Fenomenologia e Psicologia Vinculações (Livro) PDF
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Fenomenologia e Psicologia
Vinculações
Adriano Holanda
Joanneliese de Lucas Freitas
Introdução
Há hoje, certamente, um problema no campo da psicologia quando
se pensa nas relações possíveis entre a psicologia e a fenomenologia. Com
uma profusão de teorias e práticas que se denominam fenomenológicas,
percebe-se a fragilidade com que a fenomenologia, e seu método vêm
sendo tomados. Por vezes, torna-se pouco clara a filiação ou relação entre
tais abordagens e a proposta fenomenológica. De fato, Husserl, pensador
que inaugura a fenomenologia transcendental, foi com certeza um dos
mais importantes e influentes pensadores do século XX, bastando para
tal, observar o conjunto de pensamentos que brotaram de suas reflexões
– direta ou indiretamente – como podemos verificar em praticamente
todas as filosofias da existência contemporâneas. Seu pensamento possui
implicações para diversas áreas do conhecimento, tais como psicologia,
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2. Texto publicado em 1894, cujo título original é Ideen über eine beschreibende
und zergliedernde Psychologie.
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Para Husserl [...], a análise dos números deveria iniciar pela análise
da multiplicidade, porque, como expressa a definição universalmente
aceita, os números são, em verdade, quantidades de unidades. Assim,
se o número é uma multiplicidade de unidades e, como indicara
Weierstrass, a multiplicidade ocorre pelo ato de contar, a única forma
de investigação estaria no alicerce psicológico do conceito de número,
recorrendo à Psicologia Descritiva, elaborada por Brentano nas suas
preleções de 1884 a 1886 (Goto, 2008, p. 42).
A contribuição metodológica
e a esfera transcendental
Já em sua Filosofia como Ciência de Rigor, de 1910, e, poste
riormente, em Psicologia Fenomenológica, Husserl (2001) aponta que a
psicologia não resistiu à tentação do naturalismo que é cego à essência
específica da vida psíquica – o que ainda podemos constatar em nossos
dias. Tal crítica possui implicações relevantes de ordem metodológica, o
que, por conseguinte, se torna uma das contribuições de maior relevo de
Husserl à psicologia.
Husserl pretendeu oferecer um fundamento metodológico ao
estudo da consciência que considerasse como central o aparecer do
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fenômeno com base em sua própria estrutura e não apenas como um dado
natural, desconectado do sujeito. Com a psicologia fenomenológica,
Husserl recoloca a objetividade na subjetividade, apresenta um esforço
de “voltar às coisas mesmas”, convidando-nos a “colocar entre parênteses
e começar tudo de novo” (Bello, 2006).
Quando a trajetória husserliana é colocada desse ponto de
vista, uma pergunta que pode surgir – ou um equívoco –, é a de que a
fenomenologia seria um “tipo” ou uma espécie de psicologia. Entretanto,
apesar de relações importantes entre as duas correntes de pensamento,
não há como confundir o projeto de Husserl com um projeto de uma
psicologia, tal como ocorre em Brentano com sua psicologia do ato.
Para Husserl, é a filosofia que deve oferecer fundação à psicologia. Para
entendermos as suas diferenças, desde que estejam claras as suas íntimas
relações, primeiro é necessário esclarecer o projeto fenomenológico de
Husserl. Segundo Fink (1966), a pretensão de Husserl era a de fundar não
uma nova psicologia – apesar de querer, com a fenomenologia, oferecer
a esta um terreno seguro para seu desenvolvimento – mas (re)fundar a
própria filosofia. Dar-lhe, enfim, um fundamento e estatuto de rigor com
seu método, que permitiria, com o ato de filosofar, um retorno ao próprio
sujeito, mas colocado da perspectiva transcendental.
A Fenomenologia constitui-se, assim, como um esforço que
rompe com a atitude natural para que consigamos – não sem muita dor
– divisar o que é próprio da subjetividade e não mais nos enganar com
sua facticidade. A redução faz aparecer a consciência transcendental,
como autêntica essência do espírito, ao mesmo tempo em que revela a
própria esfera natural. O sentido essencial do problema transcendental é,
segundo Husserl (1992), sua universalidade.
O psicologismo pode então ser superado quando é a filosofia que
fundamenta a psicologia e não o inverso. A fenomenologia inaugura,
assim, um novo olhar sobre a subjetividade, diferenciando a subjetividade
transcendental – que se desvela apenas pelo método fenomenológico e
suas reduções – da subjetividade psicológica. A Fenomenologia consegue
cumprir essa tarefa, alargando os limites da própria subjetividade,
proporcionando um novo olhar sobre esta. Tomando-se por base a
redução transcendental, o homem não é compreendido apenas como
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Psicologia fenomenológica e
posteridades fenomenológicas na Psicologia
Segundo Ricoeur (2010), não é possível compreender a psicologia
sem uma ancoragem na fenomenologia. Entender a subjetividade, a
consciência psicológica, só se torna viável quando ancorada no eu
espiritual constitutivo de todo o resto. É o ego puro que elucida a própria
subjetividade como uma realidade constituída. O psicólogo, mesmo quando
opera a redução eidética, é transcendentalmente ingênuo, pois “conserva
o sentido de ser do que está mundanamente aí adiante” (Husserl, 1992).
Dessa forma, distingue-se a fenomenologia de uma psicologia
fenomenológica. A fenomenologia, com seu método, passa a constituir
‑se como possibilidade de compreensão da subjetividade com base em
sua própria forma ideal. É um método que exige o abandono de qualquer
perspectiva ou concepção dada anteriormente sobre o sujeito, que
pudesse delimitá-lo dentro de um campo natural constituído pela “atitude
natural”, própria ao psicologismo e ao positivismo. Assim, estrutura, ao
propor o método fenomenológico, as bases para a construção rigorosa
do conhecimento em filosofia, bem como um método e um olhar
que permitem à psicologia a reconfiguração de seu próprio objeto –
consciência e subjetividade – enquanto fenômenos e não mais de um
ponto de vista empírico-natural. “A psicologia fenomenológica pretende
ser o fundamento metódico sobre o qual se possa por princípio erigir-se uma
psicologia empírica cientificamente rigorosa” (Husserl, 1992, p. 35).
Cabe à psicologia – segundo Fink (1966) – fazer da consciência
tema de suas interpretações ôntico-mundanas por meio de análises
demonstrativas, o que a conduz a um subjetivismo ôntico, a uma
filosofia imanente. Já à fenomenologia caberia a tarefa de atingir essa
via da consciência não mundana enquanto lugar das intenções sobre
as quais repousam a validade do mundo, precedendo ao ser do mundo,
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Referências