Os Níveis de Leitura, Mortimer Adler
Os Níveis de Leitura, Mortimer Adler
Os Níveis de Leitura, Mortimer Adler
No capítulo anterior, examinamos algumas distinções que agora nos serão mais
úteis. O objetivo de um leitor - entretenimento, informação ou entendimento -
determinará a maneira como lê. A eficiência de sua leitura será diretamente
proporcional ao esforço e à habilidade que imprimir na tarefa. Em geral, a regra é esta:
quanto mai s esforço, melhor - sobretudo em relação aos livros difíceis, isto é, aos
livros que são capazes de elevar nossa mente de um estado de entendimento inferior
para um estado de entendimento superior. Ademais, a distinção entre ensino e
descoberta (ou entre descoberta com e sem auxílio) é importante porque a grande
maioria das pessoas, na maior parte do tempo, tem de ler sem ajuda de ninguém. Ler,
assim como uma descoberta, é aprender com um professor que está ausente. Só
conseguiremos realmente aprender se soubermos como empreender tal leitura.
No entanto, por mais importantes que esses assuntos sejam, eles são
insignificantes se comparados às questões que trataremos neste capítulo.
Referimo-nos aos níveis de leitura. As diferenças entre esses níveis devem ser
plenamente entendidas antes que possamos aperfeiçoar nossas habilidades de leitura.
Há quatro níveis de leitura. Nós os chamamos de "níveis" em vez de "tipos"
porque estes, estritamente falando, são distintos uns dos outros, enquanto os níveis
supõem que os superiores englobem os inferiores, ou seja, os níveis são cumulativos.
O primeiro nível não se perde no segundo, o segundo não se perde no terceiro, e o
terceiro não se perde no quarto. O quarto e último nível engloba todos os demais - ele
apenas os supera, mas não os anula.
Chamamos o primeiro nível de leitura de Leitura Elementar. Ele também poderia
ser chamado de leitura rudimentar, leitura básica ou leitura inicial: o que importa aqui é
o fato de que esse nível sugere que a pessoa deixou o analfabetismo e tornou-se
alfabetizada. Quando a pessoa aprende os rudimentos da arte de ler e recebe o
treinamento básico na leitura, dizemos que ela domina o nível da Leitura Elementar.
Este termo - Leitura Elementar - é apropriado, em nossa opinião, porque esse nível de
leitura normalmente é aprendido no período da educação infantil.
A criança toma contato com a leitura nesse nível. Seu desafio (e o nosso,
quando começamos a ler) é decodificar as palavras impressas no papel. A criança
depara com um amontoado de símbolos pretos sobre fundo branco (ou símbolos
brancos sobre fundo preto, se estiver lendo num quadro-negro) . Os símbolos dizem:
"O gato sentou no chapéu". A criança ainda não está preocupada em saber se gatos
sentam, se gostam de chapéus etc. Ela está concentrada na linguagem empregada
pelo autor.
Nesse nível de leitura, a pergunta que o leitor faz é: "O que diz a frase? ". A
pergunta até poderia ser difícil, mas o sentido que buscamos aqui é o mais simplório
possível.
A maioria dos leitores deste livro já domina as técnicas da leitura elementar.
Apesar disso, esse nível de leitura ainda pode apresentar certos desafios. Isso ocorre,
por exemplo, quando tentamos ler alguma coisa escrita em uma língua estrangeira da
qual ainda não temos pleno domínio. Então, o primeiro desafio será identificar as
palavras que estão ali escritas. Apenas depois de decodificá-las, poderemos nos
dedicar a entendê-las - esforçando-nos em apreender o que querem dizer no seu
conjunto.
No entanto, muitos leitores ainda enfrentam problemas com a leitura elementar
em seu próprio idioma. A maior parte dessas dificuldades é de ordem mecânica, e
algumas remontam à educação infantil. A superação dessas dificuldades permitirá que
leiamos mais rapidamente - por isso, a maioria dos cursos de leitura dinâmica se
concentra nesse nível. Lidaremos com a leitura elementar com mais detalhes no
próximo capítulo. No capítulo 4, analisaremos mais detidamente a leitura dinâmica.
O segundo nível de leitura é chamado de Leitura Inspecional. Sua característica
principal é o fator tempo. A leitura desse nível pressupõe certo período no qual temos
de ler determinados trechos - que pode ser de quinze minutos, por exemplo, ou até
menos.
Assim, podemos dizer que o objetivo da Leitura Inspecional é extrair o máximo
possível de um livro num determinado período - em geral, um tempo relativamente
curto. Normalmente, por definição, esse período curto é insuficiente para que
extraiamos do livro todo o seu potencial. Esse nível também poderia ser chamado de
pré-leitura. Porém, não se trata de folhear o livro aleatoriamente. A leitura inspecional é
a arte de folhear o livro sistematicamente.
O objetivo da leitura desse nível é examinar a superfície do livro, aprender tudo
o que a superfície pode nos ensinar - e quase sempre essa é uma atividade lucrativa.
Enquanto a pergunta do nível elementar é "O que diz a frase? ", a pergunta do
nível inspecional é "O livro é sobre o quê ? ". Há outras perguntas similares, como
"Qual a estrutura do livro? " ou "Em quais partes o livro é dividido? ".
Ao completar a leitura inspecional - a despeito d o tempo disponível para tal -, o
leitor deve ser capaz de responder à pergunta "Que tipo de livro é este - romance,
história ou ciência? ".
Como o capítulo 4 é dedicado exclusivamente a esse nível, não nos
estenderemos mais sobre ele aqui . Porém, gostaríamos de alertar para o fato de que
muitas pessoas - até mesmo leitores experientes - em geral desprezam o valor da
leitura inspecional. Elas começam a leitura na primeira página e avançam
diligentemente até a última, sem ao menos ler o sumário. Assim, elas se defrontam
com o desafio de extrair um conhecimento superficial do livro ao mesmo tempo que
tentam entendê-lo. É uma dificuldade e tanto.
O terceiro nível de leitura é chamado de Leitura Analítica . É uma atividade mais
complexa e sistemática do que os dois níveis anteriores . Dependendo da dificuldade
do texto a ser lido, a leitura analítica pode exigir muito ou pouco do leitor.
A leitura analítica é a leitura propriamente dita, isto é, a leitura completa, plena -
a melhor leitura possível. Se a leitura inspecional pode ser considerada a melhor e
mais completa leitura possível em um período limitado de tempo, a leitura analítica é a
melhor e mais completa leitura possível em um período ilimitado de tempo.
A leitura analítica fórmula, de modo organizado, muitas perguntas, de acordo
com o livro que está sendo lido. Não vamos listar essas perguntas, pois este livro versa
sobre como ler nesse nível; a Parte 2 fornecerá as regras apropriadas. É digno de nota
que a leitura analítica é sempre intensamente ativa. Nesse nível, o leitor adquire o livro
- a metáfora é bem apropriada - e imiscui-se nele até que o livro efetivamente lhe
pertença. Francis Bacon dizia que "alguns livros devem ser degustados, outros devem
ser engolidos, enquanto alguns poucos devem ser mastigados e digeridos" . Ler um
livro analiticamente significa mastigá-lo e digeri-lo.
Vale lembrar que a leitura analítica não é necessária caso seu objetivo seja
apenas informar-se ou divertir-se. A leitura analítica é destinada exclusivamente a
entender o livro. Em outras palavras, elevar sua mente de um estado de entendimento
inferior a um estado de entendimento superior é praticamente impossível sem um
mínimo de domínio das técnicas da leitura analítica.
O quarto e último nível de leitura é a Leitura Sintópica. Trata-se do tipo mais
complexo e sistemático de leitura - é o nível mais exigente, mesmo que os livros sejam
em si fáceis e rudimentares.
Esse nível também poderia ser chamado de leitura comparativa. A leitura
sintópica implica a leitura de muitos livros, ordenando-os mutuamente em relação a um
assunto sobre o qual todos versem. Mas comparar não é o bastante.
A leitura sintópica é mais sofisticada do que a mera comparação. Com os livros
em mãos, o leitor sintópico estará apto a desenvolver uma análise que talvez não
esteja em nenhum dos livros. Está claro, portanto, que a leitura sintópica é a mais ativa
e trabalhosa de todas .
A leitura sintópica será discutida na Parte 4. Por enquanto, basta saber que ela
não é uma arte fácil - suas regras são quase desconhecidas . Apesar disso, a leitura
sintópica é, provavelmente, o nível de leitura mais compensador que existe. Os
benefícios são tão grandes que vale a pena aprender suas técnicas.