Relatório Final Cpi

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SENADO FEDERAL

SF/19193.51040-43
Comissão Parlamentar de Inquérito
CPI DE BRUMADINHO
E OUTRAS BARRAGENS

RELATÓRIO

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Presidente: Senadora Rose de Freitas (PODE/ES)
Vice-Presidente: Senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP)
Relator: Senador Carlos Viana (PSD/MG)

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Julho de 2019
CPI DE BRUMADINHO E OUTRAS BARRAGENS
Composição

Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL


Senador Antônio Anastasia (PSDB/MG)

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Senadora Juíza Selma (PSL/MT)
Senadora Rose de Freitas (PODE/ES) (Presidente)
Senador Roberto Rocha (PSDB/MA) (Suplente)
Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil (MDB, PP, PRB)
Senador Dário Berger (MDB/SC)
Senador Jáder Barbalho (MDB/PA)
Bloco Parlamentar Senado Independente (PDT,CIDADANIA, PSB, REDE)
Senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP) (Vice-Presidente)
Senador Jorge Kajuru (PSB/GO)

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Senadora Leila Barros (PSB/DF) (Suplente)
Bloco Parlamentar da Resistência Democrática (PT, PROS)
Senador Jaques Wagner (PT/BA)
Senador Jean Paul Prates (PT/RN) (Suplente)
Bloco Parlamentar Vanguarda (PSC, PR, DEM)
Senador Wellington Fagundes (PR/MT)
Senador Zequinha Marinho (PSC/PA) (Suplente)
Partido Social Democrata

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Senador Carlos Viana (PSD/MG) (Relator)
Senador Otto Alencar (PSD/BA) (Suplente)
MENSAGEM DA PRESIDENTE

Senhoras Senadoras e Senhores Senadores,

Até o último dia 5 de junho, data do último corpo identificado

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pela Polícia Civil mineira, a tragédia de Brumadinho somava 246 mortos
identificados, enquanto 24 pessoas continuavam desaparecidas. Ou seja, 270
vítimas fatais.

Nesta terça, dia 2 de julho, lá se vão 158 dias da tragédia que


nunca vamos esquecer. E se alguém acha que ela não tem face, vejam estas
fotos divulgadas. São o retrato das vítimas que ainda não foram encontradas.
Pergunto: o que a Vale tem a dizer para os familiares e para os amigos destas

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pessoas? O que dizer para àqueles que sequer conseguiram enterrar seus
entes mais queridos?

A tragédia da Vale é um acúmulo de tragédias. A inestimável


perda humana; os incontáveis animais mortos; o meio ambiente destruído
por anos, talvez décadas; os sonhos e patrimônios de uma vida inteira
soterrados pela incúria, pela negligência, pela ganância, pela usura, pela
irresponsabilidade, pela indiferença, pelo desleixo de uma empresa que já foi

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modelo.

Bem, quero reforçar aqui que nós, senadoras e senadores que


perseveramos em comparecer na CPI da Barragens - a qual tenho a honra de
presidir, depositária da confiança dos meus colegas -, estamos aqui para dar
uma resposta enérgica e categórica à tragédia humana e ambiental.

E, se nada se aprendeu, chegou o momento em que, por


vergonha ou por mera obrigação, forçosamente teremos que tirar todas as
lições desse evento tão terrível que foi a ruptura da barragem de Brumadinho.
A Vale repetiu aqui, depoimento após depoimento, que todas as
medidas de segurança relativas à barragem B1 da Mina Córrego do Feijão,
em Brumadinho, estavam de acordo com as normas e protocolos relativos a
esse tipo de barragem.

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Pelo que tem sido revelado pelas investigações e pelos
depoimentos desta CPI, evidentemente esta não é a verdade.

Se queremos evitar tragédia semelhante ou pior, tratemos, pois,


nós, do Parlamento, de endurecer a legislação e cobrar de todos os
envolvidos - no governo e nas empresas - responsabilidade. Este, penso, foi
e é o principal objetivo da CPI.

O que não significa que não devamos apontar responsáveis pela

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morte de 270 pessoas. Sem punição, prosseguiremos assistindo novas
Marianas e novos Brumadinhos. Afinal, é mundialmente reconhecido que a
certeza da punição tem efeito de redução drástica sobre crimes e malfeitos
em geral. Em outras palavras, a impunidade leva à reincidência delituosa.

Não é mais possível termos que ouvir o choro de familiares e


amigos de mortos em tragédias causadas pelo cinismo do lucro desmedido.

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Não podemos mais tolerar tanta destruição em nome da
ganância de uns poucos, que não têm a menor consideração para com o seu
semelhante. Basta! Basta!

Brumadinho tem que ser a última tragédia desse tipo na história


do Brasil. Nada vai trazer de volta a vida das vítimas, tampouco curar a dor
dilacerante dos parentes e amigos. Mas, pelo menos, que a dor incontida
sirva para que tragédias como essa nunca mais se repitam.
Cabe a nós, autoridades constituídas, resolver isto de uma vez
por todas. Ou encharcar nossas mãos com a lama da próxima barragem que
se romperá se continuarmos inoperantes e alheios ao povo que nos elegeu.
Da minha parte - e, tenho certeza, dos integrantes que perseveram nesta CPI
-, tragédias como estas serão um triste quadro do passado.

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Por fim, destaco que nosso trabalho não teria sido o mesmo sem
nosso incansável relator, Senador Carlos Viana, que trabalhou com afinco e
determinação para cumprir a pesada tarefa que lhe foi confiada. Sem o seu
empenho, certamente não teríamos chegado até aqui.

Por fim, agradeço aos meus Colegas, integrantes desta CPI, que
perseveraram até hoje.

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Nosso trabalho, nossos sacrifícios não serão em vão.

Que Deus esteja com as vítimas, seus familiares e amigos.

Muita obrigada.

Senadora Rose de Freitas


(PODEMOS/ES)

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Presidente da CPI de Brumadinho
e outras barragens
MENSAGEM DO RELATOR

Quando a tragédia de Mariana abalou Minas Gerais e o Brasil,


investigando os fatos ainda como jornalista cheguei à conclusão de que, se

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nada fosse feito, uma tragédia ainda maior aconteceria. Na tentativa de
despertar as autoridades para a iminente repetição do desastre, fiz esse alerta,
publicamente, em várias ocasiões.

Três anos se passaram e, lamentavelmente, a população de


Brumadinho foi vitimada pelo horror de mais um rompimento de barragem.
Desta vez, causando a morte de 270 pessoas, além de outras terríveis
consequências. Já como senador da República por Minas Gerais, me vi na
obrigação de participar de uma resposta a ser dada à sociedade brasileira.

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Uma contribuição efetiva para, de uma vez por todas, virar essa página de
sofrimento e descaso.

Assim, aceitei o convite para ser o relator da CPI de


Brumadinho e outras barragens. Nesses quatro meses de intenso trabalho,
muitas vezes prejudicado por manobras jurídicas por parte dos investigados,
avançamos na direção de apontar as causas, os responsáveis e as soluções.

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Algumas propostas aqui apresentadas podem ser consideradas
duras. Prefiro dizer que estão à altura dos fatos. E que, por serem incisivas e
claras, terão o poder de fomentar inovações e novos comportamentos por
parte de uma indústria que precisa se renovar para ser aceita pela sociedade.

Este relatório não seria possível sem o trabalho diligente e


cuidadoso de muitas pessoas, e por isso gostaria de fazer alguns
agradecimentos. À Consultoria Legislativa do Senado Federal, na pessoa dos
consultores Bruno Mattos, Fernando Lyrio, Gustavo Cerqueira, Luiz
Bustamante e Tiago Odon. Ao Ministério Público Federal e ao Ministério
Público de Minas Gerais, na pessoa da promotora Andressa Lanchotti. À
Polícia Federal, ao Tribunal de Contas da União e à Agência Nacional de
Mineração, pela colaboração e troca de informações.

Preciso destacar também a excelente parceria com a presidente

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da CPI. Com sua experiência e sabedoria, a senadora Rose de Freitas
conduziu este Colegiado para um resultado de sucesso, em meio a tantas
pressões e expectativas.

A todos, o meu sincero agradecimento. Ao povo de Minas


Gerais, agradeço as inúmeras manifestações de apoio e também as
cobranças, tanto nas diligências que fiz a Brumadinho e Barão de Cocais,
quanto pela Internet. O contato com vocês é a garantia de que estou no rumo
certo. Muito obrigado.

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Senador Carlos Viana
(PSD/MG)
Relator da CPI de Brumadinho
e outras barragens

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Sumário

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10
1.1 Contexto da CPI................................................................................................... 10
1.2 Aspectos técnicos de segurança de barragens ....................................................... 29

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1.2.1 Tratamento (Beneficiamento) de Minérios..................................................... 29
1.2.2 As Barragens de Rejeitos de Mineração ......................................................... 37
1.2.3 Operação e Monitoramento de Barragens de Rejeitos de Mineração .............. 44
2 AUDIÊNCIAS DA CPI ............................................................................................. 56
2.1 Depoimento de Fábio Schvartsman ...................................................................... 56
2.2 Depoimentos de Alexandre Campanha, Makoto Namba, André Yassuda e Ana Lúcia
Yoda ........................................................................................................................... 71
2.3 Depoimentos de Cristina Malheiros e Renzo Carvalho............................................ 78
2.4 Depoimento de Gerd Poppinga ............................................................................ 90
2.5 Depoimentos de César Grandchamp, Felipe Rocha e Arsênio Negro Júnior ............. 97

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2.6 Depoimentos de Marilene Lopes e Silmar Silva.................................................... 112
2.7 Depoimento de Rodrigo Melo ............................................................................ 123
2.8 Depoimentos de Joaquim Toledo, Luciano Siani e Lúcio Cavalli............................. 131
2.9 Depoimentos de Victor Bicca e Germano Vieira................................................... 136
2.10 Depoimentos de Antônio Tonet, Andressa Lanchotti e Helder Silva ...................... 145
2.11 Depoimentos de Fernando Araújo e Uriel Papa ................................................... 150
2.12 Depoimentos de Wilson Brumer e Lilia Sant’Agostino .......................................... 157
3 PROVAS COMPARTILHADAS ............................................................................... 167
3.1 Construção e alteamentos: falhas e omissões...................................................... 170

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3.2 Barragem I: eventos e alertas ............................................................................. 175
3.3 Declarações de estabilidade: relações perigosas .................................................. 187
3.4 Gerência e direção: quem sabia e quem deveria saber......................................... 194
4 RECOMENDAÇÕES SOBRE REGULAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DE BARRAGENS .............. 206
4.1 Diagnóstico ....................................................................................................... 207
4.2 Recomendações ................................................................................................ 209
5 INDICIAMENTOS................................................................................................ 219
5.1 Sociedade de riscos e direito penal ..................................................................... 219
5.1. A relevância penal da omissão............................................................................ 220
5.2. Duas hipóteses gerais: risco moral e defeito de organização ................................ 222
5.3. Tolerância ao risco............................................................................................. 223
5.4. Defeito de organização ...................................................................................... 248
5.5. Sugestão de indiciamentos................................................................................. 259
6 PROJETOS DE LEI ............................................................................................... 268
6.1 Segurança de barragens de rejeitos de mineração ............................................... 276
6.2 Encargos e tributação do setor minerário............................................................ 298
6.3 Crimes ambientais ............................................................................................. 323

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7 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ..................................................................... 336
ANEXOS ......................................................................................................................... 342
Anexo I – Requerimento de criação da CPI de Brumadinho e outras barragens................. 343
Anexo II - Projetos de Lei do Congresso Nacional sobre segurança de barragens .............. 346
Anexo III – Resumo do relatório da World Mine Tailings Failures sobre a tragédia de
Brumadinho ................................................................................................................. 371

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10

1 INTRODUÇÃO

1.1 Contexto da CPI

Este é o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito

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(CPI) criada pelo Requerimento nº 21 de 2019 e aditada pelo Requerimento
197 de 2019, destinada a “apurar as causas do rompimento da barragem na
Mina Córrego do Feijão, da empresa de mineração Vale, em Brumadinho;
tendo como objetivo identificar os responsáveis, quais foram as falhas dos
órgãos competentes, os autores dos laudos técnicos e adoção das
providências cabíveis para evitar novos acidentes”.

A presente Comissão iniciou seus trabalhos no dia 12 de março

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de 2019 para funcionar pelo prazo de 120 dias (REQ 197/2019), a ser
finalizado em 10 de julho de 2019.

O rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em


Brumadinho (MG), foi uma tragédia sem precedentes na história do país. Às
12h28 do dia 25 de janeiro de 2019, a barragem que armazenava 12,7
milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração entrou em colapso e
produziu uma avalanche de lama que arrastou os prédios administrativos do

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complexo industrial, casas e propriedades rurais, até atingir o rio Paraopeba,
a uma distância de nove quilômetros.

A tragédia de Brumadinho foi o maior acidente de trabalho já


registrado no Brasil, com mais de 120 trabalhadores mortos, entre
funcionários da empresa Vale S/A, proprietária da mina, e funcionários de
empresas terceirizadas que atuavam no local. Também está sendo apontado
por especialistas como o segundo acidente industrial – denominação para
desastres de larga escala causados por atividades empresariais – mais
11

mortífero do século XXI em todo o mundo. Além dos trabalhadores, a lama


de rejeitos provocou a morte de moradores da cidade de Brumadinho e de
turistas que estavam na região. Foram confirmados, até o momento, 246
óbitos, sendo que 24 pessoas permanecem desaparecidas, levando ao total
aproximado de 270 mortes.

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Como se não bastasse a perda de vidas humanas, a tragédia
provocou ainda prejuízos incalculáveis para o meio ambiente. Os dados
preliminares divulgados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) indicam a perda de 133,27 hectares
de Mata Atlântica. Centenas de animais foram mortos ou recolhidos da
região, que perdeu cerca de 300 hectares de cobertura vegetal. Os rejeitos de
mineração atingiram o Rio Paraopeba, cuja bacia engloba 48 municípios,

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com população superior a 1,3 milhões de habitantes. Relatório divulgado
pela Fundação SOS Mata Atlântica um mês após o acidente apontou que o
Rio Paraopeba apresentava na ocasião níveis de cobre nas águas 600 vezes
acima do permitido no caso de rios usados para abastecimento humano,
irrigação, pesca e lazer.

Ante os números da tragédia, o desastre de Brumadinho suscita


o debate sobre o modelo de exploração mineral no Brasil, sobretudo em

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relação aos riscos provocados pelas barragens de rejeitos. No centro dessa
discussão encontra-se a Vale S/A, segunda maior mineradora do mundo, que
tem 133 barragens de minério de ferro no País, sendo 105 em Minas Gerais,
21 no Pará e sete no Mato Grosso do Sul.

A Vale, detentora de 50% de participação acionária na empresa


Samarco, está envolvida em outro grave fato ocorrido pouco mais de três
anos antes da tragédia de Brumadinho: o rompimento da barragem de rejeito s
12

da Mina do Fundão, em 5 de novembro de 2015, no município de Mariana


(MG), considerado até então o maior desastre socioambiental do País.

O lançamento de cerca de 45 milhões de metros cúbicos de


rejeitos no meio ambiente provocou 19 mortes e devastou o distrito de Bento

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Rodrigues, situado logo abaixo do local de barramento. O volume de rejeitos
formou uma onda compacta de poluentes que ultrapassou a barragem de
Santarém, percorrendo 55km no Rio Gualaxo do Norte até o Rio do Carmo,
e outros 22km até o Rio Doce.

Esse deslocamento, com causa diversa, mas com efeitos


semelhantes aos de um tsunami, formou uma onda compacta, composta
principalmente por óxido de ferro e sílica, que, após soterrar Bento
Rodrigues, avançou até o litoral do Espírito Santo, percorrendo

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aproximadamente 663km de cursos d'água, afetando-os severamente.

Um laudo técnico preliminar do IBAMA, concluído em 26 de


novembro de 2015, aponta que “o nível de impacto foi tão profundo e
perverso ao longo de diversos estratos ecológicos que é impossível estimar
um prazo de retorno da fauna ao local”. O desastre causou a destruição de
1.469 hectares, incluindo Áreas de Preservação Permanente (APPs).

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Após o desastre em Mariana, em função de acordo feito com o
Ministério Público do Estado de Minas Gerais, a mineradora anglo-
australiana BHP, a Vale e a Samarco criaram a Fundação Renova, para
custear as reparações aos atingidos pela tragédia. Pelo cronograma, a
fundação tem até 10 anos para aplicar mais de R$ 4 bilhões em
compensações. As três empresas e seus representantes respondem a ações na
Justiça por homicídios e crimes ambientais.
13

No caso de Brumadinho, a Vale antecipou-se às decisões


judiciais e tomou medidas emergenciais para ressarcir os danos causados
pelo acidente. A empresa anunciou a doação de R$ 100 mil para as famílias
de vítimas da tragédia, bem como a doação de R$ 80 milhões para o
município de Brumadinho como compensação pela perda de arrecadação da

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cidade em virtude da interrupção dos trabalhos de exploração da Mina
Córrego do Feijão.

Ainda em janeiro, logo após o acidente, a Justiça bloqueou R$


11 bilhões da Vale, a fim de reparar os danos da tragédia. Durante as
investigações, chegaram a ser presos 11 funcionários da mineradora e dois
da empresa terceirizada TÜV SÜD, responsável pelo laudo que atestou a
segurança da barragem rompida.

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O impacto da tragédia de Brumadinho, pouco tempo depois do
acidente de Mariana, levou os órgãos de fiscalização e a própria empresa a
mudarem os procedimentos para garantir maior segurança à população que
vive no entorno das barragens. Revelou-se nas medidas de mitigação dos
riscos a preocupação com o método de construção de barragens por
alteamento a montante, utilizado tanto na Barragem I da Mina Córrego do
Feijão, em Brumadinho, quanto na Barragem do Fundão, em Mariana.

O método de alteamento a montante, escolhido tanto para o c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

projeto da Barragem I da Mina Córrego do Feijão como para o da Barragem


de Fundão, em Mariana, apesar de bastante comum nos projetos de
mineração das últimas décadas, é considerado pela maioria dos especialistas
como uma opção menos segura e, portanto, mais propensa a acidentes.

Em Nota Explicativa publicada em 15 de fevereiro de 2019, a


Agência Nacional de Mineração (ANM) manifestou sua posição sobre o
tema:
14

A presente Nota tem o objetivo de municiar de esclarecimentos a


proposição de nova resolução da Agência Nacional de Mineração
(ANM) no tema de segurança de barragens, focado nas barragens
construídas ou alteadas pelo método a montante, além de outras
especificidades referentes ao tema.

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O histórico de acidentes recentes em barragens de mineração
(Herculano Mineração, Samarco Mineração, Mont Polley (Canadá) e
Vale S.A.) mostra que o modelo construtivo a montante era uma opção
para o setor, largamente adotada entre as décadas de 70 e 90, onde
proporcionava a edificação de barragens com menor custo ao
empreendedor.

Contudo, constata-se que este método não pode mais ser tolerado na

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atualidade, uma vez que crescem os registros de acidentes relacionados
a este método construtivo, bem como se observa que várias destas
estruturas já ultrapassam algumas dezenas de anos de vida útil, além de
terem sido alteadas ao longo dos anos, o que aumentou paulatinamente
a carga de rejeitos em suas bacias.

Isto posto, barragens construídas ou alteadas a montante,

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principalmente as mais antigas, devem ter um tratamento diferenciado e
um monitoramento mais de perto até que sejam extintas. Tal situação
demanda alterações e inovações infra legais para que a sociedade esteja
salvaguardada.

A Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB),


estabelecida pela Lei nº 12.334, de 20 de setembro de 2010, cria regras para
a acumulação de água e de resíduos industriais, e para a disposição final ou
temporária de rejeitos.
15

Essa política atribui à Agência Nacional de Águas (ANA) a


responsabilidade de organizar, implantar e gerir o Sistema Nacional de
Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB) – que é a fonte mais
completa de dados sobre barragens localizadas no território brasileiro,
malgrado as suas eventuais deficiências.

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Os dados da ANA, relativos ao ano de 2017, publicados pela
Agência no Relatório de Segurança de Barragens, em novembro de 2018,
são alarmantes. Segundo o texto, o Brasil tem 31 órgãos fiscalizadores de
segurança de barragens. A consolidação dos dados produzidos por esses
órgãos leva ao registro de pouco mais de 24.000 barragens, destinadas aos
mais diversos usos, com predominância daquelas destinadas à irrigação, à
dessedentação animal e à aquicultura.

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Aqui, não se trata de um documento qualquer. Afinal, é o
relatório que visa a fornecer à sociedade brasileira um panorama da evolução
da segurança das suas barragens e da implementação da PNSB.

É importante assinalar que os números divulgados pela ANA


são anteriores à tragédia de Brumadinho e estão claramente dispostos no
portal www.snisb.gov.br, onde estão disponibilizadas on line as informações

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das barragens cadastradas no sistema, além de informações relevantes sobre
a segurança das barragens no País.

Uma informação apresentada pelo documento, e que causa


grande perplexidade, é o fato de não existir qualquer ato de autorização,
outorga ou licenciamento para 42% das barragens, e de, em 76% dos casos,
não haver definição quanto à barragem estar ou não submetida à PNSB.

De acordo com a publicação da ANA, 3.543 barragens foram


classificadas por Categoria de Risco (CRI) e 5.459 quanto ao Dano Potencial
16

Associado (DPA), sendo 723 classificadas simultaneamente como Categoria


de Risco e Dano Potencial Associado altos.

Segundo a ANM, considerando-se as barragens inseridas na


PNSB, de acordo com o método construtivo, os números de janeiro de 2019

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eram:

 Por alteamento a montante: 84 barragens;

 Por alteamento a jusante: 107 barragens;


 Por alteamento por linha de centro: 29 barragens; e

 Por etapa única de construção: 204 barragens.


A ANM determinou a instalação de sirenes nas regiões que
podem ser atingidas pela onda de inundação causada pelo rompimento de

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uma barragem em até 30 minutos ou a 10 quilômetros da mesma, chamadas
"zonas de autossalvamento"

Ocorre que, segundo declararam à imprensa diversos moradores


da região afetada, as sirenes de emergência instaladas na Mina Córrego do
Feijão não foram acionadas quando houve o rompimento. Segundo a Vale,
isso aconteceu porque a sirene foi engolida pela lama – uma situação que,
aplicando-se um raciocínio lógico, deveria ter sido prevista no projeto de

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instalação dos equipamentos.

A Agência também impôs às empresas responsáveis por


barragens de mineração, independentemente do método utilizado em sua
construção, a obrigação de atualizar seus planos de emergência e avaliar a
necessidade de remover instalações administrativas que estejam nas áreas de
influência das barragens.

A ANM divulgou tais determinações duas semanas após o


desastre ocorrido em Brumadinho. Fica nítida a constatação de que a tragédia
17

poderia ter sido evitada, pois, na opinião de muitos especialistas, trata-se de


um erro primário de projeto a opção de construir refeitórios e escritórios logo
abaixo da barragem.

No dia 29 de janeiro, pouco depois do acidente de Brumadinho,

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a Vale anunciou a eliminação de 10 barragens construídas por alteamento a
montante. No dia 15 de fevereiro, a ANM publicou uma resolução proibindo
a construção de novas barragens a montante e tornando mais rígidas as
normas de segurança. A ANM levou em conta que “existem atualmente
oitenta e quatro barragens de mineração construídas ou alteadas pelo método
a montante ou por método declarado como desconhecido na Política
Nacional de Segurança de Barragens – PNSB”, além de “218 barragens de
mineração classificadas como de alto dano potencial associado, ou seja, dano

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que pode ocorrer devido ao rompimento ou mau funcionamento de uma
barragem, independentemente da sua probabilidade de ocorrência, com
possibilidade de perda de vidas humanas e sérios danos sociais, econômicos
e ambientais”.

A resolução da ANM ainda estabeleceu um índice do fator de


segurança mínimo exigido para atestar a regularidade das barragens: “Cabe
ao projetista, profissional legalmente habilitado pelo sistema

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CONFEA/CREA e com experiência comprovada, estabelecer os fatores de
segurança mínimos para as barragens de mineração inseridas na PNSB,
independentemente do método construtivo adotado, com base na ABNT
NBR 13.028/2017, nas normas internacionais e nas boas práticas de
engenharia, sendo vedada a fixação em valor inferior a 1,3 para as análises
de estabilidade e estudos de susceptibilidade à liquefação, considerando
parâmetros de resistência não drenada.”
18

As novas determinações da Agência Nacional de Mineração


obrigaram a Vale e outras mineradoras a adotarem procedimentos mais
rígidos de segurança, o que levou a uma série de operações de evacuação das
áreas nas quais havia risco de rompimento de barragens.

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No dia 8 de fevereiro, 239 moradores das localidades de
Socorro, Tabuleiro e Piteiras, em Barão de Cocais (MG), foram retirados de
suas casas por causa do registro de um possível desnível da estrutura da
barragem Sul Superior, da mina Gongo Soco, pertencente à Vale. No mesmo
dia, 65 moradores do distrito de Pinheiros, em Itatiaiuçu (MG), foram
evacuados em função do risco da barragem da mina de Serra Azul, da
empresa ArcelorMittal. As empresas alegaram que as operações de
evacuação foram preventivas.

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Em 16 de fevereiro, a Vale emitiu um alerta para a barragem
B3/B4 da mina Mar Azul, localizada no distrito de Macacos, em Nova Lima
(MG). Cerca de 200 pessoas deixaram suas casas porque uma empresa de
auditoria se negou a assinar o laudo que atestaria a segurança da barragem.
Novamente a Vale informou que não havia risco iminente para a população:
"a decisão é uma medida preventiva e se dá após a revisão dos dados dos
relatórios de análise de empresas especializadas contratadas para assessorar

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a Vale. Cabe ressaltar que a estrutura está inativa", assegurou a empresa em
nota.

Em 20 de fevereiro, foram retirados moradores que vivem nas


proximidades da mina Vargem Grande, também da Vale, em Nova Lima
(MG). A medida atingiu 38 famílias. No mesmo dia, 75 pessoas tiveram que
deixar suas casas na zona rural de Ouro Preto (MG), em região próxima às
barragens de Forquilha I, Forquilha II, Forquilha III e Grupo, da Vale. Na
ocasião, mais uma vez as ações foram consideradas preventivas.
19

Nesse ponto, é importante ressaltar que acidentes como o de


Mariana e de Brumadinho já ocorreram no Brasil por diversas vezes, ainda
que em escala bem menor. Por exemplo, em 2015, ano do desastre em
Fundão, o rompimento da barragem Algodões no município de Cocal, Norte
do Piauí, havia completado seis anos. Transcorrido esse período, posterior a

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uma tragédia que deixou nove mortos e centenas de desabrigados, o
sentimento de dor ainda persiste naquela região.

Foram 50 milhões de metros cúbicos de água liberados em um


intervalo de poucos minutos, que provocaram uma torrente de destruição. O
fato ocorreu no ano em que se registrou o maior volume de chuvas das
últimas quatro décadas, segundo a Defesa Civil do Piauí.

A Barragem Algodões não cumpriu a sua função de guardar

Página: 19/398 02/07/2019 09:20:28


água para os períodos de seca e a enxurrada provocou destruição e desolação.
Como resultado, famílias viram seus parentes desaparecer e morrer na
correnteza. Alguns corpos arrastados nunca foram encontrados e o drama de
muitos persiste até hoje.

O iminente risco de rompimento foi detectado e a população que


habitava as regiões abaixo da represa chegou a ser evacuada. Contudo, esse

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risco foi afastado pelas autoridades e a ordem de retorno às residências foi
dada. Mas a barragem efetivamente se rompeu. Uma onda cuja altura foi
estimada em 20 metros avançou rapidamente sobre a cidade e, além das nove
mortes registradas, houve graves danos socioambientais e sérios prejuízos
econômicos.

Aos exemplos de Mariana (MG) e Cocal (PI) somam-se muitos


outros que sinalizaram, dramaticamente, a possibilidade – mais ainda, a
grande probabilidade – de novas ocorrências catastróficas de grande
magnitude, pois as barragens de rejeitos de mineração são estruturas que,
20

ainda que operadas e mantidas com zelo e competência, representam um


risco permanente.

É certo que qualquer atividade econômica está associada a


algum grau de risco para o empreendedor, para seus clientes, para seus

SF/19193.51040-43
colaboradores e para a sociedade. Também é correto afirmar que a redução
do risco em qualquer atividade humana é acompanhada, como regra, pelo
aumento do custo associado à atividade a ser desenvolvida, por conta de
legislações mais exigentes. Essa variação inversa, seja ela proporcional ou
não, aplica-se a todas as atividades de exploração econômica dos recursos
naturais. Em palavras simples: para diminuir riscos, em geral, é necessário
aumentar custos.

Com isso, mesmo em uma economia de mercado é

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imprescindível a atuação do poder público, nomeadamente na criação das
normas aplicáveis a cada uma das atividades e, claro, na garantia de sua
aplicação.

No caso das barragens, o risco a ser considerado vem


aumentando nas últimas décadas, em razão das ocorrências de chuvas
excepcionalmente fortes que, segundo a maioria dos cientistas, tendem a ser

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fenômenos cada vez mais frequentes.

Essas estruturas são, em geral, destinadas à reservação de água


para geração de energia elétrica, bem como para contenção de cheias,
dessedentação animal, aquicultura ou para irrigação. Também são utilizadas
para a disposição de rejeitos de mineração e de resíduos industriais. Esses
materiais, mesmo que apresentem baixa solubilidade em água, formam
soluções aquosas e, por isso mesmo, em caso de ruptura da estrutura que os
contém, podem se transformar em uma destruidora torrente de lama.
21

Para os especialistas, em razão das mudanças que vêm


ocorrendo no clima da Terra, o risco potencial de rompimento de uma
barragem, mesmo que em boas condições de estabilidade, está aumentando,
o que torna determinadas opções de projeto fortemente desaconselháveis.

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No entanto, o conhecimento atual da engenharia já oferece
opções mais seguras para barragem de rejeitos de mineração, tais como os
métodos de beneficiamento de minério a seco, uma alternativa que permite
prescindir do uso de barragens de rejeitos ou, ao menos, diminuir o tamanho
e o volume dessas estruturas, que podem atingir impressionantes 100 metros
ou mais de altura.

De fato, não é o conhecimento humano – ou a falta dele – o


grande obstáculo para a prevenção de acidentes com barragens de qualquer

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natureza. As grandes e indesejáveis barreiras estão concentradas na falta de
políticas públicas; nos “vácuos” e “colisões” da legislação; no excessivo foco
na redução de custos, em detrimento da redução de riscos; nas imperfeições
dos modelos de gestão; no ativismo judicial; no excesso de subjetividade das
normas; e, por último, mas mais importante, na incapacidade de aprendermos
com nossos erros.

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Essa combinação de falhas e deficiências fermentou um nefasto
processo que culminou na assombrosa tragédia de Brumadinho. Ainda sob a
perplexidade causada pelas desgraças causadas pela avalanche que devastou
os arredores de Mariana no final de 2015, Minas Gerais se viu diante de mais
uma tragédia.

Devemos dar a devida importância à segurança das barragens,


lembrando que muitas dessas estruturas, especialmente aquelas destinadas à
geração de energia elétrica, são de aproveitamentos múltiplos, ou seja,
servem para diversas finalidades. Segundo a ANA, contudo, a grande
22

maioria das barragens é ligada ao setor agrícola, sendo preponderantes os


usos para a irrigação (41%), para a dessedentação animal (17%) e para a
aquicultura (11%).

São estruturas semelhantes, mas não iguais. Há diferenças

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importantes entre elas. Nos projetos de hidrelétricas, por exemplo, utiliza-se
o conceito de cheia decamilenar, ou seja, calcula-se qual seria a maior cheia
estimada para o ponto de barramento considerado para um determinado rio,
para um intervalo de dez mil anos.

A partir do resultado obtido, projeta-se uma barragem capaz de


resistir a essa vazão. Eis aí um item de segurança que pode ser facilmente
avaliado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Além disso,
o intervalo de tempo considerado fornece garantias relevantes e introduz no

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cálculo uma variável importante para a definição do grau de risco do projeto.

Todavia, esse é o caso das hidrelétricas, todas elas reguladas


pela Aneel. Acontece que o Brasil possui 43 potenciais agentes
fiscalizadores de barragens, dos quais quatro são federais e 39, estaduais. A
responsabilidade pela fiscalização dá-se de acordo com a finalidade de cada
uma.

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Criou-se um emaranhado regulatório no qual é possível
encontrar – e nem sempre as distinguir entre si – atribuições dos órgãos
ambientais estaduais; do Ibama; da ANM; da ANA; dos órgãos gestores
estaduais de recursos hídricos; e da Aneel.

Segundo as normas vigentes, o Dano Potencial Associado


(DPA) relativo a uma barragem é aquele que pode ocorrer devido ao
rompimento, vazamento, infiltração no solo ou mau funcionamento,
independentemente da sua probabilidade de ocorrência.
23

Os índices podem ser graduados de acordo com as possíveis


perdas de vidas humanas e com os eventuais impactos sociais, econômicos
ou ambientais. Esses são os critérios usados para determinar se uma
barragem está submetida à Lei no 12.334, de 2010.

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Considerando as barragens classificadas pelo relatório citado,
quanto ao DPA e à Categoria de Risco (CRI), 723 possuíam tanto a CRI
quanto o DPA altos. Para o Brasil como um todo, o relatório da ANA de
2017 aponta que, do total de 24.092 barragens cadastradas, 13.997 (ou 58%)
possuem algum tipo de auto de autorização (outorga, concessão, autorização,
licença etc.), estando, portanto, regularizadas.

A regularização é importante, pois é o vínculo formal entre a


barragem e seu empreendedor que permite a atuação dos órgãos

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fiscalizadores para cumprimento dos regulamentos existentes. No entanto,
as informações referentes a 76% das barragens cadastradas, ou seja, mais de
18.000 barragens, são insuficientes para definir se estas são abrangidas pela
PNSB.

Entretanto, por óbvio, entende-se que definir se uma barragem


deveria se submeter ou não à PNSB é – ou, ao menos, deveria ser – o trabalho

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básico de todas as entidades fiscalizadoras. Passados oito anos da publicação
da lei, os órgãos públicos ainda são incapazes de nos dizer qual é o universo
de barragens às quais se aplica a PNSB.

Após o desastre de Brumadinho, o Conselho Nacional de


Recursos Hídricos (CNRH), órgão vinculado ao Ministério do
Desenvolvimento Regional, aprovou a Moção nº 72, de 29 de janeiro de
2019, recomendando ao Governo Federal e aos órgãos estaduais medidas
necessárias à imediata fiscalização de todas as barragens classificadas como
24

de risco alto ou com dano potencial associado alto, nos termos do Relatório
de Segurança de Barragens de 2017.

Trata-se de uma missão quase impossível de ser cumprida pelos


órgãos responsáveis. Consideradas as condições de trabalho oferecidas a

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esses órgãos, o histórico de seu desempenho e o modelo de gestão que
predomina em suas estruturas, seria muito otimismo esperar que sejam
capazes de fiscalizar 3.386 barragens até o fim do ano e, mais ainda, de
monitorar, até junho, 205 estruturas desse tipo que apresentem risco.

Além disso, o Conselho definiu a lista de barragens a serem


vistoriadas pelos diversos órgãos e requereu dos órgãos fiscalizadores a
atualização tanto dos planos de segurança pelos controladores das barragens
quanto da atualização de informações técnicas sobre as estruturas no SNISB,

Página: 24/398 02/07/2019 09:20:28


no prazo de 90 dias. Recomendou, ainda a realização de auditorias nos
procedimentos e nas normas orientadoras da fiscalização – sem detalhar o
conjunto de mudanças que deverão ser implantadas, o que não é razoável.

Em resumo, diante de nós há um cenário que causa extrema


preocupação. Em se tratando de barragens de rejeitos de minérios, há muitos
riscos remanescentes que, pelo visto, permanecerão por um bom tempo.

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Por exemplo, a mesma Vale das tragédias de Mariana e
Brumadinho possui uma estrutura que retém algo em torno de 110 milhões
de metros cúbicos de rejeitos. Essa barragem, denominada Gelado e
localizada em Carajás, é motivo de grande preocupação, uma vez que o
volume de material nela acumulado é muito superior à soma do que foi
liberado pelo rompimento das barragens de Mariana e de Brumadinho.

Entre as tarefas mais nobres que os membros do Congresso


Nacional devem desempenhar está a de defender os direitos coletivos, os
25

direitos difusos e os direitos individuais homogêneos, o que implica


privilegiar a proteção ao meio ambiente e a garantia dos direitos do cidadão.
Devemos, necessariamente, oferecer respostas convincentes para a
população brasileira em relação a questões que estão a demandar, há
décadas, um posicionamento firme e rigoroso na garantia desses direitos.

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Além disso, é atribuição constitucional do Congresso Nacional fiscalizar os
atos do Poder Executivo, o que inclui as providências das autoridades
competentes, no sentido de se evitar rompimentos sucessivos de barragens,
que causaram tanto dano aos cidadãos e às cidadãs de nosso País.

Debater as causas, as consequências e as responsabilidades


associadas ao rompimento ocorrido no dia 25 de janeiro deste ano na
barragem da mineradora Vale localizada em Brumadinho (MG) é uma tarefa

Página: 25/398 02/07/2019 09:20:28


urgente e inadiável.

Desse modo, para cumprir essa missão de muita


responsabilidade, foi criada a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
destinada a apurar as causas do rompimento da Barragem I da Mina Córrego
do Feijão, de propriedade da empresa Vale S/A, em Brumadinho.

A legislação brasileira confere às Comissões Parlamentares de

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Inquérito o poder de autoridade judicial. Entretanto, no que tange à
investigação, as CPIs sofrem restrições, não podendo, por exemplo,
determinar buscas e apreensões ou até mesmo prisões. Para vencer esse
obstáculo, a Comissão adotou a abordagem do compartilhamento de provas,
tendo tido acesso às investigações conduzidas pelo Ministério Público e pela
Polícia Federal.

A estratégia mostrou-se eficiente. A CPI colheu os depoimentos


dos principais envolvidos no acidente de Brumadinho posteriormente aos
órgãos de investigação. Somando aos depoimentos as provas colhidas pelo
26

Ministério Público e pela Polícia Federal, a Comissão avançou na análise das


causas do desastre e pôde determinar as responsabilidades.

A dimensão dessa tragédia exigiu que o Senado Federal


catalisasse uma discussão qualificada e sem subterfúgios sobre tais questões,

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cuja magnitude exigiu a mobilização de um conjunto formado
majoritariamente por pesquisadores, acadêmicos e especialistas voltados
para a compreensão dos aspectos geológicos, mineralógicos,
socioambientais e da engenharia de barramentos, além, é claro, de outras
autoridades cujas responsabilidades institucionais conectam-se ao tema.

Evidentemente, a sociedade foi convidada a comparecer por


meio de atores que a representassem para que pudéssemos aprofundar essas
discussões, exigindo respostas coerentes e verificáveis, mas, também para

Página: 26/398 02/07/2019 09:20:28


que, em conjunto, o setor produtivo, a academia, o meio científico, os
operadores do direito, os técnicos do setor e a sociedade civil pudessem
vislumbrar soluções cabíveis para tão grandes problemas.

O objetivo sempre foi o de atuar com agilidade, mas sem a


intenção de perseguir quem quer que seja, de pedir cabeças ou de imputar
responsabilidades de forma indiscriminada.

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Priorizamos a firmeza e a serenidade, sempre sustentadas pelo
conhecimento das normas que regem o setor e pelo respeito à vasta legislação
correlata, sempre amparados pela Carta Maior.

A 1ª reunião da CPI de Brumadinho foi destinada à eleição dos


cargos de Presidente, Vice-Presidente, bem como para designação do
Relator. Por aclamação, foi eleita a Senadora Rose de Freitas para Presidente
e o Senador Randolfe Rodrigues para Vice-Presidente.
27

Em seguida, a Presidente indicou o Senador Carlos Viana para


Relator, o que foi aceito pelo colegiado da CPI sem manifestação contrária.

Para a elaboração do relatório, a PNSB, estabelecida pela Lei nº


12.334, de 2010, foi o nosso guia mais importante. Contudo, para uma

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abrangente compreensão do tema, consideramos, também, as proposições
legislativas que tratam dessa complexa temática e que tramitam nesta Casa
– bem como na Câmara dos Deputados. No Anexo I deste relatório estão
listados esses Projetos de Lei, os principais assuntos neles tratados e os
detalhes de suas tramitações.

No capítulo dois, percorremos todas as audiências realizadas


pela CPI, incluindo a etapa de investigação, que buscou examinar as causas
da tragédia e os responsáveis, e a etapa de propostas, que buscou identificar

Página: 27/398 02/07/2019 09:20:28


as lacunas e falhas da legislação, embasando as recomendações e as
propostas legislativas da CPI.

Na etapa de investigação, algumas oitivas foram prejudicadas


pela atitude de depoentes que, amparados por habeas corpus, usaram o seu
direito de permanecer em silêncio. Mesmo assim, importantes elementos
investigativos foram colhidos, percorrendo toda a hierarquia da empresa

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Vale. Essa etapa foi concluída com a presença dos Procuradores e
Promotores do Ministério Público, que esclareceram alguns aspectos
importantes para a compreensão do contexto da investigação.

As audiências incluíram também convidados de órgãos


públicos, como o Tribunal de Contas da União e o Ministério das Minas e
Energia, além de especialistas da área.

O capítulo 3 traz os principais elementos identificados nas


provas compartilhadas, obtidas por colaboração com a Procuradoria-Geral
28

da República e o Ministério Público de Minas Gerais. As provas


compartilhadas, que incluem também o Inquérito Policial instaurado pela
Polícia Federal, foram de fundamental importância para compreender a
atuação de cada pessoa e cada área, ao longo do tempo, e como isso
contribuiu para a ocorrência da tragédia.

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No capítulo 4 listamos algumas recomendações apresentadas
pelo Tribunal de Contas da União, em seus relatórios e acórdãos, quanto à
estrutura, recursos e forma de atuação da ANM, reconhecendo a capital
importância da Agência para garantir que o setor de mineração atue com
mais segurança.

Tomando por base os depoimentos na CPI e as provas


compartilhadas, o capítulo 5 traz as conclusões da investigação, detalhando

Página: 28/398 02/07/2019 09:20:28


os crimes cometidos, as responsabilidades e os indiciamentos propostos.

O capítulo 6 traz os Projetos de Lei propostos por esta


Comissão, divididos em três áreas. O primeiro e mais abrangente diz respeito
à segurança de barragens de mineração, principal tema desta CPI.
Reconhecendo a necessidade de melhorar a estrutura de tributação do setor
minerário, apresentamos também uma proposta nesse sentido. Por último,

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mas não menos importante, apresentamos propostas para tipificar os crimes
ambientais associados a esta tragédia.

O relatório traz, no capítulo 7, algumas conclusões e


recomendações finais. Além dos requerimentos de criação da CPI (Anexo I),
apresentamos o Anexo II com a lista de Projetos de Lei em tramitação no
Congresso Nacional sobre segurança de barragens e assuntos próximos,
detalhando os temas neles tratados e sua respectiva tramitação. Com isso,
esperamos estimular uma iniciativa futura de análise conjunta desses
projetos, de forma que o País possa ter, na mineração, uma legislação ampla,
29

moderna, voltada à segurança, ao desenvolvimento econômico e social e com


respeito ao meio ambiente.

Na impossibilidade de esta CPI realizar uma completa avaliação


técnica das causas da tragédia, incluímos, no Anexo III, um resumo da

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análise da entidade World Mining Tailings Failures sobre a tragédia de
Brumadinho, que trata em detalhes os aspectos técnicos envolvidos. A
WMTF é uma respeitada entidade internacional que analisa os mais graves
acidentes da mineração desde 1915.

1.2 Aspectos técnicos de segurança de barragens

1.2.1 Tratamento (Beneficiamento) de Minérios

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A atividade de mineração remonta aos primórdios da
humanidade e tem sido de fundamental importância para o seu
desenvolvimento. Tamanha é a relevância da mineração que as eras mais
remotas de nossa civilização foram batizadas com o nome dos minerais
extraídos pelo homem: além da Idade da Pedra, Lascada e, posteriormente,
Polida, passamos pela Idade do Bronze e a Idade do Ferro.

Em que pese a prática de milhares de anos, a prospecção mineral

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se mantém como uma das atividades econômicas de menor taxa de sucesso.
De fato, de cada mil iniciativas de pesquisa mineral em terrenos
desconhecidos, em média, apenas uma resulta em um empreendimento
economicamente viável.

A causa desse baixo desempenho é perfeitamente


compreensível quando se atenta para a composição da crosta terrestre. Essa
fina camada sólida que reveste a superfície de nosso planeta é composta em
sua quase totalidade por poucos elementos químicos. O oxigênio e o silício
30

correspondem a quase 75%. Os oito elementos mais abundantes seguintes −


alumínio, ferro, cálcio, sódio, potássio, magnésio, titânio e hidrogênio −
perfazem pouco mais de 24%. Todos os outros elementos juntos não chegam
a 1% da composição química da crosta terrestre.

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Com raras exceções, os elementos se apresentam combinados
na forma de minerais, i.e., substâncias naturais, inorgânicas, homogêneas e
com propriedades bem definidas. Os minerais agregam-se na forma de
rochas. Quando um dos minerais componentes da rocha possui valor
econômico, esta é chamada de minério. Os minerais que despertam interesse
econômico são chamados de mineral minério, ou, mais comumente apenas
de minério.

Entretanto, para que a mineração seja economicamente viável,

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é preciso que os elementos estejam presentes nos minérios em teores muito
mais elevados que a sua participação média na composição da crosta
terrestre. Esses pontos enriquecidos, conhecidos como anomalias, formam
os depósitos minerais. Estes resultam de processos geológicos complexos e
de baixa ocorrência. As anomalias economicamente viáveis são
denominadas jazidas e o empreendimento onde se extrai o minério da jazida
é a mina.

Muitas vezes, para acessar os veios onde se encontram os c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

minérios, é preciso remover camadas de solo e de subsolo. Esse material,


chamado de estéril, não é processado e usualmente é armazenado em pilhas
para ser utilizado na futura recuperação ambiental da mina.

O minério surge em depósitos misturados a outros minerais sem


valor econômico, denominados de ganga. Após a lavra, i.e., a extração da
jazida, o minério mantém o mesmo teor do elemento de interesse que
apresentava na natureza. Considerando que geralmente não se justifica
31

economicamente transportá-lo por grandes distâncias nessa condição, o


minério precisa passar por um processo de descarte da ganga ainda próximo
ao local de extração. O objetivo é adequar a granulometria (o tamanho das
partículas) e aumentar a concentração do minério. Esse processo, chamado
de beneficiamento ou tratamento de minério, não altera a identidade química

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ou física dos minerais presentes, mas adéqua o minério às etapas de
transformação mineral que se seguirão. Nestas, o elemento de interesse
comercial contido no minério é refinado (purificado) e transformado em um
produto, intermediário ou final.

Para separar o minério da ganga, empregam-se técnicas


baseadas numa determinada propriedade física ou físico-química que seja
bem distinta entre um material e outro: pode ser a densidade gravimétrica, a

Página: 31/398 02/07/2019 09:20:28


susceptibilidade magnética, a condutividade elétrica, as propriedades
químicas da superfície, etc. 1 Porém, antes empregar essas técnicas, é preciso
separar fisicamente o minério da ganga, o que requer a redução do tamanho
das rochas de minério extraídas na mina. Essa etapa é chamada de
cominuição e ocorre em estágios sucessivos de britagem (grãos até 1 mm) e,
se necessário, de moagem (grãos menores que 1 mm), intercaladas com
etapas de peneiramento e seleção. Dessa forma, as partículas obtidas são

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compostas, na sua maior parte, por uma única espécie mineral e com
granulometria adequada à técnica de separação escolhida.

Contudo, uma parcela dos minerais cominuídos, inclusive o


minério, acaba por se transformar em partículas mais finas do que o
objetivado e de mais difícil aproveitamento, razão pela qual são descartadas.
No processamento do minério de ferro, esse material, de cor avermelhada e

1Adão Benvindo da Luz e Fernando A. Freitas Lins. Introdução ao Tratamento de Minérios. Disponível
em: http://mineralis.cetem.gov.br/bitstream/cetem/712/3/CCL00220010.pdf. Acesso em 15 de maio de
2019.
32

rico em ferro, é chamado de lama e, usualmente, é depositado em barragens


de rejeitos.

Após a cominuição, o minério e a ganga, em sua maior parte,


formam partículas fisicamente diversas e estão prontos para a separação.

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Essa etapa também é conhecida como concentração, pois visa aumentar o
teor do elemento de interesse econômico no minério extraído na mina. A
título de referência, a Tabela 1 apresenta o teor médio de minérios de
elementos metálicos extraídos no Brasil. Quando os teores são mais baixos,
há maior geração de rejeitos. Assim, por exemplo, o mesmo volume de ferro
produzido resulta em maior volume rejeitos em Minas Gerais que no Pará.

Tabela 1 – Teor médio de minérios produzidos no Brasil2 .

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Substância Estado Teor
Bauxita (alumínio; Al2 O3 ) PA 47,72%
Bauxita (alumínio; Al2 O3 ) MG 40,30%
Cobre PA 0,66%
Cobre GO 0,28%
Estanho RO 0,067%
Ferro MG 50,34%
Ferro PA 65,46%
Manganês MG 35,41%
Nióbio (Nb2 O 5 ) PA 2,59%

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Níquel GO 1,46%
Ouro GO 0,000042%
Ouro MG 0,000086%

As técnicas de separação seguem dois tipos de rotas possíveis:


via úmida (com adição de água durante a etapa de separação) ou a seco. O
uso da água pode trazer vantagens como maior taxa de recuperação (mais
elemento de interesse é retirado da mistura com a ganga, ou seja, menos

2Disponível em http://www.anm.gov.br/dnpm/publicacoes/serie-estatisticas-e-economia-
mineral/anuario-mineral/anuario-mineral-brasileiro/amb_2018.pdf. Acesso em 18 de junho de 2019.
33

elemento de interesse é perdido no rejeito) e maior concentração (o


concentrado possui maior teor do elemento de interesse, ou seja, há menos
contaminantes no concentrado) 3.

Considerando os objetivos deste texto, não cabe aqui detalhar

SF/19193.51040-43
todas as possíveis técnicas de separação, suas variantes e características.
Vamos nos ater àquela mais utilizada para separação do minério de ferro no
Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais: a flotação.

A flotação, técnica de separação pela via úmida, é empregada


preferencialmente para minérios com teor mais baixo e partículas mais finas.
No Quadrilátero Ferrífero, como mostrado na Tabela 1, o teor médio de ferro
contido é da ordem de 50%. Como o teor padrão do minério de ferro de maior
relevância comercial na atualidade é de 62% de ferro contido, a flotação pode

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ser necessária para a concentração de minério de ferro naquelas minas nas
quais os teores são baixos.

Na flotação, a separação baseia-se nas diferentes capacidades de


flutuação das partículas que compõem a mistura de minério e ganga. Nesse
processo, a mistura de partículas finas é disposta na forma de uma polpa com
água num recipiente, ao qual são adicionados também algumas substâncias

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para aumentar a efetividade da separação, como o amido de milho e produtos
químicos diversos.

A flotação pode ser direta ou reversa. Na primeira, as partículas


de minério são segregadas na superfície, na espuma que flutua (flota) sobre
a superfície do líquido, e a ganga vai para o fundo. Na flotação reversa, que
é a mais utilizada para a concentração de minério de ferro, as partículas de

3 A presença de contaminantes na matéria -prima pode afetar a eficiência dos proces sos de
transformação mineral posteriores. Assim, é preciso balancear a recuperação e a concentração.
Aumentar a recuperação à custa do aumento do teor de contaminantes pode ser desvantajoso.
34

minério (principalmente hematita, um óxido de ferro), que possuem maior


afinidade com a água, depositam-se no fundo do líquido, enquanto as de
ganga, constituída principalmente por quartzo (sílica/areia), que possuem
maior afinidade com o ar, são arrastadas por pequenas bolhas sopradas no
recipiente e boiam na espuma.

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Portanto, os produtos de saída da flotação são, de um lado, o
concentrado de minério e, do outro lado, o rejeito, ambos misturados com
água.

Para a realização das operações posteriores de tratamento é


necessário separar o concentrado da água. Isso é feito por meio do
desaguamento, operação constituída pelas etapas de espessamento, filtragem
e secagem. O espessamento é basicamente a decantação (sedimentação) da

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polpa. As partículas de minério, mais pesadas que a água, depositam-se no
fundo do tanque de decantação.

Para reduzir ainda mais o teor de água, o material espessado é


pode ser submetido ao processo de filtragem, no qual é pressionado contra
um meio poroso que permite apenas a passagem da água. O resultado da
filtragem é a torta de minério concentrado e o filtrado, i.e., água.

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Por fim, a torta é submetida à secagem, com uso de energia
térmica, para retirada da umidade residual.

No caso do minério de ferro no Quadrilátero Ferrífero, a


secagem é feita ao ar livre, nos pátios de secagem, fazendo uso do calor
tropical, geralmente dispensando até mesmo a etapa de filtragem.

Após a secagem, o minério está pronto para ser transportado por


caminhão ou ferrovia. Caso o transporte seja realizado por mineroduto,
apenas a etapa de espessamento é realizada. Como o bombeamento requer
35

que a polpa de minério possua um teor de água elevado, as etapas de


filtragem e secagem tornam-se desnecessárias.

Os produtos vendidos pelas mineradoras de ferro são


classificados de acordo com o tamanho das partículas. São três os produtos

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principais: i) granulado ou lump ore, entre 32 e 6,3 mm; ii) sinter feed, entre
6,3 mm e 0,15 mm; e iii) pellet feed, menor que 0,15 mm. Apenas o lump
ore pode ser empregado diretamente no alto-forno (equipamento das
siderúrgicas que transforma o minério de ferro em ferro-gusa). O sinter feed
e o pellet feed necessitam de passar por processos de aglomeração antes de
serem carregados no alto-forno.

Já o rejeito, mais comumente, é apenas espessado, antes de ser


depositado, por gravidade ou bombeamento, nas barragens de rejeitos. O

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rejeito é constituído principalmente por sílica, partículas de minério de ferro
não recuperadas na flotação, e, em menor quantidade, por outros minérios
presentes nas rochas processadas, como manganês e alumínio.

Contudo, também é possível filtrar o rejeito e depositá-lo a seco


na forma de pilhas. Para tal, há que se utilizar equipamentos para filtragem,
o que aumenta os custos de investimento (compra dos equipamentos) e de

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operação (consumo de energia) da mineração. Contudo, a filtragem só
compensa ser aplicada à sílica (areia). No caso da lama, como o material não
possui boa drenagem, em caso de chuva forte, transforma-se em polpa
novamente.

Considerando os riscos ambientais e sociais representados pelas


barragens de rejeitos, esse custo a mais do empilhamento a seco corresponde
à internalização de um custo que usualmente é suportado por toda a
sociedade sob a forma de uma externalidade, representada pelos riscos e
danos relacionados a essas barragens.
36

Na Figura 1, é apresentado um diagrama esquemático das etapas


do tratamento de minérios.

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Figura 1 – Fluxograma típico de tratamento de minério4 .

Cabe aqui fazer uma ressalva importante: o rejeito da mineração

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de ferro não é considerado perigoso no que diz respeito à toxidez. Porém, se
despejado nos rios, ele aumenta a turbidez da água e sedimenta no fundo, o
que pode, respectivamente, tornar a água imprópria para consumo humano e
eliminar a fauna e a flora nesses cursos d’água.

Outro efeito nocivo está relacionado à forma turbulenta de


liberação dos rejeitos em caso de rompimento da barragem. Trata-se do

4Adão Benvindo da Luz e Fernando A. Freitas Lins. Introdução ao Tratamento de Minérios. Disponível
em: http://mineralis.cetem.gov.br/bitstream/cetem/712/3/CCL00220010.pdf. Acesso em 15 de maio de
2019.
37

revolvimento do fundo e das margens dos rios, onde poderiam estar


sedimentadas substâncias tóxicas provenientes de outras atividades,
industriais e agrícolas. Como resultado, essas substâncias voltam a
contaminar a água.

SF/19193.51040-43
1.2.2 As Barragens de Rejeitos de Mineração

Antes de apresentar as barragens de rejeitos de mineração, é


preciso lembrar que essas estruturas representaram um avanço muito
importante quando começaram a ser utilizadas, pois, se bem operadas,
evitam que esses rejeitos poluam o meio ambiente. Até o início do século
XX, os rejeitos de mineração eram despejados diretamente nos rios ou eram
descartados sem maiores cuidados. Quando vinham as chuvas, o material era

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carreado pela água e contaminava os rios e o solo. Outro aspecto positivo
das barragens de rejeitos é que elas permitiram o reaproveitamento de parte
da água consumida no tratamento dos minérios. Isso reduziu a pegada hídrica
dos empreendimentos mineiros.

Entretanto, a produção mineral cresceu exponencialmente nas


últimas décadas. A produção de minério de ferro, por exemplo, passou de
500 milhões de toneladas por ano, em 1960, para 1 bilhão, em 2000, e, nos

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dias atuais, alcançou cerca 2,5 bilhões. Além disso, o teor dos minérios
extraídos caiu ao longo do tempo. No caso do cobre, o teor médio das minas
em produção no mundo caiu em 25% entre 2003 e 20135.

O aumento da produção de minérios associado com teores mais


baixos implica maior geração de rejeitos. Assim, o número e o volume das
barragens de rejeitos acompanharam o vertiginoso crescimento da produção
de minérios. Em 2000, estimava-se que existiam mais de 3.500 barragens de

5 Disponível em https://www.mdpi.com/2079-9276/5/4/36/htm. Acesso em 17 de junho de 2019.


38

rejeitos de mineração no mundo 6. Parece não haver estatísticas atuais


precisas 7, mas, considerando que estão em operação mais de 30 mil minas
de porte industrial, o número de barragens de rejeitos certamente é bem
superior a 3.5008. Algumas dessas barragens superam os 100 metros em
altura e acumulam centenas de milhões de metros cúbicos de rejeitos de

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mineração.

No Brasil, a ANM registrou 769 barragens de rejeitos de


mineração em fevereiro de 2019, acumulando o total de 3,5 bilhões de metros
cúbicos. Dessas barragens, 1% é de grande volume e 2% de muito grande
volume9. A Tabela 2 mostra as maiores barragens de rejeitos de mineração
do País. Estimativas apontam que, entre 2010 e 2030, serão geradas 11,4
bilhões de toneladas de rejeitos de mineração no Brasil10, que precisarão ser

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dispostas com segurança.

Do apresentado acima, depreende-se que as barragens de


rejeitos de mineração, que inicialmente eram uma boa solução em termos
ambientais e sociais, transformaram-se num sério problema na atualidade.
De fato, um estudo especializado contabilizou 246 acidentes, de gravidades
diversas, com barragens de rejeitos de mineração entre 1908 e 2017. Esses
acidentes, somados, liberaram cerca 260 milhões de metros cúbicos de

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rejeitos e provocaram 2.157 vítimas fatais 11. A partir desses dados

6 Disponível em
https://ore.exeter.ac.uk/repository/bitstream/handle/10871/34385/Kossoff_etal_Oct2014_AG_manusc
ript_accepted.pdf?sequence=3&isAllowed=y. Acesso em 16 de junho de 2019.
7 Disponível em https://www.wsj.com/articles/brazils-samarco-disaster-mining-dams-grow-to-colossal-

heights-and-so-do-the-risks-1459782411. Acesso em 17 de junho de 2019.


8 Disponível em http://www.industriall-union.org/why-you-need-to-know-about-tailings-dams. Acesso

em 17 de junho de 2019.
9 Disponível em http://www.anm.gov.br/assuntos/barragens/pasta -classificacao-de-barragens-de-

mineracao/plano-de-seguranca-de-barragens. Acesso em 17 de junho de 2019.


10 Disponível em

http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatoriopesquisa/120814_relatorio_atividade_min
eracao.pdf. Acesso em 18 de junho de 2019.
11 Disponível em https://worldminetailingsfailures.org/. Acesso em 17 de junho de 2019.
39

estatísticos, foi feita a previsão de que ocorreriam 19 acidentes muito graves


com barragens de rejeitos de mineração nos dez anos entre 2018 e 2027. O
desastre de Brumadinho, lamentavelmente, veio corroborar essa previsão
sombria.

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Tabela 2 – Maiores barragens de rejeitos de mineração por volume e por altura no
Brasil, ordenadas por volume decrescente12 .

Volume Altura
Barragem Município Estado Minério
(m3 ) (m)
Santo Antônio Paracatu MG Ouro 399.058.945,00 104,00
Pontal Itabira MG Ferro 226.957.900,00 69,00
Córrego Baco Pari Alto Horizonte GO Cobre 179.363.962,00 47,00
BL-1 Tapira MG Fosfato 170.000.000,00 91,00
Eustáquio Paracatu MG Ouro 148.349.348,00 94,00
Itabiruçu Itabira MG Ferro 130.751.697,30 71,00
Germano Mariana MG Ferro 129.590.000,00 163,00

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Gelado Parauapebas PA Ferro 110.469.304,67 34,00
Sossego Canaã dos Carajás PA Cobre 108.444.833,89 42,10
Maravilhas II Itabirito MG Ferro 94.590.445,00 97,92
Campo Grande Mariana MG Ferro 22.978.889,00 99,30
Forquilha I Ouro Preto MG Ferro 12.042.671,00 98,28
B4 Sarzedo MG Ferro 4.865.160,00 98,00
Forquilha IV Ouro Preto MG Ferro 4.306.560,00 105,00

Um número bastante elevado das barragens de rejeitos de

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mineração no Brasil, precisamente 219, é classificado como de dano
potencial alto. Essa classificação decorre do potencial de perdas de vidas
humanas e dos impactos econômicos, sociais e ambientais provocados pela
ruptura dessas barragens. Muitas delas ficam em regiões com grande
população, o que explica a possibilidade de numerosas vítimas em casos de
rompimento.

12Disponível em: http://www.anm.gov.br/assuntos/barragens/pasta -cadastro-nacional-de-barragens-


de-mineracao/classificacao-oficial-anm. Acesso em 17 de junho de 2019.
40

Nesse aspecto negativo, destaca-se o Quadrilátero Ferrífero,


região com cerca de sete mil km2, próxima a Belo Horizonte, Minas Gerais.
Como próprio nome indica, é uma região com grande potencial geológico
para a mineração e responsável pela maior parte da produção de minério de
ferro no Brasil. Não por acaso, ergueram-se ali numerosas barragens de

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rejeitos e, infelizmente, registra-se também um histórico de acidentes graves,
conforme apresentado na Tabela 3.

Tabela 3 – Maiores acidentes com barragens de rejeitos de mineração no Brasil.

Vítimas
Barragem Município Estado Ano Minério
Fatais
Fernandinho Itabirito MG 1986 Ferro 7
Rio Verde Nova Lima MG 2001 Ferro 5
Herculano Itabirito MG 2014 Ferro 3

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Fundão Mariana MG 2015 Ferro 19
B1 Brumadinho MG 2019 Ferro 270

Estudos estatísticos mostram que a probabilidade de ocorrer um


acidente com barragens de rejeitos de mineração é da ordem de 10 a 100
vezes maior que com barragens para acúmulo de água13. Uma das causas
dessa discrepância seria a técnica construtiva utilizada nas barragens de
rejeitos de mineração. Diferentemente das barragens para acúmulo de água,
que são completamente concluídas antes do enchimento, as barragens de c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

rejeitos de mineração são aumentadas em etapas, chamadas de alteamentos,


durante sua vida útil.

Os alteamentos são utilizados por serem mais econômicos, pois


o empreendedor não precisa erguer a barragem de uma única vez e antes do
início da produção mineral. Em vez disso, a barragem vai sendo erguida

13Disponível em https://tailingsdams.info/wp-content/uploads/2019/01/BE-090-Tailings-dams-R1-
Secured.pdf. Acesso em 17 de junho de 2019.
41

paulatinamente, à medida que ela vai sendo preenchida com rejeitos, novos
alteamentos são adicionados, o que dilui o custo de construção da barragem
ao longo da vida útil da mina.

De início, as barragens de rejeitos de mineração são construídas

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por meio do erguimento de um elemento estrutural – um maciço apoiado
sobre uma fundação, – transversalmente à direção de escoamento da água
nos vales, constituindo o dique de partida. Normalmente, o material utilizado
é solo compactado (nesta etapa, a mina não produz e, consequentemente,
ainda não há rejeito disponível para a construção da barragem). A partir do
dique de partida, serão erguidos, de forma sobreposta, os alteamentos.
Usualmente, o próprio rejeito, especialmente a fração mais grossa dele, é
utilizado como material de construção dos alteamentos.

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A forma como o alteamento é disposto sobre a parte superior da
barragem, a chamada crista, diferencia as três metodologias construtivas de
alteamento: a montante, linha de centro e a jusante.

No alteamento a montante, o novo degrau adicionado apoia-se


no rejeito adjacente ao maciço, ou seja, dentro da barragem. O rejeito deve
estar bem drenado e compactado para suportar o peso acrescentado. A cada

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novo degrau, a crista avança para o interior da barragem, como representado
na Figura 2, daí o nome “alteamento a montante”.

Já no alteamento por linha de centro, a crista do degrau


adicionado fica no mesmo plano da crista da barragem, por isso a
denominação “linha de centro” recebida por essa técnica construtiva. O novo
degrau apoia-se no rejeito, no maciço e no solo à frente da barragem, como
apresentado na Figura 3.
42

Por fim, no alteamento a jusante, o novo degrau apoia-se apenas


no maciço e no solo à frente da barragem, como é apresentado na Figura 4.
A cada novo degrau, a crista da barragem avança na direção de jusante, o
que deu origem ao nome desse método de alteamento.

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Figura 2 – Método de alteamento a montante, no qual os degraus acrescentados à
barragem apoiam-se sobre o rejeito.

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Figura 3 – Método de alteamento por linha de centro, no qual os degraus acrescentados
à barragem apoiam-se sobre o rejeito, o maciço e o solo à frente da barragem.

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Figura 4 – Método de alteamento a jusante, no qual os degraus acrescentados à


barragem apoiam-se sobre o maciço e o solo à frente da barragem.
43

Na Figura 5, os três métodos de alteamento são ilustrados


esquematicamente em conjunto para melhor visualização das diferenças
entre eles.

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Figura 5 – Métodos de alteamento: a montante, a jusante e por linha de centro.

A Figura 5 permite verificar que o método de alteamento a


montante implica utilização de menor volume de material para construção
do alteamento, o que reduz significativamente o custo. Em compensação, a
estabilidade da barragem depende fortemente das propriedades geotécnicas
do rejeito que suporta os alteamentos. O alteamento a jusante, por sua vez,
não se apoia no rejeito e, assim, é intrinsecamente mais seguro que o
44

alteamento a montante. Contudo, é necessária a movimentação de um


volume muito maior de material para construir os alteamentos e a área
ocupada pelo maciço é bem mais extensa. Já o alteamento por linha de centro
ocupa uma posição intermediária, em termos de custo e segurança, em
relação aos métodos a montante e a jusante.

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Neste ponto, podemos ressaltar outras diferenças entre as
barragens para acúmulo de água e as barragens de rejeitos de mineração. Nas
primeiras, há uma clara distinção entre o conteúdo, i.e., a água, e o material
do dique: concreto, terras ou rochas. O mesmo não ocorre nas barragens de
rejeitos, já que os alteamentos são usualmente construídos com o próprio
rejeito, ainda que drenado e compactado. Além disso, esse rejeito, em razão
da etapa de cominuição no processo de beneficiamento, possui propriedades

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bem diversas da terra ou das rochas em estado natural, utilizadas na
construção das barragens para acúmulo de água.

1.2.3 Operação e Monitoramento de Barragens de Rejeitos de


Mineração

Usualmente, o rejeito é depositado hidraulicamente nas


barragens alteadas a montante. A polpa de rejeito resultante do processo de

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beneficiamento é aspergida na barragem a partir da crista do maciço, como
mostrado na Figura 6. Próximo ao maciço, depositam-se as partículas mais
pesadas e maiores. Enquanto as partículas mais leves e menores são
carreadas em suspensão na água mais para o interior da barragem.
45

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Figura 6 – Deposição de rejeitos de mineração na barragem14 .

O processo de decantação da polpa de rejeito faz surgir uma

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lagoa no interior da barragem, como visto na Figura 7.

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Figura 7 – Formação de lagoa de decantação no interior de barragem de rejeitos de


mineração15 .

14 Fonte: Tschuschke, Wojciech & Wróżyńska, Magdalena & Wierzbicki, Jędrzej. (2017). Quality control
for the construction of a tailings dam. Acta geotechnica Slovenica. 14. 3-9.
15 Fonte: Tschuschke, Wojciech & Wróżyńska, Magdalena & Wierzbicki, Jędrzej. (2017). Quality control

for the construction of a tailings dam. Acta geotechnica Slovenica. 14. 3-9.
46

A região entre a lagoa de decantação e o maciço é chamada de


praia. A largura dessa praia é um fator importante a ser considerado na
operação segura da barragem. A praia não pode ser mais estreita que uma
largura mínima, que deve ser definida no projeto e no manual de operação
da barragem, para evitar que o nível mais elevado do lençol freático

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desestabilize o maciço, como será explicado na continuidade do texto.

Fica claro, então, que para construir e operar uma barragem de


rejeitos de mineração com segurança é necessário conhecer as propriedades
geotécnicas do rejeito. As mais importantes são as propriedades relativas à
resistência mecânica do rejeito, à deformabilidade e à permeabilidade. Esta
última destaca-se porque o teor de água altera significativamente as
propriedades mecânicas do material.

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A barragem de rejeitos de mineração alteada a montante, como
as que romperam em Mariana e Brumadinho, ao mesmo tempo em que é
alteada com o próprio rejeito, se apoia sobre ele e o contém. Por essa razão,
essa barragem é muito susceptível a variações da resistência mecânica do
rejeito induzidas pelo conteúdo de água. A queda da resistência pode,
inclusive, comprometer a estabilidade da estrutura. Na verdade, a barragem
de rejeitos acumula dois materiais: rejeitos e água, que interagem de forma

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complexa. Por isso, é tão importante controlar o perfil geotécnico dos rejeitos
e as condições de drenagem na barragem. Especialmente no maciço e na
praia de rejeitos, onde são erguidos os alteamentos, como visto na Figura 8.
A praia de rejeitos contém um material heterogêneo e de elevada porosidade,
que demanda certo tempo para compactar-se. Por essa razão, o ritmo dos
47

alteamentos deve ser controlado, preferencialmente abaixo de dez metros por


ano16.

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Figura 8 – Primeiro alteamento da barragem do Fundão 17 .

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Contudo, não é trivial acessar as reais propriedades do rejeito,
pois a forma como as amostras são colhidas e a técnica de medição afetam
significativamente os resultados. Isso é um fator que aumenta o grau de
dificuldade não só dos projetos, mas também do monitoramento das
barragens de rejeitos e da verificação da condição de estabilidade.

Um fator adicional de complexidade dessas barragens é a


mudança das características do rejeito ao longo da vida da mina. Mudanças

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da geologia do minério extraído, nas técnicas de tratamento do minério e na
forma de deposição do rejeito podem fazer com que haja variação das
propriedades do material de constituição entre um alteamento e outro.

No caso das barragens de rejeitos de minérios de ferro, há dois


tipos de rejeitos: i) a lama fina, rica em minério de ferro, gerada no processo

16 Disponível em http://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/a rticle/download/5367/pdf. Acesso em


20 de junho de 2019.
17 Disponível em http://www.ibraop.org.br/sinaop18/P2ApresentaCasoSamarcoSidneyThalles.pdf.

Acesso em 21 de junho de 2019.


48

de cominuição; e ii) o rejeito arenoso, rico em sílica, proveniente da flotação.


Entretanto, a lama e a areia, mesmo que analisadas individualmente, não se
apresentam homogêneas. Cada uma possui um determinado perfil de
distribuição granulométrica, i.e., grãos com tamanhos diferentes em
determinadas proporções. De qualquer forma, o rejeito arenoso possui grãos

SF/19193.51040-43
maiores e maior permeabilidade que a lama, sendo mais adequado para a
construção dos alteamentos.

O controle da água é fundamental para garantir a operação


segura da barragem de rejeitos. A água está associada a maior parte dos
rompimentos dessas barragens. Destacamos, entre os mecanismos de
rompimento, três processos: i) galgamento; ii) piping (erosão interna
regressiva); e iii) liquefação.

Página: 48/398 02/07/2019 09:20:28


O galgamento ocorre quando o afluxo de água na barragem, por
exemplo, devido a uma chuva muito forte, supera a capacidade dos sistemas
de escoamento e a barragem transborda. A água escoa erodindo a crista e o
talude (encosta do maciço) de jusante. O resultado pode ser a ruptura do
maciço.

Já o piping ocorre devido ao arraste de material pela água que

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percola (passa pelos poros do material e fissuras existentes) o maciço. Essa
erosão interna provoca vazios dentro do maciço que vão concentrando o
fluxo de água e agravando a erosão. Os vazios ao se estenderem, podem
atingir o talude de jusante e permitir a vazão, de forma descontrolada, da
água. A erosão provocada pelo vazamento turbulento pode provocar o
rompimento do maciço.

Por fim, a liquefação, séria ameaça à estabilidade das barragens


com alteamento a montante, ocorre quando um sólido se comporta
mecanicamente como um líquido. O que diferencia um sólido de um líquido
49

é que o primeiro possui uma determinada rigidez, ou seja, se for aplicada


uma força sobre um sólido, ele vai opor resistência à mudança de forma. O
mesmo não ocorre com um líquido. A liquefação pode ocorrer em rejeitos
granulares saturados de água e submetidos a carregamentos, estáticos ou
variáveis. No rejeito saturado, a água infiltrada ocupa todos os espaços

SF/19193.51040-43
(poros) entre os grãos que o compõem. Ao ser submetido a uma carga, o
rejeito fofo tende a se compactar. Entretanto, se não houver como a água
possa ser drenada, i.e., o rejeito é de baixa permeabilidade, a compactação
faz com que pressão da água nos poros (poropressão) aumente e as forças
entre os grãos, que garantem a rigidez do rejeito, diminuam. No limite, o
esqueleto granular do rejeito perde a resistência, os grãos deslizam uns sobre
os outros e o rejeito e flui como um líquido. Essa perda de resistência se dá
no volume do material e não num plano, como ocorre nos deslizamentos de

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taludes. O rejeito, nesse estado, exerce uma sobrepressão sobre o maciço, o
que pode levar a sua ruptura. A liquefação foi o mecanismo que provocou a
falha da barragem do Fundão, em Mariana, e, muito provavelmente, a falha
da barragem B1, em Brumadinho.

O balanço hídrico das barragens de rejeitos é bastante dinâmico.


A água entra na barragem por meio da polpa de rejeitos, da chuva, de

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possíveis nascentes e do escoamento superficial das áreas em volta da
barragem. Já a perda de água se dá por meio da evaporação, infiltração pela
fundação, percolação pelo maciço, retirada para reaproveitamento e saída
pelos sistemas de drenagem e vertimento.

O sistema de drenagem da barragem deve permitir que a água


percole, de forma controlada, o interior do maciço ou por baixo dele sem
provocar danos ou comprometer a sua estabilidade. É necessário inspecionar
constantemente os drenos para avaliar o fluxo e o aspecto da água drenada.
A cessação do fluxo de água pode indicar entupimento do dreno, o que eleva
50

o nível do lençol freático na barragem. Já uma água turva resulta do


carreamento de sólidos e aponta para processos erosivos do maciço.

Adicionalmente, como a quantidade de água na barragem pode


variar rapidamente, é preciso manter permanentemente o monitoramento da

SF/19193.51040-43
estrutura. São monitorados principalmente a geometria (forma) do maciço e
o nível do lençol freático e a pressão da água intersticial (pressão
piezométrica, pressão da água nos poros do material) no corpo do maciço.

Mudanças de forma do maciço, i.e., deformações como


recalques (deslocamentos verticais) e abaulamentos, indicam que processos
que desestabilizam a barragem estão em curso. Esses sinais antecedem
deslizamentos dos taludes ou o rompimento da barragem. Para identificar as
deformações do maciço costumam ser utilizados, além da inspeção visual,

Página: 50/398 02/07/2019 09:20:28


marcos topográficos e inclinômetros e, mais modernamente, radares.

i) Marcos topográficos ou superficiais são hastes enterradas e


solidariamente ligadas ao corpo do maciço, na crista e no talude de jusante,
de forma que se deslocam juntamente com este. Por meio de métodos
topográficos, são medidas as distâncias entre os marcos na barragem e um
marco de referência fixo fora da barragem. As variações de distâncias entre

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os marcos na barragem e o marco fixo permitem medir as movimentações
do maciço.

ii) Inclinômetros são constituídos por uma haste cilíndrica que


contém um sensor de inclinação no seu interior e duas ou quatro rodas
instaladas nas laterais. O inclinômetro é introduzido num tubo flexível, com
ranhuras em seu interior, enterrado no maciço. As rodas se encaixam nas
ranhuras, fazendo com que o sensor acompanhe a direção do tubo. A
inclinação é medida em intervalos constantes ao longo do tubo. A partir do
ângulo de inclinação, calcula-se o deslocamento de cada segmento do tubo,
51

que acompanha as movimentações do solo. Dessa forma, é possível


monitorar deslocamentos no maciço.

iii) Radares são equipamentos que emitem pulsos de micro-


ondas sobre o alvo e captam e analisam o pulso refletido. Essa técnica

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permite fazer o imageamento completo do alvo de forma constante e detectar
deformações menores que um milímetro em longos períodos de tempo. Os
radares podem ser posicionados próximos à barragem, mas também é
possível fazer o sensoriamento remoto a partir de satélites.

Ainda com respeito a aspectos hidrogeológicos da barragem de


rejeitos, como já mencionado, são de máxima relevância o nível da linha
freática e a pressão da água intersticial (poropressão) no corpo do maciço.

Página: 51/398 02/07/2019 09:20:28


A linha freática separa a região do maciço que tem água
infiltrada da região que não tem, é o nível da superfície do lençol de água
subterrâneo e apresenta pressão atmosférica. O ideal é que o lençol freático
esteja bem abaixo da superfície do maciço, pois o material com água
infiltrada, como já descrito, perde coesão (resistência) e, portanto, tem menos
capacidade de suportar os esforços aplicados. Se os esforços superarem a
capacidade de resistência do maciço, ocorrerá a ruptura. Daí a importância

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de uma praia larga na barragem de rejeitos, visto que quanto mais larga a
praia, mais baixa tende a ser a linha freática, como mostra a Figura 9.
52

L.Freática
Lama
Dique de Partida
Rej.Arenoso

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a) Boa Prática

Rej.Arenoso
L.Freática
Lama Dique de Partida

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b) Prática Não Recomendada
Figura 9 – Relação entre a largura da praia e a posição da linha freática.

O equipamento de uso mais corriqueiro para a medição do nível


do lençol freático é o Indicador de Nível d’Água (INA). Esse aparelho é
constituído por um tubo perfurado ou ranhurado ao longo do comprimento e
inserido num furo de sondagem no maciço. A água subterrânea penetra no
tubo pelos furos ou ranhuras e o nível da água no tubo corresponde ao nível

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da água no maciço. Para fazer a medida, é inserido no tubo um sensor atado
à ponta de uma trena graduada. Quando o sensor entra em contato com a
água, emite um ruído (alguns equipamentos emitem um silvo, são
popularmente conhecidos como “pio”). Assim, sabe-se a distância do nível
d’água à boca do tubo. Como a altura (cota) da boca do tubo é conhecida,
pode-se calcular a altura do nível d’água.

Para reduzir o nível da linha freática, podem ser instalados


drenos horizontais profundos, ou DHP. Esses drenos são instalados em furos
com o objetivo de drenar controladamente uma camada do maciço. É
53

perfurado com uma pequena inclinação para permitir o escoamento da água


extraída do lençol freático por gravidade. O dreno geralmente é constituído
por tubos e filtros, que retêm as partículas do solo, mas permitem a saída da
água.

SF/19193.51040-43
Entretanto, essa técnica envolve riscos que não podem ser
desconsiderados18. A perfuração para instalação dos drenos emprega jatos de
água com alta pressão. Esses jatos podem provocar o fraturamento hidráulico
do maciço e comprometer ainda mais a sua estabilidade.

Uma alternativa aos DHP consiste na instalação de poços a


jusante da barragem. A água dos poços é bombeada e o nível do lençol
freático é rebaixado.

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Há também uma solução que não envolve a redução do nível da
linha freática, é a construção de uma berma (um degrau ou aterro) para
reforçar o pé do talude a jusante. A berma ajuda a estabilizar o maciço.

Com relação à medida da pressão da água intersticial no maciço,


os equipamentos utilizados para esse fim são os piezômetros. Os
piezômetros mais simples e de maior utilização assemelham-se ao INA. A
diferença fundamental é que a região ranhurada do tubo fica confinada numa

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determinada profundidade do furo. Dessa forma, o nível de água no tubo vai
variar com a pressão piezométrica (resultante do peso da coluna de água
acima do ponto de medição) da água intersticial na profundidade das
ranhuras. O nível da água dentro do tubo pode ser medido da mesma forma
que no INA. Existem outros piezômetros mais sofisticados, como os

18Disponível em http://portaldamineracao.com.br/wp-content/uploads/2019/04/08-sergio-grillo.pdf.
Acesso em 22 de junho de 2019.
54

elétricos, hidráulicos e pneumáticos. Esses são mais adequados para


instalações automatizadas.

Quanto maior a tensão piezométrica, maior é a poropressão,


menor é a resistência efetiva do material do maciço e, portanto, maior é a

SF/19193.51040-43
chance de ocorrência de rompimentos.

É importante ressaltar que não existe barragem de rejeitos de


mineração à prova de rompimento e que qualquer barragem,
independentemente do método de alteamento, precisa ser projetada,
construída, operada, mantida e descomissionada de acordo com as técnicas
de engenharia apropriadas. A utilização dessas técnicas vai se refletir num
fator de segurança elevado. Esse pode ser definido como a razão entre as
forças estabilizadoras e as forças desestabilizadoras do maciço. Quando o

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fator de segurança é igual a 1, as forças estabilizadoras estão em equilíbrio
com as forças desestabilizadoras. Caso o fator de segurança caia abaixo de
1, ocorrerá a ruptura.

Considerando todas as incertezas envolvidas tanto no


comportamento do material do maciço quanto no carregamento que este
sofre, as normas estabelecem que o fator de segurança deva ser maior que 1.

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O número mais utilizado é 1,519, o mesmo valor adotado pela norma
brasileira (ABNT 13.028:2017) para condições normais de operação. Ou
seja, teoricamente, o maciço suporta cargas até 50% maiores que a carga real.

Ainda assim, a possibilidade de falha nunca é zero. Ou seja, o


risco sempre existe. Por isso, desenvolvem-se outras metodologias para
avaliação da segurança da barragem de caráter não determinístico, mas
probabilístico. Uma análise probabilística avalia o risco e identifica as

19Disponível em http://portaldamineracao.com.br/wp-content/uploads/2019/04/06-suzanne-
lacasse.pdf. Acesso em 20 de junho de 2019.
55

incertezas que impactam a segurança. A discussão das incertezas leva a uma


melhor compreensão dos aspectos fundamentais tanto para o projeto quanto
para o monitoramento do desempenho da barragem de rejeitos 20.

SF/19193.51040-43
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c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

20Disponível em https://portaldamineracao.com.br/wp-content/uploads/2019/04/06-suzanne-
lacasse.pdf. Acesso em 22 de junho de 2019.
56

2 AUDIÊNCIAS DA CPI

2.1 Depoimento de Fábio Schvartsman

A 3ª reunião da CPI de Brumadinho foi destinada à oitiva do sr.

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Fábio Schvartsmann, que era Presidente da Vale por ocasião do rompimento
da Barragem I da Mina Córrego do Feijão em Brumadinho (MG).

Iniciando a reunião, a Presidente da CPI afirmou que a CPI não


será restrita a Brumadinho e poderá apurar todas as ocorrências e todas as
denúncias e todos os requerimentos que vierem a constatar irregularidades
em outras barragens.

O depoente, sr. Fábio Schvartsmann, afirmou por diversas

Página: 56/398 02/07/2019 09:20:28


vezes, ao longo da 3ª reunião, que apenas ingressou na Vale no ano de 2017.
Ele iniciou seu depoimento afirmando que ingressou na Vale no dia 15 de
maio de 2017. Afirmou que, em junho de 2017, recebeu um relatório
informando que o trabalho de governança e controle de barragens era
qualificado e organizado, assim como contratou a Deloitte, empresa de
auditoria, para reorganizar o setor de análise de riscos. Disse ainda que
transformou o comitê de riscos em órgão permanente e recebeu inúmeros

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relatórios que indicavam estabilidade e qualidade das barragens da empresa.

Não afirmou, porém, o nome da pessoa responsável pelo


“comitê de riscos”, tampouco os nomes das pessoas que teriam feito a
auditoria.

Afirmou que “Um gerente de mina na Vale, por exemplo, tem


autonomia para decidir investimentos de até R$40 milhões por projeto”.
57

Nesse contexto de gestão de riscos, afirmou a possibilidade de


que “basta uma denúncia anônima para que o problema apontado seja
apurado”. É curioso que uma empresa do porte da Vale possa se basear na
possibilidade de uma “denúncia anônima” como parte do gerenciamento de
riscos.

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Demonstrando conhecer bem o sistema e detalhes da empresa
que presidiu, mesmo em localidades distantes e de fatos que não foram
objeto de matérias jornalísticas – essa questão é crucial –, apontou que uma
denúncia anônima relativa a uma máquina enterrada de forma indevida no
Estado do Pará levou à demissão imediata de “todos os responsáveis: o
gerente da mina, o gerente executivo da região e o diretor da área”.

Com relação a Brumadinho, afirmou textualmente que:

Página: 57/398 02/07/2019 09:20:28


“No caso de Brumadinho, posso afirmar, categoricamente, que
jamais chegou ao meu conhecimento nenhuma denúncia pelos
canais oficiais da empresa ou por quaisquer outros, nem mesmo
os anônimos, relatando risco de rompimento iminente de
barragens. Ao contrário, todos os relatórios enviados à Diretoria
e ao Conselho de Administração indicavam estabilidade das
barragens. Nunca chegaram à Diretoria quaisquer informações
sobre risco de rompimento, apesar de existirem canais para isso.”

Insistiu na existência de empresas terceirizadas para vistoria das

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barragens, tal como a alemã TÜV SÜD, afirmando que jamais imaginaria
que essas companhias poderiam ter emitido laudo em situação que não
houvesse real estabilidade. Não declinou, porém, os nomes das pessoas
responsáveis pela contratação das empresas, nem das pessoas que receberam
ou elaboraram os laudos.

Afirmou que, por sua recomendação e do Conselho de


Administração da Vale, foram criados três comitês independentes e
extraordinários para: 1) apoio e reparação; 2) apuração das causas; 3)
segurança das barragens. Não disse, porém, que esses comitês foram criados
58

após o rompimento da Barragem nº 1 em Brumadinho, conforme podemos


conferir em fato relevante divulgado pela própria Vale no dia 12 de fevereiro
de 2019.21 Isso deixa patente, por si só, que somente após a catástrofe foram
tomadas medidas sérias para prevenção de rompimento de barragens.

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Houve intervenção do Senador Kajuru, para informar à
Comissão que, conforme números divulgados na noite anterior ao dia da 3ª
reunião da CPI, o lucro da Vale saltou 391% no quarto trimestre de 2018,
atingindo a marca de US$3,79 bilhões, superando as expectativas que eram
de US$2,63 bilhões. Portanto, ficou claro que a Vale tinha muito dinheiro
disponível para aplicação em segurança, o que infelizmente não foi feito.

Houve intervenção do Senador Otto Alencar, referindo-se ao


restaurante e à área administrativa, que foram destruídos por ocasião do

Página: 58/398 02/07/2019 09:20:28


rompimento da Barragem nº 1, com dezenas de pessoas mortas (“foram
criminosamente assassinadas pela Vale”, no dizer do Senador Otto Alencar).
Em seguida, muito bem afirmou o Senador Otto Alencar, ainda se referindo
às instalações destruídas pelo rompimento, que “se estivessem nos altos, não
seriam atingidas essas pessoas de maneira alguma”.

Em seguida o Senador Carlos Viana relembrou ao depoente que

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ele havia afirmado, nove meses antes da tragédia, que as barragens estavam
impecáveis e em estado de impressionante qualidade. Perguntou de forma
clara e objetiva ao depoente:

“Quais foram os critérios que o senhor usou?


O senhor se sente enganado?
Se se sente enganado, quem o enganou?”

21http://www.vale.com/brasil/PT/investors/information-market/press-releases/Paginas/Vale-informa-
sobre-cria%C3%A7%C3%A3o-do-Comit%C3%AA-Independente-de-Assessoramento-
Extraordin%C3%A1rio-de-Seguran%C3%A7a-de-Barragens.aspx
59

Sem declinar nomes, o depoente limitou-se a dizer que a “área


técnica” tem plena e completa independência. Disse que “eles” – sem dizer
que seriam “eles” - têm autonomia financeira de R$40 milhões por projeto.

Nesse momento da audiência já estava claro que o depoente

SF/19193.51040-43
evitava apontar quem teriam sido os responsáveis pela tragédia.

A Presidente da CPI interveio para dizer ao depoente que ele é


“responsável pela empresa”.

O depoente, imediatamente, confessa ao dizer que “não há a


menor dúvida” quanto à sua responsabilidade.

O Senador Otto Alencar foi expresso a respeito da necessidade


de se apontar quem seriam as pessoas responsáveis:

Página: 59/398 02/07/2019 09:20:28


“o senhor tem que nominar quem era o responsável. Porque, se o
senhor não é o responsável, há alguém responsável. Então, o
senhor tem que nominar. Não pode sair sem nominar quem é o
responsável. ”

Indagado a respeito de quem teria determinado as construções


que foram destruídas pelo rompimento da barragem, bem como quem teria
determinado que elas lá permanecessem, mais uma vez o depoente deixou

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de apontar os culpados, dizendo que

“Não havia nenhuma informação individualizada sobre qualquer


barragem. E as informações davam conta de que todas elas
estavam em plena condição de estabilidade e possuíam laudo de
estabilidade. ”

Insistindo no suposto desconhecimento dos fatos, mas incidindo


em uma contradição, o depoente voltou a dizer que ingressou na Vale apenas
em 2017, que seriam quinze anos depois que a Vale adquiriu a barragem,
“sendo que o escritório continuava exatamente no mesmo local que estava
quando a companhia adquiriu”. Ou ele sabia que o escritório estava naquele
60

local ou ele não sabia. Se fora informado desse fato após o desastre de
Brumadinho, poderia ter declinado na 3ª reunião da CPI o nome da pessoa
que deveria ter lhe passado essa informação, mas não o fez.

Ao revés, o depoente insistiu em culpar “laudos de

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estabilidade”, sem mencionar os responsáveis pela elaboração e pelo
recebimento dos tais “laudos”, como se “laudos” fossem produtos de geração
espontânea e não produzidos por seres humanos:

“Não havia, nem da minha parte, nem da de meus antecessores,


qualquer tipo de informação sobre risco com relação ao
posicionamento daquele escritório. Por que que não havia?
Porque existiam laudos de estabilidade que diziam que a
barragem não tinha nenhum risco ou que o risco era perfeitame nte
aceitável, dentro das condições normais. ”

Página: 60/398 02/07/2019 09:20:28


Em seguida, a Presidente da CPI insistiu na necessidade de o
depoente apontar as pessoas responsáveis:

Quem fez? Quem assinou? Quem construiu? Por que foi lá? As
prefeituras que autorizaram? O Governo que não inspecionou? Os
técnicos que atestaram a viabilidade daquela construção?

O depoente não apontou quem seriam os responsáveis, dizendo


que “encerrada a investigação e apresentados os culpados, eu vou avaliar
qual é o curso de ação que eu devo tomar”.

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Como se vê, a resposta foi mais uma vez evasiva. Não se tratava
de aplicar uma pena criminal aos responsáveis – algo que cabe ao Judiciário
– mas sim dizer quem teria feito isso e aquilo. Não se tratava de uma
qualificação jurídica para os fatos, mas sim de uma descrição dos fatos.

Ao depoente incumbia dizer expressamente quem fez, quem


assinou, quem construiu, por que construiu naquele local, quem foram os
técnicos que atestaram a viabilidade da construção.
61

Na verdade, o depoente sabia dos riscos.

Isso ficou ainda mais claro quando o Senador Carlos Viana


narrou os seguintes acontecimentos: o Sr. Felipe Rocha, integrante do setor
de gestão de riscos geotécnicos da Vale, analisou os resultados do PIESEM

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(Painel Independente de Especialistas em Segurança e Gestão de Riscos de
Estruturas Geotécnicas), que aconteceram em novembro de 2017 e em
outubro de 2018, conforme documentos fornecidos pelos investigadores da
força-tarefa em Minas Gerais. Os documentos especificavam claramente até
mesmo a quantidade de pessoas que iriam morrer se a barragem se rompesse.

Em outubro de 2018 o depoente já era o Presidente da Vale, e


sabia, conforme pp. 86 e 87 dos autos da ação civil pública em tramitação,
que a Vale havia apresentado dez barragens que estavam na chamada

Página: 61/398 02/07/2019 09:20:28


“ALARP Zone”: aquelas que apresentavam maior risco pelas avaliações da
própria empresa. Entre essas, estavam a Barragem I e a Barragem IV-A da
Mina Córrego do Feijão, que romperam e provocaram a catástrofe de
Brumadinho. Em suma: em outubro de 2018, esse PIESEM apontou para a
administração da Vale o perigo da barragem nº 1.

Mais ainda: os documentos mostram que havia um risco de a

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barragem desmoronar por liquefação estática e erosão interna. O risco de a
Barragem I era de 2x10-4 (isso equivale a um risco de 0,02%, é um risco
altíssimo dentro dos critérios técnicos). No final da apresentação, p. 247, o
Sr. Felipe Rocha diz algo muito emblemático "Todos os riscos com
probabilidades maiores que 10-4 por ano são agora incluídos na matriz de
riscos do negócio da Vale e apresentados ao grupo de diretores, ao presidente
e ao conselho de administração". Portanto, o risco da Barragem I era duas
vezes maior que esse limite.
62

Isso está no estudo que foi apresentado no PIESEM da Vale, do


qual tomaram conhecimento seus diretores, dois dos quais eram “braço
direito” do depoente. Nesse mesmo sentido aponta manual de boas práticas
sobre barragens de rejeitos de mineração do Conselho Internacional de
Minas e Metais (ICMM, em inglês)22, do qual a Vale faz parte. Estabelece o

SF/19193.51040-43
manual que:

Os resultados das auditorias independentes e dos programas de


segurança devem ser submetidos ao CEO (Chief Executive
Officer) e ao quadro de diretores da empresa para que possam
realizar adequada fiscalização. O processo de segurança deve ser
rigoroso e não deve ser filtrado pelos setores operacionais e
funcionais da organização.

Então, de acordo com as regras da Vale e do ICMM, o depoente


tinha (ou deveria ter) conhecimento dos documentos que estimavam riscos e

Página: 62/398 02/07/2019 09:20:28


consequências no caso de rompimento das barragens da Vale, de forma
individualizada. A supervisão da segurança das barragens é uma das muitas
atribuições do Presidente da Vale.

Diante desses fatos, foi expressamente indagado ao depoente:

“Se o senhor não foi informado, quem falhou em não infor mar
ao senhor?”

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Novamente sem apontar nomes, o depoente disse que jamais
teria chegado ao seu conhecimento, ou ao conhecimento da Diretoria, ou
conhecimento do Conselho, os relatórios mencionados pelo Senador Carlos
Viana.

22 Disponível em: <https://www.icmm.com/website/publications/pdfs/tailings/161205_review-of-


tailings-management-guidelines.pdf> Acesso em 1/4/2019.
63

Diante da firme disposição do depoente em não apontar um


nome sequer, indagou o Relator Senador Carlos Viana a respeito do sr.
Juarez Saliba.

O depoente textualmente respondeu:

SF/19193.51040-43
“O Juarez Saliba foi o camarada que eu trouxe para a Vale com o
objetivo de avaliar, entre outras coisas, a governança de barragens
da companhia. E, sim, foi ele que emitiu um relatório ”

O depoente é então indagado se teria tido acesso ao relatório


elaborado pela pessoa (Juarez Saliba) que o próprio depoente confessa ter
trazido para a Vale com o propósito de verificar a segurança das barragens.

A resposta do depoente foi:

Página: 63/398 02/07/2019 09:20:28


“Na verdade, eu tive depois do desastre; antes do desastre, nunca
tive acesso”

Em seguida, o depoente afirma desconhecer o sr. Felipe Rocha.

Felipe Rocha foi um dos funcionários presos da Vale após a


catástrofe de Brumadinho. O depoimento desses funcionários indica que
diretores da mineradora sabiam de problemas envolvendo a Barragem do
Feijão. São quatro gerentes e quatro integrantes de áreas técnicas diretamente

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
relacionados ao controle da barragem de Brumadinho. No depoimento,
Felipe Figueiredo Rocha afirmou que os riscos de operação na chamada
Barragem nº 1 foram discutidos em um painel interno com especialistas, do
qual participaram os diretores Silmar Silva e Lúcio Cavalli. Essa declaração
foi corroborada pelo gerente executivo Alexandre Campanha, que disse
ainda acreditar que os relatórios finais – nos quais se apresentavam
64

detalhamentos dos problemas – eram encaminhados para Lúcio Cavalli e


demais diretores operacionais. Isso, aliás, foi divulgado pela imprensa.23

Dando prosseguimento à questão, o Relator Senador Carlos


Viana deixa claro que a Vale sabia dos riscos e nada fez para salvar as vidas

SF/19193.51040-43
das pessoas que morreram:

“Em uma apresentação do Sr. Felipe Rocha, de novembro de 2017


(…) a Vale, especialmente com o senhor como um dos principa is
responsáveis, um eslaide (…) calcula a quantidade de mortos caso
o desastre acontecesse. Está aqui. Quando a gente olha o gráfico,
está lá assim: com sirene e sem sirene, o número de pessoas que
morreriam no desastre: entre 200 e 300 pessoas se houvesse o
rompimento da B1. Isso em novembro de 2017. A Vale tinha essa
informação. Está aqui na ação civil pública o número de pessoas
que morreriam lá em Brumadinho.(…) De acordo com outra
apresentação, em outubro de 2018, três meses antes da tragédia,
o risco da queda de barragem B1, calculado pela própria Vale,

Página: 64/398 02/07/2019 09:20:28


apresentado lá pelo Sr. Felipe Rocha, era de 0,2 – está lá na página
da ação. Logo abaixo, no mesmo eslaide, em vermelho, está a
conclusão sobre o que deveria ser feito. Para a barragem B1, a
decisão foi fazer o descomissionamento (…) em novembro de
2017, os relatórios todos indicavam que, com sirene, 200 pessoas
morreriam; sem sirene, 300.

A Vale acertou. Nós temos 310 pessoas hoje entre mortos e


desaparecidos. Muito bem. Se a Vale sabia dos riscos há tanto
tempo e se a própria Vale decidiu pelo descomissionamento da
barragem B1, porque a Vale não retirou todas as pessoas da Zona
de Autossalvamento? Por que a Vale manteve o refeitório e a área

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
administrativa debaixo de uma barragem com risco de desabar? ”

Em sua resposta, o depoente diz que o cálculo dos riscos é


obrigação legal (ele sabia, portanto). Diz que nada fez porque “levou muito
tempo para que houvesse a autorização legal pela Secretaria do Meio
Ambiente de Minas para iniciar o descomissionamento”.

Na verdade, o pedido de licenciamento ambiental solicitado


pela Vale em 2015 dizia respeito ao reaproveitamento dos rejeitos, que eram

23 https://exame.abril.com.br/negocios/funcionarios-presos-da-vale-dizem-que-diretores-sabiam-de-
risco/
65

muito ricos em ferro. Era extremamente lucrativo fazer esse


reaproveitamento, razão pela qual o licenciamento solicitado tardou tanto.

Ainda que assim não fosse, não é razoável que a Vale ficasse
inerte, simplesmente porque o licenciamento ambiental desejado tardava.

SF/19193.51040-43
Deveria a Vale tomar as providências para a desocupação imediata da área.

A evacuação da área de risco não dependia de licença alguma,


por óbvio.

Esta questão é fundamental e irrefutável: ainda que se possa


haver discussões a respeito do licenciamento ambiental para retirada e
reaproveitamento dos rejeitos para posterior descomissionamento da
barragem, não há qualquer justificativa para a não remoção das instalações

Página: 65/398 02/07/2019 09:20:28


da Vale a jusante da Barragem I.

Dada a recusa do depoente em informar nomes, a audiência


estava sendo repetitiva. Várias foram as vezes em que o depoente foi instado
a apontar os responsáveis. Foi o que ocorreu após a discussão sobre o
licenciamento ambiental. O Senador Carlos Viana, de forma direta,
novamente indagou:

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Os laudos já mostravam que pelo menos 300 pessoas poderiam
morrer sem o alarme com as sirenes. A informação estava dentro
da sua empresa. Quem foi o responsável – e aqui eu retomo a
pergunta do Senador Otto – quem foi o responsável por não retirar
especialmente os seus colaboradores, os seus funcionários da
frente da barragem?

Novamente o depoente culpou a “área técnica”, como se ela


fosse uma entidade abstrata, inexistindo qualquer pessoa que dela fizesse
parte:

“A responsabilidade, se houver, é certamente da área técnica da


companhia.”
66

Para evitar repetições neste relatório, digo que a insistência de


Senadores membros CPI para que o depoente apontasse os nomes dos
responsáveis, bem como sua recusa, ocorreu em outros momentos da
audiência. De acordo com as respostas dadas pelo depoente, a culpa teria
sido da “área técnica”, da “TÜV SÜD”, de “pessoas da região”, entre outras

SF/19193.51040-43
inacreditáveis frases evasivas ditas pelo depoente como meio de não
responder às perguntas formuladas.

Contudo, em dado momento, o depoente descreveu a hierarquia


da diretoria da Vale, no que toca à tragédia de Brumadinho, ao ser indagado
pelo Senador Kajuru a respeito de “quem respondia por Brumadinho ao lado
do senhor, o diretor responsável?”:

“O Diretor-Executivo que chefia a área de Ferrosos, o Peter

Página: 66/398 02/07/2019 09:20:28


Poppinga. Abaixo do Peter Poppinga tinha dois diretores que
estão envolvidos nessa situação. Tem diversos outros. Mas dois
diretores: um é o Lucio Cavalli, o outro é o Silmar. E abaixo do
Lucio Cavalli e do Silmar estão os gerentes-executivos
responsáveis por essa operação, tanto pela operação geotécnica
quanto pela auditoria de operações geotécnicas.”

O sr. Peter Poppinga já responde a processo criminal pelo


desastre de Mariana. O depoente confessa que poderia recomendar o
afastamento desse diretor ao Conselho de Administração, mas não o fez.

Como bem disse o Senador Randolfe Rodrigues, uma pessoa c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

processada pelo maior desastre ambiental da história do Brasil foi mantida


pelo depoente como diretor-executivo da Vale.

Prosseguiu o Senador Carlos Viana:

“A Recomendação nº 11, da força-tarefa do Ministério Público,


que pediu o seu afastamento, bem como o de outros diretores e
funcionários, cita que, em setembro de 2018 – setembro de 2018;
portanto, o senhor já estava no cargo –, a empresa Tractebel se
recusou a assinar o laudo de estabilidade da barragem B1 e que,
por isso, a Vale afastou a Tractebel e contratou a empresa TÜV
67

SÜD, que assinou o laudo, com base nos mesmos dados que a
Tractebel utilizou.”

A resposta do depoente foi, mais uma vez, evasiva:

“Isso jamais chegou ao conhecimento meu ou da Diretoria da


companhia. ”

SF/19193.51040-43
De forma incisiva e oportuna, afirma o Senador Kajuru:

“O senhor parece que é um Presidente decorativo da Vale. O


senhor não sabe nada, não sabe nada. O senhor é uma rainha da
Inglaterra. ”

A questão estava clara. Como apontado pelo Senador Randolfe


Rodrigues, só haveria duas possibilidades: “negligência ou evento natural”.
Com certeza não ocorreu evento natural (furacão, terremoto, abalo sísmico,

Página: 67/398 02/07/2019 09:20:28


enfim, qualquer um desses seria de fácil conhecimento), como bem afirmou
o Senador.

Diante da negativa, em diversos momentos da audiência, de


apontar os nomes dos responsáveis pela tragédia, muito bem afirmou a
Senadora Juíza Selma:

“Hoje, no Direito Penal, essa sua atitude omissiva não o absolve


e, muito menos, faz com que o senhor eventualmente seja

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condenado por um crime culposo. A sua atitude omissiva se
encaixa perfeitamente na teoria do domínio do fato, o senhor tinha
obrigação de saber as coisas que o senhor está dizendo que não
sabe – "É da equipe tal, é da equipe tal", é não sei o que... Nada!
Nada o senhor sabe! E isso é típico, típico, e vai lhe levar por um
caminho muito perigoso.”

Não é possível sustentar que o depoente não sabia dos riscos das
barragens. Ele afirma expressamente:

“O futuro da mineração está na mineração a seco. A Vale tem


perfeita compreensão disso.”

O Senador Kajuru fez uma indagação objetiva:


68

“quais foram – responda-me, por fineza, Sr. Fabio – as


providências adotadas pela Vale em face do mencionad o
procedimento investigatório instaurado pela promotoria do meio
ambiente? Por que – responda-me, por fineza – não foi
determinado o evacuamento da área antes do crime? Antes do
crime, porque eu não vou falar tragédia, jamais vou falar a palavra
acidente.”

SF/19193.51040-43
O depoente respondeu, novamente, de forma evasiva:

Eu, de novo, quero insistir que, se tivesse chegado ao meu


conhecimento qualquer tipo de informação que vislumbrasse a
possibilidade de perigo iminente naquela barragem, eu teria sido
o primeiro a trabalhar para salvar aquelas vidas, coisa que eu não
fiz por não ter essa informação. E, se porventura alguém escondeu
essas informações, fez uma coisa terrível que acabou causando
esse desastre.

Há uma contradição nas afirmações do depoente. Ele diz


desconhecer a situação, mas afirma a existência de um “laudo”, afirmando

Página: 68/398 02/07/2019 09:20:28


que a barragem era segura, no qual ele confiava e jamais cogitou questionar:

“Por que o escritório estava naquele local? Por dois motivos: o


primeiro motivo porque existia um laudo de estabilidade, o que
garantia que não havia risco para a estrutura.”

Indagado a respeito dos critérios para estabelecer os valores


pagos a título de doação para as vítimas, afirmou o depoente:

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“R$100 mil pareceu ser um valor significativo, tendo em vista a
renda média das pessoas que foram atingidas”

Em seguida, veio talvez o momento mais importante da reunião.

O Senador Randolfe Rodrigues indagou quanto o depoente


recebia como CEO da Vale. O depoente respondeu que, como Presidente da
Vale, ele recebia uma remuneração em razão da responsabilidade do cargo:

“Como Presidente da Vale, eu recebia uma remuneração de


acordo com as responsabilidades do meu cargo”
69

O depoente não quis o depoente declinar o valor, mas Senador


Randolfe Rodrigues afirmou que a remuneração era de R$58 milhões por
ano.

Aqui é necessário um parêntesis, dada a relevância da questão.

SF/19193.51040-43
R$58 milhões por ano é um valor alto. Trata-se de valor de mercado pago
para executivos do porte do depoente. E é assim exatamente porque esse
cargo importa responsabilidade, como expressamente afirmou o depoente.

Remuneração alta, em razão de responsabilidade alta.

O sr. Fábio Schvartsmann, que recebeu alta remuneração, tem


envolvimento na tragédia de Brumadinho. Não há como se dissassociar o
montante da remuneração com a responsabilidade do cargo. Questão, aliás,

Página: 69/398 02/07/2019 09:20:28


objeto de confissão por parte do depoente.

Após isso, o depoente incidiu em nova contradição: afirmou,


inicialmente, que em Mariana não havia sirenes. Após, disse que essa
informação poderia estar errada. Em razão disso, o Senador Randolfe
Rodrigues afirmou que iria propor à CPI a acareação entre o Sr. Fábio e o
CEO da Vale na época do ocorrido em Mariana, sr. Murilo Ferreira.

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O Senador Kajuru perguntou de forma expressa:

“o senhor foi sabotado ou conivente nesse crime?”

O depoente afirmou que não foi conivente, mas não declinou o


nome da pessoa que o havia sabotado.

Em seguinte foi dada a palavra ao Senador Wellington


Fagundes.

Ocorreu algo muito curioso: o Senador Wellington Fagundes


descreveu fatos relacionados ao transporte de passageiros que era efetuado
70

por trens da Vale em uma distante localidade do País, juntamente com


minério. De acordo com o Senador, esse procedimento havia acabado e o
transporte passou a ser feito por ônibus.

Demonstrando conhecer detalhes da empresa em que trabalhou,

SF/19193.51040-43
o depoente foi muito assertivo ao afirmar que o transporte de passageiros
continuava a ser feito por trens.

Não é crível que o sr. Fábio Schvartsmann saiba de algo de


importância diminuta – transporte de pessoas por trens ou ônibus em distante
localidade do País – mas não saiba de questões cruciais, como segurança de
barragens.

A questão se torna ainda mais aguda quando se tem em mente

Página: 70/398 02/07/2019 09:20:28


que a Barragem I da Mina Córrego do Feijão não é a primeira barragem a ser
rompida: em 2015, desastre (ou crime) semelhante ocorreu em Mariana.

A negativa do sr. Fábio Schvartsmann em apontar os


responsáveis pela segurança das barragens, afirmando que de nada sabia,
pode ser uma estratégia da defesa.

É patente a responsabilidade do sr. Fábio Schvartsmann pelo

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desastre (ou crime) de Brumadinho, que expressamente afirmou receber
remuneração compatível com a responsabilidade do cargo.

Não fosse o bastante para deixar clara a questão da


responsabilidade pela segurança das barragens, o Senador Carlos Viana
lembrou a adesão do do Sr. Fábio Schvartsmann à International Council on
Mining and Metals.

O senhor, em 2017, juntou a Vale, colocou a Vale, num dos


comitês internacionais mais importantes para a segurança da
mineração no mundo: International Council on Mining and
Metals. O senhor está lembrado disso? O senhor junto! Está lá o
71

senhor como representante da Vale num comitê internacional que


é um dos mais respeitados. E lá, como prática – para fazer parte
desse conselho -, está que todas as boas práticas de segurança,
com relação à segurança de rejeitos, devem ser feitas sem filtro e
diretamente ligados ao senhor e aos diretores da empresa. Esse
grupo que responde aos seus acionistas internacionais, que são
consultados para os investimentos ou não da Vale, e pelos quais
o senhor era responsável, coloca claramente aqui que a sua

SF/19193.51040-43
participação está diretamente ligada a conhecer as boas práticas
da empresa nos relatórios sem filtro. Então, o senhor aqui, nesse
conselho internacional, assumiu o compromisso de que conhecia
tudo o que estava acontecendo

Como se vê pela singela leitura desse trecho, com relação à


segurança das barragens de rejeitos – o que era o caso da Barragem I da Mina
Córrego do Feijão – a responsabilidade do sr. Fábio Schvartsmann era direta,
sem intermediários.

Página: 71/398 02/07/2019 09:20:28


2.2 Depoimentos de Alexandre Campanha, Makoto Namba,
André Yassuda e Ana Lúcia Yoda

A 4ª audiência da CPI de Brumadinho contou com a presença


dos srs. Makoto Namba, André Yassuda, Alexandre Campanha e Ana Lúcia
Yoda. Todos estavam acompanhados por advogados.

Os srs. Makoto Namba e André Yassuda, engenheiros da TÜV

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SÜD, obtiveram do Supremo Tribunal Federal (STF) habeas corpus
preventivo para lhes assegurar o direito de permanecer em silêncio durante
a audiência e assim permaneceram.

Já o sr. Alexandre Campanha, Gerente de Geotecnia


Corporativa da Vale, embora também tivesse obtido habeas corpus
preventivo no mesmo sentido, optou por responder as perguntas que lhe
foram formuladas, como veremos adiante.
72

Antes de descrever como foi a 4ª audiência, é conveniente dizer


quem são as pessoas convocadas, bem como qual a conexão delas com o
desastre de Brumadinho.

O sr. Makoto Namba, engenheiro da TÜV SÜD, assinou a

SF/19193.51040-43
última Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) da Barragem I da
Mina Córrego do Feijão, em setembro de 2018. O sr. André Yassuda foi o
responsável técnico pela Revisão Periódica de Segurança de Barragens
(RPSB), aprovada em março de 2018.

Ambos foram presos no dia 29 de janeiro de 2019. Por ocasião


da concessão de habeas corpus pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), 24
consta da decisão que:

Página: 72/398 02/07/2019 09:20:28


“A prisão temporária foi decretada porque os pacientes
subscreveram recentes declarações de estabilidade das barragens,
informando que aludidas estruturas se adequavam às normas de
segurança, o que a tragédia demonstrou não corresponder o teor
desses documentos com a verdade.”

É fato incontroverso que os engenheiros da TÜV SÜD


assinaram os laudos de estabilidade, bem como que a barragem se rompeu.
Contudo, consta da referida decisão o seguinte:

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
“Trata-se de opinião técnica que exige prova do erro ou fraude,
não sendo possível a responsabilização objetiva pelo resultado
ocorrido.”

Há outros fatos incontroversos e relevantes para o deslinde da


questão, que abordaremos a seguir, inclusive para explicar quem são as duas
pessoas ouvidas pela 4ª reunião da CPI, o sr. Alexandre Campanha e a sra.
Ana Lúcia Yoda.

24HC nº 491.652, decisão monocrática proferida pelo Ministro Nefi Cordeiro, da Sexta Turma, no dia 4
de fevereiro de 2019.
73

Existiu uma conversa entre o sr. Alexandre Campanha e os


engenheiros da TÜV SÜD. Contudo, o sr. Alexandre Campanha não era o
gestor do contrato de auditoria celebrado entre a Vale e a TÜV SÜD. O
gestor do contrato era o sr. Washington Pirete.

SF/19193.51040-43
Isso foi afirmado pela engenheira Ana Lúcia Yoda, da empresa
Tractebel Engineering:

“A gente sempre discutia isso com o gestor do contrato, que


intermediava pela Vale essas conversas técnicas, que era o
Washington Pirete.”

A Tractebel Engineering era a empresa que fazia a auditoria da


Barragem nº 1 da Mina do Córrego Feijão. Ela foi substituída pela TÜV SÜD
antes do rompimento da barragem, como veremos adiante.

Página: 73/398 02/07/2019 09:20:28


Em termos de hierarquia, o Gerente Executivo de Geotecnia
Corporativa da Vale, sr. Alexandre Campanha, está subordinado diretamente
ao Diretor de Planejamento de Ferrosos e posicionado acima do gestor do
contrato com a empresa terceirizada responsável pela auditoria da barragem.

Não está claro por que alguém da hierarquia do sr. Alexandre


Campanha teria conversado com os dois engenheiros da TÜV SÜD. Essa

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
questão é relevante, como veremos adiante.

No seu depoimento, embora negando de forma veemente que


teria feito qualquer tipo de “pressão” para que os dois engenheiros
assinassem o laudo concluindo pela estabilidade da barragem, assim disse o
sr. Alexandre Campanha:

“Nunca participei de nenhuma reunião isolada com nenhum


funcionário da TÜV SÜD.”

“Excelência, no dia 26 de fevereiro, o Sr. Makoto também dá um


depoimento à força-tarefa de Minas Gerais, dizendo novamente
74

que atestou a segurança da estrutura com base em critérios


técnicos e que atestaria novamente, porque a condição técnica era
normal e a barragem estava em condições de melhoria, e que
entendeu a minha pergunta como sendo uma pressão. A pergunta
que fiz a ele foi a seguinte: ‘Sr. Makoto, a TÜV SÜD já tem um
posicionamento sobre a declaração da condição de
estabilidade?’.”

SF/19193.51040-43
Como se pode observar, o sr. Alexandre Campanha, embora
dizendo que não manteve nenhuma reunião isolada com funcionários da
TÜV SÜD, confessa que manteve contato com o sr. Makoto, engenheiro da
TÜV SÜD.

Há outra questão incontroversa e relevante para o deslinde do


caso: a substituição da empresa Tractebel Engineering pela empresa TÜV
SÜD.

Página: 74/398 02/07/2019 09:20:28


Por que ocorreu essa substituição? Isso foi indagado à
engenheira Ana Lúcia Yoda. Ela explicou que houve uma diferença nos
critérios adotados pela Tractebel Engineering e a Vale para efeito do cálculo
que concluiria pela segurança ou não da barragem que veio a se romper:

“Na documentação disponibilizada para a análise, o fator de


segurança era de 1,09. Foi aí que a gente divergiu do critério.
Provavelmente, ele não seria aceito.”

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
A questão não estava até então muito clara. Indagada se a Vale
teria recebido um laudo da Tractebel Engineering concluindo que a barragem
não estaria mais segura, respondeu a engenheira Ana Lúcia Yoda
negativamente.

Restou uma questão, formulada com precisão pela Senadora


Juíza Selma: por que a Vale mudou de empresa e trocou de critério se não
havia nenhum laudo? A resposta da engenheira Ana Lúcia Yoda foi a
seguinte:
75

“Nós os notificamos. Primeiro, foi um contato telefônico. Com o


Sr. Washington Pirete.”

Qual teria sido o resultado dessa conversa? Por que houve a


troca da empresa Tractebel Engineering pela TÜV SÜD? A engenheira Ana
Lúcia Yoda narrou o final da conversa com o gestor do contrato, sr.

SF/19193.51040-43
Washington Pirete:

“Ele falou assim: Bom, por essa divergência de critério, então,


entendo que, talvez, a TÜV devesse continuar com as análises’."

A questão já estava clara: os critérios adotados pela Tractebel


Engineering iriam levar à conclusão de que a barragem não era segura e a
Vale desejava que a auditoria elaborasse laudo em sentido oposto. Mas ainda
assim, para reforçar, indagou o Senador Carlos Viana: o que teria levado a

Página: 75/398 02/07/2019 09:20:28


essa mudança na avaliação tão repentina? Todos os laudos anteriores
estavam regulares, mas que, de um para o outro, o fator de segurança mudou
de 1,3 para 1,09, por quê?

A resposta da engenheira Ana Lúcia Yoda foi muito técnica:

“É a consideração dos parâmetros de resistência dos materia is.


Havia uma avaliação diferente do que estava sendo feito
anteriormente, e isso baixava o parâmetro de resistência do
material. Então, era como se fosse menos resistente.”

Isso foi objeto da conversa com o gestor do contrato, o c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

funcionário da Vale Washington Pirete, como respondeu a engenheira Ana


Lúcia Yoda:

“A gente conversou sobre isso, sobre essa divergência de


critério uma vez que o parâmetro de segurança não era o... O fator
de segurança não era mais o mesmo que a gente costumava praticar.
Foi isso que a gente relatou para eles, falando assim: ‘Esses novos
estudos trazem fatores de segurança diferentes dos que a gente
pratica’.”
76

Como se pode observar, há coerência nas respostas dadas pela


engenheira Ana Lúcia Yoda aos dois senadores que indagaram sobre a
mesma questão: por que a Vale substituiu a Tractebel Engineering pela TÜV
SÜD. O motivo foi a divergência de critérios para se aferir a segurança da
barragem. A Tractebel Engineering tinha um critério e a TÜV SÜD tinha

SF/19193.51040-43
outro.

A Barragem I da Mina Córrego do Feijão era vistoriada a cada


seis meses. O último laudo da Tractebel Engineering foi em março de 2018.
A empresa não elaborou formalmente outro laudo em setembro de 2018
porque foi substituída pela TÜV SÜD, que concluiu pela segurança da
barragem.

A barragem se rompeu no dia 25 de janeiro de 2019. O que

Página: 76/398 02/07/2019 09:20:28


causou o rompimento não foi um fato imprevisível (ex. um terremoto, um
furacão). Muito ao revés, os critérios supostamente técnicos da TÜV SÜD
estavam errados, haja vista que a barragem se rompeu.

Os engenheiros da TÜV SÜD, srs. Makoto Namba e André


Yassuda, optaram por permanecer em silêncio durante a 4ª audiência da CPI.
Não se pode concluir apenas por esse fato que eles teriam agido, por ocasião

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da elaboração dos laudos, com dolo ou culpa.

Contudo, a 4ª reunião da CPI era não só uma oportunidade para


esclarecimentos dos fatos, mas para a própria defesa dos srs. Makoto Namba
e André Yassuda, que já haviam sido presos em razão dos laudos por eles
assinados. Eles poderiam dar versão diferente aos fatos narrados pelas outras
pessoas. Poderiam ter alegado, por exemplo, que não assinaram os laudos,
ou que, a despeito do rompimento da barragem, observaram todas as normas
técnicas de engenharia exigíveis. Mas não fizeram nada disso, optando pelo
silêncio.
77

Tanto o presidente afastado da Vale, sr. Fábio Schvartsmann,


ouvido por ocasião da 3ª reunião da CPI, como o sr. Alexandre Campanha,
enfatizaram o grau de autonomia da área técnica, dos gestores locais de cada
barragem. O sr. Alexandre Campanha afirmou:

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“Existe uma área técnica operacional responsável pela segurança
da barragem. Essa área técnica tem os seus respectivos RTs, que
são pessoas que têm por atribuição cuidar da gestão de segurança
da barragem.”

Indagado quem seria a pessoa responsável, uma vez que “área


técnica” é um termo muito vago e se busca saber quem foram os responsáveis
pela morte de centenas de pessoas e pela tragédia ambiental, assim respondeu
o sr. Alexandre Campanha:

Página: 77/398 02/07/2019 09:20:28


“O profissional de RT em monitoramento e controle da barragem
é da responsabilidade da Engenheira Geotécnica Cristina
Malheiros.”

A questão da localização do refeitório, situado logo abaixo da


barragem rompida, é emblemática. Indagado a respeito de quem seria o
responsável pelo refeitório permanecer na zona de risco, o sr. Alexandre
Campanha respondeu:

“A primeira pessoa que poderia ter tomado a decisão para retirada

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do restaurante seria o gerente operacional da mina, de nome
Alano Teixeira, que infelizmente veio a falecer no acidente.
Acima do Sr. Alano fica o gerente executivo da operação, de
nome Sr. Rodrigo Melo. E acima do Sr. Rodrigo Melo fica o
diretor de operação, de nome Silmar Silva.”

Ninguém dos escalões superiores da Vale tomou qualquer


atitude para evitar a tragédia. Ao revés, o que houve foi um movimento para
obter um laudo com critérios suspostamente técnicos que concluíram pela
estabilidade da barragem que, pouco tempo depois, rompeu-se.
78

2.3 Depoimentos de Cristina Malheiros e Renzo Carvalho

A 5ª reunião da CPI de Brumadinho foi convocada para oitiva


Sra. Cristina Heloiza da Silva Malheiros e do Sr. Renzo Albieri Guimarães
Carvalho. Ambos compareceram e estavam acompanhados por advogados.

SF/19193.51040-43
Antes da oitiva dessas pessoas, ocorreu a exposição do Sr. Guilherme
Santana Lopes Gomes, representante da Agência Nacional de Mineração
(AMN). Embora não pertença à divisão de segurança de barragens, mas sim
chefie a divisão de recursos minerais, o Sr. Guilherme Gomes mostrou à CPI,
com vídeos e eslaides, o processo de rompimento da barragem.

A exposição dos vídeos e slides foi importante para que o


colegiado e assessores da CPI pudessem ver o desmoronamento da barragem

Página: 78/398 02/07/2019 09:20:28


que ocorreu durante poucos segundos, bem como dois pontos, representados
por duas setas apontando os dois locais onde a barragem começou a estufar.
Esses dois pontos – e isso é crucial – haviam sido indicados em relatório
interno de conhecimento da Vale em junho de 2018. Esses pontos eram
drenos que estavam entupidos na ocasião.

Em seguida começou a oitiva da Sra. Cristina Malheiros, que


trabalhava diretamente na Mina Córrego do Feijão. A anotação de

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
responsabilidade técnica (ART) de monitoramento da barragem era da Sra.
Cristina Malheiros, que trabalhava com a equipe de geotecnia operacional,
subordinada ao Sr. Renzo Carvalho.

A Sra. Cristina Malheiros trabalhava diretamente com a análise


do monitoramento e da inspeção da Mina Córrego do Feijão Vale desde 2 de
junho de 2011. Ela lá não estava no momento do rompimento da barragem
porque havia solicitado uma folga ao seu gerente para fazer uma viagem a
Caldas Novas (GO) na ocasião.
79

Exatamente por ser a profissional com a ART da barragem


rompida, questão incontroversa, a Presidente da CPI efetuou a seguinte
indagação:

“Quais foram as suas ações e recomendações para evitar o


rompimento da barragem?”

SF/19193.51040-43
Como havia sido visto em depoimentos anteriores, os altos
escalões da Vale enfatizaram um suposto elevadíssimo grau de autonomia
dos engenheiros locais da barragem rompida no tocante a todos os
procedimentos para a segurança da barragem. A indagação, portanto, foi
diretamente ao “xis” da questão.

Embora confessando ser a profissional com a ART respectiva,


a Sra. Cristina Malheiros negou conhecimento a respeito de qualquer

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anormalidade ou irregularidade. E mais: disse que nem mesmo a empresa
TÜV SÜD a havia alertado dos problemas da barragem.

Essas afirmações não estão de acordo e contradizem relatórios


a que a CPI obteve acesso. Esses relatórios demonstram o conhecimento por
parte da Vale desde, pelo menos, junho de 2018, dos problemas existentes.
Tanto é assim que alguns procedimentos foram adotados pela Vale para

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tentar sanar essas irregularidades como ficou demonstrado em momentos
posteriores da CPI.

Por ora, vamos continuar descrevendo como foi a oitiva da Sra.


Cristina Malheiros.

Quando apontado que os instrumentos de monitoramento da


barragem já haviam apresentado problemas antes do rompimento, a Sra.
Cristina Malheiros respondeu:
80

“E eu só tive conhecimento dessa alteração, que o senhor coloca


que estão nos depoimentos, depois do rompimento, exatamente
no dia 26 de janeiro.”

Novamente se verifica inconsistência na resposta: se a Cristina


Malheiros era a profissional com a ART da barragem que, supostamente,

SF/19193.51040-43
teria a autonomia necessária para a gestão da segurança, como poderia não
saber de anomalias na barragem que vinham ocorrendo meses antes do
rompimento? Ou essa autonomia era fictícia ou a Sra. Cristina Malheiros
mentiu para a CPI. A resposta a essa questão seria dada pela própria Sra.
Cistina Malheiros em momento posterior nesta mesma audiência da CPI.

Com efeito, o relator da CPI apontou que, no dia 11 de junho de


2018 – sete meses antes do rompimento da barragem – houve um
fraturamento hidráulico, episódio que gerou uma recomendação da TÜV

Página: 80/398 02/07/2019 09:20:28


SÜD para reduzir o nível do lençol freático da barragem. Nessa época a Vale
começou a instalar Drenos Horizontais Profundos (DHPs). Na instalação do
15º DHP, houve um problema grave que causou um sério risco à barragem.
O relator indagou à depoente a esse respeito:

“A senhora era a responsável, não é isso?”

A Sra. Cristina Malheiros confessou isso da forma mais direta e

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conclusiva possível:

“Sim.”

Prosseguiu o relator:

“A senhora, como responsável técnica, era a responsável também


por informar a ANM sobre isso, não é verdade?”

A Sra. Cristina Malheiros reiteirou a confissão, com a singela


resposta:
81

“Sim.”

Ainda a respeito do relatório do dia 11 de junho de 2018,


respondeu a depoente:

“Sim, eu tive acesso a esse relatório, tomei conhecimento dele.”

SF/19193.51040-43
Portanto, a Sra. Cristina Malheiros sabia dos problemas
existentes na barragem meses antes do rompimento, bem como dos
procedimentos adotados para tentativa de solução desses problemas.

No que se refere à troca da empresa Tractebel pela TÜV SÜD,


respondeu a Sra. Cristina Malheiros, textualmente:

“Eu nunca fiz gestão de pessoas dentro da Vale. Então, eu não


tinha responsabilidade.”

Página: 81/398 02/07/2019 09:20:28


Não era dela, certamente, o poder de gestão sobre as empresas
terceirizadas que realizavam a auditoria das barragens. Isso estava em níveis
superiores.

A Sra. Cristina Malheiros ocupava um cargo técnico. E, como


tal, reportava aos seus superiores as informações pertinentes. Há confissão
também quanto a isso:

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“Eu não era uma engenheira com funções decisórias de gerência.
Então, eu tinha um cargo técnico de prestar informações técnicas,
e essas informações eu sempre reportei aos meus superiores.”

Verificamos, de acordo com essa afirmação, que as informações


a respeito das questões técnicas eram repassadas aos escalões superiores da
Vale. A autonomia dos órgãos locais, ainda que existisse, não era – nem
poderia ser – absoluta… Seria incrível uma empresa extremamente lucrativa
e organizada como a Vale dar engenheiros e órgãos locais uma autonomia
absoluta ou independência na gestão das minas. Os órgãos superiores sabiam
82

dos problemas. Isso seria reafirmado e provado nesta e em audiências


posteriores da CPI.

Além de ter informado que sempre reportou aos seus superiores


as informações técnicas da barragem, a Sra. Cristina Malheiros deu

SF/19193.51040-43
informações detalhadas a respeito de como foram a ANM e a diretoria da
Vale informadas a respeito do episódio referente ao 15º DHP.

Indagou o relator:

“qual a diferença de um nível 3 informado à ANM e o nível 6


informado à Vale? O que aconteceria se a ANM tivesse recebido
o mesmo relatório da senhora do dia 11 de junho?”

A resposta foi a seguinte:

Página: 82/398 02/07/2019 09:20:28


“A classificação da ANM coloca os níveis sendo 0, 3, 6 e 10.
Estando numa condição 6, significa que eu tenho uma condição
de água saindo com sólidos, mas que permite o controle.(…).
Então, o nível 3 coloca lá que a percolação aconteceu com
sólidos, mas que ela foi controlada, que é o que nós tínhamos no
dia 11. Imediatamente ela foi controlada. Por isso a classificaçã o
do nível 3. À Vale eu coloquei o nível 6, porque, no dia 11, essa
ocorrência nos causou preocupação, nos causou uma atuação de
urgência, e ela foi executada. (…) o nível 6 não envolvia a
paralisação das atividades nem nada nesse sentido, porque a
entrada da ANM como fiscalizadora, caso houvesse um problema
na barragem, se daria no nível 10. (…) O nível 10 indica que eu

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tenho uma anomalia na barragem a qual eu não estou conseguindo
controlar. (…) O nível 6 ainda não é desse nível.”

Sem entrar no mérito de qual seria o nível de risco correto a ser


reportado naquele momento, confessou a depoente que à ANM foi
informado nível de risco mais baixo que o informado à diretoria da Vale.

Algumas pessoas foram nominadas pela Sra. Cristina Malheiros


quanto ao conhecimento do episódio do dia 11 de junho de 2018. São elas:

 César Grandchamp;
83

 Renzo Albieri;

 Alano Teixeira;

 Marilene Lopes;

 Paulo Abrão.

SF/19193.51040-43
Isso não significa, obviamente, que apenas essas pessoas
souberam do episódio. Escalões superiores também o sabiam, como ficaria
evidenciado em reuniões posteriores da CPI.

De quem teria partido a decisão de reportar à ANM nível de


risco 3 (e não 6 ou 10)? Respondeu a depoente:

“A decisão de reportar à ANM uma condição de um risco que


estava controlado foi feita com todas as pessoas que estavam na

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mina na atuação do dia 11: eu, César Grandchamp, Alano
Teixeira, Marilene Lopes, Renzo Albieri.”

Outras pessoas envolvidas na tragédia foram mencionadas pela


depoente:

“Washington Pirete é um engenheiro que trabalhava na equipe de


gestão de risco e trabalhava junto com a Marilene Lopes e com o
Alexandre Campanha.”

Depois do episódio do dia 11 de junho de 2018, outros

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problemas surgiram. Um deles foi o mau funcionamento dos piezômetros
(dispositivos que monitoram pressão da água na barragem), que registraram
leituras discrepantes e revelaram que havia problemas de leituras desde o dia
10 de janeiro até o dia do rompimento da barragem. Uma troca de e-mails
entre funcionários da Vale, da TÜV SÜD e da Tecwise, nos dias 23 e 24 de
janeiro de 2019, confirma que isso era de conhecimento da empresa, bem
como que cinco piezômetros simplesmente pararam de funcionar.
84

A esse respeito, a Sra. Cristina Malheiros, que era a responsável


com ART da barragem, disse ignorar. Quem deveria ter informado o
problema? Respondeu a depoente que deveria ter sido a TÜV SÜD.

Outro problema foi a questão de detonações próximas à

SF/19193.51040-43
barragem. O risco que isso causava foi também confessado pela depoente:

“Uma barragem alteada por montante não poderia sofrer com


sismos no maciço dela. Isso é um possível gatilho a um processo
de liquefação. Eu não tinha nenhum documento que me
delimitasse uma distância de detonações para atuações no entorno
dessa barragem. Nenhum dos auditores, nem consultores me
apresentaram um valor limite para que isso não acontecesse. E eu
não tinha uma solicitação de que não fossem realizadas
detonações na cava. (…) A cava, nós temos conhecimento de
detonações antes disso. Então, as detonações da cava nunca foram
um problema para a estrutura da Barragem 1. (…) Eu não tive
nenhuma orientação de que fossem paralisadas as detonações na

Página: 84/398 02/07/2019 09:20:28


cava.”

Como se vê, de acordo com o depoimento, a diretoria não


proibiu as denotações, que confessadamente existiram. A depoente disse que
nunca haviam sido um problema. Mas a barragem se rompeu: tudo estaria
supostamente em conformidade, até que uma tragédia acontece.

Ocorreu uma tragédia (ou crime), com centenas de mortos e


milhares de pessoas prejudicadas em suas vidas, além do imensurável dano

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ao meio ambiente. Seria natural que pessoas direta ou indiretamente
relacionadas a essa tragédia sentissem que poderiam ter feito algo para evitá-
la. É simplesmente humano sentir remorsos ou imaginar que algo, por
mínimo que seja, poderia ter sido feito de forma diferente. A depoente,
porém, afirmou textualmente o seguinte:

“Uma volta no tempo não me daria condições de mudar nada do


que eu fiz, do que eu tenho feito até então, que é colaborar com a
verdade, com transparência, porque tudo o que fiz até então foi
com o máximo de critério, com o máximo de cuidado com essa
estrutura. Então, uma volta no tempo, mesmo, eu avaliaria da
85

mesma forma e trabalharia com o mesmo amor e com o mesmo


critério que eu sempre trabalhei.”

Também chama a atenção todas as respostas evasivas da


depoente e de outras pessoas que trabalhavam diretamente em Brumadinho
no que se refere a quem eram as pessoas dos escalões superiores da Vale que

SF/19193.51040-43
sabiam e foram responsáveis pela tragédia. Esse sentimento foi bem
traduzido nas seguintes afirmações do Senador Jorge Kajuru:

“A senhora está, o tempo inteiro aqui, aliviando para diretores da


empresa (…) a senhora não dá os nomes dos diretores
responsáveis pelo rompimento da barragem; não descreve o que
cada um fez ou o que poderia ter feito, ou deixado de fazer. (…)

Parece que eles [funcionários dos baixos escalões] fazem um


treinamento na empresa Vale, Relator, para responder às nossas
perguntas. Treinamento assim com direito a Harvard, para se

Página: 85/398 02/07/2019 09:20:28


preparem e para saberem responder e aliviar a Vale e os seus
diretores. (…)

A empresa Vale lhe ofereceu algum benefício? Vou diretamente


ao ponto, porque eu odeio cinismo. Ela lhe pagou alguma coisa
para a senhora aliviar a cara de todos os diretores e,
principalmente, da empresa Vale? (…) Aqui nas minhas redes
sociais que estão transmitindo ao vivo esta sessão, é a pergunta
mais frequente. A Vale pagou alguma coisa para a senhora,
ofereceu alguma coisa para a senhora para a senhora livrar a cara
dos diretores e da Vale?”

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Embora respondendo negativamente, a Vale estava pagando a
presença dos advogados e toda a estratégia de defesa dos seus funcionários.
Exceção a isso foi com relação ao engenheiro Felipe Rocha, que foi ouvido
posteriormente, na 7ª reunião da CPI. Exatamente por não ter advogados
pagos pela Vale, ele apontou os nomes dos diretores que tinham ciência dos
problemas da barragem que viria a se romper.

Já os funcionários que contavam com advogados pagos pela


Vale – e se negaram a apontar os nomes dos diretores responsáveis –
obtiveram habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) para não
86

serem presos, poderem deixar de responder perguntas e não serem


incriminados por falso testemunho. Pode parecer desnecessário esse habeas
corpus para quem deseja responder às perguntas. Não é. Como testemunha,
a depoente teria a obrigação de dizer a verdade. Como investigada, situação
conferida pelo habeas corpus, a depoente poderia omitir a verdade ou

SF/19193.51040-43
simplesmente mentir sem ser incriminada por falso testemunho.

Tratava-se de uma estratégia montada pelos altos escalões da


Vale para atribuir toda a culpa ao corpo técnico da empresa, eximindo os
diretores de qualquer responsabilidade. Isso já estava claro por ocasião da 5ª
reunião da CPI e foi comprovado nas reuniões seguintes.

A Presidente da CPI muito bem colocou o quanto a situação da


Sra. Cristina é delicada do ponto de vista jurídico, razão pela qual sua prisão

Página: 86/398 02/07/2019 09:20:28


havia sido pedida pelo Ministério Público. O Sr. Fabio Schvartsman,
presidente afastado da Vale, havia dito ignorar todos os problemas,
atribuindo o desastre ao corpo técnico da empresa. Diante dessas
considerações, indagou a Senadora Rose de Freitas à depoente:

“Vossa Senhoria considera que as responsabilidades pelo desastre


estão distribuídas de forma justa e honesta entre os implicados?
Vossa Senhoria vai aceitar toda a culpa sozinha, porque todos os

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diagnósticos – e está aqui uma juíza – levam a Vossa Senhoria?”

Era a última oportunidade para que a depoente se defendesse.


Poderia a depoente apontar de forma mais específica quais teriam sido os
diretores comunicados dos problemas (até então, ela havia afirmado
superficialmente que “essas informações eu sempre reportei aos meus
superiores”). Contudo, ela limitou-se a responder de forma novamente
evasiva:

“Excelentíssimos, eu, como uma técnica de Córrego do Feijão e


estando lá todos os dias, sinto enormemente por tudo que eu vivi,
por tudo que eu conheci, por tudo o que eu passei lá. Em respeito
87

a essas pessoas, à minha vida, à minha história, eu sempre me


apresentei com a verdade, sempre esclareci, sempre me
prontifiquei a estar presente onde fui chamada para prestar o meu
depoimento com a verdade. Para falarmos de responsáveis por
essa ocorrência, é necessário que identifiquemos as causas, e eu
acredito que isso está sendo buscado incessantemente, seja na
investigação, seja nos estudos, para que a gente possa identific ar
se em algum momento houve alguma falha humana em algum

SF/19193.51040-43
sentido que pudesse explicar o que aconteceu na Barragem 1 de
Córrego do Feijão. Excelentíssima, eu entendo que hoje toda a
Engenharia, todos os estudiosos dessa área se perguntam como a
gente vai trabalhar daqui para a frente. Todos nós buscamos
entender o que aconteceu na Barragem 1 de Córrego do Feijão.”

Desperdiçada pela Sra. Cristina Malheiros mais essa chance de


defesa, foi ela dispensada e chamado à mesa para depoimento o Sr. Renzo
Albieri.

Antes do início desse depoimento, a Presidente da CPI afirmou

Página: 87/398 02/07/2019 09:20:28


que o STF concedera medida de habeas corpus ao depoente, para lhe
assegurar o direito de permanecer em silêncio, de ser assistido por advogado
e de não ser submetido ao compromisso de falar a verdade.

O depoimento começou com o relator afirmando que o depoente


trabalhava no primeiro nível de gerência, com responsabilidade direta pela
geotecnia operacional da barragem rompida. Indagou o senhor se o depoente
havia desconfiado que havia algo errado com a barragem que viria a se

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romper, especialmente levando em consideração o incidente dos DHPs, o
relatório de junho de 2018 descrevendo os problemas e a questão da água
pressurizada.

A resposta foi, previsivelmente, evasiva:

“Caro Senador Viana, antes eu gostaria apenas de externar a


minha tristeza em relação ao que aconteceu em Brumadinho. Eu
sempre pautei a minha carreira sempre no meu conhecimento,
sempre com honestidade, com integridade, na retidão das minhas
ações, procurando trabalhar e aplicar o melhor conhecimento na
minha profissão. Eu sofro muito com o que aconteceu, pois a
88

minha equipe trabalhava diretamente na estrutura, e, até o


momento da ruptura, nós trabalhamos sempre acreditando na
segurança da estrutura, a partir da confiança de todas as
informações que nós tínhamos relacionadas às declarações, aos
estudos, às análises, às inspeções, às instrumentações. Então, até
o momento da ruptura, nós sempre trabalhamos acreditando na
estabilidade da estrutura. E é por isso que a minha equipe estava
presente lá, quando da ruptura. A Cristina, por um acaso, estava

SF/19193.51040-43
de folga e conseguiu sobreviver. Outros engenheiros estavam no
refeitório, quando da ruptura, e conseguiram escapar da onda.
Então, nós sempre trabalhamos acreditando na nossa capacidade,
trabalhando e acreditando que sempre fizemos o melhor e
acreditando na segurança da estrutura. Isso acho que responde
parte da sua pergunta. Além disso, quer dizer, o sentimento, nosso
sentimento de impotência é muito grande na medida em que a
gente não entende, não sabe quais são as causas da ruptura. E é
por isso, obviamente, que eu estou aqui para contribuir com o
máximo do meu conhecimento a respeito do assunto.”

Tratava-se da mesma estratégia da depoente anterior: habeas


corpus para ocultar a verdade, deixando de apontar as falhas humanas e os

Página: 88/398 02/07/2019 09:20:28


responsáveis.

O relator fez perguntas específicas quanto aos problemas que


haviam sido detectados a partir de, pelo menos, junho de 2018. O depoente
respondeu:

“Todas as recomendações no ano de 2018 foram atendidas. Todas


as recomendações apontadas pelas auditorias, pela TÜV SÜD,

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pela revisão periódica estavam em dia com o seu cumprimento.”

Essa afirmação não é verdadeira e foi desmentida na própria


audiência: foi apresentada a foto de um caminhão carregado transitando
sobre a estrutura, contrariando recomendações técnicas, três dias antes do
rompimento da barragem e assim se manifestou o depoente:

“Esse caminhão de pequeno porte, provavelmente – eu não tenho


conhecimento obviamente, estou vendo a foto agora –, mas ele
deve estar sendo utilizado exatamente para poder atender à
recomendação da TÜV SÜD.”
89

Também na 7ª reunião da CPI foi afirmado que as medidas para


aumentar a segurança da barragem, recomendadas no relatório de junho de
2018, não foram concluídas até janeiro de 2019, quando a barragem se
rompeu.

SF/19193.51040-43
O relator perguntou se o depoente havia estado em Brumadinho
e a resposta foi afirmativa. A respeito de quem seria o responsável pela
tragédia e poderia ter removido toda a estrutura, a resposta do depoente foi
mais uma vez evasiva, sem apontar nome de qualquer diretor ou superior
hierárquico:

“Acredito que a Vale possui uma área específica para o


gerenciamento e gestão de risco, para análise de risco. ”

O relator insistiu no sentido de que a CPI está na expectativa de

Página: 89/398 02/07/2019 09:20:28


que cada pessoa pelo menos indique qual é a sua responsabilidade, mas se
tem percebido sempre uma distribuição genérica das responsabilidades,
como se ninguém fosse culpado. O sr. Renzo, porém, não mencionou nome
de qualquer diretor que seria responsável pela tragédia, afirmando que era
apenas um técnico e que desconhecia temas relacionados à diretoria.

Indagado a respeito do mencionado problema com o 15º DHP e

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da questionável comunicação à ANM em nível de risco inferior ao devido, o
depoente confessou que conhecia o tema:

“Senador Viana, quando da ocorrência do DHP, eu estive


presente junto com a Cristina, eu tinha acabado de chegar à
Gerência de Geotecnia e havia pedido à Cristina para que me
apresentasse à barragem B1, para que eu conhecesse a B1. E foi
quando, coincidentemente, nós tivemos o evento do DHP, e eu
prontamente fui apoiá-la, fui acompanhá-la na definição e na
atuação imediata da correção. (…) Apenas no nível 10 de
comunicação à ANM é que a ANM aciona uma inspeção especial.
Então, a gente passa a fazer um monitoramento, uma inspeção
diária dessa estrutura, junto com a ANM.”
90

Visto que o depoente mantinha a mesma estratégia da depoente


anterior, foi encerrada a oitiva.

2.4 Depoimento de Gerd Poppinga

SF/19193.51040-43
A 6ª reunião da CPI de Brumadinho foi destinada à oitiva do Sr.
Gerd Poppinga, ex-Diretor-Executivo de Ferrosos e Carvão da Vale S.A,
subordinado diretamente ao ex-Presidente da empresa, Fabio Schvartsman.
Ambos estão afastados da empresa.

O Sr. Gerd Poppinga compareceu à audiência acompanhado de


advogado e também havia obtido habeas corpus no STF para lhe assegurar
o direito de deixar de responder às perguntas formuladas, podendo omitir a
verdade, estratégia utilizada pela Vale durante a CPI.

Página: 90/398 02/07/2019 09:20:28


O Senador Otto Alencar bem lembrou que o Sr. Gerd Poppinga
já responde em razão da tragédia de Mariana por homicídio triplamente
qualificado, além de crimes de inundação, desmoronamento, lesões
corporais diversas, crimes ambientais. Sua defesa tenta, perante o TRF da 1ª
Região, que ele não seja julgado por homicídio doloso. Isso ocorreu há três
anos, mas parece que estamos vendo uma terrível repetição dos fatos. Desta
vez não são 19 e sim quase 300 mortos, como bem apontou o mencionado

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Senador.

A despeito do processo por homicídio triplamente qualificado,


prosseguiu o Senador Otto Alencar, o sr. Gerd Poppinga continuou como
Diretor da Vale, que, seguramente, deve achá-lo muito competente por tê-lo
mantido em cargo diretamente ligado ao presidente da empresa.

O sr. Gerd Poppinga respondeu que não pode ser considerado


culpado e que está sendo processado por ter participado de apenas duas
reuniões do Conselho de Administração, nas quais nunca teria sido
91

mencionado qualquer problema da barragem do Fundão, bem como que a


Samarco era uma empresa independente. Afirmou que a Vale tem mais de
40 minas, sendo que ele nunca foi à Mina do Feijão nos seus três anos de
atividade na área de minério de ferro, assim como não foi a outras minas.

SF/19193.51040-43
Indagado por que não se indenizou ninguém até hoje, respondeu
simplesmente que existe um trâmite jurídico e existem dificuldades, sendo
responsável o advogado Alex D'Ambrosio e o diretor de sustentabilidade
Osório.

Repetindo o que havia sido dito pelo presidente afastado da


empresa, afirmou o sr. Gerd Poppinga:

“A responsabilidade pela segurança das barragens, pelo

Página: 91/398 02/07/2019 09:20:28


monitoramento das mesmas, pela inspeção, pela manutenção e
operação é da área operacional local e dos geotécnicos
operacionais locais. São eles que têm que zelar pela segurança das
barragens.”

Trata-se da mesma linha de defesa vista anteriormente nesta


CPI: não citar nomes, ser genérico. Foi-lhe então perguntado se nunca
recebeu informação de qualquer instabilidade da barragem rompida. O
depoente confirmou isso, disse ser superior hierárquico do Sr. Lúcio Cavalli,
e depois afirmou:

“Eu mantinha reuniões semanais com o meu Diretor Silmar Silva, c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
que é o responsável pelo Corredor Sul-Sudeste, e essas reuniões
semanais eram toda sexta-feira, umas 2h, junto com outros
operadores, outros diretores. A gente tratava de segurança, meio
ambiente e problema de produção, inclusive de barragens, e
nunca, durante essas reuniões, foi levantado qualquer problema
relacionado à Barragem B1.”

Confessando sua responsabilidade pela escolha dos diretores


Lúcio Cavalli e Silmar Silva, afirmou:

“eu tenho plena confiança nos diretores que eu escolhi.”


92

Indagado pelo Senador Jorge Kajuru se ele teria deixado de


repassar, alguma vez, algum relatório ou documento relacionado à barragem
B1 ao presidente afastado da Vale, sr. Fábio Schvartsman, respondeu
enfaticamente o depoente:

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“eu nunca deixei de passar nada ao Sr. Fábio Schvartsman sobre
este assunto.”

Curiosamente, indagado se o presidente afastado seria culpado,


o depoente não afirmou que o sr. Fábio Schvartsman seria inocente.

Mesmo diante da insistência do Senador Jorge Kajuru para que


a questão fosse respondida, o depoente continuou deixando de fazer qualquer
juízo de valor a respeito de eventual inocência do sr. Fábio Schvartsman,
repetindo que a causa da tragédia tem que ser determinada, para depois se

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atribuírem as responsabilidades.

O depoente afirmou que a ex-Presidente do Supremo Tribunal


Federal, Ellen Gracie, foi contratada pelo Conselho de Administração para
liderar uma comissão de investigação interna na Vale para determinação das
causas do rompimento.

Estupefato com essa informação, manifestou-se o Senador Otto

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Alencar:

“Ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, recebendo a grana


da Vale para defender criminosos!”

A reunião parecia que seria como as demais, com os depoentes


negando e eximindo qualquer diretor de culpa, com afirmações genéricas a
respeito da autonomia e responsabilidade do corpo técnico, quando o
Senador Jorge Kajuru indagou a respeito da remuneração variável do
depoente, se seriam relacionadas a lucros ou também à segurança:
93

“O senhor pode responder quais eram as metas relacionadas à


segurança e em que anos, por gentileza, elas foram atingidas
totalmente ou parcialmente?”

A resposta – na verdade, uma surpreendente confissão – foi a


seguinte:

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“Nós tivemos uma fatalidade que me botou esse indicador de
zero.”

Ninguém esperava que o depoente confessasse ter obtido nota


zero no quesito segurança. O Senador Jorge Kajuru, supreso, perguntou:

“Zero?”

O depoente respondeu:

Página: 93/398 02/07/2019 09:20:28


“Zero.”

A surpresa com a confissão foi demasiada. O Senador Jorge


Kajuru repetiu a pergunta:

“Zero?”

O depoente respondeu:

“Sim”

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Indagado então se o presidente afastado da Vale, sr. Fábio
Schvartsman, também havia sofrido penalização no quesito segurança,
respondeu o Sr. Gerd Poppinga.

“Ele também foi penalizado.”

Nesse momento ficou claro por que o Sr. Gerd Poppinga não
poderia afirmar a inocência do presidente afastado da Vale, sr. Fábio
Schvartsman: as metas de segurança estabelecidas pela própria Vale para
94

seus diretores e para o presidente simplesmente não estavam sendo atingidas.


No caso do depoente, a nota fora um estridente zero.

Após a confissão, o depoente voltou ao discurso usual:

“o nosso norte, a nossa âncora sempre foi o tal do laudo de

SF/19193.51040-43
estabilidade.”

O depoente, depois de falar da nota zero, refere-se ao laudo da


empresa terceirizada como “o tal” laudo de estabilidade. Sim, “o tal” laudo
de estabilidade seria a desculpa perfeita, suficiente para eximir a Vale e seus
empregados da responsabilidade pela tragédia que resultou em centenas de
mortos e milhares de vítimas.

Em seguida, veio outra confissão, desta vez a respeito de

Página: 94/398 02/07/2019 09:20:28


conflito de interesses. Indagado pelo relator a respeito do atual modelo de
fiscalização, no qual cabe à empresa de mineração escolher a empresa que
irá fazer a auditoria e emitir o laudo de estabilidade, afirmou o depoente:

“Acho que não só basta a empresa apresentar alguma coisa, um


auditor independente atestar alguma coisa, mas tinha que se
verificar se há conflito de interesse, porque uma das suspeitas é
que houve conflito de interesse. Não vou falar se houve ou não
houve, mas o delegado está suspeitando disso.”

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Na audiência em que foi ouvida a representante da Tractebel,
empresa que fora substituída pela TÜV SÜD para elaboração do laudo de
estabilidade da barragem que veio a se romper, a questão já estava clara. Não
fosse o bastante, a afirmação do sr. Gerd Poppinga a respeito da possibilidade
de existir “conflito de interesse” excluiu qualquer possibilidade de dúvida.

Indagado pelo Senador Randolfe Rodrigues a respeito de qual


seria esse “conflito de interesses”, o depoente prosseguiu na confissão:

“Excelência, foi constatado que a TÜV SÜD, que estava


auditando as nossas barragens, simultaneamente estava também
95

trabalhando em outros serviços na empresa, o que pode ser


conflito de interesses. Então, nesse sentido, eu acho que deveria
haver regras que evitassem essas situações.”

Em seguida, o depoente iniciou nova confissão:

“eu mesmo criei uma nova área dentro da Vale fora das

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operações, para haver neutralidade, que se chamava gestão de
barragens – uma espécie de primeira linha de defesa para, de uma
certa forma, auditar, uniformizar os critérios –, que é a área do
Alexandre Campanha, que responde ao Lúcio Cavalli. Então, essa
é a primeira linha de defesa. A própria Vale, depois, criou uma
segunda linha de defesa chamada GRN (Gestão de Riscos de
Negócio), aí, sim, ligada não à minha diretoria, mas ligada ao meu
colega e par, Luciano Siani, Diretor Financeiro, onde não
somente barragens eram analisadas, mas também todos os riscos
de negócios.”

Como se vê, havia um mecanismo estabelecido para que os


diretores tomassem conhecimento da situação das barragens: era a área de

Página: 95/398 02/07/2019 09:20:28


“gestão de barragens”, dirigida pelo Sr. Alexandre Campanha, subordinado
ao mencionado diretor Lúcio Cavalli, ao qual o depoente havia afirmado ter
“plena confiança”, que havia sido por ele escolhido para o cargo.

Mais: o Sr. Gerd Poppinga afirmou que outro órgão,


denominado Gestão de Riscos de Negócio (GRN), ligado ao diretor Luciano
Siani, também analisava os riscos das barragens.

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A diretoria sabia de tudo. Assim confessou o depoente:

“Então, a governança foi montada imediatamente após o evento


Samarco de uma forma que chegassem... Isso era reportado à
Diretoria Executiva de forma regular. A GRN, a Gestão de Riscos
de Negócio, era reportada mensalmente à Diretoria Executiva, e
eu tinha semanalmente reuniões com os meus subordinados
operacionais, porque são eles que tinham a informação da
gerência de riscos e são eles que são os responsáveis. O pessoal
da ponta é responsável pela segurança da barragem. Então, ao ter
reunião semanal com essas pessoas, eu tinha todas as informações
necessárias para saber se havia algum problema mais grave.”
96

Portanto, tudo era reportado à Diretoria Executiva de forma


regular. Não é possível dizer que o Sr. Gerd Poppinga não sabia de nada. Ele
mesmo afirmou textualmente a existência da GRN, o seu funcionamento, as
reuniões com os subordinados, bem como que “tinha todas as informações
necessárias para saber se havia algum problema mais grave”.

SF/19193.51040-43
Quanto ao presidente afastado da Vale, Sr. Fábio Schvartsman,
vamos mais uma vez lembrar que, no tocante a qualquer relatório ou
documento relacionado à Barragem I, o Sr. Gerard Poppinga já havia
afirmado que:

“eu nunca deixei de passar nada ao Sr. Fábio Schvartsman sobre


este assunto.”

Para completar a confissão, após indagado pelo relator se o

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depoente tomou conhecimento do diagnóstico de segurança das barragens
elaborado pelo sr. Juarez Saliba, a resposta foi positiva:

“Tive participação só no final, quando nos foi apresentado este


diagnóstico produzido pelo Juarez Saliba. Da minha equipe me
parece que participaram o nosso diretor de marketing Rogério
Nogueira, para olhar a parte comercial, e o nosso Lúcio Cavalli,
meu Diretor de Planejamento.”

A questão estava clara. A diretoria recebia as informações da

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área técnica a respeito da segurança das barragens de forma regular. Mas
como funcionava esse mecanismo?

O depoente respondeu:

“os contratos de laudos de estabilidade são feitos pela área do


Alexandre Campanha.”

Relembrando: Alexandre Campanha estava subordinado


diretamente ao sr. Lúcio Cavalli, diretor de “plena confiança” do depoente.
Não era, portanto, alguém do baixo escalão da Vale. Nesta CPI, o sr.
97

Alexandre Campanha confessou ter mantido contado direto com os


engenheiros da empresa terceirizada TÜV SÜD para elaboração do laudo
que concluiu pela estabilidade da barragem que veio a se romper.

Nada mais havia a ser perguntado a respeito dessa questão.

SF/19193.51040-43
Porém, antes de terminar a reunião, indagado pelo relator e pelo Senador
Jorge Kajuru, o Sr. Gerd Poppinga fez nova confissão: a Vale utiliza o
mecanismo dos “preços de transferência” por meio de sua advocacia
tributária:

“A área tributarista e jurídica é uma área matricial na Vale, e os


preços de transferência são calculados, são determinados a partir
dessa área, e não da nossa área de minério de ferro.”

2.5 Depoimentos de César Grandchamp, Felipe Rocha e

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Arsênio Negro Júnior

A 7ª audiência foi destinada à oitiva dos Srs. Arsênio Negro


Júnior, auditor da empresa de engenharia TÜV SÜD, e de César Augusto
Paulino Grandchamp e Felipe Rocha, respectivamente, geólogo e
funcionário do Setor de Gestão de Riscos Geotécnicos da Vale.

Tanto o Sr. Arsênio Negro como o Sr. César Grandchamp

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obtiveram habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) para não
serem presos, poderem deixar de responder perguntas e não serem
incriminados por falso testemunho. Pode parecer desnecessário esse habeas
corpus para quem deseja responder às perguntas. Não é. Como testemunhas,
os depoentes teriam a obrigação de dizer a verdade. Como investigados,
situação conferida pelo habeas corpus, os depoentes poderiam omitir a
verdade ou simplesmente mentir sem sofrer incriminação por falso
testemunho.
98

Indagado se iria colaborar com a CPI, respondeu o Sr. Arsênio


Negro:

“Eu gostaria de esclarecer que eu já prestei depoimentos à Polícia


e ao Ministério Público estadual e também à Polícia e ao
Ministério Público Federal. Foram oitivas prolongadas,

SF/19193.51040-43
complexas e fui aconselhado a permanecer em silêncio aqui e eu
tendo a respeitar esse aconselhamento. Portanto, não vou
responder.”

O silêncio não pode ser, por si só, fundamento para condenação


na esfera criminal. Contudo, pode não ser do interesse de alguém direta ou
indiretamente relacionado com fatos potencialmente criminosos permanecer
em silêncio e não refutar as acusações. É difícil imaginar situação em que,
para um inocente, o silêncio seja a melhor estratégia de defesa.

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O Sr. Arsênio Negro desperdiçou uma oportunidade para se
defender da imputação de fatos potencialmente criminosos. No caso, os fatos
são graves. O Sr. Arsênio Negro é representante da TÜV SÜD, empresa
responsável por fazer a revisão periódica da Barragem I da Mina Córrego do
Feijão, em junho de 2018. Tratava-se da revisão periódica, na qual é feita
uma análise mais detalhada que as inspeções regulares e, por isso,
representaria melhor a situação de segurança da barragem. Nessa revisão
periódica, a TÜV SÜD teria detectado que o fator de segurança da barragem

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estava baixo e, por isso, recomendou algumas medidas de segurança,
incluindo a instalação de drenos, chamados de DHPs (Drenos Horizontais
Profundos). Durante a instalação dos drenos, teria havido um evento,
chamado “fraturamento hidráulico”25, que teria colocado a barragem em
risco. Mais: o Sr. Arsênio Negro teria afirmado que os DHPs, são “uma coisa
temerária”, uma vez que poderiam induzir rompimentos. A instalação de

25Para colocação de drenos, o maciço da barragem é perfurado com um jato de água com alta pressão.
Durante o processo, há o risco de a água penetrar em fissuras preexistentes no maciço e aumentá -las ou
de formar novas fissuras. Como resultado, a resistência mecânica do maciço é reduzida.
99

drenos na Barragem I da Mina Córrego do Feijão teria sido interrompida em


junho de 2018 devido à ocorrência do faturamento hidráulico.

Saber de forma detalhada como os eventos ocorreram e o exato


grau de responsabilidade de cada participante é tarefa crucial da CPI. Não se

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trata apenas de um potencial culpado que se recusa a falar: há fatos alegados,
há fatos suficientemente provados e o depoente não quis se defender, seja
para negar a ocorrência dos fatos ou melhor esclarecê-los, seja para negar
sua responsabilidade por esses fatos.

Indagado se era a Vale quem estaria pagando o advogado que


estava lhe acompanhando, respondeu o depoente:

“Eu vou me manter em silêncio, mas esclareço que a resposta é

Página: 99/398 02/07/2019 09:20:28


não.”

Não era, portanto, segundo respondeu o depoente, a Vale quem


estaria pagando seu advogado. Quem estaria montando sua estratégia de
defesa? A empresa TÜV SÜD ou advogado pago pelo próprio depoente?
Essas indagações não foram respondidas.

Tal como ocorrera na audiência destinada à oitiva dos outros


engenheiros da TÜV SÜD, a estratégia adotada foi a de obter habeas corpus

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no STF e permanecer em silêncio.

Algumas questões de engenharia, relacionadas diretamente


foram formuladas pelos membros da CPI ao depoente, mas ele não quis
responder. Foi então dispensado.

Em seguida, começou a oitiva do sr. César Grandchamp. Ele


também estava acompanhado por advogado. Indagado se era ele quem estava
pagando o advogado, respondeu negativamente, pois era a Vale quem estava
pagando:
100

“Não, é a Vale que está pagando. (…) Eu, como funcionário da


Vale – e muitas empresas trabalham dessa maneira – no meu
trabalho, eu não feri em momento nenhum o código de conduta e
de ética da empresa. Daí eu tenho direito, assim como eu tenho
direito a benefício médico, cartão alimentação, eu tenho direito
dentro da empresa a uma assistência jurídica. Nada mais do que
isso. É um direito que eu tenho como trabalhador da Vale de ter
assistência jurídica.”

SF/19193.51040-43
A questão da relevância do pagamento do advogado estar sendo
feito pela Vale (e não por cada empregado ou diretor da Vale ouvido pela
CPI) iria ficar mais clara por ocasião do depoimento do Sr. Felipe Rocha,
que veremos adiante.

O último laudo de estabilidade da Barragem I da Mina Córrego


do Feijão, datado de 26 setembro de 2018, foi assinado eletronicamente pelo
Sr. César Grandchamp e pelo engenheiro da TÜV SÜD, Makoto Namba.

Página: 100/398 02/07/2019 09:20:28


Indagado a respeito da participação de cada pessoa nos eventos que levaram
ao rompimento da barragem, assim afirmou o depoente:

“[a] contratação, a negociação, a determinação e o cronograma de


quem fazia tal auditoria, em tal barragem, em tal mina era total
responsabilidade da equipe do Sr. Alexandre Campanha. Então, a
equipe fazia toda essa programação, fazia toda essa negociação,
era repassada essa programação para a equipe do Sr. Renzo
Albieri, que era da equipe de geotecnia operacional, e eu era
copiado nessa programação para, dentro da minha agenda,

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acompanhar algumas dessas auditorias.”

A participação direta do sr. Alexandre Campanha e do Sr.


Renzo Albieri nos eventos que deram origem ao rompimento da barragem já
havia sido afirmada e constatada em outros momentos da CPI. O depoente
reafirmou isso e confirmou que estava ciente da programação e que poderia
acompanhar as auditorias.

O depoente negou participação na questão de contratação e


mudança da empresa de auditoria. Isso está de acordo com o apurado pela
CPI, pois esse poder era do Sr. Alexandre Campanha. O depoente, porém,
101

assinou o laudo de estabilidade decorrente dessa contratação e não negou


esse fato, que, inclusive foi comprovado materialmente por documento
apresentado pelo Relator.

Indagado se havia assinado o laudo sem acompanhar as

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informações, o depoente respondeu:

“Não, eu acompanhei todos os relatórios. Eu lia os relatórios e


tinha o aval das equipes, da mesma maneira, de todas as
barragens.”

Essas duas questões (não acompanhava os contratos com a TÜV


SÜD, mas acompanhava os trabalhos de engenharia de segurança da
barragem que viria a se romper) foram posteriormente reafirmadas pelo
depoente:

Página: 101/398 02/07/2019 09:20:28


“O que eu acompanhava eram os trabalhos, junto com a equipe
da geotecnia operacional, referentes à barragem B1.”

A respeito do fator de segurança da barragem, se seria aceitável


o fator 1,09 (risco mais alto) ou o 1,3 (risco mais baixo), afirmou o depoente:

“Deveriam ter na sala umas 15 pessoas, tinha a equipe da TÜV


SÜD, a equipe da Marilene, que é a equipe de risco, e a equipe da
geotecnia operacional. Foi uma reunião estritamente técnica,
onde se discutiu o valor do fator de segurança alcançado pelos

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estudos da TÜV SÜD, 1,09. E também se discutiu quais seriam
as maneiras possíveis de serem feitas na barragem para que
melhorasse esse fator de segurança. Então, foi uma reunião
técnica, onde prevaleceu o valor do fator de segurança de 1,09 da
TÜV SÜD, que foi o valor que foi colocado no certificado, no
atestado de estabilidade.”

Como se vê, a TÜV SÜD e a Vale estavam de comum acordo


com em aceitar um fator de segurança que importava risco mais alto. E qual
a razão disso? O teor de minério de ferro dos rejeitos, segundo o laudo
assinado pelo depoente, era altíssimo, de 47%, e a Vale pretendia
102

reaproveitá-lo, em razão do lucro que essa exploração geraria. Afirmou o


depoente:

“para poder fazer a lavra dessa barragem, o descomissionamento,


como estava previsto, essa água tinha que ser baixada, ou via
poços ou via drenos ou por outras alternativas que estavam sendo

SF/19193.51040-43
discutidos no descomissionamento, como poços na superfíc ie
mesmo, aberturas de pequenos poços e bombeamento. ”

Seria possível aumentar o fator de segurança, mas isso levaria


tempo. Assim afirmou o depoente:

“Dois ou três anos levaria para que o rebaixamento do nível


freático da barragem atingisse uma quota que fizesse com que o
fator de segurança chegasse a 1.3.”

A Vale contou com um suposto “processo natural” de aumento

Página: 102/398 02/07/2019 09:20:28


da segurança, que seria auxiliado pelos DHPs:

“A barragem já vinha sofrendo rebaixamento natural desde 2015,


quando foi paralisada, porque é simplesmente uma questão de
balanço: se você para de colocar água, a água continua saindo e o
nível d'água abaixa naturalmente. (…) Então, dentro disso, a
barragem continuou sendo... Além dos 14 DHPs que foram
perfurados até junho, então você teve um incremento de retirada
de água da barragem. Então, ela continuou sendo rebaixada e o
fator de segurança, melhorando.”

Por ocasião do 15º DHP, porém, problemas foram detectados.

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Em vez que determinar a evacuação da área – o que importaria custos – a
Vale optou por correr o risco. Assim afirmou o depoente:

“Os DHPs foram até junho. Paralisaram em junho em função do


incidente do DHP-15. A gente discutiu a questão com a TÜV
SÜD do DHP, da volta dos DHPs horizontais na parte baixa da
barragem, a gente chegou à conclusão de que não seria viável e
fizemos o projeto do rebaixamento dela utilizando poços. E esse
teve um andamento, dentro da área de suprimentos da Vale,
normal, uma contratação normal, porque não existia emergênc ia
nenhuma no caso.”
103

De acordo com o depoente, “não existia emergência nenhuma


no caso”, mas a barragem veio a se romper. Não deixa de ser curioso que, no
dia do rompimento, o depoente, o sr. Arthur Riberiro e a Sra. Cristina
Malheiros, que conheciam bem os riscos da barragem, não estivessem no
local. Indagado a respeito dos problemas com a leitura dos piezômetros,

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ocorridos a partir de 10 de janeiro de 2019, respondeu o depoente:

“Eu não tinha conhecimento dos e-mails trocados no dia 21, 22,
23 sobre outras anomalias detectadas em instrumentos. Naquele
momento, o delegado me perguntou o que eu achava daquilo. Eu
disse: "Olha, é inadmissível uma coisa dessa. Primeiro, se isso
fosse real, a primeira providência que deveria ter sido tomada era
a ida ao campo, esquecer a automação, ir ao campo, retirar o
instrumento...”

Quem deveria ter feito isso? Respondeu o depoente:

Página: 103/398 02/07/2019 09:20:28


“Eram o Artur e a Cristina os dois geotécnicos. Retirar o
instrumento automatizado... Se eles estavam em dúvida sobre a
qualidade da informação, eles deveriam ter ido ao campo, retirado
a instrumentação e feito a leitura manual, para confirmar ou não
a questão da anomalia.”

Na verdade, todos eles sabiam que o “processo natural” de


redução de pressão na barragem não estava ocorrendo a contento. Foi
apresentado na CPI uma foto com uma lagoa que havia se formado no

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reservatório dos rejeitos contidos pela barragem, demonstrando que havia
dificuldade na absorção da água, o que indicaria a saturação desse
reservatório e consequente aumento da pressão.

De acordo com o depoente, isso era responsabilidade da equipe


de Geotecnia Operacional. Quem colocava todos os pedidos de auditoria,
concluía todos, executava todos, era a equipe da Geotecnia Operacional. O
responsável por essa equipe era o Sr. Joaquim Toledo (superior hierárquico
do Sr. Renzo Albieri), subordinado do diretor Silmar Silva.
104

Uma questão ainda estava pendente: quem teria poderes para


determinar a remoção das instalações e das pessoas que viriam a falecer em
razão do rompimento da barragem?

O grau de dificuldade em fazer o depoente dizer quem seriam

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as pessoas culpadas pelo rompimento da barragem motivou a seguinte
pergunta do Senador Jorge Kajuru a respeito da personalidade do depoente:

“O senhor, quando era menino, quando era mais jovem, era de


dedurar colegas? Se o senhor soubesse de alguma coisa errada de
um colega seu, o senhor diria "foi fulano que fez isso"?”

O depoente respondeu negativamente: ele não dedurava


colegas.

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O Senador Jorge Kajuru insistiu na questão de quem poderia ter
determinado a evacuação e o depoente, depois de várias respostas evasivas
– procedimento padronizado dos depoentes da Vale nesta CPI – finalmente
respondeu:

“O Artur e a Cristina.”

Essas pessoas eram subordinadas ao Sr. Renzo Albieri.

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O depoente seguinte foi o Sr. Felipe Rocha. Também
acompanhado por advogado, mas que não pediu habeas corpus perante o
STF para omitir a verdade para ser ouvido como investigado e não como
testemunha.

Quem estava pagando a advogada do Sr. Felipe Rocha? Ele


respondeu:

“eu não tenho o auxílio de pagamento de um advogado a não ser


que seja um advogado escolhido pela própria empresa. Então, foi
escolhido um escritório. Eu procurei outra solução, mesmo que
eu utilize todas as minhas economias e a ajuda de parentes e de
105

amigos, se necessário, para que um escritório de advocacia


defenda os meus interesses, e não os interesses da empresa.”

Como se vê, a situação do Sr. Felipe Rocha era bem diferente


da situação das demais pessoas ouvidas pela CPI, funcionários e diretores da
Vale ou da TÜV SÜD, com advogados pagos pelas respectivas empresas.

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No caso do Sr. Felipe Rocha, a estratégia não seria defender os interesses da
empresa patrocinadora.

A grande questão era saber quem, dentro da Vale, sabia dos


riscos da Barragem. O Senador Jorge Kajuru muito bem lembrou que o
presidente afastado da Vale, Sr. Fábio Schvartsman, ouvido por esta CPI,
afirmou expressamente que o Sr. Felipe Rocha poderia ter alertado a diretoria
da Vale a respeito dos riscos da barragem.

Página: 105/398 02/07/2019 09:20:28


Assim afirmara o sr. Fábio Schvartsman:

“a obrigação quem define é o dono da informação. Se a


informação está na mão da área técnica e a área técnica resolve,
por qualquer motivo, que esse assunto não é de alçada da diretoria
da companhia, eu não tenho como fazer diferente. Existe uma
ampla possibilidade de as pessoas da estrutura, por mais baixo na
estrutura que eles estejam, como, por exemplo, esse Sr. Felipe (...)
Se ele quisesse, ele poderia ter feito uma denúncia, tanto anônima
como uma denúncia propriamente dita, se ele preferisse, e seria
imediatamente tratada"

Embora não ocupasse cargo de chefia na Vale, o Sr. Felipe c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

Rocha foi palestrante do PIESEM (Painel Independente de Especialistas em


Segurança e Gestão de Riscos de Estruturas Geotécnicas). Nesse evento,
realizado de 1º a 5 de outubro de 2018, os riscos da barragem rompida foram
mencionados expressamente. Apontou o relator:

“Em um dos eslaides, o senhor coloca em vermelho que a


recomendação para a barragem B1 seria um trabalho de
descomissionamento."
106

Quanto à questão de as informações dos riscos terem sido ou


não repassadas à diretoria, respondeu o depoente que o presidente afastado
mentiu para a CPI:

“Ele faltou com a verdade em relação ao meu nome quando ele


afirma que a Diretoria Executiva não recebeu nenhum

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comunicado em relação aos riscos da Barragem 1. (…) O que me
causa incômodo é esperar que um funcionário que está no nível
mais baixo da empresa consiga definir o conteúdo de uma
apresentação para um presidente de uma empresa do porte da
Vale e também fazer acreditar que ir à Ouvidoria seria mais
eficiente do que apresentar isso para toda a gerência de geotecnia
operacional, para a gerência corporativa, para o meu gerente -
executivo, para diretores e para a própria auditoria da empresa,
que seria mais eficiente ir à Ouvidoria do que apresentar essas
informações para todas essas pessoas.”

O diretor Lúcio Cavalli, o diretor Silmar Silva, e os gerentes

Página: 106/398 02/07/2019 09:20:28


executivos Eduardo Montarroyos e Alexandre Campanha estiveram
presentes nesse encontro, no qual, insista-se, foram expressamente
apresentados os riscos da barragem que viria a se romper. Afirmou o
depoente:

“Os riscos foram – da Barragem 1 – apresentados no painel de


especialistas internacional, em que estavam presentes toda a
geotecnia operacional, os representantes e lideranças da geotecnia
corporativa. No último dia do painel de especialistas, é feito um
fichamento em que é apresentado um resumo dos riscos e um

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resumo das decisões do painel. Nessa reunião de fechamento,
estavam presentes o Diretor Lúcio Cavalli e o Diretor Silmar
Silva.

Também os riscos foram apresentados no Subcomitê de Riscos


Operacionais, chefiado pelo Gerente Executivo Eduardo
Montarroyos, sendo membro desse painel o meu Gerente
Executivo, Alexandre Campanha. Então, foi apresentado nesse
comitê os riscos das barragens que estavam posicionadas na zona
de atenção, sendo a Barragem 1 uma dessas estruturas. E,
posteriormente a essa reunião, foi apresentado no Comitê
Executivo de Riscos da Vale, do qual Alexandre Campanha era
membro, desse Comitê Executivo de Riscos, e também elenca a
Barragem 1 nessa zona de atenção, nesse Comitê Executivo de
Riscos.”
107

Segundo o depoente, toda diretoria da Vale sabia dos riscos da


barragem que veio a se romper:

“Me incomoda o fato de que, em uma audiência – na verdade, em


uma coletiva de imprensa –, o Diretor Executivo Luciano Siani
comenta que não sabia do workshop do painel de especialis tas

SF/19193.51040-43
realizado em novembro, sendo que o Relatório de
Sustentabilidade da Vale, assinado pelo Presidente, menciona que
a Vale utiliza o painel de especialistas para tratar de barragens.
Então, esses pontos é que me fazem afirmar que os riscos da
Barragem 1, apesar de não serem riscos iminentes – eram riscos
possíveis –, foram apresentados tanto para a diretoria quanto para
a diretoria executiva.”

O PIESEM não era um encontro qualquer. Não era um evento


comemorativo, do tipo em que empresas reúnem colaboradores em um resort
de luxo para confraternização. O PIESEM era um encontro com expressiva

Página: 107/398 02/07/2019 09:20:28


importância e magnitude, do qual participavam grandes especialistas de
renome internacional na área de segurança das barragens. Alguns desses
especialistas foram expressamente mencionados pelo depoente: “Scott
Olson, o Bryan Watts, o David Bowles, o Prof. André Assis, o Paulo Abrão,
o Paulo Franco, o Prof. Fernando Shneider e o consultor Luis Valenzuela”.

Todo esse contexto já seria suficiente para se concluir que as


informações dos riscos que haviam sido descritas PIESEM eram repassadas

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à diretoria da Vale. O relator, contudo, insistiu para que o depoente se
manifestasse novamente a respeito dessa crucial questão.

Indagou o relator:

“Os riscos das barragens, das chamadas da ALARP Zone, foram


colocados para os diretores da Vale? Ele já confirmou que sim.
Então, boa parte daqueles que estiveram aqui conosco dizendo
que não tinham conhecimento, que não estavam a par do que
estava acontecendo, mentiram. (…) O senhor confirma que as
informações estavam disponíveis a todos nesses encontros em
que a diretoria da Vale usava do seu conhecimento? ”

Respondeu o depoente:
108

“Confirmo. Confirmo que todas as apresentações, todas as


informações que eu recebia, eu dei total publicidade. Os painéis
de especialistas internacionais contavam com a presença de toda
a gerência operacional, da gerência corporativa, integrantes da
auditoria interna da Vale, da Audit, além da reunião final com os
diretores. Então eu confirmo essa informação e tenho também a
lista de presença aqui do painel de especialistas, para elucidar que
essa não era uma informação que eu guardava para mim. (…)

SF/19193.51040-43
Essas informações eram de toda publicidade dentro da geotecnia
da Vale e nos níveis de diretoria.”

Além da questão dos riscos da barragem que veio a se romper


ter sido objeto do PIESEM, a diretoria da Vale recebeu informações quanto
a esses riscos por meio de e-mail da gerente Marilene Lopes. Assim afirmou
o depoente:

“Trago um e-mail da minha gerente, Marilene Lopes,


encaminhado para os Diretores Silmar Silva e Lucio Cavalli, para

Página: 108/398 02/07/2019 09:20:28


o Gerente-Executivo de Geotecnia Joaquim Toledo e para os
demais representantes do alto escalão da empresa. É um sumário
das recomendações do painel de especialistas internacional. É um
e-mail do dia 18 de outubro. A Marilene Lopes escreve:

‘Prezados líderes, encaminho- lhes a versão final do relatório do


painel de especialistas internacional, que aconteceu no período de
1 a 5 de outubro, em Belo Horizonte. As principa is
recomendações do painel podem ser resumidas nos seguintes
itens (…)

A Barragem 1 Feijão requer mais investigação e monitorame nto

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
de campo para identificar e projetar medidas complementa res
mais eficientes, tais como bermas e mineração de rejeitos, caso se
mostrem necessárias, a fim de reduzir o risco atual. Mas,
enquanto isso, os esforços têm que continuar no sentido de reduzir
o atual nível da superfície freática através de drenos horizontais e
outras soluções de drenagem. A opinião do painel é que a
mineração do rejeito é viável, embora seja necessária uma
engenharia detalhada adequada’.”

Esse e-mail fora enviado no dia 18 de outubro de 2018 para a


“DL-EX-Gestao_Riscos_Geotecnicos_Vale” e para as seguintes pessoas:

 Silmar Silva;
 Antonio Padovezi;
109

 Josimar Pires;
 Lucio Cavalli;
 Joaquim Toledo;
 Diogo Monteiro;
 Fabricio Cardozo;

SF/19193.51040-43
 Alexandre Campanha;
 Karina Rapucci;
 Fernando Carneiro
 Rodrigo Chaves;
 Renzo Albieri;
 Ednelson Presotti;
 Eudes Friguetto;
 Alessandro Resende;

Página: 109/398 02/07/2019 09:20:28


 Felipe Rocha;
 César Grandchamp; e
 Ricardo Leão.

Através desse e-mail, a Sra. Marilene Lopes encaminhou a todas


essas pessoas a versão final do Relatório da 3ª Reunião do Conselho de
Especialistas Internacionais (PIESEM), datado de 17 de outubro de 2018.
Entre as principais informações do PIESEM estavam os riscos da barragem

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
que veio a se romper. Isso constou também do corpo do e-mail, tal como lido
pelo Sr. Felipe Rocha na audiência da CPI.

Ainda que o sr. Fábio Schvartsman não tivesse sido avisado


expressamente dos riscos da barragem rompida, tal como expostos no
PIESEM, apontou o depoente que essa omissão não poderia servir como
excludente da responsabilidade do presidente afastado:

“Sabendo que existe um painel de especialistas, poderia perguntar


para os seus subordinados, para os seus diretores-executivos, para
110

os seus diretores o que significava o painel, quais eram as


recomendações, se havia relatório, se não havia relatório.”

Não há como discordar disso: nenhum diretor ou mesmo um


simples ocupante de cargo técnico na área-fim da Vale (mineração) poderia
desconhecer um evento da magnitude do PIESEM.

SF/19193.51040-43
O mesmo raciocínio se aplica ao diretor executivo Gerd
Poppinga, ao qual os diretores Lúcio Cavalli e Silmar Silva estão
subordinados, bem como ao diretor executivo Luciano Siani, ao qual o
Comitê Executivo de Riscos está ligado.

Indagado a respeito de suposta afirmação do engenheiro da


TÜV SÜD, Makoto Namba, no sentido de que o depoente teria feito

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“pressão” para que fosse elaborado laudo concluindo pela estabilidade da
barragem, respondeu o depoente:

“É mentira do Makoto Namba que eu tentei convencê-lo a


respeito da declaração de estabilidade.”

O depoente afirmou que “Makoto é um engenheiro geotécnico


respeitado no meio, com mais de 20 anos de experiência”. Não é um
engenheiro qualquer, portanto.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
No que se refere ao cumprimento de metas para recebimento de
bônus, o depoente fez um importante corte, explicitando que apenas a partir
do nível de gerência há metas individuais:

“Funcionários e engenheiros do meu cargo não possuem metas


individuais. As metas são metas da gerência e da gerência
executiva”.

Indagado a respeito do cálculo do fator de segurança da


barragem que veio a se romper, bem como se, diante de alguma incerteza, o
correto não seria adotar uma margem de segurança maior, respondeu o
111

depoente não ter elementos suficientes para responder à pergunta, mas


apontou quem seriam os responsáveis diretos pela barragem:

“O que eu presenciava nas reuniões, como engenheiro da área de


hidrologia, era que se dizia dentro da Vale que essa barragem
tinha um pai e uma mãe. O pai seria o engenheiro Washingto n

SF/19193.51040-43
Pirete, que trabalhou durante muitos anos nessa estrutura e
conhecia como ninguém essa estrutura, como engenhe iro
geotécnico, um especialista que reporta ao Alexandre Campanha;
a mãe seria a Cristina Malheiros, que é a engenheira geotécnica
responsável pela inspeção e monitoramento.”

Na verdade, de acordo com o depoente, não eram apenas essas


as pessoas diretamente ligadas à barragem rompida. Afirmou o depoente:

“o dono do risco definido em um comitê de governança de


geotecnia, do qual eu não fazia parte, era o gerente executivo
responsável pela mina, de nome Rodrigo Melo, e os diretores

Página: 111/398 02/07/2019 09:20:28


posicionados acima do Rodrigo Melo teriam também capacidade
de tomar essas... Poder de tomada de decisão, uma decisão
estratégica para a empresa.”

Na hierarquia da Vale, o Sr. Rodrigo Melo está subordinado


diretamente ao diretor Silmar Silva, por sua vez subordinado ao diretor
executivo Gerd Poppinga.

Os riscos da barragem que veio a se romper eram notórios


dentro da Vale. A linha de defesa dos depoentes que obtiveram habeas

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
corpus (para omitir a verdade e não responderem por falso testemunho), no
sentido de que “desconheceriam” ou que “não teriam sido informados” dos
riscos, não se sustenta. Todos sabiam dos riscos porque foram
comprovadamente informados. Mesmo que não soubessem, tinham a
obrigação funcional de conhecê-los.
112

2.6 Depoimentos de Marilene Lopes e Silmar Silva

A 8ª audiência da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) de


Brumadinho foi destinada à oitiva da Sra. Marilene Lopes e do Sr. Silmar
Silva, bem como para apreciação de requerimentos.

SF/19193.51040-43
A oitiva da Sra. Marilene Lopes começou com uma indagação
do Relator, no sentido de confirmar se a depoente havia enviado o e-mail à
diretoria da Vale, mencionado e apresentado na 7ª audiência da CPI pelo Sr.
Felipe Rocha. Nesse e-mail, a Sra. Cristina Malheiros encaminhou o
relatório de conclusão do Painel Independente de Especialistas em
Segurança e Gestão de Riscos de Estruturas Geotécnicas (PIESEM),
realizado nos dias de 1º a 5 de outubro de 2018, do qual constou exposição

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dos riscos da Barragem I da Mina Córrego do Feijão. Além disso, no corpo
do e-mail, constou expressamente que a B1 necessitava de providências para
redução do risco.

A depoente, Sra. Cristina Malheiros, afirmou que enviou esse e-


mail, inclusive com cópia para todos os diretores:

“Excelência, sim, eu confirmo que enviei esse e-mail. (…) nesse


e-mail, eu copiei todos os diretores.”

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Contudo, a depoente afirmou que não recebeu resposta a esse e-
mail, exceção feita ao Sr. Alexandre Campanha, pessoa já mencionada várias
vezes e ouvida nesta CPI:

“Não, eu não recebi nenhuma resposta de nenhum dos diretores


nem dos gerentes executivos e gerentes de áreas ali copiados.
Apenas o meu Gerente Executivo, o Sr. Alexandre Campanha, fez
um comentário também em cima desse mesmo e-mail.”

O PIESEM não era um encontro qualquer, mas sim “painel de


especialistas com todos os responsáveis pela gestão de segurança. Era um
113

painel exatamente feito para que quem cuida do dia a dia da segurança das
estruturas”, como muito bem afirmou a depoente.

Desse modo, ninguém que esteve presente ou recebeu o


relatório das conclusões poderia negar o conhecimento dos riscos da B1. A

SF/19193.51040-43
depoente disse que ela e todos os “donos” (ela se refere ao “dono” do risco,
expressão usada na 7ª audiência desta CPI) e os responsáveis pela gestão da
segurança da Barragem I tinha a mesma ciência:

“O que eu tinha conhecimento era a mesma coisa que os próprios


donos e os responsáveis pela gestão de segurança da estrutura
tinham conhecimento.”

Contudo, a depoente afirmou que, no entender da Vale, a


Barragem I não apresentava “risco iminente”. A expressão “risco iminente”

Página: 113/398 02/07/2019 09:20:28


passaria a ser utilizada em outros depoimentos, já que impossível dizer que
não se sabia, muito menos que não havia riscos.

O que seria “risco iminente”? A depoente explicou que para se


chegar à conclusão de existência de “risco iminente”, seria necessário um
procedimento técnico. Ao final, concluiu:

“O risco iminente só pode ser definido por quem cuida da


estrutura. Cada geotécnico... Existe uma anotação de

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
responsabilidade técnica específica para a gestão de segurança da
barragem. E só esse geotécnico que conhece a barragem no dia a
dia pode identificar uma situação de risco iminente.”

Essa afirmação deixou a Sra. Cristina Malheiros, funcionária da


Vale ouvida na 5ª audiência da CPI, em situação particularmente delicada,
uma vez que ela era a geotécnica responsável pela Barragem I. A Sra.
Cristina Malheiros, o Sr. Rodrigo Melo e o diretor Silmar Silva não estavam
no local da tragédia em razão de viagem por motivos pessoais.
114

A questão do “risco iminente” deixou, em termos jurídicos,


outras pessoas em situação periclitante. Assim afirmou a depoente:

“A informação que eu tenho é que quem fazia o monitoramento,


a inspeção, e avaliava o comportamento da estrutura na rotina
operacional nunca identificou risco iminente. Essa é a informação

SF/19193.51040-43
que eu tenho.”

Indagada sobre quem recebeu o e-mail, respondeu a depoente:

“Silmar Silva, que era o Diretor do Corredor Sudeste; Antônio


Padovezi, que era o Diretor do Sistema Norte; Josimar Pires, que
era o Diretor do Projeto S11D. Os gerentes executivos: do
Corredor Sudeste, Sr. Joaquim Toledo; no Norte, o Sr. Diogo
Monteiro; em Corumbá, o Sr. Antônio Sérgio; e, no Projeto
S11D, o Sr. Fabrício Cardoso. Os gerentes de área: no Corredor
Sudeste, Sr. Renzo Albieri; no Sistema Norte, o Sr. Ednelson
Presotti; Projeto S11D, o Sr. Eudes Frigueto; e Corumbá, o Sr...
Eu me esqueci do nome do gerente à época que cuidava da

Página: 114/398 02/07/2019 09:20:28


geotecnia lá... Sr. Odilon. E assim também para todos os
geotécnicos que eram os ARTs, os responsáveis técnicos pelas
barragens.

A nossa área é uma área administrativa, é uma área de


consolidação de informação. Então, a gente tinha essa atribuição
de distribuir para quem era o responsável por cada estrutura
proceder às ações que estavam sendo previstas ou que estavam
sendo recomendadas pelo painel de especialistas. Por isso, eu
encaminhei para todos.”

Instada a complementar essa lista de pessoas, disse a depoente

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
que também ao diretor Lúcio Cavalli foi enviado o e-mail.

“O Sr. Lucio Cavalli também recebeu esse e-mail, assim como o


Sr. Alexandre Campanha, que é o Gerente Executivo da minha
área também.”26

O interessante dessa afirmação é deixar claro que o e-mail não


só foi enviado como, também, foi recebido pelos destinatários mencionados.

26Nas notas taquigráficas, consta, por erro, “Lúcio Carvalho” e não “Lúcio Cavalli”, que é o Diretor de
Planejamento de Ferrosos, subordinado ao diretor executivo Gerd Poppinga.
115

Além disso, a depoente afirmou que esse e-mail foi enviado a


todas as pessoas da gerência executiva do Sr. Alexandre Campanha que
estavam no grupo de e-mail dessa gerência.

No que se refere ao contrato com a Tractebel, afirmou a

SF/19193.51040-43
depoente:

“As auditorias externas, inclusive o contrato da Tractebel, eram


de responsabilidade do Sr. Washington Pirete, que era o
engenheiro especialista ligado diretamente ao Sr. Alexandre
Campanha. O Sr. Washington Pirete não faz parte da minha
equipe.”

Há uma contradição entre essa afirmação e o que foi dito pelo


Sr. Felipe Rocha em audiência da CPI da Câmara dos Deputados, realizada
no dia 14 de maio de 2019. Naquela ocasião, ele afirmou que a gestora do

Página: 115/398 02/07/2019 09:20:28


contrato com a TÜV SÜD era a depoente desta 8ª audiência, Sra. Marilene
Lopes. Ainda de acordo com o depoimento do Sr. Felipe Rocha prestado na
Câmara dos Deputados, foi da Sra. Marilene Lopes a “decisão que a TÜV
SÜD ficasse responsável pela atualização da revisão periódica” da Barragem
I.

A depoente afirmou que sua área era administrativa, de gestão


de informação, e não operacional. Por essa razão, sua atribuição seria enviar

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
as informações para quem poderia agir:

“Então, para todos aqueles a quem eu deveria informar sobre os


estudos que estavam sendo feitos, consolidando as informações e
organizando as informações para a tomada de decisão, que é
exclusivamente na área operacional, só quem cuida da estrutura
pode decidir sobre a estabilidade dela, sobre a condição dela e
sobre a segurança dela. Isso nós fizemos.”

Perguntada pela Presidente da CPI a respeito do fator de


segurança, novamente a depoente afirmou que seria de competência da
“geotecnia operacional”:
116

“o fator de segurança adequado para qualquer estrutura só pode


ser definido pela geotecnia operacional, pelo responsável técnico
pela estrutura.”

A depoente afirmou textualmente:

“No caso da Barragem B1, o gerente de geotecnia responsável era

SF/19193.51040-43
o Sr. Renzo Albieri.”

O Sr. Renzo Albieri, gerente de geotecnia, foi ouvido na 5ª


audiência desta CPI. Abaixo dele está a geotécnica da Barragem I, Sra.
Cristina Malheiros, também ouvida na 5ª audiência desta CPI. O superior
hierárquico do Sr. Renzo Albieri é o gerente executivo Joaquim Toledo.

O relator indagou a respeito de uma frase, atribuída pelo


Ministério Público ao Sr. Joaquim Toledo, que teria qualificado a Barragem

Página: 116/398 02/07/2019 09:20:28


I “como sendo mais tenebrosa do que imaginam”:

“Excelência, a menção do Sr. Joaquim Toledo eu não sei a que se


refere. Como eu falei, eles têm uma rotina da geotecnia
operacional que é só deles. A gestão de segurança é de
responsabilidade deles. Então, essas discussões sobre as
estruturas passam pelo grupo deles e não chegam até nós.”

Por “eles” devemos entender a “geotecnia operacional”: o


gerente executivo é o Sr. Joaquim Toledo. Abaixo dele está o Sr. Renzo

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Albieri (gerente de geotecnia) e abaixo do Sr. Renzo Albieri está a
geotécnica Cristina Malheiros.

Vamos analisar a seguinte afirmação da depoente:

“No caso da barragem B1, lá o responsável técnico pela barragem


era a Sra. Cristina Malheiros. Ela tinha uma anotação de
responsabilidade técnica dessa estrutura e ainda existiam mais
três anotações de responsabilidade técnica também associadas à
estrutura. Uma ART de Manutenção e uma ART de Operação,
117

ambas do Sr. Lúcio Mendanha, da operação; e uma ART de


Gestão, que era o Sr. Rodrigo Melo.”27

Rodrigo Melo era o gerente executivo do complexo Paraobeba,


superior hierárquico do Sr. Alano Teixeira, que faleceu em razão do
rompimento da Barragem I. Também o Sr. Lúcio Mendanha faleceu na

SF/19193.51040-43
ocasião.

Portanto, a pessoa com a anotação de responsabilidade técnica


(ART) para a gestão da Barragem I era o Sr. Rodrigo Melo. Voltaremos a
essa questão por ocasião da 9ª audiência da CPI, na qual o Sr. Rodrigo Melo
foi ouvido. O gerente executivo de geotecnia operacional era o Sr. Joaquim
Toledo. Ambos estão subordinados ao diretor Silmar Silva, cujo depoimento
na 8ª audiência da CPI será analisado adiante.

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Além da sra. Cristina Malheiros, que tinha a ART de inspeção
e monitoramento da Barragem I, ouvida na 5ª reunião desta CPI, quem
assinou o laudo de estabilidade da Barragem I com o engenheiro da TÜV
SÜD foi o Sr. Cesar Grandchamp, tal como vimos por ocasião da 7ª
audiência desta CPI. A participação direta dessas duas pessoas, aliás, foi
corroborada pelo depoimento do Sr. Felipe Rocha prestado na audiência da
CPI da Câmara dos Deputados acima mencionada.

César Grandchamp e Cristina Malheiros participaram da c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

reunião com a TÜV SÜD antes da elaboração do laudo de estabilidade para


a Barragem I. Disse a depoente:

“Foi uma reunião totalmente técnica onde a área operacional, a


equipe que conhece a estrutura, incluindo alguns geotécnicos
mais experientes, que sempre davam suporte para a responsável
técnica, Sra. Cristina Malheiros, como o Sr. João Paulo Silva,
Andréa Dornas e o Sr. César Grandchamp, para discutir os
resultados das análises com a empresa TÜV SÜD (…). Inclus ive

27Nas notas taquigráficas, consta a palavra “notação” em vez de “anotação” e “RT” em vez de “ART”,
que significa anotação de responsabilidade técnica.
118

é a geotecnia operacional a responsável por assinar, em conjunto


com a empresa especialista, a declaração de estabilidade,
exatamente porque ela é a única que tem condições de dizer se o
resultado apresentado é coerente ou não, se pode ser validado ou
não.”

Tal como acontecera por ocasião da oitiva do diretor executivo

SF/19193.51040-43
Gerd Poppinga, a depoente, Sra. Marilene Lopes, não afirmou que o Sr.
Fábio Schvartsman era inocente. A resposta foi a seguinte:

“Os ‘geotecs’ da operação, que eram os responsáveis por cuidar


da estrutura, em nenhum momento informaram nenhum risco
iminente da estrutura.”

Novamente foi utilizada a expressão “risco iminente” (algo que


não acontecia nas primeiras audiências desta CPI) e novamente foram
atribuídas ao corpo técnico local as falhas que levaram ao rompimento da

Página: 118/398 02/07/2019 09:20:28


Barragem I.

Com relação ao conhecimento dos fatos, afirmou a depoente:

“Ainda assim, todos os resultados das análises, de todos os


estudos, a minha área consolidou, e nós apresentamos em
diversos comitês onde estavam os responsáveis por cada estrutura
da operação. Em março de 2018, nós apresentamos isso no
Comitê de Liderança de Geotecnia, onde participam todos os
gerentes executivos operacionais e todos os gerentes de área
operacionais; apresentamos nos painéis de especialistas de 2017

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
e 2018 (novembro de 2017 e outubro de 2018), e, além disso,
apresentamos no Subcomitê Operacional de Gestão de Riscos,
que é um subcomitê corporativo da gestão de riscos corporativa,
e no Comitê Executivo de Riscos, que também é da gestão
corporativa, liderada pelo Diretor Luciano Siani”

Todos sabiam de tudo. Isso está corroborado não só pelas


afirmações acima e pelo mencionado e-mail enviado pela depoente
(encaminhado “para todos os diretores operacionais, gerentes executivos e
gerentes de área”), mas também dito pelo Sr. Felipe Rocha, na já referida
audiência realizada na Câmara dos Deputados, no sentido de que, com
119

relação às conclusões do PIESEM, “foi dada ampla publicidade dentro da


empresa”.

A Presidente da CPI, Senadora Rose de Freitas, ressaltou a


importância do PIESEM (“É um relatório internacional aqui de especialistas

SF/19193.51040-43
que está alertando para alguma coisa sobre a barragem”) e indagou à
depoente o que ela fez. A resposta foi a seguinte:

“Excelência, os relatórios do painel de especialistas passaram por


mim e eu fiz o que cabia dentro da minha atribuição que era
distribuir a informação para os níveis de tomada de decisão da
operação.”

Embora tenha afirmado, à exaustão, que a responsabilidade era


da “geotecnia operacional”, a depoente deixa claro que as informações foram

Página: 119/398 02/07/2019 09:20:28


repassadas aos escalões superiores. Disse a depoente a respeito de qual seria
sua atribuição:

“distribuir a informação para os níveis de tomada de decisão da


operação”

A definição do que seria um risco “aceitável” não era – nem


poderia ser – de simples técnicos. Foram exibidos alguns gráficos relativos
aos riscos da Barragem I, que inclusive haviam sido apresentados no

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
PIESEM. A depoente afirmou:

“Então, não havia ainda uma definição dessa curva de tolerância.


Essa curva de tolerância só poderia ser definida no nível
executivo da empresa, isso não pode ser definido no nível da área
técnica.”

A tentativa de se imputar toda a responsabilidade a simples


engenheiros e gerentes locais não procede. Afirmou a depoente:

“o nível da minha gerência é um nível totalmente técnico, eu não


tenho nenhum nível de tomada de decisão”
120

Quem toma decisões de maior magnitude (exemplo: determinar


a evacuação de centenas de pessoas) é quem dirige a empresa. Dizer que a
diretoria dirige a empresa é um pleonasmo.

A depoente até tentou minimizar a questão do risco, afirmando

SF/19193.51040-43
que não havia “risco iminente” (expressão usada diversas vezes). Disse a
depoente:

“As análises de riscos eram análises hipotéticas”.

Em termos gramaticais, qualquer risco é hipotético. A definição


de “risco” exige que seja hipotético, caso contrário seria um “fato”. Falar em
“risco” que não seja “hipotético” é subverter o significado das palavras, da
mesma forma como “risco hipotético” é um pleonasmo.

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Com efeito, as respostas dos técnicos, gerentes e diretores da
Vale seguiram o mesmo padrão. Houve algumas expressões idênticas,
utilizadas por todos, que se repetiam a cada audiência. Indagada a respeito
da preparação para a CPI com o advogado, pago pela Vale, afirmou a
depoente que foram várias reuniões por incontáveis horas:

“Eu fiz várias reuniões com o meu advogado no sentido de


realmente trazer aqui as respostas para esta Comissão de tudo que

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
foi feito no meu trabalho, de tudo que eu poderia contribuir.
Sentei várias horas, não sei aqui afirmar para o senhor quantas
horas foram, mas fiz várias discussões e avaliações para trazer as
informações corretas aqui para os senhores.”

No que se refere ao plano de descomissionamento, afirmou a


depoente:

“O projeto de descomissionamento de estrutura era de


responsabilidade do Gerente Alessandro Rezende, e as auditorias,
de responsabilidade do Sr. Washington Pirete, ambos ligados
diretamente ao Sr. Alexandre Campanha.”
121

A respeito de uma consultoria técnica específica, a depoente


afirmou que repassou as informações para seu superior hierárquico, Sr.
Alexandre Campanha:

“Esse documento em que consto como responsável técnica é


simplesmente trazer para o modelo da Vale a metodologia

SF/19193.51040-43
proposta por esta empresa Pimenta de Ávila Consultoria. Esse
documento, eu posso afirmar, chegou até o nível do meu gerente
executivo. Daí para cima, eu não sei afirmar se ele foi distribuído
para os outros níveis hierárquicos.”

Por fim, a depoente reconheceu que o Sr. Felipe Rocha falou a


verdade por ocasião do seu depoimento na 7ª audiência desta CPI:

“Excelência, o Sr. Felipe Rocha trouxe as informações do escopo


da nossa área. De tudo que era do escopo da nossa área, de tudo
que era da responsabilidade da nossa área fazer, ele trouxe as

Página: 121/398 02/07/2019 09:20:28


informações aqui, ele falou a verdade.”

Em seguida, começou o depoimento do Sr. Silmar Silva, diretor


de operações do corredor sudeste, superior hierárquico do Sr. Rodrigo Melo.

O Sr. Silmar Silva, também com amparo por habeas corpus


concedido, pouco esclareceu, repetindo o que já havia sido dito
anteriormente. Não afirmou que o presidente afastado, Fábio Schvartsman,
nem o Sr. Gerd Poppinga seriam inocentes, insistindo que há um

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
procedimento em curso e não se pode afirmar a inocência (ou culpa) de
qualquer pessoa.

De forma semelhante a outros depoimentos, afirmou o Sr.


Silmar Silva o seguinte:

“Quem detém a informação toma a decisão se é relevante ou


suficiente para levar para uma hierarquia superior ou não. Nesse
caso, não foi levado, pelo menos antes da auditoria de setembro .”

Trata-se do mesmo que havia sido afirmado em outras


audiências da CPI, inclusive pelo presidente afastado, Fábio Schvartsman.
122

Afirmou o depoente que a responsabilidade seria da “geotecnia


operacional”:

“a responsabilidade pela gestão de segurança da barragem, pela


inspeção, pelo monitoramento, pela avaliação do comportamento
dela no dia a dia, pela identificação de algum risco na estrutura,

SF/19193.51040-43
pela avaliação se esse risco está dentro ou não de algum nível de
emergência, pelo acionamento do Plano de Ação Emergencial é
exclusiva de cada geotecnia operacional que está no campo.”

Merece destaque a seguinte resposta dada ao Senador Jorge


Kajuru, que indagou se o depoente havia deixado de repassar alguma
informação ao seu superior hierárquico, Sr. Gerd Peter Poppinga:

“se eu tivesse tomado conhecimento de algum risco relevante, eu


teria comunicado ao Peter, sem sombra de dúvida.”

Página: 122/398 02/07/2019 09:20:28


Sabemos que o depoente sabia dos riscos da Barragem I, não só
por sua participação no PIESEM, mas também por ter recebido o e-mail da
Sr. Marilene Lopes, acima mencionado.

Além disso, uma interessante afirmação do Sr. Silmar Silva,


também decorrente de pergunta do Senador Jorge Kajuru, foi a respeito de
quem tinha poderes para determinar a remoção de instalações e evacuação
das pessoas. Sabemos que isso não foi feito e quase trezentas pessoas

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
morreram. A resposta foi a seguinte:

“qualquer gestor e qualquer funcionário têm poder de interditar e


evacuar área se tiver qualquer iminência de risco.”

A resposta é contraditória com a afirmação de que a “geotecnia


operacional” era totalmente autônoma para gerir a mina e a barragem que se
rompeu. Seja como for, o Sr. Silmar Silva e seus superiores hierárquicos
obviamente tinham poderes para determinar a remoção das instalações e a
evacuação das pessoas. E não é possível dizer que os riscos eram
desconhecidos.
123

2.7 Depoimento de Rodrigo Melo

Questionado pelo Senador Carlos Viana sobre um possível


envolvimento no rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, o
depoente respondeu ter sido excluído pelo Ministério Público (MP) do

SF/19193.51040-43
processo relativo ao caso. Acrescentou, ainda, que não foi submetido à
investigação interna na Vale por conta do acidente de Mariana.

Perguntado, a seguir, por que não usou a experiência adquirida


com o acidente de Mariana para evitar a repetição da tragédia ou, pelo menos,
para realocar o refeitório fora do trajeto da lama de um possível rompimento
da Barragem I, o depoente respondeu que, quando assumiu o cargo na mina
do córrego do Feijão, a Barragem I já estava desativada e o processamento

Página: 123/398 02/07/2019 09:20:28


do minério era feito a seco. Além do mais, segundo seu conhecimento, a
estrutura B1 estava monitorada, controlada, auditada não só internamente
como externamente, mas pelos órgãos competentes, apresentava um laudo
de estabilidade, e, por fim, não tinha o risco iminente de ruptura. Para que
fossem realocadas as estruturas administrativas, seria necessário o input ou
uma recomendação da área técnica, complementou o depoente.

Indagado pelo Senador Kajuru, o depoente confirmou ser

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
superior hierárquico do Sr. Alano Teixeira, gerente da Mina Córrego do
Feijão, falecido no acidente. O depoente encontrava-se no exterior por
ocasião do evento, na sexta-feira (25 de janeiro de 2018). Retornou
imediatamente ao Brasil quando soube do ocorrido e assumiu função na
equipe de emergência ainda naquele final de semana. Na segunda-feira
seguinte, prestou pêsames à família do subordinado. Afirmou estar falando
a verdade e que poderia ter morrido no acidente, pois seu local de trabalho
era no escritório soterrado pela lama.
124

Respondendo ainda aos questionamentos do Senador Kajuru, o


depoente informou que seu advogado é pago pela Vale e, apesar de ter
passado dez dias preso e depois ter sido afastado de suas funções na Vale por
conta de um pedido do MP, continua recebendo seu salário.

SF/19193.51040-43
Quando confrontado pelo Senador Kajuru com as declarações
de seu superior na Vale, o Sr. Silmar Silva, de que tinha poderes para ordenar
a evacuação da mina e a remoção de todas as instalações, o depoente afirmou
que, se houvesse o risco iminente de ruptura da estrutura noticiado pela área
técnica, teria iniciado as ações do PAEBM (Plano de Ação de Emergência
para Barragens de Mineração). Como não havia notícia desse risco, não o
fez. Além disso, no dia do rompimento não estava na mina.

Página: 124/398 02/07/2019 09:20:28


Indagado pela Senadora Rose de Freitas sobre quem poderia ter
noticiado o estado de risco da Barragem I, o depoente respondeu que deveria
ter sido a Gerência Geotécnica Operacional, chefiada pelo Sr. Renzo Albieri,
mas não soube precisar quem dentro dessa Gerência seria o responsável por
dar o aviso. Em caso de risco iminente de ruptura, um geotécnico informaria
o centro de emergência, ponto focal do PAEBM, para ser estartada (sic) a
evacuação. Sem o aviso de risco iminente de ruptura não haveria razão para
realocar as estruturas administrativas, que estavam naquela localização

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
desde os anos 70.

Perguntado pelo Senador Carlos Viana, o depoente afirmou que


conhecia perfeitamente que, se a Barragem I rompesse, o refeitório e outras
áreas administrativas seriam atingidos. O depoente também afirmou não ter
participado dos PIESEMs (encontros com geotécnicos do Brasil e do
exterior, em que foram apresentados gráficos mostrando a situação de risco
de dez barragens da Vale, inclusive a Barragem I da Mina Córrego do
Feijão).
125

Confrontado pelos Senadores Carlos Viana e Kajuru e pela


Senadora Rose de Freitas, com as declarações do Sr. Felipe Rocha
(funcionário da Vale que apresentou a situação de risco das barragens no
PIESEM), de que o depoente e seus superiores teriam capacidade de tomada
de decisão (com relação a toda a situação envolvendo a Barragem I), o

SF/19193.51040-43
depoente disse não ser responsável pelas palavras do Sr. Felipe Rocha.
Alegou o depoente que a Barragem I era uma estrutura paralisada, que a
atribuição de fazer o monitoramento, o controle, a auditagem, a inspeção
era de uma área técnica que não era a minha atribuição (dele).

Questionado pelo Senador Carlos Viana se seria o responsável


técnico pela Barragem I, se haveria uma ART (Anotação de
Responsabilidade Técnica), emitida pelo CREA (Conselho Regional de

Página: 125/398 02/07/2019 09:20:28


Engenharia e Agronomia), como responsável técnico pela gestão da
barragem B1, o depoente respondeu: Eu não tenho uma ART de gestão sobre
a estrutura B1. Ainda segundo o depoente, a Sra. Cristina Malheiros era ART
técnica da geotecnia da barragem B1.

Novamente questionado pelo Senador Carlos Viana, o depoente


reafirmou: Eu volto a tentar esclarecer que a minha atribuição era a gestão
operacional das operações de lavra e tratamento de minério e embarque da

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
unidade em Brumadinho. A minha ART é uma ART de gestão de lavra, não
é uma ART de gestão da Barragem B1, porque ela estava paralisada. É isso.

Indagado pelo Senador Kajuru sobre quem seriam os


responsáveis pelo crime ambiental, o depoente esquivou-se de responder,
alegando ser leviana qualquer inferência em razão de haver uma investigação
ainda em curso.

O Senador Carlos Viana leu trecho de relatório da empresa de


auditoria técnica TÜV SÜD, de setembro de 2018, que recomendava a
126

instalação de “piezômetros multiníveis” para verificar a existência de


“lençóis empoleirados” no rejeito da barragem. Essa seria uma situação de
perigo para a barragem. Perguntou, então, o que foi feito para concretizar as
recomendações do relatório desde o seu recebimento até o rompimento da
Barragem I.

SF/19193.51040-43
O depoente disse não poder responder, pois não era sua
atribuição cuidar da barragem desativada e sequer tinha especialidade em
geotecnia. Disse também que esse assunto jamais fora discutido com ele.

Inquirido novamente sobre onde teria ocorrido a falha que levou


ao rompimento, o depoente disse não saber e reafirmou que considerava a
barragem segura, utilizava normalmente as instalações que foram destruídas

Página: 126/398 02/07/2019 09:20:28


pela lama e havia uma equipe técnica que cuidava da barragem.

Diante da incredulidade dos Senadores com suas respostas e das


suspeitas de sua responsabilidade criminosa no acidente, o depoente afirmou
repetidamente não ser um criminoso.

Quando instado pelo Senador Kajuru a posicionar-se sobre o


depoimento do Sr. Felipe Rocha, que disse que a Vale sabia dos riscos da
barragem, o depoente eximiu-se de concordar com a fala do colega de Vale.

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Na sequência, disse que agiria da mesma forma se pudesse voltar no tempo
(antes do rompimento da barragem) e que tinha orgulho de sua vida
profissional de 25 anos na Vale.

Ainda questionado pelo Senador Kajuru, o depoente disse que


confiava plenamente na informação de que a barragem era segura, mas que
não podia atribuir dolo ou culpa à equipe técnica (geotecnia) antes do final
do processo investigatório.
127

Perguntado, mais uma vez, pelo Senador Carlos Viana sobre sua
atribuição na Vale, o depoente afirmou ser gestão operacional da lavra, do
tratamento e do embarque (do minério de ferro).

Na sequência, o Senador Carlos Viana projeta um slide com

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uma página de relatório, produzido pela TÜV SÜD em conjunto com a Vale,
entregue à Agência Nacional de Mineração (ANM). No slide, o Sr. Rodrigo
Melo é apresentado como “Gerência. Responsável Técnico pela Gestão
(ART)”. Gerente Geral do complexo ou mina.

O depoente negou a exatidão do documento, disse que sua ART


era referente à gestão operacional apenas e não incluiria a barragem, que
estava paralisada.

Página: 127/398 02/07/2019 09:20:28


O Senador Carlos Viana, então, leu em voz alta o slide
mencionado:

Estrutura Organizacional da Barragem.

As informações sobre a estrutura organizacional associada à


segurança da barragem estão indicadas na Tabela 2.2.
Resumidamente, a estrutura organizacional foi segmentada em:
gerenciamento, operação, manutenção, monitoramento, inspeção
e demais profissionais envolvidos.

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Gerência [ou seja, os responsáveis diretos por toda a operação,
inclusive da barragem]:

[...] César Grandchamp. Vale. Especialista Técnico. Especialis ta


Técnico de Geotecnia, Ferrosos Sul.

Responsável Técnico pela Gestão (ART): Rodrigo Artur Gomes


de Melo. [...] Gerente Geral, Gerente Responsável pela Operação
do Complexo. [...] [E ali o número do seu Crea.]

Especialista Técnico. César Grandchamp. [...] Especialis ta


Técnico de Geotecnia, Ferrosos Sul.
128

Indagado novamente, desta feita pelo Senador Otto Alencar, se


teria poderes para decidir pela remoção das instalações para um local fora da
mancha de inundação da Barragem I, o depoente negou-se a responder com
um sim ou não, alegou que precisava explicar todo o processo (decisório).

SF/19193.51040-43
Retornando ao slide apresentado, o depoente reafirmou que sua
ART era de gestão do complexo e não envolvia a Barragem I porque ela
estava parada. O responsável pela Barragem I, aquele com ART de operação,
manutenção, monitoramento e inspeção, seria o Sr. Lúcio Mendanha,
falecido no acidente. A ART de monitoramento e inspeção também seria da
Sra. Cristina Malheiros.

Perguntado novamente pelo Senador Carlos Viana sobre quem

Página: 128/398 02/07/2019 09:20:28


seria o responsável para dar o alerta sobre a situação da barragem e como ele
poderia ter atuado para evitar a tragédia, o depoente reafirmou que, se
houvesse risco iminente de ruptura, a área técnica iniciaria o processo ... via
aviso ao Centro de Emergência, ao ponto focal do PAEBM, e a gente
estartaria (sic) todo o processo de evacuação.

Essa foi a última declaração do Sr. Rodrigo Melo na audiência,


que logo depois foi encerrada sem a votação prevista na pauta, por falta de

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quórum, de requerimento de acareação de funcionários e dirigentes da Vale.

Dos depoentes ouvidos até a 9ª Reunião da CPI de Brumadinho,


o Sr. Rodrigo Melo apresentou o relato mais frágil. Não é verossímil,
considerando sua posição de gerente-executivo do complexo, que não
conhecesse os riscos representados pela Barragem I, principalmente em
razão de sua gravidade. A Barragem I, por exemplo, passou por uma situação
crítica quando da instalação de drenos horizontais profundos (DHP) em
junho de 2018, o que demandou, inclusive, a orientação de um auditor
externo, chamado em emergência. Não é crível que esse incidente perigoso,
129

e outros que se seguiram, como as falhas dos piezômetros, não fossem


levados pelas equipes de geotecnia ao gerente-executivo do complexo. Além
disso, a apresentação dos riscos da Barragem I e de outras barragens da Vale
no PIESEM eram de conhecimento tanto de superiores quanto de
subordinados hierárquicos do Sr. Rodrigo Melo, sendo, portanto, improvável

SF/19193.51040-43
que essa informação, ao circular pelos escalões administrativos da Vale, não
tivesse passado por ele.

Ainda menos razoável é a alegação do Sr. Rodrigo Melo de que


não tinha responsabilidade pela Barragem I, por se tratar de uma barragem
desativada, visto que ele só cuidava da operação. O Sr. Rodrigo Melo foi
cabalmente desmentido pela apresentação de sua ART de gerente geral
(gerente-executivo no jargão da Vale) do complexo. Ademais, as alegações

Página: 129/398 02/07/2019 09:20:28


do Sr. Rodrigo Melo não têm fundamento legal, pois o parágrafo único do
art. 6º do Código de Minas (Decreto-lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967),
estabelece que todas as instalações relacionadas com a extração do minério
e seu beneficiamento fazem parte da mina, se localizadas na área de
concessão:

Parágrafo único. Consideram-se partes integrantes da mina:

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
a) edifícios, construções, máquinas, aparelhos e instrumentos
destinados à mineração e ao beneficiamento do produto da
lavra, desde que este seja realizado na área de concessão da
mina:

....................................... (grifos nossos)

Ou seja, legalmente a barragem de rejeitos, desativada ou não,


fazia parte da mina e estava, portanto, abarcada pela ART do Sr. Rodrigo
Melo.

Do ponto de vista da prática gerencial, é difícil acreditar que a


segurança de uma estrutura que poderia, em caso de rompimento, matar
130

centenas de trabalhadores e parar a operação da mina, como de fato


aconteceu, não fosse do interesse e da alçada do gerente-executivo do
complexo.

Se não bastassem os argumentos acima, a incongruência das

SF/19193.51040-43
declarações do Sr. Rodrigo Melo, de que não acompanhava a situação da
Barragem I e dela nada sabia, fica evidenciada também pelo esforço que a
Vale realizou para licenciar o reaproveitamento de finos de minério contidos
na barragem. Ora, a barragem B1 era um ativo valioso para a Vale e passaria
a ser explorada economicamente em breve, se não tivesse ocorrido o
rompimento. A Vale, por exemplo, instalou um radar interferométrico, um
equipamento sofisticado e caro, para acompanhar possíveis movimentações
do maciço da barragem B1. Assim, no mínimo, seria desidioso que o gerente-

Página: 130/398 02/07/2019 09:20:28


executivo do complexo não se mantivesse informado sobre as condições de
segurança de uma estrutura tão importante nem zelasse por sua integridade.

Por fim, cabe destacar também a falácia contida nas afirmações


do Sr. Rodrigo Melo de que, sem o aviso de risco iminente de ruptura, não
haveria razão para realocar as estruturas administrativas, que estavam
naquela localização desde os anos 70. Ora, o risco iminente, como a própria
expressão indica, aponta que o rompimento da barragem está para ocorrer.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Nessa hora, não faz sentido pensar em realocar estruturas, operação que
levaria meses. É caso apenas de retirar as pessoas da zona de inundação o
mais rápido possível.

O Sr. Rodrigo Melo confirmou que conhecia a mancha de


inundação da Barragem I e que sabia que o refeitório e as unidades
administrativas da Mina Córrego do Feijão estavam dentro dela. Além disso,
de acordo com o Sr. Fabio Schvartsman, ex-presidente da Vale, as unidades
operacionais da mineradora possuem autonomia administrativa e
131

orçamentária para executar ações como a de realocação das instalações


administrativas da mina. Ou seja, o Sr. Rodrigo Melo conhecia o risco a que
eram submetidos seus subordinados e tinha a autoridade e os meios para
afastá-lo, ordenando a realocação das instalações administrativas da Mina
Córrego do Feijão para fora da mancha de inundação. E mais, essa ação

SF/19193.51040-43
independia de ser “estartada” pela equipe técnica, como alegou o Sr. Rodrigo
Melo; poderia, isso sim, ter sido tomada por iniciativa própria, na condição
de gerente-executivo da mina, se ele a considerasse necessária.

2.8 Depoimentos de Joaquim Toledo, Luciano Siani e Lúcio


Cavalli

A 10ª audiência da CPI de Brumadinho foi destinada à oitiva do

Página: 131/398 02/07/2019 09:20:28


Sr. Joaquim Toledo, cujo cargo na Vale será mencionado adiante, uma vez
que há controvérsia a respeito da nomenclatura do cargo, embora não quanto
às atividades por ele exercidas.

Tal como ocorrido em outras audiências da CPI, o Supremo


Tribunal Federal (STF) concedeu habeas corpus para assegurar ao depoente
o direito de permanecer em silêncio, de não ser submetido ao compromisso
de falar a verdade ou subscrever termo com esse conteúdo. Isso significa que

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o depoente pode omitir a verdade ou simplesmente mentir sem cometer o
crime de falso testemunho.

A inquirição começou com uma questão levantada pelo Relator,


quanto a uma afirmação que o depoente teria feito em relação à Barragem I
da Mina Córrego do Feijão. A afirmação, imputada ao depoente, foi a
seguinte:

"A B1 de Feijão é mais tenebrosa do que eu imagino"


132

O Relator indagou ao depoente se e por que ele teria utilizado o


adjetivo “tenebrosa”. O depoente respondeu que, realmente, havia afirmado
a situação da Barragem I da forma apontada pelo Relator:

“Excelência, essa foi uma situação particular que ocorreu ao


receber um e-mail de um geólogo. (…) Imediatamente, usei esse

SF/19193.51040-43
adjetivo e encaminhei ao nosso consultor interno, Armando
Mangolim.”

Curiosamente, após discutir com o Relator aspectos geológicos,


o depoente afirmou que teria se “equivocado” quanto ao risco da Barragem
I:

“o que estou esclarecendo é que eu fiz uma leitura equivocada da


informação.”

Página: 132/398 02/07/2019 09:20:28


É, realmente, inacreditável que um profissional com vinte e oito
anos de experiência na Vale e ocupando cargo de gerente-executivo (um
degrau abaixo do diretor Silmar Silva) possa afirmar que estava
“equivocado” quando afirmou que a Barragem I era tenebrosa. A barragem
se rompeu, fato notório que demonstra claramente a ausência de segurança
da estrutura.

Foram apresentados vários slides com mensagens trocadas entre

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
vários engenheiros, da Vale e da TÜV SÜD, apontando para os riscos da
Barragem I. O depoente respondeu:

“nesse período das trocas de e-mails, eu estava em minhas férias”

Indagado se concordaria que os fatos que levaram a barragem a


se romper não aconteceram na semana de férias do depoente, novamente
houve a evasiva resposta de que as causas estariam sendo investigadas por
uma comissão interna da Vale.
133

Durante o período em que o depoente estava de férias, ele foi


substituído, conforme declarou, pelo Sr. Vicentino Rodrigues. Além disso,
afirmou o depoente, a respeito da necessidade de o gerente executivo reportar
os problemas da Barragem I à diretoria da Vale antes do rompimento:

SF/19193.51040-43
“Se ele tivesse ciência de que houvesse uma mudança no estado
de conservação da barragem e o geotécnico o reportasse e o
avisasse de que existia essa necessidade, ele reportaria.”

Na realidade, entre o estado de absoluta normalidade e uma


situação de risco iminente decorre um tempo. Não são apenas minutos ou
segundos. Antes de um rompimento – e a situação em Barão de Cocais (MG)
também demonstra isso – qualquer barragem emite sinais de que algo está
errado e que providências precisam ser tomadas.

Página: 133/398 02/07/2019 09:20:28


Indagado pela Presidente da CPI a respeito de quanto tempo que
pode decorrer de um momento de normalidade ao risco iminente, respondeu
o depoente:

“Sra. Presidente, as boas práticas de engenharia falavam que esses


riscos iam aumentando o nível de alerta. Nessa estrutura, a ruptura
se deu sem estabelecer nenhum nível de alerta.”

É incontroverso que a ruptura de uma barragem não ocorre de

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forma abrupta. O depoente, porém, afirmou que a Barragem I não teria dado
qualquer sinal de problema: o habeas corpus lhe concedeu o direito de fazer
essa afirmação sem cometer o crime de falso testemunho. Na verdade, como
vimos nas audiências anteriores, há farto material probatório no sentido de
que problemas existiam e eram de conhecimento do depoente e da diretoria
da Vale.

Há um dado interessante, referente à produção de dados para


que o laudo de estabilidade fosse elaborado. Afirmou o depoente a esse
respeito
134

“Produzidos pela minha equipe, solicitados pela equipe de


geotecnia corporativa através da empresa auditora.”28

A questão era realmente tenebrosa e a substituição da empresa


Tractebel – que havia se recusado a assinar o laudo de estabilidade – era um
elemento adicional. Afirmou o relator, textualmente:

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“Alguém diz que não vai assinar um laudo. Efetivamente, isso é
sobre o seu trabalho, está sob sua responsabilidade profissio na l
técnica. Quando alguém disse "não vou assinar o laudo", isso não
o incomodou, não o afligiu na sua responsabilidade profissiona l?
"Não vou assinar o laudo" não acendeu um sinal de alerta? "Puxa,
por que será que ele não vai assinar o laudo? Tenho que ver isso.
Pode ter, nesse quadro, alguma anomalia. Eu preciso procurar".

A Presidente indagou qual seria o cargo do Sr. Renzo Albieri.


O depoente respondeu:

Página: 134/398 02/07/2019 09:20:28


“Gerente de Geotecnica do Corredor Sudeste.”

Quem era o superior hierárquico do Sr. Renzo Albieri, Gerente


de Geotecnica do Corredor Sudeste? O depoente respondeu:

“Joaquim Pedro de Toledo, que sou eu.”

Indagado se o depoente era o Gerente Executivo de Geotecnia


Operacional, respondeu:

“Não, Excelência, o nome da gerência é Gerência Executiva de c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc


Planejamento e Programação do Corredor Sudeste.”

O depoente, claramente, estava tentando afirmar que não era o


gerente executivo de geotecnia operacional. Durante vários momentos,
depoentes de audiências anteriores da CPI afirmaram que os problemas da
Barragem I eram concernentes à “geotecnia operacional”. Isso não passou

28 Nas notas taquigráficas, consta a palavra “produzidas” e não “produzidos”.


135

despercebido pelo Senador Jorge Kajuru, que assim indagou ao depoente


nesta 10ª audiência:

“Olha aqui, curioso, Sr. Joaquim. No organograma do PIESEM


consta que o seu nome, de V. Sa., é o Gerente Executivo de
Planejamento e Geotecnia. Consta no organograma do PIESEM

SF/19193.51040-43
seu nome. (…) eu fico numa dúvida: o senhor aqui, neste
depoimento, quer nos fazer crer que a pessoa de cargo mais alto
na geotecnia operacional simplesmente não existe? Ou existe?”

Diante da impossibilidade de negar que o atributo do cargo era


sim a gerência executiva da geotecnia operacional, o depoente respondeu da
seguinte forma à indagação do Senador Jorge Kajuru:

“Excelência, na gerência executiva, eu sou o responsável.”

Essa responsabilidade estava clara. Disse o depoente:

Página: 135/398 02/07/2019 09:20:28


“Excelência, o papel da geotecnia operacional era na atividade de
monitoramento e inspeção e deveria estabelecer os níveis de
alerta caso houvesse mudança significativa do estado de
conservação da barragem (…)

Indagado se alguma vez o Sr. Renzo Albieri havia deixado de


lhe informar algum problema relativo à Barragem I, o depoente respondeu
de forma taxativa;

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
“Ele não deixou de informar nada sobre a barragem.”

Prosseguiu o depoente, afirmando que também a gerência


executiva corporativa tinha sua parcela de responsabilidade, pois a função de
fazer o estudo de estabilidade da estrutura seria da empresa auditora:

“E essa atividade era feita pela geotecnia corporativa.”

O gerente executivo de geotecnia corporativa era o Sr.


Alexandre Campanha, mencionado em vários momentos nesta CPI, que fora
136

cautelarmente preso porque teria feito “pressão” para que o laudo da empresa
TÜV SÜD fosse favorável à estabilidade da Barragem I.

Além disso, o depoente disse não ter omitido nada do seu


superior hierárquico, Sr. Silmar Silva, diretor de operações do corredor

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sudeste, nos seguintes termos:

“Não deixei de informar nenhum problema que tivesse levado a


um nível de preocupação.”

Não bastassem as informações obtidas na audiência em que o


Sr. Silmar Silva foi ouvido nesta CPI, também o depoente, Sr. Joaquim
Toledo, demonstrou que não houve sonegação de informações entre escalões
da Vale responsáveis pelo rompimento da B1.

Página: 136/398 02/07/2019 09:20:28


A 10ª audiência iria ouvir ainda o Sr. Lucio Cavalli, Diretor
afastado de Planejamento e Desenvolvimento de Ferrosos e Carvão da Vale,
e o Sr. Luciano Siani Pires, Diretor-Executivo de Finanças e Relação com
Investidores da Vale. Contudo, em razão do habeas corpus concedido pelo
STF, a Presidente, Senadora Rose de Freitas, afirmou que a CPI não iria
ouvir esses diretores.

2.9 Depoimentos de Victor Bicca e Germano Vieira

Na ocasião, foram ouvidos o Sr. Victor Hugo Froner Bicca, c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

Diretor-geral da Agência Nacional de Mineração (ANM) e o Sr. Germano


Luis Gomes Vieira, Secretário de Estado da Secretaria de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (SEMAD), conforme relato
a seguir:

O Sr. Victor Bicca foi questionado primeiro, inicialmente pelo


Relator da CPI de Brumadinho, Senador Carlos Viana. Perguntado por que
a ANM proibiu construções na zona de autossalvamento de barragens de
137

rejeitos de mineração e obrigou a instalação de sirenes de emergência à prova


de falhas somente após a ocorrência do desastre de Brumadinho, o Sr. Victor
Bicca respondeu que o Departamento Nacional de Produção Mineral
(DNPM), antecessor da ANM, havia editado vários atos tornando mais
rígidas as normas de segurança de barragens de rejeitos após o desastre de

SF/19193.51040-43
Mariana, mas, lamentavelmente, somente depois do acidente de
Brumadinho, verificou-se que seria necessário avançar mais em termos de
segurança. Assim, a ANM editou a Resolução nº 4, de 2019, que proibiu
barragens de rejeitos alteadas a montante e estabeleceu prazo para o
monitoramento permanente e automatizado das barragens com dano
potencial alto, entre outras medidas.

Indagado pela Presidente da CPI, Senadora Rose de Freitas, o

Página: 137/398 02/07/2019 09:20:28


Sr. Victor Bicca disse que a ANM está realizando uma investigação técnica,
isto é, de cunho técnico-científico e não de cunho policial, das causas do
rompimento da Barragem I, além de acompanhar as medidas mitigatórias das
consequências do acidente.

Ainda questionado pela Senadora Rose de Freitas, o Sr. Victor


Bicca informou que, no final de março último, 45 ou 46 barragens de rejeitos
de mineração ainda não tinham apresentado o laudo de estabilidade e,

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
portanto, estavam interditadas. Perguntado sobre como a ANM estava
lidando com essa situação, o Sr. Victor Bicca esclareceu que os
empreendimentos estavam interditados, mas que cabia às empresas executar
as ações de manutenção para obter o laudo de estabilidade.

A seguir, a Senadora Rose de Freitas indagou qual seria a


opinião do depoente sobre o fato de os próprios empreendedores contratarem
as empresas de auditoria das barragens e questionou sobre o número de
barragens fiscalizadas pela ANM. O Sr. Victor Bicca informou que há 426
138

barragens de mineração enquadradas na Política Nacional de Segurança de


Barragens (PNSB) e que a Agência prioriza, para fins de fiscalização,
aquelas que têm dano potencial associado alto e risco alto. O depoente
relatou também a operacionalização do Sistema Integrado de Gestão de
Barragens de Mineração (SIGBM) que, por meio de um sistema

SF/19193.51040-43
automatizado de recebimento e análise de dados, permite ranquear as
barragens em termos de criticidade e, dessa forma, direcionar a fiscalização.
Somente no ano de 2019, 140 barragens foram vistoriadas, algumas mais de
uma vez, totalizando 250 vistorias.

Dando sequência aos questionamentos, a Senadora Rose de


Freitas inquiriu sobre os recentes acontecimentos na mina de Gongo Soco.
O depoente disse que a barragem Sul Superior, localizada nessa mina, não

Página: 138/398 02/07/2019 09:20:28


possui laudo de estabilidade e já estava interditada. Nos últimos dias, o talude
norte da cava da mina, situada a 1,5 km a montante da barragem, acelerou
sua movimentação, indicando que desmoronaria dentro da cava. Esse
incidente poderia gerar um sismo localizado suficientemente forte para
funcionar como gatilho da liquefação 29 da barragem Sul Superior.

O Senador Kajuru foi o seguinte a perguntar e pediu a opinião


do depoente sobre a culpa ou não da Vale e se haveria culpados pelo

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rompimento da barragem B1. O Sr. Victor Bicca afirmou que há uma
investigação em curso e que aguardará os resultados para se manifestar, mas
que provavelmente há culpados.

29 Nos solos saturados, a pressão da água no solo é um parâmetro importante para a resistência mecânica
do material. Se a pressão for muito alta, a água infiltrada ocupa os espaços entre os grãos do solo
(percolação) e reduz o contato (atrito) entre eles. Dessa forma, a resistência mecânica do solo é reduzida.
No caso extremo, pode ocorrer a liquefação, isto é, o filme de água entre os grãos faz com que o solo
perca a resistência ao cisalhamento (os grãos perdem o contato entre si e deslizam uns sobre os outros
deslizando no filme de água) e o solo comporta -se como um líquido. A liquefação interna é uma das
principais causas da ruptura em barragens de rejeitos de mineração. Foi o mecanismo que provocou a
falha da barragem do Fundão, em Mariana, e, muito provavelmente, a falha da barragem B1, em
Brumadinho.
139

Após o Senador Kajuru, os Senadores Wellington Fagundes e


Dario Berger apresentaram suas perguntas, que abordaram as condições de
funcionamento da ANM, tecnologias de beneficiamento de minério e a
localização das unidades administrativas da Mina Córrego do Feijão (a
jusante da barragem). Inicialmente, o depoente opinou que a transformação

SF/19193.51040-43
do antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), uma
autarquia, na ANM, uma agência reguladora, representou um avanço.
Contudo, o desastre de Brumadinho ocorreu logo após a constituição da
ANM, trinta ou sessenta dias depois, quando ainda se cuidava dos aspectos
práticos da transição do modelo de autarquia para o modelo de agência
reguladora. Além disso, a ANM sofre com restrições orçamentárias,
recebendo menos de 1% dos 7% da Compensação Financeira pela

Página: 139/398 02/07/2019 09:20:28


Exploração de Recursos Minerais (CFEM) a que tem direito por força de Lei.
(Diante do desastre de Brumadinho), é necessário avaliar onde o órgão gestor
da mineração do País errou. Órgão que não tem gente, não tem capacitação
técnica, carece de orçamento.

Quanto ao beneficiamento de minério, há tecnologias


disponíveis (em substituição às barragens de rejeitos) para migração do
processamento a úmido para o processamento a seco. O depoente citou que

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a própria Vale anunciou que pretende investir R$ 11 bilhões no
beneficiamento a seco.

Por fim, quanto às instalações administrativas da Mina Córrego


do Feijão, o depoente disse que elas eram antigas, de 1976, que todos
assumiram aquele risco como natural, inclusive os órgãos de fiscalização do
Município, do Estado e da própria União.

O Senador Carlos Viana retomou seus questionamentos e


perguntou porque o DNPM nunca exigiu os projetos da Barragem I e seus
140

alteamentos. O depoente ponderou que a barragem foi construída nos anos


80 e a Lei da PNSB é de 2010. Reconheceu que o projeto do alteamento é
importante porque muitas vezes não é o projetista original da barragem o
responsável pelo projeto do alteamento. Agora é exigido tanto o projeto do
“as built” (como construído) quanto o “as is” (como está); antes não era.

SF/19193.51040-43
Perguntado pela Senadora Rose de Freitas sobre quem
fiscalizou os alteamentos (13 no total) da Barragem I, o depoente afirmou
que foi (deveria ser) o CREA (Conselho Regional de Engenharia e
Agronomia), o órgão responsável pela fiscalização do exercício da profissão
da Engenharia, juntamente com o órgão estadual ou municipal responsável
pelo licenciamento ambiental. Para concluir sua resposta, o Sr. Victor Bicca
informou que a ANM fiscaliza e aplica multas quando necessário, mas o

Página: 140/398 02/07/2019 09:20:28


valor máximo de multa previsto no Código de Mineração é de R$ 3,5 mil.

Respondendo a uma sequência de perguntas da Senadora Rose


de Freitas, o depoente informou que o Ministro de Estado de Minas e
Energia, Sr. Bento Albuquerque, o avisou de que os recursos da ANM não
sofreriam contingenciamento. Quanto à possibilidade de que o
monitoramento em tempo real das barragens fosse tornado público,
considerou que isso poderia ser viável tecnicamente. Porém, dada a natureza

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técnico-científica dos dados e a alta complexidade da questão, poderia
desnecessariamente semear preocupação na sociedade.

O Senador Carlos Viana questionou sobre o incidente com o


dreno horizontal profundo (DHP)30, ocorrido em junho de 2018, na barragem
B1. Inicialmente classificado pela Vale como de gravidade 6, numa escala

30O dreno horizontal profundo, ou DHP, é utilizado para drenagem localizada de camadas ou feições do
maciço geológico. É perfurado com uma pequena inclinação para permitir o escoamento da água por
gravidade. O dreno geralmente é constituído por tubos e filtros de PVC geomecânicos, que retêm as
partículas do solo, mas permitem a saída da água.
141

de 0 a 10, foi reportado à ANM como sendo de gravidade 3, o que evitou


uma possível ação da Agência. O depoente afirmou que tomou conhecimento
desse fato já no inquérito e investigações estão sendo realizadas sobre o caso.

Indagado pela Senadora Rose de Freitas sobre o aproveitamento

SF/19193.51040-43
de rejeitos, o depoente afirmou que é preciso atentar para a viabilidade
econômica, mas a tendência é aumentar progressivamente as exigências no
que tange à disposição e reaproveitamento de rejeitos nas concessões de
lavra.

Dessa forma, encerrou-se a oitiva do Sr. Victor Bicca, e passou-


se ao questionamento do Sr. Germano Vieira.

A primeira pergunta, do Senador Carlos Viana, versou sobre

Página: 141/398 02/07/2019 09:20:28


alterações nas modalidades de licenciamento ambiental adotadas em Minas
Gerais, por meio da Deliberação Normativa 217, as quais teriam sido
aplicadas no licenciamento do projeto de aproveitamento dos rejeitos na
Barragem I. No caso em tela, aplicou-se o licenciamento concomitante
(quando as três fases do licenciamento ambiental – prévia, instalação e
operação – ocorrem simultaneamente). O Relator quis saber se essa
modalidade de licenciamento continuava sendo aplicada às barragens de

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rejeitos e se a ANM não deveria ser consultada.

O Sr. Germano Vieira fez um breve relato da complexidade do


licenciamento ambiental. No caso do reaproveitamento de rejeitos da Mina
Córrego do Feijão, o processo de licenciamento foi longo e iniciou-se em
2015. De forma semelhante, a Deliberação Normativa 217 foi discutida por
muitos anos. O objetivo da Deliberação é que o processo de licenciamento
tenha rigor proporcional aos atributos ambientais, considerando não apenas
o porte e o potencial poluidor do empreendimento, mas também o aspecto
locacional.
142

Questionado pelo Senador Carlos Viana se a Vale teria


participado do processo de discussão das mudanças no licenciamento
ambiental, o depoente confirmou essa participação e também a do setor de
agricultura.

SF/19193.51040-43
A Senadora Rose de Freitas perguntou se a mudança no
licenciamento ambiental rebaixou os riscos das barragens (de rejeitos). O
depoente respondeu que a classificação de risco de barragens (de rejeitos)
cabe à ANM. A Senadora redarguiu que se referia ao que a Vale deveria
informar dentro do processo sobre segurança. O depoente informou que o
projeto não envolvia a construção ou aumento da barragem, nem a disposição
de rejeitos, mas apenas o reaproveitamento de rejeitos. Por isso, o
licenciamento poderia ser mais simples. O fato de o licenciamento ser

Página: 142/398 02/07/2019 09:20:28


concomitante não implica mudança de regras de cada fase, mas a realização
de todas as fases simultaneamente.

O Senador Carlos Viana perguntou por que a Deliberação


Normativa 228 estabeleceu que a ANM não precisaria ser consultada caso o
empreendedor desejasse despejar rejeitos na cava da mina. Assim, a empresa
poderia depositar o rejeito como e onde ela quisesse. O depoente disse não
saber, que precisava verificar a Deliberação Normativa 228, mas que

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considerava que a ANM deveria ser consultada. Acrescentou que o ato
normativo não é da Secretaria de Estado, mas do Conselho Ambiental de
Política Ambiental, e que desconhecia em que bases se deu essa discussão
visto que o Conselho é presidido pelo Secretário Adjunto e ele próprio não
participou do processo.

Indagado pela Senadora Rose de Freitas se considerava as


mudanças no licenciamento ambiental positivas, o depoente afirmou que não
houve alteração dos estudos necessários para obtenção da licença ambiental,
143

como EIA-RIMA (Estudo e Relatório de Impacto Ambiental). Por fim, o Sr.


Germano Vieira disse à Senadora estar à disposição da CPI para apresentar
sugestões.

Inquirido pelo Senador Carlos Viana sobre onde ocorreram as

SF/19193.51040-43
falhas e o que pode ser feito no futuro, o depoente disse ser favorável ao
acompanhamento em tempo real das barragens, à formação de um cadastro
de auditorias junto ao órgão regulador para garantir maior independência a
essas empresas, à descaracterização das barragens alteadas a montante, mas
dentro de premissas técnicas que garantam a segurança, e ao
reaproveitamento de rejeitos. O depoente lembrou que técnicas de
beneficiamento a seco também geram rejeitos, que devem ser empilhados e
monitorados.

Página: 143/398 02/07/2019 09:20:28


O Senador Carlos Viana insistiu na pergunta sobre o que mudar
hoje, e o depoente listou as seguintes propostas: proibir novas barragens
alteadas a montante, descaracterizar as existentes, só permitir barragens de
rejeitos (com outros métodos construtivos que não alteamento a montante)
quando não houver outra forma de lidar com os rejeitos, retirar pessoas e
atividades da zona de autossalvamento.

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Depois de externar suas preocupações com as alterações no
licenciamento ambiental, a senadora Rose de Freitas encerrou a 11ª Reunião
da CPI de Brumadinho.

Da apresentação do Sr. Victor Bicca, destacam-se, basicamente,


a já conhecida situação de penúria da ANM, herdada do DNPM, e a
característica eminentemente cartorial do sistema de fiscalização de
barragens da Agência.
144

Não há expectativa de que essa situação vá sofrer mudanças


significativas, mesmo com a promessa do Ministro de Minas e Energia de
que não haverá contingenciamento dos recursos da ANM. A contratação e o
treinamento de especialistas em barragens demandarão anos e o processo
sequer foi iniciado. Enquanto isso não ocorre, os poucos especialistas em

SF/19193.51040-43
geotecnia da ANM ficarão assoberbados com o grande número de problemas
com barragens de rejeitos revelado após o desastre de Brumadinho e, assim,
não terão condições de repensar estrategicamente a forma de fiscalização
dessas estruturas.

De qualquer forma, mesmo com recursos suficientes, a


fiscalização de barragens será sempre uma atividade secundária dentro das
atribuições da ANM, cujas atividades precípuas são a outorga de títulos

Página: 144/398 02/07/2019 09:20:28


minerários e a cobrança da CFEM. A bem da verdade, essa realidade
estende-se por todos os mais de quarenta órgãos que fiscalizam (ou que
deveriam fiscalizar) barragens no Brasil, como a Agência Nacional de
Energia Elétrica (ANEEL) e a Agência Nacional de Águas (ANA), onde a
fiscalização de barragens também não é a principal atribuição. Mais
adequado seria que houvesse um único órgão no Brasil dedicado
exclusivamente a fiscalizar todas as barragens abarcadas pela PNSB.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Quanto à oitiva do Sr. Germano Vieira, nota-se o intenso
questionamento sobre o licenciamento concomitante do reaproveitamento de
rejeitos da Barragem I. Sem entrar no mérito dessa modalidade de
licenciamento, nos parece que não é possível traçar uma relação causa e
efeito entre a forma do licenciamento e o rompimento da barragem,
sobretudo porque as operações de retirada de rejeito não chegaram a ser
iniciadas.
145

Nem mesmo parece lógico atribuir ao licenciamento obtido um


hipotético relaxamento da Vale com a segurança da barragem, pois ela
passaria de uma fonte de despesas (descomissionamento) para uma fonte de
lucro. Seria, portanto, um contrassenso do ponto de vista econômico, sempre
o mais considerado pela Vale, que a mineradora, por obter o licenciamento

SF/19193.51040-43
do aproveitamento dos rejeitos da barragem, negligenciasse (mais) a
segurança da estrutura.

Além disso, o grande número de barragens da Vale que deixou


de receber a Declaração de Condição de Estabilidade após o desastre de
Brumadinho mostra que a mineradora lidava com a segurança da Barragem
I com a mesma imprudência, imperícia ou negligência com que lidava com
suas outras barragens de rejeitos.

Página: 145/398 02/07/2019 09:20:28


Em suma, a licença ambiental para o aproveitamento de rejeitos
da Barragem I parece não ter implicado deterioração na gestão da barragem
a ponto de levar ao seu rompimento. Inclusive, denúncias recentes 31 apontam
que os problemas de licenciamento são bem mais antigos, ocorreram por
ocasião dos alteamentos, ainda na vigência das regras anteriores.

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2.10 Depoimentos de Antônio Tonet, Andressa Lanchotti e
Helder Silva

A 12ª reunião da CPI foi destinada à oitiva da Dra. Andressa


Lanchotti, Promotora de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, do
Dr. Antônio Sérgio Tonet, Procurador-Geral de Justiça de Minas Gerais, e

31Disponível em: https://veja.abril.com.br/brasil/barragem-de-brumadinho-foi-ampliada-sem-licenca/,


Acesso em 31 de maio de 2019.
146

do Dr. Helder Magno da Silva, Procurador da República, em substituição ao


também Procurador da República, Dr. José Adércio Leite Sampaio.

Após as apresentações, a palavra foi concedida ao Dr. Sérgio


Tonet, que enfatizou a pronta ação do Ministério Público de Minas Gerais

SF/19193.51040-43
no caso, ao reunir, no mesmo dia da tragédia, dez ou mais instituições para
a criação de uma força-tarefa interinstitucional: Ministério Público de Minas
Gerais; Ministério Público do Trabalho; Ministério Público Federal;
Defensoria Pública de Minas Gerais; Defensoria Pública da União; AGE;
AGU; Polícia Militar; Polícia Civil e Defesa Civil. Foram, então, criadas três
frentes de atuação: um núcleo socioambiental, um núcleo socioeconômico e
um núcleo criminal.

Página: 146/398 02/07/2019 09:20:28


Dr. Tonet destacou também a agilidade do Poder Judiciário, que
adotou medidas cautelares, com um bloqueio, no primeiro dia, de R$5
bilhões para a área socioambiental e, no dia seguinte, mais R$5 bilhões para
a área socioeconômica, para as indenizações.

Dr. Tonet ressalta também os avanços na área criminal, que


ocorreram através das prisões temporárias, que permitiram ouvir as pessoas,
checar as informações e promover acareações necessárias. Para a conclusão

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
das investigações, faltam ainda alguns laudos periciais, mas em pouco tempo
uma denúncia será apresentada à Justiça.

Em seguida, a Dra. Andressa Lanchotti destaca os esforços


promovidos, desde o primeiro momento, para garantir a segurança das
estruturas do Complexo Paraopeba, onde se encontra a Mina Córrego do
Feijão, em função do risco de rompimento de outra estrutura, a barragem B6.

Em relação à parte criminal, Dra. Lanchotti destaca a


necessidade da finalização dos laudos periciais, que buscam identificar as
147

causas do desastre, e também dos laudos de necropsia. Destacando a


contundência das provas obtidas, Dra. Lanchotti ressalta a necessidade de
definir a cadeia de comando, de forma que todos os que participaram dos
atos criminosos sejam devidamente responsabilizados.

SF/19193.51040-43
Em seguida, Dr. Helder Silva explica, à luz de teorias mais
recentes, como a Teoria da Imputação Objetiva, que é preciso analisar a
observância, nas atividades de risco, do dever objetivo de cuidado. Há
situações em que a omissão é penalmente relevante, quando o sujeito tinha o
dever objetivo de cuidado.

Em seguida, Dr. Helder, respondendo a um questionamento


feito pelo senador Kajuru sobre a recente decisão do TRF que alterou a

Página: 147/398 02/07/2019 09:20:28


tipificação de homicídio, dada pelo Ministério Público no caso Mariana, diz:

Isso preocupa muito, porque isso acaba se transformando num


salvo-conduto, porque a gente sabe que, no crime de homicíd io,
as penas são mais elevadas. Se nós tratarmos de 19 homicíd ios
que são denunciados lá em Mariana, a gente teria um contexto
bem maior, uma possibilidade de uma apenação bem mais
gravosa.

Dra. Andressa Lanchotti destaca que a força-tarefa recebeu, em


resposta a uma requisição da força-tarefa, cerca de oito gigabytes de

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documentos, entre os quais constava um documento, produzido pela Vale,
apontando dez barragens que estariam na chamada “ALARP Zone”, a zona
de atenção. Sabendo que, dentre as dez, duas barragens (B1 e B4) já haviam
colapsado, o Ministério Público de Minas Gerais propôs, já no dia primeiro
de fevereiro, uma Ação Civil Pública, na qual postulam diversas medidas,
entre as quais, a contratação de auditorias externas independentes para aferir
a situação dessas barragens, além da atualização ou elaboração de estudos
técnicos, como estudo de cenários de ruptura e planos de ações emergenciais
das barragens.
148

Dra. Andressa ressalta que, inquirida sobre o assunto, a empresa


Vale negou a existência de outras barragens em situação de risco. Porém, os
fatos desmentiram a empresa, já que, em fevereiro, algumas barragens
atingiram o nível 2 de emergência. Em março, quatro barragens subiram para
o nível 3 de emergência: Forquilhas I e III (Ouro Preto); Sul Superior (Barão

SF/19193.51040-43
de Cocais) e a barragem B3/B4, em Nova Lima, todas operadas pela Vale.

Dra. Andressa, ao falar do trabalho das auditorias externas, toca


no ponto nevrálgico do problema, dizendo:

Em relação a isso, eu até gostaria de fazer aí uma fala, em relação


às auditorias externas, porque tanto Fundão, que colapsou no dia
5 de novembro de 2015, da empresa Samarco, que tem como
controladoras a Vale e a BHP Billiton, quanto B1, da empresa
Vale, tinham DCEs, certidões de declaração de estabilidade

Página: 148/398 02/07/2019 09:20:28


garantidas. Então, o que é que nós verificamos? Que o sistema
está doente. Há um defeito no sistema. Porque as DCEs são
emitidas, apresentadas aos órgãos públicos, à Agência Nacional
de Mineração, ao Ministério Público, à Secretaria de Estado de
Meio Ambiente, e esses órgãos definem suas atividades
fiscalizatórias com base nessas informações. Só que o sistema não
tem mecanismos para garantir a independência das empresas de
auditoria. Por exemplo: a TÜV SÜD tinha mais de seis contratos
em andamento com a Vale, com cifras superiores, no global, a
R$10 milhões para outros serviços, enquanto era auditora
independente da Barragem B1. Então, as provas já indicam essa
relação promíscua entre a empresa de auditoria e a empresa
auditada.

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Dr. Tonet, questionado sobre possíveis tentativas de influenciar
o resultado das investigações, respondeu que a força-tarefa postulou, junto
ao Conselho de Administração da Vale, o afastamento da diretoria da
empresa, no que foram atendidos. Esta ação foi fundamental para possibilitar
avanços nos termos de ajustamento de condutas com a Vale.

Como consideração final, questionada sobre a demora nos


pagamentos de indenizações às vítimas, Dra. Lanchotti aponta as
149

dificuldades advindas do modelo adotado na tragédia de Mariana, com a


criação da Fundação Renova, dizendo:

A Fundação Renova não tem demonstrado capacidade de fazer as


suas ações com a celeridade necessária. Então, até hoje, Bento
Rodrigues não foi realocada, não há uma nova Bento. O

SF/19193.51040-43
Ministério Público tem que trabalhar diuturnamente nesse
processo para praticamente guiar a atuação da Fundação Renova.

Em seguida, Dra. Lanchotti destaca os avanços conseguidos nos


pagamentos emergenciais, de um salário mínimo para adulto, meio salário
mínimo para adolescente e um quarto de salário mínimo para criança, não
apenas em Brumadinho, mas também aos residentes a um quilômetro da
calha do Rio Paraopeba até Retiro Baixo. Destaca, adicionalmente, que a
força-tarefa conseguiu garantir o pagamento, pela Vale, de assistência

Página: 149/398 02/07/2019 09:20:28


técnica aos atingidos, para garantir uma avaliação correta das perdas e uma
negociação justa.

Seguindo o mesmo raciocínio, Dr. Helder Silva destaca que há


danos que só aparecem com o tempo: danos à saúde, como problemas de
pele e problemas de saúde mental. Destaca, também, as dificuldades do
Programa de Indenização Mediada da Renova, implantado após o desastre
de Mariana, por este precificar, de forma muitas vezes irrisória, o que foi

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perdido. Exemplifica dizendo que se paga, num pé de fruta produzindo, um
valor menor de que um quilo da mesma fruta na feira.

Uma vez que as investigações ainda estão em andamento, ainda


não há, por parte do Ministério Público, decisão a respeito de qual será o
crime imputado a cada investigado. Sabe-se, porém, que o trabalho ora
realizado é sério e consistente.

Nesse sentido foi muito feliz o Sr. Antônio Sérgio Tonet em


resumir essa diretriz nos seguintes termos:
150

“Eu não concordo, muitas vezes, com denúncias vazias,


denúncias que podem não chegar a lugar nenhum. É melhor ter
uma denúncia consistente com uma justa causa criminal bem
consolidada para que a Justiça receba o processo, e depois
consigamos a condenação.”

Esse é o mesmo sentimento desta CPI: apurar corretamente os

SF/19193.51040-43
fatos, aplicando a boa técnica jurídica.

2.11 Depoimentos de Fernando Araújo e Uriel Papa

O Sr. Fernando Araújo realizou apresentação sobre o


reaproveitamento de rejeitos da mineração do ferro. De acordo com o
palestrante, a produção de minério de ferro no Brasil é de aproximadamente
450 milhões de toneladas anuais, o que gera de 250 a 300 milhões de
toneladas de rejeitos. Adicionalmente, já existem 3 bilhões de metros cúbicos

Página: 150/398 02/07/2019 09:20:28


de rejeitos.

Em Carajás, o minério é a hematita, composta praticamente de


100% de óxido de ferro e por isso praticamente não gera rejeitos. Em Minas
Gerais, que contribui com 300 milhões de minério de ferro para a produção
nacional, o minério é do tipo itabirítico, que contém quartzo e gera cerca de
50% de rejeito. O Brasil desenvolveu a tecnologia para lavrar minério

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itabirítico, que é diferente do encontrado na Austrália ou Canadá, e a
expertise nacional é fornecida ao Cazaquistão, Libéria e Rússia, países que
têm minério de ferro parecido com o nosso.

A maior parte do minério de ferro nacional é processada para


gerar o pellet feed, minério muito fino utilizado para fabricar pelotas para
alto-forno. O minério tem que ser pulverizado antes de realizar-se a
separação do ferro da sílica (quartzo). A separação é feita por meio do
processo de flotação. Mas, antes da separação, um pozinho muito mais fino
151

(gerado no processo de moagem) deve ser separado. É a chamada lama de


processo, de cor vermelha.

O palestrante apresenta um frasco com amostra da lama de


processo.

SF/19193.51040-43
A separação gera um conteúdo metálico e um rejeito arenoso,
composto basicamente de sílica, parecido com areia de construção.

Nos últimos 40 ou 50 anos, ambos os rejeitos, a lama e o rejeito


arenoso, têm sido depositados na mesma barragem. A lama é rica em ferro
(até 55%) e está sendo jogada fora. O material é muito fino, difícil, mas não
impossível de processar. O problema é que, ao depositar os dois materiais na

Página: 151/398 02/07/2019 09:20:28


mesma barragem, com tamanhos de grão tão diferentes, a resistência ao
escoamento é reduzida e torna-se mais baixa que a resistência ao escoamento
individual dos dois componentes. Esse fenômeno é conhecido da reologia
(ramo da ciência que estuda o atrito) desde 1850. A lama úmida funciona
como lubrificante dos grãos arenosos, diminui a viscosidade da mistura, e
isso aumenta a probabilidade de liquefação 32, fenômeno que ocorreu nas
barragens de Mariana e de Brumadinho.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
O palestrante apresenta gráficos que mostram a queda drástica
da viscosidade em razão da mistura. O efeito é mais pronunciado quanto
maior a diferença de tamanho de grão dos componentes. A lama contém um

32 A pressão da água no solo é um parâmetro importante para a segurança da barragem. Se a pressão for
muito alta, a água infiltrada ocupa os espaços entre os grãos do solo e reduz o contato entre eles. Dessa
forma, a resistência mecânica do solo é reduzida. No caso extremo, pode ocorrer a liquefação, isto é, o
filme de água entre os grãos faz com que o solo perca a resistência ao cisalhamento (os grão s deslizam
uns sobre os outros) e o solo comporta -se como um líquido. A liquefação interna é uma das principais
causas da ruptura em barragens de rejeitos de mineração. Foi o mecanismo que provocou a falha da
barragem do Fundão, em Mariana, e, muito provavelmente, a falha da barragem B1, em Brumadinho.
152

material muito fino, menor que 1 (um) mícron (um milionésimo de metro),
chamado de coloidal, e que não decanta.

O palestrante apresenta fotos coloridas artificialmente para


mostrar o rejeito arenoso, rico em sílica, e a lama, rica em minério de ferro.

SF/19193.51040-43
A primeira sugestão do Sr. Fernando Araújo seria proibir a
disposição da lama e do rejeito arenoso na mesma barragem.

São produzidas anualmente 250 milhões de toneladas do rejeito


arenoso. A mídia tem divulgado trabalhos sobre o aproveitamento desse
rejeito na construção civil. Entretanto, a construção civil de Minas Gerais
consome anualmente menos de 20 milhões de toneladas de areia, ainda

Página: 152/398 02/07/2019 09:20:28


assim, misturada com brita, areia grossa, etc. O rejeito arenoso pode ser
usado na construção civil, mas essa não é uma solução geral, pois seu
aproveitamento total é inviável do ponto de vista do volume e da logística.
O transporte desse rejeito de Mariana ou Brumadinho para Uberlândia
resultaria num preço final trinta vezes maior que o atual preço da areia.
Compensaria usar esse rejeito somente próximo à mina.

A solução é empilhar o rejeito arenoso, combinando todas as

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
tecnologias disponíveis, fazendo o empilhamento a seco, com material
estéril, em confinamento. O processo precisa levar em conta que a areia é
muito fina, pode ser arrastada pelo vento, e não se sabe se poderia causar
silicose.

Uma alternativa é misturar o rejeito arenoso que está sendo


gerado com aglomerante, para construir estruturas de contenção abaixo das
barragens de rejeitos existentes. Isso deve ser feito antes de mexer nas
barragens, já que são muito inseguras. É muito perigoso movimentar
máquinas sobre essas barragens.
153

A sociedade perdeu a confiança nas barragens de rejeitos,


mesmo com alteamento a jusante. A solução vai ser empilhar os rejeitos
arenosos. É um material facilmente drenável (não tende a ficar úmido), que
não tende a sofrer liquefação se estiver em pilha drenada.

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O material mais crítico é a lama, rica em ferro, e muito fininha.
São geradas anualmente 50 milhões de toneladas. É possível recuperar 40%
do ferro contido nessa lama. Em alguns casos já se conseguiu 57%.
Recuperando 40% do ferro na lama, serão 20 milhões de toneladas de
minério de ferro que deixam de ser problema para se tornar receita. Sobram
ainda 30 milhões de toneladas de lama.

Não se recomenda que a lama seja depositada em lugar nenhum.

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Daqui a duzentos anos, quem vai cuidar desse material? Ele nem é adequado
para a construção civil. A solução é utilizá-lo como propante33 na indústria
do petróleo e do gás natural. O consumo atual de propante nos Estados
Unidos é de 100 milhões de toneladas por ano.

Em síntese, da lama, deve se recuperar o máximo possível de


minério de ferro e usar o restante para a produção de propante ou de outro
produto que venha a ser desenvolvido. O rejeito arenoso deve ser

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simplesmente empilhado.

Reinquirido pela sra. Presidente da CPI, Senadora Rose de


Freitas, durante a discussão da apresentação, o palestrante reforçou a
necessidade de impedir a disposição, nas barragens, da lama juntamente com
os rejeitos arenosos. Adicionalmente, frisou que é inviável, tanto do ponto
de vista do volume produzido quanto da economicidade, utilizar os rejeitos

33 Material granular utilizado em operações de fraturamento hidráulico para sustentar a fratura, de modo
a se obter um canal permanente de fluxo entre formação e poço, depois de concluído o bombeio de fluido
e propagação da fratura. Disponível em http://dicionariodopetroleo.com.br/dictionary/propante/.
Acesso em 12 de junho de 2019.
154

da mineração de ferro na construção civil. Mais grave ainda seria utilizar os


rejeitos para produzir telhas e outras peças cerâmicas, pois destruiria o setor
de cerâmica vermelha. Ao fim e ao cabo, o uso de rejeitos da mineração de
ferro na construção civil absorveria somente 10% do total produzido. Ainda
assim, o rejeito teria de ser aproveitado num raio máximo de 100 km da mina;

SF/19193.51040-43
caso contrário, o transporte ficaria caro demais.

O palestrante ratificou as sugestões dadas na apresentação:


empilhar o rejeito arenoso confinado e também utilizá-lo para construir
estruturas de contenção a jusante das atuais barragens de rejeitos; extrair o
que for possível do ferro contido na lama e o restante transformar em
propante para exportar para os Estados Unidos. No Brasil não há mercado
para esse propante, pois o País não fará uso de faturamento hidráulico para a

Página: 154/398 02/07/2019 09:20:28


exploração de petróleo e gás natural em razão das grandes reservas
descobertas no pré-sal.

No tocante ao monitoramento da segurança das barragens de


rejeitos, além de ter a instrumentação das barragens, o Sr. Fernando Araújo
disse que é necessário modelá-las, isto é, simulá-las para prevenir as
situações que levem à liquefação. Afirmou também que há um
desconhecimento técnico entre os responsáveis pela operação das barragens

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de rejeitos.

O Relator da CPI, Senador Carlos Viana, perguntou sobre as


barragens de rejeitos de outros minérios, como fosfato e ouro. O palestrante
informou que cada rejeito de minério tem sua especificidade. Alguns, como
o do ouro, são até tóxicos, e por isso é preciso buscar soluções
individualizadas.

Encerrada a participação do Sr. Fernando Araújo, foi convidado


a falar o Sr. Uriel Papa.
155

A Senadora Rose de Freitas indagou o convidado sobre


alternativas à atual sistemática de auditorias externas das barragens de
rejeitos, na qual a mineradora contrata diretamente os auditores que vão
fiscalizá-la. O convidado disse haver um claro conflito de interesses nesse
caso. Mais adequado seria haver um sorteio para escolha do auditor, que

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poderia ser pago pela mineradora ou pela agência reguladora.

Perguntado também sobre o projeto GeoControle, o Sr. Uriel


Papa explicou tratar-se de uma parceria do TCU com a Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de Brasília (UnB) com o objetivo
de desenvolver o sensoriamento remoto por satélite para fiscalização de
obras.

Página: 155/398 02/07/2019 09:20:28


Inquirido pelo Senador Carlos Viana sobre a sustentabilidade da
mineração, o convidado disse ser essa uma questão relevante para o TCU,
que vai desenvolver trabalhos voltados para o fechamento de minas.

Com a concordância da Presidente e do Relator da CPI, o Sr.


Uriel Papa iniciou uma breve apresentação sobre as fiscalizações do TCU no
setor de mineração. Em 2016, após o acidente de Mariana, o TCU fez, a
pedido do Senado, uma fiscalização do Departamento Nacional de Produção

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Mineral (DNPM). As conclusões dessa fiscalização podem ser sumarizadas
pelo seguinte trecho do relatório:

O DNPM, como instituição de controle, não vem desempenhando


a contento seu papel de órgão fiscalizador da segurança das
barragens de rejeitos de mineração em conformidade com os
preceitos estabelecidos [...] [na Política Nacional de Segurança de
Barragens]. As falhas e irregularidades verificadas nesta auditoria
envolvem a atuação em nível institucional da Autarquia e alertam
para o risco latente e potencial de novos acidentes envolve ndo
barragens de rejeitos de mineração no País.

O TCU apontou a fragilidade da fiscalização baseada em


declarações da própria mineradora com pouca ou nenhuma verificação de
156

veracidade pelo DNPM. Além disso, o DNPM fazia poucas fiscalizações:


menos de 6% das barragens de alto risco foram inspecionadas entre 2012 e
2016, e a fiscalização não seguia procedimentos predeterminados, isto é, não
havia um manual. Por fim, os resultados das fiscalizações realizadas não
eram considerados no planejamento das fiscalizações posteriores.

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Perguntado pelo Senador Carlos Viana se essas falhas eram
devidas à falta de método ou resultavam de pressões exercidas pelas
mineradoras, o Sr. Uriel Papa respondeu que as causas do achado não foram
levantadas pelo TCU, mas certamente havia falta de método. Desde então, a
Agência Nacional de Mineração (ANM) já implantou diversas
recomendações feitas pelo TCU. Porém, um problema que persiste há vários
anos é a estrutura deficiente e precária da ANM, inclusive com redução das

Página: 156/398 02/07/2019 09:20:28


dotações orçamentárias para a fiscalização ao longo dos últimos anos.

Indagado pela Senadora Rose de Freitas se o TCU já havia


atuado diretamente sobre alguma mineradora, o Sr. Uriel Papa explicou que
o TCU só pode atuar em obras que recebem recursos públicos, e as
mineradoras são empreendimentos privados, as barragens de rejeitos são
feitas com recursos privados. O TCU, após Brumadinho, está fazendo uma
auditoria de conformidade, para ver se a ANM desrespeitou a lei e se teve

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alguma responsabilidade na ocorrência do acidente. O procedimento segue
três etapas: avaliações da institucionalização da agência, do processo de
tomada de decisão e da transparência. Esse último ponto é relevante porque
a ANM foi diagnosticada como a segunda instituição pública federal mais
vulnerável à corrupção. O Sr. Uriel Papa também enfatizou a falta de quadros
da ANM: há muitas vagas não preenchidas, e 37% dos servidores já recebem
o abono de permanência, ou seja, já podem requerer aposentadoria.
157

Inquirido pelo Senador Carlos Viana sobre a conveniência de


fundir a ANM com a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM),
o Sr. Uriel Papa respondeu que o TCU analisou a possibilidade, mas não há
nenhuma conclusão ainda. Contudo, certamente, seria um processo
complexo, pois a CPRM tem um leque bastante amplo de atribuições. De

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qualquer forma, a mudança teria que ser por iniciativa do Presidente da
República.

Por fim, o Sr. Uriel Papa comentou que o avanço das


telecomunicações, com a tecnologia móvel de 5ª geração (5G) e a internet
das coisas, poderá permitir a automação da inspeção das barragens de
rejeitos, com os dados dos medidores sendo enviados diretamente para a
ANM. Todavia, a agência terá de reforçar sua estrutura de TI.

Página: 157/398 02/07/2019 09:20:28


2.12 Depoimentos de Wilson Brumer e Lilia Sant’Agostino

O Requerimento que aprovou o convite ao Presidente do


Conselho Diretor do IBRAM lembra que o Instituto Brasileiro de Mineração
representa as empresas e instituições que atuam no setor mineral, reunindo
mais de 130 associados, como mineradoras, entidades de classe patronais,
empresas de engenharia mineral, ambiental, de geologia, fabricantes de

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equipamentos, centros de tecnologia, bancos de investimento e outros. Sua
presença na CPI de Brumadinho visa ouvir representante do setor de
mineração no que tange à legislação que regula o funcionamento do setor,
principalmente em relação a tecnologias mais seguras de disposição dos
rejeitos de mineração.

O Sr. Wilson Brumer iniciou sua fala destacando a importância


de que o setor possa readquirir a confiança da sociedade, dela se
aproximando mais. O representante do IBRAM falou sobre a necessidade de
melhorar a comunicação com a sociedade, trazendo toda a cadeia produtiva
158

do setor para a necessária discussão que se precisa fazer sobre a mineração


no Brasil. Reconheceu a necessidade de modificar as práticas de gestão e de
manejo de rejeitos do setor mineral, com o objetivo de adotar mais
transparência e novos patamares de desempenho. Embora lamentando a
tragédia de Brumadinho, se abstém de qualquer comentário sobre a

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empreendedora que a ela deu origem.

Chama a atenção que os primeiros comentários do Sr. Wilson


Brumer sejam na direção de fortalecer as empresas do setor de mineração
(“como a gente pode fazer com que as micro virem pequenas, e amanhã as
pequenas virem médias, e as médias virem grandes”) e sobre a necessidade
de promover o conhecimento do potencial geológico do País, destacando que
a sociedade não conhece bem o que é a mineração. Nenhum comentário

Página: 158/398 02/07/2019 09:20:28


sobre a tragédia, suas causas, a necessidade de punir os responsáveis e a
importância de rever de maneira radical as práticas que deram origem à
sequência de eventos trágicos no setor que ele representa.

O Sr. Brumer discorreu também sobre a necessidade de


aperfeiçoar o licenciamento ambiental com a sugestão de criação de sistema
de licenciamento específico para a atividade mineral, a fim de compatibilizar
as legislações minerária e ambiental. Sugere, ainda, investimentos em novas

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tecnologias para a gestão de resíduos, visando sua redução e reutilização,
com agregação de valor econômico. Na mesma linha, propõe uma discussão
mais abrangente sobre o fechamento de minas após sua exaustão, um tema
em que, segundo ele, estamos ainda engatinhando no Brasil e que requer
devido planejamento, com a criação de instrumentos para promover a
utilização adequada dos rejeitos após o fechamento da mina.

Sobre as barragens, o Sr. Wilson Brumer destacou que os


desastres da Samarco e da Vale, em Brumadinho, deixaram o setor em alerta,
159

deixando lições que levaram ao início de um processo de troca de


experiências nacionais e internacionais e à revisão de processos por parte das
empresas, visando formas de melhorar a segurança operacional dessas
estruturas. Destacou, ainda, um outro desafio para o setor, que é a
qualificação da mão de obra na mineração, um setor que emprega cerca de

SF/19193.51040-43
200 mil pessoas e que precisa avançar em direção a novas práticas e novas
tecnologias.

O Sr. Brumer encerrou sua fala inicial mencionando os diversos


encontros que tem mantido, desde a tragédia de Brumadinho, com Ministros
(Minas e Energia e Meio Ambiente), Governadores (Minas Gerais e Espírito
Santo), a fim de promover uma grande discussão sobre gestão de rejeitos e
segurança de barragens. Mencionou ainda encontros com fornecedores de

Página: 159/398 02/07/2019 09:20:28


novas tecnologias visando ouvir ideias e sugestões sobre o que pode ser
melhorado nessa área.

Ao final lembrou a importância do setor de mineração para o


superávit da balança comercial brasileira (hoje em torno de U$ 60 bilhões),
com o qual contribui em cerca de 30%, ressaltando que esse potencial
econômico não pode ser celebrado às custas da segurança da sociedade local
e dos trabalhadores do setor.

A Presidente da CPI, Senadora Rose de Freitas, indagou ao Sr. c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

Brumer se a sociedade brasileira poderia confiar que, a exemplo do que já


vem acontecendo no mundo, inclusive a partir de iniciativas das Nações
Unidas, as mineradoras brasileiras efetivamente implementariam novas
medidas de segurança de barragens, a despeito da geração de novos custos
para o negócio. Embora o Sr. Brumer tenha dito preferir usar a palavra
“investimentos” ao invés de “custos” para esses novos encargos, a Senadora
lembrou que, até agora, o que ficou evidente, nos trabalhos da CPI, por parte
160

das mineradoras, é que a relação custo-benefício se sobrepõe às necessidades


de investimentos em segurança. Que, apesar dos desastres a que o Brasil
assistiu, novas barragens estavam sendo planejadas sem mudanças
significativas por parte de empreiteiros ou do poder público, e que temia que
toda essa discussão sobre novos padrões de segurança termine esquecida e

SF/19193.51040-43
colocada numa gaveta.

O Senhor Wilson Brumer lembrou que o IBRAM não é gestor


das empresas, mas que irá trabalhar para que o desastre de Brumadinho
constitua um ponto de reflexão (aqui, talvez ele quisesse dizer inflexão) para
as empresas. Afirmou que enxergar segurança como custo seria um erro
estratégico enorme para as empresas, até mesmo porque os próprios
investidores já cobram isso das empresas em que investem.

Página: 160/398 02/07/2019 09:20:28


O Relator da CPI, Senador Carlos Viana, questionou o Sr.
Brumer sobre o que o Ibram, na condição de representante das empresas
mineradoras, tem feito para dar respostas à sociedade que não reflitam
unicamente seus próprios interesses. Acrescentou, ainda, que gostaria de
ouvir o que as empresas esperam do papel do governo – em suas três esferas
– para garantir a segurança e a sustentabilidade da indústria da mineração.

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Em resposta evasiva, o presidente do Ibram informou que o
papel do Ibram é atuar no Brasil inteiro, trazendo a cadeia produtiva para
mais perto do Instituto e que a mudança do Ibram para Minas Gerais tem
como objetivo estar mais próximo das empresas para ajudá-las. Sobre a
segunda pergunta, o Sr. Brumer respondeu, de maneira surpreendentemente
franca:

“Eu acho que nenhuma empresa hoje pode esperar que a


legislação seja rígida, forte, no sentido de proteger, aí, vidas,
proteger operações seguras, etc, mas o que precisamos, sim, é de
uma legislação que dê conforto às empresas, que dê conforto à
comunidade.”
161

Em réplica ao Senhor Brumer, o Senador Carlos Viana lembrou


que, no caso da barragem de Brumadinho, todas as evidências indicam que
o desastre poderia ter sido evitado, que toda a cadeia de comando da Vale
detinha as informações necessárias para atuar de maneira preventiva, mas
que nada foi feito, a partir de uma lógica de decisão baseada essencialmente

SF/19193.51040-43
no lucro. E que a única preocupação da empresa era cumprir as normas
vigentes para não ser multada: o que não fosse mandatório na lei não era
prioridade. E se isso acontece com uma gigante multinacional como a Vale,
o que não aconteceria com as empresas menores, aquelas mais distantes da
esfera de atuação da ANM? Com base nisso, indaga ao convidado:

“Considerando isso, as duas enormes tragédias acontecidas em


menos de três anos, o senhor acha que existe maturidade na
indústria da mineração do Brasil para que nós continue mos

Página: 161/398 02/07/2019 09:20:28


mantendo um modelo de automonitoramento, pelo próprio
empreendedor, que isso seja mais seguro, ou é preciso mais
fiscalização, leis mais rígidas para que ninguém mais morra
nessas tragédias?”

O Sr. Brumer responde, com lógica muito peculiar e utilizada


por alguns segmentos empresariais, que legislação, regulamento, código de
ética, práticas escritas, nada disso tem significado se aspectos
comportamentais do setor não forem modificados. Que as empresas não

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devem pautar suas decisões por cumprimento à lei ou por medo de multa,
mas que um “novo pensar da mineração” deve ser adotado e é nesse sentido
que o Ibram tem atuado.

A Senadora Rose de Freitas pergunta ao convidado se todas as


evidências sobre condutas inadequadas da Vale, no caso de Brumadinho, não
caem de alguma maneira no radar do Ibram, se não existiria algum
acompanhamento por parte do Instituto sobre questões como essas.
Novamente, o Senhor Brumer responde que o papel do Ibram não é gerir as
empresas, não responde à pergunta da Senadora e informa o que entende
162

como papel do Ibram, sem detalhar o que pretende fazer para contribuir com
o aperfeiçoamento da segurança no setor, mencionando, mais uma vez, que
é preciso aperfeiçoar a comunicação do setor com a sociedade:

“O que eu posso garantir à senhora, Senadora, é que o Ibram terá


um outro papel, mais proativo, e um papel de mais aproximação

SF/19193.51040-43
com o setor mineral (...) E aí, não é só com as empresas; eu acho
que nós temos que nos aproximar do Ministério, temos que nos
aproximar da Agência, temos que nos aproximar dos órgãos
reguladores de uma maneira geral.”

O Requerimento da CPI de Brumadinho que aprovou o convite


à representante da Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação
Mineral do Ministério das Minas e Energia (MME) ressalta o papel dessa
área de implementar, orientar e coordenar as políticas para geologia,
mineração e transformação mineral, além de outras atribuições, lembrando

Página: 162/398 02/07/2019 09:20:28


que a Agência Nacional de Mineração (ANM) faz parte da estrutura do
MME. O convite foi feito dentro dos objetivos da CPI de propor leis que
aperfeiçoem a concessão e a fiscalização da mineração e, em especial, a
operação de barragens de rejeitos, para o que se torna importante ouvir a
posição do setor governamental, por meio do Ministério das Minas e
Energia.

A Senhora Lilian iniciou sua fala informando os três eixos

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principais do governo para a mineração, ressaltando que não houve muito
tempo para o desenvolvimento desses programas, em face das ações
emergenciais nas quais o evento de Brumadinho se encaixa.

O primeiro eixo é “melhorar a atratividade do setor mineral”, o


que implica discutir ações relativas a segurança regulatória, agilidade de
processos, boas práticas. O segundo eixo é o de “mineração e sociedade”,
onde se localizam ações como aproveitamento de resíduos de mineração e
melhoria tecnológica das pequenas e médias empresas. Inclui, ainda
163

acompanhar o que acontece na comunidade que tem mineração em volta, de


forma que essa comunidade se beneficie do ciclo da mineração – que é finito
– para se tornar melhor quando a mina acaba. Finalmente, o último eixo é o
de “dinamização da pesquisa e produção mineral”, o qual inclui a
estruturação da ANM para agilizar processos.

SF/19193.51040-43
A primeira pergunta do Relator Carlos Viana é sobre qual o
plano do MME para dar à ANM as condições de cumprir seu papel
institucional. A Sra. Lilian ressaltou que o papel do MME é apenas de
supervisão, dada a autonomia da Agência, mas que tem planos e programas
de estruturação, destacando em particular o aporte de tecnologias eletrônicas,
de sensoriamento remoto, de imagens por satélite, para suprir a carência de
pessoas. Quanto à questão orçamentária, informou que não há muito que o

Página: 163/398 02/07/2019 09:20:28


MME possa fazer, que se trata de questão dependente do Ministério da
Economia, e que o MME faz o que pode, como evitar o contingenciamento
de recursos da ANM para as áreas fins.

À sugestão do Senador Carlos Viana de analisar uma eventual


fusão entre a ANM e o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), a Senhora
Lilian replica que a visão do MME é que o papel da CPRM não é
fiscalizatório, mas de investigação geológica de maneira mais ampla,

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regional, no território nacional, que se diferencia do que acontece numa
mina, que requer um outro olhar, de detalhe.

Seguiram-se vários questionamentos, tanto da Presidente


quando do Relator da CPI, sobre o que faltou por parte da ANM para evitar
a tragédia de Brumadinho. A Sra. Lilian respondeu não ter elementos para
essa resposta, se limitando a dizer que os parâmetros técnicos utilizados não
foram suficientes e não conseguiram prever o que aconteceu. Diante da
inconformidade da Senadora Rose de Freitas com essa resposta, inclusive
164

querendo entender qual o papel do Ministério nessa questão (“nós queremos


falar sobre a responsabilidade, o alcance da fiscalização, da estrutura de
trabalho, de um ministério que, com certeza, tem uma participação”), a Sra.
Lilian informou, ainda, que vários estudos estão sendo feitos no sentido de
melhoria dos critérios técnicos, lembrando, novamente, que não cabe ao

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MME a execução, mas apenas a supervisão da ANM. A Sra. Lilian não
acredita que tenha havido negligência, mas falta de parâmetros confiáveis,
falta de conhecimento, não apenas da Agência, mas de todo o setor, que,
segundo ela, “não sabe exatamente por que isso aconteceu”.

O Relator Carlos Viana insistiu em tentar entender o papel do


Ministério das Minas e Energia e o que poderia ter sido feito para evitar a
tragédia de Brumadinho:

Página: 164/398 02/07/2019 09:20:28


“A nossa proposta aqui é criar um relatório que possa auxiliar o
Brasil a dar um passo à frente, fazendo um diagnóstico. Estamos
tentando fazer um diagnóstico do que aconteceu, de como nós
falhamos, em vários aspectos, e o que é que nós vamos fazer daqui
para a frente para que não aconteça mais, especialmente na
questão do setor se autorregular. Ele não se mostrou confiável a
esse ponto. O Estado abriu mão de uma regulação que é
obrigatória dele. (...) Na hora em que nós abrimos mão disso, o
setor se tornou gigantesco, e do jeito que está aí hoje, nós não
temos segurança para mais nada. O que a gente tem percebido é
que a senhora está hoje ocupando esse cargo, e naturalmente a

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experiência passada está agora sendo avaliada, mas a nossa
experiência é da completa ausência também do próprio Ministér io
no controle também desse setor, e eu digo "controle" no cobrar as
responsabilidades. (...) Então, hoje, qual é a política do Ministér io
para impedir que isso no futuro não venha acontecer, por
exemplo, em Paracatu, não volte a acontecer lá em Poços de
Caldas, onde temos uma barragem radioativa? O que vai ser feito
daqui para frente como política pública oficial?”

A resposta da Sra. Lilian foi evasiva, mais ressaltando o que o


MME não pode fazer do que aquilo que pode fazer. Sobre as competências
do Ministério, informou que são “regulação e fiscalização, apenas”, ao que
a Senadora Rose de Freitas questionou “'apenas' não é muito, quando feito
165

adequadamente?”. A essa indagação, a Sra. Lilian informou que o MME


gostaria de fazer mais, de ter mais condições, enunciou diversos órgãos
governamentais que detêm competências nessa área e, ainda sem deixar claro
qual o papel do Ministério das Minas e Energia e da ANM em toda essa
discussão, buscou desviar o olhar para outro Ministério (“eu gostaria de

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lembrar também que existe um Ministério do Meio Ambiente, que também
está sempre presente nessas situações”).

A resposta não satisfez o Senador Carlos Viana que replicou:

“... nós trabalhamos no Brasil para sustentar uma estrutura de


governo, uma estrutura de governo que tem o Ministério de Minas
e Energia, que tem o Ministério do Meio Ambiente, que tem uma
Agência Nacional de Mineração, e nós não somos capazes de
achar a responsabilidade de quem deve fazer o que em cada

Página: 165/398 02/07/2019 09:20:28


momento das grandes catástrofes brasileiras. (...) me lembra aqui
os diretores da Vale. Todos os diretores da Vale que estiveram
aqui nesta CPI fizeram a parte deles, todos, ninguém assume
absolutamente nada. Não estou dizendo da senhora, eu estou
fazendo uma avaliação de governo de um País que paga, que custa
e que infelizmente não consegue dar aos cidadãos uma resposta.
Estruturas que infelizmente não conseguem dar aos cidadãos uma
resposta; estruturas gigantes, que custam uma fortuna para o
contribuinte, mas que não funcionam – não funciona m.
Simplesmente fica assim: ‘Não, é lá, é cá; aqui não há condição.
Olha, a agência que tem que fiscalizar não tem gente’. Mas há
gente lá que está parada lá numa companhia que pode suprir.
‘Não, mas lá não pode’(...) É isso que o brasileiro está

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reclamando. E quem sabe a gente possa colaborar agora, pelo
menos a nossa parte com o setor mineral. Onde nós vamos fazer
mudanças, doutora? A senhora, como professora: quais são os
setores que nós vamos colaborar no País? De que maneira nós
vamos tornar a mineração um setor importante, mas seguro? (...)
Onde e por onde nós vamos caminhar? Aonde queremos chegar
com relação à mineração, professora? A senhora, que tem um
doutorado nessa área, onde nós podemos colaborar para não
acontecer de novo?

Somando-se ao relator, a Presidente da CPI, Senadora Rose de


Freitas, manifesta-se pouco conformada que a Vale tenha recebido tantos
benefícios do governo sem a necessidade de contrapartidas correspondentes.
Expressa, ainda, sua preocupação com o fato de que, mesmo estando
166

comprovada a ineficiência dos órgãos governamentais de regulação e


fiscalização da atividade minerária no País, o Ministro das Minas e Energia
esteja defendendo a mineração em terras indígenas e a liberação da
mineração de urânio para empresas privadas. E, nesse contexto, indaga à
convidada:

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“O Ministério de Minas e Energia não cuida adequadamente das
barragens de rejeitos de mineração. E como é que nós podemos
acreditar? Expõe a população a seus erros, à falta de fiscalização,
regulação, gravíssimos. Como é que a gente pode tratar isso daqui
para a frente? (...) Como é que pode o Ministro anunciar tudo isso
que está anunciando dentro dessa estrutura ineficiente? ‘Olhem,
aqui nessa coordenação, nesse departamento, nessa secretaria,
faltam técnicos; esse técnico não está capacitado; nós não temos
equipamentos suficientes para prosperar", (...), para que a gente
não venha a sofrer consequências como todas que nós sofremos
até agora.”

Página: 166/398 02/07/2019 09:20:28


A resposta da Sra. Lilian foi vaga, fazendo as menções de
sempre à intenção de fortalecer a ANM. E utiliza, ainda, a mesma indagação
do Presidente do Conselho Diretor do IBRAM, que a antecedeu na audiência,
sobre a possibilidade de autorregulação do setor minerário:

“Existe uma questão de autorregulação. (...) será que há


maturidade do nosso setor mineral para se autorregular? Essas são
perguntas que nós estamos vendo e que nós ainda estamos
engatinhando. Eu acho que é a mesma questão que envolve a

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nossa postura como cidadãos: se nós cumprimos as regras só
quando estão nos vendo ou se nós cumprimos porque acreditamos
nelas.”

Ou seja, mesmo após os desastres de Mariana e de Brumadinho,


os representantes do setor privado de mineração e do órgão governamental
que trata do tema ainda têm dúvidas sobre a necessidade de regulação para
as empresas.

Após mais considerações vagas pela convidada (“o Ministério


tem, sim, a sua responsabilidade junto ao setor, mas aquela responsabilidade
de regulador, de fiscalizador, e aí que está a competência, e é nessa
167

competência que nós queremos melhorar. Nós queremos melhorar muito a


Agência, porque ela é um ponto fundamental. Nós não vamos ter uma
mineração melhor se nós não tivermos uma Agência estruturada.”), a
Senadora Rose de Freitas fez exortação a um grande esforço nacional para
que acidentes, tragédias, irresponsabilidades, como as verificadas em

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Mariana e Brumadinho, não se repitam.

Referindo-se ao fim dos trabalhos da CPI, a Senadora Rose de


Freitas disse que a Comissão iria propor tudo que fosse necessário para
mudar o quadro que se verifica, propor os projetos de lei adequados, propor
as mudanças que se fizerem necessárias, sugerir a punição dos culpados.

Por fim, dando fechamento à reunião da CPI, o Relator, Senador

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Carlos Viana, lança perguntas (“o Brasil aprendeu com Brumadinho? (...)
novos acidentes não vão acontecer?”) e sinaliza a importância de que o País
aprenda com tudo isso que está acontecendo, dando o tom do relatório que
irá propor ao fim dos trabalhos da Comissão:

“Este vai ser o nosso posicionamento do relatório: entender o que


aconteceu, dar respostas e propor, para que nós sejamos frente da
mineração contemporânea, fronteira do conhecimento. ”

3 PROVAS COMPARTILHADAS
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Os familiares e amigos das vítimas, os sobreviventes, a


comunidade de Brumadinho e toda a sociedade brasileira reverberam uma
crucial pergunta: o que causou o rompimento da Barragem I da Mina
Córrego do Feijão, levando à morte de aproximadamente 270 pessoas e a
incalculáveis danos ambientais, econômicos e sociais? Quem foi responsável
por essa tragédia?
168

Está além das possibilidades de uma CPI, restrita no tempo e na


capacidade investigativa, exaurir essas questões. A resposta cabal e
definitiva, acreditamos, será dada pelas investigações atualmente em curso.

Porém, algumas conclusões intermediárias, e nem por isso

SF/19193.51040-43
menos importantes, ficaram patentes, juntando-se as oitivas e os documentos
examinados por esta CPI. A primeira e mais importante conclusão é que não
foi um acidente.

Da mesma forma que um desastre aéreo, que muitas vezes


possui múltiplas causas concorrentes, a tragédia de Brumadinho foi o
resultado de uma combinação de fatores. Na raiz de todos eles está o mantra
da redução de custos, aplicado a uma barragem que deixou de contribuir para

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a produção e passou a ser apenas um item de alguma planilha de gastos.

A WMTF – World Mine Tailings Failures é uma entidade


internacional que investiga acidentes com barragens de rejeitos que se tornou
famosa por prever, usando um modelo estatístico, a quantidade de acidentes
graves com barragens que aconteceria na última década.

Hoje, a página principal da entidade mostra o vídeo do


rompimento da Barragem I, que eles consideram o 5º mais grave da história,

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desde 1915. Na introdução do relatório preliminar da WMTF que analisa a
tragédia de Brumadinho, consta, em tradução livre:

“Falhas não são o súbito acontecimento, no último minuto, de


eventos inesperados e imprevisíveis. Elas se formam no projeto,
na construção que frequentemente não segue o projeto; em cada
alteamento, no padrão e na forma de despejo dos rejeitos; no
volume e nas características dos rejeitos; na resposta aos
problemas conforme são identificados ao longo do ciclo de vida
da barragem”.

Esta é, sem dúvida, uma descrição perfeita do cenário


identificado pela CPI. Uma série de descuidos e negligências, que
169

normalmente permanecem escondidos em relatórios incompreensíveis a um


leigo, veio à tona depois da tragédia. A cadeia de comando e o fluxo de
informações, por mais que tenha havido a tentativa de apresentá-las como
falhas, cumpriram o seu papel: a gerência e a diretoria da Vale sabiam dos
riscos e decidiram assumi-los. Quem calculou o risco, quem avaliou o risco

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e quem decidiu o que fazer, ou melhor, o que não fazer, tinha ciência de que,
por trás de laudos e números havia um elemento concreto: uma imensa
barragem de lama, que poderia matar e destruir. Esse risco, infelizmente, se
concretizou. A barragem matou, destruiu e ainda não parou de destruir a
economia e a vida de Brumadinho, a vida e os recursos do rio Paraopeba,
nem vai parar tão cedo.

Essa fatal combinação de negligência e inação precisa ser

Página: 169/398 02/07/2019 09:20:28


exposta e punida. Sem isso, estaremos condenados a repetir o passado, que
remonta a meros três anos. Cessada a comoção pela tragédia de Mariana,
ninguém foi condenado pelos homicídios. Menos de 100 quilômetros
separam Mariana de Brumadinho. Nossa segunda chance de mudar o cenário
passa pela dolorosa constatação de que os erros se repetiram.

Neste capítulo examinaremos algumas das evidências que


apontam as causas da tragédia, abrindo caminho também para a identificação

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dos responsáveis. A investigação da CPI se concentrou em quatro
constatações:

1. A Barragem I foi construída e alteada com deficiências de projeto, de


execução e de documentação, especialmente em relação ao seu
sistema de drenagem. Passados 17 anos de sua aquisição pela Vale,
muitos dos problemas não haviam sido solucionados.
170

2. No intervalo de um ano antes da tragédia, a barragem deu diversos


sinais de que havia riscos sérios, que não foram corretamente
endereçados.

3. Os laudos de segurança emitidos contrariaram as recomendações do

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painel de especialistas PIESEM e padrões internacionalmente aceitos.
A produção, análise e revisão dos laudos sofreu interferências
indevidas, para assegurar a obtenção do requisito legal das
Declarações de Condição de Estabilidade (DCE).

4. A gerência e a alta gestão da Vale, dentro de suas competências e


atribuições, estava ciente dos riscos da Barragem I e das medidas
necessárias para aumentar a sua segurança.

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Passaremos a analisar os elementos comprobatórios de cada
uma das quatro constatações. As evidências listadas, salvo indicação em
contrário, são provenientes dos depoimentos e provas obtidas no inquérito
policial 0062/2019, disponibilizadas a esta CPI através do compartilhamento
de provas com a Procuradoria-Geral da República e o Ministério Público de
Minas Gerais.

3.1 Construção e alteamentos: falhas e omissões


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A Barragem I da Mina Córrego do Feijão foi construída em
1976, quando era de propriedade da empresa FERTECO Mineração, que por
sua vez contratou a empresa CHRISTOPH ERB para o projeto. Entre 1982
e 2013 a barragem sofreu dez alteamentos, com sua altura total chegando a
86 metros, como se vê na tabela abaixo. Com exceção de uma pequena parte,
os dez alteamentos utilizaram a técnica de montante, onde a barragem é
erguida em cima dos rejeitos nela depositados. Essa técnica, a mesma
utilizada na Barragem do Fundão, que causou a tragédia de Mariana, é
171

sabidamente menos segura que a técnica de alteamento a jusante ou do que


a técnica de alteamento por linha de centro.

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No ano de 2001 a Vale adquiriu a FERTECO Mineração, que
então pertencia ao grupo alemão Thyssen Krupp Stahl, por US$566 milhões.
Portanto, no momento da tragédia, a barragem já pertencia à Vale havia
quase 18 anos.

O primeiro elemento a se destacar é que, em 2018, a Barragem

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I, construída por engenheiros alemães da FERTECO, não tinha seus projetos
de construção e alteamentos documentados apropriadamente, seja porque
esses documentos nunca foram produzidos ou porque foram perdidos ao
longo do tempo.

Para ilustrar esse ponto, reproduzimos abaixo alguns trechos do


relatório produzido por Armando Mangolim Filho, quando foi contratado
para analisar o episódio de fraturamento hidráulico ocorrido em junho de
2018.
172

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Página: 172/398 02/07/2019 09:20:28
Portanto, nem mesmo um consultor especializado, contratado
pela Vale para avaliar os danos causados por um grave acidente de
fraturamento hidráulico, sabia o real estado geotécnico da barragem,

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carregando seu relatório de expressões assustadoramente vagas, como
“talvez”, “é possível supor”, “desconhecem-se”. Isto, repita-se, seis meses
antes da tragédia.

O mesmo consultor, em sua primeira visita à Barragem I, em


junho de 2018, constatou o desconhecimento generalizado das alterações
feitas na barragem (grifo nosso):

Na inspeção de campo em 14/06/2018, nas proximidades do DHP


15, foi observado pela equipe de trabalho uma umidade excessiva
no pé do banco da linha inferior EL 871m (ponto 1, figura 3). O
local foi escavado tendo sido encontrado um tubo dreno cuja boca
173

estava coberta por solo. Assim que o tubo foi retirado e a


escavação completada, ocorreu vazão firme de água.

No sentido da ombreira esquerda a uns 20m do DHP 15, também


foi notada umidade excessiva no pé do banco EL 871m (ponto 2,
figura 3), foto 1. Nesse local foi notada uma antiga manilha de
concreto poroso com a boca entupida por solo. O local foi

SF/19193.51040-43
escavado e a manilha desobstruída. Imediatamente, ocorreu forte
vazão de água.

Portanto, um consultor externo, que sequer é funcionário da


Vale, em sua primeira visita à barragem, faz escavações simples em dois
pontos, dos quais jorra água em profusão. Considerando que o acúmulo de
água no barramento é uma das principais causas da liquefação, apontada
como a causa mais provável do rompimento da barragem, trata-se de uma
demonstração clara de que, a poucos meses da tragédia a empresa Vale e seu

Página: 173/398 02/07/2019 09:20:28


corpo técnico não conheciam, com a profundidade e o detalhamento
necessários, as características geotécnicas da barragem e as alterações que
sofreu ao longo dos anos.

Corroborando esse entendimento, temos o Relatório Periódico


de Segurança de Barragens (RPSB) emitido pela empresa TÜV SÜD, em
julho de 2018 (página 10).

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Aqui, a empresa TUV SUD reconhece que a documentação


remanescente sobre os alteamentos da barragem é confusa e divergente.
Lembremos que não se trata de uma empresa qualquer, mas da empresa que
emitiu os laudos de estabilidade da Barragem I. Seguindo no RPSB, temos
(página 14):
174

Temos aqui uma constatação mais grave ainda: não havia


registros dos tipos de ensaios geotécnicos realizados no projeto inicial da

SF/19193.51040-43
barragem. Estes testes de campo e de laboratório é que permitem determinar
a resistência e demais características dos materiais. Através da análise desses
parâmetros é que se calcula o fator de segurança (FS) de uma barragem, que
é o principal parâmetro para declarar a sua estabilidade. Em outro trecho do
relatório, encontramos o seguinte (página 36):

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Neste trecho, a empresa TÜV SÜD afirma que existem “várias
incertezas” quanto ao sistema de drenagem interna da Barragem I. Cabe
salientar que uma drenagem interna falha, levando ao acúmulo de água no
barramento, pode gerar o fenômeno da liquefação, causa mais provável do
rompimento da barragem. Em outro trecho, segue o relatório afirmando
(página 35):

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Ainda, em outro trecho, segue o relatório (página 84):


175

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Sem a necessidade de mais explicações, resta patente que,
dezessete anos depois de ter assumido a responsabilidade pela barragem, seis
meses antes da tragédia, a empresa Vale não conhecia, no grau de
profundidade e precisão adequados, as características de projeto ou de
execução da barragem inicial e dos alteamentos da Barragem I.

3.2 Barragem I: eventos e alertas

O rompimento da Barragem I deixou perplexa toda a

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comunidade de engenharia e geologia do Brasil. Olhando de longe e tomando
por base unicamente os comunicados e informações prestadas pela Vale, a
impressão seria que a barragem se rompeu sem nenhuma causa aparente e
sem aviso prévio. Não foi, porém, o que aconteceu. Da mesma forma que na
tragédia de Mariana, houve uma série de eventos que, mesmo que não
guardem ligação direta com as causas da tragédia, se fossem analisados em
profundidade, poderiam ter revelado que algo não corria bem.

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Quatro eventos serão aqui relatados em seus detalhes técnicos,
linha do tempo e ações tomadas: o fraturamento hidráulico na instalação do
DHP 15; as leituras anômalas do radar interferométrico; o bloco de canga no
pé da barragem e as medições anômalas dos piezômetros, todos acontecidos
a menos de um ano do rompimento da barragem.

O primeiro episódio emblemático desse padrão foi a instalação


dos Drenos Horizontais Profundos (DHP) em junho de 2018. Como parte
das conclusões de sua auditoria, a empresa TÜV SÜD recomendou algumas
176

ações para rebaixamento do lençol freático da Barragem I. Entre elas, a


instalação de DHPs. Durante a instalação do décimo quinto DHP, observou-
se que a água injetada na perfuração não estava retornando através do duto,
significando que estaria sendo depositada no barramento, o que poderia
causar um perigoso processo de instabilidade interna (retroerosão tubular, ou

SF/19193.51040-43
“piping”). A instalação dos DHPs foi, então, paralisada e foram iniciados os
trabalhos de contenção do vazamento. Naquele momento, os piezômetros
instalados indicaram um rápido aumento da pressão de água. Decorridos três
dias da intervenção, a Vale afirma que o nível de água retornou ao normal.

É digno de nota também que, na ficha de inspeção regular


preenchida pela engenheira da Vale responsável pelo monitoramento da
barragem, Cristina Malheiros, ao reportar o ocorrido, no item “percolação”,

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anotou-se o grau 6 (figura abaixo).

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Ao registrar o fato junto à ANM através do sistema SIGBM, no
dia 19/06/2019, para a mesma pergunta, a Vale anotou o grau “3” no sistema
SIGBM.
177

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Questionada sobre este fato em seu depoimento à CPI, Cristina
Malheiros respondeu da seguinte forma:

O SR. CARLOS VIANA (PSD - MG) – Sra. Cristina, explique


para nós aqui, por favor, para os Senadores, qual a diferença de
um nível 3 informado à ANM e o nível 6 informado à Vale? O
que aconteceria se a ANM tivesse recebido o mesmo relatório da
senhora do dia 11 de junho?

A SRA. CRISTINA MALHEIROS – A classificação da ANM


coloca os níveis sendo 0, 3, 6 e 10. Estando numa condição 6,
significa que eu tenho uma condição de água saindo com sólidos,

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mas que permite o controle. Então, é um nível em que ainda não
haveria um acionamento da ANM ou de qualquer instituição. O
nível que estava definido dentro do estado, da planilha de estado
de conservação da ANM, que seria um nível de acionamento de
um PAEBM é o nível 10. Então, o nível 3 coloca lá que a
percolação aconteceu com sólidos, mas que ela foi controlada,
que é o que nós tínhamos no dia11. Imediatamente ela foi
controlada. Por isso a classificação do nível 3.

A Vale eu coloquei o nível 6, porque, no dia 11, essa ocorrência


nos causou preocupação, nos causou uma atuação de urgência, e
ela foi executada. Então, era importante deixar claro que isso
aconteceu, não no sentido de que a gente estava tentando não

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evidenciar qualquer coisa.

Após a ocorrência do fraturamento hidráulico, a Vale contratou


dois consultores, Paulo Abrão e Armando Mangolim Filho, para avaliar o
acontecimento e emitir um parecer sobre o impacto e as ações posteriores.
Armando Mangolim Filho escreveu um memorando técnico, que foi
compartilhado com Renzo Albieri, César Grandchamp, Ricardo Leão e
Marilene Lopes. Além destes, Armando Mangolim Filho afirma em seu
depoimento que a inspeção que gerou o relatório foi acompanhada por
178

Cristina Malheiros, e também César Grandchamp, Marilene Lopes, Ricardo


Leão, Andrea Dornas e Paulo Abrão.

O memorando técnico, além de se referir diversas vezes à falta


de informações, às incertezas e às divergências entre as informações

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existentes, afirma:

Isso demonstra, sem margem de dúvida, que nem o corpo


técnico da Vale nem o consultor externo contratado tinham conhecimento

Página: 178/398 02/07/2019 09:20:28


adequado sobre a região inferior, exatamente o ponto onde, pelos vídeos
obtidos pela CPI, começa a liquefação da barragem.

Um ponto que demandaria uma análise técnica mais


aprofundada é o surgimento de um forte fluxo de água, em local próximo ao
ponto de instalação do DHP 15 e aos tubos de descarga desobstruídos, no
exato momento do rompimento da barragem, conforme mostrado abaixo.

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179

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Fonte: Memorando técnico de Armando Mangolim filho, destacando o DHP 15

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Fonte: Imagens de câmeras de monitoramento obtidas pela CPI

O evento de fraturamento hidráulico na instalação do DHP 15,


somado à informação do perigoso desconhecimento da base da barragem,
amplamente divulgada na área de geotecnia operacional da Vale, deveria ter
mobilizado toda a empresa para uma maior atenção à Barragem I, seis meses
antes da tragédia.
180

Um segundo episódio que deveria ter sido analisado com


rapidez e profundidade diz respeito às leituras anômalas do radar
interferométrico instalado para monitorar a Barragem I. Em seu depoimento
no inquérito policial 0062/2019-4, o operador de radar Tércio Andrade Costa
relata alguns eventos em que foram detectadas leituras anômalas do radar.

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Particularmente no dia 18/12/2018 às 13:59h, pouco mais de um mês antes
da tragédia, Tércio Costa enviou e-mail para Marcos Domingues, Artur
Ribeiro e Andrea Dornas, todos funcionários da Vale, com cópia para Renzo
Albieri, gerente de geotecnia operacional da Vale, relatando que as medições
do radar mostravam deformações na Barragem I, a partir do mês de
novembro de 2018. Abaixo seguem os principais trechos da mensagem:

Assunto: Atualização do monitoramento do RADAR-CFJ

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Boa tarde Marcos / Arthur,
Seguem anexos os arquivos de atualização do RADAR-TAM.
Abaixo algumas considerações:
[...]
Área 17 (atenção): Área demarcada com superfície aproximada de 1,5 h.a. O
que foi notado:
[...]
Deformação total progressiva, sobretudo após dezembro, parabólica, positiva.
(ATENÇÃO)
Velocidade média positiva ao longo de todo o mês.
Aceleração oscilante sobretudo depois de janeiro.

Em seu depoimento à Polícia Federal, Tércio esclarece que

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“uma deformação positiva, gradual e constante” indica que a deformação
estava aumentando, inclusive aumentando a velocidade de deformação.

No mesmo dia 18/12/18 às 16:56h, Artur Ribeiro responde à


mensagem original, acrescentando César Grandchamp e Cristina Malheiros
aos destinatários, onde destacamos o seguinte trecho:

Fizemos inspeção visual e verificamos a instrumentação da área (alguns estão


automatizados, impossibilitando a leitura) e não vimos nenhuma alteraçã o
significativa. A área 17 corresponde a área de atuação de instrumentação da
Fugro.
181

Este trecho mostra que apenas a inspeção visual foi feita no


local, já que os piezômetros da área estariam automatizados e não
permitiriam a leitura manual. Cabe ressaltar que, exatamente por sua
precisão, o radar interferométrico detecta alterações que seriam invisíveis a
olho nu. Os piezômetros da área 17 poderiam indicar uma alteração na

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pressão de água. Não fica claro, pela sequência de mensagens, se foi
solicitada a leitura automatizada dos equipamentos desse trecho.

Recapitulando: sete dias antes da tragédia, o radar


interferométrico, de acordo com o técnico que o operava, identificou uma
anomalia que vinha acontecendo desde o mês de dezembro. O fato é
comunicado a vários funcionários da geotecnia operacional. Um deles
vistoria o local e afirma que não fez a leitura dos piezômetros, que indicariam

Página: 181/398 02/07/2019 09:20:28


um aumento da pressão de água, porque os mesmos estariam automatizados.

Considerando que o fato aconteceu a uma semana da tragédia,


faz-se necessário que a investigação esclareça essa sequência de fatos. Por
último e não menos importante, Tércio Andrade Costa destaca, como última
informação de seu depoimento, que o notebook que utilizava para fins
profissionais e que, portanto, conteria os dados da análise do radar, foi
solicitado pelo gerente de planejamento Tales Bianchi, também funcionário

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da Vale, inclusive com senha de acesso e usuário, em data posterior ao
rompimento da barragem.

Ainda outro episódio ajuda a ilustrar o fato de que os sinais de


necessidade de atenção vinham de múltiplas fontes. O inquérito policial
registra que, no dia 30/07/2018 o geólogo da Vale, Flávio Affonso Ferreira
Filho enviou e-mail para Cristina Malheiros e Leandro Azevedo Silva, com
cópia para César Grandchamp, Renzo Albieri e Andrea Dornas. Diz o e-mail:

Prezados colegas, bom dia!


182

Segue em anexo o parecer sobre o bloco de canga no pé da barragem 1, na


mina Córrego do Feijão.
Peço que leiam e fiquem a vontade para questionamentos e sugestões, antes
de ser externado.
At.
Flávio Affonso Ferreira Filho

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Um bloco de canga é uma estrutura de rochas. Mesmo não tendo
sido copiado neste e-mail, no dia seguinte (31 de julho de 2018), Joaquim
Toledo, Gerente Executivo de Geotecnia Operacional da Vale, tendo acesso
ao relatório (possivelmente através de algum dos seus funcionários), o
encaminhou ao consultor externo Armando Mangolim Filho, com o seguinte
texto:

Mangolin,
A B1 de Feijão é mais tenebrosa que imagino.

Página: 182/398 02/07/2019 09:20:28


Sds,

Joaquim Pedro Toledo

A chocante declaração, vinda do mais graduado funcionário da


Vale na área de geotecnia operacional, um experiente Engenheiro de Minas
com 27 anos de trabalho na Vale, faz crer que algo realmente sério se passava
com a Barragem I – a menos de seis meses da tragédia. Sobre isso,
conhecemos apenas o trágico desfecho, mas não os detalhes da situação, do
que foi feito e do que deixou de ser feito.

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Uma terceira situação que deveria ter chamado a atenção de toda
a equipe foram as leituras anômalas dos piezômetros, registradas entre os
dias 10 de janeiro de 2019 e a véspera da tragédia (24 de janeiro de 2019).

Piezômetros são instrumentos de medição da pressão da água.


A Barragem I possuía 94 piezômetros 34, instalados ao longo de todo o
barramento. Destes, 46 estavam em processo de automatização 35. O processo

34 De acordo com o relatório do IBPTECH, contratado pela Va le para emitir um parecer sobre o assunto.
35 Novamente, de acordo com o relatório do IBPECH.
183

implicaria em dotar os piezômetros de sensores para leitura automática e


transmissão dos dados por ondas de rádio. Uma vez concluída a
automatização, seria possível fazer a leitura dos dados sem a necessidade de
deslocamento até o local. O processo de automatização estava sendo
conduzido pela TÜV SÜD. Em e-mails anexados à investigação policial,

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percebe-se que técnicos das empresas TECWISE e BUREAU
Instrumentação também estavam envolvidos no processo de automatização.

Alguns e-mails anexados ao inquérito policial (pág. 784 em


diante) esclarecem a sequência de fatos.

Em 23 de janeiro de 2019 às 14:38h, Dênis Valentim,


funcionário da TÜV SÜD, enviou e-mail para Artur Ribeiro, Hélio

Página: 183/398 02/07/2019 09:20:28


Cerqueira, Anderson Fernandes e Herbert Mascarenhas, todos funcionários
da Vale, com cópia para Vinícius Xavier (TÜV SÜD), “Bureau
Instrumentacao” e Vinícius Wedekin (TÜV SÜD), com o seguinte texto:

Prezados boa tarde,


Segue planilha de leituras revisadas e atualizadas com os dados baixados na
Torre da Vale esta semana, foi lançada as leituras do dia 10 de janeiro de 2019.
Cinco sensores estão sem leituras, CFJB1PZ006, CFJB1PZ012, CFJB1PZ070,
CFJB1PZ049 e CFJB1PZ099, a equipe de campo irá verificar se há algo errado
nos dataloggers.
Os instrumento que estão com as abas em AMARELO estão com leituras

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discrepantes e deve ser feito uma análise detalhada tanto quanto conferência
dos TAGs cadastrados, acredito que tenha instrumentos com TAG trocada
Em anexo dados colhidos na ação.
Atenciosamente,
Dênis Valentim

No dia seguinte, 24 de janeiro de 2019, Hélio Cerqueira,


funcionário da área de riscos geotécnicos da Vale, demonstra preocupação
com o assunto, respondendo a todos, às 13:32h, com o seguinte texto:

Fabiano / Denis,
As leituras estão incoerentes.
Favor verificar o que aconteceu. Ainda estamos sem leituras para prosseguir
com o monitoramento desta barragem alteada à montante. Priorizar isso!
Se não encontrarem a falha me liga no celular. Precisamos resolver isso rápido.
184

Obrigado,

Ressalte-se que Hélio Cerqueira destacou o fato de ser uma


barragem alteada a montante, e por isso, potencialmente mais perigosa. Às
14:44h do mesmo dia 24 de janeiro, Artur Ribeiro responde:

SF/19193.51040-43
Realmente parecem leituras trocadas conferindo com leituras anteriores. PZ79
pelo PZ 51, PZ51 pelo PZ95, PZ 95 pelo PZ05...etc.
Atenciosamente,
Artur Bastos Ribeiro

Às 14:47h do mesmo dia, Artur Ribeiro encaminha as


mensagens para Cristina Malheiros e Marcos Rodrigues, com o texto “PC”
(para conhecimento). Às 15:05h do mesmo dia, Anderson Fernandes (Vale)
responde à mensagem original, acrescentando ao grupo: Fabiano Gomes,
Diego Fernandes e Fernando Silva, todos funcionários da empresa Tecwise,

Página: 184/398 02/07/2019 09:20:28


com o seguinte texto:

Prezados,
Precisamos de uma análise rápida de vocês quanto a possíveis divergências
entre o programa do datalogger e a instalação em campo, para sanar este
problema rapidamente.
Caso não tenhamos uma solução rápida, precisamos fazer a coleta manual dos
pontos que geraram divergência.
Obrigado.

Fernando Oliveira Silva (Tecwise) responde às 15:47h do


mesmo dia 24 de janeiro, assim:

Boa Tarde! c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc


Anderson,
Temos que analisar o programa do CR310 instalado. É para a próxima semana
vamos agendar uma visita no local para sanar este problema.
Confirmo com vocês a data.
Denis
Me envie a tabela.
Atte.
Fernando Silva

Ao que Hélio Cerqueira responde, às 18:15h do mesmo dia 24


de janeiro:
185

Fernando / Denis,
Vamos tentar ir amanhã.
Ainda não temos leituras para o mês de janeiro/19 para as barragens I,
Vargem Grande e B3/B4, e só temos 5 dias úteis até a virada do mês. O risco de
multa do DNPM é muitíssimo alto.
Atenciosamente,

SF/19193.51040-43
No dia seguinte, 25 de janeiro de 2019, às 12:28h, a Barragem
I se rompeu, matando 270 pessoas. Após a tragédia, alguns e-mails foram
trocados sobre o mesmo assunto. Destacamos o e-mail de Hélio Cerqueira
enviado no dia 28 de janeiro de 2019 às 19h, para Andrea Dornas, Irahy
Maia, Artur Ribeiro e Cristina Malheiros, com cópia para Marilene Lopes,
Felipe Figueiredo Rocha, Ricardo Coelho, Anderson Fernandes e Herbert
Mascarenhas, com o seguinte texto:

Página: 185/398 02/07/2019 09:20:28


Andrea,
Segue a planilha da Bureau com a atualização dos dados entre os dias 21/01 e
25/01.
A Tecwise nos reportou que as TAGs não estavam trocadas, mas não registrou
essa informação.
Anderson, a Tecwise te enviou o programa deste datalogger? Há como abrir e
conferir estas tags?
Atenciosamente,

Portanto, segundo Hélio Cerqueira, a hipótese de numeração


trocada nos identificadores dos piezômetros (TAG), segundo a Tecwise,
estaria descartada. Após a tragédia, a empresa Vale contratou a empresa

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
IBPTECH – Instituto Brasileiro de Peritos em Comércio Eletrônico e
Telemática Ltda, a fim de que emitisse um laudo técnico sobre o
comportamento dos piezômetros no episódio. O laudo produzido pela
IBPTECH, de 26 páginas, disponibilizado pela Vale na Internet36, traz em
sua conclusão o seguinte texto:

36http://www.vale.com/brasil/PT/aboutvale/servicos -para-comunidade/minas-
gerais/atualizacoes_brumadinho/Documents/PDFs/Parecer%20T%C3%A9cnico%20IBP19018.pdf
186

Com base no escopo e critérios estabelecidos, na metodologia


adotada, nas limitações existentes, nos dados coletados e nas
informações recebidas, conclui-se que:

a) O exame de componentes do Sistema Automatizado de Coleta


de Dados contratado pela Consulente, fornecidos, instalados e
configurados por empresas terceiras ao longo dos últimos meses,

SF/19193.51040-43
confirmaram que os dados coletados pelos instrumentos
piezométricos mantiveram comportamento normal, no âmbito da
Tecnologia da Informação, e não registraram as discrepâncias
questionadas recentemente.

b) Confirmou-se que tais dados se mostram consistentes, no


âmbito da Tecnologia da Informação, quando corretamente
visualizadas.

c) Confirmou-se que as discrepâncias em tela resultam de


visualização incorreta dos dados coletados nos sensores
piezométricos, ocorrência que foi provocada por erro na
configuração de partes do sistema, atividade sob responsabilidade

Página: 186/398 02/07/2019 09:20:28


de fornecedor da Consulente.

d) A incorreção dos dados visualizados já havia sido identificada,


motivo pelo qual a Consulente requereu, advertiu e reiterou aos
seus fornecedores na solução do problema.

Cumpre esclarecer que, a critério da Consulente, os subscritores


podem produzir parecer complementar com detalhamento dos
estudos pertinentes.

Portanto, o laudo do IBPTECH afirma que o problema foi


causado pela “visualização incorreta dos dados coletados nos sensores

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
piezométricos”, que teria sido provocada “por erro na configuração de partes
do sistema”, que seria de responsabilidade dos fornecedores contratados pela
Vale.

O completo esclarecimento dos fatos está além da capacidade


investigativa desta CPI. Porém, resta claro que houve uma perigosa inação
por parte da Vale e suas contratadas, ao se levar em conta que se passaram
quase 48 horas entre o primeiro e-mail indicando as leituras anômalas e o
rompimento da barragem, sem que, até onde se sabe, os técnicos tenham se
187

deslocado a campo para confirmar ou refutar as leituras. Mesmo que fosse


unicamente um erro técnico de configuração ou de leitura dos sensores, a
vistoria ao local da barragem poderia, potencialmente, ter apontado qualquer
anormalidade, ligada ou não aos piezômetros, nas últimas 48 horas antes da
tragédia.

SF/19193.51040-43
3.3 Declarações de estabilidade: relações perigosas

Os fatos e evidências listados abaixo abrangem o período de


quase dois anos antes da tragédia, confirmando que as Declarações de
Condição de Estabilidade, elemento considerado fundamental para a
segurança de uma barragem, mostram diversos vícios: interferências
indevidas na elaboração dos laudos, por parte da empresa auditada;

Página: 187/398 02/07/2019 09:20:28


permissividade excessiva, ao assinar laudos de estabilidade condicionados a
correções que nunca foram feitas, por parte da empresa auditora; conflitos
de interesses através de múltiplos contratos, no caso da empresa TÜV SÜD.

Um processo de auditoria viciado, pelos dois lados, onde o


objetivo maior parecia ser a obtenção da exigência formal, que era o laudo
de estabilidade, ao invés de privilegiar uma análise rigorosa da segurança das
barragens. Uma prática recorrente, que demonstraremos através das últimas

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
revisões de segurança efetuadas na Barragem I.

A empresa Tractebel foi contratada pela Vale para produzir o


laudo de auditoria da Barragem I, no ano de 2017. No inquérito policial
0062/2019 consta e-mail enviado por Cristina Malheiros, funcionária da
Vale, em 28/08/2017, tendo como destinatárias Ana Lúcia Yoda, Danielle
Freitas e Mônica Almeida, todas funcionárias da Tractebel. Cristina
Malheiros escreve: “Segue Laudo de Auditoria 2017 Barragem I – Córrego
do Feijão comentado, e planilha de recomendações”. O anexo da mensagem
mostra um documento formato Word, com anotações de revisão. No item 4.2
188

FUNDAÇÃO, em sua versão original, produzida pela Tractebel, lê-se o


seguinte texto: “São poucos os dados referentes à fundação da Barragem I,
dada a ausência dos projetos originais”. Cristina Malheiros marca o trecho,
em riscado, e escreve: “(Favor retirar esse texto)”, argumentando que “Em
2016 foi realizada uma campanha de sondagem em maio de 2016

SF/19193.51040-43
especialmente na fundação afim de melhorar o conhecimento da área [...]”.
Além dessa emblemática alteração no texto criado pela auditoria, várias
outras são mostradas na mesma mensagem eletrônica constante no inquérito
IPL 0062/2019.

A autoridade policial, comentando o fato acima descrito, à folha


1.461, frente e verso, do IPL 0062/2019, escreve:

Página: 188/398 02/07/2019 09:20:28


Esse tipo de revisão dos relatórios emitidos pelas empresas
auditoras/fiscalizadoras do monitoramento da barragem de rejeito
B1 parecia ser recorrente conforme se pode verificar em outras
mensagens que seguem abaixo. E a possível intervenção dos
funcionários da VALE S.A. nos relatórios das empresas de
auditoria ou fiscalização obrigatórias não ficava restrito ao nível
hierárquico de CRISTINA MALHEIROS, é possível identific ar
também sugestões com o cunho atenuante às fragilidades da
barragem dos funcionários WASHINGTON PIRETE,
ALEXANDRE CAMPANHA, CÉSAR GRANDCHAMP, e é
possível depreender da análise que a determinação de atenuar as
fragilidades das barragens vinha de funcionários de escalão mais
alto. Possivelmente tal orientação no sentido de adotar uma

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
postura menos exigente no relativo a críticas de barragens de
rejeito da VALE S.A. prevenisse custos de implementação de
segurança de barragens. É possível identificar menções a críticas,
e sugestões atenuantes nos relatórios em diversas mensagens de
e-mail.

Independente de qual seja a justificativa para essa atitude, a


revisão e alteração das conclusões de uma auditoria por parte da própria
empresa auditada contraria os princípios da atividade e o próprio bom senso.

A empresa TÜV SÜD foi contratada pela Vale para fazer a


primeira Revisão Periódica de Segurança da Barragem I de 2018. Em
189

09/04/2018, Cristina Malheiros envia um e-mail para João Paulo Silva, com
cópia para Irahy Maia e Andrea Dornas, todos funcionários da Vale. Diz a
mensagem (grifo nosso):

Nobres colegas, bom dia!

SF/19193.51040-43
Segue para conhecimento as considerações finais da Recomendação Periódica
da Barragem I.
No item:
CONSIDERAÇÕES FINAIS, RECOMENDAÇÕES E CONCLUSÕES
Vem esse texto:
“A análise de estabilidade na condição drenada, resultou em fator de
segurança FS = 1,59, utilizando o método de Spencer. Esse valor atende à
norma NBR-13028:2017, que preconiza fator de segurança mínimo superior a
1,50 para a condição de operação.
Entretanto, as análises de estabilidade na condição não-drenada, resultaram
em fatores de segurança inferiores aos mínimos recomendados. Em vista do
exposto, recomenda-se a adequação de sua segurança por meio de
intervenções de caráter geotécnico.”

Em resposta ao e-mail, Andrea Dornas responde, no mesmo dia:

Página: 189/398 02/07/2019 09:20:28


“Não entendi. A estabilidade vai ser atestada ou não?”. Cristina Malheiros,
também no mesmo dia, retruca: “Pois é! Este deve ser o ponto que deve ser
esclarecido na discussão da reunião de amanhã. O texto da Revisão do jeito
que está deixa dúvidas”.

Mesmo sem saber o que aconteceu na reunião mencionada,


certo é que a Declaração de Condição de Estabilidade foi assinada pela TÜV

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
SÜD, em setembro de 2018. Novamente, vemos um comportamento
questionável, de uma empresa de auditoria que assina declarações de
estabilidade com base em promessas de ações que, mesmo que sejam
cumpridas, podem chegar tarde demais.

O terceiro episódio se inicia com o depoimento de Makoto


Namba, engenheiro da TÜV SÜD que assinou as declarações de estabilidade
da Barragem I. Makoto Namba teve sua prisão temporária decretada quatro
dias após a tragédia. Em seu depoimento ele relata que, em uma reunião em
que se discutiam os laudos de estabilidade, ouviu do funcionário da Vale,
190

Alexandre Campanha, a seguinte frase: “a TUV SUD vai assinar ou não a


declaração de estabilidade?”. Makoto Namba afirma que sentiu a frase
como uma maneira de pressioná-lo, e à TÜV SÜD, a assinar o laudo de
estabilidade da Barragem I, sob risco de perderem o contrato.

SF/19193.51040-43
Em seu depoimento à Polícia Federal, Makoto Namba não
esclarece essa parte, mas na verdade a TÜV SÜD tinha mais de um contrato
com a Vale. Em seu depoimento à Polícia Federal, Joaquim Toledo, gerente
executivo de geotécnica operacional da Vale, confirma que a TÜV SÜD
tinha um contrato para automação dos piezômetros da Barragem I. O mesmo
fato é confirmado por Vinícius da Mota Wedekin, técnico em instrumentação
da TÜV SÜD, em seu depoimento à Polícia Federal.

Página: 190/398 02/07/2019 09:20:28


Arsênio Negro Júnior, consultor da empresa TÜV SÜD,
confirma em seu depoimento que a TÜV SÜD assinou um contrato de
projeto “AS IS” com a Vale. Um projeto “AS IS”, termo comum a diversas
áreas da engenharia, descreve, após a execução de uma obra (como um
alteamento de barragem), as características efetivamente usadas na sua
execução, que frequentemente são diferentes daquelas inicialmente
previstas.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
O inquérito civil MPMG 0090.16.000311-8, juntamente com o
Procedimento Investigatório Criminal MPMG 0090.09.000013-4,
instaurados pelo Ministério Público de Minas Gerais, mostram, a partir da
folha 538, que a TUV SUD BUREAU DE PROJETOS E CONSULTORIA
LTDA possuía ainda outro contrato com a VALE S.A., celebrado em 21 de
setembro de 2018, tendo como objeto “elaborar alternativas e projeto
conceitual da alternativa escolhida para fechamento da Barragem I,
localizada na Mina Córrego do Feijão”. Trata-se de projeto para a lavra
191

(remineração) do reservatório da barragem B1, que não chegou a ser


executado.

Por sua vez, Gerd Poppinga, diretor executivo de Ferrosos da


Vale, em seu depoimento à CPI, respondendo a uma pergunta do relator

SF/19193.51040-43
Carlos Viana, confirma a possibilidade de conflito de interesses, conforme
se vê abaixo (grifo nosso):

O SR. GERD POPPINGA – Excelência, primeiramente, eu acho


que os órgãos de fiscalização, como a ANM, por exemplo, são
muito competentes. Agora, vamos também admitir e vamos dizer
também que faltam alguns recursos para esses órgãos, para
fiscalizar de uma forma mais rotineira. São poucos os recursos
que eles têm.

Eu acho que essa fiscalização tinha que se dar de uma forma


diferente. Acho que não só basta a empresa apresentar alguma

Página: 191/398 02/07/2019 09:20:28


coisa, um auditor independente atestar alguma coisa, mas tinha
que se verificar se há conflito de interesse, porque uma das
suspeitas é que houve conflito de interesse. Não vou falar se
houve ou não houve, mas o delegado está suspeitando disso.

Então, a gente tem que...

O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar


Senado Independente/REDE - AP) – Qual seria esse conflito de
interesse?

O SR. GERD POPPINGA – Excelência, foi constatado que a

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
TÜV SÜD, que estava auditando as nossas barragens,
simultaneamente estava também trabalhando em outros
serviços na empresa, o que pode ser conflito de interesses.

Então, nesse sentido, eu acho que deveria haver regras que


evitassem essas situações.

Portanto, a empresa TÜV SÜD possuía, além do contrato de


auditoria, dois outros contratos com a Vale, um fato considerado reprovável
até mesmo pelo diretor executivo da Vale, Gerd Poppinga. Trata-se de um
evidente conflito de interesses, quando a empresa responsável pela auditoria
192

pode ter seus outros contratos cancelados, caso reprove a segurança de uma
barragem.

Arsênio Negro Júnior, em e-mail entre funcionários da TÜV


SÜD, juntado ao inquérito policial, usou a expressão “black mail” ao

SF/19193.51040-43
mencionar a hipótese de a Vale pressionar a empresa a assinar o laudo de
estabilidade da Barragem I, usando os outros contratos como elemento de
chantagem.

Vinícius da Mota Wedekin, em troca de e-mails juntada ao


inquérito policial, envolvendo Makoto Namba, Bárbara Chiodeto, Marlísio
Coelho, André Yassuda e Arsênio Negro, sobre o mesmo tema, questiona:
“Como fica a credibilidade dos resultados? Sempre que não passar a VALE

Página: 192/398 02/07/2019 09:20:28


vai envolver uma outra empresa até ter um resultado benéfico pra ela?”.

Portanto, o conflito de interesses entre TÜV SÜD e Vale e as


dificuldades por ele trazidas, especialmente na independência das auditorias,
não apenas estava claro como era de conhecimento das duas empresas.

Um último elemento, não menos importante, em relação aos


laudos de estabilidade diz respeito ao principal parâmetro técnico utilizado
para decidir se uma barragem seria ou não estável, que é o fator de segurança

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
(FS). Resumidamente, o FS é um número, calculado a partir das variáveis
geotécnicas e das condições de uma barragem. Quanto mais alto o número,
mais segura é a barragem. Duas questões envolvem o fator de segurança:
qual seria o FS mínimo recomendado para barragens do tipo da Barragem I,
e se o método utilizado para calcular o FS seria adequado.

O fator de segurança reflete a condição de estabilidade


calculada, acrescida de uma “margem de segurança”, tendo em vista que os
cálculos nunca são absolutamente precisos. Desta forma, um FS = 1,3
193

implica em 30% de “margem de segurança”. Da mesma forma, um FS = 1,5


implica em 50% de margem de segurança. Assim, a questão, traduzida de
outra forma, seria: qual a margem de segurança mínima em um FS para
garantir a estabilidade de uma barragem?

SF/19193.51040-43
A ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) criou a
norma NBR 13.028, que trata da “Elaboração e apresentação de projetos de
barragens para disposição de rejeitos, contenção de sedimentos e reservação
de água”. A norma, entretanto, não estabelece um fator de segurança mínimo
para a condição não drenada, caso da Barragem I.

Depois da tragédia de Mariana, uma das medidas criadas pela


Vale para ampliar a discussão sobre segurança de barragens foi a criação do

Página: 193/398 02/07/2019 09:20:28


PIESEM – Painel Independente de Especialistas em Segurança de
Barragens. Trata-se de um evento anual que reúne especialistas no assunto:
consultores contratados pela Vale para avaliar as medidas de segurança e
analisar as questões a eles apresentadas. O PIESEM se dividia em dois:
PIESEM Internacional e PIESEM Nacional.

Sabedores da centralidade da questão do FS mínimo para a


segurança de barragens, o PIESEM, tanto nacional quanto internacional, se

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
debruçou sobre a questão. Felipe Rocha, funcionário da geotecnia
operacional da Vale, liderado por Marilene Lopes, participou dos encontros
do PIESEM. Em e-mail anexado à investigação policial, Felipe Rocha
comunica a diversos funcionários as conclusões constantes do relatório do 2º
PIESEM Internacional.

A mensagem, enviada por Felipe Rocha no dia 10 de julho de


2018, tem como destinatários: Rodrigo Marinaro, Joice Milonas, Alessandra
Mazon, Camila Moreira Queiroz, Wagner Castro, Washington Pirete, Lucas
Brasil, Hélio Cerqueira, Daniel Bastos, Willyan Debastiani, Letícia Duffles,
194

Juliana Pedra e Jeanne Castro, com cópia para Alexandre Campanha,


Marilene Lopes e Alessandro Resende. O e-mail traz como anexo o relatório
final do 2º PIESEM, e diz (grifo nosso):

Prezados, bom dia,

SF/19193.51040-43
Gostaria de compartilhar com vocês as recomendações do Painel de
Especialistas Internacional referentes à definição de fatores de segurança
associados à análise de estabilidade para o modo de falha liquefação (ruptura
por cisalhamento não drenada). Ainda iremos estabelecer uma diretriz única
para a VALE Ferrosos que deva ser aplicada nos novos estudos, incluindo os
Projetos As Is, Projetos de Fechamento e as próximas Revisões Periódicas. Para
evitarmos a aplicação de critérios e premissas diferentes, essa diretriz deve ser
do conhecimento de todos os responsáveis pelo desenvolvimento de estudos
que envolvam a análise do modo de falha liquefação. Em reunião realizada
com o Campanha, a recomendação foi a de utilizar as diretrizes do Painel de
Especialista Internacional. Estou anexando a este e-mail a apresentação final e
o relatório emitido pelo Painel de Especialistas Internacional que apresenta as
recomendações para a VALE (Ver Capítulo 3 – LIQUEFACTION ANALYSIS ).
* Critério 1: Análise de estabilidade drenada FS ≥ 1,5

Página: 194/398 02/07/2019 09:20:28


* Critério 2: Análise de estabilidade não drenada com resistência de pico FS
≥ 1,3
* Critério 3: Análise de estabilidade não drenada com resistência liquefeita
FS ≥ 1,1
Para estruturas alteadas para montante desativadas/paralisadas deve-se
utilizar os Critérios 1 e 2. Para estruturas alteadas para montante em
operação deve-se utilizar o Critérios 1, 2 e 3.

Portanto, para o caso da Barragem I, o painel de especialistas


PIESEM Internacional, em seu relatório do segundo encontro, recomendou
o uso de FS ≥ 1,3. Felipe Rocha afirma no e-mail que Alexandre Campanha,

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
gerente executivo de geotecnia corporativa da Vale, recomendou utilizar as
diretrizes do painel de especialistas.

3.4 Gerência e direção: quem sabia e quem deveria saber

Conforme registrado no inquérito policial e confirmado por


Felipe Rocha em seu depoimento à CPI, Marilene Lopes, gerente de riscos
geotécnicos enviou, em 18 de outubro de 2018, um e-mail para diversos
funcionários da Vale, dentre os quais destacamos: Silmar Silva, diretor de
planejamento de ferrosos; Lúcio Cavalli, diretor de operações do corredor
195

sudeste; Joaquim Toledo, gerente executivo de geotecnia operacional;


Alexandre Campanha, gerente executivo de geotecnia corporativa; Renzo
Albieri, gerente de geotecnia. Este e-mail trazia como anexo a versão final
do relatório da 3ª Reunião do PIESEM Internacional. Diz a mensagem (grifo
nosso):

SF/19193.51040-43
Prezados Líderes,
Encaminho-lhes a versão final do relatório do Painel de Especialistas
Internacional, que aconteceu no período de 01 a 05/10/18, em Belo Horizonte.
As principais recomendações do Painel podem ser resumidas nos seguintes
itens (Item 9 - Closing Remarks):
[...]
2) A Barragem I (Feijão) requer mais investigação e monitoramento de
campo para identificar e projetar medidas complementares mais eficientes,
tais como bermas e mineração de rejeitos, caso se mostrem necessárias, a fim
de reduzir o risco atual. Mas, enquanto isso, os esforços têm que continuar no
sentido de reduzir o atual nível da superfície freática através de drenos
horizontais e outras soluções de drenagem. A opinião do Painel é que a

Página: 195/398 02/07/2019 09:20:28


mineração de rejeitos é viável, embora seja necessária uma engenharia
detalhada adequada;

Em outro episódio constante à folha 1.039 do inquérito policial


(IPL 0062/2019-4), está o registro da apreensão de um caderno azul de capa
dura, na sala de Alexandre Campanha, em operação de busca e apreensão. O
caderno contém anotações manuscritas de reuniões, entre as quais se
destacam as anotações sob o título REUNIÃO SOBRE B1/FJ, com a data de

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
16/10/2018. Neste item estão anotados: “1) Estudos de alternativas p/
descomissionamento” e “2) Solução proposta”. Seguem-se três anotações:
“material fofo e saturado”, “implantação poços” e “construção berma
reforço”. Ainda, no mesmo item, estão anotados: “FS = 1,20 com execução
poços” e “FS = 1,33, com poços e bermas”.

Disto se consegue concluir que o gerente executivo Alexandre


Campanha e as demais pessoas que participaram da reunião sabiam dos
problemas da Barragem I e de seu fator de segurança mais baixo que o
recomendado pelo painel de especialistas da Vale. Estavam cientes também
196

das medidas recomendadas, como a construção de poços e bermas, e de que


essas obras teriam elevado o nível de segurança da barragem. Mesmo assim,
101 dias depois, quando a barragem se rompeu, nem os poços de
rebaixamento nem as bermas de reforço haviam sido construídas.

SF/19193.51040-43
Dentro do mesmo conjunto de elementos apreendidos na sala de
Alexandre Campanha, o item 11 corresponde a um conjunto de 15 folhas
impressas, identificadas como “PAINEL ESPECIALISTAS...GRG - Gestão
de Riscos Geotécnicos 06/18/2018”. A perícia realizada no documento
conclui serem informações produzidas a partir do “Painel Especialistas
Nacional”, datado de 18/06/2018.

O material, que corresponde aos eslaides da reunião traz, na

Página: 196/398 02/07/2019 09:20:28


quinta folha, uma análise com o título “Estruturas com probabilidade maior
que 10-4”. Um dos tópicos diz:

Barragem I: erosão interna devido a zonas de saturação localizadas no maciço,


ausência de sistema de drenagem interna no dique inicial e primeiros
alteamentos. Utilização de sinterfeed em alguns alteamentos e a inexistência
de registros de granulometria dos materiais drenantes. Além disso, a estrutura
tem um histórico de elevado nível piezométrico. Probabilidade: 2 x 10-4.

Neste caso, o material apreendido confirma que o gerente


executivo Alexandre Campanha e os participantes do PIESEM Nacional de

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
18/06/2018 sabiam das deficiências de construção e alteamento da Barragem
I, em relação ao material utilizado e à ausência de drenagem interna. Sabiam
também do elevado nível piezométrico da barragem.

No mesmo material (página 1.044), a 15ª folha, que


corresponde, ao que tudo indica, à programação do dia 18/06/2018 do Painel
de Especialistas com o tema “As Is / Carregamento Sísmico / GRG”, traz as
seguintes anotações manuscritas (grifo nosso):

“1)considerado todo o rejeito saturado como suscetível a liquefação”;


“NBR 13028 não define FS min p/ liquefação; definimos FS ≥ 1,3”
197

“ver recomendações auditorias e RPSB”


“-> fazer um bom planejamento p/ B1. tomar cuidado”

O conteúdo dos slides e as anotações manuscritas indicam


claramente que Alexandre Campanha e os demais participantes do PIESEM
Nacional sabiam que precisavam “tomar cuidado” com a Barragem I.

SF/19193.51040-43
Em seu segundo depoimento à Polícia Federal na data de
21/02/2019, no mesmo inquérito 0062/2019 (página 1.501), Alexandre
Campanha afirma que “pode afirmar com certeza e convicção que os dados
de avaliação de risco e de probabilidade de ruptura não só da barragem B1,
mas de todas as barragens do corredor Sul Sudeste eram de conhecimento
tanto de SILMAR SILVA quanto de LUCIO CAVALLI, já que ambos
recebiam as apresentações da GESTÃO DE RISCOS GEOTÉCNICOS e

Página: 197/398 02/07/2019 09:20:28


participaram dos PIESEM's”.

Portanto, as informações sobre as deficiências e os riscos da


barragem B1, que foram amplamente discutidas no Painel PIESEM,
chegaram aos níveis de direção da Vale.

Como mais um elemento a corroborar essa tese, em outro


contexto, a página 778 no inquérito policial 0062/2019 apresenta um e-mail
enviado por RENZO ALBIERI, gerente de geotecnia da Vale, para Joaquim

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Toledo, gerente executivo de geotecnia operacional da Vale, na data de 19
de junho de 2018. A mensagem tem como anexo uma apresentação
Powerpoint intitulada “Execução DHP 15 Barragem I Mina Córrego.pptx”,
e traz em seu corpo o seguinte texto: “Segue relatório de fechamento da B1
caso seja necessário compartilhar com o Lúcio e o Silmar”.

Ainda sobre fraturamento hidráulico ocorrido na instalação do


DHP 15, cabe citar um trecho do depoimento de Armando Mangolim Filho
à Polícia Federal, constante à página 1948 do IPL 0062/2019, que diz:
198

QUE após a vistoria in loco, houve uma reunião de fechamento


no escritório localizado na sede administrativa da Mina Córrego
do Feijão, durante a qual foi feita uma fonoconferência com
JOAQUIM TOLEDO, que estava preocupado e queria detalhes;

Isso demonstra que os eventos importantes, como o


fraturamento hidráulico ocorrido na instalação do DHP 15, chegavam ao

SF/19193.51040-43
conhecimento dos níveis de gerência e de diretoria da Vale.

Visando demonstrar que o fluxo de informações sobre os riscos


das barragens alcançava a área operacional e a área corporativa, tanto em
nível de gerência quando de diretoria, mostraremos a sequência de e-mails a
seguir, todas constantes no IPL 0062/2019, nas páginas 774 a 776.

O trecho abaixo corresponde a uma mensagem enviada por

Página: 198/398 02/07/2019 09:20:28


Marilene Lopes, gerente de riscos geotécnicos, ao seu superior, Alexandre
Campanha, gerente executivo de geotecnia operacional, em 15 de junho de
2018:

De: Marilene Lopes


Enviada em: sexta-feira, 15 de junho de 2018 18:34
Para: Alexandre Campanha <[email protected]>
Assunto: Resultados da Revisão Periódica de Segurança de Barragens (RPSB) -
DPA Alto

Campanha, boa tarde!

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Campanha, gostaria de informar-lhe que concluímos a RPSB das barragens de
DPA Alto e 100% das barragens obtiveram as Declarações de Estabilidade
(DCEs). Todas já foram cadastradas no SIGBM e, portanto, cumprimos
integralmente esse marco legal da Portaria 70.389/2017.
[...]
No entanto, é importante mencionar que algumas estruturas, a despeito do
resultado, merecem atenção total no atendimento às pertinentes
recomendações dos revisores externos, visando garantir, primeiramente, a
segurança das estruturas e também a obtenção da DCE na próxima Auditoria
Externa (Setembro/18). São elas:
Barragem B1 de Feijão: rebaixar a linha freática na estrutura e implantar as
obras de descomissionamento efetivo (lavra controlada) e/ou reforçar a
estrutura;
[...]
199

A mensagem, portanto, aponta a necessidade de intervenções na


Barragem I para garantir a segurança da estrutura. Três dias depois,
Alexandre Campanha encaminha a mensagem para Lúcio Cavalli, diretor
executivo de Ferrosos e Carvão, com o seguinte texto:

SF/19193.51040-43
De: Alexandre Campanha
Enviada em: segunda-feira, 18 de junho de 2018 11:33
Para: Lucio Cavalli <[email protected]>
Assunto: ENC: Resultados da Revisão Periódica de Segurança de Barragens
(RPSB) - DPA Alto

Lúcio, para conhecimento. No material que vamos preparar para o Peter


daremos esta visão.

Sds, ACampanha.

Portanto, além de encaminhar a mensagem para o diretor Lúcio

Página: 199/398 02/07/2019 09:20:28


Cavalli, seu superior imediato, Alexandre Campanha sugere que apresentará
"para o Peter" o conteúdo da mensagem. Trata-se, provavelmente, de Gerd
Peter Poppinga, diretor executivo de ferrosos e carvão.

Em seguida, ainda no mesmo dia, Lúcio Cavalli encaminha a


mesma mensagem a Silmar Silva, diretor de operações do corredor Sudeste.

De: Lucio Cavalli


Enviada em: segunda-feira, 18 de junho de 2018 12:09

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Para: Silmar Silva <[email protected]>
Assunto: ENC: Resultados da Revisão Periódica de Segurança de Barragens
(RPSB) DPA Alto

Para conhecimento.

Silmar Silva, por sua vez, encaminha a mensagem para Joaquim


Toledo, gerente executivo de geotecnia operacional, com cópia para Rodrigo
Melo, gerente executivo do Complexo Paraopeba, ao qual pertence a
Barragem I, além de outros:

De: Silmar Silva


Enviado em: segunda-feira, 18 de junho de 2018 14:21
Para: Joaquim Toledo
200

Cc: Luiz Reche; Rodrigo Melo; Rodrigo Chaves; Fernando


Carneiro; Luiz Baginski
Assunto: ENC: Resultados da Revisão Periódica de Segurança de
Barragens
(RPSB) - DPA Alto

Fyi.
Solicito atenção especial em relação às estruturas listadas abaixo pela

SF/19193.51040-43
Marilene e vamos tomar todas as providencias necessárias e recomendadas.
Sds.

Portanto, no intervalo de dois dias úteis, entre a sexta-feira (15


de junho de 2018) e a segunda-feira, dia 18 de junho, a informação de
diagnóstico e as medidas recomendadas para reduzir os riscos da Barragem
I circulou da gerência de geotecnia corporativa, subindo até a gerência
executiva, daí até a diretoria da área, depois indo até a diretoria da área
operacional, e descendo até a gerência executiva e a gerência de área,

Página: 200/398 02/07/2019 09:20:28


demonstrando, sem sombra de dúvida, que a gerência e a diretoria da Vale
tinham ciência dos problemas identificados e das soluções recomendadas.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
201

SF/19193.51040-43
Página: 201/398 02/07/2019 09:20:28
Além desse ciclo de mensagens trocadas entre a gerência e a
diretoria, cabe destacar o papel do Subcomitê Operacional de Gestão de
Riscos, coordenado por Eduardo Montarroyos, que faz parte do Comitê
Executivo de Riscos, cujo presidente é Luciano Siani Pires, Diretor
Executivo de Finanças e Relações com Investidores da Vale. O IPL

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
0062/2019, folha 2.608, destaca uma convocação de reunião do 1º Subcomitê
de Riscos Operacionais em 2019. A reunião foi organizada por Ricardo
Thauller, Analista de Governança Corporativa em Gestão de Riscos da Vale.
Segue abaixo a convocação eletrônica da reunião (foram suprimidos os
endereços de e-mail. Grifos nossos):

Assunto: 1º Subcomitê de Riscos Operacionais em 2019


Local: VC Brasil – Torre Oscar Niemeyer – 17 andar – Sala 173V
(152013); VC Brasil – BH – MAC – Predio 4 – Sala Vitoria
Início: sex 25/01/2019 09:00
Fim: sex 25/01/2019 11:00
Recorrência: (nenhuma)
Status da reunião: Organizador da conferência
202

Organizador: Governanca Risco Compliance


Participantes necessários: Governanca Risco Compliance; Ricardo Thauller; LIVIA
TOFANI ABREU; Marcos Lewin; Eduardo Montarroyos; Alexandre Campanha; Marcio
Godoy; Adilson Nico; Marcelo Chiabi; Ercio Silva; Gleuza Jesue; Rodrigo Silveira; Jamil
Sebe; Renan Malafaia; Yuri Quadros; Lorena Figueiredo ([email protected]);
Marilene Lopes; Ariane Flores; Fernando Carneiro; Alexandre Furtado; Jose Wanderley;
Carlos Quartieri; Carlos Haiduk; Rodrigo Araujo; Andre Simoes; Felipe Figueiredo
Rocha; Marcelo Klein; Hebson Nery; Joao Moraes

SF/19193.51040-43
Participantes opcionais: Emanuela Vasconcelos; Igor Dias; Ricardo Oliveira Silva;
David Abreu; Carlos Sobral; Luiz Rangel; FERNANDO GOMES DA SILVA BATISTA; Jailson
Francisqueto; Dinalva Moreira ([email protected]) Kleuber Silva; luiz; Jose
Fassarella; Claudio Eduardo; Lennon Bento; Helen Pequeno; Eduardo Bessa; Robson
Candido; Andressa Duran; Ana Lima ([email protected]); GABRIEL ROCHA NATALI;
Luis Ragonesi

Prezados,
Segue o material que será apresentado amanhã. Qualquer dúvida estamos à
disposição.
Governança, Risco e Conformidade

Prezados,

Página: 202/398 02/07/2019 09:20:28


Gostaríamos de convocá-los para o 1º Subcomitê de Riscos Operacionais em 2019.
Segue abaixo a pauta definida:
 Damage of the single source of power supply to the Plant: Failure of 132KV –
Jamil Sebe e Yuri Quadros;
 Rompimento da tubulação de captação de água nova do Rio Santa Bárbara –
Fernando Carneiro;
 Colapso estrutural dos Transportadores (D12, D13 e/ou D15) – Carlos
Quartieri;
 Visão detalhada dos controles e planos de ação dos riscos das barragens de
Ferrosos e Carvão – Alexandre Campanha;
 Colapso estrutural das máquinas 510-EM-20 (VG) e Linkbelt (Fábrica), EP2P2
(usinas 1/2), EP3PP6 (usina 3), EP4PP6 (usina 4), EP5PP7 (usinas 5/6), EP7PP7
(usina 7) e EP812I – 01 (usina 8) – Rodrigo Araújo.
Qualquer dúvida, estamos à disposição.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Portanto, de acordo com as evidências colhidas no inquérito
policial, na manhã do dia da tragédia o Subcomitê de Riscos Operacionais
da Vale se reuniu para apreciar, entre outros temas, uma “visão detalhada
dos controles e planos de ação dos riscos das barragens de Ferrosos e
Carvão”, apresentada pelo gerente executivo de governança de geotecnia
corporativa, Alexandre Campanha. Possivelmente, entre as barragens
avaliadas, estaria a Barragem I.
203

Além do senhor Alexandre Campanha, que supostamente fez a


apresentação citada, aparecem listados como “participantes necessários” da
reunião outros funcionários da Vale citados por esta CPI: Eduardo
Montarroyos, Marilene Lopes e Felipe Figueiredo Rocha. A informação
acima foi disponibilizada, por compartilhamento de provas, já nos últimos

SF/19193.51040-43
momentos desta CPI. Devido à exiguidade de tempo, sugere-se às
autoridades policiais, se já não o fizeram, que investiguem o que foi discutido
nessa reunião.

Por último, o IPL 0062/2019, em sua página 2.253, registra um


enigmático e-mail enviado por Gerd Peter Poppinga, diretor executivo de
ferrosos e carvão, mais de dois anos atrás. Vejamos:

Página: 203/398 02/07/2019 09:20:28


De: Peter Poppinga
Enviada em: quinta-feira, 7 de julho de 2016 18:31
Para: Jose Flavio Gouveia; Silmar Silva
Cc: Lucio Cavalli ([email protected]); Paulo Bandeira; Alexandre
Campanha
Assunto: B1Feijão
Conforme discutimos e tendo tomado conhecimento hoje da dúvida que surgiu
relacionada à B1 da mina de Feijão vamos encerrar imediatamente as
atividades de produção nesta barragem até concluirmos todos os testes e
cálculos complementares que estão em andamento. Solicito também avaliarem
medidas de reforço que possam ser executadas de forma preventiva. Peter

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Mesmo não tendo acesso ao completo contexto da mensagem, é
possível concluir que, em 7 de julho de 2016, Gerd Poppinga teve acesso a
uma informação grave, que o fez determinar, no mesmo dia, a paralização
das atividades de produção na Barragem I da Mina Córrego do Feijão, além
de solicitar a avaliação de medidas preventivas de reforço.

Cabe ressaltar que, na mensagem em que ordena a paralização


da barragem, Gerd inclui como destinatários: Lúcio Cavalli, diretor de
planejamento de ferrosos; Silmar Silva, diretor de operações do corredor
Sudeste; e Alexandre Campanha, gerente executivo de geotecnia corporativa
204

da Vale, todos ocupando posições de destaque no organograma da empresa


na data de rompimento da barragem.

De acordo com informações divulgadas pela própria Vale, a


Barragem I não recebia rejeitos desde o ano de 2016. Portanto, a paralização

SF/19193.51040-43
ordenada por Gerd Poppinga foi, provavelmente, definitiva, confirmando a
gravidade dos fatos informados ao diretor executivo de ferrosos. Dois anos
e meio antes da tragédia, um executivo diretamente ligado ao presidente da
empresa ordena a brusca paralização da Barragem I, demonstrando que a
barragem tinha um histórico de problemas, de amplo conhecimento da
diretoria da Vale.

Três meses depois (página 2.253), Gerd Poppinga escreve (grifo

Página: 204/398 02/07/2019 09:20:28


nosso):

De: Peter Poppinga


Enviado em: terça-feira, 4 de outubro de 2016 19:03
Para: Jose Flavio Gouveia; Antonio Padovesi
Cc: Lucio Cavalli; Paulo Bandeira; Alexandre Campanha; Silmar
Silva
Assunto: Implementação de ações de melhorias

Prezados, como todos sabem temos realizado auditorias preventivas para


aumentar ainda mais a segurança das nossas operações principalmente as
estruturas de contenção de rejeitos ou de sedimentos carreados. Neste sentido,
a recente não-obtenção de laudos de estabilidade de 8 estruturas em Ferrosos,

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
mesmo tendo sido atestado nos laudos técnicos que não há riscos iminentes,
são eventos que devem ser endereçados imediatamente. Por isso, conforme já
solicitei várias vezes, peço de todos as informações de quaisquer eventos
relevantes e do total apoio para a identificação e implementação das
respectivas ações de melhorias e adequação. Peter

Novamente, fica claro que o diretor executivo Peter Poppinga


tinha pleno acesso às informações de segurança das barragens e que, além de
dar ordens diretas a seus subordinados em relação ao assunto, acompanhava
de perto o desfecho das ações. Cabe ressaltar também que, já em 2016, oito
estruturas da área de ferrosos não obtiveram as declarações de condição de
estabilidade (DCE), demonstrando que havia recorrentes problemas de
205

segurança com várias barragens operadas pela Vale, ao longo do tempo, e


que esses problemas eram de conhecimento de toda a sua diretoria.

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206

4 RECOMENDAÇÕES SOBRE REGULAÇÃO E


FISCALIZAÇÃO DE BARRAGENS

Em todo o contexto de atuação desta CPI, tanto de investigação

SF/19193.51040-43
quanto de elaboração de propostas, restou patente a importância crucial que
tem a Agência que regula e fiscaliza o setor. Nenhuma nova legislação terá,
sozinha, o condão de trazer mais segurança ao setor de mineração, sem que
haja, simultaneamente, o fortalecimento da Agência Nacional de Mineração,
a ANM.

A ANM, instalada poucos meses atrás, herdou as atribuições do


Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM), além dos novos

Página: 206/398 02/07/2019 09:20:28


papéis atribuídos na sua criação. Herdou também a combalida estrutura do
DNPM, com um quadro de pessoal insuficiente e carente de capacitação;
estrutura administrativa e tecnológica deficitária e um orçamento
anualmente desidratado pelos sucessivos contingenciamentos. Nem mesmo
a previsão legal de orçamento vinculado a um percentual da CFEM
(Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais) foi capaz
de garantir à ANM os recursos necessários à sua estruturação.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
As deficiências das estruturas internas de controle e
transparência da ANM, que a levaram a ser elencada pelo TCU como um dos
órgãos do Poder Executivo com maior exposição à corrupção e à fraude,
compõem um cenário complexo, quando se vislumbra a possibilidade de um
aumento de recursos do órgão.

Todas essas questões foram apontadas em diversas auditorias


realizadas pelo Tribunal de Contas da União, particularmente desde 2016,
quando a tragédia de Mariana deixou claro que o governo federal não estava
cumprindo seu papel adequadamente.
207

A ANM está vinculada ao Ministério das Minas e Energia, e por


isso a alteração de sua estrutura interna é de competência do Poder
Executivo. Assim sendo, esta CPI se propõe a registrar, como forma de
endosso, os elementos de diagnóstico e as principais recomendações
identificados pelo Tribunal de Contas da União nos últimos anos.

SF/19193.51040-43
4.1 Diagnóstico

Os principais achados podem ser divididos em três


componentes:

GESTÃO DA ÉTICA E PROGRAMA DE INTEGRIDADE

a) O código de ética da ANM é insuficiente; não há ações

Página: 207/398 02/07/2019 09:20:28


específicas para a promoção da ética na instituição, ou iniciativas
para conscientização sobre o código de ética adotado;

b) A ANM não exige do seu corpo funcional termo de compromisso


de acatamento e observância das regras estabelecidas no código
de ética/conduta por ocasião da posse no cargo ou investidura em
função pública, em desconformidade com o estabelecido no art.
15 do Decreto 6.029/2007;

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
c) Não há acompanhamento, monitoramento e gestão da ética no
âmbito da ANM, medidas indispensáveis para avaliar se as ações
voltadas para a ética estão atingindo os objetivos esperados; e

d) A ANM ainda não definiu unidade formalmente responsável pelo


acompanhamento e gestão do programa de integridade, conforme
determinado no art. 4º da Portaria-CGU 1.089, de 25/4/2018.

TRANSPARÊNCIA E ACCOUNTABILITY
208

a) Ausência de controles e mecanismos de asseguração da


qualidade das informações prestadas; ausência de diretrizes,
critérios e limites para abertura de dados e acesso à informação, bem
como de definição dos critérios, diretrizes e limites para
relacionamento com partes interessadas (internas e externas à

SF/19193.51040-43
organização); e,

b) Não há avaliação da satisfação das partes interessadas com as


informações prestadas.

AUDITORIA INTERNA

a) Definição insuficiente das competências da auditoria interna;

Página: 208/398 02/07/2019 09:20:28


b) Os Planos Anuais de Auditoria Interna de 2017 e 2018 não
contêm ações concretas de avaliação ou consultoria visando à
implantação ou melhoria do processo de gestão de riscos da
organização, nem trabalhos cujos objetos fossem a governança
organizacional, a avaliação dos controles internos dos
elementos críticos para o alcance dos objetivos organizacionais,
a gestão da ética e da integridade, ou a avaliação dos controles
de mitigação do risco de fraude e corrupção;

c) Atuação insuficiente da auditoria interna nas áreas mais c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

suscetíveis a riscos;

d) A ANM não adota premissas básicas voltadas para a gestão de


risco; e,

e) Não há obrigatoriedade de os colaboradores e gestores da


Agência manifestarem e registrarem situações de nepotismo ou
que possam conduzir a conflito de interesse.
209

4.2 Recomendações

Tendo em vista o diagnóstico acima, o Tribunal de Contas da


União emitiu uma série de determinações e recomendações em relação a
diversos aspectos do funcionamento da ANM, consideradas importantes por

SF/19193.51040-43
esta CPI. São elas:

a) Recomendar, a partir de um mapeamento de riscos éticos, a


elaboração de código de ética/conduta próprio que contemple,
entre outros aspectos, condutas específicas a serem exigidas
dos seus servidores.

b) Recomendar a elaboração e execução de plano de ações de


promoção da ética, com divulgação e conscientização quanto

Página: 209/398 02/07/2019 09:20:28


ao código de ética/conduta aplicável ao seu corpo funcional.

c) Determinar a elaboração de termo de compromisso de


acatamento e observância das regras estabelecidas no código
de ética/conduta por parte do corpo funcional da organização
e promover a sua assinatura por ocasião da posse no cargo ou
investidura em função pública, conforme estabelecido no art.
15 do Decreto 6.029/2007.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
d) Determinar que as ações de promoção da ética, a serem
definidas, possuam acompanhamento e monitoramento,
conforme previsto no Art. 6º, XI, Regimento Interno da
Comissão de Ética Setorial do DNPM.

e) Determinar o estabelecimento da unidade de gestão da


integridade conforme determinado no art. 4º da Portaria-CGU
1.089, de 25/4/2018.
210

f) Recomendar que sejam estabelecidos controles e mecanismos


de asseguração da qualidade das informações prestadas, e
sejam definidos critérios, diretrizes e limites para abertura de
dados e acesso a informação.

SF/19193.51040-43
g) Recomendar que sejam definidos critérios, diretrizes e limites
para relacionamento com partes interessadas (internas e
externas à organização), e que seja avaliada a satisfação das
partes interessadas com as informações prestadas.

h) Recomendar a revisão do regulamento da Auditoria Interna, de


forma a atribuir competência à área para avaliar a eficácia e
contribuir para a melhoria dos processos de controle

Página: 210/398 02/07/2019 09:20:28


relacionados ao risco de fraude e corrupção.

i) Recomendar a inclusão, no planejamento anual de atividades


de auditoria, de ações das seguintes naturezas:

 avaliação ou consultoria visando à implantação ou


melhoria do processo de gestão de riscos da organização;

 trabalhos cujo objeto seja a governança organizacional;

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
 trabalhos de avaliação dos controles internos dos
elementos críticos para o alcance dos objetivos
organizacionais;

 trabalhos cujo objeto seja a gestão da ética e da


integridade;

 avaliação dos controles de mitigação do risco de fraude e


corrupção.
211

j) Determinar a implantação de gestão corporativa de riscos


adequada à ANM, conforme disposto no art. 3º da Instrução
Normativa Conjunta MP/CGU 1/2016.

k) Recomendar que se estabeleça a obrigatoriedade de os

SF/19193.51040-43
colaboradores e gestores da organização manifestarem e
registrarem situações de nepotismo e que possam conduzir a
conflito de interesse. Recomendar também a verificação das
vedações relacionadas a nepotismo e conflito de interesse,
quando do ingresso de colaboradores e gestores da
organização.

Após a tragédia de Mariana, em 2016, o Tribunal de Contas da

Página: 211/398 02/07/2019 09:20:28


União realizou auditoria de natureza operacional (TC 032.034/2015-6) com
o objetivo de verificar a atuação do então Departamento Nacional de
Pesquisa Mineral (DNPM) – atualmente Agência Nacional de Mineração
(ANM) – na fiscalização da segurança de barragens para disposição final ou
temporária de rejeitos de mineração à luz da Política Nacional de Segurança
de Barragens (PNSB), instituída pela Lei no. 12.334, de 2010. Esse trabalho,
entre outras medidas, recomendou ou determinou, conforme o caso, o
seguinte:

l) Adoção de sistema informatizado para o cadastro e a c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

classificação com funcionalidades que permitissem a emissão


de alertas que indiquem riscos ou necessidade de
acompanhamento.

m) Informar ao TCU estudo acerca da adequabilidade do quadro


funcional do órgão, tendo em vista suas competências
institucionais.
212

n) Informar ao Tribunal as conclusões da assessoria técnica


contratada à época (Geoestável Consultoria e Projetos).

o) Estabelecer rito procedimental para análise rotineira e


tempestiva dos documentos encaminhados pelos

SF/19193.51040-43
empreendedores, envolvendo aspectos formais e qualitativos
que auxiliassem o órgão na sua missão fiscalizatória.

p) Estabelecer rotina de fiscalizações in loco que envolva


interface e fluxo de informações envolvendo as
superintendências regionais e instrumentos de coerção
(enforcement) capazes de garantir a efetiva aplicabilidade e
cumprimento elaborados; e

Página: 212/398 02/07/2019 09:20:28


q) Instituir procedimentos de acompanhamento, controle e
avaliação das fiscalizações realizadas pelas superintendências
regionais, inclusive por meio de metas e indicadores de
qualidade que afiram a aderência às diretrizes e planos
estabelecidos e a padronização dos procedimentos, análises e
relatórios ou pareceres técnicos produzidos.

No que diz respeito à adoção de sistema informatizado, a

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Agência implantou o Sistema Integrado de Gestão de Segurança de
Barragens de Mineração (SIGBM) para o cadastro de informações das
barragens para rejeitos de mineração submetidas à PNSB. Embora tenha
trazido diversas melhorias para a atividade de fiscalização da segurança das
barragens, os alertas automatizados disparados pelo Sistema dependem de
informações inseridas pelos próprios empreendedores, ou seja a
autodeclaração das condições e ocorrências das barragens é premissa basilar
no modelo de fiscalização de segurança de barragens adotado no Brasil, o
que faz com que a atuação dos órgãos fiscalizadores parta do pressuposto de
213

que as informações prestadas são verídicas e adequadas à metodologia


mínima de aferição técnica de segurança e que as empresas mineradoras
possuem adequado compromisso ético e legal.

Diante dessa premissa básica, abre-se a possibilidade de existir,

SF/19193.51040-43
portanto, conflito de interesse e assimetria de informação entre o
empreendedor e a Agência no tocante a informações que podem iniciar a
ação fiscalizatória deste órgão. O empreendedor pode, por exemplo, omitir
ou distorcer informações de grande relevância para uma possível e
tempestiva atuação da Agência, tornando a atividade de fiscalização
ineficiente.

Observa-se que a atuação da ANM, a partir da prestação de

Página: 213/398 02/07/2019 09:20:28


informações relativas a problemas de segurança, tem impacto econômico e
financeiro direto ou indireto nas operações do empreendedor, em particular
naqueles de capital aberto.

Tal dependência de informações oriundas do empreendedor


decorre, em certa medida, da PNSB e da capacidade operacional da Agência,
que fica restrita, basicamente, à possibilidade de exigir que o empreendedor
atualize as informações cadastradas no sistema.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Cabe mencionar que há indícios contundentes de que no caso
do rompimento da barragem de Brumadinho houve omissão de informações
pela Vale. Essas informações atrairiam a atenção da Agência, que teria a
oportunidade de atuar na mitigação dos riscos de rompimento, ou dos
possíveis danos, inclusive na salvaguarda das vidas da população a jusante.

Assim, é pertinente que medidas e mecanismos de controle e


compliance (conformidade) sejam tomadas para aumentar a confiabilidade
acerca da completude, veracidade e qualidade das informações prestadas
214

pelos empreendedores. Uma possível forma de mitigar esse problema seria


a seleção periódica e aleatória de algumas estruturas para terem seus
registros inspecionados em detalhes, o que aumentaria a expectativa de
controle por parte dos empreendedores privados.

SF/19193.51040-43
Outro ponto relevante é a obrigatoriedade de instalação de
instrumentos de medição automática nas barragens de rejeitos existentes. O
prazo para a troca ou instalação desses dispositivos pelos empreendedores
termina em julho de 2019. Com base nas informações providas por esses
instrumentos, será possível a realização de monitoramento em tempo real
pela ANM. Porém, a viabilidade dessa ideia depende de investimentos em
material humano e em tecnologia, e com a sua atual estrutura, a Agência
pode não ter capacidade técnica e operacional necessária para tratar as

Página: 214/398 02/07/2019 09:20:28


informações.

Nesse sentido, cumpre destacar que a efetiva atuação da ANM


depende da disponibilidade de material humano para a realização das
inspeções in loco. Atualmente a Agência conta com apenas oito servidores
capacitados para atuação em segurança de barragens. Embora haja mais
cinco recém ingressos, a força de trabalho total não é adequada frente ao
elevado número de estruturas cadastradas no SIGBM.

Normalmente, as equipes de fiscalização in loco são compostas c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

por no mínimo dois servidores e duram pelo menos uma semana.


Considerando que atualmente há 788 barragens no SIBGM, excluídas
aquelas que constam como descadastradas, seriam necessárias mais de 131
semanas para inspecionar todas as estruturas. Assim, infere-se que uma
possível melhoria nas fiscalizações realizadas pelo poder público seria a
contratação de servidores (não é possível terceirizar a fiscalização, vez que
215

envolve o exercício do poder de polícia administrativa e, portanto, é


atividade típica de estado).

Além do investimento no quantitativo de profissionais, é


fundamental o investimento na capacitação. Há trabalhos da ANM e do TCU

SF/19193.51040-43
que apontaram deficiências nessa formação e no quantitativo de profissionais
especializados. A atividade de segurança de barragens é assunto
interdisciplinar de elevada complexidade, que envolve conhecimentos
técnicos em áreas como engenharia civil, geologia e geotécnica. Assim, outra
forma de melhorar a segurança de barragens é a indução da oferta e a
regulamentação de cursos específicos de forma sistemática e rotineira,
visando formar profissionais habilitados.

Página: 215/398 02/07/2019 09:20:28


A Declaração de Condição de Estabilidade (DCE), documento
enviado à ANM por meio do SIGBM, prevista na Portaria DNPM
70.389/2017, é assinado pelo empreendedor e pelo responsável técnico que
o elaborou, atestando a condição de estabilidade da estrutura respectiva.
Ainda que seja elaborado por terceiro contratado, há possibilidade de
conflito de interesses na emissão desse documento, uma vez que ele é
obrigatório para a continuidade das operações do empreendedor na estrutura
a que se refere e, ao mesmo tempo, deve ser emitido por pessoas com

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
independência e autonomia suficientes. No caso de equipes internas,
claramente, essa independência pode ser comprometida. No caso da
utilização de equipes externas também, vez que estas são contratadas por
longos períodos para a fiscalização das barragens de determinada
mineradora, tornando-as dependentes desse trabalho para sobreviver
financeiramente e perdendo a necessária isenção para avaliar a estabilidade
da estrutura.
216

Este conflito ficou bastante evidente, na tragédia de


Brumadinho, na relação da empresa TÜV SÜD com a Vale, como
demonstrado neste relatório.

Além disso, noticia-se que houve antes uma recusa de emissão

SF/19193.51040-43
do referido documento por uma consultoria contratada pela Vale. Uma
possível solução para a análise da condição de estabilidade com maior
isenção seria a formação, pela ANM, de listas de consultores selecionados
por sorteio. A remuneração desses consultores caberia à Agência, mediante
pagamento de taxa pelo empreendedor. Situação similar ocorre em processos
judiciais, quando se faz necessária a realização de perícia.

Por fim, o relatório da assessoria técnica contratada pela ANM

Página: 216/398 02/07/2019 09:20:28


(à época DNPM), elaborado pela empresa Geoestável Consultoria e Projetos,
propôs melhorias nas normas afetas à fiscalização da Agência.
Particularmente, o tempo máximo sugerido entre duas inspeções de
segurança em estruturas com Dano Potencial Associado alto é inferior ao
adotado atualmente pela ANM. Porém, o período adotado pela Agência
decorre de limitações internas e também está inserido na esfera de
discricionariedade do gestor público.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Em relação à baixa capacidade operacional da Agência, tem-se
a relatar que a ANM foi criada a custo zero, ou seja, sem incremento de
orçamento em relação ao que era disponibilizado para o DNPM, apesar de
17 novas competências terem sido atribuídas a ela, e uma nova competência
ter sido passada do MME para a autarquia. Além disso, o último concurso
para compor o quadro de pessoal do antigo DNPM ocorreu em 2010,
anteriormente à Lei de Segurança de Barragens, e, portanto, não previu a
contratação de técnicos especializados no assunto, o que aumenta o risco de
217

uma fiscalização ineficiente. Assim, a situação de grave déficit institucional


já relatada tende a se agravar.

Diante das restrições orçamentárias enfrentadas pelo País,


algumas soluções poderiam ser consideradas pelo poder público. A primeira

SF/19193.51040-43
dessas soluções perpassa pela digitalização dos processos minerários e de
fiscalização da ANM, tendo em vista que ainda não foi implantado protocolo
eletrônico e grande parte dos processos continuam a existir apenas
fisicamente na Sede e nas Gerências Regionais, o que leva a morosidade,
maiores custos operacionais e dificuldade no controle da operacionalização
desses processos.

De grande importância seria também a criação de um sistema

Página: 217/398 02/07/2019 09:20:28


informatizado desenvolvido especificamente para contemplar as
especificidades das atividades desenvolvidas no âmbito da autarquia. O
Sistema Eletrônico de Informações (SEI), já utilizado na entidade, não se
demonstra como o mais adequado para gestão desses processos, devido às
particularidades inerentes da atividade da Agência, bem como pela falta de
mecanismos de tratamento e gestão dos dados. O SEI, assim, tem funcionado
mais como um repositório de documentos, do que, efetivamente, como um
sistema informatizado de gestão, ferramenta primordial para a modernização

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
e redução de custos no trabalho da ANM.

É necessário também mitigar os riscos da atuação da ANM,


diante do déficit histórico de capacitação e formação dos profissionais do
DNPM. Os números obtidos em pesquisa realizada pela Agência em 2018,
para subsidiar a elaboração do Levantamento de Treinamento da Instituição,
demonstram a gravidade da situação encontrada: 16% dos respondentes
nunca foram capacitados pela instituição e 20% estão há mais de dez anos
sem receber qualquer formação.
218

Assim, o governo federal, por meio da Casa Civil, Ministério da


Economia e Ministério de Minas e Energia, precisam atuar de forma
coordenada a fim de amparar a ANM, tendo em vista a ausência de recursos
e de capacidade operacional da Agência para resolver essa problemática.
Uma atuação conjunta com os órgãos centrais de governo e uma melhor

SF/19193.51040-43
relação institucional com outras agências reguladoras e entidades no âmbito
estadual e municipal poderiam diminuir os impactos na baixa dotação
orçamentária destinada à capacitação, situação que assola a entidade há
muitos anos.

Ao analisar o leque de opções que podem viabilizar um aporte


de recursos humanos, estrutura e orçamento à ANM, esta CPI deparou-se
com a sugestão, feita pelo senador Carlos Viana, de fusão da CPRM

Página: 218/398 02/07/2019 09:20:28


(Companhia de Pesquisa em Recursos Minerais) com a ANM. A CPRM é
uma empresa pública, fundada em 1969 e também subordinada ao Ministério
das Minas e Energia. A empresa tem como missão estratégica organizar e
sistematizar o conhecimento geológico do Brasil, atuando nas áreas de
geologia, recursos minerais, gestão territorial, prevenção de desastres,
hidrologia e outras áreas. Devido à complexidade do tema e às restrições de
tempo da CPI, não foi possível avaliar em profundidade a sugestão, que pode

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
ser melhor investigada pelo Ministério das Minas e Energia, ao qual se
submetem a ANM e a CPRM.
219

5 INDICIAMENTOS

5.1 Sociedade de riscos e direito penal

Vivemos no que se convencionou chamar na sociologia de

SF/19193.51040-43
“sociedade de riscos”. A sociedade atual está caracterizada por um ambiente
econômico e social rapidamente variante e pelo aparecimento de novas
atividades e avanços tecnológicos sem paralelo na história da humanidade.
O desenvolvimento da técnica tem repercussões diretas no ganho de bem-
estar individual. Contudo, a técnica pode produzir consequências negativas.
Dentre elas, a “configuração do risco de procedência humana como
fenômeno social estrutural” (Silva Sänchez, A expansão do direito penal,

Página: 219/398 02/07/2019 09:20:28


2002, p. 29).

Boa parte das ameaças a que os cidadãos estão expostos provém


de decisões que outros concidadãos adotam no manejo dos avanços técnicos:
riscos que derivam das aplicações técnicas dos avanços na indústria, na
produção de energia, na informática, nas comunicações etc.

O risco é um perigo probabilisticamente previsível e


indissociável da atividade humana (Conseil d’Etat, Responsabilidade e

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Socialização do Risco, 2006). Em suma, é um perigo que decorre de decisão
humana. É nessa dimensão que ele interessa ao direito, particularmente ao
direito penal.

Vivemos numa sociedade de grande complexidade, na qual a


interação entre as pessoas – pela necessidade de cooperação e coordenação
de comportamentos e pela divisão funcional – alcançou níveis até então
desconhecidos. A correlação das esferas de organização individual
incrementa a possibilidade de que alguns desses contatos sociais redundem
220

na produção de consequências lesivas. E tais resultados muitas vezes se


produzem em contextos de incerteza sobre a relação de causa-e-efeito. O
direito penal é então chamado para trazer mais estabilidade ao sistema social,
punir e orientar ações, reafirmar a norma, estabilizar as expectativas sociais.

SF/19193.51040-43
O caso do rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas
Gerais, ilustra bem todos esses pontos. Uma tragédia que envolveu o manejo
da técnica, a produção de riscos, a incerteza sobre a cadeia causal e a morte
de centenas de pessoas.

5.1. A relevância penal da omissão

O não fazer o que deveria ser feito para impedir o resultado é


uma situação que interessa ao direito penal. Cabe aos produtores de riscos o

Página: 220/398 02/07/2019 09:20:28


dever de vigilância. Trata-se de um dever jurídico imposto pela lei para a
evitação do resultado danoso. A atividade precisa ser controlada e o resultado
socialmente danoso evitado. Assim, o indivíduo ou a organização assumem
a posição de garante, ou garantidor, e a omissão torna-se penalmente
relevante, podendo ser-lhes atribuído a responsabilidade pelo resultado final
– a morte de pessoas e os danos ao meio ambiente.

É o que prevê o art. 13, § 2o do Código Penal (CP):

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Art. 13..............................................................................
Relevância da omissão
§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia
agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do
resultado. [grifo nosso]
221

O caso de Brumadinho se insere, de forma mais precisa, na


alínea c supra. A inabilidade técnica criou um risco proibido que levou à
morte quase 300 pessoas.

A imputação penal de um fato significa atribuir juridicamente a

SF/19193.51040-43
alguém a realização de uma conduta criadora de um relevante risco proibido
e a produção de um resultado. O comportamento e o resultado normativo só
podem ser atribuídos ao sujeito quando: a conduta impôs ao bem jurídico um
risco juridicamente relevante (risco proibido); e o perigo realizou-se no
resultado. A vida, o patrimônio e o meio ambiente são bens jurídicos
protegidos pela lei que foram colocados sob ameaça concreta com a
inabilidade técnica de várias pessoas ligadas por um vínculo organizacional,
envolvendo, em seu centro, a empresa Vale S.A. Tal risco proibido se

Página: 221/398 02/07/2019 09:20:28


materializou num resultado de destruição em massa.

A omissão não é detectável no mundo da realidade física e


material, ao contrário da ação, em regra. Daí ser a omissão um conceito
normativo, e não naturalístico. Consiste, basicamente, na abstenção da
atividade devida, na “não realização de conduta positiva que o agente tinha
o dever jurídico e a possibilidade de realizar” (Heleno Fragoso, Lições de
Direito Penal, Forense, 1987, p. 238).

A lei às vezes pune o não fazer expressamente, como a omissão c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

de socorro no CP (art. 135), por exemplo. Chamamos de omissão própria.


Às vezes a lei pune o não fazer indiretamente. É o que a doutrina chama de
omissão imprópria. Nesses casos, a lei não prevê referência expressa, na
descrição típica, ao comportamento omissivo. Em alguns casos, portanto, o
tipo vai descrever e vedar uma determinada conduta positiva, e o resultado
proibido deverá também ser debitado ao omitente como se o tivesse
produzido através de um fazer. O legislador, nesses casos, equipara a não
222

evitação do resultado à causação. Em outras palavras, tanto pode a mãe


matar o filho de tenra idade por meio de um fazer positivo, ferindo-o com
um objeto cortante, quanto por meio de uma omissão, negando-lhe alimento,
por exemplo. Em ambos os casos, ela deve responder por homicídio, cujo
tipo penal traz apenas o verbo “matar” (art. 121 do CP). A Barragem I, de

SF/19193.51040-43
Brumadinho, é um caso de falta de alimento.

Diretores, gerentes e técnicos podiam e deviam ter evitado o


resultado. Assim, devem responder como se o tivesse causado diretamente.

5.2. Duas hipóteses gerais: risco moral e defeito de


organização

Trabalhamos com duas hipóteses gerais para a

Página: 222/398 02/07/2019 09:20:28


responsabilização penal no caso Brumadinho, para as quais foram
encontradas várias evidências: risco moral e defeito de organização.

O risco moral ocorre quando o comportamento da pessoa, em


resposta a uma mudança de situação, tende a aumentar a probabilidade de
dano. Por exemplo, quando uma pessoa faz um seguro para o seu carro, ela
tende a ser menos diligente em comparação ao que era antes de fazer o seguro

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
(onde estaciona, uso da tranca do carro etc.), o que aumenta a probabilidade
de o veículo sofrer danos ou ser furtado. Uma hipótese é a de que a
desativação da Barragem a partir de 2016 tenha aumentado a tolerância ao
risco de seus operadores (com contenção de custos e dada a tendência natural
do fator de segurança aumentar com o tempo).

A hipótese do defeito de organização da empresa se refere à


falta de coordenação de incentivos de diretores, gerentes e funcionários que
privilegiassem o controle do risco e o cumprimento da lei. Um sistema de
223

governança e compliance falhos teve papel relevante para o desenrolar da


causalidade que levou ao rompimento da barragem.

A seguir, passaremos a explorar com mais minúcia a questão do


risco, que é importante para a responsabilização penal, e faremos referência

SF/19193.51040-43
aos elementos probatórios colhidos pela CPI e obtidos via compartilhamento
(IP 0062/2019).

5.3. Tolerância ao risco

O comportamento da Vale aponta para uma alta tolerância ao


risco em relação à Barragem I. Vários fatos corroboram essa hipótese. Na
visão do direito penal, os diretores, gerentes e funcionários da empresa
operavam dentro do campo do risco proibido – ou seja, aquele que expõe

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bens jurídicos (vida, patrimônio, meio ambiente) a perigo concreto.

Curvas de Risco

Em dezembro de 2015, poucas semanas após a tragédia de


Mariana, a Vale divulgou internamente o relatório “Estabelecimento do
contexto e identificação dos eventos de risco em barragens”, que tem
Marilene Lopes, gerente de Riscos Geotécnicos, como responsável técnico.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Na p. 25, o documento informa que o custo associado à indenização por
perdas de vidas humanas será dado pelo produto do número estimado de
vidas humanas perdidas pelo valor de indenização a ser pago. O valor de
indenização pela perda de uma vida é fixado em US$ 2,6 milhões, com base
na correção monetária do valor apresentado (US$ 1 milhão) em 1981 na
Curva de Tolerância ao Risco proposta por Whitman.
224

A Curva de Risco usada para o cálculo usa como referência o


risco mínimo aceitável para barragens (ou seja, risco de 10-4 por ano 37),
conforme o gráfico abaixo:

Figura 1 – Curva de Tolerância ao Risco (Whitman, 1981).

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Página: 224/398 02/07/2019 09:20:28
c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Fonte: Relatório Estabelecimento do contexto e identificação dos eventos de risco em
barragens, Vale S.A, 2015.
Felipe Rocha, técnico de Riscos Geotécnicos da Vale, alertou,
nos seminários internacionais do PIESEM de 2017 e 2018, para o risco de
rompimento de Barragem I. Oportuno informar que Barragem I foi escolhida
para ser estudada no encontro de 2018 entre mais de 130 barragens
analisadas, o que já indicava não ser uma barragem qualquer.

37 É o critério internacionalmente adotado (Australian National Commitee on Large Dams – ANCOLD).


225

Abaixo está o modelo de curva de tolerabilidade ao risco


adotada pelo Corpo de Engenheiros do Exército Americano (USACE –
United States Army Corp of Engineers), organização de referência
internacional, apresentado pelo funcionário da Vale no PIESEM. Esse
modelo divide os riscos e o potencial de perdas de vidas em três quadrantes.

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No quadrante superior à direita estão os “riscos inaceitáveis” (unnacceptable
risks).

Figura 2 – Curva de Tolerância ao Risco (USACE)

Página: 225/398 02/07/2019 09:20:28


c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

Fonte: Slides da apresentação de Felipe Rocha no PIESEM, novembro de 2017.

É importante comparar esse gráfico com o seguinte, atentando-


se para a zona de probabilidade de rompimento de barragem: 1.E-04/1.E-03
(eixo vertical), chamada de “Alarp Zone” (zona de alerta).

Figura 3 – Probabilidade x potencial de perda de vidas (PIESEM)


226

SF/19193.51040-43
Página: 226/398 02/07/2019 09:20:28
Fonte: Slides da apresentação de Felipe Rocha no PIESEM, novembro de 2017.

Como se observa, a Barragem I se encontra na zona de risco


inaceitável (o ponto “I” - zona de risco 1.0E-03/1.0E-04 e probabilidade de
perda de 100 a 1.000 vidas). O gráfico a seguir é uma forma simplificada do
gráfico da USACE, que permite uma visualização melhor.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Figura 4 – Risco Social

Fonte: Gestão de Riscos, V. 2, Giovanni Moraes, p. 154.


227

Em outubro de 2018, no PIESEM seguinte, Felipe Rocha


alertou para o fato de que o risco para Barragem I era duas vezes o risco
mínimo aceitável (2x10 -4); ou seja, duas vezes o risco usado como referência
no relatório de Marilene Lopes sobre o custo da vida.

SF/19193.51040-43
Ainda em 2017, a apresentação de Felipe Rocha já alertava para
o perigo mais provável da Barragem I, o de liquefação (na zona de risco
inaceitável):

Figura 5 – Risco de Liquefação

Página: 227/398 02/07/2019 09:20:28


c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

Fonte: Slides da apresentação de Felipe Rocha no PIESEM, novembro d e 2017.

Essas informações chegaram, no mínimo, até o nível de


diretoria – diretorias de Planejamento (Ferrosos) e de Operações (Corredor
Sudeste), conforme o mapeamento dos e-mails levantados pela investigação.

Ao final da apresentação de slides de Felipe Rocha no PIESEM,


lê-se, em tradução livre do inglês: “Todos os riscos com probabilidades
228

maiores que 10-4 por ano são agora incluídos na matriz de riscos do negócio
da Vale e apresentados ao grupo de diretores, ao Presidente e ao conselho
de administração” (grifo nosso).

Em seu depoimento na CPI, Felipe Rocha complementou

SF/19193.51040-43
informando que o Relatório de Sustentabilidade da Vale, assinado pelo
Presidente, menciona que a Vale utiliza o painel de especialistas (PIESEM)
para tratar de barragens.

Conforme já informado neste Relatório, em 15 de junho de


2018, Marilene Lopes envia e-mail para Alexandre Campanha, gerente
executivo de Governança de Geotecnia Corporativa, seu superior,
informando sobre a obtenção de declaração de estabilidade (DCE) para as

Página: 228/398 02/07/2019 09:20:28


barragens de “DPA Alto” (alto “Dano Potencial Associado” – Portaria no
70.389, de 2017/DNPM). Entre elas cita nominalmente a Barragem I, que
demandava obras de reforço de estrutura e rebaixamento da linha freática.
Três dias depois, Campanha encaminha a mensagem para Lucio Cavalli
(diretor de Planejamento de Ferrosos), seu superior, que, por sua vez,
informa, em resposta, que estaria preparando material para uma apresentação
ao diretor executivo de Ferrosos, Gerd Poppinga, abaixo apenas do
presidente da empresa.

A mensagem foi encaminhada por Cavalli a Silmar Silva, c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

diretor de Operações do Corredor Sudeste, que, por sua vez, solicita


providências ao gerente executivo do Complexo Paraopeba, Rodrigo Melo.

Ou seja, havia informação disponível, e informação


circulando entre gerências e diretorias, e alcançando o nível de direção
executiva da empresa.
229

Ma ri l ene Lopes (Ger.


Ri s cos Geotécnicos)

Rodri go Melo (Ger. Al exa ndre Ca mpanha


Exec. Compl exo (Ger. Exec. Geotecnia
Pa ra opeba) Corpora tiva)

SF/19193.51040-43
Si l mar Silva (Dir. Lúci o Ca valli (Dir.
Opera ções Corredor Pl a nejamento
Sudeste) Ferros os)

Cerca de dois anos antes, o diretor executivo de Ferrosos, Gerd


Poppinga, que responde a processo criminal pelo desastre de Mariana,

Página: 229/398 02/07/2019 09:20:28


copiando Cavalli e Campanha em mensagem de 7 de julho de 2016, mostra
deter informação sobre a Barragem I e manda encerrar as atividades de
produção até que testes e cálculos complementares fossem feitos, assim
como eventuais medidas de reforço. Novamente evidencia-se que havia
informação disponível e ordens sendo dadas com base nela.

Gerd Poppinga (Dir.


Exec. Ferrosos)

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

Alexandre Campanha
Lúcio Cavalli (Dir.
(Ger. Exec. Geotecnica
Planejamento Ferrosos)
Corporativa)

Além disso, o rompimento de uma barragem semelhante à


Barragem I, em Mariana, envolvendo a mesma empresa, já havia acontecido
230

(antes do referido de Marilene Lopes sobre o custo da vida). Uma pergunta


importante então desponta: por que a Vale não adotou um modelo de curva
de risco?

Essa pergunta é importante por causa do indicador usado para

SF/19193.51040-43
os laudos de estabilidade – o fator de segurança. Não há correlação
necessária entre fator de segurança e risco de rompimento, conforme
informa a análise sobre a Barragem I feita pela World Mine Tailings Failures
(WMTF), organização internacional que investiga acidentes com barragens
de rejeitos.

Nos depoimentos feitos na CPI, era comum a referência a um


tipo de risco, o risco iminente, aquele que acionaria o plano de emergência

Página: 230/398 02/07/2019 09:20:28


(PAEBM). Era comum a resposta dos depoentes de que não havia evidências
de risco iminente. Gerd Poppinga menciona o mesmo em e-mail de 4 de
outubro de 2016 direcionado a Cavalli, Campanha e Silmar Silva, de que não
havia evidência de risco iminente das estruturas que não conseguiram laudos
de estabilidade na época, apesar de, ainda assim, na mesma mensagem,
requerer ações de melhorias e adequação para aumentar a segurança.

Fazia sentido os diretores e gerentes da Vale se preocuparem

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
apenas com o risco iminente, dado que não há correlação necessária entre
fator de segurança e risco de rompimento. Contudo, isso significa escolher
operar no escuro. A prudência exigiria a adoção de um modelo de curva de
risco, uma vez que a tragédia de Mariana já era fato. Esse tipo de decisão é
estratégica, e depende dos níveis hierárquicos superiores.

Como bem esclareceu Marilene Lopes, gerente de Riscos


Geotécnicos da Vale, na CPI:

A SRA. MARILENE CHRISTINA OLIVEIRA LOPES DE


ASSIS ARAÚJO – [...] O gráfico da Usace... Na Vale, a questão
231

da tolerabilidade, da curva de tolerabilidade ainda não tinha sido


definida. Era, inclusive, uma das recomendações do painel de
especialistas que se avançasse na definição da curva de tolerância.
E a referência que o Sr. Felipe Rocha fez ali foi mostrando uma
referência internacional, mas que ainda não havia sido adotada
pela Vale. A Vale ainda não havia definido qual seria o gráfico
de tolerância. [...] Essa curva de tolerância só poderia ser definida
no nível executivo da empresa, isso não pode ser definido no nível

SF/19193.51040-43
da área técnica. [grifos nossos]

Ter um modelo definido de tolerância ao risco é importante


porque orienta as ações de prevenção.

A SRA. MARILENE CHRISTINA OLIVEIRA LOPES DE


ASSIS ARAÚJO – [...] As análises de riscos eram análises
hipotéticas, eram análises preventivas para entregar para a
operação uma informação para que ela pudesse atuar de forma
preventiva.

Página: 231/398 02/07/2019 09:20:28


Para o direito penal, significa atuar para proteger e controlar o
perigo a que bens jurídicos estão expostos.

Fator de segurança e risco de ro mpimento da barragem

Washington Pirete, gestor dos contratos com as empresas de


auditoria externa, e que respondia a Alexandre Campanha, estudou a
Barragem I em seu mestrado (2010) e, depois, publicou artigo científico

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expandindo o que foi tratado na dissertação, ainda tendo a Barragem I como
estudo de caso (2013). Pirete defendia que a probabilidade de liquefação da
barragem era muito baixa. Outros autores, ente eles o próprio Scott Olson –
primeiro proponente do método usado na dissertação de Pirete –, apontaram
problemas metodológicos (uso incorreto do “método Olson”) na tese, e que
não havia apoio para a sua conclusão.

O cálculo de Pirete provavelmente foi levado em consideração


pela Vale e possivelmente usado como referência oficial. A TÜV SÜD
232

informou que foi solicitada a usar o método da Vale (chamado de método de


“Equilíbrio Limite”, baseado em Olson), o qual vinha sendo aplicado por
engenheiros anteriores desde 2013 (Relatório da WMTF).

Quando a engenheira Ana Lúcia Yoda, da Tractebel, a empresa

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de auditoria que foi em seguida substituída pela TÜV SÜD, comunicou a
Pirete, via contato telefônico, que o fator de segurança estava baixo (1,06),
o gestor do contrato informou que, dada a divergência de critério, que a TÜV
SÜD deveria continuar com as análises.

Em relação à metodologia, são importantes os seguintes trechos


da RPSB de julho de 2018, feita pela TÜV SÜD, que sublinham a
importância dos gatilhos para liquefação e apontam limitações do método da

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Vale (p. 103-107):

Os parâmetros geotécnicos utilizados foram apresentados na


Tabela 10.1, sendo consideradas as resistências não-drenadas
para os materiais suscetíveis à liquefação e mantendo-se as
resistências efetivas para os demais materiais, conforme
metodologia que vem sendo utilizada pela Vale com base em
Olson (2001).

Para que o fenômeno da liquefação ocorra, além da presença de


materiais suscetíveis, há também a necessidade de ocorrência de
um gatilho. Os gatilhos podem estar associados a eventos

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estáticos ou dinâmicos, como: excesso de poropressões por
carregamentos rápidos (alteamento rápido da barrage m,
elevação do nível do reservatório, etc.), excesso de
poropressões por abalos sísmicos ou vibrações induzidas
(sismos naturais, tráfego de equipamentos, detonações,
rupturas de estruturas adjacentes, etc.), aumento das tensões
cisalhantes ou deformações cisalhantes impostas (remoção de
material do pé da barragem, movimentação da fundação,
etc.), entre outros. [grifos nossos]

Em sua consideração sobre o fator de segurança sob condição


não-drenada, a TÜV SÜD considera a suscetibilidade de materiais para a
liquefação e foca na probabilidade de um gatilho. Essencialmente, a empresa
assevera que a suscetibilidade de liquefação não é o mesmo que
233

probabilidade de rompimento por liquefação, e chama a atenção para a


vulnerabilidade a um gatilho, e que na ausência desse gatilho os fatores
baixos de segurança encontrados para a condição não-drenada não
apontariam, por si mesmos, para risco de rompimento.

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A norma NBR-13028 (2017) não preconiza um fator de segurança
mínimo para o modo de falha liquefação. Entende-se, entretanto,
que para este fenômeno se desenvolver, se faz necessária a
ocorrência de um gatilho, o qual pode ser compreendido como
uma solicitação excepcional, de baixa probabilidade, sendo
suficiente um fator de segurança superior ao unitário.

Leshchinsky e Ambauen (2015), entretanto, demonstram a


existência de um erro epistêmico ao método do Equilíbrio
Limite, o qual impõe superfícies de ruptura e subdivide a
massa instável em lamelas que não respeitam o trabalho
cinemático do fenômeno. Os autores compararam resultados
obtidos pelo método do Equilíbrio Limite com resultados de

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Análises Limite Numéricas, as quais são mais rigorosas por
analisarem uma cinemática realista e fornecerem como resultado,
além do fator de segurança, também o mecanismo de ruptura.
Notaram que por vezes o método de Spencer forneceu FS maiores
e menores que o exato. Os resultados mostrados por aqueles
autores indicam que um fator de segurança superior a 1,05 cobre
um possível erro envolvido no método de cálculo utilizado.

Por outro lado, a metodologia de Olson (2001) para análise de


liquefação possui incertezas epistêmicas por não representar
adequadamente o fenômeno de liquefação estática. Entretanto,
por ser um método semi-empírico, ele é seguro quando aplicado
dentro do cenário para o qual foi criado.

Apesar desses alertas, a equipe geotécnica local não atuava para c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

evitar um gatilho. Em depoimento na CPI, Cristina Malheiros, conhecida


como “mãe” da Barragem, expõe um raciocínio incoerente:

A SRA. CRISTINA MALHEIROS – Excelentíssima, uma


barragem alteada por montante não poderia sofrer com
sismos no maciço dela. Isso é um possível gatilho a um
processo de liquefação. Eu não tinha nenhum documento que me
delimitasse uma distância de detonações para atuações no
entorno dessa barragem. Nenhum dos auditores, nem consultores
me apresentaram um valor limite para que isso não acontecesse.
E eu não tinha uma solicitação de que não fossem realizadas
234

detonações na cava. [...] Eu não tive nenhuma orientação de


que fossem paralisadas as detonações na cava. [grifos nossos]

Isso denuncia uma preocupante alta tolerância ao risco.


Detonações por si já alteram as condições físicas estudadas pela empresa

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auditora no momento de feitura do laudo, e poderiam deflagrar o processo
de liquefação.

Isso é grave, considerando que a investigação mostra que a


assinatura da DCE era condicionada à adoção das recomendações indicadas
na RPSB de julho de 2018. Foi o que o engenheiro Makoto Namba, que
assinou a DCE de setembro de 2018, informou em seu depoimento perante
a Polícia Federal (citado na decisão de prisão temporária do juiz de Direito

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Rodrigo Heleno Chaves, de 13 de fevereiro de 2019), depoimento esse
corroborado por e-mail enviado pelo mesmo a outros técnicos da TÜV SÜD,
de maio de 2018 (também citado na referida decisão).

Em um dos e-mails internos do engenheiro Arsenio Negro,


datado de 15 de maio de 2018 – constante dos autos da ação de
responsabilidade de pessoa jurídica ajuizada pelo MPMG em face da
empresa TÜV SÜD (Processo no 5000218-63.2019.8.13.0090), que resultou

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na suspensão das atividades da empresa no Brasil –, colocam-se dúvidas
sobre a metodologia: “[...] o tempo está contra nós. Além disso temo que não
teremos uma posição técnica definitiva tendo em conta o método que usamos
para avaliar liquefação”. Em outro e-mail, na mesma data, deixa o
engenheiro claro que o assunto “liquefação” era pouco conhecido e estudado,
e que a empresa poderia investir na área.

No depoimento de Makoto Namba, de 25 de fevereiro de 2019,


perante a Polícia Civil e o MPMG (constante dos autos da ação de
responsabilidade ajuizada contra a TÜV SÜD), ele cita que outros métodos
235

“que não Olson” foram utilizados para tentar classificar camadas suscetíveis
e não suscetíveis de liquefação, e que Arsenio Negro chegou a lhe mostrar
artigo científico sobre um erro intrínseco no já referido método de
“Equilíbrio Limite” em relação ao fator de segurança. De qualquer forma,
Namba ratifica no depoimento que a Vale havia prometido adotar as

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recomendações da revisão periódica, “apesar da morosidade da
implementação das medidas recomendadas”.

Em nota pública da TÜV SÜD após o rompimento


(“Informações sobre a Segurança de Barragens de Rejeitos”, de 18 de
fevereiro de 2019, assinada pelo CEO Marcelo Pacheco), a empresa colocou
em dúvida a confiabilidade do modelo de DCEs usado pelo governo
brasileiro, o qual não mede riscos, e, portanto, não traz garantias contra riscos

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relevantes que podem levar à perda de vidas e danos ambientais graves.

Relacionado a isso está o problema de conflito de interesses


envolvendo a TÜV SÜD e a Vale: a empresa auditora prestava outros
serviços para a empresa auditada. Havia um gerente executivo envolvido
diretamente na questão, Alexandre Campanha (de Geotecnia Corporativa),
situado logo acima de Washington Pirete e Marilene Lopes.

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Foi um dos diretores da empresa, Gerd Poppinga (diretor
executivo de Ferrosos), que reconheceu na CPI que nada fez sobre o conflito
de interesses:

O SR. GERD POPPINGA – Excelência, primeiramente, eu acho


que os órgãos de fiscalização, como a ANM, por exemplo, são
muito competentes. Agora, vamos também admitir e vamos dizer
também que faltam alguns recursos para esses órgãos, para
fiscalizar de uma forma mais rotineira. São poucos os recursos
que eles têm. Eu acho que essa fiscalização tinha que se dar de
uma forma diferente. Acho que não só basta a empresa
apresentar alguma coisa, um auditor independente atestar
alguma coisa, mas tinha que se verificar se há conflito de
236

interesse, porque uma das suspeitas é que houve conflito de


interesse. [grifo nosso]

Em decisão liminar, de 9 de maio de 2019, a Justiça de Minas


Gerais decretou a indisponibilidade dos bens, direitos e valores da empresa
TÜV SÜD e a suspensão de suas atividades no Brasil (Processo no 5000218-

SF/19193.51040-43
63.2019.8.13.0090).

Em relação ao conflito de interesses, e-mail de Makoto Namba


para outro engenheiro, Arsenio Negro Junior, datado de 13 de maio de 2018
– constante dos autos da referida ação de responsabilidade de pessoa jurídica
ajuizada pelo MPMG em face da empresa TÜV SÜD –, traz informações
importantes: a) que os estudos de liquefação da Barragem I concluiriam por
fator de segurança inferior ao mínimo de 1,3 para a seção de maior altura da

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barragem, e a consequência seria a imediata paralização das atividades da
Mina Córrego do Feijão; b) que as soluções sugeridas só surtiriam efeito de
2 a 3 anos (rebaixamento do lençol freático, remineração do rejeito etc.); c)
que situação semelhante vinha acontecendo com a Barragem Forquilha III,
sob responsabilidade da empresa VOGBR, mas que a DCE seria assinada
com base em promessas de intervenções de melhoria; d) que havia pressão
da Vale (“a Vale irá nos jogar contra a parede e perguntar: e se não passar,

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irão assinar ou não?”); e e) que esperaria a “resposta da Corporação”, com
base nas posições técnicas dos engenheiros.

Outro e-mail, do engenheiro Vinicius Wedekin (de 15 de maio


de 2018), ratifica a pressão da Vale: “Como fica a credibilidade dos
resultados? Sempre que não passar a Vale vai envolver uma outra empresa,
até ter um resultado benéfico para ela?”

O conflito de interesses desponta em trocas de e-mails


envolvendo os funcionários Bárbara Chiodeto, Arsenio Negro, Vinicius
237

Wedekin e Makoto Namba, quando se menciona que a empresa tinha 3


contratos ativos com a Vale e nos quais transparece haver interesse
estratégico em ocupar espaço mercadológico em face da concorrência com
outras empresas também detentoras de contratos com a Vale. Nos autos do
Processo citado, são elencados, ao todo, 6 contratos celebrados entre a Vale

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e a TÜV SÜD.

E-mails de Arsenio Negro, constantes dos mesmos autos,


informam que houve uma reunião com um dos diretores da TÜV SÜD alemã,
Chris Meier (que vinha mensalmente ao Brasil), sobre a B1, no dia 17 de
maio de 2018. Wedekin confirmou a reunião em depoimento à Polícia Civil.
A reunião contou com a presença dos engenheiros Makoto e Marlísio. E-
mails prévios a essa reunião, de Arsenio Negro e Vinicius Wedekin, são

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claros ao informar que seria importante deixar Meier a par dos resultados
técnicos relativos à segurança e em relação à pressão da Vale. E-mail de
Wedekin de 15 de maio chega a informar ainda que o CEO da empresa,
Marcelo Pacheco, estava ciente da situação, mas estaria “refutando” o
problema.

Falta de informação

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A Vale não tinha completo conhecimento sobre a Barragem I.
Tratava-se de uma barragem antiga, com sucessivos alteamentos feitos com
técnica mais barata e menos segura (de montante), e sem documentação
histórica suficiente (projetos de construção e informações sobre datas,
características geotécnicas e tipos de ensaios realizados). A RPSB de julho
de 2018 menciona divergências documentais sobre os alteamentos e
nomenclatura confusa (sem garantias de que os projetos executivos tenham
sido implantados em sua totalidade), assim como incerteza sobre o sistema
238

de drenagem interna, poucos dados sobre as fundações da barragem, e


informações não confiáveis sobre os alteamentos iniciais.

Apenas nos dois últimos alteamentos, de um total de dez, feitos


entre 1982 e 2013, foram seguidas regras internacionais para execução.

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Antes do rompimento da barragem, alguns dados eram
conhecidos da literatura especializada (conforme revisão da literatura
constante do Relatório da WMTF):

a) Conhecimento inadequado de mecanismos de rompimento


em barragens não-drenadas leva a liquefação estática com
consequências graves em 50% dos casos;

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b) Imprecisões sobre as características do local (geológicas e
geotécnicas) é um fator encontrado em 40% dos casos;

c) Prática regulatória considerada apropriada não preveniu os


acidentes investigados;

d) Causa dominante dos rompimentos surge de deficiências


em práticas de engenharia, associada com o espectro de
atividades relacionadas a design, construção, controle de

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
qualidade, entre outros;

e) Fator de segurança é usado para quantificar a segurança de


uma barragem, mas não está diretamente correlacionado ao
risco de rompimento. Por exemplo, uma barragem com fator
1,4 não necessariamente apresenta probabilidade maior de
romper do que uma barragem de fator 1,6. Uma barragem
com um nível de água consistente com um fator 1,5 poderia,
239

ainda assim, apresentar um alto risco de rompimento por


liquefação estática;

f) Fatores de segurança mínimos recomendados atualmente


não levam em conta a qualidade dos inputs feitos na

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barragem (qualidade da ingerência de engenharia e
manutenção);

g) Uma das grandes deficiências encontradas no sistema de


monitoramento de barragens de rejeitos é a inabilidade para
detectar o nível da água, o grau de saturação e de sucção dos
rejeitos.

Esse último aspecto impressionava funcionários da Vale.

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Conforme o geotécnico César Grandchamp:

O SR. CÉSAR AUGUSTO PAULINO GRANDCHAMP – [...]


O rebaixamento do nível da água, além de aumentar o fator de
segurança, era uma atividade essencial para o desmonte da
barragem. A senhora imagina, o nível dava a 10 metros de onde a
gente andava.

Imagem de satélite de julho de 2011 já mostrava problemas de


drenagem na barragem e saturação crescente (Relatório da WMTF), o que

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foi confirmado pelo RPSB da TÜV SÜD de julho de 2018, que enfatiza o
problema de drenagem dentro da barragem. A TÜV SÜD ainda chamou a
atenção para uma nascente de água a montante do reservatório.

Foi realizada obra para direcionamento da água da nascente para


um sistema extravasor. Contudo, a TÜV SÜD informou que o sistema
implantado apresentava capacidade limitada, não capaz de controlar todo o
aporte esperado para o período chuvoso. Os meses de novembro e dezembro
na região apresentaram níveis de chuvas acima da média histórica.
240

Na RPSB de setembro de 2018, a TÜV SÜD recomendou a


instalação de piezômetros multiníveis com o intuito de confirmar a existência
de lençóis empoleirados no rejeito da barragem. No mesmo documento a
empresa chamou a atenção para um bloco de canga (estrutura de rochas) no
pé da barragem, cuja movimentação poderia constituir gatilho para

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liquefação. Um geólogo da empresa já havia chamado a atenção para o
referido bloco em uma inspeção feita em julho de 2018. Em razão disso,
Joaquim Toledo, gerente executivo de Geotecnia Operacional, chegou a
escrever em e-mail que a Barragem I era “mais tenebrosa” do que imaginava.

O evento do faturamento hidráulico na instalação do DHP 15


em junho de 2018 deveria ter funcionado como forte alerta. Houve forte
vazão de água após escavações simples terem sido feitas na barragem. A

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TÜV SÜD recomendou duas soluções para baixar o lençol freático e
aumentar a segurança: os DHPs e uma berma de reforço (espécie de muro de
contenção). Esta última – constante do projeto de descomissionamento –
seria mais eficaz; contudo, era muito mais cara e ainda poderia prejudicar a
produção da Mina Córrego de Feijão.

Gerd Poppinga, em seu depoimento à CPI, informou que uma


das mudanças de governança da empresa após a tragédia de Mariana foi

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liberar limites de alçada a gerentes executivos e gerentes para que pudessem
investir de forma autônoma em projetos que julgassem necessários para a
segurança. Assim, o gestor local tem o limite de até US$ 10 milhões (ou
cerca de R$ 40 milhões), para investir em suas instalações sem ter que pedir
autorização à Diretoria.

Ao mesmo tempo, conforme informações obtidas pela CPI, a


remuneração dos diretores e gerentes da Vale é feita da seguinte forma: 60%
241

é relativo à geração de caixa; 10%, saúde e segurança; 10%, sustentabilidade;


20%, iniciativas estratégicas.

Ou seja, dado o desativamento da barragem em 2016 – e uma


barragem desativada tende a secar mais rapidamente, o que eleva

SF/19193.51040-43
naturalmente sua segurança no tempo –, havia um incentivo para o gestor
evitar gastos altos com segurança (risco moral). Além disso, a empresa busca
conquistar espaço mercadológico diante de outras grandes produtoras de
minério, como BHP e Rio Tinto, e, assim, otimizar seus gastos o máximo
que pode.

No depoimento do engenheiro da TÜV SÜD Makoto Namba,


de 25 de fevereiro de 2019, perante a Polícia Civil e o MPMG (constante dos

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autos do referido Processo no 5000218-63.2019.8.13.0090), ele afirma que
“havia uma confiança técnica por parte da TÜV SÜD por entender que
a barragem estava inativa e havia uma tendência natural de aumento no
fator de segurança para liquefação”.

A mineração desse tipo de barragem faz uso de água para


beneficiar o material. Por isso que no processamento do minério de ferro, o
rejeito tem alta umidade e característica de lama. Uma barragem desativada

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não recebe mais rejeitos (formados basicamente de ferro, sílica e água),
apenas contém o material, a partir de então mais seco, com muito menos
porção líquida. Em teoria, seria mais estável e muito menos propensa a
ruptura do que uma barragem ainda em atividade.

A atividade de disposição de rejeito de minério de ferro em


barragens é classificada pela legislação como de grande potencial poluidor.
A Barragem I possuía a maior classe da legislação: Classe 6. A atividade de
descomissionamento é considerada pela legislação mineira de médio
potencial poluidor, e a Barragem I se enquadrava na Classe 4.
242

Apesar do ganho teórico em estabilidade com a desativação, a


barragem não pode ficar abandonada, sem inputs de manutenção. Sem as
medidas de descomissionamento, tenderia naturalmente a romper.

Outro alerta foi as leituras anômalas do radar interferométrico

SF/19193.51040-43
em novembro de 2018, que apontava deformação crescente invisível ao olho
nu.

Outro evento que deveria ter chamado a atenção da equipe da


Vale foram as leituras anômalas dos piezômetros em janeiro de 2019. E tais
leituras (do radar e dos piezômetros) foram colhidas após o alerta feito no
PIESEM de outubro sobre o alto risco de rompimento de Barragem I. O fato
de ser uma barragem alteada a montante tornava a situação ainda mais

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perigosa. A drenagem é mais difícil de executar e monitorar numa barragem
desse tipo.

Poucos dias antes do rompimento, quase metade dos


piezômetros, que oferecem informação sobre a pressão da água, estavam
sendo automatizados (46 de um total de 94). Os piezômetros apresentavam
leituras inconsistentes, e cinco deles não estavam funcionando. Confirmou-
se depois, no Parecer técnico da IBPTech (IBP19018, de fevereiro de 2019),

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que as discrepâncias resultaram de visualização incorreta dos dados
coletados nos sensores piezométricos, ocorrência que foi provocada por erro
na configuração de partes do sistema.

Ou seja, a empresa ficou, durante ao menos 15 dias sucessivos,


sem leitura da pressão da água numa barragem na Alarp zone com alto risco
conhecido de liquefação (“histórico de elevado nível piezométrio”, conforme
informado por Felipe Rocha em seu painel no PIESEM). Ainda assim não
enviou técnicos a campo para checagem e optou por não evacuar a região.
243

O procedimento padrão, segundo informou Alexandre


Campanha à Polícia Federal (citado na decisão de prisão temporária do juiz
de Direito Rodrigo Heleno Chaves, de 13 de fevereiro de 2019), após
detectado o problema de leitura dos piezômetros, “seria a equipe ir
imediatamente a campo para verificar as condições físicas da barragem e

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fazer a leitura manual dos instrumentos”. Ainda complementou dizendo que
se seu filho estivesse trabalhando nas proximidades, iria comunicá-lo para
deixar o local.

Foi informado no depoimento de Washington Pirete ao


Ministério Público de Minas Gerais – MPMG (citado na decisão de prisão
temporária do juiz de Direito Rodrigo Heleno Chaves, de 13 de fevereiro de
2019) que o engenheiro geotécnico, com anuência de seu gestor imediato,

Página: 243/398 02/07/2019 09:20:28


era responsável pelo acionamento do plano de emergência (PAEBM). No
caso, conforme o depoimento, o engenheiro responsável era Renzo Albieri
Carvalho e sua equipe, integrada por Artur Ribeiro e Cristina Malheiros, e
que Joaquim Toledo deveria necessariamente participar, na condição de
gerente executivo de Geotecnia Operacional.

Em reforço, Cesar Grandchamp, também em depoimento ao


MPMG, informou que a ART de monitoramento e inspeção da barragem era

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feita pelo “pessoal do Renzo”, e todas as ocorrências eram repassadas a
Joaquim Toledo.
244

Equi pe TUV SUD


(Ma koto Namba, André
Ya s suda e outros)

Joa quim Toledo Equi pe Operacional Vale


(Cri s tina Ma lheiros,
(Ger. Exec. Geotecnia Artur Ri beiro, César
Opera cional) Gra ndchamp)

SF/19193.51040-43
Renzo Ca rvalho (Ger.
Geotecnia)

Conforme depoimento de Silmar Silva, diretor de Operações de


Corredor Sudeste, na CPI, “qualquer gestor e qualquer funcionário têm
poder de interditar e evacuar área se tiver qualquer iminência de risco”.

Quando um empreendimento cai na zona de risco social

Página: 244/398 02/07/2019 09:20:28


inaceitável, como visto no item 4.1, o empreendedor pode adotar três
estratégias: diminuir a frequência (melhorar os inputs – aumentar a
segurança dos equipamentos e instalações, por exemplo), diminuir as
fatalidades (retirar pessoas da área que seria atingida pelo acidente), ou as
duas coisas juntas. No caso da Barragem I, a Vale não reforçou a barragem,
não retirou o restaurante e as unidades administrativas do caminho da lama,
não mandou evacuar a área.

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Na apresentação de Felipe Rocha, foi mostrado que com o uso
de sirenes de emergência poderiam ser evitadas quase todas as mortes. A
Vale instalou sirenes sem, contudo, avaliar a efetividade do sistema. Mesmo
sabedora que as sirenes poderiam salvar centenas de pessoas, a empresa não
colocou redundâncias que evitassem falhas do sistema. Na hora do acidente,
as sirenes não tocaram.

Falta de fiscalização
245

A Agência Nacional de Mineração (ANM) não conta com


orçamento, tecnologia e quantidade suficiente de pessoal capacitado para
fiscalizar as barragens e a gestão das empresas em relação a elas. A ANM
recebe menos do que 1% dos 7% da Compensação Financeira pela
Exploração de Recursos Minerais (CFEM) a que tem direito por força da lei.

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O evento do fraturamento hidráulico em junho de 2018 mostrou
que a Vale podia registrar qualquer coisa via SIGBM, como lhe conviesse
(como a mudança de grau de percolação, de 6 para 3), sem que os órgãos
fiscalizadores oferecessem reação. Em suma, o sistema de fiscalização da
ANM é eminentemente cartorial.

Um diretor executivo da Vale, Gerd Poppinga, reconheceu a

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ineficiência da fiscalização:

O SR. GERD POPPINGA – Excelência, primeiramente, eu acho


que os órgãos de fiscalização, como a ANM, por exemplo, são
muito competentes. Agora, vamos também admitir e vamos dizer
também que faltam alguns recursos para esses órgãos, para
fiscalizar de uma forma mais rotineira. São poucos os recursos
que eles têm.

Prevenção x dano

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A análise de risco apresentada por Felipe Rocha em 2017 previa
algo em torno de 300 mortes sem sirenes no caso de rompimento da
Barragem I. O número real ficou bem próximo disso.

Figura 6 – Potencial de perda de vidas (sem sirenes)


246

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Fonte: Slides da apresentação de Felipe Rocha no PIESEM, novembro de 2017.

Com base no já citado relatório sobre o custo das vidas com fins
à indenização (item 4.1), equivaleria a US$ 780 milhões, ou cerca de R$ 3
bilhões atualmente.

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Em nota pública, a Vale informou que as ações de
descomissionamento de todas as barragens a montante (para descaracterizar
as estruturas como barragens de rejeitos e reintegrá-las ao meio ambiente)
levariam 3 anos e custariam R$ 5 bilhões. A Barragem I demandaria o
pagamento de cerca de R$ 3 bilhões em indenizações apenas pelas mortes
(sem computar o dano ambiental e outros custos decorrentes), adotando-se
os parâmetros do estudo da própria Vale. Após a tragédia, a empresa
informou provisões no valor de cerca de R$ 17 bilhões para o acidente.
247

Em direito, uma das ferramentas usadas para se atribuir


responsabilidade é a conhecida Fórmula de Hand: B = PL. A fórmula instrui
as potenciais partes culpadas a basear seus níveis de precaução em três
variáveis: (a) a probabilidade P de que um acidente ocorrerá; (b) a magnitude
L (loss) do dano resultante, se ocorrer algum acidente; e (c) o custo das

SF/19193.51040-43
precauções B (burden) que reduziriam o dano esperado. As partes devem
considerar essas variáveis em uma análise comparativa de custo-benefício,
antes de se envolverem em atividades que possam resultar em acidentes
dispendiosos, para determinar níveis eficientes de cuidado e controle.

Quando o custo de um acidente (o custo monetário do dano L,


multiplicado pela sua probabilidade de ocorrer P) excede os custos de
prevenção B, então é possível responsabilizar o agente, uma vez que poderia

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ter evitado (ou minimizado) o acidente a um custo mais baixo. Estamos
diante de um caso em que os dados eram conhecidos ex ante, de L alto e P
duas vezes maior do que o nível mínimo aceitável, resultando em B < PL, o
que aponta para responsabilização.

No relatório da empresa sobre os custos das vidas em jogo, o


cálculo foi feito na margem do risco. Mas a empresa operava além da
margem do risco.

Mesmo se não houvesse licença ambiental para realizar certas c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

ações, a proteção contra perdas em larga escala de vida e de dano ambiental,


ainda que ao custo de danos menores, estaria acobertada pela excludente de
ilicitude do estado de necessidade (art. 23, I do CP). A lei penal considera
em estado de necessidade quem pratica fato criminoso para salvar de perigo
atual direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias dadas, não
era razoável exigir-se. Ou seja, para salvar um bem jurídico próprio e/ou de
terceiro, exposto a uma situação de perigo, sacrifica-se outro bem jurídico.
248

As medidas para aumentar a segurança da barragem propostas


pela TÜV SÜD – como a berma de reforço, a remineração de rejeitos e os
poços de rebaixamento – não chegaram a ser implementadas, conforme
depoimento de Washington Pirete ao MPMG, citado na decisão de prisão
temporária do juiz de Direito Rodrigo Heleno Chaves, de 13 de fevereiro de

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2019. Pirete informou que apenas ao final de 2018 foi pensado o projeto de
descomissionamento, e a execução das medidas só se dariam a partir de
junho/julho de 2019.

5.4. Defeito de organização

O caso de Brumadinho evidencia que o crime não pode ser


separado da estrutura e dinâmica organizacional da empresa. A omissão que

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gera e retroalimenta a situação de risco proibido se dá em escala,
atravessando vários níveis corporativos, sem que seja interrompida. Trata-se
de uma deficiência de governança, ou, conforme a doutrina jurídica, um
defeito de organização (Klaus Tiedmann, Punibilidad y Responsabilidad
Administrativa de las Personas Jurídicas y de sus Órganos, 1988). A
omissão ilegal se dá por defeito organizativo da empresa que poderia e
deveria ter evitado o resultado danoso.

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Organizações, como as empresas, são estruturas que alinham
incentivos e interesses de grupos de pessoas. Governança e compliance
devem gerar incentivos para o cumprimento das normas vigentes em uma
dada sociedade.

A Vale mudou sua estrutura organizacional após a tragédia de


Mariana em 2015, com vistas a, segundo um de seus diretores executivos,
torná-la mais eficiente para prevenir danos dessa magnitude.

O SR. GERD POPPINGA – Excelência, como eu disse, eu


mesmo criei uma nova área dentro da Vale fora das operações,
249

para haver neutralidade, que se chamava gestão de barragens –


uma espécie de primeira linha de defesa para, de uma certa
forma, auditar, uniformizar os critérios –, que é a área do
Alexandre Campanha, que responde ao Lúcio Cavalli. Então,
essa é a primeira linha de defesa.

A própria Vale, depois, criou uma segunda linha de defesa

SF/19193.51040-43
chamada GRN (Gestão de Riscos de Negócio), aí, sim, ligada não
à minha diretoria, mas ligada ao meu colega e par, Luciano Siani,
Diretor Financeiro, onde não somente barragens eram analisadas,
mas também todos os riscos de negócios. Por exemplo, um
navio podia afundar, um trem de passageiro podia
descarrilhar... Isso também era analisado nesse aspecto.

Então, a governança foi montada imediatamente após o evento


Samarco de uma forma que chegassem... Isso era reportado à
Diretoria Executiva de forma regular. A GRN, a Gestão de
Riscos de Negócio, era reportada mensalmente à Diretoria
Executiva, e eu tinha semanalmente reuniões com os meus
subordinados operacionais, porque são eles que tinham a
informação da gerência de riscos e são eles que são os

Página: 249/398 02/07/2019 09:20:28


responsáveis. O pessoal da ponta é responsável pela segurança
da barragem. Então, ao ter reunião semanal com essas pessoas,
eu tinha todas as informações necessárias para saber se havia
algum problema mais grave. [grifos nossos]

Ou seja, duas linhas de defesa montadas para fazer a informação


circular de forma mais eficiente, com reuniões mensais entre o pessoal que
analisava e pensava o risco e a diretoria executiva, assim como reuniões
semanais entre o pessoal operacional (da ponta) e a diretoria executiva.

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Como parte dessa nova estratégia organizacional, foi proposta a
desativação de todas as barragens a montante e maior autonomia para os
gerentes.

O SR. GERD POPPINGA – Posso assegurar a V. Exas. que


segurança sempre foi minha prioridade na Vale. Em 2016, fui eu
que propus a desativação de todas as barragens a montante da
Vale. Também foi minha a decisão de criar a Gerência de Risco
Geotécnico da Vale. Outra iniciativa foi a de liberar limites de
alçada a gerentes executivos e gerentes para que eles pudessem
investir de forma autônoma em projetos que julgasse m
necessários ou aplicáveis à segurança. Com isso, o gestor local
tem o limite de até US$10 milhões, ou quase R$40 milhões, para
250

investir em suas instalações sem ter sequer que pedir autorização


à Diretoria.

Contudo, o mesmo diretor executivo, com toda a informação


disponível, (a) não tomou providências em relação ao conflito de interesses
entre a empresa auditora (TÜV SÜD) e a Vale (cujo contrato era gerido pelo

SF/19193.51040-43
setor de Alexandre Campanha) – segundo suas próprias palavras na CPI,
“não é boa prática”; (b) disse que não foi informado do fraturamento
hidráulico de junho de 2018; (c) disse desconhecer apresentações que
apontavam risco de instabilidade; (d) afirmou, mesmo com a experiência
com a barragem que rompeu em Mariana, confiar “piamente” nos laudos de
estabilidade; e (e) disse desconhecer o diagnóstico feito sobre a segurança
das barragens pela equipe do diretor de Estratégia, Juarez Saliba.

Página: 250/398 02/07/2019 09:20:28


O resultado prático do tal “diagnóstico” foi o seguinte:

O SR. GERD POPPINGA – [...] O resultado desse diagnóstico


foi: teve várias pequenas mudanças organizacionais, várias
sugestões na parte estratégica da Vale. E, principalmente,
relacionado à pergunta de V. Exa., foi analisada a nova
governança proposta para este assunto de barragens. Pelo que eu
sei, o Juarez Saliba e outros profissionais acharam que a
governança nova, com a criação da área de gestão de riscos
geotécnicos, justamente com Alexandre Campanha, estava
bem encaminhada. [grifo nosso]

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Uma nova governança. E uma nova tragédia pouco mais de 3
anos depois.

Conforme o diretor de Operações do Corredor Sudeste, Silmar


Silva, a empresa buscava maior autonomia gerencial:

O SR. SILMAR SILVA – Excelência, como eu expressei na


minha fala inicial, existe essa segregação de função das auditorias
numa outra diretoria, exatamente para poder haver um outro
olhar de fora da operação. E assim foi feito. Toda a contratação
de auditoria era feita numa outra área. [grifo nosso]
251

Isso só é possível com informação à disposição. A “nova


governança” só tem sentido se a informação circula de baixo para cima,
como garantiu Gerd Poppinga. Os e-mails mapeados pela investigação
evidenciam que sim – havia essa circulação. Após a segunda tragédia,
contudo, foi comum ouvir nas oitivas da CPI o argumento da falta de

SF/19193.51040-43
informação.

Ambos os diretores, Poppinga e Silva, focam o setor de


Alexandre Campanha em suas falas. Felipe Rocha forneceu uma informação
importante em seu depoimento: “No caso da Barragem I, a análise de risco
foi realizada pela TÜV SÜD em consórcio com a empresa Potamos e
Amplo”. Ou seja, a Vale não adotava nenhum modelo oficial de curva de
risco, e a análise de risco da Barragem I não era feita por ela, mas por

Página: 251/398 02/07/2019 09:20:28


empresas contratadas. Ora, para que servia o Comitê Executivo de Riscos da
Vale, liderado por Luciano Siani, diretor executivo de Finanças?

Oportuno olhar mais de perto para a dinâmica organizacional da


empresa.

O SR. SILMAR SILVA – Quanto à operação de barragens, há


uma equipe que cuida das atividades de operação e manutenção,
chamada de equipe operacional, enquanto o monitoramento e as

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inspeções das estruturas cabem às equipes de geotecnia. As
barragens também passam por auditorias de segurança, que são
realizadas sempre por empresas terceiras, altamente
especializadas, que são contratadas diretamente pela área de
Gestão de Riscos e Estruturas Geotécnicas de Ferrosos, que
pertence à Diretoria de Planejamento. O objetivo dessa
desassociação é garantir a separação funcional entre as duas
gerências, a responsável pela auditoria, vinculada à Diretoria
de Planejamento, e a operacional, vinculada à minha
diretoria. [grifos nossos]

A equipe operacional (os técnicos da ponta), César Grandchamp


(que assinou a última DCE) e Cristina Malheiros (com ART de
monitoramento da barragem), mostra claramente em seus depoimentos que
252

atuavam sob total confiança no trabalho da empresa auditora. Essa equipe


deveria inspecionar, controlar e monitorar a barragem, e inspeções formais
precisavam ser reportadas a cada 15 dias para o banco de dados interno da
Vale e para o banco da ANM.

SF/19193.51040-43
O SR. CÉSAR AUGUSTO PAULINO GRANDCHAMP – [...]
No caso da B1, eu recebi um relatório com a RT da empresa
responsável pela emissão do relatório, uma empresa de renome
internacional, que é a Tüv Süd. A geração desse relatório foi
acompanhada tanto pela equipe da geotecnia operacional quanto
pela equipe da geotecnia corporativa. Eles acompanhara m,
discutiram o relatório e aprovaram o relatório. Então, quando
chega para minha assinatura, como representante da Vale, já
passou por três equipes de geotecnia, já chega... E assim já foi
checado se está dentro da norma brasileira, já foi checado se a
metodologia usada foi correta. Então, já chega esse documento
para mim, vamos dizer, com esse aval dado pelas equipes
técnicas.

Página: 252/398 02/07/2019 09:20:28


Sobre a segurança da barragem:

O SR. CÉSAR AUGUSTO PAULINO GRANDCHAMP –


Então, a referência toda nossa era que... E a gente tinha na
cabeça que as nossas barragens tinham fator de segurança
1,3. Na auditoria anterior, ela deu 1,2, quase 1,3. Então, quando
se apresenta um resultado de 1,09 ou 1,1, a questão leva a uma
série de discussões técnicas: qual o padrão utilizado; qual a
metodologia utilizada; por que vocês chegaram a esse valor.
Esse e-mail se refere a esse tipo de embate. É o embate técnico
para justificar por que a barragem passou, em três meses... em seis

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meses, para um fator de segurança de 1,2 – dois ponto alguma
coisa – com um fator de segurança de 1,09. [grifos nossos]

Essa equipe não foi a campo em janeiro de 2019 para checar a


barragem in loco quando estavam sem leitura piezométrica. Essa equipe
deveria alimentar a equipe da TÜV SÜD com informações empíricas sobre
a barragem para subsidiar a análise técnica (história, estrutura etc.).

Cristina Malheiros também parecia confiar totalmente na equipe


da TÜV SÜD.
253

O SR. CARLOS VIANA (PSD - MG) – Mesmo com todas as


recomendações de que a barragem estava em risco, de que havia
problemas lá? Porque uma coisa são detonações em uma área
totalmente segura, outras, a senhora como engenheira sabe, são
detonações em locais onde já há uma indicação de perigo e risco
de que a senhora tinha conhecimento.

SF/19193.51040-43
A SRA. CRISTINA MALHEIROS – Excelentíssimo, essa
recomendação que é colocada é colocada de forma ampla de que
não houvesse detonações e nem nenhum abalo sísmico na
estrutura da Barragem 1. Eu não tive nenhuma orientação de
que fossem paralisadas as detonações na cava. [grifos nossos]

Havia a previsão organizacional de um check and balances, que,


conforme visto acima, não parecia funcionar na prática:

O SR. FELIPE FIGUEIREDO ROCHA – Eu nunca trabalhei


em auditorias. O que ocorria nos trabalhos contratados era que
uma empresa externa independente realizava os trabalhos, emitia

Página: 253/398 02/07/2019 09:20:28


uma versão para comentários, e após os comentários, para ver
se todos os dados disponíveis, se todas as informações tinha m
sido utilizadas, se tinha algum erro de alguma informação do
histórico da barragem, do histórico da estrutura, comentava os
relatórios, enviava novamente para a empresa contratada, a
contratada avaliava os comentários, aceitava os comentários
ou não, e emitia uma nova versão dos relatórios. [...]

V. Exa., a decisão por aceitar os comentários e a pertinência dos


comentários era da empresa contratada. Ela tinha total autonomia
para ver se aqueles comentários eram pertinentes ou não. E para
esses comentários que eram feitos pelos próprios geotécnicos
– no caso da Barragem 1, o geotécnico responsável pela

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estrutura: a Cristina Malheiros –, para elucidar alguns fatos,
algumas questões da barragem que porventura não tinha sido
de conhecimento da TÜV SÜD. [grifos nossos]

Isso foi reforçado por Marilene Lopes, gerente de Riscos


Geotécnicos:

A SRA. MARILENE CHRISTINA OLIVEIRA LOPES DE


ASSIS ARAÚJO – [...] Inclusive é a geotecnia operacional a
responsável por assinar, em conjunto com a empresa especialis ta,
a declaração de estabilidade, exatamente porque ela é a única que
tem condições de dizer se o resultado apresentado é coerente
ou não, se pode ser validado ou não. [grifo nosso]
254

Contudo, a equipe operacional se defendia na seguinte linha:

A SRA. JUÍZA SELMA (Bloco Parlamentar


PSDB/PODE/PSL/PSL - MT) – Assinar se concordar.

O SR. CÉSAR AUGUSTO PAULINO GRANDCHAMP – É.


E eu recebia laudos de barragens sem estabilidade garantida e

SF/19193.51040-43
com estabilidade garantida, sempre baseado na capacidade
técnica das equipes que trabalhavam na emissão do relatório .
Então, eu não tinha nenhum tipo de pressão, fazia parte da função.
[...]

Durante sete meses... Eu vou ser um pouco repetitivo. Durante


esses sete meses, a barragem foi inspecionada quatorze vezes, foi
visitada diariamente, passou por lá Armando Mangolim, Paulo
Abrão, passou por lá três vezes a equipe da TÜV SÜD fazendo
inspeção, uma vez a equipe da Tractebel e, em nenhum momento,
foi colocado que a barragem estivesse em risco. [grifos nossos]

“Em nenhum momento foi colocado que a barragem estivesse

Página: 254/398 02/07/2019 09:20:28


em risco”. E os alertas feitos nos PIESEM de 2017 e de 2018? E as reuniões
semanais com a diretoria executiva?

Marilene Lopes, gerente de Riscos Geotécnicos, informou à CPI


que a sua gerência apenas distribuía informação:

A SRA. MARILENE CHRISTINA OLIVEIRA LOPES DE


ASSIS ARAÚJO – Excelência, não. Os relatórios relativos à
segurança de barragem... O que a gente fazia era a gestão

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administrativa do contrato. A minha área foi criada em janeiro de
2017, quando fui promovida a gerente; eu era uma engenheira
especialista. Em março de 17, o primeiro painel de especialis tas
internacional recomendou que atividades administrativas
relacionadas aos estudos fossem retiradas das geotecnias
operacionais para dar a elas toda a possibilidade de ficar focada e
dedicada à gestão de segurança.

Então, o nosso trabalho era um trabalho de gestão administrativa


desses contratos dessas análises, onde a gente organizava as
reuniões das empresas especialistas com a área operacional, a
gente cuidava dos cronogramas, a gente cuidava das medições das
empresas, e toda a avaliação técnica dos relatórios, que eram
emitidos pelas empresas especialistas, era entregue para cada
dono da estrutura, para cada responsável técnico, para que
255

ele avaliasse, validasse e confirmasse as análises que estavam


feitas. [grifo nosso]

Contudo, identificamos conflito de interesse (empresas


contratadas e Vale) e falta de check and balances (empresas contratadas e
equipe operacional).

SF/19193.51040-43
O risco moral nos parece evidente no seguinte trecho da fala da
gerente, ao falar sobre o bloco de canga, um dos possíveis gatilhos para
liquefação:

A SRA. MARILENE CHRISTINA OLIVEIRA LOPES DE


ASSIS ARAÚJO – [...] Agora, com relação ao bloco de canga,
as análises da revisão periódica e as análises de risco foram
concluídas em julho de 2017. A partir daí, todas as análises que
foram feitas depois foram feitas no contexto do projeto do
descomissionamento da estrutura e no contexto da auditoria

Página: 255/398 02/07/2019 09:20:28


externa. Essas análises... O projeto de descomissionamento de
estrutura era de responsabilidade do Gerente Alessandro
Rezende, e as auditorias, de responsabilidade do Sr. Washington
Pirete, ambos ligados diretamente ao Sr. Alexandre Campanha.
[grifos nossos]

Apesar do que informou Gerd Poppinga, Marilene Lopes


respondeu na CPI que não tinha autonomia para gerir recursos e tomar
decisões:

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A SRA. MARILENE CHRISTINA OLIVEIRA LOPES DE
ASSIS ARAÚJO – [...] O meu é o primeiro nível de gerência, e
é um nível técnico, onde as minhas atribuições estão ligadas ao
suporte para a equipe técnica no desenvolvimento das atividades
dela do dia a dia. Não tenho autonomia de aprovação de
orçamento, não tenho autonomia para contratação direta de
empresas, não tenho nenhuma autonomia de tomada de decisão.
É uma área de organização de informação.

Outras falas evidenciaram que a empresa exercia controle de


cima para baixo. O gatilho “bloco de canga” chegou a Joaquim Toledo,
gerente executivo da Geotecnia Operacional, que pediu explicações para
seus subordinados.
256

O SR. CARLOS VIANA (PSD - MG) – Até ser afastado, era


Gerente Executivo de Planejamento e Programação do Corredor
Sudeste. Portanto, não é alguém que se assusta facilmente com as
coisas. Por isso, pergunto, na sequência aqui: o que havia de tão
assustador na Barragem B1, em julho de 2018? O que o senhor
fez para reduzir os riscos da Barragem B1 depois de ter acesso a
essa informação? O que foi feito em relação ao bloco de canga no
pé da Barragem B1? Uma movimentação daquele bloco poderia

SF/19193.51040-43
ter sido o gatilho da liquefação da barragem? O que foi feito, Sr.
Joaquim? Eu queria que o senhor deixasse claro o que era tão
assustador na B1 que levou uma pessoa experiente como o senhor
a escrever, a colocar isso dentro de um dos seus e-mails.

O SR. JOAQUIM PEDRO DE TOLEDO – Excelência, essa


foi uma situação particular que ocorreu ao receber um e-mail de
um geólogo. Tratava-se de um bloco de formação ferrífera que
estava a jusante da barragem, em terreno natural. Ao receber a
informação do geólogo, eu tive a percepção de que esse bloco
poderia estar conectado à estrutura da barragem. Imediatamente,
usei esse adjetivo e encaminhei ao nosso consultor interno,
Armando Mangolim. Sabendo que ele se encontrava no mesmo

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prédio que eu, eu me dirigi a ele, e ele me esclareceu que se
tratava de um bloco externo de, provavelmente, idade geológica,
ou seja, ele é bem anterior à instalação da barragem e ficava nessa
região. Isso desfez o meu entendimento inicial.

Informação e tomada de decisão. Ele também disse ter sido


informado do fraturamento hidráulico.

Os já referidos e-mails de julho de 2016, quando Gerd


Poppinga, diretor executivo, manda desativar B1, também evidenciam

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acesso a informação e tomada de decisão.

Estabelece o manual de boas práticas sobre barragens de rejeitos


de mineração do Conselho Internacional de Minas e Metais (ICMM, em
inglês), do qual a Vale faz parte: “Os resultados das auditorias independentes
e dos programas de segurança devem ser submetidos ao CEO (Chief
Executive Officer) e ao quadro de diretores da empresa para que possam
realizar adequada fiscalização. O processo de segurança deve ser rigoroso e
não deve ser filtrado pelos setores operacionais e funcionais da organização”.
257

Corroborando o manual, Gerd Poppinga informou à CPI,


quando perguntado se teria deixado de repassar algum relatório ou
documento relacionado à Barragem I ao Presidente da Vale, que “eu nunca
deixei de passar nada ao Sr. Fábio Schvartsman sobre este assunto”.

SF/19193.51040-43
Como visto, informou ainda que a nova governança da empresa,
montada após o desastre de Mariana, foi estruturada para que as informações
chegassem à Diretoria Executiva de forma regular.

Oportuno então trazer um trecho do depoimento do Presidente


da empresa. Ele deixa claro que a todo tempo podia ter agido para mudar o
rumo das coisas.

O SR. FÁBIO SCHVARTSMAN – Senadora, enquanto eu

Página: 257/398 02/07/2019 09:20:28


estava na empresa – lembrando que há 30 dias eu não mais lá
estou –, eu havia tomado a decisão, logo que a Agência Nacional
de Mineração mudou o fator de avaliação de barragens não
drenadas criando um fator de 1.3, de verificar se existia alguma
estrutura da Vale que, numa subsequente auditoria, iria passar por
alguma dificuldade de obter laudo de estabilidade. Naquele
momento, foi identificado um conjunto, que, se não me falha a
memória, era de sete estruturas que, provavelmente, na simulação
que a Vale fez, não atingiriam o fator de 1.3 definido pela Agência
Nacional de Mineração. Naquele mesmo instante, quando essa
informação me chegou, eu determinei que se procedesse ao
aumento do nível de segurança dessas barragens,
independentemente do fato de nós ainda continuarmos com

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
laudos de estabilidade em todas elas. Então, foi naquele momento
que soaram as sirenes e que houve a desocupação de diversas
estruturas, com dezenas de pessoas que acabaram sendo tiradas
da potencial zona de risco. [grifos nossos]

O exposto até aqui denuncia um defeito organizacional de


coordenação de incentivos e ações que não valoriza prevenção, opera fora da
margem de risco aceitável, e não parece incluir em seu plano ético a proteção
de vidas e do meio ambiente.
258

O crime não pode ser separado desse ciclo vicioso


organizacional, principalmente se levarmos em conta que uma tragédia
semelhante já ocorrera, poucos anos antes.

Nesse sentido, são todos coautores numa cadeia causal

SF/19193.51040-43
normativa de imperícia, imprudência e negligência.

No crime culposo, é típica toda conduta que descumpre o dever


objetivo de vigilância e cuidado. Assim, é autor aquele que, violando esse
dever, dá causa ao resultado. Todo grau de causação a respeito do resultado
típico produzido culposamente, mediante uma ação que não observa o dever
requerido no âmbito de relação, fundamenta a autoria do respectivo delito
culposo. Por essa razão não existe diferença entre autores e partícipes nos

Página: 258/398 02/07/2019 09:20:28


crimes culposos.

O que a empresa e seus funcionários poderiam, deveriam e não


fizeram, dada a situação de risco inaceitável e uma tragédia semelhante como
antecedente:

a) instalação dos piezômetros multiníveis;

b) construção da berma de reforço;

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c) construção dos poços de rebaixamento;

d) remineração dos rejeitos;

e) evitação dos gatilhos (detonações, tráfego de caminhões,


etc.);

f) medição dos piezômetros com mais frequência;

g) idas a campo e leitura manual na ausência de leitura


automatizada;
259

h) não desativação em massa de piezômetros para automação;

i) consideração da leitura do radar interferométrico;

j) consideração do período chuvoso com índice pluviométrico


acima da média histórica;

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k) acionamento do plano de emergência (PAEBM) e
evacuação;

l) investimento em sistema eficaz de sirenes;

m) retirada da estrutura administrativa da empresa do local;

n) adoção de uma curva de tolerância ao risco;

Página: 259/398 02/07/2019 09:20:28


o) prevenção contra conflito de interesses.

5.5. Sugestão de indiciamentos

Os elementos probatórios colhidos pela CPI apontam para crime


omissivo impróprio culposo (art. 13, § 2º, c do CP). Tal imputação diz
respeito a crimes em que é preciso que o agente (pessoa física) possua o
dever de agir para evitar o resultado. A posição de garantidor se encontra

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diluída na estrutura organizacional da empresa (como visto no item 5).
“Qualquer gestor e qualquer funcionário”, conforme a diretoria da empresa,
poderia ter dado início ao plano de emergência, e todos eles dispunham de
informação para interromper o curso causal que levava à tragédia.

Como já decidiu o STF, “A causalidade, nos crimes comissivos


por omissão, não é fática, mas jurídica, consistente em não haver atuado o
omitente, como devia e podia, para impedir o resultado” (apud STJ, AgRg
na MC 22.689/MG 2014/0111036-2).
260

O dever de garantia nos crimes omissivos impróprios surge com


a identificação objetiva e precisa da situação de risco concreto ao bem
jurídico protegido. Os dados são abundantes e objetivos, como visto neste
Relatório, localizados no contexto pós-Mariana, com a indicação dos
momentos em que as providências deveriam ter sido adotadas para impedir

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o resultado (mortes e dano ambiental em razão do rompimento da barragem).

Todos os elementos estão presentes para a caracterização da


comissão por omissão imprópria. Havia informação disponível, conforme
todo o exposto:

a) da situação de risco inaceitável;

b) da previsão do resultado decorrente da omissão (inclusive

Página: 260/398 02/07/2019 09:20:28


com previsão do número de mortes e custo da indenização);

c) do nexo normativo de evitação do resultado


(recomendações feitas pela empresa auditora e não
executadas; alertas da literatura científica; não acionamento
do plano de emergência pelos funcionários da empresa).

Há o resultado material (dano social e ambiental) e a posição de

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
garantidor dos termos do art. 13, § 2º, do CP.

Não há elementos suficientes para a caracterização do dolo


eventual. O dolo eventual não se contenta apenas com a assunção do risco,
mas exige, ainda, o elemento volitivo expresso no consentimento do agente
quanto ao resultado produzido, conforme a sua representação subjetiva. O
agente considera o resultado e o aceita de antemão. É importante lembrar que
vários funcionários da empresa morreram no acidente. E havia um
restaurante da empresa no caminho da lama.
261

Não encontramos elementos suficientes para indiciar as


seguintes pessoas, que aparecem no curso das investigações: Ana Lúcia
Moreira Yoda, Arsênio Negro Júnior, Felipe Figueiredo Rocha, Eduardo
Montarroyos e Ricardo de Oliveira, assim como Germano Luiz Gomes
Vieira, secretário de Meio Ambiente de Minas Gerais.

SF/19193.51040-43
As seguintes pessoas não foram convocadas a depor na CPI,
razão pela qual também optamos por deixá-las de fora do rol de
indiciamentos: Artur Bastos Ribeiro, Hélio Márcio Lopes de Cerqueira,
Juarez Saliba de Avelar e Washington Pirete da Silva.

Esta CPI recomenda que seja investigada a participação de


Washington Pirete da Silva nos fatos mencionados, em função das
recorrentes menções ao seu nome nos depoimentos.

Página: 261/398 02/07/2019 09:20:28


Há elementos que corroboram o homicídio e crimes ambientais
por omissão culposa. Os crimes de inundação ou desmoronamento (previstos
nos arts. 254 e 256 do CP) são, dadas as circunstâncias concretas, crimes-
meio. Aplicamos aqui o princípio da consunção. Há relação de consunção
quando um fato definido como crime atua como fase de preparação ou de
execução ou de exaurimento de outro crime mais grave, ficando, portanto,
absorvido por este. A inundação ou desmoronamento é uma etapa da

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
execução, condição para as mortes e o dano ambiental decorrentes.

A pena para o homicídio culposo é de detenção, de um a três


anos (art. 121, § 3º do CP). A pena para a inundação culposa é de detenção,
de seis meses a dois anos (art. 254 do CP). A pena para desmoronamento
culposo é de detenção, de seis meses a um ano (art. 256, parágrafo único, do
CP). São crimes menos graves em relação ao homicídio. O esgotamento do
desvalor está nas mortes e no dano ambiental, daí a absorção.
262

A definição do crime deve se dar pelas consequências da ação,


onde reside o seu desvalor social. O Estado, com a lei penal, quer gerar
dissuasão e prevenção, e, no caso, seu interesse maior é a tutela da vida e do
meio ambiente. O fim último da pedagogia penal no caso sob exame não é
gerar incentivos para impedir futuras inundações ou desmoronamentos, mas

SF/19193.51040-43
impedir futuras mortes e danos ambientais graves.

A gravidade das condutas varia. Depende da posição ocupada


na empresa, poder de decisão, grau de autonomia e proximidade com os
eventos ocorridos. O juiz deve definir o montante de pena e multa no caso
concreto para cada um levando em conta essas circunstâncias.

Em face do exposto, esta CPI, dados os limites da investigação

Página: 262/398 02/07/2019 09:20:28


parlamentar e os elementos probatórios colhidos, sugere os seguintes
indiciamentos:

1) Vale S.A – artigos 38, parágrafo único, e 38-A, parágrafo


único (destruição culposa de flora de preservação permanente e de Mata
Atlântica), e 54, § 1º, combinado com o inciso I do § 2º (poluição culposa
que provoca mortandade de fauna e flora, com inviabilização de área para
ocupação humana), combinados com o art. 3º (responsabilidade penal da

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
pessoa jurídica), todos da Lei nº 9.605, de 1998;

2) TÜV SÜD Bureau de Projetos e Consultoria Ltda. e TÜV


SÜD SFDK Laboratório de Análise de Produtos Eirele – artigos 38,
parágrafo único, e 38-A, parágrafo único (destruição culposa de flora de
preservação permanente e de Mata Atlântica), e 54, § 1º, combinado com o
inciso I do § 2º (poluição culposa que provoca mortandade de fauna e flora,
com inviabilização de área para ocupação humana), combinados com o art.
3º (responsabilidade penal da pessoa jurídica), todos da Lei nº 9.605, de
1998;
263

3) Fábio Schvartsman – artigos 13, § 2º, alínea c, e 70,


combinados com os artigos 121, § 3º (homicídio culposo) e 129, § 6º (lesão
corporal culposa), todos do Código Penal, e artigos 38, parágrafo único, e
38-A, parágrafo único (destruição culposa de flora de preservação
permanente e de Mata Atlântica), e 54, § 1º, combinado com o inciso I do §

SF/19193.51040-43
2º (poluição culposa que provoca mortandade de fauna e flora, com
inviabilização de área para ocupação humana), todos da Lei nº 9.605, de
1998;

4) Gerd Peter Poppinga – artigos 13, § 2º, alínea c, e 70,


combinados com os artigos 121, § 3º (homicídio culposo) e 129, § 6º (lesão
corporal culposa), todos do Código Penal, e artigos 38, parágrafo único, e
38-A, parágrafo único (destruição culposa de flora de preservação

Página: 263/398 02/07/2019 09:20:28


permanente e de Mata Atlântica), e 54, § 1º, combinado com o inciso I do §
2º (poluição culposa que provoca mortandade de fauna e flora, com
inviabilização de área para ocupação humana), todos da Lei nº 9.605, de
1998;

5) Luciano Siani Pires – artigos 13, § 2º, alínea c, e 70,


combinados com os artigos 121, § 3º (homicídio culposo) e 129, § 6º (lesão
corporal culposa), todos do Código Penal, e artigos 38, parágrafo único, e

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
38-A, parágrafo único (destruição culposa de flora de preservação
permanente e de Mata Atlântica), e 54, § 1º, combinado com o inciso I do §
2º (poluição culposa que provoca mortandade de fauna e flora, com
inviabilização de área para ocupação humana), todos da Lei nº 9.605, de
1998;

6) Lúcio Flavo Gallon Cavalli – artigos 13, § 2º, alínea c, e 70,


combinados com os artigos 121, § 3º (homicídio culposo) e 129, § 6º (lesão
corporal culposa), todos do Código Penal, e artigos 38, parágrafo único, e
264

38-A, parágrafo único (destruição culposa de flora de preservação


permanente e de Mata Atlântica), e 54, § 1º, combinado com o inciso I do §
2º (poluição culposa que provoca mortandade de fauna e flora, com
inviabilização de área para ocupação humana), todos da Lei nº 9.605, de
1998;

SF/19193.51040-43
7) Silmar Magalhães Silva – artigos 13, § 2º, alínea c, e 70,
combinados com os artigos 121, § 3º (homicídio culposo) e 129, § 6º (lesão
corporal culposa), todos do Código Penal, e artigos 38, parágrafo único, e
38-A, parágrafo único (destruição culposa de flora de preservação
permanente e de Mata Atlântica), e 54, § 1º, combinado com o inciso I do §
2º (poluição culposa que provoca mortandade de fauna e flora, com
inviabilização de área para ocupação humana), todos da Lei nº 9.605, de

Página: 264/398 02/07/2019 09:20:28


1998;

8) Alexandre de Paula Campanha – artigos 13, § 2º, alínea c,


e 70, combinados com os artigos 121, § 3º (homicídio culposo) e 129, § 6º
(lesão corporal culposa), todos do Código Penal, e artigos 38, parágrafo
único, e 38-A, parágrafo único (destruição culposa de flora de preservação
permanente e de Mata Atlântica), e 54, § 1º, combinado com o inciso I do §
2º (poluição culposa que provoca mortandade de fauna e flora, com

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
inviabilização de área para ocupação humana), todos da Lei nº 9.605, de
1998;

9) Rodrigo Artur Gomes de Melo – artigos 13, § 2º, alínea c,


e 70, combinados com os artigos 121, § 3º (homicídio culposo) e 129, § 6º
(lesão corporal culposa), todos do Código Penal, e artigos 38, parágrafo
único, e 38-A, parágrafo único (destruição culposa de flora de preservação
permanente e de Mata Atlântica), e 54, § 1º, combinado com o inciso I do §
2º (poluição culposa que provoca mortandade de fauna e flora, com
265

inviabilização de área para ocupação humana), todos da Lei nº 9.605, de


1998;

10) Joaquim Pedro de Toledo – artigos 13, § 2º, alínea c, e 70,


combinados com os artigos 121, § 3º (homicídio culposo) e 129, § 6º (lesão

SF/19193.51040-43
corporal culposa), todos do Código Penal, e artigos 38, parágrafo único, e
38-A, parágrafo único (destruição culposa de flora de preservação
permanente e de Mata Atlântica), e 54, § 1º, combinado com o inciso I do §
2º (poluição culposa que provoca mortandade de fauna e flora, com
inviabilização de área para ocupação humana), todos da Lei nº 9.605, de
1998;

11) Renzo Albieri Guimarães Carvalho – artigos 13, § 2º,

Página: 265/398 02/07/2019 09:20:28


alínea c, e 70, combinados com os artigos 121, § 3º (homicídio culposo) e
129, § 6º (lesão corporal culposa), todos do Código Penal, e artigos 38,
parágrafo único, e 38-A, parágrafo único (destruição culposa de flora de
preservação permanente e de Mata Atlântica), e 54, § 1º, combinado com o
inciso I do § 2º (poluição culposa que provoca mortandade de fauna e flora,
com inviabilização de área para ocupação humana), todos da Lei nº 9.605,
de 1998;

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
12) Marilene Christina Oliveira Lopes de Assis Araújo –
artigos 13, § 2º, alínea c, e 70, combinados com os artigos 121, § 3º
(homicídio culposo) e 129, § 6º (lesão corporal culposa), todos do Código
Penal, e artigos 38, parágrafo único, e 38-A, parágrafo único (destruição
culposa de flora de preservação permanente e de Mata Atlântica), e 54, § 1º,
combinado com o inciso I do § 2º (poluição culposa que provoca mortandade
de fauna e flora, com inviabilização de área para ocupação humana), todos
da Lei nº 9.605, de 1998;
266

13) César Augusto Paulino Grandchamp – artigos 13, § 2º,


alínea c, e 70, combinados com os artigos 121, § 3º (homicídio culposo) e
129, § 6º (lesão corporal culposa), todos do Código Penal, e artigos 38,
parágrafo único, e 38-A, parágrafo único (destruição culposa de flora de
preservação permanente e de Mata Atlântica), e 54, § 1º, combinado com o

SF/19193.51040-43
inciso I do § 2º (poluição culposa que provoca mortandade de fauna e flora,
com inviabilização de área para ocupação humana), todos da Lei nº 9.605,
de 1998;

14) Cristina Heloiza da Silva Malheiros – artigos 13, § 2º,


alínea c, e 70, combinados com os artigos 121, § 3º (homicídio culposo) e
129, § 6º (lesão corporal culposa), todos do Código Penal, e artigos 38,
parágrafo único, e 38-A, parágrafo único (destruição culposa de flora de

Página: 266/398 02/07/2019 09:20:28


preservação permanente e de Mata Atlântica), e 54, § 1º, combinado com o
inciso I do § 2º (poluição culposa que provoca mortandade de fauna e flora,
com inviabilização de área para ocupação humana), todos da Lei nº 9.605,
de 1998;

15) Makoto Namba – artigos 13, § 2º, alínea c, e 70,


combinados com os artigos 121, § 3º (homicídio culposo) e 129, § 6º (lesão
corporal culposa), todos do Código Penal, e artigos 38, parágrafo único, e

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
38-A, parágrafo único (destruição culposa de flora de preservação
permanente e de Mata Atlântica), e 54, § 1º, combinado com o inciso I do §
2º (poluição culposa que provoca mortandade de fauna e flora, com
inviabilização de área para ocupação humana), todos da Lei nº 9.605, de
1998;

16) André Jum Yassuda – artigos 13, § 2º, alínea c, e 70,


combinados com os artigos 121, § 3º (homicídio culposo) e 129, § 6º (lesão
corporal culposa), todos do Código Penal, e artigos 38, parágrafo único, e
267

38-A, parágrafo único (destruição culposa de flora de preservação


permanente e de Mata Atlântica), e 54, § 1º, combinado com o inciso I do §
2º (poluição culposa que provoca mortandade de fauna e flora, com
inviabilização de área para ocupação humana), todos da Lei nº 9.605, de
1998.

SF/19193.51040-43
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268

6 PROJETOS DE LEI

O rompimento da barragem de rejeitos do Fundão, operada pela


mineradora Samarco, controlada pelas mineradoras Vale e BHP, no dia 5 de

SF/19193.51040-43
novembro de 2015, em Mariana, Minas Gerais, causou profunda comoção,
no Brasil e no mundo, em razão da morte de 19 pessoas e da destruição do
ecossistema de um rio inteiro, o Rio Doce.

Os danos ambientais foram extensos: mais de 600 quilômetros


de um grande rio e seus afluentes foram impactados pelos rejeitos. A
contaminação extravasou pela foz e adentrou ao mar, atingindo até o
arquipélago de Abrolhos. Além disso, esses danos serão duradouros,
persistirão por décadas e, em alguns aspectos, são irreversíveis. Muitos

Página: 268/398 02/07/2019 09:20:28


especialistas consideram esse desastre ambiental o mais grave já ocorrido no
Brasil38. Chega a ser irônico o fato de a Vale ter utilizado o nome ‘Vale do
Rio Doce’ durante a maior parte de sua história.

Supúnhamos leigamente que tal nível de destruição e de


complexidade na reparação ambiental somente seria possível no caso de um
acidente nuclear ou de um vazamento gigantesco de petróleo. O acidente de

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Mariana, porém, mostrou o quanto nós brasileiros ignorávamos o perigo
representado pelas barragens de rejeitos de mineração. São verdadeiras
bombas-relógio sobre as quais a sociedade e o Poder Público exercem quase
nenhum controle ou fiscalização.

O Congresso Nacional, por evidente, não se omitiu diante da


tragédia de Mariana. Na Câmara dos Deputados, foi criada a Comissão
Externa do Rompimento de Barragem na Região de Mariana - MG

38Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2018/09/12/o-desastre-ambiental.


Acesso em 8 de junho de 2019.
269

(CEXBARRA), cujo Relatório Final39 apresentou um substitutivo para o


Código de Mineração e mais três projetos de lei alterando as Leis nº 12.334,
de 20 de setembro de 2010 (institui a Política Nacional de Segurança de
Barragens – PNSB), nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 (a Lei de Crimes
Ambientais), e nº 12.305, de 02 de agosto de 2010 (institui a Política

SF/19193.51040-43
Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS). Diversos deputados, de forma
individual, também apresentaram projetos de lei tratando da segurança de
barragens de rejeitos de mineração ou de temas correlatos.

No Senado, por sua vez, foi criada a Comissão Temporária da


Política Nacional de Segurança de Barragens. Fruto dos trabalhos no âmbito
dessa Comissão, foi apresentado o Projeto de Lei do Senado nº 224, de 2016,
que continha diversos aperfeiçoamentos à Lei nº 12.334, de 2010.

Página: 269/398 02/07/2019 09:20:28


O resultado dos esforços legislativos, contudo, não foi o que a
sociedade esperava. Não sabemos se o tempo decorrido desde o desastre de
Mariana amorteceu seu impacto na memória dos parlamentares ou se o
poderoso lobby da Vale foi eficaz, mas o fato é que a grande maioria dessas
proposições nem chegou a ser votada e foi arquivada ao final da
legislatura40,41.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Lamentavelmente, ao que parece, os lobistas da Vale são mais
competentes que seus engenheiros geotécnicos. Em 25 de janeiro de 2019,
em Brumadinho, Minas Gerais, outro rompimento de barragem de rejeitos,
a Barragem I da Mina Córrego do Feijão, provocou nova tragédia. Desta

39 Disponível em
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=32CD85B9780907FAEFAE
802DEA4D0E07.proposicoesWebExterno2?codteor=1457004&filename=Tramitacao -
REL+2/2016+CEXBARRA. Acesso em 8 de junho de 2019.
40 Disponível em https://exame.abril.com.br/brasil/apos-mariana-camara-arquivou-22-projetos-de-lei-

sobre-barragens/. Acesso em 8 de junho de 2019.


41 Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/senado-arquivou-projeto-de-lei-que-ampliava-

sancoes-em-acidentes-com-rejeitos-23406184. Acesso em 8 de junho de 2019.


270

feita, com maior gravidade, a perda de vidas humanas foi ampliada para
quase trezentas.

No Congresso Nacional, o roteiro foi semelhante ao seguido


após o desastre de Mariana: a criação de Comissões temporárias, duas na

SF/19193.51040-43
Câmara dos Deputados, a Comissão Externa Desastre de Brumadinho e a
CPI do Rompimento da Barragem de Brumadinho, e uma no Senado, a CPI
de Brumadinho e outras barragens. Além disso, os parlamentares
apresentaram dezenas de projetos de lei sobre a segurança de barragens.

Diante da reincidência de práticas irresponsáveis de mineração,


esperamos que, desta vez, o Parlamento mostre altivez frente ao lobby da
Vale. O Legislativo tem que exercer seu dever constitucional na plenitude,

Página: 270/398 02/07/2019 09:20:28


levando a bom termo a análise das proposições apresentadas e aperfeiçoando
o marco legal da segurança de barragens. De nossa parte, fique certa a
população brasileira de que não esmoreceremos enquanto esse resultado não
for alcançado.

Diga-se, a bem da verdade, que temos boas razões para


depositar nossa confiança no Congresso Nacional. Poucas semanas após o
desastre de Brumadinho, o Senado aprovou, inclusive com nosso voto, o

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Projeto de Lei nº 550, de 2019. Essa proposição, baseada no Projeto de Lei
do Senado nº 224, de 2016, torna a legislação bem mais rigorosa no que tange
à segurança de barragens e à responsabilização dos empreendedores.

Na ocasião da aprovação do Projeto de Lei nº 550, de 2019,


muito embora concordássemos com seus dispositivos, tínhamos a sensação
de que ainda não eram suficientes para tranquilizar completamente a
população com relação à ameaça de novos acidentes com barragens de
rejeitos de mineração. Infelizmente, ao longo dos trabalhos da CPI de
Brumadinho, o que antes era apenas uma sensação tornou-se uma certeza.
271

Novos eventos contribuíram decisivamente para cristalizarmos


nossa convicção. Desde a tragédia de Brumadinho, temos acompanhado as
trágicas consequências de outro tipo de evento com barragens de rejeitos de
mineração, “a ameaça de rompimento”. A população de Barão de Cocais, em
Minas Gerais, cidade situada a jusante da barragem Sul Superior, da Mina

SF/19193.51040-43
de Gongo Soco, de propriedade da Vale, está sendo submetida a um
verdadeiro calvário que inclui: remoção forçada de moradores, ocupação e
destruição de propriedades, sirenes de alarme tocando durante a madrugada,
atividade econômica destroçada, insegurança e desalento quanto ao futuro.
Essas pessoas sofrem um nível de estresse semelhante às populações que
vivem em zonas de guerra.

Barão de Cocais, desafortunadamente, não é um caso isolado.

Página: 271/398 02/07/2019 09:20:28


A própria Vale informa, em relatório preparado a pedido de um grupo de
fundos de pensão da Inglaterra e da Suécia, o número de pessoas
desabrigadas por causa de suas barragens de rejeitos, conforme apresentado
na Tabela 1.

Tabela 1 – Número de desabrigados em razão das barragens de rejeitos da Vale 42 .


Cidade Barragem Pessoas Desabrigadas
Brumadinho Barragem I (rompida) 329

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Barão de Cocais Sul Superior 458
Macacos B3 e B4 316
Nova Lima Vargem Grande 49
Ouro Preto Forquilha I, II, III, Fábrica 4
Total 1.156

42Disponível em http://www.vale.com/EN/investors/information-market/presentations-
webcast/PresentationsWebcastsDocs/Cover%20Letter_consolidated_i.pdf. Acesso em 25 de junho de
2019.
272

A situação é extremamente grave. No final de março de 2019,


cinquenta e seis barragens de rejeitos, sendo dezoito delas da Vale, não
apresentaram a Declaração de Controle de Estabilidade (DCE)43 exigida pela
Agência Nacional de Mineração (ANM). Ou seja, os especialistas não podem
garantir que essas barragens são realmente seguras e que não romperão a

SF/19193.51040-43
qualquer momento. Isso é simplesmente aterrador para todos que habitam a
chamada “mancha de inundação”, nome que a tecnocracia deu àquela área a
jusante das barragens onde as pessoas podem perder a vida e seus bens em
caso de rompimento.

Entretanto, mesmo a obtenção da DCE pelas barragens de


rejeitos não tranquiliza as populações a jusante. Isso é perfeitamente
compreensível tendo em vista que as duas barragens de rejeitos rompidas,

Página: 272/398 02/07/2019 09:20:28


em Mariana e em Brumadinho, eram classificadas como de baixo risco e
tinham laudos de estabilidade assinados por alguns dos maiores expoentes
da geotecnia nacional.

A conclusão que pode ser tirada do quadro terrível apresentado


acima é a de que o Brasil não tem o domínio técnico de barragens de rejeitos
de mineração. Ou, então, se o tem, não o aplica como deveria, seja por
ganância, seja por outro motivo não explicado. Aos olhos dos Senadores que

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
participaram desta CPI, bem como dos cidadãos que nos acompanharam
durante as audiências públicas, viver a jusante de uma barragem de rejeitos
revelou-se uma roleta-russa coletiva. A integridade das barragens de rejeitos
no Brasil parece ser mais uma questão de sorte que de engenharia.

Que não se pense que Brumadinho é o pior cenário possível.


Desastres muito mais graves podem ocorrer com barragens de rejeitos de

43Disponível em https://www.oeco.org.br/blogs/salada-verde/agencia-nacional-de-mineracao-interdita-
56-barragens/. Acesso em 9 de junho de 2019.
273

mineração. E ocorrerão se as decisões corretas não forem tomadas com


urgência. De acordo com a ANM44, existem 769 barragens de rejeitos de
mineração no Brasil, que já acumulam 3,5 bilhões de metros cúbicos de
rejeitos, ou seja, cerca de 300 vezes o volume de material vazado da
Barragem I, em Brumadinho.

SF/19193.51040-43
Algumas dessas barragens de rejeitos são verdadeiros leviatãs.
Por exemplo, a Barragem de Santo Antônio, em Paracatu, Minas Gerais, já
inativa, mas não descomissionada, possui 104 metros de altura (é mais alta
que as torres do Anexo 1 do Congresso Nacional) e contém 400 milhões de
metros cúbicos de rejeitos (mais de 30 vezes o volume vazado em
Brumadinho). São rejeitos altamente tóxicos, contendo arsênio e cianetos,
provenientes da mineração de ouro. Contudo, a mineração de ouro em

Página: 273/398 02/07/2019 09:20:28


Paracatu continua, agora utilizando a barragem Eustáquio, que já alcançou
94 metros de altura e 150 milhões de metros cúbicos de rejeitos, com
previsão de superar os 800 milhões de metros cúbicos com os alteamentos
adicionais já autorizados.

Se houver rompimento de uma dessas barragens, o Município


de Paracatu será duramente atingido e os rejeitos tóxicos podem alcançar o
rio São Francisco 45 e eliminar qualquer vida nele por décadas ou séculos.

Podemos citar muitos outros exemplos, como a Barragem de c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

Germano, em Mariana, Minas Gerais, com 163 metros de altura e 130


milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro, ou o caso da
cidade de Itabira, em Minas Gerais, cercada por 17 barragens de rejeitos de
minério de ferro, que totalizam mais de 430 milhões de metros cúbicos

44 Disponível em http://www.anm.gov.br/assuntos/barragens/pasta -classificacao-de-barragens-de-


mineracao/plano-de-seguranca-de-barragens. Acesso em 9 de junho de 2019.
45 Disponível em: https://g1.globo.com/mg/triangulo-mineiro/noticia/2019/02/09/mpmg-instaura-

procedimento-para-apurar-seguranca-do-maior-complexo-de-barragens-de-rejeitos-do-pais.ghtml.
Acesso em 9 de junho de 2019.
274

acumulados; ou, ainda, Tapira, também em Minas Gerais, onde há seis


barragens de rejeitos da mineração de fosfato, que totalizam mais de 260
milhões de metros cúbicos acumulados. No Brasil todo, são 175 municípios,
distribuídos por 20 estados, assombrados por barragens de rejeitos de
mineração.

SF/19193.51040-43
Como se vê, exemplos do perigo representado pelas barragens
de rejeitos não faltam. O fato inegável é que pessoas e ecossistemas a jusante
de barragens de rejeitos não estão em condições plenas de segurança. Muitos
dizem que esse ônus é justificável diante dos benefícios econômicos da
mineração. Contudo, o ônus recai sobre as costas da população a jusante das
barragens, enquanto os benefícios vão para os acionistas das mineradoras.

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Essa situação desumana e injusta não deve mais encontrar
abrigo na nossa Lei. É chegada a hora de as mineradoras investirem uma
parte de seus lucros fabulosos no desenvolvimento e na adoção de técnicas
de tratamento de minérios que prescindam do uso de barragens de rejeitos.
Já existem tecnologias que lhes permitem dar esse passo. Elas só não são
mais amplamente utilizadas porque as barragens de rejeitos são mais baratas.
A Vale, por exemplo, depois das duas tragédias que provocou, anunciou que
investirá R$ 11 bilhões, nos próximos cinco anos, em instalações de

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
processamento a seco de minério de ferro. 46 Além disso, a mineradora
provisionou US$ 1,9 bilhão para o descomissionamento de nove barragens
de rejeitos nos próximos anos. 47

Em prol da segurança dos brasileiros, decidimos por bem dar


tratamento equivalente às barragens de rejeitos de mineração e às barragens

46 Disponível em https://www.valor.com.br/empresas/6253413/vale-investira-r-11-bi-na-producao-
seco. Acesso em 9 de junho de 2019.
47 Disponível em https://www.valor.com.br/empresas/6297863/vale-provisiona-us-19-bilhao-para-

encerramento-de-9-barragens. Acesso em 10 de junho de 2019.


275

de resíduos industriais, pois apresentam a mesma periculosidade para a


população a jusante e o meio ambiente. Haja vista o vazamento de mais de
um bilhão de litros de lixívia negra, resíduo tóxico resultante da produção de
celulose, do reservatório da Indústria Cataguases de Papel e Celulose, em
2003, na cidade de Cataguases, Minas Gerais. A lixívia negra atingiu os rios

SF/19193.51040-43
Pomba e Paraíba do Sul e alcançou 39 municípios da Zona da Mata Mineira
e oito cidades do Norte Fluminense. O abastecimento de água de 700 mil
pessoas foi interrompido e houve grave destruição da flora e da fauna. Foi o
maior desastre ambiental de Minas Gerais até o rompimento da barragem do
Fundão, em Mariana.

Após tudo que ouvimos e descobrimos nesta CPI, não nos


faltará a coragem política para solucionar definitivamente o problema das

Página: 275/398 02/07/2019 09:20:28


barragens perigosas no Brasil. Não aceitamos adotar medidas meramente
paliativas e aguardar a próxima tragédia ocorrer. Por isso, apresentamos três
projetos de lei.

O primeiro trata da segurança de barragens de rejeitos de


mineração e proíbe o licenciamento ambiental de novas barragens de rejeitos
de mineração e de resíduos industriais e estabelece o prazo máximo de dez
anos para o descomissionamento das barragens ativas e de cinco anos para

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
as inativas. O segundo trata de encargos do setor minerário e cria a
participação especial, nos moldes da que já existe no setor de petróleo, para
aumentar a arrecadação da União, estados e municípios com a mineração.
Por fim, o terceiro projeto de lei trata de crimes contra o meio ambiente e
cria novos tipos penais na Lei de Crimes Ambientais para lidar com condutas
que podem provocar tragédias como as de Mariana e de Brumadinho.
276

6.1 Segurança de barragens de rejeitos de mineração

O projeto de lei que trata da segurança de barragens de rejeitos


de mineração tem a seguinte ementa:

SF/19193.51040-43
“Proíbe o licenciamento ambiental de novas barragens de
rejeitos e de resíduos industriais, estabelece regras de segurança e prazo
para o descomissionamento das barragens de rejeitos e de resíduos
industriais em construção ou existentes, ativas e inativas, e institui a Taxa
de Fiscalização de Segurança de Barragens de Rejeitos (TFSBR). ”

Ao banirmos o uso de barragens de rejeitos e de resíduos


industriais, não queremos inviabilizar a mineração ou qualquer outra
indústria no Brasil, mas apenas impedir que barragens perigosas continuem

Página: 276/398 02/07/2019 09:20:28


a destruir famílias, cidades e rios. O prazo proposto, de dez anos, é bastante
razoável para que os empreendimentos em operação realizem a mudança
tecnológica necessária para o cumprimento da nova Lei. Queremos a
mineração e as indústrias desenvolvidas não apenas com sustentabilidade
econômica, mas também com sustentabilidade social e ambiental.

Além disso, temos que zelar pelo pacto intergeracional. Não


podemos legar aos nossos filhos e netos o passivo ambiental composto por

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
bilhões e bilhões de toneladas de rejeitos de mineração ou resíduos
industriais, perigosamente acumulados em frágeis barragens.

Inclusive, fica aqui uma gravíssima questão para a ANM e as


autoridades ambientais responsáveis: como foi possível licenciar uma nova
e gigantesca barragem de rejeitos da mineração de ouro em Paracatu sem que
a mineradora tivesse sequer iniciado o descomissionamento da barragem
desativada? Demanda uma grande dose de ingenuidade, ou de
pusilanimidade, supor que a mineradora, uma vez exaurida a jazida de ouro
277

que explora, vai fazer os investimentos necessários para descomissionar


barragens que acumularão juntas mais de 1 bilhão de metros cúbicos de
rejeitos tóxicos.

Será que nada se aprendeu com o caso da empresa Mundo

SF/19193.51040-43
Minerais, subsidiária da mineradora australiana Mundo Minerals 48, que
abandonou, em Rio Acima, Minas Gerais, duas barragens com rejeitos da
mineração de ouro? Estas, se vierem a se romper, contaminarão o Rio das
Velhas 49, cuja água abastece a população de Belo Horizonte. A questão foi
judicializada. Entretanto, com o desaparecimento do empreendedor, coube à
Companhia de Saneamento de Minas Gerais o ônus da gestão da segurança
das barragens para evitar o mal maior, a contaminação da água dos belo-
horizontinos.

Página: 277/398 02/07/2019 09:20:28


Em razão de situações como essa, é fundamental iniciar o
descomissionamento das barragens de rejeitos de mineração e de resíduos
industriais inativas com a brevidade possível. Sabemos que esse
descomissionamento não pode ocorrer de imediato, pois é um processo
complexo, que exige estudos aprofundados para ser realizado com
segurança. Esse tipo de intervenção, se mal conduzida, pode até mesmo
provocar o rompimento da barragem.

Para os objetivos desta CPI, importa, então, assegurar que o c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

descomissionamento de barragens de rejeitos e de resíduos industriais seja


precedido de licenciamento ambiental específico. Adicionalmente, essa
licença deve ser acompanhada de Plano de Recuperação de Áreas
Degradadas (PRAD), que visa dar cumprimento ao que estabelece o preceito

48 Disponível em http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-04/sem-operar-desde-2011-
mineradora-e-obrigada-desativar-barragens-em-minas. Acesso em 9 de junho de 2019.
49 Disponível em https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2019/01/31/barragens-com-maior-

potencial-de-dano-do-pais-oferecem-risco-de-contaminacao-quimica-a-manancial-na-grande-bh.ghtml.
Acesso em 9 de junho de 2019.
278

constitucional de que “aquele que explorar recursos minerais fica obrigado


a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica
exigida pelo órgão público competente, na forma da lei” (CF, art. 225, § 2º).

Enquanto não ocorre o descomissionamento de todas as

SF/19193.51040-43
barragens de rejeitos, julgamos de extrema relevância adotar uma série de
cuidados para reduzir ao mínimo o risco de novos desastres provocados por
acidentes com essas barragens.

Entre esses, destacamos a proibição de que o empreendimento


mineiro mantenha instalações, equipamentos e obras que incluam a presença
humana na zona de autossalvamento das barragens de rejeitos de mineração.
A zona de autossalvamento corresponde às áreas a jusante da barragem nas

Página: 278/398 02/07/2019 09:20:28


quais, em caso de rompimento, a onda de rejeitos chegará tão rapidamente
que as pessoas que ali estiverem não poderão contar com ajuda externa para
se salvar.

O desastre provocado pelo rompimento da Barragem I chamou


a atenção de todos pelo elevado número de vítimas fatais, quase trezentas
pessoas, a grande maioria funcionários da Vale. Esses trabalhadores
encontravam-se nas unidades administrativas ou no refeitório do

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
empreendimento, situados a jusante da barragem. Foram todos engolfados
pela torrente de rejeitos. Infelizmente, as sirenes de alerta não foram
acionadas e as vítimas ficaram indefesas diante do triste destino a que foram
condenadas pela negligência homicida da Vale.

Quando se olha o mapa do empreendimento da Mina Córrego


do Feijão, com as unidades administrativas e o refeitório logo abaixo da
barragem, no caminho inescapável do fluxo de rejeitos em caso de
rompimento da estrutura, não é possível deixar de se perguntar por que essas
instalações foram ali colocadas. Não haveria outro local disponível? Essa
279

pergunta ganha tons de acusação quando se sabe que a Vale já havia


estimado, com grande precisão, que cerca de trezentas pessoas morreriam
em caso de rompimento da barragem.

A lógica de nossa proposição é simples: não pode haver

SF/19193.51040-43
instalações ou atividades no empreendimento minerário que impliquem a
presença constante de pessoas na zona de autossalvamento. Assim, mesmo
na eventualidade de um rompimento repentino da barragem, o número de
pessoas vitimadas será menor. A única exceção admitida é para trabalhos
temporários de manutenção e em prol da segurança da barragem.

Infelizmente, apenas após a morte de mais de duzentos


funcionários da Vale, ficou claro para as mineradoras, a ANM e os órgãos

Página: 279/398 02/07/2019 09:20:28


licenciadores que não há nenhum motivo minimamente aceitável que
justifique expor trabalhadores a perigo mortal e previamente conhecido. Essa
proibição já foi colocada em regulamento recente da ANM, mas julgamos
mais prudente insculpi-la na Lei.

Nesta CPI, notamos também que a legislação é falha ao lidar


com a situação daqueles que, como a população de Barão de Cocais, vivem
perto de barragens de rejeitos extremamente inseguras e que ameaçam, a

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
todo momento, gerar uma tragédia humana e ambiental. Para mitigar o
sofrimento das pessoas que são retiradas de seus lares situados na zona de
autossalvamento de barragens de rejeitos em situação de emergência,
propomos que, por iniciativa do proprietário, a mineradora seja obrigada a
indenizá-lo pelo imóvel, passando a ser dona da propriedade. Seria uma
espécie de “desapropriação privada inversa”. Dessa forma, essas pessoas
poderão tentar reconstruir suas vidas em lugar mais seguro.

Também julgamos muito importante romper a relação


econômica direta entre a mineradora e os profissionais responsáveis pela
280

auditoria da segurança das barragens de rejeitos. As oitivas da CPI de


Brumadinho, bem como as investigações realizadas pela força-tarefa que
apura essa tragédia, revelaram a natureza promíscua da relação entre a Vale
e as empresas de engenharia, autoproclamadas independentes, que realizam
as inspeções de segurança das barragens de rejeitos de mineração.

SF/19193.51040-43
Depoimentos e mensagens de e-mail demonstraram os conflitos de interesses
que permeiam os relatórios que atestam a estabilidade dessas barragens.

As empresas de engenharia são pressionadas pela Vale a emitir


laudos favoráveis à mineradora sob ameaça de perderem contratos
milionários. Estes envolvem não só a inspeção de dezenas de barragens, mas
também outros serviços especializados e muito bem remunerados. Nesse
ambiente de coerção econômica, evidentemente, não há espaço para a

Página: 280/398 02/07/2019 09:20:28


independência técnica. Os auditores vão afrouxando seus critérios até que
barragens decrépitas e inseguras recebam o almejado laudo de estabilidade,
que é, então, remetido para a ANM. Fica, assim, explicado porque as
barragens que romperam em Mariana e Brumadinho eram classificadas
como sendo de baixo risco.

O dispositivo proposto objetiva eliminar esse ciclo ignominioso


de comportamentos venais, laudos fraudados e tragédias mortais provocadas

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
pelo rompimento de barragens. A proposição quebra a relação econômica
direta entre o empreendedor da barragem e a empresa de engenharia
responsável pela inspeção da barragem. Essa passa a ser escolhida, por
sorteio ou outro meio que garanta sua independência, pelo órgão fiscalizador
entre os profissionais e as empresas cadastradas por ele. Os serviços
prestados serão remunerados com recursos recolhidos do empreendedor por
meio de uma taxa criada para esse fim, a Taxa de Fiscalização de Segurança
de Barragens de Rejeitos (TFSBR). Acreditamos que, dessa forma, será
281

possível haver real independência da empresa de engenharia em relação ao


empreendedor da barragem.

Para aumentar ainda mais a eficácia das auditorias de segurança


de barragens de rejeitos de mineração, estabelecemos que a ANM deve

SF/19193.51040-43
publicar regulamentos normatizando formatos, técnicas, ensaios e
parâmetros dessas inspeções, para garantir a exatidão, a reprodutibilidade e
a comparabilidade dos resultados obtidos. A ANM não precisa reinventar a
roda: diversos países, como o Canadá, os Estados Unidos e a Noruega já
possuem normativos sobre segurança de barragens que poderiam ser
adaptados às condições brasileiras.

Os trabalhos da CPI também revelaram diversos problemas com

Página: 281/398 02/07/2019 09:20:28


os laudos de estabilidade. Entre eles, o cálculo do fator de segurança,
principal indicativo da estabilidade da barragem. O fator de segurança varia
de forma significativa em função dos ensaios e dos procedimentos utilizados
pelos engenheiros. Esse fato levanta a suspeita de que os engenheiros podem
conduzir suas medições de forma a atingir um determinado valor do fator de
segurança que permita uma declaração da condição de estabilidade da
barragem “dentro das normas”.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
A ANM, ao definir os parâmetros mínimos obrigatórios, bem
como os ensaios necessários e os procedimentos a serem adotados, coibirá a
ação de profissionais venais e mal-intencionados que tiram proveito das
brechas da lei e das normas de engenharia para emitir laudos de estabilidade
ideologicamente falsos.

Adicionalmente, estabelecemos um valor mínimo de fator de


segurança aceitável, de 1,5. Aliás, esse valor já é previsto na norma brasileira
ABNT NBR 13.028: 2017, intitulada ‘Mineração ― Elaboração e
apresentação de projeto de barragens para disposição de rejeitos, contenção
282

de sedimentos e reservação de água ― Requisitos’. O objetivo é evitar que


barragens de rejeitos com fator de segurança pouco acima de 1 (um) recebam
declaração de condição de estabilidade, como aconteceu em Brumadinho.

Para reforçar, ainda mais, a confiabilidade das barragens de

SF/19193.51040-43
rejeitos, obrigamos o empreendedor a realizar projeto de avaliação,
gerenciamento e comunicação de risco ambiental dessas estruturas e também
apresentar anualmente o relatório de suas ações na área.

Tanto as barragens de rejeitos que apresentarem fator de


segurança abaixo do estipulado quanto aquelas que representem risco social
mais elevado que o tolerável não poderão receber mais rejeitos até que essas
questões sejam resolvidas. Se não houver solução viável, essas barragens de

Página: 282/398 02/07/2019 09:20:28


rejeitos deverão ser descomissionadas.

Vemos, desde já, com muita preocupação, a questão das


barragens de rejeitos órfãs, isto é, barragens cujo empreendedor seja
desconhecido, ou tenha falido, ou não tenha condições de arcar com o
descomissionamento da estrutura. A responsabilidade do empreendedor pela
segurança da barragem é a base das políticas de segurança de barragens no
Brasil e no mundo. Os deveres de informação, transparência, planejamento,

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
monitoramento, manutenção e ação em caso de emergência compõem essa
responsabilidade e devem ser supervisionados pelo poder público.

Contudo, esses deveres nem sempre são cumpridos pelo


empreendedor. O exemplo mais notório é a ação criminosa da empresa
Mundo Mineração, citada acima. Atualmente, são poucas as barragens de
rejeitos nessa condição. Porém, ao obrigarmos o descomissionamento de
todas as barragens de rejeitos, inclusive inativas, não nos surpreenderá se
outras barragens órfãs surgirem.
283

Para lidar com essa questão, determinamos que a ANM deva


zelar pela segurança dessas barragens de rejeitos órfãs e providenciar o seu
descomissionamento antes que ocorra um desastre de graves consequências.
Para custear essas ações, a ANM poderá utilizar recursos do Fundo Nacional
para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (FUNCAP).

SF/19193.51040-43
Sabemos da penúria da ANM em termos humanos e materiais.
Porém, ela é a agência reguladora do setor mineral e não pode, portanto, se
omitir diante de uma situação provocada pela mineração e que implica alto
risco para a população e o meio ambiente. A discussão judicial das
responsabilidades pelas barragens de rejeitos órfãs pode se estender por um
período demasiadamente longo e a barragem, se não tiver a adequada
manutenção, pode vir a romper-se nesse meio tempo, provocando uma

Página: 283/398 02/07/2019 09:20:28


calamidade pública.

Por fim, responsabilizamos as pessoas físicas que detiverem o


controle das empresas operadoras de barragens de rejeitos de mineração
pelos desastres provocados pelo rompimento dessas estruturas. Até o
presente momento, nenhum diretor ou membro do Conselho de
Administração da Vale S/A foi punido em razão da tragédia de Mariana, em
2015. Caso a responsabilidade não seja legalmente imputada a pessoas

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
físicas, ocorrerá em Brumadinho a repetição do que se viu em Mariana: a
pessoa jurídica, após anos de tramitação de um processo judicial, é
condenada, mas as pessoas físicas causadoras do dano não sofrem qualquer
sanção.

A seguir, transcrevemos o Projeto de Lei a ser apresentado:


284

Minuta

PROJETO DE LEI Nº , DE 2019

Proíbe o licenciamento ambiental de barragens de

SF/19193.51040-43
rejeitos e de barragens de resíduos industr ia is
novas, estabelece regras de segurança e prazo para
o descomissionamento das barragens de rejeitos e
das barragens de resíduos industriais em
construção ou existentes, ativas e inativas, e
institui a Taxa de Fiscalização de Segurança de
Barragens de Rejeitos (TFSBR).

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Página: 284/398 02/07/2019 09:20:28


Art. 1º Esta Lei proíbe o licenciamento ambiental de barragens
de rejeitos e de barragens de resíduos industriais novas, estabelece regras de
segurança e prazo para o descomissionamento das barragens de rejeitos e das
barragens de resíduos industriais em construção ou existentes, ativas e
inativas, e institui a Taxa de Fiscalização de Segurança de Barragens de
Rejeitos (TFSBR).

Art. 2º Para os fins desta Lei, são estabelecidas as seguintes


definições:

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
I – barragem de rejeitos: barragem destinada à disposição final
ou temporária de rejeitos de mineração;

II – barragem de resíduos industriais: barragem destinada à


disposição final ou temporária de resíduos industriais;

III – barragem órfã: barragem de rejeitos que não possui


empreendedor legalmente identificado ou que possui empreendedor
legalmente identificado em situação de insolvência civil ou falência;

IV – degradação: processos resultantes dos danos ao meio


ambiente, pelos quais se perdem ou se reduzem algumas de suas
285

propriedades, tais como, a qualidade ou a capacidade produtiva dos recursos


naturais;

V – engenheiro de registros: profissional responsável pelo


acompanhamento da barragem de rejeitos em todas as etapas de seu ciclo de
vida, do projeto aos descomissionamento, e por diligenciar as áreas
operacionais nas atividades de construção, operação, manutenção e

SF/19193.51040-43
monitoramento da barragem de rejeitos, devendo reportar-se diretamente à
Diretoria e ao Conselho de Administração – ou órgãos equivalentes – do
empreendedor;

VI – risco a ser reduzido: risco de perdas de vida associado a


acidentes da barragem de rejeitos representado sobre ou abaixo da curva 1 e
acima da curva 2 plotadas no gráfico Frequência (F) – Fatalidades (N)
apresentada no Anexo 1;

VII – risco social intolerável: risco de perdas de vida associado


a acidentes da barragem de rejeitos representado acima da curva 1 plotada

Página: 285/398 02/07/2019 09:20:28


no gráfico Frequência (F) – Fatalidades (N) apresentada no Anexo 1;

VIII – risco social tolerável: risco de perdas de vida associado a


acidentes da barragem de rejeitos representado sobre ou abaixo da curva 2
plotada no gráfico Frequência (F) – Fatalidades (N) apresentada no Anexo
1;

IX – zona de autossalvamento (ZAS): região a jusante da


barragem de rejeitos em que não há tempo suficiente para uma intervenção
das autoridades competentes para evacuação da população local em
situações de emergência.

Art. 3º É proibido o licenciamento ambiental de barragens de c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

rejeitos de mineração e de barragens de resíduos industriais novas.

Parágrafo único. O caput não se aplica à disposição final ou


temporária de rejeitos de mineração em cavas de minas exauridas sem a
utilização de diques.

Art. 4º O descomissionamento das barragens de rejeitos e das


barragens de resíduos industriais, em construção ou existentes, deve ocorrer,
conforme cronograma estabelecido pelo órgão fiscalizador, no prazo
máximo de:
286

I – 10 (dez) anos para as ativas ou em construção; e

II – 5 (cinco) anos para as inativas.

Art. 5º O descomissionamento das barragens de que trata o art.


4º exige licenciamento ambiental específico.

SF/19193.51040-43
§ 1º As exigências para licenciamento ambiental de
descomissionamento de barragens de rejeitos e de barragens de resíduos
industriais devem prever, entre outros requisitos, a apresentação do Plano de
Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD) do empreendimento, ou sua
atualização, quando já houver sido apresentado na fase de licenciamento do
empreendimento.

§ 2º O PRAD deverá ter por objetivo recuperar o meio ambiente


degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão licenciador.

§ 3º A licença ambiental para descomissionamento das

Página: 286/398 02/07/2019 09:20:28


barragens de rejeitos e das barragens de resíduos industriais deve determinar
as medidas a serem adotadas na área do empreendimento, minerário ou
industrial, incluindo o monitoramento dos aspectos físicos, bióticos e
socioeconômicos, bem como o uso futuro da área.

Art. 6º O empreendedor é obrigado a contratar engenheiro de


registros para acompanhamento das barragens de rejeitos.

Parágrafo único. A contratação do engenheiro de registros não


exime o empreendedor, o controlador, os membros da Diretoria e do

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Conselho de Administração, bem como os responsáveis pelo projeto,
construção, operação, manutenção e inspeção das barragens de rejeitos, de
suas responsabilidades em caso de acidente.

Art. 7º Fica proibida, nos empreendimentos mineradores, a


existência de instalações, equipamentos e obras que impliquem a presença
humana na ZAS de barragens de rejeitos.

§ 1º A vedação do caput não se aplica a instalações,


equipamentos, obras e atividades temporárias para manutenção e para
segurança da própria barragem de rejeitos ou de outras barragens.
287

§ 2º Cabe à ANM estipular o prazo para desativação ou


desmonte das instalações de que trata o caput e que estejam em
funcionamento.

§ 3º O descumprimento do prazo de que trata o § 2º implica a


suspensão das atividades do empreendimento.

SF/19193.51040-43
Art. 8º Os titulares de imóveis situados na ZAS de barragens de
rejeitos que tiveram de desocupá-los por mais de 30 (trinta) dias, corridos ou
alternados, em razão da ameaça de rompimento da barragem podem, a
qualquer tempo, exigir indenização pelo valor do seu imóvel, perdendo a
propriedade em favor do empreendedor da barragem.

§ 1º Se o pedido de que trata o caput for feito nos seis meses


posteriores ao dia em que se completaram os 30 (trinta) dias de desocupação
do imóvel, o titular pode escolher o arbitramento do valor da indenização de
acordo com o valor de mercado do imóvel no momento do pedido ou no
momento imediatamente anterior ao primeiro evento que ensejou a referida

Página: 287/398 02/07/2019 09:20:28


desocupação.

§ 2º A indenização de que trata o caput também abrange outros


danos comprovados pelo titular do imóvel.

§ 3º Eventuais direitos reais ou não de terceiros sobre o imóvel


ficam sub-rogados no preço de indenização pago.

Art. 9º Cabe à ANM a instituição de sistema de credenciamento


e contratação de profissionais e empresas especializadas, segundo requisitos
de comprovada experiência e capacitação técnica, para apoiar suas atividades

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
de fiscalização de segurança e de avaliação de riscos de barragens de rejeitos.

Art. 10. A escolha e contratação dos responsáveis pela


realização da revisão periódica de segurança de barragem e das inspeções de
segurança regular e especial, bem como os responsáveis pela emissão de
laudos de estabilidade e de análise de risco de barragens de rejeitos, cabe à
ANM, que deve selecioná-los entre os profissionais e as empresas
credenciados na forma do art. 9º, por sorteio ou outro meio que garanta a
independência dos auditores em relação às mineradoras.

Parágrafo único. A empresa ou o profissional selecionado na


forma do caput não pode manter relação comercial ou de outro tipo que possa
288

afetar sua independência frente ao empreendedor da barragem de rejeitos a


ser auditada.

Art. 11. Os serviços citados no art. 10 devem ser realizados de


acordo com manuais elaborados pela ANM, especificando formatos,
técnicas, ensaios e parâmetros que garantam a padronização, a exatidão, a
reprodutibilidade e a comparabilidade dos resultados de diferentes barragens

SF/19193.51040-43
de rejeitos ou da mesma barragem ao longo do tempo.

Art. 12. A avaliação da segurança da barragem de rejeitos


considera, cumulativamente, os seguintes aspectos:

I – o fator de segurança;

II – o risco social;

III – outros parâmetros definidos em ato normativo da ANM.

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Art. 13. O fator de segurança mínimo aceitável nas barragens
de rejeitos deve guardar proporcionalidade com o dano potencial associado,
conforme normativo da ANM.

§ 1º O fator de segurança mínimo, inclusive para liquefação,


calculado pelo método mais conservador em termos de segurança para a
situação real da barragem de rejeitos avaliada, deve ser de 1,5 (um inteiro e
cinco décimos).

§ 2º Caso a barragem de rejeitos apresente fator de segurança

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
abaixo do valor mínimo estabelecido pela ANM, fica suspensa a disposição
de novos rejeitos até que o fator de segurança atinja valor igual ou superior
ao mínimo, devendo o empreendedor realizar imediatamente as intervenções
na barragem de rejeitos necessárias para esse fim.

§ 3º Caso as intervenções de que trata o § 2º não sejam viáveis


ou suficientes para atingir o fator de segurança mínimo estabelecido pela
ANM, os procedimentos para descomissionamento da barragem devem ser
iniciados imediatamente.

Art. 14. O empreendedor deve elaborar e apresentar à ANM


projeto de avaliação, gerenciamento e comunicação de risco ambiental da
barragem de rejeitos, bem como relatório anual referente a esses tópicos.
289

§ 1º O relatório de que trata o caput deve plotar a barragem de


rejeitos em gráfico Frequência (F) – Fatalidades (N), na forma apresentada
no Anexo 1.

§ 2º Caso a barragem de rejeitos seja classificada como de:

SF/19193.51040-43
I – risco social intolerável: fica suspensa a disposição de novos
rejeitos até que a barragem atinja a classificação de risco social tolerável ou,
com a anuência justificada da ANM, de risco a ser reduzido, cabendo ao
empreendedor realizar imediatamente as intervenções na barragem
necessárias para esse fim;

II – risco a ser reduzido: a ANM avalia, de forma justificada, o


nível de risco social que a barragem de rejeitos deve apresentar, cabendo ao
o empreendedor, se for preciso, realizar imediatamente as intervenções
necessárias para esse fim; e

III – risco social tolerável: atendidas as demais condições

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estabelecidas pelo art. 12, a barragem de rejeitos pode ser utilizada.

§ 3º Caso as intervenções de que trata o § 2º não sejam viáveis


ou suficientes para atingir a classificação de risco social tolerável ou de risco
a ser reduzido nos níveis determinados pela ANM, o empreendedor deve
iniciar imediatamente os procedimentos para descomissionamento da
barragem de rejeitos.

Art. 15. Fica instituída a Taxa de Fiscalização de Segurança de


Barragens de Rejeitos (TFSBR), a ser exigida do empreendedor pela ANM,
pela prestação dos serviços de inspeção da segurança e da análise de risco de

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
barragens de rejeitos definidos no Anexo 2.

Parágrafo único. Os valores da TFSBR serão atualizados


anualmente, por ato normativo da ANM, no percentual máximo equivalente
ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ou outro índice de
inflação que venha a substituí-lo.

Art. 16. A ANM é responsável, diretamente ou por meio de


empresas e profissionais contratados, pela segurança e pelo
descomissionamento das barragens de rejeitos de mineração órfãs, podendo,
para esses fins, acessar recursos do Fundo Nacional para Calamidades
Públicas, Proteção e Defesa Civil (FUNCAP) de que trata a Lei nº 12.340,
de 1º de dezembro de 2010, sem prejuízo da aplicação das sanções cíveis,
290

administrativas e penais cabíveis ao empreendedor e do ressarcimento dos


custos decorrentes dessa intervenção.

Art. 17. Independem de culpa a responsabilidade civil do


empreendedor e a do controlador, direto ou indireto, na hipótese de falhas ou
rompimento de barragens de rejeitos.

SF/19193.51040-43
§ 1º Os controladores, diretos ou indiretos, respondem
solidariamente com o empreendedor pessoa jurídica pelos danos causados.

§ 2º Considera-se controlador qualquer pessoa física ou jurídica


nos termos previstos no art. 116 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976,
qualquer que seja o tipo societário adotado pelo empreendedor.

§ 3º Respondem em solidariedade com o controlador os


membros da Diretoria e do Conselho de Administração (arts. 138 e 139 da
Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976) ou de órgãos equivalentes do
empreendedor, de pessoa jurídica vinculada ou controlada, desde que tenham

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sido indicadas pelo controlador, direto ou indireto.

§ 4º A responsabilização de pessoas físicas a que se referem os


§§ 1º e 3º independe da desconsideração da personalidade jurídica prevista
no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

§ 5º O Ministério Público ou qualquer sócio do empreendedor


pessoa jurídica tem legitimidade para ajuizar ação para o afastamento
cautelar dos administradores ou dirigentes responsáveis pela barragem, bem
como para pleitear a declaração da responsabilidade civil do controlador,
direto ou indireto, e das pessoas previstas no § 3º, mesmo nos casos em que

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
não há sequer ação ajuizada em face do empreendedor.

§ 6º Nas ações com fundamento no § 5º, é competente o foro de


domicílio do autor.

Art. 18. Aplicam-se às barragens de rejeitos e às barragens de


resíduos industriais os dispositivos da Lei nº 12.334, de 20 de setembro de
2010, que não conflitem com esta Lei.

Art. 19. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação


oficial, sendo que os arts. 10 e 15 produzirão efeitos a partir do primeiro dia
do ano seguinte ao de sua publicação e depois de decorridos 90 (noventa)
291

dias desta, ressalvado o art. 17, que entra em vigor depois de decorridos 120
(cento e vinte) dias da data da publicação oficial.

ANEXO 1

SF/19193.51040-43
Gráfico Frequência (F) x Fatalidades (N)
1,0E-02

1,0E-03

1,0E-04
Frequência (F)

Risco Social Intolerável


1,0E-05

1,0E-06 Risco a Ser Reduzido

1,0E-07

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Risco Social Tolerável
1,0E-08

1,0E-09
1 10 100 1000 10000
Fatalidades (N)

Curva 1 Curva 2

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
292

ANEXO 2

Valores da Taxa de Fiscalização de Segurança de Barragens de Rejeitos


(TFSBR)

SF/19193.51040-43
Tabela 1 – Valor da TFSBR para barragens de rejeitos com volume de
rejeitos contidos de até 100.000 (cem mil) mil metros cúbicos.
Serviço Unidade Valor (R$)
Inspeção de Segurança Regular Inspeção 10.000,00
Inspeção de Segurança Especial Inspeção 10.000,00
Revisão Periódica Revisão 10.000,00
Análise de Risco Análise 5.000,00

Tabela 2 – Valor da TFSBR para barragens de rejeitos com volume de

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rejeitos contidos maior que 100.000 (cem mil) até 1.000.000 (um milhão)
de metros cúbicos.
Serviço Unidade Valor (R$)
Inspeção de Segurança Regular Inspeção 15.000,00
Inspeção de Segurança Especial Inspeção 15.000,00
Revisão Periódica Revisão 15.000,00
Análise de Risco Análise 10.000,00

Tabela 3 – Valor da TFSBR para barragens de rejeitos com volume de

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
rejeitos contidos maior que 1.000.000 (um milhão) até 3.000.000 (três
milhões) de metros cúbicos.
Serviço Unidade Valor (R$)
Inspeção de Segurança Regular Inspeção 30.000,00
Inspeção de Segurança Especial Inspeção 30.000,00
Revisão Periódica Revisão 30.000,00
Análise de Risco Análise 15.000,00
293

Tabela 4 – Valor da TFSBR para barragens de rejeitos com volume de


rejeitos contidos maior que 3.000.000 (três milhões) até 10.000.000 (dez
milhões) de metros cúbicos.
Serviço Unidade Valor (R$)
Inspeção de Segurança Regular Inspeção 60.000,00

SF/19193.51040-43
Inspeção de Segurança Especial Inspeção 60.000,00
Revisão Periódica Revisão 60.000,00
Análise de Risco Análise 30.000,00

Tabela 5 – Valor da TFSBR para barragens de rejeitos com volume de


rejeitos contidos maior que 10.000.000 (dez milhões) até 100.000.000
(cem milhões) de metros cúbicos.
Serviço Unidade Valor (R$)
Inspeção de Segurança Regular Inspeção 100.000,00

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Inspeção de Segurança Especial Inspeção 100.000,00
Revisão Periódica Revisão 100.000,00
Análise de Risco Análise 50.000,00

Tabela 6 – Valor da TFSBR para barragens de rejeitos com volume de


rejeitos contidos maior que 100.000.000 (cem milhões) de metros cúbicos.
Serviço Unidade Valor (R$)
Inspeção de Segurança Regular Inspeção 120.000,00
Inspeção de Segurança Especial Inspeção 120.000,00

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Revisão Periódica Revisão 120.000,00
Análise de Risco Análise 60.000,00

JUSTIFICAÇÃO

As trágicas consequências do rompimento de barragens de


rejeitos de mineração, infelizmente, tornaram-se sobejamente conhecidas da
sociedade brasileira após os crimes da Vale em Mariana e em Brumadinho,
nos quais quase trezentas vidas foram perdidas, milhares de pessoas foram
afetadas e centenas de quilômetros de rios foram destruídos.
294

Como se esses dois desastres não bastassem, temos


acompanhado as trágicas consequências de outro tipo de evento com
barragens de rejeitos de mineração: “a ameaça de rompimento”. A população
de Barão de Cocais, em Minas Gerais, cidade situada a jusante da barragem
Sul Superior, da Mina de Gongo Soco, de propriedade da Vale, está sendo
submetida a um verdadeiro calvário, que inclui: remoção forçada de
moradores, ocupação e destruição de propriedades, sirenes de alarme

SF/19193.51040-43
tocando durante a madrugada, atividade econômica destroçada, insegurança
e desalento quanto ao futuro. Atualmente mais de mil pessoas foram forçadas
a se retirar de seus lares em razão de problemas com as barragens de rejeitos
da Vale. Essas pessoas sofrem um nível de estresse semelhante às populações
que vivem em zonas de guerra.

O fato inegável é que pessoas e ecossistemas a jusante de


barragens de rejeitos não estão em condições plenas de segurança. Muitos
dizem que esse ônus é justificável diante dos benefícios econômicos da
mineração. Contudo, o ônus recai sobre as costas da população a jusante das
barragens, enquanto os benefícios vão para os acionistas das mineradoras.

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Essa situação desumana e injusta não deve mais encontrar
abrigo na nossa Lei. É chegada a hora de as mineradoras investirem uma
parte de seus lucros fabulosos no desenvolvimento e na adoção de técnicas
de tratamento de minérios que prescindam do uso de barragens de rejeitos.
Já existem tecnologias que lhes permitem dar esse passo. Elas só não são
mais amplamente utilizadas porque as barragens de rejeitos são mais baratas.

Por isso, apresentamos este Projeto de Lei que proíbe o


licenciamento ambiental de novas barragens de rejeitos de mineração e
estabelece o prazo máximo de dez anos para o descomissionamento das

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barragens ativas e de cinco anos para as inativas. Trata-se de um prazo
bastante razoável para que os empreendimentos em operação se adaptem à
nova Lei.

Essa proibição foi estendida às barragens de resíduos industriais


porque elas representam um risco para a população e o meio ambiente tão
grande quanto às barragens de rejeitos de mineração. Haja vista o vazamento
de mais de um bilhão de litros de lixívia negra, resíduo tóxico resultante da
produção de celulose, do reservatório da Indústria Cataguases de Papel e
Celulose, em 2003, na cidade de Cataguases, Minas Gerais. A lixívia negra
atingiu os rios Pomba e Paraíba do Sul e alcançou 39 municípios da Zona da
Mata Mineira e oito cidades do Norte Fluminense. O abastecimento de água
de 700 mil pessoas foi interrompido e houve grave destruição da flora e da
295

fauna. Foi o maior desastre ambiental de Minas Gerais até o rompimento da


barragem do Fundão, em Mariana.

Ao banirmos o uso de barragens de rejeitos e de barragens de


resíduos industriais, não queremos inviabilizar a mineração ou a indústria no
Brasil, mas apenas impedir que essas barragens continuem a destruir
famílias, cidades e rios. Além disso, temos que zelar pelo pacto

SF/19193.51040-43
intergeracional. Não podemos legar aos nossos filhos e netos o passivo
ambiental de bilhões e bilhões de toneladas de rejeitos de mineração e de
resíduos industriais, perigosamente acumulados em frágeis barragens.

Grandes avanços em prol da segurança de barragens foram


introduzidos por meio do Projeto de Lei nº 550, de 2019, já aprovado no
Senado e em apreciação pela Câmara dos Deputados. Entretanto,
consideramos que algumas medidas adicionais de segurança, apresentadas
nesta proposição, devem ser adotadas para evitar acidentes com barragens de
rejeitos nos próximos dez anos, até o descomissionamento de todas elas.

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A primeira delas é explicitar a necessidade de licenciamento
ambiental para o descomissionamento de barragens de rejeitos e de barragens
de resíduos industriais. Sabemos que o descomissionamento não pode
ocorrer de imediato, pois é um processo complexo, que exige estudos
aprofundados para ser realizado com segurança. Esse tipo de intervenção, se
mal conduzida, pode até mesmo provocar o rompimento da barragem.

Para tornar a operação das barragens de rejeitos mais segura,


tornamos obrigatória a contratação do engenheiro de registros. Trata-se do
profissional especializado responsável pelo acompanhamento da barragem
em todas as etapas do ciclo de vida dela. Começando desde o projeto,

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
passando pela construção, operação, manutenção, inspeção, e chegando até
o descomissionamento e descaracterização da barragem. Ele não é o
responsável direto por essas atividades, mas as acompanha, registra seu
desenvolvimento e sugere ações em prol do bom desempenho da barragem.
Em sentido metafórico, o engenheiro de registros é como se fosse o “médico
de família” da barragem, conhece em detalhes suas características e faz
recomendações para garantir as condições de higidez da estrutura. No
exercício de suas funções, o engenheiro de registros deve ter acesso tanto ao
nível de operação quanto à alta direção da empresa.

Outro aspecto que destacamos neste Projeto de Lei é a proibição


de que o empreendimento minerário mantenha instalações e escritórios a
jusante das barragens de rejeitos. Infelizmente, apenas após a morte de mais
296

de duzentos funcionários da Vale no restaurante da mina do Córrego do


Feijão, em Brumadinho, ficou claro para as mineradoras, a Agência Nacional
de Mineração (ANM) e os órgãos licenciadores que não há motivo
minimamente aceitável que justifique expor trabalhadores a tamanho perigo.
Essa proibição já foi colocada em regulamento recente da ANM, mas
julgamos prudente insculpi-la também na Lei.

SF/19193.51040-43
Para mitigar o sofrimento daqueles que são retirados de seus
lares situados na zona de autossalvamento de barragens de rejeitos em
situação de emergência, propomos que, por iniciativa do proprietário, a
mineradora seja obrigada a indenizá-lo pelo imóvel, passando a ser dona da
propriedade. Dessa forma, essas pessoas poderão tentar reconstruir suas
vidas em lugar seguro.

Também julgamos muito importante romper a relação


econômica direta entre a mineradora e os profissionais responsáveis pela
auditoria da segurança das barragens de rejeitos. A CPI de Brumadinho
comprovou que os auditores ficam em condição de vulnerabilidade diante da

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pressão econômica das mineradoras. Para afastar esse relacionamento
espúrio, determinamos que a ANM crie um cadastro de empresas e
profissionais especializados em segurança de barragens e faça a escolha dos
especialistas responsáveis pelas auditorias nas mineradoras. Para custear
essas atividades, as mineradoras pagarão a Taxa de Fiscalização de
Segurança de Barragens de Rejeitos (TFSBR), criada por este Projeto de Lei.

Para aumentar ainda mais a eficácia das auditorias de segurança


de barragens de rejeitos de mineração, estabelecemos que a ANM deve
publicar regulamentos normatizando formatos, técnicas, ensaios e
parâmetros dessas inspeções, para garantir a exatidão, a reprodutibilidade e

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
a comparabilidade dos resultados obtidos. Adicionalmente, estabelecemos
um valor mínimo de fator de segurança aceitável igual a 1,5 (um inteiro e
cinco décimos), conforme já consta das normas técnicas brasileiras. O
objetivo é evitar que barragens de rejeitos com fator de segurança pouco
acima de 1 (um) recebam declaração de condição de estabilidade, como
aconteceu em Brumadinho.

Vemos, desde já, com muita preocupação, a questão das


barragens de rejeitos órfãs, isto é, barragens cujo empreendedor seja
desconhecido, ou tenha falido, ou não tenha condições de arcar com o
descomissionamento da estrutura. Atualmente, são poucas as barragens de
rejeitos nessa condição. Porém, ao obrigarmos o descomissionamento de
todas as barragens de rejeitos, inclusive inativas, não nos surpreenderá se
outras barragens órfãs surgirem. Para lidar com essa questão, determinamos
297

que a ANM deva zelar pela segurança dessas barragens de rejeitos órfãs e
providenciar o seu descomissionamento antes que ocorra um desastre de
graves consequências. Para custear essas ações, a ANM poderá utilizar
recursos do Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa
Civil (FUNCAP).

Por fim, responsabilizamos as pessoas físicas que detiverem o

SF/19193.51040-43
controle das empresas operadoras de barragens de rejeitos de mineração
pelos desastres provocados pelo rompimento dessas estruturas. Caso a
responsabilidade não seja legalmente imputada a pessoas físicas, ocorrerá
em Brumadinho a repetição do que se viu em Mariana: a pessoa jurídica,
após anos de tramitação de um processo judicial, é condenada, mas as
pessoas físicas causadoras do dano não sofrem qualquer sanção.

Este Projeto de Lei contém dispositivos que podem ser


considerados rigorosos. Porém, com base em todos os elementos que foram
colhidos e analisados durante quase quatro meses de intensos trabalhos da
CPI de Brumadinho, afirmamos, com serenidade e convicção, que esses

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dispositivos são absolutamente necessários e indispensáveis para garantir
que mais nenhum brasileiro seja vitimado por acidentes com barragens de
rejeitos ou de resíduos industriais. Como legisladores, devemos este ato de
coragem cívica e moral a todas as vítimas de Mariana e de Brumadinho.

Diante do exposto, peço o apoio nos nobres Parlamentares para


a aprovação deste Projeto de Lei.

Sala das Sessões,

Senador Antônio Anastasia (PSDB/MG), Senador Carlos Viana (PSD/MG),

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Senador Dário Berger (MDB/SC), Senador Jáder Barbalho (MDB/PA),
Senador Jaques Wagner (PT/BA), Senador Jean Paul Prates (PT/RN),
Senador Jorge Kajuru (PSB/GO), Senadora Juíza Selma (PSL/MT),
Senadora Leila Barros (PSB/DF), Senador Otto Alencar (PSD/BA), Senador
Randolfe Rodrigues (REDE/AP), Senador Roberto Rocha (PSDB/MA),
Senadora Rose de Freitas (PODE/ES), Senador Wellington Fagundes
(PR/MT), Senador Zequinha Marinho (PSC/PA).
298

6.2 Encargos e tributação do setor minerário

Encargos (tributários ou não) no setor minerário

Em todo o mundo, a mineração tem sido historicamente

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submetida à cobrança de encargos especiais. A razão fundamental é a de que,
na maioria dos países, inclusive no Brasil, os recursos minerais pertencem
ao Estado e, para conceder o direito de uso exclusivo de bens minerais de
sua propriedade, o Estado exige, como contrapartida, pagamento por esse
direito. Além disso, como os bens minerais são exauríveis, seu
aproveitamento reduz o patrimônio de seu proprietário, e este então exige
uma compensação. Por fim, a existência de um excedente, ou seja, de retorno
acima do que seria suficiente para justificar o empreendimento mineiro,

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resultante da qualidade da mina, desperta interesse tributário, uma vez que o
proprietário do recurso deseja uma participação nesse benefício extra
proporcionado pela natureza.

Para atingir essas finalidades, os governos utilizam


instrumentos diversos, cada um com vantagens e desvantagens, que se
classificam em três grandes categorias: royalties específicos, royalties ad
valorem e impostos especiais sobre o lucro ou a renda proporcionada pelo

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
empreendimento mineiro.

Carga tributária e encargos no Brasil

Até 1988, os tributos que incidiam sobre a mineração eram o


Imposto Único sobre Minerais (IUM) e o Imposto sobre a Renda de Pessoas
Jurídicas (IRPJ). O IUM era, de longe, o principal tributo. O IUM incidia
uma só vez sobre uma das seguintes operações: extração, tratamento,
circulação, distribuição, exportação ou consumo de substâncias minerais do
País. Suas alíquotas variavam entre 1% e 15%, dependendo da substância e
299

de seu destino, se mercado interno ou exportação. O IRPJ tinha uma alíquota


de 35% para o lucro real.

A Constituição de 1988 alterou, de forma acentuada, o regime


tributário incidente sobre a mineração brasileira. O IUM foi extinto e a

SF/19193.51040-43
mineração deixou de ter um regime tributário diferenciado. Passou a ser
tributada de forma similar a outras atividades industriais. Além disso, foi
criado um encargo adicional, a CFEM, específico para a mineração.

Atualmente, os principais tributos e encargos que incidem sobre


a mineração são:

 IRPJ – Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica

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 CSLL - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido

 Contribuição do PIS/PASEP e COFINS

 INSS - Contribuição para o Instituto Nacional de Seguro


Social

 FGTS - Fundo de Garantia de Tempo de Serviço

 Outros encargos trabalhistas comum a toda e qualquer

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atividade econômica (Salário-Educação, Seguro de
Acidentes, Gratificação de Natal, Adicional de Férias,
multa por dispensa sem justa causa)

 IOF – Imposto sobre Operações Financeiras (aplicação


restrita)

 ICMS - Imposto sobre Operações Relativas à Circulação


de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte
Interestadual e Intermunicipal e Comunicação
300

 CFEM - Compensação Financeira pela Exploração de


Recursos Minerais (não é tributo)

 Participação do Superficiário (Proprietário do Solo) (não


é tributo)

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 Taxa anual por hectare (não é tributo; pago somente na
fase de pesquisa)

O quadro a seguir, obtido a partir de estudo realizado pelo


Banco Mundial para o Ministério de Minas e Energia, indica as alíquotas dos
tributos e encargos. Como esse estudo data de 2009, a alíquota da CFEM
está desatualizada: ao invés de 0,2% a 3%, a CFEM hoje está entre 1% e 4%.

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c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

Fonte:
http://www.mme.gov.br/documents/1138775/1256656/P03_RT07_Cenário_Evolutivo_da_Situa
ção_Tributária_da_Mineração_no_Brasil_e_Análise_Comparativa_com_Países_Mineradores_S
elecionados.pdf/65948d6b-6c99-46b5-877f-2533e05d8cbb. Consultado em 14 de maio de 2019.

Encontrar a forma ideal de tributar a atividade mineral é sempre


delicado, pois implica buscar o equilíbrio entre o desejo de atrair
301

investimentos para o setor e o desejo de assegurar maiores benefícios para o


país pela extração dos recursos minerais. Para atrair investimentos, é sempre
necessário estar relativamente alinhado com as práticas adotadas pelos países
concorrentes.

SF/19193.51040-43
Nesse contexto, como, normalmente, os países que adotam uma
tributação sobre o valor adicionado isentam as exportações desse tributo, a
Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, conhecida como Lei
Kandir, isentou as exportações de minerais do pagamento de ICMS, para que
os produtores brasileiros não ficassem em desvantagem. Além disso, a Lei
no 10.637, de 2002, suspende o recolhimento de PIS e COFINS para as
matérias primas, os produtos intermediários e os materiais de embalagem
destinados a elaboração de determinados produtos e a pessoas jurídicas

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preponderantemente exportadoras.

O impacto desses incentivos para o setor mineral é de extrema


relevância no resultado das empresas, principalmente daquelas que destinam
a sua produção ao mercado externo. Este é o caso das empresas que exploram
minério de ferro e outras commodities minerais. Mesmo quando essas
empresas realizam vendas para o mercado interno (menos de 10% das
operações), seus clientes são, na maioria, empresas que destinam suas

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produções quase integralmente ao mercado externo, por exemplo, os
produtores de ferro-gusa.

No geral, a carga tributária no Brasil é elevada e vem crescendo


nas últimas décadas. De acordo com dados do IBGE, ela passou de 14,42%
em 1950 para 33,58% do PIB em 2018. Mas é difícil avaliar a carga tributaria
sobre a mineração especificamente porque os dados disponíveis são
agregados e não permitem precisar a carga para cada setor. O mesmo
comumente ocorre com outros países.
302

A CFEM, que é o encargo específico para a mineração, tem a


natureza de um royalty ad valorem e a vantagem de ser simples e assegurar
uma receita estável. No entanto, é insensível a variações nos custos e à
rentabilidade das empresas, podendo resultar em lavra seletiva e inviabilizar
o aproveitamento de minas, ou permitir lucros extraordinários em alguns

SF/19193.51040-43
casos. O valor da arrecadação com a CFEM é apresentado a seguir.

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c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

Fonte:
https://sistemas.dnpm.gov.br/arrecadacao/extra/Relatorios/arrecadacao_cfe
m.aspx. Consultado em 14 de maio de 2019.

Comparação com outros países


303

No cenário mundial, os países não costumam adotar um regime


tributário especial para a mineração. A prática é a de acrescentar, aos tributos
de incidência geral, encargos específicos, frequentemente chamados
royalties.

SF/19193.51040-43
Esses encargos variam de país para país, sendo diferentes na
forma, e variando conforme o tipo de mineral, a escala de produção, as
alíquotas e as deduções permitidas, e o nível de preços.

A tributação da mineração no mundo tem as seguintes


características gerais:

 Incidência do regime tributário geral sobre a mineração;

 Incidência do imposto de renda;

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 Incidência de imposto sobre o valor adicionado ou sobre
o consumo, com isenção para as exportações;
 Incidência de imposto de importação;
 Incidência de imposto sobre a propriedade;

 Incidência de imposto ou encargo específico sobre a


mineração

Numa comparação entre países, além dos tributos e das

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contribuições, há que se levar em consideração as diferenças nas deduções
para depreciação, limitações na dedução de prejuízos, limites na dedução de
pagamento de juros, diferenças na base de cálculo dos royalties e a existência
de regras especiais para estimular a exploração.

A tributação da mineração no Brasil está, em linhas gerais,


alinhada com o que se observa no resto do mundo, e adota todos os impostos
ou encargos listados acima. No entanto, é necessário ter cautela nas
comparações, dadas a variações possíveis, mesmo para o mesmo tipo de
imposto.
304

O que diferencia o modelo brasileiro é o grande número de


contribuições sociais incidindo tanto sobre as vendas como sobre o lucro
tributável pelo imposto de renda. Quanto à CFEM, suas alíquotas não estão
desalinhadas com relação a outros países, embora seja sempre necessário
lembrar a necessidade de inclusão da participação do superficiário, o que

SF/19193.51040-43
eleva o ônus para o minerador em 50%. 50

Tanto no Brasil quanto no resto do mundo, os dados disponíveis


para carga tributária são agregados e não permitem quantificar a carga
tributária sobre um setor específico. Sendo assim, para a realização de
estudos comparativos quantitativos entre países, uma das metodologias
adotadas consiste na utilização de modelos de projetos mineiros, aplicando
sobre eles a tributação específica de diferentes países, mantendo as demais

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variáveis constantes. Esses estudos são pouco frequentes, dada a grande
dificuldade de se dispor de conhecimento detalhado dos regimes tributários
dos diferentes países, que variam não apenas nas espécies de tributos, mas
nos detalhes de sua aplicação. Considerando as limitações dos modelos e a
complexidade dos diferentes sistemas tributários, os resultados devem ser
analisados com certa cautela.

Em trabalho desenvolvido para o Ministério de Minas e Energia

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
sobre os aspectos tributários da mineração brasileira51, o Banco Mundial
referiu-se a dois estudos: um realizado pela ERNST & YOUNG (que utiliza
a metodologia descrita acima) e outro pelo Fraser Institute, que se baseia em
pesquisa junto às empresas de mineração.

50Vale indicar que as empresas costumam comprar as terras dos superficiário quando essa compensaç ão
representa alto custo.

51

http://www.mme.gov.br/documents/1138775/1256656/P03_RT07_Cenario_Evolutivo_da_Situação_Tri
butaria_da_Mineração_no_Brasil_e_Análise_Comparativa_com_Países_Mineradores_Selecionados.pdf/
65948d6b-6c99-46b5-877f-2533e05d8cbb
305

O estudo de Ernst & Young, datado de agosto de 2008 e


contratado pelo Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), analisou 21
países e 12 minérios e concluiu que o Brasil se apresenta, invariavelmente,
como uma das 3 maiores cargas tributárias do mundo no setor, situação que
só obtém sensível melhora na medida em que a maior parte da produção é

SF/19193.51040-43
destinada à exportação, quando ocorre a desoneração dos impostos sobre
valor agregado. Para o minério de ferro, o estudo colocou o Brasil em 3o
lugar, depois de Venezuela e China, com uma tributação da ordem de
19,70%.

O estudo do Fraser Institute, por sua vez, datado de 2009, coloca


o Brasil em 39º posição entre 71 países, no que diz respeito a tributação na
mineração.

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Embora não haja unanimidade entre esses e diversos outros
estudos disponíveis, o Banco Mundial concluiu que, na comparação
internacional dos efeitos da tributação sobre a mineração, o Brasil aparece
em posição intermediária ou, em certos casos, vantajosa quanto à
rentabilidade proporcionada por projetos mineiros e quanto à capacidade de
atração de investimentos em exploração mineral.

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O certo é que, em todo o mundo, a partir da crise financeira e da
recessão de 2008, diversos países introduziram formas de aumentar a
arrecadação em cima do setor mineral. Quando países enfrentam
dificuldades econômicas e ocorre um aumento expressivo dos preços dos
minerais, os governos costumam olhar para o setor como fonte de receita
para compensar a queda de arrecadação em outras áreas.

Fuga de capitais e faturamento comercial indevido


306

As multinacionais, hoje, orientam-se à realização de lucros em


escala global e decidem localizar suas atividades onde o sistema tributário
nacional lhes é mais favorável. A maior mobilidade do capital produtivo tem
gerado uma concorrência fiscal entre países, cada qual buscando atrair mais
investimentos produtivos. O resultado é que as alíquotas efetivas de impostos

SF/19193.51040-43
sobre os lucros das empresas diminuíram, tanto em países em
desenvolvimento quanto em países desenvolvidos.

O Brasil adota uma estrutura tributária comparável a de outros


países, mas existe sempre o desejo de se aperfeiçoá-la, de modo a extrair o
máximo de renda para o Estado sem, no entanto, desestimular a atividade
mineradora. A Lei no 13.540, de 2017, busca esse equilíbrio ao prever, por
exemplo, alíquotas diferenciadas para o minério de ferro, a grande estrela da

Página: 306/398 02/07/2019 09:20:28


pauta de exportações minerais.

Há questionamentos, contudo, de que alíquotas rebaixadas e


condicionadas à rentabilidade do empreendimento atendem mais às
empresas que ao interesse público. Estudo do INESC 52 aponta que, em razão
da isenção de ICMS concedida pela Lei Kandir, de incentivos fiscais
estaduais e de outros instrumentos, a Vale S.A, por exemplo, paga
comparativamente muito menos tributos que outras importantes mineradoras

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
do País. O estudo, que se concentrou na mineração de ferro, estimou, para
Minas Gerais, perdas acumuladas de R$ 12,5 bilhões em razão da Lei Kandir
entre 1997 e 2013. Para o Pará, as perdas foram estimadas em R$ 9,4 bilhões.

Além disso, existe uma preocupação em coibir práticas ilegais


adotadas por grandes empresas para pagar ainda menos tributos e desviar
recursos para suas sedes no exterior ou para paraísos fiscais.

52“O 3 o relatório preliminar do Novo Código de Mineração está pronto para ser votado? ” Alessandra
Cardoso – Instituto de Estudos Socioeconômicos.
307

O estudo sobre fuga de capitais 53 ao analisar mais


detalhadamente as práticas adotadas na exportação de minério de ferro,
identificou que as empresas adotam o chamado faturamento comercial
indevido. Manipulam preços no comércio internacional entre empresas
vinculadas sediadas em dois países distintos. Com isso, conseguem transferir

SF/19193.51040-43
recursos financeiros entre diferentes países, sem declará-lo às autoridades,
evadir tributos, contornar controles de capital e até transferir recursos obtidos
por meio de atividades ilícitas. Por meio de um deliberado subfaturamento
das exportações e superfaturamento das importações, as corporações,
reduzem seu lucro líquido no Brasil e, consequentemente, pagam menos
IRPJ e CSLL. Usam desse artificio para transferir parte de seus lucros
tributáveis para países com tributação mais favorecida ou sem qualquer

Página: 307/398 02/07/2019 09:20:28


tributação.

Outra tática é a de exacerbar a opção pelo endividamento.


Subsidiárias endividadas acabam obtendo dedução de impostos por
pagamento de juros, que são pagos para empresas do mesmo grupo em outros
países.

O estudo conclui que o subfaturamento de exportações foi o


método largamento mais utilizado pelos empresários brasileiros para

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transferir recursos para o exterior, totalizando 122,29 bilhões de dólares
entre 2006 e 2012, o que significou 67% dos recursos remetidos para o
exterior por meio do faturamento indevido. A outra parcela (32,2%) foi
enviada através do superfaturamento de importações, num montante de
57,99 bilhões de dólares (em valores reais de 2014).54 Esse processo, além
de reduzir o crescimento econômico do país, implica na perda de arrecadação

53 Estudo sobre mensuração da fuga de capitais do setor mineral no Brasil, financiado pela Rede Latino -
Americana sobre Dívida, Desenvolvimento e Direitos (LATINDADD).
54 Idem, página 14
308

e, consequentemente, redução de políticas públicas e perdas em serviços


essenciais para a população.

Para o ferro, a pesquisa indica que o subfaturamento das


exportações de minério de ferro ocasionou a saída de 39,132 bilhões de

SF/19193.51040-43
dólares entre 2009 e 2015, uma perda média de mais de 5,59 bilhões de
dólares por ano. Ao montante subfaturado esteve associado uma perda de
arrecadação tributária de 13,305 bilhões de dólares para o mesmo período, o
que significou em média uma perda anual de 1,9 bilhão de dólares.

Essas práticas envolvem, muitas vezes, a utilização de empresas


intermediárias sediadas em paraísos fiscais ou em países com regras
comerciais e financeiras pouco rigorosas. Essas empresas intermediárias

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operam como “centro de refaturamento”: reprecificam as exportações, de
modo a permitir simultaneamente o subfaturamento das exportações no país
de origem e o superfaturamento das importações do país destino e, com isso,
o desvio dos lucros obtidos para contas bancárias no offshore.55

São os chamados preços de transferência: controle a que se


submete o preço praticado na compra e venda de bens, serviços e direitos
entre partes relacionadas – uma pessoa jurídica domiciliada no Brasil

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vinculada a outra domiciliada no exterior (relação de matriz, filial, sucursal,
controlada, coligada, representante exclusivo, interposta pessoa).

Além disso, se o domicílio da pessoa jurídica no exterior for em


país ou dependência com tributação favorecida (“paraíso fiscal”), aplica-se
o controle do preço de transferência mesmo sem vinculação entre as
empresas.

55 Idem, página 12.


309

A finalidade da atuação do fisco, uma vez verificada a utilização


do mecanismo, é inibir a transferência de indevida de lucro para pessoas
jurídicas sediadas no exterior. O controle pelo preço de transferência visa
evitar distorções dolosas nas receitas e despesas de pessoas jurídicas
domiciliadas no Brasil que operam com outras vinculadas e domiciliadas no

SF/19193.51040-43
exterior, de forma a não haver diminuição indevida da base de cálculo do
Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social
sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Em suma, busca-se equiparar as operações entre pessoas


jurídicas vinculadas àquelas realizadas entre pessoas jurídicas
independentes, em condições análogas (preço com base no princípio arm’s
length), de forma a prevenir a transferência do lucro tributável para a pessoa

Página: 309/398 02/07/2019 09:20:28


jurídica domiciliada no exterior.

No Brasil, as regras sobre preço de transferência foram


introduzidas pela Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e alterações
posteriores, e dispõem sobre a definição de pessoa vinculada, país ou
dependência com tributação favorecida, e operações de importação,
exportação e empréstimos entre pessoas vinculadas.

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No que interessa a esta nota, os arts. 18 e 18-A da Lei cuidam
das operações de importação e os arts. 19 e 19-A, das de exportação.

Na importação, o controle fiscal dos preços de transferência


atua da seguinte forma:

a) calcula-se o preço parâmetro por um dos quatro métodos


previstos, entre eles os PIC, PRL e CPL;

b) compara-se o preço parâmetro com o preço efetivamente


praticado; e
310

c) se o preço parâmetro for menor do que o praticado,


significa que a pessoa jurídica domiciliada no Brasil reconheceu como custo
ou despesa um valor maior que o devido, portanto essa diferença deverá ser
adicionada ao lucro real (IRPJ) e à base de cálculo da CSLL para ser
tributada.

SF/19193.51040-43
Na exportação, o controle fiscal dos preços de transferência dá-
se da seguinte forma:

a) só haverá necessidade de calcular o preço parâmetro se o


preço médio praticado na venda dos produtos, serviços ou direitos a pessoa
jurídica vinculada no exterior for inferior a 90% do praticado na venda ao
mercado brasileiro, durante o mesmo período, em condição de pagamento

Página: 310/398 02/07/2019 09:20:28


semelhantes;

b) Se o preço praticado na exportação a vinculada for


inferior ao limite de 90% de que trata a alínea anterior, ainda é possível
dispensar o cálculo de preço parâmetro (dispensa de comprovação) caso a
pessoa jurídica domiciliada no Brasil se enquadre em uma das seguintes
salvaguardas (“safe harbors”):

b1) tenha lucratividade mínima de 10% do total das receitas de

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vendas nas exportações para empresas vinculadas (art. 48 da IN RFB nº
1.312, de 2012 – “safe harbor” da lucratividade); ou

b2) tenha receita líquida das exportações igual ou inferior a 5%


do total da receita líquida (art. 49 da IN RFB nº 1.312, de 2012 – “safe
harbor” da representatividade);

c) caso não haja enquadramento da empresa domiciliada no


Brasil nessas duas hipóteses de dispensa de comprovação, calcula-se o preço
parâmetro por um dos cinco métodos previstos;
311

d) compara-se o preço parâmetro com o preço efetivamente


praticado; e

e) se o preço parâmetro for maior do que o preço praticado,


significa que a pessoa jurídica exportadora domiciliada no Brasil reconheceu

SF/19193.51040-43
uma receita a menor, portanto a diferença deverá ser adicionada ao lucro real,
bem como ser computada na determinação do lucro presumido ou arbitrado
(IRPJ) e na base de cálculo da CSLL.

Ainda na exportação, no período de 2005 a 2009 e no ano de


2016, houve apreciação do real ante o dólar. Quando o real se aprecia, o
mesmo produto é registrado na contabilidade da empresa exportadora
domiciliada no Brasil por valor decrescente em reais (um dólar passa a valer

Página: 311/398 02/07/2019 09:20:28


menos reais).

Como o preço praticado decresce com a apreciação do real, é


necessário corrigi-lo pela variação cambial, para afastar falso diagnóstico de
subfaturamento nas exportações, que obrigaria a empresa exportadora
domiciliada no Brasil a oferecer à tributação a diferença entre o preço
parâmetro e o preço praticado achatado.

Essa correção cambial na exportação está prevista no art. 36 da

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005. No uso da competência conferida
pelo dispositivo legal, o Ministro da Fazenda baixou a cada ano portaria com
o fator de reajuste cambial multiplicativo, autorizando sua aplicação a duas
hipóteses. Por meio da Portaria MF nº 563, de 28 de dezembro de 2011 (art.
1º, II), autorizou fosse multiplicado, pelo fator de 1,11, o preço praticado
pela pessoa jurídica nas exportações para pessoas vinculadas, para efeito de
comparação com o preço parâmetro calculado pelo método Custo de
Aquisição ou de Produção mais Tributos e Lucro (CAP), conforme dispõe o
inciso IV do § 3º do art. 19 da Lei nº 9.430, de 1996.
312

Por meio da IN RFB nº 1.233, de 3 de janeiro de 2012 (art. 1º),


que regulamentou a segunda hipótese de aplicação da Portaria (art. 1º, I), a
Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil autorizou que, no cálculo
do “safe harbor” da lucratividade, a receita de vendas nas exportações a
pessoas vinculadas fosse multiplicada pelo fator de 1,11.

SF/19193.51040-43
A autorização legal para que a RFB estabeleça salvaguardas
(“safe harbors”) de lucratividade e de representatividade para a exportação é
veiculada no caput do art. 45 da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003.
O § 2º do mesmo dispositivo autoriza o Fisco a fixar percentual de margem
de divergência aceitável.

No uso dessa competência, o art. 51-A da IN RFB nº 1.312, de

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2012, fixou, tanto para a importação quanto para a exportação, margem de
divergência de até 5% entre o preço praticado médio ponderado e o preço
parâmetro médio ponderado (3% para commodities). Dentro dessa margem,
a pessoa jurídica domiciliada no Brasil fica dispensada de efetuar adições ao
lucro e à base de cálculo da CSLL.

Em fevereiro de 2018, a OCDE e o Brasil lançaram um projeto


conjunto para examinar as semelhanças e lacunas entre a abordagem

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brasileira e a da organização com relação, do ponto de vista tributário, às
transações internacionais entre empresas associadas. Conforme anunciado, o
referido projeto objetiva avaliar o potencial do Brasil de se aproximar das
regras relativas aos preços de transferência da OCDE. Cabe destacar que tais
regras são os parâmetros utilizados não apenas pelos países membros da
entidade, mas também servem de referência para outros países.

O Brasil já colabora regularmente com a OCDE há vários anos,


particularmente em matéria tributária, sendo membro do Fórum Mundial
sobre Transparência e Troca de Informações, assim como do Marco
313

Inclusivo do BEPS. Ademais, o País faz parte do grupo dos chamados


Parceiros Chave da OCDE, do qual também participam China, Índia,
Indonésia e África do Sul. Nessa condição, contribui para o trabalho da
entidade de maneira sustentada e abrangente, o que inclui parcerias nos
Órgãos da OCDE, adesão aos seus instrumentos e integração aos seus

SF/19193.51040-43
relatórios estatísticos e sistemas de informação.

Inicialmente, acordou-se que a análise da base jurídica e


administrativa do sistema de preços de transferência brasileiro duraria 15
meses, com foco nos pontos fortes e fracos e visando apontar opções no
sentido de um maior alinhamento com as Diretrizes da OCDE relativas aos
Preços de Transferência, que é a norma internacionalmente aceita da OCDE.
Em princípio, trata-se de uma etapa importante para que a pretensão de

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adesão do Brasil à organização venha a se concretizar no futuro.

É importante ressaltar que, dentre os países candidatos a aderir


ou mesmo os Parceiros Chave, o Brasil já é a nação mais envolvida na
cooperação com a OCDE, figurando como “associado” (ou “membro”), ou
seja, participando em pé de igualdade com membros efetivos, em nove
órgãos e programas e mantendo uma Vice-Presidência no Conselho de
Administração do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA).

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Ademais, é “participante” em outros 15 organismos, além de haver aderido
a 38 instrumentos jurídicos da OCDE e solicitado adesão a outros 76 desses
instrumentos, incluindo os Códigos de Liberalização dos Movimentos de
Capital e Operações Invisíveis Correntes.

Em maio de 2017, o Brasil submeteu à OCDE uma carta formal


manifestando o interesse em iniciar um processo de adesão à organização. O
pedido encontra-se em consideração por parte do Conselho, que o órgão
dirigente da OCDE, instruído por um rol de informações específicas sobre o
314

país, ao encargo do Secretário-Geral da entidade. Em março de 2019, durante


visita do Presidente Jair Bolsonaro a Washington, o governo norte-
americano sinalizou que dará apoio ao pleito brasileiro, o que é considerado
um elemento determinante para que o Conselho decida dar início formal às
discussões de ascensão do Brasil à condição de membro.

SF/19193.51040-43
Nesse contexto, a expectativa é de que o Governo Federal se
engaje em um processo de aproximação crescente do arcabouço normativo
pátrio às regras da OCDE. A rigor, há evidências de que isso já está
ocorrendo, como atesta a publicação da IN RFB nº 1.870, de 29 de janeiro
de 2019, que aperfeiçoa vários aspectos das regras de preços de
transferência, tais como a definição de commodity e a fórmula para
determinar a margem de divergência de 5% (3% para as commodities) para

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ajuste à base tributável do critério de aplicação do método do Preço sob
Cotação na Exportação (Pecex).

Comparação com o setor de petróleo e gás

Na pesquisa da Latindadd, há uma citação de trabalho de


Dalpian et alli (2014), afirmando que, em 2008, a arrecadação de tributos
indiretos e de compensação financeira da Petrobras foi 80 vezes superior à

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
arrecadação proporcionada pela Vale S.A. Enquanto isso, no mesmo ano, o
lucro da Petrobras superou o lucro da Vale apenas 1,4 vezes. Atribui-se essa
diferença ao caráter preponderantemente exportador do setor extrativo
mineral.56

Como a arrecadação tributária brasileira é composta


preponderantemente por impostos indiretos, sendo mais de 50% incidente
sobre o consumo, a produção destinada à exportação não paga esses tributos.

56 Idem. Pagina 19.


315

A mineração torna-se, portanto, imune ou isenta de diversos tributos federais


e também do principal tributo estadual, o ICMS, o que caracteriza a
subtributação da atividade mineradora no Brasil.

O estudo da Latindadd conclui que a atividade mineradora, que,

SF/19193.51040-43
com o tempo, exaure recursos não renováveis e causa impactos ambientais
negativos, não vem, em muitos casos, trazendo resultados para o
desenvolvimento econômico. Tampouco os rendimentos gerados por essa
atividade são partilhados pela sociedade na medida em que deveriam ser.

Henrique Dalpian, autor da dissertação intitulada O Lucro


Privado da Atividade Mineradora Brasileira enquanto sub-remuneração do
Estado, adota posição bem mais crítica em relação ao arranjo institucional

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vigente, afirmando que ele permite que:

“ o explorador mineiro.... se beneficie das vantagens naturais


intrínsecas às jazidas minerais, convertendo-as parcialmente em lucro
excepcional. Ele acredita que os termos que viabilizam o pleno gozo da
propriedade das jazidas minerais, entrementes, acabam por restringir a
extração mineira à ação estatal. O código de mineração que determinasse a
primazia da exploração estatal e preservasse a possibilidade de sua concessão

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
à iniciativa privada, majorando a compensação financeira destinada ao
Estado até torná-la equivalente à parcela do valor do produto da extração
representativa da contribuição efetiva da substância mineral encontrada na
jazida, estatizaria, na prática, toda a indústria extrativa mineral.”57

Embora reconheça a impossibilidade de se estatizar


imediatamente toda a exploração mineral, considera:

57 Henrique Dalpian,. O Lucro Privado da Atividade Mineradora Brasileira enquanto sub-remuneração do


Estado, páginas 140, 142
316

“... impreterível que as mudanças legais doravante levadas a


cabo prevejam a primazia da exploração pública das jazidas minerais.
Acredita que o Estado tem, diante de si, amplas possibilidades para alargar
sua participação na captação de renda proveniente da atividade mineradora
sem que incorra em arbítrio ou infundado desrespeito à propriedade privada.

SF/19193.51040-43

Conclusão

A tributação da mineração no Brasil está bastante alinhada com


o que se observa no restante do mundo, em particular nos principais países
concorrentes de nossas exportações. Estudos têm mostrado que não existe
uma tributação excessiva que venha a desestimular a mineração no País. Por

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outro lado, há muitos indícios de que determinadas atividades são tributadas
muito aquém do que deveriam ser. O caso mais notório é o da exportação de
minério de ferro.

O setor de mineração passa por ciclos de prosperidade e de


estagnação e que o preço de determinados minérios está sujeito a enorme
volatilidade. É o caso do minério de ferro. Nos anos de 2007-2008, o preço
da tonelada métrica seca alcançou US$ 200,00 e, em 2011, chegou próximo

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
de US$ 190,00. Em compensação, em 2015-2016, ficou abaixo de US$
50,00.

Diante de tamanha flutuação, é compreensível que a legislação


da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) permita
ajustes nas alíquotas em função da rentabilidade do empreendimento. A Lei
nº 13.554, de 2017, elaborada em um momento de preços baixos do ferro,
previu a possibilidade de o órgão regulador autorizar redução da CFEM, de
3,5% para até 2%, com o objetivo de não prejudicar a viabilidade econômica
de jazidas com baixos desempenho e rentabilidade em razão do teor de ferro,
317

da escala de produção, do pagamento de tributos e do número de


empregados.

O projeto proposto altera a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de


1989, que institui, para os Estados, Distrito Federal e Municípios, a

SF/19193.51040-43
compensação financeira pelo resultado da exploração de petróleo ou gás
natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica, de
recursos minerais em seus respectivos territórios, plataforma continental,
mar territorial ou zona econômica exclusiva, para criar a participação
especial a ser recolhida sobre a receita líquida da mineração.

De acordo com a Constituição Federal, os recursos minerais são


propriedade da União, que poderá, mediante autorização ou concessão,

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permitir a sua pesquisa e lavra. Ainda segundo a Constituição Federal, a
exploração dos recursos minerais ensejará o recolhimento, em benefício dos
entes subnacionais e da União, de participação no resultado dessa exploração
ou compensação financeira por ela. Na esfera infraconstitucional, essas
disposições constitucionais deram origem à Compensação Financeira pela
Exploração de Recursos Minerais (CFEM), que corresponde aos royalties da
mineração.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Os desastres provocados pelo rompimento das barragens de
rejeitos de minério de ferro em Mariana e Brumadinho chamaram a atenção
da sociedade para a necessidade de sustentabilidade ambiental na mineração.
Tornou-se evidente o alto custo ambiental dessa atividade econômica.
Contudo, a compensação pelo uso de um recurso esgotável de propriedade
da União é ridiculamente baixa. Por exemplo, de acordo com a Agência
Nacional de Mineração (ANM), a arrecadação da CFEM referente à
produção de ferro somou R$2,1 bilhões em 2018, o que equivale a menos de
um dólar por tonelada extraída. Considerando que a cotação atual do minério
318

de ferro gira em torno de US$100/tonelada, trata-se de uma verdadeira


espoliação do patrimônio nacional!

Os maiores favorecidos por esse absurdo são os acionistas da


Vale, empresa responsável por mais de 70% da produção nacional de minério

SF/19193.51040-43
de ferro. A mineradora, não satisfeita em pagar royalties tão insignificantes,
ainda comprime seus custos a ponto de comprometer a segurança de suas
operações. O resultado dessa ganância desenfreada é bem conhecido:
morticínio e destruição do meio ambiente.

Muito embora a Lei nº 13.540, de 18 de dezembro de 2017,


tenha aumentado a base de cálculo (passou a ser a receita bruta da produção)
e as alíquotas da CFEM (a alíquota máxima passou para 3,5%), ela não

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corrigiu a contento uma antiga distorção do cálculo dessa exação: os
royalties pesam mais sobre as minas de menor rentabilidade e produção do
que sobre as minas com alta produção e rentabilidade. Por utilizar como base
de cálculo a receita bruta, a CFEM é incapaz de capturar adequadamente os
lucros extraordinários obtidos por essas minas mais ricas, sem penalizar em
excesso as demais minas. Ou seja, aumentar simplesmente a alíquota da
CFEM pode provocar o efeito indesejado de inviabilizar economicamente os

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
empreendimentos de menor rentabilidade sem, contudo, capturar uma
parcela significativa dos lucros das minas mais rentáveis.

Esse mesmo desafio existe no setor de petróleo, que apresenta


grande variabilidade de potencial econômico entre os diversos campos
petrolíferos. A solução encontrada no regime de concessão foi simples e
certeira: a criação de dois tipos de exações: os royalties e a participação
especial, que incidem, respectivamente, sobre o valor bruto da produção e a
receita líquida do campo. Todos os campos petrolíferos pagam royalties (a
alíquota na grande maioria dos campos é de 10%), mas a participação
319

especial (a alíquota varia de 10 a 40%) somente é devida por aqueles campos


de grande produção. Em 2018, a produção de petróleo e de gás natural gerou
R$ 23,4 bilhões de royalties e R$ 31,5 bilhões de participação especial.
Como se vê, a participação especial gerou mais arrecadação que os royalties.

SF/19193.51040-43
A nossa intenção é aplicar a mesma sistemática no setor da
mineração. Grandes minas, muitas delas ativos de classe mundial, passarão
a pagar uma participação especial sobre a receita líquida, nos moldes do que
já ocorre na produção de petróleo. As minas de menor rentabilidade serão
poupadas da nova exação, mas as minas de maior rentabilidade retornarão
para a sociedade uma parcela maior do lucro que arrancam do subsolo
brasileiro.

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c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
320

Minuta

PROJETO DE LEI Nº , DE 2019

Altera a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989,

SF/19193.51040-43
que institui, para os Estados, Distrito Federal e
Municípios, a compensação financeira pelo
resultado da exploração de petróleo ou gás natural,
de recursos hídricos para fins de geração de
energia elétrica, de recursos minerais em seus
respectivos territórios, plataforma continental, mar
territorial ou zona econômica exclusiva, para criar
a participação especial a ser recolhida sobre a
receita líquida da mineração.

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O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º A Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989, passa a


vigorar com a seguinte redação:

“Art. 6º A exploração de recursos minerais implicará, nos


termos do § 1º do art. 20 da Constituição Federal, obrigação de
recolher a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos
Minerais (CFEM) e a Participação Especial, e o recolhimento da
CFEM se dará por ocasião:
............................................................” (NR)

“Art. 6º-A. A Participação Especial será devida nos casos de c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc


minas com grande volume de produção ou com grande rentabilidade
e será recolhida trimestralmente, na forma do regulamento.
§ 1º A alíquota da Participação Especial será aplicada sobre a
receita bruta da produção, deduzidos a CFEM, os investimentos na
exploração, os custos operacionais, a depreciação e os tributos
previstos na legislação em vigor.
§ 2º A alíquota máxima da Participação Especial será de 40%
(quarenta por cento).
§ 3º Os recursos da Participação Especial serão distribuídos na
forma prevista no § 2º do art. 2º da Lei nº 8.001, de 13 de março de
1990.”
321

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação oficial.

JUSTIFICAÇÃO

Os desastres provocados pelo rompimento das barragens de

SF/19193.51040-43
rejeitos de minério de ferro em Mariana e Brumadinho chamaram a atenção
da sociedade para a necessidade de sustentabilidade na mineração. Tornou-
se evidente o alto custo ambiental dessa atividade econômica. Contudo, a
compensação pelo uso de um recurso esgotável de propriedade da União é
ridiculamente baixa. Por exemplo, de acordo com a Agência Nacional de
Mineração (ANM), a arrecadação da CFEM referente à produção de ferro
somou R$2,1 bilhões em 2018, o que equivale a menos de um dólar por
tonelada extraída. Considerando que a cotação atual do minério de ferro gira
em torno de US$100/tonelada, trata-se de uma verdadeira espoliação do
patrimônio nacional!

Os maiores favorecidos por esse absurdo são os acionistas da

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Vale, empresa responsável por mais de 70% da produção nacional de minério
de ferro. A mineradora, não satisfeita em pagar royalties tão insignificantes,
ainda comprime seus custos a ponto de comprometer a segurança de suas
operações. O resultado dessa ganância desenfreada é bem conhecido:
morticínio e destruição do meio ambiente.

Muito embora a Lei nº 13.540, de 18 de dezembro de 2017,


tenha aumentado a base de cálculo e as alíquotas da CFEM, ela não corrigiu
a contento uma antiga distorção do cálculo dessa exação: os royalties pesam
mais sobre as minas de menor rentabilidade e pequena produção do que sobre
as minas com grande produção e alta rentabilidade. Por utilizar como base

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
de cálculo o faturamento bruto, a CFEM é incapaz de capturar os lucros
extraordinários obtidos por essas minas mais ricas.

Este projeto de Lei vem corrigir essa injustiça. Essas minas,


muitas delas ativos de classe mundial, passarão a pagar uma Participação
Especial sobre a receita líquida, nos moldes do que já ocorre na produção de
petróleo. As minas de menor rentabilidade serão poupadas da nova exação,
mas as minas de maior rentabilidade retornarão para a sociedade uma parcela
maior do lucro que arrancam do subsolo brasileiro.
322

Diante do exposto, peço o apoio dos nobres Pares para


aprovação deste Projeto de Lei.

Sala das Sessões,

SF/19193.51040-43
Senador Antônio Anastasia (PSDB/MG), Senador Carlos Viana (PSD/MG),
Senador Dário Berger (MDB/SC), Senador Jáder Barbalho (MDB/PA),
Senador Jaques Wagner (PT/BA), Senador Jean Paul Prates (PT/RN),
Senador Jorge Kajuru (PSB/GO), Senadora Juíza Selma (PSL/MT),
Senadora Leila Barros (PSB/DF), Senador Otto Alencar (PSD/BA), Senador
Randolfe Rodrigues (REDE/AP), Senador Roberto Rocha (PSDB/MA),
Senadora Rose de Freitas (PODE/ES), Senador Wellington Fagundes
(PR/MT), Senador Zequinha Marinho (PSC/PA).

Página: 322/398 02/07/2019 09:20:28


c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
323

6.3 Crimes ambientais

Os recentes desastres de grandes proporções causados pelo


rompimento de barragens de rejeitos de mineração, em particular da
Barragem de Fundão, em Mariana-MG, e da Barragem I da Mina Córrego

SF/19193.51040-43
do Feijão, em Brumadinho-MG, e as consequentes perdas humanas,
ambientais e materiais causadas por esses acidentes, trouxeram visibilidade
nacional e internacional para os riscos dessas barragens e a necessidade de
respostas do poder público para evitar que se repitam.

O rompimento da Barragem de Fundão, em adição às perdas


humanas que causou, foi responsável pelo que é hoje considerado o
maior desastre ambiental da história brasileira e o maior do mundo

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envolvendo barragens de rejeitos. O extraordinário volume despejado, de 45
milhões de metros cúbicos, alcançou o Rio Doce, cuja bacia
hidrográfica abrange 230 municípios dos estados de Minas Gerais e Espírito
Santo, muitos dos quais abastecem sua população com a água do rio.

Um diagnóstico preciso do impacto ambiental causado pelo


desastre de Mariana ainda não é possível, mas sabe-se que seus efeitos
perdurarão por muitos anos. A morte de peixes, micro-organismos e outros

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
seres vivos destruiu a cadeia alimentar em alguns ambientes atingidos e a
quantidade de lama liberada provocou assoreamento, desvio de cursos de
água e soterramento de algumas nascentes. A lama carregada pelo Rio Doce
atingiu o litoral do Espírito Santo, causando ali também grande impacto
ambiental nos ecossistemas marinhos.

Além de causar morte no interior dos rios e degradação


ambiental nas águas oceânicas, a lama provocou a morte da vegetação
próxima à região. Uma grande quantidade de mata ciliar foi completamente
324

destruída. Os resíduos da mineração também afetaram o solo, dificultando o


desenvolvimento de espécies que ali viviam e modificando completamente
a vegetação local.

O rompimento da Barragem de Brumadinho, por sua vez,

SF/19193.51040-43
tornou-se emblemático pelo enorme e inaceitável número de perdas
humanas, com quase 300 vítimas, entre mortos e desaparecidos. A natural
indignação e reação a essas fatalidades não impede a constatação de que,
também em Brumadinho, verificou-se um desastre ambiental de grandes
proporções. Nesse caso, a lama atingiu uma grande área e desencadeou a
morte de muitos animais e plantas em uma região rica em biodiversidade,
com remanescentes da Mata Atlântica. A lama alcançou ainda o rio
Paraopeba, um dos afluentes do rio São Francisco, afetando a qualidade da

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água no local. O solo da região pode também ser afetado em virtude da
grande quantidade de lama depositada.

Ainda que seus impactos ambientais tenham sido inferiores


àqueles decorrentes do desastre em Mariana, o que aconteceu em
Brumadinho é suficientemente grave para que esta CPI avalie, também, as
respostas que podem ser dadas na área ambiental para garantir a segurança

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
do meio ambiente diante dos riscos oferecidos por empreendimentos como
os de Mariana e Brumadinho, que utilizam as obsoletas barragens de rejeitos
de mineração.

Inúmeros estudos atestam o enorme potencial de danos


ambientais decorrentes da atividade mineradora. No caso que nos interessa,
as barragens de rejeitos, o que chama a atenção é o assustador volume de
resíduos decorrente dessa atividade. Dados do último Anuário Mineral
325

Brasileiro 58 apontam que mesmo a produção de minério de ferro, um dos


metais com maior rendimento, gera cerca de 0,45 tonelada de rejeitos para
cada tonelada de minério bruto obtido. Assim, se considerarmos a produção
de minério de ferro no Brasil em torno de 600 milhões de toneladas por ano,
estamos falando de produção de rejeitos na ordem de 270 milhões de

SF/19193.51040-43
toneladas por ano. A destinação desses rejeitos é precária na maior parte das
vezes e oferece riscos às populações e aos recursos naturais, não apenas
locais, mas também num largo alcance geográfico, como mostrado na
tragédia de Mariana. No caso do ouro, o rendimento da produção é ainda
menor, com cerca de apenas 0,65g de minério produzido para cada tonelada
de minério bruto extraído. Isso significa que praticamente 100% da
mineração de ouro se torna resíduo, que precisará ser disposto em algum

Página: 325/398 02/07/2019 09:20:28


lugar.

Para um país em que a produção e transformação mineral se


apresentam entre as mais importantes atividades econômicas, alcançando
quase 5% do PIB nacional e com alto potencial de geração de empregos
diretos e indiretos, há que se buscar mecanismos para conciliar essa atividade
com a necessária proteção ambiental. Há avanços tecnológicos que permitem
práticas de mineração bem mais avançadas do que as atualmente utilizadas

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
no Brasil e que, necessariamente, deverão ter seus custos internalizados na
economia desse setor.

O foco desta CPI e deste relatório está nas barragens de rejeitos


de mineração, as quais, reconhecidamente, não têm mais razão de existir e é

58 Brasil. Agência Nacional de Mineração. Anuário Mineral Brasileiro: Principais Substâncias Metálicas /

Coord. Geral Osvaldo Barbosa Ferreira Filho; Equipe Técnica por Marina Dalla Costa et al.; – Brasília: ANM,
2019.
326

nessa linha que o trabalho desta CPI se encerra: propondo a proibição de


construção de novas barragens de rejeitos de mineração e estipulando prazo
para o descomissionamento das hoje existentes. Já existem tecnologias
suficientes para avançarmos nessa direção, ainda que o custo da produção
possa ser onerado até que essas tecnologias se tornem amplamente

SF/19193.51040-43
disseminadas.

Nesse sentido, é importante constatar que, ao contrário de outras


atividades com reconhecido impacto ambiental, como a indústria em geral,
a indústria do petróleo e a agropecuária, o setor de mineração avançou pouco
em suas práticas de proteção ambiental, sendo responsável por índices de
poluição industrial muito acima de outros setores. Contribui para isso um
arcabouço legal e institucional que tem se provado bem pouco eficiente.

Página: 326/398 02/07/2019 09:20:28


Historicamente, quando comparado a outras atividades
econômicas, o setor de mineração, no mundo todo, é o que mostra menor
responsabilidade social e ambiental. Trata-se de setor conservador e
resistente a normas, limitações e condições de ordem social e ambiental. Esse
quadro tem produzido a imagem altamente negativa do setor e imposto
elevados custos tanto aos consumidores quanto aos empreendedores, seja no

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
caso de acidentes, seja na obrigação de recuperar áreas degradadas.

As medidas de caráter ambiental que esta CPI propõe agora,


dentro da finalidade com que foi criada, concentram-se, especificamente, na
prevenção e mitigação de danos ambientais decorrentes de barragens de
rejeitos. Essas medidas conformam-se à recomendação central deste
relatório que, basicamente, preveem:

1. Proibição de construção de novas barragens de rejeitos de


mineração; e,
327

2. Descomissionamento, no prazo de 10 anos, de todas as


barragens de rejeitos de mineração hoje existentes.

Enquanto o País não se vê livre das barragens de rejeitos, a


prevenção contra novos acidentes e a redução dos impactos ambientais delas

SF/19193.51040-43
decorrentes deve-se dar por meio do aumento das exigências ambientais e do
reforço na fiscalização. Naturalmente, os preços dos minerais haverão de
refletir os custos socioambientais associados à sua exploração, o que, num
necessário ajuste de mercado, deverá aumentar a eficiência e diminuir o
desperdício no uso dessas matérias-primas.

Nesse contexto, os trabalhos desta CPI evidenciaram a


necessidade de muitos ajustes e adequações de ordem legislativa. Nessa

Página: 327/398 02/07/2019 09:20:28


direção caminharam também os trabalhos da Comissão Externa Desastre de
Brumadinho, da Câmara dos Deputados, cujo relatório final apresentou nove
detalhados projetos de lei que revisam, por completo, o aparato regulatório
associado aos empreendimentos minerários e às barragens de rejeitos em
particular. Esta CPI do Senado reconhece a qualidade das proposições
apresentadas na Câmara dos Deputados, as quais não apenas já foram
apresentadas mas, também, já tramitam em caráter de urgência urgentíssima.

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Recomenda-se ao Senado Federal celeridade na tramitação dessas propostas,
assim que cheguem a esta Casa.

Nossa opção, neste relatório, foi pela apresentação de


proposições que ataquem problemas pontuais associados ao nosso objetivo
maior, a eliminação completa das barragens de rejeitos. Nesse sentido,
incluem-se proposições que, na fase de transição até o completo
desaparecimento dessas barragens, possam contribuir para evitar novas
tragédias e, por meio de tipificação adequada de condutas, assegurar que
eventuais novos crimes sejam punidos adequadamente.
328

O primeiro projeto de lei com esse objetivo visa alterar a Lei nº


9.605, de 1998, tipificando condutas que, quando de sua aprovação, não
foram previstas. Passam a ser previstos, pela proposição, os crimes de dar
causa a desastre ambiental de grandes proporções, ou que cause calamidade
pública, com as devidas qualificações desse crime. Trata-se de importante

SF/19193.51040-43
sinalização que diferencia um crime ambiental comum, por maior que seja
sua gravidade, de crimes de extraordinárias proporções, como os de Mariana
e de Brumadinho.

A mesma proposição tipifica, ainda, o crime específico de dar


causa a rompimento de barragem. Com efeito, apesar da grande quantidade
de barragens no Brasil, os desastres a elas associados não foram previstos na
Lei de Crimes Ambientais.

Página: 328/398 02/07/2019 09:20:28


Finalmente a proposição sugere um significativo aumento no
valor máximo das multas previstas na lei, de forma a possibilitar que
acidentes da envergadura desses de que falamos possam ser punidos com
multas proporcionalmente elevadas e que, pelo seu valor, efetivamente
contribuam para conter condutas criminosas.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Uma questão importante que aflorou durante os trabalhos da
CPI foi a necessidade de ritos próprios de licenciamento ambiental para a
construção, operação e descomissionamento de barragens de rejeitos. Para
os objetivos desta CPI, importa aqui assegurar que o descomissionamento de
barragens de rejeitos seja precedido de licenciamento ambiental específico e
que essa licença seja acompanhada de Plano de Recuperação de Áreas
Degradadas (PRAD), que visa dar cumprimento ao que estabelece o preceito
constitucional de que “aquele que explorar recursos minerais fica obrigado
a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica
exigida pelo órgão público competente, na forma da lei” (CF, art. 225, § 2º).
329

É o que prevê o projeto de lei que trata do descomissionamento das barragens


atualmente existentes.

Finalmente, esta CPI decidiu, também, apresentar projeto de lei


que trata da exigência de contratação, pelos empreendedores de barragens,

SF/19193.51040-43
do profissional conhecido como engenheiro de registros, EdR (do inglês
engineer of record, ou EoR). Trata-se de medida já contemplada na
legislação de outros países com forte presença da mineração em suas
economias (Austrália e Canadá, por exemplo).

A existência de um engenheiro de registro traz uma série de


vantagens em relação ao quadro atual e responde a inúmeras distorções
evidenciadas durante os depoimentos nesta CPI, particularmente aqueles dos

Página: 329/398 02/07/2019 09:20:28


servidores da Vale. O EdR é contratado por um longo período de tempo, de
forma a minimizar os riscos de perda de conhecimentos normalmente
associados com a troca de pessoal no empreendimento. Isso provê
continuidade, estabilidade e previsibilidade em todas as etapas, desde a
construção da barragem até o seu fechamento. Não se trata, aqui, apenas de
segurança, mas, também, de poupar custos operacionais e de construção por
meio da preservação do conhecimento institucional. A existência do EdR

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
assegura consistência à engenharia, operação e gerenciamento da barragem
porque os riscos de qualquer falha – em termos de custos, de meio ambiente,
de reputação – são extremamente elevados.

Temos a convicção de que o setor minerário precisa de completa


revisão de todo o aparato legislativo e regulatório que o rege, com o objetivo
de contemplar com maior precisão aspectos que hoje se mostram deficientes,
como normas de licenciamento específico para empreendimentos
minerários, gestão de riscos, recuperação de áreas degradadas, entre outros.
Dentro do escopo aprovado para os trabalhos desta CPI, porém, temos
330

certeza de que as proposições aqui apresentadas hão de contribuir de maneira


relevante para evitar a repetição de acidentes como o de Brumadinho e os
seus consequentes efeitos perversos, como perdas humanas e expressiva
degradação ambiental.

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331

Minuta

PROJETO DE LEI Nº , DE 2019

Altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998

SF/19193.51040-43
(Lei de Crimes Ambientais), para tipificar o crime
de desastre ecológico de grande proporção ou que
produza estado de calamidade pública, bem como
a conduta do responsável por desastre relativo a
rompimento de barragem.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Página: 331/398 02/07/2019 09:20:28


Art. 1º O art. 54 da Lei nº 9.605, de 1998, passa a vigorar
acrescido dos seguintes §§ 4º, 5º e 6º:

“Art. 54. ..................................................................................


..................................................................................................
§ 4º Se o crime previsto no caput der causa a desastre ecológico
de grande proporção ou que produza estado de calamidade pública:
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa.
§ 5º Se o crime previsto no § 4º é culposo:

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Pena – detenção, de um a dois anos, e multa.
§ 6º Se do crime doloso ou culposo referidos nos §§ 4º e 5º
deste artigo resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa
de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte humana, é
aplicada em dobro.

Art. 2º A Lei nº 9.605, de 1998, passa a vigorar acrescida do


seguinte artigo 55-A:

“Art. 55-A. Dar causa a rompimento de barragem pela


inobservância da legislação, de norma técnica, de práticas
reconhecidas pela comunidade científica, da licença e suas
condicionantes ou de determinação da autoridade ambiental e da
entidade fiscalizadora da segurança de barragem:
332

Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa.


§ 1º Se o crime é culposo:
Pena – detenção, de um a três anos, e multa.
§ 2º Se o crime:
I – tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação
humana;

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II – provocar a mortandade de animais ou a destruição
significativa da flora;
III – causar poluição hídrica que impeça o abastecime nto
público de água ou a geração de energia hidrelétrica;
IV – interromper atividade agropecuária ou industrial;
V – impedir a pesca, mesmo que temporariamente;
VI – interromper o acesso a comunidades;
VII – causar prejuízos ao patrimônio histórico-cultural;
VIII – afetar o modo de vida de populações indígenas e
comunidades tradicionais; ou

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IX – dificultar ou impedir o uso público das praias:
Pena – reclusão, de três a oito anos.
§ 3º Se do crime doloso ou culposo resulta lesão corporal de
natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de
metade; se resulta morte humana, é aplicada em dobro.

Art. 3º O art. 75 da Lei nº 9.605, de 1998, passa a vigorar com


a seguinte redação:

“Art. 75. O valor da multa de que trata este Capítulo deve ser
fixado por regulamento, conforme a categoria e a gravidade da

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
infração, e atualizado periodicamente, com base nos índices
estabelecidos na legislação pertinente, sendo o mínimo de
R$2.000,00 (dois mil reais) e o máximo de R$1.000.000.000,00 (um
bilhão de reais).” (NR)

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.


333

JUSTIFICAÇÃO

As recentes tragédias decorrentes de desmoronamento de


barragens em Minas Gerais evidenciaram lacunas importantes na Lei nº
9.605, de 1998, conhecida como Lei de Crimes Ambientais. Com efeito,
embora essa Lei seja considerado um importante marco para a aplicação da

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legislação ambiental brasileira, dirimindo contradições e inconsistências,
definindo infrações e estabelecendo penas com uniformização e gradação
adequadas, de maneira harmonizada em um único dispositivo legal, os
muitos anos que se passaram desde sua aprovação justificam ajustes e
complementos em função de novas circunstâncias, informações e
conhecimentos.

É o caso dos acidentes decorrentes do desmoronamento de


barragens, eventos que, em 1998, não haviam produzido ainda evidências
suficientes que justificassem tratamento diferenciado dentro da Lei de
Crimes Ambientais. Os recentes desastres desse tipo ocorridos em Mariana,
em 2015, e em Brumadinho, em 2019, para mencionar apenas os dois mais

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conhecidos pelas suas trágicas consequências, apontam para a necessidade
de tipificar penalmente esses crimes, que causaram expressiva mortandade
de seres humanos, da flora e da fauna, além de grave contaminação dos
recursos hídricos e dos solos.

Foi nesse sentido que avançou também a Comissão Externa


Desastre de Brumadinho, da Câmara dos Deputados, destinada a fazer o
acompanhamento e fiscalizar as barragens existentes no Brasil e, em
especial, acompanhar as investigações relacionadas ao rompimento da
barragem em Brumadinho-MG. Essa Comissão, em seu relatório final,
produziu um amplo e detalhado conjunto de propostas legislativas, já

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apresentadas naquela Casa, incluindo uma com modificações à Lei de
Crimes Ambientais, na qual nos inspiramos para produzir o presente projeto
de lei.

No Senado Federal, os trabalhos da Comissão Parlamentar de


Inquérito constituída para apurar as causas do rompimento da barragem na
Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, têm confirmado as percepções da
Comissão Externa da Câmara dos Deputados: eventos de grandes
proporções, como o de Mariana, considerado hoje o maior desastre ecológico
do País, e o de Brumadinho, que causou a perda de quase 300 vidas além de
expressivos impactos sobre o meio ambiente da região, não são devidamente
punidos pela Lei de Crimes Ambientais. Essa é a razão de apresentação deste
projeto.
334

A primeira modificação proposta à Lei de Crimes Ambientais


trata de oferecer gradação diferenciada ao crime, já antes tipificado no art.
54 da Lei, de “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que
resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a
mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”. Importa, aqui,
diferenciar a gravidade desse crime daqueles semelhantes que, pelo alcance
de seus efeitos, produzam desastre humano e ecológico de tamanha

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proporção ou estado de calamidade pública que justifique penas mais
elevadas. Além disso, a proposição prevê também a qualificação do crime,
com penas diferenciadas quando houver morte ou lesão corporal de natureza
grave.

A segunda importante modificação que trazemos à apreciação


desta Casa refere-se à criação de tipo penal específico para aquele que der
causa a rompimento de barragem pela inobservância da legislação, de norma
técnica, da licença e suas condicionantes ou de determinação da autoridade
ambiental e da entidade fiscalizadora da segurança de barragem. Note-se que
a lei já previa como crime a conduta de “executar pesquisa, lavra ou extração

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de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão
ou licença, ou em desacordo com a obtida”, bem como “deixar de recuperar
a área pesquisada ou explorada, nos termos da autorização, permissão,
licença, concessão ou determinação do órgão competente”. A lei era omissa,
porém, ao não prever as condutas que levem ao rompimento de barragem,
que foram exatamente os casos de Mariana e Brumadinho, crimes de enorme
impacto sobre a sociedade, sobre o meio ambiente e as populações que
habitam aquelas áreas. Em ambos os casos, trata-se de desastres de grande
gravidade no País, o que requer um novo entendimento penal sobre a matéria.

Finalmente, o projeto propõe a atualização do valor máximo dos

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valores de multas devidas por infrações administrativas previstas na lei de
crimes ambientais. O valor anteriormente fixado – além de necessitar ser
corrigido monetariamente – é absolutamente incompatível com a gravidade
e com a extensão dos danos causados por acidentes de proporções grandiosas
como os de Mariana e Brumadinho.

As presentes modificações propostas à Lei de Crimes


Ambientais visam mitigar as dificuldades processuais que desastres como os
de Mariana e de Brumadinho enfrentam pela falta de tipos penais específicos
para as condutas que lhes deram origem. Não por acaso, quase quatro anos
após aquele que é considerado o maior desastre ambiental do País, não houve
ainda uma só condenação em decorrência do acidente de Mariana.
335

Temos convicção de que o presente projeto de lei elimina


lacunas da Lei de Crimes Ambientais e contribuirá para maior agilidade e
eficácia do processo penal em crimes como os cometidos em Mariana e em
Brumadinho. Para isso, contamos com o apoio de nossos pares para sua
aprovação e transformação em lei.

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Sala das Sessões,

Senador Antônio Anastasia (PSDB/MG), Senador Carlos Viana (PSD/MG),


Senador Dário Berger (MDB/SC), Senador Jáder Barbalho (MDB/PA),
Senador Jaques Wagner (PT/BA), Senador Jean Paul Prates (PT/RN),
Senador Jorge Kajuru (PSB/GO), Senadora Juíza Selma (PSL/MT),
Senadora Leila Barros (PSB/DF), Senador Otto Alencar (PSD/BA), Senador
Randolfe Rodrigues (REDE/AP), Senador Roberto Rocha (PSDB/MA),
Senadora Rose de Freitas (PODE/ES), Senador Wellington Fagundes

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(PR/MT), Senador Zequinha Marinho (PSC/PA).

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336

7 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Conforme demonstrado neste relatório, a CPI de Brumadinho,


em prazo extremamente curto, logrou não apenas investigar as causas do

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rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão, como também
identificar e sugerir o indiciamento dos responsáveis pelos crimes ali
cometidos. O papel dos órgãos públicos foi debatido na CPI e diversas
sugestões e recomendações emanaram desses trabalhos, seja do ponto de
vista administrativo, seja do ponto de vista legislativo, a fim de evitar novas
tragédias, o que nos permite concluir que o mandato recebido por este
Colegiado foi cumprido com êxito.

Apesar disso, os trabalhos não se encerram por aqui. Há muito

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ainda a fazer, não apenas no caso específico de Brumadinho, mas também
no quadro geral das barragens de rejeitos do Brasil. O mandato que esta CPI
recebeu não se limita ao caso de Brumadinho e, por isso, as recomendações
e proposições legislativas tratam de todas as barragens de rejeitos. A ideia
não é apenas identificar o que aconteceu em Brumadinho e quem são os
responsáveis, mas evitar que as barragens de rejeitos hoje existentes
produzam novos desastres.

No caso do rompimento da Barragem I da Mina Córrego do c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

Feijão, os trabalhos só estarão concluídos após o devido indiciamento,


julgamento e punição dos culpados. Esta CPI, com a inestimável colaboração
da força-tarefa que realiza as investigações referentes ao rompimento da
barragem, certamente oferece, com este relatório, grande contribuição para
que não se repita a situação de Mariana. Lamentavelmente, decorridos mais
de três anos do rompimento da barragem do Fundão, não há ainda o
apontamento de sequer um responsável pelo maior desastre ambiental já
337

ocorrido em solo brasileiro. Temos a convicção de que, com o nosso


trabalho, o Senado Federal cumpriu a sua parte.

As evidências coletadas e analisadas pela CPI permitiram a


conclusão pelo indiciamento de diversos cidadãos por homicídio culposo.

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No entanto, é importante ressaltar aqui que o aprofundamento das
investigações em curso pela força-tarefa e o surgimento de novas provas
podem implicar enquadramentos mais rigorosos, como homicídio por dolo
eventual. É importante que todos os fatos sejam exaustivamente apurados a
fim de que a sociedade brasileira, em particular aqueles afetados mais
diretamente pela tragédia de Brumadinho, não enxergue, mais uma vez, a
ausência de justiça diante da força do poder econômico.

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Em relação à responsabilidade criminal, os elementos
probatórios a que a CPI teve acesso (provas compartilhadas, decisões
judiciais) e que produziu, nesses quatro meses de investigação parlamentar,
confirmam as hipóteses de risco moral e defeito de organização. Ou seja, a
desativação da Barragem B1 a partir de 2016, cujo efeito imediato seria
elevar naturalmente o fator de segurança com o tempo, aumentou a tolerância
ao risco dos funcionários da Vale, o que se traduziu em negligência
operacional e contenção de custos para ações de evitação da liquefação.

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Além disso, a Vale não contava com um sistema de governança e compliance
apto a coordenar os incentivos de diretores, gerentes e funcionários para o
controle do risco e o cumprimento da lei, o que se mostrou relevante para o
desenrolar da causalidade que levou ao rompimento da barragem.

Os elementos probatórios colhidos pela CPI apontam para crime


omissivo impróprio culposo (art. 13, § 2º, c do CP) – que se traduziu na
criação de uma situação relevante de risco, que gerou um dever de agir – que
foi ignorado – para impedir o resultado danoso. Na ausência da ação de
338

evitação, a omissão se torna juridicamente relevante e os responsáveis


respondem pelos resultados (homicídio, lesão corporal e dano ambiental).

Várias ações poderiam e deveriam ter sido tomadas para evitar


o resultado, mas não foram, como a construção da berma de reforço, a

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construção dos poços de rebaixamento, a evitação dos gatilhos (como as
detonações), o acionamento do plano de emergência e a evacuação, retirada
da estrutura administrativa da empresa do local, adoção pela empresa de uma
curva de tolerância ao risco, etc.

Considerando que a estrutura corporativa da empresa e seu


sistema de inputs e outputs envolvendo diretorias, gerências e operadores
teve papel relevante no desenrolar dos eventos, esta CPI optou por atribuir a

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todas as pessoas físicas os mesmos crimes. Além disso, no crime culposo, é
típica toda conduta que descumpre o dever objetivo de vigilância e cuidado.
Assim, é autor todo aquele que, violando esse dever, dá causa ao resultado.
Nesse sentido, esta CPI considerou todos coautores numa cadeia causal
normativa de imperícia, imprudência e negligência.

A gravidade das condutas individuais varia, obviamente.


Depende da posição ocupada na empresa, poder de decisão, grau de

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autonomia e proximidade com os eventos ocorridos. O juiz deve definir o
montante de pena e multa no caso concreto (aumentando ou diminuindo)
para cada um levando em conta essas circunstâncias.

Mas não foi apenas na identificação e sugestão de indiciamentos


dos responsáveis que esta CPI trabalhou. No sentido de evitar novas
tragédias como as ocorridas em Mariana e Brumadinho, a Comissão também
oferece à sociedade brasileira a proposição de relevantes projetos de lei nas
áreas de segurança de barragens de rejeitos de mineração, encargos e tributos
do setor minerário e crimes ambientais. Ao contrário do que defenderam
339

alguns representantes tanto do setor privado quanto do setor governamental,


durante as reuniões da CPI, há, sim, necessidade de maior regulação no setor
minerário. O aparato legislativo que trata do tema revelou-se claramente
insuficiente para coibir condutas criminosas como as praticadas pelos
funcionários da Vale e evitar as tragédias por eles provocadas. E mesmo após

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o desastre de Mariana, pouco mudou para reverter essa situação.

Aqui, no Parlamento, os trabalhos apenas se iniciam. Todos


conhecemos as dificuldades para a tramitação de uma proposição no
Congresso Nacional até que se transforme em lei. Naturalmente, num tema
como esse, que mobiliza poderosos interesses, as dificuldades serão ainda
maiores. Será necessário um longo trabalho não apenas dos parlamentares,
mas de toda a sociedade brasileira comprometida para que não se repitam os

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erros do passado. De nossa parte, o Senado Federal estará empenhado em
fazer com que essa tramitação seja tão célere quanto demanda a gravidade
do cenário em que estamos.

É importante, ainda, mencionar as diversas iniciativas


legislativas que já tramitam no Congresso Nacional e que visam suprir as
lacunas que permitiram a repetição de rompimentos de barragens de rejeitos.
Esta CPI listou todas essas proposições no Anexo II e cada uma delas

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constitui contribuição do Congresso Nacional para o qual esta CPI gostaria
de prestar o justo reconhecimento.

Destacamos, em particular, o conjunto de proposições


produzidas no âmbito da Comissão Externa Desastre de Brumadinho, criada
na Câmara dos Deputados. Esta CPI se inspirou em uma dessas proposições
para sugerir modificações à Lei de Crimes Ambientais.

O extenso conjunto de proposições tratando da mineração ora


em tramitação no Congresso Nacional, a despeito de suas qualidades, peca
340

pela fragmentação e dispersão no tratamento de temas relacionados. É nesse


sentido que entendemos que o tratamento de questão tão complexa como a
mineração requer uma visão legislativa mais integrada, razão pela qual
sugerimos um grande esforço legislativo para reunir todos os projetos em
tramitação no Congresso Nacional como base para a elaboração de um novo

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Código de Mineração. Essa é uma tarefa à qual o Congresso não pode se
furtar.

Finalmente, na esfera administrativa, os trabalhos da CPI


evidenciaram deficiências crônicas do DNPM e de sua sucessora, a ANM,
incumbida de regular, monitorar e fiscalizar as atividades minerárias. Por se
tratar de atividades da competência exclusiva do Poder Executivo, as
soluções extrapolam os limites da iniciativa legislativa do Congresso

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Nacional. Contudo, permitimo-nos apresentar recomendações que nos
pareceram imprescindíveis a partir de tudo que ouvimos, vimos e lemos no
período de duração desta CPI.

Embora este Colegiado tenha dedicado seus esforços para


aprimorar a legislação referente às barragens de rejeitos, não podemos deixar
de nos preocupar, como Parlamentares e cidadãos, com a segurança das
barragens em geral. Em que pese o empenho da Agência Nacional de Águas

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(ANA), o fato é que, passados quase dez anos da instituição da Política
Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), 42% das barragens não têm
outorga formal e em 76% dos casos o Poder Público sequer sabe se a
barragem está ou não submetida à PNSB. Esses dados estarrecedores
comprovam a limitação do sistema autodeclaratório atualmente adotado para
o cadastramento de barragens. Diante do quadro exposto, sugerimos que, sob
a organização do Ministério do Desenvolvimento Regional, se constitua um
grupo de trabalho com a participação dos órgãos fiscalizadores de barragens,
para a regularização de todas as barragens no Brasil. Esse trabalho poderia,
341

inclusive, fazer uso de imagens de sensoriamento por satélite providas por


órgãos como o Instituto de Pesquisas Espaciais.

Por fim, no intuito de assegurar a continuidade das ações, esta


CPI recomenda o encaminhamento do relatório à Polícia Federal, à Polícia

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Civil do Estado de Minas Gerais, ao Ministério Público da União, ao
Ministério Público do Estado de Minas Gerais, ao Governador de Estado de
Minas Gerais, ao Ministério das Minas e Energia e ao Ministério do Meio
Ambiente.

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ANEXOS
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Anexo I – Requerimento de criação da CPI de Brumadinho


e outras barragens

SF/19193.51040-43
SENADO FEDERAL
REQUERIMENTO N° 21, DE 2019

Requer, nos termos do art. 58, § 3º, da Constituição Federal e


dos arts. 74, III, e 145 do Regimento Interno do Senado Federal, a
constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito composta de 11

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(onze) membros titulares e 7 (sete) membros suplentes, para, no prazo de
180 (cento e oitenta) dias, com limite de despesas de R$ 110.000,00 (cento
e dez mil reais), apurar as causas do rompimento da barragem na Mina
Córrego do Feijão, da empresa de mineração Vale, em Brumadinho; tendo
como objetivo identificar os responsáveis, quais foram as falhas dos órgãos
competentes, os autores dos laudos técnicos e adoção das providências
cabíveis para evitar novos acidentes.

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AUTORIA: Senador Otto Alencar (PSD/BA), Senadora
Eliziane Gama (PPS/MA), Senadora Leila Barros (PSB/DF), Senadora
Mailza Gomes (PP/AC), Senador Angelo Coronel (PSD/BA), Senador
Antonio Anastasia (PSDB/MG), Senador Arolde de Oliveira (PSD/RJ),
Senadora Selma Arruda (PSL/MT), Senadora Simone Tebet (MDB/MS),
Senador Carlos Viana (PSD/MG), Senador Chico Rodrigues (DEM/RR),
Senador Dário Berger (MDB/SC), Senador Davi Alcolumbre (DEM/AP),
Senador Eduardo Girão (PODE/CE), Senador Elmano Férrer (PODE/PI),
Senador Flávio Bolsonaro (PSL/RJ), Senador Humberto Costa (PT/PE),
344

Senador Irajá (PSD/TO), Senador Jayme Campos (DEM/MT), Senador Jean


Paul Prates (PT/RN), Senador Jorge Kajuru (PSB/GO), Senador Jorginho
Mello (PR/SC), Senador Lasier Martins (PODE/RS), Senador Lucas Barreto
(PSD/AP), Senador Luiz do Carmo (MDB/GO), Senador Marcos do Val
(PPS/ES), Senador Marcos Rogério (DEM/RO), Senador Nelsinho Trad

SF/19193.51040-43
(PSD/MS), Senador Omar Aziz (PSD/AM), Senador Oriovisto Guimarães
(PODE/PR), Senador Paulo Paim (PT/RS), Senador Paulo Rocha (PT/PA),
Senador Plínio Valério (PSDB/AM), Senador Randolfe Rodrigues
(REDE/AP), Senador Reguffe (S/Partido/DF), Senador Roberto Rocha
(PSDB/MA), Senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG), Senador Romário
(PODE/RJ), Senador Sérgio Petecão (PSD/AC), Senador Tasso Jereissati
(PSDB/CE), Senador Veneziano Vital do Rêgo (PSB/PB), Senador

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Wellington Fagundes (PR/MT), Senador Weverton (PDT/MA), Senador
Zequinha Marinho (PSC/PA).

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345

SENADO FEDERAL

SF/19193.51040-43
REQUERIMENTO N° 197, DE 2019

Aditamento ao Requerimento 21, de 2019, para que o objeto de


investigação contemple a Barragem de Brumadinho e outras barragens, bem
como para alterar o prazo de funcionamento para 120 (cento e vinte) dias.

AUTORIA: Senadora Rose de Freitas (PODE/ES), Senadora


Daniella Ribeiro (PP/PB), Senadora Eliziane Gama (PPS/MA), Senadora

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Juíza Selma (PSL/MT), Senadora Leila Barros (PSB/DF), Senadora Mailza
Gomes (PP/AC), Senador Antonio Anastasia (PSDB/MG), Senador Arolde
de Oliveira (PSD/RJ), Senadora Soraya Thronicke (PSL/MS), Senador
Carlos Viana (PSD/MG), Senador Dário Berger (MDB/SC), Senador
Eduardo Gomes (MDB/TO), Senador Fabiano Contarato (REDE/ES),
Senador Flávio Arns (REDE/PR), Senador Jaques Wagner (PT/BA),
Senador Jorge Kajuru (PSB/GO), Senador Marcio Bittar (MDB/AC),

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Senador Marcos do Val (PPS/ES), Senador Oriovisto Guimarães
(PODE/PR), Senador Otto Alencar (PSD/BA), Senador Paulo Rocha
(PT/PA), Senador Plínio Valério (PSDB/AM), Senador Randolfe Rodrigues
(REDE/AP), Senador Romário (PODE/RJ), Senador Styvenson Valentim
(PODE/RN), Senador Telmário Mota (PROS/RR), Senador Wellington
Fagundes (PR/MT)
346

Anexo II - Projetos de Lei do Congresso Nacional sobre


segurança de barragens

Foram identificados nove projetos no Senado tratando de


segurança de barragens, apresentados a seguir:

SF/19193.51040-43
PLS nº 224, de 2016, do Senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES).
Altera as Leis nº 12.334, de 2010, e nº 9.433, de 1997. Entre outras
disposições, o Projeto explicita a responsabilidade civil objetiva do
empreendedor; cria o Fórum Brasileiro de Segurança de Barragens, para
articulação dos órgãos fiscalizadores e demais partes interessadas no tema
da segurança de barragens; cria Comitê Técnico para análise de acidentes
com barragens, nos moldes do Centro de Investigação e Prevenção de

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Acidentes Aeronáuticos (CENIPA); exige que projetos de barragens de dano
potencial associado alto sejam validados por profissionais independentes e
de notória especialização; aumenta a participação da população e dos órgãos
de proteção e defesa civil na execução do Plano de Ação de Emergência
(PAE); cria um canal de comunicação por meio do qual a população poderá
denunciar situações de fragilização da segurança de barragens; torna
obrigatória a contratação de seguro ou apresentação de garantia financeira

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para cobrir danos a terceiros e ao meio ambiente, em caso de acidente ou
desastre, nas barragens de categoria de risco alto e dano potencial alto; torna
obrigatória a contratação de seguro ou a apresentação de garantia financeira
para custear a desativação das barragens destinadas à disposição final ou
temporária de resíduos industriais ou de rejeitos de mineração; e estabelece
sanções administrativas e penais para os empreendedores que deixarem de
cumprir as normas e colocarem em risco a população.

Tramitação: O PL foi considerado prejudicado, em razão da


aprovação do PL nº 550, de 2019, e arquivado.
347

PL nº 550, de 2019, da Senadora Leila Barros (PSB-DF). Altera


as Leis nº 12.334, de 2010, e nº 9.433, de 1997. O Projeto retoma as
disposições do PLS nº 224, de 2016, adotando as emendas do relatório do
Senador Jorge Viana apresentado, em 2016, na CMA, acrescentando
algumas inovações, como a obrigatoriedade do monitoramento em tempo

SF/19193.51040-43
real da estabilidade da barragem por meio de instrumentos bem como o
acionamento automático das sirenes de alarme em caso de acidentes e envio
automático de alerta sobre o incidente ao empreendedor, aos órgãos de
defesa civil e ao órgão fiscalizador.

Tramitação: O PL foi aprovado na CMA, em decisão


terminativa. Ele foi enviado à Câmara dos Deputados em 20 de março de
2019 e aguarda a constituição de Comissão Especial na Câmara dos

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Deputados. Tramita em regime de prioridade (Art. 151, II, RICD), com
outros PL apensados.

PL nº 635, de 2019, do Senador Lasier Martins (PODE-RS).


Altera as Leis nº 12.334, de 2010, e nº 9.433, de 1997. O Projeto retoma as
disposições do PLS nº 224, de 2016, adotando as emendas do relatório do
Senador Jorge Viana apresentado, em 2016, na CMA, e acrescenta algumas

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inovações, como: a obrigatoriedade de o empreendedor remover e realocar,
às suas expensas, os ocupantes de áreas potencialmente afetadas em situação
de emergência quando a barragem for classificada na categoria de alto risco;
proibição de barragens com alteamento a montante; proibição de instalação
de barragens a menos de 10 quilômetros a montante de comunidades,
moradias, edificações ocupadas e corpos hídricos utilizados para
abastecimento público; proibição de ocupação humana a menos de 10
quilômetros a jusante de barragens.
348

Tramitação: O PL foi distribuído às CCJ e CMA, cabendo à


última a decisão terminativa. A matéria está com o Relator na CCJ.

PL nº 646, de 2019, do Senador Randolfe Rodrigues (REDE-


AP). Altera as Leis nº 12.334, de 2010, nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, nº

SF/19193.51040-43
8.072, de 25 de julho de 1990, e nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. O
Projeto retoma as disposições do PLS nº 224, de 2016, do Senador Ricardo
Ferraço. Além disso, classifica como hediondo o crime de poluição
ambiental que tenha como resultado a morte de pessoas e aumenta suas
penas.

Tramitação: O PL foi retirado pelo autor.

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PL nº 681, de 2019, do Senador Jorginho Mello (PL-SC).
Altera a Lei nº 12.334, de 2010. Proíbe a construção de barragens de rejeito
de mineração pela técnica de alteamento a montante bem como a construção
de barragens a menos de 10 quilômetros de comunidades e mananciais de
água para abastecimento público. Também estabelece punições penais nos
casos de rompimento de barragens provocadas pelo descumprimento da
PNSB.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Tramitação: O PL foi distribuído à CCJ em decisão
terminativa. A matéria está com o Relator na CCJ.

PL nº 926, de 2019, da Senadora Eliziane Gama


(CIDADANIA-MA). Altera a Lei nº 12.334, de 2010. Aprimora os requisitos
de elaboração e os critérios de implantação do Plano de Ação de Emergência
(PAE). O PAE passa a ser obrigatório para todas as barragens abarcadas pela
PNSB.
349

Tramitação: O PL foi distribuído à CCJ e à CMA, cabendo à


última a decisão terminativa. O Relator na CCJ manifestou-se pela
prejudicialidade do PL em razão da aprovação do PL nº 550, de 2019.

PL nº 1452, de 2019, da Senadora Rose de Freitas (PODE-ES).

SF/19193.51040-43
Altera a Lei nº 12.334, de 2010. Insere dois objetivos na PNSB: i) o
reaproveitamento dos rejeitos de mineração e dos resíduos industriais e ii) a
utilização de tecnologias que reduzam a quantidade de rejeitos.

Tramitação: O PL foi aprovado pelo Plenário do Senado e


remetido à Camara dos Deputados no dia 16 de maio de 2019. Na Câmara,
o PL tramita em regime ordinário (art. 151, III, RICD), apensado ao PL nº
357, de 2019, e outros PL.

Página: 349/398 02/07/2019 09:20:28


PL nº 2386, de 2019, da Senadora Eliziane Gama
(CIDADANIA-MA). Altera a Lei nº 12.334, de 2010. Estabelece a caução
obrigatória para garantia do descomissionamento ou da descaracterização de
barragens de rejeitos de mineração e de resíduos industriais.

Tramitação: O PL foi distribuído às CI e CMA, cabendo à


última a decisão terminativa. A matéria aguarda a designação do Relator na

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
CI.

PL nº 2707, de 2019, da Senadora Rose de Freitas


(PODEMOS-ES). Altera a Lei nº 12.334, de 2010. Obriga o minerador que
utiliza barragens de rejeitos de mineração a contratar auditoria externa para
validação dos relatórios de segurança de barragens.

Tramitação: O PL foi distribuído às CMA e CI, cabendo à


última a decisão terminativa. A matéria está com o Relator na CMA.
350

Na Câmara dos Deputados, foram identificados 48 projetos


tratando da segurança de barragens, apresentados a seguir:

PL nº 6259, de 2013, da Deputada Sandra Rosado (PSB-RN).


Torna obrigatória a contratação de seguro para barragens de qualquer tipo,

SF/19193.51040-43
com exceção de hidrelétricas.

Tramitação: O PL foi arquivado.

PL nº 3561, de 2015, do Deputado Wadson Ribeiro (PCdoB-


MG). Torna obrigatória a contratação de seguro para barragens de qualquer
tipo, com exceção para as hidrelétricas, inclusive durante o período de
construção, e a constituição de comitês de manutenção, inspeção e segurança

Página: 350/398 02/07/2019 09:20:28


da barragem. A não contratação do seguro é transformada em crime
ambiental.

Tramitação: O PL tramita em regime de urgência (art. 155,


RICD), apensado ao PL nº 3563, de 2015 e a outros PL.

PL nº 3563, de 2015, da Deputada Elcione Barbalho (PMDB-


PA). Torna obrigatória a contratação de seguro para barragens de qualquer

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
tipo e transforma em crime ambiental o não cumprimento dessa disposição.
Também estabelece o prazo máximo de trinta dias para o pagamento das
indenizações.

Tramitação: O PL tramita em regime de urgência (art. 155,


RICD), apensado ao PL nº 3561, de 2015, e a outros PL.

PL nº 3598, de 2015, do Deputado Bonifácio de Andrada


(PSDB-MG). Torna obrigatória a publicação anual de laudos técnicos sobre
351

a segurança e a manutenção de barragens e cria multa de dez por cento sobre


o valor da obra em caso de descumprimento da norma.

Tramitação: Aguardando constituição de Comissão Especial.


O PL tramita em regime de prioridade (Art. 151, II, RICD), apensado ao PL

SF/19193.51040-43
nº 1486, de 2007, e a outros PL.

PL nº 3650, de 2015, do Deputado Reginaldo Lopes (PT-MG).


Altera a Lei nº 12.334, de 2010. Determina que as barragens de resíduos
industriais e de rejeitos de mineração devem ser construídas com concreto e
possuir coeficiente de segurança de no mínimo cinco. Já as barragens
existentes deverão ser completamente desativadas em dez anos, e as
empresas terão o mesmo prazo para operar apenas com rejeitos de mineração

Página: 351/398 02/07/2019 09:20:28


a seco.

Tramitação: O PL tramita em regime ordinário (art. 151, III,


RICD), apensado ao PL 3650, de 2015, e a outros PL.

PL nº 3707, de 2015, do Deputado Roberto Freire (PPS-SP).


Altera Lei nº 9.605, de 1998. Determina que o montante da multa por crime
ambiental grave deve ser revertido integralmente para o município e aumenta

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
o valor máximo dessa multa para 1 bilhão de reais.

Tramitação: O PL tramita em regime de prioridade (art. 151,


II, RICD), apensado ao PL nº 5067, de 2016, e a outros PL.

PL nº 3759, de 2015, do Deputado Diego Andrade (PSD-MG).


Altera a Lei nº 7.990, de 1989, para aumentar a alíquota da CFEM para 4%
e alterar a base do faturamento líquido para o faturamento bruto. Estabelece
352

o volume máximo de dez milhões de metros cúbicos para as barragens de


rejeitos de mineração.

Tramitação: O PL tramita em regime ordinário (art. 151, III


RICD), apensado ao PL nº 3910, de 2012, e a outros PL.

SF/19193.51040-43
PL nº 3775, de 2015, do Deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA).
Altera a Lei nº 12.334, de 2010. Entre outras disposições, torna obrigatório
o PAE para todas as barragens incluídas na PNSB, que deverá estar
disponível na internet e ser revisado a cada cinco anos.

Tramitação: O PL foi arquivado.

Página: 352/398 02/07/2019 09:20:28


PL nº 3856, de 2015, do Deputado Givaldo Vieira (PT-ES).
Altera a Lei nº 12.608, de 2012. Obriga o empreendedor a realizar
anualmente cadastro demográfico das localidades que podem ser atingidas
por desastres ambientais decorrentes do empreendimento.

Tramitação: O PL foi arquivado.

PL nº 3940, de 2015, do Deputado Flavinho (PSB-SP). Projeto

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
de lei autônoma. Trata da disposição final dos resíduos sólidos e dos rejeitos
de mineração. Entre outras disposições, fixa um percentual mínimo de 25%
de aproveitamento dos rejeitos de mineração em artefatos na construção
civil, que, por sua vez, devem ser usados preferencialmente em construções
de interesse social, financiadas ou custeadas pelo Poder Público. Isenta o
transporte dos rejeitos até a fábrica de artefatos da cobrança de tributos
federais e reparte igualmente o custo desse serviço entre a mineradora e o
fabricante.

Tramitação: O PL foi arquivado.


353

PL nº 3976, de 2015, do Deputado Vinicius Carvalho (PRB-


SP). Altera a Lei nº 12.334, de 2010. Equipara aos infratores os agentes
públicos responsáveis pela fiscalização que, por ação ou omissão, derem
causa ao descumprimento dos dispositivos da PNSB.

SF/19193.51040-43
Tramitação: O PL tramita em regime de prioridade (art. 151,
II, RICD) apensado ao PL nº 3598, de 2015, e a outros PL.

PL nº 4141, de 2015, do Deputado Paulo Foletto (PSB-ES).


Projeto de Lei autônoma. Institui o Fundo Nacional de Apoio à Recuperação
da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, Reconstrução de Áreas Atingidas e de
Assistência às Vítimas de Acidentes por Rompimento ou Vazamentos de
Barragens Destinadas a Rejeito de Produção de Minério de Ferro (FARMA),

Página: 353/398 02/07/2019 09:20:28


no âmbito do Ministério de Minas e Energia (MME), para os fins que se
depreendem do nome. São fontes de recursos do FARMA, entre outras,
multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA) e pelo Departamento Nacional de Produção
Mineral (DNPM, já extinto e substituído pela ANM) em razão de acidentes
com barragens.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Tramitação: O PL foi arquivado.

PL nº 4214, de 2015, do Deputado Marcelo Belinati (PP-RR).


Estabelece diretrizes para a verificação da segurança de barragens de
qualquer natureza, com normas de projeto e de acompanhamento da
estanqueidade das barragens.

Tramitação: O PL foi arquivado.


354

PL nº 4285, de 2016, da Comissão Externa destinada a


acompanhar e monitorar os desdobramentos do desastre ambiental, ocorrido
em Mariana (MG) e região no dia 5 de novembro de 2015. Altera a Lei nº
12.305, de 2010. Equipara os rejeitos de mineração a resíduos perigosos, que,
dessa forma, são submetidos às rigorosas disposições do Capítulo IV da Lei

SF/19193.51040-43
nº 12.305, de 2010, inclusive a possibilidade de contratação de seguro de
responsabilidade civil.

Tramitação: O PL foi arquivado.

PL nº 4286, de 2016, da Comissão Externa destinada a


acompanhar e monitorar os desdobramentos do desastre ambiental, ocorrido
em Mariana (MG) e região no dia 5 de novembro de 2015. Altera a Lei nº

Página: 354/398 02/07/2019 09:20:28


9.605, de 1998. Entre outras disposições, estabelece que o valor da multa
independe da obrigação de reparação integral dos danos por parte do infrator
e permite a aplicação de multas de até cem vezes o valor máximo de acordo
com os danos causados.

Tramitação: O PL tramita em regime de prioridade (art. 151,


II, RICD) apensado ao PL nº 707, de 2015, e a outros PL.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
PL nº 4287, de 2016, da Comissão Externa destinada a
acompanhar e monitorar os desdobramentos do desastre ambiental, ocorrido
em Mariana (MG) e região no dia 5 de novembro de 2015. Altera a Lei nº
12.334, de 2010. Entre outras disposições, inclui a participação da população
na elaboração do Plano de Ação de Emergência e da defesa civil na
fiscalização das barragens, torna obrigatório o PAE, permite ao poder
público promover o aproveitamento de rejeitos, e torna crime ambiental o
descumprimento dos dispositivos da Lei nº 12.334, de 2010.
355

Tramitação: O PL foi arquivado.

PL nº 5263, de 2016, do Deputado Sarney Filho (PV-MA).


Projeto de lei autônoma. Institui o Código de Mineração Brasileiro, cria a
Agência Nacional de Mineração (ANM) e o Conselho Nacional de Política

SF/19193.51040-43
Mineral. Entre outras disposições, estabelece a obrigatoriedade de
contratação de seguro contra acidentes de barragens de rejeitos de mineração
e o aporte de garantias financeiras para desativação dessas barragens.

Tramitação: O PL tramita em regime de prioridade (art. 155,


RICD) apensado ao PL nº 5807, de 2013, e a outros PL.

PL nº 5602, de 2016, do Deputado Helder Salomão (PT-ES).

Página: 355/398 02/07/2019 09:20:28


Altera as Lei nº 12.608, de 10 de abril de 2012, e nº 12.340, de 1º de
dezembro de 2010. Estabelece que o Governo Federal deve instituir um
cadastro nacional de municípios sujeitos à ocorrência de rompimento de
barragens. Além disso, determina que os municípios devem elaborar planos
de monitoramento de barragens.

Tramitação: O PL tramita em regime ordinário (art. 155, III,


RICD).

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
PL nº 5848, de 2016, do Deputado Rubens Pereira Júnior
(PCdoB-MA). Projeto de lei autônoma. Entre outras disposições, estabelece
a obrigatoriedade de contratação de seguro contra danos causados pelo
rompimento de barragens e torna crime ambiental a não contratação do
seguro.

Tramitação: O PL tramita em regime de urgência (art. 155,


RICD) apensado ao PL nº 3561, de 2015, e a outros PL.
356

PL nº 18, de 2019, dos Deputados Alessandro Molon (PSB-RJ),


Rosana Valle (PSB-SP), Bira do Pindaré (MA) e outros. Projeto de lei
autônoma. Estabelece parâmetros mais rigorosos para o licenciamento
ambiental de barragens para acumulação de rejeitos industriais ou de
mineração.

SF/19193.51040-43
Tramitação: O PL tramita em regime ordinário (art. 151, III,
RICD) apensado ao PL nº 18, de 2019, e a outros PL.

PL nº 19, de 2019, dos Deputados Alessandro Molon (PSB-RJ),


Bira do Pindaré (PSB-MA), Danilo Cabral PSB-PE) e outros. Altera a Lei nº
7.990, de 28 de dezembro de 1989. Proíbe o contingenciamento dos recursos
para as atividades de monitoramento e fiscalização de barragens de rejeitos

Página: 356/398 02/07/2019 09:20:28


provenientes da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos
Minerais (CFEM).

Tramitação: O PL tramita em regime ordinário (art. 151, III,


RICD) apensado ao PL nº 3759, de 2015, e a outros PL.

PL nº 20, de 2019, dos Deputados Weliton Prado (PROS-MG),


Alessandro Molon (PSB-RJ) e Aliel Machado (PSB-PR). Altera a Lei nº

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
12.334, de 2010. Proíbe o uso do método de alteamento a montante na
construção de barragens de mineração.

Tramitação: O PL tramita em regime ordinário (art. 151, III,


RICD) apensado ao PL nº 3650, de 2015, e a outros PL.

PL nº 30, de 2019, do Deputado Cássio Andrade (PSB-PA).


Altera a Lei nº 12.334, de 2010. Entre outras disposições, torna obrigatório
357

o Plano de Ação de Emergência em todos os Planos de Segurança da


Barragem.

Tramitação: O PL tramita em regime ordinário (art. 151, III,


RICD) apensado ao PL nº 18, de 2019, e a outros PL.

SF/19193.51040-43
PL nº 109, de 2019, do Deputado Rodrigo Agostinho (PSB-
SP). Altera a Lei nº 12.334, de 2010, e o Decreto-Lei nº 227, de 28 de
fevereiro de 1967 (Código de Mineração). Repete dispositivos do PL nº
3775, de 2015, do Deputado Arnaldo Jordy, e aumenta o valor das multas
constantes no Código de Mineração para até 1 bilhão de reais.

Tramitação: O PL tramita em regime ordinário (art. 151, III,

Página: 357/398 02/07/2019 09:20:28


RICD) apensado ao PL nº 18, de 2019, e a outros PL.

PL nº 110, de 2019, do Deputado Celso Sabino (PSDB-PA).


Altera a Lei nº 12.334, de 2010. Insere nos objetivos da PNSB a proteção do
meio ambiente e da população atingida pelas barragens e estabelece a
realização de audiências públicas na preparação do Plano de Segurança da
Barragem (PSB).

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Tramitação: O PL tramita em regime ordinário (art. 151, III,
RICD) apensado ao PL nº 18, de 2019, e a outros PL.

PL nº 184, de 2019, do Deputado Igor Timo (PODEMOS-MG).


Altera a Lei nº 12.334, de 2010. Reapresentação do PL nº 3775, de 2015, do
Deputado Arnaldo Jordy. Entre outras disposições, torna obrigatório o PAE
para todas as barragens incluídas na PNSB, que deverá estar disponível na
internet e ser revisado a cada cinco anos.
358

Tramitação: O PL tramita em regime ordinário (art. 151, III,


RICD) apensado ao PL nº 18, de 2019, e a outros PL.

PL nº 188, de 2019, do Deputado Rogério Correia (PT-MG).


Projeto de lei autônoma. Entre outras disposições, veda a utilização do

SF/19193.51040-43
método de alteamento a montante na construção, alteração ou acréscimo da
capacidade de barragens destinadas à contenção de rejeitos e institui a
obrigatoriedade de contratação de seguro contra eventual rompimento.

Tramitação: O PL tramita em regime ordinário (art. 151, III,


RICD) apensado ao PL nº 3650, de 2015, e a outros PL.

PL nº 336, de 2019, da Deputada Carmen Zanotto (PPS-SC).

Página: 358/398 02/07/2019 09:20:28


Altera a Lei nº 12.334, de 2010. Reapresentação do PL nº 3775, de 2015, do
Deputado Arnaldo Jordy. Entre outras disposições, torna obrigatório o PAE
para todas as barragens incluídas na PNSB, que deverá estar disponível na
internet e ser revisado a cada cinco anos.

Tramitação: O PL tramita em regime ordinário (art. 151, III,


RICD) apensado ao PL nº 184, de 2019, e a outros PL.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
PL nº 356, de 2019, da Deputada Leandre (PV-PR). Altera a
Lei nº 12.334, de 2010. Reapresentação do PL nº 4287, de 2016, da Comissão
Externa destinada a acompanhar e monitorar os desdobramentos do desastre
ambiental, ocorrido em Mariana (MG) e região no dia 5 de novembro de
2015. Entre outras disposições, inclui a participação da população na
elaboração do Plano de Ação de Emergência e da defesa civil na fiscalização
das barragens, torna obrigatório o PAE, permite ao poder público promover
o aproveitamento de rejeitos, e torna crime ambiental o descumprimento dos
dispositivos da Lei nº 12.334, de 2010.
359

Tramitação: O PL tramita em regime ordinário (art. 151, III,


RICD), apensado ao PL nº 18, de 2019, e a outros PL.

PL nº 357, de 2019, da Deputada Leandre (PV-PR). Altera a


Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010. Equipara a resíduos perigosos os

SF/19193.51040-43
rejeitos de mineração.

Tramitação: O PL tramita em regime ordinário (art. 151, III,


RICD), apensado ao PL nº 1452, de 2019, e a outros PL.

PL nº 358, de 2019, da Deputada Leandre (PV-PR). Altera a


Lei nº 9605, de 1998. Permite ao órgão ambiental aumentar a multa aplicada
ao infrator causador de desastre ambiental de acordo com o grau de danos

Página: 359/398 02/07/2019 09:20:28


causados à saúde humana ou ao meio ambiente.

Tramitação: O PL tramita em regime de prioridade (art. 151,


II, RICD), apensado ao PL nº 4286, de 2016, e a outros PL.

PL nº 359, de 2019, da Deputada Leandre (PV-PR). Altera a


Lei nº 12.334, de 2010. Torna obrigatória a supervisão local ininterrupta das
instalações consideradas estratégicas (barragens) nos moldes dos

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Procedimentos de Rede do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

Tramitação: O PL tramita em regime ordinário (art. 151, III,


RICD), apensado ao PL nº 18, de 2019, e a outros PL.

PL nº 515, de 2019, do Deputado Eduardo Braide (PMN-MA).


Altera a Lei nº 12.334, de 2010. Reapresentação da proposição elaborada
pela Comissão Externa destinada a acompanhar e monitorar os
desdobramentos do desastre ambiental, ocorrido em Mariana (MG) e região
no dia 5 de novembro de 2015, o PL nº 4287, de 2016, resumido acima.
360

Tramitação: O PL tramita em regime ordinário (art. 151, III,


RICD), apensado ao PL nº 18, de 2019, e a outros PL.

PL nº 516, de 2019, do Deputado Eduardo Braide (PMN-MA).


Altera a Lei nº 12.334, de 2010. Equipara aos infratores o agente público dos

SF/19193.51040-43
órgãos fiscalizadores que por ação ou omissão der causa ao não cumprimento
dos instrumentos da Política Nacional de Segurança de Barragens.

Tramitação: O PL tramita em regime de prioridade (art. 151,


II, RICD), apensado ao PL nº 3976, de 2015, e a outros PL.

PL nº 570, de 2019, da Deputada Joenia Wapichana (Rede-


RR). Altera as Leis nº 9605, de 1998, e nº 8072, de 1990. Torna hediondos

Página: 360/398 02/07/2019 09:20:28


os crimes ambientais que ameacem a existência ou continuidade de um
ecossistema e coloquem em risco a vida ou a saúde humanas.

Tramitação: O PL tramita em regime de prioridade (art. 151,


II, RICD), apensado ao PL nº 3639, de 2008, e a outros PL.

PL nº 716, de 2019, do Deputado Fábio Trad (PSD-MS). Altera


a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Torna obrigatória a contratação de

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
seguro ou a apresentação de garantias financeiras, nos processos de
concessão, renovação ou revisão do licenciamento ambiental de barragens
de mineração, para fins de cobertura de danos causados por desastres com
essas estruturas.

Tramitação: O PL tramita em regime de urgência (art. 155,


RICD), apensado ao PL nº 3561, de 2015, e a outros PL.

PL nº 793, de 2019, do Deputado Rubens Pereira Júnior (PC do


B-MA). Altera a Lei nº 12.334, de 2010. Entre outras disposições, torna
361

obrigatória a contratação de seguro para cobertura de danos causados por


acidentes de barragens em geral e torna crime ambiental o descumprimento
dessa obrigação. Também explicita a responsabilidade civil objetiva dos
empreendedores.

SF/19193.51040-43
Tramitação: O PL tramita em regime de urgência (art. 155,
RICD), apensado ao PL nº 5848, de 2016, e a outros PL.

PL nº 970, de 2019, do Deputado Célio Studart (PV-CE).


Projeto de lei autônoma. Aumenta em cinco vezes multas, juros e demais
encargos a empresas que atrasem o pagamento de indenizações a vítimas de
desastres naturais, nos casos em que a atividade empresarial contribuiu
diretamente para a ocorrência do desastre.

Página: 361/398 02/07/2019 09:20:28


Tramitação: O PL tramita em regime de urgência (art. 155,
RICD), apensado ao PL nº 3563, de 2015, e a outros PL.

PL nº 1082, de 2019, do Deputado Helio Lopes (PSL-RJ).


Altera a Lei nº 12.334, de 2010. Proíbe a construção de barragens de rejeito
de mineração com a utilização do método de alteamento a montante e obriga
a desativação e a descaracterização das existentes

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Tramitação: O PL tramita em regime ordinário (art. 151, III,
RICD), apensado ao PL 20, de 2019, e a outros PL.

PL nº 1083, de 2019, do Deputado Helio Lopes (PSL-RJ).


Altera a Lei nº 12.334, de 2010. Aprimora o sistema de alarme previsto no
PAE.

Tramitação: O PL tramita em regime ordinário (art. 151, III,


RICD), apensado ao PL nº 18, de 2019, e a outros PL.
362

PL nº 1130, de 2019, do Deputado Jesus Sérgio (PDT-AC).


Altera a Lei nº 12.334, de 2010. Obriga o órgão fiscalizador a instalar e
manter serviço de disque-denúncia e corresponsabiliza a alta direção de
empreendimentos minerários pela segurança de barragens de rejeitos.

SF/19193.51040-43
Tramitação: Aguardando Constituição de Comissão
Temporária pela Mesa. O PL tramita em regime de prioridade (art. 151, II,
RICD), apensado ao PL nº 550 (SF), de 2019, e a outros PL.

PL nº 1693, de 2019, do Deputado Nilto Tatto (PT-SP). Altera


a Lei nº 12.334, de 2010. Modifica definições existente ou insere novas;
estabelece a aprovação de Plano de Segurança da Barragem (PSB) pelo
órgão fiscalizador e prazo para que o empreendedor cumpra as ações

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previstas nas inspeções de segurança; aprimora a divulgação do PAE.

Tramitação: O PL tramita em regime ordinário (art. 151, III,


RICD), apensado ao PL nº 18, de 2019, e a outros PL.

PL nº 1770, de 2019, do Deputado Gilberto Abramo (PRB-


MG). Altera a Lei nº 12.334, de 2010. Cria tipos penais para a alta
administração da empresa em caso de acidentes com barragens.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Tramitação: O PL tramita em regime de prioridade (art. 151,
II, RICD), apensado ao PL nº 3976, de 2015, e a outros PL.

PL nº 2195, de 2019, do Deputado Odair Cunha (PT-MG).


Altera o Código de Minas, Decreto-Lei nº 227, de 1967, para instituir a
penalidade de cassação da outorga do título minerário o caso de incidente
que resulte em perda de vidas humanas ou em grave dano ambiental.
363

Tramitação: O PL tramita em regime ordinário (art. 151, III,


RICD), apensado ao PL nº 109, de 2019, e a outros PL.

PL nº 2533, de 2019, do Deputado de Juninho do Pneu (DEM-


RJ). Projeto de Lei autônoma. Proíbe instalações e a realização de serviços

SF/19193.51040-43
na zona de autossalvamento.

Tramitação: Aguardando despacho do Presidente da Câmara


dos Deputados.

PL nº 2787, de 2019, do Deputado Zé Silva (Solidariedade-


MG) e outros. Altera a Lei nº 9.605, de 1998 (a Lei de Crimes Ambientais).
Insere tipo penal referente a rompimento de barragem com pena de reclusão

Página: 363/398 02/07/2019 09:20:28


e agravantes. Também aumenta a multa por crimes ambientais para R$ 1
bilhão.

Tramitação: Aguardando despacho do Presidente da Câmara


dos Deputados.

PL nº 2791, de 2019, do Deputado Zé Silva (Solidariedade-


MG) e outros. Aproveita sugestões de consulta pública organizada pela

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Comissão Externa do Desastre de Brumadinho. Altera a Lei nº 12.334, de
2010, e o Código de Mineração. O PL aumenta o universo de barragens
abrangido pela PNSB; altera a definição de barragem, empreendedor;
adiciona o PAE como um dos objetivos da PNSB; aumenta o escopo do
Plano de Segurança da Barragem (PSB), a alta direção do empreendimento
torna-se corresponsável pelo PSB, este passa ter que ser aprovado pela
ANM; o órgão fiscalizador estabelece prazo para o empreendedor realizar as
ações previstas nas inspeções de segurança; torna o PAE obrigatório para
todas as barragens com risco médio ou alto ou dano potencial associado
364

médio ou alto; aumenta o escopo do PAE; torna obrigatória de garantias para


reparações em caso de acidente; proíbe barragens de rejeitos construídas por
alteamento a montante ou com comunidades na zona de autossalvamento,
estabelece prazo de três anos para descomissionamento das barragens
alteadas a montante existentes; cria cadastro de profissionais em segurança

SF/19193.51040-43
de barragens; cria sanções administrativas e penais. No Código de
Mineração, as alterações concentraram-se nas infrações, com aumento do
valor de multas e imputação da caducidade do título em determinadas
situações.

Tramitação: Aguardando despacho do Presidente da Câmara


dos Deputados.

Página: 364/398 02/07/2019 09:20:28


PL nº 3108, de 2019, do Deputado Célio Studart (PV-CE).
Altera a Lei nº 12.334, de 2010. Determina que a Revisão Periódica de
Segurança de Barragem seja de domínio público e os responsáveis ofereçam
treinamento de segurança para as comunidades.

Tramitação: Aguardando despacho do Presidente da Câmara


dos Deputados.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
As disposições que mais aparecem nos projetos acima são:

i) obrigatoriedade da contratação de seguro ambiental;

ii) aumento de penas de crimes ambientais ou criação de tipos penais


específicos relativos à PNSB;

iii) alterações no Plano de Segurança da Barragem ou no Plano de


Ação de Emergência;
365

iv) aumento do valor de multas;

v) mudanças na fiscalização e suas ferramentas; e

vi) aspectos construtivos e de manutenção da barragem, redução de

SF/19193.51040-43
rejeitos e restrições na ZAS.

Na Tabela 1, constante do Anexo, é apresentado um quadro


sinótico das principais inovações dos projetos apresentados.

Página: 365/398 02/07/2019 09:20:28


c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Projeto Autor Partido Tramitação Seguro Penal Planos Multas Fiscalização Construção Outros
SENADO
Rose de
2707/2019 PODE-ES Tramitando Sim
Freitas
Eliziane CIDADAN
2386/2019 Tramitando Sim
Gama IA-MA
Rose de Aprovado -
1452/2019 PODE-ES Sim
Freitas CD
Eliziane CIDADAN
926/2019 Tramitando Sim
Gama IA-MA
Jorginho
681/2019 PL-SC Tramitando Sim Sim
Mello
Randolfe
646/2019 REDE-AP Retirado Sim Sim Sim Sim Sim
Rodrigues
Lasier
635/2019 PODE-RS Tramitando Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim
Martins
Leila Aprovado -
550/2019 PSB-DF Sim Sim Sim Sim Sim
Barros CD
Ricardo
224/2016 PSDB-ES Arquivado Sim Sim Sim Sim Sim
Ferraço
CÂMARA DOS DEPUTADOS
Célio Aguarda
3108/2019 PV-CE Sim
Studart Despacho
Zé Silva e Solidarieda Aguarda
2791/2019 Sim Sim Sim Sim Sim Sim
outros de-MG Despacho
Zé Silva e Solidarieda Aguarda
2787/2019 Sim Sim
outros de-MG Despacho

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367

Projeto Autor Partido Tramitação Seguro Penal Planos Multas Fiscalização Construção Outros
Juninho do Aguarda
2533/2019 DEM-RJ Sim
Pneu Despacho
Odair
2195/2019 PT-MG Ordinário Sim
Cunha
Gilberto
1770/2019 PRB-MG Prioridade Sim
Abramo
1693/2019 Nilto Tatto PT-SP Ordinário Sim Sim
Apensado
Jesus
1130/2019 PDT-AC PL Sim Sim
Sérgio
550/2019
Helio
1083/2019 PSL-RJ Ordinário Sim
Lopes
Helio
1082/2019 PSL-RJ Ordinário Sim
Lopes
Célio
970/2019 PV-CE Urgência Sim
Studart
Rubens PC do B-
793/2019 Urgência Sim Sim
Pereira Jr. MA
716/2019 Fábio Trad PSD-MS Urgência Sim
Joenia
570/2019 Rede-RR Prioridade Sim
Wapichana
Eduardo
516/2019 PMN-MA Prioridade Sim Sim
Braide
Eduardo
515/2019 PMN-MA Ordinário Sim Sim
Braide
359/2019 Leandre PV-PR Ordinário Sim

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368

Projeto Autor Partido Tramitação Seguro Penal Planos Multas Fiscalização Construção Outros
358/2019 Leandre PV-PR Prioridade Sim
357/2019 Leandre PV-PR Ordinário Sim
356/2019 Leandre PV-PR Ordinário Sim Sim Sim
Carmen
336/2019 PPS-SC Ordinário Sim
Zanotto
Rogério
188/2019 PT-MG Ordinário Sim Sim
Correia
184/2019 Igor Timo PODE-MG Ordinário Sim
Celso
110/2019 PSDB-PA Ordinário Sim
Sabino
Rodrigo
109/2019 PSB-SP Ordinário Sim Sim
Agostinho
Cássio
30/2019 PSB-PA Ordinário Sim
Andrade
Weliton
20/2019 PROS-MG Ordinário Sim
Prado
Alessandro
19/2019 Molon e PSB-RJ Ordinário Sim
outros
Alessandro
18/2019 Molon e PSB-RJ Ordinário Sim
outros
Rubens PC do B-
5848/2016 Urgência Sim Sim
Pereira Jr. MA
Helder
5602/2016 PT-ES Ordinário Sim Sim
Salomão

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369

Projeto Autor Partido Tramitação Seguro Penal Planos Multas Fiscalização Construção Outros
Sarney
5263/2016 PV-MA Ordinário Sim
Filho
Com.Ext.
4287/2016 Arquivado Sim Sim
Mariana
Com.Ext.
4286/2016 Prioridade Sim
Mariana
Com.Ext.
4285/2016 Arquivado Sim
Mariana
Marcelo
4214/2015 PP-RR Arquivado
Belinati
Paulo
4141/2015 PSB-ES Arquivado Sim
Foletto
Vinicius
3976/2015 PRB-SP Prioridade Sim
Carvalho
3940/2015 Flavinho PSB-SP Arquivado Sim
Givaldo
3856/2015 PT-ES Arquivado Sim
Vieira
Arnaldo
3775/2015 PPS-PA Arquivado Sim
Jordy
Diego
3759/2015 PSD-MG Ordinário Sim
Andrade
Roberto
3707/2015 PPS-SP Prioridade Sim
Freire
Reginaldo
3650/2015 PT-MG Ordinário Sim
Lopes
Bonifácio
3598/2015 PSDB-MG Prioridade Sim
Andrada

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370

Projeto Autor Partido Tramitação Seguro Penal Planos Multas Fiscalização Construção Outros
Elcione
3563/2015 PMDB-PA Urgência Sim Sim
Barbalho
Wadson PCdoB-
3561/2015 Urgência Sim Sim
Ribeiro MG
Sandra
6259/2013 PSB-RN Arquivado Sim
Rosado

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Anexo III – Resumo do relatório da World Mine Tailings
Failures sobre a tragédia de Brumadinho

WMTF - World Mine Tailings Failures [Rompimentos de Barragens de


Rejeitos de Mineração pelo Mundo]
Fonte: https://worldminetailingsfailures.org/corrego-do-feijao-tailings-failure-1-25-2019/

SF/19193.51040-43
A síntese se baseará no texto original da organização World
Mine Tailings Failures (WMTF) e na tradução realizada pela equipe do
Serviço de Tradução e Interpretação do Senado – SETRIN/SGIDOC,
formada por Lívia Aguiar Salomão, Henri Cavalcante Curi e Maria Iracema.

A responsável pelo texto original, Lindsay Newland Bowker,

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informa que o estudo foi elaborado com base nas contribuições de
especialistas da WMTF, e que a publicação está pendente de revisão pelos
pares e outros especialistas, os quais estão convidados a fazê -la.

Logo na Introdução do trabalho, é apresentada a linha que será


seguida pela autora na análise das causas do rompimento da barragem de
rejeitos de mineração 1 da Mina Córrego do Feijão, doravante tratada apenas

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
como Barragem I, ocorrida no dia 25 de janeiro de 2019:

Os rompimentos não são eventos imprevisíveis e inesperados


que acontecem de repente. Formam-se, em parte, no projeto, na
construção que, frequentemente, não segue o projeto, em cada
alteamento, no padrão e nos meios de deposição, no volume e nas
características das deposições, nas respostas aos problemas à medida
que vão sendo identificados ao longo da vida útil da barragem.

A autora relativiza a importância das análises que buscam “a


causa imediata do rompimento”, e, já na primeira parte do relatório, faz
avaliação rigorosa do histórico da Barragem I.
372

Segundo o relatório, a Barragem I tinha problemas de projeto,


de construção e de drenagem que começaram a ser identificados ainda em
1993. O 4º alteamento indicou a inadequação de uma barragem a montante
(tendo em vista as propriedades geotécnicas) para rejeitos dos finos de
sinterização (sinter feed). A Barragem I esteve vulnerável por duas décadas

SF/19193.51040-43
sem que houvesse real entendimento de sua situação e teve sua estabilidade
considerada assegurada durante todo esse tempo.

Quando a mina da Ferteco, onde se situava a Barragem I, foi


comprada pela Vale, em 2001, muitas das condições que determinavam o
risco de rompimento já estavam presentes. Todavia, não está claro qual
intervenção, e em qual momento, poderia ter evitado o rompimento, mesmo
que se conhecesse o risco real de liquefação. A Vale tentou eliminar os riscos

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em 2016, depois da Barragem I ter sido desativada. A empresa de engenharia
TÜV SÜD, em 2017, relatou alguns progressos no controle do nível de água
e fez recomendações cautelosas sobre a vulnerabilidade da Barragem I, mas
a tentativa de eliminar os riscos ocorreu tarde demais. O fato é que o estado
crítico da Barragem I, claramente, não foi observado a fundo pela Vale.

A susceptibilidade à liquefação estática foi analisada em dois

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
trabalhos (2010 e 2013) pelo Sr. Washington Pirete, engenheiro geotécnico
da Vale. Entretanto, nenhum documento oficial conhecido traz explanações
sobre o que seja “a metodologia exigida pela Vale” [para avaliação da
estabilidade de barragens de rejeitos]59.

A Barragem I é um excelente exemplo de como as causas de


rompimento de uma barragem de rejeitos surgem ao longo do tempo, e não
só em relação a aspectos geofísicos e às propriedades dos rejeitos, mas

59 Os textos entre colchetes foram inseridos pel o autor da síntese


373

também em relação às políticas governamentais e às prioridades das


mineradoras e dos investidores. Esses últimos pouca atenção dão à questão
dos rejeitos acumulados pelas empresas que adquirem.

As falhas da Barragem I tiveram origem no projeto. Ela foi

SF/19193.51040-43
projetada pelo engenheiro alemão, Christopher Erb e colocada em operação
em 1976. Porém, não se conhece o projeto original. O que se sabe dele vem
de fontes secundárias. A Barragem I foi projetada para alteamento a
montante, com capacidade total de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos,
altura máxima de 87 metros, relação altura x largura de 1V:1,5H, no talude
de montante, e 1V:1,75H no talude de jusante. [Refere-se à inclinação do
talude. Os valores 1V:1,5H significam que a cada metro a mais na altura, a
base aumenta 1,5 metro. Quanto maior é o H em relação ao V, menor é a

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declividade do talude. Taludes com menor declividade são mais estáveis que
taludes íngremes, porém demandam mais material para a sua construção (são
mais caros de construir) e ocupam áreas mais extensas.]

A Barragem I foi construída especificamente para disposição de


rejeitos de sinter feed [minério de ferro com granulometria fina]. O dique
inicial foi construído com minério fino (com capacidade de drenagem,

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
segundo o projetista) recoberto por uma camada de laterita [tipo de solo],
com 4 metros de espessura no talude de montante, e com 1 metro no talude
de jusante. Tanto no talude de jusante quanto no de montante, havia uma
berma [aterro, degrau de reforço] com 5 metros de comprimento à altura de
864 metros acima do nível do mar [corresponderia a uma altura de 8 metros
a partir do pé do talude]. Não há registro da existência de sistema interno de
drenagem no dique inicial. A altura do dique inicial era de 18 metros e sua
crista estava a 874 metros acima do nível do mar.
374

A Barragem I foi projetada para operar com um coeficiente de


segurança de 1,3 [a capacidade de resistência da barragem deve ser 30%
maior que os esforços que ela sofre]. Contudo, a partir de 1993, [com a
edição da Norma Brasileira ABNT NBR 13.028:1993 (1ª versão) 60] o
coeficiente de segurança mínimo exigido passou para 1,5.

SF/19193.51040-43
A autora ressalta um aspecto importante que nem sempre recebe
a devida atenção: como as barragens são estruturas que vão operar por
décadas, é importante acompanhar a evolução da técnica ao longo da vida
útil da barragem, para fazer as correções necessárias na estrutura. Todavia, a
Barragem I era a única instalação disponível para disposição de rejeitos da
mina Córrego do Feijão e, portanto, correções substantivas exigiriam a
interrupção da mineração. Essa parece ser a razão porque correções que

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evitariam o rompimento da Barragem I, como, por exemplo, um talude com
menor declividade, melhor drenagem e reforço das fundações, não foram
realizadas já no início da vida útil da Barragem I, quando os problemas de
projeto ficaram evidentes. A operação segura de barragens demanda atenção
contínua ao desempenho da estabilidade e ajustes, também contínuos, para
melhorar a estabilidade. Essa é a principal característica do chamado
“Método Observacional”.

A autora considera que o projeto foi uma das principais causas c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

do rompimento e aponta as falhas encontradas:

i) Coeficiente de segurança baixo [1,3]: esse coeficiente de


segurança talvez fosse adequado nos anos 1970, quando a Barragem I foi
projetada, mas deveria ter sido corrigido acompanhando os avanços da
técnica. A legislação deveria estabelecer a obrigatoriedade desse tipo de

60Mineração ― Elaboração e apresentação de projeto de barragens para disposição de rejeitos,


contenção de sedimentos e reservação de água ― Requisitos
375

atualização, pois, como já mencionado, essas intervenções podem exigir a


interrupção da produção e as mineradoras dificilmente as farão se os órgãos
reguladores não as impuserem com base na lei.

ii) Local especialmente inadequado para uma barragem para

SF/19193.51040-43
finos de sinter feed: a localização é quase tão importante quanto as condições
de estabilidade para determinar o desempenho de uma barragem no longo
prazo. A Barragem I, situada na região montanhosa do Quadrilátero
Ferrífero, foi construída contra uma encosta de montanha, de elevação
considerável, e estava sempre exposta ao escoamento natural da água do
relevo em volta, como mostra a Figura 1. Nessas condições, não se
recomenda o método de construção por alteamento a montante, pois o afluxo
de água decorrente da chuva e do escoamento superficial do terreno tende a

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elevar o nível do lençol freático, o que pode provocar piping ou
deslizamentos. Segundo citação apresentada no texto:

“O (próprio) projeto da barragem de vale é particularme nte


sensível ao transbordamento por águas das cheias, a erosões
próximas à interseção da barragem com a encosta do vale, e à
liquefação devido a volumes mais altos de influxo de água
superficial advindo de drenagens dentro da bacia hidrográfica
natural e do alto escoamento de precipitação. A estabilidade de uma
barragem de vale depende, em grande medida, do nível de pressão

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
hidrostática dentro do material de preenchimento e do aterramento.
Um aumento incomum e pontual da pressão hidrostática acima dos
níveis do projeto pode ser suficiente para desencadear um
rompimento. O controle de influxos de água através do
represamento, ao seu redor ou abaixo dele é importante para manter
a estabilidade estrutural e controlar os impactos ambientais. A
drenagem interna adequada pode ajudar a proteger contra a
liquefação e melhorar a permeabilidade e a consolidação dos
rejeitos, melhorando, assim, a estabilidade da estrutura.”
376

SF/19193.51040-43
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Figura 1 – Vista aérea da Barragem I do Córrego do Feijão: note-se o relevo elevado no
entorno.

iii) Método construtivo a montante: além do método construtivo


a montante não ser adequado para barragens de rejeitos em vale, ele também
não é recomendado, devido à baixa resiliência, para acumular finos de sinter
feed. Esses rejeitos absorvem água rapidamente, mas a liberam lentamente

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
[tendem a ficar saturados de água e tornam-se susceptíveis à liquefação]. O
projetista mencionou que os finos de minério utilizados na construção do
dique inicial eram “facilmente drenáveis”. Contudo, a granulometria do
material utilizado nos alteamentos mudou ao longo do tempo. Dados de 2010
apontam que a granulometria apresentava um padrão fortemente
correlacionado à liquefação e os rejeitos não forneciam resistência suficiente
para apoiar novos alteamentos.
377

iv) Declividade alta nos taludes: taludes muito íngremes,


principalmente considerando o método a montante, o local e as propriedades
do sinter feed. A Barragem I possuía declividade de 1V:1,5H e 1V:1,75H,
respectivamente, no talude de jusante e no talude de montante. Todavia,
recomenda-se que as barragens elevadas a montante possuam inclinação

SF/19193.51040-43
máxima de 1V:4H. No caso da Barragem I, com três lados [ver Figura 1], a
inclinação deveria ser 1V:10H, ou seja muito menos íngreme que o projeto.
Quanto maior a inclinação, maior a pressão da água acumulada e as pressões
intersticiais associadas (poropressão) contra a base do talude. Se os rejeitos
possuem alta susceptibilidade à liquefação, poropressões elevadas
aumentam o risco de sua ocorrência.

v) Altura insuficiente do dique inicial e da fundação: um dique

Página: 377/398 02/07/2019 09:20:28


de terra com 18 metros de altura é insuficiente para uma barragem projetada
para atingir 87 metros, principalmente considerando-se que os rejeitos
poderiam atingir o nível crítico do lençol freático várias vezes ao longo da
vida útil da Barragem I [sinter feed absorve água facilmente, mas libera
lentamente].

vi) taxa de alteamento elevada: embora a taxa de alteamento da

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Barragem I, de 2,2 metros por ano, estivesse bem abaixo do máximo
recomendado na literatura, de 4,6 a 9,2 metros por ano, as propriedades
específicas do sinter feed, de lenta consolidação e secagem, poderiam trazer
problemas de compactação insuficiente, mesmo nessa taxa de alteamento
mais baixa.

vii) Sistema de drenagem inadequado: sendo a Barragem I


alteada a montante e localizada em encosta, o sistema de drenagem deveria
garantir que a superfície freática não passasse por dentro do maciço, para
evitar rompimentos. Entretanto, aparentemente a barragem não possuía
378

sistema de drenos e os problemas de drenagem ficaram claros desde o início


da operação.

Em suma, conclui a autora: “[O projeto da Barragem I] violou


muitos princípios considerados essenciais para a vida útil estável e segura

SF/19193.51040-43
das instalações, incluindo a escolha de uma barragem a montante para finos
de sinterização.” Além disso, as falhas do projeto seriam agravadas ao longo
da vida útil da Barragem I e a susceptibilidade às liquefações aumentaria
previsivelmente em razão da mudança para um estado de não drenado quase
permanente.

Após a análise dos erros de projeto, a autora examina o possível


mecanismo de falha da Barragem I. A causa mais provável é a liquefação

Página: 378/398 02/07/2019 09:20:28


estática, embora não esteja confirmado se a liquefação seguiu-se à ruptura
ou a provocou.

A partir da constatação de que diversas barragens que falharam


nos últimos anos eram consideradas seguras, segundo análises de
estabilidade efetuadas com a metodologia de uso corrente, a autora questiona
essas técnicas e aponta a necessidade de incorporar urgentemente os novos

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
avanços da engenharia. Caso contrário, de acordo com especialistas, “os
projetos inadequados e incorretos – motivados pela falta de conhecimento
sobre a resistência dos rejeitos – continuarão sendo um dos principais fatores
responsáveis pelos rompimentos”. Os especialistas também chamam a
atenção para a insuficiência de conhecimento sobre os mecanismos de
ruptura de rejeitos não drenados, que levam à liquefação estática e estão
presentes em 50% dos casos de falha.

A liquefação estática está ligada ao nível de água dentro do


reservatório de rejeitos. A maioria das barragens de rejeitos de mineração
379

apresenta um lençol freático em seu interior, seja por falhas de projeto, seja
por falhas de execução. Como a estabilidade da barragem é muito afetada
pelo lençol freático, o nível de água deve ser constantemente controlado por
piezômetros.

SF/19193.51040-43
O fator de segurança (FoS) no limiar de ruptura da barragem é
1. Já o FoS prescrito pela maioria das normas, inclusive a brasileira, é 1,5.
No caso da Barragem I, a certificação foi efetuada a partir de métodos válidos
apenas para barragens drenadas (Effective Stress Analysis – ESA). Contudo,
essa reconhecidamente não era a situação real da barragem. Portanto, deveria
ter sido utilizado o método próprio para barragens não drenadas (Undrained
Stability Analysis – USA). Pelo método recomendado, Brumadinho
apresentou FoS muito abaixo de 1,5. Ainda de acordo com a autora, o FoS

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de 1 é alcançado quando o nível de água atinge 60% da altura da barragem.

A autora aponta alguns aspectos que não são devidamente


considerados pelos métodos tradicionais de avaliação da estabilidade. O
primeiro deles é a capilaridade, a propriedade que os líquidos têm de subir
ou descer por tubos muito finos. Um dos especialistas citados ressalta que os
métodos atuais (piezômetros) detectam apenas o nível da água que penetrou

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
na barragem por gravidade e não detectam a altura capilar. A capilaridade
aumenta a altura do rejeito saturado e, como não é detectada, pode
comprometer a estabilidade da barragem sem que a instrumentação acuse a
anormalidade.

A altura capilar dos rejeitos pode variar de 0,6 a 20 metros,


quando a granulometria das partículas varia entre a da areia [grossa] e a da
argila siltosa [muito fina]. A capilaridade faz com que o grau de saturação
permaneça elevado no rejeito. Depois de uma chuva forte, a superfície
freática sobe muito rapidamente, mas depois decresce lentamente, pois a
380

água capilar não desce por gravidade. Análises indicam que a estabilidade
da barragem depende fortemente dos fenômenos de capilaridade.

A autora ressalta que o desempenho hidráulico da barragem é


decisivo para sua estabilidade durante a operação e também depois de

SF/19193.51040-43
desativada. Em todas as barragens analisadas que sofreram ruptura por fluxo
de liquefação, havia os seguintes elementos: barragem saturada, falhas de
drenagem e rejeitos que não estavam consolidados. Esse último aspecto
obriga a limitar a taxa de alteamento das barragens a montante. Segundo a
União Europeia, o índice de alteamento deve ser menor que 5 metros por
ano.

A autora ressalta também a variação dos resultados encontrados

Página: 380/398 02/07/2019 09:20:28


para o FoS quando se utilizam diferentes métodos de análise de estabilidade:
método do Equilíbrio Limite e método de Elementos Finitos. Além disso, um
FoS mais elevado não significa necessariamente uma menor probabilidade
de ruptura. Essa probabilidade é bastante afetada pela qualidade da estrutura,
como mostrado na Figura 2.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

Figura 2 – Instalações da Categoria I são aquelas projetadas, construídas e operadas com


base em engenharia avançada; instalações da Categoria II são aquelas projetadas,
construídas e operadas de acordo com a prática convencional da engenharia; instalações
381

da Categoria III são aquelas sem projeto específico para o local e com padrão inferior de
construção ou operação; e instalações da Categoria IV são aquelas que utilizam pouca ou
nenhuma engenharia. Probabilidade de Ruptura vs. FoS (Silva et al, 2008).

Como se pode ver na Figura 2, um FoS de 1,5, geralmente recomendado como o mínimo
por muitas autoridades, pode apresentar uma probabilidade anual de ruptura entre 1 em
10-1 e 1 em 10-6 , dependendo da "Categoria" da barragem. A Figura 2 também indica que,

SF/19193.51040-43
para todas as barragens de Categoria III e IV com uma ruptura que poderia resultar em
mais de 100 mortes, o limite de admissibilidade definido em ANCOLD Guidelines on
Risk Assessment (Diretrizes da ANCOLD sobre Avaliação de Riscos (ANCOLD, 2003)
não seria atendido, mesmo com FoS de mais de 2.

Outras incertezas no cálculo da estabilidade derivam de


variações da medição das propriedades dos solos, como a resistência ao
cisalhamento não drenada.

Como agravante, em casos recentes de ruptura de barragens de

Página: 381/398 02/07/2019 09:20:28


rejeitos (Mount Polley, Canadá, 2014, e Fundão, Brasil 2015), verificou-se
que os mecanismos que levaram ao rompimento não foram considerados no
projeto. Nesses casos, os FoS calculados com base nos mecanismos de
ruptura considerados não conferiram suficiente confiabilidade aos projetos.

Não há como medir o FoS real de um determinado talude em


um dado momento. Portanto, o FoS de um talude é uma estimativa feita com
base em métodos analíticos padrão da indústria, com parâmetros de materiais

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
presumidos, inferidos de várias fontes de dados (laboratório, perfuração,
correlações empíricas), sob várias condições de carga (por exemplo, estática,
pós-terremoto, construção). De acordo com especialista citado no trabalho:

Curiosamente, os fatores de segurança mínimos recomendados


e utilizados atualmente não levam em conta as consequências
potenciais de ruptura da barragem ou as incertezas nos dados
numéricos de entrada, baseando-se apenas nas condições de carga.
Ademais, vários autores têm demonstrado que um fator de segurança
maior não resulta necessariamente em menor probabilidade de
ruptura, pois a análise também depende da qualidade das pesquisas,
dos ensaios, do projeto e da construção.
382

Feitas as observações sobre as metodologias empregadas na


avaliação da estabilidade de barragens de rejeitos de mineração, a autora
passa a discutir os trabalhos de avaliação da Barragem I: uma tese de
mestrado sobre a liquefação estática utilizando a Barragem I como estudo de
caso (Washington Pirete, 2010), um artigo científico (Washington Pirete e

SF/19193.51040-43
seu orientador Romero César Gomes, 2013) e dois relatórios confidenciais
preparados pela TÜV SÜD em 2017 e 2018.

A tese e o artigo tratam de um gatilho mensurável da liquefação,


para avaliar o risco pré-ruptura e, se possível, tomar as iniciativas para evitá-
la. Pirete e Gomes previram que se o nível máximo da superfície freática
fosse o dos “alteamentos intermediários” (na ocasião, 15 metros para altura
total da barragem de 25 metros), não haveria rompimento por liquefação

Página: 382/398 02/07/2019 09:20:28


estática. Os relatórios da TÜV SÜD ratificaram as conclusões de Pirete e
Gomes.

Contudo, esse tipo de análise desconsidera as condições da


estrutura, como descritas na Figura 2. A Barragem I se enquadraria no tipo
III (instalações de Categoria III são aquelas sem projeto específico para o
local e construção ou operação de baixo padrão). Nesse caso, mesmo um FoS

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
de 1,5 representa um risco elevado de ruptura. A autora considerou que a
metodologia utilizada por Pirete e Gomes (Método de Equilíbrio Limite 2D)
para avaliar a estabilidade da Barragem I já estaria defasada e, portanto, a da
Vale e a da TÜV SÜD também. Essa metodologia vem sendo aplicada pela
Vale desde 2013, apesar da objeção de especialistas independentes
contratados pela mineradora.

A autora ressalta a importância de se conhecerem as reais


condições dos rejeitos e da Barragem I para correta avaliação de sua
estabilidade. Com base na análise de fotos obtidas por meio do Google Earth,
383

pelo Sr. Frederico Lopes Freire, durante um período de seis anos, verifica-se
a saturação crescente devido ao escoamento natural do entorno, que não era
captado nem desviado, e desaguava dentro da Barragem I, conforme
mostrado na Figura 3.

SF/19193.51040-43
Também foi observada uma deformação na face superior
esquerda do maciço onde, no entender da autora, a partir da análise
meticulosa do filme do rompimento da Barragem I, teria se iniciado o
colapso. Nesse ponto, as fotos do Google Earth mostram o aumento do
afluxo de água e a completa saturação da superfície da barragem.

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c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

Figura 3 – "A drenagem das águas superficiais provenientes da chuva ou de outras fontes
é coletada em dois locais conforme indicado nas altitudes de 912 m e 913 m. As setas
mostram o fluxo e a direção. No topo da imagem, na altitude de 948 m, há uma infiltração
de água claramente visível, possivelmente proveniente dos pontos de cota mais elevada
localizados atrás da barragem, talvez de um riacho. A floresta densa que se estende por
trás, a partir da barragem, é possivelmente outra fonte de drenagem para dentro da
barragem." – Frederico Lopes Freire
384

Simultaneamente à falha na face superior esquerda, o filme


mostra o rompimento de uma grande área circular à frente da parte inferior
da Barragem I, visto na Figura 4. Essa área também é destacada na análise
das imagens do Google Earth, que mostram o colapso do dreno principal, do
centro do cume até o sopé do dique de partida original. Para o período de

SF/19193.51040-43
pré-ruptura, as imagens mostram a erosão encosta abaixo. Em 2017, a
revisão periódica de segurança apontou uma grande erosão na base do dique
de partida e acima dela. Em sua análise de 2017, a TÜV SÜD afirma que a
estabilidade do conjunto depende das seções iniciais, inferiores, da Barragem
I, que também demonstraram ter um FoS significativamente menor do que
as seções superiores.

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Figura 4 – Imagem capturada a partir do filme do rompimento da Barragem I,


mostrando as fraturas na ombreira esquerda e na parte inferior.

A última foto do Google Earth antes da ruptura é apresentada


na Figura 5.
385

SF/19193.51040-43
Figura 5 – Imagem da Barragem I obtida pelo Google Earth em 21 de julho de 2018.

A autora esclarece que as auditorias da TÜV SÜD, por serem

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documentos oficiais, têm mais peso que os trabalhos de Pirete e Gomes.
Além disso, em que pesem as boas intenções na busca do entendimento dos
mecanismos de disparo da liquefação gatilho, as suas conclusões têm que ser
lidas com cuidado. A conclusão de que a liquefação estática da Barragem I,
por seus próprios gatilhos, era improvável até os limites especificados do
lençol freático, mostrado na Figura 6, não é o mesmo que afirmação de que
não havia qualquer potencial de liquefação estática. Inclusive, o criador da

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
metodologia empregada por Pirete e Gomes, o Professor Scott Olson, disse
que o seu método foi utilizado de forma incorreta na análise da Barragem
B1, e que a correta aplicação teria levado a prever com exatidão o
rompimento de 25 de janeiro de 2019.
386

SF/19193.51040-43
Figura 6 – Resultado do trabalho de Pirete e Gomes sobre os gatilhos de liquefação da
Barragem I.

Com base nas recomendações de Pirete e Gomes, a Vale tomou


medidas, a partir de 2013, para evitar um nível de saturação que pudesse
resultar em liquefação. A autora destaca a manutenção de uma praia de mais
de 100 metros. Todavia, imagens do Google Earth e os relatórios da TÜV

Página: 386/398 02/07/2019 09:20:28


SÜD mostram muito claramente que essas medidas de redução de riscos não
foram mantidas nos anos seguintes.

Pirete e Gomes também apresentaram o perfil granulométrico


dos rejeitos da Barragem I, mostrado na Figura 7. Constata-se que o perfil
indica uma provável susceptibilidade à liquefação estática. Perfil semelhante
foi encontrado em outras barragens de rejeitos que falharam por liquefação

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
estática.
387

SF/19193.51040-43
Página: 387/398 02/07/2019 09:20:28
Figura 7 - Curvas de distribuição de tamanho das partículas de rejeitos de CF (ABNT,
1984) [Pirete e Gomes, 2013].

O trabalho de 2013 de Pirete e Gomes repetiu as conclusões da


tese de mestrado, de 2010: a Barragem I, de acordo com a análise pelo
Método de Equilíbrio Limite 2D, não estava vulnerável à liquefação estática.
Suas conclusões sobre a Barragem I são apresentadas a seguir:

• Os rejeitos do CF [mina Córrego do Feijão] tendem a


apresentar comportamento contrátil durante o cisalhamento e, então,

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
esses materiais são suscetíveis à liquefação;
• A seção subdividida referenciada do talude a jusante da
Barragem I resultou em nove camadas suscetíveis à liquefação com
as resistências dadas pelos valores médios obtidos das zonas de perfil
SPT [Ensaio Padronizado de Penetração] ou CPT [Ensaio
Penetração de Cone].
• A partir das superfícies de ruptura crítica específicas ao
longo do talude a jusante da Barragem I (obtidas a partir dos valores
corrigidos do SPT ou CPT e subdividas em 16 segmentos), obteve-
se um valor médio da razão da tensão de cisalhamento estática…
igual a 0,207 por meio do domínio crítico dos rejeitos suscetíveis à
liquefação;
• Na hipótese de carregamento estático apenas, os valores de
gatilho do fator de segurança variaram entre 1,14 e 1,36, indicando
que é improvável que os rejeitos da Barragem I se liquefaçam;
388

• Considerando-se que um aumento rápido da linha freática


através do depósito dos rejeitos atingisse a base das represas
ascendentes intermediárias, com a completa saturação das camadas
de rejeitos suscetíveis à liquefação, uma análise pós-gatilho indicou
que a suscetibilidade da Barragem I à ruptura por fluxo seria baixa,
mesmo sob um evento de carregamento tão crítico;
• As conclusões dessas análises, além dos resultados do

SF/19193.51040-43
programa de testes laboratoriais, e com base em processos de gestão
rígidos adotados na área, demonstram que a Barragem I constitui
uma estrutura de segurança contra os mecanismos de rupturas
induzidas por liquefação;
• Embora a análise de liquefação de Olson (2001) e Olson e
Stark (2003b) tenha sido proposta principalmente para solos não
coesivos, a metodologia é coerente e apropriada para análises
preliminares do potencial de liquefação em depósitos de rejeitos (em
geral, materiais de densidade relativamente baixa com alto grau de
saturação), particularmente barragens de rejeitos a montante.”

Entretanto, os solos da Barragem I não são “não coesivos”,

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como prontamente reconhecem Pirete e Gomes. Além disso, os rejeitos de
sinterização, o tipo de rejeito da Barragem I, têm características e
propriedades únicas que, na verdade, aumentam sua suscetibilidade a todos
os tipos de rupturas, inclusive por liquefação estática. Ainda assim, ao que
sugerem declarações públicas da Vale, esse foi o método que passou a ser
exigido pela mineradora para análises de estabilidade, juntamente com o
método de Osborne (2001), também desenvolvido para solos não coesivos.

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
A TÜV SÜD forneceu duas análises aprofundadas sobre a
estabilidade da Barragem I, em 2017 e 2018, sendo a primeira bem mais
abrangente. O relatório de 2017 refere-se à Revisão Periódica de Segurança,
prevista na Lei nº 12.334, de 20 de setembro de 2010, que estabelece a
Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB) 61.

61 Art. 10. Deverá ser realizada Revisão Periódica de Segurança de Barragem com o objetivo de verificar
o estado geral de segurança da barragem, considerando o atual estado da arte para os critérios de projeto,
a atualização dos dados hidrológicos e as alterações das condições a montante e a jusante da barragem.
389

A Barragem I já estava desativada desde 2016 e passava por um


processo de esvaziamento de água para estar apta à remineração
[aproveitamento do minério de ferro presente nos rejeitos], cujo
licenciamento ocorreu em 2018. Segundo a autora: “A TÜV SÜD estaria
encarregada da remineração e o contexto desses dois relatórios é, em parte,

SF/19193.51040-43
a preparação da Barragem I para o início dessas operações.”

Ambos os relatórios da TÜV SÜD calculam o FoS em condição


drenada e não drenada e abordam o risco de liquefação estática, com base
nos métodos empregados pela Vale e exigidos pela mineradora para avaliar
esse risco.

A autora analisa os relatórios da TÜV SÜD sob a ótica das boas

Página: 389/398 02/07/2019 09:20:28


práticas e não das normas. Segundo ela: “Nenhum engenheiro deveria
concordar em realizar uma análise de estabilidade com base em premissas
ou métodos que violassem essas melhores práticas conhecidas.” A autora
critica o fato de, na análise de estabilidade, terem sido desconsiderados
fatores-chave como a altura e a inclinação [do maciço]. A Barragem I tinha
altura de 87 metros e continha materiais essencialmente contráteis (rejeitos
de sinterização), os quais, por sua natureza, elevavam o risco de ruptura.

Se o material for passível de romper-se de alguma forma (por c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

exemplo, liquefazer-se, no caso de materiais não coesivos) e se o material


estiver fornecendo algum suporte à contenção de rejeitos, a melhor prática,

§ 1º A periodicidade, a qualificação técnica da equipe responsável, o conteúdo mínimo e o nível de


detalhamento da revisão periódica de segurança serão estabelecidos pelo órgão fiscalizador em funçã o
da categoria de risco e do dano potencial associado à barragem.
§ 2º A Revisão Periódica de Segurança de Barragem deve indicar as ações a serem adotadas pelo
empreendedor para a manutenção da segurança da barragem, compreendendo, para tanto:
I - o exame de toda a documentação da barragem, em particular dos relatórios de inspeção;
II - o exame dos procedimentos de manutenção e operação adotados pelo empreendedor;
III - a análise comparativa do desempenho da barragem em relação às revisões efetuadas
anteriormente.
390

por décadas, tem sido a de usar, em análises, a resistência não drenada de


limite inferior. Ambas as hipóteses eram verdadeiras em relação à Barragem
I. Portanto, o método adequado para determinar o melhor fator de segurança
para a Barragem I era uma análise de estabilidade não drenada, USA-SS, já
que sua real resistência ao cisalhamento estava no intervalo em que se

SF/19193.51040-43
recomenda esse método (e permaneceu em 0,09 no relatório de 2018 da TÜV
SÜD), conforme mostra a Tabela 1.

Tabela 1 - Metodologias Analíticas para Barragens de Rejeitos a Montante


Condições
Intervalo típico
Adequadas para
Metodologia de Resistências
Aplicações da
ao Cisalhamento
Metodologia
Rejeitos em
ESA (Effective condições não C’ = 0

Página: 390/398 02/07/2019 09:20:28


Análise de Tensão
Stress saturadas e/ou ’ = 30 a 36º
Efetiva
Analysis) dilatantes sob
cisalhamento.
USA-D Análise de resistência
Razão de
(Undrained não drenada para
resistência não
Strength materiais dúcteis, e/ou Rejeitos saturados drenada (Su/p1 ) =
Analysis for pico de resistência ao e contráteis sob
0.2 a 0.3
ductile cisalhamento não cisalhamento.
materials) drenada Existe potencial
Análise da resistência ao para acionamento
USA-SS
cisalhamento não do gatilho de Razão de
(Undrained
drenada baseada na carregamento não resistência não
Strength drenado.
resistência ao drenada (Su /p1 )

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Analysis -
cisalhamento de estado = 0.06 a 0.15
Steady State)
permanente

O método USA-SS deveria ter sido utilizado, por ser o que


melhor refletia a situação real, e não o USA-D, empregado pela TÜV SÜD.
Mesmo com o USA-D, o FoS calculado com o Slide 7, um software para
aplicação do método do equilíbrio limite, ficou abaixo de 1,5 em todas as
situações.
391

De acordo com a Norma Brasileira NBR ABNT 13.028


[Mineração ― Elaboração e apresentação de projeto de barragens para
disposição de rejeitos, contenção de sedimentos e reservação de água ―
Requisitos]:

SF/19193.51040-43
Os valores mínimos do fator de segurança a serem definidos
pela análise de estabilidade determinística devem considerar as
condições de carregamento, drenadas ou não drenadas, de cada um
dos materiais envolvidos.
Para as condições de carregamento não drenadas, a análise de
estabilidade pode ser executada em tensões totais, com a utilização
de parâmetros de resistência não drenada ou em tensões efetivas,
com a utilização de parâmetros efetivos de resistência e poropressões
estimadas. Para condições drenadas de carregamento, as análises de
estabilidade devem ser efetuadas em tensões efetivas, com a
utilização de parâmetros efetivos de resistência ao cisalhamento e
poropressões estimadas por rede de percolação. Parâmetros de

Página: 391/398 02/07/2019 09:20:28


resistência de pico ou residual podem ser utilizados para as
diferentes situações encontradas, devidamente justificados em
projeto. Os fatores de segurança mínimos, conforme Tabela 1,
devem ser obtidos, independentemente do tipo de análise e das
condições de carregamento. (grifo nosso)

Tabela 1 - Fatores de segurança mínimos para barragens de mineração

Fator de
Fase Tipo de ruptura Talude Segurança
Mínimo
Maciço e
Final de construção Montante e jusante 1,3
fundações

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
Operação com rede
de fluxo em
condição normal de Maciço e
Jusante 1,5
operação, nível fundações
máximo do
reservatório
Operação com rede
de fluxo em
Maciço e
condição extrema, Jusante 1,3
fundações
nível máximo do
reservatório
Operação com
rebaixamento
rápido do nível do Maciço Montante 1,1
reservatório
Moorhen (sic)
392

Fator de
Fase Tipo de ruptura Talude Segurança
Mínimo
Operação com rede Jusante 1,5
de fluxo em Maciço
Entre bermas 1,3
condição normal
Solicitação sísmica,
Maciço e
com nível máximo Montante e jusante 1,1

SF/19193.51040-43
fundações
do reservatório
Etapas sucessivas de barragens alteadas com rejeitos não podem ser analisadas
como “construção final”, devendo atender aos fatores de segurança mínimos
estabelecidos para as condições de operação.

Embora a autora mencione uma possível contradição entre a Lei


nº 12.334, de 2010, e a NBR ABNT 13.028, ela não deixa claro qual seria
essa contradição. Ainda de acordo com a autora, a TÜV SÜD alegou falhas
no arcabouço jurídico no que tange à estabilidade de barragens e recusou-se

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a certificar outras barragens 62. Não está claro se os próprios advogados da
TÜV SÜD Brasil revisaram a legislação antes de a empresa concordar em
usar a metodologia da Vale.

Ao final do relatório de 2017, a TÜV SÜD tece críticas à


metodologia da Vale para análise de estabilidade e de risco de liquefação,

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
62 “Statement 19.02.2019
A TÜV SÜD AG (TÜV SÜD) apoia as decisões do governo brasileiro de 18 de fevereiro de 2019 de reforçar
a segurança das barragens de rejeito a montante e/ ou desativar essas barragens até no máximo 2021.
Acreditamos ser de suma importância a decisão de elevar os padrões de segurança nesse período de
transição.
No entanto, há maior incerteza sobre a confiabilidade do atual sistema de DCEs (Declaração de
Condição de Estabilidade da Barragem) quanto às condições de estabilidade das barragens e se o
sistema ainda pode ser considerado apropriado para uma proteção adequada contra riscos graves das
barragens de rejeitos, em particular para a vida humana e o meio ambiente. Considerando essas
preocupações de segurança, a TÜV SÜD Bureau de Projetos e Consultoria LTDA informou à Vale que não
está em posição de emitir futuras DCEs e relatórios até que uma revisão completa do sistema seja
concluída. A TÜV SÜD está oferecendo sua total cooperação e experiência às autoridades e instituições .
Com o apoio de especialistas próprios e externos, a TÜV SÜD está investigando seus processos internos
minuciosamente, bem como possíveis causas do trágico colapso da barragem em Brumadinho. Seria
absolutamente inaceitável para a TÜV SÜD se as declarações fossem assinadas sem respeito às análises.
Isso iria contra todas as regras e a filosofia da empresa.” Disponível em https://www.tuv-sud.com.br/br-
pt/noticias-centro-de-midia/sala-de-noticias/acidente-no-brasil-colapso-de-barragem-de-reservatorio-
de-retencao. Acesso em 24 de junho de 2019.
393

considerando que gera maior incerteza e variabilidade quanto às condições


reais de estabilidade em comparação com outros métodos atualmente
disponíveis. A TÜV SÜD adverte enfaticamente sobre os riscos: de gatilhos
até mesmo pela instalação de drenos horizontais nas porções inferiores, das
quais depende toda a segurança da barragem; de início de qualquer

SF/19193.51040-43
remineração ou rearranjo ou remoção de solos; de quaisquer vibrações ou
uso de explosivos em qualquer lugar perto da barragem, até que se atinja um
nível mais elevado de certeza quanto à estabilidade.

Segundo a TÜV SÜD, o método utilizado pela Vale, e aceito


pelo Governo, não mede o risco, i.e., não se correlaciona com a
probabilidade de ruptura, e inclui uma infinidade de incertezas importantes.
Por isso, aconselha um esforço bem rigoroso e cauteloso (para continuar o

Página: 393/398 02/07/2019 09:20:28


processo) de redução de risco, por meio de uma melhor drenagem, se
realizável com segurança, para que o nível de água do lençol freático seja o
mais baixo possível. Reconhece, contudo, indicações de progresso na
diminuição do nível da água, a partir das medidas de piezômetros.

O cálculo do FoS, sob condições drenadas, foi apresentado no


relatório:

c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc
As análises de estabilidade sob condições drenadas foram
realizadas e os Fatores de Segurança obtidos foram FS = 1,93 (Seção
2-2), FS = 1,76 (Seção 3-3) e FS = 1,60 (Seção 4-4), … as superfíc ies
críticas de ruptura que afetam a estrutura inteira se estendem abaixo
da elevação 899 (a base do 4º alteamento), indicando que o terço
inferior do talude a jusante é o que determina a estabilidade da
Barragem 1 sob condições drenadas.

O que levou a TÜV SÜD à seguinte conclusão:

“Conclui-se que a Barragem 1 está estável para o cenário de


desestabilização do talude a jusante sob condição drenada. Os fatores
de segurança obtidos estão em conformidade com a NBR-13028
394

(2017), a qual recomenda um fator de segurança mínimo superior a


1,50 para a operação.”

Contudo, a presunção de drenagem não faz sentido se a


condição real na barragem for de não drenagem, i.e., se houver lençol

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freático dentro da barragem. Afinal, o relatório da TÜV SÜD de 2017 deixa
bastante claro que havia níveis de água críticos e preocupantes na Barragem
I.

O relatório aponta também quais eram as seções críticas da


Barragem I. Foi enfatizado que, sob a premissa ou estado de condições
drenadas, a estabilidade de toda a barragem dependia da estabilidade do terço
inferior da barragem (as partes construídas antes de 1984), projetado pelo

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engenheiro C. Erb e gerido e alteado pela empresa Tecnosan. Uma ruptura
no terço inferior (abaixo da cota de 889 metros) desencadearia uma ruptura
completa da Barragem I. Essas camadas, i.e., a represa inicial e os primeiros
alteamentos, foram identificadas pela Tecnosolo, a responsável pelos
projetos do 4º ao 8º alteamento, como tendo um fator de segurança abaixo
de 1,3 e graves problemas de drenagem, incluindo afloramentos observados
na base da barragem na cota de 875 metros.

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Confirmada a condição não drenada, era tecnicamente
recomendável que se usasse tanto a análise USA-D quanto a USA-SS, e que
se adotasse o valor de FoS mais conservador. Porém, segundo a TÜV SÜD,
foi lhe exigido que usasse o método Vale, adotado pelos outros engenheiros
nas análises de estabilidade de 2013 a 2016.

Não há na literatura qualquer discussão específica em relação às


condições sob as quais um engenheiro deveria concordar em usar o protocolo
de análise de estabilidade do proprietário/operador da barragem
395

[principalmente em se tratando de uma auditoria independente]. Entretanto,


se o engenheiro concorda que o protocolo é adequado aos materiais e às
condições da barragem, pelo princípio básico da devida diligência, não
haveria problemas em utilizar o protocolo de análise de estabilidade
estabelecido pelos proprietários.

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Contudo, na Barragem I, todos os FoS calculados considerando
o estado não drenado (USA-D) resultaram em valores abaixo de 1,3:

Assim, as análises de estabilidade realizadas considerando - se


um gatilho desconhecido, resultaram em Fatores de Segurança FS =
1,22 (Seção 2-2), FS= 1,18 (Seção 3-3) e FS = 1,09 (Seção 4-4).

A TÜV SÜD argumentou que um possível rompimento não

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dependia apenas da susceptibilidade à liquefação, e que era necessário haver
um gatilho:

Para que o fenômeno de liquefação ocorra, além da presença


de suscetibilidade, é necessário existir um gatilho. Os gatilhos
podem estar associados a eventos estáticos ou dinâmicos, tais como:
poropressões excessivas resultantes de carregamento rápido (rápida
redução da barragem, elevação do nível do reservatório etc.),
terremoto ou vibrações induzidas (terremotos naturais,
equipamentos, detonações, rupturas de estruturas adjacentes etc.),
que elevam a tensão de cisalhamento ou impõem deformações de

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cisalhamento (remoção de material da base da barragem,
movimentação da fundação etc.), entre outros.
“A norma NBR-13028 (2017) não recomenda um fator de
segurança mínimo para o rompimento por liquefação. Entretanto,
entende-se que, para o desenvolvimento desse fenômeno é
necessário um gatilho, que pode ser entendido como um evento
excepcional de baixa probabilidade, com um fator de segurança de 1
(rompimento).”

É necessária uma análise técnica independente para verificar se


a TÜV SÜD subestimou significativamente o risco ou se superestimou, de
forma não razoável, o fator de segurança, considerando-se as condições reais
dos materiais, da barragem, e o nível do lençol freático dentro da barragem.
396

A TÜV SÜD aparentemente interpretou a norma brasileira, em


vigor desde 1993 e que exige um fator de segurança mínimo de 1,5, como
não aplicável a uma análise de condição não drenada, embora o texto
especificamente direcione para uma escolha de método baseado em uma
consideração das condições reais de mensuração e observação dos

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materiais 63.

A norma estabelece um único FoS, de 1,5, como o mínimo


exigido, e é razoavelmente claro que o método para chegar a esse número
deve levar em conta as condições reais, i.e., 1,5 aplica-se à análise drenada
(ESA), não drenada (USA-D) e não drenada (USA-SS). Os próprios FoS
não drenada (USA-D) medidos pela TÜV SÜD estão abaixo do padrão
regulatório estabelecido [1,22; 1,18; 1,09].

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A TÜV SÜD compara, então, as limitações e incertezas do
método exigido pela Vale, chamado modelo de Equilíbrio Limite, com o
método de Elementos Finitos, considerado mais realista: “[…] um fator de
segurança superior a 1,05 cobre um possível erro de sua magnitude
envolvido no método de cálculo [Equilíbrio Limite] para calcular o fator de
segurança.”

Como os resultados do FoS – de 1,18, 1,22 e 1,09 – c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc

ultrapassaram esse limite de “tolerância de erro” [1,05], a TÜV SÜD


concluiu que, apesar das incertezas quanto ao modelo da Vale, ele seria
satisfatório em seus próprios termos como um método de cálculo de um FoS

63 [ABNT NBR 13028:2017 - Os valores mínimos de fator de segurança a serem determinados pelas
análises determinísticas de estabilidade devem considerar as condições de carregamento, drenado ou
não drenado, de cada um dos materiais envolvidos.
Para condições não drenadas de carregamento, as análises de estabilidade po dem ser executadas em
tensões totais, com a utilização de parâmetros de resistência não drenada ou em tensões efetivas, com
a utilização de parâmetros efetivos de resistência e poropressões estimadas.
Em análises de estabilidade que utilizam parâmetros de resistência não drenada, os fatores de
segurança mínimos devem ser estabelecidos pelo projetista, com base nas boas práticas de engenharia.]
397

em condições não drenadas, isto é, próximo o suficiente do real identificado


por outros métodos empíricos.

Na conclusão final do relatório, a TÜV SÜD alerta para a


necessidade de prevenção de gatilhos e para os limites da análise de

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estabilidade com base exclusivamente no FoS:

“Convém observar que os parâmetros geotécnicos associados


à probabilidade de ocorrência são variáveis. Essa variabilidade torna
os resultados do cálculo (fator de segurança) indeterminados quanto
à probabilidade de rompimento associada. Quanto maior a incerteza
quanto aos dados de entrada dos cálculos ou quanto maior a
variabilidade dos parâmetros, maior a probabilidade de rompimento,
mesmo que a análise com parâmetros médios indique fatores de
segurança satisfatórios. Para o caso da probabilidade de liquefação,
ela deve ser ajustada por meio da redução de seu valor de acordo
com a probabilidade de ocorrência do gatilho de liquefação. Para

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aumentar a segurança da barragem quanto ao modo de rompimento
por liquefação, recomenda-se a adoção de medidas que reduzam a
probabilidade de ocorrência de gatilhos. Dessa forma, a indução de
vibrações, a proibição de detonações nas proximidades, a prevenção
do uso de equipamentos pesados na barragem, impedir a elevação do
nível de água nos rejeitos, e não realizar trabalhos que removam
materiais da base dos taludes ou que provoquem instabilidades no
reservatório ou na barragem.

A TÜV SÜD também defende que não se utilize mais a


metodologia da Vale:

“Com relação ao modo de rompimento por liquefação, a c51cf39685c5ff6950bb28ea707a5b74b8a8a0fc


metodologia empregada pode ser considerada como a atualmente
praticada, sendo a mais aceita pela comunidade técnica mundia l.
Entretanto, ainda são necessários avanços, já que o Equilíbrio Limite
não considera o comportamento tensão-deformação dos rejeitos e é
isso que controla o fenômeno físico da liquefação.”

O que está claro é que um modelo para todas as situações, como


exigido pela Vale, não é adequado para a análise da liquefação para as
condições, tensões e questões de carregamento no momento tempestivo.
398

Por fim, a TÜV SÜD ressalta que as medidas adotadas para


reduzir o nível d’água na Barragem I mostraram algum progresso e aprova a
decisão de não aumentar a carga por meio de novas deposições, fator crítico
para a segurança. As observações e recomendações adicionais enfatizam o
estado ainda extremamente vulnerável e frágil da barragem. Destaca-se,

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especialmente, a melhora da drenagem no terço inferior crítico da barragem,
a partir da cota de 899 metros até a base (a área que, em 1995, contribuiu
para que o fator de segurança fosse avaliado abaixo de 1,3), como
determinante da estabilidade da barragem como um todo.

E foi justamente nessa seção, ao que parece, que se iniciou a


ruptura da Barragem I, conforme se depreende da Figura 8.

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Figura 8 – Imagem capturada do momento de ruptura da Barragem I, mostrando o
rompimento no terço inferior do maciço.

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