( ) Superinteressante Ed 400 - 03 2019 PDF
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c é rebr o
inteligência. Existem
cientistas tentando fazer
tudo isso – e conseguindo.
Conheça as pesquisas mais
surpreendentes. p. 22
por bruno garattoni
E tiago cordEiro
p. 54 p. 48 p. 08 p. 58
a câmera do celular o futuro, de afinal, o que os primeiros
está destruindo acordo com aconteceu com habitantes das
nossas lembranças. stephen hawking. a Venezuela? américas. no piauí.
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1
superinteressante 1/1
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carta ao leitor editorial
Fundada em 1950
VICTOR CIVITA ROBERTO CIVITA
(1907-1990) (1936-2013)
medir: a de manter aceso o fogo da Esse tpo de iniciatva é fruto PUBLICIDADE Daniela Serafim ( Financeiro, Mobilidade,
revista mais amada do País. de um tabalho diário dos repórte- Tecnologia, Telecom, Saúde e Serviços), Renato Mascarenhas
(Beleza, Higiene, Decoração, Moda e Mídia & Entretenimento),
Mesmo assim, era um tabalho res Luiza Monteiro e Bruno Renata Miolli (Alimentos, Bebidas, Imobiliário, Educação, Turismo
e Varejo), William Hagopian (Regionais), Yuri Aizemberg (Diretor
mais simples que o de hoje. Éramos Vaiano, e da designer Juliana Relacionamento com Mercado) ASSINATUR AS E VAREJO
Daniela Vada (Atendimento e Operações), Ícaro Freitas (Varejo),
só uma revista mensal. Agora não. Krauss, nova integrante da nossa Juliana Fidalgo (Gobox), Luci Silva (Relacionamento e Gestão
Comercial), Patricia Frangiosi (Comunicação), Rodrigo Chinaglia
Produzimos dezenas de reportagens equipe de arte. E foi fndamental (Produtos) ATENDIMENTO E OPERAÇÕES Daniela Vada CANAIS
a cada semana para o nosso site, para que a nossa audiência no DE VENDAS Luci Silva MARKETING DE MARCAS, EVENTOS E
VÍDEO Andrea Abelleira AUDIÊNCIA DIGITAL Isabela Sperandio
além de atalizar as melhores Instagram mais do que dobrasse MARKETING CORPORATIVOE E PRODUTO Rodrigo Chinaglia
PROJETOS ESPECIAIS E ABRIL BRANDED CONTENT Ivan
matérias da história da SUPER em um ano, de 250 mil para 550 Padilla DEDOC E ABRILPRESS Adriana Kazan PLANEJAMENTO,
CONTROLE E OPERAÇÕES Filomena Martins
– aquelas que não têm data de mil seguidores.
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nas redes sociais, com 3,9 milhões de [email protected] www.grupoabril.com.br
0 0
cardápio março de 2019
a reinvenção
do cérebro
Implante de memória, inteligÍncia turbi-
nada e telepatia: conheça as pesquisas que
vão virar seu cérebro de ponta-cabeça.
40 A ascensão do caviar
Ele já foi ração de gado. Entenda
as reviravoltas que lançaram sobre as ovas
o maior raio gourmetizador da história.
48 Stephen Hawking
Em livro póstumo, o físico encara pergun-
tas difíceis: Deus existe? Dá para prever o
futuro? Os robôs vão dominar o mundo?
54 Viciado em Instagram?
Não é só vocÍ: como a obsessão por tirar
fotos está destruindo nossa memória.
58 Serra da Capivara
Os segredos arqueológicos (e a disputa
científca) que se escondem no Piauí.
12 baiacu farmacêutico
O comprimido que entra
essencial pequeno pela boca – e fca
enorme no estômago.
número
incrível oráculo e se...
6 uma imagem... 66 combine com os russos 72 dois é demais
A peregrinação de Qual é a diferença entre E se a política do flho
Kumbh Mela, na Índia. astronauta e cosmonauta? único existisse no Brasil?
Venezuela?
uma mistura de LCD com
OLED (e a gente explica
a sopa de letrinhas).
mil 71 manual
Como organizar um bloco
de Carnaval para chamar
castrações de seu.
supernovas
12 enquanto isso... compulsórias
foram reali�
67 pá pum
última página
14 3 notícias sobre z adas nos eua
74 abc ancestral
10 tóquio 2020
entre 1907 e 69 lista
A história das letras do
17 não é bem assim... 1963 graças à
70 lost in translation
Criptomoedas prometem eugenia . alfabeto – dos canaani-
nas olimpíadas nipônicas. 18 pérolas do mês p. 35 70 conexões tas até hoje.
00
ESSENCIAL UMA IMAGEM...
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essencial ...uma opinião
na página anterior: Poderia ser o Cordão da Bola Preta, mas é algo mais tradicional
que o bloco carioca de 101 anos. Esses são os Naga Sadhus, guardiões do hinduísmo
que vivem nas montanhas, isolados das tentações da sociedade. Eles descem para
a festiva peregrinação de Kumbh Mela, que dura 45 dias. Nela, milhões de féis se
banham na foz do rio sagrado Yamuna, no nordeste da Índia, para lavar seus pecados.
Afnal de
contas, o
que aconte-
Ela já foi uma das
quatro nações mais
ricas do mundo,
tem mais petróleo
que a Arábia
ceu com a
Saudita, e está
quebrada. Entenda
como o chavismo
arrebentou o país.
Venezuela?
por felippe hermes
h
ano de dono argentno na capital paulista, a venezuelana Eliza é
mais uma ente as tantas fguras que dão vida ao sincretsmo da
cultra brasileira. Mas Eliza e seu irmão, a quem ajudou a emigrar
para o País há tês meses, também representam um fenômeno
assustador: o êxodo venezuelano.
Desde 2015, 3 milhões de cidadãos abandonaram a Venezuela.
Um em cada dez habitantes. Metade imigrou para Colômbia e
Peru. O Brasil, que tem seu cento econômico longe da fronteira
com a Venezuela e fala outo idioma, recebeu menos gente, mas
mesmo assim um contngente considerável: 85 mil pessoas. Boa
parte sem nada e disposta a morar na rua em Roraima. De acordo
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Edição alexandre versignassi
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supernovas edição ana carolina leonardi
00
sn. fatos
26
é O númerO de
biliOnáriOs
cujo patimônio,
somado, equivale
a todo o dinheiro
que possuem as
3,8 bilhões de pes-
soas mais pobres
do mundo (ou seja:
51% da população
do planeta).
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sn. fatos
Um internauta
corneteiro fez nascer
o herói nacional
Macaco Cidadão.
enquanto
isso...
Por Ingrid Luisa
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Quanto gelo a Antártda já perdeu
Um novo estdo da Universidade da Califórnia revela, em gigatoneladas, quanto de gelo antártco já “escor-
reu pelo ralo” desde 1979 – e quais foram as áreas do contnente mais afetadas pelo derretmento.
1.500
Terra De wILkes
1.400 PLaTaforma De
GeLo Larsen a
1.300
antártida
PIne IsLanD
PLaTaforma
1.200 Larsen B
Geleiras
mon
PLaTaforma
GeorGe VI
GiGatonel adas de massa perdida entre 1979 e 2017
1.100
ta
n
GeLeIra De PIne
h
IsLanD GLaCIer a
s
1.000 t
r
GeLeIra ThwaITes a
n
s
a
900
nt
PLaTaformas De
Crosson e DoTson
á r tic
800
ThwaITes
as
700
Terra
De wILkes
600 300
Crosson
marGem de erro
500 250
anTárTIDa (ToTaL)
400 200
GeorGe IV
DoTson
150
Larsen B*
300
100
Larsen a*
200
50
100
0
0
1979 - 1989 1989 - 1999 1999 - 2009 2009 - 2017
Fonte Four Decades of Antarctic Ice Sheet Mass Balance from 1979–2017, Proceedings of the National Academy of Sciences.
14.661
foi o número de pássaros que colidiram com aviões nos EUA em 2018. Só essa
fração do total mundial equivale a mais de 40 passarinhos atingidos por dia. Esses
acidentes são monitorados desde 1990, e, com o aumento do tráfego aéreo, cresce-
ram 692% de lá para cá. O que as fabricantes de aeronaves têm feito é desenvolver
turbinas que não entrem em colapso ao colidir com os bichos – o que resolve o risco
do avião cair por conta de uma batida dessas. Já para proteger os passarinhos, há ini-
ciativas como soltar aves de rapina nas áreas próximas a aeroportos. Alguns pássaros
podem até virar jantar, no início – mas, no longo prazo, aprendem a evitar a região.
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sn. fatos
Tem-
3 notícias sobre
peros
Beijos inteli-
Beijos ancestrais em uma caverna na Sibéria, beijos espinhosos e ataques ao vírus do beijo.
gentes
A IBM, especialista
em inteligência
artifcial, está
montando um
projeto com a
empresa america-
na de alimentos
McCormick,
uma das maiores
produtoras de
temperos do
mundo. O objetivo
é criar novas recei-
tas e misturas de
temperos prontos,
sem que eles preci-
sem passar por um
longo processo de
1 desenvolvimento
só com funcio-
nários humanos.
1. 2. 3.
Por enquanto, os
resultados foram
ambíguos: o algo-
ritmo já sugeriu
Males beioqueiros ninho do amor Diga-me quem tu beias cominho para um
O vírus da mononucleose – co- Que diferentes espécies Mais de dez pessoas foram tempero de pizza
nhecida como Doença do Beijo de hominídeos transavam infectadas com salmonela nos – uma combinação
– afeta 90% da população, entre si, os cientistas já EUA, em um onda de contami-
ainda que boa parte nunca sabiam. A grande novidade nação causada por beijos em
inusitada que deu
apresente sintomas. Ela tem são evidências de que uma porcos-espinhos de estimação. certo. Mas tam-
ligações, porém, com um mal única caverna na Sibéria foi O Centro de Prevenção de Do- bém já errou feio:
bem mais grave: a esclerose habitada, ao mesmo tempo, enças precisou emitir um aviso para uma receita
múltipla. Um novo estudo por neandertais, denisovanos nacional por lá, para que as de tempero para
mostra que terapias drásticas e, possivelmente, até Homo pessoas parassem de acariciar
para reduzir a presença do sapiens. Os indícios apontam seus bichinhos perto do rosto.
arroz, por exem-
vírus no organismo diminuem para uma coabitação de até No Brasil, afagos desse tipo plo, o computador
sintomas entre os pacientes 100 mil anos – a festa univer- são ilegais: não é permitido ter sugeriu usar sal no
que sofrem com a esclerose(. sitária mais longa da história(. bichos exóticos em casa(. lugar do... arroz.
ciber-
viciados
Média de uso de
pessoa s en t r e 10h2Min
16 e 64 a nos, eM De uso De internet 9h29Min 9h11Min 3h45Min 6h42Min
4 0 pa í s e s ( .
por Dia
Ilustração ( Fido Nesti Fontes ( Epstein-Barr virus–specific T cell therapy for progressive multiple sclerosis. ( Timing of archaic hominin occupation of
Denisova Cave in southern Siberia.( Investigation notice: Outbreak of Salmonella Infections Linked to Pet Hedgehogs. ( GLOBALWEBINDEX (2018), Hootsuite
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sn. fatos
Não é bem
assim...
Notícias que
bombaram por
aí - mas não são
verdade
A notíciA
00
sn. PLAYLIST
1 BEETLEJUICE
FILME Os Fantasmas
se Divertem
ANO 1988
No roteiro original,
Beetlejuice era bem
mais maléfico do que
é no filme. Em vez de
um fantasma, ele seria
um demônio alado, e 3
seu plano para a família
Deetzes era estupro e
assassinato (não tra-
vessuras e casamento). 5
2 EDWARD MÃOS
DE TESOURA
FILME Edward Mãos
de Tesoura
ANO 1990
Tim Burton imaginou
o personagem em
1974, quando estava 4
no ensino médio. 1
Para dar vida a esse 2
sonho, Johnny Depp
emagreceu 25 quilos e
usou um cabelo base-
ado em Robert Smith,
vocalista do The Cure.
3 JACK SKELLINGTON
FILME O Estranho
Mundo de Jack
ANO 1993
Todo filmado em stop
motion, o protagonista
Jack teve mais de 400
cabeças diferentes ao
longo do filme e eram
CANAL CANAL
Engineerguy Daily dose of
YouTube internet
Você sabe por que as latas YouTube
de alumínio têm fundo A americana que foi presa,
curvo? Como o celular sabe
PÉROLAS DO se está na vertical? Como
algemada e aí roubou o car-
ro da polícia. A colmeia que
STREAMING a cafeteira “puxa” a água
sem um motor? Desvende
usa ilusão de óptica para se
defender. O que acontece se
esses e outros mistérios você molhar um sonrisal no
da engenharia neste canal espaço – ou estiver a bordo
– que está em inglês, mas de um avião afundando na
tem tradução (clique em água. O melhor dos vídeos
Configurações e Legendas). virais, em 3 minutos diários.
Fotos Reprodução/Divulgação
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EDIÇÃO BRUNO GARATTONI
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sn. tech
1
1 1
2 2
3 2
3
fica sempre ligado. Isso causa a tela tem menos brilho. Ela Resultado: brilho e durabili-
vazamento de luz e prejudica também pode ficar manchada dade das televisões LCD, com
o contraste da tela. por imagens estáticas. contraste e cores de OLED.
00
Edição bruno garattoni
Universo na mesa
kickstarter.com
Projeto DeskSpace
bluetooth
produzindo uma luz suave
e bem bonita. Será fabrica-
da em três tamanhos, para
Os fabricantes de eletrônicOs têm apostado nas chamadas uso na mesa ou como aba-
jur, e virá com nove esferas
“party speakers”, caixas de som com alto-falantes que mudam de
de minérios, tamanhos e
cor e funções para brincar de DJ. A GTK-PG10, da Sony, radicaliza cores diferentes – reprodu-
essa tendência: tem até uma espécie de mesinha retrátil para co- zindo os planetas do nosso
locar copos de cerveja (segundo o fabricante, o produto é à prova Sistema Solar.
de derramamento de líquidos). A caixa tem conexão Bluetooth, Meta US$ 6 mil
bateria com 13 horas de autonomia e pesa 6,7 kg. Já está à venda, Chance de rolar
por US$ 250, nos Estados Unidos. bbbba
o fim Desinfetante
eletônico
do talho kickstarter.com
Projeto UVGLO
O iPhOne X apresentou O que é Um gadget que
ao mundo o “talho” (no- mata vírus e bactérias. Na
tch), um corte na parte hora de usar o aparelho,
de cima da tela para que parece um pendrive,
abrigar a câmera frontal. basta conectá-lo à entrada
Apesar de ser bem USB do seu smartphone
feinho, ele foi copiado
por todos os outros
fabricantes. Mas, agora,
Ioga sem professor (é compatível com iPhone
e vários modelos Android).
Ele usa a bateria do celular
há uma solução melhor: A cAlçA NAdi X vem com um aplicatvo que ensina
as principais poses da ioga. Mas o tuque é que ela tem para alimentar uma lâmpa-
o Honor View 20 (US$
650), da chinesa Huawei, sensores, embutdos no tecido, que detectam se você está da ultravioleta, que elimina
tem apenas uma discre- fazendo os movimentos direito – e avisa, por meio de 99,9% dos micro-organis-
tíssima abertura para pequenas vibrações, quando é necessário corrigir alguma mos em 10 segundos.
a câmera e o sensor de posição. A calça tem versões para homens e mulheres, é à Meta US$ 25 mil
reconhecimento facial. prova d’água (pode ir à máquina de lavar), e custa US$ 249. Chance b b b b a
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capa
a reinvenção do
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Reportagem Bruno Garattoni e Tiago Cordeiro
Ilustração Milton Nakata Design Yasmin Ayumi
00
1
situação
atual: Ler pensamentos
teste em
humanos
(e até sonhos)
No romaNce 1984, George Orwell seguida, os cientstas mostam determi- pensando, ou não, numa determinada
imaginou um futro em que o Estado nados estímulos para a pessoa – fotos, imagem ou cena.
fiscaliza até os pensamentos dos cida- palavras, sons –, enquanto monitoram o Talvez seja possível decifrar até um
dãos. Isso é feito vigiando as pessoas cérebro dela. Cada elemento (a imagem dos fenômenos mais misteriosos da
enquanto elas assistem à televisão, um de um pássaro, por exemplo) atva de- mente humana: os sonhos. É o que
método precário e lento (o protagonista terminados conjuntos de neurônios – e acreditam pesquisadores da Universi-
do livro, Winston, só é preso após se- a máquina de ressonância, observando dade de Kyoto, no Japão. Eles coloca-
te anos de monitoramento). No futro, o fluxo de sangue para cada um dos ram voluntários para dormir( dento
isso poderá ser feito em tempo real – e voxels, enxerga isso. Repita a medição de máquinas de ressonância magnétca.
diretamente do cérebro. algumas dezenas ou centenas de vezes, Monitorando a atvidade cerebral dessas
A ciência ainda está longe de enten- e você terá uma biblioteca de padrões. pessoas, o sistema foi capaz de detectar
der como a mente humana funciona. Quando a pessoa imaginar um pássa- a presença ou ausência de 20 elementos
Mas de uma coisa ela já sabe: tdo o ro, por exemplo, você saberá que esse (como “carro”, “livro”, “prédio”, “mulher”,
que se passa dento das nossas cabeças pensamento atva determinados voxels, “homem”, “rua” ou “comida”) nos sonhos
pode ser reduzido aos padrões de sinais e poderá identficá-lo. das pessoas. Assim que a pessoa termi-
eléticos que percorrem as sinapses do Em 2017, cientstas da Universidade nava de sonhar – o que era constatado
cérebro. Se você conseguir captrar e Carnegie Mellon( combinaram essa monitorando suas ondas cerebrais –, ela
decodificar esses sinais, em tese poderá técnica com um sistema de inteligên- era acordada e os cientstas pergunta-
descobrir o que alguém está pensando. cia artficial e conseguiram adivinhar, vam o que ela havia sonhado.
Na últma década, várias equipes de com 87% de acerto, o que os voluntários A leitra de padrões cerebrais tem
pesquisadores tentaram – e, dentro estavam pensando. Ok, o sistema é pri- usos nobres, como permitr que pessoas
de certos limites, conseguiram – fazer mitvo: limita-se a indicar a presença ou paralisadas voltem a se comunicar. Mas
isso. Primeiro, o voluntário é colocado ausência de 42 elementos (como “ani- também pode tomar caminhos sinistos,
dento de um aparelho de ressonância mais”, “violência”, “perigo”, “deslocamen- permitndo que regimes totalitários
magnétca, que enxerga os fluxos de to”, “pessoas” e “grupo de pessoas”) no leiam à força a cabeça de alguém. O mais
sangue dento do cérebro. Ele cria um pensamento. Mas, em outas pesquisas, provável é que aconteça o que acon-
mapa com 1 milhão de voxels: cubinhos esse mesmo método foi além: conse- tece com quase todas as tecnologias:
com 100 mil neurônios cada um. Em guiu indicar se os voluntários estavam um pouco de cada coisa.
Fontes ( Predicting the Brain Activation Pattern Associated With the Propositional Content of a Sentence: Modeling Neural Representa-
tions of Events and States. Jing Wang e outros, CMU, 2017. ( Neural Decoding of Visual Imagery During Sleep. Y. Kamitani e outros, 2013.
00
Uma técnica que combina
ressonância magnética e
inteligência artifcial já
permite deduzir o que
uma pessoa está pensando
– com até 87% de acerto.
2
situação
atual:
teste em
impedir a mentira.
humanos
ou torná-la mais convincente
Aplique umA corrente elétricA pré-frontal dorsolateral direito [que fica o efeito era oposto – e os voluntários
minúscula e imperceptível, de apenas logo atás da testa] está diretamente li- conseguiam mentr mais vezes.
0,001 ampére, no córtex pré-frontal gado à honestdade”, diz Michel André Além de fazer as pessoas mentrem
dorsolateral direito de uma pessoa – e Maréchal, um dos autores do estdo. mais, é possível tansformá-las em men-
ela passará a mentr menos. Essa foi a Dois pesquisadores da Estônia fo- trosas mais convincentes. A chave é
conclusão de pesquisadores das univer- ram além e dispensaram os eletodos: aplicar uma corrente elética muito pe-
sidades de Zurique, Chicago e Cambri- usaram ímãs para interferir com a atvi- quena no córtex pré-frontal anterior,
dge(, que colocaram 145 pessoas para dade elética do cérebro de 16 voluntá- área ligada à cognição e às emoções.
jogar dados em frente a uma tela. rios(. Como você talvez se lembre das Pesquisadores da Universidade de Tue-
O processo tnha dez rodadas, e era aulas de física do colégio, toda corrente bingen, na Alemanha, aplicaram sinais
simples: a pessoa jogava os dados, e aí elética produz um campo magnétco. eléticos para reduzir temporariamente
a tela mostava a lista de combinações Isso também vale para a eleticidade a atvidade dessa região – e pessoas an-
premiadas (5+2 ou 2+1, por exemplo). O que passa pelos nossos neurônios, e tes propensas à honestdade passaram
partcipante ganhava US$ 9 a cada acerto. também funciona ao contário: se vo- a mentr melhor(. A pesquisa reuniu
Mas ele é que deveria dizer se havia de cê interferir no campo magnétco, vai 22 voluntários numa simulação: eles in-
fato acertado, e podia mentr para ganhar alterar a corrente elética. Os cientstas terpretavam funcionários que tnham
mais. Os voluntários não sabiam, mas aproveitaram esse princípio para criar desviado dinheiro de suas empresas e
os cientstas estavam filmando tdo – um sistema de indução mental sem fio. seriam interrogados por um detetve.
e constataram que 37% das respostas Eles colocaram ímãs perto da nuca Caso conseguissem enganá-lo, pode-
eram mentirosas. Já com a corrente dos voluntários e mostraram discos riam ficar com o valor roubado (20
elética, a tapaça caía para menos da coloridos a eles. O voluntário tinha euros). Quando recebiam o estímulo
metade: apenas 15% das respostas eram que dizer qual cor estava vendo – e era elético, os partcipantes mentam com
mentrosas. O sistema não é perfeito (12 instuído a tentar mentr. Metade das mais segurança. Ficavam mais tanqui-
pessoas eram hipermentrosas e sempre pessoas recebeu pulsos magnétcos no los ao negar envolvimento e pareciam
tapaceavam, mesmo sob estímulo elé- córtex pré-frontal dorsolateral direito. mais capazes de escolher em quais si-
tico), mas o efeito é notável – tanto que E, por isso, mentu menos. Curiosamen- tações seria melhor distorcer dados,
seus criadores acreditam ter encontado te, quando os cientstas estmulavam o de forma a enganar o interrogador sem
a raiz neuronal da mentra. “O córtex córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo, deixar a mentra óbvia demais. -
( Increasing Honesty in Humans with Noninvasive Brain Stimulation, Michel André Maréchal e outros, 2017. ( Efect of Prefrontal Trans-
cranial Magnetic Stimulation on Spontaneous Truth-Telling, Inga Kartonab e Talis Bachmannc, 2011.( The Truth about Lying: Inhibition of
the Anterior Prefrontal Cortex Improves Deceptive Behavior. Ahmed A. Karim e outros, 2010.
0
0
3
situação
atual:
só existe
fazer upload da consciência
em teoria
e de memórias
EscanEar o cérEbro humano E Massachusetts usaram um novo tpo
rEcriá-lo Em computador, pre- de ressonância magnétca, que tabalha
servando a memória e a consciência das com campo magnétco de 7 tesla – qua-
pessoas – que viveriam após a morte se cinco vezes mais intenso do que as
como simulações de computador. Esse máquinas comuns. O resultado é uma
é um dos cenários mais recorrentes, imagem 3D que mosta, com resolução
e menos realistas, da ficção científica. muito maior, a estutra e as conexões
Mas isso não significa que não haja do cérebro. Em 2017, os pesquisadores
pesquisadores tentando ir nessa dire- escanearam o cérebro de 1.200 volun-
ção. A principal iniciatva é o Human tários e colocaram os resultados na in-
Connectome Project, criado em 2009 ternet(. Mas ainda estão longe do fim.
pelo governo dos EUA em parceria “Vamos precisar de pelo menos uma
com seis universidades. Seu objetvo década para terminar de mapear o cére- Em tese, é até
é produzir um “conectoma”, ou seja, um bro, porque é necessário gerar imagens possível reproduzir
mapa com todas as conexões neurais em alta resolução de cada neurônio e
o cérebro humano
do cérebro humano. Esse mapa pode- cada conexão. E essa nem é a parte
ria ser reproduzido e executado num mais difícil”, explica o neurocientsta em computador. Mas
supercomputador, o que representaria holandês Randal Koene, cofundador a máquina teria de
a criação de uma inteligência artficial da empresa Carbon Copies, que tenta lidar com 1,1 bilhão
jamais vista – e o primeiro passo para a descobrir como reproduzir a mente hu- de terabytes.
digitalização da mente humana. Parece mana em computador. “Depois vamos
megalomaníaco, e é mesmo. Mas tem precisar jogar esses dados num sistema
certo nexo. Em 2005, o projeto Blue capaz de rodá-los. É possível que na dé-
Brain, criado pelo governo da Suíça e cada de 2030 sejamos capazes de fazer Em suma: impossível não é, mas
pela IBM, conseguiu escanear e simular isso com cérebros menores, como o de estamos longe. Se um dia conseguir-
em computador 31 mil neurônios (e 37 moscas”, diz. mos, vai demorar. Por isso uma startp
milhões de sinapses) do córtex primário O Human Brain Project, que é ban- chamada Nectome, criada por dois est-
somatossensorial de um rato(. É um cado pela União Europeia, está tentan- dantes do MIT, propôs uma solução: um
nada – não dá nem 0,02% dos neurônios do vencer os obstáculos tecnológicos. serviço de preservação supostamente
do bichinho –, mas mosta que a téc- E eles são ainda maiores do que o es- capaz de manter o cérebro intacto por
nica em si funciona. O grande desafio caneamento do cérebro. O objetvo do décadas, até que a ciência seja capaz de
é escanear nossa massa cinzenta, um projeto é criar um supercomputador reproduzi-lo em computador. A em-
verdadeiro universo (o cérebro humano capaz de armazenar, manipular e execu- presa demonstrou sua técnica num
tem 250 vezes mais sinapses do que tar, em tempo real, um banco de dados cérebro de porco, que manteve as si-
há de estelas na Via Láctea), e criar com 1,1 bilhão de terabytes, o tamanho napses intactas. Mas tem sido vista com
computadores potentes o bastante para estmado do conectoma humano. Isso é cetcismo pela comunidade científica,
rodar uma simulação dela. mil vezes mais do que todos os dados inclusive por um detalhe macabro: seu
Para tentar resolver o primeiro pro- do Google, do Facebook, da Microsoft procedimento, que é letal, precisa ser
blema, cientstas do Hospital Geral de e da Amazon – somados. feito com o cérebro ainda vivo.
Fontes ( Reconstruction and Simulation of Neocortical Microcircuitry, Henry Markram e outros, 2005.
( https://www.humanconnectome.org/study/hcp-young-adult/document/1200-subjects-data-release
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4
situação
atual:
aumentar a
teste em
humanos
cognição
É possível acelerar o aprendi- neurônios. Mas constataram que a ex- técnica, chamada tDCS (estmulação
zado em 40%. Pelo menos em maca- plicação não era bem essa. O estímulo tanscraniana por corrente contínua),
cos. Em 2017, a Agência de Projetos de elético não interferia com os neurônios também pode acelerar o aprendizado
Defesa Avançados (Darpa), a divisão de em si. Fazia algo maior: melhorava a de matemática e idiomas(5)(6). Além
tecnologia do Pentágono, publicou um conexão ente regiões do cérebro. “Essa disso, o benefício parece ser de longo
estdo( relatando essa façanha, alcan- técnica provoca mudanças na excitabi- prazo. Na experiência de matemátca,
çada em testes com dois animais. Ambos lidade dos neurônios de áreas especí- realizada na Universidade de Oxford, o
já eram adultos – tnham 4 e 10 anos de ficas. E, por isso, também uma ampla efeito persistu por seis meses após as
idade –, mas mesmo assim os militares melhoria na capacidade de processar sessões. Nas experiências com a técnica,
conseguiram aumentar drastcamente informação”, diz Donel Martin, psi- menos de 1% das pessoas relata algum
sua capacidade de aprender. quiata e pesquisador da Universidade tpo de desconforto relacionado à cor-
Na experiência, os bichos viam fotos de New South Wales, na Austália. De- rente elética. A esmagadora maioria
de paisagens numa tela. Podiam obser- pendendo da corrente elética aplicada, é nem percebe que está sob efeito dela.
var cada uma por 15 segundos. Eles não possível despolarizar ou hiperpolarizar Por que, então, não há aparelhos do tpo
sabiam, mas havia um pequeno alvo de- grupos de neurônios, ou seja, torná-los sendo vendidos para todos os estdantes
senhado em cada foto – se os bichos mais ou menos sensíveis aos sinais de do planeta? “Os efeitos da tDCS ainda
olhassem para esse ponto, ganhavam outros neurônios. Martin usou essa não são totalmente compreendidos”,
suco como recompensa. Normalmen- técnica em humanos. Ele colocou 54 diz o neurologista Pedro Vieira, pós-
te, macacos rhesus levam em média 21 pessoas para resolver problemas de doutorando do Insttto Neurológico
tentatvas até entender esse jogo. Mas as lógica, com dificuldade crescente, en- de Monteal e especialista na técnica.
duas cobaias da Darpa, que receberam volvendo formas e cores. Metade dos “Ela induz grandes oscilações nas ondas
0,002 ampére de corrente elética no voluntários recebeu estímulos eléticos cerebrais de baixa frequência, o que por
córtex pré-frontal, foram muito me- –e solucionou as charadas de forma sua vez amplia a conectvidade ente
lhores: dominaram o jogo em apenas mais rápida e correta(. “O tatamento neurônios próximos e áreas distantes do
12 rodadas. Os cientstas já esperavam é eficaz para facilitar o aprendizado de cérebro de maneiras ainda imprevisíveis,
esse resultado, supostamente ligado ao qualquer tpo de conhecimento”, afir- e que poderiam provocar danos”, afirma.
aumento na frequência de disparos dos ma ele. Há estdos indicando que essa Na dúvida, melhor não arriscar. -
(Transcranial Direct Current Stimulation Facilitates Associative Learning. Matthew R. Krause e outros, 2017. ( Can Transcranial Direct Current Stimulation Enhance
Outcomes from Cognitive Training?, Donel M. Martin e outros, 2013. ( Long-Term Enhancement of Brain Function and Cognition Using Cognitive Training and Brain
Stimulation. Albert Snowball e outros, Universidade de Oxford, 2013.( Noninvasive brain stimulation improves language learning. Universidade de Munster, 2008.
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situação
atual:
implantar
ExpEriências
Em animais
memórias Experiências em ratos
No coNto Nós Podemos Lembrar conseguiram apagar
Por Você, escrito pelo americano Phi-
lembranças traumáticas.
lip K. Dick em 1966, Marte já foi coloni-
zada pelo homem – e o protagonista da E também fazer o oposto:
história, Douglas, sonha em ir até lá. Só criar a memória de algo
que custa muito caro, e por isso Douglas que jamais ocorreu.
escolhe a segunda melhor opção: vai até
uma empresa especializada e paga para enquanto a atvidade do seu hipocampo
ter memórias de Marte implantadas em era gravada. No dia seguinte, a cobaia
seu cérebro. O que ele não sabe é que, era levada para um lugar ruim, onde
na verdade, já havia estado no planeta recebia choques eléticos nas patas. Só
vermelho – mas suas lembranças dis- que, eis o tuque, os cientstas ligavam
so haviam sido apagadas pelo governo. a fibra óptca – e ela atvava os mesmos
Um delírio e tanto. grupos de neurônios que o rato tnha
Mas, na vida real, já existem pes- acionado na véspera, quando não havia
quisas tentando fazer as duas coisas: perigo. Resultado: o bichinho associou a
apagar e criar memórias. Em 2012 o memória da primeira gaiola aos choques
neurologista Todd Sacktor, da Univer- e passou a ter medo dela, onde jamais
sidade Columbia, conseguiu eliminar sofrera maus-tatos. Pior: os ratos só te-
uma lembrança do cérebro de ratos, miam esse local – não tnham qualquer
que haviam sido condicionados a evitar receio da gaiola de tortra. Os cientstas
alimentos doces. Ele descobriu que, se tnham plantado uma memória falsa.
uma proteína cerebral chamada PKM- Uma equipe de cientstas franceses
zeta( fosse inibida enquanto o rato se conseguiu algo ainda mais impressio-
lembrava daquela memória (é melhor nante: inserir lembranças positvas no
não comer doces), ela era destuída – e, cérebro de 40 camundongos enquan-
posteriormente, o bichinho passava a to eles dormiam(. Os pesquisadores
ingerir açúcar como se não houvesse notaram que determinada região do
amanhã. A ideia é criar um procedimen- hipocampo era atvada quando os ra-
to que, no futro, possa ser usado para tos entavam em certa gaiola. Então
eliminar taumas da mente humana. colocaram os bichos várias vezes ali,
A indução de memórias também já até que perceberam que aquela região
foi demonstada em camundongos de ficava atva mesmo enquanto os ratos
laboratório. Tudo começou em 2013, dormiam. (Não se sabe o motvo, mas
quando o MIT usou engenharia gené- talvez eles estvessem sonhando com
tca para criar ratos com uma caracte- a gaiola). Com os ratos adormecidos,
rístca insólita: partes do seu cérebro os cientistas estimularam uma área
podem ser ativadas, ou desativadas, cerebral que dispara a produção de
usando luz(. Primeiro os pesquisa- dopamina, neurotansmissor relacio-
dores injetaram nos animais um ví- nado ao prazer. Ao acordar, os ratos
rus capaz de alterar o funcionamento passaram a adorar aquela gaiola e passar
dos neurônios do hipocampo, área cinco vezes mais tempo dento dela.
relacionada à formação de memórias. Não havia motvo objetvo para isso:
Depois inseriram, cirurgicamente, uma eles nunca tnham ganho comida, ou
fibra óptca nos cérebros dos pobres qualquer coisa boa, ali.
bichinhos, para iluminar o hipocampo Era uma falsa memória.
com luz infravermelha. Feito isso, ini-
ciaram o experimento. Primeiro, cada
rato era colocado num ambiente seguro,
Fontes ( The Genetics of PKMZ and Memory Maintenance. T. Sacktor e outros, 2017. ( Creating a False Memory in the
Hippocampus, Steve Ramirez e outros, 2013. ( Explicit Memory Creation During Sleep Demonstrates a Causal Role of Place
Cells in Navigation, Gaetan de Lavilléon e outros, 2015.
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situação
atual:
exercer controle externo
ExpEriências
Em animais
de pensamentos
Como voCê já deve ter perCebido obstáculo: o vírus tem de ser injetado
ao usar o contole remoto da sua TV, a diretamente no cérebro, o que é exte-
luz infravermelha é facilmente bloque- mamente invasivo e perigoso.
ada por obstáculos. Mas ela atavessa Mikhail Shapiro, professor de enge-
materiais mais porosos, como ossos – nharia química do Insttto de Tecno-
inclusive os da caixa craniana. Expe- logia da Califórnia (Caltech), descobriu
riências feitas pela empresa americana um jeito de resolver isso. Injetou bolhas
Neuro-Laser( constataram que a luz de ar muito pequenas, com nanôme-
infravermelha é capaz de penetar até tos de diâmeto, na corrente sanguínea
30 mm de tecido ósseo. Daria tanqui- de ratos(. E encostou um aparelho de
lamente para atavessar a caixa craniana ultassom na cabeça deles. Quando o
humana, cuja espessura média é de 4 sangue estava chegando ao cérebro, o
a 9 milímetos, dependendo do pon- ultassom agia sobre as bolhinhas, fa-
to. Isso significa que, teoricamente, é zendo elas vibrarem – e abrindo peque-
possível estmular o cérebro com luz nas brechas na barreira hematoencefá-
sem precisar abrir a cabeça da cobaia. lica (uma camada de sangue, também
E isso, em macacos, já foi feito. Como presente em humanos, que envolve o
os camundongos do texto anterior [veja cérebro e bloqueia a entada da maioria
página ao lado], eles foram infectados das moléculas). Com isso, Shapiro con-
com um vírus que altera o funciona- seguiu intoduzir vírus optogenétcos
mento dos neurônios. Essa técnica se sem precisar abrir a cabeça dos animais.
chama optogenétca, e consiste em aco- Bastou uma reles injeção na veia, com
plar um vírus (geralmente um adenoví- uma ajudinha do ultassom, e os bichos
rus, que normalmente causa infecções estavam hackeados pelo resto da vida.
respiratórias) com genes que estmulam Se um dia for aplicada em humanos,
a produção de rodopsina, uma proteína a optogenétca poderia ser usada pa-
fotossensível – ou seja, que converte ra distorcer totalmente a realidade de
luminosidade em sinais eléticos. Ela é uma pessoa. Ela funcionaria como uma
fabricada natralmente nos olhos, onde hiperdroga, capaz de manipular o indi-
nos ajuda a enxergar. Mas, se for inse- víduo a tal ponto que ele faria qualquer
rida no cérebro, produz algo anormal: coisa em toca de mais dopamina. Não
torna os neurônios sensíveis à luz. à toa, a Darpa (divisão de tecnologia do
Numa experiência realizada por cien- Pentágono) tem olhado essa técnica com
tstas da Universidade de Cambridge e atenção, e financia pesquisas a respeito
do MIT, os cérebros de macacos foram em várias universidades. Um dos proje-
estmulados com luz infravermelha( tos mais ambiciosos é o CortcalSight,
enquanto eles tnham de tomar deci- que reúne a Universidade Stanford e
sões simples, como escolher ente duas quatro empresas de biotecnologia.
guloseimas. Quando o infravermelho Ele pretende usar a optogenétca para
estava ligado, o cérebro aumentava a conectar uma microcâmera, sem fios,
produção de dopamina – e o animal ao córtex visual humano. Se der certo,
sempre preferia a guloseima que estava isso poderá significar a cura de quase
comendo, mesmo se ela fosse idêntca todos os casos de cegueira. E também
à outa. O efeito era desencadeado por o princípio de uma era obscura – onde
luz, sem a necessidade de um implan- seria possível fazer uma pessoa enxer-
te cerebral. Mas ainda há um grande gar coisas que, na verdade, não existem. -
( Near-infrared photonic energy penetration: can infrared phototherapy efectively reach the human brain? TA Hender-
son, 2015.( Dopamine Neuron-Specific Optogenetic Stimulation in Rhesus Macaques. William R. Stauffer, e outros,
2016. ( Acoustically targeted chemogenetics for the non-invasive control of neural circuits. M. Shapiro e outros, 2018.
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situação
atual: transmitir informações
teste em
humanos
por telepatia
Como voCê viu nesta reporta- colaboratvo: os dois primeiros pensa-
gem, a ciência já sabe como captrar vam em quais peças mexer e seus cére-
e decodificar padrões neuronais – e bros enviavam as ordens para o terceiro.
também induzir respostas cerebrais Ele ficava de costas para a tela, mas
usando pulsos magnétcos e sinais elé- mesmo assim conseguia jogar – pois
ticos. Mas, até agosto de 2013, ninguém sua mente executava automatcamente
havia tentado fazer o óbvio: juntar as as ordens enviadas pelos outos dois(.
duas coisas e criar um sistema que per- Duas empresas, a espanhola Starlab e
mitsse comunicação direta, telepátca, a francesa Axilum, usaram uma técnica
ente dois cérebros humanos. Naque- parecida para conectar um voluntário
le ano, um grupo da Universidade de na Índia a outo na França(. Eles se
Washington conseguiu conectar as comunicaram usando uma espécie de
mentes de duas pessoas pela internet. código Morse, formado por sequências
As cobaias foram os próprios autores de pulsos (que tveram de aprender an-
da pesquisa, os neurocientstas Rajesh tes). O indiano usou essa linguagem pa-
Rao e Andrea Stocco. O primeiro vestu ra formar duas palavras e pensou nelas.
um capacete de eletoencefalograma, Alguns minutos depois, elas chegaram
que detecta ondas cerebrais e permi- à mente do francês – que pensou, acer-
te identficar sinais básicos – dá para tadamente, em “hola” e “ciao”. Mas isso
saber, por exemplo, quando a pessoa não quer dizer muita coisa; ele poderia
pensa em mexer o próprio braço. Já o simplesmente estar chutando. A prova
outo colocou uma touca conectada a de que é possível tansmitr informa-
um aparelho de estmulação magné- ções só veio no ano seguinte, quando
tca tanscraniana, que usa ímãs para a Universidade de Washington fez uma
interferir com a atvidade elética de experiência parecida com dez pessoas.
determinadas regiões do cérebro [leia Eles foram agrupados em pares, se-
mais na pág. 25]. Rao tnha à sua frente parados em salas diferentes, e colocados
um joguinho de computador cujo obje- para jogar um jogo de adivinhação(. A
tvo era disparar mísseis conta navios primeira pessoa, chamada de “analista”,
inimigos (sem acertar os aviões aliados via objetos numa tela. A outa, batzada
que passavam voando). Andrea estava de “jogadora”, tnha de adivinhar quais
numa sala a 1 km de distância, onde eram. Um teste muito difícil; tanto que
também iria jogar aquele game. Mas os jogadores só acertavam, por puro
com uma enorme diferença: ele ficava de chute, 18% das respostas. Mas, quando
costas para a tela. Seria guiado, apenas, a tansmissão de ondas cerebrais foi
pelas ondas cerebrais do colega. ligada, o índice de acerto disparou: 72%.
E aí aconteceu. Rao decidiu atrar. Segundo os cientstas, a técnica tam-
Ele não acionou o joystck; simples- bém poderia ser usada para tansmitr
mente imaginou o gesto. Isso gerou sinais ente estdantes. “Imagine um
ondas cerebrais que foram tansmitdas aluno com déficit de atenção (DDA), e
para Stocco – cuja mão, incrivelmen- outo normal”, declarou a neurocien-
te, apertou sozinha o botão de disparo. tista Chantel Prat, uma das autoras
Duas pessoas
A façanha foi o resultado de mais de do estdo, ao jornal da universidade. tomaram decisões
dez anos de pesquisas, e o começo de “Quando o estdante normal estvesse – e seus cérebros
uma série de outas experiências. Em prestando atenção, o cérebro do outo enviaram as
2018, os pesquisadores da Universidade seria automatcamente colocado num ordens para uma
de Washington conectaram tês pesso- estado de maior foco”, disse. Mais do terceira, cuja mente
as, que jogaram uma espécie de Tetis que telepata, sincronia de mentes. S executou as ações.
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Fontes ( BrainNet: A Multi-Person Brain-to-Brain Interface for Direct Collaboration Between Brains, L. Jiang e outros, 2018. ( Conscious
Brain-to-Brain Communication in Humans Using Non-Invasive Technologies, C. Grau e outros, 2014. ( Playing 20 Questions with the
Mind: Collaborative Problem Solving by Humans Using a Brain-to-Brain Interface. Andrea Stocco e outros, 2015.
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história
Francis
Galton, pai
da eugenia
Eugenia
SI_400_Eugenia.indd 32 18/02/19 16:06
história 2/8
Charles 0
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Davenport,
higienista
genético.
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a
periferia de Londres um
problema darwinista. Ao
pé da leta: ele era primo
de Charles Darwin, e ha-
via lido (ou melhor, devo-
rado) a Origem das Espécies
logo após o lançamento,
em 1859. O que Darwin
afirmou, grosso modo,
foi o seguinte: filhotes de
uma ninhada nascem com
diferenças suts. Os que
Algo cheirAvA mAl na forem mais aptos – graças
Inglaterra da rainha Vitó- a dentes afiados, tímpanos
ria. Após tês surtos de aguçados ou músculos de
cólera e um episódio de contação mais rápida –
calor intenso no verão de conseguem mais água,
1858, batzado de Gran- alimento e sexo. Assim,
de Fedor (em maiúsculas, eles têm mais filhotes, e
mesmo), despejar todo o seus taços hereditários
cocô de Londres no Rio vantajosos prevalecem
Tâmisa não parecia mais na população. Evolução
uma boa ideia. por seleção natral.
Saneamento básico e Darwin não mencio-
saúde pública eram tão na o ser humano uma
discutdos no fim do sé- única vez no livro; mes-
culo 19 quanto a corrup- mo assim, acendeu uma
ção em Brasília é hoje. A lâmpada na cabeça de
Revolução Industial ha- Galton. Ele não só notou
via criado uma pobreza que a sobrevivência dos
inédita, diferente da do bem adaptados se aplica-
camponês que plantava va ao Homo sapiens como
por subsistência. Ope- concluiu que só havia um
rários da indústia têxtl jeito de salvar a “raça eu-
e da constução naval se ropeia”: acelerar artficial-
empilhavam em cortços, mente, (por decreto, até) a
sem acesso a água tatada. atação da seleção natral.
Frequentavam pubs e bor- Para Galton, era ne-
déis, eram desnutidos, al- cessário desestmular o
coólatas e tnham filhos coito ente humanos que
– muitos filhos. a elite econômica via co-
Francis Galton, rico mo vira-latas e incentvar
herdeiro de uma famí- os humanos de raça, com
lia tradicional, viu na pedigree. Empreender um
00
aperfeiçoamento autodi-
rigido, para o bem do pró-
prio povo. Em 1883, Gal-
ton deu à estatégia um
nome: eugenia. Vem do Galton pôs a humani-
grego: eu significa “bom”,
gene significa “linhagem”,
dade numa planilha de
“raça”, “parentesco”. Excel. E queria deletar
“Estamos muito ne- as colunas incômodas.
cessitados de uma pala-
vra breve para a ciência
de melhorar a estirpe”,
afirmou Galton. “Para dar
às raças ou linhagens de
sangue mais adequado
Os eugenis- uma chance melhor de ainda estava escondida epiléticos, criminosos,
tas mediam prevalecer depressa so- na gaveta). Em 1877, nu- prostitutas... Essa mo-
fsionomias,
crânios e bre as menos adequadas.” ma espécie de Minority dalidade de eugenia era
cérebros em Para Galton, a tendên- Report do século 19, ele chamada de negativa.
busca de cia à miséria, ao vício e esquadrinhou os rostos Um relatório sobre o
“inaptos”.
à doença era tão heredi- de condenados tentando resultado da prática na
tária quanto a altra ou atibuir um tpo de crime Califórnia – recordista de
a cor dos cabelos. Se os a cada fisionomia. Galton esterilização ente os 32
filhos dos inaptos já iam queria tansformar a hu- Estados que a adotaram
morrer pela mão cruel da manidade em uma imensa – serviu de inspiração pa-
seleção natral, era me- planilha de Excel. E dele- ra os oficiais nazistas que
lhor que não nascessem: tar as colunas incômodas. implantaram a prátca do
“O que a natreza faz às Essas ideias foram re- outo lado do Atlântco.
cegas (...) o homem pode cebidas como a vanguarda Também havia a eu-
fazer com previdência, da ciência. No início do sé- genia positva: incentvar
rapidez e bondade”. culo 20, Londres sediaria a reprodução dos aptos.
Ele se tornou uma má- o primeiro congresso Tornaram-se comuns
quina de coleta de dados. internacional de eugenia. as Fitter Family Fairs
Tirava as medidas corpo- A Inglaterra não chegou (“feiras de famílias mais
rais de famílias inteiras a colocar em prática as aptas”, em português),
em busca de uma expli- ideias de Galton. Dezenas em que casais com ge-
cação para o fenômeno da de outas nações, porém, nes supostamente bons
hereditariedade (lembre- as abraçaram. A mais de- eram exibidos em pódios
se: a genétca de Mendel dicada delas, nas primeiras e ganhavam medalhas.
décadas, não foi a Alema- Um do s sí mbolo s
nha – e sim os EUA. da eugenia americana
foi Charles Davenport,
Eugenia ianque mandachuva do Eugenics
Em 1907, o Estado de In- Record Office (ERO) –
diana adotou a primeira o cento de pesquisa em
lei de esterilização com- Cold Spring Harbour,
pulsória do mundo. Ente Nova York, que encabe-
1907 e a década de 1960, çou os esforços de hi-
mais de 64 mil america- gienização genétca. Ele
nos considerados “inap- era contra casamentos
tos” evolutvamente foram interraciais (comentare-
castados com anuência mos a relação da eugenia
das autoridades. Eram al- com o racismo nos pró-
coólatas, esquizofrênicos, ximos parágrafos) e via a -
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entada de imigrantes do
sul da Europa e da Ásia
como um risco à boa es-
trpe americana.
Davenport, de bobo, “Idiota” e “imbecil”
não tnha nada. Aplicando não eram xingamen-
a lógica de tansmissão de
característcas hereditá- tos: eram categorias
rias descoberta por Men-
del em seus experimentos
científcas.
com ervilhas, identficou
corretamente que a do-
ença de Huntngton era
um taço dominante, e o
albinismo, recessivo. O
problema é que ele exta- um fardo para o Estado diferente que pegou o
polava a lógica: começou a ou produzir prole que vai bonde da eugenia. Se era
inventar genes para tdo requerer vagas em prisões possível isolar (e eliminar)
– até um das famílias de ou asilos”, afirmou em os indesejáveis dente os
construtores de barcos. 1915 o médico Howard membros de uma raça,
Não havia espaço para o Knox. Xingamentos como por que não seria possível
óbvio: que um filho tende “idiota” e “imbecil” eram hierarquizar as próprias A pobreza
a seguir o ofício do pai. termos técnicos, aplicados raças? Pior: por que não das cidades
Tudo era herdado. na classificação de pesso- fazer isso à maneira Ex- europeias no
século 19
No porto de Ellis Is- as em relatórios oficiais. cel, comparando narizes, assustava a
land, também em Nova testas e o volume de cére- elite – que
York, imigrantes recém- Racismo científico bros e crânios de negros, inventou
uma solução
chegados da Itália, da Embora hoje eugenia brancos e índios? “científca”.
Grécia e dos países do seja associada a racismo No livro A Falsa Me-
bloco comunista eram no imaginário popular, dida do Homem, publica-
submetidos a testes de Galton e Davenport não do em 1980, o biólogo
QI. “O propósito de apli- tnham nada a ver com os Stephen Jay Gould, de
car a escala de medição escravocratas retógrados Harvard, cita o caso de
mental em Ellis Island do sul dos EUA, asso- Robert Bean – um mé-
é peneirar os imigrantes ciados à Ku Klux Klan. dico que em 1906 pu-
que podem (...) se tornar Foi um tipo de racismo blicou um longo artgo
As curvAs do 350
mm
350
mm
preconceito
300 300
Dois gráfcos medindo
regiões do cérebro cha-
madas joelho e esplênio 250 250
conforme a etnia: um com
viés racista, outro não. 200 200
Pesquisador
Joelho
150 150
Pesquisador que refez
que sabia o estudo
100 a etnia 100 sem saber a
Esplênio de cada etnia dos
cérebro. cérebros.
Homem branco Mulher branca mm mm
Homem negro Mulher negra 100 150 200 250 300 100 150 200 250 300
Fonte: Some Racial Peculiarities of the Negro Brain, Robert Bennett Bean (1906); On several anatomical characters of the human brain, said to vary according to race and sex, with
especial reference to the weight of the frontal lobe, Franklin Paine Mall (1909).
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comparando as medidas disfarçado até hoje: “Meu
de várias partes dos cére- neto é um cara bonito,
bros de negros e brancos. viu? Branqueamento da
Uma das áreas analisadas raça”, disse o vice-presi-
foi o corpo caloso – que dente Hamilton Mourão
conecta o hemisfério em outbro de 2018.
direito ao esquerdo. O Quem concordaria é
corpo caloso é divido Renato Kehl – o farma-
em dois techos, o joe- cêutco que, lá na década
lho e o esplênio, e Bean de 1920, liderou os esfor-
havia percebido algo, em ços de limpeza genétca
sua opinião, fantástco: no Brasil: “A nacionalida-
o joelho e o esplênio de de brasileira só embran-
negros eram muito me- quecerá à custa de muito
nores que os dos brancos sabão de coco ariano”. Kehl
[veja o gráfico à esquerda]. se tornou o bode expia-
Era racista demais pa- tório dos livros didátcos,
ra ser verdade. Tanto que mas não tabalhou sozi-
Franklin Mall, o orienta- nho: muito sujeito que hoje
dor de Bean na Univer- é nome de rua partcipou.
sidade Johns Hopkins, “Vital Brazil foi membro
suspeitou. Ele refez o da Sociedade Eugênica
estdo – dessa vez, me- de São Paulo, assim co-
dindo 106 cérebros sem mo Arnaldo Vieirade
saber, de antemão, a etnia Carvalho – o da Ave-
dos indivíduos a que per- nida Dr. Arnaldo, em
tenciam. Resultado? Seu São Paulo, fundador da
gráficos saíram neutos. Faculdade de Medicina
O desejo de comprovar te- da USP”, diz a historia-
ses pré-concebidas era tão dora Pieta Diwan, autora
grande que pesquisadores do livro Raça Pura. Mon-
manipulavam os próprios teiro Lobato e Roquette-
dados inconscientemente. -Pinto, também.
No Brasil, eugenia e ra- Ou seja: a eugenia foi
cismo andaram de mãos uma invenção inglesa,
dadas – o ranço aparece aperfeiçoada nos EUA e
disseminada por todo o
Ocidente no enteguer-
ras. O Holocausto foi só
sua manifestação mais
conhecida, mas todas as
atrocidades ordenadas
por Hitler (e rechaçadas
pelos Aliados após a 2ª
Guerra Mundial) tive-
ram precursores entre
os próprios Aliados. A
descoberta dos campos
de concentação desen-
cadeou um surto de peso
na consciência que culmi-
nou com a publicação, em
1950, de um documento
da Unesco intitulado -
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A Questão da Raça. A ciên-
cia pedia desculpas, e a pa-
lavra eugenia virava tabu.
O presente
A mesma genética que
justficou a eugenia ho-
je dá armas para com-
batê-la. Para começo de
conversa, a maioria esma-
gadora das nossas carac-
terístcas é determinada
por dezenas de genes, que
interagem ente si e com
o ambiente numa com-
plicada dança bioquími-
ca. Se na década de 1920
parecia óbvio que há um
gene para famílias cons-
tutoras de barcos, hoje
a única certeza é que não
há muitas certezas.
“Os geneticistas não
veem preto e branco, mas
tons de cinza”, explica o
genetcista Alysson Muo- acontece em outos ca- Um estdo da Universi-
tri, da Universidade da sos – como o dos surdos dade Stanford analisou
Califórnia em San Die- nos EUA”, diz Muotri. 1.056 indivíduos de 52
go (UCSD). Muoti lida “Alguns se recusam a ser grupos étnicos distantes
diariamente com esses rotlados como deficien- ente si geograficamente.
tons: seu laboratório tes, e preferem passar a A ideia era verificar se
busca tatamentos para vida sem auxílio médico. uma quantidade razo-
formas graves de auts- Outos surdos optam por ável de genes podia ser
mo – enquanto represen- tatamentos para voltar a encontada na população
tantes da parte mais leve escutar. É preciso respei- de um lugar, mas não de
do especto reivindicam tar a opinião de cada um.” outo – o que evidencia-
que o autsmo é só parte A ideia de raça, por sua ria a existência de raças.
de sua personalidade, e vez, simplesmente não Algo ente 93% e 95%
não uma doença. “Isso tem validade biológica. da variação genétca foi
verificada entre indi-
víduos do mesmo gru-
po. As diferenças ente
grupos foram irrisórias
– ente 3% e 5%. 47% dos
genes analisados apare-
A diversidade huma- ciam em populações dos
na é um degradê sutl. cinco contnentes. Moral
da história: a diversida-
É impossível dividi-la de humana é um degradê
em caixinhas. sutl; é impossível divi-
di-la em caixinhas. A
ideia de raça é só uma
forma de dar ares cien-
tíficos ao preconceito.
00
O futro financiamento governa-
DNA é algo mais revela- mental não permite. Por
dor que um prontuário exemplo: eles descobri-
médico. Logo, será pos- ram um gene associado
sível julgar alguém com à doença de Parkinson
base nele com a mesma em seis meses”, diz a ge-
naturalidade com que netcista Ricki Lewis, do
imigrantes eram julgados Albany Medical College.
por QI em Ellis Island. Ter o DNA de todo
“No futuro, todos te- mundo sequenciado
remos nosso genoma abre caminho, é claro,
sequenciado. É inevitá- para editá-lo. E é aí que
vel”, diz Muoti. “Por um mora o problema: em-
lado, essa informação vai bora ninguém discorde
nos ajudar a prevenir e que buscar a cura para o
tatar doenças com mais Parkinson ou Alzheimer
eficiência [como já se faz seja algo bom, é preciso
com o gene BRCA1, asso- ter em mente que isso
ciado ao câncer de mama]. abre brechas perigosas.
Por outo, seu uso pelos Conforme os cientstas
planos de saúde deve elucidarem o quebra-ca-
ser controlado. Cobrar beça da interação ente os
mensalidades de acordo genes, aperfeiçoamentos
com a susceptbilidade a cada vez mais comple-
doenças não só é possível xos se tornarão realida-
como já acontece, quando de. Tudo indica que será
se cobra mais caro de um possível “ajustar” a altra,
idoso que de um jovem.” a cor dos olhos ou até a in-
Empresas como a teligência – mas com um
Na biologia, 23andMe, que oferecem detalhe, claro: para quem
hoje, o con- testes de ancestalidade puder pagar. A desigual-
ceito de raça (ainda bastante impreci- dade econômica, assim,
não existe
– e a atuação sos), armazenam as infor- será também uma desi-
dos genes é mações do DNA de seus gualdade genétca. Uma
mais compli- clientes em bancos de da- distopia eugênica, com
cada do que
pensaram os dos. Eles passam longe de a criação de uma “casta
eugenistas. fazer um sequenciamento superior”. É por isso que
completo: leem apenas só há um jeito étco da ci-
techos. Mas mesmo es- ência avançar: pensando
ses techos são uma arma nas consequências e na
poderosa. “A 23andMe democratzação de seus
usa suas bases de dados avanços. A genétca tem
para conduzir pesquisa muito a aprender com seu
numa velocidade que o passado sombrio. S
Fontes: Raça Pura, Pietra Diwan (2007); DNA: O Segredo da Vida, James D. Watson e
Andrew Berry (2003); O Gene: uma História Íntima, Siddharta Mukherjee (2016); Human
Natures: Genes, Cultures and the Human Prospect, Paul R. Ehrlich (2000); Genetic Structure
of Human Populations, Noah A. Rosenberg et al., 2012.
0
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gastronomia
de ração
Caviar
a frisson
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com pendor para o socialismo. A ex- Segundo o livro Caviar: a Global
pressão é emprestada da França, onde, History (“Caviar: uma História Glo-
nos anos 1980, a oposição de direita já bal”, sem tadução para o portguês),
chamava o presidente François Mit- o estrjão enta nesta história muito
terrand de gauche caviar. mais prestgiado do que suas ovas. “Sua
A nação francesa, por sinal, desem- carne, parecida com a de vitela, tnha
penha papel fundamental nesta história. enorme popularidade nos períodos de
Apesar de russo, foi na alta sociedade pa- abstnência de carne vermelha impos-
risiense que o caviar desabrochou de vez. tos pela autoridade cristã”, escreve a
O fenômeno coincidiu com o nasci- autora Nichola Fletcher. “Diz-se que
mento do conceito moderno de luxo – um bom cozinheiro pode obter [do
surgia um mercado voltado para pessoas estrjão] carne de vaca ou de carnei-
de poder aquisitvo muito alto, alimen- ro, porco ou frango”, acrescenta, em
Esta é uma história que mistra per- tado por bens de consumo produzidos citação a Frank Buckland, um autor
sonagens improváveis: Zeca Pagodinho, em série. Isso só foi possível depois da popular na Inglaterra do século 19.
um neto de Gêngis Khan, Marco Polo, Revolução Industial. A indústia do Carne tão versátl era muito aprecia-
Napoleão Bonaparte, Ivan (o Terrível), luxo se instalou em Paris, e era lá que da nos tempos antgos, quando o estr-
Louis Vuitton e os aiatolás do Irã. O também estava o caviar. Deu match. jão era abundante em todas as águas da
fio conector de toda essa gente é um Alguns séculos antes, porém, as ovas Europa. Assim como o salmão, ele é um
artgo comestível bastante partcular: de estrjão alimentavam os pobres da peixe marinho que migra para cursos
o caviar, conserva salgada das ovas de Rússia. Sem prestígio nenhum, o caviar de água doce na época da procriação.
um peixe chamado estrjão. vez por outa virava ração para o gado. A região salobra da foz de um rio é o
Mais do que o caviar em si, o que A ascensão social do caviar só foi pos- habitat típico dessa criatra.
importa para esta história é aquilo que sível graças às reviravoltas históricas e Para azar do esturjão, seu design
ele representa: luxo e exclusão social. acontecimentos fortitos que moldaram mudou muito pouco desde o Jurássico,
Caviar não é para o bico de muita gente. o mundo moderno. Agitação essa, aliás, quando não sofria a ameaça de predador
É disso que o sambista Zeca Pagodinho que contasta fortemente com o estlo algum. O software do bicho permane-
está falando quando canta: “Você sabe o de vida do produtor original da iguaria. ceu o mesmo: ao ser captrado, ele não
que é caviar?/Nunca vi nem comi, eu só O pacato estrjão vive placidamente morde nem foge. O estrjão não reage.
ouço falar”. O que define os consumi- no lodo desde o período Jurássico. Presa Pescá-lo nas águas rasas dos estários
dores da iguaria nem sempre é o saldo fácil, o peixe foi quase exterminado para é de uma facilidade covarde.
bancário. O berço é o que conta mais. suprir os consumidores de luxo. Com Começou ainda na Idade Média o
O caviar também virou adjetvo. a escassez, o valor do caviar aumentou extermínio do bichão – que pode atngir
Símbolo máximo da dolce vita, ele é mais ainda. E, na lógica perversa do 8 metos de comprimento, pesar uma
empregado pelos militantes de direita mercado de luxo, quanto mais caro o tonelada e meia e viver por mais de cem
no Brasil para descrever uma parce- produto, mais cobiçado ele será. anos. “Estdos arqueológicos mostam
la de seus antagonistas: a “esquerda O estrjão está numa sinuca de bico. que, no século 8, o estrjão representava
caviar”, intelectalidade endinheirada Vamos examinar, a seguir, o caminho 70% do peixe consumido nos países
que o colocou nessa enrascada. báltcos; no século 12, a proporção caiu
para 10%”, escreve Nichola Fletcher.
Uma ova Na Rússia, o estrjão era o prato fa-
O mundo consome as ovas de uma in- vorito da Quaresma e outas datas si-
finidade de criatras aquátcas: salmão, milares da litrgia ortodoxa ao longo do
capelim, bacalhau, tainha, ouriço-do- ano. Para os mais pobres, porém, tnha
-mar, peixe-voador. A rigor, nenhuma preço proibitvo. As coisas mudaram pa-
delas pode ser chamada de “caviar”. ra os russos – humanos e estrjões – no
Caviar é o nome dado apenas às ovas século 13, quando a Igreja autorizou o
de algumas espécies de estrjão eura- consumo de ovas durante a penitência.
siátcas e norte-americanas. As mais Foi o primeiro passo para o caviar se
valiosas são, em ordem decrescente, be- tornar um símbolo russo. Vendidas co-
luga, osseta e sevruga – todas natvas mo subproduto, as ovas entaram para
dos mares Cáspio, Negro e de Azov. a dieta da classe camponesa.
Curiosamente, os russos chamam A vastdão do território russo obri-
o caviar de ikra, palavra genérica para gou os pescadores a desenvolver um
denominar ovas. Isso dá uma ideia da método para conservar as ovas e, assim,
banalidade com que a Rússia, histori- vendê-las de Moscou às distantes este-
camente, tatou o alimento. pes siberianas. Como um queijo fino ou -
0
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100 gramas de
um bom presunto, o caviar é curado em Mais ou menos na mesma época, um caviar beluga
sal e matrado em câmaras frias. Hoje certo Marco Polo chegou a Veneza com podem custar
em dia, as ovas podem passar por pasteu- histórias fabulosas de riqueza das terras R$ 5 mil.
rização – o que estca a sua validade, mas do Oriente, para onde ele teria viajado
diminui o valor. No tempo dos mongóis, com seu pai. Os contos de Marco Po-
porém, tdo era bem mais rústco. lo deram aos mercadores venezianos a
centelha necessária para se meter em
Mongóis e cossacos barcos atavés do Bósforo até o Mar
A primeira aparição do caviar em um Negro e, de lá, cruzar o Esteito de Ker-
jantar de gala se deu na nobilíssima ch para o Mar de Azov e a Crimeia, no
presença de Bat Khan, neto de Gêngis bololô do território mongol.
Khan e imperador dos mongóis ente Do Cáucaso, os mongóis contola-
1242 e 1255. vam a Rota da Seda. Compravam dos
As forças mongóis haviam implodido chineses e vendiam para os mercado-
o poderio russo. Conquistaram bastões res árabes e persas, que encaminhavam
da importância de Moscou e Kiev, e se es- tecidos e especiarias ao consumidor
tabeleceram no Cáucaso. A capital Sarai europeu. Os venezianos bagunçaram
Bat ficava no delta do Rio Volga – uma esse esquema, passando a negociar di-
extensa planície alagadiça na junção com retamente com os mongóis. Os forne-
o Mar Cáspio, o maior lago do mundo. cedores, que não eram bobos nem nada,
Com águas rasas, calmas e salobras, o empurraram aos italianos coisas para
delta era um gigantesco motel de estr- as quais não havia demanda alguma
jões. Em busca de sexo, para lá acorriam na Europa. Ente elas, as ovas salgadas
multdões de peixes da espécie beluga, de estrjão, que ficaram conhecidas na
que produz o mais valioso dos caviares. Itália como caviale – derivado do trco
Antes dos mongóis, moravam na havyar, que vem do persa antgo mahi-
vizinhança os cazares. Estes, curiosa- -e-khâveeyâr, “peixe grávido”.
mente, deixavam em paz os estrjões. Enquanto isso, no Norte, os moscovi-
Judeus, os cazares obedeciam à kashrut tas retomavam as terras perdidas para os
– conjunto de normas alimentares que mongóis. Quando reconquistaram o del- diretamente aos nobres em Moscou. “Em
proíbe, ente outas coisas, peixes sem ta do Rio Volga, no século 16, os russos 1868, 1.500 membros da corte tnham
escama. É o caso do estrjão (ou era, confiscaram toda a indústia de caviar esse privilégio”, afirma Nichola Fletcher.
como veremos em breve). implementada pelo antgo inquilino. Mas Bem antes, quando Napoleão deu com
“Os mongóis não tnham essa aver- Ivan, o Terrível, tnha um problema: pre- os burros n’água –ou melhor, no gelo–,
são”, escreve Nichola Fletcher. Eles cisava proteger aquele sertão todo de ao tentar invadir a Rússia, o caviar já
encontaram um bufê livre de estr- novos invasores. O czar trou de leta. era artgo fino. Ao fiasco napoleônico
jões e se serviram. Desenvolveram um Delegou a guarda daquelas lonjuras aos de 1812, sucedeu-se a corrida da aristo-
sistema de pesca com paliçadas em que cossacos: um grupo heterogêneo, forma- cracia moscovita a Paris. Com ela, foi a
o próprio peixe se encalacrava num la- do por dissidentes da Igreja Ortodoxa, reboque o hábito de comer caviar com
birinto de anzóis flutantes. Passaram camponeses fugitvos do sistema feudal blinis – pequenas panquecas – e creme
a comer e a vender carne de estrjão. e párias de estrpes sortdas. azedo. Até hoje a França ocupa o segundo
Quanto às ovas, elas foram apre- Natralmente, os cossacos passaram lugar ente os países que mais consomem
sentadas ao imperador no Mosteiro da a contolar o comércio de estrjão e caviar. Cerca de 15% das ovas de estrjão
Ressureição, em Uglich, no Alto Volga. de caviar. Ricos e afastados dos olhos têm o mercado francês como destno.
Conta a lenda que Bat foi lá jantar com da corte moscovita, desenvolveram
Yildiz, sua mulher. Na hora da sobreme- crescente autonomia. O movimento se Paris é uma festa
sa, compota de maçãs com ovas salgadas tansformou em insurreição. O levante, Se você acha que a internet tansformou
de estrjão, Yildiz ficou revoltada com porém, foi massacrado pelas topas do o mundo, tente imaginar o impacto que
o cheiro e deixou a sala. Bat Khan, por czar. Em 1671, os cossacos, rendidos, a máquina a vapor causou no século 19.
sua vez, comeu tdinho. presentearam o czar Aleixo com um Subitamente, a Europa ficou pequena.
prato de caviar, numa demonstação Ferrovias e barcos rápidos possibilitaram
de humildade e submissão. O caviar a comunicação e o comércio sem inter-
acabava de estear na alta sociedade, mediários ente regiões distantes. A in-
de onde nunca mais sairia. dústia incipiente reduziu de forma subs-
A oferta dos cossacos se tornou tancial o tempo e o custo na produção de
obrigação. Como prova de lealdade, artgos como roupas e relógios. O luxo
eles passaram a enviar o melhor caviar tornou-se – relatvamente – acessível.
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Antes da Revolução Industial, qual-
quer tpo de bem de consumo chique
era exclusividade das realezas e do alto
clero. Fazer uma bolsa de couro tomava
toda a capacidade de tabalho de uma
oficina de artesãos, por exemplo. Só
quem era o dono do pedaço podia, por
assim dizer, se dar ao luxo.
Em 1859, um suburbano parisiense
chamado Louis Vuitton abriu uma fabri-
queta com 20 funcionários em Asnières-
sur-Seine. Constuiu um império sobre
bolsas, pastas e malas de viagem vendidas
a quem tvesse dinheiro para comprá-las.
Alguns quilômetos a Leste, na região
de Champagne, vinicultores com olhar
marqueteiro vendiam ao mundo sua be-
bida borbulhante com preço nas altras.
As pequenas pérolas de sabor mari-
nho do caviar se encaixaram perfeita-
mente no zeitgeist da capital do novíssi-
mo luxo. E esse caráter segue impresso
no produto. Hoje, qualquer um pode
comprar caviar online, no Brasil, sem
sair de casa. Desde que pague R$ 5,4
mil por uma latnha de 125 gramas.
É o fim?
O desmantelamento da URSS, no final
do século 20, foi um desaste para as
populações de estrjão. O Cáucaso se
fragmentou em novos países que viram
na exploração do caviar um meio rápido
de ganhar dinheiro. Em poucos anos, o
estrjão quase desapareceu da margem
norte do Mar Cáspio.
Na margem sul, via-se alguma espe-
rança de recuperação. Lá, afinal, fica o
Irã. Aos muçulmanos também é vetado
comer peixes sem escamas. Mas os aia-
tolás descobriram estdos que mostam
que o estrjão tem minúsculas escamas
na cauda. Aí, voilà, o caviar virou halal.
Outa solução seria a produção de
caviar em fazendas aquátcas e de espé-
cies natvas da América do Norte. Pena
que o mercado de luxo não se comova
demais com o que não é the real thing
– o beluga selvagem do Cáspio.
Talvez o estrjão precise do apoca-
lipse humano para sobreviver. Porque,
como diz um antgo ditado russo, “o
que é bom para o homem não é bom
para o peixe” (mentra: eu acabei de in-
ventar essa frase. Mas, para o estrjão,
que segue em sua placidez jurássica em
direção à extnção, tanto faz). S
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CiênCia
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sua morte,
Hawking
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responder
a dilemas
que colo-
cam a hu-
manidade
para pen-
sar. Aqui
estão suas
conclusões
mais insti-
gantes.
Reportagem
Guilherme Eler
Ilustrações
Estevan Silveira
Design
Juliana Caro
Edição
Bruno Garattoni
00
É possível
prever o futuro?
Em tese, é sim. Hawking diz que, caso fosse possível
saber a posição e a velocidade de todas as partículas
do Universo em um determinado momento, daria para
calcular onde cada uma estará no instante seguinte. E
isso vale para coisas subjetvas, como a roupa que você
vai usar amanhã ou o nome de seus filhos que ainda
não nasceram. O problema é que, como descobriu o
físico alemão Werner Heisenberg (1901-1976), essa conta
não é precisa. Segundo seu "princípio da incerteza", não
conseguimos medir a posição de coisas muito pequenas
sem interferir no resultado da conta. Quando prevemos a
órbita de Marte, por exemplo, isso não atapalha em nada
sua tajetória ou velocidade. Mas não vale para partículas
muito pequenas, como elétons. Iluminar um eléton
para estdá-lo, por exemplo, já é suficiente para fazê-lo
roubar energia da luz e perder estabilidade. Dessa forma,
quanto mais exata for a previsão sobre a velocidade do
eléton, mais difícil é achar a posição dele no espaço e
vice-versa. Na verdade, o buraco é mais embaixo. Hei-
senberg descobriu que uma partícula ou tem posição ou
tem velocidade. Ou seja: o mundo microscópico é feito
de fantasmas inescrutáveis. A chave para diminuir essa
imprecisão seria analisar posição e velocidade como se
fossem uma coisa só. Isso é possível a partr da "função
de onda", fórmula que estma o estado quântco de uma
partícula usando probabilidade estatístca. Se pudéssemos
achar a função de onda de cada partícula que existe, aí
sim, daria para mapear o futro de todas as coisas.
o que há dentro
de um buraco negro?
O grande mistério sobre buracos negros é que não sabemos
se eles têm "memória". A teoria mais aceita é a de que não há
como conhecer sua história. Por exemplo, se um dia o buraco
sugou uma estrela, planeta ou nave espacial, nenhuma tecnologia
que exista ou venha a existir será capaz de rastrear o que caiu
lá dentro. Hawking, porém, morreu tentando criar uma teoria
que dissesse o contrário. Os vestígios daquilo que um buraco
negro engoliu escapariam de alguma forma junto da radiaáão que
eles emitem – uma forma de energia conhecida como "radiação
Hawking", esta sim a maior descoberta científica de Stephen.
o futuro OHumA-
que A
Nesta geração em 50 aNos
segundo nidAde
fArÁ nOS
enviAremOS umA SOndA A entenderemOS O que ACOnteCeu nO
hawking PrÓximOS
mil AnOS. AlPHA CentAuri, O SiStemA
eStelAr mAiS PrÓximO dO nOSSO.
Big BAng, COmO A vidA COmeÇOu nA terrA,
e Se elA exiSte em OutrOS lugAreS dO COSmOS.
0
0
Filmes que
hawking
cita na
Não quero
obra
ofender a fé de
star trEk
ninguém, mas
Campeão de
citações, apa-
acho que a ci-
rece 6 vezes ência tem uma
DE volta pa- explicação mais
ra o futuro
Cita ao falar convincente
de universos
que a existên-
paralelos
cia de um cria-
2001: uma
oDissEia no
dor divino."
Espaço
Como seria se
as máquinas
saíssem de
Deus existe?
controle
Também não haveria necessidade
Jurassic park de um criador, pelo mesmo motvo.
Se o tempo não exista antes do Big
ExtErmina- Bang, então não há um instante no
Dor Do futuro qual o Universo foi produzido, diz
Hawking. Quando observamos a
intErEstElar vastdão do cosmos, e como a vida
Como seria vi- humana é insignificante e acidental,
ver em várias explica o físico, parece pouco plau-
dimensões sível que alguém o tenha criado e
contole nosso destno. Para além
Em 100 anos
viajaremos para qualquer lugar do sistema seremos superados descobriremos como moldar
solar – com exceÇÃo, talvez, dos "planetas pelas mÁquinas em a inteligÊncia e os instintos
exteriores" urano e netuno. inteligÊncia. agressivos humanos.
0
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Há vida inteligente
fora da terra?
Se existe, deve estar muito distante – caso contário,
já teria vindo ao nosso planeta. Mas, e se já recebemos
visitas intergaláctcas e não nos demos conta disso?
Para Hawking, a aparição de OVNIs e aliens deveria ser
muito mais evidente do que sugere nossa vã ufologia
– e, potencialmente, catastófica. As chances de que
formas de vida inteligente apareçam espontaneamen-
te é tão baixa que, segundo o cientsta, é provável que
a Terra seja o único planeta da galáxia (ou do Universo
observável) em que isso aconteceu. Mas nada impede
que muitos outos planetas tenham vida. Essa vida
não teria necessariamente desenvolvido inteligên-
cia – pelo menos não da forma como a conhecemos.
Surge aí um problema de conceito, aliás. Como huma-
nos, tendemos a tatar inteligência como consequência
evolutva: se algo é mais evoluído, é mais inteligente – o
que não necessariamente é verdadeiro fora de nossa
limitada caixinha. Isso quer dizer que podem existr,
em algum canto do Universo, indivíduos biologicamente
complexos, mas incapazes de criar uma nave ou, ainda,
tavar um contato amistoso. Não que a busca por vizi-
nhos inteligentes, por si só, valha muito a pena. No nosso
atal estágio, encontar uma civilização extaterreste
seria como quando os natvos americanos encontaram
Colombo. “Não creio que eles achem que sua sitação
melhorou depois disso”, disse Hawking.
00
O ser humanO
vai ser extintO?
Sim – a menos que a gente dê um jeito de abando-
nar a Terra antes. Com o esgotamento dos recur-
sos natrais, mudanças climátcas, desmatamento,
superpopulação, guerras, fome, escassez de água e
extermínio de espécies, "confinar-se no planeta seria
viver como náufragos que não tentam escapar de
sua ilha deserta", argumenta. Usando os enteveros
recentes ente Donald Trump e Kim Jong-un como
exemplo, Hawking diz crer, porém, que uma guerra
nuclear seja a maior ameaça hoje.
a inteligência artificial
vai dOminar O mundO?
Se a humanidade der brecha, vai. É preciso garantr que
nossos objetvos estejam alinhados com os das máqui-
nas quando a capacidade intelectal delas superar a do
ser humano – Hawking acredita que isso acontecerá
dento de um século (veja a linha do tempo abaixo).
Para o médio prazo, o físico é estanhamente otmista:
o uso de robôs poderia automatzar empregos e tazer
prosperidade e igualdade aos Homo sapiens – algo que,
convenhamos, parece longe de acontecer. Menosprezar
a capacidade e a astúcia de inteligências artficiais, no
entanto, pode ser nosso pior erro. O verdadeiro risco
nem é criar uma coisa má, que saia do contole e decida
assumir um lado perverso. Mas, sim, algo competente
demais. O melhor exemplo para entender o risco seria
pensar em nossa própria relação com as formigas. Não
é como se os humanos as odiassem a ponto de querer
riscá-las do mapa. Porém, caso uma colônia esteja em
uma área que precisa ser alagada para a constução de
uma hidrelética, por exemplo, não pensamos duas
vezes antes de afogar milhares delas. “A tecnologia
poderia tapear os mercados financeiros, superar a in-
ventvidade dos cientstas, aprender a manipular mais
que os líderes humanos e nos subjugar com armas
que seremos incapazes de compreender", diz Hawking.
Teríamos de entegar a Terra de bandeja. Só restaria
torcer para que ainda sobrassem robôs submissos para
nos ajudar na tarefa de arrumar outo planeta. S
0
0
psicologia
0
0
memórias
editadas
Psicólogos aler-
tam: a mania de
tirar fotos o
tempo todo pode
estar destruindo
as nossas lem-
branças, e nos
tornando pessoas
mais superfciais.
0
0
O Instagram recebe 95 mIlhões de As câmeras digitais acabaram com a formas de expandir a capacidade de
fOtOs pOr dIa. São 1.100 novas ima- limitação de poses. O celular realizou guardar informação que tazemos de
gens no sistema a cada segundo. Isso uma utopia: colocou uma câmera digital fábrica. Das pintras rupestes (como
sem falar nos outos bilhões de cliques em cada bolso – ou quase isso: 60% dos as da página 62) aos livros e quadros,
armazenados na memória dos celulares brasileiros têm smartphone; ente os quase tdo o que entendemos como
e que nunca verão a luz do dia. jovens adultos (18 a 34 anos), são 85%. “cultra” vem do impulso de tornar a
Nunca se fotografou tanto, claro. No Há quem não tenha onde morar, mas vida um fenômeno menos furtvo.
início do século 21, ainda estávamos possua o seu aparelhinho, com uma câ- Quando você vive com uma câmera
presos à quantdade de fotos que cabiam mera digital embutda que, há 20 anos, fotográfica de capacidade virtalmente
num rolo de filme – o rolo podia abrigar custaria US$ 5 mil. infinita no bolso, no entanto, a tendên-
12, 24 ou 36 imagens. Logo, o momento E tome foto. De tdo. De todos. cia é que você se preocupe mais em
de trar uma foto era especial. E poucos Só tem um problema: esse hábito registar momentos do que em prestar
se aventravam a estcar o braço e trar pode estar acabando com as nossas vi- atenção neles. Aí complica.
uma foto da própria cara. A chance de das – pelo menos com a forma como “Prestar atenção é fundamental para
dar ruim era gigantesca. nos lembramos das nossas vidas. codificar informações na memória”, diz a
E pode estar distorcendo nossas italiana Giuliana Mazzoni, professora de
personalidades também. Feche a câme- psicologia da Universidade de Hull, no
ra do seu celular e vamos entender isso. Reino Unido, e especialista no assunto.
1.100
Giuliana é um de vários psicólogos
Lembranças incompletas acadêmicos que amaldiçoam o hábito
O celular é um HD externo do nosso cé- de trar fotos – ao menos quando ele se
rebro. Uma extensão da nossa memória. torna uma compulsão. “Se você adquire
E isso começou bem antes do celular. esse hábito, seu cérebro pode começar
Desde sempre, a humanidade buscou a processar informações de forma mais
fotos
vão para o Instagram
a cada segundo.
00
superficial.” Resultado: memórias mais
fracas, mais difíceis de acessar.
Ainda há relatvamente poucos es-
tdos sobre o tema. Um deles, condu-
zido por psicólogos de Yale, Wharton
e outras universidades americanas,
diz que o hábito de trar fotos tem um
detalhe positvo bastante óbvio: nos
ajuda a lembrar de detalhes visuais.
4,2
Mas prejudica outos aspectos da me-
mória. No teste, 294 partcipantes foram Henkel mostou imagens de obras de
convidados para ir a um museu. Parte arte aos partcipantes, perguntando se
deles pôde trar fotografias ao longo da elas estavam ou não no museu. O grupo
visita e a outa não. Quem levou uma que trou fotos teve mais dificuldade
câmera conseguiu se lembrar melhor em reconhecer quais obras tnha visto.
de detalhes visuais das obras de arte, “As pessoas delegam à câmera a tarefa
mas se saiu pior na hora de recordar
informações a respeito do acervo que
tnham ouvido durante a visita.
de lembrar as coisas por elas. E isso tem
um impacto negatvo na forma como
elas recordam suas experiências”, con-
bilhões
é a quantidade de
Outo estdo, feito pela psicóloga clui a psicóloga. curtidas que as
Linda Henkel, da Universidade Fair- Para Giuliana Mazzoni, a era da fo- fotos do Instagram
field, nos EUA, é até mais pessimista. tografia instantânea também pode ter recebem a cada dia.
A conclusão ali é que não, trar fotos reverberações em nossa personalidade.
não ajuda nem na retenção de memórias “As selfies e poses são planejadas, não
puramente visuais. têm natralidade”, ela diz. “Se a gente
“As pessoas sacam sua câmera prat- se basear fortemente em fotos ao nos memória talvez agradeça se você parar e
camente sem pensar, na esperança de lembrarmos do passado, poderemos dar uma boa olhada no que vai fotografar
captrar o momento, e acabam deixan- criar uma identdade própria distorci- antes de efetvamente apertar o botão.
do de perceber o que está acontecendo da com base na imagem que desejamos É como num show. Em vez de assis-
bem ali, na cara delas”, disse Henkel à promover para os outos.” t-lo pelo celular, gravando tdo o que
revista americana Psychological Science. Estamos todos fadados a virar zum- está acontecendo, tente aproveitar um
Henkel também levou um grupo de bis sem personalidade, então? Claro pouco mais o momento. No fim, a única
voluntários a um museu. Uma parte que não. O fato é que ainda há muito o memória que importa é aquela gravada
do pessoal estava munida de câmeras. que pesquisar sobre o assunto. Por via nos seus neurônios. Você é feito delas,
A outra, sem nada. No dia seguinte, das dúvidas, porém, vale lembrar: sua não da sua tmeline do Instagram. S
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ARQUEOLOGIA
PARA
Texto Ingrid Luisa, de São Raimundo Nonato
Design Carol Malavolta Edição Ana Carolina Leonardi
(QUASE) ESCONDIDO
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AÍSO
SI_400_SerraCapivara.indd 59 19/02/19 17:28
arqueologia 3/8
00
F
Falar do contnente ameri-
cano é falar de forasteiros:
o Novo Mundo foi o pe-
núltmo contnente des-
bravado pelo Homo sapiens.
Só a Antártida passou
mais tempo sossegada.
Mas como era a América
antes dos humanos? E
quando eles começaram
a aparecer por aqui? Junto
às respostas consensuais
para essas perguntas, há
uma série de contovér-
sias científicas que, curio-
no tempo, começando por
quando tdo isso aqui era
mato… Ou melhor: quan-
do o sertão era mar.
00
crânio mais antigo das o trabalho de sua vida.
Américas: Zuzu, que Sua obstnação foi o que
viveu há 9,92 mil anos, levou a Capivara a atair
só perde em idade para interesse arqueológico
Luzia, a mulher de 11 de cunho internacional.
mil anos cujo crânio foi Mas a mesma insistência
achado em Minas Gerais. da pesquisadora em teo-
Há quem defenda, po- rias contoversas touxe
rém, que a Serra estava a Serra para o cento de
ocupada por humanos disputas científicas que
bem antes de Zuzu, ou já duram décadas.
mesmo de Luzia. Estamos
falando de Niède Guidon. O seixo no sapato
A arqueóloga franco-bra- Em 1978, Niède Guidon
sileira de 86 anos foi a começou a escavar o sí-
primeira a desconfiar tio Toca do Boqueirão
do potencial científico da Pedra Furada, aquele
escondido no meio do que guarda 1.200 figuras
Piauí. Guidon fez da Serra rupestes. Lá, ela encon-
trou dois dos artefatos
mais controversos de
sua carreira: pedras que
A Pedra aparentavam ter sido las-
Furada, que dá cadas por Homo sapiens e
nome ao sítio pedaços de carvão que
que coleciona
1.200 pinturas pareciam vir de foguei-
rupestres. ras feitas por humanos.
Niède mandou o carvão
para a França, para ser
f orta leza
datado em laboratórios
de lá. Para sua surpresa,
o carbono-14 indicava
t e r es in a ce que a amosta tnha 26
rn n ata l
mil anos de idade. Nos
anos seguintes, Guidon
PI encontou objetos cada
Pb joão pes s oa
vez mais antigos. Em
Pe 1986, ela publicou um
r e cif e
artgo na revista cientí-
ba al fica Nature, que tornou
ba m ace ió os vestígios da Serra da
Capivara conhecidos
mundialmente. No papel,
Niède apresenta carvões
e pedras que indicariam a
Parque NaCioNal
Serra da CaPivara presença humana na Amé-
rica do Sul há 32 mil anos.
1.300 km2
Esse é um dado que
distorce toda a história
das ocupações na Amé-
Cidade de São Paulo rica: o consenso científico
é de que o homem chegou
ao Novo Mundo há cerca
1.521 km2 de 15 mil anos – não mui-
to mais, não muito menos.
Sabemos que o Homo →
Foto Brazil Photos/Getty images
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sapiens surgiu na África habitou o contnente teria,
ente 200 mil e 300 mil necessariamente, chegado
anos atrás. De lá, espa- depois deles.
lhou-se pela Europa e Nas últimas décadas,
Ásia. Há 60 mil anos, porém, a primazia de
nossa espécie atingia Clóvis foi fortemente con-
a Austrália. Depois, as testada. Hoje, há centenas
Américas – de acordo de sítos mais antgos na
com as teorias mais acei- Venezuela, no Peru, no
tas, via Esteito de Bering, Brasil, na Argentna e nos
que era terra seca na épo- próprios EUA. O síto de
ca. Aqui, a narratva ofi- Monte Verde, no Chile,
cial nos leva aos homens por exemplo, tem datações
de Clóvis, por muito tem- de 14,6 mil anos. Mesmo
po considerados o povo assim, muitos arqueólogos
americano mais antgo. americanos (chamados pe-
Nos anos 1920, nas ci- joratvamente de “polícia
dades americanas de Fol- de Clóvis”) ainda duvidam
som e Clóvis, Novo Mé- dessas descobertas. De-
xico, foram encontadas fendem que os achados
pontas de lanças ao lado são só pedras comuns,
de fósseis de animais de não ferramentas humanas.
grande porte. Eram armas Perceba, porém, que
humanas de 13 mil anos de mesmo os artefatos pré-
idade, que comprovavam Clóvis mais aceitos, datan-
a presença de homens na do de 15 mil anos, vieram
América em plena Era apenas 2 mil anos antes da
Glacial. Daí surge a teo- cultra Clóvis. É uma va-
ria “Clovis First”, segundo riação bem menos radical
a qual todo e qualquer do que sugerem os arte-
outo grupo humano que fatos de 20 a 30 mil anos
Serra geológica
A evolução natural da Capivara (e da
América do Sul), do mar ao sertão.
PERÍODO MA* ERA
Paleozoica
541 485,4 4 43,8 419,2 358,9 298,9 251,9 201,3
* Milhões de anos
P r é - Pa n g e i a Pa n g e i a
Artrópodes
marinhos que Primeiros
habitavam movimentos
a Serra de placa que,
no futuro,
Trilobitas culminaram na
abertura do
Atlântico Sul
0
0
da Serra. Justamente por choque”, nos disse Walter
isso, a maior parte dos es- sobre as pedras lascadas.
pecialistas considera que “Saí da visita 99% con-
as amostas de carvão de vencido de que ali tnha
Niède foram criadas por mãos humanas de 30 mil
incêndios naturais. Por anos atás, a cronologia de
raios de tempestade, não Niède na época. Mas 1% de
por pessoas. dúvida ainda é algo exte-
No parque, Guidon, é claro, de- mamente significatvo.”
turistas fende sua descoberta. Se Walter é cauteloso
caminham Segundo a pesquisadora, quanto aos 30 mil anos,
por passarelas uma queimada produziria é abertamente cético
(abaixo) para restos de carvão para todo quanto a qualquer obje-
visitar as pintu-
ras de 6 a 12 mil lado – os de Niède esta- to de 100 mil anos: “Isso
anos de idade vam concentados num é Guerra nas Estrelas,
(à esquerda). lugar só, protegidos sob ficção científica, nem se
paredões da Pedra Furada. discute”. A migração di-
Já a defesa das pedras tem reta pela África também
por base o formato delas: é amplamente descartada.
as lascas estão presentes Segundo o arqueólogo
apenas de um lado, como André Strauss, profes-
se tvessem sido molda- sor da USP que atou na
das por impactos con- Serra da Capivara, mesmo
tínuos e planejados, em que haja provas de uma
uma direção só. migração mais antga na
O mais antigo dos Serra, esses homens tam-
supostos instrumentos bém teriam chegado pelo
humanos de Niède tem Esteito de Bering.
100 mil anos de idade. Ele Quando se aposentou,
foi a peça final na teoria Guidon cercou-se de fi-
nada convencional que guras conceitadas para
ela defende até hoje: há dar contnuidade ao seu
100 mil anos, existriam tabalho na Serra. Convi-
comunidades humanas no dou o arqueólogo francês
Piauí, formadas por ho- Eric Boeda para liderar as
mens vindos diretamente pesquisas por lá. Boeda é
da África, sem passar pelo um dos principais nomes
Esteito de Bering. do mundo no estdo de
A comunidade cien- ferramentas antgas fei-
tífica recebeu as ideias tas de pedra. Em seus 20
de Niède com temenda anos no Piauí, ele iden-
Mesozoica cenozoica
cautela – para não dizer tficou pedras de 22 mil
145 66 23 2,58 hoje hostlidade. No Brasil, um anos como instumentos
CretáCeo PaleogeNo NeogeNo QuaterNário
de seus crítcos mais ferre- humanos – seus artefatos
nhos foi o bioarqueólogo mais extemos chegam à
Walter Neves, conhecido “faixa etária” dos 40 mil.
Megafauna Homo como “pai” de Luzia. “Eu São datações mais
sapiens não acreditava em uma conservadoras do que
vírgula nas descobertas as de Niède – mas ainda
dela na Pedra Furada, e vão muito além do que a
Tigre-dentes- Preguiça confesso que achava que teoria oficial de ocupa-
-de-sabre gigante
era uma questão de in- ção da América é capaz
competência. Mas, quan- de explicar. “A estatégia
do ela me convidou para dele é inteligente. Passa
visitar a Serra [em 2005] por números mais palpá-
Paleolhama Tatu gigante e eu vi os artefatos, foi um veis primeiro”, diz André →
Fotos Mauricio Pokemon
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Strauss. “Eric, além do encontar pessoalmente Interamericano de Desen-
prestígio, está aberto ao os tais “desenhos de ín- volvimento, e receberam
diálogo, algo difícil com a dio”. Oito anos de estdo doações da Petobras para
Niède. Antes de tdo, ele depois, ela instalava por manter o parque de pé.
está tentando recuperar a lá uma comissão perma- Não foi suficiente,
credibilidade dos achados nente de pesquisa, fruto porém, para fazer des-
humanos da Serra.” de uma parceria entre a lanchar o paraíso arque-
França e o Brasil. Reuniu ológico escondido: ainda
A fundadora teimosa biólogos, zoólogos, botâ- hoje, a serra recebe só 20
A pintura ao
Entre pedras lascadas e nicos e paleontólogos pa- mil tristas por ano. lado é símbolo
farpas, uma coisa ninguém ra promover uma ampla A situação só piorou da Serra, mas
contesta: Niède Guidon é investigação em toda a quando as verbas públi- não mostra
uma exímia administado- Serra. “Não tnha estu- cas secaram. Os repasses capivaras, e sim
ra. O relacionamento ente tura, estrada, nada. Os da Petobras foram a zero dois veados.
Abaixo, o
Guidon e o Piauí já ulta- moradores locais foram com a crise na empresa. morador mais
passa as Bodas de Ouro: nossos primeiros guias, ilustre do
começou em 1963. Niède exploramos tdo a pé.” parque: Zuzu.
tabalhava bem longe, no Criar uma reserva
Museu do Ipiranga, em totalmente dedicada a
São Paulo, onde foi or- preservação e pesquisa,
ganizada uma exposição porém, foi um trabalho
sobre figuras rupestes no árduo. “Conseguimos que
Brasil – as únicas conhe- o governo criasse o par-
cidas até então, feitas em que, mas não colocaram
Minas Gerais. “Um senhor um funcionário sequer”,
veio visitar a exposição e conta Niède. O projeto
me mostou fotos de ou- era tornar o parque um
tas pintras, dizendo que bem público, que ataísse
também havia esses ‘dese- tristas e movimentasse
nhos de índios’ perto da a economia da região.
cidade dele”, conta Niède. Para isso, Guidon e sua
Foi só em 1970 que equipe receberam apoio
Guidon teve a chance de técnico do antgo Banco
00
Dos 270 funcionários
que o parque já teve, só
foi possível manter 40. A
estutra, hoje, depende
de pequenos montantes
vindos do Insttto Chico
Mendes de Conservação
da Biodiversidade (ICM-
Bio) e do governo do Piauí.
Em 2014, começou a
constução do últmo so-
nho de Niède: o Museu da
Natreza (MuNa). Nele, a
pesquisadora queria con-
tar a história da Serra de
forma similar à que você
leu nestas páginas: em
uma viagem no tempo,
por toda a evolução nat-
ral da Capivara, da época
em que o Piauí era mar até
os dias de hoje. O dinhei-
ro, pedido ao BNDES em
2001, veio sem correção
monetária. Graças à ma-
gia da inflação, os R$ 13,7
milhões já compravam
tês vezes menos tjolos
e massa corrida quando a
verba chegou. Mas o Mu-
Na insistu em nascer. Foi
inaugurado em dezembro
de 2018. Final feliz para
Guidon e sua Serra.
Mas e quanto à origem
12.700 anos atrás 11.500 anos atrás 9.920 anos atrás
das pedras lascadas mile-
anzick luzia zuzu
nares? Estaria Niède, afi-
Complexo Anzick Sítio Lapa Vemelha Parque Serra da
nal, totalmente enganada
– Montana/EUA - MG/BR Capivara - Piauí/BR na tese que guiou toda a
Esqueleto Crânio mais anti- Segundo crânio sua carreira? Apontar pa-
parcial, único go já encontrado mais antigo das ra uma conclusão não é
fóssil humano da nas Américas. Américas, e o mais tão simples. “Nem todas
cultura Clóvis. velho da Serra.
as perguntas têm como
resposta sim ou não.
Há uma terceira opção,
que talvez seja a mais
frequente de todas: não
t eor i a consensua l sei”, diz André Stauss.
“No caso da Serra, essa
é a conclusão mais ho-
nesta. E é uma resposta
perfeitamente científica.
hojE
Existia gente lá há 40
mil anos? Esse é um
Versão de niède guidon debate legítimo, e que
segue em aberto.” S
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oráculo ilustração t iago l acerda edição bruno vaiano
80
horas, 31 minutos, 26
segundos. É o tempo
total que os astronautas de
todas as missões Apollo,
juntos, passaram exploran-
do a superfície da Lua. (
diferença entre
espaciais (como a Esa, da União Europeia). “Astonauta”
é a mais antga: vem do romance Atavés do Zodíaco, de
Percy Greg (1880). O termo foi adotado pela Nasa em
1959. Já “cosmonauta” passou a valer ofcialmente em
cosmonauta e
1961, após Yuri Gagarin se tornar o primeiro homem
no espaço. Na corrida espacial da Guerra Fria, o nome
alternatvo foi uma opção ideológica, que reafrmou a
identdade soviétca. Ele foi criado por Viktor Saparin,
astronauta?
autor de fcção científca stalinista – que bebeu da floso-
fa do cosmismo, uma mistra de catolicismo ortodoxo,
ressurreição dos mortos por meios tecnológicos e colo-
nização planetária, que mexeu com o imaginário russo
Yuri Gagarin, Klushino, Rússia no começo do século 20. (
0
0
Oráculo, você pode me explicar a
fita de Moebius?
Luiz Fornazari Neto, Irati, PR
5
polissacarídeos, é contínua com o A explicação é mitológica: na China, contava-
disco germinativo. Por isso, algumas se que, durante a criação do mundo, o céu foi
fontes ( mencionam a gema como pintado de azul. No processo, um pouco de
a célula – o que a tornaria a maior tinta caiu na Terra, e os cães que a lamberam
gemas, 31 cm: é o célula que você já viu. tornaram-se sagrados. (
maior ovo de galinha
já botado, em 1896.(
oUTro DADo
relevAnTe Sem Por que é gostoso porqUe estoUrá-las libera dopamina no cérebro. Dopamina é um
nenHUmA liGAÇÃo estourar espinhas? neurotransmissor, isto é: uma molécula que os neurônios usam para
5
Matheus de Je- enviar mensagens eletroquímicas uns aos outros. No caso, mensagens
sus, cidade não prazerosas: ela é a responsável pelo vício em drogas e em fast-food. Isso
identifcada leva à próxima pergunta: por que estourar espinhas libera dopamina?
A resposta está em Darwin. Extrair impurezas da pele evita doenças, de
presidentes brasilei-
ros eleitos democrati- forma que a seleção natural benefciou os antepassados humanos que
camente terminaram o sentiam prazer em estourar suas espinhas antes que elas se tornassem
mandato. uma infecção grave – e, na Pré-História, potencialmente letal.(
Reportagem Bruno Vaiano, Guilherme Eler, Ingrid Luisa, Rafael Battaglia. Fontes ( Extravehicular actvity, Nasa, disponível em: https://bit.ly/2IcSS2H
( Science, Religion and Communism in Cold War Europe, org. Stephen A. Smith, 2016. ( Christina Brech, IME, USP. ( Ethnologue.com
( Guinness World Records ( Molecular Biology of the Cell. 4th edition. ( Aline Zoppa, cirurgiã veterinária, Universidade Anhembi Morumbi.
( Dr. Caio Lamunier - Dermatologista da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e do Hospital das Clínicas de São Paulo.
00
oráculo
Existe a possibilidade de um dia acharem o Hino Dá para espantar Por que sentmos dor
Nacional muito antigo e resolverem escolher um mosquitos usando de cabeça quando
novo? Isso já aconteceu em algum país? som? tomamos algo muito,
Rodrigo Cesar, via Instagram Ian Matos, muito gelado?
via Instagram Tadeu Santos,
ExistE – e vira e mexe acontece. Mas não porque o hino via Instagram
seja antigo, e sim porque ele não representa mais a ima- É mElHor continuar
gem que o regime da vez quer transmitir. A França é um usando repelente, Ian. Há várias HipótEsEs,
bom exemplo: entre 1795 e 1879, a Marselhesa ganhou e Não existem estudos nenhuma defnitiva.
perdeu o título de hino nacional três vezes – haja insta- científcos que provem a Um estudo de 2012 ( – em
bilidade política. Em 2001, Ruanda criou um novo hino consistência e efcácia de que 13 adultos beberam
para recomeçar em paz após um genocídio ocorrido em dispositivos e aplicativos água gelada de canudinho
1984. E a Rússia adotou uma nova canção em 1990, com que emitem sons para monitorados por ultras-
o fm da URSS – mas Putin, em 2000, retornou à antiga afastar os insetos (. sonografa transcraniana
melodia soviética, mudando apenas a letra. A América No entanto, cientistas – sugere que os nervos que
Latina, nesse aspecto, é um exemplo de estabilidade: usam o som para o passam atrás do céu da
seus países praticamente não mudam de hino, mesmo monitoramento de boca, quando detectam
nas mudanças mais radicais de regime. mosquitos ( e até para uma queda rápida de
atraí-los. Por exemplo: temperatura, dilatam
há um dispositivo que as artérias que levam ao
imita o som das asas das cérebro para aumentar o
fêmeas do Aedes aegypti, fuxo de sangue e manter
transmissor da dengue. A o órgão quentinho. Isso
vibração é captada pelos vem acompanhado de um
machos por meio do aumento da pressão no
pergunte ao órgão de Johnston, que interior do crânio e, é claro,
orÁCuLo fca na base das antenas. uma dor súbita.
E eles são atraídos aos Pressionar a língua contra
Escreva para
[email protected] montes – o que permite o céu da boca para rea-
mencionando fazer um censo demográ- quecer a região faz a dor
sua cidade e Estado. fco da população. ( passar mais rápido.
0
0
lista
Quais tmes mais Quais guerras
duraram mais?
tomaram gols de Pelé?
Gordon Banks, Shefield, Reino Unido
50 GOlS
Lee Marvin,
Saigon, Vietnã
Guerra da reConquista
42 GOlS
42 GOlS
41 GOlS
40 GOlS
781
anos
32 GOlS
31 GOlS
711 a 1492
Guerras romano-persas
25 GOlS
25 GOlS
721
anos
B O tA f OG O ( S P )
COrinthiAnS
POrtuGueSA
PrudentinA
Guerra de arauCo
PAlMeir AS
SãO PAulO
nOrOeSte
GuArAni
282
anos
Fontes: Futdados.
Fontes ( Fundação Pró-Sangue Hemocentro de São Paulo e Luiz Fernando Ferraz da Silva, professor de patologia clínica da USP. ( Electronic mos-
quito repellents for preventing mosquito bites and malaria infection (review). ( Using mobile phones as acoustic sensors for high-throughput mosquito
surveillance. ( Maria Anice Mureb Sallum, entomóloga, FSP, USP ( Cerebral Vascular Blood Flow Changes During ‘‘Brain Freeze”, 2012. ( IBGE
0
0
oráculo
da elma chips?
Heverton Campos, cidade não identifcada
também. Se a queratina
desnaturasse para sempre,
o cabelo seria irremediavel-
mente danifcado.
ela senta em cima dos ovos
e abaixa a cabeça, para que
seu corpo seja confundido, a
distância, com uma pedra. (
conexões Frejat
Roberto Frejat, guitarrista do
Jorge e Matheus
Dupla sertaneja de Itumbiara,
De Frejat a Barão Vermelho, pegou o mi- Goiás, que ultimamente anda
Frajola crofone e seguiu carreira solo tocando covers do John Mayer.
por Bruno ( após 2001. Um de seus maiores ( Até 2012 foram da gravadora
Vaiano
sucessos foi a canção “Amor Universal, mas desde então
pra Recomeçar”, que foi regra- estão com a Som Livre, fundada
vada ao vivo no Royal Albert originalmente para fazer as tri-
Hall, em Londres, por… lhas sonoras de novelas da…
0
0
manual Como organizar um
por Rafael
Battaglia
bloco de Carnaval? 3
Pense na música
Uma diária de trio elé-
trico sai no mínimo por
R$ 5 mil. Já uma bateria
exige bons músicos, cla-
1 ro (procure por eles no
Junte a galera Facebook ou com indica-
Montar um bloco ções de outros blocos). A
exige trabalho em ordem das músicas deve
equipe. Reúna um ser confortável e fácil
pessoal com dispo- de decorar.
sição para decidir o
tema da festa, que
3 2
Ilustração: Gil Tokio Fontes: Egberto Moraes Spricigo, um dos organizadores do “Bloco do Pequeno Burguês”; Beatriz Cunha, integrante do
“Bloco Pirata” e “Fanfarra Obscênicas” e Juliana Calheiros, uma das organizadoras do bloco “Ano passado eu mas esse ano eu não morro”.
São Paulo (SP) Rio de Janeiro (RJ) Belo Horizonte (MG) Recife (PE) Florianópolis (SC)
Out. (ano anterior) Maio (ano anterior) Out. (ano anterior) Janeiro (mesmo ano) Janeiro (mesmo ano)
Fontes ( O salgadinho de Curitiba que ganhou o país: impossível comer um só, publicado na Gazeta do Povo. ( American Ostrich Association
(Associação Americana de Avestruzes). ( O Livro do Boni, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, 2011.
00
e se... realidades paralelas
Texto Guilherme Eler
... o Brasil
– equivalente à do Mali hoje. Nas déca-
das de 1960 e 1970, aliás, a população do
planeta crescia a uma taxa de 20% a cada
dez anos – o dobro da taxa atal.
adotasse
O caso era especialmente delicado na Chi-
na, que já tnha uma população conside-
rável e cada mãe seguia dando à luz 5,75
filhos, em média. No final dos anos 1970,
a política
a população do país era de 980 milhões
de pessoas – a produção de alimentos
da época ameaçava não dar conta. Em
1979, por decisão do então presidente
do Filho
Deng Xiaoping, teve início o maior ex-
perimento de engenharia demográfica da
história. Segundo estmatvas do governo,
a chamada “polítca do filho único” evitou
Único?
o nascimento de pelo menos 400 milhões
de chineses – sim, quase dois Brasis – até
ser revogada, há tês anos. Mas e se o
nosso país tvesse feito o mesmo?
Bom, considerando que a população
407 mil reais. Esse é o dinheiro que da China em 1980 era de 980 milhões e
uma família brasileira precisa desem- que em 2016, ano em que extnguiram a
bolsar para criar um filho até os 23 anos, polítca, eram 1,379 bilhão de chineses,
segundo uma estmatva do Insttto tvemos por lá um aumento de 40%.
Nacional de Vendas e Trade Marketng Faz sentdo, então, tansplantar essa
(Invent). O dado é de 2013 – se fosse taxa para a nossa hipótese. Se o Brasil
corrigida pela inflação, a despesa seria tvesse adotado a polítca de filho único
ainda maior, de R$ 578 mil. E isso se a em 1979, quando ainda contava com 121
família pertencer à classe C (renda ente milhões de habitantes, hoje seríamos um fardo. O fato de a grande maioria
R$ 2.005 e R$ 8.640). Em casas mais 170 milhões de pessoas – 39 milhões das famílias querer um filho homem
abastadas, a conta pode ultapassar os de brasileiros a menos em comparação fez crescer o número de abortos de
R$ 2 milhões. aos atais 209 milhões. meninas, ou de infantcídio. À época,
Achou caro? Milhares de brasileiros Essa mudança na pirâmide popula- a proporção era de 105 homens para
têm certeza disso. Tanto que, segundo o cional, porém, não seria uniforme. E cada 100 mulheres, mas ela disparou ao
últmo levantamento do IBGE, a porcen- isso vale também no que diz respeito longo do tempo – e, em 2015, a China
tagem de casais que optaram por não ter à proporção ente homens e mulheres. tnha 115 meninos para cada 100 me-
crianças foi de 19,4% do total. Ou seja: Hoje, no Brasil, nascem menos homens ninas com idade até 14 anos.
hoje, para uma em cada cinco famílias do que mulheres (são 97 meninos para Claro, não é razoável supor que o Brasil
do País, ter filho não é prioridade. O cada 100 meninas). Mas, na China, a fosse pratcar infantcídios, como ocorreu
número de filhos por casal no Brasil está polítca do filho único gerou um de- na China. Mas, como os homens tendem
em declínio e, em 2018, chegou à marca sequilíbrio: a quantdade de homens a ganhar salários maiores, talvez houvesse
de 1,77 – inferior à média da América aumentou desproporcionalmente. alguma preferência por filhos meninos.
Latna (2,0) e do mundo (2,5). Em 1980, 80% da população chinesa Como dá para saber o sexo da criança
Mas nem sempre foi assim. No final era rural. Filhos homens eram essen- com tês meses de gravidez, e os exa-
da década de 1960, a taxa de natalidade ciais para o tabalho pesado do campo, mes de ultassom existem desde a década
do Brasil era de 6,07 filhos por mulher enquanto as mulheres eram vistas como de 1950, não é improvável que também
0
0
Mais mimos,
menos Previdência.
tvéssemos mais abortos de meninas. da população está nessa faixa etária, com quem tnha irmãos, eles mos-
E isso poderia ter consequências segundo dados do Banco Mundial). taram risco 23% maior de apre-
sociais espantosas. Um levantamento Com mais gente acima dos 65 anos, sentar problemas com a balança.
feito pelo Instituto para Estudos do o rombo na Previdência Social se tor- Também usavam mais internet e
Trabalho (IZA), na Alemanha, usou naria um problema ainda maior do viam mais TV.
dados coletados na China ente 1988 e que já é. Se a polítca do filho único Até pouco tempo atás, ainda ha-
2004 para revelar que um incremento tvesse acontecido por aqui no mesmo via quem defendesse polítca do filho
de apenas 0,01% na proporção absoluta período em que ocorreu na China, te- único no Brasil. O medo era de que
ente homens e mulheres é suficiente ríamos 3,8 milhões de idosos a mais. uma evental superpopulação nos
para aumentar a violência e a incidência O impacto se estenderia até à saúde levasse a um apocalipse. O aumen-
de crimes em 3%. pública. A obesidade infantl aumentou to brutal na produtvidade agrícola
Outa consequência é que a pirâ- na China do filho único. Enquanto pro- nas últmas décadas (aqui e lá fora)
mide etária brasileira seria invertda, blemas do tpo afetavam cerca de 2% afastou esse fantasma. E agora a hi-
ou seja, haveria mais idosos e menos das crianças ente 1981 e 1985, o total pótese soa como piada. Ainda bem.
jovens – processo que estamos ata- chegou à casa dos 21% ente 2006 e Uma sociedade mais violenta e uma
vessando para valer agora. Em 2017, a 2010. O IMC (Índice de Massa Corpo- Previdência ainda mais quebrada até
porcentagem de chineses com mais de ral), da mesma forma, costmava ser daria para aguentar. Mais crianças
65 anos era de 10,7% (no Brasil, 8,5% maior em filhos únicos. Em comparação mimadas, não. S
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última página desculpA quAlquer coisA e Até logo
Arqueologia do Abc
Uma breve história das letas: do alfabeto
protossinaítco, de 1900 a.C., até hoje.
Infográfco Bruno Vaiano e Juliana Caro
1900 a.C. 1200 a.C. 800 a.C. 700 a.C. Já com todas
até 1500 a.C. até 150 a.C. até 400 a.C. até hoje as letras*
A A
B B
C C
D D
E E
F F
G G
H H
I I
J
K
L L
M M
N N
O O
P P
Q Q
R R
S S
T T
V U
V
W
X X
Y
*Adotado no Brasil em sua forma completa, com as letras
“k”, “y”e “w”, após o Acordo Ortográfco de 1990.
Z