História Judaica

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Conteúdo

Um rebe no inferno nazista 3

Artes Plásticas e Judaísmo: “Os Quatro Vagões de Sobrevivência” de


Gershon Knispel 5

Um memorial para a imigração judaica no Brasil 9

Criptojudaísmo e conversos 12

A Rainha Ester nos dias de hoje 14

A sabedoria do Rei Salomão: Provérbios 16

A grande dedicação de Ruth, mulher exemplar 18

A sabedoria do Rei Salomão: Cântico dos Cânticos 19

A sabedoria do Rei Salomão: Eclesíastes 21

O Holocausto não é castigo 23

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Um rebe no inferno nazista
Uma biografia inspiradora e heroica talvez se enquadre na categoria de raridade, mas muitos livros foram es-
critos sobre o Holocausto. Está incluído aqui inúmeras biografias de sobreviventes. Almas que heroicamente
saíram vivas dos campos de extermínio para renascer em outra terra.

Muitos livros e filmes nos relatam as revoltas dos judeus aprisionados nos guetos e campos de concentração.
Revelam como eles, com suas últimas forças, se rebelaram contra os seus carrascos nazistas.

Mesmo destroçados, estes heróis continuam nos inspirando até hoje. Porém, pouco se escreveu e se contou
sobre a resistência espiritual travada por heróis, muitos desconhecidos até hoje, no meio das chamas do infer-
no que eles passaram nas mãos das SS e Gestapo nazistas.

Este livro — esta maravilhosa biografia do grande mestre, o Rebe de Klausenberg, Rabi Yekutiel Yehuda Hal-
berstam — nos permite vislumbrar a grandeza e a nobreza espiritual deste gigante, que permaneceu firme na
sua observância religiosa, apesar do seu enorme sofrimento e perdas pessoais.

Uma biografia inspiradora e heroica inspiração para os outros

As suas recusas em comprometer a sua observância e cumprimento das mitsvot, por menores que fossem as
eventuais transgressões, fizeram do Rebe Yekutiel Yehuda Halberstam uma figura ímpar. Tornar-se-ia, com
justiça, numa fonte de desafiadora inspiração para seus sofredores irmãos judeus. De fato e de direito é hoje
uma biografia inspiradora.

Com o final da guerra, com o seu espírito íntegro, apesar de seu sofrimento, ele inspirou os seus companhei-
ros  sobreviventes. Trouxe, pois, esperança aos desesperados e a luz da fé àqueles judeus cujo mundo havia se
transformado em trevas.

Muitos atos de resistência espiritual foram demonstrados por  prisioneiros judeus nos campos de concen-
tração e extermínio, que arriscaram suas vidas para manter acesa a chama da tradição judaica mesmo em
condições de vida sub-humanas: mulheres e moças acenderam velas de Shabat em Birkenau; homens colo-
caram tefilin clandestinamente em Auschwitz; uma chanukiá foi acesa em Bergen-Belsen; um shofar passou
escondido de barracão em barracão em Buchenwald; e a lista é extensa.

Espírito judeu inquebrantável

E aqui surge a pergunta: de onde os judeus, famintos, massacrados, humilhados e perseguidos, extraíram
tanta fé, coragem e força, arriscando as  suas vidas por esta resistência espiritual e física.

Talvez a resposta esteja pois em um episódio anterior da nossa história mencionado no Talmud (Babilônico,
Avodá Zará 18a). Nos primeiros séculos  desta era, os romanos que governavam Israel prenderam Rabi Cha-
nina ben Tradion por ensinar Torá a uma multidão, o que era proibido pelas autoridades dominantes.

Os romanos decidiram queimá-lo junto com um Sêfer Torá em praça pública. Então, uma fogueira foi prepa-
rada, e o fogo foi aceso. Enquanto o sábio e o rolo da Torá estavam envoltos em chamas, seus alunos, vendo

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toda a cena, perguntaram para Rabi Chanina: “Mestre, o que o senhor está vendo?” Ele respondeu: “Guevilin
nisrafim veotiot porchot” – “Estou vendo os pergaminhos queimando e as letras voando”.

O que Rabi Chanina estava nos dizendo então é que o fogo pode apenas consumir o pergaminho, o papel e a
parte física. Mas as letras que representam o conteúdo e a parte espiritual, estas evaporam e voam sem serem
atingidas pelo fogo.

O verdadeiro corpo judeu é a sua fé no Todo-poderoso

De forma análoga, inimigos e perseguições podem afligir o corpo do judeu, mas seu espírito e sua alma,
jamais.

O nazismo destruiu por pouco tempo o corpo físico. Todavia o espírito judaico, a fé e a confiança no Todo
Poderoso, a nobreza da alma e o cumprimento dos preceitos, estes são indestrutíveis.

Nem o fogo da Inquisição, e nem a asfixia das câmaras de gás são capazes de apagar ou obliterar. Assim é a fé
do povo judeu em D’us.

Este é o espírito desta obra. A fé e a coragem do Rebe de Klausenberg permanece como fonte de inspiração
para todos nós. Dela retiramos a força para que possamos viver o nosso Judaísmo. Assim como este se ex-
pressou nessa biografia inspiradora de Rebe de Klausenberg. Então certamente iremos presenciar a vinda de
Mashiach, brevemente, em nossos dias.

Prefácio do livro “Um Mestre no Inferno”, Editora Maayanot, Junho de 2017

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Artes Plásticas e Judaísmo: “Os Quatro Vagões de
Sobrevivência” de Gershon Knispel
Artes plásticas e judaísmo são um binômio nas mãos do artista Gershon Knispel.  É que em cada encontro
que tive com o artista eu me impressionei muito com a sua sensibilidade. Um artista verdadeiro que possui
uma tendência espiritual.

É verdade que ele é um humanista que luta pela igualdade, justiça e fraternidade. No entanto, eu realmente
senti que isso era apenas uma expressão da sua alma que deseja cumprir o mandamento do Criador de ajudar
ao próximo. Assim, é certo dizer que, consequentemente,, Gershon Knispel escolheu a arte como meio de
servir os fracos e oprimidos.

Nossa convivência aumentou e junto com ela cresceu a sua sede de retornar às suas raízes. De fato sugeri a ele
que estudasse a Bíblia Hebraica e Judaísmo com pessoas observantes e tementes a D’us. Isso daria uma nova
tonalidade para o que que ele aprendera em sua juventude.

Ele imediatamente concordou.

Um par de tefilin e uma reaproximação da Torá

Pouco tempo depois, decidiu adquirir um par de tefilin para colocar de vez em quando e começou a se apro-
ximar da Torá e Mitsvot.

Ele me falava muito sobre seus encontros com o sobrevivente do Holocausto e testemunha no julgamento
de Eichman, Yehiel De-Nur (KaTzetnik), o que fez com que o Holocausto se tornasse um tema central para
Gershon.

Comecei a conhecer de perto o seu trabalho, visitei suas exposições (algumas se encontram de forma perma-
nente no Palácio do Governo e no Clube Hebraica); descobri seus monumentos em Israel em homenagem
aos soldados tombados nas guerras, e seus trabalhos sobre os personagens e acontecimentos da história do
Brasil, e muito mais.

Havia mais talentos a serem explorados

Na realidade, sentia que Gershon não utilizava todos os seus talentos. Gershon Knispel se considerava um
artista judeu. Contudo, grande parte das suas obras não se baseava em fontes religiosas e não expressavam o
espírito judaico. Nosso artista lutava tanto pela abolição das fronteiras entre as nações e a remoção de barrei-
ras entre as pessoas (devido à sua natureza boa inata e sua busca pela justiça), que ele se esquecera da história
de seu próprio povo.

Percebi que chegara a hora das suas obras expressarem os conceitos judaicos, algo que elevaria seu nível espi-
ritual. Isso faz parte do famoso conceito apresentado por nossos Sábios (e enfatizado pela Chassidut): “Eu fui

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criado para servir o meu Criador” e “Todas as suas ações devem ser feitas em nome de D’us”. É importante
notar aqui as palavras do grande líder da nossa geração, o Rebe de Lubavitch, sobre este assunto.

A luz do Tsadic ilumina mais o artista

Assim escreve o Rebe para o escultor judeu Jacques Lipchitz. Ele é reconhecido internacionalmente (nascido
na Rússia, viveu nos Estados Unidos e na Itália, tendo conhecido, em sua juventude, Picasso e Chagall): “(…)
D’us quer que você aproveite os seus talentos para o benefício do povo judeu em geral e particularmente para
os valores judaicos (…). Você tem o privilégio de agir assim usando sua ferramenta particular, o que para
certos círculos é o único meio para aprender algo sobre os judeus e o judaísmo (…).

O ponto é que aqueles que foram agraciados por D’us com este dom para a arte, seja na escultura ou pintu-
ra, etc., possuem a vantagem de transformar algo inanimado, como pincel, cores e tela, ou madeira e pedra,
no formato de uma coisa viva. Num sentido mais profundo, é a capacidade de transformar, em certo ponto,
o material em espiritual. Isso mesmo quando o trabalho lida com objetos inanimados. Ainda mais quan-
do a obra de arte está relacionada com animais e seres humanos. Mais ainda quando aproveita a arte para a
expressão de conceitos judaicos, principalmente quando se observa Torá e Mitsvot. Isso acaba  elevando o
talento artístico ao seu mais alto nível”.

Reconstrução artística do Holocausto

Assim nasceu a ideia das quatro esculturas de parede que retratam a tragédia do Holocausto e da Inquisição e
a sobrevivência subsequente. Artes plásticas e judaísmo, portanto, estão juntos aqui.

Gershon dedicou muitas horas de estudo a estas questões sob o prisma judaico-religioso. Escolhemos os
versículos relacionados a esses eventos. Obviamente, ele aprendeu a maneira correta para que a escultura
não transgredisse o segundo dos Dez Mandamentos, “Não farás para ti nenhum ídolo”, e que se adequasse às
orientações da Torá. Nessas quatro esculturas de grandes dimensões, Novamente, artes plásticas e judaísmo
se entrelaçam aqui.

Gershon Knispel descreve a tragédia do Holocausto que se abateu sobre o povo de Israel no século XX e
também os heróis das revoltas judaicas. Isso vem desde os macabeus até os levantes dos guetos. Em frente há
uma descrição da Inquisição e as piras de fogo. Também há o renascimento das comunidades de marranos
que retornaram ao judaísmo, apesar de toda a tortura sofrida. Esses murais encontram-se no salão de festas
da Instituição Beneficente Israelita Ten Yad, em S. Paulo, Brasil. Uma forma de mostrar as artes plásticas e
judaísmo de modo ainda mais forte para muitos Yehudim que frequentam o Ten Yad.

Inicialmente, muitos perguntaram o que tem a ver essas esculturas, que retratam sofrimento e tristeza, com
um salão de casamentos e festas? Nossa resposta foi absolutamente clara: Exatamente por isso! Essas celebra-
ções são uma prova viva da revitalização e sobrevivência milagrosa do povo de Israel. Isso graças à providên-
cia do Criador sobre Seu povo. A melhor forma de vingança para com todos os inimigos de Israel, a começar
pela Inquisição, até os nazistas, é a celebração da circuncisão, do bar mitsvá e dos casamentos. É assim que
conseguimos indicar a eternidade do povo judeu.

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Com a palavra os especialistas

Os pesquisadores de arte, principalmente o historiador de arte israelense Gideon Efrat, dizem, de forma unâ-
nime que as grandes esculturas que enfeitam o salão do Ten Yad – às quais o artista Knispel dedicou três anos
de trabalho – são o ápice de sua obra artística. Nelas ele investiu o melhor da sua força e talento, incluindo
obras desde o começo de sua vida artística. É assim que o artista reúne as artes plásticas e judaísmo e os leva a
um patamar ainda mais nobre.

Gershon Knispel também concorda que esta obra fez grande diferença em sua vida. Isso apesar de ele achar
que a diferença está na expressão da sua pintura e na diferença da qualidade tridimensional. Mas, do nosso
ponto de vista, a mudança foi mais profunda, particularmente na linguagem da alma. Foi assim que recu-
perou a sua força original. Não restam dúvidas de que nesses relevos o artista manteve vários padrões de
trabalhos anteriores. Contudo desta vez o espírito e o orgulho judaico são sentidos de forma mais pungente.
Durante o período de trabalho, o artista dizia que essa obra não o deixava dormir. Isso devido a que ele se
sentia inspirado, e os versículos o acompanhavam em seus sonhos.

Importantes estudiosos de arte têm escrito e discutido muito sobre o manco na escultura do Holocausto. Suas
conclusões são que ele representa um antigo símbolo dos soldados feridos e a crueldade da Primeira Guerra
Mundial. Uma figura que possui muitos precedentes na história da arte e que expressa a tristeza dos oprimi-
dos. Eles observam que mesmo Breughel, o Velho, pintou em 1568 os quatro anões deficientes [Os Mendigos,
quadro atualmente exposto no Museu do Louvre, Paris].

Remontando ao patriarca Jacob

A verdade é que o homem coxo na escultura do Holocausto representa uma figura antiga: o Patriarca Jacob.
Assim diz o versículo sobre ele, depois de receber um golpe do anjo de Esaú: “Ele mancava em sua coxa”.
Porém, pouco tempo depois, o texto bíblico diz: “Jacob veio completo para a cidade de Shechem” – completo
e curado da sua ferida. Jacob manco e Jacob curado representam o povo de Israel (o segundo nome de Jacob)
em sua decadência e ascensão.

Nossos Sábios do Talmud (Avodá Zará 11b) afirmam que na antiga cidade de Roma havia um ritual públi-
co. Ele era mantido uma vez a cada setenta anos. Traziam uma pessoa forte e saudável e vestiam-na com as
roupas de Adão, e a faziam montar sobre um homem manco. Era dessa forma que ele anunciava publicamen-
te que Jacob ainda estava sob o domínio de Esaú. É possível então inferir a comunhão das artes plásticas e
judaísmo na expressão de artistas como Gershon Knispel.

Reviravoltas da alma judia com as artes plásticas e judaísmo

É isso que a alma do artista descreve por inspiração na escultura do Holocausto:. É assim então que Jacob
deixa de ser o manco e fraco e de repente descobre as tremendas forças de sua alma. Ele cura sua deficiência,
quebrando as correntes de ferro, e retorna completo e curado. A intenção é clara: a sobrevivência judaica.

O manco não é apenas o herói do Holocausto, mas é o símbolo da eternidade do povo judeu ao longo das ge-
rações. Embora muitos povos poderosos tenham se levantado contra ele, hoje eles se encontram nos museus
e nós estamos vivos. Essa eternidade do povo de Israel é uma das grandes maravilhas do Criador. É também
um dos milagres incomparáveis (nas palavras de Rabi Jacob Emdin, na introdução do Sidur Beit Yaacov).

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O mesmo se aplica à escultura sobre a Inquisição e as revoltas; não é apenas uma bela homenagem à memó-
ria desses mártires, mas principalmente indica a vitória do espírito judaico; não há fogo no mundo que possa
queimá-lo e não há água no mundo que possa apagar a fé pura que pulsa no coração judaico. A força de Israel
não esmorece, e o judeu não pode e não quer romper com seu judaísmo.

Símbolo vivo da sobrevivência judaica

Assim também ocorre com a escultura da pomba de Noé forjada por Knispel, que se encontra no Memorial
da Imigração Judaica em S. Paulo. Um exemplo vivo de como artes plásticas e judaísmo ganham relevância
novamente.

Aqui também surge um símbolo forte da sobrevivência judaica na Diáspora em todos os exílios. Isso mesmo
que ele tenha sido muitas vezes expulso e “a pomba não tenha encontrado nenhum descanso para seu pé”.
Mesmo assim, de qualquer forma, “enquanto eles estiverem na terra de seus inimigos, Eu não Me desgostarei
deles nem Me cansarei deles a ponto de destruí-los e quebrar Meu pacto com eles. Eu sou D’us, o Senhor de-
les” (Levítico 26:44), “Nessa ocasião os recolherei de onde estiverem e os trarei de volta, e farei com que sejam
motivo de louvor e de renome entre todos os povos da terra, porque os farei regressar de seu cativeiro diante
dos olhos de todos – diz D’us” (Sofonias 3:20).

Prefácio do livro Knispel – A Retrospectiva: 60 anos de criação de Gershon Knispel, Editora Maayanot, S.
Paulo, abril de 2016

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Um memorial para a imigração judaica no Brasil
Antes de tornar presente o memorial da imigração judaica aqui no Brasil, um fato terrível marcou nosso
passado:

19 de abril de 1903: um terrível massacre ocorre contra os judeus de Kishinev, capital da província da Bessa-
rábia, do Império Russo.

Dezenas de mortos, centenas de feridos, bebês brutalmente assassinados, 700 casas destruídas, 600 lojas
saqueadas.

Em resumo, duas mil famílias judias encontram-se sem teto. Mais um libelo de sangue, e a polícia nem inter-
cedeu. Infelizmente, as ondas antissemitas repetiram a cena em 1905, em escala menor.

Êxodo de judeus da Romênia

Este pogrom de Kishinev, hoje capital da Moldávia, desencadeou um grande exílio, o êxodo dos judeus da
grande Romênia, como se chamava, que era a Bessarábia, Bucovina e Transilvânia, onde residiam 1 milhão
de judeus.

Uma parte foi para a América do Norte, e a outra foi para a América do Sul.

Aqui, em S. Paulo, já havia algumas famílias russas, como os Klabin, Tabacow, Teperman, Gordon e Mindlin,
que vieram por volta de 1890.

A eles se juntaram estes imigrantes da Bessarábia, como os Nebel, Krasilchik e Berezowsky, e fundaram esta
primeira sinagoga do estado em 1912.

Com a cara e com a coragem

Com a cara e a coragem, além dos sonhos e da roupa do corpo, eles traziam debaixo do braço algo a mais:
seus talit e tefilin; seu Judaísmo e o de seus ancestrais, que, apesar das perseguições, jamais foi esquecido.

Nas palavras de Guilherme Krasilchik, filho de Yoina (o marceneiro que com suas mãos construiu esta Arca
Sagrada aqui na nossa frente):

“Estes pioneiros tinham poucas posses, mas o ideal desses homens era enorme”.

Nos estatutos daquele primeiro ano, 1912, constava a construção de uma cooperativa, de uma sinagoga e de
um cemitério. Chamaram este local de Kehilat Israel, Comunidade Israelita, pois já estavam pensando em
estabelecer uma comunidade organizada.
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Santificar-se a D’us exige sacrifícios

Com enorme sacrifício, através de uma hipoteca, compraram o sobrado que aqui ficava, resgatando prestação
a prestação.

Embaixo, no porão, havia quartos para os imigrantes pernoitarem. Outrossim, em cima, funcionava uma
escola de iídiche, com o professor Yechiel Itkes, que veio do sul, a primeira semente da Escola Renascença.

Logo instalou-se uma biblioteca, com o esforço de Abrão Kaufman (afinal, somos o povo do livro).

Em 1925, numa reunião de ativistas nesta casa, foi fundada a Sociedade Cemitério Israelita, a Chevra Ka-
disha.

Logo após o término da Primeira Guerra Mundial, a gripe espanhola atingiu S. Paulo, e as sinagogas do Bom
Retiro foram transformadas em hospitais e abrigos para os enfermos (embrião do Hospital Israelita Albert
Einstein).

Em resumo, este local foi a pedra angular da comunidade judaica organizada que conhecemos hoje, com suas
várias ramificações e instituições.

Uma firme decisão para crescer

A velha casa transbordava de pessoas, quando, posteriormente, décadas depois, os diretores resolveram não
mais adiar o sonho.

Derrubaram então o sobrado velho e construíram este magnifico prédio. Até os anos 90, este local era repleto
de acontecimentos e festividades, assim não havia cadeiras que bastassem.

No final dos anos 90, após o grande êxodo dos judeus do Bom Retiro, resolveram entregar os cuidados desta
casa para o Ten Yad, com a promessa de que a memória desses primeiros imigrantes fosse preservada.

Foi assim que nasceu esta instituição independente, que é o Memorial da Imigração Judaica, uma justa home-
nagem, e no local adequado, bem no polo cultural da cidade, ao lado da Sala S. Paulo, do Museu da Língua
Portuguesa, da Pinacoteca, etc.

Um país acolhedor e de braços abertos

O Brasil foi extremamente acolhedor e receptivo para esses imigrantes da Bessarábia. E aqui eles tiveram a
oportunidade de recomeçar as suas vidas. Porém, não era a primeira vez. Já nos séculos 16 e 17 o Brasil abri-
gou judeus que fugiam das perseguições das inquisições espanhola e portuguesa.

Primeiramente, no século 19 vieram os judeus do Marrocos e da Alsácia, que foram bem acolhidos e se inte-
graram à vida do Brasil.
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Aliás, desde o início do desenrolar da aventura ibérica no Novo Mundo, os judeus sempre estiveram presen-
tes aqui no Brasil.

O Caramuru, colonizador do Norte do Brasil; João Ramalho, colonizador do Sul; e mais tarde, Fernão Dias,
todos entretanto eram descendentes de judeus.

Aqui a Providência Divina nos trouxe, a fim de que pudéssemos receber oportunidades de aprender e crescer,
sustentar nossas famílias e professar a nossa fé com liberdade.

Apenas um simples exemplo, recordado no estudo oficial da USP: entre 1908 e 1945, 310 indústrias se insta-
laram neste bairro do Bom Retiro.

Aquelas não pertencentes aos judeus não ultrapassavam uma dezena. Então chegou o momento de agradecer,
porque nós, judeus, somos um povo que conhece a gratidão.

O Memorial da Imigração Judaica no Brasil está no Bom Retiro

Bem aqui, em S. Paulo, definida pelo poeta Mário de Andrade como uma boca de mil dentes, metáfora para
uma cidade capaz de abrigar todas as culturas, e bem aqui, no Bom Retiro, onde muitos de nossa gente co-
meçaram, um bairro que é uma coletividade de etnias diferentes, um microcosmo do Brasil acolhedor, surge
aqui o Memorial da Imigração Judaica no Brasil.

Sim, é neste país que crescemos, trabalhamos muito duramente e escrevemos uma maravilhosa história. Esta
foi iniciada principalmente em algum porto ou em uma terceira classe de algum navio partindo para o Novo
Mundo.

É do ventre da imigração, portanto, que nasceram gerações de médicos e advogados, comerciantes e indus-
triais, professores e trabalhadores, e aqui estamos para homenageá-los.

Para nós, povo de Israel, o passado é igualmente parte do presente e um trampolim para o futuro. A Torá nos
lembra mais de 36 vezes que fomos escravos no Egito.

Cortar as raízes de uma árvore coloca em risco os galhos e o tronco. Assim como bem escreve o conhecido
autor e jornalista Alberto Dines: “Perda de memória no plano individual é inevitável; no plano coletivo é
imperdoável”.

(Discurso proferido na inauguração do Memorial da Imigração Judaica no Brasil – Fevereiro de 2016)

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Criptojudaísmo e conversos
A condição de criptojudaísmo (ou conversos; anussim em hebraico) refere-se a alguém que foi batizado à
força. Ou então sob ameaça de morte, porém observa as tradições e o comportamento judaico secretamente.

Muitos convertidos batizados à força são chamados de cristãos-novos, uma vez que continuaram a praticar o
Judaísmo às escondidas. O termo “marrano” é geralmente usado para designar cristãos-novos. Contudo, não
é nada elogioso para os judeus, pois significa “porco” em espanhol.

Em geral, costuma-se dizer que o criptojudaísmo (ou marranismo) nasceu na Espanha em 1391. Era um pe-
ríodo em que muitas comunidades judaicas foram perseguidas. Assim, muitos inocentes foram massacrados
e muitos judeus pois morreram santificando o nome de D’us.

As crônicas judaicas da época, como Shevet Yehudá (de Shlomo ibn Verga)e os historiadores, falam de muitos
judeus que se converteram ao Cristianismo. Porém, esses judeus praticavam seu Judaísmo na clandestini-
dade. Esse batismo era aceito como escape da vingança popular. Ele permitia portanto que as prerrogativas
antigas fossem mantidas, principalmente as vantagens materiais e as profissões lucrativas.

Todavia, esse comportamento de criptojudaísmo já acontecera antes na história (em escala menor). Apenas
a título de exemplo, na própria Espanha, no século VII, após a conversão do rei Recaredo ao Catolicismo e
a sua missão de cristianizar a Espanha, houve judeus que simularam abraçar a fé cristã, mas secretamente
preservavam os rituais e os costumes judaicos.

Também na época dos Cruzados, no século XI, quando muitas comunidades judaicas em torno do rio Reno
foram destruídas (muitos morreram no martírio e muitas mulheres e crianças sofreram atrocidades), houve
um grupo de judeus que se converteram pró-forma, sendo batizados à força, mas continuando a praticar o
Judaísmo clandestinamente.

Histórias de criptojudaísmo

A conversão forçada que impulsionou os conversos judaizantes não aconteceu pois apenas no mundo cristão.

No século XII, uma seita muçulmana fanática, os almôades, obrigou várias comunidades do Mediterrâneo a
aceitar o Islã como sua religião e Maomé como seu profeta sob pena de morte. O próprio Maimônides teve de
fugir com sua família da Espanha para o Marrocos por causa da coação dos almôades.

Na cidade de Fez, encontrou muitos judeus convertidos pró-forma ao Islã, mas praticantes do Judaísmo
secretamente. Foi lá que ele compôs sua famosa epístola sobre apostasia (Iguéret Hashmad), onde reconforta e
encoraja esses anussim.

O denominador comum em todas essas histórias de perseguições é que não se consegue apagar o Judaísmo
do próprio judeu. Uma vez que o judeu está ligado com o seu Judaísmo de forma intrínseca, e o Judaísmo é
um legado Divino, sinônimo de eterno, fica o judeu eternamente ligado a esses ensinamentos e não consegue
se separar deles.

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Isso explica o fato de que, mesmo centenas de anos após a expulsão da Espanha, ainda encontramos na
Península Ibérica novos cristãos de quarta ou quinta geração que arriscam suas vidas com comportamentos
secretos judaizantes sabendo que, se isso chegar aos ouvidos da Inquisição, pagarão com as suas vidas, como
foi o caso do  capitão-mor Miguel Telles da Costa, de Paraty.

(Extraído do prefácio do livro Miguel Teles da Costa, Editora Maayanot, S. Paulo)

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A Rainha Ester nos dias de hoje
O Livro de Ester relata a história da rainha Ester, que ocorreu há cerca de 450 a.e.c. O livro de Ester é o pre-
ceito mais destacado na observância da festa de Purim. O livro foi popularmente chamado de “Meguilá” e é
lida na sinagoga na noite de Purim. Também é lida no serviço de Shacharit, na manhã seguinte.

O nome Purim deriva da palavra “pur” — sorteio em persa —, pelo qual Haman estabeleceu a data para ani-
quilar todo o povo judeu.

Apesar de ser uma das cinco Meguilot (Cinco Rolos), é universalmente conhecida como “a Meguilá”. Entre-
tanto, isso se dá não por ser a mais importante, mas por sua imensa popularidade. Então isso se explica por
toda a ênfase dada à sua leitura pública. E, também, sem esquecer que é a única lida de um rolo de pergami-
nho.

O Livro de Ester, na Bíblia hebraica, é o último das cinco Meguilot. O motivo para isso, segundo o Talmud
(Bava Batra 14b), é a sua ordem cronológica. Isso é assim porque Daniel viveu durante os reinos de Nabuco-
donosor, Belshazzar e Dario. Já Mordechai e Ester viveram durante o reinado de Achashverosh, e Ezra viveu
durante o reinado de Dario II, o sucessor de Achashverosh. Assim também é a sua ordem de leitura durante o
ano. Essa ordem abrange o Cântico dos Cânticos, que é lido em Pessach. Já Ruth é  lida em Shavuot, enquan-
to Lamentações são lidas em Tishá BeAv. Quanto ao Eclesiastes, este é lido em Sucot. Finalmente, Ester, é lida
em Purim.

Muitas circunstâncias contribuíram para que o Livro de Ester fosse o mais conhecido dos livros bíblicos pela
maioria do povo judeu. Tem a circunstância dramática simples e intensa ao mesmo tempo, a vida da persona-
gem, a alegria da festa de Purim na qual ela é lida. Culmina, pois, na perene verdade de sua moral.

Fois assim então que Haman tornou-se o protótipo do perseguidor de Israel e a sua queda sempre consistiu
de uma esperança e um refúgio para o povo judeu oprimido em todas as gerações. O livro exemplifica, de
modo conciso, mas efetivo, o milagre da eternidade sobrevivência judaica.

Mas, afinal, quem é o autor de Ester?

Está explicitamente escrito no texto (9:20) que o Livro, ou Rolo de Ester foi escrito por Mordechai, e reescrito
em colaboração com a Rainha Ester (ibid. 29).

O Talmud (Bava Batra 15a) afirma que ele foi escrito pelo Homens da Grande Assembleia. Isso pois se refere
a Mordechai, que era um de seus membros. Sugere ainda que todo o corpo subsequentemente editou o Livro
antes de sua canonização.

De acordo com Rashi (9:20), Mordechai escreveu a Meguilá em sua forma presente. Ester entretanto solici-
tou aos Sábios para comemorá-la por todas as gerações, incorporando-a ao Livro com as Sagradas Escrituras
(ibid. 32).

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Quem quer que seja o seu autor, o importante é lembrar que o Talmud (Meguilá 7a) afirma: “O Rolo de Ester
foi escrito por Divina inspiração”. Muitas frases no Livro são apresentadas como evidência de sua origem
Divina.

A característica mais marcante do Livro de Ester é a omissão do Nome de D’us. Mesmo onde está claro que
o autor se refere a Divina Providência, ele se esforça para não mencionar o Nome de D’us. Várias razões são
sugeridas para esta peculiaridade.

A mais popular é a do exegeta Avraham Ibn Ezra. Ele sustenta que o nosso Livro foi originalmente escrito por
Mordechai para ser enviado aos judeus de todas as províncias. Depois disso foi copiado pelos Persas e incor-
porado aos registros históricos de seus reis. Assim, para que estes não substituíssem o nome de sua divindade
pagã pelo Nome Divino, ele omitiu-o inteiramente. Então isso propiciou à narrativa o semblante de um conto
secular de uma nação escapando por pouco da aniquilação. A história  proclamava então um festival para
comemorar a sua salvação. Já que o Livro registrado no cânon é uma cópia destas cartas, permanece sem
qualquer menção do Nome de D’us.

O milagre de Purim vai mais além de o livro de Ester

O famoso Rabi Loew, o Maharal de Praga, afirma no seu comentário de Ester, Or Chadash, que a grandeza do
milagre de Purim está na sua emanação de uma fonte superior, celestial, oculta a todas as criaturas.

Este grande milagre se manifesta como um milagre oculto, sem qualquer fenômeno sobrenatural. Este as-
pecto oculto se revela na Meguilá com a ausência do Nome Divino. Se o nome de Ester em hebraico significa
“ocultamento”, os Sábios afirmam que a menção de “o rei” na história alude ao Santo, Bendito Seja. Em outras
palavras, D’us age através de sua “marionete” Achashverosh.

O Talmud afirma que “quem lê a Meguilá de trás para a frente não cumpre com sua obrigação”.

O Baal Shem Tov oferece uma explicação singular e que faz refletir. Assim, se um indivíduo lê a história de
Purim pensando que os eventos relatados ocorreram apenas no passado (“de trás para a frente”), e não são
relevantes na nossa época atual, não entendeu o sentido da leitura.

A história de Purim se relaciona diretamente com o nosso mundo contemporâneo. Ela nos ensina como um
judeu deve se comportar em todas as épocas, assim como ocorreu no passsado.

Como o própria Meguilá nos conta, quando celebramos Purim a cada ano, seus milagrosos eventos são
“lembrados e comemorados” (Meguilá 9:28) em nossas vidas e, mesmo na Era Messiânica, continuará a se
destacar.

(Extraído do prefácio do livro Meguilat Ester)

15
A sabedoria do Rei Salomão: Provérbios
D-us apareceu para Salomão em sonho e disse: Pede o que queres. Ao teu servo pois, respondeu o Rei, dá
um coração entendido para julgar o teu povo, para que prudentemente discirna entre o bem o mal. Ao
que o Todo-Poderoso replicou: Porquanto que não pediste para ti riquezas nem a vida de teus inimigos,
mas pediste entendimento, te darei um coração sábio e entendido e também o que você não pediu: rique-
zas e glória. (I Reis 3:9)

Houve um Rei que queria recompensar seu ministro e lhe disse: “Pede o que queres.” O ministro pensou
o que pedir: “Riqueza, glória, poder? Não. Pedirei algo que me garante tudo isto: pedirei a Filha do Rei.”
(Midrash)

O Rei Salomão é reconhecidamente o homem mais sábio do mundo. Segundo a tradição, jejuou durante
quarenta dias para receber de D-us sabedoria e entendimento. O que nem todos conhecem, porém, é que
também possuía três nomes: Shlomo, Yedidia (o amigo de D-us) e Kohelet (aquele que acumulou sabedo-
ria).

E O Livro dos Provérbios igualmente se divide em três partes, cada qual exaltando uma característica de
seu autor. Logo no capítulo 1:1, temos a expressão “Salomão filho de David, Rei de Israel” (“Salomão” fala
da juventude do justo, “filho de David”, dos ensinamentos recebidos de seu pai, e “Rei de Israel” da fase do
reinado, quando já tinha méritos próprios).

A primeira parte segue até o capítulo 10:1, onde temos “Provérbios de Salomão filho sábio”. A terceira
porção começa em 25:1, com “… provérbios de Salomão, cujos homens de Ezequias, Rei de Judá, compu-
seram.” Não há dúvida de que a autoria do livro seja de Salomão, mas foram os homens de Ezequias que
copiaram os diversos rolos, editando-os na forma atual.

O que haveria por detrás desta divisão? Explica-se que a primeira parte é uma alusão à sabedoria, a segun-
da, à ética, sendo a terceira, à Torá.

Sabedoria superior resultou de Pede O Que Queres

Quanto ao conteúdo de cada uma delas não nos enganemos. Os Provérbios não são como as parábolas ou
as lições de moral de outros sábios humanistas.

Já o primeiro versículo frisa que foi composto por “Salomão”, o mais sábios entre os homens, “filho de
David”. Assim, pois, da mesma forma que O Livro dos Salmos de David foi inspirado por D-us, o Mishlê
foi também concebido por inspiração Divina. Isso vale também para “Rei de Israel”, que baseou os escritos
na Torá, a herança Divina do Povo de Israel, ensinando-a aos súditos.

16
Outro aspecto interessante da obra, o título em especial, decorre das alegorias contidas nos versículos (vide
capítulo 27, trechos 8 e 15). Bem ao estilo dos profetas, que retiram lições indeléveis de comparações ou
exemplos; assim também agiu Salomão, que proferiu 3 mil provérbios (I Reis 5:12).

Conforme os nossos sábios, até o surgimento de Shlomo, os ensinamentos da Torá eram como um poço. Isto
é, as águas repousavam profundas e frias, sem que pudessem ser içadas. Então, surgiu um justo munido de
cordas longas e resistentes para resgatá-las. Através de adágios, destilou as águas da sabedoria Divina. Seus
ditados as libertaram.

Conforme o Talmud (Shabat 30b), os sábios, a princípio, desejaram excluir Provérbios e Eclesiastes do cânon.
Isso em função das aparentes contradições entre os mesmos. Em seguida, ao conciliarem as suas dúvidas
inciais, ambos os livros foram merecidamente reintegrados à norma. Talvez por este motivo, os dois escritos,
juntamente com o Cântico dos Cânticos, ainda não desfrutavam da merecida difusão. Entretanto o Rei Eze-
quias reforçou-os, instilando os sábios daquela geração a se aprofundarem no seu estudo. Assim, pois, conse-
guiu elevá-los a um nível de santidade. E assim sucedeu com a sua divulgação que foi bastante ampla.

Relevância notória e notável de Salomão

Outras notas sobre a grandeza e extrema humildade do “filho de David” reside ao final da obra. No penúlti-
mo capítulo, o sábio tsadic não tem receio de admitir o seu engano. Isso devido ao fato de se imaginar imune
às agruras decorrentes do excesso de esposas, riqueza e cavalos, tal como advertido na Torá.

A princípio, o capítulo 31 se mostra um louvor à mulher de valor (Eshet Chayil). Aqui, Salomão é grato à sua
genitora por tê-lo educado e repreendido no epísodio da inauguração do Templo Sagrado. E até hoje, a cada
início de Shabat, costumamos recitar este provérbio em homenagem à mulher. A mesma mulher que prepara
o ambiente sabático com esforço, talento e dedicação.

A lição: o homem mais sábio do mundo, aquele que reinou aos 12 anos, durante quarenta anos, como seu
pai, e faleceu ao 52, como Samuel, e que dentre todas as tentações materiais escolheu a sabedoria, mesmo este
homem não se ilude. Qualquer falha, por ínfima que seja, é sempre uma falha a ser corrigida.

Indiscutivelmente, os Provérbios são uma lição de vida. Cada palavra pois poderia preencher tomos e mais
tomos, tamanho seu vislumbre e saber.

Segundo o Zohar, D-us disse a Salomão: “Já que o teu nome é como o Meu [Shlomo, da raiz Shalom], dou-te
a Minha filha [a sabedoria] em casamento.”

E assim foi. Tudo, portanto, resultado da fala de D’us a Salomão: Pede o que queres.

(Extraído do prefácio do Livro dos Provérbios)

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A grande dedicação de Ruth, mulher exemplar
O livro de Ruth foi escrito pelo profeta Samuel, cuja estatura é comparada à de Moshé e Aharon. Aparente-
mente foi escrita no final de sua vida. Assim, era principalmente um documento sobre a ascendência da Fa-
mília Real do Rei David, pois Ruth acabou se casando com Boaz e deu à luz Oved, que foi o pai de Yishai,
sendo este o pai do Rei David.

O próprio Rei David alcançou um nível espiritual elevadíssimo. Chegou a merecer pois a expressão “Elokei
David” (“O D’us de David”). Isto é similar ao modo que clamamos pelo D’us de Avraham, Yitschac e Yaa-
cov em nossas orações (ver Reis II, 20:5).

O objetivo do Livro de Ruth é mostrar como o Todo-Poderoso age sobre todas as Suas criaturas com Sua
Providência Divina. Em outras palavras, quer mostrar que D’us retribui a cada uma conforme seu esforço.

Neste livro vemos como Elimelech, um líder judaico rico, porém avarento, resolve sair da terra de Israel
para não ser obrigado a distribuir o seu dinheiro para os pobres que sofriam com a fome. E no final, perde
todos os seus bens, e sua mulher volta sem nada. Por outro lado, Ruth e Naomi — que preferem viver na
pobreza na Terra de Israel a desfrutar de honrarias na terra de Moav — merecem se aproximar da Casa
Real.

Tesouros judaicos no livro de Ruth

Sem dúvida, o livro de Ruth nos faz refletir como os atos do homem são capazes de influenciar o futuro:.
Ruth, que possui as três qualidades inatas do Povo de Israel — piedade, vergonha e bondade —, merece ter
como descendência os reis da casa de David, até o justo Mashiach.

Nossos sábios dizem que o Livro de Ruth não foi escrito para nos ensinar leis ou costumes, mas para nos
fazer conhecer quão grande é a recompensa daqueles que praticam a bondade. A atitude generosa de Boaz
para com Ruth, e principalmente o comportamento nobre de Ruth para com sua sogra, lhe renderam o
mérito de ver e acompanhar seu bisneto Salomão sentado no trono real (Ruth Rabá, cap. 2). Também no
que se refere à ordem dos Livros das Escrituras, o Livro de Ruth antecede os Salmos do Rei David, pois foi
graças ao seu esforço e sua tremenda fé nas horas de adversidade que ela mereceu ter um neto como David,
o Salmista por excelência, o cantor de louvores a D’us.

Que possamos muito em breve merecer ver o descendente de Ruth, Mashiach ben David, entre nós, trazen-
do a época tão almejada, a Redenção final e completa.

(Extraído do prefácio do livro Ruth)

18
A sabedoria do Rei Salomão: Cântico dos Cânticos
Os nossos Sábios ensinam que apenas dez canções foram compostas para D’us (Yalkut Shimoni, Yehoshua
20). Entre elas encontra-se o Cântico dos Cânticos considerada de elevada estatura.

De todos os salmos de David, de todas as visões dos profetas e das miríades de louvores espontâneos, com-
postos e entoados por milhões de judeus, apenas dez fizeram jus ao título de canção.

Entre eles, verificamos a Canção de Moisés, a Canção do Poço, a Canção de Haazinu, a Canção de Salomão
e a canção que cantaremos por ocasião de nossa saída deste exílio.

E das canções citadas, somente a de Salomão, por ser a mais elevada, é denominada Cântico dos Cânti-
cos. Uma canção sublime que, segundo Rabi Akiva, é Kodesh Kodashim, Sagrado dos Sagrados. Assim, o
mundo nunca foi tão merecedor quanto no dia em que o Shir HaShirim foi dado ao povo judeu (Talmud
Yadaim, cap. 3; Shir HaShirim Rabá 1:11).

O Talmud (Sanhedrin 94a) relata que D’us desejava apontar o justo Rei Ezequias como Mashiach. Isso em
razão de seus inúmeros feitos, mas, uma vez que o rei não cantou louvores pelos grandes milagres que pre-
senciou, o ideal messiânico não foi realizado.

Já o Rei Salomão, filho de David — o cantor por excelência —, soube cantar. E o Cântico dos Cânticos é,
certamente, prova disso. Aparenta ser uma canção de amor, mas não de um amor que um ser humano pos-
sa sentir por outro, senão de um amor entre o homem e seu Criador.

O Rei Salomão compôs o Shir HaShirim em forma de alegoria. Há um diálogo apaixonado entre o Esposo
(D’us), que ainda ama sua esposa banida (o povo de Israel). Esta, portanto, como cônjuge, deseja ser nova-
mente querida por Ele. Assim, poderá recordar o amor que ela Lhe tinha na juventude.

Para produzir obra tão notável, o Rei Salomão baseou-se nos profetas. Isso porque lá se compara, freqüen-
temente, tal relação àquela de um marido amoroso, porém melancólico pelo fato de ter sido traído.

Com sua clarividência Divina, Salomão imbuiu as palavras desta alegoria da própria saga do povo judeu.
Assim, pois, vemos desde o seu nascimento até a época messiânica. De fato, simplório é aquele que somen-
te pode enxergar no Cântico dos Cânticos um mero “love story”.

Interpretar o texto literalmente é deturpá-lo, pois o Cântico dos Cânticos representa apenas uma roupagem
literária para o significado Divino profundo e esotérico impregnado no texto.

O próprio uso da alegoria demonstra que a santidade de sua real acepção transcende a compreensão huma-
na. Assim, torna-se necessário carecer da mais básica instrução para dar à alegoria significado independen-
te.

Isto demonstra quão necessário é estudar o Cântico dos Cânticos munido dos diversos comentários e inter-
pretações dos sábios judeus.

19
Referências marcantes do Cântico dos Cânticos
Outra prova da santidade excessiva e das várias profecias que permeiam o Shir HaShirim pode ser encontra-
da no Zohar:. Lá está escrito:“O Rei Salomão foi inspirado a compor a obra no dia em que o Templo Sagrado
foi construído. A princípio, o dia de maior alegria para o Eterno, desde a criação do Universo.”

Assim, não foi um mero acaso Rashi ter afirmado que o Cântico dos Cânticos está repleto de temor a D’us e
aceitação do jugo Divino (Shir HaShirim 1:1).

Os sábios ensinam (Shir HaShirim Rabá 1:9) que quando Salomão foi abençoado com a sabedoria, ele agra-
deceu a D’us com inúmeras oferendas. Disso se aprende que ao terminar o estudo de uma porção da Torá,
deve-se comemorar com uma festa.

Que a revelação da sabedoria salomônica seja um passo decisivo para apressar a revelação da sabedoria Di-
vina. Então, seguirá par e passo conforme o versículo que descreve a era messiânica. E neste versículo lemos:
“… a terra estará cheia do conhecimento de D’us, como as águas cobrem o mar.” (Isaías 11:9).

(Extraído do prefácio do livro Cântico dos Cânticos)

20
A sabedoria do Rei Salomão: Eclesíastes
D-us apareceu para Salomão em sonho e disse: “Pede o que queres.” “Ao teu servo pois”, respondeu o Rei
Salomão, “dá um coração entendido para julgar o teu povo, para que prudentemente discirna entre o bem
o mal.”Ao que o Todo-Poderoso replicou: “Porquanto que não pediste para ti riquezas nem a vida de teus
inimigos, mas pediste entendimento, te darei um coração sábio e entendido e também o que você não pediu:
riquezas e glória.” (I Reis 3:9)

Houve um Rei que queria recompensar seu ministro e lhe disse: “Pede o que queres.” O ministro pensou o
que pedir: “Riqueza, glória, poder? Não. Pedirei algo que me garante tudo isto: pedirei a Filha do Rei.” (Mi-
drash)

O Rei Salomão é reconhecidamente o homem mais sábio do mundo. Segundo a tradição, jejuou durante
quarenta dias para receber de D-us sabedoria e entendimento. O que nem todos conhecem, porém, é que
também possuía três nomes: Shlomo, Yedidia (o amigo de D-us) e Kohelet (aquele que acumulou sabedo-
ria).

Composições do Rei Salomão


Compôs três obras, Provérbios, Eclesiastes e Cântico dos Cânticos, volumes estes produzidos, de acordo
com os nossos sábios, em honra aos três dias nos quais a criação usufruiu da Luz Divina (domingo, segunda
e terça) até que fossem criados os astros e luminárias. Por este motivo, o Rei justo mereceu três magníficas
etapas em sua vida. Assim, a primeira delas constou de grande riqueza e abundância (I Reis 10:21), a segun-
da de imensa sabedoria (I Reis 5:10) e na terceira “Salomão sentou no trono de D-us”. (I Crônicas 29:23)
Esta última fase, porém, suscita uma dúvida. Como um ser humano poderia sentar-se no “trono de D-us”?
Como isto deve ser entendido? A resposta é que em virtude da extrema humildade do monarca, o filho de
David chegou a reinar sobre toda a Terra. Assim como, da mesma forma, D-us reina sobre todo o mundo.
Conforme os nossos sábios, até o surgimento de Shlomo, os ensinamentos da Torá eram como um poço
cujas águas repousavam profundas e frias, sem que pudessem ser içadas. Então, surgiu um justo munido de
cordas longas e resistentes para resgatá-las. Através de adágios, destilou as águas da sabedoria Divina. Seus
ditados as libertaram.

Reconhecimento Rei Salomão


O Zohar discorre pois sobre seus cantos, capazes de alcançar níveis espirituais sublimes, mais elevados do
que qualquer outro existente. Salomão não precisava então de instrumentos musicais: o conteúdo de sua
sabedoria já era suficiente para elevar suas palavras.

A princípio, a palavra Kohelet tem sua origem no termo Kahal, que significa “congregação”. O Rei Salomão
transmitia a sua erudição no momento de reunir o povo no Templo (Hakhel).

Segundo o Talmude (Shabat 30b), os sábios, a princípio, desejaram excluir Provérbios e Eclesiastes do cânon
em função das aparentes contradições entre os mesmos. Porém, ao observarem o versículo “Rejubile-se
jovem em sua infância, que seu coração o alegre nos dias de sua juventude; siga o caminho de seu coração
e a visão de seus olhos — mas fique certo de que por todas essas coisas D-us o chamará para você prestar
contas.” (Kohelet 11:9), deram razão ao Rei Salomão, conciliando as suas dúvidas iniciais e ambos os livros
foram merecidamente reintegrados à norma.

21
Talvez por este motivo, os dois escritos, juntamente com o Cântico dos Cânticos, ainda não desfrutavam da
merecida difusão quando o Rei Ezequias reforçou-os, instilando os sábios daquela geração a se aprofundarem
no seu estudo, elevando-os a um nível de santidade, divulgando-os amplamente.

A força de Eclesíastes
Este célebre Eclesiastes inicia declarando que tudo neste mundo é fútil. De fato, uma máxima verdadeira,
principalmente pelo fato de ter se originado de um homem que tudo possuía. Um homem a quem nada
faltava e em cujo reinado o próprio dinheiro nada valia. Afirma o Midrash Rabá que caso um homem pobre
assim se pronunciasse, poder-se-ia chamá-lo de leviano. Um simplório que nada conhece dos prazeres mun-
danos. Mas isto certamente não se aplica ao poderoso Rei Salomão, rico, honrado e respeitado por súditos e
inúmeros outros soberanos.

Ainda segundo o Zohar, D-us disse a Salomão: “Já que o teu nome é como o Meu [Shlomo, da raiz Shalom],
dou-te a Minha filha [a sabedoria] em casamento.”

E assim foi.

(Extraído do prefácio do livro Eclesiastes)

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O Holocausto não é castigo
Em 1933 na Alemanha nazista, a Sociedade Protetora dos Animais era muito forte. Se havia algum cidadão
que fizesse um mal para um cachorro ou qualquer outro animal, seria punido imediatamente e obviamente
sofreria conseqüências. Nesta mesma Alemanha fazer mal a um animal era um crime. Todavia, perseguir
um judeu até D’us nos livre matá-lo e transformá-lo em cinzas ou sabão como sabemos, isso não era um
crime.
Infelizmente, o nazismo retirou a vida de milhões de inocentes e entre eles 6 milhões de judeus. A verdade
é que passaram mais de 60 anos e o Holocausto começa hoje a ser um pouco esquecido. Existem inclusive
aqueles que querem negar a sua existência. Mesmo entre aqueles que reconhecem que houve o Holocausto
e que morreram milhões de nossos irmãos, sem querer existe uma banalização do fato. O próprio fato de
falar em 6 milhões está errado, pois com certeza não era um número redondo, pode ser que foram 100 ou
50 mil a mais. O fato de reduzir o número de vitimas e arredondar o número demonstra que as pessoas
estão perdendo a noção da gravidade deste crime.

O povo judeu já passou por muitas perseguições; fomos expulsos da Terra de Israel pelos babilônios, Roma
arrasou Jerusalém por completo, os cruzadores a caminho de Israel para livrá-la dos “infiéis” como eles os
chamavam, queimaram comunidades judaicas inteiras na Europa. A inquisição matou muitos inocentes e
assim por diante. Mas todos esses mencionados pensavam que pelo menos eles tinham algum motivo para
lutar contra os judeus.

Era um ódio gravíssimo, mas sua mente estava embasada em algum motivo. Culpavam os judeus – ob-
viamente de forma mentirosa – de serem cosmopolitas, de envenenarem os poços, e assim por diante. Já
o que aconteceu no nazismo foi um ódio sem motivo algum. Foi uma forma de aniquilação fria e siste-
mática. Uma máquina de matar e de eliminar uma nação inteira, conseguindo paralisar a consciência do
mundo e silenciar todas as outras nações; incrível!

A frieza dos alemães ao matar os nossos irmãos e a participação ativa de toda a sociedade nisto é assom-
brosa. Todos sabiam que era possível matar judeus como moscas e ao mesmo tempo ouvir uma música
clássica. A consciência e o semblante humano desapareceram e acabaram se tornando um animal. De
acordo com os nosso Sábios, o ser humano possui uma estatura ereta com a cabeça acima do tronco, o
tronco acima dos membros inferiores, etc., havendo uma certa hierarquia; a mente, depois o coração e os
pulmões, etc. Já nos animais, seu corpo está alinhado de forma horizontal; cabeça, tronco e rabo são iguais.

Os nazistas se tornaram bestas por escolha própria, matando friamente e retirando de si totalmente o sem-
blante Divino. Eu mesmo, numa viagem que fiz a Auschwitz e Majdanek fiquei chocado ao entrar num dos
barracões em Majdanek que serve de exposição. Lá tinha várias papeladas e documentos nazistas. Entre
eles havia o original de um convite para os guardas da SS que matavam no campo para um baile e festejar a
noite. Ou seja, de dia eles matavam os judeus sufocando com gás e os cremavam, e à noite dançavam num
baile.

O pior é que os alemães mantinham uma contabilidade exata de quantas pessoas mataram, quantos com-
boios vieram e da onde que chegavam, data de nascimento das pessoas, de onde eram originários, quanto
cabelo isso ia dar, quantos dentes de ouro, quantos quilos de gordura, e assim por diante, incrível!

Não dá para entender como conseguiram criar aquele “bacilo judaico”, que tem de ser totalmente extermi-
nado e eliminado da sociedade. Isto na palavra de nossos Sábios nos lembra sem dúvida o nosso arquiini-
migo que é povo de Amalec que odeia o povo judeu sem motivo, como foi dito (Bereshit Rabá 78:9) que
Essav odeia Yaacov.

Não há motivo algum; é o antissemitismo por excelência. Aquele anti-semita que mesmo se o judeu não
existisse, ele iria inventá-lo só para poder saciar sua sede de sangue e de matança. Esse tipo de antissemi-

23
tismo não tem lógica. Em alguns lugares fomos acusados de que os judeus são diferentes, como na Polônia
que os judeus se vestiam com roupas compridas e barbas. Já na Alemanha diziam que odiavam os judeus
porque eram iguais a eles sem barba e com a mesma forma de vestir. Em outro lugar na França podia se dizer
que odiavam os judeus por estarem na terra dos outros. Em Israel nos odeiam por estarmos em nossa terra.
Argumentos contraditórios, ilógicos e sem sentido. Mas os nossos Sábios nos dizem que quando se trata de
Amalec, devemos nos lembrar e nunca se esquecer do que fizeram. Nas palavras da Torá (Deuteronômio
25:17): “Zachor et asher assa lecha Amalek” – “Lembra-se do que lhe fez Amalec”.

O Holocausto transcende a nossa compreensão. Não há possibilidade de explicar e entendê-lo. Aqueles que
tentam explicar como se fosse um castigo dos Céus estão errados. Pois não existem pecados tão grandes que
mereçam e justifiquem o Holocausto e que mereça a morte de 1 milhão e meio de crianças inocentes. Não há
possibilidade para o ser humano entender o Criador; o finito não alcança o Infinito. Como diz o Profeta (Isaí-
as 55:8): “Ki lo machshevotai machshevotechem velo darchechem derachai” – “Os caminhos e pensamentos
de D’us não são os nossos caminhos e pensamentos”. Por esta razão não podemos apreender a Contabilidade
Divina.

Por outro lado, questionar o Holocausto apenas demonstra que nós mantemos a nossa fé e que acreditamos
num D’us único que Ele é realmente a Autoridade máxima e o Arquiteto do Universo. Já que não entendemos
os Seus caminhos, por isso questionamos como foi possível isso ter acontecido.

Aquele homem que é desprovido de fé, que é um verdadeiro agnóstico não tem perguntas; para ele tudo foi
uma mera coincidência, um acidente da natureza. O fato de questionar significa que nos incomoda, o que de-
monstra a grande fé que nós possuímos. Aliás, já o primeiro judeu Abraão que foi o ícone da fé judaica e que
deu essa fé de herança para o nosso povo, chamados de “maaminim benei maaminim” – “crentes filhos de
crentes” (Shabat 97a), já questionou o próprio D’us dizendo (Gênesis 18:25): “Hashofet col haarets lo yaassê
mishpat?” – “Será que o Juiz de todo o Universo não fará justiça?”.

Conta-se que durante a Inquisição, um judeu com sua família conseguiu escapar das perseguições de Portu-
gal. Após muito esforço e dificuldades, conseguiu embarcar junto com seus filhos e esposa num navio clan-
destino e fugir da Península Ibérica a caminho da Grécia e da Turquia.

Na viagem enfrentaram o mar revolto, e quando finalmente estavam quase chegando, uma violenta tempes-
tade atingiu seu navio e o mar turbulento com ondas fortes fez seu navio naufragar. Na sua frente, sua esposa
e filhos foram para o fundo do mar e se afogaram. Ele perdeu os seres mais queridos de sua vida que com
muito custo conseguiu salvar das garras da Inquisição.

Com muita dificuldade se agarrou a um pedaço de madeira e nadou em direção a uma ilha, quando de re-
pente ergueu os olhos para os Céus e disse: “D’us, o Senhor já me retirou muita coisa. Perdi minhas proprie-
dades, meus bens, perdi tudo o que tinha em Portugal e agora o Senhor retirou minha família, esposa querida
e filhos maravilhosos, tudo! Mas uma coisa o Senhor não irá conseguir retirar: a minha fé. Apesar de tudo eu
continuo com uma fé forte. Perguntas e questionamentos eu tenho, mas minha fé permanece intacta”. Esta é a
melhor resposta judaica para o nazismo.

A melhor vingança – se é que podemos nos expressar assim, apesar de não sermos um povo vingativo –, é
que a fé judaica permaneça intacta. O povo de Israel continua com seu idealismo, com sua busca pela mora-
lidade e pela ética e na prática de Torá e mitsvot, em todas as comunidades de Israel florescendo pelo mundo
afora, desde a Terra Santa ate a diáspora. Esta é a nossa resposta: manter a nossa fé fantástica inata e preserva-
da em todo judeu, apesar das perseguições e das matanças, das tragédias e das catástrofes.

A geração pós dilúvio, preocupados com todos que faleceram antes deles, queriam fazer um monumento
para lembrarem esses falecidos. Esse monumento ficou conhecido como a Torre de Babel. Nós sabemos que
isso foi negativo e prejudicial. A forma de lembrar os falecidos não é apenas através de um monumento frio,
uma edificação de pedras, mas sim através de pessoas que trilham o caminho de seus predecessores justos, ou

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através de pessoas que consertam e reparam os erros dos antepassados. Esta é a forma judaica de se pensar.
Não apenas pedras e madeiras, monumentos frios, mas pessoas vivas de corpo e alma que servem ao Criador
e continuam a pensar em como melhorar a humanidade.

Claro que é bom que tenha museus que lembram o que foi o Holocausto, afinal precisamos saber o que acon-
teceu, mas o mais importante ainda é investir em pessoas vivas que possam cumprir o “Zachor” – “Lembra-
se do que lhe fez Amalec”. Por isso é de grande louvor essa iniciativa de levar jovens para visitar campos de
concentração. Trazer judeus vivos das gerações pós Holocausto ou talvez até filhos e netos de sobreviventes.
Principalmente jovens que vão voltar para os campos de extermínio vendo em loco o que aconteceu, mos-
trando que o povo judeu existe, que a tradição continua e que a fé é inabalável dentro de pessoas vivas; am
Israel chai – o povo de Israel vive!.

De acordo com nossa tradição, todos os nossos irmãos falecidos no Holocausto são chamados de kedoshim
– santos mártires. Sem dúvida esta iniciativa é bem louvável e de grande importância, pois os jovens que
voltam para lá numa marcha como esta, percorrem o caminho desses justos falecidos e quando passam por
lá e vêem as atrocidades que os nossos irmãos passaram (ou pelo menos uma parte, porque infelizmente só
aqueles que passaram por lá sabem o fundo do poço, os outros não sabem), logo se sensibilizam com seu
passado no âmago de suas almas. Isso reforça os laços das gerações atuais com as gerações passadas, incre-
mentam o idealismo dos jovens e sua vontade de continuidade e dão uma força e incentivo a mais para aderir
a uma prática e um comprometimento maior do Judaísmo.

Esperamos que logo, logo possa chegar a época quando o homem não mais procurará as armas, como diz o
Profeta Isaías (2:4): “Lo yissá goi el goi cherev velo yilmedu milchamá” – “Não se levantará mais uma nação a
sua espada contra a outra e não aprenderão mais a guerrear”, e o mundo inteiro será então repleto do conhe-
cimento de D’us, com paz e harmonia, como ele ainda diz (11:9): “Umaleá haarets dea et Hashem camayim
layam mechassim” – “O mundo será repleto do conhecimento de D’us, assim como o mar é cheio de águas”.

(Extraído do prefácio do livro Marcha da Vida – Editora Opeco)

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tenham interesse em conhecer leis, costumes e pensamentos externados por nossos sábios de bendita me-
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