Afinação Nos Instrumentos de Corda
Afinação Nos Instrumentos de Corda
Afinação Nos Instrumentos de Corda
_________________________________
Afinação nos instrumentos de cordas:
Desafios de sistematização e pedagogia
Walisson Higor da Cruz
Universidade de São Paulo
RESUMO
A afinação abordada nos pormenores da prática metodológica e pedagógica: avanços históricos que dialogam
com a própria tecnologia do instrumento. Como se deu o desdobramento destes processos no contexto de
expansão da técnica do violoncelo é objeto de pesquisa neste trabalho. Instrumento artesanal, dotado de uma
história de mais de seis séculos, será o meio pelo qual a pesquisa de fenômenos acústicos decorrerá. A
conceituação sistemática de diferentes escalas e sua diferenciação nos permite entender como a afinação era
praticada ao longo dos séculos. Fatores fisiológicos, tal qual a percepção de alturas dentro de um intervalo de
semitom, e propostas pedagógicas de correção da afinação também são abordadas. A conclusão apresenta ainda
o crivo científico, possibilitando diferenciar-se a boa da má afinação.
1.1.2. Fabricação
Instrumentos como os violoncelos são fabricados
de forma artesanal, e demandam uma oficina ou
Figura 4 – Partes laterais devidamente coladas
conjunto de ferramentas específicas que possibilitam
ao construtor (chamado luthier) a confecção do Limpa-se o tampão, polindo-o para que fique com
mesmo. o menor número de rugosidades possível. Coloca-se
o mesmo sobre a parte já previamente montada
(como na imagem acima), lacrando assim o corpo do
instrumento. Desenham-se as bordas e demais
adornos, coloca-se o pescoço e o espelho (parte
superior do instrumento, que vai até a voluta),
adiciona-se o verniz. Depois de seco, o instrumento
pode receber seus demais itens, como a alma,
cavalete, cravelhas e cordas, e está pronto para uso.
Vale ressaltar que por vezes demais ajustes podem
ser feitos mediante uso posterior.
Além disso, deve-se resinar a crina para que haja a
efetiva produção do som.
Atualmente, a metodologia Suzuki promove algo aparecer. A afinação de quintas justas entre todos os
não mais que diferente, estimulando estudantes e instrumentos fazia com que as cordas soltas entre si
professores a continuamente checarem a afinação, em algum momento tivessem problemas. Por
principalmente com cordas soltas ou outros meios de exemplo, se a corda solta de algum instrumento fosse
fácil conferência. a terça de algum acorde, esta portanto
impossibilitada de alteração, o restante da tríade
Confirma-se, contudo, que a flexibilidade da
deveria se adaptar a afinação da mesma.
afinação era louvada por outros autores: Campagnoli
cita [7] que a “correção da afinação proíbe o Não só este como demais problemas como
temperamento do violino, exceto em certos casos: diferenciação de notas enarmônicas e o sétimo grau
primeiro, para diminuir o movimento dos dedos, em levemente mais alto de uma escala afetaram os
segundo, para satisfazer a delicadeza do ouvido teóricos do século XVIII. L. Mozart sugere, dentre
quando acompanhando outros instrumentos, terceiro, outras coisas, que a maneira mais adequada de se
para facilitar a performance”. O autor sugere ainda tocar o mi bemol, por exemplo, em relação ao ré
que a posição da mão deve ser modificada de acordo sustenido, seria de o fazê-lo levemente mais alto
com o que a natureza da harmonia exigir. (algo como um comma).[8]
A adição do vibrato atualmente é considerada uma A instituição das escalas como um sistema de
das maneiras mais efetivas de constantemente correção da afinação foi um procedimento
ajustar-se a afinação das cordas (Douniz pedagógico que visava estimular o aluno a produção
recomendava seus estudantes a continuamente tocar de um bom tom, independência e agilidade de dedos,
com vibrato), mas parece não haver indicação de dentre outros atributos de um instrumentista
ativa participação do vibrato na afinação no período louvável. De início, estimularam-se os iniciantes a
clássico. [5] praticarem as escalas de dó maior e sol maior, tanto
por sua escassez de acidentes quanto por sua posição
natural e confortável no instrumento.
4.2 Considerações gerais da técnica de mão Finalmente, tem-se que os últimos tratados e/ou
esquerda do violoncelista convenções que estipulam um sistema de afinação
Cabe citar aspectos históricos da técnica de mão prezam por uma espécie de combinação entre escalas
esquerda do violoncelo. Dividem-se duas principais temperadas, justas e pitagóricas.
escolas de metodologia da postura da mão no braço
Já no século XX, pedagogos como Carl Flesch,
do instrumento, sendo uma delas inglesa e outra
Heter Norton e Joseph Szigeti defendem uma espécie
francesa.
de “afinação funcional”, com grande flexibilidade e
Instrumentistas bretões utilizavam uma espécie de mutabilidade dependendo-se do contexto. Ivan
adaptação do dedilhado diatônico do violino, Galamian vai além [5], e coloca que “a única
provavelmente segundo modelos italianos; foi afinação segura é aquela que instantaneamente se
documentado por, dentre outros, Romberg no final de ajusta às demandas do momento”. Advoga que não
1839. se é possível ajustar a afinação a fórmulas
matemáticas.
A outra escola de técnica vem dos primeiros
violoncelistas franceses, geralmente treinados como Entretanto, a afinação ao se tocar violino artístico
violistas, da qual adaptaram a técnica (que baseia-se não pode ser um fenômeno aleatório, deve ser
em semitons) para o cello. Nesta técnica os dedos são possível de alguma forma distinguir a boa da má
perpendiculares as cordas e ao espelho, com o afinação. Físicos durante a histórica tentaram
polegar se opondo ao segundo dedo da mão descobrir as leis que regiam a afinação musical, mas
esquerda. foi somente na história relativamente recente que,
com a ciência da acústica, a técnica de estudo das
Disto conclui-se que os avanços técnico-
frequências dos sons se desenvolveram o suficiente
pedagógicos no violino também influenciaram
para serem aplicadas à performance dos instrumentos
grandemente a técnica do violoncelo e dos demais de corda.
instrumentos de sua família.
À respeito da fisiologia, nosso sistema de música é [5] BORUP, Hasse. “A History of String
arranjado em doze zonas ao invés de doze semitons. Intonation”. Disponível em
Garbuzov fez numerosas análises de gravações de <http://www.hasseborup.com/ahistoryofintonati
Zimbalist, Oistrakh e Elman e à este respeito pode onfinal1.pdf>. Acesso em 20 de junho de 2015.
mostrar uma tendência para se evitar a neutralidade Tradução de Walisson Higor da Cruz.
de intervalos vizinhos na afinação, isto é, de fazer [6] GUTMAN, A. Die Genauigkeit der Intonation
precisa distinção entre as respectivas relações de beim Instrumentenspiel (Zeitschrift
altura. Entre os recitais dos três artistas a diferença fürSinnenphysiologie, 1927), p. 58.
de afinação era tão grande que era impossível incluí- [7] CAMPAGNOLI, Bartolommeo. Metodo per
las em um sistema comum, tanto que apenas a Violino (Milão: 1797), Parte 4, no. 225.
respectiva ordem de afinação usada no recital pode [8] MOZART, Leopold, Versuch Einer Gründlichen
ser avaliada [5]. Violinschule (Augsburg: 1756), p. 70.
[9] O. Szende & M. Nemessuri, p. 141.[5].
Verifica-se, portanto, a influência dos tratados
teóricos dos mestres violinistas sobre a técnica do
violoncelo (pelo menos até meados do século XVIII),
e o modo de se executar escalas quando em
companhia de outros instrumentos.
Das diferentes propostas pedagógicas, a técnica
moderna dialoga com a flexibilidade: o bom
instrumentista seria aquele com a praticidade de
adaptação independente de seu contexto. Ainda
assim, é assunto deveras complexo, uma vez que
recebe diferentes interpretações dentre grandes
instrumentistas. Metodologias contemporâneas como
o sistema de Shinichi Suzuki, de adesão crescente no
mundo todo, pregam o estímulo frequente por um
tom apurado — indicativo de que a prática e procura
de uma afinação concisa é fator muito mais
representativo do que mera conclusão científica.
Deve-se dar, finalmente, importância maior à
pesquisa e a prática de afinação do que um resultado
final enrijecido e de pouca efetividade prática.
Atesta-se a importância prática do entendimento
dos fundamentos da acústica no desempenho musical
com este artigo, uma vez que fomenta o
instrumentista de conceitos de apurada precisão
técnica e perceptiva. Espera-se deste uma maior
sensibilidade à estas informações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] Artigos. 1980. "Violoncello", "Pythagorean
intonation", "Mean-tone". The New Grove
Dictionary of Music and Musicians, editado por
Stanley Sadie. 20 vols. London, Macmillan
Publishers. Tradução por Walisson Higor da
Cruz, 2015.
[2] “Um pouco de história”, PIBIG – Primeira Igreja
Batista em Itapema – Guarujá. Disponível em
<http://www.pibig.org/detalhe.php?pid=235>.
Acesso em 19 de junho de 2015.
[3] OSNES, John, Osnes Violins. Disponível em
<http://osnesviolins.com/1.Cello%20Build%20st
art.htm>. Acesso em 21 de junho de 2015
[4] FARIA, Regis Rossi A. Slides: Escalas e
Afinações. Rev. 1º. Sem. 2014.