Pisanus Fraxi Memórias de Uma Cantora Alemã
Pisanus Fraxi Memórias de Uma Cantora Alemã
Pisanus Fraxi Memórias de Uma Cantora Alemã
Círculo de Leitores
Edição integral
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Entre duas paixões...
Um ilustre cidadão inglês - Sir Henry Spencer Ash-bee (1834 /
1900) - resolveu, certo dia, catalogar a sua biblioteca de livros
eróticos que, pacientemente, reunira durante anos e anos em pleno
apogeu da época vitoriana, imagine-se! O resultado da ideia foi
uma monumental bibliografia erótica intitulada Index Librorum
Probibitorum, assinada por um tal Pisanus Fraxi. O volume, de
546 páginas, foi publicado em Londres no ano de 1878 e incluía,
para cada título, a história da sua edição, um sumário do conteúdo
e uma análise crítica.
Mas talvez o melhor seja não pensar mais nisto e seguir, sem
preocupações, as aventuras e desventuras da virtuosa (musicalmente
falando) Pauline ...
JOÃO COSTA
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Porquê dissimular-lhe alguma coisa? O senhor foi sempre um
amigo sincero e desinteressado. Nas situações mais difíceis da
minha vida, prestou-me serviços tão eminentes que posso bem
confiar-me a si completamente. O seu desejo, aliás, não me
surpreende. Nas nossas conversas de outros tempos, apercebi-me
muitas vezes da sua ânsia em perscrutar os recantos secretos que
animam as mulheres e as fazem agir de maneira a tal ponto
inexplicável que receiam mesmo os homens mais inteligentes.
As circunstâncias separaram-nos agora e provavelmente nunca
mais nos tornaremos a ver. Continuo a estar-lhe reconhecida por
ter-me acudido durante os meus infortúnios. Em tudo o que por
mim fez, o senhor nunca pensou no seu interesse próprio e apenas
se preocupou com o meu. Só de si dependia obter tudo de mim.
Conhecia o meu temperamento ardente e eu tinha um fraco pelo
senhor. Muitas vezes admirei o seu autodomíWilhelmine Schrõeder-
Devrient (atribuído a)
Memórias de uma Cantora Alemã
Círculo de Leitores
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Um ilustre cidadão inglês - Sir Henry Spencer Ash-bee (1834 /
1900) - resolveu, certo dia, catalogar a sua biblioteca de livros
eróticos que, pacientemente, reunira durante anos e anos em pleno
apogeu da época vitoriana, imagine-se! O resultado da ideia foi
uma monumental bibliografia erótica intitulada Index Librorum
Probibitorum, assinada por um tal Pisanus Fraxi. O volume, de
546 páginas, foi publicado em Londres no ano de 1878 e incluía,
para cada título, a história da sua edição, um sumário do conteúdo
e uma análise crítica.
Mas talvez o melhor seja não pensar mais nisto e seguir, sem
preocupações, as aventuras e desventuras da virtuosa (musicalmente
falando) Pauline ...
JOÃO COSTA
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Porquê dissimular-lhe alguma coisa? O senhor foi sempre um
amigo sincero e desinteressado. Nas situações mais difíceis da
minha vida, prestou-me serviços tão eminentes que posso bem
confiar-me a si completamente. O seu desejo, aliás, não me
surpreende. Nas nossas conversas de outros tempos, apercebi-me
muitas vezes da sua ânsia em perscrutar os recantos secretos que
animam as mulheres e as fazem agir de maneira a tal ponto
inexplicável que receiam mesmo os homens mais inteligentes.
As circunstâncias separaram-nos agora e provavelmente nunca
mais nos tornaremos a ver. Continuo a estar-lhe reconhecida por
ter-me acudido durante os meus infortúnios. Em tudo o que por
mim fez, o senhor nunca pensou no seu interesse próprio e apenas
se preocupou com o meu. Só de si dependia obter tudo de mim.
Conhecia o meu temperamento ardente e eu tinha um fraco pelo
senhor. Muitas vezes admirei o seu autodomínio porque as ocasiões
não lhe faltaram.
Sei que é tão sensível como eu neste ponto; muitas vezes sublinhou
a minha clarividência e repetiu que eu possuía mais bom-senso do
que a maioria das mulheres. Por certo o senhor estava bem
persuadido disso pois, de outro modo, não me pediria que lhe
comunicasse, sem desvios e sem falsa vergonha feminina, as
minhas experiências amorosas e a minha concepção do pensar e do
sentir da mulher no instante mais importante da sua vida: o amor e a
união com o homem.
O seu desejo, a princípio, atrapalhou-me imenso;
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Mas para que serve este comprido prefácio? Envio-lhe o que escrevi
nos últimos dias: o senhor avaliará por si próprio se fui sincera ou
não. Procurei responder à sua primeira pergunta e pude convencer-
me da justeza da sua afirmação: que o carácter sexual forma-se
conforme as circunstâncias através das quais os mistérios do amor
lhe são revelados. Tal foi o meu caso.
Vou prosseguir estas confissões com zelo. Contudo, o senhor apenas
receberá a minha segunda carta quando tiver respondido à
primeira. Entretanto, esta forma equívoca de escrever diverte-me
muito mais do que teria imaginado. A nobreza do seu carácter
garante-me que não vai abusar da minha confiança. Que teria sido
de mim sem o senhor, sem a sua amizade e sem os seus preciosos
conselhos? Certamente um pobre ser miserável, solitário e
desonrado aos olhos do mundo; e depois, porquê encobri-lo,
também sei que me ama um pouco, apesar da sua frieza aparente e
do seu desinteresse. Creia-me sua, etc, etc, etc.
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Dresde, 7 de Fevereiro de 1851
I \IPRIMEIRA PARTE
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I
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Sabe Deus de onde me ocorreu esta ideia, mas pensei que seria
muito gentil surpreender o meu papá no quarto da minha mamã e
apresentar-lhe aí os parabéns. Tinha-o ouvido tossir. Portanto, ele já
se tinha levantado e ia aparecer em breve. Enquanto a minha mãe
dava as últimas ordens à criada, eu enfiei-me no seu quarto e
escondi-me atrás da porta envidraçada de uma alcova que nos servia
de guarda-roupa. Orgulhosa e feliz do meu plano, suspendia a
respiração atrás da porta envidraçada, quando a minha mãe entrou.
Despiu-se rapidamente até à camisa, sentou-se no bidé preparado e
lavou-se cuidadosamente. Eu via pela primeira vez o seu corpo
esplêndido. Ela inclinou um grande espelho que estava ao pé da
cama, próximo do lavatório, e deitou-se, os olhos fixados na porta.
Compreendi então a indelicadeza que tinha cometido; gostaria de
fugir da alcova. Um pressentimento dizia-me que iam passar-se
diante dos meus olhos coisas que uma menina não deve ver.
Continha a respiração e toda eu tremia.
De súbito, a porta abriu-se e o meu pai entrou, vestido tal como
todas as manhãs com um elegante roupão. Mal a porta mexeu, a
minha mãe fechou imediatamente os olhos e fingiu dormir. O meu
pai acercou-se da cama e contemplou a esposa adormecida com a
expressão do maior amor. Depois, foi correr o ferrolho. Eu tremia
cada vez mais e teria desejado desaparecer debaixo do chão. O meu
pai retirou lestamente as ceroulas. Agora ficara em camisa por baixo
do roupão. Acercou-se da cama e ergueu com precaução a colcha
leve. Hoje sei bem que não era por puro acaso, como então
ingenuamente julgava, que a minha mãe ali estava, as coxas
completamente abertas, uma perna dobrada e a outra estendida. Eu
via pela primeira vez um outro corpo de mulher, em bela floração, e
pensava com vergonha no meu ainda tão verdinho. A camisa
achava-se arregaçada, nada ficara
oculto, um seio branco e redondo extravasava das rendas.
Conheci mais tarde muito poucas mulheres que ousassem
apresentar-se assim ao marido ou ao amante.
O meu pai bebia este espectáculo com os olhos. Depois inclinou-se
docemente sobre a adormecida, humedeceu o dedo na boca e levou-
a àquele ponto que a sua vista não podia abandonar. Passeava-o
delicadamente de cima para baixo. A minha mãe suspirava e,
depois, soergueu a outra perna e pôs-se a fazer estranhos
movimentos de ancas. O sangue subiu-me à cara; sentia vergonha,
quis desviar os olhos, mas não pude. Os movimentos de ancas
aceleravam-se, o meu pai humedeceu pela segunda vez o dedo e,
depois, enfiou-o tão profundamente que a sua mão parecia perder-se
debaixo do espesso tosão encaracolado. Neste instante, a minha
mãe abriu os olhos, como se acabasse de despertar em sobressalto e,
fechando violentamente as coxas sobre a mão agora cativa do meu
pai, disse com um profundo suspiro:
- Es tu, meu querido marido? Estava justamente a
sonhar contigo. Como me acordas de uma maneira agradável!
Muitos e muitos parabéns pelo teu aniversário!
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E caiu sobre ela, com beijos que nunca mais acabavam. Contudo, a
sua mão permanecia no mesmo sítio, mais amorosa e mais
acariciadora do que nunca, e vi a da minha mãe deslizar
furtivamente por debaixo do roupão do marido. Os beijos
tornavam-se mais ardentes. O meu pai beijava-lhe o pescoço, os
seios, chupava-lhe os bicos rosados; depois, desceu ainda mais
baixo, para fixar os beijos mesmo no centro de todas as graças
femininas. Quando a minha mãe sentiu este contacto, deitou-se
atravessada na cama. O meu pai ajoelhou-se. Afastou-lhe as coxas
com as duas mãos e os lábios não deixaram um só instante a fonte do
seu prazer. Como me voltava as costas, não podia ver o que fazia,
mas concluí das ligeiras exclamações de minha mãe que ela sentia
um prazer extraordinário. Os olhos afogavam-se, os seios tremiam,
as coxas estremeciam. Suspirava ofegante:
- Que delícias! Um pouco mais acima! Como és amável! ... Chupa,
chupa! Assim! Está quase! Oh!, por-que não posso eu beijar-te
também? Céus! Um pouco mais abaixo, com a língua! Mais
depressa! Ah! Ah! Estou a vir-me! Eu... ah... pára! É demais!
Que volúpia! Ah ... Ah! Morro!
Cada uma das suas palavras fixou-se-me na memória. Quantas vezes
as repeti em pensamento! O que elas me fizeram reflectir e sonhar!
Parece-me ouvi-las ainda a soar-me aos ouvidos. O que também
ouvi foi um pequeno vento... Creio que foi a minha mãe quem o
largou.
Houve um momento de pausa. A minha mãe permanecia imóvel, de
olhos fechados, o corpo descontraído, as coxas a repousar na borda
da cama. Já não tinha diante de mim um pai severo nem uma mãe
virtuosa e digna. Via um casal de seres, que não respeitava nenhuma
convenção, lançar-se, alucinado, inebriado, num gozo ardente que
eu não conhecia. O meu pai permaneceu um instante imóvel, depois
sentou-se na borda da cama. Os seus olhos ardentes tinham uma
expressão selvagem, não podiam desviar-se do ponto que
cobiçavam. A minha mãe estremecia voluptuosamente. Durante
este espectáculo faltou-me o ar. Quase sufoquei, com o coração a
bater muito forte. Mil pensamentos passaram-me pela cabeça, e
sentia-me muito inquieta, porque não sabia como deixar o
esconderijo sem ser vista. A minha incerteza não durou muito
porque o que acabava de ver não passava de um prelúdio. Graças à
continuação, eu devia aprender o suficiente numa única vez para
nunca mais precisar de lições.
O meu pai tinha-se sentado ao lado da minha mãe, agora estendida.
Voltava-me o rosto. Devia sentir calor porque, de súbito, retirou a
camisa e o roupão. Assim, vi subitamente o que, nas histórias das
minhas amigas, mais me tinha feito reflectir.
Quase chorei, tanto a curiosidade me excitava. Como aquilo era
diferente do dos rapazinhos e das estátuas. Lembro-me muito bem
de que senti medo e de que, mesmo assim, um arrepio delicioso me
escorreu pelas costas. O meu pai continuava a fixar a vista na
esposa; com uma mão parecia amansar o seu membro rebelde,
porque o acariciava devagarinho e vi que lhe desnudou a ponta. Eu
tremia cada vez mais e, como se me fosse acontecer alguma coisa,
crispava violentamente as coxas.
Sabia já, pelas confidências das minhas amigas, que estas duas
partes, expostas pela primeira vez à minha vista, pertenciam uma à
outra. Mas como era isso possível. Não podia compreender, porque
me parecia que a sua grandeza era desproporcionada. Após uma
pausa de alguns instantes, o meu pai pegou na mão inanimada da
minha mãe e levou-a até ao que me atraía irresistivelmente a vista.
Quando ela sentiu o que ele lhe metia na mão, abriu os olhos, sorriu
satisfeita e lançou-se com
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uma tal paixão sobre os lábios de meu pai que logo compreendi só
ter assistido aos preliminares inocentes do que ia passar-se. Não
falavam mas, após terem trocado os beijos mais ardentes, numa
altura em que a mão do meu pai continuava entre as coxas de minha
mãe, e a mão da minha mãe entre as pernas de meu pai,
desnudaram-se completamente.
Depois, a minha mãe deitou-se sobre um monte de almofadas que
lhe soerguiam as ancas e notei que se agitava de um lado para o
outro; por fim, deu com a posição mais favorável para poder
contemplar-se à vontade no espelho que colocara aos pés da cama
antes da chegada do esposo. Ele não deu por nada, porque fitava
menos o belo rosto radiante da minha mãe do que as suas coxas.
Estas achavam-se agora muito afastadas, e o meu pai ajoelhou-se
entre elas. Eu via tudo distintamente. Pensava que os meus olhos
iam rebentar, tanto a curiosidade os dilatava. A minha mãe pegou
então na orgulhosa lança do marido, dirigiu-a para aquela fenda
maravilhosa, humedeceu-a com saliva, depois esfregou-a várias
vezes de alto a baixo na fenda e suspirou. Em seguida, disse:
- Devagarinho, meu querido, para gozarmos juntos. O primeiro
jacto foi tão abundante que o segundo não aparecerá em breve. Não
me abandones no caminho!
Eu, pobre menina ignorante, que podia compreender do que a
minha mãe dizia? Vi o membro do meu pai desaparecer no seu
regaço. Em vez de gritar de dor, como eu esperava, os olhos de
minha mãe brilhavam de volúpia. Cruzou as duas pernas sobre os
rins do esposo para enfiá-lo ainda mais profundamente. Os seus
olhos ardentes acompanhavam no espelho todos os movimentos. Os
mil sentimentos que me agitavam então não me permitiram avaliar
que estes dois corpos enlaçados eram muito belos. Sei agora que
uma tal beleza é extremamente rara.
Quando o meu pai a penetrou completamente, após alguns
instantes de imobilidade, a minha mãe afrouxou um pouco o abraço
das coxas. Ele então endireitou-se, tirou para fora a flecha
esbraseada e vermelha e tornou a mergulhá-la até à raiz. A minha
mãe ondulava as ancas e vinha ao seu encontro. A cada empurrão, a
sua volúpia aumentava. Infelizmente, não via a cara de meu pai;
mas, pelos seus movimentos cada vez mais desenfreados, sentia bem
que era invadido pelo inebriamento. Não falava, agia. A minha
mãe, pelo contrário, proferia palavras incoerentes, mas que, mesmo
assim, me permitiam captar o que se passava entre eles:
- Aí, mais fundo, meu único amor! Vai até ao fundo. Não! Mais
devagar! Ah! Como hoje estás forte! Estás a vir-te? Sinto-me toda
húmida do primeiro jacto e isso deve dar-te prazer! Agora mais
depressa! Aí! Oh! É bom! Tu ainda nada, hein? Vai até ao fundo!
Ah! Ah! Que pena, tu já te vieste e eu não estou pronta! Que
efusão! Senti esse jacto ardente mesmo no coração!
O meu pai continuava a não dizer nada. Os seus movimentos
tinham-se acelerado. Parecia ter perdido todo o comedimento.
Não havia o mínimo intervalo entre a entrada e a saída.
Contorsões agitaram-lhe o corpo. Ofegava, tremia, as coxas tinham
sobressaltos nervosos. Por fim, enfiou-se tão profundamente que se
abateu sobre a minha mãe, imóvel, como que morto, a cabeça
perdida na vaga dos seios. Depois virou-se, esgotado, de lado. A
minha mãe pegou numa toalha de mão e, enquanto se limpava, tive
tempo de notar a mudança que se produzia em ambos. O que fora
tão grosso, tão vermelho e tão ameaçador no meu pai estava agora
muito pequenino, quieto, minúsculo; a ponta achava-se coberta
com uma espuma esbranquiçada que a minha mãe enxugava. Mas o
que fora bem fechado e quase invisível na minha mãe, estava
largamente aberto, aparente, es-
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- És feliz?
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vinte oito anos, era muito viva e sempre com respostas na ponta da
língua. Sem dúvida, teria podido ensinar-me muitas coisas. Não
sabia como apanhá-la, porque era muito severa para com a minha
prima; mas teria podido contar com a intimidade da noite e com o
acaso. Forjei mil planos. Quando subimos para o nosso quarto,
Marguerite (era assim que se chamava a governanta) já se
encontrava lá. Havia posto um biombo entre as nossas camas.
Incitou-nos a deitar depressa, fez-nos recitar a nossa oração, deu-
nos as boas-noites, recomendou-nos que adormecêssemos logo e
levou o candeeiro para o seu lado. Teria podido dispensar-se de
fazer estas recomendações à minha prima, que adormeceu de
seguida mal se apanhou debaixo dos lençóis. Mas eu não conseguia
adormecer. Misturavam-se-me na cabeça milhares de pensamentos.
Ouvia Marguerite agitar-se, despir-se e fazer as suas lavagens
nocturnas. Um fraco raio de luz filtrava-se por um buraco da
grossura de uma cabeça de alfinete. Debrucei-me para fora da cama
e alarguei-o com um gancho de cabeça. Colei nele um olho:
Marguerite estava justamente a mudar de camisa.
O seu corpo não era tão belo como o de minha mãe; as suas formas
eram, no entanto, redondas e plenas, os seios pequenos e firmes, as
coxas bem feitas. Contemplava-a apenas há alguns instantes,
quando ela ergueu a camisa. Tirou um livro da sacola posta em
cima da mesa, sentou-se na borda da cama e pôs-se a ler. Logo de
seguida, levantou-se e passou com o candeeiro para o nosso lado a
fim de ver se estávamos a dormir. Fechei os olhos com toda a força
e só os tornei a abrir quando a governanta se sentou numa cadeira.
Contemplei-a através da ranhura. Marguerite lia com muita
atenção. O livro devia contar coisas especiais, porque os seus olhos
brilhavam, as faces enrubesciam, o peito agitava-se e, de súbito,
pôs a mão direita debaixo
da camisa, apoiou os pés na borda da cama e começou a ler ainda
com mais atenção e prazer. Eu não via o que a mão estava a fazer
debaixo da camisa, mas pensei imediatamente no que tinha visto de
manhã. Por vezes, parecia brincar com os dedos nos pêlos, depois
apertava as coxas e agitava-se na cadeira. Sentia-me tão interessada
por esta brincadeira que não reparei logo num candeeiro a álcool
posto em cima da mesa. Estava aceso e aquecia-se nele um líquido
fumegante . Ela devia tê-lo acendido antes da minha entrada no
quarto. Mergulhou um dedo no líquido para ver se estava quente.
Quando o retirou, vi que era leite. Depois tirou da sacola um pacote
de roupa interior, abriu-o, desembalou um instrumento estranho,
cuja utilização eu não podia compreender. Era escuro e possuía
quase a mesma forma daquela parte do meu pai que eu tinha
observado de manhã pela primeira vez. Muito ingénua, eu ainda
não vira um godemiché. Ela mergulhou-o no leite e depois levou-o
à cara para se certificar se o instrumento estava suficientemente
aquecido. Por fim, tornou a mergulhar a ponta no leite, comprimiu
as duas bolas na outra ponta e encheu o instrumento com leite
quente. Tornou a sentar-se, pôs as pernas em cima da cama, mesmo
à minha frente, de tal modo que podia ver em cheio o entre-pernas,
e ergueu a camisa.
Voltou a pegar no livro com a mão esquerda (eu mal tivera tempo
de entrever algumas imagens, sem distinguir, no entanto, o que elas
representavam), agarrou no instrumento com a direita e levou a
ponta até àquela parte admirável, que eu também agarrava a mãos
ambas debaixo da camisa. Passeou-o lentamente de cima para baixo
e esfregou muito devagarinho um certo sítio mais sensível. Os olhos
luziam-lhe, pareciam absorver as imagens do livro. Enfim, deu com
a entrada e enfiou lenta-mente todo o tronco. As coxas tinham-se
afastado ainda
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(1)Nesta época, o jantar acontecia por volta das três horas
da tarde. (N. T.)
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O meu pai tinha feito aquilo a minha mãe. Não me fiz, pois,
rogada. Ajoelhei-me, a sua cabeça entre as minhas coxas. Mal me
tocou, logo a ponta da sua língua estava já no sítio que tanto me
doía quando ela aí procurava enfiar o dedo. Mas que sensação
diferente em comparação com tudo o que experimentara até ali!
Assim que a sua língua gulosa e pontiaguda me tocou, uma volúpia
desconhecida inundou-me e já não sabia o que me estava a suceder.
Tínhamos afastado a coberta, os nossos corpos nus achavam-se um
em cima do outro. Inclinei-me para diante e, apoiada na mão
esquerda, acariciava com a direita mesmo o fundo da sua concha,
que assim ela lhe tinha chamado. Estas primeiras sensações de
volúpia que eu devia conhecer até nos meus anos mais maduros
inebriavam-me já de uma felicidade inefável. A sua língua
agradava-me. Fazia-me cócegas no cimo, chupava-me em baixo,
aspirava todas as pregas, beijava com arrebatamento o conjunto,
humedecia o interior com saliva e depois voltava à entrada, onde
me causava um formigueiro indizivelmente doce. Algo de
maravilhoso e de desconhecido estava-me a acontecer. Toda a
minha seiva ia ser descarregada e sentia que, mau grado a minha
juventude, era digna de tal volúpia. Queria devolver-lhe em
centuplicado tudo quanto ela me proporcionava.
Foi com raiva que enfiei um, a seguir dois, depois três dedos. A
minha mão ficou cheia de formigueiros, por causa da falsa posição
que tinha adoptado a seu lado. Estávamos fora de nós e chegámos
juntas ao termo. Senti uma humidade quente encher-me o interior,
enquanto a sua seiva me inundava a mão. Perdi o conhecimento.
Deixei-me cair em cima da jovem estrebuchante. Já não sabia o que
me estava a acontecer.
Quando voltei a mim, encontrava-me deitada ao lado de
Marguerite. Esta havia puxado a coberta para cima e mantinha-me
ternamente abraçada. Compreendi, de súbito, que fizera uma coisa
proibida. O desejo e o arrebatamento tinham-se extinguido. Os
membros estavam alquebrados. Sentia uma comichão violenta nos
sítios que Marguerite tão gentilmente acariciara; o bálsamo que me
corria entre as coxas não conseguia acalmar-me. Tive consciência de
haver cometido um crime e rebentei em soluços. Marguerite sabia
que, em casos semelhantes, nada havia a fazer com pequenas
ingénuas como eu; apertou-me contra o peito e deixou-me
tranquilamente chorar. Por fim, adormeci.
Esta noite única decidiu de toda a minha vida. O meu ser tinha
mudado e os meus pais deram por isso aquando do meu regresso.
Admirados, perguntaram-me a causa. As relações entre Marguerite e
eu eram também das mais estranhas. De dia, mal podíamos olhar
uma para a outra; à noite, a nossa intimidade era das mais
desvairadas, a nossa conversa das mais obscenas, as nossas volúpias
das mais lascivas. Jurei-lhe nunca me deixar seduzir e nunca tolerar
que um homem despejasse dentro de mim o seu líquido precioso e
perigoso. Queria gozar tudo o que fosse sem perigo. Alguns dias
tinham chegado para fazer de mim aquela que ainda sou, aquela que
o senhor tantas vezes admirou.
Passei a notar que toda a gente disfarçava à minha volta, mesmo as
pessoas mais respeitáveis. Marguerite, que me confessara tudo,
nunca me falara no instrumento que lhe causava tanta alegria como
a mão ou a língua e que continha o principal jacto que eu desejava
com toda a força da alma.
Nunca mo havia mostrado. Ocorreu-me a ideia de furtar a chave
do armário onde ele se achava encerrado. A minha curiosidade não
me dava tréguas. Não queria recorrer aos outros, queria aprender
tudo à minha custa.
Durante cinco dias, não cheguei a arranjar essa chave; por
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fim, possuía-a! Aproveitei uma lição que Marguerite foi dar a minha
prima para satisfazer a curiosidade. Eis-me com a coisa na mão, a
revirá-la, a experimentar-lhe a elasticidade. O instrumento era duro
e frio. Tentei enfiar a cabeça onde, em Marguerite, ele desaparecia
por inteiro. Inútil. Fazia-me doer. Não sentia nenhum prazer. Não
podia arranjar leite àquela hora. Contentei-me em aquecer o
instrumento entre as mãos. Tinha decidido abrir, enfim, a via das
fortes alegrias que outras gozavam e de que eu apenas saboreava os
aperitivos. Marguerite tinha-me dito que, mesmo entre os braços de
um homem, era doloroso e que muitas mulheres tomavam gosto
por tais coisas somente após vários anos de abandono mais
completo ao homem amado. Tentei, pois. Aqueci o instrumento
entre os meus seios e preparei a minha pequenina fenda com um
dedo húmido. Queria receber o hóspede exigente. Notei que as
quatro noites passadas com uma amante haviam contribuído para
fazer grandes mudanças em mim. O meu dedo penetrara apenas
metade, mas sentia distintamente um músculo detê-lo. Devia
dominá-lo. Marguerite tinha usado óleo. Apoiei a ponta do
instrumento na abertura que mal se via, comprimi, forcei até a
estranha cabeça entrar. Real-mente fazia-me doer. Os lábios
ardiam-me. Senti, por fim, que algo se rasgava e que um líquido
ardente brotava. Vi com pavor que era sangue. O instrumento
havia penetrado a extensão de um dedo. Estava tão excitada que
suportei a dor e empurrei, empurrei... Não experimentava a menor
volúpia e doeu-me também quando retirei o mau hóspede. Fiquei
inconsolável com esta experiência. Limpei com uma esponja o
sangue e lavei-me várias vezes. Mas senti durante todo o dia a
picada e a dor de uma ferida. Desencantada, voltei a colocar o
instrumento no seu esconderijo. Estava descontente e zangada com
Marguerite por não me ter ajudado.
Após tantas experiências agradáveis, esta era penosa. Receava, à
noite, as ternuras de Marguerite e a sua descoberta. Como já a tinha
enganado, não me embaracei para fazê-lo mais uma vez. Depois da
ceia, contei-lhe que tinha caído de uma escada, que tinha ferido
uma perna e que até chegara a sangrar. Na cama, ela examinou-
me e, longe de duvidar do que acontecera, confiou-me que essa
queda me tinha custado a virgindade. Não me lastimou. Só disse
que o meu futuro marido se acharia assim frustrado das minhas
primícias. Isso importava-me então um bom bocado e o mesmo
aconteceu mais tarde! Para não me cansar, Marguerite correu
comigo para a minha cama, nessa noite. Eu também queria assim.
Friccionou-me com pomada, o que me fez muito bem. No dia
seguinte, de manhã, já não tinha qualquer dor. E as duas
derradeiras noites que ainda passei na quinta do meu tio
recompensaram-me bem desta curta privação. Conheci então toda
a força da volúpia que a entrada do corpo estranho quente e vivo
causa no interior da mulher. As fontes do prazer escoaram-se tão
completamente que nem um único desejo me ficou. A saciedade
esmagou-me com um cansaço perfeito e delicioso.
Sentia tudo isto aos catorze anos e o meu corpo ainda não estava
maduro! Sim, e isso nunca me alterou a saúde nem diminuiu os
gozos da minha vida. O meu primo tinha-me ensinado a recear os
excessos de prostração que se seguem. Graças ao meu carácter
razoável, nunca ultrapassava a medida. Calculava sempre as
consequências que podiam advir e uma única vez na minha vida me
esqueci o suficiente para perder o autodomínio e a ## supe-londade.
Tinha aprendido cedo que, segundo as leis da sociedade, era
preciso gozar com mil precauções para Poder fazê-lo sem
contratempos. Aquele que enfrenta obstinadamente estas leis
necessárias prejudica-se; ape-
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III
É bem raro que duas mulheres tenham tantos pontos em comum nas
suas inclinações, na sua vida e até no seu destino, como Marguerite
e eu. Quando ela me punha em guarda contra um abandono
demasiadamente completo ao homem e me enumerava todas as
consequências infelizes que uma tal falta de conduta provoca fora
do casamento, eu nunca teria pensado que também atravessaria
semelhantes momentos de olvido. Antes de continuar, vou contar-
lhe sucintamente o que soube da vida de Marguerite, durante estas
várias noites e nas nossas relações ulteriores. Isto explicará, muito
melhor do que eu posso fazê-lo, certos acontecimentos e certas
aberrações da minha vida.
Marguerite tinha nascido em Lausana. Após ter recebido uma
esmerada educação, ficou órfã aos dezassete anos. Possuía uma
pequena fortuna e julgava garantido o futuro. Mas teve o infortúnio
de cair nas mãos de um tutor sem consciência. Não era severo
demais, mas de-pressa desviou o seu pequeno pecúlio. Pouco
tempo depois da morte dos pais, ela entrou ao serviço de uma
baronesa vienense que vivia numa bela moradia em Morges, nas
margens do lago de Genebra. Ocupava-se sobretudo dos seus
vestidos. A baronesa era elegante e com bom gosto, e consagrava
horas inteiras à beleza. Nos primeiros dias, a baronesa mostrou-se
muito reservada mas depressa se tornou mais amável. Fazia-lhe
perguntas e, entre outras, se tinha um amante. Decorridos quinze
dias, vendo que Marguerite ainda estava inocente, a baronesa
tornou-se muito familiar. Uma bela ma-
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acontecido neste único abraço, mas foi em vão que lhe proibiu
qualquer aproximação. A supressão das regras provou-lhe que a
desgraça se realizara: tinha perdido a honra e o seu futuro estava
comprometido. Então concedeu-lhe os direitos de um marido.
Durante três meses, saborearam todas as alegrias da felicidade
terrestre. Depois, abateram-se sobre ela os rudes golpes do
infortúnio. O tutor, caído em bancarrota, fugiu para a América
levando-lhe o pecúlio; o amante adoeceu e morreu. Coberta de
vergonha foi corrida da casa. Refugiou-se numa aldeia onde perdeu
a criança após dois anos de privações e de sofrimentos. Enfim, veio
para a Alemanha e encontrou este lugar de governanta em casa do
meu tio.
Quantas vezes ela me pôs de sobreaviso contra o olvido de um tal
abandono! Marguerite, simples e franca, tinha-me ensinado tudo;
havia-me, porém, ocultado com que instrumento reavivava as suas
recordações.
**
IV
Poucas raparigas aprenderam em tão pouco tempo e, sobretudo,
com tão poucos riscos tudo o que respeita ao acto mais importante
da vida da mulher, tal como eu acabava de aprender por acaso
graças à história de Marguerite. Até então, não sabia mais - e,
provavelmente, nem menos - do que a maior parte das raparigas da
minha idade, embora o meu temperamento fosse mais sensual do
que é habitual entre as raparigas. Os homens enganam-se; pensam
que o sexo feminino é naturalmente tão sensual como o seu. Julgam
as mulheres fáceis, e julgam mal. Os maridos sabem-no bem, eles
que se lastimam constantemente. Eu também não queria acreditar.
Pensava que tudo era velhacaria e dissimulação, quando encontrava
frieza, indiferença e asco mesmo por estas coisas que me
excitavam.
O senhor vai perguntar-me porque é que tantas jovens se deixam
seduzir se nada nelas as impele ao encontro do desejo do homem, e
se o seu sexo e as suas volúpias não são tão violentos. Esta
observação é exacta; infelizmente não posso responder-lhe. E, no
entanto, as minhas observações e as minhas experiências
pessoais convenceram-me, cada vez mais, de que a sensualidade
consciente não se acha tão desenvolvida na mulher como no homem;
desperta, é pouco provocada e apenas entre os trinta e os quarenta
anos é tão exigente na mulher como no homem. Não compreendo
como tantas mulheres se deixam seduzir facilmente, para desgraça
sua, quando não são em nada cúmplices do homem. Nunca
consegui entender tal contradição.
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Nada é favorável ao homem quando pretende levar uma destas
inocentes a abandonar-se completamente. A dor física da primeira
aproximação é tão grande que constitui um aviso; isso incita a
reflectir e a não ir mais além no caminho do vício. O temor das
consequências inevitáveis retém-nas também, porque muito poucas
raparigas são tão ingénuas que não saibam ao que se arriscam. As
estátuas, os quadros, o espectáculo do acasalamento dos animais, as
leituras inevitáveis, as conversas do internato, tudo instrui a mais
ignorante, como se ela tivesse os cem olhos de Argos 1. No entanto,
e com certeza devo confessar-lhe que não encontro outra
explicação, são a curiosidade e o desejo de entregar-se inteiramente
ao homem amado que a impelem. Mas quantas se dão sem amor?
Quantas choram e soluçam sem se defenderem? É um dos mais
admiráveis mistérios da natureza, é um dos exemplos mais
característicos do seu poder e da sua força de atracção que ela impõe
mesmo aos temperamentos mais frios.
Desde o leão aos animais domésticos, só a família dos gatos se
acasala na dor e sem volúpia (é justamente o contrário do que sucede
com todos os outros seres vivos) e a fêmea oferece-se, mesmo assim,
à dor do acasalamento. Quem aclarará este problema? Quantas
raparigas me confessaram, a chorar, que não sabiam como aquilo
tinha acontecido. «Ele falava com tanta meiguice!», «Era tão
quentinho, tão divino!», «Eu sentia tanta vergonha!» Todas estas
frases não explicam nada. É, pois, muito estranho para mim, que
possuo um temperamento ardente (posso confessar-lho à vontade,
porque o senhor não vai aproveitar-se dele), que a natureza tenha
dado uma razão bastante forte para escapar por muito tempo a
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1
Alusão a um personagem mitológico, príncipe argiano, possuidor
de cem olhos, metade dos quais sempre abertos; arguto e argucioso,
Argos é o símbolo perfeito da vigilância que não deixa escapar
nada (N. T.)
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1
O título, em português, dá Felina, ou as minhas estroinices, O seu
autor foi Andréa de Nerciat (1739-1800), um enigmático e
libertino nobre francês, que a publicou em 1782 (N. T.).
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pudera satisfazer o seu desejo. Deliciosamente emocionada, tive
muita dificuldade em adormecer e fiz sonhos monstruosos, nos
quais Franz e o cão apareciam estranhamente confundidos.
Na manhã do dia seguinte, dei-me pressa em enviar a minha tia de
visita a um subúrbio afastado e, quando fiquei sozinha no
apartamento, comecei a experiência. Compreendi porque é que a
minha tia encerrava continuamente o cão. Mal se apanhou no meu
quarto pôs-se a fungar à minha volta. Já tinha dado por ele antes
mas sem lhe ligar, porque a minha tia logo o chamava e tomava-o
sobre os joelhos. Não precisei de preparativos para chegar ao que
queria. Logo que me deitei no sofá, deixando-lhe livre o acesso da
minha gruta, logo ele me prestou os mesmos serviços que à dona.
Conheci todas as variedades de gozos secretos e não minto dizendo
que a carícia de um cão, se não for muito violenta, é a mais
agradável de todas, embora incompleta. A mais agradável, porque
ficamos inactivas e podemos abandonar-nos completamente à
imaginação. Incompleta porque uma satisfação total nunca pode
acontecer. A carícia de um animal não se acelera, não se anima, não
se torna mais expressiva mas permanece igualmente agradável,
quente e húmida. Sentia-me muito curiosa de saber quanto tempo
suportaria uma tal excitação; durou um bom quarto de hora. Havia
motivos para alegrar-me com esta descoberta.
Já que pude suportar a minha vergonha, devo fazer-lhe uma outra
confissão, que pensava nunca contar a ninguém. Mas o senhor tem
a minha palavra, e quero mantê-la.
O cão esfregou-se contra a minha perna e procurou aliviar o seu
desejo natural. Maldosa como sou, esses esforços do cão divertiam-
me e deixei-o agir à vontade. Por fim, meteu-me dó e pus-me a
ajudá-lo. O ardor com que perseguia o seu desejo não me era
desagradável. O que via interessava-me muito, porque a coisa não
tinha a mesma forma do que eu observara nos homens. Compreendi
também as cenas espantosas a que tinha assistido nas ruas.
Confessar-lhe-ei, pois, que aliviei o pobre animal com a mão, e foi
com prazer que vi, enfim, brotar a seiva que serve para a reprodução;
correu tão abundantemente como no meu primo.
Longe de sentir remorsos por uma tal perversão, acrescento que
sempre apreciei extremamente o espectáculo do acasalamento entre
os animais. O senhor talvez tenha razão quando diz que se trata de
uma perversão ou, pelo menos, de um extravasamento da
sensualidade; mas devo observar-lhe que até ao dia em que lhe fiz -
só ao senhor - a confissão da minha gravidez e da minha
contaminação, sempre gozei da fama de ser uma senhora muito
virtuosa. Por conseguinte, os meus gostos não ofenderam ninguém
e não prejudiquei nenhuma pessoa. Tudo quanto respeita à união
íntima de dois seres exerceu sempre em mim um encanto estranho,
irresistível, sem nunca me impelir para actos pouco razoáveis.
Provei pouco mais ou menos tudo, mas nunca falei nisso, e apenas
nas relações mais íntimas é que desvendei a minha verdadeira
natureza.
Uma vez, estava eu a passar férias com a família de um grande
proprietário de terras que possuía uma coudelaria de cavalos ingleses
e árabes, assisti quase todos os dias aos folguedos dos machos
admiráveis que cobriam as éguas. Observara isso na primeira vez por
acaso, e essa visão ficara-me inolvidável. Graças à minha esperteza
natural, pude gozar o espectáculo durante mais de três semanas, na
ausência dos meus amigos que tinham ido para as águas. Ninguém
suspeitava que, escondida atrás de um reposteiro, eu espiava os
garanhões, porque o meu quarto não dava para a cerca. Não sei se o
senhor já viu isto nos
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cavalos de raça; posso afirmar-lhe que não há nada mais belo do que
um garanhão a cobrir uma égua. As belas formas, a força, o chispar
das pupilas, a tensão aparente de todos os nervos, de todos os
músculos, enfim, o frenesi levado até à raiva; tudo isto apresenta
para mim uma atracção mágica. Pode ficar-se frio, mesmo com
nojo, ou falar disto com desdém, mas é-se forçado a confessar que
a cópula é o momento supremo da vida animal e que a natureza se
rodeou, na maioria dos casos, de muita graça e beleza, mesmo aos
olhos do homem. Os pássaros cantam com mais fervor, os veados
combatem, cada ser aumenta a sua força e beleza. Tudo isto
observava-se sobretudo nos cavalos de raça. A égua, obedecendo a
uma lei da natureza, recusa-se, e o garanhão tem de aproximar-se
com muitas precauções para não se expor aos coices. A pouco e
pouco, consegue vencer a resistência da fêmea. Galopa em seu
redor, roça as ventas pelos flancos, relincha, não sabe como
consumir o excesso de forças. Debaixo da sua pelagem de veludo
todas as veias e todos os músculos se incham e o sinal da virilidade
aparece no seu esplendor. Não se vê onde tudo aquilo se vai enfiar.
Por fim, a égua aceita e apresenta-se. Num abrir e fechar de olhos,
o garanhão ataca furiosamente o objecto do seu desejo. Durante
muito tempo, bate-se em vão. O alvo é demasiadamente pequeno
para os golpes de uma tal lança. Seria de auxiliar o pobre animal e é
o que os criados da estrebaria fazem. Mal ele tocou as bordas, mal
ela absorveu a ponta, logo se segue um empurrão tal que não se pode
descrever nem a força nem o resultado. Os olhos saltam-lhe das
órbitas; vapor sobe-lhe nas narinas; todo o corpo parece
convulsionar-se. Quem contempla tal espectáculo conhece um
enorme prazer. Não posso ocultar que nunca me fartava deste
quadro que me excitava sempre no mais alto grau.
Tal como para os folguedos secretos da minha tia, também é por
acaso que posso fazer aqui estas confissões; volto, pois, depressa ao
meu assunto.
Após as declarações e as intimidades do fiacre, a minha ligação com
Franz adquiriu um aspecto especial. Como eu não o amava - só
conheci esse poderoso sentimento muito mais tarde e para minha
grande desventura - estava decidida a nunca lhe conceder os
direitos inteiros de um amante. Devia servir-me apenas de
divertimento. Queria experimentar e conhecer com ele tudo o que
podia saborear sem perigo. Naturalmente, tornou-se aos poucos
mais ousado mas, como eu não autorizava tudo, dominei-o sempre
e fazia o que me apetecia.
As vezes em que ficava sozinha com ele, passava as horas mais
requintadas. Permitia-lhe liberdade completa e, em breve, deixou
de ser tão inexperiente e tão selvagem como no fiacre. Ousava
beijar todas as partes do meu corpo, acariciá-las, gozar. É verdade
que me dava muito que fazer impedi-lo de ir mais além. Quando
tentava instalar-se entre as minhas coxas, tirar as calças de repente
e atingir o alvo principal, eu repelia-o, e só voltava a ser gentil
quando me prometia ser mais modesto. O pobrezito passava tratos de
polé! Notei várias vezes que não conseguia dominar a excitação e
que descarregava sozinho nas calças, como uma criança.
De há muito que me sentia terrivelmente curiosa de ver de perto o
membro admirável que a natureza tão maravilhosamente
organizou e com o qual o homem pode tornar-nos inefavelmente
felizes ou indizivelmente desgraçadas. Claro que Franz não devia
notar o que eu tanto desejava mas, pelo contrário, acreditar que era
ele quem me conduzia a passo e passo pela vereda abrupta. O melhor
meio seria permitir-lhe fazer-me tudo o que eu desejava fazer-lhe.
O pequeno cão fraldiqueiro da minha tia havia-me ensinado que, se
não pode ter-se tudo o que
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1
As três últimas obras citadas possuem um apreciável nível
literário. «O Porteiro dos Cartuxos» (Histoire de Dom Bougre,
Portierdes Chartreux, 11A1) é da autoria do escritor francês
Gervaise de Latouche (1715-1782); «Faublas» {La Vie et les
Amours du Chevalier de Faublas, 1787/1790) também é de um autor
francês: Louvet de Couvray (1760-1797); a terceira já ficou
referida, assim como o seu autor (N. T.).
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penetrar ainda mais fundo. Eu sentia que isso não acontecia pois um
músculo, umapelinha, em suma, qualquer coisa barrava-lhe o
caminho. Rudolphine tinha-me posto um lenço na boca para
abafar os gritos. Mordia-o; suportava tudo para alcançar, enfim, o
que tanto tinha desejado. Um líquido escorria-me ao longo das
coxas. Rudolphine exclamou, triunfante:
- Sangue!, sangue! Querido príncipe, felicito-o por esta bela
virgindade!
O príncipe, que até então agira com tanta meiguice, olvidou todas
as cautelas e penetrou, ao ouvi-la falar, com um tal vigor que senti
os seus pêlos misturarem-se aos meus. Não me causara uma dor
por aí além; a parte pior da operação estava passada. A minha
expectativa não fora, porém, satisfeita. O vencedor tornou-se mais
apaixonado. Senti, de súbito, algo quente a escorrer no meu
interior; depois, o vigor afrouxou e o membro escapou--se.
Na verdade, eu mentiria se falasse de gozo. Segundo o que
Marguerite me tinha contado e segundo as minhas próprias
experiências, esperava um prazer muito mais forte. Os meus pais
tinham-se mostrado tão loucos... Mas sentia-me feliz por ver a
minha esperteza triunfar e por não me ter enganado nos cálculos.
Enquanto fingia estar desmaiada, ouvi o príncipe falar com
entusiasmo nos sinais evidentes de virgindade. Com efeito, o meu
sangue tinha jorrado para cima da cama e para o seu roupão. Era
muito mais do que eu ousara esperar, sobretudo após o meu infeliz
ensaio com o godemiché de Marguerite. Realmente existia uma
bela diferença entre este e a virilidade plena do príncipe. Em todo o
caso, não era mérito meu mas um puro acaso; aliás, a virgindade é,
em geral, uma quimera. Tenho falado muitas vezes com mulheres e
ouvi as coisas mais contraditórias. Certas raparigas possuem uma
membrana tão larga que não pode haver obstáculo à primeira
entrada. Outras, pelo contrário, possuem-na tão estreita, mesmo
após terem gozado, que o homem julga sempre colher as
primícias. Além disso, é muito fácil enganar o homem, sobretudo se
ele acredita nos bons costumes da rapariga. Se se trata de enganá-lo,
a rapariga apenas deve aguardar as proximidades da menstruação,
gemer um pouco, contorcer-se, e o feliz possuidor jura ter obtido as
primícias quando gotas de sangue de fonte bem diversa lhe cegam
os olhos.
Mas era tempo de despertar do meu desmaio. Agira segundo a
minha vontade; tratava-se agora de gozar sem sair do meu papel de
menina seduzida. O principal estava feito. O príncipe e
Rudolphine tomavam um prazer especial em consolar-me, porque
estavam convencidos de iniciarem uma noviça. As cortinas do
leito foram puxadas e começou um jogo indiscritível e encantador.
O príncipe teve a honestidade suficiente para não falar de amor,
nem de languidez, nem de nostalgia. Era apenas sensual, mas com
delicadeza, porque sabia que a delicadeza apimenta os folguedos
do amor.
Eu continuava a fingir ter sido violada, mas com isso só aprendia
mais depressa tudo o que me ensinavam. As suas duas mãos
afadigavam-se connosco, as nossas com ele. Quanto mais os beijos
se complicavam, mais as nossas mãos se animavam e mais o nosso
corpo se agitava. Os nossos nervos estremeciam de volúpia. É um
prazer enorme fazer amor com um tal homem! Ele teria de ser de
pedra para não se excitar de novo. Todavia, a segunda ejaculação
tinha-o fatigado. Ora gozava com Rudolphine, ora comigo. Mas
nunca o deixava aproximar-se sem ter posto a máscara especial.
Estava, porém, muito seguro do seu papel. Deu-me a palavra de
honra de que eu podia experimentar sem máscara e que não
arriscaria nada, pois era senhor absoluto das suas forças; mas não
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VII
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entre nós. A conduta do príncipe era de uma delicadeza requintada,
mas nada mais, e de uma altivez aristocrática. O príncipe era, na
verdade, superior no seu género. Possuía uma vasta cultura
científica e uma experiência profunda do mundo e da vida; nunca
perdia o sangue--frio; nada o tornava confuso e era completamente
impossível ler os pensamentos no seu rosto calmo e impassível.
Cavalheiresco dos pés à cabeça, amável e reservado, a sua maior
qualidade era, no entanto, a discrição. Tivera muito sucesso junto
das mulheres; conhecia subtilmente todas as fraquezas do coração
humano. Falava raramente das suas conquistas e nunca citava
nomes. O egoísmo frio, que era a marca fundamental do seu
carácter, permitia-lhe romper uma ligação que se lhe tivesse
tornado pesada; mas nunca houve uma mulher que se queixasse de
ter sido traída. Podia quebrar friamente um coração feminino, mas
poupava-lhe sempre a honra. Sem amor e sem necessidade de
ternura, o príncipe apenas buscava gozo. Por isso me era tão
preciosa a amizade deste homem: eu também procurava o prazer
sem querer dar o coração.
Tomámos o café no jardim. O príncipe ofereceu o braço a
Rudolphine e o banqueiro ofereceu-me o seu. Como os dois
homens se tivessem afastado um instante para tratar de negócios,
Rudolphine exprimiu-me a pena que a vinda do marido lhe causava
por interromper os nossos prazeres nocturnos.
Se Rudolphine tencionava condenar-me nessa noite à continência,
isso não concordava com as minhas intenções. A partir da chegada
do banqueiro tinha decidido ficar com o príncipe só para mim nessa
noite. Não sabia como fazer-lhe compreender que, se Rudolphine
renunciava à sua visita, eu ainda a desejava mais. O próprio
príncipe murmurou-me ao ouvido que podia esperar por ele,
apesar da presença do marido de Rudolphine.
Bastava-me dar-lhe a chave do meu quarto. Meia hora mais tarde,
a chave estava nas suas mãos.
O príncipe penetrou pouco depois da meia-noite no meu quarto e
passei horas inolvidáveis nos seus braços. Assegurou-me que me
preferia, sob todos os aspectos, a Rudolphine. O calor dos seus
beijos e a força enérgica das suas carícias provavam-me que não o
dizia só para lisonjear a minha vaidade feminina. O príncipe estava
muito excitado, pois era insaciável. Apesar de todo o prazer que me
ofereceu, senti-me tão esgotada que adormeci assim que ele me
deixou.
Despertei somente quando a própria Rudolphine me veio sacudir. À
primeira olhadela vi logo que o príncipe tinha esquecido o relógio
no lavatório. Rudolphine também reparara nele; compreendeu
imediatamente com quem eu tinha passado a noite e conheceu a
causa do meu sono profundo. Censurou-me violentamente a
leviandade, que teria podido comprometê-la aos olhos do marido.
Declarei-lhe com calma que não sabia como teria podido
comprometê-la, visto o marido, que me havia feito a corte, não
poder censurar-me por permitir livre acesso ao príncipe. Todos os
meus raciocínios não chegaram para acalmá-la. Compreendi que o
seu mau humor não resultava tanto do receio de ter ficado
comprometida como de ciúmes. Invejava as carícias de fogo que eu
acabava de saborear, ela que não pudera encontrar compensação
nos abraços frios do marido.
Na noite seguinte, quando ficámos de novo os três juntos, vi bem
que as minhas suposições estavam certas. Rudolphine fez tudo para
rebaixarme aos olhos do príncipe e tentar captá-lo inteiramente.
Tirei a minha desforra quando Rudolphine teve as suas regras, as
quais, segundo a lei judaica, lhe proibiam quaisquer relações com
homens. O príncipe apenas se ocupava de mim e na presença de
Rudolphine. Esta circunstância levou ao
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SEGUNDA PARTE
O senhor deve ficar muito admirado, meu caro amigo, por ver
quanto as cartas que lhe vou dirigir diferem das que lhe escrevi até
agora. O estilo, a concepção, a filosofia e o ponto de vista
alteraram-se. Os assuntos serão muito mais variados. Não pense,
porém, que me sinto cansada de escrever ou que arranjei um
confidente para continuar as minhas memórias. Para isso,
necessitaria de ter encontrado um homem a quem me pudesse
confiar, como ao senhor, sem restrições. Tal não sucedeu. É
preciso conhecer os homens intimamente, tal como tive a ventura de
conhecê-lo, para se ousar comunicar-lhes tudo o que se pensa e
tudo o que se sente. Até agora, não encontrei nenhum, sobretudo
entre aqueles a quem me dei carnalmente. A alteração da minha
maneira de escrever resulta de eu ter mudado de ponto de vista na
redacção das minhas recordações. Revivo tudo na devida altura,
julgo-me transportada para as mesmas situações, e talvez não
proceda mal se adaptar o meu estilo a cada nova aventura.
Recordo-me de ter visto no prólogo do Fausto, de Goethe, a frase
seguinte, que creio ser um axioma: Tão rápido como a passagem do
bem para o mal. Compreenderá assim como modifiquei a minha
concepção da volúpia. E compreendê-lo-á tanto melhor se pensar
que decorreram quinze meses desde a minha última carta.
Não quero aborrecê-lo com um extenso prefácio no segundo volume
das minhas memórias. Os prefácios não são divertidos e prefiro
voltar à minha história. Vou direita aos factos, stick to facts, como
dizem os Ingleses.
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1
O título citado abrevia o que o marquês de Sade escolheu para a
sua obra escrita em 1797, ha NouvelleJustine, ou les Malbeurs de la
Vertu, suiviede l'Histoire dejuliette, sa Soeur, ou les Prospérités du
Vice. É puramente fantasioso o que, depois, se atribui a Sade, mas
de todo em todo desculpável, visto só em 1887 se iniciarem os
estudos sérios sobre o controverso escritor, graças a Charles Henry,
seguido por Eugène Diihren e Appolinaire (N. T.).
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1 Dos títulos referidos, cinco são assinados por escritores de
méritos indiscutíveis: Fanny HM, John Cleland (1709-1789);
Petites Fredaines («Felícia, ou as minhas estroinices»), Andréa de
Nerciat (1739-1800); Histoire de Dom Bougre, Gervaise de
Latouche (1715-1782); Bijoux Indiscrets, Diderot (1713-1784);
Pucelle («La Pucelle d'Orléans») Voltaire (1694-1778). Nada más,
portanto, as primeiras leituras de Madame Denise A... (N. T.).
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- Alguns médicos pretendem - dizia ela - que a cânfora tem a
virtude de extinguir o prurido sexual da mulher.
Não sei se isso é verdade. Mas o livro de Sade sufocou durante
meses todos os pensamentos, todos os desejos de volúpia e de
libertinagem. Que imaginação! É possível que tais coisas se
passem? Os homens são nele tigres e hienas; as mulheres, serpentes
e crocodilos. O que lá se encontra menos é a sexualidade natural.
As mulheres fazem o amor com mulheres, os homens com rapazes e
com animais. É horrível! Perguntava a mim própria se era possível
que o homem se satisfizesse alguma vez da volúpia; que recorresse
a tais excitações; que desejasse corpos torturados, calcinados,
dilacerados, em vez de belos corpos brancos. Tive medo do homem
que havia escrito aquilo. Levara, realmente, uma tal vida, ou era o
deboche da sua imaginação que lhe fizera escrever tais coisas? Diz
ele, algures, que eram esses os costumes dos cavalheiros do seu
tempo e que cenas semelhantes se passavam no Parc-aux-Cerfs.
Fala da volúpia de ver morrer homens. A famosa marquesa de
Brinvilliers despia as suas vítimas e deleitava-se com os sobressaltos
e as contorsões dos corpos nus das infelizes.
Enquanto durou esta leitura - vários meses - nem uma única vez
pensei em voltar a fazer o que fizera com Marguerite e com
Rudolphine. Necessitava de muito tempo para ler dez volumes de
trezentas páginas; tanto mais que não podia consagrar todos os meus
lazeres à leitura; devia estudar novas partituras; todos os dias
havia ensaios ou representações; recebia e retribuía muitas visitas;
era convidada para bailes, serões, passeios ao campo, etc. Além
disso, não sabia muito de francês para compreender exactamente o
que Sade escrevia; escapavam-me muitas palavras, que não
constavam de nenhum vocabulário
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Assim passei eu dois anos vivendo tão castamente como santa
Madalena, que teve igualmente uma juventude bastante agitada e
tempestuosa.
Próximo do fim do segundo ano, recebi muitas ofertas de contratos
de diferentes teatros alemães, austríacos e húngaros. Tinha
dificuldade em decidir-me, quando apareceu o barão Felix von
O..., um fidalgo húngaro, grande amador de música, homem muito
amável, muito belo e muito rico. Fez-me imediatamente a corte e
prometeu-me um rendimento muito mais considerável do que o do
director do teatro. Se aceitasse, ter-me-ia desonrado a meus
próprios olhos. Repugnava-me vender os meus favores; portanto,
recusei a oferta.
Um outro pretendente era Arpard von H..., o sobrinho do director,
um jovem de quase dezanove anos, bonito, tímido, envergonhado
como um saloio. Mal ousava olhar para mim e, quando lhe falava,
corava como um pimentão. O barão von O... dizia muito bem dele:
que era um génio e que desempenhava um grande papel na sua
pátria. Na verdade, valia a pena receber as primícias de um tal
jovem. Se uma pessoa alguma vez ignorou a teoria e a prática dos
doces segredos de Citera1, essa foi de certeza o jovem Arpard, filho
da irmã do director teatral húngaro.
Estes cavalheiros apenas ficavam dois dias em Francoforte. Iam a
Londres e a Paris a fim de adquirirem óperas em voga. M. de R...
pressionou-me para aceitar, o barão von O... juntou os seus rogos
aos do director e li nos olhos de Arpard que não recusasse. Esse
olhar decidiu--me e aceitei. O director tirou logo da algibeira um
contrato feito em duplicado, leu-mo todo e apus nele a minha
assinatura. Comprometi-me a representar em
-----------
1
Citera é uma ilha onde Vénus possuía um templo magnífico e
simboliza a pátria dos amores (N. T.).
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horror do que Messalina que apenas buscava a volúpia animal.
Rudolphine corou debaixo da pintura; eu tinha, provavelmente,
acertado no alvo, embora sem querer. Não conversámos durante
muito tempo. Reparei em dois cavalheiros que nos examinavam
através dos binóculos; um cumprimentou Rudolphine, enquanto eu
me afastava por outra alameda.
Durante os quinze dias que fiquei em Viena, soube que
Rudolphine passava por uma das mulheres mais galantes da
sociedade. Os seus amantes contavam-se às dúzias. Os dois
cavalheiros que eu tinha notado em Heitzing pertenciam a esse
número, eram adidos à embaixada brasileira e os maiores
depravados de Viena. Rudolphine apresentou-me até um deles, o
conde de A... Já não era ciumenta; pelo contrário, cedia de boa
vontade os amantes às amigas. Confessou-me que sentia quase o
mesmo prazer assistindo aos gozos sensuais dos outros. Pensei nas
cenas dejustine, onde sucede algo de semelhante.
Por delicadeza, fui visitar Rudolphine. Encontrei-a sozinha; eram
quase três horas e meia. Mostrou-me fotografias que acabava de
receber de Paris. Representavam cenas eróticas, homens e mulheres
nus. As mais interessantes eram as de Madame Dudevant1, que
Alfred de Musset fazia circular entre os amigos.
Havia sobretudo seis particularmente obscenas. A célebre escritora
iniciava mulheres e raparigas nos mistérios do serviço sáfico. Numa
dessas imagens, ela faz amor com um gigantesco gorila; numa
outra, com um cão Terra-Nova; numa outra ainda, com um
garanhão que
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Madame Dudevant era Armandine Lucie Aurore Dupin (1804-1876),
celebrizada pelo pseudónimo George Sand (N. T.).
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duas raparigas seguram pela arreata. Está ajoelhada e vêem-se-lhe
as nádegas em todo o seu esplendor; por baixo, a gruta da volúpia
mostra-se toda aberta para deixar penetrar a terrível lança do
garanhão, o qual empurra com dificuldade. Não posso acreditar que
uma mulher suporte uma tal façanha, pois a dor deve ultrapassar
em muito a volúpia.
Rudolphine contou-me a história destas imagens. O senhor talvez
não a conheça e julgo-a com interesse bastante para ser contada.
George Sand viveu muito intimamente, durante vários anos, com
Alfred de Musset. Viajaram juntos pela Itália. Em Roma, após uma
terrível cena de ciúmes, romperam completamente. Musset era
muito discreto e respeitava mais a amante do que a mulher. George
Sand, pelo contrário, contava em todo o lado que tinha largado o
poeta devido à sua fraqueza nos torneios do amor, que ele era
impotente. Alfred de Musset soube destas mentiras. A sua vaidade
sentiu-se ferida, porque assim perdia o encanto junto das outras
mulheres. Quis vingar-se e mandou fazer aquelas fotografias, às
quais acrescentara um texto escandaloso em verso. Essas
imagens espalhavam-se graças à fotografia, porque não conseguira
encontrar um impressor que lhe executasse a obra.
Sentia-me muito feliz por me ter reconciliado com Rudolphine; as
suas visitas, no entanto, prejudicavam-me porque ela gozava de
má reputação. Estava impaciente por ir para Budapeste e não perdi
um dia após o termo das minhas representações.
Cheguei durante a grande feira anual, a semana mais animada da
época mais fraca. A feira dura uns quinze dias; chamam-lhe o
mercado de São João ou o mercado dos melões, porque o mercado
se acha então a abarrotar com estes frutos suculentos.
143
Tinha arranjado um vocabulário húngaro-alemão e um manual da
língua magiar. Quando cheguei a Budapeste, enviei imediatamente
o meu cartão a M. de R... Ele teve a amabilidade de fazer-me logo
de seguida uma visita. O sobrinho Arpard acompanhava-o. Os olhos
do adolescente chisparam de prazer ao ver-me.
Fiquei muito admirada por ver estes dois cavalheiros entrarem com
trajos húngaros. Soube, mais tarde, que o trajo nacional estava na
moda. M. de R... aconselhou--me a vestir igualmente o trajo
nacional. O fanatismo era tão vivo que homens e mulheres que se
opunham a esta moda haviam sido insultados por jovens. Como
membro do teatro nacional, exigi-lo-iam especialmente a mim.
Achei isto abusivo. Sobre o assunto não existia uma palavra no
meu contrato. Mas como o trajo me ia às mil maravilhas, adoptei-o.
Ficava muito mais bonita assim do que nas minhas roupas da
cidade. Mandei fazer diversos trajos.
M. de R... perguntou-me se queria cantar em italiano ou em
alemão. Notei que desejava fazer-me mais uma pergunta. Respondi-
lhe que me esforçaria por aprender o suficiente de húngaro a fim de
cantar nesta língua. Como só se fala muito raramente nas óperas e
como os espectadores nunca compreendem o texto cantado,
pensava que isso não me seria muito difícil. Acrescentei que
tomaria lições.
M. de R... recomendou-me uma dama do teatro que falava bem o
alemão e que dava lições.
É costume, na Hungria, regalar os visitantes a qualquer hora do dia.
Em geral, o comer é uma das principais ocupações dos Húngaros,
que são grandes sibaritas. Roguei, portanto, a estes dois cavalheiros
que tomassem uma refeição ligeira. M. de R... desculpou-se
porque tinha muito que fazer e levantou-se para sair.
- Se te apetece ficar - disse ele para o sobrinho -
permito-te que aceites o convite da senhora. Em seguida, poderás
mostrar-lhe a cidade e servir-lhe de cicerone. Quer vir ao teatro? -
disse, dirigindo-se a mim. - Passa uma tragédia e vai aborrecer-se,
pois ainda não compreende a nossa língua. Faça, porém, como
entender. Voltaremos a falar amanhã.
Sentia-me muito feliz por ficar sozinha com Arpard. Tinha decidido
ensinar-lhe o amor e vergá-lo aos meus caprichos.
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II
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primeira carícia fiquei logo fora de mim. As nossas bocas tinham-se
unido, eu chupava-lhe os lábios e a minha língua penetrava-lhe
entre os dentes até à dele. Queria engoli-la, tanto a aspirava.
Não sei como aquilo aconteceu mas, de repente, fiquei com o seu
ceptro nas mãos. Apertei-o como se quisesse quebrá-lo. A sua mão
direita tinha, igualmente, alcançado a minha fenda que estava
húmida. Fazia-me titilações de enlouquecer. Não era a experiência
que o guiava mas o instinto. Confessou-me mais tarde ter ignorado
até esse momento a diferença entre o carcás e a flecha do amor. O
polegar e o indicador brincavam no alto com o meu botão,
enquanto três dedos, tendo-se dirigido por baixo, haviam
encontrado a entrada totalmente aberta. O interior estava ardente,
como que cheio de lava a ferver. Desfaleci, pois o contacto era forte
demais. Baixei os olhos e avistei o seu membro soberbo, inchado e
entortando-se como o corno de um touro.
Mal eu o tocara e já a cabeça estava nua, purpúrea e orgulhosa.
Senti-a estremecer; uma descarga eléctrica encheu-me a palma da
mão, quando toquei no canal da fonte vital. A seiva leitosa jorrou
como um repuxo, a minha boca estava aberta e recebi tudo o que os
rins despejaram. No mesmo instante, senti a minha fonte
trasbordar. Ele ficou com as mãos cheias como se lá tivesse andado
a pesquisar. Levou-as logo à boca e saboreou tudo o que elas
continham; Arpard lambia as mãos e passava a língua pelos dedos.
Como já disse ao senhor, ninguém lhe tinha ensinado estas coisas;
apenas a natureza o conduzia e ele seguia as suas inspirações.
Após esta dupla efusão, não amoleceu. Tal como eu, desejava outros
prazeres. Pensávamos ambos na forma de realizá-los. A razão viera
dizer-me que a desonra me esperava, que ia ficar grávida, que ia dar
à luz e morrer; e mesmo se estranhos viessem rodear-nos para
zombar de nós, eu teria continuado este folguedo amoroso, ter--
lhes-ia gritado a minha felicidade. Não sentiria nenhuma
vergonha. Era escrava dos meus desejos, achava-me inteiramente
submissa.
O êxtase durou alguns minutos. Depois da ejaculação recíproca do
néctar, a minha excitação tornava-se cada segundo mais ardente. E
ele encontrava-se no mesmo estado. Os meus olhos passavam-lhe
do rosto para o orgulhoso esporão, deste para a paisagem
inanimada; erravam pela superfície das águas, aqui e ali rasgada por
alguns raros arbustos. A lua reflectia-se nas ondas, que abriam
pequenos sulcos quando um peixinho saltava. Gostaria de banhar-
me com Arpard, de tomar um banho de frescura e de volúpia. Era
boa nadadora. Tinha recebido lições de natação em Francoforte e
seria capaz de atravessar o Danúbio a nado.
Arpard adivinhou-me o pensamento e soprou-me ao ouvido:
Quer banhar-se comigo neste tanque? Aqui não há
nenhum perigo. Há muito que estão a dormir no restaurante. Não
há ninguém.
Mas disse-me que este bosque era pouco seguro,
que acabavam de assassinar alguém. Sem isso, claro que
quero.
Não tenha medo, querido anjo. Este sítio é aindao
mais seguro. Mais próximo da cidade, na alameda dos
plátanos que leva à Koenigsgasse, entre as vivendas, aí é
que é perigoso.
Mas que dirão no hotel se entrarmos tão tarde?
O hotel está aberto toda a noite. O porteiro dorme
no cubículo. Conhece o número do seu quarto e a criada
seguramente deixou a chave na porta. Aliás, uma desculpa
depressa se arranja. Eu próprio tomo muitas vezes
um quarto neste hotel, quando não quero acordar o
porteiro do meu tio. Pego na primeira chave e estou
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inanimada; também agora permanecia fria.
Tomei o lugar de Anna nos joelhos da rapariga. Como Anna
interrompera a carícia dos dedos e da língua, a fonte que estivera
prestes a transbordar tinha regressado ao leito. Fui forçada a
começar tudo de novo e a excitar a rapariga. Nina tinha-se
ajoelhado ao pé de mim e enlaçava-me com o braço esquerdo,
enquanto a sua mão direita brincava com a minha gruta de volúpia
que estava toda húmida e viscosa e me ardia como se estivesse cheia
de explosivos. Desprendia-se da gruta da rapariga um odor
extremamente voluptuoso: o seu perfume era-me tão agradável
como o das flores mais raras. Inebriava-me.
Anna tinha-se ajoelhado atrás da jovem e brincava com a língua
numa outra pequena abertura que fica muito perto do templo do
amor, e da qual Grécourt diz, ao falar da conformação da mulher,
que o gabinete de alívio se encontra muito próximo do pavilhão da
verdura. Esta titilação excitava a pequena, que se agitava cada vez
mais, e a crise aproximava-se. Anna esfolava-lhe o tra-seiro já
mortificado, mordia-lhe as barrigas das pernas e sugava-lhe o
sangue.
- Oh, meu Deus! - gritava a voluptuosa rapariga.
- É demais! Não posso conter-me! Estou a vir-me ...
Um jacto ardente e levemente salgado espirrou-me para a boca. A
rapariga queria afastar-se um pouco, mas eu apertava-a de encontro
a mim, gritando:
- Tudo! Dá-me tudo!
Se aquilo fosse champanhe, não o absorveria com mais volúpia; teria
dado tudo para possuir duas vezes mais. Em breve, um segundo
líquido se escapou da corola, tão abundante que mesmo Arpard
nunca recebera tanto de mim. Foi assim que terminou este folguedo
encantador e inolvidável. Vestimo-nos. Dei vinte florins à rapariga,
beijei-a ternamente e disse-lhe que já não precisava de roubar, pois
ficava com ela ao meu serviço.
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III
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assim, senão Rosa. Contudo, não deverá tê-la em sua casa, nos
primeiros dias. Em seguida, direi que a dama deixou Budapeste e
que, por humanidade, lhe recomendei Rosa como criada de quarto.
- Mas ele acreditará?
- E porque não? Tenho uma boa língua. Antes de
tudo, é preciso muito dinheiro para corrompê-lo.
- Quanto? - perguntei assustada, porque Nina me
pusera em guarda contra a sua cupidez. - Quanto quer?
- Hum! ..., talvez cem florins, talvez mais, não sei.
- Não gostava de consagrar ao caso mais de cem
florins - declarei.
Se ela me tivesse pedido o dobro ou o triplo, ter-lho-ia dado.
- Bom! Dê-me já cem florins. Se concordar com esse
preço, a rapariga estará amanhã em sua casa; senão,
devolvo-lhe o seu dinheiro. Vou já a casa dele, antes que
siga para o Casino. Mas não tenho dinheiro para tomar
um fiacre. Dê-me mais um florim. Não peço nada para o
trabalho. Chega-me a sua amizade.
Nina tinha razão. Esta mulher ter-me-ia depenado se não tomasse
as minhas cautelas. Bem sabia que ela iria a pé.
Em menos de uma hora, estava de volta. M. de T ... levantara
dificuldades, ela tinha acrescentado cinquenta florins e ele acabara
por ceder. Apenas o fizera por amizade. Não perguntara para quem
era; julgava que se tratava de um cavalheiro que desejava manter o
incógnito. Fui, portanto, forçada a dar-lhe mais cinquenta florins.
Mas pôs-se logo a queixar-se do mau tempo e dos maus pagadores.
Mostrou-me um maço de cautelas de casas de penhores; disse-me
que perdia tudo se não pagasse os juros no dia seguinte. Dei-lhe
cinquenta florins mais. Garantiu-me que considerava esta soma
como um empréstimo; mas eu respondi-lhe que não
precisava de ma devolver. Desejava assegurar-me da sua discrição e
dos seus serviços ulteriores.
No dia seguinte, contei tudo a Nina. Ela disse-me que M. de T...
nem chegava a receber trinta florins e que era Anna quem ficava
com o resto. Decidimos festejar este dia com uma boa ceia.
- É possível que salve uma rapariga perdida - disse-me Nina - e
Deus a recompensará desta acção. Mas custar-lhe-á dinheiro,
porque a rapariga vai precisar de roupas. Deveria também
preparar-lhe um banho. Estas desgraçadas apanham muito
facilmente piolhos na prisão. Tenho em minha casa uma rapariga
com o mesmo aspecto físico de Rosa. Foi-se embora mas deixou as
roupas. Podia fazê-lo, pois roubou as minhas. Servirão
perfeitamente. Fixe-lhe um preço e dê-me o que achar que seja o
seu valor.
Madame de B... era o oposto de Anna. Avaliei as roupas em
quarenta e cinco florins. Contentou-se com trinta e seis e custou-
me fazê-la aceitar um broche como lembrança. Era muito
desinteressada.
Seriam perto das oito horas quando Rosa chegou a minha casa.
Levei-a imediatamente para Kaiserbad, em Ofen, e tomámos um
banho turco. Estávamos em Outubro e estes banhos tornam-se cada
vez mais quentes à medida que a temperatura baixa no exterior. A
pobre menina ressentia-se da punição da véspera. Eu mal ousava
tocar-lhe nas partes doridas. Aliviei-a um pouco passeando por elas
a minha língua quente e lambendo-a meigamente. O calor do
banho animou-a de todo. Não se mostrava tão envergonhada e
tímida como na véspera. Atirou-se-me ao pescoço e enlaçou-me as
ancas com as pernas. Depois chupou os bicos rosados dos meus
seios, depois os lábios, depois a língua. Jurou-me que nunca
amaria um homem se eu quisesse amá-la como lhe testemunhara na
véspera. Estava louca de alegria. Disse-me
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1
que a sua volúpia mais forte seria ser estrangulada ou apunhalada
por mim. Rosa ainda era virgem, o que eu não ousara esperar. Não
conseguia enfiar o dedo indicador na sua prisão do amor. Algo me
barrava o caminho: era a pele intacta da sua virgindade.
- Rebente-a - dizia-me Rosa. - Não lhe ligo importância. Prefiro
amá-la em vez de um homem.
Rudolphine tinha-me oferecido, em Viena, um godemiché que eu
ainda não experimentara. Era de fabrico novo e preparado para
servir duas mulheres. A bolsa que continha o leite quente pendia no
meio, duas bolas saíam dela, à esquerda e à direita, de tal modo
que cada gozadora era ao mesmo tempo homem e mulher. Era este
godemiché que queria experimentar com Rosa. Por isso retirei o
dedo e disse-lhe que reservasse as coisas mais belas para a noite.
Após termos tomado banho e trocado carícias sem importância,
voltámos a casa. Anna e Nina já nos aguardavam. A primeira havia
encomendado uma suculenta ceia com champanhe. Trouxera um
grande vergalho e disse que eu também ia conhecer esta volúpia.
O quarto encontrava-se bem aquecido; por isso não corríamos
nenhum risco despindo-nos. Anna fez o mesmo. Mas não reparei
nos seus encantos emurchecidos porque ela se pôs logo de seguida
debaixo da mesa dizendo que ia fazer de cadela. Estava entre as
minhas pernas. Tive de afastar as coxas e deitar-me um pouco para
trás; colocou-me as pernas sobre os ombros e pôs-se a lamber ora a
minha gruta, ora esta pequena abertura a que, como já disse,
Grécourt chama o gabinete de alívio.
A minha pose não era muito confortável, pois achava-me afastada
da mesa e mal chegava aos pratos; todavia, a língua de Anna,
brincando com as minhas duas aberturas, proporcionava-me o mais
vivo prazer. Brincava também com as duas mãos, a direita na fenda,
a esquerda atrás. Enfiava mesmo o dedo, depois de tê-lo
humedecido, no meu buraco particular, o mais à frente que lhe era
possível. Este contacto enlouqueceu-me, um jacto inesgotável
brotou da minha gruta de volúpia.
Nina passava-me a comida e enchia-me o copo. Comíamos e
bebíamos tanto que até a fria Nina estava em fogo. Eu atirava
alguns bocados a Anna, que só comia as bolachas e outras
guloseimas depois de tê-las ensopado na minha gruta. Até lá enfiou
salsichas. Dizia que as iguarias adquiriam um sabor especial.
Finda a ceia, pus o meu godemiché para partilhar com Rosa as
delícias de Hermafrodito. 1 A rapariga queria justamente ir para a
cama e andava à procura do recipiente, porque o champanhe ia sair.
- Não, não, não é assim que pretendo! - gritei--lhe. - Menina má!
Queres privar-me do melhor. Não deves perder uma única gota.
Abre depressa as pernas!
Ajoelhei-me imediatamente e colei a boca à sua concha. Em breve
recebi todo o champanhe filtrado. Fervia-me na boca e bebi tudo.
O vinho nada perdera do seu aroma e, antes pelo contrário, estava
melhor. Anna havia-se estendido em cima do tapete, a cabeça entre
as minhas pernas; tinha a boca toda aberta debaixo da minha
concha. Como eu bebera muito e recebia ainda outro tanto de
Rosa, não pude mais conter-me e Anna beneficiou de uma dose
dupla.
Este preliminar era tão agradável e voluptuoso como a acção
principal. Sentia-me arder. Tremia tanto de impaciência que nem
conseguia afivelar o godemiché. Anna auxiliava-me. Colocou o
mais grosso dos dois punhais na minha concha. Penetrava até
metade. Rosa estendeu-se
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Era filho de Hermes e de Afrodite, mas a ninfa Salmácis
apaixonou-se por ele e obteve dos deuses que os seus dois corpos
fossem reunidos num só. (N. T.)
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em cima da cama. Afastei-lhe as coxas. Representava o papel do
homem. Beijava-a, empurrava às cegas, mas não conseguia dar
com a entrada do templo de Rosa. Nina pô-lo, enfim, no lugar.
Empurrei com tanta força que fiz saltar a virgindade e penetrei até
ao fundo. Rosa soltou um grito fraco. Anna deitou-lhe a cabeça
para trás. Lambia-lhe o sangue que escorria da vagina. Em cada
empurrão o godemiché penetrava mais profunda-mente. De súbito,
ouvi um silvo por cima da cabeça e, depois, senti uma dor aguda e
voluptuosa nas nádegas. Anna brandia o vergalho. Bastou dar-me
três pancadas e logo as fontes se abriram, tanto as minhas como as
de Rosa. Sentíamo-nos arrebatadas.
- É pena que não tenha um simples godemiché -
disse Nina. - Com os dedos mal consigo aliviar-me.
Anna, excita-me com algumas pancadas. Não se pode
descansar convosco.
Disse a Nina que encontraria um godemiché numa gaveta da
cómoda. Era o que Marguerite me dera. Foi então que ocorreu a
cena principal; formávamos um grupo, como os Romanos
representaram nos camafeus e nos baixos-relevos. Nina estendeu-se
em cima de mim. O meu traseiro estava exposto às pancadas de
Anna. O seu peso enfiava-me em Rosa. O contacto dos dois corpos
lisos, nus e ardentes, excitava-me no mais alto grau. Recomeçámos
o combate do amor. Desta vez, durou muito tempo. Nina dava
mais força aos meus ataques. Anna batia alternadamente em nós. A
crise aproximava--se, as pancadas aceleravam-se, tornavam-se mais
fortes. Já não me chegavam. Implorei a Rosa que me mordesse os
braços e os ombros. Gritei-lhe:
- Morde até fazer sangue!
Ela assim fez e alcançámos, enfim, o grau supremo. Perdi o
conhecimento. Envolvidos pela volúpia, os membros davam-me
picadas. Nina e eu quase esmagávamos a pobre Rosa. As nossas
fontes eram inesgotáveis.
Não sei quanto tempo durou este êxtase, a que chamarei
desfalecimento. Quando voltei a mim, Anna e Nina tinham partido.
Os godemichés jaziam em cima de uma cadeira, próximo da cama.
As mulheres tinham baixado o candeeiro e uma luz fraca reinava
no quarto. Rosa dormia profundamente e a sua perna esquerda
rodeava--me os seios; o pé poisava-se no meu traseiro. Por vezes,
suspirava voluptuosamente. Abraçava-me com o braço esquerdo; o
direito pendia para fora da cama. A coberta estava subida; não
queria acordá-la e tornei a assentar a cabeça nas almofadas.
Adormeci para só despertar depois das dez horas da manhã.
Não vou contar todas as cenas em que fui ou activa ou passiva.
Passaria o tempo a repetir-me. O senhor já soube o suficiente acerca
do assunto; só serviria para excitá-lo, como eu me excito quando
releio estas páginas. Porque, diga-se entre parêntesis, fiz uma cópia
do que escrevo e ela serve-me de excitante quando os meus sentidos
estão tensos.
Alguns dias depois, Anna voltou a minha casa. Nina tinha vindo
todos os dias para continuar as nossas lições de húngaro. Com Rosa,
sempre que ficávamos sozinhas, gozava todas as alegrias e íamos
diariamente ao banho. Ela era-me fiel, como se eu fosse um
homem. Ainda hoje, após tantos anos, permanece como então era
e, embora haja conhecido depois o amor masculino, jura-me que
prefere saborear o amor comigo e não nos braços do sexo forte.
Também eu, e estou convencida de que, se não devêssemos
perpetuar o género humano, poderíamos passar muito bem sem os
homens, tão requintada é a volúpia entre duas mulheres.
Anna propôs-me assistir a uma orgia grandiosa, que tinha lugar
todos os anos, pelo Carnaval, num bordel. Disse-me que as damas
da mais alta aristocracia partici-
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participavam nele, que iam todas mascaradas e que ninguém podia
reconhecê-las. Graças à máscara distinguiam-se também das outras
sacerdotisas de Vénus. Tudo se passava no maior luxo. Os homens
tinham ali entrada livre, mas cada bilhete de dama custava sessenta
florins.
- Não verá nada de semelhante em Paris - dizia ela. - Não há mais
de trinta cavalheiros. As putas mais bonitas (Madame de L... servia-
se sempre das palavras mais grosseiras; não posso fazer senão
repeti-las; acaso isso o choca?), as putas mais bonitas são
convidadas e cerca de oitenta cavalheiros. Como vê, o preço não é
exorbitante, pois há cento e cinquenta pessoas reunidas e o bilhete
fica a doze florins por cabeça. A proxeneta quer recuperar as
despesas e os cavalheiros o tempo perdido. Iluminação, música e
ceia. O ano passado, as condessas Julie A... e Bella K... pagaram
mil e duzentos florins para cobrir as despesas. É provável que a
entrada seja mais cara este ano. Eu terei uma entrada gratuita, como
é costume. Mas, se quiser participar, deve dar-mo a conhecer
durante a semana, para lhe mandar reservar um bilhete.
Ao princípio não quis. Já tinha dispendido demasiado dinheiro.
Rosa custara-me mais de duzentos florins. Os meus salários eram
muito elevados, mas seria para mim um embaraço dispensar mais
oitenta ou cem florins. Anna incitava-me, porém, tanto que aceitei.
Dois dias depois recebi um cartão de entrada litografado, com uma
vinheta que já tinha visto num livro francês. Uma magnífica
vagina, semicerrada, muito cabeluda, posta em cima de um altar;
dos dois lados, uma sebe de membros masculinos e, ao fundo, como
uma boina de granadeiro, cabelos de mulheres. Os cartões estavam
assinados pela condessa Julia A... eL... R... (Luft Resi, istoé,
Theresa), uma conhecida proprietária de bordéis de Budapeste que,
tal como soube, era protegida por M. de T...
Anna disse-me que haveria um baile de máscaras. As damas que
fossem de dominó não deveriam usar outras roupas e seria um
trabalho delicioso descobrir as partes necessárias aos folguedos do
amor. Um trajo pitoresco aumentaria os encantos. Em suma, fez-me
um tão belo quadro da festa que não pensei em mais nada. Passei a
ocupar-me logo da confecção de um fato de máscara. Ninguém
devia saber que seria o meu. Madame de B... tinha pouco mais ou
menos a minha altura. Disse-lhe, portanto, que mandasse executar o
trajo pelas suas medidas.
Uma noite, Anna veio buscar-me para visitar o bordel onde o
Carnaval devia acontecer. Queria arranjar-me fatos de homem e
ninguém poderia reconhecer-me. Pas-saria por um jovem estudante.
Sabia falar tão bem que cedi mais uma vez. Em breve fiquei
metamorfoseada num jovem; os meus cabelos estavam tão
habilmente escondidos que não podia reconhecer-se o seu
comprimento . Como em Les Huguenots e em La Nuit de Bal, de
Aubert, os meus movimentos e os meus gestos pareciam
perfeitamente naturais.
O tempo estava bom e o pavimento seco; seguimos, pois, a pé. Não
ficava longe. Atravessámos o largo dos Franciscanos e voltámos, na
primeira rua, para a Goldstickergasse. Ainda era muito cedo e não
havia visitantes, pois eles só chegariam depois de o teatro acabar. A
proprietária desta casa era uma mulher gorda com pele muito
morena. A expressão do rosto era vulgar e dura. Anna apresentou-
me, ela fitou-me e sorriu. Vi logo que tinha adivinhado o meu
disfarce e desagradou-me ter vindo.
- Deseja ver as minhas pensionistas, meu jovem? Se tivesse vindo
ontem não teria visto nada de extraordinário. Mas acabo de receber
duas amostras, uma de Kaschau e outra da Madame Radt, de
Hamburgo. Agora
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tocava muito bem piano; tinha uma voz muito bonita, embora não
trabalhada, mas possuía muito bom ouvido; estava precisamente a
cantar árias de Offenbach. Uma outra mostrou-me um álbum com
magníficas aguarelas, por ela feitas nos momentos de lazer.
Algumas das mulheres queixavam-se da sua sorte; deploravam o
azar que as havia trazido para ali. Outras sentiam-se perfeitamente
felizes. Os cavalheiros mostravam-se amáveis e galantes; os
estudantes eram grosseiros, mas nos seus braços é que elas
tomavam mais prazer, porque os jovens dispensavam as forças sem
restrições.
- Que se há-de fazer? - disse uma bela polaca a quem chamavam
Vladislawe. - Aparece aqui um admirável jovem, orgulhoso como
um pavão, e todas nós ficámos apaixonadas por ele. Deitou-se uma
noite comigo e, até de manhã, fez-me amor nove vezes. E muito
com uma mulher da vida. É mais fácil fazê-lo com uma dúzia de
mulheres do que cinco vezes com a mesma. Apenas conheço um
capaz de fazer outro tanto, mas esse nunca o fez comigo. Deve ter
uma bem-amada, uma mulher rica que o sustenta.
- Referes-te ao sobrinho do director do teatro -
disse Olga, uma divertida húngara. - Arpard H...
Quando Olga pronunciou este nome estremeci.
Nenhuma mulher o sustenta - continuou Olga
- pois é suficientemente rico para ter uma amante.
Sei que a condessa Bella K... lhe fez as mais
brilhantes propostas e que ele recusou - disse uma
outra.
A entrada da patroa e de Anna interrompeu a nossa
conversa.
- Se quiser ter a bondade de seguir-me, meu jovem,
vou mostrar-lhe algo que lhe alegrará a vista. Como ele é
bonito! - acrescentou, beliscando-me o traseiro.
Segui a mulher gorda. Conduziu-me por um com-
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Apodo de D. Quixote de Ia Mancha (N. T.).
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IV
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deuses do amor. Não posso contar-lhe a volúpia que vivi por tê-lo
para mim sozinha. Quando o orgasmo se aproximava, os olhos dele
tornavam-se fixos e adquiriam uma expressão selvagem de volúpia;
os meus olhos também se perturbavam e caíamos ébrios de amor,
peito contra peito, ventre contra ventre, as pernas e os braços
enlaçados como serpentes. Por último, deixara-se cair de lado,
comigo quase deitada em cima dele; não tinha retirado o ceptro do
estojo, os nossos olhos estavam fechados e permanecemos uma boa
meia hora entorpecidos neste êxtase. Os gritos provenientes da sala
acordaram-nos. Vesti-me à pressa e ele próprio prendeu a máscara
que eu quase esquecera com o entusiasmo. Ferry envergou o meu
dominó e regressámos à sala.
A orgia alcançara o apogeu. Só se viam grupos voluptuosos, em
todas as poses imagináveis, de duas, três, quatro e cinco pessoas.
Dois grupos eram particularmente complicados. Um compunha-se
de um cavalheiro e de seis damas. O cavalheiro encontrava-se
deitado de costas, em cima de uma tábua atravessada em duas
cadeiras. Tinha enfiado a lança numa dama, outra sentava-se-lhe
no peito; ele lambia-lhe a gruta com a língua; as suas mãos titilavam
a fenda de duas outras mulheres; as duas últimas acariciava-as
ele com os grossos dedos dos pés. Estas gozavam menos e só ali
estavam para completar o grupo, fingindo sentir-se satisfeitas.
O outro grupo compunha-se de Vénus, que estava estendida em
cima de um cavalheiro que a enfiava pela frente, ao passo que um
outro atacara por trás uma abertura muito mais estreita. Com as
duas mãos segurava na adaga dos dois homens que estavam de pé a
seu lado, enquanto o quinto, um gigante de Rodes, apoiado em
duas cadeiras, lhe afastava as pernas por cima da cabeça do
primeiro e se fazia chupar o membro. A ejaculação
ocorreu ao mesmo tempo nos cinco machos e nela. Era o grupo
mais belo.
O terceiro grupo compunha-se de duas mulheres e de um homem.
Uma dama encontrava-se deitada de costas e a outra sobre o ventre
enlaçava-a apertadamente, as pernas cruzadas em torno das suas
ancas. Estreitavam-se voluptuosamente, mordiam-se, lambiam-se.
O cavalheiro, da estatura de um Hércules, enfiava a lança ora na
gruta de uma, ora na gruta da outra. Sentia curiosidade em ver
como elas partilhariam o rio vital. Era razoável e justo. Nenhuma
recebia mais do que a outra. Quando chegou a crise, ele não
perdeu o sangue-frio e dividiu igualmente o seu néctar pelas duas. A
que estava deitada de costas recebera o primeiro jacto.
Todos os participantes neste concerto do amor haviam tido a sua
parte. Ninguém ficara em jejum. Ninguém participara em menos
de dois combates. Ferry, entre os homens, e eu, entre as mulheres,
ainda fôramos os que estávamos em melhor forma.
Vénus, a condessa Bella e eu éramos as únicas que não tinham tirado
a máscara. Soube mais tarde que Vénus era uma mulher célebre
pelas suas aventuras galantes e descobri a sua identidade.
Desagradava-lhe, porém, tirar a máscara, ao passo que a condessa
Bella era uma fúria verdadeira, um demónio feminino. Gritava com
toda a força:
- Vem cá! Vamos, não sabes que sou uma puta, uma autêntica puta?
Passou por todas as pensionistas da casa; distribuía--lhes bombons,
frutas ou champanhe. À mesa, bebeu um copo cheio de aguardente
que um cavalheiro servira para ela. Estava a cair de ébria e rebolou
para debaixo da mesa. Luft Resi teve de levá-la para um gabinete e
metê-la na cama. Fechou-a à chave. Bella tentou arrombar a porta;
finalmente, caiu por terra e adormeceu. Um pouco mais
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V
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de gritar alto as nossas sensações. Apenas Ferry permanecia calado. ,-
Rosa agitava-se tanto que Ferry tinha dificuldade em permanecer
na posse da gruta da volúpia. Ela contorcia--se, gemia, depois
ofegava voluptuosamente ou arrulhava como uma pomba. O duplo
contacto das línguas era tão pronunciado que também excitou a
minha bolsa urinária; aliás, tinha bebido à ceia. A minha fonte
trasbordou. Rosa e Ferry partilharam este jorro espumante e, por
simpatia, largaram as suas águas vivas. Encontrávamo-nos a
chafurdar numa imensa poça de água, que escorria dos lençóis. Isto
aumentou o nosso prazer e ejaculámos um jacto de seiva perfumada
quase tão impetuoso como o primeiro. Estávamos uns em cima dos
outros, uns dentro dos outros; os nossos corpos ardentes
fumegavam; enfiei o nariz debaixo da axila de Rosa. Sentia-me
mais ébria do que se tivesse bebido. O nosso êxtase foi infinito.
Recuperámos a pouco e pouco as forças e abandonámos a cama
molhada. Ferry aconselhou-nos a tomar um banho. A banheira
estava pronta. Desde que me encontrava em Budapeste tomava
todos os dias um banho quente. Era o meu único luxo.
Mergulhámos na água quente, que logo nos retemperou. Ferry era
um mestre do amor; conhecia todos os meios para renovar o gozo.
Quando saímos da água, Rosa e eu queríamos enxugar-nos, mas
Ferry impediu-nos. Disse-nos que nos barrássemos com sabão e
depois com óleo. Os nossos corpos tornaram-se escorregadios como
os das enguias. Depois debrucei-me para a banheira e ele tomou
Rosa sobre os ombros; ela ficava assim inclinada, a cara voltada para
ele, que lhe chupava a ratinha, enquanto me atacava por trás, à
maneira dos pederastas, porque não enfiava a lança na minha gruta
da volúpia, mas noutra próxima, que até agora permanecera
virgem. Ele tinha besuntado antes as paredes com óleo e penetrou
muito mais facilmente do que eu teria imaginado; contudo, aleijou-
me um pouco. Enquanto estava ocupado atrás, enfiava-me, pela
frente, as duas mãos na fenda. Os dedos revolviam-me o interior
e senti que uma pele muito delgada os separava do seu ceptro do
amor. A volúpia era mais forte do que a dor; sentia-me arrebatada.
Rosa tinha escorregado; agarrava-se com as pernas aos meus ombros.
O seu templo do amor encontrava-se em frente da minha boca.
Enfiei-lhe o indicador esquerdo no traseiro, o indicador da mão
direita acariciava o alto da fenda, e a minha língua penetrava o mais
à frente possível. Esta carícia é requintada. A crise ocorreu nos três
ao mesmo tempo; ter-se-ia produzido muito mais cedo se Ferry
houvesse perdido o sangue-frio, mas ele permanecia senhor de si,
parava, retirava a flecha do carcás, ajoelhava--se e passeava a
língua pelo sítio onde tanto me tinha brutalizado. Sempre que
recomeçava o assalto, eu sentia uma dor aguda que logo se
transformava na mais doce volúpia. Foi assim que recomeçou
quatro ou cinco vezes até desfalecermos de inebriamento. A fonte
de Rosa tinha trasbordado duas vezes e bebi, de cada vez, o
líquido leitoso com ardor. Infelizmente essa fonte devia secar;
gostaria de beber nela eternamente. O jacto de Ferry inundou o
meu interior. No mesmo momento, abri-me violentamente a ele
ficou com as mãos cheias da minha humidade; levou-as aos lábios e
bebeu muito avidamente.
Não me recordo de ter saboreado mais tarde uma volúpia assim.
Não poderei esquecer este folguedo durante toda a minha vida.
Deitámo-nos na cama de Rosa, porque a minha estava inundada.
Ferry ficou entre nós as duas, que o apertávamos o mais possível.
Depois desta noite deixei de compreender os ciúmes das mulheres.
Parece-me muito mais razoável e muito
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mais natural que tais coisas não se passem como nos países
civilizados. O gozo é aumentado pela presença de uma terceira
pessoa; a cópula e a volúpia não têm por objecto a perpetuação da
espécie; o alvo da natureza é a volúpia.
Logo no dia seguinte, Ferry recordou-me a minha promessa. Jurou-
me que ninguém o saberia. Tive de acompanhá-lo em viagem.
Era a Primavera, o tempo estava radioso. Ferry disse-me que
deixaríamos Budapeste no dia seguinte. Passou todo esse dia
comigo; como já fizera as suas visitas de despedida pensavam que
tinha partido há três dias. Eu dispunha de um mês de licença. Queria
ir a Presburgo, a Praga e regressar por Viena onde contava dar
algumas representações. Esperava estar de regresso em Julho.
Deixámos Budapeste num domingo, às duas horas da noite.
Evitávamos tomar o caminho de ferro ou o barco a vapor;
utilizávamos a carruagem de Ferry ou a mala--posta. Chegámos
cerca das oito horas a Nessmély. Abandonámos então a estrada
principal; depois de termos atravessado Igmánd chegámos cerca do
meio-dia à famosa floresta de Bakony. Entrámos numa estalagem
situada no meio da floresta. A mesa estava já posta para nós. Alguns
homens de cara sinistra mantinham-se no pátio e na sala da
estalagem. Pensei que fossem ladrões e senti-me um tanto inquieta.
Ferry conversava com eles em húngaro. Perguntei-lhe quem eram;
respondeu-me que pobres diabos. Acrescentou que eu não tinha
nada a temer. À tarde voltámos para a carruagem; precediam--nos
cinco homens a cavalo.
Já não avançávamos tão rapidamente. O caminho estava
escalavrado e fomos forçados a ir algum tempo a pé. Chegámos,
enfim, à parte mais espessa da floresta. Ferry pediu-me que desse
um pequeno passeio e a carruagem dirigiu-se para uma casa que
se vislumbrava
entre as árvores e que tinha a aparência de uma estalagem. Os
bandidos precediam-nos afastando os ramos. Passada uma hora,
vieram dois homens ao nosso encontro; um de trinta e dois a trinta
e cinco anos, com o aspecto de um Hércules, a cara feroz mas de
feições regulares; o outro, um adolescente de vinte anos, tão belo
como Adónis. Também faziam parte da quadrilha. Ferry
apresentou-mos; depois disse-me que eu ia saborear o amor com
estes dois homens, que não tinha nada a recear deles, que nem
sabiam quem eu era e que não mantinham quaisquer relações com
o mundo exterior. Detivemo-nos numa clareira. Atravessava-a uma
nascente muito profunda e larga. O homem hercúleo despiu-se
logo, o jovem corava e hesitava; quando Ferry lho ordenou
peremptoriamente, seguiu o exemplo do camarada. Eu despi-me
lentamente. Ferry disse-me que devia dar livre curso às minhas
sensações, que quanto mais apaixonada me mostrasse mais prazer
lhe proporcionaria. Conhecia-lhe os pensamentos como se os tivesse
lido. Queria dar-lhe prazer e resolvi mostrar-me muito dissoluta.
Chamei os dois homens. Disse-lhes que se pusessem nus. Puxei-os
para mim pelo membro... o cogumelo do jovem transformou-se
imediatamente num ramo de carvalho quando lhe toquei; empinou-
se até ao umbigo. O gigante entesara-se assim que se despira.
Quando fiquei completamente nua, meti a lança do jovem na boca
e fiz-lhe cócegas na pequena abertura da glande. Mal a minha
língua lhe tocou, recebi uma descarga ardente na garganta e tive de
apressar-me a engolir para não perder uma gota, tanta quantidade
havia. O gigante agarrou-me pelas ancas, levantou-me, as minhas
nádegas tocavam-lhe no ventre e, sem que eu lhe mostrasse o
caminho, a sua lança descobriu imediatamente a minha concha;
julguei que ia penetrar-me até ao coração, tão comprida ela era. Os
seus movimentos foram lentos,
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VI
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era um jovem; contava cinquenta e nove anos. Podia falar de tudo
com ele; era um perfeito epicureu. Estudava a natureza humana; as
suas opiniões harmonizavam-se com as minhas. Aprendi a
conhecer-me melhor, graças a ele. Explicou-me muitas coisas de
que eu não possuía a chave. Sabia há muito que a natureza da
mulher é totalmente diversa da natureza do homem, mas não
pudera adivinhar porquê. Ele deu-me as razões fisiológicas e
psicológicas. A sua filosofia era simples e clara; tornava--se
impossível enfraquecer os seus princípios, baseados na razão. Não
era de modo algum cínico; na sociedade tomavam-no por um
homem muito moral, embora ele não fingisse qualquer virtude.
Fazia-me gentilmente a corte, não para alcançar aquilo que todos
os homens anseiam, mas porque eu era capaz de escutar e de
compreender as suas palavras. Contudo, notei que seria muito
infeliz se me possuísse fisicamente. É natural. Não sou um
Narciso feminino, mas tenho consciência das minhas qualidades
físicas e espirituais; basta-me olhar para um espelho e comparar a
minha beleza com a das outras mulheres. O senhor próprio me
confessou que nunca viu um corpo de mulher tão bem
proporcionado como o meu, e isto bastantes anos depois de eu
travar conhecimento com Sir Ethelred Merwyn.
Entediava-me ouvir o inglês elogiar-me continuamente, sem tentar
atacar-me o coração ou outra coisa qualquer - diz-se coração por
eufemismo. A minha galantaria era vã. Ele tinha-me explicado
tudo, mas eu queria saber por que era tão platónico para comigo.
Há um provérbio que diz: Se a montanha não se aproxima de
Maome', Maomé deve aproximar-se da montanha. Sir Ethelred era
a montanha e se eu queria obter a minha explicação devia ser o
profeta.
- No entanto eu permito-lhe tudo, Sir Ethelred - disse-lhe uma vez.
- Porque nunca ultrapassa, quando me faz a corte, os limites da
mais estrita amizade? O senhor foi um grande Lovelace1, como me
disse, e até sei que ainda faz as suas conquistas.
- Engana-se, Madame. Já não faço conquistas -
respondeu-me Sir Ethelred. - Não vá julgar que o que
um velho troca por ouro sejam conquistas.
- Não falo das loretas ou de outras mulheres ligeiras. O senhor
só respondeu a uma parte da minha pergunta. Toma-me por uma
coquete sem coração que se
orgulha de prendê-lo ao seu carro triunfal? Pensa que não
pode inspirar amor a uma mulher da minha idade?
- Creio que é impossível. Se me conceder os seus
favores fá-lo-á por dó e não por amor. Seria no máximo
um desejo doentio. Apenas conheceu homens novos.
Gostaria de ver-me cair no ridículo.
- O senhor é injusto para consigo próprio e para
comigo. Já lhe contei que conheci um homem que desdenhava
todas as conquistas e que não vinha oferecer-se voluntariamente. O
senhor também é assim tão vaidoso e exige algo de semelhante à
mulher? Mas o senhor não arrisca nada se receber uma resposta
desfavorável,
pois pode pô-la na conta da sua idade. Ao passo que uma
mulher se sente muito humilhada se representar junto
dela o papel do casto José. Demasiada timidez e demasiada
modéstia não convêm a um homem.
- Mas ainda lhe convém menos fazer dizer dele que é
um velho fauno.
- O senhor continua a ser um belo homem e possui
qualidades que fazem esquecer os anos. Ora vejamos! Se,
desprezando os preconceitos do meu sexo, eu lhe dissesse
que podia esperar tudo de mim, exigir tudo, não se
decidiria a aceitar estes favores inesperados?
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1
Personagem do romance Clarisse Harlowe (1747/1748), escrito por
Samuel Richardson (1689-1761), protótipo do sedutor cínico (N. T.).
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rregulares. Apliquei-me a fazer funcionar os músculos da minha
gruta de tal modo que, por vezes, a sua flecha ficava presa, o que é
extremamente raro e muito apreciado pelos homens. Fizera bem
em inflamá-lo assim, senão teria ficado pelo caminho. Sentia a
crise aproximar-se e apressava os meus movimentos para acelerar
nele a abertura das comportas. Enfim, o orgasmo surgiu. Os olhos
tornaram-se-lhe estranhamente fixos, os seus movimentos
precipitaram-se; beliscou-me voluptuosamente as nádegas e
mordeu-me o ombro, ofegando como um desesperado. Recebi o
jacto antes de a minha fonte correr; mas, passados dois segundos,
ele recebeu em resposta o meu jacto. Sentia-me quase desfalecida
de volúpia. De repente voltei a mim; a rigidez e a imobilidade do
meu amante apavoraram-me.
Julguei, no primeiro momento, que tinha sido acometido de um
ataque. Não respondeu às minhas perguntas. Pus-lhe uma mão
sobre o coração: batia o dobro do que era normal. Dei um puxão
para trás e o punhal saiu da bainha; achava-se distendido e algo
húmido escorria-me ao longo das coxas. Peguei num copo de água
que estava em cima da mesinha de cabeceira e molhei-lhe a cara e
as costas. A água gelada despertou-o. Sentou-se na cama, percorreu
o quarto com a vista, depois enlaçou-me violentamente e beijou-
me o ombro que tinha mordido. Estava muito embaraçado e tive de
acalmá-lo. Vestimo-nos. O seu brinquedo parecia dizer que não
tivera o suficiente porque se erguia debaixo da camisa; se o
houvesse excitado, teria aceitado uma terceira refrega amorosa.
Ouvi dizer que certas pessoas eram atingidas por um ataque, numa
tal situação; isso acontece mais vezes aos homens do que às
mulheres. Deve ser terrível apertar um cadáver nos braços.
Sir Ethelred parecia ter adivinhado os meus pensamentos . Já no
jardim, conversámos acerca deste assunto.
- Meu Deus, então não sabe a que aberrações uma paixão excessiva
conduz? Muitos casos houve em que homens violaram cadáveres. A
lei não seria severa se isso não existisse. Não sei se acontecia mais
vezes dantes do que hoje: agora ainda se passa. Durante as
campanhas napoleónicas esta paixão teve mesmo sérias
consequências para a vítima. Poucos dias antes da batalha de Iena,
um oficial foi aboletado em casa de um pastor protestante. A filha
do pastor morrera há pouco, isto é, o médico que a tratava acabava
de preencher o seu boletim de óbito. Era apenas um caso agudo de
catalepsia. A rapariga devia ser enterrada depois da partida dos
franceses. O oficial, seduzido pela beleza do cadáver, violou-o. A
electricidade da cópula despertou a jovem. Até concebeu. Os pais
ficaram muito agradavelmente surpreendidos por encontrá-la
acordada, na manhã seguinte. Tornou-se mãe e nem sequer
conhecia o pai da criança, um rapaz robusto e muito bem feito. A
coisa explicou-se vários anos mais tarde quando o oficial tornou a
passar por acaso pela aldeia. O escândalo foi enorme. Os franceses
tinham vários casos idênticos na consciência. Quando um era
surpreendido em flagrante delito, desculpava-se dizendo que o
fizera por pura humanidade, a fim de ressuscitar a rapariga.
Nenhum o conseguia, naturalmente, porque estes casos de
catalepsia são excessivamente raros e o meio nem sempre é eficaz. A
violação dos cadáveres é ainda muito frequente; é mais praticada
por pessoas da aristocracia do que por gente do povo. Entre todas
as histórias que conheço, vou contar-lhe a do ministro austríaco, o
príncipe von S...
«Costumava mandar trazer todos os mortos do hospital para o seu
apartamento, com o pretexto de fazer estudos anatómicos, porque
era um apaixonado pela medicina. Os médicos descobriram que ele
violara estes corpos, porque certa vez o cadáver de uma virgem
não
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VII
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VIII
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sulcado por rugas. Usava muito pó de arroz. Fazia parte dos
filósofos da seita dos epicureus. Era muito bem recebida em todo o
lado, porque possuía muito espírito e um bom humor inesgotável.
Além disso, era amável e rica o bastante para organizar recepções
em sua casa; os convidados compunham-se de pessoas do mesmo
espírito e muitas damas suas amigas tinham uma fama equívoca,
embora todas elas pertencessem à aristocracia. Apesar da liberdade
de espírito e de conduta que reinava neste meio, as recepções
nunca terminavam com orgias.
Mau grado a nossa diferença de idade, depressa nos tornámos boas
amigas. Confessei-lhe as relações que mantivera com o primo.
Elogiou-me muito por tê-lo favorecido com o meu amor. Deu-me a
entender que Sir Ethelred lhe falara na nossa ligação, mas sem lhe
dizer o meu nome, porque era muito discreto. Mrs. Meredith falava
livremente de todas as coisas. Disse-me que ainda não tinha
renunciado ao amor, mas que isso lhe custava muito dinheiro.
- Meu Deus - lastimava-se - faço como os velhos que compram o
amor das mulheres novas. Isso nunca desonra o comprador, mas
apenas aquele que troca o maior bem pelo amor.
Como ela ia a toda a parte, tive uma bela oportunidade de aprender
o que havia de notável em Londres. Os Ingleses são muito
tolerantes para com a gente do teatro e da boémia. Não a recebiam
habitualmente no seu meio mas, se a convidavam, tratavam-na
como se fossem fantoches; são de uma delicadeza requintada
durante todo o concerto mas, terminado o espectáculo, já não nos
conhecem. Contudo, se um cavalheiro casa com uma mulher da rua,
esquece-se logo o seu passado e tratam-na como uma grande dama;
se ela, então, se tornar a esposa de um lorde, poderá assistir ao
acordar da rainha.
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FIM