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Sofrimento Psíquico e o Trabalho
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Sofrimento Psíquico e o Trabalho
E-book176 páginas2 horas

Sofrimento Psíquico e o Trabalho

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Sobre este e-book

A presente obra traz importantes reflexões sobre o trabalho, a necessidade de sua valorização e as consequências psíquicas nefastas ao trabalhador que entra em sofrimento em virtude de seu trabalho. É apresentada uma análise histórica do trabalho, revisão de doutrina das searas trabalhista e da psicologia, que demonstram o quanto é necessário um olhar analítico para a questão do trabalho e o adoecimento do trabalhador, que muitas vezes resulta em sofrimento psíquico. A pesquisa trata ainda da questão do suicídio entre trabalhadores, o que pode ser considerado o ápice do que não deu certo na relação de trabalho, mas que foi muito bem delineado pela autora, com destaque de que é muito difícil identificar se os casos de suicídios ocorridos no ambiente laboral são necessariamente decorrentes do vínculo suicídio-trabalho, visto se tratar de uma ação humana endereçada como uma mensagem subjetiva revelada pelo ato em si. É fato que esta obra indiscutivelmente servirá para instigar estudantes e profissionais da psicologia e do direito do trabalho a avançar nessa temática extremamente sensível e contemporânea.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento4 de mar. de 2024
ISBN9786527014676
Sofrimento Psíquico e o Trabalho

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    Sofrimento Psíquico e o Trabalho - Irella Borges dos Santos Barbosa

    1. INTRODUÇÃO

    O mundo do trabalho vem sofrendo inúmeras transformações em suas variadas dimensões que interferem no modus de existir dos homens, mas é no âmbito subjetivo principalmente que se amplia o elo do sujeito com o seu trabalho e as relações advindas desta integração constroem sua identidade. O trabalho possui uma fundamental importância na saúde física e mental das pessoas, portanto a forma como nos relacionamos com o trabalho, terá reflexos positivos e/ou negativos na vida dos indivíduos.

    Considerando esse contexto, o interesse pelo tema surgiu a partir de uma inquietação latente a respeito do entendimento de questões norteadoras do trabalho e de suas interfaces no desenvolvimento do psiquismo dos indivíduos.

    Tais inquietações representam os reflexos do caminhar da pesquisadora, uma vez que, em uma análise mais filosófica, se é o resultado das experiências objetivas e subjetivas de nossa existência. No entanto, foi na minha relação íntima com a experiência com o trabalho, que identifiquei grandes movimentos de transformação em minha maneira de agir e de pensar sobre as coisas e sobre a vida.

    Quando iniciou a jornada pela sobrevivência no mundo material, o que oficialmente se deu aos dezessete anos de idade, por meio do primeiro registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS, alguns conflitos imediatamente se instauraram: primeiro, a questão da necessidade de sobrevivência. Sem trabalho, não há como sobreviver, comer, pagar contas, morar, viver. Percebe-se, logo aí, que o trabalhador possui apenas o seu corpo e o seu tempo como objeto barganha.

    Outra questão importante incide na percepção de que, ao doar praticamente todo o tempo disponível e força física, saúde e energia para o trabalho em troca da sobrevivência, não há condição satisfatória para alcançar outro lugar, a não ser um lugar de fadiga e do sofrimento físico e psicológico. Gera-se, então, um sentimento de revolta e a sensação de aprisionamento em uma escravidão, em uma servidão, que pertence a um sistema cíclico, em que tudo é constituído para não se chegar a lugar nenhum.

    Assim, ao buscar sair desse quadro sufocante e implacavelmente adoecedor, a busca pelo conhecimento pareceu ser uma alternativa viável, capaz de grandes transformações.

    No entanto, ao tentar buscar um caminho, ao qual nomeio desalienação, torna-se perceptível que o próprio sistema capitalista proporciona amarras; é permitido estudar, porém com grandes limitações. A própria educação, algo que se nota, tem que estar a serviço da manutenção da alienação e da manutenção do sistema.

    Isso ocorre na minha história pessoal da pesquisadora que estudou sempre em escola pública e grande parte da vida escolar se deu no período noturno, para se tornar possível trabalhar durante o dia. Os estudos se davam nos finais de semana, fazendo cursos e tentando suprir as lacunas de base de uma educação deficitária.

    O pensamento inicial era graduar na universidade pública – em especial, na UFU – Universidade Federal de Uberlândia, no curso de Medicina. Logo foi possível perceber que isso estava distante da realidade, era coisa de gente que tinha condição de se manter. Logo após, veio o desejo pelo curso de Psicologia. Foram várias tentativas, situação que gerou extremo abalo na questão da autoestima. No entanto, jamais se cogitava a desistência. O curso de psicologia era de período integral, e novamente ficava inacessível. Para resolver a questão, a pesquisadora cursou Letras noturno, conseguindo concluir o curso em 2003, uma vitória significativa.

    Concomitantemente, foram havendo promoções no trabalho, de telefonista a subgerente comercial em uma grande seguradora. Nesse contexto laboral, exatamente, deu-se a experiência de grandes desafios: a concorrência desleal, a pressão desumana para o cumprimento de metas a qualquer custo, o assédio moral e sexual, o aviltamento da mulher no trabalho, que ganha salários menores executando mesmas funções que os homens, a discriminação por ser mulher que tem que provar o tempo todo ser uma profissional que sabe o que está fazendo, ser explorada pela empresa, trabalhar horas excedentes, dentre outras coisas.

    Entretanto, foi somente após o encontro com a maior de todas as experiências subjetivas, a maternidade, que verdadeiramente houve contato com meu desejo e perceber o adoecimento psíquico no qual já havia imersão, devido à incompatibilidade da vida profissional e suas enormes exigências, sobrecarga de trabalho com a vida pessoal, agora também intensificada com as exigências da maternidade.

    Por questões não mais de sobrevivência como outrora, mas por necessidade de equilíbrio psíquico, de saúde e bem estar, por buscar uma satisfação e felicidade até então almejados sem sucesso, deu-se o encontro de respostas para tantos questionamentos no trabalho como psicóloga e pesquisadora.

    Dessa forma, na prática como psicóloga clínica emergiu o encontro frequente com muitas questões relacionadas a adoecimentos psíquicos decorrentes de pressões no trabalho e problemas de conciliação do mundo do trabalho com o mundo pessoal, principalmente em mulheres após a maternidade. Nas vivências como trabalhadora, por meio do resgate das experiências vividas até o momento, com inúmeras questões relacionadas ao meu papel como profissional, mãe, esposa, cidadã e estudante foram percebidas. Sobretudo a partir do encontro com a psicanálise e com a teoria marxista é que se deu o entendimento do poder desalienador do conhecimento, da educação.

    É nesse contexto que se deu a interpelação para a procura de entender melhor a problemática da influência que o trabalho tem na vida, tanto profissional como pessoal, referente a uma busca por uma via sublimatória de realização dos desejos inconscientes, conforme preconiza Freud (1920-1922).

    Por meio de reflexões e inquietações sobre esta sociedade capitalista opressora, na qual temos uma falsa sensação de estarmos livres para escolhermos o que queremos ser, na qual temos uma falsa ideia de que está em nossas mãos sermos felizes, bem sucedidos e realizados – percebeu-se a importância de alcançar a maioridade de que fala Kant (1784), alcançando um pensamento próprio.

    Sem dúvida, algumas questões acercam o tempo todo. Questões profundas e pertinentes no contexto caótico em que vivemos, em que o pensar não tem lugar. O mundo é muito rápido, toma a vez a ação sem pensamento. Assim as pessoas vivem hoje e assim vão adoecendo, sem saber o que ocorre com elas.

    A pulsão¹ da pesquisadora sem dúvida leva para o lado oposto. Por isso, a busca pela pesquisa consiste em uma tentativa interna de elaborar ou trabalhar o assunto, principalmente, na tentativa de uma análise crítica sobre a problemática da precarização e o sofrimento psíquico do trabalhador.

    A escolha pelo objeto de estudo, o trabalhador em sofrimento psíquico, decorre também de uma percepção interior à própria prática profissional. O psicólogo clínico é um trabalhador que sofre também as influências de forma direta ou indireta da precarização do seu trabalho. Muitas vezes não há um entendimento dos profissionais quanto a essa precarização e às vivências clínicas com clientes que relatam variados tipos de sintomas decorrentes de sofrimentos pelos quais passam em suas realidades laborais. Considerando isso, torna-se possível acreditar na importância dessa pesquisa e no potencial de desmistificação destas questões pouco compreendida para os psicólogos. Creio também que o presente estudo pode incentivar mais pesquisas nessa área.

    Em decorrência da importância que o trabalho alcança no desenvolvimento da vida humana como um todo – tanto nos aspectos sociais que constituem a identidade dos sujeitos quanto nos aspectos psíquicos relacionados à construção de sentidos que cada indivíduo realiza sobre o seu fazer –, o tema torna-se indispensável para quem quer conhecer um pouco mais sobre o ser humano.

    Para alcançar melhor entendimento sobre o homem, ao que parece, as ciências foram divididas de forma didática entre ciências humanas e da natureza. O homem foi dividido em corpo e mente e o comportamento foi cindido entre influências de forças externas e internas. A tentativa nesse trabalho é fazer uma adjeção entre essas várias partes do saber humano de forma a alcançar novos olhares.

    Isso posto, na tentativa de encontrar pontos de interseção e novos diálogos entre os temas abordados nesse trabalho, reconhecer uma maior necessidade de interação entre os saberes para que sejam alcançados melhores entendimentos sobre a complexidade moderna e, ainda, por acreditar na importância de uma visão mais ampliada sobre as questões do humano, torna-se importante construir uma narrativa histórica sobre a construção da psicologia como ciência juntamente com as influências do pensamento filosófico de constituição e base, para compreender melhor a serviço de quê ou de quem a ciência psicológica constrói seu discurso.

    Nesse sentido, estudar sobre o trabalho, o trabalhador e suas condições socioeconômicas, bem como sobre as influências biopsicosócioculturais as quais o sujeito sofre, representa um importante e rico nicho de pesquisa, repleto de indagações e questionamentos. Em outras palavra, o trabalho ocupa parte importante em nossa existência e, ao estudar as representações deste, poderemos alcançar respostas, resolver conflitos internos, bem como transformar a realidade.

    Neste bojo, o sofrimento psíquico do trabalhador é um recorte dentro de um extenso universo. É um reflexo negativo dos tipos de relações desumanizadas que passam a existir entre os indivíduos dentro de um sistema socioeconômico, vigente em determinadas sociedades e inscrito em um tempo histórico determinado, reflexo que afeta organizações de trabalho em todo o mundo.

    Sob tal matiz, vale lembrar, o trabalho é responsável também pela humanização do homem, de modo que a precarização deste trabalho desumaniza o sujeito e suas relações, interferindo de forma violenta na forma de ser e agir dos indivíduos. O trabalhador não percebe as influências alienantes em seu processo de formação, reprodução e manutenção do capitalismo, cujo domínio passa pela aprovação da ciência para sua disseminação.

    Portanto, estudar o sofrimento psíquico do trabalhador é importante principalmente no entendimento das novas relações de trabalho que se complexificaram (ANTUNES, 2015) com o advento do crescimento do capitalismo e que continuam sofrendo grandes transformações. Consequentemente, torna-se possível entender melhor o homem em suas relações inter e intrapsíquicos, para que se alcance uma análise mais aprofundada da subjetividade dos sujeitos e suas relações com o ambiente.

    Entendendo que o sofrimento psíquico acontece como um processo multidimensional, seus reflexos são fatalmente percebidos dentro e fora do contexto laboral, ou seja, possui repercussões na vida íntima das pessoas que vão além de simples afetamentos contidos na vivência exclusiva do trabalho. A partir disso, podemos perceber a dimensão simbólica que o trabalho pode alcançar. Assim sendo, é fundamental conhecer as condições de trabalho dos homens, pois é nessa condição que o homem é forjado, desenvolve-se, humaniza-se ou se desumaniza.

    O processo de humanização, na teoria de Marx, está fortemente enraizado no desenvolvimento da categoria trabalho como pressuposto fundamental da separação entre homem e animal:

    Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião e por tudo que se queira. Mas eles próprios começam a se distinguir dos animais logo que começam a produzir seus meios de existência (MARX; ENGELS, 1989, p. 13)

    No entanto, na sociedade capitalista o trabalho é explorado em suas diversas formas, determinando dessa forma a desumanização, em um movimento repleto de contradições. A reflexão sobre o trabalho, então, passa necessariamente pela questão da educação como instrumento particular do processo educacional, o qual pode ser tratado de forma a contribuir ou negar o processo de humanização. A humanização do homem promovida pelo trabalho e não somente para o trabalho, bem como a promoção dessa humanização pela educação e sua práxis são fundamentos da humanização, uma

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