da Universidade de Pernambuco (UPE) –
campus Arcoverde, o qual, em parceria com a Coordenadoria Municipal da Mulher
(Coordenadoria), órgão integrante do Poder Executivo local, busca contribuir para o
enfrentamento da violência de gênero no Município; assim como analisar o perfil da mulher
vítima de violência doméstica e familiar acolhida nesse contexto. A abordagem metodológica
utilizada é do tipo quantitativa, pois se baseia na coleta de dados e informações numéricos
registrados nas fichas de atendimento, mediante declaração da própria vítima ou obtidos junto
a órgãos e entidades de proteção e auxilio às mulheres e junto às agências de repressão a
crimes dessa natureza, como as polícias civil e militar. O universo analisado é a totalidade dos
atendimentos realizados no intervalo de tempo de março de 2016 a setembro de 2018, o qual
coincide com o tempo de atuação da Coordenadoria desde sua instauração.
INTRODUÇÃO
O Brasil é o 5º país no mundo onde mais morrem mulheres vitimadas por crimes de
gênero, de acordo com o Mapa da Violência de 2015, coordenado pela Faculdade Latino-
Americana de Ciências Sociais (Flacso). No período entre os anos 2003 e 2013, o número de
mulheres mortas em condições violentas passou de 3.937 para 4.762, o que implica dizer que
13 feminicídios por dia, no mínimo, ocorrem no país. Assim, verifica-se um aumento de 21%
em dez anos. Para mulheres em determinadas situações de vulnerabilidade social, como por
exemplo as mulheres negras, a incidência foi ainda maior: os homicídios, nesses casos,
97
Trabalho apresentado no GT4- III Congresso Pernambucano de Ciências Jurídicas UPE - Arcoverde.
98
Graduanda em direito na Universidade de Pernambuco, Campus Arcoverde (UPE). Membro do Programa de
extensão Escritório de Defesa da Mulher (EDM)- UPE. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas
Transdisciplinares sobre Meio Ambiente, Diversidade e Sociedade - GEPT/DIMO-UPE. Integrante do grupo de
pesquisa Incertae - UPE.. E-mail: [email protected]
99
Professora das disciplinas de direito penal e direito processual penal do Curso de Direito da Universidade de
Pernambuco, campus Arcoverde. Doutora em Ciências Criminais pela PUCRS. Coordenadora do Escritório de
Defesa da Mulher – EDM – da UPE. E-mail:[email protected]
100
Coordenadora de Políticas Públicas para Mulher na Cidade de Arcoverde. E-mail: [email protected]
aumentaram 54, 2% no mesmo período, passando de 1.864 para 2.875 vítimas.
Ao apontar a violência contra mulheres e os fatores que envolvem a temática, revela-
se a urgente necessidade de políticas públicas que visem a conscientização da sociedade, o
acolhimento e o empoderamento da vítimas, a repressão aos crimes e a redução de danos. Faz-
se mister maior engajamento nesta luta por parte de toda a sociedade e do Estado, para
redução ou mesmo erradicação desta chaga social. Nesse contexto e com esses objetivos, o
EDM foi criado no Curso de Direito da UPE, campus Arcoverde, como um projeto de extensão
a ser desenvolvido em parceria com o Município, dotando a Coordenadoria com material
humano composto por alunos, professores e servidores do Curso, para prestarem assessoria e
orientação jurídica para as vítimas.
Este artigo visa apresentar o EDM à comunidade acadêmica e transmitir informações
sobre o perfil das mulheres em situação de violência no Município de Arcoverde, em especial
as assistidas pela Coordenadoria. Para tanto, toma-se como ponto de partida uma breve
explanação sobre o EDM. Em seguida faz-se a contextualização de assuntos relacionados ao
tema, como a Lei Maria da Penha. Por fim, apresentam-se dos dados que permitem identificar
quem é vítima que busca apoio do Poder Público municipal. A abordagem metodológica é a
quantitativa, pois se baseia em uma coleta de dados, correspondente a informações formais
contidas nas fichas de atendimento arquivadas na Coordenadoria. As informações são
prestadas pelas próprias vítimas e complementadas por registros oficiais, se pertinente. Toda
mulher que chega até a Coordenadoria é ouvida por profissionais para compreensão da
situação e definição de medidas a serem adotadas, sempre com a concordância da assistida.
As oitivas são registradas em fichários, os quais ficam arquivados em pastas individuais com
a identificação da vítima. O material analisado nesta pesquisa consiste na totalidade das pastas
arquivadas na Coordenadoria da Mulher, desde março de 2016 até setembro de 2018.
A Lei 11.340/2006 conhecida como Lei Maria da Penha foi sancionada em agosto de
2006. Ela é resultado de um longo caminho que deixou evidente que a violência contra as
mulheres demandava um novo processo jurídico que protegesse as mulheres, especialmente
nos casos de maior risco. O grande valor dessa Lei consiste no fato de que ela busca lidar com
oS fatores que desafiaram as intervenções em casos de violência doméstica ao longo dos anos.
Passou-se a lidar com a definição de violência contra a mulher com um status diferenciado
dos outros crimes; a facilitar a manutenção das queixas-crime e apresentação de denúncias; a
buscar garantir a segurança da mulher vítima através de medidas protetivas; promover a ação
de uma rede de serviços na prevenção e intervenção em casos de violência contra as mulheres;
e impedir as transações penais, priorizando ações de educação e de ressocialização dos
agressores.
Ao longo da história, as várias formas de violência doméstica, e em especial, a violência contra
a mulher, foram ignoradas. Essa invisibilidade pode ser entendida como um fenômeno de
legitimação da violência perpetrada por homens no espaço doméstico (Bandeira &Thurler,
2008; Araújo, 2003; Ravazzola, 1998). Atuando apenas até o limite das portas das casas, o
Estado, durante muito tempo, absteve-se de intervir nos conflitos domésticos.
O movimento feminista carregou essa bandeira, afirmando a ilicitude das várias formas
de agressão de homens contra mulheres. Esse processo promoveu a criação de condições para
que as mulheres pudessem denunciar a violência ao mesmo tempo em que sensibilizava o
Estado para que não fosse conivente com o patriarcado utilizado como contexto ideológico
justificador de ações violentas, ainda que apenas simbólicas. Sem esse esforço político,
histórico e jurídico seria impensável a definição de uma agressão perpetrada por um cônjuge
como um ato de violência passível de sanção. Na medida em que o movimento feminista
demandou do Estado tratamento específico da violência contra as mulheres e ações
direcionadas ao seu controle e erradicação, foram viabilizadas as condições para que
mulheres, individualmente, percebessem e denunciassem a violência que sofriam.
A omissão do Estado resultou em um risco especial para as mulheres vítimas de
maridos violentos (Bandeira &Thurler, 2008; Dias, 2007; Soares, 1999; Ravazzola, 1998).
Até a década de 70, na intimidade da casa, o homem seguia sendo incontestável em suas
atitudes. O espaço doméstico permaneceu como a configuração social básica do patriarcado e
era legitimado na esfera de ação pública do Estado. Assim, desde os primórdios o meio social
e familiar vem criando ambiente propício para a atual realidade.
No que toca à execução do Projeto, a eficácia da Lei Maria da Penha está na vasta gama
de medidas protetivas admitidas que visam evitar a ocorrência ou a perpetuação desse tipo de
violência e não dependem dos rigorismos probatórios do direito penal para seu deferimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BHONA, Fernanda M. de Castro; GEBARA, Carla F. de Paula; NOTO, Ana Regina; VIEIRA,
Marcel de T.; LOURENÇO, Lelio M. Inter-relações da violência no sistema familiar:
estudo domiciliar em um bairro de baixa renda. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto
Alegre, v. 27, n.3, p. 591-598, 2014. Acesso em: 5 out. 2018.Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/ref/v12n1/21692
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais,
p. 46, 2007. Acesso em:20/09/2018.
Disponível em:
http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_799)17__a_lei_maria_da_penha_na_j
ustica.pdf
LIBARDONI, Marlene. Das Lutas à Lei: Uma contribuição das mulheres à erradicação da
violência/ Secretária da - Recife: A Secretária, 2011.192p.
STREY, Marlene Neves; DE AZAMBUJA, Mariana Porto Ruwer; JAEGER, Fernanda Pires.
Violência, gênero e políticas públicas. Edipucrs, 2004. Acesso em: 02/10/2018. Disponível:
https://www.scielosp.org/article/icse/2007.v11n21/93-103/
VIOLÊNCIAS: Um novo habitus deve surgir101
RESUMO
INTRODUÇÃO
101
GT 4 – Gênero(s) e Diversidade Sexual no Direito
102
Graduando do Bacharelado em Direito. Faculdade de Integração do Sertão – FIS.
[email protected]
Pesquisa realizada pelo Instituto Avon/IPSOS com 1800 entrevistas em 70 municípios
das cinco regiões do país revelou que entre os diversos tipos de violência doméstica sofridos
pela mulher, 80% dos entrevistados citaram violência física, como empurrões, tapas, socos e,
em menor caso (3%), até a morte. Ou seja, a violência física é a face mais visível do problema,
mas muitas outras formas foram apontadas pelos entrevistados. O levantamento "Percepções
sobre a violência doméstica contra a mulher no Brasil" revelou ainda que, na região Centro-
Oeste do país, o medo de ser morta é o principal motivo das mulheres agredidas não
abandonarem seus agressores. O motivo foi apontado em 21 % das entrevistas na região.
Portanto, é perceptível que a maioria dos casos de agressão contra as mulheres
acontece no âmbito doméstico/familiar e seu principal agressor é o próprio cônjuge. Assim,
no momento em que tais agressões passam a ser vivenciadas pelas mulheres dentro de seus
lares, retratamos a violência doméstica103, que na maioria das vezes se manifesta a partir de
seu caráter simbólico.
A violência, na sua perspectiva simbólica, dilui-se no cotidiano e é imposta a partir de
instrumentos de conhecimento e comunicação, centrados em hábitos culturais e históricos,
fazendo com que as mulheres não se percebam como vítimas da violência. Desta forma, elas
se mantêm em situação de subordinação a seus parceiros, a partir de preconceitos ou porque
não dizer estereótipos aplicáveis aos gêneros que são mantidos pelo meio social.
Se tais formas de violência são resultantes de processos culturais e históricos, no
Brasil, por exemplo, podemos perceber notoriamente tal abordagem. Antes mesmo da
República, sobre o pretexto de adultério, o assassinato de mulheres era legítimo. O Código
Criminal de 1830, estabelecia uma atenuação do homicídio praticado pelo marido quando
houvesse adultério, em outra perspectiva, o Código Comercial de 1850, art. 1°, permitia aos
maridos comercializar suas mulheres acima de 18 anos. Já o Código Civil de 1916, art. 6°,
inciso II, retratava que as mulheres casadas, em sociedade conjugal, eram incapazes
relativamente a certos atos da vida civil.
Podemos perceber indícios que a sociedade brasileira antes mesmo de instituir a
própria República, já estava acoplada com diversos valores culturais e patriarcais, que ao
103
Segundo o Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (RASEAM), no ano de 2014, constata-se que o ciclo
da violência doméstica contra as mulheres é, em geral, um “continuum” que pode evoluir em um crescendo,
culminando com a morte das mulheres agredidas. Os dados relativos a mortes violentas entre a população
feminina podem estar, desta forma, relacionados a práticas violentas, sexistas e misóginas no âmbito doméstico
e familiar. A relação de causa e efeito entre violência doméstica e estatísticas de mortes violentas entre mulheres
mereceria, assim, uma análise científica aprofundada, a fim inclusive de se poder incidir nas políticas públicas
de enfrentamento à violência contra as mulheres.
passar dos anos foram se instalando na contemporaneidade, manifestados a partir do habitus,
características que:
OBJETIVOS
METODOLOGIA
DISCUSSÃO TEÓRICA
Torna-se perceptível, então, que tal força, ou, como Bourdieu intitula, “dominação”, é
104
Doutrina que privilegia os todos sociais (do grego holos, o todo), o todo na sua inteireza. Em termos gerais,
todas as perspectivas que consideram que o todo é superior à soma das respectivas parcelas. A expressão foi
consagrada por Louis Dumont, nos seus estudos sobre a Índia, ao considerar que o modelo holístico, onde o valor
de uma pessoa deriva da sua inserção na comunidade concebida como um todo, se opõe ao modelo individualista
da sociedade moderna, ocidental, onde o indivíduo constitui o valor supremo.
em suma imperceptível, e foi concentrando-se ao longo dos anos a partir de um processo de
cultura social, valorativo e tradicional conservadora, que se fixou como “verdade
naturalizada”.
Porquanto, é notável que a sociedade apresenta papel fundamental na manutenção
desta dominação, tal qual afirmava Hugo Assmann, a partir das concepções de René Girard105,
em sua obra, René Girard com Teólogos da Libertação: um diálogo sobre ídolos e
sacrifícios com base no conceito de desejo mimético:
105
Segundo Girard, os comportamentos sociais são mimeticamente transmitidos. Aprendemos a desejar os
mesmos objetos desejados por alguém que tomamos como modelo. Assim, criamos uma área potencial de
conflito, já que estaremos envolvidos na disputa do mesmo objeto e, desse modo, o modelo se transformará em
rival. As crises miméticas são destrutivas porque envolvem toda a comunidade e não apenas indivíduos isolados.
A rivalidade mimética, geradora do desaparecimento das diferenças, que desemboca na violência, evidencia a
crise mimética, crise de indiferenciação que irrompe quando os papéis de sujeito e modelo são reduzidos aos de
rivais. Para que a mímesis se torne puramente antagonista, “o objeto precisa desaparecer”. Quando o objeto
desaparece, não há mais mediação entre os rivais: o conflito é iminente. Como a violência mimética pôde ser
controlada na ausência de formas de mediação que integram o que denominamos cultura? Através da descoberta
do mecanismo do bode expiatório: a violência coletiva é canalizada contra uma vítima expiatória.
106
Em Casa Grande & Senzala – 1994 [1933]- Gilberto Freyre apresenta a conhecida descrição da família
patriarcal colonial brasileira, uma família chefiada por um patriarca que detém poder sobre seus filhos e esposa
e também sobre agregados e escravos, constituindo uma família extensa. Esta imagem acabou sendo hegemônica
quanto a caracterização do que seria a família no período colonial brasileiro.
deviam obediência ao patriarca.
Já dizia Bourdieu que a “força da ordem masculina se evidencia no fato de que ela
dispensa justificação: a visão androcêntrica impõe-se como neutra e não tem necessidade de
se anunciar em discursos que visem a legitimá-la” (BOURDIEU, 1999, p.18). Analisando tal
citação, é como se fosse atribuído a mulher mais uma vez o estigma de frágil e sensível nas
relações com seus companheiros.
Em outras palavras, Bourdieu entende tal perspectiva em uma relação dos dominantes
com os seus dominados, instaurando assim a violência simbólica. Simbólica, pois não se
encaixa no campo real, está mascarada entre as relações de poder que cada um possui:
Esta visão permite o entendimento de que a violência física não é suficiente para que
os dominantes demonstrem toda sua força e toda a sua ideologia. Assim, eles utilizam da sua
forma simbólica, ou seja, através de símbolos, instrumentos de comunicação e linguagem,
como meios para transmitirem suas ideologias. Desta maneira, essa relação entre o ser
dominador e o dominado, reflete diretamente nas relações afetivo-conjugais, como se o
homem fosse o ditador de regras e as mulheres jogassem a partir de seus ditames.
No entanto, é necessário explanar que está visão deturpada, não passa de uma ideia
mascarada de força ao ego masculino, pois os estereótipos implantados pela cultura patriarcal
de que “a mãe cuida” e o “pai provê”, foram sendo transformados ao longo dos anos. No
mundo moderno as mulheres que estão atreladas a famílias, desempenham tarefas mistas, ou
seja, tanto ajudam no lar, quanto no provimento deste lar. Quando não estão em grupos
familiares, buscam sua própria autonomia financeira e social, provendo seu próprio sustento
e escolhendo a melhor forma em fazê-lo. O que é um grande avanço nesta perspectiva.
Porém, ainda neste campo, a saber, do trabalho, é que está mais presente à questão da
desigualdade de gênero, pois as mulheres se evidenciam neste cenário como os seres
discriminados, principalmente pelas diferenças físicas.
Tal orientação pode ser percebida no conceito de habitus dado por Bourdieu. O
habitus, seria a forma como eu enxergo o mundo, como eu me vejo no mundo, assim, em uma
visão patriarcal, teríamos a mulher como submissa e o homem como sendo seu superior, a
partir de uma repetição de comportamentos coletivos, gerando a eternização e a naturalização
destas ações.
Nesta perspectiva, a dominação masculina estaria sendo praticada, como uma
“manipulação inconsciente do corpo”. Destarte, o corpo seria a manifestação da dominação,
pois é partir dele que podemos ver o habitus ganhando forma, ou seja, o modo de andar, falar,
agir, ficar com vergonha ou até mesmo cruzar as pernas de acordo com as adaptações e
influências ao ambiente em que estamos inseridos.
Ampliando a discussão, com foco na sociedade brasileira, podemos perceber a
influência do habitus, no que se refere às questões trabalhistas. Pois, existem profissões
especificamente idealizadas para homens e outras indicadas especialmente para as mulheres,
o que aprofunda ainda mais a dominação masculina e, portanto, a diferença entre os gêneros.
Esta cultura da diferença de gênero arrastou determinada força ao longo da história da
humanidade, através justamente da separação de papéis sociais determinados. É uma espécie
de segunda pele, revestida por regras e estigmas, como que ao homem compete ser forte, viril,
decidido e líder, indicando, ao contrário, a incapacidade da mulher para exercer os mesmos
atributos, inseridos ao gênero masculino.
Mas afinal, o que vêm a ser gênero107? Bourdieu declara que gênero é um conceito
relacional e, portanto, faz parte de uma estrutura de dominação simbólica. O gênero assim
sendo, são figuras antônimas vivendo em uma relação, porém, não qualquer relação, e sim,
relações de poder, onde “o princípio masculino é tomado como medida de todas as coisas”
(BORDIEU, 1999, p. 23).
Esta característica de um poder, ou no caso da violência contra as mulheres, uma
dominação, relaciona-se com a posição de submissão da mulher ao homem que já se tornou
natural na modernidade, justamente pela a eternização de hábitos culturais. A mulher então,
107
Joan Wallach Scott, famosa historiadora estadunidense escreveu uma importante definição a respeito do
gênero. Para ela as relações entre os sexos são construídas no meio social, porém, isto não é tudo, pois não diz
como tais relações são construídas e porque são construídas de forma desigual, dando privilégio ao sujeito
masculino. Assim, ela conclui que: “O núcleo essencial da definição repousa sobre a relação fundamental entre
duas proposições: o gênero é um elemento constitutivo das relações sociais, baseadas nas diferenças percebidas
entre os sexos e mais, o gênero é uma forma primeira de dar significado às relações de poder. ” (SCOTT, 1994,
p. 13).
acaba não reconhecendo sua real posição e não desenvolve seu senso crítico diante da situação
de desvalorização. A respeito desta dominação Bourdieu enfatiza que:
Esse sistema de ideias pode ser denominado patriarcado e cria relações de hierarquia
entre seres socialmente diferentes, transformando as relações sociais em relações
desiguais e hierarquizadas. As diferenças sexuais são utilizadas como forma de criar
e manter a mulher em uma posição de submissão. (SAFFIOTI, 2004).
O dispositivo legal que prevê e funciona como mecanismo de defesa à mulher é a Lei
Maria da Penha (Lei nº 11.340/06). Essa lei, no seu texto, aborda e conceitua as diversas
formas de violências, dentre as quais encontra-se a violência doméstica. Senão, vejamos:
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a
mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
Perceba que esse conceito é amplo e discorre sobre os resultados em função dessa
violência, que, ocorrendo, ao indivíduo que praticou o ato lhe será aplicada as sanções aqui
previstas.
Adentrando no contexto histórico da “conquista” por uma intervenção estatal até que
se criassem políticas públicas eficazes no combate à violência de gênero, em especifico, a
violência em âmbito doméstico, é perceptível uma longa e dolorosa jornada, uma vez que foi
necessário a morte de inúmeras mulheres. Talvez esse seja o grande problema no meio social,
tendo em vista que, é necessário que o resultado aconteça para que se investigue a causa e por
fim, a reprima. É uma forma repressiva ao invés de uma preventiva. No entanto, percebemos
um ativismo nas lutas feministas na busca por tais direitos. Parece paradoxal ter que lutar para
não morrer, ainda mais com todos esses direitos legitimados e previstos na Constituição
Federal, mas, é um fato ainda muito concreto diante do sistema estabelecido aqui.
Somente a partir da década de oitenta é que podemos mensurar algumas práxis que
levaram à conquista pelos direitos repressivos em relação à violência doméstica (a
Conferência para Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra Mulher – CEDAW
(1979)108 e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher – Convenção de Belém do Pará, 1994)109, mas levaram-se anos até que de fato se
consolidasse uma política pública capaz de punir o agressor (o homem) e proteger a vítima (a
mulher). Essa ação punitiva estatal ainda é falha e necessita de ajustes.
Destarte, é interessante que se tenha em mente o conceito de violência doméstica como
uma espécie da violência de gênero, sendo o proposto pelo artigo e que busca exatamente essa
distinção. Então, tem-se a violência doméstica como uma limitação, especificação do que
temos com mais amplitude ou gênero, a violência de gênero.
A violência de gênero alcança uma amplitude infinda de conceitos acerca das
transgressões e violações ao corpo feminino. A espécie que deriva desse conceito é a violência
doméstica, que aqui, é objeto de análise. Cabe essa diferenciação esmiuçada, tendo em vista,
ainda, uma confusão terminológica em trabalhos de natureza acadêmica que abordam sobre
tais formas de violência, sem ao menos, fazer uma diferenciação coerente.
No entanto, também merece uma atenção o conceito de violência de gênero, uma vez
que engloba as espécies de violências e muitas vezes é confundido com a própria violência
doméstica.
Dentro da sociedade, existe uma diferenciação sobre os papéis exercidos pelo
binarismo sexista, ou seja, pelo masculino e pelo feminino. O sistema que norteia as relações
socias e articula de forma sistêmica a hierarquia entre ambos é o patriarcado. Quando dissemos
que os homens são biologicamente e socialmente superiores as mulheres, afirmamos e
concordamos com uma violência simbólica estabelecida de um gênero para o outro,
108
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, também
chamada CEDAW (da sigla em inglês) ou Convenção da Mulher, é o primeiro tratado internacional que dispõe
amplamente sobre os direitos humanos das mulheres. São duas as frentes propostas: promover os direitos da
mulher na busca da igualdade de gênero e reprimir quaisquer discriminações contra as mulheres nos Estados-
parte.
109
A Convenção de Belém do Pará, como ficou conhecida a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra Mulher, adotada na referida cidade, em 9 de junho de 1994, conceitua a violência
contra as mulheres, reconhecendo-a como uma violação aos direitos humanos, e estabelece deveres aos Estados
signatários, com o propósito de criar condições reais de rompimento com o ciclo de violência identificado contra
mulheres em escala mundial.
configurando, assim, a chamada de violência de gênero, onde homens se pautam na
reprodução dos comportamentos de uma sociedade heterossexista e violam o corpo feminino
ou as mulheres.
Essa violência se faz presente em todo o país, mas merece uma atenção redobrada
quando falamos de violência de gênero e violência doméstica em algumas partes do país, onde
os índices são alarmantes e recorrentes. Quer um exemplo? Somente em Serra Talhada, em
menos de uma semana, ocorreram dois crimes de feminicídio, tais crimes foram reportados
pelo jornal local, o Farol de Notícias110.
Pegando esse fio, abre-se para uma discussão que merece um respaldo ainda maior,
pois trata-se de políticas de combate à violência em âmbito doméstico. A conceituação da
casa/lar enquanto “lugar seguro”, âmbito privado, liberdade e dentre outros conceitos
definidores reafirmam os dois casos de feminicídio que ocorreram em Serra Talhada em
menos de uma semana. É notória a necessidade de alguma forma de controle e combate a essa
transgressão do instituto familiar, ou ao próprio indivíduo, seu corpo, seu patrimônio, seu
psicológico, sua integridade na mais ampla forma.
É entendível que o Estado não pode estar dentro da casa das pessoas 24 (vinte e quatro)
horas, a polícia não tem controle sobre o momento de consumação do crime, por exemplo. A
lei Maria da Penha (lei nº 11.340/06) é uma política pública eficaz, mas como qualquer outra
política pública, tem suas falhas. Um exemplo claro é o fato do estabelecimento de medidas
protetivas, o agressor não pode ultrapassar 200 (duzentos) metros da vítima. Acontece que o
Estado não tem como fiscalizar isso como deveria. O agressor quebra essa medida protetiva e
põe fim à vida da mulher. Perceba o problema em criar políticas públicas sem uma fiscalização
efetiva.
Portanto, destacaremos algumas políticas públicas significativas no combate à
violência de gênero, violência doméstica. Sendo importante destacar o papel das lutas das
110
Mulher é assassinada pelo esposo em Serra Talhada - http://faroldenoticias.com.br/com-uma-faca-de-
cozinha-mulher-e-brutalmente-assassinada-pelo-esposo-nesta-5a-em-st/.
Homem mata ex-esposa em ST e corta os pulsos - http://faroldenoticias.com.br/homem-mata-esposa-em-st-
fere-cunhado-com-golpes-de-faca-e-corta-os-pulsos/.
mulheres, principalmente, nas décadas de 70 (setenta) e 80 (oitenta). Toda conquista de
direitos advém de muita luta, movimentos sociais, revoluções. Não foi diferente nesse caso.
No Brasil, essas lutas de base feministas levaram à criação em São Paulo, Belo
Horizonte e Rio de Janeiro dos SOS Mulher. Esses órgãos eram responsáveis pela prestação
de serviços jurídicos, abrigos e outras formas de conscientização social junto às sobreviventes
de violência em âmbito doméstico. Com a redemocratização na década de 80 (oitenta), houve
o primeiro debate entre Estado brasileiro e os movimentos feministas. O resultado está logo
ali. Em função desse dialogo, criou-se a primeira Delegacia de Defesa da Mulher (1985) na
cidade de São Paulo. Importante, essa Delegacia foi a primeira política pública voltada para a
mulher, propriamente, a violência de gênero.
Sem dúvida a Constituição brasileira de 1988 foi um grande avanço na alteração dos
moldes sociais, não falamos no sentido de previsões acerca de políticas de combate à violência
de gênero, mas sim de uma revolução na sociedade ao estabelecer a igualdade de gênero. Isso
sobrepõe qualquer padrão heterossexista e sistema patriarcal. É por óbvio que parte dessas
previsões são formais e perpassam a realidade.
REFERÊNCIAS
ASSMANN, Hugo (org.). René Girard com Teólogos da Libertação: um diálogo sobre
ídolos e sacrifícios. Petrópolis: Vozes; Piracicaba: UNIMEP, 1991, p. 50.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da
economia patriarcal. 29 ed. Rio de Janeiro: Record, 1994 [1933].
MYNAYO, Maria Cecília (org.). Pesquisa Social: teoria método e criatividade. 7. ed.
Petrópolis – RJ: Vozes, 1997.
SCOTT, Joan Wallach. Preface a gender and politics of history. Cadernos Pagu, nº. 3,
Campinas/SP 1994.
TELES, Maria Amélia de; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher. Coleção
Primeiros Passos n° 314. São Paulo: Brasiliense, 2002.
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo refletir acerca das interseções existentes entre três noções
apresentadas pela filósofa Judith Butler, são elas: performatividade, corporeidade e ideia sobre
o que ela nomeia de vidas precárias. É importante salientar que tanto a filósofa, no momento
da elaboração das categorias, quanto o presente artigo, procuram relacionar a temática com as
questões de gênero, de forma ampla. As reflexões apresentadas neste estudo buscam explicitar
a importância desses construtos filosóficos atualmente, problematizando como essas
categorias teóricas apresentam-se nas dinâmicas sociais. O estudo é de natureza filosófica, ou
seja, seu objetivo principal é, tão-somente, problematizar os dilemas e questões de fundo que
emergem neste campo. A leitura do tema apresenta-se importante no que tange ao seu aspecto
desestabilizador, característica base do pensamento da autora. Assim, o assunto tratado nesta
pesquisa fornece a oportunidade de desconstrução de ideias cristalizadas social e
academicamente. Ainda, através da reflexão de alguns parâmetros sociais cristalizadores, a
filósofa contribui para pensar os temas em debate à luz de uma perspectiva crítica e pós-
estruturalista.
INTRODUÇÃO
111
GT - Gênero e Diversidade Sexual no Direito
112
Graduanda em Direito - Universidade de Pernambuco – Campus Arcoverde. Pesquisadora do Projeto
“Pesquisa e Produção do Conhecimento sobre Gênero e Direito no Brasil” - UPE.
113
Doutorando em Direito - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2016). Mestre em Direitos
Humanos - Universidade Federal de Pernambuco (2015). Especialista em Direitos Humanos - Universidade
Federal de Campina Grande (2015). Bacharel em Direito - Centro Universitário do Vale do Ipojuca (2012).
Professor Assistente, Subcoordenador de Pesquisa e Extensão e membro do Núcleo Docente Estruturante do
Curso de Direito da Universidade de Pernambuco - Campus Arcoverde.
perpetuam, interferindo no convívio entre os sujeitos.
Entre os pesquisadores que buscam entender esses processos sociais, está Judith Butler
(2003). Sua literatura traz à tona três conceitos que serão abordados nesse trabalho:
corporeidade, performatividade e vidas precárias. Aqui, objetiva-se refletir acerca de quais
são as interseções existentes entre estes conceitos dentro da teoria butleriana.
Judith Butler (2003) tem como característica forte a desestabilização do sujeito. Dessa
maneira, ela o insere em um discurso de poder, onde são formadas as identidades por meio da
história. A filósofa é conhecida pela quebra de estabilidade que causam seus questionamentos,
refletindo paulatinamente acerca do que é construído socialmente mediante o sujeito e a
maneira como estas construções se naturalizam.
A desestabilização que a filósofa propõe abrange também a discussão sobre gênero.
Segundo ela, não há relação necessária entre gênero e corpo, ou seja, gênero não é natural.
Ainda, não é o sexo biológico que determina quem é o sujeito, mas sim a maneira como se
performa a sua existência dentro das relações sociais. Entretanto, ainda segundo ela, a ideia
de que o gênero é algo natural acaba se cristalizando dentro da sociedade. Dentro dessa
discussão sobre gênero, interessa-se saber o que a autora define como sendo performatividade,
corporeidade e vidas precárias.
Tendo em vista que toda a construção teórica butleriana que será apresentada neste
artigo estará firmada nas três premissas já mencionadas, pergunta-se: quais são as interseções
existentes entre os conceitos de performatividade, vidas precárias e corporeidade em Judith
Butler? Dessa forma, será entendido como a filósofa constrói suas proposições em torno
dessas três concepções.
O presente trabalho é uma revisão bibliográfica acerca dos três conceitos butlerianos
já citados. Dessa maneira, para que o esclarecimento acerca das ideias apresentadas seja
maior, o artigo trará um ponto para a discussão de cada concepção apresentada. Ao fim, será
formulada a interseção existente entre os três conceitos, e como esta ligação se dá e afeta as
relações existentes dentro do contexto social.
As construções sociais circundam as três concepções que serão apresentadas no artigo.
Em primeiro ponto, serão trazidos os atos performativos, como uma maneira de entender de
que forma se dão esses arquétipos acerca das performances sociais. Assim, o artigo trará o
conceito de performatividade dentro do âmbito de gênero, apresentando como se dão esses
arquétipos dentro das dinâmicas coletivas.
Frente ao processo de performatividade, encontram-se corpos passivos ao discurso
performativo. Desse modo, surge o conceito de corpos na teoria de Butler. Dessa maneira,
para que se construam as identidades baseadas no ideal performativo, o corpo precisa manter-
se apático a todo esse processo. Assim, o conceito de corporeidade estará presente como uma
das etapas do pensamento performativo de Butler, como uma forma de melhor compreensão.
Após a interação entre corpo e discurso, padrões passam a existir. Como decorrência,
as vidas que não se enquadram nesses moldes, perdem sua importância, tornando-se precárias.
O conceito de vidas precárias é trazido para explicitar porque algumas vidas não importam.
Desse modo, esse trabalho pretende apresentar como se dá essa precariedade e dialogá-la com
seus reflexos dentro das dinâmicas sociais.
A pesquisa apresentada utilizará o método dedutivo (MARCONI; LAKATOS, 2010),
de abordagem qualitativa (MARCONI; LAKATOS, 2010). Trata-se de uma revisão de
literatura (MARCONI; LAKATOS, 2010), instrumentaliza a partir de uma pesquisa de
natureza bibliográfica e descritiva (MARCONI; LAKATOS, 2010). Assim, a pesquisa
apresentará uma problematização estritamente teórica, seguida de uma descrição das leituras
de textos, artigos e livros que envolvem o pensamento da autora.
Desse modo, os reflexos das três concepções butlerianas serão apresentados como uma
maneira de ressaltar a importância destas dentro das dinâmicas político-sociais. Isso decorre
das diversas formas de discriminação que se apresentam na coletividade, onde as massas são
diariamente instituídas nos discursos performativos, o que acarreta a precariedade de diversos
corpos.
Mostra-se, portanto, que os construtos de identidades estão marcados por uma política
que segue determinadas estratégias com o fim de estabelecer-se e naturalizar estas identidades
formuladas (ENNES; MARCON, 2014).
Ao determinar qual a base utilizada pela autora, define-se agora como ocorre o
processo performativo dentro das dinâmicas sociais. Segundo Butler, os atos performativos
ocorrem utilizando como meio os corpos. Assim, o corpo é despido de suas vontades, e é
apresentando através do discurso. O que acontece, nesse regime, é uma negação do “eu”, para
que se dê lugar ao “outro”, como afirma a autora em Problemas de Gênero:
Dessa maneira, o “eu” é jogado para fora, colocando no lugar deste o discurso
implantado através da linguagem (PAULINELLI, 2014). Assim, as identidades individuais
são ocultadas, dando lugar ao que se pode chamar de “outro”. Esse processo de repulsa do
“eu” individual para o “eu” coletivo gera, como resultado, a naturalização daquilo que é
implantado pelos discursos de poder. No âmbito de gênero, este acaba por ser, também,
naturalizado.
Na exposição acerca da negação do “eu” individual, Butler utiliza os termos “eu
interno” e “eu externo”. Dessa forma, a filósofa explica que o primeiro corresponderia às
vontades internas do sujeito, já o “externo” seriam os atos que resultariam do discurso ao qual
o indivíduo está submetido. Nesse processo, segundo ela, o “eu interno” é despido de suas
vontades e dá lugar ao externo, este passando a agir da maneira como lhe é ditada pelo
discurso.
Com a naturalização do gênero, surge mais uma questão: por que os sujeitos estão
propensos a substituir seu “eu” individual pelo coletivo? A aparência de que o gênero é algo
natural (MISKOLCI; PELÚCIO, 2007), faz com que os sujeitos enxerguem este como uma
“humanização”. Ou seja, para se estar dentro do natural ou aquilo que é “humanamente
aceitável”, é preciso que se esteja encaixado em um gênero aceitado e instaurado pelo poder
vigente.
Segundo Butler, o que acontece é que, como o gênero não é algo natural, sua
naturalização ocorre por meio da prática reiterada de ações. Diante disso, a filósofa traz para
o debate a imagem do drag. De acordo com ela, “ao imitar o gênero, o drag revela
implicitamente a estrutura imitativa do próprio gênero – assim como sua contingência”
(BUTLER, 2003). A ação do drag “zomba” da ideia de que a naturalização do gênero é algo
original, e para além, expõe a visão de que o gênero não é nada além de um conjunto de atos
performativos.
A partir da análise de como ocorre o processo performativo (MISKOLCI; PELÚCIO,
2007) e sua naturalização, é fundamental entender o ou os motivos pelos quais existem. Em
primeira análise, tem-se um discurso que, como a própria filósofa aponta, age
estrategicamente. As ações do discurso têm como finalidade manter a estabilidade das
identidades criadas por ele. O mesmo poder que cria as identidades, as protege.
Em se tratando de proteção, percebe-se que esta só está presente quando se trata das
identidades aceitadas e naturalizadas dentro do ambiente social. Dessa forma, estabelece-se
uma hegemonia identitária, onde há uma série de práticas reiteradas que consolidam a
naturalização dos papéis imposto para cada sujeito. Além disso, os sujeitos que não se
enquadram nos padrões hegemônicos, acabam sendo punidos:
A citação trazida por Butler em sua obra Problemas de Gênero (2003) deixa explícita
a ideia já abordada de que o corpo só é exposto, humanizado e socialmente aceito a partir do
momento que ele se apresenta mediante o discurso performativo, o que também poderia ser
visto como inscrições culturais.
É importante ressaltar que a destruição do meio ‘corpo’ ocorre como uma maneira de
substituição. A identidade do indivíduo é destruída e dá lugar às inscrições culturais. Dessa
forma, para que exista a destruição desse meio, é necessário um processo de negação do
indivíduo. Assim, o ‘corpo abjeto’ é repelido pelo sujeito:
Diante do trecho apresentado, nota-se que a filósofa traz a ideia da biopolítica que já é
discutida na literatura foucaultiana. De acordo com esta, existe uma política que determina os
corpos que importam e os que não importam. É dessa política que deriva a autorepresentação e
a ausência dela. Ainda, percebe-se que uma autorepresentação é uma maior garantia de
‘humanização’. Com isso, infere-se que a ‘humanização’ está geralmente presente no
cotidiano dos donos do discurso.
É importante refletir acerca do que a autora denomina como sendo ‘humanização’.
Quando Butler traz a autorepresentação como uma maior oportunidade de humanização, a
autora traz este termo para o que se pode chamar de ‘aceitação social’ (SILVA; LIMA, 2017).
De acordo com a filósofa, a autorepresentação está presente na vida dos detentores do
discurso. Com isso, eles podem deixar explícitas suas vontades individuais e,
consequentemente, passar pelo processo de ‘humanização’ de uma maneira mais natural, não
passando pela negação do ‘eu interior’.
Dentro desse debate, Butler traz a ideia de sermos reportados pelo Outro. Segundo ela, “somos
primeiro dirigidos, reportados por um Outro, antes mesmo que assumamos a linguagem para nós”
(BUTLER, 2010). Dessa forma, percebe-se que a filósofa ainda continua com a ideia do discurso, em
que o sujeito – sujeito que não possui autorepresentação - é apresentado segundo as interpretações
culturais, exprimindo-se suas vontades e sua identidade individual. Ainda, a teoria explicita que
somente quando somos remetidos a um discurso é que podemos fazer o uso da linguagem.
Assim, aparece a prerrogativa da superficialidade, qual seja: a partir do momento em que o
indivíduo é apresentado por um Outro, perde-se sua essência. Como a própria filósofa explica, “aquele
com quem me identifico não sou eu e esse “não sendo eu” é a condição da identificação”
(BUTLER, 2010). Dessa forma, o indivíduo passa a assumir essa postura superficial para que
se enquadre na estrutura de poder. Ainda, é possível interpretar a postura do sujeito, que agora
passa a ser superficial, como uma tentativa de ‘humanização’.
Dentro da perspectiva da superficialidade, as vidas passam a se expressar por meio da
inscrição. A ‘humanização’, nesses casos, deriva da desidentificação do sujeito, que nega sua
identidade. Ou seja, é uma espécie de ‘humanização forjada’, que torna o indivíduo ativo
dentro de um processo que não se refere a ele. De que forma? O sujeito passa a ter expressão
dentro da estrutura de poder através de uma figura que não o representa, que não é a sua
essência. É uma figura que teve origem na negação do seu ‘eu interior’.
No entanto, a questão central, depois de analisados esses aspectos de negação
identitária é se perguntar por que os sujeitos abrem mão de suas identidades, que os tornam
únicos, para que se dê lugar à uma inscrição que deriva de sistemas hegemônicos? Dentro
desse debate, Butler traz a para as questões a figura da vida precária, definindo-a como aquela
que é ocultada. É na tentativa de não ter sua existência ocultada ou representada pelo Outro
que o indivíduo abre mão de si.
Dentre as maneiras de ocultação da vida dos sujeitos, segundo Butler, existem duas:
Estas são duas formas distintas de poder normativo: um opera produzindo uma
identificação simbólica do rosto com o inumano, por meio da forclusão de nossa
apreensão do humano na cena. A outra funciona por meio de um apagamento radical,
como se nunca tivesse existido um humano, nunca houvesse existido uma vida ali,
e, portanto, nunca tivesse acontecido nenhum homicídio. (BUTLER, 2010, p.29)
No primeiro caso, forclusão, é criada a imagem do sujeito. Desse modo, faz referência
à negação de autorepresentação. Quando a autora trata de representação do indivíduo através
do Outro, ela está se referindo ao processo de forclusão. A imagem do indivíduo, a partir do
momento de forclusão, passa a obedecer aos interesses do discurso (SILVEIRA; FURLAN,
2003). Com isso, há uma ‘representação equivocada’, a partir do momento em que o sujeito é
exposto através do discurso, não das suas subjetividades individuais.
A segunda maneira de ocultar a vida do indivíduo ocorre de forma radical. Ou
seja, diferente da forclusão, a vida é realmente ocultada, excluída do âmbito social. Butler, ao
apontar esse segundo processo de exclusão, reporta que “esses esquemas normativos
funcionam precisamente sem fornecer nenhuma imagem, nenhum nome, nenhuma narrativa,
de forma que ali nunca houve morte tampouco houve vida” (BUTLER, 2010). A ideia trazida
pela autora, traduz literalmente como ocorre o procedimento. As vidas que passam pela
segunda forma de exclusão são simplesmente esquecidas.
Ainda, as classes que estão inseridas dentro do processo de exclusão social perdem
suas vozes. Diferente da forclusão, em que as vozes são reportadas pelo Outro, na exclusão as
vozes não existem. Desse modo, “o domínio público da aparência é ele mesmo constituído
com base na exclusão daquela imagem” (BUTLER, 2010). Assim, a imagem dos indivíduos
passa a ser esquecida, tornando o discurso indiferente à essas vidas. De acordo com Butler, o
sujeito passa a ser esquecido dentro das dinâmicas sociais.
É perceptível, após refletir acerca das duas formas de exclusão no meio social, que o
discurso circunda esses processos, para alcançar seus interesses. Segundo Butler “[...] a
política – e o poder – funcionam em parte por meio da regulação daquilo que pode aparecer,
daquilo que pode ser ouvido” (BUTLER, 2010, p. 29) . Esta política, que interfere de maneira
direta nas exclusões trazidas pela autora, oculta as vidas do meio social através do discurso.
O discurso, que é decorrente doas possuidores do poder, é expresso através da mídia
hegemônica. Percebe-se, portanto, como o discurso liga as fases do processo performativo
de Butler (2010): a performatividade só ocorre porque existe um conjunto de práticas
hegemônicas no meio social, esta mesma hegemonia serve como prerrogativa para que a mídia
passe a expor as premissas performadas durante a história. Dessa forma, percebe-se a extensão
de importância que é dada ao discurso dentro da teoria Butleriana.
Essa política discursiva (BORBA, 2014) está presente, além dos processos de
exclusão, em todos os âmbitos sociais. Os padrões hegemônicos acabam constituindo as
formas de viver dentro das sociedades modernas. Assim, as vidas que não se encaixam dentro
desses parâmetros passam a ser excluídas das dinamicidades da coletividade. Nesse percurso
da hegemonia, o discurso possui um papel fundamental para que os interesses das classes
ativas vigorem socialmente.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
______. Marcos de guerra: Las vidas lloradas. 1. ed. México: Paidós, 2010.
ENNES, Marcelo Alario; MARCON, Frank. Das identidades aos processos identitários:
repensando conexões entre cultura e poder. Sociologias, Porto Alegre, v. 16, n. 35, p. 274-
305, apr. 2014.
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia
científica. 7. Ed. São Paulo: Atlas, 2010.
MISKOLCI, Richard; PELÚCIO, Larissa. Fora do sujeito e fora do lugar: reflexões sobre a
performatividade a partir de uma etnografia entre travestis. Revista Gênero, Niterói, v. 7, n.
2, p. 257-269, 1. sem. 2007.
ROCHA, Cássio Bruno Araujo. Um pequeno guia ao pensamento, aos conceitos e à obra de
Judith Butler. Cad. Pagu, Campinas, n. 43, p. 507-516, dec. 2014.
RESUMO
INTRODUÇÃO
114
GT 4 - Gênero(s) e Diversidade Sexual no Direito
115
Graduando em Direito pela Universidade de Pernambuco – Campus Arcoverde. Pesquisador do projeto
“Pesquisa e Produção do Conhecimento sobre Gênero e Direito no Brasil” – da mesma instituição. E-mail:
[email protected]
116
Doutorando em Direito pela PUC- Rio. E coordenador do projeto de pesquisa “Pesquisa e Produção do
Conhecimento sobre Gênero e Direito no Brasil”- atualmente em desenvolvimento na Universidade de
Pernambuco – Campus Arcoverde. E-mail: [email protected]
Sendo assim o desdobramento do campo de estudo anteriormente citado se dá, neste
subprojeto, na busca por aprofundar as estratégias e vocações metodológicas presentes na
produção científica sobre gênero e direito (presentes em dissertações e teses), no Brasil.
Para tanto foi eleito o estudo de aspectos metodológicos presentes em produções
bibliográficas disponíveis no repositório da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES), na área do conhecimento do Direito, enquanto universo de análise
sobre as estratégias metodológicas e analíticas que permeiam esse universo. Assim, ao fim,
visa-se refletir acerca dos avanços em relação às estratégias utilizadas à investigação de
questões de gênero na pesquisa jurídica brasileira.
É neste sentido que o presente estudo pretende situar de que modo, a pesquisa no
Direito, tem trabalhado com as questões de Gênero, entendidas aqui como decorrentes de uma
construção social, perquirindo quais as estratégias metodológicas têm sido adotadas e se estas
têm atendido as necessidades práticas dos pesquisadores, bem como discutir de que modo
temas e categorias emergentes do contexto histórico-social podem estabelecer novos pontos
de partida e contribuir com a pesquisa no direito.
Assim, pretende estabelecer um panorama da pesquisa em Gênero no Direito e a partir
das nuances percebidas, debater como outras epistemologias podem ser úteis à pesquisa em
Direito como um todo. Um debate sobre estas re(construções) epistemológicas, todavia,
pressupõe alguns pontos de partida, deste modo far-se-á necessária algumas justificativas da
categoria gênero como objeto de análise.
Um delas é a consideração de que há um perfil científico hegemônico que relegou a
certos sujeitos não só espaços na sociedade como também na produção de conhecimento,
apontada dentre outras coisas como particularista, racista e sexista (RAGO, 1998) proposta
oriunda da crítica feminista as bases teóricas tradicionais.
Consideramos nesta proposta de pesquisa que a produção do conhecimento em suas
dimensões interdisciplinares tem se mostrado como um campo desafiador aos/as
pesquisadores/as sociais, em especial aqueles/as que se dedicam à investigação de questões
inerentes à área dos direitos humanos (CARDOSO, 2014).
Surge então o problema de pesquisa que norteia este subprojeto: Quais os aspectos das
estratégias e vocações metodológicas presentes na produção do conhecimento jurídico no
Brasil, nos últimos dez anos, a partir do Banco de Teses e Dissertações da CAPES? E, ainda,
outras questões secundárias à problemática de pesquisa: Em que medida as pesquisas jurídicas
brasileiras têm dimensionado novas estratégias metodológicas a abordagem do tema gênero?
Há um novo dimensionamento de técnicas e métodos de pesquisa na produção do saber em
direito em relação à categoria gênero?
Os trajetos metodológicos utilizados foram uma abordagem mista, onde o caráter
qualitativo se apresenta através da coleta de dados bibliográfica e o caráter quantitativo nos
gráficos e tabelas apresentados. O método preponderante foi o indutivo, partindo das análises
das produções de conhecimento sobre “direito e gênero” no Banco de Teses e Dissertações da
CAPES. A pesquisa propriamente dita foi exploratório-explicativa (GERHARDT;
SILVEIRA, 2009).
Oriunda dos estudos em história, na qual foi proposta inicialmente outra proposta, já
elencada como de perspectiva mais teórica, é a inclusão da categoria gênero como análise na
pesquisa em Direito.
Tendo como pressuposto as discussões propostas por Joan Scott (1990) e Michelle
Perrot (1984), nas quais estas passaram a debater a possibilidade do desenvolvimento de uma
história das mulheres, considerando suas vivências e pontos de observação, problematizando
as relações entre sexos e de que modo estas influenciam na produção de conhecimento.
As pesquisadoras tinham além da luta política um objetivo que envolvia a pesquisa:
oferecer através da perspectiva de gênero uma mudança no seio de cada disciplina, trazendo
novos temas e questionando os paradigmas científicos até então vigentes (RAGO, 1998;
SCOTT, 1990).
Scott (1990) estabeleceu a partir da análise de diversas obras em que o gênero foi
tomado como ponto de observação de certo fenômeno - junto à raça e classe- que este é um
elemento constitutivo de relações sociais firmado em diferenças decorrentes dos sexos.
Neste sentido, explica que o gênero, enquanto elemento constitutivo de relações
sociais pelas diferenças decorrentes dos sexos implica em quatro aspectos inter-relacionados:
a representação atribuída a símbolos culturais notórios, como por exemplo, Eva e Maria, na
tradição judaico-cristã; os conceitos heteronormativos presentes em grande parte da produção
científica; a presença destas representações binárias de gêneros sob um ponto de vista político,
através da análise das instituições e organizações sociais e o debate e por último, a identidade
subjetiva, definida como as conferências fundantes dessas relações de poder (SCOTT, 1990).
É através dessa percepção de identidade social e culturalmente estabelecida que a
autora traz a noção do gênero como uma construção discursiva e que através de uma análise
desses discursos, nas diversas áreas seria possível uma nova construção histórica, não como
uma história das mulheres, mas como uma contribuição ao modelo de história já existente.
Assim a partir do momento em que se passa a perquirir de que forma o gênero e as
convenções discursivas à respeito deste, influem nas relações sociais e na produção de
conhecimento possibilita novas reformulações epistemológicas.
Essas noções quando oferecidas ao campo do Direito permitem novas proposituras que
vão aparentemente, de encontro ao que já vinha sendo debatido no corpo do texto, quando se
considera a análise interdisciplinar feita pela autora, bem como a percepção de que as
formulações científicas que desconsideram a categoria analítica gênero, total ou parcialmente,
mantém inviabilizada uma ciência que inclui os sujeitos comumente oprimidos.
De acordo com GIL (2002) o traço marcante da pesquisa exploratória é o caráter mais
abrangente que esta adquire no intuito de aproximar pesquisador ou leitor com o problema,
de modo que este se torne mais explícito. Logo faz uso dos mais diversos recursos para
conhecer seu objeto, traçando hipóteses e variando quanto aos procedimentos utilizados.
Esclarece ainda que a maioria dessas pesquisas envolve levantamento bibliográfico;
entrevistas estruturadas e análise de exemplos que estimulem a compreensão.
Por proporcionar mais informações sobre o assunto nas fases iniciais da pesquisa e
possuir planejamento flexível é ponto de partida da grande maioria das pesquisas, podendo
aderir ou não às demais classificações de objetivos, dando origem, por exemplo, a pesquisas
exploratório-explicativas.
Diferentemente da pesquisa exploratória, mais interpretativa, a pesquisa descritiva,
coloca o pesquisador numa posição de observador, este registra e descreve seus objetos de
estudo, sem fazer inferências ou imprimir seus juízos de valor sobre estes. Tendo como escopo
delinear características de certos grupos, fenômenos ou o relacionamento entre certas
variáveis (PRODANOV; FREITAS, 2013).
Deve-se destacar que certas pesquisas descritivas podem aproximar-se da pesquisa
explicativa por não limitarem-se a simples identificação de relações entre variáveis,
estabelecendo também a natureza dessas relações. Este mesmo fenômeno, no qual a pesquisa
descritiva assume características das demais classificações por objetivo ocorre quando as
descrições realizadas terminam por proporcionar novas visões e hipóteses a respeito do
problema, dando base às pesquisas exploratórias (GIL, 2002).
A pesquisa pode ser também quanto aos seus objetivos classificada como explicativa,
nesta há uma preocupação do pesquisador em explicar os fatores contribuintes ou
determinantes à ocorrência do fenômeno. Sendo assim, é apontada como o tipo de pesquisa
que mais aprofunda o conhecimento da realidade, ao explicar a razão e o porquê das coisas
(GIL, 2002).
Estabelece ainda o mesmo autor, que a depender do campo do conhecimento na qual
se desenvolva a pesquisa explicativa poderá fazer uso de procedimentos distintos, em síntese,
pode-se afirmar que nas ciências naturais utiliza-se do método experimental já nas ciências
sociais encontra mais dificuldades recorrendo ao uso de métodos distintos, de modo geral ao
observacional.
Delimitados tais conceitos, retoma-se à análise dos resultados da pesquisa que
apontaram algumas características marcantes das dissertações em Direito e Gênero publicadas
entre 2007 e 2016 e colhidas através do Banco de Teses e Dissertações da CAPES. Destas
pode-se observar um grande percentual de pesquisas exploratórias (92,92%) o que em um
primeiro momento pode guardar relações com a própria natureza preliminar deste tipo de
pesquisa, sendo por vezes o ponto de partida do pesquisador.
A análise inicial dos demais resultados, todavia, apontou notadamente uma
discrepância de percentuais entre pesquisas exploratórias (92,92%), descritivas (10,10%) e
explicativas (37,37%).
Antes, algumas considerações são necessárias: o fato da grande maioria das
dissertações estarem classificados quanto ao objetivo como exploratória, não importa dizer,
necessariamente, o desuso dos demais métodos, posto que a classificação utilizada na
construção da pesquisa levou em consideração o tipo desenvolvido com predominância ao
longo dos trabalhos. E ainda que a soma dos percentuais ultrapassando os 100%, indica
pesquisas com mais de um tipo de objetivo marcante ao longo do texto, o que não encontra
óbice nos fundamentos da metodologia da pesquisa, como já fora explicado.
As porcentagens ofertadas devem ser discutidas sob a óptica dos objetivos da pesquisa,
notadamente de estabelecer de que modo as produções oriundas das pós-graduações
brasileiras, que trabalham gênero e Direito têm se estruturado como ferramentas úteis às
demandas sociais. Considerando a responsabilidade social do pós-graduando, de quem já se
espera um posicionamento crítico e autocrítico (SEVERINO, 2007).
Diante dos resultados e considerações propostas, questiona-se até que ponto produções
que discutem, em sua maioria, violências e discriminações contra mulheres e grupos
vulneráveis em decorrência do gênero, em ambientes de trabalho, leis, tribunais e tantos outros
aspectos, mas não excedem a proposta ou o degrau da pesquisa exploratória.
Ressalte-se que não há uma pretensão de desqualificar este tipo de pesquisa, até mesmo
pelo entendimento de sua importância como ponto de partida na investigação científica,
ocorre, no entanto, que há a possibilidade de mediante métodos que aprofundem mais os
debates, algo almejado na pós-graduação, de que se ofereça novas contribuições às realidades
sociais, o que fica evidenciado diante de um área, como o Direito, em que há uma demanda
de dar resposta aos problemas de uma sociedade.
Não se pode, contudo, afirmar que os resultados obtidos trazem um total panorama da
pesquisa em Direito ou em Direito e Gênero no Brasil, ou ainda, que trazem mais respostas
do que perguntas. Estes podem servir de base à construção de novas hipóteses, passíveis de
refutação e reconstrução, contribuindo deste modo para a produção de conhecimento, bem
como para as discussões sobre reformulação da epistemologia da pesquisa jurídica. O que de
fato, se aproxima da proposta da pesquisa.
Assim é possível trazer ao debate certos questionamentos quais sejam: é possível
relacionar a grande quantidade de pesquisas de natureza exploratória e os procedimentos
utilizados recorrentemente na pesquisa em Direito? O percentual das abordagens qualitativas
e quantitativas sofre influências dos objetivos e procedimentos mais utilizados na pesquisa em
Direito? É possível determinar classificações predominantes na pesquisa jurídica nacional? E
ainda, como os métodos da pesquisa em Direito tem se orientado na pesquisa sobre Gênero?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho abordou a produção sobre gênero no Direito, tendo como universo
de pesquisa o Banco de Teses e Dissertações da CAPES, analisando as dissertações publicadas
no período de 2007 a 2016 e quais as estratégias e vocações metodológicas amplamente
utilizadas nestas.
Durante o desenvolvimento da pesquisa, no entanto percebeu-se a necessidade de
discutir a construção da pesquisa jurídica nacional, convencionalmente apontada como
atrasada em relação às demais áreas e que esta deve ser reformulada sob uma ótica da
interdisciplinaridade, propondo o diálogo não só com os conhecimentos e conceitos das outras
disciplinas, englobando também a análise dos seus métodos.
Por entender a necessidade de discutir os fenômenos através da interdisciplinaridade
trouxe a epistemologia feminista, como paradigma para o debate sobre questões de gênero e
suas críticas ao modo de produção científica hegemônico da modernidade aproximando a
discussão sobre gênero no Direito, trazendo ainda duas propostas que podem ser úteis no
desenvolvimento desta.
Estes aportes teóricos iniciais possibilitaram uma melhor compreensão da proposta
estudada mediante a noção trazida de que a produção de conhecimento pode servir como um
instrumento de subversão a partir do momento em que se reformula e insere sujeitos excluídos
socialmente em seus debates, assumindo um caráter de ação política, decorrente da
responsabilidade social que pode haver na pesquisa científica.
Assim considera reducionista afirmar que a proposta se resumiu à mera análise
metodológica das produções, sendo esta um fator complementar aos debates estabelecidos
sobre a produção de conhecimento em Direito e Gênero no Brasil.
Catalogar e discutir as estratégias e vocações metodológicas das produções científicas
sob este viés confirma a hipótese de haver uma necessidade de rediscutir e reconstruir a
produção do conhecimento em Direito, para que esta não seja mais um óbice à superação das
questões sociais que excluem os sujeitos dessas próprias sociedades. Não se pode mais
considerar uma produção de conhecimento de poucos para poucos.
Conclui-se que esta necessidade não só de reformulação da pesquisa como também do
debate sobre o seu papel na sociedade remonta à importância do fortalecimento desta, num
contexto em que se desenvolve no país uma clara (ou sombria) agenda de esvaziamento do
ensino superior, notadamente o ensino superior público.
REFERÊNCIAS
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CEJ, Brasília, Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, nº 7, abril de
1999.
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vol. 5, n. 1, mar., p. 25-48, 2018.
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FONSECA, João José Saraiva. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC, 2002.
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criatividade. 30.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
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SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, v. l5,
n.2, jul./dez., 1990.
RESUMO
O presente trabalho busca cartografar o ambiente virtual, analisando o revenge porn em duas
vertentes: enquanto violência de gênero no contemporâneo, mas que comporta um grau de
historicidade por ser construção do patriarcalismo. A prática revanchista denuncia um
dispositivo de poder e que corresponde a uma urgência histórica. No ordenamento jurídico
brasileiro, o revenge porn não possui lei prévia que o tipifique enquanto crime, sendo a prática
subsumida em ilícitos civis, crimes cibernéticos, crimes contra a honra e demais tipificações
irrisórias que desconsideram problemas de gênero contido no revanchismo pornográfico. O
revenge porn, além de questionar as diferentes atribuições identitárias relacionadas ao sexo
biológico entre o sistema binário masculino-feminino, também põe em xeque qual deve ser o
papel do Direito na tutela penal. Nesse ponto, assume-se uma postura crítica considerando que
a mera tipificação legal não insere as mulheres no ambiente político. O Código Penal vigente
demonstra raízes patriarcais, apontando o problema para a ausência de participação feminina
na política e na elaboração de leis, que acaba por institucionalizar e legitimar o patriarcado. A
presente pesquisa tem por base uma análise na criminologia, utilizando como suporte teórico
as obras de Michel Foucault e Gilles Deleuze.
INTRODUÇÃO
117
GT 4: Gênero(s) e Diversidade Sexual no Direito.
118
Graduanda em Direito pela Faculdade Damas da Instrução Cristã. Integrante do grupo de pesquisa e iniciação
científica O Cogito e o Impensado: estudos de Direito, biopolítica e subjetividades. E-mail:
[email protected]
119
Graduanda em Direito pela Faculdade Damas da Instrução Cristã. Integrante do grupo de pesquisa e iniciação
científica O Cogito e o Impensado: estudos de Direito, biopolítica e subjetividades. E-mail:
[email protected]
120
Doutora em Direito pela UFPE. Mestre em Teoria do Direito e da Filosofia do Direito pela UFPE. Professora
da Graduação e do PPGD da Faculdade Damas da Instrução Cristã. Coordenadora adjunta da Graduação e Pós-
Graduação latu sensu. Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Iniciação Científica O Cogito e o Impensado:
estudos de Direito, biopolítica e subjetividades. E-mail: [email protected]
121
Adotamos o termo estigma numa perspectiva do sociólogo Erving Goffman.
No revenge porn, traduzido no português por “pornografia de vingança”, a vítima tem seu
conteúdo exposto na internet por meio de fotos ou vídeos íntimos sem o próprio
consentimento, mas por sentimentos revanchistas.
A presente pesquisa traz como problemática o estigma das vítimas mulheres no
revenge porn, analisando como as diferentes atribuições de gênero, pautadas no sexo
biológico, refletem em modelos de violência. Como segunda problemática, será investigado
se a ausência de tipificação penal corresponde a uma derivação da estrutura socialmente
construída, onde o modelo patriarcal imposto acaba por afetar a configuração do próprio
Direito Penal.
Os objetivos da pesquisa serão divididos em três ocasiões: em primeiro momento
delimitando a prática do revanchismo pornográfico enquanto uma derivação do modelo
patriarcal, que conduz a uma submissão de gênero. Em segundo momento, objetiva apresentar
como essa configuração patriarcal e a estrutura no ordenamento jurídico preenche o conteúdo
de um dispositivo de poder baseado no gênero. Como fase conclusiva, o terceiro objetivo da
pesquisa é para demonstrar a necessidade de uma ressignificação, uma análise crítica do
Direito Penal à luz de uma criminologia feminista.
Segundo pesquisas feitas pela Vice-Presidente da Cyber Civil Rights Initiative122,
Mary Anne Frank123, no ano de 2016, 90% das vítimas são mulheres, onde o conteúdo é, na
maioria das vezes, exposto por namorados inconformados com o término da relação afetiva.
Posto isso, o revanchismo pornográfico, que traz como vítima o corpo feminino, se revela
enquanto violência de gênero no contemporâneo, mas denuncia a construção apriorística de
uma estrutura social patriarcal, onde a imagem do feminino foi estrategicamente constituída
em submissão ao masculino.
A construção da identidade social feminina engloba atributos que o corpo feminino
deve possuir, que correspondem a determinadas expectativas de gênero. Essas expectativas
possuem relação indissociável com o sexo, que produz uma identidade.
Dessa forma, a problemática do revanchismo pornográfico não se localiza apenas na
122
Cyber Civil Rights Initiative (Iniciativa Cibernética pelos Direitos Civis) é uma instituição não-
governamental, sem fins lucrativos, que visa acolher as vítimas de revenge porn, fornecendo informações e
procedimentos necessários a serem tomados, além de apresentar depoimentos enviados por terceiros – de forma
anônima ou não -. A organização foi criada por Holly Jacobs, que foi vítima de revenge porn. Frequentemente,
a organização também faz levantamentos de dados sobre revenge porn, países que o tipificam enquanto uma
nova violência no campo virtual, a eficácia dessas leis nos respectivos países.
123
Mary Anne Frank is a legislative and Tech Policy Director & Vice-President, Cyber Civil Rights Initiative
Professor of Law, University of Miami School of Law.
violação da integridade corpórea, mas dos significantes estabelecidos através do sexo
biológico e que constituem a identidade feminina na logística patriarcal.
O revenge porn, além de denunciar a identidade social em uma logística patriarcal e
secundária, também revela uma violência de gênero no contemporâneo que conduz a um
dispositivo de poder. É a partir dessa violência de rede que é instaurado o que Michel Foucaulr
intitula por dispositivo de sexualidade (1988), que conduzem a estratégias de dominação.
A pornografia de vingança se mostra enquanto instrumento de controle e de poder,
onde, através do conteúdo divulgado que se operam as curvas de visibilidade e as curvas de
enunciabilidade do dispositivo, como identificou o filósofo Gilles Deleuze (1996). É por meio
do dispositivo que se implanta o controle-sujeição do corpo feminino e o direito (ou sua
negação) ao prazer, produzindo corpos sujeitados.
Atualmente, a prática revanchista pornográfica não constitui crime, pois não possui
previsão legal no Ordenamento Jurídico brasileiro, não podendo ser punido em observância
ao princípio da legalidade. A depender do caso concreto, atuais práticas revanchistas são
interpretadas como ilícitos civis, crimes contra a honra, crimes cibernéticos, pornografia
infantil em casos de vítimas crianças e adolescentes. Essa subsunção, além de representar uma
punição insuficiente, não trata especificamente a causa do revenge porn: os problemas de
gênero124.
Nesse contexto, cabe ao Direito acompanhar as novas demandas sociais. O
ordenamento jurídico não deve ser um conjunto de normas obsoletas e dissociadas ao seu
tempo histórico, mas deve ter o compromisso de regulamentar possíveis demandas do
contemporâneo.
Entre as atuais demandas sociais, o revenge porn expõe a urgência de se repensar a
estrutura do Direito Penal e a localização de uma nova violência de gênero. É importante
pensar que o Código Penal, de data 1940, tem se mostrado insuficiente para compreender e
atuar em face dos novos modelos de valência em uma sociedade de rede.
Contudo, essa ressignificação do Direito Penal passa por uma análise crítica da
participação feminina no cenário jurídico, tanto no cenário que contribui para elaboração das
leis, quanto para sua aplicação. Parece nos crer que a falta de representatividade feminina, de
forma legislativa e jurídicas, acaba por legitimar o modelo patriarcal, visto que o feminino
continuaria sendo regulamentado pelas normas feitas por homens.
124
Adotamos o termo supracitado – problemas de gênero – numa perspectiva da filósofa Judith Butler.
Sendo assim, para que a recepção do novo tipo penal produza resultados eficazes, se
faz preciso uma nova formatação do Direito que acompanhe uma perspectiva de gênero e,
principalmente, insira a mulher no âmbito político, legislativo e jurídico.
Para a construção da pesquisa, os suportes teóricos que sustentam a base do trabalho
serão: a filosofia de Michel Foucault para explicar a lógica de dispositivo de sexualidade e de
poder, ancorada nos trabalhos de Gilles Deleuze, que explica também a noção foucaultiana de
corpo-sujeição e, por fim, usar uma perspectiva contra dogmática, ao abordar a urgência de
uma criminologia crítica feminista.
Em termos de metodologia, a pesquisa apresenta, em primeiro momento, um aspecto
exploratório, usando o levantamento bibliográfico enquanto técnica de pesquisa, a partir de
análise entre artigos, textos livros. Em segundo momento, também será adotado a metodologia
qualitativa, pois foram apresentados determinados levantamentos de dados, baseado em
pesquisas referendadas, as quais a presente pesquisa tecerá críticas valorativas a partir destas.
2. O DISPOSITIVO DE PODER
No revenge porn, a noção de dispositivo deve ser também heterogênea, pois engloba
a prática revanchista do agressor – que corresponde a uma relação de poder e dominação -, as
práticas discursivas emitidas a partir da exposição do feminino, o significado contido no corpo
feminino e o masculino. O dispositivo é a rede que comportam as linhas de força, conduzem
a uma relação estratégica de dominação e denunciam as práticas que produzem subjetividades,
criando determinadas representações sobre o sujeito.
Gilles Deleuze, contemporâneo a Foucault, busca aprofundar a noção de dispositivo
desenvolvida, primordialmente, nas entrevistas de Michel Foucault. Com a pretensão de
elucidar e sistematizar a noção de dispositivo, Deleuze destaca os traços que delimitam os
dispositivos. Nesse sentido:
Cada dispositivo tem seu regime de luz, uma maneira como cai a luz, se esbate e se propaga,
distribuindo o visível e o invisível, fazendo com que nasça ou desapareça o objeto que sem ela
não existe. Se há uma historicidade nos dispositivos, ela é a dos regimes de luz – mas é também
a dos regimes de enunciado.
A segunda dimensão do dispositivo são as curvas de enunciabilidade, no jogo entre o
dito e o não-dito, representado não somente por práticas discursivas, mas também por
representações e significantes. No revenge porn, as curvas de enunciabilidade constituem um
dos resultados produzidos pela exposição da vítima. Geralmente a imagem feminina,
subjugada na prática de revenge porn, é rotulada por não corresponder às expectativas de
gênero construída socialmente, onde a mulher é privada do direito ao desejo. Essa ruptura de
expectativas produz enunciados que estigmatizam a vítima, que por vezes chega a culpabilizar
a vítima na agressão pornográfica por ter se deixado filmar.
A terceira dimensão do dispositivo foucaultiano, segundo Deleuze, seriam as linhas
de forças. São elas:
Em terceiro lugar, um dispositivo comporta linhas de forças. Dir-se-ia que elas vão de um
ponto singular a outro, nas linhas de luz e nas linhas de enunciação; de algum modo, elas
«retificam» as curvas dessas linhas, tiram tangentes, cobrem os trajetos de uma linha a outra
linha, estabelecem o vaivém entre o ver e o dizer, agem como flechas que não cessam de
entrecruzar as coisas e as palavras, sem que por isso deixem de conduzir a batalha. A linha de
forças produz-se «em toda a relação de um ponto a outro» e passa por todos os lugares de um
dispositivo. Invisível e indizível, ela está estreitamente enredada nas outras e é totalmente
desenredável. É a «dimensão do poder», e o poder é a terceira dimensão do espaço, interior ao
dispositivo, variável com os dispositivos. É uma linha composta com o saber, tal como o poder
O poder seria essencialmente o que, ao sexo, dita sua lei. O que quer dizer, primeiramente, que
o sexo se encontrado por ele sob um regime binário: lícito e ilícito, permitido e proibido. O que
significa, em seguida, que o poder prescreve ao sexo uma ‘ordem’, que funciona ao mesmo
tempo como forma de inteligibilidade: o sexo se decifra a partir de sua relação com a lei. O
que quer dizer, enfim que o poder age pronunciando a regra: a tomado do poder sobre o sexo
se faria pela linguagem ou melhor por um ato de discurso criando, do fato mesmo que se
articula, um estado de direito. Ele fala, e é a regra. ” (FOUCAULT, 1988, p. 119)
3. O DISPOSITIVO DE GÊNERO
Partindo para a filosofia de Judith Butler, “discursos, na verdade, habitam corpos. Eles
se acomodam em corpos, os corpos na verdade carregam discursos como parte de seu próprio
sangue” (2002). Com a invenção do corpo, foram atribuídos, de forma indissociável,
determinados discursos aos mesmos. É criado uma normatização em torno do corpo, onde lhe
é atribuído expectativas de ações e discursos para performar sua respectiva categoria de
gênero. Esses discursos são naturalizados com base nos argumentos tocantes ao sexo
biológico, como se o gênero feminino fosse obrigatoriamente equivalente ao sexo mulher,
desconsiderando construções sociais na própria esfera do sexo. Nesse sentido, Judith Butler
indaga que:
Resulta daí que o gênero não está para a cultura como o sexo para a natureza; ele também é o
mero discurso/cultural pelo qual “a natureza sexuada” ou “um sexo natural” é produzido e
estabelecido como “pré-discursivo”, anterior à cultura, uma superfície politicamente neutra
sobre a qual age a cultura (...). Assim, como dever a noção de gênero ser reformulada, para
abranger as relações de poder que produzem o efeito de um sexo pré-discursivo e ocultam,
desse modo, a própria operação da produção discursiva? (BUTLER, 1990, p. 23-24)
Posto isso, o dispositivo de gênero põe em xeque não somente as formas de poder
impostas pelo gênero, mas também a construção do sexo no qual age a cultura. O discurso, no
revenge porn, não é somente quanto às expectativas de gênero que negam à mulher o direito
ao desejo, mas também a problemática do sexo
É socialmente criado que as mulheres não podem ter pulsões sexuais da mesma forma
que os homens, sendo negado a elas o direito ao desejo. Essa construção, por vezes, é afirmada
no aspecto biológico, onde o homem supostamente possuiria um instinto sexual. Já a mulher
possuiria o atributo sexual exclusivamente ligado à reprodução. Nesse sentido, observa
Fabíola Rohden:
O desejo sexual feminino tornou-se potencialmente perigoso, e as mulheres que cedem aos
atrativos sexuais são caracterizadas como fáceis, como aquelas que não obtêm controle sobre
seus próprios corpos e vontades. Consequentemente a autonomia sexual das mulheres é vista
como uma ameaça à moral, à civilização e claro, à família (ROHDEN, 2001)
Esses discursos que são dissimulados pelo suposto saber biológico possuem a
pretensão de estabilizar as atribuições de gênero e o controle ao desejo, reforçando a categoria
identitária intrinsicamente ligada ao sexo biológico que, por consequência, criam supostas
evidências de gênero. Tania Navarro Swain pontua que:
As “evidências” são, também, construídas, de modo que, ao questionar a concretude dos corpos
biológicos, vemos um conjunto em dissolução: um corpo em mutação, atravessado pelo sexo,
invadido por um sentido unívoco do humano. Como o sexo designa uma identidade? Que
significa esse sexo que caracteriza meu ser? Seria o corpo uma superfície pré-discursiva, pré-
existente, que sofre as coerções, as disciplinas, a modelagem social? Ou uma construção social
que lhe confere imagem e forma? (...)
“Quando você sofre um crime de internet, sofre três dores: a da traição da pessoa que você
amava, a vergonha da exposição e a dor da punição social. As vítimas deste tipo de crime são
responsabilizadas pela maioria das pessoas, enquanto o agressor ainda é poupado pela
sociedade machista. ”
- Rose Lionel, jornalista e fundadora da ONG Marias da Internet, em depoimento no Fórum
Fale sem Medo de 2014.
A partir das pesquisas acima citadas, é possível deduzir pelos números publicados que
as mulheres vítimas de revanchismo pornográfico sofrem perdas tanto no âmbito privado
como no âmbito público social. Esses efeitos ocorrem devido a amplitude de propagação que
a divulgação do material íntimo alcança, podendo atingir setores sociais diversos, dentro ou
fora das redes sociais. O agressor possui plena consciência das consequências que a prática
revanchista pode causar e ainda assim opta pela exposição online, onde os expectadores
auxiliam na exibição do conteúdo íntimo, no potencial de alcance e lesividade, afetando
diretamente a vítima, como mostram os dados supracitados.
125
Quanto a criminologia feminista, dizem Heidensohn e Gelsthorpe: “A criminologia feminista, como uma das
especificações científicas da teoria feminista, objetiva “fazer visível o invisível”, trazendo à lente todas as formas
de gênero a partir da evidenciação da lógica patriarcal que rege a cultura” (2007, p. 382).
No revenge porn, a criminologia crítica feminista se faz fundamental por apresentar uma formatação
contradogmática, ao desconstruir a logística patriarcal desde a formatação das leis penais e participação feminina
na elaboração das leis até a participação das mulheres na política. O atual ordenamento jurídico é insuficiente,
tanto por não apresentar tipificação própria para casos de revenge porn, quanto por não dialogar com teorias
feministas acerca da desigualdade de gênero.
sendo a justiça brasileira domada pela aristocracia masculina. Pesquisa feita pelo Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) mostra que, em março de 2017, apenas 37,7% do Magistrado são
mulheres126.
Fonte: IBGE. Estatísticas de gênero – Indicadores sociais das mulheres no Brasil 08 de junho de 2018.
Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101551_informati vo.pdf> Acesso em 23
set. 2018.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
126
Levantamento feito pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ), órgão do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ). O número foi extraído do Módulo de Produtividade Mensal, sistema mantido pelo CNJ e alimentado
regularmente por todos os tribunais.
à luz da criminologia crítica feminista, com o objetivo de desvincular as atuais formas de
dominação imposta ao gênero feminino pela aristocracia patriarcal detentora da posição de
poder que impedem o reconhecimento da importância de atender as novas formas de violência
de gênero.
REFERÊNCIAS
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mulher como sujeito de construção da cidadania. In: CAMPOS, Carmen Hein de.
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SALIH, Sara. Judith Butler e a teoria queer. Belo Horizonte, Autêntica Editora, 2012.
RESUMO
INTRODUÇÃO
127
Trabalho submetido ao GT 4 – Gênero(s) e Diversidade Sexual no Direito.
128
Graduada em Direito pela Universidade de Pernambuco – UPE Arcoverde. Aluna da Iniciação Científica
Voluntária em Gênero e Direito da UPE Arcoverde sob a orientação do professor Fernando Cardoso. E-mail:
[email protected]
129
Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica-Rio de Janeiro. Professor da UPE Arcoverde.
Orientador da Iniciação Científica Voluntária em Gênero e Direito da UPE Arcoverde. E-mail:
[email protected]
à ressignificação do conhecimento científico, sem descurar da caracterização das Ciências
Humanas e Sociais Aplicadas enquanto áreas de vocações teóricas e metodológicas
incipientes em relação às disciplinas das Ciências Exatas e da Saúde.
Neste intento, o presente subprojeto assume uma perspectiva diversa da que predomina
nos estudos bibliométricos habituais, direcionados a realizar o que se convencionou
denominar de “pesquisa na pesquisa”130. Diferentemente, busca-se apresentar o panorama
sobre a inserção dos estudos de gênero no direito, considerando não o que se tem produzido
sobre esses campos, mas a partir da institucionalização de Grupos de Pesquisa (GPs)
registrados no Diretório Nacional de Grupos de Pesquisa – Plataforma Lattes – do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (DNGP)131, que possuam linhas de
pesquisa direta ou indiretamente ligadas às duas categorias centrais eleitas e especificadas
anteriormente.
O texto constrói um panorama sobre os seguintes eixos: i) Identificação dos Grupos
de Pesquisa que se dedicam estudo de questões de gênero no direito, a partir do banco de
dados do Diretório Nacional de Grupos de Pesquisa (DNGP-CNPq); ii) Apresentação das
diferentes subáreas do saber nas quais se insere o estudo questões de gênero no direito, no
Brasil; e iii) Relação das distintas linhas e eixos de pesquisa que se dedicam à investigação da
categoria gênero no Direito no Brasil.
É nesse sentido que a problemática de pesquisa eleita é: Qual o panorama de
institucionalidade de Grupos de Pesquisa, áreas do conhecimento e respectivas linhas de
pesquisa que tematizam gênero e direito no Brasil? Junto a essa questão, outras surgem: A
institucionalidade de GPs sobre gênero e direito no Brasil é diretamente relacionada à pesquisa
em Pós-graduação? Que subáreas são articuladas nos GPs em Direito que tematizam questões
de gênero? O que distribuição geográfica dos GPs revela sobre a pesquisa jurídica em gênero
no Brasil?
A importância em evidenciar como vêm se institucionalizando os espaços de pesquisa
jurídica voltados às questões de/em gênero no Brasil pode contribuir com a visualização dos
níveis, distribuição geográfica e institucional dos espaços dedicados a essa área, assim como,
acerca das subáreas com as quais se têm dialogado, possibilitando compreender as diferentes
interfaces construídas com outras áreas do saber e, principalmente, revelando a inclinação da
130
Ideia de que um conjunto de estudos produzidos pode ser objeto de análise, na busca por investigar-se as
linearidades de um determinado assunto em uma área do saber específica.
131
Endereço oficial: http://lattes.cnpq.br/web/dgp.
pesquisa jurídica contemporânea em dialogar com temas relacionados a minorias sociais.
Assim, o objetivo geral da presente pesquisa é: mapear o panorama de
institucionalidade de Grupos de Pesquisa, subáreas do conhecimento e respectivas linhas de
pesquisa que tematizam gênero e direito no Brasil.
Como objetivos específicos, tem-se: identificar os Grupos de Pesquisa que se dedicam
estudo de questões de gênero no direito, a partir do banco de dados do Diretório Nacional de
Grupos de Pesquisa (DNGP-CNPq); apresentar as diferentes subáreas do saber nas quais se
insere o estudo questões de gênero no direito, no Brasil; e relacionar as distintas linhas e eixos
de pesquisa que se dedicam à investigação da categoria gênero no Direito no Brasil.
Quanto à abordagem, perfazemos a concepção de uma pesquisa mista, quali e
quantitativa. Aqui, as informações alcançadas são categorizadas e analisadas pela dedução e
interpretação das informações, a partir de categorias analíticas. Dialogando com o método e
frente aos objetivos eleitos, se desdobra em um estudo exploratório e descritivo.
Sobre o universo e a coleta de dados, esta pesquisa é delimitada pela análise do registro
de Grupos de Pesquisa no Diretório Nacional de Grupos de Pesquisa – Plataforma Lattes – do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, ligados a área de
conhecimento do Direito, assim, trata-se de uma investigação de caráter bibliométrico (CAFÉ;
BRÄSCHER, 2008). O universo da pesquisa está circunscrito a uma base de dados, a do
DNGP do CNPq, em específico, sobre os GPs na área do Direito que em seu título ou descrição
haja expressa menção ao estudo de questões de gênero. A sistematização quanto à busca e
análise das informações no DNGP se institui a partir de descritores, quais sejam: “gênero”
e/ou “sexualidade”, “direito”.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
132
O termo “estudos de gênero” é usado neste subprojeto enquanto sinônimo à subárea do saber que se dedica a
compreender/investigar a vulnerabilidade de grupos sociais subalternizados a parti de marcadores ligados a sua
condição de gênero e/ou de sexualidade.
reflexão jurídica sobre a sociedade (LAURETIS, 1989; SCOTT, 1995) e, consequentemente,
buscar possibilitar a consolidação de espaços que afirmem essa agenda renovada de pesquisa
e produção do conhecimento (CARVALHO; CARDOSO, 2015; MIGNOLO, 2006a, 2006b).
A justificativa à realização desta pesquisa é decorrente do conjunto de estudos
empíricos aos quais os autores atualmente têm se dedicado, nos quais tem buscado relacionar
estratégias de análise e de compreensão do Direito, especialmente em suas interfaces com os
direitos humanos e temas interdisciplinares.
Assim, o tema aqui proposto também parte do fundamento de que compreender como
os espaços de investigação jurídica, no Brasil, privilegiam e relacionam em suas linhas e
subáreas de pesquisas as intersecções e temáticas de gênero(s), perfaz uma vertente pouco
explorada nas investigações em direito que se utilizam de estudos bibliométricos, tendo, além
da análise de produções bibliográficas, a compreensão da institucionalidade de espaços,
linhas, afiliação institucional, distribuição geográfica e subáreas do saber como universo
potencial à revelação de importantes dados.
Recuperar os trajetos adotados por instituições e pesquisadores/as brasileiros que se
dedicam ao estudo de questões de gênero no Direito quanto à institucionalidade de Grupos de
Pesquisa e demais elementos que o cercam, pode contribuir com a compreensão das vertentes
e tendências da pesquisa em Direito no Brasil.
17%
Gênero
Sexualidade
Gênero e sexualidade
72%
13,89%
12,5%
Fonte: Dados provenientes da pesquisa.
17,64%
Região Nordeste
Região Sul
Região Sudeste
58,82% 23,52%
Região Nordeste
50%
Região Sul
Região Sudeste
25%
133
As tabelas trazem uma melhor disposição dos dados estatísticos quando se trabalha com muitas variáveis –
neste caso, com os Estados brasileiros.
Sergipe 4 5,55%
Ceará 2 2,78%
Maranhão 1 1,39%
Alagoas 1 1,39%
Rio Grande do Sul 1 1,39%
Mato Grosso do Sul 1 1,39%
Fonte: Dados provenientes da pesquisa.
Devido ao grande número de instituições de ensino (52 IES) que tematizam gênero e
direito no Brasil, fizemos as análises em tabela. A maioria das instituições aparece apenas
uma vez na pesquisa com 1 grupo (1,39%). O destaque por IES está com a PUC-RIO que
aparece 4 vezes juntamente com a UnB. A UFRJ, a USP e a UNESP figuram 3 vezes na lista.
Repete-se o fenômeno das outras análises: a Região Sudeste demonstrando força nos GPs
sobre gênero e direito. A UNIT, por sua vez, do Grupo Tiradentes, apresenta 3 grupos.
Com ambos os descritores, os percentuais são uniformes. Cada uma das instituições
presentes na tabela acima possui 1 grupo cadastrado no CNPq, o que corresponde a 25% do
total de 4 GPs. As IES são de Minas Gerais, Santa Catarina, Bahia e do Grupo Tiradentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BRAND, Ulrich. Estado e políticas públicas: sobre os processos de transformação. In: LANG,
Miriam et al. (Org.). Descolonizar o imaginário. Debates sobre pós-extrativismo e
alternativas ao desenvolvimento. São Paulo: Elefante, 2016. p. 123-137.
LAURETIS, Teresa de. La tecnología del género. London: Macmillan Press, 1989.
RODRIGUEZ, J. R. Como decidem as cortes? Para uma análise crítica do direito (brasileiro).
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013.
SABADELL, Ana Lucia. Manual de Sociologia Jurídica: introdução a uma leitura externa
do direito. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Toward a New Common Sense: Law, Science and Politics
in the Paradigmatic Transition. New York: Routledge, 1995.
______. Poderá o direito ser emancipatório? Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 65, mai.
2003, p. 03-76.
______. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. In: ______
(Org.). Conhecimento prudente para uma vida decente: ‘um discurso sobre as ciências’
revisitado. São Paulo: Cortez, 2004. p. 777-821.
______. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de sabres. In:
______; MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias do Sul. Coimbra: CES, 2009.
SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação &
Realidade. Porto Alegre, v.20, n.2, p.71-99, jul./dez. 1995.
CASAMENTO CIVIL E UNIÃO ESTÁVEL DE CASAIS HOMOAFETIVOS:
uma análise da tutela estatal dos direitos de minorias sob a perspectiva do ativismo
judicial 134
RESUMO
Durante o transcorrer dos séculos a humanidade teve como fito precípuo a obtenção de direitos
essenciais para viver com dignidade. Dentre os marcos históricos dessa luta hercúlea, tem-se
a Revolução Francesa e os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, que deram o tom para
os reclames sociais que objetivaram pôr fim as atrocidades cometidas por um governo feroz e
que durante anos tolheu as prerrogativas mínimas do povo. Em virtude dos importantes
remanescentes históricos e sociais desse movimento em contraponto com a inquietude
vivenciada hodiernamente no ordenamento jurídico pátrio, faz-se necessária a análise
pormenorizada das causas e consequências que o impulsionaram. Além disso, torna-se
imperiosa a correlação das dimensões constitucionais com o princípio da dignidade da pessoa
humana, assim como a revisão da atuação contundente do Poder Judiciário em vista do
princípio da separação de poderes. Isso, porque, o presente trabalho tem como objetivo buscar
nas normas jurídicas supramencionadas o aparato necessário para firmar o ativismo judicial
como ferramenta de consolidação dos direitos de minorais, em especial, aqueles cuja
regulamentação estatal esbarram em obstáculos de ordem moral, como, por exemplo, o
casamento civil e a união estável entre pessoas do mesmo sexo.
INTRODUÇÃO
As mutações sociais requerem por parte do ordenamento jurídico uma evolução que
atenda os seus reclames de modo que os indivíduos que constituem tal corpo social não
estejam desamparados frente as querelas que surjam em suas vidas. Dito isso, não seria uma
hipérbole afirmar que em vista do processo legislativo necessário para a aprovação de uma
lei, bem como, em razão da dificuldade que se tem em provocar o debate no Poder Legislativo
acerca de determinados temas, que é impossível para o sistema normativo acompanhar na
134
Grupo de Trabalho: Gênero(s) e Diversidade Sexual no Direito.
135
Graduanda em Direito pela Autarquia de Ensino Superior de Garanhuns (AESGA). Estagiária do Ministério
Público Federal (MPF) na Procuradoria da República em Garanhuns/PE. E-mail: [email protected].
136
Doutoranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). E-mail: [email protected].
137
Graduando em Direito pela Autarquia de Ensino Superior de Garanhuns (AESGA). E-mail:
[email protected].
mesma velocidade que a sociedade os eventos que nela ocorrem.
Entretanto, ainda que essa seja uma verdade, os pleitos judiciais daqueles que buscam
a solução de lides com conteúdo não previsto na legislação do país precisam obter uma
resposta por parte do Estado-juiz, não podendo o Judiciário quedar-se inerte. Em decorrência
dessa necessidade, o surgimento do fenômeno denominado ativismo judicial começou a ser
observado em alguns países.
Em apertada síntese, para Barroso (2015) esta ocorrência encontra-se conectada a
uma postura proativa do Poder Judiciário, que, através de seus tribunais superiores, formula
pareceres que servem de norte para os juízes de primeiro grau atenderem as suas demandas
com o mínimo de respaldo legal, combatendo assim, uma possível insegurança jurídica.
E é adentrado nessa seara que alcança-se como objeto deste trabalho a análise
jurisprudencial no tocante ao casamento civil e a união estável entre pessoas do mesmo sexo
através dos enunciados elaborados pelo Supremo Tribunal Federal, assim como as disposições
trazidas pelo Superior Tribunal de Justiça e o Conselho Nacional de Justiça. Não obstante,
promover-se-á tal pormenorização por meio da explanação acerca do fenômeno jurídico
denominado ativismo judicial, a fim de ratificar a necessidade de sua utilização para garantir
o acesso de direitos fundamentais pelas minorias.
Para tanto, percorrer-se-á brevemente a história do constitucionalismo a fim de
identificar em suas dimensões possíveis argumentos que possam legitimar as ações desses
órgãos justificando, assim, o ativismo do Judiciário, como também tratar-se-á brevemente da
separação de poderes e dos pareceres constitucionais vinculantes como forma de distinguir os
argumentos das correntes produzidas por esse fenômeno e em última instância, falar-se-á das
circunstâncias em que se deu o ativismo judicial e o resultado disso a partir da análise da
legalização do matrimônio homoafetivo.
Outrossim, destaca-se que a referida análise ocorrerá através do emprego de
procedimento metodológico de cunho exploratório, conforme preceituações de Antônio
Carlos Gil (2017), que informa a utilização de acervo de escritos na elaboração do texto, e
também de Antônio Joaquim Severino (2016), que assevera a importância desta espécie de
metodologia para sedimentar o conteúdo apreendido. Acerca da técnica, empregar-se-á a
pesquisa bibliográfica, que, de acordo com ensinamentos de Lakatos e Marconi (2016), traz
aporte teórico, conferindo assim, lastro à pesquisa exploratória.
Nesse ínterim, buscar-se-á responder alguns questionamentos pertinentes a temática,
de forma a justificar a imprescindibilidade de tratar sobre o tema em comento, dentre os quais,
encontram-se: o princípio da separação dos poderes implica em argumento refreador da
vinculação das decisões extensoras de direitos emitidos pelos tribunais superiores? Se sim, a
sua aplicação plena poderia ocasionar o tolhimento de direitos fundamentais das minorias em
decorrência do obste a legitimidade dessas decisões, como no caso do casamento civil e união
estável entre pessoas do mesmo sexo? Em suma, acredita-se que é salutar trilhar este caminho
para que não só se possa debater sobre um tema que é deveras atual – e polêmico –, como
também, contribuir com toda a comunidade jurídica.
O descaso para com os problemas sociais, que veio a caracterizar o État Gendarme,
associado às pressões decorrentes da industrialização em marcha, o impacto do
crescimento demográfico e o agravamento das disparidades no interior da sociedade,
tudo isso gerou novas reivindicações, impondo ao Estado um papel ativo na
realização da justiça social. O ideal absenteísta do Estado liberal não respondia,
satisfatoriamente, às exigências do momento. Uma nova compreensão do
relacionamento Estado/sociedade levou os Poderes Públicos a assumir o dever de
operar para que a sociedade lograsse superar as suas angústias estruturais.
Todavia, é sabido que mesmo com a postura proativa do Estado como prestador de
serviços à sociedade, no transcorrer dos anos uma nova inquietação alcançou o povo, desta
vez, a força propulsora para essa nova movimentação foi a preocupação com o futuro do
mundo. Esse sentimento se tornou evidente com o fim da Segunda Guerra Mundial, pois
percebeu-se que não bastava ter acesso aos direitos fundamentais já conquistados se a paz, a
justiça e o comportamento ético-moral não fossem nortes a ser seguidos pelas Nações. A
fraternidade era, então, o ponto final a ser conquistado da tríplice formada pelo lema originado
na Revolução Francesa.
Considerados majoritariamente pela doutrina como sendo direitos do gênero
humano, essa terceira dimensão recebe o seguinte comentário de Bonavides (2014, p. 584):
A monarquia absolutista trouxe com ela a ideia de poder ilimitado para o monarca
que se confirmava através da máxima the king can do no wrong. Diante desse quadro de
intensa inconsciência do rei e das condições precárias que o povo vivia, um levante que visava
a derrubada dessa soberania foi feito. Ao sair da denominada era do Estado Absolutista e
adentrar para a de Direito, observou-se uma intensa movimentação intelectual no sentido de
estabelecer para os representantes do povo preceitos norteadores que refreassem os possíveis
abusos e que limitassem a atuação estatal.
Todavia, ainda que o Estado fosse subjugado à Lei conforme conceituava o princípio
da legalidade, havia a necessidade de distribuir o poder para que ele não ficasse concentrado
nas mãos de uma única pessoa como ocorria na época que o rei era tido como instância única
e suprema de um país. Em decorrência disso, deu-se o surgimento da tripartição de poderes
cujo desenvolvimento feito por Montesquieu durante o Iluminismo teve como influência além
de uma antiga ideia concebida por Aristóteles para ser aplicada na pólis, os ensinamentos do
filósofo inglês John Locke, conforme preleciona Bernardo Gonçalves Fernandes (2015).
Acerca da concepção de Aristóteles para a constituição mista, Nuno Piçarra (1989,
p. 35) informa: “[...] será aquela em que os vários grupos ou classes sociais participam do
exercício do poder político, ou aquela em que o exercício da soberania ou o governo, em vez
de estar nas mãos de uma única parte constitutiva da sociedade, é comum a todas.”
Diante do exposto, nota-se que o foco central do princípio da separação de poderes é
atribuir a cada um dos poderes constituídos não só funções típicas para executarem em um
Estado, como também, atípicas, de modo que a cargo do Executivo, Legislativo e Judiciário,
esteja não só no controle da execução das seus próprias prerrogativas, como também, no
exercício do refreamento das demais que não são de sua titularidade.
Tem-se nesse mecanismo uma forma de dar vida à teoria checks and balances, onde
através de um sistema de freios e contrapesos não haja a ameaça da ascensão do absolutismo
sob a égide de um Estado de Direito que visa, sobretudo, a permanência do espírito
democrático, bem como, da liberdade adquirida.
Nesse sentido, para Dirley da Cunha Junior (2008), o poder como limitador do poder
evidencia a necessidade de controle para que não haja um desequilíbrio entre os poderes
estabelecidos pela Constituição, de modo que ainda que cada um tenha as suas próprias
atribuições, possam atuar de modo similar nas esferas que essencialmente não lhe competem.
No que tange à sua recepção pelo direito nacional, é mister salientar que o princípio
da separação de poderes no Brasil é elencado no rol de preceitos fundamentais onde se torna
pilar da organização estatal. Previsto no artigo 2º da Lex Magna e assegurado como cláusula
pétrea no artigo 60, pode-se observar a determinação categórica de que os poderes são
independentes ainda que tenham que agir de forma harmônica entre si.
Se é exato asseverar que o princípio da separação dos poderes vem como uma forma
de acautelar a liberdade e impedir as arbitrariedades por parte do Estado para com o seu povo,
também é certo que a responsabilidade por assegurar a efetivação dos direitos e garantias
fundamentais dos indivíduos da sociedade está vinculada ao Poder Judiciário.
Nesse sentido é o posicionamento de Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco
(2012, p. 172): “A vinculação das cortes aos direitos fundamentais leva a doutrina a entender
que estão elas no dever de conferir a tais direitos máxima eficácia possível.” Ao obter essa
atribuição, o Judiciário conquista um papel de destaque quanto às decisões de grande
relevância moral e política para o país.
Barroso (2015) define esse fenômeno como sendo uma judicialização e não como
ativismo judicial como se supõe a priori. Para o autor, a principal diferença entre essas teorias
está naquilo que concerne à interpretação extensiva de direitos deste último em detrimento do
posicionamento de cunho finalista acerca de debates relevantes que caracteriza o primeiro.
De acordo com o doutrinador prefalado (2015, p. 439), a judicialização se origina a
partir das seguintes razões:
Ainda que essas razões possam ser observadas nas motivações que circundam o
ativismo judicial, é salutar diferenciar os dois fenômenos para que se entenda o porquê da
judicialização ser aceita enquanto que o papel desempenhado pelos ativistas na atualidade é
rechaçado não só pela sociedade, como também, pelos demais poderes. Nesse sentido, a Corte
Constitucional como órgão balizador do direito almejado daquele possível de ser conquistado
em vista dos que já foram reconhecidos pelo ordenamento jurídico, mostra que, em que pese
os remanescentes históricos onde nota-se a dificuldade do Poder Judiciário em se firmar
138
como poder essencial para atender as exigências feitas pela sociedade ao Estado, o seu
fortalecimento é algo inequívoco.
138 Ultrapassada a fase do Estado Legislativo de Direito, percebem-se importantes acontecimentos históricos
que influenciaram na pleno execução das funções do Poder Judiciário. No Brasil, não se pode olvidar da época
da Ditadura Militar onde o Poder Executivo passou a controlar os demais poderes constituídos de modo a retirar
dos mesmos, grande parte de sua força de atuação.
Um dos marcos para a atuação mais incisiva deste poder no Brasil foi a aprovação da
Emenda Constitucional nº 45 de 2004, que proporcionou uma profunda reforma no Poder
Judiciário, trazendo à Lex Magna, entre outras modificações, a inserção do artigo 103-A que
prevê a criação de súmulas vinculantes por parte do Supremo Tribunal Federal para disciplinar
questões de grande relevância social cujas decisões foram discutidas reiteradamente. Seu
caráter pacificador possui efeito erga omnes, não possibilitando a sua inobservância por parte
139
dos demais juízes sem que isso gere uma consequência para o magistrado após o órgão receber
a reclamação acerca dessa decisão.
Todavia, esse não é o único meio vinculante de posicionamentos do STF. Isso,
porque, através do controle concentrado de constitucionalidade previsto no artigo 102, I em
sua alínea a, tem-se uma importante ferramenta para retirar do ordenamento jurídico qualquer
traço que contrarie os preceitos constitucionais através do processamento e julgamento da
denominada Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), que será melhor compreendida a
partir das inferências pontuadas no tópico infra explanado.
139 Não se pode olvidar, porém, que há uma lei que regulamenta as súmulas vinculantes, qual seja, a Lei nº
11.417 de 2006. No referido texto legal é possível verificar a possibilidade de modular essas súmulas por parte
dos legitimados.
principal da discussão que se tem acerca do tema: a legitimidade das autoridades judiciais para
atuarem de maneira proativa em face às competências dos demais poderes constituídos.
Dito isso, tem-se em um primeiro momento o atrelamento do grande destaque da
atuação do Poder Judiciário à descrença que se tem no que tange a boa execução das funções
do Poder Legislativo, principalmente no que se refere a inovação das leis de acordo com a
evolução da sociedade e de suas necessidades.
Entre as principais razões que justificam esta ocorrência tem-se o partidarismo
radical – a partir do qual registram-se interferências oriundas dos interesses políticos que se
refletem no modo de atuação dos parlamentares e que conferem ao poder legiferante certa
inércia que cobra por ser reparada –, bem como, as posições ideológicas inerentes a cada um
dos seus componentes que não permitem um posicionamento imparcial acerca de situações
atuais e urgentes, tais como, o aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a utilização
de células tronco embrionárias em pesquisas. Principalmente, porque se posicionar a favor
dessas causas pode representar um risco às suas carreiras dentro do Parlamento ameaçando,
pois, a representatividade dos seus respectivos partidos políticos.
Atribuindo-se ao judiciário a responsabilidade por dirimir a instabilidade social
causada pela ausência de produtividade do Legislativo, tem-se a necessidade inequívoca da
atuação mais incisiva deste poder, iniciando, portanto, a execução do ativismo judicial, que,
nos dizeres de Luís Roberto Barroso (2015, p. 442): “se instala em situações de retração do
Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil,
impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva.”
Em vista do imbróglio causado pelo Poder Legislativo estar em um estado de
negativismo, não são raras as situações em que juízes de todo um país veem seus gabinetes
amontoados de ações judiciais cujos pedidos principais não têm os direitos requeridos
estampados claramente na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tampouco
possuem previsão legal infraconstitucional em decorrência de uma clara submissão das
necessidades da minoria à discordância expressada por uma maioria que emite suas opiniões
de acordo com preceitos embasados na religião, bem como em padrões sociais pré-
concebidos.
Todavia, mesmo na ausência de um amparo legal efetivo, um dos princípios inerentes
à atividade jurisdicional não permite que o juiz deixe de apreciar a demanda e de resolver a
lide em questão, qual seja: o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Ou seja, ainda que o
órgão responsável por legiferar não se posicione acerca de um direito, o Judiciário não poderá
deixar de atender aqueles que buscam o seu amparo tornando sua a responsabilidade de
assumir o protagonismo no que tange a obtenção de direitos.
O princípio supramencionado está previsto no ordenamento jurídico brasileiro e
sacramentado no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal de 1988. Do teor do texto legal,
torna-se evidente que a lei não poderá excluir do indivíduo o seu direito de solicitar que o
Estado, enquanto juiz, analise a lesão ou ameaça de lesão que lhe foi imputada de alguma
forma, não podendo ele declinar de sua função pois se o fizesse também estaria obstruindo o
seu acesso à justiça.
No entanto, não basta apreciar, é necessário que a solução mais justa para os
interessados seja fornecida, o que pode ficar em risco com a falta da devida regulamentação
no ordenamento jurídico acerca desses assuntos, já que as decisões judiciais podem se tornar
díspares, causando grande insegurança jurídica. No Brasil, ainda que haja opções para reparar
essas lacunas a partir da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), entre os
litigantes há o sentimento de que estão à mercê da interpretação do juiz que pode partir de um
posicionamento pessoal se não houver uma jurisprudência vinculante.
Ante essa questão, está claro que a insegurança jurídica ainda se faz presente no
Poder Judiciário brasileiro, principalmente em decorrência da pluralidade nos costumes e no
avanço isolado que determinadas regiões possuem em detrimento de outras, dificultando, pois,
a interpretação uniforme da legislação por parte dos juízes. Todavia, este não pode ser um
argumento válido para permitir que esse comportamento se perpetue, sendo necessária uma
maior fiscalização acerca das fundamentações utilizadas no momento da prolação da sentença,
haja vista o conteúdo do art. 93, IX da Constituição Federal.
Corolário a este aspecto é devido o realce de que mesmo as maiores críticas ao
ativismo judicial se originarem nos argumentos dos defensores da separação tripartite de
poderes, o que por vezes queda-se oculto é a insatisfação oriunda de dentro do próprio Poder
Judiciário. Isso porque ao ser gerada uma vinculação por parte dos tribunais superiores,
acredita-se que o juiz comum tem uma das principais características da jurisdição tolhida, isto
é, a atividade criativa.
Entretanto, não se pode colocar esse traço jurisdicional à frente da necessidade da
segurança que a sociedade exige por parte do Judiciário, entendendo-se, pois, como um
atributo que se não relativizada, seja ao menos, vista sob um olhar que traga a fundamentação
da sentença como algo essencial.
Essa exigência na atuação incisiva por parte dos tribunais superiores lhes confere um
caráter expositivo muito maior visto que lhes recai a responsabilidade de não permitir que
injustiças sejam cometidas por falta de um posicionamento a respeito dos clamores sociais. O
jurista italiano Mauro Cappelletti (1999, p. 98) ensina:
Essa evidenciação dos membros das cortes constitucionais os coloca em uma posição
difícil quando seus votos tratam de situações sensíveis de serem discutidas pelo corpo social.
Um dos principais exemplos que se tem acerca desta temática encontra-se naquilo que
concerne a união estável e o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
Em uma análise preliminar, é possível perceber que nos últimos anos há uma grande
movimentação jurídica no sentido de debater o direito de constituir família dos homoafetivos
por toda a América Latina. Enquanto que em alguns países o avanço se dá ainda que de modo
cauteloso, outras nações como a Argentina, o Brasil, a Colômbia e o Uruguai caminham para
uma importante efetivação do tratamento isonômico dos indivíduos de seu povo.
De acordo com artigo da Revista Veja (2017), não se pode olvidar, porém, que ainda
é detectável uma estagnação do processo de reconhecimento desses direitos em determinadas
localidades, como é o caso da Guiana, que não só proíbe a homoafetividade, como também, a
pune com pena de prisão que poderá, inclusive, ser perpétua.
Ato contínuo, ao esmiuçar a Constituição da República Federativa do Brasil observa-
se que o Capítulo VII traz preceitos basilares acerca da família. No artigo 226, por exemplo,
o constituinte sedimenta a unidade familiar como sustentáculo social, de modo a merecer a
proteção estatal para assegurar a sua existência. Ocorre que em vista do teor do §3º, diversas
discussões acerca da constituição da família foram travadas no transcorrer dos anos,
principalmente, no tocante ao reconhecimento do casamento e da união estável entre pessoas
do mesmo sexo.
Isso, porque, o texto constitucional pontua a entidade familiar como resultado da união
entre o homem e a mulher, ensejando assim, uma possível interpretação extremada na qual o
constituinte vedaria a existência de composição de família diversa dos padrões heterossexuais.
Todavia, hodiernamente esse entendimento encontra-se superado, inclusive, o Supremo
Tribunal Federal ratificou a possibilidade de outras formações de família legítima, apesar da
omissão do constituinte.
140
140
Acerca da omissão constitucional supramencionado, o Min. Luís Roberto Barroso no RE 878694 (2016, p. 8)
assevera: "'[...] Não por outro motivo, a Carta de 1988 expandiu a concepção jurídica de família, reconhecendo
expressamente a união estável e a família monoparental como entidades familiares que merecem igual proteção
do Estado. Pelas mesmas razões, esta Corte reconheceu que tal dever de proteção estende-se ainda às uniões
homoafetivas, a despeito da omissão no texto constitucional."
141 Não se deve esquecer, porém, da ADPF nº 132/RJ haja vista que esta arguição teve como argumento
principal o fato de que a não permissão da união homoafetiva violava preceitos fundamentais, devendo, então, o
STF aplicar por analogia o artigo 1.723 aos funcionários públicos do estado do Rio de Janeiro que quisessem
estabelecer esse tipo de união.
[…] este Plenário terá bem mais abrangentes possibilidades de, pela primeira vez no
curso de sua longa história, apreciar o mérito dessa tão recorrente quanto
intrinsecamente relevante controvérsia em torno da união estável entre pessoas do
mesmo sexo, com todos os seus consectários jurídicos. Em suma, estamos a lidar
com um tipo de dissenso judicial que reflete o fato histórico de que nada incomoda
mais as pessoas do que a preferência sexual alheia, quando tal preferência já
não corresponde ao padrão social da heterossexualidade. É a velha postura de
reação conservadora aos que, nos insondáveis domínios do afeto, soltam por inteiro
as amarras desse navio chamado coração.
Ao decidir favoravelmente para a extensão dos direitos da união estável para os casais
homoafetivos, os juristas brasileiros demonstraram com precisão o fito precípuo de garantir
que os indivíduos que vivem no país estejam em uma sociedade não só pluralista como
também respeitosa para com a minoria.
No que se refere ao matrimônio, observa-se uma interessante peculiaridade, qual seja,
não foi a suprema corte que efetivou diretamente este direito, mas sim o Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) através da Resolução nº 175 de 2013. Frisa-se o aspecto “direto” visto que
os já referidos posicionamentos do Excelso com relação à união estável consubstanciado com
o julgamento do Recurso Especial de nº 1.183.378/RS por parte do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) se tornaram, pois, fundamentos para que o Conselho, de posse da competência
prevista no artigo 103-B da Constituição Federal, vedasse quaisquer argumentos de cunho
discriminatório que coibissem a habilitação de nubentes do mesmo sexo, conforme o artigo
primeiro da referida resolução: “Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de
habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento
entre pessoas de mesmo sexo.”
A recusa por parte das autoridades diante da habilitação de casais do mesmo sexo
prevê sanções administrativas, de modo que apesar dos cartórios estarem livres para celebrar
ou não esse tipo de casamento, terão que assumir com isso as consequências que serão
estabelecidas pelos juízes-corregedores (vide art. 2º da supracitada resolução) a partir da
comunicação realizada por parte dos casais que se sentirem prejudicados.
As punições, que variam entre a advertência e a determinação do fechamento do
cartório, vislumbram a garantia de que não haverá recusa por parte destes órgãos, de modo
que seja minimizada a possibilidade de lesão do direito ao matrimônio dos homoafetivos e
que assim possa se tornar real o objetivo do constituinte de promover o bem de todos sem
qualquer forma de discriminação conforme prevê o art. 3º, IV da Constituição Federal de
1988.
Essa ocorrência torna evidente que o silêncio do Legislativo é eloquente no seu
desejo de não levar ao Congresso qualquer tipo de discussão acerca do assunto. Em
decorrência desse estado de negativismo estratégico do poder legiferante, os defensores do
não ativismo judicial tem o seu principal argumento para atacar as decisões do Judiciário no
que concerne a assuntos tão sensíveis a coletividade quanto este que encontra-se em apreço.
No ponto de vista desses críticos, se compete ao Poder Legislativo sancionar leis que
exprimam a vontade do povo, esta estaria sendo traduzida através da sua inércia no tocante
aos direitos dos casais homoafetivos, pois se fosse um desejo da população que houvesse
respaldo legal para essas pessoas, legislações infraconstitucionais já teriam sido aprovadas.
Os adeptos dessa corrente no Brasil evocam além do princípio da separação de
poderes, o parágrafo único do artigo 1º da Carta Magna que informa: “Todo o poder emana
do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição.”
Ora, apesar da redação atribuir o exercício do poder do povo aos representantes por
eles eleitos, interpretar de um modo tão limitador de direitos o referido texto é como
considerar como povo apenas a maioria. O que é deveras inadmissível haja vista a incoerência
que se tem ao analisar por completo o conteúdo do Texto Maior que traz, entre outros
princípios, o da liberdade, da igualdade e da dignidade da pessoa humana que devem ser
garantidos também as minorias que compõem o tecido social.
E é nesse cenário onde ocorre o embate entre defensores e opositores à teoria do
ativismo judicial que percebe-se que aqueles que discursam contra uma postura proativa do
Poder Judiciário, principalmente no que tange ao reconhecimento dos direitos de uma parcela
da sociedade com pouca ou nenhuma representatividade, estão nas entrelinhas marginalizando
as minorias em decorrência de um preconceito que se coaduna através da interpretação
limitada do que traz os textos constitucionais.
Ante o exposto, torna-se necessário, pois, o amplo debate acerca desse assunto para
que se possa chegar a uma conclusão que escape o puro positivismo e encontre uma solução
que profundamente sedimentada no princípio da dignidade da pessoa humana – que é norte
de toda e qualquer sociedade alçada ao patamar de justa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2011.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2014.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 4277, Brasília, DF, 05/05/2011. Disponível
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Acesso em: 19 ago. 2017.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF nº 132 RJ, Brasília, DF, 05/05/2011.
Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633> Acesso
em: 19 ago. 2018.
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Disponível em:
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DPF%2F178> Acesso em: 19 ago. 2018.
BULOS, Uadi Lammego. Curso de Direito Constitucional.8. ed., rev. e atual. de acordo com
a Emenda constitucional n. 76/2013. São Paulo: Saraiva, 2014.
CUNHA JÚNIOR, Dirley da.Curso de Direito Consitucional.2. ed., rev., ampl. e atual. até
a EC nº 56/2007. --.Salvador: JusPODIVM, 2008.
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional.7. ed., rev., ampl. E
atual. --. Salvador: JusPODIVM, 2015.
GIL, Antônio. Carlos. Como elaborar projetos de pesquisas. 6ª ed. São Paulo, Atlas, 2017.
REVISTA VEJA. Ser gay é crime em 72 países, diz relatório. Disponível em:
<https://veja.abril.com.br/mundo/ser-gay-e-crime-em-72-paises-diz-relatorio/> Acesso em:
28 de ago. de 2018.
SANTOS, Paulo Junior Trindade dos; BELASTRIN, Thelleen Aparecida. Ativismo Judicial.
Revista da ESMESC, v. 18, n. 24, 2011. Disponível em:
<https://revista.esmesc.org.br/re/article/download/39/43>. Acesso em: 19 de ago. de 2018.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico, 24 ed. ver. e atual. São
Paulo: Cortez, 2016.
MULHER E RELIGIÃO: os desafios das mulheres em grupos religiosos na discussão
da igualdade de gênero142
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo apresentar e refletir acerca do papel da mulher na religião
e os impactos da influência religiosa, considerando as crenças e divergências entre pessoas
religiosas. O resultado da pesquisa é uma importante contribuição na reflexão sobre como os
grupos de mulheres exercem atividade de militância em defesa da igualdade de gênero sem
deixar de lado a vivência de suas religiosidades. Assim, o presente artigo desenvolveu-se a
partir dos seguintes objetivos: 1. Apresentar a visão de religiões dominantes sobre as
mulheres; 2. Refletir o impacto da influência das concepções religiosas nos direitos das
mulheres; 3. Apresentar experiências no campo religioso que buscam romper com a
desigualdade de gênero. O resultado da pesquisa, possibilitou identificarmos algumas
experiências de mulheres feministas organizadas em grupos religiosos, assim seria de
importante relevância que houvesse espaços religiosos alternativos, o qual essas mulheres
possam interagir com a religião diante de novas formas de relação, onde o exercício do
feminismo não entre em choque com o exercício da religiosidade.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo problematizar a influência das crenças religiosas
sobre os direitos das mulheres, uma vez é notório a diferenciação geradora de desigualdades
no tratamento entre os gêneros principalmente pelos grandes meios influenciadores de massas
no qual se enquadram as religiões.
Buscou-se os seguintes objetivos específicos:
1. Apresentar a visão de religiões dominantes sobre as mulheres;
2. Refletir o impacto da influência das concepções religiosas nos direitos das mulheres;
3. Apresentar experiências no campo religioso que buscam romper com a desigualdade de
gênero;
Apesar da evolução significativa no que tange a assuntos tratados como “polêmicos”,
142
GT 4 – Gênero(s) e Diversidade Sexual no Direito.
143
Acadêmica do 8º período do curso de direito, Centro Universitário Tabosa de Almeida - ASCES/UNITA. E-
mail: [email protected]
144
Acadêmica do 8º período do curso de direito, Centro Universitário Tabosa de Almeida - ASCES/UNITA. E-
mail: [email protected]
dentre os quais incluímos a igualdade entre homens e mulheres, não podemos desconsiderar
que do ponto de vista das religiosidades ainda há um grande misticismo sobre a mulher.
Nossa experiência empírica demonstra que as mulheres frequentam os locais de cultos
religiosos em maior número que os homens, no entanto, na maioria das vezes as palavras que
são proferidas para com elas reforçam ainda mais a sociedade patriarcal, isso porque os
membros que dirigem essas instituições religiosas são quase que unanimemente homens. Isso
não significa que a religião é o que propaga as desigualdades, pois, tem-se diversas
experiências na qual a organização das mulheres em grupos religiosos tem sido lócus de
fortalecimento para empoderamento e emancipação, mas, que líderes religiosos, podem ser
utilizar do espaço de poder que ocupam para reproduzir as bases das desigualdades.
Desse modo nossa pesquisa é uma importante contribuição na reflexão sobre como os
grupos de mulheres exercem atividade de militância em defesa da igualdade de gênero sem
deixar de lado a vivência de suas religiosidades.
A pesquisa foi desenvolvida a partir de uma abordagem qualitativa, que é aquela que se
foca no caráter subjetivo do objeto analisado, estudando as suas particularidades e
experiências individuais, por exemplo. (LOPES, 2016)
Realizamos ainda pesquisa bibliográfica desenvolvida com base em material já elaborado,
constituído principalmente de livros e artigos científicos, utilizando os descritores Mulher e
Religião, Igualdade e Religião, e documental, valendo-se de materiais que não receberam
ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos
da pesquisa. (GIL, 2008).
O empoderamento feminino está sendo uma questão de amplo debate não só em mesas
redondas sobre feminismo ou em centros acadêmicos, mas por grande parte da população e,
claro, que estas discussões também estão em ambientes canônicos. O que mais é questionado
é: como as mulheres podem exercer mudanças em tais meios? Mudanças essas no âmbito de
exercerem mais no aspecto da liderança e não apenas estejam presentes apenas como adeptas
da religiosidade.
Um ponto importante que se pode observar, por exemplo, é que na maioria das vezes
as igrejas ao redor do mundo atraem fiéis apenas por devoção e não há espaço para
questionamentos. A forma como as escrituras sagradas das religiões ao redor do mundo aborda
a mulher é uma questão importante a ser analisada, visto que as mulheres não são tratadas
com isonomia e, como as religiões exercem um amplo poder sobre os pensamentos e as
diretrizes das pessoas, a forma como as mulheres são vistas na sociedade ainda sofrem sérias
consequências negativas.
Foram realizadas várias pesquisas em relação ao tema em questão, onde em uma delas
é verificado o papel que a mulher desempenha nas diversas tradições religiosas, (HOLMES,
2013), que demonstram os papéis das mulheres em meio a essa diversidade de religiões. É de
extrema relevância abordar alguns dos aspectos tratados nesse tema e os discutir aqui diante
do conhecimento e entendimento adquirido.
Na Igreja Católica, os líderes afirmam de forma categórica que mudanças drásticas não
devem ocorrer na forma como administram os templos – é claro que o atual Papa Francisco
vem desconstruindo um pouco esse pensamento -, mas, enquanto as religiões forem tratadas
de forma patriarcal, as mulheres continuarão a atuar de forma secundária em diversos meios,
já que uma coisa desencadeará outra.
Na religião indígena, as mulheres enfrentam grandes desafios, pois elas são orientadas
para serem esposas boas, uma verdadeira dona do lar, cuidando, educando filhos,
incentivando, mostrando os ensinamentos de preceitos morais e religiosos adquiridos com um
tempo, mulheres essas que são um verdadeiro espelho para as demais, um exemplo de
guerreira, que em momentos dificuldades procuram Deus para se aparar. Assim se tais
mulheres quiserem seguir rumos diferentes provavelmente elas irão se depararam com alguns
preconceitos. (HOLMES, 2013).
Em uma visão diferente, vale ressaltar que o papel do gênero feminino na religião
indígena mundo a fora, se impõe de diferentes situações sociais, se referindo de um modo
geral a seus usos e costumes, bem como por meio de influência da sociedade externa.
Calha falar que mesmo estando em pleno século XXI as mulheres passam por alguns
problemas em relação as tradições ou costumes como o supracitado. “Esses enfretamentos
tratam-se da figura do patriarcado, o machismo, mais que preponderante nos dias de hoje,
assim como ritos religiosos que maculem a figura feminina”. (PINTO, 2010).
Ainda com relação a mulher indígena, elas sofrem formas de violência que advém de
conflitos externos e até mesmo no seio doméstico em que convivem. Quando estão em meio
a uma guerra a violação aos direitos humanos da mulher são utilizadas como uma forma de
controlar e macular as pessoas. A discriminação étnica, é um tipo de violência. Tais “mulheres
estão botando em pratica diversas políticas culturais, por meio de discursões, tratando da
cidadania e da nação, assim como, os movimentos indígenas, feminismo, a modernidade e não
menos importante a tradição.” (PINTO, 2010, p. 4/5).
Não se pode deixar de refletir sobre as religiões de matrizes africana onde as mulheres,
tem papel essencial, ou seja, de liderança sendo fundamental para a tradição de seus
seguidores religiosos. Assim sendo, calha ressaltar que em muitas situações a figura da mulher
está acima do homem um dos fatos é a grande quantidade do gênero feminino presente em tal
religião, sem contar a forte influência que elas tinham, tendo o poder de comprar sua liberdade,
eram consideradas boas comerciantes. Essa posição mostra mais em relação ao
posicionamento da mulher presente hoje na religião. “Sendo emancipadas, tais mulheres
tinham como dispor do dinheiro necessário para realização dos cultos africanos.” (BASTOS,
2009, pág. 158).
No Islamismo a mulher preenche um papel de submissão, sendo um dos assuntos mais
contestado hoje, ou seja, elas são obrigadas a obedecer, conforme as leis descritas no alcorão
(livro sagrado); porém diferentemente de algumas outras religiões, nessa ela pode exercer
atividades fora do lar, desde que não implique em problemas com a família de como a dirige,
desempenha e se dedica as suas funções no lar. “O Islã é ignorante para leva em conta
mutações sociais e principalmente hoje com esse mundo moderno, sem contar que não leva
em consideração os direitos humanos.” (HAJJAMI, 2008, pág. 3)
No Catolicismo, religião predominante no Brasil, a maioria das pessoas que seguem
esse culto são as do sexo feminino, exercendo várias funções, em meio a instituição,
especialmente no que se refere as pastorais que muitas vezes são desempenhadas por
mulheres, porém hoje encontra-se homens a frente dessa função, eles que uma de suas funções
é assumir as responsabilidades advindas da igreja, dirigindo-a, ou seja, administrando.
“Algumas mulheres já desempenham o papel de dirigente, é possível enxergar isso
frequentando a cultos em igrejas de diferentes cidades” (HOLMES, 2013).
No Cristianismo em muitas ocasiões a mulher era dispensada para exercer a função de
diversas atividades, já que tudo era desempenhado pelo homem, de modo que o regime
predominante era patriarcal. “No entanto, com o passar dos anos as mulheres foram
estabelecendo e construindo suas próprias conquistas” (HOLMES, 2013).
No Judaísmo a mulher assim como em outras religiões deve cuidar da educação de
seus filhos, a lei judaica não permite que elas atuem em diversas áreas, não podendo
desempenhar o posto de líder da igreja, ou seja, não pode ser rabino-juiz, nome dado ao
dirigente do culto, pois o livro sagrado da religião judaica diz que se faz necessário que a
pessoa tenha uma racionalidade fria e direta para atuar nesse meio, pois qualquer conduta
diversas de preceitos seguidos por determinada religião, poderá ter julgamentos severos
(HOLMES, 2013).
O Budismo é uma religião que não distingue o homem da mulher, o que se reverencia
no budismo não é o gênero masculino ou feminino, sem ter distinção entre sexo, cor, raça e
assim por diante. Todos são tratados igualmente, sem diferenças em direitos e deveres, com
os mesmos privilégios e garantias (HOLMES, 2013).
Com isso, se faz mister ressaltar que ao mostrar os diferentes papéis da mulher em tais
religiões mencionadas. É importante para conhecimento dos leigos, pois faz com que se tenha
uma visão ampliada de temas que não são abordados de forma ampla e muitas vezes há um
pré-julgamento, por acharem que a vida da mulher em determinada religião diversa da sua, é
mais fácil.
Em pleno século XXI ainda há mulheres que enfrentam grandes problemas com
violência, que mesmo estando no seio familiar, no cotidiano de seus afazeres, ainda enfrentam
episódios de violência, assim elas passam por constantes lutas pela igualdade, por sua
liberdade, já que a religião por vezes é usada como instrumento eficaz para o controle das
mulheres.
No movimento feminista, as mulheres se organizam para lutar pelos seus direitos. O
movimento feminista e a religião parecem coisa completamente opostas, que não podem
existir de forma amistosa, mas Mary Hunt (2016), teóloga feminista e católica, mostra que é
possível existir congruências entre o feminismo e a religião, e assim ressalva que: "[...]
o problema é que o sexismo está presente em todas as culturas, e o tratamento a mulheres em
igrejas cristãs tende a refletir isso" (MATUOKA, 2016, apud, HUNT, 2016)
Com o fortalecimento desses movimentos feministas, vieram à tona muitas questões
sobre como as mulheres são tratadas em diversos meios sociais e, portanto, as religiões não
ficariam à margem. Abordar tais aspectos é um campo minado, uma vez que há pensamentos
radicais de ambos os lados, além de existirem mais divergências que convergências.
Muitas feministas argumentam que os problemas só serão resolvidos se houver o
desmembramento total da sociedade para com as religiões porque as doutrinas destas são, de
certa forma, imutáveis e não maleáveis para com o sexo feminino.
Assim, ver-se que a teologia feminista, retratada por muitos autores, vem para
promover a igualdade de gêneros, buscando das religiões supracitadas em tópicos anteriores
e muitas outras que existem mundo a fora engajada na perspectiva feminista. Na visão de Rita
M. Gross (1996, p. 29): “Assim como a prática religiosa foi transformada pelas feministas,
também o foram os estudos acadêmicos da religião. Todas as áreas dentro dessa disciplina
foram afetadas pelos métodos feministas, dos estudos bíblicos ao estudo comparado das
religiões. ”
É fundamental, porém, analisar o histórico de religiões que há muitos séculos já possuíam
mulheres presidindo reuniões desses centros, por exemplo. E vale ressaltar que mulheres que
seguem por essa linha de posicionamento são as que não querem deixar de exercer o exercício
da fé por acreditarem que mulheres devem ocupar cargas de liderança em igrejas, templos,
centros.
Refletindo a partir do movimento “Católicas Pelo Direito de Decidir” que tem por
objetivo a discussão de temas que a Igreja católica os considera como imutáveis já que são as
cláusulas pétreas canônicas, observa-se que a boa mulher cristã, aos olhos da religião deve
seguir os padrões de gêneros impostos pela doutrina católica e que se as descumprir é
marginalizado pelo meio religioso. (CATÓLICAS PELO DIREITO DE DECIDIR, 2017).
As “Católicas Pelo Direito de Decidir” têm trazido à tona assuntos delicados e
polêmicos, principalmente no Brasil e que é extremamente criminalizado pela Igreja, a
exemplo, o aborto. (CATÓLICAS PELO DIREITO DE DECIDIR, 2017).
Sabe-se que não é permitida a prática do aborto no país sendo inclusive tipificada no
Código Penal na parte que dispõe acerca dos crimes contra a vida. Nesse ponto, o Brasil, que
se diz um estado laico, ainda mantém estreitas relações com a Igreja Católica. Há muitos
grupos religiosos que exercem imensa influência nas decisões que devem ser democráticas e
não visando impor a todas e todos decisões e/ou leis a partir da concepção religiosa de
determinados grupos.
Segundo alguns católicos, o aborto é um crime porque a bíblia dispõe que desde a
concepção já há uma vida cheia do espírito santo:
22. Se alguns homens pelejarem, e um ferir uma mulher grávida, e for causa de que
aborte, porém, não havendo outro dano, certamente será multado, conforme o que
lhe impuser o marido da mulher, e julgarem os juízes.
23. Mas se houver morte, então darás vida por vida (Êxodo 21:22,23)
Mesmo com tais avanços a luta das mulheres continuam, principalmente quando se
trata de religiões, de direitos sexuais referente ao gênero, os conservadores parlamentares, se
utilizam de discursos religiosos para justificarem os atos que tomam na constância da função
que ocupam.
Em suma, calha reforçar que independentemente da religião que seguir, as pessoas
antes de tudo devem ser tratadas igualmente e os discursos religiosos não podem ser invocados
para manipular a opinião pública e propor medidas que violem os direitos das mulheres e de
outros segmentos sociais, pois, como afirma um dos lemas do Movimento Feminista “O que
é pecado para alguns não pode ser crime para todas”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da sequência histórica, viu-se que as religiões são diversas e assim, as mulheres
ocupam papel diferente, no modo como, elas são vistas em meio a sociedade e como se dá
influência do comportamento do grupo é visto nesta. Ainda no tocante ao papel da mulher em
meio a essa diversidade religiosa, atenta-se para o fato de que muitas religiões são impostas
como uma forma de controle, onde estas não possuem um papel de destaque, em paralelo,
vem o feminismo, onde as mulheres se organizam para lutar pelos seus direitos e extinguir
certas formas de limitação de direitos femininos.
Assim, pode-se concluir que, entre as principais abordagens aqui tratadas, as
preocupações enfrentadas por essas mulheres ainda são constantes, o movimento feminista
como supracitado surge dando sentido à vida dessas mulheres, pois ao se organizarem nele,
elas se articulam e se fortalecem para luta em torno do que consideram uma causa justa de
modo não serem julgadas por seus atos e escolhas.
Portanto, seria de importante relevância que houvesse espaços religiosos alternativos,
nos quais as mulheres possam interagir com sua religião diante de novas formas de relação,
pautadas na garantia de igualdade. Identificando assim que algumas experiências de mulheres
feministas organizadas em grupos religiosos, traz uma bandeira de luta do feminismo e do
direito a religiosidade, direitos humanos que compõe a personalidade da pessoa.
REFERÊNCIAS
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https://noticias.gospelmais.com.br/pesquisa-70-mulheres-praticam-aborto-cristas-
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DINIZ, Debora. A cada minuto uma mulher faz um aborto no Brasil. Publicado em: 05 de
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ROSADO, Maria José. O impacto do feminismo sobre o estudo das religiões. Campinas
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RESUMO
INTRODUÇÃO
145
GT - Gênero(s) e Diversidade Sexual no Direito
146
Graduanda em Direito na Universidade de Pernambuco (UPE) – Campus Arcoverde E-mail:
[email protected]
questionamentos sobre gênero e demais problemáticas que o cercam. Assim, fui levada a
conhecer, um pouco mais a fundo, os estudos da filósofa norte-americana Judith Butler,
conhecida pela crítica ao movimento feminista e a teoria queer. Consequentemente, a partir
de minhas pesquisas, acrescentei alguns outros elementos ao debate. Por fim, o presente
trabalho propõe o seguinte questionamento: de que forma se apresentam os conceitos de
sujeito, gênero e binarismo sexual nas reflexões de Butler?
A obra que serviu como base teórica para essa pesquisa foi o livro “Problemas de
Gênero” publicado nos anos 90. Em um primeiro momento, pode-se estabelecer uma
discussão sobre o próprio título escolhido pela autora. Se por um lado “problemas”, sugerem
as questões e reflexões importantes para o entendimento de gênero e a sua construção, por
outro, o termo pode ser compreendido como uma menção àquelas formas de gêneros tidas
como problemáticas, ou seja, aquelas que fogem dos padrões que impõem a
heteronormatividade e a dualidade dos sexos.
Dito isso, o presente artigo tem como objetivo geral entender de que forma se
apresentam os conceitos de sujeito, gênero e binarismo sexual nas reflexões de Butler.
Outrossim, como objetivos específicos propõe-se interpretar tais conceitos a partir do contexto
patriarcal e heteronormativo no Brasil e analisá-los diante da crescente disseminação dos
discursos de ódio.
O seguinte trabalho, portanto, configura-se em uma releitura das discussões
butlerianas no que tangem, além da conceituação de sujeito, gênero e binarismo, a relação de
identidades, construções e expressões contrárias ao padrão hegemônico. Para os fins desta
pesquisa, foi utilizado o método de abordagem dedutivo, o qual “é essencialmente tautológico,
ou seja, permite concluir, de forma diferente, a mesma coisa” (GIL, 2008, p. 9), tendo como
aporte a pesquisa bibliográfica. Além disso, a interpretação realizada tem caráter qualitativo,
a qual se utiliza de uma análise altamente descritiva (MARCONI E LAKATOS, 2010).
O poder que dá origem ao sujeito não mantém uma relação de continuidade com o
poder que constitui a sua potência (capacidade de ação). Quando o poder modifica
o seu estatuto, passando a ser condição de potência, converte-se em a própria
potência do sujeito (constituindo uma aparência de poder na qual o sujeito aparece
como condição de seu próprio poder), se produz uma inversão significativa e
potencialmente permitida. (BUTLER, 2010, p. 23).
Dessa forma, pode-se afirmar que a potência de mudança do sujeito provém do poder
que a formou e o qual ele pode se opor, ou seja, ele usa o mesmo poder que o constituiu para
ressignificá-lo e realizar transformações.
Por fim, Butler (2015) ainda expõe uma noção de desejo. Retomando o conceito de
agência, ela remete à transformações ou ainda transmutações no paradigma hegemônico, uma
resistência ao poder. Por sua vez, o desejo é apresentado pela filósofa como o motor da
agência, é ele o que faz as pessoas se insurgirem, especialmente por ele não ser estático.
Seguindo a discussão, ainda é apontada a consciência reflexiva, ou seja, o momento em que o
sujeito dá-se conta de si.
Entretanto, ressalta-se que, para Butler (2015), o desejo antecede a consciência
reflexiva, assumindo, de certa forma, papel de condicional a ela. Nesse caso, inicialmente, o
sujeito possui o desejo, que vai impulsionar a mudança (agência), e de modo quase sequencial,
tem-se a consciência reflexiva e, por fim, a agência que assume o papel da resistência de fato,
como o poder de fazer.
Judith Butler construiu suas críticas ao sistema sexo-gênero influenciada pelo pós-
estruturalismo de Derrida e Foucault. Dessa forma, Mariano (2005), afirma que as teorias pós-
estruturalistas rompem com o padrão binário e hierárquico das tradições filosóficas ocidentais
a partir do questionamento das categorias universais e por tratar conceitos tidos como naturais,
como históricos (NARVAZ, 2010). Nessa perspectiva, o gênero é compreendido como
produção discursiva inscrita em uma rede complexa de relações de poder, como “a própria
noção de pessoa, posicionada na linguagem como sujeito” (BUTLER, 2015, p. 30-31).
Com efeito, a prática de naturalização da relação sexo-gênero é veementemente
questionada por Butler em suas reflexões. Para Salih (2012), na obra Problemas de Gênero,
a filósofa se propõe a combater a metafísica das substâncias, rompendo com o entendimento
de sexo e corpo como entidades naturais e autoevidentes. Além disso, no que se refere ao
gênero, essa atribuição substancial - o que o gênero é - mantém a concepção de gênero estável,
que, para Butler, é irreal e inviável.
Nessa perspectiva, a filósofa afirma que o sistema sexo-gênero sugere uma
“descontinuidade radical entre corpos sexuados e gêneros culturalmente construídos”
(BUTLER, 2015, p. 26). Isso porque, Butler não admite a naturalização, como uma relação
de causa e efeito entre sexo e gênero. Pode-se observar essa concepção a partir de sua reflexão
sobre a afirmação de Beauvoir que “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”, a qual Butler
admite não haver nenhuma evidência que o ‘ser” que se torna mulher é, necessariamente, do
sexo feminino.
Portanto, a autora propõe um questionamento sobre a própria “construção” do gênero.
Diferente, do que prega a teoria feminista humanista, a qual compreende o gênero como um
atributo da pessoa, Butler entende que ele seria um “fenômeno inconstante e contextual, que
não denota um ser substantivo, mas um ponto relativo de convergência entre conjuntos
específicos de relações, cultural e historicamente convergentes" (2015, p. 33).
Ademais, Butler em sua obra trata da ordem compulsória sexo/gênero/desejo, a qual
seria compreendida como uma relação causal entre esses três elementos. Para melhor dizer, o
sexo exige o gênero - dentro do sistema de oposição binária - que por sua vez, reflete o desejo,
o qual é sempre heterossexual. Dito isso, tem-se o exemplo da ultrassonografia, assim que é
descoberto o sexo da criança, é atribuído a ela, de maneira sequencial e naturalizada, um
gênero - masculino ou feminino - e, a partir dele, também será designado o seu desejo - de
acordo com a matriz heterossexual.
Dessa forma, a partir dessa compreensão são instituídas normas de inteligibilidade dos
gêneros. Nesse contexto, são considerados gêneros inteligíveis aqueles que apresentam
“continuidade e coerência entre o sexo biológico, gênero culturalmente constituído e a
‘expressão’ ou ‘efeito’ de ambos na manifestação do desejo sexual por meio da prática sexual”
(BUTLER, 2015, p. 43). Portanto, todas aquelas configurações alheias ou dissonantes do
padrão heteronormativo são tidas como desordens.
Neste livro meu propósito é chegar a uma compreensão de como aquilo que foi
excluído ou desterrado da esfera propriamente dita do “sexo” – entendendo que essa
esfera se afirma mediante um imperativo que impõe a heterossexualidade – poderia
ser produzido como um retorno perturbador, não somente como uma oposição
imaginária que produz uma falha inevitável na aplicação da lei, senão como uma
desorganização capacitadora, como a ocasião de rearticular radicalmente o
horizonte simbólico no qual há corpos que importam mais que outros (BUTLER,
2002, p.49).
De acordo com a afirmativa, portanto, a heterossexualidade compulsória e,
consequentemente, o binarismo sexual atuam com a exclusão, ou ainda inadmissão ou não
reconhecimento das expressões não binárias. Nesse contexto, Butler alega que a
desnaturalização e a desconstrução do sistema masculino/feminino contestaram as identidades
fixas e estáveis dos corpos, dos desejos e dos sujeitos (BUTLER, 2015). Sobre isso, a autora
Tina Chanter explica que os transgêneros – gêneros que se encontram fora do padrão binário
– já rompem com a própria noção conhecida de gênero por contestarem “fórmulas femininas
já testadas e confiáveis, que equiparam o gênero com a sociedade (ou cultura, ou história) e o
sexo com a biologia (ou fisiologia, ou natureza)” (2011, p. 7).
Diante disso, Díaz vai afirmar que “ponto central da análise de Butler, determina que
a busca de uma identidade hermeticamente coerente é o motivo principal da exclusão de
posições que se percebem como abjetas enquanto são consideradas uma ameaça para a
coerência do sujeito.” (DÍAZ, 2013, p. 458). Por fim, tem-se a asserção da autora: “O gênero
é o mecanismo pelo quais as noções de masculino e feminino são produzidas e naturalizadas,
mas ele poderia ser muito bem o dispositivo pelo qual estes termos são desconstruídos e
desnaturalizados” (BUTLER, 2006, p. 59).
Diante disso, esses dois processos - manutenção e resistência - assumidos pelo gêneros
são abordados por Butler à luz da performatividade. Butler, ao conceber a performatividade,
estabelece uma reinterpretação/ressignificação do gênero fora da estrutura padrão e binária de
sexo/gênero.
À priori, Butler defende que a performatividade “deve ser entendida não como um ato
singular e deliberado, senão antes como a prática reiterativa e referencial mediante a qual o
discurso produz os efeitos que nomeia” (2002, p.18). Dito isso, no que tange a perspectiva
performática da construção, ela deve ser compreendida como um processo de reiteração e
citação no qual existem condições para a formação, tanto para a desestruturação das
concepções de sexo e gênero, desestabilizando, por conseguinte, o sujeito sexuado e
‘generizado’.
Em síntese, o gênero é produzido através de práticas repetitivas, de atos e gestos que
remetem a determinadas encenações performáticas. Faz-se importante mencionar, todavia,
que Butler compreende a heterossexualidade como um ato tão performativo quanto as outras
configurações de gênero. Por fim, ratifica-se que as atuações de gênero são constantemente
reafirmadas ou (re)negociadas a partir de determinadas possibilidades que instauram, em cada
tempo, diferentes normas de gênero.
Delimitando a análise para recorte de sexo e gênero, interesse dessa pesquisa, o Brasil
é o país que mais mata transexuais e travestis no mundo, dados do Grupo Gay da Bahia (GGB)
mostram que a expectativa de vida dessa população é, em média, 35 anos, ainda menos que a
metade da média geral do país de 75 anos. Além disso, os dados de 2016 apontam que um
LGBT é morto a cada 25 horas.
Em continuidade, pode-se citar os assassinatos brutais de Dandara em Fortaleza,
Matheusa no Rio de Janeiro e Thadeu em Salvador todos eles pessoas trans. Percebe-se,
portanto, o ódio, a indiferença e o descaso com aquelas identidades que fogem do padrão de
inteligibilidade que Butler (2015) já abordava em suas reflexões sobre o gênero. O que
acontece, nesse contexto é a exterminação das “desordens de gênero”, para manter a
estruturação do sistema dualista de sexos.
Faz-se importante, contudo, analisar esse quadro de violência e repressão contra a
comunidade LGBT, a partir própria história do país. Dito isso, as considerações começam
desde a colonização, quando os portugueses instituíram o cristianismo, que admite apenas a
heterosexualidade, como a religião oficial - a única possível. Assim, seguiu-se quinhentos
anos com esse mesmo imaginário. Além disso, outro fator determinante é que a Constituição
Federal tem apenas 30 anos, e foi instaurada duas décadas depois do Brasil ser governado por
militares. Portanto, todo esse quadro histórico é responsável pelo extremo conservadorismo e
moralismo que combatemos hoje.
Por fim, é imprescindível comentar sobre o quadro das eleições presidenciais que
ocorrem nesse ano, no qual o extremismo e a intolerância estão tomando cada vez mais espaço,
especialmente pelo apoio de parcela da população a um candidato que representa todos os
ideais heteronormativos repressivos e que é responsável pelo aumento recente da difusão dos
discursos de ódio. O cenário brasileiro, de forma sintética, reflete uma verdadeira guerra que
busca e extinção de sujeitos, expressões corporais e identidades que não se localizam dentro
dos padrões da matriz heterossexual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acerca dos conceitos que esse trabalho se propõe a debater, elenca-se alguns
elementos essenciais para a compreensão de cada um deles. A percepção do sujeito em Butler,
é abordada, sobre a identidade e a universalização do sujeito, dentro de uma crítica ao
feminisno, que para ela precisa ser superada, pois essa prática ajuda a manter as estruturas
hegemônicas. A crítica butleriana consiste na impossibilidade de se estabelecer uma categoria
de mulher. Dentro de uma visão foucaultiana, a autora afirma que o sujeito é produto das
relações de poder. Dessa forma, em cara sociedade, de acordo com as normas imperantes, o
sujeito vai obedecer diferentes normas de constituição, o que impede a sua compreensão
enquanto unidade.
Assim, a filósofa sugere como superação desse problema, que sejam considerados as
fragmentaridades dos sujeitos. Outro aspecto, elucidado pela filósofa, que serve para
compreender tanto o sujeito, quanto o gênero, é a performatividade, ou seja, a reiteração e
citação dos padrões. Assim, formado a partir da repetição das normas hegemônicas, essa
repetição permite a própria ressignificação das práticas reguladoras que constituíram o sujeito,
e também o gênero, pois a explicação de subversão de gênero também é definida pela autora
como uma possibilidade oferecida pelos atos performativos, pois, a partir da apropriação das
normas para repetição, é possível transformá-las e assim reconfigurar os contornos de gênero.
Seguindo a conceituação de gênero, Butler aborda, principalmente, a relação
sexo/gênero, onde o sexo é sempre pensado como algo natural e o gênero culturalmente
construído, sendo que essa relação segue uma lógica coerente e contínua. O binarismo, por
sua vez trata das relações homem x mulher, masculinidade x feminilidade, etc. Assim, a
relação sexo/gênero coerente forma a mulher/feminino que é fixo e oposto homem/masculino.
Portanto, conclui-se, sobre as definições de gênero e binarismo, que um, de certa
forma, é responsável pela estruturação do outro. Isto é, pode-se considerar que o sistema
binário serve como instrumento de limitação do gênero, que distingue e limita as relações de
gênero entre masculino x feminino - sendo um sempre em oposição ao outro – assim, Butler
constrói o debate sobre gênero questionando essa posição e elencando as outras possibilidades
de configuração de gênero.
Além disso, outro ponto central para entender as reflexões de Butler é
heterossexualidade compulsória, ou seja, a colocação da heterossexualidade como inclinação
natural a todos os seres humanos. Essa perspectiva desemboca a crítica da filósofa à imposição
heteronormativa de coerência entre sexo/gênero/desejo, instituindo o que ela chama de
gêneros inteligíveis. Por fim, conclui-se que é partir dessa inteligibilidade de gênero que se
compreende os ataques e disseminação dos discursos de ódio contra LGBTs, que colocam o
Brasil como um dos países mais violentos para essa população,
REFERÊNCIAS
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Cátedra, 2010.
______. Cuerpos que importan. Sobre los límites materiales y discursivos del «sexo».
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DÍAZ, E. B. Desconstrução e subversão: Judith Butler. Trad. Magda Guadalupe dos Santos
e Bárbara Bastos. Sapere Aude, Belo Horizonte. v.4, n.7, p.441-464. 1º sem. 2013. ISSN:
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FOUCAULT, M. História da sexualidade: O uso dos prazeres. vol. 2. Rio de Janeiro: Graal,
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GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas S.A,
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NARVAZ, M. G. Gênero: para além da diferença sexual: revisão da literatura. Aletheia 32,
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<http://www.periodicos.ulbra.br/index.php/aletheia/article/view/3530/2623>. Acesso em 30
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ROCHA, Cássio Bruno Araujo. Um pequeno guia ao pensamento, aos conceitos e à obra
de Judith Butler. Cad. Pagu, Campinas, n. 43, p. 507-516, Dec. 2014. Disponível
em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
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SALIH, S. Judith Butler e a teoria queer. Belo Horizonte, Autêntica Editora, 2012.
RESUMO
O presente artigo trata acerca da evolução histórica dos direitos femininos conquistados
mediante os movimentos feministas, e faz importantes menções acerca do patriarcado na
sociedade brasileira e o machismo introduzido desde épocas passadas. Além disso, discorre
sobre a violência contra a mulher e a evolução das políticas públicas, bem como, menciona a
situação da mulher brasileira antes da promulgação da Lei Maria da Penha e o âmbito atual.
Somado a isso, o artigo menciona a importância do empoderamento das mulheres,
principalmente, nos seus ambientes de trabalho. Ademais, trata a respeito dos órgãos que
acolhem as mulheres vítimas de violência e a importância da disseminação dos direitos das
mulheres, mencionados na Lei Maria da Penha, para a proliferação do combate a violência
contra à mulher através de ações educativas, como por exemplo, aquelas realizadas em creches
e universidades. Sendo assim, o artigo busca explanar sobre a luta das mulheres para vivermos
em uma sociedade sem violência contra esse gênero, pois, muitas ainda são violentadas,
mesmo com a proteção da Lei nº 11.340/2006, o número de mulheres que possuem medo de
fazer a denúncia ainda é enorme, por isso, a importância da divulgação das proteções dadas a
elas.
INTRODUÇÃO
No Varal da minha casa, não tem lugar diferente. Ao lado de uma cueca, há uma
calcinha presente. Demarcando um território, que nada tem de transitório. É uma
conquista permanente.
(Dalinha Catunda, estrofe extraída da Peleja Papo de Mulher)
147
Artigo submetido ao grupo GT 4- Gênero(s) e Diversidade Sexual no direito no III Congresso de Pernambuco
de Ciências Jurídicas
148
Estudante do 4 período de Direito da ASCES UNITA, integrante do Núcleo de Gênero da ASCES UNITA, e-
mail: [email protected]
149
Estudante do 4 período de Direito da ASCES UNITA, integrante do Núcleo de Gênero da ASCES UNITA, e-
mail: [email protected]
150
Mestra em Direitos Humanos pela UFPE, Advogada OAB/PE 29.700, pós-graduada em Segurança Pública e
Cidadania pela ASCES, professora universitária das graduações em Direito e Administração Pública. Compõe a
Coordenação Colegiada do Projeto de Extensão da Administração Viva do Curso de Administração Pública
(ASCES UNITA) e a Coordenação Colegiada do Núcleo de Estudos em Gênero da ASCES UNITA. Ex-
Secretária Especial da Mulher e Direitos Humanos de Caruaru 2011/2014. Ex-Assessora Jurídica do
PRORURAL/Secretaria de Agricultura de Pernambuco-Brasil e Atualmente Coordenadora da ONG Diversa:
Centro de Pesquisa em Direitos Humanos, Gênero e Democracia. Pesquisadora do Instituto de Capacitação e
Pesquisa de Pernambuco, e-mail: [email protected].
Para que seja possível construir uma sociedade livre da violência contra a mulher é
preciso categorizar essa violência, ou seja identificar essas práticas, realizar um
estudohistórico, pois as raízes dessa problemática foram estruturando-se ao longo do tempo.
Sendo assim, é valido salientar que a violência contra a mulher não se restringe a agressão
física, está presente também na violência psicológica, sexual, patrimonial e moral. Importante
refletir que tem contribuído com essas manifestações de violência, de acordo coma
perspectiva histórica aspectos como os costumes, o formato político do Estado, o modelo
familiar e concentração de poder nos homens, fatores que foram decisivos na perpetuação do
patriarcado.
Desse modo, esse sistema social “objetificou” a mulher, desprezando sua humanidade
e tornando sua vida propriedade do homem (pai, marido, filho). Sem poder decisão, todo o
controle das vidas das mulheres era do homem, desde questões pessoais como o próprio corpo
ou orientação sexual até participação política. Somado a isso, elas eram doutrinadas para
procurar satisfação plena e inquestionável no casamento e na maternidade (MIGUEL, 2014,
p. 28),como afirma Betty Friendan (2001), no livro The feministemystique"para uma garota
não é muito inteligente ser muito inteligente”.
Outrossim, o feminismo surge como um “grito” dessas mulheres, tendo sua origem na
Europa. No Brasil teve um início tímido e assustado, liderado por Bertha Lutz, a primeira
fase(1920-1930) do feminismo brasileiro questionava pouco o patriarcado na esfera privada,
detendo-se a luta por direitos civis. Na segunda fase(1920-1930), o movimento ganhou outra
liderança Maria de Lacerda Moura e tornou a realidade social das mulheres em pautas de
discursão e luta, as particularidades das mulheres e sua vida na esfera privada também
precisava de atenção. Sendo assim, Bertha Lutz e Maria de Lacerda Moura eram
contemporâneas, e desencadearam vertentes diferentes do feminismo, mas que possuíam
como princípio principal considerar a mulher como ser humano. A terceira fase, do
feminismo, que é a atual, se caracteriza por feminismo que luta pela ocupação de espaços
institucionais e pela constituição de marcos legais. Diante disso, é preciso destacar que algo
ao longo do processo histórico do feminismo brasileiro, sugiram barreiras dentro do próprio
movimento, como a classe social das mulheres, os diferentes níveis de escolaridade de suas
integrantes, as especificidades das mulheres negras, a diversidade sexual (PINTO, 2003).
Apesar das conquistas feministas o machismo ainda se faz presente na sociedade,
embora não possuindo mesmo formato do passado ele ainda hoje viola a dignidade das
mulheres. Por isso o empoderamento da mulher é essencial, ou seja, garantir as mulheres o
acesso a mecanismos de empoderamento, para que mulheres consigam identificar a violência
e denuncia-la. Mas esse poder só é obtido através da educação, as conscientizando da seu
passado histórico e direitos vigente, e através de políticas públicas, que garantam a proteção
dos seus direitos. Além disso, a luta contra o machismo não pode ser algo restrito às mulheres,
precisa ser algo vivenciado por toda sociedade, pois é um problema que atinge não só o grupo
das mulheres, mas todo o convívio social.
1 PERCURSO METODOLÓGICO
2. DESENVOLVIMENTO TEÓRICO
O feminismo tem como principal objeto históricoa decisão das mulheres de lutarem
por direitos iguais. Pesquisas apontam que é no século XVIII, que as mulheres iniciam o
processo de articulação coletiva para instituírem uma sociedade justa, já que, o machismo
coloca o homem em uma posição de superioridade em relação à mulher (PINTO, 2003).
Os grupos feministas tiveram um grande impulso com a Revolução Francesa (1789)
com o lema igualdade, fraternidade e liberdade, na qual foi observada uma contradição, pois,
as mulheres continuavam sem ter voz e, a partir disso, as mulheres passaram a denunciar a
Revolução que assegurou igualdade e liberdade apenas para os homens.
Analisando a situação da mulher brasileira, é possível identificar que apesar das
especificidades do nosso território, elas viviam em situação semelhantes que as mulheres
europeias, a submissão ao homem. Foi uma época em que eram vistas como meros objetos,
que tinham seus donos, vivendo assim, sem liberdade e condições materiais para acessarem a
cidadania. Ademais, elas não eram vistas como possuidoras de direitos, como menciona Céli
Regina J. Pinto (2003, p.13), no livro Uma história do feminismo no Brasil: “A não-inclusão
da mulher no texto constitucional não foi mero esquecimento. A mulher não foi citada porque
simplesmente não existia na cabeça dos constituintes como um indivíduo dotado de direitos”.
Diante disso, as famílias da classe dominante mandavam suas filhas para estudar em
outros países, e por consequência, essas mulheres tiveram acesso as ideias feministas. E é
dentro dessas oportunidades dadas a algumas mulheres que se manifestam as primeiras vozes
femininas contra a opressão(PINTO, 2003). Desse modo, o grupo restrito que teve acesso aos
debates feministas especialmente o feminismo europeu, encontrou no Brasil um ambiente
hostil para pôr em prática suas ideias. Ou seja, mesmo o feminismo tendo pouco alcance, ele
ainda era reprimido.
Além de serem reprimidas, o Estado não interferia na vida privada nem diante da
violação de direitos, essa não intervenção absoluta, acabou por legitimar a violência contra
mulher ocorrido no âmbito doméstico.
Primeiramente, no Brasil, o movimento procurou debater direitos políticos, liderança
feminina que se destacou nesse período foi Bertha Lutz (1920-1930), a militância resultou em
leis que garantiu direito de voto feminino e igualdade de direitos políticos (PINTO, 2003).
Esse período foi marcado pela liderança de mulheres pertencentes a elite, sendo assim, o
movimento primeiramente reivindicava a inclusão das mulheres no processo político sem
questionar o papel da mulher no âmbito familiar e a dominação do homem em relação a
liberdade da mulher.
A segunda vertente do movimento, apesar de contemporânea a primeira fase, buscou
tratar da educação da mulher, que só era possível se elas buscassem estudos fora do Brasil, o
que tornava as mulheres da classe popular mais vulnerabilizadas e submetidas à opressão dos
homens, visto que estas não tinham condições de estudar na Europa o que as impossibilitava
também de entrar em contato com as ideias feministas da época, não as inviabilizando de a
partir da dororidade desenvolverem processos e experiências de resistências contra as
opressões machistas. Foi a partir do retorno das mulheres estudantes que retornavam da
Europa que o feminismo começou a ser difundido.
Em contrapartida, Maria de Lacerda Moura(1920-1930) colocou em discussão no
movimento feminista a necessidade de reivindicar a desestruturação do patriarcado, pois, só
assim seria possível atender aos interesses de todas as mulheres, as mulheres pobres,
trabalhadoras e donas de casa que sem condições de acessarem o direito ao voto eram
excluídas do conceito de cidadania. Naquele momento, o feminismo difundido por Maria de
Lacerda Moura busca em primeiro lugar a liberdade pessoal de cada mulher, o que se
acreditava que ocorria através de uma educação não sexista (PINTO, 2003).
Questões como sexualidade, violência doméstica, saúde feminina, aborto e controle de
natalidade começaram a ser discutidas, o que ocasionou uma grande ruptura com o
patriarcado, pois agora elas lutavam para conhecer e se sentirem donas do seu próprio corpo,
escolher ter filhos ou não, e se optassem por ter, que pudessem colocá-los em creches para
que a maternidade não representasse a exclusão do mundo do trabalho, pauta que ainda
continua atual (PINTO, 2003). A partir daí,as mulheres passam a denunciar que não mais
aceitaram serem submetidas a condição de propriedade dos homens, reivindicavam sua
posição de pessoas humanas e lutavam para serem tratadas com dignidade o que exigia serem
incluídas no conceito de cidadania.
No contexto da ditadura militar (1964-1985), as lutas sociais e as lutas contra o
governo, e até na própria esquerda, acabou por sufocar o movimento feminista. Desse modo,
a ditadura tornou a luta feminista ainda mais difícil, já que, conseguiu restringir o espaço
avançado pelo movimento. Trazendo um sentimento de insegurança, e a até mesmo de culpa,
pois as mulheres se juntavam para discutir desde as questões pessoais(PINTO,2003, p. 51) até
políticas e as questões colocadas como pessoais não eram tidas pelos demais movimentos
como questão política e as feministas eram acusadas e culpabilizadas de fragmentar a luta de
classe. Por outro lado, foi nesse período que a pauta da sexualidade, timidamente, começou a
ser debatida, como destaca Celi Regina Pinto (2003):
O patriarcado possui uma influência histórica nas famílias brasileiras, por um longo
período foi perpetuado o modelo familiar em que o homem era chefe da família e o único que
poderia decidir, trabalhare falar (PINTO,2003,p.51). Somado a isso, ele tinha como
propriedade as mulheres (as escravas, a esposa, a filha), todas que estivessem sob o seu poder.
Podendo submetê-las, ao abuso sexual, à violência física, a exploração de seu trabalho, tudo
era lícito e moral, pois, a mulher para sociedade era igualada a coisa.
A falta de desestruturação da base cultural patriarcal, faz com que o Brasil não avance
e que a prática de condutas ilícitas se perpetue, de modo que a luta feminista torna-se na
atualidade ainda tão necessária. Fazendo uma analogia às ideias de Rudolf Von Ihering (2001,
p. 07), em seu livro, “A luta pelo direito”, podemos identificar que
A luta pela igualdade do gênero precisa ter uma participação dos homens, para que o
princípio da dignidade da pessoa humana seja efetivado e a sociedade possa evoluir com as
garantias de um Estado democrático de direito, pois, a opressão ainda existente causa efeitos
colaterais para toda a sociedade.
Percebendo que para influenciar a política não é preciso ocupar cargos eletivos, mesmo
sendo importante, mas que, a pressão social também é eficaz, as mulheres organizadas nos
movimentos sociais consegues trazer para a sociedade novas pautas de discussão. Nesse
processo de afirmação da cidadania, os problemas sofridos por elas deixaram de ser algo
restrito de pessoas que se denominavam feminista, e ganhou um caráter social. Pessoas que
não se denominavam feministas ou nem sabiam o que era feminismo científico, defendiam
ideias decorrentes desse movimento social. Assim, é importante destacar que as lutas
feministas devem ser compreendidas como todos os processos de resistência de submissão
das mulheres à ordem hierarquicamente organizada para a oprimir e não apenas a
denominação teórica. A lavadeira, a costureira, a empresária, a católica, a evangélica, a
indígena, a mãe-de-santo, a agricultora, talvez nunca tenham ouvido falar de feminismos, mas,
diariamente exercem a sororidade, articulam-se para salvar-se e salvar outras das entranhas
do patriarcado. Diante do que foi mencionado, a mulher vem tentando se empoderar cada vez
mais. Observa Elba Ravane Alves Amorim “[...] sororidade é o termo que não existe no
dicionário da língua portuguesa, dicionário este marcado pelo sexismo. O termo, no entanto,
é bastante usado por feministas, significando união entre as mulheres. Tem dimensão ética e
política.” Maiara Moreira de Rios observa que fraternidade é a harmonia entre os homens, já
sororidade representa a harmonia entre as mulheres, convéns ressaltar que as duas palavras
vêm do latim, sóror irmãs e fraterirmãos (RÍOS, 2013).
Sendo preciso ainda, muitos passos o empoderamento para a maioria das mulheres
brasileiras, já que, os direitos só são adquiridos através da luta e a mídia junto com as técnicas
do capitalismo, vem criando rótulos para as mulheres seguir.
O Patriarcado, tem ainda sido a base para estruturação de modelos de relacionamento
que acabam submetendo mulheres a ciclos de violências. Ciclo esse que se inicia em um
relacionamento abusivo, onde a mulher é proibida de usar determinadas vestimentas, e
obrigadas através de ameaças a se afastar do seu ciclo de amizade e família, fazendo com que
elas sejam isoladas e não tenham com quem contar diante das violências, e muitas vezes, a
partir desses abusos, se tem início às agressões física e sexual.
Portanto, é de suma importância que as mulheres se unam cada vez mais para
conscientizar-se e conscientizar a sociedade que embora tenhamos obtido muitos avanços, a
igualdade de gênero ainda é um Direito à ser efetivado. Os direitos femininos precisam ser
reconhecidos e exigidos. Muitos sabem da importância da Lei Maria da Penha introduzida em
2006 no nosso ordenamento jurídico, mas a falta de conhecimento sobre as medidas protetivas
ainda impede as mulheres de acessarem.
Os direitos precisam ser conhecidos através de ações sociais em parceria com o Estado,
para que possam ser efetivados, pois, a desigualdade presente no país faz com que a falta de
mecanismo de acesso aos serviços público se torne uma barreira a ser enfrentada pelas classes
mais populares. Direito é sinônimo de luta e a luta pelo fim da violência contra a mulher exige
políticas públicas que vão da garantia de serviços a garantia do Direito à Educação para todas
as pessoas, para que assim os direitos fundamentais não sejam violados e quando essa violação
ocorrer para as minorias políticas, tal violência não seja legitimada pela cultura machista
alicerçada em uma educação que nega a igualdade de gênero. Um grande exemplo de
reconhecimento e eficácia de direito quando a questão é mais debatida no campo da educação,
foi o crime contra o racismo, que tem diminuído, pois, se tornou algo que todos possuem
conhecimento.
2.3 Políticas públicas de enfrentamento à violência contra mulher: pelo direito à uma
vida sem violência
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo o que foi exposto, é possível perceber que a luta das mulheres e o
engajamento nos movimentos feministas se deu pela necessidade de desestruturar as bases da
opressão em que viviam, decorrentes de um patriarcado que acreditamos ter sido de origens
da sociedade brasileira, desde a época do Brasil colônia, onde a escravidão foi vivenciada por
séculos, dando margem a formação de uma sociedade opressora. Portanto, se fez
indispensável a luta por uma igualdade de gênero.
A mídia com seus jornais, e a rádio com a divulgação para um número maior de
pessoas, foram grandes impulsionadoras no início do movimento feminista. Visto que, as
mulheres donas de casa, passaram a se empoderar a partir de seu próprio reconhecimento
diante de uma liberdade que era controlada pelos companheiros ou por aqueles que possuíam
o mesmo laço sanguíneo. Sendo assim, os grupos de reuniões começaram a ser formados com
mulheres líderes de movimentos de empoderamento feminino.
Com esses avanços, as mulheres começaram a ter mais voz, e podemos dizer que a
“ousadia” foi crucial para as conquistas que foram adquiridas. Se teve início com a luta pelo
direito ao voto, e a partir daí uma luta por empregos se fez constante, fazendo com que as
mulheres saíssem de casa e trabalhassem. Consequentemente, a luta contra a violência
doméstica e familiar se fez presente, ganhando grande respaldo com o surgimento de uma lei
específica, a Lei Maria da Penha, na qual trouxe uma proteção as mulheres.
Mesmo com a implantação de políticas públicas como as medidas protetivas e à luta
pela igualdade, a mulher ainda não possui o mesmo espaço do homem na sociedade. Vale
salientar que a educação nos núcleos de aprendizado (escolas, ambientes familiares, igrejas)
seria uma grande percussora para o reconhecimento da igualdade. Sendo assim, políticas
públicas voltadas a educação com tema “sociedade igualitária” faria com que o patriarcado
fosse dissolvido, e as mulheres tivesse o mesmo espaço. Portanto, a luta por uma sociedade
igual, deve ser feita por todos os cidadãos.
REFERÊNCIAS
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estudantes universitários. São Paulo: MCGraw-Hill do Brasil, 1983.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento. São Paulo: Hucitec, 2010.
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RIOS, Maiara Moreira de. Definindo Sororidade. Adaptação do Texto de Marcela Lagarde
y de los. Sororidad. In: GAMBA, Susana Beatriz. Diccionario de estúdios de género y
feminismos. Buenos Aires: 2009.
RESUMO
O presente artigo visa discorrer acerca da violência de gênero e está inserido no contexto da
violência contra a mulher. Nesta ocasião, será analisada a violência doméstica e mais
especificamente a violência psicológica sofrida por tal grupo social. O estudo será realizado
sob a perspectiva da Lei nº 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, e serão
verificados, para uma abordagem mais esclarecedora e elucidativa, inúmeros dispositivos
contidos neste diploma legal. A lei supracitada pode ser considerada como o marco temporal
para maiores e mais sérias discussões acerca do referido tema, do mesmo modo, pode ser vista
como uma alternativa para que as mulheres possam buscar a reparação dos danos a elas
ocasionados decorrentes da violação de seus direitos, bem como a punição legal aos seus
agressores. Sendo assim, a temática introduzida pela Lei Maria da Penha pode ser traduzida
como uma forma de revalorizar as garantias fundamentais da mulher como ser humano, já que
até o dado momento, não haviaproteção jurídica específica que estabelecesse medidas de
assistência às mulheres no âmbito doméstico e familiar.
INTRODUÇÃO
151
GT 4 – Gênero(s) e Diversidade Sexual no Direito
152
Graduanda no Curso de Bacharelado em Direito, 8º Período – Pela Universidade de Pernambuco (UPE) -
[email protected]
153
Graduanda no Curso de Bacharelado em Direito, 8° Período – Pela Universidade de Pernambuco (UPE) –
[email protected].
154
Graduanda no Curso de Bacharelado em Direito, 5° Período – Pela Universidade de Pernambuco (UPE) –
[email protected].
violência doméstica, com foco na violência psicológica, verificando os dispositivos abarcados
na Lei nº 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha.
O objetivo geral desta pesquisa visa entender a razão de o número de mulheres
agredidas psicologicamente ter crescido exponencialmente nos últimos 5 anos, por mais que
a referida Lei esteja em vigor desde o ano de 2006. Além de proporcionar à população a
possibilidade de se entender a dualidade existente entre o mecanismo da Lei Maria da Penha
e seus reais efeitos, de forma aprofundada e palpável, isto é, próxima da realidade em que se
encontram as mulheres agredidas.
Nessa perspectiva, os objetivos específicos giram em torno de estudar a Lei Maria da
Penha e as suas diretrizes, visando entender sobre o que ela dispõe, ratifica, prevê e se tal
dispositivo normativo possui real eficácia social; efetivar os direitos sociais concernentes à
mulher e divulgar para a sociedade as inúmeras situações de abusos vividas por elas,
pretendendo não só informar à população acerca da situação crítica em que se encontra esse
gênero, mas também a respeito da proteção jurídica que a tal legislação oferece como forma
de solucionar e minimizar o número de casos de violência doméstica.
A abordagem da pesquisa, no que tange à violência doméstica sofrida pela mulher, não
é algo recente. Há 12 anos a Lei Maria da Penha foi criada com o objetivo de coibir e prevenir
agressões e abusos contra esse gênero, que até o dado momento, não detinha proteção jurídica
específica que disciplinasse formas de erradicar a discriminação, estabelecendo medidas de
assistência e proteção às mulheres no âmbito doméstico e familiar e punindo os seus autores.
Outrossim, na Lei nº 11.340/06, há um dispositivo legal que dispõe a respeito dos tipos
de violência e suas subdivisões, que abrange o tema de forma satisfatória e regula a penalidade
imputada ao agressor. Entretanto, o problema de pesquisa consiste no fato de que o número
de casos de agressão contra a mulher tem aumentado cada vez mais, sendo necessário
questionar a eficácia da lei supracitada e verificar se o Estado está garantindo o devido amparo
e a assistência protetiva a este grupo social. Além de examinar a atuação da população frente
aos casos de abuso, identificando se há a denúncia por parte da sociedade e se ela está
cumprindo a sua função social de forma ativa.
A reflexão acerca dessa temática tão atual e de calamidade pública é imprescindível,
uma vez que as informações que dispõe sobre a violência doméstica são gritantes, pois, na
maioria das situações, o abuso à mulher costuma ser praticado por quem está presente no seu
ciclo de proximidade e pelas pessoas com ela mantém um vínculo social e afetivo. Dessa
forma, o estudo a que se propõe este artigo visa proporcionar um olhar crítico a respeito,
principalmente, da violência psicológica no Brasil, o qual será o universo de pesquisa do
presente artigo.
Na pesquisa em questão, o método utilizado é o indutivo, aquele que parte de dados
particulares para concluir uma verdade geral, e nesse caso, parte da observação de casos
recorrentes de agressões e abusos contra a mulher para chegar a conclusão de que há uma
violência de gênero institucionalizada na realidade social que abarca um número considerável
de famílias.A pesquisa é exploratória e descritiva, que consiste em esclarecer e descrever ao
máximo uma realidade de conhecimento notório.
A técnica de coleta, bem como a de análise de dados se deu através de estudo
documental, bibliográfico e estatístico acerca do referido tema.
Na violência doméstica, está inserido o tema da violência psicológica, uma vez que o
agressor corrói a autoestima da mulher constantemente antes de praticar uma agressão física.
Desta forma, esse artigo se justifica como sendo uma fonte de conhecimento extremamente
necessária sobre o assunto, tendo por finalidade alertar à sociedade sobre a complexa situação
vivenciada por tal gênero. Ademais, busca apresentar essa temática à população com o intuito
de proporcionar maior visibilidade a esse problema, haja vista a escassez de trabalhos
acadêmicos focados em tais questões, por mais que a violência de gênero esteja cada vez mais
presente na sociedade. Por fim, tal estudo configura-se como forma de provocar um olhar
crítico para modificar essa dura realidade.
A violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano
emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno
desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos,
crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,
ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio
que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
A violência psicológica inclui toda ação ou omissão que causa ou visa causar dano
à autoestima e à identidade da pessoa, mas temos que compreender que esta é a
forma mais subjetiva. É comum estabelecer a associação de agressões psicológicas
com as agressões físicas, sendo que a violência psicológica é uma forma silenciosa,
a qual deixa profundas marcas que podem comprometer a integridade mental da
mulher vítima de violência doméstica.
Nesse sentido, no que se refere a Lei nº11. 340/06, por mais que esta esteja em vigor
desde o dia 22 de setembro de 2006, o número de casos de violência contra a mulher, e,
principalmente, violência psicológica contra a mulher, ao invés de estarem diminuindo, estão
crescendo. Ademais, de acordo com a pesquisa feita pelo Instituto AVON/IPSOS, cerca de
60% dos homens já falaram mal e agrediram verbalmente as suas companheiras e por volta
de 53% desses homens já cometeram algum outro tipo de agressão contra elas. Além disso,
tal pesquisa afirma que:
Para uma violência física acontecer, é porque já ocorreram várias outras violências
de forma psicológica, moral. São essas as que mais danificam a relação e
principalmente a saúde mental das mulheres – e dos homens também. Muitos
homens nem sabem quando aconteceu isso, porque não encaram essa violência
como alguma coisa construída, acham que é natural. A mulher também só vai
perceber quando entra em depressão, começa a ter ansiedade ou insônia. Mas isso
não é natural, foi construído dentro das relações sociais. (AVON/IPSOS, 2001,
p.12).
Contudo, por mais que ainda existam números de casos crescentes e gritantes, é
inegável que tal Lei alcançou algo antes inimaginável e muito importante, que é dar uma maior
visibilidade à violência doméstica, proporcionando um maior investimento em pesquisas e
estudos acerca do tema e oferecendo suporte e ajuda às vítimas, e punição aos agressores.
Além disso, a pesquisa do Instituto AVON/IPSOS mostrou que 92% dos homens são
favoráveis à Lei Maria da Penha, enquanto apenas 35% dizem desconhecer a lei (total ou
parcialmente), sendo assim um grande avanço à sociedade e ratificando o quanto a
disseminação da Lei nº11. 340/06 foi eficaz e que hoje a maior parte da população conhece
tal dispositivo normativo.
É importante entender quais os tipos de violência que a Lei Maria da Penha dispõe,
para que seja possível “sair” do senso comum que considera a existência de um único tipo de
violência, o que não é verdade, uma vez que a violência doméstica é um gênero que dispõe de
subdivisões, isto é, tipos de violência que precisam ser divulgadas para o real conhecimento
da sociedade. A violência física ocorre quando alguém causa ou tenta causar dano por meio
de força física, de algum tipo de arma, ou instrumento que possa causar lesões internas,
externas ou ambas (DAY, 2003, p. 10).
A violência sexual é toda ação na qual uma pessoa, em situação de poder, obriga outra
à realização de práticas sexuais, utilizando força física, influência psicológica ou uso de armas
e drogas (DAY, 2003, p. 10).
A violência Patrimonial, de acordo com Fonseca (2006, p.12):
Por fim, é preciso ressaltar que existem tipos de violência contra a mulher, que são
elencadas na Lei Maria da Penha, e que traduzem-se em vários tipos de agressões manifestadas
ao mesmo tempo. Ratificando essa ideia, tem-se que:
Ressalta-se que a violência contra a mulher compreende um ciclo vicioso que inicia-
se com a construção da tensão, no qual ocorre uma gradual escalada da tensão
acarretando o aumento dos atritos, como ofensas e ameaças. A segunda etapa do
ciclo compreende a tensão máxima que é o momento em que ocorrem as agressões
físicas e, por fim, o agressor desculpa-se e a mulher acreditando na mudança de
comportamento proposta pelo agressor, aceita a reconciliação. (BIANCHINI, 2012,
p.2-3).
Essa passagem mostra um dos grandes problemas que cerca o tema da violência
feminina, que é o perdão. Muitas das mulheres que sofrem agressão, por acreditar que isso
não vai voltar a ocorrer, ao invés de fazer uma denúncia efetiva, relevam. E dessa forma, isso
acaba por se transformar em um ciclo vicioso no qual o psicológico dessa mulherfica tão
abalado que chega a um ponto tão alto e constante de agressões, no qual é quase impossível
que esse quadro seja revertido, por parte da agredida. Além disso, de acordo com a pesquisa
feita pelo Instituto AVON/DATA (2011, p. 9) aproximadamente 52 milhões de brasileiros
conhecem um homem que já foi violento com a sua parceira.
Tais dados comprovam o quanto é gritante e desesperadora a situação em que se
encontram milhares de mulheres, uma vez que a maioria dos casos de agressão ocorre dentro
de casa e esses casos são causados pelos próprios cônjuges, isto é, pelo companheiro dessa
mulher.
Por fim, é necessário ressaltar que a mulher que passa por qualquer tipo de violência
sofre danos psicológicos e à saúde que talvez nunca possam ser superados e revertidos. E que
passar por uma situação de abuso reflete e transparece diariamente na vida da vítima,
mostrando, dessa forma, a situação de calamidade em que se encontra essa parcela da
população e a urgência de que a violência doméstica seja, de fato, combatida. Assim, Fonseca
(2006, p. 11) categoriza e pontua que:
Dessa forma, com a retirada da mulher dessa mencionada situação de obscuridade, ela
estará menos propícia à violência psicológica e, consequentemente, física, sendo um pequeno
passo, mas extremamente importante para diminuir os casos de feminicídio.
Tal violência ocorre de forma tanto psicológica quanto física e representa a
exteriorização das desigualdades, visto que a mulher é o ser mais vulnerável nos
relacionamentos, não somente pela diferença corporal biológica, mas também devido a sua
sistemática opressão histórica e tal problema mostra-se recorrente no Brasil. Levando em
consideração as informações supracitadas, nesse tópico será analisada a relação entre a
violência psicológica contra as mulheres e sua correlação com o feminicídio, termo utilizado
para definir o crime de ódio que se traduz no assassinato de mulheres em razão do gênero.
Os efeitos de tal ato repercutem em um problema de saúde pública, todavia só foi
abordado pelo legislador brasileiro tardiamente pela Lei n° 13.104/2015,que alterou a redação
original do Código Penal de 1940, acrescentando ao art. 121, o §2°- A, no qual é preconizado
que:
Tomando por base o exposto acima, é possível perceber que a violência psicológica,
em grande parte das relações socioafetivas, se transforma em física, o que pode resultar na
morte de inúmeras mulheres, aumentando o número de feminicídio. Nesse sentido, o Instituto
Maria da Penha (IMP), constatou que a cada 2 (dois) segundosuma mulher é vítima de
violência física ou verbal e a cada 2 (dois) minutos uma mulher é vítima de arma de fogo no
Brasil. (IMP, 2018, on-line). Desta forma, observa-se que o Brasil ainda se caracteriza como
um país no qual a taxa de violência contra a mulher é crescente, o que acarreta,
consequentemente, em um elevado índice de feminicídio.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo foi de elevada importância, pois o combate à violência contra mulher
é de interesse público e foi analisado que as medidas protetivasdos dispositivos do sistema
legal brasileiro não tem sido eficiente no combate à violência feminina. Desde a entrada em
vigor da Lei Maria da Penha em 2006, o número de casos na categoria estudada aumentou.
Assim, para que esse controle seja mais efetivonão é necessário apenas uma mudança
legislativa, para impedir tais acontecimentos, mas também uma mudança na visão da
sociedade a respeito das mulheres.
É preciso compreender que, em grande parte dos casos de violência, o agressor está
próximo à vítima, o que dificulta a efetiva denúnciaquanto à agressão sofrida. Assim,a
violência torna-se cada vez mais frequente, ocorrendo de forma contínua e gradual.
Nesse sentido, o presente artigo enfatizou a violência psicológica, tendo em vista que
esse tipo de agressão é a “porta de entrada” para ocorrência das demais formas de violência.
Assim, observa-se que, por afetar a vítima psicologicamente, o agressor a desestabiliza,
deixando-a em uma situação de vulnerabilidade.
Por fim, cabe ressaltar que é dever do Estado combater a discriminação em razão do
gênero e garantir que haja direitos iguais para todos.Nessa perspectiva, tanto a Lei Maria da
Penha quanto a Lei do Feminicídio, estão vigentes no ordenamento jurídico brasileiro como
mecanismos para proteger a mulher e reparar, com a imputação de penas específicas para cada
tipo de agressão, os danos sofridos pelas vítimas. Destarte, é necessário que haja a criação de
políticas públicas educacionais que visemo combate à violência contra a mulher, e também
que exista um maior estímuloao uso dos artifícios normativos supracitados, como forma de
reverter essa situação alarmante, possibilitando, assim, uma efetivatransformação social.
REFERÊNCIAS
BIANCHINI, Alice. Os ciclos de violência contra a mulher e o perdão: série novela Fina
Estampa. Disponível em: <http://atualidadesdodireito.com.br/alicebianchini/2011/12/08/os-
ciclos-de-violenciacontra-a-mulher-e-o-perdao-serie-novela-fina-estampa/>. Acesso em:
15/09/2018.
BRASIL. Lei Maria da Penha (2006). Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Brasília, DF;
Senado Federal, promulgada em 7 de agosto de 2006.
COUTINHO, Maria Lúcia Rocha. Tecendo por trás dos panos. Editora Rocco, 1994.
DAY, Vivian Peres. Violência doméstica e suas diferentes manifestações. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rprs/v25s1/a03v25s1>. Acesso em: 15/09/2018.
FONSECA, Paula Martinez da; LUCAS, Taiane Nascimento Souza. Violência doméstica
contra a mulher e suas consequências psicológicas. 2006. 21 f. Monografia (Curso de
Graduação em Psicologia). Salvador/BA: Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, 2006.
Disponível em: <http://newpsi.bvspsi.org.br/tcc/152.pdf>. Acesso em: 16/09/2018.
GASMAN, Nadine. Violência: nascer mulher define existência social, diz ONU.
Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/mundo/violencia-nascer-mulher-define-
existencia-social-diz-onu,1f73983035526410VgnVCM3000009af154d0RCRD.html>
Acesso em: 10/09/2018
RESUMO
INTRODUÇÃO
155
GT4 – Gênero (s) e Diversidade Sexual no Direito.
156
graduando em Direito. UNINASSAU. [email protected]
157
graduanda em Direito. UNINASSAU. [email protected]
158
graduanda em Direito. UNINASSAU. [email protected]
Poder – Um Manifesto”, da escritora e professora de Cambridge, Mary Beard.
Fonte inspiradora do presente trabalho, O livro “Mulheres e Poder – Um Manifesto”
carrega mensagens e valores indispensáveis para a reflexão sobre o contexto social atual a
partir de um espelho histórico e cultural, assim forma-se o problema desta pesquisa: uma
análise do papel social e reconhecimento do feminino sob a ótica da obra “Mulheres e Poder
– Um Manifesto”.
Alimentando uma busca contra qualquer ideia que subordine o feminino ao masculino,
o objetivo geral do escrito é refletir sobre as determinações sociais e políticas que resultam a
misoginia sofrida pela mulher enquanto ser de força, postura e discurso, elementos quais nada
mais são do que partes integrantes do poder em sua completude. Concomitantemente, o
objetivo específico apresenta-se como a pretensão de através de prismas históricos, culturais
e sociais, observar causas do silêncio e omissão costumeiramente sofridos sempre que uma
mulher tenta cobrir-se com as vestes do poder, liderando uma comunidade, sociedade ou até
a si mesma.
Para uma construção coesa e estruturada da pesquisa, a análise descritiva e opinativa
da obra eixo foi somada a pesquisa bibliográfica de estudos científicos e literários, e além de
esforços metodológicos no campo teórico para complementação do conhecimento empírico e
filosófico, empregou-se o uso de pesquisas de órgãos e instituições em áreas políticas e sociais
tendo como universo mulheres participantes da política, democracia e mercado de trabalho. A
abordagem das pesquisas utilizadas é quantitativa e traduz-se em dados estatísticos aqui
expostos e relacionados ao tema do escrito de modo a integrar o entendimento e análise do
problema levantado, enquanto o próprio trabalho possui abordagem qualitativa.
Linha de pesquisa firmada em congressos e eventos jurídicos, a discussão de gênero
da qual este trabalho faz parte justifica-se por sua própria natureza e finalidade. Natureza de
combate à primeira linha desta introdução (patriarcalismo, discriminação, misoginia,
desigualdade, omissão, subjugação) e finalidade, que nesse sentido é sua não utilidade, pois a
discussão de gênero com sua natureza combativa só tonar-se-á inútil quando os fenômenos a
serem combatidos não mais existirem. Assim, este trabalho se funda e se justifica nos
anuladores de tais fenômenos, quais sejam primordialmente a igualdade e a liberdade.
1 Telêmaco, o eterno
Já que pertenço ao sexo feminino, espera-se que almeje me casar. Espera-se que faça
minhas escolhas levando em conta que o casamento é a coisa mais importante do
mundo. O casamento pode ser bom, uma fonte de felicidade, amor e apoio mútuo.
Mas por que ensinamos as meninas a aspirar ao casamento, mas não fazemos o
mesmo com os meninos? (ADICHIE, 2012, p. 34).
Art 5°, I, CF/88 – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos desta Constituição.
Porém, é sabido que a igualdade formal por si só não garante a igualdade material,
muitas vezes essas duas igualdades não se conversam, pois enquanto uma é essencialmente
dever-ser, outra diz respeito à realidade, ao alcance da igualdade substancial, o que remete ao
pensamento de Ferdinand Lassalle em sua obra “A essência da Constituição”, qual trata como
uma simples folha de papel o texto escrito que não condiz com a realidade. É preciso
harmonizar ambos a partir de direitos e obrigações, que tenham evidentemente, o seu ápice na
conquista da igualdade real(LASSALE, 2000).
Se assim não for, a ignorada Srta.Trigs trazida em charge por “Mulheres e Poder – Um
Manifesto", charge qual será discutida mais a frente, não sofre apenas por “não ser homem o
bastante” para a fala, mas também por “não ser homem o bastante” para ocupar determinado
cargo ou exercer determinada função, “não ser homem o bastante” para receber o mesmo
salário que os homens, mas sem dúvidas terá que ser a famosa “mulher que dá conta de tudo",
que além de trabalhar recebendo até menos chegando a um contraste de 72% do faturamento
para homens e 28% para mulheres em cargos mais altos, por obrigação ainda terá a dupla
jornada de trabalho, ou tripla, ou quarta, por ter que cuidar da casa, filhos e marido, lavar,
passar, cozinhar, lidar com os horários, tudo recai sobre a pobre não homem Srta.Trigs.
Essa é a característica do patriarcalismo contemporâneo. O acesso ao mercado de
trabalho deixa de ser um passo para o fim do patriarcado para se tornar uma releitura deste.
Uma releitura convencionada a partir do capitalismo que precisa de mão de obra, que precisa
de recursos humanos e claro, convencionado pela crise, em que dinheiro em casa será sempre
bem-vindo, mas a divisão das funções domésticas continua a ser responsabilidade da agora
mulher de negócios. Assim aconteceu na Revolução Industrial, assim aconteceu na Segunda
Grande Guerra quando a indústria bélica precisava da mão de obra feminina, a partir daí nasci
o slogan hoje adotado por feminismos: “Wecan do it!”.159
É nessa releitura e modernização insistente da cultura patriarcal que Telêmaco se
eterniza e o homem Narciso também exposto em “Mulheres e Poder – Um Manifesto”
continua androcentricamente encantado com sua própria imagem e crendo vaidosamente que
as experiências socialmente construídas como masculinas são uma verdade absoluta capazes
de definir quem são as mulheres, como estas devem se comportar e o que estas mulheres
merecem.
159
Nós podemos fazer isso.
precisam calar publicamente, não só para se afirmar, como para mostrar as outras mulheres o
lugar de cada uma delas. Quando um homem fere qualquer das liberdades das mulheres, fere
toda uma história de luta e toda a comunidade feminina permeada de sororidade160.
Continuando a dissecar o silenciamento feminino, como referido no primeiro capítulo,
“Mulheres e Poder - Um Manifesto” traz uma charge do escritor Punch que mostra a cena de
um escritório em que estão presentes cinco homens e apenas uma mulher com a seguinte
legenda: “Excelente sugestão, Srta. Triggs. Talvez um dos homens aqui presente queira
executá-la”.
A charge aborda o sexismo corporativo que atribui os cargos de poder aos homens
assim como a execução de funções e planos que carregam destaque, a Srta. Triggs apesar de
criativa jamais poderá ser creditada e mostrar sua competência. É cultural não permitir que
mulheres alcancem cargos de chefia, especificadamente no setor privado em cargos de chefia
ou direção. Em relação aos cargos de liderança uma pesquisa da “Women in Business 2015”
houve o aferimento de que apenas 5% são ocupados por mulheres CEOs e possuem ainda
dificuldade de se manter nos cargos e de trabalhar com autonomia, sendo fiscalizadas com
maior rigor. (THORNTON, 2015)
Na administração pública o número de mulheres em cargos elevados é igualmente
afetado, o poder judiciário é um exemplo disso. Em que seu órgão de cúpula, Supremo
Tribunal Federal, entre os onze ministros estão duas mulheres que assim como outras são
interrompidas em suas falas pela extensão da sensação de superioridade em todas as áreas e
níveis de conhecimento. A ministra Cármem Lúcia, relatou em uma das sessões do Supremo
Tribunal (HUFFPOST, 2017)uma pesquisa feita por Tonja Jacobi e Dylan Schweers, da
Escola de Direito Northwestern Pritzker School of Law, de Illinois, em Chicago, nos Estados
Unidos que constatou que as mulheres da corte têm sua fala interrompida de maneira bem
mais acentuada que os homenstêm as suas. O estudo demonstra quanto o gênero das
magistradas influencia interrupção feita, por exemplo, por advogados e que nem o mais alto
nível social está livre do manterrupiting161 ou do mansplaining162.
160
Sentimento de união entre a comunidade feminina na busca por realizações da classe. Termo comumente
usado pelos movimentos feministas.
161
Interrupção desnecessária feita por um homem durante uma fala feminina, não permitindo que ela conclua
seu raciocínio. Geralmente com o objetivo de praticar o mansplaining.
162
Explicação de um homem para uma mulher sobre algo óbvio, que ela possui propriedade, como se ela nada
soubesse.
Além do silenciamento literal, em debate, a história testemunha o silenciamento que
ocorre de inúmeras outras maneiras, através de perseguição, cárcere, tortura e morte. Os casos
de silenciamento fundado no gênero estão evidenciados aos montes.
Olympe de Gouges, escritora do primeiro documento de caráter feminista Declaração
dos Direitos da Mulher e da Cidadã de 1971 e de peças e manifestos de cunho social, foi uma
pensadora inquieta quanto às condições da mulher não alcançada
pelo“liberté, egalité, fraternité” da Revolução Francesa. Foi presa por colocar em dúvida
valores republicanos e guilhotinada acusada de ser contra-revolucionária, o que se mostra
irônico considerando que Olympe criticava fortemente o regime anterior (CAMPOI, 2011).
Olympe é uma das mulheres de toda uma trajetória de dor e sangue,
de memórias silenciadas que, hoje se unem a outros clamores exclamados, ou em tentativa de
exclamação. A inferiorização do feminino mostra-se efetiva silenciadora, é o centro do
sexismo. Por ser considerada inferior a mulher é silenciada, por ser
considerada inferior é menosprezada, diminuída, ridicularizada, violada, violentada, é por ser
considerada inferior que a violência de gênero é um dos grandes problemas da nação e
persiste tanto pela cultura de dominação e objetificação quanto pela cultura de silenciamento.
Filomena relembrada em “Mulheres e Poder – Um Manifesto”, representa a cultura de
silenciamento da qual o Brasil está repleto, a mulher não sofre corte de uma faca que a fere
com sua ponta ou extremidade cortante, sofre o corte de uma espada que a cortaem um
movimento de vai e volta. Isso porque não é apenas violentada, ou apenas silenciada, ela é
violentadae silenciada. Silenciada pela moral, que revela não uma diretrizdo bem comummas
um verdadeiro paradoxo, seja moral social ou familiar. Um exemplo de materialização do
silêncio causado pela moral social formula-se quando a mulher vê a necessidade de apoio
policial para contenção e afastamento do agressor, mas não o denuncia pensando
na “vergonha” que passará quandoos agentes de polícia chegarem em sua casa e os vizinhos
de suas portas assistirem a todaabordagem. O homem violador, não se sente alvo de vergonha
e não será o ponto chave da opinião geral.
A sociedade patriarcal além de gerar violentadores corta a língua de cada mulher
violentada quando a mulher vítima se torna na opinião geral a causadora da culminância da
violência. A mulher é reprovada, nominada de “safada que gosta de apanhar”. Antes da
empatia que deveria ser o primeiro sentimento e sensibilização pela mulher agredida, surgem
os questionamentos sujos vindos do fundo da lama do machismo que atingem a superfície na
busca por uma justificativa para as ações do agressor. “O que será que ela fez?”, “Ele estava
bêbado?”, “Algum motivo houve pra ele fazer isso, né?”, “O que ela disse a ele para chegar a
esse ponto?”, “Ela deveria ter ficado calada”, eles dizem. Há um engajamento
para intitular um elemento como justificativa, elemento que para os mergulhados na referida
lama, jamais será a construção social patriarcal.
E a moral familiar gera um peso na consciência da vítima que se preocupa com o que
seus pais vão pensar, com o que os pais do agressor pensarão, com o que os irmãos, cunhados,
primos pensarão. “Estou com ele há 10 anos”, “É certo fazer isso com os pais dos meus
filhos?”, “Eu deveria ter ouvido minha mãe, o que direi a ela agora?”. A
família machista sente pena do agressor. “Ele está passando por dificuldades financeiras”,
“Ele nunca deixou faltar o pão”, “Ele é tão trabalhador”. Todas as considerações e elogios
possíveis são elaborados no intuito de diminuir a gravidade dos danos causados.
As expressões de machismo infindam o ciclo de violência e a cada novo episódio os danos são
maiores, até que o silêncio seja irreversível, até que a mulher de língua cortada não emita mais
som algum, é então aí que o agressor passou a ser feminicida. Quando conseguiu calar a
mulher irremediavelmente depois de tanto a fazer de vassala, de outro, não do mesmo, como
Simone de Beauvoir traça em“O Segundo Sexo: Fatos e Mitos".
A expressão antes tarde do que nunca nesse jogo de violência, aproveitamento,
diminuição, subordinação não faz sentido, nunca se deve esperar, é impossível distinguir o
cedo ou tarde, pois é imprevisível quando o assédio na empresa se tornará estupro, é
imprevisível no Brasil, quando um cale a boca em debate se tornará uma cuspida, atentado a
integridade física ou a vida, é imprevisívelsaberquandoas mulheres maioria caracterizadas
como minoria terão a voz pública respeitada. Por isso é impreterível que essa mulher grite,
ecoe, reverbere. Reverbera mulher. Tua voz e força. Reverbera mulher negra, mulher pobre,
mulher negra e pobre, mulher periférica, mulher violada e silenciada socialmente,
domesticamente. Não deixe que te estuprem e ainda cortem tua língua, não permita que o
Júpiter do patriarcado te transforme em vaca, pois a vaca apenas mugi.
Integrando o contexto de incentivo ao despertar, à fala,faz-semenção a Marie Gouze,
a anteriormente discutida Olympe de Gouges. Ativista, feminista, revolucionária,
abolicionista, este trabalho revive-a por meio da conclusão da Declaração de Direitos da
Mulher e da Cidadã:
A citação além de indicar uma das causas do despertencimento, ainda ilustra que o
poder como elemento do labor, não se restringe ao âmbito político, é parte da atividade de
trabalho em outras áreas, em outras escalas sociais e nessas outras também há a sensação de
inferioridade que resultam tanto na perseguição de gênero quanto na não reação a essa
perseguição, pela crença que ela seja natural e devida. Mulheres sofrem perseguição de gênero
pelo poder implicado pela função, pela estigmatização da profissão escolhida, pela vontade
de ascender em determinada carreira, por qualquer fator que não se enquadre na determinação
social. Desde sempre a maioria dos cargos de poder são ocupados por homens que fabricaram
e moldaram a posição de poder a sua maneira, fazendo com que esse espaço se tornasse
característico da figura masculina.
É com essa premissa que “Mulheres e Poder – Um Manifesto” desenvolve um
pensamento a cerca do que é o poder e como participar dele já que a mulher é vista como uma
invasora da mansão elitista e sexista do poder. Os reis em seu castelinho decidem por suas
súditas como, quando e até que andar do castelo as plebéias chegarão e é crível dizer que a
analogia se enquadra perfeitamente já que o presidencialismo brasileiro, assim como o lobo
disfarçado de vovó, é uma republica disfarçada de monarquia, extremamente patriarcal e
vampiresca. Destarte, não apenas a expressão do poder é patriarcal, mas toda a estrutura que
o carca, incentivando a visão da mulher como estranha a essa estrutura, não como igual,
legítima.É tão natural expelir a mulher da estrutura construída que até sua inserção é
corrompida por esse pensamento, pois quando se fala na participação feminina, se fala em
quebra de barreiras, queda de muros, o que pressupõe um movimento de fora para dentro. A
própria participação feminina elucida a natureza da problemática, tanto em suas expressões
para a retomada de poder (usa-se a expressão retomada porque a tomada de poder tem
implicitamente a ideia de pegar ao algo que não é seu, retomar ao contrário, traduz o ato de
pagar novamente aquilo que lhe pertence) quanto o exercício das funções nesse poder.
Assim como em “Mulheres e Poder – Um Manifesto” não são desmerecidas aqui
nenhuma das “questões femininas”, mas é válido o pensamento: Além da dificuldade de
acesso ao poder, quando esse acesso ocorre é direcionado as questões femininas, questões
quais são determinadas a partir da construção social patriarcal. É como dizer que uma mulher
deve apenas administrar problemas diretamente ligados a outros grupos de mulheres, e não da
sociedade como um todo, ou dizer que se recebe poder será, por exemplo, na área da educação,
não nas finanças. Um grande exemplo disso é o cargo de Ministro da Fazenda, que foi ocupado
por uma mulher apenas uma vez, durante o governo Collor, Zélia Cardoso de Mello, ministra
de 15 de março de 1990 até 15 de maio de 1991.
Além da área financeira e econômica, a mulher, por exemplo, demorou também para
integrar as forças militares Brasileiras. O exército recebeu a primeira mulher em seu quadro
em 1823, mas não como ato de incentivo a igualdade, mas como por engano, pois a nordestina
Maria Quitéria de Jesus candidatou-se como Medeiros, usando o nome do seu cunhado e
apenas em 1943 as mulheres tiveram participação oficial, sendo 73 enfermeiras e 6
especialistas em transporte aéreo. Apesar de ser Maria Quitéria conhecida como uma das
heroínas da independência, morreu no anonimato e não tem seu nome e atuação como um
objeto de estudo frequente do ensino regular.
Este é apenas um dos muitos exemplos de esquecimento escolar, um dos muitos casos
de Medusas culturalmente decapitadas em casa, no trabalho, na política e é triste saber disso,
é triste constatar que a ocupação do poder por mulheres é uma exceção, não uma regra como
é para os homens, é triste saber que mulheres são assediadas na construção de sua carreira, é
triste que as mulheres que buscam o poder sejam comparadas a Medusa como símbolo de
destruição, é triste que sejam discriminadas, julgadas, desconsideradas, humilhadas. Mas a
tristeza é importante, pois ela faz parar, refletir. É a tristeza que antecede a reação. E é com
tristeza que se encerra este capítulo. Não com uma tristeza que paralisa, vitimiza, sim com a
tristeza que fez Elizabeth I reagir e reinar mesmo contra vontade da maioria sem um rei
consorte, sendo o segundo reinado mais longo da história da Inglaterra, sim com a tristeza que
moveu Alicia Garza, PatrisseCullors e OpalTometi a fundarem um dos movimentos políticos
mais influentes dos últimos tempos, o Black LivesMatter. É sim com essa tristeza que inflama
revoluções que se encerra este capítulo.
4 Dilmas e Kolindas
Dilma A Medusa nacional, em frente à obra de Caravaggio, não teve a sorte de com
seus cabelos de serpente poder transformar seus oponentes machistas em pedra, suas cobras
com a peçonha do “mimimi” não alivraram de ser vítima de discriminações de seus opositores
políticos e civis, ao contrário, acentuaram-na como aquela que destrói o que toca. Nem a
prática de sexo,como sugeriram os eleitores inconformados poderiadesconstruira imagem
sexista formada, de mulher “feia” e “incapaz”, de “sapatão” e “dentuça”. É entristecedor fazer
tal consideração, mas infelizmente esta é a tradução da realidade brasileira. Na qual o discurso
não é criticado exclusivamente por sua coesão, mas sim pelo gênero de seu orador, remetendo-
nos a Grécia dos discursos públicos próprios dos homens, na qual as mulheres que eram
retratadas no poder tinham suas imagens masculinizadas e as femininas eram subordinadas,
assediadas, estupradas. Esse é o berço cultural ocidental no qual não existe apenas uma Dilma
ou uma Kolinda, mas várias, Dilmas e Kolindas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todo escrito científico e literário possui uma página final, toda produção necessita de
um encerramento e com o mesmo sentimento com qual o leitor concluiu livro “Mulheres e
Poder – Um Manifesto” os autores encerram esse trabalho. Explicando esse sentimento, a
conclusão da obra eixo dá-se pela presunção do destino de Herland, uma terra integralmente
feminina, perfeita, que recebe a primeira criança do sexo masculino, futuro dominador do
local pela lógica patriarcal. Assim funda-se o sentimento de insatisfação ao saber que a
realidade patriarcal está longe de ser superada, contudo, mesmo com o pesar da insatisfação
pela constatação citada, é preciso dizer que um problema que está longe de ser superado não
é insuperável, mas carece de dedicação em longo prazo. Essa é raciocínio da formulação de
soluções de problemas culturais. E, antes desse escrito ir-se por completo, considerações finais
devem ser feitas.
A sociedade brasileira edificada a partir de uma base patriarcal não só se sustenta
sobre ela, como faz dela sua matriz de formação de valores. Antes de considerar o mérito, os
feitos, habilidades, considera o gênero, sexo, orientação, como se essas características fossem
determinantes do espaço a ser ocupado e se essa imposição não é respeitada, os indivíduos
são constrangidos pala ignorância e ausência de empatia. Como se nesse jogo da injustiça de
gênero houvessem duas opções irrecorríveis, ser dominado e/ou ser ridicularizado. É dessa
forma que a mulher é vista como uma subespécie, menos evoluída, menos digna, não sujeito
de direitos, objeto alvo da inferiorização.
Se os valores da Revolução Francesa não se estendiam às mulheres em sua
deflagração, o sistema patriarcal cuidou para que a aplicação desses valores continuasse a ser
precária. Trazer essa consideração não é dizer que não houveram conquistas, mas sim dizer
que ainda há muito para ser conquistado. O que há de se querer não é uma releitura ou
relativização do patriarcado, mas o fim dele. Mascarar o patriarcado de nada serve se não para
fazer com que este continue a se esgueirar pelas sombras do preconceito, tentando afugentar
a igualdade, liberdade e fraternidade, direitos quais são integrantes do basilar princípio da
Dignidade da Pessoa Humana, protagonista do sentimento presente na da Constituição Federal
de 1988.
Mesmo com os fatores indicadores da não materialização dos direitos constitucionais,
ainda há quem diga que o problema de gênero não existe, que não passa de uma invenção para
implantação de uma “ideologia”. Durante as aulas de Direitos Humanos desenroladas em
formato de debate, um acadêmico esbravejou contrariedade a educação de gênero, afirmando
que o Brasil é um país livre e que por exemplo, quem “quiser” ser homoafetivo pode fazê-lo
sem problemas, sem julgamento.
Primeiro destaca-se a dificuldade de percepção da realidade de nosso país, que em
nada é livre de preconceitos e discriminação; Segundo percebe-se a falta de propriedade sobre
a temática, haja visto que não fala-se em “querer”, em opção, mas em orientação que é um
dos pontos de estudo da educação de gênero, não por influenciar a algo, sim por incentivar o
respeito e humanização; Em terceiro verifica-se o costume brasileiro de não reconhecimento
do ódio e violência integrantes inseparáveis de toda a nossa história como aponta tão bem
Leandro Karnal no livro “Todos Contra Todos”. Em quarto, parece absurdo, mas ainda é
preciso frisar que negar a existência de um problema de gênero é negar o sofrimento feminino
e LGBTQI+. E quinto, essa pessoa, assim como a grande massa que carrega as mazelas do
patriarcado, preconceito, sexismo, irá atribuir a expressão de sua vontade democrática, ou
seja, o voto, a um presidenciável que represente esses valores, sem o menor senso de empatia.
Apesar de o problema de gênero ser um problema de todos e precisarmos melhorar, estudar,
desenvolver o senso crítico e reflexivo para que os oprimidos por esse sistema não
permaneçam como massa manipulada, como Paulo Freire traz em “Pedagogia do Oprimido”.
Com o conhecimento como ferramenta da força os oprimidos conseguirão reverter o
andar do quadro patriarcal e deixar para as futuras gerações uma cultura de respeito, igualdade,
liberdade e empatia. Tão somente por este caminho o Brasil não continuará a reproduzir o
final de Herland. Unicamente por esta trilha obras como “Mulheres e Poder – Um Manifesto”
serão lidas com orgulho e não com uma inquietação por descontentamento, exclusivamente
desta maneira as mulheres brasileiras vencerão a guerra contra o patriarcadoe se libertarão das
correntes da misoginia e do machismo.
“É chegada a guerra contra uma cultura de conduta. Desistir não é opção, verás que
uma filha tua não foge à luta”.
REFERÊNCIAS
BEARD, Mary. Mulheres e Poder - Um Manifesto. São Paulo: Planeta do Brasil, 2018.
CAMPOI, Isabela Candeloro. O livro “Direitos das mulheres e injustiça dos homens” de
Nísia Floresta: literatura, mulheres e o Brasil do século XIX. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/his/v30n2/a10v30n2>. Acesso em: 03 out. 2018.
GRANT THORNTON. Maioria das empresas brasileiras não tem mulheres em cargos de
liderança. Disponível em: <https://www.grantthornton.com.br/insights/articles-and-
publications/women-in-business-2015/>. Acesso em: 12 set. 2018.
JACOBI, Tonja; SCHWEERS, Dylan. Justice, interrupted: The efect of gender, indeology,
and seniority at Supreme Court oral arguments. Chicago: Virginia Law Review Association,
2017
KARNAL, Leandro. Todos Contra Todos: O ódio nosso de cada dia. Rio de Janeiro: Casa
da Palavra, 2017
LIMA, Alice; PANKE, Luciana. Imagem e Desqualificação: O caso de Dilma Roussef nas
eleições presidenciais brasileiras de 2014. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas
Gerais, 201
LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2000.
RESUMO
Neste artigo, está sendo historicizada a emancipação da mulher, desde a primeira onda do
feminismo até o século XXI. Há a descrição de como o neoliberalismo se apropriou de cada
fase dessa autonomia buscada pelas mulheres que vai desde a crise de 1929, com a obra da
autora Betty Friedan, a Mística Feminina, cujo interesse do mercado era o de influenciar a
mulher a permanecer como dona do lar. Passando pela segunda onda do feminismo, com
Simone de Beauvoir, é analisado o papel das mulheres no século XX. Há um diálogo entre
autores mostrando como a plurivocidade dos movimentos feministas quebra com essa lógica
neoliberal, já que as propagandas midiáticas só se destinam a um estereótipo de mulher branca.
Busca-se, através da história e de pensadores que a marcaram, apresentar, para o leitor, uma
análise de como tem se constituído as relações de gênero e de como o capitalismo tem
interferido, sendo esse o problema de pesquisa. Foi feito o uso da pesquisa qualitativa,
indutiva, bibliográfica, histórica e comparativa. Por fim, a pesquisa teve como resultado a
análise de que o assédio e abandono das mulheres pelo capitalismo geram crises entre as
mulheres e uma desvalorização com uma consecutiva subordinação.
Palavras-chave: Feminismo. Neoliberalismo. Mística Feminina
INTRODUÇÃO
163
GT 5 – Direitos Humanos, Democracia e Grupos Vulneráveis
164
Graduando pela Universidade de Pernambuco, Campus Arcoverde. [email protected]
esclarecimento, para as mulheres da época, da influência e manipulação as quais eram
submetidas.
A dúvida a ser sanada é qual seria o objetivo da indústria em querer persuadir as
mulheres a serem ou permanecerem como donas de casa. Analisando isso, Betty Friedan
relatou em seu livro, que as mulheres, nos Estados Unidos, eram as principais clientes em
todos os setores, sendo assim, a indústria observando esse dado, constatou que as mantendo
no lar, estas consumiriam mais graças a seus anseios insaciáveis, que caracterizam a dona do
lar. “Nos Estados Unidos a mulher é a grande consumidora. Ela compra 80% de tudo. Lá
como aqui, o homem ganha e a mulher gasta. Por isso, quase toda a propaganda é dirigida a
ela.” (FRIEDAN, 1971, p.9).
O problema de pesquisa desenvolvido foi em relação ao poder do neoliberalismo de se
apropriar da bandeira de emancipação da mulher ou, que o mesmo, de certa forma, possuiu o
poder de dificultar esse processo de independência. Para isso, foi feita uma análise cronológica
com o objetivo específico de observar o processo da autonomia das mulheres ao longo do
tempo, para que, assim, se construa uma análise completa sobre a problemática.
A metodologia utilizada foi, quanto ao método de abordagem, indutiva, isso porque
foram analisados fatos particulares para se construir uma conclusão geral, isto é, foram
analisadas as condições das mulheres no contexto social do século XX e especificamente no
contexto social do livro de Betty Friedan para se obter uma conclusão geral da condição da
mulher em face da manipulação do neoliberalismo. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, justo
porque, foi feita uma observação do contexto social de cada época obtendo um estudo a partir
disso, observando as particularidades dos sujeitos do gênero mulher, e, assim, interpretou-se
dados não quantificáveis.
Também, se fez uso do método de pesquisa bibliográfica, já que essa se classifica
como “a que se desenvolve tentando aplicar um problema, utilizando o conhecimento
disponível a partir das teorias publicadas em livros ou obras congêneres” (KOCHE, 2015, p.
122).
Betty Friedan relata que eram preparados artigos que visavam à manipulação das
mulheres para comprar certos produtos, fazendo-as achar que isso fortaleceria sua
feminilidade e sua capacidade de ser dona do lar, junto a isso, adquiriam lucros em favor do
meio capitalista, usando, assim, o feminismo em prol da obtenção de vantagens.
A população da época não considerava que a mulher se interessava ou podia entender
questões de política e direito civil, ou seja, aspectos importantes para a sociedade. Assim,
julgavam que esse papel era do homem, já que, este era o responsável por estruturar a família,
sendo a mulher responsável por cuidar do lar e junto com isso edificar sua família, aspecto
esse pregado também por religiões.
As novelas, os filmes, sobretudo americanos, idealizavam a mulher perfeita e
influenciavam-nas para que comprassem seus produtos. Havia influência nas roupas,
calçados, ou, até mesmo, no corpo perfeito. Havia uma indústria de manipulação que tornava
os objetos cada vez mais descartáveis para que houvesse a compra e consecutivamente a
renovação no que chamavam de dona de casa.
Estabelecia-se a ideia de que a partir do momento que a mulher decidisse ir trabalhar
fora de casa, estava fazendo a tarefa do homem, sendo assim, masculinizada, ou seja, perderia
sua feminilidade. Isso, segundo os machistas, poderia destruir o casamento, além de que
destruiria a ideia de separação de tarefas. Sendo assim, o feminismo era considerado como
destruidor da família tradicional.
Agora, por necessidades também económicas, mas não mais das próprias mulheres
ou da sociedade e sim da grande indústria, eis que a sua atuação fora de casa é
desvalorizada e «revalorizada» ao máximo a sua feminilidade, a sua maternidade,
como se participar na construção da sociedade fosse incompatível com a sua
condição de mulher. (FRIEDAN, 1971, p.9).
Ao se estabelecer o estigma de que a mulher era criada para ser dona de casa, quanto
mais ela fosse intelectualizada, seria pior na ótica machista. Isto porque possuindo
conhecimento, cultura, leitura e estudo, esta não aceitaria, facilmente, ser manipulada e
submissa ao outrem, o que, não era interessante para a sociedade patriarcal.
Contudo, foi também analisado o século XX, contexto social em que se inseriram as
revoluções feministas e a entrada da mulher no campo de trabalho fora do lar, momento
histórico para a história de emancipação da mulher que se iniciou com a II Guerra Mundial,
quando as mulheres ocuparam os cargos de trabalhos dos homens, os quais estavam
impossibilitados de executar tal serviço justo porque estavam guerreando para defender sua
pátria. Para isso, foram analisados os estudos de Simone de Beauvoir, autora que retratou o
papel da mulher no século XX.
Além disso, buscou-se identificar, como outro objetivo específico, como o
neoliberalismo se apropriou, especificamente, da transição da mulher de dona do lar para
participante da sociedade cível, com o objetivo de gerar lucro para o sistema.
Por último, foi feita uma descrição breve da plurivocidade dos movimentos feministas,
os classificando, e justificando o porquê dessa variedade desconstruir a lógica neoliberal, já
que essa última visa apenas o feminismo europeu de mulheres brancas, possuidoras, em sua
maioria.
O feminismo aparece como um movimento libertário, que não quer só espaço para
a mulher - no trabalho, na vida pública, na educação -, mas que luta, sim, por uma
nova forma de relacionamento entre homens e mulheres, em que esta última tenha
liberdade e autonomia para decidir sobre sua vida e seu corpo. Aponta, e isto é o que
há de mais original no movimento, que existe uma outra forma de dominação - além
da clássica dominação de classe -, a dominação do homem sobre a mulher - e que
uma não pode ser representada pela outra, já que cada uma tem suas características
próprias. (PINTO, 2010, p.16).
Contudo, construía-se uma imagem deturpada das feministas que até hoje algumas
pessoas possuem. Com o objetivo de permanecer com os privilégios, o patriarcado
influenciava a população e, inclusive, as próprias mulheres a acharem que o movimento lutava
contra os homens, quando, na verdade, lutava a favor da igualdade de direitos entre homens e
mulheres, pensamento equivocado que é comum para algumas pessoas do século XXI.
A sociedade atual é composta de uma construção social ao longo do tempo. As
mulheres eram educadas para cuidar do lar, assim, para muitos, não possuíam a capacidade
psíquica de exercer as mesmas profissões que os homens. Logo, consideravam as vagas
ocupadas por mulheres nas universidades um desperdício. Consecutivamente, esse
preconceito reflete na sociedade contemporânea e pode ser observado se levado em
consideração o número menor de mulheres bem sucedidas.
Até mesmo nos meios universitários, quando as mulheres finalmente conseguiram ter
acesso a isso, eram ensinadas a não serem críticas para que, assim, pudessem concordar com
a opinião imposta, evitando revoluções. Observa-se, desde cedo, a presença de um sistema
que oprime, inferioriza as mulheres e reforça apenas sua função biológica de procriação e
dever de cuidado com a casa.
É importante mencionar que, segundo Betty Friedan (1971), a entrada das mulheres
nas universidades se deu graças a um interesse comum, o qual, inicialmente, não era o desejo
de adquirir conhecimentos, mas sim de arrumar seus futuros maridos. Constata-se que a
sociedade produzia uma cultura de criar as mulheres para o casamento, fato esse que se
constituía como o objetivo das vidas das mulheres.
O meio que garante que a população adquira consciência de direitos iguais para
homens e mulheres é a educação, contudo, é lastimável o número de pessoas que não fazem
uso disso. A consequência de tal ato é a construção de uma sociedade alienada por ideologias
historicamente construídas, mas, também, por uma acomodação na busca de seus próprios
direitos.
O meio utilizado para manipular a compra de produtos para a casa foi a propaganda.
Esta era constituída por mulheres felizes e realizadas pelo fato de adquirirem um novo produto
de limpeza. A estratégia era mostrar, ainda na propaganda, uma família feliz por ter uma mãe
e esposa que cumpre com as obrigações do lar, que deveria servir de exemplo para as outras
mulheres.
Construiu-se a ideia de que a dona de casa precisava de produtos especializados para
exercer seu trabalho, assim, não o tornaria tedioso, e mais que isso, encontraria nele sua
identidade junto ao prazer de manter a casa limpa com os melhores produtos destinados a tal
coisa. O mercado foi se amoldando aos interesses de seu público e o influenciando a ter
necessidade de obter seus produtos para a realização da nova mulher moderna.
Era comum a ocorrência de casamentos prematuros, ou seja, muitas mulheres casavam
aos 18 anos na busca de felicidade e realização no ato conjugal. Pela pouca idade e
inexperiência, em alguns casos, ocorria a frustação de o casamento não ser o que se era
esperado. Pensando nisso, os publicistas canalizaram essa falta de realização na compra de
produtos para a casa, já que, segundo dados, as mulheres recém-casadas são mais fáceis de
serem manipuladas.
As lojas precisavam satisfazer muito mais do que apenas a obtenção de um objeto para
casa, mas sim a necessidade da mulher de participar da cultura da sociedade, de se sentir ativa
e importante para sua família e ser reconhecida pelo valor que possui. Campanhas midiáticas
visavam corresponder a esses anseios e fabricavam seus produtos na intenção de sanar essa
problemática e, consecutivamente, gerar lucro.
As mulheres passaram a ocupar os postos de trabalho na Segunda Guerra Mundial,
onde houve a necessidade de pessoas para substituir os homens no mercado de trabalho, já
que esses precisaram ir à Guerra para defender os interesses de sua pátria. Assim, surgia a
oportunidade de que as mulheres ganhassem autonomia financeira.
Contudo, é questionável essa conquista alcançada pelas mulheres, já que, após o
retorno dos homens aos lares, as mulheres voltaram aos seus afazeres costumeiros, sendo
classificadas como donas de casa novamente. Conforme analisa Joana Maria Pedro (2005,
P.89) “as mudanças ocorridas foram apenas provisórias, e que, após a guerra, presenciou-se
um retorno aos antigos significados do gênero, com reforço na rigidez das afirmações da
diferença.”.
Embora haja esse questionamento, é imprescindível constatar que esse momento
histórico possuiu grande valor para a construção do processo de empoderamento da mulher e
a consecutiva aquisição de direitos, mesmo que não tenha, na época, gerado plenamente, a
desconstrução social de divisão de tarefas, mas por ser considerado importante para uma
solução que necessitava ser aprimorada ao longo do tempo.
Logo, é preciso entender o que é o neoliberalismo para que, assim, possa se
compreender como esse surge no modo de produção capitalista, se apropriando de todos os
aspectos da vida em sociedade para gerar lucro e se amoldando a cada situação inovadora para
consumar seu objetivo de acumular riquezas.
Foi um movimento que surgiu após a II Guerra Mundial sendo nova ordem mundial,
esta marcada pelo livre comércio e a intervenção mínima do Estado, fazendo parte da Terceira
Revolução Tecnológica. A globalização adquire um aspecto de acumulação de capital, além
disso, a apropriação de riquezas é resultado de atividades especulativas do mercado financeiro.
Essas ideias foram fluentes durante a ditadura militar no Brasil, onde, foram
transformados serviços de educação e saúde em meios de acumulação de capital e o
consecutivo financiamento do capital privado. Segundo Emílio Rafael Poletto (2009, p.2) “Foi
uma reação teórica, política e ideológica contra o Estado intervencionista e do Bem-Estar.”.
Na contemporaneidade, o neoliberalismo se alimenta de aspectos diferentes, de acordo
com a situação social a qual a população se encontra.
Com isso, é possível constatar que o neoliberalismo tem como objetivo, no século XXI,
incentivar as privatizações e o mercado de trabalho externo, fato esse que sofreu modificações
ao longo do tempo, já que, esse sistema se amolda às transformações sociais. Esse mesmo
objetivo não pode ser encontrado na mística feminina, já que, em seu momento histórico era
interessante para o sistema manter as mulheres como dona de casa, como já mencionado.
O género não se encontra, de modo algum, isolado de outros aspetos da vida social.
Por conseguinte, as transformações económicas, como a criação de economias
industriais ou de redes mundiais de comércio, implicam ações de reconstrução de
divisões de trabalho baseadas no género. E as grandes mudanças culturais
reconstroem as ideologias de género, por vezes drasticamente. (CONNELL, 2015,
p.283).
Mesmo que o século XX tenha sido marcado por mudanças em relação aos direitos
das mulheres e um incentivo maior à sua entrada na vida escolar, ainda havia diferenças
quanto à intensidade desse incentivo em relação aos homens e às mulheres no meio
acadêmico.
Os dados de nossos projetos permitem afirmar que, durante todo um período que se
poderia classificar como de transição, há um “pano de fundo” contra o qual a mulher
continua sendo avaliada, ainda que a análise do quadro que se desenha nos anos 30,
40 e 50 mostre, já, uma abertura maior para a sua escolarização. No entanto, as
diferenças permanecem muito grandes entre as expectativas da família em relação à
vida escolar e profissional de seus “filhos homens” e a das meninas/moças.
(ALVES, 2000, p.236).
Não tem como falar em igualdade no meio de trabalho se, segundo Betty Friedan
(1971), mais de 90 por cento dos CEO, Chief Executive Officer, que significa Diretor
Executivo em português, das 500 maiores empresas transnacionais são homens. Claramente
ainda há uma dominância do sexo masculino, embora tenham acontecido avanços. Contudo,
o importante é atentar para que haja a conscientização, por meio da população, de que há a
desigualdade de gênero nos dias atuais, o que para muitas pessoas se mostra de uma forma
camuflada.
As relações de gênero e a dominação sobre a população eram estabelecidas pelo estado
e religião. Todavia, na atualidade, por mais que os movimentos feministas sustentem que as
relações de gênero não podem ser imutáveis e que é socialmente construída, uma nova
modalidade substitui o papel dado antes ao estado e à religião, esta seria a ampliação do
mercado.
Quando falamos em romper com o mito da rainha do lar, da musa idolatrada dos
poetas, de que mulheres estamos falando? As mulheres negras fazem parte de um
contingente de mulheres que não são rainhas de nada, que são retratadas como
antimusas da sociedade brasileira, porque o modelo estético de mulher é a mulher
branca. Quando falamos em garantir as mesmas oportunidades para homens e
mulheres no mercado de trabalho, estamos garantindo emprego para que tipo de
mulher? Fazemos parte de um contingente de mulheres para as quais os anúncios de
emprego destacam a frase: “Exige-se boa aparência”. (CARNEIRO, 2003, p. 2).
As batalhas travadas por mulheres negras se divergiam, em seus objetivos, das travadas
por mulheres brancas, isto porque, enquanto as mulheres brancas lutavam direito ao voto e ao
trabalho, as negras possuíam o interesse de serem consideradas como seres humanos.
Sojourner Truth, ex-escrava, em 1851, na Convenção dos Direitos das Mulheres em Ohio,
relatou:
Aquele homem ali diz que é preciso ajudar as mulheres a subir numa carruagem, é
preciso carrega-las quando atravessam um lamaçal, e elas devem ocupar sempre os
melhores lugares. Nunca ninguém me ajuda a subir numa carruagem, a passar por
cima da lama ou me cede o melhor lugar! E não sou eu uma mulher ? Olhem para
mim! Olhem para meu braço! Eu capinei, eu plantei, juntei palha nos celeiros, e
homem nenhum conseguiu me superar! E não sou eu uma mulher? Consegui
trabalhar e comer tanto quanto um homem- quando tinha o que comer- e aguentei
as chicotadas! Não sou eu uma mulher? Pari cinco filhos, e a maioria deles foi
vendida como escravos. Quando manifestei minha dor de mãe, ninguém, a não ser
Jesus, me ouviu! E não sou eu uma mulher? (apud RIBEIRO, 2018, p.52).
Em O segundo sexo, Beauvoir diz: “Se a ‘questão feminina’ é tão absurda é porque
a arrogância masculina fez dela uma ‘querela’, e quando as pessoas querelam não
raciocinam bem”. E eu atualizo isso para a questão das mulheres negras: se a questão
das mulheres negras é tão absurda é porque a arrogância do feminismo branco fez
dela uma querela, e quando as pessoas querelam não raciocinam bem. (RIBEIRO,
2018, p.53).
Também, é preciso entender que há a violência contra a mulher, mas que essa se divide
em subgrupos, isto é, há violência atenuada a grupos específicos de mulheres. Segundo dados
do Mapa da Violência, entre 2003 e 2013, a taxa de homicídios de mulheres negras cresceu
54%, enquanto a taxa de homicídios de mulheres brancas caiu 10%. Logo, é necessário que,
além do combate ao gênero feminino, haja a conscientização das diferenças e das
discriminações sofridas por alguns grupos para que, assim, possam ser aniquiladas.
No ano de 2018, a Secretaria Pública e da Paz Social do Distrito Federal registrou 21
feminicídios e 7.169 casos de violência doméstica. Esses dados mostram que, mesmo com a
evolução do movimento feminista, ainda há a violência que precisa ser combatida, seja ela
contra mulheres brancas, negras, pardas ou indígenas. O número de homicídios é alto e o
movimento precisa se mobilizar cada vez mais para erradicar não só a violência, mas também
a sociedade patriarcal que ainda persiste em pleno século XXI.
Em Pernambuco, especificamente, segundo o Diário de Pernambuco, as denúncias de
violência contra a mulher chegam a 73 mil em 2018. Contudo, na mesma pesquisa relata-se
que, após a criação da Lei Maria da Penha, houve o aumento de denúncias de violência, o que
pode ser considerado como um avanço, já que se caracteriza como o primeiro passo para a
estagnação e punição desse ato.
Assim, após a análise dos dados atuais de violência contra a mulher, é possível concluir
que, mesmo com toda propaganda midiática promovida pelo neoliberalismo para gerar lucro
e proporcionar utopicamente a felicidade da mulher na aquisição de produtos, há, na verdade,
uma falta de interesse por parte desse sistema no gênero vitimado. O mercado não possui a
intenção de produzir a realização das mulheres, por isso a mesma é assediada e abandonada
pela globalização, já que as mantendo insatisfeitas, consomem mais produtos.
Esse assédio e abandono geram complexas crises entre as mulheres, onde, muitas
vezes, as mesmas não conseguem se valorizar e passam a acreditar no discurso de
subordinação o qual lhes é imposto pela sociedade patriarcal. É preciso quebrar com essa
logica neoliberalista de apropriação da bandeira de emancipação da mulher para produzir
capital, é preciso aniquilar a alienação, é preciso garantir direitos iguais para mulheres e
homens.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi possível, com os dados e fatos coletados, observar que o neoliberalismo se apropria
de todos os aspectos da vida na sociedade com o objetivo de gerar lucro, no modo de produção
capitalista. Feita uma análise histórica, constatou-se que houve um amoldamento às
modificações sociais.
Também, foi feito um estudo a partir da obra de Betty Friedan, a Mística Feminina, a
fim de observar o papel da mulher preestabelecido e estigmatizado como a responsável por
cuidar do lar, no contexto social do pós-crise de 1929. Por ter que cumprir com esse estigma
imposto pela sociedade, observou-se que as mulheres possuíam um vazio existencial advindo
da falta de participação na vida cível.
Para suprir esse vazio, o mercado estimulou a venda de produtos, os quais garantiam
a felicidade e realização pessoal das mulheres. Observou-se, então, que o capitalismo gerou
capital a partir de uma especificidade emocional das mulheres, ponto esse relatado
detalhadamente no tópico um do presente artigo.
Um conhecimento das ondas do feminismo foi necessário para se ter uma
conscientização do movimento e compreender a importância que o mesmo possui para o
processo de emancipação da mulher. A primeira onda do feminismo, também relatada no
tópico um, trouxe uma conscientização das mulheres de seus direitos e uma luta pela conquista
do voto. Para fundamentação foi usada a autora do Segundo Sexo, Simone de Beauvoir, a qual
tratou do papel da mulher no século XX.
Além disso, foi relatado o contexto social que levou as mulheres à ocupação dos cargos
de trabalho, na Segunda Guerra Mundial, e a retomada dos afazeres do lar após o término da
Guerra, colocando em questão se esse processo se classificou como emancipatória, embora
tenha sido importante para a história.
No tópico dois constatou-se que, com o avanço do feminismo e a difícil permanência
da mulher como dona de casa, o mercado começou a incentivar as mesmas a trabalhar fora de
casa, obtendo, também, lucro, se adaptando a mais um processo de autonomia conquistado
pelas feministas da segunda onda.
Contudo, observou-se, também, que embora tenham acontecido avanços, a sociedade
permanecia com estereótipos e divisão de tarefas, sendo alguns trabalhos destinados para o
sexo masculino e outros para o sexo feminino. Além disso, a mulher passou de dona do lar à
trabalhadora assalariada e também dona do lar, possuindo uma dupla jornada.
No tópico três foram explicitados os diferentes tipos de movimentos feministas e a
importância dada a um específico, o europeu, de mulheres brancas e renda estável. Assim, foi
possível constatar que o neoliberalismo se adaptou ao feminismo branco. O feminismo negro,
o de mulheres transexuais, o indígena, o ocidental, o islâmico e o ecológico quebram com essa
logica neoliberal de gerar lucro a partir dos movimentos sociais.
Por fim, a luta pela revelação das políticas neoliberais disfarçadas de produtoras de
felicidade e de emancipação deve estar em movimento. Os direitos das mulheres devem ser
garantidos e o feminismo deve agir como um processo integrador das diversidades presentes
no movimento. Só assim, a sociedade perceberá o valor que deve ser dado às mulheres e sua
importância, para a construção de uma literal sociedade democrática de direito e isonômica.
REFERÊNCIAS
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Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: fatos e mitos. São Paulo: Difusão Européia do Livro,
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1.
RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo feminismo negro? . 1ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2018.
RESUMO
Este artigo tem como objetivo traçar um paralelo entre a teoria da seleção natural de Charles
Darwin e a Seleção policial de vulneráveis. A primeira, é promovida pelo meio ambiente que,
ao longo do tempo, através de condicionantes climáticas, escassez de alimento e/ou de água
entre outras, conduz as espécies a competirem entre si na busca de recursos para sobreviverem.
Dessa forma, apenas as espécies mais adaptadas iriam resistir, já que eram portadoras de
características vantajosas; as menos adaptadas, isto é, as mais vulneráveis, entrariam em um
processo de estagnação ou retrocesso evolutivo e seriam extintas. Já a segunda, a qual está se
tornando tão natural quanto à primeira, agora, entretanto, é realizada pela polícia, instituição
de segurança pública e braço direito do Estado, e ocorre através de abordagens operacionais
em que os agentes estatais se dirigem a um público específico: a população negra e/ou parda
colocando o corpo negro em situação de constante vulnerabilidade, sendo perseguidas e
vigiadas, remetendo a sociedade a um cenário em que as raízes autoritárias nacionais, fincadas
no contexto colonial de escravidão, excluem esse grupo da sociedade através do extermínio
desses corpos ou “colorindo” os presídios disseminados pelo país.
1 INTRODUÇÃO
165
GT5- Direitos Humanos, Democracia e Grupos Vulneráveis
166
Acadêmico do curso de Bacharelado em Direito da Universidade Católica de Pernambuco e pesquisador em
Iniciação Científica pela UNICAP; Email: [email protected]
Dessa forma, este artigo tem como objetivo geral traçar um paralelo entre a teoria da
seleção natural- de Charles Darwin- e a seleção policial- atuação policial em abordagens
operacionais a vulneráveis.
Na primeira seleção, Charles Darwin afirmou que é o ambiente, por meio de seleção
natural, que determina a importância da característica do indivíduo ou de suas variações, e os
organismos mais bem adaptados a esse ambiente têm maiores chances de sobrevivência,
passando essas características vantajosas aos descendentes. Os organismos mais bem
adaptados são, portanto, selecionados (escolhidos) pelo ambiente e, assim, ao longo das
gerações a atuação da seleção natural mantém ou melhora o grau de adaptação dos
organismos, fixando suas características no ambiente. Os menos adaptados, ou seja, os
vulneráveis estariam em um processo de estagnação ou retrocesso evolutivo, pois não seriam
capazes de superar a pressão evolutiva sendo levados à extinção.
Já a segunda, a qual está se tornando “tão natural” quanto à primeira, agora,
entretanto, é realizada pela polícia, instituição de segurança pública e braço direito do Estado,
e ocorre através de abordagens operacionais cotidianas em que os agentes se dirigem a um
público específico movidos pelo faro racial: a população negra e/ou parda colocando o corpo
negro em situação de constante vulnerabilidade, e, portanto, perseguição e vigilância trazendo
a sociedade a um cenário em que as raízes autoritárias nacionais, fincadas no contexto colonial
de escravidão, excluem esse grupo da sociedade através do extermínio desses corpos ou
“colorindo” os presídios disseminados pelo país.
Os objetivos específicos consistem em identificar a relação entre a seletividade do
encarceramento massivo de negros e/ ou pardos e as mortes destes a partir da influência do
positivismo criminológico brasileiro. A hipótese parte dos dados que evidenciam ser a
população negra a mais vulnerável e a mais vigiada (SINHORETTO, 2014).
Metodologicamente, utilizou-se como técnica de pesquisa a documentação indireta
por meio da pesquisa bibliográfica na área.
A investigação realizada justifica-se cientificamente pela necessidade de aprofundar
e expandir os estudos acerca do processo de seletividade racial feita pelas polícias, no Brasil,
nas abordagens cotidianas, como forma de exercício do poder punitivo para o controle social.
No âmbito social o estudo ora empreendido justifica-se por promover a reflexão
acerca da atuação do Estado, no contexto brasileiro, mediante o uso do poder punitivo de
forma arbitrária e desigual perante a população, em especial, a população negra e/ou parda,
trazendo para esta conjuntura a discussão e contribuições teóricas que possam favorecer a
promoção de melhorias na prestação de atividades estatais, em especial, nas atuações policiais.
Charles Robert Darwin foi um influente biólogo e naturalista167. Viajou pelo mundo
e ao chegar às Ilhas Galápagos, na costa do Equador, em 1835, observou que naquela região
existiam várias espécies de tentilhão168 e que cada espécie estava adaptada a diferentes nichos
ambientais. Os tentilhões se diferenciavam pelo formato do bico, fonte e modo de obtenção
do alimento. Logo após, regressou à Inglaterra, em 1836, e começou a concatenar suas idéias
sobre a possível habilidade das espécies de se modificarem por sofrerem influências do meio
ambiente.
Sendo assim, Darwin, começou a refletir sobre de que maneira evoluíram os
organismos depois de ler a obra Um Ensaio do Princípio da População publicada em 1798 de
autoria de Thomas Robert Malthus169 o qual dizia que nenhum incremento na disponibilidade
de comida para a sobrevivência humana básica poderia compensar o ritmo geométrico do
crescimento da população.
Com isso, Darwin publica sua obra Origem das Espécies em 1859 que ganhou
repercussão mundial. A teoria da evolução das espécies por seleção natural tratava
essencialmente que, devido ao problema de alimento que fora descrito por Malthus, as crias
nascidas de quaisquer espécies competiriam intensamente entre si na busca de sobreviverem.
Sobre isso, afirma (DARWIN, 2009, p.78):
Assim, de acordo com Darwin, cada indivíduo era considerado único e, ao mesmo
tempo, diferente dos demais. Isso significa dizer que mesmo aqueles que possuíam o mesmo
167
É um sistema filosófico que destaca a natureza como sendo o primeiro princípio da realidade.
168
É o nome comum de um conjunto alargado de espécies de pequenas aves passeriformes granívoras.
169
Economista e demógrafo inglês em que acreditava que o aumento da população devia ser controlado. Esta
ideia assentava em duas premissas: por um lado, Malthus advogava que o crescimento da população punha em
risco o progresso da Humanidade; por outro, entendia que nunca seria possível produzir elementos em quantidade
suficiente para sustentar toda a população.
grau de parentesco alguns poderiam dispor de características favoráveis, porém outros não.
Aqueles favorecidos por essas características conseguiriam superar a pressão evolutiva, a
seleção de espécies170, passando assim, esses caracteres favoráveis as próximas gerações de
maneira hereditária.
Não obstante, ainda segundo (DARWIN, 2009, p.78) aqueles indivíduos que não
apresentavam essas características vantajosas ele afirmou: “podemos estar certos de que toda
variação no menor grau prejudicial tem que ser rigorosamente destruída”.
Isso significa que esses indivíduos não superariam a seleção de espécies ficando em
um estágio de estagnação ou retrocesso evolutivo sendo levados a extinção.
A respeito disso, afirma (DARWIN, 2009, p.78) “a esta conservação das diferenças
e variações individualmente favoráveis e a destruição das que são prejudiciais chamei eu de
seleção natural ou sobrevivência dos mais fortes.”
Desse modo, percebe-se claramente a bifurcação de dois grupos: o primeiro, titulado
como “os mais fortes” formado por aqueles indivíduos que apresentavam características
vantajosas que superariam a pressão evolutiva percorrendo um caminho de seleção espécies.
As características vantajosas seriam passadas a prole171. O segundo, não obstante, não contava
com essas características vantajosas e, sendo um tipo de evolução de menor grau devendo ser
eliminada.
170
O princípio da evolução postula que as espécies que habitaram e habitam o nosso planeta não foram criadas
independentemente, mas descendem umas das outras, ou seja, estão ligadas por laços evolutivos.
171
Conjunto dos filhos e filhas de um indivíduo ou de um casal, humano ou não.
consumo, o que demandava um controle social marcadamente terrorista (...).
172
É um conjunto de conhecimentos que se ocupa do crime, da criminalidade e suas causas, da vítima, do
controle social do ato criminoso, bem como da personalidade do criminoso e da maneira de ressocializá-lo.
173
As características físicas e psicológicas do ser humano são determinadas por sua raça, nacionalidade ou por
qualquer outro grupo específico a qual ele pertença.
delito. Para (LOMBROSO, 2016, p. 55): “o criminoso é geneticamente determinado para o
mal, por razões congênitas. Ele traz no seu âmago a reminiscência de comportamento
adquirido na sua evolução psicofisiológica. É uma tendência inata para o crime”.
Lombroso teve como principais sucessores Garofalo174 e Ferri175. Sua teoria do Criminoso
nato ganha repercussão mundial se amoldando perfeitamente ao pensamento do europeu.
174
Viveu entre (1851 – 1934) por sua vez, foi o primeiro autor da Escola Positiva, a utilizar a denominação
“Criminologia”, tal nome foi dado ao livro “Criminologia” publicado no ano de 1885.
175
Viveu entre (1856-1929) foi professor da Universidade de Turim, era advogado criminalista e pendeu mais
para o aspecto sociológico é o que atesta sua mais importante obra: Sociologia Criminal, publicada em 1892.
Fez parte da elaboração do Código Penal Italiano, mas o projeto dessa comissão foi substituído por outro.
CRIMINOSO EM SOLO VERDE E AMARELO.
Assim, no Brasil, a teoria lombrosiana encontrou um campo muito fértil para a sua
propagação cujo solo encontrava-se cheio de nutrientes que perpetuavam desigualdades: um
verdadeiro apartheid em solo verde e amarelo promovido pela escravidão.
É importante salientar, em princípio, que o Brasil foi o último país do planeta a abolir
a escravidão, haja vista o tráfico de seres humanos negros e sua utilização como mão-de-obra
escrava foram bastante lucrativos.
Não obstante, esse comércio também possuía outra faceta: o rompimento das raízes
dos negros com sua terra, a África; a negação de sua identidade cultural e religiosa; o
encarceramento deles em navios, um genocídio; e, para os sobreviventes, a status de escravo,
em que sofriam todo tipo de humilhação.
Cabe ressaltar, ainda, que a abolição da escravatura, ocorrida no Brasil, aconteceu,
de forma gradual, começando com a Lei Eusébio de Queirós176 de 1850, seguida pela Lei do
Ventre Livre177 de 1871, depois a Lei dos Sexagenários178 de 1885 e finalizada pela Lei
Áurea179 em 1888, assinada pela Princesa Isabel, através de um ato meramente político e
pouco humanitário.
Por causa do capitalismo que crescia, na Inglaterra e no Norte da Europa, em
um ritmo muito acelerado, proporcionado pela produção industrial, necessitava-se de mercado
para aquisição das mercadorias produzidas nas fábricas.
Assim, a escravidão, neste momento, é vista como um meio que dificultasse a
expansão desse novo regime econômico, uma vez que o trabalho escravo não proporcionava
aquisição salarial (renda).
176
Proibia o tráfico de escravos para o Brasil. Foi considerada um dos primeiros passos no caminho em direção
à abolição da escravatura no Brasil.
177
Também conhecida como “Lei Rio Branco” foi uma lei abolicionista, promulgada em 28 de setembro de 1871
(assinada pela Princesa Isabel). Esta lei considerava livre todos os filhos de mulher escravas nascidos a partir da
data da lei.
178
Garantia liberdade aos escravos com 60 anos de idade ou mais, cabendo aos proprietários de escravos
indenização.
179
Também conhecida como Lei Imperial número 3.353 sendo a lei que extinguiu a escravidão no Brasil.
Sobre o tráfico de escravos180 adverte (GÓES, 2016, p. 159):
(...) a vigilância constante e armada britânica, o tráfico de negros foi iniciado
imediatamente após a ilegalidade do comércio, quando os traficantes de escravos
continuavam a desembarcar negros para abastecer o mercado, apesar dos riscos, uma
vez que a “vida útil” de um negro escravo jovem de meia idade era de sete ou oito
anos.
Destarte, entende-se que foi necessária uma ameaça armada britânica a fim de tentar
inibir a prática do tráfico de pessoas negras em águas internacionais.
Além disso, cabe ressaltar, ainda, que o Estado foi omisso em não criar meios que
possibilitasse a integração dos negros ao convívio social após a abolição.
Será que a elite da época, formada pela população branca, jamais aceitara, da noite
para o dia, que o negro que era análogo a um animal, talvez, inferior a ele, pois vivia
encarcerado, acorrentado, andava descalço, era chicoteado e ainda possuía “a pele escura”,
passara a ser não um instrumento de trabalho, mas um integrante da sociedade brasileira?
Diante disso, a elite brasileira (a sociedade branca) quase redundante em detrimento
da insegurança que os negros causavam, pelo simples fato de serem negros agora, livres e
espalhados na sociedade, foram seletivamente etiquetados com o reforço do recurso científico,
em que identificara o perigo na negritude.
No ano seguinte, clinicou em São Luís. Sua trajetória profissional obedeceu a várias
incursões institucionais, uma vez que ocupou cargos e se destacou nos temas relacionados à
medicina legal, antropologia, direito, psicologia e sociologia. Contribuiu com pesquisas para
a revista Gazeta Médica e ocupou a cadeira Clínica Médica na Faculdade de Medicina da
Bahia. Em seus primeiros textos utilizou expressões como “etnologia”, “economia étnica”,
“antropologia patológica” para evidenciar sua preocupação com uma classificação racial da
180
É o envio arbitrário de negros africanos na condição de escravos para as Américas e outras colônias de países
europeus durante o período caracterizado como colonialista.
população nacional.
Diante da dificuldade em definir a possível diferença evolutiva entre as “raças”, surge
no discurso de Nina Rodrigues uma essência positivista, que propõe a ciência enquanto
método possibilitador do entendimento da inserção do negro na sociedade brasileira do século
XIX. Em relação ao medo da “sociedade civilizada” diante das “raças inferiores”, ou como
ele conceitua (RODRIGUES, 1957, p. 162): “(...) soma de atentados que, numa colisão de
povos civilizados com povos selvagens, a cada passo podiam estes cometer contra as
condições existenciais da sociedade culta”.
Assim, de acordo com a citação o perigo estava no comportamento das civilizações
que não eram brancas, sendo vistas como inferiores.
Além disso, afirma (RODRIGUES, 1957, p. 162):
A civilização ariana está representada no Brasil por uma fraca minoria da raça
branca a quem ficou o encargo de defendê-la, não só contra os atos antissociais- os
crimes dos seus próprios representantes, como ainda contra os atos antissociais das
raças inferiores, sejam estes verdadeiros crimes no conceito dessas raças, sejam ao
contrário manifestações do conflito, da luta pela existência entre a civilização
superior da raça branca e os esboços de civilização das raças conquistadas ou
submetidas.
De uma e de outro tenho tido conta nos meus estudos da criminalidade negra no
Brasil. Considero a reversão atávica uma modalidade da degeneração psíquica, da
anormalidade orgânica que, quando corporizada na inadaptação do indivíduo à
ordem social adotada pela geração a que ele pertence (...).
Com isso, o problema da desordem social está ligado à negritude, que era portadora
do atavismo causando-lhe uma disfuncionalidade orgânica e psíquica fincando impelida para
regredir socialmente.
Sobre essa degeneração afirma GÓES (2016, p. 264):
Ser negro, no Brasil, sempre foi ter a certeza de ser um “tipo social condenável”,
vigiado, vulnerável e perseguido pelo aparato punitivo estatal, já que se trata de um suspeito
em potencial.
Essa construção ideológica como já foi abordada não se deu porque a população
negra delinqüe mais do que a população branca, na verdade, esta construção ocorreu por um
processo civilizatório que sempre intencionou subjugar a população negra para que esta não
ameaçasse a hegemonia e os privilégios de uma elite branca, desde o período colonial, que
insegura com a abolição da escravatura, sem saber como manter sua posição de prestígio se
apropriou de o discurso de política criminal, existente até hoje, para manter seu domínio sobre
os corpos outrora escravizados.
Não à toa que o positivismo criminológico foi tão eficaz aos interesses da elite
brasileira, pois vinculou a ideia de criminalidade a um tipo de indivíduo e suas características
eram o suporte teórico que essas elites precisavam para continuar subalternizando a negritude.
Então, a perspectiva Lombrosiana foi importada sem nenhum cuidado de análise e
forçada ao nosso contexto social.
Ainda hoje, existe esse ranço do positivismo criminológico, embora camuflado, ora
mais gritante, ora mais invisível.
No contexto atual, na sociedade brasileira, ainda imperam as desigualdades sociais
e, por conseguinte, há elevados índices de criminalidade, sendo a comunidade negra a mais
vigiada pelos aparatos de defesa do Estado.
Para Alessandro Baratta, não só a práxis, mas a própria natureza do sistema penal é
desigual e seletiva (BARATTA, 2002), hasta vista pretender atingir, um público que parece
estar inserido em um projeto histórico de eliminação, dado que uma sociedade que carrega
uma herança escravocrata tão latente e que passou por um processo de democratização que
manteve assimetrias sociais extremamente profundas, tem um caráter muito sintomático
quando se passa a tratar de punição e controle de vulneráveis.
Nesse ínterim, recorre-se a ideia de sujeição criminal, a saber, conforme (MISSE,
1999, p. 66):
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do marco criminológico crítico, que deságua aqui, extrai-se que o modelo
punitivista que vigora em nossa democracia é centrado na exclusão de vulneráveis marcado
pela cor, e é fruto único e exclusivamente por sua própria razão de existir: sua funcionalidade
programada dentro dos limites estabelecidos por uma sociedade racista como instrumento
legítimo de controle de corpos negros que apenas substituiu as senzalas, pois manteve o
processo de desumanização da negritude intacta.
O atual cenário ainda evidencia que quando a barreira jurídica da desigualdade
formal foi superada com a abolição da escravatura, projetando assim, novas esperanças para
a população negra, o Estado, em contrapartida, foi criando outros mecanismos e adotando
novas posturas i(legais) a fim de promover novos obstáculos a esta população, agora dessa
vez, fincados em solo muito profundo cuja base estruturante ainda se mantém firme até hoje.
Por um lado, a seleção natural das espécies, conforme afirmou o naturalista Inglês
Charles Darwin, seleciona as espécies segundo graus de adaptação a pressão evolutiva. Os
organismos mais bem adaptados têm maiores chances de sobrevivência, passando essas
características vantajosas aos descendentes, pois são selecionados (escolhidos) pelo ambiente
e, assim, ao longo das gerações a atuação da seleção natural mantém ou melhora o grau de
adaptação dos organismos, fixando suas características na própria natureza. Os menos
adaptados, entretanto, visto como vulneráveis não seriam capazes de superar a pressão
evolutiva sendo levados à extinção.
Por outro, percebe-se que a seleção policial está se tornando “tão natural” quanto à
primeira. Agora, não mais o meio ambiente vai selecionar “os mais fortes” e excluir os mais
fracos, mas sim o Estado brasileiro.
Diferente da anterior, em que a pressão evolutiva acontece por mudanças climáticas,
escassez de alimento e água dentre outras condicionantes, neste momento, o fator de
vulnerabilidade é o fenótipo negro, ou seja, a pressão estatal que ocorre a partir das atuações
das polícias vai recair perante os corpos negros colocando- os em condição de perseguição e
vigilância.
Combater a diferença racial a partir da desconstrução da cadeia estrutural racista e
hierarquizante é pressuposto ontológico para o abolicionismo pleno e para uma sociedade que
se projete, e se comprometa, com a coletividade e diversidade, redefinindo a utopia política
desumanizante na possibilidade de colocar em prática um sonho inocente.
Para tanto, é preciso reconhecer, em princípio, a existência e o valor desse povo
heróico o brado retumbante, a população negra, a qual vem resistindo de ser escravizada,
durante todo esse tempo.
É preciso reconhecer, ainda, as identidades racializadas para explicitar as
desigualdades criadas e consolidadas por esse sistema cruel.
A seleção natural é necessária, pois ela contribui para o equilíbrio e manutenção do
planeta, não obstante, a seleção policial deve ser combatida e com ela toda essa cadeia
estruturante racista a fim de conseguirmos conquistar com braço forte em teu seio, algum dia,
ó liberdade! Pátria amada idolatrada. Salve Salve!
11 REFERÊNCIAS
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RESUMO
O presente trabalho pretende realizar uma análise socio-filosófica acerca da repressão violenta
policial nas manifestações sociais de rua no Brasil, tendo como base o período histórico do
processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016 em São Paulo. Para tanto,
será realizada primeiramente uma análise dos conceitos de autoridade, poder e violência em
Hannah Arendt, em seguida uma análise das situações de violência ocorridas no período;
demonstrar a materialização de elementos ditatoriais em regimes democráticos, e por fim
pretende-se proceder um confronto entre tais conceitos e a realidade, analisando a atuação
policial no curso das manifestações sociais de rua. Dessa forma, o objetivo é compreender se
a repressão violenta policial de caráter ideológico em manifestações sociais de rua em São
Paulo no ano de 2016, durante o processo de impeachment, pode ser considerada uma
resultante da crise de autoridade do Estado moderno à luz dos conceitos de Hannah Arendt.
INTRODUÇÃO
A crise da autoridade pode ser considerada um fenômeno moderno que possui raízes
e natureza política. Com base em um problema situado em seu tempo, a filósofa Hannah
Arendt em seus estudos busca as origens históricas, políticas e filosóficas da autoridade e a
possibilidade de interpretá-los por meio da tradição. A questão da autoridade foi tratada de
maneira específica por Arendt no livro “Entre o passado e o futuro”, no capítulo intitulado “O
que é autoridade? ”.
Para compreensão da crise de autoridade no mundo moderno faz-se necessário
diferenciar os conceitos de autoridade, poder e violência em Hannah Arendt. Em seguida, será
possível correlacionar tais conceitos com a violência policial contra manifestações sociais de
rua em São Paulo, no ano de 2016, durante o processo de impeachment, utilizando casos
exemplificativos, demonstrando a materialização de elementos ditatoriais em regimes
democráticos.
181
Grupo de trabalho Direitos Humanos, Democracia e Grupos Vulneráveis
² Graduando em Direito pela Universidade de Pernambuco, email: [email protected]
³ Graduanda em Direito pela Universidade de Pernambuco, email: [email protected]
O presente artigo pretende responder a seguinte problemática: A repressão violenta
policial em manifestações sociais de rua em São Paulo no ano de 2016, durante o processo de
impeachment, pode ser considerada uma resultante da crise de autoridade do Estado moderno?
O objetivo geral desta pesquisa é compreender se a repressão violenta policial em
manifestações sociais de rua em São Paulo no ano de 2016, durante o processo de
impeachment, pode ser considerada uma resultante da crise de autoridade do Estado moderno.
Já os objetivos específicos, cumprindo seu papel de delimitar tão amplo tema são: 1.
Diferenciar os conceitos de autoridade, poder e violência em Hannah Arendt; 2. Correlacionar
tais conceitos com o uso da violência policial em manifestações sociais de rua em São Paulo
no ano de 2016, durante o processo de impeachment, com casos exemplificativos; 3.
Demonstrar a materialização de elementos ditatoriais em regimes democráticos.
Quanto à metodologia da pesquisa, será utilizado o método dialético visto que: “A
dialética fornece as bases para uma interpretação dinâmica e totalizante da realidade, já que
estabelece que os fatos sociais não podem ser entendidos quando considerados isoladamente
abstraídos de suas influências políticas, econômicas e culturais. ” (GIL, 2011, p. 14).
Além disso, também será utilizado o método histórico que: “[...] consiste em investigar
acontecimentos, processos e instituições do passado para verificar sua influência na sociedade
de hoje [...]. ” (LAKATOS; MARCONI; 2010, p. 89).
No que se refere ao tipo de abordagem será usado o tipo qualitativo, sendo a técnica
voltada para a de análise de conteúdo. Já o tipo de pesquisa utilizado foi o exploratório, o qual
busca realizar a construção do levantamento bibliográfico sobre o tema. O tipo de coleta de
dados, por sua vez, foi o de pesquisa bibliográfica, a partir do livro “Entre o passado e o
futuro” e artigos científicos que englobam a temática.
Os fundamentos utilizados para a pesquisa foram: Oliveira (2006), German (2017),
Perissinotto (2004), Avritzer (2006), Arendt (1992).
A justificativa para a presente pesquisa se dá em virtude do frequente uso
desproporcional de violência policial como forma de repressão a manifestações sociais de rua
no Brasil, já que as manifestações de rua, caracterizam-se como liberdade constitucionalmente
assegurada, configurando um direito do cidadão e um dever do Estado de assegurar a sua
realização. Além disso, a crise de autoridade e legitimidade pela qual passam os estados
modernos se mostra como possível causa para o uso dessa violência.
Nessas circunstâncias o Estado mostra-se não como um ente neutro e técnico que, de
forma independente dos interesses contrários de classes, trabalha pelo bem comum, mas como
um produto do capital e, nesta qualidade, opera a seu serviço, nesse processo utiliza-se de
elementos relacionados a regimes autoritários, como é o caso da violência policial para
reprimir a contestação política.
Um caso que exemplifica a atuação do Estado e, mais especificamente da polícia
militar, pautada pelo perfil ideológico da manifestação, ocorreu no ano de 2016 no estado de
São Paulo. Tratam-se das manifestações de rua pró e contra impeachment da ex-presidente
Dilma Rousseff.
Inicialmente, faz-se necessário apontar o fato de que há uma escassez de dados, isto é,
não há uma fonte formal que forneça os dados quanto à violência praticada pela polícia militar
em manifestações de rua no período do processo pelo impeachment da ex-presidente no ano
de 2016. Tendo isso em mente, o presente artigo buscou basear-se em informações contidas
em jornais à época dos fatos.
Para a compreensão das manifestações populares em 2016, é necessário expor o
contexto político que levou ao impeachment e, consequentemente à instabilidade política.
Alguns dos fatores que marcaram este período foram: a crise econômica internacional; o
inconformismo do eleitorado de Aécio Neves de ter perdido a eleição de 2014, sendo o mesmo
ex-candidato à presidência da República; a indignação da população causada pelos supostos
escândalos de corrupção e a excessiva exposição das mídias corporativas sobre o tema
fomentada pela Operação Lava-Jato. Dessa maneira, o cunho seletivo da revolta
anticorrupção, transformou-se em antipetismo, o qual acabou por misturar-se com a
antipolítica.
De acordo com o autor Perez-Liñan (2007, p. 119, apud Mendes, 2018, p. 266), o
principal motivador do apoio à impeachment de presidentes, de modo geral, é a crise
econômica. Tal fator “[...]faz com que os escândalos de corrupção se convertam em
hostilidade efetiva contra a administração sob fogo cruzado. ” (MENDES, 2018, p. 266). Por
isso, os autores citados defendem que a população se torna menos tolerante com a corrupção
em momentos de crise econômica, visto que em 2005 no caso do “mensalão” do PT, quando,
em meio à grave crise política e à ofensiva do PMDB, mas num momento sem crise
econômica, o governo de Lula não caiu.
Os manifestantes que iniciaram os protestos pró-impeachment podem ser definidos
como atinentes à classe média brasileira. De acordo com dados do Datafolha, os manifestantes
que foram à Avenida Paulista eram “predominantemente por brancos, de nível superior, com
renda de 5 a 20 salários mínimos. ” (MENDES, 2018, P. 268). O referido autor descreve que
historicamente, a classe média teve um papel essencial seja em amenizar ou atiçar os conflitos
sociais no Brasil.
Nessas manifestações, cuja posição ideológica estava de acordo com o programa da
classe dominante, foi perceptível uma afinidade entre os policiais que estavam junto, os quais
acompanhavam as manifestações. O Jornal El País no dia 27 de março de 2016, por exemplo,
citou duas situações de encontro entre manifestantes pró e contra impeachment e a sua relação
com a polícia militar:
CONCLUSÃO
Ao refletirmos sobre a pergunta que norteia esse artigo, podemos verificar como a
polícia militar do estado de São Paulo ainda age de forma autoritária e pouco democrática em
manifestações de rua que sejam contra os interesses das classes mais abastadas desse país. O
ódio de classe é um elemento que conduz ao recrudescimento das forças policiais em relação
ao mais pobres e aos militantes de esquerda por uma fidelidade aos interesses de uma direita
que busca o controle financeiro e ideológico do Brasil, não se importando em construir
denúncias baseadas em falsos crimes, como aconteceu no impeachment de 2016.
A partir de uma análise arendtiana percebemos o quanto a policia militar brasileira,
nesse episódio do impeachment, representa o não-poder, a violência instrumental que nada
discute e não aceita que o contraditório democrático se estabeleça. Sem dúvidas, a profunda
crise de autoridade que assola o ocidente deixa no Brasil as suas máculas, em que um país
dividido não consegue conversar sobre o que pretende e nem que modelo de democracia e de
Estado pretende adotar. Sob a égide do anti-petismo escondesse uma tradição de domínio e
opressão da classe trabalhadora e a tentativa de impedir que os mais pobres ocupem o espaço
público.
O triste efeito dessa falsa liberdade democrática é a opressão dos mais pobres, sua
criminalização e o extermínio de jovens negros das periferias. A opressão das ruas reflete a
truculência da polícia no dia a dia das comunidades mais pobres de todas as cidades
brasileiras. Só o poder em sentido arendtiano pode resolver essa terrível exclusão, sendo o
meio de promoção de uma igualdade real de todos os cidadãos brasileiros.
REFERÊNCIAS
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democracia brasileira joga Dilma contra as cordas. El País. Disponível em: <
https://brasil.elpais.com/brasil/2016/03/13/politica/1457906776_440577.html >. Data de
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Nova, 68: 147-167, 2006.
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mas-manifestante-mantem-perfil-de-alta-renda.shtml >. Data de acesso em: 06 de out. de
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manifestações. El País. Disponível em: <
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acesso em: 06 de out. de 2018.
BOCCHINI, Bruno. São Paulo tem manifestação contra violência policial, impeachment e
Temer. Agência Brasil. Disponível em: < http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-
09/sao-paulo-tem-manifestacao-contra-violencia-policial-impeachment-e-temer >. Data de
acesso em: 06 de out. de 2018.
COSTA, Arthur Trindade Maranhão. Entre a lei e a ordem: violência e reforma nas polícias
do Rio de Janeiro e Nova York. FGV Editora, 2004. Disponível em: <
https://books.google.com.br/books?id=2oHTOASflgYC&printsec=frontcover&source=gbs_
atb#v=onepage&q&f=false/ >. Data de acesso em: 06 de out. 2018.
DA SILVA FILHO, José Carlos Moreira. "O Terrorismo de Estado e a Ditadura Civil-
Militar no Brasil: direito de resistência não é terrorismo." Anais do XX Congresso
Nacional do CONPEDI, 2011, Brasil.. 2011.
LOCATELLI, Piero. "Bala de borracha apaga a democracia". Carta Capital. Disponível em:
< https://www.cartacapital.com.br/sociedade/bala-de-borracha-apaga-a-democracia-
8357.html >. Data de acesso em: 06 de out. de 2018.
REDAÇÃO. Violência policial marca noite de protestos após impeachment. Catraca Livre.
Disponível em: < https://catracalivre.com.br/cidadania/violencia-policial-marca-noite-de-
protestos-apos-impeachment/ >. Data de acesso em: 06 de out. de 2018.
ROSSI, Marina. Um dia após violência policial, PM reafirma práticas e entidades civis
protestam. El País. Disponível em: <
https://brasil.elpais.com/brasil/2016/09/05/politica/1473106652_985432.html >. Data de
acesso em: 06 de out. de 2018.
RESUMO
Esta pesquisa tem por objetivo investigar a eficácia do sistema de cotas para o acesso à
universidade. Por meio de uma metodologia histórica e comparativa fundada em textos legais
doutrinários, analisa argumentos favoráveis e desfavoráveis a este método de seleção. Inicia-
se com um estudo dos conceitos de raça e racismo, considerando aspectos biológicos,
culturais, psicológicos e, posteriormente, trata do conceito de igualdade nas perspectivas de
igualdade formal e material. Ao final, serão feitas considerações a respeito da eficiência e da
eficácia do sistema de cotas. A importância deste tema está, dentre outros aspectos, no fascínio
das contradições que ele desvenda, por meio própria Carta Magna brasileira de 1988. A
doutrina registra que ações afirmativas são definidas como políticas voltadas à concretização
da igualdade de oportunidades e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero,
de idade, de origem nacional e de compleição física. No Brasil a Lei das Cotas (nº 12.711) foi
aprovada em agosto de 2012, como política pública de ação afirmativa na Educação Superior,
a qual, após mais de uma década de debates, ainda suscita muitas controvérsias.
INTRODUÇÃO
No Brasil a Lei das Cotas (nº 12.711) foi aprovada em agosto de 2012, como política
pública de ação afirmativa na Educação Superior, depois de muita discussão sobre o tema.
Nesse diapasão, o presente estudo, por meio de uma metodologia histórica e comparativa-
fundada em textos legais e doutrinários e tem por escopo discutir a eficácia das ações
afirmativas, especialmente da política de cotas raciais, a partir da análise do princípio da
igualdade, elencado no art. 5o, caput, da Constituição Federal de 1988.
O trabalho se inicia com uma análise dos conceitos de raça e racismo, levando em
consideração aspectos biológicos, culturais, psicológicos e, posteriormente, trata do conceito
de igualdade, considerando as perspectivas de igualdade formal e material. Posteriormente é
182
GT 5 – Direitos Humanos, Democracia e Grupos Vulneráveis
183
Graduada em Direito – Universidade Católica de Pernambuco- UNICAP. Graduada em Odontologia –
Universidade Federal de Pernambuco–UFPE. MBA em Gerenciamento de Projetos – Universidade Estácio de
Sá. Pós-Graduada em Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa – Universidade Federal Rural de
Pernambuco–UFRPE. Mestranda em Direito – Faculdade Damas. E-mail: [email protected].
184
Graduada em Direito – Centro Universitário do Vale do Ipojuca– UNIFAVIP. Pós-Graduanda em Penal e
Processo Penal – Escola Superior de Advocacia de Pernambuco– ESA PE. Mestranda em Direito – Faculdade
Damas. E-mail: [email protected]..
apresentada a definição de cotas, que é espécie das formas de compensação. A pesquisa
também traça um paralelo entre argumentos favoráveis e desfavoráveis a este método. Ao
final são tecidas considerações a respeito da eficácia do sistema de cotas raciais para o acesso
à universidade.
A importância deste tema está, dentre outros aspectos, no fascínio das contradições
que ele desvenda, por meio da própria Carta Magna brasileira de 1988. A Constituição da
República Federativa do Brasil é um infindo de artigos que primam pela igualdade. A doutrina
registra que ações afirmativas são definidas como políticas voltadas à concretização da
igualdade de oportunidades e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero,
de idade, de origem nacional e de compleição física (MARCHIORI NETO, 2005).
No tocante à questão da igualdade, o artigo 5o, caput, da Constituição Federal de 1988,
veda distinções de qualquer natureza. O outro artigo a ser analisado é o art. 206, da
Constituição Federal de 1988, o qual enumera os princípios sob os quais o ensino deve ser
ministrado. No inciso I, do mencionado artigo, fala-se em igualdade de condições para acesso
e permanência na escola. Esse já adentra a questão educacional. Além destes, no artigo 3o, IV,
do mesmo diploma legal, consta como um dos objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor e
quaisquer outras formas de discriminação. Esses são alguns dos artigos constitucionais que
embasam este trabalho, e que foram parte da motivação para seu desenvolvimento (SILVA,
2003).
Para que se inicie uma reflexão sobre o racismo é preciso que estejam claros alguns
conceitos, tais como os de raça, racismo, preconceito e segregação racial, que são geralmente
utilizados nas discussões sobre esse tema polêmico. O esclarecimento da origem etimológica
de alguns termos, tanto torna mais fácil a análise, quanto permite uma melhor gradação entre
eles. Apareceram, por volta de 1930, nos jornais e posteriormente nas organizações de luta
negras, as expressões preconceito racial, discriminação racial, segregação racial, que até então
eram desconhecidas, pois a sociedade brasileira não precisava delas, segundo Santos (1984).
Palavra preconceito, com origem no latim prae e conceptum, significando concebido
antes. É a fixação de juízo elaborado anteriormente à análise objetiva da realidade, que atinge
desfavoravelmente, pessoas, ideias, instituições ou objetos (ÁVILA, 1978). É, segundo
Houaiss (2001), qualquer opinião ou sentimento, quer favorável quer desfavorável, concebido
sem exame crítico. Para Bernd (1994), preconceituoso é o indivíduo que se fecha em uma
determinada opinião, deixando de aceitar o outro lado dos fatos. É uma posição dogmática
que impede a abertura ao conhecimento mais aprofundado da questão, que poderia levar o
indivíduo a uma reavaliação de suas posições. Historicamente, antes da palavra racismo se
impor, a expressão preconceito racial era utilizada para os que consideravam sem base
científica as teorias anti-raciais.
O termo vem do latim segregatio, com o mesmo sentido de segregare, significando
separar do rebanho. Aplica-se, especialmente, na expressão segregação racial, para designar
a prática, vigente em alguns países, de confinar em espaços delimitados alguns grupos
humanos de raças supostamente inferiores (ÁVILA, 1978). A segregação racial, como define
Houaiss (2001, p. 2534) em seu dicionário, significa “modalidade subjetiva de separação em
que a maioria racial julgada inferior é apartada do convívio da maioria, que se considera
etnicamente superior; discriminação racial”.
A Convenção da ONU sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação racial,
em seu art. 1o, define discriminação racial como:
2. DIREITOS FUNDAMENTAIS
3.1 A igualdade
Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1o desta
Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e
indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao
total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas
e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada
a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística – IBGE.
Contudo, a edição dessa lei, embora de certa forma cristalize o sistema de cotas, ainda
não teve o condão de esgotar as discussões sobre o tema de cotas. Pois, acrescente-se que, a
própria Lei, em seu artigo 7º, prevê que será revisão será promovida uma revisão do programa
especial para o acesso às instituições de educação superior de estudantes pretos, pardos e
indígenas e de pessoas com deficiência, bem como daqueles que tenham cursado
integralmente o ensino médio em escolas públicas. O que reforça ainda mais a pertinência de
discussões sobre o tema, para o qual há defesas e reações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A despeito da visão exposta, o presente estudo não teve a pretensão de esgotar o tema,
dada a complexidade do mesmo, o qual ainda provocará opiniões favoráveis e contrárias, na
medida em que forem surgindo os resultados da aplicação prática das medidas de ações
afirmativas, notadamente da recente Lei 12.711/2012. Observa-se na Constituição brasileira
atual (art. 3o, I e art. 206, I, sem prejuízo do art. 5o, caput), que o objetivo primordial é a
educação de base. Considerando essa interpretação, as cotas parecem intencionar saltar
degraus, em vez de atacar a questão fundamental.
O sistema de cotas raciais perde o seu fundamento por basear-se na desigualdade entre
brancos e negros, a começar pela própria diferenciação dentro da espécie humana
considerando o termo raça. Conforme o que foi analisado, especialmente no concernente aos
critérios biológicos, zoológicos e antropomórficos, a espécie humana é apenas uma chamada
Homo sapiens.
E, de acordo com os mesmos estudos, ainda que se considere o fator “raça”, não há
superioridade intelectual comprovada tomando como base caracteres étnicos e biológicos de
pessoas consideradas normais, ou seja, sem retardamento mental. De qualquer forma, não há
relação entre o intelecto e as características agrupadas em cada tipo étnico. Até mesmo porque,
segundo o critério zoológico, não é possível reunir em um mesmo indivíduo as características
que o isolem em um único grupo.
O sistema de cotas fomenta ainda mais a discriminação contra os negros, agride um
critério objetivo de seleção e é de difícil concretização, especialmente no Brasil, pelo fato da
miscigenação, não há como encontrar indivíduos com caracteres puros de diferenciação de
grupos, e ainda que houvesse, segundo critérios científicos, não há como se comprovar se há
diferença intelectual entre negros e brancos.
Não parece razoável que todos esses princípios constitucionais sejam esquecidos
perante um projeto educacional. Se a isonomia prevê os iguais tratados de forma igual e os
desiguais de forma desigual, o sistema de cotas está confirmando a desigualdade.
Uma solução para o acesso à universidade, a longo prazo, seria a melhoria na base das
escolas públicas. Essa deveria ser a preocupação do Estado, ao qual não caberia limitar-se a
abafar as desigualdades sociais, mascarando o sistema com propostas notadamente contrárias
aos princípios constitucionais.
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Felipe Braga. “Cota para negros e pardos: aspectos constitucionais, legais
e sociológicos das ações afirmativas”. In: SALLES, Lília Maia de Morais (org.). Estudos
sobre a efetivação do direito na atualidade: a cidadania em debate. Fortaleza:
Universidade de Fortaleza, 2003.
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BARBOSA, Rui apud CALDAS, Gilberto. Como advogar na área cível. São Paulo: Ediprax
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BERNARDINO, Joazeapud SILVA, Luiz Fernando Martins da. Estudo sociojuridico relativo
à implementação de políticas de ação afirmativa e seus mecanismos para negros no Brasil:
aspectos legislativo, doutrinário, jurisprudencial e comparado. Rio de Janeiro: MEC, 2004, p.
51. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/estudosociojuridico.pdf.
Acesso em: 13. abr. 2006.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19a.ed. Atual. São Paulo: Saraiva,
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BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11.ed. rev. atual e ampl. São Paulo:
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D’ OLIVEIRA, Herval Maia (org). Dicionário enciclopédico ilustrado: sexo, amor e vida.
1. ed. São Paulo: Lisa, [s. d.].
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Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004.
SILVA, Ana Emilia Andrade Albuquerque da.Discriminação racial no trabalho. São Paulo:
LTr, 2005.
SILVA, José Afonso da.Curso de direito constitucional positivo. 22.ed. rev. e ampl. São
Paulo: Malheiros, 2003, p. 210-228
RESUMO
INTRODUÇÃO
Os direitos humanos que se vê comentado nas conversas e encontros comuns tem sido
alvo das maiores violações em virtude da ignorância humana. O temor à diferença, a busca e
construção do “puro”, levaram a humanidade às graves atrocidades que reduziram o homem
de forma descartável criando a figura de um homem supérfluo.
Fazendo-se uma alusão histórica ao holocausto da segunda guerra mundial, parece
fácil demonstrar a importância do combate a discriminações e consequentemente a
preservação de direitos humanos, porém, não obstante os fatos apresentados, percebe-se na
sociedade brasileira um movimento paradoxal contra direitos humanos, que se equivoca
quanto ao que seriam esses direitos e retrocede na efetivação destes.
185
Grupo de trabalho 5 – Direitos Humanos, democracia e grupos vulneráveis.
186
Mestrando em Direitos Humanos pela Universidade Tiradentes - UNIT. Bolsista Capes Prosup. Integrante dos
grupos de pesquisa "Direitos Fundamentais, novos direitos e evolução social" e “Direito e Arte” presentes no
diretório do CNPq. E-mail: [email protected].
187
Doutora em Direito pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Mestre em Direito pela Universidade Gama
Filho. Pós-doutora pela Universidade Federal da Bahia. Professora dos Programas de Pós-graduação da
Universidade Tiradentes e da Universidade Federal de Sergipe. E-mail:[email protected].
O presente trabalho objetiva demonstrar a necessidade de uma educação em direitos
humanos que faça com que jovens e crianças sejam convidados a refletir sobre as diferenças,
aludindo-se que estas não pressupõem discriminações.
O desenvolvimento do pensamento sobre políticas públicas e ações afirmativas em
relação as minorias (LGBT, indígenas, negros, mulheres, deficientes, crianças, adolescentes e
idosos), é observado como ponto crucial para militância de uma sociedade fraterna que não
faça ao outro o que não gostaria que fosse feito a si mesma de modo que a fraternidade como
categoria jurídica, bem como o estado fraternal, será princípio basilar da presente análise,
visando demonstrar a imperiosa necessidade de uma sociedade menos individualista que possa
compreender e respeitar diferenças.
A importância do presente estudo está na clara necessidade de um ensino pautado em
uma cultura de direitos humanos não discriminatória que trabalhe com a emancipação dos
sujeitos através de condutas fraternas. A problemática insere-se questionando de que forma a
educação pode ser emancipatória reconhecendo a juventude oprimida e garantindo-lhe o
efetivo acesso à justiça, deixando claro desde já que o acesso à justiça aqui desenvolvido vai
além do acesso ao ingresso jurisdicional.
Percorre-se o caminho metodológico por meio da análise bibliográfica e documental,
utilizando-se ainda o método dedutivo. Assim, pretende-se refletir e evidenciar que o atual
modelo educacional discriminatório, acaba por maximizar as deturpações sociais em relação
ao que seriam os direitos humanos, de modo que a proposta fraterna de mudança da sociedade
deve-se começar do alicerce, ou seja, da educação básica.
1 FRATERNIDADE E EDUCAÇÃO
Não há direitos humanos sem a plena observância dos direitos das mulheres, ou seja,
não há direitos humanos sem que a metade da população mundial exerça, em
igualdade de condições os direitos mais fundamentais. Afinal, sem as mulheres os
direitos não são humanos. (PIOVESAN, 2017, p. 413).
188
ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo, trad. Roberto Raposo, Rio de Janeiro, 1979. Ver também
LAFER, Celso. Reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. Rio de
Janeiro: Companhia das Letras, 2001, p. 134.
ignorância faz com que a diferença seja utilizada não para reconhecimento, mas sim para
inferiorização dos sujeitos.
O termo fraternidade é comumente utilizado para designar o amor concebido entre os
irmãos, entre seres da mesma família que substabelecem laços de irmandade com
consanguinidade ou não. O cristianismo fortalece tal perspectiva ao preceituar que todos são
filhos do mesmo Deus, logo, irmãos, em sendo assim a doutrina cristã tem como um dos
mandamentos o dogma de amar ao próximo como a si mesmo.
De mesmo modo diversas religiões que por vezes parecem entrar em contradição,
encontram como ponto comum o fundamento principiológico da fórmula de ouro da
fraternidade, a premissa de não fazer o outro o que não gostaria que fosse feito a si mesmo.
Nesse universo de discordâncias dogmáticas resiste um preceito moral de convivência
unanime entre as maiores vertentes religiosas de que o outro deve ser respeitado e amado.
Enquanto categoria jurídica que remonta a tríade da revolução francesa, a fraternidade
encontra-se no âmbito dos chamados direitos de terceira dimensão, juntamente com o direito
ao desenvolvimento, direitos que diferentemente dos de primeira e segunda dimensão partem
de uma visão coletiva e comunitária, visto que o individualismo ousou por permear a evolução
da humanidade, fortalecendo o egoísmo humano.
Pensar em uma sociedade que tenha ao outro o mesmo respeito que a si próprio nada
mais é que trabalhar a pacificação social a partir do reconhecimento, pensando numa evolução
social que transcende o individualismo a partir de um ideal de consolidação de sociedade justa
e pacífica, pautada na edificação de direitos humanos e que propicie a preservação da espécie
humana.
Para Carlos Ayres Britto, a fraternidade é o ponto de unidade a que se chega pela
conciliação possível entre os extremos da liberdade, de um lado e, de outro da igualdade
(BRITTO, p. 218). De mesmo modo, Clara Machado (2017), a necessidade da relação entre
fraternidade, igualdade e liberdade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
189
Referencia as obras de Paulo Freire: “Pedagogia do Oprimido”; “Pedagogia da Libertação”; “Pedagogia da
Esperança”; “Pedagogia da Autonomia”.
democrática na tomada de decisões e do envolvimento com a proteção dos direitos
transindividuais, pois esse vínculo permite o sentimento de responsabilidade, fazendo com
que os indivíduos se sintam mais pressionados e comprometidos com o cumprimento e com a
fiscalização desses pressupostos, contribuindo, consubstancialmente, para fortalecimento da
desenvolvimento da coletividade.
Toda proposta de mudança cultural requer tempo, ações conjuntas, mas principalmente
trabalhos que objetivem atingir as futuras gerações, de modo que se ensinados a partir de uma
educação pautada em direitos humanos, serão naturalmente acostumados a reconhecer esses
direitos, combater prováveis violações e militar por sua efetivação.
Desse modo, observa-se a imperiosidade de ter em exercício a fraternidade como
prática pedagógica. Isto é, por meio dessa premissa construir um âmbito em que seja possível
estruturar uma boa formação inicial e continuada dos indivíduos. Por sua vez, isso pode ser
realizado através de projetos de extensão, como forma de unir universidades e escolas e
contribuir tanto para a aplicação prática do conhecimento acadêmico, como para a
disseminação e edificação de propostas que se pautem no bem de toda coletividade.Assim se
estabelece a proposta de consolidação do estado fraternal, pautado na propagação da
fraternidade desde a educação básica, pretendendo por intermédio do reconhecimento do outro
a proposição de uma educação emancipadora.
A viabilização da ideia trazida se dá também por intermédio da propositura de
mudanças visíveis e sentidas por cada pessoa. A título de exemplo, faz-se bastante interessante
que profissionais das escolas realizem encontros com as famílias dos alunos para que sejam
debatidas temáticas concernentes à importância que cada um tem como agente transformador.
Ao partir disso, pretende-se prosperar reflexõesacerca do papel das pessoas para o meio social.
Assim, não somente haverá a contribuição na formação e educação fraterna dos alunos, mas
também, buscar-se-á a conscientização e concretização dessa premissa de forma mais ampla.
Desse modo, é conferido como extremamente importante o exercício de repensar, fatos
e questões que voltem o olhar para a corresponsabilidade dos compromissos assumidos na
Constituição, consequentemente, a carência de concretização de uma educação voltada para a
cidadania fraterna e desse modo a precisão de se construir uma verdadeira cultura jurídica,
política e social calcada na concepção de paz e de cooperação, como forma de se alcançar
uma convivência melhor de reconhecimento do outro.
Contudo, entende-se que somente pela transformação da educação fraterna em direitos
humanos poder-se-á alcançar o reconhecimento dos oprimidos e logo a efetivação do acesso
à justiça enquanto acesso ao respeito aos seus direitos, individualidades e também diferenças.
REFERÊNCIAS
ARENDT, Hannah. A condição humana, Trad. de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2017.
___________. As Origens do Totalitarismo, Trad. Roberto Raposo. 10. Ed. Rio de Janeiro:
Companhia de Letras, 1979.
PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
SANTOS. Boaventura de Souza. Por uma revolução democrática da Justiça. São Paulo:
Cortez, 2011.
RESUMO
O artigo discorre sobre os efeitos para o jogo democrático da tentativa de homicídio em face
do presidenciável, Jair Bolsonaro, A pesquisa tem como problema a intolerância e a validade
da sua utilização, mesmo sob o argumento da defesa da democracia. O objetivo da pesquisa é
responder se a intolerância se mostra como estratégia válida dentro do espaço democrático.
Para resolver o problema da pesquisa descritiva, foram consultadas obras dos autores
dedicados ao tema, além de notícias divulgadas na imprensa. O interesse pelo tema da
pesquisa nasceu da reflexão sobre as consequências do fato que constitui o objeto da pesquisa
e principalmente quanto aos seus efeitos em relação à democracia brasileira. A importância
do tema está presente no campo da ciência jurídica, sociológica e política. O artigo realiza
uma pesquisa bibliográfica sobre a democracia em sua origem, evolução e instabilidades,
analisa a democracia como o espaço legítimo para o conflito. Ao final, conclui-se que apenas
na democracia abre-se espaço para a diversidade com direito assegurado à fala dos diversos
atores sociais, rejeitando a intolerância e evidenciando que toda e qualquer atitude contra essa
prática, configura-se num atentado contra a própria democracia enquanto instituição cara para
a efetividade dos direitos humanos.
INTRODUÇÃO
O dia 06 de setembro de 2018, poderia ter sido apenas mais um dia de campanha
presidencial do candidato, Jair Messias Bolsonaro, quando este era carregado nos braços de
militantes e simpatizantes, no centro de Juiz de Fora, cidade do estado de Minas Gerais, não
fosse o fato do candidato ter sido alvo de uma tentativa de homicídio perpetrada pelo Senhor,
Adélio Bispo de Oliveira, 40 anos, filiado ao PSOL, que se utilizou de uma faca-peixeira para
ferir sua vítima.
Autuado e preso em flagrante delito, o acusado afirmou que amotivação para o crime
residiu no fato da sua total discordância com as propostas defendidas pela vítima, já que
segundo o acusado, as ideias e propostas daquela, representavam uma ameaça contra a sua
vida.
A vítima se trata de um capitão aposentado das forças armadas brasileiras, deputado
federal licenciado, representando o estado de São Paulo, há 28 anos. Dono de um discurso
populista, o candidato vem paulatinamente subindo nas pesquisas de intenção de votos, apesar
de sua fala ser acusada de sexista, misógina, racista, homofóbica e xenofóbica.
Fazem parte das propostas do presidenciável, ações no sentido de proibir qualquer
discussão sobre gênero e orientação sexual nas escolas, permitir o uso de arma de fogo por
parte da população civil, além de defender abertamente a morte de bandidos, tudo em nome
da família e de Deus.
Sem que tenhamos a necessidade de investigar os motivos políticos e questões
relacionadas ao perfil do acusado, antecedentes criminas, modo de vida, filiação partidária,
autoria do crime e mandantes, se faz necessário indagar: a intolerância pode ser utilizada como
caminho viável, prática legítima, para a defesa da democracia?
Portanto, o presente artigo tem como problema a pergunta: a intolerância pode ser
utilizada como caminho viável, prática legítima, para a defesa da democracia, mesmo que sob
o argumento de se estar defendendo a democracia?
Este artigo tem como objetivo analisar o discurso político do presidenciável, de forma
mais imparcial possível e a partir daí confrontá-lo com o direito à liberdade de expressão,
assegurado na Constituição Federal e compreender a posição do Supremo Tribunal Federal
sobre o tema.
Também se pretende levantar historicamente as origens e o estado atual da democracia,
seus momentos de colapso, e os atentados constantes que sofre pelas investidas autoritárias.
Sem a pretensão de ser exaustivo, o que seria obviamente inadequado para o objeto
deste trabalho, o artigo pretende demonstrar que nas diversas teorias sobre a democracia, não
se consegue enxergar noutro espaço que não seja o democrático, o campo fértil para a
reivindicação e criação de direitos.
Com a finalidade de explicar as ideias defendidas neste artigo lançou-se mão de
pesquisa bibliográfica, através do vasto referencial teórico disponível sobre o tema e sob o
enfoque principalmente jurídico e sociológico.
A importância do tema é inquestionável haja vista que a participação política, as regras
do jogo democrático dizem respeito a todos os brasileiros e brasileiras. O regime democrático
está inserido no rol dos princípios fundamentais da república, assegurados na constituição
federal vigente.
O artigo deve servir para fomentar o debate a respeito do tema no meio acadêmico,
principalmente na área social, jurídica e política e mais ainda os saberes acadêmicos ou
construídos dentro da academia devem transpassar seus muros, provocando transformações
na sociedade vista globalmente, influenciando, educando e fortalecendo a cidadania.
O que se busca com o debate de ideias nunca será o ódio, a inimizade, a intolerância,
mas antes e acima de tudo, o consenso, a paz e a solidariedade que tornam possível a vida em
comunidade.
“O erro da ditadura foi torturar e não matar” foi o que disse o candidato a presidente,
Jair Bolsonaro, em participação no programa Pânico da rádio jovem Pan, em julho de 2016.
Revista Congresso em Foco (2017).
É possível dizer que uma nação é tão democrática quanto a possibilidade que o seu
povo tem de se exprimir livremente, sem censura, sem controle posterior e ainda de
manifestar-se intelectual e artisticamente, contribuindo para o enriquecimento do debate das
questões atinentes ao Estado e mais ainda de manifestar-se publicamente em qualquer lugar
e sem medo de represálias ou punições, mesmo que seja em face de dirigentes políticos e
dos poderes da república.
Com efeito, o direito de liberdade de expressão é assegurado na nossa carta política e
está previsto no rol dos direitos fundamentais, sendo direito de primeira geração, caracterizado
este como aqueles que reclamam uma prestação negativa do Estado, ou seja, um não fazer. O
Estado não deve proibir a manifestação do pensamento, desde que o autor seja devidamente
identificado, sendo proibido o anonimato.
Pois bem, sabemos que não existem direitos absolutos, pois o exercício dos direitos
pelos particulares está condicionado à observância das regras da convivência social e servem
estas como limites para que o exercício do direito por uma pessoa, não impeça o exercício dos
direitos por outra pessoa ou grupo de pessoas.
A questão que se coloca é saber quando o exercício do direito de liberdade de
expressão, extrapola os limites toleráveis e permitidos na lei em razão da atenção ao bom
convívio social.
Em abril de 2017, na cidade do Rio de Janeiro, o presidenciável, Jair Bolsonaro, em
palestra no clube Hebraica, disse: “Fui num quilombo. O afrodescendente mais leve já pesava
sete arrobas, nem pra procriador serve mais”. Revista Congresso em Foco (2017)
As declarações do candidato levaram a procuradoria da república a denunciá-lo por
racismo. Em julgamento por maioria dos votos, os ministros do Supremo Tribunal Federal,
decidiram arquivar a denúncia, pois as declarações do candidato ainda que sejam, vulgares e
desrespeitosas, nas palavras do Ministro Alexandre de Moraes, não ensejam uma perseguição
criminal. Extra (2018)
Da decisão do Supremo Tribunal Federal, é possível retirar o entendimento de que
palavras grosseiras, desrespeitosas, vulgares, quando proferidas a um grupo de pessoas não
individualizadas, ou mesmo uma minoria, não configura racismo, enquanto crime, merecedor
de reprimenda penal. Se a decisão do tribunal valerá para outros casos semelhantes, doravante,
só o tempo dirá.
Se as famosas e polêmicas declarações do presidenciável não acarretam consequências
no mundo jurídico, a mesma coisa já não se pode dizer no campo social. Do ponto de vista
social o que não está explícito no discurso do candidato?
É público o fato de que o candidato tem conseguido arregimentar seguidores das mais
variadas classes sociais que defendem e compartilham do mesmo ponto de vista em relação
as mais variadas questões. Sentem-se representados, apesar do discurso, acusado por muitos,
de ódio e discriminatório dirigido contra as minorias ou segmentos econômica e socialmente
vulnerabilizados.
Na sua célebre obra, as origens do totalitarismo, a pensadora Arendt (2017) enfatiza
que na Alemanha pós primeira guerra mundial, a difícil situação financeira dos alemães e o
elevado custo de vida, encontrou alívio no discurso totalitário nazista, que pregava o
nacionalismo extremo, a ideia de raça superior, a perseguição contra homossexuais, judeus e
negros, tudo em nome da defesa da família e moralização dos negócios públicos do
Estado.Bastante significativo é o pensamento da escritora judia:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após discorrer sobre o discurso eleitoral do candidato e a interpretação que foi dada
pelo Supremo Tribunal Federal em caso submetido à apreciação da casa, entendendo esta, que
não havia no caso, conduta relevante do ponto de vista penal, podemos pelo menos por hora
entender que a liberdade de expressão se mostrou como direito a reclamar maior proteção do
Estado.
Também é possível deduzir que discursos de discriminação proferidos contra uma
minoria e dessa forma não individualmente particularizada não ensejam imputabilidade penal.
Ao tratarmos da democracia en passant no que diz respeito a sua origem também
enfocamos que ela pode ser vista sob dois enfoques diferentes, um legal, como organização
positivada na lei e um outro como espaço efetivo de reivindicações e ambiente fértil para
criação de direitos.
Ainda quando falamos da democracia, pontuamos a visão de Jacques Ranciere quando
considera que na democracia o poder está vazio e que isto se dá pelo fato do legítimo titular
do poder, o povo, não o ocupar a não ser pelos representantes que nem sempre representam
adequadamente seus mandantes.
Finalmente nos reportamos a uma breve análise da intolerância que divide o tecido
social e propicia a reavivação do sonho de retomada do poder, pela classe que se viu despojada
dos seus privilégios em face da implantação do projeto democrático. A afirmação da
existência desse projeto de retomada do poder é enfatizada por Ranciere na sua obra, o ódio à
democracia.
Concluímos então, respondendo a pergunta lançada na introdução deste artigo para
afirmar que a intolerância, jamais será um caminho viável, e mais ainda, que a intolerância
não se coaduna com o regime democrático, pois este pressupõe a convivência harmônica de
diversos segmentos e setores sociais, ainda que distintos na origem e na essência.
Marilena Chauí disserta:
Podemos concluir também que nenhum regime que se diga democrático plenamente
se pode tolerar discursos de ódio e de intolerância contra minorias social e economicamente
vulnerabilizadas, apesar de ser da essência da democracia o conflito de ideias.
A democracia ainda que não consiga atender cabalmente a todas as demandas sociais
e mesmo com as crises de representação que as caracterizam desde o seu surgimento, é ainda
o único modelo possível de concretização dos anseios sociais.
Bobbio (2011, p. 19), preferindo falar em transformação ao invés de crise, com o
brilhantismo que lhe é peculiar ensina “A democracia não goza no mundo de ótima saúde,
como de resto jamais gozou no passado, mas não está à beira do túmulo”.
A partir de tudo quanto foi exposto até aqui é possível afirmar que o golpe de faca que
atentou contra o presidenciável, Jair Messias Bolsonaro, simbolicamente representa uma
facada contra a democracia no sentido de tentar retirar desta o que ela tem de mais essencial:
a tolerância resiliente com a diferença.
REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2011.
BOBBIO, Norberto. Estado Governo Sociedade: para uma teoria geral da política. São
Paulo: Editora Paz e Terra, 2012.
Yasmin Costa de
Almeida191
Samuel Pablo Costa de
Almeida192
RESUMO
INTRODUÇÃO
190
Grupo de trabalho: Direitos Humanos, Democracia e Grupos Vulneráveis.
191
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Estagiária na Procuradoria Regional da
União 5ª Região. Estagiária no escritório Abreu e Gonçalves Advogados Associados. E-mail:
[email protected].
192
Graduando em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Estagiário no Memorial do Tribunal
Regional do Trabalho 6° Região. Bolsista do Programa de Educação Tutorial MEC/SESu - Grupo PET Conexões
Gestão Política-Pedagógica (UFPE). Pesquisador do Programa de Iniciação Científica (PIBIC) pelo CNPQ. Foi
Monitor da disciplina de Metodologia e Produção de Textos e atualmente é Monitor da disciplina de História
Antiga do Departamento de História da UFPE. Professor de Língua Inglesa no Curso de Línguas Popular Aberto
à Comunidade (Projeto de Extensão promovido pelo PET GPP). E-mail: [email protected].
memória, historicidade, sistematização da justiça e resgate dos direitos inalienáveis no
contexto após a Ditadura Militar no Brasil. Nessa perspectiva, por intermetido de um
levantamento bibliográfico com método essencialmente qualitativo, objetiva-se neste trabalho
estabelecer as estruturas que permeiam a tentativa de sair de um período de exceção e se
estabelecer um novo regime, demonstrando que essas ainda se mostram pouco fortalecidas
diante das condições firmemente marcantes entre os anos de 1964 e 1985, o que acaba
dificultando este processo, ilustrado nos contextos políticos, socioeconômicos e legais.
A Constituição Cidadã (1988) desempenhou um papel fundamental na tentativa de
resgatar esses elementos essenciais a um sistema democrático. Contudo, é válido salientar que
ainda se enfrentam inúmeros desafios, inclusive de aplicabilidade constitucional, para que
haja uma justiça de transição de fato e é imprescindível analisarmos como essas barreiras
ainda se apresentam na contemporaneidade, bem como atentarmos para as permanências que
essa tentativa de restabelecimento democrático se apresentam no atual contexto. Ademais,
para este foco da pesquisa, deve-se realizar uma densa revisão de literatura sobre como se
desenvolveu a circunstância que necessitou de uma justiça de transição, acontecimentos
pontuais para entendermos o contexto até culminar na anistia, circunstâncias de transições
ocorridas em outros países e fatores que fogem à constitucionalidade e impõem barreiras para
o estabelecimento de uma democracia razoavelmente plena, a fim de compreender as
estruturas que alimentam esses desafios e como os mesmos se desenvolveram.
Nesse contexto, vale ressaltar as dissimétricas condições para que se firme uma justiça
de transição no Brasil, quando comparado a outros países que também vivenciaram uma
ditadura. O desenvolvimento do arcabouço teórico sobre o assunto é imprescindível, com
ênfase nas problemáticas e desafios para que se estabeleça um estado democrático de direito,
sobretudo destacando as rupturas que contribuem para que haja a edificação desse contexto
desfavorável à tentativa de reestruturação. Dessa forma, impasses como a anistia após a
violação dos direitos humanos e uma construção histórica e historiográfica que ainda pouco
promove a conscientização nos faz atentar para a urgência desta pesquisa, a de promover o
destaque para a interdisciplinaridade entre o âmbito da História e do Direito para uma
compreensão razoável da implementação de um direito à memória e à verdade efetiva após
todo o momento de violação.
DESENVOLVIMENTO
Histórico
Em 1964, conforme aponta Delgado (2009), o então presidente João Goulart foi vítima
de um golpe em um processo que a todo o momento desqualificou o seu governo e sua
trajetória política, com a considerável contribuição da grande imprensa. O autor também
reforça a abordagem da historiografia, comumente voltada a cinco pilares: visão estruturalista
dos motivos que levaram à deposição de Goulart, ênfase nos elementos preventivos do golpe
político, fatores conspiratórios das ações que levaram ao golpe militar, visão de uma
conjuntura (enfatizando a questão da democracia) e novas produções com fontes
diferenciadas. Dessa forma, para entendermos a justiça de transição faz-se necessário
compreender os elementos que envolvem a abordagem sobre a democracia, entendida como
um sistema representativo e dinâmico que exige eleições periódicas, alternância de poder com
a possibilidade de que qualquer cidadão possa votar e ser votado, liberdade de pensamento,
expressão e organização, com respeito às múltiplas significações e instituições inerentes ao
estado democrático de direito (FIGUEIREDO, 1993).
Além disso, é válido salientar que os projetos de reformas promovidos por movimentos
sociais que ocorriam às vésperas do golpe eram imprescindíveis para a “defesa da democracia
econômica e social, com certeza escassa e necessária no Brasil” (DELGADO, 2009). Segundo
Oliveira et al. (2016), em 1° de Abril de 1964 os militares tomaram o poder, sob justificativa
de manutenção da ordem e segurança nacional, desconsiderando a Constituição vigente (1946)
e, portanto, estabelecendo-se um período em que os presidentes governavam por intermédio
de atos constitucionais que permitiam atitudes abusivas que iam de encontro aos direitos
inalienáveis a qualquer ser humano. Ademais, foram outorgados os Atos Institucionais, sendo
o mais rigoroso o AI-5, estabelecido durante o governo de Artur da Costa e Silva em 1968,
que promoveu uma maior censura e violação dos direitos humanos (OLIVEIRA et al., 2016).
Nessa perspectiva, Arns (1988) defende que nesse período foi estabelecido um sistema
de repressão e controle social que banalizou a prisão política, a censura popular e a tortura e,
portanto, rompeu com os preceitos básicos dos direitos humanos. Dessa forma, vale ressaltar
que casos como o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, que foi colocado como suicida
pelo Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa
Interna (DOI-CODI), ilustram o quanto grave é essa ruptura, visto que não foi um
acontecimento isolado e que representam um atentado aos direitos fundamentais. Inclusive,
em 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil por ter
negligenciado na investigação sobre o que de fato ocorreu com o jornalista, reforçando a
gravidade do ocorrido para o contexto de uma justiça de transição.
É válido salientar o governo Médici (1969-1974) que, conforme aponta Oliveira
(2011), foi o período em que mais se teve tortura com o nome do Coronel Brilhante Ustra,
comandante do DOI-Codi de São Paulo e um cruel torturador. Esse momento, também
chamado de anos de chumbo, foi marcado por uma violação física dos cidadãos envolvidos,
sobretudo aqueles ligados aos movimentos sociais de esquerda que iam de encontro com o
regime, que eram interrogados de maneira agressiva sob justificativa, por parte do governo
militar, de ser a única maneira eficiente de combate ao “terrorismo”. Dessa maneira, percebe-
se que a violação dos Direitos Humanos não ficou restrita às questões relativas às censuras,
mas também a repressão em todos os âmbitos e circunstâncias que contrariasse as posições
ideológicas da ditadura implantada no Brasil.
A guerrilha do Araguaia, ocorrida entre 1967 e 1974, é de mister importância ser
estudada para que entendamos um caso concreto de repressão e violação dos Direitos
Humanos durante a ditadura e que reverbera negativamente, diante das atitudes tomadas em
relação ao ocorrido, na justiça de transição. Segundo Justamand (2015), nos estados do Pará,
Maranhão e Tocantins (antes Goiás), o movimento impulsionado pelo Partido Comunista do
Brasil (PCdoB) foi reprimido pelas forças armadas de maneira cruel e violenta, com torturas,
prisões, assassinatos e alguns foram colocados como desaparecidos. Nesse contexto, houve
um extermínio e opressão em massa de ex-estudantes universitários e trabalhadores de
ideologia liberal e até os dias atuais não se tem uma documentação oficial que exponha o que
de fato ocorreu, sendo a maioria considerados desaparecidos políticos e apenas descobertos
no processo de redemocratização, o que gera uma problemática no que se refere à justiça de
transição quando deparada com a lei de anistia com a Comissão Nacional da Verdade (2012).
Por fim, em 1985, com o processo de redemocratização, que conforme aponta Faria
(2015) foi marcado pela lei da anistia, pelos comícios e o Movimento pelas Diretas Já
(ocorrendo apenas eleições diretas em 1989), houve a abertura política de maneira gradual e
lenta, assim como propôs Ernesto Geisel, e, consequentemente, o estabelecimento de uma
justiça que regulamentasse a transição do estado de exceção para uma democracia. Entretanto,
é válido salientar que isso até o presente ano não ocorreu de fato, visto que ainda existem
inúmeras lacunas para o exercício do sistema democrático e barreiras que se fazem presente
para o estabelecimento do mesmo. Dessa forma, há a permanência de estruturas características
de uma sociedade memorialista que ainda não superou os acontecimentos marcantes do
período ditatorial e a transição passa a ser quase uma permanência, posto que ainda não há um
claro posicionamento jurídico, político e social que enfim criminalize aqueles que se
opuseram a democracia e não os que lutaram por ela.
Anistia
A lei da anistia, promulgada em 1979, pelo então presidente João Batista Figueiredo,
reverteu as possíveis sanções àqueles que se envolveram e praticaram algum crime político
durante a ditadura tanto de agentes estatais quanto aos que se opuseram ao regime. Contudo,
há uma grande problematização no que se refere a esse perdão, posto que os Direitos Humanos
foram violados de maneira cruel e não houve a responsabilização dos indivíduos envolvidos,
fazendo com que isso seja aceito de maneira passiva em um país que, teoricamente, aderiu a
responsabilidade de manutenção desses direitos em território nacional, que condena práticas
de escravidão, tortura, genocídio e entre outras práticas que ferem a dignidade humana
(BASTOS, 2008). Nessa perspectiva, a anistia surgiu como um discurso de retomada da
democracia e pacificação por parte dos governantes, colocada a todo o momento como a única
forma segura de transição para o novo regime.
Todavia, é válido salientar que, assim como defende Burke-White (2001), atualmente
a ideia de anistia tem sido bastante presente como instrumento político legal para reconciliação
de conflitos, sendo bastante representativo na comunidade internacional. Ademais, vale
ressaltar que conforme aponta Bastos (2008), após a Revolução de 1930, que culminou no
Golpe de Estado promovido por Getúlio Dornelles Vargas, também houve uma anistia tanto
para crimes militares como também políticos àqueles que se envolveram no movimento. Em
1945, quando anunciadas enfim as eleições presidenciais depois de 15 anos de governo,
também ocorreu algo parecido, foi concedida anistia para os que tivessem cometido crimes
políticos em 1934, já em 1951 foi concedido anistia aos grevistas que haviam sido dispensados
(BASTOS, 2009). Percebe-se, portanto, que ao longo da História recente do Brasil tiveram
vários casos que o perdão das partes envolvidas foi posto, mas quando se trata de uma
Ditadura, com violação evidente dos Direitos Humanos, é preciso que se tenha um olhar mais
atento.
Rupturas de Constitucionalidade
É necessário trazer à baila que apesar da redemocratização ter ocorrido ainda não fora
superado por completo os regimes de outrora, visto que as rupturas constitucionais que vêm
ocorrendo atualmente demonstram, dessa forma, as vicissitudes remanescentes da época
ditatorial. Um caso emblemático que pode representar bem esse contexto foi o do
impeachment da ex- presidenta Dilma Rousseff, porém, para se ter um maior entendimento
dessa situação, é imprescindível conhecer a forma como o instrumento do impeachment é
utilizado na América Latina. De acordo com Cariboni (2007), o impeachment presidencial
surge para “substituir presidentes indesejáveis sem destruir a ordem constitucional”.
Segundo Pérez-Linãn (2009), são três principais hipóteses que podem caracterizar uma
queda presidencial, quais sejam a renúncia antecipada, o juízo político e o golpe legislativo.
Alega que é através de uma grande tensão que acarretará na crise institucional, principalmente
ao se envolver o congresso e o presidente, podendo chegar ao ponto do congresso articular em
favor da remoção do presidente. O respectivo autor salienta a necessidade de se ter uma análise
mais profunda do instrumento do impeachment, de forma a problematizá-lo, visto a maneira
como está sendo utilizado na América Latina, onde se pode observar que , entre os anos de
1985 e 2005, 13 presidentes foram removidos de seus cargos ou forçados a renunciar, o que
somente ratifica o ora exposto.
Ao se analisar o impeachment da ex- presidenta Dilma Rousseff, percebe-se como esse
instrumento foi utilizado de forma leviana, em que ocorreu um julgamento de forma medieval
a uma agente política, totalmente influenciado pelos meios de comunicação e passíveis de
abusos em decorrência dos interesses políticos, o que, de maneira clara, agrava as crises
constitucionais, características que há muito foram apontadas por Brossard (1992).
Nesse ínterim, importante destacar que Dilma Rousseff foi condenada por ter, em tese,
praticado crime de responsabilidade, este regulado pela Lei 1.079/50, e hipótese em que, de
fato, caberia o impeachment. Todavia, as chamadas “pedaladas fiscais”, que foram os atos
cometidos pela ex- presidenta, não se enquadram em crimes de responsabilidade, mas em
crimes contra as finanças públicas, regido pelo Código Penal e leis esparsas, não sento esta
uma hipótese para o impeachment. Sob esse prisma, fica nítido que o que ocorreu foi um
alargamento do conceito do que seria crime de responsabilidade, isso no intuito de atender aos
interesses políticos daquele momento. Porém, tal feito não seria possível, visto que os crimes
de responsabilidade perfazem um rol taxativo, o que causou incontestável insegurança
jurídica, pois o referido instrumento passou a ser utilizado ao bel prazer de quem detêm
influencia no congresso nacional (DALLARI, 2015).
Outro aspecto no caso do impeachment da ex- presidenta que evidencia essa grave
violação à Constituição Nacional foi no âmbito da condenação, visto que teve a pena bipartida,
sendo condenada em uma pena, qual seja a de cassação do mandato, e absorvida na outra, qual
seja a de inabilitação por 8 anos para exercício das funções públicas. Dessa forma, resta
evidente a ruptura constitucional, pois segundo o exposto no artigo 52, parágrafo único, o
Senado Federal tem a competência de condenar nas duas penas supracitadas, e não em votar
separadamente cada uma delas. Imprescindível destacar que a defesa de Dilma recorreu ao
STF requerendo a revisão da decisão, logo, se o instrumento de impeachment fosse
exclusivamente político tal feito não seria possível, sendo, dessa maneira, demonstrado que
se trata de um instrumento político- jurídico, no qual o STF poderá revisar decisões as quais
não estão embasadas juridicamente (NOGUEIRA, 2016).
Necessário ressaltar que o sistema que apresenta a separação das funções de poder,
possui o escopo de operar exatamente em situações como a supramencionada, pois um poder
deve fiscalizar e limitar o outro, o que ficou conhecido como o sistema de freios e contrapesos
(MONTESQUIEU, 1998). Nesse sentido, o Judiciário deveria limitar o Executivo e vice
versa. Contudo, o que se pode observar foi um Executivo totalmente livre para decidir o
referido assunto, com o objetivo de atender a seus interesses exclusivamente, não havendo
nenhuma fiscalização ou limitação por parte dos outros dois poderes, principalmente por parte
do Judiciário, o que caracterizou, diante de todo esse contexto ora exposto, uma grande
violação ao estabelecido na Constituição Nacional.
Ademais, é válido salientar as quebras de constitucionalidade fomentadas por quadros
políticos no cenário atual do Brasil. Nessa perspectiva, é preciso citar um candidato à
presidência para 2019, Jair Bolsonaro, que, conforme aponta Frigo e Dalmolin (2017),
dissemina discursos de ódio, como foi o caso em que para, teoricamente, embasar o
impeachment da presidenta Dilma Rousseff aclamou a memória do Militar Carlos Alberto
Brilhante Ustra, torturador no período da Ditadura Militar. Bolsonaro também pronunciou
frases como: “Não é questão de gênero. Tem que botar quem dê conta do recado. Se botar as
mulheres vou ter que indicar quantos afrodescendentes?” (Câmara Municipal de Pouso Alegre,
2018), “Não vou combater nem discriminar, mas, se eu ver dois homens se beijando na rua, vou
bater” (Em entrevista após FCH pousar com bandeira gay, 2002),“O erro da Ditadura foi torturar
e não matar”(Entrevista à Rádio Pan Jovem, 2016).
Declarou outras frases de caráter misógino, racista e homofóbico, tais como “Fui com
os meus três filhos, o outro foi também, foram quatro. Eu tenho o quinto também, o quinto eu
dei uma fraquejada. Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio mulher”
(Palestra no Clube Hebraica, 2017), "O filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um
coro ele muda o comportamento dele. Tá certo? Já ouvi de alguns aqui, olha, ainda bem que
levei umas palmadas, meu pai me ensinou a ser homem” (Programa do TV Câmara, 2010),
"Eu fui num quilombola em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava
sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1
bilhão por ano é gastado com eles" (Palestra no Clube Hebraica, 2017).
Dessa maneira, percebe-se que o discurso político, como o do presidenciável Jair
Bolsonaro, vai de encontro aos princípios básicos da Constituição (1988) em, por exemplo,
seu Artigo 3°, inciso IV, que configura a obrigação de “promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, Idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Também desrespeita o Artigo 4°, nos incisos II, VI, VII, VIII e IX, aos quais defendem os
direitos humanos, estabelecimento de paz e soluções pacíficas e combate ao racismo. Além
disso, promove a violação de inúmeros outros Artigos da Constituição, elaborada com tanto
esforço após o período de exceção. A figura de Bolsonaro, portanto, não representa apenas
uma ameaça política às minorias, historicamente marginalizadas, com discursos misóginos,
racistas, homofóbicos e machistas, mas ao Estado Democrático de Direito, com a ruptura de
elementos fundamentais nos termos de constitucionalidade.
Justiça Comparada
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊCIAS
ARNS, P. E.. Brasil: nunca mais. 21.ed. Petropolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1988.
BASTOS, L. E. A. F.. A Lei de Anistia Brasileira: os crimes conexos, a dupla via e tratados
de Direitos Humanos. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 103,
p. 593–628, 2008.
COLLINS, C.. Chile a Más de Dos Décadas de Justicia de Transución. Revista de Ciência
Política, v. 51, p. 79-113, 2013.
JOVEM PAN. Defensor da Ditadura, Jair Bolsonaro Reforça Frase Polêmica: "O erro
foi torturar e não matar". Disponível em: <http://jovempanfm.uol.com.br/panico/defensor-
da-ditadura-jair-bolsonaro-reforca-frase-polemica-o-erro-foi-torturar-e-nao-matar.html>
Acesso em: 08 de outubro de 2018.
SUWWAN, Leila. Apoio de FHC à união gay causa protestos. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1905200210.htm> Acesso em: 08 de outubro
de 2018.
LIBERDADE SINDICAL, DIREITOS HUMANOS E MEMÓRIA: Um Estudo Sobre a
Intervenção do CONSINTRA - Conselho Sindical dos Trabalhadores de Pernambuco.193
RESUMO
O presente artigo pautou-se pela análise da relação entre a liberdade sindical diante de um
regime autoritário e o mundo das relações de trabalho com foco no Direito Sindical e sua
importância para a consolidação dos Direitos Humanos. Enquanto metodologia de pesquisa,
optou-se por um estudo de caso: sobre o Conselho Sindical de Pernambuco, órgão da classe
operária pernambucana, fundado no final da década de 1950 e foi que vítima de intervenção
do Governo ditatorial, a relevância jurídica é está no escopo da teoria da Justiça de Transição,
no sentido de resgatar a memória do movimento sindical pernambucano e os efeitos legais
que ainda transitam para nossa democracia. Busca-se um olhar justrabalhista sem perder a
contribuição da história, antropológica e das ciências sociais para entender o contexto e os
diversos caminhos que levam ao controle sindical ao longo de sua história no Brasil. A análise
indutiva jurídica dos dados associado ao uso do levantamento de fontes primários (prontuários
do DOPS), no acervo do Arquivo Público Jordão Emerenciano de Pernambuco, e análise de
conteúdo dos documentos selecionados e revisão bibliográfica. Permitiram identificar o uso
jurídico da legislação trabalhista que estava em vigência como a própria CLT.
INTRODUÇÃO
193
GT 5 – Direitos Humanos, Democracia e Grupos Vulneráveis
194
Advogado e Doutorando em Direito. UNICAP. [email protected]. Exmembro Titular da Comissão
Nacional de Anistia e da Comissão Estadual da Verdade Dom Helder Camara de Pernambuco. Atual coordenador
da Cátedra de Direitos Humanos da UNICAP
discutir os dois pilares do Direito do Trabalho: as relações individuais e coletivas do trabalho.
É deste mister que se analisa o caráter peculiar do Direito do Trabalho, ao privilegiar
o direito sindical acima do direito individual. Encontra-se, então, o ponto axial que origina o
a relação de proteção ao trabalhador, que é o hipossuficiente na relação jurídica trabalhista.
Os Direitos Sindicais foram amplamente difundidos nos países europeus e seus
pressupostos consolidavam amplas lutas pelo internacionalismo das relações de trabalho e
impulsionavam novos atores nas relações internacionais, que eram os sindicatos legitimados
pela classe operária. Desta luta por direitos que surge a Organização Internacional do Trabalho
[OIT], que tem como marco de sua fundação um mundo pós-primeira Guerra Mundial.
Os países pré-industrializados passaram a buscar novas experiências e parâmetros para
lidar com o fenômeno mais complexo da construção dos grandes centros urbanos e de facilitar
os fluxos exigidos pelo novo capitalismo de mercado. Neste sentido, a OIT teve um papel de
destaque no início do século ao caracterizar suas decisões de uma forma tripartite, respeitando
as representações dos seguimentos dos trabalhadores, empregadores e dos representantes
governamentais.
Outro aspecto fundamental é o reconhecimento, em seus estatutos fundacionais, em
1919, do direito de liberdade sindical para a efetivação dos direitos civis e políticos dos
trabalhadores, sem desvincular dos direitos econômicos, sociais e culturais. Esta relação,
muito clara na proposta de desenvolvimento humano articulada pela OIT, foi a base da
experiência de consolidação da Declaração Universal de Direitos Humanos e dos tratados que
se seguiram na construção de uma Sistema Internacional de Direitos e Garantias à Pessoa
Humana, conforme prevê o artigo 22 de DUDH.
A Declaração de Filadélfia, em 1944, que é declaração dos fins e objetivos da OIT, já
no final da Segunda Guerra Mundial, ressalta o princípio da liberdade sindical, relacionando-
o ao progresso econômico das nações. Destaca-se no seu primeiro inciso, letra b, “a liberdade
de expressão e de associação é uma condição indispensável a um progresso ininterrupto”.
O CONSINTRA -Conselho Sindical de Pernambuco representou o acúmulo dessas
conquistas no panorama internacional e nacional, traduzida em uma experiência política e
sindical única na história do Estado. Seu fechamento é resultado do arbítrio que prendeu
dirigentes e tentou impedir a resistência ao autoritarismo crescente do regime ditatorial de
1964.
Para uma melhor contextualização retomamos os registros da formação do
sindicalismo no país e comprovou-se o papel de destaque do movimento operário cristão e as
primeiras leis que regulamentam as relações de trabalho tiveram como origem asprimeiras
experiência sindicais que surgem no Brasil, em particular, em Pernambuco, bem como,
procurou-se tratar nos tópicos seguintes as intervenções legislativas do regime ditatorial que
reformularam o direito de greve e a criação do FGTS.
E na última parte do artigo tratou-se da repressão efetiva do regime aos sindicalistas,
para este tópico buscamos fontes primárias em documentos que estão colecionados no
prontuário institucional do CONSINTRA além de fontes secundárias como o texto do relatório
da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Camara.
A importância da análise sobre as diversas etapas que o país percorreu sobre o tema
da liberdade sindical contribui na compreensão jurídica, histórica, social e política, e incide
diretamente no contexto de sua aplicação no país (FREDIANI, 2004).
No período monárquico, não há legislação que albergue a liberdade sindical, porque
as relações de trabalho eram escravocratas, o que não permitiria haver instituições sindicais
para este momento histórico.
Mas é na década de 1930 que o Brasil passa por profundas transformações sociais e
culturais com a migração de grandes massas populacionais das zonas rurais para os centros
urbanos das capitais, promovendo dessa forma uma nova geografia humana nacional. E destes
centros vai surgir um país que busca se industrializar e se modernizar nos escombros da crise
de 1929.
É neste contexto que, de 1930 a 1945, é instituído o sindicato único e corporativo; a
chamada segunda república (1934-1937) é a primeira experiência de pluralidade sindical e
autonomia sindical, um período breve, porque logo ele é sucedido pela ditadura do Estado
Novo, que retoma o sindicato único e o regime corporativista (FREDIANI, 2004).
A respeito desta temática, Andrade (2011) demonstra o processo de transformação do
sindicalismo revolucionário, pautado na construção ideológica de novas fronteiras políticas e
sociais, para se tornar uma agência do Estado Novo.
Destaca-se, para este estudo, a necessidade de buscarmos os artigos da Consolidação
das Leis Trabalhistas para a completa compreensão desse modelo de profissionalização e
controle sindical.
No Artigo 513, é possível observar o caráter ideológico do regime ao caracterizar o
papel esperado para o sindicato legalizado, como podemos observar no item “d”, em negrito:
“d) colaborar com o Estado, como órgãos técnicos e consultivos, na estudo e solução dos
problemas que se relacionam com a respectiva categoria ou profissão liberal” (BRASIL,
2018).
A contribuição sindical é também imposta como fundamento ao financiamento do
novo aparato sindical ligado aos grupos políticos que integram o regime e que, naturalmente,
vão ampliar sua capacidade de mobilizar grandes massas de trabalhadores nas campanhas
salariais e nos dissídios coletivos, previstos sua legitimidade no item “b”.
No Artigo 514, pode-se encontrar “in verbis”: “a) colaborar com os poderes públicos
no desenvolvimento da solidariedade social” (BRASIL, 2018).
No item “a”, reforça-se o caráter colaboracionista do sindicato e sua nova missão de
lutar por “solidariedade social”, serviços assistenciais e espaços de apoio ao trabalhador e até
de natureza educacional.
O processo de construção dos sindicatos dependia da organização de uma associação
– conhecida como organização pré-sindical – e de solicitar ao Ministério do Trabalho o direito
de transformá-lo em sindicato, o resultado, quando aprovado, era a “carta de reconhecimento”
(ANDRADE, 2011, p.110).
A certidão emitida pelo Ministério do Trabalho seria formulada no momento em que
a entidade apresentasse os documentos previstos no Artigo 518, como destaca-se o item “c”:
“a afirmação de que a associação agirá como órgão de colaboração com os poderes públicos
e as demais associações no sentido da solidariedade social e da subordinação dos interesses
econômicos ou profissionais ao interesse nacional” (BRASIL, 2018).
Os sindicatos tutelados eram necessariamente agentes da “ordem” e necessariamente
deveriam cumprir seu legado formal, em uma moral em que inexiste o enfrentamento a
qualquer ideia de conflito de classe. Esta situação elevou os órgãos sindicais a um processo
de monitoramento e fiscalização das atividades dos seus dirigentes que não deveriam
desempenhar atividade partidária dentro dos sindicatos e nem demonstrar em suas sedes e
instalações qualquer forma de manifestação relacionada aos partidos políticos. Como se
destaca no Art. 521, itens “d” e “e”: “proibição de quaisquer atividades não compreendidas
nas finalidades mencionadas no art. 511, inclusive as de caráter político-partidário; (Incluída
pelo Decreto-lei nº 9.502, de 23.7.1946); e) proibição de cessão gratuita ou remunerada da
respectiva sede a entidade de índole político-partidária. (Incluída pelo Decreto-lei nº 9.502,
de 23.7.1946”
A tutela e fiscalização eram presentes sistematicamente como demostra Andrade
(2011, p. 110), onde até as eleições precisavam ser monitoradas por funcionários do parquet
trabalhista com amplos poderes para determinação de quem comporia as mesas coletoras dos
votos para apuração. (Art. 522, §3º).
E, caso o sindicato não respondesse ao “controle” desejado, ao legado de
“desenvolvimento nacional”, ou pregasse outra ideologia que afetassem as “instituições”,
destaca Andrade (2011, p.110) era cabido aplicação multas, e demais penalidades previstas
nos Artigo 523,§ 2º:
Art. 553 - As infrações ao disposto neste Capítulo serão punidas, segundo o seu
caráter e a sua gravidade, com as seguintes penalidades: a) multa de Cr$ 100 (cem
cruzeiros) e 5.000 (cinco mil cruzeiros), dobrada na reincidência; b) suspensão de
diretores por prazo não superior a 30 (trinta) dias; c) destituição de diretores ou de
membros de conselho; d) fechamento de Sindicato, Federação ou Confederação por
prazo nunca superior a 6 (seis) meses; e) cassação da carta de reconhecimento. e)
cassação da carta de filiação; [...] § 2º - Poderá o Ministro do Trabalho e Previdência
Social determinar o afastamento preventivo de cargo ou representação sindicais de
seus exercentes, com fundamento em elementos constantes de denúncia formalizada
que constituam indício veemente ou início de prova bastante do fato e da autoria
denunciados.Incluído pelo Decreto-lei nº 925, de 10.10.1969 (BRASIL, 2018).
Na Constituição de 1946 até 1964 não houve grandes alterações na legislação sindical,
apenas se consolidou o imposto sindical. Com o Golpe Civil-Militar, o regime passou a
perseguir, intervir diretamente nos sindicatos e naturalmente editar normas como a Lei de
Greve que praticamente impedia o trabalhador de participar de atividades paredistas,
(FREDIANI, 2004).
É com a retomada da democracia, com a promulgação da Constituição de 1988, que
se retomou a o princípio da liberdade sindical e o respeito a suas prerrogativas mais
elementares, mas ainda preservando o registro e a unicidade sindical.
Com a Lei de Greve, sancionada em 1 de junho de 1964, ou seja dois meses depois do
Golpe Civil-Militar, buscava-se regulamentar o Art. 158 da Constituição de 1946, onde
buscou-se fixar os limites da atividade sindical e a liberdade sindical, impondo uma série de
procedimentos, prazos e formalidades que praticamente inviabilizava a própria ideia de greve,
como podemos observar no Art. 2º:
A greve, para ser legal, precisaria cumprir um ritual deliberativo em que demonstrasse
aprovação da maioria de dois terços em primeiro turno e um terço no segundo turno da
assembleia, devidamente convocada com 10 dias de antecedência e com pauta previamente
divulgada por editais divulgados na imprensa. (MARTINS, 118).
Os votos eram colhidos secretamente e seus resultados levados ao empregador que
tinha o prazo de 5 dias para buscar um entendimento e fim do conflito. A Delegacia Regional
do Trabalho e o Departamento Nacional do Trabalho eram acionados e buscarão fazer a
conciliação.
A greve será ilegal na medida em que ferir um dos dispositivos previstos no Art. 22:
“III - Se deflagrada por motivos políticos, partidários, religiosos, sociais, de apoio ou
solidariedade, sem quaisquer reivindicações que interessem, direta ou legitimamente, à
categoria profissional” (BRASIL, 2018).
A ideia do regime autoritário era clara em buscar limitar ao máximo o direito de greve
para impedir a sua capacidade de mobilização e contestação das políticas econômicas, sociais
e, claro, da suspensão dos direitos civis e políticos. Vetava-se, assim, expressamente, qualquer
ato de solidariedade de uma categoria a uma outra categoria, em função da preocupação de
uma greve geral.
O próprio quórum foi uma ideia de impedir que uma “minoria” controlasse a entidade
e dela “tirasse proveito pessoal”. O resultado segundo Martins (1979, p. 125) foi alcançado e
a redução do número de greves foi determinante para a política de adesão e propaganda do
Estado ao modelo de sociedade fundamentado na Doutrina da Segurança Nacional.
195
O CONSINTRA foi instalado em 22 de outubro de 1953 (sucessor da União Geral dos Trabalhadores de
Pernambuco), voltada para as reivindicações básicas dos trabalhadores. A partir dessa entidade sindical,
originou-se o núcleo local do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), que passou a acompanhar e dar apoio
aos diversos movimentos reivindicatórios e grevistas surgidos no período. IPM do CONSINTRA após o golpe
civil-militar: Cícero Targino Dantas; Gilberto Azevedo; José Raymundo da Silva; João Barbosa de Vasconcelos;
Hercílio Sergio de Melo; Moacir Côrtes; e Agenor Candido Duarte.
situação regularizada com a assinatura das carteiras de trabalho; as empresas fariam o
desconto das contribuições sindicais, o que em muito contribuiria para o desenvolvimento do
sindicalismo rural. Um grande passo foi dado ao se estabelecer que, em cada engenho, haveria
um delegado sindical eleito por dois anos, criando-se, assim, oficialmente, um instrumento
efetivo para fazer a ligação sindicato/base e facilitar o cumprimento da legislação. Existia,
ainda, a proposta de formação de uma comissão para promover a interiorização da Previdência
Social, da Assistência Médica e da Assistência Escolar. A Tabela de Tarefas, já firmada
anteriormente, foi mantida, e ainda havia cláusulas relativas ao pagamento do 13º salário, bem
como dos dias parados. Ficou acordada, ainda, a não punição aos grevistas (ABREU E LIMA,
2003, p.83).
No seu prontuário196, pode-se encontrar o documento: “Aos Trabalhadores e Ao
Povo”197, em que o CONSINTRA registra uma gama importante de informações que
caracterizavam a luta sindical da época. Destaca-se uma total articulação entre a Central Geral
dos Trabalhadores [CGT]; a União dos Estudantes [UNE]; o Movimento Nacional dos
Sargentos e o Movimento Camponês, para impedir a deposição de João Goulart, em agosto
de 1961.
Em decorrência desta mobilização, vários de seus dirigentes foram presos e tiveram as
suas vidas profissionais e pessoais monitoradas por prontuários pessoais, que foram
naturalmente inseridos em uma investigação em rede para configurar subversão, uso dos
sindicatos para instruir doutrina política do Partido Comunista Brasileiro [PCB]. Segundo o
relatório da Comissão da Verdade:
196
Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (APEJE): DOPS – PE, nº 3 Fundo 3893. Prontuário - Conselho
Sindical dos Trabalhadores (CONSINTRA).Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DOPS) -
Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco (SSP-PE). Contém: Estatuto do Conselho Consultivo datado de
18/6/1953; encerramento de suas atividades em 31/5/1961; vários recortes de jornais; Ofício nº 554 de 29/3/1965,
sobre inquérito policial “onde ficou retratada a atividade de comunistas através do CONSINTRA”, assinado por
Álvaro da Costa Lima; distribuição de livros e folhetos anti-comunistas; fotografias; manuscritos; relação de
órgãos filiados ao CONSINTRA.
197
Idem.
3.2 A perseguição aos sindicalistas e a retaliação golpista
198
Cf.: Prontuário - Conselho Sindical dos Trabalhadores (CONSINTRA).
(Consintra), através do seu diretor-presidente, o bancário Gilberto Azevedo, se
antecipa aos acontecimentos, lançam no dia 26 de agosto um manifesto intitulado
“Às Autoridades e Parlamentares, aos Trabalhadores e Estudantes, e ao Povo em
Geral” convocando a população para barrar o golpe e garantir a posse do vice-
presidente João Goulart. As consequências advindas desse movimento levaram às
prisões o dirigente do PCB David Capistrano, do portuário Cícero Targino e do
bancário Gilberto Azevedo, entre outros; todos levados para o presídio da ilha de
Fernando de Noronha. (Coelho, et al, 223-224. Volume II. 2018.)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo apontou nos direitos trabalhistas os direitos que são fruto
dasrelações do trabalho livre subordinado. Demonstrou-se que o internacionalismo operário
199
Cf. : Prontuário - Conselho Sindical dos Trabalhadores (CONSINTRA).
foi o alicerce das conquistas da classe trabalhadora em nosso país e que não diferente dos
outros países o fenômeno jurídico justrabalhista é resultado da concretização das lutas
sindicais em aliança ao conjunto da sociedade.
Este processo de alavancagem da participação política é estruturante da qualidade
social da democracia, que coloca naturalmente em desequilíbrio o lucro de poucos em relação
a exploração de muitos. É deste desequilíbrio que se alimentaram as ditaduras na América
Latina.
O sindicalismo revolucionário pernambucano sofreu por ter já de suas raízes a origem
a contestação da senzala, na luta contra as oligarquias da “Casa Grande” e herdeira dos
grêmios abolicionistas. O caráter patriarcal que regeu os primeiros passos da indústria
pernambucana também pautou o colaboracionismo entre “cristão”, para opor a ameaça
comunista. Esta fase e pensamento só foi contestado quando a filosofia humanística cristã
progressista alcança parte da elite industrial representada pelas ideias de modernização e
transformação das relações pré-capitalistas para o modelo fabril, e bem especificamente em
setores da indústria têxtil.
As leis trabalhistas assumem uma capacidade decisiva de legitimidade política do
controle sindical, subordinando a institucionalização dos sindicatos ao reconhecimento do
Ministério do Trabalho e expedição de carta de reconhecimento.
A síntese que podemos chegar nesta pesquisa exploratória e inicial do tema é assegurar
que os mesmos interesses que impediram uma efetiva liberdade sindical no Brasil regeram o
Golpe Civil-Militar de 1964, atropelando conquistas e suprimindo direitos que representaram
o sacrifício da perda da estabilidade e uma grande massa de trabalhadores desempregados em
função do artificial milagre brasileiro.
Os direitos humanos e os direitos trabalhistas caracterizam-se pela construção de
pontes civilizatórias na defesa da dignidade do trabalhador e na proteção deste diante do
capital internacional e exploratório. Negar esta relação é, no mínimo, ser cínico ao processo
pelo qual o direito à memória e à verdade. Destes valores, tão caros à democracia moderna, é
que este trabalho homenageia: mulheres e homens que muitas vezes anônimos, mas
coletivamente organizados, foram capazes de conquistar seus direitos.
REFERÊNCIAS
COELHO. Fernando. [et al]: Organização Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom
Helder Camara. Recife: CEPE, 2017. Disponível em:
<http://200.238.101.22/docreader/RELFIN/>. Acesso em: 29 de ago. de 2018.
CARONE, Edgard. Classes Sociais e Movimento Operário. São Paulo: Editora Ática. 1989.
LOPES, Sérgio Leite. Vapor do Diabo: o trabalhado dos operários do Açúcar. Rio de Janeiro,
Paz e Terra. 2. Ed., 1978.
Organização das Nações Unidas. Declaração Universal de Direitos Humanos. Disponível em:
http://www.ohchr.org/en/udhr/documents/udhr_translations/por.pdf. Acesso em: 1 set. 2018.
TRINDADE, José Damião de Lima. História Social dos Direitos Humanos. São Paulo:
Petrópolis, 2002.
RESUMO
O presente trabalho visa compreender como uma instituição analisada vem trazendo
mudanças positivas para a região, não apenas na seara da saúde, como também na social. A
problemática norteadora é a seguinte: De que maneira o Centro Especializado em Reabilitação
Mens Sana atua como promotor da acessibilidade no interior de Pernambuco? A história do
projeto Mens Sana, a visão do aparato legislativo, da existência de um direito
antidiscriminatório e três sujeitos que fazem parte da história da instituição e suas novas
perspectivas sobre si os mesmos. Para tais sujeitos não se enquadra a autodenominação de
invalidez, construindo diferente perspectiva, em que, para eles, a acessibilidade deve ser
sinônima de inclusão social. O objetivo geral da pesquisa traduz-se em entender de que
maneira o Centro Especializado em Reabilitação, Mens Sana, atua como promotor da
acessibilidade no interior de Pernambuco. O universo principal de investigação foi o Mens
Sana, ponto central do artigo, com dados secundários do Colégio Cardeal Arcoverde e da
Secretaria de Assistência Social. As informações foram coletadas no ano de 2017 através do
método indutivo, observacional e estatístico, possuindo caráter de pesquisa etnográfica e
descritiva com abordagem mista.
INTRODUÇÃO
O presente ensaio aborda não só o papel de relevância que o Mens Sana desempenha
na sociedade, bem como a história para concretização do projeto que surge como
desdobramento da Fundação Terra, a qual tem por meta servir a população carente por
intermédio da educação, saúde e ações sociais, tendo por vista à promoção da dignidade. Desse
modo, o projeto por si só já é grande ponto de mudança da realidade social arcoverdense.
O direito antidiscriminatório, definido como conjunto de proposições jurídicas que
buscam minimizar as vulnerabilidades das pessoas com deficiência, em razão de suas
condições específicas, demonstra o importante papel da sociedade nessa procura. Desse modo,
200
GT 5 – Direitos Humanos, Democracia e Grupos Vulneráveis
201
Graduanda em Direito - Universidade de Pernambuco. Integrante do grupo Veredas de Criminologia e Sophia
– Grupo de estudos e pesquisas interdisciplinares sobre retórica e decidibilidade jurídica.
[email protected]
202
Graduanda em Direito - Universidade de Pernambuco. Integrante do grupo Veredas de Criminologia
[email protected]
203
Graduanda em Direito - Universidade de Pernambuco. Integrante do grupo Veredas de Criminologiae
[email protected]
o artigo busca clarificar que a igualdade formal é de extrema relevância, porém, faz-se
necessária uma igualdade material/substancial, passando da teoria para a prática, visando
combater as injustiças que afetam o grupo em estudo frequentemente.
Nesse ponto de vista, é útil observar como vem sendo efetivada essa igualdade
material por parte do Mens Sana. Uma vez que o problema da deficiência esta ligado não só
ao indivíduo, mas a sociedade como um todo. Analisado isto, a problemática principal do
presente trabalho foi: De que maneira o Centro Especializado em Reabilitação Mens Sana
atua como promotor da acessibilidade no interior de Pernambuco?
O objetivo geral da pesquisa traduz-se em entender de que maneira o Centro
Especializado em Reabilitação, Mens Sana, atua como promotor da acessibilidade no interior
de Pernambuco. A análise de que o Centro preza pela qualidade de seus funcionários,
investindo cada vez mais no aprimoramento de seu trabalho, contando com uma equipe
interdisciplinar durante o tratamento, torna-se transparente o modo pelo qual se dá tal
promoção.
A primeira parte do texto procurou transcrever o caminhar do Centro, da criação à
referência de Pernambuco. Isto é, observar desde seu objetivo inicial, apuração de doações e
a procura de custeio para manutenção de materiais e equipe especializada, ao maior Centro de
Reabilitação de Pernambuco, tratando seus usuários de forma integral em uma única sessão,
além de buscarem sempre a ampliação de serviços, como atualmente a confecção de próteses
e órteses no próprio Centro.
O segundo objetivo específico buscou elucidar o atual cenário da efetivação do
direito antidiscriminatório para o grupo em estudo. O qual sofreu um grande avanço após a
Convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência que mudou as perspectivas
sobre o assunto em um panorama mundial. E no aparato legislativo, a implementação, quando
necessária de políticas públicas de discriminação reversa ou positiva buscando promover a
tais grupos aigualdade material.
Ao final, o presente estudo se propôs avaliar de que modo o Centro propicia a luta
pela reintegração da pessoa com deficiência em sociedade. Valendo-se de três sujeitos que
usufruíram ou ainda utilizamos serviços proporcionados pelo Mens Sana, bem como os efeitos
desse trabalho na vida do indivíduo e para sua reinserção social.
Os trajetos metodológicos utilizados foram de uma abordagem mista, quantitativa e
qualitativa, sendo a primeira caracterizada pelo levantamento de dados, os quais pôde-se
extrair conclusões sobre a realidade pesquisada. Sendo, a segunda, uma interpretação do fato
observado. O método predominante foi o indutivo, do qual se partiu de um núcleo de estudo,
a instituição, e chegou-se a conclusões gerais acerca da questão na região que o Mens Sana
atua. As pesquisas empregadas foram descritivas e a pesquisa mista, trazendo tanto aspectos
quantitativos, quanto qualitativos (GIL, 2008).
Sobre a coleta de dados, este trabalho é delimitado pelo uso de entrevistas, que nas
suas demais tipificações foram utilizadas as informais, além da coleta bibliográfica, visando
entrar em contato com o que já se produziu a respeito do presente tema. O universo
etnografado204 compreende o Centro Especializado em Reabilitação, Mens Sana, além de
visitas ao Colégio Cardeal Arcoverde e à Secretaria de Assistência Social, uma vez que tais
locais nos levaram de encontro aos nossos sujeitos em análise e trouxeram reflexos sobre a
questão da acessibilidade nos mais diversos panoramas na cidade de Arcoverde.
204
Este artigo apresenta dados parciais de um estudo mais amplo intitulado: As barreiras da acessibilidade na
cidade de Arcoverde, realizada de outubro de 2017 a dezembro de 2017 e apresentada no III Seminário sobre
Redes de Proteção de Direitos da UPE-Campus Arcoverde.
angariação de fundos. O padre queria ressignificar a sigla “AVC”, uma expressão que
promovesse a força para recomeçar, sendo assim “A Vida Continua”.
A campanha tomou uma proporção maior e um terreno, na cidade, foi doado por uma
cidadã arcoverdense. Logo após, pessoas de Fortaleza, especializados na área de construção
civil e que acompanhavam a Fundação Terra, resolveram construir o piso inferior do Mens
Sana, que a princípio era um serviço de reabilitação, com a colaboração de uma arquiteta,
também do Ceará, que desenhou o projeto seguindo todas as orientações do Ministério da
Saúde.
É perceptível, com base nas informações já explanadas que, sem ajuda da massa
populacional, de fato, a elaboração do projeto jamais teria saído do papel, fato que é bastante
enfatizado pelos organizadores. Ajuda essa que, muito pela influência do padre, foi abrandada
não só para a comunidade local como também em locais fora de Pernambuco.
A notabilidade da Igreja Católica na cidade também deve ser destacada, até porque
foi a partir dela que todo o projeto foi fundamentado. Apesar do catolicismo estar fortemente
presente nas cidades interioranas, cada vez mais se reitera a necessidade de uma igreja com
uma inclinação à mudança da realidade social em que atue,mais dinâmica, e menos estática.
Inaugurado em 08 de setembro de 2011, o Mens Sana ainda não possuía um instrutivo
para dar início às atividades. No início do ano de 2012, é liberado o instrutivo dos CER,
elaborado pelo Ministério da Saúde, o “Viver Sem Limites” no âmbito do Sistema Único de
Saúde (SUS), uma assistência à saúde voltada à pessoa com deficiência. Definiu então que,
como Centro, deveria se adaptar ao modelo estabelecido no instrutivo e ter, no mínimo, dois
tipos de reabilitação entre: física, intelectual, visual e auditiva. Assim, em janeiro começou a
funcionar.
Em 2013, o Mens Sana conseguiu encaminhar uma solicitação ao Ministério da
Saúde para que estivesse habilitado, recebendo custeio para manutenção de materiais e equipe
especializada, pois apenas doações não seria suficiente. No mesmo ano, foi habilitado para
atuar com reabilitação física e intelectual e no ano seguinte em auditiva e visual também. Em
2014, com objetivo de ampliar os serviços prestados à população, o piso superior do Centro
foi construído e finalizado em razão da contribuição de uma grande construtora em
Pernambuco.
Para execução das quatro reabilitações, recebe custeio do Ministério da Saúde e tem
um convênio com o Governo do Estado de Pernambuco para concessão de prótese auditiva e
auxílio financeiro para crianças com a síndrome congênita do Zyka vírus. Ao atender bebês
com microcefalia ganhou grande notoriedade pela assistência oferecida, dada não só aos
pacientes como também o suporte psicológico dado aos pais, de como lidar com a situação.
Atualmente o Centro atende a III Macrorregião de Saúde de Pernambuco, que
compreende a VI, X e XI Gerência Regional de Saúde (GERES), representadas,
respectivamente, por Arcoverde, Afogados da Ingazeira e Serra Talhada. Essa área abarca
cerca de 50 municípios. Conta com 82 funcionários, no total, entre a parte técnica,
administrativa e segurança. Hoje, atende cerca de 1.200 pessoas nas quatro reabilitações por
mês, o que pode ser traduzido em quase 20.000 procedimentos nesse mesmo período, uma
vez que os usuários usufruem de um atendimento interdisciplinar.
Em nossa pesquisa de campo, perguntamos como funciona hoje a questão de auxílio
de custeio, se existe investimento municipal no Centro. Segundo a coordenadora do Centro,
Liége Nogueira, a resposta foi que o custeio recebido não é disponibilizado pela prefeitura
devido à demanda e, consequentemente, os altos custos. Os Centros Especializados em
Reabilitação (CER) que pertencem à categoria quatro conseguem um custeio de até R$ 345
mil ao mês, dinheiro esse que é direcionado à folha salarial dos cerca de 80 funcionários e aos
materiais em que precisam ser repostos mensalmente.
Para conseguir atendimento no Mens Sana o paciente precisa ser encaminhado por
algum serviço público, como as Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou Hospital Regional, por
exemplo, dentro dos municípios abarcados pelo atendimento da fundação. Além disso, precisa
ter o perfil específico para ser atendido, ou seja, necessitar de reabilitação em qualquer área
em que o Centro atue, como para aprender a linguagem do braile, realizar fisioterapia,
desenvolver a fala oral, entre tantas outras que o Centro disponibiliza.
O serviço de terapia ocupacional também possui mérito por toda região englobada
em seu atendimento. Fornecendo atendimento às pessoas que sofrem exclusivamente de
depressão, ou até mesmo as que adquiriram após traumas que afetaram a mobilidade, o
tratamento busca incentivar a interação com os dilemas cotidianos e um novo olhar a fim de
valorizar as pequenas atividades feitas até mesmo em casa, como o ato de cozinhar, sendo
estimulados em grupo.
Disponibilizando transporte para o Centro, o PE Conduz consiste em um sistema de
vans adaptadas para pessoas com deficiência físicae severas dificuldades de mobilidade, além
de baixa renda, e é disponibilizado pelo Governo Estadual ou Municipal responsável por cada
paciente. Sua sede está localizada em Caruaru e não atua unicamente com o Mens Sana.
É de suma importância entender o modelo utilizado pelo Mens Sana: a intervenção
interdisciplinar. Visualizar o usuário holisticamente205 é a proposta do Ministério da Saúde
para este tipo de serviço no qual atuam. Se um paciente possui uma sequela de AVC com
comprometimento de visão e de membro inferior, pode usufruir das áreas que irão auxiliar na
sua situação física e também de um psicólogo que auxilie a compreender as mudanças que
virão, por exemplo. Dessa forma, a partir de uma avaliação em um mesmo momento pode-se
intervir as três áreas, tratando-o de uma forma global em uma única sessão.
Avaliando também a estrutura, não só na sua construção física como também em sua
formação profissional, percebe-se que o processo de inclusão no CER não abrange apenas os
pacientes, abrange também os profissionais que atuam no aparato à população em geral, como
é o caso de Maria de Fátima Leal, que possui deficiência visual e treina mobilidade em pessoas
em situação similar à sua, a fim de possibilitar a elas uma maior interação com o meio em que
vivem. Dessa forma, o Centro preza não apenas a quantidade, mas a qualidade de seus
profissionais, sempre investindo em cursos que os aperfeiçoem em seu trabalho.
Depreende-se que a história do Centro é progressiva. Existindo há seis anos, deixou
de ser apenas um serviço de fisioterapia e abraçou outras áreas da saúde visando auxiliar no
desenvolvimento do paciente de forma eficaz e humana. Prova disso é a obra que está sendo
concluída para atender pacientes necessitados de próteses ortopédicas, buscando sempre
melhorar o serviço e auxiliar essa parte da população que é necessitada.
205
Holístico ou holista é um adjetivo que classifica alguma coisa relacionada com o holismo, ou seja, que
procura compreender os fenômenos na sua totalidade e globalidade.
Com relação ao grupo em estudo a situação não é diferente. Segundo o IBGE (2010),
no Brasil, 24% da população possui algum tipo de deficiência. Diante desta informação, é
difícil imaginar a forma que pessoas com deficiência que residem no interior de Pernambuco
efetivam suas garantias constitucionais. Subtração de direitos, negação de suporte ideal e, com
ênfase, a barreira de viver em cidades sem qualquer tipo de adaptação e sequer interesse em
projetar tais mudanças.
Como ressalta Herrera Flores (2004), ao se buscar um viver emancipatório, que
ecoam sobre a proteção da dignidade, consolida-se uma luta racional de resistência, na medida
em que traduzem processos que abrem espaços e lutam pela dignidade humana. Em meio a
tais emblemas envolvendo a supressão de direitos, torna-se difícil imaginar de uma
organização que lute por direitos e que tanto tem modificado a vida de pacientes na região.
A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2007) mudou
as perspectivas e abordagens sobre o assunto em um panorama mundial. Tal Convenção surge
como uma resposta a uma longa espera de um grupo, que há muito aguardava um
posicionamento de tamanha relevância para a esfera dos direitos humanos. A discriminação
passa a dar lugar à inserção dessas em todas as vertentes sociais. A todo momento, países são
convocados pela ONU a realizarem relatórios de forma pendular para manter um
monitoramento acerca da evolução da questão de inserir tais pessoas e como o sistema jurídico
atua para promover essas garantias.
A Convenção cumpre seu papel quando afirma, no artigo 2º:
Dessa forma, não basta haver mudanças no paradigma normativo para solucionar
determinada questão social, uma vez que a modificação deve ser realizada na mente de todos
os que compõem a estrutura social, buscando assim, a igualdade material, visto que a
sociedade brasileira está impregnada de preconceitos. Nesse sentido, a igualdade formal passa
a ser complementada pela material, sendo de relevância essa complementação uma vez que a
formal não consegue afastar por si só as situações de injustiça que afetam o grupo estudado
cotidianamente.
Amparado constitucionalmente, a dignidade da pessoa humana, é norma, e como tal,
deve ser respeitada. Do mesmo modo, a pessoa com deficiência é um ser humano, e como tal,
deve ser respeitado. Segundo Sarlet (2012), trata-se de um princípio preexistente ao direito,
pois é um atributo do ser humano podendo ser influenciado por fatores geográficos e culturais.
Notam-se dimensões a serem tratadas em torno do termo, uma delas, a positiva, diz respeito a
tutela dada pelo Estado, através de medidas positivas, promover o respeito e a promoção da
dignidade, o que vem sendo proporcionado pelo Centro de Reabilitação, Mens Sana.
A dignidade humana encontra-se no primeiro artigo da Convenção Sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência, tendo em vista sua importância, condição inerente ao ser
humano. A Conferência teve como inspiração o modelo social, que valoriza a percepção de
que o problema da deficiência não se restringe ao indivíduo e a família, mas diz respeito à
sociedade como um todo. A Convenção é claramente influenciada pelo ambiente jurídico
antidiscriminatório.
Uma vez que se superou o modelo médico, o qual retrata a deficiência como sendo
uma doença, adotando o modelo social, para o qual a deficiência passa a ser uma característica
da pessoa e faz parte da diversidade humana. Desse modo, a Conferência trouxe consigo
inúmeros avanços normativos para o grupo, sendo necessárias políticas de conscientização
sobre o seu conteúdo e concretização. Ou seja, fazer com que esses direitos não passem a ser
uma mera “folha de papel”, como afirma Lassalle (1998), e sim, pressionar o Poder Executivo
e Judiciário a dar continuidade à obra, a realização desses direitos.
3 PROMOÇÃO DE DIREITOS PELO MENS SANA: A LUTA PELAREABILITAÇÃO E
REINSERÇÃO SOCIAL DO SUJEITO206
206
Todas as falas e informações dadas pelos sujeitos analisados nesse ponto foram retiradas da etnografia
intitulada: As barreiras da acessibilidade na cidade de Arcoverde, realizada de outubro de 2017 a dezembro de
2017 e apresentada no III Seminário sobre Redes de Proteção de Direitos da UPE-Campus Arcoverde.
207
PCD: Pessoa com deficiência.
o caráter vital destas, mas as fundamentais para o desenvolvimento da
personalidade. E outra ampliação subjetiva porque se estende o âmbito de pessoas
protegidas não mais para os indigentes, senão de forma mais ampla aos
economicamente débeis, que não possam, por si, satisfazer essas necessidades
sociais básicas. Em segundo lugar, a concessão de prestação de Assistência Social
não corresponde apenas a um interesse jurídico, mas a um autêntico direito subjetivo
à proteção, a qual deve ser satisfeita em todo caso de necessidade tipificado, sem
que se possa contrapor a alegação de insuficiência de meios financeiros, pois, nesse
caso caberia exigir responsabilidade à Administração pelo funcionamento anormal
do serviço público. (p.164).
A partir desse trecho, fica claro que a Constituição Brasileira possui, muitas vezes,
caráter normativo, algo que compromete não só sua interpretação como também passa pelo
problema do sentimento constitucional do povo brasileiro em relação ao respeito à
imperatividade e obrigatoriedade da mesma. Falta informação e, aos que a possuem,
desacreditam.
Dessa forma, é de suma importância perceber que há ligação entre a falta de
acessibilidade e os problemas sociais. E o Mens Sana, como Centro Especializado em
Reabilitação, vem cumprindo com êxito seu papel, mas a maioria das pessoas com deficiência
e Marcelino, de modo específico, encontram diariamente barreiras. Seja por não terem as
mínimas condições ao transitar pela cidade, seja enfrentando preconceitos, quando na verdade,
o Centro busca tratar esse grupo de forma humana, digna.
Um grande exemplo de inclusão e que vem mudando a percepção de seus pacientes é
Fátima Leal, técnica em mobilidade no Mens Sana e pessoa com deficiência visual desde o
nascimento. A mesma nasceu com uma doença chamada retinose, sendo degenerativa, e a
debilitada visão que teve ao nascer foi perdida totalmente aos quatro anos.
Há cinco anos trabalha desempenhando a função de técnica em mobilidade, pois é
educadora especial inclusiva. Ela lida com os indivíduos que acabaram de ter algum tipo de
deficiência e as ajuda a lidarem com sua nova condição, não apenas a adaptar sua vida a essa
mudança tão temida por muitos, mas adaptar a vida para que essa mudança seja associada a
uma questão de autoaceitação. Pontua que além das barreiras físicas, muitas vezes tem que
lidar com as barreiras do preconceito.
Fátima retrata que já sofreu preconceito em todos os vieses. Relata que quando
prestou concurso para professora estadual, a prova não foi adaptada por displicência dos
organizadores, mas que apesar das dificuldades veio a realizar a prova oralmente e, mesmo
diante de tais condições, foi aprovada. Porém, já exercendo o cargo, sofreu muito preconceito,
principalmente por parte dos colegas de trabalho durante os seis anos que permaneceu na
escola. Após esse período, decidiu ser professora de braile do Estado, cargo que exerce
atualmente.
Essa busca pela isonomia vem sendo reforçada por meio de Convenções, como,
porexemplo, a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (2001), que teve por objetivo o
entendimento e a defesa da inclusão. Como exemplificado no trecho do artigo da Convenção
Interamericana observa-se no seu artigo I, nº 2 “a”:
Para Fátima, é muito importante ter acessibilidade, mas é preciso saber usar. Educar
as pessoas e orientá-las para que possam lidar de forma adequada com aquela ferramenta de
acessibilidade. Seu trabalho consiste em ensinar essas ferramentas, como os cincos sentidos,
por exemplo. Relata que as pessoas supervalorizam a visão e não sabem utilizar os outros
sentidos.
Retrata a técnica em mobilidade, a importância em perceber que em tudo há pontos
negativos e positivos. Por exemplo, algumas vezes conta que é grata por não ver certas
catástrofes do dia a dia, mas lamenta não poder ver a natureza, mas ainda assim, o outro lado
compensa. Afirma que quando muitos a tratam como inválida, faz questão de mostrar que a
condição de cegueira é apenas uma característica sua e não uma doença. Uma vez que a
deficiência não tem que invalidar, pois isso só acontece quando você mesmo se trata como
um inválido.
Apesar de não residir na cidade de Arcoverde e sim em Alagoinha, cidade próxima
à Garanhuns, em suas poucas caminhadas pela cidade, houve demasiadas reclamações. Quase
que não encontrou, pelos locais que percorreu, adaptação necessária para que pessoas com
deficiência visual possam caminhar. A cada dia que passa, a Arcotrans recebe mais cobranças
por parte desses grupos de pessoas com deficiência, relacionadas também à acessibilidade nas
ruas e principais vias de circulação. A nova gestão dessa empresa, preocupada com esses
grupos vulneráveis, ainda engatinha ao implantar projetos e materiais para auxiliar o acesso
dessas pessoas na rua.
A cidade conta, atualmente, com quatro botoeiras sonoras. Essas são botões que
possuem linguagem em braile e emitem sons gradativos para melhorar a sinalização sonora
na travessia de pessoas com deficiência visual, com a finalidade de proporcionar mais
segurança aos pedestres na hora de atravessar as ruas. Ao ser acionado, a botoeira emite um
bip e ao chegar mais perto do semáforo fechar o som fica mais intenso. É uma das poucas
adaptações que, de fato, produzem efeitos no cotidiano desse grupo.
Desse modo, diante de todas as barreiras que você terá que enfrentar para alcançar
determinado objetivo, principalmente na condição de pessoa com deficiência, não se deixar
abater é algo imprescindível. Diante disso, se torna relevante pontuar e para reforçar o que
fora retratado por Fátima, a Convenção do Direito da Pessoa com deficiência (também
conhecida como Convenção de New York),dentre outros atos:
Busca superar o modelo médico, no qual a deficiência é vista como uma “patologia”
a ser curada, e visa propagar o modelo social, que procura o entendimento de que a
deficiência é, antes de tudo, uma característica do indivíduo (uma vez que o próprio
termo “pessoa com deficiência”, em vez de “deficiente”, é um símbolo claro dessa
evolução) e faz parte da diversidade humana. (GALINDO, 2016. p.46)
Assim sendo, mesmo diante das garantias que a Convenção acima trouxe, o que falta
nos lugares é a percepção do ser humano, é você olhar o outro sempre como sendo uma pessoa
humana e não como uma pessoa limitada, que os indivíduos possam ajudar o próximo, mas
não com a concepção de compadecimento, e sim fazer com o outro, para o outro, o que
queremos que nos façam.
O que foi relatado por Fátima Leal, quando nos comunicou que sua condição de
cegueira não deve ser vista como algo que a torne inválida, e sim, uma de suas características,
o que não determina quem ela é, tampouco seu futuro.
Assim como Fátima e sua perspectiva desconstruída de ser sujeito inválido, o mesmo é
aplicado a João Lucas Amaral. Desistir de seus objetivos nunca foi uma opção para nosso
terceiro entrevistado. Ele é um jovem nascido em Recife que desde 2009 mora em Arcoverde.
Hoje, com 19 anos, cursa o ensino médio numa escola particular em Arcoverde. Cadeirante
de nascença, João teve paralisia cerebral nível quatro decorrente de um erro médico, pois
nasceu aos sete meses com complicações no parto. Perdeu o movimento dos membros
inferiores e teve outras seqüelas físicas, mas sua capacidade cognitiva é preservada. Seu caso
foi à justiça e foi o primeiro caso dessa conjuntura que serviu como jurisprudência para os
demais.
Em 2015, ao mudar-se para o Rio Grande do Sul, assistiu seus direitos serem violados
por escolas particulares na região,que não aceitaram sua matrícula pela sua condição física,
colocando sua capacidade à prova. Isso o afetou seriamente, mas sua vontade de não desistir
e lutar pelos seus direitos era bem maior. Então, recorreu a Secretaria de Educação do
município para conseguir estudar
Logo após, recebeu um convite para participar do ‘Vereador por um dia’, um projeto
no Rio Grande do Sul, no qual os jovens, por um dia, após convite ou seleção, elaboram um
projeto de lei e apresentam na Assembléia. Lá, João pôde mostrar seu potencial apresentando
um projeto sobre acessibilidade e inclusão no âmbito do município, o qual foi aprovado por
unanimidade no plenário.
Atualmente, João Lucas estuda em uma instituição privada na cidade de Arcoverde
e que leva como lema a construção de uma sociedade solidária, ética e humana. A escola relata
que oferece estrutura e serviços aos alunos com deficiência na área infantil e o no ensino
médio, proporcionando esportes para esses indivíduos e fazendo com que possam concorrer
até em competições. Mas essa realidade não é percebida pelo estudante, que no cotidiano
enfrenta dificuldades no colégio, o problema é persistente, principalmente àqueles que faltam
informação, como traduz o relato a seguir:
Com relação à acessibilidade de uma forma geral, João afirma que precisa haver uma
melhora, pois, ainda hoje ela é precária. Ele não nega o fato de existir a acessibilidade, mas
ela não se apresenta da forma que deveria, já que muitas escolas alegam serem inclusivas, mas
não as são totalmente. Na sua visão a escola em que estuda, não pode ser considerada
inclusiva, pois diversas irregularidades são encontradas. Umas delas é o fato de não conseguir
ter acesso à biblioteca já que esta fica no primeiro andar e a escola não possui elevador.
Sobre o banheiro da instituição, fez questão de evidenciar que o acesso é bastante difícil
por ser pequeno e as barras não estarem localizadas adequadamente. Também, as rampas não
possuem elevação adequada às dimensões a ABNT, assim não consegue subi-las e para
praticar natação precisa que colegas o ajudem a chegar à área da piscina, devido à escadaria.
Essa inadequação estrutural começa quando para ele o acesso ao colégio deve ser pela entrada
de outra unidade, não da sua.
Afirma já ter realizado denúncia ao Ministério Público de Pernambuco (MP-PE)
solicitando que seja feita uma auditoria analisando todas essas questões, pois mesmo sendo
uma construção antiga, é passível de adaptações. João assegura que não é por falta de recursos
que essa inclusão não é garantida de maneira adequada, uma vez que existe o Plano Nacional
de Educação (PNE). Além do PNE, existe a Lei Brasileira de Inclusão que entrou em vigor
por conta de um senador que passa na pele os problemas da acessibilidade por ter um filho
com deficiência. Para o jovem a falta de sensibilidade da própria escola e dos órgãos
competentes é o que leva ao descaso com sua situação.
João participou da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) em Recife,
pois certos serviços só eram oferecidos lá. Diante disso, ele, novamente, recorre ao MP-PE,
posto que não estivesse sendo disponibilizado o transporte para a AACD no Recife, uma vez
que são quarenta pessoas que vão e não têm o devido apoio. A questão da acessibilidade é
uma grande causa para lutar no ramo do Direito, uma vez que pouquíssimas pessoas se
interessam pelo tema, como relata João, dizendo, também, que é o curso pelo qual se interessa,
objetivando dar visibilidade a essas questões.
O Mens Sana, para João Lucas, é um Centro que faz a vida de qualquer pessoa com
limitação física, intelectual, auditiva e visual se tornar agradável, pois é muito difícil no
interior existir um Centro com tamanha dimensão, estrutura e qualidade, além de ser gratuita.
Como o processo é pelo SUS e conta com fila de espera, hoje tenta retornar à instituição, mas
aguarda ser chamado. Foi paciente antes de se mudar, em 2015, para o Rio Grande do Sul. Lá
utilizou neurologista, fisioterapia para reabilitação e hidroterapia. Assegura o trabalho lá ser
competente, eficaz e com profissionais de qualidade dispostos em ajudar na melhoria de sua
qualidade de vida de qualquer pessoa que precise. O diferencial do Centro é a condição que
oferece e o fato de oferecer uma intervenção interdisciplinar.
O Mens Sana, conta com tratamentos especializados e o suporte oferecido é importante
não só em Arcoverde, mas em toda região circunvizinha que atua, pois mesmo quem tem
condições necessita, muitas vezes, de tratamentos adequados às suas limitações que o serviço
particular não oferece. Para João, o essencial é o tratamento humano, de qualidade e o Mens
Sana tem, além de tudo, uma grande importância social, mostrando que é possível no interior,
desde sua história, oferecer, existir serviço de reabilitação de qualidade.
CONCLUSÃO
Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o
direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a
necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que
não produza, alimente ou reproduza as desigualdades. (p.56).
REFERÊNCIAS
GALINDO, Bruno. A Inclusão Veio para Ficar : O direito antidiscriminatório Pós - ADI 5357
e a Educação Inclusiva Como Direito da Pessoa Com Deficiência. Revista Direito e
Desenvolvimento, João Pessoa, v.7, n.13, p. 43-58, 2016.
RESUMO
INTRODUÇÃO
No início da década de 20 do século XX, Mario de Andrade iniciou uma viagem por
três estados do Nordeste brasileiro, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Em
Pernambuco essa viagem tinha o objetivo de pesquisar as manifestações culturais e folclóricas
na cidade de Arcoverde, onde o samba de coco manifestava-se. Ele mesmo denominou de
Viajem Etnográfica210 tirar o itálico e corrigir a palavra viajem por viagem, que tinha como
objetivo: observar de perto as manifestações folclóricas populares das regiões do Nordeste,
entre elas as danças e as músicas, já que viera ao Nordeste para fundamentar as suas pesquisas,
sobre a constelação cultural Brasileira. A musicalidade sempre foi responsável por transmitir
várias linguagens, dinâmicas vivenciadas pelo povo que a transmite e que a produz. A música
movimenta todo um universo. Os elementos que compõe a cultura são sempre repletos de
significados, demonstram: formas de vidas, ideias, fé, tradição, alegria e tristeza.
208
GT 6 – Movimentos Sociais, Educação e Arte
209
Doutoranda em Educação na Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected]
210
Marcelo Burgos P. dos Santos é mestre em Ciência Política pela PUC-SP, e desenvolveu uma pesquisa sobre:
O Turista Aprendiz: breves notas e observações sobre a viagem de formação de Mário de Andrade.
Na cidade de Arcoverde destacou-se com grande força o grupo: Samba de Coco e
Raízes de Arcoverde o mais famoso da cidade e também o mais antigo, tendo o seu início no
ano de 1992 pelo o grande “coquista” Lula Calixto.
A cultura do coco imprime respeito pela história e cultura negra, pois a sua batida,
letras e dança envolvem todo um contexto de fascínios, que ao longo do tempo foi compondo
a identidade, que reúne a ancestralidade e a tradição conservada durante muito tempo e que
transcorre até os dias de hoje, preservando a memória dos mestres ícones do coco.
A conexão estabelecida entre tempo e cultura, possui consideráveis relevâncias, no
que diz respeito à história de uma tradição que se tornou raiz de vários povos e hoje encanta
e fascina, tornando-se patrimônio cultural da cidade de Arcoverde.
Nesse estudo buscamos focalizar a história da musicalidade negra no grupo: Coco e
Raízes de Arcoverde, e conhecer um pouco da mensagem cultural da dança do coco, que
abarca a grandeza da linguagem musical vivenciada pelos negros e que possui tamanha
riqueza simbólica na historicidade relatada por quem vive desde muito tempo o coco.
A pesquisa foi realizada com o Grupo Cultural Samba de Coco e Raízes de Arcoverde,
localizado na cidade de Arcoverde ha 252 km do Recife, capital do estado de Pernambuco e
a 131 km de Caruaru-PE. Arcoverde situando-se na microrregião do Sertão do Moxotó;
conforme a estimativa feita pelo IBGE211 no senso de 2010 os indicativos mostram que
Arcoverde encontrava-se com uma população de 68.793 mil habitantes, com uma densidade
demográfica de 196,05 hab/km² e uma área territorial de 350,899 km².
A cidade de Arcoverde já foi possuidora de várias nomenclaturas entre elas Olhos
d’água dos Bredos, e também Rio Branco. A cidade surgiu com as fazendas: Bredos e Olhos
d’água, que pertenciam a João Nepomuceno de Siqueira Melo e Manoel Pacheco do Couto.
Mas em 1865, Leonardo Couto, filho de Manoel Pacheco do Couto, criou o povoado de Olho
d’Água dos Bredos, quando doou terras e construiu a capela de Nossa Senhora do Livramento.
Em 1909, Olho d’Água dos Bredos passou a ser chamada de Rio Branco, por conta da criação
da agência postal e a inauguração da Estrada de Ferro ligando-o à Capital do Estado e, por
último, teve o nome mudado para Arcoverde, em 1943, em homenagem a D. Joaquim de
Albuquerque Cavalcanti Arcoverde, nascido no lugar e o primeiro Cardeal da América Latina
211
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 2010.
(IBGE, 2010).
Ea cultura local cultiva o mito fundador, como em um despertar constante de si
mesmo. “Um mito fundador é aquele que não cessa de encontrar novos meios para exprimir-
se, novas linguagens, novos valores e ideias, de tal modo que, quanto mais parece ser outra
coisa, tanto mais é a repetição de si mesmo.” (CHAUÍ, 2006, p.9).
A grandeza de seu início se estende pelo tempo a fora, com o único intuito: durar a
vida toda. “[...]A fundação visa a algo tido como perene (quase eterno) que traveja e sustenta
o curso temporal e lhe dá sentido. A fundação pretende situar-se além do tempo, fora da
história, num presente que não cessa nunca sob a multiplicidade de formas ou aspectos que
pode tomar.” (CHAUÍ,2006, p.9 e 10).
O mito fundador só permanece no contexto histórico da cultura. Os antecedentes
históricos do conceito de cultura remontam ao século XVIII e no princípio do seguinte, o
termo germânico Kulturera utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais de uma
comunidade, enquanto a palavra francesa Civilization referia-se principalmente às realizações
materiais de um povo. De acordo com Laraia (1989) ambos os termos foram sintetizados por
Edward Tylor (1871) no vocábulo inglês Culture, que tomado em seu amplo sentido
etnográfico é este todo o complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis,
costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de
uma sociedade. De acordo com Laraia(1989), com esta definição Tylor(1871) abrangia em
uma só palavra todos as possibilidades de realização humana, além de marcar fortemente o
caráter de aprendizagem da cultura em oposição à ideia de aquisição inata, transmitida por
mecanismos biológicos.
Localizado no Alto do Cruzeiro que é um bairro simples da cidade, é nítido na dança
do grupo as características do samba e do xaxado. O Coco e Raízes de Arcoverde, em 2005
fez uma turnê em cinco países, difundindo a cultura do coco por entre: França; Bélgica; Itália;
Noruega e Alemanha, transmitindo assim a sua forte energia que é composta por história e
trupé, ritmo forte e delimitado, que envolve os movimentos dos dançarinos conforme a
marcação que é feita pelos tocadores que, na realidade se comunicam na maioria das vezes
entre: ganzá, bombos, zabumbas, caracaxás, pandeiros e cuícas. Reunindo pessoas que ao
ouvir a alegria da festa que o coco faz, são logo convidadas para entrar na roda.
Hoje a cidade de Arcoverde possui um grande pólo cultural do samba de coco, cultura
essa que foi difundida desde 1952 que se movimenta por todo o tempo fortalecendo-se e
chamando atenção por sua tamanha grandeza histórica.
Assim o Coco e Raízes de Arcoverde vão imprimindo identidade, contribuindo com
identificações num exercício permanente de afirmação ancestral e ressignificação, onde “A
memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como
coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante do sentimento
de continuidade e de coerência de uma pessoa, de um grupo em sua reconstrução de si”.
(POLAK,1992).
Levando em conta o objetivo do presente estudo que visa analisar e registrar a história
observando como se comporta o grupo na contemporaneidade, realizamos os seguintes
procedimentos de investigação: Levantamento de dados: Inicialmente pretende-se fazer
através da pesquisa bibliográfica uma contextualização com a realidade do objeto de estudo,
para daí então fundamentar uma temática alvo para ser desenvolvida sobre o grupo Samba de
Coco e Raízes de Arcoverde; Entrevista: A realização de entrevistas ocorreu do dia 01/06/12
ao dia 03/06/12 onde foram ouvidos todos os integrantes do grupo samba de coco, totalizando
15 horas; na cidade de Arcoverde, na sede do Samba de Coco e Raízes. Análise de dados: As
entrevistas foram transcritas e analisadas juntamente com as informações coletadas, foi feita
uma arqueologia das entrevistas que resultou em um melhor potencial de informações, pois
partiu de um contado direto, onde foi possível identificar questões referentes à dinâmica do
grupo na atualidade.
A música é uma forte ferramenta de expressão, na qual exterioriza as características
históricas de um grupo demonstrando cultura e identidade. O som, o ritmo, a letra, a dança
são demonstrações, são sentimentos musicados. Esse percurso musical torna-se forte pela
influência que ganha para si, quando em sua roupagem consegue unir o coletivo, construir
derivações de sentidos e assim, a aproximação das pessoas.
O músico une em si, história e arte. Conjuga sentidos, e nesse mesmo movimento
consegue tocar o outro com a sua profundidade e simbologia. As suas composições, as
palavras contidas, os trocadilhos e brincadeiras, demonstram de forma poética uma releitura
da realidade, vista pelo olhar delicado e cauteloso do artista. Visita com vivacidade e força
profunda um passado, que relembra a dor, a tristeza o cansaço e amargo gosto de quem sofreu.
A saudade, o sentido da família, á identidade incontida a crueldade lançada sobre um povo.
O significado da musicalidade vai muito além do que a letra simplesmente lida, ou
acompanhada. A música consegue prender em si, sentidos; símbolos; eu’s vida e morte.
Mesmo não voltando ao dia exato historicamente falando, a música na sua empreitada de
releituras consegue recontar um tempo de forma, que ao ser cantada faz o tempo passado
tornar-se presente, trazendo-o mais próximo e o ressignificando. Os sentimentos de outrora e
todo um contexto de vivencias, conseguem ser manifestados de forma multifacetada, em uma
época presente. A música é um dos elementos constitutivos de identificação e pode ser
reveladoras de vínculos de identidade.
O corpo é parte sensível, que percebe o mundo e dialoga com ele. O corpo humano
afetivo e dinâmico, instável e próprio. Conhece suas possibilidades, assim como suas
limitações. (SILVA; CARDOSO, 2007). O corpo é possibilitado a todo um dinamismo, que é
observado na dança que também é proporcionado pela mesma. A dança é uma expressão
corporal de movimentos produzidos pelo corpo, captada através do ritmo percebido e sentido,
que comunica-se com diversos instrumentos podendo ser eles de cordas ou de percussão. A
dança acentua a liberdade, promove a leveza, o desprendimento e interação. Une-se com a
forma pessoal de cada dançarino ou participante, que no contexto corpóreo faz envolver um
“todo coletivo” que unidos e embalados pela música, ritmo e também pela conjuntura de
significados consegue unificar, igualar musicalmente, colocando os indivíduos envolvidos por
ela em linhas lineares que resultam momentaneamente em um encontro de várias pessoas que,
juntas, aproveitam um momento que passa a pertencer a eles mesmos, pois todos os símbolos
visíveis se encontram com a subjetividade de cada um, reunindo tempo e espaço. Conectando
toda a história e seus compostos, em seus novos personagens do presente. O corpo é uma
imensurável estrutura que atrai para si olhares, que aprofunda e reestrutura valores e fomenta
a curiosidade, já que podemos dizer que o corpo é a casa da identidade, pois a identidade
também está no corpo. Pois a dança possui todo um anexo de sensualidades, não sendo
necessariamente sexualizada. Sendo assim,
212
A trilha sobre o mapeamento etnográfico de Mário de Andrade, foi também tema de uma reportagem do
Jornal Pernambucano Diário de Pernambuco Pesquisadores refazem missão do modernista catalogando registros
sonoros folclóricos de PE e da PB, onde é observado várias manifestações de cultura popular, onde a décadas se
faz necessário a preservação dos dados das pesquisas. No entanto, em 2003 alguns pesquisadores da UFPE do
departamento de musicologia, entrou em missão em duas cidades, nas quais foram também as duas únicas
visitadas por Mário de Andrade em 1938. Ou seja, a idéia dos pesquisadores é refazer o trajeto nas cidades de
Tacaratu e Arcoverde, para reavaliar o estado atual das culturas do coco e aboiadores. Estando hoje extintos o
aboiadores, e o Coco Raízes tornou-se referência Nacional da cultura do coco Brasileira, registrando sua cultura
também internacionalmente. (Michelle de Assumpção - da equipe jornalistica do Diário de Pernambuco).
uma preservação da história, pois: “Ajuda a devolver um pouco da memória das pessoas, e
dessa forma reativar algumas coisas já esquecidas", avalia Sandroni.
O som, a música, o bater forte do tamanco de madeira no chão com o seu toré, dá
autonomia sonora a musicalidade transmitida pelo grupo Coco e Raízes. Formam juntos uma
dinamicidade reunindo em si, a história que faz ponte direta com a vida dos antepassados do
coco. A música tem o poder de reunir os tempos, formular através do sonho e da imaginação
e de toda uma criatividade uma nova forma que embora a realidade seja desanimadora o sonho
de um futuro melhor emana para o presente, esperança e força. Fazendo juras de amor
simplóriamente, poetizando toda a realidade e personalizando o “coco” dançado e vivido pelo
grupo. O Coco e Raízes de Arcoverde com sua unicidade, que se dá na sua personificação de
toda uma cultura, que através do tempo resiguinificou-se e a partir da interação foram
reunidos fatores e características do “hoje” dessas pessoas que fazem nessa
contemporaneidade o momento atual do grupo. Foi se produzindo uma forte tradição, na qual
as pessoas do grupo transmitiam para a geração atual a cultura cultivada pelos Calixtos, onde
existe uma missão que é reproduzir e transmitir a cultura coquista de geração pra geração. É
observado uma facilidade munida de simplicidade, pois o coco surge em uma brincadeira, de
quebra coco, os escravos dançavam coco para repelir toda dor que sentiam no decorrer do dia.
A dança faz demonstrações de vivacidade, os dançarinos se tornam instrumentos e porta voz
da história passada dos cocos primeiros. A brincadeira também é de índio e é identificada
facilmente no movimento que a dança do coco faz. O coco cirandado é a forma de dançar em
dupla ou em um grupo de mais pessoas; em entrevista ao grupo foi identificado diversas
semelhanças entre os índios e escravos negros, onde ainda hoje não se sabe ao certo quem
começou a dançar o coco. É forte a forma com que o grupo se comporta, ao dançar reúne em
momentos singelos significados históricos que fazem parte de toda uma viagem ao tempo.
O início do Coco e Raízes de Arcoverde originalmente foi em 1992 a partir do grande
coquista: Luis Calixto (Lula), que com toda a sua doçura vendia doces de tabuleiro pelas ruas
de Arcoverde, mas trazia consigo sempre uns pífanos e sempre acabava fazendo umas
emboladas, e logo em seguida tocava um pouco de coco. Foi aí, que começou a chamar
atenção: esse homem alegre e simples que encantava de criança a adulto, com a sua música
criativa e alegre que parecia mais uma brincadeira, isso foi um forte atrativo para a iniciação
do Coco e Raízes e para o resgate da cultura do coco na cidade. Então toda essa brincadeira
de Calixto, chamou o olhar curioso da Recifense Maria Mélia que acabou encantando-se pela
dança do coco, e daí por diante começou um forte elo entre Lula Calixto e Maria Mélia, ela
por sua vez foi até o Recife com o intuito de estender e aprofundar essa manifestação cultural
dando-lhe mais condições e aproximando-a mais das pessoas. Então trouxe da Capital
Pernambucana: um surdo que é um instrumento de som grande, muito utilizado em escolas de
samba, e sua produção pode ser tanto de madeira como também de metal, esse instrumento
geralmente é utilizado para marcar a marcha; também trouxe um pandeiro, característico do
samba, que por sua vez no coco mistura-se com o Pife; trouxe um triangulo é metálico
utilizado para marcar os passos e acetinar a batida forte do surdo que também está presente
no forró e no samba; e para finalizar trouxe um ganzá que é um instrumento de percussão
considerado um chocalho que ao ser agitado transmite um som de balancê, e com o tempo foi
incluso no conjunto de instrumentos utilizados pelo coco Raízes de Arcoverde. Os tamancos
de madeira utilizados pelos dançadores do coco que surgiu do tempo que as pessoas faziam a
mazuca (preparação do barro para as casas de taipa), acabavam usando um sapato de madeira
para amassar o barro comenta Francisco de Assis em entrevista a um blogger213 de Arcoverde-
PE. Mas ainda assim, o coco na cidade já havia sido iniciado com a família Lopes e a família
Gomes, que foram o porta voz nessas circunstancias primeiras, e com muita ênfase enalteço
o grande Ivo Lopes que já movimentava a dança do coco na cidade. Com o seu falecimento a
cultura fora silenciada desde 1987, porém no ano de 1992 o Samba de Coco e Raízes foi
formado oficialmente e também, foi estabelecido o resgate por Lula Calixto e os demais
dançadores do coco e componentes do Coco e Raízes de Arcoverde. Lula Calixto propagava
o coco em forma de oficinas, onde utilizava as escolas como alvo, principalmente os jovens e
crianças, e assim foi obtendo admiradores e cada vez mais pessoas se interessavam pela dança
pois nessas oficinas também era ensinado a dançar coco. Lula Calixto morre em 1999,
deixando enraizado o seu sonho tão especial que foi por muitos anos até a sua morte a cultura
do Coco e Raízes.
213
Disponível em:<http://arcoverdeecia.blogspot.com.br/2011_07_01_archive.html>. Acesso em 18 jun. 12 ás
23:25.
Em todo o movimento da dança é observável uma sincronia de elementos que reúnem
reinvindicações, porque o bater dos pés no chão da mazurca e do trupé214 vem da auto
afirmação, que está totalmente em ligação com o seu próprio reconhecimento, é a força que
vem dos pés dos dançarinos do coco. Há diferenças marcantes entre a poesia dos cocos apenas
cantados e a daqueles encontrados na dança. (AYALA, 2000, p.31). A poesia encontrada no
coco é uma poesia que volve um enredo, que inclui o Puxador, pessoa que puxa o coco, e ao
mesmo tempo chama o restante do grupo que por sua vez fica responsável pelo coro e refrão,
partes da música que são repetidas várias vezes. O ritmo dos dançadores de coco possui
semelhanças vindas dos escravos quando em suas senzalas presos por correntes em seus pés
não podiam dançar de forma livre e dinâmica, apenas arrastando os pés descalços ou calçados
por chinelos de couros de animais confeccionados por eles mesmos, por isso, a dança atual do
coco é variada, isso decorre de suas fortes influencias que variam de região para região. No
caso dos índios é observável também o passo não dinâmico que se assemelha ao toré, quando
na dança os índios fazem marcações apenas de um passo só. A dança no coco está sempre
relacionada à alegria e a dor, coragem, amor, e felicidade formando um tipo de poesia do
corpo; as composições do Raízes remete ao cotidiano do homem Sertanejo, as suas
dificuldades e suas paixões que com a musicalidade do coco e dos seus passos conseguem
vivificar sempre o que oralmente é pronunciado. A aproximação do imaginário com o real é
uma ligação original e autentica do grupo, que retrata de forma simplória todo um percurso
pelo mundo dos sentimentos e o das obrigações estando em foco também fortes relatos de
trabalho duro, todas essas características juntas modificam o sentido metamorfoseado do coco
a cada momento, sendo assim parte de um processo de inacabamento que sucumbe ainda
vários mistérios.
214
“Antigamente a dança era conhecida como mazuca, mas o trupe foi criado a partir dos tamancos (...)
geralmente o coco feito aqui em Arcoverde era tocado apenas com um Ganzá, feito com lata de leite ninho, com
pedras ou caroços de milho dentro. Era um instrumento só, para se dançar a noite toda. O grupo Raízes hoje já
usa surdo, o triângulo, o padeiro, o ganzá e o trupe, que é um instrumento (...) Quando surgiu o coco no nosso
Brasil , era com maracá de índio (instrumento indígena em forma de chocalho), já que o coco também tem muito
da coreografia indígena. Já no litoral se usa mais a alfaia, mais instrumentos e uma dança totalmente diferente,
é uma dança mais solta, com menos pisada, e dançada mais em compasso. Aqui no sertão temos coco trocado e
de lenço entre outras. Assis Calisto”. (BARRETO, 2008, pág.44).
melodia. (AYALA, 2000.p.240).
215
O Ponto Cultural do Coco e Raízes de Arcoverde é o ponto de encontro do grupo, onde estar arquivado todo
o histórico do Raízes, contendo: fotos; instrumentos; chaveirinhos customizados por Assis Calixto e também os
tamancos que são utilizados na dança. E São oferecidas também oficinas de dança e artesanato.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
AYALA, Maria Ignez Novais. Os cocos: uma manifestação cultural em três momentos do
século XX. Estudos avançados, v. 13, n. 35. São Paulo: USP,2000.
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Cortez, 2007.
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2004.
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2011.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Ed. Zahar.
2001.
MINAYO, Maria Cecília de Souza (org). Pesquisa Social: teoria,método e criatividade. 11 ª
ed.-Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
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formação de Mário de Andrade. Literatura-artigos. n.6, 2009. São Paulo: PUC,2009.
SÁ, Maria Gisele; SANTOS, Sheila Gomes; PAIVA, Carla Conceição da Silva. Samba de
Coco: ensaio fotoetnográfico sobre elementos folkcomunicacionais presentes na identidade
cultural de Santa Brígida/BA. V Conferência Brasileira de Mídia Cidadã. UNICENTRO,
Guarapuava/PR-8 a 10 de outubro de 2009.
SILVEIRA, Roberto Cardoso; SILVEIRA, Íris Camargo; PAZ, Ariane. Identidade negra em
construção: um estudo sobre o processo de identificação das jovens negras através da dança
Afro. In. XI Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais: Diversidades
(Des)igualdades Salvador: UFBA. Campos de Ondina. 07 a 10 de agosto de 2011.
SANTIAGO, Maria Eliete; SILVA, Delma Josefa; SILVA, Claudilene. Educação,
Escolarização e Identidade Negra: 10 anos de pesquisa sobre relações raciais no
PPGE/UFPE, Recife: Universitária UFPE, 2010.
SILVA, Vivian Parreira; CARDOSO, Mariela Pinheiro. Danças populares brasileiras. São
Paulo: UFScar, 2007.
SOUZA, Neuza .Santos. Tornar-se Negro. Rio de Janeiro: Graal, 1990.
TYLOR, Edward B. Primitive Culture. Londres: 1871.
PERSPECTIVA ARENDTIANA SOBRE EDUCAÇÃO: Crise no Ensino Jurídico
Nacional
RESUMO
Partindo da exposição de Hannah Arendt sobre a crise na educação, o presente trabalho tem
por base o uso de conceitos arendtianos– como tradição, autoridade e política – que são peça-
chave para entender o fenômeno do sucateamento da educação brasileira. Com isso, o presente
trabalho tem por objetivo analisar o cenário referente à oferta dos cursos de graduação em
Direito, dado que a relação da educação com fatores externos é responsável por prejudicar o
desenvolvimento crítico e autônomo dos indivíduos, pois, há uma submissão a métodos
tecnicistas advindos da dinâmica do capital. Essa análise torna-se pertinente dado os eventos
atuais do governo brasileiro, o qual permitiu a abertura indiscriminada dos cursos de Direito.
Apresentando, assim, como consequência a baixa qualidade do ensino ofertado, além do
distanciamento ético no exercício das funções profissionais, que perpetua um sistema
excludente onde não há reconhecimento de elementos tidos como base da identidade cultural
do país.
INTRODUÇÃO
216
Graduanda em Direito pela Universidade de Pernambuco – Campus Arcoverde. Membro do Grupo de
Pesquisa Incertae. E-mail: [email protected]
superiores. Com o período pós-redemocratização, o Direito tem sido um dos cursos com
maiores números de instituições e inscritos (AGAPITO, 2016). Sua expansão se deu
principalmente no setor privado, fato que não ocorreu nas universidades públicas, que
possuem cada vez menos recursos para realizar atividades como pesquisas, por exemplo.
Sendo assim, além da mercantilização do Direito, a expansão da oferta de seu ensino
tem se mostrado duvidosa, pois o aumento quantitativo não tem sido proporcional à qualidade
do que está sendo apresentado. Por esse motivo, à luz do pensamento filosófico de Hannah
Arendt e outros estudiosos, serão feitas análises da situação já mencionada.
Isto posto, o presente artigo visa analisar o cenário do ensino superior de Direito no
Brasil buscando respostas relacionadas às implicações decorrentes de jogos políticos,
principalmente no atual governo brasileiro, que subjuga a formação do indivíduo a interesses
de particulares. Além de também observar consequência já existentes na atuação de juristas,
como por exemplo a desumanização ao aplicar o Direito na realidade fática.
Quanto à metodologia, faz-se necessário expor os métodos nos quais o texto foi
formulado. A abordagem teve por base o método hipotético-dedutivo, pois, com base na
definição de Prodanov e Freitas (2013), o uso foi pertinente pelo fato de englobar os aspectos
propostos na pesquisa, partindo de premissas do conhecimento prévio, as quais formam um
problema, e, a partir disso, são formuladas hipóteses que, através de um processo dedutivo,
testa o acontecimento dos fenômenos. Que são correspondentes a um campo mais específico
(o ensino do Direito nas instituições de ensino superior)
Já com relação ao procedimento, predominantemente, houve uma análise com base
histórica. Pois,
[...] colocando os fenômenos, como, por exemplo, as instituições, no ambiente social
em que nasceram, entre as suas condições “concomitantes”, torna-se mais fácil a sua
análise e compreensão, no que diz respeito à gênese e ao desenvolvimento, assim
como às sucessivas alterações [...] (MARCONI; LAKATOS, 2010, p. 89).
O método histórico faz-se presente quando se põe em foco a formação histórica da educação
brasileira, correspondente tanto o período imperial quanto o regime ditatorial.
Bem como, fez-se uso da pesquisa bibliográfica e documental. A primeira refere-se ao
material encontrado em bibliotecas, que geralmente são impressos, já a pesquisa documental
relaciona-se ao uso de meios mais informais, onde não necessariamente houve um tratamento
analítico (GIL, 2002). Esses dois métodos se enquadram no presente trabalho no que diz
respeito ao uso do capítulo específico da obra “Entre o Passado e o Futuro”(1961), assim como
também a análise de artigos e sites que expunham a situação analisada.
1 CRISE NA EDUCAÇÃO: ANÁLISE DOS PRINCIPAIS CONCEITOS
ARENDTIANO
Hannah Arendt, em seu livro: “Entre o Passado e o Futuro” (1961), dedica um capítulo
fundamentado na crise da educação vivida no contexto dos anos cinquenta, produto de sua
vivência nos Estados Unidos. O texto é o único no qual a autora disserta sobre a educação.
Sendo correspondente ao período escolar, tem por base conceitos-chave, a exemplo da
natalidade, que serão explorados para proporcionar a compreensão de sua exposição e do
plano fático exposto neste artigo.
O contexto internacional responsável por inspirá-la era marcado pela força da globalização
pós-guerra, onde a educação encontrava-se defasada, pelo fato de estar a serviço de um mundo
em que se buscava adequar as estruturas sociais ao mero saciamento de desejos do homem
laborans (homem que trabalha de modo alienado, agindo somente com base nas relações de
consumo). Assim, põe-se em xeque sua formação social para atender aos desejos de consumo
(CEZAR; DUARTE, 2010).
Quando se fala em crise na educação “certamente, há aqui mais que a enigmática
questão de saber por que Joãozinho não sabe ler” (ARENDT, 2014, p. 222). Pois, o tema não
envolve apenas um planejamento educacional de determinado Estado. Além da autora, outras
personalidades refletiram acerca da crise e as possibilidades que essa oferece ao homem no
tocante à reformulação de arcabouços teóricos enraizados.
Para a Hannah Arendt, a crise é responsável por despir todos os conceitos pertencentes
a uma instituição. Possibilitando, assim, a apuração daquilo que presumidamente é atribuído
à essência aliada à desconstrução de preconceitos e paradigmas (2014). Em suma, a crise
apresenta-se como fator positivo uma vez que, além de proporcionar a problematização e a
reformulação de conceitos, também se associa à politização e à importância relacionada à
tradição e autoridade.
O ponto central do capítulo analisado é a natalidade. Não no simples fato de um
indivíduo vir ao mundo, mas o seu nascimento vinculado às estruturas sociais vigentes,
representando o novo também na esfera pública e política. Ou seja, a cada novo indivíduo, há
uma chance de modificar estruturas sociais já consolidadas.
“A renovação do mundo a partir dos nascimentos nos deve fazer refletir sobre um tipo
de educação que nos faça assumir o compromisso com o próprio mundo” (FERRARO, 2014,
p. 189). Ao reconhecer a importância da educação e sua capacidade de renovação, tendo em
vista a natalidade, Arendt nos apresenta um conceito denominado amor mundi. Que, quando
posto na questão educacional, se vincula com o cuidado do adulto para com a criança, pelo
fato de mostrar o mundo como ele é e por garantir que haja a perpetuação da vida através
dessa reestruturação (2014).
Assim, a natalidade torna-se o fator responsável pela necessidade de educar devido à
possibilidade de convivência no mundo entre o velho e o novo. Logo, o mundo
Trata-se daquele espaço institucional que deve sobreviver ao ciclo natural da vida e
da morte das gerações a fim de que se garanta alguma estabilidade a uma vida que
se encontra em constante transformação, num ciclo sem começo nem fim no qual se
englobam o viver e o morrer sucessivos (ASSIS; DUARTE, 2010, p. 825).
O problema na educação do mundo moderno está no fato de, por sua natureza, não
poder está abrir mão nem da autoridade, nem da tradição, e ser obrigada, apesar
disso, a caminhar em um mundo que não é estruturado nem pela autoridade nem
tampouco mantido coeso pela tradição (ARENDT, 1958, p. 245).
A seara jurídica, no último governo, tem passado por embates significativos quanto ao
processo de avaliação dos novos cursos de ensino superior. De acordo com a Portaria nº 329,
de onze de maio de 2018, trinta e quatro novos cursos de graduação em Direito, foram abertos
por todo o território nacional, concentrando-se, principalmente, na região Nordeste.
É importante ressaltar que a crítica é atinente à qualidade da formação dos cursos,
apenas. Pois, caso houvesse proporcionalidade entre a ampla oferta de cursos e a qualidade da
formação ofertada, seria um ponto positivo na sociedade brasileira, porém, não condiz com o
plano fático. Não basta assegurar o direito à educação exposta na Constituição Federal de
1988, é necessário atinar para a qualidade do ensino, que também é condição assegurada pela
Carta Magna.
Relacionando o contexto exposto com a exposição de Hannah Arendt acerca da crise
na educação, é possível observar que o sucateamento da educação superior se dá,
principalmente, com relação à quebra da tradição. Essa, como explicitado anteriormente, tem
por base a formação histórica do povo, sendo imprescindível na graduação devido à
compreensão e base crítica da sociedade. Mas, o governo brasileiro presume que a origem
estrangeira é sinônimo de qualidade. Sendo prova disso, a permissão banal de empresas no
ramo da educação, que são responsáveis, em maior parte pela tecnicidade do ensino.
O ensino sistematizado, baseado somente em técnicas que garantem a mera aplicação
da norma ao caso concreto, retira o direito dos indivíduos reformularem a dinâmica existente.
Uma vez que, tendo em vista a natalidade, deveria haver o asseguramento do aspecto de
renovação e perpetuação da existência humana. Entretanto, nesses casos, pelo fato de não ter
havido o acesso ao ensino de qualidade, que vai além de aspectos técnicos, os profissionais
são tidos como meros instrumentos à serviço do mercado. Onde, não há possibilidade da
manifestação direito à revolução, ou seja, ao novo, que possibilitaria a presença de novas
perspectivas no trato do Direito.
Arendt explicita que tanto o ensino superior como o ensino técnico tratam-se de
especialização (2014). Todavia, é possível verificar a importância dada ao ensino superior no
tocante à base que foi formada durante o ensino fundamental e médio. Pois, é especificamente
neles onde há o trato direto com indivíduos inexperientes no campo político, sendo a ética
profissional fundamentada nesse período de formação.
Presume-se, deste modo, que a educação sempre esteve a serviço daqueles que detêm
o poder econômico, tratando-se de uma estreita com a política. E, devido a isso, o
planejamento da educação sempre é justificado com base nas relações de poder, havendo,
assim, a submissão involuntária dos indivíduos em seu processo de formação, à lógica de um
capital que continua a perpetuar relações de exclusão e opressão.
Pois, para cidadãos com as mesmas características será, definitivamente, dada a
oportunidade de uma educação de qualidade. Já que, a maior parte das instituições de
qualidade, embora públicas, possuem um processo de seleção que impossibilita a entrada
daqueles que constituíram formação básica em escolas que dependem de subsídios do
governo, onde, na maioria dos casos são negligenciadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em seu site217, também corrobora com essa
ideia de que os cursos de Direito passaram a servir a questões mercadológicas de modo
indiscriminado. Visto que, a ampla oferta passa a servir de moeda de troca para favores e
privilégios políticos devido a ideia de que o governo possui compromisso com a educação no
tocante a oportunidades para os menos abastados.
Em decorrência disso, tem-se por consequência a saturação do mercado de trabalho e,
217
https://www.oab.org.br/noticia/56296/oab-emite-nota-contra-autorizacao-de-novos-cursos-de-direito-pelo-
mec?utm_source=4195&utm_medium=email&utm_campaign=OAB_Informa
ao mesmo tempo, a ausência de preparação dos novos advogados. Não havendo, portanto,
pontos positivos na ação política do Ministério da Educação (MEC) do atual governo, que
tenta mascarar a gradual crise na educação superior através do falso discurso de igualdade no
acesso ao ensino.
Justamente devido à grande possibilidade de desvio dos objetivos a serem cumpridos
pela educação, que Hannah Arendt propunha sua separação do âmbito da política. Onde, no
caso do ensino superior, ocorre o menosprezo com a formação e estrutura da graduação, em
razão do fim perseguido relativo à conformação social e ao prestígio no meio político, com os
grandes nomes do mercado da educação. O qual é tomado por empresas estrangeiras que
buscam mão de obra científica em países como o Brasil, que vendem à “preço de banana” o
conhecimento produzido.
Diante desse cenário, faz-se necessária a pressão de instituições frente ao governo para
a criação de mecanismos responsáveis pelo controle de qualidade dos locais em que se ofertam
a graduação em Direito. Pois, considera-se importante, no meio acadêmico, a formação para
além da mera aplicação da norma, devendo englobar disciplinas propedêuticas que dão base
humanizadora aos indivíduos que atuarão em meio a vasta complexidade dos conflitos sociais
pós-modernos.
Visando, com isso, a ocupação do espaço público atinente a todos os cidadãos, não
somente àqueles graduados. Sendo esses ainda mais responsáveis pela dinâmica desse espaço,
pois, teoricamente, tiveram uma formação que possibilitou – a partir da consciência crítica,
formada pela educação – o entendimento da estrutura política e social.
Em suma esse cenário de crise em que se encontra a educação brasileira é, em sua
maioria, reflexo do que Hannah Arendt já apresentava no século passado. Pois, a quebra com
a tradição, a confusão com o âmbito político, a crise de autoridade e falta de compromisso
com os novos indivíduos são, como exposto em todo o trabalho, fatores alicerces desse
colapso. Sendo assim, o pensamento da filósofa política torna-se atemporal, onde a crise na
educação apresenta uma padronização no tocante aos seus causadores.
REFERÊNCIAS
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Paulo: Perspectiva, 2014. p. 221 – 247.
ASSIS, Maria Rita de; DUARTE, André. Hannah Arendt: pensar a crise da educação no
mundo contemporâneo. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n.3, p. 823-837, set./dez.
2010
BASÍLIO, Ana Luiza. Especialistas avaliam impactos da reforma do Ensino Médio. Revista
Educação Integral. 12 dez. 2016. Disponível em:
<http://educacaointegral.org.br/reportagens/especialistas-avaliam-impactos-da-reforma-do-
ensino-medio/>. Acesso em: 02 set. 2018.
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de ética jurídica: ética geral e profissional. 11. ed. São Paulo:
Saraiva, 2014. p. 114 – 122.
FERRARO, José Luís Schifino. A crise na educação entre o passado e o futuro. Educação
Por Escrito, Porto Alegre, v. 6, n. 1, p. 185-190, jan.-jun. 2015
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
MELO, Adriana Almeida Sales de; SOUSA, Flávio Bezerra de. A agenda do mercado e a
educação no governo Temer. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 9,
n. 1, p. 25-36, ago. 2017. Disponível em:
<https://portalseer.ufba.br/index.php/revistagerminal/article/view/21619>. Acesso em: 19
ago. 2018.
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo fundamental fazer uma análise da efetiva contribuição
do Projeto de Extensão Universitária da Autarquia do Ensino Superior de Garanhuns –
AESGA, denominado “DHialogue - direitos humanos, família e trabalho” (DHialogue),
compreendendo o período de 10/2017 a 03/2018, junto as unidades de lotação parceiras. A
problemática suscitada é: qual a contribuição da orientação jurídica desenvolvida pelo projeto
de extensão universitária na sociedade de Garanhuns – PE? Tem-se como objetivo geral
descrever a experiência da extensão universitária destacando as principais atividades
realizadas: DHialogue Orientações, DHialogue&Café e CineDHialogue” e compreender sua
devida importância à sociedade de Garanhuns. Os objetivos específicos são demonstrar a
importância da extensão universitária bem como avaliar a relevância das atividades realizadas
como contribuição para a inclusão social, através da informação e orientação de direitos
básicos. A metodologia adotada para a realização deste trabalho foi a pesquisa exploratória e
de campo, por outro lado, a base técnica foi firmada na pesquisa bibliográfica e na entrevista.
Para se chegar ao resultado deste trabalho, serão analisadas as entrevistas realizadas nos
eventos produzidos durante o projeto, como também as fichas de atendimentos nas orientações
jurídicas, e os benefícios para todos os envolvidos no projeto de extensão universitária.
INTRODUÇÃO
218
GT 06 – Movimentos Sociais, Educação e Arte.
219
Ex graduando em Direito pela Autarquia de Ensino Superior de Garanhuns (AESGA/FACIGA). Atual
graduando em Direito pela Universidade de Pernambuco (UPE). Arcoverde/PE, E-mail:
[email protected]
220
Graduando em Direito pela Autarquia do Ensino Superior de Garanhuns - AESGA/FACIGA, Garanhuns-PE,
[email protected].
221
Advogada. PhD em Direito do Trabalho e Empresarial pela Universidad de Salamanca-ES. Doutora em
Direito do Trabalho e Trabalho Social pela Universidad de Salamanca-ES. Mestra em Direitos Humanos pela
Universidad de Salamanca-ES. Profa. da Pós-Graduação, Graduação e do Núcleo de Prática Jurídicas da
Autarquia do Ensino Superior de Garanhuns - AESGA/FACIGA e da Pós-graduação da Unifavip WyDen,
Caruaru/PE. Conselheira da Subseção Regional de Garanhuns da OAB-PE, [email protected].
Bacharelado em Direito, tendo como professora orientadora a PhD. Bruna Maria Jacques
Freire de Albuquerque. É sabido que a extensão universitária diz respeito a uma atividade
essencial, tanto para os que desfrutam desse conhecimento, quanto para os discentes que estão
se aprimorando em seu processo de aprendizagem, contribuindo, portanto, para a
transformação dos problemas sociais da cidade de Garanhuns e circunvizinhanças.
O município de Garanhuns é de notória relevância para o estado de Pernambuco. Esta
cidade é composta de aproximadamente 138.642 habitantes em 2017, tendo de área geográfica
458,552 km², e um PIB per capita de R$ 14.469,45 em 2015, conforme dados coletados no
Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2018), no qual se pode observar que o
projeto DHialogue pode ser de considerável relevância social por oferecer de forma gratuita
orientações jurídicas, principalmente aos hipossuficientes da cidade de Garanhuns.
O propósito da extensão universitária no presente projeto é de grande importância, haja
vista oferecer para sociedade alvo várias contribuições, já que ocorre o contato direto dos
acadêmicos com a comunidade, no qual o que se aprende em sala de aula é posto em prática.
O presente estudo irá apresentar uma descrição acerca das atividades desenvolvidas no projeto
de extensão universitária da Autarquia do Ensino Superior de Garanhuns – AESGA, este que
tem como fundamento oferecer Orientação Jurídica sobre os temas de Direitos Humanos,
Direito de Família e Trabalhista, bem como a promoção de palestras e exibição de filmes e
documentários junto a Associação WEFA, Quarta Igreja Presbiteriana e Paróquia Santa
Terezinha, todas estas instituições localizadas no município de Garanhuns, Pernambuco.
Dessa forma, o projeto busca levar à população esclarecimentos e conscientização dos
direitos básicos nos temas mencionados, em que, além de indicação aos órgãos ou instituições
que resolverão os pleitos judiciais, compreende também a possibilidade de aconselhamento e
orientação da documentação a ser apresentada nas instituições e órgãos ora referidos,
proporcionando de fato a justiça social e contribuindo para dirimir problemas dos membros
da sociedade local, o que é feito pelos discentes do curso de Direito com a supervisão do
professor orientador. Além de dar aos orientados uma sensação de pertencimento da
sociedade, contribuindo, de forma efetiva, para o amplo acesso ao Poder Judiciário.
Nesse estudo, serão analisadas as contribuições oferecidas pelas atividades do projeto
DHialogue, e consequente resgate da cidadania consciente e responsável para os orientados,
e para os discentes a oportunidade de ter o ensino associado com a prática como auxílio na
formação de futuros operadores do Direito.
O Projeto ora apresentado se propõe a irradiar, tendo como base a função social de
levar aos menos favorecidos um meio de obter, por exemplo, informações sobre noções
básicas de direitos humanos, de família e de trabalho.
A necessidade deste trabalho se justifica na existência de pessoas que aceitam e até
mesmo eternizam violações contra seus direitos e obrigações nos dias atuais, e será para
amenizar esta insipiência que o projeto irá colaborar, levando para os que sofrem de uma
carência informativa latente não só as palavras, mas o resgate de sua cidadania.
Finalmente, a proposta para desenvolver esse projeto justifica-se como caminho
formativo e profissionalizante para estudantes de bacharelado em Direito, uma vez que,
apresenta aspectos da realidade social e jurídica que muitos futuros operadores do Direito
encontrarão ao atuarem na solução de problemas relacionados à defesa dos direitos civis e
sociais das populações mais carente.
No que diz respeito aos procedimentos metodológicos utilizados no estudo em
comento, buscou-se, na elaboração do projeto de Extensão Universitária, uma melhor
compreensão da sociedade em geral, adotando Brym (2010), como referência pela sua
densidade pertinente ao tema abordado, já que este trata das questões referentes às
desigualdades ainda vivenciadas na sociedade atual, visto que o atendimento feito pelos
estudantes no referido projeto é direcionado para a sociedade em geral, porém com foco
específico são as famílias hipossuficientes. À vista disso, a problemática de pesquisa está
pautada no seguinte questionamento: qual a contribuição da orientação jurídica
desenvolvida pelo projeto de extensão universitária na sociedade de Garanhuns – PE?
Portanto, para alcançar os resultados, tem-se como objetivo geral descrever a experiência
da extensão universitária destacando as principais atividades realizadas no projeto em tela,
quais sejam: orientações jurídicas; promoção de mini palestras com temas de cunho social
ligados aos Direitos Humanos, Direito de Família e Trabalho, bem como a exibição de
filmes e documentários de cunho social com a realização de debate através de mesa redonda
para a retirada de dúvidas da comunidade. Tem-se, ainda, como objetivo geral compreender
a importância da extensão universitária na formação do acadêmico enfatizando as vivências
com a realidade social e prática profissional através do atendimento à população. Os
objetivos específicos são demonstrar a importância da extensão universitária ao
proporcionar serviços de orientações jurídicas nas áreas de direitos humanos, família e
direito laboral, bem como avaliar a relevância das atividades realizadas para viabilizar a
relação entre instituição de ensino e sociedade, contribuindo assim para a inclusão social,
através da informação e orientação de direitos básicos. A metodologia adotada para a
feitura deste trabalho restou assente nas pesquisas exploratória (GIL, 2017), por outro lado,
a base técnica está na pesquisa bibliográfica bem como na pesquisa de campo (LAKATOS;
MARCONI, 2017) que se deu através das visitas as unidades de lotação, estas que são as
instituições anteriormente mencionadas, além da análise das aplicações de entrevistas e
questionários realizados com o público alvo ora referido, conforme a pesquisa qualitativa
(MEZZAROBA; MONTEIRO, 2017).
DESENVOLVIMENTO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 7 ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
CASSAR. Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 13ª ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: Método, 2017.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 11 ed., São
Paulo: Saraiva, 2017.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 6 ed., São Paulo: Atlas, 2017.
RESUMO
Trata-se de uma abordagem crítica acerca da evolução dos direitos da mulher nas legislações
civis e constitucionais, se propondo a analisar os impactos, avanços e retrocessos das diversas
normas que surgiram e foram implementadas ao longo das décadas em nosso ordenamento
jurídico, além dos mais diversos movimentos sociais que tiveram por objetivo a mitigação da
discriminação da mulher nos diversos âmbitos da sociedade, bem como a superação do
patriarcalismo nas legislações que regem a vida em da população, de forma a consagrar, de
fato, o Princípio da Igualdade disposto na Constituição Federal, sendo tais desafios o objeto
do nosso estudo. Busca-se, dessa forma, através de ampla pesquisa e análise bibliográfica,
evidenciar e discutir sobre a crescente em que se encontram os direitos femininos e os
inúmeros obstáculos enfrentados para que ocorresse a efetivação desses direitos. Assim, o
presente trabalho se propõe a analisar e refletir sobre o empoderamento da mulher na
sociedade e nas legislações, que por vezes tolheram e mitigaram diversos direitos femininos
em razão de um contexto patriarcalista e conservador, no qual a submissão da mulher era regra
e a superação dessa realidade ocorreu de forma paulatina e desafiadora.
INTRODUÇÃO
222
Grupo de Trabalho: Movimentos Sociais, Educação e Arte.
223
Graduanda em direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Estagiária do Ministério Público de
Pernambuco. Email: [email protected].
224
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Estagiária na Procuradoria Regional
da União 5ª Região. Estagiária no escritório Abreu e Gonçalves Advogados Associados. E-mail:
[email protected]. Rever nota de roda pé.
Movimento Feminista, na busca pela igualdade de gêneros e de direitos e como eles
influenciaram os legisladores na criação e modificação do ordenamento.
A priori, o estudo busca fazer um apanhado histórico não só dos direitos da mulher ao
longo das décadas no Brasil, mas em como a sociedade influenciou na consagração e
derrocada de normas já positivadas nos Códigos e Constituições que foram promulgados ao
longo dos anos, bem como expor a problemática da não concretização da igualdade material
que ainda perdura, mesmo existindo dispositivos que a prescreve.
Além disso, procura-se provocar uma reflexão acerca das lutas e da desigualdade ainda
tão presente nas questões de gênero, demonstrando todo o enfrentamento do patriarcado ao
longo das décadas e a árdua quebra de paradigmas que estigmatizam a mulher e buscam a sua
submissão por meio do ordenamento jurídico e como isso foi sendo superado com o passar
dos anos.
Nos propomos com isso, a buscar através de uma ampla pesquisa e análise
bibliográfica, uma reflexão mais aprofundada acerca das influências e dos reflexos do
patriarcalismo nas legislações brasileiras, em especial os Códigos Civis de 1916 e 2002 e as
Constituições Federais, com relação ao pleno gozo dos direitos e garantias da mulher ao longo
das décadas, com vistas a compreender melhor a evolução de tais direitos.
1 DESENVOLVIMENTO
1.1 Breve análise acerca da evolução dos direitos e empoderamento da mulher durante
os séculos ao redor do mundo
O Projeto do Código de 1916 foi elaborado por Clóvis Bevilácqua e considerado, por
seu criador, um texto de lei que representava grande avanço social. Tânia Biceglia (2003)
enfatiza que, apesar dos dizeres de Bevilácqua, o Código Civil de 1916 surgiu sem maiores
novidades no que diz respeito ao avanço nos direitos femininos, visto que em seu âmago
permanecia com o mesmo viés conservador das legislações que o antecederam.
Tal fato se justifica porque à época da elaboração do Código Civil, a sociedade
brasileira ainda era machista, patriarcalista e altamente preocupada em preservar as riquezas
e as propriedades adquiridas pelo homem. O Autor do Código, de modo a tentar justificar a
permanência de alguns pontos controversos, tais como a incapacidade relativa da mulher
igualada aos índios, pródigos e menores impúberes, afirmava que a incapacidade era
“meramente formal” (MATOS; GITAHY, 2007).
Ademais, é interessante salientar alguns outros artigos elencados no Código de
Beviláqua que explicitavam a discriminação e a subjugação da mulher em relação ao homem.
Dentre os artigos mais controversos estão:
Art. 186: “Discordando eles entre si, prevalecerá a vontade paterna, ou sendo casal
separado, divorciado ou tiver sido o seu casamento anulado, a vontade do cônjuge, com
quem estiverem os filhos.”
Art. 218. “É também anulável o casamento, se houver por parte de um dos nubentes, aos
consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro.”
Art. 219. “Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:
(...)
IV – o defloramento da mulher ignorado pelo marido.”
Art. 242: “A mulher não pode, sem o consentimento do marido:
[...]
VI. Litigar em juízo civil ou comercial, a não ser nos casos indicados nos arts. 248 e 251.
VII. Exercer profissão.
VIII. Contrair obrigações, que possam importar em alheação de bens do casal.
[...]” (grifos nossos)
1.3 Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/62): Um marco nos direitos femininos
1.4 A Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/77) e a revolução dos direitos da mulher no Brasil
Maria Berenice Dias (2016, p. 352) aponta que o casamento na sociedade brasileira do
início do século XX ainda era tido como algo sagrado e intrinsecamente relacionado com a
ideia de família, tanto que gerava um vínculo indissolúvel além de reprimir e negar todos os
relacionamentos que figurassem em uma esfera extramatrimonial.
Pouco a pouco foram surgindo diversos meios para relativizar não só a sacralidade do
casamento, como também a sua indissolubilidade. À época da promulgação do Código Civil
de 1916, vigia o instituto do desquite, por meio do qual o matrimônio era legalmente rompido,
mas não havia a dissolução do vínculo conjugal, tampouco de alguns deveres matrimoniais,
tal como o de assistência mútua e não era possível contrair núpcias novamente, existindo
apenas a cessão dos bens e a separação de corpos, perdurando o vínculo conjugal até a morte
dos cônjuges.
No entanto, entre os anos de 1930 e 1950, alguns parlamentares detentores do Poder
Constituinte já demonstravam certa preocupação e vontade de debater sobre o divórcio que se
tornava, cada vez mais, um anseio da sociedade como um todo. (ALEGRIA; VETORI NETO,
2013).
No entanto, Sérgio Barradas Carneiro (2016) aponta que as propostas dos Autores e
parlamentares divorcistas só ecoaram, de fato, no Congresso Nacional em 1975, com o
Deputado Rubem Dourado, quem primeiro impulsionou o tema naquele ano, propondo a
Emenda Constitucional nº 4/75, que dispunha: “O casamento é indissolúvel, exceto nos casos
de separação dos cônjuges por mais de 5 anos”. Nessa toada, o Deputado Federal baiano
Nelson Carneiro, também apresentou um projeto de Emenda Constitucional nº 5/75, cujo teor
dizia: “o casamento somente pode ser dissolvido após cinco anos de separação legal ou sete
anos de separação de fato, sem que tenha havido a reconciliação do casal”.
Diante desse contexto, importante fazer um adendo e salientar a importância do
Deputado Nelson Carneiro para a implementação do divórcio no Brasil. Isso porque, além de
adotar uma postura divorcista, entendia que o divórcio configurava não só um anseio mas uma
necessidade da sociedade da época, que se via em meio a um país cuja legislação não
acompanhava os avanços sociais (CARNEIRO, 2016).
Em meio a um efervescente contexto social, a Emenda Constitucional proposta por
Nelson Carneiro foi aprovada com apenas um voto de diferença, o que ainda mostra a
resistência e a mentalidade de boa parte da sociedade da época. A aprovação da EC 5/75
representou uma prospecção normativa e criou um campo fértil para maiores avanços no que
diz respeito ao divórcio.
Conforme o movimento divorcista ia ganhando força no país, a Igreja Católica, ao
contrário, ia perdendo cada vez mais a sua influência e o seu controle diante da sociedade e
das leis. Almeida (2010, p.16-17) aponta que a Igreja, que sempre se mostrou contrária ao
divórcio, propagava que tal instituto seria uma “[...] anarquização da estrutura familiar”; [...]
verdadeiro atentado perpetrado contra os fundamentos da família”, no entanto, o movimento
só ganhava mais força.
Aproveitando as sucessivas vitórias divorcistas, Nelson Carneiro propõe a Emenda
Constitucional nº 9/77, que foi posteriormente regulamentada pela Lei 6.515/77, a chamada
Lei do Divórcio. O deputado implementou, com tal emenda, a alteração do texto positivado
no §1º do art. 175 da Constituição Federal de 1967, que passava a dispor acerca da
dissolubilidade do casamento, além da completa extinção do vínculo matrimonial, permitindo,
inclusive, que os ex-cônjuges contraíssem novo matrimônio. (CARNEIRO, 2016)
Destaque-se o fato de que a Lei do Divórcio foi sancionada sem vetos pelo presidente
da época, Ernesto Geisel, e representou “um forte golpe na hierarquia católica que por décadas
conseguiu impedir a aprovação dessa lei” (ALMEIDA, 2010).
O divórcio, como bem coloca Maria Berenice (2016, p.356), está amparado no
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, visto que o Estado não tem legitimidade para
impor a continuidade de relações que os envolvidos não mais desejam. Segundo ela, é “direito
constitucional do ser humano ser feliz e dar fim aquilo que o aflige sem ter que inventar
motivos”.
Fica evidente, portanto, que o divórcio surgiu como uma forma não só de atender aos
anseios de uma sociedade que se via refém da religião, além de possibilitar, principalmente à
mulher, uma nova conquista pela sua liberdade e empoderamento.
É necessário destacar, que entre os Códigos Civis, há um lapso temporal de quase 100
anos. Por isso, é notória a diferença cultural e social existente no tempo de elaboração de cada
um deles. Da mesma maneira, é evidente a necessidade que se existia de um novo Código, ao
qual trouxesse todas as mudanças ocorridas ao longo desse tempo. Segundo Piovesan (2011),
esse referido código veio para romper com o caráter discriminatório que seu antecessor
assumia, pois hierarquizava os gêneros e mitigava os direitos civis das mulheres. O Código
de 2002, veio para ajustar as normas às disposições previstas na Constituição de 1988 e os
dispositivos internacionais que defendiam a igualdade de gênero.
Cabe salientar, que essas mudanças não se limitaram ao conteúdo das normas em si,
mas também se tentou fazer alterações no campo semântico, como ocorreu com a alteração da
palavra “homem” por “pessoa”, com o escopo de realmente estabelecer uma igualdade nas
relações jurídicas. Isso posto, percebe-se o intuito de se conectar à pessoa a personalidade,
dotada de direitos e obrigações (CABRAL, 2008). Nesse ínterim, passou-se a ter igualdade
entre os cônjuges, como já era previsto na Constituição, depois de muita atuação do
movimento feminista, visto que esse era um dos direitos mais necessários, pois no Código de
1916, a mulher era considerada relativamente incapaz para determinados atos.
Dentre outras conquistas, há que se mencionar o expresso no artigo 1.517, que prevê
a mesma idade núbil de 16 anos, tanto para o homem quanto para a mulher, sendo necessária
a autorização dos pais enquanto ainda não forem de maior. Ainda sob esse contexto do
casamento, vale salientar que de acordo com o artigo 1.565, §1º, tanto o homem quanto a
mulher pode acrescentar ao seu o sobrenome do outro, ou se preferirem, podem manter seus
nomes de solteiro, ratificando, dessa forma, o princípio da isonomia previsto
constitucionalmente.
Segundo Cabral (2008), outra mudança relevante foi o da retirada da expressão “pátrio
poder”, que foi substituída por “poder familiar”, haja vista a igualdade na relação conjugal.
Não há mais prevalência do pai sobre a mãe, devendo aos cônjuges, de forma igualitária, a
administração da vida dos filhos de menor. Ademais, no que se refere a prestação de
alimentos, ambos os cônjuges detêm a responsabilidade de tal, no limite de suas possibilidades
financeiras. Diante do exposto, percebe-se que com a elaboração do Código de 2002, tentou-
se deixar as normas do âmbito civil em conformidade com os preceitos constitucionais e com
as mudanças sociais ocorridas, e em parte, obteve êxito, como restou demonstrado.
Contudo, é imprescindível trazer à baila, aspectos nos quais o Código de 2002, não
conseguiu superar. De acordo com Dias (2016), ainda restam traços discriminatórios no
Código, principalmente no que tange à tutela, visto que no artigo 1.736, inciso I, admite que
as mulheres casadas possam se escusar da tutela, portanto discriminação remanescente do
Código de 1916.
Sob a perspectiva da igualdade material, nota-se que ainda resta prejudicada. Ao se
analisar a questão da prestação de alimentos, por exemplo, na maior parte das famílias
brasileiras, quem detêm a guarda dos filhos menores é a mãe, dessa forma, é sempre a
responsável por arcar com os custos dos filhos, ao passo em que tem que cobrar os alimentos
que são de dever do pai pagar. Porém, o prazo prescricional da obrigação alimentar reduziu
para dois anos, evidentemente, em desfavor da mulher (DIAS, 2016). Nesse aspecto, essa
remanescência do código anterior, evidencia a resistência do legislador a se distanciar de todo
esse contexto discriminatório de outrora, restando ainda esses óbices a serem superados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
À luz das legislações ora expostas, percebe-se a evolução dos direitos das mulheres,
principalmente no âmbito Constitucional e Civil, onde supramencionadas fases históricas e
normativas foram de suma importância para o estabelecimento da igualdade formal entre
homens e mulheres.
Nota-se, porém, que resta muito a se evoluir no setor da igualdade material, visto que
ainda se observa discriminações ora citadas, que ainda devem ser superadas. Contudo, com os
movimentos feministas cada vez mais atuantes, não somente em ações nas ruas, bem como
nos espaços de poder, que outrora só eram destinados aos homens, está-se cada vez mais
próximo de mais essa conquista.
Sob esse prisma, fica nítida a evolução dos direitos das mulheres ao longo dos anos,
paralelamente as lutas das mesmas para a obtenção da igualdade de fato, que ainda não foi
concretizada, mas que está a cada norma, a cada lei, a cada mudança social, mais próximo de
se efetivar. Portanto, é a luz dessa evolução histórica e dos movimentos sociais, que as
mulheres estão se fortalecendo e conquistando cada vez mais espaço e voz, para que dessa
forma, o disposto na Carta Magna, possa finalmente vigorar, estabelecendo a igualdade,
formal e material, entre homens e mulheres, não somente em uma folha de papel, mas
propriamente no campo fático.
REFERÊNCIAS
ADICHIE, Chimamanda. Sejamos Todos Feministas. Tradução Cristina Braum. 1. ed. São
Paulo: Cia das Letras, 2015.
CABRAL, Melissa Karina. Manual de direitos da mulher. 1. ed. São Paulo: Mundi Editora
e Distribuidora Ltda - ME, v. 01, 2008.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 11. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, p. 83, 2008.
DELGADO, José Augusto. Estatuto da mulher casada: efeitos da lei 4.121/62. Revista dos
Tribunais, São Paulo, v. 69, n. 539, p. 20-24, 1980.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11. ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2016.
HORTA, Raul Machado. Direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, p. 55, 2003.
LASSALE, Ferdinand. O que é uma Constituição?. Tradução de Walter Stönner. São Paulo:
Edições e Publicações Brasil, 2000.
LÔBO, Paulo. Igualdade Conjugal - Direitos e Deveres. Revista da Faculdade de Direito da
UFPR, v. 31, 1999.
SANTOS, Tânia Maria dos. A Mulher nas Constituições Brasileiras. Porto Alegre: II
Seminário Nacional de Ciência Política: América Latina, 2009.
LINGUA DE SINAIS COMO ATO CONSTITUTIVO DE INCLUSÃO SOCIAL
BRASILEIRA225
RESUMO
Este artigo tem como objetivo demonstrar a questão da inclusão do deficiente auditivo ao
complexo sistema educativo envolta da sociedade brasileira, analisando como é o formato de
seleção de professores capacitados na língua brasileira de sinais (LIBRAS) , que é definida
como a segunda língua oficial no Brasil, é possível aferir que aplicativos como o PRODEAF
contam como uma dos inúmeras políticas públicas realizadas pelo governo ou em
colaborações com discentes dos mais diversos estados. Ao terminar, será mostrado como é
deficiente a preparação escolar do deficiente auditivo, sendo que este é o mais afetado até nas
universidades, devido à lacuna de professores especializados entre o sexo feminino e
masculino o que dificulta em si o aprendizado, forçando o aluno deficiente auditivo, sair da
Universidade temporariamente enquanto a mesma realiza uma nova seleção para professores.
A metodologia de pesquisa utilizada foi a pesquisa documental e bibliográfica, dando ênfase
sobre artigos, livros e sites sobre o respectivo tema. O resultado da pesquisa é que ainda se
encontra deficiente o sistema educativo brasileiro nos mais diversos temas, enquanto o mais
afetado se dá por meio dos deficientes auditivos, que ficam à mercê da formação dos seus
professores e universidades.
INTRODUÇÃO
225
Movimentos Sociais, Educação e Arte
226
Graduanda. Faculdade Paraíso do Ceará. [email protected]. Falta especificar o curso.
227
Graduando. Faculdade Paraíso do Ceará. [email protected].
228
Graduando. Faculdade Paraíso do Ceará. [email protected].
como formação e um mínimo de experiência na área ou na língua.
Assim, o aplicativo PRODEAF surge na tentativa de tornar conhecida na sociedade a
língua brasileira de sinais (LIBRAS), conhecido como um dos aplicativos mais avançados no
assunto, por traduzir textos e mostrar imagens de como reproduzi-los, é importante ressaltar
que o mesmo não se trata de uma política pública do governo, mas de um projeto inicial criado
por discentes da Universidade Federal de Pernambuco. De certa forma, tal aplicativo tornou-
se um grande marco na inclusão do deficiente auditivo, a empresa advinda do sucesso desta
inclusão social digital, levou a criação de uma empresa privada focada no assunto e na
assistência as diferentes deficiências presentes na sociedade.
Tal empresa, conta hoje com apoio de grandes marcas como a Microsoft e o Banco do
Bradesco, além, de igualmente presença do SEBRAE como apoiador mais influente em seu
meio. Ainda que não seja o único aplicativo na tentativa de auxiliar esta questão, os que ainda
estão disponibilizados encontram-se menos organizados e eficientes que este citado, o que o
torna, o mais utilizado por qualquer pessoa para entender LIBRAS ou estudar em meio
acadêmico.
Assim como exemplifica Monteiro (2006, p.296), “O papel dos surdos que viviam no INES –
e que se desenvolviam por meio da comunicação da Língua de Sinais Francesa e da Língua
de Sinais Brasileira antiga - foi importante, pois de lá partiram os líderes Surdos que vêm
divulgando durante muitos anos a Língua de Sinais em todo o país”. A origem do que vêm a
ser língua brasileira de sinais, mostra como a mesma ainda é uma herança de algum povo, que
neste caso seria a Língua de Sinais Francesa (LSF). A origem igual do Instituto Nacional de
Educação de Surdos (INES) fundada em 1857 pelo então professor Ernest Huet, que trouxe
em si o ensino da língua francesa de sinais e criou uma capaz de auxiliar o deficiente auditivo
no Brasil. Em seu início era possível averiguar que o próprio INES passou por uma fase de
escola internato, proibição da língua de sinais na instituição, o que de começo provocou uma
queda no número de professores surdos e um acréscimo exponencial de docentes ouvinte no
meio educacional para deficientes auditivos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mostra Lodi et al. (2009, p. 40) “A questão, então, não é a LIBRAS” e nem a “falta”
do português escrito, mas sim a postura dos profissionais frente a língua e a surdez.”, o que
permanece assente é a capacidade e habilitação do profissional. Assim como atenta para a
realização democrática educacional, Quadros (2003, p. 85), “Dessa forma, a educação deveria
estar calcada em um plano que atenda de fato as diferenças no contexto brasileiro: diferenças
sociais, políticas, linguísticas e culturais.”, a realização desse ideal de educação não está tão
longe de ser alcançado.
É relevante observar as necessidades de cada grupo social sem desvalorizar e
inferiorizar; atuando os alicerces sociais (escola, família, Estado) de forma positiva e
inclusivista. Enfatiza Lodi et al. (2009, p. 61) “ Sendo assim, é crucial lutar por um clima
educacional, linguístico e cultural que proporcione mudanças, autonomia e emancipação e não
apenas uma tolerância da pluralidade de manifestações, em que as manifestações críticas
permanecem enclausuradas com o confinamento de guetos culturais.”, se faz necessária a
mudança nas escola para inclusão do interprete e professores habilitados para atender as
necessidades de seus alunos, como também a mudança na grade curricular desde o ensino
infantil para maior abrangência. E por mais que tenha a existência de leis tornando positivando
a abertura para a língua de sinais, a LIBRAS é pouco utilizada nas escolas públicas e privada.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais -
Libras e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm>. Acesso em: 18 de ago. 2017
BUENO, José Geraldo Silveira. "A educação do deficiente auditivo no Brasil–situação atual
e perspectivas." Em Aberto 13.60 (2008). Disponível em:
<http://www.rbep.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/1915>. Acesso em: 19 de
ago. de 2017.
CASTRO, Alberto Rainha de; CARVALHO, Ilza Silva de. Comunicação por língua
brasileira de sinais: livro básico. 3. ed. – Brasília: Senac/DF, 2009.
DIZEU, Liliane Correia Toscano de Brito; CAPORALI, Sueli Aparecida. A língua de sinais
constituindo o surdo como sujeito. Educ. Soc., Campinas, vol. 26, n. 91, p. 583-597, Maio/ago.
2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v26n91/a14v2691.pdf>. Acesso em: 19 de
ago. de 2017.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos
direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Ed., 2009.
NUANCES DA EDH E A EXTENSÃO NO ENSINO SUPERIOR: a EDH como
transformadora da realidade social229
RESUMO
O presente texto é uma tentativa de elucidar uma temática de grande valor todavia ainda pouco
estudada sobretudo nos cursos de Direito. Apesar dessa realidade o conteúdo integra à
Educação em Direito Humanos, doravante EDH e torna-se pertinente ante a realidade posta.
Destarte, nosso papel através desse artigo é colaborar com a disseminação de conteúdos
análogos, igualmente contribuir no debate que circunda ao tema. Sublinhamos que o trabalho
não se limita em sintetizar elementos teóricos e consolidar conceitos, seu escopo consiste em
analisar a partir de um recorte específico em universidades de Pernambuco, da capital ao
interior do estado, projetos de extensão que desenvolvam práticas cidadãs e que se coadunam
com as diretrizes da EDH. Sob esse alicerce, nos debruçamos estritamente no enfoque de
examinar projetos de extensão que integram as faculdades de Direito do estado. Destarte,
destacaram-se 3 projetos cuja análise integra esse trabalho, são eles: Programa de Adoção
Jurídica de Cidadãos Presos - PAJCP (ASCES-UNITA), Projeto Além das Grades (UFPE) e
Asa Branca Case Fanzine (UNICAP). Vale salientar que todos têm em comuns elementos que
vislumbram a EDH, detêm, intrinsecamente, particularidades que merecem um exame
minucioso, o qual se pretende com este artigo.
INTRODUÇÃO
229
GT 6 – Movimentos Sociais, Educação e Arte.
230
Graduando. ASCES-UNITA. E-mail: [email protected].
231
Graduanda. ASCES-UNITA. E-mail: [email protected].
232
Mestre em Direitos Humanos, UFPE e Bacharel em Direito ASCES-UNITA. E-mail:
[email protected].
têm-se como objetivos específicos a pretensão de relacionar as práticas de cultura de paz e
transformação social vivenciadas por intermédio de projetos extensionistas nos cursos de
Direito, como pivôs de uma educação humanística, alinhada as vertentes da EDH. Foram
utilizados referenciais teóricos, bem como uma vasta revisão de literatura e experiências de
participação em um dos projetos. Assim como a legislação pátria, PNE, PMEDH, além de
autores como Celso Lafer, Vera Maria Candau e Susana Beatriz Sacavino e dentre outros. A
abordagem se fez de maneira qualitativa, a qual possibilita a partir de um aporte teórico
complexo a verificação dos liames entre a educação no nível superior, em sua vertente de
extensão, com a EDH.
A pesquisa se enquadra no estudo bibliográfico e na análise de projetos de extensão
no estado de Pernambuco. No que se refere à coleta de dados, estes são obtidos através de
uma apuração de projetos classificados como extensão, os quais relatam suas aspirações e
condutas no decorrer no projeto. Bem como foi tomada como base boa parte da literatura
pertinente ao tema que confere condições suficientes de identificar as componentes do objeto
de estudo.
A técnica para análise de dados utilizada foi à busca incessante em diagnosticar
projetos que se coadunam com o ideal proposto pela EDH de modo transversal, direta ou
indiretamente. Tudo isto, através de uma análise descritiva da realidade dos projetos e uma
interpretação à luz dos conceitos elencados.
A temática de Direitos Humanos vem sendo ameaçada e discutida, muitas vezes, como
algo negativo, além de sua relevância ser questionada e bombardeada rotineiramente. A nossa
pesquisa se justifica por termos a plena convicção de que a visão acerca dos direitos humanas
expostas para a sociedade em muito são deturpados e se convencionou propagar algo que não
retrata o referido assunto, devido ao contexto em que nos encontramos inseridos.
Como resultado obtido, pudemos vislumbrar que a EDH se encontra no dia a dia. Bem
como, foi observado que está presente nos projetos de extensão usados como referência nesse
trabalho. A missão transformadora e garantidora proporcionada através dessas atividades,
reforçando a possibilidade de mudança na vida dos estudantes e, consequentemente daqueles
que colaboram e trabalham nas ações. Destarte, evidente a importância dos DH, mesmo diante
de um cenário de controvérsias e enfrentamentos, especialmente de cunho ideológico.
Deste modo, sendo o cidadão detentor da prerrogativa de ter direitos, tão importante
se faz a possibilidade de exercê-los e conquistá-los, porquanto para a efetividade e o progresso
em lograr direitos positivados na legislação internacional e nacional, é vital o bom andamento
das políticas públicas de afirmação de direitos humanos, bem como instituições, órgãos,
organizações e etc., que contribuem significativamente para construção de uma cultura de
direitos humanos.
Em suma o escopo de nossa análise paira sobre a prática pedagógica em direitos humanos,
para tanto explicativos são os 6 dos principais princípios norteadores da prática pedagógica
fundada em direito humanos (MAGENDZO, 2006):
Em primeiro está o princípio da integração, o qual traduz que as temáticas assim como
os conteúdos relacionados aos direitos humanos devem integrar os demais conteúdos e
atividades da grade curricular e das ementas de disciplinas.
Já o segundo é o princípio da recorrência, que consiste na atividade dinâmica, variada
e periódica da aprendizagem, pela qual se constrói um aprendizado acerca dos direitos
humanos em razão da prática reiterada de atividades em circunstâncias distintas e diversas.
Enquanto o terceiro na lista é princípio da coerência, que nada mais é que o
entendimento de que o sucesso no processo de aprendizado é acentuado desde que se fomente
um ambiente favorável ao seu desenvolvimento, isto é, a coerência decorre daquilo que se fala
com aquilo que se pratica, sendo, portanto parte imprescindível neste ambiente.
O princípio seguinte é justamente o da vida cotidiana. Que nasce justamente pelo fato
da EDH está totalmente vinculado com a diversidade de situações da vida cotidiana do
indivíduo, ou seja, é primordial que o educador enquanto peça crucial no ensino possa resgatar
ocasiões e causos em que os direitos humanos estão em pauta.
Logo após está o princípio da construção coletiva do conhecimento, esta procura
realçar a importância de que os indivíduos analisem, em grupo, na medida em que recebem as
informações a respeito dos direitos humanos e abandonem a postura singelos receptores
passivos e transformem-se em geradores de conhecimento científico.
Por último, e totalizando os 6 princípios, encontra-se o da apropriação. Ocorre que através do
mesmo, a pessoa se apropria do discurso auferido e a partir de sua vivência de mundo,
interpretações e assimilações acaba por recriá-lo à sua maneira, logo, reinventa o conteúdo
recebido e o manifesta com um discurso próprio, e que passa a orientar suas atuações.
Levando em conta tanto a educação formal ou quanto a não-formal para o
aprimoramento da EDH, nota-se que a peça vital para que as práticas educacionais se efetivem
e perdurem no panorama educacional é que sejam utilizadas a partir de uma perspectiva
dialógica, pela qual a vivência dos direitos humanos incorpore a rotina dos ambientes
universitários de modo que se proporcione não simplesmente o saber pedagógico, mas,
sobretudo, o saber decorrente da experiência.
Adiante faz-se necessário a realização de um breve introito, pelo qual cumpre
conceituar o tema central abordado pelo presente trabalho. No que tange a educação em
direitos humanos, doravante EDH, é adequado expor que há um pormenorização em se
tratando do conceito tido como latu sensu além de algumas distinções e especificidades, a
partir de uma classificação destrinchada por Vera Maria Candau e Susana Beatriz Sacavino
há uma breve disparidade axiomática entre as concepções de educação como direito humano,
educação para os direitos humanos e por último educação em direitos, entendidos cada um, a
priori e por vezes utilizados de modo que houvesse equivalência, bem verdade que nítida é a
correlação existente entre eles.
Entretanto, as diferenças terminológicas vão além de mera expressão, pois a primeira
educação (como direito humano) em linhas gerais é vista em si mesma como um direito
humano, aliás, especificamente um direito fundamental na gama dos direitos sociais
consagrados na CF/88 que é dever do estado oportunizar e dar condições para que todos
tenham acesso à uma formação técnico-científica, democrática e de qualidade, por outra a
educação para os direitos humanos se conecta com a perspectiva da inserção de enunciados e
temáticas inseridas de modo transversal, as quais façam referência e se relacionem aos direitos
humanos no âmbito da educação formal e não formal (CANDAU e SACAVINO, 2013) ponto
e vírgula.
Destarte, no âmago do trabalho o tema a ser elucidado é polissêmico e um tanto quanto
complexo, à vista disso à Educação em retirar itálico Direitos Humanos que tanto se demonstra
uma alternativa viável e importante para educação, quanto evidencia-se uma dificuldade em
delinear características e conceitos a fim de sintetizar uma única definição, em vista disso, nos
parece salutar que adotemos o conceito disposto na 1ª fase do Programa Mundial de Educação
em Direitos Humanos (PMEDH) que retrata EDH como: “O conjunto de atividades de
capacitação e de difusão de informação, orientadas para criar uma cultura universal na esfera
dos direitos humanos, mediante a transmissão de conhecimentos, o ensino de técnicas e a
formação de atitudes.” (BRASIL, 2006, p.06)
Haja vista definição se mostra verossímil, pois fora referendada por variados
estudiosos e autores engajados na disseminação da EDH mundo afora, portanto tomando-o
como base formulamos ao nosso ver que a EDH traduz-se por um compilado de metodologias
educacionais voltadas a transmitir conhecimentos pluridimensionais que foram
historicamente imbricados, bem como a assimilação de saberes que se desenvolvam a luz da
ética a fim de incutir valores precursores dos direitos humanos, como também realizar práticas
cidadãs, que se articulem no que tange a promoção, proteção e defesa dos direitos humanos.
2. EXTENSÃO E EDH
Ademais cumpre esclarecer que como bem sabido a educação universitária se ramifica
e ao ser destrinchada acaba por ser desenvolvida a partir da tríade indissociável (Ensino,
Pesquisa e Extensão), a qual compõe e fortalece a consolidação do ensino brasileiro em
qualquer IES (Instituição de Ensino Superior). Nesse ínterim dispõe o PNE (Plano Nacional
de Educação) ipsis litteris: “A manutenção das atividades típicas das universidades - ensino,
pesquisa e extensão - que constituem o suporte necessário para o desenvolvimento científico,
tecnológico e cultural do País…” (BRASIL, 2000, p. 37).
Sendo assim, focalizando nossa análise sob o prisma da extensão universitária,
evidente a importância da extensão como um dos pilares que integra o processo de
aprendizagem e formação do indivíduo no ensino superior. Além disso, projetos de extensão
conseguem articular uma relação prático-teórica fundamental para a formação do profissional,
em especial no operador do direito que ao concluir o curso não deve limitar-se a um simples
bacharel em direito, mas sim em um agente que tenha tido uma formação que lhe confira
capacidade crítica e dialógica ao atuar no contexto social.
Não obstante, é substancial que as universidades prestem a devida responsabilidade
em gerir, aprimorar e ampliar projetos já existente, bem como criar novos projetos, inclusive
sempre que possível, com associação com órgãos, instituições e entidades que fomentem o
desenvolvimento do estudante como cidadão e futuro profissional do direito.
Tais projetos abarcam uma vasta seara que se estende por inúmeras vertentes das
ciências jurídicas. Portanto, a extensão universitária também é responsável por proporcionar
uma interdisciplinaridade que é contemporaneamente vem se apresentando como um método
eficaz e revolucionário no que se refere à didática educacional.
Há também de se esclarecer que iniciativas assim têm o condão de propiciar um
enriquecimento tantos aos participantes e colaboradores, e principalmente quanto aos
alcançados e beneficiados pelos projetos desenvolvido.
Em vista disso, resta evidenciado que projeto que priorizem a extensão, são por
definição o alicerce para a boa formação do estudante, a ponte entre a teoria da classe a prática
na realidade, como também e acima de tudo uma prestação de trabalho voltado ao atendimento
da sociedade, o que denota uma característica de cunho humanitário.
Desse modo resta claro que a pretensão na realidade é estabelecimento de uma relação
entre a Universidade e diversos outros setores da sociedade civil, com vistas a uma atuação
transformadora, voltada para os interesses e necessidades da maioria da população.
Face ao exposto, diante do aporte teórico trazido, damos início a uma breve análise
acerca de elementos que integram a EDH e que manifestam-se em projetos concebidos nos
âmbitos das IES’s, exclusivamente no que tange ao curso de direito. Passamos a uma
apreciação de alguns projetos de faculdades que ofertam o curso de direito e que em alguma
medida se encaixam e utilizam-se de ferramentas difundidas através da EDH para
potencializar a pauta de direitos humanos, cidadania e cultura de paz.
Em virtude disso, torna-se relevante citar alguns dos projetos de extensão que dentro da
perspectiva de educação em direitos humanos se coadunam com preceitos, práticas e atributos
essenciais para acepção de EDH.
Algumas das amostras conhecidas e que oportunamente serão apresentadas, descritas
e relacionadas com a EDH, são os projetos denominados: Programa de Adoção Jurídica de
Cidadãos Presos – PAJCP (ASCES-UNITA), Além das Grades (UFPE) e Asa Branca Case
Fanzine (UNICAP).
O projeto nasceu na UFPE, surgiu a partir de anseio por mudar a realidade por parte
dos juristas em formação, e endossado pela universidade vem se mostrando uma ótima vitrine
prática penal em projetos extensionistas na faculdade de direito em Pernambuco, bem verdade
que tem em certa medida muitas semelhanças com o Adoção Jurídica de Cidadãos Presos da
ASCES-UNITA. Foi formatado com o propósito de fornecer assistência jurídica no âmbito de
apenados que carecem de oportunidade de custear sua própria defesa ante ao poder judiciário.
Indo além, também são ofertadas orientações e auxílio para jovens que cumprem medidas
socioeducativas e egressos do sistema.
O projeto é pautado, portanto, na proteção e ampliação da defesa dos desvalidos de
condições e que em função disso ficam à mercê dos desarranjos da persecução penal, bem
como numa infinita maioria das vezes contar apenas com uma precária tutela prestada pela
defensoria. Isto posto, é valoroso o trabalho realizado pelo grupo.
Ainda sobre o serviço ofertado à massa carcerária, o próprio grupo se atribui o múnus
de proporcionar o acesso à informação e justiça que assim consegue mitigar todos os efeitos
danosos causados pelo Estado Hobbesiano que funciona como ultima ratio é impiedoso e
233
10 anos do PAJCP, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=b47LLq5phk8>
234
15 anos do PAJCP, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=u5OE-4IjDzw>
contundente.
Basicamente as atuações do Além das Grades relativas ao cárcere se destrincha,
conforme o que consta no website235 desenvolvido pelos organizadores, em: 1ºAssessoria
jurídica e social voluntária na Penitenciária Feminina de Abreu e Lima (PFAL),
quinzenalmente; 2º Cineclube no Centro de Atendimento Socioeducativo (CASE) Santa
Luzia, quinzenalmente; 3º Roda de diálogo na Casa de Semiliberdade (CASEM) Harmonia,
semanalmente; 4º Parceria com o Projeto de Adoção Jurídica de Cidadãos Presos da
Associação Caruaruense de Ensino Superior e Técnico (Asces-Unita) para realização de
assessoria jurídica voluntária, semanalmente.
Além do mais, no que abrange o papel da educação, o projeto se propõe a
isonomicamente aproximar o cidadão apenado com o extensionista-estudante, para que este
diante da realidade que o cerca esteja propenso a quebrar os estigmas que flutuam na opinião
pública e mediante um diálogo ponderado e aprofundado, obtido através de seu traquejo e
aprendizado, possa depurar discursos “prontos”, distorções narrativas e hostilidade sob o
tema.
Outras medidas correlacionadas desenvolvidas hodiernamente pelo grupo são a
promoção de palestras em outras faculdades de direito da cidade e captação de entrevistas com
cidadãos nas ruas a fim de obter material para produção de um material audiovisual sobre a
legalização da maconha.
Desta maneira, o participante do grupo acaba por sair da “zona de conforto” e se torna
um sujeito ativo ao se dispor a enfrentar uma realidade difícil e ainda que de forma lenta vai
galgando uma mudança no sistema penitenciário rígido e defasado que vigora atualmente no
Brasil.
Logo, tendo em vista o enorme e abrangente contato com componentes de direitos
humanos, mediante o aprendizado angariado por meio do projeto os extensionista, sim,
incorrem em práticas de cultura de paz e EDH.
O presente projeto se originou com uma união de forças e vontades, além dos alunos
da graduação e pós-graduação contou com o apoio e a parceria de voluntários da Comunidade
Católica Lúmen e do Projeto Vincular (Comunidade dos Viventes), cooperação esta que a
235
Projeto de Extensão Além das Grades, disponível em: <http://alemdasgrades.org/nossos-projetos/>
muito deve por se tratarem de instituições de matriz católica e todos os componentes
partilharem de certa forma da mesma visão de mundos, valores e princípios fraternos inerente
a praxe cristã.
Adiante o projeto, nascido desde agosto de 2015, se norteia em busca de uma análise
prática sobre o poder punitivo do Estado sob o cidadão, o âmbito de sua atuação no exercício
desse direito sob o recorte das adolescentes, do sexo feminino, que encontram-se internadas
no Centro de Atendimento Socioeducativo – CASE Santa Luzia cumprindo medidas
socioeducativas.
A atuação, porém, diverge em método, âmbito, indivíduos envolvidos e abordagem,
contudo apesar das divergências no final das contas todos buscam um fim pacificador e de
amparo às pessoas que estão situadas em situações assim.
Pois bem, esclarecendo o recurso primordial aproveitado pelo projeto em questão, é preciso
que antes de tudo se explique o nome designado ao projeto. Fanzine consiste em uma revista
de caráter amador elaborada por fan’s (fãs) e entusiastas que de modo singelo exprimem
através de desenhos, pinturas e fotos temáticas diversas, no caso em questão a pauta é
“Direitos Humanos”.
Na realidade ocorre que as garotas adolescentes que fazem parte da elaboração da
Fanzine, são estimuladas a desenvolver ou revelar seu condão artístico. Para tanto a partir de
recorte e colagem há um incentivo à leitura e interpretação de textos literários, além de após
a confecção de todas as “fanzines” todas são postas a exposição236 e à venda, cuja renda
auferida é convertida integralmente em benefício das próprias adolescentes que produziram
as obras.
Dito isto, pode-se vislumbrar uma enorme gama de elementos que dizem respeito a
EDH pois ao trazer humanidade às adolescentes se realiza um trabalho social importante e
que torna o aluno de direito um operador do direito que está apto a fomentar hábitos
pacificadores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
236
Exposição de Fanzines, disponível em: <http://www.unicap.br/assecom1/exposicao-de-fanzines-
elaborados-por-internas-da-funase-acontece-na-13a-semana-de-integracao/>
jurídicas, tal discurso corrobora com as lições do jurista Eduardo Bittar:
A educação que se quer, bem como o ensino jurídico de que se carece, deve
sensibilizar, tocar, atrair, fomentar, descortinar horizontes, estimular o pensamento.
É desta criatividade que se nutre a autonomia. Por isso, os educadores podem
encontrar à sua disposição instrumentos para agir na berlinda de suas atuais e
desafiadas práticas pedagógicas (BRASIL, 2007, p. 324).
De tal modo que práticas pedagógicas que dialogam com práticas de EDH possam
galgar cada vez mais espaço na educação de modo geral, em especial nos ensino superior
evidentemente no curso de direito, sendo que conforme elucidado, a partir da prática
extensionista se identifica um mecanismo importantíssimo no desenvolvimento de um ensino
jurídico plural, formador de estudantes críticos que servirão de instrumentos transformadores
da sociedade que integram.
Aliás tal pretensão se justifica levando em consideração que na dinâmica mundial e
mercadológica vivenciada atualmente a primazia pela formação de profissionais tecnicistas
gera e forma singelos operários do direito, estes -via de regra- não desenvolveram um senso
crítico capaz de perceber a realidade ao seu redor.
À vista disso alusiva é uma bela frase do escritor Peter Senge237 que diz “A arte de ver
a Floresta e as Árvores” , ou seja, justamente por não dominar e não deter uma leitura
abrangente da realidade é que se explica termos jurista limitados e que em muitos casos está
centrado e estagnado de tal modo em aspectos específicos e focados em determinadas
especialidades que não consegue reparar o panorama em que está inserido.
Malgrado o cenário atual, nos parece arrazoada que as práticas extensionistas
dinamizadas a partir de uma percepção da EDH, possuem a capacidade de conferir ao
estudante um aporte teórico atrelado a uma experiência capaz de permitir ao jurista que está
porvir, um pensamento crítico e capacidade de assimilação de fatores externos sui generis.
Aliás é uma característica particular da EDH a defesa assídua de que o estudante que
se vê incluso em suas práticas se torne cidadão crítico e ativo na sociedade e que desenvolva
uma consciência no tocante às suas responsabilidades como cidadão. Não deixando de lado
seu papel como agente comprometido com o respeito ao ser humano.
Assim sendo, é evidente que educar mediante um processo humanizado, crítico,
revolucionário denota alterar as condutas e as visões de mundo, não através do
constrangimento e imposição de valores fixados, mas sim através de diálogo,
237
Engenheiro e PhD em gestão pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts)
questionamentos todos pautados no viés democráticos e permitam a experiência dia após dia
de tais direitos.
Portanto crucial se torna a providência de tais medidas para o aprimoramento da
educação superior nos cursos de direitos, haja vista que os projetos apresentados, vêm se
demonstrando belos exemplares de aprendizagem prático-teórica, capaz de retirar o indivíduo
de mero receptor de informações e dados e o colocar em uma situação atuante a qual viabiliza
um pragmatismo que fomenta experiências que o acompanharão por toda sua vida e com
certeza farão a diferença em sua atuação qualquer que seja o âmbito do exercício de sua
atividade jurídica ou social, apresentando um olhar mais humanista e voltado para a garantia
dos direitos individuais e das responsabilidades necessárias no exercício da profissão.
REFERÊNCIAS
Rodrigo Jordão239
RESUMO
INTRODUÇÃO
Não basta a aplicação pura da norma jurídica para que se alcance o ideal de Justiça.
No entanto, não cabe a interpretação da referida norma legal sem que se reflita sobre as
concepções jurídicas e reflexos sociais e políticos das decisões judiciais, além da necessária
aplicação visando a segurança jurídica e o bem-estar social.
A sociedade não nasceu para norma jurídica, mas a norma foi necessária para regular
as condutas sociais, logo, não se concebe a ideia de direito e aplicação da lei sem o claro
entendimento do desenvolvimento social e suas mutações constantes, algo que o direito e os
órgãos de controle devem acompanhar plenamente.
Inserido em um contexto temporal, temos em 1969 a Convenção Americana dos
Direitos Humanos, vulgarmente conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, do qual o
Brasil é signatário, e assim, tal norma ingressou em nosso ordenamento jurídico com o caráter
238
GT 7 – Ciências Criminais, Cárcere e Drogas.
239
Pós-graduando em Direito penal e Processo penal pela ESA-PE; Bacharel em Direito pela Unifavip/Devry.
[email protected]
de emenda constitucional, gozando de prevalência ante as demais normas, federais, estaduais
ou municipais. Na década de 80, mais precisamente em 1988 tivemos a promulgação da
Constituição da República Federativa do Brasil. Um texto de lei, com caráter supralegal, no
entanto, não atrelado apenas à normatividade pura, mas atento ao instituto social como um ser
dinâmico, às necessidades de seguridade social, saúde, educação, moradia. Ainda, a carta
constitucional de 1988, através do Poder originário, descreve as formalidades para a atividade
legislativa, a organização administrativa do Estado, suas funções executivas, a organização
Judiciária, no entanto a estrutura norma supralegal como já referido, não se limitou às
determinações legislativas, administrativas, legais e procedimentais, mas estabeleceu um
horizonte social dentro de um Estado democrático de direito, no qual toda a estrutura do Poder
Público deve ser empenhada em proporcionar a efetiva garantia dos Direitos Fundamentais, a
dignidade da pessoa humana, os direitos sociais, e tantos outros inscritos na Constituição.
Dentro os apontamentos e ordens constitucionais, encontramos determinações e
cláusulas que são petrificadas, às quais não permitem modificações, supressões nem
limitações, devendo o Estado e a sociedade civil organizada promover a funcionalidade e
aplicação de tais princípios, dentre eles, a regra da presunção de inocência, pela qual ninguém
será considerado culpado sem que exista uma sentença penal condenatória transitada em
julgado, restando claro que não se admite a formação antecipada da culpa, sendo norma que
obsta o encarceramento como forma de aplicação de prisão pena sem a culpa formada em
definitivo. Ainda, têm-se a questão do devido processo legal, o que não impede de na seara
penal ser denominado de devido processo penal, pelo qual, aquele sobre quem se está
imputando uma prática delitiva, deve ter assegurado além da garantia da inocência, o direito
ao juiz natural, a celeridade processual, a ampla defesa e o direito ao contraditório, regras
estas que norteiam o Estado democrático de Direito e devem ser balizas intransponíveis ao jus
puniendi exercido pelo Estado juiz.
Em regra, o direito de punir exercido pelo Estado, e aqui enfocado, encontra-se
dentro da política criminal, mais especificamente nos códigos criminais, genericamente no
Código Penal, Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal. No entanto, o direito penal
não deve ser meio para exacerbação do poderio estatal, ou ainda a vitrina de exposição das
formas de punir encontradas pelo Estado, deve sim, ser antes de tudo, um modo de limitar o
jus puniendi estatal, estabelecendo taxativamente o rol de condutas típicas consideradas como
delitos, as formas de apuração, processamento, condenação e ainda as modalidades de
cumprimento da pena, que deve observar imprescindivelmente as regras constitucionais, sob
o risco de exercer um direito punitivo arbitrário.
Ademais, a Carta constitucional traz um aspecto interessante, qual seja a ausência de
necessidade de interpretação de algumas normas nela apontadas, principalmente ao tratar
sobre as referidas cláusulas pétreas, a presunção de inocência é exemplo importante. Ao dizer
que ninguém será culpado sem o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, tal
assentamento não comporta interpretações considerando a simplicidade e singularidade do seu
texto. No entanto, para aqueles que entendem acerca da necessidade de interpretação de tal
norma, registra-se que sendo ela garantidora da presunção da inocência, sua interpretação deve
ser realizada em favor do acusado, nunca em seu prejuízo, o que torna na situação fática, no
empirismo, uma real inversão de valores, limitando e suprimindo a ordem jurídica maior,
fazendo surgir um Estado de exceção no qual a inocência não goze de presunção, mas
demonstra-se partir de um pressuposto de culpabilidade, o que se apresenta ilegal uma
intervenção do poder punitivo estatal e um movimento inadequado do direito penal, reduzindo
a garantia constitucional.
Por anos os Tribunais Superiores entenderam por assegurar a garantia ao princípio
da presunção de inocência, contudo, em tempos remotos iniciou-se um movimento de
alteração do entendimento, sobretudo no STF, o qual passou a entender que não há lesão ao
princípio da presunção de inocência, a determinação para o início de cumprimento de prisão
pena logo após o acórdão, decisão de segunda instância, mesmo que exista ainda recursos
legais cabíveis, inexistindo ainda trânsito em julgado e formação de culpa definitiva em
desfavor do acusado, o que culmina com estigmas sobre a pessoa, recaindo sobre ela a
rotulação de culpado mesmo em contrário ao texto constitucional, apresentando assim uma
anomalia jurídica e social, fruto de tentativas de interpretações desnecessárias do texto
constitucional aliada à uma técnica jurídica ineficiente.
Neste contexto temos que, a noção de devido processo penal, a qual abarca a
necessidade de celeridade processual e impulso do processo penal em tempo razoável fica à
mingua. Deste modo, o Estado juiz ao perceber sua ineficácia em oferecer a tutela jurisdicional
em tempo hábil, inclusive visando a possiblidade dos recursos cabíveis, legais, desde que não
meramente protelatórios. E mais, percebendo a possibilidade de prescrição do direito de punir,
pelo tempo que se leva para se alcançar uma sentença irrecorrível, frente à latente cobrança
social pela efetividade da Justiça, desemboca em uma interpretação desnecessária e limitadora
de princípios constitucionais, para fazer cumprir o papel de aplicador da pena, punindo
“exemplarmente” o acusado, tornando-o em condenado, para assim aparentar que se está
construindo a solidez da justiça, quando na verdade, desfaz-se claramente os objetivos
primordiais, quais sejam, possibilitar o andamento e conclusão processual em tempo razoável
para que se mitigue a possiblidade de prescrição, lançando sobre o incriminado a marca da
condenação na tentativa de criar uma imagem social límpida do Poder Judiciário,
obscurecendo a realidade e intentando se desfazer do seu ônus constitucional e legal, punindo
de modo antecipado aquele sobre o qual ainda não recaiu a culpa formada.
Ressalta-se que até o ano de 2016, o STF enquanto última instância do Poder
Judiciário entendia pela necessidade do esgotamento de todos os recursos cabíveis para que
se iniciasse o cumprimento da pena, em respeito ao postulado da presunção de inocência. Tal
entendimento do ano de 2016 adveio do julgamento de um Habeas Corpus, HC nº 126.292, o
qual negou a ordem impetrada pela defesa, por sete votos favoráveis ao início do cumprimento
da pena após decisão de segundo grau, contra quatro votos desfavoráveis. Em 2009 o assunto
havia sido discutido pelo plenário do STF, por meio do julgamento do HC nº 84.078, pelo
qual ficou decidido por maioria que era necessário o esgotamento de todos os recursos
possíveis para que houvesse o início do cumprimento da pena.
Dentro de um lapso temporal curto, o STF enquanto guardião da Constituição alterou
bruscamente o seu entendimento acerca de um tema que ao mesmo tempo carece de cuidados,
mas que é límpido pela cristalização contida na constituição. Fica explicada e clara a mudança
de entendimento do STF apenas pela ótica da ausência de celeridade e razoabilidade temporal
das decisões judiciais, as quais prejudicam não apenas o ordenamento jurídico, mas a condição
do acusado.
A argumentação de que perante todos os recursos possíveis que podem ser aplicados
ao caso concreto, podendo levar à prescrição e impossibilidade de aplicação da punição pelo
Estado, é manifestamente ilegítima e ilegal, tendo em vista que o ordenamento jurídico pátrio
permite a oposição dos recursos, os quais são direitos pessoais do acusado para que se defenda
da acusação formulada, apresentando assim a sanha punitiva do Estado, o qual não
conformado com a sua incapacidade de gerir o trâmite processual adequado, transfere para o
réu a culpa por sua ineficácia, preferindo encarcerar e punir ao invés de promover mecanismos
e agilização processual para garantir que se alcance uma tutela final dentro do tempo
adequado, o que seria idealmente almejado. Contudo, prevendo apenas a possiblidade de
prescrição, a qual serve para orientar e agilizar o procedimento judicial, mitiga direitos e
garantias fundamentais como forma de resposta às demandas judiciais e sociais.
Por fim, forma-se factualmente um Estado de exceção, tendo em vista que para a
supressão de direitos e garantias fundamentais como a presunção de inocência, a celeridade
processual e a razoável duração do processo justifica-se apenas que diante de tantos recursos,
o réu pode chegar a não cumprir a pena pela ocorrência da prescrição, exemplificando o STF
que em quase nenhum país avançado se faz necessário o trânsito em julgado para início do
cumprimento da pena. No entanto, o Judiciário e o Estado em sua totalidade não devem se
ater às tendências exteriores em desfavor da dignidade da pessoa humana, mas perceber a
realidade social vigente e latente no Brasil para então adequar a aplicação da lei, garantindo
efetividade às decisões judiciais, respeitando-se soberanamente as regras e princípios
constitucionais.
Ora, frente tal norteamento do qual o Brasil ratifica o pacto por ser signatário,
desprende-se o claro entendimento de que enquanto não for comprovada a culpa, toda pessoa
acusada tem o direito de que seja presumida a sua inocência. Assim, se a pessoa até
definitivamente comprovada a culpa goza da presunção de inocência, sobre ela, sem que haja
necessidades extremas como nos casos de imposições de medidas cautelares, notadamente a
prisão, previstas no Código de processo penal brasileiro em seu art. 312, não pode ser tolhida
de seus direitos individuais básicos, a liberdade, o direito de ir e vir. Deste modo, agindo o
Estado através do Poder Judiciário e tolhendo desnecessariamente a liberdade da pessoa,
torna-se agente afrontador da própria constituição federal e de lei supralegal, A convenção
americana de direitos humanos, a qual ingressou no ordenamento jurídico pátrio e se sobrepõe
às leis federais, entre as quais encontramos o código penal e o código de processo penal.
Ora, neste cabedal de ideias apontamos o nobre ensinamento o jurista brasileiro,
Eugênio Pacelli:
"Assim entendidos, ao fixar o art. 60, §4º, inciso IV, os direitos e garantias
individuais como cláusulas pétreas, deverão estes ser interpretados não apenas como
aqueles enumerados no art. 5º, mas, igualmente, todos os constantes do Título II da
Constituição Federal”.
É extensa a doutrina acerca das cláusulas pétreas, como vistas, não apenas as inclusas
no art. 5º da Constituição Federal de 1988, mas pelo afunilamento do presente artigo, a
presunção de inocência está inclusa no citado art. 5º da Magna Carta, se perfazendo em
cláusula pétrea, direito individual que assiste a qualquer pessoa mesmo que respondendo a
processo administrativo ou criminal. Para rematar a questão, apresentamos mais uma vez o
entendimento do atual ministro do STF, Gilmar Mendes (2000):
"Aí reside o grande desafio da jurisdição constitucional: não permitir a eliminação
do núcleo essencial da Constituição, mediante decisão ou gradual processo de
erosão, nem ensejar que uma interpretação ortodoxa acabe por colocar a ruptura
como alternativa à impossibilidade de um desenvolvimento constitucional
legítimo."
No mesmo Habeas Corpus, ao proferir o seu voto, o Ministro Luís Roberto Barroso,
assenta claro que a duração razoável do processo ante a possibilidade de diversos recursos
pode inviabilizar o exercício punitivo conferido ao Estado, deixando a jurisdição penal sem a
devida confiança ante a sociedade, e incentivando o cometimento do ilícito diante da
possiblidade de impunidade, vide (BRASIL, 2016, p. 21):
36. É intuitivo que, quando um crime é cometido e seu autor é condenado em todas
as instâncias, mas não é punido ou é punido décadas depois, tanto o condenado
quanto a sociedade perdem a necessária confiança na jurisdição penal. O acusado
passa a crer que não há reprovação de sua conduta, o que frustra a função de
prevenção especial do Direito Penal. Já a sociedade interpreta a situação de duas
maneiras: (i) de um lado, os que pensam em cometer algum crime não têm estímulos
para não fazê-lo, já que entendem que há grandes chances de o ato manter-se impune
– frustrando-se a função de prevenção geral do direito penal; (ii) de outro, os que
não pensam em cometer crimes tornam-se incrédulos quanto à capacidade do Estado
de proteger os bens jurídicos fundamentais tutelados por este ramo do direito.
Deste modo, fica claro que a decisão recente, fundamental para firmar o entendimento
do STF em entender pela possibilidade do início do cumprimento de pena logo após a
condenação em segundo grau, tem por decisão orientadora o julgado no já citado HC, que teve
ordem denegada por maioria, no entanto, a minoria vencida demonstrou claramente sua
irresignação coma mitigação do princípio constitucional da presunção de inocência,
apontando-a como uma conquista humana, histórica e de resistência ao poder punitivo do
Estado.
Portanto, os direitos talhados em pedras, sendo cláusulas pétreas, firmes, imutáveis,
começaram a decair perante decisões do Poder Judiciário que iniciou de fato a realização de
função atípica, pois que além de ser o guardião da constituição federal como admite o art. 102
da Carta Magna, passou a dar-lhes interpretação contrária ao seu próprio texto, construindo
uma espécie de normatividade, fruto do ativismo judicial.
Assim, a decisão expressa no Habeas Corpus nº 126292, julgado em 2016 pelo STF
aponta um óbvio motivo para firmar entendimento na possiblidade de início ao cumprimento
de pena logo após a condenação em segundo grau, qual seja, impedir a prescrição da pretensão
punitiva por parte do Estado. Logo, resta claro que o Estado deve promover a celeridade
processual, dar andamento e proferir a tutela que lhe compete em tempo hábil, no entanto por
não conseguir realizar tal feito dentro de um lapso temporal adequado, o que conduz alguns
processos à prescrição, para qual o autor não encontrou uma base firme de dados para indicar
quantos processos teriam necessariamente sido afetados pela prescrição nos últimos anos.
Mas, ao tentar solucionar a questão para harmonizar ou resolver a situação da morosidade
processual do Poder Judiciário, o STF tem resolvido por mitigar conquistas cidadãs históricas
como o princípio da presunção de inocência em nome de uma resposta social que considera
adequada.
Mais recente, o STF no julgamento do Habeas Corpus de nº: 152752, impetrado pela
defesa do ex presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, situação que faremos apenas
o recorte teórico do referido HC, sem adentrar em toda a conjuntura do julgamento do ex
presidente da República, por ser achaque que requer estudos a parte e para não apontar viés
ideológico ou político, por se tratar o presente estudo apenas das questões inerentes à
mitigação do princípio da presunção de inocência. Contudo, o retalho aqui apontado visa
apenas pontuar questões importantes ao tema central do presente artigo, o que vemos em
trecho da fala do relator do citado Habeas Corpus, o Ministro Edson Fachin (BRASIL, 2018):
E não é por acaso que nós, ao longo desses anos todos, se tivermos como marco
temporal 2009, temos discutido essa questão com frequência, porque não se
encontra uma fórmula adequada para a justeza da devida solução. Sempre temos
debatido.
Portanto, não estamos diante de uma regra que se resolve na fórmula de tudo ou
nada, mas de um princípio passível de conformação, sendo natural à presunção de
não culpabilidade evoluir-se de acordo com o estágio do procedimento. Desde que
não se atinja o núcleo fundamental, o tratamento progressivamente mais gravoso
seria aceitável.
Ainda que a condenação não tenha transitado em julgado, as instâncias soberanas
para análise dos fatos já se teriam pronunciado pela culpabilidade. Com efeito, após
o julgamento da apelação, esgotam-se as vias ordinárias. Subsequentemente,
caberiam apenas recursos extraordinários.
Claro que não nos referimos apenas à esfera de um subpoder, mas do Poder
Constitucional, que via de regra, emana do povo, e consequentemente através do Poder
Judiciário, se presta a conceder a tutela jurisdicional para as lides e situações que lhe são
apresentadas. Mas visível que o poder referido na citação, assumido e transvestido na forma
do Estado Juiz, tem atingido a realidade concreta dos indivíduos, minorando suas garantias
constitucionais, afetando o cotidiano social.
Não podemos, contudo, sustentar um argumento, sem admitir que as decisões recentes
do Poder Judiciário brasileiro, que nitidamente mitigaram a presunção de inocência da pessoa
humana, afetando a sua dignidade, fundamento da República Federativa do Brasil previsto no
art. 1º, inciso III da Constituição Federal, é formado, além de considerarmos um arbítrio, é
formatada por um saber técnico, por uma construção alicerçada em uma técnica jurídica para
que se dê à ela determinada legitimidade, mesmo que tal seja contestável e repugnante. Neste
sentido assevera Foucault (2004, p.186):
O citado acima reforça a argumentação até aqui conduzida, apontando que as decisões
do Supremo Tribunal Federal brasileiro, não é apenas uma mera ofensa a um mandamento
obrigatório, mas rompe o todo o sistema de comandos, sendo grave violação do princípio
apontado, apresentando premente inconstitucionalidade, configurando ainda um modo de
perversão dos valores fundamentais, abatendo as vigas que sustentam o ordenamento jurídico
pátrio.
Neste sentido, não há como esperar ou criar qualquer expectativa acerca das decisões
vindouras do Poder Judiciário brasileiro, pois que, ao afrontar um princípio constitucional,
violar seu mandamento maior em prol de uma “resposta social”, e em favor próprio, para
impedir a prescrição punitiva em alguns processos, age de modo a criar não apenas no povo,
mas na comunidade jurídica, uma completa incerteza e descrédito no sistema Jurídico e
Judiciário. Ainda sobre a presunção de inocência, Lopes Júnior (2012, p.239) traz arguto
entendimento:
[...] a presunção de inocência, enquanto princípio reitor do processo penal, deve ser
maximizada em todas suas nuances, mas especialmente no que se refere à carga da
prova (regula dele judicio) e às regras de tratamento do imputado (limites à
publicidade abusiva [estigmatizarão do imputado] e à limitação do (ab)uso das
prisões cautelares).
Por mais que nos pareça tempos de barbárie estatal, o que chega a ser uma
verdade, o home deve posicionar-se no sentido de resistência pela histórica luta e pelas
conquistas arduamente elencadas no tempo, mesmo que em face do próprio poder estatal,
arguindo frente a este sobre o exercício do Poder, que de fato emana do povo, e para ele e em
favor dele deve ser exercido. Parece esperançoso para um simplório trabalho científico
fazermos este corte e pensarmos que mesmo em meio ás sombras produzidas pelas ações do
Estado Juiz, que elucubram a sensatez e envolvem o povo, há de existir possiblidades para
uma mudança de rumos, para que o Estado tenha por prioridade não a sua eficácia em
produtividade, não apenas a sua eficiência burocrática, mas o exercício de suas
responsabilidades junto ao povo, ainda mais para com aqueles que padecem de necessidades
como educação, saneamento básico, saúde, segurança, e demais serviços essenciais,
sobretudo, que este Estado Juiz possa assegurar a aplicabilidade das garantias fundamentais e
colocar literalmente em um pedestal decisório o princípio da presunção de inocência, o que
não lhe impede de processar e julgar os casos que são colocados para sua apreciação, mas traz
equilíbrio e celeridade processual aos atos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Alcançar um desfecho ao assunto proposto é algo até certo ponto, utópico, trazendo
consigo o sentido literal do termo empregado, ou seja, aquele não lugar; a inexistência real,
mas mesmo que imaginária, ainda hipotética, possível.
Possível, pois que apresentada através da Constituição da República Federativa do
Brasil, promulgada em 1988, lei maior do Estado brasileiro, a presunção de inocência
encontra-se dentro do rol de direitos e garantias fundamentais, sendo cláusula pétrea,
endurecida, rígida em nosso ordenamento jurídico, sendo inclusive objeto excluído da
possiblidade de emenda constitucional.
Assim, a irresignação do presente trabalho se volta em face de recentes decisões dos
Tribunais Superiores, especialmente do Supremo Tribunal Federal que tem o dever de velar e
guardar a Constituição Federal, que através do Habeas Corpus analisado no desenvolvimento
do trabalho, tratou de mitigar a presunção de inocência, demonstrando o exercício dos
mecanismos de poder para salvaguardar o funcionamento da máquina estatal, visando impedir
que o Estado seja obstado a exercer o jus puniendi, pela morosidade no alcance de uma
sentença penal condenatória com trânsito em julgado, ofendendo diretamente a ordem
constitucional, abalando suas vigas sustentadoras e desconsiderando conquistas históricas do
povo, que foram ganhas em lutas diárias, duras, árduas até que tivéssemos uma Carta política,
jurídica e social, cidadã, que se prestou e continua a viger no sentido de garantir
primordialmente a segurança jurídica e a proteção da pessoa humana, resguardando sua
dignidade e seus direitos fundamentais, entre os quais, o princípio da presunção de inocência,
ou seja, que ninguém seja considerado culpado até trânsito em julgado de sentença penal
condenatória.
Mesmo que alguns defendam que a decisão permissiva para o início do
cumprimento provisório da pena não se constitua em formação antecipada de culpa, a própria
decisão, seu teor, sua nomenclatura e suas intenções deixam claro que a intencionalidade é de
realmente infligir uma pena aquele que ainda deveria ter em seu favor a presunção de
inocência. Deste modo, o Judiciário brasileiro está a admitir que para quem ainda não possui
uma condenação final, seja tratado como se culpado fosse. Parece algo virtual, mas afeta
diretamente a vida do indivíduo que após uma decisão de segundo grau deve iniciar o
cumprimento de pena, inclusive com expedição de uma guia de recolhimento à penitenciária.
Portanto, frente à problemática apresentada, temos conclusão um ideal, ao qual não
creditamos possiblidade de realização a curto prazo dado o prognóstico e a morosidade
burocrática estatal, que seria, a modificação de entendimento por parte dos julgadores, o que
se fará apenas pela reflexão, valoração dos princípios constitucionais e ainda, por mudanças
na ideologia dominante, a qual acreditamos que se houver possiblidade, só acontecerá em
tempo futuro e indeterminado.
E ainda, enquanto conclusão, deixamos uma interrogação, pois que perante as
decisões do STF, no momento não há como se propor algo que seja diferente do apresentado
no parágrafo anterior. Assim, diante da decisão de início do cumprimento provisório da pena,
que ao nosso ver, afronta o princípio constitucional da presunção de inocência, qual a
viabilidade ou credibilidade no sistema estatal vigente, seja ele, jurídico, político ou social?
Esta é uma pergunta que necessita não apenas de uma resposta ideológica, mas de ações para
modificação da atual estrutura do Estado, para a alteração nas decisões do Poder Judiciário,
que cotidianamente afetam as classes que estão na base da pirâmide social, e que sofrem novas
máculas para além dos estigmas que já carregam sobre seus ombros.
REFERÊNCIAS
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2017.
_______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 126292, Relator: Min. TEORI
ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100
DIVULG 16-05-2016 PUBLIC 17-05-2016), Brasília – DF.
_______. Supremo Tribunal Federal. Penal. Habeas Corpus nº. 80.719. Impetrante: Antônio
Cláudio Mariz de Oliveira e Outros. Paciente: Antônio Marcos Pimenta Neves. Coator:
Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Celso de Mello. Diário de Justiça [da]
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 28 de setembro de 2001.
_______. Supremo Tribunal Federal. Penal. Habeas Corpus nº. 152.752. Impetrante: Cristiano
Zanin Martins e outros. Paciente: Luiz Inácio Lula da Silva. Coator: Vice-presidente do
Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Edson Fachin. Diário de Justiça [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 04 de abril de 2018.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão - Teoria do Garantismo Penal. 3. Ed. Revista dos
Tribunais, 2004.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 23. ed. São Paulo: Graal, 2004.
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2002,
p. 383.
O ENCARCERAMENTO DOS INVISÍVEIS: um olhar sobre a atuação do sistema de
justiça criminal em relação à população em situação de rua240
RESUMO
O movimento natural nas grandes cidades tem sido o de desviar o olhar para as pessoas em
situação de rua, incorporando-as compulsoriamente à paisagem. O presente trabalho quer
propor o contrário: olhar e enxergar como esses indivíduos estão sendo tratados pelo sistema
de justiça criminal, notadamente no espectro das prisões preventivas, e como esse tratamento
repercute na manutenção das vulnerabilidades. A partir de pesquisa no sítio eletrônico do
Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, vislumbrou-se a necessidade de se debater a
manutenção de preventivas sob o argumento de ser o acusado “morador de rua”. Num contexto
de aprofundamento das desigualdades sociais, amparou-se a pesquisa no paradigma da
Criminologia Crítica, na medida em que se buscou olhar para além do discurso eminentemente
jurídico, indo ao encontro do que demonstra a experiência do estar nas ruas. A contenção da
pobreza e dos indesejáveis, cuja face aqui se expressa nas pessoas em situação de rua, é senão
a única, a mais intensa finalidade do sistema criminal. Como isso é feito, por qual motivo e
por quem foi o que se buscou responder.
Palavras-chave: Prisão. Morador de rua. Seletividade. Criminologia.
INTRODUÇÃO
O direito à moradia é, de longe, uma das questões mais sensíveis da realidade social
brasileira. Estar privado de uma residência fixa não é um problema que se encerra em si
mesmo, pelo contrário, o status de pessoa em situação de rua carrega consigo uma série de
outras sonegações.
Conforme estabelece o Decreto Federal nº 7.953/09, considera-se população em
situação de rua:
240
GT 7 – Ciências Criminais, Cárcere e Drogas.
241
Advogada, graduada em Direito na Universidade Federal de Pernambuco. [email protected].
Assim como em todos os estratos e níveis sociais, a criminalidade também é um
elemento presente na sociabilidade das pessoas em situação de rua. No caso destas, no entanto,
a ausência dessa moradia fixa, atrelada aos já conhecidos mecanismos de seletividade penal,
atua enquanto argumento quase automático para o recolhimento cautelar.
O manejo das medidas cautelares não pode, portanto, estar apartada da realidade a que
está submetida a população em situação de rua sob pena de aprofundar as rupturas sociais
por ela já experimentadas. O problema da presente pesquisa gira, justamente, no entorno desse
universo de marginalização extrema e criminalização seletiva. A inaptidão do direito penal
para transpor conflitos sociais se torna mais evidente quando uma, ou ambas as partes,
envolvidas encontram-se submetidas a um alto grau de vulnerabilidade.
Diante do exposto, o presente trabalho visa a analisar a postura do Judiciário em
relação à cautelaridade em processos cujos réus estejam enquadrados no conceito de
população em situação de rua. Debruçando-se sobre tal análise, buscar-se-á a existência (ou
não) de padrões argumentativos a partir do quais possam ser tecidos comentários lastreados
pela Criminologia Crítica. O objetivo dessa pesquisa é não somente trazer à baila determinada
realidade da prática judiciária, mas dar visibilidade a um contingente de pessoas cuja
existência, quase sempre, passa despercebida. Isso parte da concepção de que o “ser
pesquisador” precisa, invariavelmente, estar atrelado às demandas sociais, sendo a partir dessa
premissa que o presente trabalho foi estruturado.
A questão da ilegitimidade do sistema de justiça criminal tem movido os estudos da
Criminologia Crítica nos últimos anos, notadamente na América Latina. No entanto, a
realidade atual tem demandado e motivado estudos mais específicos como o da imersão do
direito penal na socialização das pessoas em situação de rua. Não apenas porque o clima atual
é de aprofundamento das desigualdades sociais, mas também porque as vivências das pessoas
em situação de rua não parecem ser debatidas suficientemente ao ponto de os mecanismos de
Estado e de Justiça estarem verdadeiramente preparados para lidar com elas. Como se entende
que é apenas a partir da discussão que os instrumentos jurídicos podem ser modificados,
propõem-se um olhar sobre o tema. Justifica-se, portanto, o olhar conferido ao presente
trabalho.
Para isso, busca-se um estudo eminentemente prático que se debruça sobre o “mundo
real” e, somente a partir dele, traz a contraposição com o “mundo jurídico”. Nada que se pense
neste pode desconsiderar o que ocorre naquele. Ademais, o olhar para o real permite que sejam
trazidas todas as idiossincrasias das pessoas que o compõem: desde os aplicadores do Direito
às pessoas em situação de rua em conflito com a Lei e seus familiares. É uma aproximação
indispensável ao que se deseja com esse trabalho.
O lado positivo de se optar por uma metodologia hipotético-dedutiva, observacional e
qualitativa, é a possibilidade de trazer ao ambiente acadêmico assuntos que não fazem parte
(infelizmente) da academia. Esse é, portanto, o porquê da presente pesquisa, versar sobre o
que é pouco falado, ultrapassando os limites da legalidade/ilegalidade e buscando algo que há
muito fora perdido na prática jurídica: a empatia.
Antes de se debruçar sobre a problemática das prisões cautelares, é preciso haver breve
discussão acerca de quem são as pessoas que compõem o conceito de população em situação
de rua. Inegável que a inserção de grupo heterogêneo de indivíduos dentro de um conceito tão
estreito pode trazer entraves quando se vislumbram os múltiplos aspectos de personalidades,
vivências e histórias. Mas a utilização desse conceito tem o condão de chamar a atenção para
elementos compartilhados da realidade dessas pessoas.
Ao contrário do que pode supor o senso comum, as pessoas não estão em situação de
rua apenas por falta de habitação. O que a experiência demonstra é que a fragilização dos
vínculos familiares e sociais atrelada à precariedade das condições de emprego (quando este
há) e à falta de acesso aos serviços básicos de saúde compõem o cenário de saída às ruas. A
pobreza extrema, no entanto, é a tônica desse estrato social.
Quando em situação de rua, esses já frágeis aspectos são potencializados. Além da
perda dos documentos (episódio que se repete por tantas vezes), essas pessoas acabam
supondo haver perdido também elementos da dignidade. Os centros urbanos, por mais
movimentados que sejam, cuidam de naturalizar a existência dessas pessoas na rua,
invisibilizando suas necessidades. A grandeza de uma capital, de rotinas frenéticas e olhares
desatentos, acaba por engolir essas vivências delicadas. As roupas muitas vezes encardidas
das pessoas em situação de rua passam a confundir-se com os prédios e construções.
A situação de extrema vulnerabilidade do estar na rua é produzida não só pelo cenário
242
Colocou-se o termo entre aspas porque, apesar de ser verdade que a população em situação de rua e sua
demanda não são enxergadas e consideradas pela sociedade, o sistema de justiça criminal não apenas as enxerga
como as seleciona como clientela preferencial. A seletividade não combina com invisibilidade, mas com eleição
prioritária. É o paradoxo da vulnerabilidade.
de violência que assola as grandes cidades do país, mas também, e principalmente, pela falta
de aparato estatal. Nesse sentido, leciona Ana Paula Motta Costa (2005):
243
É impróprio dizer “morador de rua” porque a rua não é capaz de ser moradia para ninguém. Diz-se pessoa em
situação de rua, porque aponta para a condição de vulnerabilidade a que está submetida.
244
São eles: HC 330641-6, HC 351294-7, HC 416126-4, HC 468804-6, HC 470802-3, HC 024059-6, HC
0497423-6, HC 477476-1, HC 377558-6.
além de não comprovadas, não elidem a custódia cautelar quando presentes os
requisitos da medida extrema. Aplicação da Súmula 86 do TJPE. IV - Ordem
denegada. Decisão unânime. (HC 330641-6, TJPE, 3ª Câmara Criminal, Relator
Desembargador Cláudio Jean Nogueira Virgínio, DJ: 20/05/2014). Grifos nossos.
245
A despeito da afirmação, não são desconsideradas as hipóteses existentes de pessoas que, efetivamente, não
mantém relação de fixação no território. O que se indica, por hora, é uma tendência quase natural do ser em
sociedade, cuja conformação contemporânea demonstra essa tendência às relações de continuidade.
246
Segundo a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais.
247
Art. 282 (...) §6º A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra
medida cautelar (art. 319).
que torna temerária a sua soltura” (Habeas Corpus 351294-7, TJPE, 4ª Câmara Criminal,
Relator Desembargador Gustavo Augusto Rodrigues de Lima, DJ: 13/01/2015).
Passa-se, agora, à leitura da ementa do Habeas Corpus 468804-6, impetrado em favor
do paciente José Cabral de Lima:
A dor e a morte que nossos sistemas penais semeiam estão tão perdidas que o
discurso jurídico-penal não pode ocultar seu desbaratamento valendo-se de seu
antiquado arsenal de racionalizações reiterativas: achamo-nos, em verdade, frente a
um discurso que se desarma ao mais leve toque da realidade.
A busca por soluções parece ser o fim de todas as pesquisas. Mas, a despeito de se
entender que não existem respostas prontas, conformadas e findas, tem o presente trabalho a
intenção de viabilizar discussões acerca de caminhos possíveis. Diante da indiscutível
conclusão de que é violento e ilegal aprisionar pessoas porque a elas foi negado o direito a
moradia, tenta-se encontrar formas propositivas de mudança no Judiciário.
Ainda que o debate do abolicionismo penal seja a mais evidente forma de garantia dos
direitos, é preciso dar alguns passos para trás e discutir a viabilidade de aplicação dos institutos
consolidados do Processo Penal. É dizer, mesmo perfilhado à ideia de que o sistema de justiça
criminal já nasce falido pela sua perversão (ZAFFARONI, 1927), o presente trabalho almejou
discutir providências pragmáticas e contemporâneas.
O problema do assombroso número de prisões preventivas se dá para além das pessoas
em situação de rua. É uma prática do judiciário brasileiro “prender antes, discutir depois”.
Mas especialmente em relação ao argumento de que a ausência de moradia fixa é um óbice à
persecução penal, aponta-se à necessidade de maior integração do Judiciário com os
equipamentos e serviços estatais (notadamente os municipais) com o fim de promover a
retirada da população em situação de rua do cárcere. Compreender como se fixam no território
e como alcançam os serviços públicos é uma forma de se integrar.
O manejo das cautelares alternativas, a atenção à sociabilidade e à escuta das demandas
do acusado sem moradia fixa são o primeiro passo para a diminuição dessas prisões. Não se
podem desconsiderar as idiossincrasias de quem sobrevive nas ruas, mas pode-se desenvolver
estratégias para evitar ao máximo a privação da liberdade.
Um Judiciário rígido e que enxerga apenas a letra fria da lei desconecta-se da realidade
em que está inserido, o que causa patentes arbitrariedades como as ora discutidas. A
emancipação desse modelo proporciona a imersão nos diversos tipos de indivíduos
processados. A um só tempo, essa nova postura pode evitar procedimentos desnecessários e
tratar com mais empatia os que encontram respaldo legal.
Apontar as falhas do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco não foi um
exercício sem propósito. Pelo contrário: se buscou demonstrar como o Judiciário está inserido
num sistema profundamente comprometido, enfatizando a necessidade de se conferir olhar
mais atento para a população em situação de rua. Essa atenção não pode ser a panóptica, que
busca o “bom candidato ao cárcere”. Mas a visão da atenção primeira, humanizada e que se
responsabiliza também pela condição de marginalização das pessoas em situação de rua.
Do que se encontrou, conclui-se a certeza de que um Direito que olha e entende quem
são essas pessoas é instrumento poderoso pra solução de um conflito: o da indiferença.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro:
Revan, 2007. p. 32-33.
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 18ª ed. rev. e ampl. a atual. de
acordo com as Leis nº 12.830, 12.850 e 12.878, todas de 2013. São Paulo: Atlas, 2014.
______. A penalidade neoliberal em ação: uma resposta aos meus críticos. Revista
eletrônica da Faculdade de Direito, v. 5, n.2. Porto Alegre, jul-dez, 2013.
MULHERES “MULAS”, VÍTIMAS DO TRÁFICO, DA LEI E DA SOCIEDADE248
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar a presença do machismo patriarcal no sistema
carcerário brasileiro. Buscando compreender a situação das mulheres “mulas”, que trabalham
para o tráfico transportando drogas, dentro do próprio corpo. É feita a análise das
representações e identidades de gênero tradicionais, presentes na sociedade em geral, que são
articuladas e reproduzidas nas práticas do tráfico de drogas. No âmbito sociológico, foi dado
enfoque na participação feminina na criminalidade, demonstrando de que forma a entrada, a
permanência e a saída das mulheres no tráfico de drogas podem ser compreendidas à luz de
questões de gênero, que determinam os lugares ocupados por homens e mulheres. Por isso,
temos como base da discussão a identificação de qual é o papel da mulher no tráfico de drogas.
No âmbito jurídico, buscamos apresentar as condições do aprisionamento feminino atual e
tratar das políticas de enfrentamento às drogas, apontando as respostas estatais que agravam
os problemas de gênero.
1. INTRODUÇÃO
248
GT7- Ciências Criminais, Cárcere e Drogas
249
Graduanda em Direito pela Universidade de Pernambuco – UPE Email: [email protected]
250
Graduanda em Direito pela Universidade de Pernambuco – UPE Email: [email protected]
Dessa forma, o objeto de estudo consiste nas mulheres “mulas”. Será abordado
também temas como as motivações para o crime e o grau de vulnerabilidade do perfil da
mulher presidiária no Brasil. Ademais, examinou-se a política de drogas, tendo como objetivo
compreender a estrutura de divisão do trabalho, constatando que o mercado das drogas
reproduz o machismo patriarcal. A pesquisa descritivo-explicativa utilizou uma abordagem
quali-quantitativa, com o método dedutivo em uma análise bibliográfica.
A escolha do tema se deu pelo interesse de aprofundar uma temática que se entende
como de grande relevância para o estudo de mulheres que estão presas. Curiosidade em
compreender os aspectos de vulnerabilidade feminina neste espaço, no qual o preconceito é
aumentado devido ao grande volume de preconceitos sociais. Neste seguimento, a integração
da mulher “mula” como traficante de drogas precisa ser pensada a partir do contexto social
em que se desenvolveram, e acima de tudo acerca da política de drogas repressiva.
Para o contexto acadêmico, o presente trabalho parte de um estudo com pouca
visibilidade em pleno século XXI, onde ainda vemos frequentemente mulheres serem
violentadas devido a nossa estrutura social ser extremamente conservadora. De forma que,
para o âmbito social, este trabalho traz uma história da realidade em que vivem as mulheres
vítimas da estrutura social que traça padrões machistas, sexistas e arcaicos, devido à violência
de gênero presente em nossas vidas.
Por fim, na esfera pessoal, a inquietação partiu da curiosidade em analisar como as
mulheres mulas do tráfico de drogas são tratadas em meio às precárias condições do Sistema
Carcerário Brasileiro, na falta de condições básicas para sua subsistência, preconceito
fortemente ligado a questões de gênero.
2. DESENVOLVIMENTO
O perfil da mulher presidiária no Brasil é o da mulher com filho, sem estudo formal
ou com pouco estudo na escola elementar, pertencente à camada financeiramente
hipossuficiente e que, na época do crime, encontrava-se desempregada ou subempregada. Em
geral, as mulheres criminosas são negras ou pardas.
Em razão de uma imagem estereotipada da mulher, vista como dócil e incapaz de
cometer crimes, por muito tempo associou-se a ela a prática de delitos passionais ou daqueles
chamados crimes contra a maternidade (aborto e infanticídio).
Hoje, as estatísticas demonstram que, majoritariamente, as mulheres estão sendo
encarceradas pelo cometimento de crimes contra o patrimônio e de crimes ligados ao tráfico
de drogas. Conforme dados do DEPEN mais de 60% da população carcerária feminina
encontra-se presa em razão de tráfico nacional de drogas (DEPEN, 2010).
Outro dado interessante do estudo e que se vincula ao presente tema: a maior parte
dos presos é constituída de usuários ou pequenos traficantes que fazem o transporte da droga
e, uma vez presos, são rapidamente substituídos por outros.
251
251
Disponível em: http://www.almapreta.com/editorias/realidade/prisioneiras-quem-sao-as-mulheres-
que-vivem-atras-das-grades-no-brasil
Justiça. No ano 2000, havia 5.601 mulheres cumprindo medidas de privação de liberdade. Em
2016, o número saltou para 44.721. Apenas em dois anos, entre dezembro de 2014 e dezembro
de 2016, houve aumento de 19,6%, subindo de 37.380 para 44.721 (DEPEN).
As estruturas internas dos estabelecimentos penais e as normas de convivência no
cárcere quase nunca estão adaptados às necessidades da mulher, já que são sempre desenhadas
sob a perspectiva do público masculino. Dessa forma, as presidiárias precisam lidar também
com a escassez de recursos. Em algumas prisões, as detentas recebem um ‘kit’ básico de
higiene que ,muitas vezes, não dura o mês todo. No entanto, há situações degradantes em que
o miolo do pão velho é utilizado como absorvente. Como também o descaso em relação à
saúde, com a falta de médicos gerais e especializados como ginecologistas.
Nana Queiroz, autora do livro “Presos que menstruam”, relata que para as presas a
separação delas dos seus filhos após os seis meses de amamentação é a questão mais delicada
em comparação às demais. Estima-se que 85% das mulheres encarceradas são mães. Muitas
chegam a dar à luz na cadeia. A lei permite que os “filhos do cárcere” vivam com a mãe,
enquanto são amamentados, mas ativistas têm sugerido que as mães de bebês de até um ano
deveriam ficar em prisão domiciliar durante a amamentação, tendo em vista que a cadeia não
é de forma alguma um ambiente saudável para um recém-nascido.
Uma das reflexões que o livro enseja é sobre a discrepância das visitas íntimas, em
relação aos presídios masculinos. Nos femininos, muitas vezes as visitas são dificultadas, pois
suas consequências podem ser mais dispendiosas ao Estado, ou seja, engravidando na prisão
o “problema” seria maior para o governo do que fora do cárcere. Podemos citar também a
diferença da quantidade de visitas recebidas por elas, de familiares ou não que acaba por ser
bem menor com relação às masculinas.
Outra problemática para as mulheres é a reabilitação. “Quando um homem é preso,
comumente sua família continua em casa, aguardando seu regresso. Quando uma mulher é
presa, a história corriqueira é: ela perde o marido e a casa, os filhos são distribuídos entre
familiares e abrigos. Enquanto o homem volta para um mundo que já o espera, ela sai e tem
que reconstruir seu mundo.
252
Desde as últimas décadas as mulheres vêm galgando mais espaço nas relações sociais
e autonomia com relação a seus companheiros. Contudo, em muitos casos, ainda recai sobre
a competência delas as tarefas domésticas e de cuidado com os filhos. Dessa maneira, a
situação de vulnerabilidade é um fator que contribui para o envolvimento das mulheres com
o tráfico de drogas e sua submissão a atividade de risco, como a das mulheres “mulas”.
O tráfico de drogas mesmo atrelado aos altos riscos pode proporcionar a mulher uma
maior vantagem financeira, mais consistente que no mercado de trabalho formal. Diante disso,
o ingresso da mulher no tráfico pode ocorrer por conta das poucas opções que possui para
conseguir uma certa estabilidade financeira. Nesse contexto, é evidente a relação entre o
narcotráfico e a violência de gênero, de modo que a figura da “mula” não ocupa posições de
alto comando.
Há, para isso, a necessidade de avaliação de alguns critérios visando apontar a
vulnerabilidade no caso concreto, considerando a situação pessoal, geográfica e circunstancial
252
Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias.
da vítima. Identificando a existência de condição de vulnerabilidade permite conhecer o
potencial da vítima, significando que, nesses casos, ela não acredita existir alternativa real à
vontade do abusador.
Outrossim, é importante incluir excludentes de culpabilidade no Código Penal ou na
legislação de drogas como um critério que toma como base a realidade de coerção e
manipulação pela qual passam as mulheres em suas trajetórias de deslocamento em busca de
melhores oportunidades.
O caso das mulas é que elas, por si, não possuem a intenção comercial, já que em
muitos casos não sabem qual é o destino da droga, a quantidade que está sendo levada, muito
menos a sua origem. Quem tem o real desígnio de vender são os verdadeiros traficantes, que
realmente desfrutarão dos lucros, então, é quem de fato age com dolo.
Em virtude disso, o Supremo Tribunal Federal se posicionou favoravelmente a atuação
das “mulas” como não necessariamente integrantes da organização criminosa, sendo
puramente transportadoras. Todavia, é indispensável ir mais adiante que tal entendimento
considerando não somente que a mula não constitui a estrutura do tráfico, mas também faz-se
necessária a reflexão se é lógico classificar a mula como traficante de drogas e aplicar a mesma
pena.
Destarte, leis que diferenciam com critérios justos a mula, levando em consideração
que esta não desempenha funções de comando no tráfico, é uma das medidas essenciais para
reestruturar o sistema carcerário e atenuar o encarceramento em massa. Outrossim, excluir a
definição da mulher “mula” como traficante, significa avançar no combate a opressões
suportadas pela mulher, implementando o viés de gênero na elaboração de políticas públicas.
É visível que a grande parte das mulheres estão presas como produto direto ou indireto
de um preconceito multifacetado e da supressão de suas necessidades básicas. Determinar
medidas alternativas de comutação de pena, um regime mais benéfico para o seu
cumprimento, e a diminuição da pena são atitudes para tornar o sistema penal brasileiro menos
seletivo e desigual.
Reparar atentamente na perpetuação do sistema patriarcal de dominação que viveram
e continuam vivendo as mulheres “mulas”, é refletir sobre leis descriminalizadoras. As
mulheres que praticam o delito nesta condição resultam das relações de poder, da exclusão
social e da pobreza. Por isso, deve-se inserir uma perspectiva de gênero que tenha em vista o
fato da mulher estar em colocação expressa de vulnerabilidade e fragilidade econômica.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nota-se que inexistem perspectivas quanto a uma política antidrogas por parte do
Estado, no tocante ao tratamento vivenciado por mulheres quando presas, tendo em vista a
busca e necessidade pela discussão de uma política de gênero que responda às necessidades
femininas no cárcere.
No que se refere ao modelo carcerário vivenciado atualmente em todo o Estado,
observa-se o quanto o lugar da mulher, vem, cada vez mais, sendo esquecido, principalmente
quando se fala em um sistema educativo e ressocializador.
Devido ao tratamento desigual em relação aos gêneros, feminino e masculino, existe
uma necessidade em criar ou modificar medidas político-sociais para tratar de questões que
envolva mulheres e drogas nas Penitenciárias.
Nesse sentido, ocorre uma grande falha do Estado, com a falta de centros próprios e
adequados para atender às necessidades das mulheres; a falta de atenção aos problemas de
saúde física ou psíquica das detentas, e, até mesmo, sobre as filhas e filhos destas, que, na
grande maioria das vezes, ficam abandonados por não terem uma base familiar.
Não existindo, ainda, oportunidades educativas, de saúde básica ou medidas que
possam trazer oportunidades para o reingresso na sociedade, sem que possam enfrentar toda
a vergonha e constrangimento para com a sociedade e até mesmo seus familiares e maridos.
O envolvimento com o mundo do tráfico, por parte das “mulas”, pode ser considerado
uma experiência traumática, gerando consequências físicas, psicológicas e emocionais que
dificilmente serão amenizadas apenas com o tempo, dependendo, muitas vezes de apoio
profissional de psicólogos(as) e/ou terapeutas. A inserção no mundo do tráfico, o que tange
as mulheres mulas gera várias repercussões para o âmbito social, causando a estas,
sentimentos de grave angústia, desespero e medo.
Para a sociedade o Estado está cumprindo seu papel ao retirar das ruas uma mulher
que cometeu crime, porém, há de se ressaltar a necessidade de uma resposta à sociedade, no
sentido de demonstrar se, de fato, essas mulheres retiradas da sociedade, recebem do Estado
a efetivação do que previu o legislador.
É preciso dialogar com as vivências de mulheres presas, considerando a posição que
elas ocupam, para pensar o enfrentamento desse cenário, a partir da Lei 11.343/2006.
A pesquisa retrata o quanto se faz necessária a implementação de uma nova política
de drogas que pense particularmente no(a) usuário(a) e no traficante, de modo que seja dada
prioridade a saúde do sujeito, assim como a responsabilidade condizente com a conduta
praticada, e, consequentemente, um acompanhamento processual mais célere, e, portanto, uma
melhor organização no sistema carcerário.
REFERÊNCIAS
ANGARITA, Torres. (2007). Drogas y Criminalidad Femenina en Ecuador: El Amor
Como un Factor Explicativo en la Experiencia de Las Mulas. Facultad Latinoamericana
De Ciencias Sociales. Programa De Maestria En Ciencias Sociales. Mención Estudios De
Género Y Desarrollo.
DEL PRIORE, Mary. Histórias e conversas de mulher. São Paulo: Planeta do Brasil, 2013.
DIÓGENES, Jôsie Jalles. Tráfico ilícito de drogas praticado por mulheres no momento
do ingresso em Estabelecimentos prisionais: uma análise das reclusas do Instituto Penal
Feminino. Desembargadora Auri Moura Costa – ipfdamc. Brasília: Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária/MJ de 2007.
SOARES, Bárbara, ILGENFRITZ, Iara. Prisioneiras: vida e violência atrás das grades. Rio
de Janeiro: Garamond. 2002
AS DIMENSIONALIDADES PENAIS DO GÊNERO E DO TRÁFICO DE DROGAS:
notas introdutórias253
RESUMO
No presente estudo será abordado a criminalidade feminina com ênfase no tráfico de drogas.
Analisaremos as relações de poder que envolvem as mulheres que chegam ao tráfico de
drogas, uma vez que os estudos sobre esse tema são escassos e limitados, então, foi utilizado
como método de pesquisa o de caráter bibliográfico-exploratório tendo uma abordagem
qualitativa e quantitativa. Pode-se observar através de dados estatísticos que a criminalidade
feminina vem aumentando, além disso a participação de mulheres nos crimes de tráfico de
drogas é mais frequente. Para tanto precisamos encarar a perspectiva de gênero como um dos
eixos que constrói as relações sociais de todos os âmbitos. Por ser um elemento constitutivo
das relações sociais, o gênero, é de início e ultrapassado modo percebido através do sexo
biológico e ligado às significâncias das relações de poder. No todo as relações sociais são de
suma importância, recortando para as relações familiares que são estruturantes, percebemos
nas atividades organizacionais e na tomada de papéis para representantes que há um déficit na
realização de atividades e dos papéis pré-estabelecidos que determinam a tomada de
decisões dessas mulheres.
1 INTRODUÇÃO
253
GT 7 - Ciências Criminais, Cárcere e Drogas.
254
Graduanda em Direito – Centro Universitário do Vale do Ipojuca – UNIFAVIP. E-mail:
[email protected]
255
Mestrando em Direito - Universidade Católica de Pernambuco (2017). Especialista em Direito Penal e
Processo Penal - Universidade Candido Mendes (2017). Pós Graduando em Direito Constitucional -
Universidade Candido Mendes (2017).Graduado em Direito pelo Centro Universitário do Vale do Ipojuca -
DeVryUNIFAVIP (2016). Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Joaquim Nabuco - Campus
Recife. Coordenador do Grupo Tejucapapo de Criminologia (UNINABUCO). Coordenador do Observatório de
Gênero e Violência Doméstica (UNINABUCO). Advogado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil Seção
de Pernambuco. Pesquisador do Grupo Asa Branca Criminologia (UNICAP/CNPq). Pesquisador do Grupo de
Estudos e Pesquisas Transdisciplinares sobre Meio Ambiente, Diversidade e Sociedade (UPE/CNPq).
Extensionista do DHiálogos: Ciclo de Debates sobre Sociedade e Direitos Humanos.
A ascensão feminina, que veio principalmente com ‘libertação’ feminina, com a
entrada da mulher no mercado de trabalho, que por sua vez impulsionou a desconstrução das
famílias de caráter patriarcal, trouxe o interesse pelo o que a mulher é capaz de oferecer e a
autonomia de decidir o seu próprio destino.
A presença das mulheres no mundo do crime também aumentou, e decorrente disso,
começaram a enfrentar um sistema punitivo pensado exclusivamente por e para homens,
assim como todos os outros âmbitos sociais. Desse modo, precisamos lançar um olhar que
propõe identificar as relações de poderes estruturantes a partir das diferenças biológicas para
assim, quebrar as correntes que prendem e lançam um estigma nessas mulheres, mas também
não deixar de atentar para as peculiaridades e necessidades existenciais/corporais que são do
sexo feminino.
Nesse sentido, será feito uma análise histórico-evolutiva do sistema punitivo, bem
como da legislação (escassa) direcionada para o tratamento das peculiaridades decorrentes do
gênero. Contudo, antes de abordar criminalidade-mulher, deve ser indagado e problematizado
o preconceito que é instaurado e advém como resultado de uma cultura machista e sexista de
subordinação, apreciada pela própria sociedade que por sua vez finge acreditar no sistema
punitivo como solução das anomalias sociais e na (res)socialização do sujeito.
O procedimento metodológico utilizado foi o dedutivo, através da pesquisa
bibliográfica-exploratória tendo uma abordagem qualitativa e quantitativa em obras e dados
correlatos ao tema. Nessa situação, atentando à dignidade da pessoa humana e as
particularidades do ser mulher, analisaremos o sistema prisional, as relações
afetivas/familiares, a mulher e o tráfico de drogas.
Para tanto, faz-se necessário também examinar o direito penal e processual
penal para enfim existir a eficácia das diretrizes constitucionais de proteção às mulheres, por
isso há uma urgência de políticas públicas direcionadas à mulher encarcerada e o investimento
do Estado em estruturas penitenciárias que acolham o recorte do gênero, além do mais deve-
se ter uma preocupação quanto as ações que são responsáveis por (re)educar esse público e
(re)inseri-lo na sociedade, ou seja, deve-se atentar a todos os momentos do cárcere e do pós-
cárcere, sendo eles emocionais e/ou sociais.
Tentaremos responder, ou melhor, fazer uma ánalise acerca de algumas indagações
que surgem em relação a esse tema, como por exemplo: é possível dizer que o principal motivo
das mulheres adentrarem no mundo do crime e principalmente no tráfico de drogas é a
subordinação ainda existente entre o feminino em relação ao masculino? Como as relações
afetivas e as identidades são (re)formuladas com o momento cárcere? Esses questionamentos
são mais gritantes, e que demonstram maior incomodo sobre as diversas experiências dos seres
no sistema carcerário e fora de desse muro.
Apresentaremos reflexões sobre o assunto, debateremos e mostraremos a raiz do
desconforto feminino no cárcere e no pós-cárcere e discutiremos sobre a identidade que advém
da construção social, e de encontro a isso observaremos as dificuldades que as mulheres tem
que enfrentar para que venham a conseguir a reintegração social e a libertação do rótulo
carcerário.
Atentando-se ao fato que o Código Penal vigente no Brasil (1940) está totalmente
marcado por elementos dessa perspectiva repressiva, machista e sexista, onde apelando para
biologia, apontam que a mulher por causa de sua constituição hormonal, possui natureza
psicológica sujeita e propicia a transtornos mentais altamente significativos em períodos de
sua vida, como por exemplo no crime de infanticídio, delito este que a mãe mata seu próprio
filho no período de estado puerperal.
Com Bodelón, recordamos o quão pesada é a atribuição histórica do Direito Penal:
Longe de proteger seus interesses, o direito penal do século XIX e boa parte do século
XX contribuiu para reproduzir uma determinada significação do ser social mulher,
isto é, da estrutura de gênero. Por um lado, a mulher aparece sujeita a tutela e sem
plena responsabilidade, por outro, estabelece um conjunto de controles sociais sobre
a sexualidade feminina e um conjunto de estereótipos sobre sua sexualidade (2000, p.
12).
O gênero para a autora é uma forma de significação das relações de poder, com isto é
preciso que seja compreendido que não existe uma natureza do gênero feminino ou masculino.
A natureza que explica a existência de corpos/seres com determinados comportamentos ou
características não pode nem deve ser pensada senão como uma realidade que vem a partir da
linguagem ou de dentro da linguagem.
Logo, a masculinidade e feminilidade são significados estabelecidos culturalmente que
destinam uma determinada pessoa a apreender os comportamentos tidos como masculinos ou
feminino do seu meio social.
Conforme Butler (2003; 2005), gênero é modelo de dominação social, existente na
dimensão simbólica, que se baseia nas diferenças sexuais onde os artifícios biológicos e
culturais não são distinguidos. Essa categoria denominada gênero analisa as
construções socioculturais das identidades masculino/feminino, em determinados momentos
históricos e em determinadas sociedades. “Os significados dessas identidades, que são criadas
culturalmente, variam no tempo e em cada sociedade, sendo, portanto, conceitos que variam
e se transformam” (SILVA, 2009, p. 31).
Homens e mulheres desempenham socialmente falando, papéis preestabelecidos de
acordo com as funções agregadas ao gênero diante do costume cultural daquela sociedade.
Sabemos então que a mulher é destinada a ser pacífica e obediente, com isto qualquer ação
protagonizada pela mulher que não siga esse destino é dada como patologia, pois o ato
violento é dado como não feminino.
A entrada da mulher no âmbito público, o empoderamento feminino e essa turbulência
na base masculina da sociedade, ocorreu a partir dos movimentos feministas dos anos 1960 e
1970 que edificaram as discussões sobre a construção social do sexo.
E para entendermos a estrutura contemporânea que está dando cara a criminalização
feminina, é importante ressaltarmos que a
[...] mulher reclusa é vista como tendo transgredido a ordem em dois níveis: a) a ordem
da sociedade; b) a ordem da família, abandonando seu papel de mãe e esposa – o papel
que lhe foi destinado. Por isso sofrem uma punição também dupla: a) a perda da
liberdade com a privação de liberdade comum a todos os prisioneiros; b) estão sujeitas
a níveis de controle e observação muito mais rígidos, que visam a reforçar nelas a
passividade e a dependência, o que explica por que a direção de uma prisão de
mulheres se sente investida de uma missão moral (LEMGRUBER, 1993, p. 86).
A mulher então, não é apenas é criminalizada por causa da sua conduta ilícita, porém
também é estigmatizada por causa da violação do papel que foi para si preestabelecido, ou
seja, sofre uma dupla marginalização. Logo
[...] existe o estigma, que dissolve a identidade do outro a substitui pelo retrato
estereotipado e a classificação que lhe impomos. [...] Lançar sobre a pessoa um
estigma corresponde a acusa-la simplesmente pelo fato de ela existir. Prever seu
comportamento estimula e justifica a adoção de atitudes preventivas. Como aquilo que
se prevê é ameaçador, a defesa antecipada será a agressão ou a fuga, também hostil
(SOARES, 2005, p.132-133).
Assim: “No momento em que a mulher vai parar no cárcere ela já está marcada,
estigmatizada, e de tal forma que jamais irá conseguir retirar as marcas, no máximo conseguirá
diminuir as evidências aos desconhecidos” (VASCONCELOS, et al, 2012).
De acordo com Bourdieu (1999), a violência também pode ser uma forma de poder.
Para ele, é claramente perceptível no decorrer da história feminina violência(s), sendo não
apenas a disfarçada, mas também a declarada, isto é, a violação das leis gera violência e
mesmo a violência não mudando as estruturas, ela produz indícios que as mulheres estão
questionando essas estruturas.
Existem dois conceitos importantíssimos para se analisar as relações de poder
estabelecidas entre os gêneros, sendo eles: resistência e subordinação. A subordinação das
mulheres está ligada diretamente ao processo de construção social dos gêneros
masculino/feminino e as discussões sobre tal tema pretendem questionar e problematizar os
espaços destinados ao feminino, tal como a unidade doméstica e o ambiente familiar.
No mais, Foucault (2007) afirma que o exercício de poder vai se dá entre indivíduos
que podem resistir, ou seja, o poder será sempre um embate. Por isso, terá que existir a
possibilidade do ‘dominado’ reagir, pois sem essa reação não haverá poder. A partir desses
conceitos é imprescindível pensar na probabilidade das mulheres resistirem, à sua
subordinação, para que tornem-se sujeitos com chances de transformação.
Por estarmos analisando o envolvimento de mulheres no tráfico de drogas, na maioria
das vezes, com seus maridos ou companheiros, é necessário pensar e analisar a família como
categoria sociocultural de construção da realidade (BOURDIEU, 2007).
Na família, se inicia o processo de interiorização dos papéis de gênero:
[...] o funcionamento da unidade doméstica como campo encontra seu limite nos
efeitos da dominação masculina que orientam a família em direção à lógica do corpo,
à integração, podendo ser um efeito da dominação (BORDIEU, 2007, p.132).
Dentro dela, será definido o espaço privado como espaço feminino onde:
A célula familiar, tal como foi valorizada ao longo do século XVIII, permitiu que
sobre as duas dimensões principais − o eixo marido-mulher e o eixo pais-filhos − se
desenvolvessem os elementos principais do dispositivo de sexualidade, o corpo
feminino, a precocidade infantil, a regulação dos nascimentos, e, em menor medida,
provavelmente, a especificação dos pervertidos (FOUCAULT, 1997, p. 142).
A família, sendo a primeira instância formal de controle, coopera para a reprodução
das desigualdades de gênero, intensificando a ideia noção de que o âmbito público seja área
de domínio exclusivamente masculino.
Contudo essa realidade precisa ser transformada, os estudos ainda são escassos e fazer
uma análise do encarceramento feminino e da criminalidade com recorte de gênero é
necessário, como disse Ramidoff:
É preciso fazer essa reflexão sobre os efeitos e/ou consequências que a criminalização
e a penalização podem ocasionar não só para o ser a mulher e sujeito portador de direitos, mas
também de forma extensiva para todo o ambiente social.
É no cenário das relações sociais com o masculino e a partir das representações sociais
que se elaboram e moldam o papel do feminino na relação afetiva de todas as situações desde
o início dos tempos, e grande parte das mulheres que se encontram no cárcere utilizam essa
“justificativa” para suas práticas criminosas, principalmente nos crimes relacionados ao ramo
das drogas, mesmo que esse envolvimento eventual, aleatório e/ou relacionado somente ao
uso da droga.
Infelizmente devido a cultura patriarcal e machista “a mulher passa a conceber a sua
própria identidade a partir do outro com o qual se relaciona afetivamente, de modo que até
mesmo práticas ilícitas passam a povoar o seu cotidiano” (PIMENTEL, 2005, p. 04). E essa
submissão feminina ao masculino nas relações afetivas, ocorrem dentro do matrimônio ou nos
seus semelhantes, como namoro e união estável.
Além da cultura, Frinhani e Souza (2003) mostram que as dificuldades
socioeconômicas também estão ou podem estar diretamente relacionadas a esses pontos
afetivos, que por sua vez pode fazer-se uma soma na consciência, ou seja, junta-se a isso a
necessidade de educar e criar seus filhos(as) e preservar as ligações familiares. Nos estudos
acadêmicos relacionados à criminalidade e ao sistema prisional demostram que muitas vezes
as mulheres relatam a participação de homens (principalmente cônjuges ou companheiros)
no(s) crime(s) cometido(s), sendo eles os influenciadores diretos ou indiretos da “entrada”
dessas mulheres no mundo do crime.
A significação, a responsabilidade e a direção que as mulheres imputam e trazem pra
si e orientam para as suas relações afetivas, são constituídos através das práticas reiteradas (e
mundiais) ao longo de sua existência. Essas práticas partem dessas representações gerais do
papel feminino instituído pela sociedade, logo algumas dessas mulheres agem em nome dessa
afetividade. Podemos perceber que esse vínculo afetivo seja ele como o namorado,
companheiro ou marido, fazem ou no mínimo influenciam as mesmas para que virem
cúmplices do ato e/ou depois da prisão do ‘provedor’ elas comecem a “se virarem” para
sustentar os familiares.
Pimentel explica que:
Por causa da prisão, mudanças drásticas acontecem nas relações familiares, havendo
então uma crise familiar, que por sua vez vem a gerar sentimento de perda e pode acarretar
em problemas psicológicos tanto na mulher presa quanto em parentes próximos. E isso decorre
também de outros fatores históricos e sociais que são estruturais, Buglione (2002), em seu
trabalho O dividir da execução penal: olhando mulheres, olhando diferenças compreende
que: 1) a mulher que transgrediu invadiu o âmbito criminal, que é originariamente masculino,
logo é condenada por ter se distanciado do lar; 2) pelo delito que cometeu. Ou seja, ao
delinquir a mulher rompe com as normas penais, logo ofende os bens jurídicos, e rompe com
o papel social e cultural imposto pela sociedade e perpassado ao longo da história através de
um discurso ideológico. Há uma dupla violação do ordenamento (jurídico e moral), sendo
então a “justificativa” para ser punida intensamente quando inserida nas esferas formais de
controle.
Além da pena decorrente do crime cometido, há também o rompimento dos vínculos
familiares, essa dupla penalidade não pode ser permitida, a prisão não somente priva a mulher
que cometeu crime, mas também as pessoas que fazem parte do seu grupo familiar.
No momento da prisão se inicia a problemática das mulheres mães em relação a como
o filho vai ficar. “Muitas vezes, a separação pela prisão pode ser algo repentino e sem
preparação para as crianças. A mãe pode não ter tempo ou condições de fazer os arranjos
necessários para que a criança seja acolhida por parentes ou conhecidos, evitando que o filho
vá para uma instituição de abrigo” (STELLA, 2001, p.245).
A ausência dos familiares, principalmente dos filhos e da mãe, faz com que a
encarcerada sofra ainda mais, a distância faz com que a cadeia pese ainda mais. Devido a isso,
algumas preferem permanecer em estabelecimentos superlotados, provisórios e/ou insalubres,
onde os direitos fundamentais são totalmente negados, sem visitas, porém com possibilidade
de trabalho e remição de pena.
Vale destacar que a seletividade é ainda mais intensa no sistema criminal, pois trata-
se principalmente com os indivíduos mais vulneráveis, que geralmente são privados do
mínimo como: acesso à educação de qualidade, a saúde, a segurança, ao trabalho e
remuneração digna, que ao invés de ter essas garantias constitucionais tem a estigmatização e
prisionalização, o que vem a potencializar, instigar ainda mais a reincidência.
O controle social em tese é exercido de forma geral para mulheres e homens, contudo,
sabemos que esse controle social não se restringe ao sistema carcerário, está de forma bem
mais intensa nas bases familiares, escolares, publicitárias, que constituem o controle social
informal, com isto devemos observar a amplitude desse controle social exercido diretamente
e indiretamente sobre as mulheres.
Observamos que quando há o desvio da mulher do papel que é imposto pela sociedade,
esses meios de controle informal (escola, família, publicidade, etc.) começam a atuar de forma
rápida e efetiva para descaracterizar o ser mulher. O controle formal que consideraríamos o
mais forte, acaba sendo apenas uma continuidade do informal, não obstante, quando é
provocado sua repercussão é mais intensa. “As mulheres criminalizadas enfrentam práticas
jurisdicionais e institucionais profundamente marcadas por relações patriarcais”
(BERNARDI, 2013, p.87).
Decorrente disso o estigma assume o formato de rótulo, sendo esse rótulo marcado por
uma marca depreciativa e de remoção quase impossível. Quando recebem essa etiqueta de
criminosa, principalmente quando já esteve no cárcere o indivíduo tem sua identidade
alterada, o estigma é pregado e a sociedade que o adotou passar a estereotipar, e faz com que
transitem entre realidades culturais e sociais totalmente diferentes (GOFFMAN, 1990, p. 20).
Ou seja, a probabilidade de reincidência aumenta e o ser torna-se mais vulnerável a essa
seletividade que é vista, sentida e aplaudida por muitos do direito penal.
Por consequência, essas mulheres marginalizadas e estigmatizadas como delinquentes
sofrem uma rejeição dupla da sociedade, quem advém da diferença biológica (mulher/homem)
e da diferença social (cidadã de bem/transgressora da norma).
CONCLUSÃO
Tendo em vista tudo que foi explanado, podemos perceber e se sensibilizar com a
relevância do tema em questão e como a as relações de poder ainda hoje envolvem e
manipulam os indivíduos sociais e fazendo um recorte para nosso estudo, como as mulheres
ainda são manipuladas pelas instituições do meio social e usadas como marionetes.
Ressaltamos também a importância do debate levantado sobre os questionamentos: é
possível dizer que o principal motivo das mulheres adentrarem no mundo do crime e
principalmente no tráfico de drogas é a subordinação ainda existente entre o feminino em
relação ao masculino? Como as relações afetivas e as identidades são (re)formuladas com o
momento cárcere? E as respostas e discussões sobre essas questões são de suma importância
para a construção de uma sociedade solidária, igualitária, humana e justa, sociedade esta que
procuramos melhorá-la para boa convivência e para as gerações que estão por vir. Não
podemos aceitar e permitir que o sistema que em tese seria para (re)socialização seja uma
“depósito de gente”, mas sim trabalhar e lutar para que este local sirva para cumprimento de
pena e de reformulação do ser para adentrar no social como um indivíduo melhor.
As pessoas que ali adentram devem ter as garantias constitucionais asseguradas de
acordo com suas especificidades para que possamos obter os resultados que queremos, ou
seja, para que exista de fato uma (re)estruturação e (re)educação tanto “do ser consigo” quanto
“do ser com outrem”, para que as relações afetivas num todo possam ser modificadas de forma
positiva, pois sabemos que ninguém sai como entrou no cárcere, infelizmente essas
transformações intensas tem se mostrado de forma negativa, uma vez que tem-se o aumento
da criminalidade feminina, principalmente em relação ao delito “tráfico” que como vimos,
tem forte influência das relações no âmbito doméstico.
Para tanto faz-se necessário vislumbrar esse tipo de abordagem, uma vez que a mesma
é escassa no cotidiano e no mundo acadêmico. Tratar sobre o encarceramento e tráfico
ultimamente tem sido algo bem superficial e quando falamos de encarceramento feminino e
tráfico que engloba as mulheres o filtro fica ainda maior e ficamos ainda mais carentes de
dados, pois a invisibilização do gênero feminino ainda é constante, por isso precisamos
quebrar esse tabu urgentemente, tornar visível esse problema que grita por solução, vidas estão
em jogo, são pessoas que precisam de um olhar e não podemos negar-lhes isso, a dignidade
não pode ser tirada independente de qualquer ato ou situação.
REFERÊNCIAS
______. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 8. ed. Campinas, SP: Papirus, 2007.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 34. ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2007.
GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal - parte geral. v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007.
LEMGRUBER, Julita. Cemitério dos vivos: análise sociológica de uma prisão de mulheres.
Rio de janeiro: Forense, 1993.
PIMENTEL, Eliane. Amor bandido: as teias afetivas que envolvem a mulher no tráfico
de drogas. Dissertação de Mestrado, no Programa de Pós-graduação em Sociologia da
Universidade Federal de Alagoas, 2005.
SCOTT, Joan, 1995. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Revista educação e
realidade, vol. 20, n.2, jul/dez. Porto Alegre, 1995.
SILVA, Lourdes Helena Martins da. Crimes da paixão: uma história de gênero na cidade
de Bagé. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, UFPEL, Pelotas, 2009.
SOARES, Barbara M; ILGENTRITZ, Iara. Prisioneiras: vida e violência atrás das grades.
Rio de Janeiro: Editora Garamond, 2002.
RESUMO
O presente estudo, deriva de uma análise dos estudos criminológicos na América latina,
discorrendo sobre a negação dos saberes dos colonizados. Assim, é imposto o conhecimento
do colonizador, havendo a manifestação de um modelo civilizatório, no qual os “selvagens”
não se adequam. Com enfoque no verifica-se o saber como mecanismo de poder para exaltar
tal verdade, que é propagada até os dias atuais no controle das massas. A metodologia usada
consiste em uma abordagem qualitativa, onde se tem por base uma pesquisa bibliográfica
exploratória. Tem por objetivo geral identificar qual o papel da descolonialidade do saber para
uma nova criminologia.
1. INTRODUÇÃO
256
Trabalho apresentado no GT 7 - Ciências Criminais, Cárcere e Drogas do III Congresso Pernambucano de
Ciências Jurídicas UPE - Arcoverde.
257
Graduanda do Curso de Direito da Universidade de Pernambuco, Campus Arcoverde (UPE). Integrante do
Grupo de Estudos e Pesquisas Transdisciplinares sobre Meio Ambiente, Diversidade e Sociedade - GEPT/UPE.
E-mail: [email protected]
258
Graduanda do Curso de Direito da Universidade de Pernambuco, Campus Arcoverde (UPE). Integrante do
Grupo de Estudos e Pesquisas Transdisciplinares sobre Meio Ambiente, Diversidade e Sociedade - GEPT/UPE.
Integrante do grupo de pesquisa Incertae - UPE. E-mail: [email protected]
analisar criticamente seu contexto, além de incentivá-lo a ocupar os espaços políticos como
uma forma de resistência. Na colonialidade do poder, desenvolvido por Aníbal Quijano, o
pressuposto defende que as relações de colonialidade não se findaram com a destituição do
colonialismo. Ele analisa que raça, gênero e trabalho são categorias centrais, segundo as quais
o capitalismo se organizou, presentes no discurso que embasa a modernidade e a colonialidade
a partir do século XVI.
Portanto, a “colonialidade do saber”, associado à ideia de “diferença colonial e
geopolítica do conhecimento” – conceitos que embasam a crítica e proposta de ruptura do
pensamento descolonial com o pensamento eurocêntrico. “O esforço [...] não é uma mera
questão de verdade histórica, mas de categorias geoculturais e suas relações com o
conhecimento e poder” (MIGNOLO, 2002)
A partir disso, o marco teórico da pesquisa direcionada a criminologia latino-
americana produzida por Zaffaroni, a libertação dos saberes eurocêntricos, diante da
marginalização do outro, que não alcança esses padrões impostos ainda hoje. Com isso, ele
apresenta uma “aproximação desde uma margem”, para expressar os problemas dos
colonizados.
A metodologia usada consiste em uma abordagem qualitativa, por se tratar de uma
análise no plano teórico sobre o tema, onde se tem por base uma pesquisa bibliográfica
exploratória. Sendo assim, para a geração, será realizada análise de material teórico já
publicado, tais como livros, dissertações, artigos, entre outros, em razão de se pretender
analisar a descolonialidade do saber como uma forma de reparar o equilíbrio da social. O
objetivo geral do referido texto se destina a identificar qual o papel da descolonialidade do
saber para uma nova criminologia e os objetivos específicos: a) Entender o papel da
descolonialidade do saber no empoderamento dos sujeitos; b) Compreender como a
colonialidade e o imperialismos dos estados capitalista corroboram para a manutenção de uma
sociedade criminógena.
2 DESENVOLVIMENTO
Segundo Montero (1998), “a América Latina está exercendo sua capacidade de ver e
fazer de uma perspectiva Outra, colocada enfim no lugar de Nós”. Essa ideia desconstrói o
saber único e abrange a desnaturalização das formas desenvolvimentistas de aprender-
construir-ser no mundo. Revela o caráter histórico, indeterminado, indefinido, inacabado e
relativo do conhecimento. Assim, a multiplicidade de vozes, de mundos, de vidas: a
pluralidade epistêmica. Desse modo, a resistência do saber subalterno manifesta diversas
alternativas de fazer-conhecer.
Com a subalternização dos saberes daqueles que foram colonizados, alinhando-se
apenas os conhecimentos eurocêntricos como únicos, limitou-se a criminologia latino-
americana aos ideais dos ditos países de “primeiro mundo”; assim como o mito civilizador, e
também a contemplação das “maravilhas do mundo moderno”, e não percebendo o lastro de
destruição que se acumula. Por isso, a necessidade para se compreender a modernidade, sendo
a mesma fruto da ‘centralidade’ do primeiro sistema-mundo. Isto pois, com o conhecimento
segregador pregado pela modernidade, unifica-se a organização social, destarte, essa
padronização afirma o modelo civilizatório.
Ao refletir sobre a crítica de Dussel (1993) em desmascarar o processo de
modernização, no qual há a negação da identidade do “outro”, com o “mito sacrifical”,
percebe-se que toda a violência derramada na colonização era implantada como um benefício,
um sacrifício necessário, através de um vasto sistema discursivo, repressor e configurador de
uma realidade de extrema subalternidade, como o é a escravidão. Diante disso, os índios e os
negros eram duplamente culpados por “serem inferiores”, e por recusarem o “modo civilizado
de vida” ou a “salvação”, enquanto que os europeus eram “inocentes”, pois no colonialismo
conseguiam por fim justificar seus genocídios como uma obra de piedade, face à superioridade
racial do homem ocidental sobre selvagens e primitivos (ZAFFARONI, 2010).
Na visão do europeu, a colonização civilizadora implicava em um processo
descivilizador explícito, já que o “resto” dessa esfera era inferiorizada ao ponto da aniquilação
do seu ser, na medida em que a violência na destruição das populações autóctones levava à
sua eliminação física, em especial no que diz respeito às suas lideranças. Como bem afirmou
Elias sobre a natureza desta relação:
Um dos mais radicais processos de informalização desse tipo foi a destruição dos
rituais que davam significado à vida e sustentavam modelos de vida coletiva entre
os povos mais simples,. No processo de colonização e no trabalho missionário por
europeus. Talvez fosse útil examinar isso brevemente. Um dos mais extremos
exemplos da desvalorização de um código que fornece significado e orientação a
um grupo em ligação com a perda de poder do seu grupo portador é a eliminação
das classes superiores nas Américas Central e do Sul, no decorrer da colonização e
imposição do cristianismo pelos espanhóis e portugueses (Elias, 1997, p. 77).
Dessa maneira, o dito civilizado isola os colonizados dos privilégios, pois os mesmos
impõem apenas esse modelo de cidadãos. Assim, os subalternos são marginalizados, já que,
eles não estão inclusos nesse padrão. Por isso, a necessidade da criminologia como estudo da
questão criminal, uma instância central nesse processo, na medida em que o controle social se
apresenta como a ferramenta elementar de dominação.
Tomando por esse parâmetro, os colonos conquistaram o poder político, com a ideia
do discurso contratualista europeu. E também, para assegurar o poder conquistado, passaram
a propagar o discurso positivista, uma adaptação discursiva e legitimadora de novas demandas
de “racionalização e civilidade” iluministas.
A partir de Zaffaroni (2015), nota-se que o colonialismo impede a análise dos seus
mecanismos de poder; pois, opta por negar diretamente a nossa existência, isto é, afirmando
categoricamente que não existimos, que não somos nada. Para o colonialismo e seus referentes
locais, nada mais somos do que um conjunto de novos países com uma multiplicidade de
culturas que nunca poderiam constituir uma única unidade e, além disso, muito novo, em
formação; ou seja, descivilizados e sem forças para alcançar o padrão eurocêntrico. Estamos
percebendo que a América Latina é uma realidade unitária e perfeitamente reconhecível, como
um produto complexo de quase todas as atrocidades cometidas pelo colonialismo no planeta.
O colonialismo é sempre o produto de um esquema hegemônico global, que opera
tanto no centro do poder colonizador como na periferia colonizada. No palco original, reforçou
no centro a verticalidade corporativa da sociedade ibérica, apontando para sua sacralização, a
fim de impedir sua adaptação à industrialização. No neocolonialismo, causou uma
concentração urbana na metrópole que, incapaz de incorporar toda a população no sistema
produtivo, devido à insuficiência do capital original (ou pela impossibilidade de seu
reinvestimento na marcação interna), gerou as chamadas classes de “perigosos”, ou seja, todos
aqueles que não conseguem atingir o padrão são criminalizados. Desse modo, a desconfiança
na lei é igual à descrença na possibilidade de um coexistência minimamente razoável e
respeitosa da dignidade da pessoa de todos os habitantes (ZAFFARONI, 2015). Assim, é
emblemada a tal disfuncionalidade subjetiva, uma colonialidade das mentes, que nos impede
de identificar nossos próprios problemas, dificultando além disso, resolvê-los de forma
coerente e completa (QUIJANO, 2000).
Com a análise nessa perspectiva, a criminologia ainda é uma herança do mecanismo
colonial, pois é comum a descrição da operacionalidade real dos sistemas penais em termos
que nada têm a ver com a forma pela qual os discursos jurídicos-penais supõem que eles
atuem. Em outros termos, a programação normativa passeia-se em uma realidade que não
existe, e o conjunto de órgãos que deveria levar a termo essa programação, atua de forma
completamente diferente. Diante disso, decorre a reflexão da colonialidade do saber, com o
poder dos ditos civilizados, e os taxados criminosos. Visto que, a presença de apenas um saber
incisivo na sociedade brasileira, sendo ele a ferramenta da exclusão dos outros, verifica a
relação de poder com o saber, nos discursos exaltados por aqueles postos como “superiores”.
2.2 A relação do sujeito subalterno e a Descolonialidade do saber
Resulta claro, entonces, que los dos procesos señalados por González Stephan, la
invención de la ciudadanía y la invención del otro, se hallan genéticamen te
relacionados. Crear la identidad del ciudadano moderno en América Latina
implicaba generar un contraluz a partir del cual esa identidad pudiera medirse y
afirmarse como tal. La construcción del imaginario de la “civilización” exigía
necesariamente la producción de su contraparte: el imaginario de la “barbarie”. Se
trata en ambos casos de algo más que representaciones mentales. Son imaginarios
que poseen una materialidad concreta, en el sentido de que se hallan anclados en
sistemas abstractos de carácter disciplinario como la escuela, la ley, el Estado, las
cárceles, los hospitales y las ciencias sociales.(GÓMEZ, 2000 , p. 152 )
Por conseguinte, o herdeiro desse contexto social, e a própria sociedade, passa a se ver
como “outro” e portanto se reprime conforme é exposto a sua condição de “outro”. O espectro
da existência encontra-se emoldurado pelos rótulos, inviabilizando o que os teóricos chamam
de vida verdadeira, ou seja aquilo onde reside a dignidade pelo qual se valer a pena viver,
sintetizado pela ideia de “sentido da existência”. Na esfera positivista, de um padrão de
pensamento progressista, vale-se a ideia de uma existência útil, e assim seu centro existencial
está em manter o sistema capitalista envolvido no estado. E por consequência as
particularidade são colocadas em segundo plano, ou em muitos caso descartadas, haja vista
ser consequência inicial da colonização e interesse central da ideia capitalista esse processo
de massificação e planificação da cultura.
A envolver esse sistema os (TORRES, 2008) está a criação dos sujeitos para
retroalimentar e operar o mesmo, porém a colonialidade assim como a ótica imperialista do
capitalismo fez dos países colonizados produtores de consumo para o capital estrangeiro, de
modo que quem produz pouco tem acesso ou poder de consumos, alargando mais ainda o
panorama da desigualdade. As desigualdades são ainda mais ampliadas quando se associa os
preconceitos étnicos/raciais com uma sociedade a sujeitar o existência das pessoas os
propósitos de um capital ao qual não tem acesso. O mesmos sujeito limitado por suas seus
traços culturais e físicos sofrem pela segregação pela falta do poder aquisitivo não possuindo,
ou possuindo como forma de resistência, o espaço social.
A descolonialidade do saber é central para a reconstrução das identidades, isso por
compreender os indivíduos em seus espaços culturais e a exclusão a eles circunscrita. Deste
modo, a postura descolonial é uma reação ao sistema, e surge como uma proposta para uma
reformulação gradual para dar lugar de fala os sujeitos invisibilizados e subalternizados. Esta
parte do atos de empoderar essas categorias de sujeitos atingidos pelas segregações étnico-
raciais e econômicas assim como criticar a estrutura do Estado e seus papel no processo de
exclusão(MIGNOLO, 2008).
A partir do modelo social imposto pelos colonos, eram excluídos aqueles que não se
“encaixavam” a essa forma; assim, etiquetava-se os outros como criminosos. Logo
observamos que o “marginal” não encontra-se referido apenas na localização periférica do
poder planetário, mas também na relação de dependência com o poder central. Assim, os
subalternos estão à margem do poder e se tornam vítimas da violência do sistema penal. Por
fim, se indica a configuração cultural de “marginalização”, fabricada pelos processos de
colonização. Diante disso, a visão eurocêntrica racista era fundamentada na ideia dos
“selvagens” como seres naturalmente criminosos; logo era coerente um poder punitivo
expandido para lidar com as “raças inferiores” latino-americanas, direcionando o sistema
penal colonial para o genocídio.
Visto que, há uma importação do que é correto, segundo Rosa Del Olmo (2004), como
um mimetismo das classes dominantes de ideias estrangeiras. Para romper com esse
mecanismo, Zaffaroni promove uma “aproximação desde uma margem” ao saber central, de
forma a conseguir subtrair conhecimentos úteis, ao mesmo tempo em que realiza uma espécie
de “subversão epistêmica”, ou uma “antropofagia conceitual”, para problematizar certas
categorias à realidade da América Latina.
Nessa perspectiva, Zaffaroni denominou o realismo marginal, no qual expõe o falido
discurso jurídico-penal tradicional, que contraria a defesa do igualitarismo, mecanismo que
teria se mostrado sempre falso quando posto em contraste com a realidade da América Latina.
Isto pois, é impraticável a implementação das dogmáticas penais do centro hegemônico da
modernidade, sobretudo da Europa Ocidental, nos países que sofrem com a colonialidade.
A partir de Aniyar de Castro (2005), a criminologia crítica investiga o processo de
criminalização, ou por que certos grupos e comportamentos são criminalizados, e como tal
processo ocorre na realidade sociopolítica de determinada região em contraste com os
discursos jurídicos-penais formais, em vez de se debruçar sobre o estudo do “delinquente” ,
do “delito” ou da “delinquência”.
Nisso surgiu a Criminologia da Libertação, na qual não importa a verdade
eurocêntrica, mas sim, a problemática questão do desenvolvimento de uma criminologia
própria, que procede de uma abordagem teórico-contextual, no sentido de proporcionar o pano
do fundo sócio-histórico sobre o qual se estende a história da criminologia em determinada
região, que está intimamente vinculada à sua própria história enquanto território (LEAL,
2016).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
DEL OLMO, Rosa. A América Latina e sua Criminologia. Rio de Janeiro: Editora Revan,
2004.
ELIAS, Norbert. Os Alemães: A luta pelo poder e a evolução dos habitus nos séculos XIX
e XX. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1997.
MIGNOLO, Walter. Desafios Decoloniais hoje. Epistemologias do sul, Foz do Iguaçu, 1(1),
PP. 12-32, 2017.
MONTERO, Maritza. Paradigmas, conceptos y relaciones para una nueva era. Cómo
pensar las Ciencias Sociales desde América Latina. Caracas: Seminário Las ciencias
económicas y sociales: reflexiones de fin de siglo, 1998.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A Questão Criminal. Ed: Revan. - 1. ed. - Rio de Janeiro :
Revan, 2013.
PALERMO, Zulma. Una violencia invisible: la" colonialidad del saber". Cuadernos de la
Facultad de Humanidades y Ciencias Sociales-Universidad Nacional de Jujuy, n. 38, 2010.
RESUMO
1. INTRODUÇĀO
Historicamente, o sistema carcerário brasileiro tem sido permeado por uma cultura do
encarceramento, sendo isso notoriamente percebido quando se passa a observar uma série de
eventos de violência e agressão aos Direitos Humanos. Essa cultura tem como resultante direta
o crescimento exponencial da população carcerária brasileira.
Nesse sentido, o Brasil foi formalmente denunciado em maio de 2014 pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos, visto a crise do sistema prisional pernambucano, bem
como por suas condições precárias, o qual conta com uma das maiores taxas de superlotação
carcerária no Complexo de Curado. No entanto, tal processo data desde 2011, com a primeira
denúncia internacional envolvendo o Complexo de Curado, a qual ocorreu na Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, quando o órgão emitiu diversas medidas cautelares para
que o estado de Pernambuco garantisse a integridade física e mental dos encarcerados.
259
Grupo de Trabalho nº 07 – Ciências Criminais e Cárcere e Drogas
260
Graduada em Gestão Ambiental pelo IFPE e Graduanda em Direito pela Universidade de Pernambuco. E-
mail: [email protected]
261
Pós-graduado em direito Penal e Processo Penal pela Universidade Leonardo da Vinci – UNIASSELVI e
Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP. E-mail: [email protected]
Por conseguinte, essa pesquisa objetiva a análise sobre o instituto Audiência de
Custódia, bem como uma breve explanação sobre os impactos positivos e negativos dentro do
sistema judiciário e carcerário pernambucano.
O colapso do sistema prisional brasileiro tem sido refletido nos altos índices de
encarceramento, prova disso é que o país ocupa a terceira posição dentro do ranking elaborado
pelo World Prison Brief (WPB)262, no qual acompanha os números gerais de prisões, em nível
mundial, assim como segue a tabela 01 abaixo:
Olhando para os números gerais, percebe-se o quão eles são alarmantes, visto que de
um total de 223 países, o Brasil se destaca negativamente, salvaguardadas as proporções gerais
dos números populacionais. Ainda, corroborando para tal fato, quanto aos dados relativos à
violência no país, também, são impressionantes, visto que, segundo o Núcleo de Estudos da
Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), contabilizou-se no ano 2017, mais de
59.000 (cinquenta e nove mil) mortes violentas no país. Desta forma, percebe-se que as altas
taxas de encarceramento brasileiras em pouco refletem na diminuição da violência no país.
Assim, observa-se, pela projeção realizada no Levantamento Nacional de Informações
Penitenciárias (IFOPEN)263, um aumento considerável dos números prisionais durante os
últimos anos, conforme é atestado na Gráfico 01, a qual segue abaixo:
262 O World Prision Brief é um sistema de dados que, mensalmente, expõe o quantitativo das populações
carcerárias ao redor do planeta, sendo ranqueados 223 países no total. Tal levantamento é coordenado pelo
Institute for Criminal Policy Research e Birkbeck University of London. Ressalva-se aqui que a base de dados
adotadas neste levantamento são a partir dos dados gerais fornecidos pelo Poder Executivo, o qual é responsável
pelo gerenciamento do sistema carcerário brasileiro.
263
O INFOPEN é o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (IFOPEN), ligado ao Ministério da
Justiça e Segurança Pública, foi criado em 2004, no qual compila informações estatísticas do sistema
penitenciário brasileiro, por meio de um formulário de coleta estruturado preenchido pelos gestores de todos os
estabelecimentos prisionais do país.
Gráfico 01 – Evolução dos Privados de Liberdade no Brasil. Fonte: INFOPEN/Ministério da Justiça
Destarte, de acordo com o último levantamento realizado pelo IFOPEN, dados esses que
remontam ao ano de 2016, a população carcerária brasileira estava na ordem de 726.712
(setecentos e vinte e seis mil setecentos e doze) presos e uma Taxa Ocupacional da ordem de
197,4%. Logo, percebe-se que o déficit de vagas no país é mais que o dobro da capacidade
total de abrigar os privados de liberdade. Ainda, outro ponto a se destacar é quanto ao
conflitante banco de dados publicados pelos poderes Executivo e Judiciário, tal fato se deve
ao sistema adotado pelo Brasil, quando é de responsabilidade do Poder Executivo a gerência
e manutenção do sistema prisional. Em contrapartida, pertence ao Judiciário a competência
quanto as prisões em território nacional. Nesse sentido, preferiu-se aqui adotar,
majoritariamente, os recentíssimos dados publicados pelo Cadastro Nacional de Presos,
elaborado pelo Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP)264 sob o jugo do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no qual comprova que a população carcerária brasileira
atingiu a marca de 602.217 (seiscentos e dois mil e duzentos e dezessete) presos, conforme
Tabela 01 abaixo:
264
O Banco Nacional de Monitoramento de Prisões foi instituído pela Lei n. 12.403/2011, a qual acrescentou o
artigo 289 – A ao Código de Processo Penal Brasileiro, bem como foi regulamentada pela Resolução n. 137/2011
pelo Conselho Nacional de Justiça. Trata-se, ainda, de sistema mantido pelo próprio CNJ e que está voltado para
o registro das ordens de prisão decretadas pelas autoridades judiciárias brasileiras. Rassalta-se que, esse
dispositivo está disponível na rede mundial de computadores, fato esse que constitui relevante etapa na
democratização e estruturação de informações a respeito dos mandados de prisão em solo nacional.
Tabela 01 – Distribuição de Presos e Internados no Brasil. Fonte: BNMP 2.0/CNJ, 06 de agosto de 2018.
Além do mais, quando analisada a taxa relativa de presos sem condenação, significa
dizer que, existem mais de 240 mil pessoas encarceradas sem o devido julgamento em
primeiro grau jurisdicional, nesse sentido, um percentual do quantitativo de presos provisórios
em cada ente estadual brasileiro pode ser observado no Gráfico 02 abaixo:
Gráfico 02 – Pessoas Privadas de Liberdade por Natureza de Medida. Fonte: BNMP 2.0/CNJ, 06/08/2018.
Desta forma, percebe-se que o peso exercido por estes números no sistema prisional,
poderia ser reduzido de forma palpável, visto que, fortes evidências apontam para a
possibilidade de que grande parte dos presos sem condenação poderiam responder aos seus
respectivos processos em liberdade. Assim, este índice percentual de presos sem condenação,
com vistas a aplicabilidade das Audiências de Custódia, poderia refletir numa significativa
redução destes números, bem como, a diminuição desta pressão exercida no sistema carcerário
brasileiro.
Outrossim, voltando-se para a realidade do estado de Pernambuco, o qual conta,
atualmente, com o montante de aproximadamente 28.216 (vinte e oito mil e duzentos e
dezesseis) presos, segundo os dados informados pelo site Geopresídios, fato este que, eleva o
estado a ter uma das maiores populações carcerárias do país, conforme Tabela 02 abaixo:
Tabela 02 – Pessoas Privadas de Liberdade em Pernambuco. Fonte: Geopresídios, CNJ.
Bem como, a Taxa de Ocupação por presos provisórios no estado pernambucano beira,
aproximadamente, aos alarmantes 44,11% do total dos Privados de Liberdade, ou seja,
aproximadamente, metade da população carcerária do ente federativo é composta por presos
sem condenação, de acordo com os dados fornecidos pelo Geopresídios – CNJ na gráfico 03
abaixo:
Ainda no que cerne a Taxa de Aprisionamento Pernambucano, com base nos dados
trazidos pelo INFOPEN, o estado ocupa a décima posição no ranking nacional, com 288,03%
(duzentos e oitenta e oito por cento). Insta frisar que, nos últimos anos, foi aplicada em
Pernambuco uma severa política de combate a criminalidade intitulada por Pacto pela Vida,
sendo um dos maiores fatores contributivos para a exacerbada taxa de aprisionamento do
estado. Indica-se que, assim, existem 288,03 pessoas presas para cada grupo de 100 mil
habitantes em todo o estado, conforme Tabela 03, abaixo:
Tabela 03 – Das Taxa dos aprisionados em Pernambuco. Fonte: BNMP 2.0/CNJ, 06 de agosto de 2018.
Em suma, diante de tais números, é possível atestar que o Brasil e in strictu sensu
Pernambuco apresentam somas voluptuosas de pessoas privadas de liberdade, por
conseguinte, alavancando o déficit de vagas no sistema prisional. Logo, os dados refletem que
existem milhares de presos provisórios, os quais, cerceados de sua liberdade, esperam o
julgamento em estabelecimentos prisionais. No estado de Pernambuco, objeto de estudo do
presente trabalho, o déficit de vagas no sistema prisional é da ordem de 300%, conforme segue
em Tabela 04:
Tabela 04 – Pessoas números carcerários por cada ente federativo. Fonte: INFOPEN, Ministério da Justiça.
Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório,
aparelho sanitário e lavatório.
Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e
condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).
Bem como, preceitua a Constituição da República de 1988, ao arrolar, em seu art. 5º,
os direitos e garantias fundamentais titularizados pelos presos, dispondo que ninguém será
submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, inciso III, e que não
haverá penas cruéis, inciso XLVII, “e”; bem como, seria assegurado aos presos o respeito à
integridade física e moral, inteligência do inciso XLIX, (MORAIS, 2017). Ainda, no âmbito
internacional, a Organização das Nações Unidas definiu as condições mínimas para o
tratamento de presos, documento este intitulado por Regras de Mandela, o qual contou com a
ratificação por parte do estado brasileiro, por conseguinte, afere-se que, partindo-se do
pressuposto de anuência do estado brasileiro, verifica-se a responsabilidade objetiva em
aplicar tais regramentos a realidade carcerária no país.
Além do mais, tal regramento determina que deverá o encarcerado ser tratado com
dignidade inerente ao ser humano, não sendo ele submetido a condições degradantes. Bem
como, trouxe disposições diretas, a respeito das acomodações nos estabelecimentos penais, a
serem adotadas de maneira geral, tal qual transcreve-se abaixo:
Regra 12
1. As celas ou quartos destinados ao descanso noturno não devem ser ocupados por
mais de um preso. Se, por razões especiais, tais como superlotação temporária, for
necessário que a administração prisional central faça uma exceção à regra, não é
recomendável que dois presos sejam alojados em uma mesma cela ou quarto.
(...)
Regra 13
Todas os ambientes de uso dos presos e, em particular, todos os quartos, celas e
dormitórios, devem satisfazer as exigências de higiene e saúde, levando-se em conta
as condições climáticas e, particularmente, o conteúdo volumétrico de ar, o espaço
mínimo, a iluminação, o aquecimento e a ventilação.
Regra 14
Em todos os locais onde os presos deverão viver ou trabalhar: (a) As janelas devem
ser grandes o suficiente para que os presos possam ler ou trabalhar com luz natural
e devem ser construídas de forma a permitir a entrada de ar fresco mesmo quando
haja ventilação artificial; (b) Luz artificial deverá ser suficiente para os presos
poderem ler ou trabalhar sem prejudicar a visão.
Regra 15
As instalações sanitárias devem ser adequadas para possibilitar que todos os presos
façam suas necessidades fisiológicas quando necessário e com higiene e decência.
Regra 16
Devem ser fornecidas instalações adequadas para banho, a fim de que todo preso
possa tomar banho, e assim possa ser exigido, na temperatura apropriada ao clima,
com a frequência necessária para a higiene geral de acordo com a estação do ano e
a região geográfica, mas pelo menos uma vez por semana em clima temperado.
Regra 17
Todos os locais de um estabelecimento prisional frequentados regularmente pelos
presos deverão ser sempre mantidos e conservados minuciosamente limpos.
Diante disso, voltando-se a realidade pernambucana, afere-se que para cada vaga
ofertada no sistema prisional, cerca de 03 (três) encarcerados ocupam o espaço destinado a
um único aprisionado. Conclui-se que, vivem em condições degradantes, contrárias a
legislação vigente, bem como, muito acima da capacidade de oferta de vagas em Pernambuco,
cerca de 19 mil detentos.
Ainda, é primordial ressaltar que, tal qual exposto acima, o estado pernambucano
passou por uma fase de forte repressão a criminalidade, tendo como carro chefe da segurança
pública estadual, o Programa Pacto Pela Vida. No entanto, segundo José Luiz Ratton (2016),
considerado um dos idealizadores desse programa, em entrevista concedida a um jornal local,
relatou que sistemas que poderiam contribuir para diminuição do inchaço prisional do estado,
a exemplo das Medidas Alternativas não foram priorizados durante a execução deste programa
governamental ao longo dos anos de sua vigência. Bem como, o Sistema Prisional
Pernambucano, em si, pouco foi modificado por tal Pacto, ou seja, a crescente demanda por
vagas não conseguiu ser atendida de forma eficaz pelo estado, restando, assim, uma
superlotação dos estabelecimentos prisionais já existentes. Nesse sentido, cumpre transcrever
parte dos pensamentos proferidos por RATTON (2016) nessa entrevista, o qual dispôs:
(...) O Brasil é um pais que prende muito e prende muito mal. Se não houver uma
reforma séria do sistema prisional brasileiro, tornando-o mais humano e mais
eficiente e se não modificarmos os padrões de aprisionamento no Brasil –
incentivando mecanismos efetivos de descaracterização, com acompanhamento – as
politicas de segurança publica continuarão a produzir efeitos perversos e
indesejáveis. Pernambuco não avançou nessa área.
Outro dado importantíssimo quanto aos números do sistema prisional, diz respeito a
situação das pessoas privadas de liberdade, de acordo com os levantamentos realizados pelo
Tribunal de Justiça de Pernambuco, quando considerarmos os números relativos aos presos
sem condenação, os quais são cerca de 40,94% do total de encarcerados, conforme gráfico 04
abaixo:
Gráfico 04 – Dos aprisionados em Pernambuco. Fonte: BNMP 2.0/CNJ, 06 de agosto de 2018.
Dessa forma, tomando por base a análise do perfil carcerário pernambucano realizado pelo
INFOPEN (2016), tal população é composta majoritariamente por jovens, negros, do sexo
masculino e de baixa escolaridade, bem como, analisando os tipos penais mais recorrentes no
Brasil, que são eles roubo e tráfico de drogas. No entanto, frisa-se que não se pode afirmar
quais os tipos penais mais recorrentes no sistema carcerário pernambucano, isso porque, existe
uma dificuldade no acesso a esse tipo de informação por parte da SERES-PE, a qual tem por
responsabilidade o gerenciamento e manutenção dos sistemas prisionais pernambucanos.
Nos últimos anos, no que cerne a preservação da dignidade da pessoa humana e dos
direitos humanos, a Audiência de Custódia (AC), vem como Instituto Jurídico inovador, para
realidade brasileira, objetivando viabilizar medidas que assegurem a prevalência desses
direitos, bem como, o combate a tortura e arbitrariedade das prisões em território nacional.
Infelizmente, a ideia de encarceramento encontra-se profundamente arraigada ao sistema
brasileiro, baseado na lógica negativa de que boa punição se interliga, diretamente, ao tempo
de prisão.
Visto tal panorama negativo, deu-se maior ênfase a implantação da Audiência de
Custódia, a qual tem por finalidade a apresentação do preso dentro de um prazo legal de 24
horas à autoridade judiciária. Vale ressaltar que, tal norma encontra fundamentação no Pacto
de San Jose da Costa Rica, celebrado pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos e
regulamentado no Brasil a partir do Decreto de nº 678, de 06 de novembro de 1992. Destarte,
quando em seu artigo 75 dispõe que toda pessoa que tem sua liberdade privada
coercitivamente pelo Estado, tem o direito de ser conduzido a presença da autoridade legal
para que seja avaliada o teor de sua prisão, podendo o juiz adotar posicionamentos distintos e
condicionados ao que esta delimitado por lei.
Apesar deste instituto contar com a anuência do governo brasileiro, a partir do momento
que este assinou e regulamentou o Pacto de San Jose, foram necessários 23 (vinte e três) anos
para que este instituto jurídico se tornasse realidade em solo brasileiro. Insta frisar que,
somente no ano de 2015, foi implantada a primeira Audiência de Custódia no país, em formato
piloto, mais precisamente no estado de São Paulo. A partir disso, a regulamentação da AC
apenas ocorreu com advento do ato administrativo, Resolução Nº 213/2015 do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), sancionada a época pelo então presidente do CNJ e ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF), o Excelentíssimo Senhor Ministro Ricardo Lewandowski.
Essa medida resolutiva, trouxe em seu artigo primeiro, a definição essencial a respeito das
ACs no Brasil:
Art. 1º Determinar que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da
motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas
da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as
circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão.
Outro ponto relevante quanto as ACs, consiste quanto a avaliação por parte dos
magistrados acerca de eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos durante as prisões
realizadas pelos agentes públicos, assim como a apuração de outras irregularidades que podem
permear todo o processo de custódia por parte do Estado. Insta frisar que, no estado de
Pernambuco, o Programa de Custódias é coordenado por um Comitê Estadual, o qual é
presidido pelo desembargador Mauro Alencar, quando reuniões mensais são elaboradas com
o intuito de avaliar e propor novas ações para o programa das ACs em Pernambuco. Logo,
faz-se pertinente ressoar as palavras do assessor especial da Presidência do Tribunal de Justiça
de Pernambuco (TJPE), o Juiz de Direito, o sr. Ailton Alfredo de Souza, o qual explanou que
“O Comitê interage semanalmente com os demais parceiros, a exemplo do Governo e do
Ministério Público, através do Pacto pela Vida, para integrar as ações de combate à
violência”. Nesse sentido, a expansão para a Região Metropolitana do Recife e interior do
estado visa cumprir determinação oriunda do CNJ e das convenções legais retificadas pelo
Estado Brasileiro, as quais rezam que pessoas presas em flagrante tenham a oportunidade de
serem ouvidas, sem demora, pela autoridade judicial, para que essa avalie a legalidade e
manutenção da prisão. Ainda, conforme palavras proferidas pelo magistrado da Central de
Flagrantes do Recife, o Excelentíssimo Senhor Juiz Luiz Carlos Vieira, avaliou que “A ideia
é combater o encarceramento desnecessário em todo o estado, evitando que pessoas presas,
que sejam réus primários e que tenham bons antecedentes, possam responder ao processo em
liberdade sem que comprometa a ordem pública”.
Diante do exposto, o funcionamento das Audiências de Custodia em Pernambuco tem
sido estabelecido em polos, isso porque, o TJPE decidiu adotar tal critério por observação do
quantitativo de flagrantes por região. Dessa forma, elas têm funcionado nas comarcas dos
municípios de Jaboatão dos Guararapes, Olinda, Nazaré da Mata, Vitória de Santo Antão,
Palmares, Caruaru, Pesqueira, Limoeiro, Santa Cruz do Capibaribe, Garanhuns, Arcoverde,
Afogados da Ingazeira, Serra Talhada, Floresta Salgueiro, Ouricuri, Santa Maria da Boa Vista,
e Petrolina, com vistas a abranger todo território estadual. Ainda, o Tribunal de Justiça de
Pernambuco (TJPE) destaca que, nestas comarcas, as ACs têm funcionado diariamente regime
de prontidão, bem como, durante os finais de semana, feriados e recessos, os funcionamentos
estão baseados em regimes de plantão, com horários e locais fixados por instruções oriundas
do TJPE.
Outrossim, segundo o Relatório de Gestão Biênio 2016-2017, por parte do Tribunal
de Justiça de Pernambuco (TJPE), foram realizadas 3.956, no ano de 2016, já no ano de 2017
elas resultaram em 8.863, por fim, totalizaram-se cerca de 12.819 audiências de custódia em
Pernambuco. Por conseguinte, pode-se aferir que, desde a implantação destas e da coleta de
dados realizada por parte do Tribunal de Justiça de Pernambuco, são realizadas, uma média,
24 (vinte e quatro) audiências por dia no estado, considerando os dados obtidos acima site do
TJPE.
No entanto, conforme disposição dos dados obtidos através do CNJ, conforme no gráfico 05,
abaixo, os números das Audiências de Custodia em Pernambuco são bem menores dos
atestados pelo TJPE. Destarte, baseando-se nos dados da imagem abaixo, a media de ACs tem
um decréscimo e chega ao numero aproximado de 13 audiências por dia em todo estado.
Gráfico 05 – Dos Números das Audiências de Custódia em Pernambuco no período de 14/08/2015 a
30/06/2017. Fonte: CNJ, 2018.
Diante do exposto, percebe-se a falta de cruzamento de dados por parte do TJPE com
os dados revelados pelo CNJ, visto que há uma conflitância quanto ao número exato da
realização dessas audiências no estado pernambucano. Além do mais, o TJPE não possui uma
fonte de fácil acesso para obtenção destes, no que cerne as ACs. Outrossim, a partir dos dados
apresentados no gráfico acima, percebe-se que as ACs, além de corroborar no combate à
cultura do encarceramento, representam uma significativa economia aos cofres públicos. Isso
porque, segundo o CNJ, na medida em que cada preso tem um custo de manutenção
aproximado de R$ 3 mil, com o advento das audiências de custódia em Pernambuco,
contabilizadas do inicio de sua aplicação referente a agosto de 2015 até o período de junho de
2017, resultaram na liberdade provisória de 3.421 presos, fato esse que representa,
aproximadamente, uma economia da ordem de R$ 10 milhões de reais aos cofres do erário
pernambucano.
Dessa forma, o CNJ publicou, no ano de 2015, uma cartilha referente as Audiência de
Custódia (AC) no Brasil, quando foram apresentados dados a respeito da economia que elas
representariam ao erário, sendo exemplificado pela seguinte lógica: cada preso tem um custo
anual de R$ 36 mil ao Estado, assim como, um presídio padrão construído para comportar 500
presos, teria um custo médio de R$ 40 milhões de reais. Portanto, levando-se em consideração
que nas ACs verifica-se que em torno de 50% das prisões preventivas são consideradas
desnecessárias, por conseguinte, no ano de 2015, por exemplo, havia um contingente de 240
mil presos provisórios que não foram submetidos a AC. Desta maneira, infere-se que, com a
aplicação deste instituto, o poder publico poderia economizar cerca de R$ 13,9 bilhões de
reais, conforme a representação gráfica 06 abaixo:
Gráfico 06 – Economia da Audiência de Custódia. Fonte: CNJ, 2018.
4. CONLUSÕES
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CORREIO BRAZILIENSE. Brasil terá 1,47 milhão de presos até 2025. Disponível em
<https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2018/07/20/interna-
brasil,696380/brasil-tera-1-47-milhao-de-presos-ate-2025-segundo-levantamento.shtml>
Acesso em 23 de setembro de 2018.
RESUMO
INTRODUÇÃO
265
GT 7- Ciências Criminais, Cárcere e Drogas.
266
Bacharelanda em Direito- 10º período- Faculdade de Integração do Sertão- FIS (Serra Talhada- PE). Pós-
graduanda em Ciências Criminais- Faculdade de Integração do Sertão- FIS (Serra Talhada-PE). E-mail:
[email protected].
como setor dessa ciência responsável pela mediação das relações e conflitos sociais.
Constitucionalizado, viu-se pontuado por prudentes princípios limitadores de atuação. De
fato, o direito penal se faz dos ramos de atuação mais incisiva, à medida que recebe a
prerrogativa de restringir a liberdade daqueles que supostamente tenham violado a esfera de
direitos de outrem.
Visto por esse ângulo, o Direito Penal obedece a uma primeira função, a de
manutenção da ordem social, refletida pela política criminal de segurança pública, e colabora,
em seu âmbito, com o viés do Direito universal à paz enquanto prevenção de novos conflitos.
Mas a experiência demonstra que essa única face do direito à paz e do Direito Penal não é
suficiente para que a comunidade internacional, partindo da experiência local de cada Estado,
experimente a existência pacífica enquanto prerrogativa intrínseca e inalienável do ser, no seu
mais profundo significado.
Assim, esta análise tem por problema de pesquisa investigar a ligação entre as funções
do Direito Penal e a realização da experiência do Direito universal à paz. Como objetivo geral,
busca construir o esboço do que seria o direito ao devido aproveitamento do tempo do
condenado, e como objetivos específicos analisar a primeira faceta do Direito à paz- a
segurança pública- no contexto do direito penal; estender a análise para uma segunda faceta
desse direito, a da dignidade da pessoa humana, no mesmo âmbito penal e relacionar tal
garantia universal a uma reconfiguração do instituto.
Considerando a metodologia científica conforme explanada por Gerhardt e Silveira
(UFRGS, 2009), trata-se de pesquisa com abordagem qualitativa, vez que não quantificável,
não mensurável e não posta à prova em dados numéricos, tão somente orientada para a
observação e anotação de fenômenos. O objetivo é exploratório, já que aventa possibilidades
de análise da questão, lançando hipótese. O procedimento é bibliográfico, levantando textos
de declarações universais de direitos, documentos internacionais afins e obras de juristas
especializados no tema. A técnica de coleta de dados foi, portanto, bibliográfica. A técnica de
análise de dados, com apoio em Mozzato e Grzybovski (2011), é a de análise de conteúdo,
que busca aprofundar as leituras e extrair novos significados delas. O universo da pesquisa é
a população sancionada com privação de liberdade (provisória e definitiva) no Brasil
contemporâneo.
Justifica-se a pesquisa, academicamente, por apresentar nova ótica para um tema
recorrente nos trabalhos acadêmicos, sugerindo a possibilidade de novas análises com essa
orientação, no futuro. Socialmente, a pesquisa é relevante porque dialoga com posições
contrárias disseminadas nos discursos sociais, e lança luz sob novo ponto de vista a servir de
orientação mesmo para os discursos afins com o quanto aqui levantado.
Já em fins da década de 70, o jurista Karel Vasak (1929-2015) lançava em artigo para
periódico o conceito de “direitos de solidariedade”. Ao analisar o que era feito até então para
reforçar a Declaração Universal dos Direitos Humanos quando de sua aplicação, Vasak
apontou (UNESCO, 1977) direitos a serem enquadrados em uma terceira geração.
Dentre eles, destacava o jurista o direito “ao desenvolvimento”, ao “meio ambiente
saudável e ecologicamente equilibrado”, “à propriedade do patrimônio comum da
Humanidade”, e o direito à paz. O presente artigo, como se disse, tem em vista a elucidação
deste último.
Roxin destaca (2009, p. 17/18), nesse ínterim, por um primeiro ângulo, o que denomina
“condições individuais necessárias para coexistência semelhante (isto é, a proteção da vida e
do corpo, da liberdade de atuação voluntária, da propriedade etc.).”.
Nota-se que a paz em sua vertente segurança pública se alastra para o direito brasileiro
com o sentido de ordem e a atribuição consequente de evitar conflitos, mantendo a integridade
dos cidadãos e a proteção de sua propriedade. Não é outro o entendimento de Nilo Batista
(2007), para quem a função do direito penal consiste em proteger bens jurídicos, cominando,
aplicando e executando pena, protegendo os interesses ou valores elegidos por uma classe
dominante, contribuindo para a manutenção das relações sociais no interior dessa.
A visão de proteção dos bens jurídicos sociais de determinadas classes acaba por não
alcançar a proteção da esfera de bens dos que por ventura atentem contra seus interesses, vez
que “à parte” do todo social, vez que- se não antes de certo a partir do crime- “à margem” do
todo. Visto o direito à paz meramente por essa ótica, o outro (e eu sou o outro!) é coisificado,
tem afastada sua condição humana pela restrição de direitos que, na falta da observância de
uma segunda ótica do direito universal aqui tratado, acabará por ultrapassar a restrição de
liberdade, privação de patrimônio e demais sanções legalmente previstas. O outro dito
criminoso, o outro marginalizado, torna-se, assim, inimigo.
Nota-se que o autor estabelece o mesmo raciocínio que aqui se intenta desenvolver,
quando relaciona com preocupação o direito penal aos direitos humanos universalmente
considerados.
Em suma, o direito à paz que intenta ser “de todos à paz”, no contexto histórico-social
que segue conflitos de ordem mundial, acaba por ser o direito à paz “das pessoas que/para que
as pessoas não atentem contra os direitos individuais de outrem”. Desaparece, nesse contexto,
o que Zaffaroni denomina (2007, p.19) “direitos que assistem a um ser humano pelo simples
fato de sê-lo”.
Trata-se, assim, da delicada situação em que a esfera de garantias das vítimas parece
se opor à esfera de garantias dos acusados/investigados/condenados pelas violações àquelas.
E é em meio a esse conflito que se faz patente estabelecer até que ponto as sanções interferem
com a vida dos sujeitos apontados como autores de delitos.
Sabe-se que, na estrutura do direito penal contemporâneo, inclusive em sua versão
constitucional, tais sanções são de ao menos três tipos: as privativas de liberdade, as
pecuniárias e as restritivas de direitos.
Centra-se o objeto deste estudo, já que se faz necessário restringi-lo para melhor
observa-lo, nas da primeira espécie, e, dentre investigados/réus/condenados provisórios e
condenados definitivos, nestes últimos.
Esses indivíduos se veem, portanto, envoltos em um conflito entre seus próprios
direitos enquanto humanos e os direitos que supostamente violaram, para atingir a posição
desfavorável ao fim de um procedimento persecutório/ processo penal.
A privação da esfera de garantias dos ditos violadores evidencia, porém, que não só a
condenação final a pena privativa de liberdade dita o tom dessa segurança pública enquanto
garantia do direito à paz, já que Zaffaroni alerta (2007) para que a priorização do valor
segurança como certeza acerca da conduta futura de alguém irá acabar pela despersonalização
de toda a sociedade.
A leitura de Bauman (2001) complementa tal visão, em Modernidade Líquida. Ali o
autor aponta o que considera uma sociedade obcecada por segurança, que busca o
encarceramento dos indivíduos destoantes, naquilo que denomina “exorcismo das casas
assombradas”. De acordo com o autor, o que ocorre é que aqueles espaços ocupados pelos
indivíduos marginalizados pelo cometimento de delitos deveriam estar, para os ocupantes
dessa nova construção social, “ocupados pelas pessoas certas”.
Encontrar novamente um lugar, após a saída do cárcere, e manter o sentimento de
pertencimento social, enquanto fisicamente afastada do convívio, tais alguns dos desafios da
população carcerária brasileira. Cumpri-los passa pelo segundo alicerce do Direito à Paz como
originalmente imaginado: a dignidade da pessoa humana.
O que embasa a inserção desses direitos na vida social, para o documento, é uma
educação voltada para os direitos humanos, o que contribui com “processos sociais baseados
na confiança, na solidariedade e no respeito mútuo” (art. 2º).
Luarca tem a importante função, nesse contexto, de propor uma humanização do
direito positivo, quando observa e ampara toda pessoa, pela só condição de o ser. Extensível,
portanto, a todos quantos sofrerem restrições de direitos, a velar para que tão somente os
legalmente autorizados sejam limitados.
Aproxima, assim, a Declaração, sem o dizer expressamente, o campo do Direito Penal,
na execução da pena e nos institutos de privação de liberdade (provisória ou definitiva) da
concepção de direitos humanos.
Desse modo, ainda que se queira atribuir à tranquilidade social o papel de principal
função do direito penal, o texto de Luarca força por conduzir à conclusão de que só se efetiva
a paz e a segurança pública quando se efetiva o mínimo de dignidade a toda pessoa humana,
acusada de/ condenada por violar direitos de outrem ou não.
A Declaração foi progressivamente construída desde 2004, atendendo à solicitação das
Nações Unidas, ao final de um congresso internacional na Espanha, de que se codificasse
oficialmente o direito humano à paz.
Nesse sentido, atendeu ao binômio positivação dos direitos humanos / humanização
do direito positivo. Luarca resume o quanto aqui se disse, a partir do momento em que
desconstrói as figuras estereotipadas (e aqui se destaque a do sujeito criminoso como a erva
daninha) e vai encontrar um lugar para o humano pela só razão de o ser, o que é evidenciado
pelas sucessivas referências a “toda pessoa”.
Desse modo, ao passo em que “Toda pessoa tem direito a um recurso eficaz que a
ampare contra violações de seus direitos humanos” (art. 10), “Toda pessoa (...) tem direito
inalienável a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político no qual
possam realizar-se plenamente todos os direitos humanos e liberdades fundamentais” (art.12),
podendo dele desfrutar.
Assim é que concretização do direito universal à paz, de acordo com a Declaração de
Luarca, está para a resolução pacífica de conflitos como está para uma reconstrução da
percepção das relações humanas.
267
Decreto nº 1.774, de 2 de julho de 1856. Art. 19. Os presos de cada classe conversarão entre si até horas de
silencio, sem nunca perturbarem o socego[sic] das outras prisões, nem a ordem que deve ser mantida no
Estabelecimento. Dado o signal de silencio cada hum se recolherá á sua cama.
e alvo do poder, que se manipula e modela.
O instituto prisão é também ali apontado sob o prisma da disciplina e da distribuição
no espaço.
Mas é na investigação do emprego do tempo dos vigiados que Foucault, utilizando
como referência escolas, quarteis, hospitais e instituições religiosas, mais colabora com a
presente análise. De acordo com o autor, o horário é uma “velha herança”, que estabelece
como grandes processos “estabelecer as censuras (sic), obrigar a ocupações determinadas,
regulamentar os ciclos de repetição” (1987, p. 173).
Em meio à reflexão, uma descoberta: a preocupação com a qualidade do tempo
empregado.
Ocorre que a preocupação com o tempo avaliada por Foucault é tão somente aquela
anterior à ressignificação do instituto de prisão, já que Vigiar e punir anota, sobre isso que “O
tempo medido e pago deve ser também um tempo sem impureza nem defeito, um tempo de
boa qualidade, e durante todo o seu transcurso o corpo deve ficar aplicado a seu exercício”
(1987, p. 174), e que “o princípio que estava subjacente ao horário em sua forma tradicional
era essencialmente negativo, (...) é proibido perder um tempo que é contado por Deus e pago
pelos homens (...)”.
Assim é que, se não aproveitado adequadamente o tempo assim restringido e
controlado, a própria função da pena se desvirtua e limita à correção, como apontou Foucault
(1987, p.203):
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro, 11ª edição. Rio de Janeiro:
Revan, 2007.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2004.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. História da violência nas prisões, 27ª edição.
Petrópolis: Ed. Vozes, 1987.
OXIN, Claus. A proteção dos bens jurídicos como função do Direito Penal. Organização
e tradução de André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli, 2ª edição. Porto Alegre: Livraria
do advogado, 2009.
UNESCO. The UNESCO Courrier. Southern Africa at grips with racism. Paris- France,
November 1977 (30th year), pp 29-32.
UNITED NATIONS. Human Rights Council. Report of the Working Group on the
Universal Periodic Review – Brazil, 2017. Disponível em <
<http://ap.ohchr.org/documents/dpage_e.aspx?si=A/HRC/36/11>, acesso em 19 ago. 2018.
______. Em busca das penas perdidas. A perda de legitimidade do sistema penal. Tradução:
Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991.
CONDENADAS AO ESQUECIMENTO:
A MULHER VÍTIMA DO PODER PUNITIVO DO ESTADO268
RESUMO
A pesquisa tem como objetivo analisar os desafios frente ao desrespeito com a dignidade da
pessoa humana dentro dos presídios femininos brasileiros, o papel da criminologia na
produção/reprodução das relações de poder, estudando a maneira de como a mulher é vista no
cenário criminológico dentro do seio da sociedade, e todos os preconceitos referente a prática
do delito por ela, mostrando que o contexto histórico desta maneira influencia bastante para a
sua invisibilização dentro das políticas públicas do Estado. O trabalho traz aspectos históricos
da criminalização da mulher na sociedade, desde a sua origem e a sua influência na formação
da representação social da mulher e a discriminação de sexo, raça e gênero. A metodologia
utilizada consiste numa revisão bibliográfica que atravessa diversos campos do saber, como a
história, a sociologia, o direito penal e sua punição, a criminologia, as drogas e o sistema
penitenciário, o gênero e as teorias feministas.
INTRODUÇÃO
268
GT 7 - Ciências Criminais, Cárcere e Drogas
269
Graduada em Direito (ASCES/UNITA). E-mail: [email protected]
de crimes relacionados à esfera pública é um assunto extremamente atual, mas que não é
debatido, não existem políticas públicas que tratem sobre esse assunto no meio social, que é
o melhor meio de quebrar as grades do preconceito e da discriminação, elas sofrem por estar
às sobras do Estado.
Portanto, torna-se imprescindível debater sobre a questão da invisibilização da
mulher perante o Estado, discutindo como a ausência de políticas públicas para os presídios
femininos podem influenciar diretamente na saúde dessas mulheres. Deste modo,
enfatizaremos a negligência das autoridades competentes com a situação carcerária, levando
a falência do sistema penitenciário, causando uma desarmonia com os direitos da pessoa
humana.
Falar sobre mulheres encarceradas, hoje em dia na sociedade, ainda é um “tabu”,
gerando polêmica e causando repúdio. A gravidade desse assunto é alarmante, por se tratar do
ser humano que merece a devida atenção e proteção dos entes públicos, antes e após do
encarceramento, pois tem-se observado que os índices de mulheres encarceradas só aumentam
com o decorrer dos anos. O Estado em sua condição de protetor dos direitos dos indivíduos é
um dos principais responsáveis pela crise nas penitenciárias, invisibilizando cada vez mais os
sujeitos que se encontram nessa situação.
Encontra-se assim razão no sentido do surgimento do direito penal, ele veio para
ponderar a mão pesada do Estado perante a sociedade, que mesmo sendo a detentora do poder
dispõe de uma fraqueza absurda quando se trata da execução das leis.
Mas, embora os modos e os meios de punição tenham sido alterados no decorrer do
tempo com o advento das leis e códigos, o intuito de “amedrontar” o povo, não modificou, as
leis continuam exercendo um caráter punitivo e usando disso para prevenir que outros delitos
iguais sejam cometidos. Desta vez, inovando com pena de detenção no princípio do século
XIX.
Essa “obviedade” da prisão (...) se fundamenta em primeiro lugar na forma simples
da “privação de liberdade”. Como não seria a prisão a pena por excelência numa
sociedade em que a liberdade é um bem que pertence a todos da mesma maneira e
ao qual cada um está ligado por um sentimento “universal e constante”?
(FOUCAULT, 2010, p. 217)
A ideia inicial prevalece, a prisão existe como o instrumento que visa privar o sujeito
de sua liberdade para que este se arrependa do delito cometido e não volte a reincidir e as
taxas de criminalidade diminuam.
Como já disse Michel Foucault, tratando-se da pena de prisão e de seus atributos
quanto a sua função
Nota-se que, a pena de prisão tem de fato a intenção de regenerar aquele indivíduo,
transformando suas atitudes, emoções, sentimentos e tudo o que levou ele até aquele lugar,
gerando uma nova pessoa humana. “A prisão, peça essencial no conjunto das punições, marca
certamente um momento importante na história da justiça penal: seu acesso à “humanidade””.
(FOUCAULT, 2010, p. 217).
De acordo com a previsão do artigo 1º da Lei de Execuções Penais nº 7.210 de 1994
(LEP), “Art. 1º- A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições da sentença ou
decisão criminal a proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado
e do internado.” Com isso, o que consta determinado na lei de execuções penais e o que
preleciona Michel Foucault em seus ensinamentos, mais precisamente sobre o objetivo da
execução penal, que é de ressocializar, não consegue atender as expectativas desejadas, a
intenção de moldar um novo indivíduo é empregado apenas nos livros e nos códigos como
histórias fictícias, mas não na vida real, na prática (ANDRADE; FREITAS, 2005).
Dessa forma, é importante atentar para o devido raciocínio que embasa os estudos
feitos sobre os métodos e modos de tratamento dentro das penitenciárias brasileiras, pois é
dentro delas onde constata-se, se a lei de execuções penais está sendo executada ou não da
forma como deveria.
Demonstra-se a cientificidade da comprovação por intermédio de índices de prisões,
de reincidências e de ressocialização, é evidente que se há reincidência não houve
ressocialização, e se não houve ressocialização o que versa no artigo primeiro da LEP (nº
7.2010 de 1994), frisando novamente, “propiciar condições para a harmônica integração social
do condenado e do internado”, está completamente fora de contexto, tornando o sistema penal
defasado pois não atende as expectativas desejadas pelo legislador e pelo Estado/População.
Como salienta Michel Foucault, a prisão surgiu de uma forma que fez desaparecer
todos os outros meios de punição e assim tornou-se insubstituível, por mais que a ideia da
pena de prisão, como meio de punição e transformação do indivíduo, seja exemplar, ela tem
suas falhas, deste modo sabe-se que ela pode ser bastante perigosa, quando não inútil, se mal
administrada (FOUCAULT, 2010. P. 2018).
Quanto a realidade do sistema penal brasileiro na atualidade, ressalta-se que a
população penitenciária chegou a marca de 622.202 pessoas, isso em dezembro de 2014 (MJ,
2016), quando deu origem a uma pesquisa que resultou em um novo relatório que foi lançado
pelo ministério da justiça. Estima-se que esse número possa ter evoluído desde a feição da
pesquisa até a data presente.
Esses não são os únicos problemas enfrentados pelos detentos nas penitenciárias, eles
não possuem suporte de infraestrutura, lazer, estudo, saúde, alimentação, entre diversos outros
fatores. Refletindo assim a questão da ressocialização, pois não existe condições de
ressocializar um ser humano nessas circunstancias.
Faz jus ressaltar, que o problema do Brasil não está em falta de uma legislação que
dê suporte aos problemas existentes, e sim a falta da execução e de frequente regulamentação
dessa legislação para comportar e se adequar à realidade dos cidadãos. É imperioso destacar
que se a legislação vigente no país fosse de fato aplicada, a situação do sistema carcerário do
brasil seria outra.
O gráfico abaixo (Fonte: Infopen, dez./2014 p. 40), feito pelo Ministério da Justiça,
mostra a evolução da taxa de mulheres no sistema prisional por 100 mil mulheres na população
brasileira:
De acordo com os dados levantados pelo ministério da justiça, não se trata de uma
população com número irrisório e que é capaz de ser desconsiderada e colocada de lado, sem
a mínima atenção do Estado, trata-se de um número que vem crescendo consideravelmente
ano após ano em ritmo acelerado da ordem de 10,7% ao ano, saltando de 12.925 mulheres
privadas de liberdade em 2005 para a marca de 33.793, registrada em dezembro de 2014.
Na próxima figura (Fonte: Infopen, dez./2014 p. 41) avalia-se a distribuição de
sentenças de crimes tentados ou consumados entre os registros das mulheres no sistema
prisional brasileiro
Observa-se que o alto índice de criminalidade feminina é no mundo das drogas, boa
parte por influência dos seus companheiros, nessa situação ou eles foram presos e suas
mulheres acabaram assumindo o comando em seu lugar - pois era uma das fontes de renda
daquela família ou a única fonte- ou pelo fato de não conseguirem outro meio de sustento,
viram no tráfico de drogas uma oportunidade fácil e lucrativa de alcançar uma melhor
condição de vida. Como demonstra no levantamento de dados da INFOPEN. O tráfico de
drogas e a associação para o tráfico é responsável por 64% das penas das mulheres presas,
essa parcela é bem maior que entre o total de pessoas presas, de 28%. (MONTEIRO, 2016)
A criminalidade feminina existe, e isso é fato, a questão é que o Estado busca fazer
com que estas mulheres sejam despercebidas pela sociedade, e elas sofrem por isso, muito
mais do que os homens.
O direito penal foi feito por eles e para eles, a seletividade penal sempre existiu desde
a origem das leis até a sua aplicação, ele é seletivo quanto a condição social do cidadão, na
sua cor de pele e no gênero. Sendo que ainda o progresso demora a fazer parte do Direito
Penal, sabe-se que durante a história houve muito sangue derramado para a conquista dos
direitos hoje existentes, mas ainda se busca a quebra dos paradigmas dos preconceitos sociais.
Além das questões anteriores a vida na cadeia existe os motivos que levaram essas
mulheres a esse destino, e quando adentram no sistema prisional passam por experiências que
mudam as suas vidas.
De acordo com o estudo realizado, foi interpretado que a mulher dentro do cárcere tem
mais do que a pena imputada pelo Estado, que é a privativa de liberdade, mas outras penas
que derivam da vivencia nas penitenciárias.
Muitas vezes longe da sua família; pois existem pouquíssimas unidades que recebem
detentas femininas; sem proteção da lei ou da justiça; não possuem uma defesa justa assim
como determina a Constituição e o processo de execução penal; são abandonadas pelos amigos
e pelos próprios familiares, muitas vezes por vergonha de ter uma filha ou uma mulher que
foi presa, ou pelo fato da distância ser muito grande e a despesa da viagem não suportar com
a condição financeira.
Penalizada três vezes, primeiro pela pena imputada ao seu crime, segundo pelo
abandono do Estado em sua condição de ser mulher e de merecer a atenção que é sua de direito
e terceiro pela sua família. Condenada por dois crimes, primeiro perante o Estado, que foi o
delito em si, e segundo pela sociedade, por não cumprir o seu papel social de ser uma mulher
honrada como ordena o “estatuto da família” e da igreja.
Desta forma, a mulher autora de qualquer desvio recebe inicialmente uma punição
social, por não ter cumprido seu papel, e caso esse desvio se configure em um tipo
penal, irá também sofrer a punição formal do Estado que reproduz os valores
reconhecidos na sociedade. (NETTO, 2013, p. 322)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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do ingresso em estabelecimentos prisionais. Brasília: 2007. Disponível em <
http://www.observatoriodeseguranca.org/files/Trafico%20por%20mulheres.pdf > Acesso em
20 de jan 2017
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Prisional do Estado de Pernambuco. Impresso nos Estados Unidos da América. 2015
Disponível em < https://www.hrw.org/pt/report/2015/10/19/282335> Acesso em 15 de out de
2016.
Ministério da Justiça e Segurança Pública Governo Federal. MJ divulga novo relatório sobre
população carcerária brasileira. 2016 Disponível em < http://www.justica.gov.br/radio/mj-divulga-
novo-relatorio-sobre-populacao-carceraria-brasileira > Acesso em 15 out 2016.
NETTO, Helena Henkin Coelho; BORGES, Paulo César Corrêa. A mulher e o direito penal
brasileiro: entre a criminalização pelo gênero e a ausência de tutela penal justificada
pelo machismo. Revista de Estudos Jurídicos. UNESP. A.17, n.25, 2013. P. 322 Disponível
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epub. Disponível em: < http://lelivros.life/book/baixar-livro-presos-que-menstruam-nana-
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REIS, Luís Fernando Scherma. O Direito Surgiu Antes da Escrita. Disponível em <
http://publicadireito.com.br/artigos/?cod=7e44f6169f0ae75b> Acesso em: 24 de jan de 2017
SILVA, Lillian Ponchio e; BORGES, Paulo César Corrêa (org.) Sistema Penal e Gênero:
Tópicos para a Emancipação Feminina. São Paulo: Cultura acadêmica, 2011. P. 21 e 22
MULHERES PRESAS: reflexões a partir do movimento feminista270
RESUMO
INTRODUÇÃO
270
Ciências Criminais, Cárcere e Drogas
271
Iully Magalhães Cintra Gomes. Centro Universitário Tabosa de Almeida ASCES-UNITA.
[email protected]
272
Orientadora. Elba Ravane Alves Amorim. Centro Universitário Tabosa de Almeida ASCES-UNITA.
[email protected]
sua contribuição para um maquinário de controle social mediante opressão; Problematizar a
relação entre os crimes praticados pelas mulheres, a construção do gênero e o contexto fático
que ensejou tal situação.
A pesquisa demonstra elevada importância, uma vez que é imprescindível um
diagnóstico das falhas estatais, assim como, do sistema penal brasileiro, em detrimento à
problemática da violência, que é bastante pertinente e atual no que diz respeito aos anseios da
população.
Desta feita, fica evidente a necessidade de um estudo que não corrobore com antigos
paradigmas a respeito da mulher, de modo a viabilizar a reflexão acerca das normas penais
punitivas em contrapartida a sua aplicabilidade e execução, devido à ausência de políticas
públicas sociais eficientes, capazes de proporcionar a prevenção dos crimes.
Inicialmente o trabalho irá abordar historicamente a origem do Movimento Feminista
no Brasil, suas pautas e conquistas ao longo dos anos. Do mesmo modo, será abordado a
Criminologia Feminista, seu surgimento, ideias iniciais e a inserção da pauta no país.
Na segunda seção, será analisada a atuação do Movimento Feminista em defesa das
mulheres encarceradas no país, como tem se dado esse protagonismo, o que tem sido
reivindicado e através de quais projetos.
Na terceira seção, serão averiguados alguns dados obtidos através de pesquisa
documental e levantamento de dados oficiais, sendo observados aspectos sociais, políticos,
econômicos e culturais, concomitantemente, serão apontados dilemas no que corcene a
ressocialização da indivídua presa
O estudo será respaldado em pesquisa bibliográfica (MARCONI, 2001) e na análise de
documentação indireta, ou seja, fontes materiais concretas e finalizadas, porém, ainda sem
tratamento analítico-crítico (LOPES, 2006). Os dados desses documentos serão levantados
com base na Pesquisa Qualiquantitativa (SILVA, 2006), através de pesquisa documental
(FERRARI, 1982) e bibliográfica, uma vez que trataremos de dados que ainda não receberam
tratamento analítico, bem como, trabalhos científicos de mesmo cunho social (SILVA, 2003).
Destarte, será utilizado o Método Indutivo (PRESTES, 2006) para compreensão e
aplicação prática dos estudos teóricos na realidade das penalmente condenadas pelo Estado,
partindo de constatações mais particulares para planos mais abrangentes.
Portanto, o presente artigo busca compreender como estigmas históricos de racismo e
misoginia, conseguem através da consequente desigualdade, criar um sistema de perpetuação
de diferenças de classes e opressão.
1 O MOVIMENTO FEMINISTA E A CRIMINOLOGIA COMO PAUTA NO BRASIL
Talvez interesse conhecer como consegui chegar as atuais conclusões que apresento.
Em 1807 eu realizava umas investigações sobre cadáveres e seres humanos vivos
nas prisões e asilos de anciãos na cidade de Pavia. Desejava fixar as diferenças entre
loucos e delinquentes, mas não estava conseguindo. Repentinamente, na manhã de
um dia de dezembro, fui surpreendido por um crânio de um bandido que continha
anomalias atávicas, entre as quais, sobressaíam uma grande fosseta média e uma
hipertrofia do cerebelo em sua região central. Essas anomalias são as que
encontramos em invertebrados inferiores. (LOMBROSO: 1906, p. 665)
É interessante notar que os chamados estigmas atávicos não eram os mesmos para
os homens e para as mulheres. Um exemplo é com relação à aparência física.
Normalmente os homens perigosos tinham aparência não atraente (...). No caso das
mulheres, a beleza sempre teve um papel relevante na construção dos estigmas
criminosos. No caso dos crimes ligados à sexualidade, como prostituição, a beleza
era considerada definidor para medir a periculosidade da mulher, em outros casos,
a aparência física era utilizada para minimizar situações em que a mulher era autora
de crimes (FARIA apud LOMBROSO, 2010).
Apesar dos estudos de Lombroso terem trago a tona o debate a respeito da sexualidade
feminina e o estudo da mulher criminosa, por muito tempo, esse tema ficou estagnado nessa
perspectiva reduzida da criminologia. Embora tivesse existido interesse pelo estudo da mulher
como criminosa, a metodologia aplicada diverge da que foi empregada no estudo do homem
como delinquente. Apesar de ter partido de pressupostos antropológicos, o estudo da mulher
como criminosa, realizado por Lombroso, se atém muito mais a sexualidade e a suas práticas
do que a os elementos meramente biológicos.
É demasiado complexo e por vezes, controverso, trata da criminologia de gênero
atualmente. Não se pode fugir do fato de que é necessário sim, analisar os aspectos biológicos,
psicológicos e principalmente sociais como fatores de influência, o grande desafio é avaliar
todos esses elementos de modo que não se produza novos preconceitos gerando uma mácula
em certos grupos sociais.
A Criminologia Crítica juntamente com a Criminologia Feminista, são bastante
recentes, tendo surgidos em meados dos anos 1960/1970. Entretanto, essas correntes não
convergem e acabam difundindo de forma amena os mesmo preconceitos. Há certa reprovação
ao Movimento Feminista no tocante às duras propostas penalizadoras para o Sistema Penal.
Haja vista que, se de um lado o movimento deseja reprimir crimes de violência contra mulher
mediante agravamento das penas, por outro busca assegurar direitos fundamentais às mulheres
presas, requerendo penas mais amenas ou até mesmo o desencarceramento (GALVÃO, 2016).
Vale relembrar o que foi dito anteriormente, o Movimento Feminista não constitui um
movimento único. E embora à primeira vista pareça contraditório o discurso daquilo que é
tipo como “Feminismo Popular” reproduz, adiante será possível compreender tais
posicionamentos.
À crítica que se faz ao Direito Penal, neste ponto, é referente à ausência de política
de combate às drogas, e a tentava pífia de dar fim a um aparato extremamente lucrativo
através da Lei 11.343/2006. A consequência foi o crescimento populacional exacerbado.
Antes da referida lei, 13% dos presos brasileiros cumpriam sentenças por tráfico, hoje, só no
estado de São Paulo, o contingente é de 30% da população masculina e 60% da população
feminina. No Brasil, o aprisionamento de mulheres por tráfico cresceu 567% entre o período
de 2000 a 2014 (VARELLA, 2017).
Cabe aqui, trazer de volta a pesquisa ‘MulheresSemPrisão’ realizada pelo ITCC, que
constatou que a grande maioria das mulheres presas pelo comércio de drogas não são chefes
do tráfico, mas na sua maioria, provedoras do lar. E aqui, vale pontuar que, o patriarcado
está intimamente ligado a opressão e o quanto a luta feminista deve caminhar linear à
criminologia.
Tendo em vista que as mulheres vêm conquistando de forma muito paulatinamente
espaços, exemplo disso é o direito ao trabalho, essencial no sistema capitalista, é inequívoco
afirmar que isso escancara uma série de fatores a serem aprimorados pelo Estado, que além
de oferecer oportunidades mais igualitárias como mencionado anteriormente, tem de se
estabelecer uma economia mais estável e com mais oportunidades de emprego, mas não
somente isso, a desigualdade salarial entre homens e mulheres ainda constitui uma realidade.
Cabe aqui retomar a questão controversa do Movimento Feminista que busca penas
brandas para punição das mulheres marginalizadas face ao desejo de punição maior para
crimes em que a mulher figura no polo passivo.
Ressalte-se a diferença entre crimes patrimoniais e crimes contra o gênero, oriundo
de uma opressão secular. No primeiro deve-se observar, ressalvadas às exceções, a camada
social e raça que o individuo ocupa, isso quer dizer que, são violências individuais, sendo
elas em sua maioria resposta à opressão estrutural praticada pelo Estado (GALVÃO, 2016).
Em contrapartida, no que tange a violência de gênero, essa atinge toda uma
coletividade, em todas as classes sociais, mesmo em proporções e repercussões diferentes. A
diferença crucial é que no crime contra o gênero além de pontuar a violência existente, deve
ser levado em conta que a vítima é sujeito oprimido. Deste modo, compreendemos que a
pauta criminalizadora do Movimento Feminista é por entender que aquela conduta foi
praticada pelo fato da vítima ser historicamente oprimida (GALVÃO, 2016).
O Brasil tem pelo menos 83 Facções atuando em presídios. O DEPEN não possui
dados oficiais e recentes a respeito, contudo, o Primeiro Comando da Capital (PCC) é bastante
conhecido. A facção foi criada por oito detentos aprisionados no Anexo da Casa de Custódia
de Taubaté em agosto de 1993 (VARELLA, 2017).
... Fundado com a intenção declarada de “combater a opressão dentro do sistema
prisional paulista” e “vingar a morte dos 111 no massacre do Carandiru”, ocorrido
no dia 2 de outubro de 1992. O acontecimento teve repercussão internacional,
subverteu a disciplina e afrouxou o controle do Estado nos presídios de São Paulo
(VARELLA, 2017, p. 122).
O PCC, ou 15.3.3 referência à ordem numérica das letras a facção impõe sua
autoridade em todos os presídios femininos no estado de São Paulo. De acordo com o
Ministério Público, o grupo difundiu-se e atualmente atua em 27 estados do país, além do
Paraguai, Bolívia, Colômbia, Argentina e Peru (VARELLA, 2017).
O poder é exercido por uma hierarquia piramidal. Ao líder máximo está subordinado
um colegiado de sete membro encarregados de funções específicas como
administração do tráfico, planejamento de ações, guarda de armamentos, lavagem
de dinheiro, distribuição dos lucros, contratação de advogados – chamados de
“gravatas” –, ajuda material aos membros presos e seus familiares, contribuições
assistencialistas à comunidades em que atuam, implantação das normas do
Comando, julgamentos e punições por indisciplina, desvio de recursos ou traição.
(VARELLA, 2017, p. 122).
É fácil tornar-se membro do Comando mas, uma vez “irmão” é quase impossível de
sair, salvo apresentação de motivo de força maior ou alegar conversão à uma igreja. Nestes
casos a vida do crime deve ser abandonada integralmente, em caso de ser preso novamente,
enfrentará problemas graves.
Outrossim, as regras são bastante rígidas e a depender do descumprimento das normas,
este poderá ir a julgamento pela cúpula, onde a sentença é executada de imediato, e na ausência
do “réu”, um dos familiares poderá ser punido. O controle não é exercido somente durante a
estadia na cadeia, ao sair dela, o(a) “irmão(ã)” deverá dar baixa em seu cadastro, atualizando
a facção sobre seus dados, assim como o futuro endereço. (VARELLA, 2017)
O Estado tem se mostrado falho em diversos aspectos, na criação de políticas públicas,
no cumprimento das garantias sociais e no controle das unidades prisionais do Brasil. Para
Drauzio o “poder é um espaço abstrato que jamais permanece vazio.” (2017, p. 135).
A criação de leis que tipificam novos crimes ou agravam os já existentes, se colocam
como um obstáculo ao exercício do poder estatal dentro destas unidades. Uma vez que, o
contingente carcerário só cresce e superlotam celas, fica mais difícil evitar motins e
administrar com o mínimo de autoridade, propiciando o surgimento de grupos que
explorariam bem esse caos.
O problema dobra de tamanho porque isso torna inviável a prisão como um sistema
capaz de recuperar o indivíduo para reinseri-lo novamente ao convívio social. A ausência do
estado faz implodir os números da reincidência e parece ser cada vez mais, um problema
impossível de resolver, a medida que o tempo passa.
Desta feita, em se tratando da mulher presa, essa configuração torna-se ainda pior. De
acordo com os dados coletados pelo relatório do Departamento Penitenciário Nacional, em
dezembro de 2007 existiam o Brasil um quantitativo de 1.094 estabelecimentos penais, sendo
apenas 55 exclusivos para o sexo feminino.
Além de apontar a enorme discrepância entre presídios femininos e masculinos, o
relatório InfoPen (2008), indica a superlotação destas unidades. O Grupo de Trabalho
Interministerial, no mesmo ano sinaliza para problemas nas instalações que abrigam essas
mulheres, sendo alguns dos estabelecimentos penais reativados indevidamente para comportar
as detentas, sem oferecer a menor condição para execução da pena. (GOMES, 2018).
Sem adentar tanto nas questões pertinentes a fase de execução da pena, prevista na Lei
7.210/1984, o que se pretende pelo próprio ITCC é o desencarceramento em razão da
inviabilidade dos presídios como instituições de recuperação social, principalmente nos casos
em que as mulheres estão presas antes da sua condenação.
Outra crítica que se faz é a primeira fase do processo dosimétrico do Código Penal. O
artigo 59 “caput” do código elenca requisitos a serem observados no momento da aplicação
da pena, como; culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos,
circunstâncias e consequências do crime, bem como, comportamento da vítima.
Sendo assim, se por um lado vemos um exemplo da aplicação do Princípio da
Individualização da pena, de outro, vemos um mecanismo de exercício do controle social. A
maioria dos critérios indicados pelo artigo é de caráter subjetivo do juiz, que importa lembrar,
é um ser humano com perspectiva de vida geralmente totalmente diferente, e poderá sim,
legitimar seus preconceitos através do próprio ordenamento jurídico.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo apresentado possui uma temática complexa, uma vez que seu conteúdo é
muito vasto. No entanto, apesar da profundidade e importância, tal assunto ainda não detém
a atenção que merece, tornando assim, escasso o material bibliográfico que trate da
criminologia feminina, especialmente no Brasil, bem como, são ínfimas as informações a
respeito da mulher presa no país.
A fim de melhor compreender o tema e suas implicações na sociedade atualmente,
foi realizada uma análise a respeito do surgimento do Movimento Feminista e sua pauta
igualitária de gênero, percorrendo de forma breve as três ondas no Brasil. Do mesmo modo,
foi pontuado a respeito do advento da Criminologia Feminista, através de Lombroso ainda
na Escola Clássica e como suas conclusões enraizaram estigmas negativos sobre o gênero.
Busca-se através deste trabalho, relacionar uma série de fatores que contribuíram
para ineficiência do sistema penal e as consequências sofridas, em sua grande maioria, pela
população que já sofre pelo modelo de estruturação do Estado. Demonstrando que o
Movimento Feminista deve estar imbricado a Criminologia, pois, faz-se oportuno um
diálogo esses dois vieses.
Deste modo, a questão da mulher presa deve ser repensada em contornos gerais. Como
lidar com uma sociedade eivada de preconceitos, promover igualdade social e de gênero,
mediante políticas públicas, e promover a recuperação dos indivíduos já marginalizados, que
somente será possível se o Estado sair da posição de abstenção e inclinar-se para atuação,
recuperando o poder administrativo dentro dos presídios, impedindo que estes sejam
dominados por facções.
Diante de tudo que foi exposto, é notório a necessidade de estudos que atentem para
realidade em que vivem as mulheres encarceradas no Brasil. E mais que isso, é preciso
desfazer-se da ideia de que o Direito Penal tem caráter preventivo e punitivo, somente. A
coerção é insuficiente para evitar a criminalidade, especialmente quando nos fatores
motivadores e o modelo atual vigente já demonstrou o seu fracasso em todos os aspectos de
finalidade e de pretensão.
REFERÊNCIAS
LOMBROSO, Cesar; FERRERO, Guglielmo. Criminal Woman, the Prostitute, and the
Normal Woman. Traduzido por Nicol Hahn Rafter e Mary Gibson. Durham: Duke
University, 2004.
RESUMO
O presente trabalho destina-se a analisar, de forma objetiva, o caso do jovem negro suspeito
de estupro, no qual logo após ter sido preso em flagrante delito e, ainda algemado, foi
entrevistado por uma repórter da Rede Bandeirantes. Sem nenhum comprometimento com o
jornalismo e a informação, o que se percebe na matéria é um show sensacionalista de jornais
que comercializam o crime como “produto” de audiência. Sendo assim, a pergunta que
fundamentou a nossa pesquisa é: qual a relação entre o comportamento midiático e a violação
de direitos dos supostos criminosos. A abordagem utilizada foi a qualitativa, pois realizou-se
uma pesquisa bibliográfica com análise de conteúdo, baseada na leitura de artigos, livros e
revistas acerca do tema. O método utilizado foi o dedutivo, uma vez que partimos da
criminalização em geral em torno de supostos infratores, encabeçada pela mídia, e depois
analisamos a criminalização no caso “chororô na delegacia”. O artigo está estruturado em três
tópicos, sendo precipuamente baseado nas doutrinas de Eugenio Zaffaroni.
INTRODUÇÃO
São múltiplas e variadas as relações entre a mídia e a questão criminal, não é uma
novidade na atividade da imprensa nacional a identificação do produto “crime” como fator de
audiência nos veículos comunicativos. A exploração desse conteúdo se dá principalmente nos
programas que a doutrina classifica como “policialescos”.
Essa programação policialesca tem como característica central a exposição de pessoas
suspeitas de delinquirem, apresentadas em forma de espetáculo, com a exploração do
sensacional. Além de violarem direitos fundamentais e garantias processuais que são inerentes
ao réu, segundo a legislação processual penal pátria, funcionam como instrumento canalizador
de vingança, propagando ódio e preconceito. A essa prática jornalística, o autor argentino
Eugenio Raúl Zaffaroni atribuiu o nome de criminologia midiática, a qual centraliza o
273
GT 7 - Ciências Criminais, Cárcere e Drogas.
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Graduanda. Universidade de Pernambuco. Membro do grupo de estudos Veredas de Criminologia.
[email protected].
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Graduando. Universidade de Pernambuco. Membro do grupo de estudos Veredas de Criminologia.
[email protected].
problema da violência na pessoa do suspeito em uma análise simplória e desprovida de
qualquer base científica sobre o problema da criminalidade e violência urbana.
A partir disso, o estudo baseou-se na seguinte pergunta de pesquisa: qual a relação
entre o comportamento midiático e a violação de direitos dos supostos criminosos?
Sendo assim, definimos como o objetivo geral da pesquisa observar a relação entre o
comportamento midiático e a violação de direitos fundamentais dos suspeitos. Em seguida,
pautamos o primeiro objetivo específico do trabalho em compreender como o processo de
criminalização, através da mídia, constrói um discurso punitivista em torno dos
criminalizados; o segundo objetivo específico dessa pesquisa baseia-se em discutir como a
mídia brasileira, a partir do caso do “chorôrô na delegacia”, tornou-se instrumento de violação
sistemática de direitos fundamentais e, por fim, identificar as fragilidades da legislação pátria
quanto aos veículos de comunicação e propor alternativas.
Partindo do estudo da criminalização em geral em torno de pessoas suspeitas expostas
pela mídia e, posteriormente, fazendo uma análise de como se dá a violação de direitos no
caso concreto, utilizar-se-á o método dedutivo. A abordagem utilizada foi a qualitativa, pois
realizou-se uma pesquisa bibliográfica com análise de conteúdo, baseada na leitura de artigos,
livros e revistas acerca do tema, além do próprio caso.
Ademais, o artigo está estruturado em três tópicos, tendo como marco teórico a
doutrina de Eugenio Zaffaroni, pois grande responsável pelo conhecimento latino-americano
dos estudos criminológicos. O primeiro versa sobre os aspectos conceituais da Criminologia
Midiática, situando o contexto comunicacional hodierno para que seja possível compreender
o processo de criminalização contra os indivíduos. No segundo capítulo faz-se uma análise de
um caso bastante emblemático, conjecturando direitos violados e trazendo a importância
desses. Por último, mas não menos importante capítulo, tem-se uma investigação acerca da
legislação que envolve os meios de comunicação em questão, qual seja o da televisão.
O caso em análise neste artigo foi reproduzido pela TV Bandeirantes, em sua afiliada
no estado da Bahia. O programa Brasil Urgente, comandado pelo apresentador Uziel Bueno,
está em uma vasta lista de programas que a doutrina classifica como “policialescos”, os quais
possuem como principal característica “a exploração de uma linguagem realística e a
espetacularização dos fatos narrados (VARJÃO, 2015, p. 7)”, o que culmina em um grave
problema dentro do Estado Democrático de Direito, pois a espetacularização referida gera
uma série de infrações a direitos resguardados no ordenamento jurídico brasileiro.
Os programas “policialescos” começaram a aparecer no Brasil já na segunda metade
do século passado, e conseguiram sua adesão pelo público utilizando seus instrumentos
midiáticos como o elo de comunicação entre o cidadão e a figura estatal. Assim, diante da
realidade brasileira marcada pela desigualdade social, precariedade de políticas públicas em
todos os sentidos, insegurança etc., tais programas estimulam os seus telespectadores a
atuarem como cidadãos, por meio da participação destes durante a exibição do programa,
exigindo dos representantes governamentais respostas para os acontecimentos fáticos.
Problemas, entretanto, surgem com esses programas. Uma tônica são as entrevistas
nas delegacias com suspeitos de cometerem delitos, e para com estes, muitas vezes, é adotada
uma postura não condizente com a adequada a uma pessoa humana. Nessa esteira, tem-se que:
enquanto apontam supostos culpados pelos crimes que narram, tais programas
expõem vítimas e acusados, violam direitos de crianças e adolescentes, promovem
o racismo, o machismo e a homofobia, e legitimam e estimulam a violência policial.
Apesar de tais violações serem condenadas por inúmeras normativas nacionais e
diferentes tratados internacionais ratificados pelo Brasil, elas seguem acontecendo
e têm sido cada vez mais recorrentes na televisão brasileira (VARJÃO, 2015, p. 9).
Não foi diferente com o caso que usaremos como instrumento de demonstração da
realidade desses “veículos informativos”, caso que convencionamos chamar de “Chorôrô na
delegacia”. A presente situação se passa quando um jovem (não reproduziremos seu nome
para a preservação da sua identidade), em 2012, é suspeito de ter roubado e estuprado uma
mulher na cidade de Salvador, e após o ocorrido, conduzido para uma delegacia da cidade.
Lá, a jornalista Mirella Cunha, do Brasil Urgente, o “entrevista” de forma desrespeitosa e
vexatória, fugindo de qualquer parâmetro ético do jornalismo.
A matéria começa com o suspeito declinando da autoria do crime de estupro, quando,
de maneira inesperada, Mirella Cunha (a repórter) profere a seguinte assertiva: “não estuprou,
mas queria estuprar”. Após, o suspeito argumenta no sentido de que nunca havia cometido um
estupro na sua vida, e pede para que realizem um exame de “estrópia” na vítima e também
nele, querendo se referir, na verdade, ao exame de corpo de delito. A repórter se aproveita do
desconhecimento do suspeito sobre o nome do exame realizado para ridicularizá-lo,
perguntando-o, insistentemente, por cinco vezes o nome do exame. Seguindo a matéria, o
sujeito erra o nome do exame novamente, pedindo para que seja realizado o exame de próstata,
quando novamente Mirella Cunha insiste para que ele repita mais cinco vezes o nome do
exame. Mais adiante, a repórter profere a seguinte afirmativa: “estuprador, (nome do suspeito)
estuprador”.
Aqui não interessa saber se realmente o rapaz foi o autor do estupro, pois esta
informação revela-se desnecessária para o estudo das infrações de direitos cometidos pela
mídia para com os suspeitos da autoria dos crimes. O que importa, em verdade, é saber quais
direitos foram violados e a importância destes.
Presunção de inocência
No caso em questão, o indivíduo é suspeito pela infração de alguns delitos, dentre eles,
o de estupro, crime que possui um juízo de valor muito negativo na sociedade brasileira.
Possivelmente, a reportagem da TV Bandeirantes possuía a finalidade de causar revolta no
seu telespectador, muito pelo crime de estupro, sobrepujando o ódio e a revolta contra o
indivíduo ao constrangimento por ele passado.
Apesar da ojeriza que se tem em relação aos crimes contra a dignidade sexual, tudo
não se faz permitido, como pareceu no caso em discussão. Nesse sentido, tem-se que “o
processo penal é provavelmente o principal campo de tensão entre a segurança pública e o
direito à liberdade de quem se vê submetido a dito processo (CATENA, 2015).” São
incontáveis as situações em que suspeitos são submetidos a constrangimento público e
humilhações pelos veículos comunicativos, por vezes até tratamento degradante. Além do
caso analisado, podem-se destacar, no território nacional, outros episódios de exposição da
pessoa suspeita, quais sejam Isabella Nardoni, Menino Bernardo Boldrini e Suzane Von
Richthofen (LUZ, 2018).
A presunção de inocência é um dos limites que devem ser levados em consideração,
pois configura-se como um instituto de extrema importância, presente em alguns dos textos
mais importantes do mundo jurídico, como é o caso da Declaração de Direitos dos Homens e
dos Cidadãos, datada de 1789, na Revolução Francesa; na Declaração Universal dos Direitos
dos Homens de 1948, elaborada pela ONU (Organização das Nações Unidas) e no Pacto de
San José da Costa Rica. Além do mais, possui força normativa no Brasil, pois disposta no
artigo 5º da Constituição Federal, no inciso LVII, o qual dispõe que “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (BRASIL,
1988).”
Nessa esteira, é sabido que no momento da entrevista não existia processo contra Paulo
Sérgio decorrente dos possíveis atos ilícitos praticados por ele no dia em que foi detido pela
Polícia, muito menos uma sentença penal condenatória, como previsto na Constituição. Tais
elementos, juntamente com afirmação da jornalista de que ele seria um estuprador, são
suficientes para perceber uma violação da sua presunção de inocência.
Nesse sentido, destaca-se a violação não, apenas, da presunção de inocência no seu
sentido formal/processual, mas também e, mais especificamente, destaca-se a violação do
estado de inocência do indivíduo, no sentido material, esse deve ser entendido como “ser
inocente”, é um fato até que haja sentença condenatória transitada em julgado. Em tese, o
estado de inocência se manifesta de três formas autônomas, todavia relacionadas entre si, qual
seja a norma de julgamento, norma de tratamento e a norma probatória. A primeira refere-se
à exigência de um conjunto probatório suficiente para a condenação do réu, na dúvida o juiz
deve decidir a favor do réu, in dúbio pro reo. A segunda refere-se ao modo de como o acusado
deve ser tratado, ou seja, como inocente ao longo das fases pré e processual e a terceira trata
do ônus da prova, o qual no processo penal cabe ao órgão acusador (ZANOIEDE, 2010).
Pode-se afirmar que no caso descrito a violação ao estado de inocente atinge as suas
três manifestações. Em nenhum momento da matéria o jovem foi tratado como inocente
(norma de tratamento), o órgão acusador se materializa na pessoa da repórter e cabe ao jovem
provar que é inocento (norma probatória), feito o juízo de valor pela repórter, o que se viu foi
uma condenação midiática (norma de julgamento).
Analisando bem, não se verifica apenas uma transgressão do instituto aqui discutido,
mas também uma regressão há mais de dois mil anos, quando o indivíduo, assim que acusado,
em Roma, tinha o ônus da prova e a presunção de que era culpado (MORAES, 2010). Como
se não bastasse, o jovem suspeito de estupro é acusado pela jornalista com base em indícios,
culpando-o sem convicção, sem clareza. Essa observação nos remonta ao século XVIII,
quando:
uma meia-prova não deixava inocente o suspeito enquanto não fosse completada:
fazia dele um meio-culpado; o indício, apenas leve, de um crime grave, marcava
alguém como “um pouco criminoso”. Enfim, a demonstração em matéria penal não
obedecia a um sistema dualista; verdadeiro ou falso; mas um princípio de gradação
contínua: um grau atingido na demonstração já formava um grau de culpa e
implicava consequentemente num grau de punição. O suspeito, enquanto tal,
merecia sempre um certo castigo; não se podia ser inocentemente objeto de pesquisa
(FOUCAULT, 2014, p. 44).
A mídia acaba por remeter, então, o jovem suspeito há tempos remotos de obscuridade
e penúria humana.
Como última demonstração da regressão no tempo, traz-se o Pacto Social, idealizado
por Thomas Hobbes. Nessa teoria os cidadãos abdicam de parte de sua liberdade em
detrimento do Estado para que seja atingido um bem comum, um convívio social pacífico,
respeitando os limites impostos na legislação. Se nem o Estado, que possui as parcelas das
liberdades individuais de cada cidadão, pode, hodiernamente, presumir que o suspeito seja
culpado, o que sustenta uma pessoa física, no caso da jornalista, e uma pessoa jurídica, no
caso da emissora, desferir tamanhas agressões verbais ao suspeito?
Fica perceptível, dessa forma, que no caso do “chororô na delegacia” houve claro
desrespeito ao instituto da presunção de inocência, tão caro ao longo da história; pois não cabe
a concessionárias de serviços públicos condenar e vexar qualquer cidadão da forma que se
procedeu.
Direito à imagem
Do caso que dá ensejo à elaboração desse trabalho, pode-se extrair, dentre outras
infrações, o direito à imagem. Sendo mais específico, em vista da doutrina estabelecer tipos
diferentes de imagem, uma ofensa, no caso em cheque, à imagem-atributo, de acordo com a
classificação de Araújo (1996). Essa é o ideal do que a pessoa transmite na sua vida para com
a coletividade, são as características apresentadas socialmente pelo indivíduo, é como a
sociedade percebe a imagem daquele indivíduo.
O direito à imagem é tutelado no art. 5, X, da Constituição Federal, o qual prevê: “são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito
a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (BRASIL, 1988).”
De maneira geral “os agentes causadores desses danos às pessoas físicas ou jurídicas
são os meios de comunicação em massa (televisão, rádio, internet, jornais, revistas, boletins
etc.) (BULOS, 2015, p. 573)”.
O dano decorre justamente pela mudança da percepção de como a sociedade vai
perceber o sujeito aqui em questão a partir da sua aparição. Sua imagem foi denegrida sem
justo motivo, tendo um fator que deixa a situação ainda mais grave: a não existência de
sentença penal condenatória, o que dá a inferir pela incerteza da prática do ato ilícito.
A violação do direito à imagem de pessoas suspeitas do cometimento de algum delito
em sede policial passou a ser procedimento comum nas coberturas jornalísticas, a
apresentação do suposto infrator é feita pela polícia enquanto a mídia registra indevidamente.
Aos olhos dos telespectadores não se trata mais de suspeitos, mas de verdadeiros criminosos.
O cumprimento ao mandamento constitucional de que a imagem de uma pessoa deve ser
inviolável não se aplica a esses casos uma vez que os próprios apresentadores desses
programas tratam de desumanizar a pessoa do “suspeito” o qual não faz jus a nenhum direito
ou garantia, visto que essas são vistas como “regalias a bandidos” (MADEIRA, 2011).
Nessa perspectiva o que se percebe é uma demasiada violação de direitos e,
especificamente, o direito à imagem, sendo assim, constatada a lesão, pode o lesado ingressar
com um processo pedindo a reparação, por meio de indenização, dos danos causados. Esse
pedido pode ser baseado tanto no âmbito constitucional (art. 5, V e X) como em legislação
infraconstitucional, como é o caso do art. 20 do Código Civil:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante a todo o exposto, o presente trabalho buscou em sua extensão observar como se
dá a violação de direitos por parte de uma mídia criminalizadora e mais, especificamente,
como ocorreu essa violação no caso intitulado “Chororô na Delegacia”, o qual foi exibido pela
rede de televisão Bandeirantes no ano de 2012.
Como visto a lógica seguida pela criminologia midiática é a do Estado penal máximo,
da penalização e do punitivismo, ausentes direitos e garantias processuais. A mídia patrocina
a ideia de que se vive em uma sociedade maniqueísta, dividida entre pessoas boas, as quais
possuem direitos e deveres, e pessoas ruins, as quais não são dignas de direitos uma vez que
são as causadoras do mal na sociedade.
Sob essa ótica, o espetáculo da criminologia midiática potencializa sentimentos como
a insegurança e o medo, os quais precisam urgentemente ser combatidos. Em razão dessa
urgência, criam-se inimigos, divulgam-se imagens desses, o que contribui para a fabricação
de um perfil criminoso, de como já mencionado um “eles” do inimigo, quando na verdade
supõem-se infratores, ou melhor, suspeitos.
Em geral e também no caso analisado, os suspeitos são mostrados como verdadeiros
criminosos e como, consequência, tem suas vidas e de suas famílias devassadas pela exposição
midiática, a qual não se apoia em uma sentença penal condenatória transitada em julgado para
condenar o suposto infrator, mas em meros vestígios, suposições, haja vista que a maior parte
desses programas são gravados em sedes policiais, onde do ponto de vista jurídico não se tem
nem mesmo um acusado. Assim, a exposição pública do suspeito gera uma profecia
autorrealizadora isto é, o status “produz mecanismos que conspiram para moldar a pessoa
segundo a imagem que os outros têm dela” (BECKER, 2008, p. 44). Isso se dá, pois:
após ser identificada como desviante, ela tende a ser impedida de participar de
grupos mais convencionais, num isolamento que talvez as consequências específicas
da atividade desviante nunca pudessem causar por si mesmas caso não houvesse o
conhecimento público e a reação a ele‖ (BECKER, 2008, p. 44).
Nesse sentido, percebe-se por meio dos estudos da criminologia midiática, que a mídia
não contribui em nada na prevenção da criminalidade e diminuição dos índices de violência,
pelo contrário são potencializadoras de sentimentos como vingança e preconceito. Tratam da
violência não só como problema, mas como solução daquilo que é apresentado por ela.
Políticas preventivas não têm espaço nesses programas, o que se percebe é o incentivo ao
aumento do estado policial e práticas repressivas. A principal consequência se materializa na
violação dos direitos dessas pessoas, existe um entusiasmo em negar direitos e o respeito
desses passa a ser relativizado em razão do envolvimento dos mesmos com a prática de algum
delito, caracterizando um verdadeiro direito penal do inimigo.
Assim, existe uma relação entre o comportamento midiático e a transgressão de
direitos dos supostos criminosos, que é a mídia poder vender a resposta mais rápida ao seu
público, resposta que parece eficaz quando não se possui uma visão crítica do assunto, sendo
esse o caso de grande parte da população. Essa resposta imediata, entretanto, não vai ao
encontro dos princípios e regras que fazem parte do nosso ordenamento jurídico, ferindo,
dessa forma, os direitos que protegem os suspeitos no Brasil.
REFERÊNCIAS
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Rio de Janeiro, 2002. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/~boccmirror/pag/batista-nilo-
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BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Paulo M. Oliveira; prefácio de Evaristo
de Moraes. 2. ed. São Paulo : Edipro, 2015.
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de Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> Acesso em: 24 ago. 2018.
BUDÓ, Marília Denardin. Mídia e crime: a contribuição do jornalismo para a legitimação do
sistema penal, UNIrevista, v. 1, n. 3, p. 8-21, julho, 2006. Disponível em:
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23 ago. 2018
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. Raquel Ramalhete. Ed.
42. Rio de Janeiro: Vozes, 2014.
GIACOMOLLI, Nereu José; LUZ, Denise . Vinculação Dos Órgãos Da Imprensa Ao Estado
De Inocência. Novos Estudos Jurídicos (UNIVALI), v. 23, p. 6-34, 2018.
RIBEIRO, Ana Paula Goulart. Nelson Werneck Sodré e a história da imprensa no Brasil
Nelson. Intercom-Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, v. 38, n. 2, p. 275-288,
2015. Disponível em: http://www.redalyc.org/pdf/698/69842551014.pdf. Acesso em: 02 out.
2018.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A questão criminal. Trad. Sérgio Lamarão. 1. Ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2013.
RESUMO
A presente pesquisa analisa a interseção entre gênero e tráfico de drogas, pensando o lugar
das mulheres mulas, nessa cadeia de constante e fácil substituição. Tendo como objetivo geral
compreender, a partir da política de drogas, as interseções entre gênero, cárcere e drogas,
pensando o lugar da mulher mula, na Colônia Penal Feminina de Buíque-PE. Como aporte
teórico para esta pesquisa foram utilizados: Saffioti (2004) e Gomes (2007). Este estudo trata-
se de uma pesquisa etnográfica, de abordagem qualitativa. Os tipos de pesquisa utilizados
foram: bibliográfica, descritiva e exploratória, partindo de uma de observação não
participante, que fez uso de diário de campo, e entrevista semiestruturada, tendo sido as
informações lidas à luz da análise de conteúdo. Discutindo as vivências das mulheres em
situação de cárcere diante de práticas sociais de estigma e o seu enfrentamento perante uma
sociedade fincada em privilégios, que traça estereótipos machistas e misóginos, levando à
opressão às classes passíveis de vulnerabilidade, neste caso, as mulheres. Percebendo,
portanto, que mulheres envolvidas em situações de tráficos são vítimas de uma estrutura social
extremamente machista, sexista e patriarcal, frente a um Estado conservador e traçado por
padrões ligados ao autoritarismo.
INTRODUÇÃO
Este trabalho trata sobre a condição de mulheres mulas frente às questões de gênero e
cárcere, relendo a atual política de drogas no direito brasileiro. A discussão estará centrada
em como o machismo, o patriarcado, o sexismo e a misoginia são marcadores de estigmas
sociais, frente às práticas opressoras que vitimizam mulheres mulas do tráfico de drogas.
Desta forma, neste trabalho, analisar-se-á os fatores que influenciaram tais mulheres a
276
GT7: Ciências Criminas, Cárcere e Drogas.
277
Mestranda em Direito – Universidade Católica de Pernambuco (Unicap); Especialista em Direito Humanos:
Educação e Ressocialização – Ucamprominas; Graduada em Direito – Centro Universitário do Vale do Ipojuca;
Pesquisadora no Grupo de Estudos Latino Americanos em Direitos Humanos (EELAS/UNICAP/CNPq). E-mail:
[email protected].
278
Graduanda em Direito – Centro Universitário do Vale do Ipojuca; Presidente da CEJUD – Empresa Júnior de
Direito do Unifavip/Wyden; Pesquisadora do O Imaginário – Grupo de Pesquisas Transdisciplinares sobre
Estética, Educação e Cultura (UFPE/CNPq). E-mail: [email protected].
279
Graduanda em Direito – Centro Universitário do Vale do Ipojuca; Pesquisadora do Grupo de Estudos
Transdisciplinares sobre Meio Ambiente, Diversidade e Sociedade (UPE/CNPq); Pesquisadora do O Imaginário
– Grupo de Pesquisas Transdisciplinares sobre Estética, Educação e Cultura (UFPE/CNPq). E-mail:
[email protected].
praticar determinado ato, de maneira a tornarem-se encarceradas, passarem a viver como
cidadãs isoladas, bem como vítimas de inúmeros preconceitos e desigualdades sociais.
Buscamos entender, através da perspectiva de gênero, práticas sociais, políticas e
dinâmica da estrutura carcerária para com as mulheres que são responsabilizadas por tráfico
de drogas. Teve-se como problema de pesquisa: Quais as interseções entre tráfico de drogas
e o sistema carcerário, sob uma perspectiva de gênero?
Partindo da curiosidade em analisar como as mulheres mulas do tráfico de drogas são
tratadas em meio às precárias condições do Sistema carcerário brasileiro, na falta de condições
básicas para garantia de seus direitos fundamentais, o está preconceito fortemente ligado a
questões de gênero.
O presente trabalho tem como objetivo geral: Compreender, a partir da política de
drogas, as interseções entre gênero, cárcere e drogas, pensando o lugar da mulher mula, na
Colônia Penal Feminina de Buíque-PE.
Como objetivos específicos foram estipulados: 1) Estudar sobre a Lei 11/343/06 e sua
repercussão no Direito Brasileiro; 2) Discutir sobre tráfico de drogas e questões de gênero,
sob uma perspectiva do encarceramento em massa; 3) Analisar as interseções entre gênero e
tráfico de drogas, a partir da vivência de mulheres mulas na Colônia Penal Feminina de
Buíque-PE.
Nessa perspectiva, esperamos que nosso trabalho possa colaborar para uma discursão
mais humana e humanística, pautada no debate de gênero e assistência de redução de danos
para questões de drogas, não levando em consideração os padrões impostos pela sociedade
conservadora de costumes históricos e culturais que são determinantes na vida de mulheres
que se envolvem com o tráfico de drogas.
Esses argumentos foram e vem sendo conquistados com muita luta e persistência,
pensando questões sobre direitos humanos e fundamentais, a liberdade e cidadania. Ao mesmo
tempo em que vivemos tempos sombrios em relação à políticas públicas para mulheres.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Percebemos que a Lei 11.343/06 não tem um aparato de implementação adequada para
uma política de drogas, visto que é notória a aplicação de medidas retributivas, em detrimento
de medidas restaurativas e socioeducativas.
Podemos observar é que a legislação se preocupa em manter o sujeito longe da
sociedade, acreditando ser a solução mais eficaz para o problema, colaborando dessa forma
para o caos instalado no nosso caótico Sistema Penitenciário, decorrente da superlotação
Em seu artigo 1º, a Lei que Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre
Drogas prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de
usuários e dependentes de drogas. Estabelece também normas para repressão à produção não
autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes, desse modo, nota-se que inexistem
perspectivas quanto a uma política antidrogas por parte do Estado (BRASIL, 2006).
Há de se observar que a Lei em questão, não traz um aparato preventivo, podendo
primar pela redução de danos, apenas tratando de penas em relação às condutas já praticadas,
o que realmente ocorre na prática.
Nesse sentido, ocorre uma grande falha do Estado com a falta de centros próprios e
adequados para atender às necessidades das mulheres, por exemplo; a falta de atenção e
cuidados aos problemas de saúde física ou psíquica das detentas, e, até mesmo, sobre as filhas
e filhos destas, que na grande maioria das vezes, ficam abandonados por não terem uma base
familiar.
De modo que, compete ao (CONAD), na qualidade de órgão superior ao (SISNAD),
acompanhar e atualizar a política nacional sobre drogas, valendo observar que a respectiva
política de drogas fora sancionada no ano de 2006, e já se passaram 10 anos de sua efetividade,
mostrando-se, portanto, o quanto o Estado não se preocupa com o acompanhamento de tal
política, restando demonstrado que o que ele busca é a punição com atos repressivos, logo,
uma política criminal de drogas.
Dessa forma, segundo Gomes (2007), a atual política de drogas foi criada com o intuito
de reconhecer as diferenças entre o usuário, a pessoa em uso indevido, o dependente e o
traficante de drogas, tratando-os de forma diferenciada.
Contudo, o que se vê é que a Lei em comento não determina parâmetros seguros de
diferenciação entre usuários, traficantes, varejistas de pequeno, médio e grande porte; além
do mais, prevê penas altíssimas, não resultando em respostas jurídicas e sociais eficazes para
o público envolvido.
Conforme entendimento de Gomes (2007), quando se fala na abrangência da Lei de
Drogas em vigência, de uma forma geral percebe-se que os tipos penais existentes na Lei
6.368/76 foram mantidos, sofrendo, entretanto, uma majoração significativa da pena.
Ainda, conforme o artigo 66 da Lei em tela, com a criação da atual Política de Drogas,
ampliou-se o rol de substâncias abarcadas pela criminalidade de tóxicos, incluindo-se aquelas
sob controle especial (BRASIL, 2006).
De tal maneira, pode-se considerar uma afronta à própria Constituição Federal, que
prestigiou a liberdade física das pessoas, fazendo do aprisionamento uma exceção.
Percebe-se, claramente, ao ler a referida Lei de Tóxicos, que o legislador, em relação
ao combate a prática do tráfico de entorpecentes, nos seus mais diversos modos, optou não só
pelo endurecimento da pena a ela cominada, como também pela aplicação do regime mais
severo em seu cumprimento.
O tipo penal do tráfico não exige como elementar a finalidade de lucro ou de obter
vantagem econômica, podendo haver o crime de tráfico ainda que não se tenha fim lucrativo
por parte do agente delitivo.
Mais adiante, o artigo 44 discorre que a prática dos crimes previstos no arts. 33, caput
e § 1º, e 34 a 37 desta Lei serão inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia
e liberdade provisória, vedada a conversão de sua pena em restritiva de direito (BRASIL,
2006).
De acordo com a Lei, há a possibilidade de livramento condicional para o crime de
tráfico, após o cumprimento de dois terços da pena, vedada a sua concessão ao reincidente
específico.
Tendo em vista que a referida Lei é genérica, não importando, dessa forma, a condição
de ser homem ou mulher para cumprimento da pena, observando que a mulher ainda faz parte
de uma classe vulnerável, e, nesse aspecto, não se vê os cuidados básicos que suas condições
de sexo feminino requerem, sendo tratadas como homens, onde encontra-se vedada a pena
restritiva de direito, tendo em vista que, em primeiro plano, se tem a pena privativa de
liberdade.
Vale observar que com o advento da Política Criminal de Drogas, o enigma do uso
indevido de entorpecentes, bem como o tráfico de drogas ilícitas, longe de ter sido
solucionado, gerou inúmeras proporções.
Com a vinda da Lei nº 11.343/2006 o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre
Drogas (SISNAD) estaria responsável pela manutenção de atividades ligadas a prevenção do
uso de drogas ilícitas, de forma a repreender o tráfico.
Já dizia Foucault (2009, p. 71) que “as penas deveriam ser moderadas e proporcionais
aos delitos, sendo, portanto, preciso punir de outro modo, eliminando a confrontação física
entre soberano e condenado”. Dessa forma, Foucault (2009, p. 86) dispõe:
O castigo penal é então uma função generalizada, co-extensiva ao corpo social e a
cada um de seus elementos. Coloca-se então o problema da “medida” e da economia
do poder de punir. [...] efetivamente a infração lança o indivíduo contra todo corpo
social; a sociedade tem o direito de se levantar em peso contra ele, para puni-lo.
A cada dia que passa, percebe-se claramente a necessidade de uma política mais eficaz
no combate e prevenção às drogas, uma política de cuidados e redução de danos, qual seja:
eficiente, reformadora e educativa.
Percebe-se, portanto, que a Lei Penal de Drogas apresentou uma proposta político-
criminal bifronte, falsa, em função da diferença de tratamentos dados ao traficante, qual seja,
total repressão, e ao usuário, um tratamento e integração social, sem possibilidade de aplicação
de pena privativa de liberdade.
A partir disso, é importante que haja uma política de drogas reformadora, voltada para
que haja inclusão social das pessoas que fazem parte do comércio ilícito, tendo por base os
danos históricos das guerras às drogas.
Vale observar que a proibição não diminui o uso ou o comércio ilegal de drogas, por
esse motivo seria interessante um modelo de política publica equilibrada, mais voltada ao
esclarecimento ideal de consumo ou comercialização.
A persistência da Declaração Universal ao longo de cinquenta anos comprova que,
independentemente de suas origens, os valores positivos de uma cultura podem, sim, ser
transferidos de boa fé, sem violação dos cânones essenciais de cada civilização. Tendo em
vista que a maioria esmagadora dos países que acederam à independência após a proclamação
da Declaração Universal dos Direitos Humanos não teve dificuldades para aceitar seus
dispositivos, incorporando-os, na legislação doméstica (ALVES, 2005).
A política de descriminalização tem objetivo de poupar gastos e trazer melhores
resultados para a sociedade. Com o mercado regularizado de alguns psicoativos poderia ser
reduzido o poder do crime organizado e melhorar a segurança dos cidadãos, pois esses são os
que mais sofrem com essa guerra desnecessária (SANTOS, 2011).
O atual sistema internacional de controle de drogas, do qual o Brasil faz parte, além
de não alcançar seus objetivos, gerou uma série de recordes negativos para o nosso país.
Perfazendo, então 10 anos da vigência da Lei 11.343/2006, está passando da hora de
revisar os impactos que esta trouxe, observando as medidas que deram certo e as que não
foram eficazes, levando em consideração as mudanças sociais durante esse tempo, em prol,
portanto, de qualificação das políticas públicas, frente a isso, em seguida, veremos as
repercussões que a Lei em estudo trouxe em razão do caos no Sistema Carcerário instalado
em nosso país, dando ênfase a situação da mulher.
No Brasil, em junho de 2014 foram registradas pelos gestores de unidades prisionais
37.380 mulheres no sistema prisional, conforme informação fornecida pelo Departamento
Penitenciário Nacional (DEPEN).
Segundo relata Guimarães (2015), o documento aponta que 63% das mulheres
encarceradas respondem por crimes relacionados ao tráfico de drogas: 5.096 são acusadas de
tráfico, 421 por tráfico internacional e 832 mulheres, por associação com o tráfico.
No ano de 2005, antes da aprovação da Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, 34% da
população carcerária feminina respondia por crimes ligados ao tráfico. Comprova-se que em
aproximadamente dez anos, essa proporção ultrapassa o dobro. Esta informação acompanha
um fenômeno internacional de aumento do encarceramento feminino pelo crime de drogas:
50% da população feminina mundial responde por crimes de tal natureza, informação
(GUIMARÃES, 2015). É possível observar o quanto a política criminal de drogas é
tendenciosa ao aumento carcerário, de modo a torna-lo cada vez mais precário e opressor.
No documento aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 2010, conhecido como
“Regras de Bangkok”, traçaram-se diretrizes para o tratamento de mulheres presas e de
medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras. Porém, verifica-se que mesmo
assim, as penalidades sofridas pelas mulheres são atribuídas em grau de marginalização
superior às masculinas devido ao patriarcalismo instaurado nas práticas do Estado.
Dessa maneira, entende-se que a Lei supramencionada tornou as punições para o
tráfico ainda mais rigorosas, ao estabelecer novos critérios, pois a Lei abre margem para
interpretações que colaboram para o encarceramento pelo tráfico.
Diante dessa perspectiva, é comum observar que, devido ao proibicionismo, o sistema
carcerário foge do controle do Estado, de forma que o Estado não possui recursos
administrativos suficientes para construir estratégias que envolvam uma política judicial
eficaz.
Assim, poderia ser observada a realidade de cada detenta, como por exemplo, suas
condições físicas e psicológicas, de modo a implementar práticas utópicas e mais acessíveis a
uma realidade humana e justa.
A respeito disso, Salmasso (2004) dispõe que deve se observar, em primeiro plano, em
qual meio social essas mulheres estão inseridas (área de trabalho, ambiente doméstico e etc)
e, num segundo plano, revelar as condições biológicas e psicológicas que podem ou não
contribuir para a incidência e o grau dessa criminalidade.
De acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (2014, p. 39), o ritmo
de crescimento da taxa de mulheres presas na população brasileira chama a atenção. De 2005
a 2014 essa taxa cresceu numa média de 10,7% ao ano. Em termos absolutos, a população
feminina saltou de 12.925 presas em 2005 para 33.793 em 2014.
É importante observar que grande parte dessas mulheres que estão presas, são rendas
de suas próprias famílias, são as chefes de suas famílias, de forma que o aprisionamento
interfere na família inteira.
No que se refere ao mundo carcerário, destaca-se:
O sistema carcerário não foi pensado para as mulheres até porque o sistema de
controle dirigido exclusivamente ao sexo feminino sempre se deu na esfera privada
sob o domínio patriarcal que via na violência contra a mulher a forma de garantir o
controle masculino (RAMOS, 2011, p. 12).
Antes eu era vista como uma pessoa honesta, sincera e hoje, depois que mexe
com essas coisas não acham que a pessoa ainda é uma pessoa honesta, todo
mundo diz logo que é uma marginal (Entrevistada 05), (grifos nossos).
Constata-se que essas mulheres são vitimadas sob uma perspectiva punitiva de gênero,
ou seja, estereotipadas por padrões sexistas e rudes, machistas e arcaicos, que busca a opressão
a partir de críticas destrutivas, também por meio do sistema.
Esse achado da pesquisa certamente tem relação com o que Saffioti (2004) aponta
sobre o grau de hierarquia mantido pelo sistema masculino que perfaz o Estado,
majoritariamente composto por homens que mantém um controle sistemático e amplo sobre
as mulheres, tornando-as, cada vez mais, objetos de expiação.
Consta-se que a sociedade e o Estado guardam para si grande parcela de culpa das
desigualdades vividas por mulheres presas. Pode ressaltar esse aspecto no que relata a
entrevistada nº 01:
Transportava a droga habitualmente, a primeira vez que transportei foi para dentro do
presídio, para meu marido, quando eu estava indo visitá-lo. Eu não recebia nada por isso,
era muito raro, porque eu levava para meu marido lá no presídio, ele fazia as balas e
vendia, mas não mandava nada para mim (Entrevistada nº 01) (grifos nossos).
A partir dessa fala é possível notar o quanto ainda há uma situação de vulnerabilidade
de gênero que condiciona a mulher nesse tipo de crime, de modo a colocar o feminino em
grau de inferioridade, arriscando-se para satisfazer a vontade do companheiro.
Um dado interessante extraído da fala acima é que as mulheres entrevistadas só têm
dimensão dos problemas de gênero que enfrentam quando presas.
Só tenho valor para algumas pessoas da família, apesar de ser uma decepção,
porque eu fui a primeira a cometer esse erro, mas também acho a justiça cega,
porque não ouve o meu lado, a minha palavra de defesa (Entrevistada nº 09) (grifo
nosso).
Do mesmo modo, também se constata que os mesmos padrões de gênero que mediam
a identidade feminina no cárcere também perfazem sua imagem social. No trecho acima se
nota, mais uma vez, o quanto a sociedade é estereotipada por marcos maternais, de que a
mulher é sempre assumida como recatada e do lar.
O “não lugar” que a mulher presa ocupa é resultado de diversas práticas de opressão,
sejam elas ligadas ao cárcere ou não. Afirmando mais esse achado da pesquisa, as ideias de
Butler (2007, p. 200) apontam que:
Para que a pena não seja a violência de um de muitos contra o cidadão particular,
deverá ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima dentre as possíveis,
nas dadas circunstancias ocorridas, proporcional ao delito e ditada pela Lei
(BECCARIA, 1999, p. 139).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BECCARIA, Cesare de Bonesana, Marquês de. Dos delitos e das penas. Trad. Paulo Oliveira.
6. ed. São Paulo: Atena, 1959.
GOMES, Luiz Flávio. Lei de drogas comentada artigo por artigo: lei 11.343/2006, de
23.08.2006; 2. Ed. Rev., atual e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e Política: uma introdução. São Paulo:
Boitempo, 2014.
SANTOS, Douglas Carlos dos. O direito como ferramenta de controle social na guerra
contra as drogas. 61 f. TCC (Bacharelado) Bacharelado em Direito. Centro Universitário do
Vale do Ipojuca, Pernambuco, Caruaru, 2011.
DOS BENS IMPENHORÁVEIS E DA EQUIPARAÇÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO
A ESSA CATEGORIA
RESUMO
INTRODUÇÃO
Deve ser chamada a atenção para o aspecto de que o exequente deve requerer ao
magistrado para que este, por conseguinte, requisite à autoridade supervisora do sistema
bancário, informações sobre a existência de ativos em nome do órgão partidário que se
encontra como principal responsável pelas dívidas contraídas e/ou pelos danos causados e
direitos transgredidos.
O artigo 15-A que foi mencionado no corpo do parágrafo exposto acima foi adicionado
pela Lei 11.694/2008 à Lei 9.096/95. Nele consta o seguinte, in verbis:
O julgado acima mostra que diante da personalidade una que os partidos políticos
possuem, os diretórios respondiam pelas obrigações uns dos outros, sendo a distribuição
dessas verbas entre esses órgãos questão “interna corporis” que permite a responsabilização
de todo o partido político.
Após a alteração provocada pela Lei n° 11.694/2008, o entendimento passou a seguir
em outro sentido, serve como exemplo o caso julgado pela Corte da 3ª Turma do STJ:
Uma empresa de marketing e publicidade ajuizou ação de cobrança contra o PTB,
visando o pagamento decorrente da prestação de serviços prestados para as eleições
municipais de Campo Grande/MS em 2004. O pedido foi julgado procedente e o
partido condenado a pagar a dívida. Para dar cumprimento à sentença, foi
determinado o bloqueio de R$ 4,4 milhões das conta-correntes de titularidade do
Diretório Regional do PTB e do PTB. Ocorre que parte da quantia que se encontrava
nas contas era destinada exclusivamente aos depósitos dos recursos do Fundo
Partidário. Após perder em segunda instância, o PTB nacional recorreu ao STJ. O
relator do caso, m inistro Villas Bôas Cueva, lembrou que, independentemente da
origem, os valores recebidos do Fundo Partidário são considerados recursos
públicos, "isso porque referida verba possui destinação específica prevista em lei,
além de sujeitar-se a rigoroso controle pelo Poder Público através de prestação de
contas".
"Desse modo, o art. 649, XI, do CPC impõe a impenhorabilidade absoluta dos
recursos públicos do fundo partidário, compreendidas as verbas previstas nos incisos
I, II, III e IV do art. 38 da Lei nº 9.096/1995, diante da sua inegável natureza
pública."
O ministro ressaltou, porém, que o Fundo Partidário não é a única fonte de recursos
dos partidos políticos. Por isso, reconheceu a impenhorabilidade dos valores
depositados de somente uma das contas bloqueadas que é receptora dos recursos do
Fundo Partidário (REVISTA CONSULTOR JURÍDICO, 2015, p. 1).
Neste caso, observa-se que a cobrança advém de gastos que o Partido deveria ter
adimplido com recursos constantes no Fundo Partidário (enquadramento no rol de dispêndios
do artigo 44 da Lei dos Partidos Políticos); porém, quando este gasto torna-se uma dívida, e
esta é exigida através do processo de execução, o débito fica a mercê da impenhorabilidade,
pouco importando a natureza da dívida.
Apesar de haver decisões no sentido da impenhorabilidade, deveria ser primado pela
sua mitigação, haja vista que o credor, a exemplo da empresa do caso acima, fornece seus
serviços com qualidade e eficiência. Mas, quando se aproxima o momento do partido adimplir
com suas obrigações contraídas, o mesmo sob alegações diversas não as cumpri. O credor por
sua vez, vale-se dos meios legais disponíveis para efetivar seu direito; porém termina por
esbarrar na vedação da penhorabilidade dos recursos do fundo partidário. Percebe-se, dessa
forma, que o credor suporta um enorme prejuízo devido à extrema relevância dada ao interesse
público de resguardar de maneira rigorosa as quantias percebidas pelos partidos. Deixando de
garantir o direito daqueles que prestaram serviços a tais entidades, e, por conseguinte,
dependem do recebimento do crédito pelo trabalho realizado, haja vista que é daí que essas
pessoas obtém sua renda, que garante a sua sobrevivência e de seus familiares.
Considerando que o Poder Judiciário tem a função política de proteger a minoria, a
partir do princípio da equidade, a jurisdição precisa contar em um certo momento com o
“ativismo judicial”, o qual deve ser uma ferramenta de exceção para os casos em que o
processo de representação política não está funcionando. Logo, o exposto se enquadraria
perfeitamente no presente caso, relativizando, assim, o caráter absoluto da impenhorabilidade
do fundo partidário. No entanto, é preciso que haja um desprendimento da interpretação literal
e rigorosa acerca da lei, por parte dos Tribunais Superiores. Do contrário, continuará
subsistindo a controvérsia aquém explicada.
Com o advento da lei 11.694/2008, pode-se atestar que os recursos recebidos pelos
partidos políticos, a partir do início de sua vigência, terão privilégio no concernente
à garantia de sua impenhorabilidade (...) Conforme a anterior previsão legal dos bens
impenhoráveis, nota-se que estes eram apenas os vistos como absolutamente
indispensáveis ou que, diante de sua falta, causariam enorme prejuízo ao devedor.
Nada mais justo, portanto, que os recursos destinados à manutenção e fomento dos
partidos políticos também fossem assim encarados, pois estes têm fundamental
importância em nosso estado democrático de direito, eis que clara a previsão
constitucional. (MARINHO, 2009, p.5)
Todavia, ainda que se entenda desta forma, nos partidos políticos, entidades de direito
privado, o controle torna-se difícil, ou quase impossível. Logo, a inovação legislativa por si
só não é capaz de impedir os desvios de verbas do fundo partidário para fins ilícitos; pois não
adianta tornar tais recursos absolutamente impenhoráveis e não garantir a aplicação e
direcionamento corretos de tais quantias.
Enquanto não se ter consciência desses fatos que, aliás, são públicos e notórios, a
execução frente a dívidas de partidos políticos continuará emperrada e ineficaz, em face do
sacrifício do credor. A dúvida que aqui se insere é referente à dificuldade de o credor receber
o crédito, devido a falta de recursos de órgãos estaduais e municipais. Por esta razão, é
asqueroso que se deixe de lado um dos princípios da execução civil, de que a efetividade da
tutela judicial da execução se dá no interesse do credor, ou seja, o direito deste receber seu
crédito. Portanto, considerável é a possibilidade dos juízes determinarem a penhora de
recursos do fundo partidário nos casos em que sejam ausentes outros meios, afastando assim
a impenhorabilidade absoluta dos recursos públicos do fundo partidário.
Em um debate de Ciência Jurídica, expõe Babilon (2009, p.1 – online)
Qual a justificativa "nobre e digna" para tornar absolutamente impenhorável os
recursos públicos do fundo partidário? Parece que nenhuma! Esta
impenhorabilidade contraria todas as justificativas, porque, não está inserida na
subsitência pessoal e familiar do devedor (...)Ora, a nobre representação dos
cidadãos não se compara ao conceito de sobrevivência pessoal do devedor e de sua
família. Pelo que se tem noticiado nos últimos anos, os Partidos Políticos,
costumeiramente, têm usado seus fundos para outras finalidades (caixa-dois,
pagamento de "mensalão"). Então, parece que esta impenhorabilidade tem outras
justificativas que não ficaram expostas no texto legal.”
Por fim, segundo Simone de Sá Portella (2008), para conciliar o interesse do credor e
o interesse público, na garantia dos recursos do fundo partidário, não havendo recursos
suficientes nos cofres dos órgãos estaduais e municipais, a execução em caso de dolo, má fé
ou violação de lei, será direcionada ao responsável local pelo diretório do partido, aplicando-
se a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Roberto Moreira de. Curso de direito eleitoral. 11 ed. rev. ampl. e atual.,
Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.
BRASIL. Código de Processo Civil, Lei n° 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Disponível em:
<https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/91735/codigo-processo-civil-lei-5869
73>Acesso em: 6 mar. 2018.
BRASIL, Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de Março de 2015. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2. ed. – São Paulo: Atlas,
2016.
DIDIER JR., Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA,
Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: execução. 7. ed. rev., ampl. e atual.,
Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. 2. ed. São
Paulo: Atlas, 1992.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil – Volume único.
8. ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.
RESUMO
1 Introdução
280
GT 8: Estudos contemporâneos em direito público e processo
281
Bacharel em Direito. UPE. [email protected]
282
Bacharel em Direito. UPE. [email protected]
283
Bacharel em Direito. UPE. [email protected]
A metodologia empregada envolve a pesquisa sob o método indutivo, pois parte da
situação específica do voto do conscrito para uma análise do alistamento eleitoral e dos tipos
de inconstitucionalidade.
Trata-se de pesquisa qualitativa, com métodos de análise bibliográficos e documentais,
considerando que os dados da pesquisa serão apurados na legislação, livros, periódicos e
resoluções dos tribunais superiores.
Busca-se com essa pesquisa investigar na legislação as consequências que se acarretam
pelo voto do conscrito que está impedido pela Constituição da República de alistar-se e
consequentemente de exercer o voto, identificando as consequências que se sucedem do
exercício desse voto.
284
Res. nº 15.850, de 3.11.89, rel. Min. Roberto Rosas.
O termo conscrito tem origem no latim “conscriptione” que simboliza trabalho
voluntário requerido por uma autoridade. Muito usado na antiguidade, é possível observar sua
atuação desde do reinado de Hammurabi (1791-1750 D.C.), onde o Império Babilônico usou
um sistema de conscrição chamado “Ilkum”. Sob esse sistema, os elegíveis eram obrigados a
servir ao exército real em tempo de guerra. Em tempos de paz eles foram, em vez disso,
obrigados a fornecer trabalho para outras atividades do estado.
A conscrição moderna, realizada para cidadãos nacionais, foi criada durante
a Revolução Francesa, para permitir que a República fosse defendida contra os ataques de
monarquias europeias. Nessa época o deputado Jean-Baptiste Jourdan deu o seu nome à Lei
de 5 de setembro de 1798, cujo primeiro artigo declarava: "Qualquer francês é um soldado e
deve-se à defesa da nação". Esse sistema permitiu a criação da “Grande Armée”,
que Napoleão Bonaparte chamou de "a nação em armas", que dominou os exércitos
profissionais europeus que muitas vezes se limitavam a dezenas de milhares. Mais de 2,6
milhões de homens foram introduzidos nas forças armadas francesas desta maneira entre os
anos 1800 e 1813.
O serviço militar é obrigatório no Brasil, expresso na Constituição Federal de 1988 em
seu artigo 143º e parágrafos, é o expoente de uma sociedade marcada pela ordem e disciplina
como meios considerados eficientes para educar a população de forma mais segura e efetiva.
Embora regulado pela lei 4375/64, o serviço militar obrigatório retoma a carta de 1824
que já continha em seu artigo 145º o imperativo da força militar obrigatória a todos para
“sustentar a Independencia, e integridade do Imperio, e defende-lo dos seus inimigos externos,
ou internos.” A regulação desse instituto efetivou-se com a entrada do Brasil na primeira
guerra mundial.
A Lei n.º 5.292, de 8 de junho de 1967, que dispõe sobre a prestação do Serviço Militar,
define que o Serviço Obrigatório dura apenas 12 meses. O Regulamento da Lei do Serviço
Militar (RLSM) define as fases do recrutamento comuns às três Forças Armadas, que são: “a
convocação, a seleção, a convocação à incorporação ou a matricula (designação) e a
incorporação ou matrícula nas Organizações Militares da Ativa ou nos Órgãos de Formação
de Reserva” (PEREIRA, 2013, p.35).
Cabe ressaltar que o conceito de conscrito se estende aos médicos, dentistas,
farmacêuticos e veterinários que prestam serviço militar obrigatório a teor da Lei na 5.292/67,
com as alterações das Leis n“ 7.264, de 1984, e 12.336, de 2010. Também aos que prestam
serviço militar na condição de prorrogação de engajamento incidem restrições da Constituição
Federal, com base no art. 14, § 2a.
Para a introdução do objeto em estudo, quer seja o voto, faz necessário entender o
instituto do alistamento eleitoral, suas nuances e percepções advindas da Constituição da
República, no título II, capítulo IV que trata dos direitos políticos como direitos e garantias
fundamentais.
A constituição da República, com base no conceito de democracia e cidadania definiu
o sufrágio e o voto direto e secreto como formas de exercer a soberania popular. Em seu artigo
nº 14, a Constituição expressa a capacidade eleitoral ativa do cidadão (potência de votar) e
passiva (potência de ser votado). Ainda em seu artigo nº 14, é expresso o alistamento eleitoral
como um dos institutos capazes de definir quem são os civis aptos a serem os tidos cidadãos
e a exercerem efetivamente a cidadania, entendendo que o alistamento eleitoral tanto é
requisito para exercício do voto, quanto para situar-se no polo passivo como indivíduo
almejante de cargo público eletivo.
O alistamento e voto são obrigatórios para os brasileiros alfabetizados e não conscritos,
maiores de 18 anos e menores de 70 anos de idade. Para os analfabetos, maiores de 70 anos e
pessoas que possuam entre 16 e 18 anos de idade o voto é facultativo.
Com destaque a esse trecho da Constituição da República, são inalistáveis conforme o
parágrafo § 2º do artigo supracitado “os estrangeiros e, durante o período do serviço militar
obrigatório, os conscritos”. Assim, tanto a capacidade eleitoral ativa quanto a passiva ficam
suprimidas enquanto o cidadão esteja cumprindo o serviço militar obrigatório285.
Surge a problemática para auferir se essa supressão da capacidade eleitoral do
conscrito seja hipótese de suspensão ou de perda dos direitos políticos. Pelo art. 53, II, b, da
Resolução n. º 21.538, de 14 de outubro de 2003, o Tribunal Superior Eleitoral entendeu tratar-
285
Além da supressão do alistamento, a não quitação militar obrigatória, de acordo com a lei 4375/64, impede o
brasileiro de obter passaporte ou prorrogação de sua validade; ingressar como funcionário, empregado ou
associado em instituição, emprêsa ou associação oficial ou oficializada ou subcencionada ou cuja existência ou
funcionamento dependa de autorização ou reconhecimento do Govêrno Federal, Estadual, dos Territórios ou
Municipal; assinar contrato com o Govêrno Federal, Estadual, dos Territórios ou Municipal; prestar exame ou
matricular-se em qualquer estabelecimento de ensino; obter carteira profissional, matrícula ou inscrição para o
exercício de qualquer função e licença de indústria e profissão; inscrever-se em concurso para provimento de
cargo público; exercer, a qualquer título, sem distinção de categoria, ou forma de pagamento, qualquer função
ou cargo público: estipendiado pelos cofres públicos federais, estaduais ou municipais; de entidades paraestatais
e das subvencionadas ou mantidas pelo poder público e receber qualquer prêmio ou favor do Govêrno Federal,
Estadual, dos Territórios ou Municipal; reforçado pelo artigo 160 do decreto-lei nº 1.187, de 4 de abril de 1939.
se de hipótese de suspensão:
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará
nos casos de:
I - Cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;
II - Incapacidade civil absoluta;
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;
IV - Recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos
termos do art. 5º, VIII;
V - Improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.
A doutrina diverge quanto ao tema, para Filho (2012) trata-se de uma hipótese sui
generis, não sendo enquadrada em nenhumas das duas hipóteses anteriores. Para Silva (2007),
trata-se de situação de impedimento constitucional ao exercício do voto286, com tratamento
especial perante a legislação infraconstitucional.
286
"Alistamento eleitoral. Impossibilidade de ser efetuado por aqueles que prestam o serviço militar obrigatório.
Manutenção do impedimento ao exercício do voto pelos conscritos anteriormente alistados perante a Justiça
Eleitoral, durante o período da conscrição."
(Res. nº 20.165, de 7.4.98, rel. Min. Nilson Naves.)
que poria em sério risco os princípios da hierarquia e da disciplina, que são fundamentais para
as Forças Armadas".
Reforçando o fundamento da proibição do voto do conscrito, a supressão da liberdade
do voto é bem elucidada pelo Prof. Born (2014) ao entender que esse impedimento deriva da
rigorosa hierarquia e obediência às quais os militares estão submetidos, pois acredita-se que
eles estariam vulneráveis a possíveis abusos do Comando, facilitando a vitória de candidatos
que tivessem ligação com os seus superiores hierárquicos. O autor acredita que tal proibição
advém de resquícios dos governos militares.
Doutrinariamente, há posições discordantes a esse entendimento, Candido (2000, p.80) defende que não
há razão para que se impeça o voto do conscrito, aduzindo que:
Não se poderia tomar esse dispositivo como substrato para impedir o voto dos
conscritos alistados antes da incorporação, que, nessas circunstâncias, poderiam
exercer o direito de voto. Todavia, havendo impedimento em decorrência de ordem
administrativa de seu superior hierárquico, não poderá o eleitor conscrito ser
punido pela ausência ao pleito.
Realmente, tanto a Lei Máxima (art. 14, §§ 1º e 2º) quanto o Código Eleitoral (art.
6º) divorciaram os conceitos de alistamento e do voto, afastando os conscritos
apenas do alistamento." Conclui que, "numa exegese sistemática e em desencontro
com o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, os conscritos
são inalistáveis (art. 14 § 6º, CF), mas os já alistados na data da incorporação
possuem voto facultativo (art. 6º, II, c, CE).
Alguns debates foram postos na tribuna por parlamentares, discutindo o caráter do voto
do conscrito que poderá ser permitido por meio de emenda constitucional. Em fevereiro de
1987 o então deputado Mozarildo Cavalcanti (PFL-RR) foi o primeiro a questionar o voto do
conscrito, dando parecer favorável a permissão do voto, com base no alicerce do direito a
igualdade. Seguindo seu raciocínio os deputados Farabulino Júnior (PTB-SP) e Mendes
Ribeiro (PMDB-RS), se pronunciaram posteriormente também favoráveis ao voto do
conscrito. A proposta do constituinte Paulo Delgado (PT-MG), submetida à votação no dia 3
de março de 1988, trazia a possibilidade de os conscritos votarem, conferindo-lhes o exercício
democrático indireto. Após ser submetida à votação em Plenário, no entanto, do total de 434
constituintes, contando apenas dez abstenções dentre o total de votantes, 295 foram contrários
à proposta, negando aos conscritos o exercício do direito de voto durante o período de serviço
militar obrigatório. Tal emenda deu-se por encerrada em virtude da tese levantada de que cabe
aos militares conscritos a manutenção e a promoção da paz e da ordem no caso de haver
alguma manifestação no dia das eleições.
Cabe ressaltar que “(…) Destarte, não olvidando que o Brasil é um dos raros países
onde o conscrito é proibido de se alistar e de votar, temos convicção de que o constituinte de
1988 perdeu a oportunidade de ter abortado esse ordenamento jurídico odioso a restrição à
liberdade do exercício da cidadania” (BORN, 2014, p. 29).
De início, é importante destacar que, embora o serviço militar obrigatório seja exigível
para os maiores de 18 anos, o alistamento eleitoral é facultativo para os menores entre 16 e 18
anos. Assim, antes do menor iniciar o processo burocrático de alistamento militar ele poderá
conquistar o título de eleitor.
O alistamento eleitoral é disciplinado pela Resolução nº 21.538, de 14 de outubro de
2003 - Brasília – DF. Em seu artigo 13º é visto que:
287
A apresentação de certificado de quitação militar falso pelo conscrito, configura o crime de “uso de documento
falso do artigo do artigo 315 do código penal militar, sem prejuízo do crime de “falsificação de documento”,
constante no artigo 311 do mesmo código
288
"Eleitor. Serviço militar obrigatório. 2. Entendimento da expressão 'conscrito' no art. 14, § 2° da CF. 3. Aluno
de órgão de formação da reserva. Integração no conceito de serviço militar obrigatório. Proibição de votação,
ainda que anteriormente alistado. 4. Situação especial prevista na Lei nº 5.292. Médicos, dentistas,
farmacêuticos e veterinários. Condição de serviço militar obrigatório. 5. Serviço militar em prorrogação ao
tempo de soldado engajado. Implicação do art. 14, § 2° da CF."
(Res. nº 15.850, de 3.11.89, rel. Min. Roberto Rosas.)
289
Alistamento. Voto. Serviço militar obrigatório. O eleitor inscrito, ao ser incorporado para prestação do serviço
militar obrigatório, deverá ter sua inscrição mantida, ficando impedido de votar, nos termos do art. 6 °, II, c, do
Código Eleitoral." (Res. nº 15.072, de 28.2.89, rel. Min. Sydney Sanches;no mesmo sentido a Res. nº 15.099, de
9.3.89, Villas Boas.)
embora o mesmo, ao realiza-lo, esteja incorrendo em hipótese de inconstitucionalidade,
mesmo com a prevalência do princípio do aproveitamento do voto290é possível a impugnação
do mesmo, pelos fiscais do partido ou pelo próprio partido.
De acordo com o art. 69 da Lei das Eleições291, a impugnação deve ser apresentada à
Junta Eleitoral. Caso não recebida por esse órgão, o partido político deverá apresenta-la
diretamente ao TRE no prazo de 48 horas. Igual prazo será concedido ao TRE para análise do
recebimento da impugnação para processamento.
290
Conhecido como “in dubio pro voto”.
291
Lei 9504/97
Agra (2018) ensina que existem 4 tipos de inconstitucionalidade no Ordenamento
jurídico brasileiro, são eles: por ação, tanto formal quanto material; por omissão; por
descumprimento de preceito fundamental; valorativa.
A primeira ocorre quando ato normativo infraconstitucional está diretamente contrário
a um mandamento constitucional, seja de forma adversa ao preceito destacado ou por ter sido
criado em desacordo com os ditames estabelecidos pela Constituição.
Inconstitucionalidade por omissão ocorre quando ato mandamental da constituição em
forma de ordem para legislar não é cumprida pelos agentes estatais responsáveis.
A terceira hipótese ocorre como resguardo dos preceitos fundamentais da Constituição
da República que poderia não ter proteção frente as ações de inconstitucionalidade existente.
A quarta hipótese baseia-se em um sentido unitário e principiológico da Constituição,
em que a norma deverá ser analisada com base nos valores intrínsecos da Constituição da
República.
No objeto de estudo desse trabalho ocorre o caso de uma norma material e formalmente
compatível com a Constituição, estando em acordo com os preceitos fundamentais, mas que
por um resultado superveniente, atinge um mandamento intencional do Constituinte, quer seja,
impedir o Conscrito de votar, e mantem-se com status de constitucionalidade, visto não ter
disciplina sobre as formalidades, sanções e efeitos desse voto. É o que poderia ser chamada
de “inconstitucionalidade diferida” ou “inconstitucionalidade por resultado diferido”.
4 Considerações finais
REFERÊNCIAS
AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 9 ed. Belo Horizonte: Fórum,
2018.
BORN, Rogério Carlos. O Direito Eleitoral Militar. Revista Jus Militaris. Disponível em:
<http://jusmilitaris.com.br/sistema/arquivos/doutrinas/dtoeleitoralmilitar.pdf>. Acesso em:
30 set. 2018.
______. Lei no 4.375, de 17 de agosto de 1964. Lei do Serviço Militar. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4375.htm>. Acesso em: 02 out. 2018.
______. Tribunal regional eleitoral TRE-PR. Recurso em habeas corpus: RHC 202 PR.
Relator: Regina Helena Afonso de Oliveira Portes. DJ: 06/08/2009. Jus Brasil.
2009.Disponível em: <https://tre-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23164633/recurso-em-
habeas-corpus-rhc-202-pr-trepr>. Acesso em: 02 out. 2018
______. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n° 20.165, de 7 de abril de 1998. Dispõe sobre
alistamento Eleitoral - Impossibilidade de ser efetuado por aqueles que prestam o
Serviço Militar Obrigatório - Manutenção do impedimento ao exercício do voto pelos
conscritos anteriormente alistados perante a Justiça Eleitoral, durante o período da
conscrição. Relator Ministro Nilson Naves. Disponível em:
<http://inter03.tse.jus.br/InteiroTeor/pesquisa/actionGetBinary.do?decisaoData=19980407&
decisaoNumero=20165&processoClasse=PA&processoNumero=16337&tribunal=TSE>.
Acesso em: 02 out. 2018.
CÂNDIDO, Joel J. Direito Eleitoral Brasileiro. 8. ed. Bauru: Edipro, 2000. p. 80.
FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Curso de direito constitucional. 38. ed., rev. e atual.
SãoPaulo: Saraiva, 2012.
SILVA, Claudio Alves da. Aspectos da restrição constitucional ao voto do conscrito. Revista
Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1495, 5 ago. 2007. Disponível
em: <https://jus.com.br/artigos/10242>. Acesso em: 02 out. 2018.
IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA:
da (im)penhorabilidade do bem de família do fiador nos contratos de locação292
RESUMO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
292
GT 8 – Estudos Contemporâneos em Direito Público e Processo
293
Discente do 8° período do curso de Bacharelado em Direito, na instituição de ensino AESGA/FDG/FACIGA.
Email: [email protected]
294
Discente do 8° período do curso de Bacharelado em Direito, na instituição de ensino AESGA/FDG/FACIGA.
Email: [email protected]
295
Docente do curso de Bacharelado em Direito, na instituição de ensino AESGA/FDG/FACIGA. Mestrando
em Direitos Humanos pela UFPE. Email: [email protected]
3º, VII, da Lei nº 8.009/90 (incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)?
Justifica-se por ser um tema controvertido entre a doutrina e jurisprudência e instigante
para o estudo, posto que trata-se da possibilidade de penhorar-se o imóvel residencial
destinado a moradia do fiador, enquanto que o bem de família do afiançado, permanece imune
à execução.
Tem por objetivo geral analisar a possibilidade de penhora do bem de família do fiador
em contrato locatício, apresentando algumas posições divergentes entre a doutrina e
jurisprudência, para expor, ao fim, nosso posicionamento acerca do tema.
Os objetivos específicos são desenvolver uma noção geral acerca de processo de
execução, penhora e bens impenhoráveis, explicar a impenhorabilidade do bem de família,
diferenciar o bem de família convencional (ou voluntário) do bem de família legal, apresentar
às exceções à regra da impenhorabilidade do bem de família legal, analisar a possibilidade de
penhora do bem de família do fiador em contrato locatício e, por fim, discutir acerca da
constitucionalidade do art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90.
Para atingir os objetivos propostos, utilizou-se na pesquisa uma abordagem qualitativa.
A utilização desse tipo de abordagem difere da abordagem quantitativa pelo fato de não
utilizar dados estatísticos como o centro do processo de análise de um problema, não tendo,
dessa forma, a prioridade de numerar ou medir unidades. Nesse sentido, os dados coletados
nessas pesquisas são descritivos, retratando o maior número possível de elementos existentes
na realidade estudada. Preocupa-se muito mais com o processo do que com o produto. Na
análise dos dados coletados, não há preocupação em comprovar hipóteses previamente
estabelecidas, porém estas não eliminam a existência de um quadro teórico que direcione a
coleta, a análise e a interpretação dos dados (PRODANOV; FREITAS, 2013).
Quanto aos fins da pesquisa utilizou-se o método exploratório, tendo como técnica de
coleta de dados o levantamento bibliográfico, que consiste em uma sondagem de toda a
bibliografia já publicada (livros, revistas, publicações avulsas, documentos eletrônicos,
artigos científicos), reverberando em um contato direto com tudo o que foi escrito sobre este
determinado assunto (MARCONI; LAKATOS, 2001).
O método exploratório tem como finalidade proporcionar mais informações sobre o
assunto investigado, possibilitando sua definição e seu delineamento, isto significa facilitar a
delimitação do tema da pesquisa; orientar a fixação dos objetivos e a formulação das hipóteses
ou descobrir um novo tipo de enfoque para o assunto também é uma das finalidades desse
método. (PRODANOV; FREITAS, 2013).
O trabalho se desenvolverá, de início, apresentando algumas noções gerais acerca do
tema execução, penhora e bens impenhoráveis, para melhor compreensão do assunto que será
aprofundado adiante.
Logo após, explicar-se-á o instituto do bem de família, diferenciando o convencional
do legal, falando sobre a sua impenhorabilidade, para, ao final, aprofundar-se no tema
pretendido, qual seja, a discussão acerca da possibilidade de penhora do imóvel residencial
destinado a moradia do fiador em contrato locatício e a constitucionalidade do art. 3º, VII da
Lei nº 8.009/90.
2. Do Bem de Família
Merece destaque especial o inciso VII deste artigo, posto que este foi acrescentado
como mais uma exceção à regra da impenhorabilidade legal do bem de família, pela Lei nº
8.245/91 (Lei do Inquilinato).
Todavia, este acréscimo trouxe à tona algumas discussões sobre o tema, especialmente
após o advento da Emenda Constitucional nº 26, de 15 de fevereiro de 2000, que adicionou
aos direitos sociais do art. 6º o direito à moradia. Assim, a discussão cinge-se acerca de uma
eventual inconstitucionalidade superveniente (não recepção) do mencionado dispositivo legal,
onde se questiona uma possível afronta, deste inciso, a Constituição Federal e aos princípios
e direitos nela esculpidos, em razão de sua desproporcionalidade.
É esta discussão que passaremos a analisar no tópico seguinte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por todo o exposto, pensamos que é frustrante que a jurisprudência dos tribunais
superiores tenha se sedimentado no sentido de permitir à penhora do bem de família do fiador
em contrato locatício residencial, sem dar o mesmo tratamento ao locador afiançado que,
mesmo se for inadimplente de má-fé, pode acabar saindo imune à execução, ainda que possua
um imóvel residencial configurado como bem de família legal.
Mais que isto, não encontramos uma justificativa plausível para a distinção de
situações criada pelo STF para dar tratamentos diferentes ao bem de família do fiador em
contrato de locação, no sentido de, quando se tratar de locação comercial, o bem de família
do fiador é impenhorável, enquanto, se estivermos falando de locação residencial, é
penhorável, posto que, em ambos os casos, o que está em jogo é o direito fundamental à
moradia, tendo em vista que o afastamento da penhora visa a beneficiar a família.
É bem verdade que o fiador, ao assumir o encargo, sabe das possíveis consequências,
tendo a liberdade de decidir se sujeita-se ou não à lei vigente, e é compreensível que a atual
redação do art. 3º, inciso VII da Lei nº 8.009/90 pretende proteger o mercado locatício.
Todavia, mesmo com tudo isto, acreditamos que seria mais justo com o fiador de boa-
fé que, assumindo um encargo desta natureza na inocência ou boa vontade, acredita que o
afiançado vai honrar seus compromissos, mas este não o faz por ser simplesmente um
dissimulado, que este também pudesse estar sujeito ao mesmo regime da penhorabilidade do
seu bem de família em ação de execução decorrente do descumprimento do contrato locatício.
Ou, no mesmo sentido que, ao menos, caso o fiador sacrifique seu bem de família para
pagar o débito do afiançado, que possa sub-rogar-se no direito de penhorar o imóvel
residencial do devedor em eventual ação regressiva.
A aplicação do princípio isonômico, previsto constitucionalmente, bem como do
princípio ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositivo, deveria ser levado a efeito em casos
como estes.
Esperamos que essa discussão possa ser revista, seja no Congresso Nacional, com a
reformulação da mencionada lei para assegurar, na mesma situação, possibilidade de penhora
do bem imóvel do afiançado em contrato locatício, ou o direito do fiador exercer o direito de
regresso com esta possibilidade, seja nos Tribunais Superiores com a sedimentação da
jurisprudência no sentido da impossibilidade de penhorar-se o bem de família legal do fiador
em qualquer tipo de contrato locatício, quando este tipo penhora não poder ser feita no bem
de família legal do locador afiançado, defendendo-se a aplicação do princípio isonômico para
assegurar a dignidade da pessoa humana do fiador.
Portanto, conclui-se que é inconstitucional a possibilidade de penhora do bem de
família do fiador em contratos de locação, seja ele residencial ou não residencial.
Caso contrário, aceitar a constitucionalidade dessa exceção injusta ao fiador,
significa dar cabo à função social que possui o bem de família.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis
urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm>. Acesso em: 7 abril. 2018.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 7 abril. 2018.
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 7
abril. 2018.
CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas,
2017.
DIDIER JR., Fredie, et al. Curso de direito processual civil: execução. 7. ed. rev., ampl. e
atual.. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.
DONIZETTI, Elpídio. Curso de Direito Processual Civil. 19. ed. revisada e completamente
reformulada conforme o Novo CPC – Lei 13.105, de 16 de março de 2015 e atualizada de
acordo com a Lei 13.256, de 04 de Fevereiro de 2016. São Paulo: Atlas, 2016.
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil,
volume I : parte geral. 19.ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil,
volume 4 : tomo II : contratos em espécie. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. 2. ed. São
Paulo: Atlas, 1992.
PEREA, Nayara Moreno. A Nova Súmula 549 do STJ e a Questão do Bem de Família do
Fiador em Contrato de Locação. 2015. Disponível em:
<https://nayaraperea.jusbrasil.com.br/artigos/244388325/a-nova-sumula-549-do-stj-e-a-
questao-do-bem-de-familia-do-fiador-de-contrato-de-locacao>. Acesso em: 7 abril. 2018.
STF. RECURSO EXTRAODINÁRIO: RE 352940 SP. Relator: Ministro Carlos Velloso, Data
de Julgamento: 25/04/2005, Data de Publicação: DJ 09-05-2005. JusBrasil, 2005. Disponível
em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14791116/recurso-extraordinario-re-352940-
sp-stf>. Acesso em: 7 abril. 2018.
STF. RECURSO EXTRAODINÁRIO: RE 407688 SP. Relator: Ministro Cezar Peluso, Data
de Julgamento: 08/02/2006, Data de Publicação: DJ 06-10-2006. JusBrasil, 2006. Disponível
em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/761975/recurso-extraordinario-re-407688-
sp>. Acesso em: 7 abril. 2018.
STF. RECURSO EXTRAODINÁRIO: RE 605709 SP. Relator: Ministro Dias Toffoli, red. p/
ac. Min. Rosa Weber. Data de Julgamento: 12/06/2018. Informativo STF 906. STF, 2018.
Disponível em:
<http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo906.htm#Impenhorabilid
ade%20do%20bem%20de%20fam%C3%ADlia%20e%20contratos%20de%20loca%C3%A
7%C3%A3o%20comercial>. Acesso em: 15 setembro. 2018.
STJ. RECURSO ESPECIAL: REsp 1363368 MS. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão,
Data de Julgamento: 12/11/2014, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 21-11-
2014. JusBrasil, 2014. Disponível em:
<https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/153227765/recurso-especial-resp-1363368-ms-
2013-0011463-3/relatorio-e-voto-153227770>. Acesso em: 7 abril. 2018.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – vol. III. 50. ed.,
atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
UMA ANÁLISE JURÍDICA DA EXECUÇÃO FISCAL DO FIES: ACERCA DOS
PROFISSIONAIS RECÉM-FORMADOS296
RESUMO
O presente artigo busca fazer uma análise acerca da execução fiscal do FIES e os profissionais
recém-formados. O Programa do FIES que foi implantado pelo Governo Federal no ano de
1999 e no decorrer dos anos trouxe a oportunidade para que vários jovens e adultos menos
favorecidos conseguissem realizar as suas graduações. Desta forma, percebe-se que o FIES é
uma forma de financiamento que atualmente tem como garantidor o próprio Governo Federal
quando criou o Fundo de Garantia de Operações de Créditos Educativos (FGEDUC). Porém
muitos destes contratantes são recém-formados e sequer conseguiram adentrar no mercado de
trabalho, devido a este fato surge à impossibilidade de cumprimento de alguns contratos. O
número de contratantes inadimplentes supera os 10% que havia sido estimado pelo Governo
Federal. O meio de cobrança deste crédito vai ser objeto de estudo deste trabalho, verificando
a inscrição na Dívida Ativa, que de acordo com analises do art. 784, inciso IX, do CPC, é um
título executivo extrajudicial, que permite ingressar com a Ação de Execução Fiscal contra o
inadimplente.
INTRODUÇÃO
O trabalho busca realizar uma análise jurídica da execução fiscal do FIES e do contexto
que estão inseridos os profissionais recém-formados.
O programa de financiamento estudantil foi criado pelo Governo Federal, para que
este oportunizasse aos alunos que não tem condições de arcar com os custos para estudar em
instituições de ensino superior privadas. Tal programa tem como foco fazer que os alunos
consigam ingressar nestas instituições por meio de contrato de financiamento estudantil. Após
No decorrer dos últimos anos, no Brasil, ocorreu um grande avanço no que diz respeito
a inserção no ensino superior.
O Fundo de Financiamento Estudantil de Ensino Superior (FIES) foi criado pelo
Governo Federal no ano de 1999, tendo como agente operador o Ministério de Educação. O
programa tem a finalidade de proporcionar o curso de graduação no ensino superior em
instituições privadas, na modalidade de cursos presenciais, buscando atingir a população de
baixa renda que não conseguiu inserir-se em instituições públicas, proporcionando a esses
cidadãos o direito à educação que é um direito fundamental social do indivíduo como consta
no art. 6º da Constituição Federal de 1988, "são direitos sociais a educação, a saúde, a
alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição".
O Governo Federal além de criar o programa, também atuaria liberando o crédito para
que os estudantes se matriculassem e realizassem o curso. Após a conclusão, o estudante
devolve o valor que foi utilizado para realização do financiamento estudantil, percebendo-se
que estes financiamentos são realizados pelos bancos do Brasil e Caixa Econômica Federal.
É importante ressaltar que, os alunos até o ano de 2009 necessitavam de uma garantia
para que o financiamento fosse aprovado, após isso o Governo tentou deixar o FIES mais
penetrável para os estudantes que possuem renda baixa. A responsabilização destes contratos
passou a ser responsabilidade do Governo que criou o FGEDUC (Fundo de Garantia de
Operações de Créditos Educativos), passando o governo a ser o maior garantidor. No início
apenas era possível ter essa modalidade de garantia aqueles que comprovassem renda até 1,5
salário mínimo, a partir de 2014 foi abrangido para todos os contratantes.
Conforme os anos iam passando, ocorreram várias alterações em relação a vários
pontos do financiamento, inclusive na taxa de juros. Estas taxas, é importante ressaltar, apesar
das mudanças de cenário, permaneceram por muito tempo abaixo ou próximo a inflação.
Atualmente, a taxa é de 3,5%, até 2010 a taxa era equivalente a 6,5%, conforme
ressalta o Jornal Nexo (2017).
Destaque-se que ao longo dos anos, houve alteração em relação a porcentagem que o
aluno poderia financiar; no início poderia ser financiado até 70% do valor do curso, todavia
durante os governos anteriores, o programa não só foi mantido, mas também foi ampliado, e
no ano de 2007 já era possível que os estudantes financiassem 100% do curso mediante o
programa, como pode ser visto no mesmo Jornal Nexo (2017).
Houveram mudanças, ao longo dos anos, na lei reguladora do FIES, sendo a última,
antes da alteração de 2017, era Lei de nº 12.202/10.
De acordo com Moura (2017), com a 12.202/10, notou-se um aumento significante
no número de estudantes que aderiram ao programa, de acordo com os dados que localizou
no Relatório de Gestão do FIES do ano de 2012. Segundo o mesmo, 32.654 (trinta e dois mil,
seiscentos e cinquenta e quatro) estudantes inscreveram-se no programa de financiamento em
2009. Posteriormente a lei, o número teve um aumento para 153.151 (cento e cinquenta e três
mil, cento e cinquenta e um) estudantes em 2011.
A nova lei, nº 13.530/17, trouxe novos dispositivos nos contratos realizados pelos
estudantes a partir do ano de 2018. Acredita-se que essas novas regras buscam uma maior
eficácia em relação a cobrança do valor que foi contratado pelo estudante, possibilitando que
esse valor volte ao Governo Federal para que sejam realizados novos financiamentos, assim
como também uma diminuição no número de inscritos.
Segundo a Revista IstoÉ (2018), foram disponibilizadas no ano de 2018, só para o
primeiro semestre 100.000 (cem mil) vagas para o financiamento realizado diretamente pelo
Governo Federal, porém apenas 36.866 (trinta e oito mil, oitocentos e sessenta e seis) foram
contratadas, existindo cerca de 16.351 (dezesseis mil, trezentos e cinquenta e um) em
contratação. Assim, os dados apresentados mostram que ocorreu uma diminuição no número
de contratos celebrados de forma drástica.
Ao realizarem os contratos, os alunos concordam com as cláusulas impostas nestes e
o banco libera os valores para os encargos educacionais para conclusão da graduação. O valor
do contrato vem determinado a depender do curso e de que período se iniciou a contratação,
assim como também irá constar a porcentagem de reajuste para a mensalidade. Ressaltando-
se que não sendo suficiente o limite estabelecido no contrato, existe a possibilidade de
dilatação.
Caso o contratante não conclua o curso no prazo regular, este poderá solicitar uma
única vez a dilatação, sendo ampliado por dois semestres consecutivos o seu contrato. Esta
solicitação é realizada por meio do financiado e será condicionada a disponibilidade do FIES.
Porém essa ampliação de mais dois semestres, para alguns estudantes, pode não ser
suficiente, ocasionando a impossibilidade do estudante concluir a graduação e, de certa forma,
sem a formação específica para ter maiores possibilidade de cumprir o contrato.
Como pode ser visto pelo Sitio do SISFIES, todavia, havendo necessidade de
renegociação, o Ministério de Educação traz a seguinte informação:
Após a solicitação no sitio, é necessário que o financiado entre em contato com a Caixa
Econômica Federal na qual realizou o financiamento, tendo que o financiado e o seu fiador
assinem o termo aditivo, levando toda a documentação necessária para tal procedimento. Com
relação aos contratos após essa data, não há possibilidade de renegociação, o que torna está
dívida impagável. Importante ressaltar que pode haver a possibilidade de renegociação com
os agentes financeiros, mas no dispositivo legal e nos contratos do financiamento não tem
nenhuma disposição acerca de tal ponto.
Devido a impossibilidade de renegociação dos novos contratos, acredita-se que podem
elevar a inadimplência a números ainda maiores, prejudicando toda questão orçamentária do
governo.
A certidão que no ato de sua inscrição não constar todos os requisitos do art. 202 do
CTN, tem a possibilidade de ser considerada nula, podendo ser esta corrigida até a data da
decisão da primeira instância. Caso contrato será nulo todo o processo.
De acordo com o entendimento de Machado (2014), o ato da inscrição não são apenas
formalidades, mas sim um controle interno de legalidade da administração pública.
O processo iniciará com a petição inicial, nesta deve constar, de acordo com o art. 6º
Lei nº 6.830/80, que o juiz a quem deve ser dirigido, o pedido e o requerimento para citação
do executado. Com o surgimento da Lei nº 11.382/2006, fica entendido que quando a Fazenda
Pública for exequente, pode na própria inicial indicar os bens que desejam ser penhorado.
No que diz respeito a citação do acusado, esta deverá ser realizada via correios, com
aviso de recepção, se não for disposto de outra maneira pela Fazenda Pública. No entanto,
caso não volte o aviso de recepção em quinze dias da data que foi entregue a carta na agencia
postal, deverá a citação ser realizada por Oficial de Justiça ou por meio de edital. Este será
fixado na sede do juízo, tendo que ser publicado uma única vez, tendo o prazo de trinta dias,
como está disposto na Lei nº 6.830/80, no art. 8º.
Ao se tratar dos corresponsáveis das obrigações geradas, que nos contratos do FIES
seriam os fiadores, a citação deve ser realizada dentro de cinco anos no máximo, a partir da
data do despacho do juiz que ordena a citação do devedor principal da dívida, caso não citado
dentro do prazo legal prescrevera a pretensão de execução de bens destes corresponsáveis.
Como disposto no art. 4º, incisos I e II, da Lei nº 6.830/80, "a execução fiscal poderá ser
promovida contra: I- o devedor; e II- o fiador".
Quando da citação, a parte executada tem o prazo de cinco dias para pagar a dívida,
ou garantir o pagamento desta, seja através de deposito em dinheiro, fiança bancária, ou
nomear bens a serem penhorados. Este prazo não tem nenhum vínculo ao prazo que o
executado tem para interpor embargos do executado, este prazo é dado para realização do
pagamento da dívida, caso passe o prazo dos cinco dias, fica critério do credor os bens que
devem ser penhorados MACHADO (2014).
O embargo do executado, ou do devedor, meio de defesa, está disposto no art. 16 da
Lei n º 6.830/80 e tem a intenção de desconstruir o título executivo. Este será o momento que
o executado tem a possibilidade de alegar a necessidade de novas provas para serem juntadas
aos autos, tendo como prazo para interpor esse embargo, trinta dias a partir da garantia.
O CPC em seu art. 914 traz que o embargo à execução pode ser interposto
independente de garantia. Porém o STJ (2013) entende que é necessário o cumprimento da
garantia, como é disposto no art. 16, § 1º da Lei 6.830/80:
Por fim, conclui-se que o prazo para prescrever a execução fiscal é quinquenal, tendo
como marco cinco anos para ser cobrada a dívida, a partir do lançamento do crédito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo conclui que, de acordo com análise realizada acerca do Programa do
FIES, que gerou oportunidades para os menos favorecidos em nosso país acarretou um déficit
nos cofres públicos tendo em vista o número de inadimplentes que era estimado no máximo
de 10% e chegam a 46,5% os contratos que estão atrasados a no mínimo um único dia. O que
só agrava a situação do país, tendo em vista a crise econômica que estamos vivenciando no
cenário nacional.
A inadimplência destes contratos, em sua maioria, não é ocasionada pela má-fé dos
contratantes; pode até existir uma parcela destes inadimplentes que estejam usando e agindo
com má-fé, porém a maior parte dos devedores realmente não consegue honrar o contrato que
foi celebrado no início de suas graduações por motivos alheios as suas vontades, o alto índice
de recém-formados desempregados corrobora para o número de inadimplentes estar tão alto.
É certo afirmar que estes graduandos não pretendem iniciar suas vidas profissionais
com seus nomes inscritos nos órgãos de proteção ao crédito, e muito menos se arriscar a sofrer
consequências decorrente de uma execução fiscal.
De acordo com o que é abordado pelo Correio Braziliense, através de Lisboa (2018),
um grande fator para esta situação é o fato de existir um desencontro entre as vagas de
emprego e as vagas ofertadas para realizar cursos superiores. Desta maneira, a crise que
estamos vivenciando em nosso país só ocasiona o aumento do índice dos recém-formados que
estão desempregados, ou atuando fora da área de suas formações. Ao inserir esses jovens ou
até mesmo adultos em curso de ensino superior, deveria ser avaliado as áreas e deixá-los
cientes de como se encontra atualmente cada mercado e se a o nicho pretendido para atuação
vai ou não trazer frutos para esses futuros graduandos.
Assim, fica mais visível uma futura atuação na área que se formou e escolheu para
seguir carreira, podendo este cumprir com o contrato que realizou no início de sua graduação.
Não adianta gerar oportunidades de inclusão em instituições de ensino superior e após
concluírem as suas formações os profissionais permanecerem desempregados ou até em
subempregos, desta forma a política de inclusão não está alcançando a sua finalidade
essencial.
Outro fato que pode auxiliar, também, no cumprimento desses contratos firmados é
trazer a renegociação para esses novos contratos, como era realizado até janeiro de 2010.
Ocorre que o número de contratantes que se tornaram inadimplentes é alto, os juros sobre tal
fato continuam correndo, o que só aumenta a dívida, tornando esta uma dívida praticamente
impagável. Essa dívida tende a gerar a impossibilidade de novas contratações tendo em vista
que o FGEDUC não está recebendo de volta os valores para gerar novos financiamentos, o
que pode gerar um colapso maior.
Conclui-se, assim, que a necessidade de serem reavaliados alguns pontos no
regulamento do FIES para que de certa forma facilite o cumprimento dos contratos firmados
para que o FGEDUC continue tendo condições de continuar garantindo novas contratações
para os jovens e adultos de baixa renda que desejam ingressar no Ensino Superior. Desta
maneira, o programa do FIES pode chegar a alcançar a sua verdadeira finalidade que é
proporcionar a inclusão não só em instituições de ensino, mas também a inclusão social.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida
Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 22 setembro 1980. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6830.htm>. Acesso em: 13 jun. 2018.
BRASIL. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional
e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 outubro 1966. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm>. Acesso em: 13 jun. 2018.
BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 março 2015. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 13
jun. 2018.
FOLHA DE SÃO PAULO. Brasil perde 1 milhão de vagas formais por ano.
2018.Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/04/desemprego-sobe-
no-brasil-e-vai-a-131-no-primeiro-trimestre.shtml>. Acesso em: 17jun. 2018.
ISTOÉ. Principal aposta para alavancar o Fies só teve 800 vagas preenchidas em 2018.
2018. Disponível em: <https://istoe.com.br/principal-aposta-para-alavancar-fies-so-teve-800-
vagas-preenchidas-em-2018/>. Acesso em: 8 jun. 2018.
RESUMO
O presente trabalho tem por desiderato, tecer concepções constitucionais sobre as análises
jurídicas que tratam dos processos estruturais, bem como as decisões provenientes dele,
conhecidas com sentenças ou decisões estruturantes, que se intitula “estruturantes”, pois são
capazes de estabelecer reformas de dimensões maiores do que as das conhecidas no processo
individuais e coletivos. Traz a hipótese em que para garantir direitos e cumprimento de
decisões, o judiciário atue de forma mais interventiva dentro da administração de sujeitos
públicos ou privados, nascendo assim, a principal problemática aludida nesta pesquisa: o
conflito entre esta postura do judiciário e a separação dos poderes, adotada no direito brasileiro
em combinação com os conceitos de ativismo judicial e sedimentando com a abordagem das
premissas da “margem do decidível, destacando pontos doutrinários, legais e normativos da
temática abordada. Nesse sentido será posto em discussão também, o espaço normativo
brasileiro para o emprego dos processos estruturais, e o risco para o Estado democrático de
direito advindo do empoderamento do judiciário, A presente pesquisa traz uma abordagem
qualitativa, faz uso do método exploratório e desenvolve seus objetivos através da pesquisa
bibliográfica e documental.
INTRODUÇÃO
O debate acerca do ativismo judicial já não se apresenta mais como nenhuma novidade,
bem como todas as temáticas correlatas a ele, como, por exemplo, a teoria de separação dos
poderes, proposta por Charles de Montesquieu. No entanto, com o passar do tempo, todos os
desdobramento deste debate, se apresentaram com facetas diversas, no sentido de
continuamente trazer novos tópicos para o centro da discussão.
Neste ínterim, a postura do judiciário, a estrutura e até mesmo a maturidade
jurisdicional brasileira, são postas em questionamento a fim de satisfazer preocupações
preliminares a cerca do tema, a citar como exemplo: até que medida o controle jurisdicional e
a atividade demasiadamente participativa do Poder judiciário, se mostra uma técnica ou
caminho de dissolução de lacunas? E ainda que seja um método eficaz; quais os possíveis
efeitos pragmáticos decorrentes dele?
299
GT 8 Estudos contemporâneos em direito público e processo.
300
² Vinícius Wanderley Soares Cavalcanti, graduando em Direito. UNINASSAU.
[email protected]
O modelo de divisão dos poderes, não é apenas uma forma estratégica de
administração do Estado, considerando que a divisão de tarefas implica na diminuição do
campo de gestão e, por conseguinte, viabiliza a gestão, trata-se da teoria administrativa da
divisão de tarefas. É antes de tudo, um modelo que garante ao Estado moderno uma
perspectiva democrática, difusa, numa tentativa se desfazer cada vez de hipóteses de governo
como, por exemplo: despóticas.
Considerar a ideia de que o Estado tem suas funções cindidas, se apresenta também
com um trunfo de proporções constitucionais, haja vista que o que se buscava nos conhecidos
movimentos constitucionais, era uma forma de delimitar a atuação estatal a fim de resguardar
e garantir direitos, bem como criar novos deveres. Nesse sentido, é valido salientar que a
Constituição seja ela de onde for, sempre nasce da intenção de descentralizar poderes com o
intuito de preservar o Estado democrático de direito.
Caminhando para a visão mais específica desta pesquisa, destaca-se que constitui um
das características marcantes do processo civil, seus delineamentos, que são previstos
legalmente no Código de Processo Civil, pondo os comportamentos das partes e do Juiz sob
princípios constitucionais que dão ao processo mais segurança jurídica e uma feição objetiva,
e por esse motivo o meio processual aparece, por vezes, como a vereda mais satisfatória ou
adequada de se dirimir conflitos sociais.
Verdade seja dita que muito se evoluiu nos últimos anos, no que tange a jurisdição
estatal como única forma de resolução de litígios, pois atualmente se conta com meios
variados de dissolução de conflitos, conduzindo o debate a cerca de jurisdição para o viés de
adequação e não somente de competência, falando-se inclusive em jurisdição privada.
Surge neste aspecto, para acrescentar nova roupagem ao processo civil, o modelo
norte-americano de processos estruturais, e as decisões provenientes deles, intituladas de
decisões estruturais ou estruturantes, como mais um tópico a ser refletido no meio jurídico de
ativismo judicial.
Diante do que foi dissertado, o presente trabalho tem por desiderato analisar
constitucionalmente o modelo de processos estruturais e as decisões estruturantes, o seu
desenvolver e o seu conteúdo, respectivamente, bem como seu conceito. Pôr em contraponto
com a teoria da separação dos poderes, adotada pelo modelo constitucional brasileiro, destacar
aspectos conflitantes entre o modelo de processo mencionado e a divisão estatal de poderes
para discutir prospectivas e retrocessos, de modo subjacente ao empoderamento judicial.
A pesquisa em questão suscita problemáticas no que tange ao espaço dos processos e
decisões estruturais no atual formato do Poder judiciário, avanços e reminiscências
decorrentes do impacto deste formato de sentença na jurisdição brasileira, conflitos entre o
modelo americano e a teoria da separação dos poderes, risco quanto ao ativismo judicial, que
conta cada vez mais com mecanismos de intervenção em campos que outrora não recaiam
sobre o judiciário.
Progredindo partindo dos métodos históricos, monográficos, dialéticos, etnológico ou
comparativo, coletando bibliografias inerentes ao tema direito constitucional e processual
civil, além de literatura e doutrina pertinente para melhor abordagem do assunto em sua
completude de complexidade, trabalhando e tecendo o trabalho de maneira panorâmica com
a finalidade de desenvolver todos os pontos adjacentes.
Nesse sentido e com a boa leitura do artigo supracitado, retiram-se os diversos poderes
atribuídos ao juiz para, de forma coercitiva, promover o cumprimento de uma sentença ou
determinação judicial. Além do extenso rol, também se observa certa abertura hermenêutica,
com a colocação “entre outras medidas”, deixando sugestivas as medidas que podem, ou
poderão ser adotadas na hipótese do artigo 536.
Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações:
VII - determinará as diligências necessárias para salvaguardar os interesses das
partes envolvidas, podendo ordenar a prisão preventiva do falido ou de seus
administradores quando requerida com fundamento em provas da prática de crime
definido nesta Lei;
IX - nomeará o administrador judicial, que desempenhará suas funções na forma do
inciso III do caput do art. 22 desta Lei sem prejuízo do disposto na alínea a do inciso
II do caput do art. 35 desta Lei;
XII - determinará, quando entender conveniente, a convocação da assembléia-geral
de credores para a constituição de Comitê de Credores, podendo ainda autorizar a
manutenção do Comitê eventualmente em funcionamento na recuperação judicial
quando da decretação da falência;. (Brasil, Lei 11.101/2005).
Quanto a Lei 12.529/2011, que regulamenta a atuação do Conselho Administrativo de
Defesa Economica (CADE), referencialmente a possibilidade de intervir na empresa para
efetivação de uma decisão. É o que se retira dos seus artigos 96 e 107, § 2º.
Art. 96. A execução será feita por todos os meios, inclusive mediante intervenção
na empresa, quando necessária. (Brasil, Lei 12.529/2011)
Art. 107. O juiz poderá afastar de suas funções os responsáveis pela administração
da empresa que, comprovadamente, obstarem o cumprimento de atos de
competência do interventor, devendo eventual substituição dar-se na forma
estabelecida no contrato social da empresa.
§ 2º deste artigo.
§ 2º Se a maioria dos responsáveis pela administração da empresa recusar
colaboração ao interventor, o juiz determinará que este assuma a administração total
da empresa. (Brasil, Lei 12.529/2011)
Cabe assinalar que nem divisão de funções entre órgãos do poder nem sua
independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de
um sistema de freios e contra pesos, à busca do equilíbrio necessário à realização
do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um
em detrimento do outro e especialmente dos governados. (SILVA. José Afonso da.
apud SOUZA, José Alves de. 2014).
O tema do ativismo judicial gera importante dissenso na doutrina, por essa razão
revela-se adequado demonstrar que a atuação do Poder Judiciário ocorre legitimada
por uma disfunção política e não por uma atividade política. Isto ocorre porque a
ideia de controle judicial de políticas públicas, tanto da atividade pública e estatal,
quanto da atividade privada, está ligada às noções que surgem a partir da ideia de
“função social” do direito e dos institutos tradicionais do direito privado, a exemplo
da função social da propriedade. (GRINOVER, Ada Pellegrini. apud DIDIER
JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de.
Notas sobre as decisões estruturantes, p. 13 - 2017).
Nesse sentido, entende-se que não é o judiciário que se mantém ativo, ou que adota
um comportamento interventivo, mas os entes políticos que se apresentam omissos às suas
funções, necessitando que o Poder judiciário, apareça de maneira participativa, visando
garantir o cumprimento de um direito ou a efetivação de norma constitucionalmente garantida.
De modo que não se fala mais em inconstitucionalidade, haja vista que é função plenamente
típica do poder judiciário, garantir a execução das leis.
Muito mais se retira da interpretação da judicialização da política, pondo em análise o
sistema de freios e contrapesos que se propõe na separação dos poderes, ao trabalhar-se que
eles são independentes e harmônicos. Ora, pelo caráter de independência e freios, o judiciário
deve se ater as suas funções típicas e atípicas previstas, mas pelo viés do contrapeso e
harmonia o judiciário precisa se apresentar em casos de inércia dos demais, a fim de garantir
direitos.
Nesse contexto, a margem do decidível, aparece como linhas máximas e mínimas da
atuação do poder jurisdicional, delimitando normas e direitos que em casos de omissão
precisam da atuação garantista do poder judiciário, estabelecendo um parâmetro a partir de
um conjunto de normas, que em busca da segurança jurídica, necessitam ser efetivadas no
plano da realidade.
Nesse sentido, e em observância da perspectiva de constitucionalismo, e garantia da
constituição, a dinâmica entre as funções dos poderes se apresenta mais extensa:
Portanto, fica evidente o motivo pelo qual o tema ativismo judicial ou judicialização
da política é objeto de dissenso no meio jurídico, pois ao tempo da existência das diversas
teses e teorias que são adjacentes ao assunto, conta-se ainda, para problematizar, o aspecto
interpretativo que incide sobre as normas e leis que tratam tanto da atividade do Poder
judiciário quanto dos demais poderes.
O que se busca com as medidas estruturantes nada mais é que o melhor atendimento
das necessidades da sociedade. Como já se observa o poder de uma decisão judicial
é imensurável. Não seria melhor que o judiciário brasileiro pudesse contribuir de
forma efetiva para a modificação da sociedade, tornando o Brasil melhor a cada
sentença? Não, isto não é utopia. Através do estudo das decisões estruturais torna-
se claro que esta é uma realidade, basta implementá-la. (PINHO, Humberto Dalla
Bernardina; CORTÊS, Victor Augusto Passos Villani. p – 7, [s.d]).
Adentrando ainda mais em leitura deste formato binário de processo judicial, constata-
se, por Humberto Pinho e Victor Cortês: “Perceba-se que o sistema binário de decisões que é
o vigente no processo civil brasileiro, certamente gerará decisão imprópria ao caso concreto.”
(PINHO, Humberto Dalla Bernardina; CORTÊS, Victor Augusto Passos Villani, p – 14, [s.d]).
Diversos são os autores que direcionam elogios e enaltecem os processos estruturais e
a efetividade das sentenças estruturantes, que é sem dúvida o maior avanço para um
ordenamento jurídico, pois a possibilidade de garantir o cumprimento das decisões judiciais
de maneira eficaz, e cada vez mais se alcançar a segurança jurídica, consta como preocupações
rotineiras dos incumbidos de resolver esse problema.
Para isso, acredita-se que se constitui imprescindível, a reformulação de diversos
pontos do processo para tratar de políticas públicas em processos judiciais, como exemplo a
busca pelo consenso, o fomento do diálogo, participação da coletividade em audiências
públicas, por exemplo; além de redução do potencial de recursos. (ARENHART, Sergio Cruz,
[s.d]).
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de.
Notas sobre as decisões estruturantes - Civil Procedure Review, v.8, n.1: 46-64, jan.-apr.,
2017, ISSN 2191-1339.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Seoul Conference 2014 – Constitution and proceedings – The
Judiciary as na Organ of Political Contral. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2015, v. 249.
PINHO, Humberto Dalla Bernardina; CORTÊS, Victor Augusto Passos Villani. As medidas
estruturantes e a efetividade das decisões judiciais no ordenamento jurídico brasileiro -
Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. v. 13. Periódico da Pós-Graduação
Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ, Rio de Janeiro, [s.d] ISSN 1982-7636.
JOBIM, Marco Felix. A previsão das medidas estruturantes no artigo 139, IV, do novo Código
de Processo Civil brasiliero. Repercussões do novo CPC – processo coletivo, Hermes Zaneti
JR. (coord.) Salvador: Editora Juspodivm, 2016.
LIMA, Edilson Vitorelli Diniz. Tipologia dos litígios transindividuais: um novo ponto de
partida para a tutela coletiva. Repercussões do novo CPC – processo coletivo. Hermes Zaneti
Jr. (coord.) Salvador: Editora Juspodivm, 2015.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros
Editores, 30ª Ed, 2009, p.110.
STRECK, Luiz Lênio; NUNES, Duerle. Como interpretar o artigo 139, IV, do CPC? Carta
branca para o arbítrio? Consultor jurídico – CONJUR, [s.l], 25, ago. 2016. Disponível em:
< https://www.conjur.com.br/2016-ago-25/senso-incomum-interpretar-art-139-iv-cpc-carta-
branca-arbitrio > Acesso em: 23 de abr. 2018.
RESUMO
Teremos o desafio nesta pesquisa de articular duas ciências que são o Direito e a História,
pois, entendemos que as relações entre História e Direito podem dialogar, sendo o Direito um
campo de pesquisa histórico e a História como contribuição ao avanço do Direito. A tarefa de
articular o conceito de Lugares de Memória oriundo do campo historiográfico e o Princípio
da Impessoalidade advindo do Direito Administrativo é nosso objeto de estudo e temos como
objetivo discutir o surgimento de Lugares de Memória como um fato histórico e político que
fere o Princípio da Impessoalidade. Com esta relação entre a Ciência Histórica e as Ciências
Jurídicas é possível mapear as potencialidades da historiografia como campo de pesquisa do
Direito (SILVA/2011) e neste contexto os Lugares de Memória poderão se tornar fontes de
pesquisa para o campo jurídico. Para tanto, iremos, no decorrer deste, artigo demonstrar que
esta articulação de duas ciências traz uma grande oportunidade de estudo sobre fatos históricos
que influenciam no campo do Direito.
INTRODUÇÃO
301
GT 8 – Estudos Contemporâneos em Direito Público e Processo
302
Graduado em história pela UEPB com especialização em Direito da Infância pela UFRPE e estudante do
curso de Direito da UNIFAVIP. E-mail: [email protected].
da História é o Direito, como percebemos nos trabalhos de Felipe Berté Freitas e Jeanne Silva,
que tem o Direito como campo de pesquisa histórica. Para este trabalho utilizaremos da mesma
metodologia, mas revertendo o ponto de partida que é o Direito buscando na fonte histórica
as repostas para chegarmos aos resultados esperados, ou seja, teremos a História como campo
de pesquisa do Direito.
Neste contexto, o objeto deste trabalho é buscar as potencialidades do diálogo crítico
e intelectual entre Direito e História, e os cuidados teóricos e metodológicos que o produtor
de conhecimento deve ter ao pesquisar esses campos científicos, tomando como base para o
debate o estudo envolvendo o surgimento de Lugares de Memória e a possível infração do
Princípio da Impessoalidade nos atos da administração pública.
Para o desenvolvimento da pesquisa no primeiro momento, conceituaremos a partir do
historiador Pierre Norra o que se entende por Lugares de Memória, em seguida trataremos
sobre o Princípio da Impessoalidade por meio dos doutrinadores do Direito Administrativo:
Celso Antônio Bandeira de Mello, Helly Lopes Meirelles e Maria Sylvia Zanella Di Pietro e
do constitucionalista Gilmar Mendes, mostrando a relação entre o surgimento de Lugares de
Memória e o não cumprimento do Princípio da Impessoalidade.
Para melhor compreender esta pesquisa, vamos utilizar da categoria Lugares Memória,
criada pelo historiador francês Pierre Norra, pois consideramos importante essa discussão para
mostrar como esses lugares foram sendo construídos para legitimar a memória de figuras que
são atores principais no cenário da política. Para Pierre Norra:
As realizações públicas não são feitos pessoais dos seus respectivos agentes, mas,
sim, da respectiva entidade administrativa. Por essa razão, é vedado ao agente
público utilizar a função pública para satisfazer os seus interesses pessoais. A
atuação do agente deve ser pautada pela efetivação do interesse público e deve ser
imputada ao Estado. (OLIVEIRA, 2013, p.99)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15ªed. São Paulo:
Malheiros, 2003.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ªed. São Paulo: Malheiros,
2003.
NORA, Pierre. Entre Memória e História: A Problemática dos Lugares. In: Projeto História.
nº 10, 1993, p7-28.
SILVA, Jeanne. Relações entre história e direito: o direito como campo de pesquisa histórica
e a história como contribuição ao avanço do direito. Projeto Histórico: Revista do Programa
de Estudos Pós-Graduados de História, [S.1], v.41, ago. 2011. ISSN 2176-2767. Disponível
em: <https//revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/6552> Acesso em: 04 nov. 2017.
RESUMO
O presente artigo tratará da possibilidade da concessão liminar inaudita altera parte da tutela
de evidência fundada em precedente vinculante, questão essa tratada na Lei nº 13.105/15
(Novo Código de Processo Civil). O legislador, motivado pela atual situação do Poder
Judiciário brasileiro que se encontra imerso no volume infindável de processos, decidiu
promover maior celeridade ao sistema a fim de torná-lo mais efetivo e assim inseriu no
ordenamento jurídico brasileiro o mecanismo de concessão de tutela de evidência em caráter
liminar inaudita altera parte. Portanto, tem-se como problemática: A concessão de tutela de
evidência em caráter liminar, que veio como forma de celeridade processual, fere ao princípio
do contraditório e da segurança jurídica? Outrossim, tem-se como objetivo geral analisar se
há divergência de princípios no tocante ao fato da referida possibilidade de concessão da tutela
de evidência em caráter liminar inaudita altera parte efetivar o princípio da celeridade mas,
por outro lado, ferir o princípio do contraditório e da segurança jurídica. A metodologia
utilizada é a exploratória, e a técnica empregada é a pesquisa bibliográfica. Sendo assim,
torna-se válido debater o tema aqui exposto, visto que se trata de instrumento que pode ferir
a Carta Maior, a qual interessa a todos os cidadãos, os destinatários.
INTRODUÇÃO
303
Artigo submetido ao GT 8 – Estudos Contemporâneos de Direito Público e Processo, do III Congresso
Pernambucano de Ciências Jurídicas - UPE - Arcoverde.
304
Advogada, Graduada em Direito pela ASCES-UNITA, Pós-graduanda em Direito Civil e Direito Processual
Civil pela UNIFAVIP/WYDEN, E-mail: [email protected]
305
Advogada, Doutora em Direito do Trabalho e Trabalho Social e Mestra em Direitos Humanos pela
Universidade de Salamanca – Espanha – USAL, Especialista em Processo Civil pela Universidade Federal de
Pernambuco – UFPE, Especialista em Direito do Trabalho, Direito Ambiental e em Ciências Políticas pela
Universidade de Salamanca – Espanha – USAL, Professora da Autarquia do Ensino Superior de Garanhuns-
AESGA/FDG e da UNIFAVIP/WYDEN, Conselheira da Subseção Regional de Garanhuns da OAB-PE, E-mail:
[email protected]
poderes. Tratando, dessa forma, do princípio da Supremacia da Constituição do qual decorre
toda a hierarquia das normas (KELSEN, 2011, p. 54).
Nesse sentido, tendo em vista que a sociedade está em constante mutação e com isso
a legislação também tem que se adequar a tais mudanças, então torna-se necessário, portanto,
modificar ou aditar a Constituição Federal para ajustá-la as inovações que surgirem. Nessa
esteira, percebeu o legislador que estava ocorrendo um crescimento exacerbado das demandas
no judiciário e com o intuito de diminuir esse número crescente, editou a Emenda
Constitucional nº 45/2004, a qual ficou conhecida como Reforma do Judiciário, instituindo
assim mecanismos alternativos a fim de reduzir consideravelmente as ações da referida seara.
Dentre os novos instrumentos introduzidos no ordenamento jurídico incluiu-se a Súmula
vinculante, a reclamação constitucional para a preservação da competência ou a garantia da
autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e a repercussão geral, filtrando
assim os percursos das demandas para este órgão.
Porém, após quatorze anos da referida emenda, o Poder judiciário não alcançou o seu
objetivo, pois cada vez mais percebe-se que o referido poder se encontra imerso de processos
infindáveis. Sendo assim, o legislador atual, novamente na tentativa de desafogar o judiciário,
editou a Lei nº 13.105/2015 o qual instituiu o novo Código de Processo Civil introduzindo o
conceito de precedente e inserindo novos mecanismos como o incidente de resolução de
demandas repetitivas (IRDR) e o incidente de assunção de competência (IAC).
Apesar das referidas inovações, o legislador também concedeu uma nova roupagem
no que se refere às liminares, tratando-as no capítulo da tutela provisória, que de maneira
simplificada se divide em tutela de urgência e tutela de evidência, sendo esta última novidade
legislativa e objeto de estudo do presente artigo.
A tutela de evidência, em linhas gerais, foi introduzida no Código de Processo Civil
com o objetivo de promover mais celeridade ao sistema, pois ao permitir que o juiz conceda
um pedido independente de demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do
processo e baseado apenas nas hipóteses previstas no artigo 311 do CPC, infere-se claramente
a busca por agilidade processual.
Entretanto, há uma questão controversa no que se refere a tutela de evidência, eis que
no art. 9º, Parágrafo único, II do CPC/2015, o qual remete para o art. 311, Parágrafo único do
CPC, o legislador concedeu ao juiz a possibilidade de deferir a tutela de evidência fundada
apenas em tese firmada em julgamento de caso repetitivo sem que haja a oitiva da parte
contrária. Por outro lado, existe o princípio constitucional da garantia do contraditório, o qual
se encontra expresso no art. 5º, LV da CF/88, que busca garantir que os litigantes tenham
conhecimento sobre o motivo pelo qual está sendo processado e inclusive ter acesso aos
recursos necessários para se defender. Sendo assim, tal princípio não pode ser mitigado, pois
não há urgência na tutela de evidência, até porque a própria lei não exige a demonstração de
tal requisito.
Nessa esteira, já há diversas controvérsias na doutrina e no âmbito do legislativo acerca
da possível inconstitucionalidade dos citados dispositivos do Código de Processo Civil, sendo
assim é válida a discussão aqui apresentada.
Dessa forma, é inevitável fazer alguns questionamentos a respeito da matéria, tais
como se a escolha do legislador foi razoável ao possibilitar a concessão de tutela de evidência
fundada em precedente vinculante em caráter liminar inaudita altera parte, mitigando assim
o princípio constitucional do contraditório em detrimento do princípio da celeridade.
Inclusive, nesse caso da tutela de evidência estar em desacordo com a Constituição Federal,
seria possível declarar a sua inconstitucionalidade? Como também, se tal inovação legislativa
realmente é condizente com o ordenamento jurídico brasileiro, pois levando em consideração
que o Brasil por ser um país que adotou o sistema do civil law é compatível com o mecanismo
do precedente, uma vez que este pertence ao sistema do common law. Então, é diante de tais
questionamentos que o presente trabalho irá se debruçar, fazendo uma análise de tais
controvérsias, mas não com o objetivo de esgotar a matéria.
Portanto, o objetivo geral é analisar o impacto causado no ordenamento jurídico
brasileiro a partir da inclusão do instituto da tutela de evidência fundada em precedente
vinculante concedida em caráter liminar inaudita altera parte. O método utilizado foi o
hipotético-dedutivo. No que concerne ao procedimento metodológico, utilizou-se a pesquisa
exploratória, a fim de aprimorar o conteúdo, bem como quanto a técnica empregada, optou-
se pela pesquisa bibliográfica (LAKATOS; MARCONI, 2017) a fim de conceder suporte
teórico suficiente para o tema abordado e firmar as bases para edificá-lo.
A busca pela proteção à Carta Magna, através do estudo sobre a possível
inconstitucionalidade da inovação jurídica referente a concessão da tutela de evidência
concedida em caráter liminar inaudita altera parte fundada em precedente vinculante é a
justificativa da escolha do presente tema.
De acordo com o que foi exposto anteriormente, já restou clara a grande importância
que a Constituição Federal tem no ordenamento jurídico brasileiro. Então a partir desse
momento, será demonstrado a relação existente entre a possibilidade da concessão da tutela
de evidência fundada em precedente vinculante em caráter liminar inaudita altera parte,
expresso no ar. 9º, Parágrafo único, II, bem como o art. 311, II do CPC e a Carta Magna.
Segundo o art. 5º, LV da CF/88 está expresso o seguinte: “aos litigantes, em processo
judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla
defesa como os meios e recursos a ela inerentes.” De maneira tradicional, considera-se o
princípio do contraditório composto por duas vertentes, quais sejam: informação e
possibilidade de reação. Nesse contexto, deve-se promover as partes a possibilidade de
conhecimento dos atos processuais, bem como a defesa de seus interesses em juízo. Costuma-
se empregar também a expressão “bilateralidade da audiência”, representando a paridade de
armas entre as partes.
O princípio do contraditório, em complementação ao princípio da ampla defesa, firma
a equidade no fornecimento às partes das mesmas chances e dos mesmos aparelhos
processuais a fim de exercerem seus direitos, conforme o seguinte entendimento:
(...) na visão moderna a busca pela verdade material deve ser um trabalho conjunto
e participativo, não mais uma atividade isolada do juiz. A aplicação do princípio da
cooperação por meio de um contraditório mais participativo é inerente ao direito
moderno e contribui com a segurança jurídica (QUEIROZ, 2017, p.41).
(...) é o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes
componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um
princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao
princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas
a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa
insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais,
contumélia irremissível a seu arcabouço e corrosão de sua estrutura mestra.
(MELLO, 1996, p.546). (grifos nossos)
Inclusive, é válido ressaltar também que até no caso que envolver matéria de ordem
pública, cujas quais são aquelas em que o juiz pode identificá-las independentemente de
demonstração das partes envolvidas no processo, é garantido conceder a abertura a parte
contrária para que esta seja ouvida, conforme o exposto no art. 10 do CPC, não driblando
assim o princípio constitucional do contraditório. Dessa maneira, percebe-se claramente que
mesmo que a referida situação em que seria cabível e plenamente justificável a possibilidade
de suprimir o princípio do contraditório, optou felizmente o legislador por não conferir a
referida excepcionalidade à matéria de ordem pública, permitindo inferir que com relação a
concessão da tutela de evidência não é razoável permitir o seu deferimento em caráter liminar
inaudita altera parte fundada em precedente vinculante.
Há tanta nitidez no que se refere a concessão da tutela de evidência em caráter liminar
inaudita altera parte violar o princípio do contraditório, que o Governador do Estado do Rio
de Janeiro ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 5.492) em face de
dispositivos constantes da Lei Federal nº 13.105/15, a qual instituiu o Novo Código de
Processo Civil. Tal postura foi adotada pelo Governador, porque este entendeu que diversos
dispositivos do CPC ferem a Constituição Federal, dentre eles a possibilidade da concessão
da tutela de evidência fundada em precedente vinculante concedida em caráter liminar
inaudita altera parte, por privar a parte contrária de ter conhecimento do processo e
consequentemente apresentar sua defesa a fim de contribuir com a convicção do juiz. Por fim,
a ADI nº 5.492 atualmente ainda encontra-se pendente de julgamento no Supremo Tribunal
Federal, há dois anos de vigência do Novo Código de Processo Civil.
Vale ressaltar, que apesar do Brasil adotar o mecanismo do precedente não quer dizer
que migrou para o sistema do common law “muito ao contrário, o que se tem no Brasil é a
construção de um sistema de formação de decisões judiciais com base em precedentes
adaptado às características de um ordenamento de civil law” (CAMARA, 2016, p.448).
Sendo assim, resta claro que o legislador ao incluir os precedentes não somente tinha
a intenção de uniformizar as decisões, como também garantir e efetivar o princípio
constitucional da segurança jurídica:
Decidir com base em precedentes é uma forma de assegurar o respeito a uma série
de princípios constitucionais formadores do modelo constitucional de processo
brasileiro. O sistema brasileiro de precedentes judiciais busca assegurar,
precipuamente isonomia e segurança jurídica. É que, como se poderá ver ao longo
desta exposição, o direito processual civil brasileiro conhece dois tipos de
precedentes (os vinculantes e os não vinculantes, também chamados de persuasivos
ou argumentativos). E os da primeira espécie – evidentemente os mais importantes
na construção do sistema – destinam-se a garantir que casos iguais recebam
respostas jurídicas iguais (isonomia), o que confere previsibilidade às decisões
judiciais (segurança jurídica) (CÂMARA, 2016, p. 446).
(...) registre-se nesse ponto que nem toda decisão, ainda que proferida pelo tribunal,
é um precedente. Uma decisão que não transcender o caso concreto nunca será
utilizada como razão de decidir de outro julgamento, de forma que não é considerada
um precedente. Por outro lado, uma decisão que se vale de um precedente como
razão de decidir naturalmente não pode ser considerada um precedente. Por outro
lado, algumas decisões nem tem potencial para serem considerados precedentes
como aquelas que se limitam a aplicar a letra da lei. (NEVES, 2017, p. 1389/1390).
Assim, entende-se que uma decisão para que seja reconhecida como precedente é
necessário que não se limite a aplicar apenas a letra da lei. Desse modo, a decisão tem que
ultrapassar o caso concreto para que seja utilizada como parâmetro de decisão de outros
diversos casos. Outrossim, analisando os artigos do CPC que possibilitam a concessão de
tutela de evidência fundada em precedente vinculante de forma inaudita altera parte, percebe-
se claramente que os referidos dispositivos atingem o princípio da segurança jurídica, devido
a fragilidade que o precedente representa, fazendo com que o juiz conceda a tutela de
evidência sem a oitiva da parte contrária, fundada apenas em precedente vinculante.
Então, como foi visto anteriormente, a dimensão da importância do princípio
constitucional do contraditório é inegável, sendo assim, levando em consideração a sua
relevância não é nenhum pouco razoável desconsiderar tal princípio a fim de conceder tutela
de evidência fundada apenas em precedente vinculante. Mas infelizmente é isso que o Código
de Processo Civil permite e cujo qual é objeto da ADI nº 5.498/16, que da mesma forma tenta
combater a mitigação do princípio do contraditório com o intuito de alcançar a declaração de
inconstitucionalidade do art. 9º, Parágrafo único, II e art. 311, II e Parágrafo único do CPC,
referentes a concessão da tutela de evidência em caráter liminar inaudita altera parte.
Tal peticionamento tem como parte Autora o Governador do Estado do Rio de Janeiro,
pessoa devidamente legitimada conforme rol do art. 103, V da CF/88, o qual ajuizou no
Supremo Tribunal Federal a referida ADI contra dispositivos instituídos no Novo Código de
Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), sob o fundamento de que as inconstitucionalidades
apontadas atingem valores fundamentais consagrados pela Constituição Federal. O mesmo
alega que “foram claramente transgredidos os limites que cabia ao legislador ordinário atual”.
Inclusive, no que se refere a parte que aponta a concessão da tutela de evidência em caráter
liminar, o Autor declara que foram desrespeitadas as garantias fundamentais do processo que
balizam o devido processo legal, em especial a garantia do contraditório participativo, como
anteriormente abordado.
Portanto, diante de todo o exposto, é clara a relevância que o tema aqui abordado
possui, mas no momento atual o posicionamento cabível que resta é aguardar o julgamento do
STF acerca da ADI nº 5.498/16. Com isso, espera-se que o Supremo, guardião da Carta
Magna, ao julgar a referida ADI, não macule as garantias fundamentais que permeiam o
sistema normativo, bem como toda a história de lutas travadas a fim de inseri-las no
ordenamento pátrio.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por ser a Constituição Federal a norma que ocupa o espaço superior na hierarquia das
leis do ordenamento jurídico brasileiro, torna-se obrigatório o respeito e observação por parte
das normas infraconstitucionais à referida Carta Magna. Concedendo dessa forma, eficácia e
aplicabilidade aos princípios e direitos fundamentais nela inseridos.
Entretanto, não é assim que sempre ocorre, visto que com a edição do Código de
Processo Civil de 2015, foram editados artigos que estão em desconformidade com a Lei
Maior, cujos quais abriram oportunidade para que o Governador do Estado do Rio de Janeiro
ajuizasse a ADI nº 5492/16. Na iniciativa do referido político, está expresso os arts. 9º,
Parágrafo único, II e 311, II e Parágrafo único do CPC, os quais tratam da possibilidade de
concessão da tutela de evidência em caráter liminar inaudita altera parte fundado em
precedente vinculante.
Contudo, é sabido que o legislador ao editar tais artigos tratou de promover maior
celeridade ao processo, tendo em vista a situação que se encontra o judiciário, ou seja, imerso
de processos aguardando julgamento, mas por outro lado, tem o fato de que a Constituição
Federal é repleta de princípios dentre os quais estes têm que necessariamente serem
respeitados e observados garantindo assim o cumprimento do princípio da Supremacia da
Constituição.
Destarte, como foi visto anteriormente, a nova previsão infraconstitucional não está
de acordo com os princípios constitucionais, tais como o princípio do contraditório e o
princípio da segurança jurídica, dessa forma assiste razão a ADI nº 5.492/16, no tocante a
inconstitucionalidade dos arts. 9º, Parágrafo único, II e 311, II e Parágrafo único do CPC,
cabendo ao Supremo Tribunal Federal entender a procedência do pedido e declarar a
inconstitucionalidade dos referidos artigos, tornando efetivo os princípios constitucionais do
contraditório e da segurança jurídica e consequentemente a Constituição da República
Federativa do Brasil.
REFERÊNCIAS
CAMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2ª ed., São Paulo: Atlas,
2016.
DONIZETTE, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 20º ed., São Paulo: Atlas,
2017.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Editora WMF Martins Fontes, 2011.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 8º ed., São Paulo:
Malheiros, 1996.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 33º ed., São Paulo: Atlas, 2017.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 9º ed., Salvador:
Ed. Juspodivm, 2017.
NERY JR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil
Comentado e Legislação extravagante, 7º ed., São Paulo: RT, 2003.
QUEIROZ, Maria Emília Miranda de Oliveira; RABELO, Patrícia Freire de Paiva Carvalho.
A fragilidade constitucional do Novo CPC na possibilidade de concessão de liminar inaudita
altera parte em tutela de evidência fundada em precedente vinculante. Revista Advocatus
Pernambuco, Recife PE, nº 17, Ano 10, p. 37-47, 2017.
A MEDIAÇÃO NO ÂMBITO DA ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO FRENTE AS
NOVAS PERSPECTIVAS DOS PRINCÍPIOS DA INDISPONIBILIDADE E
SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO 306
RESUMO
INTRODUÇÃO
Com o passar dos anos, regramentos foram incentivando a inserção dos meios
autocompositivos no ordenamento jurídico brasileiro, buscando estimular o uso de
procedimentos não adversáriais que aliviassem a sobrecarga de contendas levadas ao Poder
Judiciário.
306
GT 8 – Estudos Contemporâneos em Direito Público e Processo
307
Acadêmica em Direito pelo Centro Universitário Maurício de Nassau. [email protected].
308
Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco. [email protected]
Assim, o CNJ por meio da Resolução nº 125/2010 inovou ao transformar os meios
adequados de solução de conflitos em políticas públicas a serem perseguidas no Judiciário,
visando modificar o perfil litigioso do país, ampliando o acesso à justiça, bem como dando
celeridade às resoluções das disputas.
Porém, a ausência de uma lei que tratasse de maneira específica a instituição dos
referidos procedimentos no âmbito público, ensejou por muito tempo uma resistência por
parte de juristas e agentes públicos, que defendiam a impossibilidade de transação do interesse
geral, por considerarem os princípios da indisponibilidade e supremacia do interesse público
sobre privado prerrogativas que impossibilitavam as transações.
A edição da Lei nº 13.140/15 transformou-se em um marco legal ao tratar do
procedimento da mediação de forma especifica, corroborando com as diretrizes estabelecidas
pelo CNJ e instituindo de forma expressa a sua prática na esfera do Poder Público.
A referida lei, apesar de bem aceita, causou inquietações quanto a sua aplicação na
Administração Pública Federal ao prevê de maneira genérica os direitos indisponíveis
transacionáveis, possibilitando a ocorrência de um tratamento discricionário por parte do
advogado, deixando-o suscetível ao cometimento de desvios e abusos na tentativa de definir
os direitos aptos a mediação, pondo em xeque a segurança jurídica do procedimento.
Para tanto, a pesquisa pauta-se na análise analítica descritiva das doutrinas
administrativistas, considerando as correntes clássicas e mordernas, bem como normativas
que versam sobre a mediação na esfera do Poder Público, visando refletir sobre a insegurança
jurídica gerada pela celebração de acordos envolvendo direitos coletivos, especificamente no
âmbito da Advocacia Geral da União, que permanecem a serem firmados mesmo ante a
ausência de limites legais que promovam a eficácia e a seguridade do procedimento.
Desse modo, no segundo capítulo examinaremos os princípios basilares do direito
administrativo – indisponibilidade e supremacia do interesse público sobre o privado – dentro
das concepções modernas que coadunam-se com os princípios da proporcionalidade e
razoabilidade, propiciando dentro de um juízo de ponderação, a inserção da mediação na
Administração Pública Federal, bem como a possibilidade da realização de transação de
direitos públicos.
O capítulo seguinte refere-se à Lei nº 13.140/15, que tratou de maneira especifica a
mediação nas contendas envolvendo as pessoas jurídicas do regime administrativo federal,
colocando como uma importante solução a desjudicialização das controvérsias, despontando
como meio adequado a dirimir as disputas nos contornos dos interesses dos mediandos.
Ainda, por meio da observação aos atos normativos da AGU (Advocacia Geral da
União), como, também, ao procedimento das mediações conduzidas nas Câmaras de
Conciliação e Arbitragem Federal (CCAF), o quarto capítulo versará sobre a construção e
celebração dos acordos, relacionando-os com o abstracionismo da Lei da Mediação ao tratar
sobre os direitos públicos capazes de serem mediados, ressaltando a atuação do advogado
público federal perante essa subjetividade.
Por fim, no último capítulo, após realizada toda a pesquisa acerca do tema e,
abordados todos os pontos destacados acima, finalizaremos o presente trabalho analisando a
necessidade de um comando legal que determine os direitos que podem ser levados a
mediação, de forma a garantir a segurança jurídica dos atos decorrentes do procedimento.
O que se está a afirmar é que o interesse público comporta, desde a sua configuração
constitucional, uma imbricação entre interesses difusos da coletividade e interesses
individuais e particulares, não se podendo estabelecer a prevalência teórica e
antecipada de uns sobre outros. Com efeito, a aferição do interesse prevalecente em
um dado confronto de interesses é procedimento que reconduz o administrador
público à interpretação do sistema de ponderações estabelecido na Constituição e na
lei, e, via de regra, o obriga a realizar seu próprio juízo ponderativo, guiado pelo
dever de proporcionalidade.(BINEBOJM, 2005, p.20.)
Recentemente foi editada a Lei nº 13.140, de 2015, a qual prevê forma extrajudicial
de resolução de conflitos, tanto entre entes públicos quanto quando envolver, de um
lado, ente público, e, de outro, agentes privados. Assim recortamos do seu conteúdo,
ressaltando a importância de necessária participação dos órgãos de Advocacia
Pública, ressaltando a referida Lei ainda estar pendente de edição de Decreto
regulamentar, bem como de normatização interna no âmbito da AGU. (BRASIL,
Advocacia Geral da União ,2016, p. 45.)
No mesmo ano, a AGU edita novo E-mail Circular, o PGU - 2016/022 (2016),
retomando a realização de acordos pelo referido órgão, porém, dessa vez, restringindo-o a
posterior regulamentação a ser editada. Ocorre que, atualmente, além de não haver um marco
regulador tratando da matéria de forma expressa, acordos continuam a ser realizados.
No setor público, precisamente no contexto da Advocacia Geral da União, as
mediações extrajudiciais ocorrem nas dependências da Câmara de Conciliação e Arbitragem
da Administração Federal – CCAF, instituída pelo Ato Regimental n.° 05, em 2007.
Segundo a Cartilha da referida câmara, sua atividade pauta-se em:
[...] prevenir e reduzir o número de litígios judiciais que envolviam a União, suas
autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas públicas federais,
mas, posteriormente, o seu objeto foi ampliado e hoje, com sucesso, resolve
controvérsias entre entes da Administração Pública Federal e entre estes e a
Administração Pública dos Estados, Distrito Federal e Municípios. (BRASIL,
Advocacia Geral da União, 2012, p.07)
Enfim, o que parece ser o grande desafio não é a verificação da aptidão ou não dos
entes públicos de realizar acordos, mas sim quais seriam as suas condições. É
inegável que a margem de liberdade para realização de acordos pelo poder público
é menor do que a existente para o setor privado. Acontece que, quando a situação
envolve o poder público, tem-se a prévia exigência de autorização normativa para
que membro da advocacia pública possa transigir em juízo. (PEIXOTO, 2016, p.
05).
Assim, o critério de admissibilidade das mediações, bem como o seu procedimento
fica a mercê de atos discricionários do agente público, que não possui um parâmetro legal para
pautar a sua atuação, ficando suscetíveis erros e, consequentemente, sanções.
No caput do artigo 36 da Lei nº 13.140/15 é determinado que as mediações ocorridas
na via extrajudicial devam observar parâmetros fixados em ato do advogado geral da União,
porém, como visto em momento oportuno, não há regulamentação que obedeça os critérios
da legalidade e que defina requisitos acerca do procedimento.
Essa ausência de disposição legal compromete o controle dos atos administrativos,
bem como a eficácia da mediação, pois a falta de uma lei autorizativa que determine critérios,
como: “a) agente competente; b) finalidade legítima; c) motivos razoáveis; e d) formas
transparentes e controláveis — accountability.”, sugeridos por Peixoto (2016); não
uniformizam as funções do advogado, fazendo-o incorrer em abusos de poder e desvios de
finalidade, podendo ser responsabilizados em vias penais, administrativas e cíveis, arcando
objetivamente como a arbitrariedade causada.
Dessa forma, conclui-se que o princípio da legalidade é instituto que se impõe nas
atividades do Poder Público, de modo a assegurar que os atos advindos de agentes estatais não
violem o interesse da sociedade. Porém, quando a Lei da Mediação não pontua expressamente
os direitos públicos passíveis de transação, principalmente no tocante aos interesses primários,
permite que tal questão caia num critério discricionário de quem está transigindo, influindo
numa insegurança jurídica decorrente da omissão normativa, bem como retira a eficácia do
procedimento no âmbito estatal.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
______. Procuradoria Geral da União. E-mail Circular 22, 2016. Disponível em:
<http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/378980>. Acesso em: 23 mai. 2018.
______. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Diário
Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília. D.F, Seção 1 – 17 de mar de 2015, Página
1 (Publicação Original). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Lei/L13105.htm> Acesso em: 23 mai. 2018.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas S.A, 2014.
FÓRUM PERMANENTE DE PROCESSUALISTAS CIVIS. Enunciados do Fórum
Permanente de Processualistas Civis. Grupo: Impacto do novo CPC e os processos da
Fazenda Pública – enunciado 573. São Paulo: 2016 p. 72. Disponível em:
<https://www.novocpcbrasileiro.com.br/enunciados-interpretativos-sobre-o-novo-cpc-do-
fppc/>. Acesso em: 17 mai. 2018
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 18 ed. rev. e atual. São Paulo:
Revistas dos Tribunais, 2014.
RESUMO
INTRODUÇÃO
309
GT 8 – Estudos Contemporâneos em Direito Público e Processo.
310
Graduanda em Direito pelo Centro universitário Mauricio de Nassau. [email protected]
311
Graduanda em Direito pelo Centro universitário Mauricio de Nassau. [email protected]
Assim, o presente trabalho pauta-se na análise analítica descritiva das doutrinas
jurídicas e de normativas que versem sobre o presente tema, visando refletir sobre o
compliance como ferramenta fundamental para preservação da real função das Agências
Reguladoras, mostrando-se necessário pra impedir a captura política, por meio da proteção da
sua independência.
Registre-se que elas não devem ser confundidas com as autarquias. Estas, apesar de
teoricamente pertencerem à administração descentralizada, na realidade se tornaram
tão burocráticas e ineficientes quanto os órgãos da administração direta.
As agências reguladoras têm objetivos mais elevados. Seus dirigentes têm mandato
fixo e estabilidade, são indicados pelo presidente da República e precisam ser
aprovados pelo Senado. Gozam de autonomia quase igual à dos magistrados. Seus
servidores são admitidos em concursos rigorosos e a remuneração é adequada.
(FREITAS, 2013, p.23).
4 COMPLIANCE
Oriunda do idioma inglês, a palavra compliance não possui tradução literal para o
idioma português, mas sabe-se que está ligada a ideia de observância às normas e medidas
que assegurem a ética interna de uma empresa.
O Decreto Regulamentador nº 8.420/15 da citada Lei das Estatais delineou o que
seria o referido instituto:
Ante essa concepção de dar conformidade aos atos públicos, formou-se uma
discussão acerca da sua necessidade, em vista ao princípio da legalidade, que é responsável
por condicionar o agir do administrador público. Entretanto, o viés agregador do Sistema de
compliance é referente ao controle efetivo da Administração Pública, pautando-se no princípio
da transparência.
O citado sistema surge no âmbito estatal da necessidade de um monitoramento eficaz
dos seus setores, tarefa executada com maior facilidade no setor privado, pelo regime de
resultados que movem as empresas, definindo com maior destreza os setores que devem ter
maior observância para fins de alcance dos objetivos da instituição.
Contudo, considerando a dimensão e estrutura dos entes estatais, um controle com
maior efetividade, mapeado pelos pontos que demandam maior atenção no monitoramento,
torna-se um trabalho complexo, assim como dito pela International Federation of
Accountants (PSC/IFAC) quando da implementação da Boa Governança Pública, conforme
mencionado anteriormente.
Apesar de ser um encargo exacerbado, torna-se imprescindível um monitoramento
que busque ampliar os resultados de desempenho da Administração Pública e, o reflexo dessa
necessidade ampara-se nas medidas formatadas nos últimos tempos para a estruturação do
sistema compliance no Poder Público, como a citada Lei Anticorrupção.
A recepção do referido sistema foi fomentada pelos debates acerca da
responsabilização da pessoa jurídica, que além da instituição de sanções, requeriam a
implantação de medidas reunidas no conceito de Boa Governança Pública para realização de
prevenções. A citada implementação veio nas medidas sistematizadas pelo compliance, que
se desvencilhou de meros controles formais, para instituir controles com consistência em
monitoramentos.
Esses monitoramentos transformam-se em instrumento de gestão, para garantir a
integridade e a condução ética das atividades administrativas, bem como a ampliação da
qualidade dos serviços públicos entregues a população, deixando de ser apenas mais uma
medida de controle necessário a determinado caso isolado.
A instrumentalização do citado sistema formata-se nos chamados Pilares do
Programa Compliance, que sistematizam a maneira de execução das atribuições, que são:
Essas medidas são inseridas como modelo de gestão, para condicionar o Poder
Público a absorver medidas de integridade que garantam equidade da administração, bem
como a efetividade desses controles.
A capacidade de condicionar as atividades do Estado à observância de normas e
proporcionar um monitoramento no agir administrativo dentro das regras de transparência,
transforma o sistema de compliance um instrumento capaz de proporcionar segurança à
setores da Administração Pública, desde as suas atividades internas até as externas.
Essa segurança à atividades internas atem-se além do efetivo cumprimento de normas
por parte do gestor, a promoção do exercício regular das atribuições dos ente administrativos
e dos seus administradores, conforme designado por lei, como verificaremos no caso adiante.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
______. Lei n° 13.303/16. Dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade
de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2016/lei/l13303.htm>. Acesso em: 10 set. 2018.
______. Tribunal de Contas da União. 10 paços para a boa governança. Disponível em:
<https://portal.tcu.gov.br/biblioteca-digital/10-passos-para-a-boa-governanca.htm>. Acesso
em: 30 set. 2018.
FREITAS, Vladimir Passos de. O papel das agências reguladoras no Direito brasileiro.
2013. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2013-fev-10/segunda-leitura-papel-
agencias-reguladoras-direito-brasileiro> Acesso em 21 set. 2018.
MAKISHI, Marcia. Afinal, o que significa Compliance? Disponível em:
<http://www.administradores.com.br/noticias/cotidiano/afinal-o-que-significa-
compliance/123578/ >. Acesso em: 03 out. 2018.
MENEZES, Joyceane Bezerra de. Poder regulamentar das agências reguladoras, 110-118.
Revista do Curso de Mestrado em Direito da UFC. Ceará. 2005.
RAMALHO, Gisele Maria Gambetta. Compliance e Integridade nas práticas das Agências
Reguladoras. Disponível em:< https://regulatoriolifescience.com/2017/06/21/integridade-
compliance-e-regulacao-federal/>. Acesso em: 15 set. 2018.
RESUMO
O casamento impõe aos cônjuges o dever de fidelidade recíproca, que representa o direito de
exclusividade nas relações afetivas-sexuais entre o casal. O presente artigo tem como objetivo
estudar a infidelidade virtual a partir do uso de aplicativos. Trata-se de uma pesquisa
qualitativa e bibliográfica, com amparo na revisão de literatura quanto ao tema. A infidelidade
conjugal, antes cometida clandestinamente no mundo real, ganha com a internet um novo
espaço, onde os relacionamentos extraconjugais podem se manter ocultos com maior
facilidade. Ademais, o uso de aplicativos possibilitaram a expansão da infidelidade virtual,
pois os smartphones se tornaram uma ferramenta de acesso a internet em qualquer lugar com
sinal disponível. Portanto, o cônjuge infiel pode encontrar o seu “caso” em qualquer lugar,
bem como levá-lo consigo para onde for, e estará protegido pelo direito à intimidade e à vida
privada. Entretanto, deve ser considerada a intimidade conjugal, esfera esta que abrange fatos
que são de interesse do casal, mesmo quando um dos cônjuges entende se tratar de algo
sigiloso. A partir desse entendimento, o cônjuge inocente poderá acessar as informações do
outro consorte sem violar sua intimidade, haja vista se tratar da intimidade do casal.
INTRODUÇÃO
312
Estudos Contemporâneos em Direito Privado.
313
Pós-doutor em Direito pela Università degli Studi di Messina, Itália. Doutor em Direito pela Faculdade
Autônoma de Direito de São Paulo. Mestre em Direito pela Universidade Paranaense. Advogado. Professor
Adjunto da Universidade de Pernambuco – UPE. E-mail: [email protected]
314
Doutora e Mestra em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Advogada. Professora
Adjunta da Universidade de Pernambuco – UPE. Coordenadora Setorial de Extensão e Cultura da FCAP-UPE.
Membro da Academia Pernambucana de Direito do Trabalho. Membro da Associação Luso Brasileira de Juristas
do Trabalho – JUTRA. Líder do Grupo de Pesquisa Direito do Trabalho e os Dilemas da Sociedade
Contemporânea. Membro do GPTEC – Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo. E-mail:
[email protected]
justificadora para a dissolução do casamento. Porém, a destinação é dada a homens e
mulheres, com punições mais brandas quando comparadas com a Idade Antiga.
Também é verdade que o sistema jurídico que regulamenta a dissolução da sociedade
conjugal já sofreu várias mudanças, e atualmente está mais flexível, tanto que oportuniza até
o divórcio extrajudicial, em determinados casos. Contudo a infidelidade continua, mais do que
nunca, sendo o motivo de muitos divórcios, principalmente, porque ganhou uma nova versão,
trata-se da infidelidade virtual.
A nova modalidade de infidelidade surgiu no século XX com a popularização da
internet. De lá para cá, o avanço tecnológico possibilitou às pessoas acessarem a internet em
celulares, pela televisão e até mesmo em relógios. Mas foram, especialmente, os celulares,
smartphones, que permitiram o uso dos aplicativos móveis e, com eles, foram criados
aplicativos para relacionamentos amorosos, os quais são utilizados por solteiros e,
clandestinamente, por pessoas casadas. O ambiente virtual que aproxima as pessoas também
abre mais espaço para a infidelidade.
Para tanto, o presente trabalho, que tem por objetivo estudar a infidelidade virtual a
partir do uso de aplicativos. Trata-se de uma pesquisa qualitativa e bibliográfica, com amparo
na revisão de literatura quanto ao tema. A pesquisa parte do método dedutivo, tomando como
premissa a valoração jurídica dos deveres conjugais e o princípio da boa-fé objetiva nas
relações matrimoniais e uniões estáveis. Desse modo, sustenta-se o direito à intimidade
conjugal entre os cônjuges/companheiros bem como a responsabilização daquele que falta
com o dever de fidelidade, ainda que a infração seja cometida com a utilização de aplicativos.
O artigo irá abordar os conceitos de fidelidade e lealdade, regulados, respectivamente,
nas entidades familiares casamento e união estável, bem como, as consequências decorrentes
da violação de um e outro. Também será discorrido sobre a modalidade de infidelidade virtual
e a modernização dos aparatos (aplicativos) que contribuem para a expansão do referido ilícito
civil. Por fim, a discussão percorrerá o estudo da responsabilização civil como medida
compensatória e punitiva ao cônjuge infiel.
No passado, o dever de fidelidade tinha funções bem definidas, quais sejam: o controle
da sexualidade feminina, uma vez que apenas a mulher era punida com o adultério; e a certeza
da paternidade dos filhos, para assegurar o patrimônio familiar unitário. De fato, as referidas
funções são ultrapassadas e as mulheres passaram a ser tratadas como sujeito de direitos.
Quanto aos filhos, não se faz mais distinção entre legítimos e ilegítimos. Ademais, o
ordenamento brasileiro sofreu uma importante atualização, especialmente o ramo de direito
civil, com a inserção do princípio da dignidade humana, onde a pessoa passou a ser o centro
do sistema jurídico e o patrimônio foi colocado em segundo plano.
Nessa toada, Lôbo (2004, p. 08) defende que os deveres conjugais, como a fidelidade
recíproca durante a convivência conjugal, são absolutamente inócuos, em virtude de serem
destituídos de sanção para seus eventuais inadimplementos. O autor tem razão nesse sentido,
uma vez que a emenda n. 66/2010 modificou o artigo 226, § 6.º da Constituição Federal,
transformando a separação em um instituto facultativo. Na sequência o Código de Processo
Civil de 2015 confirmou tal sistemática.
Ademais, em razão da atual redação do citado dispositivo, a culpa foi extirpada das
ações de dissolução da sociedade conjugal, o que significou a possibilidade de requerer o
divórcio por qualquer motivo, inclusive por falta de afeto. Além disso, o cônjuge traído não
tem ao seu dispor nenhum recurso para punir o consorte infiel, como, por exemplo, aplicar
uma multa e se manter casado - porque se manter casado daria a conotação de perdão tácito,
o que isentaria o ofensor de cumprir a sanção.
Todavia, os deveres de fidelidade recíproca, respeito e consideração mútuos ganharam
nova interpretação, passando a ser considerados substância do direito da personalidade à
honra, haja vista que as formalidades do casamento são pautadas pelo princípio da
publicidade, a qual se dá, desde o processo de habilitação com publicação do edital, até a
celebração do ato. Tal publicidade se mantém no cotidiano social com a identificação dos
termos cônjuges. Também é de conhecimento, a exclusividade entre os cônjuges, própria do
relacionamento conjugal, onde o respeito à fidelidade dá lugar à boa-fé objetiva, conforme
anteriormente mencionado (LANDO; ARAÚJO, 2016, p. 46).
Schreiber (2011, p. 69) acrescenta: “A imensa maioria das pessoas reserva elevado
valor à reputação de que desfruta no meio social. A honra constitui, de fato, um importante
aspecto da vida relacional do ser humano e a ordem jurídica reconhece a necessidade de
protegê-la.” No relacionamento familiar não é diferente, ou seja, o comportamento infiel de
um dos cônjuges afeta o outro, bem como aos demais membros que compõe a família.
Portanto, a traição não representa apenas a quebra do dever de fidelidade recíproca,
mas também, a violação do dever de cuidado com a honra (subjetiva) e reputação familiar
(objetiva). Nesses casos, o divórcio não é medida competente para resolver a questão, uma
vez que apenas tem a finalidade de dissolver o casamento, quando se tornou impossível de
manter a convivência entre o casal. Mas, a compensação dos danos morais causados pela
ofensa à honra, precisa ser satisfeita com instituto próprio para responsabilização do cônjuge
ofensor.
Para tanto, uma das decisões mais evocadas pelos juristas para ilustrar o cabimento da
medida é a sentença proferida pelo Juiz Jansem Fialho de Almeida, em maio de 2008. Adiante
segue trecho do julgado (BARBOSA, 2010):
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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1957. 531p.
DINIZ, M.H. Curso de direito civil, v. 5: direito de família. 30. ed. ref. São Paulo: Saraiva,
2015. 725p.
FARIAS, C.C.; ROSENVALD, N.; Curso de direito civil, v. 6: famílias. 7. ed. rev. atual. e
ampl. São Paulo: Atlas, 2015. 727p.
FRANÇA, R.L. Instituições de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1988. 1042p.
HECKE, C. 10 apps para descobrir se você está sendo traído. TECMUNDO. 30/04/12.
Disponível em: <https://www.tecmundo.com.br/apps/22773-10-apps-para-descobrir-se-
voce-esta-sendo-traido.htm> Acesso em: fev. 2017.
MADALENO, R. Curso de direito de família. 6. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro:
Forense, 2015. 1361p.
LANDO, G.A.; ARAÚJO, R.R.O. Direito à Intimidade e à Vida Privada: a transposição dos
limites no relacionamento conjugal. Revista do Direito (Santa Cruz do Sul. Online). v.1, p.31
- 51, 2016.
TARTUCE, F. Direito civil, v. 5: direito de família. 11. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro:
Forense, 2016. 697p.
A OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS POR OCASIÃO DA RUPTURA DO
VÍNCULO CONJUGAL315
RESUMO
INTRODUÇÃO
315
Artigo submetido ao Grupo de Trabalho (GT 9) “Estudos Contemporâneos em Direito Privado” do III
Congresso Pernambucano de Ciências Jurídicas da UPE – Arcoverde-PE.
316
Graduanda em Direito na Faculdade Sete de Setembro (FASETE), em Paulo Afonso/BA. E-mail.
[email protected]
317
Advogada. Mestra em Direito pela UNICAP, em Recife/PE. Professora na FACAL/FACJUL, FASETE e
UFPE. E-mail. [email protected]
um cônjuge ao outro por ocasião da ruptura do vínculo conjugal e têm o intuito de amenizar
o desequilíbrio econômico no padrão de vida de um dos ex-cônjuges que surge como fim do
casamento. Segundo Paulo Lôbo (2015), a pretensão compensatória tem finalidade distinta da
pretensão a alimentos. O autor menciona que seria mais adequado chamar aquela de
“compensação econômica”, pois sua natureza é indenizatória, ao contrário dos alimentos.
No que concerne à metodologia deste estudo, trata-se de pesquisa bibliográfica e
documental, com levantamento de legislação e decisões judiciais colegiadas do Tribunal de
Justiça do Estado da Bahia (TJ/BA) e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
(TJ/RS) sobre o tema. Tem como recorte temporal para coleta dos acórdãos o período de 2002
a 2017, nove decisões de cada tribunal compõem o corpus da pesquisa. Faz-se análise
exploratório-descritiva da legislação e das decisões. A investigação se caracteriza, portanto,
como qualitativa, tendo em vista que os dados utilizados são eminentemente textuais, dito de
outra forma, empírico-discursivos e são explorados elementos subjetivos não se importando
com quantificações.
Enquanto existe vínculo conjugal, em geral, o casal busca com soma de esforços
chegar a um determinado nível de riquezas, adquirindo assim uma estabilidade financeira, seja
com os dois cônjuges trabalhando externamente ou não. Quando acontece o rompimento do
casamento ou da união estável pode acontecer de um dos cônjuges perder o patamar de vida
que levava.
Nesse contexto, o estudo parte da seguinte questão problematizante: há divergência ou
convergência de entendimento entre o TJ/BA e TJ/RS em relação a ser possível ou não a
fixação de alimentos em favor de ex-cônjuge ou ex-companheiro(a)? Acrescenta-se a seguinte
questão complementar: a possibilidade jurídica de buscar alimentos do ex-cônjuge encontra
seu limite na decretação do divórcio?
O estudo traz contribuições para a sociedade e para a academia, pois identifica os
posicionamentos atuais de tribunais brasileiros sobre o tema, bem como esclarece à sociedade
a respeito dos alimentos, que configuram direitos da personalidade e também um direito
fundamental à vida de pessoas que por si só não podem prover a sua subsistência, seja em
caráter temporário ou vitalício.
O objetivo deste trabalho é analisar a possibilidade da concessão de alimentos entre os
companheiros e cônjuges no divórcio e após o divórcio no âmbito do ordenamento jurídico
brasileiro a partir da análise de casos concretos julgados pelos tribunais em estudo. A realidade
observada mostra questões de gênero que perpassam o tema, a exemplo da observação de que
em todos os processos que formam o corpus desse estudo apenas a mulher figura pleiteando
alimentos, mesmo sem ter sido utilizado qualquer filtro na pesquisa booleana nesse sentido.
Decisões do TJ/BA
Ela é, portanto, mais que desistência da ação. Esta não passa de mera renúncia ao
processo e não ao direito. Extinto o processo por desistência, ainda ficam íntegros o
direito de ação, podendo o autor repropor sua demanda, e também o direito subjetivo
material que eventualmente tivesse, o qual, ainda poderá ser exercido ou exigido.
(DINAMARCO, 2002, p.132).
A renúncia possui um caráter definitivo e por essa razão é ato unilateral e irretratável,
não possuindo, segundo entendimento da doutrina, nenhum tipo de cunho provisório, como já
citado. Assim, Dinamarco entende que na renúncia ocorre a abdicação do direito material que
está sendo discutido. A dispensa, por sua vez, não é ato irretratável, logo não há abdicação
definitiva do direito de ação.
O caso 6, apelação cível nº 0034115-83.2010.8.05.0001, proferida pela Segunda
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, publicada em 06 de agosto de 2013,
à unanimidade de votos, negou provimento à apelação cível. Nesse caso concreto, a apelação
foi interposta por cônjuge varoa contra a sentença na parte em que esta não acolheu o pedido
de alimentos formulado pela autora.
A apelante sustenta a preliminar de nulidade da sentença por falta de apreciação do
pedido de fixação de alimentos por abandono do lar conjugal. Assevera ainda que a sentença
precisa de reforma, pois, no seu sentir, o fundamento para a fixação de alimentos em prol da
autora é a culpa exclusiva do cônjuge/réu. Aduz que a fixação dos alimentos é uma
consequência da suposta culpa do ex-cônjuge. Nesse sentido, pede pelo provimento do apelo.
A relatora salienta ainda que para ter alimentos deferidos em seu favor deve a parte
provar que não possui bens capazes de proporcionar renda suficiente para sua sobrevivência,
bem como, que não possui condições de trabalhar para manter o próprio sustento. In casu,
argui a Desembargadora que se trata de apelante jovem, atualmente com 34 anos de idade,
portadora de diploma de curso superior (Secretariado Executivo), que não logrou demonstrar
que a indicação de tratamento com psicólogo implica em impedimento ao labor.
Por fim, a relatora menciona o acerto da decisão proferida pelo Juízo a quo ao
fundamentar pela ausência de prova da incapacidade laboral da apelante. Outrossim, reforça
que, durante o período de relação com o apelado (cerca de 05 anos), a autora/apelante
conseguiu exercer atividade laboral. Por todo o exposto, foi negado o provimento ao recurso,
mantendo a sentença em sua íntegra.
Decisões do TJ/RS
O caso 15 trata da Apelação Cível nº 70002034858, julgado pela Oitava Câmara Cível
do TJ/RS, julgada em 12 de setembro de 2002, à unanimidade de votos. A apelação foi
interposta por ex-mulher contra o ex-marido em face de sentença, proferida pelo Juízo a quo
que indeferiu, na ação de divórcio, o pedido dos alimentos provisórios fixados em 30 (trinta)
salários mínimos.
Nas razões de recurso a apelante afirma que o seu ex-cônjuge é médico e tem obrigação
de lhe prestar verbas alimentares no valor de 30 salários mínimos, pois possui uma renda
patrimonial elevada e condições suficientes de prover para ela os alimentos de que necessita.
Argui também que foi ele o responsável pela falência do casamento. Assevera ainda que sofreu
dano moral por ter sido traída e pelo fato do ex-cônjuge ter abandonado o lar e, por isso, tem
direito à indenização.
Consta no voto do relator Desembargador Antônio Carlos Stangler Pereira que, apesar
da dificuldade de relacionamento entre as partes, o que é confirmado pela apelante, e do
afastamento do cônjuge varão do lar, não recai sobre nenhum dos cônjuges a culpa e
acrescenta que esta não é razão para a condenação ao pagamento das verbas alimentares.
Aduz o relator que a apelante é filha de um homem que deixou considerável
patrimônio, dentre os quais uma empresa de mudanças de onde era retirado o pró-labore para
a própria sobrevivência da ex-cônjuge e, por isso, ela abriu mão das verbas alimentares que
em ação posterior de alimentos foi reclamar. Aduz ainda que a apelante possui curso superior,
é formada em Engenharia Química, e tem plena capacidade de ingressar no mercado de
trabalho. Afirma que é mulher jovem, contando apenas com 39 (trinta e nove) anos de idade.
Assim, pelos fundamentos já expostos o Desembargador relator não reconheceu os
alimentos em favor da apelante, por entender que as necessidades da mesma poderiam ser
supridas por seu próprio esforço, ou seja, entendeu o Colegiado em não lhes conceder
alimentos, pois a pretensa alimentanda possuía condições de sobrevivência.
O caso 18 trata da Apelação Cível Nº 70071282388, julgada pela Oitava Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do RS, publicada em 07 de dezembro de 2017, por votação unânime.
A apelação foi interposta por cônjuge varão em face de sua ex-cônjuge varoa, contra a
sentença proferida por Juízo a quo, em ação pedido de alimentos que o condenou ao
pagamento de verbas alimentares à ex-mulher no valor de 01 (um) salário mínimo, retroativos
à data de propositura da presente demanda e devidos até que ultimada a partilha de bens do
casal.
Em suas razões recursais, o apelante aduz que a ex-cônjuge não necessita perceber os
alimentos, pois não comprovou nos autos a sua real necessidade, bem como, este não possui
capacidade econômica para tal, não existindo assim no caso concreto o binômio necessidade
versus possibilidade.
Aduz o relator que, a apelada trabalhou no estabelecimento do apelante durante os anos de 2002 a 2009,
e que foi demitida quando o relacionamento chegou ao fim. Assim, o que se verifica é que o sustento da requerida,
bem como a administração do patrimônio dos ex-cônjuges, era exercida, de forma exclusiva, pelo apelante.
Sustenta ainda o relator que, cabia a este comprovar nos autos que não podia suportar o valor pretendido pela
ex-cônjuge varoa, e que o apelante, assim não o fez.
Por fim, o relator determina o pagamento das verbas alimentares a ex-cônjuge até que
esta consiga se reintegrar ao mercado de trabalho, ou de outra maneira, consiga por si só
prover o seu próprio sustento, mantendo o pensionamento de forma parcial e provisória, até a
partilha de bens do casal. Nessa motivação de decisão mostra-se características do caráter
compensatório da fixação de alimentos em favor da mulher que trabalhava para o marido e
ficou desempregada após o término do relacionamento amoroso.
Pode-se observar que todos os 18 (dezoito) acórdãos que formam o corpus do estudo
foram proferidos por unanimidade, o que denota uniformidade de entendimento em relação
ao tema. Observa-se também que em todos os julgados, seja os que deferem os alimentos,
indeferem ou deferem parcialmente há sempre o argumento de que se faz necessário observar
o binômio necessidade versus possibilidade. Alguns mencionam: necessidade, possibilidade,
razoabilidade e proporcionalidade. Isso porque está expresso nos artigos 1.694 e 1.695 do
Código Civil Brasileiro que deve-se ter por parâmetro de análise a necessidade comprovada
daquele que busca os alimentos e a possibilidade daquele que irá alimentar.
Quando há o deferimento, em regra, consta no voto do Desembargador relator a
fundamentação sobre o dever de mútua assistência entre os ex-cônjuges que persiste após a
ruptura do vínculo conjugal, quando a parte que necessita dos alimentos consegue comprovar
a sua real necessidade. Observa-se que em tais casos, existem características em comum, quais
sejam: a) idade avançada, por exemplo, em duas das dezoito decisões analisadas a ex-cônjuge
contava com aproximadamente 70 (setenta) anos de idade (Apelação Cível Nº 70072706625,
TJ/RS), em outra decisão a ex-cônjuge tinha 49 (quarenta e nove) anos e foi considerada de
idade avançada (Apelação Cível n° 0093440-52.2011.8.05.0001 TJ/BA); b) fato
superveniente, ocorrido após o divórcio, e levou a ex-cônjuge a depender economicamente do
ex-cônjuge, em uma das decisões que compõem a pesquisa a ex-cônjuge passou a ter
problemas mentais, qual seja, esquizofrenia; c) abandono da vida profissional para dedicação
exclusiva à família e ao lar, algumas das ex-cônjuges alegaram esse fato; d) dificuldade de
inserção no mercado de trabalho, por exemplo, em um caso concreto analisado, a ex-cônjuge
não era alfabetizada. As duas últimas caraterísticas listadas foram alegadas por ex-cônjuges
como causas de terem sempre necessitado do amparo alimentar do ex-marido como provedor
da família.
Por sua vez, os indeferimentos de alimentos analisados envolviam situações em que a
pretensa alimentante tinha características como: a) era jovem; b) tinha outra fonte de renda ou
conseguiu, logo após o divórcio sua reinserção no mercado de trabalho ou, de outro modo, a
obtenção do autossustento; c) não conseguiu comprovar a sua real necessidade em perceber
os alimentos; d) não conseguiu comprovar a possibilidade do ex-cônjuge em pagar as verbas
alimentares; e) a ex-cônjuge alimentante renunciou expressamente nos autos da ação de
divórcio o direito de pleitear os alimentos ou, de outra forma, abriu mão dos alimentos, logo,
não poderia reclamá-los posteriormente; f) a culpa de um dos cônjuges pela ruptura do vínculo
conjugal não pode servir como fundamento para fixação de alimentos em favor do outro.
Nos deferimentos de alimentos parciais, existia a necessidade da alimentanda e a
possibilidade do alimentante, no entanto, não estava sendo atendido o critério da razoabilidade
e proporcionalidade. Como exemplo, em algumas decisões, observa-se que apesar da pretensa
alimentante já estar em idade avançada ou de ter abandonado o emprego para dedicação
exclusiva à família e ao lar, dentre outras situações, o ex-cônjuge alimentante teve mudança
comprovada na sua situação econômica e financeira e, por isso, não conseguia manter o
pagamento dos alimentos como fazia outrora, logo, a porcentagem das verbas alimentares
sofreu alteração. Em alguns casos foi mantido o custeio do plano de saúde e extinto o
pagamento dos alimentos; em outros casos o valor pleiteado pela ex-cônjuge foi deferido em
parte, ou seja, em valor menor do que o requerido; em outros casos pleiteou-se a fixação de
um valor a maior de alimentos e o tribunal deferiu em percentual menor que o pleiteado e por
prazo determinado, não vitalício, por exemplo, até a partilha dos bens do casal. Assim, na
fundamentação dos votos dos Desembargadores que deferiram parcialmente os alimentos,
mencionava-se a observância aos critérios necessidade x possibilidade x razoabilidade.
Vale enfatizar que, em todos os casos estudados, quem pede alimentos é a mulher e o
homem deseja se desonerar desse ônus. Apesar dos acórdãos não terem sido selecionados
especificamente quando mulheres pedem alimentos, reitera-se que foram selecionados
aleatoriamente, essa questão de gênero pode ser observada na realidade, e não se pode ignorar
isso. Das 18 (dezoito) decisões analisadas, 13 mulheres alegaram que viviam sem trabalhar,
pois abandonaram seus empregos para se dedicarem exclusivamente à família e ao lar; 10
alegaram que tinham idade avançada; 2 alegaram fato superveniente; 7 alegaram que estavam
inaptas para o trabalho, por falta de qualificação profissional. São dados coletados que
remetem à problemática de gênero, na medida em que se observa, entre os casais
heterossexuais, mulheres ainda abrem mão da vida profissional em prol da família e, quando
o relacionamento acaba, ficam sem condições de se manter, uma vez que, durante a constância
do vínculo conjugal, sempre dependeram dos seus companheiros como único provedor
financeiro do lar.
Por fim, 11 (onze) decisões tratavam de fixação de alimentos juntamente com ação de
divórcio e/ ou partilha de bens e 7 (sete) decisões tratavam de pleito de alimentos
posteriormente ao divórcio. Dos 7 (sete) acórdãos, apenas um tratou de situação em que a ex-
cônjuge abriu mão dos alimentos no divórcio e, posteriormente, pleiteou os alimentos em face
do ex marido (Apelação Cível nº 70002034858 do TJ/RS). Nesse caso, especificamente os
desembargadores indeferiram os alimentos sob o argumento de que ela tinha como prover o
próprio sustento, pois era jovem (39 anos), tinha qualificação profissional (engenheira
química) e tinha recebido grande patrimônio após o falecimento do pai, motivo pelo qual ela
própria havia aberto mão dos alimentos na ocasião do divórcio.
Em 6 (seis) das 7 (sete) decisões que trazem o pedido de exoneração ou revisão de
alimentos pelo ex-cônjuge, posteriormente ao divórcio, e pedido contraposto de manutenção
ou majoração dos alimentos já fixados em favor da mulher, o ex-cônjuge varão alegou: a) que
já se passou tempo suficiente para que a alimentanda se organizasse financeiramente e
arrumasse emprego; b) que o alimentante já não tinha condições de pagar as verbas
alimentares que a pretensa alimentante pleiteava, uma vez que a sua condição financeira já
não é a mesma de quando da constância do vínculo conjugal; c) que a alimentanda já auferia
renda própria.
Há a previsão legal da possibilidade de revisão de alimentos a qualquer tempo, desde
que provados nos autos que a parte alimentada não necessita dos alimentos, pois já consegue
por si só prover o seu próprio sustento ou que o alimentante não possui mais condições
financeiras e econômicas favoráveis para continuar o pensionamento, no entanto, nem todos
os alimentantes conseguem provar isso nos autos do processo e o ônus é deles.
Reitera-se que observou-se que das 18 (dezoito) decisões analisadas, apenas uma
tratava de pleito de alimentos posterior ao divórcio quando a mulher abriu mão dos alimentos
na ação anterior de divórcio. E o fato de ter aberto mão dos alimentos no divórcio, juntamente
com as circunstâncias específicas da mulher no caso concreto (jovem, qualificada
profissionalmente e com patrimônio oriundo de herança paterna) levou os Desembargadores
a indeferirem os alimentos. Isso não significa que os alimentos não podem ser pleiteados
posteriormente em situação de não fixação de tal obrigação na ação de divórcio, pois, no caso
concreto, na apreciação dos Desembargadores, outras circunstâncias foram alegadas além do
fato de a parte ter aberto mão. Por oportuno, chama-se a atenção, mais uma vez, para a
diferença entre dispensa e renúncia aos alimentos. Uma vez dispensados os alimentos na ação
de divórcio, as partes podem pleiteá-los posteriormente. No entanto, se o direito aos alimentos
foi renunciado no momento do divórcio, não poderá ser pleiteado em ação posterior pelo
entendimento da maioria da doutrina.
Reitera-se que das decisões judiciais analisadas, 6 (seis) tratavam de ações que
rediscutiam alimentos já fixados em ação judicial anterior, seja para pedir a majoração dos
alimentos, seja para pleitear a sua redução ou a exoneração.
Portanto, da observância das ações em que o pleito de alimentos foi posterior ao
divórcio conclui-se que não há óbice ao pedido de alimentos pelo mero fato de ser posterior à
decretação de divórcio. Entende-se que a obrigação de alimentar entre os cônjuges decorre do
dever de mútua assistência e permanece após o rompimento do vínculo conjugal (art. 1.566,
III do Código Civil), se existente o binômio necessidade versus possibilidade. Assim, reitera-
se que, desde que comprovado o binômio referido, pode-se a qualquer tempo buscar alimentos
do ex-cônjuge não encontrando tal pleito limite na decretação do divórcio. Ou seja, é lícito
àquele que não possui condições de autossustento requerer auxílio ao ex-cônjuge. A única
objeção é quando houve expressa renúncia aos alimentos no momento do divórcio, nesse caso,
não será possível mais pleitear os alimentos em ação judicial futura.
Por fim, é relevante registrar que não se vislumbrou diferença entre o entendimento do
TJ/BA e o TJ/RS sobre o tema em estudo a partir da análise das fundamentações de decisões
de ambos os tribunais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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83.2010.8.05.0001, Relatora Desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago, Publicado
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20.2013.8.05.0001, Relator Desembargador José Olegário Monção Caldas, Publicado em
25/10/2017.
______. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. 5ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº
0011505-51.2015.8.05.0000, Relatora Desembargadora Ilona Márcia Reis, Publicado em
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______. Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. 2ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 0093440-
52.2011.8.05.0001, Relatora Desembargadora Dinalva Gomes Laranjeira Pimentel, Publicado
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Cível, Apelação Cível nº 70002034858, Relator Desembargador Antônio Carlos Stangler
Pereira, Julgado em 12/09/2002.
______. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. 8ª Câmara Cível, Apelação Cível
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______. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. 8ª Câmara Cível, Apelação Cível
nº 70072706625, Relator Desembargador Ivan Leomar Bruxel, Publicada em 18/12/2017.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 8. ed. v. 6. São Paulo: Atlas,
2008.
O PODER SIMBÓLICO DO NÃO RECONHECIMENTO JURÍDICO DAS
ENTIDADES FAMILIARES POLIAFETIVAS: Dominação, criação de espaço de não-
direito e negação de subjetividades318
RESUMO
INTRODUÇÃO
318
GT 9- Estudos Contemporâneos em Direito Privado.
319
Bacharelanda em Direito- 10º período- Faculdade de Integração do Sertão- FIS (Serra Talhada- PE). Pós
graduanda em Ciências Criminais- Faculdade de Integração do Sertão- FIS (Serra Talhada-PE). Email:
[email protected]
melhor dizendo, num movimento de denegação daqueles que exercem sexualidade e
estruturação familiar fora do modelo dominante hegemônico. Para tal investigação, reportar-
se-á a conceitos trazidos na obra de Pierre Bordieu, como o conceito de poder simbólico e
como esse se exerce através dos sistemas simbólicos, entendidos esses especialmente como
instrumento de dominação, através dos quais se exerce a própria violência simbólica.
Em um segundo instante buscar-se-á compreender o que são as relações poliafetivas,
analisando alguns conceitos dessa prática relacional. Observar-se-á que parte da doutrina
ainda se mostra insuficiente na conceituação desses modelos familiares. Nesse segundo
momento ainda serão abordados os pilares que autorizam o reconhecimento jurídico das
uniões poliafetivas, dando enfoque ao princípio da afetividade, este que hoje é tido como
princípio orientador do direito das famílias e que talvez seja o principal elemento autorizador
do reconhecimento jurídico como família das uniões poliafetivas.
Por fim, em última análise, examinar-se-á as consequências da ausência de
reconhecimento jurídico como entidade familiar, especialmente na seara cível, penal e
previdenciária.
A pesquisa tem como objetivo geral, portanto, compreender a normativa brasileira,
sua interpretação e aplicação, no que se refere ao reconhecimento de famílias que exerçam
sexualidade fora do padrão monogâmico, considerando o texto constitucional e o princípio da
afetividade, orientador do Direito de Família no Brasil.
Em relação aos objetivos específicos a pesquisa pretende: a) avaliar a dimensão do
fenômeno jurídico como sistema de controle sobre os corpos; b) analisar os fundamentos
jurídicos permissivos ao reconhecimento das uniões poliafetivas, dando enfoque ao papel da
afetividade nesse cenário, e assim compreender em que consistem as uniões poliafetivas; c)
investigar, enquanto suposição, que não há obstáculo ao pleno reconhecimento, especialmente
nos aspectos criminal, civil e previdenciário.
A metodologia de pesquisa empregada no presente trabalho é de cunho exploratório,
tendo em vista que se buscou levantar informações acerca do objeto pesquisado, qual seja, o
não reconhecimento jurídico efetivo das uniões familiares poliafetivas, delimitando assim o
campo de trabalho e verificando as condições de manifestação dessa temática. Ademais, a
pesquisa é de caráter qualitativo e bibliográfico.
O poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível que só pode ser exercido com
a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos e mesmo que
o exercem e é onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado,
portanto, reconhecido. (BOURDIEU, 1989, p. 7-8).
320
Entende-se que o autor corrobora essa noção quando estatui que o Poder Simbólico é um poder capaz de
“constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar e de transformar a visão de mundo, e
deste modo a ação sobre o mundo” (BOURDIEU, 1989, p.14). É nesse movimento de transformar a “visão de
mundo” e a própria “ação sobre o mundo” que o Poder Simbólico consegue controlar o corpo, a mente, a vida,
a propriedade dos indivíduos. Já que como será visto no decorrer do artigo “a visão de mundo” difundida é aquela
afim aos interesses dos detentores do capital, seja esse econômico, político, social e simbólico.
O simbolismo da violência se exerce através do Poder Simbólico, traduzindo uma
relação de dominação, na qual o sujeito dominado adere ao que lhe é imposto pelo sujeito
dominante. Esta adesão é facilitada pela aparente naturalização da relação de dominação, que
impede ao dominado de refletir criticamente sobre a sujeição que lhe acomete.
Compreende-se a questão sob três aspectos: primeiro, o poder exercido pela norma
jurídica quando passa a circular na sociedade está ali para corroborar a visão “legítima” do
mundo social, enuncia o que é “melhor pra todos”, é posta para ser cumprida sem, ainda que
inicialmente, possibilidade de discussão, devendo ser efetivamente respeitada. Segundo, na
interpretação que lhe é conferida pelos operadores do direito. E Terceiro, a doutrina que na
visão de Bourdieu “delimita o espaço dos possíveis”, e neste espaço justamente o “universo
das soluções propriamente jurídicas” (BORDIEU,1989,p.211).
Destaque-se que a visão legítima, supostamente justa do mundo social segundo a
concepção difundida pelo Estado, através do direito, traduz-se numa visão comprometida, eis
que os agentes incumbidos da criação, interpretação e aplicação do direito,detentores do poder
simbólico por excelência, possuem afinidade com os detentores do poder temporal, político e
econômico e, com suas visões de mundo, em virtude até da correspondência e semelhança dos
habitus321, formação familiar e escolar (BOURDIEU, 1989).
Conclui-se, portanto, que o direito dificilmente irá em movimento contrário aos
interesses dominantes. Ao revés, adequa-se aos valores e à visão de mundo destes agentes.
Desvela-se, assim, a violência simbólica na seara jurídica.
321
Bourdieu percebe a sociedade dividida em Campos, caracterizados por agentes com um mesmo habitus, que
representam a “exteriorização ou objetivação do habitus”. Habitus, por seu turno, é entendido como a
“internalização ou incorporação da estrutura social”. Assim, os Campos estruturam o habitus e o habitus constitui
os campos (AZEVEDO, 2011).
pela felicidade.
O Poder exercido pelo Estado, através da ciência jurídica, pode ter consequências
danosas principalmente quando significa invadir as esferas mais íntimas do indivíduo, como
a escolha familiar, para determinar comportamentos. No caso das uniões poliafetivas, a
intervenção do Estado no sentido de negar-lhes reconhecimento jurídico, rejeitando a
estruturação familiar e exercício da sexualidade fora do padrão monogâmico, gera insegurança
jurídica, na medida em que deixa à margem da proteção jurisdicional.
O não-reconhecimento das entidades familiares poliafetivas representa, portanto, a
adequação compulsória do comportamento familiar segundo os moldes monogâmicos
estabelecidos no Direito de Família Brasileiro. Negar reconhecimento jurídico efetivo322
acarreta efeitos negativos do ponto de vista social e jurídico, ressaltando o desabono social a
indivíduos que constituam estas formatações familiares.
É fundamental, então, compreender o fenômeno jurídico a fim de investigar suas
potencialidades, e, no caso deste trabalho, analisar qual a postura do ordenamento jurídico
brasileiro quanto ao reconhecimento da proteção jurídica dada às entidades familiares
poliafetivas.
322
Aqui, refere-se a efetivo reconhecimento jurídico no sentido de se conceder plenamente os devidos direitos a
esta forma de entidade familiar. Isto porque reconhecimento jurídico já existe, melhor dizendo, o ordenamento
jurídico já possui embasamento para se permitir que essa modalidade familiar tenha seus direitos exercidos. Falta
agora um apoio dos operadores jurídicos, na interpretação e aplicação da ciência jurídica e talvez para melhor
proteção, um apoio legislativo no sentido de elaboração de uma normativa específica sobre o tema.
melhor regulação de direitos desses indivíduos e consequente maior segurança jurídica,
todavia não parece ser interesse dos grupos que legislam ir de encontro ao padrão dominante.
Em terceiro plano, a doutrina que mesmo tendo o poder de ampliar cada vez mais a extensão
dos direitos, de prever o maior número de situações, na verdade, de criar em muitos aspectos
a própria ciência jurídica, no sentido de delimitar e balizar o que é ou não permitido, têm
muitas vezes se apresentado limitada, tímida.
Relevante, neste pesar, entendermos em que consistem os relacionamentos
poliafetivos, sob o prisma do princípio da afetividade, que hoje é tido como o princípio
orientador do direito das famílias e que talvez seja o principal elemento autorizador do
reconhecimento jurídico como família das uniões poliafetivas.
A insuficiência por parte da doutrina no caso das uniões poliafetivas é o que será agora
investigado, especialmente no que diz respeito à própria conceituação de tal formatação
familiar.
Antes de tudo, interessante frisar que a poligamia não se confunde com o poliamor.
Embora em ambas as situações têm-se relacionamentos que não se resumem ao par, há
distinções que precisam ser esclarecidas. A poligamia, nas suas duas modalidades, verifica-se
quando apenas um dos integrantes da relação pode manter relações com os demais, isto é, no
caso da poliginia apenas o homem poderia se relacionar com as outras mulheres e na
poliandria, apenas as mulheres poderiam se relacionar com os homens participantes da
relação, como consequência eles não poderiam se relacionar entre si. Ao contrário disso, o
poliamor garante a possibilidade de que todos os integrantes da relação possam se relacionar
entre si 323.
Feita essa diferenciação inicial, cumpre agora entender o que significa o poliamor, ou
mais propriamente, como alguns preferem chamar de poliafetividade324. Desde logo, anote-se
que há certa divergência na conceituação dessa prática relacional, isto porque os próprios
indivíduos que o praticam a conceituam de maneira diversa em certos momentos. Todavia,
323
Tavares e Souza (2017,p.30) explanam que “Tanto a poliginia, quanto a poliandria remetem a uma prática
unilateral, em que apenas um dos sexos tem o direito de nutrir mais de um parceiro” . Ainda na mesma página
explanam que por outro lado nas relações poliamorosas “todos os parceiros podem amar e se relacionar com
mais de uma pessoa”.
324
Ricardo Calderón (2017, p.466) assevera que o termo poliafetividade é mais adequado diante do atual cenário
jurídico- brasileiro. Certamente, porque a atual conjuntura jurídica prima pela valorização da afetividade.
em que pese as diferenças no instante de conceituação, o consentimento e a honestidade nas
relações parecem ser elementos centrais que aparecem na maioria das definições .
Diante da exiguidade de parcela da doutrina na conceituação dessas estruturações
familiares, fato ao qual ainda nos deteremos, colacionamos ao trabalho definições de
relacionamentos poliafetivos encontradas na internet. Muitos sites trazem de forma muito
condizente com a prática o que realmente significa tais entidades. A título de exemplo
observemos o conceito de poliamor publicado no site da Igreja de Todos os Mundos.
Esclareça-se desde já a relevância desse conceito principalmente porque foi formulado por
pessoas que adotam essa modalidade de relacionamento, interessante, portanto analisar o
poliamor sob a ótica de quem o pratica. Vejamos: “A prática ou o estilo de vida de estar aberto
para viver mais de um amor, mais de um relacionamento íntimo ao mesmo tempo com o pleno
conhecimento e consentimento de todas as pessoas envolvidas” (CAWeb – HOME OF
CHURCH OF ALL WORLDS , 2013ª, apud SANTIAGO, Rafael da Silva, 2014, p.123 )
(destaquei).
Ademais, o site Xeromag apud Cardoso (2010, p.4), ressalta o caráter de honestidade
e responsabilidade das relações poliafetivas. Representa, pois, o poliamor “a filosofia e prática
não-possessivas, honestas, responsáveis e éticas de amar várias pessoas simultaneamente”.
Note-se, portanto que o consentimento e a honestidade dos envolvidos são elementos
principais nas relações poliafetivas.
Importa acrescentar que as uniões poliafetivas não devem ser confundidas com as
uniões paralelas ou simultâneas.
Não se deve confundir, portanto, tais formatações porque como bem sintetiza Paulo
Roberto Iotti Vecchiatti (2014) uniões paralelas são as que formam dois ou mais núcleos
familiares conjugais distintos; Por outro lado, uniões poliafetivas formam um único núcleo
familiar conjugal, com mais de duas pessoas.
Rodrigo da Cunha Pereira também contribui para essa diferenciação. Na ótica do autor
as uniões poliafetivas se diferem das uniões paralelas, porque estas geralmente ocorrem na
“clandestinidade”, isto é, sem o consentimento de todos os envolvidos (PEREIRA, Rodrigo
da Cunha. Apud CALDERÓN, Ricardo, 2017). O que como já vimos resta inviável numa
entidade poliafetiva.
Percebe-se que parte da doutrina brasileira parece ainda não atentar para tal distinção.
A título de exemplo analisemos o conceito que se segue, no qual os autores entendem as
relações poliamorosas como aquelas em que se “admite a possibilidade de co-existirem duas
ou mais relações afetivas paralelas, em que os seus partícipes conhecem e aceitam uns aos
outros, em uma relação múltipla e aberta” (GAGLIANO, FILHO, 2014. p. 463).
Além do conceito acima explanado, Maria Berencie Dias em artigo intitulado
“Poliafetividade, alguém duvida que existe?” parece também não deixar claro o que essa
entidade familiar realmente representa. Isso porque a autora, referindo-se as uniões
poliafetivas, explana em determinado trecho: “Quando a mulher afirma desconhecer a
duplicidade de vidas do parceiro, a união é alocada no direito obrigacional e lá tratada como
325
sociedade de fato”. (grifos nossos). Apesar de no início do artigo a autora mencionar um
caso de registro de união estável poliafetiva, na Cidade de Tupã- SP, em 2012, no decorrer do
texto parece estar se referindo a uniões paralelas, que como já resta superado não se
confundem com uniões poliafetivas. Ademais, no próprio Manual de Direito das Famílias
parece também não deixar claro o que representa tais uniões, porque também se referindo a
essas menciona que “eventual rejeição de ordem moral ou religiosa à dupla conjugalidade não
pode gerar proveito indevido ou enriquecimento injustificado de um ou de mais de um frente
aos outros partícipes da união” (DIAS, 2013,p.54).
Entretanto, a autora também busca em certo momento realizar a distinção outrora
mencionada. Na sua ótica a diferença reside no fato de que nas uniões poliafetivas “o vínculo
de convivência de mais de duas pessoas acontece sob o mesmo teto” (DIAS, 2015,p. 138), o
que não ocorre com as uniões paralelas. Todavia a diferença não se perfaz sob esse aspecto.
Primeiro porque não há que se exigir a convivência sob o mesmo teto para que se caracterizar
uma entidade familiar, em consonância com o consubstanciado na súmula 382 do STJ, desse
modo, perfeitamente possível que em uma união poliafetiva alguns dos integrantes não
residam sob o mesmo teto. Segundo, porque o que realmente distingue essas duas entidades é
a duplicidade ou não de relacionamentos. Uniões poliafetivas não são caracterizadas pela
existência de dois ou mais vínculos familiares, como acontece com as uniões paralelas. Ao
contrário, traduzem apenas um único vínculo familiar com mais de duas pessoas e com pleno
consentimento de todos os envolvidos.
A incongruência desses conceitos se apresenta obviamente no fato de que, como já
superado, uniões poliafetivas não se confundem com uniões paralelas. Sendo assim nas
325
A própria jurisprudência do STJ (AREsp 1008399 DF 2016/0286105-0)., em decisão monocrática já
questionou se determinada situação não se enquadraria no conceito de poliamor. No caso em questão um homem
mantinha dois núcleos familiares com o consentimento de ambas as partes.
relações poliafetivas não se trata de dupla constituição familiar, mas apenas um único núcleo
familiar com mais de dois parceiros e consentimento de todos.
326
O autor ainda menciona que a monogamia não se sujeitou a nenhum teste de universalização, conforme as
normas e valores constitucionais, o que impede a sua caracterização como princípio. (SANTIAGO, 2014).
a monogamia se apresenta como melhor para uma pessoa, pode não ser para outra, e nesta
escolha não pode interferir o Estado, nem a sociedade, nem qualquer indivíduo.
A forma pela qual seu relacionamento amoroso será construído – com base na
monogamia ou no poliamor ou em qualquer outro alicerce afetivo – é mais uma
dessas escolhas, que se restringem, tão somente, ao âmbito dos valores de cada
indivíduo. (SANTIAGO, 2014, p.103).
Sendo assim, extrai-se que os princípios enunciam o que é melhor para todos. Portanto,
afetividade deve ser considerada princípio, dignidade da pessoa humana, igualdade,
solidariedade familiar, dentre outros, também o devem, porque representam o que é melhor
para todos os indivíduos, independente de aspectos próprios de um determinado grupo. Por
sua vez, monogamia não pode ser considerada princípio, assim como a poliafetividade
também não poderia ser, porque traduzem aquilo que é bom para determinado grupo e não o
que é bom para todos. Sendo assim, a escolha de uma formatação familiar, seja poliamorosa,
seja monogâmica é uma escolha que se dá no âmbito valorativo327.
327
Acerca de isso interessante analisar a diferenciação feita pelo professor Marcelo Campos Galuppo que
partindo de Habermas, enuncia : “quem procura fundamentar uma ação com base em valores procura aquilo “que
é bom para nós” (Habermas, 1994: 312), enquanto aquele que procura fundamentar uma ação com base em
normas (e em especial em princípios) procura aquilo que é ‘universalmente correto’.” (GALUPPO, 1999, p.197).
poliafetivas, no sentido de não ratear as despesas entre o cônjuge e o companheiro/a da relação
extraconjugal. Todavia, nada impede que esse entendimento seja aplicado aos casos de uniões
poliafetivas, o que mais uma vez representaria o cerceamento de direitos.
No que tange ao reconhecimento da prole e responsabilidades, a pluriparentalidade é
plenamente possível e viável. Sendo que no âmbito de proteção financeira nas relações
poliamorosas o compromisso material deverá ser dividido entre todos os companheiros
igualmente, sem distinção. Embora, o pagamento de alimentos em favor de um, por óbvio,
precisaria considerar o binômio necessidade-capacidade. Sendo assim, como assevera Rafael
Santiago (2014) o magistrado (a) deve identificar primeiro que indivíduos compõem o núcleo
familiar, para assim analisar as possibilidades de cada um e determinar a responsabilização
individual a fim de satisfazer a necessidade do (os) alimentados. Ressalta o autor que o direito
de pleitear alimentos pode ser exercido contra todos os participantes da antiga estruturação,
devendo haver uma responsabilização solidária.
Por último, no que se refere aos aspectos criminais, é importante esclarecer que não se
trata de bigamia. Nos relacionamentos poliafetivos há apenas um conúbio com múltiplos
sujeitos. Note-se que se trata de um único casamento com mais de duas pessoas, não de mais
de um casamento328. Sendo assim, no caso das uniões poliafetivas não há a contração de dois
ou mais casamentos, ao revés, tem-se um único casamento formado por mais de duas pessoas.
Não implica em dizer, portanto, em casamento duplo, triplo etc.
O delito de bigamia encontra previsão no artigo 235 do Código Penal. Configurando-
se a infração quando alguém já casado contrai novo casamento. Segundo Guilherme de Souza
Nucci (2011, p. 887-888) o objeto jurídico tutelado é a preservação do casamento
monogâmico. Ademais, o momento de consumação do delito se dá quando o segundo
casamento é oficializado. Sendo assim, necessária para a configuração delitiva que haja a
formalização de um novo vínculo conjugal.
O poliamor, portanto, não caracteriza a prática do crime de bigamia, pois se trata de
uma única relação, isto é, seria único casamento com mais de duas pessoas. Uma única
certidão com o nome de todos os indivíduos e caso outro indivíduo viesse a integrar a relação
posteriormente, o seu nome seria incluso na mesma certidão.
328
Acerca disso, Maria Berenice Dias analisando os casos de uniões poliafetivas, bem como o caráter cultural
da monogamia, pondera: “O princípio da monogamia não está na constituição, é um viés cultural. O código civil
proíbe apenas casamento entre pessoas casadas, o que não é o caso. Essas pessoas trabalham, contribuem e,
por isso, devem ter seus direitos garantidos. A justiça não pode chancelar a injustiça”(grifos nossos). Disponível
em: http://www.ibdfam.org.br/noticias/4862/novosite#.Uh-B1Ru-2uI . Acesso em: 26.04.2018.
Evidencia-se assim, a viabilidade dessas entidades familiares no que concerne aos
aspectos civis, criminais e previdenciários. Ademais, resta claro que o não-reconhecimento
jurídico dessas composições familiares implica na negativa de direitos fundamentais a
determinados indivíduos. Renegando-os a um espaço de não-direito329, isto é, um espaço de
marginalização, de esquecimento e de invisibilidade quanto ao exercício de direitos estatuídos
inclusive no maior diploma legislativo do país.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
329
Marcos Alves da Silva (2013) utiliza essa expressão no que tange as relações de concubinato. Destaca que a
forma de tratamento pelo direito às relações de concubinato reforça esse espaço de não-direito. Utiliza esse termo
fazendo referência a uso que lhe foi dado por Jean Carbonnier, bem como menciona brevemente o estudo de
Carbonnier acerca do conceito de não-direito.
jurídico familiar a estruturas que buscam tais objetivos ocasiona efeitos negativos sob um
ponto de vista social e jurídico. Ademais, representa a adequação compulsória de um
comportamento relacional-familiar segundo os moldes monogâmicos.
Todavia, evidenciou-se durante a pesquisa, que não há óbice algum do ordenamento
jurídico brasileiro ao pleno reconhecimento familiar das uniões que se estruturam com base
no poliamor, notadamente nos aspectos criminais, civis e previdenciários.
Ratificou-se que o direito brasileiro não impede o reconhecimento de entidades
familiares poliafetivas. Ao revés, não apenas não impede, mas autoriza, eis que valoriza a
afetividade em plano legal, doutrinário e jurisprudencial. O reconhecimento das configurações
poliafetivas enquanto entidades familiares constituem o conteúdo mesmo do Princípio da
Afetividade.
É de se notar que a todo tempo o presente trabalho se referiu a pleno ou efetivo
reconhecimento jurídico, justamente porque o direito brasileiro já possui embasamento para
tanto, ou melhor, não há nada, especialmente nos âmbitos civis, criminais, previdenciários,
que entravem o acolhimento dessas agregações por parte do fenômeno jurídico.
Não há hermenêutica juridicamente válida, adequada ao Princípio da Afetividade, que
impossibilite a chancela das uniões poliafetivas como entidades familiares. A nova
conceituação de família, fundada em aspectos constitucionais que primam pela valorização
do afeto e por um tratamento plural e inclusivo, permite-nos concluir que as agregações
familiares poliafetivas, assim como as demais entidades que se alicerçam na afetividade,
merecem ampla proteção do direito.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. A força do Direito e a violência das formas jurídicas.
Revista de Sociologia e Política, Curitiba, p.27-41, 2011.
BOURDIEU, Pierre. A dominação Masculina. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
BOURDIEU, Pierre; O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. 315 p.
Tradução Fernando Tomaz.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013.
DIAS, Maria Berenice. Poliafetividade: Alguém duvida que existe ?. 2012. Disponível em:
http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_552)poliafetividade.pdf . Acesso em:
03 maio 2018.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil:
Direito de Família. As famílias em Perspectiva Constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2014.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 7. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011.
TAVARES, Peterson Merlugo; SOUZA, Rosana Cristina da Silva. POLIAMOR: o perfil dos
praticantes e os desafios enfrentados. 2017. 178 f. TCC (Graduação) - Curso de Psicologia,
Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, Lins, 2017. Disponível em:
http://www.unisalesiano.edu.br/biblioteca/monografias/61009.pdf . Acesso em: 19 mar. 2018.
RESUMO
O ano de 2018 é histórico para o Direito Brasileiro. No último dia 14 de agosto foi
publicada a Lei Geral de Proteção aos Dados. A lei tem um prazo de vacatio legis de 18 meses
a fim de que as empresas criem mecanismos de proteção e circulação de dados de seus clientes.
A lei deixa claro que os dados pessoas pertencem a pessoa e não à empresa.
Desta forma, o presente artigo se constitui em um estudo inicial, de natureza descritiva,
que tem como intuito entender a proteção de dados da perspectiva do Direito de Privacidade,
por esta razão e tendo este direito como ponto de partida, abordamos no tópico 1 o
posicionamento do Direito a Privacidade no ordenamento jurídico brasileiro, com a finalidade
entender a importância axiológica da proteção de dados bem como sua relevância jurídica,
visto que a privacidade tem sua proteção em âmbito internacional, constitucional e
infraconstitucional.
Desde o seu surgimento no século XIX até os dias atuais, a tutela da privacidade vem
sendo objeto de estudos doutrinários que se transmudaram ao longo do tempo até chegar ao
modelo tal qual conhecemos hoje (DONEDA, 2006). Tendo isso em vista, o direito a
privacidade em suas primeiras acepções girava em torno da égide do “direito de ser deixado
em paz” (ECHTERHOFF, 2007).
Tal concepção compreendia a proteção aos pensamentos, às emoções e aos
sentimentos do indivíduo, independente de sua forma de expressão. Tinha como cerne de
proteção sobretudo a intimidade da pessoa humana. Em meados de 1890 (DONEDA, 2006),
após a publicação nos Estados Unidos de um artigo sob a autoria de Brandeis e Warren,
chamado “The right to privacy” estabelecera um direito geral a privacidade (VIEIRA, 2007),
ou seja, o direito a privacidade que ultrapassa os limites da subjetividade para ter uma
conotação mais coletiva.
Nota-se uma evolução das discussões sobre este tema que culminam na formalização
deste instituto na Declaração Universal de 1948 que reconhece a privacidade como sendo um
direito inerente a todos os seres humanos inserido-o no texto do seu artigo 12. Entretanto, os
diálogos sobre esta matéria não esgotam, tendo em vista o surgimento de aparatos
tecnológicos sem precedentes nos últimos cinquenta anos. Tais aparatos que tem como base
o desenvolvimento da internet modificam a forma que os indivíduos e em consequência disso
os Estados lidam com a privacidade.
A Constituição de 1988 acolhe o direito a privacidade, inserindo no seu artigo 5º
destacado como principal consolidação das normas fundamentais no nosso país. Ademais o
Código Civil de 2002, em seu artigo 21 atribui a privacidade da pessoa natural como um
direito da personalidade sendo protegida pelo manto da inviolabilidade. Sendo assim, está
posicionado o Direito a Privacidade: protegido internacionalmente o que lhe confere o status
de direito humano, constitucionalmente, sendo por isto direito fundamental e bem como
reconhecido pela norma infraconstitucional como direito de personalidade.
Nos dias atuais, há um elemento novo que vem sendo responsável por transformar
nosso modo de pensar, de agir e de nos relacionarmos: a tecnologia. Então, o aumento da
capacidade de armazenamento e sistematização de dados vem se apresentado como verdadeiro
facilitador da vida moderna, porém tal agente “facilitador” é capaz de gerar uso abusivo de
tais dados. Para além de facilitar, os dados ganharam uma importância mercadológica grande,
ao ponto de Maurício Ruiz, presidente da Intel no Brasil, em entrevista a Isto É Dinheiro
afirmar que “dados são o novo petróleo”.
Assim, empresas podem encontrar seus clientes com mais facilidade a partir da
sistematização de dados, porém, é possível que eu tenha na ponta dessa cadeia comercial
alguém prejudicado por este cruzamento de informações. É possível que esses dados sejam
usados de maneira indevida de maneira que este fato social tem demandado a proteção estatal
já que, segundo Doneda (2011), dados de caráter pessoal são compreendidos como extensão
da personalidade do indivíduo.
A temática da proteção de dados pessoais encontra relevância ao se compreender o
risco que envolve a atividade de tratamento de dados com esta natureza. De acordo com
Doneda (2011), tal risco se concretiza na possibilidade de exposição e utilização indevida ou
abusiva de dados de caráter pessoal, tendo em vista que estes são compreendidos como
extensão direta da personalidade do indivíduo.
Em 2016, as eleições presidenciais nos Estados Unidos foram marcadas pelo uso
massivo de mecanismos digitais para realização de campanha. Dentre as ferramentas
utilizadas para influenciar as decisões, observa-se o uso do big data, definido por Taurion
(2013) como um conjunto de dados cujo crescimento é exponencial e cuja dimensão está além
das habilidades típicas de capturar, gerenciar e analisar dados.
O uso indevido desse tipo de dado foi observado no escândalo envolvendo a
Cambridge Analytica, organização responsável pelas mídias sociais relacionadas à campanha
do atual presidente dos Estados Unidos.
Segundo Hofstetter e Agner (2018) o uso indevido do big data foi possível, pois no
ano de 2014 a Cambridge Analytica coletou dados pessoais de cerca de 270.000.000 de
pessoas pelo uso de um aplicativo de teste de personalidade do facebook, chamado “this is
your digital life”. Após a coleta destas informações, a organização traçava o perfil psicológico
dos indivíduos, elaborando o direcionamento de campanha em 2016 com a finalidade de atrair
potenciais eleitores de Donald Trump.
Após o escândalo vir à tona, a sensação de insegurança gerada ao público no uso da
rede social implicou em prejuízo. Segundo Temóteo (2018), a desconfiança em relação a
segurança do armazenamento dos dados dos usuários do Facebook custou uma perda de US$
116 bilhões de dólares em valor de mercado das ações da rede social e também o encerramento
das atividades da Cambridge Analytica.
Evidenciam-se, portanto os danos financeiros que acompanharam o escândalo.
Entretanto, os danos decorrentes da violação destes dados são irreparáveis. Observado o
contexto internacional que justifica a proteção de dados e considerando que a Lei Geral de
Proteção de dados encontra-se em período de vacância, notam-se riscos de vazamento de
dados de valor irreparável que ameaçam o exercício da personalidade.
Diante da criação de organizações que tem como finalidade lucrar com a coleta de
informações pessoais e da necessidade de garantir a proteção da vida privada dos indivíduos,
surge uma problemática: qual o limite de acesso que tanto o Poder Público quanto à iniciativa
privada tem sobre informações pessoais?
Dada a necessidade de proteger direitos inerentes a personalidade do cidadão europeu,
a União Europeia, através de sua Carta dos Direitos Fundamentais, positivou em dezembro de
2000 a proteção dos dados pessoais como direito fundamental aos indivíduos sob sua
jurisdição, conforme doutrina do artigo 8º, item 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da
União Europeia.
Embora positivado como direito fundamental a matéria da proteção de dados, é válido
pontuar que de acordo com Limberger (2009) que antes “que chegasse a este patamar, ocorreu
uma evolução legislativa, de forma diversa em cada país. Em alguns, a tutela se estabeleceu a
nível constitucional, outros por meio de lei ou da jurisprudência.”. Portanto, é necessário
ressaltar que os Estados-membros do bloco europeu já possuíam um histórico de tutelar sobre
a proteção de dados, mesmo que de forma diversa.
A União Europeia atenta a necessidade de impor limite ao tráfego de dados, inicia
debates sobre formas de proteção aos dados, tais debates originaram o regulamento 2016/679,
mais conhecido como General Data Protection Regulation-GDPR.
Após seis anos de intensas deliberações e dois anos de vacância, os países-membros
do bloco da União Europeia passaram a aplicar nos territórios sob sua jurisdição a norma que
busca uniformizar o modo que a UE lida com a circulação de dados pessoais.
No artigo primeiro do GDPR, define-se como objeto da legislação “estabelecer
regras relativas à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados
pessoais e à livre circulação desses dados.”. Sendo o recorte desta pesquisa, a análise das
legislações que dispõem sobre proteção de dados é relevante mencionar o tratamento legal
para alguns conceitos basilares, tais como, o conceito de dados pessoais, a forma como os
dados são tratados e quem controla o fluxo de dados.
Repetindo a definição anterior que compreendem dados pessoais como extensão direta
da personalidade, nota-se o caráter vasto do conceito atribuído a dados pessoais pelo
regulamento geral:
Além de estabelecer novos conceitos para tratamento de dados afim de abranger todas
as operações que realizem uso de dados pessoais, o marco legal de 2018, estabelece meios que
efetivem o controle do bloco sobre o fluxo desses dados. Dentre estes meios, observamos a
criação da figura do Responsável pelo tratamento (chamando no texto em inglês de controller),
que tem sua função definida como “determinar as finalidades e os meios de tratamento de dados
pessoais sempre que as finalidades e os meios desse tratamento sejam determinados pelo direito da
União ou de um Estado-membro.” (artigo 4º, item 7).
garantir, no território de cada Parte, a todas as pessoas singulares, seja qual for a sua
nacionalidade ou residência, o respeito pelos seus direitos e liberdades
fundamentais, e especialmente pelo seu direito à vida privada, face ao tratamento
automatizado dos dados de carácter pessoal que lhes digam respeito («protecção dos
dados»).” (convenção 108, art. 1º).
Diz-se ainda sobre tal convenção que esta “[...] firmou as bases principiológicas e as
terminologias das atuais legislações sobre dados pessoais”. (Manual GPDR) Um exemplo
de terminologia sob a influência deste acordo é o conceito de dados sensíveis, que se encontra
estabelecido pela primeira vez no artigo 6º da convenção e vê-se também previsto na norma
brasileira de número 13.709/2018, em seu artigo 5º, inciso II.
Dando sequência ao marco de 1981, o Parlamento Europeu e o Conselho da Europa
criaram a diretiva 95/46/CE, que tinha como meta assegurar “[...] a proteção das liberdades
e dos direitos, fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente do direito à vida privada,
no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais.” (artigo 1º). Nesta diretiva, o bloco
internacional tentava adequar as normas internas dos países membros ao contexto geral
europeu. A partir da criação destes dois textos “a proteção de dados pessoais passou a ser
instrumento essencial à proteção da pessoa humana em diversos ordenamentos jurídicos.” (LB
Florenço, 2016)
Enquanto a Convenção 108 e a Diretiva 95/46 tinham como propósito estabelecer base
e harmonização a respeito de dados no bloco europeu, o Regulamento que é tema deste estudo
busca “eliminar as assimetrias existentes nos diferentes regimes de proteção de dados em vigor
nos diferentes países da União Europeia que representavam um obstáculo ao funcionamento
do Mercado Único.” (Manual de Apoio a implementação a GDPR). É necessário pontuar que,
com a edição do GDPR, as disposições estabelecidas na diretiva foram revogadas.
toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta,
produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão,
distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação
ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou
extração;
Assim como no direito europeu que faz a regulamentação desta matéria, a normativa
brasileira também prevê a criação de meios que efetivem a proteção jurídica desta matéria,
estabelecendo, por exemplo, a figura de uma pessoa natural ou jurídica, de direito público ou
privado, a quem competem às decisões referentes ao tratamento de dados pessoais. A figura
anteriormente citada é chamada controlador e tem o mesmo nome e semelhante definição no
direito europeu.
Embora existam semelhanças, a norma brasileira e a norma vigente no bloco da União
Europeia possuem contextos dispares, dado o histórico normativo dos dois territórios e
também o âmbito de aplicabilidade destes. Enquanto o GDPR estabelece a
extraterritorialidade do domínio europeu sobre operações de tratamento de dados, a LGPD
estabelecem requisitos que determinam a prevalência da norma em âmbito interno.
A prevalência da Lei 13.709/2018 em âmbito interno nota-se pelos requisitos
existentes em seu artigo 3º, pois este prevê controle estatal sobre operações de tratamento de
dados pessoais, desde que: I- a operação de tratamento seja realizada em território nacional;
II- a atividade de tratamento tenha por objetivo a oferta ou o fornecimento de bens ou serviços
ou o tratamento de dados de indivíduos localizados no território nacional; III - os dados
pessoais objeto do tratamento tenham sido coletados no território nacional. (art. 3º, inc. I,II e
III).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
DONEDA, Danilo. A proteção dos dados pessoais como um direito fundamental. Espaço
Jurídico Journal Of Law, Joaçaba, v. 12, n. 2, p.91-108, dez. 2011. Quadrimestral. Disponível
em: <http://editora.unoesc.edu.br/index.php/espacojuridico/article/view/1315/658>. Acesso
em: 01 out. 2018.
DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção dos dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar,
2006. Disponível em: <http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/29536-29552-1-
PB.pdf>. Acesso em: 27 set. 2018.
LOUREIRO, Rodrigo. Dados são o novo petróleo. Isto é Dinheiro, São Paulo, v. 1060, p.01-
03, 09 mar. 2018. Semanal. Disponível em: <https://www.istoedinheiro.com.br/os-dados-sao-
o-novo-petroleo/>. Acesso em: 10 out. 2018
RESUMO
O “Projecto do Codigo Civil Brazileiro”, proposto pelo então senador Antônio Coêlho
Rodrigues, é ainda hoje um grande representante do movimento unificador do Direito Privado.
Foi idealizado para ser o primeiro Código Civil da república brasileira e sua importância
permeia diversas searas do conhecimento jurídico brasileiro republicano exordial e
contemporâneo (FRANÇA, 1999). Denota-se no projeto uma clara expectativa unificadora
do direito privado, o que se faz na medida em que trata de diversas matérias considerando elas
comuns a tutela de um mesmo instrumento normativo, englobando-as como se uma só fossem.
Demonstrando e comparando o projeto com os ensinamentos da ideologia da unificação do
Direito Privado, o presente artigo objetiva, por meio de pesquisa qualitativa, apreciar as
normas e princípios trazidos pelo texto pretenso de tornar-se Código Civil, elencando sua
importância para a época, os preceitos principiológicos que do texto se pode aduzir, bem como
os seus reflexos no direito dos dias atuais.
INTRODUÇÃO
332
GT 9 – Estudos Contemporâneos em Direito Privado
333
Graduando do Curso de Bacharelado em Direito. Faculdade Damas da Instrução Cristã – Recife / PE.
[email protected]
334
Graduanda do Curso de Bacharelado em Direito. Faculdade Damas da Instrução Cristã – Recife / PE.
[email protected]
Tobias Barreto, Sílvio Romero, Graça Aranha e Clóvis Beviláqua, redator do Código Civil de
1916; Coêlho Rodrigues não era adepto ideologicamente do movimento filosófico, na verdade
era considerado como um homem bastante tradicional, sendo, durante a monarquia, um
defensor tenaz da manutenção do sistema escravocrata e somente se manifestando
publicamente em prol da república após a sua proclamação (COSTA FILHO, 2014).
Entretanto, apesar de ser tradicionalista, não pode ser chamado de conservador já que foi autor
do projeto que se tornou o Decreto n.º 181 de 1890, que instituiu o casamento civil no Brasil
(FRANÇA, 1999).
Em face da notória diversidade do pensar deste senador, foi convidado a redigir aquele
que seria o primeiro Código Civil da república, projeto o qual era dotado de íntima ligação ao
movimento de unificação do Direito Privado.
Ante a vívida importância deste projeto, o presente trabalho objetiva ponderar os
aspectos unificadores da perspectiva, por meio de pesquisa qualitativa, de um Direito Privado
uno trazidos por este texto pelo senador escrito.
A corrente codificadora basicamente objetiva unir em uma mesma lei toda a matéria
jurídica de um ramo do direito, desta forma há uma aglomeração do direito de forma
sistemática orgânica e uníssona, além de acarretar na extinção da legislação dispersa
(AFTALIÓN, 1999), ou seja, a criação de um sistema homogêneo, unitário e racional que
busca ser logicamente construído visando à aplicabilidade a toda a realidade de um plano do
direito. Contudo, conforme entende Paulo Dourado de Gusmão.
Os códigos ficam velhos, começando a ser emendados por leis dispersas, chegando
a um ponto em que deve ser substituído por outro, por não mais atender às suas
finalidades e por ter se transformado em uma colcha de retalhos em virtude das
novas leis que lentamente o reformam. (DE GUSMÃO, 1969, p. 133)
Portanto, observa-se que apesar da boa aplicabilidade dos códigos, esses tem uma forte
tendência à caducidade das normas, dado que têm uma necessidade quase constante de
reforma, e com o passar do tempo, após diversas reformas, perdem completamente suas
características e finalidades. O jurista alemão Friedrich Carl Von Savigny (SAVIGNY apud
DE GUSMÃO, 1969), opositor do modelo, elenca que são os códigos os fossilizadores do
direito. Seguindo o pensamento de Orlando Gomes: “Destinado a ter longevidade secular, o
Código Civil agoniza ao perder o seu significado repositório de todo o direito privado e de
centro da experiência jurídica de um povo” (GOMES apud LÔBO, 2018, p. 30).
O fenômeno que se observa na atualidade é uma pulverização do Direito Privado em
conjunto com uma sociedade em constante atualização, de forma a tornar a norma
codificadora como conhecemos uma mera formalidade, visto que muitas vezes é deixada de
lado, pois a lei especial tem caráter derrogador da lei geral. De tal forma é expressivo que
outrora víamos apenas o Direito Civil como diretriz do Direito Privado, enquanto hoje
observa-se, além daquele, o Direito do Consumidor, o Direito do Trabalho, o Direito
Empresarial, o Direito Digital, dentre tantos outros ramos que surgem desta fragmentação.
Estes microssistemas são fundamentais para a sistematização estatal que hoje temos, mas
tornam obsoleto o Código Civil. Portanto a sociedade contemporânea precisa destes novos
modos, afinal não há como progredir com rumo a uma nova sociedade com os velhos modos,
não mais é suficiente um Código Civil para ser a norma imperadora, como se fora uma
constituição de todo o Direito Privado. O que se observa com clareza no pensamento de
Ricardo Luiz Lorenzetti:
Para que a sociedade funcione, é necessário que existam regras e que estas assentem
em algumas bases, sejam essas em um oráculo, máximas transmitidas
historicamente ou precedentes judiciais; tem de haver um ou vários dogmas
fundamentais, considerados com inquestionáveis. A partir daí a dogmática trabalha
como uma opinião jurídica racionalizada, determinando as regras aplicáveis aos
casos concretos. (LORENZETTI, 1998, p. 78)
O jurista argentino ainda diz que juntamente com a criação de um código é gerado um
Big Bang Legislativo, ou seja, uma atividade legislativa intensa a fim de criar quantas leis
forem necessárias para suprir as lacunas que surgiriam com a mudança dos pensamentos e
costumes da sociedade com o passar do tempo (LORENZETTI, 1998).
Vê-se a necessidade da idealização do sistema diretivo privado enquanto uno, criando,
portanto, um novo modo de código, o qual conteria os princípios e normas basilares e
fundamentais para todos os microssistemas contidos no Direito Privado, irradiando as
diretrizes gerais para estes.
335
Este artigo elenca que a anulação do casamento feito por pessoa incapaz de consentir só poderia ser pedida
por ela mesma, quando se tornar capaz, por quem de direito a represente nos seis meses subsequentes casamento
ou por seus herdeiros dentro de igual prazo depois da sua morte, se a incapacidade ainda continuar.
336
O artigo normatiza que a ação do divorcio só compete aos cônjuges e extingue-se pelo falecimento de qualquer
deles.
337
Nesta senda entende o artigo que se, porém, o cônjuge, a quem competir a ação, for incapaz de exercê-la,
poderá ser representado nela por qualquer dos seus ascendentes ou irmãos e, na falta deles pelos descendentes
de outro leito, na ordem em que são mencionados neste artigo.
Na parte posterior aos direitos obrigacionais, em que trata dos contratos de compra e
venda, o redator trata de mesclar a tutela normativa contratual com a da garantia de direitos
do consumidor, isso se faz na medida em que elenca a obrigação de entrega da coisa contratada
no estado em que declarou estar e transferindo ao comprador o domínio com a garantia da
integridade do bem por conta do vendedor. Um capítulo é inteiramente destacado para a
matéria, regulando a tradição e o modo que deve se dar e os deveres do vendedor para com o
comprador, sendo responsável pela evicção do bem e por vícios redibitórios na coisa contidos.
Posteriormente adentra na matéria das obrigações do comprador, a qual elenca como
principal o pagamento do valor contratado, o que deveria ser feito no tempo e lugar da tradição
ou na forma prevista em contrato. Neste mesmo momento resguarda alguns dos direitos do
vendedor, como o pagamento de juros sobre o valor, caso a coisa vendida produza frutos ou
rendimentos, e o direito de reivindicação do bem dentro do prazo de quinze dias contados da
data da venda.
Por fim, é trazido que a resolução da venda pode ser dada pelo adimplemento
obrigacional, pelo direito de retrovenda ou pela lesão contratual, podendo também ser
rescindido em razão da nulidade do negócio. Em uma eventual restituição da coisa, os frutos
e rendimentos desta também haveriam de ser entregues acrescidos de juros sobre o valor do
bem.
Observa-se também a tutela da defesa do consumidor no capítulo em que trata da
locação de serviços, elencando que a transportadora, na pessoa de seu empresário, respondem
pela segurança das pessoas e pela guarda e conservação dos bens que transportam, bem como
pela mora na realização do serviço.
A égide sobre os direitos laborais não se encontra tão evidente no projeto quanto o
regulamento celetista que fora proposto futuramente na Era Vargas, nem tampouco passa
despercebida. Não seria compreendida como um ramo a parte, mas como parte intrínseca da
natureza dos serviços. O Art. 766, §1, demonstra que se entende por serviço o “trabalho da
pessoa que se expõe exclusivamente ao serviço de outra, mediante salário” (BRASIL, 1893,
p. 95). Observam-se alguns princípios admitidos pela CLT com esta simples propositura,
quais sejam a pessoalidade, a onerosidade e a subordinação, três dos cinco fatores
caracterizadores do trabalho atual, faltando apenas a não eventualidade e a realização por
pessoa física (LEITE, 2016). Posteriormente são qualificados como profissionais liberais os
dos ramos da medicina, cirurgia, obstetrícia, farmácia, advocacia, procuradoria judicial e
magistério superior das profissões liberais. Profissões estas que seriam realizadas em
estabelecimento da União e seriam reguladas por lei federal.
Tratando como “quasi contrato” de gestão de negócios, observa-se uma figura
bastante peculiar, o gestor. O qual teria funcionários a ele subordinados, pode responder pelo
comércio, deve zelar e buscar a melhoria e empenho da empresa em sua atividade, e é obrigado
a continuar seu ofício ainda que o dono do negócio faleça. Trata-se, portanto, de figura de
tamanha similaridade ao que na atualidade entende-se por cargo de confiança, que seria a atual
figura de um gerente geral ou CEO da empresa.
Posteriormente é tratado acerca do serviço doméstico. O projeto de código elenca um
rol de direitos e deveres do empregado doméstico, qualificando o ramo e equiparando-o a uma
relação trabalhista, prevendo causas de demissão por justa causa inclusive. A figura contratual
diverge em certos pontos do que se observa na atualidade, como no tangente à possibilidade
do acúmulo de função; entretanto traz matérias extremamente contemporâneas, tais quais o
aviso prévio, indenização por danos sofridos e registro de funcionários.
Inovador até diante dos conceitos atuais, Coêlho Rodrigues ressaltou a importância da
qualificação dos seres semoventes enquanto objeto da tutela do direito, o que se fazia por uma
questão de teor econômico, de tal forma que inicialmente há de se elencar a importância
histórica da pecuária na economia nacional.
Ao longo dos anos a indústria brasileira teve uma forte produção de produtos de base,
as chamadas commodities, destacando-se historicamente a cana de açúcar, o café, o ouro, a
soja e a carne bovina. A figura da pecuária tem sua importância datada do início do processo
colonizador do território até os dias atuais. Em cunho vestibular o gado abastecia os núcleos
urbanos, onde passou a ser levado à região do Sertão para a criação e abatimento para venda.
O mercado era muito próspero, entretanto os períodos das secas prejudicavam severamente a
produção, ou seja, apesar das condições de relevo e flora apropriadas, o clima semiárido
prejudicava a produção. Entretanto, a produção que parecia perdida encontrou um novo lugar
para ser exercida, a Região Sul do Brasil. Com plenitude de relva, relevo consideravelmente
plano na região dos pampas e clima subtropical a produção e a qualidade da cultura bovina
cresceram exponencialmente e isto não deixou de ser observado pelo redator do projeto.
Coêlho Rodrigues trata em diversos pontos do direito dos animais, em muitos
momentos expressamente sobre os cuidados com a bovinocultura. Tratando desde a matéria
do dever de alimentação adequada dos animais até contratos de parceria pecuária e de seguro
de gado.
Portanto, era observada uma necessidade de real cuidado com a vida animal, de forma
em que o código trata da responsabilidade em detrimento de danos causados em razão da
“alimentação nociva ou insufficiente” (BRASIL, 1893, p. 102). O valor econômico dos
animais era reconhecido de tamanha maneira que a representatividade dos direitos destes não
apenas atingiam a pecuária, mas os animais como um todo, podendo-se dizer que é um início
da idealização de um direito ao meio ambiente, no entanto somente para os animais.
Posteriormente trata da regulamentação da caça, da pesca e do modo de aquisição da
propriedade de algum animal selvagem pela captura, que se daria no momento em que
existisse a posse lícita do animal, passando esse a tornar-se doméstico no momento em que
reconhecesse o lugar como seu lar ou que pastassem em local onde pudessem ser pegos pelo
dono.
5 Do Direito Comercial
CONCLUSÃO
Apesar de não ter sido aprovado por questões políticas, o projeto proposto por Coêlho
Rodrigues é de singular importância para o movimento de unificação do Direito Privado, vista
a sua abordagem deste como uma visão de algo único e multifacetado dentro de si próprio.
A essência de toda a ideologia do movimento de unificação é que, tal como intenta a
jurisprudência, possa o Direito Privado ter uma abordagem harmônica entre todos os seus
ramos, afinal é um só com caraterísticas e peculiaridades plúrimas. Dentro dos seus
microssistemas se encontram pontos de convergência; atos jurídicos, normas e princípios que
por si só uniformizam todas as searas privadas, contudo o ordenamento jurídico privado
encontra-se disperso em diversos textos normativos; a CLT, o Código Civil, o Código
Comercial, o Código de Defesa do Consumidor, as Leis que tutelam o Direito Digital, dentre
tantos outros, são exemplos do quão apartadas se encontram as leis privadas, não havendo
qualquer tutela positiva uniforme entre elas além da Constituição Federal.
Paulo Dourado de Gusmão (DE GUSMÃO, 1969, p. 63) muito bem define que a
ordem jurídica “pode ser definida como o complexo de normas jurídicas positivas dominante,
em um momento histórico, numa sociedade determinada”. Portanto, pressupõe-se para que
possa ser a finalidade de ingresso e estadia na estrutura normativa, deve a norma atender a
necessidade de uma etapa histórica em que é vigente, diante da inexecução deste fim se
encontra a caducidade da norma.
O princípio constitucional da isonomia, tão aclamado por todos, como se sabe, divide-
se em formal e material, na qual esta é o tratamento desigual aos desiguais e aquela é o
tratamento igual a todos, apesar de aparentarem ser opostos são complementares.
Dito isto, hoje se observa uma tendência legislativa de inclinação do Direito Privado a
equidade material, tutelando separadamente os ramos privados e gerando um tratamento igual
àqueles inclusos dentro da seara que se positiva, olvidando-se que por trás de todos estes
desígnios existe um código-fonte, normas basilares comuns a todos os demais, que é o Direito
Privado propriamente dito.
Diante deste panorama, subtrai-se que o projeto proposto por Antônio Coêlho
Rodrigues atenderia a ambas as expectativas formais e materiais da igualdade, tratando de
diversas matérias que permeiam o Direito Privado, de maneira que atenderia as finalidades
sociais, econômicas e políticas da sua época e em certos pontos até mesmo ao direito
contemporâneo. Foi, portanto, um pioneiro na transposição da ideologia unificadora, nos
moldes da já existente no Cantão de Zurique, ao ordenamento jurídico brasileiro. Ganhando
assim, um espaço na história do direito brasileiro e no movimento unificador das normas do
Direito Privado.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código Comercial (1850). Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. Rio de Janeiro, DF,
1850.
COSTA FILHO, Venceslau Tavares. Antônio Coelho Rodrigues: um súdito fiel? Ruptura e
continuidade na transição da monarquia para a república no Brasil. Revista de Informação
Legislativa, Brasília, Senado Federal, v. 51, n.203, jul./set. 2014.
DONIZETTI, Elpídio; QUINTELLA, Felipe. Curso Didático de Direito Civil. 6. ed. – São
Paulo: Atlas, 2017.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. – São Paulo: Saraiva,
2016.
LÔBO, Paulo. Direito Civil: v. 1: Parte Geral. 7. ed. – São Paulo: Saraiva, 2018.
LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado – São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998.
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: v. 1: Parte Geral, 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense,
2016.
SUÍÇA, Privatrechtliches Gezetzbuch für den Kanton Zürich – PGB. Zurique, 1856.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v.1: Lei de Introdução e Parte Geral. 13. ed. – Rio de
Janeiro: Forense, 2017.
RESUMO
INTRODUÇÃO
338
GT 10 – Estudos Contemporâneos em Direito Internacional
339
Graduando. Faculdade Paraíso do Ceará. [email protected].
340
Graduando. Faculdade Paraíso do Ceará. [email protected]
341
Graduanda. Faculdade Paraíso do Ceará. [email protected].
México. Com o tempo o inimigo passou a ser interno, ou seja, o próprio povo; todos aqueles
que não concordassem com os ditames do regime era considerados traidores da nação,
subversivos como eram popularmente chamados, e com isso eram sequestrados, torturados e
mortos.
Tais atos passaram a ser cada vez menos aceitos pela sociedade, em conjunto da
incapacidade dos militares de conterem a crise financeira, os militares foram perdendo sua
popularidade. Com o receio de serem responsabilizados por tais atos foi produzida a Lei n°
6.883 de 1979, A Lei da Anistia, que anistiava a todos aqueles por crimes cometidos entre o
período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979.
Posteriormente a redemocratização, no ano de 2010, o Supremo Tribunal Federal
(STF) analisou a validade de tal lei, como será demonstrado adiante, em que julgou se tais
com a constituinte realizada em 1988 a lei ainda permaneceria válida.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, também em 2010, analisou o caso
“Gomes Lund e Outros”, onde era analisada a responsabilidade do Estado brasileiro à respeito
da execução extraoficial de Maria Lucia Petit da Silva e o desaparecimento de
aproximadamente 70 pessoas durante a campanha do Governo contra a Guerrilha do Araguaia
na década de 70.
O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a importância da construção de um
memória em relação aos crimes realizados durante a ditadura militar no Brasil e a tentativa
posterior de se eximir de tais crimes através da Lei n° 6.883 de 1979, Lei da Anistia;
posteriormente, é analisado o caso “Gomes Lund e Outros” que analisou a responsabilidade,
tanto na seara nacional como na violação dos tratados internacionais, do governo brasileiro
durante o combate à Guerrilha do Araguaia.
A metodologia utilizada foi a pesquisa documental e bibliográfica, utilizando-se de
livros, artigos, legislação que abordam questões à respeito da temática de Direito
Internacional, Direitos Humanos e. O método de abordagem usado foi o dedutivo em conjunto
com o método de procedimento qualitativo.
O golpe de 1964 que depôs João Goulart da presidência e cassou diversos opositores
ao novo regime342, instaurou a ditadura civil-militar no Brasil que durou até 1984 e teve em
342
Com a divulgação da lista dos cassados foram incluindo quarenta dos mais importantes políticos, dentre eles
seu desenvolvimento diversas lutar de manutenção de poder. A ditadura brasileira teve
características particulares em relação ao restante das ditaduras latino americanas, tendo
destas características como principais dois pilares: político e econômico.
No campo Político, o que existiu foi um sistema dotado de um certo hibridismo.
Enquanto que por um lado instituições democráticas como o legislativo e o judiciário, mesmo
com diminuição de poder e grandes restrições ao seu funcionamento, eram mantidas; e que
ainda mantinha-se as eleições presidenciáveis, ainda que com os diversos jogos de poderes
invisíveis.
Por outro lado, o que se tinha era um regime tipicamente militar, com as forças armadas
no poder do Estado, que sobrevivia mesmo com suas diversas crises internas de poder entre
os moderados e os radicais que transcorreram durante toda a ditadura fazendo diversas
alterações e gerando consequências na forma que o regime exercia sua atuação política
(KINZO, 2001).
No plano econômico não se tem definido de fato uma política que se prevaleceu, tendo
sido desenvolvido por um período um plano de desenvolvimento nacional com fortalecimento
da economia nacional em detrimento da influente economia mundial; enquanto em outros, a
total submissão aos interesses estadunidense, exercido através da Operação Condor.
Pelo aspecto mais estrutural, se tem a manutenção da política de Vargas, inclusive,
tendo prosperado em sua fase inicial com o famoso, “milagre econômico” (1967-1973), graças
a política de estabilização (1964- 1967); possibilitando que em 1974 com a crise do sistema
econômico, fosse possível a atração dos investimentos estrangeiros que atraiu olhares à
decadência da manutenção política econômica pelos militares que já se encontrava com uma
inflação superior a 1964.
Tais pilares ganham destaque pois tiveram grande influência no desenvolvimento na
transição democrática que pôs fim ao regime343.
Todavia, não se deu o do dia para a noite. Foram necessárias prolongadas fases, onde
João Goulart e Jânio Quadros, esse ex-Presidente da República e aquele Presidente da República em exercício
no período; Luís Carlos Prestes – secretário-geral do proscrito Partido Comunista Brasileiro (PCB); Miguel
Arraes – governador deposto de Pernambuco; Leonel Brizola – deputado federal e ex-governador do Rio Grande
do Sul; Plínio de Arruda Sampaio – deputado federal e relator do projeto de Reforma Agrária; Osni Duarte
Pereira – desembargador; Celso Furtado – economista; Josué de Castro – embaixador; Abelardo Jurema –
ministro deposto da Justiça; Almino Afonso – ex-ministro do Trabalho e Juscelino Kubitschek (SANTOS;
VASCONCELOS, 2009, p.3).
343
“A instabilidade que acompanhou o governo dos militares no Brasil, indicativo da dificuldade de
institucionalização do regime, levou Linz (1973) a caracterizar o autoritarismo brasileiro como uma situação em
vez de um regime propriamente dito. Regime ou situação, o fato é que o estabelecimento desse arranjo político
híbrido teve grande impacto na maneira como se deu a transição brasileira” (KINZO, 2001, p.2).
nestas, paulatinamente foi transferido o monopólio do poder da seara militar para as mãos de
representantes da sociedade civil.
A primeira dessas fases se deu de 1974 a 1982. Ela teve início com a ascensão do
General Geisel a presidência da república, em 1974; durante esta fase os principais fatores
para o enfraquecimento do poder militar se deu por uma crise no sistema eleitoral, com a
disputa de poder entre os militares e o aumento da crise econômica com o fim do “milagre
econômico”. A segundo fase foi de 1982 a 1985, se deu com o novo surgimento de partidos
envolvidos nas eleições e possibilitando maior representação popular no legislativo e outro
ponto foram as disputas as disputas à candidatura nas eleições presidenciais, concluindo-se
com a eleição de Tancredo Neves e de José Sarney como vice.
A terceira e última das fases ocorreu de 1985 até 1990, com o restabelecimento do
governo civil. Tal fase começou já com problemas de legitimidade, com a morte de Tancredo
Neves antes de assumir a presidência fazendo com que seu vice, Sarney, viesse a assumir o
posto de presidente; e econômico, com a enorme inflação herdada do antigo regime.
A critica que se pode elaborar é que mesmo com tais fases transação não foi possível
uma real mudança da sociedade, tendo sido elaborado basicamente uma mudança ideológica
do poder que pode ser observada na falta de uma falta de uma justiça de transição, com a
promulgação da lei de anistia em 1979.
Pois em todo o regime houve uma total violação, da própria constituição vigente como
da Declaração Universal de Direitos Humanos, a intensificação das técnicas de tortura pelo
regime, principalmente após 1968 com o aumento da violência exercida pelo do golpe344.
Após 1968 o perigo externo à nação saiu de foco dos objetivos de combate da ditadura
passando para um novo, o inimigo interno, onde o Estado passou a se valer de políticas de
terrorismo de Estado e tortura contra seus próprios nacionais. Como destaca Santos,
Vasconcelos (2009, p. 7):
344
“Segundo o artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “ninguém será submetido à tortura,
nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. Mesmo o país sendo signatário deste tratado,
durante os vinte anos de ditadura, este artigo foi ignorado pelos militares responsáveis pelo Regime Militar. Era
como se o Direito Internacional não atuasse num oásis que se permite atrocidades em nome de um determinado
ideário” (SANTOS; VASCONCELOS, 2009, p.7).
incriminar seus maridos”.
Tal fato começou a atingir as classes mais altas e mais influentes fazendo com que
gerasse a maior propagação do debate causando preocupação ao governo. Por isso, com receio
que tais atos praticados atingissem pessoas ligadas ao governo, foi mais um motivo para a
promulgação da lei de anistia.
Para ser entendida a justiça de transição é necessária a observação de três pilares,
fundamentos, que iram caracteriza-la, as quais são: uma construção da memória e verdades; a
reforma das instituições estatais, com o reconhecimento devido das violações causadas aos
direito humanos dos indivíduos; a busca da justiça para as vítimas com a punição dos culpados
que praticaram violações; reparação as vítimas345.
Quando se fala em justiça de transição no caso brasileiro, logo nos é remetido à
transição através, principalmente, da Lei n° 6.883 de 1979, A Lei da Anistia, que concedeu a
anistia a todos os crimes cometidos entre 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979
cometidos que fossem de natureza políticos ou de alguma forma conexos a esses, bem como
os crimes de natureza eleitoral. Conforme é aludido no artigo 1°, caput, e nos seus parágrafos
1° e 2°:
345
“Em razão do surgimento de movimentos que passaram a questionar a posição adotada pelo Estado com
relação a política de transição, a Ordem dos Advogados do Brasil protocolou uma Ação de Descumprimento de
Preceito Fundamental junto ao STF, questionando a constitucionalidade da Lei de Anistia. Nessa mesma linha
de descontentamento com o Estado, um caso de extrema importância ocorrido no Brasil, durante a ditadura civil-
militar, conhecido com a Guerrilha do Araguaia, foi levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos para
que esta verificasse a responsabilidade do Estado Brasileiro no presente caso” (BIDNIUK, 2012, p.1).
Com isso, ao contrário de muitos grupos contrários ao governo que comemoraram tal
lei, ela acabou que “passando uma borracha” em um período obscuro da história brasileira.
Não permitindo a reanalise futura dos casos que surgissem desse período apagado.
Com a Constituição de 1988 proibindo a criação de uma lei de anistia, ficou a dúvida
sobre a validade da Lei n° 6.883 de 1979. Com tal dúvida vigente foi elaborado um ADPF,
ADPF 153346, no qual, maioria do pleno sobre a validade da lei. Com isso, não caberia a
346
“EMENTA: LEI N. 6.683/79, A CHAMADA "LEI DE ANISTIA". ARTIGO 5º, CAPUT, III E XXXIII DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL; PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO E PRINCÍPIO REPUBLICANO: NÃO
VIOLAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS HISTÓRICAS. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E TIRANIA DOS
VALORES. INTERPRETAÇÃO DO DIREITO E DISTINÇÃO ENTRE TEXTO NORMATIVO E NORMA
JURÍDICA. CRIMES CONEXOS DEFINIDOS PELA LEI N. 6.683/79. CARÁTER BILATERAL DA
ANISTIA, AMPLA E GERAL. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA SUCESSÃO
DAS FREQUENTES ANISTIAS CONCEDIDAS, NO BRASIL, DESDE A REPÚBLICA. INTERPRETAÇÃO
DO DIREITO E LEIS-MEDIDA. CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A TORTURA E
OUTROS TRATAMENTOS OU PENAS CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES E LEI N. 9.455, DE
7 DE ABRIL DE 1997, QUE DEFINE O CRIME DE TORTURA. ARTIGO 5º, XLIII DA CONSTITUIÇÃO
DO BRASIL. INTERPRETAÇÃO E REVISÃO DA LEI DA ANISTIA. EMENDA CONSTITUCIONAL N.
26, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1985, PODER CONSTITUINTE E "AUTO-ANISTIA". INTEGRAÇÃO DA
ANISTIA DA LEI DE 1979 NA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. ACESSO A DOCUMENTOS
HISTÓRICOS COMO FORMA DE EXERCÍCIO DO DIREITO FUNDAMENTAL À VERDADE. 1. [...] 2. O
argumento descolado da dignidade da pessoa humana para afirmar a invalidade da conexão criminal que
aproveitaria aos agentes políticos que praticaram crimes comuns contra opositores políticos, presos ou não,
durante o regime militar, não prospera. 3. [...] A expressão crimes conexos a crimes políticos conota sentido a
ser sindicado no momento histórico da sanção da lei. A chamada Lei de anistia diz com uma conexão sui generis,
própria ao momento histórico da transição para a democracia. Ignora, no contexto da Lei n. 6.683/79, o sentido
ou os sentidos correntes, na doutrina, da chamada conexão criminal; refere o que "se procurou", segundo a inicial,
vale dizer, estender a anistia criminal de natureza política aos agentes do Estado encarregados da repressão. 4. A
lei estendeu a conexão aos crimes praticados pelos agentes do Estado contra os que lutavam contra o Estado de
exceção; daí o caráter bilateral da anistia, ampla e geral, que somente não foi irrestrita porque não abrangia os já
condenados --- e com sentença transitada em julgado, qual o Supremo assentou --- pela prática de crimes de
terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. 5. [...] No caso das leis-medida interpreta-se, em conjunto com
o seu texto, a realidade no e do momento histórico no qual ela foi editada, não a realidade atual. É a realidade
histórico-social da migração da ditadura para a democracia política, da transição conciliada de 1979, que há de
ser ponderada para que possamos discernir o significado da expressão crimes conexos na Lei n. 6.683. É da
anistia de então que estamos a cogitar, não da anistia tal e qual uns e outros hoje a concebem, senão qual foi na
época conquistada. Exatamente aquela na qual, como afirma inicial, "se procurou" [sic] estender a anistia
criminal de natureza política aos agentes do Estado encarregados da repressão. A chamada Lei da anistia veicula
uma decisão política assumida naquele momento --- o momento da transição conciliada de 1979. A Lei n. 6.683
é uma lei-medida, não uma regra para o futuro, dotada de abstração e generalidade. Há de ser interpretada a partir
da realidade no momento em que foi conquistada. 6. A Lei n. 6.683/79 precede a Convenção das Nações Unidas
contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes --- adotada pela Assembleia
Geral em 10 de dezembro de 1984, vigorando desde 26 de junho de 1987 --- e a Lei n. 9.455, de 7 de abril de
1997, que define o crime de tortura; e o preceito veiculado pelo artigo 5º, XLIII da Constituição --- que declara
insuscetíveis de graça e anistia a prática da tortura, entre outros crimes --- não alcança, por impossibilidade
lógica, anistias anteriormente a sua vigência consumadas. A Constituição não afeta leis-medida que a tenham
precedido. 7. No Estado democrático de direito o Poder Judiciário não está autorizado a alterar, a dar outra
redação, diversa da nele contemplada, a texto normativo. Pode, a partir dele, produzir distintas normas. Mas nem
mesmo o Supremo Tribunal Federal está autorizado a rescrever leis de anistia. 8. Revisão de lei de anistia, se
mudanças do tempo e da sociedade a impuserem, haverá --- ou não --- de ser feita pelo Poder Legislativo, não
pelo Poder Judiciário. 9. A anistia da lei de 1979 foi reafirmada, no texto da EC 26/85, pelo Poder Constituinte
da Constituição de 1988. Daí não ter sentido questionar-se se a anistia, tal como definida pela lei, foi ou não
recebida pela Constituição de 1988; a nova Constituição a [re] instaurou em seu ato originário. A Emenda
Constitucional n. 26/85 inaugura uma nova ordem constitucional, consubstanciando a ruptura da ordem
revisão da lei para realização da punição dos culpados, pois tal lei não poderia receber juízos
de valores do atual momento histórico, mas daquele na qual a lei foi elaborada.
Assim a Lei de Anistia, não permite a realização de uma justiça de transição com
capacidade da construção histórica do passado.
A guerrilha do Araguaia foi uma mancha que trouxe bastantes lembranças ao ser do
período ditatorial, mesmo sendo já tendo sido já descoberto durante a redemocratização. A
guerrilha do Araguaia foi um movimento que ocorreu entre o fim da década de 60 a meados
dos anos 70, que tinha base no movimento comunista e na experiências chinesa e cubana para
a derrubar o regime militar. Os guerrilheiros eram comandados pelo Partido Comunista do
Brasil (PCdoB).
O movimento teve início em 1964 quando os primeiros militantes com formação
política e militar Maoísta retornaram da China já com suas bases ideológicas e táticas de
guerra consolidadas. A região do Araguaia foi escolhida pelo movimento por demonstrar um
local ideal pela semelhança as grandes experiências de guerrilha comunista; a região era uma
grande concentração do fluxo migratório das demais regiões, principalmente do Nordeste,
para trabalhos na agricultura, garimpo e caça.
Em 1967 com uma maior concentração dos membros dos grupos no território
planejado, foram iniciados os métodos de recrutamento do grupo de resistência. O membros
do partido se estabeleceram na região e se misturaram aos membros locais, através da abertura
de comércios, escolas, assistências medica e se infiltrando nas demais profissões comuns na
região. Assim, com o tempo, foram convencendo os locais à causa e unirem-se ao movimento.
constitucional que decaiu plenamente no advento da Constituição de 5 de outubro de 1988; consubstancia, nesse
sentido, a revolução branca que a esta confere legitimidade. A reafirmação da anistia da lei de 1979 está integrada
na nova ordem, compõe-se na origem da nova norma fundamental. De todo modo, se não tivermos o preceito da
lei de 1979 como ab-rogado pela nova ordem constitucional, estará a coexistir com o § 1º do artigo 4º da EC
26/85, existirá a par dele [dicção do § 2º do artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil]. O debate a esse
respeito seria, todavia, despiciendo. [...] Afirmada a integração da anistia de 1979 na nova ordem constitucional,
sua adequação à Constituição de 1988 resulta inquestionável. A nova ordem compreende não apenas o texto da
Constituição nova, mas também a norma-origem. No bojo dessa totalidade --- totalidade que o novo sistema
normativo é --- tem-se que "[é] concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos"
praticados no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Não se pode divisar
antinomia de qualquer grandeza entre o preceito veiculado pelo § 1º do artigo 4º da EC 26/85 e a Constituição
de 1988. 10. [...]” (ADPF 153, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 29/04/2010, DJe-
145 DIVULG 05-08-2010 PUBLIC 06-08-2010 EMENT VOL-02409-01 PP-00001 RTJ VOL-00216-01 PP-
00011). Grifo nosso (SENTENÇA... ,2010, apud ROCHA, 2017, p.5-6).
Foi somente em 1972 que o governo tomou conhecimento da realização
da guerrilha, já organizando a primeira campanha contra eles em no mesmo ano. Com a grande
força de resistência exercida pelo grupo. A ordem dos militares passou a ser a de eliminar
completamente o grupo, não fazendo quaisquer prisioneiros; assim, na terceira campanha em
1973, foi realizada a “Operação Marajuára”, que em quatro meses conseguiu derrubar derrotar
os resistentes347.
Após o ocorrido o caso foi abafado pelo régime por meio da censura da impressa, a
destruição de documentos e sumiço dos corpos de mortos de ambos os lados.
Sobre este caso, em 2009 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos levou à
Corte Interamericana de Direitos Humanos um caso contra o Estado brasileiro. A ação tinha
como objetivo a responsabilização do Brasil pela prisão, tortura, desparecimento de cerca de
70 e da execução velada de Maria Lucia Petit da Silva pessoas durante o combate da guerrilha
do Araguaia, entre os anos de 1972 e 1975.
O Brasil foi demandado a corte pois em virtude da lei da anistia nenhuma investigação
foi realizada, tanto para a investigação penal dos militares responsáveis pelo massacre como
para obtenção de respostas sobre o destino dos desaparecidos e sobre a execução extraoficial
de Maria Lucia Petit da Silva. Portanto, para Corte, em virtude da falta de acesso a informação
pelos familiares das vítimas, estes acabam também tonando-se vítimas do caso.
Assim, Comissão Interamericana de Direitos Humanos realizou parecer favorável a
responsabilidade e reparação do Brasil pelo descumprimento e violação do direito ao
reconhecimento da personalidade jurídica (artigo 3°), direito à vida (artigo 4°), direito à
integridade pessoal (artigo 5°), direito à liberdade pessoal (artigo 7°), garantias judiciais
(artigo 8°), liberdade de pensamento e expressão (artigo 13), proteção judicial (artigo 25) da
Convenção Interamericana de Direitos Humanos (MOURA, 2012).
No julgamento a Corte Interamericana de Direitos Humanos, analisou primeiro a sua
competência em relação ao caso. Em relação a execução de Maria Lucia Petit da Silva a corte
se declarou incompetente para julgamento, pois o Brasil é Estado membro da Convenção
347
“Da guerrilha do Araguaia só há um relato assumido de oficial combatente. É o do capitão Pedro Correa
Cabral, feito mais de vinte anos depois, quando ele já era coronel da reserva: “A guerrilha já não era mais
guerrilha. Era uma caçada levada a termo por verdadeiros monstros”. Cabral revelou que helicópteros
sobrevoaram a selva com alto-falantes por meio dos quais se oferecia a rendição aos guerrilheiros. Quem a
aceitou, foi assassinado. Os comandantes militares produziram apenas um documento, da Marinha, no qual está
registrada a suposta data da morte de cada guerrilheiro. Conhece-se também um canhenho de anotações de um
oficial que participou dos combates, com registros parciais. Juntos, formam um conjunto desconexo.”
(GASPARI, 2002, p. 456).
desde 25 de setembro de 192, tendo competência para casos posteriores a 10 de dezembro de
1988. Entretanto, sobre o desaparecimento das vítimas reconheceu a sua competência, por o
crime ser caracterizado como um crime permanente, no qual tem início com o
desaparecimento da vítima e sendo cessado apenas com o conhecimento do paradeiro da
mesma.
Com o fim do julgamento, a sentença condenou o Estado brasileiro como responsável
do desaparecimento forçado de 62 pessoas. No mesmo julgamento, debates se estenderam se
a Lei da Anistia era compatível com a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, assim:
O argumento central é que a lei de anistia teria sido expressão de um acordo político,
de uma conciliação nacional, envolvendo “diversos atores sociais, anseios de
diversas classes e instituições políticas”. Acrescentou o Supremo Tribunal Federal
que não caberia ao Poder Judiciário “rescrever leis de anistia”, não devendo o
Supremo “avançar sobre a competência constitucional do Poder Legislativo”, tendo
em vista que “a revisão da lei de anistia, se mudanças do tempo e da sociedade a
impuserem, haverá de ser feita pelo Poder Legislativo e não pelo Poder Judiciário”.
(ADMINEM, 2012, p. 8).
Entretanto, para a Corte Interamericana não importa se a lei foi ou não foi um acordo
nacional; mas o seu conteúdo, que trouxe graves violações às garantias processuais e de
Direitos Humanos.
A sentença do STF colocou o Brasil em caminho contrário ao entendimento atual sobre
a proteção internacional dos Direitos Humanos. Pois já é opinião pacifica, inclusive a do
próprio Alto Comissariado para Direitos Humanos das Nações Unidas, de que as leis de anistia
em todo o mundo tem contribuído para a impunidade e cria o incentivo a aqueles que cometem
e se beneficiam de tais crimes. Sendo tais medidas incompatíveis com a obrigação dos estados
para com os tratados e com o próprio Direito Internacional348 (SENTENÇA..., 2010).
Os crimes contra humanidade no Direito Internacional, como já destacado, tem a
característica de serem imprescritíveis. Resultado do passado das duas grandes guerras
mundiais do século XX.
Antes do início século XX, o direito internacional não buscava ser um direito criminal
propriamente dito, os indivíduos que entravam com litígios nas cortes internacionais entravam
basicamente com intuito de receber algum tipo de compensação justa por algum direito seu
violado.
Foi somente após o transcurso das turbulências na primeira metade do século XX, que
se foi tomando a consciência do poder de punição que o direito internacional deveria exercer
sobre os indivíduos, crimes que de tão grande impacto acabam agredindo não só aos
indivíduos afetados por este, mas à toda humanidade (MAZZUOLI, 2015).
Com o fim da Primeira Guerra Mundial e as antigas potências europeias fragilizadas
pelas consequências dessa guerra, permitiu que a onda do totalitarismo tomou conta de grande
parte da Europa já fragilizada. A queda da bolsa em 1929 ceifou as frágeis democracias que
não viam alternativas se não renderem-se ao desespero; daí, uma convicção ideológica
internacionalizou-se por todo o globo:
É a convicção ideológica, que desde 1914 domina tanto os conflitos internos quanto
os internacionais, de que a causa que se defende é tão justa, e a do adversário é tão
terrível, que todos os meios para conquistar a vitória e evitar a derrota não só são
validos como necessário. (HOBSBAWM, 2007, p. 127.)
348
“Do sistema do domestic affair (a tutela dos nossos direitos compete exclusivamente aos juízes nacionais)
passamos para o sistema do international concern (se os juízes nacionais não tutelam um determinado direito,
isso pode ser feito pelos juízes internacionais). Os juízes internos fiscalizam o produto legislativo do Congresso
Nacional. Se eles não amparam os direitos das pessoas, compete aos juízes internacionais cumprir esse papel”.
(GOMES; MAZZUOLI, 2011).
como "não-arianos” eram considerados descartáveis ao Estado, o que levou a uma verdadeira
coisificação do ser humano, levando à morte milhões de pessoas.
Após o fim da segunda guerra, mesmo com o mundo dividido entre Estados
representados pelas duas grandes potências, U.R.S.S e os E.U.A, foi elaborado por meio do
Acordo de Londres (1946), a instauração do Tribunal de Nuremberg. Neste tribunal, foi
realizado o julgamento de alguns dos principais membros do regime nazista levando à
responsabilização individual dos indivíduos ligados ao holocausto. Tal ato iniciou a proteção
internacional dos direitos humanos na contemporaneidade e ainda trouxe a primeira ideia de
um tribunal penal internacional para a responsabilização individual de sujeitos que
cometessem crimes contra a humanidade.
Dessa forma, como os Direitos Humanos tem uma grande importância para o Direito
Internacional, este deve levado em conta nos Direitos Humanos consagrados no plano
nacional criando um parâmetro mínimo de proteção internacional de proteção no ordenamento
jurídico dos países com ênfase na dignidade da pessoa humana. Nesse sentido:
COSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 102, jul 2012. Disponível em: <http://www.ambito-
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ROESLER, Claudia Rosane; SENRA, Laura Carneiro de Mello. Lei de Anistia e Justiça de
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Políticos, Florianópolis, p. 131-160, jul. 2012. ISSN 2177-7055. Disponível em:
<https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/2177-7055.2012v33n64p131>.
Acesso em: 21 de out. 2017. doi:http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2012v33n64p131>.
RESUMO
INTRODUÇÃO
349
GT 10 – Estudos Contemporâneos em Direito Internacional.
350
Mestranda em Direito Humanos – Universidade Tiradentes (UNIT). Bolsista CAPES/Fapitec/SE. Graduanda
em Relações Internacionais – Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected].
351
Mestrando em Direitos Humanos. Universidade Tiradentes (UNIT). Bolsista CAPES/Fapitec/SE. Integrante
dos grupos de pesquisa "Direitos Fundamentais, novos direitos e evolução social" e “Direito e Arte” presentes
no diretório do CNPq. E-mail: [email protected].
352
Doutora em Direito pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Mestre em Direito pela Universidade Gama
Filho. Pós-doutora pela Universidade Federal da Bahia. Professora dos Programas de Pós-graduação da
Universidade Tiradentes e da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected].
Nesse contexto, o presente estudo atende a uma análise teórica da evolução conceitual
da soberania e o efetivo reconhecimento do Direito Internacional dos Refugiados. Nesse
sentido, considerando que a iminente crise dos refugiados no mundo está atrelada a fenômenos
conjunturais que envolvem especificamente a incidência de uma soberania absoluta, em que
a atuação estatal se mostra ilimitada frente as necessidades que a sistemática de proteção a
pessoa humana requer de cada Estado. Assim, compreende-se ser indispensável observar a
partir de uma perspectiva cosmopolita, o comportamento dos Estados perante o sistema
internacional do refúgio.
Compreende-se que os marcos surgidos a partir das guerras mundiais, evoluíram o
conceito de soberania, partindo de uma concepção de reconhecimento dos Direitos Humanos
e sua ressignificação. Ao momento em que a comunidade internacional percebeu a
impossibilidade dos estados soberanos lidarem com os diretos humanos em uma perspectiva
doméstica, necessário de fez, adotar um sistema internacional para a sua proteção,
reconhecendo então, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos e os Pactos dela
advindos. A partir de então, pode-se considerar a existência de uma limitação à soberania
estatal frente as perspectivas de proteção do indivíduo perante a comunidade global.
Todavia, analisando a situação que envolve a crise humanitária dos refugiados
contemporaneamente, questiona-se até que ponto a soberania absoluta tida como ultrapassada
tem sido presente das relações jurídica internacionais, tendo em vista, que a soberania nesse
contexto, pode tanto favorecer as mazelas que influenciam os principais fluxos de refugiados
no mundo, assim como também, induzem a perpetuação do limbo imposto às pessoas em
situação de refúgio, em que não há disposição para reconhecer os seus direitos nem aceita-las
dentro de determinados territórios.
Desse modo, para o desenvolvimento desse estudo, dividiu-se o trabalho em uma
análise geral da proteção jurídica internacional para refugiados, partindo da sua evolução
histórica até a forma no qual está postulada contemporaneamente, elucidando a participação
dos estados soberanos em voluntariamente se obrigarem a reconhecer o direito internacional
dos refugiados. Em seguida analisa-se as diversas concepções de soberania, a saber, a
soberania absoluta, relativa e a soberania absoluta limitada, analisando, em qual dessas
concepções, há um devido equilíbrio entre o exercício da soberania estatal e o reconhecimento
no plano prático do direito internacional dos direitos humanos para refugiados.
353
Conforme retrata Andrade, “A expressiva maioria dos refugiados dessa época- fossem eles russos, armênios,
assírios ou alemães – era constituída de vítimas de catástrofes que não lhes coubera evitar: suas convicções
íntimas, políticas ou de qualquer outra ordem não eram a causa determinante da necessidade de se refugiarem”.
(FISHEL DE ANDRADE, 1996, p. 29).
A então Liga das Nações, responsável por essa proteção jurídica estava atuando de forma
diversa com a demanda imposta pela realidade global, ou seja, a proteção não era direcionada
para grupos indeterminados, isto quer dizer que, “a liga das nações não promoveu a proteção
jurídica de refugiados portugueses, espanhóis, búlgaros e italianos [...]”mas protegendo “[...]
em escala quase absoluta, para os russos, armênios, assírios, assírios-caldeus, assimilados e
turcos”. Contudo, a consciência da proteção individual, não apenas a partir de grupos
específicos só foi desenvolvida a quase meio século depois, no pós segunda guerra
(ANDRADE, 1996, p. 32).
Tal situação, pode justificar a grande dificuldade que afeta até os tempos hodiernos a
possibilidade de controlar o grande fluxo de imigração forçada no mundo, especificamente os
refugiados. Isto porque, desde a sua gênese, vem atendendo as preocupações políticas
domésticas dos Estados, sem considerar desde o início como um problema global. Logo,
compreende-se que uma das principais dificuldades contemporâneas de se enfrentar a crise
humanitária dos refugiados é lidar com enorme contingente de pessoas que se encontram em
tais situações, não por exclusivamente situações recentes, mas de conflitos, inclusive
anteriores a proteção global para refugiados.
Além dessa dificuldade característica de acumular-se os problemas decorrentes da
administração inadequada em relação aos fluxos migratórios forçados, as instituições354 que
foram surgindo no decorrer dos anos, com um escopo de cooperação global, sempre estavam
permeadas de conflitos decorrentes de questões alheias a proteção jurídica dos refugiados, ou
seja, confundia-se os debates políticos ideológicos com as questões humanitárias. Essa
situação também contribuiu para que por muito tempo o sistema de proteção viesse a ter, não
obstante ao momento, resultados positivos, mas a longo prazo, ações fracassadas e instituições
extintas.
Até transpassar o espectro coletivo e considerar o indivíduo como parte singular para
proteção do seu direito a ter refúgio, as instituições tanto administrativas quanto jurídicas,
padeciam de uma sistemática de compreensão dos direitos humanos como premissa para se
analisar a situação do refugiado. Tal fenômeno não envolvia apenas a perseguição política, as
dificuldades econômicas, a discriminação, racismo, dentre outras violações de direitos
354
Cronologicamente pode-se colocar o desenvolvimento das seguintes instituições que antecederam a existência
do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Alto Comissariado para Refugiados
Russos (1921). Alto Comissariado para Refugiados Russos e Armênios (através do Ajuste de 1928). Escritório
Internacional Nansen para Refugiados (1931). Alto Comissariado para Refugiados (Judeus e Outros)
Provenientes da Alemanha (1933). Alto Comissariado da Liga das Nações para Refugiados (1938). Comitê
Intergovernamental para Refugiados (1938). Organização Internacional para Refugiados (1947).
humanos que caracterizavam determinado grupo. Era necessária uma proteção jurídica
internacional que analisasse a solicitação de refúgio, partindo da perspectiva do indivíduo, de
suas particularidades, independentemente do grupo ou nacionalidade no qual ele estava
vinculado.
Tal compreensão leva a proximidade da proteção internacional dos refugiados para
uma perspectiva dos Direitos Humanos, estes, partindo da Declaração Universal de Direitos
Humanos de 1948 que propõe o indivíduo como sujeito de Direitos perante a comunidade
internacional, dando ênfase aos problemas globais que envolviam situações internas, mas que
diziam respeito à o interesse da proteção da pessoa humana, responsabilidade de toda a
sociedade global. O indivíduo nessa perspectiva é uma conquista mundial, considerando as
mazelas sofridas pela humanidade devido a desmedida violação dos estados em desfavor da
pessoa humana.
A proteção internacional da pessoa como um tema global na temática dos refugiados,
apesar de por uma perspectiva ocidental hegemônica europeia dizer respeito apenas a proteção
nesse continente, assim como o sistema de proteção dos direitos humanos, com o passar dos
anos tem encontrado guarida através das proteções regionais, com o objetivo de se adequar a
situações migratória de cada região. No entanto, para o desenvolvimento desse trabalho,
tomará como partida a proteção global para refugiados, deixando as perspectivas regionais e
nacionais apartadas do diálogo sobre soberania, tendo em vista que a principal discussão que
envolve a relativização da soberania, afeta sobretudo as obrigações no âmbito global.
355
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo: antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. Editora
Companhia das Letras, 2013. PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO: “[...] Já não podemos nos dar ao luxo de
extrair aquilo que foi bom no passado e simplesmente chamá-lo de nossa herança, deixar de lado o mau e
humanos como um processo histórico, conquistado socialmente, e que desenvolve-se em
constante processo de construção e reconstrução ao surgimento de novos fenômenos sociais
precisam ser reanalisados e adequados a novas perspectivas. Assim, as várias Declarações e
Convenções Internacionais de proteção aos Direitos Humanos e que também regulam o
Direito Internacional, necessitam de aprimoramentos, ao passo que, devido as mudanças
sociais, simultaneamente surge a necessidade de proteção efetiva de direitos com o auxílio de
novos mecanismos356.
Tais aprimoramentos vêm efetivados da esfera nacional, no qual, o Estado, através da
sua soberania se utiliza de mecanismos que possibilitam o exercício dos direitos humanos por
cidadãos e estrangeiros no seu território, como por exemplo na utilização de legislações
específicas e políticas públicas. No entanto, ainda que existentes legislações protetivas ao
indivíduo em situação de refúgio, há uma atual iminência de desconsideração a esse instituto,
fazendo com que os Direitos Humanos, consagrados e reconhecidos universalmente, sejam
reiteradas vezes violados.
O fenômeno da universalização dos Direitos Humanos, que na esfera internacional
implicou na redefinição do “âmbito e o alcance do tradicional conceito de soberania estatal, a
fim de permitir o advento dos direitos humanos como questão de legítimo interesse
internacional”357, trouxe uma sensível perspectiva em relação à proteção do indivíduo perante
a comunidade internacional.
Leciona Piovensan (2011) que “[...] o Direito Humanitário foi a primeira expressão,
de que no plano internacional, há limites à liberdade e à autonomia dos Estados, ainda que na
hipótese de conflito armado”. Igualmente, o surgimento da antiga Liga das Nações “veio
reforçar essa mesma concepção, apontando para a necessidade de relativizar a soberania dos
Estados”. Nesse processo de internacionalização, apresentou-se também a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), que teve por finalidade “promover padrões internacionais
de condição de trabalho e bem-estar” (PIOVESAN, 2011, p. 120).
Passado o fenômeno da internacionalização dos Direitos Humanos, tal acontecimento
simplesmente considerá-lo um peso morto, que o tempo, por si mesmo, relegará ao esquecimento. A corrente
subterrânea da história ocidental veio à luz e usurpou a dignidade de nossa tradição. Essa é a realidade em que
vivemos. E é por isso que todos os esforços de escapar do horror do presente, refugiando-se na nostalgia por um
passado ainda eventualmente intacto ou no antecipado oblívio de um futuro melhor, são vãos”. Hannah Arendt
Verão de 1950.
356
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12. ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2011
357
Op. cit.
passou a refletir efetividade após a segunda Guerra Mundial, marcada pela “Era Hitler”,
sustentada “pela destruição de descartabilidade da pessoa humana, o que resultou no
extermínio de onze milhões de pessoas” (PIOVESAN, 2011, p. 118). Assim, os direitos
humanos deixam a esfera doméstica dos Estados e tornam-se uma legítima preocupação
internacional, com a criação das Nações Unidas e com a adoção da Declaração Universal dos
Direitos Humanos (ONU, 1948).
Reitera Piovesan (2011) que a criação da Organização das Nações Unidas, com suas
agências especializadas, demarca o surgimento de uma nova ordem internacional, que instaura
um novo modelo de conduta nas relações internacionais, com preocupações que incluem a
manutenção da paz e segurança internacional, o desenvolvimento de relações amistosas entre
os estados, a adoção da cooperação internacional de saúde a proteção ao meio ambiente, a
criação de uma nova ordem econômica internacional e a proteção internacional dos direitos
humanos.
A Carta da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração dos Direitos
Humanos de 1948 iniciaram o processo de positivação e universalização dos direitos do
homem, até então desconhecido na história. Desde o final do século XVIII os Direitos
Humanos haviam sido consagrados, tão-somente, no interior dos Estados nacionais por obra
do constitucionalismo moderno, não havendo, desse modo, um reconhecimento universal
diante dos países considerados juridicamente como Estados (JUBILUT, 2007).
Posteriormente, foram elaborados os sistemas regionais de proteção aos Direitos Humanos,
como também outras Convenções Internacionais de cunhos específicos de proteção às
diversas nuances dos Direitos Humanos a fim de trazer a sua efetiva proteção.
Em se tratando da efetivação desses direitos, preleciona Bobbio (1992) que os direitos
do homem, tais considerados como fundamentais, possui uma característica histórica, ou seja,
nascidos em certas circunstâncias, “caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades
contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez
por todas” (BOBBIO, 1992, p. 5). Assim, passadas duas Guerras Mundiais, após a instituição
de uma Organização Internacional com o intuito de “preservar as gerações vindouras do
flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis
à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor
358
do ser humano[...]” , temos um sistema internacional de proteção aos Direitos Humanos
358
CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS. 1945. Rio de Janeiro: United Nations Information Centre – Rio de Janeiro
(UNIC-Rio). Disponível em: <http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf> Acesso em: 15. Set.
que limitou de forma significativa a atuação soberana de muitos Estados que não
compreendiam a defesa dos direitos do homem como mecanismo suprassumo do bem-estar
social.
No que diz respeito a proteção internacional dos direitos da pessoa humana, Cançado
Trindade (1996) a disciplina sob o aspecto de vertentes: Direitos Humanos, Direito
Humanitário e Direito dos Refugiados, analisando o sistema de proteção de cada vertente,
como também, a possibilidade de uma aplicação simultânea por um dos seus sistemas de
proteção. Em se tratando da proteção Internacional dos Refugiados como efetivação dos
Direitos Humanos, através da Agência Especializada da Organização das Nações Unidas
(ACNUR), estabelece-se um tratamento humanitário que reitera o devido atendimento pelos
Estados em relação aos solicitantes de refúgio. 359
Nessa perspectiva conjuntural de Direitos Humanos e Refugiados, esse diálogo
implica significantemente aspectos positivos e aspectos negativos. Com efeito, “o principal
aspecto positivo é o fato de ser ele parte de um elenco de direitos universais, indivisíveis,
interdependentes, inter-relacionados e essenciais ao ser humano” (JUBILUT, 2007, p. 64),
sendo estes itens característicos do Direito Internacional dos Direitos Humanos, contudo,
quanto ao aspecto negativo, deparamo-nos com questão da sua efetivação.
Do arregimento dos Estados para lidar com o grande fluxo de apátridas e refugiados
na comunidade internacional, após as várias instituições de órgãos fragilizados pelo contexto
político e temporário inerente a sua própria criação, finalmente elaborou-se a Convenção de
1951, modificada pelo Protocolo de 1967, levando sua força normativa como incentivo para
que os Estados trouxessem dispositivos legais internos. Como no caso do Brasil, se tem a Lei
nº 9.474, promulgada em 1997 que retrata as peculiaridades do processo de concessão de
refúgio e o seu devido tratamento ao ingressar no território brasileiro.
2018.
359
A ação humanitária, em resposta a violações maciças dos direitos humanos (e.g., dos refugiados e deslocados
internos), encontra-se ligada à manutenção e construção da paz, como hoje o reconhece o próprio Conselho de
Segurança das Nações Unidas (e.g., Iraque, exIugoslávia, Sornália). Também se encontra dinamicamente ligada
ao aprimoramento das condições de vida e ao desenvolvimento (e.g., nos países de origem). Aqui se fazem
presentes a visão integral e a indivisibilidade dos direitos humanos. Enfim, outra implicação da concepção
ampliada de proteção (supra), que não pode passar despercebida ou minimizada, radica na necessidade de dedicar
maior atenção ao alcance do direito de permanecer com segurança no próprio lar (de não ser forçado ao exílio)
e do direito de retornar com segurança ao lar TRINDADE, Antônio Augusto Cançado; PEYTRIGNET, Gérard;
DE SANTIAGO, Jaime Ruiz. As três vertentes da proteção internacional dos direitos da pessoa humana:
Direitos Humanos, Direito Humanitário, Direito dos Refugiados. Instituto Interamericano de Direitos
Humanos, 1996. Disponível em: <https://www.icrc.org/por/resources/documents/misc/direitos-da-pessoa-
humana.htm> Acesso em: 20. Set. 2018.
Segundo Jubilut (2007), o marco institucional da proteção moderna do Direito
Internacional dos Refugiados vem a ser a Convenção de 1951, celebrada sob a égide da ONU,
por meio da atuação do ACNUR. No entanto, tal convenção foi elaborada com pelo menos
dois graves aspectos que suprimem a essência do instituto do refúgio perante a perspectiva
protetiva dos Direitos Humanos. A Convenção de 1951 previa a possibilidade de uma reserva
geográfica, ou seja, os Estados, através do instituto da reserva poderia considerar refugiados
tão-somente as pessoas provenientes da Europa – em função de ter sido essa região palco da
Segunda Guerra. Assim, “A existência desta limitação geográfica é decorrência da pressão
dos Estados europeus que se sentiam prejudicados com a enorme massa de refugiados em seus
territórios, e que queriam que houvesse uma redistribuição desse contingente” (JUBILUT,
2007, p. 68).
Contudo, verifica-se que, diante dessa dita intenção de “desafogar” determinado
continente do grande fluxo de migração em seu território, muitos acabavam por, não obstante
preencher os requisitos para concessão de refúgio, não ter direito a este, devido ao não
cumprimento do pressuposto de origem regional estipulada na cláusula restritiva. “Ademais,
possuía uma reserva temporal, visto que somente eram considerados refugiados as pessoas
perseguidas anteriormente a 1951, consagrando-se mais uma vez a crença de que os refugiados
eram um problema pontual.360 Consequente a isso, menciona Leite (2014) que a manutenção
da limitação geográfica sobre o conceito de refugiado previsto na Convenção de 1951
mantinha o sistema nacional praticamente inoperante para os fluxos de refugiados, havendo
poucas e discricionárias decisões sobre o tema.
Além desses dois pontos cruciais que suprimiam sobremaneira a proteção dos
refugiados em essência através de um dito “direito internacional dos refugiados”, aponta
Jubilut (2007), outro ponto que reduzia ainda mais a efetivação do instituto do refúgio. Com
efeito, a Convenção em suas disposições classificava como motivos para o reconhecimento
do status de refugiado apenas a perseguição em função da violação de direitos civis e políticos,
desconsiderando os demais e recorrentes motivos, tais como, os direitos econômicos, sociais
e culturais, mais violados em países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento
relativo, o que fortalece ainda mais a posição eurocêntrica desse diploma legal.
Diante de todas essas limitações, além de um ser um claro exemplo de retrocesso da
legislação internacional em pontuar situações retrógradas em relação a contemporânea
360
Id. Ibid
situação dos refugiados, que em suma, não se enquadrava com as novas demandas e
surgimento de novas modalidades de refúgio, foi adotado o Protocolo Adicional de 1967 à
Convenção de 1951. Assim, afirma Jubilut (2007) que tal documento aboliu as reservas
geográfica e temporal conferindo maior amplitude e abrangência à definição.
Em relação as fontes primárias do Direito Internacional dos Refugiados (Tratados),
tem-se esses dois documentos que formam a base do sistema de proteção jurídica para os
Refugiados (Convenção de 1951 e Protocolo de 1967). Contudo, não são os únicos
instrumentos e mecanismos do sistema protetivo, tendo em vista que, o Direito dos Refugiados
dialoga com os Direitos Humanos e o Direito Internacional diretamente, acabando por adquirir
outros mecanismos de proteção, através de sistemas de proteção semelhantes.361 Tal proteção,
encontra guarida não apenas no espectro global, mas também no âmbito regional e local dos
estados, nos quais, propõem melhor alinhamento as situações mais específicas de cada região.
Outrossim, é que, em se tratando de um sistema de proteção regional, o Direito
Internacional dos Refugiados também está amparado por um dispositivo legal conhecido
como a Declaração de Cartagena de 1984, que estabelece ampliação nas hipóteses de
concessão do status de refugiado, além de vincular os países americanos a um
comprometimento bastante significativo com o tema, pois determina reuniões periódicas
sobre os desafios que o direito dos refugiados em nível continental pode vir a enfrentar e
compartilha boas práticas. (SILVA, et al., 2017, p. 11).
Considerando toda a sistemática de proteção jurídica internacional da pessoa humana,
não apenas nos aspectos da proteção dos Direitos Humanos, mas na garantia de proteção para
as pessoas em situação, percebe-se a predominância não da proteção da pessoa humana em si,
mas apenas, de articulações estatais para conter o desequilíbrio de pessoas em migração no
contexto global. Desta forma, o trabalho propõe uma ressignificação das instrumentalidades
361
Dentre esses instrumentos destacam-se: as Convenções IV e V de Haia relativa aos Direitos e Deveres das
Potências e Pessoas Neutras no Caso da Guerra Terrestre de 1907 (artigos 4.º e 6.º respectivamente183 ), a
Declaração Americana de Direitos Humanos de 1948 (artigo 27184 ), a Declaração Universal dos Direitos do
Homem de 1948 (artigos 2.º, 3.º, 14, 18 e 21185 ), a Terceira Convenção de Genebra relativa ao Tratamento dos
Prisioneiros de Guerra de 1949 (artigos 87, 100, 109 e 118186 ), a Quarta Convenção de Genebra sobre a
Proteção de Pessoas Civis em Tempos de Guerra (artigos 44, 51, 70, § 2.º187 ), o Protocolo I Adicional às
Convenções de Genebra de 1949 (artigos 47, 51 § 6.º,58, 73188 ), a Convenção Europeia para a Proteção dos
Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, de 1950 (artigo 14189 ), a Convenção sobre o Estatuto dos
Apátridas de 1954, a Convenção para Reduzir os Casos de Apatridia de 1961 (ambas sem artigos específicos,
mas relevantes em sua totalidade em função da semelhança entre a situação dos apátridas e dos refugiados, vez
que nenhum deles conta com a proteção estatal), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 (ambos também sem artigos específicos, mas
importantes por assegurar uma vasta gama de direitos humanos a todos os indivíduos) e a Convenção Americana
sobre Direitos Humanos de 1969 (artigo 22, § 7.º190 ). (JUBILUT, 2007, p. 91).
jurídicas, para, ao invés de atender simplesmente aos interesses políticos dos Estados, alinhar-
se a realidade fática dos processos de solicitação de refúgio e os contextos que com eles se
envolvem.
Nesse contexto, insere-se a soberania como instrumento nas relações de poder, que
consubstanciam a existência de refugiados e apátridas no mundo através da existência de
violências estruturais, como também, a partir delas pode se requerer dos Estados um
posicionamento coadunado com a proteção individual da pessoa humana nos problemas
globais. Contudo, a instrumentalização dessa proteção através dos mecanismos jurídicos, pode
ser considerada um desafia a concepção de soberania absoluta, trazendo ao debate o seguinte
questionamento: é possível estabelecer um equilíbrio entre a soberania dos Estados, esta
indispensável para a sua existência no espetro anárquico da comunidade internacional,
coexistindo nessa relação a proteção efetiva dos direitos humanos para refugiados?
Tal questionamento desafia a propositura de uma sistematização das principais
discussões sobre soberania existentes contemporaneamente e que, na presente proposta, visa
sistematiza-la, a fim de compreender em qual concepção ela pode alinha-se ao reconhecimento
do Direito Internacional dos Direitos Humanos para Refugiados. Importa tal discussão teórica,
para que seja identificado se a sistemática internacional de proteção aos refugiados, continua
fadada ao fracasso como nos seus primórdios devido a inadequação as características de
administração doméstica dos Estados ou se, os interesses internos, sejam políticos e
econômicos continuam preponderantes nas relações globais, perpetuando a desconsideração
do indivíduo como sujeito de direito nas relações internacionais, ao menos em termos práticos.
Conforme Taiar (2009) discute, a soberania absoluta não há de ser confundida com
a soberania ilimitada. Ou seja, suas características de unidade e indivisibilidade, que propõe
para um único território uma única autoridade do qual decorre o poder, não podendo sofrer
interferências externas, a sua existência está per si, limitada a própria administração local e
obrigações no plano internacional, do qual voluntariamente se dispõe a submissão. Nesse
aspecto, é que se insere o debate em que, como no plano prático a limitação da soberania pode
ser provada e admitida pelos próprios Estados. Ou seja, “a dificuldade está no estabelecimento
prático de um equilíbrio sensível entre as necessidades dos Estados soberanos individuais e a
comunidade internacional dos Estados”. (TAIAR, 2009, p. 74). E é exatamente esse equilíbrio
exigido pela proteção internacional dos Direitos Humanos para Refugiados e que no plano
prático encontram óbices, perante as reiteradas colocações do estado que aludem a uma
soberania puramente absoluta, sem sofrer quaisquer limitações, tanto no plano interno, quanto
no plano internacional.
Quando um Estado ratifica um tratado de proteção dos direitos humanos, não diminui
ele sua soberania (entendida em sua concepção contemporânea), mas, ao contrário, pratica um
verdadeiro ato soberano, e o faz de acordo com sua Constituição. (MAZZUOLI, 2002, p.
174). No entanto, tratando tal instituto em relação a proteção dos direitos humanos, “a noção
clássica de soberania sofre, ainda, uma outra transformação. No cenário internacional de
proteção, os Estados perdem a discricionariedade de, internamente, a seu alvedrio e a seu
talante, fazer ou deixar de fazer o que bem lhes convier”. (MAZZUOLI, 2002, p. 173). Assim,
a adequada utilização da prerrogativa soberana na atuação dos Estados favorece a eficácia dos
Direitos Humanos, vez que, no plano social, é o Estado o maior violador dos direitos inerentes
à pessoa humana, principalmente pelo fato de ser o detentor da obrigação de garanti-la, seja a
nacionais e estrangeiros.
Outrossim é que, o sistema de proteção internacional dos direitos humanos da ONU
não ameaça à soberania nacional dos Estados, uma vez que o seu caráter de proteção é
complementar e subsidiário, em que se reconhece primordialmente aos Estados a incumbência
pela efetiva proteção. (MAZZUOLI, 2002, p. 175). Ou seja, “A maior organização universal,
a ONU, apesar de ser uma pessoa jurídica de Direito Público Internacional, não é soberana, e
é formada pelos Estados, que continuam independentes e autônomos, mesmo integrando-a”.
(OLIVEIRA, 2006, p. 86).
Assim, por mais delicado que seja tratar soberania e violação dos Direitos
Humanos, reitera-se que, o respeito aos tratados convencionados na comunidade
internacional, especificamente os que tratam dos direitos humanos, de forma alguma desafia
a soberania do Estado. Afirma-se que esta, está posta de forma limitada através de si mesma,
tendo em vista que a perspectiva puramente absoluta enfraquece a ideia de que, em detrimento
do respeito a integridade da pessoa humana, o Estado precisa reafirma-se na sua autonomia.
O indivíduo como sujeito de direitos, permitindo que este venha exercê-lo também
no plano internacional, sem se encontrar totalmente coarctado e controlado pelos estados, ora
por um, ora por outro, sob alegações e nas circunstâncias mais variadas, permanece em boa
medida, aspiração cuja implementação terá de ser desenvolvida. (ACCIOLY, 2014, p. 357).
Nessa conjuntura, verifica-se que os Estados agem de uma forma totalmente política no que
diz respeito ao tratamento que se dá internamente aos refugiados, sendo que tal atuação
decorre em duas vertentes: a posição do Estado frente à sociedade e a posição da sociedade
frente ao Estado.
Como afirmado por Menezes e Reis (2013), “a falha em responder adequadamente
aos fluxos de refugiados deve-se, em larga medida, à natureza política e internacional do
problema, sendo essa refletida em todos os aspectos que envolvem a temática” (MENEZES E
REIS, 2013, p. 158). Assim, reitera Mazzuoli (2002) que não existem direitos humanos
globais, internacionais e universais, sem uma soberania flexibilizada, ou seja, a devida
proteção é correlacionada com a limitação da atuação dos Estados, sendo que a não
transformação do conceito impediria a projeção dos direitos humanos na agenda
internacional.
De acordo González (2009) medidas restritivas em relação às políticas migratórias
são invocadas pelas justificativas de segurança nacional, sem ao menos estabelecer um
sistema de controle e identificação para verificar os indivíduos que se encontram em situação
de refúgio ou demais situações de migração. No entanto, há que se considerar que, já é
pacífico pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas que refúgio e direitos
humanos são intrinsicamente veiculados, sendo a simples violação aos direitos humanos,
legitima o reconhecimento ao status de refugiado. (MENEZES E REIS, 2013, p. 146).
Assim, diante do que fora trazido em termos conceituais e aspectos históricos, há
demonstrado que o instituto da soberania é predominante o que diz respeito a conduta dos
Estados frente a atual crise humanitária consequente do grande número de solicitações de
refúgio. Isso levando-se em consideração que, tudo isso envolve os aspectos de segurança
nacional, que são justificados propositalmente de forma equivocada, como também, a
concessão de refúgio se vê bastante limitada consequentemente. Desse modo, utiliza-se das
palavras de Taiar (2009) considerando que “A espécie humana só pode prosperar se existir um
mínimo de equilíbrio. É esse particular, no sentido da descoberta do melhor critério ou
critérios, que carece de atenção” (TAIAR, 2009, p. 71).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. – 21. ed. – São Paulo:
Saraiva, 2014.
ANDRADE, José H. Fischel de. Direito Internacional dos Refugiados: evolução históricas
(192101952). – Rio De Janeiro: Renovar, 1996.
BOBBIO, Noberto. A era dos Direitos. 10. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS. 1945. Rio de Janeiro: United Nations Information Centre
– Rio de Janeiro (UNIC-Rio). Disponível em:
<http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf> Acesso em: 05 Set. 2018.
LEITE, Larissa. O devido processo legal para o refúgio no Brasil. Tese de Doutorado.
Universidade de São Paulo, 2014.
MENEZES, Thais Silva and REIS, Rossana Rocha. Direitos humanos e refúgio: uma
análise sobre o momento pós-determinação do status de refugiado. Rev. bras. polít. int.
[online]. 2013, vol.56, n.1, pp.144-162.
TAIAR, Rogerio. Direito internacional dos direitos humanos: uma discussão sobre a
relativização da soberania face à efetivação da proteção internacional dos direitos
humanos. 2009. Tese (Doutorado em Diretos Humanos) - Faculdade de Direito, Universidade
de São Paulo, São Paulo, 2009.