Pisanus Fraxi Memórias de Uma Cantora Alemã

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Wilhelmine Schrõeder-Devrient (atribuído a)

Memórias de uma Cantora Alemã

Círculo de Leitores

Entre duas paixões ...

Título do original: Aus den Memoiren einer Saengerin

Tradução e prefácio de: João Costa

Revisão de: Ana Salgueiro

Edição integral

Círculo de Leitores, Lda. composto em Garamond 12/12 por Gris


Impressores

Impresso e encadernado por


Printer Portuguesa É proibida a venda
a quem não pertença Círculo

1.ª Edição: 20000 exemplares Setembro de 1978

**
Entre duas paixões...
Um ilustre cidadão inglês - Sir Henry Spencer Ash-bee (1834 /
1900) - resolveu, certo dia, catalogar a sua biblioteca de livros
eróticos que, pacientemente, reunira durante anos e anos em pleno
apogeu da época vitoriana, imagine-se! O resultado da ideia foi
uma monumental bibliografia erótica intitulada Index Librorum
Probibitorum, assinada por um tal Pisanus Fraxi. O volume, de
546 páginas, foi publicado em Londres no ano de 1878 e incluía,
para cada título, a história da sua edição, um sumário do conteúdo
e uma análise crítica.

Na parte relativa às Memórias de Uma Cantora Alemã, comenta-se a


certa altura: «consta que estas Memórias são uma autobiografia da
célebre Frau Wilhelmine Schrõeder-Devrient; apresentam-se sob a
forma de epístolas dirigidas a um médico, entre cujos papéis,
quando ele morreu, foram encontradas pelo sobrinho, o editor.»

Esta incerteza relativa quanto ao autor da obra deu azo a que


surgissem diversas opiniões, a primeira das quais o identificou com
o tal sobrinho, August Prinz. Depois, e a título exemplificativo,
podem apontar-se as seguintes: - Clofildo de Roxanarah, em 1932:
«Estas Memórias têm sido atribuídas a Frau Schrõeder-Devrient,
notável cantora lírica (...) Nenhum facto, nenhum documento
histórico da sua época certificam que tal atribuição seja verídica.
Mme. Clairede Gluemer, a amiga e biógrafa de Frau Schróeder não
fala dessas Memórias (...)
As pesquisas passionais dos eruditos alemães sobre essa questão
demonstraram, entretanto, a identidade do estilo de Frau
Schrõeder--Devrient com o do autor destas Memórias; e cada vez
mais numerosos são os partidários de que ela é, de facto, a
verdadeira autora do mais afamado livro erótico germânico.»

- Jacques Sternberg, em 1960: «Guillaume Apollinaire não achou


semelhanças entre as Memórias e as cartas de Frau Schrõeder-
Devrient, embora admita
haver alguma relação ente os acontecimentos da vida
da famosa cantora e os da heroína do livro (...) É,
possivelmente, obra de alguém que se baseou na
vida de Frau Schrõeder-Devrient.»

 Philip K. Roggis, em 1967: «E, portanto, evidente
que Wilhelmine Schrõeder-Devrient não escreveu as Memórias de
Uma Cantora Alemã.»

 Paul Gillette e Robert H. Dicks, em 1969: «Os
autores não conseguiram descobrir documentação independente
satisfatória de Frau Schrõeder--Devrient que a confirmasse
como pretensa autora.»

Assim, e curiosamente, quanto mais modernas as opiniões, maiores


as reservas sobre a autora. O certo, porém, é que as dúvidas ainda
aumentam se cotejarmos, pela rama que seja, as peripécias do livro
com as da vida de Frau Schrõeder-Devrient, tendo embora em conta
a liberdade própria de quem escreve mesmo para fazer a
autobiografia...

De facto, Pauline - a cantora alemã protagonista das Memórias -


reparte a sua vida por duas grandes paixões: a cama e o palco. Por
um lado (nem sempre o mesmo ...) penetra o amor sob as mais
diversas formas; por outro (só a boca) desabrocha o belo canto. E ei-
la, Europa fora, saboreando incansavelmente triunfos nos dois
domínios e insurgindo-se, também incansavelmente, contra o
casamento.

Quanto a Frau Wilhelmine Schrõeder-Devrient, nasceu em


Hamburgo, a 6 de Dezembro de 1804, filha de um casal de actores
muito conhecidos; o pai faleceu em 1818 e a mãe em 1868,
sobrevivendo à filha. Esta casou três vezes: primeiro, em 1823,
com Karl Devrient, de quem teve quatro filhos antes de divorciar-
se; depois, em 1840, mas a união foi um desastre completo; por
último, em 1850, após novo divórcio. Entretanto, desde muito
nova, seguira as pisadas dos pais e a sua fama de soprano logrou
vencer as barreiras do esquecimento, como o atestam as referências
a ela feitas nas autobiografias de algumas celebridades suas
contemporâneas, entre as quais Richard Wagner. Retirou-se da
vida artística em 1854 e veio a falecer em Coburgo, no dia 26 de
Janeiro de 1860. Mas abandonemos esta controversa questão e
vejamos agora um pouco o que se passou com o livro. A sua primeira
edição apareceu dividida em duas partes, publicadas,
respectivamente, em 1868 e 1875, por conseguinte após a morte
da presumível autora e, assim, sujeitas a que lhe tenham
introduzido algumas «correcções» e «complementos», como é o
caso do elucidativo prefácio do primitivo editor alemão:

«O editor destas Memórias quase não precisa de dizer, à laia de


preâmbulo, que a obra não é um produto da fantasia nem uma
invenção, mas sim o produto autêntico de uma das mais famosas
cantoras em qualquer palco, de uma cantora cuja voz esplêndida
muitos dos nossos contemporâneos admiraram e apreciaram,
aplaudindo-a nos seus vários papéis e que, certamente, recordariam
se a discrição não nos impedisse de revelar o nome.

Para o leitor atento, a garantia de que estas Memórias são autênticas


é quase desnecessária. A obra revela uma pena feminina tão
evidente que as dúvidas não são possíveis. Só uma mulher poderia
narrar a história da vida de uma mulher com tamanha verdade
psicológica. Só uma mulher poderia, como aqui acontece,
descrever-nos todas as fases, todas as vicissitudes de um coração
feminino e, passo a passo, desde o desabrochar dos jovens sentidos,
desvendar-nos o segredo dos erros do seu comportamento que lhe
teriam, indubitavelmente, arruinado a vida se um incidente
extremamente feliz não houvesse posto termo às consequências
finais dos seus deslizes.
Se estas Memórias fossem apenas o produto da fantasia, o editor podia
ser acusado de publicar um livro imoral e de rejubilar com coisas
que os usos de todos os povos, em todos os tempos, sempre
encobriram com um véu. Mas se, pelo contrário, são autênticas, se
formam um documento do mais elevado valor psicológico, essa
razão basta para destruir a acusação de imoralidade.

Nada do que é humano nos deveria causar estranheza. Se desejamos


compreender o mundo e nós próprios, então devemos acompanhar
também o homem na senda do erro, não para imitar tal erro mas,
pelo contrário, para evitá-lo. Nesse sentido, estas confissões de uma
mulher inteligente que pinta, com cores vivas e verdadeiras, as
terríveis consequências dos excessos não são imorais mas altamente
morais. Quanto à crítica de que o livro poderá cair nas mãos de uma
jovem leitora que não devia conhecer nada destas coisas, replicamos
que o conhecimento não é pecado, mas sim a ignorância, e que uma
mulher avisada dos perigos dos excessos é mais difícil de enganar
do que uma noviça de olhos tapados.

O editor acha-se convicto de que, publicando estas Memórias, não


atenta contra a moral nem ofende os costumes, mau grado a opinião
em contrário dos acanhados de espírito e dos pedantes.» Seja,
porém, como for, uma coisa é certa: Memórias de Uma Cantora
Alemã não constitui um livro frívolo e insere mesmo algumas das
melhores páginas da literatura erótica.

Claro que os conselhos e opiniões de Pauline em matéria de


sexologia não podem já ser hoje tomados a sério mas representam,
de facto, a súmula perfeita dos conhecimentos da época, como
pode confirmar-se na obra Light on Dark Corners, escrita pelos
Drs. B. G. Jefferis e J. L. Nichols, publicada em 1894, a qual
vendeu mais de um milhão de exemplares!

Redigidas com a serenidade própria de quem conhece todas as


fraquezas da carne e com a malícia do escritor travesso que pisca o
olho ao leitor, as Memórias sabem dosear com mestria aspectos
divertidos e descrição de aberrações sexuais tão repelentes como a
coprofilia e a necrofilia. Isto sempre com uma candidez extrema e
pondo as culpas em cima de Sade e de certas leituras que constituem
«verdadeiros venenos» ...

Que era assim, apercebeu-se já em 1927 o Dr. Paul Englisch, de


Estugarda, na sua História da Literatura Erótica: «Apesar das cenas
em que o erotismo não conhece limites, o livro não contém
nenhuma palavra grosseira e é, sem dúvida, a isso que deve atribuir-
se a sua popularidade, porque os vários processos judiciais não
conseguiram impedir as numerosas reedições.»

Os problemas bibliográficos relacionados com o livro foram só


referidos no intuito de proporcionar mais alguns atractivos de
leitura. Experimente, pois, o leitor descobrir resposta para estas
perguntas e outras que lhe ocorram: As Memórias foram escritas por
uma mulher? Por duas? Por um homem? Por dois? Ficou esquecida
alguma aberração sexual? O livro é tão cândido como pretende?

Mas talvez o melhor seja não pensar mais nisto e seguir, sem
preocupações, as aventuras e desventuras da virtuosa (musicalmente
falando) Pauline ...

JOÃO COSTA
8

**
Porquê dissimular-lhe alguma coisa? O senhor foi sempre um
amigo sincero e desinteressado. Nas situações mais difíceis da
minha vida, prestou-me serviços tão eminentes que posso bem
confiar-me a si completamente. O seu desejo, aliás, não me
surpreende. Nas nossas conversas de outros tempos, apercebi-me
muitas vezes da sua ânsia em perscrutar os recantos secretos que
animam as mulheres e as fazem agir de maneira a tal ponto
inexplicável que receiam mesmo os homens mais inteligentes.
As circunstâncias separaram-nos agora e provavelmente nunca
mais nos tornaremos a ver. Continuo a estar-lhe reconhecida por
ter-me acudido durante os meus infortúnios. Em tudo o que por
mim fez, o senhor nunca pensou no seu interesse próprio e apenas
se preocupou com o meu. Só de si dependia obter tudo de mim.
Conhecia o meu temperamento ardente e eu tinha um fraco pelo
senhor. Muitas vezes admirei o seu autodomíWilhelmine Schrõeder-
Devrient (atribuído a)
Memórias de uma Cantora Alemã

Círculo de Leitores

Entre duas paixões ...

Título do original: Aus den Memoiren einer Saengerin

Tradução e prefácio de: João Costa

Revisão de: Ana Salgueiro


Edição integral

Círculo de Leitores, Lda. composto em Garamond 12/12 por Gris


Impressores

Impresso e encadernado por


Printer Portuguesa É proibida a venda
a quem não pertença Círculo

' Edição: 20000 exemplares Setembro de 1978

**
Um ilustre cidadão inglês - Sir Henry Spencer Ash-bee (1834 /
1900) - resolveu, certo dia, catalogar a sua biblioteca de livros
eróticos que, pacientemente, reunira durante anos e anos em pleno
apogeu da época vitoriana, imagine-se! O resultado da ideia foi
uma monumental bibliografia erótica intitulada Index Librorum
Probibitorum, assinada por um tal Pisanus Fraxi. O volume, de
546 páginas, foi publicado em Londres no ano de 1878 e incluía,
para cada título, a história da sua edição, um sumário do conteúdo
e uma análise crítica.

Na parte relativa às Memórias de Uma Cantora Alemã, comenta-se a


certa altura: «consta que estas Memórias são uma autobiografia da
célebre Frau Wilhelmine Schrõeder-Devrient; apresentam-se sob a
forma de epístolas dirigidas a um médico, entre cujos papéis,
quando ele morreu, foram encontradas pelo sobrinho, o editor.»

Esta incerteza relativa quanto ao autor da obra deu azo a que


surgissem diversas opiniões, a primeira das quais o identificou com
o tal sobrinho, August Prinz. Depois, e a título exemplificativo,
podem apontar-se as seguintes: - Clofildo de Roxanarah, em 1932:
«Estas Memórias têm sido atribuídas a Frau Schrõeder-Devrient,
notável cantora lírica (...) Nenhum facto, nenhum documento
histórico da sua época certificam que tal atribuição seja verídica.
Mme. Clairede Gluemer, a amiga e biógrafa de Frau Schróeder não
fala dessas Memórias (...)
As pesquisas passionais dos eruditos alemães sobre essa questão
demonstraram, entretanto, a identidade do estilo de Frau
Schrõeder--Devrient com o do autor destas Memórias; e cada vez
mais numerosos são os partidários de que ela é, de facto, a
verdadeira autora do mais afamado livro erótico germânico.»

- Jacques Sternberg, em 1960: «Guillaume Apollinaire não achou


semelhanças entre as Memórias e as cartas de Frau Schrõeder-
Devrient, embora admita
haver alguma relação ente os acontecimentos da vida
da famosa cantora e os da heroína do livro (...) É,
possivelmente, obra de alguém que se baseou na
vida de Frau Schrõeder-Devrient.»

 Philip K. Roggis, em 1967: «E, portanto, evidente
que Wilhelmine Schrõeder-Devrient não escreveu as Memórias de
Uma Cantora Alemã.»

 Paul Gillette e Robert H. Dicks, em 1969: «Os
autores não conseguiram descobrir documentação independente
satisfatória de Frau Schrõeder--Devrient que a confirmasse
como pretensa autora.»

Assim, e curiosamente, quanto mais modernas as opiniões, maiores


as reservas sobre a autora. O certo, porém, é que as dúvidas ainda
aumentam se cotejarmos, pela rama que seja, as peripécias do livro
com as da vida de Frau Schrõeder-Devrient, tendo embora em conta
a liberdade própria de quem escreve mesmo para fazer a
autobiografia...

De facto, Pauline - a cantora alemã protagonista das Memórias -


reparte a sua vida por duas grandes paixões: a cama e o palco. Por
um lado (nem sempre o mesmo ...) penetra o amor sob as mais
diversas formas; por outro (só a boca) desabrocha o belo canto. E ei-
la, Europa fora, saboreando incansavelmente triunfos nos dois
domínios e insurgindo-se, também incansavelmente, contra o
casamento.

Quanto a Frau Wilhelmine Schrõeder-Devrient, nasceu em


Hamburgo, a 6 de Dezembro de 1804, filha de um casal de actores
muito conhecidos; o pai faleceu em 1818 e a mãe em 1868,
sobrevivendo à filha. Esta casou três vezes: primeiro, em 1823,
com Karl Devrient, de quem teve quatro filhos antes de divorciar-
se; depois, em 1840, mas a união foi um desastre completo; por
último, em 1850, após novo divórcio. Entretanto, desde muito
nova, seguira as pisadas dos pais e a sua fama de soprano logrou
vencer as barreiras do esquecimento, como o atestam as referências
a ela feitas nas autobiografias de algumas celebridades suas
contemporâneas, entre as quais Richard Wagner. Retirou-se da
vida artística em 1854 e veio a falecer em Coburgo, no dia 26 de
Janeiro de 1860. Mas abandonemos esta controversa questão e
vejamos agora um pouco o que se passou com o livro. A sua primeira
edição apareceu dividida em duas partes, publicadas,
respectivamente, em 1868 e 1875, por conseguinte após a morte
da presumível autora e, assim, sujeitas a que lhe tenham
introduzido algumas «correcções» e «complementos», como é o
caso do elucidativo prefácio do primitivo editor alemão:
«O editor destas Memórias quase não precisa de dizer, à laia de
preâmbulo, que a obra não é um produto da fantasia nem uma
invenção, mas sim o produto autêntico de uma das mais famosas
cantoras em qualquer palco, de uma cantora cuja voz esplêndida
muitos dos nossos contemporâneos admiraram e apreciaram,
aplaudindo-a nos seus vários papéis e que, certamente, recordariam
se a discrição não nos impedisse de revelar o nome.

Para o leitor atento, a garantia de que estas Memórias são autênticas


é quase desnecessária. A obra revela uma pena feminina tão
evidente que as dúvidas não são possíveis. Só uma mulher poderia
narrar a história da vida de uma mulher com tamanha verdade
psicológica. Só uma mulher poderia, como aqui acontece,
descrever-nos todas as fases, todas as vicissitudes de um coração
feminino e, passo a passo, desde o desabrochar dos jovens sentidos,
desvendar-nos o segredo dos erros do seu comportamento que lhe
teriam, indubitavelmente, arruinado a vida se um incidente
extremamente feliz não houvesse posto termo às consequências
finais dos seus deslizes.
Se estas Memórias fossem apenas o produto da fantasia, o editor podia
ser acusado de publicar um livro imoral e de rejubilar com coisas
que os usos de todos os povos, em todos os tempos, sempre
encobriram com um véu. Mas se, pelo contrário, são autênticas, se
formam um documento do mais elevado valor psicológico, essa
razão basta para destruir a acusação de imoralidade.

Nada do que é humano nos deveria causar estranheza. Se desejamos


compreender o mundo e nós próprios, então devemos acompanhar
também o homem na senda do erro, não para imitar tal erro mas,
pelo contrário, para evitá-lo. Nesse sentido, estas confissões de uma
mulher inteligente que pinta, com cores vivas e verdadeiras, as
terríveis consequências dos excessos não são imorais mas altamente
morais. Quanto à crítica de que o livro poderá cair nas mãos de uma
jovem leitora que não devia conhecer nada destas coisas, replicamos
que o conhecimento não é pecado, mas sim a ignorância, e que uma
mulher avisada dos perigos dos excessos é mais difícil de enganar
do que uma noviça de olhos tapados.

O editor acha-se convicto de que, publicando estas Memórias, não


atenta contra a moral nem ofende os costumes, mau grado a opinião
em contrário dos acanhados de espírito e dos pedantes.» Seja,
porém, como for, uma coisa é certa: Memórias de Uma Cantora
Alemã não constitui um livro frívolo e insere mesmo algumas das
melhores páginas da literatura erótica.

Claro que os conselhos e opiniões de Pauline em matéria de


sexologia não podem já ser hoje tomados a sério mas representam,
de facto, a súmula perfeita dos conhecimentos da época, como
pode confirmar-se na obra Light on Dark Corners, escrita pelos
Drs. B. G. Jefferis e J. L. Nichols, publicada em 1894, a qual
vendeu mais de um milhão de exemplares!

Redigidas com a serenidade própria de quem conhece todas as


fraquezas da carne e com a malícia do escritor travesso que pisca o
olho ao leitor, as Memórias sabem dosear com mestria aspectos
divertidos e descrição de aberrações sexuais tão repelentes como a
coprofilia e a necrofilia. Isto sempre com uma candidez extrema e
pondo as culpas em cima de Sade e de certas leituras que constituem
«verdadeiros venenos» ...

Que era assim, apercebeu-se já em 1927 o Dr. Paul Englisch, de


Estugarda, na sua História da Literatura Erótica: «Apesar das cenas
em que o erotismo não conhece limites, o livro não contém
nenhuma palavra grosseira e é, sem dúvida, a isso que deve atribuir-
se a sua popularidade, porque os vários processos judiciais não
conseguiram impedir as numerosas reedições.»

Os problemas bibliográficos relacionados com o livro foram só


referidos no intuito de proporcionar mais alguns atractivos de
leitura. Experimente, pois, o leitor descobrir resposta para estas
perguntas e outras que lhe ocorram: As Memórias foram escritas por
uma mulher? Por duas? Por um homem? Por dois? Ficou esquecida
alguma aberração sexual? O livro é tão cândido como pretende?

Mas talvez o melhor seja não pensar mais nisto e seguir, sem
preocupações, as aventuras e desventuras da virtuosa (musicalmente
falando) Pauline ...

JOÃO COSTA

**
Porquê dissimular-lhe alguma coisa? O senhor foi sempre um
amigo sincero e desinteressado. Nas situações mais difíceis da
minha vida, prestou-me serviços tão eminentes que posso bem
confiar-me a si completamente. O seu desejo, aliás, não me
surpreende. Nas nossas conversas de outros tempos, apercebi-me
muitas vezes da sua ânsia em perscrutar os recantos secretos que
animam as mulheres e as fazem agir de maneira a tal ponto
inexplicável que receiam mesmo os homens mais inteligentes.
As circunstâncias separaram-nos agora e provavelmente nunca
mais nos tornaremos a ver. Continuo a estar-lhe reconhecida por
ter-me acudido durante os meus infortúnios. Em tudo o que por
mim fez, o senhor nunca pensou no seu interesse próprio e apenas
se preocupou com o meu. Só de si dependia obter tudo de mim.
Conhecia o meu temperamento ardente e eu tinha um fraco pelo
senhor. Muitas vezes admirei o seu autodomínio porque as ocasiões
não lhe faltaram.
Sei que é tão sensível como eu neste ponto; muitas vezes sublinhou
a minha clarividência e repetiu que eu possuía mais bom-senso do
que a maioria das mulheres. Por certo o senhor estava bem
persuadido disso pois, de outro modo, não me pediria que lhe
comunicasse, sem desvios e sem falsa vergonha feminina, as
minhas experiências amorosas e a minha concepção do pensar e do
sentir da mulher no instante mais importante da sua vida: o amor e a
união com o homem.
O seu desejo, a princípio, atrapalhou-me imenso;
11 \i

porque, deixe-me começar esta confissão expondo uma feição bem


feminina e muito característica: nada é para nós mais difícil do que
ser inteiramente sinceras com um homem. Os costumes e os
constrangimentos sociais obrigam-nos, desde a juventude, a muita
prudência e não podemos ser francas sem corrermos perigo.
Quando reflecti bem no que o senhor me pedia, e sobretudo quando
me recordei de todas as qualidades do homem que se me dirigia, a
sua ideia divertiu-me.
Tentei, então, contar a mim própria algumas das minhas
experiências. Certas coisas que exigem uma sinceridade absoluta e
que, justamente, não estão nos nossos hábitos exprimir, ainda me
faziam hesitar. Mas impus-me a mim própria, pensando dar-lhe
prazer e deixei-me invadir pela lembrança das horas felizes que
saboreei. No fundo, apenas lamento uma só, aquela cujas
consequências catastróficas me fizeram recorrer à sua amizade para
não sucumbir.
Após esta primeira hesitação, senti um gozo violento ao relatar as
minhas aventuras, mesmo as mais escabrosas. O sangue agitava-se-
me nas veias com a recordação dos pormenores mais íntimos. Era
como que um sabor retardado das volúpias gozadas e de que não
sinto vergonha, como o senhor bem sabe.
As nossas relações foram tão familiares que me tornaria ridícula se
quisesse mostrar-me sob uma falsa luz; mas excepto o senhor e o
desgraçado que tão miseravelmente me enganou, ninguém me
conhece realmente. No fundo, sempre consegui dissimular a minha
íntima maneira de ser. Isso deve-se mais ao encadeamento das
circunstâncias estranhas da vida do que a mérito meu.
No círculo das minhas relações, tenho fama de mulher virtuosa e um
tanto frígida. Ora, poucas mulheres há que tanto tenham gozado com
o seu corpo até aos trinta e seis anos!

12

Mas para que serve este comprido prefácio? Envio-lhe o que escrevi
nos últimos dias: o senhor avaliará por si próprio se fui sincera ou
não. Procurei responder à sua primeira pergunta e pude convencer-
me da justeza da sua afirmação: que o carácter sexual forma-se
conforme as circunstâncias através das quais os mistérios do amor
lhe são revelados. Tal foi o meu caso.
Vou prosseguir estas confissões com zelo. Contudo, o senhor apenas
receberá a minha segunda carta quando tiver respondido à
primeira. Entretanto, esta forma equívoca de escrever diverte-me
muito mais do que teria imaginado. A nobreza do seu carácter
garante-me que não vai abusar da minha confiança. Que teria sido
de mim sem o senhor, sem a sua amizade e sem os seus preciosos
conselhos? Certamente um pobre ser miserável, solitário e
desonrado aos olhos do mundo; e depois, porquê encobri-lo,
também sei que me ama um pouco, apesar da sua frieza aparente e
do seu desinteresse. Creia-me sua, etc, etc, etc.

**
Dresde, 7 de Fevereiro de 1851

I \IPRIMEIRA PARTE

**
I

Os meus pais, gente de bem mas sem fortuna, deram-me uma


educação exemplar. Graças à vivacidade do meu carácter, à minha
grande facilidade em aprender e ao meu talento musical precoce,
eu era a menina mimada da casa, a favorita de todas as pessoas
nossas amigas.
O meu temperamento ainda não tinha falado. Aos treze anos,
algumas meninas puseram-me ao corrente da diferença entre o
sexo masculino e o feminino. Tinham-me convencido de que a
história da cegonha que traz as crianças era uma fábula e que
deviam passar-se coisas estranhas e misteriosas na altura do
casamento; mas eu só dedicara a estas conversas o interesse da
curiosidade. Os meus sentidos não tomaram qualquer parte nisso.
Apenas aos primeiros sinais da puberdade, quando um ligeiro tosão
encaracolado apareceu no sítio onde a minha mãe nunca tolerava a
nudez, nem quando me lavava, é que se misturou a esta curiosidade
um pouco de condescendência.
Quando ficava sozinha, examinava aquele inexplicável surto de
cabelinhos engraçados e os arredores do tal sítio precioso que eu
suspeitava ter uma grande importância, pois as pessoas ocultavam-
no e velavam-no com imenso cuidado. Ao levantar, quando me sabia
sozinha atrás das portas fechadas, dependurava um espelho,
colocava-o à minha frente e inclinava-o o suficiente para nele ver
tudo distintamente. Abria com os dedos o que a natureza tão
cuidadosamente engastou e compreendia cada vez menos o que as
minhas camaradas me haviam dito acerca da

17

maneira como se realiza a união mais íntima do homem e da mulher.


Verificava visualmente que tudo isso era impossível. Tinha visto
nas estátuas de que maneira diferente da nossa a natureza dotou o
homem. Examinava-me assim quando me lavava com água fria, nos
dias da semana, altura em que estava sozinha e nua; porque aos
domingos, na presença da minha mãe, tinha de ficar coberta das
ancas aos joelhos.
A minha atenção foi também, em breve, atraída pela redondeza
cada vez mais forte dos meus seios, pela forma cada vez mais cheia
das minhas ancas e das minhas coxas. Esta observação deu-me um
prazer incompreensível. Tornei-me sonhadora. Procurava explicar-
me, do modo mais barroco, o que não podia chegar a compreender.
Lembro-me muito bem de que, nessa época, nasceu a minha
vaidade. Foi também nesses tempos que à noite, na cama, me
admirava por surpreender a minha mão dirigir-se
inconscientemente para o meu baixo ventre e bricar com os
pelinhos nascentes. O calor da mão divertia-me; mas, então, não
suspeitava de tudo quanto dormitava ainda naquele sítio.
Habitualmente, apertava as coxas contra a mão e adormecia nessa
pose.
O meu pai era um homem severo e a minha mãe um exemplo de
virtude feminina e de boa educação. Por isso eu muito os honrava e
amava-os apaixonadamente. O meu pai nunca brincava e, comigo
presente, não dirigia nenhuma palavra terna a minha mãe; eram
ambos muito belos. O meu pai tinha cerca de quarenta anos, a
minha mãe trinta e quatro.
Nunca eu teria julgado que, sob um exterior tão sério e modos tão
dignos, se ocultava tanta sensualidade secreta e um tal apetite de
gozo. Um acaso revelou-mo.
Tinha eu catorze anos e seguia o ensino religioso para a minha
confirmação. Gostava do nosso pastor com um amor exaltado,
assim como todas as minhas companheiras. Notei muitas vezes,
depois, que o preceptor, e muito particularmente o preceptor
religioso, é o primeiro homem que deixa uma impressão durável no
espírito das raparigas. Se o seu sermão é seguido e se ele é um
homem bem visto na comuna, todas as suas jovens alunas se lhe
afeiçoam. Voltarei de novo a este ponto que se encontra na lista das
suas perguntas.
Tinha, pois, catorze anos e o meu corpo achava-se completamente
desenvolvido até ao problema essencial da mulher: a floração
periódica. O dia do aniversário do meu pai aproximava-se. A minha
mãe fez todos os preparativos com amor. De manhãzinha, já estava
ela vestida com fausto, porque o meu pai apreciava roupas vistosas.
Eu tinha escrito uma saudação, o senhor conhece o meu pequeno
talento poético; que isto fique entre nós: o pastor devia corrigir os
meus versos e eu arranjava assim um pretexto para ir a casa dele;
tinha colhido um grande ramo.
Os meus pais não faziam quarto comum. O meu pai trabalhava
muitas vezes até tarde pela noite fora e não queria incomodar a
minha mãe; era, pelo menos, o que ele dizia. Mais tarde, reconheci
nisso mais um sinal evidente da sua sábia maneira de viver. Os
esposos deveriam evitar tanto quanto possível a rotina diária. Todos
os cuidados que necessitam o levantar ou o deitar, o trajo caseiro e o
da noite são muitas vezes bastante ridículos, destroem imensos
encantos e a vida comum perde o seu atractivo. O meu pai nunca
dormia, portanto, no quarto
da minha mãe. Levantava-se habitualmente às sete horas.
No dia do seu aniversário, a minha mãe levantou-se às seis horas, a
fim de preparar as prendas e coroar com flores o retrato do meu
pai. Pelas sete horas, queixou-se que estava fatigada e disse que ia
deitar-se novamente até o esposo acordar.
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Sabe Deus de onde me ocorreu esta ideia, mas pensei que seria
muito gentil surpreender o meu papá no quarto da minha mamã e
apresentar-lhe aí os parabéns. Tinha-o ouvido tossir. Portanto, ele já
se tinha levantado e ia aparecer em breve. Enquanto a minha mãe
dava as últimas ordens à criada, eu enfiei-me no seu quarto e
escondi-me atrás da porta envidraçada de uma alcova que nos servia
de guarda-roupa. Orgulhosa e feliz do meu plano, suspendia a
respiração atrás da porta envidraçada, quando a minha mãe entrou.
Despiu-se rapidamente até à camisa, sentou-se no bidé preparado e
lavou-se cuidadosamente. Eu via pela primeira vez o seu corpo
esplêndido. Ela inclinou um grande espelho que estava ao pé da
cama, próximo do lavatório, e deitou-se, os olhos fixados na porta.
Compreendi então a indelicadeza que tinha cometido; gostaria de
fugir da alcova. Um pressentimento dizia-me que iam passar-se
diante dos meus olhos coisas que uma menina não deve ver.
Continha a respiração e toda eu tremia.
De súbito, a porta abriu-se e o meu pai entrou, vestido tal como
todas as manhãs com um elegante roupão. Mal a porta mexeu, a
minha mãe fechou imediatamente os olhos e fingiu dormir. O meu
pai acercou-se da cama e contemplou a esposa adormecida com a
expressão do maior amor. Depois, foi correr o ferrolho. Eu tremia
cada vez mais e teria desejado desaparecer debaixo do chão. O meu
pai retirou lestamente as ceroulas. Agora ficara em camisa por baixo
do roupão. Acercou-se da cama e ergueu com precaução a colcha
leve. Hoje sei bem que não era por puro acaso, como então
ingenuamente julgava, que a minha mãe ali estava, as coxas
completamente abertas, uma perna dobrada e a outra estendida. Eu
via pela primeira vez um outro corpo de mulher, em bela floração, e
pensava com vergonha no meu ainda tão verdinho. A camisa
achava-se arregaçada, nada ficara
oculto, um seio branco e redondo extravasava das rendas.
Conheci mais tarde muito poucas mulheres que ousassem
apresentar-se assim ao marido ou ao amante.
O meu pai bebia este espectáculo com os olhos. Depois inclinou-se
docemente sobre a adormecida, humedeceu o dedo na boca e levou-
a àquele ponto que a sua vista não podia abandonar. Passeava-o
delicadamente de cima para baixo. A minha mãe suspirava e,
depois, soergueu a outra perna e pôs-se a fazer estranhos
movimentos de ancas. O sangue subiu-me à cara; sentia vergonha,
quis desviar os olhos, mas não pude. Os movimentos de ancas
aceleravam-se, o meu pai humedeceu pela segunda vez o dedo e,
depois, enfiou-o tão profundamente que a sua mão parecia perder-se
debaixo do espesso tosão encaracolado. Neste instante, a minha
mãe abriu os olhos, como se acabasse de despertar em sobressalto e,
fechando violentamente as coxas sobre a mão agora cativa do meu
pai, disse com um profundo suspiro:
- Es tu, meu querido marido? Estava justamente a
sonhar contigo. Como me acordas de uma maneira agradável!
Muitos e muitos parabéns pelo teu aniversário!

- Os melhores parabéns já tu me deste


permitindo-me surpreender-te. Como estás bela hoje!
Devias ver-te!
- Mas também que ideia essa de me surpreenderes de improviso!
Ao menos, correste o ferrolho?
- Não tenhas receio. Mas se queres realmente ver--me feliz, abre de
novo as coxas. És tão fresca e perfumada como uma rosa cheia de
orvalho.
- Permito-te tudo, meu anjo. Mas não queres aguardar pela noite?
- Não te deverias ter exposto de um modo tão inebriante. Olha,
toca aqui e ficarás convencida de que não posso esperar mais!
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E caiu sobre ela, com beijos que nunca mais acabavam. Contudo, a
sua mão permanecia no mesmo sítio, mais amorosa e mais
acariciadora do que nunca, e vi a da minha mãe deslizar
furtivamente por debaixo do roupão do marido. Os beijos
tornavam-se mais ardentes. O meu pai beijava-lhe o pescoço, os
seios, chupava-lhe os bicos rosados; depois, desceu ainda mais
baixo, para fixar os beijos mesmo no centro de todas as graças
femininas. Quando a minha mãe sentiu este contacto, deitou-se
atravessada na cama. O meu pai ajoelhou-se. Afastou-lhe as coxas
com as duas mãos e os lábios não deixaram um só instante a fonte do
seu prazer. Como me voltava as costas, não podia ver o que fazia,
mas concluí das ligeiras exclamações de minha mãe que ela sentia
um prazer extraordinário. Os olhos afogavam-se, os seios tremiam,
as coxas estremeciam. Suspirava ofegante:
- Que delícias! Um pouco mais acima! Como és amável! ... Chupa,
chupa! Assim! Está quase! Oh!, por-que não posso eu beijar-te
também? Céus! Um pouco mais abaixo, com a língua! Mais
depressa! Ah! Ah! Estou a vir-me! Eu... ah... pára! É demais!
Que volúpia! Ah ... Ah! Morro!
Cada uma das suas palavras fixou-se-me na memória. Quantas vezes
as repeti em pensamento! O que elas me fizeram reflectir e sonhar!
Parece-me ouvi-las ainda a soar-me aos ouvidos. O que também
ouvi foi um pequeno vento... Creio que foi a minha mãe quem o
largou.
Houve um momento de pausa. A minha mãe permanecia imóvel, de
olhos fechados, o corpo descontraído, as coxas a repousar na borda
da cama. Já não tinha diante de mim um pai severo nem uma mãe
virtuosa e digna. Via um casal de seres, que não respeitava nenhuma
convenção, lançar-se, alucinado, inebriado, num gozo ardente que
eu não conhecia. O meu pai permaneceu um instante imóvel, depois
sentou-se na borda da cama. Os seus olhos ardentes tinham uma
expressão selvagem, não podiam desviar-se do ponto que
cobiçavam. A minha mãe estremecia voluptuosamente. Durante
este espectáculo faltou-me o ar. Quase sufoquei, com o coração a
bater muito forte. Mil pensamentos passaram-me pela cabeça, e
sentia-me muito inquieta, porque não sabia como deixar o
esconderijo sem ser vista. A minha incerteza não durou muito
porque o que acabava de ver não passava de um prelúdio. Graças à
continuação, eu devia aprender o suficiente numa única vez para
nunca mais precisar de lições.
O meu pai tinha-se sentado ao lado da minha mãe, agora estendida.
Voltava-me o rosto. Devia sentir calor porque, de súbito, retirou a
camisa e o roupão. Assim, vi subitamente o que, nas histórias das
minhas amigas, mais me tinha feito reflectir.
Quase chorei, tanto a curiosidade me excitava. Como aquilo era
diferente do dos rapazinhos e das estátuas. Lembro-me muito bem
de que senti medo e de que, mesmo assim, um arrepio delicioso me
escorreu pelas costas. O meu pai continuava a fixar a vista na
esposa; com uma mão parecia amansar o seu membro rebelde,
porque o acariciava devagarinho e vi que lhe desnudou a ponta. Eu
tremia cada vez mais e, como se me fosse acontecer alguma coisa,
crispava violentamente as coxas.
Sabia já, pelas confidências das minhas amigas, que estas duas
partes, expostas pela primeira vez à minha vista, pertenciam uma à
outra. Mas como era isso possível. Não podia compreender, porque
me parecia que a sua grandeza era desproporcionada. Após uma
pausa de alguns instantes, o meu pai pegou na mão inanimada da
minha mãe e levou-a até ao que me atraía irresistivelmente a vista.
Quando ela sentiu o que ele lhe metia na mão, abriu os olhos, sorriu
satisfeita e lançou-se com

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uma tal paixão sobre os lábios de meu pai que logo compreendi só
ter assistido aos preliminares inocentes do que ia passar-se. Não
falavam mas, após terem trocado os beijos mais ardentes, numa
altura em que a mão do meu pai continuava entre as coxas de minha
mãe, e a mão da minha mãe entre as pernas de meu pai,
desnudaram-se completamente.
Depois, a minha mãe deitou-se sobre um monte de almofadas que
lhe soerguiam as ancas e notei que se agitava de um lado para o
outro; por fim, deu com a posição mais favorável para poder
contemplar-se à vontade no espelho que colocara aos pés da cama
antes da chegada do esposo. Ele não deu por nada, porque fitava
menos o belo rosto radiante da minha mãe do que as suas coxas.
Estas achavam-se agora muito afastadas, e o meu pai ajoelhou-se
entre elas. Eu via tudo distintamente. Pensava que os meus olhos
iam rebentar, tanto a curiosidade os dilatava. A minha mãe pegou
então na orgulhosa lança do marido, dirigiu-a para aquela fenda
maravilhosa, humedeceu-a com saliva, depois esfregou-a várias
vezes de alto a baixo na fenda e suspirou. Em seguida, disse:
- Devagarinho, meu querido, para gozarmos juntos. O primeiro
jacto foi tão abundante que o segundo não aparecerá em breve. Não
me abandones no caminho!
Eu, pobre menina ignorante, que podia compreender do que a
minha mãe dizia? Vi o membro do meu pai desaparecer no seu
regaço. Em vez de gritar de dor, como eu esperava, os olhos de
minha mãe brilhavam de volúpia. Cruzou as duas pernas sobre os
rins do esposo para enfiá-lo ainda mais profundamente. Os seus
olhos ardentes acompanhavam no espelho todos os movimentos. Os
mil sentimentos que me agitavam então não me permitiram avaliar
que estes dois corpos enlaçados eram muito belos. Sei agora que
uma tal beleza é extremamente rara.
Quando o meu pai a penetrou completamente, após alguns
instantes de imobilidade, a minha mãe afrouxou um pouco o abraço
das coxas. Ele então endireitou-se, tirou para fora a flecha
esbraseada e vermelha e tornou a mergulhá-la até à raiz. A minha
mãe ondulava as ancas e vinha ao seu encontro. A cada empurrão, a
sua volúpia aumentava. Infelizmente, não via a cara de meu pai;
mas, pelos seus movimentos cada vez mais desenfreados, sentia bem
que era invadido pelo inebriamento. Não falava, agia. A minha
mãe, pelo contrário, proferia palavras incoerentes, mas que, mesmo
assim, me permitiam captar o que se passava entre eles:
- Aí, mais fundo, meu único amor! Vai até ao fundo. Não! Mais
devagar! Ah! Como hoje estás forte! Estás a vir-te? Sinto-me toda
húmida do primeiro jacto e isso deve dar-te prazer! Agora mais
depressa! Aí! Oh! É bom! Tu ainda nada, hein? Vai até ao fundo!
Ah! Ah! Que pena, tu já te vieste e eu não estou pronta! Que
efusão! Senti esse jacto ardente mesmo no coração!
O meu pai continuava a não dizer nada. Os seus movimentos
tinham-se acelerado. Parecia ter perdido todo o comedimento.
Não havia o mínimo intervalo entre a entrada e a saída.
Contorsões agitaram-lhe o corpo. Ofegava, tremia, as coxas tinham
sobressaltos nervosos. Por fim, enfiou-se tão profundamente que se
abateu sobre a minha mãe, imóvel, como que morto, a cabeça
perdida na vaga dos seios. Depois virou-se, esgotado, de lado. A
minha mãe pegou numa toalha de mão e, enquanto se limpava, tive
tempo de notar a mudança que se produzia em ambos. O que fora
tão grosso, tão vermelho e tão ameaçador no meu pai estava agora
muito pequenino, quieto, minúsculo; a ponta achava-se coberta
com uma espuma esbranquiçada que a minha mãe enxugava. Mas o
que fora bem fechado e quase invisível na minha mãe, estava
largamente aberto, aparente, es-

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esbraseado, vermelho. Escorria dali uma espuma esbranquiçada que


parecia ter obstruído toda a caverna; e eu, pobre parvinha, não
compreendia de onde aquilo podia provir. A minha mãe foi buscar
água, lavou primeiro o meu pai com muita ternura, depois encheu
uma pequena seringa de bico recurvo, introduziu-a dentro de si e
lavou-se a fundo.
Enfim, voltou a deitar-se ao lado de meu pai, imóvel e sonhador.
Tinha agora um ar satisfeito; a minha mãe, não. Parecia presa da
mesma excitação que se apossara dele, quando a beijava entre as
coxas. Enquanto se arranjava, ela tinha erguido como que por acaso
o espelho, e o meu pai, que se encontrava agora no seu lugar, sobre
a almofada, não podia ver a imagem que tanto lhe agradara. Eu
seguira a cena com tanta atenção que este pequeno gesto não me
escapou, mas não mo expliquei senão muito mais tarde. Julgava
que agora estava tudo terminado. Os meus sentidos achavam-se
violentamente agitados e quase me causavam dor. Pensava, enfim,
escapar-me sem trair a minha presença, mas ainda devia ver uma
coisa. Sentada a seus pés, a minha mãe inclinou-se para o esposo,
abraçou-o e perguntou-lhe ternamente:

- És feliz?

- Mais do que nunca, mulher adorada. Lamento


apenas que não tenhas terminado comigo. Estava demasiadamente
excitado, não podia conter-me. Aquilo escorria como um repuxo.

- Mas isso não tem importância. No teu aniversário, só procuro o


teu prazer. Aliás, tive um gozo divino na primeira vez.
Dizendo isto, inclinou-se para ele e pôs-se a beijá-lo no sítio que
ele tanto adorara nela. Agora, eu via melhor tudo o que se passava.
Ao princípio, só beijava o exterior, acariciava-o, aconchegava-o,
mas depois meteu a ponta na boca e espasmos crisparam o rosto do
meu pai que, com a mão direita, lhe beliscou os seios. Em breve a
levou ao meio das coxas voluptuosas, que se abriram
imediatamente, a fim de permitir-lhe toda a liberdade. Eu via o
dedo brincar com a fenda, depois descer lenta-mente e penetrar por
completo, enquanto a boca dela se mostrava cada vez mais ávida.
Por fim, ó maravilha!, as suas carícias ressuscitaram o pequeno ser
encantador, que se endireitou e retomou a forma sob a qual me
tinha aparecido de entrada. A minha mãe alcançara os seus fins, os
olhos relampejavam de avidez e, como o meu pai permanecia
imóvel, visivelmente satisfeito com a ocupação atraente da sua mão,
a minha mãe escarranchou-se de súbito nele. O corpo do meu pai
achava-se entre as suas coxas bem abertas. O acaso dispusera tudo a
meu favor. Via esta cena em duplicado: uma vez no leito, cujos pés
me ficavam em frente; a outra vez, por detrás, no espelho. O que
até agora eu só em parte pudera distinguir, via-o em cheio, tão
distintamente como se participasse. Jamais olvidarei tal
espectáculo. Era o mais belo que podia desejar. Muito mais belo do
que todos aqueles que em seguida saboreei. Os dois esposos
estavam de plena saúde, fortes e sobreexcitados. A minha mãe era
agora activa, enquanto o meu pai estava muito mais calmo do que
antes. Abraçava as ancas arredondadas e brancas, deixava penetrar
um dedo no buraco traseiro, buraco escuro, pregueado e rodeado de
pêlos, tomava os bicos dos seios entre os lábios, chupava-os
quando a minha mãe se inclinava demais, mas o seu baixo ventre
mantinha-se quase imóvel. A minha mãe, pelo contrário, estava
excitada e aplicava-se com uma vivacidade extraordinária. Com a
mão dirigiu a lança ameaçadora para a abertura e deixou-se cair em
cima, absorvendo-a até à raiz.
Tudo o que eu vira precedentemente tinha-me cons-

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consternado e metido medo. Agora invadiam-me outros


sentimentos. Estava perturbada, agitada de uma maneira
incompreensível e muito suave. Se não receasse amarrotar os
vestidos, teria levado imediatamente a mão ao sítio onde a minha
mãe parecia sentir uma volúpia extraordinária. Ela tinha olvidado
tudo; aquela mulher séria e grave não passava agora de uma
gozadora desenfreada. Um tal espectáculo era indescritível. Os
membros robustos do meu pai, as formas redondas, brancas e
deslumbrantes da minha mãe e, sobretudo, as partes tão
infinitamente unidas, que se agitavam como se todas as forças vitais
daqueles dois seres venturosos se houvessem concentrado nelas!
Quando a minha mãe se endireitava, eu via os lábios da fenda
separarem-se com mágoa do ceptro da potência viril que,
estreitamente encerrado nela, ora penetrava até ao mais profundo,
ora se mostrava nu para desaparecer muito depressa.
Agora, a minha mãe calara-se. Ambos pareciam gozar com a mesma
intensidade. Ambos aceleravam os movimentos. Os seus olhos
afogaram-se no mesmo instante. E, no momento do êxtase
supremo, o meu pai deu subitamente um grande impulso de baixo
para cima como que para penetrar por inteiro naquele arrebatador
retiro, ao passo que a minha mãe, afastando ainda mais as coxas,
empurrava de cima para baixo, como que para absorver tudo
dentro dela. O meu pai gritou:

- Cá está, cá está! Estou a vir-me! Ó céus!

- E no mesmo instante, a minha mãe:

- Pronto, pronto! Que fonte mais meiga!


O seu arrebatamento durou um bom minuto, depois deixaram-se
cair enlaçados em cima da cama e subiram a coberta para não
apanharem frio, de tal modo que o espectáculo dos seus corpos me
foi roubado.
Sentia-me como que petrificada. Os dois seres por quem nutrira,
até ali, tanto amor e respeito acabavam de revelar-me coisas sobre
as quais as meninas criam ideias absurdas. Haviam rejeitado toda a
dignidade. Acabavam de ensinar-me que as pessoas, por detrás do
biombo exterior dos bons costumes, apenas buscam o gozo e a
volúpia. Mas não quero fazer-lhe filosofia, quero antes contar-lhe
tudo.
Durante dez minutos, ficaram como mortos debaixo dos lençóis.
Depois levantaram-se, o meu pai deu duas ou três palmadas nas
belas nádegas da esposa, vestiram --se e deixaram o quarto. Sabia
que a minha mãe ia levar o meu pai para a sala onde as prendas se
achavam expostas. Essa sala abria para a varanda que dava para o
jardim.
Ao cabo de alguns minutos, abandonei furtivamente o meu
esconderijo e escapei-me para o jardim, de onde cumprimentei os
meus pais. Não sei como pude recitar a minha poesia e apresentar os
parabéns. O meu pai levou a minha perturbação à conta de
enternecimento. Todavia, não ousava encará-los, pois não podia
esquecer o espectáculo que acabavam de oferecer-me; a imagem dos
seus folguedos achava-se diante dos meus olhos. O meu pai beijou-
me, depois a minha mãe. Que outra espécie de beijos eram estes!
Sentia-me tão perturbada e tão confusa que os meus pais, por fim,
deram por isso. Morria de impaciência e só desejava voltar ao meu
quarto para ficar sozinha, aprofundar o que acabava de conhecer e
entregar-me, enfim, a experiências pessoais. A minha cabeça estava
em fogo, o sangue latejava-me nas artérias.
A minha mãe julgou que eu me tivesse apertado demais ao vestir.
Enviou-me para o quarto. Tinha uma bela ocasião para despir-me e
fi-lo com uma tal pressa que quase rasguei a roupa. Como o meu
corpo magro era feio em comparação com a beleza abundante de
minha mãe! Mal começara a arredondar-se em mim o que nela se
achava desabrochado. O tosão púbico não passava de um ligeiro
musgo. Tentei com a mão o que o meu pai tinha

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feito. Esfregava à esquerda, à direita, de cima para baixo, afastava o


mais possível os lábios da entrada, mas era-me impossível enfiar um
dedo sem sentir dores violentas. Todavia, quando o meu dedo
húmido de saliva esfregava devagarinho em cima, próximo da
entrada, tinha sensações muito agradáveis. Mas não podia
compreender como é que elas desencadeavam um tal delírio a ponto
de fazer perder as estribeiras. Concluí ainda que não se podia
alcançar esta suprema volúpia a não ser com o concurso de um
homem. Comparei o preceptor religioso com o meu pai. Era ele tão
ardente, tão voluptuoso, tão louco a sós com uma mulher? Seria
asssim comigo se eu me dispusesse a fazer tudo o que a minha mãe
fizera? E não podia olvidar aquela imagem, bela entre todas,
quando a minha mãe, para reanimar com as suas carícias o membro
viril, o tomara na boca, o beijara tão demoradamente que ele se
tinha endireitado, vigoroso, para desaparecer logo de seguida
dentro dela.
Em menos de uma hora, tinha vivido dez anos. Quando vi que
todas as minhas tentativas eram vãs, abandonei-as, fatigada, e pus-
me a reflectir no que ia empreender. Eu era já muito ordenada,
mantinha um diário em que anotava as pequenas despesas e todas as
observações. Assim, anotei imediatamente as palavras ouvidas mas
por prudência, em diferentes papéis, para que ninguém
compreendesse essas frases soltas. Depois, pus-me a reflectir no que
tinha visto e a imaginar projectos quiméricos.
Em primeiro lugar: a minha mãe fingira que estava a dormir e, pela
sua pose provocante, tinha obrigado o meu pai a satisfazer o seu
desejo. Com muito cuidado, escondera o seu desejo ao esposo.
Queria fingir condescendência cedendo ao seu prazer. Depois, havia
também disposto o espelho para gozar duplamente e às escondidas.
O que eu própria vira no espelho tinha-me também causado mais
prazer do que a simples realidade. Via nele distintamente coisas que,
sem isso, me teriam ficado ocultas. Todos estes preparativos fizera-
os ela sem o esposo saber. Não queria, portanto, confessar-lhe que
gozava mais do que ele, tinha-lhe mesmo perguntado se não queria
esperar pela noite, ela que preparara tudo para satisfazer
imediatamente o seu desejo!
Em segundo lugar: ambos tinham murmurado: «Estou a vir-me!
Estou a vir-me!» Haviam também falado de um jacto e, no
momento do êxtase, tinham gritado simultaneamente. De que
falavam eles? Não chegava a compreender. Não posso dizer-lhe
todas as explicações estúpidas que então inventei. É espantoso que,
apesar da sua astúcia natural, as meninas procurem tanto tempo
nas trevas e que só muito raramente descubram as explicações mais
simples e mais naturais.
Era evidente que os beijos e as carícias não eram o principal; não
passavam de excitantes, embora a minha mãe sentisse então a
volúpia mais forte. As carícias do meu pai tinham-na feito gritar:
«Mais fundo!» Desejava provavelmente que a língua do esposo a
penetrasse o mais completamente possível.
Em suma, tinha tantos pensamentos que não pude acalmar-me
durante todo o dia. Não queria interrogar ninguém. Já que os meus
pais faziam estas coisas às escondidas, elas deviam ser proibidas.
Apareceram muitas visitas durante o dia e, à tarde, chegou o meu
tio. Era acompanhado pela mulher, pela minha prima, uma menina
de dezasseis anos, e por uma governanta da Suíça francesa.
Passaram a noite em nossa casa, porque o meu tio tinha que fazer
na cidade no dia seguinte.
A minha prima e a governanta partilharam o meu quarto. A minha
prima devia dormir comigo. Eu teria preferido partilhar o leito com
a governanta, para quem se armou uma cama desmontável. Ela
tinha cerca de

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vinte oito anos, era muito viva e sempre com respostas na ponta da
língua. Sem dúvida, teria podido ensinar-me muitas coisas. Não
sabia como apanhá-la, porque era muito severa para com a minha
prima; mas teria podido contar com a intimidade da noite e com o
acaso. Forjei mil planos. Quando subimos para o nosso quarto,
Marguerite (era assim que se chamava a governanta) já se
encontrava lá. Havia posto um biombo entre as nossas camas.
Incitou-nos a deitar depressa, fez-nos recitar a nossa oração, deu-
nos as boas-noites, recomendou-nos que adormecêssemos logo e
levou o candeeiro para o seu lado. Teria podido dispensar-se de
fazer estas recomendações à minha prima, que adormeceu de
seguida mal se apanhou debaixo dos lençóis. Mas eu não conseguia
adormecer. Misturavam-se-me na cabeça milhares de pensamentos.
Ouvia Marguerite agitar-se, despir-se e fazer as suas lavagens
nocturnas. Um fraco raio de luz filtrava-se por um buraco da
grossura de uma cabeça de alfinete. Debrucei-me para fora da cama
e alarguei-o com um gancho de cabeça. Colei nele um olho:
Marguerite estava justamente a mudar de camisa.
O seu corpo não era tão belo como o de minha mãe; as suas formas
eram, no entanto, redondas e plenas, os seios pequenos e firmes, as
coxas bem feitas. Contemplava-a apenas há alguns instantes,
quando ela ergueu a camisa. Tirou um livro da sacola posta em
cima da mesa, sentou-se na borda da cama e pôs-se a ler. Logo de
seguida, levantou-se e passou com o candeeiro para o nosso lado a
fim de ver se estávamos a dormir. Fechei os olhos com toda a força
e só os tornei a abrir quando a governanta se sentou numa cadeira.
Contemplei-a através da ranhura. Marguerite lia com muita
atenção. O livro devia contar coisas especiais, porque os seus olhos
brilhavam, as faces enrubesciam, o peito agitava-se e, de súbito,
pôs a mão direita debaixo
da camisa, apoiou os pés na borda da cama e começou a ler ainda
com mais atenção e prazer. Eu não via o que a mão estava a fazer
debaixo da camisa, mas pensei imediatamente no que tinha visto de
manhã. Por vezes, parecia brincar com os dedos nos pêlos, depois
apertava as coxas e agitava-se na cadeira. Sentia-me tão interessada
por esta brincadeira que não reparei logo num candeeiro a álcool
posto em cima da mesa. Estava aceso e aquecia-se nele um líquido
fumegante . Ela devia tê-lo acendido antes da minha entrada no
quarto. Mergulhou um dedo no líquido para ver se estava quente.
Quando o retirou, vi que era leite. Depois tirou da sacola um pacote
de roupa interior, abriu-o, desembalou um instrumento estranho,
cuja utilização eu não podia compreender. Era escuro e possuía
quase a mesma forma daquela parte do meu pai que eu tinha
observado de manhã pela primeira vez. Muito ingénua, eu ainda
não vira um godemiché. Ela mergulhou-o no leite e depois levou-o
à cara para se certificar se o instrumento estava suficientemente
aquecido. Por fim, tornou a mergulhar a ponta no leite, comprimiu
as duas bolas na outra ponta e encheu o instrumento com leite
quente. Tornou a sentar-se, pôs as pernas em cima da cama, mesmo
à minha frente, de tal modo que podia ver em cheio o entre-pernas,
e ergueu a camisa.
Voltou a pegar no livro com a mão esquerda (eu mal tivera tempo
de entrever algumas imagens, sem distinguir, no entanto, o que elas
representavam), agarrou no instrumento com a direita e levou a
ponta até àquela parte admirável, que eu também agarrava a mãos
ambas debaixo da camisa. Passeou-o lentamente de cima para baixo
e esfregou muito devagarinho um certo sítio mais sensível. Os olhos
luziam-lhe, pareciam absorver as imagens do livro. Enfim, deu com
a entrada e enfiou lenta-mente todo o tronco. As coxas tinham-se
afastado ainda

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mais, o baixo ventre avançava ao encontro, oferecia-se e Marguerite


suspirava deliciosamente. Enfiou o instrumento o mais fundo que
lhe foi possível, as duas bolas ocultaram-se no tosão. Depois tornou
a retirá-lo com a mesma precaução, e repetia agora esta carícia com
cada vez maior arrebatamento febril até o livro cair por terra.
Fechava os olhos e esfregava os lábios com o dedo. Os movimentos
do instrumento precipitavam-se. O corpo tornava-se lasso. Mordia
violentamente os lábios, como que para sufocar um grito que a
teria traído. Aproximava-se o instante supremo. Comprimiu as
bolas com as duas mãos, o leite inundou-a interiormente. Fechou
as coxas sobre o instrumento enfiado e permaneceu imóvel,
profundamente agitada. Por fim, as coxas abriram-se. Retirou o
instrumento coberto de espuma. Brotou uma onda de leite que
recebeu na roupa interior. Enxugou tudo muito cuidadosamente,
empacotou o ins-trumento na sacola e veio mais uma vez ver se
estávamos a dormir. Depois deitou-se e adormeceu logo, o rosto
feliz e satisfeito.
Eu não conseguia adormecer. Estava contente por ter a solução de
certos enigmas que, desde a manhã, se me agitavam na cabeça.
No fundo, sentia-me exasperada. Resolvi interrogar Marguerite.
Ela devia resolver o meu problema, esclarecer-me, ajudar-me.
Forjei mil planos. A minha próxima carta dir-lhe-á de que maneira
os executei.
Fui bastante franca?
**
II
Marguerite era a minha última esperança. Teria preferido passar já
para o seu lado e deitar-me na sua cama. Ter-lhe-ia suplicado, tê-la-
ia ameaçado; ela deveria confessar-me tudo e explicar-me as coisas
estranhas, proibidas e excitantes que conheci hoje. Ter-me-ia
ensinado a imitá-las, o que eu tão fortemente ansiava. Possuía já
esta razão fria e este espírito prático que me evitaram mais tarde
muitas situações desagradáveis. Um acaso podia trair-me e podia
ser surpreendida tal como tinha surpreendido os meus pais. Sentia
que se tratava de coisas proibidas; queria tomar as minhas
precauções. Estava em felgas. O pequeno sítio rebelde ao fundo
fazia-me cócegas e causava-me picadas. Abracei estreitamente os
almofadões e, quando tomei a resolução de acompanhar o meu tio
ao campo para achar ocasião de falar com Marguerite, adormeci.
Não tive dificuldade em fazer aceitar o meu plano. Os meus pais
permitiram-me que fosse passar oito dias ao campo. A propriedade
do meu tio ficava a algumas léguas da cidade e partimos depois do
jantar1. Durante todo o dia, fui o mais condescendente e amável
possível. Marguerite parecia ver-me com prazer. A minha priminha
era-me indiferente e o meu primo parecia muito tímido. Como era
o único jovem com quem eu podia conviver sem levantar suspeitas,
pensara primeiro em dirigir-me a ele. Teria podido explicar-me
todos os

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(1)Nesta época, o jantar acontecia por volta das três horas
da tarde. (N. T.)

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enigmas que me atormentavam desde que me escondera na alcova.


Fazia-me muito amável, mesmo provocante, mas ele continuava a
evitar-me. Era pálido e magro, os olhos inquietos e perturbados.
Desagradava-lhe quando eu o tocava para o serrazinar. Depressa
soube a razão desta conduta tanto mais estranha quanto era certo
que todos os jovens que eu conhecia na sociedade cortejavam as
donzelas.
Chegámos à propriedade do meu tio cerca das oito horas da noite.
Fazia muito calor. Cansados da estrada, apressámo-nos a subir para
os nossos quartos a fim de nos arranjarmos um pouco. Tomámos o
chá. Muito ingenuamente, arranjei-me de forma a ficar no quarto
da governanta. Invoquei ter medo de dormir sozinha num quarto
que não conhecia. Acharam isto muito natural. Tinha imposto a
minha vontade, sentia-me contente, convencida de que ia
conseguir também tudo o resto de harmonia com os meus planos.
Contudo, não devia ir para a cama sem ter mais uma aventura nesse
dia. Ainda hoje, não posso contá-la sem mágoa.
Depois do chá, quis satisfazer uma necessidade natural. As privadas
eram duplas. Havia duas portas contíguas. Os dois locais estavam
separados por tábuas, algumas delas muito largamente fendidas. Ia
eu justamente sair, quando ouvi aproximar-se alguém. Entraram na
privada do lado. Aferrolharam a porta. Não queria sair antes de a
outra pessoa se afastar. Por curiosidade, e sem segundo
pensamento, espreitei por uma fenda. Vi o meu primo. Ocupava-se
de coisa bem diferente do que eu julgava. Tinha-se sentado, de
pernas esticadas, e colocara duas mãos no sítio onde o meu pai
havia levado muitas vezes as suas enquanto abraçava a esposa.
Procurava despertar a sua letargia com muito ânimo e vi que a
coisa em breve adquiria nas suas mãos uma outra forma.
Humedeceu-a com saliva e ela começou a inchar e a engrossar sem
descanso. Os olhos tão frios animaram-se a pouco e pouco. Vi-o
estremecer, crispar os lábios e um jacto de espuma branca brotou de
repente daquele membro, enigmático para mim, saiu pesadamente
de uma pequena abertura e escorreu ao longo do tronco para cima
da mão, agora imóvel e fatigada.
Este espectáculo explicava-me muitas coisas, particularmente tudo o
que os meus pais haviam dito sobre «um jacto». Tudo isto me
repugnou extraordinariamente. Todavia, durante o espectáculo, um
nervosismo crescente misturara-se à minha curiosidade. Mas
agora, vendo a prostração e o abatimento daquele jovem, o seu
pecado secreto enojava-me. Os olhos estavam fixos e torvos. O meu
pai e a minha mãe eram belos quando exclamavam: «Estou a vir-
me!»; o meu primo, pelo contrário, era feio, grotesco, parecia
murcho. Compreendia muito bem o que Marguerite fazia, porque
uma rapariga é sempre forçada a entregar-se secretamente aos seus
sentimentos e aos seus gozos. Aliás, ela fizera-o com entusiasmo,
com vivacidade e paixão; o meu primo, pelo contrário, tinha-se
entregado maquinalmente, sem poesia, baixa e animalescamente. O
que podia levar um jovem são e robusto a dar-se a uma paixão tão
miserável, quando junto de tantas mulheres e raparigas teria podido
satisfazer-se muito mais facilmente?
Sentia-me como que ofendida pessoalmente, frustrada de qualquer
coisa. Se com um pouco de jeito ele se tivesse dirigido a mim, ter-
lhe-ia provavelmente feito tudo o que a minha mãe fizera ao
esposo.
Aprendera muitas coisas. Extraí delas conclusões justas- Já não
precisava da incitação de Marguerite para ficar completamente
esclarecida. Queria absolutamente saber Por que se ocultavam tão
cuidadosamente estas coisas; quena saber o que era perigoso, o
que era proibido e

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37

queria eu própria saborear estas volúpias cujos esplendores


vislumbrara.
A noite caía. Uma trovoada pesada preparava-se. Às dez horas,
primeiro trovão, fomos todos para a cama. A minha priminha
deitava-se no quarto dos pais; eu ficara, portanto, sozinha com
Marguerite. Observei muito atentamente tudo o que ela fazia.
Aferrolhou a porta, abriu a sacola e meteu os seus utensílios num
armário. Ocultou o embrulho misterioso debaixo de uma pilha de
roupa interior, assim como o livro que eu lhe vira ler. Resolvi logo
aproveitar a minha estada no campo para travar conhecimento com
estes objectos e estudá-los cuidadosamente. Marguerite devia
contar-me tudo sem eu precisar de ameaçá-la com a revelação das
suas alegrias secretas. Sentia-me muito orgulhosa por sentir que a
minha artimanha ia surpreendê-la, convencê-la, seduzi--la; que ia
obrigá-la a confessar-me tudo. A minha curiosidade crescia e, não
sei porquê, saboreava um prazer especial.
A trovoada rebentou. Os trovões sucediam-se sem interrupção.
Simulei ter medo. Mal Marguerite acabara de deitar-se quando, ao
primeiro relâmpago, saltei para fora da cama e refugiei-me, muito
trémula, junto dela. Supliquei-lhe que me acolhesse, disse-lhe que
a minha mãe fazia assim sempre que havia trovoadas. Admitiu--me
na sua cama e acariciou-me para tranquilizar-me. Mantinha-me
abraçada a ela, apertava-a com todas as minhas forças. Cada vez
que havia um relâmpago, aconchegava-me mais. Marguerite
abraçava-me maquinalmente por bondade e não como eu teria
desejado. Não sabia como agir para obter mais.
O calor do seu corpo penetrava-me e reconfortava-me imenso.
Escondi a cara entre os seus seios. Um arrepio desconhecido corria-
me ao longo dos membros. Contudo, não ousava tocar no que tanto
desejava. Achava-me
pronta para o que desse e viesse, mas já não sentia nenhuma
coragem, agora que tudo ia realizar-se. De repente, lembrei-me de
queixar-me de uma dor que se fixara entre as coxas. Não sabia o que
poderia ser. Gemia. Marguerite apalpou-me, e guiei a sua mão de
um lado para o outro. Garanti-lhe que a dor diminuía quando
sentia o calor da mão e que desaparecia por completo quando me
friccionava. Dizia isto tão candidamente que Marguerite não podia
adivinhar os meus desígnios. Os seus contactos eram, aliás,
demasiado dóceis e não apaixonados. Abraçava-a, apertava-me
contra ela, os meus braços envolviam-na, aprisionavam-lhe a mão e,
apouco e pouco, senti que outros sentimentos a invadiam.
A sua mão cobria por inteiro o local decisivo. Os dedos entreabriam
com precaução os jovens lábios e buscavam a entrada ainda fechada.
Marguerite fazia isto ainda com muita hesitação. Estava tão receosa
como eu. As carícias timoratas causavam-me, no entanto, um prazer
indizível. Sentia que, também nela, despertavam os desejos. Mas
precavi-me de confessar-lhe que as suas carícias me faziam melhor
do que o alívio passageiro das minhas pretensas dores. E, na
verdade, era uma sensação bem diferente a de saber que uma mão
estranha estava naquele sítio.
E quando o seu dedo roçou pela pequenina cabeça pubescente e
sensível, estremeci demoradamente. Disse-lhe logo que a minha
dor era ali, que devia ter apanhado frio, pois sentia imensas dores!
Dava-lhe, evidentemente, prazer poder aliviar-me as dores com os
edos. A sua carícia tornara-se esquisitamente meiga. Agora descia,
atardava-se cada vez mais no sítio sensível : tentava entrar. Mas
isso fazia-me doer realmente; quando eu estremecia, ela voltava
muito depressa ao ponto das delícias. Excitava-se manifestamente,
a sua ternura aumentava, o seu abraço era mais estreito. Puxou

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as nossas camisas para cima o mais possível. Os nossos corpos


tocavam-se por inteiro. Havia alcançado o meu objectivo! Embora
o expediente não fosse muito engenhoso, ela lastimou-se, de súbito,
de uma dor no mesmo sítio. Também devia ter, provavelmente,
apanhado frio. Propus-me aliviá-la com a minha mão. Era muito
natural, pois a sua fizera-me bem. Abriu as coxas e deixou-me livre
o caminho. Sentia-me muito orgulhosa por ver a minha esperteza
triunfar. Não obstante, acariciei desajeitada e timidamente o
objecto de todos os meus desejos. Não queria trair-me. Reconheci
de imediato uma diferença muito grande. Era tudo muito maior e
mais maduro do que em mim. A minha mão não se mexia;
contentava-se em ficar ali.
Margueite não podia suportar esta imobilização. Soerguia-se, torcia-
se; as suas coxas tremiam, agitavam--se estranhamente e, de súbito,
declarou-me que a sua dor era muito mais ao fundo.
Complacentemente, mas sem me apressar muito, tratei de apaziguar
a dor incomodativa. O meu indicador procurou o sítio o mais
profundamente possível. Senti um grande prazer ao reconhecer
todos os pormenores da admirável estrutura desta abertura. Mas
continuava tão desajeitada e tão inexperiente que Marguerite devia
agitar-se para colher o fruto da sua dissimulação. Era o que ela
também fazia, e a minha mão desempenhava agora o papel que o
meu pai representara quando a minha mãe o tinha cavalgado.
Marguerite aproximava-se ofegante e trémula, lançava--se
apaixonadamente sobre a minha mão, os meus dedos desapareciam
até à raiz. Ao princípio, o interior estava húmido e viscoso; em
breve ficou ardente e seco. Agora ela soltava gritinhos inarticulados
e a minha mão ficou, de repente, inundada por um líquido muito
quente. Compreendi que era o mesmo que o meu primo havia
ejaculado. A sua excitação acalmou-se logo de seguida e estendeu-
se, imóvel, ao meu lado.
Tinha-me corrido tudo bem. O acaso e a minha esperteza haviam-
me sido propícios. Queria levar esta intimidade até ao fim, custasse
o que custasse.
Quando Marguerite voltou a si, mostrou-se muito envergonhada.
Não sabia como explicar-me a sua conduta e escondeu-me a sua
volúpia. A minha imobilidade iludira-a. Pensava que eu ainda
ignorava tudo acerca daquelas coisas. Reflectia no que devia fazer,
no que devia dizer-me para que a aventura não tivesse
consequências desagradáveis sobre a sua posição em casa de meu
tio. Queria enganar-me sobre o carácter da dor que fingira. Eu
estava também indecisa acerca do que ia fazer. Devia fingir ser
ignorante ou justificar a minha conduta confessando-lhe a minha
curiosidade? Se fizesse de ingénua, ela podia enganar-me
facilmente e contar--me coisas inexactas que eu seria forçada a
acreditar para não me trair. Mas sentia-me mais ávida do que
ansiosa. Resolvi, pois, ser sincera mas, mesmo assim, ocultar-lhe
que fora de propósito que fizera surgir o novo estado de coisas.
Marguerite parecia lamentar ter-se abandonado ao impulso do seu
temperamento. Acalmei-a contando--lhe tudo quanto aprendera no
dia precedente. Supliquei-lhe que me explicasse estas coisas, pois
os seus suspiros, os seus movimentos e o estranho líquido que me
havia inundado a mão tinham-me revelado que também ela era
iniciada, e que eu sabia a que carícias se entregava às escondidas;
porque queria ficar certa de que ela não iria enganar-me. As minhas
perguntas ingénuas e curiosas aliviaram-na imenso. Sentia-se de
novo muito à vontade, como uma mulher mais velha dando
conselhos a uma ingénua. E como eu lhe contava tudo com
numerosos pormenores, mesmo a conduta apaixonada de minha
mãe, não teve vergonha de confessar-me que, a par da religião, ,
não conhecia nada de mais belo no mundo do

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que os gozos sexuais. Ensinou-me, pois, tudo e se, a seguir, o


senhor deparar com alguma filosofia nestas notas, as suas primeiras
noções fiquei a devê-las à minha querida Marguerite, que possuía
uma grande experiência.
Passei a conhecer a conformação exacta dos dois sexos; de que forma
se realizava a união; com que seivas preciosas eram atingidos os
objectivos naturais e humanos: a perpetuação da espécie e a mais
forte volúpia terrestre; e por que a sociedade oculta estas coisas e as
rodeia de mistério. Fiquei a saber ainda que, apesar de todos os
perigos que os cercam, os dois sexos podem, mesmo assim,
alcançar uma saciedade completa. Pôs-me de sobreaviso contra as
consequências infelizes a que se expõe uma rapariga quando se
abandona por inteiro. O que a minha mão inábil lhe proporcionara e
o que o meu primo fizera pertenciam a essas saciedades quase
completas. Embora tivesse conhecido todas as alegrias do amor nos
braços de um homem novo e vigoroso sentia-se completamente
satisfeita com as alegrias que podia dar a si própria, porque tivera
um filho e conhecera todos os infortúnios de uma mãe solteira.
Mostrou-me, pelo exemplo da sua vida, que com alguma prudência
e sangue-frio podíamos alcançar imensos gozos. A história da sua
vida era muito interessante e muito instrutiva; constituirá o
conteúdo da minha próxima carta. Todavia, eu já tinha adivinhado
bastantes coisas sozinha. O que ela me ensinou de novo não
cessava de surpreender-me.
Tudo isto era muito belo, mas continuava a não conhecer a coisa
autêntica. Ardia em ânsias por partilhar e apreciar pessoalmente
essas sensações que, à minha vista, tinham agitado até ao desmaio
pessoas tão diferentes. Enquanto Marguerite falava, a minha mão
havia retomado a carícia no sítio que ela tinha tão sensível. Enrolei

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os caracóis dos seus pêlos e, quando se agitaava mais


apaixonadamente, comprimia e afastava amorosamente os grandes
lábios. Queria fazê-la compreender que a minha educação não
ficaria completa sem a prática. Contava-me como se tinha
abandonado pela primeira vez ao jovem que a tornara mãe. Queria
fazer-me compreender a sensação divina que o membro causa ao
penetrar--nos pela primeira vez. Falava-me do êxtase, da efusão
recíproca e inteira; todas estas palavras encaloravam-na, a sua
ratinha inchava e enchia-me a mão, as suas coxas envolviam-me.
Estava chegado o momento de recordar-lhe ainda mais vivamente
estes prazeres. E quando dizia: «É preciso ter saboreado
pessoalmente estas coisas para compreendê-las», eu enfiei-lhe o
dedo tão profun-damente na fenda bem aberta que ela soltou um
suspiro e calou-se imediatamente. Esfreguei febrilmente os lábios
inchados que quase me absorviam toda a mão, mas detive-me de
repente e disse-lhe:
- Se quer que eu continue, deve oferecer-me um aperitivo do que
me espera e do que tão deliciosamente me descreveu!
Logo os seus dedos se puseram a acariciar-me a pequenina abertura,
e vi bem, pelo calor dos beijos, que a minha proposta lhe causara o
mais vivo prazer. Retirou o meu dedo da fenda e meteu o dela no
mesmo sítio, humedeceu-o, depois voltou-se de novo para mim e
tentou entrar. Mas não era possível. Eu afastava em vão as coxas e
os movimentos das minhas ancas não ajudavam.
Disse-me então tristemente:
Assim não vai, minha querida Pauline. O seu ventre ainda está
fechado ao amor. Venha, sente-se sobre 1 minha cara, para que a minha
boca fique debaixo da sua maravilhosa concha do amor. Vou ver se a
minha língua consegue dar-lhe o que a sua virgindade ainda lhe
proibe!

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O meu pai tinha feito aquilo a minha mãe. Não me fiz, pois,
rogada. Ajoelhei-me, a sua cabeça entre as minhas coxas. Mal me
tocou, logo a ponta da sua língua estava já no sítio que tanto me
doía quando ela aí procurava enfiar o dedo. Mas que sensação
diferente em comparação com tudo o que experimentara até ali!
Assim que a sua língua gulosa e pontiaguda me tocou, uma volúpia
desconhecida inundou-me e já não sabia o que me estava a suceder.
Tínhamos afastado a coberta, os nossos corpos nus achavam-se um
em cima do outro. Inclinei-me para diante e, apoiada na mão
esquerda, acariciava com a direita mesmo o fundo da sua concha,
que assim ela lhe tinha chamado. Estas primeiras sensações de
volúpia que eu devia conhecer até nos meus anos mais maduros
inebriavam-me já de uma felicidade inefável. A sua língua
agradava-me. Fazia-me cócegas no cimo, chupava-me em baixo,
aspirava todas as pregas, beijava com arrebatamento o conjunto,
humedecia o interior com saliva e depois voltava à entrada, onde
me causava um formigueiro indizivelmente doce. Algo de
maravilhoso e de desconhecido estava-me a acontecer. Toda a
minha seiva ia ser descarregada e sentia que, mau grado a minha
juventude, era digna de tal volúpia. Queria devolver-lhe em
centuplicado tudo quanto ela me proporcionava.
Foi com raiva que enfiei um, a seguir dois, depois três dedos. A
minha mão ficou cheia de formigueiros, por causa da falsa posição
que tinha adoptado a seu lado. Estávamos fora de nós e chegámos
juntas ao termo. Senti uma humidade quente encher-me o interior,
enquanto a sua seiva me inundava a mão. Perdi o conhecimento.
Deixei-me cair em cima da jovem estrebuchante. Já não sabia o que
me estava a acontecer.
Quando voltei a mim, encontrava-me deitada ao lado de
Marguerite. Esta havia puxado a coberta para cima e mantinha-me
ternamente abraçada. Compreendi, de súbito, que fizera uma coisa
proibida. O desejo e o arrebatamento tinham-se extinguido. Os
membros estavam alquebrados. Sentia uma comichão violenta nos
sítios que Marguerite tão gentilmente acariciara; o bálsamo que me
corria entre as coxas não conseguia acalmar-me. Tive consciência de
haver cometido um crime e rebentei em soluços. Marguerite sabia
que, em casos semelhantes, nada havia a fazer com pequenas
ingénuas como eu; apertou-me contra o peito e deixou-me
tranquilamente chorar. Por fim, adormeci.
Esta noite única decidiu de toda a minha vida. O meu ser tinha
mudado e os meus pais deram por isso aquando do meu regresso.
Admirados, perguntaram-me a causa. As relações entre Marguerite e
eu eram também das mais estranhas. De dia, mal podíamos olhar
uma para a outra; à noite, a nossa intimidade era das mais
desvairadas, a nossa conversa das mais obscenas, as nossas volúpias
das mais lascivas. Jurei-lhe nunca me deixar seduzir e nunca tolerar
que um homem despejasse dentro de mim o seu líquido precioso e
perigoso. Queria gozar tudo o que fosse sem perigo. Alguns dias
tinham chegado para fazer de mim aquela que ainda sou, aquela que
o senhor tantas vezes admirou.
Passei a notar que toda a gente disfarçava à minha volta, mesmo as
pessoas mais respeitáveis. Marguerite, que me confessara tudo,
nunca me falara no instrumento que lhe causava tanta alegria como
a mão ou a língua e que continha o principal jacto que eu desejava
com toda a força da alma.
Nunca mo havia mostrado. Ocorreu-me a ideia de furtar a chave
do armário onde ele se achava encerrado. A minha curiosidade não
me dava tréguas. Não queria recorrer aos outros, queria aprender
tudo à minha custa.
Durante cinco dias, não cheguei a arranjar essa chave; por

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fim, possuía-a! Aproveitei uma lição que Marguerite foi dar a minha
prima para satisfazer a curiosidade. Eis-me com a coisa na mão, a
revirá-la, a experimentar-lhe a elasticidade. O instrumento era duro
e frio. Tentei enfiar a cabeça onde, em Marguerite, ele desaparecia
por inteiro. Inútil. Fazia-me doer. Não sentia nenhum prazer. Não
podia arranjar leite àquela hora. Contentei-me em aquecer o
instrumento entre as mãos. Tinha decidido abrir, enfim, a via das
fortes alegrias que outras gozavam e de que eu apenas saboreava os
aperitivos. Marguerite tinha-me dito que, mesmo entre os braços de
um homem, era doloroso e que muitas mulheres tomavam gosto
por tais coisas somente após vários anos de abandono mais
completo ao homem amado. Tentei, pois. Aqueci o instrumento
entre os meus seios e preparei a minha pequenina fenda com um
dedo húmido. Queria receber o hóspede exigente. Notei que as
quatro noites passadas com uma amante haviam contribuído para
fazer grandes mudanças em mim. O meu dedo penetrara apenas
metade, mas sentia distintamente um músculo detê-lo. Devia
dominá-lo. Marguerite tinha usado óleo. Apoiei a ponta do
instrumento na abertura que mal se via, comprimi, forcei até a
estranha cabeça entrar. Real-mente fazia-me doer. Os lábios
ardiam-me. Senti, por fim, que algo se rasgava e que um líquido
ardente brotava. Vi com pavor que era sangue. O instrumento
havia penetrado a extensão de um dedo. Estava tão excitada que
suportei a dor e empurrei, empurrei... Não experimentava a menor
volúpia e doeu-me também quando retirei o mau hóspede. Fiquei
inconsolável com esta experiência. Limpei com uma esponja o
sangue e lavei-me várias vezes. Mas senti durante todo o dia a
picada e a dor de uma ferida. Desencantada, voltei a colocar o
instrumento no seu esconderijo. Estava descontente e zangada com
Marguerite por não me ter ajudado.
Após tantas experiências agradáveis, esta era penosa. Receava, à
noite, as ternuras de Marguerite e a sua descoberta. Como já a tinha
enganado, não me embaracei para fazê-lo mais uma vez. Depois da
ceia, contei-lhe que tinha caído de uma escada, que tinha ferido
uma perna e que até chegara a sangrar. Na cama, ela examinou-
me e, longe de duvidar do que acontecera, confiou-me que essa
queda me tinha custado a virgindade. Não me lastimou. Só disse
que o meu futuro marido se acharia assim frustrado das minhas
primícias. Isso importava-me então um bom bocado e o mesmo
aconteceu mais tarde! Para não me cansar, Marguerite correu
comigo para a minha cama, nessa noite. Eu também queria assim.
Friccionou-me com pomada, o que me fez muito bem. No dia
seguinte, de manhã, já não tinha qualquer dor. E as duas
derradeiras noites que ainda passei na quinta do meu tio
recompensaram-me bem desta curta privação. Conheci então toda
a força da volúpia que a entrada do corpo estranho quente e vivo
causa no interior da mulher. As fontes do prazer escoaram-se tão
completamente que nem um único desejo me ficou. A saciedade
esmagou-me com um cansaço perfeito e delicioso.
Sentia tudo isto aos catorze anos e o meu corpo ainda não estava
maduro! Sim, e isso nunca me alterou a saúde nem diminuiu os
gozos da minha vida. O meu primo tinha-me ensinado a recear os
excessos de prostração que se seguem. Graças ao meu carácter
razoável, nunca ultrapassava a medida. Calculava sempre as
consequências que podiam advir e uma única vez na minha vida me
esqueci o suficiente para perder o autodomínio e a ## supe-londade.
Tinha aprendido cedo que, segundo as leis da sociedade, era
preciso gozar com mil precauções para Poder fazê-lo sem
contratempos. Aquele que enfrenta obstinadamente estas leis
necessárias prejudica-se; ape-

46 47

nas ganha longos remorsos em troca de curtos instantes de gozo. É


verdade que tive a sorte de cair, desde o princípio, entre as mãos de
uma mulher jovem e experimentada. Que teria sido de mim se
houvesse um jovem nas minhas relações e me tivesse assediado com
habilidade? Graças ao meu temperamento e à minha curiosidade,
seria um ser perdido. Se não o sou, devo-o às circunstâncias em que
essas coisas me foram reveladas. São assuntos requintados e devem
permanecer secretos. E, no entanto, formam o centro de toda a
actividade humana. Antes de começar a minha terceira carta, anoto
ainda que, pouco tempo depois das minhas relações com
Marguerite, os sinais do completo desenvolvimento do meu corpo
mostraram-se pela primeira vez.

**
III
É bem raro que duas mulheres tenham tantos pontos em comum nas
suas inclinações, na sua vida e até no seu destino, como Marguerite
e eu. Quando ela me punha em guarda contra um abandono
demasiadamente completo ao homem e me enumerava todas as
consequências infelizes que uma tal falta de conduta provoca fora
do casamento, eu nunca teria pensado que também atravessaria
semelhantes momentos de olvido. Antes de continuar, vou contar-
lhe sucintamente o que soube da vida de Marguerite, durante estas
várias noites e nas nossas relações ulteriores. Isto explicará, muito
melhor do que eu posso fazê-lo, certos acontecimentos e certas
aberrações da minha vida.
Marguerite tinha nascido em Lausana. Após ter recebido uma
esmerada educação, ficou órfã aos dezassete anos. Possuía uma
pequena fortuna e julgava garantido o futuro. Mas teve o infortúnio
de cair nas mãos de um tutor sem consciência. Não era severo
demais, mas de-pressa desviou o seu pequeno pecúlio. Pouco
tempo depois da morte dos pais, ela entrou ao serviço de uma
baronesa vienense que vivia numa bela moradia em Morges, nas
margens do lago de Genebra. Ocupava-se sobretudo dos seus
vestidos. A baronesa era elegante e com bom gosto, e consagrava
horas inteiras à beleza. Nos primeiros dias, a baronesa mostrou-se
muito reservada mas depressa se tornou mais amável. Fazia-lhe
perguntas e, entre outras, se tinha um amante. Decorridos quinze
dias, vendo que Marguerite ainda estava inocente, a baronesa
tornou-se muito familiar. Uma bela ma-

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manhã, perguntou-lhe se sabia fazer «o arranjo da ratinha».


Marguerite respondeu que não, muito corada, porque sabia bem o
que entendiam por «arranjo da ratinha» na Suíça francesa. A
baronesa disse-lhe que devia, sem falta, dedicar-se a isso para
substituir a antiga criada de quarto e para obter toda a sua confiança.
E, logo de seguida, instalou-se num canapé, estendeu as pernas por
cima das costas de duas cadeiras, abriu as coxas, entregou-lhe um
pente pequenino de osso macio e muito suave e indicou--lhe a
maneira de pentear-lhe os pêlos.
Marguerite via pela primeira vez à vontade o que ainda nunca vira
distintamente. Muito perturbada, deu-se aos cuidados pedidos,
desajeitada mas, a pouco e pouco cada vez mais hábil, seguindo as
indicações da baronesa. Esta era uma mulher deveras bonita, loira,
de tez bela; lavava-se sempre muito cuidadosamente, de tal modo
que aquele trabalho nada tinha de repugnante. Marguerite
descreveu-me com imensos pormenores e amor a conformação da
sua baronesa. Contou-me também que, ao princípio muito
envergonhada, tomara grande gosto por aquela singular ocupação,
sobretudo quando vira que a baronesa não ficava indiferente. Ela
suspirava, remexia as ancas e as coxas, e a fenda que, inicialmente,
se encontrava fechada, entreabria-se, os lábios enrubesciam e a
pequena parte pendente em forma de lóbulo de orelha punha-se a
tremer ao de leve. Naturalmente, assim que chegava ao quarto,
Marguerite experimentava em si própria o «arranjo da ratinha».
Embora inexperiente, descobriu facilmente que a natureza havia
escondido nesta parte do corpo feminino uma inesgotável fonte de
prazeres e em breve culminou o que o pente havia começado.
Sabida, tal como todas as raparigas da sua idade, compreendeu que
a baronesa desejava mais do que este simples prelúdio, mas não
queria confessá-lo. Depressa
devia convencer-se de quanto é fácil o acordo completo quando o
desejo é recíproco. Mesmo assim aquilo durou ainda várias
semanas; cada uma desejava que a outra desse o primeiro passo;
cada uma queria ser seduzida, fingir conceder os seus favores. Um
dia, porém, o pente cedeu o lugar à mão, a baronesa abdicou de
toda a discrição e mostrou-se uma mulher sensual e muito
voluptuosa que queria a todo o custo gozar da sua beleza, apesar dos
laços apertados que a constrangiam. Tinha desposado um homem
que ficara logo impotente e que apenas pudera contentá-la durante
os primeiros anos de união. Tinha-lhe despertado mais os desejos
do que os satisfizera.
Há dois anos que ele ocupava um importante posto diplomático em
Paris e, quando compreendera que a sua impotência era completa,
tinha mandado a mulher para as margens do lago de Genebra.
Apesar de a baronesa ser muito elegante levava uma vida de reclusa.
Marguerite notara que uma espécie de mordomo, um velhote de mau
carácter, desempenhava as funções de espião e relatava para Paris
tudo o que via ou ouvia. A baronesa evitava, pois, todas as visitas
masculinas. Era muito prudente, os interesses da família a tanto a
forçavam. Ninguém da casa ou das relações da baronesa suspeitava
dos gozos secretos que um dia Marguerite surpreendeu.
Afastada a primeira vergonha, as cenas mais dissolutas ocorriam à
noite ou de manhã entre a jovem esposa e a rapariga, entre a patroa
e a criada. Durante o dia, a baronesa nunca se traía pela menor
familiaridade. As carícias depressa se tornaram recíprocas.
Marguerite entrava nua no leito da baronesa e não precisava de
contar-me o que faziam juntas, pois eu acabara de experimentá-lo.
Mas nessa altura era ela que representava o meu papel. A baronesa
era insaciável, inventava empre novas carícias, sabia arrancar ao contacto
de dois

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51

corpos femininos delícias sempre renovadas. Marguerite declarou-


me que essa época fora a mais feliz e a mais voluptuosa da sua
vida.
A baronesa ia todas as semanas a Genebra fazer compras e pagar
visitas. O mordomo acompanhava-a sempre e Marguerite andou
também nestas pequenas viagens, quando se tornou mais íntima da
baronesa. Esta reser-vava sempre o mesmo apartamento num dos
maiores hotéis, um salão, um quarto grande, um pequeno para
Marguerite e, ao lado deste, outro para o mordomo. As portas de
cada quarto davam para o corredor; as portas de comunicação entre
os quartos achavam-se fechadas ou escondidas com móveis. Após
várias viagens a Genebra, Marguerite notou que se passava qualquer
coisa de especial que a baronesa lhe escondia. O «arranjo da
ratinha» já não era feito da mesma maneira e, nem à noite nem de
manhã, havia abandonos femininos. Durante o dia a baronesa
parecia agitada, inquieta e nervosa; a sua roupa interior de noite e a
cama revelavam distintamente que não tinha ficado sozinha. A
cama mostrava-se sempre numa grande desordem, cadeiras voltadas
de pernas para o ar e a roupa interior revelava sinais ainda mais
evidentes.
Marguerite vigiava-a com uma espécie de ciúmes. Inspeccionava
todas as cartas, espreitava todas as visitas e todos os fornecedores.
Não conseguia descobrir nada. Em cada viagem, no entanto, ficava
cada vez mais convencida de que a baronesa não passava a noite
sozinha. Em vão escutava às portas. A baronesa fechava não só a
porta do corredor, mas também a que ligava o salão ao quarto
grande. Era impossível escutar por muito tempo à porta do corredor,
porque estavam sempre a passar viajantes e criados do hotel.
Marguerite ficava noites inteiras à sua porta, entreaberta para ver se
alguém entrava ou saía dos aposentos da baronesa. Esta vigilância
e esta
espionagem duraram vários meses; um belo dia o acaso revelou-lhe
tudo.
Certa noite, um incêndio rebentou nas proximidades do hotel. O
proprietário mandou acordar todos os viajantes para avisá-los do
sinistro. Marguerite precipitou-se para os aposentos da baronesa
que, apavorada, lhe abriu a porta. Os reflexos do incêndio
penetravam pela janela. A baronesa achava-se tão aterrada que mal
conseguia falar e parecia ter perdido as estribeiras. Marguerite
abarcou num só relance de olhos todo o quarto e obteve, enfim, o
esclarecimento almejado. O armário, que se achava diante da
porta do quarto contíguo, estava afastado da parede. Alguém podia
passar facilmente por detrás. Uma casaca de homem repousava
numa cadeira em frente da cama e, em cima da mesinha de
cabeceira, via-se um relógio de homem com berloques. Não havia
mais dúvidas possíveis.
A baronesa apercebeu-se de que Marguerite vira estes objectos, mas
encontrava-se perturbada demais para dizer fosse o que fosse.
Marguerite embrulhou todos os pertences da baronesa para poder
fugir quando se tornasse preciso e reparou, assim, numa pequena
bexiga que parecia ter sido usada. Quando a baronesa sossegou
um pouco, escondeu imediatamente essa coisa no lenço.
O fogo foi dominado e o incidente não trouxe mudanças às suas
relações. De manhã, antes de deixar Genebra, Marguerite soube
pelos criados do hotel que um jovem conde russo habitava o quarto
contíguo ao da baronesa. Os quartos ficavam justamente num
cotovelo do corredor, de tal modo que o conde podia entrar e sair
sem passar em frente do apartamento da baronesa, empregando a
escada da outra ala do hotel. Marguerite compendia tudo. A
baronesa devia ter relações com este Jovem conde russo. Mas
sentia-se ofendida por lho ter

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ocultado. Na estrada de Morges, a baronesa atirou o lenço para


um local deserto.
De regresso a Morges, a vida retomou o ritmo costumeiro. A
baronesa não sabia se devia contar o seu segredo a Marguerite. Bem
se dava conta de que ela sabia já de tudo. Aquando da primeira
viagem a Genebra, Marguerite passou todos os momentos de
liberdade no corredor. Encontrou-se aí diversas vezes com o conde
russo, que era jovem, belo e elegante. No segundo encontro, ele
voltou-se; no terceiro, abordou-a. Quando soube que era a criada de
quarto de uma dama que vivia no hotel - Marguerite não lhe disse
o nome da dama - deixou-se de rodeios e pediu-lhe que o seguisse
aos seus aposentos. Sem outro desejo que não o da curiosidade - foi,
pelo menos, o que ela me afirmou, em diversas ocasiões - seguiu-o.
Não estava ninguém no corredor, ele levou-a para o quarto, beijou-
a, apalpou-lhe os seios e conseguiu, apesar da sua defesa enérgica,
adquirir a certeza de que ela era jovem e muito bem feita. Enquanto
a mão do conde se divertia desta agradável maneira, Marguerite
examinava o quarto. Reparou na porta que o ligava ao da baronesa e
depressa concebeu o seu plano. O conde queria imediatamente a
coisa a sério, mas esbarrou numa resistência iritada. Contentou-se
com a promessa que Marguerite lhe fez de vir na noite seguinte,
quando a ama se encontrasse a dormir.
Ela só queria aparecer depois da meia-noite, quando o corredor
estivesse às escuras. Ele reflectiu, e Marguerite divertia-se muito por
saber no que estava a pensar. Mas a atracção de um novo
conhecimento foi mais forte do que os escrúpulos e marcou-lhe
encontro para a uma hora. Ela obteve a chave do quarto a fim de
poder entrar no momento oportuno. Triunfara! Definiu o seu plano
nos mais ínfimos pormenores.
A baronesa despediu Marguerite às dez horas e fechou
cuidadosamente as portas. Mas, em vez de regressar aos seus
aposentos, Marguerite escutou à porta da baronesa. Decorrido um
instante, esta cantarolou uma melodia, o que nunca fazia; depois,
bateu levemente na parede. Marguerite ouviu o armário a ser
afastado e a porta a abrir-se. Sabia agora que o conde se encontrava
nos aposentos da baronesa; precipitou-se para o quarto do russo e
entrou sem fazer barulho, depois de se ter assegurado de que
ninguém a observava.
Um raio de luz filtrava-se por debaixo da porta entreaberta do
quarto contíguo. Podia observar facilmente tudo o que ocorria nos
aposentos da baronesa. Esta, deitada em cima da cama, estava nos
braços do conde que lhe cobria o pescoço, a boca e os seios com
beijos ardentes, enquanto a mão se perdia a todo o momento entre as
coxas dela. A baronesa era uma mulher muito bonita; os seus
encantos, porém, não fixaram os olhos de Marguerite que se
desviaram, cheios de curiosidade, para o que ainda não conheciam.
O conde despiu-se rapidamente; era tão belo como robustamente
constituído. Marguerite observava um sexo de homem pela
primeira vez. Qual não foi o seu espanto ao ver a baronesa encerrar
o brilhante inimigo, que acabava de acariciar e de beijar, numa
pequena bexiga que tirou de uma caixa posta em cima da mesinha
de cabeceira. Esta bexiga esbranquiçada, terminada numa das
pontas por um cordão encarnado, era invenção de um célebre
médico francês, Condom. Finda esta estranha cerimónia, besuntou
o objecto dos seus desejos com óleo perfumado, depois colocou-se
em posição e o conde instalou-se de joelhos entre as suas coxas para
acilitar-lhe a entrada. Num só impulso desapareceu no interior e os
dois corpos uniram-se intimamente. Marguerite, porém, não viu
tanto como eu da minha alcova, Porque a baronesa puxou a coberta
para cima. Apenas

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divisava as duas cabeças, boca a boca, bebendo beijos. Depois, o


conde soltou um profundo suspiro e deixou-se cair em cima do
peito da baronesa. Permaneceram um bom quarto de hora
estreitamente enlaçados, sem que ela afrouxasse o abraço, e
Marguerite confessou-me que não pôde deixar de apaziguar com a
própria mão as titilações extraordinárias que sentia no seu interior.
Mas confessou-me também que, depois do que acabava de ver,
desejava uma outra satisfação.
Marguerite revelou-me igualmente o objectivo e o emprego desta
medida de segurança que evitava tanto infortúnio e vergonha no
mundo. Compreendeu imediatamente o seu uso quando viu a
baronesa retirar o cordão encarnado que lhe pendia entre os lábios,
sair a bexiga cheia de um líquido espesso e colocá-la em cima da
mesinha de cabeceira. Era, por conseguinte, o pára-raios de uma
electricidade plena de perigos, que permitia às jovens, às viúvas e
às mulheres que viviam ao lado de um homem cansado entregarem-
se sem receios ao amor. Marguerite já vira o suficiente. Podia
obrigar a baronesa a confessar-se. Embora cheia de excitação,
renunciou ainda nessa noite a travar um mais amplo conhecimento
com o conde. Queria ficar segura de que ele empregaria também o
preservativo; não desejava correr grandes ris-cos. Disse-me ainda
que lhe teria desagradado ser a segunda.
Regressou prudentemente ao quarto, mas fechando a porta com
força. Rejubilava, o conde ia esperar por ela em vão durante uma
parte da noite. Possuía todos os cordelinhos para dominar a
situação. Queria participar naqueles folguedos. Queria vingar-se da
baronesa que a não tomara para confidente. Reflectiu toda a noite
na forma de aproveitar as suas vantagens.
O senhor vai ficar admirado quando souber como Marguerite
concebeu o seu plano e com que consequências o aplicou. A
artimanha é uma qualidade essencial do carácter feminino e já vi
exemplos admiráveis. Em tudo quanto diz respeito à divina volúpia,
a artimanha e a dissimulação naturais da mulher agudizam-se num
grau incrível. A mais ingénua torna-se inventiva, impelida pelo
capricho, a inveja ou o amor. Inesgotáveis são os meios que
raparigas e mulheres empregam para alcançar os seus fins.
Antes de a baronesa acordar, Marguerite foi bater à porta do conde.
Ele veio abrir, envolto num grande roupão, pensando que era um
criado. Ficou muito espantado ao ver entrar Marguerite por quem
esperara em vão depois da meia-noite. Queria dar-lhe uma
descompostura, atraí-la para a cama e recuperar imediatamente o
tempo perdido, mas mudou logo de conduta quando foi ela, e não
ele, quem deu a descompostura. Disse-lhe que tinha chegado um
pouco antes da hora combinada e que vira o que se passava no
quarto do lado! Marguerite confessou ao conde que era a criada de
quarto da baronesa sua amante, e que podia obter uma forte
recompensa se contasse aquilo ao barão. Todavia, não desejava fazê-
lo, com a condição de poder participar nos folguedos com a mesma
garantia de segurança. Pretendia até ajudar a baronesa nos seus
prazeres e favorecer a sua ligação. O conde não dizia palavra, pois
ficara demasiadamente admirado. Estava pronto para tudo, desde
que ela se calasse; porque se a sua ligação com a baronesa desse nas
vistas, as duas famílias achavam-se expostas a grandes perigos.
Ela comunicou-lhe o plano por inteiro e exigiu que ele o realizasse
antes da partida da baronesa, que devia efectuar-se logo pela
manhã. Admirado com a perspicácia da jovem, e feliz por ver os
seus prazeres complicarem-se de uma forma tão agradável, o
conde aquiesceu a tudo.

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E quando Marguerite lhe permitiu liberdade plena, espantou-se por


encontrá-la intacta. Não podia desejar uma camarada de folguedos
mais amável. Quis mesmo provar-lhe de imediato o seu entusiasmo,
mas Marguerite debateu-se energicamente, a tal ponto que a sua
paixão se tornou ainda mais viva. Ele não podia esperar pelo
momento de executar o seu plano. Marguerite havia saboreado
coisas bastantes nesta única visita para conceder a posse integral de
um tão encantador jovem apenas à baronesa. Fixaram de novo todos
os pormenores do que devia passar-se uma hora mais tarde.
Marguerite ofertou ao belo conde numerosas coisas encantadoras,
excepto o que ele mais desejava; quando saiu do quarto, deixou-o a
arder em desejo.
A baronesa tocou a campainha às sete horas, abriu a porta e voltou
a deitar-se. Marguerite pôs tudo em ordem, preparou as bagagens
e, por fim, serviu o almoço. Estava tudo pronto. O conde aguardava
no seu quarto o sinal combinado. Marguerite passou, enfim, ao
salão, batendo com a porta. Era o sinal. O conde abriu a sua porta,
empurrou o armário e precipitou-se de repente para cima da
baronesa aterrorizada. Cobriu-a de beijos. A baronesa não
conseguia articular uma palavra, estava perturbada, designava com
o dedo a porta do salão, no qual Marguerite fechava ruidosamente
as bagagens. O conde fingiu correr o ferrolho. Depois, suplicou à
baronesa que lhe concedesse uma última vez o seu supremo favor.
Fora tão sedutora durante a noite que ele temia adoecer se não
escutasse o seu desejo. Garantiu-lhe que já se munira da membrana
de segurança e que ela nada tinha a recear. A baronesa, sem dúvida
para se desembaraçar o mais depressa possível do importuno, abriu
as coxas e recebeu o temerário. O conde suspirava; de súbito,
soltou um suspiro mais profundo e Marguerite, que estava à
escuta atrás da porta, entrou logo.
Fingindo-se aturdida pelo espectáculo que se lhe oferecia à vista,
deixou cair o que trazia na mão. Fixava olhos desmesuradamente
abertos no leito. A baronesa, de coxas bem afastadas, esperava
visivelmente o instante supremo; porém, estava aterrorizada, porque
arriscava tudo: honra e fortuna. O conde soltou uma praga russa,
incompreensível, e atirou-se a Marguerite. Gritava, cheio de raiva:
- Estamos perdidos se não assassino esta traidora e a
torno muda para sempre. Não deve sair viva daqui!
Marguerite queria fugir, mas o conde barrou-lhe a porta. Encarava-
a com olhos terríveis, como se fosse estrangulá-la. A baronesa
assistia, mais morta do que viva, a esta cena. De súbito, como se
acabasse de pensar nisso, o conde proferiu:
- Só existe um meio de alcançarmos o silêncio desta
rapariga: é torná-la nossa cúmplice. Perdoe-me, querida
baronesa, que eu faço isto apenas por sua causa!
Assim dizendo, agarrou em Marguerite, que se fingia apavorada,
deitou-a em cima da cama, ao lado da baronesa ainda nua e trémula,
levantou-lhe as saias e atirou-se com a maior violência para o meio
das suas coxas. Marguerite contorcia-se, fingia querer evitar aquela
acção e, no entanto, oferecia-se cada vez mais. Não lhe permitiu a
entrada antes de se ter assegurado de que nada havia a temer. Ele
ainda envergava o fato de máscara que pusera para a baronesa.
Depois abriu-lhe a entrada, simulando render-se à sua violência.
Gemia baixinho, suplicando à baronesa que a ajudasse, que a
preservasse da raiva daquele louco. Interiormente, entregava-se por
inteiro às sensações que lhe percorriam o ventre.
Gozava velhacamente por ter enganado a baronesa, por vencê-la,
por estar ali, ao lado dela, no seu próprio l eito, e por receber de um
homem tão belo o que lhe estava destinado.

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Apesar da sua violência aparente, o conde tratava-a com ternura e


meiguice; provocava lentamente o escoamento das seivas mais
preciosas que podiam enchê-la sem perigo. A baronesa estava não
só presente, mas tinha ainda de acalmar Marguerite, que chorava, e
de rogar-lhe que não gritasse com tanta força. Quando a crise se
aproximava, o conde ainda por cima lhe disse:
- Querida baronesa, se não me ajudar a dominar esta rapariga,
estamos perdidos. Só poderemos confiar nela se eu conseguir violá-
la!
E a baronesa afastava-lhe violentamente as coxas, en-quanto o
conde a penetrava até à raiz. Marguerite esforçava-se por fechar as
coxas e defendia-se da baronesa; esta luta provocava movimentos
bruscos e safanões, uma agitação e sobressaltos que aumentavam o
gozo e que originaram um jacto instantâneo e recíproco das fontes
do prazer. Marguerite estava como que desmaiada. Mas ouvia e
observava tudo.
O conde tinha-se vestido rapidamente. Ajoelhou-se em frente da
baronesa, suplicou-lhe que se acalmasse e que lhe perdoasse por ter
empregado um tal meio. Garantiu-lhe que era o único para
escaparem ao perigo. Provou-lhe que acabavam de ganhar uma
confidente muito segura em Marguerite e que a sua ligação estaria
doravante ao abrigo de qualquer surpresa. Aliás, dando--lhe
dinheiro, mais a prenderiam. Fingiu ter feito um enorme sacrifício
pela baronesa, descendo até uma criada de quarto. Por fim, pediu à
baronesa que empregasse tudo quanto estivesse em seu poder para
consolar e ganhar Marguerite quando ela despertasse do seu
desfalecimento.
Marguerite fez um gesto, como se fosse despertar, e a baronesa,
notando o pequeno cordão encarnado pendente, retirou-o
rapidamente e escondeu-o no meio da roupa da cama. Marguerite
triunfava: a baronesa prestara-lhe
pessoalmente um tal serviço!
O conde deixou o quarto depois de ter fixado a data do próximo
encontro e regressou ao seu apartamento. As duas mulheres
encontravam-se agora sozinhas. A baronesa, completamente iludida
e inquieta, contou-lhe a sua ligação com o conde, a fim de distraí-
la, mas Marguerite parecia inconsolável. Contou-lhe também a vida
que levava com o marido. Prometeu-lhe ocupar-se dela no futuro,
se quisesse ajudá-la e perdoar a violência do conde. Marguerite
deixou, enfim, de lastimar-se dos sofrimentos suportados.
Prometeu à baronesa que - pois tivera, embora involuntariamente,
conhecimento do seu segredo - estava pronta a favorecer os
encontros.
Após tudo bem ponderado, criou-se uma ligação muito estranha
entre estas três pessoas. O conde nada suspeitava da familiaridade
secreta existente entre as duas mulheres. Tinha saboreado muito
mais prazer no belo e jovem corpo de Marguerite e adorava este
sendeiro ainda tão pouco batido. Preferia-a à baronesa. Quando
ficavam sozinhos, dava-lhe provas marcantes do seu amor e dos
seus favores. Na presença da baronesa, Marguerite quase não
prestava atenção ao conde. Declarava só participar nos seus enlaces
para agradar à baronesa. Pelo seu lado, esta não tinha qualquer
suspeita do que se passava entre o amante e a criada de quarto.
Cumulava Marguerite de presentes e tomava-a agora por
confidente.
Na estada seguinte em Genebra, Marguerite aparecia sempre
quando o conde vinha à noite aos aposentos da Baronesa; mas tinha
passado já pelos dele para procurar as primícias das suas forças, de
maneira que a baronesa obtinha apenas os restos.
Marguerite não se cansava de me falar dos gozos que Um tal acordo
entre três pessoas comporta, sobretudo quando se lhe mistura um
pequeno romance, uma ligeira

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intriga. Dizia-me que era sempre passiva, a fim de não despertar as


suspeitas da baronesa. O conde e ela sabiam bem com o que podiam
contar. O jovem russo era tão meigo como apaixonado. Amava-a
com paixão por ter sido o primeiro a subir ao seu trono virginal.
Quis convencer Marguerite a experimentar sem invólucro a fim de
sentir no momento decisivo a onda de esperma espalhar-se na
vagina; dizia-lhe ainda que esta mistura das seivas mais preciosas
provocava um perfume deleitoso; que era como que um aperitivo à
beatitude celeste; que a efusão recíproca era a vontade da natureza.
Prometeu-lhe também tomar conta dela se calhasse a conceber e a
dar vida a uma criança. Mas Marguerite opunha-se-lhe
energicamente; bastava-lhe sentir a onda impetuosa, o rio
admirável; não desejava a sua humidade nem a sua fecundação
balsâmica.
Depois de terem gozado um com o outro, os folguedos recomeçavam
à noite nos aposentos da baronesa e duravam até altas horas. Logo a
partir das primeiras experiências a três, a baronesa mostrou-se
encantada, porque o conde era muito inventivo. Divertiam-se de
todas as maneiras. Marguerite deitava-se em cima da baronesa, o
centro do seu prazer na boca do conde que enfiava o ceptro pela
frente na baronesa, a língua na fenda de Marguerite, enquanto a
baronesa lhe chupava os seios redondinhos. O conde era
inesgotável na maneira de provocar a mais alta volúpia através de
longos preâmbulos e carícias. A baronesa deitava-se em cima da
cama, de tal maneira que o conde ficava de pé na sua frente, ou
inclinado para ela, ao passo que Marguerite, sentada num
tamborete, tinha os olhos mesmo à altura das partes actuantes.
Punha nestas as mãos, brincava ora com a fenda bem cheia da ama,
ora com o ceptro e as duas bolas do agressor. Abria com o dedo os
grandes lábios, a carne aveludada apertava nas suas mil pregas ainda
mais estreitamente o hóspede vigoroso, aspirava-o. Depois,
deixava-os cair de novo sobre a ponta esbraseada que mal podia sair.
Com a outra mão, segurava na lança e apertava-a tanto que ela já
não podia entrar.
Quando abria a mão, o membro desaparecia logo até ao fundo.
Também acariciava o recipiente do admirável licor e excitava-lhe
todas as fibras. As coxas brancas e esplendorosas da baronesa, que
passavam por debaixo dos hemisférios de alabastro, redondos e
inchados, os cabelos loiros do templo, a vermelhidão viva do
oficiante que ali queria fazer sacrifícios, as belas formas do homem,
então no seu máximo vigor, os pêlos negros que se misturavam aos
loiros, e tomar parte neste espectáculo, saboreá-lo com a vista, de
muito perto, partilhar em espírito os gozos dos dois outros - tantos
arrebatamentos juntos! A recordação destas coisas admiráveis
excitava-a e, como a sua mão se tinha tornado atrevida no
amolecedor calor da cama, eu bem sentia que tais imagens a faziam
delirar.
Com efeito, a situação destas pessoas não era vulgar. Apesar da sua
grande intimidade existia uma desconfiança recíproca. Como já lhe
disse, a minha imaginação deleita-se com tais quadros; a minha
razão desaconselha-me de imitá-los. Semelhantes requintes são
seguidos de grandes fadigas e há sempre aborrecimentos quando um
segredo é detido por mais de duas pessoas. Como o jovem conde
podia satisfazer todos os seus caprichos, depressa se fartou desta
ligação. Arrefeceu, provavelmente cansado com as exigências das
duas mulheres. Numa palavra, deixou precipitadamente Genebra
após um adeus frio.
A baronesa buscava separar-se de Marguerite e em revê arranjou a
ocasião. Marguerite tinha recebido mais de três mil francos do conde
e da baronesa. Infelizmente, entregara este dinheiro nas mãos do
tutor. Foi viver para

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casa de uma amiga que fora governanta. Tomava lições, porque


tencionava seguir para a Rússia como governanta, tal como muitas
raparigas suíças.
A mudança de situação fora, porém, muito brusca. Não se sentia
feliz na casa da amiga. Os estudos aborreciam-na. Com a
baronesa, tivera tudo para ser feliz. Dispusera até da ocasião para
saborear muito mais prazeres do que as raparigas habitualmente
provam sem perigo. Isso fizera-a mimada. O seu corpo necessitava
de certas coisas. O jovem conde fazia-lhe falta e também as carícias
íntimas da baronesa. Durante os primeiros meses, as suas noites
foram muito agitadas e os sonhos muito perturbados. O efeito da
sua mão era fraco e não arranjava oportunidade de fazer um
conhecimento seguro. Queria entregar-se, mas com a condição de
nada ter a recear. Não se atrevia a propor a outro homem o que
tinha proposto ao conde em circunstâncias especiais. Uma rapariga
nunca confessa estas coisas, pois isso diminuí-la-ia aos olhos dos
homens. Passou, assim, um ano muito solitário no meio dos seus
livros e dos seus atlas. Algo havia despertado dentro dela, algo que
não podia satisfazer e que estalava tiranicamente, à noite, nos seus
sonhos voluptuosos.
Enfim, num estabelecimento de banhos, encontrou uma rapariga
com quem em breve teve relações tão íntimas como com a
baronesa. Todas as espécies de carícias, conversas curiosas, o ensino
das coisas proibidas e experiências ousadas proporcionaram-lhes
gozos bem vivos. Depressa misturaram outras companheiras aos
seus embates. Cada qual fingia ignorar tudo, cada qual permitia
que lhe ensinassem o que já todas tinham praticado às escondidas.
Marguerite era insaciável. Estes encontros secretos, estes
divertimentos clandestinos aguçavam-lhe o desejo. Um dia,
conheceu o irmão de uma das suas novas arniga s Um jovem
amável e bem educado. Viu imediatamente que gostava dela.
Acercava-se com a emoção e a inépcia de um adolescente que se
sente atingido pela primeira vez por uma mulher; não podia resistir
a este obscuro mandamento da natureza. Marguerite tinha enorme
dificuldade em esconder a sua indiscreta paixão. Teria de boa
vontade satisfeito este último desejo que ele ainda não conhecia, mas
não sabia como explicar-lhe que exigia garantias.
Charles fora criado no campo; ignorava tudo destas coisas, as suas
palavras e as suas acções eram simples e honestas. Marguerite
conheceu, enfim, o amor, e era em vão que se debatia contra o seu
poder. Julgava saber tudo e ser senhora do coração! Todos os seus
princípios se evaporaram ao calor do primeiro beijo! Estava sem
defesa perante as carícias hesitantes do seu bem-amado! Era tão
desajeitado que ela devia conduzi-lo sem o dar a entender. Mas a
natureza fustiga mesmo o mais ingénuo, o mais virtuoso e, quando
alguém se mete nesta via perigosa, tem de seguir até ao fim.
Marguerite divertia-se imenso quando via os seus louváveis
esforços para alcançar fins que nem sequer suspeitava. Sentia-se
muito superior a ele. Julgava-se suficientemente senhora de si
própria para ser capaz de manter o sangue-frio no momento fatal,
porque o seu jovem apaixonado desfalecia já com o mínimo apalpão
exterior. Pensava poder impedi-lo de despejar o sémen dentro dela e
permitiu-lhe a entrada. Mas não sabia que também em si própria
cada fibra, cada nervo, esperavam por esta união. Desconhecia a
fraqueza da mulher nos braços do homem amado, quando todas as
suas forças viris a aquecem interiormente. Uma volúpia inaudita a
olvidar as precauções, os princípios, e, de súbito, sentia a descarga
eléctrica de um rio ardente que a enchia por completo. Estava feito.
Esperava que nada tivesse

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acontecido neste único abraço, mas foi em vão que lhe proibiu
qualquer aproximação. A supressão das regras provou-lhe que a
desgraça se realizara: tinha perdido a honra e o seu futuro estava
comprometido. Então concedeu-lhe os direitos de um marido.
Durante três meses, saborearam todas as alegrias da felicidade
terrestre. Depois, abateram-se sobre ela os rudes golpes do
infortúnio. O tutor, caído em bancarrota, fugiu para a América
levando-lhe o pecúlio; o amante adoeceu e morreu. Coberta de
vergonha foi corrida da casa. Refugiou-se numa aldeia onde perdeu
a criança após dois anos de privações e de sofrimentos. Enfim, veio
para a Alemanha e encontrou este lugar de governanta em casa do
meu tio.
Quantas vezes ela me pôs de sobreaviso contra o olvido de um tal
abandono! Marguerite, simples e franca, tinha-me ensinado tudo;
havia-me, porém, ocultado com que instrumento reavivava as suas
recordações.

**
IV
Poucas raparigas aprenderam em tão pouco tempo e, sobretudo,
com tão poucos riscos tudo o que respeita ao acto mais importante
da vida da mulher, tal como eu acabava de aprender por acaso
graças à história de Marguerite. Até então, não sabia mais - e,
provavelmente, nem menos - do que a maior parte das raparigas da
minha idade, embora o meu temperamento fosse mais sensual do
que é habitual entre as raparigas. Os homens enganam-se; pensam
que o sexo feminino é naturalmente tão sensual como o seu. Julgam
as mulheres fáceis, e julgam mal. Os maridos sabem-no bem, eles
que se lastimam constantemente. Eu também não queria acreditar.
Pensava que tudo era velhacaria e dissimulação, quando encontrava
frieza, indiferença e asco mesmo por estas coisas que me
excitavam.
O senhor vai perguntar-me porque é que tantas jovens se deixam
seduzir se nada nelas as impele ao encontro do desejo do homem, e
se o seu sexo e as suas volúpias não são tão violentos. Esta
observação é exacta; infelizmente não posso responder-lhe. E, no
entanto, as minhas observações e as minhas experiências
pessoais convenceram-me, cada vez mais, de que a sensualidade
consciente não se acha tão desenvolvida na mulher como no homem;
desperta, é pouco provocada e apenas entre os trinta e os quarenta
anos é tão exigente na mulher como no homem. Não compreendo
como tantas mulheres se deixam seduzir facilmente, para desgraça
sua, quando não são em nada cúmplices do homem. Nunca
consegui entender tal contradição.

67
Nada é favorável ao homem quando pretende levar uma destas
inocentes a abandonar-se completamente. A dor física da primeira
aproximação é tão grande que constitui um aviso; isso incita a
reflectir e a não ir mais além no caminho do vício. O temor das
consequências inevitáveis retém-nas também, porque muito poucas
raparigas são tão ingénuas que não saibam ao que se arriscam. As
estátuas, os quadros, o espectáculo do acasalamento dos animais, as
leituras inevitáveis, as conversas do internato, tudo instrui a mais
ignorante, como se ela tivesse os cem olhos de Argos 1. No entanto,
e com certeza devo confessar-lhe que não encontro outra
explicação, são a curiosidade e o desejo de entregar-se inteiramente
ao homem amado que a impelem. Mas quantas se dão sem amor?
Quantas choram e soluçam sem se defenderem? É um dos mais
admiráveis mistérios da natureza, é um dos exemplos mais
característicos do seu poder e da sua força de atracção que ela impõe
mesmo aos temperamentos mais frios.
Desde o leão aos animais domésticos, só a família dos gatos se
acasala na dor e sem volúpia (é justamente o contrário do que sucede
com todos os outros seres vivos) e a fêmea oferece-se, mesmo assim,
à dor do acasalamento. Quem aclarará este problema? Quantas
raparigas me confessaram, a chorar, que não sabiam como aquilo
tinha acontecido. «Ele falava com tanta meiguice!», «Era tão
quentinho, tão divino!», «Eu sentia tanta vergonha!» Todas estas
frases não explicam nada. É, pois, muito estranho para mim, que
possuo um temperamento ardente (posso confessar-lho à vontade,
porque o senhor não vai aproveitar-se dele), que a natureza tenha
dado uma razão bastante forte para escapar por muito tempo a

--------------
1
Alusão a um personagem mitológico, príncipe argiano, possuidor
de cem olhos, metade dos quais sempre abertos; arguto e argucioso,
Argos é o símbolo perfeito da vigilância que não deixa escapar
nada (N. T.)
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tais perigos. Não posso contar senão o que senti e pensei


pessoalmente quando a hora fatal chegou também para mim' fá-lo-
ei sinceramente, falando-lhe dessa época da minha vida. Nenhuma
das explicações dadas chega, portanto, para resolver este enigma
milenário que nunca será provavelmente resolvido. Não é por acaso
que a história do mundo começa com a curiosidade de Eva e o gozo
do fruto proibido. Os sábios que colocaram este mito no início da
história do género humano sabiam que ele era o centro, o ponto de
apoio, o mistério da história do mundo e tinham razão, excepto
numa coisa: o gozo do fruto proibido não fecha, antes abre, as portas
do paraíso.
O senhor imagina bem que não fiz todas estas reflexões quando
regressei, perturbada, a casa dos meus pais. Elas são o fruto das
minhas experiências ulteriores.
Ainda criança, tinha-me encontrado na alcova do quarto dos meus
pais; voltava de casa de meu tio, adolescente, embora já não virgem.
Era outra e o mundo que me rodeava tinha mudado. Um véu caíra-
me dos olhos. Tudo banhava numa nova luz, homens e objectos.
Compreendia coisas em que nunca reparara antes. O acaso ensinara-
me tudo, mas também me tinha posto de sobreaviso contra o
desperdício destes bens preciosos. O meu primo fizera-me recear os
excessos. O seu rosto pálido, os seus olhos mortiços, todo o ar do
jovem vicioso, tinham-me revelado a sorte dos que se entregam com
demasiado arrebatamento aos gozos secretos. Nunca receei recorrer a
eles, mas nunca o fiz à custa da saúde e da alegria. Se fosse um
homem, nunca talvez me lhes tivesse entregue, porque os homens
não têm as mesmas desculpas para tais folguedos secretos que as
raparigas, as mulheres e as viúvas. Não são tão constrangidos, tão
acanhados como as mulheres, as quais não podem fazer um gesto,
trocar um olhar, saborear abertamente as
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coisas do amor, sem porem em risco a honra e serem imediatamente


presa das más línguas. Devemos fingir sempre indiferença; quando
gostaríamos de agir abertamente temos de fazê-lo em segredo; o
não podermos confessar que não somos indiferentes torna-nos
infelizes. O homem não é forçado a rodear-se de milhentos
cuidados. Apenas tem prazer e alegria e nós é que suportamos todas
as dores. Porquê, então, perde ele em segredo, na sua mão fria, o
que tem tão ricas ocasiões de empregar muito melhor?
Dizia eu, pois, que os excessos, sempre perigosos, são-no
particularmente nas coisas do amor, e este conhecimento adquirido
por acaso conservou-me até ao presente alegre, divertida e sensual.
Regressei a casa dos meus pais, mais rica sobretudo da ciência
seguinte: há duas espécies de moral no mundo: a moral oficial que
cimenta as leis da sociedade burguesa e que ninguém pode infringir
impunemente; e a moral natural entre os dois sexos, cuja mola mais
poderosa é o prazer. Naturalmente, eu não conhecia ainda esta ética,
mal a adivinhava, obscuramente, por instinto, e não a teria sabido
formular. Muito reflecti nisso depois. Esta natureza dupla da ética
foi-me sempre confirmada. O que é moral nos países muçulmanos é
imoral nos países cristãos. A moral da Antiguidade é diferente da da
Idade Média, e o que era permitido na Idade Média ofusca os
nossos sentimentos. A lei da natureza é a união mais íntima entre o
homem e a mulher; a forma sob que esta união se realiza depende do
clima, das convicções religiosas e da ordem social. Ninguém pode
transgredir impunemente as leis que lhe são impostas, e este
constrangimento que as leis morais de um país exercem igualmente
sobre todos, realça os prazeres da volúpia tornando-a secreta.
Os meus pais observavam de maneira exemplar as
formas exteriores das leis necessárias. Por isso eram duplamente
venturosos nas horas do prazer. Se não tivesse sido eu própria a ver,
nunca acreditaria. Possuo, pois, motivos para não confiar no exterior
das coisas e duvidar das aparências. Mas, um olhar de fogo, os ares
galanteadores e a conduta dita ligeira de certas mulheres são do
mesmo modo enganadores. Sei, por experiência, que as mulheres
que parecem prometer muito são justamente as mais frias e as mais
insensíveis, mesmo quando correspondem ao que prometem. Águas
tranquilas, agitas profundas. A justeza deste provérbio revela-se
com mais evidência no carácter da mulher. Sim, somos capazes de
fingir mesmo no momento do delíquio. Vi isso não só feito pela
minha excelente mãe, mas igualmente por outras e por mim
própria. É muito penoso para a mulher confessar que está a gozar.
Nós damos prazer e deixamos perceber que isso nos faz felizes, mas
algo de inexplicável impede-nos de confessar ou de deixar ver até
que grau gozamos. Julgo que a única razão para tal é o sentimento
muito vago de apenas conceder ao homem amado os direitos que
ele já tem sobre nós e não aumentar demais o seu império.
Por sua natureza, o homem deve combater, vencer, ultrapassar estas
dificuldades, chegar sempre mais acima e melhor. A satisfação
completa torna o homem indiferente, preguiçoso, calmo e seria uma
satisfação completa para ele se a mulher exprimisse os seus
sentimentos e testemunhasse exteriormente o seu gozo. É
necessário que o homem tenha sempre algo para combater, para
ganhar; é necessário que a mulher tenha ainda, sempre, a go para
conceder, mesmo quando já concedeu os seus avores supremos. E
quando a violência carnal já se acha ganha, é necessário que falte
ganhar uma vitória espiritual. Isso não é um simples cálculo da
nossa parte, é o instinto. Quantas vezes observei os animais, esses
gran-

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grandes mestres do homem para as coisas naturais. A fêmea


defende-se, retira-se, foge. O macho persegue, força, domina.
Quando o macho atingiu o seu fim e reduziu toda a defesa, afasta-
se. Então, afêmeapersegue-o, exige auxílio, protecção e
subsistência. Excepto nalgumas raras espécies animais, a fêmea não
testemunha a volúpia, mas não pode ocultar o desejo, surpreende o
macho, excita-o, sedu-lo. Quando ele fica em brasa, arranja uma
recusa, uma resistência e deve combater. Creio que através destes
combates e destas lutas a natureza quis alcançar o máximo de
excitação, o escoamento mais completo das preciosas seivas
animais, cuja fusão e mistura mais íntima asseguram a perpetuação
da espécie. Eles destilam, vaporizam, distendem ainda mais as
fontes nervosas, tornam a união mais perfeita. É por isso que
crianças nascidas de um combate de amor são mais robustas do que
as crianças nascidas de um casamento desgostoso, «concebidas
entre vigília e sono», como diz Shakespeare. A provocação e a
recusa são, pois, leis naturais assim como o desejo do homem obter
uma submissão completa e o instinto da mulher em recusa essa
submissão. Quando uma mulher se queixa da frieza do marido, é
porque foi demasiado sincera no momento do prazer máximo e
porque não deixou um único desejo ao homem.
A minha mãe havia ocultado o prazer que saboreava no espelho,
Marguerite não me mostrara o seu instrumento e eu sabia que
ambas eram sensuais num grau supremo. Não olvidei esta lição,
como o senhor vai ver.
Todas estas coisas ocupavam-me a imaginação da forma mais
agradável. Quase só conhecia o lado práticc graças à experiência do
meu primo. Tinha visto dois seres amáveis, bem educados e
virtuosos, votarem-se às alegrias de um dia de festa, saborearem os
prazeres de uma posse recíproca total. Com Marguerite, ficara-me
sempre um desejo, sentia que algo de mais completo me esperava.
Ignorava ainda realmente tudo acerca do aspecto físico e mecânico
do gozo animal. E, mesmo na sensualidade secreta do meu primo,
ficara uma réstia de poesia. Sabia eu o que o impulsionava?
Conhecia, na altura, todas as paixões humanas? O que me ofendera
não fora, no fundo, senão a sua indiferença para comigo, uma
rapariga fresca que acabara de me oferecer a ele. Em consciência,
Marguerite e eu éramos tão faltosas como o meu primo. Se
Marguerite não me tivesse posto de sobreaviso, eu teria também
caído nos excessos, dadas a minha curiosidade e a minha
inexperiência. Teria talvez perdido a saúde, assim como milhões de
jovens anémicos de olhos esbugalhados, que aproveitam todos os
momentos de solidão para saborear ciosamente o que a moral e os
costumes reprovam.
O senhor, claro, já calculou que, após tantas experiências, passei a
observar os homens e as coisas com muito mais atenção, com olhos
bem diferentes. Via em todo o lado segredos e dissimulação,
suspeitava de intrigas entre todas as pessoas que me rodeavam; a
maioria das vezes enganava-me, tal como tive de reconhecer mais
tarde. Observava e era toda ouvidos a fim de descobrir o que
pretendiam esconder-me e o que me tinham escondido até então.
Gostaria de surpreender mais uma vez os meus pais, arquitectava
muitos planos para consegui-lo, mas tinha medo de executá-los,
vergonha de fazê-lo e hoje sinto-me contente por não o ter feito.
Surpreendê-los voluntariamente teria sido um sacrilégio; e porque
macular a alegria tranquila de duas boas pessoas? Não podia
reprimendar-me por havê-los descoberto por acaso, nem por ter
visto a lascívia de Marguerite, tudo ainda era poesia para mim, mas
em breve devia conhecer a prosa. Ja lhe disse que, pouco tempo
depois do meu regresso casa, me tornei plenamente uma jovem
púbere. Via

72

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com pavor os primeiros sinais da maturidade. Queria ocultá-los da


minha mãe, porque julgava que esse sangue era consequência dos
meus devaneios com Marguerite. A minha roupa interior traiu-me, e
a minha mãe falou-me pela primeira vez nestas coisas; disse-me
apenas o bastante para me dar uma noção geral. Não suspeitava que
o seu próprio exemplo me tinha ensinado muito melhor. Pouco
tempo depois, completei os dezasseis anos e os meus pais passaram
a fazer-me acompanhá-los na sua vida mundana. Prestavam
atenção a mim, tanto mais que a minha voz se desenvolvia e que o
meu canto produzia as suas primeiras flores. Sempre que cantava em
sociedade diziam-me de todos os lados: «Devia dedicar--se ao teatro
e tornar-se uma Catalini, uma Sonntag!»
O que se ouve constantemente acaba por imprimir-se no cérebro e,
embora o meu pai não quisesse saber de nada, encontrei uma aliada
em minha mãe. Decidiu-se, enfim, que eu seria cantora. Todos os
meus estudos se dirigiram para tal objectivo.
Aos dezasseis anos usufruía de uma liberdade superior à da maioria
das raparigas. Uma parente afastada, velha, feia e timorata, devia
acompanhar-me a Viena, onde eu ia desenvolver a minha voz com
um célebre professsor. O meu pai fizera tudo quanto a sua fortuna lhe
permitira e o senhor sabe como lhe fiquei reconhecida. Antes de
partir, encontrei-me ainda muitas vezes com Marguerite. Era minha
amiga, minha confidente e minha amante.
Causou-me enorme espanto saber que ela tinha uma ligação com o
meu primo. Fiz-lhe esta observação e mostrou-se muito
envergonhada. Tinha-lhe contado o que vira ele fazer e ficou
tentada pela experiência de desviá-lo desse mau hábito, prejudicial
para a saúde. Confessou-me que a minha história lhe havia excitado
a imaginação e que tinha arranjado a maneira de vencer o horror
dele pelas mulheres. Fingia sentir vergonha de
Tê-lo seduzido. O meu primo era dez anos mais novo do qu e ela, mas
certificou-me que não lhe concedia mais do que a mim própria. Uma
criança que se queima passa a ter medo do lume. Ela detestava-se
devido à fraqueza que tivera pelo seu Charles bem-amado. Nunca
pude saber se me dissera a verdade.
Notei com prazer que o meu primo apresentava um aspecto muito
melhor, que já não evitava as raparigas e que me fitava por vezes
com olhos muito singulares. Não sentia nenhuma necessidade da
ajuda de Marguerite e contentava-me em brincar com ele. Se, em
tempos, não o houvesse surpreendido, creio que teríamos mantido
relações muito meigas porque tínhamos oportunidade de nos
encontrarmos sem entraves, o que é uma das condições essenciais
nos jogos do amor. Sentia também um receio terrível das
consequências funestas. Marguerite falara--me de tudo e, assim, dei
os primeiros passos no mundo bem armada e muito mais prudente
do que a maioria das raparigas. Isso serviu-me sempre, sabia
exactamente de que se tratava e os riscos que corria. Julgavam-me
fria e virtuosa, quando eu era, muito simplesmente, iniciada e
avisada. Se se quisesse analisar a chamada virtude da maioria das
mulheres, chegar-se-ia a resultados edificantes.
Tomei a peito ser sincera para consigo, mas creio que quase todas as
mulheres dificilmente são sinceras, porque a artimanha e o
fingimento fazem parte da nossa natureza. Se se pudessem evitar as
consequências fatais, por magia, não mais haveria raparigas
virtuosas. Todas elas experimentariam por simples curiosidade e
gozariam tanto com a sua própria inclinação como com a volúpia
do homem. Antes de abandonar a casa paterna e e enveredar pela
via cheia de espinhos, mas também com muitas alegrias, que é a de
uma actriz, tive ocasião conhecer o reverso da medalha.

74 75

Os meus pais possuíam também uma quinta, vacas um galinheiro


e um grande pomar. As galinhas e os pombos estavam sob o meu
domínio, pois era a mim que incumbiam os cuidados da sua
alimentação. O galinheiro ficava junto do estábulo e apenas
separado por um tabique de tábuas da granja onde se
amontoavam as forragens. Aí me encontrava uma manhã,
quando o cocheiro, ao nosso serviço apenas há quinze dias, entrou
no estábulo empurrando a criada para a granja. Ela soltava
gritinhos e era feia, suja, nojenta. Debatia-se por se debater, e
abandonou-se logo que ele a deitou no feno. Eu estava de pé, atrás
do tabique, e observava-os por uma abertura. Gostaria de não os ter
visto, porque não pode imaginar-se um contraste mais horrível
com tudo o que eu até então conhecera. Sem nenhuma ternura e
sem demoras nas carícias preliminares, levantou as roupas da
rapariga, apalpou-lhe os seios e o objecto do seu grosseiro desejo,
depois atirou-se para cima dela e fez-lhe tudo o que o meu pai
tinha feito à minha mãe. Tanto quanto este fora amável e terno,
tanto aquele era bruto. Mostrava-se excessivamente animal e eu
gostaria de desviar a vista. Não compreendo ainda o que me impediu
de fazê-lo. As palavras que ambos trocavam eram ainda mais
repelentes. Empregavam frases grosseiras para designarem tudo
aquilo que eu nunca tinha ainda ouvido designar. Por fim, a crise
pôs termo a este fluxo de porcaria. Sentia-me cansada de ter
seguido com os olhos espectáculo tão nojento. Tinha medo de
mexer-me para não revelar a minha presença e assistir, assim, aos
ademanes da rapariga que excitava o cocheiro com os gestos e as
palavras menos femininos. Ele parecia já estar farto e não mostrava
pressa em responder aos seus desejos. Enfim, ela lá o constrangeu.
Aquilo durou muito mais tempo do que na primeira vez. Ela
acompanhava cada empurrão do cocheiro com exclamações que
traíam o seu
nrazer, mas nem por isso eram menos infames.
Tinha-me enriquecido com uma nova experiência; horrível, havia-
me mostrado o reverso do que a minha imaginação ornava com os
encantos da mais elevada poesia. Que diferença entre a satisfação
do seu brutal desejo e a união terna e íntima de dois seres belos e
bem educados! Que restava à coisa se se lhe retirasse a ternura, o
temor, a espiritualidade? Não podia tratar-se de amor, nem sequer
de inclinação. Ele encontrava-se há quinze dias em nossa casa e o
que eu acabara de ver não era provavelmente a primeira sessão. Ela
cedera ao recém--chegado os direitos do predecessor e não achava
nisso nada de extraordinário. Mas como se arranjava para evitar as
consequências de todas estas relações, porque o cocheiro não era o
único a gozar num tal chiqueiro? As suas exclamações mostravam
bem que absorvia tudo até à última gota e que não fazia nenhuma
ideia das medidas de segurança. Isso fez-me reflectir muito. É
verdade que uma criada de quinta não tinha grande coisa a perder na
sua reputação, mesmo se parisse um desses pequenos miseráveis,
que sofrem na sociedade a infâmia dos seus pais. __ Em suma,
acabava de aprender como são vantajosas a educação, os bons
costumes e o ideal.
E que não são apenas a união dos sexos e a excitação física dos
nervos que provocam este arrepio de arrebatamento extraterrestre.
Não, é a emoção espiritual, a tensão de todas as forças da alma, o
abandono da razão que produzem esta beatitude mágica,
arrebatando cada fibra acima da sua actividade terrestre. Se eu
tivesse visto este casal antes do rico espectáculo que o meu pai e a
minha mãe me haviam proporcionado, as minhas inclinações e as
minhas experiências teriam sido bem diferentes, compreendi
claramente que não passávamos de um joguete do acaso, que as
nossas virtudes e os nossos vícios afeiçoados pelas impressões que
recebemos. Sem

76 77

Marguerite, ter-me-ia provavelmente casado em breve e sem o acaso


da alcova, teria ficado virgem até ao casamento. Esta convicção de
que dependemos das impressões exteriores e que não podemos
evitar voluntariamente permitiu-me ser boa e indulgente para com
os outros. O que parece um erro assim de repente deixa muitas
vezes de sê-lo quando nos damos ao trabalho de procurar as causas
e as circunstâncias.
Os primeiros tempos da minha estada em Viena foram bastante
desinteressantes. Quase não conhecíamos ninguém e segui
assiduamente as lições de canto do meu excelente professor. A
minha única distracção era ir ao teatro quando davam ópera.
Dispusera bastas vezes da ocasião de fazer conhecimentos.
Encontrava-me no estado da jovem a quem chamam tão justamente
«a beleza do diabo». Muitos jovens faziam-me a corte. Mas a
minha pequena razão havia posto tudo em ordem. Queria, antes do
resto, tornar-me uma cantora célebre e só depois gozar a vida. Nada
deveria perturbar-me o curso dos estudos. Afastei os admiradores
com tamanha severidade que depressa me deixaram seguir sozinha
o meu caminho. A velha parente andava encantada com a minha
virtude e a minha conduta. É verdade que ela não suspeitava sequer
dos meus divertimentos secretos, aliás saboreados com medida.
Chego a uma parte das minhas confissões que se me torna muito
mais difícil contar-lhe do que quanto já lhe disse. Mas prometi-lhe
ser sincera e, assim, vou confessar tudo. Esqueci-me de relatar-lhe
que Marguerite me tinha dado de presente o famoso livro Félicia ou
mes fredaines1, ilustrado com gravuras que só por si me teriam

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1
O título, em português, dá Felina, ou as minhas estroinices, O seu
autor foi Andréa de Nerciat (1739-1800), um enigmático e
libertino nobre francês, que a publicou em 1782 (N. T.).

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inado o que faz o centro de toda a actividade humana, não


ens
houvesse sido iniciada. Esta leitura proporcionava-me um prazer
incrível. Só ma permitia uma vez por semana, no domingo à noite,
quando tomava o banho quente. Nessa altura, ninguém ousava vir
incomodar-me. A casa de banho ficava mesmo no extremo do
apartamento e apenas dispunha de uma porta, que tapei com um
cobertor a fim de ficar ao abrigo de qualquer surpresa. Estava em
plena segurança.
Lia o livro enquanto tomava banho. Produzia em mim os mesmos
efeitos que em Marguerite. Mas quem poderia ler aquelas ardentes
descrições sem se excitar e desfalecer? Uma vez enxuta e deitada no
meu roupão, abria-se então para mim o paraíso, contudo bem
restrito. Via-me por inteiro no grande espelho. O meu prazer
taciturno começava pela admiração de cada parte do corpo.
Acariciava e comprimia os meus jovens seios arredondados,
brincava com os seus bicos, depois conduzia o meu dedo para a fonte
inesgotável de todas as beatitudes femininas. A minha sensualidade
fizera rápidos progressos. Tinha, sobretudo, um escoamento muito
abundante daquele bálsamo tão doce e inebriante que se escapa do
mais profundo da fenda feminina no momento do êxtase. Os
homens a quem me abandonei a seguir ficaram encantados com
esta preciosa qualidade; não podiam testemunhar-me
suficientemente as suas delícias quando o meu jacto os inundava.
Julgava eu então que isto era comum a todas as mulheres mas, na
realidade, é um dom dos mais raros. Em Paris, um dos meus
ardentes adoradores perdeu o conhecimento ao sentir pela primeira
vez a minha fonte inundá-lo. A seguir, sempre que eu lhe concedia
os meus favores, ele retirava precipitadamente a arma no momento do
êxtase, para levar a boca à ferida terna e beber a longos sorvos na
fonte impetuosa; depois entrava com muito mais ardor e
descarregava por sua vez,

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mas naquela pequena bexiga que Marguerite tinha visto no seu


russo. Esta fantasia do meu amigo parisiense incitou-me a também
absorver o jacto que brota maravilhosamente e com uma força
eléctrica da árvore da vida. Mas isso pertence às minhas confissões
ulteriores, e volto aos meus serões vienenses.
Tinha enorme prazer em seguir no espelho as carícias lascivas da
minha mão. O centro da excitação sexual ficava sujeito a todos os
ataques porque eu afastava as coxas o mais possível. Brincava,
afadigada, esfregava e fazia titilações, depois enfiava o dedo no
interior, que o aguardava febrilmente. Podem contar-se estes
divertimentos divinos? O sangue fustiga as veias, todos os nervos
se agitam, a respiração pára, enfim o orvalho da vida brota pleno,
ardente e apaziguador, para humedecer e refrescar os lábios da boca
do amor.
A recordação destas horas ardentes passadas diante de um espelho
no fundo da minha solidão, em Viena, arrebata-me ainda a tal
ponto, quando lhe escrevo, que a minha mão se dirige
instintivamente para onde tal recordação causa o efeito mais vivo.
Aperceber-se-á pela minha escrita trémula de quanto estes
sentimentos me agitam. Todo o meu corpo treme de prazer e de
nostalgia. Largo a pena! E ...

**
V

A descrição demasiado viva do final da minha última carta impediu-


me de contar-lhe o que pretendia dizer--lhe. A lembrança dos
prazeres secretos que saboreei no tempo da minha floração virginal
fizera-me saltar a pena das mãos. Estas desempenharam um papel
que, ainda hoje, não perdeu os seus encantos para mim e ao qual
muitas vezes recorro na ninha desconfiança justificada dos homens.
Já lhe contei provavelmente o pior: devo, no entanto, fazer um
grande esforço para ser sincera no que se vai seguir. Escrevi-lhe que
não estou arrependida de nada do que fiz para saciar o meu apetite
sexual, excepto o meu abandono completo àquele inescrupuloso
que, sem a ajuda do senhor, me teria tornado infeliz para sempre.
Não me arrependo do que fiz então, em Viena, próximo do fim dos
meus estudos musicais.
Quando avancei o bastante para estudar papéis, precisei de um
acompanhador. Este devia ficar ao piano, enquanto eu caminhava
pela sala, estudando o canto e os gestos. O meu professor
recomendou-me um jovem músico acabado de sair do seminário. Era
um jovem de vinte anos, excessivamente tímido, não muito belo,
mas elegante, muito limpo, muito cuidadoso no trajar, tal como a
maior parte dos que saem de um instituto religioso. Era o único
jovem que frequentava regularmente a nossa casa, à hora das
lições; muito naturalmente, estabeleceu-se, pois, entre nós uma
espécie de familiaridade.
Evitava-me, continuando a ser muito tímido, e quase nunca ousava
fitar-me de frente. O senhor conhece a minha esperteza e o meu
espírito empreendedor. Diverti-me a torná-lo apaixonado, o que
não me foi muito difícil. Não existe melhor cúmplice do que a
música, que prepara milhentas ocasiões, e, como o meu talento se
revelava durante estes exercícios, notei que ele se inflamava a
pouco e pouco.
Não o amava, pois só conheci esse poderoso sentimento muito mais
tarde, mas divertia-me observar a influência que exercia sobre um
homem ainda puro. Moral e fisicamente puro. Este jogo era muito
cruel da minha parte; como agora o reconheço, é-me muito difícil
contar-lhe o que sucedeu.
Depois de tudo quanto acabava de ver, de aprender e de
experimentar, sentia-me muito curiosa de saber mais. Perguntei a
mim mesma, com o meu pequeno raciocínio de rapariga
independente, como levar Franz (era o nome do jovem músico) a
algo de mais decisivo do que suspiros e olhares langorosos durante
os meus vocalizos. Quando uma mulher procura meios depressa os
encontra. A minha idosa parente ia duas vezes por semana ao
mercado fazer as compras necessárias à casa. Saía à hora das lições.
Quando Franz chegava, a mulher a dias abria-lhe a porta, sem vir
anunciá-lo, porque sabia que eu o esperava. Foi nisto que assentei
o meu plano. Entre outras coisas, contei a Franz que não podia,
muitas vezes, dormir de noite e que, se me deitasse depois do
almoço, tinham muita dificuldade em acordar-me, tão pesado era o
meu sono. Prestada esta informação, aguardei-o, na vez se-guinte,
deitada no sofá numa pose escolhida. Tinha levantada uma perna, a
barriga da perna era visível até à liga, o meu lenço de pescoço
estava naturalmente deslocado, nuca e garganta achavam-se -nuas.
Dobrara um braço sobre os olhos, a fim de ver por baixo tudo o que
Franz ia fazer.
Aguardei-o de coração excitado, interiormente contente de ter
preparado tão bem o meu cenário. Ouvi a porta da cozinha fechar-
se e, em breve, ele entrou. Deteve-se como que petrificado no
limiar da porta. O rosto corou, os olhos avivaram-se; pareciam
querer devorar-me no sítio sensível. O efeito produzido era tão
visível, mesmo através das calças, que por um instante tive medo de
ficar sozinha com ele, exposta ao seu deleite. Tossiu ligeiramente
e, depois, com mais força, a fim de acordar-me. Como não me
mexesse, acercou-se do sofá e curvou-se o bastante para poder
espreitar por baixo das minhas saias. Tinha tudo preparado para ele
aí ver qualquer coisa; mas Franz contou-me mais tarde que apenas
avistara as coxas e mais nada. Observava todos os seus movimentos,
queria dormir o mais tempo possível. Tornou a tossir, assoou-se com
muita força, mexeu nas cadeiras. Eu dormia. Então inclinou-se para
a minha garganta, depois espreitou de novo para debaixo das
saias. Eu continuava a dormir. De repente, saiu da sala para se
retirar ou ir procurar a mulher a dias.
O coitado! Sentia-me aborrecida por ter preparado em vão esta cena.
Ele contou-me mais tarde que tinha realmente procurado a mulher a
dias, mas que esta saíra. Regressou passados alguns minutos e
pareceu mais resoluto. Voltou a fazer barulho para acordar-me;
naturalmente sem resultado, porque eu queria tirar proveito da
situação. Mostrava-se muito excitado e interrogava-se sobre o que
deveria fazer. Mas eu tinha aprendido bem as lições de Marguerite e
de Felícia; sabia que um homem não resiste muito tempo a uma tal
ocasião. Se não era experiente, Franz possuía, mesmo assim,
sentidos e teria e ser de mármore para resistir à tentação. Realmente
teve a coragem de tocar-me a barriga das pernas, depois o joelho,
depois as coxas, que eu tinha nuas. Se este
contacto me excitava já tanto, que estado deveria ser o seu!

82 83

Pobre rapazinho! Os seus olhos fixavam-me receosamente a cara


para ver se não ia acordar. Enfim, ousou tocar no sítio que o atraía
irresistivelmente. Um arrepio voluptuoso inundou-me quando senti
pela primeira vez uma mão de homem no ponto central de todos os
prazeres terrestres. Era muito diferente de tudo o que eu conhecia.
Já não estava a fingir quando me pus a suspirar. Fiz um movimento,
mudei de posição, mas não em desvantagem do meu pobre
cavalheiro cheio de tremuras. Pensou, por momentos, que eu ia
acordar mas, depois, convenceu-se de que eu estava realmente
adormecida e recomeçou o seu jogo. Graças à minha nova posição,
dispunha de muito maior campo de manobra. Assim, já não se
contentou em tocar-me ligeiramente: levantou-me muito
devagarinho os vestidos a fim de ver.
Foi o senhor mesmo quem me disse quando me examinou que,
apesar da devastação causada por esta arrasante doença, eu era
muito bem conformada neste sítio. Assim, pode calcular como
Franz ficou fora de si ao ver tudo. Acariciava o mais levemente que
lhe era possível o objecto da sua avidez e, devo confessá-lo, dos
meus desejos. Conheci a diferença que existe entre a mão de um
homem e a de Marguerite ou a minha. Sempre a dormir, estendi-
me, contorci-me, mas evitei fechar as coxas, o que teria sido muito
natural para uma mulher adormecida. Franz já não conseguia
dominar-se. Abriu febrilmente as calças e desnudou a arma, a qual
me teria seguramente conquistado se as advertências de Marguerite
não me ocorressem ao espírito. Queria tornar-me uma grande
actriz. Era uma resolução inabalável, mas achava-me também
resolvida a gozar de tudo o que o meu sexo pudesse saborear sem
perigo. Estava, pois, fora de causa abandonar-me a um pequeno
fedelho sem experiência. Acordei, assim, no momento em que se
ajoelhava entre as minhas coxas; encarei com olhos esgaseados o
temerário; com um único movimento lateral, fiz-lhe perder todas
as vantagens da sua posição.
O senhor sempre elogiou o meu grande talento de
comediante. Aqui, passou-se uma bela cena em que teria
disposto de oportunidade para admirar a verdade da
minha representação. De um lado, censuras, decepções,
choros; do outro, medo, perturbação, vergonha. Ele
esquecera-se de ocultar o verdadeiro traidor da situação,
o que me era muito agradável porque, debaixo das lágrimas e dos
soluços, conseguia satisfazer a minha grande curiosidade. Podia
felicitar-me pela comédia e
tinha ganho um jovem bem robusto. A explicação foi
muito simples. Provei-lhe que me havia desonrado e que
deveria abandonar a cidade se eu me queixasse da sua
conduta descarada. Disse-lhe que o correria e que nunca
mais o voltaria a ver se não acontecesse sentir um fraco
por ele e ter, desde há muito, reparado no seu amor.
Perdoei-lhe a falta devido à sua grande paixão. Afirmei-lhe tudo
isto com convicção e muito naturalmente; acreditou em quanto
lhe disse. Acalmou-se aos poucos,
escondeu enfim o que denunciava demasiado visivelmente o seu
crime e tudo terminou num beijo demorado que pareceu nunca
mais ter fim.
As coisas não foram mais longe nesse dia. Mostrava-se tao tímido
como antes e não tentou mais nada. Após todas estas reprimendas,
confissões e perdões, tudo se passou como se nada tivesse
acontecido. A nossa lição de canto foi muito fastidiosa e, quando a
minha tia voltou do mercado, Franz deixou-me feliz e receoso.
Compreendi que o meu plano tão maquiavélico não servira para
nada. Compreendi também que ele nunca mais voltaria.
Mas não gostava de me ter enganado tão grosseiramente, sentia-me
inquieta e distraída; dei voltas à cabeça para alcançar os seus fins
sem arriscar a honra. Antes de tudo, não devia voltar a encontrar-
me sozinha com ele.

84 85

Acertara em cheio. Confessou-me mais tarde que tinha decidido


nunca mais franquear a nossa porta.
Não me era difícil fazer tudo o que queria porque não o amava;
obstinei-me a proceder segundo a minha vontade. O meu professor
de canto serviu-me de intermediário. Pedi-lhe que me examinasse
para ver se eu fizera progressos com o acompanhador que me havia
recomendado. Franz teve, pois, de assistir a este exame e ficou
muito surpreendido quando se encontrou de súbito comigo. Disse-
lhe às escondidas que precisava de falar-lhe sem falta, que a minha
tia ou que a mulher a dias deviam ter desconfiado de qualquer
coisa. Muito perturbado, estava pronto para tudo. Marquei-lhe
encontro para essa noite, no teatro. Ora, quando gente nova tem
encontros secretos, o resto segue-se com toda a naturalidade.
À noite, deixei o meu camarim como de costume e encontrei Franz
no local combinado. Estava à minha espera. Disse-lhe que, após as
estranhas alusões da minha tia, a mulher a dias devia ter-nos
espiado. Estava desesperada, porque não sabia o que ele fizera
enquanto eu dormia e até que ponto tinha levado a sua audácia.
Disse-lhe ainda que me sentira indisposta depois, febril, que
suspeitava o pior. Franz não sabia que fazer para acalmar-me.
Entretanto, estávamos já muito próximo da minha residência. De
súbito, no mais alto grau de excitação, senti-me mal, incapaz de dar
um passo. Franz foi forçado a ir buscar um fiacre e, se não o tivesse
arrastado comigo, ter-me-ia, na verdade, deixado voltar sozinha
para casa. No fiacre, estreito e sombrio, já não conseguiria escapar-
me. Os minutos passavam rapidamente; disse-lhe que não podia
apresentar-me assim, em lágrimas e descomposta à minha tia e
roguei-lhe que dissesse ao cocheiro para nos levar para o lado dos
taludes.
A partir daí tudo passou a correr pelo melhor. As lágrimas
tornaram-se beijos, as reprimendas carícias.
Sentia pela primeira vez o encanto de ser abraçada por um homem.
Defendia-me fracamente, porque a sua timidez tê-lo-ia feito cessar
imediatamente. Continuava a querer saber o que ele me fizera
durante o meu comprido sono. Quando viu que as suas explicações
e promessas não podiam convencer-me, tentou, por fim, provar-me
que se tinha contentado com pouco. A sua mão buscou o sítio que a
esperava há muito. Ousou o primeiro contacto, o qual me provocou
uma sensação bem diferente da tida durante o sono simulado
porque, desta vez, ele beijava-me na boca. Apertei as coxas com
toda a força que me foi possível e só as abri aos poucos, como que
cedendo às suas carícias. Suspirei, as minhas reprimendas cessaram
e a respiração tornou-se-me ofegante; gozava com volúpia as
ternuras da sua mão e, no entanto, elas eram muito desajeitadas e
inexperientes.
Eu sabia atingir melhor o sítio e provocar o bom momento. Franz
ignorava que a sensibilidade maior se encontra, na mulher, à
entrada do santuário. Continuava a procurar enfiar o dedo o mais
profundamente possível e, quanto mais conseguia, mais fora de si
ficava. Eu bem sentia que a natureza lhe ditava que fosse até ao fim,
que se unisse a mim completamente. Mas isso não estava em causa e
nunca deveria estar em causa entre nós. Eu assim o decidira. Por
isso, quando ele me apertava demais e tentava outra coisa, afastava-
o vivamente e ameaçava chamar por socorro. Era de novo tolerante
e boa quando ele se afastava assustado e se contentava com o que eu
lhe deixava. Sentia-me muito feliz com o êxito do meu plano,
embora este gozo fosse incompleto. Tinha tomado o fiacre para
recuperar do mal-estar, mas a nossa conversa não mo permitira.
Enfim, tive de despachar-me para chegar a horas a casa.
Deixei Franz com a certeza de tornar a vê-lo em breve e não me
enganei. Apareceu e começou, então, uma série
86 87

de horas felizes e sensuais. Ainda hoje essas horas constituem a


minha mais bela recordação, embora haja depois conhecido outras
volúpias mais intensas e mais ricas. Antes de contar-lhe o resto,
devo intercalar aqui uma aventura que tive ainda nessa noite e que
me permitiu lançar um olhar profundo sobre as contradições da
vida da sociedade humana; uma vez mais, tive a prova de que as
aparências iludem.
, A minha idosa parente ia já avançada na casa dos quarenta, era
uma boa dona de casa, um modelo de ordem, de virtude e de
poupança. Os únicos seres por que se interessava eram um canário e
um cão fraldiqueiro gordo e redondo que nunca deixava sair do
quarto e que levava a passear de dia. Regressei mais tarde do que
pensava, a mulher a dias disse-me que a minha tia estava deitada.
Despi-me logo, a fim de ela não poder ver que os meus vestidos
estavam um tanto em desordem, porque queria ainda ir dar-lhe as
boas-noites e contar-lhe uma história qualquer para explicar o meu
atraso. Como não desejava acordá-la, espreitei pelo buraco da
fechadura para ver se ainda havia luz no quarto. Esperava tudo,
excepto o espectáculo que se me oferecia à vista. A minha tia estava
na cama. Tinha afastado a coberta e segurava o cão entre as coxas.
Ele lambia com o maior entusiasmo os restos do seu antigo
esplendor. O espectáculo não era muito apetecível. A parte superior
do corpo estava vestida e apenas a parte inferior estava nua. As
coxas magras, descarnadas, achavam-se muito largamente abertas,
a fim de facilitarem a tarefa ao cão excitado. A floresta de pêlos
que rodeava a gruta misteriosa era tão espessa e tão densa que o
focinho do cão desaparecia nela e nem se via de que forma satisfazia
a dona.
Assim, a minha tia também!...
Por ela, no entanto, eu teria posto a mão no fogo e eis como a
surpreendia! Receava provavelmente entregar-se nas mãos de um
homem, porque realmente já não podia ter qualquer pretensão ao
amor e ao gozo. Um tal espectáculo era novo para mim; queria saber
quanto tempo ele duraria e como terminaria; permaneci, portanto,
no meu posto de observação. A minha tia tinha fechado os olhos e
não podia ver-lhe a expressão da cara e reconhecer o efeito causado
por este gozo secreto. Pelo contrário, a agitação do ventre dizia
vivamente do prazer que nele encontrava. Movia-se ao encontro da
língua febril do cão, e agitava as ancas da direita para a esquerda,
como que para ajudá-lo. Por vezes, apertava as coxas e estreitava o
cão. A minha gentil tia parecia muito experiente; com efeito, quando
o cão afrouxou, fatigado, levou imediatamente a mão à fenda e
retomou os movimentos secretos abandonados pelo seu bem-
amado. O cão, excitado, erguia-se encostado a uma das pernas dela
e, numa pose natural, procurava satisfazer o seu desejo. Enquanto a
minha tia se animava cada vez mais para provocar o orgasmo
benfazejo, o cão fazia o mesmo à sua maneira, mas isso não lhe
correu tão bem como à dona. Porque ela se apressava a atingir o
êxtase, não teve tempo de correr com ele. Mas assim que o arrepio
voluptuoso lhe sacudiu o corpo e distendeu os membros, e a fonte
interior se abriu de todo, aplicou-lhe um grande pontapé. O pobre
animal refugiou-se debaixo da cama, a gemer. A minha tia
permaneceu ainda um instante imóvel, depois puxou para cima a
coberta e baixou a luz do candeeiro.
Este espectáculo inesperado chegara ao fim. Evitei revelar a minha
presença atrás da porta. Fora mais uma experiência e isso no
próprio momento em que tinha vergonha de enganar a minha tia
com uma mentira. Agora já sabia com o que contava. Antes de
tudo, queria também experimentar o que vira fazer. Aquilo não
devia oferecer perigos, pois a minha tia se lhe entregava. Devo
confessar que sentia pena daquele horrível cão que não

88 89
pudera satisfazer o seu desejo. Deliciosamente emocionada, tive
muita dificuldade em adormecer e fiz sonhos monstruosos, nos
quais Franz e o cão apareciam estranhamente confundidos.
Na manhã do dia seguinte, dei-me pressa em enviar a minha tia de
visita a um subúrbio afastado e, quando fiquei sozinha no
apartamento, comecei a experiência. Compreendi porque é que a
minha tia encerrava continuamente o cão. Mal se apanhou no meu
quarto pôs-se a fungar à minha volta. Já tinha dado por ele antes
mas sem lhe ligar, porque a minha tia logo o chamava e tomava-o
sobre os joelhos. Não precisei de preparativos para chegar ao que
queria. Logo que me deitei no sofá, deixando-lhe livre o acesso da
minha gruta, logo ele me prestou os mesmos serviços que à dona.
Conheci todas as variedades de gozos secretos e não minto dizendo
que a carícia de um cão, se não for muito violenta, é a mais
agradável de todas, embora incompleta. A mais agradável, porque
ficamos inactivas e podemos abandonar-nos completamente à
imaginação. Incompleta porque uma satisfação total nunca pode
acontecer. A carícia de um animal não se acelera, não se anima, não
se torna mais expressiva mas permanece igualmente agradável,
quente e húmida. Sentia-me muito curiosa de saber quanto tempo
suportaria uma tal excitação; durou um bom quarto de hora. Havia
motivos para alegrar-me com esta descoberta.
Já que pude suportar a minha vergonha, devo fazer-lhe uma outra
confissão, que pensava nunca contar a ninguém. Mas o senhor tem
a minha palavra, e quero mantê-la.
O cão esfregou-se contra a minha perna e procurou aliviar o seu
desejo natural. Maldosa como sou, esses esforços do cão divertiam-
me e deixei-o agir à vontade. Por fim, meteu-me dó e pus-me a
ajudá-lo. O ardor com que perseguia o seu desejo não me era
desagradável. O que via interessava-me muito, porque a coisa não
tinha a mesma forma do que eu observara nos homens. Compreendi
também as cenas espantosas a que tinha assistido nas ruas.
Confessar-lhe-ei, pois, que aliviei o pobre animal com a mão, e foi
com prazer que vi, enfim, brotar a seiva que serve para a reprodução;
correu tão abundantemente como no meu primo.
Longe de sentir remorsos por uma tal perversão, acrescento que
sempre apreciei extremamente o espectáculo do acasalamento entre
os animais. O senhor talvez tenha razão quando diz que se trata de
uma perversão ou, pelo menos, de um extravasamento da
sensualidade; mas devo observar-lhe que até ao dia em que lhe fiz -
só ao senhor - a confissão da minha gravidez e da minha
contaminação, sempre gozei da fama de ser uma senhora muito
virtuosa. Por conseguinte, os meus gostos não ofenderam ninguém
e não prejudiquei nenhuma pessoa. Tudo quanto respeita à união
íntima de dois seres exerceu sempre em mim um encanto estranho,
irresistível, sem nunca me impelir para actos pouco razoáveis.
Provei pouco mais ou menos tudo, mas nunca falei nisso, e apenas
nas relações mais íntimas é que desvendei a minha verdadeira
natureza.
Uma vez, estava eu a passar férias com a família de um grande
proprietário de terras que possuía uma coudelaria de cavalos ingleses
e árabes, assisti quase todos os dias aos folguedos dos machos
admiráveis que cobriam as éguas. Observara isso na primeira vez por
acaso, e essa visão ficara-me inolvidável. Graças à minha esperteza
natural, pude gozar o espectáculo durante mais de três semanas, na
ausência dos meus amigos que tinham ido para as águas. Ninguém
suspeitava que, escondida atrás de um reposteiro, eu espiava os
garanhões, porque o meu quarto não dava para a cerca. Não sei se o
senhor já viu isto nos

90 91

cavalos de raça; posso afirmar-lhe que não há nada mais belo do que
um garanhão a cobrir uma égua. As belas formas, a força, o chispar
das pupilas, a tensão aparente de todos os nervos, de todos os
músculos, enfim, o frenesi levado até à raiva; tudo isto apresenta
para mim uma atracção mágica. Pode ficar-se frio, mesmo com
nojo, ou falar disto com desdém, mas é-se forçado a confessar que
a cópula é o momento supremo da vida animal e que a natureza se
rodeou, na maioria dos casos, de muita graça e beleza, mesmo aos
olhos do homem. Os pássaros cantam com mais fervor, os veados
combatem, cada ser aumenta a sua força e beleza. Tudo isto
observava-se sobretudo nos cavalos de raça. A égua, obedecendo a
uma lei da natureza, recusa-se, e o garanhão tem de aproximar-se
com muitas precauções para não se expor aos coices. A pouco e
pouco, consegue vencer a resistência da fêmea. Galopa em seu
redor, roça as ventas pelos flancos, relincha, não sabe como
consumir o excesso de forças. Debaixo da sua pelagem de veludo
todas as veias e todos os músculos se incham e o sinal da virilidade
aparece no seu esplendor. Não se vê onde tudo aquilo se vai enfiar.
Por fim, a égua aceita e apresenta-se. Num abrir e fechar de olhos,
o garanhão ataca furiosamente o objecto do seu desejo. Durante
muito tempo, bate-se em vão. O alvo é demasiadamente pequeno
para os golpes de uma tal lança. Seria de auxiliar o pobre animal e é
o que os criados da estrebaria fazem. Mal ele tocou as bordas, mal
ela absorveu a ponta, logo se segue um empurrão tal que não se pode
descrever nem a força nem o resultado. Os olhos saltam-lhe das
órbitas; vapor sobe-lhe nas narinas; todo o corpo parece
convulsionar-se. Quem contempla tal espectáculo conhece um
enorme prazer. Não posso ocultar que nunca me fartava deste
quadro que me excitava sempre no mais alto grau.
Tal como para os folguedos secretos da minha tia, também é por
acaso que posso fazer aqui estas confissões; volto, pois, depressa ao
meu assunto.
Após as declarações e as intimidades do fiacre, a minha ligação com
Franz adquiriu um aspecto especial. Como eu não o amava - só
conheci esse poderoso sentimento muito mais tarde e para minha
grande desventura - estava decidida a nunca lhe conceder os
direitos inteiros de um amante. Devia servir-me apenas de
divertimento. Queria experimentar e conhecer com ele tudo o que
podia saborear sem perigo. Naturalmente, tornou-se aos poucos
mais ousado mas, como eu não autorizava tudo, dominei-o sempre
e fazia o que me apetecia.
As vezes em que ficava sozinha com ele, passava as horas mais
requintadas. Permitia-lhe liberdade completa e, em breve, deixou
de ser tão inexperiente e tão selvagem como no fiacre. Ousava
beijar todas as partes do meu corpo, acariciá-las, gozar. É verdade
que me dava muito que fazer impedi-lo de ir mais além. Quando
tentava instalar-se entre as minhas coxas, tirar as calças de repente
e atingir o alvo principal, eu repelia-o, e só voltava a ser gentil
quando me prometia ser mais modesto. O pobrezito passava tratos de
polé! Notei várias vezes que não conseguia dominar a excitação e
que descarregava sozinho nas calças, como uma criança.
De há muito que me sentia terrivelmente curiosa de ver de perto o
membro admirável que a natureza tão maravilhosamente
organizou e com o qual o homem pode tornar-nos inefavelmente
felizes ou indizivelmente desgraçadas. Claro que Franz não devia
notar o que eu tanto desejava mas, pelo contrário, acreditar que era
ele quem me conduzia a passo e passo pela vereda abrupta. O melhor
meio seria permitir-lhe fazer-me tudo o que eu desejava fazer-lhe.
O pequeno cão fraldiqueiro da minha tia havia-me ensinado que, se
não pode ter-se tudo o que

92 93

se deseja, existem sempre certas compensações possíveis.


Não tive, portanto, dificuldade em levar Franz a beijar-me não só a
boca e os seios, mas a escolher um objecto mais sensível para os
seus beijos. Quando os meus suspiros, as minhas palpitações e os
meus sobressaltos lhe revelaram que eu sentia um fraco por esta
carícia, tornou-se muito dotado e provocou-me gozos indescritíveis.
Às vezes, parecia querer aproveitar quando, após o corrimento da
minha humidade, uma prostração, um abandono completo me
invadiam. Instalava-se então entre as minhas coxas e esperava
aproveitar-se de um segundo de desatenção. Todas as vezes se
enganou porque, mesmo no momento do êxtase, eu nunca perdia de
vista tudo o que arriscava se lhe cedesse. Ele abandonava então,
muito confuso, o trono que julgava ter já conquistado. O que
Marguerite me havia contado dos seus folguedos secretos com a
ama, saboreava-o eu agora.
Quando Franz estava deitado entre as minhas coxas e a sua língua,
cheia de lascívia, agia no máximo do furor, me fazia cócegas, me
chupava, procurava enfiar-se o mais possível no interior, e quando,
tranquilamente estendida, eu gozava sem inquietações, comparava-
me intimamente à baronesa e achava-me muito mais feliz do que
ela. É que dispunha de um homem jovem, bonito e sentimental e
ela apenas tivera Marguerite. Franz era admirável, sobretudo no
momento do mais forte arrebatamento, quando um fluxo quente
brotava do meu interior e ele não despregava os lábios mas, pelo
contrário, colava-os mais fortemente e bebia como se quisesse
absorver toda a minha vida. Esta espécie de gozo exerceu sempre
em mim uma atracção extraordinária. Tal resulta da passividade
completa da mulher que recebe as carícias do homem e da
homenagem extraordinária que lhe é assim prestada aos seus
encantos. Basta o contacto exterior da boca, num simples beijo,
para que o efeito seja
mais do que inebriante; mas se, além disso, a língua conhece o seu
dever ou o aprendeu através dos estremecimentos das partes
acariciadas, não sei realmente se não devo preferir este gozo a
qualquer outro; aliás, dura mais tempo e não nos sacia.
O que vai seguir-se custa-me ainda mais a confessar do que tudo o
que já lhe contei. A verdade é de rigor entre nós e o que não teria a
coragem de dizer-lhe oralmente deve, não obstante, ser conhecido.
Era muito natural que, após tanta amabilidade e complacência da
parte de Franz, a reciprocidade tivesse lugar. Havia muito tempo
que eu desejava fazer tudo o que tinha visto a minha mãe realizar
naquele dia inolvidável em que provocou ao meu pai gozos
repetidos.
Isso aconteceu com toda a naturalidade. Primeiro a mão, desviando
envergonhadamente os olhos, depois a boca, ainda hesitante, depois
saboreando a pouco e pouco mais, e, enfim, o prazer por inteiro
sem peias e sem rodeios. Não sei o que os homens sentem quando
ousam acariciar todos os objectos dos seus anseios. Mas se concluo
pelo que senti ao olhar, acariciar e beijar o membro maravilhoso da
força viril, depois chupando-o e provocando o jacto impetuoso da
seiva vital, realmente a volúpia do homem é então formidável. O
que agora via e tocava, tinha já visto no meu pai, no meu primo e
no cocheiro dos meus parentes. Mas devia conhecê-lo em todas as
proporções da sua força e da sua beleza. Franz era mais novo do que
o meu pai, mais saudável e mais robusto do que o meu primo,
mais amável e mais meigo do que o grosseiro criado de estrebaria.
Há, sem dúvida, muitas mulheres que, por pudor ou por afectação,
nunca saboreiam o prazer por inteiro. Isso depende de várias coisas;
antes de tudo, do carácter da mulher, depois, também da violência
do homem que apenas se demora involuntariamente nos
preâmbulos,

94 95

todavia tão agradáveis, e que busca logo o gozo máximo. Quanto a


Franz, merecia bem esta compensação, pois eu fechava-lhe com
tanta constância o que ele chamava o seu paraíso. Aliás, ficava tão
excitado quando me tinha beijado, chupado e bebido que, por
simples piedade, eu deveria fazer o que fazia por prazer. Tinha
pouco gozo quando ele estava muito excitado porque bastavam dois
ou três movimentos de mão para aliviá-lo através da extravasação
da sua força. Tinha, pelo contrário, muito quando, após uma curta
pausa e uma lavagem cuidadosa, ele renascia a pouco e pouco na
minha boca, quando aquela obra-prima da natureza recuperava
todas as forças. Como engrossava! Como enrubescia! Como ficava
meigo e inerte após ter-se saciado! Como era arrebatador no
momento do jacto! Nem devo esconder, após ter tudo dito, que num
momento de inebriamento cobri com a minha boca o nervo
admirável, que colei os lábios na sua ponta tenra, que recebi toda a
seiva na boca e que não cessei de chupar e de beber até pingar a
última gota do bálsamo divino! Ainda hoje o sangue me ferve nas
veias quando penso nisto e, realmente, nada lamento do que então
fiz.
Mas o que fiz mais tarde deu-me remorsos, amargos remorsos, e
devo à sua amizade desinteressada que eles não me tenham
envenenado o resto da vida. Eu mesma o senti: não pode brincar-se
impunemente com o fogo, e os princípios mais fortes traem-se por
um estremecimento momentâneo dos nervos, um humor negro do
nosso interior. Seria muito triste se uma rapariga, pela leitura
destas cartas, sentisse vontade de agir como eu agi em
circunstâncias especiais. Se, por exemplo, se entregasse várias vezes
por semana ao prazer solitário, por muito voluptuoso que fosse,
seguir-se-iam fraquezas corporais e doenças. Se se confiasse à
amizade íntima de uma amiga sem ter-se assegurado antes da sua
discrição, sofreria todo o género de contratempos. Se permitisse a
um jovem, que não quer desposá-la, todas as espécies de favores, e
isso sem estar certa dos seus sentidos, ficaria infeliz para sempre.
A leitura dos livros voluptuosos e infames é muito perigosa para as
donzelas. Possuí mais tarde uma colecção completa desses livros e
conheço por experiência a impressão que eles causam. As Memórias
do Senhor de H..., As Galantarias dos Abades, A Conjuração de
Berlim, As Pequenas Histórias, de Althing. Os Romances
Priápicos, em alemão, As Confissões Eróticas do Abade Pineraide,
O Porteiro dos Cartuxos, Faublas, Felícia ou as Minhas
Estroinices», etc, em francês, são verdadeiros venenos para as
mulheres sós. Todos estes livros contam o acto do amor de uma
maneira atraente e excitante, mas nenhum fala das consequências,
nenhum põe uma menina de sobreaviso contra o abandono
demasiado completo ao homem; nenhum descreve os remorsos, a
vergonha, a perda da honra e as dores físicas que podem suceder. Por
isso é que o casamento é uma instituição sensata que cada homem
sensato deve defender. Sem o casamento, os desejos sensuais
fariam dos homens animais selvagens. Tal é a minha convicção,
embora não seja casada. Uma actriz não ousa criar laços. Não pode
ser ao mesmo tempo dona de casa, mãe de família e ídolo do
público. Sinto que seria uma esposa conscienciosa e uma mãe
muito meiga, naturalmente se o meu marido me tornasse feliz como
mereço. É porque conheço a importância extraordinária da vida
sexual em todas as condições humanas, é porque

--------------

1
As três últimas obras citadas possuem um apreciável nível
literário. «O Porteiro dos Cartuxos» (Histoire de Dom Bougre,
Portierdes Chartreux, 11A1) é da autoria do escritor francês
Gervaise de Latouche (1715-1782); «Faublas» {La Vie et les
Amours du Chevalier de Faublas, 1787/1790) também é de um autor
francês: Louvet de Couvray (1760-1797); a terceira já ficou
referida, assim como o seu autor (N. T.).

96 97

sei por experiência e por observação que este ponto mantido


secreto pelos homens mais respeitáveis e mais meigos é o centro da
vida em sociedade, é porque não ignoro tudo isto que seria uma
companheira exemplar. Agiria como a minha mãe agiu, esforçar-
me-ia por ser sempre nova para com o meu marido, prestar-me-ia a
todas as suas fantasias e, no entanto, ocultar-lhe-ia sempre qualquer
coisa, seria sensual, desavergonhada, libertina, sem pudor mas sem
nada deixar transparecer nem a ele nem aos outros, o que é, creio, a
chave de toda a felicidade humana.
**
VI

Ao ler o fim da minha última carta, o senhor deve ter-me achado


muito séria; é mais um aspecto do meu carácter. Prevejo sempre a
consequência das coisas; devo dar-me sempre conta das impressões,
dos sentimentos e das experiências. Mesmo a mais violenta
embriaguez dos sentidos nunca pôde fazer-me abdicar do espírito
crítico. E hoje começo justamente um capítulo das minhas
confissões que lho vai provar bem.
A ligação com Franz continuava. Mantinha-me muito prudente; por
isso a minha tia não suspeitava de nada e os nossos encontros
ficavam secretos para todos aqueles que nos rodeavam. Além disso,
não aceitava ficar sozinha com Franz mais de uma vez por semana.
O dia da minha estreia aproximava-se e Franz tornava-se cada vez
mais temerário. Julgava ter conquistado direitos sobre mim e
tornara-se autoritário, tal como sucede a todos os homens que se
julgam seguros de uma posse indiscutível. Mas não era assim que
eu o entendia. Concebi imediatamente um plano. Nos primórdios
de uma brilhante carreira, devia ligar-me a um homem sem
importância e por mim dominado sob todos os pontos de vista?
Deixá-lo em maus termos era perigoso. Ficaria exposta à sua
indiscrição. Tratava-se de ser muito hábil. Consegui desfazer a
nossa ligação com tamanha naturalidade que Franz ainda hoje julga
que, se o acaso não nos tivesse separado, eu o teria certamente
desposado. Um tal acaso fora obra minha. Dei a compreender ao
meu professor que o acompanhador me perseguia com as suas
declarações e que estava disposta a interromper o curso da minha
carreira de

99

artista para contentar-me «com uma casinha e um coração» . O


professor, que tinha imenso orgulho na aluna, e que muito esperava
da minha carreira, zangou-se. Supliquei-lhe que não fizesse mal a
Franz. Assim alcancei o meu objectivo e Franz recebeu um contrato
para a Orquestra do Teatro de Budapeste. Despedimo-nos
enternecidamente; eu havia quebrado, deste modo, as nossas
relações sem ter nada a recear.
Pouco tempo depois da separação, estreei-me no Teatro
Kaerntnertor. O senhor sabe com que sucesso. Sentia-me mais do
que feliz. Toda a gente me procurava, me cercava. Os aplausos, a
fortuna e a celebridade. Não me faltavam cortejadores,
admiradores e entusiastas. Um pensava alcançar o seu objectivo
com poesias, o outro com presentes preciosos. Mas eu tinha já
observado que uma artista não pode ceder à vaidade ou aos
sentimentos sem arriscar tudo no jogo. Eis por que simulei
indiferença; desencorajei todos os que se aproximaram de mim e
depressa adquiri a fama de mulher de virtude inatacável. Ninguém
suspeitava que, após a partida de Franz, eu recorrera novamente às
alegrias solitárias dos domingos à noite e às delícias do banho
quente. Contudo, nunca cedia mais de uma vez por semana ao apelo
dos sentidos, embora eles me exigissem muito mais. Mil olhos
vigiavam-me e, por isso, era extremamente prudente nas minhas
relações; a minha tia acompanhava-me a todo o lado e ninguém
podia censurar-me fosse o que fosse.
Isto durou todo o Inverno. Tinha salários fixos e instalara-me sem
demasiado luxo, mas muito confortavelmente. Entrara na melhor
sociedade e sentia-me muito feliz. Só raramente lamentava a
partida de Franz. Circunstâncias afortunadas recompensaram-me no
Verão seguinte.
Tinha sido apresentada em casa de um dos mais ricos
banqueiros de Viena e recebi da mulher os testemunhos da mais
pura amizade. O marido fizera-me a corte esperando, com a sua
imensa fortuna, conquistar facilmente uma actriz em voga. Após ter
sido afastado como todos os outros, apresentou-me em casa,
julgando ganhar-me dessa maneira. Assim, podia lá entrar e sair
livremente. Continuei a recusar as suas propostas e, talvez devido a
isso, a mulher tornou-se em breve a minha amiga mais íntima.
Rudolphine, assim se chamava, tinha cerca de vinte e sete anos; era
uma morena atraente, viva, animada, muito meiga e muito mulher.
O marido, de quem ela não ignorava as estroinices, era-lhe
indiferente. Tinham relações amistosas entre si e não se recusavam
de vez em quando as alegrias do casamento. Apesar de tudo, esta
união não era feliz.
O marido ignorava, sem dúvida, que a mulher possuía um
temperamento excessivo, o que ela ocultava com muita habilidade.
Em breve tive a revelação das suas inclinações. Ao aproximar-se a
Primavera, Rudolphine foi viver para uma encantadora moradia, em
Baden (cerca de dezasseis milhas ao sul de Viena). O marido ia lá
regularmente todos os domingos e trazia alguns amigos. Ela
convidou-me a passar ali o Verão, no fim da época teatral. A estada
no campo devia fazer-me bem.
Até então apenas havíamos falado de modas, música e arte; e eis que
as nossas conversas assumem um carácter bem diferente. A corte
que o marido me fazia forneceu--nos a ocasião para tal. Notei que
media as estroinices do marido pelas privações que ele lhe impunha.
As suas queixas eram tão sinceras e ocultava tão pouco o objecto
das mágoas que decidi imediatamente ser sua confidente e
representar o papel de uma amiga simples e inexperiente. Havia
jogado certo e atingido o seu lado fraco; pôs-se logo a dar-me
lições; quanto mais eu fazia de inocente, mais o que ela me
contava me parecia inverosímil;

100 101

quanto mais se obstinava em querer esclarecer-me, mais os seus


lábios me contavam aquilo que lhe enchia o coração. Aliás, sentia
um enorme prazer em revelar-me tais coisas. O meu espanto
causava-lhe admiração, pois não podia acreditar que uma jovem
artista, que representava com tanto entusiasmo, ignorasse tudo.
Logo no quarto dia após a minha chegada, tomámos um banho
juntas; o ensino prático não podia faltar depois de tão belos
discursos. E quanto mais eu me mostrava desajeitada e fingida,
mais ela se divertia a excitar uma noviça. Quanto mais dificuldades
eu levantava, mais ela se inflamava. Contudo, no banho e à luz do
dia, não ousou ultrapassar certas intimidades; compreendi que ia
empregar toda a sua manha para convencer-me a partilhar uma
noite com ela. A lembrança da primeira noite passada no leito de
Marguerite obcecou-me a tal ponto que fui ao encontro do seu
desejo. Fi-lo com tamanha ingenuidade que se convenceu ainda
mais da minha inocência. Julgava seduzir-me, e era eu quem a
dobrava ao meu capricho.
O quarto era dos mais encantadores; estava mobilado com todo o
luxo que só um rico banqueiro pode proporcionar e com todo o
requinte de um noivo para uma noite de himeneu. Fora aí que
Rudolphine se tornara mulher. Contou-me com todos os pormenores
a sua experiência e o que sentira quando a flor da virgindade fora
colhida. Não me escondeu que era possuidora de um temperamento
muito voluptuoso.
Disse-me também que até ao segundo parto não sentira nenhum
prazer nos abraços do marido, então muito frequentes. O seu prazer
só se desenvolveu aos poucos e tornou-se, de súbito, muito vivo.
Não acreditei nisto durante muito tempo, pois eu própria possuía
um temperamento ardente desde a juventude; agora, estou
convencida. O marido é o culpado na maioria dos casos; apressa-
se demais para acabar assim que entra; não sabe excitar a
sensualidade da mulher ou, então, abandona-a a meio do caminho.
Rudolphine tivera compensações e, por isso, era encantadora e
ávida e suportava com bom humor as negligências do marido.
Não lhe relatarei as loucuras que as duas fizemos no grande leito
inglês. Os nossos enlaces eram encantadores e lascivos; Rudolphine
revelava-se insaciável no beijo e no contacto de dois corpos nus.
Gozava durante duas horas e nem suspeitava que tal lapso de tempo
ainda era curto para mim, de tal modo eu fingia ceder-lhe com dor e
vergonha.
As nossas relações depressa se tornaram muito interessantes.
Rudolphine consolava-se em segredo das afrontas do marido. Na
cidade vizinha, habitava um príncipe italiano. Vivia habitualmente
em Viena e o marido de Rudolphine ocupava-se dos seus negócios.
O banqueiro era o humilde servidor da imensa fortuna do príncipe.
Este, na casa dos trinta, mostrava-se, exteriormente, um homem
severo, muito orgulhoso, de uma cultura científica; interiormente,
era dominado pela sensualidade mais viva. A natureza dotara-o
com uma força física excepcional. Era, além disso, o egoísta mais
perfeito que alguma vez encontrei. Apenas tinha um objectivo:
gozar a todo o preço; uma única lei: preservar-se, à força de
artimanhas, de todas as consequências deploráveis desses gozos.
Quando o banqueiro lá estava, o príncipe vinha muitas vezes jantar
ou tomar chá. Nunca reparara, porém, que tivesse a mínima ligação
com Rudolphine. Soube tudo por acaso, porque Rudolphine tivera
o cuidado de não me dizer nada. Os jardins das duas moradias
tocavam-se. Um dia, em que andava a colher flores atrás de uma
sebe, vi Rudolphine retirar um bilhete de baixo de uma pedra,
escondê-lo rapidamente no corpete e fugir

102 103

para o quarto. Suspeitando uma pequena intriga espiei-a pela


janela e vi-a ler febrilmente o bilhete, que queimou logo de seguida.
Depois, instalou-se à secretária, provavelmente para escrever a
resposta. A fim de enganá-la, corri para o meu quarto e cantei em
voz alta, como se estivesse a ensaiar. Pela janela, vigiava o sítio de
onde tinha retirado o papel. Em breve apareceu Rudolphine, que
passeou ao longo do muro, brincou com os ramos e, depois,
escondeu a resposta com tanta destreza que não a vi fazê-lo.
Contudo, tinha notado bem onde ela se detivera um instante. Assim
que voltou para dentro e fiquei certa de que estava ocupada,
precipitei-me para o jardim. Descobri facilmente o bilhete
escondido debaixo de uma pedra. Encerrada no meu quarto, li:
Hoje não, porque Pauline vem dormir comigo. Amanhã dir-lbe-ei
que estou indisposta. Para ti, não estou. Vem amanhã, como de
costume, às onze horas.
O bilhete era em italiano e numa escrita disfarçada. Como o senhor
bem calcula, compreendi tudo. O meu plano estava já traçado. Não
voltei a pôr o bilhete no lugar. Assim, o príncipe devia aparecer
nessa noite e surpreender-nos às duas na cama. Eu, a inocente,
estava na posse do seu segredo e pressentia que não sairia dali com
as mãos vazias. É verdade que ignorava ainda como é que o príncipe
chegaria até ao quarto de Rudolphine.
Ao almoço, tínhamos combinado passar a noite juntas e fora por
isso que ela recusara a visita do príncipe. Ao chá, fez-me
compreender que não dormiríamos juntas nos oito dias seguintes
porque sentia aproximar-se a época das regras. Julgava enganar-me
mas eu já há muito que a apanhara na minha rede.
Antes de tudo, tratava-se de fazê-la ir para a cama antes das onze
horas, a fim de não poder arranjar meio de evitar no último momento
a surpresa que lhe reservava. Fomo-nos deitar muito cedo e
mostrei-me tão folgazã,

104

tão acariciadora e tão insaciável que ela em breve adormeceu de


fadiga. Peito contra peito, as suas coxas entre as minhas, as mãos
reciprocamente na fonte do prazer, estávamos estendidas, ela
adormecida, eu cada vez mais acordada e impaciente. Tinha soprado
a chama do candeeiro e aguardava com emoção.
De súbito, senti ranger o sobrado da alcova e um ruído de passos
abafados; a porta abriu-se, ouvi alguém respirar, despir-se e, enfim,
acercar-se da cama, do lado de Rudolphine. Agora estava segura de
mim e fingi dormir profundamente. O príncipe, porque era ele,
levantou a coberta e deitou-se junto de Rudolphine, que despertou
apavorada. Veio a catástrofe: quis subir imediatamente para cima
do trono, que tantas vezes possuíra. Ela defendeu-se e perguntou-
lhe apressadamente se não tinha recebido a sua resposta. Para
alcançar o que desejava, ele tocou-me na mão e no braço. Gritei,
simulando espanto. Tremia, apertava-me contra Rudolphine.
Diverti-me imenso com o seu medo e com o espanto do príncipe.
Este tinha soltado uma praga italiana, e careceu de sentido
Rudolphine pretender fazer-me crer que era o marido que acabava
de vir surpreendê-la inesperadamente.
Insurgi-me por ter exposto a minha juventude e a minha honra a
uma cena tão terrível, porque reconhecera a voz do príncipe. Este,
como perfeito homem galante, depressa compreendeu que não tinha
nada a perder mas que, pelo contrário, ganhava uma interessante
parceira, era justamente o que esperava dele. Após algumas
palavras meigas e agradáveis, foi fechar a porta do quarto, retirou as
chaves e meteu-se na cama. Rudolphine ficara entre nós. A seguir
vieram as desculpas, as explicações e as censuras. Mas não havia
nada a fazer para alterar a Situação. Devíamos calar-nos os três, para
não nos expormos às consequências desagradáveis daquele encontro

105

ocasional e inexplicável. Rudolphine acalmava-se aos poucos, as


palavras do príncipe faziam-se mais meigas. Eu soluçava. Com as
minhas censuras, levei Rudolphine a tornar-me sua confidente, ou
seja, a cúmplice desta ligação proibida. Está o senhor a ver que a
lição de Marguerite e a sua aventura em Genebra me foram
proveitosas. Era, no fundo, a mesma história, excepto que o
príncipe e Rudolphine ignoravam que eram joguetes nas minhas
mãos.
Rudolphine não me escondeu, pois, nada da sua longa ligação com o
príncipe; mas revelou-lhe também o que fazia comigo, a
inocentinha, e contou-lhe o quanto eu ardia em desejos de aprender
mais sobre aquelas coisas. Isto excitou o príncipe e, quando tentei
fazer calar Rudolphine, ela referiu-se ainda com mais ardor à minha
sensualidade!
Notei que ele apertava as coxas entre as de Rudolphine e que assim
buscava atingir de lado o alvo dos seus desejos. De vez em quando
as suas pernas roçavam pelas minhas. Eu chorava, ardia de
curiosidade, e Rudolphine procurava consolar-me; mas, a cada
movimento do príncipe, tornava-se mais distraída. Em breve
começou a agitar-se, a saracotear-se; a sua mão tentava fazer-me
partilhar do seu prazer secreto e deixei-a agir. De repente, notei que
uma outra mão se metera no sítio onde Rudolphine se encontrava já
muito ocupada. Não ousava aceitar isso, porque queria permanecer
fiel ao papel que me tinha distribuído. Voltei-me, portanto, muito
zangada, para a parede e, como Rudolphine havia retirado logo a
mão quando encontrara a do amante no caminho proibido, fiquei
abandonada ao meu amuo e tive de terminar sozinha e às
escondidas o que os meus companheiros de cama haviam
começado.
Mas mal tinha voltado as costas e logo eles olvidaram toda a
compostura e toda a vergonha. O príncipe atirou-se para cima de
Rudolphine, que afastou as coxas o mais largamente possível para
receber o hóspede amado na sua posição natural. A cama estremecia
com os safanões. Eu morria de ciúmes. Não via nada, mas a minha
imaginação inflamava-se. No momento em que os dois amantes
atingiram o grau supremo do gozo, suspirando e estrebuchando, eu
própria larguei um jacto ardente tão abundante que perdi o
conhecimento.
Depois da prática, veio a teoria. O príncipe achava-se agora entre
Rudolphine e eu, não sei se de propósito. Não fazia um gesto e eu
não tinha nada a recear. Sabia muito bem que devia permanecer
silenciosa para conservar a superioridade. Esperei, portanto, pelo
que eles iam fazer. Rudolphine provou-me primeiro que, visto o
marido desprezá-la e perseguir outras mulheres, tinha o direito
absoluto de abandonar-se nos braços de um cavalheiro tão amável,
tão cortês e, acima de tudo, tão discreto. Na mais bela época da sua
vida não queria, não podia, perder os mais doces gozos terrestres,
tanto mais que os seus médicos lhe haviam recomendado que não
reprimisse a sensualidade natural. Eu sabia, aliás, que ela possuía um
temperamento muito vivo e que estava segura de que eu não era
indiferente ao amor, mas apenas receosa das suas consequências.
Disse-me que pretendia simplesmente lembrar o que tínhamos feito
juntas naquela mesma noite, antes da entrada inesperada do
príncipe.
Quis pôr-lhe a mão na boca, mas isso foi impossível
sem fazer um gesto na direcção do meu vizinho, que se
apossou dela e a beijou, muito ternamente. Agora, era a
sua vez. O seu papel não era fácil e devia sopesar cada palavra
para não ofender Rudolphine. Mas eu sentia, a entoação da voz,
que se preocupava mais em
conquistar-me depressa do que em atender ao humor de Rudolphine
que, agora, era forçada a aceitar tudo, para não ver o seu segredo
espalhado.

106 107

Já não me recordo nada do que ele me disse para acalmar-me,


desculpar-se e provar-me que eu não tinha nada a temer da sua
parte. Recordo-me apenas que o calor do seu corpo me enlouquecia,
que a sua mão me acariciava os seios, depois todo o corpo e, por
fim, o próprio centro dos seus e meus desejos.
O meu estado era indescritível. O príncipe avançava com lentidão
mas com segurança. Não tolerei um beijo porque ele teria, então,
notado o quanto eu ardia em desejos de devolver-lho. Lutava
comigo própria, tinha vontade de terminar a comédia, de pôr termo
à minha hipocrisia e de abandonar-me completamente às
circunstâncias. Mas, nesse caso, perdia a superioridade perante os
dois pecadores, os cordéis das minhas marionetas escapavam-se-me
e teria ficado, além disso, exposta às consequências do amor com
aquele homem violento e apaixonado; porque o príncipe não
saberia limitar o seu triunfo, uma vez vencedor. Observara com que
violência ele havia atacado Rudolphine. Todos os meus rogos
teriam sido em vão e talvez um movimento de recuo não me
ajudasse; aliás, sabia lá eu se, no último momento, teria podido
reter-me? Toda a minha carreira de artista estava em jogo. Fui
firme. Deixei que me fizesse tudo sem dar resposta, e defendia-me
muito violentamente quando o príncipe tentava obter mais.
Rudolphine já não sabia que dizer-me, nem que fazer; sentia que a
minha resistência devia ser quebrada nessa noite, a fim de poder
ousar fitar-me nos olhos na manhã seguinte. Para excitar-me ainda
mais - o que eu, realmente, não precisava - pôs a cabeça em cima
do meu peito, beijou-me, chupou-me os seios, e precipitou-se entre
a minhas coxas, colou os lábios à entrada ainda inviolada do templo
e começou uma carícia tão amável que lhe deixei plena liberdade.
O príncipe tinha-lhe cedido o lugar e beijava-me a boca com
volúpia; de tal modo que fiquei coberta de beijos por cima e por
baixo.
Já não oferecia qualquer resistência; ele conduziu, por isso, a minha
mão ao seu ceptro e cedi sem volúpia. O meu braço passava entre as
coxas de Rudolphine ajoelhada, e notei que a sua outra mão se
encontrava agora no sítio que o ceptro, que eu agarrava, acabava de
deixar. Ele ensinava-me a acariciá-lo, a esfregá-lo, a apertá-lo. O
nosso grupo era complicado, mas excessivamente amável; estava
escuro e muito lamentei não poder vê-lo, porque estas coisas devem
ser bem gozadas com os olhos. Rudolphine tremia; os beijos que me
dava e as carícias do príncipe excitavam-na num grau supremo;
desfalecia e afastava as pernas.
O príncipe endireitou-se de repente e tomou uma posição que eu
ainda ignorava. Inclinou-se e penetrou-a por detrás. Eu tinha
retirado a mão, mas ele agarrou-a e levou-a ao sítio onde se
realizava a sua união mais íntima com Rudolphine. Ensinou-me
então uma tarefa de que eu não suspeitava e que aproveitou aos
dois gozadores. Ora devia apertar a raiz do seu punhal, ora fazer
titilações na bainha que o recebia. Fingindo-me envergonhada,
mostrei-me, no entanto, muito zelosa na ocupação. Ru-dolphine
beijava e chupava com muito entusiasmo; os três alcançámos
juntos o mais alto grau do gozo. Era tão inebriante, tão forte e tão
esgotante que levámos um bom quarto de hora a recompor-nos.
Tínhamos muito calor e, nessa noite de Verão, já não conseguíamos
suportar a coberta e estávamos estendidos tão afastados uns dos
outros quanto possível. Após esta acção ardente, o raciocínio
reapareceu. O príncipe falava com sangue-frio daquele estranho
encontro preparado pelo acaso como se tivesse organizado uma
festa no campo. Baseando-se no que Rudolphine lhe contara, nem
sequer se preocupava já em ganhar-me;

108 109

contentava-se em combater o meu temor pelas consequências


funestas. Sabia bem que não lhe custaria convencer-me. O
virtuosismo da minha mão, o prazer que tinha saboreado - e que o
bater muito forte do coração e o estremecimento das coxas traíam -
tudo isso tinha-lhe revelado o meu temperamento. Apenas devia
provar-me que não havia perigo e era o que procurava fazer com
toda a habilidade de um homem da sociedade. Assim, confiou no
tempo e nem sequer exigiu a repetição de uma tal noite.
Deixou-nos, porque fazia claro muito cedo. Sacrificava de boa
vontade a duração de um gozo ao seu segredo e à sua segurança.
Devia atravessar o guarda-vestidos, o corredor, subir uma escada,
sair por uma janela e alcançar uma lucarna antes de chegar a casa e
regressar às escondidas ao apartamento. A despedida foi uma
mistura maravilhosa de ternura, de timidez, de brincalhotice, de
deferência e de intimidade.
Quando ele saiu, Rudolphine e eu não sentíamos nenhuma vontade
de nos darmos explicações; estávamos tão cansadas que
adormecemos logo. Ao despertar, fingi-me inconsolável por haver
sucumbido às mãos de um homem; indignei-me por ela lhe ter
contado as nossas volúpias. Rudolphine nem reparou sequer no
prazer por mim sentido com as suas consolações.
Recusei-me, naturalmente, a dormir com ela na noite seguinte; os
meus sentidos não deviam afastar-se destas boas resoluções; não
queria repetir uma tal coisa; preferia dormir sozinha e não deveria
julgar que eu permitiria alguma vez ao príncipe o que ela lhe
concedera tão facilmente. Ela era casada, podia ficar grávida, mas
eu, artista, observada por milhares de olhos, não o ousava e isso
fazia-me infeliz.
Como já esperava, falou-me então das medidas de segurança.
Contou-me que travara conhecimento com o

110

príncipe numa época em que não frequentava o marido, após uma


disputa, e quando, por conseguinte, não ousava ficar grávida. O
príncipe havia, então, apaziguado todos os seus temores
empregando condoms, que eu também podia experimentar. Disse-
me ainda que, a seguir, tinha-se convencido de que o príncipe
possuía muito sangue-frio e ficava sempre muito senhor dos seus
sentimentos. Aliás, ele sabia poupar ainda de outro modo a
felicidade das damas; se eu fosse amável, em breve aprenderia.
Tentou, assim, persuadir-me de todas as formas a abandonar-me
completamente ao príncipe, para saborear as horas mais alegres e
mais felizes. Fi-la compreender que as suas explicações e as suas
promessas não me deixavam inteiramente fria, mas que ainda
conservava muitos receios.
Por volta do meio-dia, o príncipe fez uma visita a Rudolphine, uma
visita de cortesia que se dirigia tam-bém a mim; mas declarei-me
indisposta e não apareci. Assim, eles poderiam combinar sem
constrangimento as medidas a tomar para vencerem a minha
resistência e iniciar-me nos seus folguedos secretos. Como eu já não
queria dormir com Rudolphine, deviam entender-se para me
surpreenderem no meu quarto, e isso o mais depressa possível, a
fim de não me deixarem tempo de arrepender e voltar à cidade.
Tinha calculado bem.
Durante a tarde e o serão, Rudolphine não me falou da noite
anterior. Acompanhou-me até ao quarto e mandou embora a criada.
Quando me deitei, foi ela mesma fechar a antecâmara. Ninguém
podia agora vir incomodar-nos. Sentou-se na cama e procurou
convencer-me o melhor que pôde; descreveu-me tudo com beleza e
sedução e garantiu-me que não havia nada a temer. Naturalmente,
eu fingia ignorar que o príncipe se encontrava no seu quarto e que
talvez estivesse a escutar-nos atrás da porta. Devia, portanto, ser
prudente e só ceder aos poucos.

111

- Mas quem me garante que o príncipe usará a


máscara especial que tu me descreves?
- Eu. Julgas que lhe permitirei outra coisa que não
seja o que eu própria lhe permitia nos primeiros tempos?
Garanto-te que ele não comparecerá nesse baile sem
máscara.
- Mas isso deve doer terrivelmente. Sabes, ele conduziu a minha
mão e obrigou-me a sentir o seu vigor.
- No primeiro momento, talvez te faça realmente
doer, mas também existem meios contra isso. Tens óleo
de amêndoas e creme; besuntaremos o ameaçador inimigo para
que penetre mais facilmente.
- E estás bem segura de que nenhuma gota desse
perigoso licor passará para me fazer infeliz?
- Vejamos, acaso eu me teria abandonado sem isso?
Nessa altura, arriscava muito, porque não tinha quaisquer relações
com o meu marido. Quando me reconciliei com ele, permiti tudo ao
príncipe. Mas agora arranjo-me
para que o meu marido me visite sempre que o príncipe
esteve comigo, e isso pelo menos uma vez cada oito dias;
assim, já não tenho nada a recear.
- Esse pensamento apavora-me. Depois, há ainda a
vergonha de dar-se a um homem. Não sei o que devo
fazer. Tudo o que me dizes me encanta, os meus sentidos
ordenam-me que ceda ao teu conselho. Não gostava de,
por nada do mundo, suportar mais uma noite como a
passada, porque então não poderia resistir. Tens razão, o
príncipe é tão galante como belo. Nunca conhecerás
todos os sentimentos que despertaram em mim quando
ouvi que estavam os dois a ser felizes, ali ao meu lado.
- Também eu tinha um prazer duplo deixando-te
partilhar, embora muito imperfeitamente, o que eu própria sentia.
Nunca teria acreditado que o amor a três pudesse ser tão violento
como o que saboreei, ontem à
noite. Tinha-o lido nos livros, mas continuava a pensar

112

que exageravam. É-me odioso o pensamento de uma mulher que se


partilha entre dois homens, mas acho que o acordo é encantador
entre duas mulheres e um homem razoável e discreto; bem
entendido, é preciso que as duas mulheres sejam verdadeiramente
amigas. Mas uma não deve ser mais envergonhada e mais receosa
do que a outra. E isso é ainda culpa tua, minha querida Pauline.
- É uma grande sorte o teu príncipe não estar, minha querida,
para escutar a nossa conversa. Não saberia como defender-me dele.
O que dizes, consome-me. Vê tu própria como ardo, aqui, e como
estou toda a tremer.
Ao dizer isto, descobri-me, afastei as coxas e coloquei-me de
maneira que, se alguém olhasse pelo buraco da fechadura, nada lhe
pudesse escapar. Se o príncipe estivesse ali, era o momento de
entrar... e entrou.
Como homem da sociedade, perfeito e cheio de experiência,
compreendeu imediatamente que qualquer palavra seria inútil, que
devia vencer antes de tudo e que haveria, depois, tempo de sobra
para as explicações. Pela conduta de Rudolphine, vi logo que fora
tudo combinado antecipadamente. Queria esconder-me debaixo da
coberta, mas Rudolphine arrancou-ma; queria chorar, mas ela
sufocava-me com beijos, rindo. E como aguardava, enfim, a
realização imediata do meu mais caro desejo, tive ainda de
pacientar. Não tinha entrado em linha de conta com os ciúmes de
Rudolphine. Mau grado a necessidade de tomar-me por cúmplice,
mau grado o receio de ver o seu plano falhar no último instante,
mesmo assim não me concedia as primícias do gozo desse dia.
Com um ar que lhe invejei, mas que não me atrevi a desmascarar
sem sair do meu papel, disse ao príncipe que eu consentia e que
estava pronta para tudo, mas que desejava certificar-me da eficácia
do meio empregado e

113

que ela queria submeter-se a um ensaio na minha presença. Bem vi


que o príncipe não contava com uma tal oferta e que teria preferido
fazer o ensaio directamente comigo. Contudo, só lhe cabia executar.
Rudolphine tirou da algibeira algumas bexigas e soprou uma para
me mostrar que era impermeável; depois humedeceu-a e aplicou-a
com muitas carícias e risos. A seguir despiu-se rapidamente, deitou-
se de costas na cama, puxou o príncipe para cima dela e incitou-me
a olhar bem para perder todos os receios.
E assim vi, realmente tudo. Vi o arrebatamento daqueles dois belos
seres; vi a força dele, a sua potência; vi-o penetrá-la, vi-a apertar-se
bem contra ele; vi-os esquecer tudo quanto os rodeava; o êxtase
aumentava; por fim, o corrimento aconteceu com suspiros.
Rudolphine não afroixou o abraço das suas coxas antes de ter
recuperado o domínio de si própria; então, com um rosto radiante,
retirou a máscara especial e mostrou-me, triunfante, que nenhuma
gota extravasara. Teve um trabalho tremendo para me fazer
compreender o que Marguerite já me tinha tão bem explicado, mas
que eu nunca conseguira arranjar, porque nesse caso Franz também
teria podido usar.
Rudolphine rebentava de alegria: tinha-me mostrado a sua
supremacia e havia obtido as primícias do príncipe, que certamente
aguardava um outro prato nessa noite. Decidi desforrar-me mais
tarde. O príncipe era extremamente amável. Em vez de aproveitar a
vantagem adquirida, tratava-nos a ambas com muita ternura. Não
se apoderava de nada, contentava-se com o que lhe concedíamos e
falava com arrebatamento do prazer que um divino acaso lhe
proporcionara com duas mulheres gentis. Descrevia as nossas
relações com as mais belas cores. Foi assim que preencheu o tempo
necessário para recuperar as forças; já não era muito jovem, mas
continuava aguerrido no prazer.
Enfim, estava chegado o instante. Suplicou-me que confiasse
inteiramente nele. Rudolphine colocou com muitas meiguices a
máscara no vencedor. Eu assistia, espreitando pelos intervalos dos
dedos. O creme não foi poupado. Chegado, então, o instante
desejado, eu ia receber um homem. Havia muito tempo já que me
interrogava sobre como enganar o príncipe acerca da minha
virgindade. Porque na primeira vez em que utilizara o godemiché
de Marguerite perdera o que tanto valor tem para os homens. Como
queria abandonar-me e consentira ser parceira nos seus folguedos,
entreguei-me sem falsos pudores e deixei que os meus dois
comparsas me fizessem tudo quanto desejavam.
Rudolphine estendeu-me de tal maneira em cima da cama que a
cabeça ficou apoiada na parede e as coxas pendentes da borda da
cama, o mais afastadas possível. O príncipe contemplava com olhares
de fogo estes tesouros exibidos à sua vista. Afastou com beijos
ardentes a minha mão e pôs lança em marcha. Passeou-a sem
violência, pela fenda, de cima para baixo. Rudolphine
acompanhava com olhos cheios de luxúria os seus mínimos
movimentos. Depois, ele lançou o bacamarte sobre a entrada e
enfiou-o o mais suavemente possível. Até então tinha-me penetrado
uma sensação muito doce, mas não sentira volúpia. Agora fazia-me
realmente doer e comecei a gemer. Rudolphine encorajava-me.
Chupava-me o bico dos seios, depois apalpava o sítio onde o
príncipe tentava entrar; aconselhava-me a levantar as coxas o mais
alto possível. Obedeci maquinalmente, e o príncipe entrou de
repente com uma tal força que penetrou até metade. Soltei um grito
de dor e pus-me a chorar a sério, ncontrava-me estendida como um
cordeiro no sacrifício; contudo, estava decidida a ir até ao fim. O
príncipe movia-se lentamente, de um lado para o outro, e tentava

114 115

penetrar ainda mais fundo. Eu sentia que isso não acontecia pois um
músculo, umapelinha, em suma, qualquer coisa barrava-lhe o
caminho. Rudolphine tinha-me posto um lenço na boca para
abafar os gritos. Mordia-o; suportava tudo para alcançar, enfim, o
que tanto tinha desejado. Um líquido escorria-me ao longo das
coxas. Rudolphine exclamou, triunfante:
- Sangue!, sangue! Querido príncipe, felicito-o por esta bela
virgindade!
O príncipe, que até então agira com tanta meiguice, olvidou todas
as cautelas e penetrou, ao ouvi-la falar, com um tal vigor que senti
os seus pêlos misturarem-se aos meus. Não me causara uma dor
por aí além; a parte pior da operação estava passada. A minha
expectativa não fora, porém, satisfeita. O vencedor tornou-se mais
apaixonado. Senti, de súbito, algo quente a escorrer no meu
interior; depois, o vigor afrouxou e o membro escapou--se.
Na verdade, eu mentiria se falasse de gozo. Segundo o que
Marguerite me tinha contado e segundo as minhas próprias
experiências, esperava um prazer muito mais forte. Os meus pais
tinham-se mostrado tão loucos... Mas sentia-me feliz por ver a
minha esperteza triunfar e por não me ter enganado nos cálculos.
Enquanto fingia estar desmaiada, ouvi o príncipe falar com
entusiasmo nos sinais evidentes de virgindade. Com efeito, o meu
sangue tinha jorrado para cima da cama e para o seu roupão. Era
muito mais do que eu ousara esperar, sobretudo após o meu infeliz
ensaio com o godemiché de Marguerite. Realmente existia uma
bela diferença entre este e a virilidade plena do príncipe. Em todo o
caso, não era mérito meu mas um puro acaso; aliás, a virgindade é,
em geral, uma quimera. Tenho falado muitas vezes com mulheres e
ouvi as coisas mais contraditórias. Certas raparigas possuem uma
membrana tão larga que não pode haver obstáculo à primeira
entrada. Outras, pelo contrário, possuem-na tão estreita, mesmo
após terem gozado, que o homem julga sempre colher as
primícias. Além disso, é muito fácil enganar o homem, sobretudo se
ele acredita nos bons costumes da rapariga. Se se trata de enganá-lo,
a rapariga apenas deve aguardar as proximidades da menstruação,
gemer um pouco, contorcer-se, e o feliz possuidor jura ter obtido as
primícias quando gotas de sangue de fonte bem diversa lhe cegam
os olhos.
Mas era tempo de despertar do meu desmaio. Agira segundo a
minha vontade; tratava-se agora de gozar sem sair do meu papel de
menina seduzida. O principal estava feito. O príncipe e
Rudolphine tomavam um prazer especial em consolar-me, porque
estavam convencidos de iniciarem uma noviça. As cortinas do
leito foram puxadas e começou um jogo indiscritível e encantador.
O príncipe teve a honestidade suficiente para não falar de amor,
nem de languidez, nem de nostalgia. Era apenas sensual, mas com
delicadeza, porque sabia que a delicadeza apimenta os folguedos
do amor.
Eu continuava a fingir ter sido violada, mas com isso só aprendia
mais depressa tudo o que me ensinavam. As suas duas mãos
afadigavam-se connosco, as nossas com ele. Quanto mais os beijos
se complicavam, mais as nossas mãos se animavam e mais o nosso
corpo se agitava. Os nossos nervos estremeciam de volúpia. É um
prazer enorme fazer amor com um tal homem! Ele teria de ser de
pedra para não se excitar de novo. Todavia, a segunda ejaculação
tinha-o fatigado. Ora gozava com Rudolphine, ora comigo. Mas
nunca o deixava aproximar-se sem ter posto a máscara especial.
Estava, porém, muito seguro do seu papel. Deu-me a palavra de
honra de que eu podia experimentar sem máscara e que não
arriscaria nada, pois era senhor absoluto das suas forças; mas não

116 117

me atrevia a sair tão facilmente do meu papel.


Começou, pois, por Rudolphine; e, realmente, ela perdeu duas ou
três vezes conhecimento sem que a força dele diminuísse. Depois,
colocou a máscara e penetrou-me. Isso ainda me causou uma certa
dor ao princípio mas, em breve, a volúpia dominou e senti, pela
primeira vez, um gozo completo. Para provar-me bem que era
inteiramente senhor das suas forças, não terminou comigo e deixou-
me sem perder o licor, quando eu já estava desmaiada de puro gozo.
Arrancou violentamente o condom e atirou-se para cima da
voluptuosa Rudolphine. Esta disse-me que me sentasse em cima
dela, pois queria apaziguar com a língua o que o príncipe pusera em
ebulição. Fiz-me muito rogada; um pano húmido refrescou o
objecto dos meus anseios, e formou-se um grupo encantador.
Enquanto o príncipe enfiava em Rudolphine, eu estava ajoelhada,
as coxas muito afastadas, sobre a sua cara. A língua dela dispunha de
um largo espaço para actuar, porque a sua cabeça estava deitada
para trás, depois dos almofadões. Completamente nua (porque o
príncipe tinha-me arrancado a camisa na sua impaciência amorosa),
eu fazia frente a este belo homem que esmagava os meus seios de
encontro ao seu peito e me beijava sem descanso. Duas línguas
activavam o incêndio ainda mal extinto. A minha volúpia
aumentava, os meus beijos tornavam-se mais apaixonados e
abandonava-me toda a esta dupla excitação.
O príncipe estava fora de si e garantia-nos que nunca gozara antes
uma tal ventura. No momento da crise, sentia-me ciumenta por
ver uma onda tão quente espalhar-se completamente no regaço de
Rudolphine; assim, simulando um desmaio, deixei-me cair pesada-
mente de lado. Tinha calculado bem e atirei para fora da sela o
cavaleiro de Rudolphine. Ao cair, vi as duas partes
desunirem-se, elas que se achavam tão estreitamente ligadas. Como
a dele estava vermelha e excitada; como a dela era grande e aberta!
Diferia muito de quanto eu vira antes,, mas não era mais amável.
Assustei-os quando caí. Não pensaram em prosseguir o seu
prazer e socorreram-me.
Havia alcançado o meu objectivo e não tardei a recuperar o
conhecimento. Não escondi que me sentia muito feliz por ter sido
iniciada com uma tal. arte nos mistérios do amor. Recusei renovar a
acção, pois não podia mais. O príncipe quis provar-nos que era
capaz de renunciar ao prazer mais vivo, se não o partilhássemos
todos juntos. Abandonou-nos o cuidado de contentá-lo. Eu não sabia
o que ele esperava mas Rudolphine, mais lasciva que nunca, aceitou
imediatamente. O príncipe estendeu-se todo nu em cima da cama e
eu tive de imitar Rudolphine que provocava com os dedos a fonte
maravilhosa. Quando eu beijava e brincava com os recipientes do
doce bálsamo, Rudolphine metia a haste na boca. Enfim, o jacto
espumoso brotou e molhou-nos aos três. Teria gostado de tomar o
lugar de Rudolphine que absorvia a maior parte desta seiva ardente,
mas devia continuar a fingir-me inexperiente e desejosa de
aprender tudo.
O senhor compreenderá que não posso esquecer esta noite
incomparável. O príncipe deixou-nos muito antes do raiar da
aurora e Rudolphine e eu dormimos, estreitamente enlaçadas, até
depois do meio-dia.

118
**
VII

Após um longo e profundo sono, que nos reconfortou das fadigas


suportadas durante a noite, almoçámos copiosamente. Rudolphine
teve de confessar-se, isto é, de contar-me com todos os pormenores
a ligação com o príncipe. A sua história não passava, no fundo, da
de uma mulher sensual desprezada pelo marido. O príncipe, graças
à sua grande experiência, havia logo de seguida compreendido o
infortunado segredo da união de Rudolphine, e ela não pôde
ocultar-lhe por muito tempo o seu temperamento ardente. Nestas
circunstâncias, o príncipe tinha-se aproximado dela com muita
prudência e habilidade. Apaixonado, mas com um exterior
reservado, evitava comprometer-se. Soubera aproveitar-se do
humor incerto do marido para desculpar a própria infidelidade de
Rudolphine.
Mesmo esta, atormentada pelo seu temperamento, e há muito
desejosa de vingar-se da frieza do marido, tinha-se deixado
seduzir. Em geral, a vingança é o que mais facilmente impele para
o adultério, embora as mulheres casadas nunca o confessem.
Rudolphine declarou-me que não amava o príncipe e, no entanto,
tive ocasião de observar que sentia ciúmes dos seus favores e até
das suas amizades. Confessou-me ainda que o príncipe era o único
homem a quem se dera, exceptuando o marido.
Não me custou acreditá-la. Rudolphine devia cuidar zelosamente
do renome mundano do marido e da sua honra, ainda intactos.
Devia, com muita prudência, escolher as amizades. O marido não
teria aceitado impunemente uma conduta leviana da mulher; se já
não a amava era, mesmo assim, orgulhoso e receava o ridículo.
Nestas circunstâncias particulares acredito de boa vontade que o
príncipe fosse o único homem a quem ela concedia os seus favores;
por outro lado, não creio enganar-me dizendo que, antes de
conhecer o príncipe, ela teria sido muito facilmente a presa de
qualquer sudutor hábil, se a maior proxeneta da sociedade, na
altura, lhe fosse favorável.
A história de Rudolphine nada tinha, pois, de extraordinário.
Apesar disso, ouvia com prazer a sua confissão. Tais histórias,
respeitantes ao meu sexo, sempre me cativaram. Tenho o dom de
provocá-las pela artimanha ou pela surpresa, se as minhas amigas
não me abrem voluntariamente o coração e se não querem revelar-
me o segredo das suas maneiras de pensar e de sentir.
__ Tais comunicações interessam-me psicologicamente e alargam o
meu conhecimento do mundo e dos homens. Confirmam a minha
concepção que já diversas vezes repeti; a nossa sociedade vive de
aparências; e há duas morais: uma moral pública e uma moral
privada.
De facto, que experiência não possuía eu, mau grado a minha
juventude! Primeiro, o meu pai severo e digno, e a minha mãe
virtuosa; tinha-os surpreendido no momento da embriaguez dos
sentidos, no momento do triunfo, da volúpia. Em seguida,
Marguerite que, embora viva e animada, falava sempre das
conveniências e dos bons costumes, fazia sermões constantes à
minha jovem prima, e que confissões ela confiara aos meus jovens
ouvidos, pois não vira com os meus próprios olhos como é que
apaziguava os desejos que a consumiam? Por fim, a minha tia, o
exemplo mais completo da solteirona prudente e ríspida. E
Rudolphine, aquela jovem mulher elegante, que se entregava a um
homem porque as alegrias conjugais eram partilhadas com
demasiada parci
120 121

parcimónia! E o príncipe, aquele homem exteriormente frio, que


vigor sensual não brotava dele! E estas pessoas não usufruíam, no
seu meio, da fama da mais elevada moralidade? Sim, eu tinha razão:
a moral do mundo repousa sobre aparências.
Agora que havia atingido o meu objectivo, que era a confidente de
Rudolphine e do príncipe, julguei inútil ser excessivamente
prudente e confessei a Rudolphine, não sem fingir corar, que os
folguedos da noite anterior e os enlaces do príncipe me tinham
dado um enorme prazer. Rudolphine beijou-me muito meigamente
após esta confissão. Ainda se sentia arrebatada por ter-me iniciado
nos mistérios do amor, por ter sido minha amante e por ter-me
proporcionado um gozo que, no fundo, eu apenas devia à minha
própria astúcia.
À noite, o príncipe não nos fez enlanguescer inutilmente. Partilhou
as suas carícias igualmente entre Rudolphine e eu. A minha
vaidade dizia-me que, apesar desta neutralidade aparente, me
preferia de longe a Rudolphine. Esta era já para ele um hábito; eu
tinha o atractivo da novidade e da mudança; o que constitui, como
o senhor bem sabe, o sal do prazer, tanto para os homens como
para as mulheres.
Aliás, ainda não obtive a desforra. Rudolphine obrigou o príncipe a
sacrificar-lhe as primícias da sua força. Ele, para ser justo,
esforçou-se por compensar-me da perda. Mas nem vale a pena
contar-lhe esta noite com todos os pormenores; deveria repetir-lhe
as mesmas coisas, o que seria fatigante para nós os dois. A sua
imaginação, atendendo às minhas precedentes confissões, é agora
capaz de compor tais cenas.
Indubitavelmente, o primeiro amor de um adolescente
inexperiente exerce um grande, um imenso encanto numa mulher.
Ser sua amante, conduzi-lo a passo e passo, iniciá-lo nos doces
segredos do prazer e dar-lhos a conhecer em toda a sua
profundidade! A autoridade que a mulher então exerce sobre o
homem lisonjeia-lhe a vaidade. E as carícias ingénuas e desajeitadas
de um jovem possuem um encanto especial. Mas a mulher só entre
os braços de um homem experiente saboreia o mais perfeito
contentamento sensual. Ele deve conhecer todos os segredos da
volúpia e todos os meios de renová-la e aumentá-la. O príncipe era
assim. E se o senhor imaginar que a este requinte sensual, à força da
natureza física, ele acrescentava a mais perfeita delicadeza, que não
brutalizava nunca a mulher que se lhe abandonava, que parecia ter
sempre em vista unicamente o prazer da mulher e que, assim,
gozava duplamente, ficará com uma ideia do que eram os folguedos
voluptuosos destas noites inolvidáveis.
No domingo seguinte chegou, como de costume, o marido de
Rudolphine. O príncipe foi convidado para jantar. Em Viena, o
príncipe frequentava muito a casa do banqueiro; mas em Baden
raramente aparecia na vivenda de Rudolphine, para não despertar
suspeitas.
Desde que entrara no segredo, só de noite o tinha visto. Apesar da
minha força de carácter, confesso que não voltei a encarar o
príncipe sem sentir uma violenta agitação no peito. Entrou na casa
de jantar e creio que uma vermelhidão viva me invadia a tez, mau
grado os meus esforços. A conduta do príncipe depressa me
tranquilizou e ajudou-me a autodominar-me. Ele cumprimentou
Rudolphine com a familiaridade que as suas relações com o
marido permitiam; a mim cumprimentou-me com cerimónia. A
mesa, após os primeiros copos de vinho, animou-se um pouco mas
sem nunca sair da sua frieza, a qual constituía nele como que uma
segunda natureza.
A pessoa que nos tivesse observado assim à mesa não teria podido
suspeitar das relações íntimas que existiam

122 123
entre nós. A conduta do príncipe era de uma delicadeza requintada,
mas nada mais, e de uma altivez aristocrática. O príncipe era, na
verdade, superior no seu género. Possuía uma vasta cultura
científica e uma experiência profunda do mundo e da vida; nunca
perdia o sangue--frio; nada o tornava confuso e era completamente
impossível ler os pensamentos no seu rosto calmo e impassível.
Cavalheiresco dos pés à cabeça, amável e reservado, a sua maior
qualidade era, no entanto, a discrição. Tivera muito sucesso junto
das mulheres; conhecia subtilmente todas as fraquezas do coração
humano. Falava raramente das suas conquistas e nunca citava
nomes. O egoísmo frio, que era a marca fundamental do seu
carácter, permitia-lhe romper uma ligação que se lhe tivesse
tornado pesada; mas nunca houve uma mulher que se queixasse de
ter sido traída. Podia quebrar friamente um coração feminino, mas
poupava-lhe sempre a honra. Sem amor e sem necessidade de
ternura, o príncipe apenas buscava gozo. Por isso me era tão
preciosa a amizade deste homem: eu também procurava o prazer
sem querer dar o coração.
Tomámos o café no jardim. O príncipe ofereceu o braço a
Rudolphine e o banqueiro ofereceu-me o seu. Como os dois
homens se tivessem afastado um instante para tratar de negócios,
Rudolphine exprimiu-me a pena que a vinda do marido lhe causava
por interromper os nossos prazeres nocturnos.
Se Rudolphine tencionava condenar-me nessa noite à continência,
isso não concordava com as minhas intenções. A partir da chegada
do banqueiro tinha decidido ficar com o príncipe só para mim nessa
noite. Não sabia como fazer-lhe compreender que, se Rudolphine
renunciava à sua visita, eu ainda a desejava mais. O próprio
príncipe murmurou-me ao ouvido que podia esperar por ele,
apesar da presença do marido de Rudolphine.
Bastava-me dar-lhe a chave do meu quarto. Meia hora mais tarde,
a chave estava nas suas mãos.
O príncipe penetrou pouco depois da meia-noite no meu quarto e
passei horas inolvidáveis nos seus braços. Assegurou-me que me
preferia, sob todos os aspectos, a Rudolphine. O calor dos seus
beijos e a força enérgica das suas carícias provavam-me que não o
dizia só para lisonjear a minha vaidade feminina. O príncipe estava
muito excitado, pois era insaciável. Apesar de todo o prazer que me
ofereceu, senti-me tão esgotada que adormeci assim que ele me
deixou.
Despertei somente quando a própria Rudolphine me veio sacudir. À
primeira olhadela vi logo que o príncipe tinha esquecido o relógio
no lavatório. Rudolphine também reparara nele; compreendeu
imediatamente com quem eu tinha passado a noite e conheceu a
causa do meu sono profundo. Censurou-me violentamente a
leviandade, que teria podido comprometê-la aos olhos do marido.
Declarei-lhe com calma que não sabia como teria podido
comprometê-la, visto o marido, que me havia feito a corte, não
poder censurar-me por permitir livre acesso ao príncipe. Todos os
meus raciocínios não chegaram para acalmá-la. Compreendi que o
seu mau humor não resultava tanto do receio de ter ficado
comprometida como de ciúmes. Invejava as carícias de fogo que eu
acabava de saborear, ela que não pudera encontrar compensação
nos abraços frios do marido.
Na noite seguinte, quando ficámos de novo os três juntos, vi bem
que as minhas suposições estavam certas. Rudolphine fez tudo para
rebaixarme aos olhos do príncipe e tentar captá-lo inteiramente.
Tirei a minha desforra quando Rudolphine teve as suas regras, as
quais, segundo a lei judaica, lhe proibiam quaisquer relações com
homens. O príncipe apenas se ocupava de mim e na presença de
Rudolphine. Esta circunstância levou ao

124 125

rubro os seus ciúmes. Não amava o príncipe; contudo, a preferência


notória ferira-a. Assim, não fiquei de modo algum surpreendida
quando vi Rudolphine alterar a conduta e tornar-se mais fria.
Um dia, declarou-me que assuntos de família a obrigavam a deixar
Baden mais cedo do que era costume. Punha assim termo à minha
ligação com o príncipe, mas interrompia também as suas relações
com ele, porque não ousava recebê-lo na sua casa de Viena: é bem
verdade que os ciúmes e a necessidade de suprimir uma rival
fazem aceitar os mais duros sacrifícios. Entre damas da alta
sociedade, nenhuma explicação tem lugar quando se trata de coisas
destas; e assim nenhuma houve entre mim e Rudolphine. Contudo,
fiz-lhe sentir que conhecia o motivo da sua mudança de conduta:
os ciúmes. Esta observação não contribuiu para reanimar os nossos
antigos sentimentos e nós, que durante tanto tempo havíamos sido
inseparáveis, deixámo-nos com uma frieza mal contida. Mas não é
isto que sucede a todas as amizades femininas?
Regressei, pois, a Viena com Rudolphine. Como só muito raramente
lhe fiz visitas, pouco falei com o príncipe. Este tinha tentado
aproximar-se de mim e pedira-me que lhe permitisse visitar-me; fui
obrigada a recusar. Tinha demasiadamente em conta a minha honra
para me arriscar a comprometê-la assim. Aliás, mesmo que o
desejasse, ter-me-ia sido impossível conceder-lhe um encontro
como ele queria. A minha tia vigiava-me estreitamente e, se chegasse
a enganá-la, não podia olvidar que era actriz, ou seja, alguém cujo
trabalho assume um carácter público e é vigiado por mil olhos;
alguém que a mais pequena imprudência pode arruinar. Permite-se,
claro, a uma actriz uma certa liberdade de gestos; os mil olhos do
público constituem uma couraça bem pesada para a sua virtude: é-
lhe mais difícil do que a qualquer
outra mulher saborear certas alegrias às escondidas.
Foi assim que a minha ligação se desfez. Hoje ainda penso com
prazer no belo e espiritual senhor que em primeiro lugar me
ensinou, não o amor, mas a volúpia.
Preciso de dizer-lhe - pois me conhece - que esta ruptura, trazida
pelos ciúmes de Rudolphine, me causou a mais viva pena? Era-me
muito difícil encontrar um substituto, e tive de retomar as alegrias
tão restritas da mão.
O senhor conhece o bastante da vida teatral para saber que não me
faltavam admiradores. Nenhuma mulher, se deseja fazer conquistas,
está melhor colocada do que uma actriz. Pode, do alto do palco,
expor a sua beleza e o seu talento a mil olhares. As outras mulheres
apenas agem no meio muito estreito do seu círculo familiar. Uma
actriz célebre satisfaz, além disso, a vaidade dos homens, felizes por
serem um pouco iluminados pela sua glória. Não é, portanto, de
admirar que uma artista célebre se veja rodeada dos representantes
da mais antiga aristocracia e dos cavalheiros da bolsa; até o último
dos poetas lhe traz humildemente os primeiros ensaios da sua musa,
os adoradores de todas as classes perseguem-na; todos aguardam
um olhar, todos sentem sede dos seus favores. Mas entre esses
homens, como podia eu encontrar aquele de que necessitava, aquele
que estaria pronto a contentar todos os meus desejos, sem se arrogar
nenhuma autoridade? Devia ser meu escravo, devia estar preparado
para ver a nossa ligação desfazer-se a cada instante e eu devia poder
contar com a sua discrição. Apenas o acaso poderia ajudar-me a fazer
uma tal descoberta, e o acaso não me foi favorável.
Tinha um contrato de um ano no Teatro Kaertnertor. Estava a
chegar ao fim; na altura de renová-lo, fizeram--me propostas
vantajosas em Budapeste e em Francoforte. Gosto de Viena, a bela
cidade imperial. Teria prefe-

126 127

preferido lá ficar, mesmo com salários menos brilhantes. A fortuna


de meu pai estava periclitante. Há um ano que não necessitava da
sua ajuda, mas o meu reconhecimento obrigava-me a auxiliá-lo na
medida do possível. Foi por isso que preferi o contrato para
Francoforte, cuja proposta era mais vantajosa. Despedi-me de
Viena por um ano.
Despedi-me também de Rudolphine no decurso de uma visita
muito curta. O tempo e os seus ciúmes haviam extinto por
completo a nossa amizade, outrora tão encantadora.

**
SEGUNDA PARTE

O senhor deve ficar muito admirado, meu caro amigo, por ver
quanto as cartas que lhe vou dirigir diferem das que lhe escrevi até
agora. O estilo, a concepção, a filosofia e o ponto de vista
alteraram-se. Os assuntos serão muito mais variados. Não pense,
porém, que me sinto cansada de escrever ou que arranjei um
confidente para continuar as minhas memórias. Para isso,
necessitaria de ter encontrado um homem a quem me pudesse
confiar, como ao senhor, sem restrições. Tal não sucedeu. É
preciso conhecer os homens intimamente, tal como tive a ventura de
conhecê-lo, para se ousar comunicar-lhes tudo o que se pensa e
tudo o que se sente. Até agora, não encontrei nenhum, sobretudo
entre aqueles a quem me dei carnalmente. A alteração da minha
maneira de escrever resulta de eu ter mudado de ponto de vista na
redacção das minhas recordações. Revivo tudo na devida altura,
julgo-me transportada para as mesmas situações, e talvez não
proceda mal se adaptar o meu estilo a cada nova aventura.
Recordo-me de ter visto no prólogo do Fausto, de Goethe, a frase
seguinte, que creio ser um axioma: Tão rápido como a passagem do
bem para o mal. Compreenderá assim como modifiquei a minha
concepção da volúpia. E compreendê-lo-á tanto melhor se pensar
que decorreram quinze meses desde a minha última carta.
Não quero aborrecê-lo com um extenso prefácio no segundo volume
das minhas memórias. Os prefácios não são divertidos e prefiro
voltar à minha história. Vou direita aos factos, stick to facts, como
dizem os Ingleses.
131

Contei-lhe na minha última carta que aceitara o contrato de


Francoforte, por ser o mais vantajoso. Felizmente que só o assinei
por dois anos. Sob todos os pontos de vista são dois anos perdidos.
Quando cheguei a Francoforte, a Alemanha ainda não fora invadida
pela wagnermania, porque Wagner ainda era um desconhecido no
mundo musical; contudo, o nosso repertório era já do gosto mais
execrável. A luta entre a música alemã e a música italiana iniciara-
se. A alemã começava a triunfar em Francoforte.
Uma cantora pode amar a sua pátria, pode adorar a sua língua, os
costumes e as recordações da infância; apenas possui, no entanto,
uma pátria: a música. E sempre preferi a música italiana a outra
qualquer. Representa melhor os nossos sentimentos e a nossa alma,
revela melhor a linguagem dos nossos corações. É mais expressiva,
mais apaixonada, mais enternecedora e mais doce do que a música
erudita da Alemanha ou do que a música ligeira e brilhante da
França. Esta parece sempre ter sido escrita para dançar em
quadrilha. As óperas italianas permitem aos cantores darem tudo de
quanto são capazes, pois foram escritas para eles, ao passo que a
música alemã é sobretudo instrumental e nós devemos sacrificar-
nos sempre à orquestra.
Além disso, Francoforte é a cidade mais desagradável que conheço.
A aristocracia do dinheiro e os Judeus é que dão o tom. Nada
percebem de arte. As pessoas alugam um camarote do mesmo modo
que vão a uma parada. Só se tem valor pela riqueza. A arte não
pode florir. A paixão mais violenta gela numa tal cidade. O amor e
os prazeres não passam de uma necessidade natural, um refresco do
baço, como diz Shakespeare.
Não me faltavam admiradores. Eram de todas as nacionalidades,
mas os antepassados de todos eles tinham atravessado o Mar
Vermelho. Rodeavam-me com respeito, quando eu tinha sede de
volúpia. Nem um havia que me parecesse digno de receber o meu
amor e o tesouro que trazia sempre comigo. Entre os meus colegas,
havia alguns homens bonitos e galantes, mas é princípio meu nunca
escolher um comediante, um cantor ou um músico. São
demasiadamente indiscretos; arriscamos a honra e, às vezes, o
contrato. Interessa-me conservar a auréola de virtude.
Se, ao menos, tivesse podido encontrar uma mulher ou uma
rapariga! Ter-me-ia entregue toda, como sucedera com Marguerite.
Nada teria poupado para revelar o doce mistério do amor. Mas tais
pessoas eram ou prudentes, ou inabordáveis ou muito feias. Outras
possuíam, pelo contrário, uma tal prática que já estavam gastas.
Metiam-me todas horror. Achava-me, pois, reduzida a mim própria.
«E se aproveitasse a minha estada forçada nesta fastidiosa cidade
para fortificar-me e preparar-me para o amor que há-de vir?», dizia
muitas vezes para comigo. «Sou capaz de fazer isso? E a volúpia
futura recompensar-me-á da minha castidade? Posso experimentar.
Diz-se que a volúpia humana é o que existe de mais forte no
mundo. Submeto-me a uma tal prova.»
Durante as primeiras semanas, tive uma enorme dificuldade em
dominar-me. Custou-me esforços sobre-humanos impedir os dedos
de tomarem a iniciativa de se dirigirem a certo sítio do meu corpo.
Com o tempo, isso tornou-se-me mais fácil. E quando sonhos
voluptuosos me agitavam, quando o calor do sangue me
aguilhoava, saltava para fora da cama e tomava um banho frio ou
abria um jornal e lia um artigo de política. Nada me arrefece tanto
como uma leitura política: um duche frio, em comparação, ainda
parece um excitante.
Após dois meses de mortificação voluntária, as tentações passaram a
ser mais raras. Quando elas me surpreen-

132 133

surpreendiam, já não eram tão intensas nem tão demoradas. Creio


que teria podido renunciar completamente ao amor se o desejasse.
Mas isso seria loucura e não sei porque o teria feito. Pode ficar-se
casta para saborear em seguida uma volúpia ainda mais forte. A
castidade é, então, um excitante. Quando se quer ir ao baile, não
nos vamos cansar fazendo grandes caminhadas, e quando se é
convidada para um jantar suculento, não se enche o estômago antes
de sair de casa. O mesmo se passa com os prazeres do amor.
Todavia não sei se teria podido suportar tal vida durante dois anos!
Devo a um divino acaso ter atravessado esta provação. Estou a vê-lo
sorrir, pois o senhor não acredita. Mas ouça. Garanto-lhe que lhe
escrevo a pura da verdade. Uma das minhas colegas, Madame
Denise A..., francesa de nascimento, mas que falava perfeitamente
o alemão, era a única, entre todas as cantoras, com quem podia falar
livremente de tudo. Não tinha que temer a sua indiscrição, tamanha
era a sua influência. Ela conhecera tudo, a sua experiência era
imensa, estava ferida demais para suportar a excitação sexual.
Nem sequer era velha, nem feia para não encontrar cavalheiros. E se
se deixava cortejar aqui e ali, era para depená--los, como é de uso
em Paris.
Alguns, cujo gosto bizarro aproximava de Denise, tinham-se
dirigido a mim para lhes servir de intermediária e eu prestava-me
de bom grado a defendê-los. Foi assim que principiou a nossa
amizade.
- Perdi toda a vontade de gozar, não porque me sinta já esgotada,
mas por tédio - dizia ela. - Quando se pensa ou quando se lê até
onde pode levar-nos esta espécie de gozo, deixa-se de sentir
vontade. A água fica fresca, depois tépida, depois a ferver.
Enterramo-nos nos lodaçais, para desaparecermos, enfim, nas
cloacas cheias dos vermes imundos. Em breve aprenderá isto, se
se aventurar por tal via. Fui casada com o maior libertino que
imaginar se possa. Os seus deboches mataram-no. Foi uma doença
terrível. Várias maleitas roíam-no em vida. Morreu de tuberculose
da espinal medula. Tinha, além disso, a sífilis. O corpo não passava
de uma chaga imensa e perdeu a vista. Ainda não tinha trinta e três
anos. Eu adorava-o, sentia-me desesperada por tê-lo perdido. Todas
estas doenças arrebataram-no a galope. Ia todos os dias ao Bosque
de Bolonha; em menos de seis meses já não podia mexer-se. Tratava
dele com uma das minhas amigas; tínhamos de servi-lo como se
fosse um bebé. Sabe a que devia ele um fim tão horroroso? A um
ser infame que se dizia seu amigo e que lhe meteu nas mãos o livro
mais terrível que alguma vez foi escrito: Justine, ou les Malheurs de
la Vertu et Les Prospérités du Vice, do marquês de Sade. Diz-se que
o autor enlouqueceu, como consequência dos seus deboches, e que
morreu num manicómio. O Senhor Duvalin, o amigo do meu
marido, pretendia que o marquês de Sade não enlouquecera, mas
que se tinha encerrado num claustro, em Noisy-le-Sec, nos
arredores de Paris, para celebrar orgias com jesuítas. Quando
esmaguei Duvalin com censuras, quando o acusei de ser o assassino
do meu marido, ele encolheu os ombros e disse-me que não fora sua
intenção perder o meu marido mas que, pelo contrário, quisera pô-lo
de sobreaviso contra as suas más inclinações. Não era culpa sua se o
remédio tinha falhado. «Que quer Madame», dizia-me ele, «eu
também fui torturado pelo demónio da carne; a leitura deste livro,

-----------------

1
O título citado abrevia o que o marquês de Sade escolheu para a
sua obra escrita em 1797, ha NouvelleJustine, ou les Malbeurs de la
Vertu, suiviede l'Histoire dejuliette, sa Soeur, ou les Prospérités du
Vice. É puramente fantasioso o que, depois, se atribui a Sade, mas
de todo em todo desculpável, visto só em 1887 se iniciarem os
estudos sérios sobre o controverso escritor, graças a Charles Henry,
seguido por Eugène Diihren e Appolinaire (N. T.).

134 135

que matou o seu marido, curou-me de todos os desejos naturais.


Não digo que me tenha tornado asceta, mas não pertenço já ao
rebanho dos porcos de Epicuro, que fizeram uma cloaca do amor
sexual. O asco restituiu-me a razão; a lama atraiu-o. De quem é a
culpa?» Cheia de desespero, quis suicidar-me. Pretendia fazê-lo
com requinte, porque era muito imaginativa. O meu marido,""
durante a nossa união, havia esgotado todas as espécies de gozo
animal que podem saborear-se com uma mulher sozinha. Quando
abri pela primeira vez o livro do marquês de Sade, que era ilustrado
por cem águas-fortes, vi bem que ele tinha experimentado algumas
cenas comigo. Os meus pensamentos deliravam, queria conhecer
tudo, abandonar-me a todos os excessos contidos neste livro e
morrer de deboche, como o meu marido. Do mesmo modo, as
mulheres indianas sobem para a fogueira, após a morte dos
esposos, e deixam-se consumir vivas.
«O meu amor não conhecia limites. A morte que escolhi fora a
dele. Asseguro-lhe que era muito mais torturante do que a morte
pelo fogo. Queria estudar a teoria da volúpia animal e depois
aplicá-la na prática. O meu marido dera-me de presente algumas
dessas obras que dela tratam, a saber: Fanny HM, Petites
Fredaines, Histoire de Dom Bougre, Cabinet d'Amour e de Vénus,
Bijoux Indiscrets, Pucelle de Voltaire e Aventures d'une Cauchoise.1
«Tinha-me lido, outrora, uma parte para nos predispor ao prazer.
Nunca falhava o ueu objectivo e encontrava-me pronta para todas
as porcarias que dese-

---------------
1 Dos títulos referidos, cinco são assinados por escritores de
méritos indiscutíveis: Fanny HM, John Cleland (1709-1789);
Petites Fredaines («Felícia, ou as minhas estroinices»), Andréa de
Nerciat (1739-1800); Histoire de Dom Bougre, Gervaise de
Latouche (1715-1782); Bijoux Indiscrets, Diderot (1713-1784);
Pucelle («La Pucelle d'Orléans») Voltaire (1694-1778). Nada más,
portanto, as primeiras leituras de Madame Denise A... (N. T.).
136

desejasse. Mas nunca me tinha mostrado o livro do marquês de


Sade, que considerava muito perigoso. Depois da sua morte,
descobri-o metido num armário de fundo duplo. Pus-me a lê-lo. A
impaciência impelia-me a conhecer o sentido das ilustrações. Li as
cenas mais espantosas: por exemplo, a tortura das mulheres, a cena
dos animais exóticos, a aventura no monte Etna, as flagelações, as
violações de rapazes, as cenas em Roma, aquela em que o marquês
de Sade se lança, vestido com uma pele de pantera, entre mulheres
e crianças nuas e morde um rapazinho até ele morrer; enfim, a
descrição das orgias em que duas mulheres são guilhotinadas, as
bestialidades, etc.
«Agora, começava a compreender Duvalin. Este livro podia ter uma
dupla influência consoante o temperamento do leitor, consoante a
sua sensibilidade e o seu espírito. Duvalin estava corrompido por
ele; eu alanceada de nojo. Custou-me tanto terminar a leitura que já
era quase insensível antes de passar à prática. Podia acariciar-me
tanto tempo quanto me apetecesse, que ao retirar o dedo a sensação
era enjoativa e vazia. A espinha dorsal do sexo achava-se partida e
nunca mais senti desejos de endireitá-la. Estava radicalmente
curada de anseios voluptuosos. Começava a compreender o estado
de espírito dos castrados.
Denise contou-me ainda muitas coisas sobre este tema. Julgava-me
completamente inexperiente. Suspeitava que eu conhecia a
masturbação ou o godemiché. Talvez mesmo o abraço entre pessoas
do meu sexo. Mas supunha que eu ignorava completamente o
homem. __ A simulação é inata na mulher, tal como a jactância no
homem. Perguntou-me se tinha alguma vez lido um dos livros de
que me falara. Perante a minha resposta negativa, aconselhou-me a
começar imediatamente pelaJustine e Juliette.

137
- Alguns médicos pretendem - dizia ela - que a cânfora tem a
virtude de extinguir o prurido sexual da mulher.
Não sei se isso é verdade. Mas o livro de Sade sufocou durante
meses todos os pensamentos, todos os desejos de volúpia e de
libertinagem. Que imaginação! É possível que tais coisas se
passem? Os homens são nele tigres e hienas; as mulheres, serpentes
e crocodilos. O que lá se encontra menos é a sexualidade natural.
As mulheres fazem o amor com mulheres, os homens com rapazes e
com animais. É horrível! Perguntava a mim própria se era possível
que o homem se satisfizesse alguma vez da volúpia; que recorresse
a tais excitações; que desejasse corpos torturados, calcinados,
dilacerados, em vez de belos corpos brancos. Tive medo do homem
que havia escrito aquilo. Levara, realmente, uma tal vida, ou era o
deboche da sua imaginação que lhe fizera escrever tais coisas? Diz
ele, algures, que eram esses os costumes dos cavalheiros do seu
tempo e que cenas semelhantes se passavam no Parc-aux-Cerfs.
Fala da volúpia de ver morrer homens. A famosa marquesa de
Brinvilliers despia as suas vítimas e deleitava-se com os sobressaltos
e as contorsões dos corpos nus das infelizes.
Enquanto durou esta leitura - vários meses - nem uma única vez
pensei em voltar a fazer o que fizera com Marguerite e com
Rudolphine. Necessitava de muito tempo para ler dez volumes de
trezentas páginas; tanto mais que não podia consagrar todos os meus
lazeres à leitura; devia estudar novas partituras; todos os dias
havia ensaios ou representações; recebia e retribuía muitas visitas;
era convidada para bailes, serões, passeios ao campo, etc. Além
disso, não sabia muito de francês para compreender exactamente o
que Sade escrevia; escapavam-me muitas palavras, que não
constavam de nenhum vocabulário

138
Assim passei eu dois anos vivendo tão castamente como santa
Madalena, que teve igualmente uma juventude bastante agitada e
tempestuosa.
Próximo do fim do segundo ano, recebi muitas ofertas de contratos
de diferentes teatros alemães, austríacos e húngaros. Tinha
dificuldade em decidir-me, quando apareceu o barão Felix von
O..., um fidalgo húngaro, grande amador de música, homem muito
amável, muito belo e muito rico. Fez-me imediatamente a corte e
prometeu-me um rendimento muito mais considerável do que o do
director do teatro. Se aceitasse, ter-me-ia desonrado a meus
próprios olhos. Repugnava-me vender os meus favores; portanto,
recusei a oferta.
Um outro pretendente era Arpard von H..., o sobrinho do director,
um jovem de quase dezanove anos, bonito, tímido, envergonhado
como um saloio. Mal ousava olhar para mim e, quando lhe falava,
corava como um pimentão. O barão von O... dizia muito bem dele:
que era um génio e que desempenhava um grande papel na sua
pátria. Na verdade, valia a pena receber as primícias de um tal
jovem. Se uma pessoa alguma vez ignorou a teoria e a prática dos
doces segredos de Citera1, essa foi de certeza o jovem Arpard, filho
da irmã do director teatral húngaro.
Estes cavalheiros apenas ficavam dois dias em Francoforte. Iam a
Londres e a Paris a fim de adquirirem óperas em voga. M. de R...
pressionou-me para aceitar, o barão von O... juntou os seus rogos
aos do director e li nos olhos de Arpard que não recusasse. Esse
olhar decidiu--me e aceitei. O director tirou logo da algibeira um
contrato feito em duplicado, leu-mo todo e apus nele a minha
assinatura. Comprometi-me a representar em

-----------

1
Citera é uma ilha onde Vénus possuía um templo magnífico e
simboliza a pátria dos amores (N. T.).
139

Budapeste assim que o meu contrato para Francoforte expirasse.


Autorizaram-me, no entanto, a dar seis espectáculos de gala em
Viena. Começava justamente na estação fraca.
Deixei Francoforte no mês de Julho. Antes de vir para aqui, tinha-
me feito fotografar no estúdio de Angerer. Já não estava nada
parecida com esse retrato. As minhas feições eram mais carregadas,
mas parecia mais nova do que era na realidade. Médicos, homens e
mulheres dos meus amigos repetiram-me muitas vezes que estava
pouco desenvolvida para a idade. Lembro-me muito bem do aspecto
que a minha mãe tinha quando a surpreendi na cama, no dia do
aniversário de meu pai. Que diferença entre ela e eu! As minhas
coxas eram menos fortes e carnudas do que os seus braços. Nela,
nem sequer se suspeitava o osso, ao passo que em mim ele saía por
todo o lado: ombros, clavículas, ancas; até podiam contar-me as
costelas. Há dois anos que levava uma vida de vestal e tinha
adquirido alguma gordura. As coxas e as duas esferas de Vénus,
que constituem o orgulho das mulheres, haviam-se arredondado;
eram duras e, mesmo assim, elásticas; não me cansava de
contemplar-me no toucador. Gostaria de ser tão flexível como um
homem-serpente para poder enrolar-me e beijar aquelas bonitas
bolas redondas.
As cenas de flagelação no livro de Sade tinham-me tornado curiosa
de conhecer a volúpia que pode sentir-se chicoteando o traseiro.
Um dia peguei num ramo de salgueiro, despi-me e coloquei-me em
frente do espelho, para experimentar. A primeira pancada doeu-me
tanto que parei imediatamente. Ainda não conhecia a arte desta
volúpia; não sabia que era preciso começar com pancadinhas leves
como as administradas pelas massagistas nos banhos turcos, e que é
somente no momento da crise que pode bater-se com todo o vigor
do braço. Vários anos passaram antes de eu conhecer tal volúpia. Se
a dor não me tivesse desencorajado, seguramente retomaria a carícia
com os dedos, apesar dos meus firmes princípios de castidade.
Aliás, de cada vez que tomava um banho, o que sucedia três a
quatro vezes por dia no Verão, ficava prestes a ceder às tentações
da carne. O senhor talvez não acredite, mas era o livro de Denise
que me arrefecia.
À minha passagem por Veneza todas as pessoas conhecidas se
admiraram muito com a udança que se produ-zira no meu físico.
Havia combinado um encontro com a minha mãe, pois ela devia
assistir ao meu triunfo. Ao ver-me, apertou-me nos braços e disse:
- Minha querida menina, como estás bela e como
tens excelente aspecto!
Encontrei uma vez Rudolphine em casa dos Dommaier, em
Heitzing. Encarou-me durante alguns segundos, depois disse-me
que não me tinha reconhecido de entrada. Também ela havia
mudado, mas não para melhor. Substituíra o rosado das faces por
pintura, mas não conseguia esconder as olheiras azuladas.
- Renunciaste aos prazeres do amor desde que
deixaste Viena? - perguntou-me. - E impossível,
porque quem bebeu dessa ambrósia já não pode passar
sem ela. Mas há naturezas que desabrocham com os
prazeres do amor, em vez de murcharem, e tu és
dessas!
Afirmei-lhe, em vão, que levava há dois anos uma vida de reclusa e
que, graças a isso, me sentia cada vez melhor. Não queria acreditar;
dizia que era absurdo.
- Quem podias tu ter encontrado em Francoforte?
- dizia-lhe eu. - Homens da Bolsa? Eles são os antídotos do amor,
não possuem nenhuma galantaria. É indigno de uma mulher
entregar-se a um homem que não
lhe ocupe um pouco o coração. Nada me causa mais

140 141
horror do que Messalina que apenas buscava a volúpia animal.
Rudolphine corou debaixo da pintura; eu tinha, provavelmente,
acertado no alvo, embora sem querer. Não conversámos durante
muito tempo. Reparei em dois cavalheiros que nos examinavam
através dos binóculos; um cumprimentou Rudolphine, enquanto eu
me afastava por outra alameda.
Durante os quinze dias que fiquei em Viena, soube que
Rudolphine passava por uma das mulheres mais galantes da
sociedade. Os seus amantes contavam-se às dúzias. Os dois
cavalheiros que eu tinha notado em Heitzing pertenciam a esse
número, eram adidos à embaixada brasileira e os maiores
depravados de Viena. Rudolphine apresentou-me até um deles, o
conde de A... Já não era ciumenta; pelo contrário, cedia de boa
vontade os amantes às amigas. Confessou-me que sentia quase o
mesmo prazer assistindo aos gozos sensuais dos outros. Pensei nas
cenas dejustine, onde sucede algo de semelhante.
Por delicadeza, fui visitar Rudolphine. Encontrei-a sozinha; eram
quase três horas e meia. Mostrou-me fotografias que acabava de
receber de Paris. Representavam cenas eróticas, homens e mulheres
nus. As mais interessantes eram as de Madame Dudevant1, que
Alfred de Musset fazia circular entre os amigos.
Havia sobretudo seis particularmente obscenas. A célebre escritora
iniciava mulheres e raparigas nos mistérios do serviço sáfico. Numa
dessas imagens, ela faz amor com um gigantesco gorila; numa
outra, com um cão Terra-Nova; numa outra ainda, com um
garanhão que

-----------

1
Madame Dudevant era Armandine Lucie Aurore Dupin (1804-1876),
celebrizada pelo pseudónimo George Sand (N. T.).

142
duas raparigas seguram pela arreata. Está ajoelhada e vêem-se-lhe
as nádegas em todo o seu esplendor; por baixo, a gruta da volúpia
mostra-se toda aberta para deixar penetrar a terrível lança do
garanhão, o qual empurra com dificuldade. Não posso acreditar que
uma mulher suporte uma tal façanha, pois a dor deve ultrapassar
em muito a volúpia.
Rudolphine contou-me a história destas imagens. O senhor talvez
não a conheça e julgo-a com interesse bastante para ser contada.
George Sand viveu muito intimamente, durante vários anos, com
Alfred de Musset. Viajaram juntos pela Itália. Em Roma, após uma
terrível cena de ciúmes, romperam completamente. Musset era
muito discreto e respeitava mais a amante do que a mulher. George
Sand, pelo contrário, contava em todo o lado que tinha largado o
poeta devido à sua fraqueza nos torneios do amor, que ele era
impotente. Alfred de Musset soube destas mentiras. A sua vaidade
sentiu-se ferida, porque assim perdia o encanto junto das outras
mulheres. Quis vingar-se e mandou fazer aquelas fotografias, às
quais acrescentara um texto escandaloso em verso. Essas
imagens espalhavam-se graças à fotografia, porque não conseguira
encontrar um impressor que lhe executasse a obra.
Sentia-me muito feliz por me ter reconciliado com Rudolphine; as
suas visitas, no entanto, prejudicavam-me porque ela gozava de
má reputação. Estava impaciente por ir para Budapeste e não perdi
um dia após o termo das minhas representações.
Cheguei durante a grande feira anual, a semana mais animada da
época mais fraca. A feira dura uns quinze dias; chamam-lhe o
mercado de São João ou o mercado dos melões, porque o mercado
se acha então a abarrotar com estes frutos suculentos.

143
Tinha arranjado um vocabulário húngaro-alemão e um manual da
língua magiar. Quando cheguei a Budapeste, enviei imediatamente
o meu cartão a M. de R... Ele teve a amabilidade de fazer-me logo
de seguida uma visita. O sobrinho Arpard acompanhava-o. Os olhos
do adolescente chisparam de prazer ao ver-me.
Fiquei muito admirada por ver estes dois cavalheiros entrarem com
trajos húngaros. Soube, mais tarde, que o trajo nacional estava na
moda. M. de R... aconselhou--me a vestir igualmente o trajo
nacional. O fanatismo era tão vivo que homens e mulheres que se
opunham a esta moda haviam sido insultados por jovens. Como
membro do teatro nacional, exigi-lo-iam especialmente a mim.
Achei isto abusivo. Sobre o assunto não existia uma palavra no
meu contrato. Mas como o trajo me ia às mil maravilhas, adoptei-o.
Ficava muito mais bonita assim do que nas minhas roupas da
cidade. Mandei fazer diversos trajos.
M. de R... perguntou-me se queria cantar em italiano ou em
alemão. Notei que desejava fazer-me mais uma pergunta. Respondi-
lhe que me esforçaria por aprender o suficiente de húngaro a fim de
cantar nesta língua. Como só se fala muito raramente nas óperas e
como os espectadores nunca compreendem o texto cantado,
pensava que isso não me seria muito difícil. Acrescentei que
tomaria lições.
M. de R... recomendou-me uma dama do teatro que falava bem o
alemão e que dava lições.
É costume, na Hungria, regalar os visitantes a qualquer hora do dia.
Em geral, o comer é uma das principais ocupações dos Húngaros,
que são grandes sibaritas. Roguei, portanto, a estes dois cavalheiros
que tomassem uma refeição ligeira. M. de R... desculpou-se
porque tinha muito que fazer e levantou-se para sair.
- Se te apetece ficar - disse ele para o sobrinho -
permito-te que aceites o convite da senhora. Em seguida, poderás
mostrar-lhe a cidade e servir-lhe de cicerone. Quer vir ao teatro? -
disse, dirigindo-se a mim. - Passa uma tragédia e vai aborrecer-se,
pois ainda não compreende a nossa língua. Faça, porém, como
entender. Voltaremos a falar amanhã.
Sentia-me muito feliz por ficar sozinha com Arpard. Tinha decidido
ensinar-lhe o amor e vergá-lo aos meus caprichos.

144

**
II

Primeiro quis encantar Arpard, mas ainda não sabia como


proceder. Não me teria custado seduzi-lo, mas devia ter em atenção
várias coisas e apenas vi o perigo quando M. de R... nos deixou
sozinhos. Arpard era tão jovem ... Compreendi que quando lhe
tivesse permitido a entrada no mais alto lugar que um homem pode
desejar e que uma mulher pode conceder, já não seria possível retê-
lo. Aquele jovem, sentia-o bem, não se parecia em nada com o meu
acompanhador, Franz, a quem eu podia dizer «até aqui mas não
mais longe», e que era um homem feito para a servidão e a
obediência, tão bem adestrado como o cão fraldiqueiro da minha
tia. Uma desgraça podia suceder depressa. Arriscava tudo, dando
este passo em falso no início do meu novo contrato. Aliás, não
conhecia suficientemente Arpard e não estava segura da sua
discrição.
Os jovens vangloriam-se facilmente das suas conquistas. E, se não
se vangloriam, traem-se facilmente com um olhar ou com uma
palavra inconsiderada. Aliás, podiam surpreender-nos.
Se conhecesse já os húngaros e as húngaras como devia conhecê-los
mais tarde, não teria hesitado tanto. Mas eu chegava de Francoforte,
onde se julga muito severamente a conduta de uma mulher. O
coração batia-me com tanta força quando M. de R... me deixou
sozinha com o sobrinho que mal podia falar. Tinha-me apaixonado,
sentia-o agora. Ah!, se ao menos pudesse comunicar-lhe os
sentimentos que me agitavam. Não era apenas cobiça; tratava-se do
que eu tinha lido, o amor etéreo. Poderia
passar horas a seu lado, contemplá-lo, escutar o som da sua voz e
ter-me-ia sentido inefavelmente venturosa.
Mas não quero descrever-lhe os meus sentimentos, pois não possuo
forças para tanto. A minha pena não é bastante hábil; nunca tive a
pretensão de possuir estilo. Já não é mau conhecer um pouco
ortografia e gramática. A sintaxe e a retórica brilham-me diante dos
olhos como uma fata-morgana que nunca pude alcançar.
Quando M. de R... se afastou, o mordomo do hotel «Kõnigin von
England», onde me encontrava hospedada, preparou a refeição
ligeira encomendada: café, creme, sorvete, tarte de avelãs, fruta,
sobretudo melões, e um ponche gelado. Arpard tomou lugar a meu
lado. Como estava muito calor, tirei o lenço de seda que me cobria
a nuca e o peito. Arpard desfrutava o espectáculo das minhas duas
colinas de leite. Ao princípio só as mirava pelo canto dos olhos;
quando viu que eu lhe permitia esse prazer, inclinou-se um pouco
para mim e a vista fixou-se ali. Sofria, a voz tremia-lhe. Ao passar-
lhe um copo de café gelado, rocei-lhe a mão e os nossos dedos
uniram-se durante um segundo. Sentia aproximar-se o instante da
minha derrota e defendia-me fracamente. Um pequeno arrepio
percorreu-me o corpo, tornei-me sonhadora, a nossa conversa
cessou bruscamente. Recostei-me no canapé, de olhos fechados, o
meu espírito perturbava-se e julgava ir perder o conhecimento.
Devo ter mudado de cor porque Arpard me perguntou, inquieto, se
me sentia mal. Recompus-me e agradeci-lhe com um aperto de
mão, que prolongámos. Abandonei--lhe a minha mão esquerda e ele
cobriu-a de beijos. O seu rosto estava todo vermelho. Eu receava
que todos os botões da casaca lhe fossem saltar, de tal modo o seu
peito inchara.
Estes preliminares deviam durar ainda muito tempo? Ele era
demasiado tímido para se aperceber das suas
146 147

vantagens. Nem sequer dava por elas. Um libertino não deixaria de


aproveitar-se, mas um libertino conseguiria pôr-me neste estado?
Eu teria feito tudo para ocultar-lhe os meus sentimentos. A situação
tornava-se penosa. Lembrei a Arpard que o tio lhe recomendara
que me mostrasse a cidade. Toquei a campainha e mandei chamar
um fiacre.
- A equipagem do barão von O... está em baixo -
respondeu-me o doméstico. - Encontra-se à sua disposição.
Isto era galante. Ainda não falara com o barão e esquecera-me de
enviar-lhe um cartão de visita. Decidi remeter-lho o mais breve
possível. Fomos lá mas o barão não estava em casa. Alargámos o
nosso passeio até Ofen. Depois voltámos para trás, pela pequena
floresta da cidade, uma espécie de parque de muito mau gosto, onde
havia um pequeno lago e barcas. Perguntei a Arpard se estávamos
muito longe do hotel «Kõnigin von England». Respondeu-me que
faltava cerca de uma hora de marcha.
 Vou mandar embora a carruagem e passearemos
por aqui.
 Não se sentirá fatigada? - perguntou-me.
 Mesmo que fosse preciso andar até amanhã de
manhã, não me sentiria cansada.
Ele sorriu, pensando num cansaço de outro género.
Os naturais de Budapeste não visitam este parque senão durante o
dia; logo que o sol desaparece, regressam todos à cidade. Eu não
queria proceder assim, porque Budapeste é a cidade mais poeirenta
que imaginar se pode. Todo o campo circundante não passa de
um imenso deserto de areia; cada rabanada de vento levanta nuvens
de poeira, como na Bulgária ou em África. Sentia-me feliz por
encontrar-me abrigada, por passear na erva. Seguíamos pelas ilhas,
passando pelas pontes
suspensas. Pendurava-me no braço de Arpard. Conduziu-me a
um restaurante. Perguntei até que horas ficava aberto e
responderam-me que fechava às nove da noite para reabrir às
quatro da manhã. Arpard compelia-me a voltar depressa, porque
aquele bosque não era seguro à noite, tinham lá assassinado alguém
nos últimos tempos.
- Mas você não tem medo, querido Arpard? - disse-lhe eu.
Já nos tratávamos pelos nomes próprios. A nossa familiaridade
fizera imensos progressos. Eu obrigara-o a fazer-me confissões.
Jurava-me, pelas estrelas e pelas profundezas do céu, amar-me até à
morte. Tinha-se apaixonado por mim em Francoforte. A sua
imaginação era ardente e poética, como a de todos os jovens.
Apertava e beijava-me as mãos. Chegados a uma ilha, caiu de
joelhos, dizendo-me que adorava a terra que me transportava e
suplicou-me que lhe permitisse beijar-me os pés. Inclinei-me para
ele, beijei-lhe os cabelos, a testa, os olhos. Tomou-me pela cintura e
enfiou a cabeça - o senhor não adivinha onde? - nos arredores do
ponto que todos os homens ambicionam. Embora estivesse
cuidadosamente velado com musselina, oculto pelos vestidos e pela
camisa, Arpard parecia embriagado. Pegou na minha mão direita e
apertou-a junto ao coração, debaixo do colete. O seu coração
galopava e batia tão forte como meu. O meu joelho direito roçou-
lhe pelas pernas e tocou em qualquer coisa dura que, graças ao
contacto, ainda se tornou mais grossa e mais dura. Julguei que as
calças lhe fossem rebentar. Eram onze horas, e ainda nos
encontrávamos na ilha, estreitamente enlaçados. As minhas pernas
estavam poisadas em cima dos joelhos dele. Ousou, enfim, levantar-
me a orla do vestido. Brincou primeiro com os cordões das botinas,
depois subiu um pouco, até à liga; a mão alcançou enfim as coxas
nuas. Com esta

148 149
1
primeira carícia fiquei logo fora de mim. As nossas bocas tinham-se
unido, eu chupava-lhe os lábios e a minha língua penetrava-lhe
entre os dentes até à dele. Queria engoli-la, tanto a aspirava.
Não sei como aquilo aconteceu mas, de repente, fiquei com o seu
ceptro nas mãos. Apertei-o como se quisesse quebrá-lo. A sua mão
direita tinha, igualmente, alcançado a minha fenda que estava
húmida. Fazia-me titilações de enlouquecer. Não era a experiência
que o guiava mas o instinto. Confessou-me mais tarde ter ignorado
até esse momento a diferença entre o carcás e a flecha do amor. O
polegar e o indicador brincavam no alto com o meu botão,
enquanto três dedos, tendo-se dirigido por baixo, haviam
encontrado a entrada totalmente aberta. O interior estava ardente,
como que cheio de lava a ferver. Desfaleci, pois o contacto era forte
demais. Baixei os olhos e avistei o seu membro soberbo, inchado e
entortando-se como o corno de um touro.
Mal eu o tocara e já a cabeça estava nua, purpúrea e orgulhosa.
Senti-a estremecer; uma descarga eléctrica encheu-me a palma da
mão, quando toquei no canal da fonte vital. A seiva leitosa jorrou
como um repuxo, a minha boca estava aberta e recebi tudo o que os
rins despejaram. No mesmo instante, senti a minha fonte
trasbordar. Ele ficou com as mãos cheias como se lá tivesse andado
a pesquisar. Levou-as logo à boca e saboreou tudo o que elas
continham; Arpard lambia as mãos e passava a língua pelos dedos.
Como já disse ao senhor, ninguém lhe tinha ensinado estas coisas;
apenas a natureza o conduzia e ele seguia as suas inspirações.
Após esta dupla efusão, não amoleceu. Tal como eu, desejava outros
prazeres. Pensávamos ambos na forma de realizá-los. A razão viera
dizer-me que a desonra me esperava, que ia ficar grávida, que ia dar
à luz e morrer; e mesmo se estranhos viessem rodear-nos para
zombar de nós, eu teria continuado este folguedo amoroso, ter--
lhes-ia gritado a minha felicidade. Não sentiria nenhuma
vergonha. Era escrava dos meus desejos, achava-me inteiramente
submissa.
O êxtase durou alguns minutos. Depois da ejaculação recíproca do
néctar, a minha excitação tornava-se cada segundo mais ardente. E
ele encontrava-se no mesmo estado. Os meus olhos passavam-lhe
do rosto para o orgulhoso esporão, deste para a paisagem
inanimada; erravam pela superfície das águas, aqui e ali rasgada por
alguns raros arbustos. A lua reflectia-se nas ondas, que abriam
pequenos sulcos quando um peixinho saltava. Gostaria de banhar-
me com Arpard, de tomar um banho de frescura e de volúpia. Era
boa nadadora. Tinha recebido lições de natação em Francoforte e
seria capaz de atravessar o Danúbio a nado.
Arpard adivinhou-me o pensamento e soprou-me ao ouvido:
 Quer banhar-se comigo neste tanque? Aqui não há
nenhum perigo. Há muito que estão a dormir no restaurante. Não
há ninguém.
 Mas disse-me que este bosque era pouco seguro,
que acabavam de assassinar alguém. Sem isso, claro que
quero.
 Não tenha medo, querido anjo. Este sítio é aindao
mais seguro. Mais próximo da cidade, na alameda dos
plátanos que leva à Koenigsgasse, entre as vivendas, aí é
que é perigoso.
 Mas que dirão no hotel se entrarmos tão tarde?
 O hotel está aberto toda a noite. O porteiro dorme
no cubículo. Conhece o número do seu quarto e a criada
seguramente deixou a chave na porta. Aliás, uma desculpa
depressa se arranja. Eu próprio tomo muitas vezes
um quarto neste hotel, quando não quero acordar o
porteiro do meu tio. Pego na primeira chave e estou

1 150 151

como em casa. O seu vizinho partiu hoje, o quarto do lado


encontra-se vazio, vou instalar-me lá.
- Já que está assim tão seguro, tentemos. Ajude-me a despir.
Ele retirou logo o barrete húngaro, o dólman de coiro bordado a
sutache e a camisa, e ajudou-me a desfazer do corpete. Em menos de
três minutos, ficámos os dois nus ao luar.
Arpard nunca tinha visto uma mulher assim. Todo ele tremia.
Ajoelhou-se diante de mim e pôs-se a beijar cada parcela do meu
corpo, de cima a baixo, pela frente e por detrás. Chupava-me a
ponta dos seios, beijava o templo das volúpias, passava a língua
entre os grandes lábios e fazia-me cócegas o mais longe que podia
chegar. Enfim, escapei-lhe e mergulhei na água. Pus-me a nadar
com vigor. Arpard só nadava com uma mão. Estreitava-me com a
outra. Por vezes, mergulhava. A sua cabeça encaracolada
escorregava-me pelos seios, pelo ventre e acariciava ora com os
dedos ora com a língua o centro das volúpias. Em breve retomámos
o pé, pois a água era menos profunda.
Os nossos desejos lançaram-nos nos braços um do outro e recebi,
resignada, o dispensador das alegrias que é, às vezes, um grande
destruidor. Nem um instante pensei nas consequências possíveis do
meu abandono. Se visse um punhal nas suas mãos, teria oferecido o
peito aos golpes. Como ele era inexperiente, a crise apareceu antes
de ter enfiado o membro; a sua cornucópia da abundância esvaziou-
se, a seiva preciosa escorreu-me ao longo das coxas. Mas não
perdeu a coragem. Abraçou-me com mais força. Ofegava, os dedos
crispavam-se na minha carne. A sua vara pendeu durante um
momento, mas em breve se endireitou e senti-a crescer, endurecer
e tornar-se de novo ardente. De súbito, com um único empurrão
enérgico, enfiou-a toda até ao fundo. Teria sido doloroso se
não fosse tão requintado.
Estava agora certa de ficar grávida. O arrepio mais voluptuoso
percorreu-me os membros. Senti-o sobretudo nas nádegas, depois
em baixo nos dedos grandes dos pés. As minhas comportas abríram-
se de par em par e as ondas jorraram tão impetuosas que ele julgou
- tal como mo confessou mais tarde - que era outra coisa e que eu o
aspergira. Este pensamento excitou nele o mesmo canal e senti
penetrar-me um jorro ardente, que não tinha fim. Não era
certamente um derrame dos rins, porque, após a última gota,
continuou com raiva a remexer-me no interior, ao passo que a
minha fonte se esgotara. Estávamos apertados um de encontro ao
outro, incapazes de dizer uma palavra que fosse, sem pensamentos,
abismados num pesado sonho de amor. Gostaria de ficar assim uma
eternidade inteira.
O vento trazia-nos o carrilhão da igreja de Santa Teresa. Estava a
bater a meia-noite. Disse a Arpard que eram horas de regressar à
cidade e que poderíamos retomar os nossos folguedos no hotel.
Obedeceu-me imediatamente. Pediu-me que o deixasse transportar-
me nos braços, como uma criança, até à margem. Juntou os braços
por trás do meu traseiro, pus os meus em redor do seu pescoço e
levou-me até ao banco onde tinham ficado as nossas roupas. Enfiei
logo de seguida as meias e ele atou-me as botinas enquanto me
beijava continuamente os joelhos e as barrigas das pernas. Por fim,
ficámos prontos e seguimos para a rotunda. Diante do quiosque, à
saída do bosque, encontrava-se estacionado um fiacre. O cocheiro
estava no seu banco. Arpard pediu-lhe que nos levasse
imediatamente para a cidade, a troco de uma boa gorjeta. Indicou-
lhe a praça Joseph. Quis esconder ao cocheiro quem eu era e onde
morava. Eu também me tinha tornado prudente. Subimos para o
fiacre que partiu a galope. O cocheiro devia estar de volta logo a
seguir à

152 153

meia-noite, pois tinha levado jovens ao bosque e não se encontrava


livre.
Descemos na praça Joseph. Não ficava muito longe do hotel
«Kõnigin von England». Fui a primeira a entrar, ele foi buscar as
chaves e esperei-o em frente da minha porta. Trouxe-me a chave
passados alguns minutos. O porteiro estava a dormir. Ninguém
nos vira entrar.
Sentia-me cansada. Tinha as pernas quebradas por haver suportado
de pé a luta do amor. Queria ir dormir. Deitei-me imediatamente.
Arpard também parecia fatigado. A sua fonte jorrara por três vezes.
Aconselhei-o a refazer as forças e a ir-se deitar. Preferiria ficar, mas
teve a delicadeza de deixar-me, depois de beijar-me mais uma vez
com paixão.
Não quero contar-lhe todos os nossos combates amorosos; nesta
conquista do reino de Citera deveria plagiar-me a mim própria e
repetir-me incessantemente. Isso aborrecê-lo-ia. Arpard confessou-
me que tinha comprado em Francoforte, num alfarrabista, as
Memórias de Monsieur deli... e que fora aí que aprendera a teoria dos
prazeres do amor. Disse-me ainda que, por várias vezes, estivera a
ponto de entregar as suas primícias a uma hetera e que só o receio
da infecção o retivera; fora uma grande ventura para ele eu ter
vindo para a Hungria.
Na primeira noite, eu tinha negligenciado todas as medidas de
prudência que empregava habitualmente. A seguir, recorri de novo
a tais precauções. Queria ficar ao abrigo de quaisquer surpresas.
Por vezes, negligenciava-as apesar de tudo; mas as nossas relações,
mesmo assim, não tiveram consequências funestas. Como o
senhor é médico, saberá explicar o fenómeno.
A minha felicidade não foi de longa duração. No mês de Outubro,
Arpard recebeu um emprego longe de Budapeste e teve de partir.
Os seus pais habitavam nessa região e o pai era um homem tão
severo que Arpard não ousou opor-se à sua vontade.
No mês de Setembro, eu tinha arrendado um apartamento na rua de
Hatvaner, na residência dos Horvat. Não cozinhava, pois mandava
vir as refeições do casino. Era muito melhor para mim. Não
precisava de convidar os meus colegas para jantar, como deveria
fazer se tivesse casa própria, porque os húngaros são muito
hospitaleiros. Os actores, os cantores, as comediantes e as cantoras
convidavam-se reciprocamente e viviam pendurados uns nos outros.
Tomei uma professora de húngaro, uma actriz, que o barão von O...
me recomendou. Aconselhou-me a não ficar com a que M. de R...
me havia apresentado, porque essa gozava de má reputação na
cidade.
Madame de B..., a minha professora de húngaro, fora muito bela na
juventude. Levara uma vida agitada. O marido era um ébrio e
tinham-se divorciado. Falava muito bem o alemão e só aprendera
húngaro para poder entrar no teatro. O pai tinha sido funcionário e
ela recebera uma educação muito boa. Teve a gentileza de dizer-me
que nunca encontrara uma pessoa que aprendesse com tamanha
facilidade o húngaro como eu.
Depressa nos tornámos amigas, como se tivéssemos a mesma idade.
Não me escondia as suas aventuras e falava-me delas muitas vezes.
O número dos seus amantes era bastante restrito; contudo, conhecia
todas as variedades do gozo sexual, tão bem como Messalina. Eu
não conseguia disfarçar o espanto.
- É que - dizia-me ela - tive amigas que não se
coibiam de fazer à minha frente todas as porcarias;
aprendi assim tudo por assistir mas sem nunca participar. Madame
de I__________, que M. de R... lhe recomendara
para professora de húngaro, foi a mais dissoluta de todas na
juventude. Ainda o seria hoje se não tivesse envelhecido tanto;
todavia, continua a ter dois ou três homens

154 155

que lhe rendem as homenagens do amor. Ouvi falar em Messalina,


em Agripina, em Cléopatra e noutras mulheres dissolutas. Não
poderia acreditar em tais histórias se não tivesse conhecido Madame
de L... A senhora deveria falar com ela. Conhece todas as proxenetas
de Budapeste e mantém relações com todas as prostitutas. Graças a
ela, poderia aprender coisas que a maior parte das mulheres
ignoram habitualmente.
Devo observar-lhe que tinha falado a Madame de B... no livro do
marquês de Sade e que lhe havia mostrado as gravuras. Nunca vira
tais imagens, mas disse-me que Madame de L... devia conhecê-las.
Tinha visto Madame de L... pô-las em prática.
- Que arrisca a senhora vendo estas coisas? - prosseguiu. - Ninguém
o saberá. Devo dizer-lhe que Anna (primeiro nome de Madame de
L...) é a discrição em pessoa. Goza-se bem assistindo a tais
espectáculos. Eles permitem conhecer os despojos morais dos
homens. Quantas das maiores damas de Budapeste se entregam a
excessos, comportando-se pior do que as prostitutas, e ninguém
suspeita! Anna conhece-as a todas; viu-as a todas, quando elas se
julgavam ao abrigo da curiosidade, e não com um homem, mas
com meia dúzia!
Madame de B... aguilhoava-me a curiosidade. As cenas dejustine
metiam-me horror. Nunca teria gostado de assistir às cenas do
volume oitavo, página três, ou do volume décimo, página noventa.
Mas havia certas coisas que teria podido suportar.
O senhor conhece, sem dúvida, o livro do marquês e sabe o que
essas imagens representam. Se já não se recorda, permita-me que
lhas descreva. A primeira representa uma arena. Ao alto, avista-se a
uma janela um homem idoso com barbas, o proprietário da colecção
de animais exóticos, depois um homem novo, uma rapariga há
pouco tempo núbil e um rapazinho. Uma rapariga nua está a ser
atirada pela janela no mesmo momento. Um leão devora outra
rapariga, cujos intestinos lhe saem do corpo. Mesmo o senhor, um
médico que está habituado a assistir às mais terríveis operações,
devia ficar apavorado com esta imagem. Quanto a mim, então!...
A segunda imagem representa o marquês de Sade. Acha-se
paramentado com uma pele de pantera e ataca três mulheres nuas.
Abraça já uma e morde-lhe o peito. O sangue corre. A sua mão
direita dilacera-lhe o outro seio. Por terra, jaz uma criança nua,
rasgada, desfeita, morta.
Não sei qual é a mais terrível destas duas gravuras. Não gostaria
de assistir a tais espectáculos. Mas há outras: orgias, flagelações,
cenas de tortura e deboches entre pessoas do mesmo sexo, às quais
conseguimos assistir.
O senhor dirá, talvez, que as mais inocentes podem levar às mais
cruéis. Não quero pretender que certas naturezas não conhecem
limites; mas posso afirmar que tal nunca seria o meu caso. Também
se poderia afirmar facilmente que todas as pessoas que assistem a
execuções ou a castigos corporais - diz-se que há sempre muito
mais mulheres do que homens - são capazes de assassinar os seus
semelhantes, se conseguissem fazê-lo impunemente, para
satisfazerem os seus desejos mórbidos. Mas isto é falso, tenho a
certeza. Uma das minhas amigas, uma húngara, cujo pai era oficial
e habitava com toda a família no quartel de Apser, em Viena,
assistia quase todos os dias a sevícias corporais. Via pela janela
como os soldados eram batidos com vergalhos e chicotes no pátio.
Nunca sentiu vontade de fazer o mesmo fosse a quem fosse: nem
sequer era capaz de cortar o pescoço a uma galinha. Existe um
abismo entre a participação e a assistência passiva.
Madame de L... frequenta as melhores famílias de

156 157

Budapeste. As damas da alta sociedade são suas amigas íntimas.


Dá-lhes provavelmente lições da arte, que tanto entende, de atrair os
homens. Nada tinha de comprometedor fazer o seu conhecimento.
Na Alemanha, sim. Agradava-me recebê-la e Madame de B...
trouxe-ma. Apenas o barão von O... mostrava um ar descontente e
dizia que não era companhia para mim. Não sei porque a detestava
tanto. Agradou-me imenso. Não era de modo algum provocante,
como eu julgava. Quando nos conhecemos melhor e lhe pedi que
me contasse tudo, abandonou todo o constrangimento. Vi então que
esta mulher era completamente diferente do que parecia em
sociedade. Tinha uma filosofia estranha, a qual apenas se
preocupava em proporcionar aos sentidos um alimento sempre
novo. Era uma Sade fêmea. Seria capaz de fazer tudo o que era
relatado no livro. Em breve tive provas disso, tal como lhe vou
contar.
Falávamos das maneiras como se pode apimentar o gozo sexual do
homem e da mulher. A sensibilidade das partes sexuais desbota-se
com o uso e é preciso recorrer a meios artificiais para reanimá-la.
- Nunca aconselharei a um homem que faça tudo o que eu fiz -
dizia ela. - Não há nada mais perigoso do que a sobreexcitação para
um homem; enerva-se e fica impotente. A imaginação substitui
mal e raramente o que a prodigalizou. Na mulher, pelo contrário, a
imaginação aumenta a excitação e o prazer. Nunca experimentou
fazer-se chicotear ligeiramente com vergalhos, durante a cópula?
Devo dizer-lhe que com Madame de L... era inútil mentir.
Reconheceu, desde a primeira visita, até que grau eu fora iniciada
nos mistérios do amor. Mas nada tinha a recear, porque ela
partilhava as minhas opiniões a respeito do segredo das coisas e da
dissimulação das mulheres. Contei-lhe que tinha tentado uma vez,
mas
que a dor fora tão forte que renunciara. Ela desatou a rir.
- Há muito poucas mulheres que conheçam a volúpia da dor e
sobretudo os vergalhos e o chicote. Entre as numerosas prisioneiras
que são condenadas a receber pancadas de martinete, nem uma
houve que não sentisse medo. Até agora, apenas encontrei duas
raparigas que gozaram esta volúpia. Uma era uma prostituta de
Raab. Tinha cometido vários roubos, mas só o bastante para ser
chicoteada. A sua volúpia ainda aumentava por ser punida
publicamente. Sentia-se muito orgulhosa por lhe chamarem puta.
Quando recebia as pancadas, gritava e lastimava-se; mas, de
regresso à cela, despia-se e mirava no espelho as nádegas
horrivelmente martirizadas, enquanto os dedos brincavam com a
concha. Durante a execução, no meio da dor mais viva, tinha os
arrebatamentos mais voluptuosos. A outra, acabo de descobri-la
aqui. Encontra-se na prisão da cidade e apanha trinta pancadas de
martinete por trimestre. Nunca grita; a cara exprime mais volúpia
do que dor. Gostaria de assistir à flagelação desta rapariga?
Hesitava. Tinha medo de que M. de T..., governador da cidade,
viesse a saber. Conhecia-o bem, era um dos meus adoradores. Anna
- chamo-lhe Anna porque Ma-dame de B... assim a chamava -
garantiu-me que M. de T... não saberia de nada; que Madame de B...
e outras damas também assistiriam, algumas delas pertencentes à
mais alta aristocracia, como as condessas C..., K... e V...; que eu
podia passar muito bem despercebida e que, se fosse com um bom
véu, ninguém me reconheceria. Enfim, consenti; estava próximo o
dia em que a prisioneira receberia a sua punição e, assim, não tinha
tempo a perder.
No dia da cerimónia, houve um outro espectáculo que impediu a
comparência das aristocratas. Era o dia da recepção da grã-duqueza
que acabava de chegar de Vie-

158 159

Viiena. Entrámos às escondidas, Anna, Madame de B... e eu, num


quarto preparado para nós. Pusemo-nos à janela. Em breve
apareceram três homens: o chefe da milícia, um carcereiro e o
alabardeiro da cidade. A delinquente, uma rapariga de dezasseis a
dezoito anos, tão bela como uma jovem deusa, delicadamente
possuidora de um rosto cheio de inocência. Não mostrava medo,
mas desviou os olhos quando nos viu. Anna disse-me que eu
depressa me convenceria que ela não tinha vergonha. O carcereiro
amarrou-a em cima de um banco e o alabardeiro chicoteou-a com
um vergalho. Apenas trazia um saiote muito fino e a camisa em
cima do corpo. Estes véus estavam tensos, formas arredondadas
desenhavam-se neles. As nádegas estremeciam a cada pancada
recebida. Mordia os lábios, mas a cara, mesmo assim, mostrava-se
transfigurada pela volúpia. À vigésima pancada, a boca abriu-se;
suspirou e parecia gozar no mais alto êxtase.
- Isto só deveria aparecer muito antes ou muito mais tarde -
sussurrou-me Anna - e não creio que alcance pela segunda vez o
êxtase. Deveríamos provocar-lho quando ela voltar para aqui,
depois da execução. Dei cinco florins ao carcereiro para nos deixar
entrar ... Fi-lo por sua causa.
Compreendi o que ela pretendia e entreguei-lhe dez florins para
cobrir as despesas. Também queria dar alguma coisa à rapariga. A
execução durou mais de meia hora.
Cada pancada levava um minuto. M. de T... afastou--se, o
alabardeiro transportou o banco para um recanto e a rapariga entrou
no nosso quarto. Passámos todas para a outra divisão, cujos vidros
eram baços. Não podiam observar-nos. Anna disse-lhe que se
despisse. Ela só a custo o conseguiu. O traseiro mostrava-se
inchado, podiam contar-se os vergões. A pele estava furada e dela
escorriam compridos fios de sangue. Era muito belo.
- Só saboreaste uma vez a volúpia? - perguntou-lhe Anna.
 - Uma única vez - respondeu a pobrezinha em voz
baixa.
As pernas tremiam-lhe; parecia-me que sentia vontade de outro
gozo. Anna disse-lhe para pôr as pernas em cima de uma cadeira.
Depois, ajoelhou-se à sua frente e começou a brincar com os dedos
na gruta das volúpias. Enfiava o indicador entre os lábios e retirava-
o rapidamente; com a língua fez titilações no alto da fenda. A
rapariga ofegava e suspirava ardentemente. Havia empunhado a
mãos ambas os cabelos de Anna e arrancava-os no seu furor
amoroso.
 - Estás a gozar? - perguntou-lhe Anna.
 - Oh!, sim, muito! Não acabe ainda. É tão bom.
Oh! Oh!, não acabe! Isso, lentamente! Ah!, agora, se
pudesse morder-me, dilacerar-me!
Um tal espectáculo sobreexcitava-me e sentia vontade de substituir
Anna junto da rapariga. Anna notou a alteração da minha
fisionomia. Cessou a carícia e perguntou:
- Quer experimentar? E tu Nina (dirigia-se a Madame de B...)
não fiques assim parada como um tronco. Brinca com a dama.
Madame de B... desatou a rir. Pôs-se à vontade e eu fiz o mesmo.
Anna não seguiu o nosso exemplo, compreensivelmente; um corpo
tão devastado como o seu ter-nos--ia retirado toda a vontade de
gracejar.
Nina (Madame de B...) era ainda bela; possuía um corpo muito
mais belo do que a minha mãe. Nunca tivera filhos; o ventre não
possuía rugas e não estava distendido como acontece na sua idade.
Ia, pelo menos, nos cinquenta anos, a julgar pelo rosto. Todavia,
tinha menos sorte junto dos homens do que Anna, menos bela. Não
era lúbrica; dir-se-ia uma estátua de mármore,

160 161
1
inanimada; também agora permanecia fria.
Tomei o lugar de Anna nos joelhos da rapariga. Como Anna
interrompera a carícia dos dedos e da língua, a fonte que estivera
prestes a transbordar tinha regressado ao leito. Fui forçada a
começar tudo de novo e a excitar a rapariga. Nina tinha-se
ajoelhado ao pé de mim e enlaçava-me com o braço esquerdo,
enquanto a sua mão direita brincava com a minha gruta de volúpia
que estava toda húmida e viscosa e me ardia como se estivesse cheia
de explosivos. Desprendia-se da gruta da rapariga um odor
extremamente voluptuoso: o seu perfume era-me tão agradável
como o das flores mais raras. Inebriava-me.
Anna tinha-se ajoelhado atrás da jovem e brincava com a língua
numa outra pequena abertura que fica muito perto do templo do
amor, e da qual Grécourt diz, ao falar da conformação da mulher,
que o gabinete de alívio se encontra muito próximo do pavilhão da
verdura. Esta titilação excitava a pequena, que se agitava cada vez
mais, e a crise aproximava-se. Anna esfolava-lhe o tra-seiro já
mortificado, mordia-lhe as barrigas das pernas e sugava-lhe o
sangue.
- Oh, meu Deus! - gritava a voluptuosa rapariga.
- É demais! Não posso conter-me! Estou a vir-me ...
Um jacto ardente e levemente salgado espirrou-me para a boca. A
rapariga queria afastar-se um pouco, mas eu apertava-a de encontro
a mim, gritando:
- Tudo! Dá-me tudo!
Se aquilo fosse champanhe, não o absorveria com mais volúpia; teria
dado tudo para possuir duas vezes mais. Em breve, um segundo
líquido se escapou da corola, tão abundante que mesmo Arpard
nunca recebera tanto de mim. Foi assim que terminou este folguedo
encantador e inolvidável. Vestimo-nos. Dei vinte florins à rapariga,
beijei-a ternamente e disse-lhe que já não precisava de roubar, pois
ficava com ela ao meu serviço.

**
III

Não devo ocultar-lhe nada das minhas experiências e dos meus


sentimentos e, assim, não hesitei um minuto em contar-lhe, por
anormais que sejam, todos os meus desejos perversos. Estou
convencida de que saberá compreender-me, porque o senhor é um
psicólogo profundo e um fino fisiólogo. É provável que nenhuma
mulher lhe haja alguma vez feito semelhantes confissões, mas
estudou certamente tais casos e, talvez, tenha chegado a resolvê-los.
Sou profana, ignoro tudo dessas duas ciências; obedeci ao momento
presente sem pensar se o que fazia podia revoltar os nossos melhores
sentimentos e inspirar-nos horror. A sangue-frio, ao abrigo dos
sentidos, teria estremecido com a ideia de realizar tais nojeiras. Mas
agora, depois de tê-las feito, sou de outra opinião, porque não
vejo o que as torna obscenas.
Talvez o senhor agora me censurasse se lhe comunicasse tudo isto
oralmente; talvez também não me censurasse. Conhece muito
melhor do que eu a conformação orgânica do homem e a chave deste
fenómeno que se situa no cérebro. Raciocino segundo a minha
experiência pessoal, sem poder garantir a justeza do que digo.
À frente de tudo, devo responder à pergunta: o que é que se
entende ao certo por uma «porcaria»?
Alimentamo-nos todos os dias de matérias que, analisadas, revelam
achar-se em estado de podridão; bem nos podemos convencer de que
purificamos os nossos alimentos com a água e o fogo mas, no
fundo, comemos porcarias. Certos alimentos devem apodrecer
completamente para nos agradarem. Acaso o vinho e a cerveja não

163

devem fermentar antes de os saborearmos? Ora, a fermentação


representa um certo grau da porcaria! E se pensarmos no que
comem os porcos e os patos! O queijo formiga de vermes.
Recordemo-nos de que forma se salgam os arenques. Assisti a isso
uma vez em Veneza. Não posso contá-lo. Se se soubesse que
complemento recebe o sal do mar, mais ninguém o comeria. Numa
palavra, a porcaria é algo de muito relativo, e quem reflectirá, ao
comer qualquer coisa, nas matérias-primas? É como se alguém, que
se tivesse apaixonado por uma jovem, perdesse os seus sentimentos
poéticos pensando nas necessidades naturais da bem-amada. Eu
creio justamente o contrário. Quando um homem ama alguém ou
alguma coisa, nada mais vê de obsceno, de porco ou de nojento no
objecto do seu agrado.
Estas poucas reflexões podem servir de desculpa ao que fiz, impelida
pelos desejos cegos dos sentidos. Já lhe falei nisto no fim da minha
última carta. Deve chegar-lhe.
O que o meu coração sentiu mais tarde é bem diferente e muito mais
estranho. O senhor terá, como psicólogo, um assunto de análise
porque se não é absolutamente extraordinário é, apesar de tudo,
anormal.
Li, nestes últimos tempos, diversos livros sobre o amor grego, o
dito platónico, particularmente de Ulrich, professor em
Wúrtzburg. Ele, porém, não fala senão do amor entre homens, e
não dedica uma palavra ao amor entre mulheres. Que dirá o senhor
quando lhe confessar que nunca amei tanto um homem como a
minha querida Rosa, a rapariga de que lhe falei no fim da minha
última carta? O amor físico atraía-me, é verdade; mas ainda tinha
outra coisa no coração, uma nostalgia que nunca senti por nenhum
homem. Era um amor tão puro que todas as mulheres me enojavam
e os homens ainda mais. Apenas pensava em Rosa, sonhava com
ela. Beijava as minhas almofadas e acariciava-as, pensando
que era a ela que me agarrava. E chorava, sentia-me desolada
por não poder vê-la.
Não sabia a quem confiar-me: a Nina ou a Anna? Ou devia pedir a
M. de T... que a libertasse da pena? Ele ter-me-ia perguntado como
é que a conhecia, e eu não saberia que responder-lhe. Enfim,
decidi-me a falar no caso a Anna. Esta poupou-me o trabalho de
introduzir a conversa e, pondo-se logo a falar no prazer partilhado,
disse-me:
- E tudo o que ainda me consegue excitar e, hoje,
não tive o melhor. Cedi-lhe o gozo supremo. Não está
apaixonada por esta pequena Rosa? Não negue.
Ainda estava cheia de preconceitos e corei.
 Ah! Ah! Ah! Está a corar? É sinal de que anda apaixonada
pela pequena. Mesmo se não tivesse visto a sua cara, tê-lo-ia
adivinhado, quando lhe deu o dinheiro
e quando lhe disse que queria ficar com ela ao seu serviço.
Três meses passam depressa e penso que a pequena
preferirá vir para sua casa a regressar à prisão. O seu
desejo de fazer-se chicotear também pode muito bem ser
satisfeito por si. Talvez ela prefira os vergalhos ao chicote, o que
dará também a si imenso prazer. É muito excitante, garanto-lhe.
 Não seria possível tê-la mais cedo? - perguntei.
 É difícil. Deve completar a pena. Não depende de
M. de T... libertá-la ou não, embora ele seja muito
influente. Contudo, vou experimentar falar-lhe.
 Não lhe diga o meu nome. Ele poderia suspeitar
de alguma coisa.
 Esteja descansada. A minha oferta não o admirará
mesmo nada. Existem muitas damas na cidade que fazem
como os homens e que têm amantes dos dois sexos.
Dir-lhe-ei que é para mim. Não, ele não quereria. Direi
que é uma estrangeira que procura uma rapariga que se
deixe atormentar livremente e que não conheço outra

1 164 165
2
assim, senão Rosa. Contudo, não deverá tê-la em sua casa, nos
primeiros dias. Em seguida, direi que a dama deixou Budapeste e
que, por humanidade, lhe recomendei Rosa como criada de quarto.
 - Mas ele acreditará?
 - E porque não? Tenho uma boa língua. Antes de
tudo, é preciso muito dinheiro para corrompê-lo.
 - Quanto? - perguntei assustada, porque Nina me
pusera em guarda contra a sua cupidez. - Quanto quer?
 - Hum! ..., talvez cem florins, talvez mais, não sei.
 - Não gostava de consagrar ao caso mais de cem
florins - declarei.
Se ela me tivesse pedido o dobro ou o triplo, ter-lho-ia dado.
- Bom! Dê-me já cem florins. Se concordar com esse
preço, a rapariga estará amanhã em sua casa; senão,
devolvo-lhe o seu dinheiro. Vou já a casa dele, antes que
siga para o Casino. Mas não tenho dinheiro para tomar
um fiacre. Dê-me mais um florim. Não peço nada para o
trabalho. Chega-me a sua amizade.
Nina tinha razão. Esta mulher ter-me-ia depenado se não tomasse
as minhas cautelas. Bem sabia que ela iria a pé.
Em menos de uma hora, estava de volta. M. de T ... levantara
dificuldades, ela tinha acrescentado cinquenta florins e ele acabara
por ceder. Apenas o fizera por amizade. Não perguntara para quem
era; julgava que se tratava de um cavalheiro que desejava manter o
incógnito. Fui, portanto, forçada a dar-lhe mais cinquenta florins.
Mas pôs-se logo a queixar-se do mau tempo e dos maus pagadores.
Mostrou-me um maço de cautelas de casas de penhores; disse-me
que perdia tudo se não pagasse os juros no dia seguinte. Dei-lhe
cinquenta florins mais. Garantiu-me que considerava esta soma
como um empréstimo; mas eu respondi-lhe que não
precisava de ma devolver. Desejava assegurar-me da sua discrição e
dos seus serviços ulteriores.
No dia seguinte, contei tudo a Nina. Ela disse-me que M. de T...
nem chegava a receber trinta florins e que era Anna quem ficava
com o resto. Decidimos festejar este dia com uma boa ceia.
- É possível que salve uma rapariga perdida - disse-me Nina - e
Deus a recompensará desta acção. Mas custar-lhe-á dinheiro,
porque a rapariga vai precisar de roupas. Deveria também
preparar-lhe um banho. Estas desgraçadas apanham muito
facilmente piolhos na prisão. Tenho em minha casa uma rapariga
com o mesmo aspecto físico de Rosa. Foi-se embora mas deixou as
roupas. Podia fazê-lo, pois roubou as minhas. Servirão
perfeitamente. Fixe-lhe um preço e dê-me o que achar que seja o
seu valor.
Madame de B... era o oposto de Anna. Avaliei as roupas em
quarenta e cinco florins. Contentou-se com trinta e seis e custou-
me fazê-la aceitar um broche como lembrança. Era muito
desinteressada.
Seriam perto das oito horas quando Rosa chegou a minha casa.
Levei-a imediatamente para Kaiserbad, em Ofen, e tomámos um
banho turco. Estávamos em Outubro e estes banhos tornam-se cada
vez mais quentes à medida que a temperatura baixa no exterior. A
pobre menina ressentia-se da punição da véspera. Eu mal ousava
tocar-lhe nas partes doridas. Aliviei-a um pouco passeando por elas
a minha língua quente e lambendo-a meigamente. O calor do
banho animou-a de todo. Não se mostrava tão envergonhada e
tímida como na véspera. Atirou-se-me ao pescoço e enlaçou-me as
ancas com as pernas. Depois chupou os bicos rosados dos meus
seios, depois os lábios, depois a língua. Jurou-me que nunca
amaria um homem se eu quisesse amá-la como lhe testemunhara na
véspera. Estava louca de alegria. Disse-me

166 167
1
que a sua volúpia mais forte seria ser estrangulada ou apunhalada
por mim. Rosa ainda era virgem, o que eu não ousara esperar. Não
conseguia enfiar o dedo indicador na sua prisão do amor. Algo me
barrava o caminho: era a pele intacta da sua virgindade.
- Rebente-a - dizia-me Rosa. - Não lhe ligo importância. Prefiro
amá-la em vez de um homem.
Rudolphine tinha-me oferecido, em Viena, um godemiché que eu
ainda não experimentara. Era de fabrico novo e preparado para
servir duas mulheres. A bolsa que continha o leite quente pendia no
meio, duas bolas saíam dela, à esquerda e à direita, de tal modo
que cada gozadora era ao mesmo tempo homem e mulher. Era este
godemiché que queria experimentar com Rosa. Por isso retirei o
dedo e disse-lhe que reservasse as coisas mais belas para a noite.
Após termos tomado banho e trocado carícias sem importância,
voltámos a casa. Anna e Nina já nos aguardavam. A primeira havia
encomendado uma suculenta ceia com champanhe. Trouxera um
grande vergalho e disse que eu também ia conhecer esta volúpia.
O quarto encontrava-se bem aquecido; por isso não corríamos
nenhum risco despindo-nos. Anna fez o mesmo. Mas não reparei
nos seus encantos emurchecidos porque ela se pôs logo de seguida
debaixo da mesa dizendo que ia fazer de cadela. Estava entre as
minhas pernas. Tive de afastar as coxas e deitar-me um pouco para
trás; colocou-me as pernas sobre os ombros e pôs-se a lamber ora a
minha gruta, ora esta pequena abertura a que, como já disse,
Grécourt chama o gabinete de alívio.
A minha pose não era muito confortável, pois achava-me afastada
da mesa e mal chegava aos pratos; todavia, a língua de Anna,
brincando com as minhas duas aberturas, proporcionava-me o mais
vivo prazer. Brincava também com as duas mãos, a direita na fenda,
a esquerda atrás. Enfiava mesmo o dedo, depois de tê-lo
humedecido, no meu buraco particular, o mais à frente que lhe era
possível. Este contacto enlouqueceu-me, um jacto inesgotável
brotou da minha gruta de volúpia.
Nina passava-me a comida e enchia-me o copo. Comíamos e
bebíamos tanto que até a fria Nina estava em fogo. Eu atirava
alguns bocados a Anna, que só comia as bolachas e outras
guloseimas depois de tê-las ensopado na minha gruta. Até lá enfiou
salsichas. Dizia que as iguarias adquiriam um sabor especial.
Finda a ceia, pus o meu godemiché para partilhar com Rosa as
delícias de Hermafrodito. 1 A rapariga queria justamente ir para a
cama e andava à procura do recipiente, porque o champanhe ia sair.
- Não, não, não é assim que pretendo! - gritei--lhe. - Menina má!
Queres privar-me do melhor. Não deves perder uma única gota.
Abre depressa as pernas!
Ajoelhei-me imediatamente e colei a boca à sua concha. Em breve
recebi todo o champanhe filtrado. Fervia-me na boca e bebi tudo.
O vinho nada perdera do seu aroma e, antes pelo contrário, estava
melhor. Anna havia-se estendido em cima do tapete, a cabeça entre
as minhas pernas; tinha a boca toda aberta debaixo da minha
concha. Como eu bebera muito e recebia ainda outro tanto de
Rosa, não pude mais conter-me e Anna beneficiou de uma dose
dupla.
Este preliminar era tão agradável e voluptuoso como a acção
principal. Sentia-me arder. Tremia tanto de impaciência que nem
conseguia afivelar o godemiché. Anna auxiliava-me. Colocou o
mais grosso dos dois punhais na minha concha. Penetrava até
metade. Rosa estendeu-se

---------------

1
Era filho de Hermes e de Afrodite, mas a ninfa Salmácis
apaixonou-se por ele e obteve dos deuses que os seus dois corpos
fossem reunidos num só. (N. T.)

168 169
1
em cima da cama. Afastei-lhe as coxas. Representava o papel do
homem. Beijava-a, empurrava às cegas, mas não conseguia dar
com a entrada do templo de Rosa. Nina pô-lo, enfim, no lugar.
Empurrei com tanta força que fiz saltar a virgindade e penetrei até
ao fundo. Rosa soltou um grito fraco. Anna deitou-lhe a cabeça
para trás. Lambia-lhe o sangue que escorria da vagina. Em cada
empurrão o godemiché penetrava mais profunda-mente. De súbito,
ouvi um silvo por cima da cabeça e, depois, senti uma dor aguda e
voluptuosa nas nádegas. Anna brandia o vergalho. Bastou dar-me
três pancadas e logo as fontes se abriram, tanto as minhas como as
de Rosa. Sentíamo-nos arrebatadas.
- É pena que não tenha um simples godemiché -
disse Nina. - Com os dedos mal consigo aliviar-me.
Anna, excita-me com algumas pancadas. Não se pode
descansar convosco.
Disse a Nina que encontraria um godemiché numa gaveta da
cómoda. Era o que Marguerite me dera. Foi então que ocorreu a
cena principal; formávamos um grupo, como os Romanos
representaram nos camafeus e nos baixos-relevos. Nina estendeu-se
em cima de mim. O meu traseiro estava exposto às pancadas de
Anna. O seu peso enfiava-me em Rosa. O contacto dos dois corpos
lisos, nus e ardentes, excitava-me no mais alto grau. Recomeçámos
o combate do amor. Desta vez, durou muito tempo. Nina dava
mais força aos meus ataques. Anna batia alternadamente em nós. A
crise aproximava--se, as pancadas aceleravam-se, tornavam-se mais
fortes. Já não me chegavam. Implorei a Rosa que me mordesse os
braços e os ombros. Gritei-lhe:
- Morde até fazer sangue!
Ela assim fez e alcançámos, enfim, o grau supremo. Perdi o
conhecimento. Envolvidos pela volúpia, os membros davam-me
picadas. Nina e eu quase esmagávamos a pobre Rosa. As nossas
fontes eram inesgotáveis.
Não sei quanto tempo durou este êxtase, a que chamarei
desfalecimento. Quando voltei a mim, Anna e Nina tinham partido.
Os godemichés jaziam em cima de uma cadeira, próximo da cama.
As mulheres tinham baixado o candeeiro e uma luz fraca reinava
no quarto. Rosa dormia profundamente e a sua perna esquerda
rodeava--me os seios; o pé poisava-se no meu traseiro. Por vezes,
suspirava voluptuosamente. Abraçava-me com o braço esquerdo; o
direito pendia para fora da cama. A coberta estava subida; não
queria acordá-la e tornei a assentar a cabeça nas almofadas.
Adormeci para só despertar depois das dez horas da manhã.
Não vou contar todas as cenas em que fui ou activa ou passiva.
Passaria o tempo a repetir-me. O senhor já soube o suficiente acerca
do assunto; só serviria para excitá-lo, como eu me excito quando
releio estas páginas. Porque, diga-se entre parêntesis, fiz uma cópia
do que escrevo e ela serve-me de excitante quando os meus sentidos
estão tensos.
Alguns dias depois, Anna voltou a minha casa. Nina tinha vindo
todos os dias para continuar as nossas lições de húngaro. Com Rosa,
sempre que ficávamos sozinhas, gozava todas as alegrias e íamos
diariamente ao banho. Ela era-me fiel, como se eu fosse um
homem. Ainda hoje, após tantos anos, permanece como então era
e, embora haja conhecido depois o amor masculino, jura-me que
prefere saborear o amor comigo e não nos braços do sexo forte.
Também eu, e estou convencida de que, se não devêssemos
perpetuar o género humano, poderíamos passar muito bem sem os
homens, tão requintada é a volúpia entre duas mulheres.
Anna propôs-me assistir a uma orgia grandiosa, que tinha lugar
todos os anos, pelo Carnaval, num bordel. Disse-me que as damas
da mais alta aristocracia partici-

170 171
1
participavam nele, que iam todas mascaradas e que ninguém podia
reconhecê-las. Graças à máscara distinguiam-se também das outras
sacerdotisas de Vénus. Tudo se passava no maior luxo. Os homens
tinham ali entrada livre, mas cada bilhete de dama custava sessenta
florins.
- Não verá nada de semelhante em Paris - dizia ela. - Não há mais
de trinta cavalheiros. As putas mais bonitas (Madame de L... servia-
se sempre das palavras mais grosseiras; não posso fazer senão
repeti-las; acaso isso o choca?), as putas mais bonitas são
convidadas e cerca de oitenta cavalheiros. Como vê, o preço não é
exorbitante, pois há cento e cinquenta pessoas reunidas e o bilhete
fica a doze florins por cabeça. A proxeneta quer recuperar as
despesas e os cavalheiros o tempo perdido. Iluminação, música e
ceia. O ano passado, as condessas Julie A... e Bella K... pagaram
mil e duzentos florins para cobrir as despesas. É provável que a
entrada seja mais cara este ano. Eu terei uma entrada gratuita, como
é costume. Mas, se quiser participar, deve dar-mo a conhecer
durante a semana, para lhe mandar reservar um bilhete.
Ao princípio não quis. Já tinha dispendido demasiado dinheiro.
Rosa custara-me mais de duzentos florins. Os meus salários eram
muito elevados, mas seria para mim um embaraço dispensar mais
oitenta ou cem florins. Anna incitava-me, porém, tanto que aceitei.
Dois dias depois recebi um cartão de entrada litografado, com uma
vinheta que já tinha visto num livro francês. Uma magnífica
vagina, semicerrada, muito cabeluda, posta em cima de um altar;
dos dois lados, uma sebe de membros masculinos e, ao fundo, como
uma boina de granadeiro, cabelos de mulheres. Os cartões estavam
assinados pela condessa Julia A... eL... R... (Luft Resi, istoé,
Theresa), uma conhecida proprietária de bordéis de Budapeste que,
tal como soube, era protegida por M. de T...
Anna disse-me que haveria um baile de máscaras. As damas que
fossem de dominó não deveriam usar outras roupas e seria um
trabalho delicioso descobrir as partes necessárias aos folguedos do
amor. Um trajo pitoresco aumentaria os encantos. Em suma, fez-me
um tão belo quadro da festa que não pensei em mais nada. Passei a
ocupar-me logo da confecção de um fato de máscara. Ninguém
devia saber que seria o meu. Madame de B... tinha pouco mais ou
menos a minha altura. Disse-lhe, portanto, que mandasse executar o
trajo pelas suas medidas.
Uma noite, Anna veio buscar-me para visitar o bordel onde o
Carnaval devia acontecer. Queria arranjar-me fatos de homem e
ninguém poderia reconhecer-me. Pas-saria por um jovem estudante.
Sabia falar tão bem que cedi mais uma vez. Em breve fiquei
metamorfoseada num jovem; os meus cabelos estavam tão
habilmente escondidos que não podia reconhecer-se o seu
comprimento . Como em Les Huguenots e em La Nuit de Bal, de
Aubert, os meus movimentos e os meus gestos pareciam
perfeitamente naturais.
O tempo estava bom e o pavimento seco; seguimos, pois, a pé. Não
ficava longe. Atravessámos o largo dos Franciscanos e voltámos, na
primeira rua, para a Goldstickergasse. Ainda era muito cedo e não
havia visitantes, pois eles só chegariam depois de o teatro acabar. A
proprietária desta casa era uma mulher gorda com pele muito
morena. A expressão do rosto era vulgar e dura. Anna apresentou-
me, ela fitou-me e sorriu. Vi logo que tinha adivinhado o meu
disfarce e desagradou-me ter vindo.
- Deseja ver as minhas pensionistas, meu jovem? Se tivesse vindo
ontem não teria visto nada de extraordinário. Mas acabo de receber
duas amostras, uma de Kaschau e outra da Madame Radt, de
Hamburgo. Agora

172 173*

possuo uma dúzia. Quando tenho visitantes a mais, mando chamar


a Julie de M. de T... e a velha Kadjan, muito feliz por poder vender
a sua mercadoria fora de moda, em minha casa. Acaso este jovem já
deu uma pincelada (era a sua expressão vulgar)? Deseja uma virgem
e é por isso que a senhora o trouxe a minha casa? - perguntou
dirigindo-se a Anna. - Então recomendo--lhe Leonie. Iniciou-se no
ofício há dois meses e só tem catorze anos; mas sabe mais do que
uma velha.
Conduziu-nos para uma grande sala, elegantemente mobilada.
Havia um piano e as paredes achavam-se forradas de espelhos. As
odaliscas deste harém público repousavam em cima de um divã.
Eram todas mais belas umas do que as outras, e tornava-se difícil
fazer a escolha. Pareciam mais tímidas do que atrevidas. Leonie,
uma ruiva muito bonita, tinha algo de provocante e de galante nas
feições. Usava um penteado rococó. Era esbelta, tão elegante como
uma sílfide. O decote deixava-lhe à mostra os seios que distendiam
ao máximo o corpete. Exibia a perna, que era fina, e o pé gracioso.
Anna tomou lugar à nossa frente. Leonie dava-me, por vezes,
beliscões nas coxas e no traseiro; ia tornar-se ainda mais agressiva,
mas Anna bateu-lhe nos dedos.
Estendi dez florins à proprietária para nos trazer vinho e guloseimas.
Encarou desdenhosamente a nota e perguntou:
- É tudo?
Estas palavras fizeram-me zangar; disse-lhe que lhe pagaria tudo o
que quisesse, mas que só trazia uma nota de cem florins comigo.
Respondeu-me que ia mostrar algo que eu nunca tinha visto e
deixou o salão. Anna seguiu-a e fiquei sozinha com as mulheres.
Encontrei entre elas aquilo que nunca teria procurado: educação.
Sim, até alguns conhecimentos que mais de uma aristocrata teria
invejado. Uma destas mulheres

174
1

tocava muito bem piano; tinha uma voz muito bonita, embora não
trabalhada, mas possuía muito bom ouvido; estava precisamente a
cantar árias de Offenbach. Uma outra mostrou-me um álbum com
magníficas aguarelas, por ela feitas nos momentos de lazer.
Algumas das mulheres queixavam-se da sua sorte; deploravam o
azar que as havia trazido para ali. Outras sentiam-se perfeitamente
felizes. Os cavalheiros mostravam-se amáveis e galantes; os
estudantes eram grosseiros, mas nos seus braços é que elas
tomavam mais prazer, porque os jovens dispensavam as forças sem
restrições.
- Que se há-de fazer? - disse uma bela polaca a quem chamavam
Vladislawe. - Aparece aqui um admirável jovem, orgulhoso como
um pavão, e todas nós ficámos apaixonadas por ele. Deitou-se uma
noite comigo e, até de manhã, fez-me amor nove vezes. E muito
com uma mulher da vida. É mais fácil fazê-lo com uma dúzia de
mulheres do que cinco vezes com a mesma. Apenas conheço um
capaz de fazer outro tanto, mas esse nunca o fez comigo. Deve ter
uma bem-amada, uma mulher rica que o sustenta.
- Referes-te ao sobrinho do director do teatro -
disse Olga, uma divertida húngara. - Arpard H...
Quando Olga pronunciou este nome estremeci.
 Nenhuma mulher o sustenta - continuou Olga
- pois é suficientemente rico para ter uma amante.
 Sei que a condessa Bella K... lhe fez as mais
brilhantes propostas e que ele recusou - disse uma
outra.
A entrada da patroa e de Anna interrompeu a nossa
conversa.
- Se quiser ter a bondade de seguir-me, meu jovem,
vou mostrar-lhe algo que lhe alegrará a vista. Como ele é
bonito! - acrescentou, beliscando-me o traseiro.
Segui a mulher gorda. Conduziu-me por um com-

175

comprido corredor e atravessámos vários quartos. Depois, abriu


uma porta o mais devagarinho possível e pôs um dedo na boca. O
quarto estava escuro e uma fraca luz crepuscular penetrava pela
janela coberta com cortinas brancas. Tomou-me a mão e levou-me
para um sofá colocado em frente de uma porta envidraçada. Ouvi
um ruído abafado proveniente da sala ao lado. Subi para o divã a
fim de observar melhor o que se passava. O quarto estava iluminado
e via-se tudo; mas as duas raparigas que lá se encontravam não
podiam ver-me. Entrou um velho bastante alto e muito magro; era
calvo e possuía uma cara feia de fauno. Ouvia todas as palavras.
Uma das odaliscas tinha um vergalho na mão. As duas despiram-se
rapidamente, assim como o velho Celadon, a verdadeira caricatura
do Cavaleiro da Triste Figura1. Estavam, assim, os três diante dos
meus olhos. O homem era horrendo, um coiro amarelo e cabeludo
cobria-lhe o magro esqueleto. Encontrava-se mesmo em frente de
mim. O nariz era pequeno e a cara engelhada. Não o vi logo de
princípio. Não podia distinguir se tinha dois umbigos ou duas
flechas do amor, porque o seu membro não era maior do que uma
fava. As duas raparigas tomavam poses voluptuosas para excitá-lo,
mas isso de nada servia. Então ele deitou-se em cima de três
cadeiras. Amarraram-lhe os pés e os pulsos e uma pôs-se a bater-
lhe, ao passo que a outra lhe oferecia ora o traseiro ora a concha. As
pancadas caíam todos os segundos; à terceira, vi gotas de sangue
perlarem-lhe a pele. Dez minutos depois, o eu (porque não posso
chamar outra coisa às suas faces ocas separadas por um escuro
precipício) mostrava-se martirizado e formava apenas uma massa
informe e sangrenta, como um pedaço de carne no talho. Mesmo
assim, suplicava à
rapariga que o maltratava tão rudemente que lhe batesse ainda com
mais força, e farejava e lambia as aberturas da outra. Eu ouvia, por
vezes, um toque de trombeta ou o suspiro de um oboé que parecia
vir dos intestinos da rapariga que o velho sátiro estava a cheirar.
Aspirava os perfumes pelas duas narinas.
- Assim não vai - suspirou, por fim. - Mas se me deres uma salsicha
será num instante! Louise, arranja-me uma ou duas salsichas,
minha querida Louise!
Deitou-se de costas, e a rapariga que ele cheirava sentou-se-lhe em
cima, com o traseiro sobre a boca. A outra esforçava-se por enfiar na
sua gruta o ceptro que se contorcia fracamente. Ouvi os ruídos de
oboé e vi o que ele tanto desejava cair-lhe na boca; rangia os dentes
e mastigava vorazmente. Esta nojenta operação pô-lo no estado
desejável e ejaculou, após um estremecimento furioso, algumas
gotas de esperma.

----------------

1
Apodo de D. Quixote de Ia Mancha (N. T.).
176

**
IV

Muito me arrependi de ter ido a este bordel. Por um lado, isso


tinha-me custado muito caro, por outro, não podia dominar o nojo
que a cena entre o velho e as duas raparigas provocara em mim.
Este quadro aterrador lembrava-me o que tinha feito com Rosa.
Dizia para comigo que também eu recorreria mais tarde a tais
excitantes para contentar os sentidos gastos. Um apaixonado nada
encontra de nojento no objecto do seu amor; as esposas e as mães
provam-no diariamente. Mas não podia tratar-se de amor no caso
daquele velho danado. Fora o mesmo sentimento que me impelira
para Rosa e que impele os homens para os rapazes belos: o
sentimento mais natural, aquele que agita os sentidos à vista de uma
mulher bonita, de um rapaz bonito, de uma rapariga bonita ou de
um homem bonito. Mas de que maneira se manifestava naquele
velho? O que lhe causava volúpia - as vergastadas e o que comia -
era, do ponto de vista estético, nojento. E eu própria tinha-me
deixado seduzir por tais horrores! A embriaguez ou uma vaga
inconsciência devem ter-me dominado quando, à vista do traseiro
martirizado de Rosa, me atirara para cima dela com o intuito de
beber a longos sorvos o champanhe filtrado que saía da sua
concha, enquanto eu mesma expunha o meu traseiro às pancadas de
Anna e suplicava a Rosa que me mordesse!
Então pensava assim, mas hoje penso de outro modo. O senhor sabe
o que eu disse para justificar certos exageros e certos desejos
perversos e anormais. Depois de ter visto aquele velho, tudo me
meteu nojo, tanto os mais
violentos desejos e os anseios doentios como as relações naturais
com Rosa ou com um homem. Teria afastado Arpard se ele me
aparecesse e me pedisse para irmos fazer amor; e afastei Rosa
quando ela quis passar a noite comigo.
Não conseguia olvidar o horrendo espectáculo a que acabava de
assistir e passei uma noite agitada, sonhando com as piores
infâmias; no dia seguinte, fiquei de mau humor.
Às dez horas da manhã, devia assistir a um ensaio geral. Este
ensaio, embora penoso, modificou o meu humor, pois afastou as
desagradáveis imagens. Entre as pessoas nele presentes, reparei
imediatamente num estrangeiro que me causou uma grande
impressão. Era um homem muito belo, muito elegante, com um
rosto inteligente. Viera com um dos meus colegas. Era amador de
arte e um grande diletante. Quando o tenor cantou, desafinado,
uma passagem, ele substituiu-o e interpretou a mesma passagem
com tanta paixão, expressão e gosto que nos entusiasmou a todos.
Eu nunca ouvira uma voz assim, que me correu ao longo dos
nervos. Toda a gente aplaudiu e o tenor afirmou:
- Depois de si, senhor, seria uma profanação se eu
continuasse - e desistiu do resto da sua parte.
Dirigi-me a M. de R... e perguntei-lhe se ele era húngaro.
- Pergunta-me mais do que posso dizer-lhe -
respondeu-me. - O seu cartão de visita traz o nome de
Ferry. Tanto pode ser húngaro, inglês, italiano ou espanhol, como
francês, alemão ou russo. Fala todas as línguas. Não lhe vi
documentos. Só sei que chegou de
Viena, que é recebido na corte, que o embaixador inglês
o recomendou junto do seu encarregado de negócios, que
jantou com o director do teatro real e que, na alta
sociedade, apreciam recebê-lo à mesa. Creio que está

178 179

encarregado de uma missão diplomática. Vive no hotel «Kõnigin


von England».
Ferry assistiu ao fim do ensaio e foi-nos apresentado. Era um
perfeito homem galante e tive de acautelar-me quando lhe falei.
Sempre que tinha um ensaio geral de dia, ficava livre à noite.
Haviam-me recomendado que assistisse muitas vezes à comédia
para ouvir a boa pronúncia do húngaro. Ia, pois, ao teatro. Madame
de B ... fazia-me companhia no camarote. No primeiro intervalo,
tive a visita inesperada de Ferry. Desculpou-se por vir falar-me e eu
pedi--lhe que ficasse. Fez-me um pouco a corte, isto é, elogiou-me
a voz e o canto, disse que eu tinha uma bela presença para o teatro,
que os meus vestidos eram de muito bom gosto, etc., mas não falou
de amor. Era um homem simples, polido, sem ser importuno ou
vulgar. Resolvi fazer a sua conquista antes de as belas damas da
sociedade mo arrancarem. Assim, pus em marcha toda a minha
galantaria, pensando apanhá-lo rapidamente. Como me pedisse
licença para me visitar, julgava tê-lo já conquistado, mas depressa
me desiludi.
Falámos também de amor, mas de uma forma muito geral. Embora
os seus olhos fossem eloquentes, a língua permanecia muda. E se as
suas palavras me deixavam entender que eu não lhe desagradava,
nunca me pediu que lhe testemunhasse o mínimo favor. Quando
me apertava as mãos ao chegar ou ao despedir-se, fazia-o
desprendidamente, sem lhe atribuir qualquer significado.
Por fim, levei-o a falar-me dos seus amores passados. Perguntei-lhe
se tinha feito muitas conquistas e se já estivera apaixonado a sério.
- Gosto do belo onde o encontro - disse-me. - Acho que é uma
injustiça ligar-me a uma única pessoa. Penso, em teoria, que o
casamento é a instituição mais tirânica da sociedade. Como é que
um homem de honra ousa oferecer o que não depende só da sua
vontade? Em geral, nunca se deveria prometer nada. A senhora não
encontrará ninguém que possa dizer-lhe que eu alguma vez prometi
seja o que for a alguém. Nem sequer prometo ir a um jantar quando
sou convidado; limito-e a acusar a recepção do convite. Nunca faço
apostas e nunca jogo. O acaso é uma força demasiadamente grande
para dar-lhe hipóteses de vencer-me. E é por isso que nunca
prometerei a uma mulher ficar-lhe fiel. Ela deve tomar-me como
sou. Se condescender em partilhar o meu coração com outras,
encontrará aí lugar bastante. Eis a razão por que ainda nunca fiz
uma declaração de amor a uma mulher; espero sempre que ela me
diga simples e francamente se lhe agradei o bastante para que já não
tenha nada a recusar-me.
- Julgo possível que o senhor haja encontrado tais
pessoas - disse-lhe eu. - Mas não compreendo como
pôde amá-las. Perdoe-me, mas uma mulher deve ser muito
imprudente para ousar fazer os primeiros passos, sem esperar que o
homem tome a iniciativa e abra o jogo.
- E porquê? Acaso um homem não prefere uma mulher que o
ame ao ponto de ousar desprezar todas as leis convencionais, a
outra mulher que finge? As mulheres que se fazem rogar só
procedem assim com a intenção de ceder no fim. O homem amará
mais e por mais tempo a mulher que sabe sacrificar a sua vaidade do
que aquela que apenas sabe ser coquete. A amargura impele os
homens a vingarem-se de uma mulher que os faz esperar muito
tempo; quando, enfim, cedem, eles são-lhes infiéis e deixam-nas.
- E essas infelizes jovens que abandonam o coração
ao primeiro ataque do homem merecem também que ele se vingue?

- Só me vinguei das coquetes. Nunca gostaria de

180 181

seduzir uma rapariga inocente. Nunca o fiz e, no entanto, dispus


muitas vezes da ocasião. Cada uma delas ofereceu-se de livre
vontade, sem que eu nunca lhe pedisse que me sacrificasse a sua
virgindade. Cada uma delas estava farta de esperar e conhecia a
sua sorte. Tinham liberdade de escolha. Diziam para si próprias:
«Devo preferir aquele que me persegue e que não me agrada ou
aquele que me deixa perceber que lhe agrado sem nada me dizer?»
E a escolha recaía em mim. Libertavam-se dos escrúpulos ridículos
que mães, tias e outras pessoas fatigadas e prudentes lhes haviam
ensinado desde a infância. Faziam jogo aberto. E nenhuma se
arrependeu. Cada uma delas sabia os riscos que corria; eu dizia a
todas que podiam tornar-se mães, que não me casaria, que amava
outras mulheres e que talvez nunca mais me tornassem a ver. Diga-
me, não agi como um homem honesto?
Não podia negá-lo, mas disse-lhe que nunca ousaria fazer uma
declaração de amor a um homem.
- Nesse caso nunca amará um homem. Porque o amor na mulher é
feito de sacrifício. E nunca darei o mais efémero favor a uma mulher
que não me haja demonstrado testemunhos de um tal amor.
Tinha resposta para tudo. Sabia que ele nunca me faria uma
declaração e que as Messalinas da sociedade iam tomar-mo se não
fizesse o que ele esperava. Era evidente que eu lhe agradava. Senão,
porque me teria visitado tantas vezes? Preferia a minha companhia
aos serões mundanos. Mas eu hesitava e aguardava uma ocasião que
me evitasse corar. Esperava encontrar uma durante o Carnaval.
Ignorava se ele me julgava inexperiente. Pelo que dizia, a
virgindade não constituía nenhum encanto para si. Teria amado
uma virgem tão corrompida como uma puta. Mas não existem
virgens assim. O amor aprende-se.
Não sabia se devia contar tudo a uma amiga e pedir--lhe que
fizesse de minha intermediária. Confiei-me a Anna. Ela disse-me
que Ferry tinha já caído nas malhas de uma dama da alta sociedade,
e que ia fazer todo o possível para o conquistar para mim. Antes de
tudo, queria saber se Ferry participava na orgia que devia ocorrer
no famoso bordel.
Alguns dias mais tarde, trouxe-me novas mais tranquilizadoras. A
princesa O ... era a amante de Ferry. A criada de quarto da princesa
tinha surpreendido a conversa do misterioso e belo estrangeiro.
Dissera a mesma coisa à princesa e esta não hesitara tanto como eu.
Além das duas condições que me tinha proposto - fazer a abertura
do jogo e não poder contar com a sua fidelidade - ainda havia uma
terceira da qual não me falara: cada mulher que se lhe entregava
devia ficar, desde a primeira vez, completamente nua. Quando uma
mulher concede tudo a um homem, não há razão para que não o
faça completamente e como se estivesse numa revista médica, isto é,
nua. A princesa aceitara.
Não sei se me teria abandonado dessa maneira, mesmo se me
sentisse apaixonadamente arrebatada. Sou muito livre nesse ponto;
contudo, não posso separar-me de um certo pudor, que, inato ou
adquirido, me domina. Ignoro se tal retraimento é natural na
mulher ou se não passa do resultado da nossa educação. Anna
disse-me ainda que Ferry participaria sem falta na orgia que ia
realizar-se em casa de Lufe Resi; fora convidado por três damas.
Nada, porém, prometera porque isso era contrário aos seus
princípios.
A noite em que a orgia teria lugar aproximava-se. Anna, Rosa e
Nina ajudavam-me a terminar o meu trajo. Era de seda azul celeste,
muito pesado, com entremeios de gaze branca e carregado de flores
de ouro bordadas. O meu traseiro e, à frente, os meus seios, o
ventre, do

182 183

umbigo até três polegadas abaixo da gruta da volúpia, podiam ficar


descobertos. Tinha bonitas sandálias de veludo carmesim,
igualmente bordadas com flores de ouro. O meu cabeção era de
renda guarnecida de fofos, tal como o usavam as damas do século
XVI e tal como Maria Stuart o apresenta nos seus retratos. As
mangas chegavam-me ao cotovelo, eram talhadas em ponta e
recamadas de bordados a ouro. Um xaile indiano também bordado
a ouro rodeava-me a cintura. O meu penteado compunha-se de
penas de marabu multicores.
Não queria usar as minhas jóias para não ser reconhecida.
Depositei-as em casa de uma judia que me deu outras enquanto
não me devolvia as minhas. Tinha na mão um cajado doirado, cujo
castão era composto por um membro viril em erecção. O meu trajo
era cheio de gosto e muito original. Além disso, levava uma
máscara de tafetá que só me deixava a descoberto os olhos e a boca.
A cor dos meus cabelos não dava tanto nas vistas que pudesse
trair-me, embora muito poucas mulheres existam possuidoras de
um tosão tão rico como o meu.
Em 23 de Janeiro, às sete da noite, Anna e eu seguimos para a
Goldstickergasse. Tinha lançado por cima do fato uma pelica
pesada. Anna deixou-me no vestíbulo. Luft Resi acolheu-me. Havia
já muita gente na sala e a orquestra estava a tocar. Os primeiros
cavalheiros que vi foram M. de T... e o barão von O... Não
levavam máscaras, e estavam todos nus; apenas vestiam uma
espécie de calção de banho de seda. A minha entrada na sala fez
sensação; ouvi as damas murmurarem:
- Esta vai bater-nos! Como é bela! Parece um rebuçado e dá
vontade de mordê-la!
Os cavalheiros mostravam-se ainda mais arrebatados. As partes mais
belas do meu corpo estavam nuas ou fracamente veladas: os seios,
os braços, as barrigas das pernas, o traseiro e a gruta da volúpia.
Procurei Ferry na
multidão. Estava com uma dama, vestida de tule branca, com
caniços e lírios como atributos, porque se disfarçara de ninfa. O
corpo era muito bem feito, mas não tão belo como o meu. Uma
outra dama rodeava com um braço as ancas de Ferry. Apenas trazia
um cinto de ouro e diamantes e um diadema nos cabelos negros de
azeviche; representava Vénus. Segurava o ceptro de Ferry na mão;
estava dobrado nos seus dedos. A glande desnudada brilhava como
se tivesse sido molhada em óleo; era de uma grossura invulgar e
de um encarnado vivo. Eu nunca vira uma lança masculina tão
grossa nem tão bela. Ferry estava completamente nu e só trazia
sandálias cor de sangue. Nem o Apolo de Belvedere, nem Antínoo
eram tão bem proporcionados nem tão belos como ele. O corpo
possuía uma alvura deslumbrante, com sombras rosadas nos
contornos. Ao vê-lo, pus-me a tremer; comia-o com os olhos e parei
involuntariamente diante deles. Vénus tinha um corpo muito belo,
muito branco, mas os seios pendiam um tanto; a sua gruta estava
demasiadamente aberta, os lábios violáceos; via-se que serviam em
excesso a deusa que ela representava.
Os olhos de Ferry poisaram-se em mim; sorriu levemente e disse:
- Olha, é o melhor método para tomar a iniciativa.
Inclinou-se diante das damas e dirigiu-se para mim. Soprou-me o
meu nome ao ouvido. Corei debaixo da máscara.
A orquestra atacou uma valsa. Estava oculta, um imenso biombo
separava-a da bacanal. Ferry tomou-me pela cintura e misturámo-
nos ao turbilhão dos pares. O contacto multiplicado de todos
aqueles corpos ardentes e brilhantes de homens e mulheres
enlouquecia-me. Todos os membros masculinos se mostravam
inchados; durante a dança, voltavam-se para um objecto preciso; os
beijos fervilhavam. Um perfume voluptuoso

184 185

desprendia-se destes homens e destas mulheres em cio. Sentia


vertigens. A flecha de Ferry tocava-me, batia com a cabeça no cimo
da gruta; apertei-me contra ele, afastei as coxas para poder entrar
mais abaixo mas não o fez e perguntou:
 - Não é ciumenta?
 - Não! Gostaria de vê-lo como Marte com Vénus.
Deixou-me e tomou Vénus que dançava com outro
homem. Algumas raparigas da casa trouxeram um tamborete de
veludo vermelho. Colocaram-no no meio da sala. Vénus apoiou-se
nele com as mãos e Ferry puxou-a por trás. Vladislawe e Leonie
acocoraram-se aos pés dos combatentes. Uma afastava com os
dedos a vulva da deusa e brincava aí com a língua; a outra fazia
cócegas nos testículos de Ferry e enfiava a língua na fenda do seu
traseiro. Ferry deu alguns empurrões tão bons a Vénus que esta
gemeu. Eu tinha largado as derradeiras roupas. Coloquei-me toda
nua à frente dele.
 - Também a máscara? - perguntei.
 - Fique com ela - respondeu-me.
Depois, retirou o membro da gruta da deusa, deu-lhe uma palmada
no traseiro e ela teve de ceder-me o lugar. Os meus joelhos
dobraram-se. Ferry ajoelhou-se diante de mim, enfiou a língua pela
frente, depois por trás, o que me excitou tanto que julguei que a
minha fonte ia extravasar. Por fim, atacou-me à coelho. Espreitei
por cima do ombro: o seu membro apresentava um carmesim
esplêndido, como o castão de rubis do meu cajado.
Era demais! Vénus e uma outra dama chupavam-me os seios; uma
terceira beijava-me, enfiava a língua entre os meus lábios, chupava
e mordia; Leonie estava ajoelhada entre as minhas pernas e titilava-
me, com a língua, o alto da fenda. Os meus sentidos desfaleciam, a
minha respiração estava ofegante, o ventre tremia-me. As ancas, as
coxas, os braços e as nádegas ardiam-me. Da fonte partiu
um jacto abundante branco como natas batidas; brotou da minha
gruta para a boca de Ferry que o absorveu até à última gota. Depois,
ele levantou-se com um salto e enfiou-me o ceptro nodoso e quente
até à raiz. Eu resfolegava. Todos os meus nervos, que estavam
tensos, crispavam-se; o meu templo da volúpia ardia; a flecha de
pedra devastava-me como um punhal. Oh!, como ele percebia bem
de refregas do amor. Às vezes, retirava completamente o seu
brinquedo, esfregava-lhe a cabeça contra os lábios, de cima a baixo
e, depois, enfiava-o de novo com um movimento violento. Eu
sentia como a pequena abertura do meu hímen tentava absorver a
cabeça do seu brinquedo; segurava-o como uma cãibra, até ele o
arrancar violentamente. Repetiu várias vezes esta carícia. Os seus
movimentos aceleravam-se, desordenavam-se e o membro
inchava ainda mais. Já não era senhor da sua excitação. Debruçava-
se para cima de mim e, enquanto os seus dedos me mexiam nos
flancos, mordia-me o ombro até fazer sangue; depois colava no
sítio os lábios e a língua. De súbito, o seu jacto inundou-me e
encheu-me a gruta. Receei tê-lo já perdi-do, pensando que estava
tudo acabado, quando me abraçou com mais força; o brinquedo
estava preso numa masmorra de amor que o apertava estreitamente.
O meu interior estava já todo seco, pois o calor tinha evaporado a
seiva abundante. O ceptro recuperou vigor a pouco e pouco, deu-
me alguns empurrões, aos quais respondi com ardor, e o duelo
amoroso recomeçou mais pausadamente, mais lento, sob os
aplausos dos espectadores. Tinham formado um círculo à nossa
volta. Os empurrões seguiam-se com intervalos regulares. A
apoteose ocorreu ao mesmo tempo. Senti uma comoção eléctrica
que me paralisou o coração. Sem a sua presença de espírito, ter-me-
ia tornado mãe, mas teve o sangue-frio bastante para inundar-me
com um segundo jacto, mais longo e

186 187

mais quente do que o primeiro, e que lhe neutralizou o efeito.


E, também desta vez, não cessou de dar-me provas do seu amor e
das suas forças viris. Os assistentes aplaudiam; deliraram quando o
viram, pela terceira vez, retirar o punhal da bainha e recomeçar o
combate do amor. Gritavam:
- Todas as coisas boas aparecem às três.
O folguedo durou um bom quarto de hora e eles ainda nos
rodeavam. Faziam-se apostas. Ferry era infatigável, mas a crise
chegou enfim e a nossa volúpia foi infinita. Inundou-me com toda a
sua seiva que lhe nascia na espinal medula. Eu já não me
mantinha sobre os pés, pois várias pensionistas da casa
sustentavam-me. De todos os lados, debaixo de mim, à esquerda, à
direita, só sentia carne nua. As damas cobriam-me de beijos,
mordiscavam-me os bicos dos seios, e Ferry, sempre encostado a
mim, apertava-me nos braços.
Deixaram-nos, enfim, tranquilos. Ferry abraçou-me uma última
vez; depois ofereceu-me o braço para conduzir-me a outro quarto.
- No trono! No trono! - gritaram diversas vozes.
Tinham erguido ao fundo da sala uma espécie de
tribuna, com uma otomana coberta por espessos cortinados de
veludo vermelho e dominada por um dossel cor de púrpura. Era para
lá que nos queriam levar em triunfo a fim de testemunharem que
havíamos ganho o primeiro lugar entre os combatentes do amor.
Ferry declinou, em meu nome, tamanha honra. Disse que preferia,
se lho quisessem permitir, tomar um refresco; ouvindo isto, a dama
vestida de Vénus conduziu-nos ao bufete, na sala do banquete, onde
a mesa ainda não se encontrava posta.
- Então não há um gabinete escuro onde a minha
Titiana (era assim que me chamava, princesa das belas, por causa
do meu trajo) possa repousar um instante?
- Resi Luft deve ter vários - respondeu a Vénus.
- Vou dizer-lhe que vos abra um.
Afastou-se mas voltou depressa, acompanhada pela anfitriã. Ao vê-
la desatámos a rir. Luft Resi tinha seguido o nosso exemplo; estava
completamente nua. Era velha, gorda, a réplica daquela rainha das
ilhas dos Mares do Sul, a célebre Romehana. Oh!, as sombrias
massas de carne avermelhadas e a selva debaixo do ventre! Mas
ainda era apetitosa e compreendi que houvesse homens capazes de
saborearem os seus encantos e enfronharem-se naquele mar de
carnes.
Abriu-nos um gabinete, próximo da sala de dança. Pela porta
aberta, eu podia acompanhar a deliciosa bacanal. Alguns pares ainda
dançavam; outros preferiam uma ocupação mais séria. Ouvíamos o
murmúrio das vozes, o ruído dos beijos, o ofegar dos homens e os
suspiros voluptuosos das mulheres. O espectáculo excitava-me.
Encontrava-me sentada nos joelhos do meu amante, um braço à
volta do seu pescoço. Uma coisa bastante dura e quente batia-me
nas nádegas. Era o seu infatigável brinquedo.
 - Não vais recomeçar? - disse-lhe eu, sufocando-o
com beijos.
 - E porque não? - respondeu-me a sorrir. - Mas
gostava de fechar a porta. Tira a máscara, para eu poder
ler a volúpia nas tuas feições. Podes recusar-me isso?
Não se revelava um déspota, nem o tirano que eu tinha julgado. Era
tão meigo e tão carinhoso como um pastor. Fechei a porta, empurrei
os ferrolhos e atirei-me para cima da cama. Afastei as coxas, apoiei-
me nos cotovelos e aguardei o meu cavaleiro, que não hesitou um
instante antes de enfiar-me a lança. Desta vez ninguém nos
incomodaria. Eu só o via a ele, e ele só me via a mim.
Serei capaz de dizer-lhe o que senti? Não. Que lhe chegue saber
que fizemos três libações consecutivas aos

188 189

deuses do amor. Não posso contar-lhe a volúpia que vivi por tê-lo
para mim sozinha. Quando o orgasmo se aproximava, os olhos dele
tornavam-se fixos e adquiriam uma expressão selvagem de volúpia;
os meus olhos também se perturbavam e caíamos ébrios de amor,
peito contra peito, ventre contra ventre, as pernas e os braços
enlaçados como serpentes. Por último, deixara-se cair de lado,
comigo quase deitada em cima dele; não tinha retirado o ceptro do
estojo, os nossos olhos estavam fechados e permanecemos uma boa
meia hora entorpecidos neste êxtase. Os gritos provenientes da sala
acordaram-nos. Vesti-me à pressa e ele próprio prendeu a máscara
que eu quase esquecera com o entusiasmo. Ferry envergou o meu
dominó e regressámos à sala.
A orgia alcançara o apogeu. Só se viam grupos voluptuosos, em
todas as poses imagináveis, de duas, três, quatro e cinco pessoas.
Dois grupos eram particularmente complicados. Um compunha-se
de um cavalheiro e de seis damas. O cavalheiro encontrava-se
deitado de costas, em cima de uma tábua atravessada em duas
cadeiras. Tinha enfiado a lança numa dama, outra sentava-se-lhe
no peito; ele lambia-lhe a gruta com a língua; as suas mãos titilavam
a fenda de duas outras mulheres; as duas últimas acariciava-as
ele com os grossos dedos dos pés. Estas gozavam menos e só ali
estavam para completar o grupo, fingindo sentir-se satisfeitas.
O outro grupo compunha-se de Vénus, que estava estendida em
cima de um cavalheiro que a enfiava pela frente, ao passo que um
outro atacara por trás uma abertura muito mais estreita. Com as
duas mãos segurava na adaga dos dois homens que estavam de pé a
seu lado, enquanto o quinto, um gigante de Rodes, apoiado em
duas cadeiras, lhe afastava as pernas por cima da cabeça do
primeiro e se fazia chupar o membro. A ejaculação
ocorreu ao mesmo tempo nos cinco machos e nela. Era o grupo
mais belo.
O terceiro grupo compunha-se de duas mulheres e de um homem.
Uma dama encontrava-se deitada de costas e a outra sobre o ventre
enlaçava-a apertadamente, as pernas cruzadas em torno das suas
ancas. Estreitavam-se voluptuosamente, mordiam-se, lambiam-se.
O cavalheiro, da estatura de um Hércules, enfiava a lança ora na
gruta de uma, ora na gruta da outra. Sentia curiosidade em ver
como elas partilhariam o rio vital. Era razoável e justo. Nenhuma
recebia mais do que a outra. Quando chegou a crise, ele não
perdeu o sangue-frio e dividiu igualmente o seu néctar pelas duas. A
que estava deitada de costas recebera o primeiro jacto.
Todos os participantes neste concerto do amor haviam tido a sua
parte. Ninguém ficara em jejum. Ninguém participara em menos
de dois combates. Ferry, entre os homens, e eu, entre as mulheres,
ainda fôramos os que estávamos em melhor forma.
Vénus, a condessa Bella e eu éramos as únicas que não tinham tirado
a máscara. Soube mais tarde que Vénus era uma mulher célebre
pelas suas aventuras galantes e descobri a sua identidade.
Desagradava-lhe, porém, tirar a máscara, ao passo que a condessa
Bella era uma fúria verdadeira, um demónio feminino. Gritava com
toda a força:
- Vem cá! Vamos, não sabes que sou uma puta, uma autêntica puta?
Passou por todas as pensionistas da casa; distribuía--lhes bombons,
frutas ou champanhe. À mesa, bebeu um copo cheio de aguardente
que um cavalheiro servira para ela. Estava a cair de ébria e rebolou
para debaixo da mesa. Luft Resi teve de levá-la para um gabinete e
metê-la na cama. Fechou-a à chave. Bella tentou arrombar a porta;
finalmente, caiu por terra e adormeceu. Um pouco mais

190 191

tarde, duas pensionistas foram ver se estava a dormir. Encontraram-


na a esvaziar-se por todas as aberturas como se fosse um tonel
arrombado; puseram-na na cama. Dormiu até às quatro horas da
tarde.
A ceia foi, sob todos os pontos de vista, digna da orgia. Várias
pessoas adormeceram em cima da mesa. Já só havia Ferry e dois ou
três cavalheiros capazes de portarem-se decentemente. Os outros
deixavam pender tristemente as cabeças. Por fim, distribuíram os
prémios. Ferry foi proclamado rei, seguido pelo cavalheiro que
tinha tocado tão bem harmónica; a seguir um outro que havia
distribuído muitos bombons. A minha rival, a princesa O..., que
encontrara na companhia de Ferry, tinha dado cabo dele; quis
convencê-lo a beber até ficar ébrio, pensando que isso o excitaria,
mas ele recusou. Contudo, conseguiu fazer mais um pouco de amor
com Vénus antes de a orgia terminar às quatro horas da manhã.
Ferry e eu, Vénus e algumas damas, regressámos a casa; os outros
estavam embriagados e passaram a noite em casa de Luft Resi.
Tinha observado que, de uma maneira geral, as pensionistas da
nossa anfitriã se haviam conduzido impecavelmente. Esperavam
que os cavalheiros as chamassem antes de tomarem parte na
bacanal. Leonie era a única excepção, mas dizia-se que pertencia à
nobreza, que provinha de uma antiga família vienense, que
abandonara os pais para se dedicar àquele infame ofício e que tinha
vindo directamente para casa de Luft Resi.
Ferry acompanhou-me a casa. Rose ainda estava a pé; só se foi
deitar quando lho pedi. Preciso de dizer-lhe que, para Ferry e para
mim, a guerra do amor ainda não terminara?

**
V

Talvez desagrade ao senhor o facto de eu contar em pormenor as


minhas aventuras de Budapeste; vai acusar-me de amar demais os
Húngaros. Direi, no entanto, que certas coisas, as Artes por exemplo
- e coloco o Amor, tal como o pratico, entre elas -, não podem ser
apanágio de uma única nação. Posso pois assegurar-lhe que não
existe país no mundo onde se saiba melhor amar do que na Hungria.
Os Húngaros são talvez primitivos sob muitos pontos de vista mas,
no que respeita à arte dos prazeres íntimos, estão tão avançados
como os Franceses e os Italianos, os grandes mestres; sim, são
talvez ainda mais sábios ...
Vou-lho provar.
Pouco tempo antes de retomar esta correspondência, travei
conhecimento com um inglês que viajara por todos os cantos do
mundo durante mais de quarenta e quatro anos e visitara, uma vez
por outra, todos os países.
Tinha desejado descobrir quantas terras uma pessoa pode conhecer,
especialmente quando não se fica durante muito tempo. Calculámos
uma estada de dois ou três anos em cada país, um pouco mais
naqueles com verdadeiro interesse e um pouco menos nos restantes.
Contámos dezoito países: Áustria, Hungria, Turquia europeia,
Itália, Espanha, França, Grã-Bretanha, Rússia, Escandinávia,
Alemanha, o Oriente, Estados Unidos da América do Norte, Suíça,
América do Sul, Bélgica e Holanda. Já chega? Espero que sim.
O meu amigo, é assim que lhe chamarei, vinha de Itália. Fez-me a
descrição de um pensionato de sacerdoti-

193

sacerdotisas de Vénus em Florença. Havia lá três húngaras; eram as


mais procuradas e o seu preço subira de cem para quinhentos
francos. A patroa pensava reformar o estabelecimento, passando a
ser húngaras dois terços das internas. Havia algumas espanholas,
várias holandesas, uma serva e uma inglesa, que eram muito mais
belas, mas não sabiam atacar os homens como as húngaras. E era
assim em toda a parte; tanto em Paris como em Londres, tanto em
Petrogrado como em Constantinopla e nas cidades alemãs, as
húngaras eram as preferidas.
Não só as mulheres deste país conquistaram as palmas do amor, mas
também a gente nova que apresenta um exterior muito atraente e
modos cativantes. São diferentes da gente nova das outras nações, e
a sua originalidade atrai-nos. Por fim, são infatigáveis nas refregas
do amor, de cujos segredos conhecem todos os requintes- graças a
eles, nenhuma mulher precisa de empregar excitantes
extraordinários.
Não pense, depois de tudo o que lhe disse, que eu sinta uma
paixão exclusiva pelos húngaros e pelas húngaras; vou até contar-
lhe as aventuras que vivi com outros.
Volto, portanto, à minha história.
Partilhava os meus prazeres com duas pessoas: Ferry que era o meu
amante declarado, e Rosa que me permitia variar os folguedos.
Ferry contou-me um dia só ter conhecido o verdadeiro amor comigo;
os seus princípios já não eram tão sólidos e admitia agora a
fidelidade. Se eu tivesse querido, ter--me-ia desposado; propôs-mo
diversas vezes. Recusei. Receava muito perder o amor se lhe
acrescentasse outros laços; o casamento é o túmulo do amor. Temia
ver o nosso amor profanado pela lei e pela Igreja; a lembrança da
vida tão bela dos meus pais não me tranquilizava. Amava, muito
simplesmente, e o segredo dos nossos
prazeres aumentava o meu amor; Ferry partilhava os meus pontos
de vista.
Sentia, no entanto, uma inquietação: ficar mãe e perder o meu
lugar. Dei parte das minhas inquietudes a Ferry; contei-lhe também
o meu espanto por não estar grávida porque, com ele, negligenciara
todas as precauções que, outrora, Marguerite me havia tão
calorosamente recomendado e que sempre utilizara com o príncipe.
- Existem muitos outros meios - disse-me Ferry - que poucos
homens e mulheres conhecem; servi-me de um deles, em teu
benefício. Aliás, possuo o livro Da arte de fazer amor sem receio.
Vou-to dar.
Ferry trouxe-me este manual que li com muita atenção; o autor não
recomenda o emprego do condom, pois afirma que a volúpia do
homem e da mulher é muito inferior; o condom não é feito por
medida; demasiado estreito, causa dores ao homem e, demasiado
largo, forma pregas tão cortantes como um cabelo; pode também
rebentar. Além disso, a limpeza desta membrana viscosa, após o
acto, é uma operação nojenta.
O autor escreve que a mulher apenas pode conceber uma vez em
cada mil se o homem se uniu a ela por detrás e de pé. A cabeça do
membro não fica em frente do clitóris, e o sémen espalha-se na
vagina mas não penetra na pequena abertura que se forma tão bem
quando a mulher ejacula a sua selva.
Recordei-me de que Ferry me atacava quase sempre nesta posição;
fazia-o de propósito? Se, às vezes, me tomava pela frente, era
porque antes já tínhamos gozado duas ou três vezes por trás.
Eu tinha adivinhado que a urina neutralizava os efeitos do sémen
masculino. Ferry, que continuava-a não ter confiança plena na
posição traseira, empregava muitas vezes este meio, que mais
aumentava o meu gozo.

194 195

O autor dizia que a formação do sémen exige um certo tempo para


ser fecundante pois, após uma segunda ejaculação, a seiva perde as
propriedades. Acrescenta que há uma distinção entre o esperma do
homem e o seu sémen, afirmando que não há diferença entre o
esperma masculino e o esperma feminino; què não é o sémen que
provoca a volúpia mas o esperma, porque senão a mulher, que não
possui sémen, nunca conheceria o prazer. De facto, a sensualidade
da mulher é muito mais forte do que a do homem, justamente
porque não tem sémen. O resto desta explicação era
demasiadamente científica e não a compreendi.
Falámos uma vez deste assunto; o senhor também pretendia que
após várias ejaculações o homem deixa de ter sémen; por isso é que
os povos frios se multiplicam muito mais do que os povos quentes
e apaixonados. Os Húngaros, os Franceses, os Italianos, os
Orientais e os Eslavos do Sul têm muito menos filhos do que os
povos do Norte e particularmente do que os Alemães. O casamento
é mais fértil do que o concubinato. Do mesmo modo, as classes
baixas são mais férteis do que a aristocracia. (Depois, li Klinkosch e
Venette, dizendo ambos a mesma coisa.).
O autor recomenda diversos meios que considera eficazes: um,
entre outros: o homem, ao aproximar-se a crise, deve retirar o
punhal da bainha e espalhar o sémen sobre o ventre ou as coxas da
mulher, mas qual é o homem que será suficientemente senhor de si
para fazê-lo todas as vezes? Depois, afasta a volúpia mais forte,
porque o objectivo dos amantes é sentir o choque eléctrico
produzido pela descarga do sémen e que ecoa no coração da
mulher. Eu detestaria um homem que agisse assim.
Recordo-me de dois preventivos muito simples que, a seguir, usei
sempre, em vez do condom, na verdade
muito grosseiro: a bola de prata e a esponja.
Uma bola de prata, maciça, com um pequeno anel munido de um
elástico, é introduzida na gruta da volúpia; como é pesada, cai no
fundo, tapa a abertura das trompas e o sémen já não pode passar; é
muito mais prático do que o condom, pois é excitante, já que de
cada vez que a flecha do amor a impele ela se enterra um pouco mais
e provoca titilações muito agradáveis. Se for pesada e lisa é quase
impossível que a flecha do amor a desaloje da sua posição; os riscos
são, portanto, mínimos. Além disso, é fácil retirá-la pelo elástico,
para limpá-la.
O emprego de uma esponja baseia-se no mesmo princípio. A
esponja deve ter tamanho bastante para tapar todo o orifício do
templo das delícias, a fim de não poder ser deslocada, mas não
precisa de ser espessa; a mulher não pode conceber porque a
esponja absorve todo o sémen do homem e a vagina mal fica
ligeiramente húmida.
Estes meios são particularmente seguros quando o membro não é
demasiadamente comprido e não atinge o fundo da gruta. A esponja
estremece a cada movimento do homem e excita as partes mais
sensíveis da corola; a fim de aumentar esta volúpia, pode besuntar-
se a esponja com uma camada de cera para lhe tornar a superfície
áspera.
Isto lembra-me uma dama que não conseguia encontrar um homem
capaz de satisfazê-la. Um oficial seu amigo coroou a glande com
um anel de borracha que escondeu por baixo da pele do prepúcio,
de tal maneira que ela não deu por isso; o oficial enfiou o seu
brinquedo assim armado na gruta da dama. A borracha denteada
esfregou de tal forma que ela ficou ensanguentada. A volúpia foi
violenta, embora dolorosa. Infelizmente só raramente podia servir-
se deste meio, porque ficava toda arranhada.

196 197

O livro indicava ainda uma série completa de meios para abortar.


Penso que o senhor os conhece todos. Na Hungria, emprega-se
sobretudo uma decocção de picos de sabina (juniperus sabina,
creio). Todas as camponesas se servem dela mas é perigoso e
conheço muitos casos de envenenamento.
Mas voltemos às minhas aventuras. Descansada, graças aos meus
preservativos, entregava-me completamente aos prazeres. Só
amava Ferry. Ele era muito prudente, ninguém suspeitava das
nossas relações e o meu bom nome nada sofreu.
Rosa era a mais digna de dó. Ferry não lhe deixava grande coisa. Só
muito raramente eu dispunha de uma noite livre. Como ignorava os
ciúmes, perguntava a mim própria se não sentiria um grande prazer
empurrando-a para os braços de Ferry. A perda da virgindade com o
auxílio do godemiché não fora completa, a membrana voltara a
crescer, a virgindade encontrava-se reconstituída. Como médico, o
senhor vai fartar-se de rir e afirmar que é impossível; mas posso
certificar-lhe que, alguns meses após a cena do godemiché, uma
noite em que quis enfiar-lhe o meu dedo na vulva, encontrei um
obstáculo; disse-lhe que se deitasse e examinei-lhe a gruta à luz do
candeeiro. Afastou as coxas e vi uma entrada muito redonda, de
paredes pouco elásticas, que me lembrou a representação de uma
virgem no museu anatómico, na praça Joseph, durante a feira de
Budapeste. Sou profana na matéria; por isso conto o que vi mas
não o explico.
Perguntei a Rosa se se sentiria feliz com um amante como Ferry.
Respondeu-me que, enquanto me tivesse a mim, não queria homem
e que, se devesse sacrificar a sua virgindade a um homem, apenas o
faria para meu prazer. Ferry não lhe parecia mais desejável do que
qualquer outro que eu lhe arranjasse.
Poucas mulheres conhecem o prazer de assistir aos
enlaces amorosos de um casal, poucos homens deixam de sentir
desprezo por uma mulher que, à sua frente, se entrega a outro.
Ferry e eu somos excepções raras.
Ferry tinha-me pedido muitas vezes para me entregar a um homem
diante dos seus olhos; eu não podia consentir. Devo confessar que,
então, suspeitava que ele me queria deixar e andar à procura de
um motivo para fazê-lo. Não conseguia acreditar que tivesse prazer
num tal espectáculo. Ferry citou-me diversos exemplos que
pertencem à história (Gatta Melatta, o herói veneziano não se
acasalava com a mulher senão depois de ela se ter abandonado às
carícias de outro homem). Decidimos que Ferry ensinaria o amor a
Rosa e que, em seguida, eu faria o mesmo a um jovem.
Custou-me muito a convencer Rosa; ela lançava-se-me nos braços a
chorar, dizia que eu já não a amava. Tive de levantar-lhe as saias
para lhe provar o contrário. Beijei--lhe e chupei-lhe a fenda, mordi-
lhe os bicos dos seios; enfim, excitei-a tanto que ela já ofegava.
Ferry ajudou--me a despi-la e depressa ficou nua à nossa frente.
Ferry beijou-a apaixonadamente, depois acariciou-lhe a gruta com a
sua flecha do amor. Estava chegado o momento. Ferry levou-a para
a cama e colocou-lhe várias almofadas debaixo do traseiro; ela
afastou involuntariamente as coxas e ele ajoelhou-se no meio. Rosa
tinha fechado os olhos e tremia de alto a baixo. A pequena velhaca
não queria revelar o quanto esperara por este prazer. Ajoelhei-me
em cima da almofada, a cabeça dela sobre o meu ventre. Apertava-
me com a mão esquerda e com a direita estreitava Ferry, a quem eu
oferecia o rabo. Ele fazia-me cócegas aí com a língua, enquanto
Rosa me lambia a gruta. Estas duas línguas que me devoravam
quase me faziam desfalecer. Quando ele lhe dilacerou a virgindade,
ela mordeu-me violentamente. Esta dor também era voluptuosa.
Rosa e eu não podíamos deixar

198 199
de gritar alto as nossas sensações. Apenas Ferry permanecia calado. ,-
Rosa agitava-se tanto que Ferry tinha dificuldade em permanecer
na posse da gruta da volúpia. Ela contorcia--se, gemia, depois
ofegava voluptuosamente ou arrulhava como uma pomba. O duplo
contacto das línguas era tão pronunciado que também excitou a
minha bolsa urinária; aliás, tinha bebido à ceia. A minha fonte
trasbordou. Rosa e Ferry partilharam este jorro espumante e, por
simpatia, largaram as suas águas vivas. Encontrávamo-nos a
chafurdar numa imensa poça de água, que escorria dos lençóis. Isto
aumentou o nosso prazer e ejaculámos um jacto de seiva perfumada
quase tão impetuoso como o primeiro. Estávamos uns em cima dos
outros, uns dentro dos outros; os nossos corpos ardentes
fumegavam; enfiei o nariz debaixo da axila de Rosa. Sentia-me
mais ébria do que se tivesse bebido. O nosso êxtase foi infinito.
Recuperámos a pouco e pouco as forças e abandonámos a cama
molhada. Ferry aconselhou-nos a tomar um banho. A banheira
estava pronta. Desde que me encontrava em Budapeste tomava
todos os dias um banho quente. Era o meu único luxo.
Mergulhámos na água quente, que logo nos retemperou. Ferry era
um mestre do amor; conhecia todos os meios para renovar o gozo.
Quando saímos da água, Rosa e eu queríamos enxugar-nos, mas
Ferry impediu-nos. Disse-nos que nos barrássemos com sabão e
depois com óleo. Os nossos corpos tornaram-se escorregadios como
os das enguias. Depois debrucei-me para a banheira e ele tomou
Rosa sobre os ombros; ela ficava assim inclinada, a cara voltada para
ele, que lhe chupava a ratinha, enquanto me atacava por trás, à
maneira dos pederastas, porque não enfiava a lança na minha gruta
da volúpia, mas noutra próxima, que até agora permanecera
virgem. Ele tinha besuntado antes as paredes com óleo e penetrou
muito mais facilmente do que eu teria imaginado; contudo, aleijou-
me um pouco. Enquanto estava ocupado atrás, enfiava-me, pela
frente, as duas mãos na fenda. Os dedos revolviam-me o interior
e senti que uma pele muito delgada os separava do seu ceptro do
amor. A volúpia era mais forte do que a dor; sentia-me arrebatada.
Rosa tinha escorregado; agarrava-se com as pernas aos meus ombros.
O seu templo do amor encontrava-se em frente da minha boca.
Enfiei-lhe o indicador esquerdo no traseiro, o indicador da mão
direita acariciava o alto da fenda, e a minha língua penetrava o mais
à frente possível. Esta carícia é requintada. A crise ocorreu nos três
ao mesmo tempo; ter-se-ia produzido muito mais cedo se Ferry
houvesse perdido o sangue-frio, mas ele permanecia senhor de si,
parava, retirava a flecha do carcás, ajoelhava--se e passeava a
língua pelo sítio onde tanto me tinha brutalizado. Sempre que
recomeçava o assalto, eu sentia uma dor aguda que logo se
transformava na mais doce volúpia. Foi assim que recomeçou
quatro ou cinco vezes até desfalecermos de inebriamento. A fonte
de Rosa tinha trasbordado duas vezes e bebi, de cada vez, o
líquido leitoso com ardor. Infelizmente essa fonte devia secar;
gostaria de beber nela eternamente. O jacto de Ferry inundou o
meu interior. No mesmo momento, abri-me violentamente a ele
ficou com as mãos cheias da minha humidade; levou-as aos lábios e
bebeu muito avidamente.
Não me recordo de ter saboreado mais tarde uma volúpia assim.
Não poderei esquecer este folguedo durante toda a minha vida.
Deitámo-nos na cama de Rosa, porque a minha estava inundada.
Ferry ficou entre nós as duas, que o apertávamos o mais possível.
Depois desta noite deixei de compreender os ciúmes das mulheres.
Parece-me muito mais razoável e muito

200 201

mais natural que tais coisas não se passem como nos países
civilizados. O gozo é aumentado pela presença de uma terceira
pessoa; a cópula e a volúpia não têm por objecto a perpetuação da
espécie; o alvo da natureza é a volúpia.
Logo no dia seguinte, Ferry recordou-me a minha promessa. Jurou-
me que ninguém o saberia. Tive de acompanhá-lo em viagem.
Era a Primavera, o tempo estava radioso. Ferry disse-me que
deixaríamos Budapeste no dia seguinte. Passou todo esse dia
comigo; como já fizera as suas visitas de despedida pensavam que
tinha partido há três dias. Eu dispunha de um mês de licença. Queria
ir a Presburgo, a Praga e regressar por Viena onde contava dar
algumas representações. Esperava estar de regresso em Julho.
Deixámos Budapeste num domingo, às duas horas da noite.
Evitávamos tomar o caminho de ferro ou o barco a vapor;
utilizávamos a carruagem de Ferry ou a mala--posta. Chegámos
cerca das oito horas a Nessmély. Abandonámos então a estrada
principal; depois de termos atravessado Igmánd chegámos cerca do
meio-dia à famosa floresta de Bakony. Entrámos numa estalagem
situada no meio da floresta. A mesa estava já posta para nós. Alguns
homens de cara sinistra mantinham-se no pátio e na sala da
estalagem. Pensei que fossem ladrões e senti-me um tanto inquieta.
Ferry conversava com eles em húngaro. Perguntei-lhe quem eram;
respondeu-me que pobres diabos. Acrescentou que eu não tinha
nada a temer. À tarde voltámos para a carruagem; precediam--nos
cinco homens a cavalo.
Já não avançávamos tão rapidamente. O caminho estava
escalavrado e fomos forçados a ir algum tempo a pé. Chegámos,
enfim, à parte mais espessa da floresta. Ferry pediu-me que desse
um pequeno passeio e a carruagem dirigiu-se para uma casa que
se vislumbrava
entre as árvores e que tinha a aparência de uma estalagem. Os
bandidos precediam-nos afastando os ramos. Passada uma hora,
vieram dois homens ao nosso encontro; um de trinta e dois a trinta
e cinco anos, com o aspecto de um Hércules, a cara feroz mas de
feições regulares; o outro, um adolescente de vinte anos, tão belo
como Adónis. Também faziam parte da quadrilha. Ferry
apresentou-mos; depois disse-me que eu ia saborear o amor com
estes dois homens, que não tinha nada a recear deles, que nem
sabiam quem eu era e que não mantinham quaisquer relações com
o mundo exterior. Detivemo-nos numa clareira. Atravessava-a uma
nascente muito profunda e larga. O homem hercúleo despiu-se
logo, o jovem corava e hesitava; quando Ferry lho ordenou
peremptoriamente, seguiu o exemplo do camarada. Eu despi-me
lentamente. Ferry disse-me que devia dar livre curso às minhas
sensações, que quanto mais apaixonada me mostrasse mais prazer
lhe proporcionaria. Conhecia-lhe os pensamentos como se os tivesse
lido. Queria dar-lhe prazer e resolvi mostrar-me muito dissoluta.
Chamei os dois homens. Disse-lhes que se pusessem nus. Puxei-os
para mim pelo membro... o cogumelo do jovem transformou-se
imediatamente num ramo de carvalho quando lhe toquei; empinou-
se até ao umbigo. O gigante entesara-se assim que se despira.
Quando fiquei completamente nua, meti a lança do jovem na boca
e fiz-lhe cócegas na pequena abertura da glande. Mal a minha
língua lhe tocou, recebi uma descarga ardente na garganta e tive de
apressar-me a engolir para não perder uma gota, tanta quantidade
havia. O gigante agarrou-me pelas ancas, levantou-me, as minhas
nádegas tocavam-lhe no ventre e, sem que eu lhe mostrasse o
caminho, a sua lança descobriu imediatamente a minha concha;
julguei que ia penetrar-me até ao coração, tão comprida ela era. Os
seus movimentos foram lentos,

202 203

medidos, fortes; receava desfalecer a cada empurrão. Não larguei a


flecha do jovem: tanto chupei que ela tornou a endireitar-se.
- É bom? - perguntou-me Ferry, que ainda não se
havia despido.
Como eu tinha a flecha de Kalmann (era o nome do jovem
bandido) na boca, só lhe respondi com os olhos. Eles deviam girar
de volúpia, porque as minhas comportas achavam-se abertas de par
em par. Inundei a clava do meu gigante com o néctar mais precioso
que corria das nascentes do meu orgasmo. Ele continuava sem
mostrar sinais de cansaço. Encarniçou-se uma boa meia hora antes
de sentir a aproximação da crise.
 - Não lhe faças um filho! - gritou Ferry a rir.
 - Não tenha receio! Pelo sítio onde quero acabar
nunca engravidou ainda uma mulher!
Dizendo estas palavras, retirou o seu indomável bacamarte da
minha concha e julguei morrer de dor quando mo enfiou no recto.
Apenas deu dois empurrões e logo largou o sumo dos rins. O seu
jacto durou um longo minuto: pagou-se bem do trabalho. Por fim
retirou o dardo. Estava todo ensanguentado. Era sangue meu,
porque me tinha dilacerado; já nem podia sentar-me e só caminhava
com dificuldade. Levou-me para o regato e lavou a ferida com os
dedos. Isso aliviou-me, mas sentia-me incapaz de dar um passo.
Lamentava viva-mente não poder oferecer nada ao jovem. Dei-lhe
um pouco de prazer com a língua.
Fiquei uma hora na água. O gigante tomou-me então nos braços e
três homens puseram-se a vestir-me. Transportaram-me em seguida
para a caverna onde Ferry me deitou numa cama.
Posso eu acaso contar-lhe como decorreram os três dias que passei
nesta floresta? Ferry estava em férias. Eu mudava todos os dias de
amante. Havia nove bandidos.
No terceiro dia celebrámos uma grande orgia, com camponesas,
mulheres e raparigas que haviam chegado. Agripina teria sentido
inveja das nossas bacanais. As camponesas eram tão requintadas,
hábeis e voluptuosas como as damas da aristocracia de Budapeste.
Tive tempo de descansar durante a minha digressão artística.
Apenas Rosa me acompanhou. Ferry deixou--me após ternas
despedidas. Era tempo de recuperar as forças, pois aqueles
deboches ter-me-iam matado.
Não tenho nada a dizer-lhe dos dois anos que ainda passei em
Budapeste, nem do meu contrato de um ano em Praga. Aprendi a
estimar este famoso provérbio francês: Nem nunca nem sempre, tal
é a divisa dos amores.
204

**
VI

Tinha completado vinte e sete anos. Os meus pais haviam falecido


no intervalo de uma semana, arrebatados por uma epidemia.
Encontrava-me, por assim dizer, sozinha no mundo, pois perdera o
contacto com o resto da família. A minha velha tia, em casa de quem
ficara em Viena, quando me iniciara no teatro, durou mais tempo;
morreu um ano depois de eu ter deixado Budapeste. O primo de
quem igualmente lhe falei tinha seguido a carreira militar.
Abandonara o mau hábito da infância e tornara-se um tal
desavergonhado que os deboches o matavam. Eu tivera muita sorte
por um lado; contudo, vivera alguns maus bocados. Perdi os meus
dois primeiros amantes: Arpard von H ..., que teve de seguir para
Constantinopla, onde arranjou emprego na embaixada, e Ferry, que
emigrou para a América. Já só me restava Rosa para recordar-me
as alegres farras de Budapeste.
Não quero falar-lhe na minha carreira artística. Isso não lhe
interessa; se desejar conhecê-la, basta-lhe abrir os jornais, o que
certamente o senhor faz.
Numa grande cidade da Alemanha travei conhecimento com um
empresário italiano que me tinha ouvido cantar num concerto.
Visitou-me e propôs-me acompanhá-lo a Itália. Eu falava
perfeitamente o italiano. Disse-me que para poder concorrer com as
célebres cantoras italianas só me faltava o hábito dos imensos
palcos de San Fenice, do Scala ou do San Carlos. Se obtivesse
sucesso em Itália, o meu futuro estaria garantido e conheceria a
glória. Devia estrear-me no teatro Pérgola, em Florença. Não
hesitei muito tempo e assinei
um contrato para dois anos. Devia receber trinta mil francos e
tinha duas récitas em meu benefício.
Na Itália, arrisquei menos do que nos outros locais em que já
cantara. Ninguém se preocupa com a conduta de uma mulher
solteira. Esta virtude feminina que é tão cultivada no resto da
Europa não tem qualquer valor em Itália. É mais exigida a uma
mulher casada do que a uma jovem mulher livre. Acho isso muito
razoável; quando uma dama, que já conheceu todas as cores do
amor, quer casar, os italianos não se ralam com a sua vida passada,
não são tão escrupulosos. Nenhum homem conta encontrar uma
virgem se a noiva tiver mais de quinze anos. Aos vinte e sete anos
atingi o apogeu da beleza. Todos os que me haviam conhecido em
Viena ou em Francoforte certificavam-me que era muito mais bela
do que aos vinte e dois anos.
Possuía uma natureza robusta e forte. O meu temperamento era
fogo, mas sabia dominar os desejos quando via que os prazeres do
amor me atacavam a saúde. Em Francoforte, havia passado dois
anos de castidade; depois de ter deixado Budapeste, restringi
mesmo as minhas relações com Rosa. Esta nunca me provocava.
Parecia partilhar todos os meus sentimentos. O nosso acordo era tão
perfeito como o de dois gémeos. Eu mantinha um diário. Como
poderia, se não o tivesse feito, contar-lhe assim a minha vida com
todos os pormenores? Ao desfolhá-lo, vejo que depois da minha
ligação com Ferry, que durou dez meses, partilhei, no espaço de
cinco anos, sessenta e duas vezes os prazeres homossexuais com
Rosa; em média uma vez por mês. Não é isto o necplus ultra da
temperança? E durante essa época não concedi o mínimo favor a um
homem. Estava de boa saúde, vivia bem, cuidava do meu corpo e
não cometia nenhum excesso.
Em Florença, travei conhecimento com um cavalheiro muito
interessante, aquele inglês de que já lhe falei. Não

206 207
era um jovem; contava cinquenta e nove anos. Podia falar de tudo
com ele; era um perfeito epicureu. Estudava a natureza humana; as
suas opiniões harmonizavam-se com as minhas. Aprendi a
conhecer-me melhor, graças a ele. Explicou-me muitas coisas de
que eu não possuía a chave. Sabia há muito que a natureza da
mulher é totalmente diversa da natureza do homem, mas não
pudera adivinhar porquê. Ele deu-me as razões fisiológicas e
psicológicas. A sua filosofia era simples e clara; tornava--se
impossível enfraquecer os seus princípios, baseados na razão. Não
era de modo algum cínico; na sociedade tomavam-no por um
homem muito moral, embora ele não fingisse qualquer virtude.
Fazia-me gentilmente a corte, não para alcançar aquilo que todos
os homens anseiam, mas porque eu era capaz de escutar e de
compreender as suas palavras. Contudo, notei que seria muito
infeliz se me possuísse fisicamente. É natural. Não sou um
Narciso feminino, mas tenho consciência das minhas qualidades
físicas e espirituais; basta-me olhar para um espelho e comparar a
minha beleza com a das outras mulheres. O senhor próprio me
confessou que nunca viu um corpo de mulher tão bem
proporcionado como o meu, e isto bastantes anos depois de eu
travar conhecimento com Sir Ethelred Merwyn.
Entediava-me ouvir o inglês elogiar-me continuamente, sem tentar
atacar-me o coração ou outra coisa qualquer - diz-se coração por
eufemismo. A minha galantaria era vã. Ele tinha-me explicado
tudo, mas eu queria saber por que era tão platónico para comigo.
Há um provérbio que diz: Se a montanha não se aproxima de
Maome', Maomé deve aproximar-se da montanha. Sir Ethelred era
a montanha e se eu queria obter a minha explicação devia ser o
profeta.
- No entanto eu permito-lhe tudo, Sir Ethelred - disse-lhe uma vez.
- Porque nunca ultrapassa, quando me faz a corte, os limites da
mais estrita amizade? O senhor foi um grande Lovelace1, como me
disse, e até sei que ainda faz as suas conquistas.
 - Engana-se, Madame. Já não faço conquistas -
respondeu-me Sir Ethelred. - Não vá julgar que o que
um velho troca por ouro sejam conquistas.
 - Não falo das loretas ou de outras mulheres ligeiras. O senhor
só respondeu a uma parte da minha pergunta. Toma-me por uma
coquete sem coração que se
orgulha de prendê-lo ao seu carro triunfal? Pensa que não
pode inspirar amor a uma mulher da minha idade?
 - Creio que é impossível. Se me conceder os seus
favores fá-lo-á por dó e não por amor. Seria no máximo
um desejo doentio. Apenas conheceu homens novos.
Gostaria de ver-me cair no ridículo.
 - O senhor é injusto para consigo próprio e para
comigo. Já lhe contei que conheci um homem que desdenhava
todas as conquistas e que não vinha oferecer-se voluntariamente. O
senhor também é assim tão vaidoso e exige algo de semelhante à
mulher? Mas o senhor não arrisca nada se receber uma resposta
desfavorável,
pois pode pô-la na conta da sua idade. Ao passo que uma
mulher se sente muito humilhada se representar junto
dela o papel do casto José. Demasiada timidez e demasiada
modéstia não convêm a um homem.
 - Mas ainda lhe convém menos fazer dizer dele que é
um velho fauno.
 - O senhor continua a ser um belo homem e possui
qualidades que fazem esquecer os anos. Ora vejamos! Se,
desprezando os preconceitos do meu sexo, eu lhe dissesse
que podia esperar tudo de mim, exigir tudo, não se
decidiria a aceitar estes favores inesperados?

-------------
1
Personagem do romance Clarisse Harlowe (1747/1748), escrito por
Samuel Richardson (1689-1761), protótipo do sedutor cínico (N. T.).
208 209

 - É impossível. A senhora nunca o fará.


 - Em todo o caso, pode dizer-me se me recusaria. Sim ou
não?
 - Seria doido se recusasse. Aceitarei - disse Sir
Ethelred. - Mas a senhora desprezar-me-ia, no fundo
do coração, como uma hetera ou uma Messalina.
 - Nada disso. O gosto e os caprichos de uma mulher
são insondáveis. Amá-lo-ia e esse amor tornar-me-ia a
mais feliz das mortais.
Mostrava-se em contradição com o que acabara de afirmar
precedentemente. Tinha-me aproximado dele, assentei a mão no
seu braço e fítei-o com tanta meiguice que teria de ser de pedra para
resistir. Detesto a coqueteria enquanto ela não é uma arma de
conquista ou de vingança. Sir Ethelred fora sempre meu amigo e
não tinha nenhuma razão para me vingar. Também não quero
dizer que o amasse; mas era possível que relações mais íntimas
despertassem esse sentimento. Provoquei-o tanto que esqueceu
todos os seus princípios, caiu-me aos pés, beijou-me os joelhos e
tornou-se mais empreendedor. Não opus nenhuma resistência e
deixei-o agir. Enlaçou-me com a mão direita. Nem sequer esperei
pelo seu primeiro beijo: fui eu que lho dei. Ao mesmo tempo abri
as coxas e avancei o ventre a fim de ele poder encontrar sem
dificuldade o templo da minha feminilidade. Estes preliminares
tinham-me excitado e ele deu com uma gruta toda húmida e toda
quente. Não dizia palavra, suspirava e uma lágrima brilhava-lhe ao
canto do olho. Não parecia acreditar ainda na sua felicidade.
Escapei-me dos seus braços e fui fechar a porta. Depois disse-lhe
que o melhor seria irmos para a cama, que devia despir-se, mas que
antes me ajudasse a mim. O senhor gostaria de ter observado o meu
inglês quando ele me viu toda nua. Julgava sonhar. Ajoelhou-se à
minha frente e beijou todos os recantos do meu corpo. Eu
sentia
um prazer imenso por vê-lo tão feliz. Pus-me a despi--lo, o que ele
não queria permitir; por fim consentiu, quando lhe disse que isso
me dava um prazer muito grande.
Não compreendia porque é que fora tão tímido para comigo. O seu
corpo revelava-se ainda muito belo, a flecha erguia-se orgulhosa, a
pele era fina, lisa e branca, sem a mínima patina amarela; pelo
contrário, tinha reflexos rosados. Meti-me na cama; ele continuava
ajoelhado diante de mim e beijou-me a gruta da volúpia que, ao
contacto da sua língua, se abriu, impaciente de receber o seu
hóspede. Sir Ethelred também sabia que apenas a primeira
ejaculação é perigosa, porque retirou o membro. Apertou-me em
seguida nos braços e descarregou a meu lado.
 - Então ainda duvida? - disse-lhe eu ternamente.
 - Julgo sonhar. Não ousava esperar uma tal ventura. Ainda
não a compreendo. Sou seu escravo, não lhe recusarei nada.
Sir Ethelred tinha já feito mais de uma invasão no domínio dos
deuses do amor. Passou-se um bom momento antes de recuperar as
forças. Ajudei-o com os dedos e a boca; por fim, a sua arma ficou
de novo em forma. Não queria que me abandonasse a meio do
caminho; por isso não o deixei recomeçar logo de seguida. Quando
vi que o seu desejo era quase doloroso, ofereci--me em sacrifício.
Desta vez, pôs-se de costas. Sentei-me em cima dele. Segurava-lhe
as mãos e excitava-lhe a flecha com a minha gruta, porque me
esfregava contra ela sem a deixar entrar. O pobre homem fechava os
olhos, ofegava, suspirava e, no momento em que menos esperava,
deixei-me cair em cima do seu ceptro. Abriu imediatamente os
olhos. Mas eu soergui-me, a sua arma saiu e teve de perseguir-me.
Diverti-me assim durante alguns minutos, depois os movimentos
tornaram-se mais regu

210 211º
rregulares. Apliquei-me a fazer funcionar os músculos da minha
gruta de tal modo que, por vezes, a sua flecha ficava presa, o que é
extremamente raro e muito apreciado pelos homens. Fizera bem
em inflamá-lo assim, senão teria ficado pelo caminho. Sentia a
crise aproximar-se e apressava os meus movimentos para acelerar
nele a abertura das comportas. Enfim, o orgasmo surgiu. Os olhos
tornaram-se-lhe estranhamente fixos, os seus movimentos
precipitaram-se; beliscou-me voluptuosamente as nádegas e
mordeu-me o ombro, ofegando como um desesperado. Recebi o
jacto antes de a minha fonte correr; mas, passados dois segundos,
ele recebeu em resposta o meu jacto. Sentia-me quase desfalecida
de volúpia. De repente voltei a mim; a rigidez e a imobilidade do
meu amante apavoraram-me.
Julguei, no primeiro momento, que tinha sido acometido de um
ataque. Não respondeu às minhas perguntas. Pus-lhe uma mão
sobre o coração: batia o dobro do que era normal. Dei um puxão
para trás e o punhal saiu da bainha; achava-se distendido e algo
húmido escorria-me ao longo das coxas. Peguei num copo de água
que estava em cima da mesinha de cabeceira e molhei-lhe a cara e
as costas. A água gelada despertou-o. Sentou-se na cama, percorreu
o quarto com a vista, depois enlaçou-me violentamente e beijou-
me o ombro que tinha mordido. Estava muito embaraçado e tive de
acalmá-lo. Vestimo-nos. O seu brinquedo parecia dizer que não
tivera o suficiente porque se erguia debaixo da camisa; se o
houvesse excitado, teria aceitado uma terceira refrega amorosa.
Ouvi dizer que certas pessoas eram atingidas por um ataque, numa
tal situação; isso acontece mais vezes aos homens do que às
mulheres. Deve ser terrível apertar um cadáver nos braços.
Sir Ethelred parecia ter adivinhado os meus pensamentos . Já no
jardim, conversámos acerca deste assunto.
- Meu Deus, então não sabe a que aberrações uma paixão excessiva
conduz? Muitos casos houve em que homens violaram cadáveres. A
lei não seria severa se isso não existisse. Não sei se acontecia mais
vezes dantes do que hoje: agora ainda se passa. Durante as
campanhas napoleónicas esta paixão teve mesmo sérias
consequências para a vítima. Poucos dias antes da batalha de Iena,
um oficial foi aboletado em casa de um pastor protestante. A filha
do pastor morrera há pouco, isto é, o médico que a tratava acabava
de preencher o seu boletim de óbito. Era apenas um caso agudo de
catalepsia. A rapariga devia ser enterrada depois da partida dos
franceses. O oficial, seduzido pela beleza do cadáver, violou-o. A
electricidade da cópula despertou a jovem. Até concebeu. Os pais
ficaram muito agradavelmente surpreendidos por encontrá-la
acordada, na manhã seguinte. Tornou-se mãe e nem sequer
conhecia o pai da criança, um rapaz robusto e muito bem feito. A
coisa explicou-se vários anos mais tarde quando o oficial tornou a
passar por acaso pela aldeia. O escândalo foi enorme. Os franceses
tinham vários casos idênticos na consciência. Quando um era
surpreendido em flagrante delito, desculpava-se dizendo que o
fizera por pura humanidade, a fim de ressuscitar a rapariga.
Nenhum o conseguia, naturalmente, porque estes casos de
catalepsia são excessivamente raros e o meio nem sempre é eficaz. A
violação dos cadáveres é ainda muito frequente; é mais praticada
por pessoas da aristocracia do que por gente do povo. Entre todas
as histórias que conheço, vou contar-lhe a do ministro austríaco, o
príncipe von S...
«Costumava mandar trazer todos os mortos do hospital para o seu
apartamento, com o pretexto de fazer estudos anatómicos, porque
era um apaixonado pela medicina. Os médicos descobriram que ele
violara estes corpos, porque certa vez o cadáver de uma virgem
não

212 213

regressou intacto ao hospital.


«Esta paixão é muito perigosa para quem se lhe entrega; pode até ser
mortal. Os venenos que os lombos de um cadáver segregam são
muito violentos. Se o membro viril tem uma esfoladela ou uma
ínfima pústula, o violador deve ser excessivamente prudente. Tal
prudência ainda deve aumentar nos países quentes, onde os
cadáveres se decompõem mais rapidamente. Este vício acha-se
muito espalhado em Itália; o clima é muito enervante e o italiano
emprega tudo para satisfazer as suas paixões. O onanismo, a
sodomia e a violação dos cadáveres estão aqui muito
desenvolvidos. Sim, assassina-se por encomenda e trazem-se as
vítimas palpitantes aos debochados que se saciam imediatamente. O
processo de um fabricante de salame fez correr muita tinta nestes
últimos tempos. Não só assassinava as suas vítimas, mas violava-
as também, antes ou depois. Quando uma mulher é executada em
Itália, o que não é nada raro nos Estados da Igreja, pode ficar-se
certo de que, vinte e quatro horas depois, o seu cadáver foi
violado; deste modo os maridos que nunca tinham sido enganados
durante a vida das mulheres são-no após a morte. Isto passa-se
igualmente em França e na Inglaterra, muito especialmente em
Londres, onde a polícia está mal organizada e é muito fraca. O maior
crime que o homem pode cometer é mutilar-se a si próprio; já
alguma vez ouviu dizer que a lei o puna?
O que Sir Ethelred me contava enchia-me de assombro. Todos estes
crimes o deixavam indiferente. Segundo dizia, a automutilação e a
violação dos cadáveres eram hábitos perigosos apenas se
prejudicavam quem a eles se entregava. A lei não devia punir a
automutilação, nem a violação de cadáveres, nem o suicídio ou,
antes, a tentativa de suicídio; as leis só punem os actos que atacam a
vontade, a saúde ou o bem dos outros.
Tudo o que ele me contara fazia-me estremecer: estes crimes eram
demasiadamente lúgubres e eu nem podia acreditar.
 - Ser-me-ia fácil convencê-la da veracidade do que
digo, se não temesse vê-la mudar de sentimentos a meu
respeito. Bastava-me levá-la aos locais onde estas coisas
acontecem.
 - O quê? Aqui em Florença?
 - Não, aqui não, mas em Roma - respondeu-me
Sir Ethelred. - Fazia de conta que era uma digressão ...
 - Bom, não lhe prometo que o meu amor não se ressinta e
que terei força bastante para assistir com calma a tais coisas. Mas o
senhor deve garantir-me que não
tomarei parte activa nelas, nem que um assassínio acontecerá
diante de mim. Também não gostava de ver torturas que
mutilam para sempre as vítimas. Estas
últimas devem oferecer-se voluntariamente, porque não
gostava de assistir aos horrores descritos nos livros de
Sade.
Uma paixão doentia e febril apossou-se de mim; inquietava-me e
Deus sabe onde me teria levado se os actos a que em breve assistiria
não houvessem afastado de mim tais desejos. Vou contar-lhe tudo;
espero que não me condene. Se nos calharmos a encontrar, o senhor
explicar-me-á estas coisas.
O tempo passava muito depressa na companhia de um homem tão
galante. Éramos muito temperados em matéria de amor. Ele estava
sempre pronto para novos folguedos, mas eu receava muito ver a
sua nascente extinguir-se rapidamente. Amava-o o bastante para
não querer poupar-lhe uma tal humilhação, pois recordava-me
da regra de oiro do grande chefe da Reforma, Martinho Lutero:
«Duas vezes por semana fazem cento e quatro vezes num ano, o
que não é prejudicial para nenhum de nós.»

214 215

Procurei tantas vezes esta espécie de prazer quantas o fogo


despertava no meu íntimo recalcado, mas compreendi que era coisa
fácil de satisfazer, pois ainda dispunha da minha adorada Rosa,
permanentemente a meu lado. O seu corpo amadurecia a olhos
vistos e resplandecia graças ao amável tratamento que eu lhe
prodigalizava; a tal ponto ela respeitava as minhas necessidades
que, de recatada e tímida virgem, se transformou numa autêntica
Evyone, uma bacante no decorrer das nossas horas de prazer quando
se dedicava à descoberta de todos os recessos da lascívia.
Oh!, como eu a amava e como me convenci de que o amor
homossexual oferecia às mulheres muito mais gozo do que qualquer
outra espécie de amor, por ser um amor completamente livre dos
perigos que se correm na ligação com um homem. E, apesar disso,
temos de arranjar aquilo que só um homem possui para provocar o
prazer. As mulheres necessitam, na verdade, desse artigo, embora
ele traga principalmente dor; o godemiché nunca pode ser um bom
substituto pois, em comparação com o membro masculino, o
godemiché é uma coisa fria, um corpo estranho, uma máquina sem
electricidade, nunca sublime nem apaixonada, como se fosse uma
parte amputada que não engrossa nem se agita e que, mesmo
assim, ainda tem alguma valia, como o condom. Os apaixonados
que utilizam um godemiché ou um condom a cobrir o membro
erecto divertem-se apenas muito friamente.
Seja como for, o prazer homossexual é o mais intenso e duas
mulheres exprimem as suas emoções uma à outra com mais
franqueza do que um homem e uma mulher frente a frente. Estava
firmemente convencida de que só entre duas mulheres parceiras no
sexo haverá gozo mútuo e uma lascívia sincera e profunda. Agora
obtive a certeza de que isso é verdadeiro.
Finalmente, seguimos para Roma e, no terceiro dia, Sir Ethelred
respeitou a palavra. Teve de pagar uma soma elevada para poder
contentar a minha curiosidade. Na véspera à noite houvera
execuções com garrote. Um bandido dos Abrúzios e a mulher, uma
pessoa encantadora, foram estrangulados, na Piazza Navona. Sir
Ethel-red tinha arrendado uma janela, próxima do cadafalso.
Através dos binóculos, eu podia seguir todos os movimentos
musculares do rosto dos infelizes; sofria cruelmente. Não conseguia
olvidar estes dois rostos apavorados. Sir Ethelred lia os meus
pensamentos; disse-me:
- Vai voltar a vê-los.
Sir Ethelred levou-me ao convento «della Assunzione». Os irmãos
desta ordem religiosa também haviam convidado os seus colegas
jesuítas. A orgia tinha lugar na própria igreja; as lajes de mármore
achavam-se atapetadas com esteiras de junco. Estávamos no Verão;
a noite não se apresentara fria. Tinham-nos preparado um camarote.
Alguns abades estavam empoleirados no coro; cantavam hinos
religiosos e as partes mais voluptuosas das óperas em voga;
estavam todos nus; os capuchinhos só pela barba se distinguiam
dos jesuítas. Havia também algumas mulheres, monjas e mulheres
da alta sociedade; mas poucas: em média uma para cada três
homens. Pelo contrário, havia muitos rapazes bonitos, de doze a
quinze anos.
Todas as luxurias foram cometidas. Homens com mulheres, homens
entre si e mulheres entre elas, homens com rapazes. Havia também
animais: um vitelo, alguns cães e algumas cadelas, macacos,
mandris e bugios dos dois sexos, mesmo alguns gatos. Enfiam-lhes
a cabeça num sapato e o homem abusa deles nessa posição; os
lamentos dos pobres animais são dilacerantes; eu tinha de tapar os
ouvidos. Os monges sentiam com isso um enorme prazer.

216 217

A derradeira cena desta orgia - a derradeira, porque depois eu não


pude mais e pedi a Sir Ethelred que me levasse dali - o derradeiro
acto foi uma dupla violação de cadáveres. Os dois bandidos
estrangeiros foram trazidos numa maca. Os monges acharam-lhe
um «alto sabor» . Eram cadáveres encantadores, se é que pode
dizer--se alguma vez que um cadáver seja encantador.
Permaneci quinze dias em Roma. O fim da minha estada foi
perturbado pela morte súbita do meu amigo. Morreu de malária, a
terrível epidemia que já tantas vítimas provocou. Fiquei junto dele
até ao último suspiro e fechei-lhe os olhos. No seu testamento,
legava-me toda a fortuna, as suas pedras preciosas e as suas estátuas
antigas, que tinha coleccionado no decurso das inúmeras viagens.
Esta morte inesperada fez-me desgostar da Itália e senti-me feliz
quando assinei um contrato com um empresário que me trouxe a
Paris, à Ópera Italiana.

**
VII

Foi simplesmente por acaso que, ao chegar a Paris, recebi a


confirmação do que Sir Ethelred me tinha contado: o vício da
violação de cadáveres achava-se espalhado em todas as camadas da
população. Os ricos pervertidos praticavam-no por perversidade, os
pobres por necessidade, porque assim podiam satisfazer
gratuitamente os seus desejos. Os mortos não traem e ninguém os
receia, portanto. Na verdade, para ser franca, sou forçada a
confessar que um cadáver belo é menos repelente do que um corpo
vivo feio. Se se conseguir vencer o medo provocado pelo contacto
gelado e rígido de um corpo morto, compreendo muito bem que se
possa sentir nisso prazer.
Os dois casos que agitavam a opinião são, sem dúvida, conhecidos,
embora os jornais os hajam contado incompletamente, por causa do
escândalo dos debates. As audiências eram, no entanto, quase
públicas; vi lá damas da mais alta aristocracia e semimundanas.
Vou, pois, contar-lhe o que pude apurar sobre estes dois casos. Os
processos correram ao mesmo tempo, embora os crimes não tenham
acontecido na mesma data. Um aristocrata achava-se incriminado
num; a família fizera tudo para abafar o caso; tê-lo-ia conseguido se
não aparecessem novas testemunhas e se os jornais não houvessem
dado grande importância ao segundo processo. O outro réu era um
homem do povo; foi logo preso e julgado. No primeiro caso,
apuraram não só violação, mas também assassínio, e não apenas
numa mas em várias pessoas. O assassino e o sátiro eram dois
indivíduos

219

diferentes, mas que apresentavam estreitas relações.


No arrabalde Poissonnière vivia um salsicheiro, célebre pela
qualidade dos seus pâtés. A loja estava sempre cheia. O povo
contava muitos disparates acerca do fabrico destes pâtés, e
espalhou-se o boato de que ele empregava carne humana. Teve
lugar uma busca; descobriu-se que não utilizava carne vulgar, mas
que era carne de animal; usava cães, gatos, esquilos, pardais, etc.
Sempre que os seus pâtés apareciam em voga, os boatos infames
recomeçavam a circular; com o tempo, a polícia deixou de dar-lhes
importância e mesmo o público se cansou.
Cerca de dezoito meses antes da sua chegada a Paris, haviam detido
um cabeleireiro acusado de ter cortado a garganta a um cliente. As
investigações permitiram estabelecer que ele já tinha cometido
vários assassínios e que vendia os cadáveres ao cunhado, que era
salsicheiro; a carne dos cadáveres era picada. A cumplicidade do
cunhado não era certa. Nos interrogatórios, o acusado disse que um
dos seus colegas fazia o mesmo e que, além disso, visava um duplo
objectivo, porque primeiramente fornecia o cadáver das raparigas
impúberes a um grande debochado, que delas abusava; em seguida,
vendia-os pela segunda vez ao salsicheiro. O procurador geral
incriminou logo o debochado; mas este, que estivera presente no
interrogatório do cabeleireiro, teve tempo de fazer desaparecer todos
os vestígios da sua cumplicidade. Descobriram-se indícios de sangue
e ossos na cave do segundo cabeleireiro, mas não pôde definir-se
nitidamente o seu crime. Deixaram-no em liberdade.
Seis semanas antes da minha chegada, um polícia de costumes
surpreendeu um empregado da Morgue a violar o cadáver de uma
rapariga apanhada no rio Sena. O homem acabou condenado a dez
anos de galeras. Esta condenação foi considerada exagerada pelo
público e
pelos jornais, e o Supremo comutou-a para dois anos de trabalhos
forçados.
Este segundo caso reavivou o anterior, porque os jornais falaram
muito do cabeleireiro-salsicheiro. Este, que se julgava ao abrigo de
qualquer nova perseguição, protegido como estava pelo cliente,
esquecera toda a prudência. Um belo dia, a polícia passou-lhe uma
busca em casa e descobriu o cadáver de uma menina de dez anos.
O exame médico revelou que a criança fora violada, mas não pôde
fixar se isso acontecera antes ou depois do assassínio.
O criminoso foi condenado à guilhotina e, durante muito tempo,
negou ter tido cúmplices; perante o Supremo, quando viu que nada
o podia salvar, confessou que fornecia o cadáver das raparigas
degoladas ao duque de P ... que pagava por cada uma vinte
napoleões de ouro. Disse ainda que fora o duque quem o levara a
atrair as raparigas à sua loja para assassiná-las. O duque foi
incriminado no caso; negou energicamente qualquer cumplicidade
embora, mais tarde, admitisse que violara os cadáveres que lhe
forneciam e que sabia que tinham sido assassinados. O seu
advogado teve a habilidade de só o fazer acusar por violação; a sua
condenação foi pequena comparada com a imensidade do crime. O
cabelereiro era um antigo criado de quarto do duque e toda a gente
estava certa da sua cumplicidade.
Em parte nenhuma vi uma tão grande feira do amor como em
Paris. Os habitantes são tão desavergonhados que quase não sentem
nenhum prazer na cópula natural. As semimundanas nem sequer aí
procuram prazer.
Conheci por acaso uma dessas damas. Era a amante do príncipe
russo Demidoff, uma mulher de rara beleza e muito bem
conservada para a idade. Tinha, pelo menos, trinta e oito anos; eu
mal lhe daria vinte e cinco. O amante dispensava somas loucas por
sua causa. Fez-me
220 221

um pouco a corte; bastar-me-ia uma palavra para captá--lo. Disse-


lhe redondamente que devia abandonar todas as esperanças. Graças
à largueza do meu amigo defunto, eu possuía uma respeitável
fortuna. O russo desagradava-me; era muito feio, tinha passado
dos cinquenta, usava uma peruca e pintava o bigode. Sempre
desprezei os homens que procuram esconder a idade. Sir Ethelred
tinha cabelos grisalhos e acho que sentiria vergonha de usar uma
peruca.
Em Paris, formei uma opinião ainda melhor das húngaras.
Encontrei quatro: Mathilde von M ..., filha natural do príncipe O...
vendida pela mãe a um rico cavalheiro; emancipou-se e casou com
um banqueiro parisiense. Sarolta von B ..., minha colega do Teatro
Lírico, era encantadora e ainda muito ingénua; brincava com os
homens mas nada lhes concedia, receosa de tornar-se mãe. A
terceira era uma tal Madame von B ..., mulher de um coronel
húngaro que vivia com ela em bigamia porque não se tinha
divorciado da primeira mulher; quando soube que esta última
estava para chegar, fugiu para Constantinopla e abraçou o
islamismo; Estella B ..., que era o seu nome, mais tarde foi presa
porque tinha seduzido um menor e este apresentara queixa; passou
um ano na penitenciária e depois foi para o Cairo, como eu também
fiz, para se juntar ao marido que a vendeu ao Califa do Egipto por
cinquenta mil piastras. A quarta húngara chamava-se Jenny K... e
era a filha de um advogado de Budapeste; ela e as três irmãs viviam
do comércio dos seus encantos; tinham começado o ofício a baixo
preço; mais tarde, um conde na penúria apaixonou-se por Jenny e
pô-la em voga; duas das irmãs também passaram a gozar de fama,
mas a terceira teve pior sorte e desapareceu; Jenny juntou uma
fortuna e veio para Paris onde se tornou uma das mais elegantes
damas do mundo da boémia; um fidalgo italiano, Marquês
M ..., desposou-a, sem ficar com ela por muito tempo, pois dois
anos depois faleceu; relacionou-se então com um príncipe que a
conduziu ao altar.
O senhor deve ter notado que não lhe falei de nenhuma conquista
minha, mas asseguro-lhe que fiz várias com interesse.

222

**
VIII

Sarolta e eu havíamos decidido ir a Londres. Eu tinha vivido com


imensa simplicidade em Paris. Era muito prudente nos meus
amores e não negligenciava nunca o emprego dos preservativos.
Antes de lhe relatar a minha estada em Londres, devo falar-lhe no
homem que me teria desgraçado sem a sua ajuda, meu muito
querido amigo. Já lhe contei tudo oralmente; é, pois, inútil repeti-
lo por escrito. Nunca encontrei homem tão perseverante. Conheci-o
três meses depois da minha chegada a Paris. Tinha fama de ser o
maior libertino da capital. Apesar da minha frieza, perseguia-me
por todo o lado e veio mesmo a Londres, onde se instalou em frente
da minha casa. Julguei ao princípio que fosse doido, pois amava-
me desmesuradamente, até que reconheci, para infortúnio meu, que
toda a sua conduta não passava de vaidade e vingança. Mas era tarde
demais. Não quero continuar a falar dele, pois a sua recordação é-
me odienta. Amava-o até me trair duplamente: primeiro, fazendo-
me negligenciar a minha prudência habitual; depois,
contaminando-me. Em Londres não ousava perseguir-me
abertamente, porque eu teria podido chamar em meu auxílio a
polícia, nem se atreveu a atacar-me, como fez mais tarde num
outro país e noutras circunstâncias.
Arrendámos, Sarolta e eu, um bonito apartamento em St. John's
Wood, próximo de Regent's Parle. Era o começo da estação e o
tempo é magnífico no mês de Abril. A nossa vivenda era rodeada
por um pequeno jardim com veredas cuidadosamente tratadas.
Passeávamos por lá todas as manhãs depois do almoço. Às vezes
ficávamos nos quartos, que ofereciam uma vista muito bela para
Regent's Park.
Uma manhã, Sarolta encontrava-se no meu quarto e comíamos um
bolo em frente da janela aberta. Lançávamos as migalhas aos
pintarroxos, que vinham mesmo debicá-las na nossa mão. Uma
brisa fraca agitava as árvores, o perfume dos lilases inebriava-nos.
Estava em camisa e apoiava-me no ombro de Sarolta.
- Esta agora! - disse-me ela. - Não é estranho ver
um cavalheiro tão elegantemente vestido na companhia
de maltrapilhas?
E apontava-me com um dedo um maciço de verdura de Regent's
Park.
Olhei e vi um cavalheiro que levava pela mão duas meninas
miseravelmente vestidas e descalças. Conduziu-as para um sítio
que eu conhecia bem e que era um dos mais retirados do parque.
Compreendi imediatamente que era um debochado desejoso de
seduzir as pobres crianças, o que não é raro em Londres.
Fiz sinal a um polícia da cidade que ia a passar em frente da minha
casa e disse-lhe o que acabava de ver. O polícia precipitou-se para o
local indicado e desapareceu na verdura. Reapareceu em breve na
companhia do cavalheiro, cujo fato estava em desordem. Peguei nos
binóculos e segui com a vista o que se passava no parque. O polícia
discutia com o homem; as meninas rodeavam--nos, crianças de
cinco a nove anos; também elas falavam febrilmente. Uma
caminhou para a mais pequena e designou o cavalheiro. Teria
levado mais longe a sua demonstração se o polícia não a tivesse
impedido. Formou-se um grupo e ouvi transeuntes gritar:
- Prenda-o!
Um segundo polícia chegou e o grupo afastou-se em direcção da
esquadra de Marylebone.
224 225

Alguns dias mais tarde lemos o nome deste cavalheiro no jornal. O


polícia que o prendera e as rapariguinhas eram as testemunhas de
acusação. O caso revelava-se muito interessante. Assistimos aos
debates. O que as pequenas contavam era picante. Ele tinha-lhes
dito que se despissem; depois deitara-as na erva e lambera-lhes as
conchas; uma tivera mesmo de urinar-lhe na boca. Por isso ganhou
o dobro do que foi pago à outra, isto é, quatro xelins. O acusado,
porém, não foi condenado. Era um comerciante rico. Retirou-se
depois de ter ouvido um enorme sermão pregado pelo juiz.
As leis inglesas, a justiça e o público em geral são muito versáteis
a este respeito. Recordo-me de muitos casos em que eu teria
decidido de forma muito diversa da dos juizes ingleses. Era um dos
meus passatempos favoritos ler os relatórios policiais e,
particularmente, os delitos de costumes. Os ingleses têm uma arte
especial para excitar as mulheres; descobrem-se desajeitadamente e
exibem o sexo. Um jovem inglês mostrou-se todo nu à filha da
patroa quando ela veio ao seu quarto fazer a cama. Um jovem
francês que estava ligeiramente ébrio roubou um beijo à filha da
patroa. Foi condenado a seis semanas de prisão. Que pena elevada
para um beijo!
Os tribunais são indulgentes para com os eclesiásticos. Um pastor
tinha duas raparigas a seu cargo. Ensinou--lhes todas as espécies de
coisas imorais; levava-as para a cama, brincava-lhes com as
conchas, metia-lhes o membro na mão, etc. Foi condenado pelos
jurados a trabalhos forçados. O bispo de Cantuária tomou-o sob a
sua protecção e o processo foi revisto. As duas rapariguinhas
tiveram de comparecer; uma tinha doze anos, a outra sete. As
perguntas formuladas perturbaram as pobres crianças. Foram
facilmente acusadas de culpabilidade. Como se as duas crianças
pudessem seduzir um homem maduro! Foram enviadas para a casa
de correcção de Holloway, ao passo que o verdadeiro culpado, o
reverendo Hatchet, foi posto em liberdade. Sim, e porque havia
passado duas ou três semanas na prisão, foi considerado mártir.
Fizeram um peditório a seu favor e recebeu um bom presbitério.
O senhor conhece as minhas opiniões sobre este ponto, sobre aquilo
a que se chama obscenidade e deboche; o senhor sabe que não
estou de acordo com a opinião da maior parte das pessoas. Creio
que cada qual, homem ou mulher, é livre de fazer o que quiser com
o seu corpo, desde que não prejudique a liberdade dos outros. É
ofensa punível empregar a violência, seduzir com promessas,
excitar os sentidos ou usar narcóticos que alienam a vontade.
Embora tenha saboreado o amor e praticado todas as espécies de
volúpia, nunca obriguei ninguém a submeter-se aos meus desejos.
Contei-lhe como é que Rosa se tornou minha amante; ainda o é.
Permaneci três anos em Londres. O meu contrato era só para dois,
mas renovei-o, porque gostava imenso de lá estar. Durante a estada,
li assiduamente os jornais. Vi que os homens eram iguais em toda
a parte, que os desejos e as paixões levavam a vícios e desculpavam
tanto o acto normal como as relações doentias e perversas entre
pessoas do mesmo sexo.
Em França, em Itália e, provavelmente, na Alemanha, cometem-se
crimes, tal como em Londres, por volúpia.
O caso mais terrível é o de um jovem italiano chamado Lanni e de
uma prostituta francesa. Ele estrangulara a rapariga no momento da
ejaculação recíproca, durante o êxtase. Depois, tinha prosseguido o
coito sobre o cadáver. Juristas ingleses disseram-me que se Lanni
não tivesse roubado a vítima (porque ele ficara com as jóias, o
relógio e o dinheiro) e não tivesse comprado um bilhete para fugir
para Roterdão (o que deixava presumir que o

226 227

crime fora premeditado), não teria sido acusado de assassínio nem


condenado à morte. O estrangulamento no momento do êxtase é
equiparado aos crimes por imprudência e não é punido com a
morte.
Como a pena de morte não se acha graduada, é terrível que seja
tantas vezes aplicada. Não é justa. Este Lanni era muito mais
culpado do que um dos seus compatriotas, que matou, num acesso
de ciúmes e de raiva, o rival no momento em que ele saía da cama
da sua adorada. Tentou disparar um tiro de revólver na cabeça,
mas apenas conseguiu fracturar a maxila. Trataram-no com os
maiores cuidados para lhe conservarem a vida; em seguida,
enforcaram-no. Isto é cruel e bárbaro.
Encerro esta lista já demasiado extensa de crimes londrinos para lhe
contar as minhas aventuras pessoais.
Encontrei em Londres a irmã dessa Jenny K... de que lhe falei na
minha carta precedente. Fazia parte do corpo de ballet do teatro
Drury Lane. Era muito bela. Laura R... teve também muita sorte;
um dos mais ricos cavalheiros da Alemanha, o conde H...
apaixonou-se por ela, fê-la sua amante e desposou-a a seguir. O
conde já não era muito novo; deixou-lhe, após a morte, uma das
maiores propriedades da Hungria nos arredores de Presburgo.
Sarolta não obteve o sucesso que ambicionava. Abandonou Londres
no mês de Agosto. Fiquei, pois, sozinha com Rosa. Fui convidada
pela sociedade mais fina mas aborrecia-me; gostaria de conhecer a
vida da boémia dourada de Londres. Por sorte, encontrei uma carta
de apresentação do meu amigo defunto para uma das suas primas,
que habitava nos arredores de Brompton. Enviei-lhe a carta de Sir
Ethelred e o meu cartão de visita. Recebi um convite nessa
mesma noite.
Mrs. Meredith, era o seu nome, andava pelos quarenta e oito anos.
Devia ter sido muito bela e gozado a vida, porque estava muito
gasta, os cabelos grisalhos e o rosto

228
sulcado por rugas. Usava muito pó de arroz. Fazia parte dos
filósofos da seita dos epicureus. Era muito bem recebida em todo o
lado, porque possuía muito espírito e um bom humor inesgotável.
Além disso, era amável e rica o bastante para organizar recepções
em sua casa; os convidados compunham-se de pessoas do mesmo
espírito e muitas damas suas amigas tinham uma fama equívoca,
embora todas elas pertencessem à aristocracia. Apesar da liberdade
de espírito e de conduta que reinava neste meio, as recepções
nunca terminavam com orgias.
Mau grado a nossa diferença de idade, depressa nos tornámos boas
amigas. Confessei-lhe as relações que mantivera com o primo.
Elogiou-me muito por tê-lo favorecido com o meu amor. Deu-me a
entender que Sir Ethelred lhe falara na nossa ligação, mas sem lhe
dizer o meu nome, porque era muito discreto. Mrs. Meredith falava
livremente de todas as coisas. Disse-me que ainda não tinha
renunciado ao amor, mas que isso lhe custava muito dinheiro.
- Meu Deus - lastimava-se - faço como os velhos que compram o
amor das mulheres novas. Isso nunca desonra o comprador, mas
apenas aquele que troca o maior bem pelo amor.
Como ela ia a toda a parte, tive uma bela oportunidade de aprender
o que havia de notável em Londres. Os Ingleses são muito
tolerantes para com a gente do teatro e da boémia. Não a recebiam
habitualmente no seu meio mas, se a convidavam, tratavam-na
como se fossem fantoches; são de uma delicadeza requintada
durante todo o concerto mas, terminado o espectáculo, já não nos
conhecem. Contudo, se um cavalheiro casa com uma mulher da rua,
esquece-se logo o seu passado e tratam-na como uma grande dama;
se ela, então, se tornar a esposa de um lorde, poderá assistir ao
acordar da rainha.

229

Conheço três dessas damas: Lady F..., a marquesa de W... eLady


S...
Mrs. Meredith contou-me as suas aventuras em certos bailes
londrinos e perguntou-me se gostaria de visitá-los na sua
companhia. Aceitei imediatamente. Fomos todos. Tive ocasião de
fazer observações sobre o carácter das raparigas; as inglesas desta
casta são muito mais dignas do que as raparigas dos outros países.
Existem mulheres tão debochadas em Paris como noutros sítios,
que estão prontas a fazer tudo por dinheiro; existem também
mulheres de mármore que despojam os homens, mulheres que já
não possuem nenhum sentimento, nenhuma sensibilidade; mas, em
geral, as prostitutas inglesas são menos insolentes do que as
francesas; e, mesmo em Londres, são bem diferentes das francesas e
das alemãs. Devo confessar, para vergonha minha, que as prostitutas
alemãs são as mais ordinárias de todas. Têm de sê-lo porque são
menos belas do que as inglesas e só a sua insolência força os
homens, pois os seus encantos não podem atraí-los. Reconhecem-se
ao longe, pelo trajo garrido e pelo andar pesado.
Mrs. Meredith possuía uma muito bela casa de campo em Surrey,
não mais afastada de Londres do que Richmond. Convidou para lá
algumas sacerdotisas de Vénus. Eu própria fui na companhia de
Rosa que, apesar dos seus vinte e seis anos, estava tão bela como na
altura do nosso primeiro encontro. O grupo feminino contava
quarenta a cinquenta pessoas; a festa devia durar três dias.
- Vamos celebrar uma orgia sexual - disse Mrs. Meredith - e
veremos se não podemos passar sem os homens ...
Um largo ribeiro corria através do parque de Mrs. Meredith mas
não era navegável e podíamos atravessá-lo nalguns sítios a pé. O
jardim estava rodeado de um muro alto e, nas margens do ribeiro,
haviam sido plantados salgueiros. Formavam como que uma
cortina; encontrávamo-nos ao abrigo de olhares indiscretos.
Podíamos fazer tudo o que nos apetecesse.
Estávamos completamente nuas. Mrs. Meredith assim o desejara;
só púnhamos as sandálias para passear no jardim. O leito do ribeiro
era formado pela areia mais fina. Andávamos quase sempre
metidas na água, como patos; divertíamo-nos e chafurdávamos. Eu
era a nadadora mais hábil. É preciso dizer-lhe tudo o que fizemos
juntas? Haveria muito que contar e a minha carta seria duas vezes
mais extensa; além disso, não poderia descrever-lhe tudo.
Renuncio à tarefa. Fique só a saber que nos banhámos na volúpia.
Algumas damas até pretendiam nunca terem saboreado uma tal
ventura nos braços de um homem. O prazer sáfico é, com efeito,
muito violento. Compreendo porque é que as turcas nunca se
aborrecem nos haréns e não se sentem infelizes enquanto aguardam
a vez de partilhar o leito do sultão. Sei agora como elas passam o
tempo; fazem o que nós fizemos neste jardim. Creio que o prazer
homossexual ultrapassa o prazer heterossexual. Já a certeza de que
este abraço não nos expõe a nenhuma consequência perigosa
valoriza imenso o prazer, porque nos abandonamos completamente
à volúpia das carícias.
Nenhuma de nós se divertiu tanto como a nossa anfitriã. Todas
queríamos testemunhar-lhe a nossa gratidão e cumulávamo-la de
carícias. No terceiro dia, sentíamo-nos já tão cansadas que
passámos o quarto na cama. Depois regressámos todas a Londres,
onde as minhas obrigações me chamavam.
Teria podido ganhar uma fortuna imensa em Londres, se tivesse
querido fazer a conquista dos homens. Lorde W..., por exemplo, um
fanático de música que dispensava somas loucas com as actrizes,
mandou fazer-me as ofertas mais sedutoras por intermédio dos seus
conheci-

230 231

conhecimentos masculinos e femininos. Recusei-as, assim como


todas as que me foram feitas em Inglaterra e, apesar da minha
ligação com Mrs. Meredith, tinha fama de ser inabordável. Uma
dama, que me convidou para o casamento da filha, elogiou tanto a
minha virtude como o meu canto. Falou-me também de Mrs.
Meredith.
- Essa boa dama - dizia ela - tem uma fama muito equívoca. A
senhora ignora-a, sem dúvida. Creio que conheceu o primo dela,
Sir Ethelred Merwyn. Até me contaram que foi seu amante.
Recomendou-lhe a prima? É que não sabia que era uma
desbochada. Aliás, isto não lhe deve interessar e não precisa de
tomar nota.
Como a opinião das pessoas era falsa! Sir Ethelred, um estóico! Eu
só o poderia dizer, porque nenhuma mulher o conhecera como eu.
Tinha tomado ao meu serviço um rapaz indiano; era de uma grande
beleza; ainda não fizera catorze anos. Tomei-o ao meu serviço
porque me agradava muito. Queria iniciá-lo nos doces mistérios
do amor. Senti imenso prazer em despertar-lhe sentimentos que
ele ainda ignorava. Em cada músculo do seu rosto, em cada
movimento do seu corpo, falava o amor. Era meu escravo voluntário
e a sua devoção era sincera. Muitas vezes o vi de olhos fechados,
perdido em pensamentos e sonhos. Não me ouvia chegar e só dava
pela minha presença quando lhe pegava na mão.
Isto é tudo o que tenho agora para lhe contar. O senhor conhece já
o que me sucedeu depois, e pô-lo-ei ao corrente dos últimos
acontecimentos quando nos encontrarmos de novo, em breve. Esta
carta é, portanto, a última.

FIM

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