Gestão de Sala de Aula
Gestão de Sala de Aula
Gestão de Sala de Aula
Tese de Doutoramento em
Psicologia da Educação
Fevereiro 2007
i
Universidade do Minho
Instituto de Educação e Psicologia
ii
Dezembro 2006
Agradecimentos
iii
iv
Apoio Financeiro
PRODEP III
Medida 5 – Acção 5.3
v
vi
Resumo
vii
propostos, tendo sido encontradas algumas diferenças entre eles, mais
marcantes entre os grupos centrados no professor e centrados no aluno.
Foram também comparados quanto à valorização das práticas, tendo-se
igualmente encontrado diferenças significativas entre os três grupos. A análise
dos dados das entrevistas e das observações permitiram-nos-nos encontrar
exemplos representativos dos grupos analisados anteriormente, verificando-se
maior coerência nas crenças e entre as crenças e as práticas, nos professores
com um funcionamento próximo das perspectivas centradas no professor e
centradas no aluno, do que nos professores ambivalentes.
As implicações deste estudo são discutidas a nível da formação de professores
e da intervenção educativa em situações de indisciplina, salientando-se a
necessidade de investigação adicional para melhor compreender as duas
dimensões em análise: o pensamento e a acção dos professores na gestão da
sala de aula.
viii
Abstract
ix
verified more coherencies in beliefs and between beliefs and practices in the
teacher and student centered perspectives than in ambivalent teachers.
Implications of this study were discussed, concerning teacher training and
educational intervention in indiscipline situations, concluding on the necessity of
more research on the subject to further clarify the two dimensions, thought and
action, concerning classroom management.
x
Índice
xi
Análise dos Dados dos Inquéritos...................................................................................................173
Análise dos Dados das Entrevistas e Observações.........................................................................191
Análise de Dados por Professor .....................................................................................................203
DISCUSSÃO ...........................................................................................................................................223
BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................................245
ANEXOS .................................................................................................................................................271
ANEXO 1 – ESCALAS UTILIZADAS .........................................................................................................273
ANEXO 2 – GUIÃO DA ENTREVISTA ......................................................................................................283
ANEXO 3 – PROTOCOLO DE OBSERVAÇÃO............................................................................................287
xii
Índice de Quadros
Figura 1 – Um modelo do pensamento e acção do professor (adaptado de Clark & Peterson,
1986). .......................................................................................................................................... 15
Figura 2 – Modelo de tomada de decisões do professor durante o ensino interactivo (Shavelson
e Stern, 1981).............................................................................................................................. 27
Figura 3 – Estrutura da tomada de decisão do professor (Anderson, 2003) .............................. 29
Figura 4 – Tarefas do ensino na sala de aula (Lopes, 2002) ..................................................... 31
Figura 5 – Modelo Conceptual de Gestão de Sala de Aula (adaptado de Johnson & Brooks,
1979) ........................................................................................................................................... 32
Figura 6 – Organização de alguns modelos de gestão de sala de aula de acordo com a
dicotomia Controlo/Influência (adaptado de Tauber, 1999) ........................................................ 62
Figura 7 – Disposição da sala de aula (adaptado de Wolfgang, 2001) ...................................... 73
Figura 8 – Possíveis situações-problema na sala de aula (adaptado de Gordon, 2003). ........ 105
Figura 9 – Estratégias adequadas para cada situação problema............................................. 106
Figura 10 – Quatro motivações comportamentais de Dreikurs (adaptado de Bitter, Pelonis &
Sonstegard, 2004) ..................................................................................................................... 124
Figura 11 – Comparação dos três clusters relativamente aos resultados médios em cada sub-
escala ........................................................................................................................................ 178
xiii
Quadro 25 – Ano de escolaridade a leccionar .......................................................................... 148
Quadro 26 – Caracterização dos professores entrevistados e observados ............................. 148
Quadro 27 – Sub-escalas da ICMS .......................................................................................... 150
Quadro 28 – Percentagens de acordo entre observadores para os itens da escala de crenças
................................................................................................................................................... 152
Quadro 29 – Medidas de tendência central e de assimetria da escala de crenças ................. 153
Quadro 30 – Distribuição de frequências de resposta .............................................................. 153
Quadro 31 – Matriz de correlações entre as sub-escalas e a escala completa ....................... 154
Quadro 32 – Categorias de Objectivos de Ensino .................................................................... 155
Quadro 33 – Quadro síntese das pontuações médias dos itens .............................................. 156
Quadro 34 – Posição Média e Média das Selecções ............................................................... 157
Quadro 35 – Itens agrupados por sub-escalas ......................................................................... 158
Quadro 36 – Acordo entre especialistas relativamente à distribuição dos itens pelas diversas
sub-escalas. .............................................................................................................................. 159
Quadro 37 – Análise dos itens da escala de práticas ............................................................... 160
Quadro 38 – Sistema de Classificação da categoria Crenças sobre o Ensino (CE) ................ 164
Quadro 39 – Sistema de classificação da categoria Crenças sobre o Papel do Professor na sala
de aula....................................................................................................................................... 165
Quadro 40 – Sistema de classificação da categoria Crenças sobre o Papel dos Alunos na Sala
de Aula (CPA)............................................................................................................................ 166
Quadro 41 – Sistema de classificação das categorias Práticas ............................................... 167
Quadro 42 – Sistema de classificação da categoria Fundamentação da Organização do Espaço
................................................................................................................................................... 171
Quadro 43 – Acordo entre observadores para as categorias do sistema de classificação...... 172
Quadro 44 – Correlação entre as variáveis idade e tempo de serviço e os resultados na escala
de crenças e nas suas sub-escalas .......................................................................................... 174
Quadro 45 – Correlações entre as respostas ao questionário de práticas e as variáveis idade e
tempo de serviço ....................................................................................................................... 175
Quadro 46 – Valores de Chi-quadrado para a comparação dos diferentes perfis de formação e
as respostas ao questionário de práticas.................................................................................. 176
Quadro 47 – Distribuição dos três perfis encontrados .............................................................. 179
Quadro 48 – Comparação das médias de idade e tempo de serviço nos três grupos............. 179
Quadro 49 – Comparação entre as habilitações académicas dos diferentes perfis................. 179
Quadro 50 – Número de vezes que os objectivos foram seleccionados por cada perfil e média
das valorizações atribuídas....................................................................................................... 181
Quadro 51 – Pontuações médias atribuídas por cada perfil aos diversos objectivos .............. 182
Quadro 52 – Itens do questionário de práticas em que os perfis diferem significativamente .. 183
Quadro 53 – Distribuição das respostas ao item 1 – A sala tem áreas de aprendizagem bem
definidas .................................................................................................................................... 184
Quadro 54 – Distribuição das respostas ao item 2 – Existe um horário estável e previsível de
actividades ao longo do dia....................................................................................................... 185
Quadro 55 – Distribuição das respostas ao Item 16 – As crianças têm a possibilidade de fazer
escolhas .................................................................................................................................... 185
Quadro 56 – Distribuição das respostas ao Item 17 – Utilizo alguns alunos como exemplo do
comportamento adequado ........................................................................................................ 185
Quadro 57 – Distribuição das respostas ao Item 18 – Entendo que no recreio não deve haver
qualquer orientação dos alunos ................................................................................................ 186
Quadro 58 – Distribuição das respostas ao Item 19 – O meu maior cuidado é o
desenvolvimento de acções para manutenção da ordem e da disciplina, controlando o
comportamento dos alunos ....................................................................................................... 186
Quadro 59 – Distribuição das respostas ao Item 21 – Não imponho limites aos meus alunos,
para que eles possam atingir o seu verdadeiro potencial......................................................... 187
Quadro 60 – Distribuição das respostas ao Item 22 – Normalmente, deixo que os alunos sofram
as consequências dos seus comportamentos a não ser que envolvam riscos físicos............. 187
Quadro 61 – Distribuição das respostas ao Item 28 – A punição e a ameaça de punição são
ferramentas necessárias e que utilizo quando necessário ....................................................... 187
Quadro 62 – Distribuição das respostas ao Item 31 – Procuro identificar os sinais de eventuais
problemas, pois assim posso intervir preventivamente ............................................................ 188
xiv
Quadro 63 – Distribuição das respostas ao Item 34 – Tenho o cuidado de adequar as tarefas a
cada aluno pois sei que muitas vezes os comportamentos problema resultam de tarefas
inadequadas .............................................................................................................................. 188
Quadro 64 – Distribuição das respostas ao Item 35 – Tenho muito cuidado com a forma como
comunico com os meus alunos ................................................................................................. 188
Quadro 65 – Distribuição das respostas ao Item 36 – Procuro lidar com os comportamentos
problema através da realização de assembleias de turma, em que os próprios alunos analisam
os problemas e definem estratégias de resolução.................................................................... 189
Quadro 66 – Distribuição das respostas ao Item 38 – É minha prioridade ajudar o grupo a
desenvolver a comunicação, a liderança e competências de resolução de problemas de forma
a passar-lhes a responsabilidade de se auto-regularem .......................................................... 189
Quadro 67 – Distribuição das respostas ao Item 39 – Muitas vezes ridicularizo alunos com
comportamentos inadequados para a sua idade e nível escolar.............................................. 190
Quadro 68 – Distribuição das respostas ao Item 42 – Faço com que os alunos percebam que a
participação no grupo e nas suas actividades é algo de agradável e recompensador ............ 190
Quadro 69 – Distribuição das respostas ao Item 43 – É através do desenvolvimento de aulas
motivadoras e interessantes que diminuo os problemas de disciplina ..................................... 190
Quadro 70 – Matriz de classificação dos sujeitos resultante da Análise Discriminante ........... 191
Quadro 71 – Objectivos mais valorizados em cada perfil ......................................................... 227
Quadro 72 – Itens com maior concordância em cada perfil ..................................................... 229
xv
xvi
Introdução
Quando o meu filho tinha 3 anos decidimos que era uma altura de
aprender a nadar. Dirigimo-nos a uma escola de natação e inscrevêmo-lo. Na
primeira aula ele, que estava habituado a piscinas infantis, assustou-se um
pouco com a profundidade da piscina. A professora, sem forçar, deixou-o à
beira da piscina, a brincar com uns bonecos. Ao longo da aula foi-se
aproximando dele, tentando que se deixasse levar ao colo até uma zona mais
profunda e sentir a água. No fim da aula estava já convencido e nas aulas
seguintes sentiu-se, literalmente, como um peixe na água. A partir daí, ele,
como todas as crianças da turma, passou as aulas a brincar na água, saltando,
mergulhando, aprendendo a bater os pés, a prender a respiração, entre outras
coisas. Conseguiram atingir, facilmente, os objectivos traçados – a habituação
ao meio aquático.
Passados cerca de dois meses, a professora, por razões profissionais,
deixou a cidade. Foi-nos dito que quem a iria substituir era um rapaz ainda
jovem, nadador do clube, com bastantes provas ganhas. Na primeira aula a
diferença foi notória. As crianças não esperaram por licença para saltar para
água, algumas fazendo-o sem bóia. Passaram grande parte da aula a atirar
água umas às outras, enquanto o professor tentava fazer exercícios individuais.
O comportamento de algumas foi tão perturbador que outras acabaram a
chorar, pedindo para sair da piscina. Nessa altura o novo professor teve que
ralhar com as crianças mais agitadas, tendo provocado também o choro
nestas. O responsável do clube acabou por ir dar uma ajuda. Começou por
organizar as crianças, dizendo-lhes o que tinham que fazer. Marcou o espaço e
atribuiu a cada uma o seu lugar. Começou a fazer os exercícios pretendidos,
com uma criança de cada vez, mas olhando sempre para o resto do grupo,
chamando a atenção quando via alguma a dispersar-se. Ouviram-se
encorajamentos frequentes, ao que as crianças responderam com maior
empenho na realização dos exercícios, começando a reforçar-se umas às
outras. Pouco depois deixou o novo professor a tomar conta da turma,
reproduzindo algumas destas práticas, e a aula acabou por correr muito bem.
1
Esta situação ocorreu no início do trabalho que agora se apresenta e
constituiu um bom exemplo dos conceitos pretendiamos trabalhar: as crenças e
práticas dos professores na gestão de sala de aula. Neste exemplo, é claro que
a sala de aula tem inúmeras particularidades, mas não deixa de ser um espaço
em que um professor e um grupo de alunos se relacionam com um objectivo
comum: que os alunos aprendam a nadar.
Esta situação constitui um bom exemplo por outra razão: num período
muito curto de tempo, os alunos estiveram sob a alçada de três professores
diferentes, cada um com uma forma diferente ensinar. A primeira professora
apresentava um conjunto de práticas que se baseavam em dar a primazia às
crianças. Elas é que marcavam os seus ritmos de aprendizagem, fazendo, em
grande parte, o que lhes apetecesse. Dançavam, cantavam, no fundo
divertiam-se na água, aprendendo de uma forma muito natural a viver num
meio ao qual não estavam habituadas.
O segundo professor, competente naquilo que se pretendia que os
alunos aprendessem – nadar – revelou muitas dificuldades em lidar com os
alunos. Sabendo que nesta faixa etária os alunos estavam a começar a
habituar-se ao meio aquático, queria deixá-los à vontade. No entanto, queria
também ensinar competências específicas, como os batimentos com prancha.
Para isso tinha que fazer pequenos percursos com uma criança de cada vez.
Não tendo estabelecido um padrão de comportamentos com as crianças, estas
começaram a divertir-se à sua maneira, com o resultado já descrito.
Surgiu, então, o terceiro professor. Estabeleceu um conjunto de regras e
procedimentos claros, organizou as crianças e realizou os exercícios que
pretendia, monitorizando sempre o grupo. Incentivou as crianças, corrigiu-as e
valorizou as suas tentativas.
Os procedimentos utilizados por cada um dos professores são
significativamente diferentes entre si e serão analisados mais profundamente
ao longo deste trabalho. Surge, no entanto, uma questão: o que terá levado
cada um destes professores a optar por uma determinada estratégia?
Neste trabalho assumimos que os professores, como todos os
profissionais, reflectem sobre as suas acções e, nesse processo, utilizam as
suas crenças acerca do mundo, do homem e do ensino, entre outros aspectos.
São as crenças que permitem, a um professor, optar entre uma estratégia mais
2
rigorosa e controladora, ou uma outra, marcada pela atribuição de espaço e
liberdade à criança. No fundo, são as crenças que ajudam o professor nas
tarefas de planeamento da sua actividade educativa, permitindo-lhe
estabelecer prioridades, avaliar alternativas e decidir um curso de acção. São
as crenças, ainda, que permitem, no decurso da sua acção, avaliar o
desenrolar dos acontecimentos e decidir, no momento, sobre a necessidade de
utilizar outro tipo de estratégias.
Estas assunções encontram a sua fundamentação no Paradigma do
Pensamento do Professor, corrente da investigação educativa que ganhou
relevo a partir da década de 70 do século XX. Um dos modelos mais relevantes
foi o de Clark e Peterson (1986), que afirma uma relação estreita entre os
pensamentos e as acções do professor e dos alunos, salientando três variáveis
do pensamento do professor: as crenças, o planeamento e o pensamento
interactivo. Partindo destas assunções consideramos que as crenças dos
professores se constituem como elementos determinantes para análise das
suas práticas.
De entre estas práticas existe um núcleo que, quanto a nós, assume
particular importância: a Gestão de Sala de Aula. Este conceito tem merecido
pouca atenção no nosso país. No entanto, apesar de muitos professores não
estarem com ele familiarizados, todos desenvolvem inevitavelmente acções de
gestão de sala de aula as quais constituem um dos elementos centrais da
própria acção de ensinar. Este conceito, que a nível internacional tem uma já
longa história de investigação, está intimamente ligado à disciplina e, por essa
razão, vai ganhando relevo à medida que a indisciplina se vai erigindo como
preocupação central dos professores. No entanto, a gestão de sala de aula não
se limita aos procedimentos disciplinares. Na verdade, ela está a montante da
indisciplina, já que se refere a um conjunto de procedimentos relativos ao
funcionamento e organização das salas de aula que, se correctamente
conduzidos, inibem o aparecimento da indisciplina, evitando que se tenha de
lidar com ela. Daqui se pode inferir que o seu impacto será maior na instrução
e na interacção social na sala de aula do que propriamente nas questões
disciplinares.
A escassez de investigação, em Portugal, sobre a gestão de sala de
aula e sobre as crenças a ela associadas, por um lado, e o reconhecimento da
3
importância deste conjunto de práticas para o sucesso educativo, por outro,
constituiram-se como as razões de fundo para a realização deste trabalho.
Sabemos que o conceito de gestão de sala de aula é relativamente novo para
muitos professores, não tendo sido objecto específico de estudo nos seus
cursos de formação inicial ou contínua. No entanto, acreditamos que a maior
parte dos professores desenvolve estratégias de sala de aula adequadas e
bem-sucedidas. Interessa-nos, tornar visíveis estas práticas, analisando os
seus fundamentos, como forma de promover a divulgação de boas práticas,
passíveis de ajudar a minorar as situações de indisciplina de que um número
crescente de professores se vem queixando.
Para atingir estes objectivos desenvolvemos este trabalho através de
três capítulos: (1) Pensamento e Acção do Professor; (2) Crenças e Práticas de
Gestão de Sala de Aula, e (3) Estudo Empírico sobre a Relação entre as
Crenças e as Práticas de Gestão de Sala de Aula em Professores do 1º Ciclo
do Ensino Básico.
No primeiro capítulo apresentamos o quadro geral de pensamento no
qual nos inscrevemos e onde pensamos ter enquadrado o nosso trabalho. Aí
apresentamos as linhas gerais de uma proposta que pretende associar o
pensamento e a acção do professor, chamando a atenção para o que se
considera constituir os seus elementos chave: as crenças, o planeamento e as
decisões interactivas. Pretendemos ainda, partindo de uma análise das
diversas tarefas que os professores devem desenvolver no âmbito da sua
actividade, clarificar o papel da Gestão de Sala de Aula, apresentando uma
leitura das suas várias definições, e procurando distingui-lo do conceito de
Indisciplina, a nosso ver, apenas um dos constituintes da Gestão de Sala de
Aula.
No segundo capítulo é nosso objectivo analisar os diversos modelos de
gestão da sala de aula, enquadrando-os nas crenças e teorias em que se
inscrevem ou com que mais se relacionam. Nesse sentido definimos duas
grandes formas de encarar o mundo, o ser humano e o ensino, com as suas
traduções em termos de teorias educativas e, mais concretamente, de práticas
de gestão de sala de aula. Essas duas grandes perspectivas foram por nós
apelidadas de Perspectivas Centradas no Professor e Perspectivas Centradas
no Aluno. Ainda nesse capítulo será considerada a hipótese de existência de
4
uma terceira perspectiva, que alguns autores relacionam com as perspectivas
Construtivistas e Sócio-construtivistas. Procuraremos demonstrar, no entanto,
que estas perspectivas, na sua forma actual, se constituem como exemplos
adicionais de modelos Centrados na Criança, embora matizados pelas
necessidades específicas do trabalho com uma turma escolar. Salientamos que
os modelos que iremos analisar se enquadram numa tradição anglo-saxónica,
mas que consideramos constituírem bons exemplos de práticas que os nossos
professores utilizam frequentemente, embora de forma intuitiva.
Finalmente, no terceiro capítulo, procuramos dar o nosso contributo para
a análise destes conceitos na população portuguesa através de um estudo
empírico levado a cabo, em dois momentos, junto de uma amostra de
professores do 1º ciclo do Distrito do Porto. Num primeiro momento foi
realizado um inquérito junto de uma amostra de 277 professores, em que se
analisaram três dimensões específicas: as suas crenças sobre o ensino e a
gestão da sala de aula, a sua valorização de um conjunto de objectivos de
ensino e as suas práticas de gestão de sala de aula. Estes constructos foram
analisados através da sua distribuição na população, através de um conjunto
limitado de variáveis demográficas, bem como através da sua interacção,
procurando identificar padrões de resposta que interligassem crenças,
objectivos de ensino e práticas de gestão de sala de aula.
No segundo momento do estudo, através de entrevistas e observações a
uma amostra de 9 professores do 1º ciclo, procurámos identificar elementos
mais específicos das crenças e das práticas que os professores referem e
utilizam em termos de gestão de sala de aula. Os dados foram analisados em
dois níveis: por um lado, procurando identificar a variabilidade existente quanto
às crenças e às práticas; por outro lado, através de um estudo de caso
múltiplo, procurando analisar a coerência interna das crenças e a coerência
entre as crenças e as práticas relatadas pelos professores e por nós
observadas.
Finalmente, procura-se retirar dos resultados dados pertinentes para o
aprofundamento da investigação e para a intervenção prática, nomeadamente
em termos de formação de professores.
5
6
I. Pensamento e Acção na Gestão da Sala de Aula
1
“Mais de duas décadas após a frequentemente designada “mudança cognitiva” na
investigação sobre o ensino (…) o conhecimento e as cognições dos professores são ainda
uma questão pertinente. O que os professores sabem e acreditam e o que está nas suas
mentes enquanto ensinam ainda está para ser completamente investigado.”
2
“O comportamento dos professores na sala de aula é orientado pelos seus pensamentos.”
7
quais os comportamentos que constituem a prática da profissão docente (Levin
& Nolan, 2000).
Definição de Ensino
3
“Tem sido frequentemente afirmado que o conceito de educação é essencialmente
contestado. Nesta perspectiva, diferentes organizações sócio-culturais e grupos de interesse
inclinam-se para subscrever ou eleger a sua distinta concepção de educação, e não devemos
esperar encontrar qualquer definição consensual do termo ‘educação’”.
4
“Primeiro, então, perguntar ‘onde foi ela ensinada‘, no sentido de ‘onde foi ela educada’,
significa encarar o ensino como mais ou menos idêntico com a prática educativa (…) No
entanto, perguntar ‘está há muito tempo no ensino‘ no sentido de ‘está há muito tempo a
trabalhar na educação‘, é conceber o ensino mais como um tipo específico de ocupação ou
papel – uma profissão ou vocação, talvez – que pode ou não conduzir os objectivos da
educação (…) Ao dizer ‘Por favor, não me incomodem enquanto ensino’, o ensino aparece
como um episódio ou actividade particular, datável, em que é possível alguém se envolver num
período específico de tempo.”
5
“Considere-se um observador de uma actividade. O que é que deve estar a acontecer para a
designar de ensino?”
8
algum conteúdo a um grupo de alunos. Em muitos casos, surgirá a imagem de
um professor, sentado com um grupo restrito de alunos, a discutir os seus
trabalhos. Podemos ainda pensar num rapaz de seis ou sete anos, a ensinar o
seu irmão mais jovem a fazer um laço nos cordões. Ou num canalizador a
ensinar um aprendiz a trocar uma torneira.
Em qualquer dos casos, de acordo com Fenstermacher, necessitaremos
da presença de cinco elementos fundamentais para classificar uma actividade
como Ensino: “(1) there is a person P, who possess some (2) content, C, and
who (3) intends to convey or impact C to (4) a person, R, who initially lacks C,
such that (5) P and R engage in a relationship for the purpose of R’s aquiring
C”6 (Fenstermacher, 1986, p. 38). Na perspectiva deste autor, estes são os
elementos básicos e essenciais para a definição de Ensino. Podem ser
analisados de diversas formas, consoante a perspectiva teórica adoptada, mas
qualquer elemento adicional constitui apenas uma elaboração do conceito
base.
Posteriormente, em conjunto com Soltis, Fenstermacher voltou a abordar
esta questão, definindo os elementos básicos através de uma fórmula que
retém muito da formulação original: TφSxy. Isto é “the teacher (T) teaches (φ)
the student (S) some content (x) in order to attain some purpose (y)”7
(Fenstermacher & Soltis, 1998, p. 8). Qualquer das formulações envolve os
mesmos elementos básicos: a existência de, pelos menos, dois indivíduos, com
estatutos e papéis diferentes entre si, a existência de algo que está na posse
de um deles e que deverá passar a estar na posse de ambos, e a consideração
de que essa passagem é intencional por parte do professor.
É importante referir aqui o conceito de Aprendizagem. Fenstermacher
(1986) afirma que, apesar de os conceitos de Ensino e de Aprendizagem
serem ontologicamente dependentes, esta não é, necessariamente, o resultado
daquele, afirmando que: “the task of teaching is to enable studenting: to teach
the student how to learn”8 (p. 39). Por outras palavras, o professor desenvolve
6
“(1) existe uma pessoa P, que possui algum (2) conteúdo, C, e que (3) pretende comunicar ou
impor C a (4) uma pessoa, R, que inicialmente não tem C, de tal forma que (5) P e R se
envolvem numa relação para que R adquira C”
7
“o professor (T) ensina (φ) o aluno (S) algum conteúdo (x) de forma a atingir algum objectivo
(y)”.
8
“a tarefa do ensino é permitir o exercício do estudo (studenting): ensinar o aluno como
aprender”.
9
os seus esforços no sentido de proporcionar as situações necessárias para que
os alunos coloquem em prática as acções e os processos necessários à sua
aprendizagem. Esta ideia encontra-se desenvolvida em den Brock, Bergen,
Stahl e Brukelmans (2004). Estes autores partem do conceito de
aprendizagem, que consideram como mudanças relativamente estáveis nas
disposições mentais ou comportamentais do indivíduo. Essas mudanças são a
consequência do desempenho de determinadas actividades mentais,
resultantes das interpretações pessoais das experiências de aprendizagem a
que o indivíduo foi sujeito. Afirmam, assim, que o ensino deve ser descrito e
definido tendo em conta os processos de aprendizagem que os professores
pretendem que os seus alunos desempenhem para atingir determinados
resultados. Em síntese, o que estes autores afirmam é que o professor não tem
controlo directo sobre os produtos dos processos mentais que os seus alunos
desenvolvem, tão-somente sobre a implementação de um conjunto de
actividades que consideram ser as mais adequadas para atingir os produtos
desejados.
Os professores, nesta perspectiva, são responsáveis por dois aspectos
concretos: pela definição dos produtos desejados e pela definição e
implementação das actividades adequadas à sua obtenção. Analisemos,
brevemente, os possíveis produtos do Ensino – a variável y da fórmula de
Fenstermacher e Soltis (1998). Para estes autores, existem apenas três tipos
de objectivos: a aquisição de conhecimentos específicos, o desenvolvimento de
um espírito crítico e o desenvolvimento do indivíduo. Os autores ilustram esta
posição com o exemplo de um professor de literatura. Esse professor, ao
pretender que os seus alunos adquiram conhecimentos específicos, irá
organizar as suas aulas para que os seus alunos adquiram conhecimentos
específicos acerca da literatura que lhes permitam passar de ano e obter
sucesso nos anos seguintes graças aos conhecimentos específicos adquiridos.
Por outro lado, e tendo em conta o segundo tipo de objectivos, poderá
pretender conseguir, acima de tudo, que os seus alunos sejam capazes de
olhar para os textos de uma forma crítica e tentar que eles pensem acerca de
aspectos da natureza humana e das emoções humanas que não encontram
nas suas experiências do dia-a-dia, dando-lhes a oportunidade de contactar
com novas formas de pensar e de encarar o mundo. Finalmente, um professor
10
poderia ainda tentar conseguir, com a literatura, que os alunos desenvolvam o
seu conhecimento de si, que sejam capazes de reconhecer mais facilmente os
seus próprios sentimentos e valores, de uma forma nova, que não tenham
ainda atingido. Daqui retiram, os autores citados, a existência de formas
diversas de encarar o Ensino, com implicações claras em termos de práticas.
Numa linha próxima, Marques (2001) propõem a análise do ensino e da
aprendizagem em três grandes paradigmas – o Maturacionista, o
Comportamentalista e o Construtivista – especificando, em cada um deles, o
papel do professor. O paradigma Maturacionista explica a aprendizagem como
resultado de um processo genético de crescimento físico e mental em que o
meio exerce um papel secundário. A criança aprende apenas quando
manifesta prontidão para aprender, sendo necessário, por isso, respeitar o seu
ritmo, os seus interesses e as suas vocações. O professor é visto como um
facilitador do crescimento e da aprendizagem e a criança como o agente que
aprende autonomamente. No paradigma comportamentalista, a aprendizagem
é o resultado das influências ambientais. São os estímulos que provocam as
respostas e se estas forem acompanhadas de reforço é mais provável a
intensificação das respostas desejáveis. O professor é visto como o mais
importante emissor de estímulos, sendo de esperar que transmita, exponha,
demonstre, exemplifique, avalie e corrija. Finalmente, o paradigma
construtivista explica a aprendizagem pela interacção entre o sujeito e os
objectos, através da modificação das estruturas cognitivas que possibilitam
uma progressão pelos vários estádios do desenvolvimento cognitivo. O
professor é visto como um mediador entre o sujeito e os objectos, cabendo-lhe
dinamizar, orientar e coordenar.
11
formativo, com vista à consecução de determinados objectivos pedagógicos”
(Januário, 1996, p. 15), constituem um proposta possível, e que permite
descrever um grande conjunto de práticas, salientando o papel activo do
professor a dois níveis – na definição dos objectivos concretos que se propõe
atingir com os seus alunos e na definição das actividades e dos processos
necessários para atingir aqueles objectivos. Neste trabalho iremos partir desta
definição de ensino para analisar o pensamento dos professores na definição
das suas práticas num aspecto específica do Ensino – a Gestão da Sala de
Aula.
O Pensamento do Professor
12
que, devido às discrepâncias entre as crenças dos professores e as suas
práticas nas salas de aula, é necessário perceber melhor quais as cognições
efectivamente ligadas às acções dos professores. Roth, Masciotra e Boyd
(1999), por exemplo, afirmam que durante grande parte do seu trabalho, os
professores agem sem pensar, pois a urgência das decisões é tanta que
impede um processo de selecção de estratégias, levando os professores a
aplicarem os esquemas de acção dominantes.
Esta área de estudo baseia-se em duas assunções fundamentais: (1) os
professores são profissionais que fazem julgamentos e tomam decisões
razoáveis num ambiente complexo e incerto; (2) no ensino há uma relação
entre pensamento e acção, e o comportamento do professor é conduzido pelos
seus pensamentos.
Conclui-se que, dada a limitada capacidade de processamento de
informação do ser humano, os professores constroem modelos simplificados
das situações complexas em que estão envolvidos e agem de forma razoável
em relação a estes modelos. Esta perspectiva dos professores a operar
racionalmente dentro dos limites das suas capacidades de processamento de
informação conduz à assunção de que eles tomam decisões e julgamentos
razoáveis (mais do que racionais). Desta forma, a compreensão dos processos
de ensino depende da descrição dos pensamentos, julgamentos e decisões e
de uma compreensão de como estas cognições são traduzidas para a prática
(Borko & Shavelson, 1988, 1990; Marcelo, 1987, 1994).
Ao analisar a estrutura interna do paradigma do pensamento do
professor, Zabalza (1994) identifica duas grandes dimensões: o modo como o
professor processa a informação relativa às suas funções e a forma como
organiza os seus processos mentais para tomar decisões. Considera ainda que
as cognições do professor podem ser analisadas em três momentos de
actuação: antes, durante e após o ensino – fases do ensino pré-activo,
interactivo, e pós-activo –, e recorrendo a diversos elementos do seu campo
cognitivo como as crenças, os juízos, as teorias implícitas, as perspectivas,
entre outros. Na prática, isto implica que, na pesquisa sobre os processos de
pensamento, sejam adoptados, fundamentalmente, os modelos do
processamento da informação e os modelos de tomada de decisões que,
embora semelhantes, apontam vias de investigação ligeiramente diferentes.
13
Assim, embora ambos assumam o homem como um processador activo da
informação, a questão fulcral da investigação desenvolvida de acordo com o
modelo de processamento da informação consiste em conhecer a forma como
o professor define as situações de ensino e o modo como essa definição
influencia o seu comportamento – dado que, perante uma determinada
situação, o professor atende apenas a um número reduzido de aspectos que
considera relevantes e ignora os outros. No modelo de tomada de decisões, o
que está no centro das atenções dos investigadores educacionais é saber
como, numa determinada situação particular, o professor decide o que fazer
(Pacheco, 1993, 1995).
Como já foi referido, Clark e Peterson (1986) trouxeram ao
desenvolvimento do paradigma do pensamento do professor um contributo
decisivo. Os autores elaboraram um modelo do pensamento e acção do
professor considerado um instrumento heurístico, composto por dois grandes
domínios que têm uma importante participação no processo de ensino: (a) os
processos de pensamento do professor; e (b) as acções do professor e os seus
efeitos observáveis, representando duas orientações paradigmáticas da
investigação sobre o ensino (concretamente o paradigma do pensamento do
professor e o paradigma do processo-produto)9.
A investigação sobre as acções do professor e os seus efeitos abarca
(a) o comportamento do professor na sala de aula, (b) o comportamento do
aluno na sala de aula e (c) o rendimento do aluno. Contrariamente ao que
acontece nos estudos processo-produto onde se estabelece uma relação de
causalidade entre o comportamento do professor e o comportamento e o
rendimento do aluno, aqui as relações são recíprocas, sendo representadas de
uma forma circular, admitindo-se que cada uma das três variáveis
(comportamento do professor na sala de aula, comportamento do aluno na sala
de aula e rendimento do aluno) vai influenciar as restantes.
9
Berliner (2005) refere que, embora em termos históricos, estes dois paradigmas se
apresentem como alternativos, eles podem ser considerados como duas vertentes da mesma
abordagem funcionalista da investigação sobre o ensino. Ele considera que a articulação entre
as cognições e os comportamentos do professor e as suas implicações em termos de
ajustamento ao meio – neste caso podemos falar em termos de resultados na aprendizagem
dos seus alunos, constituem um aspecto fundamental da investigação sobre o ensino, e uma
aplicação clara dos princípios da Psicologia Funcionalista.
14
Por outro lado, como se pode observar na figura (1), o domínio dos
processos de pensamento do professor engloba as três dimensões
apresentadas atrás: (a) as crenças e as teorias; (b) a planificação
(pensamentos pré-activos e pós-activos); (c) os pensamentos e as decisões
interactivas. A primeira categoria – crenças e teorias – está relacionada com o
universo cognitivo do professor, representando as proposições e convicções
que estes defendem, tal como as imagens e valores que os mesmos
transportam para a actividade docente (Januário, 1992, 1995, 1996). As outras
duas categorias reflectem os diferentes momentos de actuação do professor -
os processos que ocorrem durante a interacção na aula (pensamentos e
decisões interactivas), e os que ocorrem antes e depois dessas interacções
(pensamentos pré-activos e pós-activos). A organização circular, também aqui,
implica que qualquer das três categorias influencia as outras.
Constrangimentos e
Oportunidades
Planeamento
(pensamento Pró-activo e
Comportamento
pós-activo)
dos alunos
Pensamento e
Teorias e Comportamento Rendimento dos
decisões
Crenças do professor alunos
interactivas
Figura 1 – Um modelo do pensamento e acção do professor (adaptado de Clark & Peterson, 1986).
Crenças e Conhecimentos
15
constructos pessoais, perspectivas, crenças, princípios educativos,
concepções, paradigmas pessoais, teorias de acção, conhecimento prático,
epistemologias, enquanto Ferreira (2002) aduz ainda atitudes, valores,
julgamentos, axiomas, opiniões, ideologias, percepções, sistemas conceptuais,
preconcepções, disposições, teorias implícitas, teorias pessoais, processos
mentais internos, estratégias de acção, regras para a prática, princípios
práticos, repertórios de compreensão e estratégias sociais. Embora estes
conceitos não sejam rigorosamente sinónimos, eles são parcialmente
sobreponíveis e movem-se todos numa banda não excessivamente
diferenciada de significados (Ferreira, 2002; Pajares, 1992; Zabalza, 1994).
Apesar da multiplicidade de constructos, há uma base comum, que se
pode encontrar na frase de Clark e Peterson: “a teacher’s cognitive and other
behaviours are guided by and make sense in relation to a personally held
system of beliefs, values and principles”10 (1986, p. 278). Mais concretamente,
é através dos constructos e da sua organização em estruturas mais complexas
que o professor pode prever e organizar a sua visão da realidade (Zabalza,
1994). Ou, como afirma Pacheco (1995), a forma como o professor processa a
informação é um reflexo daquilo que ele sabe e conhece.
Estes pensamentos do professor, convém sublinhar, são realidades
flexíveis, dinâmicas e provisionais, constantemente postos à prova e
modificados em função da experiência (Ferreira, 2002). Nesse sentido, Pope
(1993) apresentou 4 princípios em que assentam as práticas dos professores:
(1) o mundo é real, mas os indivíduos variam entre si na percepção que dele
fazem; (2) cada concepção individual do mundo tem integridade para a pessoa
que o possui; (3) os professores utilizam teorias pessoais pré-existentes para
explicar e planear o ensino e (4) os professores testam a utilidade dessas
teorias e modificam-nas de acordo com as avaliações por eles efectuadas. A
questão que surge prende-se então com a forma como essas teorias se
constituem, o que implica distinguir um conjunto de conceitos muito póximos:
crenças, atitudes e conhecimentos.
Richardson (1996) considera que, durante muito tempo, a literatura
utilizou indistintamente os termos crenças e atitudes, sendo ambos empregues
10
“Os comportamentos cognitivos e não só do professor são orientados e fazem sentido com
um sistema pessoal de crenças, valores e princípios”
16
como referentes para nomearem, definirem ou descreverem a estrutura e o
conteúdo dos estados mentais que dirigem a acção dos indivíduos. No entanto,
atitudes e crenças começam a ser diferenciadas quanto à sua natureza
conceptual. Enquanto as atitudes ficam conotadas com a ideia de disposição –
implicando, todavia, a alusão a estados mentais, prioritariamente referidos ao
domínio dos afectos – as crenças surgem como propensões interpretativas ou
estruturas de significação geradas em ligação directa com a experiência, mais
conotadas com o universo das cognições propriamente ditas (Ferreira, 2002).
A visão tradicional, opondo crenças e atitudes a conhecimentos, foi
perturbada com esta distinção, pois as crenças e os conhecimentos vieram a
ocupar o mesmo espaço o que justifica que frequentemente se tenham
confundido (Ferreira, 2002). A dificuldade de separação, aliás, vê-se na grande
quantidade de constructos que aparecem como sinónimos e que já foram
referidos atrás. Porém, enquanto parte integrante do sistema de cognições dos
professores, as crenças deverão ser distinguidas do conjunto de proposições
teóricas e factuais que algumas abordagens (Calderhead, 1995; Shulman,
1986) identificam como o Conhecimento do Professor.
O Conhecimento do Professor constitui um campo de investigação
extremamente complexo, no qual se reforça a ideia de que qualquer definição
diz mais acerca de quem a formula do que da realidade que pretende
descrever:
“Grimmet & MacKinnon (1992), for example, describe the major perspectives in
the field in the terms of historical traditions; conservative, progressive, and
radical (critical theory and feminism). Quite different perspectives on
knowledge stem from philosophers of education such as Dewey, Green,
Phillips and Fenstermacher, who offer different takes on concepts like the
knower and the known, experience, and the activity of teaching, and who
persistently challenge the community with questions like: What is knowledge?
What is teaching? What is learning? Other readings in the territory of teachers’
knowledge and knowledge itself give us a confusing list of schools of thought:
positivism, behaviourism, constructivism, social constructivism, cognitive
psychology, and so on. And then we encounter Bruner’s modes of thought
(narrative and paradigmatic) and Shulman’s multiplicity of types of knowledge.
11
Quite clearly, it becomes impossible to account for all these viewpoints.”
(Munby, Russel & Martin, 2001, P. 878)
11
“Grimmet e MacKinnon (1992), por exemplo, descrevem as perspectivas principais desta
área em termos de tradições históricas; conservadores, progressivas e radicais (teoria crítica e
feminismo). Surgem perspectivas sobre o conhecimento significativamente diferentes de
filósofos da educação como Dewey, Green, Phillips e Fenstermacher, que oferecem diferentes
visões sobre conceitos como o conhecedor e o conhecido, experiência, e a actividade de
ensinar, e que persistentemente desafiam a comunidade com questões como: O que é o
conhecimento? O que é o ensino? O que é a aprendizagem? Outras leituras no campo do
17
Fica claro, por esta descrição, o grande número de obstáculos com que
se depara quem pretende atingir uma definição do conceito de Conhecimento
do Professor. No entanto, mesmo quando se atinge uma definição é preciso ter
cuidado com dois aspectos importantes. Por um lado, é preciso ter sempre em
conta que uma descrição de categorias do conhecimento – resultado habitual
das definições de Conhecimento do Professor – constitui um dispositivo
heurístico para análise e estudo de uma determinada realidade. Muitas vezes,
depois de formuladas as categorias, é difícil compreender o conhecimento
como global e interligado, forçando uma análise baseada em categorias
abstractas, isoladas e discretas (Borko & Putnam, 1996). Daqui resulta um
segundo problema que tem a ver com a tendência para rejeitar categorizações
alternativas, num processo de demarcação territorial que Phillips (1996) e
Munby et al. (2001) designam como balcanização do conhecimento. De facto,
como se pode verificar no quadro 1 ao longo dos anos foram sendo propostas
diversas categorizações de conhecimento do professor, algumas muito
semelhantes, outras com diferenças substanciais entre si.
Não faz parte dos objectivos deste trabalho analisar as diferentes
conceptualizações propostas servindo o quadro anterior para ilustrar a grande
diversidade de perspectivas sobre o Conhecimento do Professor. É de
salientar que todas estas categorizações se referem ao que Munby et al.
(2001) designam como conhecimento proposicional. As visões não-
proposicionais do Conhecimento do Professor, como a de Leinhardt, Young e
Merriman (1995), referem-se à forma como se desenvolve um conhecimento
formal, universal, frequentemente situacional, intuitivo e tácito (Munby et al.,
2001), resultante da integração do conhecimento profissional declarativo,
aprendido na academia e do conhecimento profissional procedimental,
aprendido na prática. Esta última perspectiva sobre o conhecimento do
professor chama a atenção para o conhecimento tácito ou implícito, de cariz
18
situacional e dificilmente traduzível em palavras (Oppedenaker & Van Damme,
2006).
Quadro 1 – Categorizações alternativas do Conhecimento do Professor (Graça, 1997)
Shulman (1987) Putnam (1987)
SUBJECT MATTER FREE Subject matter
Knowledge of learners and their General pedagogical
cgaracteristics Pedagogical subject matter
Knowledge of educational contexts Overall goals
Knowledge of educational ends, purposes and Subskills
values Activities
General pedagogical knowledge Misconceptions
SUBJECT MATTER RELATED
Content knowledge
Curricular knowledge
Pedagogical content knowledge
19
Tamir (1991) Cochran, DeRuiter & King (1993)
. General liberal education Knowledge of environmental contexts
. Personal performance Knowledge of pedagogy
. Subject matter Knowledge of subject matter
. General pedagogical Knowledge of Students
.. Student Pedagogical content knowing
.. Curriculum
.. Instruction
.. Evaluation
. Subject matter specific pedagogical
.. Student
.. Curriculum
.. Instruction
.. Evaluation
. Foundations of the teaching foundation
National Center for Research on Teacher Education (EUA) (1994)
Knowledge about:
Subject matter and curriculum
Context
Learners
Teaching and learning
Learning to teach
20
nature of classroom situations and prioritizing problems to be tackled and
actions to be undertaken”12 (Calderhead, 1995, p. 719).
Várias definições de crenças são consonantes com estas funções,
considerando-as, no fundo, como conhecimentos pessoais, assumidos como
verdadeiros, e utilizados como guias de acção (Ferreira, 2002), ou, de acordo
com Anderson e Bird (1995), considerando que as crenças do professor dizem
respeito a um conjunto de premissas ou de proposições não testadas a partir
das quais se organiza uma parte importante dos quadros de referência ou das
perspectivas que os docentes utilizam para dar sentido às suas práticas. De
facto, “teachers develop viewpoints, values and goals about the purposes of
education and about how students are to be educated within the practice of
everyday classrooms (…) influenced by philosophy, political theory, theology,
literature and the art to form the very purpose of education.”13 (Despain,
Livingston, & McClain, 1995).
Sato e Kleinsasser (2004) sintetizam algumas das assunções
fundamentais sobre as crenças dos professores: (1) as crenças são formadas
precocemente e tendem a auto-perpetuar-se, perseverando mesmo contra
contradições provocadas pela razão, tempo, escolaridade ou experiência; (2)
os indivíduos desenvolvem um sistema de crenças que abriga as crenças
adquiridas através do processo de transmissão cultural; (3) as crenças são
instrumentais na definição das tarefas e selecção das ferramentas cognitivas
com as quais se interpretam, planificam e tomam decisões relativamente a
essas tarefas; (4) as crenças pessoais influenciam fortemente o
comportamento e (5) o conhecimento e as crenças estão inextrincavelmente
ligadas.
Em suma, a acção dos professores é, em grande parte, guiada por
modelos internos de referência que advêm da experiência pessoal e incluem:
(a) crenças acerca dos objectivos da educação e da aprendizagem; (b)
imagens do que é o bom e o mau ensino; (c) concepções pessoais acerca do
12
“Elas ajudam a interpretar e simplificar a vida na sala de aula, a identificar objectivos
relevantes, e a orientar os professores para situações problema particulares (…) da natureza
complexa e multidimensional das situações de sala de aula e da sequenciação dos problemas
a serem resolvidos e das acções a serem desenvolvidas…”
13
“Os professores desenvolvem pontos de vista, valores e finalidades acerca dos propósitos da
educação e acerca de como os alunos devem ser educados na prática diária das salas de aula
(…) influenciados pela filosofia, teoria política, teologia, literatura e arte, para formarem o
propósito da educação..”
21
papel dos professores e dos alunos, e que são o produto do esforço dos
professores para darem sentido ás suas experiências e gerarem guiões que
lhes assegurem a efectividade da actuação no contexto da sala de aula.
22
planificação no decurso do ano lectivo (semanal, diária, de unidades, de longo
alcance, de aulas, de curto alcance, anual e de período lectivo) (Clark &
Peterson, 1986).
A formulação de Imwold et al. (1984), no entanto, pode ser mais
aprofundada, consoante a encaremos numa perspectiva mais cognitivista ou
mais comportamentalista. Na primeira dessas concepções, a planificação é
considerada como o conjunto de processos básicos por meio dos quais uma
pessoa representa o futuro, organiza os meios e fins, construindo uma
estrutura que lhe sirva de guia na sua actividade futura. Numa perspectiva mais
comportamentalista, a planificação é entendida, no fundo, como “the things
teachers do when they say they are planning”14 (Clark & Peterson, 1986, p.
160). É preciso, no entanto, ter em conta que uma grande parte do
planeamento é mental, constituindo-se como diálogos mentais que o professor
coloca em prática ao longo do dia (Borko & Shavelson, 1990).
Em termos de análise do processo de planificação, sabe-se que a
grande maioria das instituições de formação de professores tem instruído e
incentivado os seus alunos, futuros docentes, a planificar de acordo com o
modelo racional-linear de Tyler (1949), com o modelo não-linear de Weick
(1979) ou ainda com o modelo cíclico de Yinger (1977). No primeiro, a
planificação deve ser processada de modo sequencial e respeitando-se quatro
etapas: (1) seleccionar os objectivos de ensino; (2) seleccionar as actividades
de aprendizagem, tendo em vista alcançar os objectivos pré-determinados; (3)
organizar as actividades de aprendizagem; (4) especificar os procedimentos de
avaliação. O modelo de Yinger surgiu como uma alternativa ao modelo
apresentado. Propõe-se, nesse modelo, que a planificação do professor
decorra ao longo de três etapas: (1) identificação do problema; (2) formulação e
solução do problema e (3) implementação, avaliação e criação de rotinas. A
primeira etapa inclui a concepção inicial do problema, para a qual contribui a
noção dos dilemas de planificação do professor, os seus conhecimentos e
experiências prévias, as suas concepções dos fins do ensino e os materiais
disponíveis. A segunda etapa desenvolve-se de forma cíclica e engloba três
fases (elaboração, investigação e adaptação). É na última etapa que a
14
“As coisas que os professores fazem quando dizem que estão a planear”
23
planificação é executada e avaliada. Esta etapa engloba também a criação de
rotinas de planificação. Segundo Yinger, a avaliação e a criação de rotinas
desempenham um papel importante no reportório de conhecimentos e
experiências do professor (1977).
Debruçando-se sobre as diferenças entre o modelo linear (Tyler) e o
cíclico (Yinger), Pacheco (1996) refere que no primeiro, a planificação tem por
função prescrever a acção do professor, enquanto que no segundo a
planificação tem por função a orientação da acção do professor.
Na prática, contudo, a maioria das investigações levadas a cabo tem
demonstrado que os professores não seguem os procedimentos prescritos nos
modelos apontados, utilizando, em vez disso, estratégias de planificação mais
informais (Clark & Peterson, 1986; Marcelo, 1986, 1987; Pacheco, 1993, 1995,
1996). De facto, os resultados de vários estudos indicam que não são os
objectivos o ponto de partida da planificação, mas sim os conteúdos (Pacheco,
1993, 1995), o que parece apontar para uma visão a curto prazo no processo
de planificação. De facto, o modelo de planeamento não-linear de Weick
parece estar mais de acordo com as práticas dos professores, pois defende
que o que os planificadores fazem é começar pelas acções ou actividades, que
por sua vez produzem resultados (previstos ou não) que são posteriormente
organizados em metas ou finalidades. Ou seja, para os proponentes deste
modelo, as planificações não são necessariamente guias de acção, mas
frequentemente justificações daquilo que já fizeram (Arends, 1995).
15
“O planeamento é contínuo, interactivo e dinâmico, ocorrendo antes e durante qualquer
actividade de ensino. Como tal, esta noção de planeamento difere daquela puramente
interactiva e fora-da-sala descrita por Jackson, Clark e Peterson e Yinger”.
24
(Leinhardt, 2005, p. 42), contribuindo para aumentar a importância da
investigação sobre os pensamentos interactivos em detrimento da investigação
sobre a planificação.
Decisões Interactivas
16
“Qualquer acto de ensino é o resultado de uma decisão, consciente ou inconsciente, que o
professor faz após o processamento cognitivo complexo da informação disponível. Este
raciocínio conduz-nos à hipótese que a competência de ensino básica é a tomada de decisão.”
25
De um modo geral, a decisão interactiva pode ser entendida como a
eleição consciente que um professor faz entre comportar-se como
anteriormente ou de uma outra forma (Sutcliffe & Whitfield, 1979). Fala-se,
portanto, de uma escolha deliberada entre duas ou mais alternativas possíveis
para resolver um problema entretanto surgido. Warner (1987) discorda destes
autores, afirmando que eles estão a misturar duas coisas diferentes. Por um
lado temos a tomada de decisão interactiva, que se refere à consideração de
alternativas e selecção de uma delas. Por outro lado, temos a acção
deliberada, que ocorre quando um professor vê a necessidade de alguma
acção ou resposta, mas considera apenas um curso de acção. Warner sugeriu
que as acções deliberadas, conscientes, compreendem a maior parte do
esforço de processamento de informação dos professores na sala de aula. A
tomada de decisão interactiva ocorre muito menos, nomeadamente, nas
situações em que não existe uma rotina disponível para lidar com eventos
inesperados. Embora estes argumentos sejam interessantes, a verdade é que
a maior parte dos investigadores não distinguiu estes dois níveis (Borko &
Shavelson, 1990).
A reflexão de Shavelson e Stern (1981) sobre as decisões interactivas
permite um maior aprofundamento do seu significado. Para eles, as decisões
interactivas realizam-se quando os acontecimentos, em termos de
aprendizagem ou de comportamento, não correspondem às expectativas,
colocando-se a questão da manutenção da planificação ou do seu
reajustamento. As decisões interactivas podem ser distinguidas em função da
sua natureza. Altet (1994) identifica três tipos de decisões interactivas: (a) de
rotina; (b) imediatas e (c) reflexivas. As decisões de rotina são aquelas que se
tomam de forma automática, constituindo um reportório de condutas
interiorizadas e estabelecidas. Por sua vez, as decisões imediatas ocorrem
habitualmente em situações inesperadas (por exemplo, quando os alunos
apresentam dificuldades nas tarefas propostas), dependendo de juízos
instantâneos baseados na compreensão rápida da situação. As decisões
reflexivas exigem reflexão e avaliação e são do tipo “resolução de problemas”,
implicando, por isso, escolhas a fazer entre várias alternativas possíveis.
Existem vários modelos que explicam o processo de tomada de
decisões dos professores durante o ensino interactivo (Peterson & Clark, 1986;
26
Shavelson & Stern, 1981), destacando-se o de Shavelson e Stern (1981),
(figura 2).
Rotina de
ensino na aula
Observação de
Indícios
SIM
Esses indícios
entram dentro
do tolerável?
NÃO
SIM SIM
Há uma
rotina dis- É necessária
Iniciar
ponível? uma acção
rotina
imediata?
NÃO NÃO
SIM
É preciso
Tomar uma Recordar que se
postergar
acção usual- deve realizar a
a acção?
mente reactiva acção postergada
NÃO
SIM
Armazenar a Recordar a
informação informação
para o futuro?
NÃO
27
Enquanto desenvolve as rotinas, o professor vai observando alguns sinais ou
indícios (por exemplo, a participação do aluno) para determinar se a rotina está
a decorrer em conformidade com aquilo que tinha planeado e só quando o
comportamento dos alunos se torna intolerável é que o professor tem que
decidir se deve actuar imediatamente e se dispõe de uma rotina alternativa
para superar o problema surgido. Se decidir actuar, o professor pode
desenvolver uma rotina apoiado nas suas experiências anteriores. Porém, se
não dispõe de uma rotina, reage espontaneamente e continua a sua actividade
de ensino. Se não é necessária uma acção imediata, pode considerar que é
preciso outra acção diferente depois da aula ou em planificações futuras. Neste
caso, o professor armazena na memória a acção e continua a actividade de
ensino.
Dito de uma forma mais sucinta, na perspectiva deste modelo, a
preocupação principal do professor durante o ensino interactivo é o
desenvolvimento das suas rotinas, surgindo a tomada de decisões apenas
quando julga que uma delas não se está a realizar de acordo com o plano
(Borko & Shavelson, 1988).
28
Foco da Decisão
Imediata
a Decisão
Longo prazo
Comportamento
na sala de aula
Esforço/empenho
Rendimento
29
resultados serão as bases de uma planificação posterior do trabalho do
professor. Desta forma, fica claro que as decisões interactivas do professor são
sempre baseadas nas informações que ele possui acerca dos seus alunos, em
termos comportamentais, motivacionais ou de aprendizagem e nas
observações que ele faz, ao longo da aula, de cada aluno e do seu
funcionamento na turma.
30
Tarefas do Ensino na Sala de Aula
Instrução Ordem
31
conceptual de Gestão de Sala de Aula (figura 5), que parece retratar os
intrincados nexos de relação entre as tarefas que a sociedade obriga o
professor a desempenhar, tais como o planeamento e a organização das
lições, os diversos tipos de contextos em que o ensino e a aprendizagem têm
lugar, os valores a perseguir no Ensino, e as tensões entre as pessoas e entre
os papéis (Wragg & Dooley, 1989).
32
complexidade, o conjunto de tarefas que o professor deve desempenhar em
termos de Gestão de Sala de Aula. Gilberts e Lignugaris-Kraft (1997) apontam
também para a diversidade de tarefas que o professor deve tomar em mãos
com vista à gestão do ambiente educacional e do comportamento dos alunos
da sala de aula: (1) disposição do ambiente físico de forma a facilitar a gestão
dos alunos; (2) formulação de um padrão de comportamento dos alunos na
turma; (3) implementação de estratégias para aumentar o comportamento
adequado e diminuir o inapropriado e (4) avaliar ou mediar a eficácia das
estratégias implementadas. Weinstein, Curran e Tomlinson-Clarke (2003;
Weinstein, Tomlinson-Clarke & Curran, 2004), no âmbito do seu modelo de
Gestão de Sala de Aula Culturalmente Responsiva (Culturally Responsive
Classroom Management – CRCM) propõe também um conjunto de tarefas
dentro da gestão de sala de aula: (1) criar um ambiente físico ajustado aos
objectivos académicos e sociais; (2) estabelecer expectativas
comportamentais; (3) comunicar com os alunos de forma culturalmente
consistente; (4) desenvolver um ambiente acolhedor na sala de aula; (5)
trabalhar com as famílias; (6) utilizar intervenções apropriadas para lidar com
os comportamentos problema. As propostas de todos estes autores levam-nos
a considerar a gestão de sala de aula como um conjunto de processos e de
actividades, e não apenas como um sinónimo de disciplina, como veremos
mais à frente.
33
Quadro 2 – Teorias da Gestão da Sala de Aula (adaptado de Levin & Nolan, 2000)
Teorias de Gestão da Sala de Aula
Níveis de Análise Centradas no Aluno Colaborativas Centradas no
Professor
Responsabilidade Aluno Conjunta Professor
primária pela Gestão (Professor/Alunos)
da Sala de Aula
Finalidade da Gestão Foco na construção Desenvolvimento de Foco na
da Sala de Aula de uma comunidade relações respeitosas, aprendizagem
acolhedora e na com o foco na académica, boa
auto-regulação aprendizagem organização e
comportamental académica eficiência
Tempo gasto em Valioso e produtivo Valioso para o Tempo perdido
Gestão de Sala de indivíduo mas não
Aula para o grupo
Relacionamentos Relações pessoais Respeito pelo outro Não-interferência nos
dentro do sistema de carinhosas direitos dos outros
Gestão de Sala de
Aula
Oportunidades de Vastas e livres Escolhas de entre as Muito limitadas
escolha dadas aos opções predefinidas
alunos pelo professor
Finalidade principal Necessidade não Minimizar no grupo e Minimizar a
da gestão do correspondida que buscar disrupção,
comportamento necessita ser aprofundamento redireccionar
inadequado explorada individual
Intervenções Conferências Competências de Comunicação clara,
utilizadas individuais, resolução gestão, reforços e punições,
de problemas em consequências contratos
grupo, naturais e lógicas, comportamentais
consequências registo de
naturais ocorrências
Diferenças Muito importantes Algo importantes De menor
individuais importância
Bases de poder do Referente, perito Perito, Legítimo Reforço/Coercivo
professor
34
forma eles se traduzem em práticas de gestão de sala de aula. É conveniente
esclarecer previamente, no entanto, a relação entre gestão de sala de aula e o
conceito de disciplina, aspecto fundamental da própria definição dos conceitos.
35
básicos e empacotados em fragmentos mensuráveis. As intervenções
comportamentais dos professores eram fundamentalmente reactivas, e tinham
como objectivo a redução ou eliminação de comportamentos inadequados.
Freiberg salienta a este propósito que: “If discipline is reduced to a euphemism
for behaviour modification, the educational value of the disciplinary regimen is
compromised. The application of exclusively extrinsic methodologies obstructs
the considered development of individual and group behaviour in favour of
submission and subversion”17 (Freiberg, 1999, p. 25).
Em meados dos anos 80, muito por influência do capítulo de Doyle na 3ª
edição do Handbook of Research on Teaching (1986), começou a surgir
alguma insatisfação relativamente a esta posição reactiva dos professores,
propondo-se, assim, uma visão pró-activa do trabalho do professor (Cooper &
Valli, 1996). Dessa forma, o professor deveria começar a desenvolver um
conjunto de estratégias que diminuísse a probabilidade de surgirem problemas
do comportamento ou disrupções da ordem na sala de aula. A gestão da sala
de aula serviria assim para manutenção da ordem, sendo portanto um
instrumento fundamentalmente disciplinar. Nessa perspectiva encontra-se
também a posição de Brophy (1996, 1999). Para este autor, o professor na sala
de aula desenvolve acções a quatro níveis: Instrução, Gestão da Sala de Aula,
Intervenções Disciplinares e Socialização dos Alunos. A Instrução refere-se às
acções que ele desenvolve para levar os alunos a dominar o currículo formal –
por exemplo, apresentando informação, demonstrando competências,
supervisionando o trabalho ou as tarefas. A Gestão de Sala de Aula, por sua
vez, refere-se às acções que implementa para criar e manter um ambiente de
aprendizagem que possa conduzir a uma instrução bem sucedida, e que pode
envolver tarefas como o arranjo do espaço físico, o estabelecimento de regras
e procedimentos, a manutenção da atenção às lições e o envolvimento nas
actividades académicas. As intervenções disciplinares são acções tomadas
para provocar, ou obrigar a, mudanças no comportamento dos alunos que não
se ajustam às expectativas, especialmente naqueles comportamentos
suficientemente salientes para perturbar o sistema de gestão da sala de aula.
17
“Se a disciplina for reduzida a um eufemismo para modificação do comportamento, o valor
educacional do regime disciplinar está comprometido. A aplicação de metodologias
exclusivamente extrínsecas obstrui o desenvolvimento do indivíduo e do grupo em favor da
submissão e da subversão”.
36
Finalmente, a socialização dos alunos refere-se a acções tomadas para
influenciar as atitudes, crenças, expectativas ou comportamentos, pessoais ou
sociais, dos alunos. Uma parte destas acções é dirigida à classe como um todo
(articulando ideias, comunicando expectativas e modelando, ensinando e
reforçando o comportamento desejável), outra a alunos individuais
(aconselhando, utilizando os princípios da modificação comportamental ou
outros que possam remediar o desajustamento pessoal ou social).
A terceira perspectiva da interligação entre Gestão de Sala de Aula e
Disciplina é mais recente, e resultou da atribuição do papel central na sala de
aula à aprendizagem: “In pointing to the disconnection between classroom
management and other aspects of teaching such as instructional and
interpersonal conduct, several authors have begun to reconnect classroom
management with instructin and teachers’ personal traits”18 (Richardson &
Fallona, 2001, p. 706). Estas perspectivas consideram que a gestão de sala de
aula consiste no controlo do comportamento dos alunos, mas no âmbito de
uma gama alargada de acções que os professores implementam para garantir
um ambiente de aprendizagem de qualidade (Garrahy, Cothran & Kulinna,
2005). Nessa perspectiva, a gestão de sala de aula tem como objectivo a
criação das condições necessárias à aprendizagem, reservando, no entanto,
algum espaço para a intervenção no comportamento inadequado. Um exemplo
desta perspectiva encontra-se nos trabalhos de Martin e seus colaboradores
(Martin, 2004; Martin & Baldwin, 1993a, 1993b; Martin, Baldwin & Yin, 1995;
Martin & Baldwin, 1996; Martin & Shoho, 1999, 2000; Martin, Yin & Baldwin,
1998). Para estes autores, a Gestão da Sala de Aula refere-se a todos os
esforços por parte dos professores para supervisionar as actividades na sala
de aula, incluindo a aprendizagem, a interacção social e o comportamento dos
alunos. A primeira destas dimensões, que designam de Gestão Instruccional,
inclui aspectos como a monitorização, o trabalho no lugar, a estruturação de
rotinas diárias e a atribuição de materiais. O modo como estas tarefas são
geridas contribui para a atmosfera geral da sala de aula e para o estilo de
gestão de sala de aula. Este conjunto de ideias aproveita muito do estudo
18
“Ao apontar para a desconexão entre a gestão da sala de aula e outros aspectos do ensino
como a conduta instruccional e interpessoal, vários autores começaram a relacionar a gestão
da sala de aula com a instrução e com os traços pessoais dos professores”.
37
clássico de Kounin (1970) sobre as salas de aula ordeiras e desordeiras.
Conceitos como a suavidade e a oportunidade foram constantemente
considerados característicos de aulas bem planeadas que preveniam
comportamentos fora da tarefa.
A interacção social, que Martin e seus colaboradores designam de
Gestão das Pessoas, inclui o que os professores acreditam acerca dos alunos
enquanto pessoas e o que os professores fazem para desenvolver a relação
aluno-professor. Um grande corpo teórico indica que o rendimento escolar e
comportamento produtivo são influenciados pela qualidade da relação
professor-aluno. Finalmente, o comportamento dos alunos, ou Gestão
Comportamental, é semelhante à disciplina, embora se focalize em métodos
pré-planeados de prevenir o comportamento desajustado e não na reacção do
professor a esse comportamento. Especificamente, envolve o estabelecimento
de regras, o estabelecimento de uma estrutura de recompensas e a criação de
oportunidades para a participação dos alunos (Martin & Shoho, 1999).
Esta última perspectiva é muito mais abrangente, e acolhe desde
perspectivas centradas no aluno, até perspectivas centradas no professor,
como se pode verificar pelos trabalhos de Wolfgang (Wolfgang, 1996;
Wolfgang, 2001; Wolgang & Glickman, 1986), que apresenta um contínuo de
intervenções educativas, desde as mais comportamentalistas até às mais
personalistas, como as derivadas das teorias humanistas de Carl Rogers.
Numa linha semelhante encontra-se Jones (1996), que enfatiza a
natureza compreensiva da Gestão de Sala de Aula, identificando cinco
vertentes fundamentais que os professores devem dominar: (a) uma
compreensão da teoria e investigação corrente sobre a gestão de sala de aula
e das necessidades psicológicas e de aprendizagem dos alunos; (b) a criação
de relações positivas entre professor-aluno e entre pares; (c) a utilização de
métodos instruccionais que facilitam a aprendizagem óptima pela resposta às
necessidades académicas de alunos individuais e do grupo turma; (d) a
utilização de métodos de gestão organizacional e grupal que maximizem o
comportamento na tarefa; e (e) a capacidade para utilizar uma gama de
métodos comportamentais e de aconselhamento para apoio aos alunos que
demonstram problemas de comportamento sérios e persistentes. Esta visão
abrangente da gestão de sala de aula envolve o estabelecimento e a
38
manutenção da ordem, a planificação de instrução eficaz, a gestão dos alunos
enquanto grupo, a resposta às necessidades dos alunos individuais e a gestão
eficaz da disciplina e do ajustamento dos alunos individuais (Emmer & Stough,
2001).
Neste momento, parece existir algum consenso relativamente às
relações entre o conceito de gestão de sala de aula e o conceito de disciplina.
As perspectivas mais recentes atribuem à gestão da sala de aula, não apenas
a instrução eficaz, mas também o apoio aos alunos na construção de um
sentido de comunidade, com competências acrescidas na comunicação
interpessoal, gestão de conflitos e auto-controlo (Jones, 1996).
Síntese
19
“Até recentemente, pouco se sabia acerca do que ocorre nas salas de aula (…) a escola e as
salas de aula eram concebidas como pequenas ‘caixas pretas’”.
39
designar o conjunto de elementos que o professor utiliza como base para
orientação das suas acções e actividades, é sinal da indefinição existente. A
dificuldade em distinguir entre crenças e conhecimentos é também um
resultado dessa indefinição, parecendo que, muitas vezes, se está a utilizar
designações diferentes para descrever a mesma realidade. No fim de contas,
quando um professor decide castigar um aluno por ter agredido um colega,
estará a colocar em prática os seus conhecimentos ou as suas crenças? E será
importante sabê-lo? Ou será mais importante saber quais os conteúdos que ele
é capaz de verbalizar como justificação das suas acções, independentemente
do rótulo ser conhecimento ou crença?
Estas questões, servindo de base para reflexão, não terão,
provavelmente, qualquer resposta. Neste trabalho, assumimos que o conceito
de Conhecimento do Professor estará mais relacionado com o conhecimento
apresentado ao professor, na sua formação inicial ou contínua, enquanto o
conceito de Crença está associado ao conhecimento pessoal, resultante da
teoria, da prática, e de todas as influências – da filosofia, política, teologia, arte,
etc – a que qualquer indivíduo – professor ou não – está sujeito. Será com
base neste último tipo de cognições que o professor fundamenta as suas
acções, organiza as suas rotinas e resolve os seus problemas e dilemas.
As questões relativas à organização do espaço, do tempo, das
actividades, dos indivíduos, do grupo, e de inúmeros outros factores, bem
como a decisão de centralizar nele o processo ou de o partilhar com os alunos
estão incluídas no conceito de Gestão de Sala de Aula que constitui uma área
prioritária da intervenção do professor. Dela depende, em grande medida, o
sucesso na aprendizagem dos seus alunos. Como facilmente se depreende,
trata-se de uma área em que as crenças dos professores assumem particular
importância. Aspectos relativos ao locus da tomada de decisões – professor,
alunos ou turma; aos objectivos que se pretendem atingir e ao tipo de ambiente
necessário para o fazer, entre muitos outros, estão claramente subordinados às
crenças que os professores têm relativamente a Ensino, Aprendizagem,
Professor, Aluno, Escola, Ordem, Disciplina, etc. Daqui resulta que, grande
parte do funcionamento dos professores depende das suas crenças individuais
e da sua capacidade de as mobilizar adequadamente na selecção e
implementação dos métodos de gestão de sala de aula.
40
É fundamental, então, proceder-se a uma sistematização dos métodos e
estratégias de gestão de sala de aula, tentando relacioná-los com as crenças
que, habitualmente, com eles estão associados. Será esse o objectivo do
próximo capítulo.
41
42
II. Crenças e Práticas de Gestão de Sala de Aula
43
começando por analisar as crenças mais gerais acerca do mundo e da
natureza humana e a educação em geral, continuando com a análise das
teorias específicas sobre o ensino e, finalmente, com a análise das práticas
que lhes estão habitualmente associadas em termos de gestão de sala de aula;
este mesmo percurso será utilizado no terceiro momento, para análise das
perspectivas centradas no aluno. A concluir este capítulo, será discutida a
existência de um ponto de equilíbrio entre estas duas perspectivas e a sua
tradução em termos de teorias e de práticas de gestão de sala de aula.
Definição de Categorias
44
professores), na corrente Realista (Schraw & Olafson, 2002), no conceito
tradicional de escola (Ravitch, 2000). A outra corrente, que designamos como
Centrada no Aluno, encontra o seu paralelo nas teorias da Autoestruturação
(Not, 1981), de Pedagogia da Existência (Suchodolski, 1992), corrente
Relativista (Schraw & Olafson, 2002), e de Escola Nova (Ravitch, 2000).
Finalmente, discutir-se-á a existência de um terceiro grupo, já sugerido
anteriormente (Fenstermacher & Soltis, 1998; Levin & Nolan, 2000), e que Not,
por exemplo, designa de Interestruturação (1981) e Schraw e Olafson (2002)
designam como Contextualista.
As duas primeiras categorias referidas, Centrada no Professor e
Centrada no Aluno, têm uma longa história de confrontos, datando pelo menos,
desde o século XVIII. Para a primeira, o objectivo da educação é ensinar, no
sentido de instruir ou formar. Reconhece a importância de um conjunto de
conteúdos ou competências, e pretende que a criança ou o aluno as adquira ou
domine através de um conjunto de operações organizadas e desencadeadas
do exterior. A segunda categoria, Ensino Centrado no Aluno, pretende que a
criança possui, desde muito cedo, os meios para assegurar o seu próprio
desenvolvimento, sobretudo intelectual e moral, e que toda a acção exterior
mais não faz do que entravar ou deformar o seu percurso desenvolvimental
(Not, 1981). Estas correntes envolvem, na sua génese, um conjunto de
princípios filosóficos também eles em clara oposição. Quintana Cabanas (2002)
apresenta uma leitura destas oposições – antinomias, no seu discurso –
designando o quadro geral, dentro do qual o indivíduo enquadra as suas
crenças, como “cosmovisão”. Defende a existência de três grandes
cosmovisões: o optimismo antropológico, o realismo antropológico e o
pessimismo antropológico. As suas principais diferenças, relativamente aos
postulados iniciais e às implicações para o conceito de educação e de
educador, encontram-se no quadro 3. Encontram-se aí, também, alguns
autores que Cabanas considera representativos dessas perspectivas.
45
Quadro 3 – Quadro síntese das implicações em termos de crenças educacionais das três
principais “cosmovisões” (adaptado de Cabanas, 2002)
Cosmovisão Optimismo Realismo Pessimismo
antropológico antropológico antropológico
Representantes Rousseau, Coménio, Pestalozzi Kant, Durkheim
Montessori
Postulado inicial: A Bom Com aspectos Mau
criança é um ser… Capaz de tudo positivos e negativos Impotente
Activo Capaz de algo Passivo
Espontâneo Parcialmente activo Inerte
Necessita de algum
estímulo
A educação é… Crescimento Ajuda Implantação
Deixar fazer Cuidado Condução
Educere Complere Educere
O educador é como Jardineiro Regulador de Escultor
um… Tráfego
46
Avaliação Padrões externos; Padrões de grupo; Padrões individuais;
Referente a normas; Referente a critérios; Referente a critérios;
Feedback do Feedback do próprio Feedback do próprio
professor e dos colegas
47
aluno, de produções externas destinadas a formá-lo, enquanto na posição
centrada no aluno, este é o responsável pela sua própria construção do
conhecimento; (2) na primeira, um educador exerce uma acção sobre um
educando através de uma matéria divisível em elementos que são instrumentos
para a formação do aluno, enquanto no segundo existe apenas um indivíduo
agindo e transformando a sua própria acção; (3) no primeiro caso, aquele que
sabe ensina ao que ignora, o que implica uma assimilação prévia pelo agente,
sendo estes métodos caracterizados pelo primado do objecto, enquanto no
segundo caso, a determinante da acção é o aluno e o objecto está submetido
às suas iniciativas – é o primado do sujeito.
Cabanas (2002) assegura que a distinção entre as diversas teorias se
encontra na importância atribuída à natureza – se o mais importante, no
processo educativo, é salvaguardar as características “naturais” do educando
(tendências, necessidades, manifestações), ou se, pelo contrário, as temos de
corrigir ou superar submetendo-os a valores e normas “ideais”. Como esta
opção depende de opções filosóficas, iremos começar a nossa análise pelos
fundamentos filosóficos de cada uma das posições e das suas influências para
a teoria da educação e para a formulação de práticas.
48
Apesar de tudo, estas teorias são frequentemente designadas de
retrógradas, indignas de espíritos livres e progressistas. Convém salientar, no
entanto, que constituem um modo de ver o Homem tão legítimo e justificável
como as alternativas mais optimistas, encontrando justificações mais que
suficientes numa visão realista e comprovada da grande acumulação de
sofrimentos e tragédias que vão marcando a existência humana. Resta sempre
a dúvida se as visões mais optimistas não serão resultantes de uma visão
romântica que confunde a realidade com os nossos desejos – “Wishful thinking”
(Cabanas, 2002).
Crenças
49
A história da nossa sociedade não se pode entender sem o recurso à
religião, nomeadamente às suas bases judaico-cristãs, mas também
protestantes. Em todas elas existe uma desconfiança básica nas capacidades
humanas e consideram, portanto, fundamental, a sua orientação ou mesmo
supressão. As crenças básicas advêm da noção de pecado original: o Homem
é pecador, a salvação vem-lhe de fora e a sua vida moral pressupõe uma
contínua luta contra as exigências da sua natureza desordenada. A superação
do seu estado de pecado advém do sacrifício: aceitação do trabalho como
castigo, prática das virtudes, obediência à lei imposta, controlo dos apetites
instintivos, reconhecimento das próprias falhas e vontade de auto-superação.
Esta posição mantém ainda a sua actualidade, bastando para tal ver o
Catecismo da Igreja Católica (2000): “Ignorar o facto de o homem ter uma
natureza lesada, tendendo para o mal, ocasiona graves erros no domínio da
educação, da política, da acção social e os costumes”. Também para o
protestantismo, a natureza humana é absolutamente má e sem remédio
possível, de modo que a única esperança possível assenta em que Deus, na
sua misericórdia, se digne a lançar um véu de esquecimento sobre esta
situação (Cabanas, 2002).
50
according to Kant, the ultimate aim of education should be the formation of moral
20
character (Dickerson, 2003, p. 61).
Outro pensador importante é Hobbes, que afirmava que o estado natural
do Homem é de guerra de todos contra todos. É latente a pura animalidade que
se move pelo instinto de preservação: os desejos de sobrevivência pessoal
conduziriam a um mecanismo de selecção natural segundo a lei do mais forte,
tal como ensina o darwinismo social, que concebe a sociedade humana como o
produto da luta pela existência, dominada pelos mais dotados (Cabanas, 2002).
Nietzsche, na sua teoria do Super-Homem, também apresenta o ser
humano como um predador implacável, sem outro desejo para além do de se
impor aos restantes:
The ultimate goal of Nietzsche's philosophy of education, as with his whole
philosophical system, was the development of true culture through the production
of fully authentic individuals or what he called the higher type of humanity, for
through the production of such individuals all of society would find its justification
and so reap the greatest rewards21 (Hart, 2003, 157).
Em Schopenhauer, aparece-nos como um ser desgraçado que não pode
escapar ao seu destino doloroso, frustrante e aborrecido (Cabanas, 2002).
De todos estes autores retira-se um ponto comum: o ser humano, não é,
naturalmente, bom. Muito pelo contrário, a visão mais optimista afirma que, na
melhor das hipóteses, ele tem em si a possibilidade do Bem e do Mal. No
entanto, todas elas afirmam, claramente que, entregue a si próprio, o ser
humano rapidamente deixará vir à superfície a sua bestialidade – ideia base do
romance “O Deus das Moscas” com que se iniciou este ponto. A única
esperança está então na educação, processo muitas vezes doloroso porque
contrário à própria natureza humana. Durkheim, por exemplo, afirma que não
há educação sem esforço, pois a segunda natureza que a educação pretende
inculcar no indivíduo é, muitas vezes, um processo que contraria a natureza
humana (Filloux, 1993). Por essa razão, não se pode conceber a educação
sem disciplina, pois é fundamental que a criança aprenda a respeitar as regras
e a cumprir os seus deveres. Por essa razão, também, o professor possui
20
“Kant separa então claramente a esfera da natureza da esfera da moralidade, mas concebe
a educação como o processo que liga as duas – isto é, que conduz a criança de um estado de
compulsão pelo desejo natural para um de ser capaz de desempenhar o acto correcto apenas
pela compreensão de que é de facto o acto correcto. Desta forma, de acordo com Kant, o fim
último da educação deveria ser a formação do carácter moral”.
21
"A finalidade última da filosofia da educação de Nietzsche, tal como de todo o seu sistema
filosófico, era o desenvolvimento da verdadeira cultura através da produção de indivíduos
completamente autênticos que eles intitulava de tipo superior de humanidade, pois pela
produção de tais indivíduos toda a sociedade iria encontrar a sua justificação e assim atingir as
maiores recompensas"
51
autoridade enquanto representante da sociedade, sendo a transmissão da
herança cultural às novas gerações, a sua função fundamental (Marques,
2001).
Teorias
52
apresentando os conteúdos a aprender de forma já formatada; (3) pretende-se
facilitar as aquisições, deixando ao aluno apenas a tarefa de aprender os
conteúdos e não de os procurar.
Estes métodos, evidentemente centrados no professor, e que deixam ao
aluno um papel de objecto, não dispensam, de todo, a acção do aluno. Por
exemplo, reconhece-se a importância da actividade espontânea do aluno no
acompanhamento da transmissão, como facilitador da aprendizagem. Por essa
razão, coloca-se um grande peso na manutenção de um conjunto de condições
que possibilitem o acompanhamento do processo de transmissão. Os
fracassos são, geralmente, considerados como falta de atenção ou lentidão na
compreensão por parte do aluno. Por outro lado, para facilitar a compreensão,
é frequente o recurso à actividade concreta do aluno, em termos de exercícios
impostos, pois considera-se, aqui, que as noções transmitidas só são
perfeitamente integradas ao fim de uma série de exercícios práticos. Esses
exercícios consistem, essencialmente, na aplicação de regras de acção ou
normas que constituem uma boa parte dos objectos transmitidos ao aluno (Not,
1981).
Not (1981), no seu livro “As pedagogias do conhecimento”, obra
frequentemente utilizada na formação de professores, em Portugal, propõe
uma sistematização dos métodos dentro da corrente centrada no professor,
que ele designa de Heteroestruturação (quando 4), com a distinção de métodos
tradicionais e de métodos coactivos, consoante o papel atribuído ao aluno na
construção do objecto.
53
Dentro dos métodos tradicionais, o mais habitual é o designado por
transmissão de conhecimentos, que constitui a matriz básica e que já foi atrás
discutido. É de facto o mais clássico, e podem-se encontrar exemplos, por
exemplo, na pedagogia dos jesuítas que tinha como características
predominantes a ordem, a disciplina e o método, ocupando a gramática, a
filosofia, a lógica, a teologia, o lugar central no plano de estudos. A metodologia
mais vulgar consistia numa mistura de exposição do professor, leitura de
textos, exercícios e disputas orais (Not, 1981).
No que diz respeito aos métodos que se orientam pela tradição
constituída, podem distinguir-se duas maneiras de a explorar: (1) numa
perspectiva, ela é concretizada em produções sociais que modelam o indivíduo
pela pressão que exercem sobre ele, sendo a educação apenas uma
sistematização de tais pressões tendo como meta tornar o indivíduo adequado
ao que lhe é pedido pela sociedade; (2) noutra perspectiva, a tradição é
objectivada em herança constituída pelas obras das gerações que nos
precederam e das quais a acção do tempo deixou subsistir somente o que
define o homem na sua essência.
A primeira linha pode encontrar-se em Durkheim, para quem a
sociedade domina o indivíduo, que só pode subsistir através de normas e
obrigações. Estas normas e obrigações, construídas pela sociedade, são
transmitidas através da educação, definida como a acção que as gerações
adultas exercem sobre aquelas que não o são, para as formar para a vida
social (Filloux, 1993). A segunda linha pode encontrar-se em Alain, cuja
colocação neste ponto pode parecer algo estranho. Alain vê a sala de aula
como uma oficina de trabalho, em que os alunos vão conquistando a sua
autonomia com a ajuda do professor. Em vez de estarem sentados, em
silêncio, a ouvir o professor, devem, pelo contrário, estar sempre em
actividade, realizando exercícios, lendo, escrevendo, calculando e desenhando
(Marques, 2001). Alain procurou fundamentar o seu ensino na experiência do
aluno, mas num tipo muito específico de experiência – a que tem como objecto
as obras clássicas. Em resultado, surgiu uma pedagogia em que se limita o
papel do professor, mas em que não se dá espaço ao aluno para desenvolver
um saber próprio: “I find it ridiculous that the decision to learn one thing rather
54
than anothershould be left to the children and their families22” (Alain, cit. in
Foray, 1993, p.30). No fundo, promoveu uma ligação directa entre o aluno e o
conhecimento que, para ele, se encontrava nas grandes obras, poemas,
músicas, pinturas, monumentos, e nos textos e traduções precisas dos
clássicos (Not, 1981).
Os métodos coactivos podem ser definidos como métodos de duplo
sujeito, devido aos papéis que aí representam o aluno e o pedagogo: o primeiro
executa uma acção que o outro dirige (Not, 1981). Isto é, o aluno age, mas as
iniciativas que regem a sua actividade pertencem ao mestre, e nessa situação
ele torna-se o lugar de uma acção que o outro exerce sobre ele para formá-lo
como se forma um objecto. Para os promotores desses métodos, o
conhecimento consiste, de facto, em comportamentos: conhecer é agir,
material ou verbalmente. O pedagogo vai dirigir a sua construção através de
um programa que estrutura uma série de operações elementares que ele terá
definido, analisado, seleccionado e ordenado temporalmente.
Pode-se apontar o ensino programado como uma forma de instrução em
que a estruturação da matéria a ensinar provoca no aluno uma actividade
própria à sua assimilação. O recorte dessa actividade em unidades ordenadas,
de modo que cada uma delas seja absorvida só após a aquisição daquelas nas
quais se apoia, constitui o programa. Os promotores desses métodos
sustentam-nos em nome da individualização do ensino que possibilitam, pois
cada um pode seguir o seu próprio ritmo e percorrer o programa até ao fim
(Not, 1981).
Vemos esses princípios colocados em prática, pela primeira vez, no
método de Winnetka, concebido no princípio do século 20 por Washburn.
Trata-se de um sistema compósito e funcionalista. Após a definição dos
objectivos de ensino de forma funcional – dizendo o que é preciso aprender e
para quê – os currículos são determinados metodicamente e é fixada a idade
óptima para a sua aquisição através da média das crianças. Os conteúdos são
então distribuídos em séries de exercícios auto-educativos com um sistema de
testes que permite a avaliação dos progressos obtidos por cada aluno e a
regulação do ritmo de progressão que pode ser adaptado às possibilidades de
22
“Parece-me ridículo que a decisão de aprender uma coisa em vez de outra deva ser deixada
às crianças e às suas famílias”.
55
cada um. Podem verificar-se, aqui, os princípios essenciais nos quais se
fundamentará, meio século mais tarde, o ensino programado: (1) definição
prévia dos objectivos; (2) análise da matéria e dos procedimentos; (3) controlo
da progressão; (4) exploração sistemática do feedback. Desta forma, a matéria
a ensinar é estruturada em uma ordem didáctica (princípio da estruturação); o
ensino é adaptado ao aluno e cada um pode ir conforme seu ritmo (princípio de
individualização); cada aluno é constantemente estimulado por perguntas
(princípio do estímulo); as respostas são sempre corrigidas e os erros
encaminhados (princípio do controlo) (Not, 1981).
Um outro exemplo encontra-se no modelo comportamentalista de
Skinner. O comportamentalismo é uma corrente da psicologia marcada por
uma preocupação claramente funcionalista e pragmatista e pelo desejo da
objectividade científica assente num empirismo lógico, centrando portanto a
sua atenção nas conexões observáveis estímulo-resposta e evitando conceitos
como natureza humana, instrospecção, consciência e personalidade, por não
serem passíveis de observação e medida. Os seus fundamentos teóricos são
encontrados nas teorias do condicionamento clássico e do condicionamento
operante, devidas, entre outros, aos trabalhos de Pavlov e Skinner. Estas
teorias têm implicações evidentes para o processo educativo: (1) o educador
não é um simples facilitador do desenvolvimento do educando, mas sim o seu
líder e programador; (2) educar não é animar, mas sim ensinar algo; (3) o
modelo didáctico ideal é o ensino programado; (4) a pedagogia rege-se por
normas empíricas, avaliadas pelos seus resultados efectivos e comprovados;
(5) a educação não pode prescindir de alguma coacção sobre o educando; (6)
a educação pressiona e obriga o educando a agir como deve ser (Marques,
1999).
Estes princípios encontram uma ilustração muito clara na novela Walden
Two (Skinner, 1948) onde é descrita uma experiência educativa que procura
traduzir uma utopia pedagógica de cunho comportamentalista e na comunidade
Los Horcones no México, construída a partir daquela utopia e onde os
princípios comportamentalistas são utilizados como principal guia de acção
(Ishaq, 1991). As ideias pedagógicas expressas na novela referida são as
seguintes: (1) preferência por uma pedagogia do esforço e do dever, por
oposição a uma pedagogia do interesse e do jogo; (2) uma pedagogia centrada
56
no amor ao trabalho e à actividade produtiva; (3) subalternização do papel
educativo da família, em favor do papel da comunidade e do grupo; (4) defesa
da educação como processo de controlo social; (5) a finalidade da educação é
formar indivíduos bem integrados na sociedade e felizes consigo próprios
(Marques, 1999).
Dois modelos também claramente inspirados nos modelos
comportamentalistas são o modelo directivo de Bereiter e Engelman, e o
modelo de ensino para a mestria de Bloom. O primeiro modelo privilegia a
abordagem de competências e conhecimentos básicos através de aulas
altamente estruturadas e orientadas para metas e objectivos definidos com
rigor. Este modelo requer ambientes de aprendizagem altamente estruturados
e o uso pelo professor de uma planificação e de uma avaliação muito rigorosas
(Morrison, 2001). Bereiter e Engelman acreditam que há crianças que
aprendem melhor com currículos altamente estruturados e desde que o
conhecimento seja dividido em pequenas parcelas, numa sequência de
crescente complexida e abstracção, complementada com reforços contínuos e
feedback imediato. À medida que a aprendizagem vai ocorrendo, os alunos
melhoram a sua auto-estima, aumentam as suas expectativas educacionais e
começam a ganhar autonomia e competências meta-cognitivas (Marques,
2001).
O modelo de ensino para a mestria, criado por Benjamin Bloom, centra o
processo de ensino e aprendizagem numa planificação e avaliação rigorosas,
dependentes de uma definição clara dos objectivos gerais, específicos e
comportamentais e da construção de instrumentos rigorosos de avaliação
diagnóstica, formativa e sumativa. O processo de ensino e aprendizagem
obedece a uma sequência lógica de tarefas, articuladas das mais simples para
as mais complexas e tendo em consideração a definição de objectivos mínimos
e objectivos de desenvolvimento (Marques, 2001). Nesta linha, o autor afirma
que quase todos os alunos são capazes e atingir os objectivos educacionais,
desde que se lhes conceda o tempo necessário e as condições de
aprendizagem apropriadas (Eisner, 2000). Atribui também uma grande
importância à hierarquização das tarefas de aprendizagem, à definição rigorosa
dos objectivos e ao feedback imediato (Bragg & Laanan, 2001). O processo foi
descrito, de forma simplista, por Anderson:
57
As originally set forth by Bloom, these features or elements are:
• Specification of the objectives and content of instruction (precondition).
• Translation of the specifications into evaluation procedures (precondition).
• Setting of standards of mastery and excellence apart from interstudent
competition (i.e., absolute mastery standards) (precondition).
• Breaking course or subject into smaller units of learning (operating procedure).
• Design and administration of brief diagnostic-progress tests (i.e., formative
evaluation) (operating procedure).
• Use of alternative instructional materials or processes intended to help students
correct their learning difficulties (as indicated by their performance on the
diagnostic-progress tests) (operating procedure).
In combination, the last two bullets are generally referred to as “feedback/
correctives.” It is the feedback and correctives that require additional instructional
23
time. (Anderson, 2003, 378-379)
Práticas
23
“Tal como os estabeleceu Bloom, estes elementos chave são:
• Especificação dos objectivos e conteúdos da instrução (condição prévia)
• Tradução das especificações para procedimentos de avaliação (condição prévia)
• Estabelecimento de padrões de mestria e excelência independentes da competição
entre os alunos (i.e., padrões absolutos de mestria) (condição prévia)
• Dividir a disciplina ou a matéria em unidades de aprendizagem mais pequenas
(procedimento operacional)
• Desenho e administração de breves testes de diagnóstico do progresso (i.e., avaliação
formativa) (procedimento operacional)
• Utilização de materiais ou procedimentos instrucionais alternativos destinados a ajudar
os alunos a corrigir as suas dificuldades de aprendizagem (indicadas pelo seu
desempenho nos testes de diagnóstico do progresso) (procedimento operacional)
Em combinação, os dois últimos pontos são geralmente referidos como ‘feedback/correctivos’.
São estes aspectos que requerem tempo instrucional adicional”.
58
desde há séculos. Dois bons exemplos das práticas nesta corrente encontram-
se na Pedagogia dos Jesuítas e no trabalho de Hegel no Liceu de Nuremberga.
Nos colégios jesuítas, a disciplina era entendida como uma forma de
envolvimento de todo o colégio num ambiente de respeito pela ordem e pela
hierarquia. Na base da disciplina estava o regulamento interno, onde se
estipulavam, com rigor, a missão, os objectivos, os direitos e os deveres. No
topo da hierarquia estava o reitor, eleito pelos professores mais antigos. De
seguida vinha o prefeito dos estudos, sobre cujos ombros recaía a
responsabilidade pela inspecção do ensino, a socialização dos novos
professores e a supervisão do trabalho dos professores. Por último, em cada
classe havia um professor principal que seria o responsável pelos estudos de
cada aluno.
Com um ambiente tão ordeiro e hierarquizado os colégios jesuítas
raramente recorriam aos castigos. Pelo contrário, faziam apelo aos reforços
positivos, nomeadamente aos quadros de honra e às competições académicas.
Com a classe dividida em decúrias, o decurião recitava todas as manhãs a
lição aos restantes companheiros. Durante esse período, o professor concluía
a correcção das cópias. A aula começava com um ditado. Depois o professor
fazia uma prelecção com base num texto. De seguida, os melhores alunos
faziam, para os colegas, a mesma prelecção (Marques, 2001).
Numa linha próxima encontra-se La Salle, que se preocupou sobretudo
com o desenvolvimento do carácter dos alunos, e centrou todo o acto
pedagógico na sala de aula e na direcção intelectual e moral do professor. A
autoridade deste devia exercer-se com firmeza e carinho de modo a assegurar
a ordem e o respeito pela hierarquia. A ordem na sala de aula exigia o silêncio
dos alunos e embora desaconselhasse os castigos físicos, considerava que os
desvios do comportamento deveriam ser penalizados. Uma inovação de La
Salle foi o emprego do método simultâneo, reunindo, numa sala espaçosa,
várias dezenas de alunos que, em alguns casos, podia chegar a uma centena.
La Salle aconselhava a abertura das escolas bem cedo e preconizava a
utilização de um complexo sistema de sinais, afim de observar o silêncio,
evitando-se que o professor perdesse tempo com advertências e instruções
verbais. Havia sinais para os alunos lerem em voz alta, em voz baixa,
soletrarem, repetirem um exercício, entre muitos outros. Embora La Salle
59
aconselhasse um uso apenas moderado dos castigos físicos, havia um sistema
de recompensas e castigos muito eficaz, que incluía a advertência, a
penitência, a repetição de exercícios e a expulsão da sala ou até mesmo da
escola. Preconizou uma avaliação rigorosa, aconselhando que um aluno só
transitasse de ano ao mostrar um bom domínio das matérias. Considerava que
passar de ano um aluno que não se mostra apto seria condená-lo a uma vida
de ignorância (Marques, 2001).
O outro exemplo referido foi o do Colégio de Nuremberga, e do trabalho
do filósofo alemão Hegel, que o dirigiu durante um período de oito anos. Hegel
insistia na seriedade do trabalho pedagógico, na responsabilidade individual,
na exigência de aplicação por parte dos alunos, no rigor intelectual, no respeito
pelos professores e no uso da razão e da reflexão (Pleines, 1993). Os métodos
de ensino propostos não se afastam da forma como Hegel orientava as suas
aulas:
Em relação a cada tema, Hegel ditava um parágrafo, em seguida procedia à sua
explicação oral, recorrendo também ao questionamento dos alunos. O ditado tinha
de ser passado a limpo e a explicação oral devia ser resumida por escrito. No
início de cada aula, um aluno apresentava uma síntese oral da aula anterior. Os
alunos podiam interromper sempre que necessitassem de colocar dúvidas
(Fernandes, 1994).
Uma questão da maior importância para Hegel é a da disciplina, da
ordem e da serenidade na sala de aula. A este respeito, chega a afirmar que
havendo alunos que não sejam capazes de respeitar as relações de cortesia e
as regras de boa conduta, então o reitor deve devolver esses alunos às
respectivas famílias, para que elas façam aquilo que às famílias compete fazer,
ou seja, fazer respeitar as regras da convivência social. A disciplina, isto é, o
respeito pelas regras de conduta, a obediência e a atitude responsável, deve
ser uma preocupação da educação familiar, sendo de supor que uma
instituição de ensino não tem que começar por obter disciplina dos seus
alunos, mas antes pressupô-la (Marques, 1999).
60
trabalhos originais (Wolfgang & Glickman, 1986) apresenta três dimensões,
dependendo da quantidade de poder que o professor assume na sala de aula:
(1) uma dimensão baseada na relação e na escuta (Relationship-Listening); (2)
uma dimensão baseada no confronto e na contratualização (Confronting-
Contracting); (3) uma dimensão baseada em regras e consequências (Rules
and Consequences) (quadro 5). Nesse quadro estão também presentes os
principais modelos teóricos subjacentes a essas práticas (Wolfgang, 2001).
61
Outro autor, Tauber (1999), organiza alguns dos modelos apresentados
anteriormente num continuum que ordena de acordo com as influências de dois
autores: Skinner e Rogers (figura 6).
Skinner Rogers
62
controlar efeitos colaterais indesejáveis, na observância estrita e constante da
viabilidade testada na prática pedagógica e, (3) os modelos comportamentais
permitem aos professores desenvolver a consciência de que são autores de
processos de mudança (Silva, Nossa & Silvério, 2000).
Em termos práticos, a Análise Comportamental pressupõe um conjunto
de procedimentos: (1) a descrição objectiva da situação em que ocorrem os
comportamentos de indisciplina (objectivação) – i.e., o contexto espacio-
temporal e interpessoal; e a descrição detalhada das ideias, emoções e
sentimentos (subjectivação), que precedem a ocorrência dos mesmos (factor
S); (2) descrição detalhada das ideias, raciocínios, emoções, sentimentos,
sensações viscerais, sensações proprioceptivas e reacções que o indivíduo
apresenta face à situação descrita; (3) descrição das respostas que o indivíduo
revela para lidar com os factores situacionais e pessoais; e (4) descrição das
consequências das respostas do ponto de vista do indivíduo e não do
observador (Silva, Nossa & Silvério, 2000). Daqui resulta então a análise
funcional, isto é, a análise do comportamento B como função de um conjunto
de variáveis: S (situacionais), P (pessoais), R (comportamentais) e C
(consequências), de acordo com a fórmula B= f (S, P, R, C) (Silva, Nossa &
Silvério, 2000).
Como se poderá concluir, este modelo assume um perfil quase
“terapêutico” uma vez que se destina, fundamentalmente, à intervenção em
situações de problemas disciplinares. Partindo de uma definição rigorosa dos
comportamentos e dos objectivos comportamentais, ele preconiza uma recolha
de dados através da observação sistemática, de uma análise desses dados
através da construção de gráficos, e uma planificação da intervenção baseada
nos princípios do reforço e da punição. A intervenção deverá ser
constantemente monitorizada através dos procedimentos de observação
sistemática, e estes dados deverão ser registados em gráficos, que permitam
ter uma ideia da dimensão da eficácia da intervenção.
63
punições na intervenção disciplinar. Assim, temos autores como Madsen e
Madsen (1981) e Alberto e Troutman (1990), que colocam a ênfase na
utilização de reforços positivos, partindo do princípio, tão caro ao próprio
Skinner, que será possível mudar padrões comportamentais apenas pelo
reforço diferencial de comportamentos incompatíveis. O próprio Skinner, em
Walden II, recusa a utilização de castigos ou punições, pois as crianças,
habituadas desde muito pequenas a ser reforçadas pelos comportamentos
adequados, não teriam necessidade de recorrer a comportamentos
inadequados, sendo portanto dispensável a utilização de qualquer tipo de
estratégia aversiva. Contrariamente, outros autores, como Dobson (1970,
1992), colocam a ênfase na utilização de estratégias punitivas como forma de
controlar o comportamento dos alunos. Este autor defende a diferenciação
entre punição retributiva (o tradicional “olho por olho”), e punição terapêutica,
salientando que o público muitas vezes recusa a segunda pensando na
primeira (Tauber, 1999).
O modelo disciplinar de Dobson, um dos mais radicais, encontra muita
da sua fundamentação nos preceitos bíblicos, como em Provérbios: “Não
retires a disciplina da criança; pois se a fustigares com a vara, nem por isso
morrerá. Tu a fustigarás com a vara, e livrarás a sua alma do inferno”
(Provérbios, 23, 13-14). O autor é muito claro, afirmando:
The best source of guidance for parents can be found in the wisdom of the Judeo-
Christian ethic, which originated with the Creator and was then handed down
generation by generating from the time of Christ. This is what my mother, my
grandmother, and my great-grandmother understood almost intuitively (…) what
they were doing was passing along the traditional wisdom… the heritage… to the
24
next generation (Dobson, 1992, 16).
24
“A melhor fonte de orientação para os pais pode ser encontrada na sabedoria da ética
Judaico-Cristã, originada no Criador e depois passada de mão em mão geração atrás de
geração desde o tempo de Cristo. Isto é o que a minha mãe, a minha avó e a minha bisavó
compreenderam quase intuitivamente (…) o que estavam a fazer era passar adiante a
sabedoria tradicional… a herança… para a próxima geração”.
64
delimitam claramente os papéis e as expectativas do professor e dos alunos.
Ele dá um exemplo do discurso de boas-vindas de um professor:
This is going to be a good year… Your parents have given me the responsibility of
teaching you some very important things this year… That's why I can't let one or
two show-offs keep me from doing my job. Now, if you want to try and disrupt what
we're here to do, I can tell you it will be a miserable year for you. I have many ways
to make you uncomfortable, and I will not hesitate to use them. Any questions?
25
Good, let's get back to work (Dobson, 1992, 142).
25
“Este vai ser um bom ano… Os vossos pais deram-me a responsabilidade de vos ensinar
algumas coisas muito importantes este ano… É por isso que não posso deixar que um ou dois
de vós me impeçam de cumprir o meu trabalho. No entanto, se vocês quiserem tentar e
perturbar aquilo que eu aqui estou para fazer, posso dizer-vos que vos espera um ano
miserável. Tenho muitas maneiras de vos fazer sentir desconfortáveis, e não hesitarei em
utilizá-las. Alguma questão? Bom, então vamos trabalhar”.
65
é uma proposta pacífica e tem levantado muitas críticas. Hyman e Snook, por
exemplo, referem que:
Compared to most Western democracies, America is returning to an 18th-century
model of punishment and retribution in dealing with misbehavior, deviancy, and
delinquency. However, every study conducted that has compared punishment with
prevention in juvenile detention centers demonstrates that education, rehabilitation,
and therapy are much more successful than punishment in decreasing the re-arrest
26
rates (Hyman & Snook, 2000, 448).
26
“Comparada com a maior parte das democracias Ocidentais, a América está a voltar a um
modelo do século XVIII de punição e retribuição para lidar com o mau comportamento, o
desvio, e a delinquência. No entanto, todos os estudos conduzidos que compararam a punição
com a prevenção em centros de detenção juvenil demonstraram que a educação, reabilitação,
e terapia são muito mais bem sucedidas do que a punição na diminuição das taxas de
reincidência”.
66
severely; incorrigible students were simply expelled from school, and many
students who did not fit in the system opted to ‘drop out’. After the War there was
an influx of students into schools as well as subsequent laws regulating physical
punishment, and limiting student expulsion forced an examination of effective ways
to ‘manage’ student classroom behaviour. Classroom management techniques
27
thus evolved as a method of dealing with students’ resistance to forced schooling.
(Rigoni, 1998, 183-184)
27
“Estes elementos base estabeleceram a necessidade para o que veio a ser chamado gestão
de sala de aula. Uma vez que as escolas tentam inculcar conhecimentos nos jovens membros
da sociedade antes de eles verem qualquer necessidade para esse conhecimento, eles
naturalmente resistem a tais tentativas. Como a sociedade depois da Segunda Guerra Mundial
se tornou mais complexa, esta resistência intensificou-se. Na educação americana antes da
Guerra, a educação era menos universal porque as crianças com problemas moderados do
comportamento eram frequentemente punidas de forma severa; os alunos incorrigíveis eram
simplesmente expulsos da escola, e muitos alunos que não cabiam no sistema optavam por
abandonar. Após a Guerra houve um fluxo de alunos para as escolas bem como leis
subsequentes que regulavam as punições físicas, e limitavam a expulsão dos alunos, o que
forçou um exame das formas eficazes para ‘gerir’ o comportamento dos alunos na sala de aula.
As técnicas de gestão da sala de aula evoluíram, então, como um método para lidar com a
resistência dos alunos à escolaridade obrigatória”.
28
“O professor deve estar disposto e capaz de estabelecer limites comportamentais positivos e
consistentes enquanto fornece calor humano e apoio aos alunos pelo seu comportamento
apropriado (…) a forma de atingir este objectivo é através do desenvolvimento de uma
abordagem proactiva da gestão do comportamento”.
67
O conceito de Disciplina Assertiva tem muito a ver com o estilo relacional
que o professor implementa na sua sala de aula. Segundo os Canter, ele pode
assumir três formas: não-assertivo (também designado por passivo), hostil (ou
agressivo) e assertivo (Tauber, 1999). Os professores assertivos são
caracterizados por protegerem os seus direitos bem como os direitos dos seus
alunos. Eles transmitem as suas expectativas aos alunos e, de forma calma e
adequada, continuamente insistem com eles para cumprirem com essas
expectativas. Os professores hostis, ou agressivos, por outro lado, encaram a
sala de aula como uma luta entre professor e alunos, recorrendo a qualquer
estratégia aversiva para dominar os alunos e evitar o caos com mão de ferro –
muito na linha da intervenção preconizada por Dobson. Utilizam estratégias
como a humilhação, a punição – muitas vezes física – e outras, que
frequentemente têm como resultado a perda do respeito que tanto se esforçam
por obter. Finalmente, o professor passivo ou não-assertivo é aquele que age
de forma muitas vezes inconsistente, demonstrando alguma relutância em
impor exigências comportamentais aos seus alunos (Tauber, 1999).
Tauber (1999) apresenta um exemplo concreto que permite
compreender um pouco melhor as diferenças entre os três tipos de respostas:
trata-se de uma situação em que dois alunos começam a falar no fundo da sala
de aula. O professor passivo diria algo como: “Por favor, tentem não falar
enquanto estou a explicar. Quantas vezes terei que vos pedir?”. Um professor
agressivo poderia dizer: “Hei, vocês aí! Onde é que se aprenderam a
comportar? Vocês são os piores alunos que alguma vez tive o azar de ensinar.
Virem-se para a frente e calem-se se não vão ver o que vos acontece!”.
Finalmente, o discurso assertivo poderia ser: “Pedro, João, aqui na sala a regra
é que enquanto uma pessoa fala, as outras ouvem em silêncio. Parem de falar,
virem-se para a frente e prestem atenção à explicação.”
A resposta passiva coloca o professor numa posição de inferioridade,
pois solicita aos alunos o favor de mudarem o seu comportamento. Isto diminui
a sua autoridade, bem como a sua eficácia na gestão disciplinar. Por outro
lado, o professor agressivo utiliza estratégias que buscam colocá-lo em posição
de superioridade perante os alunos, apenas conseguindo que eles acatem as
ordens por medo, raramente por respeito. Finalmente, o professor assertivo,
baseando-se sempre no seu plano de acção, comunica aos alunos a sua
68
violação, clarificando os passos necessários para a mudança desejada, e, de
forma calma e diplomática, deixa passar a mensagem de que está pronto para
actuar de forma a garantir o cumprimento das regras.
Como ficou claro, o professor baseia grande parte da sua acção no
plano disciplinar, que é redigido pelo professor, aprovado pelo responsável da
escola, e enviado para casa de cada aluno para conhecimento e sugestões.
Esse plano é, finalmente, ensinado aos alunos. Deve conter as regras da sala
de aula que são transmitidas de forma muito clara e afixadas na sala. Deve
conter, também, as acções que o professor deve levar a cabo para demonstrar
reconhecimento pelo trabalho e comportamento dos alunos; uma descrição das
consequências a aplicar pela quebra das regras; e uma cláusula “de gravidade”
que permite ao professor agir em situações em que o comportamento do aluno
o esteja a colocar em perigo, a ele, aos outros ou a bens da escola ou dos
outros alunos. Um exemplo de plano encontra-se no quadro 7.
Quadro 7 – Exemplo de um plano no modelo de Canter & Canter (adaptado de Canter &
Canter, 2001)
1. REGRAS DA SALA DE AULA
Seguir as indicações do professor
Estar sentado no lugar quando a campainha soar
Não praguejar
2. ACÇÕES DE RECONHECIMENTO
Elogio
Notas positivas enviadas para casa, para os pais
3. CONSEQUÊNCIAS
Primeira violação de regras Aviso
Segunda violação das regras Ficar na aula um minuto depois da hora
Terceira violação das regras Ficar na aula dois minutos depois da hora
Quarta violação das regras Telefonar aos pais
Quinta violação das regras Enviar ao director
4. CLÁUSULA DE GRAVIDADE
Enviar ao director
69
Este modelo ficou conhecido pelos seus críticos como “The Names on
the Board and the Marbles on the Jar”, referindo-se a duas estratégias,
nomeadamente, negativas – escrever o nome dos prevaricadores no quadro –
e positivas – colocar ruidosamente um berlinde num jarro de vidro, que permite,
a partir de um certo número de berlindes, privilégios para toda a turma. Este
modelo depende, também, do envolvimento dos pais e dos responsáveis da
escola para a implementação das estratégias e para apoio em situações de
confronto. Por exemplo, Wolfgang (2001) dá o exemplo de uma estratégia
designada de “Who-Squad29”: quando, após uma infracção, o aluno é enviado
ao director e resiste ao comando. Nessas circunstâncias, o professor utiliza três
cartas previamente escritas – uma dirigida ao director e duas aos professores
das salas mais próximas. As cartas dizem apenas o seguinte: “Necessito da
sua ajuda para escoltar um aluno desafiador para fora da sala”. Pede a um
outro aluno para levar as cartas aos destinatários, que se dirigem à sala e
perguntam: “Quem?”, ao que o professor aponta para o aluno e diz o seu
nome. O esquadrão escolta então o aluno ao gabinete do director, onde este
lidará com o aluno de acordo com as regras pré-estabelecidas. Por aqui se vê
que a implementação das regras é levada muito a sério, não permitindo
qualquer violação, mas não respondendo de forma agressiva, tão-somente de
forma lógica, de acordo com a contratualização feita de início.
29
“Esquadrão: Quem?”
70
comportamental, que o autor conseguiu transformar em práticas concretas e de
simples implementação (Wolfgang, 2001).
Jones afirma que o seu modelo de gestão da sala de aula se divide em
três grandes áreas: (1) a instrução – em que aborda, não o conteúdo, mas o
processo; (2) a motivação – em que aborda os incentivos que o professor pode
distribuir durante o ensino e (3) a disciplina – em que pretende aumentar o
tempo na tarefa reduzindo o desperdício de tempo e o que designa de “fooling
around” (Jones, 2000).
No que diz respeito à Instrução, aborda aspectos como o
posicionamento e a mobilidade do professor na sala de aula, bem como a
organização do espaço. Propõe o desenvolvimento, também, de estratégias
para lidar com as dificuldades dos alunos e para estruturar o ensino da forma
mais eficaz possível.
Relativamente à motivação, preocupa-se com aspectos como a
distribuição de incentivos – com particular insistência na organização de
sequências de tarefas, em que a tarefa preferida é colocada como recompensa
pelo desempenho em tarefas menos motivadoras. Enfatiza também aspectos
como a excelência no trabalho e a responsabilidade pela verificação da
qualidade do próprio trabalho.
O seu modelo de intervenção disciplinar, por seu lado, baseia-se num
sistema de múltiplos níveis: (1) Estrutura de Sala de Aula, que envolve tópicos
tão diversos como a disposição da sala, a gestão do grupo (“working the
crowd”), os procedimentos para o primeiro dia e primeira semana de aulas, as
regras da sala de aula, as tarefas da sala de aula e a comunicação com os
pais; (2) Estabelecimento de limites, que se refere ao processo subtil de “levar
a sério” o trabalho disciplinar e que permite que a implementação das regras se
torne quase invisível e muito baseada na linguagem corporal – implica
transmitir aos alunos um compromisso com determinados padrões de conduta
e a decisão firme de os implementar; (3) Treino de responsabilidade, que passa
pela implementação de incentivos grupais através dos quais os alunos
aprendem a interiorizar a responsabilidade pelas suas próprias acções,
permitindo o ensino de padrões de cooperação rapidamente à turma, e (4)
Sistemas de Apoio, que passam pela utilização de sanções que permitem lidar
com comportamentos-problema severos ou repetitivos, evitando as medidas
71
mais drásticas e públicas a que recorrem a maior parte dos códigos
disciplinares (Jones, 2000) (ver quadro 8).
Quadro 8 – Disciplina Positiva (adaptado de Wolfgang, 2001).
Dimensão Definição Conhecimento base Exemplo de
técnicas
Estrutura da sala de A disposição os Ensino Lição em três
aula objectos e mobiliário Comportamental passos: Diga,
e o ensino de regras Demonstre, Faça
e procedimentos
Estabelecimento de Acções Neurobiologia - Relaxamento da
Limites implementadas pelo respiração
professor para - Relaxamento da
controlar os reflexos mandíbula
naturais dos alunos e - Velocidade do
reconduzir os alunos movimento
ao trabalho enquanto - Parar de falar
(1) os alunos fazem o - Linguagem corporal
seu trabalho no lugar - Trabalhar o grupo
e (2) o professor - Contacto ocular
expõe na aula. - Postura
- Expressão facial
- Gerir a distância
(afastado, próximo,
intimo, “na cara”)
Treino de Utilização de um Modificação Incentivos grupais
Responsabilidade sistema de incentivos comportamental Tempo para
para aumentar a actividade preferida
existência ou Reforço diferencial
promover o
surgimento de
comportamentos.
Treino de Omissão Levar os alunos Modificação Reforço diferencial
muito difíceis a parar comportamental Incentivos grupais
Sistema de Apoio Três níveis de Prática escolar Envio ao director,
intervenção desde as tradicional time-out, expulsão,
sanções privadas às suspensão,
públicas conferência com os
encarregados de
educação
72
distribuição baseia-se num conjunto de princípios muito claros: (1) a
distribuição é mais adequada quando coloca menor distância e menos
barreiras entre o professor e os alunos; (2) colocar a secretária do professor de
lado ou atrás para permitir que toda a turma esteja o mais próximo possível do
quadro; (3) compactar as secretárias dos alunos o mais possível; (4) o
professor é que se dirige aos alunos; os alunos não vão ter com o professor,
tendo que esperar; (4) colocar os alunos mais mal comportados no meio do
bloco interior e o mais próximo possível do professor (Wolfgang, 2001).
Quadro
Síntese
73
presentes, também, regras muito claras, que delimitam os comportamentos
possíveis dos comportamentos inadequados, bem como as punições previstas
para estes, que são aplicadas de forma consistente. Apesar do rigor existente,
a verdade é que muitas vezes os alunos se mostram satisfeitos em salas de
aula com estas características, como verificaram Cothran, Kulinna e Garrahy
(2003) num estudo que envolveu entrevistas a 182 alunos. Para estes alunos é
extremamente importante a existência de regras claras e a capacidade de o
professor as impor ao longo do tempo.
Estes modelos, no entanto, têm vindo a ser criticados ao longo do
tempo, propondo-se outro tipo de actuação, menos centrada na figura do
professor e na transmissão de conteúdos, apresentados no ponto seguinte.
74
Crenças
30 “Em geral, qualquer filosofia que sublinhe o bem-estar e a dignidade humanos e que seja
optimista quanto aos poderes do entendimento humano per sei. Em particular, o movimento
característico do Renascimento, que esteve aliado ao estudo renovado da literatura grega e
romana: uma redescoberta da unidade dos seres humanos e da natureza e uma celebração
renovada dos prazeres da vida, dados como perdidos no mundo medieval.” (Blackburn, 1994,
p.209).
75
porque tinham boas razões para o fazer – nem relógios – porquê saber-se as
horas quando não se é tributário do tempo, quando se decide por si o momento
em que se vai levantar, comer, trabalhar ou se consagrar aos prazeres da
conversa.
Ao longo dos três livros dedicados a esta abadia, Rabelais apresentou
um retrato de uma comunidade baseada no livre arbítrio, onde demonstra como
seria possível, para um grupo de indivíduos seleccionados – belos, bem
nascidos, ricos, etc., viver de acordo com a sua vontade própria. Como a
natureza é boa, nenhuma manifestação da natureza seria má. O mal existiria
apenas na forma de tudo aquilo que é contrário e mutila a natureza: a moral
religiosa, o ascetismo católico, o rigorismo, o jejum, o enclausuramento, etc..
Nessa perspectiva, são evidentes nas regras morais que os Thélèmitas se
impõe livremente, uma profissão de fé humanista e a proclamação solene do
ideal humano da Renascença, pois o principal será sempre que o homem se
conduza, naturalmente, de acordo com a sua razão.
76
Aqueles que, segundo o costume, se propõem, com o mesmo método e
semelhante disciplina, dirigir vários espíritos de tão diversos tipos e capacidades,
não é maravilha que, numa multidão de crianças, dificilmente encontrem duas ou
três que tirem do ensino o fruto que deviam (Da Educação das Crianças).
O outro autor atrás referido como tendo tido algum impacto nos
fundamentos da chamada Escola Nova foi Coménio. A sua vida foi marcada
pela grande instabilidade política da sua época, tendo vivido em diversos
países e contactado com diversas realidades (Peprnik, 2003). Por essa razão:
His ideas matured dramatically in a time marked by the decay of the old world and
the emergence of new types of culture. Comenius reacted to the conflicts of the
77
th
17 century – by forming a synthesis of tradition with elements of the modern. In
his philosophy the active human being created values for the whole society while
perfecting himself throughout his life both physically and mentally; in this way
32
Comenius hoped to achieve universal social reform (Capková, 1998, 206).
78
− Outra ideia refere-se à necessidade e possibilidade de implementar a sua
escola – a escola pampédica. Nessa escola deveria ministrar-se a
educação universal, em que, durante toda a vida se deve: (a) cultivar a
inteligência com as ciências e as artes; (b) aperfeiçoar as línguas; (c) formar
os costumes para toda a espécie de honestidade; (d) prestar sinceramente
culto a Deus. Esta escola era, no entanto, contrária a tudo o que existia,
levando Coménio a tecer duras críticas, salientando a exclusividade da
escola (era só para alguns), os métodos utilizados (que afastavam as
crianças) e os conteúdos (não ensinava tudo, nem sequer o principal)
(Patrício, 1998).
79
encontre a possibilidade da uma concretização da sua tendência para a
actividade.
O princípio do encerramento dos alunos num espaço e num tempo
homogéneos não pode ser, na opinião de Coménio, um enclausuramento: a
escola que encerra e agrupa deve, ao mesmo tempo, ser uma escola aberta,
um espaço separado mas não à parte, substituindo a austeridade da clausura
pelo prazer da abertura. No entanto, a melhor expressão da vontade de
controlo do espaço encontra-se na organização do espaço da sala de aula e da
centralidade do professor. Todo o espaço da sala de aula se deve estender em
frente do olhar do professor, permitindo-lhe ver e ser visto por todos, de forma
a não existirem espaços em que possam surgir perturbações, mesmo que sob
a forma de uma tagarelice transversal que possa cortar a palavra do professor.
Com esta centralidade, não se trata de reintroduzir a autoridade arbitrária de
um professor sobre os seus alunos, mas de legitimar uma função, baseada
numa relação pedagógica dentro dos quadros institucionais da escolaridade.
Outro aspecto importante para Coménio, na escola de Saros-Patak,
refere-se à organização do tempo. A perspectiva de racionalização do tempo
escolar obedece ao princípio, já referido, de que nada deve ser deixado ao
acaso, de forma que a vida da criança, tanto no seu trabalho como no tempo
livre seja submetida a um enquadramento minucioso, ainda que flexível. Assim,
havia um grande cuidado em repartir convenientemente o trabalho e o
descanso, a actividade e as férias e as distracções. Dessa forma, sujeitar a
criança a um horário minucioso significava seguir os seus ritmos naturais sem
violentar as leis do seu desenvolvimento. Assim, reduziu-se o tempo de
trabalho útil e, portanto, libertou-se a criança de toda a sobrecarga inútil,
proporcionando um maior equilíbrio entre os períodos de trabalho e descanso.
Um dia escolar dividia-se em dois blocos de quatro horas, alternando
respectivamente três horas de trabalho e uma hora de intervalo com dois
períodos intermédios de meia hora. Um dia de trabalho escolar compreende,
portanto, seis horas de trabalho efectivo, suficientes para assegurar a instrução
fundamental da criança sem exceder as suas capacidades de compreensão.
Todos os cuidados de Coménio nesta escola foram colocados na dissociação
da ordem e da coacção, e da disciplina e da violência, para melhor elaborar a
80
teoria e a prática de um universo não repressivo mas não menos
minuciosamente organizado (Cauly, 1999).
A ideia base é que tudo é bom quando vem das mãos do Criador, e tudo
degenera nas mãos do homem. Ou, nas palavras de Quick: “The argument
seems something of this kind: man was once happy; Man is now miserable;
undo everything that has been done and Man will be happy again”34 (1890, p.
241). Rousseau defende, assim, o retorno à Natureza, que leva à sua
associação com as correntes Naturalistas e com o Romantismo (Blackburn,
1994).
Segundo Cabanas (2002), podemos considerar dois tipos de
Naturalismo: (1) um naturalismo “científico”, que se apresenta como o
paradigma do científico, pois prescinde de toda a realidade que não seja
objecto de comprovação empírica, que se expressou no positivismo francês, no
evolucionismo inglês e no materialismo alemão; e (2) um Naturalismo
“Romântico”, baseado na intuição afectiva, expressa a sua recusa de tudo o
que é cultura humana, produto artificial da sociedade humana. Ao contrário do
naturalismo científico, que vê a natureza como uma realidade dinâmica
33
“Tudo é bom ao sair das mãos do Criador das coisas, tudo degenera nas mãos do homem.
Ele força um terreno a alimentar as produções de outro, uma árvore a criar os frutos de outra;
ele mistura e confunde os climas, os elementos, as estações; ele mutila o seu cão, o seu
cavalo, o seu escravo; ele inverte tudo, ele desfigura tudo, ele ama a deformidade, os
monstros; ele não quer nada como a natureza fez, nem mesmo o homem; é preciso amestrá-lo
como um cavalo de trabalho; é preciso apará-lo à sua maneira, como uma árvore do seu
jardim”.
34
“O argumento soa um pouco desta forma: o homem foi feliz; o homem é agora miserável;
desfaça-se tudo o que foi feito e o homem será feliz novamente”.
81
impulsionada por forças mecânicas e cegas, o naturalismo romântico
rousseauniano considera que a natureza contém tudo: a matéria, a vida, a
sociedade e a consciência; a energia que possui é de ordem vital, e o seu
dinamismo é finalista, como o é tudo que é espiritual. Assim, não é estranho
ouvir Rousseau dizer que a natureza é boa e que faz tudo bem e, em
consequência, confiar plenamente na acção de tudo o que é natural, ao mesmo
tempo que desconfiava de todas as iniciativas e criações dos homens
(Cabanas, 2002).
Estes dois tipos de naturalismo têm apenas uma coisa em comum:
atribuir á natureza o valor supremo, e, em consequência, a afirmação de que a
natureza é a norma, e isso em função de que a natureza ou é a única coisa que
existe – tese do naturalismo científico – ou, pelo menos, é a única coisa que
vale – tese do naturalismo romântico (Cabanas, 2002). No caso de Rousseau,
encontramo-nos neste último campo.
As ideias mestras apresentadas pelo autor apontam para a crença na
bondade natural, ponto central do sistema pedagógico de Rousseau. Outras
ideias referem-se aquilo que, mais tarde, Claparède denominou concepção
funcional da infância e aquilo que se pode designar como concepção funcional
da educação.
A concepção funcional da infância consiste na ideia de que esse período
da vida tem uma utilidade e finalidade biológica, sendo uma fase de absoluta
necessidade para que todo o indivíduo venha um dia a atingir o seu potencial.
A infância, marcada por limitações e fragilidades, e prolongando-se durante
tanto tempo, levou Rousseau a considerar que essa fase, com as actividades e
os interesses que lhe estão associados, tem utilidade para o indivíduo e para a
espécie, e que, portanto, é importante para o futuro adulto que ele exerça na
infância as actividades da infância, que satisfaça os interesses da sua
mentalidade infantil nas diferentes fases do seu processo desenvolvimental.
Ora, nesse caso, a intervenção dos pais e dos pedagogos não poderá causar
senão prejuízo se quiserem submeter o comportamento da infância a
orientações específicas da idade adulta. Nesse sentido, o primeiro dever do
educador é despojar-se da sua mentalidade de adulto, tratando de proporcionar
à criança uma vida de criança o mais rica possível, e procurando conhecer as
diversas fases pelas quais essa vida naturalmente passa, a fim de a cada uma
82
a auxiliar como tal, e de preparar a passagem para a fase natural
imediatamente a seguir – e jamais o salto para a idade adulta. Nas palavras de
Rousseau:
On ne connaît point l'enfance: sur les fausses idées qu'on a, plus on va, plus on
s'égare. Les plus sages s'attachent à ce qu'il importe aux hommes de savoir, sans
considérer ce que les enfants sont en état d'apprendre. Ils cherchent toujours
l'homme dans l'enfant, sans penser à ce qu'il est avant que d'être homme. Voilá
l'étude à laquelle je me suis le plus appliqué, afin que, quand toute ma méthode
serait chimérique et fausse, on pût toujours profiter de mes observations. Je pous
avoir très-mal vu ce qu'il faut faire; mais je crois avoir bien vu le sujet sur lequel on
doit opérer. Commencez donc par mieux étudier vos élèves; car très-assurément
35
vous ne les connaissez point (Émile).
35
“A infância não é conhecida: com as ideias falsas que sobre ela se têm, quanto mais se
caminha, descaminho maior. Preocupam-se os mais sensatos com aquilo que importa que os
homens saibam, sem advertirem no que as crianças têm a possibilidade de aprender.
Procuram o homem na criancinha, e não curam nunca do que seja a criança antes de chegar a
ser homem. Eis aí o estudo a que mais me apliquei, a fim de que, ainda quando o meu método
fosse todo quimérico, todo ele falsidade, se pudesse sem embargo tirar proveito daquilo que eu
pude observar da infância. Vi talvez muito mal o que se deve fazer; mas julgo ter visto
suficientemente bem o próprio sujeito sobre que cumpre operar. Começai, pois, por estudar
melhor os vossos alunos, já que é certíssimo que os não conheceis” (Trecho traduzido por
António Sérgio).
83
naturalmente ele chega uma vez que proceda de seu mesmo impulso, num
trabalho ocasionado pelo seu próprio interesse (Sérgio, 1966).
Teorias
84
desenvolvimento. Passa-se de uma educação intelectual guiada do exterior
para um projecto no qual o aluno se torna o elemento activo de um conjunto de
processos, cuja direcção ele próprio deve assumir, ganhando particular
importância o conceito de desenvolvimento. É preciso dar à criança a
oportunidade para trabalhar, agir, experimentar e, desta forma, crescer e
formar-se. No entanto, para que o aluno seja o autor do seu próprio
desenvolvimento, o processo deve centrar-se na criança e não mais no adulto.
Desta forma, a actividade auto-educativa do aluno tem a sua origem nas suas
tendências e necessidades profundas, relativas, não só às modalidades de
aquisição ou de formação, mas também à escolha das actividades e,
consequentemente, dos conteúdos.
Esta individualização do ensino está na lógica dos sistemas
puerocêntricos, em que a educação está fundamentada nos interesses e nas
actividades dos sujeitos, bem como na preocupação com um ensino “sob
medida”, confirmado pelo desenvolvimento da psicologia diferencial, no que diz
respeito à eficiência intelectual e capacidade de acesso ao saber (Claparède,
1928).
Gilbert, numa tentativa de sistematizar os contributos desta linha teórica,
aponta para oito reivindicações fundamentais (Gilbert, 1986):
1. Primado da Psicologia – A educação nova baseia-se na ciência
psicológica, na medida em que impõe a si mesma ter, da criança, uma
visão justa, criando a obrigação de a estudar de todas as maneiras
possíveis.
2. Mutação do papel do mestre – Nesta escola, o papel do mestre está
bastante mudado. Tradicionalmente, era o instrutor, “ensinador”,
professor. Agora, reduzido no seu papel, define-se por vezes como
“treinador”, por vezes mesmo como “acompanhador” – é sobre esta
última característica da sua tarefa que insiste Roger Cousinet quando
define a auto-educação como o conjunto dos meios com o auxílio dos
quais a criança, mais ou menos ajudada por um educador, dirige ela
mesma o seu próprio desenvolvimento.
3. Pedagogia do Interesse – A adesão ao processo de auto-educação
induz uma pedagogia baseada no interesse que exclui toda a ideia de
programa imposto. O educador já não se dirige à criança com os
85
conhecimentos e as técnicas: procura, pelo contrário, evidenciar as
correspondências entre as necessidades do seu aluno e os objectos
capazes de satisfazerem essas necessidades.
4. A Escola na Vida – O que pretendem os mestres da Escola Nova é levar
a escola à própria vida, evitando a noção de uma formação do exterior e
a separação entre a escola e a sociedade.
5. A Actividade Manual – Uma outra reivindicação da Escola Nova diz
respeito a união da actividade manual com o trabalho do espírito vendo-
a como o lugar onde se realiza a educação numa mobilização integral de
todas as potencialidades da criança.
6. O Espírito Criador – A Escola Nova pretende ainda desenvolver as
faculdades criadoras da criança. A escola tradicional, por considerar que
a criança nada pode produzir, limita-lhe os horizontes a exercícios de
recitação ou “de aplicação”, nos quais a garantia de êxito é função da
identificação com o modelo dado. Pelo contrário, a Escola Nova vai
introduzir, sob o rótulo das actividades livres, toda uma série de
trabalhos destinados a desenvolver na criança, a imaginação, o espírito
de iniciativa e, numa certa medida, a audácia criativa: desenhos,
pinturas e moldagens livres, trabalhos manuais livres, exposições livres,
etc., até aos célebres textos livres que Freinet terá a ideia de mandar
imprimir e que são, ao mesmo tempo, ocupações coerentes ligadas às
conclusões da psicologia funcional e instrumentos de diagnóstico
psicológico, pois representam igualmente situações projectivas.
7. O Respeito da Individualidade – Tratar cada um segundo as suas
aptidões, permitir à criança, qualquer que seja, dar toda a medida, é
também um dos ideiais da Escola Nova.
8. A Autodisciplina – A escola entende por bem substituir a disciplina
exterior pela auto-regulação do grupo e do indivíduo – a “disciplina
interior livremente consentida”.
86
Quadro 9 – Modelos Pedagógicos de Auto-Estruturação (adaptado de Not, 1981)
Autoestruturação
(Ajudar o aluno transformar-se; acção própria do sujeito; primado do sujeito)
Sujeito Individual Sujeito Colectivo
Experiência Observação Observação Experiência
Claparéde Montessori Cousinet Freinet
Dewey (Decroly) (Decroly) Lobrot
87
Perspectiva Radical 2. Pedagogia Libertária ou 2.1. Escolas de Hamburgo
pedagogia permissiva (opõe-se à 2.2. Pedagogia Anarquista
pedagogia repressiva) 2.3. A. S. Neill e a escola de
Summerhill
2.4. Teoria da
desescolarização (Illich,
Reyner)
Perspectiva Social 3. Pedagogia Libertadora ou 3.1. Educação de Adultos
Pedagogia democrática (opõe-se (UNESCO...)
à pedagogia da dominação) 3.2. Investigação Participativa
(Investigação/acção,
Desenvolvimento comunitário)
3.3. Animação Sociocultural,
movimentos contraculturais.
Perspectiva Metafísica 4. Pedagogia Idealista ou Pedagogia 4.1. Pedagogia do Idealismo
do auto-desenvolvimento (opõe-se à Alemão (Fichte, Schelling,
pedagogia materialista) Hegel)
4.2. Idealismo Pedagógico de
Fröbel
4.3. Pedagogia do neo-
idealismo italiano (Gentile,
Lombardo-Radice)
4.4. Filosofia Educacional de
Montessori.
88
que esperava atingir inicialmente (caso das escolas de Neuheuf, Stanz e
Burgdorf) (Abbagnano & Visalberghi, 1981; Quick, 1890; Tröhler, 2003). O
sucesso chegou com a escola de Yverdon-les-Bains, que terá chegado a
acolher cerca de 250 alunos de todos os níveis sociais. Em todas as
instituições tentou colocar em prática as teorias de Rousseau sobre a
educação dos jovens (Söetard, 1994). Segundo Agostinho da Silva, em
Yverdon era tão importante a educação do corpo como a do espírito. Por essa
razão, intoduziu no colégio a ginástica e os jogos que os mestres praticavam
juntamente com os alunos, promovendo a união entre todos. Pestalozzi, que
não tinha a seu cargo o ensino, circulava pelas salas, ajudando os alunos,
aconselhando os professores: dando a cada um o apoio necessário. Como as
classes eram móveis e o aluno passava de uma para a outra conforme a sua
aprendizagem nas diversas disciplinas, todo o esforço se aproveitava e
estimulava e todo o atraso encontrava ocasião de se fazer eliminar. O ensino
não se dirigia a uma classe mediana e abstracta, mas a cada um dos alunos: o
professor estudava os casos pessoais e graduava o trabalho ou propunha a
matéria segundo o progresso dos rapazes e a orientação específica que
requeriam.
Uma vez que os alunos se interessavam verdadeiramente pelas suas
tarefas, a questão da disciplina raramente se punha em Yverdon. Não havia
castigos corporais, pois Pestalozzi considerava que feriam a dignidade humana
que ele, precisamente, queria salvar e desenvolver. De igual forma aboliu os
prémios que alimentam a vaidade e a inveja entre os alunos. Nos casos de
alunos mais rebeldes, Pestalozzi conseguia penetrar nos seus espíritos e
humanizar os mais bravios: o seu processo era o da paciência e da bondade,
da compreensão e confiança, estando estendidas todas as pontes
comunicacionais entre eles e os seus alunos (Silva, 1938).
Este Instituto assumiu-se como um centro de relevo entre 1805 e 1925,
colocando em prática 4 princípios educativos: (1) apresentação dos aspectos
concretos antes dos abstractos; (2) iniciar o ensino pelo ambiente próximo
antes de se ocupar do mais distante; (3) os exercícios simples introduzem os
exercícios mais complexos; (4) proceder sempre de forma gradual e lenta. A
sua pedagogia está muito ligada aos domínios agrícolas e profissionais e
pratica, com muita frequência, o ensino mútuo (Marques, 2001). Merece nota o
89
testemunho de um pedagogo, Karl Ritter, visitante do Instituto de Yverdon, e
apresentado por Quick:
I have seen more than the paradise of Switzerland, for I have seen Pestalozzi, and
recognised how great his heart is, and how great his genius; never have I been so
filled with a sense of the sacredness of my vocation and the dignity of human
nature as in the days I spent with this noble man... Pestalozzi knew less geography
than a child in one of our primary schools, yet it was from him that I gained my
chief knowledge of this science; for it was in listening to him that I first conceived
the idea of the natural method. It was he who opened the way to me, and I tale
36
pleasure in attributing whatever value my work may have entirely to him (1890, p.
348).
90
sendo mesmo a primeira escola mista britânica (Sargent, 1976). Em França,
Demolins, inspirando-se nesses exemplos, funda, em 1899, a École dês
Roches em Verneuil-sur-Avre, que será durante muito tempo um referencial
para a prática dos métodos activos (Sargent, 1976).
Em comum a todas estas escolas encontra-se o facto de serem
internatos no campo e se dirigirem a uma elite. No entanto, não deixam de ser
locais de experimentanção que influenciarão inúmeros pedagogos e
educadores.
Outros locais de experimentação encontram-se nos orfanatos, como em
Itália o fez Maria Montessori, com a Casa dei Bambini, em 1907 (Kramer, 1988;
Lubienski, 1999; Martin, 2003). A sua pedagogia, criada em 1906, é um método
educativo aberto, por oposição aos métodos ditos fechados ou tradicionais,
como o ensino mútuo. A sua pedagogia é experimental, mais do que
ideológica, no sentido em que é a observação da criança que leva o educador
a colocar em prática as acções apropriadas para o favorecimento da sua
aprendizagem. O papel do educador é mais o de recurso do que o de
transmissor de informação ou de instruções, e o ritmo de cada criança deve ser
sempre respeitado (Marques, 1999, 2001).
Para Montessori, é primordial oferecer à criança a possibilidade de
colocar em prática, ao máximo, as suas diferentes sensibilidades: (1) num
quadro adaptado às suas necessidades psicológicas; (2) respeitando o seu
ritmo próprio e as suas particularidades individuais (os seus períodos
sensíveis) e (3) tendo sempre em conta a vida social.
A psicologia tem demonstrado a passagem da criança por diferentes
estados de desenvolvimento psicológico, sendo os estados os mesmos para
todos e possuindo uma ordem de sucessão invariável. Na pedagogia
montessoriana, cada criança é única, com a sua personalidade própria, o seu
ritmo de vida, as suas qualidades e as suas eventuais dificuldades (Röhrs,
1994). As crianças atravessam todas períodos sensíveis: sensibilidades
especiais numa perspectiva evolutiva, momentos da vida da criança em que ela
está inteiramente absorvida por uma sensibilidade particular a um elemento
específico do ambiente. Trata-se de períodos passageiros que se limitam à
aquisição de um carácter determinado, e que cessam uma vez adquirido. É
91
portanto primordial que o ambiente ofereça a esse bom momento os meios
para ele se desenvolver.
Segundo Montessori, as forças do desenvolvimento são inerentes ao ser
humano e o papel da educação consiste em conservar a sua espontaneidade e
a retirar do caminho tudo o que a pode limitar e impedir de se desenvolver. É
necessário que seja a criança a edificar a sua personalidade e a desenvolver
as suas capacidades motoras e intelectuais. Por essa razão, o educador deve
ter uma confiança completa nas forças da criança, respeitar a sua liberdade de
acção e preparar o ambiente necessário e favorável ao seu desenvolvimento.
O educador deve ser capaz de observar as diferenças de ritmo na criança,
deve conhecer bem cada criança e fazer prova da sua atenção e respeito.
A pedagogia de Maria Montessori foi preservada pela Association
Montessori Internationale e numerosos pedagogos prolongaram os seus
trabalhos, como Freinet, Cousinet ou Ferrierè.
Outro pedagogo contemporâneo de Montessori e cujo trabalho veio a
contibuir para a aprofundamento das correntes Centradas no Aluno foi Olive
Decroly (1871-1932). Médico e psicólogo, lutou por uma reforma profunda do
ensino baseada no método global de aprendizagem da leitura e da escrita,
participou com os seus trabalhos no movimento da escola moderna e aderiu à
Liga Internacional para a Educação Nova, criada em 1921 (Dubreucq, 1993).
Com este envolvimento conseguiu que em toda a Europa se estudassem os
métodos globais e os centros de interesse passaram a ser incorporados no
discurso pedagógico de grande parte dos professores (Marques, 2001).
As questões relativas à educação colocaram-se-lhe a partir dos seus
trabalhos com as crianças atingidas por doenças mentais. Os processos
pedagógicos de Decroly tinham bases científicas e intelectuais nas quais a
teoria e a prática se fundem intimamamente, não fazendo a teoria sentido sem
uma prática que a confirme. Por isso, ele pensa que a educação se deve fazer
a partir dos interesses da criança e considera que o desenvolvimento da
criança é o resultado do seu crescimento biológico e da experimentação activa
no meio em que se encontra. A sua pedagogia tem quatro bases fundamentais:
(1) Os centros de interesse das crianças como guias da educação; (2) a
globalização, isto é, que a criança aprende globalmente, sem ordem – o que
implica que se apresentem ideias completas à criança para que ela possa
92
depois particularizar e analisar; (3) A classe atelier ou a classe laboratório, em
que a criança vive e age – a classe propriamente dita está por todo o lado,
preconizando-se o alargamento dos locais de aprendizagem para a cozinha, as
lojas, a rua, etc.; (4) A importância do ambiente natural que coloca a criança
numa situação de descoberta.
A pedagogia de Decroly preconiza, enfim, a iniciativa e a
responsabilidade pessoal e colectiva; o respeito da pessoa dentra da sua
singularidade, a valorização das relações sociais, a tolerância, o respeito da
diferença, a creatividade e o prazer (Dubreucq, 1993).
Ainda na Europa é importante referir a obra de Claparède, cujos
trabalhos tiveram uma grande influência no movimento da Escola Moderna
(Hameline, 1993). Ao longo da sua carreira, formulou um conjunto de leis que
regem o comportamento dos indivíduos e que vieram a ter consequências
directas na formulação de alguns princípios fundamentais das correntes
Centradas no Aluno, nomeadamente a lei da necessidade, que sustenta que
toda a necessidade tende a provocar as reacções próprias à sua satisfação de
tal modo que a actividade é sempre fruto de uma necessidade, e a lei do
interesse, que afirma que todo o comportamento é provocado por um interesse,
isto é, que toda a acção consiste em alcançar um objectivo, o fim que nos
interessa num momento determinado, podendo num momento determinado o
organismo ter vários interesses simultâneos.
A partir das suas leis, a corrente pedagógica da Escola Nova formulou
uma série de prescrições educativas importantes:
● O fundamento do processo educativo não deve ser nem o medo a um
castigo nem o desejo de uma recompensa, mas sim o interesse
profundo pela matéria ou conteúdo que há que assimilar. A base do
trabalho escolar será que a criança o sinta como objectivo desejável em
si mesmo.
● A educação terá como objectivo o desenvolvimento das funções
intelectuais e morais, deixando de lado os objectivos puramente
memorísticos sem relação com a vida da criança.
● A escola será activa, isto é, impor-se-á a obrigação de mobilizar a
actividade do aluno.
● A escola será um meio estimulante onde a criança trabalha com
93
entusiasmo sobre temas e matérias que lhe interessam.
● O professor terá como tarefa principal estimular os interesses da criança
e despertar as suas necessidades intelectuais, afectivas e morais; será
um colaborador dos seus alunos, mais do que um expositor dos seus
conhecimentos.
● A preparação dos professores deve completar-se com uma boa
formação académica.
● A educação deve ser individualizada (Barca, 1992).
John Dewey é outro nome muito ligado a estas correntes e talvez dos
mais influentes nos Estados Unidos (Westbrook, 1993). Foi um filósofo e
psicólogo com preocupações de reforma do sistema educativo e fundador,
juntamente com William James e Charles Sanders Pierce, da corrento filosófica
conhecida como Pragmatismo. É também conhecido como o pai da Psicologia
Funcional, tendo sido um representente de topo do movimento progressista na
Educação nos Estados Unidos na primeira metade do século XX.
Na sua obra “Democracy and Education”, Dewey tenta sintetizar, criticar
e expandir as filosofias democráticas ou proto-democráticas de Rousseau e
Platão. Ele encarava Rousseau como sobre-enfatizando o indivíduo e Platão a
sociedade na qual o indivíduo vivia. Para Dewey, esta distinção era falsa,
encarando a mente e a sua formação como um processo comunitário. Dessa
forma o indivíduo apenas é um conceito com significado quando encarado
como uma parte inextrincável da sua sociedade, e a sociedade não tem
qualquer sentido além da sua concretização na vida dos seus membros
indivíduais (Bredo, 2003).
Para Dewey, é de vital importância que a educação não seja apenas o
ensino de meros dados estáticos, mas que as competências e o conhecimento
que os alunos aprenderam sejam completamente integrados nas suas vidas
como pessoas, cidadãos e seres humanos. Nas Escolas Laboratório da
Universidade de Chicago, que Dewey fundou, as crianças adquiriam muitos
dos seus conhecimentos de química, física, e biologia pela investigação dos
processos naturais utilizados na preparação do pequeno-almoço – uma
actividade que realizavam nas aulas. Este elemento prático – aprender,
fazendo – resultava dos princípios da Escola Pragmatista.
94
As suas ideias, embora bastante populares, nunca foram ampla e
profundamente integradas nas práticas das escolas públicas americanas,
embora alguns dos seus valores se tenham espalhado. A educação
progressiva foi desenvolvida, essencialmente, durante a Guerra Fria, quando a
preocupação dominante na educação foi a criação e manutenção de uma elite
científica e tecnológica para fins militares. No período pós-guerra-fria, no
entanto, a educação progressiva reemergiu em muitas reformas escolares e
nos circulos teóricos como um importante campo de investigação e pesquisa.
A ideia fundamental de Dewey em relação à educação era que um maior
ênfase devia ser colocado no alargamento do intelecto e no desenvolvimento
da resolução de problemas e competências de pensamento crítico, mais do
que na simples memorização de lições.
37
37 Quando Freinet foi nomeado professor, tinha acabado de sair de um hospital militar onde
tinha estado internado devido a um grave ferimento no pulmão. Ele mesmo declarou que os
seus problemas respiratórios tinham constituído um dos motivos que o levaram a procurar
formas de ensinar diferentes da lição tradicional (Gilbert, 1986).
95
progressivamente tomar em mãos a gestão da sua vida de aluno, recuperando
o gosto pela aprendizagem, aumentando o seu envolvimento e as suas
iniciativas.
A instituição chave constitui-se essencialmente no “local das palavras”
implementadas nas classes e em que toda a comunidade, incluindo o
professor, dá todo o espaço às palavras da criança. Esse espaço pode assumir
várias formas. O espaço de novidades, é um tempo de conversa quotidiano no
decurso do qual, logo à chegada, a criança pode dizer à classe o que tem
vontade de partilhar. O seu fim é duplo: (1) permitir à criança desembaraçar-se
daquilo que a preocupa ou a afecta, de modo a ficar mais disponível para as
actividades escolares e, (2) encorajar a expressão oral, colocando em prática
situações de verdadeira comunicação no curso das quais o aluno se dirige à
classe para realmente lhe transmitir algo.
Outro espaço importante é o conselho de classe cooperativa, que é a
reunião dos alunos onde se discute tudo que tem a ver com a vida da classe.
Geralmente semanal, trata da regulação dos conflitos, dos projectos e das
decisões a tomar. A pedagogia institucional recusa uma abordagem não-
directiva. As crianças a quem se deixa fazer tudo não têm condições para
crescer. Uma criança pode constituir-se contra uma lei, mas não contra o
”nevoeiro”. É necessário ter regras na sala que não sejam transgredidas. Se
elas o são, fala-se no conselho, o que o torna também uma espécie de reunião
terapêutica.
96
but it did not require courage. All it required was what we had – a complete belief in
the child as a good, not an evil, being. For almost forty years, this belief in the
38
goodness of the child has never wavered; it rather has become a final faith (Neill,
1960, p...)
38
"Decidimo-nos a fazer uma escola em que fosse possível permitir ás crianças a liberdade
para serem elas próprias. Para fazê-lo, tivemos que renunciar a toda a disciplina, a toda a
direcção, sugestão, treino moral, toda a instrução religiosa. Fomos chamados de bravos, mas
não nos foi necessária coragem. Tudo o que foi necessário foi o que tínhamos – uma crença
absoluta na criança como um ser bom, não mau. Durante quase quarenta anos, esta crença na
bondade da criança nunca se desvaneceu; pelo contrário, tornou-se uma crença definitiva."
97
de estudo e exames, não era uma actividade em que as suas crianças
pudessem ter a garantia de estar envolvidas.
Uma escola em que as crianças não eram forçadas a aprender e onde
as crianças podem estabelecer as regras, é frequentemente vista como um
local onde “os loucos tomaram conta do asilo”, mas Neill tinha essencialmente
redefenido a escola como sendo um local onde a perpetuação da potencial
tirania da coerção parental era substituída pela confiança no senso comum
essencial do indivíduo e em que as punições das suas acções estava limitada à
resposta recíproca e proporcional dos pares mais do que à força dos
“superiores” a quem estaria atribuída a manutenção do controlo (Hobson,
2001).
98
A 2ª Grande-Guerra interrompe os encontros da Liga Internacional para
a Educação Nova, bem como as suas publicações. Após esse momento, o
movimento perde muita da sua dinâmica internacional. A politização crescente
dos diferentes movimentos dentro de um contexto de guerra fria dará razão a
esses encontros internacionais.
Nos anos 70, essa corrente, que reivindica desde as suas origens uma
tomada em conta dos trabalhos em ciências humanas, é fortemente
influenciada pela psicanálise e pela não directividade de Carl Rogers (Zimring,
1994). Sem negar o interesse global desses trabalhos, eles são geralmente
considerados, neste século XXI, como relativamente acessórios ao acto
educativo, ou, pelo menos, necessitando de uma boa dose de humildade na
sua aplicação prática. Estes aspectos constituem-se exactamente como uma
das maiores críticas feitas à Educação Nova, sendo a outra grande crítica o
aparente desdém do movimento pelos saberes ensinados. O próprio Rogers
considerou que o ensino seria uma função vastamente sobre-estimada
(Fenstermacher & Soltis, 1998). Ele apela para o que designa de
“aprendizagem experiencial”, isto é, uma aprendizagem resultante do
envolvimento pessoal, em que o indivíduo está globalmente envolvido no
processo de aprendizagem, não assumindo uma posição de absorção passiva.
Afirma também que esta aprendizagem vai afectar todos os aspectos da vida
do indivíduo, pois é baseada no significado pessoal do conhecimento para o
próprio (Fenstermacher & Soltis, 1998).
Práticas
99
professor, que teria o papel, fundamental para o decurso das actividades, de
monitorizar os alunos, evitando toda e qualquer distracção, mesmo as simples
conversas entre colegas (Cauly, 1999).
Vimos que Pestalozzi, em Yverdon, atribuía o máximo de liberdade aos
alunos, dispensando o grupo-turma, permitindo que os alunos se
movimentassem de acordo com os seus interesses, dando os professores o
apoio específico que cada um requeria. Numa situação destas, como também
já foi referido, a disciplina era uma questão que raramente se colocava. Os
castigos corporais foram eliminados e Pestalozzi tentava sempre resolver os
problemas através do diálogo com os alunos mais rebeldes, tentando
implementar uma base de confiança e de amizade, reais, com todos os alunos
(Silva, 1938).
Montessori, nas suas casas da criança, tenta criar ambientes onde a
criança possa experimentar, manipular, agir, trabalhar e assimilar a informação
produzida. Para isso, procura criar um ambiente educativo que responda a
várias exigências: os equipamentos, o mobiliário e os instrumentos devem ter
dimensões e peso apropriados às crianças; a espontaneidade e a actividade da
criança devem parecer que surgem da sua livre vontade, embora resultem, em
grande parte, de uma intencionalidade educativa devidamente antecipada e
preparada pelo professor. Isto exige, desde logo, um grande cuidado do
professor no arranjo e na disposição da sala, dos materiais e no exercício das
actividades motoras e manuais (Marques, 1999). No que diz respeito à
disciplina, os seguidores da pedagogia montessoriana admitem que foi uma
área em que ela se limitou a formulações teóricas, não dando conselhos
práticos (Lubienski, 1999). Colocando grande ênfase na auto-disciplina,
reconhece a inevitabilidade de atribuir o máximo de liberdade às crianças. No
entanto, reconhece também a impossibilidade de as crianças trabalharem num
meio caótico. A distinção entre liberdade e caos é importante, mas não fica
claro, das suas obras, quais as estratégias para estabelecer os limites entre um
e outro.
O trabalho – principalmente o trabalho criativo – ocupa um lugar central
nas suas teorias, pois admite que, quando verdadeiramente envolvidas numa
actividade, o professor deve atribuir às crianças o espaço e os recursos para a
desenvolver. No entanto, reconhece que a obediência não é uma característica
100
típica das crianças, e afirma que, mais importante que as crianças obedecerem
às ordens e às indicações dos professores por receio de castigos, é reconhecer
nelas indivíduos que podem ser ajudadados a expressar-se e a resolver os
seus conflitos. Chega-se, assim, a uma posição equívoca: “Therefore, there are
two seemingly contradictory postulates: There must be order and discipline, yet
it should not be enforced. There must be obedience, yet without abolishing the
freedom to transgress”39 (Lubienski, 1999, p.55). A orientação acaba por recair
no trabalho da criança, encarado como comportamento incompatível com a
indisciplina. No entanto, nos casos em que a criança não se mostra disposta a
realizar o trabalho que a afasta das situações de indisciplina, acaba Lubienski
por reconhecer o valor do castigo, embora com o cuidado de não ser
humilhante, de não provocar ressentimentos na criança e de não a afastar do
trabalho desejado. Acaba, aliás para apontar para o modelo de gestão
disciplinar de Rudolf Dreikurs, que abordaremos mais à frente, como uma boa
alternativa para lidar com situações como esta.
Um pouco mais radical do que Montessori, temos Neill, e a sua escola
de Summerhill. A regra fundamental, aqui, é que: “Summerhill runs along
without any authority or any obedience. Each individual is free to do what he
likes as long as he is not trespassing on the freedom of others”40 (Neill, 1960, p.
155). Neill assume que os alunos devem ter inteira liberdade de frequentar as
aulas. Não aponta para características específicas dessas aulas – a diferença
fundamental reside na não obrigatoriedade de lhes assistir. Os alunos que
estão nas aulas estão porque querem estar. No entanto, há um papel muito
importante atribuído às assembleias semanais. Aí, os residentes (professores,
alunos e funcionários – todos com iguais direitos de participação) têm a
possibilidade de sanar conflitos, de estabelecer orientações, mesmo de impor
restrições ao comportamento (Neill dá o exemplo da jardinagem, em que ele
podia, ocasionalmente, estabelecer algumas zonas do jardim como proibidas).
A liberdade completa atribuída por Neill aos seus alunos, no entanto,
não impede a existência de autoridade:
39
"Por essa razão, existem dois postulados aparentemente contraditórios: deve existir ordem e
disciplina, no entanto não devem ser impostos. Deve existir obediência, no entanto sem abolir a
liberdade de transgredir".
40
"Summerhill funciona sem qualquer autoridade ou obediência. Cada indivíduo é livre de fazer
o que quiser desde que não ultrapasse a liberdade dos outros".
101
In actual practice there is, of course, authority. Such authority might be called
protection, care, adult responsibility. Such authority sometimes demands
obedience but at other times gives obedience. Thus I can say to my daughter, "You
can't bring that mud and water into our parlor." That's no more than her saying to
me, "Get out of my room, Daddy. I don't want you here now," a wish that I, of
41
course, obey without a word (Neill, 1960, p. 156).
41
"Na prática existe, claro, autoridade. Tal autoridade pode ser chamada protecção, cuidado,
responsabilidade do adulto. Tal autoridade por vezes exige obediência mas outras vezes 'dá'
obediência. Assim, eu posso dizer à minha filha 'não podes trazer essa lama e essa água para
a nossa sala'. Isso não é mais do que ela dizer-me, 'sai do meu quarto, papá. Não te quero aqui
agora', um desejo que eu, claro, obedeço sem uma palavra".
102
controlo da situação educativa. Na sua maior parte, os modelos específicos de
Gestão de Sala de Aula, estruturados numa perspectiva Centrada no Aluno,
apresentam sugestões para os professores ajudarem os alunos, em grupo ou
individualmente, a resolver os seus problemas e os seus conflitos.
Iremos abordar dois modelos anteriormente referidos (ver quadro 6),
nomeadamente, o modelo de Gordon, habitualmente referido como T.E.T
(“Teacher Effectiveness Training”) com uma orientação rogeriana e o modelo
de Clarificação de Valores.
103
consciência. O objectivo da terapia rogeriana é o de conseguir que o indivíduo
tome consciência dos seus problemas e dificuldades através do recurso à
linguagem, com vista à tomada de decisões mais apropriadas (Wolfgang,
2001).
No modelo de Gordon, em linha com o pensamento de Carl Rogers, o
aspecto central é a expressão de uma comunicação autêntica e aberta entre
professor e alunos: “much of this book deals with the communication skills
required by teachers to become effective in making those connections, creating
those links, and building those bridges [between the teacher and the learner]”42
(Gordon, 2003, p. 3). Não pretende alterar as competências básicas de cada
professor, tão-somente oferecer-lhes um conjunto extra de competências, uma
sensibilidade extra, que lhe permita estabelecer as pontes com os seus alunos
através, simplesmente, da linguagem, evitando a sua faceta potencialmente
destruidora de relações (Gordon, 2003).
O autor considera que existe uma boa relação entre professor e aluno
quando ela é marcada por: (1) abertura ou transparência, para que cada um
possa arriscar ser directo e honesto com o outro; (2) preocupação pelos outros,
quando cada um sabe que é valorizado pelo outro; (3) interdependência, em
oposição a dependência; (4) individualidade, que permita que cada um cresça
e desenvolva a sua especificidade, creatividade e carácter único e, (5)
satisfação das necessidades mútuas, para que as necessidades de um não
sejam satisfeitas às custas das do outro (Gordon, 2003; Gordon & Burch,
1998).
Gordon organizou as possíveis interacções existentes dentro da sala de
acordo com a sua aceitabilidade (fig. 8).
42
"Grande parte deste livro lida com as competências de comunicação requeridas ao professor
para se tornar eficaz no estabelecimento daquelas ligações, da crianção daqueles elos, e
construindo aquelas pontos [entre o professor e o aluno]"
104
O aluno possui o problema (O aluno expressa
raiva e
desapontamento
relativamente à mãe)
105
Escuta activa
Comportamento aceitável Aluno possui o problema I-Messages
Resolução de conflitos
Comportamento inaceitável Professor tem o problema Win/Win Situation
Clarificação de valores
Figura 9 – Estratégias adequadas para cada situação problema.
106
maior consideração e apoio, não o deixando ressentido (Gordon, 2003). Uma I-
message eficaz envolve três elementos: (1) em primeiro lugar, uma descrição
clara do que constitui um problema para o professor, habitualmente na forma:
“Quando...” (ex. “Quando está muito barulho na sala...”); (2) em segundo lugar,
uma descrição dos efeitos concretos e tangíveis para o professor do
comportamento descrito anteriormente (ex. “Quando está muito barulho na
sala, não consigo ouvir o que cada um está a dizer”); (3) a terceira parte deve
estabelecer os sentimentos produzidos no professor pelos efeitos tangíveis do
comportamento descrito na primeira parte (ex. “Quando está muito barulho na
sala, não consigo ouvir o que cada um está a dizer e sinto-me frustrado”).
Gordon tem também o cuidado de dirigir sugestões para a manutenção
de relações adequadas, procurando que os professores consigam gerir as
variáveis espaço e tempo de forma a maximizar a participação dos alunos. No
entanto, não apresenta medidas concretas, afirmando que elas deverão
resultar do processo de reflexão sobre o espaço. As respostas podem passar
por enriquecer o ambiente, empobrecer o ambiente, restringir ou alargar o
ambiente, simplificar o ambiente ou rearranjar o ambiente. A opção por uma ou
mais destas medidas caberá a cada professor e dependerá das condições
existentes e do grupo com que trabalha.
Relativamente ao tempo, Gordon aponta para três tipos diferentes de
ocupação do tempo na sala de aula: (1) tempo difuso, (2) tempo individual e (3)
tempo óptimo. O primeiro refere-se aos longos períodos em que os alunos (e
os professores) estão dispersos pela infinidade de estímulos presentes na sala
de aula, constituindo-se como períodos de baixo funcionamento. O tempo
individual refere-se aos períodos de tempo em que cada aluno consegue as
condições necessárias para “escapar” do seu meio ambiente, para um que
exija menos energia, menos gestão, menos envolvimento – permitindo, por
outro lado, um maior funcionamento. Este é um período que deve ser
maximizado. Finalmente, o tempo óptimo, também descrito como interpessoal,
em que o aluno se encontra em relações de um-para-um, quer com o
professor, quer com outros colegas. Através de uma gestão do tempo de
acordo com as necessidades de cada aluno, poder-se-á maximizar os períodos
de tempo útil, diminuindo o tempo difuso, em que os alunos dispendem
demasiada energia a bloquear estímulos incompatíveis com a aprendizagem.
107
No entanto, é de assinalar que não fica claro como é que o professor o poderá
atingir: as orientações de Gordon devem ser encaradas como objectivos e não
como estratégias de acção.
Finalmente, no que diz respeito à resolução de conflitos, Gordon busca
atingir uma situação em que ambos os conflituantes podem ganhar, fugindo
das tradicionais situações em que um ganha e o outro perde, e mesmo das
situações de negociação ou compromisso, em que, no fundo, ambos perdem.
Gordon sugere assim um processo que consiste de seis passos: (1) Definir o
problema, utilizando a Escuta Activa para determinar as necessidades da outra
pessoa e I-messages para transmitir as necessidades próprias – o problema
deve ser definido em termos dessas necessidades e não em termos de solução
do conflito; (2) Gerar possíveis soluções, através de um processo de brain-
storming, através do qual se pretende obter soluções de qualidade a partir da
quantidade de soluções produzidas – não se pretende aqui qualquer avaliação;
(3) Avaliação das soluções, em que ambas as partes participam para verificar
até que ponto cada solução responde às suas necessidades – as soluções que
não respondem às necessidades de um dos intervenientes são descartadas;
(4) Escolham uma solução, a que melhor responder às necessidades dos
intervenientes; (5) Implementar a solução seleccionada, evitando imposições e
recriminações – se o processo decorreu de forma escorreita, ambos os
participantes estarão motivados para a implementação dessas medidas; (6)
Avaliar a solução – se estiver a correr mal, deve voltar-se atrás e rever os
passos iniciais, e eventualmente seleccionar outra solução (Tauber, 1999).
Gordon sugere que se utilize este mesmo método para a definição de regras
para a sala de aula, em que ambos, professor e alunos, têm a possibilidade de
discutir e apresentar as suas necessidades, optando por regras que permitam o
máximo de satisfação a todos (Gordon, 2003).
108
2004). Estes autores afirmam que estes modelos assumem que a
aprendizagem e a ordem estão estreitamente relacionados, pois o mau
comportamento e o comportamento fora da tarefa interferem com a
aprendizagem. Nessa medida, é proposto que o ensino tenha em conta as
diferenças individuais no funcionamento cognitivo, emocional e motivacional
dos alunos e a aprendizagem envolva activamente o aluno e seja relevante
para os seus interesses, experiências e necessidades. Sugerem ainda que a
manutenção da ordem da sala, embora responsabilidade do professor, seja
conseguida através de abordagens pouco controladoras, presumindo que os
alunos são os primeiros responsáveis por controlar o seu comportamento e têm
a capacidade de o fazer.
O modelo visa os seguintes objectivos: encorajar as crianças a fazerem
mais escolhas e a fazê-las livremente; ajudá-las a descobrir alternativas
quando confrontadas com escolhas; ajudar as crianças a considerarem aquilo
que apreciam e acarinham; dar-lhes oportunidades para afirmarem as suas
escolhas; ajudá-las a tomarem consciência dos comportamentos repetidos
sistematicamente na sua vida. A finalidade é ajudar as crianças a clarificarem,
por si próprias, aquilo a que dão valor. O professor não impõe qualquer
conjunto de valores, evita dar a conhecer os seus próprios valores, recusa a
assumir-se como um modelo ou como um adulto e apresenta-se apenas como
um facilitador no processo de escolha individual.
O modelo da clarificação de valores recusa todas as metodologias de
transmissão de valores que (1) impeçam a livre escolha; (2) não concedam
mais do que uma alternativa; (3) não fomentem a reflexão livre; (4) induzam o
aluno a sentir vergonha de um sentimento ou de um valor; (5) impeçam os
alunos de experimentarem, no dia a dia, esse valor, incorporando-o nos seus
comportamentos diários (Marques, 2001).
109
ajuda os outros a aceitar-se e a ser honestos com eles próprios e com os
outros, independentemente de os seus pensamentos e acções serem
negativos ou confusos. (3) Um convite para reflectir mais – devemos convidar o
indivíduo a reflectir mais profundadamente sobre os seus valores encorajando
mais escolhas informadas; maior compreensão do que a pessoa valoriza e
estima e uma melhor integração das escolhas e dos valorizações no
comportamento do dia-a-dia; (4) fortalecimento dos poderes pessoais – a
mensagem principal desta metodologia é que as pessoas podem olhar
reflectivamente para as questões de valores, podem integrar melhor as suas
escolhas, as suas valorizações e as suas acções, e podem continuar a fazê-lo
no futuro. Dessa forma, a clarificação de valores não encoraja apenas o
exercício das competências de clarificação, mas alimenta também a auto-
reflexão.
Acrescentam ainda que a clarificação de valores não é apenas útil para
indivíduos mas também para grupos, pois também estes tendem a ficar presos
em confusões, indecisões e apatia. Com esta metodologia é possível ajudar os
grupos chamando a sua atenção para questões de valores, modelando uma
atitude aceitável, encorajando a reflexão compreensiva e mostrando que a
orientação dos valores do grupo é possível.
Os autores identificaram oito tipos de pessoas que parecem não estar a
viver uma vida integrada, orientada por valores:
(1) Pessoas apáticas, desinteressadas, que parecem não demonstrar em
nada, e que ficam passivas e não se envolvem em nada do que
acontece à sua volta;
(2) Pessoas dispersas, que se interessam por muitas coisas mas apenas
por breves instantes. Estes indivíduos envolvem-se frequentemente em
projectos com muito boa vontade, mas também rapidamente a perdem e
mudam para outras actividades;
(3) Pessoas marcadas pela incerteza e que parecem também indicar uma
falta de capacidade de avaliar. Pensam aqui em pessoas que parecem
nunca se decidir, que parecem devastadas pelas escolhas que o mundo
lhes coloca;
(4) Pessoas inconsistentes, envolvidas em muitas coisas mutuamente
inconsistentes, senão mesmo mutuamente destrutivas;
110
(5) Outros têm um padrão marcado pela deriva, exibindo um padrão de
comportamento caracterizado pela deriva não planeada e com pouco
entusiasmo ao passar de uma actividade para outra, sem qualquer
controlo próprio.
(6) Pessoas conformadas – não tendo qualquer ideia do que querem fazer
com as suas vidas, muitos escolhem conformar-se, acomodando-se o
melhor possível às perspectivas dominantes do momento.
(7) Dissidentes – não fruto de uma discordância pontual e reflectida, mas
crónica, irracional, como se estes indivíduos, não sentindo força para
clarificar os seus próprios valores, tentassem obter uma identidade por
oposição aos restantes.
(8) Finalmente, temos aqueles que parecem estar a desempenhar um
papel, pessoas que cobrem a sua falta de esclarecimento acerca do
significado das suas vidas pelo desempenho de um papel (por exemplo,
o palhaço da turma).
111
Dizer, por exemplo: “vais? E estás contente por ir?”, dá a possibilidade ao
aluno de pensar um pouco mais sobre a importância que dá à viagem, isto é,
sobre os aspectos que valoriza nesse acontecimento.
Estas perguntas clarificadoras, para serem eficazes, devem responder a
uma série de critérios, como evitar moralizações, criticas ou avaliações do
aluno, colocar a responsabilidade do comportamento no aluno ou aceitar que o
aluno não pense sobre ela, pois não se trata de um interrogatório nem se
destina a obter informação, mas apenas a promover a reflexão. Não tem como
objectivo, também, promover uma longa discussão, pois a clarificação é algo
que, habitualmente, se faz a sós. Os autores apresentam uma série de
respostas que se mostram eficazes na promoção da reflexão: “Ficaste
contente?”, “O que sentiste quando aconteceu?”, “Pensaste em alternativas?”,
“Foi escolha tua?”, “Podes dar-me exemplos dessa ideia?”, “O que irias
conseguir dessa forma?”, “Farias mesmo isso, ou só o estás a dizer aqui?”, “E
esse pensamento é consistente com…?”, “Voltarias a fazê-lo?”. Todas estas
questões permitem, de facto, estimular o pensamento dos alunos. Muitas delas
não têm qualquer efeito no imediato, mas alertam o aluno para novas formas
de analisar as suas decisões e os factores a elas subjacentes.
Outras estratégias podem ser mais facilmente utilizadas com grupos,
como as estratégias com recurso à escrita, como a Ficha de Valores. Esta
ficha, na sua forma mais simples, consiste numa afirmação provocadora e
numa série de questões, distribuídas à turma. A afirmação provocadora tem
como objectivo levantar uma questão que o professor pensa necessitar de
clarificação com os seus alunos. As questões ajudam-no a levar cada aluno
através do processo de clarificação de valores. Cada aluno preenche, dessa
forma, uma ficha, seguindo o seu próprio processo, podendo, mais tarde,
partilhá-la com os outros, permitindo uma discussão de grande grupo. Estas
fichas, além da sua função em termos de clarificação de valores, podem ser
facilmente ligadas a conteúdos específicos do currículo, funcionando como
introdução aos temas ou como conclusão dos mesmos, ajudando os alunos a
desenvolver uma consciência pessoal da sua relação com os conteúdos e ao
professor ter algum conhecimento das bases ou dos produtos do seu trabalho.
A discussão em grande grupo deve ser minimamente orientada,
segundo os autores, dando tempo a cada aluno para reflectir sobre o que
112
pensa e sobre o que vai dizer, sendo necessário organizar a participação, não
permitindo muitas sobreposições de vozes. Os autores sugerem diversas
estratégias para organizar a discussão em grande grupo, tendo o cuidado de
nunca limitar a participação de cada aluno, nem as opções que ele pode tomar.
O professor deve ter o cuidado de evitar limitar o pensamento dos seus alunos,
tentando não impor os seus próprios valores (Harmin, Raths & Simon, 1978).
Síntese
113
necessidades sem, em qualquer momento, entrarem em conflito com as
necessidades dos restantes elementos da sala.
114
cognitive psychologist is especially interested in the way we acquire, interpret,
apply, and expand our knowledge, there is a close affiliation between the
liberationist and the cognitive psychologist”43 (Fesntermacher & Soltis, 1998,
p.47).
As teorias construtivistas da aprendizagem baseiam-se na ideia de que o
conhecimento é activamente construído pelo aluno, o que conduz a uma
mudança de foco na sala de aula do modelo tradicional de transmissão de
conhecimentos para um modelo muito mais complexo e interactivo. Em
resposta a estas solicitações, vários “construtivismos” surgiram na última
década, cada um com as suas perspectivas sobre como facilitar o processo de
construção de conhecimentos (Prawat & Floden, 1994). Richardson (2003)
refere a pesquisa de Mathews (2000) que identificou 18 formas diferentes de
construtivismo na educação utilizados e descritos na literatura, incluindo
construtivismo metodológico, radical, didáctico e dialéctico. No entanto, afirma
que existe um consenso mínimo sobre uma diferenciação entre duas formas de
construtivismo: (1) Construtivismo Social ou Construccionismo Social – que
afirmam que os conhecimentos e as disciplinas organizadas são “human
constructs, and that the form that knowledge has taken in these fields has been
determined by such things as politics, ideologies, values, the exertion of power
and the preservation of status, religious beliefs and economic self-interest.
These bodies of knowledge are not considered to be objective representations
of the external world”44 (Richardson, 2003, p. 1623), e (2) Construtivismo
psicológico – abordagem que se refere a uma teoria do desenvolvimento e da
aprendizagem que sugere que os indivíduos constroem activamente o
significado dos fenómenos e que estas construções são idiossincráticas,
dependendo em parte dos conhecimentos base dos aprendizes. Afirmando
também a diversidade de perspectives construtivistas, Palincsar sugere que:
“what unifies constructivist perspectives is rejection of the view that the locus of
knowledge is in the individual; learning and understanding are regarded as
43
"Uma vez que os psicólogos cognitivistas estão especialmente interessados na forma como
nós adquirimos, interpretamos, aplicamos e expandimos o nosso conhecimento, existe uma
relação próxima entre a corrente liberacionista e a psicologia cognitiva".
44
"Constructos humanos, e a forma que o conhecimento tomou nestas áreas tem sido
determinada por aspectos como as políticas, ideologias, valores e o exercício do poder e a
preservação do estatuto, crenças religiosas e interesse económico pessoal. Estes corpos de
conhecimento não considerados representações objectivas de um mundo externo".
115
inherently social; and cultural activities and tools (...) are regarded as integral to
conceptual development”45 (1998, p. 345).
Essencialmente, podemos apontar para quatro contributos teóricos que
constituem a base para as teorias construtivistas da aprendizagem e do ensino:
(1) o construtivismo radical; (2) a neurobiologia da cognição; (3) a teoria dos
sistemas e (4) as novas concepções de aprendizagem desenvolvidas no
campo da psicologia cognitiva (Terhart, 2003). O construtivismo radical afirma
que todo o conhecimento humano – desde as observações do dia-a-dia até ao
conhecimento científico – considerado como apreensão e representação de
algum tipo de realidade exterior ao sujeito do conhecimento e existindo como
tal, é, por definição, impossível. Tudo o que pode ser aprendido dessa
realidade externa é uma criação do observador, uma construção pessoal.
No que diz respeito à neurobiologia da cognição, ela é utilizada para
apoiar empiricamente as assunções epistemológicas do construtivismo radical,
afirmando-se que as conexões entre o mundo exterior, os orgãos dos sentidos
e o cérebro não permitem a transposição desse mundo exterior para o cérebro
pelos orgãos sensoriais. O cérebro, começando apenas com alguns
fragmentos de informação acerca do ambiente, possivelmente cheias de
distorções e falhas, constrói um mundo de experiência, uma “realidade
experiencial”. Como o cérebro está determinado pela sua estrutura, este
mundo não é determinado pelo exterior mas pelo interior, isto é, pelo próprio
cérebro (Terhart, 2003).
A Teoria dos Sistemas deriva de uma utilização dos princípios da
neurobiologia fora do seu contexto original, generalizadas para outras
entidades. Deste ponto de vista, um sistema psicológico, um grupo, uma
instituição, uma sociedade podem ser vistos como o próprio cérebro, um
sistema fechado, auto-referenciado que observa o seu ambiente e é,
simultaneamente, observado por outros sistemas. Embora os sistemas não
sejam transparentes, permitem, com base nas reacções dos outros sistemas às
suas próprias acções, a construção de modelos destes outros sistemas,
adquirindo, dessa forma, um certo grau de compreensão mútua.
45
"O que unifica as perspectivas construtivistas é a rejeição da perspectiva de que o locus do
conhecimento está no indivíduo; a aprendizagem e a compreensão são encaradas como
inerentemente sociais; e as actividades e ferramentas culturais (...) são vistas como integrais
ao desenvolvimento conceptual".
116
As novas concepções da aprendizagem não são mais determinadas por
modelos de processamento da informação ou pelas analogias com
computadores “simples” ligados em “séries”, mas sim pelos modelos de redes
neuronais – sem um centro fixo e sem uma hierarquia fixa, o que implica que a
aprendizagem seja uma actividade desenvolvida de forma independente e
fortemente contextualizada. Conhecimentos, conteúdos e competências não
são adquiridos mas construídos, através de um processo que não se inicia do
zero, mas tem sempre a sua base numa estrutura prévia (Terhart, 2003).
Olhando à distância, estes quatro contributos teóricos representam a
passagem de uma visão do mundo determinista e mecânica, organizada
hierarquicamente, enfatizando a tomada de decisões centralizadas, a
racionalidade e o controlo, para uma visão do mundo não-determinista,
probabilística, descentralizada.
46
"Numa comunidade de aprendizes, todos os participantes são activos: ninguém tem toda a
responsabilidade, e ninguém é passivo. As crianças tomam um papel activo na gestão da
própria aprendizagem, coordenando com os adultos que também contribuem na direcção da
actividade, enquanto fornecem às crianças apoio e orientação (e as crianças fazem o mesmo
aos adultos). Os adultos apoiam a aprendizagem e desenvolvimento das crianças através da
atenção aquilo que a criança está preparada e interessada enquanto se envolvem em
actividades partilhadas nas quais todos contribuem. Numa comunidade de aprendizes, as
crianças e os adultos são activos na estruturação da pesquisa, embora habitualmente com
assimetria de papéis. As crianças e os adultos colaboram em esforços de aprendizagem; os
adultos são frequentemente responsáveis por orientar o processo e a as crianças também
aprendem a participar na gestão da sua própria aprendizagem."
117
individualmente ou em pequenos grupos, seguindo apenas os seus próprios
interesses, procura que todos trabalhem em conjunto, que todos sirvam como
recurso, com papéis diversos ditados pela sua compreensão da actividade e
com responsabilidades diversas no sistema.
Wolff (1994) enumera os seguintes princípios para a aprendizagem
construtivista na sala de aula: (1) os conteúdos a aprender não devem ser
fixados e sistematizados antes da aula, uma vez que não se podem relacionar
com as experiências subjectivas e com o conhecimento que os alunos trazem
com eles – apenas os conteúdos centrais do currículo podem ser fixados; (2)
os objectivos da aprendizagem são conduzidos pelo princípio fundamental de
que a interacção com o ambiente tem o objectivo único de assegurar a
sobrevivência do aluno como sistema autopoiético47 – o objectivo é
desenvolver competências ou actividades que possam ser utilizadas na vida
real; (3) os ambientes de aprendizagem (materiais instruccionais, salas de aula,
outros apoios e, em última análise, a escola enquanto organização) devem ser
estruturados de forma autêntica e complexa enquanto experiência do mundo
real, para que, começando com competências individuais diferentes, possam
tornar possíveis os processos de construção; (4) a aprendizagem da
aprendizagem, isto é, o desenvolvimento de ferramentas individuais de
pensamento, bem como o crescente reconhecimento do próprio pensamento e
aprendizagem e do seu processo, é uma das principais características da
aprendizagem construtivista – o desenvolvimento de competências meta-
cognitivas é um processo paralelo que acompanha a aprendizagem
construtivista; (5) a necessidade de aprendizagem cooperativa, pois o aluno
necessita da interacção com os outros de forma a atingir consensos
relativamente à forma como o ambiente é construído.
118
Complementando, Dubs (1995) formula os seguintes princípios da instrução
numa perspectiva construtivista: (1) em termos de conteúdo, a instrução deve
virar-se para problemas complexos próximos da vida real e que devam ser
resolvidos de forma holística – na base da instrução não devem estar
problemas simplificados, mas a realidade que requer a estruturação e a re-
estruturação de problemas; (2) a aprendizagem deve ser encarada como um
processo activo, durante o qual o conhecimento e as competências do
indivíduo são adaptadas e personalizadas através das próprias experiências,
isto é, ajustando-se à sua interpretação e compreensão; (3) nestes processos,
a aprendizagem colectiva é de grande importância, pois apenas a discussão da
interpretação pessoal das situações complexas de aprendizagem, das
hipóteses propostas ou das possíveis soluções, contribui para reflectir acerca
da interpretação ou significado, ajudando o indivíduo a estruturar o que
aprendeu até então de forma diferente; (4) neste tipo de aprendizagem auto-
regulada, os erros têm um papel importante; as discussões em pequenos
grupos são apenas significativas quando o erro ocorre e é discutido e corrigido;
(5) os conteúdos a serem aprendidos são mais desafiantes quando ajustados
ao repertório de experiências reais e ao interesse dos alunos; (6) os
sentimentos, isto é, lidar com as alegrias e a ansiedade, bem como a
identificação pessoal (com os conteúdos de aprendizagem) são importantes;
(7) porque o objectivo é a construção pessoal do conhecimento e não a
produção de conhecimento, a avaliação do sucesso na aprendizagem não
pode ser baseado nos produtos da aprendizagem; tem que se examinar o
progresso do indivíduo no processo de aprendizagem e em situações de
aprendizagem complexas. A auto-avaliação do progresso na aprendizagem e,
logo, a melhoria das estratégias de aprendizagem, é mais significativa.
Onrubia considera como papel principal do professor, numa perspectiva
sócio-construtivista, a criação de – e intervenção em – zonas de
desenvolvimento proximal (ZPD) (1999). Nessa linha, aponta algumas
características dos processos de interacção professor/alunos em situação de
sala de aula:
1. “Inserir ao máximo a actividade pontual do aluno no âmbito de marcos
ou objectivos mais amplos, nos quais essa actividade possa adquirir
significado mais adequado” (p. 132) – constitui, em grande medida, um
119
apelo a actividades como o trabalho globalizado ou os centros de
interesse, em que os alunos são estimulados a desenvolver actividades
socialmente significativas, e à informação dos alunos, no início de cada
lição, do conjunto de conteúdos e actividades a serem realizados e a
relação entre eles.
2. “Possibilitar, no grau mais elevado possível, a participação de todos os
alunos nas diferentes actividades e tarefas, mesmo se o seu nível de
competência, o seu interesse ou seus conhecimentos forem num
primeiro momento muito escassos e pouco adequados” (p. 134) –
partindo da definição de ZDP, afirma que ela depende da criação de
condições efectivas para que cada elemento possa, efectivamente,
trazer para o grupo aquilo de que é capaz e para que os participantes
menos competentes possam ir testando e modificando a sua capacidade
de resolver determinadas tarefas.
3. “Estabelecer um clima de relacionamento afectivo e emocional baseado
na confiança, na segurança e na aceitação mútuas, em que caibam a
curiosidade, a capacidade de surpresa e o interesse pelo conhecimento
em si mesmo” (p. 136) – para que seja possível criar ZDP's é
fundamental prestar alguma atenção aos aspectos afectivos e
emocionais subjacentes às relações de grupo que se pretendem
estabelecer.
4. “Introduzir, na medida do possível, modificações e ajustes específicos,
tanto na programação mais ampla como no desenvolvimento concreto
da própria actuação, em função da informação obtida a partir das
actuações e produtos parciais realizados pelos alunos” (p. 137) – a
noção de ZDP implica o acompanhamento das actuações dos
participantes menos competentes pelo participante mais competente e o
ajustamento da actuação com base na informação recolhida. Dessa
forma, o professor deverá fazer uma avaliação contínua do desempenho
para, consequentemente, decidir sobre eventuais alterações a introduzir
nas suas planificações, como acelerar ou abrandar o ritmo de introdução
de novas actividades, selecção de actividades mais adequadas às
dificuldades sentidas, entre outras.
5. “Promover a utilização e o aprofundamento autónomo dos
120
conhecimentos que os alunos estão aprendendo” (p. 139) – O objectivo
será o de promover actividades em que os alunos possam, de forma
independente ou com baixo nível de apoio, utilizar os conhecimentos
aprendidos, como parte do próprio processo de aprendizagem e não
como elemento de avaliação. Além disso, é também importante
proporcionar condições aos alunos para que eles possam, de forma
autónoma, aprofundar a sua aprendizagem, monitorizando o seu próprio
progresso.
6. “Estabelecer, no maior grau possível, relações constantes e explícitas
entre os novos conteúdos que são objecto de aprendizagem e os
conhecimentos prévios dos alunos” (p. 141).
7. “Utilizar a linguagem da maneira mais clara e explícita possível, tratando
de evitar e controlar possíveis mal-entendidos ou incompreensões” (p.
142) – salientando a importância de utilizar vocabulário adequado aos
alunos, de definir, exemplificar ou caracterizar os novos termos,
estabelecer relações entre conceitos, princípios, procedimentos, normas,
mostrar formas alternativas de dizer a mesma coisa. Por outro lado,
implica ser o mais explícito possível quanto às normas que regerão a
organização da aula, quanto às orientações que dirigirão uma
actividade, quanto aos objectivos que se pretende com uma
determinada tarefa e quanto às razões de determinadas regras. Implica
ainda estabelecer algum tipo de controlo sobre a compreensão dos
alunos, tentando comprovar se dominam os conceitos-chave que estão
a ser tratados.
8. “Utilizar a linguagem para recontextualizar e reconceptualizar a
experiência” (p. 143) – retomando o que o aluno disse e interpretando-o
ou reformulando-o em termos mais correctos do ponto de vista da
linguagem científica ou técnica, por exemplo.
O autor citado refere ainda três características da interacção entre
alunos, que podem promover a criação de ZDP na sala de aula e que o
professor se deve esforçar por estimular:
− “O contraste entre pontos de vista moderadamente divergentes a
propósito de uma tarefa ou conteúdo de resolução conjunta” (p. 145)
− “A explicitação do próprio ponto de vista” (p. 145)
121
− “A coordenação de papéis, o controlo mútuo do trabalho e oferta e
recepção mútuos de ajuda” (p. 147)
O autor sintetiza estas diversas características afirmando que o
processo de ensino implica: “possibilitar e demarcar a participação dos alunos,
adaptar-se a ela de maneira contingente e ao mesmo tempo forçar formas cada
vez mais elaboradas e independentes de actuação, tudo isso na medida do
possível em cada situação, e graças a uma conjunção de recursos e actuações
muito diversas, tanto no plano cognitivo como no afectivo e relacional”
(Onrubia, 1999, p. 148).
Wolfgang tem sido referido desde o início deste capítulo devido à sua
caracterização de três tipos de modelos de Gestão de Sala de Aula (Wolfgang,
1999, 2001; Wofgang & Glickman, 1986) e que viriam a influenciar as
investigações de autores como Martin e seus colaboradores. As perspectivas
centradas no professor encontram-se retratadas nos modelos que o autor
designa de Regras e Consequências (Rules and Consequences), os modelos
centrados no aluno nos modelos de Relacionamento e Escuta (Relationship-
Listening) e os modelos que designa de Confrontação e Contratualização
(Confronting-Contracting). O primeiro conjunto de modelos referidos, como se
viu anteriormente, baseia-se no controlo pelo professor de todos os
comportamentos dos alunos, com o recurso a estratégias de orientação ou
controlo comportamental. Os modelos de Relacionamento e Escuta, por outro
lado, têm por base uma perspectiva humanista, de índole terapêutica.
Assumem que o aluno, se lhe forem dadas as condições adequadas, irá
aprender naturalmente, e qualquer problema que surja poderá ser resolvido
com o auxílio do professor, que criará as condições para que o aluno,
confiando nele, supere as suas dificuldades através do diálogo.
Os modelos de Confrontação e Contratualização, por outro lado,
baseiam-se num princípio muito claro: “I am the adult. I know misbehavior when
I see it and will confront the student to stop this behavior. I will grant the student
the power to decide how he or she will change and encourage and contract with
122
the student to live up to a mutual agreement for behavioral change”48
(Wolfgang, 2001, p. 4). Nesta perspectiva haverá um equilíbrio entre a posição
do professor – que estabelece claramente os limites – e do aluno – a quem é
dada a oportunidade de alterar o seu comportamento de forma autónoma. É
importante referir aqui, no entanto, a posição de Levin e Nolan (2000):
Although those who adopt the collaborative approach to management often believe
in many of the tenets of the student-directed theory, they also believe that the
number of students in a class and the size of most schools make it impractical to
put a student-directed philosophy into practice (…) under the collaborative theory,
then, students must be given some opportunity to control their own behaviour
because a long-range goal of schooling is to enable students to become mature
adults who can control their own behaviour, but the teacher, as a professional,
retains primary responsibility for managing student behaviour because the
49
classroom is a group learning situation (p.88).
48
"Eu sou o adulto. Reconheço o comportamento desajustado quando o vejo e irei confrontar o
aluno para interromper esse comportamento. Irei dar-lhe o poder para decidir como irá mudar e
encorajá-lo e estabelecer um contrato com o aluno que vá de encontro a um acordo mútuo
para a mudança comportamental".
49
"Embora aqueles que adoptam uma abordagem colaborativa da gestão acreditem um muitos
dos princípios da teoria centrada no aluno, acreditam também que o número de alunos na sala
e o tamanho da maior parte das escolas tornam impraticável a colocação em prática de uma
filosofia centrada no aluno (...) sob a teoria colaborativa, então, os alunos devem possuir
alguma oportunidadepara controlar o seu próprio comportamento porque uma das grandes
finalidades da escolaridade é permitir que os alunos se tornem adultos maduros que controlam
o próprio comportamento, mas o professor, como profissional, retém a responsabilidade
primária para gerir o comportamento do aluno porque a sala de aula é uma situação de
aprendizagem em grupo".
123
proficientes na gestão de processos e dinâmicas de grupo: “unfortunately,
much of the influence that the mature could have on the immature is lost in the
mistaken application of authoritarian procedures”50 (Bitter, Pelonis &
Sonstegard, 2004, p. 136). Assim, Dreikurs é levado a acreditar que todo o
comportamento, incluindo o comportamento desajustado, tem um objectivo: é
orientado para a obtenção de reconhecimento social (Wolfgang, 2001). Com
esta ideia em mente, Dreikurs propôs quatro motivos para os problemas de
comportamento apresentados pelas crianças: (1) Obtenção de atenção; (2)
Luta pelo poder; (3) Vingança e (4) Incapacidade assumida ou inadequação
(ver fig. 10).
Padrões Comportamentais
Úteis/Construtivos Inúteis/Destrutivos Motivações
Activo Passivo Activo Passivo comportamentais
Rebelde Teimosa
Discute/Diz Passiva/Agressiva Obter poder
não
50
"Infelizmente, muita da influência que os ser maduro podia ter no imaturo é perdida na
aplicação inadequada de procedimentos autoritários".
124
exemplo, que até comportamentos adequados podem ser utilizados para obter
atenção, o que terá implicações para a prática. Olhando mais atentamente para
cada um dos motivos, vemos a tentativa de obter atenção quando um aluno
está constantemente a procurar receber o reconhecimento da turma. No
entanto, em vez de o obter através de trabalho produtivo, o aluno pode resolver
comportar-se de formas que exigem o reconhecimento ou a crítica incessante –
ambas igualmente indesejáveis (Wolfgang, 2001). Por outro lado, a luta pelo
poder é uma motivação para o aluno que se sente inferior, que se sente
incapaz de ir de encontro às expectativas dos outros ou mesmo às suas
próprias.
Não interessa se o aluno é realmente incapaz ou se se trata de um erro
de percepção, pois em qualquer caso o aluno irá tentar alterar esta percepção
tentando mandar nos outros, tentando impor-se aos outros ou através da
gabarolice ou da palhaçada. A vingança é um objectivo das crianças que se
sentem incapazes de obter atenção ou poder, sentindo-se, portanto, num nível
diferente das outras e culpando-as por isso. Elas tentam obter um estatuto de
superioridade, não apenas ganhando aos outros, mas submetendo-os com
maldade e humilhação. Finalmente, as crianças com sentimentos de
inadequação são as mais problemáticas, tendo desistido de ser um membro do
grupo ou de obter qualquer tipo de estatuto. Não só terá aceitado ser incapaz
de fazer o que quer que seja, como também deixou de se importar com isso
(Wolfgang, 2001).
Dreikurs sugere que o comportamento das crianças é mantido pelas respostas
desadequadas dos seus professores, aconselhando por isso uma alteração das
respostas a dar à criança em cada situação (quadro 11).
Quadro 11 – Respostas alternativas do professor (Tauber, 1999).
Comportamento Motivação Resposta Alternativa do Professor
Palhaçada Atenção 1. Recusar atenção especial
Exibicionismo 2. Permitir que as consequências ocorram
Atrasar-se
Teimosia Poder 1. Recusar o conflito
Apatia 2. Admitir a inabilidade de fazer os alunos
Desobediência fazer alguma coisa
Falsidade 3. Permitir que as consequências ocorram
Roubar Vingança 1. Recusar sentir-se atingido
Delinquência 2. Evitar a retaliação
Instabilidade 3. Manter a ordem
Abusos pessoais 4. Permitir que as consequências ocorram
125
Birras Isolamento 1. Evitar críticas
Incapaz de aprender 2. Procurar qualquer melhoria
Desiste facilmente 3. Reconhecer o esforço
Indolente 4. Nunca desistir
126
dificilmente entenderá como consequência do seu comportamento (a falta de
estudo) passar uma semana sem sobremesa. Normalmente, as consequências
inventadas são consideradas punições, pois não decorrem do comportamento
e são apenas uma forma adicional de fazer a criança sentir-se mal. Por essa
razão, este tipo de consequências não tem lugar nas intervenções propostas
por Dreikurs (Tauber, 1999).
51
"O encorajamento é mais importante do que qualquer outro aspecto da educação da criança.
É tão importante que a sua falta pode ser considerada como a causa básica do mau
comportamento. Uma criança mal comportada é uma criança desencorajada".
127
considerar inferiores por não o obterem como consequência do seu trabalho.
As diferenças entre encorajamento e elogio estão presentes no quadro 13.
128
Modelo da Terapia da Realidade de Glasser – The Quality School
52
"Na perspectiva de Glasser, os indivíduos que procuram escapar da realidade através do
comportamento inapropriado não necessitam de encontrar um racional e uma defesa para o
seu comportamento ilógico. Pelo contrário, devem ser ajudadas a tomar consciência do seu
comportamento como sendo irresponsável e então tomar alguma medida para o tornar mais
lógico e produtivo".
53
"Por escola deles, quer dizer que nada lhes irá ser imposto, que em conjunto irão concordar
no que é util aprender, e que irá trabalhar com eles para resolver todos os problemas porque,
se é a sua escola, os problemas são os seus problemas".
129
circle is for you to be able, on a moment's notice, to get their attention and start
discussing anything that is important”54 (p.3).
Para este autor, o professor é um profissional, e como tal não deve ser
obrigado a seguir as orientações de ninguém excepto as suas. Dessa forma,
dentro dos limites da sua responsabilidade, deve ter a possibilidade de
trabalhar o seu próprio currículo, utilizar os materiais que considera mais
adequados e da forma que considera mais eficaz, utilizar qualquer método de
ensino que considere funcionar, e avaliar os alunos de forma a que eles
possam mostrar ao professor, a si próprios e a todos os outros, que
aprenderam o que deviam. Ora, dentro deste modelo, um professor não iria
solicitar aos seus alunos a realização de qualquer tarefa que não fosse de
qualidade. Glasser considera que, actualmente, os professores não são
tratados como profissionais, pois todos – desde os mais afastados agentes
governamentais, até directores de escolas – têm uma palavra a dizer sobre
aquilo que eles devem fazer nas aulas (Glasser, 1998).
Para ajudar os professores na organização do seu trabalho, Glasser
apontou seis condições do trabalho escolar de qualidade: (1) deve existir um
ambiente caloroso e de apoio na sala de aula; (2) aos alunos só deve ser
pedido trabalho útil; (3) aos alunos deve ser sempre pedido para fazerem o seu
melhor; (4) aos alunos deve ser pedido para avaliarem o seu trabalho e para o
melhorarem; (5) o trabalho de qualidade faz-nos sempre sentir bem; (6) o
trabalho de qualidade nunca é destrutivo (Glasser, 1998). No entanto, salienta
que os alunos, depois de algum tempo num sistema tradicional, se tornam
cépticos relativamente ao valor da escola. Por essa razão, é necessário que o
professor consiga persuadir todos os alunos a confiarem nele: “they must
believe that, in all you ask them to do as well as in how you ask them to do it,
you are on their side”55 (p. 21). O conceito de “estar do seu lado” é importante
pois um dos axiomas fundamentais deste modelo é que:
the better we know someone and the more we like about what we know, the harder
we will work for that person. Choice theory explains that we will work hard for those
we care for (belonging), for those we respect and who respect us (power), for those
with whom we laugh (fun), for those who allow us to think and act for ourselves
(freedom), and for those who help us make our lives secure (survival). The more
54
"O propósito do círculo é ser capaz, num breve momento, obter a atenção deles e começar a
discutir qualquer coisa que seja importante".
55
"Eles devem acreditar que, em tudo aquilo que lhes pede para fazer e na forma como lhes
pede para o fazer, que está ao seu lado".
130
that all five of these needs are satisfied in our relationship with the manager who
56
asks us to do the work, the harder we will work for that manager (p. 24).
56
"Quanto melhor conhecermos alguém e quanto mais gostarmos daquilo que sabemos, mais
arduamente iremos trabalhar para essa pessoa. A teoria da escolha explica que iremos
trabalhar mais árduamente para aqueles de quem gostamos (pertença), para aqueles que
respeitamos e nos respeitam (poder), para aqueles com quem rimos (alegria), para aqueles
que nos permitem pensar e agir por nossa conta (liberdade), e para aqueles que nos ajudar a
tornar as nossas vidas seguras (sobrevivência). Quantas mais destas cinco necessidades
forem satisfeitas na nossa relação com o gestor que nos pede para fazer um trabalho, mais
arduamente nós o iremos fazer".
131
professor não for capaz de demonstrar a existência de uma relação de causa-
e-efeito, a regra não é necessária, correndo o risco de parecer caprichosa ou
ditatorial (Tauber, 1999).
Este modelo apresenta além da vertente disciplinar, uma preocupação
com a orientação do trabalho do professor, nomeamente em aspectos como a
organização do espaço e a gestão das regras e rotinas na sala de aula. Nesse
aspecto diferencia-se do modelo anterior, de Dreikurs, claramente um modelo
de intervenção disciplinar. Também ele, no entanto, parte do princípio que as
características dos alunos são elementos fundamentais a ter em conta, mas
que a vida em grupo exige o respeito por regras que devem ser implementadas
de forma rigorosa pelo professor.
57
"Os educadores que aceitaram esta definição estreita de gestão ficaram mais preocupados
com os resultados do que com o processo, acreditando que uma sala de aula cheia de alunos
aquiescentes era mais importante para as suas necessidades educacionais do que os envolver
em práticas que possam contribuir para o dsenvolvimento moral das crianças".
132
Nas suas palavras, a Disciplina Sensata constitui:
A comprehnsive approach to democratic classroom management that provides
educators with a foundation for teaching citizenship each day and through every
student-teacher interaction. The key to this model lies in helping students learn to
apply a common language of civility to their interactions that occur within and
without the school community. The premise of Judicious Discipline is that
citizenship can and should be taught through classroom management decisions
that consistently model how our individual human rights are always balanced
against the limitations that protect humanity’s need to be safe, healthy and
58
undisrupted (McEwan, Gathercole & Nimmo, 1999, p. 100).
58
"Uma abordagem compreensiva da gestão democrática da sala de aula que fornece aos
educadores a base para ensinar a cidadania diariamente através de todas as interacções
professor-aluno. A chave para este modelo consiste em ajudar os alunos a aprender a aplicar a
linguagem comum da civilidade às suas interacções que ocorrem dentro e fora da comunidade
escolar. A premissa da Disciplina Sensata é que a cidadania pode e deve ser ensinada através
das decisões de gestão de sala de aula que consistentemente modelam a forma como os
direitos humanos individuais são ponderados tendo em conta as limitações que protegem a
necessidade da humanidade de estar segura, saudável e não ser incomodada".
133
Quadro 15 – Exemplos de procedimentos sensatos em alternativa às perspectivas tradicionais
(adaptado de Wolfgang, 2001)
Questão Disciplinar Posição Autoritária Posição Sensata Procedimentos
numa Escola
Sensata
Retirar privilégios É considerado um A participação na Devem estar em clara
direito do professor. cerimónia de proporção à
graduação, por gravidade da ofensa
exemplo, é um e à idade e condição
privilégio e pode ser mental, emocional e
retirado. O aluno, no física do aluno. A
entanto, tem o direito escola deve notificar
de se graduar e esse adequadamente. É
direito não pode ser considerada uma
retirado como punição sensata.
consequência de um
comportamento
inaceitável.
Punição física Tem sido utilizada É rejeitada como não- Podem seguir-se as
desde sempre para educacional. No seguintes
punir os alunos por entanto, por vezes orientações, desde
comportamentos pode ser necessária a que com Aprovação
inaceitáveis e ainda é força física para Parental:
legal em muitos manter a ordem. - Um processo com
estados [nos EUA]. acusação, prova e o
Em muitos outros, no direito do aluno a ser
entanto, os directores ouvido;
têm sido acusados de - Administração da
abuso por causa da punição com
utilização deste tipo moderação,
de punição. prudência e tendo em
conta a gravidade da
ofensa, e a condição
física e o tamanho do
aluno;
- Administração em
privado, sem a
presença de outros
alunos;
- Testemunhada por
um elemento da
direcção;
- Registada e
colocada no processo
do aluno;
- Notificação aos pais
ou tutores legais.
Punição do grupo Se ninguém admitir a Não permitida. A atitude sensata
pelas acções de um responsabilidade, será a de
aluno todo o grupo sofre as desenvolver os
consequências. passos necessários
para prevenir nova
ocorrência.
Escrever o nome dos Punição merecida em Este tipo de punição Pode ser considerado
alunos mal caso de irá danificar a auto- como ridicularização
comportados no comportamento estima do aluno. da criança e pode ter
quadro ou sentá-los desadequado. consequências
no corredor. psicológicas
negativas.
134
Manter os alunos no Frequentemente Não educacional, Preocupações de
fim da aula. utilizada como serve apenas para segurança devido à
punição; os alunos baixar a auto-estima. alteração de horários
irão sofrer da criança.
reconhecimento
público por mau
comportamento.
Salas de detenção Considerada uma É vista como uma Mudar o nome para
punição adequada. forma de prisão e sala de correcção ou
pode exigir, nesse sala de resolução de
caso, critérios problemas com
processuais para ser tutores para
aplicada; não corrige aprendizagem.
o comportamento mas
causa ressentimento
nos alunos; prejudica
a relação
criança/educador.
Insubordinação ou Aplicação de O professor não se Raramente será
desafio aberto; punições. sentiria ofendido, mas punida.
linguagem ou gestos iria confrontar o aluno
indecentes ou e tentar determinar o
obscenos. que está por trás do
seu comportamento
numa perspectiva
educacional.
Retenção pelo A propriedade do O professor pode O professor deve dar
professor ou outras aluno pode ser confiscar itens um recibo dos itens
autoridades de confiscada se disruptivos. Estes confiscados,
propriedade do aluno previamente itens deverão ser demonstrando
(brinquedos ou advertidos para não devolvidos tão respeito pela
outros itens trazidos trazer tais itens. Estes depressa quanto o propriedade.
de casa) que itens não serão possível.
perturbem o devolvidos.
ambiente da sala.
135
perturbação significativa do processo educacional (Wolfgang, 2001) (alguns
exemplos no quadro 16.).
136
As práticas apontadas nos cinco modelos – Gordon; Raths, Harmin e
Simon; Dreikurs; Glasser e Gathercole – apresentam uma grande proximidade
em termos de finalidades e orientações. Por exemplo, todos estes modelos
recusam as punições, propõem a promoção da relação com os alunos,
sugerem a atenção às necessidades de todos os alunos, e admitem a
negociação como forma básica de relacionamento em grupo. No fundo, a
opinião de Levin e Nolan (2000) já referida anteriormente, ganha aqui algum
relevo, pois as diferenças que surgem entre estes modelos aparecem mais em
termos de práticas do que em termos de crenças, pois todos eles parecem
querer atender aos mesmos aspectos. As diferenças surgem então, na
atribuição de um papel mais relevante ao professor devido às exigências
específicas do trabalho em grupo, numa sala de aula. Nesse sentido, Freiberg
(1999) propôs as salas de aula centradas na pessoa, nas quais se enfatiza o
cuidado, a orientação, a cooperação, e a construção da auto-disciplina, levando
os alunos a pensar por si próprios e a ajudar os outros e, acima de tudo: “in
person-centered classrooms both the teacher and the students benefit. Most
classrooms are not totally on one side or the other, but there are clear
differences between the two approaches”59 (Freiberg, 1999, p. 13). Essas
diferenças estão expressas no quadro 17.
Quadro 17 – Comparação da disciplina nas salas centradas no professor e centradas na
pessoa (adaptado de Rogers & Freiberg, 1994, cit. In Freiberg, 1999)
Salas de Aula Centradas no Professor Salas de Aula Centradas na Pessoa
O professor é o único líder. A liderança é partilhada
A gestão é uma forma de supervisão. A gestão é uma forma de orientação.
O professor tem a responsabilidade de toda Os alunos são facilitadores das operações na sala
organização e “paperwork”. de aula.
A disciplina vem do professor. A disciplina vem de cada um.
Alguns alunos são ajudantes do professor. Todos os alunos têm a oportunidade de se
tornarem parte integrante da gestão da sala de
aula.
O professor faz as regras e afixa-as para os alunos. As regras são desenvolvidas pelo professor e pelo
aluno na forma de uma Constituição de sala de
aula.
As consequências são fixadas para todos os As consequências reflectem diferenças individuais.
alunos.
As recompensas são, principalmente, extrínsecas. As recompensas são, principalmente, intrínsecas.
São permitidas responsabilidades limitadas aos Os alunos partilham as responsabilidades da sala
alunos. de aula.
Poucos membros da comunidade entram na sala São constituídos partenariados com grupos da
de aula. comunidade para enriquecer e alargar as
oportunidades de aprendizagem dos alunos.
59
"nas salas de aula centradas nas pessoas tanto o professor como os alunos beneficiam. A
maior parte das salas de aula não estão totalmente num lado nem no outro, mas existem
diferenças claras entre as duas abordagens".
137
Para Freiberg, a disciplina e a instrução são interactivas e envolvem três
dimensões: (1) a dimensão do professor – “is the one with which we are most
familiar. Discipline and Knowledge are derived from the teacher; the student’s
role is to be the listener and defer to the teacher. Some of the conflict,
particularly at the secondary level is a function of student resistance to teacher
demands that minimize consideration for the learner”60 (1999, p.16); (2) a
dimensão cooperativa – “a halfway point between external and self-directed
discipline and instruction. Teachers and students work together at a rate based
on the comfort levels of all persons in the classroom – in moving away from
teacher as a source of knowledge and discipline. Working in cooperative groups
builds an experiential dimension necessary in many classrooms to guide
teachers and students along a continuum toward self-directed discipline and
learning”61 (p. 16); e (3) a dimensão pessoal – “indicates teacher and students
are working at a very different plane of interaction. Students conduct their own
research projects, work on learning contracts, organize their own time, and
report what they have learned in using a variety of media”62 (p. 16). O autor
coloca os três níveis num continuum de actividades que, segundo ele,
permitem que, ao longo do tempo, os professores se desloquem de uma
perspectiva mais tradicional para um perspectiva centrada nos indivíduos
(quadro 18).
60
"é aquela com a qual estamos mais familiarizados. Disciplina e conhecimento são derivadas
do professor; o papel dos alunos é ser ouvinte e obedecer ao professor. Alguns dos conflitos,
particularmente num nível secundário, são uma função da resistência às exigências do
professor que minimizam a consideração pelo aprendiz".
61
"Um ponto intermédio entre disciplina e instrução externa e auto-dirigida. Os professores e os
alunos trabalham em conjunto num ritmo baseado nos níveis de conforto de todas as pessoas
na sala de aula - afastando-se do professor como uma fonte de conhecimento e disciplina. O
trabalho em grupos cooperativos desenvolve uma dimensão experiencial necessária em muitas
salas de aula para conduzir os professores e alunos ao longo de um continuum em direcção à
disciplina e aprendizagem auto-dirigida".
62
"Indica que o professor e os alunos estão a trabalhar num plano diferente de interacção. Os
alunos conduzem os seus próprios projectos de investigação, trabalham em contratos de
aprendizagem, organizam o próprio tempo e relatam o que aprenderam através de diversos
meios".
138
Quadro 18 – Três dimensões da Disciplina e Aprendizagem (Rogers & Freiberg, 1994, cit. In
Freiberg, 1999)
Centrada no Professor
Dimensão do Professor: O professor dirige e
controla, externamente, o comportamento do • Prelecção
aluno. • Questionamento
O papel do professor é directivo. • Exercícios e prácticas
Dimensão Cooperativa: Professor e alunos • Demonstrações
cooperam no planeamento de um ambiente de • Discussões
aprendizagem na sala de aula positivo. • Grupos cooperativos
O papel do professor é semi- • Descoberta guiada
directivo/facilitativo.
• Contractos
Dimensão Individual: Os alunos são
• Role-Play
internamente auto-disciplinados e necessitam
de um mínimo de supervisão adulta. • Projectos
O papel do professor é não- • Investigação
directivo/facilitativo. • Auto-avaliação
Centrada no Aluno
63
"as questões são divergentes, desenhadas para estimular e suportar o pensamento dos
alunos e ajudá-los a desenvolver a compreensão das ideias poderosas que ancoram as redes
de conhecimento. Dos alunos espera-se que lutem para perceber o sentido do que estão a
aprender através do relacionamento com conhecimentos prévios e pela discussão com os
outros. Em vez de trabalhar predominantemente sozinhos, praticando o que lhes foi
previamente transmitido, agem como uma comunidade de aprendizagem que constrói
compreensões partilhadas".
139
julga o rigor das respostas dos alunos. que coloca questões, procura clarificações,
promove o diálogo, ajuda o grupo a
reconhecer áreas de consenso e de
desacordo.
O aluno memoriza ou replica o que lhe foi O discurso enfatiza a discussão reflexiva das
explicado ou modelado. redes de conhecimento relacionado; as
questões são mais divergentes mas
destinadas a desenvolver a compreensão das
ideias mais poderosas que baseiam estas
redes; o foco está na elicitação do
pensamento dos alunos.
As actividades enfatizam a replicação de As actividades enfatizam aplicações a
modelos ou aplicações que requerem a questões autênticas e a problemas que
reprodução de algoritmos. requerem pensamento de nível superior.
Os alunos devem trabalhar sozinhos, Os alunos colaboram, agindo como uma
praticando o que lhes foi transmitido de forma comunidade de aprendizagem que constrói a
a prepará-los para competir por recompensas compreensão partilhada através do diálogo
ao reproduzi-lo quando solicitados. sustentado.
Quadro 20 – Papéis dos alunos que podem orientar a gestão de salas de aula sócio-
construtivistas (Brophy & Alleman, 1998, cit. in Brophy, 2001).
A. Papeis e competências presentes nas salas de aula tradicionais que também se aplicam
nas salas sócio-construtivistas:
1. Estar na sala/lugar a tempo.
2. Arrumar as suas coisas nos locais próprios.
3. Lidar com os materiais da sala de aula de forma cuidadosa e colocá-los nos seus locais
depois de os utilizar.
4. Ter o lugar arrumado e pronto para trabalhar quando a lição começa.
5. Prestar atenção durante as lições e actividades de aprendizagem.
6. Participar, voluntariando-se para responder às questões.
7. Trabalhar cuidadosamente nas tarefas a realizar na escola e em casa.
8. Tentar resolver os problemas sozinho antes de pedir ajuda, mas pedir sempre ajuda
quando precisar.
9. Entregar as tarefas completas e a tempo.
10. Limitar as conversas às formas e aos períodos aprovados.
11. Tratar os outros com delicadeza e respeito.
B. Papeis e competências adicionais que necessitam ser desenvolvidas em salas de aula
sócio-construtivistas.
1. Em situações de grande grupo, participar como membro do grupo quando se
desenvolvem novas formas de compreensão.
2. Reconhecer que todos têm algo para contribuir e que estão na sala para aprender e
para ajudar os outros a aprender, e agir em conformidade.
3. Ouvir cuidadosamente o que os outros dizem e relacioná-lo com o conhecimento e
experiência própria.
4. Se não perceber o que os outros querem dizer, pedir para clarificar.
140
5. Ao avançar as próprias ideias, explicar o raciocínio citando os elementos e argumentos
relevantes.
6. Ao desafiar as ideias dos outros e ao responder aos desafios das próprias ideias, focar-
se nos assuntos e em tentar chegar a um acordo; não tornar a confrontação em algo
pessoal ou envolver-se num duelo.
7. Quando trabalhando em pares ou pequenos grupos, garantir que as ideias de cada um
são incluídas e que todos atingem o objectivo da actividade.
8. Quando ajudar os parceiros ou colegas de grupo, não fazer o trabalho por eles; pelo
contrário, garantir que eles aprendem o que devem aprender.
64
"Em particular, tendem a focar-se em questões epistemológicas (Qual é a natureza do
conhecimento e como é ele construído e validado?) mais do que em questões pedagógicas
(Que abordagens do ensino irão optimizar a construção de conhecimento nos alunos
reflectindo os resultados esperados da disciplina?). Além disso, com poucas excepções, a
literatura sobre o ensino sócio-construtivista tem sido confinada a afirmações de racionais e
141
É de salientar, também, a dificuldade que existe em implementar este
tipo de modelos. Como não existe uma sistematização operacional dos
métodos de ensino enquadráveis num modelo designado de sócio-
construtivista torna-se pouco realista pensar que os professores podem
aprender a aplicar esse modelo de ensino – dessa forma, surgem tantos
modelos quantos os professores que os apliquem. Daqui decorrem dificuldades
para a investigação, pois não é possível analisar em conjunto práticas não
harmonizadas (Brophy, 2006). Como afirma Richardson: “A (…) issue that
confronts us in constructivist teaching is that because constructivism is a theory
of learning and not a theory of teaching, the elements of effective constructivist
teaching are not known”65 (2003, p.1629). Daqui resulta a necessidade de
aprofundar a investigação e a teorização destes modelos de ensino e de
gestão de sala de aula.
Síntese
princípios, elaboradas com exemplos de implementações em sala de aula, mas sem uma
avaliação sistemática dos resultados".
65
"Uma questão que nos confronta no ensino construtivista é que, porque o construtivismo é
uma teoria da aprendizagem e não uma teoria do ensino, os elementos do ensino construtivista
eficaz não são conhecidos".
142
conhecimentos como foi descrito no início do ponto sobre as perspectivas
Centradas no Professor.
Posteriormente, foi desenvolvida uma perspectiva alternativa, baseada
numa visão romântica da sociedade e, principalmente, do ser Humano. A
crença na sua bondade natural é o elemento que unifica todas as perspectivas
apresentadas. Se o ser Humano é naturalmente bom, então há que lhe dar
espaço para aperfeiçoar essa característica. Uma intervenção exagerada do
adulto corre o risco de impedir esse processo, contaminando-o. Por essa
razão, a sala de aula proposta é caracterizada pela aceitação incondicional do
aluno e pelo respeito pelas suas decisões e opções. Mesmo em casos de
comportamentos que o adulto considere inadequados, aconselha-se a ajudar o
aluno a descobrir, dentro de si, qual a melhor forma de os superar.
Finalmente, com a crescente implementação e aceitação das teorias
construtivistas, voltou a valorizar-se o conhecimento e a aprendizagem, que
resulta de uma construção pessoal do aluno, realizada através da sua
participação num grupo social. Ao contrário das perspectivas Centradas no
Professor, o comportamento adequado não é ensinado pelo professor, mas
também não se pode permitir que o aluno funcione sem respeito pelo grupo em
que está inserido. Portanto, é necessário criar as condições básicas para o
funcionamento do grupo. Posteriormente, será o grupo de alunos a co-construir
as condições necessárias à sua sobrevivência e, simultaneamente, ao
desenvolvimento das competências necessárias à vida em sociedade.
Dessa forma, podemos afirmar que estamos perante duas grandes
formas de encarar a Gestão de Sala de Aula – Centrada no Professor e
Centrada no Aluno, matizadas em inúmeros modelos, desde os mais radicais,
como é o caso do Modelo de Dobson ou, no pólo oposto, o Modelo de Gordon,
até os que, de alguma forma, procuram equilibrá-las, como o Modelo de
Gathercole. A resposta à questão que motivou este último ponto - a
possibilidade da existência de um terceiro modo de encarar o ensino e a gestão
de sala de aula - aponta para a impossibilidade de a diferenciar dos modelos
Centrados no Professor e dos Modelos Centrados no Aluno. A proposta
oriunda das correntes construtivistas é, ainda, uma perspectiva Centrada no
Aluno, partilhando muitas das crenças típicas das correntes tradicionalmente
descritas como tal.
143
A questão a que nos interessa responder, neste momento, é qual a
visão que os professores portugueses têm do ensino e, mais concretamente,
da gestão da sala de aula, e, ainda, como é que traduzem essa visão em
práticas concretas. Será esse o objectivo do próximo capítulo.
144
III. Estudo Empírico sobre a Relação entre as Crenças e
as Práticas de Gestão de Sala de Aula em Professores
do 1º Ciclo do Ensino Básico
Método
Sujeitos
145
Pedhazur & Schmelkin, 1991). No segundo momento do estudo, foram
realizadas entrevistas a 9 professores do 1º ciclo com percursos diversificados
em termos de idade, tempo de serviço e habilitações académicas, dos quais 6
permitiram a realização das observações pretendidas nas suas salas de aula.
Estes professores foram seleccionados também de forma não-probabílistica, e
o único critério utilizado foi o de serem titulares de turma no momento da
entrevista.
O grupo do primeiro momento de estudo era constituído por 279
professores do 1º ciclo distribuídos de acordo com os quadros seguintes:
Idade 91 45.98 8.447 132 34.61 9.350 52 42.50 7.390 4 45.25 4.573
Tempo de
91 21.86 8.603 132 11.13 9.812 52 18.85 7.991 4 20.00 4.546
Serviço
146
encontram-se os titulares de Cursos de Qualificação para o Exercício de Outras
Funções, bem como outras Especializações pós-licenciatura.
Encontrou-se uma diferença nas médias da idade e do tempo de serviço
em cada uma das formações. Verifica-se assim que as médias mais elevadas
se encontram nos professores que possuem o grau de bacharelato e as mais
baixas nos professores com licenciatura. Este facto decorre da própria
evolução da formação necessária para a profissão, que só recentemente
passou a Licenciatura. Os professores com mais idade tiveram apenas que
obter o bacharelato.
147
(24.8%), variantes de Educação Visual e Tecnológica, Educação Física e
Educação Musical (15.2%) e variante de Matemática e Ciências da Natureza
(9.5%). Os restantes 6.7% referem-se a professores que, após a sua formação
inicial – bacharelato, obtiveram licenciaturas em outras áreas, como as
Ciências da Educação ou as Línguas.
Quadro 25 – Ano de escolaridade a leccionar
Percentagem Percentagem
Frequência Percentagem Válida Acumulada
Ano de sem 50 17.9 17.9 17.9
Escolaridade
1º ano 48 17.2 17.2 35.1
2º ano 35 12.5 12.5 47.7
3º ano 42 15.1 15.1 62.7
4º ano 46 16.5 16.5 79.2
vários 58 20.8 20.8 100
Total 279 100 100
148
Nota 1: MP – Curso do Magistério Primário (bacharelato); CQ.CEGI – Curso de Qualificação para o Exercício de outras
Funções em Comunicação Educacional e Gestão da Informação; CCFCP1ºC – Curso de Complemento de Formação
Científico Pedadógica em Professor do 1º Ciclo do Ensino Básico; LCE – Licenciatura em Ciências da Educação; LPF
– Licenciatura em Português/Francês; CQ.ASC – Curso de Qualificação para o Exercício de Outras Funções em
Animação Sócio-Cultural; LPEBMC – Licenciatura em Professor do Ensino Básico – variante de Matemática e Ciências.
Nota 2: Os professores assinalados com um asterisco (*) permitiram a observação das suas salas de aula.
Inquéritos
149
• Questionário de Crenças
150
16 Os alunos na minha sala de aula podem utilizar O professor é quem melhor sabe distribuir os
os materiais que queiram durante o processo de materiais da sala de aula e optimizar a
aprendizagem. aprendizagem.
17 Se os alunos acharem que uma regra da sala é Se os alunos acharem que uma regra da sala é
injusta, ela deve ser substituída por uma que eles injusta, eu devo explicar as razões para a manter.
considerem justa.
18 Os alunos são capazes de desenvolver as suas A minha responsabilidade como professor é dirigir
próprias formas de trabalhar e brincar em os alunos na forma de trabalhar relativamente aos
conjunto. objectivos académicos.
21 As emoções e as tomadas de decisão dos alunos . Os alunos reflectem, mas as decisões que tomam
devem ser consideradas legítimas e válidas não são ainda completamente racionais e morais.
23 A minha responsabilidade como professor é A minha responsabilidade como professor é
ajudar a auto-descoberta dos alunos. valorizar os alunos que obtêm sucesso.
Dimensão Instrução
3 O objectivo primário do trabalho de casa é O objectivo primário do trabalho de casa é reforçar
fornecer actividades suplementares que vão de as competências aprendidas na sala de aula.
encontro às necessidades e interesses dos
alunos.
9 Ao mudar de uma actividade de aprendizagem Ao mudar de uma actividade de aprendizagem para
para outra, permito que os alunos progridam ao outra, eu dou instruções aos alunos sobre como
seu próprio ritmo, pois todos nós aprendemos proceder.
com velocidades diferentes.
13 Se um aluno estiver repetidamente fora da tarefa, Se um aluno estiver repetidamente fora da tarefa,
eu irei provavelmente perguntar-lhe porque não eu irei provavelmente castigá-lo.
está a trabalhar.
14 A aprendizagem torna-se significativa quando os O professor deve decidir quais os tópicos que os
alunos têm uma palavra a dizer relativamente aos alunos vão estudar e de que forma o vão fazer.
tópicos de aprendizagem e às suas tarefas.
20 Não é necessário circular durante o trabalho no Durante o trabalho no lugar, é importante circular
lugar, pois os alunos são capazes de gerir o seu pela sala para gerir o comportamento de
próprio comportamento e procurar a ajuda do aprendizagem dos alunos.
professor se tiverem questões.
24 O tempo dispendido em cada tarefa de Eu especifico um tempo determinado para cada
aprendizagem deve ser determinado pelas tarefa de aprendizagem e tento que os meus planos
necessidades e interesses dos alunos. de cumpram ao máximo.
Dimensão Disciplina
4 A utilização do espaço depende da actividade em Não gosto que um aluno se sente no meu lugar sem
curso. autorização.
5 A responsabilidade e a auto-disciplina são Os alunos necessitam da estrutura de uma rotina
promovidas quando os alunos criam as suas diária organizada pelo professor.
próprias rotinas diárias.
6 As regras da sala de aula limitam a capacidade As regras são importantes porque moldam o
de os alunos desenvolverem um código moral comportamento e o desenvolvimento dos alunos.
próprio.
7 Quando um aluno perturba a sala ou incomoda os Quando um aluno perturba a sala de aula ou
outros alunos, posso não dizer nada mas olho incomoda os outros alunos, mando-o estar quieto.
directamente e com ar sério para ele.
10 Geralmente, penso que é melhor permitir que os Geralmente, penso que é melhor atribuir lugares
alunos seleccionem os seus lugares na sala. específicos aos alunos na sala.
12 Durante uma aula sobre os Direitos do Homem, Durante uma aula sobre os Direitos do Homem, um
um aluno começa a contar uma história acerca de aluno começa a contar uma história acerca de um
um vizinho que foi preso por tráfico de droga. Eu vizinho que foi preso por tráfico de droga. Eu iria
iria provavelmente deixar que o aluno acabasse a provavelmente lembrar ao aluno de forma gentil
história para que ele percebesse a relação entre o mas firme que a aula tem que continuar.
objectivo da lição e o incidente.
19 Quando os alunos se comportam Quando os alunos se comportam adequadamente,
adequadamente, tenho por hábito comentar o seu eu costumo fornecer recompensas.
bom comportamento elogiá-lo.
22 Durante a primeira semana de aulas costumo Durante a primeira semana de aulas, costumo
discutir as regras da sala com os alunos. enunciar as regras da sala de aula e informar os
alunos das consequências pela sua desobediência.
151
objectivos dos itens. Foi também analisada a concordância entre os
especialistas relativamente à adequação dos itens à sub-escala
correspondente. Foram considerados adequados os itens com uma
concordância mínima de 6 observadores (correspondente a uma percentagem
de acordo superior a 85%). No quadro 28, estão as percentagens de acordo
para cada item.
152
Os resultados obtidos nas diversas escalas estão apresentados no
Quadro 29.
153
As correlações entre os resultados obtidos nas três sub-escalas e na
escala completa aparecem no quadro 31.
Quadro 31 – Matriz de correlações entre as sub-escalas e a escala completa
Interacção/
Crenças Instrução Disciplinar
Comunicação
Crenças Pearson ---- .758** .760** .701**
N 279 279 279
Interacção/ Pearson
---- .417** .225**
Comunicação
N 279 279
• Questionário de Objectivos
154
(1) Competências de pensamento de nível superior; (2) Competências básicas
de sucesso académico; (3) Conhecimentos e competências relativos a
disciplinas específicas; (4) Artes liberais e valores académicos; (5) Preparação
para o trabalho; (6) Desenvolvimento pessoal. Dos itens originais foram
seleccionados 18, três para cada categoria, considerados os mais ajustados a
uma população do 1º ciclo.
Quadro 32 – Categorias de Objectivos de Ensino
(1) Competências de pensamento de nível superior
3. Desenvolver a capacidade de aplicar os princípios e as generalizações aprendidas a novos problemas e situações.
4. Desenvolver competências de resolução de problemas.
1. Desenvolver a capacidade de pensar criativamente.
(2) Competências básicas de sucesso académico
5. Melhorar as competências linguísticas.
7. Aumentar a capacidade de concentração.
10. Desenvolver competências, estratégias e hábitos de estudo adequados.
(3) Conhecimentos e competências relativos a disciplinas específicas
11. Aprender factos e termos relativos às diversas áreas do saber.
18. Aprender conceitos e teorias relativos às diversas áreas do saber.
8. Desenvolver competências de utilização de materiais, ferramentas e tecnologias diversas.
(4) Artes liberais e valores académicos
6. Desenvolver a abertura a novas ideias e o prazer pela aprendizagem ao longo da vida.
2. Desenvolver o compromisso de exercitar os direitos e as responsabilidades da cidadania.
14. Desenvolver a capacidade de fazer escolhas éticas informadas.
(5) Preparação para o trabalho e para a carreira
15. Desenvolver a capacidade de trabalhar produtivamente com os outros.
12. Desenvolver competências de liderança.
17. Melhorar a capacidade de organizar e utilizar o tempo de forma eficaz, e de seguir direcções, instruções e planos.
(6) Desenvolvimento pessoal
9. Melhorar a auto-estima/auto-confiança
13. Cultivar o respeito pelos valores próprios de cada um.
16. Cultivar um compromisso activo com a honestidade.
155
Quadro 33 – Quadro síntese das pontuações médias dos itens
N Mínimo Máximo Média DP
1 8. Ler, escrever e contar (3) 159 1 6 4.30 1.82
2 1. Pensar criativamente (1) 137 1 6 4.10 1.62
3 6. Abertura a novas ideias (4) 183 1 6 4.05 1.73
4 3. Aplicar aprendizagens (1) 183 1 6 3.96 1.46
5 2. Direitos e responsabilidades
cidadania (4) 162 1 6 3.74 1.67
6 7. Capacidade de concentração (2)
55 1 6 3.69 1.46
7 18. Conceitos e teorias áreas de
46 1 6 3.59 1.89
saber (3)
8 5. Competências linguísticas (2) 71 1 6 3.58 1.58
9 9. Auto-estima e auto-confiança (6)
97 1 6 3.43 1.70
10 4. Resolução problemas (1) 115 1 6 3.40 1.50
11 10. Competências, estratégias e
138 1 6 3.12 1.54
hábitos de estudo (2)
12 17. Organizar e utilizar eficazmente
o tempo (5) 25 1 6 2.92 1.75
13 16. Compromisso activo com a
32 1 6 2.91 1.73
honestidade (6)
14 13. Respeito pelos valores próprios
128 1 6 2.73 1.63
(6)
15 11. Factos e termos áreas de saber
41 1 6 2.66 1.57
(3)
16 15. Trabalhar produtivamente com
68 1 6 2.37 1.44
os outros (5)
17 14. Fazer escolhas éticas (4) 15 1 6 2.20 1.57
18 12. Competências de liderança (5) 7 4 6 1.86 .69
156
professores). Pelo contrário, a preparação para o trabalho e a carreira e o
desenvolvimento pessoal, são aqueles que ocupam posições mais baixas no
ranking e são seleccionados por menos pessoas.
• Questionário de Práticas
157
Quadro 35 – Itens agrupados por sub-escalas
Gestão Disciplinar
7. Ensino às crianças os comportamentos sociais adequados para as diversas situações.
12. As regras da sala de aula estão claramente definidas.
13. As regras da sala de aula são revistas sempre que necessário.
14. As regras da sala de aula são formuladas de forma positiva.
15. Ignoro os comportamentos que visam apenas chamar a atenção.
17. Utilizo alguns alunos como exemplos do comportamento adequado.
18. Entendo que nos recreios não deve haver qualquer orientação dos alunos.
19. O meu maior cuidado é o desenvolvimento de acções para manutenção da ordem e da disciplina, controlando o
comportamento dos alunos.
22. Normalmente, deixo que os alunos sofram as consequências dos seus comportamentos a não ser que envolvam
riscos físicos.
23. Eu estabeleço as regras e os procedimentos e ajudo os alunos a compreender, aceitar e seguir essas regras.
24. Utilizo sistemas de recompensa para motivar os alunos a comportarem-se de forma adequada.
25. Sou tolerante com todas as formas de comportamento dos alunos.
26. A minha posição na sala permite-me saber sempre tudo o que se passa.
28. A punição e a ameaça de punição são ferramentas necessárias e que utilizo quando necessário.
29. Procuro sempre utilizar recompensas que vão de encontro às preferências dos meus alunos.
31. Procuro identificar os sinais de eventuais problemas, pois assim posso intervir preventivamente.
36. Procuro lidar com os comportamentos problema através da realização de assembleias de turma, em que os
próprios alunos analisam os problemas e definem estratégias de resolução.
39. Muitas vezes ridicularizo alunos com comportamentos inadequados para a sua idade e nível escolar.
41. Estabeleço e transmito sempre expectativas e regras razoáveis.
43. É através do desenvolvimento de aulas motivadoras e interessantes que diminuo os problemas de disciplina.
46. A minha sala é ordeira porque não hesito em punir os comportamentos inadequados quando eles ocorrem.
Gestão da Instrução
1. A sala tem áreas de aprendizagem bem definidas.
2. Existe um horário estável e previsível de actividades ao longo do dia.
3. As actividades orientadas pelo professor e as actividades livres ocupam aproximadamente o mesmo tempo.
4. O tempo para trabalho em grande grupo não dura mais de 20 minutos por dia.
5. As actividades em grande grupo exigem muita participação dos alunos (ex: canções e dramatizações).
30. Procuro sempre utilizar actividades interessantes e adequadas a cada um dos meus alunos pois quando estão
envolvidos nessas actividades há menos frustração e aborrecimento.
34. Tenho o cuidado de adequar as tarefas a cada aluno pois sei que muitas vezes os comportamentos problema
resultam de tarefas inadequadas.
37. Dedico mais tempo a planificar a instrução do que a pensar como lidar com os comportamentos problema.
40. Procuro variar ao máximo as estratégias e actividades que utilizo nas minhas aulas, para evitar o cansaço dos
alunos.
Gestão da Interacção/Comunicação
6. Elogio as crianças que demonstram comportamento pró-social apropriado durante os trabalhos em grande ou
pequeno grupo.
8. Há diariamente actividades cooperativas.
9. Exploro os sentimentos e as formas apropriadas de os expressar com os alunos.
10. Participo nas dramatizações com os alunos.
11. Durante o tempo livre, as interacções são guiadas pelas crianças e não por mim.
16. As crianças têm a possibilidade de fazer escolhas.
20. Evito a maior parte dos comportamentos problema adequando o ensino às necessidades e características dos
meus alunos.
21. Não imponho limites aos meus alunos, para que eles possam atingir o seu verdadeiro potencial.
27. Dedico muito tempo a promover a qualidade da minha relação com os alunos.
32. Trato os meus alunos com respeito e tento desenvolver a sua responsabilidade e os seus sentimentos de valor
pessoal.
33. Procuro sempre desenvolver um alto nível de coesão no grupo de alunos.
35. Tenho muito cuidado com a forma como comunico com os meus alunos.
38. É minha prioridade ajudar o grupo a desenvolver a comunicação, a liderança e competências de resolução de
problemas de forma a passar-lhes a responsabilidade de se auto-regularem.
42. Faço com que os alunos percebam que a participação no grupo e nas suas actividades é algo de agradável e
recompensador.
44. Procuro demonstrar empatia, aceitação e compreensão pelos meus alunos e pelos seus problemas.
45. Faço todos os possíveis para que os alunos façam e digam tudo aquilo que lhes apetece.
158
percentagem de acordo muito baixa (57.14%), o que nos leva a pensar que a
sua formulação não será correcta. Por essa razão, foram retirados da escala.
Na sub-escala Instrução, encontram-se também dois itens nessas condições, e
na sub-escala Interacção e Comunicação, encontram-se quatro itens nessa
situação, pelo que os oito itens foram retirados das análises seguintes.
Quadro 36 – Acordo entre especialistas relativamente à distribuição dos itens pelas diversas
sub-escalas.
Item Acordos Desacordos % Acordos
Sub-escala Disciplinar
Item 7 6 1 85.71%
Item 12 7 0 100%
Item 13 7 0 100%
Item 14 7 0 100%
Item 15 7 0 100%
Item 17 6 1 85.71%
Item 18 4 3 57.14%
Item 19 7 0 100%
Item 22 6 1 85.71%
Item 23 7 0 100%
Item 24 7 0 100%
Item 25 6 1 85.71%
Item 26 7 0 100%
Item 28 7 0 100%
Item 29 7 0 100%
Item 31 7 0 100%
Item 36 3 4 57.14%
Item 39 6 1 85.71%
Item 41 6 1 85.71%
Item 43 6 1 85.71%
Item 46 7 0 100%
Sub-escala Instrução
Item 1 7 0 100%
Item 2 7 0 100%
Item 3 4 3 57.14%
Item 4 7 0 100%
Item 5 6 1 85.71%
Item 30 7 0 100%
Item 34 4 3 57.14%
Item 37 7 0 100%
Item 40 7 0 100%
Sub-escala Interacção e Comunicação
Item 6 4 3 57.14%
Item 8 5 2 71.42%
Item 9 7 0 100%
Item 10 7 0 100%
Item 11 6 1 85.71%
Item 16 6 1 85.71%
Item 20 4 3 57.14%
Item 21 4 3 57.14%
Item 27 7 0 100%
Item 32 7 0 100%
Item 33 7 0 100%
Item 35 7 0 100%
Item 38 7 0 100%
Item 42 6 1 85.71%
Item 44 7 0 100%
Item 45 7 0 100%
159
A análise qualitativa dos itens da escala de práticas encontra-se no
quadro 37.
Sub-escala Instrução
Item 1. 274 1 4 2.31 .94 .050 -.971
Item 2. 279 1 4 2.42 .99 .068 -1.035
Item 4. 278 1 4 2.22 .96 .288 -.906
Item 5. 277 1 4 3.22 .84 -.807 -.139
Item 30. 275 1 4 3.35 .73 -1.047 1.052
Item 37. 277 1 4 2.24 .93 .163 -.918
Item 40. 277 1 4 3.45 .67 -1.121 1.208
Sub-escala Disciplina
Item 7. 277 1 4 3.47 .75 -1.389 1.452
Item 11. 275 1 4 2.85 .93 -.305 -.868
Item 12. 277 1 4 3.38 .81 -1.126 .437
Item 13. 278 1 4 3.38 .85 -1.356 1.099
Item 14. 276 1 4 3.36 .79 -1.041 .318
Item 15. 275 1 4 2.68 .93 -.177 -.836
Item 17. 273 1 4 2.64 .99 -.178 -.986
Item 19. 275 1 4 2.59 .98 -.146 -.980
Item 22. 275 1 4 2.53 .96 -.149 -.922
Item 23. 274 1 4 2.58 1.04 -.087 -1.147
Item 24. 276 1 4 2.12 1.02 .393 -1.041
Item 25. 277 1 4 2.19 .87 .261 -.635
Item 26. 277 1 4 2.92 .83 -.463 -.291
Item 28. 275 1 4 2.03 .93 .481 -.761
Item 29. 272 1 4 2.37 1.01 -.057 -1.167
Item 31. 277 1 4 3.46 .70 -1.233 1.285
Item 39. 276 1 4 1.55 .83 1.412 1.122
Item 41. 276 1 4 3.22 .77 -.978 .968
Item 43. 274 1 4 3.53 .67 -1.347 1.363
Item 46. 271 1 4 2.23 .97 .303 -.897
160
Numa primeira análise da qualidade dos itens, pode verificar-se que
todos eles cobrem a escala completa, com pontuações desde o 1 (mínimo) ao
4 (máximo). Verificamos, no entanto, que as médias das pontuações são todas
– excepto no item 39 – superiores a dois. Verifica-se mesmo que perto de
metade dos itens (22 itens) apresentam médias de resposta superiores a 3.0
(itens 5, 6, 7, 9, 12, 13, 14, 16, 27, 30, 31, 32, 33, 35, 38, 40, 41, 42, 43, 44).
Por outro lado, os resultados obtidos em termos de assimetria e curtose
permitem verificar que muitos desses itens ultrapassam a unidade, o que
aponta para uma má distribuição dos resultados ao longo da escala (itens 7,
12, 13, 14, 30, 31, 32, 33, 35, 39, 40, 42, 43 e 44).
Ao analisar a consistência interna da escala através do índice alpha de
Cronbach, obtivemos o valor de .801 para a escala completa. Verificou-se, no
entanto, que alguns itens, se eliminados, poderiam contribuir para aumentar a
consistência interna da escala (2, 11, 17, 22, 24, 39, 45). Calculado o índice
para a escala completa sem aqueles itens, o valor aumentou para .822, o que
pode ser considerado muito satisfatório.
Os valores da consistência interna para as três sub-escalas previstas,
sem contar com os itens anteriores são: Gestão da Instrução .509; Gestão da
Interacção e da Comunicação .779 e Gestão da Disciplina .695. Estes valores
são relativamente baixos, o que não nos permite assegurar que todos os itens
da escala estejam a funcionar no mesmo sentido. De facto, juntando a este
dado as características metrológicas dos resultados dos itens, verifica-se que
não há dados suficientes para trabalhar com as escalas e sub-escalas
enquanto tal, tendo-se optado por realizar uma análise dos dados item a item.
Entrevistas e Observações
161
professores no que diz respeito à gestão da sala de aula. Mais concretamente,
com a entrevista (ver anexo I) pretendia-se aprofundar algumas dimensões já
antes exploradas através dos diferentes instrumentos utilizados. O guião de
entrevista semi-estruturada construído para este efeito, pretendia explorar as
crenças individuais relativamente aos conceitos de ensino (“O que significa
para si o Ensino?”), papéis do professor (“Qual considera ser o papel do
professor?”) e de alunos (“Qual considera ser o papel dos alunos”). Em termos
de práticas, foram seleccionadas quatro áreas para aprofundar: organização do
espaço (“Como é que está organizada a sua sala de aula?” e “Porque utiliza
essa organização?”), rotinas (“Que rotinas utiliza na sua sala de aula?” e
“Porque utiliza essas rotinas?”), regras (“Como é que são estabelecidas as
regras na sala de aula?” e “Porque utiliza esse tipo de procedimentos?”), e,
finalmente, disciplina (“Como é que mantém a disciplina na sala de aula?” e
“Porque utiliza esse tipo de procedimentos?”). Em cada uma destas
dimensões, interessava-nos, não apenas a simples descrição das práticas, mas
também a sua fundamentação, explicitamente solicitada quando não
apresentada espontaneamente.
O guião de observação (ver anexo II) pretendia analisar a
implementação das práticas relatadas, nomeadamente em termos de
organização do espaço e práticas com vista ao estabelecimento e manutenção
da ordem. Foram observados os seguintes elementos: Entrada na Sala, o Tipo
de Actividades; Comportamento dos Alunos durante o trabalho;
Comportamento do Professor durante o trabalho dos alunos; Intervenções
Comportamentais e Saída da Sala.
Na Entrada da Sala pretendia-se observar se os alunos entravam antes
ou depois do professor, se entravam em grupo ou individualmente e o seu
comportamento depois de entrar, concretamente até ao início das actividades.
Pretendia-se observar também o comportamento do professor até ao início das
actividades.
Com o tipo de actividades, segundo aspecto observado, pretendia-se
obter uma identificação dos segmentos da aula, momentos marcados por uma
actividade específica. Pretendia-se obter também uma descrição do
comportamento dos alunos em cada segmento, bem como do comportamento
do professor.
162
Um outro aspecto analisado referia-se às intervenções do professor com
vista à manutenção ou estabelecimento da ordem na sala de aula. Estas
intervenções foram analisadas em termos de sequências comportamentais:
Situação, Comportamento do(s) Aluno(s), Comportamento(s) do Professor e
Consequência. Pretendia-se, assim, obter uma perspectiva geral sobre o tipo
de estratégias utilizadas por cada professor ao longo da aula.
Finalmente, pretendia-se observar a saída da aula, nomeadamente o
período entre o fim das actividades e a saída efectiva da sala. Envolvia a
arrumação dos materiais (quando aplicável) e a organização da saída da sala.
Os dados obtidos através destes dois métodos de recolha possibilitaram
a análise a dois níveis: por um lado, permitiram uma análise interindividual dos
resultados, em cada uma das dimensões de análise já apresentadas e
aprofundadas no ponto seguinte. Por outro lado, permitiram uma análise
intraindividual, em que se procura analisar a organização de pensamento e
prática em cada sujeito, através das mesmas dimensões de análise.
• Sistema de Classificação
163
elementos. A análise da presença/ausência dos diversos elementos permitia,
de qualquer forma, um reconhecimento do tipo de crenças e práticas que os
professores referiam, bem como da articulação que faziam entre as práticas e
as suas fundamentações. A categoria a cotar poderia apresentar-se na
resposta directa à questão ou no decurso da própria entrevista.
A categorização foi realizada por critérios semânticos, tendo sido
organizada, para cada dimensão, pelo agrupamento dos temas presentes nas
unidades de contexto. As categorias definidas foram as seguintes: Crenças
sobre o Ensino (CE), Crenças sobre o Papel do Professor (CPP), Crenças
sobre o Papel do Aluno (CPA), Organização da Sala (OA), Rotinas (Ro),
Regras (Re) e Disciplina (D). Para as três últimas categorias foi ainda analisada
a fundamentação referida para as práticas descritas (FP).
164
posse do professor, passa a ser também propriedade do aluno. O nível CE(S),
destaca, acima de tudo, o papel da escola como agente socializador. Ensinar,
neste caso, será preparar os alunos para um funcionamento social adequado,
promovendo os valores da cidadania através de experiências sociais
democráticas. O nível CE(PFC), refere-se a uma visão do ensino como
actividade construtivista, em que, através da individualização de actividades, se
procura promover a capacidade do aluno de construir o seu próprio
conhecimento. Neste nível o foco não se encontra no conhecimento em si, mas
nos processos de construção do próprio conhecimento.
165
reconhece aos alunos um papel importante na gestão dos comportamentos e
das aprendizagens. O seu papel é, então, o de organizar e orientar os alunos
nas suas aprendizagens, dando um espaço muito significativo para as
aprendizagens em grupo. Finalmente, o nível CPP(AA) atribui ao professor um
nível muito próximo do aluno. O professor, neste caso, é alguém que funciona
próximo dos alunos, ajudando-os quando necessitam, quer em termos de apoio
instrumental na aprendizagem, quer como uma fonte de carinho e conforto na
sala de aula.
Quadro 40 – Sistema de classificação da categoria Crenças sobre o Papel dos Alunos na Sala
de Aula (CPA)
Cat. Nome. Descrição. Exemplo
CPA Crenças sobre o Papel do Aluno na sala de aula
Descreve as crenças que os professores apresentam relativamente ao papel dos
alunos na sala de aula.
SubCat. Nome. Descrição. Exemplo
CPA(P) Passivo
Descreve o papel dos alunos em termos de passividade, valorizando as
aprendizagens e atribuindo-lhe um papel muito diminuto na condução das
actividades.
“Ouvir, essencialmente”, “Eles estão lá para aprender…”
CPA(A) Activo
Descreve o papel dos alunos como um papel activo, valorizando a sua
participação dos alunos nas actividades da sala de aula a diversos níveis.
“Eu tento que eles sejam activos, que participem na tomada de conhecimentos”,
“acho que devem interagir e participar em todo o trabalho na sala de aula”
166
fundamental, quer nas actividades propostas, quer na própria organização das
actividades e do próprio espaço da sala de aula.
167
Cat. Nome. Descrição. Exemplo
Ro Rotinas
Descreve a forma como os professores organizam as actividades dos alunos.
SubCat. Nome. Descrição. Exemplo
Ro(F) Rotinas fixas
Situações em que os alunos têm orientações comportamentais fixas e estáveis
de dia para dia.
“Quando termino a aula, por exemplo, com a Matemática, eles sabem que no dia
seguinte vamos começar por aí”, “Cada dia os outros já sabem que são aqueles
[a distribuir o matéria] e depois roda”
Ro(A) Rotinas Aleatórias
Nestas situações os alunos não têm orientações comportamentais fixas, não
podendo prever, de dia para dia, quais as sequências de actividades a
desenvolver.
“Adapto as coisas às necessidades do momento”, “É muito variado… depende
do dia anterior e depende também deles”
168
GD(T) Terapêutica
Inclui acções do professor que têm como objectivo levar a que o aluno partilhe
com o professor as suas preocupações, ajudando-o a lidar melhor com os seus
problemas.
“Ás vezes um aluno quando vem muito conversador da parte da manhã eu ouço
porque pode vir alterado por qualquer motivo”, “eu converso muito com ele
porque sei que ele não tem isso em casa…”
169
desenvolvidas pelo professor – ou pelos professores da escola – e depois são
aplicadas de forma rigorosa ao longo do ano. No caso das regras negociadas,
a aplicação também pretende ser rigorosa, mas as regras foram já objecto de
discussão entre o professor e os alunos. No entanto, em ambos os casos elas
estão explícitas, normalmente escritas em quadros ou placards. No caso das
regras Implícitas, estas vão sendo discutidas ao longo do ano, consoante a
oportunidade surge. Considera-se, neste caso, que as regras não têm que ser
escritas, podendo, no entanto, ser lembradas quando necessário.
Finalmente, no que diz respeito à disciplina, foram analisados três níveis:
Comportamentalista, Moralista e Terapêutico. O primeiro nível refere-se a um
conjunto de acções que se podem enquadrar numa perspectiva
comportamentalista de modificação comportamental. Envolve estratégias para
diminuição de comportamentos indesejáveis e/ou para a promoção de
comportamentos adequados, vulgarmente, punições, no primeiro caso, e
reforços, no segundo, e ainda a sua conjugação em contratos
comportamentais. As intervenções disciplinares Moralistas, pretendem, através
de acções centradas no professor, apresentar os comportamentos adequados
aos alunos e demonstrar a inadequação de alguns dos seus comportamentos,
mas deixando aos próprios alunos a decisão de os alterar ou não. Este tipo de
estratégias pode ser associado aos tradicionais “sermões”, em que, de forma
oral, se tenta promover a mudança comportamental dos alunos. Finalmente, as
intervenções Terapêuticas, que em termos teóricos se podem associar às
intervenções Humanistas, assumem que, através da promoção da
comunicação com os alunos, se conseguirá que eles partilhem os seus
problemas, as suas frustrações, e as suas emoções com o professor, podendo
este funcionar como um apoio na resolução dessas dificuldades.
170
Quadro 42 – Sistema de classificação da categoria Fundamentação da Organização do Espaço
Cat. Nome. Descrição. Exemplo
FP Fundamentação das Práticas
Descreve as razões que os professores apontam para a utilização de uma
determinada prática ou estratégia.
SubCat. Nome. Descrição. Exemplo
FP(RPe) Razões Pedagógicas
Explica a prática através das actividades pedagógicas que pretende desenvolver.
“Porque é uma forma de nós podermos conversar mais uns com os outros, trocar
ideias”, “Eu acho que os alunos precisam aprender a pensar em grupo…”
FP(RPr) Razões Práticas
Explica a opção por determinada estratégia em termos de limitações espaciais,
temporais ou outros impedimentos práticos.
“É mais fácil mover-me e chegar a todos os alunos”, “temos vários professores
que lá vão ao longo da semana”
FP(N) Negociação
Explica a prática ou estratégia pelo resultado da negociação com os alunos ou
com outros professores.
“Nós funcionamos todos como numa equipa, para se chegar a um bom resultado
temos todos que trabalhar em conjunto”, “A sala é partilhada e tem que haver um
diálogo e agradar aos dois”.
FP(I) Idiossincrasias
Justifica a prática apenas pelo gosto pessoal.
“Porque acho que os alunos precisam de rotinas”, “acho que é a disposição mais
bonita para a sala de aula”.
171
• Estudo da Fidelidade do Sistema de Classificação
CE(TC) 4 4 0 100
CE(S) 2 2 0 100
CE(PFC) 5 5 0 100
CPP(TC) 6 6 0 97.16
CPP(O) 9 8 1 87
CPP(AA) 3 3 0 100
CPA(P) 10 9 1 90
CPA(A) 12 12 0 97.16
OE(F) 4 4 0 100
OE(G) 1 1 0 100
OE(SC) 2 2 0 100
OE(OV) 2 2 0 100
Ro(F) 10 10 0 96.6
Ro(A) 6 6 0 100
Re(EI) 1 1 0 100
Re(EN) 8 8 0 100
Re(I) 3 3 0 100
GD(C) 11 11 0 96.90
GD(M) 7 7 0 95.14
GD(T) 4 4 0 95.75
FP(RPe) 6 6 0 94.33
FP(RPr) 6 6 0 97.16
FP(N) 7 7 0 92.71
FP(I) 7 7 0 95.14
Nota: CE(TC) – Conceito de Ensino como Transmissão de Conhecimentos, CE(S) – Conceito de Ensino como
Socialização, CE(PFC) – Conceito de Ensino como Promoção do Funcionamento Cognitivo, CPP(TC) – Conceito do
Papel do Professor como Transmissor e Controlador, CPP(O) – Conceito do Papel do Professor como Orientador,
CPP(AA) – Conceito do Papel do Professor como Amigo e Apoio; CPA(P) – Conceito do Papel do Aluno como Passivo;
CPA(A) – Conceito do Papel do Aluno como Activo, OE(F) – Organização do Espaço em Filas, OE(G) – Organização
do Espaço em Grupos; OE(SC) – Organização do Espaço em Semicírculo, OE(OV) – Organização do Espaço em
Organização Variável; Ro(F) – Rotinas Fixas; Ro(A) – Rotinas Aleatórias; Re(EI) – Regras Explícitas Impostas; Re(EN)
– Regras Explícitas Negociadas; Re(I) – Regras Implícitas; GD(C) – Gestão Disciplinar Comportamental; GD(M) –
Gestão Disciplinar Moralizadora; GS(T) – Gestão Disciplinar Terapêutica; FP(RPe) – Fundamentação das Práticas por
Razões Pedagógicas; FP(Rpr) – Fundamentação das Práticas por Razões Práticas; FP(N) – Fundamentação das
Práticas por Negociação; FP(I) – Fundamentação das Práticas por Ideossincrasias.
67
Fórmula de cálculo da percentagem de acordo: %Acordo= [Ia1+Ia2 / (Ia1+ Ia2 + Nd)] x100,
em que Ia1 é o número de acordos obtidos entre observadores com o critério 5 acordos em 6
multiplicado por .8, Ia2 é o número de acordos entre observadores com o critério 6 acordos em
6 multiplicado por 1, e Nd o número de desacordos (menos de 5 em 6).
172
Pelos dados apresentados podemos concluir em favor da adequação do
sistema de classificação desenvolvido, o qual constitui a base da análise de
conteúdo apresentada neste trabalho.
173
formação dos professores – bacharelato, licenciatura, especialização ou
mestrado – pode também estar associada a diferentes crenças e práticas.
A relação entre a idade e o tempo de serviço, por um lado, e as crenças
sobre a disciplina e a gestão de sala de aula, por outro, foram analisadas
através das respetivas correlações (quadro 44).
174
p=.04), Fazer escolhas éticas (r(15)=-.865, p=.001) e Trabalhar produtivamente
com os outros (r(68)=-.556, p<.001). De salientar o pequeno número de
sujeitos que assinalaram o objectivo Competências de Liderança, e o sinal
negativo nos outros objectivos. Este sinal negativo significa que à medida que
aumenta a idade dos professores que seleccionaram cada um destes
objectivos, maior é a importância que eles lhe atribuem. Os restantes objectivos
não apresentam correlações significativas.
Entre o tempo de serviço e os objectivos de ensino foram obtidos índices
de correlação de Spearman significativos entre: Resolução de problemas
(r(115)=.207, p=.026), Competências de Liderança (r(7)=.913, p=.004), Fazer
escolhas éticas (r(15)=-.563, p=.029) e Trabalhar Produtivamente com os
outros (r(68)=-.513, p<.001). Destaca-se aqui o objectivo Resolução de
Problemas, com sinal positivo, significando que, nos 115 professores que o
seleccionaram, a importância que lhe é atribuída diminuiu com a idade. Nos
restantes repete-se o padrão já verificado anteriormente em relação à variável
idade.
Na comparação entre as diferentes habilitações académicas
relativamente à valorização dos diferentes objectivos, não se encontrou
nenhuma correlação significativa, significando que as habilitações académicas
e o tipo de objectivos seleccionados não têm uma relação estável entre si.
Relativamente à escala de práticas, os itens foram analisados
individualmente, tentando verificar se a idade e o tempo de serviço teriam
alguma relação com a valorização de cada prática apresentada. Para atingir tal
objectivo recorreu-se ao cálculo dos índices de correlação de Spearman entre
os itens da escala e as duas variáveis demográficas (apresentam-se, no
quadro 45, os itens com correlações significativas com cada uma das variáveis
apontadas).
Quadro 45 – Correlações entre as respostas ao questionário de práticas e as variáveis idade e
tempo de serviço
Idade Tempo de Serviço
2. Existe um horário estável e previsível de actividade ao longo do .143
dia P=.017
N=279
18. Entendo que nos recreios não deve haver qualquer orientação .163 .124
dos alunos P=.007 P=.041
N=271 N=271
24. Utilizo sistemas de recompensa para motivar os alunos a -.176 -.161
comportarem-se de forma adequada P=.003 P=.007
N=276 N=276
175
25. Sou tolerante com todas as formas de comportamento dos .137
alunos P=.022
N=277
28. A punição e a ameaça de punição são ferramentas -.152 -.123
necessárias e que utilizo sempre que necessário P=.011 P=.042
N=275 N=275
34. Tenho o cuidado de adequar as tarefas a cada aluno pois sei .192 .172
que muitas as vezes os comportamentos problema resultam de P=.001 P=.004
tarefas inadequadas N=275 N=275
35. Tenho muito cuidado com a forma como comunico com os .186 .198
meus alunos P=.001 P=.002
N=276 N=276
36. Procuro lidar com os comportamentos problema através da .153
realização de assembleias de turma, em que os próprios alunos P=.011
analisam os problemas e definem estratégias de resolução N=272
38. É minha prioridade ajudar o grupo a desenvolver a .170 .134
comunicação, a liderança e competências de resolução de P=.005 P=.026
problemas de forma a passar-lhes a responsabilidade de se auto- N=276 N=276
regularem
39. Muitas vezes ridicularizo alunos com comportamentos -.172 -.162
inadequados para a sua idade e nível escolar P=.004 P=.007
N=276 N=276
41. Estabeleço e transmito sempre expectativas e regras .138 .168
razoáveis P=.022 P=.005
N=276 N=276
42. Faço com que os alunos percebam que a participação no .161 .167
grupo e nas actividades é P=.008 P=.006
N=274 N=274
43. É através do desenvolvimento de aulas motivadoras e .167 .173
interessantes que diminuo P=.005 P=.004
N=274 N=274
176
Das análises até aqui realizadas pode verificar-se que a idade, o tempo
de serviço e as habilitações literárias, funcionam como factores diferenciadores
num pequeno grupo de variáveis. No caso das crenças, por exemplo, nota-se
uma associação muito fraca com a idade e com o tempo de serviço e mesmo
com as habilitações. De igual forma, com os objectivos de ensino, parecem
existir relações pouco estreitas excepto num número limitado de objectivos.
Finalmente, em termos de práticas, notam-se algumas diferenças entre estas
variáveis.
Interessa-nos saber neste momento se perfis de crenças diferentes
encontram também um reflexo nas práticas e nos objectivos seleccionados
pelos seus professores. Por essa razão, procedemos a uma análise de clusters
com vista a determinar esses perfis diferenciados no que diz respeito às
crenças acerca da disciplina e da gestão da sala de aula. Optámos pelo
método K-means, por ser aquele que nos permite produzir um conjunto de k
clusters com a maior distinção possível (Hill & Lewicki, 2006).
Os clusters foram determinados a partir dos perfis de resposta às três
sub-escalas de crenças. Como as escalas eram diferentes, procedeu-se,
previamente, a uma normalização dos resultados finais das sub-escalas. Da
análise K-means obtiveram-se três clusters que iremos, de seguida analisar.
Os clusters obtidos apresentavam perfis claramente diferenciados
quanto aos valores médios das escalas, como se pode verificar através da
figura 11.
177
1
0,8
0,6
0,4
0,2
Interacção e comunicação
0
Centrado no Centrado Ambivalente Instrução
-0,2 Professor no Aluno Disciplina
-0,4
-0,6
-0,8
-1
-1,2
Figura 11 – Comparação dos três clusters relativamente aos resultados médios em cada sub-
escala
178
Quadro 47 – Distribuição dos três perfis encontrados
Perfil Frequência Percentagem % Cumulativa
Centrado no Professor 107 38.4 38.4
Centrado no Aluno 106 38.0 76.3
Ambivalente 66 23.7 100.0
Total 279 100.0 100.
Quadro 48 – Comparação das médias de idade e tempo de serviço nos três grupos
Centrado no Professor Centrado no Aluno Ambivalente
Variáveis N Min. Max. Média DP N Min. Max. Média DP N Mín. Max. Média DP
Idade 107 22 63 39.39 9.73 106 23 59 41.8 10.12 66 23 61 37.85 10.2
Tempo 107 1 31 15.63 9.63 106 1 38 17.9 10.41 66 1 32 14.52 10.6
de
serviço
179
no perfil Centrado no Aluno, onde o bacharelato é a formação mais frequente.
Nos outros dois perfis, é a licenciatura a mais frequente. Por outro lado, é no
perfil Centrado no Aluno que a percentagem relativa de professores com
especialização é maior.
180
Quadro 50 – Número de vezes que os objectivos foram seleccionados por cada perfil e média
das valorizações atribuídas
Centrada no Professor Centrada no Aluno Ambivalentes
Objectivo N Média DP N Média DP N Média DP
Pensar 35 3.97 1.636 62 4.40 1.552 40 3.75 1.676
criativamente 32,70% 58.49% 60.60%
Para ter uma noção mais clara da seriação efectuada por cada perfil de
professor, realizámos um cruzamento das duas medidas apresentadas
anteriormente – o número relativo de escolhas, através das percentagens de
181
escolhas, e a pontuação média atribuída por cada professor que seleccionou o
item. Dessa forma, conseguimos obter um indicador numérico único que nos
permite verificar qual a pontuação média atribuída por cada 100 professores
(quadro 51).
Quadro 51 – Pontuações médias atribuídas por cada perfil aos diversos objectivos
Objectivo Centrada no Centrada no Ambivalentes Diferença Diferença
Professor Aluno máxima máxima
posições pontuações
Pensar criativamente 129,81 (7º) 257,35 (3º) 227,25 (4º) 4 127.54
Ler, escrever e contar 315,95 (1º) 174,5 (7º) 243,86 (3º) 6 141.45
Factos e termos das 64,36 (13º) 23,53 (15º) 22,72 (16º) 3 41.64
áreas de saber
Fazer escolhas éticas 12,14 (17º) 16,96 (17º) 3,03 (18º) 1 13.93
182
a perspectiva Centrada no Aluno, com a maior diferença de pontuações. Outro
objectivo em que se encontram diferenças claras, é na “Resolução de
problemas”, que para a perspectiva Centrada no Aluno está na quinta posição,
enquanto para os Ambivalentes, se encontra na décima. Diferença semelhante
pode verificar-se no objectivo “Pensar criativamente”, que para a perspectiva
Centrada no Aluno está em terceiro e para a Centrada no Professor apenas em
sétimo, com a segunda maior diferença de pontuações. Nos objectivos menos
seleccionados as diferenças já não são tão claras entre os três perfis.
Os resultados na escala de objectivos foram comparados através de
estatísticas não-paramétricas – teste de Kruskal-Wallis – tendo-se verificado
diferenças significativas entre os três grupos na importância atribuída a dois
objectivos: “Ler, escrever e contar” (x2(2, 159) =15.204, p<.001) e “Trabalhar
produtivamente com os outros” (x2(2,68)= 12.817, p=.002). No primeiro caso,
os perfis que mais se diferenciavam foram o Centrado no Aluno e o Centrado
no Professor, enquanto no segundo foram o Centrado no Aluno e o
Ambivalente.
17. Utilizo alguns alunos como exemplos do comportamento adequado 16.323 * (n=273)
18. Entendo que nos recreios não deve haver qualquer orientação dos alunos 13.710 * (n=271)
19. O meu maior cuidado é o desenvolvimento de acções para manutenção da ordem e 13.122 * (n=275)
da disciplina, controlando o comportamento dos alunos
21. Não imponho limites aos meus alunos, para que eles possam atingir o seu verdadeiro 15.723 * (n=276)
potencial
22. Normalmente, deixo que os alunos sofram as consequências dos seus 20.019 ** (n=275)
comportamentos a não ser que envolvam riscos físicos
183
23. Eu estabeleço as regras e os procedimentos e ajudo os alunos a compreender, 31.696 ** (n=274)
aceitar e seguir essas regras
28. A punição e a ameaça de punição são ferramentas necessárias e que utilizo quando 16.484 * (n=275)
necessário
31. Procuro identificar os sinais de eventuais problemas, pois assim posso intervir 13.368 * (n=277)
preventivamente
34. Tenho o cuidado de adequar as tarefas a cada aluno pois sei que muitas vezes os 18.240 ** (n=275)
comportamentos problema resultam de tarefas inadequadas
35. Tenho muito cuidado com a forma como comunico com os meus alunos 15.075 * (n=276)
36. Procuro lidar com os comportamentos problema através da realização de 22.561 ** (n=272)
assembleias de turma, em que os próprios alunos analisam os problemas e definem
estratégias de resolução
38. É minha prioridade ajudar o grupo a desenvolver a comunicação, a liderança e 25.050 ** (n=276)
competências de resolução de problemas de forma a passar-lhes a responsabilidade de
se auto-regularem
39. Muitas vezes ridicularizo alunos com comportamentos inadequados para a sua idade 18.909 ** (n=276)
e nível mental
42. Faço com que os alunos percebam que a participação no grupo e nas suas 14.584 * (n=274)
actividades é algo de agradável e recompensador
43. É através do desenvolvimento de aulas motivadoras e interessantes que diminuo os 21.155 ** (n=274)
problemas de disciplina
Quadro 53 – Distribuição das respostas ao item 1 – A sala tem áreas de aprendizagem bem
definidas
Perfil Discordo Discordo Concordo Concordo Total
Completamente Completamente
Centrado no 35 34 31 7 107
Professor 32.7% 31.8% 29.0% 6.5% 100%
Centrado no 17 26 48 13 106
Aluno 16.3% 25.0% 46.2% 12.5% 100%
Ambivalente 13 26 18 6 66
20.6% 41.3% 28.6% 9.5% 100%
Total 65 86 97 26 274
23.7% 31.4% 35.4% 9.5% 100%
184
Quadro 54 – Distribuição das respostas ao item 2 – Existe um horário estável e previsível de
actividades ao longo do dia
Perfil Discordo Discordo Concordo Concordo Total
Completamente Completamente
Centrado no 16 30 40 21 107
Professor 15.0% 28.0% 37.4% 19.6% 100%
Centrado no 17 40 31 18 106
Aluno 16.0% 37.7% 29.2% 17.0% 100%
Ambivalente 26 19 16 5 66
39.4% 28.8% 24.2% 7.6% 100%
Total 59 89 87 44 279
21.1% 31.9% 31.2% 15.8% 100%
Quadro 56 – Distribuição das respostas ao Item 17 – Utilizo alguns alunos como exemplo do
comportamento adequado
Perfil Discordo Discordo Concordo Concordo Total
Completamente Completamente
Centrado no 14 22 42 26 104
Professor 13.5% 21.2% 40.4% 26.0% 100%
Centrado no 21 33 37 13 104
Aluno 20.2% 31.7% 35.6% 12.5% 100%
Ambivalente 6 21 17 21 65
9.2% 32.3% 26.2% 32.3% 100%
Total 41 76 96 60 273
15.0% 27.8% 35.2% 22.0% 100%
185
Também aqui se verificam diferenças entre os professores Centrados no
Professor e os outros dois grupos (F(2,270)= 5.043, p=.007, diferença entre
Centrados no Professor e Centrados no Aluno, dif. Média=.365, p=.027, e entre
Centrados no Professor e Ambivalentes, dif. Média=-.412, p=.029), com os
Centrados no Aluno a demonstrarem maior discordância relativamente aos
outros dois grupos.
Quadro 57 – Distribuição das respostas ao Item 18 – Entendo que no recreio não deve haver
qualquer orientação dos alunos
Perfil Discordo Discordo Concordo Concordo Total
Completamente Completamente
Centrado no 34 36 21 10 101
Professor 33.7% 35.6% 20.8% 9.9% 100%
Centrado no 24 35 23 24 106
Aluno 22.6% 33.0% 21.7% 22.6% 100%
Ambivalente 27 15 15 7 64
42.2% 23.4% 23.4% 10.9% 100%
Total 85 86 59 41 271
31.4% 31.7% 21.8% 15.1% 100%
Tal como nos itens anteriores, também aqui o grupo Centrado no Aluno
se diferencia claramente dos outros (F(2,268)=4.589, p=.011, diferença entre
Centrados no Professor e Centrados no Aluno, dif. Média= -.374, p=.035, e
entre Centrados no Aluno e Ambivalentes, dif. Média=.412, p=.044), neste caso
com maior concordância que os outros.
186
Quadro 59 – Distribuição das respostas ao Item 21 – Não imponho limites aos meus alunos,
para que eles possam atingir o seu verdadeiro potencial
Perfil Discordo Discordo Concordo Concordo Total
Completamente Completamente
Centrado no 22 25 43 16 106
Professor 20.8% 23.6% 40.6% 15.1% 100%
Centrado no 9 16 47 32 104
Aluno 8.7% 15.4% 45.2% 30.8% 100%
Ambivalente 10 12 22 22 66
15.2% 18.2% 33.3% 33.3% 100%
Total 41 53 112 70 276
14.9% 19.2% 40.6% 25.4% 100%
Quadro 60 – Distribuição das respostas ao Item 22 – Normalmente, deixo que os alunos sofram
as consequências dos seus comportamentos a não ser que envolvam riscos físicos
Perfil Discordo Discordo Concordo Concordo Total
Completamente Completamente
Centrado no 24 29 41 9 103
Professor 23.3% 28.2% 39.8% 8.7% 100%
Centrado no 9 28 50 19 106
Aluno 8.5% 26.4% 47.2% 17.9% 100%
Ambivalente 15 19 16 16 66
22.7% 28.8% 24.2% 24.2% 100%
Total 48 76 107 44 275
17.5% 27.6% 38.9% 16.0% 100%
187
entre Centrados no Aluno e Centrados no Professor, dif. Média=.488, p=.001, e
entre Centrados no Aluno e Ambivalentes, dif. Média=-.382, p=.030), com
aqueles a apresentarem um padrão de discordância significativamente maior
que os outros dois.
188
Este foi o primeiro item em que as diferenças surgiram apenas entre os
professores Centrados no Aluno e Ambivalentes, com os professores
Centrados no Professor a não se diferenciarem significativamente de nenhum
deles. Neste item verifica-se uma concordância muito maior por parte dos
professores Centrados no Aluno do que pelos professores Ambivalentes
(F(2,273)=3.500, p=.032, dif. Média= .284, p=.040).
189
médias de concordância significativamente mais baixas que os outros dois
grupos que não se distinguem entre si.
Quadro 67 – Distribuição das respostas ao Item 39 – Muitas vezes ridicularizo alunos com
comportamentos inadequados para a sua idade e nível escolar
Perfil Discordo Discordo Concordo Concordo Total
Completamente Completamente
Centrado no 60 27 16 2 105
Professor 57.1% 25.7% 15.2% 1.9% 100%
Centrados no 77 22 5 2 106
Aluno 72.6% 20.8% 4.7% 1.9% 100%
Ambivalente 36 15 7 7 65
55.4% 23.1% 10.8% 10.8% 100%
Total 173 64 28 11 276
62.7% 23.2% 10.1% 4.0% 100%
Quadro 68 – Distribuição das respostas ao Item 42 – Faço com que os alunos percebam que a
participação no grupo e nas suas actividades é algo de agradável e recompensador
Perfil Discordo Discordo Concordo Concordo Total
Completamente Completamente
Centrado no 1 7 38 57 103
Professor 1.0% 6.8% 36.9% 55.3% 100%
Centrado no 2 2 21 81 106
Aluno 1.9% 1.9% 19.8% 76.4% 100%
Ambivalente 2 1 21 41 65
3.1% 1.5% 32.3% 63.1% 100%
Total 5 10 80 179 274
1.8% 3.6% 29.2% 65.3% 100%
190
No último item com diferenças significativas nas frequências de
respostas voltam a diferenciar-se os professores Centrados no Professor e os
professores Centrados no Aluno (F(2,271)=4.065, p=.018, dif. Média= -.263,
p=.018), com estes a apresentarem a maior concordância com a afirmação.
191
sua acção disciplinar. Pretendeu-se ainda analisar as razões que os
professores apontam para a utilização de uma determinada forma de acção.
192
tempo… em que eu era instruída, transmitia as coisas… eu
preocupo-me é que sejam eles a procurar as suas soluções e eles
sabem aplicar aquilo que aprendem, muito mais do que aquele saber
livresco (P7)
Nós estamos lá para desenvolver competências, para desenvolver
aptidões. A nós cabe-nos criar condições para que essas
competências e essas aptidões venham ao de cima, que elas se
desenvolvam (P5)
Nesta categoria encontramos ainda de forma muito clara alguns
princípios das correntes construtivistas: a construção do próprio conhecimento
(P9), o foco na individualidade do aluno (P3), e a valorização de todas as áreas
do saber (P8).
O ensino é uma forma de nós ajudarmos alguém a construir o seu
próprio conhecimento (P9)
Depois há que ter em conta o desenvolvimento global das crianças.
Acho que é muito importante atender à diversidade dos alunos e às
características de cada um (P3)
Ensino não é só chegarmos aqui e despejarmos conceitos, temos
que preparar o aluno em todos os saberes (P8)
O papel do professor na sala de aula foi analisado em três categorias: o
de transmissor e controlador, o de organizador e o de amigo e apoio dos
alunos. Estas três categorias diferenciam-se em termos de proximidade entre
professor e alunos, sendo máxima a distância no primeiro e mínima no último.
Vê-se bem a diferença entre ambos comparando uma proposta claramente de
controlo (P4) e uma claramente de apoio (P2)
Aqui quem manda sou eu… nos pequeninos tem que haver uma
pessoa ali que lhes dá a segurança que os faz sentir que ela é que
manda. Às vezes eles têm questões e nós até discutimos até… mas
no fim, eu é que mando (P4)
Ser amiga e parceira dos alunos, com tudo o que isto acarreta, quer
dizer, o meu papel é equilibrar os conflitos entre eles, e tentar fazer-
lhes entender que estamos ali para trabalhar em equipa (P2)
A posição intermédia está bem expressa nas palavras de P9:
193
Organizar as coisas de maneira a conseguir atingir aquele objectivo.
Orientar o trabalho dos alunos, motivar os alunos para realizares
essas aprendizagens, tentar que as suas aprendizagens sejam o
mais diversificadas possível, atender sempre às características de
cada um (P9).
Neste último caso, valoriza-se o trabalho do aluno, mas atribuindo um
papel fundamental ao professor na definição dos objectivos e das estratégias,
ainda que adequadas às características de cada aluno. Em temos gerais, o
papel organizador é o que aparece em maior número de professores (6 em 9),
enquanto transmissor e Centrado no Professor aparece apenas em 3 e amigo
e apoio em 2. É de ressaltar que um professor faz depender o papel do
professor da idade dos alunos (P4)
Claro que nós fazemos negociações com os grandes. Com os
grandes nós fazemos debates, sendo eu a moderadora ou pode
haver outros moderadores. Já nos grandes é possível ser mais
orientadora (P4)
Outro professor ainda, embora apresentando uma perspectiva do seu
papel como Centrado no Professor e orientador, isto é, reconhecendo que tem
que ser ele a controlar o comportamento e a aprendizagem dos seus alunos,
refere explicitamente o seu desconforto com este papel, reconhecendo a
dificuldade de o executar e a necessidade de recorrer a artifícios (P2).
De forma sorrateira vou introduzindo os conceitos que tenho no
programa, não me posso esquecer dele. Acho que é a maneira mais
simples de eles aprenderem os conceitos. Porque se eu entrar na
aula e tentar ensinar a matéria de forma séria eles ficam logo de pé
atrás… e eles a brincar não se apercebem que estão a trabalhar
(P2).
O papel dos alunos foi uma questão a que muitos professores tiveram
dificuldade em responder, reconhecendo que nunca tinham pensado muito
nele.
Nunca tinha pensado dessa forma, qual o papel do aluno… (P2)
O papel dos alunos é um bocado complicado (P3)
É um bocado esquisito (P7)
194
As respostas dos professores foram divididas entre aqueles que
apresentavam um papel passivo e os que apresentavam um papel activo. Os
primeiros valorizam as aprendizagens académicas (P1, P3) e a obediência às
orientações do professor (P2, P6).
Eles estão lá para aprender, acho que estão para aprender (P1)
O papel dos alunos é, em primeiro lugar, aprender, tentar realizar as
tarefas e tentar, digamos, acompanhar estes objectivos para que foi
criada a escola (P3)
Diria sujeitar-se, mas é uma palavra um bocado forte… diria que eles
estão obrigados e sem receber dinheiro (P2)
E tem que se levar a que estejam atentos pois senão acabam por
não aprender e pronto (P6)
Os professores que apontam um papel activo para os seus alunos
ressaltam a participação nas actividades da sala de aula (P5, P8), a
importância de ir de encontro às suas características e gostos pessoais (P1) e
até mesmo o seu papel como fonte de conhecimento (P7).
O papel dos alunos… eu tento o mais possível que eles sejam
activos, que eles participem na tomada de conhecimentos (P5)
Também acho que eles devem interagir e participar em todo o
trabalho, não é só ouvir, claro, também é participar no trabalho da
sala de aula (P8)
É preciso ter sempre em conta o aluno, mas também pensar no que
está por trás dele… é preciso dar espaço também para compreender
a criança que está por trás do aluno (P1)
Aprendemos uns com os outros. Aprendem eles comigo e aprendo
eu com eles muita coisa. E ao fim e ao cabo ninguém ensina
ninguém. Nós descobrimos as coisas (P7).
195
Relativamente ao tipo de organização do espaço utilizada pelos
professores, quatro deles utilizam a disposição tradicional, com as mesas em
filas orientadas para o quadro negro, três referem a utilização do semicírculo.
Um professor utiliza a organização em grupos e uma a organização flutuante
ao longo da aula.
No que diz respeito às rotinas, 8 professores referem a utilização de
rotinas fixas, inalteráveis de dia para dia. Apenas um deles não refere qualquer
rotina fixa. Dos oito professores que referem rotinas fixas, dois assinalam,
concomitantemente, a utilização de rotinas aleatórias, que podem mudar de dia
para dia.
No primeiro caso, as rotinas fixas referem-se a procedimentos muito
específicos, como a organização das tarefas no início da aula (P1, P2) ou a
actividades concretas no âmbito da instrução (P5) ou da manutenção da
disciplina (P9).
Quando termino a aula, por exemplo, com a matemática, eles sabem
que no dia seguinte vamos começar por aí (P1)
Eles sabem que, quando entram na sala têm que abrir os cadernos,
fazer um friso e pôr a data (P2)
A rotina mais fixa é a hora do conto… cada um pega na sua
cadeirinha e vai para o canto da sala onde há mais espaço, põe as
cadeiras em círculo, já colocam uma cadeira a mais para a
professora e lemos a história (P5)
A rotina passa por uma grelha onde é assinalado no fim da aula o
comportamento, tentando fazer uma auto-avaliação (P9)
Além das rotinas fixas, dois professores realçam a importância de
manter a flexibilidade nas aulas, deixando claro que frequentemente optam por
não seguir rotinas de forma a responder às necessidades do momento. Nesses
casos, as aulas, incluindo algumas rotinas fixas, são ainda assim marcadas por
uma grande imprevisibilidade.
É muito variado. Posso começar por expressão plástica, ou por
qualquer outra área. Depende deles (P1)
A rotina na nossa sala nunca é absoluta… as coisas vão mudando e
variando (P3)
196
Depende um pouco do grupo de trabalho e do desenvolvimento da
aula… nada é estanque (P9)
No que diz respeito às regras de funcionamento da sala de aula, apenas
um professor afirma que na sua sala de aula as regras estão implícitas.
Estão implícitas… foram [faladas] no início do ano e não voltámos a
falar sobre elas… elas [as regras] são frequentemente reformuladas
(P2)
Os restantes professores têm o cuidado de tornar explícitas as regras,
através da sua apresentação ou discussão e consequente redacção das
mesmas – excepto no caso do 1º ano, em que os alunos ainda não sabem ler
nem escrever.
O plano é que se definam as regras e depois elas são escritas e
afixam-nas… este ano não, porque é um primeiro ano, mas eles
sabem as regras (P4)
Elas foram discutidas entre todos, mas depois de escritas eles têm
que as cumprir (P5)
Quase todos os professores procedem a uma negociação das regras
com os seus alunos, permitindo que eles discutam entre si, com o professor a
assumir uma posição de coordenação e de orientação.
Foram eles que disseram as regras e os castigos (P1)
Existem regras definidas, claro, e pelos alunos, com a minha ajuda
(P4)
Apenas um professor diz não permitir a discussão, afirmando que as
regras são discutidas pelos professores e apresentadas aos alunos (P6)
Nós temos um cartaz grande a dizer como é que deve ser o
comportamento deles… [definido] pelas professoras (P6)
O último conjunto de práticas questionadas refere-se às estratégias
utilizadas pelos professores para lidar com comportamentos problemáticos.
Procurava-se saber como é que os professores, habitualmente, lidam com
situações de indisciplina. Através das respostas obtidas, podemos afirmar que
todos eles relatam estratégias que considerámos comportamentalistas, umas
baseadas nos reforços ou sistemas de fichas (P2 e P9) e outras nas punições
(P4 e P8).
197
Utilizo muito a técnica da estrela. São autocolantes que eu tenho e
que, quando alguma coisa corre bem na sala eu dou esses
autocolantes, que são colados no caderno no dia em que isso
aconteceu (P2)
Tenho uma grelha de comportamentos diária onde é atribuída uma
cor de acordo com o comportamento do aluno. São escolhidas
quatro cores, nas quais o vermelho é considerado como mau até ao
azul, em que o amarelo é mediano e o verde é um bom
comportamento. O azul é para quem concilia um bom
comportamento com um bom desempenho e esforço na sala de aula
(P9)
Ele resolveu saltar para cima da mesa e pisar os queques dos
colegas. Depois desse dia, e durante uma semana, não comeu na
cantina, mas ia no fim limpar a cantina (P4)
É o que eu digo ‘Estás a portar-te mal, vais-te sentar ali um
bocadinho a pensar no que fizeste’ (…) A criança não sai da sala,
fica apenas isolada do grupo, fica sozinha, e vou também ver se é
preciso mudar de grupo. Se a criança está com os colegas que mais
gosta, posso tentar pô-la num grupo que não goste tanto durante
algum tempo (P8).
Além destas intervenções comportamentalistas que, como já se viu,
abrangem uma gama alargada de estratégias, foi encontrada uma outra forma
de lidar com os comportamentos problema e que pode ser designada por
terapêutica, pois encontra-se muito próxima das intervenções preconizadas
pelas correntes humanistas. Nestes casos, o professor reconhece a
individualidade do aluno e, dessa forma, procura ajudar o aluno a reconhecer o
seu problema, a abrir-se com o professor, constituindo-se este como um apoio
do aluno, não pretendendo, no entanto, orientá-lo na resolução desse seu
problema.
Às vezes, quando um aluno vem muito conversador pela manhã, eu
ouço, porque ele pode vir alterado por algum motivo (P5)
Ele dá-se bem comigo e eu converso muito com ele, porque sei que
ele não tem isso em casa, ele vive só com a mãe, e a mãe é uma
pessoa que trabalha muitas horas, não tem tempo para esse tipo de
198
conversas, porque ele compreende as conversas, compreende
aquilo tudo e tem sentido de justiça e tudo mas tem um
comportamento um bocado alterado (P7)
Estas intervenções, no entanto, surgem apenas relatadas por três
professores. O terceiro tipo de intervenções surge num número superior de
entrevistas – quatro entrevistas – e foi designado moralista. Neste tipo de
situações, o professor apela para a sua superioridade em relação ao aluno
para o confrontar com o que entende ser o modelo do comportamento
adequado, apresentando, simultaneamente, as razões pelas quais considerou
o comportamento do aluno como inadequado. O apelo à moralidade do aluno é
uma constante, e a acção desenrola-se através de um discurso do professor,
dirigido a um aluno específico e, frequentemente, ao resto do grupo.
A chamada de atenção na hora, a tomada de consciência, portanto
que o aluno tome consciência, que se aperceba da atitude errada
que está a ter (P9)
[em situações extremas] a chamada de atenção é com um vigor
muito maior, com um tom muito mais zangado da minha parte, para
que eles vejam que a regra infringida foi grave e uma tomada de
consciência de que foi uma atitude perfeitamente errada (P9)
Começo por falar com os alunos, tentando que eles percebam que
determinado problema não pode acontecer, não pode existir. As
coisas não podem funcionar daquela maneira (P3)
E eu nunca cheguei a entender se se trata de alguém que por
malandrice lho colocou na pasta, ou se foi o próprio que se
entusiasmou e que o levou, e depois eu estive assim a falar com ele
e disse-lhe: ‘Olha, eu espero que seja verdade aquilo que tu
disseste. Se foi algum menino que to colocou na pasta, não tens
culpa, pronto. Agora não se deve pegar assim nas coisas dos
outros’. E pronto, estive assim a fazer ver e pronto, tento fazer
sempre, quando eles fazem alguma asneira sempre a tentar ver se
eles mudam (P6)
199
estratégia. Foi notória a dificuldade que os professores apontaram para
justificarem algumas das suas práticas. De facto, se todos foram capazes de
justificar, de alguma maneira, as suas opções relativamente à organização do
espaço, o mesmo já não aconteceu relativamente às suas opções
relativamente ao estabelecimento de rotinas e regras ou, acima de tudo,
relativamente à sua opção por uma estratégia disciplinar. Neste último caso,
apenas dois professores apontaram alguma justificação concreta para as suas
práticas.
A organização do espaço foi, como já referimos, a dimensão que os
professores tiveram menos dificuldade de justificar. Encontram-se nesta
dimensão justificações de todo o tipo – pedagógicas, práticas, negociação e
idiossincráticas. A maior parte das justificações, no entanto, são de ordem
prática, presentes em 5 entrevistas.
Em U ficam muitos a olhar para o quadro de lado, conversam mais e
em muitas salas não há espaço, por isso comecei a usar as filas (P1)
Já foi utilizada outra disposição, mas esta é mais prática, é mais
acessível, é mais fácil mover-me e chegar mais rapidamente a todos
os alunos. Todos têm uma panorâmica diferente do quadro, do
ambiente da sala de aula e rentabiliza o espaço existente na sala de
aula, quase a fazendo parecer maior (P9)
Tentámos organizar com a colega da tarde, de várias maneiras e a
única maneira possível de haver algum espaço na sala e mesmo
assim apertadíssimo é filas de cadeiras encostadas e deixar um
bocado livre a um canto (P3)
No que diz respeito à fundamentação das opções com base em critérios
pedagógicos, isto é, relacionados com a aprendizagem dos alunos, verificou-se
que elas estavam presentes em apenas quatro professores.
Porque eu aproveito para dar a matéria em cada grupo. Por
exemplo, no estudo do meio cada grupo trabalha um oceano, na
matemática pode ser um número ou uma operação, e na língua
portuguesa a mesma coisa, os nomes próprios, os nomes comuns e
assim funcionamos (P2)
Dá mais resultado não haver um padrão. De vez em quando eu
chego lá e digo, hoje vamos fazer trabalho de pesquisa, portanto
200
vamos pôr as mesas em grupo, outras actividades são em U, o conto
é em círculo (P5)
Eu acho que os alunos, logo a partir do 1º ano, precisam aprender a
pensar, não é bom para eles chegarem com a papinha toda feita,
têm que aprender a procurar e a pensar (P8)
A negociação, enquanto justificação da opção, está presente em três
professores, no que diz respeito à organização do espaço da sala de aula.
Num dos casos, a negociação não se processou entre professor e alunos, mas
sim entre os professores da turma, numa situação de partilha do espaço da
sala de aula (P9).
Eles andavam a pressionar-me porque queriam trabalhar dois a dois
e eu fiz esta mudança no interesse deles (P2)
Não é fixa, estamos sempre a mudar – às vezes eles pedem para
mudar de lugar e eu mudo (P4)
Em conversa com a professora do horário da manhã achámos por
bem reflectir sobre o assunto. A sala é partilhada e tem que haver
um diálogo e agradar aos dois (P9).
As razões idiossincráticas surgem apenas numa entrevista nesta
dimensão da organização do espaço da sala de aula.
Acho que é uma disposição mais bonita, que fica melhor numa sala
de aula (P6)
As rotinas na sala de aula foram um aspecto em que os professores
apresentaram alguma dificuldade em termos de justificação. De facto, apenas
cinco professores apresentaram justificações para as suas opções em termos
de implementação (ou não) de estratégias. Dessas cinco, três foram
consideradas razões pedagógicas (P1, P8 e P9) e duas foram consideradas
razões idiossincráticas (P4 e P3).
Depende também deles. Por exemplo, quando estão mais agitados
tento não dar tarefas que exijam muita atenção, não dar matéria
nova (P1)
Porque acho que devemos ir um pouco de encontro às necessidades
e das dificuldades e das apetências dos alunos. Se inserirmos um
novo conteúdo e ele não está consolidado, não vou, só porque
201
passou a hora estipulada, passar a outra área curricular, não
estando aquela consolidada (P9)
Porque acho que eles precisam de rotinas, mesmo na escola (…)
Mas acho que eles precisam de rotinas (P4)
Se calhar é a minha maneira de ser, que não sou muito organizada
nem muito estável. Adapto as coisas às necessidades do momento
(P3)
Finalmente, as regras e a disciplina foram as áreas em que os
professores tiveram maiores dificuldades em apresentar justificações,
principalmente para as acções disciplinares, em que apenas dois conseguiram
articular uma justificação para as suas acções e ambas consideradas como
idiossincráticas. A implementação das regras foi justificada por quatro
professores pela negociação com os alunos e três por razões idiossincráticas.
No que diz respeito à negociação das regras, os professores apontavam
para o papel dos alunos na definição das regras.
Porque para eu não concordar era porque eles iriam ficar
prejudicados com isso e, se eles realmente quisessem essa regra eu
deixaria sem problema nenhuma e eles iriam ver as consequências e
iriam ponderar o que se passou. Mas se a maioria quis assim, tudo
bem (P2)
Actualmente os alunos aperceberam-se de que é preciso eles
estipularem as suas regras, os seus ritmos, e escolherem a forma de
aprendizagem, seleccionarem as estratégias. (P9)
Em termos de fundamentação idiossincrática da implementação das
regras, encontramos os seguintes exemplos:
Depende das regras, não é, porque as regras são essenciais para
eles estarem numa sala de aula (P6)
Gosto muito de uma aula daquelas que eu não tive (P7)
Finalmente, como já foi referido, apenas em dois casos foram apontadas
razões para as opções disciplinares tomadas, e em ambos os casos, elas
foram consideradas idiossincráticas.
Sobre os comportamentos eu é que tenho a autoridade, e a partir daí
rejo-me um bocado pela intuição. É o que sai na altura (P4)
202
Deve-se actuar e dizer qualquer coisa e esperar que com o tempo as
coisas resultem. Utilizo a estratégia do ‘Vou experimentando’ (P3)
203
conhecimentos. Posteriormente poderá funcionar como orientadora ou até
mesmo como amiga dos alunos. Considera, no entanto, que só pode orientar a
partir do momento em que os alunos possuam uma base mínima de
conhecimentos que lhes permitam avançar sozinhos: “Quando iniciam a
escolaridade o meu papel é transmitir conhecimentos. Depois, eles já podem ir
sozinhos”.
O papel que aponta para os seus alunos é a aprendizagem. No entanto,
afirma que os professores devem ter em conta a existência de uma criança
para além do aluno, permitindo-lhes outro tipo de actividades: “Quando fui para
a escola, comecei logo as letras. Agora eles têm mais coisas, podem também
ser crianças. É preciso ter sempre em conta o aluno, mas também pensar no
que está por trás dele”.
Em termos de práticas, começa por descrever a organização da sua
sala de aula em filas de mesas orientadas para o quadro, embora por vezes as
organizem em grupos para trabalhos específicos. Justifica esta opção por
exclusão de outras alternativas – “Não gosto delas [as mesas] em U, porque
ficam muitos a olhar para o quadro de lado, conversam mais e em muitas salas
não há espaço” e pelo seu gosto pessoal pela organização em filas. Não
apresenta nenhuma razão adicional para este tipo de organização espacial.
Nas suas aulas costuma utilizar algumas rotinas, mas mantém uma
grande flexibilidade, que afirma possibilitar-lhe ir de encontro às necessidades
dos seus alunos. Permite que os seus alunos tenham uma palavra a dizer na
sequência das actividades: “Imagine que eu quero avançar com uma coisa e o
aluno chega lá com outra e eu tenho que seguir com aquilo, não posso deixar
de o atender”.
Também com as regras, parte de um conjunto de princípios
estabelecidos entre todos, mas que, não sendo escritos e afixados, deixam
uma certa flexibilidade na sua implementação: “Não estão expostas mas estão
definidas… Foram regras feitas no início do ano mas que são cumpridas
dentro do possível”.
Em termos comportamentais, afirma possuir uma certa tolerância para
com alguns comportamentos dos alunos, desde que não se tornem demasiado
perturbadores da aprendizagem.
204
O primeiro aspecto observado na visita à sala de aula foi a entrada dos
alunos. Estes entraram depois da professora, um de cada vez, continuando a
conversar entre si e sentando-se sozinhos. As conversas diminuíram de tom e
terminaram quando a professora começou a falar.
Na observação realizada foram efectuados dois tipos de actividades,
sobre a mesma área – a Matemática. Na primeira parte da observação (entre
as 11:07, hora de entrada e as 11:25, hora de início da segunda actividade) a
professora fez chamadas ao quadro para resolver operações matemáticas. Os
alunos só responderam quando solicitados, pondo o dedo no ar quando
pretendiam responder.
Na segunda parte da observação (das 11:25 até às 12:00) os alunos
realizaram uma ficha no lugar. Durante este período a professora deslocava-se
pela sala respondendo a questões dos alunos e tentando manter os restantes
alunos centrados na tarefa através de alertas verbais e da aproximação física.
Durante o período da observação a professora fez 12 intervenções
destinadas a ajustar o comportamento dos alunos. Na maior parte das
situações foram apenas alertas gerais: “Estão a falar muito” e “Estão a fazer
muito barulho”. Ouve duas intervenções directas sobre alunos. A uma aluna
que se levantou várias vezes sem pedir autorização chamou a atenção: “Estou
farta de te ver em pé. Não voltas a levantar-te sem pedir licença. Acaba o
trabalho se faz favor”. No caso de dois alunos que disputavam uma borracha,
resolveu a questão clarificando a situação: “De quem é a borracha? Então
quando a quiseres usar tens que pedir ao teu colega. Não tiras sem pedir”.
Ouve algumas situações em que a professora optou por não intervir – o que
está de acordo com a sua afirmação de grande tolerância para alguns tipos de
comportamento. Por exemplo, quando um aluno começou a cantar enquanto
os outros distribuíam as fichas de trabalho individual, a professora não fez
qualquer tipo de intervenção, e o aluno parou por si quando começou o
trabalho. Quando duas alunas ficaram a conversar depois de afiarem os lápis,
também não foi feita nenhuma intervenção, tendo a conversa terminado por si
e seguido cada uma para o seu lugar e retomando o trabalho.
As deslocações da professora, como se pode depreender pelo exposto,
cobriram toda a sala, embora na fase de chamada ao quadro estivesse mais
205
tempo parada, junto de um grupo de alunos identificados como mais
conversadores.
No final da aula os alunos saíram da sala sem arrumar – iriam continuar
a ficha depois do almoço – e uma fila de cada vez, de forma ordeira.
206
aprender, quer em termos de aprendizagens académicas quer em termos de
experiências de vida: “Penso que serão as aprendizagens. Aprender a tomar
contacto com outras experiências de vida, a fazerem descobertas e fazer
aprendizagens nas diversas áreas”. No entanto, deixa nesta resposta a ideia
de que considera que os alunos não estão na sala de aula de livre vontade,
mas forçados: “diria sujeitar-se, mas é uma palavra um bocado forte, mas dito
de uma forma mais crua seria sujeitar… eles estão lá obrigados e sem receber
dinheiro”.
A sua sala de aula está organizada em filas de mesas. No entanto, não
é desta forma que mais gosta de trabalhar. A sua preferência vai para os
grupos, colocando frequentemente cada grupo a trabalhar uma determinada
vertente da matéria de forma aprofundada que depois será apresentada aos
restantes. A utilização das filas deve-se ao pedido insistente dos alunos. A
mudança da organização da sala era recente e estava a levá-la a mudar as
suas estratégias, pois já não era possível trabalhar como anteriormente. Por
outro lado, acreditava que os seus alunos não iriam gostar da experiência e
acabariam por lhe pedir para voltar à forma anterior. A mudança seria então
uma forma de os confrontar com as consequências das suas opções.
Referiu a utilização de algumas rotinas, embora com grande
flexibilidade. Tem o tempo estruturado, mas reconhece que é muito raro
conseguir cumprir uma planificação.
No que diz respeito às regras de funcionamento da sala, afirma que é
uma preocupação do início do ano lectivo, mas que não voltam a falar sobre
elas. Elas não estão afixadas, mas afirma que os alunos as conhecem. No
entanto, afirma também que elas são frequentemente reformuladas: “São
frequentemente reformuladas, até porque surgem situações novas e que é
preciso reflectir. O facto de uma pessoa entrar na sala e eles não dizerem
nada leva a que logo que surja a possibilidade isso se discuta, mas não vou
pôr num papel que quando uma pessoa entrar na sala eles têm que
cumprimentar”.
As intervenções disciplinares ocupam uma grande variedade de formas:
“Já mostrei indiferença, portanto não ligar. Já tentei falar, já tentei estimular,
dialogar com a pessoa, perguntar o que se passava e tentar contornar esse
comportamento com motivação”. Aqui encontram-se intervenções que se
207
podem considerar comportamentalistas – como a retirada de reforços ou o
reforço, ou terapêuticas – falar, dialogar, perguntar o que se passava. Acaba,
no entanto, por salientar uma estratégia claramente comportamentalista – o
reforço positivo: “Utilizo muito a técnica da estrela. São autocolantes que eu
tenho e que, quando alguma coisa corre bem na sala de aula, eu dou esses
autocolantes, que são colados no caderno no dia em que isso aconteceu”. As
suas opções em termos de selecção de estratégias disciplinares não são
justificadas no curso da entrevista. Realça a experimentação afirmando ter
feito já um bocado de tudo.
A observação das actividades na sala de aula teve no início da tarde,
tendo sido possível observar a entrada dos alunos na sala de aula. Os alunos
foram entrando entre as 13:30 e as 13:40, entrando em grupos, nem sempre
de forma silenciosa, obrigando a professora a interrompê-los e a silenciá-los.
O período de aula observado (das 13:30 às 15:30) envolveu diversas
actividades: foi feita uma revisão da aula anterior (13:50 às 14:00), leitura do
livro de estudo do meio (14:00 às 14:10), Português, com chamada ao quadro
(14:10 às 14:30), trabalho no lugar, envolvendo passar o que estava escrito no
quadro e uma composição (14:30 às 15:15), Matemática (15:15 às 15:30). A
transição entre as actividades envolveu várias orientações e re-orientações.
Por exemplo, logo no início da aula pediu aos alunos para fazerem uma ficha
de estudo do meio que já estava feita, tendo que os orientar para a leitura de
outro texto do mesmo livro. Em todos os segmentos se verificou a existência
de conversas entre os alunos e situações de perturbação com actuações
diversificadas por parte da professora. Verificaram-se também níveis bastante
diversos de envolvimento nas tarefas solicitadas, com alguns alunos a
cumprirem as orientações e outros claramente a não o fazer. Por outro lado,
verificou-se que a professora prestava pouca atenção aos alunos que
cumpriam as indicações, relativamente aos outros que ocupavam a maior parte
do seu tempo e da sua atenção.
Ao longo da aula a professora procedeu a inúmeras intervenções
destinadas a alterar o comportamento dos seus alunos. De facto, ao longo de
toda a aula a professora “lutou” para manter os alunos com um comportamento
adequado à execução das tarefas, quer através de chamadas de atenção
verbais ou gestuais, da aproximação dos alunos mais agitados, ou mesmo do
208
contacto físico. Por vezes, a professora executou mais do que uma destas
acções simultaneamente.
Além das conversas e desatenções, houve um conjunto de situações,
ao longo da aula que mereceram uma atenção especial e uma intervenção
mais específica por parte da professora. Numa das situações, logo no início da
aula (13:50) quando uma aluna estava a relatar a aula da manhã, uma outra
aluna mordeu a caneta de uma colega, partindo-a. A professora interrompeu a
aluna que estava a falar, ralhando com a aluna que mordeu a caneta.
Enquanto ralhava, outro aluno insultou a aluna que estava a ser repreendida,
chamando-a de “porca” e “vaca”. Nessa altura toda a turma se manifestou,
rindo da aluna. A professora parou de ralhar com a aluna e passou a ralhar
com o aluno que insultou a colega, o qual, no entanto, não se calou. A
professora mandou o aluno retomar a revisão da aula da manhã. Enquanto a
aluna fala a professora vai mandando calar os colegas.
Durante o período de leitura do livro de estudo do meio, a professora
sentou-se a trabalhar com um aluno, enquanto os restantes se dividiam entre
os que liam silenciosamente, os que liam em voz alta, e os que conversavam.
A professora interrompeu várias vezes para reduzir o volume das conversas:
“Falem mais baixo”.
Durante o segmento de chamada ao quadro, a professora insistiu com
os alunos para porem o dedo no ar, tendo recusado a vez a alunos que
começaram a falar o fazer. Nesse segmento ainda, atirou um pedaço de giz a
uma aluna que estava a conversar no lugar, pondo a turma toda a rir.
Durante o trabalho no lugar, vai circulando pela sala com um frasco de
autocolantes na mão, que vai colando em alguns cadernos. Entre as 14:40 e
as 14:50 surge uma série de incidentes entre dois alunos pela disputa de umas
canetas. A professora intervém tentando resolver o problema, e diz que no dia
seguinte lhes dará uma caneta. Como a situação persiste, ameaça com um
telefonema às mães dos alunos, acabando por se sentar entre eles. Entretanto
manda uma aluna sentar-se no corredor da escola por estar a falar.
Quando os alunos acabam a composição, pede um voluntário para a
leitura da mesma. Enquanto o aluno lê a composição, outro aluno está a falar.
A professora dirige-se rispidamente ao aluno que estava a ler a composição
dizendo: “Pára, não vês que o teu colega não se cala…”.
209
No segmento final, de Matemática, ameaça uma aluna por estar a falar,
dizendo que lhe puxa as orelhas se ela continuar, e tira o telemóvel a um
aluno, dizendo-lhe para a mãe o ir buscar no dia seguinte.
O final da aula surge com os alunos ainda a trabalhar em Matemática.
Os alunos arrumam os materiais enquanto a professora vai indicando as
tarefas para casa e começam a sair de forma desorganizada.
210
também reorganizar a sala para trabalhos de grupo. Ao longo do tempo vai
mudando a disposição da sala.
O tempo está organizado de forma rigorosa, com rotinas claras e com
uma estrutura definida e comunicada aos alunos através de um sumário
apresentado no início da aula. Acaba, no entanto, por não ser capaz de
fundamentar a sua opção por essa estruturação rígida do tempo e das
actividades. Afirma que raramente acontece não conseguir cumprir a
planificação feita.
As regras na sala de aula são expressas claramente, sendo discutidas
com os alunos mas sob estrita orientação da professora: “O plano é que se
definam as regras e depois elas são escritas e afixam-nas”.
As intervenções disciplinares apontadas por esta professora assumem
uma grande variedade de formas, sendo a opção por uma delas justificada
pela “intuição da professora”. Refere situações em que teve uma acção
moralizadora, com o tradicional “sermão”: “Olha, a partir de hoje não és mais
meu amigo. Nada de amizades, aquela história de nós conversarmos, de me
contares as tuas histórias e eu contar as minhas acabou-se. Eu não admito
más-educações e muito menos atitudes dessas. Portanto, a partir de hoje sou
tua professora e mais nada”. Noutras situações refere a opção por
intervenções comportamentalistas: “Depois desse dia e durante uma semana
não comeu na cantina, mas ia no fim limpar a cantina”. Como princípio comum
a todas as intervenções, aponta a crença de que é ela que manda na sala: “Eu
é que sou a pessoa que tem a autoridade, apesar de poderem dar opiniões
sobre muitas coisas, mesmo sobre o trabalho, etc., agora sobre os
comportamentos eu é que tenho a autoridade. A partir daí rejo-me pela intuição
– é o que sai na altura”.
A observação desta sala de aula ocorreu no período da tarde – entre as
13:30 e as 15:30. Esse período da aula envolveu diversas tarefas: entre as
13:30 e as 14:20 teve lugar a aula de música, com uma professora de música;
entre as 14:20 e as 14:40 a professora fez chamadas ao quadro relativas a
casos especiais de leitura; entre as 14:40 e as 15:20 os alunos fizeram um
trabalho individual no lugar, relativo aos casos especiais de leitura. A partir das
15:20 decorreram as rotinas para encerramento da aula. A sala estava
organizada em filas, com as mesas em pares.
211
Durante o segmento da aula de música, a professora manteve-se
presente, mas sem interferir. Os alunos mostraram-se bastante entusiasmados
e participativos na aula.
Às 14:20, a professora de música deu por encerrada a aula e começou
a arrumar os seus materiais. A professora titular tomou então novamente conta
da turma. Pediu que todos respirassem fundo e deitassem a cabeça na carteira
com os olhos fechados. Todos cumpriram as indicações. Passados dois ou
três minutos começou a dar indicações para recomeço da aula, chamando
uma aluna ao quadro. Os restantes alunos estavam silenciosos olhando para a
professora. Esta foi fazendo perguntas ao grupo, ignorando as respostas dos
alunos que não colocavam o dedo no ar. Pontualmente verificaram-se algumas
conversas interrompidas com o olhar da professora ou, em alguns casos, com
um comentário verbal – frequentemente apenas o nome do aluno.
A transição para o trabalho individual decorreu de forma rápida, com a
distribuição das fichas a ser feita enquanto os alunos acabavam de passar os
elementos do quadro. Durante o trabalho individual a professora aproveitou
para organizar materiais e ver cadernos. Neste período teve algumas
intervenções orais para alertar alunos para a realização do trabalho – também
aqui, frequentemente, bastava dizer o nome do aluno. Teve também uma
intervenção relativamente a dois alunos que conversavam – deu um toque na
cabeça de um deles fazendo-lhe um gesto para se calar, sem que o resto da
turma se tivesse apercebido da situação.
Durante toda a aula, várias pessoas entraram na sala. Em nenhum caso
os alunos interromperam as actividades, para além do simples gesto de olhar
para ver quem era. Alguns alunos terminaram a ficha mais cedo. A professora
orientou-os para a leitura de um livro que foram buscar à estante no fundo da
sala. No final da aula o ruído aumentou e a professora ralou com dois alunos
mais faladores ameaçando com a retirada do intervalo. Pediu a um aluno que
terminou a tarefa para distribuir os cadernos com as tarefas para casa, e a
outros dois para distribuir o leite escolar. Deu indicações aos alunos no sentido
e arrumarem os materiais e beberem o leite. Quando tocou, ao alunos
começaram a sair sem barulho, conversando normalmente.
212
Professor 5: A professora 5 tinha 44 anos e 20 anos de serviço. Tinha o curso
do Magistério Primário, uma licenciatura em Ciências da Educação e
frequentava uma pós-graduação em Educação Especial. A sua sala tinha
apenas 13 alunos mas bastante heterogéneos, do 2º, 3º e 4º anos de
escolaridade, incluindo uma criança com trissomia XXI.
A definição de ensino que apresentou remetia para elementos de
desenvolvimento cognitivo dos alunos: “Nós estamos lá para desenvolver
competências desenvolver aptidões… é preciso dar-lhes condições para que
queiram aprender”.
Na mesma linha, o papel que aponta para o professor na sala de aula é
o de orientador e de facilitador da aprendizagem: “Eu acho que o professor
deve ser essencialmente um facilitador da aprendizagem e um criador de
situações que estimulam a aprendizagem”. O papel apontado para os alunos é
activo, de participação no processo de aprendizagem, embora reconheça que
alguns alunos não se dão bem com demasiada autonomia, e que, portanto,
terá que ir de encontro às características e necessidades de todos os alunos:
“Depende um bocado também do nosso papel, e do estilo de aprendizagem do
aluno. Nós também temos que nos adaptar ao estilo deles”.
A sua sala de aula não tem uma disposição fixa, variando de acordo
com as actividades pedagógicas a desenvolver. Dessa forma, o mais habitual
é o semicírculo. Em alguns momentos trabalha-se em grupos – habitualmente
grupos de nível – e, outras vezes, as cadeiras são dispostas em círculo –
nomeadamente na hora do conto. A professora não refere a utilização da
disposição mais tradicional em filas. A justificação apresentada remete para
critérios pedagógicos, com a adequação do espaço às tarefas a desenvolver.
Existem rotinas, mas com algum espaço que vai de encontro às
necessidades dos alunos. Tenta, de qualquer forma, manter alguma estrutura
de aula para aula e de semana para semana, que permita aos alunos controlar
melhor o seu funcionamento. Tenta diariamente fazer uma planificação das
actividades conjuntamente com os alunos.
As regras na sala de aula foram discutidas na primeira semana de
aulas, entre todos, e escritas. Essas regras são para ser cumpridas e o seu
cumprimento é avaliado todas as semanas. É atribuído bastante espaço aos
alunos para discutir as regras, mas mantendo sempre o controlo por parte do
213
professor: “Há dias em que eu também tenho que dizer que quem manda aqui
sou eu”.
As intervenções disciplinares assumem diversas formas. Por um lado,
são referidas intervenções de cariz comportamental, como o quadro de
comportamentos, em que, além da autoavaliação comportamental, há a
tradução das cores em prémios, e a comunicação aos pais: “O mapa de
comportamentos trouxe resultados muito positivos. Em primeiro lugar, porque
são os alunos que registam o comportamento deles. Em segundo lugar,
também há comunicação entre a escola e a família, porque no fim do mês dou
a opinião e vai para casa e volta para a escola já assinado. Mas também há
um prémio para quem conseguir um mês todo a verde, que é uma lambarice”.
Por outro lado, refere também a utilização de outro tipo de estratégias,
designadas por nós como terapêuticas: “Às vezes, quando um aluno vem
muito conversador pela parte da manhã, eu ouço, porque pode vir alterado por
algum motivo”. Com estas estratégias, além de valorizar os alunos, procura
ajudá-los a lidar com as suas dificuldades, não permitindo que elas por
perturbem a aula.
A observação realizada nesta sala de aula decorreu no final da manhã,
entre as 11:00 e as 12:30. Não foi possível assistir à entrada dos alunos na
sala. No início da observação já estavam sentados em círculo ouvindo uma
história. A aula envolveu duas fases distintas. A primeira, estruturada em
grande grupo, consistia na hora do conto e decorreu entre as 11:00 e as 11:30.
A segunda parte foi estruturada em pequenos grupos – e mesmo
individualmente – com os alunos a realizarem tarefas diferentes tendo em
conta o ano de escolaridade e as suas dificuldades.
Durante a hora do conto, os alunos permaneceram sentados a ouvir a
história lida pela professora, a qual foi de seguida discutida e recontada. Os
alunos participaram quando chamados. Por duas vezes a professora chamou
pelo nome alunos que aparentavam alguma distracção.
A transição foi feita de forma ordeira, com cada aluno a pegar na sua
cadeira e a levá-la para o seu lugar. Por duas vezes a professora necessitou
de orientar os alunos, obrigando-os a olhar para ela enquanto dava as
instruções necessárias. Começou a dar orientações de trabalho a cada grupo e
214
a distribuir as fichas de trabalho colocando os alunos mais velhos em
actividade para se dedicar a trabalhar com os mais novos.
Durante o trabalho foram efectuadas apenas duas acções disciplinares:
uma para resolver uma questão entre dois alunos devido a uma folha de papel
que um deles amachucou. A professora limitou-se a alertar o aluno em causa
para ter mais cuidado com o trabalho dos outros; a segunda intervenção
disciplinar deveu-se a um aluno que estava a chamar a atenção da professora
de forma inadequada. Neste caso a professora limitou-se a ralhar dizendo:
“Mas achas que isso são termos para chamares outra pessoa?”.
A professora foi supervisionando o trabalho de todos os alunos, dando-
lhes orientações adicionais sempre que necessário, e valorizando todo o
trabalho dos alunos, mesmo quando incorrecto, fazendo sempre sugestões
para os alunos o melhorarem.
Os alunos, quando acabam o seu trabalho, vão tentar ajudar os alunos
mais novos, ou perguntam se podem ir ler um livro. A professora permite
ambas as opções.
Quando ouvem o sinal de saída, preparam-se e sai um grupo de cada
vez, com ordem da professora.
215
começarem desde muito cedo a aprender a procurar e analisar informação:
“Acho que os alunos, logo desde o primeiro ano, precisam aprender a pensar,
não é bom para eles chegarem com a papinha toda feita”.
Refere a existência de rotinas na sua sala de aula com atribuição de
tarefas e responsabilidades aos alunos, embora refira também alguma
flexibilidade nessa implementação. Justifica com a necessidade de manter
uma estrutura básica, mas que lhe permita, em cada momento, ir de encontro
às necessidades dos alunos.
As regras são expressas claramente, discutidas entre todos, e
posteriormente escritas e afixadas. Estas regras são objecto de reflexão e
discussão conjunta ao longo de todo o ano lectivo, com os alunos a reflectirem,
por exemplo, por que razão determinada regra não está a ser seguida e
procurando alternativas: “Se nós estamos a ver que há uma regra que não está
a ser respeitada, não está a ter aquela importância que eles acham que deve
ter, então, em vez de estar a dizer o que é que foi mal, vamos ver se pode ser
alterada ou não”.
Em termos de intervenções disciplinares mais habituais, aponta a
utilização de estratégias comportamentalistas, como o “Time-out”: “Há por
exemplo uma criança um bocado hiperactiva que está aqui e que não se cala,
não faz as tarefas, mesmo comigo ao lado, e por isso vou colocá-la um
bocadinho sozinha”.
A observação realizada nesta sala decorreu na fase final da aula, entre
as 11:00 e as 13:00 horas. Assistiu-se à entrada dos alunos, que decorreu de
forma ordeira, sem a presença da professora na sala. Mal entravam
começavam a organizar-se – vindos da aula de ginástica, alguns trocavam de
camisola, outros começaram a distribuir o leite. Alguns sentaram-se e abriram
os livros de trabalho. A professora, nesta aula, contava com a presença de
duas estagiárias, que entraram com ela na sala. A aula dividiu-se por dois
segmentos: o primeiro decorreu entre as 11:00 e as 12:30h e consistiu em
trabalho de grupo sobre tarefas já iniciadas, que envolviam a busca de
informação em revistas, o recorte e a colagem; o segundo segmento decorreu
entre as 12:30 e as 13:00h e consistiu na arrumação do material, marcação
dos trabalhos para casa e leitura de um texto para a turma.
216
Durante a primeira fase da aula, o comportamento dos alunos foi muito
diversificado. Alguns alunos estavam claramente envolvidos na tarefa, falando
uns com os outros sem deixar de procurar os elementos que necessitavam nas
revistas. Outros alunos estavam pontualmente na tarefa, com algumas
distracções – como ir afiar os lápis e ficar a conversar. A professora circulava
constantemente pelos grupos, vendo o trabalho feito e dando sugestões ou
orientações. Durante esta primeira fase da aula teve apenas seis intervenções,
claramente destinadas a restaurar a ordem na sala de aula. Três delas foram
apenas chamadas de atenção ao grupo para o nível de ruído presente na sala.
Durante todo o segmento da aula verificaram-se conversas e risos – e mesmo,
ocasionalmente, algum cantarolar, que a professora tolerava, intervindo
apenas quando o volume de vozes era bastante elevado. As outras três
intervenções tiveram alunos concretos como objecto: em duas ocasiões mudou
alunos de lugar, embora dentro dos mesmos grupos, devido a interacções
mais conflituosas com os colegas do lado. A outra intervenção teve como
objectivo resolver uma disputa por uma tesoura. Separou os dois alunos do
grupo e falou com eles sem os restantes elementos do grupo ouvirem e
negociou com eles uma resolução para o problema.
Curiosamente, nesta fase da aula, a professora e as estagiárias
ausentaram-se da sala durante alguns minutos e não houve qualquer alteração
do comportamento dos alunos: continuaram a desempenhar o seu trabalho,
continuaram a conversar, embora sem um aumento do volume ou da
desatenção. No regresso da professora não foi necessário qualquer
intervenção da parte desta. No momento da saída das estagiárias, as
despedidas foram reduzidas a um “Até amanhã”, e os alunos continuaram
como antes.
No final deste segmento houve um aumento do ruído devido à limpeza
das mesas e do chão e da arrumação dos materiais, bem como das
movimentações dos alunos para verem os trabalhos dos outros grupos. Houve
um aumento das conversas e dos risos, sem, no entanto, haver qualquer
intervenção da professora, que se limitou a dar orientações relativamente às
tarefas, como: “Olha que ainda aí estão papéis debaixo da cadeira…”.
217
Na fase final da aula, a professora indicou os trabalhos de casa, estando
alguns alunos distraídos, o que a levou a ter que repetir. Nesse momento
ralhou com os alunos que tinham estado distraídos.
Perto das 12:45 começou a leitura chamando uma aluna que começou a
ler mas teve que parar devido à interrupção de uma funcionária. Com essa
paragem, a turma, que estava em silêncio a ouvir, retomou as conversas,
aumentando o barulho dentro da sala. Com um gesto da professora, a aluna
recomeçou a leitura e os colegas silenciaram as conversas. Com o toque para
saída ficaram todos no lugar, e a professora deu a indicação para sair um
grupo de cada vez em silêncio.
218
Reconhece a existência de algumas rotinas na sua sala de aula.
Nomeadamente, parte de um quadro de comportamentos que permite que os
alunos identifiquem as suas tarefas e possam fazer uma autoavaliação do seu
desempenho – última rotina diária da aula. Por outro lado, reconhece também
que é difícil manter uma estruturação rígida ou rigorosa das actividades, pois
tem sempre que atender às necessidades dos alunos, e elas podem ter que o
obrigar a alterar toda a aula para poder consolidar alguns conhecimentos: “Se
inserimos um novo conteúdo e ele não está consolidado, não vou, só porque
passou a hora estipulada, passar a outra área, não estando aquele
conhecimento consolidado, e tem de se criar ali uns certos alicerces”.
As regras de funcionamento da sua sala de aula foram discutidas no
início do ano lectivo, foram estipuladas, mas não foram registadas. Ao longo do
ano, voltaram a discutir as regras, nomeadamente após situações em que se
verificou a necessidade de dar guias de acção mais concretos: “Mais
recentemente elas foram consolidadas, sofreram um ajustamento. É o primeiro
ano que eu estou na escola e é o primeiro contacto com a turma. Mediante as
necessidades que eu vejo, as regras foram reajustadas”.
As suas acções disciplinares podem ser divididas em
comportamentalistas e moralizadoras. As comportamentalistas referem-se aos
quadros de comportamento, em que utiliza um código de cores para os bons e
maus comportamentos. Esse quadro é preenchido pela autoavaliação dos
alunos e, posteriormente, é avaliado pelo professor e enviado para casa para
conhecimento dos encarregados de educação. Serão estes que terão a
responsabilidade de reforçar ou punir os alunos pelas classificações obtidas. A
intervenção moralizadora refere-se à acção no momento de ocorrência dos
comportamentos perturbadores. Nesse momento, através de chamadas de
atenção com maior ou menor veemência, transmite aos alunos o seu
desagrado pelo comportamento apresentado, procurando explicar porque é
que o comportamento foi errado e qual seria a alternativa correcta: “A chamada
de atenção na hora, a tomada de consciência, portanto que o aluno tome
consciência que se aperceba da atitude errada que está a ter.”
A observação realizada decorreu entre as 11:00 e as 13:00. A aula
dividiu-se em três segmentos: no primeiro, entre as 11:00 e as 11:35, os
alunos ouviram uma história, com o apoio de imagens alusivas (para o que se
219
deslocou para uma sala de recursos audiovisuais); no segundo, entre as 11:40
e as 12:45, fizeram o reconto da história, com chamadas ao quadro para
escrever as frases e cópia para o caderno. Finalmente, entre as 12:45 e as
13:00, fizeram revisões de matemática, arrumaram os materiais e fizeram a
avaliação do comportamento.
A entrada na aula fez-se aos poucos. Quando o professor entrou já
alguns alunos lá estavam, e continuaram a entrar alunos durante alguns
minutos, vindos do intervalo. O professor teve que aguardar que todos os
alunos chegassem para organizar a deslocação para a sala de recursos
audiovisuais. A deslocação fez-se calmamente e em silêncio. Naquela sala, o
professor tem que organizar os recursos, demorando alguns minutos. Os
alunos começam a conversar entre si. Entre as 11:15 e as 11:35 o professor
conta a história, mostrando as imagens. Os alunos vão falando entre si, e o
professor chama várias vezes a atenção dos alunos, mandando-os falar mais
baixo. Tem que tirar um aluno da última fila para junto de si, para evitar mais
perturbações – não atinge o objectivo.
A deslocação para a sala faz-se novamente com alguma ordem. Na sala
os alunos retomam os seus lugares e o professor tenta começar a fazer
perguntas sobre a história. O segundo segmento da aula é marcado por
inúmeras intervenções com vista a restabelecer a ordem na sala de aula. O
professor ocupa o espaço junto ao quadro, não se movimentando pela sala.
Mal se sentam, uma aluna pede para ir à casa de banho, o que suscita
imediatamente uma conversa sobre as regras, nomeadamente sobre as idas à
casa de banho.
Na última fila de mesas encontra-se um grupo de três alunos que fala
constantemente ao longo da aula, com risos e gargalhadas. O professor pára
várias vezes olhando com ar zangado para estes alunos, por vezes chamando-
os pelo nome, ameaçando com mudanças de lugar. Em todas estas situações
os alunos diminuem, temporariamente, o volume das conversas. Os restantes
alunos vão participando na aula, embora conversando bastante entre si. Um
aluno chama o professor porque o colega lhe riscou a mesa. O professor
aproxima-se e ralha com o aluno: “Mas isso faz-se? Vais limpar isso tudo!”.
Vários alunos levantam-se ao longo da aula sem razão aparente – chegam a
estar seis alunos em pé ao mesmo tempo.
220
Em duas situações o professor ri-se dos comentários (apartes) de
alguns alunos. Ao longo do segundo segmento nota-se alguma dispersão dos
alunos. Alguns acompanham o reconto, e vão passando as frases do quadro.
Por três vezes alunos perguntam ao professor o que é que têm que fazer.
Alguns alunos, notoriamente, não acompanham a aula, não passando as
frases para o caderno e passando o tempo a brincar e a provocarem-se.
Quando alguns alunos acabam de passar as frases, o professor começa
a fazer revisões de matemática com eles enquanto os outros acabam o
trabalho. Rapidamente começam todos a fazer as revisões de matemática,
embora alguns não tenham sequer começado a passar as frases. Nesta fase,
os alunos estão bastante agitados, e o professor vê-se obrigado a elevar o tom
de voz para chamar a atenção. Pelas 12:55 manda os alunos arrumar os
materiais. Logo de seguida interrompe-os para indicar os trabalhos de casa,
com alguns alunos a continuarem a arrumar, não tendo marcado os trabalhos
de casa. Pelas 13:00 toca para saída e os alunos estão a fazer a
autoavaliação, um de cada vez. O professor faz comentários individuais. A aula
termina com 10 minutos de atraso, com a professora da tarde já à porta.
221
222
Discussão
223
movimento tem como objectivo a construção de um modelo pedagógico em
que as práticas escolares sejam coerentes com os princípios que defende,
nomeadamente a construção de propostas pedagógicas democráticas, com
prioridade às abordagens globais e genéticas (ou naturais), às estratégias de
investigação através de problemas e de projectos de criatividade. Neste
movimento integram-se indivíduos de todas as idades, formações e origens
sociais, o que demonstra a divulgação destas crenças e justifica porventura
que não se tenham encontrado, na nossa amostra, relações entre a idade,
tempo de serviço e habilitações, e a maior parte das dimensões avaliadas.
A opção por uma determinada visão de escola e de ensino parece estar,
então, associada a outras dimensões. González descreve os professores do
Movimento da Escola Moderna como políticos, no sentido de terem um papel
de intervenção na polis, apostando na democracia como valor de
desenvolvimento, assumindo-se como utópicos e construtores da liberdade, da
tolerância, da confiança intrínseca nas pessoas, militantes do trabalho
pedagógico. Estas características não são específicas de uma faixa etária nem
estão dependentes da quantidade de formação. No entanto, este autor regista
como elemento relevante para o alargamento das bases do Movimento da
Escola Moderna o 25 de Abril de 1974, assumindo como inseparáveis as
dimensões pedagógicas e sociopolíticas. Ao assumir a “bandeira” da revolução,
os princípios acima mencionados começaram a difundir-se, fazendo de
Portugal um bom exemplo de simpatia pelas crianças, vulgarmente
considerada incompatível com as formas mais tradicionais de ensinar.
Os objectivos de ensino também parecem estar pouco dependentes das
variáveis utilizadas para caracterizar os sujeitos. De facto, tirando os objectivos
“Competências de Liderança” e “Fazer escolhas éticas”, que apresentaram
resultados significativos mas num número muito reduzido de sujeitos (7 e 15,
nomeadamente), apenas os objectivos “Respeito pelos valores próprios” e
“Trabalhar produtivamente com os outros” apresentam algumas correlação com
a variável idade, e os objectivos “Resolução de problemas” e “Trabalhar
produtivamente com os outros”, com o tempo de serviço. No entanto,
apreciando a dimensão dos índices de correlação, verificamos que, no máximo,
conseguimos explicar cerca de 4% da variância, o que é manifestamente
pouco.
224
Finalmente, não foi encontrada qualquer relação entre a valorização dos
diversos objectivos de ensino e as habilitações académicas dos sujeitos. Desta
forma, podemos reafirmar a posição anterior: os objectivos de ensino, muito
próximos das crenças dos professores, não parecem depender da idade, nem
da quantidade de experiência profissional nem, finalmente, da quantidade de
formação.
No que diz respeito às práticas de gestão de sala de aula, verificam-se
correlações significativas entre a idade e o tempo de serviço em treze itens do
questionário de práticas. Desses 13 itens, apenas quatro apresentam
diferenças na distribuição das respostas de acordo com as habilitações
académicas. No entanto, verificam-se diferenças significativas na distribuição
das respostas em mais nove itens. Em nenhum dos casos conseguimos
determinar padrões específicos de funcionamento, o que aponta no sentido de
as variáveis demográficas estudadas não influenciarem, de forma consistente,
a valorização das diferentes práticas apresentadas. Constatamos, portanto,
que as crenças, os objectivos de ensino e as práticas de sala de aula
apresentam uma distribuição relativamente homogénea na amostra estudada.
Para estudar as relações entre as diversas variáveis – crenças,
objectivos e práticas – recorremos à organização dos sujeitos em grupos, de
acordo com as suas crenças sobre a gestão da sala de aula, a partir das suas
respostas nas três dimensões pressupostas na escala de crenças: gestão da
interacção e da comunicação, gestão da instrução e gestão da disciplina.
Obtivemos três clusters, que designámos como Centrados no Professor,
Centrados no Aluno, e Ambivalentes. O primeiro destes três grupos
caracterizou-se por um padrão de respostas que valoriza, de forma consistente,
o controlo do professor nas diversas dimensões – comunicação e interacção,
instrução e disciplina. A Perspectiva Centrada no Aluno, pelo contrário,
valorizava de forma consistente a autonomia dos alunos nas três dimensões
referidas. Finalmente, a posição Ambivalente valorizava o controlo do professor
na disciplina, e a autonomia do aluno na interacção e comunicação e ainda na
instrução. De salientar que este é o grupo que apresenta, em média, maiores
valores na disciplina, e menores nas outras duas dimensões.
A opção por estes três agrupamentos merece aqui alguma atenção. Na
versão original da escala ICMS – Inventory of Classroom Management Style
225
(Martin & Baldwin, 1993, 1996; Martin, Baldwin & Yin, 1995) e na sua versão
posterior ABCC – Attitudes and Beliefs in Classroom Control (Martin & Shoho,
1999, 2000; Martin, Yin & Baldwin, 1998), os autores propunham uma
classificação dos sujeitos em três grupos: os que obtivessem uma pontuação
elevada na escala completa seriam considerados como apresentando uma
perspectiva Centrada no Professor; os valores baixos seriam considerados
como Centrados no Aluno; e os valores intermédios, seriam considerados
como pertencendo a um terceiro grupo, que designam Interaccional. Esta
proposta vai de encontro à posição prévia de Wolfgang (Wolfgang & Glickman,
1986) bem como de outros autores, como Schuh (2004), que sublinha a
frequente utilização de um contínuo de posições com um pólo nas posição
tradicionais – centradas no professores – e o outro pólo nas posições
alternativas – portanto, centradas no aluno.
Estes instrumentos, já utilizados em várias investigações (por exemplo,
Sokol, Smith & Mowat, 2003), assumem a existência de três dimensões: uma
dimensão disciplinar, uma dimensão instruccional e uma dimensão
comunicacional. Esta estrutura, aliás, está muito próxima da encontrada em
outros instrumentos, como o Teacher Belief Q-Sort (Rimm-Kaufman, Storm,
Sawyer, Piante & LeParo, 2006), com as três dimensões a serem designadas
como: gestão disciplinar; práticas do professor e crenças acerca do aluno.
Ao tentar uma classificação dos sujeitos com base nos resultados totais
da escala, estamos a assumir uma perspectiva próxima da de Schraw e
Olafson (2002; Olafson & Schraw, 2006), que consideram improvável a
coexistência, no mesmo indivíduo, de visões antagónicas do ensino. Para estes
autores seria possível determinar um padrão específico de crenças que
marcaria todo o funcionamento do indivíduo. Esta esta posição tem sido
contraditada por vários autores, como Hofer (2002) que, a partir dos resultados
das suas investigações, sublinha que é comum existirem inconsistências entre
diversos domínios do pensamento e da prática, como, por exemplo, entre as
crenças sobre o conhecimento e formas de o adquirir e, por outro lado, as
formas de o ensinar.
Os dados encontrados na literatura apontam para a possibilidade de, em
algumas situações, co-existirem perspectivas diferentes sobre o mundo e sobre
o ensino. Boulton-Lewis, Smith, McCrindle, Burnett e Campbell (2001), por
226
exemplo, verificaram que sendo embora as práticas de ensino relatadas pelos
professores genericamente consonantes com as suas crenças sobre o ensino,
há situações em que isso não se verifica. Smith (1997), de uma forma mais
vincada, verificou que, ao promover a noção de prática desenvolvimentalmente
apropriada, não só não conseguiu substituir as estratégias dos professores
com uma perspectiva mais Centrada no Professor, como encontrou, com
frequência, uma discrepância entre as crenças e as práticas dos professores
na sala de aula. Mais concretamente, embora alguns professores enunciem
crenças centradas no aluno, exibem práticas consonantes com modelos
tradicionais, centrados no professor. Desta forma, considerámos útil classificar
os professores participantes na nossa investigação, não só com base nos
valores globais, mas, acima de tudo, atendendo à consistência entre as
diferentes áreas presumidas na escala de crenças, procurando analisar a
especificidade em cada uma das restantes variáveis.
227
Os investigadores concordam, em geral, que é necessário aprofundar a
investigação relativa aos objectivos que os professores pretendem que os seus
alunos atinjam na sala de aula (Lemos, 1996; Spera & Wentzel, 2003), o que
nos parece estar intimamente ligado às crenças dos professores relativamente
ao papel da escola na comunidade, ao seu papel na escola e, mais
concretamente, na sala de aula.
Muita da investigação sobre o tema procura obter descrições do tipo de
objectivos a atingir. Por exemplo, Krumboltz, Ford, Nichols & Wentzel (1987),
avaliaram os objectivos a atingir pelos alunos até aos 18 anos, a partir de uma
amostra de várias centenas de pais, professores e alunos, tendo verificado que
os professores, no seu conjunto, avaliaram os objectivos morais (como a
honestidade) como os mais importantes, com a motivação para a
aprendizagem em segundo lugar, e a competência interpessoal em terceiro.
Numa outra perspectiva, Wentzel (2000) verificou que os professores, quando
solicitados a descrever os objectivos a atingir pelos alunos “ideais”, salientavam
três grandes tipos de objectivos: (1) sociais, como o partilhar, ajudar e
obedecer às regras; (2) motivacionais, nomeadamente em termos de
aprendizagem, como o ser persistente, trabalhador, inquiridor e interessado e
(3) de desempenho, como obter bons resultados, estar informado e completar
os trabalhos.
Os resultados obtidos nos nossos sujeitos evidenciam que todos os
professores consideram importantes alguns objectivos que podemos associar a
aspectos sociais e morais, o que está de acordo com o referido no início deste
capítulo relativamente à grande influência das correntes centradas no aluno
nos professores portugueses.
Para melhor esclarecer este aspecto pareceu-nos relevante rever os
objectivos para o 1º ciclo do ensino básico, de acordo com o programa em
vigor (Departamento da Educação Básica, 2004). Aí encontramos uma lista de
14 objectivos para o 1º ciclo, referentes a três objectivos genéricos, que
traduzem a dimensão pessoal, a dimensão das aquisições básicas e
intelectuais fundamentais e a dimensão para a cidadania. Estes objectivos são,
posteriormente, decompostos em 24 objectivos específicos, comuns aos quatro
anos do 1º ciclo. Numa tão grande lista de objectivos estão incluídos todos os
objectivos seleccionados pelos professores como os mais importantes –
228
excepto o contar, visto não aparecer nenhuma referência à matemática nos
objectivos que traduzem a dimensão das aquisições básicas e intelectuais
fundamentais.
Apesar de não ser feita qualquer referência aos critérios utilizados para a
organização dos objectivos, os que aparecem em primeiro lugar nas listagens
são os que apontam para o pensamento criativo e para a abertura a novas
ideias (objectivo a.), para a aplicação de conhecimentos (objectivo b.), para a
promoção do desenvolvimento físico e motor e das noções estéticas (objectivo
c.), aprendizagem de línguas estrangeiras (objectivo d.), para a aquisição de
conhecimentos e de competências de estudo (objectivo e.) e para os direitos e
responsabilidades de cidadania (objectivo f.). Podemos pois afirmar que os três
perfis de professores encontrados valorizam os objectivos que o próprio estado
português privilegia para este ciclo de estudos. No entanto, somos da opinião
que, da forma como os objectivos são apresentados no programa para o
primeiro ciclo, os objectivos habitualmente associados às perspectivas
centradas na criança são os mais valorizados, o que está de acordo com o
desvio observado anteriormente em termos de crenças sobre o ensino e a
gestão de sala de aula, e que a colocação, em quinto lugar, da aquisição de
conhecimentos, pode ser lida, pelos professores, como uma desvalorização
dessas áreas específicas, mais associadas com uma visão tradicional do
ensino.
229
Ambivalente “Muitas vezes ridicularizo alunos com comportamentos inadequados
para a sua idade e nível escolar”
Centrado no Aluno “A sala tem áreas de aprendizagem bem definidas”
“As crianças têm possibilidades de fazer escolhas”
“Entendo que no recreio não deve haver qualquer orientação dos
alunos”
“Não imponho limites aos meus alunos para que eles possam atingir
o seu verdadeiro potencial”
“Normalmente, deixo que os alunos sofram as consequências dos
seus comportamentos a não ser que envolvam riscos físicos”
“Procuro identificar os sinais de eventuais problemas, pois assim
posso intervir preventivamente”
“Tenho o cuidado de adequar as tarefas a cada aluno pois sei que
muitas vezes os comportamentos problema resultam de tarefas
inadequadas”
“Tenho muito cuidado com a forma como comunico com os meus
alunos”
“Procuro lidar com os comportamentos problema através da
realização de assembleias de turma, em que os próprios alunos
analisam os problemas e definem estratégias de resolução”
“É minha prioridade ajudar o grupo a desenvolver a comunicação, a
liderança e competências de resolução de problemas de forma a
passar-lhes a responsabilidade de se auto-regularem”
“Faço com que os alunos percebam que a participação no grupo e
nas suas actividades é algo de agradável e recompensador”
“É através do desenvolvimento de aulas motivadoras e interessantes
que diminuo os problemas de disciplina”
230
papel de promotor de acções destinadas à resolução, em grupo, dos conflitos
surgidos.
Finalmente, o grupo Ambivalente apresenta poucas diferenças
relativamente aos outros dois grupos. O único item em que se verifica alguma
diferença refere-se a à intervenção disciplinar baseada na tentativa de
utilização de estímulos aversivos – a humilhação – como forma de evitar a
repetição dos comportamentos inadequados.
No caso das perspectivas centradas no aluno e nas perspectivas
centradas no professor os resultados obtidos enquadram-se no previsto, tendo
em conta os modelos apresentados e desenvolvidos no segundo capítulo. O
grupo ambivalente, que se diferencia, em termos de valorização das práticas,
num único item – embora ressaltando a sua especificidade, no conjunto das
provas – aparentemente representa uma posição de equilíbrio entre os dois
pólos. Estes dados, resultantes da análise das respostas de um considerável
número de sujeitos, foram posteriormente cotejados com os obtidos através
das entrevistas e observações a uma amostra mais pequena.
231
aluno. Interessava-nos conhecer a diversidade dentro de cada área, mas
também a articulação entre elas, para cada professor.
Nestas três áreas verificou-se uma grande variabilidade de respostas.
Alguns professores deram respostas que apontavam para o ensino como
transmissão de conhecimentos, enquanto outros consideravam o ensino como
promoção do desenvolvimento do aluno. Um aspecto relevante refere-se ao
facto de a maior parte dos professores apresentarem elementos nas suas
definições que apontam para ambos os sentidos. Nesses casos, não parece
haver conflito entre as duas perspectivas: a visão mais corrente é que a base é
a transmissão, mas que deve ser atribuído espaço aos alunos para se
desenvolverem. A única professora que não refere a promoção do
desenvolvimento dos alunos como uma definição do ensino é, curiosamente, a
professora com mais anos de serviço, com o grau de bacharel.
No que diz respeito ao papel do professor, as perspectivas dividiram-se
entre as que apontam para um papel activo, dominante na sala de aula, tendo
como funções a transmissão e o controlo do comportamento; as que
apontavam para um papel de grande proximidade dos alunos, em que o
professor seria, principalmente, um apoio dos alunos, marcado pela
afectividade, capaz de os apoiar na realização das suas actividades;
finalmente, uma perspectiva intermédia, que considerava o professor como co-
responsável pela organização o orientação do trabalho dos alunos. Esta última
é a perspectiva dominante, com a maior parte dos professores a apresentarem
elementos identificáveis com ela. As outras duas apresentam apenas duas ou
três referências no conjunto dos professores. É de salientar, aqui, a posição
expressa por um professor que considerava que o seu papel era o de transmitir
conhecimentos, mas que era difícil fazê-lo porque acreditava que os seus
alunos não responderiam adequadamente a esse tipo de acções.
O papel dos alunos foi um conceito que levantou muitos problemas aos
professores, tendo muitos deles dito, inclusivamente, nunca ter pensado nele.
Dessa forma, a variabilidade foi menor, e oscilou entre a atribuição de um papel
activo e de um papel passivo na sala de aula. No entanto, é de salientar que
esses elementos não se mostraram mutuamente exclusivos em cada
entrevista. Isto é, alguns professores apresentaram elementos que permitem
considerar que atribuem aos alunos papéis activos e papéis passivos. De facto,
232
podemos afirmar que nesta dimensão de análise os professores, com alguma
frequência, são capazes de apresentar perspectivas contrastantes das suas
crenças, sem considerarem haver incompatibilidade entre elas. Dessa forma,
tanto podem afirmar que ensinar é transmitir conhecimentos como permitir a
auto-aprendizagem. As crenças dos professores revelam-se assim elementos
construídos de forma pessoal, com uma coerência interna, que por vezes não é
facilmente compreensível pelos outros.
Como foi dito, interessava-nos conhecer a articulação feita pelos
professores entre diversos elementos: noção de ensino, papel do professor e
papel do aluno. Isso foi possível através da análise das entrevistas, mas
também através de elementos retirados das observações.
Encontrámos situações bastante diversas nas entrevistas e observações
realizadas. Nos seis professores entrevistados e que autorizaram a observação
da sala de aula, podemos encontrar três posições distintas. Temos, por um
lado, dois professores – 1 e 4 – em que parece haver um domínio das crenças
centradas no professor, pois apontam para o ensino como transmissão de
conhecimentos, atribuem ao professor um papel central na sala de aula e aos
alunos um papel importante mas subordinado ao professor. Na prática, esses
professores desenvolveram aulas bastante estruturadas, com práticas que
podemos afirmar centradas no professor, embora recorrendo à actividade do
aluno, como as fichas individuais e as chamadas ao quadro.
Por outro lado, os professores 5 e 8, apresentaram uma visão de ensino
dominada por perspectivas centradas no aluno. O ensino teria como finalidade
a promoção do desenvolvimento de todos os alunos, e o professor teria um
papel de co-organizador da sala de aula e das actividades. Finalmente, o aluno
teria um papel activo, centrado nas aprendizagens. Em consonância, as suas
práticas orientaram-se para o desenvolvimento de actividades em pequenos
grupos, em que se atribuía um grande espaço à criatividade e à exploração do
aluno.
Os outros dois professores – 2 e 9 – mostraram um discurso e uma
prática com algumas contradições aparentes. Por exemplo, no professor 9,
entre a sua definição de ensino, de papéis do professor e do aluno, e as
actividades que utilizou na aula. Neste caso, as crenças apontavam para uma
233
visão do ensino centrada no professor, mas as práticas apontavam no sentido
contrário.
234
portanto, uma relação coerente entre as crenças exploradas sobre a definição
de ensino, o papel do professor e dos alunos e as práticas relatadas e
verificadas.
Por outro lado, os professores 5 e 8 organizaram a sua sala de aula em
grupos de trabalho. Os alunos também sabiam o tema da aula e algumas
actividades previstas. Havia rotinas implementadas e os alunos sabiam o que
tinham que fazer em cada momento, com algumas orientações dos
professores. As regras eram conhecidas dos alunos, fruto da negociação,
momento considerado importante no desenvolvimento das crianças. As
intervenções disciplinares foram também escassas e, na maior parte,
destinadas a reorientar os alunos para o trabalho em momentos de distracção.
Também aqui se verificou uma relação coerente entre as diversas dimensões
em análise.
Os professores 2 e 9 tinham a sala organizada em filas de carteiras,
embora não sendo, em nenhum dos casos, a sua organização preferida. Os
alunos possuíam algumas rotinas implementadas, mas ambos os professores
diziam gostar de manter alguma flexibilidade na aula. As actividades foram-se
desenvolvendo por proposta do professor, sem aparentemente os alunos terem
conhecimento prévio do que iriam realizar. As regras eram discutidas no início
do ano, embora pudessem ser objecto de revisão frequente. Ambos os
professores utilizavam sistemas de reforço do comportamento dos alunos. As
intervenções disciplinares foram mais frequentes do que nas outras salas,
assumindo, frequentemente, a forma de chamadas de atenção, muitas vezes
com algum discurso moralizador. Os professores recorriam também a
estratégias como as mudanças de lugar e a separação de alguns alunos.
Todas as estratégias disciplinares foram centradas no professor e perturbaram
o curso da lição. Nestes dois professores verificou-se, portanto, uma relação
inconsistente entre as crenças, as práticas relatadas e as práticas observadas.
235
(2) Os professores que considerámos ambivalentes pelas suas formulações
teóricas apresentaram uma significativa inconsistência entre a teoria e a
prática;
(3) As aulas destes dois professores foram as que colocaram maiores desafios
aos professores, nomeadamente em termos das intervenções disciplinares.
236
A literatura, portanto, confirma de alguma forma o que observámos nas
salas de aula. Os professores que apresentam afirmações que conotámos com
uma das duas perspectivas – centradas no professor e centradas no aluno –
desenvolvem práticas que podemos considerar representativas dessas
perspectivas. O conceito chave, neste ponto, parece-nos ser “consistência”.
Em ambos os casos, os professores assumem claramente um papel,
parecendo estar conscientes das suas implicações práticas. Pela literatura
pode ver-se que, tanto práticas centradas no professor, como práticas
centradas no aluno, podem produzir bons resultados – embora não existam
estudos que os comparem.
Os professores que, pelas suas respostas nas entrevistas,
considerámos apresentarem uma perspectiva ambivalente relativamente à
gestão de sala de aula, apresentaram, como já referimos atrás, um conjunto de
práticas que não traduzem de forma clara as suas posições teóricas. O facto
de um dos professores considerar o ensino como apoio no desenvolvimento do
aluno – ideia comum nas perspectivas centradas na criança – e depois centrar
toda a aula na sua figura, numa organização espacial tradicional, é um sinal
dessa inconsistência. O facto de outro professor, aparentemente, desvalorizar
as regras e as rotinas, e simultaneamente punir os seus alunos por não
apresentarem o comportamento adequado, é, evidentemente, outro sinal de
inconsistência. A questão que se impõe é: de onde surge esta inconsistência?
A resposta, obviamente, não é simples, e poderá assumir uma grande
diversidade de alternativas. Vamos centrar-nos nas possíveis explicações que
se refiram à ligação entre crenças e práticas, sabendo que muitas outras
poderiam ser avançadas, como, por exemplo, características de personalidade
do professor ou outras variáveis organísmicas.
Na revisão de literatura que efectuaram, Bergin e Bergin (1999), embora
salientassem a existência de extensa literatura sobre a gestão da sala de aula,
concluíram que existia uma escassez de investigações empíricas sobre o
tópico e, especialmente, sobre as práticas enquadráveis naquilo que
designámos por perspectivas Centradas na Criança. Como resultado, muita da
literatura existente inclui recomendações, sugestões e orientações que tendem
a ser muito abstractas e pouco sustentadas pela investigação, verificando-se
conclusões contraditórias, resultantes de opiniões pessoais dos investigadores
237
e enquadráveis, acrescentamos nós, nas suas crenças pessoais sobre o que
deve ser a gestão da sala de aula. Essa mesma ideia aparece reproduzida à
saciedade na literatura.
S. D. Martin (2004) explica que a investigação sobre a gestão da sala de
aula tem sido negligenciada em favor do conhecimento do conteúdo e dos
aspectos instruccionais do ensino, ou mesmo da aprendizagem. Daqui se retira
que o conhecimento da gestão da sala de aula não se terá desenvolvido de
forma consistente com as novas ideias de um ensino mais activo e socialmente
interactivo. Esta ideia remete para o oximoro sublinhado por McCaslin e Good
(1992) entre um currículo que promove a resolução de problemas e o
pensamento crítico – e, acrescentamos nós, as noções de liberdade,
democracia e cidadania – e um sistema de gestão de sala de aula que, por
falta de alternativas concretas, requer a obediência estrita.
Brophy (2006) traz mais elementos à colação, ao considerar que as
abordagens construtivistas da aprendizagem e do ensino são muito atractivas
– principalmente quando comparadas com a visão clássica do ensino, baseada
na transmissão de conhecimentos. Salienta, no entanto, três obstáculos: (1)
estas abordagens são difíceis de implementar eficazmente, pois requerem do
professor um conhecimento muito aprofundado dos conteúdos e das questões
pedagógicas que lhe permita responder rapidamente a qualquer
desenvolvimento que possa ocorrer numa sala de aula, contexto caracterizado
pela imprevibilidade e simultaneidade; (2) mesmo que o professor consiga
implementar as estratégias, pode demorar algum tempo até que os alunos
consigam funcionar de forma colaborativa, constituindo-se como uma
verdadeira comunidade de aprendizagem, no fim de contas, finalidade de
quem assume este percurso e (3) a literatura sobre o ensino sócio-
construtivista tem-se confinado a afirmações de racionais e princípios,
elaborados com exemplos de implementação em sala de aula, mas sem uma
análise sistemática dos resultados.
Boakerts (2002) acrescenta ainda que algumas assunções dos modelos
construtivistas ainda não são claras, quando não são mesmo erradas –
referindo o exemplo da aprendizagem auto-regulada. Ela apresenta uma
definição de aprendizagem auto-regulada em que faz apelo a (1) orientação do
aluno para atingir os seus objectivos, (2) a produção de pensamentos,
238
sentimentos e acções destinados a atingir esses objectivos e (3) trabalho
sistemático para atingir esses objectivos. O que a autora verifica é uma
degeneração do conceito, que passa a designar qualquer actividade do aluno,
auto-iniciada ou não. Em algumas situações passa a ser sinónimo da própria
actividade do aluno. Ora, facilmente se reconhece que nem toda a actividade
do aluno constitui aprendizagem auto-regulada – que requer um
processamento cognitivo de alguma complexidade.
Boakerts acrescenta que os investigadores estão longe de perceber a
grande perturbação que está a ser provocada em muitas salas de aula, em
todo o mundo, pela aplicação inadequada dos princípios, ainda não claros, do
sócio-construtivismo e da aprendizagem auto-regulada. Nesta linha, Holt-
Reynolds (2000) acrescenta que, para muitos professores, o recurso a
pedagogias construtivistas constitui uma defesa que activam em situações em
que sentem não dominar o conteúdo ou o conhecimento pedagógico do
conteúdo, exactamente o contrário das indicações fornecidas por Brophy (e
anteriormente referidas).
No caso português, e tendo em conta a primeira observação feita nesta
discussão dos resultados – da existência de uma tendência global na amostra
para valorizar as perspectivas centradas no aluno – a não existência de
procedimentos claros para pôr em prática as perspectivas centradas no aluno,
no que à de gestão de sala de aula diz respeito, mas também em termos de
pedagogia, coloca, de facto, muitos problemas a alguns professores que,
frequentemente, não conseguem implementar nas suas salas de aula o tipo de
ensino que mais valorizam.
Daqui deriva a terceira ideia-chave: a de que as aulas dos professores
com um perfil ambivalente são as que apresentam maiores exigências em
termos disciplinares.
Assumindo que o conhecimento e a educação constituem, cada vez
mais, um elemento fundamental da vida na nossa sociedade, e que a
constante evolução social e tecnológica coloca a escola perante a necessidade
de trabalhar um número crescente de conhecimentos e competências,
verificamos que os professores são confrontados com a necessidade de
seleccionar os melhores métodos para ensinar os seus alunos, bem como com
a necessidade de desempenhar tarefas cada vez mais diversificadas. O
239
aumento dos problemas disciplinares, real ou amplificado (Lopes, 2001),
implica que muitos professores tenham, de facto, uma hipersensibilidade ao
comportamento desajustado. Tais situações são motivo de queixas e de stress
por parte dos professores (Psunder, 2005), constituindo-se como momentos
em que a reacção ao comportamento inadequado pode ser primária, muitas
vezes mais rigorosa, e frequentemente contrária às perspectivas pessoais e à
própria maturidade profissional. Falamos, claramente, do recurso a práticas
punitivas, retaliativas, ou até, como vimos no caso do item em que o grupo
ambivalente mais se destacou no questionário de práticas, humilhadoras. Com
estas estratégias, ainda que se obtenha obediência no imediato, existe o risco
de o comportamento do professor se constituir numa fonte de problemas
comportamentais dos alunos, uma vez que o comportamento agressivo do
professor pode ter correspondência no comportamento inadequado dos
alunos, fechando um ciclo de ineficácia.
O confronto de um professor com uma sala indisciplinada que não
consegue controlar é, portanto, uma potencial fonte de percepção de
incompetência pessoal. Como referem Brouwers e Tomic (2000), se um
professor (1) não confia nas suas competências de gestão de sala de aula;
mas (2) compreende a importância dessas competências; se (3) não pode
evitar essas tarefas pois constituem parte integrante do seu papel na sala de
aula; e (4) supõe que os seus colegas conseguem, de forma rotineira, um
ambiente de aprendizagem confortável, encontra-se em elevado risco de sofrer
de stress, burnout, e de atitudes negativas para com os seus alunos.
Destes processos se pode entender o ciclo comportamental existente
em muitas salas, marcadas pelo desafio constante e por “lutas de poder”,
muitas vezes em situações em que os próprios professores, intimamente,
reconhecem a ineficácia das suas estratégias. O processo pode ser doloroso,
mas como vimos na figura 3 (estrutura do processo de tomada de decisão do
professor na interacção com os alunos), certas situações exigem uma tomada
de decisão no momento. A inexistência de uma rotina, ou de um procedimento
alternativo à rotina, numa situação em que não é possível a não resposta, leva
ao surgimento de situações de respostas primárias. Nas salas de aula
observadas, com professores que caracterizámos como ambivalentes, o
padrão de resposta observado foi, de facto, de retaliação, de punição, ou até
240
de humilhação. Nas entrevistas, verificou-se que, à partida, não apresentavam
alternativas de acção, baseando-se apenas na chamada de atenção e, em
ambos os casos, num sistema de fichas com auto-avaliação comportamental,
mas diferida no tempo – nos casos de custo de resposta, provavelmente, já
não se verificaria qualquer vínculo entre o comportamento inadequado e a sua
consequência.
241
vinhetas (Brophy, 1996; Tillema, 1995), e com a análise de produtos, como as
planificações, constituem os instrumentos mais adequados ao estudo destas
dimensões.
Os resultados obtidos nesta investigação, apesar de limitados e de
constituírem apenas uma primeira “investida” nesta área, dão-nos já uma ideia
do funcionamento dos professores nesta dimensão. Sabemos que a gestão de
sala de aula não é um conceito habitual para os professores portugueses,
verificável, por exemplo, na estranheza com que alguns receberam o nosso
pedido de entrevista. Sabemos que se trata de um conceito nascido na
literatura norte-americana e que aí tem feito grande parte do seu percurso.
Sabemos também que a “importação” de um conceito implica que os
estudos nesta área apresentem alguns problemas no emparelhamento de (1)
uma forma de pensar a função dos professores a (2) um conjunto de
professores que não foram nela preparados. Os resultados obtidos em
algumas escalas ressentiram-se desse facto, pois elas foram o resultado de
uma transformação, para o nosso país, de um conjunto de itens aplicáveis aos
professores norte-americanos. Percebe-se que as populações não são, em
absoluto, sobreponíveis. No entanto, sabemos também que todos os
professores portugueses fazem gestão de sala de aula, já que se trata de uma
tarefa inevitável da acção docente (Doyle, 1986). Se não têm formação
específica em técnicas de gestão de sala de aula – o que pode ser constatado
com uma breve análise dos programas dos cursos de formação de
professores, em que é que se baseiam para organizar as suas tarefas?
Não é de esperar que numa sala de aula, com a grande quantidade de
exigências colocadas ao professor, este seja capaz de fazer uma dedução das
práticas mais adequadas a partir de um conjunto de formulações teóricas
(Roth, Masciotra & Boyd, 1999). Acrescentaremos ainda que, se autores com a
estatura de Jere Brophy, de Virginia Richardson e de tantos outros que foram
sendo citados ao longo deste trabalho, referem a não-existência de
procedimentos claros de gestão de sala de aula numa perspectiva sócio-
construtivista, não será certamente de esperar que eles possam emergir da
reflexão que os professores fazem das suas práticas, dos seus recursos e dos
seus problemas. Provavelmente muitos professores adoptam uma via
tradicional de ensino, não isenta de críticas, mas bem apetrechada de
242
instrumentos, estratégias e recursos para gerir uma sala de aula, na qual se
sentem seguros e confortáveis. Num clima de favorecimento das perspectivas
centradas no aluno, para estes professores, a aceitação de estratégias
centradas no professor poderá ser experienciada como algo inconsistente ou
até mesmo dissonante.
Porventura a conclusão maior a retirar do nosso trabalho é que é
indispensável as escolas de formação de professores investirem seriamente na
preparação dos seus alunos nesta área específica da função docente, para
evitar o risco de uma população docente com dificuldades em criar as
condições necessárias, nas suas salas de aula, para que o ensino e,
evidentemente, a aprendizagem, possam ocorrer com eficácia. Importa
também que, nesse processo, não sejam esquecidas as crenças pessoais,
uma vez que a valorização individual de uma determinada forma de acção
depende do modo como esta é integrada no sistema de crenças (Joram &
Gabriele, 1998; Tillema, 1995).
O trabalho de formação passa, portanto, pela constituição de quadros
de referência teóricos que permitam uma compreensão da fundamentação das
práticas, da sua utilidade e, se possível, da sua eficácia a diversos níveis.
Dessa forma, os professores poderão então, na sua prática, optar, em
consciência, pelas formas de acção mais adequada, quer a si próprios, quer
aos seus alunos, quer aos seus contextos.
243
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270
Anexos
271
272
Anexo 1 – Escalas utilizadas
273
274
INTRODUÇÃO
Muito Obrigado
275
CARACTERIZAÇÃO INDIVIDUAL
Habilitações literárias:
Bacharelato em: Ano:
Licenciatura em: Ano:
Especialização/Pós Ano:
Graduação em:
Mestrado em: Ano:
Doutoramento em: Ano:
276
Instruções:
Estão listados abaixo 18 possíveis objectivos de ensino. Peço-lhe que os leia
atentamente e que seleccione os 6 que lhe parecem mais importantes no nível de ensino
que lecciona, listando-os por ordem de importância (sendo o 1 o mais importante).
Lembre-se que não há respostas correctas nem incorrectas, interessando apenas a sua
própria opinião.
277
Instruções:
Por favor, seleccione a frase (A ou B) em cada item que melhor descreve a sua crença ou
descreve o que faria na sua própria sala de aula. Não há respostas certas ou erradas. Se
estiver em desacordo com ambas as opções, seleccione aquela com a qual o seu
desacordo é menor. Se concordar com ambas, identifique aquela com que concorda
mais. Por favor responda a todas as questões.
A Deve permitir-se aos alunos a liberdade Se os alunos se esforçarem e seguirem B
de perseguir os seus interesses e de as minhas orientações, serão bem
serem bem-sucedidos nessas áreas. sucedidos na escola.
A Os professores devem conversar com Os professores devem fornecer feedback B
os alunos relativamente à qualidade relativamente à qualidade do seu
dos seus trabalhos. desempenho.
A O objectivo primário do trabalho de O objectivo primário do trabalho de casa B
casa é fornecer actividades é reforçar as competências aprendidas na
suplementares que vão de encontro às sala de aula.
necessidades e interesses dos alunos.
A A utilização do espaço depende da Não gosto que um aluno se sente no meu B
actividade em curso. lugar sem autorização.
A Os alunos necessitam da estrutura de A responsabilidade e a auto-disciplina B
uma rotina diária organizada pelo são promovidas quando os alunos criam
professor. as suas próprias rotinas diárias.
A As regras são importantes porque As regras da sala de aula limitam a B
moldam o comportamento e o capacidade de os alunos desenvolverem
desenvolvimento dos alunos. um código moral próprio.
A Quando um aluno perturba a sala ou Quando um aluno perturba a sala de aula B
incomoda os outros alunos, posso não ou incomoda os outros alunos, mando-o
dizer nada mas olho directamente e estar quieto.
com ar sério para ele.
A Eu encorajo os meus alunos a tratarem- Eu obrigo os meus alunos a tratarem-se B
se com respeito e cortesia. com amizade, cortesia e respeito.
A Ao mudar de uma actividade de Ao mudar de uma actividade de B
aprendizagem para outra, permito que aprendizagem para outra, eu dou
os alunos progridam ao seu próprio instruções aos alunos sobre como
ritmo, pois todos nós aprendemos com proceder.
velocidades diferentes.
A Geralmente, penso que é melhor Geralmente, penso que é melhor permitir B
atribuir lugares específicos aos alunos que os alunos seleccionem os seus
na sala. lugares na sala.
A A criatividade e a expressividade dos Os professores devem estabelecer os B
alunos deverão ser encorajadas e limites e as regras dentro da sala de aula.
alimentadas o mais possível.
A Durante uma aula sobre os Direitos do Durante uma aula sobre os Direitos do B
Homem, um aluno começa a contar Homem, um aluno começa a contar uma
uma história acerca de um vizinho que história acerca de um vizinho que foi
foi preso por tráfico de droga. Eu iria preso por tráfico de droga. Eu iria
provavelmente lembrar ao aluno de provavelmente deixar que o aluno
forma gentil mas firme que a aula tem acabasse a história para que ele
que continuar. percebesse a relação entre o objectivo da
lição e o incidente.
A Se um aluno estiver repetidamente fora Se um aluno estiver repetidamente fora B
da tarefa, eu irei provavelmente castigá- da tarefa, eu irei provavelmente
lo. perguntar-lhe porque não está a
trabalhar.
A O professor deve decidir quais os A aprendizagem torna-se significativa B
tópicos que os alunos vão estudar e de quando os alunos têm uma palavra a
que forma o vão fazer. dizer relativamente aos tópicos de
aprendizagem e às suas tarefas.
A Quando um dos alunos mais Quando um dos alunos mais B
278
conscienciosos não completa um conscienciosos não completa um trabalho
trabalho a tempo, assumo que tem uma a tempo, eu lembro-o que está atrasado.
razão legítima e que o irá entregar
quando estiver completo.
A O professor é quem melhor sabe Os alunos na minha sala de aula podem B
distribuir os materiais da sala de aula e utilizar os materiais que queiram durante
optimizar a aprendizagem. o processo de aprendizagem.
A Se os alunos acharem que uma regra Se os alunos acharem que uma regra da B
da sala é injusta, eu devo explicar as sala é injusta, ela deve ser substituída por
razões para a manter. uma que eles considerem justa.
A Os alunos são capazes de desenvolver A minha responsabilidade como professor B
as suas próprias formas de trabalhar e é dirigir os alunos na forma de trabalhar
brincar em conjunto. relativamente aos objectivos académicos.
A Quando os alunos se comportam Quando os alunos se comportam B
adequadamente, tenho por hábito adequadamente, eu costumo fornecer
comentar o seu bom comportamento recompensas.
elogiá-lo.
A Durante o trabalho no lugar, é Não é necessário circular durante o B
importante circular pela sala para gerir trabalho no lugar, pois os alunos são
o comportamento de aprendizagem dos capazes de gerir o seu próprio
alunos. comportamento e procurar a ajuda do
professor se tiverem questões.
A Os alunos reflectem, mas as decisões As emoções e as tomadas de decisão B
que tomam não são ainda dos alunos devem ser consideradas
completamente racionais e morais. legítimas e válidas.
A Durante a primeira semana de aulas, Durante a primeira semana de aulas B
costumo enunciar as regras da sala de costumo discutir as regras da sala com os
aula e informar os alunos das alunos.
consequências pela sua desobediência.
A A minha responsabilidade como A minha responsabilidade como professor B
professor é ajudar a auto-descoberta é valorizar os alunos que obtêm sucesso.
dos alunos.
A Eu especifico um tempo determinado O tempo dispendido em cada tarefa de B
para cada tarefa de aprendizagem e aprendizagem deve ser determinado
tento que os meus planos de cumpram pelas necessidades e interesses dos
ao máximo. alunos.
279
Relativamente às seguintes afirmações, diga em que medida é que ela descreve
adequadamente a sua sala de aula ou o seu trabalho com os alunos (considere 1
como muito diferente e 4 como exactamente igual).
280
assembleias de turma, em que os próprios alunos analisam os problemas e
definem estratégias de resolução.
Dedico mais tempo a planificar a instrução do que a pensar como lidar com os 1 2 3 4
comportamentos problema.
É minha prioridade ajudar o grupo a desenvolver a comunicação, a liderança e 1 2 3 4
competências de resolução de problemas de forma a passar-lhes a
responsabilidade de se auto-regularem.
Muitas vezes ridicularizo alunos com comportamentos inadequados para a sua 1 2 3 4
idade e nível escolar.
Procuro variar ao máximo as estratégias e actividades que utilizo nas minhas aulas, 1 2 3 4
para evitar o cansaço dos alunos.
Estabeleço e transmito sempre expectativas e regras razoáveis. 1 2 3 4
Faço com que os alunos percebam que a participação no grupo e nas suas 1 2 3 4
actividades é algo de agradável e recompensador.
É através do desenvolvimento de aulas motivadoras e interessantes que diminuo 1 2 3 4
os problemas de disciplina.
Procuro demonstrar empatia, aceitação e compreensão pelos meus alunos e pelos 1 2 3 4
seus problemas.
Faço todos os possíveis para que os alunos façam e digam tudo aquilo que lhes 1 2 3 4
apetece.
A minha sala é ordeira porque não hesito em punir os comportamentos 1 2 3 4
inadequados quando eles ocorrem.
281
282
Anexo 2 – Guião da Entrevista
283
284
GUIÃO DE ENTREVISTA
1. Dados demográficos:
a. Idade:
b. Tempo de Serviço
c. Habilitações
2. Questões
a. O que significa para si o Ensino?
285
286
Anexo 3 – Protocolo de Observação
287
288
PROTOCOLO DE OBSERVAÇÃO
Início da Observação:
Final da Observação:
Entrada na Sala:
Antes do Professor
Com o Professor
Depois do Professor
Calma
Turbulenta
Observações:
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
Sim
Não
Observações:
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
2.
3.
4.
5.
6.
Observações:
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
289
Comportamento dos alunos durante as actividades:
1. Todos na tarefa
Alguns fora da tarefa
Muitos fora da tarefa
Todos fora da tarefa
2. Todos na tarefa
Alguns fora da tarefa
Muitos fora da tarefa
Todos fora da tarefa
3. Todos na tarefa
Alguns fora da tarefa
Muitos fora da tarefa
Todos fora da tarefa
4. Todos na tarefa
Alguns fora da tarefa
Muitos fora da tarefa
Todos fora da tarefa
5. Todos na tarefa
Alguns fora da tarefa
Muitos fora da tarefa
Todos fora da tarefa
6. Todos na tarefa
Alguns fora da tarefa
Muitos fora da tarefa
Todos fora da tarefa
Observações:
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
Intervenções comportamentais:
Hora Situação Intervenção Consequência
290
Saída da Sala:
Organizada
Desorganizada
Calma
Turbulenta
Observações:
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
291