Cecília Meireles
Cecília Meireles
Cecília Meireles
Canção Motivo
Gargalhada
Meus olhos estarão sobre espelhos, pensando
nos caminhos que existem dentro das coisas
Homem vulgar! Homem de coração mesquinho! transparentes.
Eu te quero ensinar a arte sublime de rir.
Dobra essa orelha grosseira, e escuta E um campo de estrelas irá brotando
o ritmo e o som da minha gargalhada: atrás das lembranças ardentes.
Em águas de eternamente,
o cometa dos meus males
"Finaliza! Recomeça!
afunda, desarvorado.
“ Transpõe glórias e pecados! . . ."
Eu não sei que voz seja essa
Fico ao teu lado.
Pássaro
Seres e coisas vão-se embora. . .
E, na auréola triste do luar,
Anda a lua, tão devagar, Aquilo que ontem cantava
Que parece Nossa Senhora já não canta.
Morreu de uma flor na boca:
não do espinho na garganta.
Pelos silêncios a sonhar. . .
Máquina breve
Se qualquer rei da Europa o visse, gostaria
de possuí-lo como um brinquedo, vindo de longe, e
O pequeno vaga-lume raro.
com sua verde lanterna, Mas é o sagüim animalzinho tão delicado
que passava pela sombra que a uma viagem tão longa não resistiria.
inquietando a flor e a treva
— meteoro da noite, humilde,
dos horizontes da relva; A cara do sagüim é como a de um leãozinho,
o pequeno vaga-lume, e pode-se conseguir que ele pouse no nosso ombro.
queimada a sua lanterna, O sagüim mais bonito de todos é o sagüim louro,
jaz carbonizado e triste que tem uma expressão de inteligência e carinho.
e qualquer brisa o carrega:
mortalha de exíguas franjas
que foi seu corpo de festa.
Ele pode descer a comer à nossa mão! Graciosa
é a sua maneira de olhar. Gracioso é o movimento do
seu corpo inteiro,
Parecia uma esmeralda tão leve e breve! Mas os melhores, só no Rio de
e é um ponto negro na pedra. Janeiro
Foi luz alada, pequena se encontram: se encontram apenas nesta cidade, a
estrela em rápida seta. mui formosa.
Quebrou-se a máquina breve
na precipitada queda.
E o maior sábio do mundo Romance II ou do ouro incansável
sabe que não a conserta.
As cinzas que não sabes voarão sobre Apolo e Ísis. O Olho é uma espécie de globo,
É uma noite ardente, a que se prepara, é um pequeno planeta
enquanto a luz contorna a coluna e o jato d'água: com pinturas do lado de fora.
— a luz do sol que afaga pela última vez as roseiras Muitas pinturas:
verdes. azuis, verdes, amarelas.
É um globo brilhante:
Noturno parece cristal,
é como um aquário com plantas
finamente desenhadas: algas, sargaços,
miniaturas marinhas, areias, rochas, naufrágios e
Quem tem coragem de perguntar, na noite imensa? peixes de ouro.
E que valem as árvores, as casas, a chuva, o pequeno
transeunte?
Mas por dentro há outras pinturas,
que não se vêem:
Que vale o pensamento humano, umas são imagens do mundo,
esforçado e vencido, outras são inventadas.
na turbulência das horas?
(1962)