Constituições Primeiras Do Arcebispado Da Bahia
Constituições Primeiras Do Arcebispado Da Bahia
Constituições Primeiras Do Arcebispado Da Bahia
Arcebispado da Bahia
1. Diogo Barbosa Machado, Bibliotheca Lusitana Historica Critica e Chronologica […], (Cd-Rom), Lisboa, Comissão
Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, s.d. (1. ed.: 1741–1759), vol. 3, p. 694; Orlandus
Schulte, De primis archidiœcesis Bahiæ Constitutionibus anno 1707 promulgatis, Romae, 1962, p. 18, apud Antonio Do-
mingues de Sousa Costa, “Padroado Régio e Elevação das Raças no Brasil segundo Monteiro da Vide Arcebispo
da Baía”, em V Colóquio de Estudos Luso-Brasileiros, Coimbra, 1965, pp. 6–7, e Arquivo da Universidade de Coimbra,
gavetas nominais de alunos.
2. José Pedro Paiva, Os Bispos de Portugal e do Império (1495–1777), Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra,
2006, p. 486.
3. Em 1685, foi nomeado em primeiro lugar pelo conselheiro Francisco Malheiro e pelo conde presidente do Conselho
Ultramarino, como “sujeito de boa opinião, ciência e bom exemplo para se esperar dele que fará o lugar de pastor
mui conforme ao que convém as obrigações que lhe toca”. Biblioteca da Ajuda, 51–VIII–25, n. 631 (fl. 330–330v).
Seis anos depois, foi nomeado para o arcebispado da Bahia por quatro membros do mesmo Conselho, “atendendo,
precisamente, a que à metrópole da Bahia acorriam todas as causas de apelação das dioceses do Rio e Pernambuco,
para o que se exigia prelado capaz”. Antonio Domingues de Sousa Costa, “Padroado Régio e Elevação das Raças”,
op. cit., pp. 8–10 e Orlandus Schulte, De primis archidiœcesis, op. cit., pp. 22–23.
4. Francisco de Matos, Vida Chronologica de S. Ignacio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, offerecida ao Illustris-
simo Senhor Arcebispo da Bahia Dom Sebastião Monteyro da Vide […], Lisboa Occidental, Na Officina de Pascoal da
Sylva, 1718, Argumento gratulatório de Prudêncio do Amaral; Diogo Barbosa Machado, Biblioteca Lusitana, op. cit.,
vol. 3, p. 694; Orlandus Schulte, De primis archidiœcesis, op. cit.
5. Antonio Domingues de Sousa Costa, “Padroado Régio e Elevação das Raças”, op. cit., p. 11. Barbosa Machado dá o
dia 3 de março de 1702 como data de sua sagração. As fontes de Antonio Domingues de Sousa Costa são os regis-
tros paroquiais de Santa Marinha. Diogo Barbosa Machado, Biblioteca Lusitana, op. cit., vol. 3, p. 694. A entrada do
arcebispo e do governador D. Rodrigo da Costa custaram 462 602 rs. aos cofres da Câmara. Cf. Arquivo da Câmara
Municipal de Salvador, Pagamentos pelo Senado (1693–1714), fl. 151.
6. Luis dos Santos Vilhena, A Bahia do Século XVIII, Salvador, Itapuã, 1969, vol. 2, pp. 406–407.
7. Segundo o padre José Fialho, que em 1792 escreveu uma pequena coletânea de biografias dos arcebispos da Bahia.
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (doravante BNRJ) Mss II, 33, 34, 23, fl. 1v
8. Valentim Mendes, Sermaõ que na festividade das SS. Onze mil virgens padroeyras da America, celebrada na igreja do
collegio dos religiosos da Companhia de Jesus da cidade da Bahia, metropoli do Brasil, no dia 21. do mez de Outubro do anno
de 1732, Lisboa, Oficina de Manoel Fernandes da Costa, 1734, dedicatória.
9. Diogo Barbosa Machado, Biblioteca Lusitana, op. cit., vol. 3, p. 694.
10. Ver as próximas páginas. Para mais detalhes sobre a carreira episcopal no mundo português da Idade Moderna, ver
José Pedro Paiva, Os Bispos de Portugal e do Império, op. cit.
11. Arquivo Histórico Ultramarino (doravante AHU), avulsos, Bahia, cx. 53, doc. 4654.
12. Introdução de Ildefonso Xavier Ferreira a Sebastião Monteiro da Vide, Constituições Primeiras do Arcebispado da
Bahia, São Paulo, Antonio Louzada Antunes, 1853, pp. XIV–XX.
17. Contudo, essa qualidade de missionário e uma “idade suficiente” são mencionadas duas vezes por Salvador Correa de
Sá, tanto para o Rio, por causa “da dilação daquele bispado, com muitas vilas pelos sertões, serras e a passagem dos
rios e gente indômita como é a de São Paulo e seus recôncavos, e que necessita de bispo missionário”, quanto para o
Maranhão, quando nomeia frei João da Madre de Deus: “e com idade suficiente para o trabalho de missionário como
entende que será o bispo deste Estado”.
18. AHU, Luísa da Fonseca, Bahia, cx. 22, doc. 1647/8.
19. AHU, Luísa da Fonseca, Bahia, cx. 21, doc. 2498.
Num relatório enviado a Roma, em 1711, lamenta-se o arcebispo, como todo pre-
lado americano, da extensão de sua diocese, justificando assim a impossibilidade
22. Archivio Segreto Vaticano (doravante ASV), Congr. Concilio, Relat. Diœc., 712 (Salvatoris in Brasilia). Relação ad
limina de 30 de agosto de 1711. Agradecemos a generosidade do amigo frei Marcos Almeida, que gentilmente nos
cedeu suas fotocópias dos documentos do Arquivo Vaticano.
23. Francisco de Matos, Vida Chronologica de S. Ignácio, op. cit., argumento gratulatório de Prudêncio do Amaral.
24. D. Francisco de Lima, que chegou a ser cogitado para o arcebispado, visitou pessoalmente seu bispado a inter-
valos médios de oito meses durante os quatro primeiros anos do seu governo, enquanto D. José Fialho, mesmo
avesso ao envio de visitadores delegados, conformando-se assim com o espírito das normas tridentinas, que
preferiam as visitas pessoais dos prelados ao envio de visitadores delegados, fez ou mandou fazer visitas a cada
dezoito meses. Bruno Feitler, Nas Malhas da Consciência: Igreja e Inquisição no Brasil, São Paulo, Alameda/Pho-
ebus, 2007, pp. 24–33.
25. Reeditada recentemente por Cândido da Costa e Silva (ed.), Notícia do Arcebispado de São Salvador da Bahia, Salva-
dor, Fundação Gregório de Mattos, 2001.
26. Gaspar de Leão, Constituiçoens do arcebispado de Goa. Approvadas pello primeiro cõcillio provincial Anno 1568, Goa,
Ioão Endem, 1568, prólogo. Reeditadas em Goa pelo Colégio de São Paulo novo da Companhia de Jesus em 1649, e
insertas em Antonio da Silva Rego (ed.), Documentação para a História das Missões do Padroado Português do Oriente,
Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1953, vol. 10, pp. 481–800.
[…] julgava […] por pouco não negar-se à rusticidade dos escravos mais vis, se não
que recebia com alegre semblante, e significação de grande gosto que tomava em ser tão
piamente importunado. Sucedeu muitas vezes depois do trabalho de administrar tardes
inteiras o sacramento da crisma, chegar já tarde um ou dois escravos, e para os consolar, de
novo se revestia de Pontifical, recolhendo aquelas poucas espigas que talvez escaparam das
mãos no maior da sega28.
Interessante notar que esta atenção para com os escravos, “que é maior número
de almas de que consta o […] arcebispado […] que haveria nele mais de noventa
mil almas, e deste número certamente […] muito mais de cinquenta mil são es-
cravos”, não surgiu apenas das suas preocupações espirituais, mas também de D.
Pedro II, que em pelo menos duas ocasiões escreveu aos prelados baianos pedindo
que se desse maior atenção aos cativos29. Esta preocupação refletiu-se com força
nas ações do arcebispo, que, enquanto não saíam do prelo as Constituições, onde
incluiu um catecismo adaptado para os escravos, “mandou imprimir muitos mil
livrinhos em fácil método para que os escravos pudessem mais facilmente aprender
a doutrina cristã e os repartiu por todo o arcebispado”30. Mas os escravos não eram
os únicos a carecer da extensão do pasto espiritual. Nas mencionadas Notícias do
Arcebispado da Bahia, datadas de 1712, Monteiro da Vide, após relembrar ao mo-
narca suas obrigações enquanto “governador e perpétuo administrador da ordem
27. Francisco de Matos, Vida Chronologica de S. Ignacio, op. cit., Argumento gratulatório de Prudêncio do Amaral.
28. Idem, ibidem.
29. Cândido da Costa e Silva (ed.), Notícia do Arcebispado de São Salvador da Bahia, op. cit., pp. 44–45.
30. Francisco de Matos, Vida Chronologica de S. Ignácio, op. cit., Argumento gratulatório de Prudêncio do Amaral. Ama-
ral continua: “Só fará conceito da importância desta obra quem à sua custa experimentou a dificuldade de catequizar
escravos da última rudeza”. O próprio arcebispo faz referência a este catecismo impresso no liv. I, tít. III, § 8. Não se
conhecem exemplares destes impressos.
31. ASV, Congr. Concilio, Relat. Diœc., 712 (Salvatoris in Brasilia). Relação ad limina de 10 de junho de 1721, e Arlindo
Rubert, A Igreja no Brasil: Expansão Territorial e Absolutismo Estatal (1700–1822), Santa Maria, Palotti, 1988, pp.
178–179.
32. Cândido da Costa e Silva (ed.), Notícia do Arcebispado de São Salvador da Bahia, op. cit., pp. 56–65.
33. Cf. Carta de D. João V ao arcebispo da Bahia, D. Sebastião Monteiro da Vide, de 11 de abril de 1718, reproduzida em
Prudêncio do Amaral (atribuído a), Catálogo dos bispos que teve o Brasil até o ano de 1676, em que a catedral da cidade da
Bahia foi elevada a metropolitana, e dos arcebispos que nela tem havido com as notícias que de uns e outros pode descobrir,
neste volume, p. 753.
34. AHU, cód. 247, fl. 296r–v. Carta de D. João V a D. Sebastião Monteiro da Vide, de 17 de janeiro de 1722.
35. As fontes consultadas até aqui, infelizmente, não trazem informação precisa sobre essas manifestações devocionais.
36. Arquivo Público do Estado da Bahia, ordens régias, livro 16, fls. 6–11. Carta de D. Vasco Fernandes César de Meneses
de 24 de julho de 1722. O Vice-rei escreveu esta missiva, seguramente, após ter conhecimento da carta régia enviada
ao arcebispo (citada na n. 33), recomendando-lhe que tomasse providências para combater a devassidão e os escân-
dalos contra a fé católica em seu arcebispado.
37. Frei Agostinho de Santa Maria, Santuario Mariano, e Historia das Imagens milagrosas de Nossa Senhora, E milagro-
samente manifestadas, e apparecidas em o Arcebispado da Bahia, et mais Bispados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande,
Maranhão, et Graõ Parà, Em graça dos Pregadores, et de todos os devotos da Virgem Maria nossa Senhora. Tomo nono.
Que consagra, offerece, e dedica ao Illustrissimo Senhor Arcebispo da Bahia D. Sebastiaõ Monteyro da Vide, do Conselho de
Sua Magestade, Fr. Agostinho de Santa Maria, Ex-Vigário Geral da Congregação dos Agostinhos Descalços de Portugal, e
natural da Villa de Estremoz, Lisboa Occidental, Na Officina de Antonio Pedrozo Galram, 1722.
38. “É imagem prodigiosa e da proporção de uma perfeitíssima mulher”, Idem, p. 253.
39. Idem, p. 251. Sobre o santuário de Bom Jesus da Lapa, ver o estudo de Carlos Alberto Steil, O Sertão das Romarias:
Um Estudo Antropológico sobre o Santuário de Bom Jesus da Lapa – Bahia, Petrópolis, Vozes, 1996.
40. Cf. Valentim Mendes, Sermaõ que na festividade das SS. Onze mil virgens, op. cit., dedicatória.
A Ocidental por dar no jardim dominicano uma puríssima Rosa querida Esposa de
Cristo, que triunfou dos espinhos, ou acúleos das paixões com o fogo do amor divino. E
está por oferecer em o seráfico campo ao Senhor dos exércitos uma singular Vitória, que
com a vara de fumo de uma vida penitente e fervorosa oração, desbaratou e venceu ao
príncipe das trevas. Reciprocando-se estes dois empórios americanos de Lima e da Bahia
em dar Rosas triunfantes e Vitórias odoríferas43.
41. Francisco de Matos, Vida Chronologica de S. Ignácio, op. cit., Argumento gratulatório de Prudêncio do Amaral.
42. Nascida Vitória Bixarxe, filha de Bartolomeu Nabo Correa e Luísa Bixarxe, natural de Salvador, ingressa no con-
vento de Nossa Senhora do Desterro em 1686, quando tinha 25 anos de idade. Anna Amélia Vieira Nascimento,
Patriarcado e Religião: As Enclausuradas Clarissas do Convento do Desterro da Bahia (1677–1890), Bahia, Conselho
Estadual de Cultura, 1994, p. 450.
43. Sebastião Monteiro da Vide, História da Vida, e Morte da Madre Soror Victoria da Encarnação Religiosa Professa no
Convento de Santa Clara do Desterro da Cidade da Bahia. Escrivia Arcebispo D. Sebastião Monteiro da Vide. Para as
Reverendas Madres Abadeça, e Religiosas do mesmo Convento, Roma, Na Estemparia de Joam Francisco Chracas, 1720,
pp. 8–9. O texto é mais acessível no translado feito por frei Antônio de Santa Maria Jaboatão, no seu Novo Orbe Serafico
Brasilico, ou Chronica dos Frades Menores da Provincia do Brasil, parte segunda (inédita), impressa por ordem do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, Typ. Brasiliense de Maximiliano Gomes Ribeiro, 1859–1862, vol. III,
pp. 684–746. As razões desse translado, as dá Jaboatão: “sendo a primeira, o não termos presunção de o fazer nem com
melhor retórica, nem mais apurado discurso e também porque dos tais livrinhos se acham já hoje mui poucos; e como
pequenos e avulsos, se podem perder e acabar-se com eles a sua memória, e nesta crônica, como de maior corpo, e em
lugar próprio poderá ter mais larga duração e chegar à notícia de todos”. Utilizamos aqui a edição original.
[…] que passando de noite em certa ocasião por junto ao coro do convento, e ouvindo
os golpes de uma rigorosa disciplina que nele se tomava, parara suspenso e atônito, até que
cessando a disciplina, que durou um largo espaço de tempo, disse consigo: é possível que
uma delicada donzela se esteja disciplinando com tanto rigor e eu, miserável pecador, não
só não faço outro tanto, se não que ainda vou ofender a Deus? Não será assim não por certo.
E dizendo isto voltou para casa com propósito firme de emendar a vida45.
Como é dado ver, o texto também procura evidenciar que o benefício da mor-
tificação extrapolava o campo individual, contribuindo para estimular a conversão
de pecadores. Relatos sobre os rigores das penitências a que se submetiam os san-
tos eram muito frequentes, não faltando a madre Vitória da Encarnação e ao seu
biógrafo modelos que pudessem servir de inspiração para práticas e narrativas as-
céticas. O padre Antônio Vieira, por exemplo, em seu Sermão de Todos os Santos,
exaltando a santidade de algumas virgens, indagava sobre a que extremos haviam
chegado algumas santas virgens para alcançar a santidade46. Noutro momento di-
zia: “que extraordinários modos de penitências não inventaram, mais engenhosas
para se martirizar a si mesmas, que os tiranos para atormentar os mártires?”47 No
44. É preciso, contudo, lembrar que, como assinala Caro Baroja, “las biografías de santos que podríamos llamar barrocas
cambian poco en espíritu con relación a las antíguas, o las góticas”. Segue sendo, portanto, uma literatura edificante
que busca influenciar o leitor através da narração de feitos heroicos e valorosos realizados pelo personagem biogra-
fado. No caso específico que tratamos, deve-se considerar que a obra também tinha o objetivo de despertar atenções
para uma possível canonização daquela a quem o prelado baiano chamava bem-aventurada. Cf. Julio Caro Baroja,
Las formas complejas de la vida religiosa: Religión, sociedad y carácter en la España de los siglos XVI e XVII, Madrid, Akal,
1978, p. 96. Sobre o assunto, ver também Antonio Rubial Garcia, La santidad controvertida: Hagiografia y conciencia
criolla alrededor de los venerables no canonizados de Nueva España, México, Unam/FCE, 1999, pp. 38–42.
45. Sebastião Monteiro da Vide, História da Vida, op. cit., pp. 31–32.
46. “Que extremos não obraram as santas virgens por ser santas? […] Que rigores e asperezas não executaram em si
mesmas?” Cf. Antônio Vieira, Sermão de Todos os Santos, em Lisboa, no convento de Odivellas, ano 1643, Sermões, Porto,
Lello & Irmãos, 1951, vol. IX, p. 57.
47. Idem, c. VIII.
[…] umas de fio com pontas molestíssimas, outras de corda de viola, outras, final-
mente, de couro cru, que ela mesma torcia, e que depois das de ferro, de que também
usava, aturavam mais os rigores com que afligia seu virginal e delicado corpo. […] E qual
alma santa guarnecida de escudos, se segurava com estas armas de toda a invasão dos
inimigos49.
[...] tudo o que encontra e repugna a esses mesmos apetites naturais, tudo o que moles-
ta e aflige esses mesmos afetos humanos, tudo mortificaram, tudo venceram, tudo sopea-
ram, tudo abraçaram por vontade, e sem obrigação, por gosto, e sem repugnância, por amor,
e sem dificuldade. Por quê? Porque queriam ser e haviam de ser santos, e por isso hoje o são,
e os celebramos como bem-aventurado52.
54. Cabe lembrar aqui que, no pontificado de Urbano VIII, foram modificadas as regras para a beatificação e cano-
nização de santos. Além de modificar as regras processuais, centralizando todo o processo em Roma, as reformas
de Urbano VIII estenderam-se às imagens e à literatura hagiográfica. No que diz respeito às imagens, proibiu-se
que os bem-aventurados fossem retratados com atributos sobrenaturais. No campo literário, proibiu-se que fossem
publicados livros contendo sugestões de santidade, milagres ou revelações sem que houvesse aprovação explícita da
Sagrada Congregação dos Ritos. Como em toda obra de caráter hagiográfico, o livro de Monteiro da Vide tinha
no seu início uma Protestatio Auctoris, na qual afirmava sua obediência ao decreto pontifício de 1625 e submetia o
conteúdo referido na obra à apreciação da autoridade romana. Contudo, é preciso lembrar que nada disso explica
a publicação do livro em Roma. Sobre as reformas de Urbano VIII ver, entre outros, Antonio Rubial Garcia, La
santidad controvertida, op. cit., pp. 35–38.
[…] venerava qualquer relíquia sua, mandou desfazer em uma xícara de água, pouca
porção de terra da sua sepultura, e a bebeu com viva fé, e molhou a parte exterior inchada;
sucesso maravilhoso! Logo se foram mitigando as dores, houve algum sossego que deu
lugar ao sono, dormiu o restante da noite [o que nas antecedentes não tinha feito] e ama-
nheceu desfeito o tumor, com assombro das religiosas que viram em tão breves horas tão
extraordinários efeitos55.
Estas contradições, que podem ser vistas como características do “homem barroco”57,
não se restringem aos aspectos abordados acima. Também podem ser vistas na ma-
neira de harmonizar dois arquétipos do prelado tridentino: o ideal de pobreza, ou,
em todo caso, de humildade, dos homens de Igreja, e a dignidade e grandeza que
seu cargo implicava. O primeiro elemento aparece discretamente em alguns relatos
que procuram alçar Monteiro da Vide à condição de modelo de bispo reformador.
55. Sebastião Monteiro da Vide, História da Vida, op. cit., pp. 136–138.
56. Uma primeira tentativa de encontrar o seu processo de canonisação, tanto no Archivio Segreto Vaticano como na
Congregação para a Causa dos Santos, revelou-se infrutuosa.
57. A expressão é recente, como observa Rosario Villari, O Homem Barroco, Lisboa, Presença, 1994, pp. 7–8.
[...] com esmolas consideráveis a cinco igrejas matrizes, que são de São Pedro do Mon-
te da Cachoeira, Nossa Senhora da Purificação de Sergipe do Conde, São Jorge dos Ilhéus,
São Gonçalo da Vila de São Francisco, Nossa Senhora do Rosário da vila da Cachoeira.
[…] E da mesma sorte muitas outras igrejas socorreu para os reparos convenientes para
estarem com a decência devida, e principalmente a matriz da Madre de Deus, a que apli-
cou maior cuidado, atendendo à muita pobreza dos fregueses, e à indigência da dita igreja,
ficando todas as igrejas do arcebispado não só decentes, mas ornada58.
58. Francisco de Matos, Vida Chronologica de S. Ignácio, op. cit., Argumento gratulatório de Prudêncio do Amaral.
59. ASV, Congr. Concilio, Relat. Diœc., 712 (Salvatoris in Brasilia). Relação ad limina de 30 de agosto de 1711.
[...] com tal infelicidade que não tem a Bahia pior sítio, porque não tem vista alguma de
mar, nem de terra, nem gozam das virações que são o único refrigério dos calores do Brasil,
e estão na baixa de uma ladeira que a cerca por dois lados, deixando-as por eles quase en-
terradas, e pelos outros dois partem com duas ruas tão estreitas que uma não tem mais que
19 palmos de largo e a outra 23 e com paredes e janelas muito mais altas, de que procede
ficarem as casas dos arcebispos tão devassas que ou há de ter as janelas sempre fechadas,
ou lhes podem registrar [?] os vizinhos (se estiverem abertas) quantas ações fizer em casa
sem ele o poder evita61.
Além disso, a residência não tinha cômodos suficientes para abrigar todas as
funções episcopais e sacerdotais com o conforto, a decência e o respeito que pe-
diam a dignidade episcopal, mas também a dignidade régia, como Monteiro da
Vide não deixa de apontar:
O que mais pena me dá é ver as Majestades divina e humana tão mal acomodadas em
casa de um prelado que deve ensinar com o exemplo mais do que com palavras e como hão
de ser veneradas, pois devendo o oratório em que cada dia se celebra o santo sacrifício da
missa ser totalmente separado de outro algum uso, este tem tantos como fica relatado, nem
pode deixar de o ser. E merecendo os retratos de Vossa Majestade e do Sumo Pontífice
(que estão debaixo do dossel) toda a veneração, não há outra casa em que se tomem as
visitas, cousa que eu sinto muitíssimo, mas não posso remediar62.
60. No que toca à dignidade episcopal em si, cf. Gérard Labrot, Sisyphes chrétiens: La longue patience des évêques bâtisseurs
du royaume de Naples (1590-1760), Seyssel, Champ Vallon, 1999, p. 147.
61. Carta de Monteiro da Vide, de 26 de agosto de 1703, AHU, avulsos, Bahia, cx. 4, doc. 396.
62. “As casas em si são tão limitadas que somente constam de uma pequena saleta vaga, e uma casa em que está o dossel,
e nela as cadeiras e serv[iço?] de tomar visitas. A terceira (por não haver outra) é oratório, é livraria, é casa de des-
pacho e é precisa passagem para uma camarinha em que mal cabe um leito mas certamente não caberiam dois, que
tal é a sua pequenez. E assim o oratório, como a camarinha com porta imediata para a cozinha e para um pequeno
tinelo em que os arcebispos comem com a sua família. Tem estas quatro casas outras tantas inferiores, que são a loja,
que corresponde à saleta vaga, e em outra que fica debaixo do dossel se faz relação e audiência; nas outras duas assiste
a família, mas tão mal acomodada que por causa de muita umidade de dois canos públicos que estão nas ditas duas
ruas e principalmente pela falta de ar que as purifique, se lhe pode dar nome de enfermaria melhor que de aposento.
E debaixo da do tonelo se recolhem as serpentinas que são as carruagens destas partes, e debaixo da da cozinha se
recolhe a lenha para serviço dela.” Carta de Monteiro da Vide, de 26 de agosto de 1703, AHU, avulsos, Bahia, cx. 4,
doc. 396.
63. Sobre o seminário: Arlindo Rubert e Frederico Westphalen, “O Primeiro Seminário Tridentino no Brasil”, Revista
Eclesiástica Brasileira, 30: 129–135, março de 1970.
64. AHU, avulsos, Bahia, cx. 5, doc. 445.
65. AHU, avulsos, Bahia, cx. 4 doc. 454.
66. Francisco de Matos, Vida Chronologica de S. Ignácio, op. cit., Argumento gratulatório de Prudêncio do Amaral.
67. AHU, avulsos, Bahia, cx. 4, doc. 454.
68. Prudêncio do Amaral informa que o arcebispo, além de ter sido provedor da irmandade, mandou que se fizesse ao
lado da igreja “uma casa que servisse de hospital para clérigos pobres” e “uma casa para as consultas dos Reverendos
capitulares”, tudo construído com o auxílio de doações dos próprios irmãos. Francisco de Matos, Vida Chronologica
de S. Ignácio, op. cit., Argumento gratulatório de Prudêncio do Amaral. A informação sobre o desabamento nos traz
Braz do Amaral no seu prospecto de Salvador, inserto em Luis dos Santos Vilhena, A Bahia do Século XVIII, op. cit.,
vol. 1.
69. Gérard Labrot, Sisyphes chrétiens, op. cit., p. 167.
70. O retrato do monarca surgia como um importante instrumento de governo à distância, como apontam Lope de Veja,
na sua comédia Brasil restituído, e Juan Bautista Maino, na sua tela de 1635. Ambos tratam da retomada da Bahia
aos holandeses em 1625, quando D. Fradique de Toledo teria travado um verdadeiro diálogo com o retrato de Felipe
IV. Cf. Yann Lignereux, “Les objets du pouvoir royal militaire” A. C. Brefe e K. Gualdé (dir.), Pouvoirs. Représenter
le pouvoir en France du Moyen Âge à nos jours, Paris e Nantes, Somogy e Musée du château des ducs de Bretagne,
2008, pp. 37-39. Sobre o governo à distância no Atlântico português, ver Rodrigo Bentes Monteiro, O Rei no Espelho.
A Monarquia Portuguesa e a Colonização da América 1640-1720, São Paulo, Hucitec, 2002 e Laura de Mello e Souza,
O Sol e a Sombra. Política e Administração na América Portuguesa do Século XVIII, São Paulo, Companhia das Letras,
2006.
71. Francisco de Matos, Vida Chronologica de S. Ignácio, op. cit., Elogio de Luis de Carvalho.
72. Segundo Gabriele Paleotti, estes retratos podiam ser extremamente úteis “àqueles que, tendo administrado o poder
espiritual ou temporal com religião e justiça, podem, com seu exemplo, beneficiar o público, se como nós, com olhar
reverente admiramos com gosto os retratos dos sumos pontífices que em sucessão contínua sentaram-se na católica
e apostólica cátedra do príncipe dos apóstolos, e lemos que bispos bons e pios já compunham no palácio episcopal
a efígie em grande quantidade, por ordem de tempo”, “Discorso intorno alle imagini sacre e profane”, em Paolo
Barocchi (org.), Trattati d’arte del Cinquecento fra Manierismo e Controriforma, Bari, 1961, vol. II, p. 340, apud Gérard
Labrot, Sisyphes chrétiens, op. cit., p. 169, n. 1.
73. Alguns destes retratos foram reproduzidos pelo Padre Manuel Teixeira, Macau e a sua Diocese, Macau, Imprensa
Nacional, 1940, vol. II.
74. Para um desenvolvimento sobre a importância simbólica dessas construções, ver Gérard Labrot, Sisyphes chrétiens, op.
cit., pp. 170–171.
75 Por exemplo: “Espero da real grandeza de Vossa Majestade me faça esta mercê, e mais propriamente a meus suces-
sores, que todos rogamos a Deus Nosso Senhor pela vida e saúde de Vossa Majestade e conservação de seu dilatado
império”. Carta de Monteiro da Vide, de 26 de agosto de 1703, AHU, avulsos, Bahia, cx. 4, doc. 396.
76. Diogo Barbosa Machado, Biblioteca Lusitana, op. cit., vol. 3, p. 694.
77. Carta de Monteiro da Vide, de 1º de maio de 1712, AHU, avulsos, Bahia, cx. 8, doc. 705.
78. Esse privilégio não era o único dos clérigos: tanto a Misericórdia (que também parece ter-se apropriado de verbas que
deviam ficar para a Câmara) quanto o tribunal da Relação tinham seus talhos próprios. Segundo o ouvidor, essas rendas
eram o “principal rendimento” da Câmara. Carta de 20 de dezembro de 1705, AHU, avulsos, Bahia, cx. 5, doc. 442.
79. AHU, avulsos, Bahia, cx. 5, doc. 442.
80. AHU, avulsos, Bahia, cx. 11, doc. 955.
[…] todas são devidas à grande devoção que V. Ilustríssima [Monteiro da Vide] sempre
se reconheceu para com tão excelsa Princesa, e ao grande cuidado com que mandou, mo-
vido das minhas súplicas, tirar por todo o seu arcebispado, pelas pessoas mais fidedignas,
81. José Pedro Paiva, “A Igreja e o Poder”, em Carlos Moreira Azevedo (dir.), História Religiosa de Portugal, Lisboa,
Círculo de Leitores, 2000, vol. 2, p. 166.
82. Bruno Feitler, “‘A Sinagoga Desenganada’: Um Tratado Antijudaico no Brasil do Começo do século XVIII”, Revista
de História, 148: 103–124, 1º sem. 2003.
83. Cf. Diogo Barbosa Machado, Biblioteca Lusitana, op. cit., vol. 3, p. 694.
84. Agostinho de Santa Maria, Santuario Mariano, op. cit.
E, com efeito, se Agostinho de Santa Maria cita várias obras impressas, como as
de Simão de Vasconcelos e de Brito Freire; se outros personagens – como o bispo
do Pará, D. frei Bartolomeu do Pilar (que havia sido missionário apostólico em
Pernambuco), o desembargador Cristóvão Soares Reimão ou vários missionários
capuchos – são nomeados como fontes para “as capitanias do norte”, para o arce-
bispado da Bahia, a pedido do autor, Monteiro da Vide ordenou que se fizesse um
trabalho sistemático de coleta de informações, paróquia por paróquia. São citados
nominalmente como fontes, sempre “por mandado do Ilustríssimo arcebispo da-
quela metrópole, o senhor D. Sebastião Monteiro da Vide”, o cura da Sé, os vigá-
rios das paróquias da Graça, da Conceição da Praia, de São Gonçalo da vila de São
Francisco, os vigários de Matoim, de Jaguaripe, de Itaparica, da matriz da Senhora
da Purificação de Sergipe do Conde, da matriz do Rosário de Ilhéus. Especial
interesse tem o relato sobre a imagem da Senhora da Soledade do sertão das Ri-
beiras do rio São Francisco. Através dele, ficamos sabendo que Monteiro da Vide
também se ocupou da catequese dos índios, enviando missionários para a região85.
Centrado na sua pessoa, e em associação com a Companhia de Jesus, Monteiro
da Vide financiou, em 1718, a publicação da primeira biografia de Inácio de Loyola
em português, escrita na Bahia pelo ex-provincial e então reitor do colégio jesuíta,
padre Francisco de Matos, para quem o arcebispo era “um dos Atlantes da fé em
Inácio”86. Com efeito, a obra é dedicada ao arcebispo e reúne um panegírico, uma
ode, um elogio, uma oferta, um argumento gratulatório e uma oração panegírica em
sua homenagem, além de uma bela gravura que o retrata em seu escritório, com suas
vestes episcopais, sentado, folheando um livro. Este volume e o tinteiro que também
se encontra sobre a mesa podem ser referências às suas obras de devoção ou aos seus
trabalhos de normatização legislativa. Ao lado, um crucifixo e sua mitra e, sob o re-
trato, a inscrição “D. Sebastião Monteiro da Vide, arcebispo da Bahia do Conselho
87. Antônio Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1949, t. VII, pp.
113–114.
88. Diogo Barbosa Machado, Biblioteca Lusitana, op. cit., vol. 3, p. 694.
89. Uma cópia de fins do século XVIII ou começos do XIX de ambos os textos encontra-se na BNRJ Mss 22, 2, 39. O
texto introdutório dos Estatutos diz que até a chegada de Monteiro da Vide à Bahia não haviam “estatutos escritos
certos e determinados”, o cabido governando-se então pelos diferentes “estilos” dos prebendados. A concessão de
novos benefícios e conezias para a Sé, em 1718, por D. João V, fez com que houvesse a necessidade de se reformar os
Estatutos, e são estes os que vemos na BNRJ. Novos estatutos foram promulgados na Bahia por D. José Botelho de
Matos em 1754. Ver AHU, cód. 1206.
90. Queixas do povo da Bahia representado por Antônio da Silva Pinto, contra as opressões e mau procedimento do arcebispo e
mais clero, AHU, Luisa da Fonseca, cx. 32, doc. 4131.
91. Cf. Concílio de Trento, Sessão XXIV, Decreto de reforma, Cânon II. Utilizamos a edição publicada em Giuseppe
Alberigo (dir.), Les conciles œcuméniques: Les décrets, t. II–2, Paris, Cerf, 1994.
92. Sobre as dificuldades na recepção do Concílio Tridentino em França ver, entre outros, Thierry Wanegffelen, Une
difficile fidélité: Catholiques malgré le concile en France – XVIe-XVIIe siècles, Paris, PUF, 1999. Sobre suas repercussões
em Portugal ver Federico Palomo, A Contra-Reforma em Portugal 1540-1700, Lisboa, Livros Horizonte, 2006.
93. Arlindo Rubert, A Igreja no Brasil, op. cit., pp. 231–234. Como veremos adiante, D. João Franco de Oliveira, antecessor
de D. Sebastião Monteiro da Vide na mitra baiana, também manifestou desejo de realizar um sínodo.
94. ASV, Congr. Concilio, Relat. Diœc., 596 (Olinden), relação ad limina de 1680.
95. ASV, Congr. Concilio, Relat. Diœc., 596 (Olinden), Rellatione della chiesa e Diocese d’Olinda… della quale è attual-
mente vescovo D. Mattia de Figueiredo e Mello. A intenção de D. frei Manuel da Ressurreição de realizar um sínodo
ou concílio provincial é confirmada nas Queixas do Povo da Bahia…, AHU, Luisa da Fonseca, cx. 32, doc. 4131.
As Queixas vão além da constatação dos males provocados pela falta de cons-
tituições diocesanas, apontando aquelas que seriam as verdadeiras causas para a
não-realização de sínodo ou concílio provincial – sem o qual não poderia haver
constituições. Num argumento que busca mostrar a continuidade histórica do pro-
blema, o procurador da Câmara, Antônio da Silva Pinto, assinala que, no passado,
os bispos atribuíam “à insuficiência que diziam havia nos sujeitos que para o sí-
nodo deviam convocar-se […] e pelos não haver letrados se escusam de fazê-lo”.
Escusa que ele contesta, lembrando que
[...] nos dois bispados de Angra e Funchal se deu a mesma razão que no Brasil, pois
apenas se achavam, como ainda hoje, as dignidades primeiras de deão formados em Câ-
nones ou Teologia, sendo o mais cabido todo indouto, e o mais clero iletrado. E, contudo,
vemos impressas duas constituições de ambos os bispados logo não se livram de censura
quando ex Trid. Sess. 24, de reformat. cap. 2, eram obrigados cada ano, e ao menos de três,
havendo urgente necessidade, a fazer as ditas constituições, ou reformá-las97.
[...] quatro sufragâneos, que são Rio de Janeiro, Pernambuco, Angola e São Tomé, não
há razão concludente para deixarem os reverendos arcebispos de fazer sínodo provincial,
porque ao menos podem os referidos bispos seus sufragâneos, enquanto não celebram os
seus diocesanos, adstringir-se ao provincial metropolitano, máxime sendo semelhantes aos
abusos e tendo parecença os delitos, por ter o arcebispado o mesmo gentio de índios e
etiópios que têm os quatro bispados.
[...] o que tanto não faz que antes se presume, por nunca haver praticado em tal maté-
ria que nem pela imaginação lhe passa, sendo tão importante e estando por tantos títulos
obrigado, que para se diferir o tempo do ano ou triênio pre[ ] por direito nas Índias de
98. Ver Evergton Sales Souza, “S. Francisco Xavier, Padroeiro de Salvador: Génese de uma Devoção Impopular”, Bro-
téria, vol. 163 (nov./dez. 2006), pp. 653–669.
99. AHU, Luisa da Fonseca, cx. 32, doc. 4131. Interessante notar os elogios feitos ao “sempre louvável e nunca assaz lou-
vado, Dom frei Manoel da Ressurreição”, cuja morte prematura embargou “a fatura do dito sínodo que sem dúvida
se concluiria pelo dito prelado, para o que incansavelmente principiou tão logo a visitar o arcebispado, e finda a
visita, lhe desse princípio sem embargo de que aquela devia pospor-se a este ut colligitr. ex cap. sicut olim de accusat.
Barbos. de potest. episcop. pe. 3. allegat. 34. n. 57 vers°. Praelatus. Porém, como os remorsos o obrigaram dos perceitos
jurídicos, de quibus ajunt tx. in cap. Si quis episcopus cap. siquis episcopum cum seqq. 18 diste. et cap. regulam Vs°
Porro 3 dist., quis que precedesse a visita ao sínodo, para que com mais acerto o fizesse, mas a morte lhe embargou o
desígnio”. Este discurso elogioso talvez tenha algo a ver com o período em que o prelado exerceu o governo na Bahia.
102. Ver Sebastião da Rocha Pitta, História da América Portuguesa, Lisboa, Na Officina de Joseph Antonio da Silva, 1730,
liv. 9º, §§ 11–13, e Arlindo Rubert, A Igreja no Brasil, op. cit., pp. 231–234.
103. Cândido da Costa e Silva (ed.), Notícia do arcebispado de São Salvador da Bahia, op. cit., p. 40.
104. Idem, ibidem. “A superfície, ou solo principalmente nas terras em que se plantam, e produzem canas, de que se faz
o açúcar, é terra de tal qualidade, (chamão-lhe massapê) que em chovendo, fica um lodo que embaraça muito aos
viandantes; e continuando as chuvas pelo inverno, em que ordinariamente duram mais de três mezes, resultam
tais lamas, que quase é impossível andar os caminhos, e os que os andam é com perigo, o qual é maior para os que
andam a cavalo, por que atolando estes, sucede cairem, e sairem as pessoas dificultosamente dos atoleiros, onde já
têm acontecido morrerem algumas; além dos rios navegáveis, que são muitos os que há no Recôncavo, e não poucos
deles perigosos, há por entre a terra outros, que suposto no verão ou estão secos, ou com pouca água, no inverno, ou
também quando chove, abundam de tanta, que é dificultoso passá-los, sucedendo em alguas occasiões ser tão veloz
e precipitado o curso de suas águas, que é temeridade intentar vadiá-los por ser infalível o perigo”.
Neque Synodum Diœcesanam neque Provincialem usque modo coēgi: […] Diœcesana quia
nonulli Parochorum, qui interesse debent ab hac distant civitate plusquam centum, et ducentas
leucas, et multi ultra mare, et pene omnes pauperes forme sunt, et summē gravarentur et non leve
detrimentum Parochianis ex sua absentia sequeretur105.
105. ASV, Congr. Concilio, Relat. Diœc., 712 (Salvatoris in Brasilia), relação ad limina de 1733.
106. ASV, Congr. Concilio, Relat. Diœc., 596 (Olinden), relação ad limina de D. frei José Fialho.
107. ASV, Congr. Concilio, Relat. Diœc., 712 (Salvatoris in Brasilia), relação ad limina de 1698. A carta do procurador de
D. João, o jesuíta Antônio do Rego, diz: “synodus inchoetur admodum necessaria pro stabilienda disciplina ecclesiastica,
corrigendis moribus, et eradicande zizania”. Ver também ASV, Congr. Concilio, Relat. Diœc., 596 (Olinden), relação
ad limina de D. frei José Fialho.
108. AHU, Luisa da Fonseca, cx. 32, doc. 4131.
109. Ver, neste volume a Relação da Procissão, e Sessões do Sínodo Diocesano, que se celebrou na Santa Sé Metropolitana da
cidade da Bahia em 12 de Junho de 1707, dia do Espírito Santo, e nas duas Oitavas seguintes, presidindo nele o Ilustríssimo
e Reverendíssimo Senhor D. Sebastião Monteiro da Vide, quinto arcebispo do Arcebispado da Bahia (p. 707 [596]), “o
Ilustríssimo Senhor Arcebispo se resolveu a fazer de novo Constituições, valendo-se para este efeito do tempo do
inverno, em que não podia prosseguir a Visita deste vasto Arcebispado, (a que logo deu princípio depois de estar
nele)”. Ver também a carta convocatória enviada por Monteiro da Vide a seus sufragâneos: “Convocação do Bispo
de Angola para o Sínodo da Bahia em 1707”, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 56: 103–105, 1893.
110. Monteiro da Vide escrevia: “Fazemos saber, que desejando Nós (quanto nos é possível com a graça de Deos) sa-
tisfazer às muitas e grandes obrigações que carregam sobre nossos fracos hombros neste ofício pastoral, que tão
indignamente occupamos; // E considerando que é causa de muitos e prejudiciais abusos a falta de constituições
diocesanas, as quais os Ilms. Srs. nossos antecessores não fizeram por justas occupações que lhes impediram, e por
esta razão mandavam guardar as do arcebispado de Lisboa, que em muitas cousas se não podiam acomodar a estas
remotas províncias, nos resolvemos a fazer ditas constituições”. “Convocação do bispo de Angola”, op. cit.
111. José Pedro Paiva, “Sínodos Diocesanos”, em Carlos Moreira Azevedo (org.), Dicionário de História Religiosa de Por-
tugal, Lisboa, Círculo de Leitores, 2001, pp. 240–247.
112. “Convocação do Bispo de Angola”, op. cit. e Relação da Procissão, e Sessões do Sínodo Diocesano … (p. 714 [605]). “se nos
oferecem justas causas para diferir por algum tempo o dito Concílio Provincial, e tratar agora somente do Sínodo
Diocesano, e das Constituições, que se devem guardar neste nosso arcebispado”.
[...] ter propicio o favor e auxílio do Céu e a assistência do Espírito Santo no sínodo
(em quem firmemente confiava para esperar acerto em o que se obrasse), repetidas vezes
fez e mandou fazer deprecações a Deus Nosso Senhor para o tal fim. No principio da Qua-
resma escreveu aos prelados das religiões desta cidade, para que em tão santo tempo enco-
mendassem o negócio a Deus em seus sacrifícios e orações e de todos os seus religiosos113.
117. Toda a descrição está baseada na Relação da Procissão, e Sessões do Sínodo Diocesano (p. 710-711 [600]).
118. Ver José Pedro Paiva, “Etiqueta e Cerimônias Públicas na Esfera da Igreja (séculos XVII-XVIII)”, em I. Jancsó e
I. Kantor (org.), Festa: Cultura e Sociabilidade na América Portuguesa, São Paulo, Edusp/Imprensa Oficial/Hucitec/
Fapesp, 2001, pp. 86–87.
119. Frei Manoel da Madre de Deus, Sermam no Primeyro Synodo Diecesano, que se celebrou no Brasil pelo Illustrissmo Senhor
Dom Sebastiam Monteyro da Vide, Arcibispo da Bahia, do Conselho de S. Majestade. Pregou-o na Sé da Bahia o Reve-
rendo Padre Frey Manoel da Madre de Deos, Doutor, et Mestre jubilado na Sagrada Theologia, Ex Provincial do Carmo
da Bahia, et Pernambuco, aos 12 de Junho de 1707. dia do Espirito Santo, Lisboa, Na Officina de Miguel Manescal,
1709, p. 4.
120. Em outra passagem do mesmo sermão o pregador diz: “E sendo o Espírito Santo na sua descida ao Cenáculo subs-
tituto, vigário e sucessor de Cristo. Ut hic me referat, et meis fungatur vicibus, por sucessor, por vigário e substituto
de Cristo representa o Ilustríssimo senhor arcebispo ao Espírito Santo quanto ao modo com que hoje desceu”. Frei
Manoel da Madre de Deus, Sermam no Primeyro Synodo, op. cit., p. 5.
121. Idem, p. 6.
122. Idem, p. 7.
E saibam as ovelhas deste rebanho, que se até agora pecavam mais livre e assoutada-
mente, porque não tinham pessoas que por ofício delatassem de seus maus costumes e vida,
e por isso os seus pecados, ainda que eram inquiridos, não eram descobertos […] como
123. Idem, p. 8.
124. Idem, p. 15.
125. Idem, p. 17.
126. Sebastião do Valle Pontes, Sermão no Segundo dia e sessão do synodo Diecesano, que na Sé Cathedral da Bahia celebrou o
Illustrissimo Senhor Dom Sebastiam Monteyro da Vide, Arcibispo Metropolitano da mesma Cidade, et Estado do Brasil, do
Conselho de Sua Majestade, etc. Prégou-o o Doutor Sebastiam do Valle Pontes, Mestre Escola da mesma Sé, Dezembargador,
et Chanceller da Relação Ecclesiástica. Aos 13 de Junho anno de 1707, Lisboa, Na Officina de Miguel Manescal, 1709.
127. O sínodo baiano seguia aqui o disposto na Sessão XXV, Decretum de reformatione generali, c. 10, que trata da
necessidade da eleição de pessoas qualificadas e aptas para que lhes sejam delegadas causas eclesiásticas e espirituais.
128. Também se trata de uma disposição tridentina: “Examinatores autem singulis annis in diocesana synodo satisfaciant
et ab episcopo vel eius vicario ad minus sex proponantur, qui synodo satisfaciant et ab ea probentur”. Concílio de
Trento, Sessão XXIV, Decretum de Reformatione, Canon XVIII.
129. Relação da Procissão, e Sessões do Sínodo Diocesano, op. cit. (p. 720 [612].
130. Idem (p. 723 [615]).
São as leis fundadas na luz da razão, e são os sinodais congregados para dar leis. As
eclesiásticas como são as mais justas, suaves e santas, devem ser dirigidas a um só fim, pra-
ticadas com uma só intenção e movidas do mesmo espírito. […]
Observavam-se até agora no Brasil umas leis como estranhas, porque todo o governo
espiritual deste Estado não tinha mais lei que umas Constituições alheias; e como nem em
tudo se ajustavam com a perfeição deste governo, hoje por inspirações de Deus e moções
do divino Espírito lhe decreta sua Ilustríssima leis próprias. […]
Dom Sebastião Monteiro da Vide, soberano Príncipe, e Davi Ilustríssimo, vendo a
República Cristã deste Estado sem mais direção que as Constituições de outras dioceses,
e que não podiam observar-se estas com a perfeição que requeria, ou pelas condições do
clima, ou por introduções do tempo, convoca hoje o sínodo para lhe ordenar umas leis
perfeitas…131.
Como se pode ver, da mesma forma que no sermão pregado no primeiro dia do
sínodo, destacam-se dois pontos nestas passagens da pregação do frade agostinho:
as Constituições e o seu autor. Na verdade, todo o sermão insiste sobre a lei e seu
legislador, ambos auxiliados e ungidos pelo Espírito Santo e alçados pelo orador
à condição de modelos de perfeição. Mais do que constatar a existência de uma
retórica enaltecedora da pessoa e ações de Monteiro da Vide, é preciso indagar
quais significados e intenções um tal discurso pode esconder ou revelar. Reduzir
os elogios feitos à pessoa do arcebispo da Bahia a um mero exercício turibulário
equivaleria não só a mostrar pouca compreensão dos meandros da política de An-
tigo Regime, mas a fechar os olhos a importantes pistas que permitem decifrar os
sentidos de certas ações e discursos.
Os autores dos sermões do sínodo procuraram apresentar uma imagem do ar-
cebispo que se aproximava muito do modelo episcopal abraçado por um número
crescente de prelados a partir do concílio de Trento. Ou seja, a leitura de algumas
131. Frei João Baptista, Sermão no Terceyro dia do synodo diecesano, que se celebrou na Sé Cathedral da Cidade da Bahia, pre-
sidindo o Illustrissimo Senhor Dom Sebastiam Monteyro da Vide, Arcibispo Metropolitano deste Estado do Brasil, Prégado
pelo Muyto Reverendo Padre Mestre Frey João Baptista, Lente de Filosofia, et Theologia na sua Congregação dos Agostinhos
Descalços de Portugal, et Presidente no seu Hospício da Bahia, em 14 de Junho anno de 1707, segunda oytava da festa do
Espirito Santo, Lisboa, Na Officina de Miguel Manescal, 1709, pp. 10–11.
[…] para vós, senhor, reservou Deus esta glória, ou este trabalho, como porque figura
do Espírito Santo, não obstante o repetido das enfermidades e o cansaço dos anos, discor-
restes visitando pessoalmente todo o vosso arcebispado…133
[…] com a sua pessoa, atividade, desvelo e vigilância pastoral não há dúvida que muito
bem provido está o arcebispado […] porque verdadeiramente de sua Ilustríssima podem
dizer os Homeros da nossa Bahia: Par est multorum millibus unus, e por serem tantas, como
admiráveis as suas letras, acompanhadas de excelente prática, e larga experiência, com tão
vasta notícia das matérias e resoluções dos Doutores, que os casos mais novos os resolve
com a mesma prontidão, que os ordinários134.
[…] para reforma de toda a Metrópole nos deu o mesmo Deus um Príncipe para pri-
meiro legislador das leis da América…135.
Nestas e noutras passagens dos sermões são, pois, ressaltados elementos como
o zelo pastoral do prelado, que visita pessoalmente toda a sua diocese, seu vasto
conhecimento, sua atividade legisladora, marcada pela realização do sínodo e pela
redação das constituições de que estava a dotar o arcebispado. Todavia, nem todos
os elementos da construção da imagem de D. Sebastião Monteiro da Vide como
exemplo de prelado encaixam-se perfeitamente nos modelos mais difundidos de es-
pelhos de bispos. Assim, a defesa da aplicação de castigos rigorosos como meio para
conservar a estabilidade e bom governo da Igreja, referida no segundo sermão do sí-
nodo, vai de encontro à atitude preconizada por um Bartolomeu dos Mártires – este
modelo de prelado ideal cuja influência se estendeu a outros bispos reformadores da
Europa, como Carlos Borromeu – que aos severos castigos preferia a doce instru-
ção136. Contudo, a insistência na severidade do castigo não deixa de ser um elemento
que também encontra seu lugar em determinadas correntes do sentimento religioso
que se desenvolveram após o Concílio de Trento. Com efeito, a defesa do rigor das
132. Sobre o assunto ver o excelente estudo de José Pedro Paiva, Os Bispos de Portugal, op. cit., em particular pp. 111–170.
133. Frei Manoel da Madre de Deus, Sermam no Primeyro Synodo, op. cit., p. 7.
134. Sebastião do Valle Pontes, Sermão no Segundo dia e sessão do Synodo, op. cit., p. 15.
135. Frei João Baptista, Sermão no Terceyro Dia do synodo, op. cit., pp. 4–5.
136. Ver José Pedro Paiva, Os Bispos de Portugal, op. cit., p. 142.
137. Jean-François Senault, L’Homme criminel, ou la Corruption de la nature par le péché, selon les sentimens de S. Augustin,
Paris, Veuve J. Camusat, 1644, apud Jean Delumeau, Le péché et la peur, op. cit., pp. 321–322.
138. Sebastião do Valle Pontes, Sermão no Segundo dia e sessão do Synodo, op. cit., p. 14, os itálicos são nossos.
139. Ver Cândido da Costa e Silva (ed.), Notícias do Arcebispado de São Salvador da Bahia, op. cit.
140. Cf. Joaquim Cajueiro de Campos, Doctrina da Constituição Synodal do Arcebispado da Bahia reduzida a hum tractado de
moral casuístico e oferecida ao Exmo. E Revmo. Senhor D. Romualdo Antonio de Seixas, arcebispo da Bahia, Metropolitano
e primaz do Brasil, por Joaquim Cajueiro de Campos, Cônego da Sé da Bahia, professor de Língua Latina e Vice-Diretor do
Lyceo da mesma cidade, Bahia, Typ. do C. Mercantil de R. Lessa et Cia., 1847, p. III.
141. Sobre a edição de 1853 das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, ver adiante p. 57.
142. Ver “Convocação do Bispo de Angola”, op. cit., p. 104, onde diz: “E si o dito Illm. Senhor [bispo de Angola] entender,
que ha algumas couzas particulares, que para bom governo da Igreja, e direcção do estado eccleziastico sejam neces-
sarias, será servido mandar-nos uma memoria para que com maduro conselho se tratem e determinem”.
143. Eugênio de A. Veiga, Os Párocos no Brasil no Período Colonial (1500–1822), Salvador, UCSal, 1977, pp. 42–45.
144. Frei Bonifácio Mueler diz ter visto os estatutos setecentistas da Sé de Pernambuco, nos anos 1950, nos arquivos
daquela cúria. Frei J. da Apresentação Campely, “Epítome da vida, ações e morte do Ilmo. E Revmo. Bispo de Per-
nambuco, Arcebispo da Baía e Bispo da Guarda em Portugal, D. frei José Fialho […]”, frei B. Mueler (pub., introd.
e notas), Revista Eclesiástica Brasileira, 12: 359–360, 1952.
145. ASV, Congr. Concilio, Relat. Diœc., 596 (Olinden), relação ad limina de D. frei José Fialho e frei João da Apresen-
tação Campely, “Epítome da Vida”, op. cit., 14: 88, 1954.
146. ASV, Congr. Concilio, Relat. Diœc., 712 (Salvatoris in Brasilia), relação ad limina de 30 de agosto de 1711.
147. José Pedro Paiva, “Constituições Diocesanas”, em Carlos Moreira Azevedo (org.), Dicionário de História Religiosa de
Portugal, op. cit., vol. 2, p. 9.
148. ASV, Congr. Concilio, Relat. Diœc., 712 (Salvatoris in Brasilia), relação ad limina de 30 de agosto de 1711
149. Citamos: “Magna autem omnium et approbatione exceptae sunt (Constitutiones) et admiratione, tum ob genus
earum ad omnes ecclesiasticae vitae usus apprime accomodatum, tum ob eruditionis saluberrimae quae doctrinae
copiam…” Gerhardt Schneemann (ed.), Acta et decreta sacrorum conciliorum recentiorum, Friburgi Brisgoviae Herder,
1870–1890 (Col. Lac., t. I, p. 850), apud Oscar de Oliveira, Os Dízimos Eclesiásticos do Brasil nos Períodos da Colônia e
do Império, Belo Horizonte, Universidade de MG, 1964, p. 26.
Do ponto de vista formal, cabe chamar a atenção para as muitas características que
inserem as Constituições Primeiras no conjunto das constituições diocesanas por-
tuguesas. Com efeito, Sebastião Monteiro da Vide, ao organizá-las, não pretendia
inovar nem quanto à forma nem quanto ao conteúdo geral dos seus textos, mas, sim,
colá-las ao máximo às disposições do Concílio Tridentino e à já então larga tradição
do gênero em Portugal. Assim, as constituições baianas destacam-se menos por
suas especificidades do que por sua conformidade com suas congêneres. Apesar
disso, não havia uma regra fixa para formatar as constituições, e as da Bahia parecem
ter uma genealogia bastante complexa, como demonstra o largo espectro de textos
consultados para a sua redação. Uma das fontes mais citadas são, naturalmente, as
constituições do arcebispado de Lisboa, em uso na Bahia antes de 1707, mas Mon-
teiro da Vide não seguiu estritamente a forma utilizada pelas normas lisboetas.
Vale relembrar que o volume impresso, que usualmente chamamos de Consti-
tuições Primeiras do Arcebispado da Bahia, comporta outras obras que, embora pos-
sam ser lidas e estudadas separadamente, acompanham o texto normativo e lhe dão
mais sentido. Dos volumes consultados de legislação episcopal, nesse ponto de vista,
o da Bahia parece ser o mais completo, acumulando textos anexos que só surgem, se-
paradamente, em um ou outro estatuto português. Às Constituições do arcebispado de
Évora de 1565 e às dos bispados de Coimbra, de 1591, do de Portalegre, publicadas em
1632, da Guarda, publicadas pela primeira vez em 1621, ou ainda do Algarve, de 1675,
seguem, no mesmo volume, um Regimento do Auditório Eclesiástico. Já as do Porto,
por exemplo, impressas em 1690, vêm acompanhadas de uma Relação da procissam
e sessões do synodo diocesano, enquanto uma Relação dos senhores bispos de Portalegre
se segue às já citadas constituições desse bispado, que recebeu seu primeiro prelado
em 1550. O texto lisboeta, por sua vez, foi publicado sem nenhum adendo150.
Sem fugir à tradição anterior, o arcebispo D. Sebastião Monteiro da Vide esco-
lheu acompanhar suas constituições do máximo de material anexo. O volume abre
com uma bela gravura em frontispício, representando o arcebispo redator sentado
150. João de Melo, Constituicoens do Arcebispado de Évora […], Évora, Officina da Universidade, 1753 [1565]; Afonso de
Castelo Branco, Constituições sinodais do bispado de Coimbra […], Coimbra, António de Mariz, 1591; Afonso Furtado
de Mendonça, Constituiçoens synodais do Bispado da Goarda […], Lisboa, Miguel Deslandes, 1686 [1621]; frei Lopo de
Sequeira Pereira, Constituiçoens do Bispado de Portalegre […], Portalegre, José Roiz, 1632; Rodrigo da Cunha, Cons-
tituições synodaes do Arcebispado de Lisboa […], Lisboa Oriental, Na Officina de Filippe de Sousa Villela, 1737 [1646];
Francisco Barreto, Constituiçoens synodaes do Bispado do Algarve […], Évora, Impressão da Universidade, 1674, e João
de Sousa, Constituições synodaes do bispado do Porto […], Porto, Joseph Ferreyra, 1690.
151. Diogo Barbosa Machado, Biblioteca Lusitana, op. cit., vol. 3, p. 629.
152. Frei Lopo de Sequeira Pereira, Constituiçoens do Bispado de Portalegre, op. cit., fl. 52v.
153. D. Henrique, Constituiçoens do Arcebispado de Braga, Lisboa, Germã Galharde, 30 de maio de 1598; João de Melo,
Constituiçoens do Arcebispado de Évora, op. cit., e Afonso de Castelo Branco, Constituições Sinodais do Bispado de
Coimbra, op. cit., e Gaspar de Leão, Constituicoens do Arcebispado de Goa, op. cit., em Antonio da Silva Rego (ed.),
Documentação para a História das Missões, op. cit., vol. 10, pp. 481–800.
A ordem com que se dispõem as leis é de muita importância para serem bem aceitas
a quem as ler e mui fáceis a quem as houver de guardar. E porque as Constituições dos
arcebispados e bispados deste reino estão dispostas por diversos modos, porque umas estão
repartidas em títulos, outras em livros, títulos e capítulos, mui de propósito consideramos a
ordem com que disporíamos estas Constituições para que com menos trabalho pudessem
nossos súditos mandar a substância delas à memória, e nos pareceu seguir a ordem com
que os Sagrados Cânones estão dispostos nas decretais, e à sua imitação repartimos estas
Constituições em cinco livros.
154. “Diuidit n. opus in qnqz partes. In prima parte tractat de summa trinitate et fide catholica et de constitutõibus de
rescriptis de iudicib’ et eorum officijs. In scda parte tractat de iudicijs et cooperantibus ad iudicia. In tertia parte
tractat de vita et bonestate clericor’ et rebus eor’ et ecclesiasti. In quarta de spõsalib’ et matrimonijs et îpedimentis
eor’. In quinta de accusatiõib’ et criminib’ et penis eor’. Et sic terminat tractatû suû ipsû dividens in qnqz partes ad
similitudinem qnqz sensuz corporis: quos qlibet q iudicat babere debet: aliter non est idone’ iuder sic enim oîs copula
coniugalis restricta est usqz ad quartû gradû ad similitudinem quattuor humorû vel elemêtorû corpis hûani.” Gregó-
rio IX, Decretalium cum summariis suis et textuum divisionibus: ac etiam rubricarum continuationibus / [Gregorius IX];
Hieronymi Clarii Brixinesis emendatio, Veneza, per Baptistam de Tortis, 1496, p. 2 [proemium], nota a. Consultado na
biblioteca virtual http://gallica.bnf.fr/
155. Francisco de Matos, Vida Chronologica de S. Ignácio, op. cit., Argumento gratulatório de Prudêncio do Amaral.
Por uma série de bulas e breves, os sucessivos papas concederam à Ordem de Cris-
to, sob cuja bandeira se fez toda a expansão portuguesa, uma série de privilégios e
prerrogativas tocantes à disseminação da religião cristã nas terras por ela descober-
tas. Com a dupla qualidade de reis e de governadores e administradores perpétuos
da Ordem de Cristo, os soberanos portugueses da época moderna arrecadavam os
dízimos normalmente devidos à Igreja, devendo então custear com eles os gastos
e as necessidades do clero local e incentivar o movimento missionário. Tinham
também autoridade sobre todos os postos, cargos, benefícios e funções eclesiásticas
nos territórios ultramarinos sob o seu domínio156. Estas limitações ao poder papal e
156. Charles R. Boxer, O Império Marítimo Português 1415–1825, Lisboa, Edições 70, s.d., pp. 227–228.
Mas porque Sua Majestade com zelo, piedade e suma religião costuma permitir-nos o
uso desta regalia, atendendo mais ao útil das igrejas e bem de seus vassalos do que a este seu
supremo domínio, e querendo em tudo conformar-se com o que dispõe o sagrado Concílio
Tridentino, concede aos bispos a faculdade de proverem as igrejas, procedendo concurso
a elas para que sejam providas de párocos idôneos e dignos de exercitarem as gravíssimas
obrigações do ofício pastoral (liv. 3, tít. XXII).
157. Para além das instruções, aos escravos a serem batizados dever-se-ia ainda fazer as seguintes perguntas: Queres lavar
a tua alma com água santa? / Queres comer o sal de Deus? Botas fora de tua alma todos os teus pecados? / Não hás
de fazer mais pecados? / Queres ser filho de Deus? / Botas fora da tua alma o demônio?
158. O próprio Monteiro da Vide, em 1712, cinco anos após a realização do sínodo, faz referência a este problema. Cf.
Cândido da Costa e Silva (ed.), Notícias do Arcebispado de São Salvador da Bahia, op. cit.
159. Joaquim Cajueiro de Campos, Doctrina da Constituição Synodal, op. cit., p. 18.
160. É importante lembrar que esta prática, embora não fosse muito frequente, não constitui uma inovação ou parti-
cularidade da Igreja da América Portuguesa. No já citado decreto pro Armenis do Concílio de Florença, afirma-se:
Legitur tamen aliquando per Apostolicæ Sedis dispensationem ex rationabili et urgente admodum causa simplicem sacerdo-
tem chrismate per episcopum confecto hoc administrasse confirmationis sacramentum. Cf. Heinrich Denzinger, Symboles et
définitions de la foi catholique, Paris, Cerf, 1996, §1318.
161. AHU, avulsos, Bahia, cx. 11, doc. 2010.
162. A maior parte das constituições diocesanas portuguesas, a exemplo das do arcebispado de Lisboa e do bispado da
Guarda, parecem contentar-se com uma sumária descrição dos elementos constitutivos do sacramento da penitência,
sem entrar em detalhes de natureza teológica a seu respeito. Para as constituições consultadas ver as notas 150 e 153.
163. Aqui as constituições seguem muito de perto o texto do Concílio Tridentino, sessão XIV, que trata da “Doutrina
sobre os santíssimos sacramentos da penitência e da extrema unção”.
164. Sobre o assunto ver, especialmente, Jean Delumeau, A Confissão e o Perdão, São Paulo, Cia. das Letras, 1991, e Jean-
Louis Quantin, Le rigorisme chrétien, Paris, Cerf, 2000.
165. Este contricionismo moderado fica explicitado ao final do §132, onde se lê: “Portanto, deve o penitente, para que a
sua confissão seja boa, ter algum destes dois atos de contrição ou atrição: e para melhor, ambos, ou o primeiro, que é
mais seguro”.
166. A referência aparece no §143 das Constituições: “Declaramos que não satisfaz este preceito quem, voluntariamente,
faz confissão nula e sacrílega, ou porque calou por medo ou vergonha algum pecado mortal, ou porque nele lhe
faltou alguma das partes essenciais deste sacramento. E que a opinião contrária, que alguns doutores tiveram, está
reprovada por escandalosa pelo papa Alexandre VII em 24 de setembro de 1665. E mandamos aos párocos que façam
esta advertência a seus fregueses na estação dos três domingos antes da Quaresma, para que venha à notícia de
todos, doutrina que a todos tanto importa, e não possam alegar ignorância”. Trata-se dos decretos da Congregação
do Santo Ofício de 24 de setembro de 1665 e de 18 de março de 1666, que condenam 45 proposições laxistas. Estes
decretos estão publicados em Heinrich Denzinger, Symboles et définitions, op. cit., §§2021-2065.
Reter o alheio cujo dono se não sabe, que exceda a quantia de dez tostões.
Neste caso se compreende reter em seu poder escravos fugitivos, ou que se apartaram de
seus senhores, ou furtados; e também a compra, ou venda dos índios que são livres, quando
os cativam para os fazerem escravos, ou para outros fins injustos, ou para se servirem deles:
e isso se reserva, ou os índios sejam batizados ou não.
167. O texto das Constituições segue, neste caso, o disposto pelo decreto da Sagrada Congregação do Concílio, Cum ad
aures, de 12 de fevereiro de 1679, acerca da frequente comunhão. Cf. Heinrich Denzinger, Symboles et définitions, op.
cit., §§2090–2095.
169. Joaquim Cajueiro de Campos, Doctrina da Constituição Synodal do Arcebispado da Bahia, op. cit., p. 102.
170. A primeira é uma importante biblioteca fundada pelo cardeal Casanate, falecido em 1700, e cujos fundos contém
sobretudo obras de direito canônico e civil e de teologia moral. A Valliceliana é a biblioteca central dos Oratorianos
e possui fundos enormes de obras de teologia. O acervo inicial da Nazionale se compõe de nada mais nada menos
que a biblioteca do colégio da Companhia de Jesus de Roma, além de ter incorporado os fundos das bibliotecas de
muitas outras ordens religiosas romanas, quando os bens da Igreja foram nacionalizados depois da unificação da
Península italiana.
171. Como também nos seguintes casos em que, apesar do cotejamento com as obras de época, não foi possível localizar
exatamente a referência citada. “Sot. de Eucharist. lib. 7.” não integra nem do De iustitia e de iure nem os Commen-
tariorum de Domingo de Soto; ou “Vasq. de Pœn.”, que não faz parte nem da Opuscula Moralia, nem do De cultu
adorationis de Gabriel Vazquez.
172. Ao mencionar a obra de Giovanni Luigi Ricci, as Constituições referem-se a duas edições diferentes. P. ex.: “Aloys.
Ric. in prax. fori Eccles. decis. 750. in prima editione, et resol. 635. in secunda editione”. Já no caso da obra de Juan
Bernal Díaz de Lugo, diz tratar-se da “última edição”: “Bernard. Dias in Pract. c. 57. aliàs 60. in novissima editione”.
173. Além da possibilidade de usar edições específicas de cada Padre ou Doutor da Igreja, Monteiro da Vide pode ter
feito uso de coletâneas de textos patrísticos como a Maxima Bibliotheca Veterum Patrum et antiquorum scriptorum
ecclesiasticorum primo’ quidem a’ Margarino de La Bigne … in lucem edita. Deinde celeberrimorum in vniversitate Co-
loniensi doctorum studio, plurimus authoribus, et opusculis aucta, ac historica methodo per singula sæcula quibus scriptores
quique vixerunt, disposita. Hac tandem editione Lugdunensi … locupletata, et in tomos 27. distributa, Lyon, 1677.
174. Jacque-Paul Migne (ed.), Patrologiæ Latinæ cursus completus, Paris, excudebat Migne, 221 vols., 1844–1864, e Patrologiæ
Græcæ Cursus Completus, Paris, excudebat Migne, 166 vols., 1857–1866. No caso dos textos que não encontramos ou
não foram publicados nas referidas obras, citamos apenas edições de época, seguindo o mesmo critério anunciado
para as referências bibliográficas em geral.